Você está na página 1de 145

Vitimologia e Direitos Humanos

e Cultura de Paz

Brasília-DF.
Elaboração

Mariana da Silva Pereira Reis

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA............................................................................................................ 11

CAPÍTULO 1
EPISTEMOLOGIA E CRIMINOLOGIA: A DIMENSÃO EMPÍRICA DE UM SABER
INTERDISCIPLINAR.................................................................................................. 13

CAPÍTULO 2
CRIMINOLOGIA E SUBJETIVIDADE: APROXIMAÇÃO ENTRE AS ESTRUTURAS PUNITIVAS................. 20

CAPÍTULO 3
VITIMOLOGIA E VITIMIZAÇÃO: ASPECTOS SOCIOPOLÍTICOS E DOGMÁTICOS............................ 45

UNIDADE II
POLÍTICAS E CULTURA........................................................................................................................... 62

CAPÍTULO 1
POLÍTICA CRIMINAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS........................................................................ 62

CAPÍTULO 2
EXPANSIONISMO PENAL NA SOCIEDADE PUNITIVA.................................................................... 68

CAPÍTULO 3
CULTURA DE CONTROLE E ENCARCERAMENTO EM MASSA...................................................... 72

UNIDADE III
DIREITOS HUMANOS............................................................................................................................. 79

CAPÍTULO 1
DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS.................................................................. 81

CAPÍTULO 2
DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO................................................................................... 86

CAPÍTULO 3
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS............................................................................ 92
UNIDADE IV
CULTURA E PAZ................................................................................................................................... 126

CAPÍTULO 1
VIOLÊNCIA DE PAZ: ASPECTOS TEÓRICOS-CONCEITUAIS........................................................ 129

CAPÍTULO 2
A DIMENSÃO SÓCIO-MORAL DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NA FORMAÇÃO DOS VALORES E
A FORMAÇÃO DE VALORES SOCIAIS..................................................................................... 133

CAPÍTULO 3
A CULTURA DE PAZ................................................................................................................ 136

PARA (NÃO) FINALIZAR.................................................................................................................... 140

REFERÊNCIAS................................................................................................................................. 141
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

6
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

7
Introdução
Seja bem-vindo à disciplina de Vitimologia, Direitos Humanos e Cultura e Paz!

Segundo Mazzutti (2011), é imprescindível, em se tratando do Estado


Democrático de Direito, estudar o papel da vítima no processo e a sua inclusão
como verdadeiro sujeito de direitos, tendo em vista toda a ligação com os
direitos fundamentais e com os direitos humanos.

Devido à importância deste assunto, diversos estudos foram e estão sendo


desenvolvidos objetivando uma participação efetiva do sujeito ofendido na
relação processual, já que este é um dos maiores interessados na solução deste
litígio e na reparação dos danos suportados por conta da ação delituosa.

É importantíssimo salientar que o movimento vitimológico vem se empenhando


cada vez mais na luta pelo reconhecimento da vítima como parte chave no processo
da resolução dos conflitos, colocando a necessidade de uma metamorfose no
paradigma que está em voga, objetivando, desta forma, reestruturar todo o
sistema de atendimentos, principalmente no rol das prioridades.

Estes estudos representam um avanço inegável, à medida que se descobre


a função da vítima penal para, assim, poder reconhecer e garantizar seus
interesses. Com isso, também se busca valorizar o papel que é desempenhado
pelo ofendido, que vem sendo deixado em esquecimento ao longo da evolução
da história do Direito Penal.

Não podemos esquecer que toda vítima merece e tem o direito de ser tratada
com toda dignidade e respeito, adotando-se, sempre, medidas de proteção que
sejam eficazes tanto para ela como para sua família; cabe ao Estado velar pelo
cumprimento de todas as disposições que tutelem seus direitos fundamentais.

Ressaltamos que este tratamento especializado é parte dos princípios e diretrizes


básicos em relação ao direto das vítimas de violações que estão dispostas nas
normas internacionais de direitos humanos, em consonância com a Resolução
n o 60/147, que foi aprovada pela Assembleia Geral no dia 16 de dezembro do
ano de 2005 (MAZZUTTI, 2011).

8
Também é importante que destaquemos aqui que, junto à questão da participação
da vítima no processo penal, existem também diversos outros temas que são
parte do estudo de vitimologia, entre os quais podemos citar:

» vitimizações secundária e terciária;

» modelos restaurativos e consensuais para a solução de demandas;

» reparação do dano satisfazendo os interesses do prejudicado pela


conduta desviada;

» outras formas de atuação do ofendido no decorrer da persecução


criminal.

Seguindo o processo de valorização, temos a Lei dos Juizados Especiais


Cíveis e Criminais, Lei n o 9.099/1995, que trouxe uma valorização maior da
figura da vítima dentro do sistema penal, trazendo uma previsão expressa
em relação à participação e à inclusão da vítima na composição do litígio,
objetivando conciliar as partes, em vez de impor a pena privativa de
liberdade em um processo formalista e moroso. O avanço indubitável que
foi trazido por esta lei ao conferir à vítima um novo status na relação
processual (MAZZUTTI, 2011).

A Reforma Processual que aconteceu no ano de 2008, com as Leis n o 11.690 e


11.719, também trabalhou a promoção da revalorização da vítima, não apenas
como parte do processo, mas sim como parte destinatária da Assistência Social
e que é merecedora de tratamento justo e igualitário. Logo, não obstante as
barreiras relacionadas à concretização dos novos dispositivos, pensando na
deficiência da estrutura pessoal e funcional, o certo é que a reforma evoluiu
consideravelmente em relação à proteção ao ofendido, de forma a consagrar sua
imagem como de grande importância para o desfecho do processo.

Esta apostila da posição ocupada pela vítima na visão jurídico brasileira,


assim como dentro do Direito Comparado, de forma a reconhecer sua efetiva
participação como uma forma de concretizar os direitos humanos. Pelo
fato de envolver questões que estão atreladas à dignidade dos sujeitos, este
tema se mostra bem abrangente e merece dedicação, tendo em vista toda a
sua importância e as diversas consequências que surgem devido à violação
dos preceitos constitucionais e das normas de proteção às vítimas de crime
(MAZZUTTI, 2011).

Vejamos os objetivos que devemos alcançar com esta apostila!

9
Objetivos
» Melhor compreensão sobre vitimologia e criminologia.

» Compreender o que são direitos humanos.

» Compreender as medidas de cultura e paz.

Desfrute desta leitura e não deixe de conferir os materiais sugeridos no decorrer


desta apostila. Lembre-se, também, do quão importante é buscar novas
literaturas para aumentar o saber.

10
VITIMOLOGIA E UNIDADE I
CRIMINOLOGIA

Nesta unidade, vamos trabalhar assuntos voltados à vitimologia e à criminologia.

Primeiramente, vamos compreender cada um dos conceitos e, então, vamos


trabalhá-los de acordo com as temáticas trazidas nos capítulos.

Segundo Maia (2003), podemos definir a vitimologia como um estudo científico da


natureza, da extensão e de causas da vitimização criminal, suas consequências para
os sujeitos que estão envolvidos e as reações para a sociedade, particularmente
pelo sistema de justiça criminal e pela polícia, da mesma forma que pelos
trabalhadores voluntários e pelos colaboradores profissionais.

A definição de vitimologia tem sua abrangência tanto na vitimologia penal como na


geral ou a vitimologia orientada para a assistência.

Este termo foi utilizado pela primeira vez pelo psiquiatra americano Frederick
Wertham, porém ganhou espaço notório no ano de 1948, com o trabalho de
Hans von Hentig, chamado The Criminal na his Victim. Hentig foi quem propôs
uma abordagem interacionista, dinâmica, que desafiou a concepção de vítima
como ator passivo, salientando que poderia existir algumas características das
vítimas que poderiam precipitar as condutas ou fatos delituosos. Inclusive, ele
realçou a necessidade de uma análise sobre as relações existentes entre agressor
e vítima.

Ainda segundo Maia (2003), a vitimologia é, atualmente, um campo de estudo


que está orientado para a formulação ou ação de políticas públicas.

Figura 1. Compreendendo a Vitimologia.

CRIME CRIMINOSO VÍTIMA

VITIMOLOGIA

É um conceito evolutivo, passando do aspecto religioso (imolado ou


sacrificado; evitar a ira dos Deuses) para o jurídico

Fonte: Elaborado com base em https://www.trabalhosescolares.net/vitimologia/.

11
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

Podemos definir criminologia, segundo o Jurisway (2013), como uma junção de


distintas doutrinas, uma vez que é uma ciência que investiga o crime do ponto
de vista normativo.

A criminologia vai além do estudo da criminalidade. É a ciência que analisa os


crimes pelo seu contexto causal, indo além do tratamento do sujeito que praticou
o delito, chegando às razões sociais que fizeram com que este sujeito chegasse a
tal prática, assim como os efeitos causados por sua conduta antissocial.

Mesmo que a criminologia não faça mais parte do Direito Penal, é de grande
importância que a compreendamos como uma ciência empírica, sendo essencial
para a correta e justa aplicação das normas penais, visto que conhece de forma
íntima as raízes do comportamento criminoso. Esta co-dependência impulsiona
o entrelaçamento entre Criminologia e Direito Penal, em que a 1 a representa o
alicerce para que o 2 o possa funcionar melhor.

O método empírico criminológico tem grande importância; e esta importância


está ligada à sua credibilidade como instrumento de uma ciência, já que não
está limitada a análises, críticas e repaginações de ideias jurídicas que são
apresentadas pelos estudiosos antecessores; mas, por se dedicar ao estudo
do fato a fato do crime, para que, então, possa encará-lo sendo uma patologia
social que muda constantemente, para a qual devem ser desenvolvidas formas
adequadas de controle.

Figura 2. Compreendendo a Criminologia.

Delinquente Vítima

Delito Controle social

Objeto da
criminologia

Fonte: https://iago010.jusbrasil.com.br/artigos/636189106/falando-sobre-a-criminologia.

12
Nos capítulos a seguir, compreenderemos melhor a Vitimologia e a Criminologia!

Lembre-se de ler as sugestões de estudos complementares e, claro, busque


outros materiais em nossa biblioteca virtual, em livros e em sites disponíveis
na internet.

Boa leitura!

CAPÍTULO 1
Epistemologia e criminologia: a
dimensão empírica de um saber
interdisciplinar

Como já é de nosso conhecimento, a criminologia é uma ciência empírica do ser;


seu conhecimento advém da experiencia, o que significa que não vem do dever-ser,
ou seja, normativa, que provém do Direito.

Mas o que seria, então, a ciência do ser se pensarmos em relação à ciência do


dever-ser?

Bom, quando estudamos a introdução ao estudo do Direito, ainda na graduação,


compreendemos que o Direito demonstra uma natureza coercitiva, o que
significa dizer que determina a realização de determinado comportamento.
Logo, em face da sua violação, teremos, como consequência, a sanção.

Então, podemos dizer que a ciência do dever-ser é um ramo da ciência social


de conformação de conduta. Diante de seu empirismo, a criminologia não
determina a realização de comportamentos, mas sim analisa a conduta social
sem que precise se preocupar com conformá-la.

Método dedutivo e indutivo


» Método dedutivo: um jurista precisa partir de princípios corretos para
que possa deduzir as possíveis e oportunas consequências.

» Método indutivo: um criminólogo deve analisar os dados e induzir as


correspondentes conclusões.

13
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

Não podemos esquecer que:

» Criminologia: é uma ciência de cunho etiológico que faz uso da


observação para que possa ser formada uma melhor análise da
causa do crime.

» Etiologia criminosa: é a identificação da causa do crime.

Interdisciplinaridade
A criminologia não deve ser relacionada com outras disciplinas que fazem parte
do saber empírico sobre o crime, como a biologia, a psicologia e a sociologia
criminal. Devido à sua estrutura interdisciplinar, a criminologia cuida de uma
instancia superior.

Não podemos esquecer que, mesmo que a criminologia esteja relacionada


a outras ciências biológicas e sociais, ela é autônoma e independente em
relação a cada uma delas.

Não podemos deixar de dizer que a criminologia não deve ser vista como uma
ciência auxiliar de outras disciplinas, mesmo porque, como já vimos, ela não
é! A criminologia é uma ciência autônoma, que não está composta de normas,
o que significa dizer que não tem como base o estabelecimento de padrões de
comportamento, afinal, este é o objeto do Direito; mas, como já mencionamos
tantas vezes, não é objeto da criminologia.

Delito
O delito é parte contemplada pela criminologia, não apenas como um
comportamento individual mas também como um problema comunitário e
social.

O crime, ou, como vamos chamar aqui, o delito, é o 1 o objeto de análise do estudo
da criminologia. É o Direito Penal que define o que é ou não delito/crime. De
acordo com a criminologia, delito/crime é a ação descrita na lei penal, a qual
prevê uma determinada sanção.

O delito é estudado pela criminologia sob os mais diversos aspectos, a saber:

» qual a influência do crime para a vítima;

» qual a influência do crime para a sociedade;

14
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

» de que forma podemos agir para prevenção ao crime;

» o crime prejudica ou contribui para o desenvolvimento da vida em


comunidade.

Diversos autores da criminologia moderna apontam que o crime deve ser visto
como um fenômeno social natural que pode ser inerente a qualquer sociedade;
assim, o que o Estado pode fazer é, simplesmente, mantê-lo em níveis que
sejam considerados variáveis, um vez que parece impossível extingui-lo. Outros
autores apontam que o crime seria uma forma de aprimoramento da sociedade
a partir do momento que o identificamos como não estando de acordo com o
comportamento esperado.

Indo um pouco mais a fundo no estudo da criminologia enquanto um saber


interdisciplinar e empírico, Braga (2014) fala que esta pode ser conceituada a
partir de diferentes perspectivas, tantas quantos os saberes que a compõem.
É importante levarmos em consideração que a visão de um jurista e/ou de
um sociólogo, por exemplo, sobre criminologia serão diferentes, da mesma
forma que se avaliarmos a visão de um psicólogo, de um antropólogo ou
outro profissional. Essa distinção acontece por conta das reflexões que estes
campos produzem serem bem diferentes sobre um mesmo tema. Indo além, a
criminologia, pensando à luz de uma ciência social e humana, está enraizada
nas possibilidades epistemológicas da sociedade em que está sendo produzida,
logo, está em constante modificação.

De acordo com autores brasileiros renomados no âmbito do Direito, a


interdisciplinaridade e o empirismo caracterizam a produção criminológica.
Seguindo esta linha de raciocínio, temos a seguinte definição:

[…] uma ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo


do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do
comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação
válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do
crime – contemplado este como problema individual e social, assim
como sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de
intervenção positiva no homem delinquente e nos diversos modelos ou
sistemas de resposta ao delito. (GARCIA-PABLOS DE MOLINA, 1999,
p. 43).

Existem outros autores que se pautam em temáticas próprias do saber


criminológico. É o caso dos autores Edwin H. Sutherland e Donald Cressey

15
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

(1996), norte-americanos, os quais definem a criminologia como a junção de


conhecimentos que considera o crime como um fenômeno social, incluindo em
suas análises o processo de criação de leis, o processo de violação destas leis
e, por fim, o processo de reação à violação destas leis. Ou, podemos trazer também
Paul Tappan (2009), o qual afirma que a criminologia multidisciplinar faz a
união de pesquisadores de distintas abordagens, tendo como tema principal de
estudo:

» produção de lei penal;

» quebra de leis;

» reação da sociedade sobre a quebra de leis.

A criminologia, pensando sob um viés jurídico, está relacionada com a política


criminal e com a dogmática penal. Desta forma, a interdisciplinaridade e o
empirismo mostram-se elementos diferenciados da criminologia em relação
às demais produções da área das ciências criminais, definindo o papel da
criminologia articulado à dogmática e à política criminal.

Até a década de 1930, tínhamos a criminologia como peça fundamental do


modelo integral de ciência penal. Até aquela década, a dogmática e a criminologia
positivista convergiam no que tangia à legitimação e à finalidade do sistema
penal.

A partir do declínio do positivismo criminológico, a dogmática penal passa


a desenvolver=se de forma independente da produção empírica. O processo
de ruptura da convergência entre os saberes dogmáticos e criminológicos
começou a ganhar um espaço mais visível a partir da 2 a metade do século XX,
quando parte da criminologia estava questionando os discursos e as práticas do
sistema de justiça, denunciando, desta forma, seu caráter violento e seletivo e a
inconsistência das finalidades que eram declaradas em relação a pena (BRAGA,
2014).

Já na década de 1960, o paradigma da reação social acaba causando uma


quebra da tradição etiológica da criminologia, que, até aquele momento, estava
preocupada apenas com as causas do crime. Os criminólogos mais críticos
buscaram compreender o processo de criminalização como um todo, ou seja:

» quem constrói a realidade criminal;

» de qual forma é feito;

» quem o sistema penal objetiva atingir.

16
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

Desta forma, segundo Braga (2014), o objeto por excelência da criminologia


deixa de ser o sujeito, passando a ser o sistema de controle.

Um paradigma não apenas determina os métodos, crenças e valores de uma


determinada comunidade científica, como também os problemas que precisa
enfrentar e qual o seu objetivo de estudo, ou seja, é constitutivo da atividade
científica, como afirma Kuhn (2005, p. 144):

Ao aprender um paradigma, o cientista adquire ao mesmo tempo uma


teoria, métodos e padrões científicos...Por isso, quando os paradigmas
mudam, ocorrem alterações significativas nos critérios que determinam
a legitimidade tanto dos problemas quanto das propostas.

Outro ponto importante é que as mudanças de propostas e de problemas vão


acontecendo conforme as novas interfaces vão surgindo e construindo o saber
criminológico. Então, conforme a criminologia positivista seguia ligada, de
forma mais estrita, ao saber médico, a criminologia da reação social passava
a ser construída por meio de métodos e saberes tomados emprestados das ciências
sociais, com foco principal na antropologia e na sociologia.

A interdisciplinaridade, algo implícito do saber criminológico, desloca-o


para fora do âmbito jurídico. Segundo Braga (2014), não existe forma de
fazer criminologia sem que tenhamos o auxílio de conceitos, principalmente
de metodologias das demais áreas das ciências humanas. Bom, o desafio do
fazer criminológico é a construção, por meio das metodologias, das próprias
ferramentas metodológicas que possam alcançar seu objeto de estudo, lembrando
que este objeto se oculta.

Desta forma, a produção de saber criminológico vai depender do acesso aos


atores e instituições do sistema criminal, de estatísticas criminais idôneas, da
mesma forma que depende da construção de relações de intimidade, colaboração
e confiança, por meio das quais podemos aproximar dos fenômenos que estão
em torno do crime e da reação social.

Então, é exatamente a junção de métodos e as ciências humanas, direcionadas a


um objeto específico, que faz com que o saber criminológico seja uma unidade.
Seguindo esta linha de raciocínio, a criminologia pode, então, ser definida por
meio de seu eixo temático, o qual pode ser sintetizado como o estudo dos atores e
das instituições que estejam indireta ou diretamente envolvidos com o sistema de
justiça criminal.

17
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

Ainda segundo Braga (2014), a criminologia, em algumas regiões, tem um


lugar já bem consolidado no processo acadêmico. Este é o caso de países
como o Canadá, EUA e vários países da Europa Ocidental, onde são oferecidos
programas tanto de graduação como de pós bem específicos de criminologia,
isso fora os institutos de pesquisa especializados no tema.

Mesmo que possamos notar, no Brasil, uma tendência à especialização nos


programas que são oferecidos atualmente em nossas Universidades, a produção
de conhecimento ainda ocorre de forma dispersa em diversas áreas. E é esta
dispersão um dos fatores que acaba dificultando bastante o reconhecimento das
especificidades da criminologia como um saber permeado de uma combinação
única de abordagens e métodos próprios.

É de grande importância salientarmos aqui que, no Brasil, o fato de que a


maior parte de produções criminológicas não está devidamente denominada
como criminologia, mas sim como produções de direito penal, direitos
humanos, sociologia das instituições, sociologia da violência, antropologia
social, antropologia jurídica, psicologia social, psicologia jurídica etc., o que
dificultando o encontro e a troca para o desenvolvimento e preparação de uma
área de conhecimento que tenha força acadêmica.

Sendo assim, para que repensemos os atuais rumos da política criminal, é de


extrema importância que tenhamos mais estudos empíricos que possam nos
guiar na formulação de propostas novas. A princípio, a principal contribuição
da criminologia, para processo de desenvolvimento da sociedade como um todo
e das ciências criminais, está na possibilidade de apontar o tipo de racionalidade
que é produzida em cada discurso e prática do sistema de justiça criminal,
assumindo, desta forma, uma perspectiva crítica relacionada às instituições de
controle e relacionada aos saberes que as sustentam.

Para fecharmos este capítulo, Batista (2001, p. 33), afirma que:

A Criminologia Crítica procura verificar o desempenho prático


do sistema penal, a missão que efetivamente lhe corresponde, em
cotejo funcional e estrutural com outros instrumentos formais
de controle social (hospícios, escolas, institutos de menores
etc.). A Criminologia Crítica insere o sistema penal – e sua base
normativa, o direito penal – na disciplina de uma sociedade
de classes historicamente determinada e trata de investigar,

18
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

no discurso penal, as funções ideológicas de proclamar uma


igualdade e neutralidade desmentidas pela prática. Como toda
teoria crítica, cabe-lhe a tarefa de ‘fazer aparecer o invisível’.

Aproveite para compreender um pouco mais sobre o assunto acessando o


link https://www.passeidireto.com/arquivo/21356781/criminologia-como-
ciencia-empirica-e-interdisciplinar-conceito-pdf para ler o artigo intitulado A
criminologia como ciência empírica e interdisciplinar: conceito, método,
objeto, sistema e funções da criminologia.

19
CAPÍTULO 2
Criminologia e subjetividade:
aproximação entre as estruturas
punitivas

Rauter (2003) aborda a criminologia como um saber que pode adequar-se ao


poder de forma que consiga implementar práticas que sejam mais efetivas para
um controle do que ela chama de gestão de massas humanas. Assim, o
saber torna-se uma arma, destinando-se à validação e instrumentalização dos
procedimentos que são utilizados pelo Estado ao buscar controle social.

Falando especificamente do Brasil, esta arma vem sendo adotada com o objetivo
de trabalhar um processo de normalização, criando, assim, uma tecnologia penal
que seja normalizadora, direcionada às ambições como a cura, reeducação e a
ressocialização.

Foucault, segundo a mesma autora, apresenta uma passagem instigante em que


afirma que a sociedade ocidental cria verdades e estas estão, sempre, ligadas
ao poder ou aos mecanismos do poder. Esta produção de verdades também tem
o poder de unir os sujeitos de uma sociedade. Foucault mostra-se preocupado
com a relação existente entre o poder e o saber; e Rauter (2003) afirma que a
criminologia como um saber torna-se um instrumento de poder.

Podemos observar que Rauter (2003) tem razão, pois aquilo que é ensinado
e divulgado, em boa parte dos casos, é, também, aquilo que foi permitido por
quem detém certo poder. É importante salientarmos que podemos observar
isto em qualquer relação. Em uma universidade, por exemplo, os professores
ditam aquilo que ministrarão nas classes, uma vez que que eles têm o poder de
escolha, o qual é um reflexo das perspectivas conjunturais da universidade; isso
estabelece mais uma relação de poder.

A autora problematizou a criminologia como um saber que serviu, e que


continua servindo, de instrumento de controle para organização das massas
sociais. A partir daquilo que é técnico e, também, de conhecimento de todos,
o Estado vai criando uma máscara de legitimidade para que possa exercer o
poder, transformando, por consequência, os dispositivos e institutos jurídicos.

Atualmente, podemos observar tudo isso por meio dos estudos sobre
ressocialização do delinquente, os quais podemos classificar como uma

20
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

verdadeira utopia, porém que servem, de alguma forma, para acalmar os ânimos
daqueles que entendem a prisão como uma afronta à dignidade do sujeito.

Rauter (2003) também nos diz quão é notável o processo de diminuição do uso
de formas de poder que são explicitamente violentas e que estas vêm sendo
substituídas por meio da suavização das penas a partir de novas tecnologias
de poder que são capazes de conseguir, por outros meios, o que ela chamou
de docialidade dos sujeitos. As Leis, no Brasil, vêm sendo humanizando
de forma progressiva, por meio da adoção de legislações mais liberais, importadas,
principalmente, do modelo liberado vigente na Europa.

Podemos observar, também, a existência de uma legislação que é liberal, porém


com uma face autoritária, sendo, desta forma, um pano de fundo para o modo,
não apenas de punir bem como de reformar. Para chegar a esta reforma, nosso
judiciário serviu-se da criminologia para redefinir, pouco a pouco, as noções
de punição e delito/crime, de forma que a justiça aparentasse, no mínimo,
humanizada e com uma finalidade terapêutica.

Entretanto, como expusemos até aqui, a junção entre Judiciário e criminologia,


até o momento, não conseguiu ocultar a violência que está inerente à estrutura
brasileira, e que vive uma combinação constante de repressão e norma. Por essa
perspectiva, cabe-nos lembrar, segundo Rauter (2003), que o Poder simbólico,
estudo de Pierre Bourdieu, pontuou o formalismo que é parte da estrutura do
Direito e que o confere certa autonomia; outrossim que o seu instrumentalismo
acaba fazendo dele uma ferramenta que serve à classe dominante. É de grande
importância que apontemos esta perspectiva, visto que o instrumento que está
oculto acaba funcionando como um poder simbólico e o Judiciário faz uso deste
poder para repressão e/ou promoção da almejada coesão social.

Continuando com Rauter (2003), a criminologia opera transformações sobre


o Direito Penal, pelo menos se pensamos em nível de discurso. A autora traça
uma linha histórica, apontando que o discurso criminológico mostra o criminoso
anormal, que não foi apontado pelo Direito Penal, uma vez que, neste, todos nós
seríamos cidadãos responsáveis.

A criminologia também faz diferentes críticas sobre os fundamentos do Direito


Penal liberal, inclusive após a obra de Beccaria, chamada Dos delitos e das
penas. Por fim, teríamos o advento da cientificidade do Direito Penal a partir
da criminologia.

21
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

Segundo Rauter (2003), Beccaria deixou um importante legado com sua ideia
de aplicação das penas de forma proporcional, em conjunto com a certeza e
com a rapidez na aplicação delas. Beccaria afirmou que as leis precisam ser
proporcionais a cada tipo de delito e, ao afirmar isso, apresentou-se como
crítico em relação às penas de morte e às degradantes ou torturantes.

O Direito Liberal operou uma série de mudanças nos seguintes aspectos:

» ao transferir a centralização do Direito em relação aos delitos e


das penas para que fosse analisado aquele que cometeu o delito,
devendo ser analisado, inclusive, a sua personalidade;

» criticando o livre-arbítrio, mostrando que não seria a razão quem


monitora os atos, mas sim os instintos, atos reflexos e afetos;

» em relação à pena, que, anteriormente, deveria ser apenas legítima,


passando a ser analisada pela ótica de sua eficácia, não mais se
amparando na noção estrita de proporcionalidade, mas, sim,
pela modalidade de pena que fosse mais eficaz para que fossem
defendidos seus inimigos anormais.

Rauter (2003) descreve que a 1 a etapa da influência criminológica no Brasil


ocorreu a partir da inauguração da obra O homem delinquente, de Lombroso,
no ano de 1971, obra esta que foi considerada como a fundadora da criminologia.
Nesta fase, constitui-se um saber em relação ao criminoso e à sua constituição
como anormal. Desta forma, o criminoso passa a ser visto como um ser que vive
dos reflexos de seus antepassados, ou seja, como se fosse algo inato/hereditário.
Desta forma, a punição tem como base a anormalidade daquele que comete o
crime.

É importante colocarmos aqui que Lombroso era um médico, e não um jurista,


e que deslocou o eixo de observação do crime, considerando, segundo Rauter
(2003) em si mesmo a figura de delinquente. Seria como uma revolução
copernicana dentro do âmbito criminal, rejeitando a ideia clássica do aspecto
legal, estrito, do delito, dando ênfase ao determinismo e defendendo o tratamento
do delinquente, tendo em vista este ser doente ou primitivo.

Observando a degeneração moral, Rauter (2003) afirma que a análise dos


criminosos se inicia pelo ponto de vista cultural. Desta forma, um estudo um
tanto quanto preconceituoso acaba classificando os sujeitos de acordo com
o parâmetro racial. Com esta ideia, existe uma desconfiança no controle da
punição, que se volta ao processo de eliminação e exclusão do criminoso.

22
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

Logo depois, surge o discurso de cura do criminoso à luz da perspectiva médica,


retomando a defesa da pena pelo âmbito de uma finalidade humanitária e
científica, produzindo discursos novos para a recuperação, para a readaptação
e para a cura dos condenados. Neste cenário, a partir da 2 a metade do século
XIX, surge a psiquiatria, passando a disputar com o Direito Penal o papel de
gestora dos criminosos. A partir deste papel, a exclusão de um sujeito passa
a acontecer a título de tratamento, uma vez que os sujeitos são considerados
enfermos e não mais como criminosos infratores sob a ótica de um código de
leis. Diante de um novo rótulo, por conseguinte, independentemente de qual
seja o tratamento, os sujeitos continuam sendo excluídos, porém, agora, em
uma perspectiva de custódia hospitalar.

A psiquiatria, uma ciência que também estuda a psiquê, assim como a


psicologia, buscou não apenas estudar como também tratar os delinquentes
objetivando, inicialmente, reintegrá-los à sociedade. Atualmente, observamos a
manutenção deste discurso, porém o fracasso dessa gestão da delinquência traz
como consequência, principalmente, penas com caráter perpétuo, visto que,
enquanto não for natado qualquer melhoria no sujeito, ele ficará sob custódia
do Estado.

Rauter (2003), neste cenário, afirma que acontecem as medicalizações da lei, em


que se acaba aproximando o delito da enfermidade mental, transferindo, desta
forma, grande parte do poder ao psiquiatra. Não tardou muito para que esta
situação recebesse diversas críticas, entre elas a de que haveria uma absolvição
do criminoso ao transformá-lo em enfermo. Desta forma, o temor girava em
torno da transformação da sociedade em um grande hospício. Neste contexto, a
criminologia tenta inspirar o judiciário para que tenha uma tecnologia própria
para a guarda destes enfermos, tendo o apoio da psiquiatria, porém sem que se
confunda com ela.

O laço mais aparente entre a criminologia e a psiquiatria está na figura do


psicopata, cuja patologia pode ser uma opção de incriminação do sujeito, o
qual será rotulado como um inimigo da lei por sua natureza. Nasce, então, o
manicômio judiciário.

Rauter (2003) também descreve o nascimento da criminologia psicanalítica, a


qual defende uma anormalidade que seja curável, além da necessidade da lei, de
forma a expor uma redefinição da pena, tendo em vista o desejo do delinquente
de obter a pena. É por este ponto que surge a defesa de prisões recuperadoras
e educativas no lugar de prisões punitivas. As punições, consequentemente,

23
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

precisam ser substituídas pelo controle, dado que o crime é resultado de uma
canalização errônea dos impulsos sexuais. Em vista disso, o Estado deveria ter
a tarefa de ser, essencialmente, educativa.

Rauter (2003), além de analisar o criminoso, também pontua que a criminologia


deve ocupar-se de estudar as causas sociais do crime, a qual é feita por
criminólogos críticos ou, até mesmo, sociais. A inter-relação entre o crime e
a pobreza é algo recorrente, o que acontece em virtude do mal-estar físico que
aquela causa, ou, ainda, devido à distribuição heterogênea dos bens. Logo,
compreende-se o meio social como um incentivador de crimes.

Seguindo esta linha, não podemos deixar de citar Loiq Wacquant (Rauter,
2003), o qual afirma, em sua obra Punir os pobres, que a substituição de
forma progressiva para um Estado policial e penal, no lugar de um semiestado-
providência, em que a criminalização da marginalização, além da contenção
punitiva das categorias que foram deserdadas, entra no lugar da política
social. Isso se torna ainda mais visível nos dias correntes, em que o Estado,
que é notavelmente estigmatizador, no lugar de realizar uma gestão social que
propicie as condições necessárias para o desenvolvimento dos sujeitos de seu
território, segue com a gestão de sujeitos a partir do cárcere e da punitividade.
Essa deficiência mostra como é ineficaz a atuação do Estado.

A criminologia tinha como proposta gerir e tutelar a miséria, sendo esta uma
consequência da ociosidade e da indisciplina, que precisaria ser combatida com
o trabalho. Ainda nesta perspectiva, foram analisadas as multidões criminosas
que eram compostas pelas massas populares que representavam uma ameaça ao
Estado, contra as quais, segundo Rauter (2003), apenas cabia a força punitiva
do Estado. O Judiciário aproveita este estudo, o qual tem como pauta o saber que
propicia estratégias de controle em relação às formas de organização popular.

O Código Penal de 1940, segundo Rauter (2003), introduziu no Brasil, de forma


concreta, as inovações conduzidas pela criminologia, enfatizando, de novo, a
indissociabilidade das estratégias de poder. A criminologia, cria, então, uma
concepção nova de crime, ou seja, um fenômeno com características naturais,
que é produto da anormalidade individual ou social.

Rauter (2003) afirma que os institutos que são mais característicos dessa
inter-relação foram a inserção, ainda no Código Penal de 1940, da medida
de segurança e do critério de periculosidade. Assim, podemos observar a
transformação de uma mentalidade punitiva para uma outra que é tratativa, em
relação à readaptação ou à reforma do delinquente. Então, podemos concluir

24
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

que o discurso criminológico é usufruído como uma tecnologia disciplinar, em


que o Judiciário adota ações racionais para transformar o que seria uma função
intermitente repressiva em uma função técnica.

Rauter (2003) também faz uma análise em relação aos pressupostos de avaliação,
de exames e de procedimentos diagnósticos de sujeitos em situação de cárcere,
que são considerados criminosos. Sua análise tem como base o famoso exame
de verificação de cessação de periculosidade, utilizado até os dias de hoje, para
que os delinquentes possam ser submetidos ao regime fechado.

Nesses diagnósticos, podemos observar a importância que é dada à história


passada do delinquente, em que existe uma condenação prévia, observando
a família como parte da instituição que degradou e interferiu na formação
do criminoso. Também precisa ser levando em conta todo o processo de
discriminação cultural dos que acabam ingressando no sistema carcerário
que são tachados como parte de uma subcultura ou, ainda, como não parte
de nenhuma cultura. A atuação dos funcionários do sistema carcerário e, por
consequência, o tratamento que dispensam aos sujeitos que ingressam neste
sistema também precisam receber atenção.

Rauter (2003) ainda nos diz que, com a chegada do Código de 1940, o estudo da
personalidade começa a ficar mais acentuado, objetivando a previsão, não só das
técnicas de tratamento penal que sejam adequadas, assim como quais seriam os
possíveis comportamentos criminosos no processo de aferição da culpabilidade
do agente. Isso seria consequência do princípio da individualização das penas.
O laudo psicológico passa a ser visto como uma fonte segura de estudos ou,
apenas, como um acaso arbitrário. Sendo inegável a supremacia desta 2 a
perspectiva pelo fato de não existir um caráter considerado científico nos laudos
apresentados.

O critério que é utilizado para a análise da personalidade dos criminosos


é bastante criticável, levando em consideração a falta de base utilizada pelo
magistrado. Nem mesmo os psicólogos conseguem estabelecer um mapa
preciso de como é a personalidade do sujeito, que dirá um juiz que tem
centenas de processos e que acaba se prendendo apenas aos elementos que são
fornecidos tanto pela acusação quanto pela defesa, excluindo, desta forma, a
subjetividade do sujeito. O magistrado pauta-se nos critérios arbitrários e nada
suficientes para que se possa chegar ao verdadeiro conhecimento de quem é o
sujeito delinquente. Possivelmente, este conhecimento jamais seja atingindo
plenamente por qualquer ciência.

25
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

É de grande importância colocarmos aqui que esta análise influencia de forma


direta no destino do preso, ou seja, a depender o resultado, poderá restar-lhe um
tempo ainda maior de cárcere. O que podemos observar aqui é que o Judiciário
evita procedimentos que são considerados humanos e técnicos como mais uma
estratégia de dominação em relação ao delinquente.

Os diferentes diagnósticos que são utilizados no processo de execução penal são,


antes, instrumento estigmatizador e efetivador de procedimentos carcerários e
não de mudanças nas instituições carcerárias. Assim, podemos observar que o
saber técnico vai instrumentando, cada dia mais, as técnicas de controle sobre a
população.

Os exames que são realizados pela área jurídica estão marcados pela coleta de
dados da história do sujeito, da mesma forma que as avaliações psiquiátricas e
psicológicas. Isso é bem visível nos procedimentos policiais e judiciais, em que
se objetiva a reconstrução da história do suspeito ou réu.

Estas avaliações estão marcadas por um determinismo cego, simplista e mecânico,


que nos permite observar consequências que podem não ser verdadeiras, como,
por exemplo, igualar crime a carências familiares desde a infância ou a miséria.
Rauter (2003) afirma que este tipo de associação acaba associando qualquer
sujeito que tenha tido uma infância complicada, por exemplo, a um criminoso
apenas por sua história pregressa.

Segundo a autora, o fenômeno do crime pode ser revelado pela análise familiar
do sujeito; neste caso, levando em consideração a sua estrutura familiar,
ele poderá ou não receber um determinado tratamento. Esta questão ganha
ainda mais força quando falamos de delinquentes com baixa renda, os quais
são estigmatizados por conta de sua pobreza, além dos valores familiares que
possam diferir dos valores que são dominantes na sociedade, o que reflete
diretamente na forma como o laudo é realizado.

O que podemos verificar facilmente é que os exames de cessação de periculosidade


também acabam por compartilhar desta ideologia que está em ação desde a fase
policial até a fase judicial, punindo-se e julgando-se mais um sujeito por conta
de sua classe social do que por conta do crime cometido. Seguindo esta linha de
raciocínio, quem seria, então, o criminoso? Rauter (2003) responde que seriam
os negros, pobres, favelados, analfabetos e não necessariamente aquele que
matou ou furtou.

26
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

Desta forma, é importante ressaltarmos que, para existir um laudo, são


necessários sujeitos para realizá-lo e que estes laudos são feitos em uma situação
de desequilíbrio de poder entre quem o faz e o “paciente”. Muitas vezes, os
psicólogos, que precisam ser imparciais, acabam por disseminar um diagnóstico
que equivale a todas as fases do processo, o que deixa o documento um tanto
quanto segregatório, não avaliando o “paciente” de forma fiel, fazendo com que
este, que busca proteção, acabe não confiando nas estruturas de dominação
atuais.

Novamente, para que exista um laudo, são necessários sujeitos que o façam,
certo? A questão é que estes laudos são realizados em uma situação de
desequilíbrio, como já dissemos, de poder.

Desta forma, as perspectivas de cura e ressocialização do condenado mostram-


se inócuas no cenário em que predominam os cárceres. Rauter (2003) afirma
que a possibilidade de trabalho, a qual deveria ser um direito do encarcerado,
acaba se tornando um privilégio para os encarcerados que são considerados
menos perigosos, sendo estes submetidos à tutela do Estado, e acabam por se
tornar uma parcela de mão de obra barata para a movimentação do sistema.
Desta forma, o cárcere acaba formando sujeitos reincidentes, ou seja, prepara-
os para retornar ao mundo do crime.

O cárcere torna-se, então, um estigma na vida do delinquente, que, após


ingressar no sistema, não consegue nem boas oportunidades de emprego, nem
muito menos, sua ressocialização. Pensando por uma visão marxista, Rauter
(2003) afirma que a prisão acaba tendo o papel de reprodução de estigmas
sociais, gerando uma confusão entre pobreza e crime, colocando a população
em situação de miséria sob vigilância.

O cárcere, então, sob a fantasia de tratamento e ressocialização, acaba por


promover, somente, ainda mais repressão, denotando mais uma das máscaras
do Estado em ocultar a violência. Rauter (2003, p. 107) nos diz que “seria de
se esperar que todos os profissionais envolvidos com a promoção da chamada
saúde mental encontrassem meios de solidarizar-se com estas manifestações,
ou, ao menos, de não atuarem contra elas, superando sua condição de
‘funcionários do cárcere’ e, como tais, envolvidos na reprodução e atualização
de seus mecanismos mortificadores”.

Os próprios funcionários do sistema carcerário acabam desnaturalizando o


sentido verdadeiro deste, que deveria ser o de ressocializar o sujeito, tratando-o
de forma desigual, atualizando, frequentemente, o mecanismo que os estigmatiza
e oprime.

27
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

Rauter (2003) também afirma que esta relação entre psiquiatria e justiça penal
vem se aperfeiçoando desde o início do século XIX. O que ocorre em função
da substituição de uma forma de controle penal para a psiquiátrica, em que se
pretende prever o delito e agir de forma preventiva.

Nesta relação, uma das principais enfermidades seria a personalidade psicopata,


sujeitos que são, normalmente, rotulados como antissociais e, normalmente,
definidos como incuráveis. Sobre isso, Rauter (2003, p. 125) afirma que
“inadequado à prisão ou ao hospital psiquiátrico, o psicopata pode ser o ponto
claro deixado pela maquinaria disciplinar, o eterno indisciplinado que, no
interior de sua engrenagem, coloca-a perigosamente em questão, demandando
a formulação de novas estratégias que no momento não se fazem presentes”.

Por fim, a criminologia, ao analisar quem seria este delinquente, nos mostra
que o sistema é arbitrário e estigmatizante e que, em face a esta realidade
devemos buscar novas formas para melhorar o sistema, para que, então, este
possa, realmente, exercer seu papel de ressocializador, combatendo, assim, os
instrumentos de controle que são estigmatizantes, arbitrários e segregatórios.

Aproveite para ler o livro de Rauter (2003), utilizado para a


construção deste capítulo, chamado Criminologia e Subjetividade
no Brasil, disponível pelo link http://arquimedes.adv.br/livros100/
Criminologia%20e%20Subjetividade%20no%20Brasil%20-%20
Cristina%20Rauter.pdf.

Criminalização e punição: teorias


criminológicas contemporâneas
Segundo Muniz Filho e Oliveira (2014), a teoria do labelling approach
trouxe um avanço importante e interessante para a ciência criminológica
quando ampliou a análise do crime, além da análise do sujeito que é visto como
criminoso, indo além das definições consideradas legais ou sujeitos que estão
efetivamente encarcerados. Desta forma, a criminologia foi deixando de ser uma
mera instituição do sistema, tornando-se, então, uma ferramenta importante
para a análise e a compreensão das instituições e do Direito Penal.

Este avanço ganhou certo impulso após os estudos que foram realizados sobre
a reincidência percebida dos sujeitos egressos das instituições carcerárias clássicas,
revelando que, em diversos casos, essas vinham se mostrando prejudiciais, não
sendo, desta forma, consideradas como meio de reinserção ou de reeducação

28
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

social. Estes pontos também impulsionaram a necessidade de novos estudos


sobre o crime além dos limites do cárcere ou mesmo do Código Penal, surgindo
novas pesquisas que envolvessem os crimes cometidos e que não receberam a
punição ou persecução do Estado, ou seja, esses dados, concomitantemente,
nos levariam a números superiores aos que são penalizados, efetivamente, pelo
Estado.

Por meio destas constatações, iniciou-se uma série de questionamentos e


debates relacionadas às funções verdadeiras do Direito Penal e à sua adequação
ou eficiência no combate e controle das ações que se mostrassem socialmente
prejudiciais. Como resposta da utilização dos instrumentos do materialismo
histórico dialético de Karl Marx, ao desenvolver estes questionamentos, fez-se
nascer a plural Criminologia Crítica Materialista.

As contradições do pensamento criminológico


clássico
Voltando aos autores Muniz Filho e Oliveira (2014), a partir das elaborações de
Lombroso com sua obra L’Uomo delinquente, no ano de 1876, em conjunto
com os trabalhos de Raffaele Garofalo e Enrico Ferri na Escola Positiva Italiana,
foram surgindo elaborações teóricas na busca pela compreensão do que levaria
o sujeito a cometer um crime e qual seria a melhor forma de atuação em face ao
cometimento de um crime e a melhor forma de prevenção.

Em virtude dos trabalhos destes teóricos que adotaram uma visão em que os
sujeitos seriam determinados por fatores biológicos ou pelo meio para que
cometessem delitos, gerou-se uma teoria de defesa social. Desta forma, o delito
seria considerado uma conduta anormal que pode ser cometida por um grupo
de sujeitos contra os quais se deveriam fazer uso dos meios necessários para a
proteção de grande parte da população.

Fazendo uso do arcabouço teórico produzido por meio das construções das
escolas clássica e positivista e a criminologia tradicional, foram elaborados
os princípios de defesa social, os quais passaram a nortear, a partir então, a
política penal.

Entre estes princípios de defesa social, podemos destacar os seguintes:

» legitimidade do Estado;

» igualdade;

29
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

» culpabilidade;

» maniqueísmo;

» finalidade da intervenção;

» interesse social.

Com base nisso, o Estado se tornaria legítimo, tendo o direito e o dever de fazer
intervenções das mais distintas formas, penalizando e evitando o cometimento
de delitos por meio da instituição da justiça penal.

Mesmo que tenha sido o pensamento dominante por muitas décadas, estas
construções criminológicas que impulsionaram a formação dos princípios
e concepções desta ideologia de defesa social têm um problema sério,
independentemente de quais sejam os delitos e o delinquente, por conta do seu
limitado campo de análise, que é o formador do paradigma etiológico.

Isso se deve ao fato de que a criminologia tradicional afirma ser criminoso


apenas o sujeito que tenha, efetivamente, sofrido a execução da justiça penal,
além de apenas considerar os que realizaram uma conduta positivada como
crime. Desta forma, o sujeito analisado já teria sido selecionado a partir de dois
mecanismos, sendo um relacionado à positivação de determinadas condutas
com delitos, e outro por ter sido responsabilizado formalmente e punido de
forma definitiva. Assim, limita-se a possibilidade de realizar uma análise de
todas as condutas que prejudicam de forma material a sociedade ou os bens
jurídicos que estão elencados no ordenamento, e os sujeitos que cometeram, de
forma efetiva, crimes e tenham, ou não, sofrido uma punição do Estado.

Em virtude disso, a criminologia tradicional não tinha capacidade integral para


visualizar seus objetos de estudo, o que a tornava apenas um mecanismo de
justificação do sistema penal, não realizando, desta forma, uma análise mais
ampla dele. Essa limitação ou capacidade de abordagem não resultava apenas na
incapacidade ou ineficiência de exploração por seus instrumentos, mas também
contribuía para a formação de preconceitos que davam base e intensificavam
o sistema posto sem questioná-lo de forma científica, sendo, desta forma,
necessária a superação da visão ontológica do crime.

A superação do paradigma etiológico e o


avanço científico para a reação social
Para Muniz Filho e Oliveira (2014), os estudos relacionados ao labelling
approach, ou seja, criminologia da reação social, começaram como uma forma

30
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

de contestar as limitações e incoerências das construções clássicas. Esta teoria


se formou por meio das constatações das teorias das subculturas criminais,
além das psicanalíticas, da estrutura-funcionalista do desvio e da anomia, que,
em conjunto com outras que tiveram sua atuação de modo diverso, formaram
parte da construção do conceito do etiquetamento.

As concepções científicas da etnometodologia, com caráter fenomenológico,


e do interacionismo simbólico são importantíssimas para a elaboração dos
pressupostos que eram necessários para a teoria do labelling, que davam base
a uma visão histórica e sociológica do desvio e do controle. Fazendo uma síntese
breve, estas correntes defendiam que a compreensão de uma determinada
realidade social pedia uma análise a partir das relações entre sujeitos e
instituições da própria sociedade.

A promoção do avanço do objeto de análise da criminologia foi gradualmente


foi seguindo para os motivos que levam à determinação de certa conduta ser
considera um delito e, ainda, porque apenas alguns sujeitos, entre diversos que
cometem um fato típico, acabam devidamente penalizados, o que significa dizer,
por que uma ação é considerada criminosa e por que um sujeito é considerado
criminoso. Contribuindo para que a criminologia clássica fosse abandonada,
também podemos observar um grande avanço dos estudos relacionados à
chamada cifra negra, ou seja, um grande percentual de cidadãos que permanecia
impune apesar da autoria de determinados delitos, além da constatação da
ineficácia do processo de reeducação carcerária que pode ser comprovada pela
reincidência criminal.

Logo que estas constatações foram elaboradas, muitas das bases de sustentação
teórica da ideologia da defesa social acabaram muito abaladas, o que levou,
de certa forma, à sua aparente superação no âmbito científico, criando, desta
forma, um espaço que poderia ser preenchido por novas concepções. Como
exemplo de desconstrução dos pontos básicos desta teoria, podemos citar
que não era mais possível sustentar o princípio da finalidade da intervenção,
já que a penalização não servia para reprimir a prática de delitos que eram
constatados pela cifra negra, tampouco conduziriam estes criminosos ao
processo de reinserção social, uma vez que a constatação de reincidência na
prática de crimes, mesmo após uma efetiva intervenção penal.

De forma gradual, foram sendo desconstruídos e desmentidos todos os princípios


antigos da ideologia da defesa social em face das novas pesquisas e estudos
criminológicos. A princípio, o exposto em virtude deste avanço foi que não
se tratava de uma minoria de anormais, mas sim de um grande percentual da
31
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

população que estaria cometendo delitos, sendo, portanto, uma pequena parcela
criminalizada. O delito não seria então uma realidade natural ou ontológica,
senão resultado do etiquetamento de determinadas condutas sociais. Assim é
que simplesmente não seriam mais buscados os fatores causadores do crime
ou o que fazia com que um sujeito entrasse neste mundo, mas os motivos da
especificação penal e da seleção para a penalização.

Desse modo, ocorreu uma mudança de paradigma que poderia levar a um


avanço verdadeiro e significativo nas pesquisas com foco na ciência criminal,
dando início a um questionamento da própria definição de desvio e do status
de desviante, deixando de ser considerada a definição normativa estatal do
conceito de crime.

Após estas constatações e elaborações teóricas, tornou-se possível a superação


da ideia de delito como algo imposto e deu-se início a uma série de debates
sobre as causas e motivos da penalização, indo além, ou não, do propósito de
um fato típico. Outrossim, para que pudéssemos compreender o sistema, fazia-
se necessário a observação de como se dava o processo de etiquetamento na
dinâmica social e de que como seriam suas manifestações, constatando, desta
forma, as fases e características que são essenciais ao labelling.

Criminalização primária e secundária e a


construção da marginalidade
Devido à superação da visão clássica de criminologia, os teóricos do labelling
approach seguiram com os estudos para o desenvolvimento de percepções em
relação à construção social do delito. Dando seguimento ao referencial teórico
antecedente, que já expusemos aqui, observando que em distintas sociedades
podem existir distintos crimes e que a penalização não seria resultado natural
do propósito de um fato típico, uma vez que o grande percentual de infratores
que seguem impunes, iniciou-se a construção e a explicação do processo de
valorização social de condutas e sujeitos como desviantes ou delinquentes
(FILHO et. al., 2014).

Também podemos constatar a existência de um etiquetamento duplo, como


segue:

» relacionado a condutas;

» relacionado a sujeitos.

32
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

Desta forma, temos a criminalização primária e a secundária.

O 1 o processo está relacionado com a forma como determinados comportamentos


ou condutas sociais podem ser definidos como delitos em determinado contexto
social, determinação que, por seu turno, seria mais do que fruto dos danos
ou prejuízos sociais que podem ser gerados por uma prática ou ação, ou seja,
fruto da correlação de diversos fatores e concepções diante de um dado sistema
social.

O 2 o processo está relacionado à penalização efetiva dos sujeitos infratores,


levando em consideração que a cifra negra seria bem mais do que evidente
quanto à existência de um grande número de sujeitos que cometiam atos típicos
e, mesmo assim, não recebiam a devida penalização, mostrando-nos que o
rótulo de criminoso não seria fruto natural da infração penal, mas apenas
uma resposta a uma reação de repressão que é depositada socialmente sobre
certos sujeitos que cometiam determinados desvios.

Em virtude disso, surgiu a definição da existência de duas espécies de desvio,


que são o primário e o secundário. O primário está relacionado à primeira vez
que um sujeito se torna objeto de etiquetamento ou seleção como desviante, já
o secundário se refere às consequências sociais que levariam à marginalização.

Desta forma, o que se sustenta é que, após o primeiro etiquetamento, deveria ser
iniciado um processo de discriminação social, influenciando o aprofundamento
do desvio e da realização de novas condutas socialmente criminalizadas, tendo
como resultado um círculo vicioso de criminalização do sujeito. Também se
afirma que esse processo de marginalização seria garantido e produzido por
diversas instituições, como:

» o reformatório;

» a escola;

» a família;

» o hospício;

» outras instituições que constituiriam um continuum de criminalização


e controle social.

Assim, as distintas instituições que tinham, supostamente, o papel de reeducar,


gerenciar os conflitos sociais e garantizar a segurança e a paz social seriam
conforme a valorização socialmente depositada sobre elas, partindo da formação

33
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

da marginalização e da delinquência. Desta forma, de acordo com a realização


da observação ou exames, aconteceria a cristalização de determinados cidadãos
como marginais diante da sociedade e mesmo em relação à autoimagem do
sujeito, dando permissão e legitimidade a uma constante análise que desse
aprofundamento a situação de marginalidade.

O desenvolvimento da teoria do labelling approach não apenas permitiu o


abandono da visão normativa ou ontológica do desvio, como também deu
possibilidade a uma formação verdadeira de uma ciência criminológica
que ia além da função de instituição do sistema penal. Porém, após a
constatação dos processos de produção social e etiquetamento do delito,
ainda se fazia necessário o questionamento do poder de definição ou
etiquetamento penal, o que, em aliança com teorias que já abordavam uma
visão materialista e política do Direito, levava a um aprofundamento crítico
que geraria a criminologia crítica materialista.

Antecedentes teóricos formadores do


pensamento crítico materialista no âmbito da
ciência criminológica
Muniz Filho e Oliveira (2014) dizem que a compreensão materialista da
criminalização vai de encontro ao grande referencial teórico nas concepções da
utilização do aparato do Estado punitivo como um mecanismo de dominação.
Para que a concepção e a fundamentação dessa abordagem pudesse encontrar
uma importância especial, contava-se com a colaboração dos teóricos Foucault
com a obra Vigiar e punir: o nascimento da prisão, Kirchheimer e Ruche
com a obra Punição e estrutura social, além da própria colaboração de Marx
com diversos textos que também participaram da construção de uma visão
crítica a respeito da ideia de crime.

Entre os fundamentos que foram fornecidos inicialmente a partir desta


construção materialista, podemos destacar a ideia de que a criminalização e
as penas correspondem, sempre, à forma de produção da vida material de uma
determinada sociedade. Desta forma, não seria contínua nem homogênea a
definição das condutas consideradas criminosas e a forma de criminalização.
Ao contrário, esta forma sofreria modificações de acordo com as necessidades
de reprodução de um determinado sistema, não sendo um resultado simples
advindo das relações entre os cidadãos, mas efetivamente de determinações da
estrutura produtiva que estivesse vigente.

34
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

Um bom exemplo disso seria quando se verifica a explicação que foi dada à
mudança no tratamento do desvio e daqueles que o cometeram durante as
mudanças econômicas que ocorreram durante o século XIX na sociedade europeia
ocidental, época em que a punição de deslocava para o espetáculo punitivo do
suplício para crimes, principalmente os de “sangue” dos Estados Absolutistas,
para penas em que a liberdade era privada e sua aplicação crescia como resposta
contra crimes relacionados à propriedade privada, correspondendo à nova
forma de organização social e produtiva com base na liberdade de mercado.

Desta forma, tanto os crimes e as formas de punição, quanto os sujeitos


penalizados, por meio do avanço do sistema de produção capitalista, cambiariam
dos crimes contra a vida ou contra a integridade física para crimes contra a
propriedade, sendo estes cometidos por membros da plebe e que passariam a
ser cometidos pelos trabalhadores e sujeitos de classes mais baixas. Podemos
observar, também, a mudança da punição por meio do sofrimento do corpo,
passando para a limitação de um sujeito jurídico a partir da limitação de direitos
como a vida, tendo como auxílio a guilhotina, ou a propriedade, por meio do
uso de multas no lugar da tomada do próprio bem, os quais seriam retirados
com o mínimo de contato ou de manipulação física.

Parte dos teóricos que foram base da formulação do pensamento crítico


materialista afirmam que estas mudanças aconteceram porque, no modo de
organização absolutista, a execução penal e a criminalização deram base para
a manutenção da dominação real e a afirmação de poder do soberano. A partir
das revoluções burguesas e das mudanças da forma de organização da produção
que ocorreram no final do século XVII e princípio do século XIX, o controle
penal tinha o papel de disciplinar as camadas populares ao trabalho industrial e
o da repressão da resistência à exploração econômica, deixando o cárcere como
uma das instituições primordiais do modo de produção capitalista.

Diante destas mudanças estruturais é que se instaura a pena privativa de


liberdade, como a forma adequada ao modo de produção capitalista. Mas o
surgimento dela aconteceu a partir de um discurso de humanização da execução
penal, do fim do espetáculo, com o uso da punição já não mais como uma forma
de realização da justiça divina ou absoluta, mas, agora, como uma forma de se
evitar crimes por meio do tratamento dos sujeitos.

Desta forma, na visão crítica materialista predominante, não seriam apenas


discursos e esforços que objetivassem a valorização do sujeito que teriam
cambiado a gestão estatal do delito ou do delinquente, principalmente no que

35
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

tange à criação de uma política penal que pudesse resguardar de uma forma mais
ampla a propriedade privada, visto que não era viável a aplicação dos martírios
a todo pequeno furto e que, ao mesmo tempo, se pudesse dar disciplina para
o trabalho, de forma que os primeiros cárceres fossem verdadeiras instituições de
trabalho forçado.

Desta forma, seria uma grande comprovação da correlação da instauração do


modelo de produção capitalista e da utilização de um Direito Penal com foco
principal na pena privativa de liberdade, que os lugares onde são estabelecidos
os primeiros cárceres não se configuravam em reles penitenciárias em que o
encarcerado aguardaria até a aplicação de sua pena. Os primeiros países que
se industrializaram, como Holanda, Inglaterra, Estados Unidos e França,
onde foram estabelecidas as primeiras instituições prisionais com caráter
permanente, nos quais o encarcerado era condicionado ao trabalho, conforme o
modo de produção capitalista e a industrialização foram se instalando em cada
sociedade.

É importante destacarmos que, no processo de formação dos pressupostos


teóricos da criminologia crítica, o uso da teoria da pena seria uma retribuição
equivalente. Em decorrência da concepção marxista de valor de uso e valor
de troca e determinação da superestrutura pela estrutura produtiva, no
âmbito do Direito Penal, assim como nas relações produtivas são colocados os
binômios mercadoria/preço ou salário/trabalho, colocando a correlação entre
culpabilidade pelo dano causado pela conduta e o tempo da pena. Se, de um
lado, esses binômios podem apresentar distorções no âmbito produtivo, de
outro, também poderia acontecer no do âmbito jurídico. O salário que é pago
seria desproporcional ao produto do trabalho e a criminalização se daria de
maneira injusta, como, por exemplo, em um caso de perseguição intensa dos
pequenos crimes patrimoniais em face da ampla impunidade de danos graves
que são impulsionados por poderosos agentes econômicos.

Por meio destas obras e das construções teóricas, em conjunto com a utilização
contínua do materialismo histórico, deu-se início à formação de apontamentos
sobre a função estrutural da definição do desvio, cumprindo papel importante
em cada sistema de produção, não sendo isso um resultado neutro das relações
sociais. Desta forma, foram multiplicando-se e fortalecendo-se as construções
teóricas sobre a função exercida pelo poder da classificação social do crime e
do delinquente, propondo-se a investigar os mecanismos e funções estruturais
de escolha dos tipos penais, rotulação e penalização, para além dos objetivos
declarados, tidos como ideológicos ou de ocultação da realidade material, dando
início à base de investigação e à elaboração sistêmica da criminologia crítica
materialista.
36
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

Criminologia crítica materialista


Como já expusemos anteriormente, as criminologias etiológicas que indicavam
o delito de forma universalista, conforme uma realidade ontológica, em grande
medida, foram superadas pelos desenvolvimentos do labelling approach. É
por meio da compreensão do crime como uma construção e com bases teóricas
materialistas e críticas que são iniciados os questionamentos sobre o poder de
determinação dos tipos penais e de controle em relação ao etiquetamento e a
penalização, dando origem, desta forma, ao desenvolvimento da criminologia
crítica.

Por fim, muitos autores e teóricos podem ser enquadrados na criminologia


crítica, os quais passaram a investigar esse viés político do poder de rotulação,
não formando, desta forma, um campo de pesquisa homogêneo, mas sim
uma ferramenta metodológica que pode se adaptar a vários locais e tempos
diversos de investigação. Por meio do uso das ferramentas do materialismo-
dialético, adota-se ainda a ótima de análise da sociedade pela compreensão dos
mecanismos de produção da vida material. Em uma síntese mais clara, podemos
dizer que um modo de unidade entre as teorias criminológicas críticas seria a
consideração pertinente em relação ao poder do campo teórico de desconstrução
da visão igualitária do Direito Penal.

Criminologia crítica: pressuposto e limites


Como já é de nosso conhecimento, a criminologia nasceu como um processo
revolucionário do pensamento acerca da sociedade e dos sujeitos. De forma
mais específica, a criminologia crítica nasce como uma ciência responsável por
fazer análise dos aspectos negativos do sistema penal.

A criminologia crítica nos revela a existência de conflitos de interesse entre


aqueles que representam o povo e aqueles que são representados. Ela nos mostra
que existe uma seletividade nos presídios brasileiros, com o encarceramento
de um público de perfil bem específico. Boa parte da população carcerária é
composta sujeitos que cometeram crimes de tráfico de drogas, roubo e pequenos
furtos, sendo estes passíveis de recuperação, mas que acabam tornando-se
ansiosos e raivosos à espera de algum tipo de vingança contra um sistema que
é desumano e que não lhes forneceu nada além de enfermidades devido à falta
de higiene e da precariedade generalizada. Além daqueles que são mal julgados
e mal enquadrados, que nem em cárcere deveriam ser mantidos.

37
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

É importante salientar que a criminologia crítica nasceu da fragmentação


ocorridana criminologia, a qual foi essencialmente inspirada pela teoria do
etiquetamento. Como é de nosso conhecimento, a criminologia crítica foi
desenvolvida por meio da Teoria Crítica, que foi influenciada pela escola
criminológica de Berkeley, nos Estados Unidos. Segundo texto do site Conteúdo
Jurídico (2019), o grupo de Berkeley questionou as medidas políticas que foram
tomadas na época, formando, desta forma, profissionais e técnicos treinados
para ir contra o crime. Este grupo confrontou os reais interesses do Estado, visto
que deveriam oferecer, primordialmente, serviços básicos como, por exemplo,
educação e saúde, antes mesmo de mostra preocupação com a repressão.

A teoria crítica, quase que simultaneamente, também aparece na Inglaterra,


a partir de estudiosos que compreendiam que a solução para a diminuição
da criminalidade deveria acontecer, primeiramente, com o fim da exploração
econômica e da opressão das classes políticas. Assim, a teoria crítica apresenta-
se como inspirada no marxismo, defendendo que o capitalismo possa ser a
base da criminalidade, uma vez que o sistema capitalista acaba promovendo o
egoísmo e, desta forma, acaba levando os sujeitos a ações criminosas.

Pelo fato de a teoria crítica apresentar-se como uma teoria marxista, alguns
autores acabaram por criticar a criminalidade a partir do modelo econômico
trazido pelo capitalismo. É importante lembrar que, em países que apresentam
um sistema comunista, a criminalidade não deixou de existir. A China, por
exemplo, que tem seu governo com base comunista, faz uso da pena de morte
ao extremo objetivando a contenção da criminalidade.

A Criminologia Crítica deixa, então, de ser uma teoria da criminalidade


passando a ser uma teoria crítica e sociológica em relação ao sistema penal. Ao
se refletir sobre a própria criminologia, a Criminologia Crítica coloca-se como
uma criminologia da própria criminologia, levando em consideração a nova
definição que deu ao objeto e ao papel da investigação criminológica.

Desta forma, a Criminologia Crítica chegou com o objetivo de criticar a função


legitimadora e conservadora que, até então, a criminologia entregava ao
Estado, exatamente por não contestar nem sequer questionar os processos de
criação de leis penais ou os processos de discriminação e seleção, ao reservar o
endurecimento da lei às classes oprimidas.

Alguns autores afirmam que os criminólogos que são adeptos da criminologia


crítica distanciam-se dos padrões e das técnicas metodológicas das ciências
sociais. Menosprezam as investigações que são puramente empíricas, preferindo

38
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

utilizar um método histórico-analítico para a observação do processo por um


ponto de vista microssociológico e macrossociológico do fenômeno criminal. A
observação do desenvolvimento histórico das instituições, como a polícia e a
justiça penal, é um dos pontos de maior importância da criminologia crítica. É
por isso que os instrumentos estatísticos e metódicos ficam em 2 o plano, dando
uma ênfase maior às investigações descritivas, analíticas e situacionais.

Ainda assim, as formulações mais radicais acabam escondendo a falta de


dados empíricos para as teorias, uma vez que têm uma carga especulativa e
com pretensões generalizadas que carecem de fundamento. A questão de que
o conflito social pode acabar gerando crimes ou explicando determinados
comportamentos delinquentes é, sem dúvida, algo indiscutível, porém não
podemos afirmar que todo e qualquer crime tenha origem no conflito de classes,
razão por que muitas das teses, de tão filosóficas, tornam-se utópicas.

Algumas teses chegam ao extremo de defender que não é o delinquente que pode
ou deve ser ressocializado, e sim a sociedade que, por meio de uma revolução,
deveria ser transformada.

É importante também que salientemos que o êxito da ciência não pode ser usado
como argumento para tratar de forma padronizada os problemas que ainda não
foram resolvidos.

Hoje, a criminologia crítica ocupa-se principalmente da análise dos sistemas


penais que estão vigentes, com a sua atenção voltada completamente para o
processo de criminalização, na qual a mesma desigualdade advinda da sociedade
capitalista é bem visível na aplicação do Direito e da lei penal. É importante
salientar que as condutas delitivas dos sujeitos menos favorecidos são as
efetivamente perseguidas, ao contrário do que ocorre com a criminalidade dos
sujeitos de maior poder.

Assim, a criminologia crítica compreende que não existe neutralidade no


mundo real, por ser possível a observação de todo processo de estigmatização
da população marginalizada, sendo a classe trabalhadora o alvo principal do
sistema punitivo, em que se cria um temor da criminalização e do sistema
prisional com a finalidade de manter a ordem social além da estabilidade da
produção.

O sistema mostra-se essencialmente criminoso quando levamos em consideração


os crimes de racismo, a própria corrupção, o belicismo, e o que chamamos de
crimes do colarinho branco. Ainda assim, apenas se constitui como um problema

39
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

verdadeiro da sociedade capitalista o crime que é cometido pelas classes que


estão desprotegidas e que são efetivamente penalizadas.

Podemos afirmar que as principais características da Criminologia Crítica são:

» concepção conflitual da sociedade e do direito, ou seja, o direito penal se


ocupa da proteção dos interesses do grupo social dominante;

» reclama compreensão e até apreço pelo criminoso;

» crítica de forma severa a criminologia tradicional;

» o capitalismo seria a base da criminalidade;

» propõe reformas estruturais na sociedade para reduzir as desigualdades


e, assim, reduzir a criminalidade.

A criminologia crítica trouxe novas reflexões que geraram novos pensamentos


e que serviram para confrontar o sistema e o direito penal, os quais, todavia,
mantêm ainda em funcionamento ideias arcaicas, pelo simples fato de sustentar
uma sociedade capitalista controladora. Ou seja, estas novas ideias chegam
com o objetivo de desmascarar a falsa ideia de um direito penal como sendo
universal.

Para a criminologia crítica, existem 2 sistemas penais, a saber:

» formal: Ocorre quando o controle social se dá por meio de normas legais;

» informal: Ocorre por meio de mecanismos como educação, trabalho,


medicina, escola, entre outros, que atuam na preservação e regulação das
relações sociais.

O controle social informal precisa ser mantido em 1 o plano e, não se mostrando


exitoso, é necessário levar em conta o controle social formal.

Desde a época colonial no Brasil acontece essa divisão entre explorados e


exploradores. As liberdades individuais dos cidadãos não cabem a todos,
visto ser uma regra que não age de forma igualitária. A divisão da sociedade,
seguindo a lógica maniqueísta, dá-se entre os sujeitos considerados bons e os
considerados maus, fazendo com que os estudiosos questionem se as aplicações
do sistema penal são justas e autênticas, uma vez que são provenientes das
autoridades do mesmo sistema.

40
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

Alguns autores afirmam que as vertentes críticas compreendem que o conflito


social é controlado pelo poder político e econômico, inatingível e absoluto pelas
parcelas marginalizadas da sociedade. O crime advém do confronto de classes
sociais, em que uma exerce poder sobre a outra.

A orientação das leis para as classes menos privilegias feita pelas classes
dominantes constituem a criminalização primária, sendo a estrutura responsável
por sua aplicação, que envolve também a execução das medidas e das penas
de segurança, considerada como uma criminalização secundária, e ambas são
confrontadas pela criminologia crítica.

Um ponto importante e que devemos levar em conta é que não é algo recente
essa divisão social. A desigualdade social e a discriminação racial no Brasil estão
presentes desde a colonização e, de forma inacreditável, ainda estão fortemente
presentes na atualidade, ao passo que a falência do sistema penal faz com que
tais reflexos continuem e se tornem cada vez mais severos. O controle social é o
responsável por munir a separação de classe.

Desta forma, como já dissemos tantas vezes, são selecionados como delinquente
aqueles sujeitos marginalizados, principalmente porque o direito penal está
normatizado de forma a resguardar os interesses das classes dominantes. O
crime é definido no âmbito do controle social, pesando de forma desigual sobre
as classes sociais que são menos favorecidas.

De acordo com a teoria do etiquetamento, a criminologia traz um novo olhar


em relação à atuação dos sistemas de justiça, mostrando o maquinário que
faz com que o sistema penal funcione. O falso discurso e a falsa intervenção
jurídico-penal foram expostos e o crime passou a ser compreendido como um
comportamento que tem sua definição gerida pelos grupos de poder e que está,
então, de acordo com as suas visões morais sobre tais condutas.

Atualmente, as penas que são aplicadas dentro do nosso sistema, de forma


alguma combatem a criminalidade, apenas são facilitadoras para o seu
alastramento.

Segundo o site Conteúdo Jurídico (2019), o Levantamento de Informações


Penitenciárias, conhecido pela sigla INFOPEN, os dados foram levantados no
ano de 2016, mostram que um percentual de 65% da população carcerária do
Brasil é de cor negra e, um percentual de 35%, seria da cor branca. Estes dados
também mostram que um percentual de 51% dos sujeitos presos tem ensino
fundamental incompleto e 14% ensino fundamental completo. Ou seja, está é

41
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

uma população carcerária em que os sujeitos, em sua maioria, não chegaram ao


ensino médio.

Ainda segundo estes dados, boa parte dos sujeitos encarcerados são solteiros, o
que gira em torno de mais o menos 60%, enquanto 28% mantêm união estável
e apenas 9% são casados. Entre os sujeitos do sexo masculino, as principais
causas da prisão seriam:

» roubo (26%);

» tráfico (26%);

» turto (12%).

Já aos sujeitos do sexo feminino, temos:

» tráfico (62%);

» roubo (11%);

» furto (9%).

A partir destes dados, podemos observar a caracterização dos sujeitos apenados,


sendo eles, em sua maioria, negros.

No Brasil, o sistema progressivo de cumprimento penas tornou-se impossível


de ser praticado em sua forma plena, pois tanto a União quanto os Estados
Federados descumprem suas obrigações ao fecharem os olhos para a necessidade
nítida de construção de novos estabelecimentos prisionais adequados.

Os investimentos que são feitos no sistema penitenciários são mínimos, isso se


não pudermos chamá-los de nulos; ainda assim, a nova sistemática de execução
continua sendo um grande avanço, pelo menos quando falamos da parte teórica.
A precariedade do sistema penitenciário brasileiro pode estar ligada a distintos
fatores como o abandono, além da já citada falta de investimento e do descaso
do poder público.

Este sistema falho é resultado de uma aparelhagem penitenciária que é ineficaz.


De acordo com diversos autores, grande parte dos sujeitos presos no Brasil
não trabalha, e este tempo disponível que têm sem obrigações acaba tornando-
os verdadeiros acadêmicos das escolas do crime, que é o que as grandes
penitenciárias se transformaram.

42
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

O sujeito preso, enquanto desocupado, torna-se nocivo ao passo que também


se torna inútil e sua permanência no sistema carcerário acaba gerando um
custo 3 vezes maior que de um aluno do ensino fundamental no sistema público
de ensino. É de conhecimento geral que um ambiente insalubre atrai os mais
distintos tipos de enfermidades, e, no cenário atual do sistema penal brasileiro,
somado isso a falta de conhecimento por parte dos internos, acabam acontecendo
mortes sem que sequer os presos tenham recebido assistência médica.

Ainda segundo o site Conteúdo Jurídico (2019), durante o ano de 1997, uma
comissão composta por juristas e outros renomados nomes do Direito Brasileiro
ficou encarregada de elaborar um anteprojeto de Código Penal, o qual seria de
conhecimento público com a finalidade de receber sugestões. Este anteprojeto foi
publicado e recebeu críticas e sugestões as quais, inclusive, foram encaminhadas
pela ordem dos Advogados do Brasil - OAB. Uma comissão revisora fez a análise
das sugestões e, com isso, este anteprojeto foi encaminhado ao Congresso
Nacional. O objetivo era de modernização da parte especial do Código Penal e
as suas propostas tratavam de um direito penal de intervenção mínima e mais
democrático. Porém, infelizmente, não foi examinado pelo poder Legislativo.

Podemos afirmar que a criminologia é uma ciência que está relacionada,


diretamente, ao Direito Penal, e que, como já dissemos, está caracterizada
por estudar os desvios das normas penais e sociais (o crime, o delinquente, a
vítima e o controle social), juntando conhecimentos disponíveis e ordenados
que possam contribuir com o enriquecimento da atividade científica e do
entendimento da nossa realidade atual, por meio da interdisciplinaridade,
que é um meio eficaz e ideal de estudo, unindo os conhecimentos de forma
simultânea com a finalidade de somar suas experiências e, assim, possibilitar a
obtenção de resultados que sejam seguros, considerando o comportamento dos
diversos tipos de delinquentes.

Até aqui, pudemos compreender que a criminologia crítica é uma ciência que
faz a análise dos pontos negativos do sistema penal e pudemos verificar que o
processamento criminal atual viabiliza a criminalização permanente das classes
sociais que são desfavorecidas além da intensa proteção das classes dominantes
e detentores de capital. Essa realidade influencia diretamente no processo de
criminalização em suas etapas, que são:

» primária: por meio da elaboração dos tipos penais a partir dos


mecanismos legislativos capazes de ampliar a responsabilidade dos
sujeitos menos favorecidos e mitigá-la em relação aos mais favorecidos;

43
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

» secundária: relacionadas às punições, uma vez que as aplicadas às


classes dominantes são muito mais brandas em relação às camadas já
marginalizadas.

Esse evidente e elevado processo seletivo do sistema jurídico-penal, o qual


faz a doação de condutas que são importantíssimas e base para a criação de
etiquetas e estigmas sociais, que distinguem o sujeito e o excluem da sociedade,
prejudicando a finalidade substancial do direito como sendo instrumento de
controle social visando à igualdade a partir da inclusão social.

Para finalizar, podemos dizer que a criminologia crítica contribui para a


sinalização destas mazelas propiciando a reflexão sobre a realidade penal
brasileira que necessita de uma mudança urgente.

Aproveite para acessar o link https://aplicacao.mpmg.mp.br/xmlui/bitstream/


handle/123456789/332/criminologia%20critica_Lopes.pdf?sequence=1 e ler
o artigo intitulado A criminologia crítica: uma tentativa de intervenção (re)
legitimadora no sistema penal.

44
CAPÍTULO 3
Vitimologia e vitimização: aspectos
sociopolíticos e dogmáticos

Neste capítulo, abordaremos temas relacionados à vitimologia e à vitimização.

No campo das ciências que estão relacionadas com o Direito Penal, pensando de
forma mais específica no quadro da Criminologia, surgem muitas investigações
em relação à Vitimologia, a qual analisa a contribuição do ofendido como causa
ou condição do evento delituoso. Como exemplos rotineiros, temos os crimes
contra o sujeito (homicídio, lesões corporais, ameaça), os crimes contra o
patrimônio (furto, estelionato, roubo), os crimes contra os costumes (estupro),
além de muitas outras situações que também são comuns. Nessa legislação
especial, também surgem diversos casos nos quais o comportamento da vítima
pode acabar provocando ou estimulando uma ação criminosa, ainda que ela não
tenha tal propósito. Assim ocorre nos ilícitos contra o consumidor e no trânsito
de veículos automotores. Grande parte desses crimes de circulação acontece de
forma culposa.

Um ponto bem relevante é que não devemos confundir as expressões vitimologia e


vitimização, sendo a vitimologia uma disciplina científica auxiliar do Direito Penal
e a vitimização o processo de ofensa moral ou física tendo por objeto um sujeito ou
um animal.

Fazendo uma retrospectiva histórica, temos o nascimento do termo Vitimologia


no ano de 1947, quando um advogado de Jerusalém, conhecido pelo nome de
Benjamim Mendelsohn, realizou uma palestra com o título Um horizonte
novo na ciência biopsicossocial: a Vitimologia. Seu 1 o livro foi publicado
no ano de 1956, dando sustentação à autonomia científica da Vitimologia
em relação à Criminologia. Mendelsohn afirmou ser impossível fazer justiça
deixando a vítima de lado, então, estabeleceu uma classificação importante, a
saber (MAZZUTTI, 2011):

» vítima totalmente inocente: aquela vítima que não tem “culpa” na


infração penal, ou seja, não concorre de forma alguma para o evento
(p.ex., o infanticídio);

» vítima por ignorância: aquela que é menos culpada que o delinquente


(p.ex., andar em um lugar perigoso sendo imprudente);

45
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

» vítima tão culpada quanto o delinquente: aquela que dá causa ao


resultado (como a rixa, ou estelionato);

» vítima mais culpada que o delinquente: aquela que o provoca (p.ex.,


os homicídios privilegiados praticados após injusta provocação);

» vítima como única culpada: aquela que atenta contra si (p.ex., suicídio).

Existem ainda outras hipóteses do cotidiano forense que também podem ser
lembradas (MAZZUTTI, 2011). Vejamos:

» sujeito que ostenta joias e roupas caras em lugar que é frequentado por
sujeitos desempregados e com uma má formação moral;

» o motorista que provoca outros condutores no trânsito, dando as


chamadas fechadas;

» o sujeito jovem que desfila com trajes curtos à noite em lugar deserto
(este ponto é bem polêmico).

Outros autores também merecem destaque, como é o caso de Hans Von Hentig,
com a sua obra The criminal and his victim, publicada no ano de 1948, na
qual ele tratou das atitudes do sujeito passivo para colaborar com a ação do
delinquente (MAZZUTTI, 2011).

No ano de 1970, temos o VI Congresso Internacional de Criminologia, que


aconteceu na Espanha, trazendo a ideia de um Simpósio Internacional de
Vitimologia, o qual passou a ser realizado em várias partes do mundo, a partir
do ano de 1973.

No Brasil, os debates relacionados ao tema ainda são reduzidos, mesmo que


estimuladas a partir dos anos de 1970. No Paraná, por exemplo, foi realizado
um Congresso Brasileiro de Vitimologia no ano de 1984 e, neste mesmo ano, a
Sociedade Brasileira de Vitimologia foi fundada no Rio de Janeiro, onde logo
depois aconteceu o VII Simpósio Internacional de Vitimologia já no ano de 1991,
envolvendo debates sobre drogas, minorias e direitos das vítimas.

Segundo Mazzutti (2011), o estudo da vítima por uma perspectiva sistemática


do direito penal se efetiva nos seguintes quadros:

» na qualidade ou na condição do sujeito passivo;

» na natureza do interesse que é juridicamente protegido;

» nas várias formas de relação entre o sujeito ativo e o sujeito passivo da


infração;

46
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

» no sujeito passivo e elemento subjetivo do delito;

» na conduta do sujeito passivo para a prática da infração (investigação,


consentimento, concorrência de culpas etc.);

» no sujeito passivo quanto às condições do delito (relativamente às causas


de exclusão do ilícito – legítima defesa, estado de necessidade, estrito
cumprimento do dever legal – isenção de pena e circunstâncias;

» no comportamento do sujeito passivo após a consumação do delito, no


que se refere aos aspectos processuais (perdão, renúncia, retratação etc.).

Desta forma, podemos afirmar que essa nova disciplina científica se encarrega
não apenas dos diagnósticos e prognósticos do fato delituoso mas também de
buscar de proteção para as vítimas potenciais, por meio da orientação, ajuda e
advertência.

Mazzutti (2011) também nos traz um conceito de Eduardo Mayr, conceito esse
que auxilia na compreensão deste campo do conhecimento, afirmando que a
vitimologia seria o estudo da vítima naquilo que se refere à sua personalidade,
quer do ponto de vista biológico, social e psicológico, quer no de sua proteção
jurídica e social, assim como dos meios de vitimização, sua inter-relação com o
vitimizador e aspectos comparativos e interdisciplinares.

Daí que surge o uso da expressão Iter Victimae, que significa que seria o caminho,
externo e interno, que faz com que um sujeito se converta em vítima, ou seja,
o conjunto de etapas que se operam de forma cronológica, no desenvolvimento
de Vitimização.

Atualmente, a mídia busca demonstrar a necessidade de exacerbação de penas,


acreditando que o sistema de penas seja insuficiente para a prevenção e repressão
de forma adequada dos crimes mais graves, a exemplo dos atentados sexuais e
de violência familiar, confundindo os limites e os fins do Direito Penal e assim
propondo a maior intervenção penal em problemas que devem ser atendidos
por outras ciências e medidas estatais. Porém, é necessário reconhecer que
muitas reações eram insuficientes como demonstraram as estatísticas dos
Juizados Especiais Criminais em relação às infrações praticadas contra as
mulheres. É assim que surge a Lei Maria da Penha (n o 11.340/2006), a qual
objetiva a punição de forma mais grave em relação aos delitos contra as vítimas
da violência doméstica e familiar.

47
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

Ainda segundo Mazzutti (2011), no ordenamento jurídico pátrio, não obstante


a consagração dos estudos da Criminologia na Lei de Execução Penal (Lei n o
7.210/1984) – por meio da classificação do condenado pelo exame criminológico
(art. 8 o) –, pouco espaço normativo está, realmente, reservado à Vitimologia.
Ainda assim, é importantíssimo destacarmos a hipótese do homicídio privilegiado
pela violenta emoção, impulsionado pela provocação injusta da vítima (art. 121,
§ 1 o do Código Penal), ou pela sua atenuante genérica do art. 65, III, a e c
do Código Penal. Indo além, em diversos crimes, a participação da vítima é a
condição necessária para a realização do tipo, como ocorre, por exemplo, no
estelionato, quando por meio da ganância de obter dinheiro de forma fácil, a
vítima acaba caindo em erro, mediante um ardil ou artifício promovido pelo
agente. Na legislação especial, temos a Lei n o 9.099/1995, a qual cita a reparação
de danos sofridos pela vítima, orientando o Juizado Especial criminal a atuar
conforme os princípios da informalidade, oralidade, celeridade e economia
processual.

Mazzutti (2011) afirma que o maior destaque para essa nova disciplina está
contido no art. 59 do Código Penal, o qual exige do juiz, quando individualiza
a pena, o exame da conduta da vítima como causa ou condição do evento. A
propósito, declara o item 50 da Exposição de Motivos do mesmo diploma,
fazendo referência expressa ao comportamento da vítima, edificada, muitas
vezes, em fator criminógeno, por estar constituída em provocação ou em estímulo
à conduta criminosa, como, entre outras modalidades, o pouco decoro da vítima
nos crimes contra os costumes. Além destes, também existe uma presença
marcante nos crimes sexuais, em que o sujeito do sexo feminino ocupa uma
posição majoritária de proteção. Fala-se ainda no assunto quando da existência
do consentimento do ofendido.

Para finalizarmos, podemos observar a existência de um campo vasto de


pesquisa que permeiam a Vitimologia, os operadores jurídicos e os estudiosos
das ciências criminais precisam dedicar atenção maior ao fenômeno. E assim
precisa ser feito para que possamos conhecer melhor a realidade criminal e por
imperativo de justiça para os casos concretos.

Criminologia feminista e justiça de gênero


Segundo Weigert e Carvalho (2019), existe uma tensão entre a criminologia
crítica e a criminologia feminista, principalmente no que tange aos planos
epistemológico e político-criminal, sendo esta última, uma variável constante
nos debates do campo há, pelo menos, 3 décadas.

48
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

Mesmo que tenham sido consolidadas uma diversidade de hipóteses, ainda


temos um espaço amplo de problematização e, sobretudo, de aproximação entre
ambas as perspectivas criminológicas.

Os direitos das mulheres sufocados pelo


positivismo criminológico (o homem criminoso,
a mulher delinquente e a vítima nata)
Ainda segundo Weigert e Carvalho (2019), o salto qualitativo que é proporcionado
pela criminologia crítica fez crescer as pesquisas nas ciências criminais da
perspectiva micro até a perspectiva macrocriminológica. Ou seja, isso significa
que a criminologia crítica ampliou bem o campo de visão da criminologia quando
fez o direcionamento de sua análise às violências estruturais e institucionais e
aos fatores de seletividade e de vulnerabilidade que operam nos processos de
criminalização.

Podemos afirmar que, se a criminologia ortodoxa operou uma atomização do


objeto criminológico aos conflitos interindividuais, buscando identificar nos
atores que estão diretamente envolvidos no crime os fatores que explicam a
criminalidade, ou seja, o paradigma etiológico, então, a criminologia crítica
fez o redirecionamento desta lente objetivando a exploração dos processos
seletivos de criminalização e as violências que são produzidas pelas próprias
agências que são responsáveis pelo controle penal.

Levando em conta o que diz respeito, de forma específica, às mulheres que estão
envolvidas em situações de violência, tanto na qualidade de autoras como na
de vítimas de delitos, a criminologia ortodoxa acabou não procedendo de forma
distinta, uma vez que o conhecimento produzido sempre se mostrou limitado
à interpretação dos conflitos como resultado de uma dinâmica estritamente
privada, ou seja, microcriminológica. Desta forma, no marco do positivismo
criminológico, as violências que envolvem as mulheres foram sendo inseridas
em um horizonte de investigação em que a base interpretativa era e que, em
grande medida, continua sendo, fundamentalmente causalista.

Neste cenário de interferência científica delimitado pelo paradigma etiológico


figuram, como objeto de investigação, alguns personagens que foram elevados
a tipos criminológicos, a saber:

» o homem-abusador;

» a mulher-delinquente;

» a mulher-vítima.

49
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

Nas pesquisas ortodoxas feitas em relação ao homem delinquente, a


caracterização e a classificação dos agressores que praticam violências contra
as mulheres são realizadas basicamente a partir da espécie do crime que é
cometido. As imagens do delinquente são concentradas, fundamentalmente, em
3 estereótipos criminais não excludentes, que são:

» os criminosos sexuais, ou seja, os estupradores;

» os feminicidas, ou seja, aqueles que matam mulheres;

» os agressores domésticos.

O processo de elaboração de tipologias relacionada à delinquentes sexuais


sempre foi uma das primordiais tarefas impostas pela criminologia etiológica.
Não só por conta da associação tradicional da imagem do estuprador a um
sujeito irracional e insano, como também pela própria representação social
do estupro como um dos crimes mais graves e bárbaros que atinge, dia a dia,
as sociedades civilizadas. Mas, não por outra razão, este tipo criminológico se
torna central nas análises que são relativas aos fatores psicológicos da conduta
criminal, principalmente naquilo que tange à identificação e à classificação de
transtornos de personalidade que podem estar associados ao crime. Sobretudo
nas investigações que fazem a aproximação da criminologia ortodoxa com a
psicologia cognitivo-comportamental, ainda se mostram bem frequentes nos
trabalhos acadêmicos que são direcionados ao processo de elaboração de perfis
de estupradores, à identificação da disfunção psicológica que causa a violência
sexual e, por consequência, à construção de instrumentos de avaliação e predição
de crimes sexuais.

Os mais tradicionais estudos sobre criminologia positivista, pensando nas


formas de violência contra as mulheres, acabam por trazer uma diversidade de
pesquisas contemporâneas que direcionam a categorização etiológica, como, por
exemplo, os estudos para a identificação do perfil criminológico do feminicida
e do agressor doméstico e, principalmente no campo da saúde, de mapeamento
epidemiológico da violência doméstica.

O campo de análise da criminalidade feminina foi, inicialmente, desenvolvido


por meio da transferência e da adaptação das categorias biométricas,
antropológicas e psicológicas de classificação para a elaboração de um tipo
criminológico da mulher-delinquente.

50
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

Segundo Weigert e Carvalho (2019), o trabalho que dá um start nos estudos


sobre a criminalidade feminina é o livro de Lombroso e Ferrero, cujo título é
A Mulher Delinquente, a Prostituta e a Mulher Normal, publicado no
ano de 1893. Nesta obra, os autores delimitam as espécies de crimes que são
praticados pelas mulheres, como, por exemplo, os crimes de paixão, os sexuais, os
de maternidade, entre outros, apresentando as características antropométricas
e patológicas, além dos aspectos psicológicos e biológicos da prostituta e da
mulher-delinquente. Desta forma, criam uma sistemática similar àquela que
anteriormente acabou definindo o homem como criminoso: a criminosa-nata,
ocasional ou passional; a prostituta-nata e ocasional; as loucas, epiléticas e
histéricas.

Contudo, chama-nos atenção, na tipologia criada por Lombroso, o acréscimo


de uma categoria própria para as criminosas, que seriam as histéricas (Weigert
e Carvalho, 2019). Assim, a associação desta espécie de enfermidade mental
ao sexo feminino vai sendo gradualmente vinculada às mulheres criminosas,
de modo que elas também passam a ser estigmatizadas como loucas. Além do
mais, esta explicação acabou fornecendo uma resposta vista como relativamente
adequada à grande questão que movimentou os estudos criminológicos
relacionados à delinquência feminina: por qual motivo as mulheres acabam
delinquindo menos que os homens? E em que pese ao pensamento criminológico
sempre ter afirmado uma diferença quantitativa dos delitos que são praticados
pelas mulheres em relação à criminalidade masculina, qualitativamente o efeito
punitivo sempre se mostrou substancialmente mais severo, visto que o processo
de psiquiatrização a que as mulheres historicamente vêm sendo submetidas no
interior das agências de punitividade.

Desta forma, ao mesmo tempo que são impossibilitadas no sistema penal


por conta da baixa incidência de crimes, a resposta fornecida pelas ciências
criminais, no âmbito científico e pelas agências do Estado Penal, ou seja, pela
esfera político-criminal, é amplificada, pois associa práticas psiquiátricas e
punitivas advindas deste diagnóstico que combina enfermidade mental/crime/
gênero.

Indo além destas perspectivas biopsicológicas que deram base às análises


mais tradicionais da criminologia, a partir da década de 1960, por meio da
identificação do aumento do percentual de criminalização de mulheres, algumas
explicações derivadas do campo sociológico buscaram vincular este fenômeno
ao ingresso da mulher na esfera pública. Porém, apesar do estímulo sociológico,
estas análises acabaram concentradas em questões causais que explicariam a
diferença entre as tendências que impulsionariam mulheres e homens à prática
delitiva.

51
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

Também segundo Weigert e Carvalho (2019), os estudos trazidos por Von Hentig
(autor já mencionado), na década de 1950, fazem surgir uma nova perspectiva
no processo de identificação do papel dos sujeitos do crime e, por consequência,
acabam alterando a imagem tradicional da vítima como um ator passivo do
fenômeno delitivo. Von Hentig concentra suas investigações primeiramente
nas características que a vítima tem e que apressam o seu próprio sofrimento
e, em segundo lugar, no que tange ao relacionamento que se estabelece entre
agressor e a vítima. O processo de exploração da dinâmica criminal objetivou
a apresentação de um modelo em que a vítima fosse compreendida como peça
fundamental na situação de violência em razão de cooperar, consentir, conspirar
ou, até mesmo, provocar o delito.

Este processo de classificação das vítimas em tipologias similares àquelas que


caracterizam os criminosos possibilitou o reforço do entendimento etiológica,
desdobrando um modelo de vitimologia ortodoxa que reproduz os estereótipos do
positivismo. Como efeito imediato, temos a condução da pesquisa vitimológica
à conclusão de que as vítimas são, de alguma forma, culpadas pelo crime que
foi cometido contra elas mesmas. É importante salientar que estes primeiros
estudos, os quais foram inspirados fortemente no positivismo, acabam
reforçando e fazendo reviver investigações sobre as causas antropológicas,
biológicas e sociais que levam à determinação da vítima.

Paralelamente aos estudos de Von Hentig, trazidos por Weigert e Carvalho


(2019), coube ao vitimólogo Mendelsohn (o qual também já mencionamos) o
desenvolvimento de critérios de qualificação e quantificação da culpa da vítima
segundo sua menor ou maior contribuição ao delito, por meio das categorias
victim-precipitation e victim-pronesses. Esta graduação, que foi proposta por
Mendelsohn, que variaria entre a vítima que seria completamente inocente e
a vítima que seria completamente culpada, levou à elaboração de critérios de
valoração considerados altamente moralistas. E são exatamente estes padrões
morais, elevados a categorias científicas, que acabaram produzindo dobras de
vitimização, especificamente com a culpabilização da vítima pelo crime sofrido,
não apenas nos discursos cotidianos, mas também nas práticas do sistema penal.

Neste cenário em que a vitimologia positivista se junta à criminologia ortodoxa,


a mulher-vítima acaba ocupando um dos lugares de destaque no processo
de investigação científica. Por conta da matriz etiológica, estas pesquisas
poderão reforçar e reproduzir um modelo científico no qual a constituição da
personalidade e o comportamento feminino deverão ser interpretados como
fatores determinantes tanto da origem como da permanência da violência.

52
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

Portanto, podemos observar que, mesmo que a criminologia crítica tenha sido
responsável pela superação da criminologia etiológica por meio da desconstrução
dos fundamentos e das justificativas que foram apresentadas pelo positivismo,
existe uma evidente continuidade da tradição ortodoxa que segue invadindo
os estudos contemporâneos relacionados com o envolvimento das mulheres
nas dinâmicas delitivas. Em sentido análogo, apesar de a criminologia feminista
mais radical ter se mostrado capaz de, primeiramente, sofisticar as hipóteses
críticas e, logo em seguida, de aprofundar os questionamentos epistemológicos
e macrocriminológicos, permanece, ainda, consistente a tradição científica que
busca a redução destas formas de violência à interindividualidade.

Ainda segundo Weigert e Carvalho (2019), esta tendência microcriminológica que


foi desenvolvida pela criminologia positivista pode ser reproduzida em diversos
níveis por modelos dogmáticos e criminológicos com inspiração liberal. Neste
sentido, mesmo as perspectivas emancipatórias que dialogam com a criminologia
crítica e a criminologia feminista podem acabar reduzidas à problematização
das dinâmicas interindividuais em detrimento das institucionais e estruturais.

Por fim, o esforço teórico para mapear os diversos impactos do feminismo liberal
e do radical na criminologia surge exatamente deste problema e também da
hipótese central que inspira o estudo, ou seja, por meio da convergência prático
e teórica das tendências crítica e feminista, demonstrar como o feminismo
criminológico pode sofisticar e aprofundar a crítica ao positivismo trazida pela
criminologia crítica.

Criminologia Crítica e Criminologia Feminista:


as zonas de convergência antipositivista
Conforme exposto por Weigert e Carvalho (2019), a perspectiva microcriminológica
que foi desenvolvida a partir do paradigma etiológico e caracterizada pela
limitação dos conflitos seguiu para uma dimensão particular com ênfase na
identificação de características individuais, sobretudo psicológicas, as quais
constituiriam as identidades do criminoso e da vítima. Observando este ponto,
tanto a criminologia crítica como a criminologia feminista estão de acordo
naquilo que poderia ser chamado de pauta negativa, ou seja, no processo de
desconstrução dos fundamentos do positivismo e na problematização das
justificativas relacionadas às políticas criminais de intervenção punitiva.

As zonas comuns entre crítica e feminismo criminológicos acontecem, pois, em


3 dimensões fundamentais, a saber:

53
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

» na negação dos processos de pertinência dos sujeitos que estão


envolvidos nas condutas que são qualificadas como crime;

» na contraposição aos procedimentos institucionais de fragmentação e


de congelamento do conflito dentro de uma dimensão exclusivamente
interindividual;

» na substituição da perspectiva microcriminológica de criminalidade


pela noção macrocriminológica de criminalização.

O essencialismo, nos seus aspectos cultural ou biológico, está caracterizado


pela produção e pela reprodução de estereótipos sobre sujeitos ou grupos
identitários. Os processos de correlação são dinamizados pelo sujeito ou pelos
grupos rotulados, ou seja, correlação endógena ou, de forma oposta, hipótese
mais comum, são deflagrados nas interações socioculturais de rotulação das
diversidades, ou seja, correlação exógena.

Weigert e Carvalho (2019) afirmam, com base em Jock Young, que os processos
de correlação servem normalmente para garantizar privilégios e justificar as
desigualdades, ou seja, permitem a manutenção e aceitação de posições tanto
de superioridade como de inferioridade. Exatamente por conta de sua dimensão
totalizadora, os essencialismos culturais e biológicos fixam e naturalizam
imagens ou status, isto é, as representações sociais, e, como resultado, legitimam
diversas formas de exclusão por meio de ações políticas, uma vez que:

» proporcionam segurança ontológica ao fornecer uma impressão de


solidez à estrutura social;

» isentam responsabilidades ao excluir das ações humanas a dimensão


das escolhas, ou seja, a liberdade, desta forma, todo e qualquer
comportamento desviante ou danoso pode ser impedido pela
molécula causadora do vício no lugar de sê-lo pelo autor;

» justificam ações políticas que são inaceitáveis ao fornecer uma


eloquência fundada a partir da herança cultural ou da identidade
biológica;

» afirmam a superioridade quando legitimam as diferenças entre


sujeitos e grupos, inclusive no que diz respeito às dimensões raciais,
de gênero ou de classe;

54
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

» garantem unidades de interesse ao padronizar determinados valores


como universais, ou seja, a reivindicação de uma unidade essencial de
interesse entre todas as mulheres, negros etc., permite que diferenças
de status e privilégios no interior desses grupos sejam ignoradas e,
algumas vezes, de forma conveniente;

» permitem a autotutela individual ou de grupos ao projetar no outro a


responsabilidade por problemas sistêmicos.

Por meio da teoria do labeling approach, a saber, uma condição teórica


necessária para a entrada da criminologia crítica, sendo consolidada a
perspectiva desconstrutora da correlação do criminoso em sua representação
mais evidente, qual seja, aquela produzida pela figura pictórica lombrosiana
do sujeito delinquente.

Podemos afirmar que este processo rotulador é o modelo que consolida a crítica
à correlação dado que importantes antecedentes teóricos já teriam feito o
apontamento de problemas metodológico e epistemológicos na fundamentação
do estudo do crime pela ideia de criminalidade, ou seja, na compreensão do
crime como um atributo natural ou uma qualidade inerente de determinados
sujeito. Por exemplo, Freud, citado por Weigert e Carvalho (2019), na parte final
do trabalho Vários tipos de caráter descobertos no trabalho analítico,
publicado no ano de 1916, no estudo que ele chamou de O Criminoso por
Sentimento de Culpa, mesmo que ainda operando desde um modelo
etiológico, nega a possibilidade de universalização de uma causa única que
explicasse as diversas formas de agir delitivo; Sutherland, também citado por
Weigert e Carvalho (2019) no clássico Criminalidade de Colarinho Branco,
publicado no ano de 1940, ao propor o modelo da associação diferencial como
hipótese para compreensão da totalidade dos comportamentos delitivos, acaba
por desvincular o delito das condições psicopáticas ou sociopáticas vinculadas
à pobreza e situa a conduta criminal no campo da aprendizagem.

Todavia, segundo Weigert e Carvalho (2019), é por meio da obra chamada


de Punição e Estrutura Social, publicada no ano de 1939 por Rusche
e Kirchheimer, a qual foi validada Thorsten Sellin e Edwin Sutherland e foi
considerada o um grande marco inaugural para a criminologia crítica, que a
perspectiva essencial das ciências criminais passa, então, a ser organicamente
questionada. Primeiramente, porque os processos de essencialização são
problematizados desde um marco teórico e metodológico contraposto e
consistente em relação ao modelo positivista etiológico; depois, porque o tema

55
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

da essencialização passa a ser inserido como objeto no campo dos problemas


propriamente criminológicos.

Outrossim, as tradicionais teorias da pena consideraram a punição como algo


eterno e imutável, contrariando qualquer tipo de investigação histórica. Neste
contexto, a partir de um modelo crítico de análise, seria de extrema importância
-se de escrever a história enfocada na ideia da punição, enfrentando, pois, as
questões relativas aos chamados métodos de punição, notadamente porque
as teorias da pena seriam totalmente insuficientes para explicar o fenômeno
punição. Desta forma, alguns teóricos rompem com a concepção ilustrada de
existência de um vínculo existente entre o delito e a pena em que a sanção
seria a consequência natural do delito ou uma forma eficaz para consecução de
determinados fins. A punição deveria, então, ser investigada como um fenômeno
autônomo dos conceitos jurídicos de delito e de pena. Se a relação entre delito e
pena é, na perspectiva crítica, algo artificial pelo fato de existir apenas no plano
do direito, inexistiria, desta forma, um critério universal que estabelecesse uma
simetria entre o dano provocado pelo delito e a sanção atribuível àquele que
viola a norma.

A demonstração da falta de nexo de causalidade entre o crime e a pena, levando


em consideração a hipótese da historicidade da punição, vai desdobrando-
se de forma inevitável na afirmação da própria historicidade do crime, ou
seja, se a pena não decorre naturalmente do crime, porque está condicionada
pelas relações materiais, o crime, então, não constitui um universal absoluto
ou uma qualidade inata do sujeito. Desta forma, poderíamos concluir que as
condições históricas não definem apenas as formas de punição, mas igualmente
os seus pressupostos, independentemente de quais sejam, das hipóteses de
criminalização. Da pena compreendida como consequência natural do crime,
os estudos críticos são direcionados ao fenômeno punição; da exploração
criminológica das causas da criminalidade, a nova perspectiva problematiza os
processos de criminalização.

Conforme alguns teóricos afirmam, é possível dizer que o crime como tal
não existe; existem somente sistemas de criminalização concretos e práticas
criminalizadoras específicas. No dicionário da criminologia crítica, a lei penal
cria o criminoso, o delito e a pena, mas não o contrário. Não existem atos
ou sujeitos criminosos em si e a sanção não é uma consequência orgânica do
delito; existindo, na realidade, processos de criminalização e formas concretas
de punição. O efeito imediato da tese é o da desconstrução da base científica

56
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

que dá sustentação e instrumentaliza a essencialização do delito, do criminoso


e da pena criminal, ou seja, a criminologia positivista.

Após serem redefinidos os fundamentos e os pressupostos das categorias


centrais de investigação, isto é, o delito, o criminoso e a pena, o campo de
pesquisa das ciências criminais rompe com os limites da análise fragmentada
nos envolvidos no conflito, ampliando seu horizonte à exploração
macrocriminológica. Neste ponto, é possível estabelecer a diferença entre os
estudos micro e macrossociológicos para entender o salto qualitativo produzido
pela crítica nas ciências criminais. A análise em microssociologia está centrada
em sujeitos ou grupos pequenos. É diferente da macrossociologia, que está
centrada sobre sistemas sociais em grande escala, como o sistema político ou a
ordem econômica.

Em paralelo e para além do conflito interindividual, ingressam como


objetos de exploração criminológica os processos de criminalização e as
reações institucionais ao desvio punível. Porém, como desdobramento da
macroanálise, não apenas as violências institucionais, mas as violências
estruturais, notadamente a relação de dependência existente entre o sistema
político e econômico e o sistema de controle social punitivo é inserida na lente
criminológica.

Se a criminologia crítica desenvolveu parâmetros para problematizar a


essencialização do autor da conduta desviante, as criminologias feministas,
por meio deste acúmulo antipositivista, poderá denunciar as teorias causais
relativas à criminalidade feminina e à vitimização da mulher.

Neste aspecto, podemos compreender que a contribuição do feminismo radical


é que, inegável e efetivamente, permitir avançar na crítica à essencialização
dos autores e das vítimas de crimes e, consequentemente, consolidar uma
visão macrossociológica que incorpora, em seu discurso criminológico, o
reconhecimento dos mecanismos de inferiorização das mulheres nas sociedades
modernas. Mecanismos deflagrados por processos marcados não apenas
pelo viés político e econômico do capitalismo, mas, inclusive, pelos âmbitos
socioculturais do sexismo e do racismo. Assim, é adequada, para esta reflexão,
a contraposição entre as 2 distintas formas de expressão do feminismo, a saber:

» o feminismo liberal;

» o feminismo radical.

57
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

Podemos dizer que a característica principal do feminismo liberal seria a


sua dimensão marcadamente reformista, levando em consideração que suas
práticas e seus discursos buscavam avançar no processo de emancipação das
mulheres dentro dos limites da luta pela igualdade no interior das instituições
dos Estados de Direito. Suas ações estão concentradas, principalmente, na
dimensão institucional, por meio de políticas de alteração legislativas e, em
seguida, da busca pela sua efetividade. Seguindo um sentido um tanto distinto,
o feminismo radical parte da ideia de que a subordinação das mulheres nas
sociedades modernas é resultado da naturalização de estruturas sociais e de
processos institucionais edificados na exclusão e na violência e não apenas pela
diferença.

Esta 2 a onda do feminismo, a qual damos o nome de feminismo radical,


aponta para o fato de que a discriminação contra as mulheres tem como base
a dominação e não a distinção. Exatamente por transferir o debate feminista
da perspectiva liberal-individualista fundada na diferença para a dimensão da
dominação ou do poder é que o feminismo radical fornece uma contribuição
singular à criminologia crítica.

Desde o interior do campo das ciências criminais, observamos uma maior


dificuldade do feminismo liberal em ultrapassar os limites da investigação
microcriminológica. Apesar de crítico à tradição naturalista, a qual enfatiza
bem a origem biológica da diferença entre homens e mulheres e de inserir o
problema da discriminação no âmbito das relações culturais e sociais, esta
perspectiva liberal necessita do reconhecimento das dimensões institucional e
estrutural da violência e, principalmente, da exposição dos processos sociais da
opressão à mulher.

Nas ciências criminais, o ponto ápice do debate no âmbito das diferenças


trouxe resultados positivos que impactam de forma direta a vida das mulheres
autoras e vítimas de crimes. Como exemplo, no plano das mulheres autoras
de crime, a importância de sublinhar o caráter eminentemente masculino das
instituições prisionais e a necessidade de reforma e adaptação dos presídios
femininos de maneira a garantizar às mulheres não apenas os mesmos direitos
que os homens, mas afirmar direitos que lhes são próprios, como o de gestação,
permanência com os filhos após o parto e amamentação. Em um 2 o plano, em
relação às mulheres vítimas de violência, foram significativos, e podemos trazer
como exemplos os avanços a partir da criação de juizados específicos para o
enfrentamento da violência praticada no âmbito doméstico com a Lei Maria
da Pena e a proposição de novas formas de realização de depoimentos, com a

58
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

preservação da imagem e da intimidade das mulheres, notadamente nos crimes


sexuais praticados contra crianças, adolescentes e jovens.

Observe que estas questões, que são encaminhadas e projetadas desde uma
perspectiva liberal-garantista de tutela dos direitos, não são laterais ou
secundárias. Pelo contrário, refletem condições de possibilidade de melhorar a
dignidade da mulher no sistema penal e devem ser respeitadas, assim como as
demais pautas da primeira onda do movimento feminista.

Porém, mesmo sendo pautas libertadoras e fundamentais neste processo


histórico de conquista da igualdade das mulheres, não chegam a ultrapassar
a dimensão do reformismo e, no plano criminológico, podem se aproximar
daquelas perspectivas ortodoxas que já expusemos e que interpretam, desde a
matriz positivista, temas e problemas das ciências criminais tradicionais por
meio da especificidade de gênero.

Ao centralizar a discussão na esfera da dominação patriarcal, o feminismo


radical coloca, em última instância, os problemas relacionados à violência
contra a mulher na dimensão do exercício do poder e, por consequência, é
o que mais se aproxima da criminologia crítica, estabelecendo, desta forma,
um diálogo extremamente fértil e, em grande parte das vezes, convergente.
Mesmo que existam diversas dimensões e perspectivas no interior do próprio
feminismo radical, é na análise específica da violência contra a mulher que
é possível perceber a importância do foco na formação e na manutenção da
cultura de dominação masculina.

Então, ao redimensionarmos a análise da violência contra a mulher fazendo


sua inserção no âmbito da violência patriarcal, ou seja, compreendendo a
violência de gênero como uma expressão cultural e histórica do exercício
de poder de domínio que os homens impuseram às mulheres com o fim de
garantizarem privilégios nas dinâmicas sociais, o feminismo radical propõe
uma análise macrocriminológica que aprofunda a crítica à essencialização. Se a
fragmentação do conflito é uma das causas da essencialização dos desviantes, a
criminologia crítica e o feminismo radical deverão, então, incorporar em suas
gramáticas, a dimensão do poder, salientando os efeitos que são provocados
pelo capitalismo e pelo patriarcalismo na interpretação das múltiplas formas
de violência. Compartilham, então, a mesma pauta negativa a qual projeta a
pesquisa criminológica do estudo micro da criminalidade à investigação macro
dos processos de criminalização e de vitimização.

59
UNIDADE I │ VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

Criminologia crítica e criminologia feminista:


redefinição das indagações a partir do giro
rotulacionista
Weigert e Carvalho (2019) afirmam que uma das principais questões que vem
ocupando a criminologia positivista no que tange o debate de gênero é a de
estabelecer a qual a diferença e mapear quais são as causas que deflagram os
comportamentos criminosos masculino e feminino.

Então, ao superarem as perspectivas que são essencialmente psicológicas e


biológicas, algumas hipóteses sociológicas destacam avanços emancipatórios
que foram conquistados pelo movimento de mulheres, como, por exemplo, o
ingresso no mercado d trabalho, como causa que pudesse impulsionar o aumento
da criminalidade feminina. Na revolução social dos anos de 1960 havia, de
alguma forma, uma masculinização do comportamento feminino virilizado na
conduta social e criminosa da mulher, circunstâncias que forneciam uma nova
explicação causal à criminalidade feminina. A nova mulher era aquela que, a
partir de sua emancipação poderia ingressar no mercado de trabalho, estando
cada vez mais ativa no mundo político e social. Desta forma, estaria mais
propensa e exposta aos fatores criminógenos, tornando-a vulnerável inclusive à
prática de crimes mais graves. Todavia, estas premissas teóricas acabaram não
sendo comprovadas de forma empírica e a nova mulher criminal acabou sendo
mais um dos mitos construídos pelo positivismo criminológico.

Indo além desta imagem ilustrativa que monstra a capacidade de renovação


das perspectivas essencializadoras, podemos destacar como estes modelos
teóricos conversam ou são inspirados com a tese liberal da diferença entre o
comportamento do homem e o da mulher delinquentes. Busca-se a identificação
nas próprias bases etiológicas, nas condutas feminina e masculina, relacionando-as
a determinados fatores ou tendências criminosas. As dimensões estrutural e
institucional das violências, especialmente os vínculos existentes entre os atos
praticados pelas mulheres e os processos de criminalização decorrentes do
modelo patriarcal, ofuscam a análise do problema, conforme foi denunciado
pelo feminismo radical.

Neste contexto, podemos assumir a perspectiva rotulacionista como condição


necessária para o desenvolvimento das criminologias crítica e feministas,
sendo possível redimensionar as perguntas que entrelaçam as questões penal e
criminal com as de gênero, a partir das imagens consolidadas pela criminologia
ortodoxa no senso comum e teórico da criminologia. Se as pesquisas etiológicas

60
VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA │ UNIDADE I

estão concentradas fundamentalmente nas questões, por que as mulheres


praticam menos crimes que os homens? Depois, por que certas mulheres
praticam crimes? E, por fim, por que certas mulheres têm mais tendência à
vitimização do que outras?

As criminologias feministas, especialmente a radical, por meio do acúmulo


crítico macrocriminológico, apontariam outras indagações possíveis, como:
por que certas condutas femininas são criminalizadas? Depois, por que
determinadas mulheres são mais vulneráveis à criminalização? Em seguida,
por que determinadas mulheres são mais vulneráveis à vitimização? Então,
por que determinadas causas de justificação são aplicadas aos homens e não
se adaptam às circunstâncias vivenciadas pelas mulheres? Seguindo, por que
a conduta da mulher-vítima de violência é, em diversas situações, valorada
negativamente conduzindo inclusive à exclusão da ilicitude do fato ou a reduzir
a reprovabilidade do ato delituoso? Também, por que as penas aplicadas às
mulheres, em situações semelhantes aos crimes praticados por homens, tendem
a ser mais altas? Por fim, por que determinados direitos são assegurados aos
homens e negados às mulheres presas?

Por fim, exceder a fixação criminológica na etiologia e, em decorrência, na


essencialização, por meio das lentes feminista crítica e radical, permite-nos
analisar com a devida profundidade as circunstâncias que podem aumentar a
vulnerabilidade da mulher à criminalização e à vitimização.

Aproveite para ler a dissertação intitulada A legislação de enfrentamento


à violência contra as mulheres e uma concepção de justiça de gênero no
Brasil: uma análise da lei maria da penha e do feminicídio sob a perspectiva
da criminologia feminista, disponível pelo link http://www.repositorio.ufal.br/
bitstream/riufal/3426/1/A%20legislação%20de%20enfrentamento%20à%20
violência%20contra%20as%20mulheres%20e%20uma%20concepção%20
de%20justiça%20de%20gênero%20no%20Brasil_%20uma%20análise%20
da%20Lei%20Maria%20da%20Penha%20e%20do%20Feminicídio%20sob%20
a%20perspectiva%20da%20criminologia%20feminista.pdf.

61
POLÍTICAS E UNIDADE II
CULTURA

CAPÍTULO 1
Política criminal e direitos fundamentais

Mesmo com suas diferenças, as teses sobre contrato social não renunciam ao
principal, que seria a construção de uma ordem que possa prescrever os valores
e as condutas para o bem viver, enumerando uma série de proteções que devem
ser garantizadas por ela. Não é à toa que figuras como o Leviatã e a Vontade
Geral acabam sendo fundamentadas tanto no aspecto de sua superioridade ética
como naquilo que eliminam ou evitam.

Na promessa de garantizar a harmonia do convívio social e o fim da barbárie,


além da necessidade do Estado e de sua forma jurídica, o contrato se torna um
roteiro até mesmo para autores contemporâneos, como Luigi Ferrajoli em seu
Direito e Razão, que atualiza a iminência da morte violenta para a profecia da
anarquia punitiva (NICOLITT; NEVES, 2017).

Assim, o protegido no contrato seria o próprio fundamento de sua existência e,


ao mesmo tempo, também o limite do poder político para que os proteja ou os
promova. Desta forma, o Estado de Direito nasce junto com o Estado que, nas
suas relações com os sujeitos, submete-se a um regime de direito, quando, então,
a atividade estatal pode desenvolver-se apenas fazendo uso de um instrumental
regulado e autorizado pela ordem jurídica, assim como os cidadãos, tendo a sua
disposição mecanismos jurídicos que estejam aptos a salvaguardá-los de uma
ação abusiva do Estado (NICOLITT; NEVES, 2017).

Nas constituições modernas, expressão legal do contrato social, são chamadas


de direitos fundamentais o positivado relacionado a dignidade do homem, sendo
sua existência centralizadora no que tange ao ordenamento jurídico como um
todo. Sobre esta centralidade na Constituição Brasileira, podemos dizer que
existem 2 fundamentos ligados, mas, ao mesmo tempo, distintos. Existe o
fundamento filosófico, o qual dá conta da centralidade axiológica do homem

62
POLÍTICAS E CULTURA │ UNIDADE II

e de sua dignidade; e um fundamento jurídico, o qual reflete a centralidade


filosófica do homem, organizando o sistema jurídico em torno e em função dos
direitos fundamentais prevendo mecanismos que possam reforçar esse status
diferenciado, de que são exemplos a técnica das cláusulas pétreas e a existência
de remédio específico de proteção daquilo que a Carta de 1988 chama de preceitos
fundamentais, categoria na qual se encontram os direitos fundamentais.

A Política Criminal, por sua vez, é vista como o conjunto de princípios e de


recomendações para a transformação ou reforma da legislação criminal e dos
órgãos encarregados de sua aplicação. Surge como uma ciência, ou seja, como
um discurso que objetiva sua fundamentação em diferentes aspectos para
dar base as suas escolhas. Desta forma, a política criminal seria, então, um
ramo da ciência política, voltado para o controle dos comportamentos que
são socialmente negativos e das situações problemáticas. Comparando ainda
com um aspecto mais amplo, a política criminal pode ser compreendida como
a parente pobre da política social, uma vez que que as leis penais costumam
recair sobre os mais despossuídos, por conta da atividade da criminalização
secundária.

Independentemente da política criminal que é adotada, ou seja, entre a


considerada mais conservadora até a considerada alternativa, seu escopo se
dá em precisar os efeitos das decisões legislativas e judiciais e, então, notificar
ao juiz, ao dogmático e ao parlamentar o que seriam as consequências reais
daquilo proposto por um e decido pelos demais, desta forma, como informar-
lhes sobre o sentido político geral do quadro de poder em que tomam suas
decisões, o qual pode ser liberal ou autoritário, garantidor ou policial, isto é,
reforçador ou debilitador do Estado de Direito.

Seguindo, Nicolitt e Neves (2017) afirmam que, conforme apontam os juristas


tanto do Brasil como da Argentina, a política criminal não é neutra, tampouco
os signos que a definiram previamente. Lutar contra a criminalidade e defender
a sociedade são abstratos e acabam tomando interpretações distintas, podendo
ser por um saber liberal, positivista ou marxista.

De acordo com o que dissemos até aqui, podemos dizer que fica claro que,
independentemente do discurso que se pretenda adotar para fazer a análise da
realidade do sistema penal com vistas a fundamentar uma política criminal, esta
mesma está intimamente ligada aos direitos fundamentais. Tanto existe para,
no que tange à sua especificidade, persegui-los, como também está limitada
pelo respeito à garantia de que eles não sejam violados. Ou seja, uma política

63
UNIDADE II │ POLÍTICAS E CULTURA

criminal possível dentro de um Estado de Direito, o que significa dizer que,


fora deste limite, teríamos a descrição não de uma política criminal, mas da
explícita suspensão do Estado de Direito.

O controle social, que é normalmente compreendido como privativo à questão


criminal, não está limitado a legislações penais, tampouco a penas privativas de
liberdade. Tanto se controla uma sociedade por toda a sua estrutura institucional,
em sua funcionalidade e efeitos, como por uma série de criações de expectativas
que podem gerar obediência e unidade comportamental. Não é à toa que
distintos proponentes relacionados ao fim do sistema penal fazem questão de
diferenciar sua posição entre oferecer uma alternativa e simplesmente lutar por
seu desaparecimento.

Legalidade

Conforme já vimos, a Constituição surge como o 1 o diploma de uma ordem


jurídica, ou seja, uma nova carta magna a qual propõe uma nova ordem a ser
defendida e, por consequência, novas especificações centrais e centralizadoras
na forma de direitos fundamentais. As leis que nascem após a nova Constituição
dela derivam ou por ela são avaliadas. Desta forma, o Direito Constitucional
Positivo é construído a partir do conjunto de normas jurídicas que estão em
vigor e que têm o status de normas constitucionais, ou seja, que são dotadas de
máxima hierarquia dentro do sistema.

Na relação Estado e sujeito, a qual é mediada pelo contratualismo, a liberdade


é compreendida como uma ideia, um bem que é limitado pelas leis que concorrem
para a maior potencialização de livre desenvolvimento do sujeito.

Dispondo da sua liberdade, condicionando-se ao modo de vida que é emanado


pelo contrato, compreender quais atos não violariam os limites dispostos por
ele se torna uma consequência natural da funcionalidade da prescrição de
condutas que harmonizem o convívio humano. Pensando nas proibições, uma
das funcionalidades seria a dissuasão de suas práticas, e decorrentes efeitos
de eventual transgressão. A partir da revolução burguesa, esse raciocínio,
principalmente no que tange ao âmbito penal, tornou-se o mais importante
estágio do movimento então ocorrido na direção da positividade jurídica e da
publicização da reação.

64
POLÍTICAS E CULTURA │ UNIDADE II

Desta forma, este raciocínio que deposita na lei sua garantia para delimitar
no que o contrato não afetaria a sua liberdade e, mais ainda, como o faz, é
reconhecido como o princípio da legalidade.

O princípio da legalidade constitui uma limitação real ao poder do Estado de


interferência na esfera das liberdades individuais, gerando a previsibilidade da
intervenção do poder punitivo do Estado e a confiança e predisposição a aceitar
e participar, submetendo-se ao tratamento criminal, caso seja condenado,
compreendido como o sentimento de segurança jurídica que pode ser verificado
à medida que são garantidos os direitos fundamentais.

Sendo apresentado entre os direitos e garantias fundamentais da constituição


e, também sendo ratificado nos diplomas infraconstitucionais e internacionais,
a abrangência do princípio interpreta a ameaça legal como a atividade do
legislador, sua aplicabilidade pelo juiz e sua execução pela administração.

Desta forma, a lei não apenas exclui as penas ilegais como também constitui a
pena legal, ou seja, existe um padrão mínimo que é mensurado pela produção
legislativa constitucional.

O discurso dominante da execução penal é que seu sujeito e razão de ser é o


indivíduo que está preso, o que importa no reconhecimento de que, entre a
sentença declarada e sua execução, existe uma disparidade que é irreconciliável.
Enquanto a pena cominada entendida como o parâmetro temporal-linear
aplicada na condenação se trata de uma resposta universal fundamentada
em uma homogeneidade, sua compreensão pela concreta execução da pena a
investe de garantias que são reconhecidas nas leis e disposições constitucionais,
vinculando não apenas a sua atividade executiva como atestando sua respectiva
jurisdicionalidade.

Por fim, para Nicolitt e Neves (2017), o que temos disposto na Constituição
sobre a Individualização da Pena (Art. 5 o, XLVI) opera como a única exceção ao
princípio da legalidade, significando que esta garantia não se opera em prejuízo
do condenado e que todo o corpo legal que disciplina aplicação de penas, da
proscrição das penas cruéis a prescrição das penas legais, tem na forma jurídica
destas as sanções que são aplicadas pelo Estado que não interferem nos outros
direitos e garantias dos presos, raciocínio disposto pelo Código Penal e pela Lei
de Execuções Penais.

A evidência de que a sistemática dos diplomas legais consubstanciem normas


de efetividade formal, pois tratam da própria legitimidade da Constituição e do

65
UNIDADE II │ POLÍTICAS E CULTURA

Estado de Direito, seu respeito, ou seja, a aplicação de penas legais são medidas
pela execução penal operada a partir de todos os seus desígnios positivados,
entendendo estes como mínimos, sendo qualquer violação entendida como
desvio de execução, suspendendo, desta forma, sua legalidade e servindo como
fundamento de sua revogação, tendo em vista a ilegalidade da pena. Uma
política criminal no gênero penitenciário que respeite os direitos fundamentais
e que está pautada pelo estrito cumprimento das normas.

Letalidade
Para Nicolitt e Neves (2017), fosse a anterioridade pública e explícita do exercício
estatal condição sine qua non para que ele se desenvolvesse, como os teóricos
da racionalidade contratualista, moderna ou contemporânea, defenderam, em
matéria de execução penal, isto seria impossível.

Excetuando-se a hipótese do medievo de castigos corporais, não se sabe


quais seriam os efeitos do sequestro existencial operado pelo presídio, e,
ainda que se destacassem a natureza frustrante e castradora ao extremo do
encarceramento, junto da sua privação de liberdade, de bens e serviços, de
autonomia e de segurança, uma obviedade estaria positivada em lei, que seria a
incompatibilidade da prisão com o projeto do humanismo iluminista.

Ainda assim, a frutífera atividade legislativa na questão não foi em vão, o que
significa dizer que, se o tempo existencial é incomensurável, ou seja, não gerou
efeitos para a vedação do encarceramento pelo legislador, a anterioridade do
exercício do Leviatã no delineamento penal se dá no corpo legal que delimita
o castigo, o que significa dizer que, fora deste design positivo, a pena é ilegal.

Sobre a execução penal ilegal ou a violação de direitos fundamentais ou o


exercício ilegítimo do Estado, não apenas é notório como chegou às Cortes
Supremas, tendo elas decidido tanto pela interferência do judiciária ao executivo,
no que tange às obras de infraestrutura, que não cessam tampouco reparam
as violações a direitos e garantias, quando muito figuram como promessas
de correto cumprimento de uma ou outra disposição legal, assim como pela
implementação das Audiências de Custódia que estão prendendo mais do que
soltando.

Assim, tanto o Executivo como o Judiciário medem forças de maneira análoga


à questão doutrinária sobre a natureza da execução penal, se esta é meramente
administrativa ou jurisdicionalizada, em uma maior ou menor escala.

66
POLÍTICAS E CULTURA │ UNIDADE II

Na expectativa de examinar a possibilidade de uma Política Criminal, em


especial no gênero penitenciário, possível em um Estado de Direito, podemos
concluir que a experiência brasileira em seus âmbitos legislativo, judiciário e
executivo seria, então, um fracasso quanto à legalidade e um sucesso em sua
letalidade.

67
CAPÍTULO 2
Expansionismo penal na sociedade
punitiva

Os avanços tecnológicos e científicos, o advento de novas políticas criminais,


enquadrados no contexto capitalista vigente, alteraram a concepção do Direito
Penal. Os meios de comunicação divulgam constantemente notícias ligadas, de
alguma forma, à criminalidade cotidiana.

Diante de uma sociedade de risco, as soluções midiáticas estão sempre ligadas


à neocriminalização ou neopenalização, convidando o Direito Penal a atuar,
inclusive, em novos ramos, como a economia, o ambiente, ou o consumo.
As propostas são sempre dirigidas ao aumento das hipóteses típicas ou
ao recrudescimento das penas já existentes, consistindo em verdadeiro
expansionismo punitivo.

A sociedade, por sua vez, amedrontada diante da violência veiculada, cede


diante dos apelos dos comunicadores de massa e passa a aderir às teses de
maior criminalização e da criação de leis que inviabilizem a possibilidade de
recuperação do agente e seu retorno ao convívio social.

Exemplo prático da atuação do Direito Penal Contemporâneo de maneira


máxima são as propostas de emendas que visam a abolir direitos e garantias
individuais, tendentes a implementar as penas de morte e de prisão perpétua
no Brasil, ainda que contrariem o disposto no artigo 60, §4 o, IV, da Constituição
Federal.

No contexto do expansionismo punitivo, surge, em sentido diametralmente


oposto ao movimento abolicionista, o chamado movimento de Lei e Ordem,
propagador de um discurso do Direito Penal Máximo. A mídia, no final do
século passado e início do atual, foi quem divulgou citado discurso. Desse
modo, profissionais não habilitados (jornalistas, repórteres, apresentadores)
se julgaram habilitados a criticar as leis penais e, como dito anteriormente,
convenceram a sociedade a acreditar que, mediante o recrudescimento do
Direito Penal, livrar-se-ia daquela parcela de indivíduos não adaptados.

O sensacionalismo e a transmissão de imagens chocantes que causam revolta na


sociedade permitem que esta, acuada, acredite que a solução só se dá por via do
Direito Penal. O Estado Social foi substituído pelo Estado Penal. O necessário

68
POLÍTICAS E CULTURA │ UNIDADE II

investimento em políticas públicas de ensino, saúde, lazer, cultura e habitação


é deixado em segundo plano, em detrimento do setor repressivo.

Insta ressaltar o exemplo norte-americano, principalmente do movimento


chamado Tolerância Zero, criado no começo da década de 1990, na cidade de
Nova York. Trata-se de uma vertente do movimento de Lei e Ordem, cujo objetivo
é fazer com que o Direito Penal proteja, basicamente, todos os bens existentes
na sociedade, não importando seu valor. Assim, cumpre um papel de cunho
educador e repressor, não permitindo que condutas socialmente intoleráveis,
ainda que de pouca relevância, deixem de ser reprimidas.

Ainda no contexto do Movimento de Lei e ordem, surge o chamado direito


penal de emergência. Nesse sentido, diante de situações de urgência, exige-se
uma atuação rápida e eficiente do Direito Penal. Em tese, o direito penal de
emergência teria vigência até a resolução dos problemas que ensejaram sua
criação. Contudo, a tendência é que se torne usual e o urgente se transforme em
perene.

Novamente, ressalta-se o clamor social, ou, melhor ainda, o clamor midiático,


como um dos propulsores da legislação de emergência, a exemplo da lei n o
8.072/1990, que definiu os crimes hediondos e afins.

O Direito Penal Máximo agrega, também, o chamado Direito Penal do Inimigo,


desenvolvido pelo alemão Gunter Jakobs, na segunda metade da década de 1990.
Nesse sentido, o Direito Penal não precisa observar princípios fundamentais,
uma vez que não se estaria diante de cidadãos, mas, sim, de inimigos do Estado.

Para melhor compreensão das ideias citadas, transcreve-se as palavras de


Jakobs sobre da sua teoria:

Quem, por princípio se conduz de modo desviado, não oferece garantia


de um comportamento pessoal. Por isso, não pode ser tratado como
cidadão, mas deve ser combatido como inimigo. Resta guerra tem
lugar em um legítimo direito dos cidadãos, em seu direito à segurança,
mas diferentemente da pena, não é Direito também a respeito daquele
que é apenado; ao contrário o inimigo é excluído. (CANAL CIÊNCIAS
CRIMINAIS, 2018).

O que se percebe é que o direito penal do inimigo prevê uma minimização


de regras garantistas, de forma a tratar o criminoso como um estranho à
comunidade.

69
UNIDADE II │ POLÍTICAS E CULTURA

Direito penal mínimo: crítica ao expansionismo


punitivo
Depois de exposto o contexto expansionista punitivo em que vive o Direito
Penal Contemporâneo, imperioso se faz atestar a falácia do discurso repressivo.

Sabe-se que a criminologia tenta, por meio de suas vertentes teóricas, explicar
os vários tipos de criminalidade, à medida que busca resolver a origem dos
desvios que importem na prática de infrações penais. O que não se pode permitir,
contudo, é a propagação do falso argumento de que o homem criminoso é
incorrigível por ter um defeito de caráter, que o impede de agir conforme os
demais cidadãos.

Surge, portanto, a necessidade de aderir a uma concepção mais equilibrada,


estabelecida pelo chamado Direito Penal Mínimo. O seu discurso, coerente
com a realidade social, apregoa, em síntese, que a finalidade do Direito Penal
é a proteção tão somente daqueles bens necessários e vitais ao convívio em
sociedade. É por esse motivo que Rogério Greco (2011) o intitula de “Direito
Penal do Equilíbrio”.

Desse modo, a adoção do Direito Penal Mínimo é ferramenta essencial que


possibilitará ao aparato policial investigar apenas os casos de real importância.
Incontáveis infrações penais, nessa lógica, deverão ser retiradas de nosso
ordenamento jurídico-penal, possibilitando a agilidade necessária na solução
de condutas que afetem bens jurídicos de especial relevo.

O discurso repressivo atende somente aos anseios da classe dominante, que


nele vislumbra um instrumento de coação cuja finalidade básica é atender
egoisticamente seus interesses. O que se precisa aferir, contudo, é que a
própria sociedade não toleraria a punição de todos os seus comportamentos
antissociais, os quais, inclusive, a classe dominante está acostumada a praticar
cotidianamente.

Ao analisar o comportamento social, percebe-se que os indivíduos apenas


aprovam a aplicação rígida do Direito Penal quando ela é dirigida a estranhos e
não se volta contra eles mesmos, suas famílias ou amigos.

Como se viu, o Direito Penal Máximo pretende que ele mesmo seja protetor de,
basicamente, todos os bens existentes na sociedade. Nesse raciocínio, procura-
se educar a sociedade sob a ótica penal, de modo a criar-se um Direito puramente
simbólico e impossível de ser aplicado.

70
POLÍTICAS E CULTURA │ UNIDADE II

Essa atuação, no entanto, acaba por conduzir à falta de credibilidade do Direito,


posto que, quanto mais infrações penais, menores são as possibilidades de
serem efetivamente punidas as condutas infratoras. O Direito Penal, portanto,
torna-se ainda mais seletivo e maior a cifra negra. Nesse sentido, as palavras de
Rogério Greco (2011):

Na verdade, o número excessivo de leis penais, que apregoam a promessa de


maior punição para os delinquentes infratores, somente culmina por enfraquecer
o próprio Direito Penal, que perde seu prestígio e valor, em razão da certeza,
quase absoluta, da impunidade.

O expansionismo punitivo leva ao afastamento do alvo principal, que são as


infrações de grande potencial ofensivo que atingem os bens mais importantes
e necessários ao convívio social, estes que, na lógica do Direito Penal Mínimo,
deveriam ser protegidos, apenas.

Vale frisar que não se trata de deixar impune um comportamento que mereça
a reprovação do Estado. Contudo, existe um rol de sanções de naturezas
diversas (civil, administrativa etc.) que podem cumprir esse papel de reprimir
comportamentos que não são tolerados socialmente, mas que, por outro lado,
também não podem sofrer os rigores da lei penal, visto que, se assim o fosse,
vislumbrar-se-ia a banalização do direito de liberdade do cidadão.

Dessa maneira, ao contrário dos movimentos antagônicos citados anteriormente,


o Direito Penal Mínimo representa uma posição equilibrada, tornando-se uma
via razoável de acesso para que o Estado possa valer seu ius puniendi sem agir
de maneira arbitrária e ofensiva à dignidade dos seus indivíduos.

Por fim, é preciso mostrar à sociedade a verdadeira face do Direito Penal,


revelando que este seleciona os sujeitos que serão punidos e perde tempo
demasiado com infrações de pequena ou nenhuma importância, enquanto
processos mais graves sofrem as consequências da justiça morosa. O Direito
Penal Mínimo, nessa lógica, apresenta-se como alternativa viável e equilibrada
que, longe de defender a ausência de sanções penais, significa combater
efetivamente o alvo principal do direito, qual seja, infrações de maior potencial
ofensivo.

71
CAPÍTULO 3
Cultura de controle e encarceramento
em massa

A necessidade de segurança e o ataque à violência formaram a principal pauta


das discussões que são encabeçadas pelas lideranças políticas, principalmente
nas últimas eleições, quando os brasileiros optaram, nas urnas, pelo ataque
pesado ao crime e ao criminoso, elegendo um candidato que defendia o porte de
armas para os considerados cidadãos de bem e as intervenções militares como
resposta ao crime organizado.

Nesse sentido, é importante ressaltar que o resultado das últimas eleições reflete
fortemente a cultura do punitivismo, como resposta à violência e à desigualdade
social que assolam a sociedade brasileira. Há evidente sede de justiça e de
justiceiros. Contudo, pouco se refletiu sobre os reais efeitos da punição e do
encarceramento no Brasil. Mas será que essa cultura do punitivismo vale a pena?
Será que esta cultura do positivismo não aumenta, ainda mais, a violência?

O país tem cerca de 700 mil sujeitos em situação de cárcere, ou seja, não existe
uma precisão certa sobre o número de sujeitos que estão encarceradas em cerca
de 1.430 estabelecimentos prisionais brasileiros (este dado foi divulgado pelo
DEPEN no ano de 2014).

No ano de 2001, a taxa de presos por 100 mil habitantes era de 135. Porém, após
pouco mais de uma década, essa cifra subiu para 306, ou seja, mais que o dobro.
Portanto, podemos concluir que existe um movimento de encarceramento em
massa que visa a erradicar a violência, punir e livrar a sociedade de bem dos
criminosos.

Porém, os índices de violência demonstram de forma clara que não houve


qualquer melhora mesmo com o aumento exponencial de presos no Brasil. No
ano de 2016, por exemplo, pela primeira vez na história, o número de homicídios
no Brasil superou a casa dos 60 mil em um ano.

Outrossim, é importante citar que os números apurados no Atlas da Violência


de 2018, produzido IPEA e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Foram apurados 62.517 assassinatos cometidos no país no ano de 2016, o que
coloca o Brasil em um patamar equivalente a 30x maior do que o da Europa.
Sendo assim, apenas na última década, 553 mil brasileiros perderam a vida por
morte violenta, o que se consubstancia em um total de 153 mortes por dia.

72
POLÍTICAS E CULTURA │ UNIDADE II

Analisando de forma fria os números, podemos constatar que punir e encarcerar


já não gera qualquer resultado positivo que possa contribuir para a diminuição
da violência. A continuidade das prisões desmedidas, apenas para a defesa do
caráter retributivo da pena e como resposta a demanda trazida por diversos
setores da sociedade, também já não será capaz de gerar qualquer resultado
eficaz.

A pretensão social forma agentes estatais que se travestem de verdadeiros


heróis. O ponto central é que esse não é o papel do Poder Judiciário e, portanto,
suas decisões não podem nem devem ser orientadas pelo clamor de uma plateia
que esteja faminta de justiça e de vingança.

A população prisional vem crescendo de forma acelerada desde a metade da


década de 1990, ou seja, há mais ou menos 30 anos, e, não obstante, não vemos
quaisquer resultados práticos nas ruas. É necessária uma oxigenação total do
sistema carcerário, principalmente freando o seu crescimento exacerbado,
investindo-se fortemente na recuperação e ressocialização da massa e no
fortalecimento das penas alternativas.

Também vemos faltar uma articulação efetiva entre os 3 Poderes para que sejam
implementadas políticas de segurança e de justiça, que não vislumbrem apenas
o encarceramento como uma medida punitiva, mas sim como uma forma de
reinserção e de recuperação do sujeito delinquente, objetivando trazer ao povo
brasileiro tudo aquilo que ele clamou nas urnas, sem, contudo, dar-se conta que as
velhas medidas simplórias não serão capazes de resolver os velhos problemas
complexos.

Minimalismo e abolicionismo penal: formas


alternativas de controle
Em um Estado Democrático de Direito, uma Constituição se caracteriza mais
por consagrar direitos individuais e sociais que contemplar poderes do Estado,
voltando-se para o mister de efetivar restrições aos poderes estatais em favor
dos cidadãos.

Nesse contexto, os valores ou bens jurídicos tutelados pela norma penal passam
a ter estreita ligação com os valores fundamentais do homem e da sociedade
garantidos pela Constituição. Esta se apresenta como a origem e diretriz para o
Direito Penal, determinando seus fundamentos e fixando os seus limites. O jus
puniendi do Estado, assim, é limitado pelo próprio texto constitucional.

73
UNIDADE II │ POLÍTICAS E CULTURA

Também é possível constatar uma gama de princípios informadores do Direito


Penal que, característicos do Estado Democrático de Direito, passam a ter
assento constitucional, tais como o da legalidade dos crimes e das penas, o
da culpabilidade, o da humanidade, o da personalidade e da individualização
da pena, entre outros. Tais princípios, relacionados aos valores que são
constitucionalmente protegidos, consagram a dita constitucionalização do
Direito Penal.

A partir da constitucionalização do Direito Penal, ganha relevo o valor da dignidade


da pessoa humana, alavancando debates sobre a intensidade, a proporção e a
efetividade da intervenção estatal a partir das normas penais e de suas drásticas
consequências nas vidas dos sujeitos. Das principais críticas ao sistema de
justiça penal, destacam-se os movimentos abolicionista e minimalista, que,
propondo a radical supressão do sistema penal por outras instâncias
d e c o n t r o l e social e a máxima redução deste sistema, respectivamente,
mostram-se ambos como movimentos deslegitimadores do sistema penal
vigente.

Abolicionismo
O nascimento do abolicionismo remonta ao final da Segunda Guerra Mundial,
como uma reação humanitária gerando uma fase tecnicista. Mas foi nas décadas
de 1960 e 1970 que o movimento abolicionista ganhou força, devido às teorias
sociológicas que se afirmavam na época e se dividiam em tendências diversas.

As críticas abolicionistas inspiraram manifestações e revoltas estudantis e


juvenis por toda a Europa Ocidental. O objetivo vislumbrado era o de buscar uma
solução para a violência que não tivesse como base a violência, pacificando os
conflitos sociais por meio de modelos de atuação que pressupõem o princípio do
acordo indivíduo-indivíduo, privilegiando o diálogo e substituindo a disciplina.

A proposta abolicionista desenvolveu-se a partir da criação de alternativas


para o processo de Justiça Criminal, de natureza legal ou não legal, propondo
a criação de micro-organismos sociais que tenham como base a solidariedade e
a fraternidade, visando à reapropriação social dos conflitos entre agressores e
ofendidos e a criação espontânea de métodos ou de formas de composição.

Encaramos o sistema penal como um problema social, ou seja, um mal social


que mais cria problemas que os resolve devendo, por isso, ser abolido, dando
vida às comunidades, às instituições e aos sujeitos.

74
POLÍTICAS E CULTURA │ UNIDADE II

É possível referir-se ao abolicionismo como uma perspectiva teórica e como


movimento social. Enquanto práxis, o abolicionismo teve líderes que iniciaram
os grupos de ação ou pressão contra o sistema penal e que se engajaram em
organismos que contavam com a participação de presos, técnicos, liberados,
simpatizantes, familiares, sujeitos, enfim, gente com experiência prática no
campo da criminalização. Para melhor exemplificarmos, temos Foucault, o qual
deu início ao Grupo de Informação sobre os cárceres; já Hulsman deu início à
Liga Coorhhert, a qual apresentava todos os anos um pressuposto alternativo
para o Ministério da Justiça; já Mathiesen, por sua vez, deu início à Associação
norueguesa para a reforma penal no ano de 1969, organização que, em conjunto
aos seus contrapontos escandinavos, ou seja, o KRUM da Suécia no ano de 1966
e o KRIM da Dinamarca e da Finlândia no ano de 1967, declarou como objetivo
estratégico a abolição do sistema carcerário. Existem notícias de organizações
com os mesmos fins na Inglaterra e até mesmo nos EUA.

Como perspectiva teórica, temos uma pluralidade de variantes do abolicionismo,


as quais contemplam motivações diversas para a abolição. Entre as mais
notáveis, pomos observar a variante estruturalista de Michael Foucault;
a variante materialista, de orientação marxista, do norueguês Thomas
Mathiesen; a variante fenomenológica do holandês Louk Hulsman; e a variante
fenomenológico-historicista de Nils Christie. Destacam-se também Sebastian
Scheerer (Alemanha) e Heinz Steinert (Áustria).

Observa-se, desta forma, que não existiu uma dita essência para o abolicionismo
ou mesmo uma teoria única que abarcasse os aspectos de todas as variantes do
movimento. O ponto coincidente que se pode distinguir em toda essa diversidade
é exatamente a busca, comum a todas as variantes, de caminhos e objeto da
abolição, isto é, a extensão, os métodos, as táticas e os consequentes impactos
sociais.

A perspectiva que tira qualquer autoridade abolicionista, entre as suas distintas


correntes, tem como base algumas críticas centrais contra o sistema penal. Uma
delas seria o descrédito que se atribui à prevenção geral, afirmando que o direito
penal seria incapaz de motivar comportamentos subjetivos com a finalidade
de evitar os crimes, dado que, como desgosto da incriminação, muitos crimes
continuam a ser repetidos de forma sistemática.

A prevenção especial é, igualmente, posta em xeque pelos abolicionistas. A prisão,


local onde pretensamente se operaria a ressocialização e a reintegração dos
infratores ao meio social, ao contrário, dessocializa, desumaniza e estigmatiza
os apenados, revelando-se um verdadeiro fator criminógeno.

75
UNIDADE II │ POLÍTICAS E CULTURA

É também contestada a função garantista do Direito Penal, pois a lei, vocacionada


a restringir a intervenção do Estado na esfera individual, ao reverso, autoriza e
legitima essa intervenção.

O sistema penal ainda é criticado por ser arbitrariamente seletivo, pois, assentado
sobre uma estrutura social profundamente desigual, angaria sua “clientela” entre
os mais miseráveis, reproduzindo, assim, a injustiça e desigualdade sociais.

Aliado a isso, também se critica o fato de que o sistema criminaliza um número


muito superior de condutas do que o que está capacitado para lidar de forma
efetiva, sobrecarregando os órgãos que são incumbidos da repressão criminal e
impedindo que funcione de fato. Ainda assim, o sistema penal atua apenas com
um número muito reduzido de casos, devido às “cifras ocultas” da criminalidade,
o que torna regra a imunização e não a criminalização.

Também são criticados o fato de que o sistema penal estereotipe tanto a vítima
quanto o delinquente, tratando todos da mesma forma, como se todas as
vítimas tivessem as mesmas reações e necessidades, ignorando por completo
as singularidades dos sujeitos. A respeito da vítima, podemos dizer que ela é,
no processo penal, duplamente perdedora, primeiramente em face do infrator
e, em seguida, do Estado, que a exclui de qualquer participação de seu próprio
conflito, uma vez que este é levado a cabo por profissionais.

Além das críticas que mencionamos aqui, podemos somar as direcionadas à


atuação reativa e não preventiva do sistema penal, a sua atuação mediata ou
tardia em relação à prática do delito e o fato de não ser o sistema penal inerente
às sociedades, uma vez que, antes da lei penal, havia outras formas de manejar
os conflitos e resolver os problemas no meio social.

Nada obstante a amplitude e diversidade dos fundamentos metodológicos que


reforçam o movimento abolicionista, não são poucas as críticas que se levantam
contra os seus propósitos. Frequentemente acusado de romântico ao abordar o
problema da criminalidade, o movimento abolicionista foi duramente criticado
por Ferrajoli, para quem, mesmo numa sociedade em que não houvesse
delinquência, um modelo de autorregulação social espontânea seria um modelo
normativo irremediavelmente utópico, assentado sobre pressupostos ilusórios
de uma sociedade boa e de um Estado bom, o que representaria, certamente,
uma regressão no que concerne aos meios de controle social.

76
POLÍTICAS E CULTURA │ UNIDADE II

Minimalismo

O minimalismo tem em sua base as mesmas críticas que os abolicionistas


levantaram contra o sistema penal, diferenciando-se destes por disseminar
a necessidade do direito penal, mesmo que reduzida a sua incidência a um
mínimo necessário, restrita a um núcleo absolutamente essencial de condutas
particularmente danosas.

Considerando a pena a intervenção como a mais radical na liberdade do sujeito


que o ordenamento jurídico permite ao Estado, a visão minimalista ordena
que não se deva recorrer ao direito penal e sua gravíssima sanção, existindo a
possibilidade de garantizar proteção suficiente por meio de outros instrumentos
jurídicos não penais.

A adoção da ideia da mínima intervenção penal como guia para uma política
penal, afirma Alessandro Baratta, pretende ser uma resposta à questão acerca
dos requisitos mínimos a respeito dos direitos humanos na lei penal. O conceito
de direitos humanos assume, nesse caso, uma dupla função.

Já a subsidiariedade, ou seja, o princípio de descentralização do poder,


pressupõe a fragmentariedade, derivando, assim, de sua consideração como
remédio legalizador extremo, o qual deve ser ministrado somente quando
outro se mostre como ineficiente. A utilização do Direito Penal, nas ocasiões
em que outros meios ou procedimentos bastem para a preservação ou para a
reinstauração da ordem jurídica, não tem legitimidade social e, ainda, contraria
os fins do direito.

Da mesma forma que se dá com relação ao abolicionismo, alguns autores fazem a


diferenciação entre uma dimensão teorética e outra pragmática do minimalismo.
Como perspectiva teórica, o minimalismo mostra-se profundamente
heterogêneo, existindo aqueles que são meios para o abolicionismo, aqueles
que são diferentes de minimalismos como fins em si mesmos e ainda aqueles
minimalismos reformistas.

Podemos citar aqui, entre os mais notáveis modelos teóricos do minimalismo,


todos com fundamentações diversas, o do italiano Baratta, com fundamentação
interacionista-materialista; o do penalista argentino Zaffaroni, com
fundamentação interacionista, foucaudiana e latino-americanista; e o do
italiano Ferrajoli, com fundamentação liberal iluminista.

77
UNIDADE II │ POLÍTICAS E CULTURA

Já o minimalismo, em sua dimensão pragmática ou como reforma penal, designa


um movimento que, no embalo do princípio da intervenção mínima, do uso
da prisão como última ponto e da busca de penas que lhes sejam alternativas,
desenvolveu-se desde a década 1980 e, no Brasil, por conta da reforma penal e
penitenciária de 1984, com marcos como a introdução das penas alternativas
(Leis 7.209 e 7.210/1984), a edição da atual lei das penas alternativas (Lei
9.714/1998) e a implantação dos juizados especiais criminais estaduais (Lei
9.099/1995) para tratar dos crimes de menor potencial ofensivo.

Estas reformas vêm operando no sentido de uma eficácia invertida, do ponto


de vista do sistema penal, contribuindo, de forma paradoxal, para ampliar o
controle social e relegitimar o sistema penal.

Por fim, a partir da década de 1970 do século XX, o abolicionismo e minimalismo


passaram a ocupar o cenário do controle social e das políticas criminais nas
sociedades capitalistas. O contexto em que emergem é o da deslegitimação
dos sistemas penais e, como resposta a ela, o abolicionismo propõe a extinção
do sistema penal por completo, substituindo-o por formas alternativas de
resolução de conflitos, enquanto o minimalismo defende, associado ou não à
utopia abolicionista, sua máxima contração.

Não obstante a diversidade que ambos os movimentos apresentam no plano


teórico, no campo prático, partindo de críticas a situações patentes do cotidiano
do sistema penal, o abolicionismo e o minimalismo oferecem ferramentas
úteis ao aprimoramento do sistema e à defesa da sociedade, no que concerne à
contenção da violência e proteção dos direitos humanos.

Apesar do inegável sucesso desses movimentos, sobretudo no âmbito acadêmico


e, por vezes, nos planejamentos reformistas do sistema, nota-se que no Brasil,
devido às fortes pressões populares contra a disseminada criminalidade, a
realidade legislativa não espelha respaldo semelhante.

É o que se pode notar diante da criminalização de infrações contra o meio


ambiente (Lei n o 9.605/1998) e de infrações de trânsito (Lei n o 11.705/2008), o
que revela uma tendência, na verdade, ampliadora do Direito Penal em relação
às condutas por ele abarcadas. Ao contrário de soluções de conflitos sociais ou
da aplicação de um processo abrandador de penas, na prática do legislativo
brasileiro, vê-se um processo de criminalização com o emprego da via penal,
ainda que o caráter punitivo tenha finalidade tão somente simbólica.

78
DIREITOS UNIDADE III
HUMANOS

Como definição, os direitos humanos são direitos inerentes a todo e qualquer


ser humano, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma,
religião ou qualquer outra condição.

Nos direitos humanos, podemos incluir o direito à vida e à liberdade, à liberdade


de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos
outros. Todos, sem qualquer discriminação, devem ser merecedores destes
direitos.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos, conhecido pela sigla DIDH,


estabelece as obrigações dos governos de atuarem de determinadas formas ou
de absterem-se de certos atos, a fim de promover e proteger os direitos humanos
e as liberdades de grupos ou indivíduos.

Desde o estabelecimento das Nações Unidas, em 1945, um de seus objetivos


fundamentais tem sido a promoção e o encorajamento do respeito aos direitos
humanos para todos, conforme estipulado na Carta Magna das Nações Unidas,
disponível no site dessa entidade.

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta


da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade
e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e
mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores
condições de vida em uma liberdade mais ampla, […] a Assembleia
Geral proclama a presente Declaração Universal dos Diretos Humanos
como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações
[…] Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948.
(201-?).

Comumente, compreendemos os direitos humanos como aqueles direitos que


são inerentes ao ser humano. Esse conceito reconhece que cada ser humano
pode desfrutar de seus direitos sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião,
opinião política ou de outro tipo, origem social ou nacional ou condição de
nascimento ou riqueza.

79
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

De forma legal, também são garantizados pela lei de direitos humanos,


protegendo sujeitos e grupos contra ações que possam interferir diretamente
nas liberdades fundamentais e na dignidade humana.

Estão expressos em tratados, no direito internacional consuetudinário, os


conjuntos de princípios e de outras modalidades do Direito. A legislação de
direitos humanos faz com que os Estados ajam de uma determinada maneira
além de os proibir de se envolver em atividades específicas. Porém, a legislação
não estabelece os direitos humanos. Os direitos humanos, como já dissemos,
são direitos inerentes a cada sujeito simplesmente por ele ser um humano.

Tratados e outras modalidades do Direito costumam auxiliar na proteção formal


dos direitos de sujeitos ou grupos contra ações ou abandono dos governos, que
interferem no desfrute de seus direitos humanos.

A seguir, veremos algumas das características mais importantes dos direitos


humanos.

» Os direitos humanos são criados sobre o respeito pela dignidade e o


valor de cada sujeito.

» Os direitos humanos são universais, o que significa que são aplicados


de forma igual e sem discriminação a todos os sujeitos.

» Os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado


de seus direitos humanos; eles podem ser limitados em situações
específicas. Por exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido
se um sujeito se esse for considerado culpado de um crime em um
tribunal legalmente constituído e com o devido processo legal.

» Os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e


interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos
humanos e outros não. Na prática, a violação de um direito vai
afetar, diretamente, o respeito por muitos outros.

» Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como de igual


importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o
valor de cada sujeito.

A expressão formal dos direitos humanos inerentes dá-se por meio das normas
internacionais de direitos humanos. Uma série de tratados internacionais
dos direitos humanos e outros instrumentos surgiram a partir do ano de 1945,
conferindo uma forma legal aos direitos humanos inerentes.

80
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

O nascimento das Nações Unidas viabilizou um fórum ideal para o desenvolvimento


e para a adoção de instrumentos internacionais de direitos humanos. Outros
instrumentos foram adotados em âmbito regional, refletindo, desta forma, as
preocupações sobre os direitos humanos particulares a cada região.

A maioria dos países acabou adotando constituições e outras leis que protegem
formalmente os direitos humanos básicos. É comum que a linguagem utilizada
pelos Estados seja resultado dos instrumentos internacionais de direitos
humanos.

Por fim, as normas internacionais de direitos humanos consistem, principalmente,


os tratados e costumes, assim como declarações, diretrizes e princípios, entre outros.

CAPÍTULO 1
Direito internacional dos direitos
humanos

O Direito internacional dos Direitos Humanos ou, como é mais conhecido, o


DIDH, está fundamentado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a
qual foi adotada e proclamada pela resolução 217 A da Assembleia Geral das
Nações Unidas, no dia 10 de dezembro do ano de 1948.

O DIDH é, então, um conjunto de normas internacionais, habituais ou


convencionais, que estipulam sobre o comportamento e os benefícios que os
sujeitos ou que um grupo de sujeitos podem esperar ou exigir do Estado. Como
dissemos, os direitos humanos são direitos inerentes a todos os sujeitos apenas
por sua condição de seres humanos. Muitas diretrizes e princípios de índole não
convencional, o que significa dizer que o direito programático também é parte
do conjunto de normas internacionais de direitos humanos.

Podemos dizer que as principais fontes convencionais do DIDH são os Pactos


Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais, do ano de 1966; as Convenções relativas ao Genocídio, do ano de
1948; à Discriminação Racial, do ano de 1965; Discriminação contra a Mulher,
do ano de 1979, Tortura, do ano de 1984; e, por fim, os direitos das Crianças,
do ano de 1989. Consideramos como os principais instrumentos regionais, a
Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos, do ano de 1950;

81
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, do ano de 1948; a


Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, do ano de 1969; e, por fim, a
Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos, do ano de 1981.

É importantíssimo que lembremos que, após a 2 a Guerra Mundial, os povos


em todos os continentes não deixaram, em momento algum, de recorrer ao
conflito armado como resposta para suas disputas; e, com a violência que as
armas proporcionavam (e ainda proporcionam), a discussão de um Direito
Humanitário, que abordasse a proteção humanitária em caso de guerra,
além da questão do emprego de violência em conflitos armados, entre outras
discussões similares, levaram a uma inevitável construção de um repertório
jurídico de cunho humanitário que tivesse alcance internacional. Desta forma,
era necessário, sob um olhar jurista, impor limites à liberdade e à autonomia
dos estados conflitantes, garantindo com isso um progresso maior da matéria
de Direitos Humanos em escala mundial.

Ainda assim, não bastaram as constatações das atrocidades do fim do conflito


mundial, para, então, ser consolidado o Direito Internacional dos Direitos
Humanos. Sua importância na agenda internacional nasce com o advento
da Carta das Nações Unidas no ano de 1945, bem como a promulgação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos no ano de 1948, apenas 3 anos
depois, consolidando, desse modo, a importância do assunto no meio jurídico
internacional.

Desta forma, após o pioneirismo pré-guerra, o Direito Internacional dos Direitos


Humanos progrediu de forma notória, sendo matéria de relevância, presente
em estudos de juristas renomados e passando a ter um respeitoso corpus juris.

A finalidade do DIDH é proteger a vida, a saúde e a dignidade dos sujeitos.


E, ele é aplicado a todo momento, ou seja, em tempo de paz ou de conflito
armado. Não obstante, de acordo com alguns tratados de DIDH, os governos
podem suspender algumas normas em situações de emergência pública que
possam colocar em perigo a vida da nação, desde que tais suspensões sejam
proporcionais à crise e sua aplicação não seja feita de forma indiscriminada ou
que infrinja outra norma do direito internacional.

No DIDH são impostas obrigações aos Governos em suas relações com os


sujeitos. Muitos opinam que os agentes não estatais também devem respeitar
as normas de direitos humanos, mas nada é definitivo a esse respeito.

82
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

De acordo com os tratados de DIDH, os sujeitos naturais não têm deveres


específicos, porém podem ser declarados responsáveis de forma penal por
violações que podem constituir crimes internacionais, como o genocídio, os
crimes contra a humanidade e a tortura, os quais também estão sujeitos à
jurisdição universal.

Os Tribunais Penais Internacionais para a ex-Iugoslávia e Ruanda, que foram


construídos recentemente, da mesma forma que como o Tribunal Penal
Internacional permanente, têm jurisdição a respeito das violações do DIDH.

O sistema de supervisão do DIDH compreende os órgãos estabelecidos seja pela


Carta das Nações Unidas, seja pelos principais tratados de DIDH. O principal
órgão com base na Carta das Nações Unidas é a Comissão de Direitos Humanos e a
Subcomissão sobre a Promoção e a Proteção dos Direitos Humanos. A Comissão
também estabeleceu procedimentos especiais durante os últimos 20 anos, o que
significa dizer que a designação de relatores especiais, por temas ou por países,
e grupos de trabalho que, no âmbito de suas competências, precisam supervisar
determinadas situações de direitos humanos, apresentando relatórios a esse
respeito.

Nos seis principais tratados de DIDH, temos estipulados a constituição de


comitês de especialistas independentes para supervisionar a aplicação.

O escritório do Alto Comissionado para os Direitos Humanos tem uma


responsabilidade que é fundamental em relação à proteção e à promoção dos
direitos humanos. A finalidade desse escritório é a de reforçar a efetividade dos
mecanismos de direitos humanos das Nações Unidas, coordenando as atividades
de promoção e proteção dos direitos humanos em todo o sistema das Nações
Unidas, fomentando a capacidade nacional, regional e universal para, então,
promover e proteger os direitos humanos além de difundir os instrumentos e
documentos informativos de direitos humanos.

Os tribunais e as comissões de direitos humanos foram elaborados por meio


de tratados regionais de direitos humanos na Europa, América e África, sendo
diferenciais do DIDH.

A Corte Europeia de Direitos Humanos é considerada a instituição central


do sistema europeu para a proteção dos direitos humanos, formada em
conformidade com a Convenção Europeia do ano de 1950. Os principais órgãos
de supervisão regionais na América são a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Comissão Africana

83
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

de Direitos Humanos e dos Povos é o órgão de supervisão estabelecido por meio


da Carta Africana do ano de 1981. Em nenhum tratado africano se estipula a
constituição de uma corte de direitos humanos.

Sobre a citada fase legislativa do DIDH, sua implementação se inicia por meio
da harmonização entre as jurisdições interna e internacional na intenção de
conferir à temática Direitos Humanos um caráter de Regime Internacional,
seja por normas reconhecidamente verificáveis, seja pela conscientização da
inerência desse rol de direitos pela comunidade internacional.

Desta forma, a interação dos Direitos, por meio da sua complementaridade


teleológica, ganha importância no reconhecimento da capacidade processual
internacional dos sujeitos, o que consolida a personalidade jurídica que estes têm
no âmbito interno, tal como expressa os artigos 2 o e 4 o da Declaração Universal
dos Direitos Humanos; dita capacidade consolida-se tanto com a supervisão
internacionais dos órgãos nacionais de proteção como por meio do sistema de
relatórios e de resoluções adotadas na mais diferentes cúpulas internacionais.

É de fundamental importância que se faça um paralelo entre o Direito


Constitucional e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Na presente
apreciação, o caso do Brasil servirá como ilustração. Assim, faz-se necessária
a análise dos pontos convergentes entre a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, do ano de 1948, e a atual Constituição da República Federativa
do Brasil, do ano de 1988, bem como o desdobramento do mais significativo
documento internacional de direitos humanos no ordenamento constitucional
brasileiro. A CF de 1988 recebeu profunda inspiração da Declaração Universal
do ano de 1948, aproveitando suas emanações jurídicas fundamentais, chegando
ao ponto de ser considerada por alguns como sua mentora e matriz. Na época de
sua promulgação, a Carta Política brasileira figurava no rol das Constituições
nacionais que maior número de direitos e garantias fundamentais tutelava.
Assim, a CF de 1988 abriga os compromissos anteriormente assumidos pelo
Brasil no plano internacional, reforçando sua importância e materializando-os
no plano interno.

O diploma brasileiro garante o mais detalhado e amplo elenco de direitos e


liberdades individuais, sociais e coletivos, notadamente no artigo 5 o e seus
78 incisos, os quais cobrem uma gama abrangente dos chamados direitos
e garantias fundamentais. Podemos afirmar, também, que a CF vai além da
Declaração Universal, garantindo ainda outros direitos que surgiram e se
consolidaram durante os 40 anos que a separam da publicação da Declaração

84
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

do ano de 1948. Desta forma, aos tratados internacionais em matéria de direitos


humanos celebrados pelo Brasil somam-se o diploma brasileiro assegurado o
mais amplo e detalhado elenco de direitos e liberdades individuais, coletivos e
sociais, especialmente no artigo 5 o e seus 78 incisos, os quais cobrem abrangente
gama dos chamados direitos e garantias fundamentais, direitos e garantias
fundamentais expressos na CF, complementando o que já está sacramentado.

Igualmente, podemos fazer um mister para reconhecer os dispositivos de


proteção que a CF de 1988 conferiu às normas de direitos humanos, entre os
quais cabe destacar a cláusula pétrea (artigo 60, IV), que resguarda de maneira
absoluta qualquer tentativa de modificar os direitos e garantias individuais,
sendo esses direitos, portanto, intocáveis depois de incorporados à legislação
brasileira. Em suma, a CF de 1988 é o diploma constitucional brasileiro mais
afinado e mais bem identificado com os propósitos declaratórios, reconhecendo
uma plêiade de Direitos Humanos como essenciais e fundamentais, inserindo-os
no ápice do ordenamento jurídico pátrio.

O caráter de eficácia imediata está comprovado pela equivalência dos


tratados e das convenções internacionais sobre direitos humanos às emendas
constitucionais, conforme mudanças introduzidas pela Emenda Constitucional
n o 45/2004, a qual prevê que os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional,
em dois turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes
às emendas constitucionais. Portanto, podemos verificar que os tratados de
direitos humanos gozam de status diferenciado quando inserido no ordenamento
jurídico brasileiro, de acordo com as disposições constitucionais.

Por fim, é importantíssimo que levemos em conta que, à medida que caminhamos
a passos largos no sentido da construção de uma ordem mundial mais justa
e irreversivelmente mais cosmopolita e globalizada e, principalmente, mais
humana, os tratados e os demais mecanismos internacionais de proteção global
aos direitos humanos adquirem peculiar importância, por se tratar de tema
transcendente revestido de um fundamento ético universal.

http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/alciborges/alci_breve_intro_
direito_intern_dh.pdf.

85
CAPÍTULO 2
Direito internacional humanitário

Podemos observar, desde o início da história, registros bélicos, ou seja,


militares, em nossa humanidade, sendo a guerra considerada a mais brutal
das manifestações humanas. Estes conflitos violam os direitos de todos os
indivíduos, no qual sujeitos acabam massacrados e mortos.

Neste contexto, ressalta-se a missão do Direito Internacional Público, conhecido


pela sigla DIP, como um grande normalizador, que, por meio do Direito
Internacional Humanitário, conhecido pela sigla DIH, regulamenta a conduta
dos Estados em combate. Deste modo, garantindo a proteção à vida, a saúde e a
dignidade de todos os seres humanos em tempo de conflito armado.

O DIP é considerado a disciplina jurídica da sociedade internacional, que vem


sofrendo significativas mudanças no cenário mundial após a Segunda Guerra.
Já o DIH é considerado um campo do DIP, voltado especificamente para
a proteção da pessoa humana em tempo de conflito armado, uma vez que o
Direito Internacional rege as relações entre os países, auxiliando nos tratados
e acordos.

Resumidamente, o DIP pode ser definido como um conjunto de princípios e


regras jurídicas costumeiras e convencionais, que regem a atuação e a conduta
da sociedade internacional. Esta é formada pelos Estados, pelas organizações
internacionais intergovernamentais e pelo homem, objetivando alcançar as
metas da humanidade, como a paz, a segurança e a estabilidade das relações
internacionais.

O DIH, também conhecido por Direito dos Conflitos Armados e o Direito da


Guerra, é um ramo do DIP, ambos constituídos de normas convencionais e
costumeiras. Estas normas solucionam os problemas decorrentes em tempo de
conflito armado, minimizando o efeito catastrófico que um conflito pode gerar,
porque na Idade Média, as guerras não tinham qualquer tipo de regramento ou
garantia.

Desta forma, a finalidade do DIH é a de regulamentar o Direito de Guerra e o


Direito à guerra.

Ainda assim, a guerra sempre acompanhou o processo evolutivo do ser humano,


mesmo sendo considerada uma atitude extremamente brutal. Se antes não

86
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

existia nenhuma preocupação com uma possível limitação ao uso da guerra nas
relações internacionais, a partir do crescimento da sociedade humana, nasce
uma inquietação para legitimar o uso da força pelos Estados.

Os primeiros indícios de DIH foram idealizados na Grécia Antiga, nas guerras


entre as cidades-estados gregas, onde os combatentes se consideravam
possuidores de direitos iguais e havia respeito pela vida e pela dignidade das
vítimas da guerra como princípio fundamental.

Mas é em meados do século XIX que surge, de fato, o DIH, a partir de Francis
Lieber e Henry Dunant, os quais, em face das suas experiências traumáticas
em conflitos armados, puderam observar a necessidade e a eficácia do DIH
moderno. Francis Lieber, foi um jurista germano-americano e filósofo político,
criador do Código Lieber, no ano de 1863, o qual foi destinado à Guerra Civil
Americana. Este código continha a condução de toda a guerra terrestre, com o
objetivo de evitar o sofrimento e limitar o número de vítimas do conflito.

Legitimamente, Henry Dunant foi o criador do DIH. Na época, ele era um


empresário que enfrentava alguns problemas com investimentos realizados
na Argélia, dirigindo-se, então, a Solferino, na Itália, objetivando encontrar
o imperador francês Napoleão III. Na ocasião, Dunant presenciou o combate
da Batalha de Solferino, no ano de 1859, um duelo entre franceses, italianos e
austríacos, que resultou, ao final do dia, em 40.000 vítimas.

Após esta circunstância, Dunant publicou o livro, intitulado Un souvenir de


Solférino, em que denota o que presenciou e ressalta duas ações que deveriam
ser utilizadas para evitar os conflitos. Tais ações envolveram a criação de uma
sociedade de socorro privada e a aprovação de um tratado internacional, que
facilitasse a sua legítima aprovação.

Desta forma, Dunant funda, em conjunto com outros cinco sujeitos, o Comitê
Internacional de Ajuda aos Feridos, o qual, no ano de 1880 foi transformado no
atual Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).

Também é importante colocarmos que Henry Dunant revolucionou a conduta da


guerra, porque, nunca antes na história, os Estados haviam entrado em acordo
para limitar o seu poder em benefício da pessoa humana. Pode-se afirmar que a
guerra abriu espaço para o direito geral e escrito, criando, desta forma, a base
do DIH.

87
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

A fonte primaria do direito internacional humanitário são os seus princípios,


que regem a conduta em combate, que fundamentam o direito internacional
dos conflitos armados. Os princípios do DIH originam-se nos tratados, nos
costumes e nos princípios gerais do direito.

Portanto, os princípios do DIH é a grande diretriz da regulamentação dos


conflitos armados, sendo os principais objetivos do DIH, a proteção daqueles
que não participam diretamente do conflito armado ou, então, aqueles que
estão impossibilitados de participar, como os enfermos, os feridos ou os
prisioneiros de guerra. É, também, objetivo do DIH restringir o uso da violência,
da barbárie e das armas utilizadas no conflito. Diante disto, destacam-se o
princípio da humanidade, o princípio da necessidade militar, o princípio da
proporcionalidade, o princípio da limitação e o princípio da distinção.

Princípio da humanidade
Mesmo levando em consideração que os conflitos armados sejam inevitáveis,
é compromisso do Estado resguardara vida de seus cidadãos e cumprir o
compromisso de apaziguar as tropas em um combate. O princípio da humanidade
é considerado, entre diversos doutrinadores, o pilar central do DIH, sendo o
mais importante entre eles, porque ensina que se deve zelar pela dignidade da
pessoa humana.

Segundo Peytrignet (201-?a), todos os sujeitos presentes no conflito armado,


independentemente de ser civil ou combatente, deverá ser protegido pelo
Estado, gozando de seus direitos. O art. 4, I do PA II, estende este princípio aos
sujeitos que não configuram mais o cenário de conflitos armados; desta forma,
todos os sujeitos que não participem diretamente ou já não participem nas
hostilidades, quer estejam ou não privados de liberdade, têm direito ao respeito
da sua pessoa, honra, convicções e práticas religiosas. Sendo assim, deverão
ser, em todas as circunstâncias, tratados com humanidade, sem qualquer
discriminação. É proibido ordenar que não haja sobreviventes.

Neste mesmo sentido, a Cláusula de Martens, a qual é referência nas


interpretações e aplicações das normas de DIH, indica que, caso haja lacunas
no DIH, deve-se buscar a solução no princípio da humanidade. Portanto, a
humanidade é o princípio guia para os bons costumes durante o conflito, porque
limita as ações que poderiam ser arrasadoras durante a guerra. Este princípio
muda a ideia da guerra como uma matança sem respeito, uma vez que o Estado
interfere a favor da vida.

88
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

Princípio da necessidade militar


No Brasil, a ONU tem uma representação fixa desde o ano de 1947. Em cada
um dos países onde a ONU mantém representação, esta irá variar conforme o
acordo com as demandas de seus governos. O Brasil é um membro fundador e,
até então, um grande contribuinte nas missões de paz.

O princípio da necessidade militar nasceu na Antiguidade. Sendo conceituado


por alguns teóricos, ressaltando que os bens de caráter civil não devem ser
objetos de ataque, somente de objetivos militares, isto de acordo com a
necessidade militar de cada Estado bélico. Para que um bem seja considerado
objetivo militar, deverá contribuir de forma efetiva para a ação militar de uma
parte em conflito e a sua destruição, captura ou neutralização deve oferecer
alguma vantagem militar à outra parte.

O princípio da necessidade militar não é um princípio absoluto. O art. 54


do PA I, de 1977, o regula, segundo Peytrignet (201-?a), é proibido utilizar a
fome dos civis como método de guerra. Também é proibido atacar, destruir,
retirar ou por fora de uso bens indispensáveis à sobrevivência da população
civil, tais como os gêneros alimentícios e as zonas agrícolas que os produzem,
colheitas, gado, instalações e reservas de água potável e obras de irrigação, com o
objetivo específico de privar a população civil ou a parte adversa de seu valor de
subsistência, qualquer que seja o motivo que inspire aqueles atos.

Por fim, o princípio da necessidade militar não deve ser solicitado se as perdas
para a população civil e os danos de caráter civil forem excessivos em relação à
vantagem militar concreta e esperada.

Princípios da proporcionalidade
A palavra proporcionalidade, neste caso, indica a relação proporcional entre o
uso da violência e da força como uma forma de alcançar o objetivo militar, mas
o direito das partes de escolher os seus métodos de combate é limitado. Logo,
de acordo com o princípio da proporcionalidade, nenhum guerreiro deverá ser
atacado se os seus prejuízos civis e o número de vítimas forem maiores que os
ganhos militares, que se espera desta ação.

O art. 57 do PA I dá ênfase a tal princípio, dizendo que, quando


for possível escolher entre diversos objetivos militares para que se
possa obter uma vantagem militar equivalente, a escolha deverá

89
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

recair sobre o objetivo cujo ataque seja susceptível de apresentar


o menor perigo para os sujeitos civis ou para os bens de carácter
civil (PEYTRIGNET, 201-?a).

Desta forma, o princípio da proporcionalidade busca o equilíbrio da necessidade


militar e da humanidade e a postura que é exigida pelos líderes de ataques
em conflitos armados deve ser a de causar danos que sejam proporcionais ao
resultado almejado.

Portanto, tomando como base o Princípio da Proporcionalidade, as condutas


tomadas durante o conflito devem causar um dano equivalente ao resultado
almejado, devendo os métodos de combate desproporcionais ser banidos dos
conflitos. Assim, todas as decisões tomadas em um conflito armado devem ser
levadas em conta, bem como as suas consequências.

Princípio da limitação
Este princípio se refere aos meios e métodos que são utilizados nos conflitos
armados não são ilimitados. Desta forma, previne-nos de danos supérfluos, do
sofrimento desnecessário e da depredação do meio ambiente.

O princípio da limitação tem três vertentes de aplicação, a saber:

» ratione loci;

» ratione personae;

» ratione conditionis.

O 1 o se restringe aos ataques aos alvos lícitos, ou seja, aos objetivos militares,
buscando a proteção das construções e patrimônios culturais de todas as
civilizações. Este princípio é consagrado pela Convenção de Haia, para proteção
de bens culturais em caso de conflito armado, realizada no ano de 1954.

O 2 o estipula uma proteção especial aos civis, decorrentes das maldades e


desumanidades de um conflito.

O 3 o traz os métodos e meios utilizados no conflito, que são as condições


militares ele que ele se desenvolve. Este princípio associa-se com o princípio da
proporcionalidade. Tenta-se condicionar os métodos e meios a um cumprimento
da missão, que não ultrapasse um limite tolerável ou razoável de sofrimento,
porém é extremamente difícil a quantificação desse grau de tolerância.

90
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

Princípio da distinção
Este princípio é a caracterização do Direito Internacional Humanitário como
um corpo normativo, destinado à defesa do homem e dos bens. Este princípio
também estipula que os combatentes devem distinguir-se dos civis, com a
obrigação de utilizar uniformes e distintivos, ou manusear abertamente seu
armamento.

Logo, somente os combatentes têm direito de participar diretamente das


hostilidades, e, em virtude disso, só os combatentes podem ser atacados,
devendo a população civil ter a sua proteção reforçada. Atualmente, com a
capacidade de produção de novas armas, perdeu-se a essência da distinção de
combatentes e civis, mas, para o direito de guerra, é fundamental a distinção
entre civis e combatentes, com isso o princípio da distinção se torna essencial.

Entretanto, o princípio da distinção também rege pelos bens civis, sendo


necessária a distinção entre os bens propriamente ditos e objetivos militares.

91
CAPÍTULO 3
Direito internacional dos refugiados

Os direitos humanos apresentam um leque extenso quanto à sua definição;


contudo, baseiam-se nas necessidades básicas para assegurar a liberdade
e dignidade, de modo que venham a suprir a capacidade de desenvolver e
participar plenamente da vida.

O Brasil aderiu ao compromisso internacional de proteção aos refugiados a partir


da ratificação Convenção da ONU de 1951, e do Protocolo de 1967 referente ao
Estatuto dos Refugiados, constando ainda de seu ordenamento pátrio a Lei n o
9.474/1997, que trata especificamente sobre a questão dos refugiados.

Isso evidencia a importância da aplicabilidade das normas do direito


internacional em consonância com os direitos humanos, que, por sua vez,
atingiu sua consolidação e internacionalização acima da soberania do Estado,
uma vez que estabelecem proteção à pessoa humana.

Por isso, torna-se de suma importância mencionar os dispositivos legais que


tratam sobre as regras da proteção ao refugiado.

A realização deste artigo justifica-se pelo fato de o problema dos refugiados ter
se tornado de caráter permanente e requerer constantes mediações por parte da
comunidade internacional.

Enfim, a solução da omissão legislativa deverá estar consubstanciada ao princípio


da legalidade, com o uso do bom senso e razoabilidade, com a finalidade de
valorizar a pessoa humana.

A pesquisa insere o objeto de estudo sob o enfoque da interdisciplinaridade,


com foco em ramos distintos do Direito, em especial Direito Internacional
e Direito Constitucional, bem como tratados internacionais referentes aos
Direitos Humanos.

Direito internacional dos refugiados


Primeiramente, para realizar uma análise aprofundada quanto à questão dos
refugiados, faz-se importante ressaltar as condições para se qualificar uma
pessoa como refugiado, bem como os direitos que vigoram em benefício dos
mesmos.

92
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

São classificados como refugiados, indivíduos que buscam asilo em um país


distinto de seu país de origem. O refugiado em si é um asilado, devido ao fato
de que o asilo é totalmente inevitável nas condições de um refugiado; todavia,
é mister esclarecer que nem todo asilado é um refugiado. Em ambos os casos.
a pessoa busca a proteção. Em se cuidando da relação migrantes/refugiados,
temos que estes são sujeitos que se distinguem dos deslocados internacionais
sendo classificados como migrantes tradicionais.

Geralmente os migrantes tradicionais têm o seu deslocamento motivado por


meio das questões econômicas, ou seja, vão em busca de melhores condições
de vida. Já os refugiados acabam fugindo por conta do temor de perseguição e
vão em busca da preservação de suas vidas. Na tentativa de evitar o desgaste
diplomático entre os países, o refúgio é classificado como instituto humanitário
e apolítico. Existe a preocupação com a satisfação das necessidades básicas
dos refugiados que incluem, mas não se restringem, a alimentação, moradia,
educação e saúde.

O asilo e o refúgio político são os meios pelo qual o sujeito tem o direito de
permanecer no território brasileiro. O asilo está consagrado na Declaração
Universal dos Direitos do Humanos, ao afirmar que todo ser humano vítima de
perseguição tem o direito de procurar e de gozar de asilo em outros países, e
que este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente
motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e
princípios das Nações Unidas.

O asilo político é a proteção concedida pelo Estado nacional ao estrangeiro


perseguido por suas opiniões políticas, religiosas ou raciais. A proteção pode,
inclusive, admitir força policial e ajuda financeira do Estado receptor. Trata-se
de um instituto clássico do direito internacional.

Desta forma, podemos perceber que os institutos são distintos, porém com o
mesmo objetivo e base de atuação, podendo ser vistos como espécies de um
mesmo gênero, pois livram sujeitos de perseguições, por meio de sua proteção
e acolhida em outro Estado, poderão ser protegidos e, também poderão usufruir
de seus direitos fundamentais mantendo, desta forma, sua dignidade.

Podemos observar, desta forma, que os institutos são distintos, porém com o
mesmo objetivo e base de atuação, podendo ser vistos como espécies de um
mesmo gênero, pois livram sujeitos de perseguições a partir de sua proteção e
acolhida em outro Estado.

93
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

Existe muito o que debater em relação às funções do Alto Comissariado


das Nações Unidas para os Refugiados, uma vez que alguns doutrinadores
defendem a capacidade do ACNUR ter autonomia para assinar acordos ou
tratados. Contudo, existem duas interpretações, quais sejam, a restritiva e
a extensiva.

Na interpretação restritiva, defende-se que a Organização das Nações Unidas


não é uma entidade independente dos Estados membros; sendo assim, a real
autonomia só poderia vir a vigorar mediante novo acordo por parte dos Estados
membros.

Em se tratando da interpretação extensiva, que ressalta que a carta das nações


unidas difunde os principais objetivos da Organização das Nações Unidas,
tendo assim poderes para assinar acordos e tratados visando ao bem geral e à
preservação dos direitos humanos. Isto posto, há ainda uma segunda apreciação
quanto à teoria extensiva, a qual ampara que, na carta das nações unidas, não
existem poderes implícitos.

Nesse sentido, ainda que não tenha sido concedido à Organização das Nações
Unidas plenos poderes por intermédio da Carta das Nações, tais poderes eram
fornecidos à medida que as necessidades surgiam, bem como o de estabelecer
tratados ao órgão que cria, como no caso do Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Refugiados. Nesse sentido, compreende-se que o Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Refugiados pode vir a celebrar acordos com organizações
não governamentais, ainda que eles não sejam classificados como sujeitos de
direito internacional.

O Direito Internacional dos Refugiados, em sentido estritamente formal, veio


a surgir a partir da Convenção no ano de 1951, classificada como ferramenta
internacional de autoria da Organização das Nações Unidas, que, por sua vez,
fez com que fosse reconhecida a obrigação da garantia de segurança e apoio
àqueles que, por motivos de força maior, precisavam deixar sua terra natal.

Outra norma importante fixada na Convenção é o direito a recurso contra decisões


desfavoráveis, bem como a premissa da possibilidade de reunião familiar.

Por fim, a Convenção do ano de 1951 fez-se de suma importância para os


refugiados, implementado o sistema de análise individual de cada caso; assim,
foram estabelecidos pré-requisitos para que o indivíduo fosse tido como
“refugiado”. Entre suas disposições, ficou determinado também que, os Estados
tinham a obrigação de atender os solicitantes de refúgio, observando o princípio

94
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

do non refoulement (não devolução), o qual concede o direito ao refugiado de


não ser mandado de volta ao seu país de origem; todavia, tal princípio não se
aplica em casos em que o refugiado é considerado uma ameaça à segurança do
país que o acolheu, ou, se conhecido o fato de que o solicitante ter cometido
algum delito tido como grave, passando a ser uma ameaça para a comunidade.

Justiça restaurativa e políticas públicas de


prevenção ao delito
O histórico e as potencialidades da Justiça Restaurativa como um mecanismo
que objetiva o aprimoramento da resolução de conflitos, de forma a efetivar a
justiça, bem como mostrar o conceito de justiça atual que sustenta os valores
morais autônomos.

Questão social e outros fatores para a


criminalidade juvenil
Segundo o Ministério Público do Paraná - MPP (2017), para que possamos
compreender o fenômeno da criminalidade juvenil é importante observar
alguns aspectos da História Social do Brasil, a qual é marcada por diversas
dicotomias e realidades no que concerne à oscilação de desmonte das esferas
sociais a partir do enorme cenário de desigualdade após o amadurecimento do
capitalismo no Brasil.

Desde a época Colonial, passando pelo Imperialismo até a abolição da


Escravatura, o Brasil foi um grande produtor de mão de obra barata, por meio
dos Negros escravizados pelos portugueses do período colonizador.

Como efeito, tivemos o fortalecimento do capitalismo; os desnivelamentos sociais


tiveram uma forte e significativa influência nesse desmonte social. De modo
que era importante observar a Teoria Social de um conceito que representasse
os desnivelamentos sociais expressos com a objetividade capitalista: a questão
social.

Assim, a questão social é vista como o ponto de partida de análises de problemas


sociais e das suas naturezas na sociedade. Também podemos dizer que a questão
social seria uma ferramenta para as abordagens sociais justificadoras. Já que
se trata do conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista
madura, que têm uma raiz comum, a produção social é cada vez mais coletiva,

95
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus


frutos se mantém privada, monopolizada por uma parte da sociedade.

Desse modo, um dos problemas binários da criminalidade se apresenta descrito


nesta realidade social: a apropriação dos frutos da produção capitalista e o
desnivelamento expressivo das classes sociais, que vêm desde o início da história
social brasileira, marginalizada; ademais, a conceituação da questão social em
uma sociedade em que o capitalismo se desenvolveu como uma nuance paralela
à pobreza, desde o período colonial, deixa exposto os níveis de desigualdade
social, ineficácias da Justiça e problemas criminais.

A desigualdade social deve ser compreendida como o resultado da aplicação


do neoliberalismo nos países, o que vêm gerando o aumento do desemprego,
pobreza e miséria, instabilidade social, econômica e política. A sociedade
industrial avançou muito no desenvolvimento tecnológico e produtivo, mas o
acompanhamento de melhoria da qualidade de vida da sociedade de uma forma
geral não seguiu o mesmo ritmo.

Devemos reconhecer que a delinquência juvenil advém de múltiplas razões.


São diversas as teorias que se esforçam em explicar o processo de delinquência
juvenil; podemos dividi-las em dois grupos de teorias que têm sua base
fundamentada ou no fator biossocial ou no fator psicossocial. Neste particular,
podemos afirmar que os defensores do fator biossocial afirmam que fatores
fisiológicos e genéticos são fundamentais na etiologia da delinquência,
o que significa dizer que a predisposição biológica para o comportamento
delinquente permite uma exposição a relações mal adaptativas, as quais
poderão ocorrer dentro ou fora de casa, potencializando as tendências
biológicas para delinquência.

Observando de outro ângulo, temos os defensores do ponto de vista psicossocial,


os quais acabam por não valorizar os fatores biológicos na etiologia da
delinquência, enfocando no estilo mal adaptativo das relações familiares a
origem da delinquência. Estes teóricos identificam duas importantes variáveis
no desenvolvimento do comportamento antissocial.

No Brasil, sim, existe um percentual de criminalidade juvenil que pode ter sua
origem na questão social, visto que, ao passo que as grandes desigualdades
sociais avançam, gerando o fator de exclusão social, a criminalidade também
acaba avançando. Porém, a questão social não pode ser vista como um fator
isolado para a criminalidade na adolescência.

96
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

Como resultado, ocorre uma soma de fatores, dos quais temos a rebeldia e as
atitudes indisciplinadas que são próprias da idade; as violências domésticas
sofridas entre a 1 a e a 2 a infâncias podendo ser prolongada até a adolescência;
sentimentos de não pertencimento à família de origem ou a família substituta;
situação socioeconômica desfavorável ao atendimento das suas necessidades
básicas; baixa autoestima; envolvimento com entorpecentes; abandono,
além de outros fatores que possam impedir que um sujeito de crescer de
forma harmoniosa e sadia enquanto ser em desenvolvimento, propiciando e
promovendo a produção de crianças/adolescentes que transgridam as leis.

Outra variável que pode estar relacionada à delinquência juvenil é a educação


incoerente, que pode ser, por exemplo, o fato de os pais agirem de maneira
contraditória e confusa, castigando com dureza comportamentos que são leves,
ou deixando de castigar de forma adequada quando a criança comete alguma
ação grave.

Por outro lado, outros fatores também são facilitadores da violência na


adolescência, uma vez que o crime também pode estar relacionado com
enfermidades mentais, advindas de transtornos ligados ao comportamento
humano, nem sempre destacados quando falamos de criminalidade juvenil. Um
desses transtornos seria o Transtorno de Conduta, um padrão de comportamento
repetitivo que persiste, levando a que sejam violados os direitos básicos de
outros sujeitos ou normas ou regras sociais relevantes e apropriadas para a
idade. Este transtorno pode ser de origem genética ou ambiental.

O Transtorno de Conduta apresenta componentes tanto ambientais como


genéticos. Desta forma, os filhos biológicos de pais com Transtorno de Conduta,
dependentes de álcool, com transtornos de humor, esquizofrenia ou transtorno
de déficit de atenção e hiperatividade, apresentam altos níveis de concordância.
Porém, também há indicativos de prevalência do transtorno quando um dos
pais adotivos tem Transtorno da Personalidade Antissocial ou há um irmão com
Transtorno de Conduta.

O Transtorno de Conduta pode ser identificado desde a infância, ou ainda só na


vida adulta, dependendo do nível de gravidade que se apresenta, podendo ser
leve, moderado ou grave. O diagnóstico pode ser realizado mediante avaliação
de alguns critérios que analisam o comportamento do indivíduo em várias fases
da vida. O Transtorno de Conduta precisa ser cuidadosamente avaliado, tanto
do ponto de vista diagnóstico quanto do seu curso e prognóstico, especialmente
porque, se não receber o devido tratamento, poderá evoluir para o Transtorno
de Personalidade Antissocial.

97
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

O Transtorno de Conduta pode incidir em sujeitos de qualquer classe social,


sem qualquer relação com endereço, com seu grau de escolaridade ou com sua
conta bancária. Ainda assim, com um olhar mais preciso para a questão,
podemos observar que ele pode se mostrar com uma gravidade maior nas
camadas menos favorecidas da população, o que não significa que não se
apresente também em classes de nível mais elevado. Tal transtorno pode
ser diagnosticado de forma precoce e tratado, possibilitando a prevenção da
criminalidade na adolescência.

O crime não deve ser visto como um tumor nem como uma epidemia que possa
assolar a sociedade, mas, sim, deve ser percebido como um problema doloroso
de caráter comunitário e interpessoal, uma realidade que está próxima ao
cotidiano, quase doméstica, que nasce na comunidade e precisa ser resolvido
pela sociedade; em suma, é um problema social, que implica diretamente no seu
diagnóstico e tratamento.

Ainda assim, se assumimos a premissa de que o crime tem, em grande parte


dos casos, a sua natureza vinculada aos problemas sociais, constataremos que
o Estado e a ordem econômica foram e são responsáveis por tal acontecimento
criminoso, afinal, como bem nos dizem algumas teorias criminológicas,
principalmente a teoria marxista do conflito, o fenômeno criminal nasce dos
conflitos sociais, que são gerados pela precariedade das relações sociais, do
trabalho e da organização da comunidade de forma a favorecer do enriquecimento
capitalista, consequentemente, segregando e estratificando em camadas a
sociedade.

Então, na ótica da Teoria do Conflito inspirada no marxismo, a questão social


fica novamente exposta como uma realidade paralela à criminalidade, dado que
as condições para algumas camadas sociais se tornam ativamente inalcançáveis
em relação às camadas que estão no topo da pirâmide social, o que significa
dizer que não são todos que participam da construção social, tampouco são
todos que desfrutam de seus frutos.

Desta maneira, a teoria marxista, mesmo não sendo modernamente a


predominante na Ciência Criminológica, tem uma forte inclinação para o
fortalecimento da Justiça Consensual, que tem o compromisso objetivo de
solucionar os problemas criminais, visto que esses problemas começam das
deficiências das relações sociais e das omissões deliberadas do Estado, no
enfrentamento da Questão Social. O objetivo é, primeiramente, a prevenção do
crime e a reconstrução das relações abaladas pelos referidos problemas e pela
própria comunidade, levando e consideração que é nela eles que nascem e é por
ela que devem ser, primariamente, solucionados.

98
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

O desvelo do mito da eficácia da redução da


maioridade penal
Podemos afirmar, segundo dados do IPEA (2016), a violência no país aumentou
de forma considerável nos últimos anos. Esta pesquisa mostra dados da violência,
que evidenciam que mais 59.627 pessoas foram assassinadas no ano de 2014,
sendo este número muito maior que nos anos anteriores. No Brasil, temos
uma média um brasileiro assassinado a cada nove minutos, e a participação
de adolescentes em ações criminosas também vem crescendo cada vez mais.
Em face disso, uma parcela da sociedade brasileira acaba vendo na redução da
maioridade penal uma solução para o enfrentamento da violência, como uma
forma de prevenção e repressão à criminalidade.

Esta tentativa de redução da maioridade penal já se mostra bastante antiga,


tendo sido proposta inicialmente no ano de 1993, por meio da PEC 171/1993,
apresentada pelo então deputado Benedito Domingos (PP-DF). É importante
registrar aqui que ela foi apresentada somente três anos após a promulgação
do Estatuto da Criança e do Adolescente, conhecido como ECA, o que denotava
uma clara manifestação de insatisfação para com o ECA, em especial para com
o entalhado pelo estabelecido pela Constituição Federal do ano de 1988, em seu
art. 228. A referida Proposta de Emenda Constitucional apresenta uma nova
redação para o art. 228, o qual passaria a ter a seguinte redação: “Os menores
de dezesseis anos são inimputáveis, sujeitando-se às normas da legislação
especial.”

A defesa no tocante à redução da maioridade penal advinda de uma parte


da população ocorre pelo fato de considerarem que o inimputável não é
responsabilizado pelo ato ilícito cometido. Ainda assim, essa concepção está
contaminada de erro, uma vez que ser inimputável não quer dizer que não exista
responsabilização pelo crime. O Estatuto da Criança e do Adolescente, conhecido
pela sigla ECA, estabelece as medidas socioeducativas como forma não apenas
de sancionar os adolescentes, portanto responsabilização, mas também como
uma forma de reconhecê-lo como sujeito em desenvolvimento, assegurando-
lhe a possibilidade ressocialização por meio das medidas educativas que lhes
devem ser oportunizadas.

A medida socioeducativa é resultado do reconhecimento de que o adolescente é


ainda um sujeito em formação, e, desta forma, merece um tratamento diferenciado
do adulto, devido à ausência de amadurecimento e a ser possível uma formação
ainda não adquirida. O ECA, ao enfocar nas medidas socioeducativas, mantém

99
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

sua crença no ser humano, na sua capacidade de descobrir valores autênticos


por meio do contato direto com práticas educativas que, acertadamente,
evidenciem tais valores, e desta forma, acredita na capacidade/possibilidade
real de este ser transformar-se, aprimorando-se.

Apesar dessa evolução no entendimento sobre a infância e adolescência


incorporado pela Constituição Federal de 1988, atualmente tramita no
Congresso Nacional a PEC 33/2012, a qual propõe a alteração da redação dos
arts. 129 e 228 da CF de 1988, acrescentando um parágrafo único prevendo
a possibilidade de desconsideração da inimputabilidade penal de maiores de
16 anos e menores de 18 anos por lei complementar. Ainda em tramitação, no
Congresso, tenta se mostrar como solução do problema da violência, contando com a
imprensa para conseguir o apoio popular.

Nesta perspectiva, a proposta de redução da maioridade penal pode ser


considerada como o mito da soberania da lei, como se essa por si só pudesse
modificar a realidade. Na concepção liberal, a lei não tem capacidade de fazer
todas as coisas, mas permite fazer qualquer coisa. A ideia de mitologia da lei
surge como consequência do abandono pelo pensamento político e jurídico do
século XVII da tradição clássica, quando direito e lei se integravam, e a norma
legal buscava atender aos valores de justiça, da equidade ou a própria vontade
divina. Na Idade Moderna, essa ordem foi substituída pela lei, expressão da
vontade do soberano, revestindo-se de um valor em si mesmo. O direito passou
a ser aquilo que se encontrava estabelecido no texto legal, em outras palavras:
a lei é o direito.

O desvelo do mito da eficácia da redução da maioridade penal surge da


compreensão de que a lei por si só não tem a magia de transformar a realidade.
A redução da maioridade penal e o endurecimento da pena não resolvem o
problema porque não enfrentam as suas causas, tampouco levam em consideração
o fracasso do atual sistema prisional brasileiro.

É importante destacar, novamente, que inimputabilidade penal do adolescente


definida em lei é resultado do reconhecimento da ausência plena de
discernimento nesta faixa etária. Algumas mentiras argumentativas para a
redução da maioridade penal tomam como base exatamente o discernimento do
adolescente na contemporaneidade, o qual, já conhecedor do mundo e, com isso,
em condições plenas para assumir seus atos. Ainda assim, o discernimento nunca
teve uma definição válida e uniforme, apesar de muitos esforços doutrinários.

100
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

Os distintos critérios de discernimento moral, jurídico, incluindo o social,


entendido como conceito social de conteúdo educativo, e considerando o
ciclo social do menor, na verdade, funcionavam conforme a conveniência de
apreciação do Tribunal, ou seja, quando se acreditava que as penas poderiam ser
úteis para os menores, a maior parte dos processos terminava com a declaração
do discernimento; do mesmo modo, quando se assinalava a inutilidade das
penas em razão dos efeitos prejudiciais da prisão, a maior parte dos processos
terminava com a negação da existência do discernimento.

A imputabilidade destitui-se do entendimento pleno de seus atos, da avaliação


da culpabilidade indicada pela percepção do querer e fazer, e se essa, não
podendo ser mensurada de forma científica, não poderia admitir a incidência
do Direito Penal. O reconhecimento da culpabilidade mostra dupla importância
ao reconhecer o adolescente como um sujeito titular de direitos fundamentais,
além de conferir um fundamento à imposição das medidas socioeducativas,
limitando o poder punitivo e as chamadas funções preventivas de tais sanções.

As razões que são apresentadas para a redução da maioridade penal são


destituídas de qualquer processo científico. Não existem estudos que apoiem
as razões que são apresentadas para a redução da maioridade penal. A aporia
da culpabilidade vai além da instituição legal de uma idade mínima. Não sendo
suficientes as razões aqui apresentadas, as quais evidenciam que a redução da
maioridade penal significa um grande retrocesso social em relação à proteção da
infância e da adolescência brasileira, resta destacar que a fixação da idade penal
mínima é cláusula pétrea, o que, por si, é um obstáculo a qualquer tentativa de
redução, que, já de partida, está em flagrante condição de inconstitucionalidade.

É, pois, clara a inconstitucionalidade da PEC da redução da maioridade penal.


O art. 228 da CF de 1988, que estabelece a idade mínima a imputabilidade
penal, prevê a proteção à família, à criança, ao adolescente, ao jovem e ao Idoso,
e não descaracterizando a inimputabilidade penal como garantia e direitos
individuais.

A interpretação da norma constitucional que admite a redução da maioridade


penal surge de uma valoração subjetiva e moral do intérprete, fugindo da vontade
do legislador. O papel exercido pelo intérprete é criativo, dando significado
diverso do que se encontra instituído na norma. Essa valoração moral repara
um discurso retrógrado e crítico, recobrando um tempo que não se pretende
reviver sobre a invisibilidade da infância, e a condição de proteção estatal dos
pobres e infratores.

101
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

Por fim, uma interpretação que faz a atualização do pedagogismo penal, o qual
toma como base os dois elementos que caracterizam os modelos tutelares em
sede processual, que são: o amplo arbítrio judicial e a ausência de garantias.
A redução da maioridade penal se mostra ineficaz e, ao mesmo tempo,
inconstitucional, não sendo vislumbrada possibilidade sociojurídica para sua
implementação. Levando tudo isso em consideração, não nos resta dúvida de
que reduzir a maioridade penal nada mais é que um mito, provocado por uma
fetichização do significado de Justiça.

Justiça como fetiche


A ideia da redução da maioridade penal, como já dissemos, nasce a partir de
uma ideia fetichista de Justiça. Para os defensores da redução, a imputabilidade
penal que é estabelecida apenas para os maiores de 18 anos de idade assegura
a impunidade para aqueles que já são capazes de entender as consequências
de seus atos. Porém, essa ideia de impunidade do adolescente nada mais
é que uma falácia, pois a inimputabilidade não significa, absolutamente,
irresponsabilidade social ou pessoal. Logo, como já dissemos, esta questão de
o adolescente não responder por seus atos delituosos perante Justiça Penal não
faz dele um irresponsável.

As falácias relacionadas à ausência de responsabilização do adolescente são


indiferentes de um sentimento entranhado em uma cultura em que a violência
se paga com violência, em igual medida. Essa concepção, que vem desde os
primórdios da humanidade, é assegurada em várias legislações que adotavam a
Lei de Talião. Ao responsabilizarmos, estamos ordenando limites, sendo estes
bem definidos pelo Estatuto. Se a Lei n o 8.069/1990 não funciona sob este
prisma, é porque estamos trabalhando com profissionais que estão inabilitados
e/ou com programas que se mostram inadequados, apresentando, desta forma,
uma grande omissão, ou seja, um verdadeiro descaso com a área infanto-juvenil.

Observamos que as respostas para os conflitos cotidianos, ou até para as


situações mais complexas aqui apresentadas, estão baseadas em teorias
filosóficas de justiça. Essa parece ser uma das formas de possibilitar uma
análise epistemológica sobre o tema em discussão, o que não é nada raro, se
levarmos em consideração que tomam como base, em sua maioria, os debates
sociológicos e jurídicos.

A justiça que espalha a necessidade de redução da maioridade penal, sem


qualquer critério científico e tendo como base o senso comum não merece
crédito.
102
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

Uma Teoria de Justiça objetiva o estudo dos valores que são fundamentadores e
geradores do Direito e dos fins que estes desejam e pretendem alcançar. Tanto a
reflexão filosófica como a análise crítica em torno da ideia de justiça não apenas
são possíveis como também são necessárias.

A defesa da redução da maioridade está entranhada a valores sem nenhum


cunho científico, tomando como base um conceito banal e medíocre de justiça,
objetivando propósitos que são inalcançáveis por essa via. Assim, observamos
que o conflito entre os valores e a prática política jurídica provocou, no campo
da teoria jurídica, um processo de reducionismo epistemológico do tema
justiça. Isso ocorre pelo fato de não se levar em consideração a complexidade
do problema, o que pode provocar prejuízos bem maiores para os adolescentes e
para a sociedade.

O uso do termo justiça com a finalidade de justificar a redução da maioridade


penal, como bem já dissemos, seria um grande fetiche, devido à forma banal
como é aplicado, sem nenhum sentido real que seja cientificamente comprovável,
mostrando-se uma verdadeira renúncia metalinguística, e que, portanto, não
deve ser considerada como subsídio para sua aprovação. A defesa da redução
toma como base os valores que são subjetivistas e particularizados, enraizado
em um conhecimento que está fragmentado e se mostra vulgar e ingênuo, além
de não ser capaz de analisar o fenômeno da violência juvenil.

Justiça restaurativa como alternativa para o


penal juvenil
Ao entendermos que a redução da maioridade penal não é uma medida eficaz
para o enfretamento da violência brasileira, vemo-nos diante da seguinte
pergunta: qual seria, então, uma medida alternativa para que ao menos pudesse
ser sugerido um caminho para a prevenção e para uma adequada punição
aos adolescentes que praticam atos infracionais? Para respondermos a esse
questionamento, é necessário a compreensão da finalidade do sistema de
responsabilização que é estabelecido pelo ECA.

As medidas socioeducativas devem ser vistas de acordo com seus objetivos,


abarcando a ideia de intervenção psicossocial que está destinada à
modificação do sujeito, observando que, quando somada à negação de seu
conteúdo penal, acaba por permitir que sejam sancionadas não os fatos
ou atos praticados, mas a subjetividade dos adolescentes e sua condição
de existência. Essa ideia está baseada na crença no ser humano, na sua

103
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

capacidade de descobrir valores que são autênticos por meio do contato


direto com as práticas educativas. Acredita-se que tais medidas possam
possibilitar que o adolescente se transforme e se aprimore com o tempo.
Desta forma, as medidas socioeducativas exercem um papel transformador,
uma interferência direta na vida desses adolescentes.

Porém, sabe-se que a realidade do sistema de internação dos adolescentes


está distante dos objetivos da medida, da mesma forma como também está a
realidade do sistema carcerário. Por isso, torna-se cada vez mais necessária
a implementação de medidas alternativas que sejam capazes de promover
a dualidade da responsabilização pelo delito cometido, quais sejam, a
responsabilização e a prevenção, e ao mesmo tempo abrace o sistema de proteção
insculpido na CF de 1988 e no ECA. Em meio a esse debate, surge, desta forma,
a Justiça Restaurativa como um meio alternativo a ser implementado.

Há mais ou menos dez anos, temos a Justiça Restaurativa em desenvolvimento


no Brasil, elencando o quadro do modelo consensual de justiça, contribuindo
para o amadurecimento da Justiça Criminal brasileira, assim como para a
possibilidade alternativa de observação das condições humanitárias dos sujeitos
que estão envolvidos em conflitos, além da participação e do protagonismo de
ambos na resolução desse mesmo conflito.

Assim, o Conselho Econômico e Social da ONU, no ano de 2002, definiu a


Justiça Restaurativa como todo e qualquer processo no qual a vítima e o
ofensor e, sempre que apropriado, quaisquer outros sujeitos ou membros da
comunidade afetados por um delito, participando de forma ativa na resolução
das questões advindas do delito, normalmente com a ajuda de um facilitador,
sendo debatida como uma possível alternativa a essa situação de barbárie. A
Justiça Restaurativa, por meio da afirmação de valores como responsabilização,
participação, inclusão e diálogo, pode corresponder aos anseios civilizatórios
que são inadiáveis na atualidade, em que a violência teima em se impor como
forma natural de sociabilidade.

No lugar de competir com os procedimentos corriqueiros, esse novo paradigma


de justiça, que vem sendo adotado pela justiça convencional, dá a eles um sentido
novo, tomando como base a participação, a autonomia, a inclusão e a observação
às configurações sociais. Sua introdução nos programas de atendimento do
processo de privação de liberdade pode contribuir para a responsabilidade
ativa de todos os envolvidos objetivando alcançar alternativas para enfrentar
a violência.

104
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

A justiça Restaurativa, não obstante, torna-se uma abordagem que privilegia


toda forma de ação que objetive a reparação das consequências que são
vivenciadas após um delito, a resolução de um conflito ou a reconciliação das
partes envolvidas. Esta não pode ser concebida de forma separada da doutrina
de proteção aos direitos humanos, uma vez que ambas, essencialmente, buscam
a tutela do mesmo bem, ou seja, o respeito à dignidade humana.

Uma nova perspectiva de Justiça vem adequando-se, estando, também, aplicável


na Justiça da infância e da juventude, objetivando proporcionar uma justiça
social para todos os jovens, e possibilitando, ao mesmo tempo, a sua proteção
e a manutenção da paz e da ordem na sociedade, de acordo com o estabelecido
nos art. 1 o e 4 o das Regras de Beijing.

Podemos destacar aqui que as práticas restaurativas não são feitas para
substituir o sistema da justiça tradicional, mas sim para complementar as
instituições legais que existem, além de melhorar o resultado do processo
de justiça. Ao descentralizar a administração de certas demandas da justiça,
que são tradicionalmente determinadas levando em consideração a gravidade
moral e legal da ofensa, e ao transferir o poder de tomada de decisão ao nível
local para o sistema de justiça estatal, pode-se beneficiar os cidadãos. A micro
justiça pode ter um efeito particular para o processo, levando-o a resultados
positivos, como a redução do volume de casos para os tribunais; a melhoria da
imagem do sistema formal; dotar os cidadãos e as comunidades de poder por
meio da participação ativa no processo de justiça; favorecendo a reparação e a
reabilitação no lugar da retribuição; ter como base os consensos e não a coerção.

Os programas de justiça restaurativa distinguem-se da justiça tradicional, já


que possibilita ao cidadão a participação no processo. O envolvimento ativo
em projetos de micro justiça, como administradores, usuários, ou como
testemunhas participativas funcionam como forma de dar poder aos cidadãos e
às comunidades menos privilegiados.

Em um sistema retributivo, espera-se do infrator que ele suporte sua punição.


Para a Justiça Restaurativa, o importante é a busca pela restauração ativamente
da relação social que foi quebrada. Para tanto, os procedimentos restaurativos
precisam considerar a situação vivida pelo infrator e os problemas que
antecederam e agenciaram sua atitude. Desta forma, em paralelo aos esforços
que o infrator terá que fazer para reparar sua infração, também cabe à sociedade
oferecer-lhe subsídios para que ele tenha as condições adequadas para superar
seus limites como, por exemplo, déficit moral ou educacional ou as condições
de pobreza ou abandono.

105
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

Os procedimentos da Justiça Restaurativa dão início a partir da quebra do


relacionamento social; ainda assim, o que deverá ser restaurado não é a ocasião
desse relacionamento, mas sim um ideal de igualdade na sociedade. Sendo este
um relacionamento ideal, são definidas a importância dos seus valores como
a dignidade e o respeito. Um ideal que sobrevive quando os direitos básicos,
como, por exemplo, a segurança dos sujeitos, são respeitados mesmo que o
contexto mais amplo esteja marcado por injustiças sociais e desigualdades.

As punições que são produzidas pela Justiça Criminal permitem que ambos,
tanto o infrator como a vítima, acabem ficando piores. Esta retribuição tende a
legitimar a paixão pela vingança e, por tanto, seu olhar acaba voltado, de forma
conceitual, para o passado. Importando apenas a culpa individual e não o que
deve ser feito para enfrentar a situação conflitante e a prevenção da repetição.

Por este motivo, no âmbito do garantismo juvenil, faz-se necessário conceituar o


garantismo penal juvenil como um elemento de enfrentamento às inobservâncias
aos direitos fundamentais, bem como na aplicação da Justiça aos adolescentes
em conflito com a lei.

Pensando na Justiça Penal Juvenil, estas práticas restaurativas tornam-se uma


alternativa avançada para a solução de conflitos do adolescente que está em
conflito com a lei, da mesma forma como também se estabelece uma ponte com
a comunidade que pode ter sentido algum tipo de dano causado pela infração.
Ou, ainda, esse elemento de proteção pode possibilitar a abertura de um
outro espaço, onde poderão estar presentes os familiares, amigos ou sujeitos
próximos ao infrator ou à vítima, sendo estes os componentes da infração além
de coadjuvantes da vontade de reparo e/ou da restauração da confiança na
comunidade.

Como consequência do Sistema de Justiça da Infância e Juventude, a Justiça


Restaurativa possibilita uma mudança na ótica de responsabilização penal
juvenil, pois é observada a necessidade de participação daqueles que estão
envolvidos nos conflitos; também devem ser levadas em consideração a questão
social e a precariedade social a qual a criança e o adolescente são expostos, de
forma que a justiça restaurativa acabe por permitir a reafirmação e a proteção
dos direitos e das garantias que são fundamentais a estes sujeitos e o acesso à
justiça dos adolescentes em conflito com a lei.

Nesta linha, a Justiça Restaurativa Juvenil entra em convergência com a lei


n o 8.069/1990, o ECA, especificamente no que tange ao seu artigo 112, o rol
taxativo das medidas socioeducativas, que prevê:

106
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

I. advertência;

II. obrigação de reparar o dano;

III. prestação de serviços à comunidade;

IV. liberdade assistida;

V. inserção em regime de semiliberdade;

VI. internação em estabelecimento educacional;

VII. qualquer das medidas de proteção (art. 101, I a VI).

O que significa dizer que, de acordo com os incisos do artigo 112 do ECA, o
Adolescente tem de ser cada vez mais participativo no reparo do dano cometido
à vítima, tendo, de modo taxativo, a obrigação de reparar o dano, além de
prestar serviços à comunidade, a qual também, em alguns casos, mostra algum
tipo de dano após a infração. A lei n o 8.069/1990 consumou-se na criação do
ECA, responsável por uma inovação importante no que tocante aos direitos
fundamentais, uma vez que reafirma o ideal de justiça humanizada, ao prescrever
um tratamento sensível em relação à criança e ao adolescente, pois, além de se
tratar de sujeitos que são horizontalmente portadores de direitos fundamentais,
eles compactuam a condição de sujeito em desenvolvimento, existindo, então,
um tratamento específico da lei infraconstitucional, da mesma forma como da
própria CF de 1988, no que tange a uma prioridade absoluta, que é reafirmada
no ECA.

Assim, a Justiça Restaurativa na efetivação da justiça torna-se uma ferramenta


que instrumentaliza a aproximação do adolescente com a comunidade, levando
em consideração não a sua internação ou separação do convívio social, mas sim
uma nova possibilidade de interação social do adolescente com a comunidade por
meio dos círculos restaurativos que possibilitam a participação dos envolvidos
no conflito.

Por fim, a Justiça Restaurativa apresenta-se como uma nova ferramenta de


efetivação da Justiça brasileira e do mundo, por ter um compromisso não só na
resolução de conflitos mas também de permitir que problemas sociais acabem
expostos e debatidos, levando em conta as particularidades da questão social.

A efetivação dos direitos de crianças e adolescentes é missão imposta a


todos em cumprimento ao princípio da proteção integral previsto no artigo
227 da Constituição Federal. É nessa seara que se buscou compreender o

107
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

fenômeno da violência juvenil e a melhor forma de aplicação da justiça.


Com o propósito de repressão a violência, e ainda punir o ofensor, a redução
da maioridade penal é apresentada como solução adequada. A defesa da
redução objetiva a punição de adolescentes infratores em conformidade
com a Justiça penal, sob o mito da aplicação da Justiça.

Ainda assim, essa visão é construída sob conhecimentos particulares,


desprovidos de tecnicismo e não apropriado de cientificidade. A popularização
do conceito de Justiça pauperizou o seu significado, e sua aplicação nem
sempre ocorre no seu melhor sentido. Para melhor alcance do seu significado,
impõe-se analisar os vários conceitos de Justiça, seja a partir de uma análise
das teorias utilitaristas, seja a partir das mais variadas percepções filosóficas já
defendidas, permitindo uma análise epistemológica do seu conteúdo.

Na busca de uma aproximação do justo e adotando-se uma justiça social,


encontra-se como alternativa a Justiça Restaurativa, que parte do modelo de
Justiça Consensual, como mecanismo auxiliador da Justiça Criminal. Ela se
mostra não como modelo substitutivo da justiça tradicional, mas sim
como modelo auxiliar, como um fortalecimento conceitual da aplicação
da pena e da compreensão do fenômeno criminal. É nessa perspectiva
que se vê na Justiça Restaurativa uma possibilidade de sucesso para
enfrentamento do fenômeno da violência juvenil, uma vez que ela
busca desvendar as problemáticas que envolvem a questão, permitindo
o diálogo entre as partes envolvidas, ofensor e ofendido, durante os
Círculos Restaurativos.

Esse modelo de Justiça, apesar de ainda não se encontrar devidamente


regulamentada no sistema jurídico nacional, não colide. No entanto,
com o sistema protetivo especial de proteção juvenil, e ainda atende e
muito a concepção da proteção integral. Destaca-se que ela possibilita
atender todas as finalidades do processo socioeducativo insculpido
na legislação especial. Por essa razão, ainda esse modelo mostra-se
promissor e potencialmente importante como instrumento de apoio e
ressocialização dos adolescentes infratores.

Por tal contexto, a Justiça Restaurativa está em crescimento no Brasil


e tem particularidades em construção e desenvolvimento nas Ciências
Criminais, além do alto comprometimento de contornar o desenho social
injusto e na efetivação da justiça, havendo, pois, o objetivo de difundi-
la como uma alternativa de aplicação da justiça e defesa de direitos ao
adolescente e demais indivíduos.

108
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

Sistema penitenciário e penas alternativas


Como já é de nosso conhecimento, a criminalidade é algo que sempre existiu e
que está presente desde as primeiras civilizações. O que a distingue é o modo
como cada sociedade controlava e repreendia aqueles sujeitos que cometiam
algum tipo de delito. Por conta desta necessidade de controlar e reprimir a
prática de um ato considerado delituoso, nasceu o que conhecemos por pena,
levando em consideração que esta é aplicada de distintas formas e com objetivos
distintos em cada uma das sociedades.

Atualmente, no Brasil, o sistema penitenciário é considerado um dos problemas


mais graves enfrentados pela sociedade, por conta da situação degradante
daquele que está preso em nossas instituições penitenciários.

Como sabemos, o Estado tem o dever de oferecer ao sujeito encarcerado um


tratamento que seja humano e digno, porém, possivelmente pelo dispendioso
gasto que este dever ocasiona, o que podemos observar é que isso não vem
ocorrendo.

Iniciemos falando um pouco sobre o histórico das penas e, em seguida,


abordaremos o sistema penitenciário e, como isso, vamos passear por vários
sistemas do mundo, para melhor compreensão, ok!

Bom, segundo o site Jus (2018), o entendimento dos povos sobre a punição
daqueles que transgridam as regras da boa e respeitosa convivência passa
constantemente por transformações, segundo a realidade política e econômica
em vigor num determinado momento histórico, o qual aponta, por meio de
um ordenamento jurídico, os movimentos deste sistema, ou seja, o cotidiano
dos sujeitos que vivem neste espaço territorial definido, bem como a própria
evolução, aperfeiçoamento do sistema penitenciário durante o transcorrer do
tempo.

Atualmente, diversas são as críticas a respeito da situação das penitenciárias


no Brasil, algumas falam inclusive na falência do próprio sistema prisional e
muitas são as discussões acerca da sua eficácia.

A precariedade das instituições carcerárias e as condições subumanas nas quais


vivem os presos jogam por terra o objetivo ressocializador da pena privativa de
liberdade, gerando questionamentos quanto à possibilidade de obtenção de efeitos
positivos do cárcere sobre o apenado.

109
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

É induvidoso que a pena de prisão vem falhando no seu objetivo ressocializador;


no entanto, é também verdade que, para os criminosos mais perigosos, cuja
segregação é imprescindível, ela continua sendo a única alternativa. Mas hoje
é incontestável que manter encarcerados indivíduos que não tragam uma real
iminência de risco para a sociedade é uma medida totalmente imprópria, que
deve ser evitada sempre que possível.

São inúmeros os problemas enfrentados nas prisões brasileiras: a superlotação


dos presídios proporciona o convívio de infratores de menor potencial ofensivo
com criminosos perigosos, tornando a prisão uma escola de aperfeiçoamento no
crime. Entre as várias deficiências que acometem o nosso sistema penitenciário,
a superlotação merece destaque especial, pois ela impede que os apenados
tenham condições mínimas de dignidade e higiene.

Evolução histórica da pena


A primeira pena a ser aplicada na história ocorreu ainda no paraíso, quando
Eva, após ter sido induzida pela serpente, comeu da fruta proibida e fez com
que Adão também comesse, o que gerou a expulsão deles do jardim do Éden.

Após a primeira condenação aplicada por Deus, o homem, a partir do momento


em que passou a viver em comunidade, também adotou o sistema de aplicação
de penas toda vez que as regras da sociedade na qual tivesses inseridos fossem
violadas. Desta forma, várias legislações surgiram ao longo da existência
humana, que tinham por finalidade esclarecer penalidades a cada infração por
elas previstas.

Mas o marco principal da pena está nas antigas civilizações, sendo a mais
aplicada a de morte, com predominância de pena-castigo; assim, na China, no
Egito, entre os fenícios, na Grécia, onde se encarcerava os devedores até que
saldassem suas dívidas, a custódia servia para obstar fuga e garantir a presença
nos tribunais. Na Roma antiga e entre o povo hebreu, a prisão não era sinônima
de castigo e o rol de sanções se restringia quase unicamente às corporais e à
capital.

A pena é preventiva como defesa do Estado e meio de correção do delinquente.


Na Antiguidade, a pena impunha sacrifícios e castigos desumanos ao condenado
e, geralmente, não guardava proporção entre a conduta delitiva e a punição,
prevalecendo sempre o interesse do mais forte. Com a Lei de Talião, registrada
pelo Código de Hamurabi, no ano de 1680 a.C., mesmo que de forma insuficiente,

110
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

estabeleceu-se a proporcionalidade entre a conduta do infrator e a punição,


consagrando a disciplina de dar vida por vida, olho por olho e dente por dente.
Nasceu, desta forma, a equivalência entre a ofensa e o castigo penal, porém
as penas continuavam avassaladoras, públicas e degradantes, prevalecendo
a infâmia, as agressões corporais e a pena de morte. A punição ganhou uma
conotação de vingança e de castigo espiritual, acreditando-se que através dela
poderia aplacar-se a ira divina e regenerar ou purificar a alma do delinquente,
cometendo-se todas as atrocidades e violências em nome de Deus.

No Renascimento, a obra de Beccaria, feita no ano de 1764, chamada de Dos


Delitos e das Penas, trouxe contribuição significativa à pena, pois que, se
ainda mantinha caráter expiatório, passou a ter também fim utilitário, das
simples considerações das verdades até então apresentadas demonstrando que
o fim das penas não é atormentar e afligir o ser humano, nem desfazer um crime
que já foi cometido.

Os ideais revolucionários deram base ao direito penal moderno e à Declaração


dos Direitos do Homem e do Cidadão, na Revolução Francesa. Assevere-se,
porém, que, além dos ideais liberais que norteavam o período, outros motivos
estimularam a aplicação da prisão como pena autônoma, suprimindo a pena de
morte e os suplícios à integridade física do homem; a pena de prisão solidificou-
se, no entanto, como principal modalidade punitiva, embora a sua execução
permanecesse primária e desumana.

A prisão como sanção penal com o intuito de recuperar o delinquente surgiu


no ano de 1550 em Londres, chamada de House of Correction. O objetivo era
assegurar que o acusado não fugisse até ser provado se realmente era culpado
ou não. Após o julgamento, e provada a culpabilidade, a modalidade passava de
detenção por acusação para execução penal, quando o condenado pagaria a sua
pena no tempo determinado pelo sentenciador.

Eram prisões leigas, denominadas casas de reeducação, destinadas a recolher


mendigos, vagabundos, prostitutas e jovens delinquentes, os quais se
multiplicaram principalmente nas cidades, à mercê de uma série de problemas na
agricultura e de uma acentuada crise na vida feudal. Durante o dia trabalhavam
em tarefas forçadas e árduas, e de noite eram brutalmente isolados, sendo
obrigados a respeitar a lei do silêncio e a severa disciplina. Em decorrência deste
fenômeno e de sua repercussão nos índices da criminalidade, várias prisões
foram construídas com o fim de segregar os delinquentes por um certo período,
durante o qual, sob uma disciplina desmesuradamente rígida, era intentada
sua emenda. Outros países europeus, no rastro destas experiências, fundaram
estabelecimentos similares.

111
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

Já nos séculos XVIII e XIX, com a chegada da escola clássica, a pena era
então nitidamente retributiva e o crime era o mal, o pecado e a punição
sobrevinham para castigar o infrator. Não havia preocupação com a pessoa do
delinquente. A pena se destinava a restabelecer a ordem pública violentada
pelo crime e era adequada ao mal causado. A Escola Positiva, que aqueles dois
séculos também viram nascer, passou a considerar a pessoa do delinquente.
O homem passava a centrar o Direito Penal, como objeto principal das suas
conceituações doutrinárias. A pena, para os positivistas, deixou de ser castigo,
mas oportunidade para ressocializar o delinquente, e a prisão era para proteger
a coletividade.

No início do século XIX, a pena de prisão mostrou-se como um meio adequado


para reformar o delinquente, constituindo uma evolução para época, mas nas
últimas décadas sua eficiência não tem proporcionado resultados tão otimistas.
Aliás, este panorama negativo já era esperado, pois o cárcere é a antítese da
sociedade livre, atua de forma antinatural conduzindo à criminalidade. Em
virtude disso, assim como ocorreu com a pena de morte e outros suplícios,
a falência da pena de prisão foi inevitável, uma vez que, além de não frear
a delinquência, dá oportunidade a desumanidades e estimula a reincidência
delitiva.

Após várias críticas ao regime prisional, surgiram nos Estados Unidos e na


Europa os sistemas penitenciários clássicos, que serviram de referencial por
todo o mundo. Nota-se que até hoje a pena tem o caráter de castigo, com uma
finalidade de manter a ordem e a paz social; busca também a ressocialização do
delinquente, o que não ocorre devido às mazelas do sistema penitenciário.

Atualmente existe uma maior preocupação com a integridade física e mental,


bem como com a vida dos seres humanos. Diversos pactos e legislações foram
elaborados, visando à preservação da dignidade da pessoa humana, buscando
eliminar de todos os ordenamentos jurídicos os tratamentos degradantes e
cruéis.

Sistemas penitenciários
Os sistemas penitenciários são divididos em três categorias, que, numa sequência
evolutiva, são:

» o Pensilvânico;

» o Auburniano;

» o Progressivo.

112
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

Faremos, aqui, a descrição de cada um deles na ordem em que foi apresentado.

O Pensilvânico ou, como também é conhecido, da Filadélfia ou Celular, faz


uso do isolamento celular absoluto. Neste caso, o preso deveria ser isolado em
uma cela, sem direito de trabalhar e, muito menos, de receber visitas, sendo
incentivado à leitura da Bíblia. Desta forma, a religião seria o único instrumento
capaz de recuperar o sujeito preso, o qual não tinha o direito de se comunicar,
mas apenas de estar em silêncio em processo de meditação e de oração. Este
isolamento celular seria como uma tortura, que na verdade, em nada contribuía
para o processo de reabilitação do sujeito, apenas conferindo à pena um caráter
retributivo e expiatório.

Como podemos observar, este não foi um sistema que produziu bons resultados,
por ser completamente inadaptado à vida social e de vontade débil, em que,
no lugar de preparar o sujeito para que pudesse ser reintroduzido à sociedade,
fazia exatamente o contrário.

O Auburniano nasceu a partir da necessidade de superação das limitações


e dos defeitos advindos do Regime Pensilvânico. A sua denominação nasce a
partir da construção da prisão de Auburn, no ano de 1816. Apresenta-se como
menos rigoroso que o sistema anterior, permitindo o trabalho entre os sujeitos
presos, o que ocorre, inicialmente, ainda dentro de suas celas e, posteriormente,
em comum. Podemos dizer que uma das características desse sistema seria
a exigência de silêncio absoluto entre os sujeitos condenados, por esta razão
acabou conhecido como silent system.

O Regime Progressivo foi adotado, coincidindo com a ideia de consolidação


da pena privativa de liberdade como instituto penal e de necessidade da busca
de uma reabilitação do preso. Nasceu na Inglaterra, durante o século XIX,
levando em conta o comportamento e o aproveitamento do preso, a partir da
demonstração de boa conduta e por meio do trabalho; e, conforme o condenado
ia satisfazendo essas condições, era computado um determinado número de
marcas, de tal forma que a quantidade de marcas que o condenado necessitava
obter antes de sua liberação deveria ser proporcional à gravidade do delito que
ele cometera.

A divisão deste sistema acontecia em três períodos, em que, no 1 o, que era


denominado de isolamento celular diurno e noturno, o objetivo era fazer com
que o sujeito refletisse sobre seu comportamento delituoso. O 2 o era resultado
do trabalho, por meio do silêncio, mantendo-se num processo de segregação
noturna. Por fim, o 3 o era resultado da liberdade condicional, que, que não

113
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

sendo revogada, levava a que o sujeito condenado adquirisse sua liberdade de


forma definitiva.

Ainda hoje, o Sistema Progressivo influencia diretamente na política criminal;


com certas modificações, é adotado em diversas civilizações modernas. O Brasil,
atualmente, adota um Sistema Progressivo de execução da pena privativa de
liberdade, objetivando a ressocialização do condenado e a progressão ocorre em
razão de seu merecimento.

Por fim, a progressão de regime está prevista no Código Penal (art. 33, §2 o) e na
Lei de Execução Penal, Lei n o 7.210, de 11 de julho de 1984 (art. 112).

Movimentos sociais e criminalização


Segundo Volanin (2007), a criminalização dos movimentos sociais na mídia é
um processo histórico. As notícias transmitidas em um período correspondente
a mais ou menos 50 anos de diferença fazem-nos pensar que muitos órgãos de
comunicação demonstram objetivos similares, o que significa dizer que a mídia,
há muito tempo, vem criminalizando os movimentos sociais ou as manifestações
populares que vão aquém dos interesses dos grupos que detêm a concentração
do poder e dos veículos de comunicação.

Desta forma, objetivamos, aqui, a compreensão do conflito existente entre a


ação dos movimentos sociais e a interpretação dada pela sociedade por meio
das informações que são transmitidas pela mídia, mais precisamente, como
o receptor midiático assimila o conteúdo que é repassado por intermédio dos
meios de comunicação, os quais têm uma postura política e ideológica em relação
à organização e à estrutura da sociedade, mais especificamente, em relação aos
movimentos sociais.

É necessário, então, um debate para melhor compreendermos os conceitos de


mídia, qual seu raio de influências e a qual a ideologia oculta que é imposta
para, então, compreendermos qual sua relação com as organizações sociais e
quais as intenções e os interesses almejados por aqueles que detêm o poder dos
meios midiáticos.

Se torna, então, importantíssimo o debate sobre os conceitos fundamentais


de ideologia e poder ideológico do sistema capitalista e do Estado, tendo em
vista que é por meio deste mecanismo se desenvolve todo o processo do uso de
meios, dentre eles a própria mídia, para combater toda e qualquer oposição que

114
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

possa ser tornar obstáculo para o funcionamento do sistema capitalista e da


hegemonia da classe dominante.

Desta forma, é importante buscar uma definição de mídia e qual a sua função como
um veículo de transmissão do serviço ideológico do poder político e econômico
sobre a sociedade brasileira. E, a partir disso, buscar orientações e abordagens
teóricas que nos permitem caracterizar e compreender a dinâmica e a relação
do poder midiático com os movimentos sociais e qual seria a importância de
ambos para a vida social, principalmente após a década de 1980 no Brasil,
quando despertou, em boa parte da população, a capacidade de questionar e
reflexionar sobre a veracidade do que se vê, do que se ouve e do que se fala, o que
significa dizer que necessitamos exercer a crítica daquilo que nos é transmitido.
E, por fim, reconhecer nos meios de comunicação alternativos como formas
de divulgação e propagação da importância das organizações populares para a
transformação de superação das injustiças e das desigualdades sociais.

A ideologia como meio de manutenção do


poder da classe dominante
Podemos compreender a palavra ideologia por meio de seus diversos sentidos e
abordagens. Aqui, focaremos na ideologia dominante transmitida por meio da
mídia em relação aos movimentos e às organizações populares brasileira nas
últimas três décadas.

Como dissemos, esta ideologia se dá a partir do monopólio da classe dominante


sobre os meios de produção intelectuais, o que influencia diretamente nas
formas de consciência social, suas práticas e representações, tanto individuais
como sociais.

Diversos autores vêm trabalhando este conceito, sendo Marx, sobretudo, um


dos maiores enriquecedores do conceito e de sua aplicação. Em uma concepção
geral da visão de Marx, a ideologia adquire um sentido negativo, sendo, desta
forma, um instrumento de dominação. Marx e Engels definem como ideológica
toda e qualquer tentativa de explicar a relação social a partir das formas
cristalizadas de consciência social, considerando que proceder desta forma
implica na inversão de uma determinada ação real.

A ideologia acaba por sobrepor-se às consciências individuais. Desta forma,


cada ser social interpreta a organização social e o seu papel nesta, e não por
meio de sua consciência pura, mas sim por meio de suas próprias relações e,

115
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

assim, moldado e aprisionado pelas formas de consciência coletiva e social.


Ao falar da questão da conscientização individual sobre o social, Marx destaca
que não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas sim o seu
ser social é que determinará a sua consciência. Desta forma, o conteúdo das
formas ideológicas seria a expressão ideal das relações materiais dominantes,
sendo o seu conteúdo dado pela classe dominante a qual detém os meios de
produção material, além dos meios de produção intelectual e, normalmente, o
poder político.

Quando esta ideologia é tratada em relação aos movimentos sociais, o discurso


da criminalização é, sem dúvidas, uma ideologia na qual a transmissão acontece
pelo que denominamos de consenso. O que significa dizer que o convencimento
da ideologia é levado a ser incorporado pela própria sociedade, em que as ações
da criminalização apresentam impacto no cotidiano do movimento e, também,
nos sujeitos dele pertencentes.

Diversos autores, inspirados em Marx, contribuíram para explicar que a ideologia


não é apenas um conjunto de ideias, mas também de práticas, presentes em todas
as partes da estrutura social para garantir a exploração social e a manutenção
do domínio social. Althusser defende que, especificamente, isto se dá através da
atuação dos Aparelhos Ideológicos de Estado.

Fazendo uma analogia entre o público e o privado, levamos em consideração


que Aparelho Repressivo do Estado pertence ao poder público, ao passo que
os Aparelhos Ideológicos do Estado, entre os quais podemos destacar os
empreendimentos culturais como os jornais, revistas e atualmente os meios
televisivos, radiofônicos e digitais, pertecem a domínios particulares, privados.
Desta forma, por mais que esteja a serviço privado, a mídia transmite a ideologia
do poder estatal, uma vez que esta está sempre sob a influência ou influenciada
pela classe dominante, a qual é detentora dos meios de comunicação mais
influentes e que, consequentemente, são alienadores.

Então, mesmo que a sociedade esteja dividida em classes em que cada qual
deve ter suas próprias ideias, o processo de dominação de uma classe sobre as
outras faz com que apenas sejam consideradas verdadeiras, válidas e racionais
as ideias advindas da classe dominante.

Assim, a ideologia seria uma forma de dar aos membros de uma sociedade, a qual
está dividida em classes, uma explicação racional para as diferenças econômicas,
sociais, políticas, culturais entre outras, sem atribuir jamais estas diferenças à
divisão da sociedade em classes. Para que isso aconteça, os conflitos sociais

116
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

acabam sendo camuflados, justificando as diferenças existentes como resultado


da ordem natural das coisas. E, como ordem natural, podemos considerar os
fatos que, na verdade, são resultados das ações humanas, como, por exemplo,
afirmar que a divisão em classes faz parte da natureza.

Como outra função da ideologia, temos os valores da classe dominante sendo


estendidos à classe dominada. Desta forma, a ideologia manifesta-se em diversos
lugares como na escola, por meio dos textos didáticos; na propaganda comercial
e na propaganda ideologia, por meio da mídia, a qual hoje é bem acessível; ou
seja, de uma forma ou outra, ela se manifesta a todos os cidadãos brasileiros,
incriminando os movimentos e organizações sociais não interessantes aos
detentores dos grandes meios de comunicação e propagadores da ideologia
dominante. Por fim, como já dissemos, a ideologia é trabalhada como uma
forma de manter a dominação de uma classe sobre a outra.

Mídia: o meio mais eficaz de propagação de


ideologias
Mesmo que universal, a preocupação com o desenvolvimento dos meios de
comunicação nasce na Escola de Frankfurt, principalmente por intermédio
de Horkheimer e Adorno, a partir da década de 1940, sendo ela a pioneira no
processo de orientação e relação teórica da questão política e econômica com a
questão cultural, chamada, então, de indústria cultural. Este movimento, como
dissemos, foi o primeiro referencial teórico que questionou sobre o processo de
industrialização da cultura.

Partindo deste pensamento, a mídia mostra-se como um veículo de transmissão


de uma ideologia das elites. Conforme a cultura vai sendo analisada pelos
frankfurtianos, também vai sendo transformada em mercadoria; desta forma, os
meios de comunicação que estão a serviço da ideologia do grupo econômico mais
forte, que exerce a dominação, produzindo, por meio do trabalho, a alienação
do indivíduo, objetivando a manutenção das classes sociais existentes como
são. Mesmo que os conceitos sejam anteriores, de uma época em que já se podia
perceber o que se tornaria, foi apenas a partir dos anos de 1960 que a mídia
passou a ser considerada como indústria cultural. Para os preponentes deste
pensamento, a cultura é produzida de forma padronizada, justamente como
uma forma de alienação, de dominação e de manutenção das classes sociais.

De modo particular, as frentes teórico-metodológicas abertas com os Estudos


Culturais Ingleses, na década de 1960, em sentido e até mesmo se contrapondo

117
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

à Escola de Frankfurt, esclarecem que as formas culturais não são somente


processos de comunicação como expressão da ideologia econômica, mas também
são ferramentas de resistência, em que o receptor transforma a informação
recebida a partir dos meios de comunicação e, então, produz novos sentidos.
Não são os meios de comunicação que manipulam e determinam a realidade,
mas sim aquele que recebe a informação que é ditada pela mídia.

Em face deste contexto é que diversos pensadores da Escola de Frankfurt


levam suas críticas aos meios de comunicação de massa cuja expansão lhes é
contemporânea. Para eles, a mídia não seria apenas uma instância dominadora,
senão também um produto cultural que vai se alimentando de outras culturas,
por meio de uma relação de interdependência. Desta forma, os produtos
midiáticos informam e atendem a uma demanda social, promovendo cultura e
lazer, de modo a refletir e colocar em debate os diferentes. E é a partir daí que
passamos a compreender que aquele que passa a receber a informação deixa
de ser um ser passivo e passa a ser um ser ativo, buscando uma posição de
espectador fora da passividade e da dominação, resgatando-o como produtor
de sentidos, como um sujeito que é capaz de resistir e de contestar o conteúdo
explicitado em toda e qualquer forma de orientação midiática.

Embora possamos observar um avanço, é importante que estas questões que


foram levantadas pela Escola de Frankfurt não fiquem de lado jamais. Devemos
buscar o equilíbrio entre o ideológico e o resistente; afinal, não é apenas o
receptor quem produz significados, pois os meios de comunicação também
o fazem. A mídia deve ser vista como um reflexo do processo hegemônico ao
mesmo tempo em que ela incorpora e se adapta às diferentes culturas, em um
processo contínuo de negociação, inteirando os valores, os significados e as
crenças da classe dominante. A ideologia dominante não existe sozinha!

Quando buscamos compreender a influência na mídia e qual a sua relação com


a ideologia de uma classe dominante, tomando como base os princípios da
Escola de Frankfurt e os Estudos Culturais Ingleses, ao mesmo tempo em que,
de forma alienada, discorre sobre as diferentes culturas, ela também inteira os
muitos e diversificados interesses e objetivos da classe dominante por meio de
um processo de oposição e pressão. O sentido da mídia está na fonte de criação
de sentido presente, nas interações sociais e nos seus movimentos de busca por
identidade. Porém, ter o domínio dos meios de comunicação de massa seria
a forma mais efetiva de impor à sociedade seus valores, suas crenças e suas
determinações. Esta imposição não acontece de forma direta, estando embutida
naquilo que o receptor assimila e filtra da mensagem midiática, por meio do

118
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

seu repertório cultural, buscando sentidos que sejam convergentes com as suas
experiências de vida.

Este elo da classe dominante em retransmitir sua verdade ideológica fica,


atualmente, a cargo da grande mídia, fazendo com que hoje vivamos em uma
encruzilhada diante dos desafios de uma cultura midiática, uma vez que a
comunicação se apresenta de forma progressiva como um elemento articulador
da sociedade. Os meios de comunicação de massa são caracterizados como
meios que invadem o espaço privado do indivíduo diminuindo a distância entre
o produto e o telespectador, confundindo aquilo que é passado com a realidade
que se apresenta.

Existem teóricos que chamam tal fato de propaganda ideológica, quando as


informações surgem como se a realidade fosse assim mesmo e como se houvesse
absoluta neutralidade na sua apresentação. O que muitas vezes não conseguimos
perceber é que existe uma seleção prévia dos aspectos da realidade e que são
apresentados por meio de um ponto de vista que serve apenas a determinados
interesses. A mídia insiste na ocultação deliberada daqueles aspectos da
realidade que podem permitir com que o cidadão apreenda a totalidade dos
fatos de forma que possa emitir um juízo livre, pessoal, completo e não dirigido
em relação aos fatos em questão.

Ao definirmos a propaganda ideológica contra os movimentos sociais, devemos


analisar que as mensagens apresentam uma versão da realidade por meio da
qual se propõe a necessidade de manter a sociedade nas condições em que
se encontra ou de transformá-la em sua estrutura econômica, em um regime
político ou em um sistema cultural.

A mídia também acaba por convencer o seu receptor a analisar conjunturalmente


a sociedade, ou seja, não apenas a seleção dos acontecimentos e atores a serem
analisados, como também atribuirá a estes acontecimentos um sentido que está
afinado com os interesses das classes dominantes, com sentido atribuído, não
a um fato puro, mas também a um fato lido e visto de acordo com interesses
específicos.

Hoje em dia, temos a chamada grande mídia, a qual continua operando


de forma camuflada, mas sob outro foco, ou seja, ela não apenas reproduz a
ideologia política do Estado, mas também trabalha sob domínio da propaganda,
defensiva da ideologia dominante e subordinada a lógica do mercado.

119
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

No decorrer da história, a chamada grande mídia brasileira sempre serviu


aos interesses econômicos e políticos. Estes interesses tomam como base uma
linhagem tradicional, temporal e espacial. A imprensa, não muito distante,
já servia como um aparelho ideológico do Estado. Os períodos de ditadura
brasileira tiveram sua sustentação e sua divulgação a partir dos meios de
comunicação de massa. A própria expansão do rádio coincidiu com a busca de
uma identidade nacional e com a centralização política do país. Não existem
dúvidas sobre seu papel infame durante a ditadura militar, seus ataques
sistemáticos aos movimentos sociais, suas funções ideológicas e mantenedoras
da ordem burguesa na sociedade brasileira, legitimando a exploração, a miséria
e a desigualdade social, advinda da sociedade de classes.

Ao traçar um paralelo temporal dos principais veículos de comunicação


brasileiros, poderemos observar que sempre tiveram uma relação de destaque
com as elites privadas e com os interesses do capital financeiro, incluindo aqui a
sua relação com o grande esforço de manter o Estado sob seu domínio. O Estado,
o mercado e a sociedade civil, conceituado como modelo tripartite, apresenta
três núcleos institucionais distintos e, mesmo que se relacionem e sejam
interindependentes, apresentam interesses específicos. No entrelaçamento
entre estes núcleos, vislumbra a mídia, como um meio ideológico e articulador.
Não deixando de ser uma poderosa arma manipulada por poderosos agentes do
estado, do capital e do mercado. Para toda e qualquer adversidade que venha
em percurso desarrumar tal processo, a mídia terá função desarticuladora e
ideológica diante da sociedade. Qualquer manifestação social, desde que não
represente uma ameaça que desencadeie a forma de sociedade modelada pela
elite social, a mídia torna um fato de interesse social.

A concentração dos veículos de comunicação nas mãos de pequenos grupos,


mesmo que nacionais, é a marca da história da mídia no Brasil. Assim, a
influência da mídia na vida dos sujeitos e nos rumos da sociedade é inegável,
visto que elas não são neutras, mas carregadas de intencionalidade. A mídia
tem como função ideológica relatar a realidade no momento imediato, porém,
por conta dos interesses do mercado ou dos interesses políticos em que os
proprietários da mídia estão inseridos, os fatos, principalmente em relação às
iniciativas, aos movimentos sociais acabam sendo recriados, fazendo com que a
sociedade os identifique como falsos sujeitos sociais.

Uma mídia que não discute, mas apenas informa, implicitamente, está
entregando-se à segregação social, à violência moral e à falta de dignidade.
É explícita a total influência que os meios de comunicação exercem sobre os

120
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

comportamentos e decisões da sociedade. Desta forma, devemos questionar


tudo e qualquer fato por ela abordado, na busca obter informações e conclusões
que sejam mais coerentes sobre o assunto proposto, alertando e prevenindo
seus expectadores quanto à leitura e interpretação midiática. Programações
ou matérias mais institucionais do que informativos e conscientizadores
acabam criando falsas representações da realidade identificando-se com o
discurso burguês, retratando a história sem questioná-la. Esta mídia que
articula e defende os interesses das elites é a mesma, como já dissemos, que
criminaliza os movimentos sociais, as ONG’s e as entidades da sociedade civil
que historicamente lutam pela democracia e pela melhoria de vida dos cidadãos
brasileiros, principalmente aqueles que são mais excluídos.

Para tanto, a mídia massificadora acaba criando uma relação desigual na


sociedade. Esta desigualdade é bem notória entre os que produzem conteúdo
de comunicação e aqueles que apenas recebem este conteúdo. A mídia impõe
padrões de uns sobre os outros tratando os sujeitos como meros consumidores
e não como cidadãos plenos e portadores de direitos.

Os movimentos de organização popular vêm sendo considerados como elementos


e meios de inovações e transformações sociais. Lutam pelo respeito a direitos
sociais básicos, elementares e relativos à própria condição humana. Lutam pela
construção de um projeto nacional, de uma sociedade justa e fraterna, levando
em conta as necessidades populares, colocando como horizonte a construção de
uma sociedade democrática.

Por outro lado, sua criminalização torna-se uma arma manipulada por agentes
poderosos da sociedade e do estado, principalmente por meio do uso da mídia.

Os Estudos Culturais, inicialmente, compreendem a cultura como o lugar em


que se naturalizam e se constituem as desigualdades sociais. Hoje em dia, essa
desigualdade é explicitamente observada, cada vez mais, na luta pela hegemonia,
ou seja, onde os distintos grupos subordinados se mostram resistentes a essa
subordinação.

Desta forma, é necessária uma reação em conjunto dos movimentos e da


sociedade civil organizada para contrapor-lhe, não só os efeitos, mas sobretudos
as causas que o alimentam.

A democratização dos meios de comunicação parece ser a via mais rápida para
pôr um fim a conflituosa relação entre mídia e movimentos sociais que se
arrasta por todo o Brasil, principalmente nas últimas décadas. Ainda assim, no

121
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

contexto da globalização, das desigualdades sociais e da grande concentração


dos meios de comunicação, uma definição de mídia alternativa só faz sentido
como contraponto, ou no sentido gramsciano, contra hegemônico, a uma
situação de exclusão e de busca de transformação. O conflito se situa entre as
ações coletivas deliberadas que buscam a transformação da sociedade, que são
os movimentos sociais e a mídia tradicional sob o monopólio dos setores que
detêm o poder, com interesse de manter uma realidade que os beneficia e lhes
é lucrativa. Desta forma, a relação entre a mídia alternativa e os movimentos
sociais define um processo de comunicação alternativa.

Ela corresponde à organização material do mundo em um contínuo processo


de pressão e oposição. Esta pressão e oposição à hegemonia garantem o
fortalecimento e desenvolvimento do processo democrático. Elas se expressam
na sociedade nas mais variadas formas. Na área midiática, podemos citar
algumas iniciativas de inclusão social existente como o jornal comunitário, a
rádio comunitária etc. A disseminação de conhecimentos gerados nas diferentes
realidades locais, a comunicação e atuação política dos movimentos sociais,
a comunicação da comunidade e pela comunidade representam a garantia
do direito à comunicação, e são formas de pressão e de oposição à ideologia,
formas de divulgação da pluralidade cultural e de olhares a respeito dos mais
diferentes assuntos.

A mídia alternativa, ou seja, aquela que não se mostra tradicional, talvez possa
ser a definição mais simples, pois existem dificuldades na definição devido
ao fato de esta ser ampla e generalizada. Deve ter por princípio selecionar
e divulgar os fatos pelas perspectivas, pelos interesses e pelos ideais dos
movimentos sociais, levando a uma tomada de posição da sociedade. Porém, é o
melhor meio comunicativo dos movimentos sociais, pois os privilegia sobre as
instituições. Deve se originar e se perpetuar por meio do esforço coletivo e da
consciência política dos sujeitos e do grupo. A mídia alternativa, por sua vez,
tem como objetivo a conscientização e a transformação política e social, a luta
pela cidadania, o apontamento das causas de problemas políticos e sociais, além
da indicação das possíveis ações, soluções e decisões que deverão ser tomadas.

Podemos dizer que a comunicação popular é um meio de conscientização, de


mobilização, de educação política, de informação e de manifestação cultural do
povo. É o canal por excelência de expressão das denúncias e das reivindicações
dos setores organizados da população oprimida. Desta forma, a comunicação
popular tem como protagonistas o próprio povo e/ou organizações e sujeitos e
ele ligados organicamente.

122
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

A mídia alternativa deve manifestar-se entrando em contradição com os valores


e princípios de classes dominantes e predominantes que lutam para obter um
novo consenso em torno de novas ideias relativamente estáveis. Jornais e revistas
populares, rádios comunitárias, emissoras televisivas de cunho social, de forma
mais massiva, internet. É a mídia alternativa dos movimentos sociais que atua
como instrumento de ação contra a hegemonia do capital, da concentração de
renda e da desigualdade social, em busca de transformação política, econômica
e social na sociedade.

Recentemente, no Brasil as novas práticas comunicativas evidenciam um


processo crescente de democratização dos meios de comunicação de massa,
com maior uso das tecnologias de comunicação pelos movimentos sociais,
organizações populares e ONGs.

Por fim, podemos concluir que a mídia somente cumpre seu papel social à medida
que informa a sociedade e não deforma a realidade, exercendo a influência na
leitura que fazemos da realidade.

Criminologia e direitos humanos


Segundo Antunes (2015), uma proposta de política criminal minimalista,
orientada pelo minimalismo penal, que vise a conter a violência institucional do
sistema de segurança pública e de justiça criminal, deve considerar as demandas
e a atuação de grupos organizados da sociedade civil em espaços públicos que
formulam, deliberam e expõem as tensões sobre crime, segurança e direitos
humanos no Estado brasileiro. O sistema criminal não soluciona os conflitos
sociais, para os quais as respostas não deveriam ser a intervenção penal, a qual
recrudesce o caráter repressivo e seletivo do sistema.

Alguns autores afirmam que as medidas minimalistas têm diversos matizes,


porém o objetivo essencial é reduzir a violência do controle penal.

O minimalismo e a proposta de direito penal mínimo devem ser entendidos


como uma série de princípios relativos a critérios políticos e metodológicos
para a descriminalização e para a construção dos conflitos e dos problemas
sociais de uma forma alternativa à que o sistema penal atual oferece.

A política criminal envolve um conjunto de princípios e recomendações


decorrente de processos de mudança social, de propostas do direito penal, de
descobertas empíricas das instituições do sistema penal, das revelações da

123
UNIDADE III │ DIREITOS HUMANOS

criminologia para reforma ou transformação da legislação criminal e dos órgãos


encarregados de sua aplicação.

A política criminal abrangeria a política de segurança pública, a política


judiciaria e a política penitenciária, mas estaria intrinsecamente conectado à
ciência política. A análise da dinâmica dos grupos organizados da sociedade
no âmbito das políticas criminal e de segurança é relevante, portanto, e deve
considerar as indicações estratégicas de uma política criminal alternativa, com
viés minimalista.

A sociedade civil organizada, portanto, tem um papel fundamental para


viabilizar transformações e disputar pela construção de políticas públicas
criminal e de segurança alternativas, com caráter minimalista e com propostas
de descriminalização, de reformas burocráticas e institucionais nas agências do
Estado brasileiro, bem como no campo da produção legislativa, com o intuito
de limitar o controle penal.

Houve um aumento expressivo da participação de representantes da sociedade


civil na formulação de políticas públicas nos últimos anos, sobretudo nos
governos do ex-presidente Lula.

A atuação da sociedade civil organizada na concretização de direitos humanos


que viabilizam uma política criminal orientada pelo minimalismo penal deve
considerar o acúmulo teórico acadêmico no Brasil e no plano internacional, em
uma perspectiva interdisciplinar do tema problematizado tendo como prioridade
reformular os mecanismos e metodologias de administração de conflitos em
diferentes contextos. Temos, portanto, um expressivo acervo de pesquisas,
baseadas em diferentes matrizes teóricas e metodológicas, que considera os
pressupostos da criminologia, do direito, da antropologia e da sociologia, que
servirão de referencial teórico para essa pesquisa.

Nos últimos anos, tem sido explorada em pesquisas acadêmicas, notadamente


teses de doutorado, em diversos campos do conhecimento, como a ciência
política, a sociologia, as políticas sociais, em áreas da saúde, entre outras
áreas, a interação entre conselhos nacionais, conferências, sociedade civil e
representantes do Estado em instâncias participativas de diferentes formatos e que
influenciam em políticas públicas. Nesse sentido, alguns teóricos examinaram
empiricamente as políticas de juventude e o Conselho Nacional da Juventude,
conhecido como Conjuve. Pimenta analisou a relação entre Estado e sociedade
civil na dinâmica do Conselho Nacional de Direitos da Mulher, no período de
1985 até 2005. Uma abordagem da possibilidade de gestão democrática do

124
DIREITOS HUMANOS │ UNIDADE III

Conselho Consultivo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária foi realizada


por Lucena. No âmbito do direito, o Conselho Nacional de Justiça e sua influência
na política judicial também têm sido objeto de pesquisas.

A Criminologia, como já vimos tantas vezes nesta apostila, seria e a mudança


de paradigma de segurança pública: “Importância da Criminologia para a
democratização do controle penal”, no qual se analisou, enquanto participante,
as propostas e atividades da 1 a Conferência Nacional de Segurança Pública,
realizada pelo Ministério da Justiça, nos anos de 2008 e 2009. Após examinar
as tensões entre a concepção de segurança da ordem versus segurança de
direitos, explorar a proposta de repactuação da modelo de segurança pública
e as possibilidades de mudança do paradigma punitivo e formular princípios e
diretrizes que devem sustentar a mudança de paradigma na segurança pública.

Existe, portanto, a constatação da diversidade temática desses grupos


organizados da sociedade civil no campo da política criminal e de segurança,
existindo desde organizações que trabalham com o tema da discriminação racial
e discutem a violência contra jovens negros, até entidades voltadas para o tema
da exclusão urbana, da causa LGBT, entre outros, que compõem um mosaico
plural e constituem um objeto de estudo rico para a criminologia e para as
propostas minimalistas.

125
CULTURA E PAZ UNIDADE IV

Chegamos à nossa última unidade. Aqui, trabalharemos temas que permeiam a


cultura e a paz.

Segundo Pelizzoli (2015), podemos dizer que uma Cultura de Paz Restaurativa,
ou seja, que tem nas práticas restaurativas o seu ápice, resgata e reproduz o
mundo gregário. Quando estamos neste cenário, podemos observar os valores
fundamentais da nossa vida, como, por exemplo, aquilo que mais desejamos
socialmente ou o que é mais importante para um sujeito ou como nos conectamos
com a humanidade. Desta forma, passamos a reproduzir os fundamentos do
mundo interpessoal.

Muitos sujeitos podem acreditar que o mundo é violento. Trata-se aí de uma


desconexão com a realidade social, em que não se consegue ver o outro, nem
muito menos a si mesmo, no plano humano. Esta conexão com sua humanidade
é base para o agressor; a vítima também é convidada a fazer isso consigo e
com os outros, uma vez que ela tem que olhar para o outro, ou seja, o agressor,
além de perceber a armadilha em que ele entrou, e o contexto em que ele está
atuando.

Lembremos aqui do tipo de perguntas que são realizadas em círculos


restaurativos, como: O que aconteceu no momento que você fez isso? Qual foi
seu sentimento no momento? Como isto o atingiu? O que fazer para reparar as
coisas? É importante salientar que estas perguntas têm uma lógica otimizada;
e, quando isso é trazido, o que se tenta é mostrar para os sujeitos a humanidade
escondida dos envolvidos, confrontando o porquê de se cometer algo ruim
quando se deseja, lá no fundo, valores que são fundamentais, quando se depende
um do outro e os atos têm consequências a serem respondidas e assumidas.
Ainda assim, existe uma energia de interconexão ou até de cura no círculo que
não cabe em palavras.

É normal que todos queiram paz. A questão é por que essa paz é rompida
frequentemente? Por que o equilíbrio também é rompido? Nem sempre teremos
as respostas devido à grande complexidade da vida. Alguém, por exemplo,
126
CULTURA E PAZ │ UNIDADE IV

matou uma pessoa que não queria entregar seu tênis num assalto. Podemos
dizer o quão é grave esta situação e o quão mesquinho também parece. Não
obstante, isto não deve nos eximir de compreender o que se passava na mente
e no contexto daquele que cometeu o assassinato, e refletir em que tipo de
fracasso social nos metemos como sociedade. Quando analisamos por mais de
um ângulo, observamos que o tênis é um passaporte social, algo quase sagrado
em um modelo de sociedade capitalista objetificada.

Ainda que pareça difícil ponderar sobre o outro que comete danos, por conta
da raiva e de uma gama de sentimentos que são dolorosos, é necessário a
percepção das dimensões humanas criadas, buscando despertar dimensões de
responsabilidade e de peso pela gravidade do fato cometido. Quando vamos
mais a fundo, podemos encontrar um sujeito que foi arruinado socialmente. É
certo que os processos restaurativos exigem que tenhamos um grau razoável
de socialização ainda presente, já que esse sujeito/agressor precisa acessar
a vergonha, o arrependimento, a culpa, a conexão, o querer resgatar/pagar.
Caso isso aconteça, existe um grau de solidariedade a surgir e um resgate de
humanidade. A presença ou o apoio de sujeitos da comunidade são chaves
para abrir o resgate. E quando se percebe o reino de loucura, de dor e de
vulnerabilidades humanas criados para além de nossos maiores e melhores
desejos, surge também a necessidade de superar a impotência, que vem como
sentimento de não poder mudar as coisas ruins, ou de não poder evitá-las de
modo amplo.

Quando percebemos e sentimos um sujeito realmente em situação de precisar


roubar ou de usar crack ou de entrar em muitos conflitos negativos, começamos
a observar uma série de contextos de desenraizamento, desumanização. É aí
que começa a surgir a busca pela humanização e pela modificação da situação.
Mas, por que tentamos humanizar e/ou modificar? Porque está é uma tendência
humana ontológica, que está ligada à empatia, à afetividade, à conexão, ao lado
de outras tendências que também são substanciais como a vontade de eliminar,
ou de se vingar e de punir. São as dimensões positivas e de regeneração potencial
dentro dos sujeitos que devem ser vistas em 1 o lugar se queremos, realmente,
um resgate social da violência, ou seja, se queremos mais paz.

Diferentemente da visão retributiva dominante dentro da esfera da Justiça,


em que se mostra vigente uma prática opositiva, e do Estado monopolizando
a punição, assim como uma perda da dimensão comunitária dos malfeitos, na
visão restaurativa, busca-se a reintegração na comunidade daqueles sujeitos
que criaram uma situação de ruptura e dos outros que, por ventura, afetados por

127
UNIDADE IV │ CULTURA E PAZ

um conflito, se sentiram oprimidos na fluidez de suas relações sociais. Evita-se,


desta forma, revitimizações, mas também, a reintegração preventiva, valendo
afirmar aqui que a prevenção contra processos de exclusão e de marginalização,
por meio de políticas inclusivas, que evitem estigmatizações e que permitam
a tomada dos sujeitos em sua inteireza, não pelos atos cometidos ou por
determinada característica de comportamento, de raça etc.

Para que possamos atuar com Direitos Humanos precisamos ter motivações que
vão muito além da lógica da normose ou da racionalidade burguesa excludente,
e além do bem e do mal, ou seja, verdadeiras armadilhas reducionistas. A
solidariedade entre os sujeitos não é, primeiramente, uma escolha racional,
mas nasce do potencial e do desenvolvimento de valores humanos, como a
compaixão e a empatia. O convite da Cultura de Paz como a compreendemos, em
especial da Justiça Restaurativa para os Direitos Humanos, é, então, o resgate
da socialidade, empatia, do diálogo, encontro, da subjetividade, e afetividade,
entre outros. Os Círculos Restaurativos buscam formar um sistema inter-
humano não dicotômico, porém inclusivo e equilibrado; neste sistema, podem
circular e serem acolhidas as sombras e as emoções como a raiva, o medo e
a culpa, os erros, os ferimentos, os rompimentos. Circula, acima de tudo, o
que denominamos de força de agregação, a força de conexão, que tem diversos
nomes, por exemplo:

» compaixão;

» empatia;

» compreensão;

» acolhimento.

Da mesma forma como existem tendências humanas que são orientadas pela
vontade de matar, muito presente no modo ataque-defesa, quase como um
conatus essendi, também existe na mesma ordem de potência ontológica,
como já dissemos, a capacidade gregária. Em uma compreensão mais sistêmica,
o sujeito não é um indivíduo primeiramente, ele é natureza, ele é família, ele é
o sistema. Desta forma, as tecnologias psicossociais resgatam características da
sociabilidade ontológica.

Nos capítulos a seguir, iremos mais a fundo com temas sobre violência e paz!
Desfrute da leitura!

128
CAPÍTULO 1
Violência de paz: aspectos
teóricos-conceituais

Para falarmos de violência e paz, é importante termos em conta que, no caso


da violência, temos um conceito ambíguo, bastante complexo, o qual implica
diversos elementos e posições teóricas, além de diversas maneiras de eliminação
ou solução. Segundo Modena (2016), existem tantas formas de violência, que
se torna complicado especificá-las de forma satisfatória. Muitos profissionais,
especialmente da mídia, manifestam-se sobre ela, oferecendo alternativas de
solução; ainda assim, a violência nasce na sociedade sempre de modo novo e
ninguém consegue evitá-la de forma completa. Nesse panorama, cabe à filosofia,
especialmente à ética, refletir sobre suas origens, a natureza e as consequências
materiais e morais.

A violência pode ser de caráter natural ou artificial. Pensando na violência de


caráter natural, podemos dizer que ela é livre da violência e que ela é própria de
todos os seres humanos. No segundo caso, a violência é geralmente um excesso
de força de uns sobre outros.

O termo violência nasce do latim, expressando o ato de violar outrem ou de


se violar. Indo além, o termo parece indicar algo fora do estado natural, ou
seja, algo ligado à força, ao ímpeto, ao comportamento deliberado que produz
danos físicos tais como: ferimentos, tortura, morte ou danos psíquicos, que
produz humilhações, ameaças, ofensas. Dito de modo mais filosófico, a prática
da violência expressa atos contrários à liberdade e à vontade de alguém e reside
nisso sua dimensão moral e ética.

Essas características gerais do conceito de violência podem variar com o tempo


e com o espaço, levando em consideração os padrões culturais de cada grupo
ou época, e são ilustradas pelas dificuldades semânticas do conceito. Alguns
exemplos são claros. Aí estão a realidade social e histórica do casamento da
mulher que, às vezes, em determinada sociedade, é submetida a imposições
que outra sociedade considera inadequadas. Um outro exemplo é o da pena
de morte, legal ou ilegal, mas sempre implicando um sentido ético para quem
quer examinar sua existência de forma radical. Enfim, muitos outros exemplos
apontam as relações entre a violência com a ordem social e cultural e a ordem
legal ou simplesmente com a consciência moral dos sujeitos.

129
UNIDADE IV │ CULTURA E PAZ

As ciências partem de definições distintas de violência, a partir dos métodos e


dos objetos de sua investigação. Desta forma, podemos descrever a violência por
meio da análise e da interpretação da sociologia, da antropologia, da biologia,
da psicologia, da psicanálise, da teologia e da filosofia, além de, obviamente,
pelo direito. Os especialistas desses ramos do conhecimento e de outros ramos
falam da violência de forma a acentuar um ou mais aspectos; ainda assim,
raramente considerando o fenômeno como sendo uma totalidade. É por isso
que o estudo filosófico, mesmo que poucos filósofos tenham investigado tal
assunto, tem a tarefa de problematizar o conceito, reformulando as perguntas
sobre a violência, por meio de uma visão ampla com aspectos metafísicos,
epistemológicos e éticos.

Quanto às relações entre violência e ética, podemos observar posições distintas.


Alguns teóricos opõem ética e violência, distinguindo completamente os dois
campos. Outros mostram a violência como uma dimensão ética, afirmando que
a violência pode implicar na intenção de praticar o ato violento.

Da mesma forma, atualmente, é necessário considerar que o termo violência


está na ordem do dia. Está presente na mídia, está nas ruas e na internet. O
senso comum faz referência à violência de modo simplificado e parcial. Porém,
é necessário examinar as condições de seu uso. A linguagem usada para falar
da violência pode, por exemplo, estar revestida de pressupostos ideológicos.
Além disso, podemos cair na armadilha das distinções e perder o sentido global.
Quando questionamos sob o ponto de vista ético, podemos distinguir entre a
violência possível e a necessária, entre os comportamentos que são aceitos e os
que não são aceitos socialmente; entre a violência legal e aquela que provoca o
mal, ou seja, a humilhação; entre a violência natural e aquela que impõe dor e
sofrimento que podem ser evitáveis. Essas classificações feitas aqui têm apenas
o objetivo de esclarecer o conceito.

Ainda no início dessas reflexões, também precisamos observar que a violência,


tão forte em nossa situação cotidiana, também é pouco tematiza pelos filósofos
ou é apenas analisada de forma indireta, nos textos filosóficos mais notáveis. A
história da filosofia pode ser lida como um lugar de teorias que são implícitas
da violência. Desde Platão até Marx, passando por Aristóteles, Hobbes, Locke,
Rousseau, Kant, Nietzsche, Russel, entre tantos outros. Estes podem ser vistos,
muitas vezes, como defensores de uma violência subjetiva invisível.

É possível examinar situações que são ou não familiares e que dão origem à
violência, apontando determinados acontecimentos ou reações ou, ainda, falta

130
CULTURA E PAZ │ UNIDADE IV

de apoio. Enfim, qualquer revolta ou confronto social pode originar violência.


Entretanto, sob a perspectiva epistemológica e ética, sendo possível indagar
sobre as condições que levam alguém a reagir de forma violenta, saber o quanto
isso depende ou não de aspectos biológicos ou do grau de civilização dos sujeitos
envolvidos e especialmente da vontade e da liberdade destes sujeitos.

Podemos buscar as origens da violência, no sentido filosófico, indo fundo


nos mitos de um povo. No Brasil, um bom exemplo é o chamado processo de
democracia racial e na ideia, mal interpretada, do conceito de cordialidade do
brasileiro, no mito da não violência brasileira. Esse discurso esconde uma sutil
modalidade de violência, a qual é apresentada como um pressuposto positivo de
convívio social quando, na verdade, acaba dando origem a formas de violência
reais.

Além do conceito de violência, precisamos falar sobre o problema ocasionado


pelas formas de violência. Sua classificação vai depender dos critérios
escolhidos, das evidências da realidade empírica, das formas de combate e de
outras modalidades. O conceito de violência é tão amplo que dificilmente as
classificações abrangem todas as formas. Mesmo assim, a tipologia de violência
pode ser útil para visualizar suas modalidades.

Entre as diversas formas de violência, podemos mencionar a violência que é


provocada e a gratuita, a real e a simbólica, a sistemática e a não sistemática, a
objetiva e a subjetiva, a legitimada e a ilegitimada, a permanente e a transitória.
A enumeração dessas formas é atualmente bem problemática. Na realidade,
essa relação apenas mostra um objetivo didático, ou seja, a possibilidade de ver
melhor o fenômeno. Desta forma, temos a guerra, a revolução, o terrorismo, o
genocídio, o assassinato, o crime organizado, a violência urbana, a violência
contra a criança, contra o adolescente, contra a mulher; o estupro, o assédio
sexual, o bullying, o vandalismo. Também podemos adicionar, neste pacote, a
corrupção como forma de violência e seus derivados como nepotismo, propina,
extorsão, tráfico de influência e outras modalidades.

As teorias da violência são de extrema importância para descrever, analisar


e interpretar o fenômeno da violência. Estas teorias podem ser filosóficas,
científicas ou mistas. As teorias científicas são muitas e, mesmo em uma única
área de conhecimento, podem surgir distintas teorias. Assim, são mencionadas,
entre outras, as teorias sociológicas, psicológicas, psicanalíticas, biológicas,
jurídicas e feministas.

131
UNIDADE IV │ CULTURA E PAZ

Existem teorias psicofísicas que afirmam que substâncias químicas ou que os


elementos psicológicos como as drogas, as punições, o ódio e o estresse são
parte da origem da violência. Nesse campo, dezenas de teorias específicas
podem analisar e descrever a origem e as situações de violência.

Por fim, para Freud, a violência seria algo inerente ao ser humano, sendo ela
necessária à medida que o instinto de agressividade, de morte, está em equilíbrio
com o instinto de vida para assegurar a preservação do sujeito e da espécie.

Para saber mais sobre o tema, leia o livro Conceitos e formas de violência,
disponível pelo link https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/ebook-conceitos-
formas_2.pdf.

132
CAPÍTULO 2
A dimensão sócio-moral do
desenvolvimento humano na formação
dos valores e a formação de valores
sociais

O estudo do desenvolvimento moral, segundo Nunes e Branco (2007), pensando


em um contexto sociocultural construtivista não adota categorias estáticas
tampouco universais, mas também não advoga em um relativismo cultural
radical. As categorias utilizadas devem, portanto, contemplar sempre o caráter
dinâmico e complexo dos fenômenos ligados à vida moral do sujeito, que vive e
se desenvolve em contextos específicos.

A perspectiva sociocultural construtivista aponta aspectos que são fundamentais


para o estudo e a compreensão do desenvolvimento moral. O 1 o deles seria a
importância das interações sociais, visto que é por meio da relação com outros
sujeitos que a criança faz a eleição de valores, de regras e de normas que poderão
direcionar seu comportamento moral.

O 2 o se refere ao papel da cultura no desenvolvimento humano. A cultura não


deve ser compreendida como um pano de fundo do desenvolvimento, nem como
simples diferenças entre os diversos grupos humanos. A compreensão do papel
da cultura no desenvolvimento humano deve partir de uma definição de cultura
como meio que engloba a criação e a evolução de instrumentos e de signos que
atuam como mediadores do desenvolvimento humano.

O 3 o aspecto se refere à participação ativa do sujeito no seu processo


de desenvolvimento e no desenvolvimento histórico da humanidade. A
participação ativa que percorre os conceitos e os pressupostos de internalização,
de externalização, de cultura coletiva, de cultura pessoal além do modelo
bidirecional de transmissão cultural.

O 4 o se refere à integração dinâmica, sistêmica e complexa entre as práticas


culturais e as crenças e valores morais no universo motivacional do sujeito,
que estão na base de sua ação. Este último aspecto é uma contribuição bem
significativa para o estudo e para o entendimento do desenvolvimento moral, que
deve ser compreendido de forma ampla, uma vez que a questão da moralidade
engloba, além de aspectos inerentes à filosofia, antropologia, entre outras,

133
UNIDADE IV │ CULTURA E PAZ

também as dimensões psicológicas interdependentes da cognição, da emoção e


da ação intencional.

Nesse sentido, podemos afirmar que, desde que nascemos nos é ensinado o que
é certo e errado e é a partir disso que reproduzimos os valores que são impostos
pela sociedade. Antes de qualquer coisa, valor moral pode ser definido como
respeito à vida, mas não apenas a vida individual, e sim à vida coletiva, dado
que vivemos no coletivo e que dependendo uns dos outros (LARISSA, 2017).

A última pesquisa de Índice de Valor Humano, conhecido pela sigla IVH,


mostra-nos que, na opinião dos brasileiros, pensando de forma generalizada,
o que é necessário mudar no Brasil para que tenhamos uma melhor qualidade
de vida e que possamos melhorar de verdade é, primeiramente, a educação,
logo seguida pelas políticas públicas, pela violência, pelos valores morais e pelo
emprego. Pensando apenas no Estado de São Paulo, temos uma variação em
relação à opinião nacional, em que, segundo Larissa (2017), os valores morais
se mostram em primeiro lugar.

De qualquer forma, podemos afirmar que a discussão sobre os valores morais se


mantém em posição de destaque, visto que a sua compreensão é extremamente
importante para o bom funcionamento de uma sociedade como um todo.

Porém, em que momento ficou definido o que seria correto e o que seria
considerado errado do ponto de vista social? Tanto religião quanto o livre
arbítrio do homem se relacionam a partir da construção dos ideais de ética e
de moral, sendo estes passados de geração em geração, em uma linha perpétua
de integração em nossa sociedade. A religião oferece ao homem os pilares que
podem necessários para a interpretação sobre a distinção entre o certo e o
errado, e ao homem cabe, então, o livre-arbítrio e o bom senso para que possa
estes pilares de acordo com as necessidades coletivas.

Bom, então vem a pergunta: por que os valores morais são tão importantes em
uma sociedade? Ora, eles são os responsáveis pela manutenção da ordem entre
os sujeitos, que são, inclusive, ensinados desde o berço. É fácil imaginar em
que situação o mundo se encontraria atualmente caso o homem ignorasse as
leis que são formuladas por meio dos conceitos de ética e moralidade. É certo
que o homem tem o direito de ter sua liberdade de expressão e escolha, porém
tudo é passivo de limites. Caso contrário, diante de quaisquer adversidades
que pudessem surgir em nosso caminho, acabaríamos retornando ao nosso
estado mais primitivo e resolveríamos todos os problemas de forma antiquada,

134
CULTURA E PAZ │ UNIDADE IV

desprovida de qualquer ética e moral, como fazem os criminosos, que,


notadamente não seguem os valores morais.

Podemos resumir dizendo que o valor moral, além de ser um instrumento


indispensável para o bom funcionamento da sociedade e para a integração dos
sujeitos nela, também significa respeito à vida. À nossa vida e à vida dos sujeitos
que estão ao nosso redor.

Por fim, lembremos que a formação de valores morais é algo subjetivo, não
dependendo apenas da formação de uma sociedade ou de algum processo
religioso, ou seja, também é algo individual, sendo formado pela junção de todos
os fatores que envolvem o processo de construção humana de cada sujeito.

135
CAPÍTULO 3
A cultura de paz

Segundo o site da UNESCO, esta tem como objetivo o estabelecimento de uma


cultura de paz e o desenvolvimento sustentável (UNESCO, 201-?b). São parte das
prioridades a pesquisa e a capacitação para um desenvolvimento sustentável,
assim como a educação em direitos humanos, competências para as relações
pacíficas, a boa governança, a memória sobre o Holocausto, a prevenção de
conflitos e a construção da paz.

São reflexos da violação contínua dos direitos humanos, incluindo o direito à


vida:

» a pobreza;

» a desigualdade;

» a injustiça social.

No Brasil, a violência é uma das maiores preocupações da sociedade. Os


percentuais de violência e de insegurança, principalmente nos grandes centros
urbanos, aumentaram bem nas últimas duas décadas. Atualmente, os homicídios
são, ainda, uma das principais causas de morte entre homens jovens com idade
entre 15 e 39 anos, sendo grande parte das vítimas constituída por homens
negros.

Os dados estatísticos nos permitem compreender que a violência está refletida,


principalmente, sobre a população jovem do Brasil, e que os negros são os mais
vulneráveis.

Educação sem violência


Indo além da teoria e da prática, podemos dizer que a não violência deve ser
uma atitude que permeia toda e qualquer prática de ensino, envolvendo todos os
profissionais de educação e os estudantes da escola, os pais e a comunidade em
que estão inseridos, ou seja, é um desafio comum e que deve ser compartilhado.
Desta forma, a não violência integrada confere ao professor outra visão do seu
trabalho pedagógico. A escola precisa dar lugar ao diálogo e ao compartilhamento,
tornando-se, então, um centro para a vida cívica na comunidade.

136
CULTURA E PAZ │ UNIDADE IV

A fim de obter um impacto real, a educação sem violência precisa ser um


projeto de toda a escola, devendo ser planejado, estando integrado em todos os
aspectos do currículo escolar, na pedagogia e nas atividades, envolvendo todos
os professores e profissionais da escola, da mesma forma que toda a estrutura
organizacional da equipe de tomada das decisões educacionais. As práticas de
não violência precisam ser coerentes e também precisam estar refletidas nas
regras e na utilização das instalações da escola.

Observando a educação sob a perspectiva da não violência, temos o seguinte:

» aprender sobre as nossas obrigações e responsabilidades, assim como os


nossos direitos;

» aprender a viver juntos, respeitando as nossas similaridades e, também,


as diferenças;

» desenvolver o aprendizado tomando como base a cooperação, o diálogo


e a compreensão intercultural;

» ajudar as crianças a buscar soluções não violentas para resolverem


seus conflitos, experimentarem conflitos utilizando maneiras
construtivas de mediação e estratégias de resolução;

» promover atitudes e valores de não violência, como a autonomia, a


responsabilidade, a cooperação, a criatividade e a solidariedade;

» capacitar estudantes para que possam construir junto a seus colegas o


que seriam os seus próprios ideais de paz.

Melhores práticas no Brasil:


No Brasil, a fim de trabalharmos melhor a cultura de paz, temos os seguintes
programas:

» programa Criança Esperança;

» programa Abrindo Espaços: Educação e Cultura para a Paz;

» ensinar Respeito por Todos;

» educação em direitos humanos.

137
UNIDADE IV │ CULTURA E PAZ

Diálogo intercultural
Mesmo existindo muita informação, tecnologia e conhecimento, fazendo,
inclusive, com que o mundo esteja cada vez mais interconectado, não significa
que sujeitos e a sociedades estejam vivendo juntos, com paz e justiça para todos.
Ainda é necessário um conhecimento adequado para que possamos prevenir
conflitos, erradicar a pobreza e/ou possibilitar que todos aprendam para viver
em harmonia em um mundo seguro.

A paz é muito mais do que a ausência de guerra! É viver junto respeitando as


nossas diferenças, enquanto promovemos o respeito universal pela justiça e
pelos direitos.

É fundamental a promoção e a disseminação dos valores, das atitudes e dos


comportamentos que conduzem ao diálogo, à não violência e à aproximação
das culturas, em combinação com os princípios da Declaração Universal da
Diversidade Cultural, segundo a qual temos nossas sociedades cada vez mais
diversificadas, sendo essencial garantir uma interação harmoniosa entre
sujeitos e grupos com identidades culturais variadas, plurais e dinâmicas, assim
como sua disposição de viver juntos. Políticas para a inclusão e a participação
de todos os cidadãos devem ser vistas como garantias de paz, de coesão social e
de vitalidade da sociedade civil.

Atualmente, a paz exige investimentos ativos, liderança esclarecida, valores


educacionais poderosos, pesquisa extensiva em inovação social e um ambiente
progressista da mídia. Cada um destes constitui um requisito relevante para
a missão da UNESCO. A Organização contribui para a paz mundial por meio
de seus compromissos com o desenvolvimento da educação e das ciências,
do enriquecimento da criatividade cultural, da memória e do futuro cultural,
incluindo uma estrutura de mídia global vibrante e orientada para a paz.

Aprender a viver juntos


Não é o suficiente estarmos conectados uns aos outros. Também precisamos
compartilhar nossas soluções, nossas experiências e nossos sonhos, em uma
grande comunidade sustentada pelos direitos humanos e pelas liberdades
fundamentais.

Nas sociedades cada vez mais diversificadas que existem atualmente, a UNESCO
continua a realizar, dia a dia, sua missão humanitária fundamental que é apoiar

138
CULTURA E PAZ │ UNIDADE IV

os sujeitos a compreenderem uns aos outros. Porém, a paz duradoura reside


em uma rede complexa e frágil de práticas diárias que são incorporadas em
contextos locais, assim como nas realizações mais fugaz e criativas de sujeitos
e comunidades, que se inspiram na convicção de que constituem as condições
sustentáveis para viver juntos com prosperidade e dignidade compartilhada.

Em uma época de constantes desafios e ameaças em todo o mundo tornando-se


cada vez mais crescentes, como a desigualdade, a exclusão, a violência e o
sectarismo, agravados pelas tensões e pelos conflitos locais que minam a
coesão da humanidade, aprender a viver juntos, entre todos os membros da
comunidade mundial, torna-se um fator mais atual do que nunca.

Os sujeitos tornam-se competentes em termos interculturais por meio da


aprendizagem e das experiências de vida na complexidade moderna de nosso
mundo heterogêneo e, consequentemente, tornam-se preparados para apreciar
a diversidade e para administrar conflitos, de acordo com os valores do
pluralismo e da compreensão mútua.

Dia internacional da convivência em paz


Conviver em paz é, como já dissemos, aceitar as diferenças e ter a habilidade de
ouvir, reconhecer, respeitar e apreciar os outros, bem como viver unidos e de
maneira pacífica.

A Assembleia Geral das Nações Unidas, em sua Resolução n o 72/130, declarou


o dia 16 de maio como o Dia Internacional da Convivência em Paz, como um
meio de mobilizar regularmente os esforços da comunidade internacional para
promover a paz, a tolerância, a inclusão, a compreensão e a solidariedade. O
Dia tem o objetivo de manter o desejo de viver e agir em conjunto, unidos nas
diferenças e na diversidade, a fim de construir um mundo sustentável de paz,
solidariedade e harmonia.

O Dia convida todos os países a promover ainda mais a reconciliação para


ajudar a garantir a paz e o desenvolvimento sustentável, sobretudo ao
trabalhar com comunidades, líderes religiosos e outros atores relevantes, por
meio de medidas e atos reconciliadores de serviços e ao encorajar o perdão e
a compaixão entre os indivíduos.

139
Para (não) Finalizar

Para não finalizarmos, deixo aqui uma figura que representa bem tudo o que
abordamos nesta apostila, instigando-nos a refletir ainda mais sobre o tema.

Figura 3. Paz.

Fonte: http://hoje.unisul.br/projeto-leva-cultura-de-paz-as-escolas-a-partir-das-praticas-restaurativas/.

140
Referências

ANTUNES, F. L. C. Criminologia crítica e direitos humanos: a sociedade


civil e a construção de uma política criminal minimalista. Congresso de
Criminologia. Editora Universitária da PUCRS, n. 49, pp. 1-20, 2015. Disponível
em: https://editora.pucrs.br//anais/congresso-de-criminologia/assets/2015/49.
pdf.

BARBERO, H. R. Introducción a la investigación criminológica. Granada:


Comares, 2009.

BARATTA, A. Criminologia e dogmática penal. Passado e futuro do


modelo integral de ciência penal. Revista de direito penal, v. 1, n. 31, pp.
5-37, 1981.

BARROS, L. R. S. M.; OLIVEIRA, G. B. L. A vitimologia e os novos institutos


de proteção à mulher vítima de crimes. 17 o Encontro Nacional da Rede
Feminista e Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher e Relações de
Gênero, 2012.

BATISTA, N. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4. ed. Rio de


Janeiro: Revan, 2001.

BRAGA, A. G. M. Criminologia e prisão: caminhos e desafios da pesquisa empírica


no campo prisional. Revista de Estudos Empíricos em Direito. Brazilian Journal
of Empirical Legal Estudies, v. 1, n. 1, pp. 46-62, jan. 2014.

BRAGA, A. G. M. Preso pelo estado e vigiado pelo crime: as leis do cárcere e


a construção da identidade na prisão. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

BRAGA, A. G. M. Reintegração social: discursos e práticas na prisão - um


estudo comparado (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, Brasil,
2012.

CASTRO, L. A. Criminologia da libertação: 1. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2005.

COHEN, S. Visions of Social Control: Crime, Punishment and Classification.


Cambridge: Polity, 1985.

DIAS, J. F. et. al. Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena.


Coimbra: Coimbra, 1997.

141
REFERÊNCIAS

FELTRAN, G. S. Fronteiras de tensão: política e violência nas periferias de São


Paulo. São Paulo: UNESP/CEM, 2011.

FOUCAULT, M. Ditos e Escritos IV: Estratégia, Poder-Saber. Rio de Janeiro:


Forense, 2006.

FOUCAULT, M. O sujeito e o poder. In: P. Rabinow, & H. Dreyfus.


Michel Foucault. Uma trajetória filosófica. Para além do estruturalismo e da
hermenêutica. São Paulo: Forense Universitária, 1995.

GARCIA-PABLOS DE MOLINA, A. Tratado de Criminología: Introducción,


modelos teóricos explicativos de la criminalidad, prevención del delito, sistema de
respuesta al crimen. 2. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999.

GINZBURG, C. Mitos, Emblemas, Sinais: Morfologia e História. São Paulo:


Companhia das Letras, 1991.

GOFFMAN, E. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Perspectiva, 2005.

GRACIANO, M. A educação nas prisões: um estudo sobre a participação da


sociedade civil (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo. São Paulo, Brasil, p.
260, 2010. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/
tde-28012011-140835/publico/MARIANGELA_GRACIANO.pdf. Acesso em: 20
jun. 2020.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA – IPEA. Nota Técnica.


Atlas da Violência 2016. IPEA, Brasília, n. 17, mar. 2016. Disponível em:
http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/ipea/atlas_da_
violencia_2016_ipea.pdf. Acesso em: 11 mai. 2020.

KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva,


2005.

MAIA, L. M. Vitimologia e direitos humanos. II Conferência Internacional de


Direitos Humanos, da Ordem dos Advogados do Brasil. Teresina – PI, 2003.

MATHIESEN, T. O caminho do século XXI- Abolição, um sonho impossível?


In: E. Passetti & R. B. Dias da Silva (Orgs). Conversações abolicionistas: uma crítica
do sistema penal e da sociedade punitiva. São Paulo: IBCCRIM, 1997.

MATHIESEN, T. The politics of abolition. London: Martin Robertson, 1974.

MAZZUTTI, V. B. Processo penal sob a perspectiva da vítima: uma leitura


constitucional a partir dos direitos humanos (Dissertação de mestrado). Universidade
Estadual do Norte do Paraná. Brasil, 2011.

142
REFERÊNCIAS

MODENA, M. R. Conceitos e formas de violência. Caxias do Sul, RS: Educs,


2016.

MOLINA, J. V. La cárcel y sus consecuencias. La intervención sobre la


conducta desadaptada. Madrid: Editorial Popular, 1997.

FILHO, J. C. C., OLIVEIRA, L. T. A formação do pensamento criminológico crítico


materialista: da reação social à criminalização social. Revista Brasileira de
Criminalística, v. 3, n. 16, Minas Gerais, 2014.

NICOLITT, A., NEVES, F. H. C. Política criminal e direitos fundamentais:


legalidade ou letalidade? O necessário relaxamento das prisões ilegais.
RDFG – Revista de Direito da Faculdade Guanambi, v. 4, n. 2, pag. 44-64, 2017.

NUNES, A. B., BRANCO, A. U. Desenvolvimento moral: novas perspectivas de


análise. Psicol. Argum., Curitiba, v. 25, n. 51, pp. 413-424, out./dez., 2007.

PELIZZOLI, M. L. Cultura e Paz Restaurativa. In: Justiça Restaurativa:


caminhos da pacificação social. Pelizzoli, M.L. (Org.). Caxias do Sul: Ed. da UCS,
Recife: Ed. da UFPE, 2015.

RAUTER, C. Criminologia e subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan,


2003.

RIVERA BEIRAS, I. La cuestión carcelaria. Historia, epistemología,


Derecho y política penitenciaria. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2009.

SÁ, A. A. Criminologia clínica e execução penal - proposta de um modelo


de terceira geração. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

SHECAIRA, S. S. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

SUTHERLAND, E.; CRESSEY, D. Criminologia. Milano: Giuffrè Editore, 1996.

TAPPAN, P. What is crime? In T. Newburn (Ed.). Key readings in criminology.


Cullompton: Willan Publishing, 2009.

TELLES, V. S. A cidade nas fronteiras do legal e ilegal. Belo Horizonte:


Argvmentvm, 2010.

VOLANIN, L. Poder e mídia: a criminalização dos movimentos sociais no Brasil


nas últimas trinta décadas. O professor PDE e os desafios da escola pública
paranaense, v. 1, 2007. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/
portals/pde/arquivos/760-4.pdf. Acesso em: 4 jun. 2020.

143
REFERÊNCIAS

WEIGERT, M. A. B.; Carvalho, S. Criminologia feminista com criminologia


crítica: perspectivas teóricas e teses convergentes. Rio de Janeiro: Revista Direito e
Práxis, Ahead of Print, 2019.

Sites
BORGES, C. O Direito Internacional dos refugiados: a legislação brasileira no que
tange o âmbito da legislação internacional. JUS, 2018. Disponível em: https://
jus.com.br/artigos/65334/o-direito-internacional-dos-refugiados-a-legislacao-
brasileira-no-que-tange-o-ambito-da-legislacao-internacional. Acesso em: 4 jun.
2020.

CANAL CIÊNCIAS CRIMINAIS. A cultura do punitivismo e o encarceramento


em massa. Canal Ciências Criminais, 2018. Disponível em: https://
canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/649543173/a-cultura-do-
punitivismo-e-o-encarceramento-em-massa. Acesso em: 18 mai. 2020.

CONTEÚDO JURÍDICO. A criminologia crítica. Conteúdo Jurídico, 2019.


Disponível em: https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54016/a-
criminologia-crtica. Acesso em: 18 mai. 2020.

DIREITO NET. O sistema carcerário e as penas alternativas. Disponível em: https://


www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1303/O-sistema-carcerario-e-as-penas-
alternativas. Direito Net, 2003. Acesso em: 4 jun. 2020.

JURISWAY. A criminologia, a vitimologia e seus objetos de estudo. Jurisway, 2013.


Disponível em: https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=10744. Acesso em:
18 mai. 2020.

JUS. Direito penal contemporâneo e expansionismo punitivo. Jus, 2017.


Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55167/direito-penal-contemporaneo-e-
expansionismo-punitivo. Acesso em: 18 mai. 2020.

JUS. Aplicabilidade das penas alternativas no sistema prisional brasileiro. Jus,


2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66276/aplicabilidade-das-penas-
alternativas-no-sistema-prisional-brasileiro. Acesso em: 4 jun. 2020.

LARISSA, T. Os valores morais e sua importância na sociedade. Uol, 2017.


Disponível em: https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/filosofia/os-valores-
morais-sua-importancia-na-sociedade.htm. Acesso em: 4 jun. 2020.

MPP. Justiça restaurativa e políticas públicas de combate à criminalidade no Brasil.


MPP, 2017. Disponível em: http://www.crianca.mppr.mp.br/2017/10/12785,37/.
Acesso em: 4 jun. 2020.

144
REFERÊNCIAS

NAÇÕES UNIDAS. O que são os direitos humanos? Nações Unidas, [201-?].


Disponível em: https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/. Acesso em: 4 jun. 2020.

NOVO, B. N. O direito internacional dos direitos humanos. JUS, 2018. Disponível


em: https://jus.com.br/artigos/63381/o-direito-internacional-dos-direitos-humanos.
Acesso em: 4 jun. 2020.

OLIVEIRA, M. E. Breve análise sobre o abolicionismo e minimalismo. Jus,


2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22596/breve-analise-sobre-o-
abolicionismo-e-o-minimalismo. Acesso em: 18 mai. 2020.

PEYTRIGNET, G. Sistemas Internacionais de Proteção da Pessoa Humana:


o Direito Internacional Humanitario. Dhnet, [201-?a]. Disponível em: http://www.
dhnet.org.br/direitos/sip/dih/sip_ih.htm. Acesso em: 4 jun. 2020.

PIÑEIRO, E. S. Direito Internacional humanitário: história e princípios. Âmbito


Jurídico, 2016. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direitos-
humanos/direito-internacional-humanitario-historia-e-principios/. Acesso em: 4 jun.
2020.

SOUZA, M. F. O encarceramento em massa garante o controle social. Justificando,


2019. Disponível em: https://www.justificando.com/2019/03/26/o-encarceramento-
em-massa-garante-o-controle-social/. Acesso em: 18 mai. 2020.

UNESCO. Cultura de paz no Brasil. Unesco, [201-?b]. Disponível em: https://pt.unesco.


org/fieldoffice/brasilia/expertise/culture-peace. Acesso em: 4 jun. 2020.

Links das figuras


JUS BRASIL. Falando sobre criminologia. Jus Brasil, 2018. Disponível em: https://
iago010.jusbrasil.com.br/artigos/636189106/falando-sobre-a-criminologia.

TRABALHOS ESCOLARES. Vitimologia. Trabalhos escolares, 2018. Disponível


em: https://www.trabalhosescolares.net/vitimologia/. Acesso em: 23 mai. 2020.

UNISUL. Projeto leva cultura de paz às escolas a partir das práticas restaurativas.
Unisul, 2018. Disponível em: http://hoje.unisul.br/projeto-leva-cultura-de-paz-as-
escolas-a-partir-das-praticas-restaurativas/.

145

Você também pode gostar