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UNILEÃO – CENTRO UNIVERSITÁRIO É um fenômeno que se registra por toda a parte.

Sobre
MEDICINA VETERINÁRIA o assunto, Heródoto já nos contava que:
ANTROPOLOGIA, RELAÇÕES ÉTNICO-
Se fosse dada a alguém, não importa a quem, a
CULTURAIS E INDÍGENAS possibilidade de escolher entre todas as nações do
mundo as crenças que considerasse melhores,
PROF. Ms. PEDRO ADJEDAN inevitavelmente escolheria as de seu próprio país.
Todos nós, sem exceção, pensamos que nossos
A Arte de Sensibilizar o Olhar costumes nativos e a religião em que crescemos são
os melhores. Existe uma multiplicidade de
Um par de óculos e uma centena de lentes
evidências de que este sentimento é universal...
Poderíamos lembrar, em particular, uma anedota de
Débora Krischke Leitão Dario. Sendo ele rei da Pérsia, chamou alguns
gregos presentes em sua corte e perguntou-lhes
A relação do homem com o mundo é sempre quanto queriam em troca de comer os corpos de seus
mediada por suas ferramentas. Ele constrói, apreende e pais defuntos. Os gregos replicaram que não havia
interpreta a realidade a partir dos instrumentos que lhe dinheiro suficiente no mundo para fazer isso. Depois
são fornecidos pela cultura. Tecelão quase compulsivo perguntou a alguns índios da tribo chamada Callatie
de si próprio, borda sem cessar teias de significados - que realmente comem os corpos de seus pais
para dar sentido ao mundo (GEERTZ, 1989:15) Essas defuntos - quanto queriam para queimá-los
teias, onde se misturam pontos abertos e fechados, (referindo-se, é claro, ao costume grego da
cremação). Os índios exclamaram horrorizados que
novos e antigos, e linhas de todas as cores, são a
nem se devia falar em coisa tão repugnante.
cultura. É a partir desse véu da cultura, dessas lentes,
que vemos então as coisas, os outros, e a nós mesmos. Binóculos: explorando territórios desconhecidos
Cada cultura, entretanto, teria seu par de lentes
próprio, ou, no máximo, um certo número de lentes Partir para o território do outro, dar espaço ao
utilizáveis, um certo leque de possibilidades de formas que não é familiar: esse é o primeiro passo para uma
de ver o mundo. As lentes de uma sociedade nunca são possível transformação do olhar, uma relativização de
as mesmas de outra (BENEDICT, 1997:19). Ainda que ponto de vista. A curiosidade do homem sobre si
tenham semelhanças, são encontradas certas nuanças e próprio sempre existiu, mas é a passagem do curioso,
particularidades. O que pode ser considerado ponto do exótico e do bizarro, para uma consciência da
comum entre todos os homens é a armação, a existência alteridade é que marca realmente o pensamento do
dos óculos em si. As lentes, sempre diferentes, vão homem sobre o homem (LAPLANTINE, 1995:13), e a
variar em espessura, cor e formato. reflexão a respeito da diferença.
Uma vez vendo os outros por detrás dessas A diversidade cultural só pode ser
lentes, e a partir de uma visão de mundo, há uma compreendida se a postura frente ao estranho e ao
tendência em considerar nossa forma de ver e fazer as estrangeiro se tornar mais flexível e permitir a
coisas como a mais correta, ou mesmo a única correta. existência da diferença enquanto diferença, não
Tal postura etnocêntrica consiste em tomar o que é enquanto hierarquia.
nosso como o verdadeiro, e o que é do outro (e o que é Deve-se então, em primeiro lugar, aceitar que o
o outro) como digno de reprovação, dando assim aos outro existe, conhecê-lo e reconhecê-lo. É preciso
nossos valores um suposto caráter de universalidade perceber que somos apenas uma das culturas possíveis,
(TODOROV, 1993: 21). e não a única. Conhecendo as diferentes formas de lidar
Uma vez estando ao nosso lado todas as com o mundo, as diferentes respostas dadas pelas mais
verdades e a certezas, estaríamos autorizados a diversas culturas é que se pode relativizar que nos é o
interferir, em nome de nossa bondade e piedade, no que estranho, tentando encontrar, assim, no olhar do outro,
é do outro. Partindo desse pressuposto muitas formas o ponto de partida.
de dominação, e mesmo etnocídios, tentaram ser Ensinar a olhar é, assim, antes de tudo, apontar
legitimados. os caminhos desse olhar, fazendo nascer a consciência
O Etnocentrismo não é, entretanto, da diversidade cultural e da pluralidade das culturas.
exclusividade de nossa sociedade ocidental e moderna.
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O Jogo dos Espelhos cultura sempre foi interesse não só da Antropologia,
mas de praticamente todas as outras formas de busca de
É a partir do reconhecimento do outro que eu conhecimento inventadas pelo homem.
posso, finalmente, entender quem sou. Cruzar a Dada sua proximidade extrema, certos hábitos e
fronteira, deixando meu território, é a melhor forma de costumes culturalmente construídos são, muitas vezes,
- olhando para trás - ver meu mundo com o espanto e a vistos como fenômenos naturais inatos. De muito perto,
curiosidade que não podia germinar enquanto eu estava sua imagem se desfoca, perdendo a nitidez. Como
dentro dele. enxergar com perfeição, afinal, o que está bem debaixo
Por mais que o antropólogo tenha esse quê de do seu nariz?
viajante, não precisamos aqui falar em transposição de A prova mais substancial de que muitas
fronteiras físicas. A viagem que proponho é a de características humanas naturalizadas são, na verdade,
simplesmente enxergar o outro lado, a outra margem do culturalmente dadas, pode se dar, antes de tudo, pelo
lago, o que não me pertence e é diferente de mim. conhecimento de outras realidades onde há uma
Através do estranhamento provocado pelas outras variação do padrão cultural. Dotados de uma anatomia
culturas, modifica-se a forma que temos de olhar sobre semelhante, damos a nossos corpos diferentes usos. A
nós mesmos. maneira de caminhar, vestir, sentar, comer e até mesmo
A reflexão antropológica é, em certa medida, o rir é, se dá de cultura para cultura, de forma diversa. É a
exercício de um desejo narcísico de conhecer a si partir da percepção da diversidade, da presença do
próprio. O Narciso antropológico, ao contrário daquele outro, que se pode relativizar, portanto, nossa própria
de que tanto ouvimos falar, não vê no lago sua imagem sociedade. Percebendo que existem outras formas
familiar refletida, e sim a imagem de algo que é diferentes da nossa de expressar a dor, outras regras de
desconhecido, rica em detalhes que, antes de ver o casamento, práticas de cura muito diferentes e distintas
outro, passavam despercebidos. crenças e religiões, vemos também nossa cultura com
É um Narciso que, em vez de apaixonado, se outros olhos. Olhos mais críticos mas, antes de tudo,
aproximar cada vez mais do lago para mergulhar em si mais aguçados e muito mais sensíveis.
próprio, toma certa distância para admirar-se de mais
longe e a partir de outros ângulos. Começa, então, a Do olhar crítico ao olhar sensível
estranhar a si próprio, a se espantar com tudo que lhe
parecia banal. Pensar o mundo a partir de uma postura
O conhecimento de nossa própria cultura só é antropológica é ir além da visão crítica. É desafiar, sem
possível, assim, através do conhecimento do outro, das temores, nossas próprias crenças e certezas (e as dos
outras culturas. A partir da experiência da alteridade outros) mas, antes de tudo é perceber a enorme gama de
tem lugar, então, um descentramento do olhar. Essa elementos que compõe a realidade. É conhecer o outro,
revolução no olhar (LAPLANTINE, 1996: 19) mas principalmente compreendê-lo e respeitá-lo. É
provocada pelo distanciamento permite, então, que nos reconhecer, sobretudo, a existência da assimetria e da
espantemos com o que nos é mais familiar, com o que é diversidade.
parte de nosso cotidiano e da sociedade na qual Referências
BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada. São Paulo: Perspectiva.
vivemos, [com valores e crenças que nos pareciam 1997
naturais – Nota do professor ALS]. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC.
1989
HERÓDOTO História. In: www.perseus.tufts.edu
Bem debaixo do seu nariz LAPLANTINE, François. La Description Ethnographique. Paris: Nathan.
1996
As fronteiras entre o inato e o adquirido são LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense,
1995.
extremamente tênues e vacilantes. Pode-se dizer que LARAIA, Roque de Barros. Cultura, um conceito antropológico. Rio de
todo comportamento humano, do mais simples ao mais Janeiro: Zahar, 1996.
complexo, contém um pouco de cada uma dessas duas TODOROV, Tzetan. Nós e os Outros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
1993.
dimensões. Geertz nos traz o exemplo da anatomia
humana: natural e fisiologicamente preparada para a
fala, de nada serviria se vazia da cultura, uma vez que é
ela que nos fornece as línguas, os idiomas e os dialetos
a falar. (GEERTZ, 1989:62). A relação entre natureza e
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Questões para análise e reflexão

Texto “A arte de sensibilizar o olhar...”

1) Comente porque a postura etnocêntrica é equivocada


e discuta os problemas que esta forma interpretar o
mundo pode causar quando levada ao extremo.
2) O que significa a frase do texto “permitir a
existência da diferença enquanto diferença, não
enquanto hierarquia” (p. 2). (utilize um exemplo para
explicar).
3) Com base no conceito de cultura presente no texto,
pode-se afirmar que as diferenças tecnológicas entre as
nações são resultado da superioridade de algumas
culturas? Por quê?
4) Quando o profissional da medicina veterinária
reconhece que a educação formal é apenas um dos
aspectos que compõe a Cultura, quais as atitudes que se
deve esperar deste profissional nas suas relações de
trabalho?

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