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Psicoterapia em Intervenção em Crise

e Prevenção do Suicídio

Brasília-DF.
Elaboração

Beatriz Montenegro

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação.................................................................................................................................. 5

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa..................................................................... 6

Introdução.................................................................................................................................... 8

Unidade I

Crise e Saúde Mental........................................................................................................................ 11

CAPÍTULO 1

Teorias da crise................................................................................................................... 11

Capítulo 2

O ciclo da crise..................................................................................................................... 16

Capítulo 3

Diátese do comportamento suicida..................................................................................... 19

Unidade iI

O Comportamento Suicida............................................................................................................. 22

Capítulo 1

O comportamento suicida – características e definições.......................................... 22

Capítulo 2

Suicídio no contexto mundial.......................................................................................... 26

Capítulo 3

Suicídio no Brasil................................................................................................................ 29

Unidade iII

Como Avaliar o Risco de Suicídio................................................................................................. 33

Capítulo 1

Identificação precoce de risco de suicídio.................................................................. 33

Capítulo 2

Avaliação e julgamento clínico do risco de suicídio................................................. 39

Capítulo 3

Avaliação de risco iminente.............................................................................................. 50


Unidade iV
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio.............................. 60

Capítulo 1
Instrumentos autoaplicáveis.............................................................................................. 60

Capítulo 2
Operacionalização de fatores de risco e proteção.................................................... 70

Capítulo 3
Estratégias de manejo....................................................................................................... 83

Referências................................................................................................................................... 96

Anexos......................................................................................................................................... 105
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

6
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
O comportamento suicida é caracterizado pela sua complexidade. Trata-se de um tema
abordado por várias áreas do conhecimento como Antropologia, Sociologia, Psicologia,
Psiquiatria, Biologia etc. que congrega um conjunto de fatores na busca de uma melhor
compreensão do fenômeno.

A psicoterapia em intervenção em crise e prevenção do suicídio exige do terapeuta uma


formação cuidadosa. Nessa área de atuação é importante dominar o conhecimento
técnico, inclusive dos quadros psicopatológicos mais comuns, refletir a respeito de
aspectos importantes sobre a morte e o suicídio, se apropriar de técnicas de avaliação
e manejo do paciente em risco e, principalmente, ter disponibilidade emocional para
lidar com situações extremas dessa natureza.

De um modo geral, as psicoterapias são desenvolvidas em torno de conceitos e bases


teóricas, com um conjunto de técnicas específicas, diversos objetivos a serem alcançados,
algumas com definição de período de tempo e outras com indicações precisas. A escolha
de um referencial teórico e, consequente prática psicoterápica, é pessoal. Entretanto,
segundo Correa e Barrero (2006), o sucesso de todas elas depende primeiramente
de uma atitude psicoterapêutica, caracterizada por uma disposição em ajudar e pela
criação de um clima de confiança e segurança, com o estabelecimento de uma relação
afetivo-empática.

A intervenção em crise, por sua vez, é caracterizada por ser uma abordagem que envolve
diversas condutas. Essas deverão ser utilizadas pelo terapeuta, conforme o contexto
e a necessidade, para garantir a segurança do paciente e demais pessoas envolvidas.
Contudo, o objetivo principal da intervenção em crise é restabelecer o funcionamento
anterior do paciente, mesmo que disfuncional, para que seja possível alcançar outros
objetivos terapêuticos, com psicoterapia de longo prazo.

As crises podem ser de diversas naturezas e, inclusive, gerar crescimento e


desenvolvimento de habilidades emocionais. Quando falamos de crise suicida,
colocamos em perspectiva a possibilidade de risco de vida. Nesses casos há necessidade
de desenvolvimento de estratégias e intervenções que possam auxiliar o paciente a
superar as dificuldades que o estão colocando em risco.

Avaliar o risco de suicídio e os fatores que contribuem para aumentá-lo ou diminuí-


lo é crucial para o manejo da crise suicida. Outro fator importante na intervenção em
crise e prevenção do suicídio é a maneira como lidamos com o tema da morte e do

8
suicídio. Nossas concepções interferem na forma como nos colocarmos na relação com
o paciente. A principal ferramenta para intervenção em crise é o terapeuta. Investir no
desenvolvimento de sua capacidade de compreender seus próprios processos internos
e trabalhá-los, certamente contribuirá para sua capacidade de estar com o paciente em
risco de suicídio e ajudá-lo a lidar com o seu sofrimento.

Nesse contexto, o presente curso visa oferecer ao profissional de psicologia instrumentos


necessários para o desenvolvimento de estratégias de intervenção em crise com
pacientes em risco de suicídio. Para isso, abordaremos os temas mais relevantes dessa
área do conhecimento:

»» O conceito de crise e sua relação como o comportamento suicida.

»» Comportamento suicida: conceituação, epidemiologia e fatores de risco


e proteção.

»» Avaliação do risco de suicídio.

»» Estratégias de manejo da crise suicida.

»» A crise e o processo terapêutico.

O contato com esses conteúdos contribuirá para o aprimoramento profissional e para


o conhecimento de técnicas para o manejo da crise suicida. Entretanto, vale ressaltar
que um dos recursos mais poderosos para o desenvolvimento de habilidades e recursos
pessoais para lidar com a crise é a supervisão clínica. Reconhecer e saber como lidar
com os sentimentos que o paciente suscita no terapeuta gera dados importantes sobre
o manejo clínico mais adequado.

Objetivos
»» Trabalhar o conceito de crise e sua relação com o comportamento suicida.

»» Proporcionar o conhecimento específico sobre comportamento suicida,


os conceitos envolvidos, as características epidemiológicas, os quadros
psicopatológicos mais comuns e os fatores de risco e proteção.

»» Apresentar técnicas e instrumentos de avaliação de risco de suicídio.

»» Desenvolver estratégias para o manejo do paciente em risco de suicídio.

»» Refletir sobre a intervenção em crise no processo terapêutico.

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Crise e Saúde Mental Unidade I

CAPÍTULO 1
Teorias da crise

Teorias da crise
A crise é um dos temas centrais quando falamos de intervenções terapêuticas em um
contexto marcado por ela. A compreensão de algumas teorias da crise nos auxilia a
entender de maneira dinâmica os mecanismos que podem estar envolvidos em uma
situação na qual a atuação do terapeuta pode definir rumos importantes ao longo de
um tratamento. Apresentamos brevemente alguns conceitos de crise e modelos que
contribuem para reflexão sobre crise e comportamento suicida.

O conceito de crise
O conceito de crise é utilizado em diversas áreas do conhecimento. Temos termos como
crise econômica, crise política, crise de recursos hídricos, condição de saúde crítica
etc. A ideia de crise é geralmente atribuída a um valor negativo, com sinônimos como:
desequilíbrio, mutação, recessão, depressão, ruína, risco, perigo, dificuldade, mudança.

Alguns autores da saúde mental desenvolveram conceitos interessantes a respeito da


crise como risco e possibilidade de desenvolvimento.

Erikson e o conceito de crise

Erik Erikson (1959) ao elaborar sua teoria da personalidade, conceitua crises do


desenvolvimento/vitais como fases normais de conflitos incrementados, caracterizada
por uma flutuação na força do ego, com transtornos cognitivos e afetivos temporários.
Segundo o autor, o desenvolvimento da personalidade se dá por uma sucessão de

11
UNIDADE I │ Crise e Saúde Mental

fases diferenciadas, cada uma delas qualitativamente diferente de sua predecessora.


Cada fase do desenvolvimento é constituída por questões que devem ser resolvidas
internamente para a formação saudável da personalidade. Erikson define oito estágios
de desenvolvimento em que as crises se estabelecem e podem ter desfechos positivos
ou negativos.

1. Confiança versus desconfiança (de 0 a 1 ano)

No primeiro ano de vida, a criança é extremamente dependente das pessoas que cuidam
dela. Os cuidados vão desde a alimentação, a higiene, a estimulação, a locomoção, o
aprendizado etc. Nessa fase do desenvolvimento, o principal recurso a ser conquistado
para o amadurecimento é o desenvolvimento de confiança nas pessoas e no contexto ao
seu redor. Dessa forma, é preciso que seja proporcionado para ela um contexto no qual
se sinta segura e amada.

2. Autonomia versus vergonha e dúvida (2 a 3 anos)

Esse período se caracteriza pelo desenvolvimento do controle de esfíncteres anal e


vesical, gerando mais autonomia e controle da criança sobre sua higiene pessoal. Nessa
fase, a criança desenvolve mais liberdade e confiança para tentar coisas novas sem medo
de errar. Caso não encontre um ambiente acolhedor, sendo criticada e ridicularizada
poderá desenvolver vergonha e dúvida quanto a sua capacidade de ser autônoma,
provocando uma volta ao estágio anterior, ou seja, a dependência.

3. Iniciativa versus culpa (4 a 5 anos)

Essa fase é caracterizada pela percepção de diferenças sexuais e papéis desempenhados


por homens e mulheres em seu contexto cultural. Trata-se da fase identificada por Freud
onde ocorre o conflito Edipiano. Se a sua curiosidade “sexual” e intelectual, natural, for
reprimida e castigada poderá desenvolver sentimento de culpa e diminuir sua iniciativa
de explorar novas situações ou de buscar novos conhecimentos.

4. Construtividade versus inferioridade (6 a 11 anos)

Essa fase é caracterizada pelo início da vida escolar, marcada por um maior convívio
social com outras crianças e adultos. Nesse período é exigido o desenvolvimento de
habilidades como trabalho em conjunto, cooperativismo e sociabilidade. Caso haja
alguma dificuldade, o próprio grupo se encarregará de criticar a criança, podendo
provocar vivências de inferioridade em oposição à construtividade.

12
Crise e Saúde Mental │ UNIDADE I

5. Identidade versus confusão de papéis (12 a 18 anos)

Essa é a fase da adolescência, caracterizada por uma crise que ganha diferentes contornos
em função da questão psicossocial inerente a ela. É uma fase de experimentação
e definição da identidade. Nesse contexto, o termo crise não possui uma acepção
dramática, por tratar-se de algo pontual e localizado com polos positivos e negativos.

6. Intimidade versus isolamento (jovem adulto)

Essa fase é marcada pela conquista profissional e pela constituição familiar. Nela busca-
se a construção de relações profundas e duradouras, com vivências de momentos de
grande intimidade e entrega afetiva. As decepções nessa fase podem gerar isolamento
temporário ou duradouro.

7. Produtividade versus estagnação (meia idade)

Nessa fase pode surgir uma dedicação à sociedade à sua volta e realização de valiosas
contribuições, ou grande preocupação com o conforto físico e material.

8. Integridade versus desesperança (velhice)

Quando o processo de envelhecimento se dá diante de sentimentos de produtividade


e valorização do que foi construído ao longo da vida, sem arrependimento sobre
oportunidades e lamentações sobre oportunidades perdidas, a pessoa experimentará
integridade e ganhos, do contrário, um sentimento de tempo perdido e a impossibilidade
de começar de novo trará tristeza e desesperança.

Além das crises vitais haveria também as crises acidentais (ERIKSON, 1959). Essas
ocorrem diante de “azares da vida”, situações e fatos como ameaças de perdas ou
perdas de elementos básicos, ou um desafio associado à oportunidade de incremento
de recursos básicos, acompanhada de um acréscimo de exigências ao indivíduo. Essa
condição provoca uma quebra da homeostase da pessoa, gerando a necessidade de uma
resposta sob a qual o sujeito não possui soluções em seu repertório de respostas, havendo
a tendência à desorganização temporária. Assim como as crises de desenvolvimento, as
crises acidentais podem provocar uma mudança no padrão de respostas promovendo
o desenvolvimento emocional ou pode consolidar uma perturbação (CAPLAN, 1964).

As fases da crise

Caplan (1964) coloca que o fator essencial que influi na ocorrência de uma crise é
um desequilíbrio entre a dificuldade e a importância do problema, por um lado, e os
recursos imediatamente disponíveis para resolvê-lo. Ou seja, o problema se define

13
UNIDADE I │ Crise e Saúde Mental

quando a pessoa se depara com situações que assinalam perigo para satisfação de
uma necessidade fundamental ou provocam apetite de uma necessidade importante,
e as estratégias de resolução de problemas antigas não conseguem dar um resultado
positivo em um período de tempo esperado. Essa situação aumenta a tensão e provoca
sentimentos como frustração que pode envolver problemas na manutenção da
integridade do organismo ou do grupo.

Caplan em seu livro “Os Princípios da Psiquiatria Preventiva”, trata de estratégias


preventivas em diversos níveis (primário, secundário e terciário), discorrendo sobre
os processos que levam ao adoecimento psíquico. O autor apresenta 4 fases da crise, a
saber:

»» Fase 1: Elevação inicial de tensão diante do impacto do elemento novo


que aciona as respostas habituais, homeostáticas, para resolução de
problemas.

»» Fase 2: Falta de êxito na resolução do problema, elevando a tensão a um


estágio de perturbação e ineficácia.

»» Fase 3: Nova elevação de tensão que ultrapassa um terceiro limiar e atua


como estímulo interno para mobilizar recursos internos e externos para
solucionar o problema. Novos métodos são acionados para enfrentar a
situação. O indivíduo pode resignificar o problema e identificar novas
formas de lidar com ele. É possível que haja resignação ativa e renúncia
de certos aspectos intangíveis das metas. Ele poderá tentar resolver o
problema por tentativa e erro, ou em ação ou em pensamento abstrato,
identificando as alternativas possíveis para solução do problema. Em
consequência do esforço empreendido e sua redefinição, o problema
pode ser resolvido, gerando consequência positivas para o indivíduo e
resignificando seu papel diante do grupo.

»» Fase 4: Se o problema não pode ser resolvido satisfatoriamente, nem


evitado pela renúncia à necessidade ou distorção da percepção, a tensão
ultrapassa um novo limiar e torna-se insuportável com o tempo, atingindo
um porto de ruptura.

Na perspectiva colocada por Erikson, as crises são inerentes ao desenvolvimento humano.


Elas fazem parte da vida e devem ser enfrentadas de forma a promover crescimento e

14
Crise e Saúde Mental │ UNIDADE I

amadurecimento. Sua teoria aborda os conflitos inerentes ao desenvolvimento desde a


primeira infância até o fim da vida. Quanto maior a capacidade de solucionar as questões
de maneira positiva, maior a possibilidade de envelhecimento saudável e pleno. Caplan
compartilha com Erikson o conceito de crises vitais e acidentais e acrescenta noções
importantes sobre o processo no qual a crise se dá. As fases da crise nos trazem a ideia
dinâmica dos elementos que podem influenciar em desfechos positivos ou negativos.

15
Capítulo 2
O ciclo da crise

O ciclo da crise de Tavares

Complementando as teorias postuladas por Erikson e Caplan, Tavares (2004) propõe


um dos modelos teóricos mais completos sobre crise. O autor conceitua crise como:

um processo subjetivo de vivência ou experimentação de situações


de vida nas quais condições internas e externas demandam uma
nova resposta à situação para a qual o sujeito ainda não domina, não
desenvolveu ou perdeu a capacidade, repertório ou recursos capazes de
dar solução à complexidade da tarefa em questão (p. 2).

Acrescido ao conceito, Tavares apresenta um modelo de ciclo da crise que estabelece


conexões entre os dois tipos de atitudes básicas diante da vida:

1. Rigidez, resistência à mudança ou à experimentação, negação e outras


defesas de evitação em contraponto à atitude.

2. Flexibilidade, criatividade, curiosidade, interesse, investimento e


enfrentamento.

Como se pode observar nas teorias anteriormente apresentadas, frente a uma situação
que quebra da homeostase de funcionamento do indivíduo, ele tende a utilizar o
repertório de comportamentos anteriores que o ajudaram a resolver problemas. A
ausência de repertório para o enfrentamento do problema produz uma demanda de
busca por novos recursos para lidar com o novo estímulo. As soluções encontradas
podem ser parciais ou de compromisso ou soluções que proporcionem desenvolvimento.
Quando não foi encontrada uma solução, a tensão aumenta podendo ou não chegar a
um ponto de ruptura com possibilidade de comprometimento da estrutura psíquica
e surgimento de sintomas e quadros psicopatológicos. A solução que proporciona
desenvolvimento agrega novas estratégias de enfrentamento, fortalecendo os recursos
internos da pessoa. As soluções de compromisso geram vulnerabilidades psíquicas.

O conceito de crise de Tavares estabelece uma relação interessante entre a ocorrência


de eventos de vida adversos, ou crises acidentais, (ex.: violência e negligência na
infância, perda precoce de figuras parentais etc.) e o desenvolvimento de quadros

16
Crise e Saúde Mental │ UNIDADE I

psicopatológicos. O conceito aborda a crise como um processo, assim como a constituição


das vulnerabilidades no processo de crise.

A crise entendida como um processo indica uma natureza dinâmica, com início meio
e fim, que tem uma história e sofre influências dos ambientes interno e externo. Esse
processo envolve elaboração, experimentação, transformação e, idealmente, a superação
da fase crítica da crise pela sua resolução ou acomodação a seus condicionantes.
Quando não há superação, pode ocorrer a formação de sintomas, o desenvolvimento de
psicopatologias e um possível comprometimento da estrutura egoica. Quando ocorre
uma superação parcial ou de compromisso, há uma tendência à estagnação em um nível
de funcionamento inferior ao equilíbrio anterior. Em contraponto, a superação da crise
leva à aquisição de novos recursos internos e ao amadurecimento. Nesse sentido, a crise
é entendida como um desafio e uma oportunidade que pode resultar em crescimento,
ruptura ou estagnação (TAVARES, 2004).

O sujeito é constituído por vulnerabilidades e recursos emocionais. Esses fatores são


formados pelo resultado das experiências vividas, ou seja, por crises anteriores. As crises
que têm como resultado uma solução de compromisso provavelmente atuam como
propiciadoras de vulnerabilidades diante de novas demandas semelhantes. Igualmente,
aquelas que têm como resultado um estado crítico da crise com comprometimento de
estrutura pode deixar sequelas na autoimagem, autoestima, força egoica etc. Por outro
lado, as crises que têm como resposta uma superação propiciam o desenvolvimento,
amadurecimento, a geração de recursos internos e de novas habilidades, que poderão
agir como ferramentas na solução de demandas futuras.

O ambiente externo é constituído pelo meio social, cultural, biológico e ambiental e


por situações concretas, fortuitas. Muitas das condições proporcionadas pelo ambiente
externo são consideradas eventos de vida. Por exemplo, a perda de alguém significativo
por morte, divórcio, mudança etc., a perda da saúde, da liberdade, problemas nas relações
familiares, situações de violência urbana, a entrada na universidade, no mercado de
trabalho etc. Assim, os eventos de vida, ao mesmo tempo em que atuam como uma
demanda no processo de crise, contribuem para a constituição das vulnerabilidades
ou dos recursos emocionais do sujeito. A constituição de vulnerabilidades e recursos
emocionais vai variar de acordo com a resolução da crise instaurada que pode envolver:
a superação, a estagnação ou a ruptura.

A relação desse modelo com o desenvolvimento de psicopatologias parte da concepção


de que a predominância de vulnerabilidades e de um ambiente externo adverso,
associada a uma escassez de recursos internos e de um ambiente de apoio e suporte,
aumenta a propensão a não superação de crises, com formação de sintomas, risco de

17
UNIDADE I │ Crise e Saúde Mental

ruptura com sequelas graves e desenvolvimento de psicopatologias, podendo culminar


na morte (TAVARES, 2004).

O modelo de crise proposto por Tavares (2004) pode ser utilizado para a compreensão
do adoecimento psíquico em vários contextos, inclusive na crise suicida. O modelo
auxilia na identificação de estressores específicos, seja no ambiente interno ou no
ambiente externo que provocam as crises, ajudando o terapeuta a antecipar situações
que possam provocar maior estresse para o paciente. Além disso, propõe a reflexão
sobre as vulnerabilidades internas, fontes de crises anteriores mal resolvidas, e os
recursos internos que podem ser mobilizados para o enfrentamento de situações
adversas de vida.

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Capítulo 3
Diátese do comportamento suicida

Wasserman (2001) discorre sobre uma diátese para o comportamento suicida como
modelo compreensivo do risco. Nela é possível analisar se o risco é manifestado sob
a influência do estresse resultante de, por exemplo, doenças agudas psiquiátricas ou
somáticas, uso severo e abusivo de álcool e drogas, pressões de problemas sociais ou
crises familiares. A autora propõe uma compreensão do fenômeno com referência a
variações na diátese.

Alguns estudos correlacionam o funcionamento dos sistemas dopaminérgicos,


noradrenégicos e serotoninérgicos a dificuldades que podem aumentar o risco de
suicídio no futuro. Esses sistemas de monoaminas interagem entre si e são regulados
geneticamente. Contudo, traumas severos, privação na infância e o aumento de
estresse podem alterar a regulação desses sistemas (WILSON; PRABUCKI, 1989 em
WASSERMAN, 2001). A autora considera que o equilíbrio entre esses neurotransmissores
é um pré-requisito para um funcionamento cerebral normal. Tanto estressores agudos
quanto crônicos causados por pressões recorrentes na vida resultam em mudanças nas
concentrações de neurotransmissores, gerando um desequilíbrio. A autora cita como
exemplo de situações de vida e eventos que induzem estresse: crises severas; traumas;
doenças somáticas ou psiquiátricas agudas; situações de abuso; luto e separação de
pessoas queridas; desemprego; vitimização; perseguição na escola ou no trabalho e
feridas narcísicas de vários tipos.

Wassermam (2001) afirma que traumas na primeira fase da vida afetam como o sistema
psiconeurohormonal do cérebro que reagirá ao estresse mental e social na vida futura.
Um novo estresse pode gerar uma série de reações biológicas em pessoas que foram
submetidas a situações traumáticas ou de estresse prolongado. A autora argumenta
que pessoas que sofrem de estresse não só apresentam mais transtornos mentais, como
também sucumbem mais a infecções, dores musculares e problemas similares quando
comparados a outras pessoas. Até recordações de situações estressantes passadas, como
tortura, separação e outros traumas, podem provocar situações que envolvam sintomas
físicos e mentais dolorosos.

Um exemplo da relação entre eventos traumáticos e o risco de suicídio pode ser


observado nos estudos sobre polimorfismo em um gene específico responsável pela
síntese de tyrosinahidroxilase (que participa da síntese de noradernalina e dopamina)
(PERSSON, WASSERMAN, GEIJER; cols., 1997). Esses estudos evidenciaram
maiores concentrações de um de seus componentes (T8) em pacientes com tentativa

19
UNIDADE I │ Crise e Saúde Mental

de suicídio e nas pessoas do grupo controle com traços de personalidade marcados por
baixa tolerância ao estresse e tendência à irritabilidade, reações agressivas e hostis, assim
como pela vulnerabilidade. Uma das possíveis interpretações desses dados pode ser
que essa variável do gene colabore para a diminuição de concentração de noradrenalina
em pacientes com tentativa de suicídio. Essa falha pode dificultar o processamento da
informação e o funcionamento cerebral adequado.

Segundo Wasserman (2001), estratégias rígidas de enfrentamento e a percepção de que


não há solução para o problema são características de pessoas com comportamento
suicida que estão ligadas ao metabolismo de noradrenalina. Quando essas pessoas estão
expostas ao estresse extremo, em função, por exemplo, de eventos de vida negativos,
elas podem ser incapazes de encontrar um caminho construtivo para a superação do
problema, já que sua vulnerabilidade biológica restringe o escopo de recuperação e a
escolha de alternativas ou estratégias mais construtivas.

Apesar da predisposição genética sugerida pelos estudos relacionando os sistemas de


regulação de neurotransmissores, Wasserman argumenta, com base em pesquisas com
gêmeos monozigóticos, que é esperado que a influência genética possa ser reduzida
pelo estabelecimento de condições externas ótimas e afirma que a herança genética
não implica em predestinação. Apenas 13% de gêmeos monozigóticos apresentam
comportamento suicida quando essa variável é presente em seu par (ROY, 1993).
Segundo a autora, a vulnerabilidade biológica é exacerbada em algumas pessoas se estas
crescem e vivem em ambientes psicossociais desfavoráveis (RUBENSTEIN, HALTON,
KASTEN; cols., 1998, conforme citado por WASSERMAN, 2001). Assim como há
influência de fatores negativos que exacerbam a vulnerabilidade biológica, fatores de
proteção podem afetar consideravelmente as funções cerebrais de uma maneira positiva.
Segundo a autora, a danificação do cérebro já é um consenso no meio acadêmico, mas
a neurociência tem apresentado recentemente achados revolucionários sobre a sua
capacidade regenerativa e de reparação (GAGE, 2000; JOHANSSON, SVENSSON,
WALLSTED, JANSON; FRISÉN, 1999).

Tendo em vista os fatores biopsicossociais levantados pelo modelo


estresse-vulnerabilidade inicialmente proposto por Mann e cols. (1999) e
complementado por Wasserman (2001), esta autora propõe um modelo mais
abrangente do desenvolvimento do processo suicida com o objetivo de promover uma
maior compreensão da dinâmica e interação entre a pessoa suicida e as que a rodeiam.
O modelo, ilustrado na Figura 2, visa possibilitar o estudo do processo suicida, os
tipos de comunicação e os fatores de risco e proteção envolvidos nesse processo.
Nesse modelo, os pensamentos e comportamentos suicidas não assumem um caráter
distintivo, mas são considerados elementos fluidos no processo. Eles são afetados

20
Crise e Saúde Mental │ UNIDADE I

por fatores de risco e de proteção na diátese. O suicídio é considerado não como uma
doença, mas como um ato que se origina de uma interação entre aspectos cognitivos,
afetivos e de comunicação.

A distinção entre a compreensão proposta pelo modelo de crise de Tavares (2004) e os


modelos de estresse-vulnerabilidade parece residir na ênfase dada aos fatores genéticos
no desenvolvimento de patologias e na constituição de vulnerabilidades. Comparado
ao modelo de crise proposto, os modelos de estresse-vulnerabilidade parecem enfatizar
mais a predisposição genética e o equilíbrio bioquímico do cérebro no desenvolvimento
de patologias. No modelo de crise de Tavares, a ênfase recai sobre as relações e a forma
de resolução das crises como um elemento que propicia a formação de vulnerabilidades
emocionais e/ou recursos internos.

Os modelos apresentados refletem a complexidade envolvida na crise suicida.


Fatores genéticos, biológicos, ambientais e psicodinâmicos influenciam o processo de
adoecimento e a precipitação de crises que podem levar uma pessoa ao comportamento
suicida.

21
O Comportamento Unidade iI
Suicida

Capítulo 1
O comportamento suicida –
características e definições

Algumas características sobre o


comportamento suicida
Ao abordarmos intervenções relacionadas à prevenção de comportamento suicida,
faz-se necessária uma compreensão mais aprofundada do comportamento em
si. Apresentamos a seguir definições de comportamento suicida e alguns dados
epidemiológicos mundiais e nacionais que caracterizam esse fenômeno e nos auxiliam
na avaliação e no manejo da crise suicida.

Comportamento suicida
O suicídio é um fenômeno bastante complexo que resulta de uma série de fatores
que envolvem desde aspectos genéticos, psicológicos e ambientais até aqueles de
cunho social, histórico-situacional e cultural (BARRERO, NICOLATO; CORRÊA,
2006; BERTOLOTE, MELLO-SANTOS; BOTEGA, 2010; BOTEGA; WERLANG,
2004; MANN, WATERNAUX, HAAS; MALONE, 1999; WASSERMAN, 2001). Neste
capítulo apresentaremos definições de comportamento suicida, dados epidemiológicos
de tendências globais, fatores de risco para o comportamento suicida, dados sobre
suicídios no Brasil e modelos teóricos sobre o processo suicida.

Definições de comportamento suicida

Segundo Durkheim (1977) o suicídio é “todo o caso de morte que resulta direta ou
indiretamente de um ato positivo ou negativo, praticado pela própria vítima, ato que a

22
O Comportamento Suicida │ UNIDADE II

vítima sabia dever produzir este resultado” (p.11). A definição de tentativa de suicídio
segundo o autor envolve “o ato assim definido, mas interrompido antes que a morte daí
tenha resultado” (p. 12).

Fairbairn (1999) destaca o papel fundamental da intencionalidade na definição do


suicídio, embora esta seja uma variável de difícil mensuração. O autor define o suicídio
como “um ato, tanto de cometimento quanto de omissão, realizado pela própria
pessoa ou terceiros, por meio do qual um indivíduo autonomamente pretende e deseja
concretizar a própria morte” (p. 117). Segundo Fairbairn, a tentativa de suicídio envolve
o ato onde a morte era visada, embora o agente não tenha atingido seu objetivo. O autor
considera ainda ameaça de suicídio como o ato de comunicar a alguém sua vontade
de matar-se, sem de fato ter a intenção de fazê-lo. Apesar de Fairbairn colocar que na
ameaça de suicídio não haja intenção, o autor destaca que por vezes as ameaças de
suicídio são precursoras de uma ação suicida.

Mardomingo (conforme citado em BANDIM; cols., 1997) define comportamento


suicida em três classes diferentes, a saber:

1. Suicídio consumado: caracteriza-se por todos os atos lesivos, autoinfligidos


que teriam como resultado final a morte.

2. Tentativa de suicídio: caracteriza-se por um ato que não resulta em morte,


no qual o indivíduo de forma deliberada provoca um dano a si mesmo.

3. Ideação suicida: caracteriza-se por uma ampla gama de pensamentos, na


qual estariam presentes desde pensamentos inespecíficos de morte (ex.:
“a vida não vale a pena”) até ideias de suicídio com planos concretos de
realização.

Cassorla (2004) apresenta uma definição usualmente adotada sobre suicídio que
o concebe como morte provocada pelo próprio indivíduo, de forma voluntária e
consciente, na qual este executou um ato ou adotou um comportamento que acreditava
que resultaria nesse desfecho. O autor aponta para as dificuldades encontradas nesse
conceito em termos da especificação da voluntariedade do ato e da consciência deste.
Cassorla ressalta que há uma frequente ambiguidade em relação ao desejo de morte
no relato de pessoas com comportamento de suicida, e que boa parte das pessoas que
apresentam esse tipo de comportamento sofrem de transtornos de pensamento e do
afeto e podem experienciar estados confusionais e, portanto, alterações da consciência.
O autor apresenta a definição de Stengel (1970) que parece resolver em parte os
problemas apontados na definição inicial, tendo em vista que esta não incluiria os casos
em que o comportamento inconsciente é predominante. Sendo assim, Stengel define

23
UNIDADE II │ O Comportamento Suicida

suicídio como “dano fatal feito a si mesmo, intencional e consciente, mesmo que de
modo ambíguo e vago” (p. 22).

A definição de comportamento suicida adotada por Werlang e Botega (2004), traz a


ideia de um continuum que envolve desde o pensamento sobre autodestruição até o
suicídio consumado, passando por ameaças, gestos e tentativas de suicídio. Os autores
definem comportamento suicida como um “ato pelo qual um indivíduo causa lesão a
si mesmo, qualquer que seja o grau de intenção letal e de conhecimento do verdadeiro
motivo desse ato” (p. 17). Os autores ressaltam que a adoção desta definição bastante
abrangente do comportamento suicida é proposital, pois ela evita a ênfase exagerada
dada à intencionalidade e lucidez de consciência no ato suicida e, ao mesmo tempo,
permite a avaliação dos determinantes dos vários fatores que integram o continuum
que pode culminar na morte por suicídio.

Segundo Cassorla (2004), é possível definir esse continuum em termos de


intencionalidade, considerada na suicidologia como o desejo do indivíduo em acabar
com sua vida. Assim, o primeiro grau de intencionalidade seria falar em suicídio,
seguido da ideia suicida, da ameaça, do gesto, da tentativa de suicídio ambivalente, da
tentativa deliberada e, por fim, do suicídio consumado.

Em um estudo comparativo entre tentativas de suicídio e suicídios consumados, com


graves implicações médicas, observou-se a presença dos mesmos fatores de risco para
ambos os grupos (BEAUTRAIS, 2003). Nesse estudo, os grupos se diferenciaram apenas
pela prevalência de transtornos de humor para o grupo com tentativa de suicídio e por
gênero, em relação à escolha do método. Esses dados parecem reforçar a ideia de que
esses comportamentos devam ser entendidos em um continuum.

Ressalta-se, entretanto, que estudos epidemiológicos sobre o suicídio evidenciam uma


importante diferença entre os perfis encontrados nos casos de suicídio, tentativa de
suicídio e ideação suicida. Vansan (1999) destaca a importância de se estabelecer, de
forma precisa, as diferenças existentes entre a população com tentativas de suicídio e
os casos de suicídios consumados. Segundo o autor, tentativas de suicídio e suicídios
consumados são fenômenos amplamente distintos, mas com uma importante área de
superposição.

Cassorla (1987) também destaca a importância da diferenciação principalmente entre


suicídio e tentativa de suicídio e alerta para o cuidado necessário nos estudos científicos
em relação à generalização de conclusões de estudos desenvolvidos somente com pessoas
que tentaram o suicídio para aqueles que consumaram o suicídio e, reciprocamente, o
mesmo ocorrendo para os suicídios completos.

24
O Comportamento Suicida │ UNIDADE II

Psicodinâmica e comportamento suicida

A Psicodinâmica traduz o mundo interno do paciente e as forças que interagem


criando a situação conflito que muitas vezes são desconhecidas pelo próprio paciente
(RODRIGUES, 2009). Para ter acesso à psicodinâmica do paciente é preciso analisar sua
visão de mundo e o modo como lidar com os diferentes aspectos de sua vida (trabalho,
família, fracassos, vitórias, doenças etc.) (PONCIANO, 1988 em RODRIGUES, 2009).
A natureza e os padrões das relações estabelecidas ao longo da vida são internalizados
de tal maneira que o indivíduo desenvolve uma dinâmica psicológica própria para lidar
com situações e pessoas.

Nesse contexto, o comportamento suicida é a urgência subjetiva mais radical, parte


das tentativas de resolução de conflitos internos e externos, da busca de novos sentidos
para uma situação insustentável, ou de um grito desesperado de ajuda. Trata-se da
passagem ao ato de um indivíduo que se encontra impotente para lidar com a realidade,
mas detém o poder onipotente sobre a vida e a morte (RODRIGUES, 2009).

As fantasias envolvidas no comportamento suicida são pautadas no desejo de matar e


de estar morto. Nesse sentido, tirar a própria vida pode ser o resultado da internalização
do desejo de matar antes dirigido a outrem. Também pode estar relacionada à fantasia
de reencontro com um ente querido que faleceu, ou o encontro de um objeto amado
que foi perdido (LITMAN, 1996). Quando a pulsão de morte se sobrepõe à pulsão de
vida o sujeito se torna o objeto (vítima) e o sujeito (assassino) dessa força destrutiva
(MENNINGER, 1996, STERIAN, 2001; LITMAN, 1996).

25
Capítulo 2
Suicídio no contexto mundial

Suicídio no contexto global – incidência e


fatores de risco
O suicídio é considerado um problema de saúde pública em vários países, e tem atraído
a atenção de profissionais do mundo inteiro. Segundo dados da Organização Mundial
de Saúde – OMS (2016), mais de 800 mil pessoas morrem a cada ano por suicídio em
todo o mundo, o que equivale a uma um suicídio a cada 40 segundos.

Figura 1.

Fonte: (OMS, consultado em dezembro de 2016, <www.who.int - http://gamapserver.who.int/mapLibrary/app/searchResults.


aspx>) (O acesso a essa figura pode ser realizado no link indicado para uma visualização mais clara).

De acordo com as projeções da OMS (2000) até o ano de 2020 aproximadamente


1,53 milhões de pessoas irão morrer por suicídio, sendo a estimativa para tentativas
de suicídio de 10 a 20 vezes superiores aos suicídios consumados. Isso representa
uma média de uma morte a cada vinte segundos e uma tentativa a cada um ou dois
segundos.

O suicídio é a 14a causa de morte no mundo inteiro. A morte por suicídio passou a
ocupar a terceira posição entre as causas mais frequentes de falecimento na população

26
O Comportamento Suicida │ UNIDADE II

de 14 a 44 anos de idade nas últimas cinco décadas. Atualmente, as pessoas jovens


representam o grupo de maior risco em 30 países, inclusive no Brasil (OMS, 2000).

Com relação às características da população, observam-se diferenças em relação ao


gênero, sendo que os homens comentem de três a quatro vezes mais suicídios em
comparação às mulheres. Essa proporção se inverte em relação às tentativas de suicídio,
observando-se maiores taxas entre as mulheres. Os métodos mais utilizados pelos
homens apresentam alto grau de letalidade: enforcamento, arma de fogo, precipitação
de lugares elevados, atear-se fogo. Os métodos mais usados pelas mulheres são: ingestão
de medicamentos e de outras substâncias químicas (OMS, 2000).

Bertolote (2001) destaca um aumento de aproximadamente 49% nas taxas de


suicídios em homens e 33% em mulheres entre 1950 e 1995. Os dados apontam uma
predominância relativamente constante da relação entre suicídios em homens com
relação aos suicídios em mulheres.

Segundo Bertolote (2001), existe uma clara tendência para aumento de taxas de suicídio
com relação à idade. Diante das taxas de 24,7 mortes por 100.000 habitantes para
homens, as taxas específicas para grupos etários começam em 0,9/100.000 para grupos
de 5 a 9 anos e aumenta gradualmente para 60,9/100.000 para grupos acima de 75
anos de idade. De uma taxa geral de 6,9 por 100.000 para mulheres, o grupo específico
de 5 a 14 anos apresenta a taxa de 0,5/100.000 aumentando para 29,7/100.000 em
grupos acima de 75 anos.

Embora as taxas de suicídio possam ser de seis a oito vezes mais altas entre idosos se
comparados aos jovens, atualmente mais jovens estão morrendo por suicídio. Cerca de
53% de suicídios são cometidos entre 15 e 44 anos. A faixa etária com maior frequência
de suicídios concretizados é de 35 a 44 anos para ambos, homens e mulheres. Segundo
Bertolote (2001), esse fato adquire um aspecto dramático quando se constata que a
proporção de idosos na população total está aumentando em comparação aos jovens.
Isso não é apenas o resultado nas modificações divergentes nas taxas de suicídio nessas
faixas etárias, a taxa de suicídio em pessoas jovens está aumentando em um ritmo mais
acelerado do que na população idosa.

As análises apresentadas por Bertolote (2001) destacam que, com relação ao número
absoluto de mortes por suicídio, as dez maiores cidades em termos de taxas representam
menos de 8% dos suicídios concretizados. Dois países (China e Índia) são responsáveis
por quase 30% dos suicídios do mundo. Embora as taxas de suicídio da China coincidam
com as médias globais, às da Índia são quase a metade das taxas globais. O número de
suicídio da China é 30% maior do que o total de suicídio na Europa inteira. Só o número
de suicídio da Índia é equivalente às quatro cidades europeias que apresentam o maior

27
UNIDADE II │ O Comportamento Suicida

número de suicídio juntas. Apenas dois países (Sri Lanka e Rússia) apresentam número
de suicídio e taxas de suicídio elevadas entre os dez países com maiores números
absolutos de morte por suicídio. Nesse contexto, o Brasil está entre os dez países que
apresentam o maior número de mortes por suicídio.

Em relação aos fatores de risco para o comportamento suicida, destaca-se a presença


de psicopatologias em cerca de 90% dos casos de suicídios consumados. Uma revisão
de estudos de autópsia psicológica sobre fatores de risco para o suicídio revelou
que a doença mental, dentre os fatores de risco, foi a variável que apresentou a
associação mais forte com o suicídio consumado (CAVANAGH, CARSON, SHARPE;
LAWRIE, 2003).

Ernest, Lalovic, Lesage, Seguin, Tousignant e Turecki (2004) realizaram um estudo


de casos de suicídio que não apresentavam diagnóstico de eixo I na ocasião da morte.
Os autores puderam constatar que na maioria dos casos, após a autópsia psicológica,
pôde-se observar a presença de transtornos de eixo I ou II e/ou de história de tentativas
anteriores. Segundo os autores, esses dados sugerem que possivelmente todos os casos
de suicídio estão associados com alguma forma de transtorno psiquiátrico.

Segundo um artigo de revisão da literatura internacional realizado por Bertolote e


Fleischmann, De Leo e Wasserman (2004), as principais psicopatologias presentes
em casos de suicídios consumados foram transtornos de humor (30,2%), seguidos
de transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas (17,6%), esquizofrenia
(14,1%) e transtornos de personalidade (13,0%).

Prieto e Tavares (2005), em um artigo de revisão sobre fatores de risco para suicídio e
tentativa de suicídio, destacam uma maior incidência de suicídios entre homens e de
tentativas de suicídio entre as mulheres, a prevalência de psicopatologias em 90% dos
suicídios consumados e histórias de violência física e/ou sexual, negligência, lutos e
rejeição entre pessoas que apresentam comportamento suicida. Entre as psicopatologias
mais comuns destacam-se os transtornos de humor, àqueles relacionados ao uso de
substâncias psicoativas, transtornos de personalidade e esquizofrenia.

Saiba mais acessando: <www.who.int>

Assista ao vídeo: eu tinha um cachorro preto, seu nome era depressão <https://
www.youtube.com/watch?v=RTcmNwK4420>

28
Capítulo 3
Suicídio no Brasil

Segundo a OMS (2000), o Brasil apresenta taxas de mortalidade por suicídio em torno
de 4,1 por 100 mil habitantes, sendo 6,6 por 100 mil para homens e 1,8 por 100 mil
para mulheres. As taxas de suicídio do Brasil são consideradas baixas comparadas às
taxas de suicídio de outros países. Contudo, Barros (1991) ressalta a ocorrência de um
sub-registro de mortes por suicídio no Brasil que prejudica os estudos epidemiológicos
a respeito desse fenômeno. A autora afirma que o sub-registro possivelmente seja
decorrente do forte estigma que envolve o suicídio e da dificuldade de se avaliar, em
alguns casos, se houve intenção suicida ou se a morte foi acidental.

O problema da sub-notificação também foi verificado por Rapeli e Botega (1998) que
realizaram um estudo, pelo período de um ano, com pacientes que foram internados
em um hospital da cidade de Campinas, no Estado de São Paulo, após uma tentativa de
suicídio. Os autores constataram uma sub-notificação tanto das tentativas de suicídio
quanto dos casos que evoluíram para o óbito durante esse período. Das 53 internações
registradas durante o estudo, apenas três constavam no sistema de registro de estatística
do hospital e, das três mortes por suicídio, apenas uma foi notificada. Esses dados
sugerem que possivelmente as reais taxas de suicídio brasileiras sejam superiores às
oficiais divulgadas pela Organização Mundial de Saúde.

Apesar de o Brasil estar entre os países que apresentam taxas de suicídio moderadamente
baixas, o número absoluto de mortes por suicídio o coloca entre os dez países com maior
incidência desse comportamento, chegando a ocupar o segundo lugar nas Américas
(BARROS, OLIVEIRA; MARIN-LEÓN, 2004; BERTOLOTE, 2001).

Segundo Cassorla (1981) cerca de 26 a 30% do total de suicídios no Brasil ocorrem em


jovens até 24 anos. De acordo com os dados do IBGE, em 1983 as taxas de suicídio
para a população entre 15 e 24 anos foi de 4,5 por 100 mil habitantes com a proporção
de 2,6 homens para cada mulher. Em relação à incidência de tentativas de suicídio, os
números estimados para a cidade de Campinas em 1975 giraram em torno 150 por 100
mil habitantes, dos quais 75% haviam ocorrido em menores de 27 anos. Ao contrário
das proporções encontradas relativas às taxas de suicídio consumado, as mulheres
apresentam 5,4 mais tentativas de suicídio quando comparadas aos homens. Segundo o
autor, estima-se a ocorrência de 8 a 10 tentativas de suicídio para cada suicídio completo,
computando-se todas as idades. As mortes por suicídio entre os homens parecem ser
precedidas por cerca de 3 a 4 tentativas de suicídio e para as mulheres ocorrem cerca de

29
UNIDADE II │ O Comportamento Suicida

25 a 30 tentativas antes de um suicídio consumado. Em jovens essa proporção aumenta


muito, oscilando entre 50 e 120 tentativas para cada suicídio consumado. Segundo o
autor, 5% das pessoas que tentam o suicídio se matam em um período de cinco anos e
10%, num período maior.

Mello-Santos, Bertolote e Wang (2005) realizaram um estudo sobre as tendências de


suicídio no Brasil no período de 1980 a 2000. Segundo a análise realizada dos dados
disponíveis no DATASUS, a taxa de suicídio no Brasil cresceu 21% em 20 anos. Os
homens se suicidaram de 2,3 a 4 vezes mais que as mulheres e os idosos apresentaram
as maiores taxas de suicídio. Os jovens entre 15 a 24 anos apresentaram um aumento
de 1.900% nas taxas de suicídio nesse período, sendo este o grupo no qual se observou
o maior crescimento das taxas de suicídio nesse período. Os autores ressaltam que os
dados brasileiros sobre o suicídio, apesar de serem considerados baixos, acompanham
as tendências mundiais em relação às proporções para gênero e idade.

Em uma análise dos dados epidemiológicos para o Brasil entre os anos 1991 e 2000,
Waiselfisz (2002) observou que o número de suicídio sofreu um aumento de 30,8%
para a população geral brasileira e de 28,5% para a população jovem entre 15 e 24
anos. Segundo o autor, a maior concentração de suicídio é observada na região Sul,
principalmente no Estado do Rio Grande do Sul. Em relação às taxas de suicídio,
aquelas referentes à população jovem parecem acompanhar as taxas para a população
geral que, em 2000, foi de 4,0 por 100 mil habitantes. A análise das tendências com
relação à idade revelou um aumento rápido e progressivo do número de mortes por
suicídio em indivíduos entre 10 e 21 anos, com um suave declínio do número absoluto
de suicídio com o avanço da idade. Contudo, em relação às taxas de suicídio, observa-se
uma elevação lenta e gradual com relação à idade, atingindo um pico de 7,3 por 100 mil
habitantes na faixa de 70 anos de idade. Os dados desse estudo revelam ainda que 80%
dos suicídios consumados no Brasil são praticados por homens, e que essa porcentagem
diminui um pouco para 75% na população jovem.

Waiselfisz (2011) na publicação referente à análise do período de 1998 a 2008 encontrou


que o total de suicídios no país passa de 6.985 para 9.328, o que corresponde a um
aumento de 33,5%. Esse aumento foi superior ao da população do país (17,8%), dos
homicídios (19,5%) e dos óbitos por acidentes de transporte (26,5%) no mesmo período
analisado. Em termos populacionais, o país passou de 4,2 a 4,9 suicídios em 100 mil
habitantes e de 4,4 para 5,1 suicídios em 100 mil jovens na década analisada. Os dados
reafirmam as tendências ao crescimento da mortalidade por suicídio no país e revelam
a gravidade do problema.’

30
O Comportamento Suicida │ UNIDADE II

Segundo a análise das tendências das taxas de suicídio no Brasil entre 1998 e 2000
realizada por Barros e cols. (2004), as capitais da região Sul do Brasil apresentam as
maiores taxas de suicídio, seguidas pelas capitais da região Cetro-Oeste. Os menores
coeficientes são encontrados na região Nordeste. Essas tendências foram observadas
para ambos os sexos. As autoras descreveram uma tendência persistente de suicídio
entre o sexo masculino e de redução entre o sexo feminino nesse triênio. Além disso,
observaram que o risco de morte por suicídio foi maior nas capitais de melhor nível
socioeconômico, em contraponto com outras causas de morte, como o homicídio, que
apresenta riscos crescentes com o declínio do nível socioeconômico.

Cassorla (1992) também apontou a prevalência de suicídios nas regiões Sul e Sudeste do
Brasil. O autor colocou que possivelmente o nível de urbanização, o avanço tecnológico,
assim como a influência dos imigrantes centro-europeus podem ter contribuído para
esse fenômeno.

Estudos realizados em hospitais de cidades brasileiras revelam que o perfil de pacientes


que dão entrada para atendimento médico em função de tentativa de suicídio é
predominantemente de adolescentes e jovens adultos entre 15 e 30 anos, com maior
frequência de pessoas do sexo feminino (NUNES, 1988; BOTEGA; cols., 1995;
TEIXEIRA; LUÍS, 1997; RAPELI; BOTEGA, 1998). Os dados apontados por Vansan
(1999), em um estudo comparativo entre suicídio e tentativas de suicídio na cidade
de Ribeirão Preto entre 1990 e 1992, estão de acordo com o perfil descrito por estudos
internacionais, com maior frequência de suicídios entre homens e de tentativas de
suicídio entre mulheres. Além disso, o autor evidenciou que a tendência à mortalidade
por suicídio tem se deslocado para as faixas etárias mais jovens na população masculina,
passando da faixa etária de 50 a 59 anos em 1953 a 1976 para a faixa de 20 a 29 anos de
1990 a 1992. Essa tendência também foi observada nas análises das taxas de suicídio
da cidade de Campinas, do Estado de São Paulo, realizado por Marin-León e Barros
(2003) entre 1976 e 2001.

Souza, Minayo e Malaquias (2002) analisaram as taxas de suicídio entre jovens de 15


a 24 anos nas principais capitais brasileiras no período de 1979 a 1998. A morte por
suicídio ocupou o sexto lugar entre as mortes por causas externas, sendo que esta
última constitui-se a principal causa de morte nessa faixa etária. Os dados revelam
um aumento das taxas de suicídio no período analisado pela pesquisa. Em relação
aos dados sociodemográficos, houve uma predominância de pessoas solteiras, de
baixa escolaridade (apenas 3,5% tinha nível superior) com ocupações marcadas pelo
trabalho braçal. Os métodos mais frequentes foram enforcamento e ferimento por
arma de fogo.
31
UNIDADE II │ O Comportamento Suicida

Botega, Barros, Oliveira, Dalgalarrondo e Marin-León (2004), em um estudo sobre a


prevalência de ideação e tentativa de suicídio em uma amostra aleatória e estratificada
da população de Campinas, revelaram taxas de 17,1% para ideação suicida, 4,8% para
planos e 2,8% para tentativas de suicídio, sendo que apenas uma em cada três tentativas
de suicídio necessitou de atendimento médico. A ideação suicida ao longo da vida foi
mais frequente entre mulheres e jovens adultos, entre pessoas que vivem sozinhas e
entre aquelas que apresentam algum tipo de psicopatologia. Segundo os autores, esses
dados foram coerentes com aqueles apresentados pelas pesquisas internacionais.

Bandim, Fonseca e Lima (1997) realizaram um estudo com adolescentes de 9 a 13 anos


de idade de uma escola particular da cidade de Recife no qual observaram a incidência de
32,2% de ideação suicida e 1,5% de intenção suicida. Os autores destacaram ainda uma
associação importante da ideação suicida à sintomatologia depressiva nessa amostra.

Miranda e Queiroz (1991) realizaram um levantamento sobre ideação e tentativas de


suicídio em 900 estudantes de medicina. Os resultados revelaram que 37% dos alunos
já haviam tido ideação suicida e 2,3% já haviam feito pelo menos uma tentativa.

Montenegro, Tavares e Prieto (2003) realizaram um estudo que teve como objetivo
levantar dados sobre comportamento suicida em jovens recém-ingressos em uma
universidade brasileira. Cerca de 47,4% dos alunos referiram ideação suicida em algum
momento da vida, 9,8% relataram terem pensado duas ou mais vezes sobre suicídio
no ano anterior ao levantamento de dados, 14,9% referiram terem tido plano para
perpetrar o ato, 7,2% já tinham feito pelo menos uma tentativa e 3,8% indicaram a
possibilidade de novas tentativas no futuro.

Os dados apresentados nos estudos epidemiológicos a respeito do comportamento


suicida no mundo e no Brasil revelam a gravidade do problema e a necessidade de
desenvolvimento de estratégias preventivas para promover as mudanças nas tendências
de crescimento das taxas de mortalidade por essa causa. O suicídio é um tabu em
nossa sociedade, o que gera uma grande resistência em falar sobre o assunto. Mas
certamente os dados apresentados já estão sendo também observados nas demandas
dos consultórios, principalmente dos profissionais de saúde mental. Vale ressaltar
que as mortes por suicídio e as sequelas deixadas por tentativas de suicídio produzem
um impacto importante em termos humanitários, afetivos e econômicos. Além disso,
produzem também uma demanda de 5 a 10 vezes maior de problemas relacionados ao
luto de pessoas que tiram suas próprias vidas.

32
Como Avaliar o Unidade iII
Risco de Suicídio

Como vimos, o suicídio é um fenômeno bastante complexo (BARRERO, NICOLATO;


CORRÊA, 2006; BERTOLOTE, MELLO-SANTOS; BOTEGA, 2010; BOTEGA;
WERLANG, 2004; MANN, WATERNAUX, HAAS; MALONE, 1999; WASSERMAN,
2001). Essa complexidade também é inerente à avaliação de risco de suicídio.

Capítulo 1
Identificação precoce de risco de
suicídio

Estratégias de identificação precoce de risco


de suicídio
A avaliação do risco de suicídio pode ser realizada em diferentes níveis de atenção à
saúde (primária ou especializada) ou em contextos diversos como escolas, ambientes de
trabalho, presídios etc. A identificação precoce do risco é essencial para uma intervenção
mais eficaz. Dessa forma, a Organização Mundial da Saúde tem produzido manuais de
prevenção do suicídio para cada um dos contextos onde há maior prevalência de suicídio
ou que se constituem locais interessantes para ações preventivas. Estratégias para
identificação precoce de risco são descritas para atenção primária à saúde, professores,
socorristas, bombeiros, policiais, agentes penitenciários, profissionais da mídia etc.
Saiba mais em: <www.who.int>.

Um dos trabalhos para prevenção do suicídio que pode ser realizado por profissionais
especializados em saúde mental é a preparação de equipes nos possíveis locais de
prevenção para identificação precoce de risco de suicídio. A tarefa de avaliar o risco é
permeada por vários receios. Trata-se de um tema tabu em nossa sociedade que gera
sentimentos diversos como medo, preconceito, hostilidade etc.

33
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio

Alguns profissionais de saúde atribuem as dificuldades enfrentadas pela equipe para


realizarem a avaliação de risco de suicídio em pacientes internados em um hospital geral
ao receio de ao avaliarem os pacientes encontrarem pessoas com o risco muito elevado e
não saberem o que fazer ou sentirem-se responsáveis por aquela pessoa sem conseguir
compartilhar a responsabilidade do cuidado com outros profissionais. Dessa forma,
é importante que os profissionais tenham espaço para compartilhar os sentimentos e
sintam-se seguros quanto ao acesso do paciente para serviços especializados, quando
necessário.

Para que os profissionais de outras áreas possam realizar a identificação precoce de


risco de suicídio é necessário que esses profissionais sejam preparados para executá-la.
Identificamos três pontos essenciais para atingir esse objetivo: 1) trabalhar alguns mitos
e verdades sobre o comportamento suicida; 2) dar ferramentas para uma avaliação de
risco; e 3) garantir a retaguarda quando há necessidade de encaminhamento para um
serviço especializado.

Fatos e mitos sobre comportamento suicida

Botega e Werlang (2004) abordam esquematicamente alguns fatos e mitos sobre


comportamento suicida que ajudam a refletir sobre o problema.

Fatos Mitos
Se eu perguntar sobre suicídio, poderei induzir o paciente Questionar sobre ideias de suicídio, fazendo-o de modo sensato e franco, aumenta o
a isso. vínculo com o paciente. Este se sente acolhido, aliviado, cuidado.
A ameaça de suicídio sempre deve ser levada a sério. Chegar a esse tipo de recurso
Ele está ameaçando suicídio só para manipular.
indica que a pessoa está sofrendo e que necessita de ajuda.
Essa ideia pode conduzir ao imobilismo terapêutico, ou ao descuido no manejo das
Quem quer se matar, se mata mesmo. pessoas sob risco. Não se trata de evitar TODOS os suicídios, mas sim os que podem
ser evitados.
Pelo menos dois terços das pessoas que tentam o suicídio ou se matam, havia
Quem quer se matar, não avisa.
comunicado de alguma maneira sua intenção para amigos, familiares ou conhecidos.
O que dirige ao comportamento suicida é a DOR PSÍQUICA INSUPORTÁVEL e não uma
O suicídio é um ato de covardia (ou de coragem).
atitude de covardia ou de coragem.
Há sempre o risco de nos identificarmos profundamente com aspectos de desamparo,
No lugar dele, eu também me mataria. depressão e desesperança, sentindo-nos impotente para a tarefa assistencial. Caso
isso aconteça – compartilhe o que está acontecendo com a sua equipe.
O comportamento suicida exerce um impacto emocional sobre a equipe de saúde,
podendo provocar sentimentos de franca hostilidade e de rejeição. Isso é capaz de
Veja se da próxima vez você se mata mesmo. impedi-la de encarar a tentativa de suicídio como um possível marco em uma trajetória
pessoal acidentada, a partir do qual se podem mobilizar forças para uma mudança de
vida.
É verdade. Os perfis epidemiológicos são diferentes. Entretanto, boa parte das pessoas
que se matam fizeram uma tentativa anterior. A tentativa de suicídio continua sendo
Quem se mata é bem diferente de quem apenas tenta.
considerada o principal fator de risco para suicídio consumado. Mesmo os que não
morrerão por suicídio precisam de assistência, de escuta empática e de cuidado.
Após uma tentativa de suicídio, uma melhora rápida das Uma melhora rápida exige atenção redobrada, não significa que a crise acabou. Vale
condições mentais significa que o perigo passou. lembrar que muitos suicídios se efetivam após uma tentativa prévia.
Fonte: (WERLANG; BOTEGA, 2004 – O comportamento suicida).

34
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III

Os fatos e mitos sobre o comportamento suicida também estão presentes nos manuais
da OMS. O acesso à informação já auxiliará a reflexão sobre os pontos colocados, mas
a discussão sobre cada um dos mitos e verdades, com a possibilidade de trabalhá-los
coletivamente, tem proporcionado bons resultados em treinamentos oferecidos às
equipes.

Características psicológicas

Um aspecto importante a ser abordado são algumas características psicológicas do


comportamento suicida:

A ambivalência em relação ao desejo de morrer é um dos elementos extremamente


presentes nas pessoas com comportamento suicida. É por meio dos sentimentos
ambivalentes que se torna possível uma aliança com o desejo de viver.

A impulsividade também está presente principalmente entre jovens. Nesse sentido,


estratégias que contribuam para o ganho de tempo e consequente diminuição do
impulso podem auxiliar no manejo da crise.

A rigidez cognitiva é própria de situações extremas de vivências de estresse. É


caracterizada pela presença de pensamentos de tudo ou nada. Fica difícil para a pessoa
nessa situação vislumbrar possibilidades alternativas de solução de problemas.

Sinais de risco e abordagens para avaliação


preliminar

Descrevemos abaixo um esquema que contém os principais elementos a serem avaliados


e as atitudes que devem ser tomadas na identificação precoce de risco de suicídio. Trata-
se de um esquema simples, de fácil memorização, que pode auxiliar os profissionais na
identificação precoce de risco.

Sentimentos que ajudam a identificar possível risco de suicídio – Os 4 Ds (MS, 2006)

»» Depressão.

»» Desamparo.

»» Desesperança.

»» Desespero.
35
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio

Quando identificada uma pessoa com os 4 Ds, é necessário fazer uma avaliação do risco
de suicídio.

Diante de uma pessoa vulnerável:

»» Como perguntar?

›› Chegar ao tópico gradualmente (exemplo: como você tem se sentido


em relação à sua vida? Percebo alguns sentimentos como (os 4 Ds) tem
trazido sofrimento).

»» Quando perguntar?

›› Ambiente acolhedor e compreensivo.

›› À vontade para falar de sentimentos.

›› Ao revelar sentimentos negativos.

»» O que perguntar?

›› Ideação suicida (exemplo: algumas vezes, diante de situações como


essas, as pessoas sentem vontade de morrer; isso já aconteceu com
você? Você já pensou em tirar a própria vida?).

›› Plano (o quê? Quando?) (exemplo: o que pensou em fazer? Tem algum


momento específico em que pensa em fazer isso?).

›› Acesso a meios (como você pensa em conseguir (método escolhido)


para tirar sua própria vida?).

Classificação no risco na avaliação preliminar

Muitas vezes, ao possibilitar que a pessoa fale sobre o assunto, ela mesma vai fornecendo
livremente as informações de forma espontânea, sem a necessidade de realização de
muitas perguntas. Entretanto, se:

»» Risco Baixo: a pessoa teve alguns pensamentos suicidas (ideação


passiva), mas não fez nenhum plano.

›› Ações necessárias:

·· Apoio emocional.

·· Propiciar a fala sobre o desejo de morrer.

36
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III

·· Focalizar nos aspectos positivos da pessoa, nas estratégias de


resolução de problemas – soluções não suicidas.

·· Se não melhorar: Avalie. Encaminhe para um profissional de saúde


mental.

·· Encontros regulares até que esteja engajada no tratamento


referenciado.

»» Risco Médio: a pessoa tem pensamentos e planos, mas não tem intenção
de implementá-los imediatamente.

›› Ações necessárias:

·· Ações descritas anteriormente:

·· Sentimentos de ambivalência.

·· Explore alternativas ao suicídio.

·· Proponha um acordo.

·· Encaminhe a pessoa para um psiquiatra. Marque a consulta para o


mais breve possível.

·· Acione a rede social de apoio.

·· Oriente a família/amigos sobre medidas de prevenção.

»» Risco Alto: a pessoa tem um plano definido, tem acesso a meios para
concretizá-los e planeja fazê-lo prontamente.

›› Ações necessárias:

·· Ações descritas anteriormente.

·· Estar junto. Não deixá-la só.

·· Acionar SAMU ou Corpo de Bombeiros.

·· Informar a família.

·· Cuide-se: compartilhe essa experiência com a sua equipe.

O principal objetivo dessa primeira avaliação é identificar pessoas em risco potencial


e garantir o acesso delas à atenção especializada. A atenção especializada deve ser

37
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio

preferencialmente composta por uma equipe multidisciplinar que atua em Saúde Mental.
Esse modelo já é previsto na Política Pública de Saúde Mental Brasileira que define os
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) como ordenadores das demandas de saúde
mental de um território. Os CAPS devem ser compostos por equipes multiprofissionais,
garantindo a atenção integral do usuário daquele serviço. Entretanto, a realidade
mais frequente dos psicólogos clínicos é o trabalho realizado em seus consultórios
particulares. Nesse contexto, os casos de risco identificados precocemente ou após uma
tentativa de suicídio frequentemente serão acompanhados por psicólogos e psiquiatras.

O trabalho do profissional em contexto clínico torna-se mais viável e mais eficaz quando
associado com o trabalho de outros profissionais que possam compartilhar informações
sobre o caso e traçar estratégias preventivas sinérgicas e potentes. A avaliação do
profissional especializado deve ser mais profunda, investigando de forma mais completa
e compreensiva o processo que levou o paciente àquele nível de sofrimento.

38
Capítulo 2
Avaliação e julgamento clínico do risco
de suicídio

Avaliação do risco de suicídio


Diante dos diversos fatores relacionados ao comportamento suicida, a tarefa de
avaliação de risco de suicídio torna-se um desafio até para os clínicos mais experientes
(GRANELLO, 2010; RUDD, CUKROWICZ; BRYAN, 2008). Wingate, Joiner, Walker,
Rudd e Jobes (2004), em um artigo de revisão, encontraram mais de 75 fatores de
risco diretamente associados ao comportamento suicida. A avaliação de uma grande
quantidade de fatores torna-se muitas vezes inviável, o que não necessariamente
contribui para uma compreensão mais abrangente do problema e para o processo de
julgamento e decisão clínica em relação ao risco de suicídio. Nesse contexto, os autores
defendem a construção de estratégias de avaliação baseada em fatores de risco e de
proteção mais relevantes em termos clínicos, teóricos e empíricos encontrados na
literatura especializada.

Discussões e anseios por modelos preditivos do comportamento suicida estão presentes


na literatura. Entretanto, até o momento, não é possível prever comportamento suicida
de maneira confiável por modelos estatísticos (BRYAN; RUDD, 2006; CASSELLS,
PATERSON, DOWDING; MORRISON, 2005; KULIC, 2005; REYNOLDS, 1990; SHEA,
2000; WOLLERSHEIM, 1974).

Predição de comportamento suicida é um processo distinto de avaliação de risco de


suicídio (CASSELLS e cols, 2005). Os autores colocam que a impossibilidade de prever
o comportamento suicida de maneira confiável não significa que importantes fatores
que aumentam o risco de suicídio não tenham sido identificados no meio científico. Ou
seja, apesar das dificuldades preditivas, vários fatores importantes que contribuem para
a composição do risco de suicídio já são bastante conhecidos e estudados. Segundo os
autores, a tarefa dos clínicos não é prever suicídio, mas reconhecer quando o paciente
entra em um estado de alto risco e proceder adequadamente.

As implicações do profissional no processo de


avaliação de risco de suicídio
O comportamento suicida é a emergência mais frequente em saúde mental e a que
provoca mais ansiedade no cenário clínico para profissionais dessa área. Estima-se que

39
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio

um quarto de todos os psicólogos irá vivenciar a perda de um paciente por suicídio


em algum momento de suas carreiras (RUDD, CUKROWICZ; BRYAN 2008). Quase
40% dos psicólogos em treinamento atenderão um paciente com tentativa de suicídio
(29,1%) ou experienciarão o suicídio de um paciente (11,3%) durante o período de
treinamento (KLEESPIES, PENK; FORSYTH, 1993).

Fawcett (1999) citado por Rudd, Cukrowicz e Bryan (2008) estimou que mais da
metade dos suicídios em um dado ano são consumados por pacientes em tratamento.
O impacto das mortes por suicídio nos profissionais de saúde mental é profundo, com
clínicos reportando choque, culpa e vergonha (KLEESPIES, PENK; FORSYTH, 1993).
O impacto dos profissionais que estão em treinamento é ainda mais significativo.
Kleespies e cols (1993) observou que quanto mais cedo o suicídio ocorre durante o
treinamento, mais severo o impacto e mais difícil são as consequências emocionais e o
estresse para o trainee.

Essa realidade confere ao comportamento suicida o caráter de ser um dos fenômenos


mais desafiadores para o clínico. Alguns profissionais acabam sendo excessivamente
cautelosos e superestimam o risco de suicídio considerando que qualquer paciente que
refere ideação suicida pode estar em alto risco. Essa postura tem sido referida na literatura
como “melhor prevenir que remediar” (better safe than sorry) (WOLLERSHEIM,
J.P. 1974; JOINER, RUDD; RAJAB, 1999, WINGATE, L.R., JOINER, T.E., WALKER,
R.L., RUDD, M.D.; JOBES, D.A. 2004). Esse tipo de postura pode ter uma série de
consequências indesejáveis, como a privação inapropriada de direitos do paciente e o
desperdício de recursos clínicos escassos. A atitude alternativa, subestimar o risco de
suicídio como resultado de uma atitude negligente ou avaliação inadequada, coloca em
risco a vida do paciente e a confiabilidade do clínico (BRYAN; RUDD, 2007).

A avaliação do risco de suicídio pode ser muito influenciada pela forma como o avaliador
lida com o tema. O julgamento clínico e até o levantamento de informações podem ficar
comprometidos em função da atitude pessoal do profissional em relação à questão do
suicídio. Sendo assim, o preparo pessoal para lidar com o tema suicídio consiste em
uma das principais competências do avaliador na avaliação do risco de suicídio.

Hendin, H., Maltsberger, A.L., Hass, A.P. e Kyle, J. (2001) identificaram que problemas
de comunicação entre terapeutas e pacientes dificultaram a identificação do risco e
consequentemente favoreceram a subavaliação deste. Os autores atentam para as falhas
em detectar os fatores que estão por trás da intenção suicida. Entre os casos estudados
observou-se em alguns deles que a ansiedade do terapeuta ao ouvir o discurso da
intenção suicida bloqueou a comunicação e descarrilou a terapia.

Rudd, M.D., Cukrowicz, K.C. e Bryan, C.J. (2008) discorrem sobre a formação de
terapeutas na avaliação e no manejo da crise suicida. Os autores esquematizam

40
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III

competências a serem desenvolvidas em profissionais que se prontificam a atender essa


clientela, em sete blocos que abordam: atitudes em relação ao suicídio; a compreensão do
fenômeno; a coleta de informações para avaliação; a formulação de risco; o tratamento
e o planejamento de serviços; o manejo; e as questões legais e regulatórias relacionadas
a suicídio.

Reeves e cols (2004) encontrou que supervisões individuais foi o elemento mais
importante para melhorar as habilidades dos trainees na avaliação e manejo do risco
de suicídio. Em Rudd, M.D., Cukrowicz, K.C. e Bryan, C.J. (2008).

Morriss, Gask, Battersby, Francheschini e Robson (1999) colocaram que apenas um


momento de treinamento não melhora habilidades de entrevista clínica e avaliação de
risco. Rudd, M.D., Cukrowicz, K.C. e Bryan, C.J. (2008).

Relato de experiência
Durante minha formação como psicóloga e pesquisadora tive a
oportunidade de participar de um grupo de pesquisa e estágio que
atendia pacientes em risco de suicídio. A equipe era treinada para
abordar o paciente internado em um hospital geral por tentativa de
suicídio para avaliar o risco e proceder com os primeiros atendimentos
em intervenção em crise.

Os atendimentos eram realizados em dupla de forma que um terapeuta


mais experiente, junto com um terapeuta em treinamento, conduzia a
intervenção, proporcionando apoio mútuo e possibilidade de trocas,
reflexões e estudos sobre o caso que estava sendo acompanhado. Por
vezes, os atendimentos eram observados por outros membros do grupo
como uma atividade acadêmica. As observações se davam mediante a
anuência do paciente, como exige a conduta ética.

Um dos casos que chamou atenção em relação à avaliação de risco


foi de um homem de aproximadamente 35 anos, que havia recebido
alta do hospital geral em função de uma tentativa de suicídio e estava
em acompanhamento ambulatorial na clínica escola da universidade.
Após a realização de parte da entrevista semiestruturada desenvolvida
e utilizada pelo grupo de pesquisa, a dupla de avaliadores inicia o
procedimento de encerramento das atividades previstas para aquele
encontro. Quando a equipe propõe um novo dia e horário para
marcação de uma nova sessão, o paciente diz não poder comparecer

41
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio

por pretender não estar mais vivo na data sugerida. Apesar de a equipe
ter tido o treinamento necessário, seguiram com o procedimento de
encerramento da sessão, sem de fato considerar a fala do paciente.

Nesse dia, a sessão estava sendo observada por outro membro da equipe
que interrompeu a sessão e junto com a dupla terapêutica discutiu sobre
a gravidade do que estava sendo colocado pelo paciente. Essa percepção
promoveu uma condução diferente do caso no sentido de estabelecer
medidas de proteção.

A reflexão sobre o que poderia ter influenciado no julgamento clínico


dos avaliadores naquela sessão, ou seja, que elementos que fizeram
com que eles negassem a gravidade do risco, envolveu alguns pontos
como a angústia provocada pela fala do paciente, a necessidade de
medidas de proteção como quebra do sigilo, acionamento da família,
reagendamento de pacientes que seriam atendidos naquela tarde
ou naquela sala, possível necessidade de internação e a identificação
operacional de elementos que sinalizassem o risco iminente.

Esse caso levou a reflexões que resultaram no aprimoramento da


entrevista, na necessidade de diferenciação entre avaliação e julgamento
clínico do risco e na operacionalização de fatores que sinalizassem o
risco agudo de suicídio que geram o imperativo de estratégias específicas
de intervenção em crise.

Considerações sobre avaliação e julgamento


clínico do risco de suicídio
A avaliação do risco e a formulação de um julgamento clínico são atividades
interdependentes e fundamentais para a definição de um encaminhamento adequado
para cada caso. Os dois processos se complementam, permitindo uma compreensão
mais ampla do contexto no qual o risco de suicídio se configura.

A avaliação consiste na utilização de técnicas e instrumentos para o levantamento


de dados relevantes associados ao risco de suicídio. Os contextos de avaliação são
diversos e podem envolver screenings em populações com indicação de risco, processos
psicodiagnósticos e acompanhamentos de pacientes, muitos dos quais terão o risco
configurado, por vezes crônico, e que apresentam momentos em que o risco de suicídio
fica mais elevado. Para cada um desses contextos caberá instrumentos e técnicas
específicas.

42
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III

Granello (2010) coloca que apesar da disponibilidade de instrumentos autoaplicáveis


e guias de entrevistas para avaliar o risco de suicídio, esses recursos não oferecem
respostas exatas. Ou seja, o clínico sempre terá que lidar com um grau de incerteza nesse
tipo de avaliação. O autor descreve doze princípios norteadores do processo de avaliação
de risco de suicídio, entre os quais indica o fato de tal prática estar fundamentada no
julgamento clínico.

O julgamento clínico consiste na interpretação dos dados levantados com base no


treinamento, conhecimento e experiência do clínico em relação ao tema. Dele resulta a
definição da estratégia mais adequada para lidar com o risco aferido. Essa habilidade pode
ser aprimorada com treinamento e experiência. Contudo, a supervisão é apontada como
um dos principais recursos para capacitar profissionais de saúde mental na avaliação
e julgamento clínico do risco de suicídio (GRANELLO, 2010; RUDD, CUKROWICZ;
BRYAN, 2008). A supervisão propicia a reflexão sobre os casos acompanhados,
analisando a dinâmica da díade, levando em consideração as próprias vivências do
profissional e as interferências dessas vivências no acompanhamento do paciente.
Sendo assim, para o aprimoramento profissional em avaliação e julgamento clínico do
risco é necessário: conhecimento da literatura especializada, habilidade técnica para
condução de entrevistas e para utilização de instrumentos de avaliação, experiência
adquirida por meio da utilização das técnicas e do conhecimento especializado e
supervisão – o momento em que todo conhecimento objetivo é posto a prova na relação
intersubjetiva paciente-terapeuta.

Diante da complexidade do fenômeno, do processo de avaliação e do grande número


de variáveis associadas ao risco de suicídio, se fazem necessárias a identificação e a
discussão dos principais fatores que auxiliam o profissional de saúde a identificar o
grau de severidade do risco e tomar decisões a partir desse referencial. Serão abordadas
neste trabalho as variáveis mais importantes para a identificação do risco de suicídio
no contexto clínico. Um dos aspectos críticos para a definição da conduta clínica é a
identificação do risco iminente ou agudo de suicídio.

No intuito de contextualizar essa discussão serão apresentados a seguir os principais


modelos de avaliação de risco de suicídio e a relação de fatores de risco, proteção e
daqueles que indicam risco agudo de suicídio. Discussão desses conceitos e variáveis
se dá a partir de uma revisão bibliográfica seletiva de livros e artigos científicos
identificados em bancos de dados com as palavras-chave: suicide risk, suicide risk
assessment e suicide risk instruments.

43
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio

Modelos de avaliação de risco de suicídio

Os modelos mais utilizados para avaliação de risco de suicídio envolvem o levantamento


de fatores de risco e fatores de proteção (BARRERO; cols., 2006; MANN; cols, 1999;
OMS, 2000; WASSERMAN, 2001; WERLANG; BOTEGA, 2004;). A maior parte dos
autores define fatores de risco como aqueles que apresentam uma relação estatística
significativa com suicídios consumados (BERTOLOTE; cols., 2010; CASSELS;
cols., 2005; HENDIN; cols., 2001; SHEA, 2000). Esses fatores são de grande
relevância para a identificação de grupos de maior risco e para o desenvolvimento de
pesquisas e de estratégias preventivas voltadas para a população. No contexto clínico
esses fatores contribuem para contextualizar uma situação de risco específica. Porém,
os fatores estatisticamente derivados pouco contribuem para identificação do risco
agudo de suicídio de um paciente específico, porque o conjunto de fatores de risco
não necessariamente caracteriza o risco agudo de suicídio. Ou seja, nesse contexto, os
fatores de risco geralmente não são suficientes para que o profissional de saúde possa
identificar o risco agudo e tomar uma decisão sobre o manejo clínico mais adequado e
seguro para cada caso. Nesse sentido, risco e risco agudo são condições clínicas distintas.

Alguns autores começaram a diferenciar fatores de risco de fatores que identificam


risco agudo ou iminente de suicídio (BERTOLOTE; cols., 2010; CASSELS; cols.,
2005; HENDIN, MALTSBERGER, HASS; KYLE, 2001; SHEA, 2000). Não há um
consenso sobre a nomenclatura específica para os indicadores de risco agudo de
suicídio. São utilizados termos como: preditores de risco (SHEA, 2000), marcadores
de crise suicida (HENDIN; cols, 2001), fatores de risco de suicídio de curto prazo
ou dinâmicos (CASSELS; cols, 2005) e fatores precipitantes (BERTOLOTE;
cols, 2010). Apesar da utilização de termos distintos, o conceito que os define é
muito semelhante. Trata-se de fatores que sinalizam o risco de suicídio em termos
de horas, dias e semanas. Ou seja, que identificam o sujeito que necessita de uma
intervenção imediata mais diretiva e intensiva para prevenir uma tentativa de suicídio
e possivelmente uma morte.

Hendin, Maltsberger e Szanto (2007) discutem a utilização dos termos “risco iminente” e
“risco agudo” de suicídio. Entendem que o termo iminente é mais correto quando se trata
do risco previsto para as próximas 48 horas, sendo mais preciso e amplamente adotado
na medicina em geral ao referir risco de morte. O risco agudo estaria circunscrito entre
o período após 48 horas e um ano. Entretanto, em seus trabalhos sobre identificação
de risco de suicídio, os autores adotam risco agudo para se referirem ao período de dois
meses.
44
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III

A compreensão do risco de suicídio passa pelo levantamento da história de cada


paciente, pela relação entre os elementos que compõem o risco, os elementos que podem
contribuir como fatores de proteção e pela identificação de sinais de alerta sobre o risco
iminente (BARRERO e cols, 2006). Todas essas informações devem ser analisadas e
contextualizadas para que o profissional seja capaz de emitir um julgamento clínico
adequado.

Fatores de risco associados ao


comportamento suicida
Os fatores de risco presentes na literatura abordam basicamente: características de dados
sociodemográficos, história e características de comportamento suicida, psicopatologias
mais associadas ao risco de suicídio, características psicológicas, condições de vida na
infância, eventos de vida adversos, condições clínicas degenerativas ou dolorosas e
história de psicopatologia ou de comportamento suicida na família (ALLEN; cols,
2005; CAMAROTTI, 2009; CASSEL, PETERSON, DOWDING; MORRISSON, 2005;
CÔRREA; BARRERO, 2006; FREMOUW, PERCZEL; ELLIS, 1990; HASLEY; cols,
2008; MELEIRO, 1997; WERLANG, 2000a; WERLANG 2000b).

Os dados estatísticos de pessoas que morreram por suicídio evidenciam populações


com maior probabilidade para esse comportamento. Nesse sentido, percebe-se que os
homens morrem mais por suicídio e que as mulheres fazem mais tentativas (KUTCHER;
CHEHIL, 2007; MELLO-SANTOS, BERTOLOTE; WANG, 2005; OMS, 2000). No
que diz respeito à idade, observa-se uma relação positiva entre o envelhecimento e o
aumento do risco de suicídio. Entretanto, é possível identificar os adolescentes e jovens
adultos como um grupo importante de prevenção em função de um crescimento agudo
das taxas de suicídio a partir dos 15 anos de idade e o aumento progressivo das taxas
entre os jovens nas últimas décadas. Teme-se que em pouco tempo o suicídio entre
jovens possa superar a taxa entre os idosos (AGEBRO, NORDENTOFT; MORTENSEN,
2002; BOHRY, 2007; CORRÊA; BARRERO, 2006; KUTCHER; CHEHIL, 2007;
MELLO-SANTOS, BERTOLOTE; WANG, 2005; MITCHELL, 2005; MONTENEGRO,
2005; TAVARES, MONTENEGRO; PRIETO, 2004; WERLANG; BOTEGA, 2004). A
preocupação com os jovens também se justifica pela evidência clínica que o risco é
precocemente configurado na história de pessoas que mais tarde põem fim a suas vidas.

Em relação ao estado civil, as maiores taxas de suicídio encontram-se entre pessoas


divorciadas, solteiras e viúvas (AGEBRO; cols, 2002; BOTEGA BARROS, OLIVEIRA,
DALGALARRONDO; MARÍN-LEÓN, 2005; KUTCHER; CHEHIL, 2007; OMS, 2000),
o que sugere que estar em um relacionamento estável é um fator de proteção. No que diz

45
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio

respeito ao contexto de trabalho, percebe-se uma relação entre desemprego, dificuldades


financeiras e suicídio (KUTCHER; CHEHIL, 2007; OMS, 2000). Entre as pessoas que
trabalham há maior risco entre aquelas que atuam em profissões que propiciam maior
conhecimento e acesso a meios letais. Nesse grupo, destacam-se profissionais da área
de saúde e aqueles cujos instrumentos de trabalho possam ser utilizados como método,
como agricultores e policiais (FREMOUW; cols, 1990; KUTCHER; CHEHIL, 2007;
OMS, 2000; TAVARES; cols, 2004; WERLANG; BOTEGA, 2004;).

Os dados epidemiológicos possibilitam conhecer a prevalência do fenômeno em


diferentes populações, mas devem ser utilizados com cautela no contexto de avaliação
clínica do risco de suicídio (CAMAROTTI, 2009; FREMOUW; cols, 1990; HENDIN,
MALTSBERGER, LIPSCHITZ, HAAS; KYLE, 2001; MITCHELL, GARAND, DEAN,
PANZAK; TAYLOR, 2007; SANTOS, 2007;). A dificuldade de transpor os resultados
estatísticos para pessoas específicas está na tensão nomotético-idiográfica: resultados
estatísticos são generalizáveis a amostras ou população, mas não a pessoas (TAVARES,
2003). O sentido em que o sujeito desvia da média não pode ser previsto estatisticamente.
Como será visto adiante essas informações são extremamente insuficientes para
avaliação do risco e devem ser compreendidas dentro de um contexto mais amplo
associado a outros fatores, muitos dos quais subjetivos.

A história pregressa de comportamento suicida e suas características, principalmente as


relacionadas tentativas anteriores, são fatores muito importantes a serem considerados
na avaliação do risco de suicídio atual (HENDIN, MALTSBERGER, HASS; KYLE,
2001; KUTCHER; CHEHIL, 2007; SHEA, 2000). Estima-se que cerca de 50 a 60%
das pessoas que morrem por suicídio fizeram pelo menos uma tentativa anterior
(KUTCHER; CHEHIL, 2007; WERLANG; BOTEGA, 2004) Pessoas com história de
múltiplas tentativas de suicídio constituem um grupo diferenciado e configuram um
risco continuamente mais elevado comparado aos grupos que apresentam ideação
ou apenas uma tentativa anterior (FREMOUW; cols, 1990; JOINER; cols, 1999;
KUTCHER; CHEHIL, 2007; WERLANG; BOTEGA, 2004). A análise dos precipitadores
do comportamento suicida, da letalidade do método utilizado, do quadro clínico
apresentado e da psicodinâmica envolvida nas tentativas anteriores contribui para
identificação de padrões de repetição ou de agravamento do risco, evidenciando
indicadores de risco específicos para cada paciente (CAMAROTTI, 2009; LITMAN,
1996; STERIAN, 2001; TAVARES; cols, 2004).

Os quadros psicopatológicos têm uma forte relação com o comportamento suicida, com
estimativas que variam de 90% a 100% dos casos de suicídios consumados (CAVANAGH,
CARSON, SHARPE; LAWRIE, 2003; ERNEST, LALOVIC, LESAGE, SEGUIN,
TOUSIGNANT; TURECKI, 2004). Entre as principais psicopatologias presentes nesses

46
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III

casos estão transtornos de humor, seguidos de transtornos relacionados ao uso de


substâncias psicoativas, esquizofrenia e transtornos de personalidade (BERTOLOTE,
FLEISCHMANN, DE LEO; WASSERMAN, 2004; CHACHAMOVICH, STEFANELLO,
BOTEGA; TURECKI, 2009). A relação de psicopatologias com comportamento suicida
também é marcada por quadros frequentes de comorbidade como, por exemplo, a
associação de transtornos de humor e abuso de substância.

Os eventos de vida atuam no processo suicida como fatores crônicos (aumentando


o risco em geral) e agudos (atuando como precipitadores de tentativas de suicídio e
de suicídios consumados). Os eventos de vida entendidos como fatores agudos ou
precipitadores do comportamento suicida serão apresentados posteriormente, no
tópico que aborda indicadores de risco agudo de suicídio. Como fatores crônicos,
os mais relevantes estão na infância, tais como violência doméstica, experiências de
múltiplos cuidadores ou de perdas importantes, além de negligência, violência física,
sexual e psicológica, associadas ao comportamento suicida na adolescência ou vida
adulta (BEAUTRAIS, 2003; BERNER; cols, 1999; BLAAUW; cols, 2002; FEKETE;
cols, 2004; FERGUSSON; cols, 2000; JOINER; cols, 1999; PRIETO, 2002; WILDE;
cols, 1992; YANG; CLUM, 1996).

História positiva de alcoolismo ou transtorno mental de cuidadores, ou de comportamento


suicida na família, especialmente quando ocorre com um dos genitores ou cuidadores,
pode ser um sinalizador de eventos de vida adversos na infância (BEAUTRAIS, 2003;
FEKETE; cols, 2004; KAPLAN; cols, 1999; YANG; CLUM, 1996). As dificuldades
emocionais dos pais podem impossibilitar a criação de contextos seguros e estáveis
para o desenvolvimento dos filhos, além de sugerir vulnerabilidades relacionadas a
uma propensão de natureza constitucional (WASSERMAN, 2001). Assim, os eventos de
vida adversos contribuem para constituição de vulnerabilidades psíquicas associadas a
uma maior probabilidade de sofrimento e de dificuldades emocionais relacionadas ao
comportamento suicida.

Características psicológicas como rigidez, baixa autoestima, dificuldades de expressão


e de controle de impulso também estão relacionadas ao comportamento suicida.
Essas características interferem nas capacidades de lidar com o estresse e com a dor
emocional, de resolver problemas e de mobilizar recursos internos e externos para lidar
com as demandas da vida (CAMAROTTI, 2009; CHACHAMOVICH; cols, 2009).

A impulsividade é um fator claramente associado ao comportamento suicida


(HENDIN, 2001; JOINER; cols, 1999, SHEA, 2000). Entretanto, alguns estudos
têm questionado o papel da impulsividade na identificação do risco agudo de suicídio
(SMITH, WITTE, TEALE, King, BENDER; JOINER, 2008). Joiner (2005) propõe um

47
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio

modelo compreensivo onde indivíduos impulsivos apresentam uma maior tendência


a experimentar eventos dolorosos e provocativos que os habituam ao medo e à dor, o
que os leva a uma capacidade adquirida para engajarem em comportamentos suicidas.
Shea (2000) aponta que via de regra o comportamento suicida resulta de uma batalha
interna e de planejamento e que excepcionalmente são atos impulsivos. Sendo assim,
a impulsividade parece se constituir um indicador de maior risco de suicídio, mas não
seria um sinalizador de crise suicida ou risco agudo, e sim um fator que compõe o risco
crônico de suicídio.

Os quadros clínicos de doenças crônico-degenerativas ou com quadros de dor


crônica também estão associados ao risco de suicídio (KUTCHER; CHEHIL, 2007;
WASSERMAN, 2001). Com a evolução da doença há uma maior probabilidade do
desenvolvimento de quadros depressivos e de sentimentos de desesperança que podem
propiciar o aparecimento de ideação e outros comportamentos suicidas.

Fatores de proteção associados ao


comportamento suicida
É possível identificar duas concepções acerca do modo como os fatores de proteção
atuam no contexto de avaliação do risco de suicídio: 1) Os fatores de proteção
participam da equação ao diminuir o risco por meio do fortalecimento da capacidade de
enfrentamento e superação dos contextos adversos da vida; e 2) Os fatores de proteção
contribuem apenas para a definição da conduta clínica diante da configuração do risco
agudo. No primeiro caso, atuação desses fatores na diminuição do risco se daria por
meio do fortalecimento da capacidade de enfrentamento da pessoa (WASSERMAN,
2001). No segundo caso, a presença ou ausência de fatores de proteção contribuiria
mais especificamente para o julgamento clínico na decisão do manejo mais adequado
(JOINER; cols, 1999). Por exemplo, uma pessoa em risco agudo de suicídio pode
apresentar condições de acompanhamento ambulatorial em função da presença de um
bom suporte social. Suporte esse que se comprometa com o tratamento e segurança do
paciente, tomando medidas de segurança orientadas pelo profissional de saúde como:
administração da medicação, controle de acesso a meios e envolvimento em atividades
saudáveis que promovam o bem-estar do paciente.

Independente da forma como os fatores de proteção atuam no risco de suicídio, eles


sinalizam os pontos saudáveis da pessoa que devem ser reforçados e incentivados
durante o acompanhamento e os recursos disponíveis no contexto que devem ser
fortalecidos e ampliados. Entre os fatores de proteção ao suicídio destacam-se: suporte
social; razões para viver; acesso, adesão e boas condições de tratamento especializado;

48
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III

vínculos saudáveis e constantes, como a psicoterapia; capacidade de tolerância ao


estresse; capacidade adaptativa de teste de realidade e resolução de problemas; crenças
espirituais consolidadas; senso de responsabilidade com a família e laços pessoais
significativos (ALLEN; cols, 2005; BISCONER; GROSS, 2007; BOTEGA; cols,
2005; CAMAROTTI, 2009; FREMOUW; cols, 1990; JOINER; cols, 1999; KING;
cols, 2001; KUTCHER; CHEHIL, 2007; MATZBERGER, 1996; MITCHELL; cols,
2005; TAVARES; cols, 2004; WASSERMAN, 2001).

49
Capítulo 3
Avaliação de risco iminente

Indicadores de risco agudo de suicídio


Pacientes cronicamente em risco de suicídio podem apresentar em sua fala alguns sinais
de desesperança, sintomas depressivos, ideação e outros fatores de risco. Sabemos que
menos de 15% das pessoas com quadro depressivo irão morrer por suicídio (CORRÊA;
BARRERO, 2006). Nesses casos, é muito importante identificar sinais específicos
que indiquem o risco imediato para que sejam tomadas as medidas necessárias para
prevenção de tentativas e mortes por essa causa.

Na revisão da literatura específica, foram percebidas semelhanças entre alguns


indicadores de risco agudo de suicídio. Dessa forma, optou-se por organizá-los em
quatro categorias: 1) afetos intoleráveis e dor psíquica; 2) comportamento suicida
atual; 3) apresentação sintomática; e 4) precipitadores: contexto psicossocial e eventos
de vida

Tabela 1.

Afetos intoleráveis e dor psíquica


Hendin e cols (2001); Maltsberger e cols. (2006); Hendin e cols (2007);
Abandono
Hendin e cols (2010)
Hendin e cols (2001); Maltsberger e cols. (2006); Hendin e cols (2007);
Ansiedade psíquica severa
Hendin e cols (2010)
Hendin e cols (2001); Maltsberger e cols. (2006); Hendin e cols (2007);
Culpa
Hendin e cols (2010)
Hendin e cols (2001); Maltsberger e cols. (2006); Hendin e cols (2007);
Desamparo (Helplesness)
Hendin e cols (2010); Kutcher e Chehil (2007) Botega (2004)
Hendin e cols (2001); Maltsberger e cols. (2006); Hendin e cols (2007);
Desesperança
Hendin e cols (2010); Joiner e cols (1999); Botega (2004)
Hendin e cols (2001); Maltsberger e cols. (2006); Hendin e cols (2007);
Desespero
Hendin e cols (2010); Botega (2004, 2009)
Hendin e cols (2001); Maltsberger e cols. (2006); Hendin e cols (2007);
Ódio por si (Self hatred)
Hendin e cols (2010)
Hendin e cols (2001); Maltsberger e cols. (2006); Hendin e cols (2007);
Raiva
Hendin e cols (2010)
Hendin e cols (2001); Maltsberger e cols. (2006); Hendin e cols (2007);
Solidão
Hendin e cols (2010)
Hendin e cols (2001); Maltsberger e cols. (2006); Hendin e cols (2007);
Vergonha/humilhação
Hendin e cols (2010); Bertolote (2010)

50
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III

Comportamento Suicida Atual


Hendin e cols (2001), Shea (2000), Kutcher e Chehil (2007), Joiner e cols
Ideação suicida recorrente com plano estruturado
(1999), MS (2009)
Ações preparatórias Hendin e cols (2001), Joiner e cols (1999)

Acesso a meios letais


Kutcher e Chehil (2007), Joiner e Cols (1999), MS (2009)
Tentativa de suicídio recente Shea (2000), Retterstøl e Mehlum (2001)

Apresentação sintomática
Hendin e cols (2001); Cassels e cols (2005); Hendin e cols (2010)
Deterioração do funcionamento social ou ocupacional

Hendin e cols (2001); Cassels e cols (2005); Kutcher e Chehil (2007);


Aumento do abuso de substância Maltsberger e cols. (2006); Hendin e cols (2007); Hendin e cols (2010)

Ataques de pânico Cassels e cols, (2005)


Anedonia severa Cassels e cols, (2005)
Agitação Cassels e cols, (2005); Shea (2000)
Variação na severidade de sintomas de humor (melhora ou Cassels e cols, (2005); Shea (2000); Hendin e cols (2001)
agravamento)
Insight comprometido ou insight sobre a doença Cassels e cols, (2005)
Vozes de comando Shea (2000); Kutcher e Chehil (2007)
Preocupações religiosas delirantes Shea (2000)
Sentimento de se controlado por outro Shea (2000)
Depressão Botega (2004); Hendin e cols (2001)

Precipitadores: contexto psicossocial e eventos de vida

Evento precipitador Hendin e cols (2001); Wasserman (2001), Bertolote (2010); Joiner e cols
(1999); Cassels (2005); Maltsberger e cols (2003)
Hendin e cols (2001); Wasserman (2001), Bertolote (2010); Joiner e cols
Separação conjugal
(1999); Cassels (2005); Maltsberger e cols (2003)
Hendin e cols (2001); Wasserman (2001), Bertolote (2010); Joiner e cols
Ruptura de relacionamento amoroso
(1999); Cassels (2005); Maltsberger e cols (2003)
Rejeição afetiva ou social (vitimização, perseguição, humilhação) Bertolote (2010), Wasserman (2001)
Graves perturbações familiares Bertolote (2010), Wasserman (2001); Joiner e cols (1999)
Hendin e cols (2001); Wasserman (2001), Bertolote (2010); Joiner e cols
Perda de suporte social
(1999); Cassels (2005); Maltsberger e cols (2003)
Hendin e cols (2001); Wasserman (2001), Bertolote (2010); Joiner e cols
Perda do emprego
(1999); Cassels (2005); Maltsberger e cols (2003)
Hendin e cols (2001); Wasserman (2001), Bertolote (2010); Joiner e cols
Modificação da situação econômica ou financeira
(1999); Cassels (2005); Maltsberger e cols (2003)
Suicídio de um membro da família Maltsberger (2003)
Gravidez indesejada Bertolote (2010)
Alta precoce de internação psiquiátrica ou mudanças nas
condições de tratamento Bertolote (2010); Matsberger e cols (2003)
Não adesão ao tratamento medicamentoso Cassels (2005)
Diagnóstico, recaída ou exacerbação de doenças Wasserman (2001); Maltsberger e cols (2003)
Alienação Maligna Cassels (2005)
Ausência ou ineficácia de fatores de proteção Cassels (2005)
Fonte: (Montenegro, 2013).

51
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio

Afetos intoleráveis e dor psíquica

Shneidman (1993) cunhou o termo “psychache” para se referir à dor, ao sofrimento


ou à angústia psíquica intensa que leva ao comportamento suicida. O suicídio ocorre
quando a dor psíquica é vivenciada pela pessoa como algo intolerável e interminável: a
pessoa sente-se submetida a ela sem qualquer chance de escape. Segundo o autor, mais
do que qualquer outro fator de risco associado ao suicídio, este seria o principal fator
que identificaria o paciente em maior risco.

Seguindo a linha de pensamento de Shneidman (1993), uma série de pesquisas aponta


para os afetos dolorosos intoleráveis como o fenômeno central na crise suicida, além
da depressão (HENDIN; cols, 2001; HENDIN; cols, 2007; HENDIN; cols,
2010; MALTSBERGER; cols, 2006). Esses afetos, como sentimentos de abandono,
ansiedade severa, desespero, desesperança, desamparo, raiva, ódio de si, solidão e
humilhação, quando suficientemente intensos, levam pacientes ao suicídio. A situação
intolerável demanda alívio imediato. O desespero parece ser mais indicativo do risco
do que a desesperança (HENDIN, MALTSBERGER; SZANTO, 2007). Dessa forma, a
intensidade do sofrimento subjetivo, diferente das observações objetivas de severidade,
discrimina pacientes suicidas dos outros pacientes. Não é a depressão, em geral, mas a
dor mental específica que impele o paciente para o colapso suicida.

Hendin e cols (2001) identificaram quatro fatores como marcadores de crise


suicida. Essas variáveis foram identificadas a partir de dados de 26 terapeutas que
estavam acompanhando pacientes quando estes cometeram suicídio. Os marcadores
encontrados foram: um evento precipitador, depressão somada a um ou mais afetos
intoleráveis, o deterioramento do funcionamento social ou ocupacional e o aumento de
uso de substâncias psicoativas. Dentre os afetos encontrados, o principal afeto ligado à
crise suicida foi o desespero, definido como um estado de angústia acompanhado por
uma necessidade urgente de alívio. Outros indicadores de risco de suicídio encontrados
nesse estudo foram história prévia de tentativas de suicídio e impulsividade. Esses
autores também indicam que a melhora inicial do humor é um fator de risco importante,
pelo efeito terapêutico da medicação na capacidade cognitiva e motora, com a possível
presença da ideação e sem um fortalecimento do vínculo terapêutico. Nesse contexto,
a intenção suicida pode permanecer não manifesta e ele se encontrar mais organizado
para implementar o ato (HENDIN; cols, 2001).

Maltsberger e Weinberg (2006) apontam que a prática atual da psicanálise em


suicidologia concentra-se na identificação da crise suicida. Na dinâmica que leva o
paciente progressivamente ao suicídio, estes autores propõem uma compreensão da
relação entre os eventos precipitadores da crise suicida, a escala de afetos dolorosos

52
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III

intoleráveis que o paciente não consegue moderar, os sentimentos de desamparo, a


evolução da desesperança como afeto secundário, aumentando fantasias de suicídio
como um meio de escapar, evoluindo para um processo de autodesconstrução. Eles
identificam dois estágios no processo suicida. No primeiro estágio, o processo é mais
influenciado por fatores ambientais e o estresse é presumidamente mais reversível. Sendo
assim, os pacientes inicialmente aparecem mais ansiosos e mais irritados. À medida
que o processo suicida acelera, os sentimentos de desamparo e de estar encurralado
(desespero) aumentam. Nesse contexto, um processo de desmoronamento, provocado
por uma falência estrutural e perda de controle se torna mais autônomo e evolui em
direção a uma fragmentação egoica suicida, a autodesconstrução. Nesse estágio, a crise
se estabelece e escalona independentemente de eventos de vida (HECKLER, 1994,
citado em MALTSBERBER; WEINBERG, 2006).

Hendin, Maltsberger e Szanto (2007) estudaram a presença de afetos intoleráveis


em 36 casos de suicídio pelo método de avaliação retrospectiva e grupo controle
de pacientes deprimidos não suicidas. A avaliação foi feita por meio do relato dos
terapeutas que acompanhavam esses pacientes na ocasião de suas mortes por suicídio.
58% dos pacientes que morreram por suicídio já haviam feito uma tentativa anterior. A
distribuição de diagnósticos de eixo I foi semelhante para ambos os grupos. Contudo,
os pacientes que morreram por suicídio apresentaram mais casos de depressão severa
e quadros de comorbidade com psicopatologias de eixo I (abuso de substância ou
transtornos de ansiedade) e de eixo II (Transtorno de personalidade borderline). Pelo
menos duas semanas antes do suicídio, os pacientes apresentaram uma média de 4.8
dos nove afetos intoleráveis estudados, comparado à média de 1.4 do grupo controle
quando estes se referiram ao pior período de agravamento de seus sintomas. Todos os
pacientes que morreram por suicídio experienciaram pelo menos um afeto intolerável,
91.7% experienciaram três ou mais e 58% apresentaram cinco ou mais. Em contraste,
34.6% do grupo controle não apresentou afetos intoleráveis na pior fase de sua doença,
30.8% apresentaram apenas um e 3.8% apresentaram mais de três afetos intoleráveis.
O afeto que mais diferenciou os grupos foi o desespero (definido como “necessidade
urgente de alívio da dor ou distress que se tornou intolerável”).

Ao falar sobre o sofrimento dos pacientes Hendin e cols (2007) indicam que:

No âmago da tormenta afetiva experienciada pelos pacientes que


morreram por suicídio estava um senso agudo que suas vidas estavam
em colapso ou desmoronando, que o distress tinha se tornado
intolerável e que a morte era a única forma de conseguir alívio e
controle. Em outras palavras, esses pacientes estavam desesperados
(p. 366, tradução livre).

53
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio

Hendin e cols (2007) também observaram que sentimentos de desesperança parecem


ser mais duradouros que o desespero. Muitos dos pacientes pareciam ter abandonado
as esperanças de que pudesse se sentir melhor, mas não ficaram agudamente suicidas
até que a angústia presente se tornasse intolerável e eles fossem impulsionados pela
necessidade de alívio imediato. Dessa forma, o desespero parece ser um melhor
indicador de crise suicida aguda do que desesperança.

A compreensão da desesperança como um marcador secundário da crise suicida também


foi discutida no trabalho de Maltsberger e Weinberg (2006). Os autores colocam que
a desesperança é um afeto que surge da autopercepção de não poder se ajudar ou ser
ajudado (desamparo) a se esquivar de algo intolerável. Usam o termo helplessness e
o definem como um sentimento que combina alguns elementos de medo, fraqueza e
incompetência, que é anterior à desesperança.

Hendin, Jurdi, Houck, Hughes e Turner (2010) examinaram a utilidade do Affective


States Questionnaire (ASQ) na predição de risco agudo de suicídio. Entendendo risco
agudo como circunscrito no período de 2 a 3 meses. O questionário foi desenvolvido a
partir dos estudos anteriores sobre afetos intoleráveis, resultando em um instrumento
que avalia nove afetos intoleráveis em termos de ocorrência e intensidade. O
questionário apresentou sensibilidade de 60% e especificidade de 74% na predição
do comportamento suicida. Associando essa medida a indicadores de deterioração no
funcionamento social/ocupacional e ao diagnóstico de abuso de substância, observou-
se uma redução na porcentagem dos casos de falsos positivos, com um aumento de 20%
no indicador de especificidade. Esses resultados evidenciaram que o ASQ é capaz de
melhorar significativamente a habilidade de predição de risco agudo de comportamento
suicida em populações clínicas/psiquiátricas.

Comportamento suicida atual

O comportamento suicida pode ser entendido como um conjunto de manifestações que


varia desde a ideação suicida até o suicídio consumado, passando pela comunicação
suicida, a ameaça e a tentativa de suicídio (WERLANG; BOTEGA, 2004). Nesse
espectro, alguns comportamentos estão mais associados ao risco iminente e ao risco
agudo de suicídio.

História de tentativa de suicídio de alta letalidade – há fortes evidências de que o grau de


letalidade de uma tentativa de suicídio está diretamente vinculado à intencionalidade
(BOTEGA; RAPELLI, 2005). Além de indicar o risco pela intenção, a tentativa de
suicídio de alta letalidade evidencia o conhecimento e a capacidade do paciente de
implementação de um método letal. Um paciente com história de tentativa grave de

54
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III

suicídio, mesmo que seja considerada uma tentativa passada ou remota (mais de 1
ano), se estiver em um novo momento de fragilidade e de risco aumentado, deve ser
considerado como estando em risco severo ou extremo, pois a possibilidade de uma
nova tentativa produzir a morte é muito elevada.

Tentativa de suicídio recente (90 dias) – o risco de suicídio é geralmente mais elevado
no primeiro ano após uma tentativa, principalmente nos primeiros três meses
(RETTERSTØL; MEHLUM, 2001). Após uma tentativa de suicídio os fatores que
contribuíram para esse comportamento ainda não puderam ser trabalhados. Ou seja, as
fragilidades e o contexto continuam os mesmos. Pode haver alguma mudança no contexto
relacional em função da tentativa, mas geralmente são mudanças frágeis e fugazes. Essa
perspectiva se agrava quando não há acesso ou adesão a tratamentos em saúde mental.
Os sentimentos em relação à tentativa de suicídio geralmente são ambíguos. Há relatos
de arrependimento por ter tentado o suicídio ou por não ter conseguido concretizá-lo.
O primeiro caso pode sinalizar uma condição menos crítica. Já no segundo, há que
se levar em conta a necessidade de internação, mesmo que involuntária. A reposta ao
tratamento medicamentoso dos quadros depressivos também é identificada como um
período mais crítico onde novas tentativas podem ocorrer. Nesses períodos, a ideação
suicida pode ainda estar presente e o paciente consegue ter mais energia para uma nova
tentativa (HENDIN; cols, 2001).

Ideação suicida e intenção de atuar – intencionalidade é um dos primeiros indicadores


de risco de suicídio. Enquanto o comportamento limita-se ao ideário sem que haja uma
intenção de atuar, o risco de suicídio pode ser considerado leve. Diante da intenção
clara de tirar a própria vida, o risco aumenta quando há planejamento, acesso a meios e
outras ações preparatórias. Se o paciente apresentar uma história de comportamentos
impulsivos, somente a intenção clara já poderá configurar risco agudo uma vez que o
método pode ser escolhido conforme a facilidade de acesso e a oportunidade na crise
suicida.

Planejamento e ações preparatórias (acesso a meios) – outro indicador de risco


iminente de suicídio diz respeito ao relato de planos estruturados com acesso a meios
e de ações preparatórias para implementá-lo. Existem outros sinais que podem ser
consideradas ações preparatórias que sinalizam uma tomada de decisão em relação
ao suicídio: medidas como, fazer visitas ou reencontros com aparência de despedidas;
resolver conflitos antigos, pendências financeiras ou de outra natureza; desfazer-se de
objetos ou transferir bens para amigos e familiares, ainda que sejam pequenos objetos
de pouco valor real, mas com valor afetivo importante.

55
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio

Apresentação sintomática

Alguns prejuízos de julgamento estão relacionados ao risco agudo de suicídio. Estados


confusionais, rigidez cognitiva e processos psicóticos perigosos podem indicar o grau
de desorganização interna em que o comportamento suicida emerge de maneira
aguda. Os estados confusionais se referem a processos cognitivos falhos, distorcidos
ou prejudicados que dificultam a interpretação da realidade e o grau de consciência
e autonomia em relação aos próprios atos. Esses estados podem apresentar variações
de perturbação da capacidade cognitiva em direção ao extremo, levando a uma
desorganização interna que pode propiciar comportamentos suicidas. Estes estados
estão frequentemente associados a sofrimento intenso, como os afetos intoleráveis.

A rigidez cognitiva está relacionada com uma dificuldade de encontrar alternativas para
resolução de problemas. O estado afetivo do paciente se caracteriza por um engessamento
e dificuldade de levantar alternativas para as demandas emocionais e situacionais do
momento. A rigidez cognitiva é bastante frequente em pacientes que estão em um
processo avançado de risco de suicídio onde o pensamento fica caracterizado por uma
relação de tudo ou nada, sem a possibilidade de detectar matizes ou opções entre esses
dois extremos (FREMOUW; cols, 1990; WERLANG; BOTEGA, 2004).

Shea (2000) apresenta como a tríade da letalidade três processos de distorção da


realidade que sinalizam risco agudo ou imediato de suicídio: preocupações religiosas
delirantes, vozes de comando suicidas/homicidas e sensação de ser controlado por
outro. As preocupações religiosas delirantes envolvem ideias de purificação, redenção
e salvação. Esse tipo de ruminação é centrada na ideia de que Deus quer que o paciente
aja de determinada maneira para provar seu amor por Ele ou para levar a diante um
ato de expiação. Esses atos podem incluir suicídio, homicídio ou automutilação. As
preocupações religiosas delirantes podem aparecer associadas a vozes de comando.
A presença de vozes de comando suicidas ou homicidas em alguns casos deve levar
o avaliador a considerar hospitalização imediata. Sugere-se avaliar as seguintes
características desse tipo de sintoma: impacto emocional no paciente, volume das
vozes, frequência, duração, conteúdo, grau de hostilidade e da propensão do paciente
para atuar sob a influência dessas vozes. A sensação de ser controlado por outro pode
se tornar perigosa à medida que esse agente externo exerça uma influência suicida ou
homicida. O impacto e influência dessa sensação no comportamento do paciente devem
ser avaliados, bem como a capacidade de resistir ou se controlar.

Cassells e cols (2005) trabalham os conceitos de fatores de risco de longo prazo e fatores
dinâmicos. Os fatores dinâmicos apontam risco de suicídio em termos de minutos,
horas ou dias. Sendo assim, os autores referem ansiedade psíquica severa, ataques

56
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III

de pânico, anedonia severa, preocupação e agitação como fatores dinâmicos que tem
sido identificados em estudos prospectivos, indicando a elevação do risco de suicídio
em curto prazo. A variabilidade na severidade de sintomas e de humor experienciada
semanas antes do suicídio consumado também tem sido sugerida como um indicador
de risco de curto prazo, assim como falsa melhora clínica; insight comprometido
ou insight sobre a doença; comorbidade com abuso de substância; não adesão ao
tratamento medicamentoso e fatores sociais como perda de suporte social; atuação
da contratransferência negativa pela equipe de saúde no contexto de internação ou
tratamento intensivo e ausência ou ineficácia fatores de proteção.

Kutcher e Chehil (2007) identificam como fatores de risco agudo ou iminente de


suicídio: abuso de substância recente, ideação suicida, plano suicida, acesso a meios
letais, comportamento suicida passado, problemas atuais percebidos como insolúveis
pelo paciente e alucinações de comando. Alguns indicadores comportamentais sugerem
um fracasso de estratégias de enfrentamento e se constituem indicadores importantes
da crise suicida. Entre eles destacam-se o aumento do consumo de substância
(KUTCHER; CHEHIL, 2007), a deterioração do comportamento social ou ocupacional
e consequentemente o aumento das tendências ao isolamento.

Precipitadores: contexto psicossocial e eventos de


vida

Estudos sobre eventos precipitadores e comportamento suicida evidenciam uma maior


ocorrência de eventos de vida meses antes de suicídios consumados (HEIKKINEN,
ARO; LÖNNQVIST, 1994; HEIKKINEN, ISOMETSÄ, ARO, SARNA; LÖNNQVIST,
1995). Overholser (2003), em seu artigo de revisão sobre eventos de vida, aponta
para o impacto de um evento precipitador apenas quando a pessoa apresenta uma
vulnerabilidade para tal. A presença de estressores pode ajudar a avaliar a possibilidade
da ocorrência de uma crise, mas não esclarece o porquê do comportamento suicida.
Segundo o autor, os eventos estressores podem ser percebidos pelo indivíduo como um
reflexo de suas perdas e humilhações, gerando sentimentos de vergonha ou fracasso.
Isso pode contribuir para um ato suicida como uma tentativa desesperada para lidar com
essas reações emocionais intensas. Essa perspectiva está de acordo com a concepção
de que os eventos precipitadores do comportamento suicida estão relacionados com
o surgimento de afetos intoleráveis (HENDIN; cols, 2001; HENDIN; cols, 2007;
MALTSBERGER; cols, 2006).

Alguns autores colocam que as características pessoais também contribuem na mediação


do impacto dos eventos de vida. Características como rigidez e capacidade limitada
para resolução de problemas associados ao aumento de eventos estressores elevam o

57
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio

risco iminente de suicídio (CLUM, PATSIOKAS; LUSCOMB, citado em FEIJÓ, RAUPP;


JOHN, 1999; WASSERMAN, 2001).

Shaffer e Pfeffer (2001) ressaltam que os eventos estressores podem ser resultado
de algum transtorno mental subjacente ou eventos advindos do acaso, como a morte
acidental de um ente querido levando a um luto com o qual a pessoa com dificuldades
emocionais não consiga lidar. Colocam que pessoas com dificuldades emocionais
podem deparar-se com um número maior de eventos estressores que os demais, ou pode
perceber os eventos de forma mais intensa em relação ao estresse provocado. Segundo
os autores, os eventos estressores são raramente uma causa suficiente que explique o
suicídio. A importância reside em sua atuação como fator precipitador diante de uma
condição psiquiátrica subjacente.

Maltsberger e cols (2006) estudaram 26 casos de suicídios consumados por meio de


uma avaliação retrospectiva junto aos terapeutas que acompanhavam esses casos na
ocasião da morte. Os terapeutas identificaram eventos precipitadores em 25 dos 26
casos estudados. Entretanto, em apenas 19 desses casos foi encontrada evidência da
ligação entre o evento e o suicídio. Foi possível identificar duas categorias de eventos
precipitadores nos casos estudados: aqueles decorrentes dos comportamentos dos
pacientes e aqueles de natureza externa. Os eventos instigados pelos pacientes em
função de um quadro psicopatológico subjacente envolveram: rompimentos de
relacionamentos amorosos, destruição de carreira e fracassos profissionais. Os eventos
considerados externos abarcaram: diagnóstico de doença fatal de um dos filhos, suicídio
de um membro da família, rompimento de relacionamento amoroso, humilhação pública
e decisões precipitadas sobre a condução do tratamento (internação, alta de internação
psiquiátrica, afastamento de um dos membros da equipe e mudança de terapeuta). Nos
casos estudados os eventos precipitadores contribuíram para o agravamento do estado
afetivo e de outros sintomas, com impacto significativo no comportamento do paciente.

Bertolote e cols (2010) identificam como fatores precipitantes do comportamento


suicida, predominantemente, os seguintes eventos: separação conjugal, ruptura de
relacionamento amoroso, perda do emprego, gravidez indesejada, modificação da
situação econômica ou financeira, além de rejeição afetiva ou social, alta recente de
internação psiquiátrica, graves perturbações familiares, sentimentos de vergonha ou
temor de ser descoberto (por algo socialmente indesejado).

Em síntese, a relação entre eventos precipitadores e o comportamento suicida parece


estar permeada por características psicológicas, psicopatológicas e o aumento do
sofrimento psíquico. Essas condições associadas a contextos de graves perturbações
familiares, resistência ou não adesão ao tratamento, ausência ou ineficácia de fatores

58
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III

de proteção, perda do suporte social e atitudes de rejeição das equipes de saúde mental
(alienação maligna) contribuem para uma maior propensão ao comportamento suicida.

Há uma ampla gama de variáveis associadas ao risco de suicídio. Existem dados


descritivos das populações que morrem por essa causa, as principais psicopatologias
associadas e fatores psicológicos, biológicos, históricos e situacionais mais frequentes.
Entretanto, no contexto clínico de avaliação de um paciente, esses dados pouco
contribuem para o julgamento clínico do risco de suicídio.

A avaliação dos fatores de risco e de proteção possibilita uma compreensão


contextualizada do risco de suicídio. Já os fatores que definem a conduta clínica são
pautados na avaliação conjunta desse contexto e dos indicadores de risco iminente ou
agudo de suicídio. Esses fatores envolvem frequentemente a presença de um evento
precipitador que contribui para eclosão de afetos intoleráveis que disparam a crise
suicida. A ideação, o planejamento e a intenção suicida, assim como ações preparatórias
são configurados nesse contexto que deve ser avaliado em conjunto com a história
anterior de tentativas de suicídio. Além desses fatores são observados indicadores
clínicos de sofrimento e fracasso das estratégias de enfrentamento, como aumento no
consumo de substância e deterioração das relações sociais e ocupacionais, e o possível
surgimento de sintomas psicopatológicos agudos como processos psicóticos perigosos
associados ao risco.

O processo de avaliação e julgamento do risco de suicídio é desafiador e requer do


avaliador conhecimento, técnica, atenção, minúcia e essencialmente sensibilidade
para lidar com o sofrimento humano agudo. Essas habilidades podem e devem ser
desenvolvidas por meio do estudo e da supervisão clínica.

59
Instrumentos
de avaliação e
estratégias de Unidade iV
manejo do risco
de suicídio

Capítulo 1
Instrumentos autoaplicáveis

Alguns instrumentos de avaliação de risco de suicídio estão disponíveis e validados


para utilização na população brasileira e outros estão em processo de validação e tem
sido utilizados em estudos científicos. Os instrumentos vão desde escalas autoaplicáveis
a entrevistas semiestruturadas e testes projetivos que ajudam a identificar pessoas
em risco de suicídio. A utilização de instrumentos pode contribuir em uma avaliação
pautada em critérios específicos presentes na literatura sobre comportamento suicida,
que pode subsidiar inclusive a elaboração de relatórios necessários e tomadas de decisão
sobre a melhor condução do caso.

Escalas de autorrelato
As escalas de autorrelato não requerem muito treinamento e são de fácil utilização em
grandes populações. São instrumentos bastante interessantes para serem utilizados em
screenings e estudos científicos. Descrevemos abaixo alguns desses instrumentos:

O inventário de depressão de Beck foi desenvolvido originariamente por Beck,


Ward, Mendelson, Mock e Erbaugh (1961). Trata-se de uma escala de autorrelato,
para levantamento da intensidade dos sintomas depressivos (BECK; STEER, 1993;
ROSA, MALANDRIN, LEITE; SILVA, 1986). A escala é composta por 21 itens e possui
estimativas de fidedignidade que variaram de 0,79 a 0.90 em amostras de pacientes
psiquiátricos (BECK; STEER, 1993). A escala foi traduzida e validada por Cunha (2001),
que avalia o instrumento como particularmente adequado para uso com pacientes
psiquiátricos que também tem sido amplamente usado na clínica e em pesquisa com
pacientes não psiquiátricos e na população geral.

60
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

A escala de desesperança Beck é composta por 20 frases que devem ser avaliadas
como falsas ou verdadeiras pelo sujeito. Há uma gradação do grau de pessimismo, o
que indica a desesperança, que varia de nível mínimo de desesperança (0-3) a nível
leve de desesperança (4-8), nível moderado de desesperança (9-14) e nível grave
(superior a 14). Como vimos, os sentimentos de desesperança têm sido relacionados ao
comportamento suicida de forma mais significativa que depressão.

A escala de ideação suicida de Beck é uma escala de autoavaliação composta por 21


itens que indicam uma extensão de pensamentos ideacionais do sujeito (Cunha, 2001).
A escala BSI foi construída para abordar o tema do pensamento suicida em pacientes
psiquiátricos ambulatoriais adultos. (BECK, KOVACS; WEISSMAN, 1979; tradução e
adaptação de CUNHA, 2001).

O questionário de saúde geral de Goldberg (QSG) avalia o nível de saúde


mental de sujeitos adultos normais. Este instrumento produz um escore que expressa
a severidade de distúrbios psiquiátricos não psicóticos. O QSG é adaptado e validado
para o Brasil com uma amostra de 902 adultos de população não clínica (PASQUALI;
cols, 1994). Um dos fatores avaliados pelo instrumento é o desejo de morte.

SuicidalBehaviorsQuestionnaireRevised (SBQR) – A versão original do


Questionário de Comportamentos Suicidas foi desenvolvido por Linehan e Nielsen
(1981). Ela foi revisada por Osman e cols. (1998) que preservou os quatro itens que a
compunha e ampliou as escalas Likert que avaliam seus itens, melhorando a capacidade
preditiva do instrumento. O SBQR tem sido utilizado como indicador de validade de
critério na indicação de grupos de pessoas que tenham ideação suicida ou de fato já
tenham feito uma tentativa de suicídio. O item 1 avalia ideação ou tentativas de suicídio
passadas; o item 2 avalia a frequência da ideação suicida; o item 3 avalia a ameaça de
tentativa de suicídio; e o item 4, a probabilidade de fazer uma tentativa de suicídio.

Esse instrumento foi traduzido e adaptado para a população universitária brasileira


por Tavares (2003), que iniciou o processo de validação do instrumento, tendo este
apresentado um ótimo índice de fidedignidade (Alfa = 80).

Positive and Negative Suicide IdeationQuestionaire (PANSI) foi desenvolvido


por Osman, Gutierrez e cols. (1998) e traduzido, adaptado e validado para a população
de alunos universitários brasileiros por Tavares (2003). O PANSI tem 14 itens avaliados
no formato Likert de 5 pontos. Foi elaborado para avaliar a frequência de pensamentos
e sentimentos positivos e negativos relacionados ao comportamento suicida nas duas
semanas anteriores à avaliação, portanto, é um bom instrumento para prever risco
iminente de suicídio. Esta medida é baseada na concepção clínica de que muitos
pensamentos negativos associados a poucos pensamentos positivos constituem-se

61
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

como fatores significativos de risco de comportamento suicida. O PANSI é composto


por duas subescalas: Ideação Suicida Negativa e Ideação Suicida Positiva.

Entrevistas clínicas
A avaliação do risco de suicídio deve envolver o levantamento e análise da interação
entre três classes de variáveis: fatores de risco, fatores de proteção e indicadores de
risco iminente (MONTENEGRO; TAVARES, 2012). Diante dessa demanda, a entrevista
clínica tem sido apontada como o método que possibilita uma maior flexibilidade e
abrangência para o levantamento contextualizado do risco de suicídio (BERTOLOTE;
cols., 2010; BROWN, 2011; RODRIGUES; TAVARES, 2009). Entre as modalidades
de entrevista clínica Rodrigues e Tavares (2009) destaca a entrevista semiestruturada
como fundamental para compreensão e avaliação do contexto de risco de suicídio.
Segundo os autores ela permite:

(1) a sistematização do processo de coleta de dados e avaliação;


(2) a investigação detalhada dos sinais de alerta e fatores de risco
e proteção, conforme a especificidade de cada caso; (3) a apreciação
da complexidade do risco de suicídio por meio de fatores internos,
externos e pela psicodinâmica; (4) a organização da informação para
produção de documentos e devolutivas para o paciente, familiares e
equipe multiprofissional; (5) o respaldo necessário para o julgamento
clínico do risco de suicídio; (6) a transposição de tabus e resistências que
prejudicam a coleta de informações; (7) a adaptação da linguagem para
o nível cognitivo ou para o vocabulário do paciente; (8) a construção
de vínculo, a aceitação e adesão das recomendações terapêuticas; (9)
o favorecimento de condições para insight do entrevistado; e (10) o
desenvolvimento de habilidade e competência clínica do entrevistador.
Todos esses fatores concorrem para uma avaliação mais adequada e,
consequentemente, uma intervenção mais eficaz na atuação profissional
(pp. 54-55).

No contexto internacional existem alguns exemplos de entrevistas semiestruturadas


para avaliação do risco de suicídio: Suicide attempt self-injury interview – SAS-II
(Lineham, Comtois, Brown, Heard, e Wagner, 2006); SuicidalBehaviors Interview –
SBI (Reynolds, 1990); Crisis Intervention Semi-structured Inteview – CISSI (Kulic,
2005); Suicide RiskAssessment Interview Schedule – SRAIS (Bantjes, 2008); Self-
injurious Thoughts and Behaviors Interview – SITBI (Nock, Holmberg, Photos e
Michel, 2007).

62
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

No Brasil, temos o desenvolvimento de dois instrumentos de avaliação construídos,


visando à compreensão do comportamento suicida. Werlang e Botega (2004)
desenvolveram a Entrevista Semiestruturada para Autópsia Psicológica – ESAP, que
avalia retrospectivamente aspectos psicológicos envolvidos em uma morte consumada
para esclarecer as circunstâncias e o modo de morte (suicídio, homicídio, acidente ou
causas naturais). O desenvolvimento da ESAP foi de fundamental importância para
a área de pesquisa em suicidologia, já que possibilita o levantamento dos principais
aspectos do contexto de pessoas que provocaram a própria morte. Este tipo de pesquisa
permite a identificação de fatores de risco associados ao suicídio. No que se refere à
detecção de risco de suicídio na população clínica, temos a entrevista semiestruturada
intitulada História e Avaliação de Risco e Tentativas de Suicídio – HeARTS, que
apresentaremos a seguir.

A entrevista HeARTS vem sendo desenvolvida pelo Núcleo de Intervenção em Crise e


Prevenção do Suicídio do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura
da Universidade de Brasília desde 1997. É uma entrevista semiestruturada que levanta
a história do comportamento suicida, permitindo avaliar os fatores associados ao risco
de suicídio mais relevantes descritos na literatura. Trata-se de um instrumento que
também auxilia o clínico no treino de habilidades de entrevista e no levantamento de
informações relevantes para avaliar o risco de suicídio. As variáveis levantadas pela
HeARTS, juntamente com outras informações, como observações durante a entrevista e
reações contratransferenciais, constituem os elementos necessários para o julgamento
clínico adequado e o manejo da crise suicida.

A HeARTS é organizada em sete módulos, que compreendem etapas diferentes da


avaliação e agrupamentos de questões relacionadas a indicadores de risco específicos.
Os módulos são organizados segundo uma sequência lógica, ou algoritmo. Os
algoritmos são integrados à estrutura da entrevista e representam um raciocínio clínico
que considera as alternativas que possam ser antecipadas ou omitidas de acordo com a
especificidade de cada caso. Ou seja, os tópicos que não se aplicam a determinado caso
não são abordados e as informações respondidas espontaneamente pelo entrevistado
não são novamente avaliadas, evitando-se assim a redundância.

O Módulo Zero engloba todos os procedimentos éticos e legais de preparação para


entrevista, conforme o contexto e os objetivos de sua utilização (se pesquisa, clínico
ou ambos). O Módulo 1, que tem por objetivo estabelecer o rapport e desenvolver uma
aliança para o trabalho, examina os contextos pessoal e familiar com a construção
de um genograma e os contextos de instrução e de trabalho. O Módulo 2 consiste no
levantamento do número de ocorrências e da natureza do comportamento suicida
(ideação e tentativas de suicídio) – trata-se de um módulo que organiza a entrevista,

63
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

antecipando para o avaliador quantos e que tipo de comportamentos serão necessários


avaliar. O Módulo 3 avalia com profundidade a tentativa de suicídio mais recente. O
Módulo 4 aborda as tentativas de suicídio passadas. No caso de múltiplas tentativas,
é dada maior ênfase à primeira tentativa e àquela que o entrevistado considera como
a pior tentativa de suicídio. Também permite a identificação de outras tentativas e
tentativas mascaradas de suicídio. O Módulo 5 avalia o insight acerca das características
internas precipitadoras de crises e da ideação suicida. Finalmente, o Módulo 6 investiga
o histórico de desenvolvimento pessoal e o histórico familiar entre os quais figuram os
fatores de risco importantes na caracterização clínica do contexto do risco.

Apresentamos a título de ilustração um caso clínico avaliado por meio da HeARTS em


um estudo realizado na Universidade de Brasília (MONTENEGRO, 2013).

Caso Clínico – Cecília

Cecília estava em acompanhamento psiquiátrico há três anos em um serviço


público de saúde mental, com agravamento de sua condição nos sete meses
anteriores à avaliação.

História clínica
Tinha 35 anos, era casada, mãe de dois filhos dessa união (12 e 10 anos de
idade) e de um filho mais velho (17 anos), fruto de um estupro por parte de
seu pai biológico. Esse primeiro filho era portador de necessidades especiais.
Cecília era a filha mais velha de quatro irmãos. Foi criada desde o seu nascimento
por uma tia avó que morava em outro Estado. Era a caçula de nove irmãos de
criação. Mantinha contato com os pais biológicos com quem costumava passar
férias. Seus pais se separaram e aos 12 anos de idade Cecília foi passar as férias
com o pai e não voltou. Seu pai apresentava um quadro de alcoolismo. Havia
constituído uma nova família, mas ao se separar da nova companheira passou
a espancar e violentar Cecília diariamente. Não permitia que ela estudasse ou
saísse de casa. Ameaçava agredir a ela e a outros membros da família caso ela
contasse o que acontecia. Cecília esteve em situação de violência e cárcere
privado por três anos. Conseguiu ter coragem para fugir quando estava grávida
de quatro meses de seu pai. Casou-se com seu primeiro namorado e, apesar de
todo histórico de violência, relata que conseguiu ser feliz com ele por muitos
anos. No segundo ano de tratamento psiquiátrico que procurou em função
de um quadro depressivo, soube de uma traição de seu marido. Cecília ficou
muito transtornada e se envolveu com outra pessoa com o intuito de vingar-se
dele. Quando soube da traição, seu marido agrediu violentamente Cecília e seu

64
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

amante, tomou os filhos dela e a abandonou com o filho mais velho: “Ele queria
realmente me matar. Eu realmente não morri, porque não tinha que morrer”.
Além da violência física, seu marido a humilhou diante dos vizinhos e contou ao
filho mais velho de Cecília quem era seu verdadeiro pai. Cecília ficou na casa de
alguns parentes dele por um tempo e voltou a viver com seu marido em outro
bairro. Sua relação conjugal sofreu um forte impacto. Cecília referia sentir medo
do marido. Quase não conversavam. Ela cuidava dos afazeres domésticos e se
submetia à relação sexual com sentimentos de medo e obrigação: “às vezes eu
considero ele o pai, o pai que abusou de mim. Dá medo, mas não que ele faça”.
Cecília parecia ter sentimentos ambíguos em relação ao marido. Sentia medo
e ao mesmo tempo se ressentia profundamente com sua indiferença e falta de
atenção. Queria voltar a viver bem com ele. Tentou conversar, negociar, mas ele
continuava indiferente, levava uma vida de solteiro e não se importava com o
que se passava com ela.

além de tentar conversar, tentar um acordo com ele, eu comecei


a não gostar de mim, achar que sou ruim, que sou incapaz de
conversar, de colocar as coisas no lugar, e que minha vida com
ele não tinha mais jeito. O que é que eu ia fazer? Eu vou pegar os
meninos para criar sozinha? Tem que ter trabalho. Realmente se
eu ficar sem ele eu ia pra onde? Procurar a minha família? O que é
que eu iria fazer? Eu falei: não, eu quero morrer”.

Cecília passou a apresentar graves sintomas de ansiedade que dificultaram


ainda mais sua capacidade produtiva. A indiferença do marido persistia. Cecília
começou a perder as esperanças de ser feliz novamente. Sentia que ninguém
poderia ajudá-la, que não se importavam com sua vida. Ao ser questionada
sobre ter procurado alguém para conversar a respeito de seu desejo de morrer,
Cecília respondeu: “ninguém se interessa, né, vou falar por quê? Ninguém vai
me ajudar, não vou me resolver com ninguém”. Esse contexto permeou as três
tentativas de suicídio que realizou em um período de dois meses.

História de Comportamento Suicida

Embora Cecília estivesse deprimida há mais de dois anos, percebeu um


agravamento importante de sua condição nos últimos sete meses, quando
notou uma forte desesperança e a presença da ideação suicida com intenção de
morrer. Sua primeira tentativa de suicídio foi com medicamentos. Estava em casa
com seus filhos em um final de semana e seu marido havia saído com os amigos.
Além das dificuldades com o casamento ela também recebeu a visita da mãe
biológica naquela época. Conta que pediu para a mãe ir embora. Não conseguia

65
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

ficar com ela, pois lembrava as dificuldades de sua infância e adolescência


e ressentia-se pela negligência e omissão da mãe. Quando chegou a hora de
tomar sua medicação resolveu tomar toda a cartela e alguns comprimidos que
estavam guardados. Sentia-se muito só e triste. O marido a socorreu e a levou
para o hospital. Sobre a reação de sua família, relatou:

“meus filhos ficaram assustados e ele ficou normal”.

Cecília tinha certeza que tentaria o suicídio novamente. A tentativa de suicídio


mais recente havia ocorrido há menos de um mês. Sentia-se desesperada
e angustiada no momento em que decidiu realizar a tentativa. Naquele
dia, preparou a refeição dos filhos e após irem para escola tomou todos
os medicamentos que tinha disponível em casa. Seu tio conseguiu morrer
tomando remédios e isso a fez optar por esse método. Não havia ninguém em
casa e não se lembrava do que aconteceu após a ingestão dos medicamentos.
Sabia que tinha sido socorrida pelo marido, mas não tinha maiores informações
sobre o contexto de socorro ou tratamento. Cecília ficou internada por três dias.
Arrependeu-se e desesperou-se por não ter morrido:

“fiquei pensando, já foi com remédio e agora vai ser com o quê?”

Cecília vislumbrava a possibilidade de tentar o suicídio novamente. Pensava em


outros métodos, mas não revelou seus planos ou detalhes sobre o que estava
pensando. O sentimento de desesperança continuava muito forte. Cecília havia
tentado se aproximar de uma religião, mas não tinha mais esperança de que
algo pudesse ajudá-la:

Não acredito no meu casamento, não acredito que vou ser a


pessoa que já fui, a mãe, a dona de casa. Não tenho fé, nada. Eu
vivo hoje por viver. Eu durmo, acordo, como alguma coisa, fico
assistindo, vendo o tempo passar (...) me convenci. Não tenho
medo de morrer. Às vezes eu penso que tô morta, quando eu olho,
eu tô viva. Mas eu não tô viva, eu tô morta.

Percebe que necessita resgatar aquela Cecília que gostava de sair, de viver e
mudar o seu casamento, mas essa fala é marcada pela desesperança. Ela sabe
que o tratamento pode ajudá-la, mas não acredita que isso vai acontecer. No
segundo encontro referiu um episódio de desorientação e dificuldade de
reconhecer as pessoas, mesmo aquelas mais próximas, como filhos e marido.
Ficou muito assustada, com vontade de quebrar tudo, mas conseguiu controlar
seu desejo até orientar-se novamente. Esse processo levou algumas horas e seu
marido percebeu que ela estava assustada. Após a última tentativa, Cecília foi
internada novamente em função do risco de suicídio.

66
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

Análise do caso – julgamento clínico

Cecília referia uma série de afetos intoleráveis (desesperança, medo, solidão,


desamparo, vergonha), ideação suicida e intenção de atuar. Estava considerando
outros métodos para realizar uma nova tentativa, mas não quis revelar seus
pensamentos. Sentia-se arrependida por não ter conseguido provocar a própria
morte. Seu quadro psicopatológico apresentava sinais de agravamento. O
sentimento mais presente em todo seu discurso era o da desesperança. Apesar
de ter acesso a tratamento, não acreditava que este poderia de fato ajudá-la.
Sentia-se muito só e desamparada. A ideação suicida não dependia mais de
eventos precipitadores. Ela era constante e intensa e a única mudança referida
por Cecília em sua ideação era que agora ela não tinha mais medo de morrer. O
risco de suicídio era extremo. Era indicada a avaliação para uma nova internação
e uma convocação da família para orientação e avaliação da capacidade
de suporte que esta poderia oferecer. Caso não fosse possível a internação
domiciliar, a conduta seria internação psiquiátrica e a transição de cuidados para
um CAPS com plano terapêutico intensivo. Também seria necessário acionar a
rede de assistência social de sua região para amparo em termos de opções de
moradia e de cuidados para seus filhos, orientações sobre direitos das mulheres
vítimas de violência, além de benefícios sociais enquanto estivesse submetida a
tratamento em saúde.

Fonte: Montenegro, 2013.

A avaliação do risco de suicídio é uma tarefa bastante complexa. Estratégias que


auxiliem o clínico no levantamento e organização das informações são de fundamental
importância para a avaliação cuidadosa da gravidade do risco de suicídio. A realização de
entrevista clínica para avaliação de risco de suicídio tem produzido efeitos terapêuticos
quando bem conduzida e o fortalecimento do vínculo necessário para a condução do
processo psicoterápico.

Além das entrevistas semiestruturadas, alguns autores sugerem um guia de entrevista


para auxiliar na condução de uma avaliação do risco de suicídio. Apresentamos as
perguntas elaboradas por Werlang e Botega (2004) para avaliação de ideação suicida e
algumas perguntas essenciais que devem ser respondidas pelo avaliador para definição
de estratégias de intervenção.

Perguntando sobre ideação suicida

»» Tem obtido prazer nas coisas que tem realizado?

»» Sente-se útil na vida que está levando?

67
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

»» Sente que a vida perdeu o sentido?

»» Tem esperança de que as coisas vão melhorar?

»» Pensou que seria melhor morrer?

»» Tem pensamentos de pôr fim à própria vida?

»» São ideias passageiras ou persistentes?

»» Pensou em como se mataria?

»» Já tentou ou chegou a fazer algum preparativo?

»» Tem conseguido resistir a esses pensamentos?

»» É capaz de se proteger e retornar para a próxima consulta?

»» Tem esperança de ser ajudado?

Fonte: Werlang e Botega 2004.

Perguntas que orientam a avaliação do paciente com tentativa ou risco de suicídio:

»» Quais as motivações e intenções do paciente para o suicídio?

»» Quais as circunstâncias em que a tentativa de suicídio ocorreu?

»» Há algum transtorno psiquiátrico que mereça um tratamento específico?

»» Houve fatores estressantes que desencadearam a tentativa de suicídio?

»» Qual o risco de o paciente tentar (o suicídio) novamente?

»» Quais os recursos do paciente para enfrentar seus problemas?

»» O paciente pode contar com o apoio social vindo de parentes e amigos?

»» Há alguém próximo ao paciente com quem entrar em contato?

»» Quais as medidas a serem tomadas de imediato?

»» Qual o melhor tratamento para esse paciente?

Fonte: Werlang e Botega 2004.

68
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

Um dos testes projetivos que possui uma constelação específica para avaliação do
risco de suicídio é o método de Rorschach interpretado pelo Sistema Compreensivo
proposto por Exner (2005). Nesse sistema foi constituída uma constelação que agrega
características de pessoas que morreram por suicídio. A referência a essa técnica
projetiva na avaliação do risco de suicídio fica como um exemplo de instrumento a
ser usado pelas pessoas que possuem interesse e treinamento nessa ferramenta de
avaliação.

69
Capítulo 2
Operacionalização de fatores de risco e
proteção

A operacionalização de fatores de risco e


proteção na avaliação do risco de suicídio
A avaliação e o julgamento clínico do risco de suicídio podem ser facilitados com a
operacionalização de fatores de risco e proteção para o comportamento suicida. Esse
esforço foi realizado em relação à entrevista HeARTS, com o trabalho de criação de uma
Checklist, a qual intitulamos HeARTS-CL, para avaliação dos dados levantados pela
entrevista. Trata-se de um instrumento a ser preenchido após a realização da entrevista
que auxilia o clínico a ter uma visão mais clara sobre os fatores que compõem o risco
do paciente avaliado. Embora a checklist tenha sido elaborada para operacionalização
da HeARTS, ela pode ser utilizada para organização dos dados gerados por outras
entrevistas. Descrevemos a checklist e a disponibilizamos em anexo, como forma de
viabilizar um instrumento para auxiliar na avaliação do risco de suicídio.

A HeARTS-CL é organizada em 4 sessões:

1. Contextos pessoal e relacional;História de comportamento suicida;

2. Histórico pessoal e familiar de risco; e

3. Risco atual de suicídio, incluindo a identificação de fatores de risco


iminente.

Entendemos que o clínico pode e deve identificar fenômenos psíquicos, como afetos
importantes, entre outros marcadores clínicos relevantes, em qualquer contexto
subjetivo que se apresente ao longo da entrevista. Além disso, as primeiras seções
identificam fatos ou acontecimentos de vida, enquanto a quarta seção sinaliza eventos
subjetivos relevantes ao risco de suicídio e outros indicadores objetivos relacionados ao
risco de suicídio agudo referidos na literatura.

Na seção correspondente aos dados pessoais e relacionais são abordados tanto fatores
descritivos quanto sexo, idade, estado civil, estado de relacionamento amoroso atual, grau
de instrução e situação laboral quanto à configuração das relações familiares e pessoais
significativas. A compreensão do aspecto relacional se dá por meio da construção de um
genograma e da avaliação da qualidade das relações. Essas informações podem auxiliar

70
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

na contextualização de outros indicadores relacionados à dimensão interpessoal como,


por exemplo, suporte social e possíveis relações conflituosas ou abusivas.

A HeARTS avalia o total de ocorrências de tentativas de suicídio e, no caso de


múltiplas tentativas, sempre investiga com mais profundidade a tentativa mais
recente, seja ela a primeira, a única ou a última tentativa. No caso de múltiplas
tentativas, a HeARTS também avalia a primeira tentativa e a tentativa considerada
pelo entrevistado como a pior delas. Na HeARTS–CL procurou-se desenvolver
uma estrutura que pudesse traduzir a abrangência e a flexibilidade da HeARTS na
avaliação de tentativas de suicídio, respeitando a especificidade de cada caso. Sendo
assim, a seção da HeARTS-CL desenvolvida para avaliação de tentativas de suicídio
pode ser utilizada em relação a qualquer uma das tentativas realizadas pelo paciente.
Nesse sentido, o avaliador indica, no início da folha referente às variáveis levantadas
sobre comportamento suicida, a que tentativa aquela avaliação se refere. Dessa forma
é possível avaliar tantas quantas tentativas de suicídio tenham sido perpetradas ou
que sejam entendidas como importantes para a compreensão do risco atual.

A seção de avaliação da tentativa de suicídio examina: danos médicos, potencial de


letalidade do método, acesso a meios, possibilidade de resgate, intencionalidade,
impulsividade versus planejamento, eventos precipitadores, motivos alegados pelo
entrevistado, motivos aferidos pelo avaliador, afetos intoleráveis, indicadores de
psicopatologia, grau de isolamento, prejuízo de insight, atitude em relação à tentativa
e fatores de proteção como suporte social e razões para viver. Esses fatores serão
apresentados e discutidos a seguir.

A avaliação de danos médicos aborda o grau da lesão provocada pela tentativa de


suicídio. Trata-se de um indicador de gravidade que vem sendo utilizado como critério
em pesquisas em suicidologia, associado à intencionalidade (RAPELI; BOTEGA, 2005).
A avaliação dessa variável baseou-se em uma adaptação da escala denominada “Actual
Lethality/Medical Damage” da Columbia-Suicide Severity Rating Scale (C-SSRS)
(POSTNER; cols., 2008).

A escala referente ao potencial de letalidade do método também foi baseada na C-SRSS


(POSTNER; cols., 2008). Essa escala é outro indicador de gravidade da tentativa de
suicídio, considerando os casos em que a tentativa não tenha provocado graves danos
médicos, apesar de o método utilizado ter um grande potencial letal. Por exemplo,
uma pessoa que fez uma tentativa de suicídio disparando arma de fogo posicionada
na têmpera, onde o projétil atingiu a parte mais superficial da cabeça, gerando a
necessidade apenas de uma sutura. Esse caso seria avaliado como uma tentativa com
poucos danos médicos, contudo, em relação ao potencial de letalidade do método,

71
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

seria avaliado como “possível de produzir morte apesar de atendimento médico”. As


tentativas por enforcamento são extremamente letais e representam o método mais
frequentemente utilizado no Brasil (Ministério da Saúde – MS, 2006), porém muitas
delas não levam à morte ou mesmo requerem intervenção médica. A análise conjunta
dessas duas variáveis traduz com maior fidedignidade a gravidade da tentativa de
suicídio e da intenção de morrer.

A facilidade de acesso ao método da tentativa pode traduzir o grau de impulsividade e


pouco planejamento da tentativa. Avaliar a acessibilidade a métodos permite também
definir estratégias preventivas de controle no caso de pessoas que possam ter maior
facilidade de acesso a meios letais, seja pela natureza da profissão ou pelas características
do ambiente doméstico ou de trabalho (TAVARES, DINIZ; CAMAROTTI, 2007). Por
exemplo, uma pessoa que após uma discussão com o cônjuge encontra veneno para
ratos na prateleira da despensa e o ingere prontamente. Nesse caso, a tentativa foi
impulsiva e o método foi escolhido em função da disponibilidade e facilidade de acesso
naquele momento. Um conflito da mesma natureza, de um profissional com porte de
arma, traduz a mesma facilidade de acesso a meio e possível grau de impulsividade,
mas o risco de provocar a morte é muito maior em função da letalidade do método. Nos
casos em que o acesso ao método foi dificultado, o fato da tentativa ter se concretizado
traduz o esforço investido nesse comportamento. Da mesma maneira, a avaliação da
possibilidade de resgate pode traduzir o grau de planejamento da tentativa e o desejo de
morrer. Por exemplo, a escolha de quartos de hotel, locais de difícil acesso ou de datas
e horários em que pessoas próximas estejam indisponíveis transmitem o investimento
dispensado pelo paciente para diminuir a possibilidade de resgate, o que se traduz em
maior risco.

A escala de impulsividade versus planejamento reflete a compreensão de que ambas


variáveis fazem parte do mesmo espectro, em uma escala inversamente proporcional
(Anexo 1, p. 2). Ou seja, quanto mais impulsiva a tentativa, menos planejada. Por
exemplo, um rapaz que após uma discussão familiar sai de casa, compra chumbinho
(raticida) e um refrigerante na rua, ingere a substância, sente-se mal e vomita, visualiza
um viaduto e vai em direção a este para realizar uma tentativa. Nesse caso, os métodos
foram sendo escolhidos conforme a disponibilidade de acesso, numa tentativa impulsiva
após um conflito familiar. Diferentemente de alguém que configura um plano específico
e vai se preparando para implementá-lo por ações como divisão de bens, definição de
local e hora e acesso a meios específicos para provocar a própria morte.

A avaliação da intencionalidade envolve a investigação do desejo de morrer. Sentimentos


ambíguos em relação a tirar a própria vida são muito comuns em pessoas que tentam o
suicídio (LINEHAM; cols, 2006; OMS, 2000; WERLANG; BOTEGA, 2004). A análise

72
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

da predominância do desejo de viver ou de morrer constitui um fator importante na


avaliação do risco de suicídio e, em conjunto com os demais indicadores, compõe o
risco. A escala proposta na HeARTS-CL para avaliação da intencionalidade é: (0) não
queria morrer, percebe-se o desejo de viver; (1) ambivalência em relação à morte; e (2)
queria de fato morrer, difícil identificar o desejo de viver.

Os eventos de vida adversos influenciam no risco de suicídio de duas formas: constituindo


vulnerabilidades psíquicas e precipitando comportamentos suicidas (MONTENEGRO;
TAVARES, 2005). Histórias de violência sexual, física ou psicológica, assim como
negligência e demais adversidades na infância, podem constituir vulnerabilidades
importantes na capacidade emocional e psicológica para lidar com as demandas da
vida. Wasserman (2001) afirma que os eventos de vida adversos são frequentemente
sobrepostos a eventos similares na infância ou a acontecimentos relativos à mesma esfera
emocional e intelectual que podem ter sido experienciados por muitos anos, causando
estresse crônico. Os eventos precipitadores do comportamento suicida são gatilhos
para a crise suicida e, dentro de um processo suicida, contribuem para a supremacia do
desejo de morte. Os eventos precipitadores podem ser situações ou sintomas agudos que
levam a afetos ou perturbações internas difíceis de serem manejadas, como mudanças
ou notícias repentinas, conflitos interpessoais e perdas.

Na HeARTS-CL avaliamos a influência de eventos de vida precipitadores da crise


suicida, classificando-os em; (0) eventos não identificados; (1) identificados, com
impacto moderado; e (2) identificados, com impacto significativo. Além do impacto
do evento de vida precipitador, há uma lista de eventos precipitadores de crise suicida
mais encontrados na literatura e espaço para descrição de outros eventos relatados
pelo paciente. A observação do tipo e quantidade de precipitadores específicos pode
ser fundamental para uma compreensão psicodinâmica e contextualizada do risco e
contribuir para identificação de estratégias preventivas mais adequadas a cada caso.

A análise da relação entre eventos precipitadores e afetos intoleráveis também


contribui para a compreensão psicodinâmica do risco de suicídio. Hendin e cols (2001)
constataram a relação entre os eventos precipitadores e afetos intoleráveis na análise
de 26 casos de suicídios consumados, onde, em 21 deles, um evento precipitador
parece ter acionado um afeto intolerável. Os afetos intoleráveis têm sido apontados na
literatura psicanalítica como um dos indicadores mais importantes de risco de suicídio
iminente. Maltsberger e cols (2006) apresentam uma compreensão da crise suicida
associada a um processo onde os afetos intoleráveis distinguem as pessoas em risco de
suicídio iminente. Segundo os autores a intensidade do sofrimento subjetivo distingue
o paciente suicida. Não é a depressão geral, mas a dor psíquica específica que leva o
paciente ao ato suicida. Nesse sentido, quando suficientemente intensos, desespero

73
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

(compreendido como uma angústia mental associada a uma necessidade imperativa de


alívio imediato), desesperança, raiva, ansiedade, sentimentos de abandono e vergonha
impelem o paciente ao suicídio. A necessidade imediata característica do desespero o
torna mais preditor do risco do que a desesperança, que é um estado mais brando, geral e
inespecífico. Depressão associada ao desespero ou à ansiedade generalizada forma uma
situação facilmente volátil de alto risco e distingue o risco de pacientes com depressão
simples (HENDIN; cols., 2001). Sendo assim, integrou-se à HeARTS-CL uma relação
de afetos intoleráveis descritos na literatura e um campo para a identificação de outros
afetos que não estejam inseridos na lista.

A HeARTS-CL também permite o registro dos motivos para a tentativa de suicídio


alegados pelo paciente e os inferidos pelo avaliador. A análise das discrepâncias ou
semelhanças entre as percepções pode contribuir para avaliação da qualidade do insight
do paciente e do grau de distorção ou negação da realidade para aprofundamento e
confronto, quando adequado, sobre as circunstâncias e o contexto do comportamento
suicida. Na sessão referente a motivos inferidos pelo avaliador foi inserida uma escala
bipolar que avalia a relação entre a vivência de dor psíquica e a regulação da relação
com o outro como motivadores da tentativa de suicídio. Essa escala foi inserida em
função dos dados que sugerem maior gravidade de risco em tentativas precipitadas em
contextos de maior sofrimento psíquico (MALTSBERGER; cols., 2006).

A presença de um quadro psicopatológico é um dos fatores de risco mais associados ao


comportamento suicida em estudos de autópsias psicológicas (CAVANAGH, CARSON,
SHARPE; LAWRIE, 2003). Os estudos revelam a presença dessa variável em cerca
de 90% dos suicídios consumados. Quando se consideram transtornos de eixos I e
II, é possível afirmar que esse fator de risco está presente na totalidade dos suicídios
consumados (ERNEST; LALOVIC; LESAGE; SEGUIN; TOUSIGNANT; TURECKI,
2004).

Apesar da forte associação entre psicopatologias e comportamento suicida, a HeARTS


não tem como um de seus objetivos fazer um diagnóstico de transtornos mentais. Para
isso sugere-se a utilização de outra entrevista de avaliação como, por exemplo, a SCID.
Entretanto, a HeARTS levanta alguns indicadores de psicopatologia, como critério A para
Episódio Depressivo Maior (humor deprimido e anedonia), e a presença de sintomas
psicóticos (delírios e alucinações) e permite a emissão de hipóteses diagnósticas a
serem examinadas levando-se em consideração o conjunto de informações levantadas
durante a entrevista. Nesse sentido, a HeARTS-CL apresenta uma escala de avaliação de
indicadores de psicopatologia classificando-os em ausentes, sub-clínicos, presentes ou
presente com probabilidade de comorbidades e um campo para o registro da hipótese
diagnóstica. Acrescido a essa escala, a HeARTS-CL também apresenta alternativas de

74
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

indicadores psicopatológicos associados aos comportamentos suicidas com indícios


de: alterações do humor, processos psicóticos, ansiedade elevada, uso problemático de
substância ou traços de personalidade desadaptativos.

Segundo Wingate e cols. (2004) o isolamento social é um preditor poderoso de


comportamento suicida, incluindo o suicídio. Nesse sentido, a avaliação do grau de
isolamento, considerando a qualidade das relações e do suporte social, contribui para o
julgamento clínico do risco de suicídio e para o manejo da crise suicida.

Insight emocional pode ser definido como um nível profundo de entendimento ou


consciência que pode levar a mudanças positivas na personalidade e no comportamento
(SADOCK; SADOCK, 2008). Essa variável é frequentemente considerada um aspecto
informativo do estado mental de um paciente, mas pouca literatura existe a respeito
desse tema em suicidologia (CASSELS; cols., 2005). A avaliação do prejuízo de insight
na tentativa de suicídio indica o grau de dificuldade do paciente em compreender os
motivos internos e circunstâncias que contribuem para seu comportamento. Esse
dado possibilita uma melhor compreensão do risco de suicídio, tendo em vista que as
pessoas com comprometimento na capacidade de insight apresentam dificuldades para
promover mudanças no contexto que gerou a situação de risco de suicídio. Além disso,
a análise dessa variável auxilia o clínico no planejamento terapêutico, considerando os
recursos e dificuldades emocionais do paciente.

A respeito da avaliação da atitude do paciente em relação à tentativa de suicídio,


considera-se que sentimentos de arrependimento por ter tentado o suicídio ou de
não ter conseguido produzir a própria morte podem indicar menor ou maior risco de
suicídio. O clínico deve avaliar se o arrependimento é real, tendo em vista que pode se
tratar simplesmente de uma tática para evitar maior atenção da família para o risco real
de suicídio.

Fatores de proteção são fatores que diminuem o risco de suicídio (MANN; cols., 1999).
Entre eles, o suporte social pode ter um efeito protetivo direto. O suporte social se refere
ao processo interpessoal em que uma pessoa conforta outra emocionalmente, ajudando
a discutir seus problemas, dando conselhos, provendo apoio material e serviços e
fazendo com que o outro se sinta parte de uma rede social (REIFMAN; WINDLE, 1995).
Variáveis como ter filhos, ser casado ou ter um relacionamento significativo, ter uma
vida social satisfatória, emprego, pertencer a grupos religiosos, culturais ou étnicos
são considerados fatores de proteção em relação ao suicídio (CASSELS; cols, 2005;
SÁNCHEZ, 2001). A HeARTS-CL propõe a avaliação de suporte social em relação à sua
presença e eficácia. É possível que haja uma rede social disposta a oferecer suporte,
mas que efetivamente esse suporte não seja eficaz. De acordo com essa avaliação o

75
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

clínico pode tomar providências para articular uma rede social de apoio ou trabalhar
as dificuldades da rede existente para oferecer um apoio eficaz. Pode ser também que
um fator que seja usualmente considerado de suporte funcione em certos casos como
estressores como, por exemplo, exigências religiosas consideradas exageradas e em
conflito direto com desejos subjetivos ou outros valores individuais.

Em relação ao histórico familiar, a HeARTS-CL avalia uma série de itens relacionados ao


comportamento suicida: história de negligência e de violência física, sexual e psicológica
na infância (BEAUTRAIS, 2003; BLAAUW; cols., 2002; DUBE; cols., 2001; FEIJÓ,
1998; FEKETE; cols., 2004; FERGUSSON; cols., 2000; SANDERS; BERKER-
LAUSEN, 1995; WILDE; cols., 1992). Aborda também história de comportamento
suicida e de transtornos mentais na família (BEAUTRAIS, 2003; FEKETE; cols.,
2004). Indicadores de abuso de álcool e ou outras drogas por membros da família
podem indicar o prejuízo de ter se desenvolvido em um ambiente adverso, assim como
indicar o possível estresse atual advindo do convívio diário com familiares abusadores
ou adictos de álcool e outras drogas. Também é avaliado o abuso de álcool e ou outras
drogas pelo próprio entrevistado em função da forte ligação desse indicador com o
comportamento suicida (CASSELS; cols, 2005).

O acréscimo de uma seção específica para avaliação de aspectos subjetivos do risco


iminente veio da necessidade de incluir perguntas diretas sobre ideação suicida atual e
suas características na HeARTS e de acrescentar indicadores de risco agudo descritos
na literatura especializada. As escalas de avaliação da ideação suicida sinalizam de
maneira clara a gradação da gravidade do comportamento suicida em termos de ideação,
intenção, planejamento, acesso a meios, ações preparatórias e convicção de realizar
uma nova tentativa. Além desses aspectos, avalia características específicas da ideação
suicida como; frequência, duração, controle sobre o pensamento e contexto da ideação.
Motivos para ideação ou estressores/antecedentes desse comportamento também são
avaliados. Por exemplo, casos em que a ideação suicida esteja inscrita em um contexto
que remete a sentimentos de vergonha e humilhação podem ser descritos no campo
previsto para motivos para ideação. Nesse contexto, avaliam-se também fatores de
proteção em relação à ideação suicida atual. Trata-se da descrição de comportamentos
adotados pelo paciente que são percebidos como recursos para a diminuição da ideação
suicida (ex.: entrar em contato com um amigo, com o terapeuta ou utilizar hot-lines,
como o CVV, tomar banho, fazer uma caminhada).

Outros indicadores de risco iminente bastante referidos na literatura foram organizados


em três listas nessa seção. A primeira delas se refere aos afetos intoleráveis experienciados
na atualidade. Como colocado anteriormente, esse indicador de sofrimento psíquico
sinaliza a crise suicida e o risco iminente de uma tentativa (HENDIN; cols., 2001;

76
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

HENDIN; cols., 2007; HENDIN; cols., 2010; MALTSBERGER; cols., 2006). A


segunda lista comporta indicadores de processos psicóticos perigosos associados ao
comportamento suicida. A relação mais clara desses processos psicóticos é identificada
na presença de vozes de comando suicidas ou homicidas, preocupações religiosas (ex.:
purificação, redenção, salvação) e sentimentos de ser controlado por outro (controle
alienígena) (SHEA, 2000).

A terceira lista de indicadores de risco iminente inclui outros eventos, comportamentos


ou sintomas associados: aumento de consumo de substância, deteriorização do
comportamento social ou ocupacional, dificuldade de controle de impulsos, evento de
vida recente com impacto importante, agitação, misto de ansiedade e depressão, falsa
melhora e recaída ou exacerbação de sintomas.

Apresentamos mais dois casos clínicos para que você possa fazer a sua avaliação
do risco de suicídio.

Ricardo era um rapaz de 22 anos, estudante universitário e morava com sua


mãe e seu irmão mais velho. Também tinha uma irmã, casada, que morava em
outro bairro. Seu pai havia falecido há 3 anos em decorrência de complicações
após uma cirurgia cardíaca. Ricardo referia dificuldades de relacionamento com
sua mãe e sua irmã. Sua rede de relacionamentos era caracterizada por amigos
da mesma faixa etária. Apesar de referir proximidade e apoio por parte deles,
sentia-se muito só: “conheço mil pessoas, mas não me apego a ninguém” (...) “eu
não consigo me sentir especial para ninguém”.

Queixava-se de problemas de relacionamento. Não conseguia olhar nos olhos


das pessoas durante uma conversa, percebendo-se bastante tímido: “não
consigo expor o que realmente estou sentindo”. Não se sentia a vontade para
falar coisas pessoais com ninguém. Achava que seu estilo de vida, sua cabeça, era
completamente diferente de tudo. Contou que sempre foi uma criança diferente.
Gostava de rock, de se vestir de preto, tinha cortes de cabelo diferentes. Mesmo
antes de começar a usar drogas, sua mãe já associava seu jeito de ser a um
provável consumo: “eu sempre fui assim. Não é que eu fiquei assim (por causa
das drogas). Eu sempre fui explosivo, eu sempre fui meio bobo”.

Começou a usar drogas aos 14 anos. Fazia uso principalmente de maconha e cola,
além de álcool e cigarro. Intensificou muito o uso no ensino médio e diminuiu
um pouco quando entrou na faculdade. Listou com certo orgulho as drogas que
já havia consumido: maconha, cola, benzina, LSD, chá de cogumelo, LSA, álcool,
cigarro, haxixe, bala, benflogin.

77
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

O padrão de uso de drogas parecia ter diminuído no último semestre. Conseguiu


passar alguns meses após a tentativa sem ingerir álcool e outras drogas. Nas
festividades de final de ano voltou a consumir, referindo o uso mais frequente de
haxixe. Ricardo contou que naquele período estava fumando maconha menos
de duas vezes por mês, fumando cigarro diariamente e bebendo nos finais de
semana.

Ricardo já tinha procurado atendimento em saúde mental antes da sua primeira


tentativa de suicídio em função de sintomas depressivos. Contou que não
conseguia perceber os benefícios que aquele tratamento proporcionou. Depois
dessa experiência só entrou em contato com profissionais de saúde mental em
razão de sua tentativa de suicídio mais recente. Apesar de seu histórico, não
referiu sintomas depressivos na ocasião da entrevista.

História de Comportamento Suicida


Ricardo fez duas tentativas de suicídio e a mais recente foi há 5 meses, após
uma discussão com a mãe. Naquela ocasião, Ricardo tinha ido a um show na
noite anterior, onde consumiu êxtase, e perdeu um casaco. Ele não estava bem:
“ver as pessoas se divertindo tão fácil e eu não conseguir me divertir”. Sua mãe
questionou-o pelo descuido com suas coisas pessoais. Essa conversa acabou
em discussão e xingamentos: “e nisso eu saí de casa desesperado... acho que o
pensamento era: pô, ferrei minha vida agora! Que é que vai ser de mim agora
(...) Depois disso eu pensei: vou acabar com isso logo então” (...) “Fiquei com
vergonha, com receio de encarar a minha mãe”.

Diante da cobrança de sua mãe, Ricardo se exaltou e expôs para ela o quanto
estava sendo injusta e como se sentia negligenciado por ela durante sua vida.
Era como ele dissesse que ela não tinha o direito de cobrar essa bobagem dele
diante de tanta negligência. Ao ouvi-lo ela manteve a calma e fez ameaças sem
questionar o que ele estava dizendo: “você está ferrado! Você está gritando
comigo, você vai ver depois”.

Quando saiu de casa, comprou e ingeriu chumbinho. Sentiu-se mal e vomitou.


Depois dirigiu-se a um viaduto movimentando daquela região com intenção de
precipitar-se dali. Pensou que acabaria com tudo e em seguida refletiu sobre
as consequências para as pessoas que estavam dirigindo naquele local e sobre
a possibilidade de provocar mortes de pessoas que não tinham nenhuma
relação com as dificuldades que estava passando. Pensou que ainda teria muito
para viver e resolveu ligar para uma amiga. Pediu que ela o tirasse dali e que

78
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

conversasse com ele para aliviar um pouco seu sofrimento. Ela chegou junto
com os socorristas, que provavelmente tinham sido acionados por pessoas que
o viram naquela situação de risco.

Ricardo foi levado para uma emergência psiquiátrica, onde recebeu o primeiro
atendimento e foi liberado. Alguns amigos conversaram com ele após a
tentativa. Ficou surpreso e feliz ao saber que era importante para eles. Sua
família não comentou sobre o ocorrido, mas sua mãe conversou com ele sobre
seu comportamento, sem referir a tentativa de suicídio. Após a conversa com a
mãe, Ricardo sentiu mais proximidade e possibilidade de conversar de maneira
adequada sobre as dificuldades de relacionamento entre os dois.

Ricardo vislumbrava realizações importantes naquele ano. Iria se formar, montar


uma banda com os amigos, possibilitando a expressão de seus sentimentos
por meio da música, e queria arranjar um emprego. Entretanto, reconhecia que
lhe faltava mais determinação e autoconfiança para conquistar as coisas que
desejava. Também desejava melhorar seu relacionamento com as pessoas e sua
autoestima. Percebia que as principais mudanças que precisavam acontecer em
sua vida eram internas, mudanças que dependiam dele mesmo.

A diferença de tempo entre a primeira e a tentativa mais recente foi de sete


anos. A primeira tentativa ocorreu após um término de namoro. Naquela ocasião
estava em tratamento por queixas de sintomas depressivos. Conta que tinha
encontros semanais e que estava tomando uma medicação. Os pais de sua
namorada descobriram e não aceitaram o namoro. Quando os pais concordaram
com o relacionamento, a namorada resolveu terminar sem dar explicação.
Ricardo chegou a casa muito triste e ingeriu todos os seus medicamentos com a
intenção de provocar a própria morte. Não se lembrava do que havia acontecido
após ingerir os medicamentos, mas sua mãe contou que ele próprio pediu ajuda
e o levaram para o hospital para fazer uma lavagem estomacal. Todos ficaram
surpresos com seu comportamento, mas não conversaram sobre o assunto.
Contou que depois dessa tentativa aumentou muito o uso de maconha, bebida
alcoólica e experimentou outras drogas.

Ricardo falou que durante todo o período entre a primeira e a segunda tentativa
de suicídio não teve ideação. As duas tentativas tiveram um impacto importante
de eventos precipitadores, foram impulsivas e sem qualquer planejamento.

Ricardo não referiu ideação suicida na ocasião da entrevista, mas temia


que isso pudesse voltar a acontecer diante de algum acontecimento que o
desestabilizasse: “me preocupa porque, sei lá, às vezes eu posso estar numa boa

79
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

e daqui mais 7 anos acontecer alguma coisa que me choque desse tanto e daí
talvez eu conseguir ... porque por enquanto foram só tentativas”.

A primeira vez que notou a vontade de sumir foi aos 14, 15 anos. Contou que
não chegava a ser algo concreto. “É muito, não sei, vontade de sumir mesmo,
vontade de... sei lá, sem saber lidar com nada e desesperado porque estava tudo
ruim, que eu não sabia o que fazer, não sabia onde me apoiar”. Geralmente esses
pensamentos vinham diante de uma situação de conflito ou crítica de seus pais.

Fonte: Montenegro, 2013.

Maria estava em acompanhamento psiquiátrico no programa de intervenção


em crise de um serviço público de saúde mental e aguardava uma vaga para
atendimento psicoterápico nessa mesma instituição. Procurou espontaneamente
o serviço em função de suas dificuldades emocionais. Foi bastante colaborativa
e compareceu pontualmente aos dois encontros agendados para a realização
da entrevista.

História Clínica

Maria era uma jovem, solteira, de 22 anos, que trabalhava como auxiliar de
enfermagem em um hospital de Brasília há menos de um ano. Apresentava
dificuldades emocionais há sete meses e estava em tratamento psiquiátrico
quando foi entrevistada.

Filha de uma mãe solteira, Maria foi deixada por sua genitora em um abrigo de
orientação religiosa aos seis anos de idade para casar-se e constituir uma nova
família. Conta que a lembrança mais forte que tem com a mãe na infância foi o
dia em que ela a deixou no abrigo e disse-lhe que não queria fazer aquilo, mas
não tinha opção, pois seu novo marido não aceitava que ela tivesse filhos de
um relacionamento anterior. Maria não teve qualquer contato com sua família
até os 18 anos. Durante o período de abrigamento, além do abandono por sua
família, Maria sofreu violência física, psicológica e principalmente sexual por
parte de alguns cuidadores, tendo sido diversas vezes obrigada a masturbá-los.
Essa prática ocorreu dos 7 aos 18 anos de idade. Além disso, Maria referiu ter
perdido amigas, também abrigadas, compreendendo seus desaparecimentos
como mortes acidentais ou provocadas (assassinatos).

Aos 18 anos fugiu e mudou de cidade. Passou a morar com a família de uma
amiga que conheceu no curso de auxiliar de enfermagem, que a ajudou a
restabelecer o contato com a sua família biológica. Voltou a ter contato com a
mãe, conheceu as irmãs e chegou a conviver com a família por seis meses. O

80
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

relacionamento familiar se estabeleceu novamente, mas Maria decidiu voltar


para trabalhar e estudar.

Conheceu o pai aos 19 anos. Apesar de morarem em cidades diferentes


mantinham o contato frequente por telefone. Ela conta que seu pai foi a pessoa
que mais a amou na vida e que podia confiar nele. Aos 21 anos, após a morte
repentina do pai, passa a ter dificuldades emocionais que resultaram em três
tentativas de suicídio no intervalo de sete meses.

Havia história de tentativas de suicídio na família de Maria (mãe e avô) e alguns


familiares acometidos por transtornos mentais (primo com esquizofrenia e tios
com dependência química).

Maria conseguia identificar duas pessoas com quem poderia compartilhar suas
dificuldades e receber algum suporte social. Uma delas era sua irmã que morava
em outro estado e a outra era a colega de trabalho que a impediu duas vezes de
implementar as tentativas com métodos mais letais. Além disso, Maria tinha se
convertido para uma nova religião cristã e recebia o apoio da comunidade.

Maria descrevia a relação com sua mãe como bastante conflituosa. Não se sentia
compreendida pela mãe, que não a ouvia e ficava insistindo para que voltasse
a morar com ela. Além disso, Maria poupava-a de suas dificuldades emocionais
com receio de que se sentisse culpada por tê-la abandonado.

História de comportamento suicida

Sua primeira tentativa de suicídio ocorreu em um contexto de muitas perdas e


mudanças. Além da perda de seu pai, Maria tinha mudado de casa e de emprego
após a descoberta de que estava sendo roubada pela melhor amiga, com quem
dividia o apartamento. A descoberta dessa traição reeditou sentimentos de
solidão e abandono e principalmente de que não poderia confiar em ninguém,
pois as pessoas sempre se aproveitariam dela. Fragilizada, descreveu fortes
sentimentos de vazio, sintomas histéricos (dissociativos) como paralisias,
ausência de consciência de atos praticados por ela, como deslocar-se e não
saber como tinha chegado naquele local, sintomas depressivos e psicóticos, com
vozes de comando suicidas. Naquela ocasião Maria tomou uma superdosagem
de medicamentos. Foi socorrida pela amiga com quem dividia o apartamento e
não precisou de atendimento médico.

Quatro meses depois Maria faz uma nova tentativa, descrevendo um contexto
muito semelhante ao da primeira, com exacerbação dos sintomas psicóticos

81
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

e a presença de alucinações visuais. As alucinações eram relacionadas aos


cuidadores do abrigo onde viveu até os 18 anos. Eles apareciam com frequência
e a chamavam dizendo que tinham vindo buscá-la. Nessa ocasião, Maria utilizou
um instrumento de trabalho perfuro-cortante e foi impedida pela colega que,
sabendo do risco de suicídio, a monitorava.

A última e pior tentativa foi novamente interrompida pela mesma, uma colega
de trabalho que entrou em luta corporal para impedi-la de cortar seu pescoço
com um bisturi. Conta que sentiu-se desamparada e que a vontade de morrer
veio como a vontade de beber água.

Apesar das fragilidades produzidas pelo histórico de violência e abandono que


contribuíram, junto com as perdas recentes, para o surgimento e agravamento
de um quadro psicopatológico grave, Maria descrevia um sentimento de
arrependimento e vergonha por ter tentado o suicídio. Tinha a religião e a
comunidade como uma razão para viver e temia realizar uma nova tentativa de
suicídio, pois sentia que não podia confiar em si mesma.

Fonte: Montenegro, 2013.

Veja nos anexos as reflexões que fizemos dos casos apresentados.

82
Capítulo 3
Estratégias de manejo

Estratégias e manejo do risco de suicídio


A Organização Mundial da Saúde afirma que 90% dos suicídios poderiam ser
prevenidos. Em alguns casos, as estratégias de prevenção podem ser eficazes com
pouca complexidade de recursos, como, por exemplo, garantir condições básicas
de vida (moradia, alimentação, emprego etc.), promover ações de inclusão social e
desenvolver estratégias que promovam habilidades emocionais para o enfrentamento
das demandas da vida. A oferta de escuta qualificada também é um recurso importante
para a prevenção do suicídio. O Centro de Valorização da Vida é um exemplo desse tipo
de recurso que está disponível 24 horas para quem precisar falar sobre suas angústias.

Entretanto, alguns casos vão demandar serviços especializados, com acompanhamento


psicoterápico e psiquiátrico, além de outros recursos que contribuam para a superação
da crise. Descrevemos abaixo contextos onde podem ocorrer demandas de intervenção
em crise e algumas estratégias de intervenção que podem auxiliar no manejo de
pacientes em maior risco de suicídio.

Fortalecimento de fatores de proteção e


diminuição de fatores de risco

A regra básica para o manejo do risco de suicídio é a diminuição de fatores de risco e


o fortalecimento de fatores de proteção. Por exemplo, o acesso ao acompanhamento
psiquiátrico para quem tem um transtorno mental é essencial para o tratamento, assim
como acesso à psicoterapia e às outras fontes de apoio. Se o contexto de trabalho ou
familiar é um estressor importante, talvez o afastamento temporário seja uma estratégia
válida. A avaliação minuciosa da história do risco e de tentativas de suicídio ajudarão
a identificar os fatores de risco e proteção específicos para cada pessoa e traçar as
estratégias mais adequadas para cada caso.

Quanto mais informações se têm sobre o paciente, mais possibilidades são criadas
para uma compreensão dinâmica da crise e mais estratégias interventivas são possíveis
de serem utilizadas. Isso se aplica, por exemplo, aos eventos precipitadores de
comportamento suicida. Cada pessoa tem vulnerabilidades específicas. O rompimento
de um relacionamento amoroso pode ser para uma determinada pessoa um gatilho
importante para um comportamento suicida enquanto que, para outra, uma dificuldade
83
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

financeira importante poderia ser um gatilho. Conhecer as vulnerabilidades emocionais


de cada paciente pode ajudar a trabalhá-las e a estar mais atento a possíveis crises
suicidas em determinados contextos.

A identificação de fatores de proteção também ajuda a definir estratégias de


intervenção. Contar com o apoio da família ou de pessoas significativas para o
paciente para ajudá-lo em momentos de maior risco pode evitar internações, ajudar a
fortalecer relações saudáveis e desenvolver planos terapêuticos ampliados.

Intensificação de sessões psicoterápicas

Em momentos de maior risco de suicídio é indicada a intensificação de sessões


psicoterápicas. Seja em nível ambulatorial, ou em uma internação. As sessões devem
ser de apoio e propiciar a elaboração dos sentimentos e das circunstâncias que
intensificaram o risco de suicídio. Não são indicadas estratégias de confronto que
provoquem mais angústia no paciente, ou mesmo desafiadoras.

Restrição de acesso a meios

Uma das estratégias preventivas mais eficazes na prevenção de mortes por suicídio é o
controle de acesso a meios letais para comportamento suicida. A restrição a pesticidas,
armas de fogo, barreiras arquitetônicas para prevenção de mortes por precipitação etc.
são exemplos de ações governamentais de prevenção do suicídio que resultaram em
diminuição de taxas de mortalidade por essa causa (TAVARES, DINIZ; CAMAROTTI,
2007).

Um pensamento comum é que se a pessoa não tem acesso a um meio, ela procura
outro para se matar. A compreensão que se tem sobre o comportamento suicida é que
cada pessoa constitui um significado entorno do método que escolhe para consumar
o ato. Somado a essa hipótese, um dos fatores que compõem o risco de suicídio é a
impulsividade. Quanto maior a dificuldade de acesso ao método eleito, ganha-se mais
tempo hábil para intervenção e para diminuição do impulso que levou ao comportamento
suicida.

No manejo de uma crise suicida, o controle de acesso a meios se dá de diversas formas:


prestar orientação para família sobre os riscos que envolvem ter arma de fogo e armas
brancas acessíveis, pesticidas e outras substâncias tóxicas, orientar para realização
de atividades em que a pessoa esteja sempre acompanhada, solicitar que uma pessoa
de confiança fique com a posse das medicações prescritas e se responsabilize pela
administração destas (não deixar doses altas de medicações disponíveis) etc.

84
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

Abordagem multidisciplinar

O contexto de trabalho do psicólogo clínico às vezes é bastante solitário. Esse contexto


torna a intervenção em crise mais difícil de lidar. São situações por vezes complexas
que exigem estratégias que podem beneficiar o paciente extrapolando o contexto
do consultório. Muitas vezes (na maioria delas) o acompanhamento psiquiátrico é
uma necessidade imperativa. A abordagem social, a terapia ocupacional, nutricional
e a atividade física são outros aspectos que podem contribuir para o tratamento e
superação da crise. Dividir a responsabilidade e a compreensão sobre o caso e definir
coletivamente as estratégias interventivas pode potencializar as ações voltadas para a
superação da crise.

Além da abordagem multidisciplinar, como citado anteriormente, a supervisão clínica


é um forte instrumento para a compreensão do caso e para definição de estratégias
terapêuticas. O principal instrumento de intervenção é o terapeuta. Quanto mais ele
desenvolve sua capacidade de identificar os sentimentos e processos presentes na díade
terapêutica, mais instrumentos terão para manejar situações limítrofes.

Abordagem familiar

A família pode ser um fator de risco ou de proteção em situações de crise suicida. Uma
família capaz de acolher o sofrimento de um de seus membros e se disponibilizar para
ajudá-lo é um fator muito valioso e raro de proteção. Os conflitos familiares permeiam
as relações em diferentes graus. A possibilidade de envolver a família no processo de
superação da crise deve ser buscada.

Quando falamos em risco de vida, temos a prerrogativa de quebra de sigilo profissional.


Entretanto, é importante ressaltar que a maneira como se dá essa quebra faz muita
diferença no processo terapêutico. Abordar junto ao paciente a sua preocupação com
ele e a sua avaliação de que é necessária a ampliação do cuidado no momento mais
crítico deve ser a principal ação do terapeuta. É preciso identificar com o paciente
as pessoas que ele reconhece como fontes de apoio e conversar com ele sobre as
questões que precisam ser abordadas nas intervenções com a família ou outras figuras
de apoio. A quebra de sigilo significa transmitir apenas as informações necessárias
para promover o cuidado ao paciente. Quanto mais consenso a respeito da estratégia
a ser adotada, mais terapêutica será a intervenção. Geralmente, quando o paciente
identifica a preocupação genuína do terapeuta, ele participa ativamente das estratégias
para superação da crise.

85
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

Internação domiciliar

Com o apoio da família é possível lançar mão de uma internação domiciliar, quando
necessário. Na internação domiciliar é importante que a família ou a pessoa identificada
compartilhe com a equipe de saúde o compromisso de prestar os cuidados necessários
para a superação da crise.

Lacerda (2000) coloca que a internação domiciliar é a prestação de cuidados


sistematizados de forma integral e contínua no domicílio, com supervisão e ação da
equipe de saúde específica, personalizada, centrada na realidade do cliente, envolvendo
a família e, podendo ou não, utilizar equipamentos e materiais.

A internação domiciliar deve ser uma alternativa a ser avaliada conjuntamente com
a família e o paciente, garantindo um ambiente seguro e acolhedor para que atinja o
propósito de um procedimento que propicie o efeito terapêutico esperado.

A internação hospitalar ou em clínica


especializada

Outro recurso que pode ser utilizado é a internação hospitalar ou em clínica especializada.
A internação deve ser considerada como estratégia em casos específicos onde se faz
necessário o afastamento temporário do paciente de um contexto mais crítico onde
não há um suporte possível por parte da família ou outras pessoas significativas para o
paciente.

A Política Nacional de Saúde Mental prevê leitos de saúde mental em hospital geral para
o manejo de casos de alto risco de suicídio. São internações breves para estabilização do
quadro agudo de risco e posterior manejo no CAPS. No serviço privado, as internações
costumam ser mais longas. O ideal é que o paciente receba o acompanhamento
psiquiátrico e psicoterapêutico, assim como o monitoramento necessário durante a
internação.

A internação pode ser voluntária ou involuntária. O trabalho da equipe é para que a


internação seja sempre consensual. Caso não seja possível, deve-se sempre explicar os
motivos daquela decisão para o paciente, mesmo que ele discorde. Alguns terapeutas
ficam receosos de prejudicarem o vínculo terapêutico em função de uma internação
involuntária. Na maioria dos casos, quando o paciente compreende que a internação
foi uma medida para protegê-lo e que reflete a preocupação e o cuidado do terapeuta, o
vínculo é preservado e muitas vezes fortalecido.

86
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

Contrato de vida

O contrato de vida é um instrumento utilizado no manejo da crise suicida onde o


terapeuta e o cliente redigem em conjunto estratégias que devem ser adotadas caso o
paciente perceba um aumento do risco de suicídio. Nesse instrumento, o paciente se
compromete a não tirar a própria vida antes de proceder com as estratégias definidas.
Cada paciente poderá ter estratégias específicas delineadas conforme seus fatores de
risco e proteção. Exemplos de estratégias: ligar para o terapeuta (é importante que o
terapeuta de fato esteja disponível e disposto a atender as chamadas), buscar ajuda
com alguém de confiança para não ficar sozinho ou para auxiliá-lo na busca de serviço
especializado, ligar para serviços de apoio como Centro de Valorização da Vida etc. No
contrato de vida deve constar de forma esquemática os recursos que o paciente pode
ter no momento de uma crise, com número de telefones e demais informações que se
façam necessárias para que ele alcance a ajuda necessária.

O contrato de vida não é uma garantia para prevenir o comportamento suicida. Ele
representa a força do vínculo terapêutico e pode ser mais um instrumento utilizado
para auxiliar o paciente em momentos mais críticos.

Psicoterapia e intervenção em crise


Werlang e Botega (2004) colocam que a psicoterapia para pacientes com tentativa
de suicídio deve orientar-se para circunstâncias pessoais e sociais emergentes que
colocam o paciente sob risco. Segundo os autores, todas as abordagens psicoterápicas
convergem no entendimento que o acompanhamento de pacientes francamente
suicidas deve ser flexível, diretivo, oferecendo apoio e encorajamento. São frequentes
as situações de perdas (reais ou imaginárias) e sentimentos de desamparo assim como
sérias dificuldades sociais e familiares. Os objetivos a serem alcançados na psicoterapia
devem ser modestos, já que a possibilidade de não alcançá-los pode gerar impactos
nocivos na autoestima. Nesse sentido, a construção de alternativas e a análise de
consequências diante das possíveis frustrações devem ser trabalhadas.

A identificação dos principais problemas e o estabelecimento do foco do tratamento deve


ser feita em conjunto com o paciente (WERLANG; BOTEGA, 2004). Na intervenção em
crise o terapeuta “empresta” seu ego e seu desejo, assumindo um papel mais diretivo.
Nessa fase não é recomendada técnicas para modificação de comportamento. Passado
o momento de maior risco, as abordagens terapêuticas que favoreçam insight podem
contribuir para o desenvolvimento da psicoterapia, perseguindo outros objetivos
definidos pela díade.

87
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

Os autores colocam que geralmente a adesão ao tratamento é baixa entre


pacientes que tentam o suicídio, mesmo com equipes motivadas e treinadas para
atendê-los. Aproximadamente metade dos pacientes não comparece à primeira consulta
ambulatorial. A frequência de abandono de tratamento também é elevada.

Intervenção em crise no hospital geral


A história de comportamento suicida é frequentemente revelada após a primeira
tentativa cujas consequências demandam cuidado médico. Os pacientes que chegam aos
prontos socorros com essa demanda recebem os cuidados médicos e em seguia a alta,
após a finalização da atenção aos danos físicos provocados pela tentativa. Raramente é
possível a realização de uma avaliação de risco de consequente encaminhamento para
um atendimento especializado. As razões para esse fato são inúmeras: a pressão nas
portas dos prontos socorros, a escassez de profissionais de saúde mental em hospitais
gerais, o preconceito e a necessidade de sensibilização dos profissionais para garantir o
cuidado e o encaminhamento necessário para esses pacientes.

A atenção prestada ao paciente internado por tentativa de suicídio é essencial e se


configura como uma oportunidade para prevenção de novas ocorrências. Se não é
oferecido o tratamento adequado para o que levou a pessoa àquela internação, a chance
de uma nova tentativa de suicídio é muito alta. Dessa forma, o trabalho da equipe
de saúde mental em hospital geral é extremamente importante e necessário para o
acompanhamento adequado do paciente.

A intervenção em crise também se faz necessária em outros ambientes do hospital geral.


Os pacientes internados por doenças terminais, degenerativas, ou aquelas que geram
sequelas importantes, assim como as caracterizadas pela presença de dores crônicas,
muitas vezes desenvolvem ideação suicida, com possível agravamento do risco. Esses
pacientes devem ser identificados para que se possa prover o acompanhamento
especializado durante sua internação, com estratégias de proteção para evitar uma
tentativa ou morte por suicídio no próprio contexto hospitalar. Por exemplo, em casos
de alto risco de suicídio, o paciente dele estar acompanhado ou em um local onde a
equipe de enfermagem tenha fácil contato visual.

Questões éticas e legais ligadas ao


acompanhamento de pacientes com risco de
suicídio
O suicídio é um comportamento que sempre existiu ao longo da história da humanidade.
Embora sejam realizados esforços preventivos, é possível que um paciente em
88
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

acompanhamento venha tirar a própria vida. As pessoas próximas enlutadas carregam


o fardo dessa perda e podem imputar culpa aos profissionais que acompanhavam
aquele paciente. Nesse contexto é possível que processos de negligência imprudência e
imperícia sejam conduzidos contra esses profissionais.

Colocamos algumas questões que são discutidas em relação a boas práticas e ao


amparo legal nos casos de mortes de pacientes por suicídio (FREMOUW, 1990). Essas
questões não protegem apenas o profissional, mas previnem situações de negligência
no acompanhamento de casos com maior risco de suicídio, propiciando fatores de
aperfeiçoamento da psicoterapia, com o aumento de sua eficácia.

Dessa forma, é preciso explicitar o que pode ser considerado uma má-prática profissional
em psicoterapia. Em primeiro lugar, para se estabelecer responsabilidade, é preciso
existir relação profissional entre o terapeuta e o paciente. Em seguida, o terapeuta
apenas pode ser imputado de violação da responsabilidade profissional se incorrer em
atos de:

»» Negligência: o profissional deixa de tomar uma atitude ou apresentar


conduta que era esperada para a situação. Age com descuido, indiferença
ou desatenção, não tomando as devidas precauções.

»» Imprudência: essa atitude pressupõe uma ação precipitada e sem


cautela. A pessoa não deixa de fazer algo, não é uma conduta omissiva
como a negligência. Na imprudência, ela age, mas toma uma atitude
diversa da esperada.

»» Imperícia: inaptidão, ignorância, falta de qualificação técnica, teórica


ou prática, ou ausência de conhecimentos elementares e básicos da
profissão.

Para o terapeuta, o cuidado para não incorrer em má-prática profissional inclui, no caso
de pacientes com risco de suicídio, uma avaliação adequada do risco de suicídio, com
ferramentas válidas para a compreensão de suas especificidades e em seguida, caso seja
encontrado o risco, a tomada de providências cabíveis. As decisões do terapeuta podem
ser discutidas dentro da categoria profissional, e também intrinsecamente à abordagem
psicoterapêutica escolhida. Nesse sentido, o processo por negligência profissional pode
ser vencido pelo terapeuta se for provado o acesso ao risco e às providências adequadas.

Para este profissional, o conhecimento destes procedimentos é fundamental para


a própria eficácia da psicoterapia, e, em consequência, diminuição da má-prática
profissional e processos judiciais. O principal instrumento do terapeuta é o registro
clínico responsável de todas as medidas tomadas para a avaliação adequada do risco
89
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

e outros procedimentos subsequentes. Mesmo que o terapeuta tenha realizado todas


as atividades de maneira responsável, apenas o registro objetivo de todas as medidas
tomadas poderá ser reconhecido enquanto evidência óbvia de sua conduta apropriada
em casos de processo por negligência profissional.

Uma grande demanda para atuação do psicólogo na prevenção do suicídio


é a do luto por essa causa de morte. A OMS e a Associação Internacional para
Prevenção do Suicídio desenvolveram manuais para criação de grupos de
sobreviventes (pessoas que perderam parentes e amigos por suicídio). O CVV
lançou um grupo com o objetivo de disponibilizar uma escuta qualificada para
pessoas que perderam alguém por suicídio. Veja a reportagem abaixo.

Sofrimento escutado sem julgamento: CVV coordena grupos de apoio para


sobreviventes do suicídio

HuffPost Brasil | De Amanda Mont’Alvão Veloso

Publicado: 27/10/2016 11:53 BRST Atualizado: 27/10/2016 13:54 BRST

Figura 2.

Fonte: HuffPost Brasil, consultado em dezembro de 2016, <http://www.brasilpost.com.br/2016/10/27/cvv-apoio-


sobreviventes_n_12670804.html>.

Um grave problema de saúde pública no Brasil e no mundo, o suicídio – ou


uma tentativa de suicídio – demanda bastante delicadeza e seriedade,
especialmente ao nos referirmos às pessoas que tentaram e aos familiares e
amigos.

90
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

A cada 40 segundos, uma pessoa se suicida no mundo, de acordo com a


Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, 32 pessoas se matam a cada dia.

O comportamento suicida é cheio de ambivalência, lembra a Associação


Brasileira de Psiquiatria (ABP), pois é um ato cheio de ambivalência, situado
entre o querer morrer e o querer viver de maneira diferente.

A decisão costuma ser tomada em um contexto de grande sofrimento e


desespero, a ponto de não se enxergar a saída. Ao contrário do que é dito
pelo senso comum, pensamentos suicidas podem ocorrer a qualquer pessoa e
falar sobre o assunto, em vez de julgar ou silenciar a pessoa, é uma maneira de
prevenir o suicídio. Se houvesse prevenção, 9 entre 10 pessoas ainda estariam
vivas, de acordo com a OMS.

Porém, a ideia de tirar a própria vida é mais comum em pessoas que já tentaram
suicídio ou em familiares de vítimas de suicídio.

“A assistência prestada a pessoas que tentaram o suicídio é uma estratégia


fundamental na prevenção do suicídio, pois essas constituem um grupo de
maior risco para o suicídio. O risco de suicídio em pacientes que já tentaram
o suicídio é, pelo menos, uma centena de vezes maior que o risco presente na
população geral”, afirma a ABP.

Além disso, persiste um mito de que o indivíduo está fora de perigo ao mostrar
sinais de melhora ou sobreviver à tentativa de suicídio. “A semana que se segue
à alta do hospital é um período durante o qual a pessoa está particularmente
fragilizada”, lembra a ABP.

Voluntária do Centro de Valorização da Vida (CVV), Ana Rosa Ramos Nunes


diz que essas pessoas precisam de atenção especial. Desde 1962 atuando na
prevenção do suicídio, a entidade sem fins lucrativos acredita que o sentimento
de culpa e o processo de luto cercado por tabus, revolta e discriminação possam
influenciar a decisão.

O suicídio de uma pessoa amada dá um novo tom às vidas que ficaram: Diante
dos efeitos da tragédia, é preciso sobreviver. Não à toa, as pessoas deixadas para
trás são chamadas de sobreviventes, e cada dia seguinte ao suicídio é uma
verdadeira superação.

Pessoas que se encontram nas situações acima podem participar das reuniões
presenciais organizadas pelos Grupos de Apoio aos Sobreviventes de Suicídio
do CVV, conhecidos como CVV GASS.

91
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

O funcionamento do CVV GASS é similar aos de grupos para alcoolismo,


dependência química e luto.

“A essência do trabalho é que todos os participantes têm histórias afetadas pelo


suicídio e, na troca de experiências e apoio mútuo entre esses ‘iguais’, buscam
superar as dificuldades de ter um recomeço ou superar o drama vivido”, diz a
entidade.

A participação é completamente gratuita e a única exigência é que a pessoa se


enquadre no perfil e esteja disposta a ser ajudada. Segundo a voluntária Nunes,
“ninguém vai ser cobrado por isso ou por aquilo, mas acolhido de maneira
compreensiva e sem críticas ou julgamentos”.

Atualmente, há 13 grupos em funcionamento, tanto em postos de atendimento


do CVV quanto em outros locais, pois a ideia é que possa ser implementado por
outras organizações, como casas religiosas, universidades, secretarias de saúde,
hospitais e ONGs. A ideia é expandir os grupos para outras cidades.

O CVV GASS está presente no Rio Grande do Sul (Porto Alegre e Novo Hamburgo),
Paraná (Curitiba), São Paulo (capital e Sorocaba), Rio de Janeiro (capital), Mato
Grosso (Cuiabá) e Brasília. Ainda neste ano Belém, Recife e Roraima deverão
ganhar grupos.

Há 54 anos, o CVV oferece apoio emocional gratuito e voluntário, com


atendimento por telefone (141), e-mail, Skype e chat. A pessoa que liga não
precisa se identificar e as conversas são sigilosas.

Estratégias de promoção de saúde mental estão disponíveis no Brasil. Uma


delas foi idealizada como objetivo reduzir taxas de mortalidade de suicídio. São
estratégias voltadas para o desenvolvimento de habilidades emocionais em
crianças de 6 a 8 anos.

Conheça o Programa Amigos do Zippy.

O conceito fundamental do programa Amigos do Zippy é muito simples:

Se crianças pequenas aprenderem a lidar com suas dificuldades, elas serão mais
aptas a lidar com problemas e crises na adolescência e na idade adulta.

Desenvolvido em escolas, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o programa


compreende uma série de seis histórias intituladas Amigos do Zippy. O Zippy é
um inseto – um bicho-pau – e seus amigos são um grupo de crianças.

92
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

Figura 3.

Fonte: <http://www.amigosdozippy.org.br/index/index.php?option=com_content&view=article&id=48&Itemid=29>.

As histórias mostram esses personagens enfrentando problemas que são


familiares às crianças: amizade, comunicação, solidão, bullying, mudanças,
perdas e outras dificuldades. Cada história é ilustrada com uma série de figuras
coloridas.

O conteúdo é dividido em 6 módulos, cada um baseado em uma das histórias.


Cada módulo possui 4 aulas de uma hora, ministradas preferencialmente uma
vez por semana. Dessa forma, o programa tem duração total de 24 semanas. É
usual começar em abril e terminar em outubro, mas existem outras opções.

Clique aqui para conhecer os módulos do programa.

Exemplo: O módulo 1 é sobre sentimentos e as quatro aulas são:

Figura 4.

Fonte: <http://www.amigosdozippy.org.br/index/index.php?option=com_content&view=article&id=48&Itemid=29>.

Aula 1 – Tristeza e alegria.

Aula 2 – Raiva ou irritação.

93
UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio

Aula 3 – Ciúme.

Aula 4 – Nervosismo

Cada aula começa com o professor lendo parte da história e as crianças, por sua
vez, participam em atividades como desenho, dramatização, discussão do tema
e jogos.

Amigos do Zippy não diz às crianças o que elas devem fazer. Não há afirmações
como: “Esta solução é boa e aquela é ruim”. Em vez disso, o programa encoraja
as crianças a explorarem alternativas, a analisarem consequências e a pensarem
por si mesmas.

O papel dos professores nos Amigos do Zippy é de importância fundamental. Ele


atua como facilitador do desenvolvimento emocional das crianças – e, por isso,
é especialmente capacitado para desenvolver o programa.

Além das atividades em sala de aula, as crianças são incentivadas a discutir


Amigos do Zippy com os pais.

Fonte: ASEC, consultado em dezembro de 2016, <www.az.org.br>.

Esperança
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano

Vive uma louca chamada Esperança

E ela pensa que quando todas as sirenas

Todas as buzinas

Todos os reco-recos tocarem

Atira-se

E – ó delicioso voo!

Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,

Outra vez criança…

E em torno dela indagará o povo:

– Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?

94
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV

E ela lhes dirá

(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)

Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:

– O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…

Mário Quintana

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104
Anexos

Análise do caso Ricardo – julgamento clínico


Ricardo parecia estar em um processo de crise de desenvolvimento com
comportamentos destrutivos evidenciados pelo uso nocivo de álcool e drogas. O
padrão de consumo de drogas já cumpria o critério de abuso de substância em razão
do prejuízo que causava em suas relações familiares. Entretanto, não parecia ter
prejudicado de maneira significativa sua capacidade produtiva. Ricardo não havia
perdido nenhum ano letivo e estava conseguindo se formar em um curso superior
no tempo previsto. O uso de drogas certamente gerava um impacto em seu estado de
saúde geral e principalmente em seu relacionamento familiar.

Percebia sua rede social de apoio como deficitária. Referia ter muitos amigos, mas sentia-
se extremamente só. Reconhecia seu comportamento por vezes imaturo e também a
necessidade de desenvolver habilidades emocionais para lidar consigo mesmo e com
os demais.

Ricardo apresentava um histórico de duas tentativas de suicídio, altamente reativas e


impulsivas, com a utilização de métodos letais. Na ocasião da avaliação não apresentava
ideação suicida ou qualquer desdobramento como intenção ou planejamento, mas
temia que outro evento pudesse precipitar uma nova tentativa de suicídio.

Desejava e via a necessidade de acompanhamento psicológico, mas ainda não tinha acesso
ao tratamento. A rede de saúde pública não considerou o caso grave o suficiente para
integrá-lo aos tratamentos em saúde mental disponíveis e o encaminhamento realizado
não viabilizou o acesso ao serviço referenciado.

O acompanhamento ambulatorial era indicado e necessário. Estavam presentes alguns


indicadores de bom prognóstico de tratamento como a motivação para tratamento
e a ausência de quadros psicopatológicos graves e persistentes. Entretanto, ele não
tinha muito insight sobre a origem e intensidade dos sentimentos que provocaram as
tentativas de suicídio. Sentia-se vulnerável a circunstâncias que poderiam novamente
despertar o desejo de morte. Parecia não ter mecanismos internos para controlar o
impulso destrutivo quando este se manifestava. Apesar de não apresentar ideação ou
planejamento suicida, quando surgiam, Ricardo passava direto ao ato. Sem tratamento
havia uma boa possibilidade de agravamento do risco.

105
anexos

Ricardo apresentava um risco moderado de suicídio em razão de seu histórico de


tentativas e do padrão de atuação marcado pela impulsividade, utilização de métodos
letais e também por não ter acesso a tratamento.

Recomendações

Ricardo estava sem qualquer vínculo que possibilitasse o acesso a tratamento. Era
indicada uma orientação com encaminhamento responsável ou transição de cuidados
para atendimento psicológico em clínicas-escolas ou outros recursos de tratamento
disponíveis na comunidade. Esse procedimento envolveria ligar para as instituições
indicadas, garantindo a informação adequada e o acesso aos atendimentos. Apesar
de não reconhecer o uso de substâncias como um problema, havia indicação para
tratamento em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas – CAPS ad, onde ele
poderia receber atendimento integral e desenvolver maior consciência de seu padrão de
consumo abusivo de drogas e seus malefícios crescentes.

Análise do caso Maria – julgamento clínico

Maria apresentava ideação suicida sem um plano específico, com considerações vagas
sobre método. A ideação suicida ocorria várias vezes ao longo do dia, quase todos os
dias, referindo êxito em mudar de pensamento diante de algum esforço. Os estressores
eram crônicos e estavam relacionados com os sintomas psicóticos. Sentia-se perseguida
e ameaçada pelos cuidadores do abrigo e tinha alucinações visuais com três deles. As
tentativas anteriores foram marcadas pela impulsividade. Embora Maria referisse
arrependimento por ter tentado o suicídio, sentia que não podia confiar em si mesma,
temendo realizar uma nova tentativa. Os sintomas psicopatológicos ainda eram severos
e persistentes, o que levantava à necessidade de revisão da terapia medicamentosa.
Maria ainda aguardava atendimento psicológico. Referia-se ao trabalho como um
fator de proteção importante contra a ideação suicida. Entretanto, era no contexto de
trabalho que tinha maior acesso a meios letais.

Os indicadores de risco iminente de suicídio presentes naquele momento eram


sentimentos de desesperança, vazio, vozes de comando suicidas e sentimentos de
ser controlado por outro. Além desses, Maria ainda apresentava uma deterioração
do funcionamento social e ocupacional, dificuldades de controle de impulsos e um
agravamento de sintomas depressivos e psicóticos. Apresentava risco severo de
suicídio.

106
anexos

Recomendações

Maria precisava ter prioridade no acesso a tratamentos intensivos ou semi-intensivos


em saúde mental com urgência. Apresentava alto risco de suicídio com a necessidade
de monitoramento constante. A convocação de sua frágil rede de suporte social era
necessária para a avaliação da possibilidade de internação domiciliar, com intuito de
evitar uma internação psiquiátrica. O tratamento mais indicado seria em um Centro
de Atenção Psicossocial para atendimento de pessoas com transtornos mentais onde
poderia receber esse atendimento integral em regime intensivo.

107

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