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e Prevenção do Suicídio
Brasília-DF.
Elaboração
Beatriz Montenegro
Produção
Apresentação.................................................................................................................................. 5
Introdução.................................................................................................................................... 8
Unidade I
CAPÍTULO 1
Teorias da crise................................................................................................................... 11
Capítulo 2
O ciclo da crise..................................................................................................................... 16
Capítulo 3
Unidade iI
O Comportamento Suicida............................................................................................................. 22
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Suicídio no Brasil................................................................................................................ 29
Unidade iII
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 1
Instrumentos autoaplicáveis.............................................................................................. 60
Capítulo 2
Operacionalização de fatores de risco e proteção.................................................... 70
Capítulo 3
Estratégias de manejo....................................................................................................... 83
Referências................................................................................................................................... 96
Anexos......................................................................................................................................... 105
Apresentação
Caro aluno
Conselho Editorial
5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Atenção
6
Saiba mais
Sintetizando
7
Introdução
O comportamento suicida é caracterizado pela sua complexidade. Trata-se de um tema
abordado por várias áreas do conhecimento como Antropologia, Sociologia, Psicologia,
Psiquiatria, Biologia etc. que congrega um conjunto de fatores na busca de uma melhor
compreensão do fenômeno.
A intervenção em crise, por sua vez, é caracterizada por ser uma abordagem que envolve
diversas condutas. Essas deverão ser utilizadas pelo terapeuta, conforme o contexto
e a necessidade, para garantir a segurança do paciente e demais pessoas envolvidas.
Contudo, o objetivo principal da intervenção em crise é restabelecer o funcionamento
anterior do paciente, mesmo que disfuncional, para que seja possível alcançar outros
objetivos terapêuticos, com psicoterapia de longo prazo.
8
suicídio. Nossas concepções interferem na forma como nos colocarmos na relação com
o paciente. A principal ferramenta para intervenção em crise é o terapeuta. Investir no
desenvolvimento de sua capacidade de compreender seus próprios processos internos
e trabalhá-los, certamente contribuirá para sua capacidade de estar com o paciente em
risco de suicídio e ajudá-lo a lidar com o seu sofrimento.
Objetivos
»» Trabalhar o conceito de crise e sua relação com o comportamento suicida.
9
Crise e Saúde Mental Unidade I
CAPÍTULO 1
Teorias da crise
Teorias da crise
A crise é um dos temas centrais quando falamos de intervenções terapêuticas em um
contexto marcado por ela. A compreensão de algumas teorias da crise nos auxilia a
entender de maneira dinâmica os mecanismos que podem estar envolvidos em uma
situação na qual a atuação do terapeuta pode definir rumos importantes ao longo de
um tratamento. Apresentamos brevemente alguns conceitos de crise e modelos que
contribuem para reflexão sobre crise e comportamento suicida.
O conceito de crise
O conceito de crise é utilizado em diversas áreas do conhecimento. Temos termos como
crise econômica, crise política, crise de recursos hídricos, condição de saúde crítica
etc. A ideia de crise é geralmente atribuída a um valor negativo, com sinônimos como:
desequilíbrio, mutação, recessão, depressão, ruína, risco, perigo, dificuldade, mudança.
11
UNIDADE I │ Crise e Saúde Mental
No primeiro ano de vida, a criança é extremamente dependente das pessoas que cuidam
dela. Os cuidados vão desde a alimentação, a higiene, a estimulação, a locomoção, o
aprendizado etc. Nessa fase do desenvolvimento, o principal recurso a ser conquistado
para o amadurecimento é o desenvolvimento de confiança nas pessoas e no contexto ao
seu redor. Dessa forma, é preciso que seja proporcionado para ela um contexto no qual
se sinta segura e amada.
Essa fase é caracterizada pelo início da vida escolar, marcada por um maior convívio
social com outras crianças e adultos. Nesse período é exigido o desenvolvimento de
habilidades como trabalho em conjunto, cooperativismo e sociabilidade. Caso haja
alguma dificuldade, o próprio grupo se encarregará de criticar a criança, podendo
provocar vivências de inferioridade em oposição à construtividade.
12
Crise e Saúde Mental │ UNIDADE I
Essa é a fase da adolescência, caracterizada por uma crise que ganha diferentes contornos
em função da questão psicossocial inerente a ela. É uma fase de experimentação
e definição da identidade. Nesse contexto, o termo crise não possui uma acepção
dramática, por tratar-se de algo pontual e localizado com polos positivos e negativos.
Essa fase é marcada pela conquista profissional e pela constituição familiar. Nela busca-
se a construção de relações profundas e duradouras, com vivências de momentos de
grande intimidade e entrega afetiva. As decepções nessa fase podem gerar isolamento
temporário ou duradouro.
Nessa fase pode surgir uma dedicação à sociedade à sua volta e realização de valiosas
contribuições, ou grande preocupação com o conforto físico e material.
Além das crises vitais haveria também as crises acidentais (ERIKSON, 1959). Essas
ocorrem diante de “azares da vida”, situações e fatos como ameaças de perdas ou
perdas de elementos básicos, ou um desafio associado à oportunidade de incremento
de recursos básicos, acompanhada de um acréscimo de exigências ao indivíduo. Essa
condição provoca uma quebra da homeostase da pessoa, gerando a necessidade de uma
resposta sob a qual o sujeito não possui soluções em seu repertório de respostas, havendo
a tendência à desorganização temporária. Assim como as crises de desenvolvimento, as
crises acidentais podem provocar uma mudança no padrão de respostas promovendo
o desenvolvimento emocional ou pode consolidar uma perturbação (CAPLAN, 1964).
As fases da crise
Caplan (1964) coloca que o fator essencial que influi na ocorrência de uma crise é
um desequilíbrio entre a dificuldade e a importância do problema, por um lado, e os
recursos imediatamente disponíveis para resolvê-lo. Ou seja, o problema se define
13
UNIDADE I │ Crise e Saúde Mental
quando a pessoa se depara com situações que assinalam perigo para satisfação de
uma necessidade fundamental ou provocam apetite de uma necessidade importante,
e as estratégias de resolução de problemas antigas não conseguem dar um resultado
positivo em um período de tempo esperado. Essa situação aumenta a tensão e provoca
sentimentos como frustração que pode envolver problemas na manutenção da
integridade do organismo ou do grupo.
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Crise e Saúde Mental │ UNIDADE I
15
Capítulo 2
O ciclo da crise
Como se pode observar nas teorias anteriormente apresentadas, frente a uma situação
que quebra da homeostase de funcionamento do indivíduo, ele tende a utilizar o
repertório de comportamentos anteriores que o ajudaram a resolver problemas. A
ausência de repertório para o enfrentamento do problema produz uma demanda de
busca por novos recursos para lidar com o novo estímulo. As soluções encontradas
podem ser parciais ou de compromisso ou soluções que proporcionem desenvolvimento.
Quando não foi encontrada uma solução, a tensão aumenta podendo ou não chegar a
um ponto de ruptura com possibilidade de comprometimento da estrutura psíquica
e surgimento de sintomas e quadros psicopatológicos. A solução que proporciona
desenvolvimento agrega novas estratégias de enfrentamento, fortalecendo os recursos
internos da pessoa. As soluções de compromisso geram vulnerabilidades psíquicas.
16
Crise e Saúde Mental │ UNIDADE I
A crise entendida como um processo indica uma natureza dinâmica, com início meio
e fim, que tem uma história e sofre influências dos ambientes interno e externo. Esse
processo envolve elaboração, experimentação, transformação e, idealmente, a superação
da fase crítica da crise pela sua resolução ou acomodação a seus condicionantes.
Quando não há superação, pode ocorrer a formação de sintomas, o desenvolvimento de
psicopatologias e um possível comprometimento da estrutura egoica. Quando ocorre
uma superação parcial ou de compromisso, há uma tendência à estagnação em um nível
de funcionamento inferior ao equilíbrio anterior. Em contraponto, a superação da crise
leva à aquisição de novos recursos internos e ao amadurecimento. Nesse sentido, a crise
é entendida como um desafio e uma oportunidade que pode resultar em crescimento,
ruptura ou estagnação (TAVARES, 2004).
17
UNIDADE I │ Crise e Saúde Mental
O modelo de crise proposto por Tavares (2004) pode ser utilizado para a compreensão
do adoecimento psíquico em vários contextos, inclusive na crise suicida. O modelo
auxilia na identificação de estressores específicos, seja no ambiente interno ou no
ambiente externo que provocam as crises, ajudando o terapeuta a antecipar situações
que possam provocar maior estresse para o paciente. Além disso, propõe a reflexão
sobre as vulnerabilidades internas, fontes de crises anteriores mal resolvidas, e os
recursos internos que podem ser mobilizados para o enfrentamento de situações
adversas de vida.
18
Capítulo 3
Diátese do comportamento suicida
Wasserman (2001) discorre sobre uma diátese para o comportamento suicida como
modelo compreensivo do risco. Nela é possível analisar se o risco é manifestado sob
a influência do estresse resultante de, por exemplo, doenças agudas psiquiátricas ou
somáticas, uso severo e abusivo de álcool e drogas, pressões de problemas sociais ou
crises familiares. A autora propõe uma compreensão do fenômeno com referência a
variações na diátese.
Wassermam (2001) afirma que traumas na primeira fase da vida afetam como o sistema
psiconeurohormonal do cérebro que reagirá ao estresse mental e social na vida futura.
Um novo estresse pode gerar uma série de reações biológicas em pessoas que foram
submetidas a situações traumáticas ou de estresse prolongado. A autora argumenta
que pessoas que sofrem de estresse não só apresentam mais transtornos mentais, como
também sucumbem mais a infecções, dores musculares e problemas similares quando
comparados a outras pessoas. Até recordações de situações estressantes passadas, como
tortura, separação e outros traumas, podem provocar situações que envolvam sintomas
físicos e mentais dolorosos.
19
UNIDADE I │ Crise e Saúde Mental
de suicídio e nas pessoas do grupo controle com traços de personalidade marcados por
baixa tolerância ao estresse e tendência à irritabilidade, reações agressivas e hostis, assim
como pela vulnerabilidade. Uma das possíveis interpretações desses dados pode ser
que essa variável do gene colabore para a diminuição de concentração de noradrenalina
em pacientes com tentativa de suicídio. Essa falha pode dificultar o processamento da
informação e o funcionamento cerebral adequado.
20
Crise e Saúde Mental │ UNIDADE I
por fatores de risco e de proteção na diátese. O suicídio é considerado não como uma
doença, mas como um ato que se origina de uma interação entre aspectos cognitivos,
afetivos e de comunicação.
21
O Comportamento Unidade iI
Suicida
Capítulo 1
O comportamento suicida –
características e definições
Comportamento suicida
O suicídio é um fenômeno bastante complexo que resulta de uma série de fatores
que envolvem desde aspectos genéticos, psicológicos e ambientais até aqueles de
cunho social, histórico-situacional e cultural (BARRERO, NICOLATO; CORRÊA,
2006; BERTOLOTE, MELLO-SANTOS; BOTEGA, 2010; BOTEGA; WERLANG,
2004; MANN, WATERNAUX, HAAS; MALONE, 1999; WASSERMAN, 2001). Neste
capítulo apresentaremos definições de comportamento suicida, dados epidemiológicos
de tendências globais, fatores de risco para o comportamento suicida, dados sobre
suicídios no Brasil e modelos teóricos sobre o processo suicida.
Segundo Durkheim (1977) o suicídio é “todo o caso de morte que resulta direta ou
indiretamente de um ato positivo ou negativo, praticado pela própria vítima, ato que a
22
O Comportamento Suicida │ UNIDADE II
vítima sabia dever produzir este resultado” (p.11). A definição de tentativa de suicídio
segundo o autor envolve “o ato assim definido, mas interrompido antes que a morte daí
tenha resultado” (p. 12).
Cassorla (2004) apresenta uma definição usualmente adotada sobre suicídio que
o concebe como morte provocada pelo próprio indivíduo, de forma voluntária e
consciente, na qual este executou um ato ou adotou um comportamento que acreditava
que resultaria nesse desfecho. O autor aponta para as dificuldades encontradas nesse
conceito em termos da especificação da voluntariedade do ato e da consciência deste.
Cassorla ressalta que há uma frequente ambiguidade em relação ao desejo de morte
no relato de pessoas com comportamento de suicida, e que boa parte das pessoas que
apresentam esse tipo de comportamento sofrem de transtornos de pensamento e do
afeto e podem experienciar estados confusionais e, portanto, alterações da consciência.
O autor apresenta a definição de Stengel (1970) que parece resolver em parte os
problemas apontados na definição inicial, tendo em vista que esta não incluiria os casos
em que o comportamento inconsciente é predominante. Sendo assim, Stengel define
23
UNIDADE II │ O Comportamento Suicida
suicídio como “dano fatal feito a si mesmo, intencional e consciente, mesmo que de
modo ambíguo e vago” (p. 22).
24
O Comportamento Suicida │ UNIDADE II
25
Capítulo 2
Suicídio no contexto mundial
Figura 1.
O suicídio é a 14a causa de morte no mundo inteiro. A morte por suicídio passou a
ocupar a terceira posição entre as causas mais frequentes de falecimento na população
26
O Comportamento Suicida │ UNIDADE II
Segundo Bertolote (2001), existe uma clara tendência para aumento de taxas de suicídio
com relação à idade. Diante das taxas de 24,7 mortes por 100.000 habitantes para
homens, as taxas específicas para grupos etários começam em 0,9/100.000 para grupos
de 5 a 9 anos e aumenta gradualmente para 60,9/100.000 para grupos acima de 75
anos de idade. De uma taxa geral de 6,9 por 100.000 para mulheres, o grupo específico
de 5 a 14 anos apresenta a taxa de 0,5/100.000 aumentando para 29,7/100.000 em
grupos acima de 75 anos.
Embora as taxas de suicídio possam ser de seis a oito vezes mais altas entre idosos se
comparados aos jovens, atualmente mais jovens estão morrendo por suicídio. Cerca de
53% de suicídios são cometidos entre 15 e 44 anos. A faixa etária com maior frequência
de suicídios concretizados é de 35 a 44 anos para ambos, homens e mulheres. Segundo
Bertolote (2001), esse fato adquire um aspecto dramático quando se constata que a
proporção de idosos na população total está aumentando em comparação aos jovens.
Isso não é apenas o resultado nas modificações divergentes nas taxas de suicídio nessas
faixas etárias, a taxa de suicídio em pessoas jovens está aumentando em um ritmo mais
acelerado do que na população idosa.
As análises apresentadas por Bertolote (2001) destacam que, com relação ao número
absoluto de mortes por suicídio, as dez maiores cidades em termos de taxas representam
menos de 8% dos suicídios concretizados. Dois países (China e Índia) são responsáveis
por quase 30% dos suicídios do mundo. Embora as taxas de suicídio da China coincidam
com as médias globais, às da Índia são quase a metade das taxas globais. O número de
suicídio da China é 30% maior do que o total de suicídio na Europa inteira. Só o número
de suicídio da Índia é equivalente às quatro cidades europeias que apresentam o maior
27
UNIDADE II │ O Comportamento Suicida
número de suicídio juntas. Apenas dois países (Sri Lanka e Rússia) apresentam número
de suicídio e taxas de suicídio elevadas entre os dez países com maiores números
absolutos de morte por suicídio. Nesse contexto, o Brasil está entre os dez países que
apresentam o maior número de mortes por suicídio.
Prieto e Tavares (2005), em um artigo de revisão sobre fatores de risco para suicídio e
tentativa de suicídio, destacam uma maior incidência de suicídios entre homens e de
tentativas de suicídio entre as mulheres, a prevalência de psicopatologias em 90% dos
suicídios consumados e histórias de violência física e/ou sexual, negligência, lutos e
rejeição entre pessoas que apresentam comportamento suicida. Entre as psicopatologias
mais comuns destacam-se os transtornos de humor, àqueles relacionados ao uso de
substâncias psicoativas, transtornos de personalidade e esquizofrenia.
Assista ao vídeo: eu tinha um cachorro preto, seu nome era depressão <https://
www.youtube.com/watch?v=RTcmNwK4420>
28
Capítulo 3
Suicídio no Brasil
Segundo a OMS (2000), o Brasil apresenta taxas de mortalidade por suicídio em torno
de 4,1 por 100 mil habitantes, sendo 6,6 por 100 mil para homens e 1,8 por 100 mil
para mulheres. As taxas de suicídio do Brasil são consideradas baixas comparadas às
taxas de suicídio de outros países. Contudo, Barros (1991) ressalta a ocorrência de um
sub-registro de mortes por suicídio no Brasil que prejudica os estudos epidemiológicos
a respeito desse fenômeno. A autora afirma que o sub-registro possivelmente seja
decorrente do forte estigma que envolve o suicídio e da dificuldade de se avaliar, em
alguns casos, se houve intenção suicida ou se a morte foi acidental.
O problema da sub-notificação também foi verificado por Rapeli e Botega (1998) que
realizaram um estudo, pelo período de um ano, com pacientes que foram internados
em um hospital da cidade de Campinas, no Estado de São Paulo, após uma tentativa de
suicídio. Os autores constataram uma sub-notificação tanto das tentativas de suicídio
quanto dos casos que evoluíram para o óbito durante esse período. Das 53 internações
registradas durante o estudo, apenas três constavam no sistema de registro de estatística
do hospital e, das três mortes por suicídio, apenas uma foi notificada. Esses dados
sugerem que possivelmente as reais taxas de suicídio brasileiras sejam superiores às
oficiais divulgadas pela Organização Mundial de Saúde.
Apesar de o Brasil estar entre os países que apresentam taxas de suicídio moderadamente
baixas, o número absoluto de mortes por suicídio o coloca entre os dez países com maior
incidência desse comportamento, chegando a ocupar o segundo lugar nas Américas
(BARROS, OLIVEIRA; MARIN-LEÓN, 2004; BERTOLOTE, 2001).
29
UNIDADE II │ O Comportamento Suicida
Em uma análise dos dados epidemiológicos para o Brasil entre os anos 1991 e 2000,
Waiselfisz (2002) observou que o número de suicídio sofreu um aumento de 30,8%
para a população geral brasileira e de 28,5% para a população jovem entre 15 e 24
anos. Segundo o autor, a maior concentração de suicídio é observada na região Sul,
principalmente no Estado do Rio Grande do Sul. Em relação às taxas de suicídio,
aquelas referentes à população jovem parecem acompanhar as taxas para a população
geral que, em 2000, foi de 4,0 por 100 mil habitantes. A análise das tendências com
relação à idade revelou um aumento rápido e progressivo do número de mortes por
suicídio em indivíduos entre 10 e 21 anos, com um suave declínio do número absoluto
de suicídio com o avanço da idade. Contudo, em relação às taxas de suicídio, observa-se
uma elevação lenta e gradual com relação à idade, atingindo um pico de 7,3 por 100 mil
habitantes na faixa de 70 anos de idade. Os dados desse estudo revelam ainda que 80%
dos suicídios consumados no Brasil são praticados por homens, e que essa porcentagem
diminui um pouco para 75% na população jovem.
30
O Comportamento Suicida │ UNIDADE II
Segundo a análise das tendências das taxas de suicídio no Brasil entre 1998 e 2000
realizada por Barros e cols. (2004), as capitais da região Sul do Brasil apresentam as
maiores taxas de suicídio, seguidas pelas capitais da região Cetro-Oeste. Os menores
coeficientes são encontrados na região Nordeste. Essas tendências foram observadas
para ambos os sexos. As autoras descreveram uma tendência persistente de suicídio
entre o sexo masculino e de redução entre o sexo feminino nesse triênio. Além disso,
observaram que o risco de morte por suicídio foi maior nas capitais de melhor nível
socioeconômico, em contraponto com outras causas de morte, como o homicídio, que
apresenta riscos crescentes com o declínio do nível socioeconômico.
Cassorla (1992) também apontou a prevalência de suicídios nas regiões Sul e Sudeste do
Brasil. O autor colocou que possivelmente o nível de urbanização, o avanço tecnológico,
assim como a influência dos imigrantes centro-europeus podem ter contribuído para
esse fenômeno.
Montenegro, Tavares e Prieto (2003) realizaram um estudo que teve como objetivo
levantar dados sobre comportamento suicida em jovens recém-ingressos em uma
universidade brasileira. Cerca de 47,4% dos alunos referiram ideação suicida em algum
momento da vida, 9,8% relataram terem pensado duas ou mais vezes sobre suicídio
no ano anterior ao levantamento de dados, 14,9% referiram terem tido plano para
perpetrar o ato, 7,2% já tinham feito pelo menos uma tentativa e 3,8% indicaram a
possibilidade de novas tentativas no futuro.
32
Como Avaliar o Unidade iII
Risco de Suicídio
Capítulo 1
Identificação precoce de risco de
suicídio
Um dos trabalhos para prevenção do suicídio que pode ser realizado por profissionais
especializados em saúde mental é a preparação de equipes nos possíveis locais de
prevenção para identificação precoce de risco de suicídio. A tarefa de avaliar o risco é
permeada por vários receios. Trata-se de um tema tabu em nossa sociedade que gera
sentimentos diversos como medo, preconceito, hostilidade etc.
33
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio
Fatos Mitos
Se eu perguntar sobre suicídio, poderei induzir o paciente Questionar sobre ideias de suicídio, fazendo-o de modo sensato e franco, aumenta o
a isso. vínculo com o paciente. Este se sente acolhido, aliviado, cuidado.
A ameaça de suicídio sempre deve ser levada a sério. Chegar a esse tipo de recurso
Ele está ameaçando suicídio só para manipular.
indica que a pessoa está sofrendo e que necessita de ajuda.
Essa ideia pode conduzir ao imobilismo terapêutico, ou ao descuido no manejo das
Quem quer se matar, se mata mesmo. pessoas sob risco. Não se trata de evitar TODOS os suicídios, mas sim os que podem
ser evitados.
Pelo menos dois terços das pessoas que tentam o suicídio ou se matam, havia
Quem quer se matar, não avisa.
comunicado de alguma maneira sua intenção para amigos, familiares ou conhecidos.
O que dirige ao comportamento suicida é a DOR PSÍQUICA INSUPORTÁVEL e não uma
O suicídio é um ato de covardia (ou de coragem).
atitude de covardia ou de coragem.
Há sempre o risco de nos identificarmos profundamente com aspectos de desamparo,
No lugar dele, eu também me mataria. depressão e desesperança, sentindo-nos impotente para a tarefa assistencial. Caso
isso aconteça – compartilhe o que está acontecendo com a sua equipe.
O comportamento suicida exerce um impacto emocional sobre a equipe de saúde,
podendo provocar sentimentos de franca hostilidade e de rejeição. Isso é capaz de
Veja se da próxima vez você se mata mesmo. impedi-la de encarar a tentativa de suicídio como um possível marco em uma trajetória
pessoal acidentada, a partir do qual se podem mobilizar forças para uma mudança de
vida.
É verdade. Os perfis epidemiológicos são diferentes. Entretanto, boa parte das pessoas
que se matam fizeram uma tentativa anterior. A tentativa de suicídio continua sendo
Quem se mata é bem diferente de quem apenas tenta.
considerada o principal fator de risco para suicídio consumado. Mesmo os que não
morrerão por suicídio precisam de assistência, de escuta empática e de cuidado.
Após uma tentativa de suicídio, uma melhora rápida das Uma melhora rápida exige atenção redobrada, não significa que a crise acabou. Vale
condições mentais significa que o perigo passou. lembrar que muitos suicídios se efetivam após uma tentativa prévia.
Fonte: (WERLANG; BOTEGA, 2004 – O comportamento suicida).
34
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III
Os fatos e mitos sobre o comportamento suicida também estão presentes nos manuais
da OMS. O acesso à informação já auxiliará a reflexão sobre os pontos colocados, mas
a discussão sobre cada um dos mitos e verdades, com a possibilidade de trabalhá-los
coletivamente, tem proporcionado bons resultados em treinamentos oferecidos às
equipes.
Características psicológicas
»» Depressão.
»» Desamparo.
»» Desesperança.
»» Desespero.
35
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio
Quando identificada uma pessoa com os 4 Ds, é necessário fazer uma avaliação do risco
de suicídio.
»» Como perguntar?
»» Quando perguntar?
»» O que perguntar?
Muitas vezes, ao possibilitar que a pessoa fale sobre o assunto, ela mesma vai fornecendo
livremente as informações de forma espontânea, sem a necessidade de realização de
muitas perguntas. Entretanto, se:
›› Ações necessárias:
·· Apoio emocional.
36
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III
»» Risco Médio: a pessoa tem pensamentos e planos, mas não tem intenção
de implementá-los imediatamente.
›› Ações necessárias:
·· Sentimentos de ambivalência.
·· Proponha um acordo.
»» Risco Alto: a pessoa tem um plano definido, tem acesso a meios para
concretizá-los e planeja fazê-lo prontamente.
›› Ações necessárias:
·· Informar a família.
37
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio
preferencialmente composta por uma equipe multidisciplinar que atua em Saúde Mental.
Esse modelo já é previsto na Política Pública de Saúde Mental Brasileira que define os
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) como ordenadores das demandas de saúde
mental de um território. Os CAPS devem ser compostos por equipes multiprofissionais,
garantindo a atenção integral do usuário daquele serviço. Entretanto, a realidade
mais frequente dos psicólogos clínicos é o trabalho realizado em seus consultórios
particulares. Nesse contexto, os casos de risco identificados precocemente ou após uma
tentativa de suicídio frequentemente serão acompanhados por psicólogos e psiquiatras.
O trabalho do profissional em contexto clínico torna-se mais viável e mais eficaz quando
associado com o trabalho de outros profissionais que possam compartilhar informações
sobre o caso e traçar estratégias preventivas sinérgicas e potentes. A avaliação do
profissional especializado deve ser mais profunda, investigando de forma mais completa
e compreensiva o processo que levou o paciente àquele nível de sofrimento.
38
Capítulo 2
Avaliação e julgamento clínico do risco
de suicídio
39
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio
Fawcett (1999) citado por Rudd, Cukrowicz e Bryan (2008) estimou que mais da
metade dos suicídios em um dado ano são consumados por pacientes em tratamento.
O impacto das mortes por suicídio nos profissionais de saúde mental é profundo, com
clínicos reportando choque, culpa e vergonha (KLEESPIES, PENK; FORSYTH, 1993).
O impacto dos profissionais que estão em treinamento é ainda mais significativo.
Kleespies e cols (1993) observou que quanto mais cedo o suicídio ocorre durante o
treinamento, mais severo o impacto e mais difícil são as consequências emocionais e o
estresse para o trainee.
A avaliação do risco de suicídio pode ser muito influenciada pela forma como o avaliador
lida com o tema. O julgamento clínico e até o levantamento de informações podem ficar
comprometidos em função da atitude pessoal do profissional em relação à questão do
suicídio. Sendo assim, o preparo pessoal para lidar com o tema suicídio consiste em
uma das principais competências do avaliador na avaliação do risco de suicídio.
Hendin, H., Maltsberger, A.L., Hass, A.P. e Kyle, J. (2001) identificaram que problemas
de comunicação entre terapeutas e pacientes dificultaram a identificação do risco e
consequentemente favoreceram a subavaliação deste. Os autores atentam para as falhas
em detectar os fatores que estão por trás da intenção suicida. Entre os casos estudados
observou-se em alguns deles que a ansiedade do terapeuta ao ouvir o discurso da
intenção suicida bloqueou a comunicação e descarrilou a terapia.
Rudd, M.D., Cukrowicz, K.C. e Bryan, C.J. (2008) discorrem sobre a formação de
terapeutas na avaliação e no manejo da crise suicida. Os autores esquematizam
40
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III
Reeves e cols (2004) encontrou que supervisões individuais foi o elemento mais
importante para melhorar as habilidades dos trainees na avaliação e manejo do risco
de suicídio. Em Rudd, M.D., Cukrowicz, K.C. e Bryan, C.J. (2008).
Relato de experiência
Durante minha formação como psicóloga e pesquisadora tive a
oportunidade de participar de um grupo de pesquisa e estágio que
atendia pacientes em risco de suicídio. A equipe era treinada para
abordar o paciente internado em um hospital geral por tentativa de
suicídio para avaliar o risco e proceder com os primeiros atendimentos
em intervenção em crise.
41
UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio
por pretender não estar mais vivo na data sugerida. Apesar de a equipe
ter tido o treinamento necessário, seguiram com o procedimento de
encerramento da sessão, sem de fato considerar a fala do paciente.
Nesse dia, a sessão estava sendo observada por outro membro da equipe
que interrompeu a sessão e junto com a dupla terapêutica discutiu sobre
a gravidade do que estava sendo colocado pelo paciente. Essa percepção
promoveu uma condução diferente do caso no sentido de estabelecer
medidas de proteção.
42
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III
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UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio
Hendin, Maltsberger e Szanto (2007) discutem a utilização dos termos “risco iminente” e
“risco agudo” de suicídio. Entendem que o termo iminente é mais correto quando se trata
do risco previsto para as próximas 48 horas, sendo mais preciso e amplamente adotado
na medicina em geral ao referir risco de morte. O risco agudo estaria circunscrito entre
o período após 48 horas e um ano. Entretanto, em seus trabalhos sobre identificação
de risco de suicídio, os autores adotam risco agudo para se referirem ao período de dois
meses.
44
Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III
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UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio
Os quadros psicopatológicos têm uma forte relação com o comportamento suicida, com
estimativas que variam de 90% a 100% dos casos de suicídios consumados (CAVANAGH,
CARSON, SHARPE; LAWRIE, 2003; ERNEST, LALOVIC, LESAGE, SEGUIN,
TOUSIGNANT; TURECKI, 2004). Entre as principais psicopatologias presentes nesses
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UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio
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Capítulo 3
Avaliação de risco iminente
Tabela 1.
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Como Avaliar o Risco de Suicídio │ UNIDADE III
Apresentação sintomática
Hendin e cols (2001); Cassels e cols (2005); Hendin e cols (2010)
Deterioração do funcionamento social ou ocupacional
Evento precipitador Hendin e cols (2001); Wasserman (2001), Bertolote (2010); Joiner e cols
(1999); Cassels (2005); Maltsberger e cols (2003)
Hendin e cols (2001); Wasserman (2001), Bertolote (2010); Joiner e cols
Separação conjugal
(1999); Cassels (2005); Maltsberger e cols (2003)
Hendin e cols (2001); Wasserman (2001), Bertolote (2010); Joiner e cols
Ruptura de relacionamento amoroso
(1999); Cassels (2005); Maltsberger e cols (2003)
Rejeição afetiva ou social (vitimização, perseguição, humilhação) Bertolote (2010), Wasserman (2001)
Graves perturbações familiares Bertolote (2010), Wasserman (2001); Joiner e cols (1999)
Hendin e cols (2001); Wasserman (2001), Bertolote (2010); Joiner e cols
Perda de suporte social
(1999); Cassels (2005); Maltsberger e cols (2003)
Hendin e cols (2001); Wasserman (2001), Bertolote (2010); Joiner e cols
Perda do emprego
(1999); Cassels (2005); Maltsberger e cols (2003)
Hendin e cols (2001); Wasserman (2001), Bertolote (2010); Joiner e cols
Modificação da situação econômica ou financeira
(1999); Cassels (2005); Maltsberger e cols (2003)
Suicídio de um membro da família Maltsberger (2003)
Gravidez indesejada Bertolote (2010)
Alta precoce de internação psiquiátrica ou mudanças nas
condições de tratamento Bertolote (2010); Matsberger e cols (2003)
Não adesão ao tratamento medicamentoso Cassels (2005)
Diagnóstico, recaída ou exacerbação de doenças Wasserman (2001); Maltsberger e cols (2003)
Alienação Maligna Cassels (2005)
Ausência ou ineficácia de fatores de proteção Cassels (2005)
Fonte: (Montenegro, 2013).
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Ao falar sobre o sofrimento dos pacientes Hendin e cols (2007) indicam que:
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suicídio, mesmo que seja considerada uma tentativa passada ou remota (mais de 1
ano), se estiver em um novo momento de fragilidade e de risco aumentado, deve ser
considerado como estando em risco severo ou extremo, pois a possibilidade de uma
nova tentativa produzir a morte é muito elevada.
Tentativa de suicídio recente (90 dias) – o risco de suicídio é geralmente mais elevado
no primeiro ano após uma tentativa, principalmente nos primeiros três meses
(RETTERSTØL; MEHLUM, 2001). Após uma tentativa de suicídio os fatores que
contribuíram para esse comportamento ainda não puderam ser trabalhados. Ou seja, as
fragilidades e o contexto continuam os mesmos. Pode haver alguma mudança no contexto
relacional em função da tentativa, mas geralmente são mudanças frágeis e fugazes. Essa
perspectiva se agrava quando não há acesso ou adesão a tratamentos em saúde mental.
Os sentimentos em relação à tentativa de suicídio geralmente são ambíguos. Há relatos
de arrependimento por ter tentado o suicídio ou por não ter conseguido concretizá-lo.
O primeiro caso pode sinalizar uma condição menos crítica. Já no segundo, há que
se levar em conta a necessidade de internação, mesmo que involuntária. A reposta ao
tratamento medicamentoso dos quadros depressivos também é identificada como um
período mais crítico onde novas tentativas podem ocorrer. Nesses períodos, a ideação
suicida pode ainda estar presente e o paciente consegue ter mais energia para uma nova
tentativa (HENDIN; cols, 2001).
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UNIDADE III │ Como Avaliar o Risco de Suicídio
Apresentação sintomática
A rigidez cognitiva está relacionada com uma dificuldade de encontrar alternativas para
resolução de problemas. O estado afetivo do paciente se caracteriza por um engessamento
e dificuldade de levantar alternativas para as demandas emocionais e situacionais do
momento. A rigidez cognitiva é bastante frequente em pacientes que estão em um
processo avançado de risco de suicídio onde o pensamento fica caracterizado por uma
relação de tudo ou nada, sem a possibilidade de detectar matizes ou opções entre esses
dois extremos (FREMOUW; cols, 1990; WERLANG; BOTEGA, 2004).
Cassells e cols (2005) trabalham os conceitos de fatores de risco de longo prazo e fatores
dinâmicos. Os fatores dinâmicos apontam risco de suicídio em termos de minutos,
horas ou dias. Sendo assim, os autores referem ansiedade psíquica severa, ataques
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de pânico, anedonia severa, preocupação e agitação como fatores dinâmicos que tem
sido identificados em estudos prospectivos, indicando a elevação do risco de suicídio
em curto prazo. A variabilidade na severidade de sintomas e de humor experienciada
semanas antes do suicídio consumado também tem sido sugerida como um indicador
de risco de curto prazo, assim como falsa melhora clínica; insight comprometido
ou insight sobre a doença; comorbidade com abuso de substância; não adesão ao
tratamento medicamentoso e fatores sociais como perda de suporte social; atuação
da contratransferência negativa pela equipe de saúde no contexto de internação ou
tratamento intensivo e ausência ou ineficácia fatores de proteção.
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Shaffer e Pfeffer (2001) ressaltam que os eventos estressores podem ser resultado
de algum transtorno mental subjacente ou eventos advindos do acaso, como a morte
acidental de um ente querido levando a um luto com o qual a pessoa com dificuldades
emocionais não consiga lidar. Colocam que pessoas com dificuldades emocionais
podem deparar-se com um número maior de eventos estressores que os demais, ou pode
perceber os eventos de forma mais intensa em relação ao estresse provocado. Segundo
os autores, os eventos estressores são raramente uma causa suficiente que explique o
suicídio. A importância reside em sua atuação como fator precipitador diante de uma
condição psiquiátrica subjacente.
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de proteção, perda do suporte social e atitudes de rejeição das equipes de saúde mental
(alienação maligna) contribuem para uma maior propensão ao comportamento suicida.
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Instrumentos
de avaliação e
estratégias de Unidade iV
manejo do risco
de suicídio
Capítulo 1
Instrumentos autoaplicáveis
Escalas de autorrelato
As escalas de autorrelato não requerem muito treinamento e são de fácil utilização em
grandes populações. São instrumentos bastante interessantes para serem utilizados em
screenings e estudos científicos. Descrevemos abaixo alguns desses instrumentos:
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Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV
A escala de desesperança Beck é composta por 20 frases que devem ser avaliadas
como falsas ou verdadeiras pelo sujeito. Há uma gradação do grau de pessimismo, o
que indica a desesperança, que varia de nível mínimo de desesperança (0-3) a nível
leve de desesperança (4-8), nível moderado de desesperança (9-14) e nível grave
(superior a 14). Como vimos, os sentimentos de desesperança têm sido relacionados ao
comportamento suicida de forma mais significativa que depressão.
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UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio
Entrevistas clínicas
A avaliação do risco de suicídio deve envolver o levantamento e análise da interação
entre três classes de variáveis: fatores de risco, fatores de proteção e indicadores de
risco iminente (MONTENEGRO; TAVARES, 2012). Diante dessa demanda, a entrevista
clínica tem sido apontada como o método que possibilita uma maior flexibilidade e
abrangência para o levantamento contextualizado do risco de suicídio (BERTOLOTE;
cols., 2010; BROWN, 2011; RODRIGUES; TAVARES, 2009). Entre as modalidades
de entrevista clínica Rodrigues e Tavares (2009) destaca a entrevista semiestruturada
como fundamental para compreensão e avaliação do contexto de risco de suicídio.
Segundo os autores ela permite:
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Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV
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UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio
História clínica
Tinha 35 anos, era casada, mãe de dois filhos dessa união (12 e 10 anos de
idade) e de um filho mais velho (17 anos), fruto de um estupro por parte de
seu pai biológico. Esse primeiro filho era portador de necessidades especiais.
Cecília era a filha mais velha de quatro irmãos. Foi criada desde o seu nascimento
por uma tia avó que morava em outro Estado. Era a caçula de nove irmãos de
criação. Mantinha contato com os pais biológicos com quem costumava passar
férias. Seus pais se separaram e aos 12 anos de idade Cecília foi passar as férias
com o pai e não voltou. Seu pai apresentava um quadro de alcoolismo. Havia
constituído uma nova família, mas ao se separar da nova companheira passou
a espancar e violentar Cecília diariamente. Não permitia que ela estudasse ou
saísse de casa. Ameaçava agredir a ela e a outros membros da família caso ela
contasse o que acontecia. Cecília esteve em situação de violência e cárcere
privado por três anos. Conseguiu ter coragem para fugir quando estava grávida
de quatro meses de seu pai. Casou-se com seu primeiro namorado e, apesar de
todo histórico de violência, relata que conseguiu ser feliz com ele por muitos
anos. No segundo ano de tratamento psiquiátrico que procurou em função
de um quadro depressivo, soube de uma traição de seu marido. Cecília ficou
muito transtornada e se envolveu com outra pessoa com o intuito de vingar-se
dele. Quando soube da traição, seu marido agrediu violentamente Cecília e seu
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Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV
amante, tomou os filhos dela e a abandonou com o filho mais velho: “Ele queria
realmente me matar. Eu realmente não morri, porque não tinha que morrer”.
Além da violência física, seu marido a humilhou diante dos vizinhos e contou ao
filho mais velho de Cecília quem era seu verdadeiro pai. Cecília ficou na casa de
alguns parentes dele por um tempo e voltou a viver com seu marido em outro
bairro. Sua relação conjugal sofreu um forte impacto. Cecília referia sentir medo
do marido. Quase não conversavam. Ela cuidava dos afazeres domésticos e se
submetia à relação sexual com sentimentos de medo e obrigação: “às vezes eu
considero ele o pai, o pai que abusou de mim. Dá medo, mas não que ele faça”.
Cecília parecia ter sentimentos ambíguos em relação ao marido. Sentia medo
e ao mesmo tempo se ressentia profundamente com sua indiferença e falta de
atenção. Queria voltar a viver bem com ele. Tentou conversar, negociar, mas ele
continuava indiferente, levava uma vida de solteiro e não se importava com o
que se passava com ela.
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UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio
“fiquei pensando, já foi com remédio e agora vai ser com o quê?”
Percebe que necessita resgatar aquela Cecília que gostava de sair, de viver e
mudar o seu casamento, mas essa fala é marcada pela desesperança. Ela sabe
que o tratamento pode ajudá-la, mas não acredita que isso vai acontecer. No
segundo encontro referiu um episódio de desorientação e dificuldade de
reconhecer as pessoas, mesmo aquelas mais próximas, como filhos e marido.
Ficou muito assustada, com vontade de quebrar tudo, mas conseguiu controlar
seu desejo até orientar-se novamente. Esse processo levou algumas horas e seu
marido percebeu que ela estava assustada. Após a última tentativa, Cecília foi
internada novamente em função do risco de suicídio.
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Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV
Um dos testes projetivos que possui uma constelação específica para avaliação do
risco de suicídio é o método de Rorschach interpretado pelo Sistema Compreensivo
proposto por Exner (2005). Nesse sistema foi constituída uma constelação que agrega
características de pessoas que morreram por suicídio. A referência a essa técnica
projetiva na avaliação do risco de suicídio fica como um exemplo de instrumento a
ser usado pelas pessoas que possuem interesse e treinamento nessa ferramenta de
avaliação.
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Capítulo 2
Operacionalização de fatores de risco e
proteção
Entendemos que o clínico pode e deve identificar fenômenos psíquicos, como afetos
importantes, entre outros marcadores clínicos relevantes, em qualquer contexto
subjetivo que se apresente ao longo da entrevista. Além disso, as primeiras seções
identificam fatos ou acontecimentos de vida, enquanto a quarta seção sinaliza eventos
subjetivos relevantes ao risco de suicídio e outros indicadores objetivos relacionados ao
risco de suicídio agudo referidos na literatura.
Na seção correspondente aos dados pessoais e relacionais são abordados tanto fatores
descritivos quanto sexo, idade, estado civil, estado de relacionamento amoroso atual, grau
de instrução e situação laboral quanto à configuração das relações familiares e pessoais
significativas. A compreensão do aspecto relacional se dá por meio da construção de um
genograma e da avaliação da qualidade das relações. Essas informações podem auxiliar
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UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio
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UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio
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Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV
Fatores de proteção são fatores que diminuem o risco de suicídio (MANN; cols., 1999).
Entre eles, o suporte social pode ter um efeito protetivo direto. O suporte social se refere
ao processo interpessoal em que uma pessoa conforta outra emocionalmente, ajudando
a discutir seus problemas, dando conselhos, provendo apoio material e serviços e
fazendo com que o outro se sinta parte de uma rede social (REIFMAN; WINDLE, 1995).
Variáveis como ter filhos, ser casado ou ter um relacionamento significativo, ter uma
vida social satisfatória, emprego, pertencer a grupos religiosos, culturais ou étnicos
são considerados fatores de proteção em relação ao suicídio (CASSELS; cols, 2005;
SÁNCHEZ, 2001). A HeARTS-CL propõe a avaliação de suporte social em relação à sua
presença e eficácia. É possível que haja uma rede social disposta a oferecer suporte,
mas que efetivamente esse suporte não seja eficaz. De acordo com essa avaliação o
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UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio
clínico pode tomar providências para articular uma rede social de apoio ou trabalhar
as dificuldades da rede existente para oferecer um apoio eficaz. Pode ser também que
um fator que seja usualmente considerado de suporte funcione em certos casos como
estressores como, por exemplo, exigências religiosas consideradas exageradas e em
conflito direto com desejos subjetivos ou outros valores individuais.
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Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV
Apresentamos mais dois casos clínicos para que você possa fazer a sua avaliação
do risco de suicídio.
Começou a usar drogas aos 14 anos. Fazia uso principalmente de maconha e cola,
além de álcool e cigarro. Intensificou muito o uso no ensino médio e diminuiu
um pouco quando entrou na faculdade. Listou com certo orgulho as drogas que
já havia consumido: maconha, cola, benzina, LSD, chá de cogumelo, LSA, álcool,
cigarro, haxixe, bala, benflogin.
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UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio
Diante da cobrança de sua mãe, Ricardo se exaltou e expôs para ela o quanto
estava sendo injusta e como se sentia negligenciado por ela durante sua vida.
Era como ele dissesse que ela não tinha o direito de cobrar essa bobagem dele
diante de tanta negligência. Ao ouvi-lo ela manteve a calma e fez ameaças sem
questionar o que ele estava dizendo: “você está ferrado! Você está gritando
comigo, você vai ver depois”.
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Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV
conversasse com ele para aliviar um pouco seu sofrimento. Ela chegou junto
com os socorristas, que provavelmente tinham sido acionados por pessoas que
o viram naquela situação de risco.
Ricardo foi levado para uma emergência psiquiátrica, onde recebeu o primeiro
atendimento e foi liberado. Alguns amigos conversaram com ele após a
tentativa. Ficou surpreso e feliz ao saber que era importante para eles. Sua
família não comentou sobre o ocorrido, mas sua mãe conversou com ele sobre
seu comportamento, sem referir a tentativa de suicídio. Após a conversa com a
mãe, Ricardo sentiu mais proximidade e possibilidade de conversar de maneira
adequada sobre as dificuldades de relacionamento entre os dois.
Ricardo falou que durante todo o período entre a primeira e a segunda tentativa
de suicídio não teve ideação. As duas tentativas tiveram um impacto importante
de eventos precipitadores, foram impulsivas e sem qualquer planejamento.
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UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio
e daqui mais 7 anos acontecer alguma coisa que me choque desse tanto e daí
talvez eu conseguir ... porque por enquanto foram só tentativas”.
A primeira vez que notou a vontade de sumir foi aos 14, 15 anos. Contou que
não chegava a ser algo concreto. “É muito, não sei, vontade de sumir mesmo,
vontade de... sei lá, sem saber lidar com nada e desesperado porque estava tudo
ruim, que eu não sabia o que fazer, não sabia onde me apoiar”. Geralmente esses
pensamentos vinham diante de uma situação de conflito ou crítica de seus pais.
História Clínica
Maria era uma jovem, solteira, de 22 anos, que trabalhava como auxiliar de
enfermagem em um hospital de Brasília há menos de um ano. Apresentava
dificuldades emocionais há sete meses e estava em tratamento psiquiátrico
quando foi entrevistada.
Filha de uma mãe solteira, Maria foi deixada por sua genitora em um abrigo de
orientação religiosa aos seis anos de idade para casar-se e constituir uma nova
família. Conta que a lembrança mais forte que tem com a mãe na infância foi o
dia em que ela a deixou no abrigo e disse-lhe que não queria fazer aquilo, mas
não tinha opção, pois seu novo marido não aceitava que ela tivesse filhos de
um relacionamento anterior. Maria não teve qualquer contato com sua família
até os 18 anos. Durante o período de abrigamento, além do abandono por sua
família, Maria sofreu violência física, psicológica e principalmente sexual por
parte de alguns cuidadores, tendo sido diversas vezes obrigada a masturbá-los.
Essa prática ocorreu dos 7 aos 18 anos de idade. Além disso, Maria referiu ter
perdido amigas, também abrigadas, compreendendo seus desaparecimentos
como mortes acidentais ou provocadas (assassinatos).
Aos 18 anos fugiu e mudou de cidade. Passou a morar com a família de uma
amiga que conheceu no curso de auxiliar de enfermagem, que a ajudou a
restabelecer o contato com a sua família biológica. Voltou a ter contato com a
mãe, conheceu as irmãs e chegou a conviver com a família por seis meses. O
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Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV
Maria conseguia identificar duas pessoas com quem poderia compartilhar suas
dificuldades e receber algum suporte social. Uma delas era sua irmã que morava
em outro estado e a outra era a colega de trabalho que a impediu duas vezes de
implementar as tentativas com métodos mais letais. Além disso, Maria tinha se
convertido para uma nova religião cristã e recebia o apoio da comunidade.
Maria descrevia a relação com sua mãe como bastante conflituosa. Não se sentia
compreendida pela mãe, que não a ouvia e ficava insistindo para que voltasse
a morar com ela. Além disso, Maria poupava-a de suas dificuldades emocionais
com receio de que se sentisse culpada por tê-la abandonado.
Quatro meses depois Maria faz uma nova tentativa, descrevendo um contexto
muito semelhante ao da primeira, com exacerbação dos sintomas psicóticos
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UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio
A última e pior tentativa foi novamente interrompida pela mesma, uma colega
de trabalho que entrou em luta corporal para impedi-la de cortar seu pescoço
com um bisturi. Conta que sentiu-se desamparada e que a vontade de morrer
veio como a vontade de beber água.
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Capítulo 3
Estratégias de manejo
Quanto mais informações se têm sobre o paciente, mais possibilidades são criadas
para uma compreensão dinâmica da crise e mais estratégias interventivas são possíveis
de serem utilizadas. Isso se aplica, por exemplo, aos eventos precipitadores de
comportamento suicida. Cada pessoa tem vulnerabilidades específicas. O rompimento
de um relacionamento amoroso pode ser para uma determinada pessoa um gatilho
importante para um comportamento suicida enquanto que, para outra, uma dificuldade
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UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio
Uma das estratégias preventivas mais eficazes na prevenção de mortes por suicídio é o
controle de acesso a meios letais para comportamento suicida. A restrição a pesticidas,
armas de fogo, barreiras arquitetônicas para prevenção de mortes por precipitação etc.
são exemplos de ações governamentais de prevenção do suicídio que resultaram em
diminuição de taxas de mortalidade por essa causa (TAVARES, DINIZ; CAMAROTTI,
2007).
Um pensamento comum é que se a pessoa não tem acesso a um meio, ela procura
outro para se matar. A compreensão que se tem sobre o comportamento suicida é que
cada pessoa constitui um significado entorno do método que escolhe para consumar
o ato. Somado a essa hipótese, um dos fatores que compõem o risco de suicídio é a
impulsividade. Quanto maior a dificuldade de acesso ao método eleito, ganha-se mais
tempo hábil para intervenção e para diminuição do impulso que levou ao comportamento
suicida.
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Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV
Abordagem multidisciplinar
Abordagem familiar
A família pode ser um fator de risco ou de proteção em situações de crise suicida. Uma
família capaz de acolher o sofrimento de um de seus membros e se disponibilizar para
ajudá-lo é um fator muito valioso e raro de proteção. Os conflitos familiares permeiam
as relações em diferentes graus. A possibilidade de envolver a família no processo de
superação da crise deve ser buscada.
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UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio
Internação domiciliar
Com o apoio da família é possível lançar mão de uma internação domiciliar, quando
necessário. Na internação domiciliar é importante que a família ou a pessoa identificada
compartilhe com a equipe de saúde o compromisso de prestar os cuidados necessários
para a superação da crise.
A internação domiciliar deve ser uma alternativa a ser avaliada conjuntamente com
a família e o paciente, garantindo um ambiente seguro e acolhedor para que atinja o
propósito de um procedimento que propicie o efeito terapêutico esperado.
Outro recurso que pode ser utilizado é a internação hospitalar ou em clínica especializada.
A internação deve ser considerada como estratégia em casos específicos onde se faz
necessário o afastamento temporário do paciente de um contexto mais crítico onde
não há um suporte possível por parte da família ou outras pessoas significativas para o
paciente.
A Política Nacional de Saúde Mental prevê leitos de saúde mental em hospital geral para
o manejo de casos de alto risco de suicídio. São internações breves para estabilização do
quadro agudo de risco e posterior manejo no CAPS. No serviço privado, as internações
costumam ser mais longas. O ideal é que o paciente receba o acompanhamento
psiquiátrico e psicoterapêutico, assim como o monitoramento necessário durante a
internação.
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Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV
Contrato de vida
O contrato de vida não é uma garantia para prevenir o comportamento suicida. Ele
representa a força do vínculo terapêutico e pode ser mais um instrumento utilizado
para auxiliar o paciente em momentos mais críticos.
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UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio
Dessa forma, é preciso explicitar o que pode ser considerado uma má-prática profissional
em psicoterapia. Em primeiro lugar, para se estabelecer responsabilidade, é preciso
existir relação profissional entre o terapeuta e o paciente. Em seguida, o terapeuta
apenas pode ser imputado de violação da responsabilidade profissional se incorrer em
atos de:
Para o terapeuta, o cuidado para não incorrer em má-prática profissional inclui, no caso
de pacientes com risco de suicídio, uma avaliação adequada do risco de suicídio, com
ferramentas válidas para a compreensão de suas especificidades e em seguida, caso seja
encontrado o risco, a tomada de providências cabíveis. As decisões do terapeuta podem
ser discutidas dentro da categoria profissional, e também intrinsecamente à abordagem
psicoterapêutica escolhida. Nesse sentido, o processo por negligência profissional pode
ser vencido pelo terapeuta se for provado o acesso ao risco e às providências adequadas.
Figura 2.
90
Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV
Porém, a ideia de tirar a própria vida é mais comum em pessoas que já tentaram
suicídio ou em familiares de vítimas de suicídio.
Além disso, persiste um mito de que o indivíduo está fora de perigo ao mostrar
sinais de melhora ou sobreviver à tentativa de suicídio. “A semana que se segue
à alta do hospital é um período durante o qual a pessoa está particularmente
fragilizada”, lembra a ABP.
O suicídio de uma pessoa amada dá um novo tom às vidas que ficaram: Diante
dos efeitos da tragédia, é preciso sobreviver. Não à toa, as pessoas deixadas para
trás são chamadas de sobreviventes, e cada dia seguinte ao suicídio é uma
verdadeira superação.
Pessoas que se encontram nas situações acima podem participar das reuniões
presenciais organizadas pelos Grupos de Apoio aos Sobreviventes de Suicídio
do CVV, conhecidos como CVV GASS.
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UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio
O CVV GASS está presente no Rio Grande do Sul (Porto Alegre e Novo Hamburgo),
Paraná (Curitiba), São Paulo (capital e Sorocaba), Rio de Janeiro (capital), Mato
Grosso (Cuiabá) e Brasília. Ainda neste ano Belém, Recife e Roraima deverão
ganhar grupos.
Se crianças pequenas aprenderem a lidar com suas dificuldades, elas serão mais
aptas a lidar com problemas e crises na adolescência e na idade adulta.
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Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV
Figura 3.
Fonte: <http://www.amigosdozippy.org.br/index/index.php?option=com_content&view=article&id=48&Itemid=29>.
Figura 4.
Fonte: <http://www.amigosdozippy.org.br/index/index.php?option=com_content&view=article&id=48&Itemid=29>.
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UNIDADE IV │ Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio
Aula 3 – Ciúme.
Aula 4 – Nervosismo
Cada aula começa com o professor lendo parte da história e as crianças, por sua
vez, participam em atividades como desenho, dramatização, discussão do tema
e jogos.
Amigos do Zippy não diz às crianças o que elas devem fazer. Não há afirmações
como: “Esta solução é boa e aquela é ruim”. Em vez disso, o programa encoraja
as crianças a explorarem alternativas, a analisarem consequências e a pensarem
por si mesmas.
Esperança
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Todas as buzinas
Atira-se
E – ó delicioso voo!
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Instrumentos de avaliação e estratégias de manejo do risco de suicídio │ UNIDADE IV
Mário Quintana
95
Referências
BARRERO, S. P.; NICOLATO, R.; CORRÊA, H. Fatores de risco para o suicídio durante
o ciclo da vida humana. Em Corrêa, H., Barrero, S.P. (2006). Suicídio: uma morte
evitável. São Paulo: Editora Atheneu, (2006).
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Referências
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events and suicide risk among jail inmates: The influence of types of events,
time period and significant others. Journal of Traumatic Stress, 15(1): pp. 9-16, (2002).
BOTEGA, N. J.; CANO, F. O.; KOHN, S. C.; KNOLL, A. I.; PEREIRE, W. A. B.; BONARDI,
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hospital geral. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 44(1): pp. 19-25, (1995).
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Referências
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Atheneu, (2006).
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ERNEST, C.; LALOVIC, A.; LESAGE, A.; SEGUIN, M.; TOUSIGNANT, M.; TURECKI,
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Grande do Sul, 26(3): pp. 268-273, (2004).
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103
Referências
104
Anexos
Percebia sua rede social de apoio como deficitária. Referia ter muitos amigos, mas sentia-
se extremamente só. Reconhecia seu comportamento por vezes imaturo e também a
necessidade de desenvolver habilidades emocionais para lidar consigo mesmo e com
os demais.
Desejava e via a necessidade de acompanhamento psicológico, mas ainda não tinha acesso
ao tratamento. A rede de saúde pública não considerou o caso grave o suficiente para
integrá-lo aos tratamentos em saúde mental disponíveis e o encaminhamento realizado
não viabilizou o acesso ao serviço referenciado.
105
anexos
Recomendações
Ricardo estava sem qualquer vínculo que possibilitasse o acesso a tratamento. Era
indicada uma orientação com encaminhamento responsável ou transição de cuidados
para atendimento psicológico em clínicas-escolas ou outros recursos de tratamento
disponíveis na comunidade. Esse procedimento envolveria ligar para as instituições
indicadas, garantindo a informação adequada e o acesso aos atendimentos. Apesar
de não reconhecer o uso de substâncias como um problema, havia indicação para
tratamento em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas – CAPS ad, onde ele
poderia receber atendimento integral e desenvolver maior consciência de seu padrão de
consumo abusivo de drogas e seus malefícios crescentes.
Maria apresentava ideação suicida sem um plano específico, com considerações vagas
sobre método. A ideação suicida ocorria várias vezes ao longo do dia, quase todos os
dias, referindo êxito em mudar de pensamento diante de algum esforço. Os estressores
eram crônicos e estavam relacionados com os sintomas psicóticos. Sentia-se perseguida
e ameaçada pelos cuidadores do abrigo e tinha alucinações visuais com três deles. As
tentativas anteriores foram marcadas pela impulsividade. Embora Maria referisse
arrependimento por ter tentado o suicídio, sentia que não podia confiar em si mesma,
temendo realizar uma nova tentativa. Os sintomas psicopatológicos ainda eram severos
e persistentes, o que levantava à necessidade de revisão da terapia medicamentosa.
Maria ainda aguardava atendimento psicológico. Referia-se ao trabalho como um
fator de proteção importante contra a ideação suicida. Entretanto, era no contexto de
trabalho que tinha maior acesso a meios letais.
106
anexos
Recomendações
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