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Brasília-DF.
Elaboração
Produção
Apresentação.................................................................................................................................. 4
Introdução.................................................................................................................................... 7
Unidade I
INICIANDO OS ESTUDOS......................................................................................................................... 9
Capítulo 1
Introdução ao tema – abordagens clínicas psicoterápicas......................................... 9
Capítulo 2
As diferentes abordagens clínicas psicoterápicas – o que é uma psicoterapia?...... 15
Unidade II
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM..................................................................................................... 38
Capítulo 1
Abordagens analíticas...................................................................................................... 38
Capítulo 2
Outras abordagens............................................................................................................ 53
Unidade III
CASOS CLÍNICOS................................................................................................................................. 78
Capítulo 1
Análises de casos clínicos em abordagens analíticas................................................. 78
Capítulo 2
Análises de casos clínicos em outras abordagens...................................................... 87
Unidade IV
CASOS CLÍNICOS............................................................................................................................... 103
Capítulo 1
Análises de casos clínicos em psicoterapia breve psicodinâmica............................ 103
Referências................................................................................................................................. 116
Apresentação
Caro aluno
Conselho Editorial
4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Atenção
5
Saiba mais
Sintetizando
6
Introdução
Sejam bem-vindos ao nosso conteúdo da disciplina Casos Clínicos em Psicoterapias.
Esta apostila foi elaborada para que você possa conhecer as diferentes psicoterapias,
seus objetivos, teorias, técnicas e resultados por meio da demonstração de estudos de
casos clínicos nas diferentes abordagens. Porém, nosso foco maior será a abordagem da
psicoterapia breve psicodinâmica.
Por fim, esperamos que você absorva o máximo de aprendizado por meio da leitura
desta apostila, das leituras complementares indicadas e das tarefas a serem realizadas
durante o curso.
Objetivos
»» Apresentar casos clínicos nas diferentes abordagens para os alunos e que
eles absorvam de maneira eficaz o conteúdo.
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INICIANDO OS ESTUDOS Unidade I
Capítulo 1
Introdução ao tema – abordagens
clínicas psicoterápicas
Histórico e definição
Figueiredo (2004) destaca que os estudos de casos clínicos surgiram a partir das
práticas da psiquiatria, da psicanálise (herdeira da psiquiatria), sendo que esta tem
como herança a própria psicopatologia. Freud, ao estudar o inconsciente, lança a
psicanálise numa nova referência que redimensiona o alcance diagnóstico, indo da
descrição à dinâmica; do fenômeno à estrutura (FIGUEIREDO; MACHADO, 2000).
Logo, essa concepção rompe com concepções anteriores de diagnóstico e tratamento
criando novas exigências para ambos e abrindo uma nova porta para a psicopatologia.
A referida autora enfatiza que, no campo da saúde mental, parte-se do geral para o
particular: o diagnóstico. A psicanálise introduz uma concepção que avança do particular
para o singular, retomando a partir dos efeitos colhidos. A ação clínica atua sobre o geral,
dado por determinadas diretrizes do campo da saúde mental, como: a reabilitação, a
cidadania, a autonomia etc. Já o singular, nesse caso, seria a articulação do particular de
uma referência diagnóstica (histeria, esquizofrenia paranoide etc.), com o movimento
do sujeito inconsciente. Conforme Figueiredo (2004), está é a primeira diferença:
o sintoma não vai sem o sujeito, nem o sujeito pode ser pensado fora de seu sintoma.
Um se constitui no outro, o sujeito por meio do sintoma e vice-versa. Deste modo,
diagnóstico e tratamento seriam indissociáveis e intercambiáveis: o tratamento também
definiria o diagnóstico e não apenas o contrário.
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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS
Figueiredo (2004) afirma, portanto, que um estudo de caso não pode ser mais do que
um relato compilado de acontecimentos e procedimentos dispostos em uma sequência
com critérios pré-estabelecidos e procedimentos dispostos em uma sequência com
critérios pré-estabelecidos a serem preenchidos. Segundo ela, este é o caso da anamnese,
que resulta na súmula psicopatológica padronizada que viceja nas sessões clínicas da
psiquiatria. Essa é a diferença, todo o esforço diagnóstico deve se descolar dessa assepsia
para trazer à cena o sujeito e suas produções. E este só aparece pela via do discurso, no
qual podemos localizar seu sintoma ou seu delírio.
Outra palavra utilizada é o termo clínica, que vem do grego Kline, leito; o sentido da
clínica, segundo Figueiredo (2004), é debruçar-se sobre o leito do doente e produzir um
saber a partir disso. Resumindo, “a construção do caso clínico” em psicanálise é o (re)
arranjo dos elementos do “discurso do sujeito que ‘caem’, se depositam com base em
nossa inclinação para colhê-los, não ao pé do leito, mas ao pé da letra”. São incluídas
ações do sujeito, e estas são norteadas por uma determinada posição no discurso. A fala
(parole) tem a dimensão do enunciado (os ditos) e da enunciação (o dizer), que seria
a “posição no discurso”. Observa-se que o caso não é o sujeito, é uma construção com
base nos elementos que recolhemos de seu discurso, que também nos permitem inferir
sua posição subjetiva, isto é, se fizermos uma torção do sujeito ao discurso, podemos
retormar sua localização baseando-nos nesses indicadores, do dito pelo não dito, esse
método é aplicável a diferentes contextos clínicos.
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INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I
A autora alerta que decidir absolutamente sobre a verdade deste ou daquele caso estaria,
em contradição com uma supervisão verdadeiramente analítica. Porém, ao contrário da
supervisão, a discussão não se encerra ao término da sessão, ela continua e remeter-se ao
pesquisador/analista que apresentou o caso. No primeiro momento, ocorre um retorno
sobre ele em sua condição de sujeito (ainda não difere da supervisão). No segundo
momento, ocorre a reapropriação do saber pelo analista na condição de pesquisador.
O entrelaçamento das funções de sujeito, pesquisador, analista rompe qualquer rigidez
de posição diante do saber. Portanto, sustentamos a construção e não a supervisão
manejando os impasses que atravessam o cotidiano de nossa prática, apostando na
formalização possível de seus princípios.
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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS
argumento seria que todo enunciado já está no campo do eu, pois o sujeito é sempre
intervalar e evanescente. Portanto, trata-se de perceber que o importante é distinguir
dois enunciados que correspondem a duas posições: “eu não a quero mais, quero outra”,
irrompe a partir de algo que insistia, até então silenciosamente. Ao passo que “eu a
quero mais que as outras” é uma fala que permanece reinsistindo, agora explicitamente
estabelecendo os caminhos habituais do sujeito.
A referida autora afirma que a psicanálise não é o efeito de um saber do outro sobre
uma história, e sim o feliz encontro entre as ferramentas conceituais do analista –
pulsão e objeto, por exemplo – e as contingências de uma história, produzindo um
caso e, no melhor dos casos, um novo sujeito. Buscamos, desse modo, estar próximos
da possibilidade de constituir enunciados positivos sobre este saber propriamente
psicanalítico, singular e inventado a cada nova situação (FIGUEIREDO et al., 2001).
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INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I
Esse caso não chegou a uma formulação próxima de uma construção. Por isso mesmo,
não se sabia o que fazer diante do modo como esse sujeito se apresentava, e a equipe só
restava atender à demanda do marido, acolhendo, cuidando, sem dúvida, medicando o
sintoma, trazendo até mesmo certo alívio, por vezes, mas nunca trazendo à tona algo da
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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS
verdade desse sujeito como produção sua, algo pelo que pudesse se responsabilizar em
vez de se portar como uma espécie de pária social.
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Capítulo 2
As diferentes abordagens clínicas
psicoterápicas – o que é uma
psicoterapia?
Wolderg (1988 apud CORDIOLLI, 1998) define que as psicoterapias são métodos de
tratamento para problemas de natureza emocional, nos quais uma pessoa treinada,
mediante a utilização de meios psicológicos, estabelece deliberadamente uma relação
profissional com a pessoa que busca ajuda, visando remover ou modificar sintomas
existentes, retardar seu aparecimento, corrigir padrões disfuncionais de relações
interpessoais, bem como promover o crescimento e desenvolvimento da personalidade.
Para atingir tal objetivo, o terapeuta utiliza especialmente a comunicação verbal e a
relação terapêutica como para influenciar o paciente e fazer com que ele modifique
emoções, pensamentos, atitudes ou comportamentos considerados desadaptados.
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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS
Técnica
Objetivos e indicações
A psicanálise foi criada no final do século passado por Freud, e foi durante muito tempo
a principal técnica psicoterápica praticada. No entanto, conforme Cordiolli (1998),
em virtude das condições que exige do paciente e de seus altos custos, sua utilização
tem-se tornado mais restrita, embora seja um método que reúna as maiores
possibilidades de efetuar mudanças profundas no caráter, por meio do insight sobre
conflitos psíquicos inconscientes. A psicanálise busca tratar problemas de natureza
crônica, cuja origem situa-se em dificuldades ocorridas no passado, em especial nas
relações com os pais, mesmo que suas manifestações ocorram no presente, tendo
por objetivos a reorganização da estrutura do caráter e a correção de lacunas do
desenvolvimento em pacientes com traços de personalidade, mas com aspectos do ego
relativamente preservados.
Conforme Cordiolli (1998), a psicanálise exige uma motivação bastante forte para
efetuar mudanças de vida, pela busca de autoconhecimento. Para tanto, o paciente
deve ser capaz de introspecção e insight. Deve ter disposição para se envolver num
tratamento de longa duração, capacidade para estabelecer uma relação terapêutica
estável, comunicar-se com o terapeuta de forma honesta, por meio de palavras e não
de ações; disposição para sacrifícios em que questões de tempo, dinheiro etc. e não ser
portador de problemas de natureza aguda intensos, para os quais são mais indicadas
outras formas de tratamento.
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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS
Contraindicações
Teoria
Técnica
O terapeuta adota atitudes ativas utilizando, além de intervenções que visam o insight,
outras de caráter de apoio como: sugestão e educação, clarificação, aconselhamento etc.
A preocupação maior é o com futuro e menor com o passado (MALAN, 1981; SIFNEOS,
1979, 1984; MACKENZIE, 1988 apud CORDIOLLI 1998).
Ainda conforme Cordiolli (1998), o paciente ideal para a psicoterapia breve dinâmica
geralmente tem problemas focais, mesmo que antigos, e áreas da personalidade
funcionante; é altamente motivado; tem boa capacidade de insight e de se vincular
rapidamente ao terapeuta. Na verdade, são poucos os que preenchem os critérios
exigidos por esta forma de terapia.
O referido autor cita que a delimitação do tempo faz com que prematuramente surjam
questões envolvendo alta e separação e que precocemente seja estimulada a autonomia,
a autoestima, a atividade, a independência (reforços de aspectos positivos do ego).
O paciente senta-se frente a frente com o terapeuta, em sessões que variam de uma a duas
vezes por semana no período inicial, tornando-se mais espaçadas quando se aproxima
o término do tratamento.
Objetivos e indicações
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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS
Segundo Cordiolli (1998), o paciente deve ser capaz de separar-se por ocasião de alta
e demonstrar motivação para efetuar mudanças, por meio da compreensão de suas
dificuldades. E não deve ter problemas que possam ser agravados, se mobilizadas
algumas defesas, nem devem ser numerosos, difusos ou severos.
Indicações
Contraindicações
»» Psicoses.
»» Transtornos do humor.
»» Transtorno do pânico.
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INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I
A psicanálise Kleiniana
Neves (2007) aponta que desde os anos 1940 do século passado, época em que famosas
discussões controversas envolveram os membros da Sociedade Britânica de Psicanálise
entre 1942 e 1944, o sistema kleiniano de psicanálise se consolidou de maneira
progressiva e definitiva dentro da própria sociedade britânica e, a seguir, se expandiu
para outros países, sendo que o último local aonde foi instalado grupos de orientação
kleiniana nos EUA, a psicologia do ego, inspirada no trabalho de Heinz Hartmann e
respaldada por Anna Freud.
O sistema kleiniano é resultante da integração entre a teoria e a prática clínica, sendo esta
a maneira Melaine Klein e seus seguidores concebem e exercem a psicanálise. Observa-
se que Melaine Klein sempre se considerou uma seguidora de Freud, porém, ele a tratou
com indiferença, visto que divergiam radicalmente da orientação do mesmo trabalho
desenvolvido por Anna Freud. “Porém, as contribuições de Melaine Klein à psicanálise
se desenvolveram a partir de alguns dos textos de Freud: “Além do Princípio do Prazer”
(1920), “ O Ego e o Id” (1923) e “Inibição, Sintoma e Angústia” (1926).
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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS
Segal (1982) apud Neves (2007) relata que este cita fatores que fazem
parte da psicanálise kleiniana o setting psicanalítico, a frequência de
sessões semanais (ideal o número de cinco sessões), o uso do divã, e
ressalta a interpretação como instrumento essencial de trabalho do
analista, que deve evitar rigorosamente todas as formas de crítica, apoio,
conselho, julgamento, encorajamento e reasseguramento.
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INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I
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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS
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INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I
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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS
Em 1960, Melaine Klein, em um dos seus últimos trabalhos publicados “Sobre a saúde
mental”, ela faz uma revisão de suas ideias sobre o desenvolvimento da personalidade e
suas vicissitudes e trata do que chama de impulso à integração. Klein diz que este impulso se
origina de um sentimento de que as diferentes partes do self são distantes e estranhas umas
das outras. Conforme Neves (2007), também faz parte dele “o conhecimento inconsciente
de que o ódio só pode ser mitigado pelo amor e se os dois sentimentos forem mantidos
separados, esta mitigação não pode se dar”. Klein diz que todo processo de mudança e de
integração implica numa experiência de dor, pois a excisão do ódio, da destrutividade e
de suas consequências acarreta sentimentos de angústia e sofrimento. Diz ainda que, em
uma pessoa normal, mesmo quando há alguma oscilação entre os efeitos causados por
experiências perturbadoras, internas ou externas, o impulso à integração entra em ação.
Portanto, como afirma Neves (2007), somente por meio do trabalho reiterado das
fantasias inconscientes, do vivido transferencial e da redução das dissociações internas
com a consequente integração do ego e melhor capacidade de lidar com a realidade, é
possível obter um ganho de qualidade de vida no viver, nas relações com as pessoas,
no trabalho e na criatividade. A análise visa proporcionar o crescimento pessoal e só
pode ser conseguido com muito trabalho e não sem sofrimento, pois nada na vida é de
graça. Logo, o objetivo da psicanálise kleiniana é proporcionar aos analisandos meios
de obtenção de mudança psíquica.
Psicoterapia comportamental
Teoria
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INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I
Técnica
»» Prevenção da resposta.
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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS
»» Modelagem.
»» Condicionamento clássico.
»» Relaxamento.
»» Biofeedback.
»» Inundação etc.
Essa terapia exige do paciente uma alta motivação para aderir ao tratamento, expor-se
a situações provocadoras de ansiedade e uma boa aliança de trabalho para levar adiante
as tarefas estabelecidas em comum acordo com o terapeuta.
Indicações
»» Fobias específicas.
»» Estresse pós-traumático.
Contraindicações
»» Depressão severa.
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INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I
Terapia cognitiva
É baseada na psicologia cognitiva e social, na teoria do processamento patológico das
informações, da teoria psicanalítica e na investigação empírica clínica. Cordiolli (1998)
afirma que a premissa básica é que a maneira como as pessoas interpretam suas
experiências determina como elas sentem e se comportam. Emoções sentidas em
determinadas ocasiões podem desencadear pensamentos automáticos, por exemplo:
antecipações catastróficas, sobre os quais o paciente não tem controle ou crítica e que
podem determinar um incremento maior das emoções, tornando-as disfuncionais.
E este depende dos sistemas de crenças subjacentes (que significa conceito de si mesmo,
julgamentos, regras) que criam um terreno propício para interpretações distorcidas
dos fatos.
As emoções básicas surgem por percepções ou temas cognitivos que podem ser
distorcidos: tristeza, perda, abandono, rejeição, alegria, ganho, aprovação, ansiedade,
preocupações com a própria vulnerabilidade em situações de perigo, ameaça e raiva,
quando em virtude de se sentir ameaçado por parte dos outros a pessoa utiliza de
comportamento agressivo para se defender. Observa-se que cada uma destas ocasiões
provoca comportamentos coerentes com as emoções percebidas: ruptura ou incremento
de uma determinada relação, evitação ou retraimento, entre outros (BECK, 1995).
Essa teoria parte ainda da premissa que nos diferentes transtornos mentais existem
pensamentos disfuncionais a distorções cognitivas típicas: visão negativa de si
mesmo, da realidade à sua volta e em relação ao seu futuro nas depressões (tríade
de Beck); visão exageradamente otimista de si mesmo, da realidade e do futuro na
mania, pensamentos automáticos disfuncionais: antecipações catastróficas no pânico,
e nas fobias; avaliação irreal do risco no transtorno obsessivo-compulsivo, além de
“esquemas disfuncionais” nos transtornos de personalidade, relações conjugais e
familiares. (BECK, 1995).
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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS
Destacam-se como autores responsáveis pelo desenvolvimento desta teoria: Beck, Ellis,
Mahoney, Lazarus, Freeman, entre outros (BECK, 1997).
Técnica
A duração da psicoterapia cognitiva tem como uma proposta ser breve e objetiva com
duração entre 10 e 20 sessões. As intervenções têm como objetivo identificar e corrigir
emoções, cognições distorcidas, crenças subjacentes, pensamentos automáticos,
“esquemas” disfuncionais que determinam o estilo desataptativo das relações
interpessoais disfuncionais: o exame das evidências e alternativas, a “descatastrofização”
(BECK, 1997).
O terapeuta tem uma postura ativa e o paciente um colaborador, para que os problemas
possam ser solucionados. A terapia é estruturada por meio de agenda, temas e tarefas
para casa, registro diário de pensamentos disfuncionais e avaliação constante do curso da
terapia. Técnicas comportamentais como: exposição, prevenção da resposta, modelagem,
role-playing, relaxamento. Trata-se também de um método psicoeducacional: procura
ensinar novas habilidades ao paciente, para melhor proteger-se de novas crises e manejar
melhor seus conflitos. O terapeuta reconhece e maneja a transferência para identificar
“esquemas” disfuncionais conforme Cordiolli (1998).
Objetivos e indicações
É importante que o paciente tenha como pré-requisitos: ter alto grau de disfunção
cognitiva claramente identificada, capacidade de identificar pensamentos
disfuncionais e comunicá-los, ser curioso e inquisitivo sobre si mesmo, ter mantido
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INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I
Teoria e técnica
Essa abordagem, conforme Cordiolli (1998), baseia-se na teoria geral dos sistemas de
comunicação, dos pequenos grupos, na teoria psicodinâmica (das relações de objeto)
e comportamental, entre outras. As sessões são semanais com todos os membros
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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS
presentes, podendo posteriormente passar a ser quinzenais ou até mensais, com apenas
partes dos membros presentes (subsistemas).
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INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I
Contraindicações
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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS
A abordagem da filosofia
fenomenológico-existencial
Boris (2008) aponta que Binswanger e Boss (MILLON, 1979) nos esclarecem sobre
as origens do movimento fenomenológico-existencial em psicologia e psicoterapia:
“[...] a orientação da pesquisa existencial em psiquiatria surgiu da insatisfação com
esforços para ter uma compreensão científica na psiquiatria [...]”. A psicoterapia
e a psicologia, como ciências, estão preocupadas com o homem, em si mesmo.
A nova concepção de homem é baseada na ideia de que o homem não é mais
compreendido em termos de uma teoria seja mecanicista, biológica ou psicológica,
mas na sua estrutura total ou articulação total da existência do SER-NO-MUNDO
(in-der-Welt-sein).
May (1885) apud Boris (2008) relata que houve resistência à abordagem fenomenológica
nos Estados Unidos, visto que é um país predominantemente tecnicista e a orientação
fenomenológica-existencial não busca técnicas, mas trabalha em uma perspectiva
compreensiva que possa clarear todas as técnicas particulares: “em uma palavra,
o existencialismo é o esforço por compreender o homem eliminando divisão entre
o sujeito e o objeto que torturou o pensamento e a ciências ocidentais desde pouco
depois do Renascimento” (p.29). O existencialismo é a filosofia da existência, termo que
provém de existir, derivado do verbo latino “ex-sistere” o qual significa literalmente:
sair, emergir, aflorar (MAY, 1958a, p. 30).
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INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I
Kierkergaard (1979) tratou sobre ansiedade 50 anos antes de Freud, discutiu também
sobre a depressão e o desespero produzidos pela autoalienação, classificando-a de
acordo com tipos e intensidade. Também analisou a autoconsciência, os conflitos
interiores, a perda do eu, e os problemas psicossomáticos. Definiu a ansiedade como
“verdugo da liberdade”, acrescentando que a “ansiedade é a realidade da liberdade de
estado de potencialidade anteriormente a materializar-se essa liberdade” (apud MAY,
1958, p. 76).
Conforme Boris (2008), a angústia é um dos temas mais característicos e mais presentes
nos processos psicoterápicos de cunho fenomenológico existencial. A importância
da angústia se deve ao fato de que ela propicia uma vivência antecipada da própria
morte, pois um dos temas existenciais mais incômodos é o da morte, a aniquiladora dos
projetos humanos, tornando-os nada. Por outro lado, vários existencialistas afirmam
que o confronto com a morte proporciona à vida sua realidade mais positiva, tornando
a existência mais plena, real e concreta, destacando a singularidade do homem,
individualizando-o e fazendo-o compreender a potencialidade do SER.
Para May (1958, p. 72), a forma mais extensa e onipresente que adota em nossos dias
nossa repugnância a enfrentarmos com o não ser, seja o conformismo, essa tendência
do sujeito de deixar-se absorver pela maré de atitudes e respostas coletivas, perder-se
na humanidade impessoal com a correspondente perda de sua própria consciência e
potencialidades e de quanto o caracteriza como ser original e único. Com este recurso,
a pessoa escapa da ansiedade de não ser, mas a preço de anular suas forças no sentido
da existência.
A ansiedade é considerada por May como uma característica ontológica humana inerente
à sua própria existência. “Não é somente como um afeto qualquer: a ansiedade é a
experiência da ameaça iminente de não ser”. Boris (2008) cita que Goldstein afirmava
que ansiedade não é algo que temos, mas algo que somos (apud MAY, 1958, p.74), uma
ameaça ao eu não exclusiva de psicóticos, atingindo tanto o caráter neurótico quanto o
normal. Surge quando o homem percebe ameaça de ruína à sua existência, de que ela
possa fundir-se ao seu mundo, transformando-se em nada.
35
UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS
realizá-las. Quer dizer que a culpa é também uma característica ontológica da existência
humana. Descreve algumas peculiaridades da culpa ontológica:
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INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I
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UMA VISÃO DE CADA Unidade II
ABORDAGEM
Capítulo 1
Abordagens analíticas
Psicanálise
Machado e Vasconcelos, em Cordiolli (1998), informam que Freud (1905) escreveu o
seguinte, no artigo “Sobre psicoterapia”:
Então, segundo esses autores, Freud propõe uma técnica de tratamento psicoterápico
com objetivos mais ambiciosos do que até então se havia existido e denominou esta
técnica de psicanálise. E é a partir dela que novas técnicas de psicoterapia foram
estudadas e sistematizadas, sendo que algumas se mantiveram mais ligadas às propostas
teóricas da psicanálise e outras seguiram caminhos diferenciados.
Machado e Vasconcelos (apud CORDIOLLI, 1998) destacam que Wallerstein (1989) faz
uma revisão histórica apontando três momentos diferentes sobre as formas terapêuticas
advindas da psicanálise. Primeiramente, o que ele conceitua a “pré-história da
psicoterapia”, caracteriza-se por um período em que a psicanálise era considerada como
único método psicoterapêutico eficaz, colocando as formas diferentes de psicoterapia
sob o qualitativo único de sugestão. Assim, a psicanálise, neste primeiro momento, era
uma modalidade já definida em relação aos seus objetivos e à sua prática, enquanto que
em oposição à psicoterapia faltava uma definição clara de suas características.
38
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
Neste caso, conforme Machado e Vasconcelos (1998), são dois os enfoques utilizados.
O primeiro foi definido por Alexander e From-Reichmann e propõe a diluição destas
fronteiras, igualá-las; considera que o uso da teoria psicanalítica pelas duas formas
de psicoterápicas seria o elemento central em sua aproximação; não valoriza as
diferenças de técnica, por exemplo, como frequência das sessões, uso do divã e duração
do tratamento. Já o segundo enfoque, conforme os autores, o qual foi defendido
por Gill, Stone e Rangell (1954), objetiva aprofundar as diferenças entre uma técnica
e outra, a psicanálise, ficando a psicoterapia de orientação analítica mais próxima
da psicanálise.
A última etapa descrita por Wallerstein, conceituada por ele como contemporânea,
procura aprofundar os pontos de consenso até então alcançados quanto à natureza
da psicoterapia de orientação analítica ou dinâmica e sua relação com a psicanálise.
A psicanálise, conforme Laplanche e Pontalis (1995) pode ser compreendida em
três níveis:
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UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
Objetivos e técnica
A associação livre é um destes elementos técnicos que se destaca como regra fundamental
da psicanálise, que consiste na atitude básica do paciente de dizer tudo o que lhe vem à
mente, sem omitir nada, mesmo que lhe pareça sem importância ou sentido, ou mesmo
que lhe seja doloroso. O não cumprimento desta regra constitui-se um campo aberto
para resistências ao processo analítico, pois lembranças aparentemente sem sentido
ou que seriam motivo de dor ou vergonha para o paciente (em função disto seriam
normalmente caladas) podem estar escondidos elementos que permitam uma maior
compreensão do seu mundo interior.
Machado e Vasconcelos (apud CORDIOLLI, 1998) afirmam que outro meio que
possibilita o acesso ao material inconsciente do analisando é a transferência, tida
como: “o conjunto dos fenômenos e processos psicológicos do paciente dirigidos ao
analista e derivados de outras relações de objetos anteriores” (RACKER, 1982, p. 20).
A transferência inicialmente foi tida como resistência ao processo analítico e depois
assumiu um papel central na psicanálise. A transferência é tida como uma repetição,
deslocada em relação ao analista, dos processos psicológicos que originalmente
foram direcionados aos pais, a transferência tornar-se um instrumento de trabalho
fundamental, por trazer para a atualidade aquilo que só poderia ser observado por
meio da reconstrução histórica. A vivência destes sentimentos pelo paciente oferece
ao analista um campo fértil para por intermédio das interpretações transferenciais,
40
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
Há também os critérios caracterizados como extrínsecos tais como: frequência das sessões,
o divã, um paciente relativamente bem integrado e um analista treinado. Freud enfatiza
em seus artigos a importância de uma analista bem treinado. (FREUD, 1912, 1913)
Bibring (1954) descreve cinco tipos diferenciados, utilizáveis no continuum, das técnicas
psicoterápicas:
41
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
Indicações e contraindicações
Observa-se que a motivação do paciente para o tratamento são, além de sua capacidade de
estabelecer uma aliança terapêutica, seus recursos para manejar ansiedade, sua capacidade
de introspecção e de diferenciar a fantasia da realidade. Além dos critérios diagnósticos
e das capacidades de ego do paciente, são levados em consideração: a motivação do
paciente para o tratamento, a natureza do conflito neurótico do paciente. Ainda, além dos
primeiros critérios referidos, a indicativa conflitiva deve ser suficientemente intensa e
extensa, de modo que ter a solução satisfatória por meio de um rearranjo das relações
internas do objeto.
Esses autores apontam que o paciente, ao iniciar a psicanálise, deve está ciente que
durante anos fará o tratamento que exigirá sua presença frequentemente a várias
sessões semanais. A idade do paciente é outro fator que pode interferir na decisão
terapêutica. Mesmo que Freud não acreditasse na possibilidade de realizar análise
com crianças, avanços teóricos e técnicos futuramente possibilitaram o tratamento
psicanalítico na infância. Sobre os idosos, Freud a considerou contraindicada para
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UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
psicanálise, pois acreditava que haveria muito material para ser analisado, o que
alongaria demasiadamente o tratamento, além de existir menor capacidade de mudanças
psíquicas com o avanço da idade. Por isso, é importante levar em consideração a idade
do idoso no tratamento e buscar adequá-lo à idade do paciente.
Etchegoyen (1989 apud CORDIOLLI, 1998) fez um estudo histórico dos critérios de
indicações e contraindicação para a psicanálise, no qual pode ser evidenciado pontos de
consenso sobre as contraindicações. Casos de psicose são considerados contraindicados
ao tratamento analítico, assim como casos agudos ou emergências (o paciente suicida,
por exemplo). O mesmo vale para as perversões, uso de drogas e psicopatias, os quais
haveria dificuldades ao tratamento e dificilmente evoluindo de maneira favorável.
Pacientes com ganhos secundários que estão enfermos também seriam contraindicados
para a psicanálise.
Resultados esperados
Bachrach (1991 apud CORDIOLLI, 1998) fez uma revisão dos trabalhos sobre a eficácia
da psicanálise e, depois da análise dos resultados de várias pesquisas sobre o tema,
concluiu que as pesquisas são equivalentes às descrições clínicas, as quais confirmam
que pacientes com uma indicação adequada para o tratamento psicanalítico são os que
mais se beneficiam deste tipo de terapia, afirma ainda que o maior benefício recai sobre
os que têm um melhor funcionamento prévio à psicanálise.
Tal autor relata que os trabalhos avaliados apresentam algumas falhas metodológicas,
pois não oferecem a possibilidade de comparações desta modalidade terapêutica com
as demais psicoterapias, para específicas formas de tratamento. Aspectos relativos à
experiência do terapeuta e a observação de se a técnica foi utilizada com adequação e
efetivamente empreendeu-se o tratamento psicanalítico são fatores que influenciam
estas pesquisas.
43
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
tema que possa basear as interpretações. O que acarretou várias mudanças na técnica
analítica clássica que fizeram da PB uma forma diferenciada de tratamento.
44
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
A pesquisa de Alexander e French (1946) concluiu que o fator curativo nas psicoterapias
é o que os autores chamaram de experiência emocional corretiva, cujo princípio é a
reexposição do paciente a situações emocionais semelhantes às experienciadas no
passado, as que não conseguiu resolver. Portanto, é fundamental a atividade do terapeuta,
diferente da atitude parental, oferecendo condições mais favoráveis ao paciente.
O princípio fundamental da técnica, segundo os autores, é a flexibilidade no tocante à
atividade ou passividade do terapeuta e ao manejo da situação transferencial. Um dos
aspectos técnicos centrais é o controle do nível de aprofundamento da transferência, por
isso a mudança na variação na frequência das sessões, podendo interromper mais ou
menos o tratamento e interpretações centradas em torno da situação atual do paciente.
Em vários estudos de casos clínicos, Malan (1976) concluiu que a PBD pode obter
melhoras duradouras em pacientes com doenças moderadamente graves e de longa data.
Priorizou o uso de interpretações transferenciais desde o início do tratamento, o que seria
decisivo como instrumento terapêutico. Criou o uso de uma técnica focal, caracterizada
por um objetivo limitado, um foco formulado em uma interpretação essencial na qual
se baseia a terapia. Observou como fatores essenciais de bom prognóstico a motivação
e a focalização. Defendeu o tempo limitado como um importante instrumento, o qual
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UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
deve ser combinado desde o início do tratamento, examinado e trabalho durante ele.
Notou que os pacientes eram capazes de terem benefícios pela elaboração parcial do
conflito nuclear da transferência. Também partiu do conceito de triângulos, criado por
Menninger (1958), para desenvolver seu trabalho. Sendo que o primeiro triângulo do
conflito consiste na defesa, ansiedade (sintoma) e impulso. O segundo triângulo das
pessoas considera a relação do paciente com os pais (passado), com outras pessoas
significativas do presente (atual) e com o terapeuta (transferência).
Cordiolli (1998) cita que Mann (1973) criou vários limites pragmáticos em relação ao
tempo, que teriam como objetivo a diminuição do risco de dependência dos pacientes.
Estabeleceu 12 sessões como um número definido, alertando que este limite deveria
ser estabelecido desde o início do tratamento. A alta deveria ser colocada em caráter
definitivo e, se existisse a necessidade de estender o tratamento, isto deveria ser feito
de forma inesperada. Para Mann, as crises vitais são momentos ideais para este tipo
de tratamento.
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UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
Triagem de pacientes
1. queixa circunscrita;
2. inteligência;
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UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
Alguns autores têm realizado estudos mais precisos com relação a seleção e a indicação
de pacientes para PBD. Como Winston e colaboradores (1984) estudaram pacientes
com transtornos de personalidade, encontraram melhora significativa com tipo C de
personalidade (evitativos, obsessivos e dependentes) e melhora parcial para paciente
com o tipo B de personalidade (bordeline, histriônicos e narcisistas), em um período
de um ano e seis meses. Wilbor e Dahl (1996) encontraram que a combinação de PBD e
o uso da clomipramina diminuía significativamente a taxa de recaída no transtorno do
pânico, quando comparada ao uso isolado de medicação.
48
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
Segundo Cordiolli e colaboradores (1998), o paciente ideal deve ser capaz de fazer uma
aliança rapidamente de trabalho e vincular-se ao terapeuta, ter facilidade de expressar
seus sentimentos e demonstrar interesse em compreendê-los, o que precisa ter uma boa
estrutura do ego. Deve estar motivado para ir além de aliviar os sintomas, apresentar
bom nível de adaptação prévia, áreas da personalidade funcionantes e capacidade para
se preparar para a alta.
O processo ocorre entre cinco a vinte sessões. Hoglend (1993) sugeriu que, ao final de
um estudo com 43 pacientes, 25 seria o limite máximo de sessões, momento no qual
diminuiria a aderência focal. Observa-se que é um tratamento com objetivos terapêuticos
bem limitados e, no decorrer do seu processo, o terapeuta tem uma atividade bem
diferenciada de outras terapias direcionadas ao insight. O trabalho inicia-se com a
formulação de uma hipótese inicial psicodinâmica que inclui os sintomas apresentados
pelo paciente, sua relação com o conflito atual, com o conflito central, suas possíveis
manifestações na transferência e o estabelecimento dos critérios de melhora (MALAN,
1976). Está hipótese será testada ao longo do tratamento e servirá para orientar as
interpretações do terapeuta.
A PBD utiliza conceitos como “atenção seletiva” e “negligência seletiva” criados por
Malan (1963), que orienta a atenção do terapeuta para o foco (tema predominante
escolhido pelo paciente e pelo terapeuta, no qual se estabelece o terceiro conceito, o
de “interpretação seletiva’’. O trabalho é iniciado por meio das associações livres e,
após ouvi-lo, o terapeuta busca identificar no material as conjunturas possíveis como
foco, possibilitando mais interpretações e assim assume um papel ativo. O paciente
é motivado a concentrar sua atenção e interesse no foco, que progressivamente
vai sendo examinado a partir de várias facetas, inclusive sob a ótica transferencial.
Alusões diretas e indiretas à transferência, especialmente a negativa, são aproveitadas
como conflito presente, agora vivido com o terapeuta. A transferência, interpretada
na relação terapêutica, é remetida ao foco e serve como elemento a mais para que o
paciente perceba a vinculação de seu sintoma ou problema atual com algum conflito
inconsciente que foi identificado. Os silêncios são ativamente desencorajados e
interpretados como resistência, assim como atrasos, faltas, tentativas de mudança de
assuntos, entre outros, conforme aponta Cordiolli (1998).
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UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
fácil de identificar desde o começo da terapia e útil para orientá-lo na escolha do material
a ser trabalhado. Mesmo que o paciente traga o material sob a forma de associações
livres, é da responsabilidade do terapeuta direcionar a atenção para o exame do conflito
principal que constitui o foco. Desse modo, a utilização de perguntas, clarificações e
confrontações é muito frequente neste tratamento, somada às interpretações que são
basicamente extra transferenciais e dirigidas ao foco.
E a alta como é?
Mann (1977) apud Cordiolli e colaboradores (1998) acredita que se deva dar a entender
ao paciente que a alta terá caráter definitivo, não criando expectativa de entrevistas
adicionais. Segundo ele, a perspectiva de alta pode originar no paciente quatro conflitos
básicos e universais:
a. independência/dependência;
b. atividade/passividade;
É nesta fase final que terá lugar o trabalho definitivo de resolução, o que irá incorporar,
necessariamente, a compreensão de todos os eventos dinâmicos concentrados e
intensamente vividos que a precederam. “A fonte genética destes afetos é revivida na
decepcionante realidade da alta e da separação do terapeuta, com quem o paciente
se identificou profundamente” (MANN, 1997). E completa dizendo que o manejo da
questão da alta possibilitará que o terapeuta seja internalizado: “Assim, a internalização
é mais positiva (jamais totalmente) e menos carregada de raivas e culpas, podendo
tornar a separação um genuíno fator de amadurecimento”.
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UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
Malan destaca que mais importante do que o número de sessões é se deve ou não ser
estabelecido um limite de tempo definido com o paciente desde o início do tratamento.
De acordo com o mesmo autor, não limitar o tempo de tratamento, pois isto gera
consequências negativas, tanto o terapeuta quanto o paciente tendem a se envolver
profundamente um com o outro, o que pode tornar difícil a separação da dupla. Por
isso, é benéfico a fixação da duração no início da terapia, porque assim a questão da alta
é trabalhada desde o começo.
Foi verificado por Cordiolli (1986) que 22,8% dos pacientes que procuravam o Centro
Psiquiátrico Melaine Klein eram encaminhados para PB e que aproximadamente 8%
obtiveram melhoria com o tratamento desta abordagem. Mesmo considerando esses
dados, a focalização, a atenção seletiva, a negligência seletiva e a importância da
motivação podem ser aplicados em um número mais amplo de paciente ambulatoriais
sem que a técnica desta forma de psicoterapia esteja sendo totalmente utilizada.
Estudos como o de Wiborg (1996) avaliam a eficácia e efetividade da PBD. Ele avalia se
esta técnica pode diminuir a taxa de recaída do transtorno do pânico. Ele comparou um
grupo de pacientes tratado apenas com clomipramina, por nove meses, com outro grupo
submetido ao mesmo tratamento, somado de 15 sessões semanais de PBD. Verificou que
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UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
52
Capítulo 2
Outras abordagens
Histórico
O foco de estudo da escola gestaltista foi a percepção, mas caminhou para temas como
os processos cognitivos (memória, percepção e solução de problemas e os fatores
comportamentais e motivacionais).
Perls, sua mulher Laura e seus filhos fogem para Johannesburg na Alemanha, em
1933, onde fundam o Instituto Sul Africano de Psicanálise com influências da Teoria
Organísmica e da Psicologia da Gestalt. Publicou o livro Ego, Hunger and Agression,
em que o subtítulo era Uma revisão da teoria e método de Freud, que questiona a
psicanálise em sua ênfase no presente e no corpo, busca de uma abordagem mais
sintética do que analítica, constatação da neurose da transferência, destaque para a
importância de um contato direto e autêntico entre o paciente e o terapeuta e propõe
uma abordagem sintética e holística do organismo.
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UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
Fundamentação teórica
Psicologia da Gestalt
Em toda a Gestalt existe uma relação de figura a qual se destaca sobre um fundo mais
geral. De acordo com os referidos autores, a figura se forma mais claramente do que
o fundo, por ter uma à mudança. Tal noção é a intercepção e seletiva e nem todos os
estímulos são percebidos com a mesma clareza. Aqueles que são organizados em um
todo e são percebidos com melhor clareza são denominados de figuras.
54
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
A gestalt está ligada à atitude do todo em relação à parte. Outro princípio que podemos
determinar como secundário, ao isomorfismo, relacionado ao problema corpo-mente
como elementos de um mesmo todo. Isomorfismo tem a ver com a relação entre o
campo cerebral e a experiência, as propriedades estruturais dos campos cerebrais da
experiência são topograficamente idênticas, ou seja, existe uma relação de identidade
entre ambos. A ordem experienciada no espaço é estruturalmente idêntica à ordem
funcional, como analogia do mapa e da região real.
De acordo com Andrade e Holanda (apud BECKER, 2011), Lewin criou uma teoria
estrutural e seus conceitos fundamentais são pessoas (P), meio psicológico (M) e espaço
vital (V – este é onde acontece o comportamento), o qual também é em função do V.
Em uma forma simples V=P+ M, Dessa maneira, entende-se que ao mesmo tempo em
que a pessoa se individualiza (universo fechado), e se comunica se inclui em um universo
mais amplo. E o espaço vital que revela a pessoa que nele se movimenta, funcionando
como um mapa.
55
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
Esse espaço vital é o universo psicológico, contém a totalidade doenças fatos possíveis,
capazes de determinar o comportamento do indivíduo. O comportamento é função do
campo, ou na fórmula lewiniana, C = v. Há uma interpendência entre a região P e a região
M, que formam o campo real do vital V. A realidade é definida pela permeabilidade
entre as regiões.
Logo, todos os fatos reais que obtenham efeitos devem ser incluídos, inconscientes ou
conscientes. Os fatos físicos e sociais são incluídos quando afetam o indivíduo em seu
estado atual, assim V é P + M, tal qual existe para a pessoa. Isso define o princípio da
contemporaneidade, que é a relação temporal do evento com as condições dinâmicas
que o produzem ou com as partes do espaço vital. Surge daí uma questão: os eventos
futuros também podem causar a mudança ou somente eventos passados podem
promover a mudança? Lewin afirma que os fatos psicológicos passados, nem futuros,
mas apenas aquela situação presente e, a figura, ou seja, apenas o que existe de
concreto pode ter efeitos. O que contraria os modelos psicológicos existentes, pois tal
ênfase no presente, na perspectiva de Lewin, diz que a influência da história passada
da pessoa é indireta.
O modelo de Kurt Lewin é também tido como Psicologia topológica conforme Andrade
e Holanda (2011), que significa que dado que cada parte de (V) a qual pode ser
representada como uma região, (lugar onde se tem um objeto, onde este se move , é a
zona na qual podem se distinguir-se várias posições ao mesmo tempo). Existem dois
tipos de ligações entre as regiões: locomoção e comunicação, portanto, as regiões se
movem e se comunicam. A partir desta perspectiva, Lewin desenvolve o conceito de
“espaço hodológico”, lugar onde consta as direções que dependem da situação e das
propriedades do campo.
Primeiro vamos entender o conceito de valência: as forças que atuam sobre uma
pessoa atraem ou repelem. Todas as forças de um campo se dirigem pela valência que
pode ser positiva ou negativa. Uma força positiva é a que atrai e quando repele é uma
forca negativa. O que está relacionado à ideia de tensão, definida por Lewin como o
estado de desequilíbrio entre o indivíduo e seu ambiente, é percebido por ele como
uma necessidade.
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UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
Como vemos, a teoria de Kurt Lewin toma a física como modelo metodológico,
superando de certa forma, a ênfase na psicofisiológica da época. Toma a física em seus
fundamentos metodológicos e não em seu conteúdo ou leis. A partir disso, Lewin define
uma teoria como um sistema de conceitos relacionados por meio de fatos observáveis,
de tal modo que os fatos empíricos podem ser deduzidos dos conceitos. As leis empíricas
são relações funcionais de dados observáveis e devem referir-se a leis dinâmicas.
Toda ciência deve ser empírica, mas centrar-se nas relações funcionais dos dados.
Portanto, para Lewin, a teoria é a soma de sistema de conceitos e leis dinâmicas.
Gestalt Terapia
Contato
Awarenes
É a maneira como a consciência é compreendida pela Gestalt terapia, sendo que há duas
formas diferentes de consciência: a counsciousness e a awarenes. A primeira refere-
se a uma consciência limitada no tempo, no espaço e é cotidiana, está mais voltada a
uma compreensão racional de si e do mundo cognitiva, já a awarenes pode ser definida
como uma consciência ampliada, organísmica.
Ser aquilo que se é exige um continumm de awarenes que possibilita ao sujeito indivíduo
tomar posse de seu processo de existir, como esse processo se estabelece a cada momento,
e de encontrar sua totalidade. Awarenes momento de iluminação, em que a pessoa se
percebe como uma totalidade em funcionamento e então a pessoa se vê como possível.
Logo, awarenes é ter consciência da própria consciência, portanto, um momento
da transcendência.
Autorregulação organísmica
Ainda conforme Andrade e Holanda (apud BECKER, 2011), é por meio dessa organização
das necessidades que os indivíduos se organizam de modo ordenado e significativo.
A pessoa para satisfazer suas necessidades deve buscar os suprimentos necessários no
meio. A pessoa precisa saber o que quer, antes de ser gratificada, senão perde o sentido.
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UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
Figura-fundo
Edgar Rubin afirma que configuração total da percepção destaca-se um estímulo (figura)
enquanto outra parte recua como fundo. A figura não existe destacada do fundo, pois é
este fundo que permite a figura emergir, ou seja, a figura está no todo, pois figura e fundo
formam uma unidade. Portanto, quando o sujeito se depara com diversas necessidades
ao mesmo tempo para serem satisfeitas, o equilíbrio só acontecerá se, antes de qualquer
coisa, for eleita uma necessidade, que é a figura. O fundo revela a figura que se constitui
no campo não pode ser considerada fora de seu contexto.
Aqui-agora
Por ser uma abordagem fenomenológica, destaca o trabalho com a ênfase no presente,
em consequência, enfatiza seu trabalho no aqui-agora. Aqui (espaço e agora tempos
são duas realidades que se relacionam, mesmo porque, de certa forma, uma constitui
a outra).
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UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
assim como o futuro caso esteja presente nos processos atuais. Desse modo, só o presente
existe, pois o ato de relembrar e de planejar funções presentes, apesar de se referirem ao
passado e ao futuro.
Diálogo
O aspecto mais importante da psicoterapia é a relação terapêutica com o cliente. Uma parte
trivial da metodologia da Gestalt terapia. Esse princípio explica a disponibilidade do
gestalt terapeuta em trabalhar em um contato e acontece, sobretudo, quando ambos
têm a sensação de estarem inteiros no que dizem ou fazem ou até mesmo deixam de
fazer, e existe a intenção de estabelecer uma relação mútua e viva entre ambos.
60
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
Terapia cognitiva
A terapia comportamental foi desenvolvida por Beck na década de 1960. Ela se
baseou na teoria da melancolia de Freud, a partir daí Beck desenvolveu estudos
sobre depressão e observou as características negativas do pensamento depressivo.
E assim estruturou modelo cognitivo da depressão (BECK, 1997), que concretizou no
livro Teoria Cognitiva da Depressão (BECK e cols., 1979), em que propôs com seus
colaboradores que independente de suas causas, a depressão poderia ser compreendida
como uma perturbação no pensamento consciente, seus sintomas seriam decorrentes
de um processamento cognitivo pessimista.
Logo, se tais pensamentos são de maneira consciente, os sintomas não estariam fora
do controle do paciente, pois seu estado de humor e seu comportamento seriam
consequência de uma visão distorcida de si, dos outros e do mundo. A modificação
desses pensamentos disfuncionais é o objetivo do tratamento. A partir de então, muitas
investigações aprovaram a validade da terapia cognitiva (TC) em relação ao transtorno
depressivo (RUSH e cols., 1977; WRIGHT; BECK, 1983; DOBSON; SHAW, 1986;
HAAGA e cols., 1991 apud CORDIOLLI, 1998).
Outros transtornos são tratáveis pela terapia cognitiva, tais como diversos transtornos
da ansiedade, de personalidade, hipocondria, transtornos alimentares, problemas com
a dicção, abuso de drogas lícitas e ilícitas, disfunções sexuais, esquizofrenia, dificuldades
relacionais e conjugais e diversas fobias.
61
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
Observa-se que cada esquema pode ter diferentes conteúdos, e um dos mais importantes
é aquele relacionado ao domínio pessoal. O que envolve o conceito de si mesmo (fatores
físicos, psicossociais etc.), crenças e valores em geral, inclusive os mais abstratos
O estado de humor e comportamento da pessoa serão determinados pela interpretação
das experiências cotidianas como algo que afeta positivamente ou não este domínio.
Geralmente, as crenças condicionais positivas tendem a predominar sobre as negativas
e as pessoas podem conseguir ser funcionais em diferentes áreas de suas vidas.
Conforme Beck (1964) apud Cordiolli (1998), as crenças centrais negativas podem ser
agrupadas de acordo com seu conteúdo, em duas categorias: uma relacionada à crença
de ser desamparado e a outra relativa à crença de não ser amado (vide quadro a seguir).
As categorias não são excludentes, pois o indivíduo pode apresentar crenças relativas a
apenas um dos núcleos ou a ambos.
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UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
»» Breve atualização (inclui classificação de humor e uma checagem de aderência à medicação, quando necessário).
»» Ponte com a sessão anterior.
»» Estabelecimento da agenda.
»» Revisão da tarefa de casa.
»» Discussão do tópico(s) estabelecido(s) na agenda.
»» Indicação de nova tarefa de casa.
»» Resumos e feedback.
Fonte: Cordiolli (1998).
Quando este se torna fixo em várias condições, passa a ser um modo cognitivo, que
representa uma forma tendenciosa de avaliar as experiências. Existem diferentes modos
cognitivos, por exemplo: o negativista, o narcisista etc. Ocorre uma ativação do estado
de prontidão quando um modo está operando, assim como são ativados os esquemas
correspondente e isso dispara pensamentos automáticos, que representam um nível
mais superficial do pensamento, podendo se apresentar sob a forma de verbalizações
ou imagens encobertas. Tais cognições são autônomas, reflexas e específicas para
cada situação. Os pensamentos automáticos podem ser processados de maneira falha,
mantendo assim, as avaliações irreais sobre si, os outros e o mundo.
Técnicas cognitivas
»» Identificação de distorções cognitivas – oportuniza o paciente de
reconhecer as distorções que mantêm suas crenças, mesmo que existam
evidências contrárias a elas.
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UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
Conceitos principais
O campo da experiência
Cada indivíduo tem um campo de experiência único; este campo de experiência ou “campo
fenomenal” tem “tudo o que se passa no organismo em qualquer momento e que está
potencialmente disponível à consciência” (FADIMAN; FRAGNER, 1986). Esse campo
fenomenal inclui percepções, sensações, impactos e eventos em que a pessoa não toma
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UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
Self
O self é uma entidade instável, mutável, mesmo sendo observado em algum momento
parecer ser estável. A conclusão de Rogers é de que o eu “ não representa uma acumulação
de muitas aprendizagens e condicionamentos realizados na mesma direção...”
Self Ideal
“É o conjunto das características que o indivíduo mais gostaria de poder reclamar como
descritivas de si mesmo” (ROGERS, 1959 apud FADIMAM; FRAGNER, 1983). Como
o self ele é móvel e variável que muda constantemente. A diferença entre o self ou self
ideal é um indicador de desconforto, insatisfação e dificuldades neuróticas, portanto,
aceitar-se é um sinal de saúde mental, aceitar-se como se é e não como gostaria de ser.
Não significa abdicar de si mesmo, é uma maneira de estar mais próximo da realidade,
do seu estado atual. À medida que a imagem do self ideal se diferencia de maneira
clara do comportamento e valores reais de uma pessoa se torna um impasse para o
desenvolvimento pessoal.
Congruência e incongruência
emocional por outro. Expressar seus sentimentos de maneira autêntica e real possibilita
que elas liberem a bagagem emocional que não foi expressa em vivências passadas.
Portanto, a incongruência pode ser sentida como uma ansiedade, tensão ou confusão
interna. A maioria dos sintomas elencados na literatura psiquiátrica pode ser tida
como formas de incongruência. Para Rogers, a forma particular de distúrbio é menos
crítica do que o reconhecimento de que há uma incongruência que exige uma solução.
Ainda conforme Fadiman e Fragner (1983), é perceptível a incongruência em afirmações
como: “não sou capaz de decidir”, “não sei o que quero”. É difícil diferenciar quais
estímulos são verdadeiros dos estímulos que são impostos. O problema pode estar em
percebê-los como diferentes e ser capaz de trabalhar sobre sentimentos diferentes em
momentos diversos. A ambivalência não é rara ou anormal; não ser capaz de reconhecê-la
ou enfrentá-la pode ser uma causa da ansiedade.
Tendência à autoatualização
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UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
Esse impulso ao saudável não é uma força determinante que supera obstáculos durante
a vida; ao contrário, é algo fácil de ser embotado e reprimido. Rogers concebe isso
como força motivadora dominante em uma pessoa o que está “funcionando de maneira
livre”, não paralisada por eventos passados ou crenças que mantêm a incongruência.
Essa concepção de que o crescimento é possível e central para o projeto do organismo é
crucial para o pensamento rogeriano.
Segundo ele, em diversos países vários fatores contribuem para que ao menos 30% dos
casais separem-se ao longo. Nos Estados Unidos em 1995, estes índices eram de 50%.
Ainda dos que se separaram, a maioria casou-se novamente e observou-se que a taxa
de separações no segundo casamento é de 60%. Ainda os homens que se separaram
voltam a casar novamente. Ou seja, as pessoas estão se separando mais e continuam
casando e recasando. Logo, não se pode afirmar que o casamento é uma instituição
falida, ele está se tornando cada vez mais complexo, pois o ser humano não encontrou
outra maneira de satisfazer suas necessidades básicas de segurança e intimidade, assim
como criar os filhos.
Na clínica, estima-se que a metade de pacientes casados tenham como demanda principal
os conflitos do casal e outros 25% relatam seus problemas no casamento na terapia isso
de acordo com Sager (1978). Segundo Waldemar apud Cordiolli (1998), as mudanças
na realidade da família também foram influenciadas pelo movimento feminista, que
69
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
Geralmente, no casal que vai para a terapia de casal, a mulher demonstra-se muito
deprimida e insatisfeita, sendo ela quem geralmente procura a terapia e reivindica mais
espaço como pessoa. Devido às mudanças culturais constantes, aumentou a procura
por terapia de casais. A vantagem da terapia de casal é que a mudança pode ocorrer
simultaneamente no casal e a atingir os objetivos propostos. Um estudo sobre crise
conjugal apontou que a terapia de casal contribui para os conjugues a manter o casamento
em uma possibilidade maior do que a terapia individual, pois a escolha da técnica pode
ter implicações positivas para a prática das pessoas. (GURMAM; KNISKERN, 1978).
A coexistência de um conflito conjugal e depressão é muito comum que apareça na
clínica, a terapia conjunta é a única que ajuda no alívio dos sintomas tanto de depressão
quando do relacionamento (BEACH; OLEARY, 1992). Portanto, a terapia de casal é
uma boa indicação para casais em crise que querem permanecer juntos.
Waldemar (apud Cordiolli, 1998) enfatiza que a ideia de “casal normal”, pós divórcios
afetam indivíduos com ou sem psicopatologia. Segundo ele, a família nuclear tradicional
não era mais que 30% numa amostra grande dos domicílios norte-americanos e em
quase 20% das casas havia crianças de casamentos passados. Portanto, atualmente
denominamos de casal funcional e não em casal normal.
O casal funcional
Para Lewis (1979), o casal que está bem, a comunicação é direta e várias opiniões são
toleradas, a coesão é grande e a opiniões são toleradas. Existe grande coesão e as emoções
são expressas integralmente. O poder é bem distribuído e os conflitos são resolvidos pela
negociação e não por ameaças ou autoritarismo. A disciplina aos filhos é clara e constante,
os pais evitam envolver os filhos nos conflitos do casal, buscando protegê-los.
A ideia de que a resiliência é trivial para o casamento é desenvolvida por Walsh (1996),
pois é a capacidade que um casal tem de enfrentar as dificuldades da vida de modo
flexível e adequado, de acordo com as circunstâncias. Resiliência significa a capacidade
de voltar ao estado anterior após sofrer deformações ou pressões. O casal resiliente
apresenta valores autoafirmativos, como iniciativa, independência, criatividade, humor
e flexibilidade. Assim como apresenta também necessidades integradoras como:
70
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
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UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
Teoria comunicacional
Sobre a noção de dupla mensagem recíproca Mony Elkain (1989) apud Cordiolli (1998)
destaca que:
Duas pessoas, partes do mesmo sistema, pedem por algo que não estão
preparadas para aceitar como possível. Digamos que o marido quer o
amor de sua mulher, mas ao mesmo tempo teme que este amor seja
seguido de abandono. No nível verbal diz: “me ama”!, mas no não verbal
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UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
diz: “não me ama!”. Seja o que a mulher faça para satisfazer uma das
suas exigências será insatisfatório, porque envolve só um dos níveis da
dupla mensagem.
Técnicas terapêuticas
Bowen (1978), conforme Cordiolli (1998), insistia que as pessoas falassem apenas por
meio dele, sem se dirigirem entre si. Caso obtenha sucesso com isso pode-se, como
aconselha Gurman (1978), negociar entre os cônjuges pontos urgentes responsáveis
por queixas recíprocas.
Grande parte dos casais que buscam a terapia está em crise e sofrendo um desgaste
emocional em que uma pequena melhora no início do tratamento é necessária e
imediatamente sentida por ambos como um alento e motivação para continuar e
investir na relação. O papel do terapeuta, nesta etapa, é de mediador e clarificador das
falas e dos tipos de comunicações. A partir de estabelecer o clima psicológico favorável,
o qual é caracterizado por “altos e baixos”, pode-se investigar a história do casal e as
origens de suas disfunções.
Na próxima fase, o terapeuta busca junto ao casal separar o quanto dos conflitos é causado
pelas dificuldades mal resolvidas de cada um com sua família de origem, projetando no
outro aquilo que é ou se tornou incompatível entre ambos. Também se procura um
momento de pausa, reflexão, com a sessão se tornando um espaço privilegiado no qual
cada cônjuge pode pensar e separar os conflitos pessoais, atuais e passados, do que
acredita ser basicamente interacional. Logo, passa a ideia de cada um querer mudar o
73
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
outro, mas precisa mudar a si mesmo. Deste modo, o casal também avalia pontos fortes
e fracos da relação, testando seus limites e buscando outras alternativas.
Muitos casados esperam demasiadamente do casamento e lhes falta uma vida diversificada,
deste modo, o terapeuta tem uma postura mais filosófica, ajudando os pacientes a
refletirem sobre alguns temas da vida, tais como: individualismo X cooperação, usufruir
x investir. Aos poucos, o casal começa a construir um novo contrato de casamento e
avaliam as vantagens e desvantagens desta outra forma de relacionarem-se e repense seu
compromisso com o outro.
Em casos mais graves ou quando solicitado por um dos cônjuges, a terapia individual
pode ser indicada, sendo sempre que possível a colaboração entre os terapeutas, evitando
misturas fáceis de acontecer nestas situações. Walermar apud Cordiolli (1998) informa
que a maioria dos terapeutas de casal acredita que também é importante discutir as
questões que surgem no dia a dia do casal: lazer, dificuldades domésticas, dinheiro,
educação dos filhos etc. Logo, são abordados dois aspectos, o dinâmico-histórico e o
“aqui e agora” que se complementam.
O referido autor cita que na terapia de casal assim como na terapia breve busca o foco
durante as sessões. Geralmente, o tempo de duração é de três a nove meses e o início é
importante período mais intensivo de sessões semanais pelo menos com uma hora de
duração. No início do tratamento, é preciso reavaliar uma sessão individual com cada
um dos cônjuges para avaliar se existe ou não relacionamento extraconjugal importante.
Se existir, a terapia será contraindicada, pois não é possível investir no casal quando um
dos membros tem interesses fora do casamento. Neste caso, é recomendado atendimento
individual para que o parceiro envolvido na relação extraconjugal lide com seu conflito e
mais tarde podendo escolher pela terapia de casal, ou não se assim desejar.
Cordiolli (1998) cita que uma variante comum é a coterapia, que significa ambos os
coterapeutas reúnem-se com o casal, ou seja, forma-se um quarteto, além da sessão
conjunta, cada terapeuta mantém sessões individuais com os cônjuges. Essa configuração
facilita a integração das terapias e evita que dissociações aconteçam quando o casal é
atendido por diferentes psicoterapeutas.
Geralmente, o casal procura a terapia como a última esperança para a relação. Um estudo
mostrou que metade dos casais nesta situação (de última esperança) obtiveram
benefícios com o atendimento. Já a decisão de separação é tão difícil que mesmo estes
casais podem aproveitar a ideia de que tentaram tudo e mesmo com um especialista
não foi possível de ajudar a salvar o casamento. Os casais procuram mais porque o
parceiro que não quer se separar exige que o outro participe, e este o faz para não ser
acusado posteriormente de que não fez o possível para salvar o casamento.
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UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
Indicações e contraindicações
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UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM
1. Quando casam por causa de uma gravidez, visto que o casal não tem a
oportunidade de se conhecer melhor e negociar conflitos antes da vida
conjugal. Pular a fase de namoro para uma família traz um estresse
bem maior.
2. Quando o casamento ocorre antes dos 20 anos ou depois dos 30. Quando se
casa muito cedo dá a impressão que se está fugindo de casa e, quando
se casa mais tarde, pode indicar dificuldades em manter vínculos
duradouros.
Waldemar in Cordiolli (1998) relata que grande parte dos casais quando procura a
terapia, um dos dois já não está mais motivado a manter o relacionamento conjugal.
Ainda, que é frequente que fique claro em poucas sessões que um dos dois cônjuges está
decidido pelo divórcio. O terapeuta deve oferecer ao casal a possibilidade de manter o
enquadre terapêutico para facilitar o sofrido processo de separação.
Segundo o referido autor, existem boas e más separações. A boa é que cada membro do
casal consegue segurar os sentimentos agressivos que ambos sentem e se mobilizam
para diminuir as consequências psicológicas para os filhos (se houver). E conseguem
com apenas um advogado resolver as questões legais da separação. Deste modo, é
constante que casais sejam beneficiados da terapia no momento da separação. Uma coisa
importante é que o pai (geralmente quem sai de casa) continue mantendo contato com
os filhos, pois as pesquisas revelam que 10% dos pais perdem contato com seus filhos.
Um estudo americano mostrou que 50% do conflito na separação é intenso, 25% dos
conflitos são considerados de nível moderado e 25% são considerados de nível leve.
76
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II
Ainda, é essencial dizer que o bem-estar psicológico dos filhos fica abalado quando o
cônjuge que se sente vítima, abandonado e procura envolver os filhos numa aliança
contra o outro, podendo acontecer o processo de alienação parental. Já uma relação
após o divórcio exige respeito entre os pais e minimiza as repercussões psicológicas dos
filhos, por isso é trivial a terapia do divórcio e separação.
77
CASOS CLÍNICOS Unidade III
Capítulo 1
Análises de casos clínicos em
abordagens analíticas
Este caso de “O homem dos ratos” é um caso clássico de neurose obsessiva, o qual
Freud notou uma particularidade evidente. O argumento imaginário que fez com que o
paciente buscasse terapia foi o impacto causado pela narração de uma tortura provocada
pela penetração de ratos no reto de um indivíduo. Este argumento imaginário não
desencadeia sua neurose, mas traz angústia, além de apontar para algo que não pode
ser trazido pelo mesmo paciente. Portanto, falar sobre ele me parece fundamental para
discorrer a respeito do determinismo da neurose deste paciente, sem esquecer cada
caso deve ser estudado na sua particularidade.
Histórico do paciente
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CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III
oficial do exército, o que lhe fez permanecer com certa autoridade e ostentação, embora
fosse desvalorizado entre seus contemporâneos. Disse que seu pai casou com sua mãe,
que era mais rica do que ele, o que coloca o prestígio na relação conjugal com a mãe.
Ele ouvia a mãe dizer brincando com seu pai, sobre uma moça pobre e bonita por quem
ele parecia ter sido apaixonado antes de casar. O marido argumentava dizendo ter sido
algo sem importância. Mesmo com a repetição deste jogo (entre pai e mãe), mostra a
possibilidade de uma parte de artifício ou fantasia por parte da mãe, isto não importa,
o importante é que este jogo que referia à mulher pobre amada pelo pai impressionou
profundamente o paciente. Com relação ao pai, é importante ressaltar um momento de
sua vida considerado na família como importante e significativo. Quando era suboficial,
ele perdeu no jogo todo o dinheiro do regimento a ele confiado. Um de seus amigos
emprestou-lhe o dinheiro para o pagamento da dívida, o que manteve sua imagem
social, mas não a honra em sua carreira. Porém, este amigo nunca mais foi encontrado,
o que impediu que a dívida fosse paga. Isso de não ter encontrado o amigo para pagar a
dívida foi a causa de seu grande desconforto.
Observações do caso
O paciente não relaciona com sua atualidade a história contada sobre seu histórico
familiar, assim como afirma que não sabe o porquê está dizendo aquilo, já eu não
tem relação alguma com o que lhe vinha acontecendo. Para Freud, há relação entre a
narrativa sobre a constituição familiar e o que levou o paciente a procurar análise, de
acordo com Zucatti (2007).
Interessante observar que a história clínica do “homem dos ratos” é que o conflito mulher
rica/mulher pobre presente em sua história familiar reproduziu-se em sua vida no
momento em que seu pai quis que ele casasse com uma mulher rica. O que mais uma vez
aponta para o desenvolvimento da obsessão fantasmática que levou a procurar tratamento
com Freud. Tal obsessão era caracterizada por um medo que a tortura dos ratos fosse
aplicada às pessoas a quem ele tinha algum afeto: uma empregada a quem dedicava um
amor idealizado e com quem havia se envolvido, pouco antes de seu pai convencê-lo a
casar com a mulher rica, e o pai que, na época do início da análise, já tinha falecido.
Nota-se o retorno de dois elementos da constelação familiar do paciente: a mulher pobre,
na figura na empregada, e o pai, um pai imaginado no além depois de morto.
79
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS
Este mesmo capitão disse-lhe que ele deveria enviar o dinheiro do pagamento dos óculos
para reembolsar o tenente “A”, que os havia sido pago por ele. Depois de uma vontade
inicial de não pagar, o reembolso ao tenente “A” impôs-se de uma maneira imperativa
para o paciente, como um juramento. Porém, o paciente percebeu que o capitão poderia
ter se enganado porque era o tenente “B” o responsável pelos assuntos de correio, não o
tenente “A”. Despois descobriu que era para uma senhora que trabalhava no correio a
quem ele deveria reembolsar.
Zucatti (2007) cita que o paciente quando foi no consultório de Freud estava muito
angustiado, porque jurou inicialmente reembolsar o tenente “A”(defesa no impulso de
não pagar), pensou que se não o pagasse, algo ruim poderia ocorrer às pessoas que mais
amava, logo em sua mente, a tortura dos ratos seria aplicada a mulher desejada e ao
pai morto. Tal obsessão o levou a montar o seguinte esquema para resolver o impasse
da devolução do dinheiro: ele deveria enviá-lo ao tenente “A”, que o entregaria para a
senhora do correio, a qual, na frente do tenente “A”, o entregaria ao tenente “B”, que
finalmente o devolveria ao tenente “A”.
Conclui-se que o esquema montado para a devolução do dinheiro aponta para seu mito
individual, ao qual é equivalente com algumas transformações, à situação originária do
mito familiar do paciente que envolve a mulher rica/mulher pobre e o pai devedor/amigo
salvador. Esta configuração determinará as relações do paciente com as outras pessoas,
pois caracteriza o neurótico: ele retoma em suas relações e/ou produções esta estrutura
básica que vem da sua constelação familiar e é por ele transformada. O que dá o caráter
mítico a este cenário fantasmático é o fato de esta apreensão mudar, no sentido da
relação inicial.
Psicanálise Kleiniana
Rosenfeld (1971) apresenta o caso do então denominado paciente A, que foi diagnosticado
anos atrás como esquizofrênico, situação em que sofreu um surto psicótico agudo que
se caracterizou por medo, confusão e medo de completa desintegração. Durante a fase
aguda, ele não teve alucinações, nem aspectos delirantes da psicose dominantes no
momento atual, mas ele é incapaz de manter um relacionamento íntimo com homens
ou mulheres nas relações sociais. Ele fez terapia por anos com outro psicanalista, antes
de começar a análise com Rosenfeld há um ano.
80
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III
O analista anterior relatou para Rosenfeld que o paciente tem tendência de entrar
em um estado de identificação projetiva com o analista no começo de cada sessão, o
que o deixava confuso e com dificuldades de falar de forma audível e compreensível.
O analista interpretava ao paciente que ele esperava que o analista, o compreendesse
mesmo que ele não pudesse pensar ou falar, pois ele, o paciente, acreditava estar dentro
do analista; como consequência das interpretações, o paciente começava a falar mais
claramente sobre as coisas.
Durante a análise com Rosenfeld (1971), houve progressos e ele se sentia algumas vezes
mais separado, de modo que as partes saudáveis de seu self tornavam-se capazes de
estabelecer, em alguma medida, uma relação dependente com o terapeuta. Porém, de
vez em quando, principalmente após ter feito algum progresso ou após longas separações,
ele recaia numa relação parasitária, vivendo dentro de mim (identificação projetiva),
o que levava a estados de confusão, claustrofobia, incapacidade de pensar e falar
e ansiedades paranoides de ser aprisionado por mim. Assim, quando a inveja era
estimulada por experiências no mundo real, por exemplo, quando ele encontrava um
homem bem-sucedido em seu relacionamento com mulheres ou em seu trabalho, após
uma breve experiência de inveja, frequentemente se identificava com este homem.
Tal identificação, mais do que levar ao delírio dele ser o homem invejado ou de ser
capaz de funcionar no mundo externo de maneira parecida ao do homem como quem
ocorrera a confusão e identificação projetiva, era acompanhada de intensas ansiedades
de perder sua identidade e de sentimento de ser aprisionado.
Rosenfeld (1971) diz que no outono de um ano passado teve que interromper a análise
do paciente por duas semanas, o que o perturbou consideravelmente. No começo
parecia indiferente à ausência do terapeuta, tal ausência foi discutida meses antes com o
paciente. Porém, duas semanas antes da interrupção, ele ficou muito ansioso e confuso
e um dia ficou com medo de ter outro surto e precisar ser hospitalizado. A perturbação
começou com uma queixa do paciente que não consegue se afastar da televisão na qual
assistia aos jogos olímpicos. Ele se sentiu forçado, quase contra sua vontade, a ver os
jogos até mais tarde da noite. Disse que foi atraído pelo clima quente do México e ficou
tentado a olhar o corpo dos atletas e deveria ser um deles. Ele fez perguntas para o
terapeuta: “Porque eu tenho que ser um atleta?”, “Porque não posso ser eu mesmo?”.
Ele sentia que assistir televisão era como um vício que ele não conseguia controlar e o
consumia suas energias. Ele relatava que se sentia empurrado para dentro da televisão
que se sentia claustrofóbico e com dificuldade em respirar. Posteriormente, relatou que
durante a noite, levantava para ver se as torneiras da pia de seu apartamento estavam
fechadas e se as tampas da banheira estavam vedadas. Ele tinha muito medo que a pia
e a banheira pudessem transbordar e, finalmente, disse que tinha medo de ser afogado
e sufocado.
81
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS
O terapeuta interpretou que após sentir seus progressos na terapia e que se sentia
separado do terapeuta, de repente foi dominado por impaciência e inveja do terapeuta e
de outros homens que eram capazes de movimentar-se e serem ativos. Rosenfeld (1971)
sugeriu que era a parte invejosa que o levava a identificar-se com todos os outros homens
para tomar posse da potência e força destes homens, e que assim sua parte onipotente
podia lhe fazer crer que ele poderia ficar maduro e saudável rapidamente. Ele aceitou
com dificuldades essa intervenção. O paciente disse que tinha um delírio, o qual ouvia
uma voz dentro de sim que era persuasiva e o estimulava a apoderar-se da mente e do
corpo de outras pessoas. O terapeuta interpretou ao paciente que a separação iminente
estimulava seu desejo ser repentinamente adulto e independente, para que o paciente
não tivesse que lidar com as ansiedades de estar separado do terapeuta.
Então, o paciente contou que estava todas as noites dormindo profundamente e que não
conseguia acordar com facilidade pela manhã, e por isso chegava atrasado na sessão.
Comparou o sentimento de ser empurrado para dentro da tela de televisão (identificada ao
objeto delirante), agora falava com bastante influência de modo mais claro, transmitindo
que agora se sentia separado do terapeuta. Disse que se sentia envergonhado por ser um
parasita e se queixou também de que a experiência da televisão e de sua cama estavam
consumindo sua vida, de tal modo que ele sentia um grande impulso a despedaçar as
duas; ele estava contente de que tivesse sido capaz de controlar este impulso na realidade.
O terapeuta certificou sua observação de que ficar olhando para a televisão e ser empurrado
para dentro de um sono profundo eram experiências que ele sentia como parasitárias, em
que ele sentia que estava entrando em outros objetos.
O terapeuta relata que mostrou ao paciente que este sentia raiva daquela sua parte
que o estimulava a entrar nos objetos externos (os atletas que representavam a mim
como um homem bem-sucedido que viajava para o exterior na interrupção de uma
análise) e também nos objetos internos, representados por sua cama. Foi enfatizado
pelo terapeuta que em um primeiro momento o paciente poderia controlar e apoderar-
se totalmente destes objetos quando estivesse dentro deles, mas muito rapidamente ele
se sentia encerrado, capturado e perseguido, o que despertava seu desejo de destruir a
cama e a televisão, que havia se tornando em objetos persecutórios. O seu medo de ser
capturado e sua raiva relacionavam-se também à análise e ao analista. As obsessões do
paciente com as tampas da banheira estavam também relacionadas com seu medo de
ser capturado e afogado. Parecia que ele tinha que constantemente verificar se, após
a sua intrusão nos objetos, ele estaria preso e em perigo de se afogar e sufocar ou se
haveria um buraco por meio do qual ele pudesse escapar.
82
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III
ao terapeuta que havia uma parte sua que o persuadia, sempre que ele se sentia sozinho
ou ansioso, de que ele necessitava de uma prostituta grandona e amorosa que o nutrisse,
e que isto faria bem a ele. Durante a sessão, ele assegurou de que percebia a falsidade da
voz. O paciente afirmou muitas vezes que sabia a diferença entre realidade e a persuasão
delirante, e que também sabia o que estava errado. Mas era claro para o terapeuta,
que o paciente era várias vezes colocado por um tempo no estado delirante por uma parte
sua psicótica onipotente e onisciente que tinha êxito em seduzi-lo e dominar a parte mais
sadia de sua personalidade, e que o induzia a lidar com todas as dificuldades e os
problemas, inclusive com a inveja, por meio da identificação projetiva.
Ainda na mesma sessão, segundo Rosenfeld (1971), a parte mais sadia do paciente
parecia receber ajuda e apoio das interpretações do analista, mas ele se sentia humilhado
e irritado por não poder resistir à dominação e à persuasão da parte psicótica quando
era deixado sozinho. Ao tentar examinar a razão de atender tão prontamente à voz
interna, descobri que lhe era prometido cura, liberdade da ansiedade e da dependência
de mim. Logo, o terapeuta interpretou que a separação tornava-o mais consciente de se
sentir pequeno e dependente de mim, o que era humilhante e doloroso e aumentava sua
inveja de mim. Introduzindo-se onipotentemente dentro do terapeuta ele podia iludir-se
de que de uma hora para outra, ele se tornaria adulto e tudo estaria em ordem e ele
poderia se virar sem mim.
Rosenfeld (1971) também descreveu neste caso a relação entre cisão do ego, identificação
projetiva e ansiedades persecutórias ligadas ao paciente. Relata que o paciente contou
que sentia muita melhor, mas no meio da sessão ficou muito silencioso e depois declarou
envergonhado, que foi antissemita há algum depois atrás, por um período de mais de
um semestre. O paciente havia considerado os judeus como pessoas degradadas, que
estavam aí apenas para explorar os outros, para extrair dinheiro de maneira desumana.
Ele odiava exploradores e queria atacá-los e despedaça-los por isso. O terapeuta
interpretou que ao mesmo tempo em que ele estava consciente que isso aconteceu
no passado, ele se sentia muito mal em relação ao terapeuta porque depois da sessão
anterior, ele se livrara da parte voraz parasitária e exploradora de seu self e isto
o fazia sentir intensamente desconfiado de mim. Ele respondeu que tinha medo que o
terapeuta o odiasse e o desprezasse, e que a única coisa que ele podia fazer era destruir-se
ou destruir esta sua parte odiada.
O terapeuta interpretou o medo de sua retaliação, porque quando ele o via como um
judeu voraz e explorador, ele atacava o terapeuta e desprezava e temia que o odiasse
porque ele acreditava que o terapeuta não poderia suportar que ele estivesse empurrado
seu próprio self voraz para dentro dele (Rosenfeld), não como um ataque, mas porque
ele próprio não conseguia suportá-lo e queria livrar-se dele. Foi sugerido que era
83
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS
quando ele sentia que não podia aceitar seu self mau e odiado que ele se atacava de
modo violento. A ansiedade maior nesta sessão tinha a ver com ataques violentos que
eram dirigidos contra seu self mau e que iria crescendo que ele próprio tinha medo de se
romper em pedaços. Após essas interpretações o paciente ficou aparentemente calmo.
Conforme seu terapeuta nas sessões seguintes, o paciente apresentou progressos com
relação à cisão e nas sessões posteriores apresentou depressão. O paciente informou
que teve dificuldade em se levantar da cama, que estava contente por lembrar-se de
um sonho, no qual ele observava um grupo de corredores olímpicos em uma corrida de
televisão. E de repente viu uma série de pessoas se aglomerando na pista e interferindo
na corrida. Ele ficou bravo com essas pessoas e desejou matá-las por interferirem e
entrarem deliberadamente no caminho dos corredores. Disse que assistia televisão
apenas por pouco tempo na noite anterior e que pensou sobre a última sessão, em que
estivera com medo de danificar-se quando tentava eliminar e destruir partes más de si.
Ele estava determinado a encarar o que quer fosse que estivesse acontecendo com ele.
Não fez associações ao sonho, exceto o fato que as pessoas que interferiam pareciam
vulgares. O terapeuta destacou que, neste sonho, ele mostrava de um modo concreto o
que sentia que estava fazendo quando assistia televisão.
Essas pessoas que interferiam pareciam ser as suas partes que ele sentia que se
insinuavam para dentro da pista do México quando ele olhava invejosamente a
televisão. As pessoas que o representavam não estavam competindo na corrida, mas
estavam simplesmente tentando interferir no progresso da corrida. O terapeuta
mostrou outro aspecto de forma concreta de projeção que não se relacionava apenas aos
corredores olímpicos, mas também ao analista. Rosenfeld relata que interpretou que
ele sentia, quando a análise estava fazendo muitos progressos, que ele experimentava
as interpretações e os pensamentos como algo que ele olhava com admiração e inveja,
como os atletas de televisão. O paciente sentia que suas partes invejosas podiam
realmente insinuar-se para dentro do cérebro do terapeuta e interferir na velocidade
do pensamento do terapeuta. No sonho, ele tentava fazer com que as partes suas fossem
reconhecidas e ele queria controla-las. O terapeuta também relacionou tal processo às
queixas do paciente de que seus próprios processos de pensamento frequente tinham
interferência e relacionei isto a uma identificação com a mente do analista, que muitas
vezes atacava de modo invejoso. A cooperação do paciente durante a última semana
fora muito positiva, o que levara a um considerável desbloqueio de sua mente e de tal
modo que processos de cisão se revelaram na análise e puderam ser relacionados à
situação transferencial.
No sonho, ele realmente obteve êxito naquilo que anunciava que tentaria fazer, ou
melhor, fazer face aos processos trazendo-os para dentro da transferência, ao invés
84
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III
de tentar destruí-los e livrar-se deles por meio de cisão e projeção. O que também lhe
permitiu encarar o seu medo de danificar tanto seus objetos como seu self por meio de
suas identificações projetivas. As interpretações pareceram aliviar sua ansiedade ter
destruído o terapeuta completamente, assim como o cérebro do analista como sendo
de ajuda e não danificado, e por alguns períodos o terapeuta foi introjetado como sendo
bom e não danificado, um processo que gradualmente levara a um fortalecimento do
ego. Rosenfeld afirma que uma das dificuldades de se elaborar tais situações na análise
é a tendência que o paciente tem a repeti-las inúmeras vezes mesmo que compreenda
que o trabalho analítico está sendo de grande parte da repetição e inevitável. A aceitação,
pelo analista, de que os processos do paciente a sentir que o self, que é constantemente
excedido e projetado para dentro do analista, é aceitável e não dão prejudicial quando
ele tem medo que seja.
Ainda, o terapeuta interpretou que ele sentia nas duas semanas, havia se forçado
para dentro de pessoas como prostitutas e os atletas, e que tinha medo de encontrar
o dano no exterior. O estrago em seu cérebro parecia semelhante ao estrago que ele
sentia ao estrago que ele sentia que causara a objetos externos. Ele falou sobre seu
cérebro como uma parte valiosa e delicada do seu corpo ele havia negligenciado e
deixado desprotegida. Sua voz soava muito mais calorosa e mais preocupada do
que sempre, de maneira que o terapeuta sentiu que era preciso interpretar que seu
cérebro também estava identificado com uma relação de que representavam para ele
a situação de alimentação. E o paciente, em geral, deslocava essa situação para as
prostitutas a quem recorria para ser nutrido. Neste momento, o terapeuta interpretou
detalhadamente a intensidade de sua fome do terapeuta e de sua incapacidade
para esperar, e descrevi seus impulsos e o self que ele tinha sentido que penetrara
onipotentemente em minha mente, que continha para ele todo o conhecimento valioso
que em minha mente, que continha para ele todo o conhecimento valioso que ele
ansiava ter.
85
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS
Durante toda a sessão, o paciente sentiu forte ansiedade e uma dor insuportável,
porque temia que não pudesse reparar o estrago. Porém, ficou aliviado por meio de
interpretações transferenciais que o ajudavam a diferenciar e desemaranhar a confusão
entre dentro e fora, entre realidade e fantasia. Rosenfeld (1971) pontua que foram
as interpretações sobre seu cérebro que mostraram para ele que eu podia pensar e
funcionar e que o ajudaram a compreender esta fantasia muito concreta em relação
aos seus próprios processos de pensamento, aliviando sua ansiedade sobre o dano que
ele temia ter feito ao terapeuta, Rosenfeld. Deste modo, o autor tentou demonstrar
por meio deste caso processos de identificação projetiva e cisão do ego e papel que
desempenham na psicopatologia de pacientes psicóticos.
86
Capítulo 2
Análises de casos clínicos em
outras abordagens
No primeiro momento da entrevista, Tácita queixa-se de que está acima do peso e isso
está deixando-a nervosa e com autoestima baixa. Os autores citam Robine (2003)
e Andrade (2007), que afirmam que na clínica não podemos desconfiar da queixa
inicial, ainda que tenham indícios de contradição e racionalização externa. Por isso,
o terapeuta acreditou na fala da cliente, mas também a questionou sobre como era
aquele sentimento.
Ao longo das perguntas, aparece a figura do marido, como alguém que a impede de fazer
novos contatos e passeios que ela tanto gosta. Os autores relatam que para Gadamer
87
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS
(2004) o ato de interpretar o outro é algo que nos faz sempre nos sentir ameaçados
de nos apropriarmos do outro na compreensão e assim ignoramos sua alteridade.
Para evitar que isso ocorra, o terapeuta precisa questionar para ficar ao mesmo tempo
disponível e possibilitando ao cliente a abertura de percepção do que há de vir, bem
como o lugar de condutor do processo de autocompreensão.
Tácita diz que sempre tem uma grande dificuldade em dizer não, mesmo que o pedido
seja descabido, o que gera uma ansiedade profunda, a possibilidade de desagradar
o outro. O que, segundo o autor, deixa claro uma “deformidade” na sua fronteira de
contato, porque os contatos deixam de se pautar na relação de afetação mútua, para se
basear em uma hierarquização dos polos. Perls já definia “contato” como: está unido
por meio da percepção, a alguém ou fora de si mesmo (PERLS, 1973, p. 38). No caso de
Tácita, o resultado da união com o outro é de submissão da sua intenção, o que faz com
que o conteúdo precisa ser trabalhado na relação terapêutica.
Assim, Tácita, ao cristalizar-se como fundo, explica que mesmo quando está em
momento de muita felicidade, ocorre uma angústia pelo medo do fim da felicidade.
Ela frequentemente faz comparações com o que já foi e o que pode vir a ser, com quem
é hoje, sempre enfatizando mais sentido crítico com o ser do hoje. Temos aqui uma
óbvia visão depreciativa do campo perceptual. Os vetores perceptivos de Tácita estão
produzindo um resultado em que fica subjugada a carga do presente, este como único
estado de possibilidade concreta de mudança.
88
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III
(1977; 1980; 1982), já assegurava que o cliente é premissa e norte da terapia e não
pode ficar a disposição do terapeuta. Porém, o terapeuta questionou se as alterações
de horário não a incomodava. Eis que ela disse: “é porque penso muito nos outros e
esqueço de mim”. O autor/terapeuta explica que essa fala foi na penúltima sessão,
em que a cliente se deu conta, não imediatamente, mas quando foi questionada ela
achou que havia falado dela, ela confirmou e ele continuou: “você precisou ouvir de
outra pessoa para confirmar o que você pensou sobre você?”. Ela respondeu que não.
O terapeuta problematizou: “A resposta que você espera dos outros, veio de quem?
Um pouco surpresa e com um leve sorriso de alegria ela disse: de mim”.
O terapeuta/autor relata que uma semana depois do fato ocorrido, a cliente disse que
pensou e refletiu muito. E contou que em uma situação de tomada de conhecimento,
ela e a família não manifestaram como resolver o problema, em pressão externa para
a resolução, a decisão de resolver o problema, mesmo que envolva abrir mão de algo
querido, e a interferência do marido e das irmãs se colocando contra, já se passavam
longos cinco anos. Então, ela abriu mão de algo de valor material e sentimental, mas se
curvou as fala dos outros, ela abriu mão de resolver o problema também.
Portanto, Tácita perdeu duas vezes, mas ao contar o que havia acontecido ela disse que
estava resoluta, já que isto lhe causa angústia há dois anos: “Por que sei o que quero
fazer e o que é certo, mas não fiz por causa dos outros”. E significou uma frase para si
mesma: “Estou aliviada e feliz”. Tácita, conforme seu terapeuta, cumpriu no início da
terapia uma jornada do silêncio sobre si a virtude de falar de si, por ela mesma.
O autor/terapeuta conclui que o diálogo é o meio pelo qual ganha sentido na relação
psicoterápica e por consequência para os participantes. A função fundamental do
gestalt-terapeuta facilitar a construção de um ambiente dialógico baseado e focado
no conteúdo do cliente. Assim, no caso de Tácita, o que o espaço psicoterápico foi se
construindo um ambiente de diálogo, sempre visando à emergência de uma verdade
sobre a relação psicoterápica, que funcionou como um vetor para o desenvolvimento
de Tácita, trazendo ela para um estado awareness, ou seja, para sua consciência
organísmica da intencionalidade.
89
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS
Apresentação do caso
Batista e Daher (1998) relatam o caso de J., 13 anos, que chegou encaminhado por uma
psicóloga, depois de conversar com sua mãe. O adolescente faz a 7ª série em escola particular,
apresentando boas notas escolares (a nota mínima é nove). Faz espanhol como atividade
extracurricular. Ele é filho do meio de uma prole de três, sendo que seus pais se separaram
há 5 anos e moravam no Nordeste. Após a separação, a mãe mudou para São Paulo, os
filhos escolheram ficar com a mãe e acompanharam-na mudando para São Paulo. Após dois
anos, mudaram-se para uma cidade do interior de São Paulo, sendo que esta mudança foi
sentida por toda família já que não tinham conhecidos ou parentes na nova cidade.
A mãe de J exerce um cargo de confiança onde trabalha, não tem hora para sair do serviço,
faz viagens frequentes a trabalho e é muito reconhecida pelo desempenho profissional,
ficando pouco tempo com os filhos. Ela considerou necessário o acompanhamento
psicológico do filho, já que este tem apresentado comportamentos inadequados para
sua idade. J. já havia tentado fazer um acompanhamento psicoterápico, mas não deu
continuidade alegando não ter gostado da psicóloga.
A mãe queixava-se que o filho estava comendo em excesso, não gostava de sair de casa,
não queria fazer atividades físicas como caminhadas, não conversava com amigos
pelo telefone (sempre se esquivava falando que está ocupado) e não procurar o pai em
hipótese alguma. A mãe percebe o filho como distante, pois ele não gosta de abraçar e
de beijar. O adolescente não participa de nenhum grupo de amigos, nem no prédio onde
mora. Tem um cachorrinho, que é seu companheiro. As respostas de J. às perguntas
e interações verbais são geralmente curtas e sem prosseguimento, além de não se
preocupar em procurar outras pessoas para conversar. Na entrevista com J., este relata
que a mãe não aceita seus comportamentos, que sempre esta pegando no seu pé para
sair, fazer ginástica, ligar para seu pai, parar de comer e ligar para amigos. J. aceitou
dar início à terapia porque a mãe quer, mas acha que não tem problemas.
90
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III
»» Inteligência normal.
Outras características:
»» Inteligência emocional.
3. O pai não tem condições financeiras de dar pensão, a mãe o liberou deste
dever.
7. O pai tem pouco contato com o filho e quando se apresenta faz cobrança,
por isso, J. se sente ansioso.
8. A mãe diz que o filho tenha que mudar e que está disposta a rever seus
comportamentos.
91
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS
15. A fala da mãe não tem força suficiente para mudar o comportamento de J.
De acordo com Baptista e Daher (1998), o histórico de vida do paciente o fez desenvolver
algumas crenças disfuncionais como, por exemplo, que constantes mudanças de casa
e de meio social o fizeram crer que manter amizade com os outros seria inútil, já que
sempre mudava de cidade e deixava os amigos para trás. Como ele não entrava em
contato com as pessoas que deixava e não retornava os telefonemas, também não
desenvolveu suas habilidades sociais plenamente. Assim, esta maneira de pensar o
ajudava a ter o comportamento de isolamento em casa, o que proporcionava também
a ficar estudando e assistindo televisão, esquivando-se de estabelecer relacionamentos
sociais e evitando a punição decorrente de sua perda.
O fato de ele ficar em casa sozinho não o expunha a se relacionar com outros adolescentes
de sua idade e mantinha uma relação estreita com seu cachorro. Isto ocorre uma vez que
este iria com ele para qualquer lugar, além do que este animal estava sempre disposto
a brincar e a estar ao seu lado, o comportamento de esquiva de enfrentar qualquer
situação de relacionamento social, o que novamente reforçava o comportamento de
ficar só.
O ficar só em casa também criava a possibilidade para assistir televisão com grande
parte do tempo, que somado ao comportamento de evitação de contato o debilitava
de desenvolver um bom repertório verbal e estratégias de habilidades sociais, como,
se aproximar das pessoas; como fazer e manter amizades; como iniciar e manter uma
conversa. O fato de em sua história haver muitas mudanças e perdas de relacionamentos
92
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III
da vida de J. fizeram com que ele desenvolvesse uma estratégia de esquiva deste tipo de
punição, marcada pela ausência de qualquer contato afetivo. Esta situação é reforçada
pelo modelo de relacionamento fornecido pela mãe, a qual estabelece uma contingência
pouco reforçadora do desenvolvimento social de J.
Intervenções utilizadas
Quadro 4.
Quadro 5.
Portanto, de acordo com a autora, a pesquisa rogeriana tem como base a ideia de que
a imagem corporal do amputado é a imagem da sua própria recuperação, porque sua
motivação tem papel importante e vai além do enfrentamento da perda do órgão.
São limites que vão para o sujeito em uma nova perspectiva de uma postura corporal,
os obstáculos enfrentados com apenas um membro como também dos movimentos
limitados. No entanto, Rogers (1992) acredita que o homem é capaz de evoluir a partir
das etapas mais difíceis da vida em novas perspectivas de experiências.
A metodologia de pesquisa escolhida foi a entrevista de fala livre, também foi utilizado
um diário de bordo para registrar as percepções da pesquisadora diante das emoções do
entrevistado e buscar compreender o que houve in loco, assim foi possível observar quais
sentimentos surgiram no momento da entrevista e posicionamentos que emergiram
diante de suas dificuldades.
A entrevista livre foi utilizada por dar suporte para que haja manifestação espontânea,
buscando deste modo um padrão de expressões motivado pelo próprio indivíduo. Um dos
aspectos observados e importantes para Santana (2013) foi a emoção do entrevistado
na sua expressividade corporal, emocional e desapego de sua condição. Tal condição só
foi possível perceber in loco, sendo o modus operandi para basear a pesquisa.
94
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III
autora para Rogers a experiência é algo único e só uma pessoa pode senti-la não sendo
autorizada a mais ninguém. (ROGERS, 1997, p. 29).
O problema enfrentado por M. com a amputação são os limites que vão para além
do sujeito, pois são dificuldades a serem enfrentadas com apenas um membro. O
enfrentamento desta dificuldade está na percepção de Rogers apud Virginia (2007),
como recurso que utilizado positivamente a natureza humana pode ser adaptada para
circunstâncias contrárias, bastando para sua experiência ao movimento intrínseco
orientador da capacidade de significar em evolução constante.
M., do sexo masculino, altura mediana, 29 anos. Ele sofreu um acidente de moto há
mais de três anos e por isso teve sua perna direita amputada. Veja a seguir a descrição
dele sobre sua experiência:
A autora relata que é possível compreender que a imagem do corpo é referência como
resultado final da expressividade do sujeito, pois a relação do corpo em contato com o
ambiente constitui uma relação importante dos mecanismos e movimentos da pessoa
com a percepção de sua imagem. Na fala abaixo se percebe a fala de M em se descrever
diante de sua experiência atual.
M: “Hoje levo uma vida normal. Minha vida era trabalhar, brincava e
o acidente foi... Eu bati em um carro aí caí na contramão, um ônibus
vinha e passou por cima de mim. Teve que amputar a perna”.
Rogers (1997) apud Santana (2013) defende que diante da mudança e do estranhamento
de um novo paradigma, o sujeito é impedido de entender o que acaba de ocorrer e
apropria-se a novidade em sua nova característica de identidade, o que pode surgir
não necessariamente será algo ruim. A limitação pode ser transformada e assimilada
de modo criativo e útil, o indivíduo dá um significado àquilo que lhe é particular e isso
permite conviver melhor e adaptado.
M: “ Como foi? Rapaz(riso) não foi muito boa não. Eu pensei: como é
que eu ia fazer o que fazia antes. Eu gostava de correr vaquejada e não
ia poder mais. Mas depois fui botando na cabeça que a vida era assim
mesmo e deu certo até hoje” (sic)
96
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III
Sobre isso, a autora aponta que o indivíduo traz com ele o desejo, ao mesmo tempo
encontrando espaço para interagir com seu meio externo, sua capacidade de se permitir.
Ainda cita que Rogers (1976), ao conceituar tendência atualizante que Rogers (1976)
afirma está na espontaneidade inerente ao indivíduo e sua tendência à atualização na
Abordagem Centrada na Pessoa(ACP). Ainda segundo ele, a capacidade de evolução do
indivíduo busca ampliar seus limites e exercer suas potencialidades organismicamente
contando com isso o desenvolvimento a essa tendência inata.
“M: Ah! A primeira vez foi ruim... Qualquer coisinha tombava pra cair,
fui me adaptando aos pouco. Os primeiros dias andei de cadeira de
rodas, mas depois que botei o pé no chão e peguei as muletas, pronto
ficou melhorando foi um esforço mesmo a cada dia foi aprendendo até
chegar aonde cheguei.”
M: “Todos os dias, eu não sei como explicar, porque todo dia é diferente,
todo dia acontece uma coisa diferente, você tem que passar aquele
obstáculo, mas graças a Deus tá dando certo, tudo que vou fazer eu
consigo! E aí só penso assim que as coisas vão dá certo”.
97
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS
cortar minha perna eu pedia para morrer, mas não sei de onde arrumei
força! Devargazinho e tudo vendo... Vendo como era... minha mãe
também sofreu, muito, minha família, eu vendo o sofrimento deles fui
criando força, reagindo.. Foi através deles que eu conseguia força para
voltar a fazer o que fazia antes”
M: “Esse “M” faz coisas que gente com suas pernas não faz. Porque eu
ando a cavalo que tem gente que tem duas pernas e não faz, que me vê
pergunta se tô ficando louco não, eu andava antes, porque não ando
agora? Ando de moto, o povo me vê andando(riso) eu to errado de andar
só com uma perna de moto tá errado! Sem ter o pé no freio nem nada!
Só no tempo mesmo, de carro dirijo, não tenho inveja das pessoas que
têm duas pernas não! Dirijo normal mesmo, Ai o que eu faço, tem certas
pessoas que não faz não, nem com duas pernas. Ai isso é eu, eu tento
fazer cada vez mais.” (sic)
Santana (2013) conclui que em sua pesquisa pode perceber que no contexto
apresentado sobre a experiência de tendência atualizante abordada na teoria rogeriana,
M correspondeu aos objetivos propostos em uma evolução significativa de etapas
vivenciadas durante sua trajetória tanto no contexto pessoal, social, afetivo e familiar.
Em seu relato, novas perspectivas foram destacadas com relação à dimensão e construção
de condição existencial fenomenológica, ou seja, sua projeção de enfrentamento diante
da amputação não o limitou, permitindo deste modo experienciar etapas difíceis, mas
que não impediram sua condição desejante como ser. Viu-se uma pessoa reproduzir
posturas em construir uma história a partir da experiência traumática em meses de
tentativas e uma força propulsora em repetir e iniciar a cada dia vivido.
À medida que o entrevistado entrava em contato com sua experiência, uma nova vivência
aparecia, percebeu-se uma projeção na quebra de paradigmas, em que em frente à
superação de tornar-se atuante novamente, ou seja, relatando o contexto experiencial
houve representação do antes e depois diante do processo vivido e isso permitiu que
novas ferramentas em lidar com sua adaptação.
98
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III
Logo, conforme a autora, tendo M passado por etapas como cadeirante por um tempo
e partindo para uma perspectiva positiva em fazer o que fazia antes e não limitar-se
apenas por ser amputado. O existir na experiência dele foi e é o diferencial em ser capaz
de permitir-se sempre, mesmo que cause dificuldade, mesmo assim se propõe elaborar
novas possibilidades.
Assim, na visão da pesquisadora houve uma postura mais firme nos momentos de confirmar
a teoria rogeriana, nessa condição do ser elaborar diferente frente às dificuldades
surgidas, seus questionamentos em contextos como familiar, pessoal e social amparou
sua experiência de enfrentamento, ao perceber que pessoas que amava lhe apoiavam
edificaram sua tendência à autoatualização. Portanto, a autora infere que na fala de
M uma nova capacidade de resumir sua relação primeira foi de desequilíbrio, diante
de uma realidade adversa teve reação de negar e não aceitação, em seguida reagiu
rapidamente para se adaptar a recuperação e adequar sua vida novamente.
Por fim, a autora conclui que diante do exposto, M é um homem autor de sua própria
história de vida em uma perspectiva estruturante, permite-se que momentos específicos
de superação e vivências façam diferenças em seu contexto e permite enxergar novas
possibilidades de transformar, explorar e agir mudando sua realidade.
99
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS
sexo e que inclusive não aguenta mais o casamento como está. Arnaldo é um pequeno
comerciante de sucesso e Alice cuida da casa e das filhas adolescentes do casal. Um
amigo indicou-os para o tratamento.
A família de Arnaldo
A família de Alice
O autor descreve que Alice era a mais velha de três irmãos. Tida sempre como a
“engraçadinha”, preferida do pai, um funcionário público de classe média, todo-poderoso
em casa e muito controlador em relação à filha. Quando se casou aos 17 anos, Alice
queria sua casa e sentiu muito protegida junto com Arnaldo, nove anos mais velho.
A dinâmica do casal
Pelas exposições anteriores, nota-se que Arnaldo buscou uma mulher mais nova, bem
diferente de sua mãe. Já Alice procurou um homem forte, como seu pai. Arnaldo
relacionava-se muito bem com o sogro, enquanto Alice praticamente não via a família de
Arnaldo, que vivia no interior. Alice abandonou os estudos e logo quis ter filhos. O marido
se preocupou em trabalhar muito e construir um patrimônio. De acordo com ambos, os
primeiros 10 anos de casamento passaram sem conflitos importantes, com Alice muito
envolvida e satisfeita cuidando das filhas. Os problemas apareceram quando as filhas
entraram na adolescência e com o comportamento de Alice pressionando o marido
economicamente, exigindo para todas cada vez mais um nível de consumo mais sofisticado.
Arnaldo dizia que não poderia satisfazer tal necessidade da mulher, ela não concordava
e começavam as brigas. Arnaldo estava em uma encruzilhada profissional, continua
como pequeno comerciante ou expandia o negócio com risco de perder dinheiro.
Ele hesitava em arriscar e nas discussões Alice chamava- o de medroso e pão-duro.
100
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III
O conflito conjugal
A terapia
O autor descreve que o tratamento do casal durou nove meses, com sessões semanais,
tendo as filhas ido em duas consultas. Elas eram tímidas e quietas, diferente e contrastante
com o comportamento exuberante da mãe. Alice gostava de roupas espalhafatosas e
muita bijuteria.
Arnaldo era bem alto e atlético, vestia-se com descrição parecia 20 anos mais velho
que a esposa. No tratamento, Alice teve que enfrentar sentimentos de insegurança e
autodesvalorização, de como procurava fortalecer sua autoestima principalmente por
meio das vantagens materiais proporcionadas pelo poder aquisitivo do marido.
Ela não aceitava que o marido pudesse estar em uma fase financeiramente difícil,
sentia o fracasso dele como se fosse o dela próprio. Com a terapia, reconheceu que
havia uma relação de dependência comum às mulheres de sua família. Após um
doloroso processo de autoavaliação, com apoio do marido, resolveu voltar aos estudos
para terminar o 2º grau. Começou a se interessar por moda e passou a costurar
para fora.
101
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS
Waldemar apud Cordiolli (1998) afirma que o horário da consulta funcionou como
um espaço no qual o casal reapreendeu a conversar e a colaborar, encontrando saídas
saudáveis para situações de impasse crônico. Um ano após o término da terapia, sendo
o casal consultado, mostrou a que a melhora havia permanecido.
102
CASOS CLÍNICOS Unidade IV
Capítulo 1
Análises de casos clínicos em
psicoterapia breve psicodinâmica
Fica claro durante a entrevista que “certas coisas que a impedem de ir para a Europa”
é o vínculo que Fernanda mantém com sua mãe, a qual possui traços de atuação e
manipulação de ambas as partes. O terapeuta/autor traça o perfil diagnóstico de
Fernanda, avaliando-a como pessoa de razoável grau de espontaneidade (por causa
de seus relatos de vários fatos e obstáculos que enfrentou e ultrapassou em sua vida),
com boa estruturação intelectual (mesmo que em detrimento da emocional), vivendo
situação específica de ansiedade diante de um obstáculo de natureza emocional (o
vínculo com a mãe) que impede de atingir uma meta de vida previamente projetada.
103
UNIDADE IV │ CASOS CLÍNICOS
Anotações do terapeuta
104
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE IV
trabalhar essa ligação simbiótica com a mãe. Logo, o terapeuta ao devolver à paciente
sua compreensão de seus problemas dela mesma já estava dando os primeiros passos
na fase do acolhimento, em que a consequência imediata para a paciente foi a evidente
diminuição da ansiedade, pois tal gesto do terapeuta anula a sensação da paciente
se sentir sozinha e não ter ninguém que a compreenda, sensações características das
situações de crise.
O terapeuta relata que buscou fortalecer o vínculo por meio de acolhimento, o que foi
fundamental para o processo terapêutico de Fernanda no sentido de ela se permitir
uma “Experiência Emocional Corretiva”.
A paciente se queixou de “dor na nuca”, essa dor havia melhorado depois que uma
amiga lhe aplicou algumas massagens. Seu corpo estava contraído e o terapeuta lhe
propôs que fizessem uma série de relaxamentos. Com a luz diminuída de intensidade e
com música suave no ambiente, pediu que ela andasse pela sala até encontrar o lugar e
posição que fossem agradáveis.
O terapeuta descreve que Fernanda andou pela sala alguns minutos e escolheu deitar-se
sobre almofadas em um canto (SANTOS, 1997). Ele pediu-lhe que procurasse prestar
atenção a cada uma das partes de seu corpo e tentasse relaxá-las. Após pediu-lhe que
105
UNIDADE IV │ CASOS CLÍNICOS
Essa sessão mostrou outro aspecto da fase inicial de acolhimento que consiste em
utilizar-se de métodos que permitem o relaxamento corporal e consequentemente
da diminuição da ansiedade, esta, que por si só, já permite ao paciente obter melhor
percepção de seu quadro atual ampliando-lhe as possibilidades de solução da crise, pois
libera “energias” até então utilizadas nas defesas de um ego ameaçado pela própria crise.
De acordo com o terapeuta, a paciente disse que teve uma discussão muito esquisita
com a mãe, em que havia percebido ter sentido vários sentimentos antagônicos e
inexplicáveis como raiva, amor, desprezo, ressentimento, culpa e ansiedade. O terapeuta
propôs que ela se deitasse no mesmo local da sessão anterior e relembrasse com todos
os detalhes a discussão que teve com a mãe.
O autor chama a atenção de que este tópico merece comentário especial visto que é na
capacidade resolutiva de uma psicoterapia breve, visto que a compreensão psicodinâmica
de Fernanda tornou-se possível nesta sessão na qual, por meio do “ato terapêutico”, a
paciente proporcionou-se a experiência emocional corretiva. O padrão comportamental
de ligação apresentado por Fernanda pode ser chamado de “autoconfiança compulsiva”,
de acordo com Bowbly (1982) apud Santos (1997):
106
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE IV
O autor a ponta que nos casos como o de Fernanda, a pessoa se envolve em relações
íntimas, sempre no papel de dispensar cuidados, nunca recebê-los. Winnicott citado
por Bowlbly (1982) diz que indivíduos desse tipo desenvolveram um “falso eu” em que
a origem remonta à falta de cuidados maternos na infância em razão da experiência
típica de terem tido uma mãe que, devido à depressão ou outro impedimento, não pode
cuidar da criança, mas, em vez disso, aceitou de bom grado ser cuidada. Neste trabalho
de psicoterapia breve, Fernanda chegou e saiu fazendo prevalecer sua aparente “força
de ego”, determinando desde o contrato (foi ela quem estipulou o tempo para se tratar)
até o momento da alta.
Contudo, foi apenas após a sessão de relaxamento que Fernanda permitiu que fosse
atingido o ponto nodal de seu conflito, exprimindo, por meio do psicodrama interno,
toda sua raiva contra a mãe e ao, mesmo tempo, sua necessidade de amor e atenção,
reencontrando, sua verdadeira posição existencial. O psicodrama interno é a expressão
psicodramática do foco, pois parte do “aqui e agora” e permite ao terapeuta entrar
no mundo interno do paciente, revivendo cenas antigas em que se cristalizou todo
o comportamento atual do paciente. Em termos da teoria dos papéis, o que estava
acontecendo com Fernanda era a necessidade compulsiva de se utilizar do papel de
cuidadora da mãe em ao invés do papel que a realidade existencial exige, que é o de filha.
A partir dessa sessão, o terapeuta disse que Fernanda informou que algo tinha mudado
dentro dela e que passara a encarar a mãe com mais naturalidade. Ela referiu-se também
a “um estranho sentimento novo de ser apenas sua filha e não mais tão responsável por
ela que não podia viver sua própria vida”. Na quinta e sexta sessão foi dado continuidade
para manter foco sua relação com a mãe e as respostas desta à sua repentina mudança
de comportamento. Fernanda relatou várias “atuações” da mãe (inclusive um suposto
colapso cardíaco), apesar de que disse ter se distanciado disto, mesmo que tivesse tido
um certo grau de incômodo ao perceber o sofrimento manifestado pela mãe.
Por contrato inicial, eram para ocorrer oito sessões, mas Fernanda já se sentia apta a
viajar, resolveu marcar sua passagem, e depois de quatros semanas estaria viajando.
No final da terapia, tanto o terapeuta quando a paciente refletiram juntos sobre as
perspectivas de Fernanda na Europa, além de pensarem em situações hipotéticas
sobre seus sentimentos em relação à mãe que ficaria aqui no Brasil. Na última sessão,
o terapeuta/autor relata que Fernanda encerrou com a seguinte frase o processo
terapêutico: “Morar aqui ou na Europa, agora já não tem mais importância. Só que lá,
eu sei que vai ser muito mais gostoso!”
107
UNIDADE IV │ CASOS CLÍNICOS
De acordo com Santos (1997), o caso clínico de Fernanda ilustra de maneira significativa
o processo de Psicoterapia Breve com um enfoque psicodramático, porque ele apresenta:
108
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE IV
Observações
Santos (1997) afirma que nesse processo focal de Fernanda produziu apenas resultados
paliativos em termos de reformulação estrutural da personalidade. Sua estrutura de
“falso eu” (ou pseudoself) não foi trabalhada na extensão que nossa compreensão deste
fenômeno exige.
Para a paciente, dentro de seu nível de expectativa, essa abordagem executada foi
suficiente, mesmo que momentaneamente. Para um remodelamento da estrutura
caracterológica deficitária da paciente, apenas um processo prolongado de psicoterapia
poderia obter resultados mais consolidados.
Relato do caso
Impressões iniciais
109
UNIDADE IV │ CASOS CLÍNICOS
terapeuta. Após, ele disse que não se sentia a vontade e nunca havia feito terapia.
Após esclarecimentos sobre PDB e o contrato, passou a expressar-se melhor, Batista
apresentava bom nível de inteligência e falava sobre vários temas. Perguntou sobre
hipnose e o seu uso na terapia: falou de sua impulsividade e personalidade, ocorrendo
uma ideação paranoide. O terapeuta escutava-o com atenção e preocupação.
Batista dizia que gostaria de não ser tão distraído e “sem memória”, porque tudo
isto prejudicava em sua vida. Comparou seu funcionamento cognitivo com o de um
computador, que quando tem muita memória ocupada, funciona devagar ao se apertar o
enter. Disse que talvez pudesse ter algo a ver com alguma memória antiga, algum trauma
etc. Suas fantasias de cura pareciam estar relacionadas a expectativas imediatistas de
melhoras de seus sintomas: gostaria de se submeter a uma hipnose ou queria ter uma
serra para abrir sua cabeça e ver o que o incomodava tanto.
O paciente relatou que era um menino que se considerava feliz até os 4 anos, quando
seus pais brigavam muito. Sua mãe, depois de trair seu pai, apanhou dele e foi expulsa
de casa. Disse que não conseguia sentir nada ao lembrar-se de tudo isso, mas pensava
que deveria sentir. Após esse fato, sua infância mudou para pior. Seu pai conheceu
outra mulher, que veio a ser sua madrasta.
Quando criança, ele tinha o costume de brincar com insetos mortos, que gostava
de enterrar. Também ajudava o pai no trabalho, para quem gostava de fazer muitas
perguntas. Batista era chamado de CDF pelos colegas da escola e ele odiava tal apelido.
Urinou na calça até certa idade e isso o fazia sentir inferior ao irmão. Nesta época, seu
pai penteava o seu cabelo com muita força, para que ele não fosse descriminado na
escola devido sua ascendência materna negra.
110
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE IV
Ele morava em uma cidade do litoral e trabalhava em uma discoteca. Quando falou
para a família que queria prestar o vestibular, não foi estimulado. Ele tinha problemas
de relacionamento com as pessoas e tinha falta de uma namorada. Há alguns anos, seu
pai sofreu um derrame e ficou com os membros paralisados.
Batista sentia-se deprimido queria ficar sozinho e imobilizado, parado, sem fazer nada.
Quando se sentia desse modo com os amigos, só escutava. Ele ficava irritado quando
lhe perguntavam sobre o motivo de seu estado psicológico; ele respondia que estava
cansado, com dor de cabeça, ou algo parecido. Gostava de fazer tudo por prazer. Às
vezes fazia gesto e sentia coisas estranhas: tremedeira, inquietude, sentimento de
caos e vazio, batia em sua própria cabeça ou plantava bananeira e perdia a noção do
passado e só tinha consciência do presente. Sentia-se inseguro e superficial. Cursava a
universidade e tinha uma namorada (Débora), há cerca de três anos.
Hipóteses de trabalho
Evolução
Os autores informam que o paciente veio ao CPA por vontade própria. No início,
mostrava-se pouco cooperativo: atrasos e faltas aconteciam com frequência. Dizia às
vezes precisar de psicoterapia. O terapeuta sentiu dificuldade em lidar com resistência,
sentindo-se desvalorizado e até agredido. Pacientemente, este buscava monitorar a
contratransferência, evitando assim autuações da sua parte.
111
UNIDADE IV │ CASOS CLÍNICOS
tempo da terapia e se ele não viesse por algum motivo banal, não haveria reposição
da falta. Assim, os limites foram colocados claramente, reforçando-se o setting, o que
parece ter contribuído para a viabilização do atendimento ao paciente.
Outra interpretação feita pelo psicoterapeuta, bem aceita e compreendida pelo paciente,
foi de que sua reação inicial ao ver este (depois de ter passado por rápido atendimento
por outra estagiária do sexo feminino, que fez a triagem) parecia ter relação com a
situação em que foi abandonado pela mãe, e viu-se sozinho com o pai, quem iria cuidar
dele a partir daquele momento. Observa-se que na primeira sessão, quando o paciente
perguntava coisas sobre a psicoterapia ao terapeuta, lembrou que gostava muito de
fazer perguntas também para seu pai, quando criança. O analista sentiu-se como pai,
que a partir daquele momento, deveria cuidar e preocupar-se com o filho abandonado.
112
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE IV
construído. Sua mãe foi boa e carinhosa no início: (era o xodó dela e ela me defendia),
mas Batista também achava que ela foi má, por ter traído o pai e abandonado os filhos
(minha mãe aprontava com um vendedor que passava lá em casa, por isso fiquei do
lado do meu pai e é como se ela tivesse merecido, o que aconteceu). Seu pai foi mau, por
não ter perdoado sua mãe, expulsando-a de sua casa, e, ainda porque não tinha Batista,
como seu xodó; mas também foi muito bom, pois foi ele quem cuidou dos filhos.
O artigo aponta que nos momentos mais complicados da vida de Batista que suas
“crises”, como ele comentou sobre tais episódios: “Tem a ver um pouco com a loucura:
você fazer o que tem vontade. Teve uma experiência que extrapolou, em uma discussão
com a Débora, não conseguimos nos entender; comecei a me bater. (...) Lidar com a
perda é muito problemático para mim... Parece que as coisas mais profundas vão
se revelando”.
É bom fazer terapia, pois nessas horas me sinto melhor. Agora sei quem
sou. Estou contente por ter passado um tempo e agora eu vir para cá,
sem ficar achando que não vale a pena. Antes, eu entendia menos o que
estava fazendo aqui. Você vai se descobrindo.’
113
UNIDADE IV │ CASOS CLÍNICOS
A análise deste caso, de acordo com Cunha e Azevedo (2001), veio confirmar a hipótese
de que é possível atender pacientes com transtorno de personalidade borderline com a
PDB. No caso de Batista:
114
Para Não Finalizar
115
Referências
NEVES, F.J.L. A psicanálise Kleiniana. Rev . Reverso, Belo Horizonte, ano 29, n. 554,
pp. 21-28, Set (2007).
Sites
<https://psicologando.com/abordagens/centrada-na-pessoa/experiência-de-tendencia-
atualizante-em-amputado-numa-perspectiva-fenomenologica@psicologando.com>
<https://www.ufrgs.br/psicopatologia/neurose_obsessiva/ana_zucatti.htm>
116