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Casos Clínicos em Psicoterapias

Brasília-DF.
Elaboração

Ada Cristina Guimarães de Sousa

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação.................................................................................................................................. 4

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa..................................................................... 5

Introdução.................................................................................................................................... 7

Unidade I
INICIANDO OS ESTUDOS......................................................................................................................... 9

Capítulo 1
Introdução ao tema – abordagens clínicas psicoterápicas......................................... 9

Capítulo 2
As diferentes abordagens clínicas psicoterápicas – o que é uma psicoterapia?...... 15

Unidade II
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM..................................................................................................... 38

Capítulo 1
Abordagens analíticas...................................................................................................... 38

Capítulo 2
Outras abordagens............................................................................................................ 53

Unidade III
CASOS CLÍNICOS................................................................................................................................. 78

Capítulo 1
Análises de casos clínicos em abordagens analíticas................................................. 78

Capítulo 2
Análises de casos clínicos em outras abordagens...................................................... 87

Unidade IV
CASOS CLÍNICOS............................................................................................................................... 103

Capítulo 1
Análises de casos clínicos em psicoterapia breve psicodinâmica............................ 103

Para Não Finalizar...................................................................................................................... 115

Referências................................................................................................................................. 116
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos


conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da
área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que
busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica
impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para
aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

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Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Sejam bem-vindos ao nosso conteúdo da disciplina Casos Clínicos em Psicoterapias.
Esta apostila foi elaborada para que você possa conhecer as diferentes psicoterapias,
seus objetivos, teorias, técnicas e resultados por meio da demonstração de estudos de
casos clínicos nas diferentes abordagens. Porém, nosso foco maior será a abordagem da
psicoterapia breve psicodinâmica.

Por fim, esperamos que você absorva o máximo de aprendizado por meio da leitura
desta apostila, das leituras complementares indicadas e das tarefas a serem realizadas
durante o curso.

Objetivos
»» Apresentar casos clínicos nas diferentes abordagens para os alunos e que
eles absorvam de maneira eficaz o conteúdo.

»» Diferenciar a atuação clínica das diferentes abordagens teórico-práticas.

»» Enfatizar casos clínicos em psicoterapia breve psicodinâmica e a atuação


do psicoterapeuta diante de diferentes demandas clínicas.

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INICIANDO OS ESTUDOS Unidade I

Capítulo 1
Introdução ao tema – abordagens
clínicas psicoterápicas

O que são casos clínicos?

Histórico e definição

Figueiredo (2004) destaca que os estudos de casos clínicos surgiram a partir das
práticas da psiquiatria, da psicanálise (herdeira da psiquiatria), sendo que esta tem
como herança a própria psicopatologia. Freud, ao estudar o inconsciente, lança a
psicanálise numa nova referência que redimensiona o alcance diagnóstico, indo da
descrição à dinâmica; do fenômeno à estrutura (FIGUEIREDO; MACHADO, 2000).
Logo, essa concepção rompe com concepções anteriores de diagnóstico e tratamento
criando novas exigências para ambos e abrindo uma nova porta para a psicopatologia.

A referida autora enfatiza que, no campo da saúde mental, parte-se do geral para o
particular: o diagnóstico. A psicanálise introduz uma concepção que avança do particular
para o singular, retomando a partir dos efeitos colhidos. A ação clínica atua sobre o geral,
dado por determinadas diretrizes do campo da saúde mental, como: a reabilitação, a
cidadania, a autonomia etc. Já o singular, nesse caso, seria a articulação do particular de
uma referência diagnóstica (histeria, esquizofrenia paranoide etc.), com o movimento
do sujeito inconsciente. Conforme Figueiredo (2004), está é a primeira diferença:
o sintoma não vai sem o sujeito, nem o sujeito pode ser pensado fora de seu sintoma.
Um se constitui no outro, o sujeito por meio do sintoma e vice-versa. Deste modo,
diagnóstico e tratamento seriam indissociáveis e intercambiáveis: o tratamento também
definiria o diagnóstico e não apenas o contrário.

Na psiquiatria atual, não há um diagnóstico do sujeito e sim uma coleção de fenômenos


que nada dizem a respeito dele. São utilizados o Código Internacional de Doenças

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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS

– CID 9 e o CID10 e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais,


o DSM IV e V, porém, segundo a referida autora, a psicanálise ao fazer a histeria
existir, primeiramente, reconhece uma dívida, a de que foram as histéricas que
fizeram a psicanálise existir, ou seja, antes de existir um quadro nosológico existe um
sujeito. Para Figueiredo (2004), se o sintoma não vai sem o sujeito, e esse sujeito é do
inconsciente, o sintoma é uma formação (neurose) ou uma exposição do inconsciente
(psicose).

Figueiredo (2004) afirma, portanto, que um estudo de caso não pode ser mais do que
um relato compilado de acontecimentos e procedimentos dispostos em uma sequência
com critérios pré-estabelecidos e procedimentos dispostos em uma sequência com
critérios pré-estabelecidos a serem preenchidos. Segundo ela, este é o caso da anamnese,
que resulta na súmula psicopatológica padronizada que viceja nas sessões clínicas da
psiquiatria. Essa é a diferença, todo o esforço diagnóstico deve se descolar dessa assepsia
para trazer à cena o sujeito e suas produções. E este só aparece pela via do discurso, no
qual podemos localizar seu sintoma ou seu delírio.

A psicanálise contribuiu com a psicopatologia e para a saúde mental com a “construção


do caso”, conforme Figueiredo (2004), a construção difere de interpretação, a construção
é um arranjo dos elementos do discurso que busca um comportamento determinado;
já a interpretação é algo pontual e busca um sentido. O objetivo da construção deve ser
compartilhar determinados elementos de cada caso em um trabalho conjunto, o que
seria impossível por meio da interpretação, logo, a construção pode ser um método
clínico de maior alcance. O termo caso se refere ao latim cadere, que significa “cair”.
Vigando apud Figueiredo (2004) define caso com a expressão: “ir para fora de uma
regulação simbólica; encontro direto com o real, com aquilo que não é dito, portanto,
impossível de ser suportado”.

Outra palavra utilizada é o termo clínica, que vem do grego Kline, leito; o sentido da
clínica, segundo Figueiredo (2004), é debruçar-se sobre o leito do doente e produzir um
saber a partir disso. Resumindo, “a construção do caso clínico” em psicanálise é o (re)
arranjo dos elementos do “discurso do sujeito que ‘caem’, se depositam com base em
nossa inclinação para colhê-los, não ao pé do leito, mas ao pé da letra”. São incluídas
ações do sujeito, e estas são norteadas por uma determinada posição no discurso. A fala
(parole) tem a dimensão do enunciado (os ditos) e da enunciação (o dizer), que seria
a “posição no discurso”. Observa-se que o caso não é o sujeito, é uma construção com
base nos elementos que recolhemos de seu discurso, que também nos permitem inferir
sua posição subjetiva, isto é, se fizermos uma torção do sujeito ao discurso, podemos
retormar sua localização baseando-nos nesses indicadores, do dito pelo não dito, esse
método é aplicável a diferentes contextos clínicos.

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INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I

A construção de um caso implica em uma história, supervisão-construção e conceitos-


distinções. A seguir abordaremos cada um destes tópicos conforme apontado por
Figueiredo (2004). A história de um caso clínico pode ser cansativa se muito detalhada,
e o caso será morto se reduzido apenas uma fórmula. Assim, estabelece-se a ideia de
uma formalização necessária do relato que não se reduz a uma teorização formal nem
a uma elaboração de saber sobre os problemas do paciente. Ao contrário, trata-se de
colocar em jogo os significantes do sujeito, suas produções com base na elaboração da
análise, e a resposta do analista em seu ato com os efeitos que daí surgem para cernir
certos significante numa composição mais esquemática, visando decantar a história e
traçar o caso a partir do discurso. Para a autora, somente assim será possível recolher
dos inúmeros detalhes de uma história a direção de um caso, enfim, uma história deve
se fazer caso para que se possa trabalhar em psicanálise.

Outro aspecto importante para a construção de um caso clínico, conforme a autora, é a


supervisão, que são as discussões realizadas em equipe, que sustentam o funcionamento
do método e remetem mais a um trabalho de construção do que de supervisão, ainda,
que no seu desenrolar tangenciem a experiência de supervisão. Porém, ainda de acordo
com Figueiredo (2004), diferem do modelo aprendiz/aluno quanto do praticante e,
mesmo de uma supervisão em grupo (intercontrole), já que não se trata de chegarmos
à última palavra sobre qualquer conceito ou fenômeno.

A autora alerta que decidir absolutamente sobre a verdade deste ou daquele caso estaria,
em contradição com uma supervisão verdadeiramente analítica. Porém, ao contrário da
supervisão, a discussão não se encerra ao término da sessão, ela continua e remeter-se ao
pesquisador/analista que apresentou o caso. No primeiro momento, ocorre um retorno
sobre ele em sua condição de sujeito (ainda não difere da supervisão). No segundo
momento, ocorre a reapropriação do saber pelo analista na condição de pesquisador.
O entrelaçamento das funções de sujeito, pesquisador, analista rompe qualquer rigidez
de posição diante do saber. Portanto, sustentamos a construção e não a supervisão
manejando os impasses que atravessam o cotidiano de nossa prática, apostando na
formalização possível de seus princípios.

Conforme Figueiredo (2004), os conceitos fundamentais em psicanálise são postos em


questão a cada passo. E não tem sido necessário definir exatamente o que eles significam
nem a que evento corresponde, em cada caso, para que se obtenha o resultado esperado.
Por outro lado, percebemos que é fundamental estabelecer algumas distinções sem as
quais não há condução possível do caso. A autora cita o exemplo da seguinte fala de
um paciente: “eu não a quero mais, quero outra”. Essa fala pode ser tomada como uma
apresentação do sujeito inconsciente, rompendo com os hábitos do eu, sempre cordato
e submetido à sua esposa, repetindo-se em “eu a quero mais que as outras”. Outro

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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS

argumento seria que todo enunciado já está no campo do eu, pois o sujeito é sempre
intervalar e evanescente. Portanto, trata-se de perceber que o importante é distinguir
dois enunciados que correspondem a duas posições: “eu não a quero mais, quero outra”,
irrompe a partir de algo que insistia, até então silenciosamente. Ao passo que “eu a
quero mais que as outras” é uma fala que permanece reinsistindo, agora explicitamente
estabelecendo os caminhos habituais do sujeito.

A referida autora afirma que a psicanálise não é o efeito de um saber do outro sobre
uma história, e sim o feliz encontro entre as ferramentas conceituais do analista –
pulsão e objeto, por exemplo – e as contingências de uma história, produzindo um
caso e, no melhor dos casos, um novo sujeito. Buscamos, desse modo, estar próximos
da possibilidade de constituir enunciados positivos sobre este saber propriamente
psicanalítico, singular e inventado a cada nova situação (FIGUEIREDO et al., 2001).

A proposta da construção de um caso clínico é de recolher da experiência do sujeito, de


seu discurso, o que tem um endereçamento, às vezes fragmentário, às vezes específico,
o determinado profissional, os elementos com os quais se fará a construção do caso,
entendendo que ela é sempre parcial, objetiva das direções para determinada intervenção
ou ação do profissional, sendo passível de revisão na medida dos acontecimentos.
(FIGUEIREDO, 2004).

Segundo tal autora, a construção do caso pode conter elementos discursivos de


familiares, de outros envolvidos, mas não pode perder o fio da meada que é a referência
ao sujeito em questão. A construção do caso deve conter os “elementos possíveis” a
partir das referências de cada sujeito, novamente: da história ao caso, da supervisão à
construção, dos conceitos às distinções. Figueiredo (2004) exemplifica a construção de
um caso clínico e o estudo do seguinte caso em um trabalho de equipe de um Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS) com o supervisor:

Trata-se de uma paciente adulta, com idade média de 30 anos, com


diagnóstico duvidoso de heberfrenia, e com suspeita de retardo mental
(diagnóstico muito mais frequente do que imaginamos), casada,
tutelada pelo marido que a vigiava a cada passo, alegando sua condição.
No CAPS, o comportamento dela era bem “regredido”, como diziam
os profissionais da equipe, pois quase não falava, tinha dificuldade de
expressar-se, era pouco cooperativa e o que chamava mais atenção da
equipe era seu comportamento bizarro de andar pelos corredores de
olhos fechados, como se não pudesse enxergar. Era capaz de ficar sentada
de olhos fechados por muito tempo, recusando-se a falar: parecia ser
mesmo um desses “casos graves”. De vez em quando, participava de
algumas atividades na oficina de culinária, ou de bordado, aí abria os

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INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I

olhos muito bem. Alegava-se era a medicação que estava funcionando


(e de fato estava). Sabia-se, no entanto, que ela vivia fugindo do marido
para ir a um encontro de um “amante”, e parece que este não era
o primeiro.

A assistente social da equipe conhecia a família e sabia das histórias


da vizinhança sobre ela (a cidade era pequena e todos se conheciam).
Quando ela estava aparentemente um pouco melhor, mais “cooperativa”,
saía de casa bem nos horários em que o marido trabalhava e não poderia
vigiá-la, ia até o “amante” e voltava antes da hora dele chegar, enfim
tinha um cálculo muito bom de seu comportamento para não levantar
suspeitas, mas era “observada” pelos vizinhos que falavam entre si.

Ainda, em alguns momentos ela confidencia com um dos técnicos de


apoio (é o nome dado aos profissionais de nível médio), que não aguenta
o marido, aquele jeito de tratar dela como se ela fosse uma boba, que
gosta mesmo do outro fulano e quer fugir com ele daquele lugar. Tudo
isso bem falado e dirigido a alguém que não é o doutor, apesar dela
também ter falado isso com o médico, mas de um modo pueril, sem se
fazer acreditar.

Na reunião em equipe é possível discutir abertamente esses contrastes


em seu comportamento, e colher esses elementos de sua fala que
apontavam o sujeito, localizavam sua estratégia. Esse foi o passo
preliminar para a construção do caso, o passo seguinte seria o de acolher
sua fala mais sistematicamente, trazê-la à responsabilidade sobre suas
ações sem culpabilizá-la ou dizer o que é melhor para ela. E então
fazê-la construir sua história, que era contada pela vizinhança, mas
não por ela, e a partir disso construir o caso ainda que parcialmente, e
dar uma direção para a conduta da equipe que, até então, se limitava a
“guardá-la” e ocupá-la para que o marido pudesse trabalhar.

Conforme Figueiredo (2004), o elemento diferencial nessa abordagem vem de uma


atitude indicada pela psicanálise que pode ser tomada mesmo por não psicanalistas.
É preciso que haja um despertar para a clínica nessa direção. A presença de um
psicanalista poderia ajudar bastante, desde que este não se apresente como o portador
da “boa nova” e sim como um “aprendiz” convocando os demais a fazerem o mesmo.

Esse caso não chegou a uma formulação próxima de uma construção. Por isso mesmo,
não se sabia o que fazer diante do modo como esse sujeito se apresentava, e a equipe só
restava atender à demanda do marido, acolhendo, cuidando, sem dúvida, medicando o
sintoma, trazendo até mesmo certo alívio, por vezes, mas nunca trazendo à tona algo da
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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS

verdade desse sujeito como produção sua, algo pelo que pudesse se responsabilizar em
vez de se portar como uma espécie de pária social.

A construção do caso toca a verdade do sujeito e pode provocar situações de difícil


manejo, mas não há como fugir disso, pois se o fizermos, estaremos abrindo mão de
nosso mandato clínico e mantendo a cronificação que tanto condenamos pela conivência
com a inércia da doença que leva à desresponsabilização e com a inércia da instituição
que leva ao imobilismo.

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Capítulo 2
As diferentes abordagens clínicas
psicoterápicas – o que é uma
psicoterapia?

Wolderg (1988 apud CORDIOLLI, 1998) define que as psicoterapias são métodos de
tratamento para problemas de natureza emocional, nos quais uma pessoa treinada,
mediante a utilização de meios psicológicos, estabelece deliberadamente uma relação
profissional com a pessoa que busca ajuda, visando remover ou modificar sintomas
existentes, retardar seu aparecimento, corrigir padrões disfuncionais de relações
interpessoais, bem como promover o crescimento e desenvolvimento da personalidade.
Para atingir tal objetivo, o terapeuta utiliza especialmente a comunicação verbal e a
relação terapêutica como para influenciar o paciente e fazer com que ele modifique
emoções, pensamentos, atitudes ou comportamentos considerados desadaptados.

As psicoterapias variam em relação às técnicas que utilizam, às teorias nas quais se


baseiam, aos objetivos, à frequência das sessões e ao tempo de duração. Ainda, existem
alguns elementos que são comuns a todas as psicoterapias: a relação paciente-terapeuta,
à qual estão inerentes a aceitação e o apoio do paciente por parte do terapeuta,
proporcionando-lhe oportunidade para expressar emoções perturbadoras, o
contrato-terapêutico, e uma teoria na qual a técnica especifica se fundamenta.
(ORLINKSKY; HOWARD, 1987; ALTSHULLER, 1989 apud CORDIOLLI, 1998).

Observa-se que as psicoterapias são utilizadas por diferentes profissões: psiquiatras,


psicólogos, médicos clínicos, enfermeiros, assistentes sociais entre outros.
Conforme Cordiolli (1998), suas origens históricas situam-se na medicina antiga, na
religião, na cura pela fé e no hipnotismo, porém, foi no final do século passado que elas
começaram a ser utilizadas no tratamento para as denominadas doenças nervosas e
mentais, tornando-se uma arte médica restrita aos psiquiatras. Segundo Strupp (1989
apud CORDIOLLI, 1998), foi no decorrer do século XX que outras profissões passaram
a exercê-la, conservando-se, entretanto, os termos relacionados com sua origem médica:
doença, etiologia, diagnóstico, paciente, terapeuta, que de certa forma são inadequados
de acordo com os referidos autores. Portanto, a psicoterapia é muito mais uma atividade
colaborativa entre paciente e o terapeuta do que uma ação predominantemente unilateral,
exercida por alguém sobre outra pessoa como ocorre com outros tratamentos médicos.

Algumas psicoterapias são de uso corrente e se constituem num recurso terapêutico


de eficácia comprovada e eventualmente até superior a outras técnicas, como por

15
UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS

exemplo, as terapias comportamentais para o tratamento de fobias específicas e rituais


compulsivos ou das terapias de orientação analítica para problemas caracterológicos
ou de personalidade. Cordiolli (1998) também menciona que outras psicoterapias são
utilizadas em conjunto e de forma integrada com as terapêuticas biológicas (terapias
cognitivas nas depressões, psicossociais nas esquizofrenias e demências), devendo o
psiquiatra e os outros profissionais da área de saúde conhecê-las e saber indicá-las,
quando necessário.

A seguir descreveremos as características, as indicações e as contraindicações das


psicoterapias de uso mais comum.

Psicoterapias baseadas na Teoria Psicanalítica –


Psicanálise Teoria
“Psicanálise” significa dividir a mente em seus elementos constitutivos e nos seus
processos dinâmicos, de acordo com Cordiolli (1998). Ainda conforme este autor, na
prática, o termo psicanálise é utilizado em pelo menos três significados diferentes:

1. Um conjunto de teorias psicológicas sobre o fundamento mental, sobre


a formação da personalidade e os aspectos do caráter, tanto aqueles
considerados normal como os psicopatológicos (sexualidade infantil,
inconsciente dinâmico, conflito psíquico, mecanismos de defesa e
formação dos sintomas).

2. Um método ou procedimento de investigação dos conteúdos mentais,


especialmente os inconscientes (livre associação, análise dos sonhos e
análise da transferência).

3. Um método psicoterápico que se propõe a efetuar modificações no


caráter por meio da obtenção de insights mediante a análise sistemática
das defesas na neurose de transferência.

Técnica

O analista adota uma atitude neutra, senta-se às costas do paciente em um divã,


para não haver contato visual direto. O paciente é orientado a expressar livremente
e sem censura seus pensamentos, sentimentos, fantasias sonhos, imagens assim
como as associações que lhe ocorrem, sem julgar sobre sua relevância ou significado
(livre associação). O terapeuta senta atrás do divã, mantendo uma atitude de
curiosidade e de ouvinte atento, interrompe as associações do paciente quando
acho importante intervir e o faz o observar determinadas conexões entre fatos de
16
INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I

sua vida mental, particularmente emoções, fantasias relacionadas com a pessoa


do terapeuta, que passam despercebidas, e refletir sobre o significado subjacente
(CORDIOLLI, 1998).

Ainda conforme o referido autor, em virtude da neutralidade, da frequência das sessões


e do divã, se estabelece uma regressão e uma relação transferencial por parte do
paciente, que passa a deslocar para a pessoa do terapeuta pensamentos e sentimentos,
voltados originariamente para pessoas importantes do seu passado, repetindo padrões
primitivos de relacionamento. Deste modo, o passado se torna presente na chamada
neurose de transferência. Por intermédio das interpretações, centradas na análise e na
resolução da referida neurose transferencial, o paciente poderá obter insight sobre tais
padrões primitivos e desadaptados de relações interpessoais, compreender a origem de
traços patológicos de seu caráter, reviver emoções perturbadoras associadas a figuras
do passado, modificá-las e livrar-se dos sintomas. A psicanálise utiliza habitualmente
quatro sessões por semana, podendo variar de três e até cinco sessões semanais. As
sessões ocorrem sempre em horários preestabelecidos, podendo o tratamento durar
vários anos.

Objetivos e indicações

A psicanálise foi criada no final do século passado por Freud, e foi durante muito tempo
a principal técnica psicoterápica praticada. No entanto, conforme Cordiolli (1998),
em virtude das condições que exige do paciente e de seus altos custos, sua utilização
tem-se tornado mais restrita, embora seja um método que reúna as maiores
possibilidades de efetuar mudanças profundas no caráter, por meio do insight sobre
conflitos psíquicos inconscientes. A psicanálise busca tratar problemas de natureza
crônica, cuja origem situa-se em dificuldades ocorridas no passado, em especial nas
relações com os pais, mesmo que suas manifestações ocorram no presente, tendo
por objetivos a reorganização da estrutura do caráter e a correção de lacunas do
desenvolvimento em pacientes com traços de personalidade, mas com aspectos do ego
relativamente preservados.

Conforme Cordiolli (1998), a psicanálise exige uma motivação bastante forte para
efetuar mudanças de vida, pela busca de autoconhecimento. Para tanto, o paciente
deve ser capaz de introspecção e insight. Deve ter disposição para se envolver num
tratamento de longa duração, capacidade para estabelecer uma relação terapêutica
estável, comunicar-se com o terapeuta de forma honesta, por meio de palavras e não
de ações; disposição para sacrifícios em que questões de tempo, dinheiro etc. e não ser
portador de problemas de natureza aguda intensos, para os quais são mais indicadas
outras formas de tratamento.

17
UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS

Contraindicações

A psicanálise está, portanto, contraindicada quando há ausência de um ego razoavelmente


integrado e cooperativo (psicóticos, transtornos severos de personalidade, dependentes
químicos, transtornos mentais orgânicos, deficientes mentais); na presença de
problemas de natureza aguda e que exigem solução urgente; em situações de vida que
não podem ser modificadas, em transtornos mentais para os quais existem outros
tratamentos mais efetivos (transtornos do humor, de ansiedade etc.) e nos quais sua
eficácia não foi comprovada. Pacientes impulsivos que não toleram níveis pequenos de
frustação, altamente narcisistas e centrados em si mesmos, voluntariosos, dificilmente
se enquadrarão dentro da estrutura do tratamento analítico. A psicanálise, a princípio,
não é recomendada para pacientes com mais de 50 anos de idade (ARLOW, 1995 apud
CORDIOLLI, 1998).

Psicoterapia breve dinâmica

Teoria

A psicoterapia breve dinâmica é um exemplo de psicoterapia que usa de forma integrada


conceitos teóricos oriundos de diferentes teorias, além de conceitos psicanalíticos de
conflito psíquico inconsciente, buscando sua resolução mediante a eliminação de defesas
consideradas patológicas por meio do insight. De acordo com Cordiolli (1998), a teoria
utiliza os conceitos de reforço do ego derivado da psicologia do ego; de foco (BALINT,
1972; MALAN, 1981); de experiência emocional corretiva (ALEXANDER, 1946); de
crises (ERICKSON, 1980; KAPLAN, 1980); e teorias da aprendizagem, incluindo-se as
teorias cognitiva e comportamental.

Técnica

As principais características da psicoterapia breve dinâmica conforme Cordiolli


(1998) são:

a. Delimitação de um foco, problema ou conflito principal, de acordo com o


paciente e no qual se centraliza toda sua atividade psicoterápica.

b. Estabelecimento de uma “hipótese psicodinâmica”, explicativa do problema


principal ou do “foco”, que faz sentido ao paciente, ao qual ele responde
positivamente e que orienta as intervenções do terapeuta.

c. Interpretação de forças inconscientes.


18
INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I

d. Ensino de novas formas de lidar com os conflitos emocionais.

e. Atitude ativa do terapeuta que utiliza (se necessário) de medidas de apoio


como manipulação do ambiente, tranquilização e psicofármacos.

f. Delimitação do tempo: 12 a 40 sessões em geral.

g. Seleção adequada do paciente (CLARKIN, 1982; LEMGRUBER, 1984;


GOLDBERG, 1986; MARMOR, 1979 apud CORDIOLLI, 1998).

O terapeuta adota atitudes ativas utilizando, além de intervenções que visam o insight,
outras de caráter de apoio como: sugestão e educação, clarificação, aconselhamento etc.
A preocupação maior é o com futuro e menor com o passado (MALAN, 1981; SIFNEOS,
1979, 1984; MACKENZIE, 1988 apud CORDIOLLI 1998).

Ainda conforme Cordiolli (1998), o paciente ideal para a psicoterapia breve dinâmica
geralmente tem problemas focais, mesmo que antigos, e áreas da personalidade
funcionante; é altamente motivado; tem boa capacidade de insight e de se vincular
rapidamente ao terapeuta. Na verdade, são poucos os que preenchem os critérios
exigidos por esta forma de terapia.

O referido autor cita que a delimitação do tempo faz com que prematuramente surjam
questões envolvendo alta e separação e que precocemente seja estimulada a autonomia,
a autoestima, a atividade, a independência (reforços de aspectos positivos do ego).
O paciente senta-se frente a frente com o terapeuta, em sessões que variam de uma a duas
vezes por semana no período inicial, tornando-se mais espaçadas quando se aproxima
o término do tratamento.

No início da terapia, é enfatizada a interpretação dos diferentes elementos do triângulo


do conflito: sintomas, impulsos, desejos ou sentimentos, mecanismos de defesa; num
segundo momento, o conflito manifestando-se nas várias situações interpessoais:
transferência, relações com pessoas significativas da vida atual e da vida passada
(triângulo do insight). (MALAN, 1981 apud CORDIOLLI, 1998).

Os resultados, conforme Cordiolli (1998), parecem estar correlacionados com motivação


para mudança, frequência das interpretações transferenciais e a sua ligação com figuras
paternas a elementos envolvendo impulsos, desejos ou sentimentos dos conflitos focais.

Objetivos e indicações

A psicoterapia breve dinâmica está indicada no tratamento de problemas circunscritos


ou mudanças de caráter em áreas restritas da personalidade. O terapeuta e o paciente

19
UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS

devem definir um foco ou problema rapidamente e estar de acordo em trabalhar sobre


ele. O paciente deve ser capaz de estabelecer rapidamente uma aliança de trabalho e de
vincular-se ao terapeuta; ter facilidade de expressar seus sentimentos e interesse em
compreendê-los.

Segundo Cordiolli (1998), o paciente deve ser capaz de separar-se por ocasião de alta
e demonstrar motivação para efetuar mudanças, por meio da compreensão de suas
dificuldades. E não deve ter problemas que possam ser agravados, se mobilizadas
algumas defesas, nem devem ser numerosos, difusos ou severos.

Indicações

Indicada para pacientes com transtornos de ajustamento e de personalidade leve,


organização neurótica de personalidade nos termos de Kernberg (1990) apud Cordiolli
(1998), ainda é indicada para situações ou problemas agudos, na vigência de transtornos
caracterológicos crônicos.

Contraindicações

»» Psicoses.

»» Transtornos do humor.

»» Dependência ao álcool ou a outras substâncias.

»» Transtorno obsessivo-compulsivo ou fóbico incapacitante.

»» Transtorno do pânico.

»» Transtorno de caráter grave: organização borderline ou psicótica da


personalidade, expressos sob a necessidade frequente de hospitalização,
tentativas de suicídio, condutas auto ou hetero-destrutivas graves,
controle precário dos impulsos.

»» Pacientes muito imaturos e dependentes que, em virtude das reações


transferenciais desenvolvidas, tenham dificuldades em se separar do
terapeuta.

»» Situações emergenciais que exijam intervenções rápidas do tipo mudança


ambientais.

»» Necessidade de modificações maiores ou mais profundas no caráter e


problemas difusos, focos ou conflitos múltiplos.

20
INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I

A psicanálise Kleiniana
Neves (2007) aponta que desde os anos 1940 do século passado, época em que famosas
discussões controversas envolveram os membros da Sociedade Britânica de Psicanálise
entre 1942 e 1944, o sistema kleiniano de psicanálise se consolidou de maneira
progressiva e definitiva dentro da própria sociedade britânica e, a seguir, se expandiu
para outros países, sendo que o último local aonde foi instalado grupos de orientação
kleiniana nos EUA, a psicologia do ego, inspirada no trabalho de Heinz Hartmann e
respaldada por Anna Freud.

O sistema kleiniano é resultante da integração entre a teoria e a prática clínica, sendo esta
a maneira Melaine Klein e seus seguidores concebem e exercem a psicanálise. Observa-
se que Melaine Klein sempre se considerou uma seguidora de Freud, porém, ele a tratou
com indiferença, visto que divergiam radicalmente da orientação do mesmo trabalho
desenvolvido por Anna Freud. “Porém, as contribuições de Melaine Klein à psicanálise
se desenvolveram a partir de alguns dos textos de Freud: “Além do Princípio do Prazer”
(1920), “ O Ego e o Id” (1923) e “Inibição, Sintoma e Angústia” (1926).

Principais desenvolvimentos teóricos em Klein – as


principais contribuições da teoria kleiniana

Desenvolveu conceitos sobre etapas mais primitivas do desenvolvimento psicossexual,


à luz da segunda teoria dos instintos de Freud, sobre as fantasias inconscientes e as
primeiras defesas contra a angústia.

O conceito de posição; criou conceitos sobre a formação do ego, superego e acerca


da situação edipiana; conceitos sobre mundo interno; o novo status dado ao objeto
e, sobretudo, às relações internas de objeto; conceitos de mecanismos de introjeção
e projeção como atuantes desde o início da vida psíquica em bebês. A interação entre
introjeção e projeção foi desenvolvida após estudos que deram origem à conceituação
da identificação projetiva.

Características importantes e específicas da


psicanálise kleiniana

a. O seeting psicanalítico, conforme Neves (2007), significa o conjunto


de recursos e procedimentos postos no atendimento e oferecidos ao
paciente, desde o início o espaço físico do consultório com seus móveis
e objetos, o número de sessões semanais com seu próprio ritmo até a
pessoa do analista com sua atitude adequada e as interpretações que ele
dá ao analisando.

21
UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS

Segal (1982) apud Neves (2007) relata que este cita fatores que fazem
parte da psicanálise kleiniana o setting psicanalítico, a frequência de
sessões semanais (ideal o número de cinco sessões), o uso do divã, e
ressalta a interpretação como instrumento essencial de trabalho do
analista, que deve evitar rigorosamente todas as formas de crítica, apoio,
conselho, julgamento, encorajamento e reasseguramento.

b. A interpretação – nesta psicanálise, a interpretação objetiva possibilitar


o contato que seja emocionalmente vivo com relação a experiências
vivenciadas pelo analisando. Melaine Klein considera a experiência
emocional como base da vida psíquica, como o que lhe dá significado e
que existe e acontece tanto no consciente quanto no inconsciente. Para
Freud, a emoção é um subproduto da vida pulsional, constitui-se como
uma vivência consciente, ou seja, um elemento que indica a presença
de um conflito pulsional inconsciente. A importância dada às emoções
inconscientes como fator central da vida psíquica de indivíduos, que
a organiza e lhe dá significado, é uma característica básica do sistema
kleiniano o que diferencia de outras linhas de psicanálise. Depois de
Klein, Bion destacou que, para que nossa mente possa desenvolver-se, é
necessário que a experiência emocional das relações seja pensada.

O objeto da interpretação é a fantasia inconsciente, que pode ser apreendida


pelo que o paciente diz na associação livre, o que inclui relatar seus sonhos,
por meio da transferência e contratransferência. Logo, a interpretação
deve abranger tudo que, de alguma maneira, o paciente mostre ao analista,
tudo que faz parte de um convite, que o paciente faz ao analista para que
este conheça e participe do seu mundo interno, como o paciente conhece
este mundo e o experimenta. Tais fantasias inconscientes devem ser
interpretadas e trabalhadas no aqui e agora dentro da sessão e sempre as
interpretações devem abranger a situação transferencial global: fantasias
relacionadas ao analista, à análise e ao setting.

Ao interpretar, o analista deve procurar no material inconsciente as


relações entre a experiência emocional do paciente e o movimento da
sessão. Esta é a forma de sessão considerada como a mais terapêutica.
Denominada por Stranchey como interpretação mutativa, a que tem
condições de colocar o paciente em contato direto com uma fantasia
que está em ação naquele instante, possibilitando conexões e insights
que propiciam verdadeira mudança psíquica. Mudanças nas fantasias
inconscientes se relacionam com psíquicas e com o funcionamento global

22
INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I

do paciente. A interpretação deve ser descritiva dos movimentos e da


dinâmica interna do paciente. Em seu mundo interno, a pessoa tem tudo:
representação de si mesma, objetos, relações e conflitos causados pelos
mais diversos estados e experiências emocionais.

c. O mundo interno – é uma descoberta essencial da psicanálise de Freud:


a dimensão da realidade psíquica correlativa à existência consciente e
consensual da realidade externa e, ao mesmo tempo, seu negativo e sua
origem. Conforme Neves (2007), este é um conceito que Melaine Klein
toma diretamente de Freud e o amplia. Caper (1988) apud Neves (2007)
estudou sobre a constituição e a evolução do conceito de mundo interno,
inicialmente em Freud e depois em Klein. Caper (1998), segundo Neves
(2007), utiliza como elemento condutor a teoria da ansiedade de Freud
(ansiedade como efeito e consequência da repressão da libido e como um
sinal posterior) e em Klein (ansiedade como efeito da pulsão de morte
no ego), articulando a ansiedade com a formação das fantasias e com a
identificação, e usa o caso do pequeno Hans como ilustração.

Conforme Klein, o mundo interno é um espaço povoado por objetos e


carregado de pulsões, instintos, funções e relações. O sujeito vive relações
pessoais marcadas pelas identificações, com os objetos internos, totais ou
parciais. Esse mundo interno da psicanálise kleiniana é um espaço, uma
dimensão que, embora relacionada com as funções do id, do ego e do
superego, não coincide com estas instâncias psíquicas, mas como que as
supera e as contém. Conforme Neves (2007), nas etapas mais primitivas
do desenvolvimento, o mundo interno é essencialmente corporal, com
movimentos de fusão e sincretismo com os objetos e até mesmo com
partes do mundo externo. Com o desenvolvimento, vai se fazendo alguma
diferenciação entre corpo próprio, objetos internos ou externos, mundo
externo, eu e não eu, diferenciação esta que progressivamente se torna
mais nítida.

Existem diferenças como Freud e Klein concebem essas funções no


processo psicanalítico. De acordo com Neves (2007), Freud considera que
as pulsões são sempre inconscientes e podem ser representadas por ideias
inconscientes ou serem manifestadas por meio de um estado afetivo.
Porém, Melaine Klein, não considerava que as pulsões dissociadas de
um objeto. Segundo ela, a pulsão atua sobre o objeto, criando tanto uma
relação com este objeto como uma experiência emocional inconsciente.
O que consequentemente faz com que não colocar a pulsão como foco

23
UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS

principal de seu interesse, ela toma experiência emocional como elemento


privilegiado do trabalho psicanalítico, atribuindo à ansiedade um papel
trivial na estruturação da vida psíquica do sujeito. Logo, para Freud, a
emoção é derivada da atividade pulsional, é uma vivência consciente,
ou seja, é um elemento indicador da presença de um conflito pulsional
inconsciente. Para Klein a emoção é a base vital da vida mental, aquilo que
lhe dá significado que existe tanto no consciente quanto no inconsciente.

d. Transferência e contratransferência – Melaine Klein considera a


transferência como o resultado da externalização de relações internas de
objeto sob a pressão exercida pela ansiedade e cujas origens remontam
aos mesmos processos que, no passado, promoveram as primeiras
relações objetais, ou seja, introjeção e projeção, cisão, identificação
projetiva, idealização etc. Para os kleinianos, de acordo com Neves
(2007), o importante na transferência está na relação entre o mundo
interno e o mundo externo. As relações existentes com as figuras parentais
reais já contêm elementos de uma transferência porque a criança não se
relaciona nem reage aos pais reais tal qual eles são e eles como existem,
mas sua percepção deles já está colorida e marcada por suas projeções e
introjeções. Logo, o que está em jogo na transferência são as imagos dos
pais, ou qualquer objeto, como representações de lembranças e vivências
reais do passado.

A própria Melaine Klein em 1952 afirma que:


minha concepção de transferência como algo enraizado nos estágios
iniciais do desenvolvimento e nas camadas mais profundas do
inconsciente é muito mais ampla, envolvendo uma técnica através da
qual, a partir da totalidade do material apresentado, são deduzidos
os elementos inconscientes da transferência. Por exemplo, relatos de
pacientes sobre suas vidas, relações e atividades cotidianas não só nos
oferecem uma compreensão do funcionamento do ego, mas revelam
igualmente as defesas contra a ansiedade suscitadas na situação da
transferência, caso exploremos o conteúdo inconsciente. O paciente
está fadado a lidar com conflitos e ansiedades, revividos na relação com
o analista, empregando os mesmos métodos a que recorreu no passado.
Isto quer dizer que ele se afasta do analista como tentou se afastar de
seus objetos primários; tenta cindir a relação com eles, mantendo-os
como figuras boas ou más; reflete alguns dos sentimentos e atitudes
vividos em relação ao analista para outras pessoas em sua vida cotidiana,
e isto é a parte da situação.

24
INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I

A psicanálise kleiniana vê a transferência como uma situação total e não


só o que aparece no material verbalizado na sessão, relacionando-se a
conflitos etc. A partir de Klein, a transferência é sempre vista como dirigida
ao analista, que deve então interpretar na transferência, mostrando que
o que aparece na análise é a realidade do mundo interno emergindo,
se expressando e sendo experimentada naquele momento. De acordo
com Neves (2007), a perenidade e a dimensão ampla da experiência
emocional como material primordial e contínuo do trabalho da análise.
Além do material faltado, há o material não verbal (gestos, mímica
facial, movimentos). Essa visão de conjunto que dá à transferência uma
concepção dinâmica de movimento ininterrupto, do mesmo modo como
se dá a emergência e o funcionamento das fantasias.

e. Identificação projetiva e a função de continência do analista – de acordo


com Neves (2007), a identificação projetiva historicamente se baseia na
relação mãe-bebe. O autor afirma que a relação da dupla analítica repete
a relação primitiva do bebê com sua mãe, na qual a forma de comunicação
era essencialmente pré-verbal.

Bion desenvolveu os conceitos de identificação projetiva, função do


pensamento e a função continente. Este autor se tornou maior referência
para o grande de analistas kleinianos. Ele criou uma expressão para
designar a função materna que atua dentro desta relação: a “capacidade
de revêrie”. Esta função pode ser entendida como a capacidade da mãe
de, recebendo os conteúdos emocionais do bebê com toda sua carga de
ansiedade associada, relacioná-los à sua própria capacidade de processar
esse conteúdo, inicialmente intolerável, por meio da função do pensamento.
Depois disto, a mãe deve dar uma devolução adequada e aceitável que possa
ser reintrojetada pelo bebê sem causar ansiedade insuportável, vivência
catastrófica de horror ou de aniquilamento dentro dele.

O instrumento que permite ao analista o exercício da continência é a


interpretação. Transformando-se num objeto continente por meio de sua
capacidade de interpretar, que dá significado às experiências emocionais
do paciente, o analista, na análise, torna-se o núcleo do objeto pensante e
capaz de transformar a experiência emocional do paciente, o analista, na
análise, torna-se o núcleo do objeto bom introjetado. De acordo com Neves
(2007), na condição de objeto pensante e capaz de transformar a experiência
emocional do paciente, o analista torna-se então desejável para o paciente.
Sua presença é sentida como importante e necessária, como facilitadora dos

25
UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS

processos de mudança psíquica autêntica. Se não existe uma constância e


um ritmo intensivo de trabalho analítico, o analista é vivido como objeto
ausente, experimentado como atacado, danificado, morto e perdido.
Pela identificação projetiva, o objeto ausente é transformado num
objeto mau, representado internamente como abandonado a criança (ou
paciente). Como se trata de um processo dinâmico, uma infinidade de
combinações é possível nessas experiências emocionais.

Em 1960, Melaine Klein, em um dos seus últimos trabalhos publicados “Sobre a saúde
mental”, ela faz uma revisão de suas ideias sobre o desenvolvimento da personalidade e
suas vicissitudes e trata do que chama de impulso à integração. Klein diz que este impulso se
origina de um sentimento de que as diferentes partes do self são distantes e estranhas umas
das outras. Conforme Neves (2007), também faz parte dele “o conhecimento inconsciente
de que o ódio só pode ser mitigado pelo amor e se os dois sentimentos forem mantidos
separados, esta mitigação não pode se dar”. Klein diz que todo processo de mudança e de
integração implica numa experiência de dor, pois a excisão do ódio, da destrutividade e
de suas consequências acarreta sentimentos de angústia e sofrimento. Diz ainda que, em
uma pessoa normal, mesmo quando há alguma oscilação entre os efeitos causados por
experiências perturbadoras, internas ou externas, o impulso à integração entra em ação.

Portanto, como afirma Neves (2007), somente por meio do trabalho reiterado das
fantasias inconscientes, do vivido transferencial e da redução das dissociações internas
com a consequente integração do ego e melhor capacidade de lidar com a realidade, é
possível obter um ganho de qualidade de vida no viver, nas relações com as pessoas,
no trabalho e na criatividade. A análise visa proporcionar o crescimento pessoal e só
pode ser conseguido com muito trabalho e não sem sofrimento, pois nada na vida é de
graça. Logo, o objetivo da psicanálise kleiniana é proporcionar aos analisandos meios
de obtenção de mudança psíquica.

Psicoterapia comportamental

Teoria

A teoria cognitiva comportamental (TC) baseia-se em princípios e teorias da


aprendizagem para explicar tanto o surgimento como a eliminação de sintomas
psicopatológicos mediante a aplicação de suas técnicas. Conforme Cordiolli (1998),
os princípios destacam-se: o condicionamento clássico (Pavlov), o condicionamento
operante (Skinner), a aprendizagem social (Bandura), a inibição recíproca,
dessensibilização sistemática e a habituação.

26
INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I

A terapia comportamental percebe que os sintomas formam-se por mecanismos de


aprendizagem e a explicação mais aceita é a teoria dos dois estágios formulada por
Mower, considerada bastante plausível em relação à origem e à manutenção dos sintomas
fóbicos, bem como à manutenção dos sintomas fóbicos e dos rituais de transtorno
obsessivo-compulsivo.

Os comportamentos anormais que se originaram de aprendizagens defeituosas são


suscetíveis de novas aprendizagens defeituosas, razão pela qual a terapia comportamental
pode ser considerada como um conjunto de procedimentos destinados a promover
a aprendizagem de comportamentos adaptativos e a desaprender comportamentos
desadaptados (AGRAS, 1995, apud CORDIOLLI, 1998).

Essa terapia preocupa-se não só com o comportamento observável, incluindo o conceito


de atividade muscular voluntária, a atividade verbal, as alterações fisiológicas que
podem ser medidas, mas também o que os indivíduos sentem nos processos cognitivos
disfuncionais presentes nos diferentes transtornos mentais. Cada vez mais, os terapeutas
comportamentais estão dando importância aos mecanismos cognitivos e sua relação
com as emoções e o comportamento e preocupam-se em desenvolver procedimentos
para tratar os pensamentos disfuncionais (distorções cognitivas, pensamentos
automáticos, “esquemas” cognitivos ou crenças disfuncionais subjacentes). O termo
“terapia cognitivo-comportamental” utilizado em lugar de “terapia comportamental”
denota esta tendência (AGRAS, 1995 apud CORDIOLLI, 1998).

Técnica

A terapia comportamental inicialmente preocupa-se em fazer uma avaliação detalhada


dos problemas do paciente: quais os sintomas, as condições que determinam o
seu aparecimento, seus antecedentes e suas consequências, bem como eventuais
desencadeantes. As situações são avaliadas e se manifestam os fatores que ajudam a
mantê-los (atitudes reforçadoras do ambiente familiar), as cognições (pensamentos
automáticos), que os acompanham, os mecanismos desenvolvidos pelo paciente para
diminuir a ansiedade (exemplo: evitação, realização de rituais).

Os problemas são propostos as seguintes técnicas comportamentais que podem ser


associadas às técnicas cognitivas para corrigir os pensamentos disfuncionais. Cordiolli
(1998) aponta que são utilizadas as diferentes técnicas a seguir:

»» Dessensibilização sistemática (exposição gradual in vivo, exposição em


imaginação etc.).

»» Prevenção da resposta.

27
UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS

»» Modelagem.

»» Reforço positivo e negativo (condicionamento operante).

»» Condicionamento clássico.

»» Relaxamento.

»» Biofeedback.

»» Inundação etc.

Essa terapia exige do paciente uma alta motivação para aderir ao tratamento, expor-se
a situações provocadoras de ansiedade e uma boa aliança de trabalho para levar adiante
as tarefas estabelecidas em comum acordo com o terapeuta.

Indicações

»» Fobias específicas.

»» Agorafobia com ou sem pânico.

»» Fobia social: ansiedade em situações de exposição ao público.

»» Transtorno obsessivo-compulsivo (especialmente os rituais).

»» Disfunções sexuais: ejaculação precoce, vaginismo.

»» Dependência a drogas (alcoolismo, nicotina, outras drogas).

»» Estresse pós-traumático.

»» Déficits em habilidades sociais: transtornos de personalidade, esquizofrenia,


deficiência mental, autismo.

»» Deficiências do controle esfincteriano.

»» Como terapia coadjuvante no tratamento da obesidade, hipertensão,


insônia, asma, dor crônica etc.

»» Como terapia coadjuvante em vários transtornos mentais: esquizofrenia,


transtornos do humor, quadros demenciais etc.

Contraindicações

»» Níveis de ansiedade muito elevados.

»» Depressão severa.
28
INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I

»» Personalidade esquizoide; em pacientes que não toleram o aumento dos


níveis de ansiedade e uso concomitantes de benzodiazepínicos ou álcool.

Terapia cognitiva
É baseada na psicologia cognitiva e social, na teoria do processamento patológico das
informações, da teoria psicanalítica e na investigação empírica clínica. Cordiolli (1998)
afirma que a premissa básica é que a maneira como as pessoas interpretam suas
experiências determina como elas sentem e se comportam. Emoções sentidas em
determinadas ocasiões podem desencadear pensamentos automáticos, por exemplo:
antecipações catastróficas, sobre os quais o paciente não tem controle ou crítica e que
podem determinar um incremento maior das emoções, tornando-as disfuncionais.
E este depende dos sistemas de crenças subjacentes (que significa conceito de si mesmo,
julgamentos, regras) que criam um terreno propício para interpretações distorcidas
dos fatos.

As emoções básicas surgem por percepções ou temas cognitivos que podem ser
distorcidos: tristeza, perda, abandono, rejeição, alegria, ganho, aprovação, ansiedade,
preocupações com a própria vulnerabilidade em situações de perigo, ameaça e raiva,
quando em virtude de se sentir ameaçado por parte dos outros a pessoa utiliza de
comportamento agressivo para se defender. Observa-se que cada uma destas ocasiões
provoca comportamentos coerentes com as emoções percebidas: ruptura ou incremento
de uma determinada relação, evitação ou retraimento, entre outros (BECK, 1995).

Das distorções cognitivas destacam-se a inferência arbitrária (concluir o contrário das


evidências), a abstração seletiva (concluir baseando-se apenas em parte dos dados),
a magnificação e a minimização (avaliar distorcidamente a importância relativa dos
eventos), a personalização (relacionar eventos à própria pessoa, quando não há base
suficiente para tanto), o pensamento dicotômico ou absolutista (classificar as pessoas
ou a si mesmo) em categorias rígidas e estanques (bem ou mau) e o pensamento
catastrófico (prever o desfecho pior, ignorando outras possibilidades).

Essa teoria parte ainda da premissa que nos diferentes transtornos mentais existem
pensamentos disfuncionais a distorções cognitivas típicas: visão negativa de si
mesmo, da realidade à sua volta e em relação ao seu futuro nas depressões (tríade
de Beck); visão exageradamente otimista de si mesmo, da realidade e do futuro na
mania, pensamentos automáticos disfuncionais: antecipações catastróficas no pânico,
e nas fobias; avaliação irreal do risco no transtorno obsessivo-compulsivo, além de
“esquemas disfuncionais” nos transtornos de personalidade, relações conjugais e
familiares. (BECK, 1995).
29
UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS

Destacam-se como autores responsáveis pelo desenvolvimento desta teoria: Beck, Ellis,
Mahoney, Lazarus, Freeman, entre outros (BECK, 1997).

Técnica

A duração da psicoterapia cognitiva tem como uma proposta ser breve e objetiva com
duração entre 10 e 20 sessões. As intervenções têm como objetivo identificar e corrigir
emoções, cognições distorcidas, crenças subjacentes, pensamentos automáticos,
“esquemas” disfuncionais que determinam o estilo desataptativo das relações
interpessoais disfuncionais: o exame das evidências e alternativas, a “descatastrofização”
(BECK, 1997).

O terapeuta tem uma postura ativa e o paciente um colaborador, para que os problemas
possam ser solucionados. A terapia é estruturada por meio de agenda, temas e tarefas
para casa, registro diário de pensamentos disfuncionais e avaliação constante do curso da
terapia. Técnicas comportamentais como: exposição, prevenção da resposta, modelagem,
role-playing, relaxamento. Trata-se também de um método psicoeducacional: procura
ensinar novas habilidades ao paciente, para melhor proteger-se de novas crises e manejar
melhor seus conflitos. O terapeuta reconhece e maneja a transferência para identificar
“esquemas” disfuncionais conforme Cordiolli (1998).

Objetivos e indicações

A eficácia da terapia cognitiva se deu inicialmente no tratamento agudo e de manutenção


em depressões leves e moderadas. Sendo indicada nos seguintes casos:

»» Depressões unipolares de intensidade leve ou moderada, não psicóticas.

»» Transtornos de ansiedade: pânico, fobia social (associada à terapia


comportamental e drogas).

»» Dependência a drogas e ao álcool.

»» Em crises agudas: tentativas de suicídio, estresse pós-traumático.

»» No tratamento de problemas conjugais e familiares.

»» Tratamento de transtornos de personalidade.

»» Tratamento de transtornos alimentares e tratamento de somatizações.

É importante que o paciente tenha como pré-requisitos: ter alto grau de disfunção
cognitiva claramente identificada, capacidade de identificar pensamentos
disfuncionais e comunicá-los, ser curioso e inquisitivo sobre si mesmo, ter mantido
30
INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I

no passado, vínculos afetivos fortes e de confiança com pessoas significativas, tenha


inteligência média ou acima da média, não ter psicose, patologia grave do caráter
bordeline ou antissocial. Cordiolli (1998) afirma que é muito importante que o
terapeuta possa formular uma hipótese cognitiva para os sintomas e problemas do
paciente, integrando as situações desencadeadoras, pensamentos disfuncionais,
sistemas de crenças subjacentes e identificação de influências ambientais que
determinaram sua origem.

Terapia familiar e de casal

Teoria e técnica

Conforme Cordiolli (1998), a terapia de família originou-se da insatisfação de muitos


clínicos com a evolução muito lenta de pacientes tratados individualmente ou
frustrados, pois muitas vezes tais progressos eram neutralizados por outros membros
da família. A partir disso, passaram a considerar não somente o indivíduo, mas a família
como foco para compreender o surgimento e a manutenção da psicopatologia. Logo, a
atenção é voltada para o sistema familiar no qual um problema individual ocorre e as
consequências sobre os demais membros e a maneira pela qual cada membro influencia
os demais é por eles influenciado. Os problemas psicopatológicos individuais devem
ser entendidos no contexto familiar, que os reforça criando círculos viciosos ou terem
papel importante na sua solução.

O conceito de sistema é muito importante para compreender tal abordagem, pois


significa:

um complexo de elementos ou componentes, direta ou indiretamente


relacionados, numa complexa malha de causas, de tal forma que cada
componente se relaciona pelo menos com alguns dos outros componentes,
de uma forma mais ou menos estável durante um determinado período
de tempo (BUCLEY, 1967 apud GOLDEMBERG, 1995).

O psicoterapeuta familiar dá atenção simultânea à estrutura familiar: como ela se


constitui se organiza, se mantém, assim como seus processos são importantes: como se
adapta e evolui ao longo do tempo. A família é um sistema vivo que está em constante
evolução, organizado de forma complexa, durável, em que o todo é maior do que a soma
de suas partes. (GOLDEBERG, 1995).

Essa abordagem, conforme Cordiolli (1998), baseia-se na teoria geral dos sistemas de
comunicação, dos pequenos grupos, na teoria psicodinâmica (das relações de objeto)
e comportamental, entre outras. As sessões são semanais com todos os membros
31
UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS

presentes, podendo posteriormente passar a ser quinzenais ou até mensais, com apenas
partes dos membros presentes (subsistemas).

Os objetivos são: melhorar a comunicação entre os membros, desenvolver a autonomia


e a individualização dos diferentes sujeitos, descentralizar e tornar mais flexíveis os
padrões de liderança e de tomadas de decisão e reduzir os conflitos interpessoais, os
sintomas, além de melhorar o desempenho individual.

Na prática, há diferentes modelos de atuação, como a abordagem estrutural de Minuchin,


estratégico/sistêmico (Haley, Ackerman): para problemas oriundos dos arranjos
hierárquicos e papéis, e as reações com as mudanças; comportamental (Paterson,
Margolin): para problemas que podem ser mantidos ou estimulados pelas atitudes da
família, ou psicoeducacional (Anderson, Goldstein): informativo envolvendo o manejo
de doenças crônicas, redução do estresse, manejo de crises. Ainda, pode haver um
enfoque psicodinâmico (Ackerman), com ênfase nos mecanismos de defesa grupais
(projeção, identificação projetiva, dissociação), e na busca do insight, ou nos conflitos
Inter geracionais (Bowen): diferenciação, triangulação, rupturas, ou experiencial (Satir,
Whitaker), quando o enfoque está nas disfunções da comunicação (FALCETTO, 1993;
ROLLAND, 1994; GOLDEMBERG, 1995).

A terapia de casal também considera que existem possibilidades e vantagens de


se resolver de forma mais ágil os conflitos que surgem na vida de um casal do que
a abordagem psicoterápica dos dois indivíduos separadamente. É baseada na teoria
psicodinâmica (relações de objeto, da comunicação, intergeracional e na teoria dos
contratos conjugais).

Indicações da Terapia Familiar

»» Conflitos conjugais ou familiares, principalmente quando há um membro


utilizado como bode expiatório.

»» Dificuldades em lidar com as questões típicas de adolescentes “normais” como


a conquista da autonomia, a sexualidade, ou disfuncionais, como drogas,
gravidez precoce, promiscuidade sexual e outros problemas de conduta.

»» Presença de doença física ou mental severa, criando um alto grau de disfunção


e na qual a família tem função trivial na reabilitação do paciente (ex.: câncer,
esquizofrenia, Alzheimer, infarto do miocárdio no chefe de família etc.).

»» Nas crises evolutivas típicas da família: filhos pequenos com ambos os


pais trabalhando fora, a saída dos filhos de casa (síndrome do ninho

32
INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I

vazio), troca de papéis em função de progressos ou mudanças no trabalho


ou na saúde, aposentadoria de um ou mais membros.

»» Em questões envolvendo divórcio, separação, novo casamento e as complexas


interações que se formam com os filhos, famílias, amigos e colegas.

»» Nos conflitos típicos com famílias de origem: dependência/independência,


separação/individuação etc. (ROLLAND, 1994);

Indicações da Terapia de Casal

»» Conflitos importantes nas suas relações interpessoais, que se agravam


com o tempo.

»» Padrões negativos de interação que podem levar à violência e à quebra


da relação.

»» Dificuldades que envolvam comunicação em sua intimidade, comunicação


de afetos e sentimentos, companheirismo, planejamento da vida em
comum e troca de papéis.

»» Disfunções que surgem em função de mudanças de um dos parceiros:


mudança profissional (ascensão, perda do emprego), mudança de
características de personalidade pelo próprio crescimento natural ou em
consequência de terapia.

»» Disfunções sexuais: vaginismo, anorgasmia ejaculação precoce, diminuição


de desejo ou insatisfação com o desempenho sexual do companheiro, que
não se resolve com o passar do tempo (ROLLAND, 1995; WALDEMAR,
1993).

Contraindicações

»» Quando os membros importantes da família não poderão estar presentes


(por desmotivação ou motivo de doença etc.).

»» Tendência irreversível à ruptura familiar como separação e divórcio.

»» Presença de psicopatologia grave (esquizofrenia, personalidade paranoide


em um dos cônjuges) ou esquizoides muito intensas, prejudicando
a comunicação e as possibilidades de se criarem em grupo situações
incontroláveis.

33
UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS

»» Pessoas com problemas individuais crônicos, nas quais a solução ideal é


a psicoterapia de longa duração.

»» Quando um ou ambos os cônjuges não podem ser honestos, mentem, têm


segredos (infidelidade, homossexualidade, desonestidade nos negócios)
que se revelados determinariam a imediata ruptura familiar.

»» Quando a individuação ficaria comprometida caso a terapia fosse levada


adiante.

A abordagem da filosofia
fenomenológico-existencial
Boris (2008) aponta que Binswanger e Boss (MILLON, 1979) nos esclarecem sobre
as origens do movimento fenomenológico-existencial em psicologia e psicoterapia:
“[...] a orientação da pesquisa existencial em psiquiatria surgiu da insatisfação com
esforços para ter uma compreensão científica na psiquiatria [...]”. A psicoterapia
e a psicologia, como ciências, estão preocupadas com o homem, em si mesmo.
A nova concepção de homem é baseada na ideia de que o homem não é mais
compreendido em termos de uma teoria seja mecanicista, biológica ou psicológica,
mas na sua estrutura total ou articulação total da existência do SER-NO-MUNDO
(in-der-Welt-sein).

A psicoterapia analítica existencial pesquisa a história de vida do paciente a ser


analisado, mas não explica esta história de vida e suas idiossincrasias patológicas de
acordo com ensinamentos de qualquer escola de psicoterapia, ou por meio de suas
categorias preferidas. Em seu lugar, busca compreender esta história de vida como
modificações da estrutura do ser-no-mundo do paciente.

May (1885) apud Boris (2008) relata que houve resistência à abordagem fenomenológica
nos Estados Unidos, visto que é um país predominantemente tecnicista e a orientação
fenomenológica-existencial não busca técnicas, mas trabalha em uma perspectiva
compreensiva que possa clarear todas as técnicas particulares: “em uma palavra,
o existencialismo é o esforço por compreender o homem eliminando divisão entre
o sujeito e o objeto que torturou o pensamento e a ciências ocidentais desde pouco
depois do Renascimento” (p.29). O existencialismo é a filosofia da existência, termo que
provém de existir, derivado do verbo latino “ex-sistere” o qual significa literalmente:
sair, emergir, aflorar (MAY, 1958a, p. 30).

No existencialismo contemporâneo, esse termo designa o modo de ser do existente


humano, a realidade humana, naquilo que ela tem de absurdo deliberado (pela tomada

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INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I

de consciência) e de irredutível à consciência (contingência e facticidade). (JAPIASSÚ;


SOUZA FILHO, 1993, P. 92) apud Boris(2008).

Kierkergaard (1979) tratou sobre ansiedade 50 anos antes de Freud, discutiu também
sobre a depressão e o desespero produzidos pela autoalienação, classificando-a de
acordo com tipos e intensidade. Também analisou a autoconsciência, os conflitos
interiores, a perda do eu, e os problemas psicossomáticos. Definiu a ansiedade como
“verdugo da liberdade”, acrescentando que a “ansiedade é a realidade da liberdade de
estado de potencialidade anteriormente a materializar-se essa liberdade” (apud MAY,
1958, p. 76).

Conforme Boris (2008), a angústia é um dos temas mais característicos e mais presentes
nos processos psicoterápicos de cunho fenomenológico existencial. A importância
da angústia se deve ao fato de que ela propicia uma vivência antecipada da própria
morte, pois um dos temas existenciais mais incômodos é o da morte, a aniquiladora dos
projetos humanos, tornando-os nada. Por outro lado, vários existencialistas afirmam
que o confronto com a morte proporciona à vida sua realidade mais positiva, tornando
a existência mais plena, real e concreta, destacando a singularidade do homem,
individualizando-o e fazendo-o compreender a potencialidade do SER.

Para May (1958, p. 72), a forma mais extensa e onipresente que adota em nossos dias
nossa repugnância a enfrentarmos com o não ser, seja o conformismo, essa tendência
do sujeito de deixar-se absorver pela maré de atitudes e respostas coletivas, perder-se
na humanidade impessoal com a correspondente perda de sua própria consciência e
potencialidades e de quanto o caracteriza como ser original e único. Com este recurso,
a pessoa escapa da ansiedade de não ser, mas a preço de anular suas forças no sentido
da existência.

A ansiedade é considerada por May como uma característica ontológica humana inerente
à sua própria existência. “Não é somente como um afeto qualquer: a ansiedade é a
experiência da ameaça iminente de não ser”. Boris (2008) cita que Goldstein afirmava
que ansiedade não é algo que temos, mas algo que somos (apud MAY, 1958, p.74), uma
ameaça ao eu não exclusiva de psicóticos, atingindo tanto o caráter neurótico quanto o
normal. Surge quando o homem percebe ameaça de ruína à sua existência, de que ela
possa fundir-se ao seu mundo, transformando-se em nada.

Logo, a proposta do enfoque fenomenológico-existencial é devolver à ansiedade sua


força original. A ameaça da ansiedade, que provoca angústia e pavor, por outro lado,
significa a existência de uma potencialidade de plenitude, para isso é importante que
o indivíduo abandone o conformismo, o tédio e a apatia. Para May apud Boris (2008,
p. 76) a culpa é a condição da pessoa que renega essas potencialidades e renuncia a

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UNIDADE I │ INICIANDO OS ESTUDOS

realizá-las. Quer dizer que a culpa é também uma característica ontológica da existência
humana. Descreve algumas peculiaridades da culpa ontológica:

1. na medida em que todos nunca desenvolvemos plenamente nossas


potencialidades, e, consequentemente, deformamos um pouco a realidade,
é uma condição que, de um modo ou de outro, afeta qualquer pessoa;

2. é originada na própria consciência, ou melhor, as pessoas quando


percebem que podem escolher ou omitir-se. Assim, não provém de
proibições ambientais ou introjeção de normas ou hábitos culturais;

3. desse modo, a culpa ontológica é diferente da culpa neurótica ou mórbida,


mas caso não for aceita ou recalcada, pode degenerar em culpa neurótica.
Tais temas fazem parte da existência humana e são expressos pelos clientes
com frequência em psicoterapia e, portanto, devem ser compreendidos
e vivenciados pelos psicoterapeutas fenomenológico-existenciais. Por
isso, o psicoterapeuta iniciante deve trabalhar a significação dos temas
existenciais e ao domínio do método fenomenológico como condicionantes
importantes de sua capacitação no enfoque fenomenológico-existencial.

Portanto, os psicoterapeutas desta abordagem buscam descobrir novamente o homem


em sua relação pessoal com o mundo e favorecer a revelação dos sentidos que o mundo
adquire para ele. Para isso, acreditam que a pessoa e seu mundo constituem uma totalidade
única, unitária e estrutural, expressa por palavras: “ser no mundo”. Portanto, “o mundo
é a estrutura de relações significativas em que existe uma pessoa e em cuja configuração
toma parte. Assim, o mundo abarca os eventos do passado que condicionam minha
existência e toda minha imensa variedade de influência determinantes que atuam sobre
mim” (MAY, 1958, p. 85). Conclui-se que o homem é influenciado por suas experiências
passadas, mas, também, pelos eventos atuais e expectativas em relação ao futuro, sendo
capaz de interferir sobre suas condições de vida, ou seja, em utilizar seu potencial de
transcendência da situação imediata para construir seu projeto. Logo, o aqui-agora é o
mais importante de ser trabalhado na psicoterapia.

Conforme Boris (2008), o psicoterapeuta fenomenológico-existencial precisa enfrentar


dois desafios importantes, sendo o primeiro: a ênfase comum e exagerada à técnica e ao
modismo fácil e comum de que o ser humano é como um objeto manipulável, analisável
e mensurável, visto que a teoria sustenta exatamente o contrário, sendo a compreensão
o norte da construção do trabalho terapêutico. A principal tarefa e responsabilidade
do terapeuta é compreender o paciente como um ser e como este ser se desenvolve no
mundo. Todos os problemas técnicos estão subordinados a esta compreensão, sem ela,
os recursos técnicos são indispensáveis.

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INICIANDO OS ESTUDOS │ UNIDADE I

O referido autor aponta que, se por um lado o enfoque fenomenológico-existencial não é


um modelo de psicoterapia intuitivista, à mercê das percepções, sensações e “insights” do
psicoterapeuta, do mesmo modo que não é uma abordagem teoricista. O que implica em
algumas aplicações práticas:

1. O psicoterapeuta tem como foco uma atitude compreensiva das condições


da existência humana, isso é mais importante do que teorias e técnicas a
serem utilizadas em determinadas situações as quais o ser humano pode
vir a passar.

2. Mesmo com a existência de diferentes técnicas, parte-se do pressuposto,


de dados concretos, fatos de existência a partir dos quais se constrói a
relação terapêutica entre o cliente e o terapeuta. Logo, o uso das técnicas
deve ser flexível para poder variar de acordo com a situação, o cliente e a
fase na qual se encontra o processo psicoterápico.

3. As técnicas devem derivar do contexto imediato da relação psicoterápica


e são construídas com a cooperação do cliente, nunca como propostas
elaboradas pelo psicoterapeuta.

4. A abordagem fenomenológica-existencial reconhece as representações


simbólicas como (transferência e contratransferência) das figuras do
terapeuta e do cliente, a compreensão fenomenológica-existencial da
relação psicoterápica atribui importância significativa à presença real de
ambos os parceiros como pessoas. Porém, de acordo com Boris (2008),
é preciso, ainda, o desenvolvimento de um método que abarque as
representações simbólicas a partir do enfoque fenomenológico-existencial.

5. Conclui-se que a abordagem fenomenológico-existencial é caracterizada


pelo compromisso, não apenas como algo ético ou bom, mas é um
pré-requisito para buscar os sentidos da existência do cliente. É inegável
o poder do psicoterapeuta sobre aqueles que o buscam. O uso deste poder
deve ser comprometido com o serviço ao cliente, não para satisfazer
seus desejos e muito menos, os do psicoterapeuta, mas para favorecer a
conscientização dos desejos do cliente.

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UMA VISÃO DE CADA Unidade II
ABORDAGEM

Capítulo 1
Abordagens analíticas

Psicanálise
Machado e Vasconcelos, em Cordiolli (1998), informam que Freud (1905) escreveu o
seguinte, no artigo “Sobre psicoterapia”:

Há muitas espécies de psicoterapia e muitos meios de praticá-la. Todos os


que levam à meta da recuperação são bons. Nosso consolo corriqueiro,
que tão liberalmente dispensamos aos enfermos: “Você logo ficará bom
de novo!”, o que corresponde a um dos métodos psicoterapêuticos;
mas agora que temos um discernimento mais profundo da natureza
da neurose, não somos obrigados a ficar restritos a esse consolo.
(FREUD, 1905).

Então, segundo esses autores, Freud propõe uma técnica de tratamento psicoterápico
com objetivos mais ambiciosos do que até então se havia existido e denominou esta
técnica de psicanálise. E é a partir dela que novas técnicas de psicoterapia foram
estudadas e sistematizadas, sendo que algumas se mantiveram mais ligadas às propostas
teóricas da psicanálise e outras seguiram caminhos diferenciados.

Machado e Vasconcelos (apud CORDIOLLI, 1998) destacam que Wallerstein (1989) faz
uma revisão histórica apontando três momentos diferentes sobre as formas terapêuticas
advindas da psicanálise. Primeiramente, o que ele conceitua a “pré-história da
psicoterapia”, caracteriza-se por um período em que a psicanálise era considerada como
único método psicoterapêutico eficaz, colocando as formas diferentes de psicoterapia
sob o qualitativo único de sugestão. Assim, a psicanálise, neste primeiro momento, era
uma modalidade já definida em relação aos seus objetivos e à sua prática, enquanto que
em oposição à psicoterapia faltava uma definição clara de suas características.

38
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

Já a segunda etapa da psicanálise, conforme os estudos de Wallerstein, é caracterizada


pela busca de um delineamento dos objetivos e das técnica das psicoterapias.
Primeiramente, procura-se estabelecer a diferença entre as terapias suportivas (as
que têm como objetivo o fortalecimento ou a estruturação das defesas, para evitar o
surgimento de sintomas) e as psicoterapias expressivas, as quais utilizam a expressão
verbal dos conflitos do paciente, objetivando mais do que a adaptação. A psicanálise
estaria inserida na modalidade expressiva, sendo que os debates científicos daquele
momento tinham a finalidade de demarcar fronteiras desta com as outras psicoterapias
dinâmicas.

Neste caso, conforme Machado e Vasconcelos (1998), são dois os enfoques utilizados.
O primeiro foi definido por Alexander e From-Reichmann e propõe a diluição destas
fronteiras, igualá-las; considera que o uso da teoria psicanalítica pelas duas formas
de psicoterápicas seria o elemento central em sua aproximação; não valoriza as
diferenças de técnica, por exemplo, como frequência das sessões, uso do divã e duração
do tratamento. Já o segundo enfoque, conforme os autores, o qual foi defendido
por Gill, Stone e Rangell (1954), objetiva aprofundar as diferenças entre uma técnica
e outra, a psicanálise, ficando a psicoterapia de orientação analítica mais próxima
da psicanálise.

A última etapa descrita por Wallerstein, conceituada por ele como contemporânea,
procura aprofundar os pontos de consenso até então alcançados quanto à natureza
da psicoterapia de orientação analítica ou dinâmica e sua relação com a psicanálise.
A psicanálise, conforme Laplanche e Pontalis (1995) pode ser compreendida em
três níveis:

a. Método de investigação que consiste essencialmente em evidenciar


o significado inconsciente de palavras, ações, produções imaginárias
(sonhos, fantasias, delírios) de um sujeito. Tal método é baseado
nas associações livres do sujeito, que são a garantia da validade da
interpretação psicanalítica, que pode estender-se a produções humanas
para as quais não se dispõe de associações livres.

b. Método psicoterápico baseado na investigação e especificado pela


interpretação controlada da resistência, da transferência e do desejo. A
psicanálise é empregada como sinônimo de tratamento psicanalítico e
está ligada a este sentido.

c. Um conjunto de teorias psicológicas e psicopatológicas em que são


sistematizados os dados introduzidos pelo método psicanalítico de
investigação e tratamento.

39
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

Objetivos e técnica

De acordo com Cordiolli (1998), a psicanálise trabalha no sentido de trazer à consciência


do paciente os impulsos e desejos rechaçados, fortalecendo o ego e, sobretudo, levando
a mudanças das relações internas de objeto. A obtenção dos resultados propostos se dá
por intermédio de um processo que leve a eliminar as resistências, utilizando elementos
técnicos peculiares.

A associação livre é um destes elementos técnicos que se destaca como regra fundamental
da psicanálise, que consiste na atitude básica do paciente de dizer tudo o que lhe vem à
mente, sem omitir nada, mesmo que lhe pareça sem importância ou sentido, ou mesmo
que lhe seja doloroso. O não cumprimento desta regra constitui-se um campo aberto
para resistências ao processo analítico, pois lembranças aparentemente sem sentido
ou que seriam motivo de dor ou vergonha para o paciente (em função disto seriam
normalmente caladas) podem estar escondidos elementos que permitam uma maior
compreensão do seu mundo interior.

Os sonhos também se constituem como favorecedores do acesso ao material inconsciente


do analisando. Durante o sono, há uma diminuição da censura, ou seja, das defesas,
contra aqueles impulsos que são mantidos afastados da consciência por serem
ameaçadores ao indivíduo. A análise do sonho busca interpretar o conteúdo que se
apresenta distorcido, disfarçado, a compreensão de conflitos que fazem parte do
material reprimido do paciente.

Ao trabalho compreensivo, opõe-se uma série de resistência, de defesas, as mesmas que


trabalharam no sentido de manter o material inconsciente. Logo, faz parte do trabalho
analítico a compreensão e, como consequência, a interpretação de tais defesas, ou seja,
das resistências do paciente e precedendo a interpretação dos impulsos e conteúdos
resistidos.

Machado e Vasconcelos (apud CORDIOLLI, 1998) afirmam que outro meio que
possibilita o acesso ao material inconsciente do analisando é a transferência, tida
como: “o conjunto dos fenômenos e processos psicológicos do paciente dirigidos ao
analista e derivados de outras relações de objetos anteriores” (RACKER, 1982, p. 20).
A transferência inicialmente foi tida como resistência ao processo analítico e depois
assumiu um papel central na psicanálise. A transferência é tida como uma repetição,
deslocada em relação ao analista, dos processos psicológicos que originalmente
foram direcionados aos pais, a transferência tornar-se um instrumento de trabalho
fundamental, por trazer para a atualidade aquilo que só poderia ser observado por
meio da reconstrução histórica. A vivência destes sentimentos pelo paciente oferece
ao analista um campo fértil para por intermédio das interpretações transferenciais,

40
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

atingir o objetivo de superar as resistências e oferecer o acesso ao material inconsciente,


reprimido.

A postura de neutralidade do analista é fundamental para estimular manifestações


transferenciais, que estão latentes no paciente, essa neutralidade significa não tomar
partido de qualquer instância psíquica do paciente, que não seja a do fortalecimento
mais maduro, permite o estabelecimento de transferências. Isto não significa o silêncio
ou ausência do analista na sessão, mas sim que as suas intervenções sejam direcionadas
para favorecer a livre associação do paciente e oferecer de volta a este, por meio das
interpretações, elementos que o auxiliem na compreensão do seu material inconsciente.

Machado e Vasconcelos (apud CORDIOLLI, 1998) apontam que é importante que


o terapeuta se sinta livre para escutar, aceitar e compreender o material oferecido
pelo paciente. O que seria caracterizada pela atenção flutuante, que de acordo com
Racker (1982) significa “uma disposição ou atitude mental, oposta à que adotamos
ao concentrar-nos, que significa flutuar é o estado ideal para que a consciência do
analista possa ser surpreendida por fantasias rejeitadas e ocorrências reprimidas”.
Assim, o analista utiliza seu inconsciente e poderá tomar contato com o inconsciente
do analisado, favorecendo a elucidação.

Na medida em que é necessário que o analista favoreça a utilização do seu inconsciente


para entrar em contato com o inconsciente do paciente, é importante que o terapeuta
também faça análise.

Há também os critérios caracterizados como extrínsecos tais como: frequência das sessões,
o divã, um paciente relativamente bem integrado e um analista treinado. Freud enfatiza
em seus artigos a importância de uma analista bem treinado. (FREUD, 1912, 1913)

Elementos intrínsecos e extrínsecos proporcionam um campo favorável ao desenvolvimento


da neurose de transferência, na qual a resolução proporcionaria mudanças estruturais
na mente do paciente. A neurose de transferência é compreendida como uma neurose
artificial, provocada pelo tratamento psicanalítico, em que o paciente, por meio das
manifestações de transferência reedita sua neurose infantil com o terapeuta, propiciando
desta maneira o terreno para a resolução destes conflitos básicos infantis (LAPLANCHE;
PONTALIS, 1995).

Bibring (1954) descreve cinco tipos diferenciados, utilizáveis no continuum, das técnicas
psicoterápicas:

»» Sugestão: é a indução de vários processos mentais: ideias e ações, pelo


terapeuta no paciente, independente (ou com exclusão) do pensamento
crítico ou racional deste.

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UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

»» Ab-reação: objetiva à descarga de emoções. Está ligado ao método


catártico de Breuer e Freud, baseado na teoria traumática das neuroses.

»» Manipulação: uso de vários sistemas emocionais existentes no paciente


com o objetivo de adquirir mudança terapêutica e/ou a exposição a novas
experiências. Por meio de atitudes e palavras do terapeuta, busca-se
neutralizar certos sistemas emocionais no paciente, mobilizar outros,
utilizando-os nos propósitos técnicos ou curativos.

»» Clarificação: restaurar, de forma mais precisa, os sentimentos que


acompanham o pensamento, por meio da verbalização de modo mais
claro do que a obtida pelo paciente, para ampliar a sua autocompreensão
do mesmo.

»» Interpretação: busca tornar disponível à compreensão do paciente material


de natureza inconsciente.

Indicações e contraindicações

Conforme Machado e Vasconcelos (apud CORDIOLLI, 1998), a psicanálise é indicada


no tratamento dos distúrbios neuróticos e nos transtornos de caráter, quando estes
não são severos. No diagnóstico global, a capacidade de introspecção do paciente,
sua habilidade para experimentar e observar estados de afeto intenso, capacidade
para estabelecer um relacionamento estável, motivação e disponibilidade devem ser
considerados para um tratamento de longo prazo.

Observa-se que a motivação do paciente para o tratamento são, além de sua capacidade de
estabelecer uma aliança terapêutica, seus recursos para manejar ansiedade, sua capacidade
de introspecção e de diferenciar a fantasia da realidade. Além dos critérios diagnósticos
e das capacidades de ego do paciente, são levados em consideração: a motivação do
paciente para o tratamento, a natureza do conflito neurótico do paciente. Ainda, além dos
primeiros critérios referidos, a indicativa conflitiva deve ser suficientemente intensa e
extensa, de modo que ter a solução satisfatória por meio de um rearranjo das relações
internas do objeto.

Esses autores apontam que o paciente, ao iniciar a psicanálise, deve está ciente que
durante anos fará o tratamento que exigirá sua presença frequentemente a várias
sessões semanais. A idade do paciente é outro fator que pode interferir na decisão
terapêutica. Mesmo que Freud não acreditasse na possibilidade de realizar análise
com crianças, avanços teóricos e técnicos futuramente possibilitaram o tratamento
psicanalítico na infância. Sobre os idosos, Freud a considerou contraindicada para

42
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

psicanálise, pois acreditava que haveria muito material para ser analisado, o que
alongaria demasiadamente o tratamento, além de existir menor capacidade de mudanças
psíquicas com o avanço da idade. Por isso, é importante levar em consideração a idade
do idoso no tratamento e buscar adequá-lo à idade do paciente.

O objetivo de orientar sobre as contraindicações às modalidades terapêuticas é de


auxílio para diminuir as possibilidades de erro quando outros elementos que não as
indicações terapêuticas influenciam na escolha do tratamento.

Etchegoyen (1989 apud CORDIOLLI, 1998) fez um estudo histórico dos critérios de
indicações e contraindicação para a psicanálise, no qual pode ser evidenciado pontos de
consenso sobre as contraindicações. Casos de psicose são considerados contraindicados
ao tratamento analítico, assim como casos agudos ou emergências (o paciente suicida,
por exemplo). O mesmo vale para as perversões, uso de drogas e psicopatias, os quais
haveria dificuldades ao tratamento e dificilmente evoluindo de maneira favorável.
Pacientes com ganhos secundários que estão enfermos também seriam contraindicados
para a psicanálise.

Resultados esperados

Bachrach (1991 apud CORDIOLLI, 1998) fez uma revisão dos trabalhos sobre a eficácia
da psicanálise e, depois da análise dos resultados de várias pesquisas sobre o tema,
concluiu que as pesquisas são equivalentes às descrições clínicas, as quais confirmam
que pacientes com uma indicação adequada para o tratamento psicanalítico são os que
mais se beneficiam deste tipo de terapia, afirma ainda que o maior benefício recai sobre
os que têm um melhor funcionamento prévio à psicanálise.

Tal autor relata que os trabalhos avaliados apresentam algumas falhas metodológicas,
pois não oferecem a possibilidade de comparações desta modalidade terapêutica com
as demais psicoterapias, para específicas formas de tratamento. Aspectos relativos à
experiência do terapeuta e a observação de se a técnica foi utilizada com adequação e
efetivamente empreendeu-se o tratamento psicanalítico são fatores que influenciam
estas pesquisas.

Psicoterapia Breve Dinâmica – PBD


Para Bloom (1992) apud Cordiolli e colaboradores (1998), a psicoterapia é uma breve
(PB) proposta, sua base teórica fundamental é a psicanálise, ela surgiu de necessidades
diferentes da técnica analítica clássica. Na época, um grupo de pacientes buscava
tratamento com objetivos definidos em torno de uma questão focal, ou melhor, um

43
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

tema que possa basear as interpretações. O que acarretou várias mudanças na técnica
analítica clássica que fizeram da PB uma forma diferenciada de tratamento.

O crescimento e desenvolvimento da PB se devem aos seguintes fatores:

a. O movimento da Medicina Comunitária, que estimulou que instituições


atendam eficazmente uma demanda maior de pacientes.

b. Advento das terapias cognitivas e comportamentais de curta duração.

c. Maior facilidade de utilização e validação dos tratamentos de curta


duração pelas pesquisas.

d. Um grande grupo de pacientes tem limitações de tempo, dinheiro e


dedicação não se dispondo a um processo longo e sem previsão de
término.

e. Pressão das companhias de seguro e empresas que, apesar da cobertura


aos seus funcionários, limitam o atendimento para um determinado
número de frequências de consultas (LEMGRUBER, 1997).

História e fundamentos teóricos

Sigmund Freud deu origem na orientação breve dinâmica em seus trabalhos e


casos “Ana O” (BREUER; FREUD, 1985), “Dora” (1905) e o “ Homem dos Ratos”
(1909). Freud passou a realizar tratamentos mais longos após esses casos, a partir
de desenvolvimento de conceitos mais complexos sobre a mente e novas técnicas
de abordar o funcionamento intrapsíquico e com a ideia da estruturação de caráter
e das resistências à sua modificação. Os conceitos como associação livre, resistência,
transferência, elaboração e neurose de transferência e insight criados por ele basearam
as psicoterapias de orientação psicodinâmica, já outros como interpretação sistemática
da transferência não podem ser utilizadas nem estimuladas na psicoterapia breve
dinâmica (PBD).

Conforme Cordiolli e colaboradores (1998), Ferenczi foi um dos primeiros autores


a tentar mudar a técnica clássica freudiana e adaptá-la a certos tipos de pacientes, o
que ele denominou “terapia ativa”, pois acreditava que a passividade dos terapeutas
era o principal fator responsável pelo prolongamento dos tratamentos analíticos.
Tal modalidade de tratamento consiste em solicitar ao paciente que além de usar a
associação livre, se comporte de determinada maneira com objetivo de aumentar a
ansiedade e movimentar o material inconsciente, o que incluía proibições ou ordens.
Tais medidas trariam à tona mais conflitos mais reprimidos e, por isso, pouco

44
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

reconhecíveis. Ele também estimulava o paciente a se entregar a fantasias sobre


assuntos que apareciam espontaneamente em suas associações. Porém, determinar
uma data para o fim do tratamento foi a mais ativa de suas inovações técnicas. Ferenczi
(1945) obteve êxito em alguns tratamentos, mas desistiu desta técnica quando concluiu
que tais modificações poderiam ser usadas a serviço da resistência.

Alexander e French (1946) realizaram um projeto de investigação com a participação


de professores do Instituto de Psicanalise de Chicago de 1938 a 1945. A finalidade
era estabelecer princípios básicos e técnicas que permitissem uma modalidade de
terapia que fosse breve e eficaz. Eles acreditavam que as sessões muito frequentes da
psicanálise faziam com que os pacientes evitassem experiências no cotidiano real, pois
um atendimento muito assíduo pode oportunizar ao paciente fugir às tentativas de
experiência emocional corretiva no dia a dia, substituindo-as pelas experiências seguras
nas sessões, a neurose de transferência servindo à finalidade da neurose original,
afastando o paciente de participar da vida real.

A pesquisa de Alexander e French (1946) concluiu que o fator curativo nas psicoterapias
é o que os autores chamaram de experiência emocional corretiva, cujo princípio é a
reexposição do paciente a situações emocionais semelhantes às experienciadas no
passado, as que não conseguiu resolver. Portanto, é fundamental a atividade do terapeuta,
diferente da atitude parental, oferecendo condições mais favoráveis ao paciente.
O princípio fundamental da técnica, segundo os autores, é a flexibilidade no tocante à
atividade ou passividade do terapeuta e ao manejo da situação transferencial. Um dos
aspectos técnicos centrais é o controle do nível de aprofundamento da transferência, por
isso a mudança na variação na frequência das sessões, podendo interromper mais ou
menos o tratamento e interpretações centradas em torno da situação atual do paciente.

Após, Balint e seus colaboradores, dentre eles Malan, formaram em Londres um


dos grandes centros de pesquisa em Psicoterapia Breve (PB). Esse centro contribuiu
consideravelmente com a conceituação do foco e no estabelecimento de técnicas focais,
eles defendiam que o tratamento de curta duração deveria ter um objetivo específico,
delineado e definido, determinando anteriormente. O terapeuta deveria intervir
interpretando apenas aspectos que facilitassem o trabalho no foco escolhido.

Em vários estudos de casos clínicos, Malan (1976) concluiu que a PBD pode obter
melhoras duradouras em pacientes com doenças moderadamente graves e de longa data.
Priorizou o uso de interpretações transferenciais desde o início do tratamento, o que seria
decisivo como instrumento terapêutico. Criou o uso de uma técnica focal, caracterizada
por um objetivo limitado, um foco formulado em uma interpretação essencial na qual
se baseia a terapia. Observou como fatores essenciais de bom prognóstico a motivação
e a focalização. Defendeu o tempo limitado como um importante instrumento, o qual

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UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

deve ser combinado desde o início do tratamento, examinado e trabalho durante ele.
Notou que os pacientes eram capazes de terem benefícios pela elaboração parcial do
conflito nuclear da transferência. Também partiu do conceito de triângulos, criado por
Menninger (1958), para desenvolver seu trabalho. Sendo que o primeiro triângulo do
conflito consiste na defesa, ansiedade (sintoma) e impulso. O segundo triângulo das
pessoas considera a relação do paciente com os pais (passado), com outras pessoas
significativas do presente (atual) e com o terapeuta (transferência).

Em 1972, Sífneos, em Boston, aproveitou o conceito de crise para desenvolver novo


conteúdo da PB. Tal autor defende que a crise emocional é um ponto de mudança, que
possibilita ações interventivas preventivas breves. Nos momentos de crise, sintomas
são produzidos e existe a possibilidade de prevenir a sua cristalização e a instalação
de uma neurose. Sifneos acreditava que o aumento da ansiedade poderia ser útil ao
paciente, por meio da concentração na interpretação de defesas, o que caracterizou de
PB desencadeadora de ansiedade. Destacava a importância da interpretação precoce da
resistência, da ambivalência e da transferência negativa para que a aliança terapêutica
fosse mantida. Usava exemplos advindos da transferência com objetivo de conscientizar
o paciente a respeito da repetição de padrões anteriores. O tratamento psicoterápico
era considerado uma experiência de aprendizado para o paciente.

Cordiolli (1998) cita que Mann (1973) criou vários limites pragmáticos em relação ao
tempo, que teriam como objetivo a diminuição do risco de dependência dos pacientes.
Estabeleceu 12 sessões como um número definido, alertando que este limite deveria
ser estabelecido desde o início do tratamento. A alta deveria ser colocada em caráter
definitivo e, se existisse a necessidade de estender o tratamento, isto deveria ser feito
de forma inesperada. Para Mann, as crises vitais são momentos ideais para este tipo
de tratamento.

Já em 1978, houve o desenvolvimento da chamada psicoterapia emergencial, por


Bellack e Small. Tal abordagem é fundamentada na teoria do aprendizado, indicada
em situações de crise ou aumento de demandas emocionais. Por ser breve, de uma a
cinco sessões, exigia que o terapeuta fosse ativo na tentativa de provocar insight não
esperando a elaboração, mas estimulando-a. O objetivo é que atingisse o equilíbrio
por meio do esbatimento de sintomas, podendo até motivar para um tratamento mais
prolongado e com objetivos mais extensos ou até chegar em um ponto no qual pudesse
continuar em um processo de autonomia.

Logo, Cordiolli e colaboraderes (1998) concluem que Ferenczi, Alexander e French


trouxeram muitas contribuições ao paradigma básico da psicanálise, a partir de várias
alterações na sua prática. Tais mudanças acarretaram em acréscimos posteriores de
outros pesquisadores, como Balint e Malan, no estabelecimento da PBD como forma

46
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

diferenciada de tratamento, essa abordagem tem o centro de sua teoria baseada em


conceitos da psicanálise, aplicados em tratamentos de curta duração. Também tem
contado com uma série de estudos que discutem ou validam sua técnica ou demonstram
sua eficácia e efetividade.

Como funciona a técnica da psicoterapia


breve dinâmica?

Triagem de pacientes

Observa-se que a indicação de um tratamento psicoterápico somente é possível após


a realização de uma avaliação individual do paciente. Sifneos, Malan e Ryan (1972)
apontaram diversos fatores como determinantes de um melhor ou pior aproveitamento
das psicoterapias breves (PB). Sífneos (1972) designa como importante que o paciente
apresente as seguintes características:

1. queixa circunscrita;

2. inteligência;

3. relação interpessoal significativa quando criança;

4. motivação para mudanças e não apenas alívio de sintomas, sugerida pela


capacidade de introspecção, disponibilidade de tempo, dinheiro e
disposição psicológica;

5. capacidade de tolerar ansiedade e frustação desencadeadas pela


psicoterapia;

6. capacidade de desenvolver uma relação com o terapeuta e de interagir


com ele.

Malan (1976) definiu como importante para a indicação da PBD:

1. identificação de um foco ativo e psicologicamente atual, que possa se


constituir na base de interpretações;

2. a boa resposta do paciente às interpretações durante o período de


avaliação;

3. a motivação suficiente, que pressupõe busca espontânea do tratamento,


sofrimento psíquico, pontualidade e concentração de história em
si mesmo;

47
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

4. a ausência de fatores de exclusão, como pacientes incapazes de estabelecer


contato, paciente nos quais seria necessário um trabalho longo para
gerar motivação ou para penetrar em defesas rígidas, com risco de
suicídio, dependência de drogas, homossexualismo, hospitalização
prolongada, mais de uma série de eletroconvulsoterapia, alcoolismo,
sintomas obsessivos ou fóbicos crônicos incapacitantes, comportamentos
gravemente hetero ou autodestrutivo, ou que apresentem séria
dependência ou outras formas de transferência intensa desagradável.

Cordiolli e colaboradores (1998) consideram o equilíbrio entre a motivação do paciente


e o estabelecimento do foco pelo psicoterapeuta como fator preditivo de sucesso.
Há autores que consideram que o fator mais importante é a capacidade do paciente
em estabelecer boa aliança terapêutica, até a terceira entrevista. Ryan e Cichetti (1985)
pesquisaram diversas variáveis e observaram que as relações de objeto eram o fator que
mais influenciava no estabelecimento da aliança terapêutica. De acordo com Hoglend
(1993) apud Cordiolli e colaborades (1998), a inserção de uma avaliação dinâmica
(foco, motivação, envolvimento com o terapeuta e qualidade de relações interpessoais
antes do tratamento) melhora os critérios de seleção, quando adicionada do diagnóstico
descritivo. Mesmo que o estudo do referido autor tenha sido uma amostra pequena, ele
encontrou resultados em que descrevem que a qualidade das relações interpessoais
prevê significativamente mudanças dinâmicas, quando em avaliações pré-tratamento,
em seguimento de quatro anos.

Ainda Cordiolli e colaboradores (1989) desenvolveram escalas de avaliação de pacientes,


com a finalidade de medir os principais fatores que influenciam os resultados neste tipo
de tratamento. A escala é composta pelos seguintes itens: focalidade, motivação, nível
de adaptação prévia, capacidade de insight e aliança terapêutica. As pontuações são
uniformizadas, variando de 1 a 5. Neste estudo, averiguaram que quando as notas da
escala mantinham-se acima da média três e aproximavam-se do grau cinco, o paciente
tinha boas chances de se beneficiar com a PB. Caso as notas fossem abaixo de três ou
tangenciassem o grau mínimo, ocorreria o contrário.

Alguns autores têm realizado estudos mais precisos com relação a seleção e a indicação
de pacientes para PBD. Como Winston e colaboradores (1984) estudaram pacientes
com transtornos de personalidade, encontraram melhora significativa com tipo C de
personalidade (evitativos, obsessivos e dependentes) e melhora parcial para paciente
com o tipo B de personalidade (bordeline, histriônicos e narcisistas), em um período
de um ano e seis meses. Wilbor e Dahl (1996) encontraram que a combinação de PBD e
o uso da clomipramina diminuía significativamente a taxa de recaída no transtorno do
pânico, quando comparada ao uso isolado de medicação.

48
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

Segundo Cordiolli e colaboradores (1998), o paciente ideal deve ser capaz de fazer uma
aliança rapidamente de trabalho e vincular-se ao terapeuta, ter facilidade de expressar
seus sentimentos e demonstrar interesse em compreendê-los, o que precisa ter uma boa
estrutura do ego. Deve estar motivado para ir além de aliviar os sintomas, apresentar
bom nível de adaptação prévia, áreas da personalidade funcionantes e capacidade para
se preparar para a alta.

Como é o processo terapêutico?

O processo ocorre entre cinco a vinte sessões. Hoglend (1993) sugeriu que, ao final de
um estudo com 43 pacientes, 25 seria o limite máximo de sessões, momento no qual
diminuiria a aderência focal. Observa-se que é um tratamento com objetivos terapêuticos
bem limitados e, no decorrer do seu processo, o terapeuta tem uma atividade bem
diferenciada de outras terapias direcionadas ao insight. O trabalho inicia-se com a
formulação de uma hipótese inicial psicodinâmica que inclui os sintomas apresentados
pelo paciente, sua relação com o conflito atual, com o conflito central, suas possíveis
manifestações na transferência e o estabelecimento dos critérios de melhora (MALAN,
1976). Está hipótese será testada ao longo do tratamento e servirá para orientar as
interpretações do terapeuta.

A PBD utiliza conceitos como “atenção seletiva” e “negligência seletiva” criados por
Malan (1963), que orienta a atenção do terapeuta para o foco (tema predominante
escolhido pelo paciente e pelo terapeuta, no qual se estabelece o terceiro conceito, o
de “interpretação seletiva’’. O trabalho é iniciado por meio das associações livres e,
após ouvi-lo, o terapeuta busca identificar no material as conjunturas possíveis como
foco, possibilitando mais interpretações e assim assume um papel ativo. O paciente
é motivado a concentrar sua atenção e interesse no foco, que progressivamente
vai sendo examinado a partir de várias facetas, inclusive sob a ótica transferencial.
Alusões diretas e indiretas à transferência, especialmente a negativa, são aproveitadas
como conflito presente, agora vivido com o terapeuta. A transferência, interpretada
na relação terapêutica, é remetida ao foco e serve como elemento a mais para que o
paciente perceba a vinculação de seu sintoma ou problema atual com algum conflito
inconsciente que foi identificado. Os silêncios são ativamente desencorajados e
interpretados como resistência, assim como atrasos, faltas, tentativas de mudança de
assuntos, entre outros, conforme aponta Cordiolli (1998).

A contratransferência também é um ponto importante, como afirma Eizirik e


colaboradores (1991). Os autores segundo Cordiolli e colaboradores (1998), após uma
pesquisa com pacientes da PBD, propõem a existência de um foco contratransferencial
que consiste na reação emocional predominante do terapeuta em relação ao paciente,

49
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

fácil de identificar desde o começo da terapia e útil para orientá-lo na escolha do material
a ser trabalhado. Mesmo que o paciente traga o material sob a forma de associações
livres, é da responsabilidade do terapeuta direcionar a atenção para o exame do conflito
principal que constitui o foco. Desse modo, a utilização de perguntas, clarificações e
confrontações é muito frequente neste tratamento, somada às interpretações que são
basicamente extra transferenciais e dirigidas ao foco.

Ainda, após o exame reiterado da questão principal e a motivação continuando alta


(o que também depende da postura do terapeuta), observa-se a existência progressiva
do insight intelectual. O que significa que o paciente pode compreender sobre seus
sintomas ou problemas, indo além do alívio de sintomas, produzido por negação, fuga
para a saúde, isolamento ou repressão. Mesmo diferente do insight afetivo em extensão
e profundidade, o insight intelectual possui valor terapêutico e preventivo. E, segundo
Cordiolli e colaboradores (1998), permite que o paciente reorganize sua vida atual, o
capacita a enfrentar problemas futuros, pela aquisição de compreensão cognitiva e
autocompreensão. Portanto, uma vez resolvido o conflito atual, as repercussões poderão
se estender para além do foco, com possibilidade de mudanças em outras áreas da vida
do paciente.

E a alta como é?

Mann (1977) apud Cordiolli e colaboradores (1998) acredita que se deva dar a entender
ao paciente que a alta terá caráter definitivo, não criando expectativa de entrevistas
adicionais. Segundo ele, a perspectiva de alta pode originar no paciente quatro conflitos
básicos e universais:

a. independência/dependência;

b. atividade/passividade;

c. autoestima adequada/perda da autoestima;

d. luto não resolvido ou postergado.

É nesta fase final que terá lugar o trabalho definitivo de resolução, o que irá incorporar,
necessariamente, a compreensão de todos os eventos dinâmicos concentrados e
intensamente vividos que a precederam. “A fonte genética destes afetos é revivida na
decepcionante realidade da alta e da separação do terapeuta, com quem o paciente
se identificou profundamente” (MANN, 1997). E completa dizendo que o manejo da
questão da alta possibilitará que o terapeuta seja internalizado: “Assim, a internalização
é mais positiva (jamais totalmente) e menos carregada de raivas e culpas, podendo
tornar a separação um genuíno fator de amadurecimento”.

50
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

Malan destaca que mais importante do que o número de sessões é se deve ou não ser
estabelecido um limite de tempo definido com o paciente desde o início do tratamento.
De acordo com o mesmo autor, não limitar o tempo de tratamento, pois isto gera
consequências negativas, tanto o terapeuta quanto o paciente tendem a se envolver
profundamente um com o outro, o que pode tornar difícil a separação da dupla. Por
isso, é benéfico a fixação da duração no início da terapia, porque assim a questão da alta
é trabalhada desde o começo.

Conforme Cordiolli e colaboradores (1998), Malan sugere que

mesmo quando é claramente falado ao paciente em que ele pode


retornar, se preciso, para discutir problemas surgidos posteriormente
em seu inconsciente, a última sessão regular é experienciada como o
fim da relação, não tendo necessidade de uma postura rígida sobre o
número de sessões.

Sobre a avaliação dos resultados adquiridos na terapia implica, portanto, na identificação


dos mecanismos inconscientes envolvidos nas mudanças globais de vida observáveis.
O que inclui mudanças nos sentimentos internos do paciente e grau de resolução dos
conflitos que foram focalizados.

E os resultados da psicoterapia breve como são?


A psicoterapia breve atual

Segundo Eizirik e colaboradores (apud CORDIOLLI, 1998), a PBD confirmou em partes


a expectativa de contemplar o atendimento de uma população que busca ambulatórios
psicoterápicos e psiquiátricos. Estudos apontam que vai de 10% o número de pacientes
adequados a esta técnica, de acordo com Malan, até 25% conforme Sifneos e de 30 a
35% de acordo com Davanloo (GARFIELD, 1978).

Foi verificado por Cordiolli (1986) que 22,8% dos pacientes que procuravam o Centro
Psiquiátrico Melaine Klein eram encaminhados para PB e que aproximadamente 8%
obtiveram melhoria com o tratamento desta abordagem. Mesmo considerando esses
dados, a focalização, a atenção seletiva, a negligência seletiva e a importância da
motivação podem ser aplicados em um número mais amplo de paciente ambulatoriais
sem que a técnica desta forma de psicoterapia esteja sendo totalmente utilizada.

Estudos como o de Wiborg (1996) avaliam a eficácia e efetividade da PBD. Ele avalia se
esta técnica pode diminuir a taxa de recaída do transtorno do pânico. Ele comparou um
grupo de pacientes tratado apenas com clomipramina, por nove meses, com outro grupo
submetido ao mesmo tratamento, somado de 15 sessões semanais de PBD. Verificou que

51
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

a soma de PBD diminui significativamente a taxa de recaída do transtorno do pânico,


quando comprada com o tratamento psicofarmacológico sozinho.

De acordo com o Winston e colaboradores (1994) realizaram um estudo que avaliou


os resultados das duas formas de PB em pacientes com transtornos de personalidade.
Examinaram oitenta e um pacientes aleatoriamente alocados em um grupo de PBD,
baseada nos princípios desenvolvidos por Danvaloo, outro grupo para PB adaptativa,
desenvolvida pelo Beth Israel Medical Center, e uma lista de espera como controle. Os
dois tipos de tratamento usavam as técnicas de PBD desenvolvidas por Mann, Malan,
Sifneos e Danvaloo. Averiguaram que nas duas formas de psicoterapia houve mudanças
significativas em todos os instrumentos de medida utilizados, quando comparados com
pacientes na lista de espera. Não houve diferença significativa entre os resultados das
duas psicoterapias.

A psicoterapia breve dinâmica é um método eficiente psicoterápico, quando aplicada


de forma criteriosa. Conforme Cordiolli e colaboradores (1998), Sífneos é um autor
produtivo e tem demonstrado sua eficácia de PB provocadora de ansiedade. Em vários centros
universitários brasileiros, o ensino, a aplicação e a pesquisa em PBD têm sido
desenvolvidos. A técnica da PBD é visualizada atualmente de modo mais realista e
empregada em casos bem indicados e supervisionados, com pacientes motivados e
por terapeutas treinados e supervisionados para aplicar a técnica corretamente, seus
resultados específicos equiparam-se, proporcionalmente, aos das outras terapias.

52
Capítulo 2
Outras abordagens

Psicologia da Gestalt, Gestalt-terapia e teoria


de campo
De acordo com Andrade e Holanda in Becker (2011), a escola gestaltista tem a ideia de
todo, totalidade, sistema conhecido como Psicologia da Forma, boa parte das ideias
desenvolvidas por tal escola e teoria foi incorporada na estruturação posterior, da
perspectiva clínica moderna chamada de Gestalt-terapia.

Histórico

O foco de estudo da escola gestaltista foi a percepção, mas caminhou para temas como
os processos cognitivos (memória, percepção e solução de problemas e os fatores
comportamentais e motivacionais).

O método fenomenológico também foi muito importante para o desenvolvimento


da Psicologia da Forma. Esse movimento, o gestaltista, surgiu em contraposição ao
elementarismo wundtiano e titchneriano e ao behaviorismo watsoniano. O principal
promotor desse movimento, que em 1912, publicou uma pesquisa sobre o movimento.

Outros disseminadores da psicologia da Gestalt obtiveram destaque como Kurt


Lewin (1890 1947), desenvolvedor da Teoria do Campo e da Dinâmica de Grupo, e
Kurt Goldstein 1878 a 1965, idealizados da Teoria Organísmica. Este trabalhava com
pacientes que tinham lesão cerebral, tendo como base as ideias da Psicologia da Gestalt.
Friedrich Salomon Perls (1893 a 1970), ou Perls, principal fundador e divulgador da
Gestalt terapia.

Perls, sua mulher Laura e seus filhos fogem para Johannesburg na Alemanha, em
1933, onde fundam o Instituto Sul Africano de Psicanálise com influências da Teoria
Organísmica e da Psicologia da Gestalt. Publicou o livro Ego, Hunger and Agression,
em que o subtítulo era Uma revisão da teoria e método de Freud, que questiona a
psicanálise em sua ênfase no presente e no corpo, busca de uma abordagem mais
sintética do que analítica, constatação da neurose da transferência, destaque para a
importância de um contato direto e autêntico entre o paciente e o terapeuta e propõe
uma abordagem sintética e holística do organismo.

53
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

Conforme Andrade e Holanda (apud BECKER, 2011), propôs-se um novo modelo


psicoterápico que compreendeu técnicas de utilização na primeira pessoa do singular,
responsabilidade pelos seus sentimentos, concentração no corpo, tempo presente
etc. Perls e sua família imigraram para os Estados Unidos em 1946, e foi no território
americano que a Gestalt terapia nasce oficialmente, por meio da publicação, em 1951,
da obra Gestalt therapz excitment and growth in the human personalith, de Perls,
Ralph Hefferline e Paul Goodman.

Fundamentação teórica

Psicologia da Gestalt

A frase mais conhecida do movimento da Gestalt é: o todo é maior e diferente do que


a soma de suas partes, o que significa que o todo não é apenas mais um elemento do
conjunto, e a partir das qualidades desse todo pode se determinar as características das
partes. A partir desta ideia foi desenvolvida a lei da pregnância, que significa a clareza,
equilíbrio e harmonia da Gestalt, dizendo que a organização de qualquer todo será tão
boa quanto às condições vigentes.

Em toda a Gestalt existe uma relação de figura a qual se destaca sobre um fundo mais
geral. De acordo com os referidos autores, a figura se forma mais claramente do que
o fundo, por ter uma à mudança. Tal noção é a intercepção e seletiva e nem todos os
estímulos são percebidos com a mesma clareza. Aqueles que são organizados em um
todo e são percebidos com melhor clareza são denominados de figuras.

A elaboração de leis e princípios sobre a organização da percepção são um dos principais


objetivos da escola gesltatista:

1. Proximidade: elementos próximos no tempo e no espaço tendem a ser


percebidos juntos.

2. Similaridade: elementos semelhantes tendem a ser percebidos e como


sendo da mesma estrutura.

3. Direção ou continuidade: está relacionado a tendência de ver figuras do


modo. Toda unidade linear psicologicamente, a se perpetuar na mesma
direção e com o mesmo movimento, a impressão que as partes sucessivas
se seguem às outras.

4. Disposição objetiva: quando se vê um determinado tipo de organização,


continua se a vela mesmo quando os estímulos originais são ausentes.

54
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

5. Destino comum elementos deslocados, de maneira semelhante, tempo


maior de um grupo maior tendem a ser agrupados.

6. Prepnância: refere se ao princípio do fechamento ou princípio do equilíbrio,


ou seja, figuras são vistas de um modo tão bom quanto forem possíveis
as condições do estímulo (ou tende a se fechar a forma de uma figura,
mesmo que esteja incompleta).

A psicologia é definida como o estudo da experiência imediata do organismo total,


mesmo que os gesltaltistas queiram incluir todo o espectro da psicologia em sua
perspectiva, privilegiaram o estudo da percepção.

A gestalt está ligada à atitude do todo em relação à parte. Outro princípio que podemos
determinar como secundário, ao isomorfismo, relacionado ao problema corpo-mente
como elementos de um mesmo todo. Isomorfismo tem a ver com a relação entre o
campo cerebral e a experiência, as propriedades estruturais dos campos cerebrais da
experiência são topograficamente idênticas, ou seja, existe uma relação de identidade
entre ambos. A ordem experienciada no espaço é estruturalmente idêntica à ordem
funcional, como analogia do mapa e da região real.

A Teoria de campo de Kurt Lewin

Kurt Lewin (1890 a 1947) é idealizador da Teoria de Campo e o precursor da Dinâmica


de Grupos e fontes de grupos. Para ele, o campo tem diferentes pontos e fontes de força,
formando uma rede. A percepção depende da rede do sujeito. Desse modo, coisas e
pessoas são compreendidas se percebidas numa relação total com o ambiente que as
cerca. Portanto, a pessoa só se faz compreensível no contexto total em que se encontra.

O comportamento é função do campo, nesta teoria, um sujeito é um universo fechado


dentro de um universo maior. O que decorre a diferenciação, que define separação
do mundo por um limite de continuidade ou de diferenciação da pessoa de qualquer
outra coisa e a relação da parte com o todo, a qual remete a inclusão da pessoa em um
universo maior.

De acordo com Andrade e Holanda (apud BECKER, 2011), Lewin criou uma teoria
estrutural e seus conceitos fundamentais são pessoas (P), meio psicológico (M) e espaço
vital (V – este é onde acontece o comportamento), o qual também é em função do V.
Em uma forma simples V=P+ M, Dessa maneira, entende-se que ao mesmo tempo em
que a pessoa se individualiza (universo fechado), e se comunica se inclui em um universo
mais amplo. E o espaço vital que revela a pessoa que nele se movimenta, funcionando
como um mapa.

55
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

Esse espaço vital é o universo psicológico, contém a totalidade doenças fatos possíveis,
capazes de determinar o comportamento do indivíduo. O comportamento é função do
campo, ou na fórmula lewiniana, C = v. Há uma interpendência entre a região P e a região
M, que formam o campo real do vital V. A realidade é definida pela permeabilidade
entre as regiões.

Logo, todos os fatos reais que obtenham efeitos devem ser incluídos, inconscientes ou
conscientes. Os fatos físicos e sociais são incluídos quando afetam o indivíduo em seu
estado atual, assim V é P + M, tal qual existe para a pessoa. Isso define o princípio da
contemporaneidade, que é a relação temporal do evento com as condições dinâmicas
que o produzem ou com as partes do espaço vital. Surge daí uma questão: os eventos
futuros também podem causar a mudança ou somente eventos passados podem
promover a mudança? Lewin afirma que os fatos psicológicos passados, nem futuros,
mas apenas aquela situação presente e, a figura, ou seja, apenas o que existe de
concreto pode ter efeitos. O que contraria os modelos psicológicos existentes, pois tal
ênfase no presente, na perspectiva de Lewin, diz que a influência da história passada
da pessoa é indireta.

O modelo de Kurt Lewin é também tido como Psicologia topológica conforme Andrade
e Holanda (2011), que significa que dado que cada parte de (V) a qual pode ser
representada como uma região, (lugar onde se tem um objeto, onde este se move , é a
zona na qual podem se distinguir-se várias posições ao mesmo tempo). Existem dois
tipos de ligações entre as regiões: locomoção e comunicação, portanto, as regiões se
movem e se comunicam. A partir desta perspectiva, Lewin desenvolve o conceito de
“espaço hodológico”, lugar onde consta as direções que dependem da situação e das
propriedades do campo.

Lewin acredita que a conduta é o câmbio psicológico e a mudança, em uma determinada


situação, a conduta se dirige a um fim, um objetivo. O que causa a mudança, câmbio?
Um vetor, uma força, que possui uma magnitude e uma direção determinadas. Logo,
as forças possuem direção, magnitude e ponto de aplicação. Voltando aos conceitos
iniciais, as forças que atuam em um campo, e a conduta é o produto das forças
resultantes. A superposição de dois campos de forças resultantes pressupõe um
conflito.

Primeiro vamos entender o conceito de valência: as forças que atuam sobre uma
pessoa atraem ou repelem. Todas as forças de um campo se dirigem pela valência que
pode ser positiva ou negativa. Uma força positiva é a que atrai e quando repele é uma
forca negativa. O que está relacionado à ideia de tensão, definida por Lewin como o
estado de desequilíbrio entre o indivíduo e seu ambiente, é percebido por ele como
uma necessidade.
56
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

Daí sua teoria comportamental pode ser resumido em:

1. Toda conduta é câmbio.

2. Geralmente existe um estado de equilíbrio entre a pessoa e o ambiente.

3. Perturbação estado de equilíbrio que gera tensão.

4. Tensão gera locomoção definida como a atitude dirigida para supressão


da tensão, na direção de uma nova equilibração.

5. A conduta humana é uma continuidade de tensões, locomoções e calmas.

6. Um sistema de tensão tende a modificar-se até fazer igual ao estado dos


sistemas vizinhos.

7. Tensão/locomoção/equilíbrio equivale a necessidade/atividade/calma.

8. Fracasso ou frustação na tentativa de retomar a calma gera tensões


adicionais.

9. Satisfação de uma necessidade ligada à relaxação da tensão e a um novo


estado de equilíbrio.

Como vemos, a teoria de Kurt Lewin toma a física como modelo metodológico,
superando de certa forma, a ênfase na psicofisiológica da época. Toma a física em seus
fundamentos metodológicos e não em seu conteúdo ou leis. A partir disso, Lewin define
uma teoria como um sistema de conceitos relacionados por meio de fatos observáveis,
de tal modo que os fatos empíricos podem ser deduzidos dos conceitos. As leis empíricas
são relações funcionais de dados observáveis e devem referir-se a leis dinâmicas.
Toda ciência deve ser empírica, mas centrar-se nas relações funcionais dos dados.
Portanto, para Lewin, a teoria é a soma de sistema de conceitos e leis dinâmicas.

Trata-se de uma abordagem dinâmica da psicologia, porque introduz o conceito de


sistema como um conjunto de interações de tal modo que uma mudança em um dos
elementos do sistema altera o sistema inteiro.

Gestalt Terapia

Os conceitos de bases teóricas ou filosóficas são os que fundamentam a Gestalt terapia.

Contato

O homem é um ser de relação em contato com o mundo. Para a Gestalt terapia, o


processo básico é o relacionamento, é viver, sentir, pensar, agir, falar, enfim, é vivenciar
57
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

o presente, relacionar-se com a vida e com o imediato aqui-agora. Contato é o


processo de reconhecer a si mesmo e ao outro em um duplo movimento de conectar-se
e de afastar-se do diferente. Conforme Perls, nem todo contato é saudável e nem a
fuga-afastamento é doentia, visto que as escolhas de aproximação ou distanciamento,
meios de distanciamento, meios de satisfazer as necessidades emergentes, são
necessárias e só tornam-se nítidas advêm do contato.

O meio para mudar a si mesmo, a experiência que se tem no mundo, é incompatível


igual. O terapeuta acredita que o contato é algo transformador e que a natureza da
psicoterapia gestáltica seja promovê-lo, pois o terapeuta deve sempre incentivar o
cliente a olhar em contato consigo mesmo, para o outro e para o mundo, pois é esse
movimento que dá qualidade ao contato e permite alcançar a awarenes.

Awarenes

É a maneira como a consciência é compreendida pela Gestalt terapia, sendo que há duas
formas diferentes de consciência: a counsciousness e a awarenes. A primeira refere-
se a uma consciência limitada no tempo, no espaço e é cotidiana, está mais voltada a
uma compreensão racional de si e do mundo cognitiva, já a awarenes pode ser definida
como uma consciência ampliada, organísmica.

Ser aquilo que se é exige um continumm de awarenes que possibilita ao sujeito indivíduo
tomar posse de seu processo de existir, como esse processo se estabelece a cada momento,
e de encontrar sua totalidade. Awarenes momento de iluminação, em que a pessoa se
percebe como uma totalidade em funcionamento e então a pessoa se vê como possível.
Logo, awarenes é ter consciência da própria consciência, portanto, um momento
da transcendência.

Autorregulação organísmica

Processo de constante renovação em que o organismo satisfaz suas necessidades na busca


de um equilíbrio dinâmico, consequência constante de equilibrar-se e desequilibrar-se.
Surge de novas necessidades na medida em que o organismo responde à necessidade
atual. O que aparece como figura é o que o organismo precisa em um determinado
momento para satisfazer a necessidade mais premente e, assim, restabelecer seu estado
de equilíbrio.

Ainda conforme Andrade e Holanda (apud BECKER, 2011), é por meio dessa organização
das necessidades que os indivíduos se organizam de modo ordenado e significativo.
A pessoa para satisfazer suas necessidades deve buscar os suprimentos necessários no
meio. A pessoa precisa saber o que quer, antes de ser gratificada, senão perde o sentido.

58
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

Figura-fundo

Edgar Rubin afirma que configuração total da percepção destaca-se um estímulo (figura)
enquanto outra parte recua como fundo. A figura não existe destacada do fundo, pois é
este fundo que permite a figura emergir, ou seja, a figura está no todo, pois figura e fundo
formam uma unidade. Portanto, quando o sujeito se depara com diversas necessidades
ao mesmo tempo para serem satisfeitas, o equilíbrio só acontecerá se, antes de qualquer
coisa, for eleita uma necessidade, que é a figura. O fundo revela a figura que se constitui
no campo não pode ser considerada fora de seu contexto.

A qualidade do processo figura-fundo é determinada pela qualidade da consciência de


uma pessoa e de sua autorregulação, porque sinaliza o que é emergente para a pessoa. Se
a figura não é nítida, seu significado também será diminuído. Trata-se de um processo
dinâmico em que as urgências e os recursos do campo interagem. Quanto mais saudável
a pessoa mais nítida é a necessidade, maior será a probabilidade de obter o que lhe falta.
Uma qualidade importante de uma Gestalt é a necessidade que ela tem de completar-se,
nem sempre de maneira ideal, mas da melhor forma possível para aquele momento.
Esse movimento é denominado como formação e destruição de figuras.

Ajustamento criativo é o processo que leva as necessidades do organismo e os estímulos


do ambiente a interagirem. Ao sentir necessidade, a pessoa procura a resposta do
ambiente. Portanto, se ajustar criativamente é escolher por uma decisão que pareça
melhor para cumprir a demanda organísmica a qual se tornou figura naquele momento.

Porém, conforme Andrade e Holanda in Becker (2011), nem sempre o ajustamento


criativo tem como consequência o crescimento, pois existem ajustamentos criativos
disfuncionais. Assim, observa-se a formação de figuras mal definidas e desvitalizadas,
uma percepção distorcida tanto da necessidade quanto recursos que poderiam buscar
no ambiente. Desse modo, figuras quase sempre não se completam e dificultam
progressivamente os contatos criativos.

Aqui-agora

Por ser uma abordagem fenomenológica, destaca o trabalho com a ênfase no presente,
em consequência, enfatiza seu trabalho no aqui-agora. Aqui (espaço e agora tempos
são duas realidades que se relacionam, mesmo porque, de certa forma, uma constitui
a outra).

A pessoa só consegue falar e entrar em contato com memórias ou expectativas e, com


isso, se dá conta de todas as suas escolhas. Experiências de alguns minutos, dias, anos ou
décadas passadas, que têm importância presente, são abordadas no processo psicoterápico,

59
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

assim como o futuro caso esteja presente nos processos atuais. Desse modo, só o presente
existe, pois o ato de relembrar e de planejar funções presentes, apesar de se referirem ao
passado e ao futuro.

Diálogo

O aspecto mais importante da psicoterapia é a relação terapêutica com o cliente. Uma parte
trivial da metodologia da Gestalt terapia. Esse princípio explica a disponibilidade do
gestalt terapeuta em trabalhar em um contato e acontece, sobretudo, quando ambos
têm a sensação de estarem inteiros no que dizem ou fazem ou até mesmo deixam de
fazer, e existe a intenção de estabelecer uma relação mútua e viva entre ambos.

A Gestalt-terapia acredita que o homem adoece quando o diálogo é interrompido,


perdendo, assim, a habilidade em se comunicar quando o diálogo dá espaço para os
monólogos disfarçados de diálogo de Martin Buber, ou quando o diálogo se torna
apenas técnico, quando deixa de ter o interesse na outra pessoa.

Prática Clínica da Gestalt-Terapia

A Gestalt-terapia é um modelo baseado pela filosofia existencial-fenomenológico que


destaca a relação entre terapeuta e o paciente e é embasada no diálogo. Logo, privilegia
a compreensão, em detrimento da interpretação. Andrade e Holanda (apud BECKER,
2011. O processo psicoterápico procura tornar os clientes conscientes do que estão
fazendo e como estão fazendo e como podem transformar-se, aprender a aceitar-se e
valorizar-se. Por isso, é uma terapia que objetiva o crescimento e o desenvolvimento
da personalidade.

Para atingir os objetivos, tal abordagem apoia-se na metodologia do contato e da


awareness, fazendo uso de técnicas, experimentos e diálogos, como procedimentos.
O terapeuta utiliza diferentes instrumentos, sendo que os mais importantes são a fala, o
corpo e a relação terapêutica. A técnica é todo o procedimento definido anteriormente,
que propõe algo objetivo ao cliente na terapia. Trata-se de procedimentos construídos
e testados que buscam levar o cliente a obter determinado nível de consciência.
O psicodrama e a análise transacional são técnicas utilizadas na Gestalt-terapia, e
alguns exemplos de técnicas são “a cadeira vazia”, a “dramatização”, a “amplificação”,
“a fantasia dirigida”, “troca de papéis” etc.

Para Perls, na Gestalt-terapia, o terapeuta é seu maior instrumento, sendo a criatividade


um dos destaques é a criatividade. O experimento é originado dessa criatividade e tem
como consequência no envolvimento do paciente e na presença do terapeuta no contexto

60
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

da relação. O experimento é possibilitar que o cliente alcance um nível de consciência


de determinados problemas e questões, o experimento facilita a awareness.

Toda a experimentação é um resultado do momento, logo, localiza-se no aqui-agora.


Na técnica, a responsabilidade por conduzir o procedimento está sob a responsabilidade
do terapeuta, no experimento o terapeuta sugere o procedimento e divide o controle e a
observação com o cliente. Na técnica, sabe-se aonde se quer chegar, no experimento não
existe certeza aonde se quer chegar. Desse modo, pode-se fazer um com experimento
com qualquer coisa que surgir na terapia, sem ficar preso às técnicas.

O diálogo é o que é mais enfatizado no processo terapêutico. A Gestalt-terapia se


propõe a promover o diálogo, facilitando ao cliente o reconhecimento de suas formas
incompletas de se relacionar com o mundo, consigo e os outros.

Terapia cognitiva
A terapia comportamental foi desenvolvida por Beck na década de 1960. Ela se
baseou na teoria da melancolia de Freud, a partir daí Beck desenvolveu estudos
sobre depressão e observou as características negativas do pensamento depressivo.
E assim estruturou modelo cognitivo da depressão (BECK, 1997), que concretizou no
livro Teoria Cognitiva da Depressão (BECK e cols., 1979), em que propôs com seus
colaboradores que independente de suas causas, a depressão poderia ser compreendida
como uma perturbação no pensamento consciente, seus sintomas seriam decorrentes
de um processamento cognitivo pessimista.

Logo, se tais pensamentos são de maneira consciente, os sintomas não estariam fora
do controle do paciente, pois seu estado de humor e seu comportamento seriam
consequência de uma visão distorcida de si, dos outros e do mundo. A modificação
desses pensamentos disfuncionais é o objetivo do tratamento. A partir de então, muitas
investigações aprovaram a validade da terapia cognitiva (TC) em relação ao transtorno
depressivo (RUSH e cols., 1977; WRIGHT; BECK, 1983; DOBSON; SHAW, 1986;
HAAGA e cols., 1991 apud CORDIOLLI, 1998).

Outros transtornos são tratáveis pela terapia cognitiva, tais como diversos transtornos
da ansiedade, de personalidade, hipocondria, transtornos alimentares, problemas com
a dicção, abuso de drogas lícitas e ilícitas, disfunções sexuais, esquizofrenia, dificuldades
relacionais e conjugais e diversas fobias.

De acordo com Cordiolli e colaboraadores (1998), a junção da TC com a farmacologia


resultam em diversos benefícios. No caso de esquizofrenia e transtorno afetivo bipolar,
a eficácia do tratamento pode ser aumentada pelo uso concomitante de medicação.

61
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

Já em outros casos, a indicação de psicofarmacoterapia é questionável. No transtorno


do pânico, por exemplo, pode comprometer o senso de autoeficácia do paciente que
acredita que apenas a medicação pode melhorar seus sintomas. Porém, há casos em que
a frequência e a intensidade dos ataques de pânico podem indicar o uso de fármacos.

Não há restrições de indicação para pacientes de diferentes idades e diferentes níveis


educacionais, econômicos ou em grupo, conforme Beck (1995). O ponto comum que
permanece no tratamento de todos os transtornos psicológicos em qualquer modalidade
é a modificação e identificação dos pensamentos e das crenças disfuncionais, os quais
determinam o estado de humor, comportamento e afeto dos indivíduos. Os pacientes
que são mais beneficiados por esta abordagem são os que apresentam capacidade
relativa analítica, os que se dispõem e realizam atividades, tarefas de casa passadas
pelo terapeuta e os que generalizam o uso de novos recursos terapêuticos aprendidos
para serem utilizados no cotidiano.

Quais são as características básicas da


terapia cognitiva?

Rangé e Sousa (apud CORDIOLLI, 1998) destacam as seguintes características da TC:

»» É uma terapia ativa: terapeuta e paciente agem de maneira cooperativa


para solucionarem os problemas, conforme o paciente aprenda a
identificar e mudar seus pensamentos.

»» E uma terapia diretiva: direcionada para os problemas do “aqui e


agora”, trabalha com comportamentos, sentimentos e pensamentos do
cliente, utiliza dados da história passada somente quando contribuem
para melhor compreensão de suas crenças.

»» É uma terapia educativa: o terapeuta ensina o cliente o modelo


cognitivo, a natureza de seus problemas, a previsão de recaída e o processo
terapêutico.

»» É uma terapia estruturada: devido suas sessões serem sequenciadas


e previamente estabelecidas.

»» E uma terapia de prazo limitado: são suficientes apenas de 16 a 20


sessões nos Eixo I (DSM V) e mais extensa nos casos de Transtornos do
Eixo II (DSM V transtornos de personalidade).

»» É uma terapia colaborativa, pois usa tarefas de casa: consistem


na realização de técnicas e experimentos entre as sessões com o objetivo
de aumentar a efetividade e a generalização dos efeitos da terapia.
62
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

»» É uma terapia que utiliza técnicas: cognitivas e ou comportamentais


para a modificação das crenças do paciente.

E quais são os principais conceitos da


psicoterapia cognitiva?

Os principais conceitos são: as crenças centrais (esquemas), as crenças intermediárias,


os pensamentos automáticos e as distorções cognitivas.

Crenças centrais ou esquemas cognitivos: cognições podem ser categorizadas


em três grandes grupos: crenças centrais ou esquemas são pensamentos absolutos
sobre como o paciente vê a si mesmo, os outros e o mundo. Elas representam o nível
mais profundo das crenças da pessoa e com frequência não são identificadas pelos
pacientes. Estes esquemas se caracterizam por serem pensamentos globais, rígidos e
supergeneralizados. São estruturados desde a infância, a partir de experiências com os
pais, irmãos e outros modelos socializadores. Os esquemas funcionam como orientações
gerais para a seleção e organização de diferentes dados, para a evocação de memórias e
para a interpretação de cada situação.

Crenças intermediárias: as crenças intermediárias, menos rígidas e as mais


facilmente acessíveis do que as centrais se originam dos esquemas cognitivos. Podem
ser expressas nas atitudes: “’Isto é horrível (não ser amado)”’; de regras ou expectativas,
frequentemente expressas sob as falas “devo’’ ou “tenho que” e de suposições positivas
que permitem enfrentar a crença central e negativas (inversas às positivas e ativadas
por situações críticas). A partir de suposições positivas, o paciente pode desenvolver
mais de um transtorno psicológico.

Observa-se que cada esquema pode ter diferentes conteúdos, e um dos mais importantes
é aquele relacionado ao domínio pessoal. O que envolve o conceito de si mesmo (fatores
físicos, psicossociais etc.), crenças e valores em geral, inclusive os mais abstratos
O estado de humor e comportamento da pessoa serão determinados pela interpretação
das experiências cotidianas como algo que afeta positivamente ou não este domínio.
Geralmente, as crenças condicionais positivas tendem a predominar sobre as negativas
e as pessoas podem conseguir ser funcionais em diferentes áreas de suas vidas.

Conforme Beck (1964) apud Cordiolli (1998), as crenças centrais negativas podem ser
agrupadas de acordo com seu conteúdo, em duas categorias: uma relacionada à crença
de ser desamparado e a outra relativa à crença de não ser amado (vide quadro a seguir).
As categorias não são excludentes, pois o indivíduo pode apresentar crenças relativas a
apenas um dos núcleos ou a ambos.

63
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

Quadro 1. Elementos básicos de uma sessão de terapia cognitiva.

»» Breve atualização (inclui classificação de humor e uma checagem de aderência à medicação, quando necessário).
»» Ponte com a sessão anterior.
»» Estabelecimento da agenda.
»» Revisão da tarefa de casa.
»» Discussão do tópico(s) estabelecido(s) na agenda.
»» Indicação de nova tarefa de casa.
»» Resumos e feedback.
Fonte: Cordiolli (1998).

Quando este se torna fixo em várias condições, passa a ser um modo cognitivo, que
representa uma forma tendenciosa de avaliar as experiências. Existem diferentes modos
cognitivos, por exemplo: o negativista, o narcisista etc. Ocorre uma ativação do estado
de prontidão quando um modo está operando, assim como são ativados os esquemas
correspondente e isso dispara pensamentos automáticos, que representam um nível
mais superficial do pensamento, podendo se apresentar sob a forma de verbalizações
ou imagens encobertas. Tais cognições são autônomas, reflexas e específicas para
cada situação. Os pensamentos automáticos podem ser processados de maneira falha,
mantendo assim, as avaliações irreais sobre si, os outros e o mundo.

Como funciona o processo terapêutico?


De acordo com Rangé e Sousa (apud CORDIOLLI, 1998), o sucesso da terapia depende
do estabelecimento de um claro plano de tratamento que deve incluir: conceituação do
problema, educação do paciente sobre o modelo cognitivo, desenvolvimento de uma
relação colaboradora, fortalecimento da motivação para o tratamento, formulação do
problema, estabelecimento de metas, várias intervenções cognitivas e comportamentais
e esforços para prevenção de recaídas.

Quais são os recursos terapêuticos da terapia


cognitiva comportamental?
As técnicas podem ser utilizadas tanto para a identificação e modificação de pensamentos
automáticos como para crenças centrais e intermediárias, sendo que a escolha de cada
uma delas precisa ser feita de maneira criteriosa conforme as necessidades específicas
de cada caso.

Técnicas cognitivas
»» Identificação de distorções cognitivas – oportuniza o paciente de
reconhecer as distorções que mantêm suas crenças, mesmo que existam
evidências contrárias a elas.

64
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

»» Registro de pensamentos disfuncionais (RPD) – recurso útil


para identificação de emoções e pensamentos do paciente em situações
perturbadoras (o paciente responde apenas as quatro primeiras colunas)
e depois a reestruturação dos pensamentos e emoções, o paciente
responde as duas últimas colunas.

»» Questionamento socrático – trata-se no questionamento das


evidências que sustentam (ou não) a ideia do pensamento e no
desenvolvimento de interpretações alternativas. Beck (1979) denominou
de investigação empírica, em que pensamentos automáticos e crenças
do paciente são concebidos como hipóteses, que precisam ser analisadas
sistematicamente para terem sua validade ou utilidades testadas.
O questionamento pode ser elaborado com perguntas: quais são os fatos
de que este pensamento é realista? Há outras hipóteses possíveis?

»» Experimentos comportamentais para testar as crenças – o


terapeuta pode sugerir tarefas que permitam ao paciente testar na
realidade a validade de suas crenças.

»» Continuum cognitivo – utilizada quando há predominância de


pensamentos dicotômicos. O terapeuta faz um gráfico de 0 a 100%, para
a característica que é avaliada em tudo ou nada. Após, foi pedido que
o paciente comparasse seu desempenho com o de outros indivíduos,
posicionando-os no gráfico, o que facilita que o paciente se avalie de
forma mais relativa.

»» Técnica do gráfico em forma de torta – visualizar os pensamentos


em gráficos pode ser útil para que o paciente perceba sua parcela de
responsabilidade em algum estado ou o quanto quer investir em alguma
área de sua vida.

»» Decastatrofização – o objetivo é fazer com que o indivíduo imagine


a consequência mais temida e possa reavaliá-la por meio de diferentes
técnicas cognitivas.

»» Técnica da flecha descendente – é o questionamento sucessivo sobre


o significado de uma cognição até alcançar o seu significado central, o que
pode ser feito por meio de perguntas tais como: O que isso significaria
para você? E se o pior acontecer?

»» Análise das vantagens e desvantagens dos pensamentos


disfuncionais – a finalidade desta técnica é ressaltar as desvantagens e
enfraquecer as vantagens que mantêm a crença.
65
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

»» Role-playing racional-emocional (ou técnica do ponto e do


contraponto) – o terapeuta propõe uma dramatização em que ele
faz a parte racional (argumenta em favor da modificação da crença
disfuncional) e o paciente faz parte emocional (que sustenta porque a
crença disfuncional ainda é sentida como disfuncional) e depois os papéis
são trocados.

»» Cartões de enfrentamento – são pequenos cartões que ficam


disponíveis para a leitura regular. O conteúdo pode estar relacionado às
estratégias de enfrentamento (para relembrar as estratégias discutidas
em sessão; a uma resposta adaptativa, em que a função é ajudar na análise
de elementos disfuncionais), às orientações para motivar o paciente etc.

»» Técnicas de reatribuição – utilizadas quando o paciente apresenta


padrão de autoatribuição de responsabilidades irrealístico em relação a
vários resultado negativos. O terapeuta ajuda o paciente a flexibilizar seu
julgamento por meio da identificação de outros fatores que contribuem
para o resultado final ou pelo reconhecimento de diferentes critérios
usados para avaliar a responsabilidade pessoal e de terceiros.

Teoria centrada na pessoa


Conforme Fadiman e Fragner (1986), Rogers desenvolveu sua teoria por meio de sua
própria experiência clínica. As influências teóricas no trabalho de Rogers são as ideias
de Buber e Kierkergaard um eco de sua própria posição emergente.

A concepção principal de seu trabalho é a de que as pessoas usam sua experiência


para se definir. Rogers define vários conceitos por meio dos quais delineia teorias da
personalidade e modelos de terapia, mudança de personalidade e relações interpessoais.
Porém, parte-se do pressuposto que as pessoas podem construir e mudar suas opiniões
a respeito delas.

Conceitos principais

O campo da experiência

Cada indivíduo tem um campo de experiência único; este campo de experiência ou “campo
fenomenal” tem “tudo o que se passa no organismo em qualquer momento e que está
potencialmente disponível à consciência” (FADIMAN; FRAGNER, 1986). Esse campo
fenomenal inclui percepções, sensações, impactos e eventos em que a pessoa não toma

66
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

consciência, mas poderia tomar se focalizasse a atenção nesses estímulos. É um mundo


pessoal e fechado que pode ou não estar relacionado à realidade objetiva. No começo
da terapia a atenção é colocada no que a pessoa experimenta como seu mundo, suas
vivências não como uma realidade comum. Cada pessoa tem um campo de experiência
limitado por restrições psicológicas e limitações biológicas. Ele explica que isso
ocorre porque geralmente dirigimos nossa atenção para perigos imediatos, como para
experiências seguras ao invés de aceitar o que nos acontece.

Self

O self é uma entidade instável, mutável, mesmo sendo observado em algum momento
parecer ser estável. A conclusão de Rogers é de que o eu “ não representa uma acumulação
de muitas aprendizagens e condicionamentos realizados na mesma direção...”

O self é uma Gestalt organizada e consistente em um processo constante de formar-


se e reformar-se à medida que as situações mudam. O self ou autoconceito é a visão
que uma pessoa tem de si própria, baseada em experiências passadas, estimulações
presentes e expectativas futuras.

Self Ideal

“É o conjunto das características que o indivíduo mais gostaria de poder reclamar como
descritivas de si mesmo” (ROGERS, 1959 apud FADIMAM; FRAGNER, 1983). Como
o self ele é móvel e variável que muda constantemente. A diferença entre o self ou self
ideal é um indicador de desconforto, insatisfação e dificuldades neuróticas, portanto,
aceitar-se é um sinal de saúde mental, aceitar-se como se é e não como gostaria de ser.
Não significa abdicar de si mesmo, é uma maneira de estar mais próximo da realidade,
do seu estado atual. À medida que a imagem do self ideal se diferencia de maneira
clara do comportamento e valores reais de uma pessoa se torna um impasse para o
desenvolvimento pessoal.

Congruência e incongruência

Congruência é tida como o grau de exatidão entre a experiência da comunicação e a


tomada de consciência. Está relacionada às diferenças entre experimentar e tomar
consciência. Alto grau de congruência significa que a comunicação, a experiência
e a tomada de consciência (o que é perceptível) são todas semelhantes. Fadiman e
Fragner (1983) exemplificam que crianças pequenas expressam alta congruência, pois
demonstram seus sentimentos genuinamente. Quando uma criança sente raiva ou
carinho ela expressa exatamente isso, quando tem fome deixa claro que está com fome
e quer saciá-la naquele momento, isso mostra o porquê a criança substitui um estado
67
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

emocional por outro. Expressar seus sentimentos de maneira autêntica e real possibilita
que elas liberem a bagagem emocional que não foi expressa em vivências passadas.

Já a incongruência acontece quando há discrepância entre a tomada de consciência, a


experiência e a comunicação disto tudo. Muitas vezes pessoas que demonstram estar com
raiva (punhos cerrados, tom de voz alto e reclamando) e se questionadas replicam, que de
alguma maneira estão com raiva, ou pessoas que dizem estar em um momento maravilhoso,
mas que se mostram entediadas, isoladas ou doentes estão sendo incongruentes.
Não é apenas a instabilidade ou incapacidade de se comunicar precisamente. Repressão é
quando a incongruência está entre a tomada de consciência e experiência. Grande parte
das psicoterapias trabalha sobre este sintoma, a incongruência, ajudando as pessoas a
se tornarem mais conscientes de suas ações, atitudes e pensamentos na medida em que
afetam os outros.

A incongruência é uma discrepância entre a tomada de consciência e a comunicação quando


sujeito não expressa o que realmente está sentindo, pensando ou experienciando. Isto é
perceptível aos olhos dos outros como mentiroso, inautêntico e desonesto. Mesmo que
tais comportamentos pareçam ser realizados com malícia, terapeutas relatam que a
ausência de congruência social (aparente boa vontade em se comunicar, na verdade é
falta de um autocontrole e consciência pessoal). A pessoa não é capaz de expressar suas
emoções e percepções por conta do medo e de hábitos antigos que disfarçam são difíceis
de superar. Também é possível que o indivíduo não entenda as expectativas alheias.

Portanto, a incongruência pode ser sentida como uma ansiedade, tensão ou confusão
interna. A maioria dos sintomas elencados na literatura psiquiátrica pode ser tida
como formas de incongruência. Para Rogers, a forma particular de distúrbio é menos
crítica do que o reconhecimento de que há uma incongruência que exige uma solução.
Ainda conforme Fadiman e Fragner (1983), é perceptível a incongruência em afirmações
como: “não sou capaz de decidir”, “não sei o que quero”. É difícil diferenciar quais
estímulos são verdadeiros dos estímulos que são impostos. O problema pode estar em
percebê-los como diferentes e ser capaz de trabalhar sobre sentimentos diferentes em
momentos diversos. A ambivalência não é rara ou anormal; não ser capaz de reconhecê-la
ou enfrentá-la pode ser uma causa da ansiedade.

Tendência à autoatualização

Fadiman e Fragner (1983) destacam que a tendência à autoatualização é o impulso


evidente em toda vida humana e orgânica, que é crescer, expandir-se, estender-se,
tornar-se autônomo, desenvolver-se, amadurecer; é a tendência para expressar e ativar
as capacidades do organismo na medida em que tal ativação valoriza o organismo ou
self (ROGERS, 1961, p. 35 na ed. norte-americana). Rogers sugere que em cada um

68
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

de nós há um impulso inato na direção de sermos competentes e capazes quanto o


que estamos aptos a sermos biologicamente, os autores citam que como uma planta
tenta ser saudável, como uma semente contém dentro de si impulso para se tornar
uma árvore, uma pessoa tem como tendência tornar-se uma pessoa total, completa e
autorrealizada.

Esse impulso ao saudável não é uma força determinante que supera obstáculos durante
a vida; ao contrário, é algo fácil de ser embotado e reprimido. Rogers concebe isso
como força motivadora dominante em uma pessoa o que está “funcionando de maneira
livre”, não paralisada por eventos passados ou crenças que mantêm a incongruência.
Essa concepção de que o crescimento é possível e central para o projeto do organismo é
crucial para o pensamento rogeriano.

Os autores concluem que, para Rogers, a tendência à autoatualização não é apenas


um motivo. “É importante observar que esta tendência atualizante é o postulado
fundamental de nossa teoria. A este respeito, lembremos a noção do eu (self). O eu (self)
nada ‘faz’, representa uma expressão da tendência geral do organismo para funcionar
de maneira a se preservar e se valorizar” (ROGERS, p. 160 na ed. Bras).

Psicoterapia de casal e familiar


Waldemar apud Cordiolli (1998) relata que vivemos em uma época de várias transformações
e contradições. Cita o exemplo que na classe média os jovens estão prolongando sua
estadia na casa dos pais por causa da crise econômica, mas também é frequente que
muitos casais jovens morem juntos sem formalização legal do matrimônio.

Segundo ele, em diversos países vários fatores contribuem para que ao menos 30% dos
casais separem-se ao longo. Nos Estados Unidos em 1995, estes índices eram de 50%.
Ainda dos que se separaram, a maioria casou-se novamente e observou-se que a taxa
de separações no segundo casamento é de 60%. Ainda os homens que se separaram
voltam a casar novamente. Ou seja, as pessoas estão se separando mais e continuam
casando e recasando. Logo, não se pode afirmar que o casamento é uma instituição
falida, ele está se tornando cada vez mais complexo, pois o ser humano não encontrou
outra maneira de satisfazer suas necessidades básicas de segurança e intimidade, assim
como criar os filhos.

Na clínica, estima-se que a metade de pacientes casados tenham como demanda principal
os conflitos do casal e outros 25% relatam seus problemas no casamento na terapia isso
de acordo com Sager (1978). Segundo Waldemar apud Cordiolli (1998), as mudanças
na realidade da família também foram influenciadas pelo movimento feminista, que

69
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

trouxe mudanças culturais na sociedade. O movimento que aponta as desigualdades


de gênero alertou os profissionais da “dupla jornada de trabalho feminino” de acordo
com Carter (1992 apud CORDIOLLI, 1998), essa dupla jornada se refere ao trabalho
doméstico e fora de casa.

Geralmente, no casal que vai para a terapia de casal, a mulher demonstra-se muito
deprimida e insatisfeita, sendo ela quem geralmente procura a terapia e reivindica mais
espaço como pessoa. Devido às mudanças culturais constantes, aumentou a procura
por terapia de casais. A vantagem da terapia de casal é que a mudança pode ocorrer
simultaneamente no casal e a atingir os objetivos propostos. Um estudo sobre crise
conjugal apontou que a terapia de casal contribui para os conjugues a manter o casamento
em uma possibilidade maior do que a terapia individual, pois a escolha da técnica pode
ter implicações positivas para a prática das pessoas. (GURMAM; KNISKERN, 1978).
A coexistência de um conflito conjugal e depressão é muito comum que apareça na
clínica, a terapia conjunta é a única que ajuda no alívio dos sintomas tanto de depressão
quando do relacionamento (BEACH; OLEARY, 1992). Portanto, a terapia de casal é
uma boa indicação para casais em crise que querem permanecer juntos.

Os ciclos de vida e etapas do casamento

Waldemar (apud Cordiolli, 1998) enfatiza que a ideia de “casal normal”, pós divórcios
afetam indivíduos com ou sem psicopatologia. Segundo ele, a família nuclear tradicional
não era mais que 30% numa amostra grande dos domicílios norte-americanos e em
quase 20% das casas havia crianças de casamentos passados. Portanto, atualmente
denominamos de casal funcional e não em casal normal.

O casal funcional

Para Lewis (1979), o casal que está bem, a comunicação é direta e várias opiniões são
toleradas, a coesão é grande e a opiniões são toleradas. Existe grande coesão e as emoções
são expressas integralmente. O poder é bem distribuído e os conflitos são resolvidos pela
negociação e não por ameaças ou autoritarismo. A disciplina aos filhos é clara e constante,
os pais evitam envolver os filhos nos conflitos do casal, buscando protegê-los.

A ideia de que a resiliência é trivial para o casamento é desenvolvida por Walsh (1996),
pois é a capacidade que um casal tem de enfrentar as dificuldades da vida de modo
flexível e adequado, de acordo com as circunstâncias. Resiliência significa a capacidade
de voltar ao estado anterior após sofrer deformações ou pressões. O casal resiliente
apresenta valores autoafirmativos, como iniciativa, independência, criatividade, humor
e flexibilidade. Assim como apresenta também necessidades integradoras como:

70
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

visão de mundo compartilhada, cooperação, altruísmo e espiritualidade. Portanto, o


casal funcional resiliente busca um equilíbrio dinâmico entre essas características, de
acordo com as situações e o momento de ciclo vital. O autor Waldemar apud Cordiolli
(1998) informa que em nossa sociedade competitiva com a predominância dos valores
individualistas, o individualismo é um dos motivos pelos quais há aumento das
separações. Segundo ele, no casamento três aspectos importantes podem ser avaliados.

1. Paixão romântica e atração física – esses fatores são importantes


no começo da relação, especialmente para o homem, a atração sexual,
mas com o passar dos anos, outros aspectos da relação passam a ser mais
importantes, por isso muitos casais não se incomodam em uma relação
em que a atividade sexual é pouco intensa.

2. O companheirismo – a partir do amadurecimento do casal o


companheirismo torna-se mais importante, planos e projetos em
comum, alguém com quem dividir a ansiedade e a solidão. Uma pesquisa
de Wallerstein (1995), com casais funcionais da terceira idade, definiu a
amizade como a palavra usada pela maioria dos entrevistados para definir
sua relação. As pesquisas também apontam que a ideia de que os opostos
se atraem não é confirmada ao longo do envelhecimento dos casais, pois
isto se torna uma desvantagem. O casal que melhor se mantêm apresenta
e combina características complementares e simétricas, apresenta muitos
aspectos e gostos parecidos, interesses e projetos em comum, isso faz
parte do que chamamos de companheirismo.

3. Cuidar um do outro e dos filhos – esse é um dos aspectos mais triviais,


pois em um casamento os cônjuges também desempenham funções
maternas e paternas, não apenas com relação aos filhos, mas também
um com o outro. Preocupar-se com o bem-estar e o desenvolvimento
emocional do ser amado é uma parte essencial da relação, sendo que para
alguns casais isso é primordial e para outros é secundário.

As vertentes da terapia familiar


Para a psicodinâmica, casamentos insatisfatórios permanecem devido à compulsão à
repetição, isto é, repetem em seu casamento aspectos de suas relações na família de
origem. Por meio da identificação projetiva, as pessoas depositam seus conflitos no
parceiro, evitando, assim, enfrentar as dificuldades. Para isso, escolhem parceiros que
assumem determinados papéis na relação para facilitar a de lidar com conflitos infantis
mal resolvidos. Waldemar apud Cordiolli (1998) relata que qualquer mudança em um dos
cônjuges pode causar tensão ao casal. Em alguns casos, durante uma separação, quando

71
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

o sujeito se vê obrigado a recolher parte dessas projeções, aparece um comportamento


extremamente perturbado dos indivíduos, que precisa ser compreendido no contexto
da crise do casal e que diminui com a resolução favorável da mesma. Os terapeutas da
linha psicodinâmica têm uma tendência a serem flexíveis em sua atuação clínica.

Escola das três gerações

Whitaker (1991) e Andonfi (1995) incorporaram os conhecimentos psicodinâmicos,


mas enfatizam que na terapia de casal sempre deve ser trabalhado com a família de
origem dos cônjuges, nas sessões. Com a presença de pais, irmãos e outras pessoas
significativas, reelaborar conflitos antigos, reencaminhando os atuais. Portanto, a
terapia trabalhará com a geração anterior, ficando os cônjuges livres para escolher de
forma sadia ou se o casamento está condenado neuroticamente. Assim, minimizam o
trabalho de mediação em relação aos problemas cotidianos do casal? Qual o grau de
intimidade desejável?

Teoria comunicacional

Esta linha enfatiza as interações e os padrões comunicacionais disfuncionais. São úteis


em situações multiproblemáticas e que não é prático focalizar questões específicas.
Abordam os seguintes: a questão do poder, quem manda? Qual é o grau dei intimidade
desejável?

As forças dinâmicas de um casamento são resultados da necessidade de cada membro


do casal em atingir suas expectativas, determinados níveis de poder, intimidade e
certos limites, em relação à necessidade de negociar ou submeter seus desejos àqueles
do companheiro, para que este também possa atingir suas expectativas, de acordo com
Berman e Lief (1981) apud Cordiolli (1998). O núcleo do casamento e da terapia de casal
está nesse conflito do equilíbrio entre os próprios desejos e os do companheiro, quando
eles estão em contradição. Quando as necessidades e os desejos são contraditórios,
tal conflito é inevitável. O que faz com que os cônjuges enviem mensagens ambíguas,
deixando o outro confuso. Por isto enfatizam a importância da comunicação, já que a
principal queixa dos casais é a falta de diálogo e comunicação.

Sobre a noção de dupla mensagem recíproca Mony Elkain (1989) apud Cordiolli (1998)
destaca que:
Duas pessoas, partes do mesmo sistema, pedem por algo que não estão
preparadas para aceitar como possível. Digamos que o marido quer o
amor de sua mulher, mas ao mesmo tempo teme que este amor seja
seguido de abandono. No nível verbal diz: “me ama”!, mas no não verbal

72
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

diz: “não me ama!”. Seja o que a mulher faça para satisfazer uma das
suas exigências será insatisfatório, porque envolve só um dos níveis da
dupla mensagem.

Teoria dos contratos conjugais

A complexidade da dinâmica conjugal deve-se aos vários níveis de expectativa em


relação ao casamento que se materializa no que Sager (1976) denominou de “contrato
de casamento”. Logo, a terapia passa pela explicitação destes vários níveis e no que ele
chama de “acordo secreto” do casamento, o que pode ser consciente ou não. Tal autor
também coloca ênfase no “aqui e agora”, valorizando os fatos atuais que formam o
contexto em que aparecem os problemas.

Técnicas terapêuticas

No começo da terapia, principalmente com casais em crise, é importante que o terapeuta


saiba interromper rapidamente as manifestações agressivas que configuram a relação
dos cônjuges neste momento, pois não é positivo para o processo terapêutico que este
tipo de situação se prolongue, até porque desestimula que o casal continue a terapia,
pois não precisam de terapia para isso, conforme Waldemar apud Cordiolli (1998).

Bowen (1978), conforme Cordiolli (1998), insistia que as pessoas falassem apenas por
meio dele, sem se dirigirem entre si. Caso obtenha sucesso com isso pode-se, como
aconselha Gurman (1978), negociar entre os cônjuges pontos urgentes responsáveis
por queixas recíprocas.

Grande parte dos casais que buscam a terapia está em crise e sofrendo um desgaste
emocional em que uma pequena melhora no início do tratamento é necessária e
imediatamente sentida por ambos como um alento e motivação para continuar e
investir na relação. O papel do terapeuta, nesta etapa, é de mediador e clarificador das
falas e dos tipos de comunicações. A partir de estabelecer o clima psicológico favorável,
o qual é caracterizado por “altos e baixos”, pode-se investigar a história do casal e as
origens de suas disfunções.

Na próxima fase, o terapeuta busca junto ao casal separar o quanto dos conflitos é causado
pelas dificuldades mal resolvidas de cada um com sua família de origem, projetando no
outro aquilo que é ou se tornou incompatível entre ambos. Também se procura um
momento de pausa, reflexão, com a sessão se tornando um espaço privilegiado no qual
cada cônjuge pode pensar e separar os conflitos pessoais, atuais e passados, do que
acredita ser basicamente interacional. Logo, passa a ideia de cada um querer mudar o

73
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

outro, mas precisa mudar a si mesmo. Deste modo, o casal também avalia pontos fortes
e fracos da relação, testando seus limites e buscando outras alternativas.

Muitos casados esperam demasiadamente do casamento e lhes falta uma vida diversificada,
deste modo, o terapeuta tem uma postura mais filosófica, ajudando os pacientes a
refletirem sobre alguns temas da vida, tais como: individualismo X cooperação, usufruir
x investir. Aos poucos, o casal começa a construir um novo contrato de casamento e
avaliam as vantagens e desvantagens desta outra forma de relacionarem-se e repense seu
compromisso com o outro.

Em casos mais graves ou quando solicitado por um dos cônjuges, a terapia individual
pode ser indicada, sendo sempre que possível a colaboração entre os terapeutas, evitando
misturas fáceis de acontecer nestas situações. Walermar apud Cordiolli (1998) informa
que a maioria dos terapeutas de casal acredita que também é importante discutir as
questões que surgem no dia a dia do casal: lazer, dificuldades domésticas, dinheiro,
educação dos filhos etc. Logo, são abordados dois aspectos, o dinâmico-histórico e o
“aqui e agora” que se complementam.

O referido autor cita que na terapia de casal assim como na terapia breve busca o foco
durante as sessões. Geralmente, o tempo de duração é de três a nove meses e o início é
importante período mais intensivo de sessões semanais pelo menos com uma hora de
duração. No início do tratamento, é preciso reavaliar uma sessão individual com cada
um dos cônjuges para avaliar se existe ou não relacionamento extraconjugal importante.
Se existir, a terapia será contraindicada, pois não é possível investir no casal quando um
dos membros tem interesses fora do casamento. Neste caso, é recomendado atendimento
individual para que o parceiro envolvido na relação extraconjugal lide com seu conflito e
mais tarde podendo escolher pela terapia de casal, ou não se assim desejar.

Cordiolli (1998) cita que uma variante comum é a coterapia, que significa ambos os
coterapeutas reúnem-se com o casal, ou seja, forma-se um quarteto, além da sessão
conjunta, cada terapeuta mantém sessões individuais com os cônjuges. Essa configuração
facilita a integração das terapias e evita que dissociações aconteçam quando o casal é
atendido por diferentes psicoterapeutas.

Geralmente, o casal procura a terapia como a última esperança para a relação. Um estudo
mostrou que metade dos casais nesta situação (de última esperança) obtiveram
benefícios com o atendimento. Já a decisão de separação é tão difícil que mesmo estes
casais podem aproveitar a ideia de que tentaram tudo e mesmo com um especialista
não foi possível de ajudar a salvar o casamento. Os casais procuram mais porque o
parceiro que não quer se separar exige que o outro participe, e este o faz para não ser
acusado posteriormente de que não fez o possível para salvar o casamento.

74
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

Indicações e contraindicações

Quais são as indicações para a terapia conjugal?

1. Quando o casal está em crise e os filhos estão envolvidos, o que é uma


emergência e o não trabalhar com essas crises pode deixar marcas
importantes.

2. Quando existem conflitos repetitivos e muita tensão na relação. Observa-


se que os conflitos são tratados com maior êxito quando os problemas
começam a aparecer e não após anos de disfunção. É comum que casais
vivam anos convivendo mal até buscarem ajuda ou terminarem a relação.

3. Quando ocorre a mudança significativa de um cônjuge na terapia


individual e isso causa estresse na relação. A terapia de casal pode ajudar
no crescimento de ambos.

4. Quando um dos parceiros sofre de psicopatologia severa. Exemplo:


alcoolismo ou depressão, pois a participação do cônjuge para ajudar no
tratamento é trivial para o seu sucesso.

5. Outra indicação indireta é quando na terapia de família fica evidente que


as dificuldades apresentadas pelos filhos estão relacionadas aos conflitos
mal resolvidos do casal. O que chamamos de filho sintomático ou paciente
identificado. Nestes casos, a terapia de casal segue uma fase inicial na
qual toda a família é vista em conjunto.

E as contraindicações, quais são?

1. Quando um ou os dois cônjuges não conseguem controlar a agressividade


ou tolerar a ansiedade gerada pelo formato do tratamento do casal.

2. Quando um cônjuge está com psicose ou extremamente frágil e se sente


ameaçado pela terapia conjugal. Se isso acontecer pode ser encaminhado
para terapia individual.

3. Se o paciente é paranoide e começa a ver o terapeuta como aliado e se o


cônjuge é incluído.

4. Se na entrevista individual, um dos parceiros relata infidelidade,


homossexualidade ou qualquer segredo com o cônjuge e não pode ser
compartilhada, a terapia de casal não é indicada, porém, alguns autores
consideram que é importante jogar as “cartas na mesa” e enfrentar
a realidade.

75
UNIDADE II │ UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM

Fatores relacionados com maior índice


de separações

1. Quando casam por causa de uma gravidez, visto que o casal não tem a
oportunidade de se conhecer melhor e negociar conflitos antes da vida
conjugal. Pular a fase de namoro para uma família traz um estresse
bem maior.

2. Quando o casamento ocorre antes dos 20 anos ou depois dos 30. Quando se
casa muito cedo dá a impressão que se está fugindo de casa e, quando
se casa mais tarde, pode indicar dificuldades em manter vínculos
duradouros.

3. Dependência econômica dos pais, pois dificulta a separação psicológica.


Porém, isso vem aumentando na sociedade.

4. Quando vivem muito perto ou muito longe da família de origem: dificulta


estabelecer uma distância adequada (fronteiras) das respectivas famílias,
aumentando a interferência dos pais ou privando o casal de ajuda em
tempos de necessidade.

5. Quando um dos cônjuges é muito distante de sua família e casa com


alguém que é muito próxima à sua. O conflito mais comum é o ciúme do
cônjuge que não tem uma boa relação com sua própria família.

Divórcio e terapia do divórcio

Waldemar in Cordiolli (1998) relata que grande parte dos casais quando procura a
terapia, um dos dois já não está mais motivado a manter o relacionamento conjugal.
Ainda, que é frequente que fique claro em poucas sessões que um dos dois cônjuges está
decidido pelo divórcio. O terapeuta deve oferecer ao casal a possibilidade de manter o
enquadre terapêutico para facilitar o sofrido processo de separação.

Segundo o referido autor, existem boas e más separações. A boa é que cada membro do
casal consegue segurar os sentimentos agressivos que ambos sentem e se mobilizam
para diminuir as consequências psicológicas para os filhos (se houver). E conseguem
com apenas um advogado resolver as questões legais da separação. Deste modo, é
constante que casais sejam beneficiados da terapia no momento da separação. Uma coisa
importante é que o pai (geralmente quem sai de casa) continue mantendo contato com
os filhos, pois as pesquisas revelam que 10% dos pais perdem contato com seus filhos.
Um estudo americano mostrou que 50% do conflito na separação é intenso, 25% dos
conflitos são considerados de nível moderado e 25% são considerados de nível leve.

76
UMA VISÃO DE CADA ABORDAGEM │ UNIDADE II

Ainda, é essencial dizer que o bem-estar psicológico dos filhos fica abalado quando o
cônjuge que se sente vítima, abandonado e procura envolver os filhos numa aliança
contra o outro, podendo acontecer o processo de alienação parental. Já uma relação
após o divórcio exige respeito entre os pais e minimiza as repercussões psicológicas dos
filhos, por isso é trivial a terapia do divórcio e separação.

77
CASOS CLÍNICOS Unidade III

Capítulo 1
Análises de casos clínicos em
abordagens analíticas

Psicanálise – Análise do caso “O homem dos


ratos – a neurose obsessiva”
Conforme Zucatti (2007), Freud começou a análise do paciente o qual ele chamou
de “o homem dos ratos”, em outubro de 1907. O paciente buscou a terapia por vários
problemas, mas principalmente devido aos sintomas obsessivos, caracterizados pela
obsessão do pensamento de que algo ruim acontecerá para as duas pessoas que ele
ama: seu pai e sua amada. Freud observa isso em suas notas (que escrevia no seu diário
de uma análise) do período de início da terapia até 20 de janeiro de 1908.

Este caso de “O homem dos ratos” é um caso clássico de neurose obsessiva, o qual
Freud notou uma particularidade evidente. O argumento imaginário que fez com que o
paciente buscasse terapia foi o impacto causado pela narração de uma tortura provocada
pela penetração de ratos no reto de um indivíduo. Este argumento imaginário não
desencadeia sua neurose, mas traz angústia, além de apontar para algo que não pode
ser trazido pelo mesmo paciente. Portanto, falar sobre ele me parece fundamental para
discorrer a respeito do determinismo da neurose deste paciente, sem esquecer cada
caso deve ser estudado na sua particularidade.

Histórico do paciente

O paciente contou que as relações familiares fundamentais que estruturaram a união


de seus pais tinha uma relação precisa, mas transformado, com o estado imaginário
que ele se encontrava, estado que era como uma resposta à angústia que teve como
consequência de sua crise. Ele descreveu o pai como simpático e informou que ele era

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CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III

oficial do exército, o que lhe fez permanecer com certa autoridade e ostentação, embora
fosse desvalorizado entre seus contemporâneos. Disse que seu pai casou com sua mãe,
que era mais rica do que ele, o que coloca o prestígio na relação conjugal com a mãe.

Ele ouvia a mãe dizer brincando com seu pai, sobre uma moça pobre e bonita por quem
ele parecia ter sido apaixonado antes de casar. O marido argumentava dizendo ter sido
algo sem importância. Mesmo com a repetição deste jogo (entre pai e mãe), mostra a
possibilidade de uma parte de artifício ou fantasia por parte da mãe, isto não importa,
o importante é que este jogo que referia à mulher pobre amada pelo pai impressionou
profundamente o paciente. Com relação ao pai, é importante ressaltar um momento de
sua vida considerado na família como importante e significativo. Quando era suboficial,
ele perdeu no jogo todo o dinheiro do regimento a ele confiado. Um de seus amigos
emprestou-lhe o dinheiro para o pagamento da dívida, o que manteve sua imagem
social, mas não a honra em sua carreira. Porém, este amigo nunca mais foi encontrado,
o que impediu que a dívida fosse paga. Isso de não ter encontrado o amigo para pagar a
dívida foi a causa de seu grande desconforto.

Observações do caso

O paciente não relaciona com sua atualidade a história contada sobre seu histórico
familiar, assim como afirma que não sabe o porquê está dizendo aquilo, já eu não
tem relação alguma com o que lhe vinha acontecendo. Para Freud, há relação entre a
narrativa sobre a constituição familiar e o que levou o paciente a procurar análise, de
acordo com Zucatti (2007).

Interessante observar que a história clínica do “homem dos ratos” é que o conflito mulher
rica/mulher pobre presente em sua história familiar reproduziu-se em sua vida no
momento em que seu pai quis que ele casasse com uma mulher rica. O que mais uma vez
aponta para o desenvolvimento da obsessão fantasmática que levou a procurar tratamento
com Freud. Tal obsessão era caracterizada por um medo que a tortura dos ratos fosse
aplicada às pessoas a quem ele tinha algum afeto: uma empregada a quem dedicava um
amor idealizado e com quem havia se envolvido, pouco antes de seu pai convencê-lo a
casar com a mulher rica, e o pai que, na época do início da análise, já tinha falecido.
Nota-se o retorno de dois elementos da constelação familiar do paciente: a mulher pobre,
na figura na empregada, e o pai, um pai imaginado no além depois de morto.

Além do sofrimento citado acima, o paciente encontrava-se em uma situação que o


angustiava bastante: tinha participado de manobras militares e foi nesta ocasião que
um capitão com gostos cruéis tinha lhe contado sobre a tortura dos ratos. Ocasião na
qual ele perdeu os óculos e encomendou a seu oculista, o qual os enviou pelo correio.

79
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS

Este mesmo capitão disse-lhe que ele deveria enviar o dinheiro do pagamento dos óculos
para reembolsar o tenente “A”, que os havia sido pago por ele. Depois de uma vontade
inicial de não pagar, o reembolso ao tenente “A” impôs-se de uma maneira imperativa
para o paciente, como um juramento. Porém, o paciente percebeu que o capitão poderia
ter se enganado porque era o tenente “B” o responsável pelos assuntos de correio, não o
tenente “A”. Despois descobriu que era para uma senhora que trabalhava no correio a
quem ele deveria reembolsar.

Zucatti (2007) cita que o paciente quando foi no consultório de Freud estava muito
angustiado, porque jurou inicialmente reembolsar o tenente “A”(defesa no impulso de
não pagar), pensou que se não o pagasse, algo ruim poderia ocorrer às pessoas que mais
amava, logo em sua mente, a tortura dos ratos seria aplicada a mulher desejada e ao
pai morto. Tal obsessão o levou a montar o seguinte esquema para resolver o impasse
da devolução do dinheiro: ele deveria enviá-lo ao tenente “A”, que o entregaria para a
senhora do correio, a qual, na frente do tenente “A”, o entregaria ao tenente “B”, que
finalmente o devolveria ao tenente “A”.

Conclui-se que o esquema montado para a devolução do dinheiro aponta para seu mito
individual, ao qual é equivalente com algumas transformações, à situação originária do
mito familiar do paciente que envolve a mulher rica/mulher pobre e o pai devedor/amigo
salvador. Esta configuração determinará as relações do paciente com as outras pessoas,
pois caracteriza o neurótico: ele retoma em suas relações e/ou produções esta estrutura
básica que vem da sua constelação familiar e é por ele transformada. O que dá o caráter
mítico a este cenário fantasmático é o fato de esta apreensão mudar, no sentido da
relação inicial.

Psicanálise Kleiniana

Apresentação do caso de um paciente


esquizofrênico com aspectos de identificação
projetiva e cisão do ego

Rosenfeld (1971) apresenta o caso do então denominado paciente A, que foi diagnosticado
anos atrás como esquizofrênico, situação em que sofreu um surto psicótico agudo que
se caracterizou por medo, confusão e medo de completa desintegração. Durante a fase
aguda, ele não teve alucinações, nem aspectos delirantes da psicose dominantes no
momento atual, mas ele é incapaz de manter um relacionamento íntimo com homens
ou mulheres nas relações sociais. Ele fez terapia por anos com outro psicanalista, antes
de começar a análise com Rosenfeld há um ano.

80
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III

O analista anterior relatou para Rosenfeld que o paciente tem tendência de entrar
em um estado de identificação projetiva com o analista no começo de cada sessão, o
que o deixava confuso e com dificuldades de falar de forma audível e compreensível.
O analista interpretava ao paciente que ele esperava que o analista, o compreendesse
mesmo que ele não pudesse pensar ou falar, pois ele, o paciente, acreditava estar dentro
do analista; como consequência das interpretações, o paciente começava a falar mais
claramente sobre as coisas.

Durante a análise com Rosenfeld (1971), houve progressos e ele se sentia algumas vezes
mais separado, de modo que as partes saudáveis de seu self tornavam-se capazes de
estabelecer, em alguma medida, uma relação dependente com o terapeuta. Porém, de
vez em quando, principalmente após ter feito algum progresso ou após longas separações,
ele recaia numa relação parasitária, vivendo dentro de mim (identificação projetiva),
o que levava a estados de confusão, claustrofobia, incapacidade de pensar e falar
e ansiedades paranoides de ser aprisionado por mim. Assim, quando a inveja era
estimulada por experiências no mundo real, por exemplo, quando ele encontrava um
homem bem-sucedido em seu relacionamento com mulheres ou em seu trabalho, após
uma breve experiência de inveja, frequentemente se identificava com este homem.
Tal identificação, mais do que levar ao delírio dele ser o homem invejado ou de ser
capaz de funcionar no mundo externo de maneira parecida ao do homem como quem
ocorrera a confusão e identificação projetiva, era acompanhada de intensas ansiedades
de perder sua identidade e de sentimento de ser aprisionado.

Rosenfeld (1971) diz que no outono de um ano passado teve que interromper a análise
do paciente por duas semanas, o que o perturbou consideravelmente. No começo
parecia indiferente à ausência do terapeuta, tal ausência foi discutida meses antes com o
paciente. Porém, duas semanas antes da interrupção, ele ficou muito ansioso e confuso
e um dia ficou com medo de ter outro surto e precisar ser hospitalizado. A perturbação
começou com uma queixa do paciente que não consegue se afastar da televisão na qual
assistia aos jogos olímpicos. Ele se sentiu forçado, quase contra sua vontade, a ver os
jogos até mais tarde da noite. Disse que foi atraído pelo clima quente do México e ficou
tentado a olhar o corpo dos atletas e deveria ser um deles. Ele fez perguntas para o
terapeuta: “Porque eu tenho que ser um atleta?”, “Porque não posso ser eu mesmo?”.
Ele sentia que assistir televisão era como um vício que ele não conseguia controlar e o
consumia suas energias. Ele relatava que se sentia empurrado para dentro da televisão
que se sentia claustrofóbico e com dificuldade em respirar. Posteriormente, relatou que
durante a noite, levantava para ver se as torneiras da pia de seu apartamento estavam
fechadas e se as tampas da banheira estavam vedadas. Ele tinha muito medo que a pia
e a banheira pudessem transbordar e, finalmente, disse que tinha medo de ser afogado
e sufocado.

81
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS

O terapeuta interpretou que após sentir seus progressos na terapia e que se sentia
separado do terapeuta, de repente foi dominado por impaciência e inveja do terapeuta e
de outros homens que eram capazes de movimentar-se e serem ativos. Rosenfeld (1971)
sugeriu que era a parte invejosa que o levava a identificar-se com todos os outros homens
para tomar posse da potência e força destes homens, e que assim sua parte onipotente
podia lhe fazer crer que ele poderia ficar maduro e saudável rapidamente. Ele aceitou
com dificuldades essa intervenção. O paciente disse que tinha um delírio, o qual ouvia
uma voz dentro de sim que era persuasiva e o estimulava a apoderar-se da mente e do
corpo de outras pessoas. O terapeuta interpretou ao paciente que a separação iminente
estimulava seu desejo ser repentinamente adulto e independente, para que o paciente
não tivesse que lidar com as ansiedades de estar separado do terapeuta.

Então, o paciente contou que estava todas as noites dormindo profundamente e que não
conseguia acordar com facilidade pela manhã, e por isso chegava atrasado na sessão.
Comparou o sentimento de ser empurrado para dentro da tela de televisão (identificada ao
objeto delirante), agora falava com bastante influência de modo mais claro, transmitindo
que agora se sentia separado do terapeuta. Disse que se sentia envergonhado por ser um
parasita e se queixou também de que a experiência da televisão e de sua cama estavam
consumindo sua vida, de tal modo que ele sentia um grande impulso a despedaçar as
duas; ele estava contente de que tivesse sido capaz de controlar este impulso na realidade.
O terapeuta certificou sua observação de que ficar olhando para a televisão e ser empurrado
para dentro de um sono profundo eram experiências que ele sentia como parasitárias, em
que ele sentia que estava entrando em outros objetos.

O terapeuta relata que mostrou ao paciente que este sentia raiva daquela sua parte
que o estimulava a entrar nos objetos externos (os atletas que representavam a mim
como um homem bem-sucedido que viajava para o exterior na interrupção de uma
análise) e também nos objetos internos, representados por sua cama. Foi enfatizado
pelo terapeuta que em um primeiro momento o paciente poderia controlar e apoderar-
se totalmente destes objetos quando estivesse dentro deles, mas muito rapidamente ele
se sentia encerrado, capturado e perseguido, o que despertava seu desejo de destruir a
cama e a televisão, que havia se tornando em objetos persecutórios. O seu medo de ser
capturado e sua raiva relacionavam-se também à análise e ao analista. As obsessões do
paciente com as tampas da banheira estavam também relacionadas com seu medo de
ser capturado e afogado. Parecia que ele tinha que constantemente verificar se, após
a sua intrusão nos objetos, ele estaria preso e em perigo de se afogar e sufocar ou se
haveria um buraco por meio do qual ele pudesse escapar.

Ao mesmo tempo em que a identificação projetiva relativa à experiência delirante da


televisão o paciente foi convencido de procurar relações com prostitutas. Ele explicou

82
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III

ao terapeuta que havia uma parte sua que o persuadia, sempre que ele se sentia sozinho
ou ansioso, de que ele necessitava de uma prostituta grandona e amorosa que o nutrisse,
e que isto faria bem a ele. Durante a sessão, ele assegurou de que percebia a falsidade da
voz. O paciente afirmou muitas vezes que sabia a diferença entre realidade e a persuasão
delirante, e que também sabia o que estava errado. Mas era claro para o terapeuta,
que o paciente era várias vezes colocado por um tempo no estado delirante por uma parte
sua psicótica onipotente e onisciente que tinha êxito em seduzi-lo e dominar a parte mais
sadia de sua personalidade, e que o induzia a lidar com todas as dificuldades e os
problemas, inclusive com a inveja, por meio da identificação projetiva.

Ainda na mesma sessão, segundo Rosenfeld (1971), a parte mais sadia do paciente
parecia receber ajuda e apoio das interpretações do analista, mas ele se sentia humilhado
e irritado por não poder resistir à dominação e à persuasão da parte psicótica quando
era deixado sozinho. Ao tentar examinar a razão de atender tão prontamente à voz
interna, descobri que lhe era prometido cura, liberdade da ansiedade e da dependência
de mim. Logo, o terapeuta interpretou que a separação tornava-o mais consciente de se
sentir pequeno e dependente de mim, o que era humilhante e doloroso e aumentava sua
inveja de mim. Introduzindo-se onipotentemente dentro do terapeuta ele podia iludir-se
de que de uma hora para outra, ele se tornaria adulto e tudo estaria em ordem e ele
poderia se virar sem mim.

Rosenfeld (1971) também descreveu neste caso a relação entre cisão do ego, identificação
projetiva e ansiedades persecutórias ligadas ao paciente. Relata que o paciente contou
que sentia muita melhor, mas no meio da sessão ficou muito silencioso e depois declarou
envergonhado, que foi antissemita há algum depois atrás, por um período de mais de
um semestre. O paciente havia considerado os judeus como pessoas degradadas, que
estavam aí apenas para explorar os outros, para extrair dinheiro de maneira desumana.
Ele odiava exploradores e queria atacá-los e despedaça-los por isso. O terapeuta
interpretou que ao mesmo tempo em que ele estava consciente que isso aconteceu
no passado, ele se sentia muito mal em relação ao terapeuta porque depois da sessão
anterior, ele se livrara da parte voraz parasitária e exploradora de seu self e isto
o fazia sentir intensamente desconfiado de mim. Ele respondeu que tinha medo que o
terapeuta o odiasse e o desprezasse, e que a única coisa que ele podia fazer era destruir-se
ou destruir esta sua parte odiada.

O terapeuta interpretou o medo de sua retaliação, porque quando ele o via como um
judeu voraz e explorador, ele atacava o terapeuta e desprezava e temia que o odiasse
porque ele acreditava que o terapeuta não poderia suportar que ele estivesse empurrado
seu próprio self voraz para dentro dele (Rosenfeld), não como um ataque, mas porque
ele próprio não conseguia suportá-lo e queria livrar-se dele. Foi sugerido que era

83
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS

quando ele sentia que não podia aceitar seu self mau e odiado que ele se atacava de
modo violento. A ansiedade maior nesta sessão tinha a ver com ataques violentos que
eram dirigidos contra seu self mau e que iria crescendo que ele próprio tinha medo de se
romper em pedaços. Após essas interpretações o paciente ficou aparentemente calmo.

Conforme seu terapeuta nas sessões seguintes, o paciente apresentou progressos com
relação à cisão e nas sessões posteriores apresentou depressão. O paciente informou
que teve dificuldade em se levantar da cama, que estava contente por lembrar-se de
um sonho, no qual ele observava um grupo de corredores olímpicos em uma corrida de
televisão. E de repente viu uma série de pessoas se aglomerando na pista e interferindo
na corrida. Ele ficou bravo com essas pessoas e desejou matá-las por interferirem e
entrarem deliberadamente no caminho dos corredores. Disse que assistia televisão
apenas por pouco tempo na noite anterior e que pensou sobre a última sessão, em que
estivera com medo de danificar-se quando tentava eliminar e destruir partes más de si.
Ele estava determinado a encarar o que quer fosse que estivesse acontecendo com ele.
Não fez associações ao sonho, exceto o fato que as pessoas que interferiam pareciam
vulgares. O terapeuta destacou que, neste sonho, ele mostrava de um modo concreto o
que sentia que estava fazendo quando assistia televisão.

Essas pessoas que interferiam pareciam ser as suas partes que ele sentia que se
insinuavam para dentro da pista do México quando ele olhava invejosamente a
televisão. As pessoas que o representavam não estavam competindo na corrida, mas
estavam simplesmente tentando interferir no progresso da corrida. O terapeuta
mostrou outro aspecto de forma concreta de projeção que não se relacionava apenas aos
corredores olímpicos, mas também ao analista. Rosenfeld relata que interpretou que
ele sentia, quando a análise estava fazendo muitos progressos, que ele experimentava
as interpretações e os pensamentos como algo que ele olhava com admiração e inveja,
como os atletas de televisão. O paciente sentia que suas partes invejosas podiam
realmente insinuar-se para dentro do cérebro do terapeuta e interferir na velocidade
do pensamento do terapeuta. No sonho, ele tentava fazer com que as partes suas fossem
reconhecidas e ele queria controla-las. O terapeuta também relacionou tal processo às
queixas do paciente de que seus próprios processos de pensamento frequente tinham
interferência e relacionei isto a uma identificação com a mente do analista, que muitas
vezes atacava de modo invejoso. A cooperação do paciente durante a última semana
fora muito positiva, o que levara a um considerável desbloqueio de sua mente e de tal
modo que processos de cisão se revelaram na análise e puderam ser relacionados à
situação transferencial.

No sonho, ele realmente obteve êxito naquilo que anunciava que tentaria fazer, ou
melhor, fazer face aos processos trazendo-os para dentro da transferência, ao invés

84
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III

de tentar destruí-los e livrar-se deles por meio de cisão e projeção. O que também lhe
permitiu encarar o seu medo de danificar tanto seus objetos como seu self por meio de
suas identificações projetivas. As interpretações pareceram aliviar sua ansiedade ter
destruído o terapeuta completamente, assim como o cérebro do analista como sendo
de ajuda e não danificado, e por alguns períodos o terapeuta foi introjetado como sendo
bom e não danificado, um processo que gradualmente levara a um fortalecimento do
ego. Rosenfeld afirma que uma das dificuldades de se elaborar tais situações na análise
é a tendência que o paciente tem a repeti-las inúmeras vezes mesmo que compreenda
que o trabalho analítico está sendo de grande parte da repetição e inevitável. A aceitação,
pelo analista, de que os processos do paciente a sentir que o self, que é constantemente
excedido e projetado para dentro do analista, é aceitável e não dão prejudicial quando
ele tem medo que seja.

Ronsenfeld (1971) também descreveu brevemente o intervalo depressivo na doença do


paciente que joga luz sobre suas ansiedades ligadas ao dano aos objetos e ao seu self.
Dias posteriores à sessão relatada, o paciente ficou mais preocupado sobre os danos que
acreditava ter feito a outras pessoas, ele estava horrorizado com o que se passava dentro
dele. Ele viveu por trinta minutos uma forte ansiedade e disse que estava assustado
demais para olhar para dentro de si. O paciente relatou que viu seu cérebro em um
estado terrível, como se muitos vermes o tivessem devorado ao fazer seu caminho para
dentro dele. Ele tinha medo que o dano fosse irreparável e que seu cérebro pudesse
ser despedaçado. Ele falou como pode permitir que seu cérebro chegasse a um estado
tão ruim! Depois de uma pausa, sugeriu que suas constantes relações com garotas de
programa tinham algo a ver com este estado das coisas.

Ainda, o terapeuta interpretou que ele sentia nas duas semanas, havia se forçado
para dentro de pessoas como prostitutas e os atletas, e que tinha medo de encontrar
o dano no exterior. O estrago em seu cérebro parecia semelhante ao estrago que ele
sentia ao estrago que ele sentia que causara a objetos externos. Ele falou sobre seu
cérebro como uma parte valiosa e delicada do seu corpo ele havia negligenciado e
deixado desprotegida. Sua voz soava muito mais calorosa e mais preocupada do
que sempre, de maneira que o terapeuta sentiu que era preciso interpretar que seu
cérebro também estava identificado com uma relação de que representavam para ele
a situação de alimentação. E o paciente, em geral, deslocava essa situação para as
prostitutas a quem recorria para ser nutrido. Neste momento, o terapeuta interpretou
detalhadamente a intensidade de sua fome do terapeuta e de sua incapacidade
para esperar, e descrevi seus impulsos e o self que ele tinha sentido que penetrara
onipotentemente em minha mente, que continha para ele todo o conhecimento valioso
que em minha mente, que continha para ele todo o conhecimento valioso que ele
ansiava ter.

85
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS

Durante toda a sessão, o paciente sentiu forte ansiedade e uma dor insuportável,
porque temia que não pudesse reparar o estrago. Porém, ficou aliviado por meio de
interpretações transferenciais que o ajudavam a diferenciar e desemaranhar a confusão
entre dentro e fora, entre realidade e fantasia. Rosenfeld (1971) pontua que foram
as interpretações sobre seu cérebro que mostraram para ele que eu podia pensar e
funcionar e que o ajudaram a compreender esta fantasia muito concreta em relação
aos seus próprios processos de pensamento, aliviando sua ansiedade sobre o dano que
ele temia ter feito ao terapeuta, Rosenfeld. Deste modo, o autor tentou demonstrar
por meio deste caso processos de identificação projetiva e cisão do ego e papel que
desempenham na psicopatologia de pacientes psicóticos.

86
Capítulo 2
Análises de casos clínicos em
outras abordagens

Gesltalt – dialogicidade e processo


psicoterapêutico: um relato de caso clínico
Os autores Filho e Vasconcelos (2014) relataram o caso de Tácita (nome fictício dado
a paciente, com analogia à Deusa Romana do silêncio e da virtude), para a cliente
atendida. Tácita tem 43 anos, professora de letras no ensino médio em uma escola
estadual, casada há 13 anos, com uma filha de 10 anos. Logo, a família é composta por
Tácita, o pai de Tácita e a filha da paciente. Tácita foi criada por duas tias, irmãs do pai,
e sempre soube quem era a mãe, mas teve pouco contato. Ela se referia à tia mais velha
como mainha, e a mais nova como tia. Relata que as duas faleceram: a mais nova em
2002 e a mainha em 2006. Os autores salientam que todos os dados do referido caso
são aproximados, para caracterizar de modo satisfatório o contexto da paciente, mas de
maneira que o sigilo fosse respeitado, sendo este o elemento para construção de uma
relação baseada na confiança, criando assim a aliança terapêutica, condição trivial para
a psicoterapia em gesta-terapia (GT).

No primeiro momento da entrevista, Tácita queixa-se de que está acima do peso e isso
está deixando-a nervosa e com autoestima baixa. Os autores citam Robine (2003)
e Andrade (2007), que afirmam que na clínica não podemos desconfiar da queixa
inicial, ainda que tenham indícios de contradição e racionalização externa. Por isso,
o terapeuta acreditou na fala da cliente, mas também a questionou sobre como era
aquele sentimento.

Ao questioná-la novos caminhos foram se abrindo para novos diálogos. O terapeuta


perguntou como ela lidava com aquela angústia e ela disse que sentia falta de uma vida
que já não tinha, pois era uma pessoa que gostava de conhecer e conversar com pessoas.
Estava engessada, porém sua forma de falar era sempre ativa e extrovertida. Filho e
Vasconcelos (2014) apontam que quando se apresenta uma fuga da noção do próprio
self, é encontrado um conflito dissonante conflitante que pode gerar uma angústia
externa e imediata ou um processo de deflexão construído com base na cristalização de
vivências e conteúdos.

Ao longo das perguntas, aparece a figura do marido, como alguém que a impede de fazer
novos contatos e passeios que ela tanto gosta. Os autores relatam que para Gadamer

87
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS

(2004) o ato de interpretar o outro é algo que nos faz sempre nos sentir ameaçados
de nos apropriarmos do outro na compreensão e assim ignoramos sua alteridade.
Para evitar que isso ocorra, o terapeuta precisa questionar para ficar ao mesmo tempo
disponível e possibilitando ao cliente a abertura de percepção do que há de vir, bem
como o lugar de condutor do processo de autocompreensão.

Os autores enfatizam que não é papel do gestalt-terapeuta focalizar o caminho da


relação por meio de técnicas ou experimentos, porque terá uma postura investigativa
e policialesca de enforcar o “por quê? (PERLS, 1977 apud FILHO; VASCONCELOS,
2014), o uso de técnicas deve ser utilizado em casos extremos, pois para ele se configura
como um truque. Perls (1977) se refere à mediocridade dos profissionais, por utilizarem
das técnicas de maneira abusiva, o que paralisa o amadurecer do outro.

Tácita diz que sempre tem uma grande dificuldade em dizer não, mesmo que o pedido
seja descabido, o que gera uma ansiedade profunda, a possibilidade de desagradar
o outro. O que, segundo o autor, deixa claro uma “deformidade” na sua fronteira de
contato, porque os contatos deixam de se pautar na relação de afetação mútua, para se
basear em uma hierarquização dos polos. Perls já definia “contato” como: está unido
por meio da percepção, a alguém ou fora de si mesmo (PERLS, 1973, p. 38). No caso de
Tácita, o resultado da união com o outro é de submissão da sua intenção, o que faz com
que o conteúdo precisa ser trabalhado na relação terapêutica.

O terapeuta destacou que nas supervisões do caso, destacou um elemento recorrente:


a dificuldade de Tácita em falar dela mesma, de maneira subjetiva de suas emoções, o
que foi muito exposto na relação clínica. A cliente também ressalta a dificuldade em
se colocar em relação às suas insatisfações com os outros, o medo de desagradar as
pessoas é muito forte. O terapeuta relaciona com o conceito de figura e fundo na vida,
por cristalizar-se em uma posição estará perdendo ou abrindo mão de sua condição
sempre abrindo mão de viver outras possibilidades.

Assim, Tácita, ao cristalizar-se como fundo, explica que mesmo quando está em
momento de muita felicidade, ocorre uma angústia pelo medo do fim da felicidade.
Ela frequentemente faz comparações com o que já foi e o que pode vir a ser, com quem
é hoje, sempre enfatizando mais sentido crítico com o ser do hoje. Temos aqui uma
óbvia visão depreciativa do campo perceptual. Os vetores perceptivos de Tácita estão
produzindo um resultado em que fica subjugada a carga do presente, este como único
estado de possibilidade concreta de mudança.

Os atendimentos de Tácita sofreram muitas alterações de horário, seja por motivação


do terapeuta ou da cliente. Isso deixa claro que apesar de não ter afetado a aliança e o
vínculo construídos, essa não é uma condição que favoreça a psicoterapia, pois Perls

88
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III

(1977; 1980; 1982), já assegurava que o cliente é premissa e norte da terapia e não
pode ficar a disposição do terapeuta. Porém, o terapeuta questionou se as alterações
de horário não a incomodava. Eis que ela disse: “é porque penso muito nos outros e
esqueço de mim”. O autor/terapeuta explica que essa fala foi na penúltima sessão,
em que a cliente se deu conta, não imediatamente, mas quando foi questionada ela
achou que havia falado dela, ela confirmou e ele continuou: “você precisou ouvir de
outra pessoa para confirmar o que você pensou sobre você?”. Ela respondeu que não.
O terapeuta problematizou: “A resposta que você espera dos outros, veio de quem?
Um pouco surpresa e com um leve sorriso de alegria ela disse: de mim”.

O terapeuta/autor relata que uma semana depois do fato ocorrido, a cliente disse que
pensou e refletiu muito. E contou que em uma situação de tomada de conhecimento,
ela e a família não manifestaram como resolver o problema, em pressão externa para
a resolução, a decisão de resolver o problema, mesmo que envolva abrir mão de algo
querido, e a interferência do marido e das irmãs se colocando contra, já se passavam
longos cinco anos. Então, ela abriu mão de algo de valor material e sentimental, mas se
curvou as fala dos outros, ela abriu mão de resolver o problema também.

Portanto, Tácita perdeu duas vezes, mas ao contar o que havia acontecido ela disse que
estava resoluta, já que isto lhe causa angústia há dois anos: “Por que sei o que quero
fazer e o que é certo, mas não fiz por causa dos outros”. E significou uma frase para si
mesma: “Estou aliviada e feliz”. Tácita, conforme seu terapeuta, cumpriu no início da
terapia uma jornada do silêncio sobre si a virtude de falar de si, por ela mesma.

A cliente, ao aceitar o emerge, a sua submissão ao outro (papel cristalizado de fundo),


deixa o caminho aberto para que ocorra um processo denominado de figuração, o
conteúdo se movimenta dinamicamente para uma posição de figura, este processo não
é alheio ao ser, pelo contrário é ele da forma mais clara que pode transparecer o ser
em sua intenção presentificada. Nota-se que em Tácita essa ação se verte em torná-la
figura de si mesma interessante perceber que não houve imposição do interprete,
que não se apossou de uma verdade, nem se apossou de uma verdade, nem aceitou
passivamente a verdade da cliente, foi antes de tudo um provocador.

O autor/terapeuta conclui que o diálogo é o meio pelo qual ganha sentido na relação
psicoterápica e por consequência para os participantes. A função fundamental do
gestalt-terapeuta facilitar a construção de um ambiente dialógico baseado e focado
no conteúdo do cliente. Assim, no caso de Tácita, o que o espaço psicoterápico foi se
construindo um ambiente de diálogo, sempre visando à emergência de uma verdade
sobre a relação psicoterápica, que funcionou como um vetor para o desenvolvimento
de Tácita, trazendo ela para um estado awareness, ou seja, para sua consciência
organísmica da intencionalidade.

89
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS

Terapia Cognitiva Comportamental – TCC –


Investigação Comportamental-cognitiva
de um caso clínico

Apresentação do caso

Batista e Daher (1998) relatam o caso de J., 13 anos, que chegou encaminhado por uma
psicóloga, depois de conversar com sua mãe. O adolescente faz a 7ª série em escola particular,
apresentando boas notas escolares (a nota mínima é nove). Faz espanhol como atividade
extracurricular. Ele é filho do meio de uma prole de três, sendo que seus pais se separaram
há 5 anos e moravam no Nordeste. Após a separação, a mãe mudou para São Paulo, os
filhos escolheram ficar com a mãe e acompanharam-na mudando para São Paulo. Após dois
anos, mudaram-se para uma cidade do interior de São Paulo, sendo que esta mudança foi
sentida por toda família já que não tinham conhecidos ou parentes na nova cidade.

A mãe de J exerce um cargo de confiança onde trabalha, não tem hora para sair do serviço,
faz viagens frequentes a trabalho e é muito reconhecida pelo desempenho profissional,
ficando pouco tempo com os filhos. Ela considerou necessário o acompanhamento
psicológico do filho, já que este tem apresentado comportamentos inadequados para
sua idade. J. já havia tentado fazer um acompanhamento psicoterápico, mas não deu
continuidade alegando não ter gostado da psicóloga.

A mãe queixava-se que o filho estava comendo em excesso, não gostava de sair de casa,
não queria fazer atividades físicas como caminhadas, não conversava com amigos
pelo telefone (sempre se esquivava falando que está ocupado) e não procurar o pai em
hipótese alguma. A mãe percebe o filho como distante, pois ele não gosta de abraçar e
de beijar. O adolescente não participa de nenhum grupo de amigos, nem no prédio onde
mora. Tem um cachorrinho, que é seu companheiro. As respostas de J. às perguntas
e interações verbais são geralmente curtas e sem prosseguimento, além de não se
preocupar em procurar outras pessoas para conversar. Na entrevista com J., este relata
que a mãe não aceita seus comportamentos, que sempre esta pegando no seu pé para
sair, fazer ginástica, ligar para seu pai, parar de comer e ligar para amigos. J. aceitou
dar início à terapia porque a mãe quer, mas acha que não tem problemas.

Quadro 2. Análise do quadro comportamental de J.

Principais comportamentos em excesso Déficit comportamentais


Estudar. Contato com os amigos e com o pai.
Comer. Realização de atividades físicas.
Ficar em casa, dentro do quarto assistindo televisão. Baixo repertório verbal e contato físico.

Fonte: Baptista e Daher (1998).

90
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III

Outras características relevantes de J.:

»» Inteligência normal.

»» Não tem religião praticante.

»» Não acredita que precisa mudar.

»» Sentimento positivo em relação aos pais (gosta deles).

Quadro 3. Análise do quadro comportamental da mãe.

Principais comportamentos em excesso Déficit comportamentais


Repete muitas vezes como deseja que o filho se comporte. Pouca permanência em casa.
Trabalha muito. Comunicação com o marido e comunicação adequada com o filho.

Fonte: Baptista e Daher (1998).

Outras características:

»» Inteligência emocional.

»» Aceita a necessidade de mudança e sentimentos positivos frente a J.


(gosta do filho; quer ter mais aproximação física) e considera importante
a relação do filho com o pai.

Outras informações relevantes:

1. Quando casados, os pais eram responsáveis pela manutenção econômica


da casa.

2. Após a separação, a mãe assumiu todas as despesas da casa e a educação


dos filhos.

3. O pai não tem condições financeiras de dar pensão, a mãe o liberou deste
dever.

4. A mãe trabalha muito e J. passa grande parte do seu tempo sozinho.

5. Quando imprevistos surgem, J. liga para o trabalho da mãe, sendo que a


secretária resolve, por exemplo comprar livros e remédios.

6. A mãe apresenta ansiedade quanto aos comportamentos do filho que


considera como inadequados.

7. O pai tem pouco contato com o filho e quando se apresenta faz cobrança,
por isso, J. se sente ansioso.

8. A mãe diz que o filho tenha que mudar e que está disposta a rever seus
comportamentos.
91
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS

9. Os pais conversam apenas o necessário, não procuram entrar em consenso.

10. A mãe impõe como deseja que o filho se comporte.

11. J. nunca teve regras claras para serem cumpridas.

12. O diálogo entre J. e sua mãe é restrito.

13. Nenhuma psicopatologia foi encontrada.

14. J. desenvolveu um comportamento de independência dos pais em função


da ausência física.

15. A fala da mãe não tem força suficiente para mudar o comportamento de J.

16. O cachorro parece ser a única companhia de J.

17. J. estuda a maior parte do tempo, inclusive nos finais de semana.

Análise e discussão do caso – compreensão das


contingências controladoras de J.

De acordo com Baptista e Daher (1998), o histórico de vida do paciente o fez desenvolver
algumas crenças disfuncionais como, por exemplo, que constantes mudanças de casa
e de meio social o fizeram crer que manter amizade com os outros seria inútil, já que
sempre mudava de cidade e deixava os amigos para trás. Como ele não entrava em
contato com as pessoas que deixava e não retornava os telefonemas, também não
desenvolveu suas habilidades sociais plenamente. Assim, esta maneira de pensar o
ajudava a ter o comportamento de isolamento em casa, o que proporcionava também
a ficar estudando e assistindo televisão, esquivando-se de estabelecer relacionamentos
sociais e evitando a punição decorrente de sua perda.

O fato de ele ficar em casa sozinho não o expunha a se relacionar com outros adolescentes
de sua idade e mantinha uma relação estreita com seu cachorro. Isto ocorre uma vez que
este iria com ele para qualquer lugar, além do que este animal estava sempre disposto
a brincar e a estar ao seu lado, o comportamento de esquiva de enfrentar qualquer
situação de relacionamento social, o que novamente reforçava o comportamento de
ficar só.

O ficar só em casa também criava a possibilidade para assistir televisão com grande
parte do tempo, que somado ao comportamento de evitação de contato o debilitava
de desenvolver um bom repertório verbal e estratégias de habilidades sociais, como,
se aproximar das pessoas; como fazer e manter amizades; como iniciar e manter uma
conversa. O fato de em sua história haver muitas mudanças e perdas de relacionamentos

92
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III

da vida de J. fizeram com que ele desenvolvesse uma estratégia de esquiva deste tipo de
punição, marcada pela ausência de qualquer contato afetivo. Esta situação é reforçada
pelo modelo de relacionamento fornecido pela mãe, a qual estabelece uma contingência
pouco reforçadora do desenvolvimento social de J.

Intervenções utilizadas

As estratégias relatadas a seguir, utilizadas no caso, não abrangem a totalidade do trabalho


psicoterápico de base e é um modo de expressar didaticamente algumas intervenções.

Quadro 4.

Orientações para mãe Efeitos pretendidos


Retirada da contingência mantenedora do comportamento de estudar em
Não reforçar notas altas.
excesso.
Dispensar mais tempo para o filho. Aumentar a possibilidade da relação afetiva se tornar um reforçador para J.
Auxiliá-lo nas tarefas diárias, com a finalidade de aproximação e
Aumentar a possibilidade da relação afetiva se tornar um reforçador para J.
melhor comunicação.
Incentivar o filho a trazer colegas para casa ou reforça-lo (dar
Reforçar qualquer comportamento pró-social de J.
atenção) quando este relata interação com os colegas.
Restringir a secretária a não fazer ‘tudo’ para o filho e incentivá-lo Fornecer Sd (estímulo discriminativo) para que J. altere seu padrão
a resolver parte de seus problemas. comportamental de dependência da secretária.
Observar mais outras relações entre pais e filhos (criar um Estimular a mãe a buscar um modelo de relacionamento mais reforçador
modelo). com J.
Assistir filmes que aborde relações adequadas nas relações Estimular a mãe a buscar um modelo de relacionamento mais reforçados
familiares. com J.

Fonte: Baptista e Daher (1998).

Quadro 5.

Estratégias terapêuticas com J. Efeitos pretendidos


Treinar situações de relacionamentos sociais em consultório. Aumento das habilidades sociais e reforçar situações de contato social.
Desenvolver repertório e habilidades de comunicação (CABALLO, Facilitar o desenvolvimento de contato social, aumentando a probabilidade
1996). deste comportamento a ser reforçado.
Discriminar e discutir sobre as crenças disfuncionais que o Mudar o padrão de avaliação cognitiva de J, das situações envolvidas na
impedem de agir de maneira adequada. problemática, buscando uma alternativa mais racional e reforçadora.
Treinamento em resolução de problemas (NEZU; NEZU, 1996). Aumentar as habilidades de J. e sua independência da secretária da mãe.
Controle alimentar. Diminuição da obesidade.
Eliminação das atividades que o impeçam de ficar ocioso. Diminuição da obesidade e aumento do contato social.

Fonte: Baptista e Daher (1998).

Os autores Baptista e Daher (2001) concluíram que a utilização de estratégias terapêuticas


adequadas depende da conceituação e descrição dos problemas do cliente, pois somente
desta maneira o clínico tem capacidade de compreender todas as variáveis que podem
contribuir na análise dos casos atendidos, além de poder desenvolver procedimentos
93
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS

eficazes na modificação dos comportamentos inadequados, bem como na mudança das


crenças disfuncionais, que ajudam a distorcer a visão racional que o homem tem dos
acontecimentos da vida.

Terapia Centrada na Pessoa – experiência de


tendência atualizante em amputado numa
perspectiva fenomenológica
Santana (2013) apresentou o presente estudo de caso de um rapaz amputado, de
maneira sigilosa será chamado do M., em que ele relatou sua experiência e se colocou à
disposição no compartilhamento de sua experiência para fins científicos e acadêmicos
para o trabalho final de curso da pesquisadora e autora. O sujeito da pesquisa tinha 29
anos, a pesquisa objetivou conhecer sua experiência durante e após o processo de retirada
de um membro. A pesquisadora utilizou-se da relação dessa pesquisa com a teoria de
Carl Rogers sobre a tendência atualizante e destacou a perspectiva fenomenológica
da experiência.

Portanto, de acordo com a autora, a pesquisa rogeriana tem como base a ideia de que
a imagem corporal do amputado é a imagem da sua própria recuperação, porque sua
motivação tem papel importante e vai além do enfrentamento da perda do órgão.
São limites que vão para o sujeito em uma nova perspectiva de uma postura corporal,
os obstáculos enfrentados com apenas um membro como também dos movimentos
limitados. No entanto, Rogers (1992) acredita que o homem é capaz de evoluir a partir
das etapas mais difíceis da vida em novas perspectivas de experiências.

A metodologia de pesquisa escolhida foi a entrevista de fala livre, também foi utilizado
um diário de bordo para registrar as percepções da pesquisadora diante das emoções do
entrevistado e buscar compreender o que houve in loco, assim foi possível observar quais
sentimentos surgiram no momento da entrevista e posicionamentos que emergiram
diante de suas dificuldades.

A entrevista livre foi utilizada por dar suporte para que haja manifestação espontânea,
buscando deste modo um padrão de expressões motivado pelo próprio indivíduo. Um dos
aspectos observados e importantes para Santana (2013) foi a emoção do entrevistado
na sua expressividade corporal, emocional e desapego de sua condição. Tal condição só
foi possível perceber in loco, sendo o modus operandi para basear a pesquisa.

De acordo com Rogers (1997), o campo fenomenológico da experiência na perspectiva


rogeriana afirma que indivíduo se volta sempre para a experiência para se aproximar
da verdade e que o processo pode ser descoberto na experiência do outro. Conforme a

94
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III

autora para Rogers a experiência é algo único e só uma pessoa pode senti-la não sendo
autorizada a mais ninguém. (ROGERS, 1997, p. 29).

M: Santana (2013) - “Antes eu trabalhava como pedreiro, mas depois


que amputei a perna fiquei fazendo só os serviços de casa mesmo, mas
ainda faço uns servicinhos que fazia antes. Tudo que eu quero fazer,
eu faço! Não do mesmo jeito, mas faço! Devagarzinho, com paciência,
com ajuda de alguém, eu faço! Meu trabalho era de pedreiro, mas era
pesado, um trabalho pesado. Em andaime, essas coisas eu não trabalho
mais não! Mas no chão, faço todo trabalho que fazia antes. Hoje ainda
dirijo carro, faço tudo, ando de moto, que não era para eu andar, mas eu
ando! Vou levar devagarzinho”

O problema enfrentado por M. com a amputação são os limites que vão para além
do sujeito, pois são dificuldades a serem enfrentadas com apenas um membro. O
enfrentamento desta dificuldade está na percepção de Rogers apud Virginia (2007),
como recurso que utilizado positivamente a natureza humana pode ser adaptada para
circunstâncias contrárias, bastando para sua experiência ao movimento intrínseco
orientador da capacidade de significar em evolução constante.

M., do sexo masculino, altura mediana, 29 anos. Ele sofreu um acidente de moto há
mais de três anos e por isso teve sua perna direita amputada. Veja a seguir a descrição
dele sobre sua experiência:

“Meu nome é M, tenho 29 anos, sofri um acidente de moto amputei


uma perna. Minha vida era normal e depois de poucos dias, fiquei meio
preocupado porque perdi a perna, mas depois me adaptei. Hoje levo
uma vida normal. Minha vida era trabalhar, brincava e o acidente foi...
Eu bati em um carro aí caí na contramão, um ônibus vinha e passou por
cima de mim. Teve que amputar a perna”

A autora relata que é possível compreender que a imagem do corpo é referência como
resultado final da expressividade do sujeito, pois a relação do corpo em contato com o
ambiente constitui uma relação importante dos mecanismos e movimentos da pessoa
com a percepção de sua imagem. Na fala abaixo se percebe a fala de M em se descrever
diante de sua experiência atual.

M: “Hoje levo uma vida normal. Minha vida era trabalhar, brincava e
o acidente foi... Eu bati em um carro aí caí na contramão, um ônibus
vinha e passou por cima de mim. Teve que amputar a perna”.

Segundo Castelo Branco (2008) apud Santana (2013), a tendência atualizante é


necessária para definir se o organismo está sob o movimento que se encaixa como vivo ou
95
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS

morto, na presença ou na ausência desse processo direcional. O autor aponta a noção de


Tendência Formativa, a qual está ligada à própria vida, atuando em todos os elementos
do universo da terra, está relacionado ao organismo em todas as etapas do ciclo de
vida. Nesse contexto, o referido autor sugere que é possível manter posicionamentos
como reações positivas diante das dificuldades, aperfeiçoar metas e ir além de
suas possibilidades.

M: “Eu reagi assim... Fiquei doido na hora, chorando, pedindo para


morrer sem querer que cortassem minha perna. Depois que cortou vi
que não tinha jeito, pensei pra frente, pensei em viver a vida. Tinha uma
filha no tempo, pensei em viver para criar minha filha. Depois voltei
para casa, voltei minha vida normal. Hoje faço tudo que fazia antes,
É ando de carro, ando de moto, de carroça de cavalo de tudo que fazia
antes eu faço hoje, não é do mesmo jeito, mas faço. Tudo, a pessoa
querendo, faz. Tendo força de vontade faço normal mesmo. Quem me
conhece vê o que eu faço.”

Rogers (1997) apud Santana (2013) defende que diante da mudança e do estranhamento
de um novo paradigma, o sujeito é impedido de entender o que acaba de ocorrer e
apropria-se a novidade em sua nova característica de identidade, o que pode surgir
não necessariamente será algo ruim. A limitação pode ser transformada e assimilada
de modo criativo e útil, o indivíduo dá um significado àquilo que lhe é particular e isso
permite conviver melhor e adaptado.

M: “ Como foi? Rapaz(riso) não foi muito boa não. Eu pensei: como é
que eu ia fazer o que fazia antes. Eu gostava de correr vaquejada e não
ia poder mais. Mas depois fui botando na cabeça que a vida era assim
mesmo e deu certo até hoje” (sic)

Nesse contexto, conforme a autora da pesquisa, nota-se que em toda construção


humana existe uma força que permite à pessoa buscar suas realizações, ele pode utilizar
e explorar sua capacidade de buscar novas representações e motivações para sua vida,
para isso, faz-se necessária uma decisão própria para a ação.

O acompanhamento psicológico como auxílio no processo de adaptação também foi lhe


perguntado:

M: “Tive não, foi só eu mesmo. Eu e os amigos que iam me visitar, né!


Eu conversando na brincadeira e tudo fui esquecendo, pronto. Hoje nem
me lembro mais que perdi a perna e tudo. Não ligo mais não pra isso
não. Faço tudo que fazia antes eu faço hoje! Ai ficou normal a vida de
novo! Levo uma vida normal, faço tudo que fazia antes!”

96
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III

Sobre isso, a autora aponta que o indivíduo traz com ele o desejo, ao mesmo tempo
encontrando espaço para interagir com seu meio externo, sua capacidade de se permitir.
Ainda cita que Rogers (1976), ao conceituar tendência atualizante que Rogers (1976)
afirma está na espontaneidade inerente ao indivíduo e sua tendência à atualização na
Abordagem Centrada na Pessoa(ACP). Ainda segundo ele, a capacidade de evolução do
indivíduo busca ampliar seus limites e exercer suas potencialidades organismicamente
contando com isso o desenvolvimento a essa tendência inata.

Quando perguntado sobre a primeira vez que se colocou de pé, respondeu:

“M: Ah! A primeira vez foi ruim... Qualquer coisinha tombava pra cair,
fui me adaptando aos pouco. Os primeiros dias andei de cadeira de
rodas, mas depois que botei o pé no chão e peguei as muletas, pronto
ficou melhorando foi um esforço mesmo a cada dia foi aprendendo até
chegar aonde cheguei.”

Diante das dificuldades associadas pela mudança, a pessoa é convidada a refletir


em como tem lidado com a limitação imposta, mas que diante de tudo o indivíduo é
motivado a experimentar a vida e ampliá-la em uma perspectiva de desenvolver. É lhe
perguntado sobre as dificuldades a serem vencidas...

M: “ Existe dificuldade não, eu tenho força de vontade para ultrapassar,


faço tudo. Se o carro der o prego eu ajeito não peço pra ninguém, eu
mesmo faço! Não ligo não, pra isso não, se passar o dia, a noite for
possível, mas eu mesmo faço meus serviços e não peço pra ninguém.
Tudo que eu faço é eu mesmo, não gosto de tá pedindo nada. Se for pra
dá de comer a um bichinho é eu mesmo, se for botar o bicho em cima
do carro pra levar pro canto é eu, eu não chamo ninguém, tudo eu faço
só! Muito difícil eu tá com uma pessoa do meu lado me ajudando” (sic)

Diante da fala do entrevistado, nota-se que ele trás a ideia de responsabilidade e


autonomia, a tendência atualizante. Nessa experiência, o indivíduo é capaz de produzir
e trazer o cotidiano a experiência.

M: “Todos os dias, eu não sei como explicar, porque todo dia é diferente,
todo dia acontece uma coisa diferente, você tem que passar aquele
obstáculo, mas graças a Deus tá dando certo, tudo que vou fazer eu
consigo! E aí só penso assim que as coisas vão dá certo”.

Descrevendo a experiência fenomenológica:

M: “A força! Rapaz eu não sei explicar não, porque na hora mesmo do


acidente eu pensei mais do que nunca eu... Quando falaram que iam

97
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS

cortar minha perna eu pedia para morrer, mas não sei de onde arrumei
força! Devargazinho e tudo vendo... Vendo como era... minha mãe
também sofreu, muito, minha família, eu vendo o sofrimento deles fui
criando força, reagindo.. Foi através deles que eu conseguia força para
voltar a fazer o que fazia antes”

M, se descrevendo organismicamente. Conforme a autora, o indivíduo se dar conta


de sua assimilação e do desenvolvimento de suas potencialidades. Nesse contexto, a
percepção de M em relação ao que as pessoas falam dele e o percebem mostra como ele
acha que as pessoas o percebem.

M: “Esse “M” faz coisas que gente com suas pernas não faz. Porque eu
ando a cavalo que tem gente que tem duas pernas e não faz, que me vê
pergunta se tô ficando louco não, eu andava antes, porque não ando
agora? Ando de moto, o povo me vê andando(riso) eu to errado de andar
só com uma perna de moto tá errado! Sem ter o pé no freio nem nada!
Só no tempo mesmo, de carro dirijo, não tenho inveja das pessoas que
têm duas pernas não! Dirijo normal mesmo, Ai o que eu faço, tem certas
pessoas que não faz não, nem com duas pernas. Ai isso é eu, eu tento
fazer cada vez mais.” (sic)

Sobre a ideia do eu real, a autora confirma que o indivíduo percebe-se genuinamente


em si, na sua própria experiência o eu ideia é quando há no indivíduo uma mudança
de percepção.

Santana (2013) conclui que em sua pesquisa pode perceber que no contexto
apresentado sobre a experiência de tendência atualizante abordada na teoria rogeriana,
M correspondeu aos objetivos propostos em uma evolução significativa de etapas
vivenciadas durante sua trajetória tanto no contexto pessoal, social, afetivo e familiar.
Em seu relato, novas perspectivas foram destacadas com relação à dimensão e construção
de condição existencial fenomenológica, ou seja, sua projeção de enfrentamento diante
da amputação não o limitou, permitindo deste modo experienciar etapas difíceis, mas
que não impediram sua condição desejante como ser. Viu-se uma pessoa reproduzir
posturas em construir uma história a partir da experiência traumática em meses de
tentativas e uma força propulsora em repetir e iniciar a cada dia vivido.

À medida que o entrevistado entrava em contato com sua experiência, uma nova vivência
aparecia, percebeu-se uma projeção na quebra de paradigmas, em que em frente à
superação de tornar-se atuante novamente, ou seja, relatando o contexto experiencial
houve representação do antes e depois diante do processo vivido e isso permitiu que
novas ferramentas em lidar com sua adaptação.

98
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III

Logo, conforme a autora, tendo M passado por etapas como cadeirante por um tempo
e partindo para uma perspectiva positiva em fazer o que fazia antes e não limitar-se
apenas por ser amputado. O existir na experiência dele foi e é o diferencial em ser capaz
de permitir-se sempre, mesmo que cause dificuldade, mesmo assim se propõe elaborar
novas possibilidades.

Assim, na visão da pesquisadora houve uma postura mais firme nos momentos de confirmar
a teoria rogeriana, nessa condição do ser elaborar diferente frente às dificuldades
surgidas, seus questionamentos em contextos como familiar, pessoal e social amparou
sua experiência de enfrentamento, ao perceber que pessoas que amava lhe apoiavam
edificaram sua tendência à autoatualização. Portanto, a autora infere que na fala de
M uma nova capacidade de resumir sua relação primeira foi de desequilíbrio, diante
de uma realidade adversa teve reação de negar e não aceitação, em seguida reagiu
rapidamente para se adaptar a recuperação e adequar sua vida novamente.

Segundo Santana (2013), essa quebra de romper paradigmas em situações contraditórias


no qual foi assimilado por M numa forma de reconstruir a vida mediante o desafio,
respeitando sua condição de querer vencer, e assim o fez, sem ajuda psicológica em uma
fase delicada lhe permitiu avançar para continuar atuando, perfazendo sua trajetória
naquilo que sempre foram suas escolhas. Tais atitudes de elaborar diante de obstáculos
como o processo de amputação, requer o posicionamento muito particular frente à vida
e procurar saídas emergenciais nesse contexto foram decisivas para o sujeito.

Um destaque importante na pesquisa, conforme a autora, foi perceber um homem


agora amputado de uma perna e diante disso um desafio de se por de pé novamente,
nesse momento percebeu-se que toda experiência foi válida e a tomada de consciência
edificou seu potencial de autoatualização.

Por fim, a autora conclui que diante do exposto, M é um homem autor de sua própria
história de vida em uma perspectiva estruturante, permite-se que momentos específicos
de superação e vivências façam diferenças em seu contexto e permite enxergar novas
possibilidades de transformar, explorar e agir mudando sua realidade.

Terapia Conjugal e Familiar – caso Alice


e Arnaldo
Waldemar apud Cordiolli (1998) traz como exemplo clínico na terapia de casal o caso
de Alice e Arnaldo. Ambos procuraram ajuda, com Alice queixando-se que o esposo
está sexualmente desinteressado. Arnaldo reclama que Alice quer mandar em tudo, só
quer gastar dinheiro e briga por qualquer coisa. Diz que desse jeito não há clima para

99
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS

sexo e que inclusive não aguenta mais o casamento como está. Arnaldo é um pequeno
comerciante de sucesso e Alice cuida da casa e das filhas adolescentes do casal. Um
amigo indicou-os para o tratamento.

História do Casal – quando se casaram, Alice tinha 17 anos e Arnaldo 26 anos.

A família de Arnaldo

Conforme Cordiolli (2008) descreve, Arnaldo é o primogênito de uma prole de cinco


filhos, dois homens e três mulheres. Seus pais eram donos de uma propriedade rural
pequena. Arnaldo teve que trabalhar desde cedo. Em sua casa o matriarcado imperava,
já que o pai permitia que a mãe tomasse conta de quase todas as decisões da família.
Uma das causas para isto é que a pequena fazenda tinha sido herdada pelo lado materno,
sendo o pai de família de camponeses pobres. Arnaldo descreve sua mãe como distante
e autoritária pessoa que até hoje não se sente confortável beijando os filhos e netos.
O pai dele é descrito como pacato, trabalhador, que não gostava de incomodar.

A família de Alice

O autor descreve que Alice era a mais velha de três irmãos. Tida sempre como a
“engraçadinha”, preferida do pai, um funcionário público de classe média, todo-poderoso
em casa e muito controlador em relação à filha. Quando se casou aos 17 anos, Alice
queria sua casa e sentiu muito protegida junto com Arnaldo, nove anos mais velho.

A dinâmica do casal

Pelas exposições anteriores, nota-se que Arnaldo buscou uma mulher mais nova, bem
diferente de sua mãe. Já Alice procurou um homem forte, como seu pai. Arnaldo
relacionava-se muito bem com o sogro, enquanto Alice praticamente não via a família de
Arnaldo, que vivia no interior. Alice abandonou os estudos e logo quis ter filhos. O marido
se preocupou em trabalhar muito e construir um patrimônio. De acordo com ambos, os
primeiros 10 anos de casamento passaram sem conflitos importantes, com Alice muito
envolvida e satisfeita cuidando das filhas. Os problemas apareceram quando as filhas
entraram na adolescência e com o comportamento de Alice pressionando o marido
economicamente, exigindo para todas cada vez mais um nível de consumo mais sofisticado.

Arnaldo dizia que não poderia satisfazer tal necessidade da mulher, ela não concordava
e começavam as brigas. Arnaldo estava em uma encruzilhada profissional, continua
como pequeno comerciante ou expandia o negócio com risco de perder dinheiro.
Ele hesitava em arriscar e nas discussões Alice chamava- o de medroso e pão-duro.

100
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE III

O conflito conjugal

Waldemar in Cordiolli (1998) relata que Alice comportava-se em relação a Arnaldo


como uma adolescente porta-voz das reinvindicações das filhas. Vestia-se como elas
e adorava quando era confundida com uma delas. Arnaldo gostava da dependência da
mulher, mas acusava-a de nunca saber seu saldo no banco e gastar muito dinheiro com
futilidades. Ela insistia em que ele a ajudasse profissionalmente, mas ele tinha dúvidas
da competência da esposa fora de casa e não se dispunha a ajuda-la a se organizar
melhor, mesmo sendo um exímio executivo no seu pequeno comércio. Também
procurava manter um controle muito grande sobre a mulher, como se ela realmente
fosse uma de suas filhas.

A terapia

O autor descreve que o tratamento do casal durou nove meses, com sessões semanais,
tendo as filhas ido em duas consultas. Elas eram tímidas e quietas, diferente e contrastante
com o comportamento exuberante da mãe. Alice gostava de roupas espalhafatosas e
muita bijuteria.

Arnaldo era bem alto e atlético, vestia-se com descrição parecia 20 anos mais velho
que a esposa. No tratamento, Alice teve que enfrentar sentimentos de insegurança e
autodesvalorização, de como procurava fortalecer sua autoestima principalmente por
meio das vantagens materiais proporcionadas pelo poder aquisitivo do marido.

Ela não aceitava que o marido pudesse estar em uma fase financeiramente difícil,
sentia o fracasso dele como se fosse o dela próprio. Com a terapia, reconheceu que
havia uma relação de dependência comum às mulheres de sua família. Após um
doloroso processo de autoavaliação, com apoio do marido, resolveu voltar aos estudos
para terminar o 2º grau. Começou a se interessar por moda e passou a costurar
para fora.

Arnaldo relacionou seus sentimentos mais profundos de insegurança como ligados


à figurada desvalorizada do pai e consegui aceitar o apoio da esposa para continuar
crescendo profissionalmente. Encontrou um sócio para abrir uma nova loja, podendo vir
a crescer e, ao mesmo tempo, diminuir os riscos de uma perda maior. Ele compreendeu
que confundia as atitudes da mulher com aquelas da figura autoritária da mãe, ficando
com mais tolerância e flexibilidade para escutar as queixas de Alice.

Assim, com o tempo, o diálogo, a convivência e a vida sexual do casal voltaram ao


normal. Alice pôde também afastar-se mais de suas filhas, que com a sua presença
muito próxima, estavam infantilizadas.

101
UNIDADE III │ CASOS CLÍNICOS

Waldemar apud Cordiolli (1998) afirma que o horário da consulta funcionou como
um espaço no qual o casal reapreendeu a conversar e a colaborar, encontrando saídas
saudáveis para situações de impasse crônico. Um ano após o término da terapia, sendo
o casal consultado, mostrou a que a melhora havia permanecido.

102
CASOS CLÍNICOS Unidade IV

Capítulo 1
Análises de casos clínicos em
psicoterapia breve psicodinâmica

Caso Clínico 1– Caso Fernanda


Santos (1997) descreve o caso em que atendeu Fernanda, de 31 anos, nível superior
completo, divorciada, procurou a terapia com a queixa seguinte: “Estou para me mudar
para a Europa, mas existem coisas que me impedem de ir, mesmo que eu esteja decidida.
Resolvi fazer a terapia para solucionar essas questões e partir o mais rápido possível”.
O autor relata que a paciente é dotada de boa capacidade intelectual. Ela fez um longo
relato de sua vida, conjugando vivências objetivas e subjetivas com objetividade e
desembaraço. Mas deixou transparecer um estado emocional alterado, com nível de
ansiedade muito elevado, o que é revelado por sua postura corporal encolhida e pelos
gestos constante e nervoso de suas mãos além de fazer referências vagas a sintomas
corporais como tontura e dor de cabeça.

Fica claro durante a entrevista que “certas coisas que a impedem de ir para a Europa”
é o vínculo que Fernanda mantém com sua mãe, a qual possui traços de atuação e
manipulação de ambas as partes. O terapeuta/autor traça o perfil diagnóstico de
Fernanda, avaliando-a como pessoa de razoável grau de espontaneidade (por causa
de seus relatos de vários fatos e obstáculos que enfrentou e ultrapassou em sua vida),
com boa estruturação intelectual (mesmo que em detrimento da emocional), vivendo
situação específica de ansiedade diante de um obstáculo de natureza emocional (o
vínculo com a mãe) que impede de atingir uma meta de vida previamente projetada.

No final da primeira entrevista, o terapeuta expõe tais observações e discute com a


paciente a proposta de realizar um trabalho de terapia breve durante os dois próximos
meses, espaço de tempo que parece ser razoável aguardar para sua partida, com a
realização de duas sessões semanais de cinquenta minutos de duração cada uma.

103
UNIDADE IV │ CASOS CLÍNICOS

Anotações do terapeuta

O terapeuta relata que sistematizou um quadro diagnóstico global, que permitisse a


indicação de um processo de psicoterapia breve. Primeiro ele formulou um diagnóstico
clínico (fenomenológico), no qual atribuiu os sintomas físicos à elevada ansiedade, e
tal ansiedade a uma resposta emocional a um conflito existencial objetivo, perante o
obstáculo à concretização da meta volitiva desencadeou em um conflito que, ao ameaçar
os mecanismos habituais de adaptação e defesa, permitiu o afloramento de material
inconsciente potencializador do obstáculo, fato que caracterizou uma situação de crise.

Segundo Santos (1997), para o terapeuta, o início recente e a ausência de sintomatologia


neurótica ou psicótica (desembaraço, bom nível de captação da realidade, desembaraço
e eloquência de discurso, história de vida coerente e compreensível, visão retrospectiva
e prospectiva firmes e claras, funções psíquicas estruturalmente íntegras) confirmam o
diagnóstico de quadro reativo situacional.

Ainda, o referido terapeuta avaliou os traços fundamentais da personalidade da


paciente para diferenciar suas potencialidades e limitações caracterizando como
“parte saudável” da função mente. Além disso, apresenta boa capacidade de criação,
elaboração, comunicação e expressão de conteúdos internos, sendo capaz de planejar e
executar atos no ambiente externo, mesmo tenha traços de insatisfação e manifestações
somáticas como defesa, o que caracteriza, no referencial teórico do psicodrama, a
organização parcial do papel do ingeridor.

Com o reconhecimento da parte potencialmente sadia da paciente, foi possível conseguir


estruturar a aliança terapêutica. O terapeuta dirigiu durante a entrevista para a
evidenciação de aspectos intelectuais e racionais, valorizando sua capacidade de pensar
sobre as coisas e alertando-a para os perigos e os benefícios de sua potencialidade.

No terceiro nível diagnóstico, o psicodinâmico, foi estabelecido o eixo “foco” a ser


trabalhado com Fernanda. Assim, foi possível perceber o conflito atual de “separar-se da
mãe” tem raízes em situações mais antigas, cuja evolução manteve Fernanda presa a uma
ligação simbiótica, devido à rudimentar formação de papéis, com desgaste emocional e o
incentivo de sentimentos de culpa.

O terapeuta conclui que na primeira entrevista pode avaliar a paciente em seus


aspectos mais gerais, objetivando sempre a formulação de um diagnóstico global para,
assim, poder prescrever um tratamento de psicoterapia breve. Ele relata que após o
enquadramento da paciente nos pré-requisitos para o processo, uma devolução geral
dos aspectos compreendidos e a colocação dos princípios de terapia breve, tal como
o tempo limitado e o objetivo que estávamos determinados a atingir, qual seja, o de

104
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE IV

trabalhar essa ligação simbiótica com a mãe. Logo, o terapeuta ao devolver à paciente
sua compreensão de seus problemas dela mesma já estava dando os primeiros passos
na fase do acolhimento, em que a consequência imediata para a paciente foi a evidente
diminuição da ansiedade, pois tal gesto do terapeuta anula a sensação da paciente
se sentir sozinha e não ter ninguém que a compreenda, sensações características das
situações de crise.

Neste acolhimento, é importante ressaltar o quanto se faz importante a repetida utilização


do “princípio da confirmação” descrito por Laing. Na prática, significa dar orientação
para a pessoa paciente poder expressar-se livremente, procurando compreender sua
visão da problemática vivenciada. Logo, a relação empática se estabelece, à medida
que eu possa estar no lugar de Fernanda e perceber, por meio dela, o seu sofrimento
por se ver restringida, manipulada, chantageada, impedida de realizar seu projeto de
vida autônoma e livremente. O autor destaca que ouvir observar e pensar o “material”
trazido pela paciente é insuficiente, mesmo que seja necessário, mas é também tomar o
papel (não é uma verdadeira inversão, pois nisso não há reciprocidade) e permitir uma
parte de mim seja ela nessa situação.

Segunda sessão com Fernanda

Nesta sessão do processo terapêutico, Fernanda utilizou o tempo contando fatos e


encadeamentos de sua vida anterior à terapia. A postura do terapeuta foi de atenção,
mas também de intervenção, tendo em vista um melhor clareamento de um ou outro
fato relatado, e da resposta dada pela paciente nessas situações.

O terapeuta relata que buscou fortalecer o vínculo por meio de acolhimento, o que foi
fundamental para o processo terapêutico de Fernanda no sentido de ela se permitir
uma “Experiência Emocional Corretiva”.

Terceira sessão com Fernanda

A paciente se queixou de “dor na nuca”, essa dor havia melhorado depois que uma
amiga lhe aplicou algumas massagens. Seu corpo estava contraído e o terapeuta lhe
propôs que fizessem uma série de relaxamentos. Com a luz diminuída de intensidade e
com música suave no ambiente, pediu que ela andasse pela sala até encontrar o lugar e
posição que fossem agradáveis.

O terapeuta descreve que Fernanda andou pela sala alguns minutos e escolheu deitar-se
sobre almofadas em um canto (SANTOS, 1997). Ele pediu-lhe que procurasse prestar
atenção a cada uma das partes de seu corpo e tentasse relaxá-las. Após pediu-lhe que

105
UNIDADE IV │ CASOS CLÍNICOS

procurasse respirar livremente, deixando o ar entrar e sair de seus pulmões em um


movimento único: “como uma onda no mar, vai e volta”. Fernanda relatou estar se
sentindo bem como há muito tempo não se sentia.

Essa sessão mostrou outro aspecto da fase inicial de acolhimento que consiste em
utilizar-se de métodos que permitem o relaxamento corporal e consequentemente
da diminuição da ansiedade, esta, que por si só, já permite ao paciente obter melhor
percepção de seu quadro atual ampliando-lhe as possibilidades de solução da crise, pois
libera “energias” até então utilizadas nas defesas de um ego ameaçado pela própria crise.

Quarta sessão com Fernanda

De acordo com o terapeuta, a paciente disse que teve uma discussão muito esquisita
com a mãe, em que havia percebido ter sentido vários sentimentos antagônicos e
inexplicáveis como raiva, amor, desprezo, ressentimento, culpa e ansiedade. O terapeuta
propôs que ela se deitasse no mesmo local da sessão anterior e relembrasse com todos
os detalhes a discussão que teve com a mãe.

O terapeuta utilizou a técnica do psicodrama interno (desenvolvida por Fonseca Filho


1980/1987, 1988), com base em várias experiências terapêuticas (gestalt, bioenergética
etc.), partindo da cena 1, a briga com a mãe, e mergulhando em momentos passados na
infância de Fernanda, quando ao nove anos de idade, ela se viu privada da companhia
da mãe devido a separação dos pais e o fato de sua mãe ter apresentado na época e
nos anos seguintes forte depressão e por isso chegou a ser internada em um sanatório.
O ato de rever e reviver no interior de seu psiquismo o período que atribuiu como o
mais “negro” da sua vida trouxe Fernanda a oportunidade de sentir fortes emoções,
que a fizeram chorar muito durante quase toda a dramatização interna, chegando a
expressar a raiva que sentia pelo fato da mãe não ter cuidado dela.

Comentário sobre a sessão

O autor chama a atenção de que este tópico merece comentário especial visto que é na
capacidade resolutiva de uma psicoterapia breve, visto que a compreensão psicodinâmica
de Fernanda tornou-se possível nesta sessão na qual, por meio do “ato terapêutico”, a
paciente proporcionou-se a experiência emocional corretiva. O padrão comportamental
de ligação apresentado por Fernanda pode ser chamado de “autoconfiança compulsiva”,
de acordo com Bowbly (1982) apud Santos (1997):

Em vez de buscar o amor e os cuidados de outros, uma pessoa que


apresenta esse padrão insiste em aguentar firme e em fazer tudo

106
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE IV

por si mesma, sejam quais forem as condições [...]. Um padrão de


comportamento de ligação relacionado com a autoconfiança compulsiva
e de solicitude compulsiva.

O autor a ponta que nos casos como o de Fernanda, a pessoa se envolve em relações
íntimas, sempre no papel de dispensar cuidados, nunca recebê-los. Winnicott citado
por Bowlbly (1982) diz que indivíduos desse tipo desenvolveram um “falso eu” em que
a origem remonta à falta de cuidados maternos na infância em razão da experiência
típica de terem tido uma mãe que, devido à depressão ou outro impedimento, não pode
cuidar da criança, mas, em vez disso, aceitou de bom grado ser cuidada. Neste trabalho
de psicoterapia breve, Fernanda chegou e saiu fazendo prevalecer sua aparente “força
de ego”, determinando desde o contrato (foi ela quem estipulou o tempo para se tratar)
até o momento da alta.

Contudo, foi apenas após a sessão de relaxamento que Fernanda permitiu que fosse
atingido o ponto nodal de seu conflito, exprimindo, por meio do psicodrama interno,
toda sua raiva contra a mãe e ao, mesmo tempo, sua necessidade de amor e atenção,
reencontrando, sua verdadeira posição existencial. O psicodrama interno é a expressão
psicodramática do foco, pois parte do “aqui e agora” e permite ao terapeuta entrar
no mundo interno do paciente, revivendo cenas antigas em que se cristalizou todo
o comportamento atual do paciente. Em termos da teoria dos papéis, o que estava
acontecendo com Fernanda era a necessidade compulsiva de se utilizar do papel de
cuidadora da mãe em ao invés do papel que a realidade existencial exige, que é o de filha.

A partir dessa sessão, o terapeuta disse que Fernanda informou que algo tinha mudado
dentro dela e que passara a encarar a mãe com mais naturalidade. Ela referiu-se também
a “um estranho sentimento novo de ser apenas sua filha e não mais tão responsável por
ela que não podia viver sua própria vida”. Na quinta e sexta sessão foi dado continuidade
para manter foco sua relação com a mãe e as respostas desta à sua repentina mudança
de comportamento. Fernanda relatou várias “atuações” da mãe (inclusive um suposto
colapso cardíaco), apesar de que disse ter se distanciado disto, mesmo que tivesse tido
um certo grau de incômodo ao perceber o sofrimento manifestado pela mãe.

Por contrato inicial, eram para ocorrer oito sessões, mas Fernanda já se sentia apta a
viajar, resolveu marcar sua passagem, e depois de quatros semanas estaria viajando.
No final da terapia, tanto o terapeuta quando a paciente refletiram juntos sobre as
perspectivas de Fernanda na Europa, além de pensarem em situações hipotéticas
sobre seus sentimentos em relação à mãe que ficaria aqui no Brasil. Na última sessão,
o terapeuta/autor relata que Fernanda encerrou com a seguinte frase o processo
terapêutico: “Morar aqui ou na Europa, agora já não tem mais importância. Só que lá,
eu sei que vai ser muito mais gostoso!”
107
UNIDADE IV │ CASOS CLÍNICOS

Considerações do terapeuta sobre o processo da


Psicoterapia Breve de Fernanda

De acordo com Santos (1997), o caso clínico de Fernanda ilustra de maneira significativa
o processo de Psicoterapia Breve com um enfoque psicodramático, porque ele apresenta:

1. Quadro clínico sugestivo de situação reativa, com ansiedade em grau alto


despertada após a paciente ter se percebido de frente de uma situação
nova, de acordo com suas expectativas de vida, mas impedida de se
concretizar devido a fatores emocionais desconhecidos por ela até aquele
momento.

2. Boa estruturação egóica, com capacidade intelectual muito desenvolvida,


revelando possibilidade de introspecção e de insight. Correta apreensão
do mundo externo e seu equivalente introjetado, denotando capacidade
perspectiva preservada. Dificuldade em identificar e lidar com sentimentos
e emoções, demonstrando inclinação para insatisfação.

3. Estruturação psicodinâmica de ligação aparentemente simbiótica com


a mãe, enquadrando-se no padrão de comportamento descrito como de
“solicitude compulsiva”, o que levou a ter prejuízo no desenvolvimento
do papel de “filha”, substituindo-o papel de “prestadora de cuidados” em
que a interrupção gerava fortes sentimentos de culpa, encobrindo outros
mais primários, como o de raiva e de abandono.

4. A paciente tinha muita motivação para se submeter ao processo


psicoterápico, o que facilitou o envolvimento no método psicodramático
e permitiu a liberação das emoções bloqueadas e reorganização afetiva
(catarse de integração).

5. Evolução com êxito de todo o processo, o qual se realizou dentro do


prazo previsto de maneira que atingiu os objetivos determinados pelas
expectativas da paciente.

6. O autor declara que na fase final de (re)projetação, Fernanda foi capaz


de expressar com propriedade suas aspirações e ter pleno conhecimento
das possíveis variáveis na execução de seu trabalho no exterior, tendo,
principalmente, conseguido reorganizar sua estrutura familiar com o
eventual suporte para mãe, redimensionando a realidade dos fatos, ou
seja, “ninguém está livre de sofrer algum acidente ou incidente, mas eu
não posso ficar de plantão toda a vida esperando que isso aconteça!”.

108
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE IV

Observações

Santos (1997) afirma que nesse processo focal de Fernanda produziu apenas resultados
paliativos em termos de reformulação estrutural da personalidade. Sua estrutura de
“falso eu” (ou pseudoself) não foi trabalhada na extensão que nossa compreensão deste
fenômeno exige.

Para a paciente, dentro de seu nível de expectativa, essa abordagem executada foi
suficiente, mesmo que momentaneamente. Para um remodelamento da estrutura
caracterológica deficitária da paciente, apenas um processo prolongado de psicoterapia
poderia obter resultados mais consolidados.

Sobre o “nível de expectativa de Fernanda” em relação ao processo terapêutico


procurado, sabe-se que Fernanda não ficou curada, mas sua necessidade emergente e
foi encontrada uma solução para ela.

Portanto, fazer psicoterapia breve exige do terapeuta a capacidade de assimilar a


frustração, de não realizar um trabalho classicamente mais completo, porém, lhe
permite a satisfação de realizar um trabalho que atualmente que venho chamando de
“Psicoterapia de Resultados”.

Caso 2 – Transtorno de Personalidade


Borderline atendimento em Psicoterapia
Dinâmica Breve (PDB)

Relato do caso

Identificação e descrição geral do paciente

Cunha e Azevedo (2001) apresentaram o referido caso em um artigo científico e


apresentaram o caso de Batista (nomes do artigo são fictícios), 21 anos, mulato, brasileiro,
solteiro, cursava o terceiro grau, era prestador autônomo de serviços, de origem caótica.
O paciente tinha estatura e peso médios e se vestia com simplicidade.

Impressões iniciais

Os autores/terapeutas relatam que, na primeira sessão, o paciente chegou com uma


hora de atraso. Entrou na sala da psicoterapia, esperando a orientação do psicoterapeuta
sobre onde deveria sentar-se. Ele perguntou pela estagiária que o havia atendido na
triagem, preocupando-se com a possibilidade de ter que passar, ainda, para outro

109
UNIDADE IV │ CASOS CLÍNICOS

terapeuta. Após, ele disse que não se sentia a vontade e nunca havia feito terapia.
Após esclarecimentos sobre PDB e o contrato, passou a expressar-se melhor, Batista
apresentava bom nível de inteligência e falava sobre vários temas. Perguntou sobre
hipnose e o seu uso na terapia: falou de sua impulsividade e personalidade, ocorrendo
uma ideação paranoide. O terapeuta escutava-o com atenção e preocupação.

Queixa inicial e sintomas apresentados

Conforme Cunha e Azevedo (2001), o paciente apresentava as seguintes queixas: sentia-se


deprimido, caótico e um “vazio”; se agredia, se machucando, mudava de estado de
ânimo sem razão aparente; indecisão; falhas de memória e atenção; dificuldade em
lidar com perdas. O paciente procurava razão para todos esses sintomas.

Batista dizia que gostaria de não ser tão distraído e “sem memória”, porque tudo
isto prejudicava em sua vida. Comparou seu funcionamento cognitivo com o de um
computador, que quando tem muita memória ocupada, funciona devagar ao se apertar o
enter. Disse que talvez pudesse ter algo a ver com alguma memória antiga, algum trauma
etc. Suas fantasias de cura pareciam estar relacionadas a expectativas imediatistas de
melhoras de seus sintomas: gostaria de se submeter a uma hipnose ou queria ter uma
serra para abrir sua cabeça e ver o que o incomodava tanto.

Os autores informam que as ideações paranoides foram detectadas na primeira


entrevista, nos momentos em que o paciente dizia ter a impressão de que tinham
pessoas ouvindo-os atrás da porta ou olhando pela janela. O terapeuta informa que
ficou surpreendido com os sintomas e o sofrimento do paciente, ficando preocupado o
resto do dia e recorreu à supervisora e à sua terapeuta para lidar com suas angústias.

História pregressa e atual de Batista

O paciente relatou que era um menino que se considerava feliz até os 4 anos, quando
seus pais brigavam muito. Sua mãe, depois de trair seu pai, apanhou dele e foi expulsa
de casa. Disse que não conseguia sentir nada ao lembrar-se de tudo isso, mas pensava
que deveria sentir. Após esse fato, sua infância mudou para pior. Seu pai conheceu
outra mulher, que veio a ser sua madrasta.

Quando criança, ele tinha o costume de brincar com insetos mortos, que gostava
de enterrar. Também ajudava o pai no trabalho, para quem gostava de fazer muitas
perguntas. Batista era chamado de CDF pelos colegas da escola e ele odiava tal apelido.
Urinou na calça até certa idade e isso o fazia sentir inferior ao irmão. Nesta época, seu
pai penteava o seu cabelo com muita força, para que ele não fosse descriminado na
escola devido sua ascendência materna negra.

110
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE IV

Ele morava em uma cidade do litoral e trabalhava em uma discoteca. Quando falou
para a família que queria prestar o vestibular, não foi estimulado. Ele tinha problemas
de relacionamento com as pessoas e tinha falta de uma namorada. Há alguns anos, seu
pai sofreu um derrame e ficou com os membros paralisados.

Batista sentia-se deprimido queria ficar sozinho e imobilizado, parado, sem fazer nada.
Quando se sentia desse modo com os amigos, só escutava. Ele ficava irritado quando
lhe perguntavam sobre o motivo de seu estado psicológico; ele respondia que estava
cansado, com dor de cabeça, ou algo parecido. Gostava de fazer tudo por prazer. Às
vezes fazia gesto e sentia coisas estranhas: tremedeira, inquietude, sentimento de
caos e vazio, batia em sua própria cabeça ou plantava bananeira e perdia a noção do
passado e só tinha consciência do presente. Sentia-se inseguro e superficial. Cursava a
universidade e tinha uma namorada (Débora), há cerca de três anos.

Hipóteses de trabalho

1. Hipotéses diagnóstica: Transtorno de Personalidade Borderline. Os


critérios para esta patologia, de acordo com o Diagnóstico e Estatístico
dos Transtornos Mentais (DSM-IV, 1994/1995), pela APA, deve-se
considerar todos os aspectos do paciente (OMS,1992/1993).

2. Hipóteses Psicodinâmicas: a) dificuldade em elaborar o luta pela perda


da mãe; b) bloqueio da afetividade; c) dificuldade para verbalizar
experiências e desejos sexuais.

3. Foco: trabalhar o luto pela perda da mãe e o consequente bloqueio das


emoções.

4. Atendimentos propostos inicialmente: 25; prorrogação: 10; total: 35.

Evolução

Os autores informam que o paciente veio ao CPA por vontade própria. No início,
mostrava-se pouco cooperativo: atrasos e faltas aconteciam com frequência. Dizia às
vezes precisar de psicoterapia. O terapeuta sentiu dificuldade em lidar com resistência,
sentindo-se desvalorizado e até agredido. Pacientemente, este buscava monitorar a
contratransferência, evitando assim autuações da sua parte.

É importante que o psicoterapeuta fique alerta às manifestações de resistência do


paciente, para que esta possa ser trabalhada de maneira adequada na psicoterapia, no
sentido de ser neutralizada e dissolva. Diante dos atrasos e faltas do paciente, a postura
do terapeuta foi fundamental: combinou-se que se ele chegasse atrasado, perderia aquele

111
UNIDADE IV │ CASOS CLÍNICOS

tempo da terapia e se ele não viesse por algum motivo banal, não haveria reposição
da falta. Assim, os limites foram colocados claramente, reforçando-se o setting, o que
parece ter contribuído para a viabilização do atendimento ao paciente.

O primeiro objetivo psicoterapêutico foi conscientizar Batista sobre a sua necessidade


de atendimento e os benefícios que ele poderia ter com a psicoterapia. Após este objetivo
ter sido alcançado, o processo transcorreu melhor e, a cada sessão, o paciente mostrou-se
mais envolvido com o tratamento.

As expectativas imediatistas de cura do paciente foram trabalhadas e as intervenções


do psicoterapeuta baseavam-se na clarificação de que a psicoterapia não é como um
tratamento médico tradicional. É um processo, que se constrói com o passar do tempo,
em que reelaboram aspectos da vivência pessoal, e para alcançar o objetivo ela exige
esforço, paciência e empenho do paciente. A participação de Batista foi modificando-se,
desde o começo até o final da terapia. Em um processo lento e gradual, sua participação
e seu envolvimento no trabalho foram aumentando; o paciente foi “abrindo-se”,
soltando-se e colaborando com a psicoterapia.

O paciente demonstrou possuir boa capacidade de insight durante o processo psicoterápico


conforme Cunha e Azevedo (2001). Foi realizada uma hipótese interpretativa ao paciente
por meio da formulação de que o fato dele ter brincado de enterrar insetos mortos
durante a infância poderia estar ligado ao fato dele simbolicamente tentado elaborar o
luto por uma perda muito significativa de sua vida, provavelmente o da perda de sua mãe.
Batista disse: “cada vez que eu escuto e aprendo aqui, parece que vou usar no meu
dia-a-dia, como se fosse um manual e sobrevivência”.

Outra interpretação feita pelo psicoterapeuta, bem aceita e compreendida pelo paciente,
foi de que sua reação inicial ao ver este (depois de ter passado por rápido atendimento
por outra estagiária do sexo feminino, que fez a triagem) parecia ter relação com a
situação em que foi abandonado pela mãe, e viu-se sozinho com o pai, quem iria cuidar
dele a partir daquele momento. Observa-se que na primeira sessão, quando o paciente
perguntava coisas sobre a psicoterapia ao terapeuta, lembrou que gostava muito de
fazer perguntas também para seu pai, quando criança. O analista sentiu-se como pai,
que a partir daquele momento, deveria cuidar e preocupar-se com o filho abandonado.

Os autores apontam que a questão da ambivalência, sempre presente no discurso


do paciente, foi trabalhada também: ele me amava, mas odiava; ele queria, mas não
queria; ele gostava, mas não gostava; não sabia se era negro ou branco: “Eu sou sempre
indefinido... quando o assunto é raça, me incomoda: porque eu não sou nem preto nem
branco; psicologicamente, eu não sei quem sou”. Ele era mestiço, filho de uma mãe
negra e de um pai branco. A sua história de vida mostrava indícios de como isso foi

112
CASOS CLÍNICOS │ UNIDADE IV

construído. Sua mãe foi boa e carinhosa no início: (era o xodó dela e ela me defendia),
mas Batista também achava que ela foi má, por ter traído o pai e abandonado os filhos
(minha mãe aprontava com um vendedor que passava lá em casa, por isso fiquei do
lado do meu pai e é como se ela tivesse merecido, o que aconteceu). Seu pai foi mau, por
não ter perdoado sua mãe, expulsando-a de sua casa, e, ainda porque não tinha Batista,
como seu xodó; mas também foi muito bom, pois foi ele quem cuidou dos filhos.

O paciente apresentava em determinados momentos ideias confusas e lapsos de


memória, principalmente quando o assunto era um pouco mais delicado para ele:
“Onde é que eu estava? Ou Porque eu estava falando disto?”. O curso do pensamento
era interrompido e isto ocorria mais no início da terapia, ao falar do abandono da sua
mãe e/ou brigas com a namorada atual. Foi-lhe apontado que este bloqueio cognitivo
parecia estar ligado a uma defesa, ao lidar-se com situações e vivências difíceis de
suportar, intervenção esta que lhe trazia maior controle e permitia continuar a reflexão.
Também suas ideações paranoides vinham em momentos em que o paciente falava
sobre o assunto ansiogênico, porém, à medida que estas questões eram clarificadas, o
paciente voltava à realidade.

O artigo aponta que nos momentos mais complicados da vida de Batista que suas
“crises”, como ele comentou sobre tais episódios: “Tem a ver um pouco com a loucura:
você fazer o que tem vontade. Teve uma experiência que extrapolou, em uma discussão
com a Débora, não conseguimos nos entender; comecei a me bater. (...) Lidar com a
perda é muito problemático para mim... Parece que as coisas mais profundas vão
se revelando”.

As crises foram pesquisadas e pareciam vir em momentos em que Batista sentia


a iminência do retorno da vivência traumática infantil ligada ao abandono.
A “crise” seria a válvula de escape, a sua última defesa como forma de sobrevivência
emocional. Depois das 25 sessões, inicialmente propostas, em que foram trabalhadas
as características depressivas ligadas ao abandono da mãe, foram oferecidas mais dez
sessões, com objetivo de trabalhar melhor a separação e fim da terapia.

Fechamento do processo psicoterapêutico

O paciente verbalizou sobre as sessões:

É bom fazer terapia, pois nessas horas me sinto melhor. Agora sei quem
sou. Estou contente por ter passado um tempo e agora eu vir para cá,
sem ficar achando que não vale a pena. Antes, eu entendia menos o que
estava fazendo aqui. Você vai se descobrindo.’

113
UNIDADE IV │ CASOS CLÍNICOS

Segundo Cunha e Azevedo (2001), foi utilizada para a avaliação de término da


psicoterapia dinâmica breve, o Questionário de Avaliação Subjetiva – QAS (AZEVEDO,
1988) o qual foi complementado com a análise e dos comentários e das vivências do
paciente. O próprio percebeu melhoras em seus sintomas, relatando que aprendeu a
lidar com seus comportamentos, dificuldades e entendeu um pouco sobre suas causas
e problemas. Declarou sentir-se melhor do que antes da terapia e percebeu melhoras
em seu rendimento nas áreas: profissionais, familiar, amizade e cognitiva. Batista
despertou sua consciência sobre a relação existente entre acontecimentos passados e
sua vida atual, achando que não poderia ter dispensado a terapia. Outro dado obtido
por meio do QAS mostrou sua satisfação com atendimento e que, se fosse possível,
prolongaria a terapia.

Portanto, ao longo da psicoterapia, o paciente foi tomando consciência da sua patologia


e da necessidade de se submeter a um tratamento mais prolongado.

Os autores concluíram que o atendimento ao paciente borderline é desafiante, pois como


afirma Hegenberg (2000), o paciente borderline tem algo a nos ensinar, pois coloca
uma lente de aumento nos problemas humanos e sabe como ninguém o que é intangível
e assustador “nada”. Este paciente induz o profissional ao enfrentamento de suas
situações-limite, em que seus sentimentos vêm a tona de maneira intensa e particular,
proporcionando-lhe uma experiência clínica e de crescimento pessoal incomparável.

A análise deste caso, de acordo com Cunha e Azevedo (2001), veio confirmar a hipótese
de que é possível atender pacientes com transtorno de personalidade borderline com a
PDB. No caso de Batista:

1. a conscientização do paciente sobre sua patologia e necessidade de


tratamento;

2. elaboração da perda de sua mãe;

3. compreensão de alguns aspectos significativos de sua história de vida.

A diferença desta modalidade de atendimento aparenta estar relacionada ao estabelecimento


de objetivos terapêuticos relacionados com as possibilidades e os limites para cada
paciente. Ainda, os autores acreditam que outros estudos se fazem necessários para
esclarecer qual a natureza e a profundidade das mudanças proporcionadas pela PDB
a paciente bordeline, a fim de se delimitar mais especificamente quais as vantagens e
desvantagens da PDB para este tipo de patologia.

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Para Não Finalizar

“O psicoterapeuta não deve contentar-se em compreender o doente; é


importante que ele compreenda a si mesmo”
Carl Jung

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Referências

BAPTISTA, M. N.; DAHER, S. A. Investigação Comportamental-Cognitiva de


um caso clínico. Vol. 3, Setembro de 1998. Disponível em: <http://www.polbr.med.
br/ano98/mak.php>. Acesso em: 7/3/2017.

BECKER, L. (Org.). Psicologia para concursos e graduação: teoria e questões.


Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

CORDIOLI, A. V. Psicoterapias: abordagens atuais. 2 ed. Porto Alegre: Artes Médicas,


1998.

CUNHA, P.J.; AZEVEDO, M.A.S.B. de. Um Caso de Transtorno de Personalidade


Bordeline atendido em Psicoterapia Dinâmica Breve. Revista Psicologia: Teoria e
Pesquisa. Jan-abril 2001, vol.17 n. 1. pp. 5-11.

FADIMAN, J.; FRAGER, R. Teorias da personalidade. São Paulo: HARBRA, 1986.

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FILHO, A. Q. O. F.; VASCONCELOS, B. N. Dialogicidade e processo psicoterapêutico


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técnica. Tradução de Belinda Haber Mandelbaum. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1991.

Sites
<https://psicologando.com/abordagens/centrada-na-pessoa/experiência-de-tendencia-
atualizante-em-amputado-numa-perspectiva-fenomenologica@psicologando.com>

<https://www.ufrgs.br/psicopatologia/neurose_obsessiva/ana_zucatti.htm>

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