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VOZES PRESENTES NO

TEXTO
Les Demoiselles d’Avignon, Pablo Picasso
Canto IV
 Oh glória de mandar! Oh vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos fama!
Oh fraudulento gosto, que se atiça
Com uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho, e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
Camões. Os lusíadas. Lisboa, Imprensa Nacional, 1931. IV, 94.
 “O velho do Restelo”;
 O discurso do velho do Restelo está em oposição a
certas concepções dominantes na sociedade
portuguesa da época dos grandes descobrimentos,
expressas pelo discurso de exaltação da empresa
navegadora posta em marcha pela Coroa lusitana.
 As armas e os barões assinalados,
 Que da ocidental praia Lusitana,
 Por mares nunca dantes navegados,
 Passaram ainda além da Taprobana:
 Em perigos e guerras esforçados,
 Mais do que prometia a força humana;
 Entre gente remota edificaram
 Novo reino, que tanto sublimaram:
 E também as memórias gloriosas
 Daqueles Reis, que foram dilatando
 A Fé, o Império; e as terras viciosas
 De África, e de Ásia andaram devastando;
 E aqueles que por obras valerosas
 Se vão da lei da morte libertando;
 Cantando espalharei por toda parte,
 Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.
 Cessem do sábio Grego, e do Troiano
 As navegações grandes que fizeram,
 Cale-se de Alexandre e de Trajano
 A fama das vitórias que tiveram:
 Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
 A quem Netuno e Marte obedeceram:
 Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
 Que outro valor mais alto se alevanta.
 Camões, op. cit., I, 1-3.
 Oposição a esse ponto de vista que exalta a
expansão colonial portuguesa;
 Desmascaramento desse discurso que fala de altos
ideais,
 Diferentes perspectivas na sociedade sobre a
aventura ultramarina portuguesa e que elas estavam
em relação polêmica umas com as outras.
 Heterogeneidade constitutiva;
 Propriedade intrínseca de se constituir a partir de
outros textos;
 Todos os textos são atravessados, ocupados,
habitados pelo discurso do outro;
 Um texto remete a duas concepções diferentes:
aquela que ele defende e aquela em oposição à qual
ele se constrói;
 Sob as palavras de um discurso, há outras palavras,
outro discurso, outro ponto de vista social.
 Para constituir sua concepção sobre um dado tema,
o falante leva sempre em conta a de outro, que, de
certa forma, está, pois, também presente no
discurso construído.
 Essa heterogeneidade, isto é, esses dois pontos de
vista, não está marcada no fio do discurso, as duas
perspectivas em oposição não estão mostradas no
interior do texto;
 Nossa memória discursiva leva-nos a perceber que
um texto se constrói nessa relação polêmica;
 Quando lemos um texto a favor da abolição da
escravatura, percebemos que ele só pode ter
surgido numa formação social em que há discursos
a favor da escravatura; um discurso antirracista só
pode constituir-se numa sociedade em que existe
um discurso racista; um discurso feminista só pode
ser gerado num tempo em que existe um discurso
machista;
 Esses pontos de vista são sociais, são as posições divergentes
que se estabelecem numa dada sociedade sobre uma
determinada questão;
 Como uma sociedade é sempre dividida em grupos sociais
com interesses divergentes, não há uma perspectiva única
sobre uma dada questão;
 Os indivíduos, em seus textos, defendem uma ou outra
posição gerada no interior da sociedade em que vivem; O
discurso é sempre a arena em que lutam esses pontos de vista
em oposição, entre os quais um pode ser dominante, isto é,
pode contar com a adesão de um número maior de pessoas;
 Um discurso é sempre, pois, a materialização de
uma maneira social de considerar uma questão.
 Ao longo da história de uma sociedade,
estabelecem-se esses pontos de vista contraditórios;
 Por isso, os discursos estão em relação polêmica
uns com os outros. Nesse sentido, todo discurso
 é histórico.

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