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Sonetos de Luís de Camões 

 
1

I * 

Enquanto quis Fortuna que tivesse  


Esperança de algum contentamento, 
O gosto de um suave pensamento  
Me fez que seus versos escrevesse. 

Porém, temendo Amor que aviso desse  


Minha escritura a algum juízo isento,  
Escureceu-me o engenho co tormento,  
Para que seus enganos não dissesse. 
Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos  
A diversas vontades! Quando lerdes  
Num breve livro casos tão diversos, 

Verdades puras são, e não defeitos...  


E sabei que, segundo o amor tiverdes,  
Tereis o entendimento de meus versos!  

II 

Eu cantarei de amor tão docemente,  


Por uns termos em si tão concertados, 
Que dois mil acidentes namorados  
Faça sentir ao peito que não sente. 

Farei que Amor a todos avivente,  


Pintando mil segredos delicados,  
Brandas iras, suspiros magoados, 
Temerosa ousadia, e pena, ausente.  

Também, Senhora, do desprezo honesto  


De vossa vista branda e rigorosa, 
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.  

Porém para cantar de vosso gesto 


A composição alta e milagrosa,  
Aqui falta saber, engenho, e arte. 
 

III 

Com grandes esperanças já cantei,  


Com que os deuses no Olimpo conquistara; 
Depois vim a chorar porque cantara,  
E agora choro já porque chorei. 

Se cuido nas passadas que já dei,  


 
2

Custa-me esta lembrança só tão cara,  


Que a dor de ver as mágoas que passara,  
Tenho por a mor mágoa que passei. 

Pois logo, se está claro que um tormento  


Dá causa que outro na alma se acrescente, 
Já nunca posso ter contentamento.  

Mas esta fantasia se me mente? 


Oh ocioso e cego pensamento!  
Ainda eu imagino em ser contente? 

IV 

Depois que quis Amor que eu só passasse  


Quanto mal já por muitos repartiu,  
Entregou-me à Fortuna, porque viu 
Que não tinha mais mal que em mim mostrasse.  

Ela, porque do Amor se avantajasse 


r eduziu, 
Na pena a que ele só me reduziu,
O que para ninguém se consentiu,  
in ventasse. 
Para mim consentiu que se inventasse.

Eis-me aqui vou com vário som gritando,  


Copioso exemplário para a gente  
Que destes dois tiranos é sujeita;  

Desvarios em versos concertando. 


Triste quem seu descanso tanto estreita,  
Que deste tão pequeno está contente!  
 

Em prisões baixas fui um tempo atado; 


Vergonhoso castigo de meus erros:  
Inda agora arrojando levo os ferros,  
Que a morte, a meu pesar, tem já quebrado.  

Sacrifiquei a vida a meu cuidado,  


 
3

Que Amor não quer cordeiros nem bezerros;


b ezerros; 
Vi mágoas, vi misérias, vi desterros:  
Parece-me que estava assi ordenado. 

Contentei-me com pouco, conhecendo  


Que era o contentamento vergonhoso,  
Só por ver que coisa era viver ledo. 

Mas minha Estrela, que eu já agora entendo, 


duvid oso 
A Morte cega, e o Caso duvidoso
Me fizeram de gostos haver medo. 

VI 

Ilustre e digno ramo dos Meneses,  


Aos quais o providente e largo Céu 
(Que errar não sabe) em dote concedeu, 
Rompessem os Maométicos arneses;  

Desprezando a Fortuna e seus reveses,  


mov eu; 
Ide para onde o Fado vos moveu;
Erguei flamas no mar alto Eritreu,  
E serei nova luz aos Portugueses.  

Oprimi com tão firme e forte peito  


O Pirata insolente, que se espante 
E trema Taprobana e Gedrosia.  

Dai nova causa à cor do Arabo Estreito;  


Assim que o Roxo mar, daqui em diante  
O seja só com sangue de Turquia.  
 

VII 

No tempo que de amor viver soía, 


Nem sempre andava ao remo ferrolhado;  
Antes agora livre, agora atado,  
Em várias flamas variamente ardia.  

Que ardesse n'um só fogo não queria  


 
4

O Céu porque tivesse experimentado  


Que nem mudar as causas ao cuidado 
Mudança na ventura me faria.  

E se algum pouco tempo andava isento, 


Foi como quem co'o peso descansou  
Por tornar a cansar com mais alento.  

Louvado seja Amor em meu tormento, 


Pois para passatempo seu tomou 
Este meu tão cansado sofrimento!  

VIII 

Amor, que o gesto humano na alma


al ma escreve, 
Vivas faíscas me mostrou um dia,  
Donde um puro cristal se derretia 
Por entre vivas rosas a alva neve.  

A vista, que em si mesma não se atreve, 


Por se certificar do que ali via,  
Foi convertida em fonte, que fazia 
A dor ao sofrimento doce e leve.  

Jura Amor, que brandura de vontade  


Causa o primeiro efeito; o pensamento  
Endoidece, se cuida que é verdade.  

Olhai como Amor gera, em um momento,  


De lágrimas de honesta piedade 
Lágrimas de imortal contentamento. 
 

IX * 
IX *

Tanto de meu estado me acho incerto, 


Que em vivo ardor tremendo estou de frio;  
Sem causa, juntamente choro e rio, 
O mundo todo abarco, e nada aperto. 

É tudo quanto sinto um desconcerto:  


 
5

Da alma um fogo me sai, da vista um rio;  


Agora espero, agora desconfio;  
Agora desvario, agora acerto.  

Estando em terra, chego ao céu voando; 


Num' hora acho mil anos, e é de jeito 
Que em mil anos não posso achar um' hora.  

Se me pergunta alguém porque assim ando, 


Respondo que não sei; porém suspeito  
S enhora. 
Que só porque vos vi, minha Senhora.

Transforma-se o amador na cousa amada,  


Por virtude do muito imaginar; 
Não tenho logo mais que desejar,  
Pois em mim tenho a parte desejada.  

Se nela está minha alma transformada,  


Que mais deseja o corpo de alcançar? 
Em si somente pode descansar,  
Pois com ele tal alma está liada.  

Mas esta linda e pura semideia, 


Que como o acidente em seu sujeito, 
Assim co'a alma minha se conforma,  

Está no pensamento como ideia; 


E o vivo e puro amor de que sou feito, 
Como a matéria simples busca a forma.  
 

XI 

Passo por meus trabalhos tão isento  


De sentimento grande nem pequeno,  
Que só por a vontade com que peno 
Me fica Amor devendo mais tormento.  

Mas vai-me Amor matando tanto a tento,  


 
6

Temperando a triaga c'o veneno, 


Que do penar a ordem desordeno,  
Porque não mo consente o sofrimento. 

Porém se esta fineza o Amor sente  


E pagar-me meu mal com mal pretende,  
Torna-me com prazer como ao sol neve.  

Mas se me vê co'os males tão contente, 


Faz-se avaro da pena, porque entende  
Que quanto mais me paga, mais me deve.  

XII 

Em flor vos arrancou, de então crescida,  


(Ah Senhor Dom António!) a dura sorte  
Donde fazendo andava o braço forte  
A fama dos antigos esquecida. 

Uma só razão tenho conhecida 


Com que tamanha mágoa se conforte:  
mor te, 
Que se no Mundo havia honrada morte,
Não podíeis vós ter mais larga vida.  

Se meus humildes versos podem tanto  


ar te, 
Que co'o desejo meu se iguale a arte,
Especial matéria me sereis.  

E celebrado em triste e longo canto, 


Se morrestes nas mãos do fero Marte, 
Na memória das gentes vivereis. 
 

XIII 

Num jardim adornado de verdura, 


Que esmaltavam por cima várias flores,  
Entrou um dia a deusa dos amores, 
Com a deusa da caça e da espessura. 

Diana tomou logo ũa rosa pura,  


 
7

Vénus um roxo lírio, dos melhores;


melh ores; 
Mas excediam muito às outras flores  
As violas na graça e formosura.  

Perguntam a Cupido, que ali estava,  


Qual de aquelas três flores tomaria  
Por mais suave e pura, e mais formosa.  

Sorrindo-se o menino lhes tornava: 


Todas formosas são; mas eu queria 
Viola antes que lírio, nem que rosa. 

XIV 

Todo animal da calma repousava,  


Só Liso o ardor dela não sentia;  
ardi a, 
Que o repouso do fogo, em que ele ardia,
Consistia na Ninfa que buscava. 

Os montes parecia que abalava 


O triste som das mágoas que dizia:  
Mas nada o duro peito comovia,  
Que na vontade de outro posto estava.  

Cansado já de andar pela espessura, 


No tronco de uma faia, por lembrança  
Escreve estas palavras de tristeza:  

Nunca ponha ninguém sua esperança  


Em peito feminil, que de natura  
Somente em ser mudável tem firmeza.  
 

XV  * 
XV *

Busque Amor novas artes, novo engenho  


Para matar-me, e novas esquivanças;  
Que não pode tirar-me as esperanças, 
Que mal me tirará o que eu não tenho.  

Olhai de que esperanças me mantenho! 


 
8

Vede que perigosas seguranças!  


Pois não temo contrastes nem mudanças, 
Andando em bravo mar, perdido o lenho.  

Mas conquanto não pode haver desgosto  


Onde esperança falta, lá me esconde 
Amor um mal, que mata e não se vê.  

Que dias há que na alma me tem posto  


Um não sei quê, que nasce não sei onde;  
Vem não sei como; e dói não sei porquê.  

XVI 

Q uem
uem vê, Senhora, claro e manifesto  
O lindo ser de vossos olhos belos,  
Se não perder a vista só com vê-los, 
Já não paga o que deve a vosso gesto. 

Este me parecia preço honesto; 


Mas eu, por de vantagem merecê-los, 
Dei mais a vida e alma por querê-los;  
Donde já me não fica mais de resto. 

Assim que Alma, que vida, que esperança,  


t udo vosso: 
E que quanto for meu, é tudo
Mas de tudo o interesse eu só o levo. 

Porque é tamanha bem-aventurança  


O dar-vos quanto tenho, e quanto posso,  
Que quanto mais vos pago, mais vos devo.  
 

XVII 

Q uando
uando da bela vista e doce riso 
Tomando estão meus olhos mantimento, 
Tão elevado sinto o pensamento, 
Que me faz ver na terra o Paraíso.  

Tanto do bem humano estou diviso,  


 
9
Que qualquer outro bem julgo por vento: 
Assim que em termo tal, segundo sento,  
Pouco vem a fazer quem perde o siso. 

Em louvar-vos, Senhora, não me fundo; 


Porque quem vossas graças claro sente, 
Sentirá que não pode conhecê-las.  

Pois de tanta estranheza sois ao mundo, 


Que não é de estranhar, dama excelente, 
Que quem vos fez, fizesse céu e estrelas.  

XVIII 

Doces lembranças da passada glória, 


Que me tirou fortuna roubadora,  
Deixai-me descansar em paz uma hora,  
Que comigo ganhais pouca vitória. 

Impressa tenho na alma larga história  


Deste passado bem, que nunca fora;  
Ou fora, e não passara: mas já agora  
Em mim não pode haver mais que a memória.  

Vivo em lembranças, morro de esquecido  


De quem sempre devera ser lembrado,  
Se lhe lembrara estado tão contente. 

Oh quem tornar pudera a ser nascido!  


Soubera-me lograr do bem passado, 
Se conhecer soubera o mal presente.  
 

XIX 

Alma minha gentil, que te partiste  


Tão cedo desta vida descontente,  
Repousa lá no Céu eternamente, 
E viva eu cá na terra sempre triste.  

Se lá no assento Etéreo, onde subiste,  


 
10
Memória desta vida se consente, 
Não te esqueças daquele amor ardente,  
Que já nos olhos meus tão puro viste.  

E se vires que pode merecer-te 


Algũa cousa a dor que me ficou 
Da mágoa, sem remédio, de perder-te, 

Roga a Deus, que teus anos encurtou,  


Que tão cedo de cá me leve a ver-te, 
Quão cedo de meus olhos te levou.  

XX 

Num bosque, que das Ninfas se habitava,  


Sibela, Ninfa linda, andava um dia;  
E subida nũa árvore sombria, 
As amarelas flores apanhava.  

Cupido, que ali sempre costumava  


A vir passar a sesta à sombra fria,  
Num ramo arco e setas, que trazia,  
Antes que adormecesse, pendurava. 

A Ninfa, como idóneo tempo vira  


Para tamanha empresa, não dilata; 
Mas com as armas foge ao moço esquivo. 

As setas traz nos olhos, com que tira. 


Ó pastores! fugi, que a todos mata, 
Senão a mim, que de matar-me vivo.  
 

XXI 

Os reinos e os impérios poderosos,  


Que em grandeza no mundo mais cresceram, 
Ou por valor de esforço floresceram,  
Ou por varões nas letras espantosos.  

Teve Grécia Temístocles; famosos, 


 
11
Os Cipiões a Roma engrandeceram; 
Doze Pares a França glória deram;  
belic osos. 
Cides a Espanha, e Laras belicosos.

Ao nosso Portugal, que agora vemos  


Tão diferente de seu ser primeiro, 
Os vossos deram honra e liberdade. 

E em vós, grão sucessor e novo herdeiro  


Do Braganção estado, há mil extremos  
i dade. 
Iguais ao sangue e mores que a idade.

XXII 

De vós me parto, ó vida, e em tal mudança 


Sinto vivo da morte o sentimento.  
Não sei para que é ter contentamento, 
Se mais há-de perder quem mais alcança!  

Mas dou-vos esta firme segurança: 


Que, posto que me mate o meu tormento, 
Pelas águas do eterno esquecimento  
Segura passará minha lembrança.  

Antes sem vós meus olhos se entristeçam,  


Que com cousa outra alguma se contentem: 
Antes os esqueçais, que vos esqueçam. 

Antes nesta lembrança se atormentem,  


Que com esquecimento desmereçam  
A glória que em sofrer tal pena sentem.  
 

XXIII 

Cara minha inimiga, em cuja mão  


Pôs meus contentamentos a ventura, 
Faltou-te a ti na terra sepultura,  
Por que me falte a mim consolação.  

Eternamente as águas lograrão  


 
12
A tua peregrina formosura:  
Mas enquanto me a mim a vida dura,  
Sempre viva em minha alma te acharão.  

E, se meus rudos versos podem tanto,  


Que possam prometer-te longa história  
Daquele amor tão puro e verdadeiro, 

Celebrada serás sempre em meu canto:  


Porque, enquanto no mundo houver memória,  
Será a minha escritura o teu letreiro.  

XXIV 

Aquela triste e leda madrugada,  


Cheia toda de mágoa e de piedade, 
Enquanto houver no mundo saudade,  
Quero que seja sempre celebrada.  

Ela só, quando amena e marchetada  


Saía, dando à terra claridade,  
Viu apartar-se de uma outra vontade,  
Que nunca poderá ver-se apartada. 

Ela só viu as lágrimas em fio,  


Que de uns e de outros olhos derivadas, 
Juntando-se, formaram largo rio. 

Ela ouviu as palavras magoadas  


Que puderam tornar o fogo frio  
E dar descanso às almas condenadas.  
 

XXV 

Se quando vos perdi, minha esperança,  


A memória perdera juntamente  
p resente, 
Do doce bem passado e mal presente,
Pouco sentira a dor de tal mudança.  

Mas Amor, em quem tinha confiança,  


 
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Me representa mui miudamente 
Quantas vezes me vi ledo e contente, 
Por me tirar a vida esta lembrança.  

De cousas de que apenas um sinal  


Havia, porque as dei ao esquecimento, 
Me vejo com memórias perseguido. 

Ah dura estrela minha! Ah grão tormento!  


Que mal pode ser mor, que no meu mal  
Ter lembranças do bem que é já passado? 

XXVI 

Em formosa Leteia se confia,  


Por onde vaidade tanta alcança,  
Que, tornada em soberba e confiança, 
Com os deuses celestes competia.  

Por que não fosse avante esta ousadia, 


(Que nascem muitos erros da tardança)  
Em efeito puseram a vingança  
Que tamanha doudice merecia.  

Mas Oleno, perdido por Leteia,  


Não lhe sofrendo Amor que suportasse  
Duro castigo em tanta formosura,  

Quis a pena tomar da culpa alheia.  


Mas, por que a morte Amor não apartasse,  
Ambos tornados são em pedra dura. 
 

XXVII 

Males, que contra mim vos conjurastes, 


Quanto há-de durar tão duro intento? 
Se dura, por que dure meu tormento,  
Baste-vos quanto já me atormentastes.  

Mas se assim porfiais, porque cuidastes  


 
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Derribar o meu alto pensamento, 
Mais pode a causa dele, em que o sustento, 
Que vós, que dela mesma o ser tomastes. 

E pois vossa tenção com minha morte  


É de acabar o mal destes amores,  
Dai já fim a tormento tão comprido.  

Assim de ambos contente será a sorte: 


Em vós por acabar-me, vencedores, 
Em mim porque acabei de vós vencido. 

XXVIII 

Está-se a Primavera trasladando 


Em vossa vista deleitosa e honesta; 
Nas belas faces, e na boca e testa, 
Cecéns, rosas, e cravos debuxando.  

De sorte, vosso gesto matizando,  


Natura quanto pode manifesta,  
Que o monte, o campo, o rio, e a floresta,  
Se estão de vós, Senhora, namorando.  

Se agora não quereis que quem vos ama  


flo res, 
Possa colher o fruto destas flores,
Perderão toda a graça os vossos olhos. 

Porque pouco aproveita, linda Dama,  


a mores, 
Que semeasse o Amor em vós amores,
Se vossa condição produz abrolhos.  
 

XXIX 

Sete anos de pastor Jacob servia 


Labão, pai de Raquel, serrana bela;  
Mas não servia ao pai, servia a ela,  
Que a ela só por prémio pretendia.  

Os dias na esperança de um só dia  


 
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Passava, contentando-se com vê-la; 
Porém o pai, usando de cautela, 
Em lugar de Raquel lhe deu Lia. 

Vendo o triste pastor que com enganos  


Assim lhe era negada a sua pastora, 
Como se a não tivera merecida;  

Começou a servir outros sete anos, 


Dizendo: − Mais servira, senão fora 
Para tão longo amor tão curta a vida.  

XXX 

Está o lascivo e doce passarinho 


Com o biquinho as penas ordenando,  
O verso sem medida, alegre e brando, 
Despedindo no rústico raminho.  

O cruel caçador, que do caminho  


Se vem calado e manso desviando, 
Com pronta vista a seta endireitando,  
Lhe dá no Estígio Lago eterno ninho.  

Desta arte o coração, que livre andava,  


(Posto que já de longe destinado)  
Onde menos temia, foi ferido. 

Porque o Frecheiro cego me esperava,  


Para que me tomasse descuidado, 
Em vossos claros olhos escondido.  
 

XXXI 

Pede o desejo, Dama, que vos veja:  


Não entende o que pede; está enganado.  
É este amor tão fino e tão delgado,  
Que quem o tem não sabe o que deseja.  

Não há cousa, a qual natural seja, 


 
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Que não queira perpétuo o seu estado.  
Não quer logo o desejo o desejado,  
Só por que nunca falte onde sobeja. 

Mas este puro afecto em mim se dana: 


Que, como a grave pedra tem por arte  
O centro desejar da natureza, 

Assim meu pensamento, pela parte 


Que vai tomar de mim, terrestre e humana,  
Foi, Senhora, pedir esta baixeza. 

XXXII 

Porque quereis, Senhora, que ofereça 


A vida a tanto mal como padeço?  
Se vos nasce do pouco que eu mereço,  
Bem por nascer está quem vos mereça. 

Entendei que por muito que vos peça, 


Poderei merecer quanto vos peço;  
Pois não consente Amor que em baixo preço 
Tão alto pensamento se conheça.  

Assim que a paga igual de minhas dores 


Com nada se restaura, mas deveis-ma  
Por ser capaz de tantos desfavores.  

E se o valor de vossos amadores 


Houver de ser igual convosco mesma,  
Vós só convosco mesma andai de amores. 
 

XXXIII 

Se tanta pena tenho merecida 


Em pago de sofrer tantas durezas, 
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,  
Que aqui tendes ũa alma oferecida. 

Nela experimentai, se sois servida, 


 
17
Desprezos, desfavores e asperezas,  
Que mores sofrimentos e firmezas  
Sustentarei na guerra desta vida. 

Mas contra vossos olhos quais serão?  


É preciso que tudo se lhes renda,  
Mas porei por escudo o coração. 

Porque, em tão dura e áspera contenda, 


É bem que, pois não acho defensão,  
Com meter-me nas lanças me defenda.  

 * 
XXXIV *
XXXIV

Q uando
uando o Sol encoberto vai mostrando  
Ao mundo a luz quieta e duvidosa, 
Ao longo de ũa praia deleitosa 
Vou na minha inimiga imaginando.  

Aqui a vi, os cabelos concertando; 


Ali, co'a mão na face tão, formosa;  
Aqui falando alegre, ali cuidosa;  
Agora estando queda, agora andando. 

Aqui esteve sentada, ali me viu, 


Erguendo aqueles olhos, tão isentos;  
Aqui movida um pouco, ali segura. 

Aqui se entristeceu, ali se riu.


 
E, enfim, nestes cansados pensamentos  
Passo esta vida vã, que sempre dura. 
 

XXXV 

Um mover de olhos, brando e piedoso,  


br ando e honesto,  
Sem ver de quê; um riso brando
Quase forçado; um doce e humilde gesto,  
De qualquer alegria duvidoso;  

Um despejo quieto e vergonhoso;  


 
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Um repouso gravíssimo e modesto;  
Uma pura bondade, manifesto 
Indício da alma, limpo e gracioso;  

Um encolhido ousar; uma brandura;  


Um medo sem ter culpa; um ar sereno;  
Um longo e obediente sofrimento;  

Esta foi a celeste formosura  


Da minha Circe, e o mágico veneno 
Que pôde transformar meu pensamento. 

XXXVI 

Tomou-me vossa vista soberana 


Aonde tinha as armas mais à mão,  
Por mostrar a quem busca defensão 
Contra esses belos olhos, que se engana.  

Por ficar da vitória mais ufana, 


Deixou-me armar primeiro da razão; 
Bem salvar-me cuidei, mas foi em vão,  
Que contra o Céu não vale defensa humana. 

Contudo, se vos tinha prometido 


O vosso alto destino esta vitória,  
Ser-vos ela bem pouco está entendido.  

Pois, inda que eu me achasse apercebido,  


Não levais de vencer-me grande glória, 
Eu a levo maior de ser vencido.  
 

XXXVII 

− Não passes, caminhante! −  Quem me chama? 


− Ũa memória nova e nunca ouvida, 
De um que trocou finita e humana vida  
Por divina, infinita e clara fama. 

− Quem é que tão gentil louvor derrama?  


 
19
− Quem derramar seu sangue não duvida 
Por seguir a bandeira esclarecida  
De um capitão de Cristo, que mais ama.  

− Ditoso fim, ditoso sacrifício,  


j untamente! 
Que a Deus se fez e ao mundo juntamente!
Apregoando direi tão alta sorte.  

− Mais poderás contar a toda a gente  


Que sempre deu na vida claro indício 
De vir a merecer tão santa morte.  

XXXVIII 

Formosos olhos, que na idade nossa


Mostrais do Céu certíssimos sinais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.  

Vereis que do viver me desapossa


Aquele riso com que a vida dais;
Vereis como de Amor não quero mais,
Por mais que o tempo corra, o dano possa.  

E se ver-vos nesta alma, enfim, quiserdes,


Como num claro espelho, ali vereis
Também a vossa, angélica e serena.  

Mas eu cuido que, só por me não verdes,


Ver-vos em mim, Senhora, não quereis:
Tanto gosto levais de minha pena! 
 

XXXIX 

O fogo que na branda cera ardia,


Vendo o rosto gentil, que eu na alma vejo,
Se acendeu de outro fogo do desejo
Por alcançar a luz que vence o dia.  

Como de dois ardores se incendia,


 
20
Da grande impaciência fez despejo,
E, remetendo com furor sobejo,
Vos foi beijar na parte onde se via. 

Ditosa aquela flama que se atreve


A apagar seus ardores e tormentos
Na vista a quem o sol temores deve! 

Namoram-se, Senhora, os Elementos


De vós, e queima o fogo aquela neve
Que queima corações e pensamentos.  

XL 

Alegres campos, verdes arvoredos,  


Claras e frescas águas de cristal,  
Que em vós os debuxais ao natural, 
Discorrendo da altura dos rochedos;  

Silvestres montes, ásperos penedos  


Compostos de concerto desigual;  
Sabei que, sem licença de meu mal, 
Já não podeis fazer meus olhos ledos.  

E pois já me não vedes como vistes, 


Não me alegrem verduras deleitosas, 
Nem águas que correndo alegres vêm.  

Semearei em vós lembranças tristes, 


Regar-vos-ei com lágrimas saudosas, 
E nascerão saudades de meu bem.  
 

XLI 

Q uantas
uantas vezes do fuso se esquecia  
Daliana, banhando o lindo seio, 
Outras tantas de um áspero receio 
Salteado Laurénio a cor perdia.  

Ela, que a Sílvio mais que a si queria,  


 
21
Para podê-lo ver não tinha meio.  
Ora como curara o mal alheio  
Quem o seu mal tão mal curar podia?  

Ele, que viu tão clara esta verdade,  


Com soluços dizia (que a espessura  
Inclinavam, de mágoa, a piedade):  

Como pode a desordem da natura 


Fazer tão diferentes na vontade  
Aos que fez tão conformes na ventura?  

XLII 

Lindo e subtil trançado, que ficaste  


Em penhor do remédio que mereço,  
Se só contigo, vendo-te, endoudeço, 
Que fora co'os cabelos que apertaste? 

Aquelas tranças de ouro que ligaste,  


Que os raios de sol têm em pouco preço,  
Não sei se para engano do que peço,  
Ou para me matar as desataste.  

Lindo trançado, em minhas mãos te vejo,  


E por satisfação de minhas dores,  
Como quem não tem outra, hei-de tomar-te.  

E se não for contente o meu desejo,  


Dir-lhe-ei que, nesta regra dos amores,  
Por o todo também se toma a parte.  
 

XLIII 

O cisne, quando sente ser chegada 


A hora que põe termo à sua vida, 
Harmonia maior, com voz sentida, 
Levanta pela praia inabitada. 

Deseja lograr vida prolongada, 


 
22
E dela está chorando a despedida; 
Com grande saudade da partida, 
Celebra o triste fim desta jornada.  

Assim, Senhora minha, quando eu via  


O triste fim que davam meus amores,  
Estando posto já no extremo fio, 

Com mais suave acento de harmonia  


Descantei pelos vossos desfavores 
La vuestra falsa fe y el amor mio.  

XLIV 

Pelos raros extremos que mostrou 


Em sábia Palas, Vénus em formosa,  
Diana em casta, Juno em animosa,  
África, Europa e Ásia as adorou.  

Aquele saber grande que juntou  


Espírito e corpo em liga generosa, 
Esta mundana máquina lustrosa  
De só quatro elementos fabricou. 

Mas fez maior milagre a natureza  


Em vós, Senhoras, pondo em cada ũa  
O que por todas quatro repartiu.  

A vós seu resplendor deu Sol e Lũa:  


A vós com viva luz, graça e pureza, 
Ar, Fogo, Terra e Água vos serviu.  
 

XLV 

Tomava Daliana por vingança  


Da culpa do pastor que tanto amava,  
Casar com Gil vaqueiro; e em si vingava  
O erro alheio e pérfida esquivança.  

A discrição segura, a confiança 


 
23
Das rosas que o seu rosto debuxava,  
O descontentamento lhas mudava, 
Que tudo muda ũa áspera mudança. 

Gentil planta disposta em seca terra,  


Lindo fruto de dura mão colhido, 
Lembranças de outro amor e fé perjura,  

Tornaram verde prado em dura serra;  


Interesse enganoso, amor fingido,  
Fizeram desditosa a formosura.  

XLVI 

Grão tempo há já que soube da Ventura 


A vida que me tinha destinada, 
Que a longa experiência da passada  
Me dava claro indício da futura.  

Amor fero e cruel, Fortuna escura,  


Bem tendes vossa força exprimentada;  
Assolai, destruí, não fique nada; 
Vingai-vos desta vida, que inda dura. 

Soube Amor da Ventura que a não tinha, 


E por que mais sentisse a falta dela,  
De imagens impossíveis me mantinha. 

Mas vós, Senhora, pois que minha estrela  


Não foi melhor, vivei nesta alma minha,  
Que não tem a Fortuna poder nela. 
 

XLVII 

Se somente hora alguma em vós piedade  


De tão longo tormento se sentira, 
Amor sofrera, mal que eu me partira  
De vossos olhos, minha saudade.  

Apartei-me de vós, mas a vontade,  


 
24
Que por o natural na alma vos tira,  
Me faz crer que esta ausência é de mentira; 
Porém venho a provar que é de verdade.  

Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento  


Lágrimas tristes tomarão vingança 
Nos olhos de quem fostes mantimento.  

Desta arte darei vida a meu tormento,  


Que, enfim, cá me achará minha lembrança  
Sepultado no vosso esquecimento. 

XLVIII 

Oh como se me alonga de ano em ano 


A peregrinação cansada minha!  
Como se encurta, e como ao fim caminha  
Este meu breve e vão discurso humano! 

Minguando a idade vai, crescendo o dano; 


Perdeu-se-me um remédio, que inda tinha; 
Se por experiência se adivinha, 
Qualquer grande esperança é grande engano.  

Corro após este bem que não se alcança;  


No meio do caminho me falece;  
Mil vezes caio, e perco a confiança. 

Quando ele foge, eu tardo; e na tardança, 


i nda aparece,  
Se os olhos ergo a ver se inda
De vista se me perde, e da esperança.  
 

XLIX 

Já é tempo, já, que minha confiança 


Se desça duma falsa opinião; 
Mas Amor não se rege por razão, 
Não posso perder, logo, a esperança.  

A vida sim, que uma áspera mudança 


 
25
Não deixa viver tanto um coração.  
E eu só na morte tenho a salvação?  
Sim, mas quem a deseja não a alcança.  

Forçado é logo que eu espere e viva.  


q ue não consente 
Ah dura lei de Amor, que
Quietação num'alma que é cativa!  

Se hei-de viver, enfim, forçadamente,  


Para que quero a glória fugitiva  
Duma esperança vã que me atormente?  

Amor, co'a esperança já perdida 


Teu soberano templo visitei; 
Por sinal do naufrágio que passei, 
Em lugar dos vestidos, pus a vida. 

d estruída 
Que mais queres de mim, pois destruída
Me tens a glória toda que alcancei? 
Não cuides de render-me, que não sei  
Tornar a entrar onde não há saída.  

Vês aqui vida, alma e esperança,  


Doces despojos de meu bem passado, 
Enquanto o quis aquela que eu adoro.  

Nelas podes tomar de mim vingança;  


E se te queres ainda mais vingado, 
Contenta-te co'as lágrimas que choro.  
 

LI 

Apolo e as nove Musas, descantando  


Com a dourada lira, me influíam 
Na suave harmonia que faziam,  
Quando tomei a pena, começando: 

Ditoso seja o dia e hora, quando 


 
26
Tão delicados olhos me feriam!  
Ditosos os sentidos que sentiam  
Estar-se em seu desejo traspassando!  

Assim cantava, quando Amor virou  


A roda à esperança, que corria  
Tão ligeira, que quase era invisível. 

Converteu-se-me em noite o claro dia;  


E, se alguma esperança me ficou, 
Será de maior mal, se for possível. 

LII 

Lembranças saudosas, se cuidais 


De me acabar a vida neste estado, 
Não vivo com meu mal tão enganado,  
Que não espere dele muito mais. 

De longo tempo já me costumais  


A viver de algum bem desesperado:  
Já tenho co'a Fortuna concertado  
De sofrer os tormentos que me dais.  

Atada ao remo tenho a paciência  


Para quantos desgostos der a vida;  
Cuide quanto quiser o pensamento.  

r esistência 
Que pois não posso ter mais resistência
Para tão dura queda, de subida, 
Aparar-lhe-ei debaixo o sofrimento.  
 

LIII 

Apartava-se Nise de Montano, 


Em cuja alma, partindo-se, ficava, 
Que o pastor na memória a debuxava,  
Por poder sustentar-se deste engano.  

Por ũa praia do Índico Oceano  


 
27
Sobre o curvo cajado se encostava,  
E os olhos pelas águas alongava,  
Que pouco se doíam de seu dano.  

Pois com tamanha mágoa e saudade, 


(Dizia) quis deixar-me a que eu adoro, 
Por testemunhas tomo céu e estrelas.  

pi edade, 
Mas se em vós, ondas, mora piedade,
Levai também as lágrimas que choro,  
Pois assim me levais a causa delas.  

LIV 

Q uando
uando vejo que meu destino ordena  
Que, por me experimentar, de vós me aparte,  
Deixando de meu bem tão grande parte, 
Que a mesma culpa fica grave pena,  

O duro desfavor, que me condena,  


Quando pela memória se reparte, 
Endurece os sentidos de tal arte  
Que a dor da ausência fica mais pequena.  

Mas como pode ser que na mudança  


Daquilo que mais quero, estê tão fora
De me não apartar também da vida?  

Eu refrearei tão áspera esquivança,  


Porque mais sentirei partir, Senhora,  
Sem sentir muito a pena da partida.  
 

LV 

Depois de tantos dias mal gastados,  


Depois de tantas noites mal dormidas, 
Depois de tantas lágrimas vertidas,  
Tantos suspiros vãos vãmente dados, 

Como não sois vós já desenganados,  


 
28
Desejos, que de cousas esquecidas  
Quereis remediar mortais feridas, 
Que amor fez sem remédio, o tempo, os Fados? 

Se não tivéreis já longa exp'riência  


Das sem-razões de Amor a quem servistes, 
Fraqueza fora em vós a resistência.  

mal es vistes, 
Mas pois por vosso mal seus males
Que o tempo não curou, nem larga ausência, 
Qual bem dele esperais, desejos tristes?  

LVI 

Náiades, vós que os rios habitais  


Que os saudosos campos vão regando,  
De meus olhos vereis estar manando 
Outros que quase aos vossos são iguais.  

Dríades, que com seta sempre andais 


Os fugitivos cervos derribando, 
Outros olhos vereis, que triunfando 
Derribam corações, que valem mais.  

Deixai logo as aljavas e águas frias,  


E vinde, Ninfas belas, se quereis,  
A ver como de uns olhos nascem mágoas. 

Notareis como em vão passam os dias;  


Mas em vão não vireis, porque achareis  
Nos seus as setas, e nos meus as águas.  
 

LVII 

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,  


Muda-se o ser, muda-se a confiança: 
Todo o mundo é composto de mudança,  
Tomando sempre novas qualidades.  

Continuamente vemos novidades,  


 
29
Diferentes em tudo da esperança:  
Do mal ficam as mágoas na lembrança,  
E do bem (se algum houve) as saudades.  

O tempo cobre o chão de verde manto, 


Que já coberto foi de neve fria, 
E em mim converte em choro o doce canto.  

E afora este mudar-se cada dia,  


Outra mudança faz de mor espanto,  
Que não se muda já como soía. 

LVIII 

Se as penas com que Amor tão mal me trata  


Permitirem que eu tanto viva delas,  
Que veja escuro o lume das estrelas,  
Em cuja vista o meu se acende e mata;  

E se o tempo, que tudo desbarata,  


Secar as frescas rosas, sem colhê-las, 
Deixando a linda cor das tranças belas  
Mudada de ouro fino em fina prata;  

Também, Senhora, então vereis mudado 


O pensamento e a aspereza vossa,  
Quando não sirva já sua mudança.  

Ver-vos-eis suspirar por o passado, 


Em tempo quando executar-se possa  
No vosso arrepender minha vingança. 
 

LIX * 
LIX *

Q uem
uem jaz no grão sepulcro, que descreve  
Tão ilustres sinais no forte escudo? 
t udo; 
Ninguém, que nisso, enfim, se torna tudo;
Mas foi quem tudo pôde e quem tudo teve. 

Foi Rei? Fez tudo quanto a Rei deve: 


 
30
Pôs na guerra e na paz devido estudo.  
Mas quão pesado foi ao Mouro rudo,  
Tanto lhe seja agora a terra leve.  

Alexandre será? Ninguém se engane:  


Mais que o adquirir, o sustentar estima.  
Será Adriano grão senhor do mundo?  

Mais observante foi da Lei de cima.  


É Numa? Numa não, mas é Joane  
De Portugal Terceiro sem Segundo. 

LX 

Q uem
uem pode livre ser, gentil Senhora, 
Vendo-vos com juízo sossegado, 
Se o Menino, que de olhos é privado,  
Nas Meninas dos vossos olhos mora?  

Ali manda, ali reina, ali namora, 


Ali vive das gentes venerado;  
Que vivo lume, e o rosto delicado, 
Imagens são adonde Amor se adora. 

Quem vê que em branca neve nascem rosas  


Que crespos fios de ouro vão cercando?  
Se por entre esta luz a vista passa, 

Raios de ouro verá, que as duvidosas 


Almas estão no peito traspassando, 
Assim como um cristal o Sol traspassa.  
 

LXI * 
LXI *

Como fizeste, ó Porcia, tal ferida? 


ferida? (1) 
Foi voluntária, ou foi por inocência?  
É que Amor fazer só quis experiência 
Se podia eu sofrer, tirar-me a vida?  

E com teu próprio sangue te convida 


 
31
A que faças à morte resistência?  
É que costume faço da paciência, 
Porque o temor morrer me não impida.  

Pois porque estás comendo com fogo ardente,  


Se a ferro te costumas? É que ordena 
Amor que morra, e pene juntamente. 

E tens a dor do ferro por pequena? 


Si, que a dor costumada não se sente, 
E não quero eu a morte sem a pena. 

 * 
LXII *
LXII

De tão divino acento em voz humana,  


De elegâncias que são tão peregrinas,  
Sei bem que minhas obras não são dignas,  
Que o rudo engenho meu me desengana.  

Porém da vossa pena ilustre mana  


Licor que vence as águas Cabalinas; 
E convosco do Tejo as flores finas 
Farão inveja à cópia Mantuana.  

E pois a vós, de si não sendo avaras,  


As filhas de Mnemósine fermosa  
Partes dadas vos têm ao mundo claras;  

A minha Musa, e a vossa tão famosa,  


Ambas se podem nele chamar raras, 
invejosa. (1) 
A vossa de alta, a minha de invejosa. 
 

 * 
LXIII *
LXIII

Debaixo desta pedra está metido, 


Das sanguinosas armas descansado,  
O Capitão ilustre, e assinalado,  
esclarecido.  (1) 
Dom Fernando de Castro, e esclarecido. 

Este por todo o Oriente tão metido,  


 
Este da própria inveja tão cantado,   32

Este, enfim, raio de Mavorte irado,  


Aqui está agora em terra convertido.  

Alegra-te, ó guerreira Lusitânia,  


Por est'outro Viriato que criaste,  
E chora a perda sua eternamente. 

Exemplo toma nisto de Dardânia;  


Que se a Roma com ele aniquilaste, 
Nem por isso Cartago está contente. 

 * 
LXIV *
LXIV

Q ue
ue vençais no Oriente tantos Reis,  
Que de novo nos deis da Índia o Estado, 
Que escureçais a fama que hão ganhado 
Aqueles que a ganharam de infiéis;  

Que vencidas tenhais da morte as leis, 


E que vencêsseis tudo, enfim, armado,  
Mais é vencer na Pátria, desarmado,  
Os monstros e as Quimeras que venceis.  

Sobre vencerdes, pois, tanto inimigo,  


s em segundo 
E por armas fazer que sem
No mundo o vosso nome ouvido seja;  

O que vos dá mais fama inda no mundo,  


É vencerdes, Senhor, no Reino amigo,  
Tantas ingratidões, tão grande inveja.  
 

LXV 

Vossos olhos, Senhora, que competem 


Com o Sol em beleza e claridade,  
Enchem os meus de tal suavidade, 
Que em lágrimas de vê-los se derretem.  

Meus sentidos prostrados se submetem  


Assim cegos a tanta majestade;  33
 
E da triste prisão, da escuridade, 
Cheios de medo, por fugir remetem.  

Porém se então me vedes por acerto, 


Esse áspero desprezo com que olhais  
Me torna a animar a alma enfraquecida.  

Oh gentil cura! Oh estranho desconcerto!  


Que dareis c' um favor que vós não dais, 
Quando com um desprezo me dais vida? 

LXVI 

Formosura do Céu a nós descida,  


Que nenhum coração deixas isento,  
Satisfazendo a todo pensamento, 
Sem que sejas de algum bem entendida; 

Qual língua pode haver tão atrevida,  


Que tenha de louvar-te atrevimento, 
Pois a parte melhor do entendimento, 
No menos que em ti há se vê perdida? 

Se em teu valor contemplo a menor parte,  


Vendo que abre na terra um paraíso, 
Logo o engenho me falta, o espírito míngua. 

Mas o que mais me impede inda louvar-te,  


É que quando te vejo perco a língua, 
E quando não te vejo perco o siso.  
 

LXVII 

Pois meus olhos não cansam de chorar 


Tristezas não cansadas de cansar-me; 
Pois não se abranda o fogo em que abrasar-me  
Pôde quem eu jamais pude abrandar; 

m e guiar 
Não canse o cego Amor de me
Donde nunca de lá possa tornar-me;  34
 
Nem deixe o mundo todo de escutar-me, 
Enquanto a fraca voz me não deixar.  

prado s, e se em vales  
E se em montes, se em prados,
Piedade mora alguma, algum amor  
Em feras, plantas, aves, pedras, águas;  

Ouçam a longa história de meus males,  


E curem sua dor com minha dor;  
Que grandes mágoas podem curar mágoas.  

LXVIII 

Dai-
ai-me querer -vos, 
me ũa lei, Senhora, de querer-vos,
Porque a guarde sob pena de enojar-vos;  
Pois a fé que me obriga a tanto amar-vos  
Fará que fique em lei de obedecer-vos. 

Tudo me defendei, senão só ver-vos  


E dentro na minha alma contemplar-vos;  
Que se assim não chegar a contentar-vos, 
Ao menos nunca chegue a aborrecer-vos.  

E se essa condição cruel e esquiva  


Que me deis lei de vida não consente, 
Dai-ma, Senhora, já, seja de morte. 

q ue viva, 
Se nem essa me dais, é bem que
Sem saber como vivo, tristemente;  
Mas contente estarei com minha sorte.  
 

LXIX 

Ferido sem ter cura perecia 


temido (1) 
O forte e duro Télefo temido 
Por aquele que na água foi metido, 
E a quem ferro nenhum cortar podia.  

Quando a apolíneo Oráculo pedia 


Conselho para ser restituído,  35
 
Respondeu-lhe, tornasse a ser ferido  
Por quem o já ferira, e sararia.  

Assi, Senhora, quer minha ventura, 


Que ferido de ver-vos claramente, 
Com tornar-vos a ver Amor me cura.  

Mas é tão doce vossa formosura, 


Que fico como o hidrópico doente,  
Que bebendo lhe cresce mor secura.  

LXX 

Na metade do Céu subido ardia 


O claro, almo Pastor, quando deixavam  
O verde pasto as cabras, e buscavam 
A frescura suave da água fria.  

Com a folha das árvores, sombria,  


Do raio ardente as aves se amparavam;  
O módulo cantar, de que cessavam, 
Só nas roucas cigarras se sentia. 

Quando Liso Pastor, num campo verde, 


Natércia, crua Ninfa, só buscava  
Com mil suspiros tristes que derrama.  

Porque te vás de quem por ti se perde,  


Para quem pouco te ama? (suspirava)
a ma.    
E o eco lhe responde: Pouco te ama.
 

LXXI 

Já a roxa e clara Aurora destoucava  


Os seus cabelos de ouro delicados,  
E das flores os campos esmaltados 
Com cristalino orvalho borrifava;  

Quando o formoso gado se espalhava  


De Sílvio e de Laurente pelos prados;
pr ados;  36
 
Pastores ambos, e ambos apartados 
De quem o mesmo Amor não se apartava.  

Com verdadeiras lágrimas, Laurente, 


− Não sei − dizia − ó Ninfa delicada, 
Porque não morre já quem vive ausente, 

Pois a vida sem ti não presta nada.  


Responde Sílvio: − Amor não o consente, 
Que ofende as esperanças da tornada.  

LXXII 

Q uando
uando de minhas mágoas a comprida 
Maginação os olhos me adormece,  
Em sonhos aquela alma me aparece,  
Que para mi foi sonho nesta vida.  

Lá numa soidade, onde estendida  


A vista por o campo desfalece, 
Corro após ela; e ela então parece  
Que mais de mi se alonga, compelida.  

Brado: − Não me fujais, sombra benina. −  


Ela (os olhos em mi c'um brando pejo, 
Como quem diz que já não pode ser) 

Torna a fugir-me;
fugir-me; torno a bradar: − Dina ... 
Dina...
E antes que diga mene
mene,, acordo, e vejo
Que nem um breve engano posso ter.  
 

LXXIII 

Suspiros inflamados que cantais 


A tristeza com que eu vivi tão tedo;  
Eu morro e não vos levo, porque hei medo  
Que ao passar do Leteo vos percais.  

Escritos para sempre já ficais  


Onde vos mostrarão todos co'o dedo,   37
 
Como exemplo de males; e eu concedo 
Que para aviso de outros estejais.  

Em quem, pois, virdes largas esperanças  


De Amor e da Fortuna (cujos danos 
Alguns terão por bem-aventuranças), 

Dizei-lhe que os servistes muitos anos,  


E que em Fortuna tudo são mudanças, 
E que em Amor não há senão enganos. 

LXXIV 

Aquela fera humana que enriquece 


A sua presunçosa tirania  
Destas minhas entranhas, onde cria  
Amor um mal que falta quando cresce;  

Se nela o Céu mostrou (como parece) 


Quanto mostrar ao mundo pretendia, 
Porque de minha vida se injuria?  
Porque de minha morte se enobrece?  

Ora, enfim, sublimai vossa vitória, 


Senhora, com vencer-me e cativar-me;  
Fazei dela no mundo larga história.  

Pois, por mais que vos veja atormentar-me,  


Já me fico logrando desta glória
 
De ver que tendes tanta de matar-me.  
 

LXXV 

Ditoso seja aquele que somente 


Se queixa de amorosas esquivanças;  
Pois por elas não perde as esperanças  
De poder nalgum tempo ser contente.  

Ditoso seja quem estando ausente  


Não sente mais que a pena das lembranças;   38
 
Porqu'inda que se tema de mudanças,  
Menos se teme a dor quando se sente.  

Ditoso seja, enfim, qualquer estado,  


Onde enganos, desprezos e isenção 
Trazem um coração atormentado. 

Mas triste quem se sente magoado 


De erros em que não pode haver perdão  
Sem ficar na alma a mágoa do pecado.  

LXXVI 

Q uem
uem fosse acompanhando juntamente  
Por esses verdes campos a avezinha, 
Que despois de perder um bem que tinha,  
Não sabe mais que cousa é ser contente! 

E quem fosse apartando-se da gente,  


Ela por companheira e por vizinha,  
Me ajudasse a chorar a pena minha, 
E eu a ela também a que ela sente!  

Ditosa ave! que ao menos, se a natura 


A seu primeiro bem não dá segundo, 
Dá-lhe o ser triste a seu contentamento. 

Mas triste quem de longe quis ventura  

Que para
E para respirar
tudo, enfim,lhe
lhefalte
falteo ovento,
mundo!   
 

LXXVII 

O culto divinal se celebrava 


No templo donde toda criatura  
Louva o Feitor divino, que a feitura  
Com seu sagrado sangue restaurava. 

Amor ali, que o tempo me aguardava  


Onde a vontade tinha mais segura,  39
 
Com uma rara e angélica figura  
A vista da razão me salteava.  

Eu crendo que o lugar me defendia  


De seu livre costume, não sabendo  
Que nenhum confiado lhe fugia,  

Deixei-me cativar; mas hoje vendo, 


Senhora, que por vosso me queria,  
Do tempo que fui livre me arrependo. 

LXXVIII 

Leda serenidade deleitosa,  


Que representa em terra um paraíso;  
Entre rubis e perlas, doce riso, 
Debaixo de ouro e neve, cor-de-rosa;  

Presença moderada e graciosa, 


Onde ensinando estão despejo e siso  
Que se pode por arte e por aviso,  
Como por natureza, ser formosa;  

Fala de que ou já vida, ou morte pende, 


Rara e suave, enfim, Senhora, vossa, 
Repouso na alegria comedido:  

Estas as armas são com que me rende  

EDespojar-me
me cativa Amor; masde
da glória não que possa
rendido
rendido..    
(1)
 

LXXIX 

Bem sei, Amor, que é certo o que receio; 


Mas tu, porque com isso mais te apuras, 
De manhoso, mo negas, e mo juras  
t e creio. 
Nesse teu arco de ouro; e eu te

A mão tenho metida no meu seio, 


E não vejo os meus danos às escuras;   40
 
Porém porfias tanto e me asseguras, 
q ue me enleio.  
Que me digo que minto, e que

Nem somente consinto neste engano,  


Mas inda to agradeço, e a mim me nego  
Tudo o que vejo e sinto de meu dano. 

Oh poderoso mal a que me entrego! 


Que no meio do justo desengano  
Me possa inda cegar um moço cego? 

LXXX 

Como quando do mar tempestuoso  


O marinheiro todo trabalhado, 
De um naufrágio cruel saindo a nado, 
Só de ouvir falar nele está medroso;  

Firme jura que o vê-lo bonançoso 


Do seu lar o não tire sossegado; 
Mas esquecido já do horror passado,  
Dele a fiar se torna cobiçoso; 

Assi, Senhora, eu que da tormenta  


De vossa vista fujo, por salvar-me,  
Jurando de não mais em outra ver-me;  

Com a alma que de vós nunca se ausenta, 

Me torno,
Onde por
estive tãocobiça
pertode
deganhar-me,
perder-me.  
 

LXXXI 

Amor é um fogo que arde sem se ver;


É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

ÉÉ um
um não querer
andar mais
solitário que abem
entre querer;
gente;
41
 
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;


É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor


Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

CXCIII

Erros meus, má Fortuna, Amor ardente  


Em minha perdição se conjuraram;  
Os erros e a Fortuna sobejaram, 
Que para mim bastava Amor somente.  

Tudo passei; mas tenho tão presente  


A grande dor das cousas que passaram,  
Que já as frequências suas me ensinaram 
A desejos deixar de ser contente.  

Errei todo o discurso de meus anos;  


Dei causa a que a Fortuna castigasse 

As minhas mal fundadas esperanças.  


De Amor não vi senão breves enganos. 
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse  
Este meu duro Génio de vinganças!  
 

 * 
CXCIV *
CXCIV

Cá nesta Babilónia, donde mana 


Matéria a quanto mal o mundo cria;  
Cá, onde o puro Amor não tem valia,  
Que a Mãe, que manda mais, tudo profana; 

Cá, onde o mal se afina, o bem se dana,  


E pode mais que a honra a tirania;   42
 
Cá, onde a errada e cega Monarquia  
Cuida que um nome vão a Deus engana;  

Cá, neste labirinto, onde a Nobreza, 


O Valor e o Saber pedindo vão 
Às portas da Cobiça e da Vileza; 

Cá, neste escuro caos de confusão,  


Cumprindo o curso estou da natureza. 
Vê se me esquecerei de ti, Sião!  

dia em que nasci moura e pereça,


Não o queira jamais o tempo dar;    
O
Não torne mais ao mundo, e, se tornar, 
Eclipse nesse passo o sol padeça.  

A luz lhe falte, o sol se [lhe] escureça,  


Mostre o mundo sinais de se acabar; 
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar, 
A mãe ao próprio filho não conheça.  

As pessoas pasmadas, de ignorantes,  


As lágrimas no rosto, a cor perdida,  
Cuidem que o mundo já se destruiu.  

Ó gente temerosa, não te espantes,  


Que este dia deitou ao mundo a vida 

Mais desgraçada que jamais se viu. 


 

Linhas de Leitura 
Enquanto quis Fortuna 

1.  Assunto
Assunto:: Enquanto o destino (Fortuna
(Fortuna)) permitiu que alimentasse a esperança de alguma
felicidade, o poeta dedicou-se a escrever os efeitos da mesma, naturalmente em versos
amorosos. Porém, o Amor
Amor,, temendo que seus enganos fossem divulgados, secou-lhe a 43
 
inspiração. Assim, aqueles a quem o Amor
Amor sujeita
 sujeita às suas insconstâncias, mesmo que, em tais
versos, leiam casos tão diferentes (quiçá contraditórios), deverão considerá-los verdades puras,
e não o contrário, sendo que as compreenderão tanto melhor, quanto mais larga for a sua
experiência amorosa. 
2.  Estrutura interna bipartida:
   parte, constituída pelas quadras.  
1ª parte,
  Esta 1.ª parte está, igualmente, subdividida: na primeira quadra, observamos
o papel coadjuvante do destino (Fortuna
( Fortuna)) e, na segunda, confrontamo-nos
com o carácter oponente do Amor
Amor (nome
 (nome também atribuído a Cupido, filho
de Vénus). 
  Note-se que a transição da primeira para a segunda quadra é feita através do
conector (conjunção) adversativo "porém
"porém",", o que, desde logo, antecipa a
adversidade nela contida. 

  2ª parte,
aosparte , constituída
caprichos do Amor,pelos tercetos,
adverte paraem que o poeta,
p oeta, de
a autenticidade apostrofando
seus versos,oscujo
que se sujeitam
entendimento será tanto melhor quanto maior a experiência (porventura dolorosa) do
mesmo amor. 
3.  A estrutura interna bipartida também se faz notar ao nível da progressão das formas verbais:
nas quadras, o tempo dominante é o pretérito perfeito do indicativo, que nos dá conta das
posições assumidas por cada uma das entidades ("quis ("quis"" (Fortuna); "fez
"fez"" (o gosto de um suave
pensamento); "escureceu
"escureceu-me"
-me" (Amor)); nos tercetos, a par do presente do indicativo ("obriga(" obriga";
";
"são
são")
") e do futuro imperfeito do conjuntivo ("lerdes
(" lerdes";
"; "tiverdes
"tiverdes"),
"), sobressaem o imperativo
("
("sabei
sabei")
") e o futuro do indicativo ("tereis
("tereis"),
"), associados à apóstrofe utilizada ("Ó vós"). 
(" Ó vós").
4.  Algumas figuras de estilo: anástrofe
anástrofe (vv.
 (vv. 1, 4, 5, 8, 11, 12); hipérbato
hipérbato   (vv. 5/6); metonímia
metonímia (v.
 (v. 5
(Amor, o Cupido, tomado pelo próprio sentimento do amor); antítese
antítese (estabelecida
 (estabelecida entre a
atitude adjuvante da Fortuna
Fortuna,, na primeira quadra, e a de oponente, por parte do Amor
Amor,, na
segunda); apóstrofe  (v. 9). 
apóstrofe (v.

Manuel Maria 

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Tanto de meu estado me acho incerto 

1.  Segundo Manuel de Faria e Sousa, em Rimas Várias de Luís de Camões (1685), este soneto de
Camões é uma imitação do soneto 105 de Petrarca: Pace non trovo, e non ho da far guerra (Paz
guerra (Paz
não encontro e não quadra a guerra (trad. de Esther de Lemos)). Em Luís de Camões − O Lírico ,
Hernâni Cidade testemunha o seguinte: «No soneto de Petrarca, sente-se um comprazimento
maior no esmiuçar do tema. [...] o soneto de Camões ganha certamente em naturalidade de
sentimento e porventura em fluência de expressão.»  
2.  Estrutura interna bipartida:
 

   1ª parte,
parte, constituída pelas duas quadras e pelo primeiro terceto, em que o poeta,
através de uma sequência de antíteses,
antít eses, desenvolve o tema anunciado logo no
primeiro verso, dando-nos conta de todost odos os sintomas de que se reveste o "estado
incerto" em que se encontra (V. 1), reiterado pelo "desconcerto" confessado no início
da segunda quadra. 
   2ª parte,
parte, constituída pelo último terceto, em que o poeta, de certa forma, desfaz a
ambivalência de seu estado, já que, se, por um lado, confessa que desconhece a rrazão azão
por que assim anda, por outro, afirma suspeitar que é só porque viu a amada.  
  
Talvez sejanocurioso
"alguém" notar
verso 12, que,por
acaba se osePoeta
dirigirutiliza
a um oTupronome
, emboraindefinido
Tu, na forma do
44
 
apóstrofe:: "minha Senhora" (v. 14).  
plural ("vos"), utilizando mesmo uma apóstrofe
3.  Autores há que se inclinam para a inclusão deste soneto na esfera do pl
platonismo.
atonismo. Penso ser
razoável ser-se mais prudente em relação a tal inclinação, já que, tal como acontece noutros
exemplos, Camões se mostra dividido entre o que é requerido pelo espírito e o que é exigido
pelo corpo. Se prevalecesse, de uma forma categórica, o amor platónico, não se justificariam
alguns paradoxos nem o trocadilho que o Poeta faz com o tempo cronológico e psicológico: se
está uma hora sem ver a amada, parece-lhe mil anos (v. 10), e é de tal jeito, que, em mil anos
que vivesse ou esperasse, não acharia uma hora de a ver, de estar com ela. É esta uma razão do
corpo, que não da alma. 
4.  Algumas figuras de estilo: anástrofe
anástrofe (vv.
 (vv. 1/2 (Tanto me acho incerto de meu estado, que em
vivo ardor estou tremendo de frio), 4 (abarco o mundo todo), 5 (tudo quanto sinto é um
desconcerto), 6 (um fogo me sai da alma, um rio, da vista), 10/11 (acho mil anos num'hora, e é
de jeito que não posso achar um'hora em mil anos)); antítese
antítese (vv.
 (vv. 2/4; 6/8, 9, 13); apóstrofe
13);  apóstrofe (v.
 (v.
14); hipérbole
hipérbole (vv.
 (vv. 4, 6); metáfora
6); metáfora (vv.
 (vv. 2, 5, 9); paralelismo
9); paralelismo e anáfora
 anáfora (vv.
 (vv. 7/8); quiasmo
quiasmo (vv.
 (vv.
10/11). 

Manuel Maria 

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Busque Amor novas artes, novo engenho 

1.  Assunto
Assunto:: O sujeito poético afirma que Amor poderá tentar novos subterfúgios para o matar,
mas não poderá roubar-lhe as esperanças, uma vez que já as não tem.  
2.  Estrutura interna bipartida:
   Na 1ª
Na 1ª parte,
parte, constituída pelas duas quadras, o poeta, depois de ter enunciado o tema
do soneto na primeira, envereda por um processo reiterativo na segunda,
evidenciando os seus argumentos através das antífrases, carregadas
ca rregadas de ironia,
presentes nos versos 5 e 6: não se mantém
man tém de quaisquer esperanças, porque as nã nãoo
tem, tal como não sente qualquer
qua lquer segurança, uma vez que, se a sentisse, seria
perigosa, porque efémera, inconstante. Assim, despojado de qualquer esperança, não
teme contrastes nem mudanças, mesmo que se sinta como náufrago no conturbado
mar de Amor. A desgraça já não pode ser maior, se mais nenhum bem se espera.  
   Na 2ª
Na 2ª parte,
parte, constituída pelos tercetos, o poeta antecipa uma espécie de contra-
argumentação (embora pareça ilógica e incompreensível) que, desde logo, se antevê,
uma vez que somos confrontados com o articulador adversativo Mas Mas,, seguido de um
enunciado concessivo (conquanto
(conquanto não pode haver desgosto / Onde esperança falta):
falta ): é
que, apesar disso, Amor esconde um mal que mata ( Busque Amor novas artes, novo
engenho, / Pera matar-me (vv.1/2)) e não se vê. Não se vê e, por isso, é "um nã
não o sei
quê": "um não sei quê" que não sabe onde nasce (v. 13), que não sabe como vem (v.
 

14), e que dói sem saber porquê (v. 14). Tudo isto, provavelmente, por estar
despojado de qualquer esperança, como afirmara anteriormente.  
   Talvez seja curioso observar já indícios das contradições que vão ser
enumeradas no soneto 
soneto  Amor ver . 
Amor é um fogo que arde sem se ver 

3.  Convém notar que, na lírica camoniana, e, por vezes, num mesmo poema, nos aparece a
palavra "amor" grafada de duas maneiras: com minúscula ( amor
amor)) e com maiúscula (Amor
(Amor).
).
Sempre que ocorre esta última grafia, estamos perante um outro nome de Cupido, filho de
Vénus, que, deste modo, surge como metonímia do sentimento do amor.  
45
4.  Algumas figuras de estilo: anáfora
anáfora (vv.
 (vv. 3/4, 7, 12) anástrofe
12) anástrofe (vv.
 (vv. 2, 12/13); imagem
imagem (v.
 (v. 8); ironia
8); ironia    
(vv. 5/6); metáfora
5/6); metáfora (v.
 (v. 8); metonímia
8); metonímia (v.
 (v. 1 ( Amor 
 Amor ))); paradoxo  (vv. 11, 13/14).  
); paradoxo (vv.

Manuel Maria 

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Quando o Sol encoberto vai mostrando 

1.  Assunto
Assunto:: Passeando por uma praia, à luz do crepúsculo, o poeta recorda a amada, a quem
chama "inimiga" (v. 4). 
   A hora do crepúsculo é-nos sugerida pela expressão "Luz quieta e duvidosa"  (v.2).
 (v.2).
"Quieta", talvez por os raios solares não serem tão violentos àquela hora, e "duvidosa"
por ser o momento em que começa a anunciar-se a chegada da noite.  
2.  Estrutura interna tripartida: 
   1.ª parte,
parte, constituída pela primeira quadra, na qual o sujeito poético nos dá conta do
assunto do soneto. 
   2.ª parte,
parte, constituída pela segunda quadra, pelo primeiro terceto e pelo primeiro
verso do segundo terceto. Nesta segunda parte, o sujeito poético, como quem executa
uma sequência de disparos de uma máquina fotográfica, vai-nos mostrando o modo
como recorda a sua amada. De salientar as imagens antitéticas que vai obtendo
(atitude dinâmica (v. 5) / atitude estática (v. 6); alegre
alegre /
 / cuidosa
cuidosa (v.
 (v. 7); queda
queda / /
andando (v.
andando  (v. 8); (co)movida
(co)movida /
 / segura
segura (tranquila,
 (tranquila, serena) (v. 11); entristeceu
entristeceu / riu (v. 12)). 
 / riu (v.
   Nota: suspeito que os advérbios aqui  e
Nota:  e ali , que servem, de forma eloquente,
este jogo de antíteses, mais do que deícticos
deícti cos de lugar, possam ser locuções
disjuntivas com carácter temporal (ora
( ora...
... ora
 ora),
), tal como acontece no verso 8
(agora... agora). 
   3.ª parte,
parte, constituída pelos dois últimos versos, em forma de conclusão, dando-nos
conta de que é "nestes cansados pensamentos"  que que passa a "vida vã que sempre
dura" . 
   Nota: o articulador enfim não só serve para nos introduzir a conclusão, como
Nota:
também para nos sugerir uma certa resignação por parte do sujeito poético
em relação à vida que leva longe da pessoa amada. 
3.   (v. 3) 
"Ao longo de ũa praia deleitosa"  (v.

   Segundo Manuel de Faria e Sousa, em Rimas Várias de Luís de Camões (1685), será


uma alusão a Ceuta, local onde se encontrava quando escreveu aa Elegia
 Elegia II, sobre
II, sobre o
mesmo assunto, utilizando a expressão "Ao longo dũa praia saudosa" . 
4.  "Vou na minha inimiga imaginando"  (v.
 (v. 4) 
 

   Se, por um lado, há quem advogue que o tratamento de inimiga


de inimiga se
 se deve ao sofrimento
que a amada provoca no sujeito poético, por outro ,
outro , há quem defenda que tal mais não
soneto  XXIII. 
passava de um mimo dirigido à amada, tal como acontece no soneto XXIII.
5.  "Aqui falando alegre, ali cuidosa"  (v.
 (v. 7) 
   Cuidosa é o estado de quem, pensativo, se encontra em cuidados.  

6.  "Erguendo aqueles olhos, tão isentos"  


  
Isentos tem o sentido de despreocupação, de indiferença.   46
 
7.  "Aqui movida um pouco, ali segura"  
   Segura, como já foi referido no ponto 2, transmite-nos uma sensação de
tranquilidade, de serenidade. 
8.  Algumas figuras de estilo: adjectivação
adjectivação (encoberto
 (encoberto (v.1), quieta/duvidosa (v.2), deleitosa (v.3),
formosa (v.6),alegre/cuidosa (v. 7), queda (v. 8), sentada (v. 9), isentos (v. 10), movida/segura
(v. 11), cansados (v. 13), vã (v. 14)); anáfora
anáfora (
 (aqui 
aqui : vv. 5, 7, 9, 11, 12; ali : vv. 6, 7, 9, 11, 12)
 (vv. 7, 8, 11, 12).  
antítese (vv.
antítese

Manuel Maria 

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Quem jaz no grão sepulcro, que descreve  

1.  Segundo Manuel de Faria e Sousa, em Rimas Várias de Luís de Camões (1685), este soneto de
Camões é um «Epitáfio à sepultura do rei D. João III, que faleceu no ano de 1557, tempo em
que o poeta andava na Índia». 

Manuel Maria 

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Como fizeste, ó Pórcia, tal ferida? 


(1) - Pórcia, filha de Catão de Útica e casada com M. Júnio Bruto, tinha já tentado suicidar-se, ferindo-se
a si própria com profundo golpe, quando soube pelo marido da conspiração contra César. Quando o
marido, ao perder a batalha de Filipos, se atravessou com a espada, matou-se ela também, engolindo
carvões acesos. 

Lírica, Círculo de Leitores, Lisboa, 1973  


Cidade, Hernâni, Luís de Camões - Lírica,

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De tão divino acento em voz humana  


 

(1) – Resposta ao Soneto Quem é este? ...


... atribuído a João Lopes Leitão. 

Lírica , Círculo de Leitores, Lisboa, 1973  


Hernâni Cidade, Luís de Camões - Lírica,

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47

Debaixo desta pedra está metido   

(1) – Crê Storck que se trata de D. Fernando de Castro, filho de D. João de Castro, morto em Diu em
1546. Mas é tão obscura a adaptação dos tercetos.  

Lírica , Círculo de Leitores, Lisboa, 1973  


Hernâni Cidade, Luís de Camões - Lírica,

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Que vençais no Oriente tantos Reis 


É consagrado a D. Luís de Ataíde, Vice-Rei da Índia. Teria sido o comandante da expedição de D.
Sebastião a África, se não fossem as ingratidões e invejas a que o soneto se refere.  

Lírica , Círculo de Leitores, Lisboa, 1973  


Hernâni Cidade, Luís de Camões - Lírica,

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Ferido sem ter cura perecia 

(1) – Télefo, filho de Hércules e de Augea,


de Augea, foi ferido na guerra troiana por Aquiles
por  Aquiles (aquele que foi metido
na água que o tornou invulnerável –  lembra
lembra  o Poeta, nos versos seguintes), mas sarou mediante um
emplasto feito da ferrugem da lança que o golpeara. Frequentemente se alude a este mito, para
designar a cousa que traz consigo o remédio do mal que pode causar.  

Lírica , Círculo de Leitores, Lisboa, 1973  


Hernâni Cidade, Luís de Camões - Lírica,

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Leda serenidade deleitosa 

(1) – Neste soneto, que o Dr. José Maria Rodrigues julga provar a sua tese da paixão do Poeta pela
Infanta D. Maria, há reminiscências petrarquistas nos mesmos traços em que ele viu o desenho da
Infanta.
 
Lírica , Círculo de Leitores, Lisboa, 1973  
Hernâni Cidade, Luís de Camões - Lírica,
 

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Cá nesta Babilónia, donde mana 

1.  O presente soneto desenvolve-se em função da simbologia


simbologi a que representam dois espaços:
Babilónia e Sião.   48
 
   "No plano dos símbolos, a Babilónia
Babilónia é
 é a antítese da Jerusalém celeste e do Paraíso. No
entanto, de acordo com a etimologia, Babilónia significa: porta
significa:  porta do deus.
deus . Mas o deus
sobre o qual se abre esta porta, embora numa determinada altura tenha sido
procurado nos céus, no sentido do espírito, perverteu-se em homem e naquilo que no
homem existe de mais vil, o instinto de dominação e o instinto de luxúria, erigidos em
absoluto. 

Esta cidade é tão magnífica,


magnífica , escrevia Heródoto, que não há no mundo uma cidade que
se lhe possa comparar . A sua cintura de muralhas, os seus jardins suspensos figuravam
entre as sete maravilhas do mundo. Tudo foi destruído, pois tudo assentava
a ssentava em
valores unicamente temporais. O símbolo da Babilónia não é o de um esplendor
condenado pela sua beleza, mas sim o de um esplendor viciado que se condenou a si
próprio ao desencaminhar o homem da sua vocação espiritual. A Babilónia simboliza o
triunfo passageiro de um mundo material e sensível, que exalta apenas uma parte do
homem e, por conseguinte, o desintegra."  

Jean Chevalier / Alain Gheerbrant, Dicionário Símbolos , Círculo de Leitores, Lisboa, 1997  


Gheerbrant,  Dicionário dos Símbolos,

   Também conhecida por Babel


Babel,, para a Babilónia foram levados os Judeus em 586, após
a invasão de Jerusalém por Nabucodonosor.  
   O monte Sião
Sião,, ao qual, em alguns livros do Antigo Testamento, foram sendo atribuídas
as prerrogativas do Monte Sinai, é a colina sobre a qual foi erigida a cidade de
Jerusalém, bem como o Templo: é a montanha "onde o Senhor habitará para sempre".  
2.  Esta temática pode ser também observada no poema 
poema Sôbolos rios que vão, inspirado, segundo
no Salmo 137 (136 em algumas edições
o Professor Hernâni Cidade, no Salmo edições litúrgicas)

3.  Camões escreveu este soneto na Índia e, segundo o Professor Hernâni Cidade, para o poeta,
Babilónia era Goa.  

4.  «Cá nesta Babilónia, donde mana / Matéria a quanto mal o mundo cria»  
  Para o Poeta, depois de assistir ao comportamento avaro dos Governadores e Capitães
e à sua desmesurada ambição, são os bens materiais da região e a cobiça que suscitam
que são a origem de todos os males. 
5.  «Cá, onde o puro Amor não tem valia, / Que a Mãe, que manda mais, tudo profana»  
   A causa principal dos erros do mundo é não existir, entre os mortais, o verdadeiro e
puro amor. Assim, o amor ao próximo cede o lugar ao egoísmo, à ambição e à lascívia.
A Mãe de Amor é Vénus e simboliza o amor meramente sensual, por isso profano.  

6.  «Cá, onde o mal se afina, o bem se dana, / E pode mais que a honra a tirania»  
   A ambição e a cobiça dos Governadores e seus seguidores subvertem os valores, não
se olhando a meios para atingir os fins. Assim, paradoxalmente, o mal sobrepõe-se ao
bem, e a tirania, à honra: a obtenção da riqueza tudo justifica.  

7.  «Cá, onde a errada e cega Monarquia / Cuida que um nome vão a Deus engana»  
 

   O "nome vão" é uma referência aos que pensavam que tudo podiam justificar com a
ostentação de seus títulos. 

8.  «Cá, neste labirinto, onde a Nobreza, / O Valor e o Saber pedindo vão / Às portas da Cobiça e da
Vileza» 

   Estes versos sugerem uma alusão ao labirinto de Creta, do qual quem lá entrasse não
saberia como sair. Assim, por mais que a política oficial do reino apontasse para um
espírito de Cruzada e de propagação da Fé Cristã, o que o Poeta pôde constatar foi
que a ambição e a cobiça dos que chegavam à Índia os envolvia de tal modo, que, 49
 
como que enredados numa teia labiríntica, não mais sabiam como abandonar essa
vida meramente mercantil, ignorando ou desprezando valores como a Nobreza, o
Valor e o Saber. 

9.  «Cá, neste escuro caos de confusão, / Cumprindo o curso estou da natureza»  
   Símbolo de todos os vícios, a redundância do v. 12 reitera o desalento em que o Poeta
vê cumprir-se o ciclo da sua vida: envelhecendo, não só se sente perseguido pelo
destino, mas também por todos os que, tendo a obrigação do contrário, não o
recompensam nem pelo mérito das armas, nem pelo mérito da sua poesia.  

   Obs.: Veja-se,
Obs.: uma crónica sobre o dia de Camões. 
 Veja-se, a propósito, uma crónica

10. «Vê se me esquecerei de ti, Sião!»  


   Neste contexto, Sião, mais do que o espaço propriamente dito da Pátria, poderá
simbolizar a Pátria com que o Poeta sonhava, uma Pátria de valores e não a «Pátria,
que está metida / No gosto da cobiça e na rudeza / De ua austera, apagada e vil
(ver crónica).. 
tristeza.» (ver crónica)

11. Algumas figuras de estilo: adjectivação


adjectivação (puro
 (puro (v.3), errada, cega (v. 7), vão (v.8), escuro (v.12));
anáfora (cá
anáfora ( cá:: vv. 1, 3, 5, 7, 9, 12); anástrofe
anástrofe (v.
 (v. 10); antítese
10); antítese (v.
 (v. 5); apóstrofe
apóstrofe (v,
 (v, 14); eufemismo
eufemismo  
(v. 13); hipérbato
hipérbato (vv.
 (vv. 6; 13); paradoxo
paradoxo (v.
 (v. 6); perífrase  (v. 13). 
perífrase (v.

Manuel Maria 

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Salmo 137 
1
 Junto aos rios de Babilónia nos sentámos a chorar, recordando-nos de Sião.  

2
 Nos salgueiros das suas margens pendurámos as nossas harpas.  

3
 Os que nos levaram para ali cativos pediam-nos um cântico; e os nossos opressores, uma canção de
alegria: «Cantai-nos um cântico de Sião.» 
Sião.» 

4
 Como poderíamos nós cantar um cântico do Senhor, estando numa terra estranha?  

5
 Se me esquecer de ti, Jerusalém, fique ressequida a minha mão direita!  

6 Pegue-se-me a língua ao paladar, se eu não me lembrar de ti, se não fizer de Jerusalém a minha
suprema alegria! 
alegria! 
 

7 Lembra-te, Senhor, do que fizeram os filhos de Edom, no dia de Jerusalém, quando gritavam: «Arrasai-
a! Arrasai-a até aos alicerces!» 
alicerces!»  

8 Cidade da Babilónia devastadora, feliz de quem te retribuir com o mesmo mal que nos fizeste!  

9 Feliz de quem agarrar nas tuas crianças e as esmagar contra as rochas!  

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