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SELEÇÃO DE POEMAS BARROCOS De coração vos busco, dai-me os braços,

Gregório de Matos Abraços, que me rendem vossa luz.

Buscando a Cristo Luz, que claro me mostra a salvação,


A vós correndo vou, braços sagrados, A salvação pretendo em tais abraços,
Nessa cruz sacrossanta descobertos Misericórdia, Amor, Jesus, Jesus.
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.
Segunda Impaciência Do Poeta
A vós, divinos olhos, eclipsados Cre Cresce o desejo, falta o sofrimento,
De tanto sangue e lágrimas abertos, Sofrendo morro, morro desejando,
Pois, para perdoar-me, estais despertos, Por uma, e outra parte estou penando
E, por não condenar-me, estais fechados. Sem poder dar alívio a meu tormento.

A vós, pregados pés, por não deixar-me, Se quero declarar meu pensamento,
A vós, sangue vertido, para ungir-me, Está-me um gesto grave acobardando,
A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me E tenho por melhor morrer calando,
Que fiar-me de um néscio atrevimento.
A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me, Quem pretende alcançar, espera, e cala,
Para ficar unido, atado e firme. Porque quem temerário se abalança,
Muitas vezes o amor o desiguala.
À instabilidade das cousas no mundo.
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Pois se aquele, que espera se alcança,
Depois da luz se segue a noite escura, Quero ter por melhor morrer sem fala,
Em tristes sombras morre a formosura, Que falando, perder toda esperança.
Em contínuas tristezas a alegria.
Quis o poeta embarcar-se para a cidade e
Porém se acaba o Sol, por que nascia? antecipando a notícia à sua senhora, lhe viu
Se formosa a luz é, por que não dura? umas derretidas mostras de sentimento em
Como a beleza assim se transfigura? verdadeiras lágrimas de amor.
Como o gosto da pena assim se fia?
Ardor em coração firme nascido!
Pranto por belos olhos derramado!
Mas no Sol e na luz, falta a firmeza, Incêndio em mares de água disfarçado!
Na formosura não se crê constância,
Rio de neve em fogo convertido!
E na alegria sinta-se tristeza.
Tu, que um peito abrasas escondido,
Começa o mundo enfim pela ignorância, Tu, que em um rosto corres desatado,
E tem qualquer dos bens por natureza
Quando fogo em cristais aprisionado,
A firmeza somente na inconstância.
Quando cristal em chamas derretido.
A Nosso Senhor Jesus Christo Com Actos de Se és fogo como passas brandamente?
Arrependido e Suspiros de Amor
Se és neve, como queimas com porfia?
Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade,
Mas ai! que andou Amor em ti prudente.
É verdade, meu Deus, que hei delinquido,
Delinquido vos tenho, e ofendido, Pois para temperar a tirania,
Ofendido vos tem minha maldade.
Como quis, que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu, parecesse a chama fria.
Maldade, que encaminha à vaidade,
Vaidade, que todo me há vencido;
Vencido quero ver-me, e arrependido,

Arrependido a tanta enormidade.


Arrependido estou de coração,
Expressão do silêncio do poeta Sátira a um desembargador que prendeu um
Largo em sentir em respirar sucinto, inocente e soltou um ladrão
Peno e calo, tão fino e tão atento, Senhor Doutor, muito bem-vindo seja
Que fazendo disfarce do tormento, A esta mofina e mísera cidade,
Mostro que o não padeço e sei que o sinto. Sua justiça agora e equidade,
E letras com que a todos causa inveja.
O mal, que fora encubro, ou que desminto,
Dentro no coração é que o sustento: Seja muito bem-vindo, porque veja
Com que, para penar é sentimento, O maior disparate e iniquidade,
Para não se entender, é labirinto. Que se tem feito em uma e outra idade
Desde que há tribunais e quem os reja.
Ninguém sufoca a voz nos seus retiros;
Da tempestade é o estrondo efeito: Que me há de suceder nestas Montanhas
Lá tem ecos a terra, o mar suspiros. Com um ministro em leis tão pouco visto,
Como previsto em trampas e maranhas?
Mas oh do meu segredo alto
conceito! É ministro de império, mero e misto,
Pois não chegam a vir à tona os tiros Tão Pilatos no corpo e nas entranhas,
Dos combates que vão dentro do peito. Que solta a um Barrabás e prende a um Cristo

Desenganos da vida humana,


metaforicamente
É a vaidade, Fábio, nesta vida,
Rosa, que da manhã lisonjeada,
Púrpuras mil, com ambição dourada,
Airosa rompe, arrasta presumida.

É planta, que de abril favorecida,


Por mares de soberba desatada,
Florida galeota empavesada,
Sulca ufana, navega destemida.

É nau enfim, que em breve ligeireza


Com presunção de Fênix generosa,
Galhardias apresta, alentos preza:

Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa


De que importa, se aguarda sem defesa
Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?

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