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Soneto de Camões

Amor é um fogo que arde sem se ver;


é ferida que doi e não se sente;
é um contentamento descontente;
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;


é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;


é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealmente.

Mas como causar pode seu favor


nos corações humanos amizade
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Soneto de Petrarca

Se a minha vida do áspero tormento


E tanto afã puder se defender,
Que por força da idade eu chegue a ver
Da luz do vosso olhar o embaciamento,

E o áureo cabelo se tornar de argento,


E os verdes véus e adornos desprender,
E o rosto, que eu adoro, empalecer,
Que em lamentar me faz medroso e lento,

E tanta audácia há de me dar o Amor,


Que vos direi dos martírios que guardo,
Dos anos, dias, horas o amargor.

Se o tempo é contra este querer em que ardo,


Que não o seja tal que à minha dor
Negue o socorro de um suspiro tardo.
Inconstância das coisas do mundo!

Nasce o Sol e não dura mais que um dia,


Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas e alegria.
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz falta a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se a tristeza,
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza.
A firmeza somente na inconstância.
Gregório de Matos

SONETO VII

Ardor em firme coração nascido!


Pranto por belos olhos derramado!
Incêndio em mares de água disfarçado!
Rio de neve em fogo convertido!

Tu, que em um peito abrasas escondido, (*?) Tu, que em ímpeto abrasas
escondido,
Tu, que em um rosto corres desatado,
Quando fogo em cristais aprisionado,
Quando cristal em chamas derretido.

Se és fogo como passas brandamente?


Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai! Que andou Amor em ti prudente.

Pois para temperar a tirania,


Como quis, que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu, parecesse a chama fria.
Gregório de Matos
A Cegueira da Governação
Príncipes, Reis, Imperadores, Monarcas do Mundo: vedes a ruína dos vossos
Reinos, vedes as aflições e misérias dos vossos vassalos, vedes as violências,
vedes as opressões, vedes os tributos, vedes as pobrezas, vedes as fomes, vedes
as guerras, vedes as mortes, vedes os cativeiros, vedes a assolação de tudo? Ou o
vedes ou o não vedes. Se o vedes como o não remediais? E se o não remediais,
como o vedes? Estais cegos. Príncipes, Eclesiásticos, grandes, maiores,
supremos, e vós, ó Prelados, que estais em seu lugar: vedes as calamidades
universais e particulares da Igreja, vedes os destroços da Fé, vedes o
descaimento da Religião, vedes o desprezo das Leis Divinas, vedes o abuso do
costumes, vedes os pecados públicos, vedes os escândalos, vedes as simonias,
vedes os sacrilégios, vedes a falta da doutrina sã, vedes a condenação e perda de
tantas almas, dentro e fora da Cristandade? Ou o vedes ou não o vedes. Se o
vedes, como não o remediais, e se o não remediais, como o vedes? Estais cegos.
Ministros da República, da Justiça, da Guerra, do Estado, do Mar, da Terra:
vedes as obrigações que se descarregam sobre vosso cuidado, vedes o peso que
carrega sobre vossas consciências, vedes as desatenções do governo, vedes as
injustças, vedes os roubos, vedes os descaminhos, vedes os enredos, vedes as
dilações, vedes os subornos, vedes as potências dos grandes e as vexações dos
pequenos, vedes as lágrimas dos pobres, os clamores e gemidos de todos? Ou o
vedes ou o não vedes. Se o vedes, como o não remediais? E se o não remediais,
como o vedes? Estais cegos.

Padre António Vieira, in "Sermões"


Mandai-me Senhores, hoje
que em breves rasgos descreva
do Amor a ilustre prosápia,
e de Cupido as proezas.
Dizem que de clara escuma,
dizem que do mar nascera,
que pegam debaixo d’água
as armas que o amor carrega.

O arco talvez de pipa,


a seta talvez esteira,
despido como um maroto,
cego como uma toupeira

E isto é o Amor? É um corno.


Isto é o Cupido? Má peça.
Aconselho que não comprem
Ainda que lhe achem venda

O amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias
Uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas,
quem diz outra coisa é besta.
Gregório de Matos

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