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CARDOSO, Miriam Limoeiro. Ideologia do desenvolvimento – Brasil: JK – JQ.

Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1978.

I – A ideologia do desenvolvimento sob a presidência Juscelino Kubitschek


3 – O desenvolvimento e a segurança
3.1 – A prosperidade
. “A temática do discurso Kubitschek se concentra em torno do desenvolvimento. Pretende propor
uma política que permita deflagrar a aceleração do processo de crescimento econômico, superando
o estado de atraso e alcançando a prosperidade” (CARDOSO, 1978: 93).
. “Identifica a situação do subdesenvolvimento como de pobreza atual. No entanto, pensa poder-se
descobrir nela grande riqueza latente. Diante disso, um trabalho sério e sistemático dirigido para
desentranhar esta riqueza deve ter excelentes condições de dar resultados positivos, em recursos
naturais e em recursos humanos. O produto desta política e do esforço a que conduz será a
prosperidade, a ser conseguida através da industrialização. [...]”(CARDOSO, 1978: 93).
. Mensagens de Juscelino nas quais se afirma a necessidade do desenvolvimento das indústrias de
base para o desenvolvimento industrial brasileiro (CARDOSO, 1978: 93-4).
. “A nossa ‘libertação econômica’ será produzirmos aqui mesmo aquilo que a expansão econômica
requer. É voltada para esta expansão que se articula a política juscelinista” (CARDOSO, 1978: 94).
. “A finalidade do Governo Kubitschek, se em termos gerais pode ser vista por ele próprio como
sendo ‘a valorização do homem’, em termos objetivos – segundo a própria formulação do seu
discurso – ela é eminentemente econômica. As propostas específicas deste governo são no sentido
do crescimento econômico acelerado, através da industrialização, com especial atenção para as
necessidades infra-estruturais. Claro que o crescimento econômico tem efeitos sociais, com a
elevação do nível de vida, mas para Juscelino esta elevação é consequência do progresso
econômico. Sua atenção, assim, se dirige para os problemas econômicos. Acredita que, resolvidos
estes, os demais os acompanham” (CARDOSO, 1978: 94-5).
. “Ao tratar da política econômica explicita que ‘atendendo à aspiração coletiva por uma vida
melhor, este Governo pôs em execução um plano de desenvolvimento, em escala verdadeiramente
nacional, com o objetivo de despertar energias latentes e lançar os alicerces de uma nação poderosa,
capaz de proporcionar a seus filhos dignas condições de existência’ [Mensagem, 1960, XXIV]. O
Governo entende que se identifica com o povo na busca de um ideal que ajudou a construir: a
grandeza material da Nação, que naquele momento, ao se encerrar a gestão presidencial, já podia
aparecer como ‘aspiração coletiva’. Segundo esta visão, a mobilização para o desenvolvimento é,
em primeiro lugar, um movimento negador de níveis de vida julgados indignos da condição
humana” (CARDOSO, 1978: 95).
. “Já que caracteriza a situação do Brasil – identificada com a de vários outros países, especialmente
os da América Latina – como de pobreza, e porque entende esta pobreza como um estágio, como
um retardamento na longa rota do desenvolvimento, a consequência necessária em termos de
política deverá ser no sentido de apressar o passo para atingir a posição de grande nação. Desta
forma, o desenvolvimento é progresso e bem-estar. É a grande meta de todas estas nações,
articulada em torno do crescimento econômico” (CARDOSO, 1978: 95).

3.1.a) a relativização da miséria.


. “A fim de que possa ser colocada como objetivo principal, a prosperidade tem que aparecer como
alternativa possível e a sua viabilidade não deixa de ser explicitada por Juscelino. O
subdesenvolvimento não é entendido como resultante de nenhum determinismo que distinguisse,
por fatalidade, alguns países dos demais. Ao contrário, o quadro apresentado é de relativização da
miséria em que se encontram esses países: ela pode ser ultrapassada, é mesmo fatal que o seja, e a
mentalidade do desenvolvimento deverá fazer com que esse seu destino se cumpra mais
rapidamente. [citação de JK a respeito de uma especialização no exterior quando ainda médico...]”
(CARDOSO, 1978: 95).
. “Não somos subdesenvolvidos porque devêssemos sê-lo. Diante da técnica moderna, as barreiras
existentes, no que diz respeito a recursos ou a produtividade, são perfeitamente transponíveis, e
cada vez mais facilmente. Indispensável é se dispor a realizar o esforço para alcançá-la [pensa JK]”
(CARDOSO, 1978: 96).
. “Desde que algum tipo determinado de trabalho – que a ideologia do desenvolvimento especifica –
seja realizado, o atraso destas regiões poderá ser superado. É o trabalho neste sentido, não como
categoria, mas como ato de trabalhar, que é usado aqui. [Exemplo da vida de Kubitschek análogo à
superação dos problemas nacionais...]” (CARDOSO, 1978: 96).
. “Não seria, porém, aquela ‘oportunidade’ um acaso feliz, uma dádiva, um começo ofertado, mas
um resultado: primeiro, a consequência de uma opção, firme e decidida, da não aceitação de uma
inferioridade histórica no concerto das nações; segundo, a criação das oportunidades, através de
uma formulação adequada de política e da sua realização por meio do trabalho sistemático e do
esforço continuado” (CARDOSO, 1978: 96).
. “A miséria é de tal modo relativizada que JK supõe que o desenvolvimento conseguirá anulá-la.
‘O desenvolvimento econômico terá como consequência a eliminação da pobreza’ [Diretrizes
Gerais do Plano Nacional de Desenvolvimento]”. Ideia de que o desenvolvimento erradicaria a
pobreza mesmo com a diferenciação social (CARDOSO, 1978: 96-7).

3.1.b) prosperidade, ordem e destino


. “Entendido desta forma, o desenvolvimento (como prosperidade) está sempre associado à paz
(como ordem) e à grandeza (como destino). [citação do ex-presidente...]. A ênfase na riqueza
potencial do país constitui um dos elementos de mobilização política utilizados no discurso, através
da crença que desperta no futuro e da esperança que isso significa, constituindo o amparo necessário
para suportar os sacrifícios e dificuldades do presente. O nosso lugar entre as nações não é aquele
que estamos ocupando. O que possuímos sob forma latente nos garante que consigamos atingi-lo,
desde que tornemos ativas as nossas forças adormecidas e encobertas” (CARDOSO, 1978: 97).
. “[...] Esses três elementos aparecem tão ligados que o processo que os assegura é um só: ele gira
em torno da prosperidade, e como é nosso destino alcançá-la, o percurso se fará em paz,
fortalecendo assim, a ordem, ampliando as suas condições de vigência” (CARDOSO, 1978: 97).

3.2 – Soberania
. “Os aspectos centrais da ideologia do desenvolvimento tal como a concebe JK são, como vemos, a
prosperidade e a ordem. Os dois se fundem no seu conceito de soberania como equivalente da
autodeterminação, identificada como igualdade com os grandes Estados. Este segundo aspecto
exprime até onde o primeiro alcança: os grandes Estados Ocidentais são soberanos, são livres e se
utilizam dessa liberdade na capacidade de gerir seus próprios negócios. São, assim, padrões que
podem ser seguidos no caminho da soberania.
Para o desenvolvimento, num país economicamente fraco a soberania não deixa de ser
precária. Somente os países que se afirmam no terreno econômico e em que vigora o regime
democrático podem exercer plenamente a sua soberania. Donde
soberania = prosperidade + Democracia” (CARDOSO, 1978: 98).
. “A partir desta perspectiva só os países prósperos podem ser soberanos e a riqueza é condição da
soberania. Não cabe, pois, a discussão das implicações para a soberania nacional das formas
possíveis de conduzir o desenvolvimento, discussão que gira em torno da participação do capital
estrangeiro no processo de aceleração do crescimento econômico dos países subdesenvolvidos. Se
não somos soberanos enquanto estamos nas ‘retaguardas incaracterísticas’, não se trata de
resguardar a soberania, mas de consegui-la. A cooperação internacional que ajuda a promover o
desenvolvimento não interfere na soberania do país ao qual se dirige, mas, ao contrário, contribui
positivamente para que ele a alcance” (CARDOSO, 1978: 98).
. “Uma das primeiras premissas de que parte esta ideologia é a de que como subdesenvolvidos
somos pobres, mas apesar disso, somo democráticos. A democracia já faz parte de nossa
organização sócio-política. Para que estejamos à altura das grandes nações, precisamos manter a
democracia, defendendo-a da ameaça que ela sofre pela existência extensa da miséria, e alcançar a
riqueza, que acaba com esta ameaça. É o sentido da soberania pelo desenvolvimento” (CARDOSO,
1978: 98).
. “Condições muito precárias de vida são consideradas um perigo para a democracia. [citação de
JK...]. Daí mostrar um equilíbrio altamente instável o estado do nosso subdesenvolvimento, em que
miséria e democracia coexistem. Deixando que suas forças se desenvolvam espontaneamente, a
tendência é de agravamento da situação. A luta contra a miséria supõe um esforço racionalmente
articulado, que na sua articulação concreta é econômico, mas em profundidade é político, pois é
uma luta pela democracia” (CARDOSO, 1978: 98-9).
. “A conjuntura internacional, mostrando as ambições expansionistas do comunismo, acrescida das
especificidades da América Latina, em que ressaltam a explosão demográfica – tornando crescente
a dificuldade de elevação da renda per capita – e a politização, que os povos latino-americanos vêm
experimentando cada vez mais acentuadamente, parecem estar a exigir o que Juscelino chama de
‘uma teoria dinâmica do desenvolvimento’, em que a democracia seja preservada através do
combate ao pauperismo. ‘Não nos enganemos: estamos vivendo, não apenas na América Latina,
mas em todo o mundo, situações radicalmente novas, que exigem o estabelecimento de um novo
sistema de relações entre os povos altamente industrializados e os povos subdesenvolvidos. Não é
concebível que, diante da ameaça que representa para o Ocidente o comunismo internacional, as
nações democráticas se mostrem incapazes de superar os erros do passado e de formular uma
política de grandeza, que demonstre a capacidade da democracia de atender às necessidades da
maioria esmagadora da humanidade, constituída por povos que ainda vegetam no limiar da
civilização moderna’ [JK Discursos, 1960, 1171, p. 387]. Aquela mudança de relações parece ter
sido a tônica da política externa juscelinista, sempre voltada para que maior e mais cuidadosa
atenção fosse dada pelas nações democráticas ricas aos povos atrasados e inconformados com a
desigualdade das condições materiais” (CARDOSO, 1978: 99).
. “[...] É importante notar que, embora compreendendo o econômico, o social e o político, o
caminho para a soberania, identificado com o desenvolvimento, é antes de tudo econômico. Os
demais níveis são incorporados à modificação global efetuada com a soberania em decorrência do
sucesso econômico. Esta nova situação em que a economia nacional se encontra fortalecida é capaz
de resistir a orientações externas que julgue inconvenientes, traz consequências de ordem social e
política, compondo, então, a soberania plena. O processo mesmo, porém, é incialmente e
predominantemente econômico” (CARDOSO, 1978: 100).
. “Toda a matriz do problema, segundo o desenvolvimentismo, está em conseguir o impulso,
considerado decisivo, para que as nações menos desenvolvidas possam ‘atingir e manter uma taxa
de crescimento capaz de conduzi-las à fase de um desenvolvimento razoavelmente autônomo, com
base nos recursos internos’ [JK Discursos, 1960, 1152, p. 382]. Esta possibilidade é grande
responsável pelo clima de otimismo que domina neste período e que atinge uma quase euforia
quando algum progresso econômico mais relevante se faz sentir, ainda que a finalidade seja tão
somente uma autonomia ‘razoável’. O país é pensado em toda sua pujança e a noção da sua
soberania está muito próxima da ideia de grandeza nacional. Mesmo as dificuldades pelas quais
passa o país ajudam a ‘plasmar um Brasil moderno surpreendentemente jovem e impetuoso,
determinado a apossar-se sem vacilação da direção do seu destino e a transformar em riqueza atual
a imensa potencialidade econômica da nação’ [ibid. 1157, p. 383]. Se o processo do
desenvolvimento nos oferece a oportunidade histórica de nos afirmarmos como nação perante o
mundo, tornando-nos prósperos, não podemos deixar que ela nos escape. É preciso assumir com
firmeza a decisão de aproveitá-la” (CARDOSO, 1978: 101).
. “Não é difícil perceber que esta decisão não é meramente econômica, mas especialmente política.
Pretende-se a soberania e considera-se que aquilo que falta para tê-la é o enriquecimento. Por isso a
soberania almejada se iguala à autonomia econômica, quando o país não dependerá de outros para
solucionar seus problemas de carência de capital. Mas consegui-la envolve escolha entre
alternativas, implica opções, é matéria de política, portanto. [...] O que importa analisar, no entanto,
é a que tipo de política JK está se referindo. Para ele, trata-se da decisão política de um problema
econômico, trata-se de política econômica, trazida para o nível técnico de programação e
planejamento. Claro que ela tem de estar subordinada às diretrizes que são fixadas pela política
geral. Tenhamos presente, no entanto, que não basta isso para qualificá-la ao nível político; é
necessário distinguir o seu objeto, verificando como ela o define e a ação que ela empreende”
(CARDOSO, 1978: 102).
. “Por estas razões [não transcritas aqui] é que pude afirmar anteriormente que JK operava uma
redução do conceito de soberania ao seu domínio econômico. Porque para ele ‘na emancipação
econômica está a base da soberania, do bem-estar e da segurança nacional’ [JK Discursos, 1958,
343, p. 132] e a emancipação econômica a que se refere não quer dizer ruptura, nem afastamento,
mas crescimento acelerado, continuado e capaz de se manter com seus próprios recursos. Desse
modo, a emancipação econômica não seria resultado de uma ação propriamente política, vinculada
à emancipação política, mas simplesmente gerada pelo crescimento econômico. Esta libertação
econonômica, como garantia de prosperidade, fornece o elemento que falta aos países
subdesenvolvidos para que, junto com a ordem democrática, eles alcancem a plena soberania. Para
que as nações que vivem a crise de transição do subdesenvolvimento atinjam a soberania é
necessário um duplo esforço: para o desenvolvimento e pela ordem. O desenvolvimentismo supõe,
assim, que a luta contra a miséria, travada dentro dos moldes da democracia, garante a soberania”
(CARDOSO, 1978:102-3).
. “Esta linha de interpretação do pensamento político de JK parece encontrar reforço ao recorrermos
a um outro tipo de análise, baseado na distribuição da temática do seu discurso. O Quadro I nos
fornece dados mais gerais a respeito. Dos 7 temas tratados 1 há dois que se destacam nitidamente:
desenvolvimento/subdesenvolvimento (I) e atitude política (IV). Na temática geral – que envolve a
comunicação pública de Juscelino como Governador de Minas Gerais, como Presidente da
República e nos livros que escreveu sobre seus programas e sua vida política – o tema I é o mais
frequente, com 40% e o tema IV é o segundo em importância, com 33%. A análise mais profunda
da ideologia que ele expõe indica que este dois temas estão intimamente associados, e mais, que isto
ocorre segundo uma relação direta: quanto maior o desenvolvimento, tanto maior a possibilidade de
ordem (principal componente do tema IV) se manter, cada qual como condição necessária para o
outro. O discurso está tão centrado nesta problemática que os dois temas juntos contêm quase 3/4
do total” (CARDOSO, 1978: 103).
. “Na sua comunicação mais geral, excluindo os discursos, naturalmente mais vinculados às
diferentes conjunturas, posso adiantar que a distribuição é semelhante a esta, com uma tendência a
marcar ainda mais fortemente o tema I. Sua generalidade, no caso, lhe confere o caráter de
expressão dos aspectos essenciais do pensamento político juscelinista, já que sua referência é mais
global, mais abrangente e mais pragmática, tomando como base não só um período de tempo mais
largo, mas também uma perspectiva de ação concreta, envolvendo altos níveis de decisão – é o caso
tanto das Mensagens Presidenciais, quanto dos livros em que elabora seu Programa de Governo.
Esta caráter e aquela semelhança dão validade à utilização da temática geral como capaz de indicar
as linhas mestras da formulação ideológica” (CARDOSO, 1978: 103-4).
. “Por outro lado, em momentos de crise política, captável em certos discursos, às vezes abrangendo
todo um período, a temática se transforma, dando lugar a uma acentuação da presença do tema IV,
que chega até a ultrapassar o tema I: é quando a defesa da ordem ou do regime ganha supremacia –
sempre circunstancial em JK – face ao desenvolvimento econômico” [seguem quadros 1 e 2]
(CARDOSO, 1978: 104).
. “Façamos algumas considerações iniciais quanto ao tema I. Nele a análise prevê que é possível
entender o desenvolvimento como: a) prosperidade; b) soberania; c) libertação – percorrendo uma
escala que se desloca, respectivamente, da ênfase econômica à ênfase política na abordagem da
questão. Em Juscelino é claramente a primeira alternativa que vigora, com 81% do total do tema,
1
“Do que me ficou dos ensinamentos da análise de conteúdo e da análise estrutural, decidi-me a trabalhar com terma
definidos teoricamente a partir das categorias teóricas fundamentais e a construir índices que permitissem alguma forma
de quantificação. Sete temas foram destacados como sendo os principais, cada qual composto de itens. Estes marcam
posições diferentes que podem ser assumidas em cada tema. Cada item compreende indicadores temáticos, que não são
simplesmente palavras, mas expressões de ideias, em geral conjuntos de palavras, de tal modo que palavras diferentes
podem designar a mesma ideia, enquanto a mesma palavra pode representar ideias diferentes. Os temas são: I –
desenvolvimento/subdesenvolvimento; II – relação Nação/estrangeiro; III – relação Estado/iniciativa privada; IV –
atitude política geral; V – relação Governo/povo; VI – formação de consciência; VII – composição social. O
relacionamento global dos itens nos sete temas define uma posição ideológica” (CARDOSO, 1978: 19).
enquanto a terceira está excluída da problemática, conforme o Quadro II. A diferença entre as duas
perspectivas presentes é bastante significativa e se mantém assim em todos os tipos de
comunicação. Onde ela se encontra mais acentuada é nos discursos (com 85% para ‘prosperidade’)
e onde ‘soberania’ aparece mais fortemente representada é nos livros (com 27%). O sentido da
importância do tema I na temática geral, pois, deve ser buscado no papel que, dentro dele cabe à
presença do item ‘prosperidade’, ou à ausência do item ‘soberania’” (CARDOSO, 1978: 104).
. “Quando o desenvolvimento é tratado sob o ângulo da soberania, ele é sempre e de qualquer modo
mais político do que quando sob o da prosperidade, mesmo que a soberania esteja sendo entendida
como ‘soberania pelo desenvolvimento’, isto é, como decorrência do enriquecimento econômico.
[...]”(CARDOSO, 1978: 105-6).
. “A presença da soberania no discurso, portanto, aparece como um marco distintivo de uma das
muitas possíveis posições nacionalistas. Atinge aos nacionalistas em geral, desde as esquerdas –
para as quais ela permite trazer o debate para o terreno que mais lhes agrada, o político, no seu nível
não meramente factual, mas especificamente ideológico – até as Forças Armadas, muito ciosas de
sua função de defesa nacional. A racionalidade da sua utilização por um político como JK – na fase
política nacional que se caracteriza por um tipo determinado de relações entre o político e as massas
e em que ele consegue sua ascensão política – está na contribuição eficaz que a inclusão do tema
‘soberania’ pode dar para a constituição de uma base política ampla, com a incorporação do apoio
das camadas majoritárias da população, as mais importantes numa política da base eleitoral, os
trabalhadores. Especialmente porque eles estavam mobilizados pelo nacionalismo do período
anterior, e traumatizados pelo desfecho da oposição lacerdista com o suicídio de Vargas”
(CARDOSO, 1978: 106).
. “Não é em todo e qualquer momento que sensibilizar as esses estratos sociais pode interessar
politicamente a uma posição como a que assume Kubitschek. As épocas mais típicas deverão ser
aquelas próximas a grandes campanhas eleitorais, em que se pretende despertar elementos
propiciadores de adesão política maciça. Os dados confirma esta hipótese. Vimos (Quadro II) que a
soberania aparece com sua mais forte expressão quantitativa nos livros de JK. O Quadro III [p. 107]
nos mostra que entre eles aquela tendência é ainda mais acentuada por ocasião da campanha
eleitoral à Presidência da República: com 33% do total do tema I nas Diretrizes Gerais do Plano
Nacional de Desenvolvimento e com 32% no Programa de Metas. Mesmo nesses casos, porém,
sempre permanece muito menos significativa do que a prosperidade” (CARDOSO, 1978: 106).
. “Os dados ainda confirmam a suposição de que a presença da soberania no discurso deva cumprir
a tarefa vinculada a apoio das massas, quando verificamos que a sua menor representação está em
discursos proferidos em círculos mais restritos (excluídos os feitos da Voz do Brasil). Mesmo fora
das campanhas eleitorais não seria conveniente transformar uma imagem para as massas durante
aquelas ocasiões” (CARDOSO, 1978: 108).
. “De acordo com a análise precedente, vimos a soberania como um elemento significativo nas
relações entre a ideologia do desenvolvimento, dominante, com as forças do trabalho nacional,
através de sua presença no discurso, vinculando-o a um nacionalismo. Veremos agora a que forças
se liga a sua ausência. [...]” (CARDOSO, 1978: 108).
. “Como a grande carência para impulsionar o desenvolvimento é o capital, é indispensável que a
ideologia encontre meios de mobilizá-lo. Face àqueles que dispõem do capital o item ‘soberania’
funciona tanto mais positivamente quanto menos estiver presente. A própria preocupação com o
capital, mesmo se abstrairmos o problema da sua obtenção, desvia a formulação no sentido do
econômico. Os dados de que dispomos também confirmam estas hipóteses. Em toda a comunicação
pública de JK a mais notável sub-representação de ‘soberania’, que corresponde `a maior presença
de ‘prosperidade’, ocorre nos Discursos de 1959 (esta com 90% do total do tema) e de 1957 (esta
com 80%), como se pode ver no Quadro IV. Ambos estes anos são de profunda preocupação do
Governo brasileiro com o financiamento do nosso desenvolvimento econômico e se distinguem dos
demais anos que compõem o período da Presidência de JK exatamente por este envolvimento com a
obtenção de capital. Controlando os discursos destes dois períodos por audiência, nota-se
claramente uma acentuação de tendência nos discursos restritos, com 97% e 80% respectivamente
em 1959 e 1957 (Quadro V) [p. 111]” (CARDOSO, 1978: 108).
. “1959 é uma época de grave tensão internacional, com o agravamento da guerra fria, envolvendo
especialmente a América Latina em decorrência do caso cubano. Nossas relações internacionais se
tornam objeto de importantes decisões. É a ocasião em que o Governo Juscelino se empenha a
fundo na promoção da Operação Pan-Americana, tentando obter a afluência de capitais em nome da
segurança continental, como veremos adiante, em 3.3.d; e em que rompe com a orientação do
Fundo Monetário Internacional a propósito dos mecanismos para a contensão da inflação, embora
adote o Plano de Estabilização Monetária, seguindo uma alternativa que não causasse prejuízos
maiores ao montante do investimento para o desenvolvimento. No plano interno, 1959 é um ano de
inflação muito acentuada (e de tentativa do controle inflacionário) e o ano da Operação Nordeste,
com a criação da SUDENE; portanto também com fortes necessidades quanto à mobilização de
recursos; é ainda a ocasião da colocação do problema sucessório” (CARDOSO, 1978: 108-9).
. Breve análise desta situação que justifica o maior número do item “prosperidade” tais como
desenvolvimento não inflacionário, atração da inciativa privada para auxiliar o desenvolvimento,
etc. (CARDOSO, 1978: 109).
. “Se 1957 não pode ser apontado como o ano em que se inicia a ação econômica do Governo
Kubitschek, pois ela tem lugar com a sua posse, em 31.1.1956, pode sem dúvida ser visto como o
ano em que ela começa a integrar efetivamente a ideologia do desenvolvimento de JK como
Presidente da República. Isto se deve ao clima político reinante no país em fins de 1956, cujo início
antecede 1954 e que marcou Juscelino na sua candidatura, na sua posse e pelo menos nos seus
primeiros seis meses de governo, incluindo tentativas golpistas como Jacaré-Acanga. É em 1957
que esta inquietação política é controlada; permanece a preocupação coma manutenção da ordem,
mas a ênfase do Governo pode passar para a construção econômica. Consequentemente, cresce a
importância do aspecto econômico como tema I, a ‘prosperidade’, em detrimento do seu lado
político, a ‘soberania’, especialmente nos discursos de audiência restrita. Acresce que a maioria
destes se dirige às classes produtoras ou políticas no poder” (CARDOSO, 1978: 109).
. “Assim, a presença ou a ausência do item ‘soberania’ indicam uma tentativa de mobilização ou das
grandes massas, que votam, ou dos capitais, que promovem o investimento. A presença do item
‘prosperidade’, permanente embora com oscilações de grau, mostra o cerne da problemática posta
por Juscelino, a grande meta material a ser atingida: progresso econômico” (CARDOSO, 1978:
112).

3.3 – a preservação da ordem


. “Como se trata de melhorar aquilo que já temos, entendido de forma ampla como democracia, o
esforço desenvolvimentista no sentido de mudar se opera especialmente no domínio econômico,
concerne aos aspectos materiais: aumentar a produção, diversifica-la, incentivar a produtividade,
adequar a produção às necessidades de consumo, ampliá-las para o fortalecimento da capacidade
produtiva, etc. E não chega a atingir a forma de organização da produção para alterá-la. Procura-se
unicamente refiná-la, adaptando-a aos seus padrões mais modernos. [...]” (CARDOSO, 1978: 112).

3.3 a) a possibilidade de progresso dentro da ordem


. “Para a ideologia que tem em JK seu principal expoente político, não é necessário romper com
coisa alguma para despertar a energia latente no país. Ela não veio à tona, não dinamizou as forças
nacionais por não ter sido despertada. [citação de JK...] É por não termos consciência da nossa
situação e das nossas potencialidades que estamos atrasados frente ao resto do mundo. Despertando
o gigante, ele se levantará. [...]”(CARDOSO, 1978: 112).
. “É como se estivéssemos diante de um sistema de estratificação internacional construído
analogicamente aos sistemas de estratificação social. O desenvolvimento nacional de certa forma
equivaleria à mobilidade vertical ascendente de um indivíduo que, começando nas posições sociais
mais baixas, conseguisse afirmar-se nos estratos médios ou até altos da sociedade. Juscelino
inúmeras vezes recorre a esta analogia, utilizando o seu exemplo pessoal de ter subido na vida,
especialmente quando se dirige aos jovens ou às camadas mais humildes. [...]”(CARDOSO, 1978:
112-13).
. “[...] A grande chave capaz de abrir estas portas da ascensão social seria o trabalho. Ela se
aplicaria tanto aos casos individuais quanto aos nacionais” (CARDOSO, 1978: 113).
. “Por que reclamar ou se revoltar contra uma sociedade na qual o esforço é recompensado e o
trabalho merece todo o respeito? Nada mais convincente para a aceitação da ordem estabelecida do
que a visualização das possibilidades das vias de ascensão. [...]”(CARDOSO, 1978: 113).
. “‘Abrir seu caminho’ é a questão que e deve pôr. Sequer se chega a discutir se esta possibilidade
realmente existe socialmente, nem cabe a dúvida diante da evidência apresentada. A partir dela,
como o discurso juscelinista a coloca, resta indagar como agir, que meio utilizar. A diferença entre
pobres e ricos não implica em limitações de classe, nem na existência de quaisquer preconceitos: é
perfeitamente superável dentro das condições gerais” (CARDOSO, 1978: 114).
. “A relevância da ‘ordem’ na formulação juscelinista ressalta da posição que o tema IV consegue
no seu discurso. A frequência relativa da temática geral (Quadro I) já nos indica a sua presença
marcante, como segundo em importância. Conforme a análise, o tema IV compreende os índices
mais gerais da atitude política, expressos em ‘reação’, ‘reforma’ e ‘revolução’, através das duas
posições intermediárias ‘manutenção’ e ‘transformação’. A composição destes itens fornece
elementos para a compreensão inicial das grandes linhas que definem as posições políticas. Cada
um deles inclui a expressão aberta e imediata destas posições (comunista, progressista, fascista,
reformista, conservadora). Além disso, no caso do desenvolvimentismo, o item ‘manutenção’
acentua mais os aspectos político – institucionais (a ordem, o regime) e político-psicológicos –
criando disposições favoráveis à motivação adequada para a mobilização política (otimismo –
coragem, esperança, destino); e o item ‘transformação’ é ais político-programático, enfatizando os
meios através dos quais a mobilização política poderá surtir efeito (luta, esforço, planejamento)”
(CARDOSO, 1978: 114).
. “No discurso juscelinista a distribuição do tema IV evidencia que a presença de ambos os itens é
importante; a tendência geral, no entanto, é no sentido de uma certa predominância das ideias de
transformação (53%), conforme o Quadro VI. Ela é vem mais nítida nos livros (64%) e nas
Mensagens (60%), enquanto que nos discursos ocorre uma inversão, com frequência maior cabendo
ao item ‘manutenção’, embora com uma diferença não significativa em relação ao outro item (ele
conta com 51% do total do tema)” (CARDOSO, 1978: 114).
. “[...] Há portanto, dois casos típicos quanto às atitudes políticas: aquele em que a tônica é a
transformação (do que o melhor exemplo são os livros) e aquele outro em que há um equilíbrio
entre as duas posições, com alguma vantagem para a manutenção (do que o melhor exemplo são os
discursos). O Quadro VII nos mostra como se dá a distribuição entre os livros. Nada há nele que
cause espanto; os resultados se enquadram no que se poderia esperar. Logo ressalta a
predominância absoluta dos aspectos relativos à transformação nos textos em que se elabora o
planejamento para o desenvolvimento. Mesmo não levando em consideração o Programa de Metas,
devido aos seu tratamento eminentemente técnico, aquele fato e evidenciado com clareza nas
Diretrizes Gerais do Plano Nacional de Desenvolvimento. O diagnóstico do subdesenvolvimento
aponta para a pobreza, o processo do desenvolvimento é a terapia anti-pobreza: na ação econômica
está tudo aquilo que se pretende modificar. Nos textos que antecedem a subida ao poder
presidencial, a preocupação maior é com a qualificação do esforço que se pretende empreender para
superar a estagnação. Todas as armas disponíveis se voltam contra o inimigo principal, a miséria. O
mais fica relegado a plano secundário, inclusive os componentes do item ‘manutenção’, que, porém,
nunca se ausentaram da lógica da análise” (CARDOSO, 1978: 115).
. “Nos textos mais gerais estes [componentes do item ‘manutenção’] ganham quantitativamente o
lugar que a sua qualidade nesta lógica lhes confere, indicando a subordinação dos ideiais de
crescimento econômico aos do fortalecimento do regime e das instituições. [...]”(CARDOSO, 1978:
115).
. “O Quadro VIII nos mostra que o tipo de audiência dos discursos influi na distribuição do tema
IV. O total dos discursos proferidos em âmbito restrito indica equivalência dos itens do tema, com
alguma desvantagem para ‘manutenção’. A situação se inverte nos discursos dirigidos a grandes
públicos, através do rádio. Controlando a distribuição por audiência no decorrer dos anos do
Governo JK, podemos verificar que: nos anos intermediários as porcentagens são praticamente as
mesmas, tanto para restritos quanto para o V.B.; e que, em 1956, e principalmente em 1960, a
presença dos indicadores de manutenção é maior nas transmissões radiofônicas da Voz do Brasil.
São justamente o primeiro e o último anos do mandato presidencial, o imediatamente posterior à
posse de Juscelino – profundamente contestada – e o imediatamente anterior à posse do novo
Presidente que o substituiria no poder – e que a oposição pretendeu estivessem sendo negada pelo
Presidente ainda em exercício, com as alegações de continuísmo. São momentos de grave crise
política, para cuja resolução JK pretendia que devesse contar com o apoio popular, além,
naturalmente, do apoio político mais direto e imediato. Tinha na mobilização da opinião pública um
dos seus trunfos: quando chegou, legitimamente, para que pudesse cumprir o seu mandato; quando
se despedia, para que pudesse voltar (o ‘JK 65’ era mais do que uma intenção vaga)” (CARDOSO,
1978: 117).
. “Em 1960, nos discursos restritos, a frequência de ‘manutenção’ cai tanto, em relação aos V.B.,
que é de muito ultrapassada por ‘transformação’. Esta última também predomina no conjunto dos
discursos de 1959 e nos feitos durante o Governo do Estado de Minas Gerais. Penso que, nos três
casos, este fato se deve a que a ênfase nas realizações concretizadas ou por concretizar, nos
benefícios do planejamento para maior eficácia das ações e no esforço que a luta contra a pobreza
exige de todos – ênfase que acompanha os escritos do Governo Kubitschek de um modo geral –
encontra nestes períodos, por razões diversas, a oportunidade de manifestar-se também nos
discursos. Vejamos cada um destes casos” (CARDOSO, 1978: 117).
. Crises de 1959 e 1956 e suas diferentes naturezas (CARDOSO, 1978: 119-20).
. “Nos momentos de crise política em que a mobilização popular pode pesar na balança das forças, a
utilização dos meios de comunicação de massa torna-se um poderoso instrumento político, através
da possibilidade de intervir na formação da opinião pública. 1956 é um exemplo de crise deste tipo.
A proporção dos discursos feitos pela Voz do Brasil sobre o total de cada ano fornece uma
indicação disso. O Quadro IX [p. 120] mostra claramente como esta proporção é marcadamente
mais alta em 1956 do que em qualquer dos outros anos do Governo JK. E muito mais alta também
do que a proporção total. Em 1960 a proporção não é maior em função do número elevadíssimo de
discursos que o Presidente proferiu nas mais diversas solenidades de homenagens que recebeu ao
findar o seu mandato” (CARDOSO, 1978: 120).
. “Interessa agora ver de perto os momentos em que não se manifesta a tendência geral da
distribuição interna do tema IV, ou seja, em que a ideia de manutenção se faz mais presente do que
a de transformação. Isto ocorre nos discursos de 1956, 1957, 1958, e 1956 V.B., sendo que de forma
bem mais acentuada em 1957, em que o item ‘manutenção’ chega a 65% do total do tema. Não
deixa de chamar a atenção o fato de numa perspectiva tão eminentemente transformadora como a
que o desenvolvimento propõe, os aspectos cujos significados os aproximam de ‘manutenção’
terem peso tão grande. Cabe lembrar que os discursos, de uma maneira geral, são falas
relativamente pequenas, em contato direto com grupos específicos. Traduzem sempre relações
muito mais políticas e menos técnicas, consequentemente. Trazem as colocações mais gerais e
menos fundamentais do pensamento político, na definição de pontos de vista, justificadores das
medidas específicas que interessam à audiência” (CARDOSO, 1978: 121).
. “[...] Por isso que 1956, 1957 e 1958, em conjunto, formam o cerne da problemática da ideologia
do desenvolvimentismo como ideologia dominante no sentido estrito, através da utilização do poder
central. 1957 é o ano em que o ímpeto para a sua realização é mais vivo; é o mais significativo,
portanto. [...]”(CARDOSO, 1978: 121).
. “A distribuição interna dos itens do tema IV é muito esclarecedora a respeito do sentido que JK
empresta às atitudes políticas. Tomemos os textos em que ocorrem as freqüências máximas e
mínimas de cada um dos itens, ou seja, as Diretrizes Gerais do Plano Nacional de Desenvolvimento
(P.N.D.), em que se verifica a maior presença de indicadores de transformação (88% do total do
tema) e os discursos proferidos em 1957 pela Voz do Brasil, em que o item ‘manutenção’ recebe a
sua maior representação (65% do total do tema). Há quatro categorias gerais que perpassam os itens
do tema IV: 1) legalidade, que compreende tanto o apego à ordem vigente e ao regime, de uma
maneira mais profunda, quanto o recorrer às leis em geral, e à Constituição, em particular, para
preservar direitos que a ordem geral garante, mas que são questionados ou ameaçados; 2) ênfase no
futuro, através do otimismo e do entusiasmo que acenam com dias melhores, facilitando o não
questionamento do presente; ou ênfase no presente, em que se frisam as atitudes necessárias para
ultrapassar as dificuldades que o caracterizam; 3) a definição de posições político-ideológicas, em
qualquer das suas variações; 4) colocações gerais de manter/mudar. O Quadro X [p. 124] mostra
como essas categorias se apresentam naqueles textos” (CARDOSO, 1978: 122).
. “Quanto ao item ‘manutenção’, vemos que há predominância sensível da categoria legalidade, que
neste caso implica ordem, regime, paz. Mais da metade item, cabe a ela. Segue a ênfase no futuro,
que aqui aparece sempre como grandeza nacional, na realização do destino de um grande país, daí
porque se deva ter esperança e confiança” (CARDOSO, 1978: 123).
. “Já no item ‘transformação’, os aspectos dominantes são aquele que se referem ao que fazer no
presente para apressar a chegada ao grande destino. Quase todo o item se consome deste modo
(88%). Releva notar que aqui se faz menção, embora um número muito reduzido de vezes, a
posições político-ideológicas (apenas 5%)” (CARDOSO, 1978: 123).
. “Este último aspecto é de importância crucial para a análise. A definição de posições é quase
inteiramente ausente do discurso. Só aparece ocasionalmente e sem maior expressão. O índice de
discussão propriamente política é, pois, muito fraco no discurso juscelinista. Sua atitude política se
define nela mesma, apoiando-se na ordem e no futuro promissor que ela garante e identificando a
ação racional dentro deste quadro: trabalho coletivo, esforço comum, planejamento. Aceita-se a
forma que a realidade mostra, pretende-se mudar alguns elementos do seu conteúdo, aumentando a
riqueza geral. No fundo, a atitude é bastante conservadora, implicando a aceitação daquilo que é”
(CARDOSO, 1978: 123).
. Seria um paradoxo aceitar aquilo que está dado idealizando o futuro do país? “O paradoxo, no
entanto, estará resolvido quanto atentarmos para que o futuro que se pretende será a realização do
nosso destino, algo que já está posto como tal; e que o regime, a lei, as instituições vigentes já
contêm a possibilidade da sua realização. A ordem, assim, tem um papel importante a
desempenhar” (CARDOSO, 1978: 123).
. “Nosso rumo já está dado pela nossa formação. Não o estamos renegando, porém, no movimento e
que não aceitamos o nosso estado de subdesenvolvimento. Assim, a luta pelo desenvolvimento
enquanto transformação é basicamente econômica, é apenas quantitativa, uma questão de grau, de
ascensão numa escala já definida, que é aquela em que atualmente nos situamos, só que em
posições ainda inferiores. E é esta ordem que ao próprio desenvolvimento caberá defender”
(CARDOSO, 1978: 123-25).
. “Resumindo, temos que a situação atual de subdesenvolvimento é passível de ser modificada,
ainda mais porque a nação é potencialmente muito rica, quer em recursos naturais, quer em recursos
humanos. O futuro de grandeza, que se constitui no objetivo a alcançar pelo esforço coletivo, é de
progresso em geral, de elevação do nível de vida de todos. Mas só será assim dentro da ordem”
(CARDOSO, 1978: 125).

3.3.b) a pobreza como um dado


. “[...] A abordagem [da pobreza] restringe a análise ao concreto imediato. Não permite que se
vislumbre a existência de uma estrutura subjacente que lhe dê forma, não capta as relações sociais,
nem o seu papel” (CARDOSO, 1978: 125).

3.3.c) a subversão como uma consequência da pobreza


. “A luta pelo desenvolvimento ‘é para fortificar o sistema de defesa da democracia’. O esforço
contra o pauperismo é basicamente o esforço pela democracia, identificada como o grande valor
político norteador, como ‘a causa do homem’. E não se trata apenas de uma possível utilização da
situação de pobreza por ideologias antidemocráticas. A formulação vai mais fundo, identificando
esse perigo na própria condição de pobreza, em si degradante e suficiente como reino da
desesperança, para retirar daqueles que a sofrem todo apego à ordem” (CARDOSO, 1978: 127-28).
. Análise desta perspectiva; crítica a uma viés “meritocrático” (ibidem, idem).
. “Trata-se de um problema econômico (pobreza), que origina um perigo político (subversão). Para
ele se propõe uma solução econômica: investimento para a industrialização, com a cooperação
internacional. Transformar, portanto, a economia pré-industrial, responsabilizada em si mesma, sem
qualquer questionamento quanto aos vínculos do seu estabelecimento com o sistema global de que
faz parte. [...] Perturbador é que, em afirmação tão claramente antimaterialistas, estejamos diante de
uma forma de compreender a formulação ou a incorporação ideológica em dependência direta, e
quase imediata, das condições de existência” (CARDOSO, 1978: 128-29).
. “Na guerra fria a ação dos países subdesenvolvidos vinculados ao bloco ocidental deveria ser uma
ação preventiva, de eliminação das fontes geradoras da insatisfação contra a ordem. Deste modo,
uma ação contra a miséria, uma ação para o desenvolvimento, considerada como único meio capaz
de combate profundo à subversão. Baseado nesta perspectiva é que o Governo JK não aceita dar um
tratamento meramente policial ao comunismo, procurando mostrara que as raízes do mal são
econômicas e que como tal devem ser tratadas. Busca, assim, definir uma posição específica dos
povos subdesenvolvidos face ao problema” (CARDOSO, 1978: 130).
. “Segundo o conjunto desta concepção, os problemas dos países pobres transcendem as suas
fronteiras e atingem todo o mundo. A responsabilidade pelo desenvolvimento das regiões
subdesenvolvidas passa a ser comum também aos países desenvolvidos, não através de invocações
de justiça social ou de apelo a sentimentos cristãos, mas por alegações que concernem ao fundo das
preocupações dos próprios países mais desenvolvidos, pois relacionadas com seu confronto na
guerra fria. Os subdesenvolvidos jogam a sua fidelidade ideológico-política com a necessidade de
ajuda dos povos desenvolvidos. Os desenvolvidos jogam a sua colaboração com a manutenção do
sistema em que são dominantes” (CARDOSO, 1978: 130).

3.3.d) A fundamentação do desenvolvimento é a segurança


1) o desenvolvimento como defesa dos valores democráticos
. “A comparação com povos adiantados, que as relações internacionais mais constantes e mais
estreitas em campos não meramente comerciais vêm facilitando enormemente, contribui para
formar nos subdesenvolvidos a percepção da sua precariedade, o que é para eles difícil de aceitar. O
despertar das regiões pobres para a sua situação no mundo não é um processo sem consequências,
nem estas são simples e inteiramente controláveis. Desencadeia um profundo mal estar social,
bastante próximo da intranqüilidade política, ainda mais quando política e ideologicamente
aproveitado, o que não raro se verifica” (CARDOSO, 1978: 131).
. “Entre as populações sujeitas àquele processo, a mobilização baseada em perspectivas
recuperadoras não surge como tarefa das mais árduas. Esta possibilidade ampla de obter apoio
político, no entanto, se mostra como uma faca de dois gumes, pois se trata de grupos sociais
significativos que se encontram em situação de poder ser atraídos por qualquer tipo de chamamento,
desde que acene com o término de seus sofrimentos e privações. Estão aí incluídos apelos que
contrariam a ordem” (CARDOSO, 1978: 131).
. “Este tipo de compreensão do problema do subdesenvolvimento faz com que o Governo se
coloque a necessidade de atuar no sentido de impedir que aquela intranqüilidade possa vir a ser
canalizada de forma organizada, possa vir a se constituir em força perturbadora. É preciso atacar o
mal e da perspectiva juscelinista a melhor forma de fazê-lo é atacando-o pela raiz. Se é a
inferioridade econômica que dá margem ao surgimento destas alterações, para preveni-las deve-se
tudo fazer para o fortalecimento econômico das nações sujeitas àquele processo” (CARDOSO,
1978: 131-32).
. “Para JK os povos subdesenvolvidos, entre os quais o Brasil se encontra, participam de um mundo
em que, apesar das diferenças de riqueza, há valores comuns que precisam ser resguardados acima
de tudo. São esses os valores que se identificam com a ordem e que constituem o fulcro da
democracia. [...] De acordo com esta concepção, a importância dos países subdesenvolvidos se deve
à sua posição estratégica no decidir do destino da democracia. Seria esta a força da penúria”
(CARDOSO, 1978: 132).
. Estratégia de difusão do Socialismo das potências comunistas sobre países subdesenvolvidos e
contrapartida das potências ocidentais a isto e o consequente aumento do poder de barganha da
América Latina (CARDOSO, 1978: 132-33).
. Operação Pan-Americana (OPA), proposta pelos países subdesenvolvidos e Aliança para o
Progresso (AP) pelos EUA (CARDOSO, 1978: 133).
. Desenvolvimento dos argumentos subdesenvolvimento = crescimento da ameaça socialista ou
antidemocrática (CARDOSO, 1978: 134-35).

2) a importância estratégica da América Latina [p. 135-142]


. “Liderança” brasileira entre os países latino-americanos; proposta para a OPA de desenvolvimento
do continente; mais argumentos sobre a luta contra o socialismo priorizar o desenvolvimento
econômico p. 136-37; Deslocamento do argumento da “soberania” para “defesa” quando do acordo
que Fernando de Noronha entre Brasil e EUA para a instalação de aparelhos de acompanhamento
de projéteis teleguiados p. 140-41; possibilidade do acordo ensejar uma cooperação efetiva por
parte dos EUA com relação ao Brasil p 142.

3) a segurança definida ideologicamente


. Segurança deslocando-se da acepção militar para a ideológica p. 143-44; ideologia dominante
fixada pelo sistema, mas nunca vinculada à raiz internacional, sempre citada como “combate às
ideias antinacionais” p. 144; controle ideológico como matéria de segurança p. 145-46.

4) o desenvolvimento como problema de segurança


. “[...] com JK a dimensão econômica do próprio conceito de segurança é que se constitui no objeto
principal da ação do Governo. Sim, porque o pensamento então dominante é o de que a segurança
está em perigo sem o desenvolvimento, ou, como seria o caso, latino-americano, somente o
desenvolvimento poderia garantir a segurança das instituições democráticas. [...]”(CARDOSO,
1978: 146).
. “Para que a ação governamental não seja meramente paliativa e circunstancial ela deve dirigir-se
para causas profundas do problema que a motiva. Se ‘o problema da segurança do Brasil é
problema de desenvolvimento’, para resolver o primeiro é preciso equacionar o segundo.
Teoricamente o desenvolvimento passa a ser encarado como condição necessária para a segurança
[...]. Por isso que as realizações no campo econômico não apenas são vistas sob o prisma político,
mas também, e principalmente, são feitas para servir a objetivos políticos. Mas a ação pretendida é
fundamentalmente econômica. [...]”(CARDOSO, 1978: 146).
. Aspecto prático de desenvolvimento militar efetivo decorrente das alianças das nações
subdesenvolvidas com a norte-americana p. 148-49.

5) desenvolver para contrariar ideologias opostas


. “O objetivo primeiro do desenvolvimento segundo esta ideologia é o do combate ao comunismo.
[segue declaração de JK neste sentido...]” (CARDOSO, 1978: 149).
. relação de JK com a ideologia cristã e implicações disso em sua compreensão do socialismo p.
149-50.
. Entretanto... “A fundamentação do esforço para o desenvolvimento é a segurança, numa posição
abertamente anticomunista. As raízes desta colocação, bem como as suas consequências, podem ser
encontradas no plano interno, bem como no plano externo, mas sua origem última está no campo
das relações internacionais, no cenário principal da guerra fria. Da parte do subdesenvolvidos não
está ausente dessa formulação a intenção de obter cooperação internacional em grande dose para
possibilitar o desencadeamento do processo de crescimento econômico acelerado e contínuo. Mas
este motivo não é exclusivo. Analisando com um pouco mais de cuidado, podemos alcançar a
concepção de que a ideologia do desenvolvimentismo é um caso particular da ideologia do
desenvolvimento em geral, ou seja, que ela coloca, para a faixa de mundo compreendida pelos
países subdesenvolvidos, as condições necessárias da sua integração mais dinâmica no sistema
capitalista face às exigências atuais que ele apresenta, e da sua contribuição efetiva para a expansão
do sistema como tal.
Podemos apresentar a suposição básica do desenvolvimentismo da seguinte maneira:
a causa da Democracia = defesa do mundo democrático = segurança continental – guerra ao
comunismo = combate à miséria = luta pelo desenvolvimento” (CARDOSO, 1978: 150-51).
. “Com o subdesenvolvimento é a Democracia que está em jogo, o que gera um problema que
transcende os limites de cada país subdesenvolvido. No caso que nos concerne diretamente são os
seguintes os planos em que ele se engendra e que são afetados pelas soluções alternativas que para
ele sejam propostas: 1) nacional; 2) regional; 3) continental; 4) ocidental; 5) mundial. Ou
especificando: 1) Brasil; 2) América Latina; 3) América; 4) Ocidente; 5) Ocidente x Oriente”
(CARDOSO, 1978: 151).
. “A problemática desenvolvimentista opõe dois modelos. Um deles já está constituído e assenta
sobre bases que, no fundo, são também as da sociedade brasileira. Deste modo, pode-se tornar
facilmente o padrão para o nosso desenvolvimento. Compreende as nações capitalistas avançadas, é
o chamado modelo ocidental. O outro ainda está em constituição, num processo quase totalmente
ignorado pelos brasileiros. É o modelo socialista, apresentado como procedendo à eliminação dos
mais arraigados valores da nossa civilização. Mostra-se a oposição, assim, entre um modelo de
irmãos e um modelo de inimigos. Para o desenvolvimento, a própria colocação da questão já aponta
o caminho a seguir: temos que tomar partido ‘pela causa da Democracia’. E para que a abracemos
de forma consequente, precisamos fortalecer-nos, cada um, e nos unirmos, todos” (CARDOSO,
1978: 151).
. Democracia como análoga ao capitalismo p 151.
. Esses dois últimos pontos consistiriam uma análise marxista?
. “No caso latino-americano, e portanto no caso brasileiro, parece-lhe que há um elemento a mais
fortalecendo os laços daquela união. Com a nação líder do hemisfério ocidental temos, além do
fator de identificação ideológica, um outro de natureza geográfica. Nossa proximidade é não apenas
moral, mas também física: formamos um só continente. E a ideologia do desenvolvimentismo em
vez de encarar a nossa separação sociologicamente, através de algum tratamento da categoria
desenvolvimento/subdesenvolvimento, o faz em termos de formação histórica, que delimita o
subgrupo mais fraco: somo América Latina, porém, de latinos, somos americanos. O Pan-
Americanismo se incumbe de tornar presente esta postura. Somos uma comunidade e como tal
devemos portar-nos. Mesmo que formulações deste tipo partam de um país subdesenvolvido, não há
dúvida de que é o exercício da hegemonia norte-americana que está sendo facilitado e se tornando
mais vigoroso no Continente. A eficácia da defesa de qualquer dos Estados americanos será tanto
maior quanto mais estreitas forem suas relações, especialmente contra ameaças de caráter político-
ideológico. À medida que se fortalece a união americana, a segurança de cada país vai assumindo a
dimensão continental, propiciando uma mobilização no mesmo nível” Análise totalmente marxista
(CARDOSO, 1978: 152).
. “A identificação das Nações com a Democracia, nesta conjuntura, supõe a existência de um perigo
concreto com que ela se esteja defrontando. As consequências práticas daquela identificação
constituem as múltiplas formas de atacar o comunismo, entre as quais ressalta, do ponto de vista
dos subdesenvolvidos, o combate à miséria. Aqui estão os dois pontos importantes desta formulação
da questão: primeiro, a compreensão da segurança levada a seus fundamentos mais remotos, e por
isso mesmo mais básicos – os princípios mais gerais em que ela assenta, concentrados no conceito
de Democracia. Decorre que, para que a segurança possa efetivar-se, ela tem que ser coletiva;
segundo, a indicação de uma de várias frentes que são criadas na guerra ao comunismo, aquela
justamente que tem a ver conosco em termos diretos – a miséria – e o destaque do programa que é
montado para dar conta da nossa parte naquela guerra – o desenvolvimento” (CARDOSO, 1978:
152).
. “É possível, a partir daí, resumir a hipótese de sustentação da ideologia do desenvolvimento assim:
a causa da Democracia = guerra ao comunismo = luta pelo desenvolvimento.
Se estamos envolvidos pela conjuntura internacional definida pela guerra fria e se a
especificidade do nosso desenvolvimento corresponde ao nosso estado de subdesenvolvimento – a
especificidade da nossa colaboração na luta é o nosso próprio desenvolvimento, em nome da
salvaguarda da Democracia” (CARDOSO, 1978: 152).

3.3. e) a ordem como requisito para o desenvolvimento


. Relações entre miséria, desenvolvimento, subversão, etc. matematicamente representadas
(CARDOSO, 1978: 153).
. “O ponto de vista adotado é indiscutivelmente aquele que parte da ordem, a finalidade última é a
de eliminar a subversão. A política desenvolvimentista é a que pretende eliminar o mal ideológico
nas origens do seu nascimento. Analisando-o e identificando-as como carência econômica, dirige-se
preferencialmente para supri-la a fim de conseguir seu objetivo primacial, debelar todas as ameaças
à ordem. [...] Mas o desenvolvimentismo não o propõe [eliminação da pobreza] para camadas
sociais ou regiões, mas para nações” (CARDOSO, 1978: 154).
. “Desenvolvimento econômico e controle ideológico são os dois campos privilegiados da ação
governamental desenvolvimentista, conforme o propõe a sua ideologia; o primeiro muito mais
absorvente do que o segundo, consumindo mais atenção, mais tempo e mais recursos, embora vise
permitir aquele controle do modo mais eficaz, porque indireto e agindo em profundidade. [...] A
subversão encontrará portas fechadas quando a ação econômica fizer sentir seus resultados num
crescimento harmonioso e quando as populações mais sujeitas à sua propaganda estiverem avisadas
do risco que ela representa. [...]” (CARDOSO, 1978: 154).
. Outra representação matemática das relações (CARDOSO, 1978: 156).
. “Qualquer tipo de desordem que ultrapasse o nível dos pequenos grupos sociais ou das relações
meramente interindividuais é elemento perturbador do desenvolvimento, e como tal merece ação
pronta e eficaz que a neutralize. A ordem é, pois, requisito para o desenvolvimento” (CARDOSO,
1978: 157).
. “É preciso não esquecer que o Governo JK foi uma época grandemente tumultuada, marcada ainda
pela grave crise que a antecedeu e que culminou com o suicídio de Getúlio. Os ânimos políticos,
embora abalados com o desfecho tão trágico, não se arrefeceram diante da ascensão do político do
PSD – PTB à Presidência da República. As forças políticas que combatiam Vargas não puderam
encontrar sucesso com a sua ausência, já que o candidato dos grupos getulistas é que conseguiu a
vitória nas eleições. Não eram poucas essas forças, nem estavam dispostas a fraquejar na luta. O
candidato Juscelino, o eleito Juscelino, o Presidente Juscelino tiveram que enfrenta-las sem
esmorecimento e com toda a habilidade que a sua escola política – o PSD mineiro, lhe ensinara”
(CARDOSO, 1978: 157).
. Logo, “A defesa da ordem, da lei, da Constituição, do regime, equivale, para Juscelino, à defesa da
sua candidatura, da sua posse, da sua manutenção no governo pelo período previsto. Ele diz ser a
ordem fundamental para o desenvolvimento, sabendo que ela é fundamental para o seu próprio
exercício político. A facções que se opunham ao governo não pareciam esquecer as pretensões
golpistas e mantinham acesa a fogueira, mobilizando parcela considerável da opinião pública.
Qualquer descuido poderia ser desastroso para a política situacionista. Dada a ameaça permanente e
o tipo de acusação que faziam, o grande escudo era a ordem [...]”(CARDOSO, 1978: 157).
. Analisando Mensagens de 1957, Cardoso entende que estas trazem implícitas a compreensão de
que “Não há país que possa progredir, não há governo que possa bem servir à causa comum da
prosperidade, quando a intranqüilidade faz com que as energias seja dispersadas e as prioridades a
serem dadas em função de um trabalho a prazo longo sejam desvirtuadas por injunções
momentâneas. Na formulação desenvolvimentista, então, desenvolvimento e ordem se identificam”
(CARDOSO, 1978: 158).

3.4 – Conclusão: o desenvolvimento e a segurança


. Mais demonstrações matemáticas das relações entre conceitos (CARDOSO, 1978: 160).
. “A segurança pública determina o processo do desenvolvimento. Ela pertence à segurança em
geral, que é por sua vez determinada por aquele mesmo processo. Estamos, portanto, diante de uma
determinação mútua entre o processo de desenvolvimento e a segurança” (CARDOSO, 1978: 160).
. “A ideologia do desenvolvimento encontra relações como estas também para a ordem e o
desenvolvimento [segue demonstração matemática...]” (CARDOSO, 1978:160-61).
. “A ordem (regime democrático) determina o desenvolvimento e este determina aquela. Trata-se,
pois, de uma determinação mútua. Por um lado, é a ordem que aparece como necessária para o
desenvolvimento. [segue citação de JK...]. Por outro lado, Juscelino também assegura que a ordem é
função do desenvolvimento, que sem o desenvolvimento a ordem democrática não conseguirá
sobreviver. [segue outra citação de JK...]” (CARDOSO, 1978: 161).
. “Parece-me que são quatro as primeiras variáveis com as quais a ideologia do desenvolvimentismo
constrói o seu núcleo. Agrupam-se duas a duas, constituindo dois pares de oposições: miséria (m) e
processo de desenvolvimento (d); subversão (s) e segurança (S). Segundo essa formulação, a
subversão está para a miséria assim como o processo de desenvolvimento está para a segurança.
Com a colocação destas relações, o desenvolvimentismo procura indicar a necessidade da formação
de uma totalidade nova em que o País esteja se desenvolvendo, em segurança, e criando condições
para ampliá-la, contra a situação atual de miséria, que dá margem ao surgimento e à ampliação da
subversão. [segue representação matemática]” (CARDOSO, 1978: 163).
. “Definindo esta nova totalidade como uma tendência, para pensar o seu limite duas outras
variáveis são incorporadas, formando um novo par de oposição, que mantém com os outros dois a
mesma relação: desenvolvimento (D) e ordem política global ou democracia (P). [segue
representação matemática...]” (CARDOSO, 1978: 163).
. “É preciso combater a subversão para garantir a segurança – caso em que a relação se passa toda
no próprio nível ideológico. É preciso combater a miséria para garantir a ordem democrática – caso
em que a relação se processa entre os níveis econômico (âmbito do primeiro par de variáveis) e
ideológico (âmbito do segundo par), abrangendo a estrutura como um todo” (CARDOSO, 1978:
163).
. “Conjugado o segundo termo de cada um dos pares de oposição das relações que analisamos,
podemos definir as características básicas da sociedade que o desenvolvimentismo almeja:
desenvolvimento e Democracia. Juscelino as pensa como condições necessárias para a preservação
da sociedade. [...] Sem cumprir estas duas determinações a sociedade não sobreviverá, ou a ordem
vigente não resistirá. Urge que se empenhe todos os recursos para alcança-las, o que vem a
constituir o grande objetivo desta ideologia” (CARDOSO, 1978: 164-65).

4 – Formulações da política externa


4.1 – Importância da cooperação internacional
4.1. a) dependência do desenvolvimento à cooperação internacional
. “Segundo esta ideologia [desenvolvimentista], a via de acesso ao desenvolvimento econômico é
encontrada na industrialização. Ela requer um montante de investimento que está muito acima das
forças atuais dos países pobres. Boa parte do capital que consigam destinar para o investimento
deverá ser aplicado em equipamento, que tem de ser comprado no exterior. Carecem eles, portanto,
fundamentalmente de capital, e particularmente de divisas. O desenvolvimentismo acredita que o
problema que deve ser posto, para que se esteja sendo objetivo, é o de como conseguir este capital e
estas divisas. [...] Tanto o capital oriundo da exportação, quanto o capital proveniente de créditos,
ou financiamentos, ou investimentos estrangeiros, são todos capital, e essa é a principal carência, é
o problema mais crucial das nações em desenvolvimento. O importante é conseguir o suprimento
necessário” (CARDOSO, 1978: 170-71).
. “Também não vê a ideologia nenhuma diferenciação radical entre a exportação e a
industrialização. Elas não se opõem, antes se complementam, pois é com o que se aufere da
exportação que se adquirem os equipamentos e as matérias-primas para a industrialização. [...] Para
isso, porém, é preciso auxílio de fora até a economia do país conseguir impulso suficiente para
caminhar por si mesma” (CARDOSO, 1978: 171).
. “Se a industrialização é o maio através do qual o subdesenvolvimento pode ser superado, o
aumento da exportação [...] aliado à obtenção de recursos externos, constitui a forma de possibilitar
a atualização daquele meio. Exportar e contrair dívidas no exterior para poder industrializar-se. Para
que a economia possa ver o seu setor secundário ampliado ela necessita de capital e técnica.
Suprindo-nos se estará permitindo a industrialização, e com ela o desenvolvimento autônomo.
[segue citação de JK...] Aí está a resposta que a ideologia do desenvolvimento de JK encontra para
a tônica da problemática do nacionalismo em relação ao capital estrangeiro” (CARDOSO, 1978:
171).
. “Este nacionalismo vê na presença do capital estrangeiro em grandes doses na economia nacional
uma reedição ou um fortalecimento da situação colonial que marca a história dos países
subdesenvolvidos. O estatuto de colônia impõe uma estrutura em que a capacidade de decisão lhe
escapa, estatuto que, assim definido, se mantém mesmo após a constituição da nacionalidade como
independência política. De acordo com ele, a industrialização romperia com esta situação, na
medida em que internalizasse os centros de decisão, a partir de uma produção voltada para o merco
interno. Se, porém, para esta industrialização há que recorrer ao capital externo, ele controlará
também este setor da economia e aquela internalização não terá como concretizar-se. Nesse sentido,
a presença do capital estrangeiro na industrialização dos países subdesenvolvidos teria como
efeitos, por um lado uma contribuição efetiva para o progresso e o crescimento econômico, e por
outro a manutenção do estatuto colonial por uma nova via – não mais apenas pela exportação de
matérias primas e produtos primários e importação de manufaturados, mas também pela produção
industrial local” (CARDOSO, 1978: 171-72).
. “Juscelino compreende as coisas de forma radicalmente distinta. Seu pensamento se baseia em que
já não somos mais colônia. Somos um país atrasado, apenas. Constituímos uma Nação, formamos
um povo, temos nossas características próprias. Sabemos o que queremos e o que nos convém. ‘Não
somos mais uma nação colonizável’, afirma ele. Com isto quer dizer que uma região é colonizável
quando se submete passivamente ao colonizador, quando não é capaz de lhe resistir. Desde que não
permitamos que o estrangeiro resolva por nós, desde que com eles discutamos as nossas
necessidades e apontemos as nossas prioridades, não nos estaremos deixando colonizar. Como o
capital estrangeiro virá localizar-se de acordo com um planejamento que é nosso, esse risco não
existe. Temos ‘personalidade nacional’ delineada, que nos resguardará de qualquer investida que
ultraje a nossa soberania” (CARDOSO, 1978: 172).
. “Permanecendo com toda economia assentada na exportação de poucos produtos, tal como quando
éramos colônia, aí sim é que nos estamos expondo. Com a inércia diante da necessidade de
progredir pela industrialização é que revivemos a situação colonial. Mas não quando nos
empenhamos em conseguir capitais que nos dêem um centro dinâmico moderno. E aqueles que
acedem ao nosso pedido não merecem ser tratados senão como amigos. É isto o que o nosso
desenvolvimento exige, conforme o pensamento desenvolvimentista” (CARDOSO, 1978: 172).
. Entretanto, “Fora do investimento direto, as demais formas da vinda de capitais implicam
pagamento posterior da nossa parte; além disso, sendo um bem tão escasso e tão necessário, dentro
do quadros de programação econômica seria um desperdício o emprego do capital de modo
meramente especulativo. Não é nesses termos que ele é indispensável para o desenvolvimento”
(CARDOSO, 1978: 173).
. Dada a desfavorável relação de troca entre países subdesenvolvidos e desenvolvidos, a presença de
capital dos segundos a investirem nos primeiros se valoriza ainda mais. Assim, é necessário o
convencimento de que o investimentos seria de interesse dos desenvolvidos. O argumento de
Kubitschek da ameaça comunista decorrente do subdesenvolvimento serve também a este propósito
(CARDOSO, 1978: 173-74).
. “O governo brasileiro dirige as suas pretensões também para as grandes nações européias, mas em
primeiro lugar as leva aos Estados Unidos da América do Norte” (CARDOSO, 1978: 174).

4.1. b) a lucratividade do investimento estrangeiro


4.2 c) a harmonia da interesses [p. 179]
. “Sendo comuns os interesses, as distinções de nacionalidade no terreno econômico passam a ser
quase formalidades, pois o que verdadeiramente importa é a racionalidade que possa ser conseguida
na expansão do capital. O exemplo das propostas juscelinistas quanto ao procedimento em relação à
indústria automobilística, quando se preocupa com a industrialização de base no setor de
equipamentos, pode ajudar a entender o dignificado emprestado àquela racionalidade. Nas sua
Diretrizes Gerais do Plano Nacional de Desenvolvimento, diz: ‘A solução que nos parece ideal é
formarem-se no Brasil empresas associadas a empresas estrangeiras do mesmo ramo, utilizando-se
a experiência, os métodos e as patentes destas, quer para a fabricação de caminhões, quer para a de
automóveis, ao mesmo tempo que se concedam fortes incentivos à indústria nacional de auto-peças’
[JK, P.N.D. p. 158]. Como para o desenvolvimentismo os maiores obstáculos ao nosso
desenvolvimento em certos setores-chave da economia são o capital e a técnica, e como ele entende
que com a associação com empresas estrangeiras do setor em questão é possível superar aquelas
barreiras, é para ele racional que se recomende medidas neste sentido. A harmonização dos
interesses não pode ser maior do que através da conjugação de esforços numa empresa que se torna,
na verdade, comum. De harmonização ela tende à identificação” (CARDOSO, 1978: 180).
. A entrada de capital estrangeiro, privado ou estatal não é, entretanto, ajuda, mas interesse
(CARDOSO, 1978: 180-81).
4.1. d) a política de capitais estrangeiros
. “Vimos que toda esta ideologia política está centrada no desenvolvimento (finalidade) e que para
ela todo mal se contém na pobreza do país (situação atual); estamos vendo que a dificuldade mais
fortemente enfatizada para superar o estado em que nos encontramos é entendida como sendo o
capital (meio)” (CARDOSO, 1978: 184).
. “No que se refere à política de capitais estrangeiros a ser adotada, a ideologia do período
juscelinista faz questão de reduzir ao mínimo as possíveis diferenciações entre o que é nacional e o
que é estrangeiro. Creio que é mesmo possível afirmar que, quanto a capital, a sua designação como
nacional ou estrangeiro não atinge significação relevante além do que envolve a sua origem definida
geopoliticamente. [...]” (CARDOSO, 1978: 184).
. “Como aquilo de que se precisa é capital, a política deverá propiciar o instrumental para que se
possa dispor dele, venha de onde vier, desde que ela possa reservar-se o controle indispensável
sobre ele, para que sirva efetivamente aos seus objetivos programados. [...] Não há primazias, nem
preferências – o que importa é o volume dos investimentos, sem os quais a barreira da estagnação
não poderá ser rompida” (CARDOSO, 1978: 184).
. “Não há, como não caberia deixar de haver neste âmbito ideológico, diferenciação entre o
tratamento dado ao capital público e privado estrangeiro e ao capital público e privado nacional.
[...]” (CARDOSO, 1978: 185).
. “O Programa de Metas foi montado contando com uma participação estrangeira da ordem de 1/3
dos seus investimentos globais. Todo o Programa repousa nas condições de investimento. As duas
limitações principais são a inflação e a insuficiência da capacidade para importar. [...]”(CARDOSO,
1978: 187).
. Procedimentos para levantar recursos em moeda estrangeira (CARDOSO, 1978: 188).
. Baixa do preço de produtos nacionais no exterior como fator crítico para a mobilização da política
econômica desenvolvimentista [baixa do café em 1955] (CARDOSO, 1978: 188-89).
. Perspectiva otimista com relação aos empréstimos e investimentos do capital estrangeiro em
decréscimo gradativo de 1958 a 1960 (CARDOSO, 1978: 189-90).
. Declaração [que contradiz afirmações suas durante seu Governo presidencial] de Juscelino pós
presidência de que o afluxo do capital não fora tão grande e que os EUA muitas vezes foram
indiferentes aos apelos brasileiros (CARDOSO, 1978: 190).
. Capital + técnica de produção transplantada ao Brasil e sua importância na ideologia
desenvolvimentista (CARDOSO, 1978: 191).

4.1. e) a dimensão política da cooperação internacional


. “Como resultado do conceito ideológico da segurança e da ampliação das fronteiras a defender,
que ele cria, tem-se que a segurança de qualquer dos países que se qualificam como ocidentais
passa a ser tarefa comum a todas as nações do mundo democrático. Elas cooperam entre si: as mais
poderosas ajudando as mais fracas; as que possuem pontos ou elementos estratégicos, cedendo-os
para a defesa comum – a fim de fortalecer politicamente o bloco para o qual todos os países-
membros devem contribuir, cada um de acordo com as suas possibilidades” (CARDOSO, 1978:
192).
. “Partindo do suposto, colocado pela ideologia do desenvolvimentismo, de que a luta contra o
subdesenvolvimento é parte importante, senão a principal, da luta contra a subversão – qualquer
participação econômica que vise ao desenvolvimento das regiões subdesenvolvidas é uma
colaboração no sentido da segurança” (CARDOSO, 1978: 192).
. “Dando esta dimensão política à participação econômica, e entendendo a política em grande parte
como segurança, a ênfase da ideologia pode crescentemente se deslocar do político para o
econômico, ou seja, a ideologia dominante se torna cada vez mais fortemente econômica, e política
apenas por meio da sua caracterização econômica. Esta é uma das razões, das mais aparentes e mais
próximas, porque a problemática desenvolvimentista exclui quase inteiramente o debate
propriamente político ou propriamente ideológico do desenvolvimento” (CARDOSO, 1978: 193).

4.1. f) nacionalismo para o desenvolvimento


. “Na ideologia desenvolvimentista, pelo menos no que diz respeito à sua formulação juscelinista, o
nacionalismo se define pelo desenvolvimento [citação de JK...]. É uma caracterização particular do
nacionalismo, quase inteiramente destituída dos seus elementos propriamente políticos, em que a
Nação, compreendida como expressão de um povo, seria o elemento definidor por excelência”
(CARDOSO, 1978: 193).
. “Aqui, a compreensão da Nação não é mais do que formal, plano em que toda a nação se confronta
com qualquer outra como unidade isolada, enriquecendo-se mutuamente no confronto – já que o
conceito passa a ser, antes de tudo, cultural. Como esta ideologia elimina completamente algum
vínculo que pudesse existir entre exploração e subdesenvolvimento, sendo este compreendido como
apenas um estado de civilização, uma nação subdesenvolvida diante de outra, desenvolvida, sente o
seu atraso, e isto gera inferioridade, e talvez subserviência. No caso de que esta subserviência
exista, ela e consequência de um confronto desfavorável. A ideologia substitui, assim, com proveito
para o seu projeto, a relação dos países desenvolvidos para os subdesenvolvidos como exploração,
pela relação dos países subdesenvolvidos para os desenvolvidos como inferioridade, receio e
subserviência. São os subdesenvolvidos que se sentem inferiores e se tornam servis; e esta
subserviência não é, de forma alguma, resultado de uma exploração” (CARDOSO, 1978: 193-94).
. “Para o desenvolvimentismo, o que inferioriza e humilha uma nação é, pois, a sua pobreza. Em
decorrência, o nacionalismo segundo JK é o ‘nacionalismo que consiste em desenvolver, enriquecer
e tornar respeitado o Brasil’ [JK – Discursos, 1957, 737, 190-191]. [...]”(CARDOSO, 1978: 194).
. “A noção de defesa nacional está muito próxima das raízes do nacionalismo subdesenvolvido e
sugere que a nação está sofrendo alguma espécie de ameaça. A relação que necessariamente se põe
nesta problemática é a da nação com o estrangeiro que a ameaça e a defesa daquela implica
oposição a este. Não se trata do ‘estrangeiro’ como tal, alguém ou algo que só é estrangeiro por
comparação a alguém ou algo que é nacional, ou seja, qualquer estrangeiro. Trata-se, ao contrário,
do estrangeiro não como apenas uma nacionalidade ou um País, mas como uma oposição
perturbadora da Nação” (CARDOSO, 1978: 194).
. Entretanto, “[...] o nacionalismo inteligente é aquele que racionalmente procura encontrar os meios
para a consecução dos objetivos nacionais. Definido o mais alto deles como sendo o
desenvolvimento, o que dificulta o principal objetivo nacional fere a própria Nação. O nacionalismo
‘puro e nobre’ não pode se opor ao estrangeiro, que tem um papel positivo e até decisivo na
realização daquele propósito” (CARDOSO, 1978: 195).
. Nacionalismo pensado na chave de dominantes e dominados ou exploradores ou explorados
desconsiderado pelo desenvolvimentismo (CARDOSO, 1978: 195).
. “É interessante notar que Juscelino opõe uma atitude emocional – a oposição ao estrangeiro, que
entende nesse sentido –, que ele rejeita, a uma atitude racional – a que considera a relação entre
meios (capital e técnica) e fins (o desenvolvimento econômico) com argumentos técnicos –, que ele
assume. ‘Não somos isolacionistas, não somo xenófobos, não somos prisioneiros de nenhuma
atitude mesquinha de inveja e de nenhuma sentimento estreito de temor ou rancor ante outros
povos, ante qualquer povo’ [JK – Discursos, 1956, 720, p. 234]. Em primeiro lugar, pode-se notar
claramente a preocupação de generalizar a relação com o estrangeiro, no sentido de que seja
entendida como relação com qualquer outro povo, sem maiores distinções. A ideologia, nesse
ponto, esquece, e não sem propósito, o argumento fundamental das proposições a que, sem
explicitar o que está fazendo, se opõe – a discussão de relações específicas de dependência a
determinado tipo de nações estrangeiras, especialmente através do intercâmbio de capital, discussão
essa centrada, na época, na remessa de lucros para o exterior e na ‘sangria’ que isto representava
para a economia nacional. De forma alguma as formulações que colocavam como questão
ideológica central a relação com o estrangeiro, o faziam pensando em qualquer estrangeiro
(nacionalidade) ou qualquer tipo de relação (artística, cultural, política, religiosa, econômica, etc.).
A especificação se fazia, e muito clara e abertamente. A ideologia do desenvolvimentismo, porém,
repõe o problema de um modo que lhe é próprio, coerente com o conjunto de seu discurso”
(CARDOSO, 1978: 196).
. “Em seguida, ainda há quanto a isto um outro aspecto importante a ressaltar. De acordo com o
desenvolvimentismo, o nacionalismo que ele nega seria a expressão de sentimentos os mais
negativos e até humilhantes, quando explicitados: a mesquinhez da inveja, a estreiteza do temor ou
de rancor. Segundo este prisma, toda denúncia de exploração, dominação ou dependência seria
considerada como ato de rebeldia, consequência de um sentimento de inferioridade e de um desejo
de possuir também o que o outro, que por isso nos inferioriza, possui; ou de raiva dirigida contra ele
apenas porque ele possui e nós não” [irmãos Campos?] (CARDOSO, 1978: 196-97).
. Oposição racional/emocional no nacionalismo de JK (CARDOSO, 1978: 197-98).

4.1. g) cooperação internacional pública e particular


. “Estamos vendo que a ideologia do desenvolvimentismo, centrada no crescimento econômico,
afirma a colaboração estrangeira como necessária e lhe dá cobertura através de um novo
nacionalismo. Esta cooperação que nos vem de fora é essencialmente econômica, visando aumentar
o nível que riqueza ou diminuir o nível de pobreza. Já acompanhamos a análise de que, mesmo
sendo econômica, ela guarda caráter político, na medida em que, reduzindo a miséria, acaba com o
que julga ser a origem principal da subversão” (CARDOSO, 1978: 199).
. “Nem todos, porem, estarão dispostos a aplicar capital num investimento cuja razão seja política,
ou em função de razões políticas. O capital particular se caracteriza por só se aplicar quando o lucro
é compensador, e costuma ser imediatista nas suas decisões quanto a investimento. [...] O capital de
origem pública é o único que se adequa àquelas pretensões em termos políticos. O governo
desenvolvimentista sabe disso e procura obter o apoio de governos estrangeiros e de organismos
internacionais de financiamento, assim como procura estimular os investimentos privados por meio
de incentivos econômicos” (CARDOSO, 1978: 199).
. Setores públicos internacionais, entretanto, ao conceder créditos deste vulto, determinam sua
forma de aplicação e outras vezes vêem-se desinteressados em função das contas e dívidas de países
subdesenvolvidos. Daí ser mais simples apelar à iniciativa privada (CARDOSO, 1978: 200-01).
. Transformação de questões políticas (capital privado internacional e capital público internacional)
em questões técnicas (CARDOSO, 1978: 202-03).

4.2 – Proposições da política econômica interna


4.2. a) o papel do Estado
. “Na programação desenvolvimentista ‘a posição que se atribui ao Estado será predominantemente
a de um manipulador de incentivos e não a de um controlador de decisões, a de investidor pioneiro
e supletivo, em vez de um Leviathan absorvente’ [JK – P.N.D., 27 (grifado no original)]. A
definição das áreas de intervenção do Estado é feita a partir das necessidades e aspirações da
iniciativa particular: ele intervém diretamente apenas nos casos em que a empresa privada não quer
ou não pode investir (lucros pequenos ou montante muito alto de investimento), mas cuja produção
lhe interessa; intervém indiretamente quando o setor privado quer e pode chamar a si o
investimento, e o Governo apenas o estimula a fazê-lo em certas áreas e não em outras”
(CARDOSO, 1978: 205).
. Produtividade cabe ao Estado e relaciona-se ao incentivo e bem estar do trabalhador
[problematizado visto que o aumento de produtividade decorrente do trabalho não prevê melhores
condições ao trabalhador] (CARDOSO, 1978: 207-08).
. “Parece que a grande força desta ideologia consiste exatamente nesta capacidade de fazer acreditar
na viabilidade do projeto de aceleração do crescimento e na consequente mobilização geral para pô-
lo em prática. Como o grande veículo na difusão desta ideologia é o poder central, fica patente a
importância do papel político do Estado neste momento” (CARDOSO, 1978: 209).

4.3. b) industrialização e exportação


. “Entre os principais objetivos para conseguir transformar a economia destaca-se o fornecimento
das bases necessárias para a expansão da industrialização, através especialmente de grandes
investimentos no setor de infra-estrutura. Problema que, porém, se antecipa a este é o da obtenção
do capital para propiciar o nível de investimento desejado” (CARDOSO, 1978: 209).
. “Como a maior parte da renda nacional ainda é resultante da receita de exportação, uma das metas
relativas à obtenção interna de recursos se refere ao aumento e diversificação das exportações. [...]”
(CARDOSO, 1978: 209).
. Café principalmente, mas não só... (CARDOSO, 1978: 209-11).
. “Sua [Juscelino] preocupação é eminentemente industrializante. O fomento à exportação visa
acrescer a disponibilidade de capital, não para reverter ao setor da produção de exportação, mas
para ser canalizado para o setor secundário. [citação de JK...]. Aumentando a receita da exportação,
estaremos contribuindo para aumentar nossa capacidade para importar, ou para não diminuí-la; com
as modificações da pauta de importação, passaremos a importar menos bens de consumo e mais
bens de capital – visando primordialmente equipar a indústria e permitir a sua expansão. Estamos
diante de uma política que opera uma redistribuição de renda, já que uma parte ponderável dela é
transferida do setor primário exportador para o setor secundário. Aquele setor vê, portanto, a sua
hegemonia ameaçada pelo fortalecimento da indústria, e se ressente mais ainda pelo fato de este
fortalecimento se dar devido, em grande medida, aos resultados da própria exportação”
(CARDOSO, 1978: 211-12).

4.2. c) o entendimento não-monetarista da inflação


. O caminho para combater a inflação é o desenvolvimento econômico ... (CARDOSO, 1978: 213-
14).

4.3. – Adequação da política educacional às necessidades do desenvolvimento econômico


. “Tão grande ênfase na racionalização do processo de desenvolvimento teria que apresentar como
contrapartida uma necessidade de adequação do sistema educacional aos seus propósitos. Ao
sugerir modificações na educação, no entanto, não se chega a levantar questões sobre sua
vinculação aos requisitos de produtividade, mas ela aparece sempre como vinculação ao
desenvolvimento. [...] Não se perde, porém, a estreita interdependência que os une, isto é, não se
presume que a educação seja condição prévia para o desenvolvimento, nem vice-versa, mas se
percebe que um depende do outro. [...]”(CARDOSO, 1978: 219).
. “Todos os níveis de escolaridade deverão sofrer mudanças que os capacitem a atender às
necessidades do desenvolvimento, levando em consideração o tipo de clientela que é atendida em
cada um daqueles níveis. [...] Compreende-se que aquilo que define o grau de escolaridade é
sobretudo o talento: quem só tem aptidões comuns, cursa apenas a escola elementar; quem tem mais
aptidão, ingressa nos níveis mais superiores que o sistema educacional oferece” (CARDOSO, 1978:
220).
. “A questão que se coloca para a reforma proposta é tornar mais prático o ensino, fugindo do
academicismo, aproximando a escola da realidade nacional, no sentido de que ela passe a formar o
tipo de quadros exigidos pela transformação por que se quer fazer passar a realidade. A escola deve
preparar cada um, de acordo com o seu talento, para ser capaz de desempenhar as tarefas que lhe
incumbem no desenvolvimento. Há uma qualificação que é básica para esta finalidade e que
perpassa todos os níveis escolares: a técnica. Para ela, principalmente, se devem voltar as atenções
dos educadores. [...] A técnica moderna está à nossa disposição, basta que a queiramos e saibamos
usá-la para apressar o passo em direção ao progresso. Precisamos poder contar com recursos
humanos que a dominem e que, com isto, contribuam positiva e resolutamente para a aceleração do
crescimento econômico” (CARDOSO, 1978: 220).
. “É na formação dos recursos humanos que entra o papel da escola, um papel novo e
eminentemente voltado para o conhecimento técnico. [...] O desenvolvimento em geral, e
especificamente o desenvolvimento industrial, cria uma demanda de especialistas, formando um
mercado de trabalho potencial. É preciso dispor de uma oferta que responda adequadamente a esta
demanda, com o que se solucionam dois problemas: primeiro, se eleva a qualificação técnica do
nosso trabalho, o que impulsiona bastante o desenvolvimento; segundo, resolve-se – pelo menos
parcialmente – uma questão social geradora de tensões graves, como a do emprego efetivo da mão-
de-obra, numa sociedade em que o crescimento da população atinge níveis altíssimos e em que a
oferta de empregos, embora se alargue muito com o processo de desenvolvimento, está
crescentemente a exigir alguma qualificação para o preenchimento dos cargos. [...] Vemos que já se
delineia, com razoável clareza, a perspectiva da educação para o trabalho: a existência de um
mercado de trabalho, que vai sendo moldado pela industrialização, passando a ser o ponto básico de
referência para a formação daqueles que passam pela escola. São as exigências da economia e
expansão, predominantemente voltadas para a especialização e a técnica que o sistema educacional
deve atender” (CARDOSO, 1978: 220-21)
. “Com intenção idêntica se critica a educação acadêmica no ensino médio [...] O que se pretende é
começar a pôr abaixo o tradicionalismo que ainda vigora neste nível escolar, tratando de incentivar
o ensino técnico-profissional. [...] A ideologia supõe que os que chegam até a Universidade são
apenas aqueles dotados de maior talento. Não tem, pois, cabimento formular o ensino médio tendo
em vista o nível superior. Esta deve ser apenas uma das perspectivas do curso secundário, mas a ela
se devem juntar outras, e cada vez com maior peso relativo, para que a grande massa de estudantes
que não vai além do grau médio, nele mesmo encontre a preparação para a vida que os espera fora
da escola. [...]” (CARDOSO, 1978: 222).
. Assim, a ideologia do desenvolvimento “absolutamente não está preocupada com questões que
vão além das necessidades práticas que o desenvolvimento coloca, nem mesmo no que concerne à
educação” (CARDOSO, 1978: 222).

4.4 – Características fundamentais da política econômica desenvolvimentista


. “O mais importante para a compreensão da política econômica do Governo Kubitschek é a sua
perspectiva da possibilidade de um desenvolvimento autônomo. Sua programação econômica é de
molde a permitir que se atinja o que ele denomina, num de seus últimos pronunciamentos como
Presidente da República, ‘velocidade de escape’. Parte da identificação do estado de
subdesenvolvimento como de estabilidade, que precisa ser rompida; assim, admite e justifica a
instabilidade que acompanha a instauração do processo de desenvolvimento, que atua como um
choque naquele estado anterior, visando o estabelecimento de um novo equilíbrio e uma nova
estabilidade. A crise em que nos debatemos não é senão uma crise de transição, que só o
desenvolvimento resolverá. O subdesenvolvimento não implica que não haja crescimento, mas este
é muito lento e preso às formas tradicionais. O choque do desenvolvimento conduz a uma grande
aceleração do crescimento, que o País com seus próprios recursos não é capaz de propiciar.
Precisamos, pois, de ajuda para que esta aceleração se verifique. Mas esta ajuda será temporária,
porque, assim que conseguirmos atingir a ‘velocidade de escape’ a economia do País estará em
condições de auto-sustentar o nosso desenvolvimento, e então poderemos caminhar sozinhos”
(CARDOSO, 1978: 222-23).
. Papel da iniciativa privada e ajuda internacional (CARDOSO, 1978: 223).
. “Pensa-se o processo como resultante de ação multilateral, harmônica e conjugada. A ideologia
transmite a ideia, e a reforça por todos os meios ao seu alcance, de que o que se pretende – o
desenvolvimento – é do interesse de todos, traz benefícios para todos. Não há porque não pensa-lo
como tarefa comum, que envolva, deste modo, todos, tanto no plano interno como no plano externo.
Em relação a este, é nesta perspectiva que JK propõe a Operação Pan-Americana, que pretendia
ainda transformar princípios políticos em ação econômica. [...]” (CARDOSO, 1978: 223).
. “Aqui se expõe a grande meta [desenvolvimento do Brasil], o cerne do projeto, ao que não se está
disposta a permitir que nada constitua entrave, o que não se discute: o desenvolvimento. É ele o
grande móvel da ação, é ele o grande objetivo explícito dos esforços em todos os níveis – o político,
o ideológico, o social, o cultural, o econômico.” (CARDOSO, 1978: 224).
. “Já temos o nosso projeto e todo auxílio só se pleiteia a partir dele, para realizá-lo, não para
transformá-lo em nenhum dos seus aspectos que nos pareçam essenciais. Esta é a raiz da política
econômica desenvolvimentista, e mesmo da sua política em geral” (CARDOSO, 1978: 225).

5 – Definição política
5.1 – Mudar, dentro da ordem, para garantir a ordem
. “Toda política do governo Kubitschek é definida em torno do desenvolvimento econômico. O
comportamento político de Juscelino é de molde a despertar, em primeiro lugar, a consciência da
necessidade do desenvolvimento: necessidade econômica, como combate à miséria, e necessidade
política, como impedimento da infiltração de ideologias subversivas. A razão última do
desenvolvimento seria a luta contra a expansão comunista. Diante dela, a erradicação da miséria
pelo desenvolvimento não é senão um meio. A extrema pobreza constituindo, no pensamento
desenvolvimentista, campo fértil para a penetração de ideias contrárias à ordem, para preservar a
ordem vigente é preciso não apenas combater diretamente estas ideias, como também e
principalmente impedir a sua propagação, acabando com as condições que o permitem”
(CARDOSO, 1978: 227).
. “A perspectiva política geral é pois: mudar, dentro da ordem, para garantir a ordem. Com a
colocação da necessidade do desenvolvimento nestes termos, Juscelino mobiliza amplos setores
para o esforço desenvolvimentista. [...]” (CARDOSO, 1978: 227).
. “A atitude desenvolvimentista é francamente transformadora, ela mostra um profundo
inconformismo com o presente. Por outro lado, ela é abertamente conservadora, preocupada que
está com a garantia da ordem, acima de tudo. Quanto ao campo econômico ela é marcadamente
inovadora, impulsionando os setores emergentes., concentrando os investimentos em áreas novas,
predominantemente industriais – mesmo que com isso esteja contrariando a hegemonia que
vigorava anteriormente. Atua, pois, no sentido de propiciar o surgimento ou fortalecimento de uma
nova hegemonia. Essas transformações no âmbito da hegemonia, no entanto, se processam todas
nos limites das classes dominantes; a política desenvolvimentista favorece certas frações, em
detrimento de outras, mas enquanto se trata de frações da classe dominante. O seu inconformismo
com o presente só cai até aí: primeiro, ele se refere unicamente aos aspectos econômicos; segundo,
ele só admite o confronto intra-classe dominante. São essas restrições, é essa fixação de limites ao
seu caráter inovador que lhe assinalam sua outra característica, o conservadorismo. Pois não admite
a formação de qualquer grupo como força social, se ele se situa fora dos círculos dominantes. Esta
interdição em geral não se dá através de mecanismos diretamente repressivos, embora eles também
sejam utilizados, mas principalmente por meio do fortalecimento dos mecanismos de coesão social
generalizada que a mobilização para o projeto da própria classe dominante – apresentado como
projeto nacional – enseja. Isto é, a atitude política do desenvolvimentismo é conservadora na
medida em que dá maior solidez aos processos hegemônicos mais importantes, aqueles que se
exercem dos grupos globalmente dominantes para os dominados. Fazendo com estes aceitem o
projeto daqueles como o seu próprio, não só mantém, como estende o poder de direção e de
domínio” (CARDOSO, 1978: 228).
. Se este lado conservador só se nota em uma análise mais detida, a mobilização da ideia de
“ordem” é explícita em diversos discursos de Juscelino. O termo tem três conotações mais
recorrentes: “ordem” como tranquilidade social, por oposição à baderna; “ordem” como lei; e a
terceira e mais usada, “ordem” como regime vigente (democracia), por oposição a subversão
(CARDOSO, 1978: 228-29).
. ‘A ideologia do desenvolvimento é, assim, ao mesmo tempo, progressista e anticomunista. Não
hesita em contrariar certos interesses particulares, desde que esteja agindo dentro das perspectivas
dinâmicas de expansão do sistema. Também não hesita em não permitir qualquer interferência
negativa nessa expansão, escolhendo para esse fim, os elementos ideológicos como escudo. [...]”
(CARDOSO, 1978: 229).
. Conjuntura da posse de JK e tensão nos outros anos de governo relacionados à mobilização da
“ordem” nos três sentidos acima relatados [inclusive Aragarças] (CARDOSO, 1978: 230-32).
. Ainda sobre o levante de Aragarças, “O que parece importante notar é que a ação do Governo é
altamente politizada ao não fazer utilização política de um fato como este. [...]”. Porém,
“Analisando com um pouco mais de cuidado a situação, no entanto, percebe-se que algum
tratamento político é dado ao fato. Juscelino o qualifica como ‘desordem’, mas o identifica como
resultado da ‘demagogia derrotista’, que vincula à ‘mentalidade retrógrada’, ao ‘conformismo’ e à
‘resignação’. Aliás, esta é uma forma usual sua de lidar com as forças de oposição: identificá-las
como forças de resistência ao desenvolvimento” (CARDOSO, 1978: 232).
. “[...] Seria por resistir ao desenvolvimento de uma maneira geral (não a um tipo de
desenvolvimento, que no caso seria o modelo proposto pelo seu Governo) que surgiriam adversários
ao seu Governo e à sua pessoa de político – é o que JK procura transmitir. [...] As forças políticas se
dividiriam, então, conforme essa forma de pensar, entre aqueles que querem e aqueles que não
querem o desenvolvimento. São apenas o progressistas de um lado e os retrógrados do outro. [...]
Mesmo nos momentos em que aprofunda um pouco mais a sua análise, não ultrapassa, como
estamos vendo, o nível das táticas políticas como objeto da sua reflexão explícita. Jamais chega às
suas razões” (CARDOSO, 1978: 233).
. “Complementando a formação desse estado de espírito condicionante do apoio político
[expectativa de crescimento econômico que reduziria a desigualdade sem alteração na estrutura
social], acrescentam-se as atitudes de esperança e de otimismo, fundadas na vocação da nação para
a grandeza. [...] É preciso acreditar na possibilidade do êxito para ajudar a consegui-lo; e mostrar
empenho nisso. [...]” (CARDOSO, 1978: 239).
. “Há, pois, dois principais pontos de sustentação ideológica para a política do Governo: o destino
nacional, afirmado como altamente positivo e encorajador e a fé que emana dele. [...] O dinamismo
que passava através de todo o corpo social não podia contar exclusivamente com as elites
dirigentes, mas não teria continuidade se esbarrasse o imobilismo daqueles que porventura
estivessem ausentes do projeto em curso. Como arrancá-los desse imobilismo? A confiança nos
destinos do País parecia um meio eficaz de despertá-los, e capaz de alastrar-se pelos outros grupos,
fortalecendo-os cada vez que alguma confirmação – resultados das obras em andamento, por
exemplo – lhes fosse apresentada” (CARDOSO, 1978: 240-41).
. “A atitude que informa a mobilização é, assim, um misto de emoções e comportamentos que
envolvem otimismo, fé, entusiasmo, esperança, todos voltados para a realização de um destino que
já é dado como de grandeza. [...] Não adianta, assim, se opor a este destino, porque o futuro o
assegurará. Ficar indiferente a ele só retarda. É, pois, racional crer na sua realização e contribuir
para que ela se processe o mais rapidamente possível” (CARDOSO, 1978: 241).
. A crença no destino abafa as restrições à aplicação de capital estrangeiro: dado que estamos
fadados a sermos uma grande nação, não há por que temer o capital internacional (CARDOSO,
1978: 242).
. “Se as perspectivas do futuro se apresentavam tão otimistas, com altíssima probabilidade de sua
realização efetiva, daí era possível tirar forças para enfrentar o presente. Ao entusiasmo junta-se,
pois, a coragem, já que as dificuldades que caracterizam a situação da época ‘são todas comuns a
nação em crescimento’. [...]”. Retomada da argumento de tratamento de choque para que se alcance
um equilíbrio em uma realidade desenvolvida. A crise é pois, vista com otimismo (CARDOSO,
1978: 243).
. “De todos os instrumentos utilizados por Juscelino para a mobilização política, aquele a que cabe
menor papel é o debate propriamente político. A ele JK opõe uma forte dose de pragmatismo e uma
enorme ênfase na racionalidade. Os problemas concretos a que sua política pretende aplicar-se,
assim como as medidas também concretas que nela se contém são o grande apelo a que Juscelino
cede. A eliminação da polêmica em favor do tratamento técnico inclusive das questões mais
controvertidas é a fórmula que adota. [...]”(CARDOSO, 1978: 244).

5.2 – Liberdade e Democracia


. “Segundo Juscelino, a liberdade é um bem de que desfrutamos, que não estamos dispostos a
alienar e em cuja defesa envidaremos todos os esforços que ele mesmo nos permita. Isto é,
defenderemos a liberdade com o exercício mesmo da liberdade. Nisto se encontra o fundamental da
consolidação do regime democrático, que Juscelino alega ter conseguido. É a liberdade dentro da
ordem legal. É e livre opinião: ao povo em geral se dá a oportunidade de manifestá-la através do
voto; aos que queiram expressá-la por meio da palavra se dá garantia de segurança – mesmo aos
que compõem a oposição ao governo – desde que essa expressão de opinião não perturbe a ordem
legal, não se faça por pronunciamentos indevidos” (CARDOSO, 1978: 246).
. “O Governo Kubitschek persegue tenazmente a paz política e procura obtê-la utilizando a
tolerância como principal instrumento. No exercício do poder, imprimindo-lhe as suas diretrizes,
apresenta o Governo como identificado com a Nação, acima de grupos ou facções, acima de
antagonismos e controvérsias. Desta posição, o debate como troca de ideias é enriquecedor e através
dele se exerce a democracia. [...]”(CARDOSO, 1978: 246-47).
. “As dificuldades políticas de JK na Presidência parece que não foram poucas. A oposição que
sistematicamente sofria, se não se originava em muitas fontes, nem por isto era menos severa nem
menos intensa. Seu período governamental é marcado por continuadas contestações, embora estas
sejam sempre parciais e, em geral, não muito profundas. Ao final da jornada, Juscelino proclama
que de todas essas dificuldades ‘emergiu, retemperada, a democracia brasileira’ e com essa
reafirmação democrática se alcançou a consecução da meta política [...]. Liberdades e garantias
constitucionais aparecem, deste modo, como o fundamento político da ordem que se pretende
preservar. O regime democrático é compreendido como inseparável delas, pois que elas são a sua
expressão e a sua aspiração maior. [...]”(CARDOSO, 1978: 247).
. “Há duas questões que levam Juscelino a discutir sobre a liberdade e a democracia: uma que se
refere às condições de manutenção do regime vigente e que envolve a análise da subversão; outra
que se relaciona com o que ele chama de tentativas de desprestígio da autoridade, as quais nunca
são propriamente analisadas por JK, mas apenas indicadas e combatidas nelas mesmas. [...]”
(CARDOSO, 1978: 248).
. Democracia com limites e regras (CARDOSO, 1978: 249).

5.3 – A ordem como civilização cristã


. “A ideologia do desenvolvimentismo na sua expressão juscelinista coloca como seu fundamento
último o que chama de ‘índole cristã’, da qual provém as escolhas de ordem ideológica mais ampla.
[...] Como país cristão, as nossas soluções têm de ser cristãs. Deve haver compatibilidade entre os
sistemas ideológicos que definem a organização social e o parâmetro desta compatibilidade é dado
pela marca do cristianismo. A ordem é concebida, deste modo, primordialmente como civilização
cristã. [...] Nesse nível se assume a identidade entre civilização ou Democracia ocidental e
civilização cristã. A inclusão desta dimensão religiosa como decisiva na estruturação jurídico-
política desloca o ponto de referência para uma área que atinge a maior intimidade moral das
pessoas. Aquela identidade apresenta a ‘escolha’ da integração no bloco ocidental segundo aquela
mesma densidade moral” (CARDOSO, 1978: 251).
. “Da perspectiva ideológico-política, tanto quanto da perspectiva ideológico-religiosa encontra-se
razões das mais relevantes para o combate ao subdesenvolvimento. Da primeira, como preservação
da e da democracia, que se vêem ameaçadas pela existência generalizada da miséria; da segunda,
pela necessidade de valorização do homem. [...] O estado de pobreza não permite ao homem a sua
afirmação integral, os princípios de justiça social não resistem diante da miséria continuada. É
preciso vencer o subdesenvolvimento para resguardar o humanismo” (CARDOSO, 1978: 251).

5.4 – O desenvolvimento como projeto social


. “A ideologia do desenvolvimentismo parte ela própria de uma constatação de desigualdade entre
as nações ou regiões ricas e pobres, adiantadas e atrasadas. No plano estritamente social, no entanto,
nenhuma diferenciação mais nítida chega a interferir no discurso. Nele não se discernem grupos ou
classe sociais com diferenciação de aspirações, interesses, projetos. Parece que o desenvolvimento
os aglutina todos, permitindo pensar não os grupos, mas a coletividade. Juscelino é sempre muito
explícito em frisar que todos devem dar sua parcela de contribuição, já que serão todos beneficiados
com o desenvolvimento. [...]”(CARDOSO, 1978: 253).
. “O nível máximo da percepção de conflitos dentro da sociedade se refere às questões trabalhistas,
que envolvem as relações entre empregados e empregadores e que Juscelino pretende encaminhar
como relações de ‘harmonia e confiança entre o trabalho e o capital’ [JK – P.N.D., p. 128]. Como o
entendimento que ele tem de trabalho é ação produtiva, o trabalho é, antes de tudo, um fator de
união, já que todos os que participam da produção, mesmo indiretamente, são considerados como
trabalhadores. Aquelas relações de harmonia e confiança são garantia de paz social, conseguida
‘com a melhoria das condições de vida do trabalhador e o paralelo incremento da produtividade’
[JK – Mensagem, 1960, p. 131]” (CARDOSO, 1978: 254).

5.5 – O nacionalismo desenvolvimentista


. “Parte de um sistema global pensando e agindo de acordo com este vínculo fundamental, fazemos
questão, no entanto, de resguardar o nosso direito de decidir. Esta posição presume duas noções: a
de Nação e a de soberania, que, juntas, constituem a base política sobre a qual repousa a ideologia
do desenvolvimentismo. Com elas, dentro da perspectiva política geral, se forjam as especificações
do nacionalismo elaborado nesta ideologia. Penso aqui o nacionalismo em três diferentes vias, e
assim compreende três qualificações” (CARDOSO, 1978: 258).
. “Assim fica especificada, no plano ideológico do nacionalismo, a perspectiva política geral:
mudar, desenvolver o país – nacionalismo patriótico; dentro da ordem, integrando a nação ao
sistema a que pertence – nacionalismo internacionalista; para garantir a ordem, impedindo o
surgimento e a infiltração de ideias subversivas – nacionalismo anticomunista” (CARDOSO, 1978:
259).

6 – Articulação dos componentes do desenvolvimentismo juscelinista


6.1 – Relações gerais entre os elementos ideológicos básicos [resumão de relações de vários pontos
já expostos]
. “[...] O objetivo básico que o desenvolvimentismo propõe e para o qual faz convergirem todos os
esforços compreende o desenvolvimento econômico e o bem-estar social. Não é esta, porém, a sua
finalidade última, a qual, no entanto, julga não poder atingir a não ser por meio deles. O que
fundamenta ideologicamente o próprio desenvolvimento econômico e social é a manutenção da
ordem, a preservação da civilização cristã, em suma, a segurança do sistema. Esta aparece no
desenvolvimentismo como a aspiração mais profunda, a meta que confere significado a todas as
preocupações. É em torno dela que se constitui esta formulação político-ideológica. O próprio fim
aparentemente considerado como o mais importante, o desenvolvimento do campo econômico, é
posto a seu serviço, é o meio considerado indispensável, no caso dos países atrasados como o
Brasil, para atingi-la. Porque na continuação da pobreza que este atraso contém, aquela ordem se
torna ameaçada” (CARDOSO, 1978: 261).
. “Segundo as disposições da ideologia, no fim de contas tudo se volta para a tender ao lado
espiritual, moral e legal da sociedade. Esta se estrutura a partir de valores gerais, de caráter
universal no tipo de mundo que eles definem, de tal forma que a sociedade nem sequer sobrevive se
estes valores são abalados. Segundo Juscelino, entre estes valores se destacam, bem no alto, aqueles
que derivam do cristianismo, que definem as normas de conduta, os costumes e a espiritualidade do
homem ocidental” (CARDOSO, 1978: 261-63) [Esquema I de ilustração das relações gerais p. 262].
. Mudança respeitando a ordem e desenvolvimento como garantia desta ordem (CARDOSO, 1978:
263).
. Promessa de desenvolvimento e melhoria para todos como fator de mobilização de diversos
setores da sociedade. Se toda a sociedade será beneficiada pelo desenvolvimento, toda ela deverá
estar engajada no processo (CARDOSO, 1978: 264).
. “A união de todos os brasileiros é, pois, considerada indispensável, especialmente em se tratando
dos grupos sociais fundamentais para o desencadeamento e a manutenção do processo: o trabalho e
o capital. De acordo com o primeiro requisito, a ordem, e o objetivo último, a preservação da
Democracia, as relações entre capital e trabalho devem ser relações harmônicas. Para evitar a
subversão, deve-se anular tudo que possa contribuir para a oposição e o antagonismo entre as
classes. [...]”(CARDOSO, 1978: 264).
. “Capital, trabalho e técnica são os três fatores que, conjugados, permitem deflagrar o processo de
desenvolvimento. O trabalho é nacional e supostamente generalizado dentro dos quadros da
nacionalidade: todos os brasileiros são chamados a participar, de acordo com as suas qualificações.
Ninguém pode se eximir por ser muito ou pouco qualificado. [...] O trabalho se exerce nas
condições postas pelo capital e pela técnica, ambos podendo ser indistintamente nacionais ou
estrangeiros. Isto é, a técnica e o capital nacionais são insuficientes para as necessidades do
desenvolvimento. É indispensável, portanto, a cooperação estrangeira, tanto em termos de técnica,
quanto de capital. [...] O tratamento previsto para os fatores estrangeiros é, no mínimo, igual ao que
é dado aos nacionais; como, porém, as dificuldades para a aplicação destes fatores não são poucas, é
preciso criar condições propícias à atração dos elementos não-nacionais, donde o tratamento dado a
estes tende a ser inclusive superior em vantagens ao que é oferecido aos nacionais” (CARDOSO,
1978: 264-65).
. Diferença do papel desempenhado pela ideologia no que toca capital/técnica em relação a trabalho
(CARDOSO, 1978: 265).
. Planejamento do Estado para as áreas de investimento sem estrangular a iniciativa privada
(CARDOSO, 1978: 266-67).

6.2 – Relações temáticas no discurso juscelinista


. “Conforme o Quadro I já nos mostrou, existe no discurso juscelinista uma grande diferenciação
interna quanto à temática. Os temas gerais que orientam a pesquisa encontram-se aí distribuídos em
três planos bem distintos e que assim se apresentam no conjunto das comunicações de JK: o
primeiro se compõe dos temas I e IV, claramente destacados – o tema I
(desenvolvimento/subdesenvolvimento) com 40% do total e o tema IV (atitude política geral) com
33%. Foram ambos analisados, inclusive quantitativamente, no capítulo 3 deste trabalho; o segundo
plano, muito afastado do primeiro contém os temas II, VI e VII, respectivamente com 8%, 7% e 6%
do total; e um terceiro plano, de importância reduzidíssima em expressão quantitativa, com os temas
III e V, cada um com 3% de total” (CARDOSO, 1978:267-68).
. “Esta distribuição geral se mantém nos seus aspectos principais em todos os tipos de comunicação
utilizados por JK. Apesar disso, porém, há alguma variação entre eles, que talvez seja significativa e
que aparece no Quadro XI [p. 267]” (CARDOSO, 1978: 268).
. Quadro mostrando o quanto cada um dos temas aumenta, decresce ou se mantém nas exposições
de discursos, mensagens ou livros de Juscelino (CARDOSO, 1978: 268).
. “Este conjunto de alterações indica que as questões temáticas principais se conservam dominando
amplamente todos os tipos de comunicação, embora a dominância do primeiro plano (tema I + tema
IV) mostre uma tendência a decrescer conforme a mensagem seja mais dirigida para o público em
geral, especialmente quando ela é transmitida mais diretamente (caso dos discursos): os temas I e
IV juntos respondem por 82% do total das mensagens, 77% nos livros e 71% nos discursos. Tais
resultados apontam no sentido de que o tipo de comunicação que caracteriza os discursos enriquece
o conteúdo transmitido, diversificando-o. Este enriquecimento da temática parece acompanhar uma
relativa perda de ênfase nos aspectos econômicos do desenvolvimento (os quais, como vimos no
Quadro II, são os que predominam no tema I) e um relativo aumento de ênfase dos aspectos
políticos, que caracterizam os temas que ampliam a sua participação das mensagens para os
discursos. Analisemos cada um dos temas, para então voltar a uma comparação do que ocorre com
eles no conjunto” (CARDOSO, 1978: 269-70).
. “No segundo plano de importância em toda temática juscelinista aparecem: o tema II,
relativamente o mais constante; o tema VI, cuja variação conforme o tipo de comunicação é a mais
notável, partindo de uma presença mínima nas mensagens e alcançando uma posição relativamente
boa nos discursos; e o tema VII, que apesar da pouca representação que consegue, melhora bastante
a sua posição nos discursos. Cada um deles aparece respectivamente com 8%, 7% e 6% do total”
(CARDOSO, 1978: 270).
. Análise do tema II em três vias: nacionalismo, internacionalismo, nacionalismo internacionalista
(CARDOSO, 1978: 270-72) [Quadro XII p. 271; Quadro XIII p. 272]. Os termos referem-se a
aspectos puramente político-econômicos.
. “O problema do relacionamento com o estrangeiro é bastante sério nos países em
desenvolvimento. Ele é aí tão sério que se torna capaz de definir toda uma orientação político-
ideológica no que ela tenha de mais essencial. Sua explicitação envolve a possibilidade de despertar
polêmicas politicamente relevantes e nem sempre politicamente convenientes, conforme a posição
adotada. [... Segue análise das distribuições quantitativas do tema II] (CARDOSO, 1978: 272).
. “Dos dados contidos nos Quadros XII e XIII fica a impressão de que a relação
nacional/estrangeiro posta em termos formais está, de fato, ligada em JK a uma posição
internacionalista que ele manifesta mais abertamente em pronunciamentos restritos e mais
moderadamente quando as suas colocações devem ser amis ‘objetivas’ (sob a forma de dados ou
programas), ou quando se dirige a públicos mais amplos e mais diversificados. [...]” (CARDOSO,
1978: 273).
. “Os dados contidos nos Quadros XV e XVI [pgs. 275 e 277] trazem a confirmação quantitativa de
uma suposição que venho fazendo ao longo deste trabalho e que contribui decisivamente para a
qualificação da ideologia do desenvolvimentismo Trata-se da reduzida importância conferida por
JK à discussão política, e mais, da sua ausência de preocupação com a formação política do povo
em geral. Não há nesta ideologia um objetivo de adesão política – o que exigiria decisão consciente,
como escolha entre alternativas possíveis. Sua finalidade neste campo é bem mais a de obter apoio
político, sustentação através dos mecanismos de que o regime dispõe para o processos político – no
caso, o voto. A temática ideológico-política fundamental, que define a orientação assumida,
certamente está presente no discurso de Kubitschek; a frequência do tema IV nos mostrou que ela
está inclusive bem representada no conjunto. Mas ela não é analisada, muito menos discutida. [...]”
(CARDOSO, 1978: 276).
. “O tema VII trata da forma como a sociedade é percebida na sua composição interna. É ele o que
especificamente indica a compreensão do plano social pela ideologia. Os itens que o compõem são:
1) a indiferenciação social, em que a sociedade é vista como coletividade, em que o bem comum é
tomado como guia e finalidade, as forças sociais sendo pensadas em termos do união, harmonia e
concórdia; 2) as relações de classe, em que a percepção é de diferenciação social, com
especificação de grupos ou classes, com as respectivas formas de organização e com as
discordâncias ou divergências entre que manifestam” (CARDOSO, 1978:276-78).
. “Em JK, a distinção entre os dois itens do tema não conduz à possibilidade de assinalar posições
realmente diversas, reduzindo sobremodo a capacidade explicativa que aquela distinção permite.
Isto porque a existência de classes sociais, no sentido rigoroso dos termos, não se contém no
discurso juscelinista. Com efeito, JK percebe alguma diferenciação social, mas unicamente sob a
forma de grupos, captados a partir da localização de setores econômicos ou políticos, sempre
precisos e delimitados, a não ser quando se dirige ‘à gente pobre e humilde’ ou aos ‘trabalhadores’.
Em geral, quando se refere a grupos sociais, compreende-os como apenas grupos que participam
diversamente do processo da produção ou do processo político e que recebem também diversamente
a sua mensagem. O que o tema poderia apreender como ‘relações de classe’, portanto, em JK não
vai além desta espécie de diferenciação social. [...] Esta compreensão particular das relações de
classe explica por que este item conta com quase metade do tema no conjunto das comunicações
juscelinistas (conforme Quadro XVII) [p. 279]” (CARDOSO, 1978: 278).
. “Tem primazia, de fato, a compreensão da sociedade como um todo harmônico em bem integrado,
cuja diferenciação atende aos requisitos da produção, a qual por sua vez corresponde aos interesses
do bem comum. Com isso podemos ver que a suposição em que a postura juscelinista assenta é da
plena funcionalidade do social, a diferenciação interna da sociedade não sendo devida senão à
atribuição de papéis, ela mesma sendo feita de forma harmônica e equilibrada. Não existe, portanto,
neste discurso qualquer perspectiva de divergência reais de interesse entre grupos sociais, e
consequentemente de que satisfação dos interesses de alguns signifique a impossibilidade da
satisfação de outros. O esquema de pensamento da ideologia dominante se baseia em que é
realizado aquilo que atende aos interesses da coletividade, o que na verdade pode vir a trazer
benefícios maiores para uns do que para outros na medida em que esses que são recompensados
tenham como seus os interesses da coletividade. Segundo a ideologia, somente estes interesses é
que podem prevalecer, para que fique garantido o equilíbrio do conjunto” (CARDOSO, 1978: 279-
80).
. Temas III e V (CARDOSO, 1978: 280).
. Grau de politização articulado a temas e veículos de divulgação (CARDOSO, 1978: 282).
. “[...] Quando a audiência é muito ampla, são os aspectos políticos que sobressaem, embora o
tratamento que Juscelino dê a eles não tenha muito de político – a não ser como tática política. [...]”
(CARDOSO, 1978: 286).

II
A ideologia do fortalecimento nacional sob a presidência de Jânio Quadros
7 – O fortalecimento nacional: formação do Povo e do bloco subdesenvolvido
7.1 – A integridade nacional como princípio básico
. “Para o Presidente Jânio Quadros o presente não aparece como um dado. O estado de coisas com
que se defronta não é tratado como uma situação de fato a que se deva dar continuidade ou que
tenha de aceitar como ponto necessário de partida. Não me refiro aqui ao presente como atraso ou
subdesenvolvimento do País, mas ao processo de desenvolvimento em curso, na sua forma e na sua
mecânica. Jânio praticamente se insurge contra ele, submete-o a severa crítica e, partindo de
suposições diversas, propõe caminhos também diversos” (CARDOSO, 1978: 287).

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