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Psicopatologia Simbólica Analítica

Brasília-DF.
Elaboração

Luciana Raposo dos Santos Fernandes

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
OS CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA............................................................... 11

CAPÍTULO 1
RELAÇÃO CONSCIENTE E INCONSCIENTE............................................................................... 12

CAPÍTULO 2
A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS............................................................................................ 20

UNIDADE II
ESTRUTURA DA PSIQUE.......................................................................................................................... 27

CAPÍTULO 1
TIPOS PSICOLÓGICOS............................................................................................................. 29

CAPÍTULO 2
ARQUÉTIPOS, COMPLEXO E SÍMBOLOS.................................................................................... 38

UNIDADE III
PSICOPATOLOGIA E PSICOLOGIA ANALÍTICA......................................................................................... 53

CAPÍTULO 1
O PROCESSO PSICOPATOLÓGICO.......................................................................................... 54

UNIDADE IV
PSICOPATOLOGIA SIMBÓLICA............................................................................................................... 62

CAPÍTULO 1
A INTENÇÃO TERAPÊUTICA....................................................................................................... 63

PARA (NÃO) FINALIZAR...................................................................................................................... 67

REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 72
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao
profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução
científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

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Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Psicopatologia e Carl Gustav Jung, a combinação perfeita para ampliar conhecimentos
sobre os conceitos de um dos mais renomados psicólogos modernos.

A maioria das pessoas já ouviu falar de C. G. Jung, ligando-o a Sigmund Freud.


A relação com Freud culminou numa amizade intensa, tanto intelectualmente quanto
afetivamente. Porém, posteriormente, houve um rompimento drástico desse vínculo,
em razão de pontos de vista teóricos que em muito divergiam. Podemos citar como
um ponto dessa ruptura a questão da descrição e observação da libido que para Jung,
apresenta-se como a defesa de suas ideias em Símbolos da Transformação.

O que se desconhece é que a psicologia analítica introduziu termos como “complexo”,


“introvertido” e “extrovertido” amplamente utilizados na linguagem cotidiana.

Jung (2002, p.19), desenvolveu uma teoria complexa e fascinante abrangendo de forma
extensa o comportamento e o pensamento humano.

Minha vida é a história de um inconsciente que se realizou. Tudo o que nele


repousa aspira a tornar-se acontecimento, e a personalidade, por seu lado,
quer evoluir a partir de suas condições inconscientes e experimentar-se
como totalidade. A fim de descrever esse desenvolvimento, tal como se
processou em mim, não posso servir-me da linguagem científica; não
posso me experimentar como um problema científico.

Com o trecho citado Jung (2002), inicia o texto de Sonhos, Memórias e Reflexões.
Por meio de seu relato podemos vislumbrar a imensidão do que o autor propõe em sua
psicologia analítica.

Mas, o que podemos entender por psicologia analítica? Essa abordagem psicológica
é uma escola teórica da psicologia que trabalha com conceitos e visão do mundo,
próprias de seu fundador: o médico psiquiatra Carl Gustav Jung (1875-1961). Ao longo
de sua vida dedicada a estudos e pesquisas, Jung abordou e apresentou, a partir de sua
formulação teórica, uma vasta gama de temas e discussões que o colocaram de forma
definitiva como uma grande e influente figura do pensamento psicológico.

Com formação acadêmica em medicina e especializando-se em psiquiatria, ele teve a


possibilidade de estabelecer contato de forma direta com os mais variados tipos de
transtornos mentais. Devemos ressaltar que isso ocorreu, de forma bastante ativa,
inclusive, em seus primeiros anos de trabalho na área da psiquiatria.

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Passou anos aprofundando seus conhecimentos sobre o que se passava no espírito
do doente mental na clínica psiquiátrica Burghölzli da Universidade de Zurique.
Nessa época a psiquiatria era uma área da medicina que despertava pouco – ou
nenhum – interesse. E o ensino psiquiátrico consistia em abstrair a personalidade
do paciente e direcionar-se para o diagnóstico, a descrição dos sintomas e os
dados estatísticos.

Neste contexto, Jung (2002, p.108), teve seu primeiro contato com a obra de Freud e
descreveu:
Nesta situação Freud foi essencial para mim, principalmente, devido as
suas pesquisas fundamentais sobre a psicologia da histeria e do sonho.
Suas concepções me mostraram um caminho a seguir para as pesquisas
posteriores e para a compreensão dos casos individuais.

Mas, para entender a psicologia analítica e estabelecer as bases para nossa disciplina,
devemos conhecer um pouco sobre a vida de Jung.

Carl Gustav Jung nasceu num vilarejo de Kesswill, Turgóvia, sendo um cidadão da
Basileia (Suíça); pois seu pai assim o era. Seu nome foi uma homenagem ao avô, que foi
professor de medicina. Filho de Johan Paul Achilles Jung (pastor) e Emilie Preiswerk
(descendente de uma família tradicional da Basileia), Jung era um menino solitário
que gostava de brincar sozinho. Muito sistemático, não gostava de ser perturbado,
observado ou julgado enquanto concentrava-se em suas brincadeiras ou experiências
lúdicas. Chegam a constar comentários dos amigos que com ele conviveram de forma
próxima, que Jung não suportava interferência em qualquer tipo de atividade que
estivesse desenvolvendo e que tinha baixa tolerância a críticas. Alguns amigos assinalam
que ele poderia ser considerado como um ser antissocial.

Com relação aos estudos, Jung (2002, p.38), sempre teve problemas com a matemática
e não era muito adepto de exercícios físicos, embora fosse um aluno descrito como
talentoso e original, nas demais disciplinas.

O colégio me aborrecia. Tomava muito do tempo que eu teria preferido


consagrar aos desenhos de batalhas ou a brincar com fogo [...] A álgebra
parecia tão óbvia para o professor, enquanto que para mim os próprios
números nada significavam [...] A minha grande confusão era saber que
as quantidades podiam ser substituídas por letras – que são sons – de
forma que se podia ouvi-las. Para minha surpresa, os outros alunos
compreendiam tudo isso com facilidade.

O período que marca o ingresso de Jung na universidade é repleto de dúvidas. Afinal.


O que fazer? Jung possuía interesse por quase tudo – exceto a matemática. Ele estabelecia

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como suas principais áreas de interesse, quatro campos: Ciência, História, Filosofia
e Arqueologia.

Mas, aos 19 anos ele ingressa na universidade como estudante de medicina. Uma escolha,
no mínimo curiosa, dada a relação das áreas de conhecimento que lhe chamavam
atenção.

Quando fez 20 anos de idade seu pai falece e, neste momento, Jung – como único
filho homem – tem que assumir a responsabilidade de manter sua mãe e sua irmã.
Alguns parentes chegaram a aconselhá-lo a abandonar os estudo e arrumar um emprego.
Contudo, a vida na universidade seguiu bem e Jung além de estudar medicina, ingressa
no campo da filosofia com mais afinco e, com ajuda financeira de parentes, mantém
a família.

Devemos deixar claro que Jung poderia ter optado pela área da clínica médica, porém
ao ler o Manual de Psiquiatria de Krafft-Ebing a decisão de tornar-se psiquiatra foi
tomada. Naquela época era incomum que um médico quisesse seguir pelo ramo da
psiquiatria, especialmente quando se recebe uma proposta irrecusável como o de ser
assistente de Friedrich Von Muller, em Munique. Afinal, era uma oportunidade de
ascensão na carreira. Contudo, o caminho mais fácil nunca foi uma opção para Jung.
E por que o deveria ser?

Sendo assim, em 10 de dezembro de 1900, Jung passa a ocupar o cargo de assistente no


Hospital de Burghölzli, principal hospital psiquiátrico de Zurique. Sua dedicação era
tamanha que ele morava no hospital, como forma de dedicar-se mais aos estudos.

A psicologia analítica baseia-se na existência dos seres humanos, quer sejam normais,
neuróticos e psicóticos. As teorias que Jung formulou foram sugestões e tentativas de
construir um olhar sobre uma nova psicologia científica, direcionada em primeiro lugar
na experiência imediata com os seres humanos.

De modo geral, não existe uma fórmula simples para reduzir essas experiências.
Ao ampliar o foco aumentando, assim, a nitidez; também perdemos de vista a textura
das relações em que consiste a atividade psíquica. A procura com rigor pela definição
mais adequada do sintoma, da experiência mental subtrai muito do que por natureza
pertence ao ser humano.

Jung foi médico, psiquiatra, psicanalista, professor, escritor – escrevendo vários artigos
sobre crítica social e movimentos sociais. Construiu uma teoria que abarca um grande
número de temas que envolvem o humano e a sociedade. Porém, sobretudo, C. G. Jung
foi um pesquisador e profissional interessado na psique humana.

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Sua intenção de tentar conhecer o máximo possível sobre o que é humano o torna um
dos grandes pensadores da história.

Este Caderno de Estudos tem, portanto, o objetivo de proporcionar informações


acerca da disciplina “Psicopatologia Simbólica Analítica”, com o compromisso de
orientar os profissionais fornecendo substratos para seu crescimento profissional e o
desenvolvimento de sua carreira, por meio da compreensão do aparato teórico contido
nos estudos de C. G. Jung acerca do entendimento da psicopatologia mediante conceitos
principais da psique e psíquico, mente e mental, por estes termos encontrarem-se
primariamente associados à consciência; ao passo que psique e psíquico englobam tanto
a consciência como o inconsciente. Jung teve a coragem de dar a palavra à casuística,
penetrando, dessa forma, na psicologia individual do doente.

Objetivos
»» Oferecer bases teóricas para que os alunos possam transitar confiantes
pelo universo da obra junguiana, bem como fazer uso dos principais
conceitos desta obra.

»» Auxiliar na compreensão da obra junguiana contribuindo para que o


senso crítico e ético seja mais bem consolidado, além de solidificar os
conceitos de arquétipo, inconsciente coletivo e sincronicidade.

»» Proporcionar aos alunos uma formação teórica e capacitação frente


aos diagnósticos psicopatológicos, bem como capacitá-los na utilização
de mitos e de contos de fadas como ferramenta de trabalho nas mais
diferentes demandas psíquicas.

»» Aprofundar o conhecimento da psicologia analítica contribuindo para que


o aluno, atuando em ambientes organizacionais, hospitalares, clínicos,
educacionais, entre outros, tenha uma excelente ferramenta no sentido de
abordar o homem de forma integral, sem deixar de considerar o fato de que
a condição humana é o resultado relacional entre os aspectos biológicos,
familiares, profissionais, sociais, afetivos, emocionais e espirituais.

»» Colaborar para que nossos alunos tenham competências para reconhecer


os possíveis aspectos que estão dissociados e quais os sintomas de
adoecimento decorrentes dessa desintegração. Ressaltando que os
sintomas de adoecimento podem ser manifestos no corpo, na família,
no trabalho, na sociedade, nas relações afetivas e também na dimensão
espiritual.

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OS CONCEITOS NA
PERSPECTIVA DA UNIDADE I
PSICOLOGIA ANALÍTICA
Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma
humana, seja apenas outra alma humana.

C. G. Jung

Carl Gustav Jung foi um dos maiores pesquisadores da alma humana do século passado.
Sua obra transmite um registro fiel de sua vida e de suas experiências clínicas, tendo
como base o processo empírico sempre relacionado aos aspectos teóricos e práticos.

Jung tenta conceituar, porém não se ocupa em definir e, modo coerente e consistente,
sua construção teórica aborda todas as necessidades do mundo moderno, até situações
emergenciais e extremas.

Figura 1.

Fonte<https://asyram.wordpress.com/2014/02/13/i-nivel-sanacion-espiritual-por-arquetipos/> Acesso:23/05/2017

Ao lermos um livro de Jung somos levados a eras e diversos autores. Os que se interessam
por estudos antigos serão bons adeptos da teoria junguiana. Contudo, o mais fascinante
e que não pode ser esquecido é que esse conhecimento antigo é trabalhado na teoria
numa perspectiva atual, pois traz respostas para a atualidade.

Neste sentido, podemos entender os mitos como sendo histórias antigas que ainda
estão acontecendo da atualidade individual e coletiva.

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CAPÍTULO 1
Relação consciente e inconsciente

Até você se tornar consciente o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamá-
lo de destino.

C.G. Jung

Figura 2.

Fonte<http://unusmundusnuminoso.blogspot.com.br/2013/04/um-pequeno-e-simples-esboco-dos-tres.html> Acesso 30/05/2017

O entendimento das escolas e suas diferenças proporciona ao profissional a possibilidade


de adquirir conhecimento de forma pontual. De modo que as temáticas trabalhadas
pelas escolas facilita a busca e troca de conhecimento.

O psiquiatra suíço C. G. Jung foi um dos principais integrantes do movimento psicanalítico


em sua fase inicial, sendo inclusive o primeiro presidente da Associação Internacional
de Psicanálise (IPA).

As divergências com Freud ocorreram inicialmente sobre o conceito de libido, pois Jung
tomava este conceito como uma forma mais ampla que a conceituação sexual oferecida
por Freud; posteriormente a discordância recaiu sobre a noção do inconsciente.

Na prática da psicologia analítica todos os componentes funcionam de forma conjunta


buscando um equilíbrio dinâmico que proporcione a integridade da personalidade.
Percebemos que o intuito é a proposta de uma estruturação da personalidade por
meio de uma conscientização e busca de equilíbrio entre os componentes conscientes
e inconscientes. Jung (1985), denominou esse processo de individuação caracterizando-o,

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OS CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

sobretudo, por uma busca de equilíbrio externo e interno. Uma relação de harmonia
entre o consciente e o inconsciente.

A teoria analítica traz em si muito do que Jung vivenciava em seus atendimentos.


De modo que, ele não tinha como uma meta ou preocupação estabelecer padrões
em sua teoria. Ele não pretendia dogmatizá-la, colocando-a como um corpo estático.
Sua proposta, ou melhor, sua ideia era a de que os conceitos formulados por ele fossem
estruturas vivas que se transformariam com o passar do tempo.

Para Jung (1987), o fato de haver uma interação constante entre consciente e inconsciente
– por mais que não percebida – faz com que muito do que sabemos possa ser apenas
uma imagem mal elaborada da consciência.

Por isso, na práxis psicológica analítica podemos perceber que todo novo caso clínico
consiste quase que na formulação de uma nova teoria. Um olhar novo a cada novo caso,
a fim de não nos prendermos a padrões pré-estabelecidos.

Para Jung o consciente só é alcançado por meio da continuidade, da visão geral ou


de relacionamento com o mundo consciente mediante a sucessão de momentos
conscientes. A possibilidade do ser humano restringe-se a percepção de instantes de
existência. Ou seja, é como se observássemos através de uma fenda e só víssemos um
momento isolado – o restante permaneceria isolado, inacessível.

Para Jung o consciente é um campo restrito de visão momentânea, por observar


campos restritos o consciente não se relaciona com a totalidade das coisas. Deste modo,
podemos dizer que um conceito não é estanque, afinal, o afirmado sobre o conceito
pode ser apenas uma parcela do conceito em sua totalidade.

Divergiu de Freud inicialmente sobre o conceito de libido, tomando-a de forma


mais ampla que a conceituação sexual e, posteriormente, principalmente sobre
a noção do inconsciente. O rompimento entre ambos foi selado na publicação do
livro de Jung (1924/1986) “Símbolos da Transformação” no qual ele explicita suas
diferenças teóricas com Freud. Basicamente, Jung amplia o conceito de libido, que
passa a ser uma energia psíquica geral e não apenas de caráter sexual, como Freud
a conceitua; a visão da psique e do inconsciente se modifica, pois ela passa a não
ser “uma página em branco” no nascimento e o inconsciente amplia-se incluindo
uma camada constituída de estruturas e imagens comuns a toda a humanidade
(os arquétipos) que se manifestam nos sonhos, mitos, religiões e contos de fadas.
Devido a isso, o método de análise de casos individuais modifica-se, incluindo-se

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UNIDADE I │ OS CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

comparações dos sonhos e fantasias com elementos da mitologia universal, além das
associações pessoais.

Figura 3.

Fonte <http://evolucoaching.com.br/o-tarot-como-caminho-de-vida/> Acesso: 28/03/2018

Assim podemos notar que o Consciente se refere ao Eu, demonstrando:

»» O que sabemos que somos.

»» O que percebemos de nós.

»» A percepção de quem sou Eu.

Enquanto, o Inconsciente é o “lugar” do:

»» O que não sabemos que podemos ser.

»» O que não percebemos em nós.

»» Quem não somos.

Para Carl Gustav Jung (1887), existe uma interação entre consciente e inconsciente –
por mais que esta não seja percebida. Deste modo, muito daquilo que sabemos pode
representar apenas uma ideia mal concebida em nossa consciência.

Ao tomarmos a prática da psicologia analítica vamos perceber que Jung (2004),


apontava que todo novo caso clínico consiste quase na formulação de uma nova teoria.

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OS CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

É como se tivéssemos uma visão, um olhar curioso em todo novo caso com o intuito de
não estarmos presos ao que já fora estabelecido.

De acordo com Jung (1985):

O mundo da consciência caracteriza-se sobremaneira por uma certa


estreiteza; ele pode apreender poucos dados simultâneos num dado
momento. Destarte, o mais é inconsciente – apenas alcançamos uma
espécie de continuidade, de visão geral ou de relacionamento com
o mundo consciente através da sucessão de momentos conscientes.
É impossível estabelecermos continuamente uma imagem de totalidade
devido à própria limitação da consciência. A nossa possibilidade
restringe-se à percepção de instantes de existência. Seria como se
observássemos através de uma fenda e só víssemos um momento
isolado – o resto estaria obscuro, inacessível a nossa percepção.
A área do inconsciente é imensa e sempre continua, enquanto a área
da consciência é um campo restrito de visão momentânea (JUNG,
1985, p.5).

Devemos observar alguns pontos dessa citação. Há um campo restrito da consciência


que não se relaciona com a totalidade.

Outro ponto em destaque é o fato de tudo contribuir para uma imensidão, um universo
de percepções, visões, pontos de vista. Desta forma, cada caso é um caso, totalmente
distinto dos demais. A priori, essa diferença reside no fato essencial de que a demanda
é trazida por vivências diferenciadas. Ou seja, o jargão “cada caso é um caso”.

Outro ponto bastante interessante que devemos observar na teoria de Jung é que a
consciência é menor do que o inconsciente. Dentro dessa ideia podemos levantar
algumas discussões sobre o que representam esses conceitos dentro da perspectiva da
psicologia analítica.

Sobre a Consciência: “A consciência é a função ou atividade que mantém a relação dos


conteúdos psíquicos com o eu. Consciência não é o mesmo que Psique, pois a Psique
representa o conjunto de todos os conteúdos psíquicos” (JUNG, 2009, p. 402).

A Consciência é: “Sobretudo, um produto da percepção e orientação do mundo externo,


que provavelmente se localiza no cérebro e sua origem seria ectodérmica”. (JUNG,
1997, p. 5).

15
UNIDADE I │ OS CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Ou seja, para Hark (2000), a consciência pode ser comparada a um órgão perceptivo
que registra e analisa as várias interações com o meio, assimilando imagens e símbolos
do Sistema Inconsciente, usando as palavras e os conceitos para classificá-los.

Desse modo, a consciência é uma precondição para que o sujeito interaja com o meio
que o rodeia. Assim, tornando-se humano. Não poderia ser de outra forma, afinal, é por
meio da consciência que compreendemos e direcionamos nosso aprendizado, nosso
conhecimento e as percepções que nos dão apropriações da realidade.

De modo resumido, por meio da etimologia do conceito, é possível compreender que


consciência é simplesmente ter o conhecimento, a noção ou a ideia acerca de algo.

Assim, a consciência representa estar ciente de algo. Entretanto, quando mencionamos o


sujeito há uma necessidade de individuação. Portanto, não basta ao humano a consciência
sobre algo. Ele precisa estar consciente sobre si mesmo. Dessa forma, refletindo sobre
suas demandas – quer sejam positivas ou negativas – mas, de forma real.

A Consciência, então, significa a parte do sujeito conhecida por ele. E esse estar ciente
sobre si, com o tempo vai de desenvolvendo.

O processo de tomada de consciência sobre o Eu – ação, escolhas, qualidades etc. – que


fará com que o sujeito seja um ser único e singular em meio à coletividade.

Esse “conhecer” se refere ao trabalho de autoconhecimento no processo de análise.


Como nos aponta Edinger (1999, p. 35): “A função psicológica de conhecer ou ver
requer, em primeiro lugar, que a experiência indiferenciada e difusa seja cindida em
um sujeito e objeto, o conhecedor e o conhecido” [...].

Segundo Neumman (1991), o ato de cognição da consciência divide o mundo em opostos,


favorecendo o entendimento do mundo.

O Inconsciente guarda conteúdos que não se harmonizam com a consciência. Podendo


ser estes conteúdos frutos do esquecimento, desconsiderações, reprimidos ou que
ainda não foram compreendidos. Para Jung os conteúdos guardados no inconsciente
energeticamente fracos – ainda – para atingir ou perturbar a consciência.

Entretanto, alguns desses conteúdos, quando requisitados, possuem acesso fácil à


consciência. Exemplificando: lembranças de nomes, números de telefone, situações
ou informações que necessitamos de modo mais específico. Esses conteúdos não estão
sempre em nossa consciência, contudo quando fazemos um esforço, eles são carregados
energeticamente, podendo ser acessados. Assim, quando focamos em uma atividade
consciente, é como se nossa energia estivesse direcionada ao objetivo. Contudo, quando

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OS CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

requisitamos conteúdos para desempenhar uma tarefa, podemos trazer à consciência


lembranças que vão além.

Figura 4.

Fonte < https://pensesonheviva.blogspot.com.br/2013/01/carl-jung-inconsciente-coletivo.html > Acesso 30/03/2018

Essas lembranças que submergem à consciência estavam alocadas em um local diferente


daquele do nosso objetivo.

Segundo Jung (1987), ao falar do Inconsciente não podemos esquecer a complexidade e


a dificuldade de comprovação desse conceito. Para ele a experiência fornece pontos de
ancoragem acerca da existência do Inconsciente, entretanto, também afirma que esta
mesma experiência não nos diz o que pode ou não se tornar um conteúdo Inconsciente.

Deste modo, todo e qualquer conteúdo, a princípio, pode se tronar inconsciente,


especialmente se pensarmos no Inconsciente como a origem de tudo – ponto essencial
da abordagem analítica.

Aquilo que determina:

»» Qual?

»» Como?

»» Quando?

Um conteúdo se torna inconsciente se refere a experiência singular do indivíduo.

Exemplificando: ocorre uma determinada situação em um ambiente e as pessoas que


ali estão tem percepções diferentes sobre o mesmo fato. Ou seja, cada pessoa assimila
de forma diferente a situação.

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UNIDADE I │ OS CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Talvez isso já tenha ocorrido com todos nós: uma pessoa de nosso ciclo social nos
narra uma situação e questiona se percebemos, afinal estávamos no mesmo ambiente.
Contudo, nossa resposta é não. Não percebemos!

Esta não percepção é nossa parcela inconsciente que para nosso amigo, se torna
totalmente clara, óbvia e consciente.

Com relação a esse aspecto Jung diz que:

Pela experiência sabemos também que as percepções dos sentidos,


devido a sua fraca intensidade ou desvio de atenção, não chega a
uma apercepção consciente, mas tornam-se conteúdos psíquicos pela
apercepção inconsciente, o que pode ser demonstrado novamente pela
hipnose, por exemplo. O mesmo pode acontecer com certas conclusões
ou outras combinações que ficam inconscientes, devido ao valor muito
pequeno ou ao desvio de atenção (JUNG, 2009, p.14).

Esta parcela do inconsciente nos apresenta as camadas mais superficiais do


inconsciente. Onde, as fronteiras com a consciência não são bem demarcadas, haja
vista a possibilidades de alguns conteúdos chegarem a consciência e outros não.

Deste modo, podemos deduzir que por mais que tais conteúdos não apresentem
relação direta com a consciência, podem ainda assim interferir na consciência
causando distúrbios psíquicos e somáticos. Ou seja, por distúrbio nos referimos a
qualquer alteração que cause um desequilíbrio no organismo. É importante observar
esta questão quando trabalhamos na perspectiva analítica (junguiana), pois não há
como inferirmos “isso é bom” e “isso é mau”. A questão é: “a serviço de que isto está?”
Por meio dessa prerrogativa não se julga o objeto de estudo, entendendo-o como algo
em estruturação. Dentro dessa visão, estar inconsciente acerca de algo não recebe
como valor o status de “bom” ou “mau”. Ao contrário, há a necessidade de analisar o
motivo da inconsciência.

Assim, para Jung (2000), a camada mais superficial do inconsciente recebe o nome de
Inconsciente Pessoal e a mais profunda de Inconsciente Coletivo.

Quadro 1.

Inconsciente Pessoal Inconsciente Coletivo

Conteúdo Conteúdo

Experiências da coletividade ao longo da história da


Experiências pessoais ao longo da vida
humanidade (arquétipos)

Fonte: Adaptado pela autora com base em Jung (2011, p. 47).

18
OS CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

Assim, ao elaborar a teoria para explicar os processos inconscientes, Jung (2011),


conclui que o Inconsciente é composto por duas partes, uma mais ligada à experiência
individual e outra parte impessoal e coletiva.

Cabe aqui informarmos que a experiência individual refere-se aos conteúdos que se
relacionam a vida pessoal e de acesso mais fácil ao indivíduo. Enquanto a parte coletiva,
por sua vez, o indivíduo se assemelha a um ser genérico, não dissociado da humanidade
e onde encontramos conteúdos referentes à civilização como um todo.

Desse modo, Jung (2011), descreve respectivamente o Inconsciente Pessoal ou


Subconsciente e o Inconsciente Coletivo.

Figura 5.

Fonte < http://paulorogeriodamotta.com.br/inconsciente-coletivo-dicionario-junguiano/ > Acesso 30/03/2018

Ao utilizarmos uma classificação didática, entre conteúdo do inconsciente pessoal e


coletivo, podemos dizer que o primeiro corresponde a uma forma mais organizada que
pode ou não ser colocado como a representação de algo. Enquanto o segundo seria
como a matéria-prima para produzir a realidade (ou realidades).

A abordagem analítica (junguiana) compreende que o indivíduo não é uma folha em


branco, uma tábula rasa, mas sim um ser com conteúdos e potencialidades que atuam
dentro da perspectiva humana.

Esses conteúdos estão impregnados de forte potencial afetivo e sua carga energética é
insuficiente para torná-los conscientes. É possível que cheguem à consciência apenas mais
tarde, a partir do momento que sejam solicitados pela consciência – como mencionamos.

Sobre o Inconsciente Coletivo, especificamente, encontramos representações de toda a


vivência da humanidade desde os primórdios. Neste aspecto, nenhum conteúdo pessoal
é incluído, somente conteúdos herdados da vida psíquica de nossos antepassados;
havendo possibilidades de funcionamento altamente definidas que não são manejadas
por vontade própria. Esse é o pressuposto dos fatos psíquicos.
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CAPÍTULO 2
A interpretação dos sonhos

A função geral dos sonhos é tentar reestabelecer a nossa balança psicológica,


produzindo um material onírico que reconstitui, de maneira sutil, o equilíbrio
psíquico total. É ao que chamo função complementar (ou compensatória) dos
sonhos na nossa constituição psíquica.

C. G. Jung

Figura 6.

Fonte < http://josianepsi.blogspot.com.br/2012/05/interpretacao-dos-sonhos-pode-revelar.html > Acesso em: 30/03/2018.

Os junguianos ainda padecem de muitos pré-conceitos freudianos. Por conta desse fato
sempre que se aborda a questão do consciente e inconsciente, bem como a interpretação
dos sonhos se estabelece um parâmetro comparativo entre a visão freudiana e junguiana.
Até por haver uma fala recorrente de Jung sobre a separação com Freud.

Falamos acerca do Consciente e Inconsciente e agora vamos entrar no domínio dos


sonhos. Mais precisamente no domínio da interpretação dos sonhos.

E a maneira como Jung interpreta sonhos é mais complexa do que para Freud. Até porque
para Freud o sonho era uma fachada, uma enganação, era algo que escondia. Para Jung
não! Ele realmente tinha interesse em interpretar aquelas imagens que apareciam e da
maneira como apareciam.

O que é necessário ter em mente antes de começar a interpretar um sonho?

Já pensou sobre essa questão?

Extremamente relevante.

20
OS CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

A primeira questão para a qual Jung chama atenção no livro Seminários sobre
Sonhos de Crianças (2011), é que o analista deve levar em consideração uma série de
características do próprio paciente. Por exemplo, uma das primeiras situações para que
ele chama atenção: a idade do paciente.

Nosso paciente é um jovem ou alguém que já passou dos 40 anos. Se já passou dos 40
anos, encontra-se na fase que ele denominou como segunda metade da vida.

Em seu livro mencionado anteriormente, ele afirma que aquilo que era importante na
primeira metade da vida é perfeitamente negligenciado na segunda metade da vida.

Então, é fundamental saber se analisamos os sonhos de um jovem ou de uma pessoa


que já tenha adentrado a segunda metade da vida. Além disso, é preciso ter em
mente se essa pessoa já possui algum grau de adaptação social. Devemos lembrar que
“aquilo” a que Jung vai chamar de individuação – que é um estado avançado possível
da análise, um estado de desenvolvimento da personalidade etc. – só é possível com
algum grau, pelo menos mínimo de adaptação ou ajustamento social. Sem isso ela
é impossível.

Então, Jung questiona: quando estiver analisando os sonhos de seu paciente é preciso
primeiro que o terapeuta se pergunte se o atendido já tem algum grau de adaptação
social. Os jovens, em geral, não são adaptados; pois são jovens, têm pouca idade.

Entretanto, nem sempre a juventude é responsável pela inadaptação, existe uma série de
fatores como falta de oportunidade, certa incapacidade, falta de apoio, questões cognitivas.

Com relação a pessoas adultas, se elas não possuem um grau mínimo de adaptação
social, Jung as chamará de “psicologia do nômade na terra de ninguém”. Pois é esperado
minimamente que ao chegar aos 40 anos a pessoa tenha raízes. Ou seja, esta pessoa
se teria se firmado, tendo um emprego. Basicamente, um indivíduo que não esteja à
deriva, que não viva uma vida temporária.

Desta forma, que Jung definia a pluralidade psicologicamente como você viver à deriva,
em uma vida temporária, ou seja, não ter raízes estabelecidas a essa altura da existência.
Então vai ser completamente diferente a maneira como você vai interpretar o sonho a
partir disso que você vai perceber em seu paciente. Pois para alguém inadaptado ou
cronicamente inadaptado ou alguém muito jovem os germes da fantasia que aparecem
nos sonhos podem ser um veneno. Em virtude do fato de serem inadaptados, não
ajustados em sociedade, eles podem acabar vivendo a fantasia ao invés da realidade.
E a missão, digamos assim – lembrando que estamos abordando em termos gerais, e tudo
isso varia em termos individuais, lembrando que a postura de Jung é fenomenológica
– na primeira metade da vida é conquistar o mundo, a expansão do Eu, é ser capaz de

21
UNIDADE I │ OS CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

conseguir uma posição, constituir uma família, trabalho, algum grau de solidez que vai
lhe permitir existir minimamente em sociedade sem grandes conflitos.

Se você abre as portas do simbolismo do sonho para alguém que não tem isso. Isso pode se
constituir em um veneno. Ao mesmo tempo, alguém que já está tão adaptado a sociedade
ao ponto de estar petrificado e prisioneiro dessa adaptação, os germes da fantasia devem
ser vistos como algo extremamente precioso, porque são justamente as possibilidades dos
germes no futuro desenvolvimento de uma nova possibilidade de vida.

Figura 7.

Fonte < http://psicoativo.com/2017/05/amplificacao-na-psicologia-analitica-de-jung.html> Acesso em: 8/4/2018

Então, podemos ver sob essa perspectiva que ele pode ser como pharmakon (φάρμακο)
em grego que significa fármaco, ele pode ser tanto o veneno quanto o remédio – uma
panaceia (o que se emprega para remediar dificuldades). A interpretação vai variar de
acordo com a maneira como encaramos esses aspectos lembrando que em seu livro
A Prática da Psicoterapia (2017), Jung aponta que teremos dois grupos de pacientes:
de um lado os individualistas de parca adaptação social, cuja perspectiva de cura da
neurose é algum grau de adaptação; enquanto existe outro grupo que é constituído
por pessoas que já se adaptaram, mas que tem uma parca individualidade, precisando
desenvolver esse aspecto.

Ou seja, enquanto em um grupo a individualidade já foi desenvolvida, porém à custa da


adaptação. E a adaptação para o outro grupo foi desenvolvida à custa da individualidade.
Temos em certo sentido uma perspectiva desse grupo individualista mais para uma
psicologia adleriana; e o grupo de pessoas que precisam desenvolver a individualidade,
mas que apresentam uma boa relação com os objetos, com a sociedade de uma
psicologia freudiana.

Lembrando que Jung considerava que a psicologia deve assumir as duas perspectivas:
tanto de Freud quanto de Adler. Levando isso em consideração, temos o que Jung
22
OS CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

chama de regras operacionais. Embora o próprio Jung defina que em psicoterapia não
há regras e que mesmo isso, não é uma regra. Ele utilizou o termo “regras”.

Dito isto, as regras operacionais são importantes e devemos tê-las em mente sempre
que nos aproximamos de um sonho.

Exemplificando:

O que você poderia resumir na hermenêutica pela regra da caridade. Ou seja, eu acredito
que por mais que eu não compreenda aquelas imagens oníricas estão me dizendo, elas
têm um sentido e um significado. Jung comparava esse “movimento” com você se
aproximar de um texto em grego. Só que você não fala grego. Então, não há como você
dizer que o texto não significa nada. Se não fala grego, como pode ter algum julgamento
sobre o que não compreende? Do momento em que você fala grego o texto se torna
perfeitamente inteligível.

Embora nunca encontrem a frase a seguir na bibliografia de Jung, nas obras biográficas
há a menção de que o próprio teria dito que não existem sonhos idiotas, apenas pessoas
idiotas que não sabem interpretá-los.

Deste modo, é preciso termos em mente que: por mais estranho que pareça um material
onírico, ele possui um significado.

Outro ponto importante é saber que aquele sonho vai acrescentar algo de fundamental
à consciência do paciente. Isso é um grande interesse na interpretação dos sonhos.

Lembrando que Jung tinha a hipótese de um inconsciente psíquico. E que esse inconsciente
estabelecia com a consciência uma relação de compensação e complementariedade,
essa é a hipótese fundamental.

Por que eu vou interpretar sonhos?

Estou acompanhando um paciente que tem uma neurose.

O que é uma neurose?

É uma cisão. Uma desunião consigo mesmo.

Uma das maneiras mais sucintas e interessantes que Jung utilizou para definir neurose
é que você tem duas tendências em oposição, sendo que uma delas é inconsciente.
Então há uma tendência inconsciente que está em oposição aberta a consciência. Isso
leva a paralização, estagnação, há uma impossibilidade para o sujeito seguir a diante.
Surge, então, uma tendência regressiva. E é preciso saber que a neurose é uma tentativa

23
UNIDADE I │ OS CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

de cura. E é fundamental que compreendamos que a consciência já fez tudo o que podia
fazer e fracassou. Houve um colapso da função adaptativa consciente.

Então, nesse ponto percebemos que neurose propõe sua própria terapia. Quem propõe
a terapia não é o terapeuta, quem propõe a terapia é a própria neurose. Por isso, Jung
falava da irracionalização de todos os objetivos em análise.

Levado em consideração que por mais que não se compreenda um sonho, ele deve ter
um significado, que esse significado deve acrescentar algo de fundamental a consciência
do paciente. Temos que levar em consideração, também, que tudo aquilo que pensamos
saber sobre o paciente é um preconceito ou uma projeção. Por conta disso eu preciso
permitir que ele exponha da maneira mais livre possível todo o seu material e preciso
observar isso da maneira menos preconcebida possível.

Figura 8.

Fonte< https://www.horoscopovirtual.com.br/artigos/qual-a-importancia-dos-sonhos-para-nossas-vidas> Acesso em: 8/4/2018.

É claro que C. G. Jung não propõe uma saída mágica e fantasiosa a essa demanda da
parte do próprio terapeuta. Ao contrário, é imprescindível que o profissional tenha
passado por uma análise do inconsciente. Pois, todo o material que for inconsciente para
o terapeuta e para o paciente resultará em um obstáculo ao processo de interpretação.

Além disso, a interpretação só adquire algum grau de segurança em uma série de


sonhos. Apenas desta forma se apresentaram, de forma mais clara, os vários motivos
que surgem.

E mais: a interpretação é algo objetivo. O sonho é um fenômeno objetivo da natureza.

Para Jung o sonho não está escondendo nada. O sonho é a sua própria interpretação.

O sonho não esconde, ele revela.

Para Jung o sonho é exatamente o que ele é. Não é outra coisa!


24
OS CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

Então, é importante que realmente interpretemos o sonho.

E mais o único critério de validez de uma interpretação de sonho, na visão de C. G. Jung?

Que ela ajude o paciente a sair do estado de estagnação. Esse é o único critério.
Qualquer outra possibilidade é ociosa. Então, enquanto terapeutas não podemos
ter uma atitude de poder. Pois não vamos impor nossa interpretação ao paciente.
A interpretação é construída em conjunto. Mas, se torna necessário que essa interpretação
tenha a aceitação do paciente. De modo que, como a interpretação é um processo de
construção conjunto na relação terapeuta/paciente – em algum momento essa vivência
irá acrescentar algo de fundamental à consciência do paciente.

Assim, permitindo que o paciente enxergue a situação em que se encontra – que é de


profunda inconsciência.

Figura 9.

Fonte < https://carlalindolfo.wordpress.com/2010/11/20/jung-e-os-significados-dos-sonhos/> Acesso em: 8/4/2015.

Lembrando que uma pessoa problemática sofre, mas com o conhecimento do porquê
sofre. Uma pessoa neurótica, por sua vez, sofre; entretanto desconhece os motivos do
seu sofrimento. Os motivos e as razões do sofrimento são inconscientes, por isso a
neurose é nomeada por Boechat (2008), como um lobo. Ela não permite que o indivíduo
se confronte moralmente com o sofrimento, somente quando você se torna consciente.
Assim, surge o problema, pois só há problema na consciência. Então, se depara com
neurose e psicose.

Esses aspectos são fundamentais que servem de prefácio, de introdução a maneira


como se dará a interpretação do sonho, na perspectiva junguiana.
25
UNIDADE I │ OS CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Ou seja, teremos enquanto terapeutas uma perspectiva caridosa, vai se disponibilizar a


compreender o que não compreender e quando não houver compreensão do sonho, a
deficiência não está no material onírico, mas em quem não o interpreta.

O sonho não é simplesmente uma brincadeira da natureza – ou em latim iocus naturae.


O sonho faz parte de todo um mecanismo de homeostase psíquica de adaptação que
fundamentalmente aponta para um maior desenvolvimento psíquico.

Por que o sonho é importante no contexto da psicopatologia simbólica analítica?

Pois as patologias são movidas por tendências em oposição: Consciente e Inconsciente.


Não é na consciência que vamos encontrar aquilo que significa a tendência oposta.
Mas, sim no único lugar possível: o próprio Inconsciente. E Jung concorda com Freud,
quando destaca que o sonho é a via régia de acesso ao Inconsciente.

Desta forma, aquilo que aparece na psicopatologia ou para a psicopatologia, ou a forma


como o Inconsciente está vendo a situação da consciência – o que é necessário para
complementar o terapeuta vai descobrir por meio da Interpretação dos sonhos.

26
ESTRUTURA DA PSIQUE UNIDADE II

O objetivo da individuação é nada menos que despir o self dos falsos invólucros
da persona, por um lado, e do poder sugestivo de imagens primordiais, pelo
outro.

C.G.Jung

Figura 10.

Fonte < http://paulorogeriodamotta.com.br/psique-dicionario-junguiano/> Acesso em: 8/4/2018.

Para Jung (2008), a personalidade é como uma estrutura contemplada pela psique.
Deste modo, ele faz uma distinção fundamental:

No decorrer de minhas investigações sobre a estrutura do inconsciente


fui obrigado a fazer uma distinção conceitual entre alma e psique.
Por psique entendo a totalidade dos processos psíquicos, tanto
conscientes como inconscientes. Por alma, porém, entendo um complexo
determinado e limitado de funções que poderíamos caracterizar melhor
como personalidade [...] fenômenos do sonambulismo, duplo caráter,
divisão da personalidade em cuja pesquisa se destacaram os franceses
que chamaram a atenção para a possibilidade de haver mais de uma
personalidade em um único e mesmo indivíduo.

É óbvio que em um indivíduo normal não pode manifestar-se esta


pluralidade de personalidade; mas a possibilidade de dissociação da
personalidade, comprovada por esses casos, deveria existir, ao menos
em germe, no âmbito normal. (JUNG, 2009, p 388).

27
UNIDADE II │ ESTRUTURA DA PSIQUE

Na citação anterior, Jung (2009), aponta que a psique é a completude de todos os


fenômenos – conscientes e inconscientes – e o que conceituamos como personalidade
é meramente uma parte destes fenômenos.

Figura 11.

Fonte < http://paulorogeriodamotta.com.br/a-psique-na-psicologia-analitica/> Acesso 8/4/2018

Podemos ir mais além e pontuar que, dentro deste ponto de vista, existe a possibilidade
de encontrarmos na mesma pessoa, mesma psique, inúmeras personalidades que ao se
desestruturarem provocam reações patológicas.

A psique, deste modo, abrange todos os conteúdos do indivíduo e seu funcionamento é


uma espécie de guia que regula e adapta o indivíduo ao seu meio.

Ao afirmar que a psique engloba todas as partes e conteúdos individuais, bem como
regula e adapta tais processos, Jung (1986), trabalha com a ideia de que o indivíduo é,
a princípio, um todo indiferenciado.

Ou seja, ao nascermos possuímos toda potência e possibilidade para nos tornarmos


humanos, de forma integral e original.

Ao seguir por este caminho, o desenvolvimento ocorre na intenção de desenvolver toda


essa potencialidade no decorrer da vida.

Cabe, portanto, ao indivíduo – sob tal perspectiva – desenvolver esse todo e se aproximar
do alto grau de harmonia, coerência e diferenciação consigo. Ou seja, o processo de
individuação.

28
CAPÍTULO 1
Tipos psicológicos

Tudo o que nos irrita nos outros pode levar-nos a um entendimento de nós
mesmos.

C.G. Jung

Os conceitos da psicologia junguiana denominados introversão e extroversão já eram


conceitos conhecidos como disposições, inclinações e tipos psicológicos. Essas duas
possibilidades de mecanismos psíquicos de adaptação ou tipos gerais de atitude já
tinham sido mencionadas antes por autores como Nietzsche, William James, Abelardo.

Dentro dos tipos gerais encontram-se os tipos funcionais de atitude:

»» Introvertido/extrovertido: pensamentos, sentimentos, intuição e sensação.

»» Judicativos: sentimentos.

»» Racionais: pensamentos.

»» Irracionais ou perceptivos: intuição e sensação.

O método de comparação ou amplificação é, extensamente, utilizado por Jung para


poder explicar o que ele chama de introversão e extroversão – conceitos fundamentais
da psicologia analítica. Lembrando que amplificar para Jung representa alargar o tema
por meio da junção de numerosas análises.

De acordo com Von-Franz (2010), Jung toma a Filosofia Ocidental como um


desenvolvimento simbólico de ideias arquetípicas e como tal devemos utilizar o método
comparativo para observar essa questão.

Depois de um tempo, a filosofia fica estranha. Exemplificando: alguns autores apresentam


em suas leituras teóricas uma visão introvertida. Russel, fala sobre o sujeito abandonar
a ciência, o mundo, o próprio corpo, depois abandona a subjetividade. E propõe que
após esse movimento a pessoa ganha a si mesmo. Ele descreve um processo de retorno
ao Eu, retrocessão ao Eu – o próprio termo retrocessão já havia sido mencionado na
obra de Descartes que era um nacionalista (apontado por William James). Ou seja,
Russel está descrevendo um processo psicológico de introversão extremamente
profundo. E há um momento do Russel em que ele cita que quando o sujeito chega ao
Eu transcendental, ele resolve como em um “passe de mágica” (o racionalismo oferece
essa visão) o problema crítico kantiano. Ou seja, a pessoa resolve de forma rápida, a

29
UNIDADE II │ ESTRUTURA DA PSIQUE

questão que se insere entre o conhecimento empírico (que se funda na experiência) e


o conhecimento a priori (que não pode ser fundado essencialmente na experiência).
Ou seja, o problema que Kant aponta para a psicologia é resolvido rapidamente. E qual
o problema da Psicologia para Kant? Para ele a psicologia é impossível, pois a psique
não pode observar a psique. Para ser ciência há o pré-requisito de um ponto mais ou
menos objetivo e sempre iremos incorrer no problema de ser objeto e observador ao
mesmo tempo. Como se utilizássemos a nossa câmera para tirar a foto da câmera.
Que, obviamente, é a impossibilidade. Então, Russel vai e diz para que se divida o Eu
transcendental e o Eu observa o Eu.

Figura 12.

Fonte < http://www.ijep.com.br/index.php?sec=artigos&id=346&ref=a-busca-do-inconsciente-pela-harmonia-e-a-compensacao-


entre-o-falado-e-o-nao-falado* > Acesso 10/3/2018

Jung (2009), aborda em A Natureza da Psique que a filosofia são fibras de contato
intelectual movidas para frente e para trás movidas em milhares de anos.

Em Hannah (2003), percebe-se várias citações contrárias a postura de Russel.


Os contrários à sua visão afirmavam que os filósofos deviam olhar nos próprios olhos
para ver mais longe. Essa palavra nos dá uma nítida impressão do que a Russel provocou
na comunidade terapêutica.

De acordo com Boechat (2008), Jung define que a forma como Russel apresenta a
introversão mostra uma similaridade com a agorafobia. Ou seja, se abandonam os objetos
do mundo que se apresentam como algo terrivelmente assustador e se voltam para o
próprio Eu. Elevar o Eu para além dos objetos. Enquanto, a extroversão é o oposto.

Os conteúdos inconscientes têm uma energia que é assustadora. Eles têm um aspecto
aterrador. E o indivíduo vai sentir e viver nos objetos. O sujeito vai empaticamente
engolir os objetos de vida.

Em A Natureza da Psique, Jung (2009), aborda a psicologia como consciência e a


psicologia como método, nesse momento fazendo um corte fenomenal com a filosofia

30
ESTRUTURA DA PSIQUE │ UNIDADE II

e demais aspectos dos racionalistas – como Descartes, Russel, entre outros. Que é o
oposto o racionalismo e o temperamento empírico.

Ao fornecer uma série de conceitos, estamos dando as “chaves do castelo” que permite
uma compreensão melhor, mais rápida, mais apurada.

Deste modo, este capítulo destina-se a dar as chaves do castelo para que possam ser
compreendidos os tipos psicológicos.

Desta forma, temos que questionar:

»» Por que pensar em tipos psicológicos?

»» O que são tipos psicológicos?

»» Para que servem?

Figura 13.

Fonte < https://www.youtube.com/watch?v=SM0qqtNWAQs > Acesso 10/4/2018

E, principalmente, para que não servem! Pois, em geral, fala-se acerca dos tipos para
dizer para que eles não servem.

Vamos focar nos tipos funcionais: introversão e extroversão. Os quais são chocantemente
empíricos. A princípio pode causar certa estranheza, mas aos poucos essa questão vai
sendo assimilada dentro do manejo da psicologia analítica e passa a ser algo útil e
extremamente prático. O valor de compreensão do fenômeno é imenso.

O que é um tipo?

E em que sentido Jung usa tipo?

Jung (2009), usa tipo em mais de um sentido em sua obra. O termo tipo é utilizado
para se denominar as características gerais de um fenômeno. Essa é a primeira acepção

31
UNIDADE II │ ESTRUTURA DA PSIQUE

de título fornecida por Jung. Por exemplo, quando falamos em anima e arquétipo
falamos de tipos que se reptem nos fenômenos. Quando falamos que a anima serve
para designar um conjunto de fenômenos análogos e afins estamos falando em tipo.
Sempre que falamos em mitologema (o elemento mínimo reconhecível de um complexo
de material mítico que é continuamente revisto, reformulado e reorganizado) estamos
falando em tipo.
Figura 14.

Fonte < https://mitologiahelenica.wordpress.com/tag/mitologema/ > Acesso em: 10/4/2018.

Pode-se falar também que o tipo seria uma espécie de disposição de como a energia
psíquica vai ser trabalhada. Essa é a segunda concepção de Jung (2001), sobre o tipo.
Tipos em stricto sensu é isso. Um modelo geral de atitude. E neste momento entra uma
das “chaves do castelo” que é a noção de atitude.

Introversão e extroversão são atitudes. Pensamento, sentimento, intuição são atitudes.


Então, se não é compreendido o que Jung chama de atitude – em alemão Einstellung –
não há condições de entender o que é um tipo, para que serve um tipo e para o que não
serve o tipo (ou tipos).

A epistemologia do tipo que utilizamos em nossa disciplina e do qual estamos falando é


um modelo geral de atitude.

Obviamente, um tipo é uma abstração generalizante que não dá conta da sutileza do


fenômeno. Porque a todo tipo vai corresponder uma compensação inconsciente, que
algumas vezes devido ao caráter compulsório, pode se manifestar inclusive de maneira
mais forte do que o próprio tipo da pessoa.

No livro A Natureza da Psique de 2009, Jung deixa muito claro no capítulo sobre a
tipologia e a psicopatologia, que a tipologia não é uma caracterologia. Ou seja, ao utilizar
o termo caracterologia Jung utiliza o conceito sobre aquilo que o indivíduo é. E pronto!

32
ESTRUTURA DA PSIQUE │ UNIDADE II

Figura 15.

Fonte < https://pt.quizur.com/quiz/voce-e-introvertido-ou-extrovertido-7t> Acesso 10/4/2018

O único exemplo relevante de caracterologia – e seria interessante – nesse momento da


leitura que vocês fizessem uma imersão e apresentassem outros exemplos no decorrer
da disciplina. Pois será uma contribuição excelente e uma troca fenomenológica – e a
aprendizagem não ocorre sem esses momentos.

Mas, retomando ao exemplo, quem jogou Dungeons & Dragons, um RPG de alta
fantasia, quando escolhemos o nosso personagem temos uma tendência de você é
“aquilo”. Na hora que escolhemos nossa tendência, não podemos mais mudar, assim,
temos bom, neutro e mau. E temos caótico, neutro e justo. Assim, se escolhemos bom
e caótico, teremos esse comportamento para sempre, porque você é “assim”, é uma
caracterologia. Se escolhermos que nosso personagem vai ser bom e justo, você irá se
comportar dessa forma o tempo inteiro. Você será assim do nascimento – no contexto
do jogo – até à morte.

Para Jung (2009), quando ele fala de introversão e extroversão ele se refere a
mecanismos psíquicos que, inclusive, podem ser desligados ou podem mudar.
O exemplo utilizado em psicopatologia é o seguinte: pegue um extrovertido e coloque-o
em uma sala vazia, sem nada e escura. Onde ele possa ser “ruído” pelos complexos
dele. E então, essa pessoa vai passar a se comportar exatamente como um introvertido.
Ela vai reagir negativamente a qualquer estímulo. Por oposto, pegue um introvertido
e coloque-o em um local onde ele se sinta perfeitamente à vontade, só com pessoas
conhecidas, em pouco tempo ele vai se comportar como um extrovertido. Ou seja,
ele vai abandonar a característica da agorafobia, da introversão, e vai se comportar
perfeitamente como um extrovertido.

33
UNIDADE II │ ESTRUTURA DA PSIQUE

Figura 16.

Fonte < https://www.fasdapsicanalise.com.br/o-que-e-agorafobia/> Acesso 10/4/2018

Por quê?

Porque só se pode falar de um tipo quando ele se torna crônico.

E mais, a introversão e a extroversão são como a sístole (contração ventricular) e a


diástole (relaxamento ventricular). Ou seja, é um centrípeto e centrífugo, o tempo inteiro
“vai e volta”. Vai do sujeito para os objetos e volta dos objetos para o sujeito. Então, não
se trata de uma caracterologia, mas de um mecanismo psíquico. Por exemplo, um
indivíduo pode ser extrovertido, mas se for conscientemente extrovertido, ele pode
retirar a libido conscientemente dos objetos. Ele chega a um local onde há pessoas que
ele não tem afinidade e fica quieto, sem falar com as outras pessoas. Vocês fizeram
isso? O mesmo indivíduo chega em um outro local perfeitamente amigável. Onde ele
vai falar, estar descontraído. Então não se trata de uma caracterologia, e não serve para
definir o que a pessoa pode ou não fazer. A guisa de um teste de vocação, por exemplo.

Ou seja, a manifestação da atitude vai depender da ambiência na qual o sujeito está


inserido. Em Psicologia do Inconsciente, Jung (1987), usa o exemplo para abordar esse
tema, para tratar dessa sístole e diástole; que não somos o tempo todo introvertidos,
nem é o tempo inteiro extrovertidos. Mas, em algum momento, uma dessas atitudes
vai se tornar a atitude consciente principal. E isso vai significar a autorrenuncia,
a automutilação, na qual o sujeito retira a energia de outras funções e colocar toda
concentrada na função principal.

Exemplificando: uma pessoa é do tipo intelectual e está, o tempo inteiro, retirando


energia do sentimento, pois o sentimento estorva o pensamento, para que os seus
pensamentos funcionem em um grau máximo. Deste modo, é preciso reprimir ao
máximo o sentimento. Entretanto, à medida, que o indivíduo “faz” isso se torna cada
vez mais unilateral – em alemão einseitig (uma direção) e uniteralidade (Einseitigkeit)
– e a outra função só suporta isso por determinado tempo. Pois, ela começa a cair para
o nível inconsciente e isso gera uma espécie de contrapeso para o consciente. E em

34
ESTRUTURA DA PSIQUE │ UNIDADE II

determinado momento a uniteralidade da função principal que – é muito útil, porque


tem uma função adaptativa – para o exemplo do intelectual. Ou seja, o intelecto é o
pensamento consciente. É o pensamento dirigido pela consciência.

Isso faz com que a consciência que é um órgão de adaptação tenha um tipo específico
de adaptação em que ela é especialista. Mas, isso ocorre devido a uma renúncia de
si mesmo e ao sacrifício. Esse sacrifício apresenta como vantagem ser uma forma
de domesticação dos instintos. Haja vista, que quanto mais forte a consciência mais
domesticados os instintos se tornam, mas ao mesmo tempo essa domesticação significa
uma separaçãodos instintos. E uma hora os instintos se revoltam contra isso. Eles têm
que se revoltar, do contrário a adaptação cessaria.

E para que serve um tipo? Ele é a maneira como nos adaptamos ao mundo.

Sabemos que um tipo é um modelo geral de atitude. E o que é uma atitude? Esse conceito
que os junguianos praticamente não falam. Ao contrário, de sombra por exemplo que é um
conceito amplamente abordado. Mas, ninguém fala de atitude – que, aliás, é fundamental.

Atitude é uma direção apriorística da libido, uma espécie de declive, uma espécie de
expectativa que atua direcionando e selecionando. Ela funciona da seguinte forma:
temos uma constelação subjetiva de complexos. Essa constelação subjetiva de complexos
possui uma série de associações entre eles (complexos). E isso faz com que a pessoa
tenha uma atitude. E como a atitude atua direcionando e selecionando, porque ela é
uma expectativa; ela vai ser a responsável pela percepção ativa. Então, o complexo do
Eu vai definir o que ele (o Eu) pode ver.

Então, vamos supor que um arquiteto entre em uma sala e a decoração seja indiferente
para ele. Entretanto, entra outro arquiteto que olha para a sala e diz que as cores não
estão adequadas ou combinando. O segundo arquiteto tem uma inclinação que a direção
apriorística da libido dele da sensação se dirige para entender o conjunto da harmonia
das cores.

Podemos ter uma pessoa próxima que não gosta de açaí. Mas, que gosta de sair
conosco. Todas as vezes que sair com essa pessoa e apontar “ali vende açaí”, pois quem
está dirigindo gosta; a pessoa ao lado vai olhar e dizer “hum”. Essa pessoa não tinha
nenhuma expectativa de encontrar açaí. Ou seja, o açaí é invisível para ela. Porque a
atitude dela não selecionava nem direcionava a libido para o açaí. Enquanto, a pessoa
que a chamou para sair tem sua expectativa voltada para encontrar algum lugar que
venda açaí, pois essa pessoa gosta muito de açaí. Assim, a expectativa de quem gosta de
açaí é grande, e por isso sua libido é selecionada e direcionada para encontrar um local
que tenha. Esse exemplo, trivial demonstra o que é uma direção apriorística da libido.

35
UNIDADE II │ ESTRUTURA DA PSIQUE

A constelação subjetiva de complexo que temos vai determinar para onde e o que vamos
ver. E isso vai de certa maneira afunilar a nossa percepção e vai especializar a nossa
percepção – isso é uma atitude.

Ter atitude é ter uma direção apriorística para determinar para onde irá nossa libido.
Precisamos desenvolver essa atitude/expectativa.

Assim como alguém que é o tipo sentimento vai conseguir perceber flutuações muito
sutis de afeto e sentimento, para os quais o tipo intelectual é “cego”. Pois é necessário
fazer esse tipo de valoração. A todo desenvolvimento de uma função significa a
renúncia de outra. Então, quando conhecemos alguém muito inteligente no sentido
intelectual, geralmente, esta pessoa será desligada, ou desatenta, no sentido sentimental.
E vice-versa. Isso não significa que a pessoa sentimental não seja inteligente, ou menos
capaz intelectualmente – não é disso que se trata. A inteligência não é uma possessão
exclusiva do intelecto.
Figura 17.

Fonte < https://www.pinterest.com.mx/pin/87046205275341723/> Acesso em: 10/4/2018.

A atitude é uma direção da libido. O que significa a direção da libido do interesse? Qual
é a direção da extroversão? São os objetos. Ela se dirige para os objetos.

Qual é a direção da introversão? Ela se dirige para o sujeito psicológico. Ela se dirige
para a fantasia inconsciente.

No livro O Eu e o Inconsciente, Jung (1982), aborda dois sujeitos: o introvertido e


o extrovertido. E o extrovertido vê ao longe um castelo e pensa logo em aventuras,
princesas, etc. E arrasta o outro sujeito para ir com ele. Só que o outro não quer, pois
está satisfeito em ficar ali conversando com seu amigo.

Jung (2004), compara a extroversão e a introversão a duas estratégias naturais.


Enquanto o extrovertido seria como os herbívoros. E aqui cabe clarificarmos: o que
36
ESTRUTURA DA PSIQUE │ UNIDADE II

o herbívoro faz? Como age? Ele é individualmente forte? Não. Mas, ele anda em uma
manada – zebras, por exemplo – e assim fazem frente aos leões. E o leão? Como faz?
Ele individualmente é muito forte. Então o introvertido seria como o predador,
carnívoro; e o extrovertido seria o herbívoro.

Quanto ao castelo, eles vão até lá. O extrovertido vai animado, antecipando os fatos!
Só que ao chegarem ao castelo ao invés de ter aventuras, princesas, cavalheiros etc.,
tem uma coleção de moedas. E o introvertido ama moedas e vai até as pessoas e
começa a falar sobre as moedas. E o extrovertido fica totalmente deslocado. E aqui
temos uma troca. Lembrando que para Jung (1982), a introversão funciona como um
tipo de agorafobia. O introvertido não queria ir ao castelo, pois teriam pessoas demais.
O introvertido prefere estar na companhia de poucas ou de uma pessoa, situação que
favorece o seu controle da situação. Quanto mais gente menor será o controle. E em
espaços abertos ou desconhecidos, não existe o controle da quantidade de pessoas.
Entretanto, no caso narrado há uma inversão, pois é algo do interesse dele, sua libido
será dirigida de maneira extrovertida para aquilo no caso as moedas. E o extrovertido
vai olhar a situação e ficar se lamentando. E vai se interessar mais com a própria
lamentação e os próprios conteúdos do que pelos objetos.

No paragráfo anterior podemos perceber claramente a característica de sístole e


diástole. Da introversão e da extroversão que são são direções da libido. O extrovertido
tem o destino determinado pelos objetos. A libido do extrovertido se dirige para fora.

Enquanto, o introvertido tem o destino determinado pelo sujeito psicológico e pelas


fantasias inconscientes, pela sua interioridade psíquica. A sua inclinação será para
dentro. A libido se dirige para dentro.

E podemos ter uma extroversão consciente, na qual a pessoa pode retirar a libido dos
objetos, e uma extroversão compulsória na qual não é possível retirar libido dos objetos.
Então, percebemos que desde o momento que a consciência tem um tipo – ou seja, uma
direção apriorística da libido – ela tem uma forma específica de adaptação.

Devemos informar que quando falamos em sentido energético progressão e regressão


são conceitos diferenciados de extroversão e introversão. De modo que regressão da
libido não é o mesmo conceito de introversão. Esses conceitos não são equivalentes.
A progressão pode se dar de maneira introvertida ou extrovertida e a regressão também
pode se dar em um tipo psicológico introvertido ou extrovertido. Uma significa adaptação
ao mundo e outra adaptação às condições da individuação, e como gostamos de colocar
a energia de um se dirige ao futuro e a outra se dirige ao passado.

37
CAPÍTULO 2
Arquétipos, complexo e símbolos

Não conseguimos mudar coisa alguma sem antes aceitá-la. A condenação não
libera, oprime.

C.G. Jung

Para falarmos sobre arquétipos precisamos nos remeter aos mitos. Afinal, foi por meio
dos estudos mitológicos e simbólicos que Jung começou a escrever sobre os arquétipos:
conteúdos que estão em nós e para além de nós.

De modo mais amplo, podemos dizer que os mitos são expressões mais humanas dos
arquétipos.

Deste modo, o arquétipo representa uma matriz primitiva de nossa psique, sendo um
conteúdo hipotético que faz parte das camadas mais profundas do ser. Os arquétipos
desse modo residem no Inconsciente Coletivo (JUNG, 2000).

O arquétipo é um dos conceitos de Jung (2000), que ele considerava correlato a noção
de inconsciente coletivo. O arquétipo não é pensado originalmente por Jung, ele é
mencionado por outros autores. Esse é um conceito que acaba sendo mal entendido –
assim como o de inconsciente coletivo – a noção de arquétipo é uma noção que acaba
gerando uma série de equívocos.

Com o aprofundamento dos estudos sobre o inconsciente, chegamos a uma estrutura


conhecida como arquétipo, que é definido como um conjunto de caracteres que em
seus significados remetem a situações mitológicas, pertencentes a toda humanidade e
sua história.

O arquétipo pode ser definido como categorias da fantasia. Essa é uma ótima definição
para começarmos.

Deste modo, o arquétipo não possui uma formação consciente, adquirindo possibilidade
de forma e de modificação a partir do contato com a consciência. É essa consciência
histórico- social que direcionará como e em que formato esse arquétipo será apreendido.
Não há como visualizarmos e apreendermos o arquétipo, a não ser quando este é
manifestado de formas consciente, ou seja, por meio “da” e “na” experiência.

Toda a fantasia – e a fantasia também é um conceito para Jung – sonhos, delírios,


visões, entre outras e a própria imaginação, ela possui uma forma tipicamente humana.

38
ESTRUTURA DA PSIQUE │ UNIDADE II

Por se alocar em camadas mais profundas do ser e, por conseguinte, não estar sob
o domínio de uma linguagem e expressão da consciência Jung (2000), propõe uma
distinção entre o Arquétipo em si – algo irrepresentável, pertencente a um plano além
do humano – e a Imagem Arquetípica. Dessa forma, temos que ter claro que o primeiro
se constitui de uma estrutura inerente à psique a segunda se expressa sob as diferentes
formas de manifestação de imagens, formas e símbolos.

Jung (2000), ao falar das categorias da fantasia diz que aquilo que em mitologia
é chamado de mitologemas na religião comparada e na mitologia comparada; na
psicologia se chama de arquétipos. Por exemplo, um mitologema típico seria o da fuga
mágica, representado pelo mito do roubo do hidromel da poesia por Odin. E Odin se
transforma em animais e consegue escapar.

Leiam acerca desse mito nórdico no site: <http://portal-dos-mitos.blogspot.


com.br/2014/06/kvasir.html>

Figura 18.

Fonte < http://www.beljon.de/Artikel-1/Nordisches/Der-Nordische-Gott-Eins.htm> Acesso 10/4/2018

Podemos também citar as várias lendas dos índios norte-americanos sobre a obtenção
do fogo. Como esse fogo vai sendo passado de animal para animal. Ou sobre as outras
fugas mágicas que aparecem em vários contos de fadas. Nos quais a pessoa segue
em fuga e vai jogando coisas pelo caminho que causam efeitos mágicos – como fogo,
fumaça, montanhas etc.

Então, podemos observar que nessas histórias apresentadas de forma muito sucinta,
temos uma estrutura comum. Essa estrutura comum é o que Jung (2000), compreende
como arquétipo.
39
UNIDADE II │ ESTRUTURA DA PSIQUE

Além disso, um autor que Jung aponta como sendo um antecedente histórico da noção
de arquétipo é Philipp Wilhelm Adolf Bastian. Bastian foi o primeiro polímata do
século XIX, uma pessoa cujo conhecimento não se restringe a uma só área. Era médico,
filólogo, filósofo, etnólogo, antropólogo, linguista. E como era um viajante, ele observou
a cultura de diversos povos – e assim como os Irmãos Grimm e os folcloristas do final
do século XIX – ele percebeu algo interessante, havia um legado e similaridades em
diversas histórias folclóricas, em diversas lendas, mitos, contos de fadas das mais
diferentes latitudes. E seria muito difícil imaginar simplesmente uma transmissão.
Para explicar esse fato, Bastian cunhou dois termos que ele chamava de pensamento
elementar e pensamento cultural, folclórico – em alemão, respectivamente, elementares
Denken e folkloristisches Denken. Por trás de várias histórias com colorido bem
diferente temos o mesmo pensamento elementar. Seria como pensar em um grande
mal que entre os vikings existe “o grande matador”, o “lobo Fenrir, filho de Loki” que
remete ao fim do mundo.

Figura 19.

Fonte < http://marshmallowrevolution.blogspot.com.br/2014/02/lendas-fim-do-mundo-pela-mitologia.html > Acesso 10/4/2018

Entre os povos da Polinésia o grande mal é representado por um tubarão. Temos assim
duas imagens bem distintas, mas que funcionalmente são idênticas e desempenham o
mesmo papel.

E podemos ver por detrás de muitas imagens, bastante diferentes entre si, essa mesma
função: animais devoradores, heróis solares, redentores que se apresentam com uma
inflexão cultural, histórica e geográfica diferente. Mas, que a estrutura da história e a
função são extremamente similares. Isso é bastante interessante, pois Jung (2000),
compara a noção de arquétipo a classificação botânica. Nesse sentido, o arquétipo é
uma hipótese de grande valor holístico que nos ajuda a compreender as semelhanças
entre as diversas maneiras como a fantasia se manifesta. No caso do Bastian, ele falava

40
ESTRUTURA DA PSIQUE │ UNIDADE II

sobre o pensamento elementar. Marie-Louise Von-Franz (1990), também fala sobre


Bastian na obra Interpretação dos Contos de Fadas, e faz uma pequena correção ao
dizer que o problema não seria simplesmente um pensamento elementar. Ela chega
a dizer que Bastian deveria ser do tipo psicológico pensamento e sempre pensa sob
essa ótica.

Vemos que as imagens arquetípicas não são hereditárias. Hereditário é a capacidade


de produzir e ter essas imagens. Da mesma forma que vemos também que o arquétipo
oferece uma variação de possibilidades, ou seja, ele possui em sua natureza a capacidade
de se apresentar da mesma forma – mesmo tema em formas diferentes, considerando que
este pode se apresentar de inúmeras maneiras com o decorrer do tempo. Desse modo,
muda a sua apresentação, mas seu núcleo, o grande tema, permanece o mesmo com o
passar dos anos e não deixa de tocar os indivíduos no decorrer das épocas.

Assim, os estudos sobre o Inconsciente Coletivo e os Arquétipos constituem um elo


entre a teoria junguiana e os estudos mitológicos e simbólicos. Todos os conteúdos
possuem uma origem arquetípica.

Além disso, algo importante para se perceber acerca do arquétipo na visão de Jung (2000),
é a sua afirmação de que os arquétipos eram as formas da percepção. Nós temos uma
maneira tipicamente humana de perceber as coisas. E a estrutura dessa maneira “como
nós percebemos as coisas” é justamente aquilo que Jung chama de arquétipo. Ele é uma
disposição para perceber as coisas e para produzir fantasias que é tipicamente humano.
Nesse sentido é importante salientar que o arquétipo não é uma ideia herdada ou uma
imagem herdada, apesar de Jung utilizar o termo imagem primordial – em alemão
ursprüngliches Bild. Jung afirma textualmente que não são imagens herdadas, mas a
disposição para produzir determinadas imagens ou fantasias que vão apresentar uma
estrutura similar. Essa similaridade é que vai levar a posteriori a hipótese da existência
do arquétipo.

Jung (2000), aponta que o arquétipo é uma estrutura formal e vazia em si. O conteúdo
do arquétipo será sempre advindo da experiência. Por isso que nos exemplos fornecidos
anteriormente sobre o mal em diversas culturas – será um lobo, um tubarão, uma
aranha, teremos essas diferenças a depender da latitude, das eras. Mas, teremos uma
estrutura que vai ser constante e que essa estrutura vai dar conta de que estamos
falando da alma. Fundamentalmente, uma das definições interessantes que Jung
(1985), fornece de mitologia é a essência da alma projetada. Fundamentalmente toda
mitologia é uma projeção do Inconsciente Coletivo daí provém o interesse da psicologia
em estudar religião comparada e mitologia porque funciona como uma espécie de
anatomia comparada da alma. Pois teremos certas invariantes, o que não quer dizer
que sejam as mesmas histórias, porque as histórias não se modificam. Que não haja
41
UNIDADE II │ ESTRUTURA DA PSIQUE

uma diferença com o passar do tempo com relação a essas produções da fantasia de
acordo com a história.

Dissertamos acerca de algumas caractísticas do Arquétipo. Temos que ter em mente


que ele é uma possibilidade e potência para algo não a coisa em si – podendo inclusive
e muitas vezes nem chegar a ser notado. Deste modo, no campo da Psicologia Analítica,
o trabalho deve ser conduzido por meio de metáforas. Pois, elas nos conduzem às
possibilidades interpretativas sem que se esgote o conteúdo simbólico a ser analisado.

O arquétipo nunca se esgota, pois sempre vai haver algo mais. Sua potencialidade
inata é fonte para outras significações, imagens, simbolizações. Esses conteúdos são as
formas mais primitivas e universais que caracterizam a vida.

Segundo Jung (1987), esses conteúdos estão incrustados no cérebro humano e


necessitam apenas de uma disposição diferenciada do indivíduo.

O aparecimento de deuses, feiticeiras, animais, heróis, figuras diabólicas, anjos indica


que esses conteúdos são para além do caráter individial e humano. Podemos dizer que
esses personagens representam qualidades humanas que nos remetem a conteúdos
coletivos, a forças que superam a capacidade individual e histórica. Imagens que
ultrapassam o tempo e as culturas.

Figura 20.

Fonte < https://portal2013br.wordpress.com/2014/08/31/os-12-arquetipos-comuns/> Acesso em: 10/4/2018.

Complexo
Uma das maneiras como Jung chamava sua teoria era de Psicologia Complexa.
É uma das teorizações que está presente desde o começo, desde o teste de associação
de palavras e é um dos conceitos de Jung que mais traz a psicologia para a vida do dia a

42
ESTRUTURA DA PSIQUE │ UNIDADE II

dia. Que mais mostra o viés prático e é uma das mais difíceis para as pessoas aceitarem.
Estranhamente. Porque ao falar de complexo estamos desafiando frontalmente uma
ideia que é muito arraigada, é aquilo que em Filosofia é chamado de um “eu transparente
assim mesmo”. Que nós somos unos, indivisíveis, que nossa personalidade é uma
coisa monolítica.

Mas, como já disse Freud “não somos senhores em nossa própria casa”. E há uma
divisão.

De início, a psicologia profunda, assim é chamada exatamente porque há essa divisão


entre consciente e inconsciente o que faz com que esse Eu não seja transparente, porque
existe uma parte que é opaca – que é justamente o inconsciente. É um ponto cego, algo
que não se sabe.

Inconsciente é tudo aquilo que o indivíduo não sabe, desconhece, em determinado


momento. Construído a partir disso o Inconsciente possui determinadas qualidades
que podem ser percebidas indiretamente, na maneira como ele age – justamente na
consciência. Que é o fato dele ser objetivo, e nesse ponto objetivo deve ser entendido
como o oposto de subjetivo. E ele é autônomo. Significa o psiquismo, na perspectiva de
Jung – ou seja empírica – que vem da observação dos fatos, da observação da vida que o
inconsciente se comporta da maneira como ele quer e não da maneira como o Eu quer.
Ou seja, o Inconsciente independe da vontade do sujeito. Ele não pode ser reduzido a
um arbítrio, ele não é igual a minha vontade.

Então, o Inconsciente é:

»» tudo aquilo que não sei;

»» é autônomo;

»» não se identifica comigo;

»» é objetivo;

O Inconsciente não sou Eu, não é um pedaço de mim (esse talvez seja o ponto mais
complexo para ser aceito).

A característica de autonomia do Inconsciente também significa – e o aspecto


psicopatológico dá testemunhos eloquentes – ele é compulsório. Ou seja, os conteúdos
do inconsciente têm a característica de não serem controlados. A minha vontade
é impotente diante dele. E isso acontece o tempo todo. Só que as pessoas não estão
acostumadas a observar isso e acaba se tornando algo tão corriqueiro que não nos
damos conta de que somos vítimas dos automatismos inconscientes.

43
UNIDADE II │ ESTRUTURA DA PSIQUE

Podemos dizer que o complexo é apenas um conjunto de ideias e que esse conjunto não
apresenta uma realidade boa ou ruim. Ele é apenas um conjunto de conteúdos.

Entretanto, em seus estudos, Jung (1990) atribui ao Complexo a potencialidade de


gerar um transtorno mental. Se o Complexo perturbar as ações normais da Consciência,
não é de duvidar que essa perturbação forneça elementos para o desenvolvimento de
uma patologia.

Os complexos se formam a partir de um aglomerado de ideias e imagens que possuem


um núcleo afetivo que os une. Esses aglomerados vão se organizando desde a infância
por meio de conflitos emocionais recorrentes e gerados na relação do indivíduo com o
meio interno e externo. Os complexos são como personalidades autônomas que podem
direcionar nossas atitudes, muitas vezes, sem um processo de tomada de consciência.

É como se o Eu fosse tomado pela força de determinado Complexo. Desse fato provém
o esquecimento, os lapsos e as atitudes estranhas à personalidade do indivíduo.

Esses automatismos inconscientes dão conta de algo que também é difícil ser digerido:
o fato de que é normal e natural a possibilidade da psique cindir-se. Ou seja, de que a
psique não é um todo, ao contrário ela é quebrada em vários pedaços.

Figura 21.

Fonte< http://arteref.com/cinema-1/fragmentado-um-filme-de-shyamalan-que-surpreende-sem-spoiler/> Acesso em: 12/4/2018.

E mesmo o Complexo do Eu que é aquele que nós identificamos com o afeto do corpo
– quero mexer minha mão, eu mexo minha mão; quero mexer meu pé, mexo meu pé –
que identificamos em nós mesmos é altamente composta e variável. Em um momento
lembramos o nome de uma pessoa e no seguinte esquecemos. Alguém nos diz um
telefone que escutamos, mas sem prestar muita atenção, pensamos que sabemos;
mas quando vamos ligar não lembramos. Ou seja, estava no campo da consciência e
depois desaparece.

Ou algo mais dramático, a pessoa estuda para um concurso, muito concorrido e com
poucas vagas, mas precisamente 20 em todo o país. Ou seja, algo importante, com muitas

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ESTRUTURA DA PSIQUE │ UNIDADE II

questões pessoais e financeiras envolvidas e isso gera uma tensão psíquica muito grande
e todo o conteúdo que foi estudado à exaustão e que era conhecido – simplesmente
desaparece na hora de realizar a prova. Esse conteúdo pertencia ao Eu (consciência),
estava associado ao Complexo do Eu – ser consciente para Jung é estar associado ao
Complexo do Eu – e de repente ele desaparece. Não está mais lá! Ao término da prova
ele aparece e já não adianta mais. A pessoa não passou. Essa característica de cindir-se
é o que dá conta, justamente, da existência de Complexo.

O Complexo para Jung tem nome e sobrenome. Ele o chamava de complexo ideoafetivo.
Uma definição sucinta que Jung (2009), fornece sobre o Complexo é uma imagem de
uma situação psíquica de forte carga emocional. Para Jung emoção é sinônimo de afeto
e é diferente do sentimento.

Quando falamos de afeto ou emoção, para a psicologia analítica, estamos falando de


algo que possui inervação somática. Que afeta o corpo. A pessoa fica horrorizada, tem
dilatação da pupila, começa a suar, tem taquicardia, há alteração da permeabilidade
cutânea.

E há uma perturbação quando o Complexo se manifesta no curso das ideias. Isso é


algo fundamental a ser dito. Justamente, porque os complexos têm esse “aspecto”
perturbador que a linguagem psicológica enfrenta certa dificuldade para descrever esse
fato. Tanto que em determinado momento, no Vol 8 – por exemplo – quando Jung
fala sobre os complexos, ele se justifica dizendo que talvez o leitor pense que estou
falando sobre uma neologia primitiva, mas é justamente disso que estou falando. E ele
utiliza como exemplo de representações folclóricas e mitológicas, como por exemplo,
os elfos ou os próprios demônios que eram entidades que possuíam as pessoas.
Psicologicamente, a descrição que é dada de maus espíritos ou de demônios na neologia
primitiva, corresponde precisamente a fenomenologia moderna dos Complexos.
Ou seja, existem elementos do psiquismo que não estão sob o controle da consciência e
que para piorar a situação se comportam como personalidades parciais.

Figura 22.

Fonte <https://www.podermagico.com.br/2011/10/elfos-existem-ou-e-lenda.html> Acesso 12/4/2018

45
UNIDADE II │ ESTRUTURA DA PSIQUE

De acordo com Jung (1990), o Complexo não se apresenta de todo como algo ruim.
Se pensarmos que são esses conflitos com as realidades que promovem o desenvolvimento
da personalidade, veremos que o Complexo auxilia o enfrentamento e o fortalecimento
do Eu por meio desses choques.

Ainda segundo Jung (1990), o Complexo aparece apenas como algo a ser olhado
e analisado pelo Eu consciente. E esse olhar se refere ao processo de assimilação
da energia do Complexo pelo eu. Assim, através da resolução de um Complexo
(conflito) o Eu toma para si a energia dispensada na resolução desse conflito e se
desenvolve.

Esse processo de assimilação de energia do Complexo não ocorre apenas de forma


intelectual, pois o Complexo não busca apenas o seu entendimento, mas sim, uma
experiência que leve em consideração toda a carga afetiva.

Assim, para Jung (1985), há uma parte do processo que requer entendimento desse
conflito, porém também clama por uma reação emocional. É um conjunto composto
pela psique e o corpo que juntos reagem na solução dessa questão.

Trazer à consciência os complexos inconscientes é um passo essencial para o tratamento


das psicopatologias. O trabalho é árduo. Pois não basta que o complexo adentre ao plano
intelectual. Essa tomada de consciência, de acordo com Silveira (1997), não vai eliminar
a ação tóxica do complexo. É preciso que haja uma assimilação junto à compreensão
do complexo em termos amplos – ou seja, intelectualmente, afetivamente. O complexo
urge por uma descarga emocional.

Percebam como essa questão é complexa. A maioria das pessoas tem uma certeza
baseada em nada – em um preconceito, na verdade – de que elas são totalidade de
seu próprio psiquismo. E não são! Uma das coisas mais banais pode demonstrar o
contrário. Exemplificando: imagine que você está conversando no WhatsApp com seu
crush (termo em inglês para definir alguém por quem se tem uma queda, um interesse).
O sinal do WhatsApp fica azul – o que significa que a mensagem foi visualizada – e
ele não responde e nos próximos intermináveis cinco minutos você é tomado por uma
série de pensamentos. Que naquele momento você não se dá conta de que não os está
controlando, afinal os pensamentos estão ocorrendo em uma sucessão muito rápida.
E esses pensamentos lhe dizem que ele está conversando com outra pessoa, que não
gosta mais de você, que nunca vão sair, que vai te deixar no vácuo e uma série de outros
pensamentos negativos. Passados esses cinco minutos, a pessoa responde e diz que
estava no banheiro.

46
ESTRUTURA DA PSIQUE │ UNIDADE II

Figura 23.

Fonte <http://descomplicandooshomens.com/ele-nao-fala-comigo-no-whatsapp/> Acesso 12/4/2018

Por que este é um exemplo de autonomia do Inconsciente? Porque qualquer pessoa


que tem o hábito de pensar – e não são todas as pessoas que têm esse hábito ou essa
capacidade – vai perceber que pensar é algo que dá trabalho, organizar os pensamentos
dá trabalho. Quando estamos envolvidos em atividades acadêmicas, docência, pesquisas
entre outros projetos intelectuais, falamos por experiência própria acerca dessa questão.

Quando as pessoas se predispõem ao estudo sabem que será algo trabalhoso. Enfim, exige
um cronograma, esforço intelectual, disciplina etc. Há esforço, foco e intencionalidade.
Entretanto, todos esses pensamentos que invadem a mente de alguém durante o tempo
em que o crush não responde – é absolutamente instantâneo e automático. E mais ele
não traz cansaço. Já o pensamento dirigido tem um gasto de energia. Enquanto, esse
pensamento obsessivo – que você não consegue controlar – acontece o tempo inteiro,
de modo que não irá ocasionar cansaço e não corresponde a sua vontade. Por que a sua
vontade é que seu crush goste de você. E o pensamento obsessivo está dizendo o oposto.

Esse exemplo é muito esclarecedor, pois ocorre a todo o momento. Conosco terapeutas,
com nossos pacientes. Enfim, com os seres humanos, em diversas situações e ocupações.

Retornando ao Complexo Ideoafetivo. Outra questão que ocorre com este complexo
são essas ideias e pensamentos obsessivos, o principal elemento é que essas ideias e
pensamentos não foram pensados pelo indivíduo. Eles lhe aconteceram.

Vamos supor que uma pessoa se encontre em uma situação difícil e tenta se acalmar e
começa a buscar pensamentos felizes e positivos, e de repente no meio dessa situação
de muita tensão começam a vir aqueles pensamentos – e isso acontece com todo mundo
– que só pioram a situação, tais como “vai dar tudo errado”, “não vai dar certo”, “vai
acontecer alguma coisa” e toda essa carga de negatividade e pessimismo que ocorre
com as pessoas.

Conscientemente, todos querem que as coisas funcionem bem, mas parece haver
uma tendência que é oposta nesse consciente. E isso funciona exatamente como a

47
UNIDADE II │ ESTRUTURA DA PSIQUE

representação da pessoa com um anjinho falando de um lado e um diabinho falando de


outro. Aí percebemos claramente essa tensão – duas tendências conflitantes.

Figura 24.

Fonte <http://joascruz.blogspot.com.br/2010/11/o-anjinho-e-o-diabinho.html> Acesso 12/4/2018

Ou seja, uma tendência consciente e uma tendência que lhe aparece. E esse é um fenômeno
semiconsciente, porque a pessoa está consciente sob tendência. Mas, essa tendência
não é um arbítrio, não é sua vontade. Ela é um dado objetivo, um dado autônomo e é
um dado compulsivo. É algo que lhe ocorre, não é algo que você tenha produzido com
sua vontade. Ao contrário, essa outra tendência ela parece se opor a aquilo que é a sua
vontade. Ela interfere ativamente na sua vontade. Ela é exatamente como o diabinho
que aparece e lhe diz “faça isso” e gera toda essa tensão – que nem sempre é contraposto
pelo anjinho. E isso funciona, exatamente, como uma personalidade parcial.

Existe uma série de outros exemplos que podem ser elencados da vida mais cotidiana,
mais comezinha, mais ordinária para se perceber que quando Jung (2009), fala de
complexo a despeito de parecer uma demonologia primitiva. Isso é exatamente como
se comporta o Inconsciente do homem civilizado. E que algumas vezes as pessoas se
incomodam com o uso que Jung (1986), faz do termo primitivo e veem nisso algo com
preconceito eurocêntrico, mas ele afirma que o homem civilizado está só a um passo de
retornar a essa psicologia que caracteriza a psicologia primitiva. Ou seja, é só uma fina
patina de consciência que recobre uma vasta extensão inconsciente. E que facilmente
pode vir à tona novamente, basta elevar-se a temperatura dos afetos para que a
racionalidade suma. Jung (2008), diz que a racionalidade não é um dom inalienável
das pessoas. Basta observar o que acontece quando as pessoas bebem, basta ver o que
acontece quando as pessoas têm raiva. Como rapidamente aparece uma tendência que,
em geral, tem caráter de oposição ou compensação aquilo que é a atitude rotineira.

A própria linguagem tem expressões que dão conta desse aspecto objetivo dos complexos.
Por exemplo quando alguém diz “que bicho te mordeu?”. Veja que a linguagem dá conta

48
ESTRUTURA DA PSIQUE │ UNIDADE II

de algo objetivo: aqui está você e aqui está o bicho e ele te morde. E a mordida gera um
efeito sobre você: de susto, de raiva, de uma alteração do seu comportamento.

Outra expressão que é muito corriqueira e a história é venerável e rica em metáforas


é: “tá atacado hoje”. O que significa? Você tem uma atitude corriqueira e por algum
motivo, justamente, em um dia parece que você não é você. Parece que é uma outra
vontade que está agindo sobre você. A crença medieval em uma possessão demoníaca,
em uma possessão por espíritos é uma maneira mitológica, metafórica de dar conta de
uma realidade objetiva e palpável cotidiana de que a nossa vontade ela é profundamente
susceptível de ser deslocada por outros Complexos que existem em nosso psiquismo e
que são objetivos, autônomos e compulsivos. E como falamos é um aspecto da teoria
junguiana que é muito difícil de ser digerido como algo corriqueiro. Pensamos até que o
pseudomisticismo que se cria de deslocar a coisa – em vez de adotar um aspecto prático,
cotidiano – para os astecas ou alguma coisa do passado; seria uma resistência para abdicar
essa posição na qual a sociedade colocou a razão. Ou seja, essa entronização da razão,
da vontade do indivíduo. Porque fica muito complicado advogar esse individualismo,
esse subjetivismo quando você imagina que em você mesmo há uma divisão e que a
sua vontade não impera em você. Jung (2017b), fornece um exemplo em Psicologia
e Alquimia bastante interessante “imagine que você é o Rei do de um reino, mas você
não sabe a extensão do seu reino”. Você não sabe quem mora no seu reino. E sempre
que você vai cavalgar pelo seu reino encontra com pessoas que nunca viu, locais pelos
quais nunca passou e pessoas que nem lhe conhecem. Logo, seria muito mais sensato
falar que ao invés de Rei, você é um habitante do local muito pequeno cercado por uma
vasta área desconhecida, cheio de pessoas e locais que você não tem nenhum controle.
Então, isso “desentroniza” esse aspecto da razão. Jung (2017a), chamava o Inconsciente
no livro Presente e Futuro – um livro pouco lido, mas que é muito importante – de fator
irracional existencial inalienável (essa definição consta especificamente nesta obra).
É citada em alguns artigos sobre Jung, mas na obra dele é o único livro que traz esse
conceito assim descrito. É uma leitura essencial.

Essa terminologia de Inconsciente que muito me apetece dá conta justamente de que


primeiro essa divisão é uma divisão estrutural e estruturante, ontológica, fundamental.
E esse aspecto irracional que não está simplesmente enterrado que não precisa ser
escavado para ser encontrado, pois ele se manifesta o tempo inteiro. Há o tempo inteiro,
na consciência lacunas que se manifestam. E essas manifestações dão conta da psique
e de sua capacidade natural de se dissociar.

Vamos ampliar essa questão, pois é um ponto essencial a compreensão das


psicopatologias à luz do simbolismo analítico. Ou seja, quando nós terapeutas “tocamos”
em um complexo o que se sucede é que o indivíduo perde a sua estruturação consciente

49
UNIDADE II │ ESTRUTURA DA PSIQUE

e entra em campos conflituosos. Podemos dizer que ele perde o controle sobre si e se
torna possuído pelo complexo. Disso decorre uma explosão emocional.

A pessoa fica vulnerável, pois é como se vivenciasse o momento em que instalou o


conflito em sua psique.

Exemplificando: um indivíduo apresenta um conflito com facas. E ao falar sobre facas


com essa pessoa ocorrem reações psicossomáticas nas quais o Eu consciente não
consegue manter o controle. Em um caso como esse, o entendimento do conflito não
diminui o conflito em si. O necessário é que haja um conhecimento intelectual e um
reviver emocional do fato. Apenas essa atitude mediante o conflito pode resolver a
resolução do mesmo. Deste modo a energia contida no Complexo se tornaria parte do
Eu fazendo, assim, com que essa pessoa adquira uma nova postura.

Finalmente, as reações emocionais são extremamente importantes na identificação de


um Complexo. Jung (1985), identificou que as emoções quando extremas apontam um
conflito relacionado a pessoa. Em Psicologia Analítica, nada é eliminado.

Sendo assim, o Complexo é despotencializado, descarregado energeticamente, contudo,


seu conteúdo continua a existir. Neste momento, temos que ter ciência de que sua
energia nunca se esgota, podendo inclusive se associar a outros elementos.

Em resumo podemos dizer que o Complexo indica um aglomerado de ideias, sensações,


imagens, experiências em torno de um ou mais arquétipos, cujo núcleo (de origem
arquetípica) é portador de forte conteúdo emocional.

De acordo com Silveira (1997), eles se tornam:

Um imã para todo tipo de fenômeno psíquico que ocorra ao alcance


do seu campo de atração. O complexo interfere na vida consciente,
leva-nos a cometer lapsos e gafes, perturba a memória, envolve-nos
em situações contraditórias, arquiteta sonhos e sintomas neuróticos
(SILVEIRA, 1997, p. 30).

Símbolo
Uma das definições que Jung (2009), fornece sobre símbolo, retiramos do Tipos
Psicológicos em que ele diz que o símbolo representa o indizível de maneira esperável.
Essa formulação dá conta justamente de que o símbolo representa um fator essencial
da mente inconsciente. Mas, não apenas isso. O símbolo é um fator altamente complexo
que não é de natureza nem racional, nem irracional – logo ele implica que além da
formação do Inconsciente ele vai formular as duas coisas ao mesmo tempo. Ou seja, a
união de aspectos tanto conscientes quanto inconscientes.
50
ESTRUTURA DA PSIQUE │ UNIDADE II

Figura 25.

Fonte < http://odiariodesaojorge.blogspot.com.br/2017/11/carl-jung-simbolos-e-sonhos.html> Acesso 12/4/2018

Esse fator altamente complexo também, é representado pelo termo função transcendente.
E essa função transcendente dá conta de que o símbolo possui uma dupla natureza –
tanto racional, quanto irracional. E ele formula algo apenas obscuramente pressentido.

Esse conceito é importante, pois traz um aspecto tanto ético, quanto prático que muitas
vezes fica esquecido quando se trata do conceito. Em um primeiro momento o aspecto
prático é que quando falamos de símbolo e de interpretação simbólica ela será bastante
diferente de uma interpretação redutiva. O símbolo tem relação com o aspecto sintético,
com a chamada interpretação hermenêutica ou interpretação anagógica.

Quando se faz uma análise redutiva no paciente similar ao que era feita por Freud e por
Adler, teremos uma série de imagens que vão ser menos simbólicas e mais alegóricas.
A grande variedade de imagens, que aparecem na interpretação onírica, vai sempre
remontar de maneira redutiva ao um aspecto instintivo elementar. No caso de Freud, a
sexualidade. No caso de Adler, é o princípio de poder.

Na interpretação simbólica, cada símbolo vai importar individualmente, porque a


mudança da imagem não vai indicar algo que aponta para o passado ou para esse dado
instintivo elementar. Vai indicar uma mudança sútil na situação psicológica que se
modificou.

E essa interpretação simbólica, ou essa perspectiva em que o terapeuta pensa as imagens


oníricas ou as imagens da cultura implicam sempre em uma visão não voltada para o
passado de maneira redutiva causal.

Nesse sentido quando nós, terapeutas, pensamos no símbolo – ele nos dá uma indicação
que aponta para o futuro. No caso do símbolo individual esse aspecto altamente
complexo da função transcendente a consecução de uma nova atitude da personalidade,
51
UNIDADE II │ ESTRUTURA DA PSIQUE

no sentido de uma equilibração ou substituição – propriamente uma compensação.


Nesse sentido, temos um aspecto eminentemente prático que está associado ao
conceito de símbolo e em termos éticos significa também um certo paradoxo, porque
Jung não abandona o aspecto redutivo da interpretação. Ao contrário, ele permanece
extremamente importante, mas ele não é cientificamente suficiente e junto da pergunta do
porquê as imagens aparecem tanto na cultura e no sonho – ambos têm a mesma origem
que é a alma – mas a pergunta é para que serve aquela imagem, o que representa ou o
que opera. Implica em uma pergunta moral.

52
PSICOPATOLOGIA E UNIDADE III
PSICOLOGIA ANALÍTICA

Uns sapatos que ficam bem numa pessoa são pequenos para uma outra; não
existe uma receita para a vida que sirva para todos.

C. G. Jung

Antes da discussão e apresentação quanto ao conceito inerente à psicopatologia, vale


ressaltar que o termo psicologia, hoje em dia, refere-se, com mais fidedignidade, ao
significado de “ciência da mente e do comportamento”. Considerando seu amplo
significado, demasiado abrangente, pode-se falar que essa ciência busca compreender
fenômenos físicos do corpo humano, destacando-se o funcionamento do cérebro
e do sistema nervoso, para explicar processos mentais e comportamentais, como
também busca examinar os fenômenos mais abstratos e subjetivos, como raciocínio,
consciência, percepção, personalidade e memória, analisando como eles ocorrem, de
modo que lancem luz a respeito do funcionamento inerente aos sistemas constituintes
e característicos da mente dos seres humanos.

53
CAPÍTULO 1
O processo psicopatológico

Aquilo que na vida tem sentido, mesmo sendo qualquer coisa de mínimo, prima
sobre algo de grande, porém isento de sentido.

C. G. Jung

Figura 26.

Fonte< https://diviweb.com.br/projeto-possibilita-insercao-de-pessoas-com-sofrimento-mental-no-mercado-de-trabalho/> Acesso 12/4/2018

No século XIX, inúmeros tratamentos psicológicos baseavam-se na premissa básica


de que as doenças mentais eram patologias estáveis, as quais necessitavam de cura.
Nesse sentido, as doenças mentais tinham um significado extremamente pejorativo, de
modo que a maior parte das abordagens e teorias psicológicas apresentavam definições
restritas, justificativas estruturadas e com relação de causalidade direta frente aos
distúrbios mentais, além de oferecerem métodos de cura preestabelecidos.

Desse modo, percebe-se que os métodos da psicoterapia e as filosofias correntes eram


rígidos e inflexíveis ao extremo, descartando a complexidade, a diversidade e a dinâmica,
características das experiências humanas. O ser humano, bem como suas relações,
era visto como um objeto, que na condição de apresentar um defeito, uma patologia,
demandaria conserto, a partir de uma série de etapas generalizadas e mecanicistas.

De forma majoritária, as ciências da saúde, apoiadas pelo modelo biomédico, sustentam


estudos que dão ênfase nas sintomatologias das doenças, assumindo o conceito de
patologia por uma perspectiva causal determinista, o qual reduz a pessoa à vítima da
entidade patológica e descarta os processos de singularidade que teciam esse processo.
Defende-se que essa limitação, conferida de forma geral aos processos de adoecimento,
repercute na dificuldade de criação de alternativas e produção de novas possibilidades,
as quais poderiam tornar a situação e o tratamento do sujeito fontes de exercícios
contribuintes em seu processo de desenvolvimento. O modelo biomédico acaba por
54
PSICOPATOLOGIA E PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE III

paralisar o campo de ação da pessoa, ao considerá-la como agente passivo e dar foco
à doença, prejudicando elaborações de trabalhos que considerem as necessidades
específicas do indivíduo.

O objetivo da ciência deu ênfase e foco, restrito e limitado, ao estudo dos fenômenos
anormais da mente e, consequentemente, sistematizou fenômenos do psiquismo humano.
O termo psicopatologia volta-se ao significado de um discurso representativo a respeito
do sofrimento psíquico, algo que vai de encontro ao seu objetivo: estudar e descrever os
estados psíquicos com conteúdos de desvios e que geram sofrimento mental.

Nesse sentido, foi na tentativa de encontrar e corrigir estados considerados patológicos,


que uma noção psicológica de indivíduo normal emergiu. O papel da psicologia deve,
assim, consequentemente, ser analisado como uma história das problematizações,
com estudos psicológicos que impuseram problemas, de modo que criou um discurso
de indivíduo normal e anormal, devendo este último ser corrigido diante do “desvio”
apresentado. Em tal modelo biomédico, o sujeito é objetivado em sua dimensão de
corpo doente, a singularidade e a subjetividade são, assim, negligenciadas e a assistência
é voltada exclusivamente para a doença e remissão dos sintomas. O cuidado centrado
em medicalizações é focado no corpo biológico, nesse sentido, distancia-se da história
de vida do sujeito e de seu contexto social, desconsiderando os aspectos psicológicos
e culturais englobados nesse processo, além de suas capacidades e potencialidades
existentes nesse contexto (FOUCAULT, 2005).

A partir de então, a psicologia, como ciência, aceitou tendências restritas e generalizantes,


que descartam a amplitude dos processos psíquicos, buscando enquadrá-los em perfis
e estereótipos reducionistas, na busca por comprovações em termos de categorias
universais, de modo que se nega a compreensão dos percursos específicos do
desenvolvimento do sujeito, tendo por base sua história. Posicionamento este que não
vacila em naturalizá-lo como doente e reduzi-lo aos sintomas que manifesta.

A psicopatologia, por estar presente em diversas esferas, entrecruzando-se em


heterogêneas disciplinas científicas, as quais têm em comum a preocupação com o
sofrimento psíquico, abre margem para inúmeras definições formais com relação ao
que representa o “fator” psicopatológico, fazendo com que procedimentos de pesquisas
variem de forma extrema nesse campo, ou seja, existam impasses decorrentes dessa
pluralidade.

A tentativa de se superar tal obstáculo encontra-se na ferramenta que estipula


uma definição empírico-pragmática das entidades psicológicas, conquistando um
acordo mínimo quanto à definição das categorias diagnósticas e, consequentemente,
promovendo uma maior concordância, pelo menos no que se refere ao plano descritivo,

55
UNIDADE III │ PSICOPATOLOGIA E PSICOLOGIA ANALÍTICA

entre as inúmeras áreas que trabalham nesse contexto, que é o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Psiquiátrica Americana, atualmente
em sua quinta revisão.

O termo Psicologizante assume teor pejorativo, pois, apesar de englobar o verbo


psicologizar que, por sua vez, assume o significado de “dedicar-se à psicologia”, é
empregado para apontar elaborações quanto a previsões e estimativas de conteúdo
psicológico, sem comprovação científica.

Dessa maneira, de modo mais complexo, pode-se discutir o conceito inerente ao “olhar
psicologizante” enquanto um processo de apontar que os comportamentos humanos
podem ser compreendidos pela ciência da psicologia em sua totalidade. Na condição
de existir uma análise de algo diferente em um indivíduo, ou seja, que foge dos padrões
denunciados como normais, o mesmo merece e necessita de ajuda dos profissionais que
atuam nessa área. Contudo, destaca-se que a definição e relação entre saúde/doença,
normal/anormal e funcional/disfuncional têm como base uma cultura, compartilhando
uma mesma realidade coletiva, ou seja, uma mesma constituição interna socialmente
(FOUCAULT, 2005).

Por isso, ressalta-se a importância do questionamento quando a esse tipo de olhar,


discutido anteriormente, já que denominações quanto ao que é normal ou não são
extremamente complexas, pois dependendo de um contexto, uma cultura, isso se torna
algo extremamente peculiar e relativo. Não se pode resumir, limitar e anular o indivíduo
a partir de generalizações, as quais estabeleçam regras e padrões de como o mesmo deve
se sentir, agir, pensar, funcionar. Tal processo acaba por negligenciar a singularidade e
complexidade do ser-humano, pois – ainda que participe de uma mesma cultura – as
pessoas têm naturezas particulares e extremamente ricas, no que se refere à unicidade
de seus processos psicológicos, experiências, vivências e modos de perceber o mundo,
os outros e a si próprias.

A psicopatologia na visão da Psicologia Analítica de C. G. Jung é encarada como um


desequilíbrio a ser transformado. Deste modo, trabalha-se com a ideia de que existe
algo na psique que necessita de atenção e que este processo deve ser compreendido
pelo terapeuta.

Esse fato se dá devido à relação de compensação entre o Consciente e o Inconsciente.


Se alguma demanda é percebida como um incômodo à Consciência, buscamos a fonte
deste desequilíbrio organísmico nos processos inconscientes.

De acordo com Jung (1990), essas interferências são processos naturais não aceitos
pelo Eu, mas que devem ser incorporados a fim de que a personalidade siga seu
desenvolvimento no processo de individuação.

56
PSICOPATOLOGIA E PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE III

É como se as psicopatologias fossem sinais de que algo está em desacordo com o processo
natural. Com esta ideia, o problema não precisa necessariamente ser corrigido, mas sim
compreendido.

A visão psicologizante, diante do sofrimento mental, assim, acaba por prejudicar


mais ainda o indivíduo que sofre, pois insiste em enquadrá-lo em categorias que não
necessariamente irão auxiliá-lo e beneficiá-lo, haja vista que o sujeito é considerado
enquanto um agente limitado à doença e, portanto, passivo e refém diante dos processos
que experiência.

Nessa direção, a visualização relacionada às características constituintes do ser


humano passa a ser associada aos mesmos aspectos que fazem parte dos robôs e das
máquinas, como se estes funcionassem da mesma forma, reduzindo e anulando a
essência dinâmica, viva, complexa e rica do ser humano. Paradoxalmente, assumir a
visão psicologizante, faz com que o trabalho e o papel primordial dos profissionais,
que atuam na área da psicologia, bem como dos que atuam na área da saúde, vá contra
o caminho a que essa ciência se propõe: aprimorar a qualidade de vida do sujeito que
sofre, compreendendo-o por meio de suas questões únicas e respeitando-o a partir de
suas próprias complexidades, histórias e demandas.

Figura 27.

Fonte < http://www.ijba.com.br/single-post/2016/09/06/Da-Forma%C3%A7%C3%A3o-da-Personalidade-%E2%80%93-Uma-Releitura>


Acesso 12/4/2018

Adotando-se um olhar psicologizante, o sujeito é objetivado em sua dimensão de corpo


doente, a singularidade e a subjetividade são, assim, negligenciadas e a assistência é
voltada exclusivamente para a doença e remissão dos sintomas. O cuidado centrado
em medicalizações e focado no corpo biológico, nesse sentido, distancia-se da história
de vida do sujeito e de seu contexto social, desconsiderando os aspectos psicológicos
e culturais englobados nesse processo. Dessa forma, é como utilizar o instrumento do
Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM), já citado anteriormente
de modo completamente isolado, descartando a diversidade e unicidade do indivíduo
(BESSA, 2014).

A partir dessas considerações, enfatiza-se a importância da Psicologia assumir como


dever tornar possível um trabalho a partir dos próprios recursos e demandas do

57
UNIDADE III │ PSICOPATOLOGIA E PSICOLOGIA ANALÍTICA

indivíduo, considerando este capaz de aumentar seu leque de possibilidades, diante


das situações em sua vida, e criando alternativas que contribuam para o seu bem-
estar e tratamento. Com esse cuidado podemos nos aproximar do compromisso
no qual essa disciplina, no contexto da saúde, insiste em cumprir: auxiliar
profissional, educacional e cientificamente os espaços que buscam promover saúde
às pessoas e comunidades, analisando e criando ações que aprimorem esse contexto
(MATARAZZO, 1980).

O desenvolvimento humano sempre foi algo que instigou a curiosidade dos


pesquisadores. O ser humano é algo complexo fisicamente, uma máquina. E o que dizer
da parte psíquica e psicológica? Na qual não existe um mapa correto de como tudo
funciona. Não existe algo palpável. E quando se fala dos transtornos mentais as dúvidas
aumentam cada vez mais. É claro que nos dias atuais existem muitas informações sobre
esse assunto, porém, cada ser humano é diferente do outro. Assim, um tratamento que
dá certo para um, pode não dar certo para outro.

Atualmente ainda enfrentamos o estigma da saúde mental. Esta não é vista como
doença, pois não é algo que pode ser visto, concreto. No caso das crianças a situação
fica ainda mais complicada, pois elas são taxadas de desobedientes, inquietas e outros
termos pejorativos que dizem do mal comportamento delas. Contudo, uma parcela
dessas crianças pode estar sofrendo de algum transtorno mental que ainda não foi
diagnosticado, e em alguns casos passam a vida inteira sem uma resposta para tantas
perguntas. Assim, seguem por todas as fases do ciclo de vida sem entender a si mesmo
e o mundo que as rodeia, e a cada nova fase vão surgindo novos conflitos e desafios que
nem sempre são resolvidos.

Deste modo, a doença, ou o sintoma, é apenas parte de uma complexa trama que
engloba uma pessoa em um determinado contexto, sendo detalhada, muitas vezes,
por teorias explicativas que, em última análise, consideram nada mais que recortes
da realidade para desenvolver generalizações frente a um universo de possibilidades
e singularidades (CARVALHO; CUNHA, 2006). Por isso, visualizar o processo de
adoecimento enquanto uma expressão de plurideterminação, na qual se combinam
fatores genéticos, sociais, psicológicos e culturais de forma simultânea e recursiva, ou
seja, seu curso nunca é decidido de forma unilateral por um desses aspectos, valoriza
e reafirma a pessoa ressaltando sua singularidade e seu papel enquanto sujeito de
seus próprios processos, impedindo a visualização do indivíduo enquanto vítima e
reflexo de seus sintomas, o que por sua vez também impossibilita a visão dela como
incapaz, estática e com necessidade de conserto, tendo-se como pano de fundo
categorias baseadas em padrões generalistas e reducionistas (MORI; GONZÁLEZ
REY, 2012).

58
PSICOPATOLOGIA E PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE III

Figura 28.

Fonte <https://carljungdepthpsychologysite.blog/2018/02/06/carl-jung-persona-quotations-anthology/> Acesso 10/4/2018

Jung (1990), nos chama a atenção para vermos além de sintomas. Não o aparente, mas
o oculto. Nesta perspectiva, cada sintoma tem algo a dizer do indivíduo. Nas palavras
de Jung: “que objetivo o paciente tentou alcançar com a criação de seu sistema de
sintomas” (JUNG, 1990, p. 168).

Assim, para o autor, a busca pelo entendimento do sintoma deve ser achada na
subjetividade do indivíduo. E desse movimento advém o fato de que alguns sintomas
encontram referência nos mais diversos teóricos, outros em crenças primitivas, outros
simplesmente aparecem por meio de desejos. Isso tudo quer dizer que o sintoma
terá suas raízes em situações, desejos, ideias e características próprias do indivíduo.
Apesar de um diagnóstico geral, útil para a convenção das patologias, cada indivíduo
elencará características únicas que o remetem a uma sintomatologia própria.

Segundo Jung (1970), nas pessoas normais, o inconsciente tem a função de estabelecer
uma compensação e um equilíbrio com a consciência, atenuando e suavizando as
tendências extremistas desta. Não raras vezes, esse processo de equilíbrio vem por meio
de posturas inadequadas ou insensatas que são representações de interesses pulsionais,
intelectuais e anímicos. Essas são ações sintomáticas que nos mostram os sintomas de
cada indivíduo. Por outro lado, como são conteúdos e formas vindas do inconsciente se
mostram de modo simbólico e em uma linguagem primitiva – pois o inconsciente não
tem contato com a realidade externa e, portanto, se utiliza de uma linguagem própria.
O que ocorre nestas situações é uma liberação intensa dos conteúdos inconscientes na
consciência – perturbando o equilíbrio e o contato do sujeito com a realidade externa.

Como podemos ver, Jung dá as doenças mentais um caráter psicogênico. Entretanto, ele
não ignora o fato de que alterações fisiológicas podem gerar ou agravar esses processos.
Ele apenas não aprofunda este caminho.

59
UNIDADE III │ PSICOPATOLOGIA E PSICOLOGIA ANALÍTICA

Figura 29.

Fonte < http://www.marceloquirino.com/2009/01/contra-medicalizacao-da-vida.html> Acesso 12/4/2018

Neste sentido, na neurose, por exemplo, ocorreria uma perda parcial do controle do
Ego e nas psicoses uma perda total desde controle. Atualizando este conhecimento,
inferimos que na diferença existente entre os transtornos é averiguada por meio da
observação com controle do Eu sobre as atividades da psique.

Podemos ainda pensar na relação do complexo com os sintomas corporais. Atualmente,


há um grande avanço na psicossomática e Jung pode nos oferecer ricas descrições nesse
campo. De acordo com ele, o complexo pode provocar tais desequilíbrios.

Por esses caminhos, Gimenez (1994), aponta que a consciência corporal é apenas a
percepção de uma parte do corpo total, do self corpóreo e, assim, conhecemos apenas
uma parte dele e não a sua totalidade. Essa parte conhecida do corpo vem à consciência
sob a forma dos símbolos, e o desenvolvimento do Eu.

Ainda segundo Gimenez (1994), as psicopatologias expressam um conteúdo profundo


da psique e que a forma como esse adoecimento se manifesta tem relação com a maneira
patológica de expressar esse conteúdo.

A construção da psicopatologia, para Jung (1990), vai muito além do conceito de uma
doença mental, ou o que é a experiência do sofrimento. A demarcação das fronteiras
entre normalidade, diferença e a psicopatologia.

De certa forma, a psicopatologia para a Psicologia Analítica é uma condição da qual


todos nós participamos. Na medida, em que nós como membros de uma sociedade
calcionamos ou criticamos essas palavras que apontam, nomeiam, classificam, positivam
ou negativam.

Como seres humanos, agimos de forma crítica mediante nosso sofrimento.


Há questionamentos. A demarcação das fronteiras entre normalidade, diferença e

60
PSICOPATOLOGIA E PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE III

patologia é um exercício constante que roda a sociedade, desde que se constituiu esse
campo específico da psicopatologia – há cerca de 200 anos. Ou seja, tem pouco tempo.

O tratamento das psicopatologias, na pós-modernidade, mostra-se alarmante.


O impacto da medicalização frente à patologia é severo. Para tudo há um fármaco.
E qual o lugar se resguarda para o autoconhecimento?

Hoje, somos cada vez mais instados a exercer a autonomia, a refletir sobre o que é certo
e o que é errado, a assinar embaixo de todos os valores – eles só prestam se a gente
concorda – ou seja, somos cotidianamente levados a pensar quais são as referências
que devem nos nortear.

Nós vivemos na ilusão de que somos mais autônomos do que nunca. Por quê? Por que
não precisamos mais prestar referências a qualquer autoridade. A autoridade é discutível.

Hoje tudo é matéria de escolha pessoal. Até a anatomia aceitamos que seja matéria de
escolha pessoal. As relações de identidade, de pertencimento são todas friáveis.

O modelo ideal que temos hoje é de uma pessoa que olha nos olhos, que encosta nas pessoas,
autônomo que não depende de ninguém, uma pessoa que é capaz de ser flexível – pois a
nossa sociedade – exige isso de todos nós. O mundo em que a flexibilidade e a pluralidade
de relações ela é tomada como sendo um traço da vida cotidiana. E isso começa a se
transformar em um critério de normalidade, enquanto que as pessoas que são mais ligadas
a outros valores facilmente são colocadas como sendo não normais, atípicas e patológicos.

Então, essa fronteira entre a normalidade e a psicopatologia é hoje, talvez, uma das
áreas mais fascinantes do conhecimento. Pois ela envolve a todos nós. O caso das
pessoas com autismo é um exemplo, mas há outros.

É importante ainda ressaltar que a doença, como representação simbólica de algum


complexo, tem uma expressão corpórea e psíquica de forma simultânea, sincrônica.

Segundo Winter (1997), sensações e percepções que estejam alheias às representações


psíquicas, podem retornar ao corpo de maneira a sobrecarregá-lo.

Viver a vida plena é deixar-se fluir diante de cada acontecimento, tendo a capacidade
de se manter presente no momento atual. Indo mais além, considerando que o “eu”
e a personalidade são desenvolvidos pelas experiências, torna-se importante abrir-se
totalmente para as possibilidades que surgem em cada contexto, tendo em vista que
essa postura de abertura é capaz de permitir que tais possibilidades construam o “eu”.
Assim, levantam-se possibilidades para o desenvolvimento e a organização do “eu”
fluido, mutante e harmonioso, processo que Jung explica ser de suma relevância para
a vida do indivíduo.

61
PSICOPATOLOGIA UNIDADE IV
SIMBÓLICA

O livre-arbítrio é a capacidade de fazer com alegria aquilo que eu devo fazer.

C.G. Jung

Discutir sobre sintoma e fenômeno exige pensar em uma relação que envolve uma
determinada experiência, que é ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, algo que ultrapassa
o modelo dualista de saúde/doença e paciente/sintoma. Dessa forma, uma pessoa que é
acometida por uma gripe ao tossir poderia determinar um primeiro vestígio do que está
ocorrendo com ela, mas o sintoma por si só se torna insuficiente para circunscrever a
totalidade de sua experiência. Nesse ponto, o fenômeno assume a forma de ser própria
do sujeito ao adoecer, de modo que prioriza e enfatiza as experiências pré-teóricas e
pré-reflexivas do mundo vivenciado por cada indivíduo, nesse processo.

Figura 30.

Fonte <http://www.portalcarlosbyington.jungnapratica.com.br/psicopatologia-simbolico-arquetipica/> Acesso 12/4/2018

62
CAPÍTULO 1
A intenção terapêutica

O encontro de duas personalidades assemelha-se ao contato de duas substâncias


químicas: se alguma reação ocorre, ambos sofrem uma transformação.

C. G. Jung

Desta maneira, a psicopatologia que perpassa o sintoma, para lançar luz em direção ao
fenômeno, possibilita a consideração dos aspectos que constituem a experiência global
de adoecimento, tomando-se por base a relação do sujeito consigo mesmo, com os
outros e com o mundo. Desse modo, pode-se dizer que analisar fenomenologicamente
as psicopatologias envolve enxergar a doença, mas principalmente a forma como o
sujeito vivencia esse processo, ou seja, sublinhar a relação de mútua constituição
entre ambos.

Nesse ponto, ressalta-se que ao se comprometer em direção ao cuidado e ampliação da


qualidade de vida da pessoa que adoece física e/ou psicologicamente, os profissionais
dessa área não devem centralizar o trabalho no combate à doença, mas sim na capacidade
de ação e transformação do sujeito diante dela, contribuindo para que ele consiga
visualizar e desenvolver novas formas para se viver. No caso das psicopatologias mais
graves essa questão torna-se ainda mais relevante, pois a participação ativa da pessoa,
bem como a consideração relacionada ao potencial que ela tem para reinventar-se, pode
ampliar seu bem estar, ainda que ela esteja diante de situações as quais constantemente
lhe apresente limites.

Por outro lado, ao reconhecer as potencialidades do sujeito, seus aspectos singulares,


bem como seu contexto, o processo psicopatológico pode sim representar uma situação
capaz de gerar transformações físicas e psíquicas devastadoras, mas, mais ainda, pode
também se transformar em um impulsor para a pessoa ultrapassar obstáculos e vencer
desafios, alcançar metas e percorrer caminhos antes impensáveis, nessa jornada, os
quais, por sua vez, poderão produzir um novo significado à vida do indivíduo, de forma
contribuinte a seu desenvolvimento.

Assim, no âmbito da psicopatologia, nota-se que o principal papel do psicólogo


encontra-se em considerar os aspectos únicos, que cada paciente apresenta ao passar
por uma experiência determinada em sua vida, ao passo que ele também facilite, nesse
contexto, o desenvolvimento dos aspectos relacionados à aceitação incondicional de
si, dos outros e do mundo, bem como à autoconfiança, responsabilidade e vivência dos
momentos atuais que o permeiam.

63
UNIDADE IV │ PSICOPATOLOGIA SIMBÓLICA

Note-se que o diálogo reflexivo do profissional, no curso da atividade terapêutica,


constitui um recurso essencial para o desenvolvimento de novos aspectos facilitadores
do processo de experiência da doença, de modo que não anula a capacidade de ação da
pessoa frente aos aspectos de sua vida e não negligencia a riqueza de suas vivências,
considerando, assim, todo o sistema global que envolve um processo de adoecimento,
não restringindo tudo aos sintomas. Esse tipo de trabalho pode favorecer seu processo
de desenvolvimento, sendo decisivo para que a experiência se torne uma fonte de novos
espaços relacionais e novas possibilidades, dando margem para a emersão do sujeito no
lugar da vítima incapaz.

Na prática psicológica observamos por meio das palavras nas quais o indivíduo expressa
sua afetividade e, nestes casos, a afetividade até então represada pelo Complexo.
A palavra represada ilustra bem o momento, pois é como se o Complexo represasse uma
quantidade de energia, prendesse, a fim der continuar cada vez mais carregado, cheio,
e a sua resolução promovesse o fluxo dessa energia que ficaria à disposição do Ego.

A psicologia analítica demonstra um posicionamento otimista, considerando o indivíduo


como um ser em eterno processo de busca, e nesse processo ou caminho vão existir
conflitos; entretanto, faz parte do processo de cura interior. Nada é desconsiderado.
Temos o bem e o mal. Há opostos que devem ser observados.

Podemos concluir que o processo de desenvolvimento na perspectiva junguiana não


acaba, ao contrário, ele irá acompanhar o indivíduo ao longo da vida, com as oscilações
de intensidade.

Figura 31.

Fonte < http://academiadopsicologo.com.br/portal/o-sofrimento-psiquico-dos-negros-e-a-importancia-do-psicologo-negro-enquanto-


reparador/#> Acesso 12/4/2018

De acordo com Neumann (1995), a história só se inicia com um sujeito capaz de fazer
experiências, ou seja, quando o Ego e a consciência já existem.

Em seu livro A criança (1991), Neumann relata que nos primeiros meses de vida o
ego se forma ou começa a se desenvolver. Nesta época, o núcleo do ego encontra-se
64
PSICOPATOLOGIA SIMBÓLICA │ UNIDADE IV

presente, cresce e adquire unidade, podendo se referir a um ego infantil levemente


estruturado. Embora exista a consciência do Ego, esta ainda não consegue se distinguir.
Aqui podemos nos referir à existência do pré-ego.

A psicoterapia é algo que existe desde que o primeiro ser humano experimentou algo
desconfortante. Uma angústia. Um sentimento existencial de que precisava encontrar
sentido e significado para o seu ser no mundo.

Vejamos, então como podemos, de forma prática reconhecer o momento em que nos
depararmos com um Complexo. Esta ação se tornará mais compreensiva se levarmos
em consideração que o Complexo é bastante carregado emocionalmente. Ou seja, sua
presença pode ser detectada por meio da intensidade da alteração emocional da pessoa.

Temos – como terapeutas – que ter claro que o Eu deve ser capaz de minimizar as
alterações de complexo a fim de que nosso paciente tenha capacidade para se adaptar e
sobreviver em sociedade.

É essa questão existencial que habita o profundo de todo ser humano?

Que gera o desenvolvimento?

Ou gera o sofrimento psicopatológico?

O que é muito importante compreender que esse é um dos grandes méritos de Jung, foi
perceber que o sofrimento psíquico é sempre algo que está inundado de potencialidades
de desenvolvimento.

Nós sofremos não por causa do trauma, ou dos nossos traumas; porque todo ser humano
é traumatizado. O próprio nascimento é visto como uma experiência traumática.
Vide o famoso livro de Otto Rank chamado Trauma do Nascimento. Então, nascer é
um trauma.

De acordo com Jung (1990), podemos verificar um complexo e identificar seu valor
energético por meio de observações, pelos seus indicadores e pela sua intensidade
emocional.

No primeiro caso, vemos claramente que um Complexo não se manifesta na


consciência, embora possa vir à tona. Mas, geralmente, o Complexo se faz presente nos
sonhos e em outras formas disfarçadas fazendo com que o observador tenha extrema
atenção aos fatos pormenores e simbólicos, a fim de que compreenda seu significado.
Podemos identificar um exemplo disso em pessoas que dizem não precisar de cuidado,
porém os outros estão sempre cuidando. Na verdade, este tipo está tomando atitudes
que manipulam a realidade, algo como um complexo de poder, que pode não ser

65
UNIDADE IV │ PSICOPATOLOGIA SIMBÓLICA

reconhecido conscientemente. Quando é questionada sobre essa atitude, a pessoa


muito provavelmente irá negar sua manipulação alegando que faz tudo por todos.

De acordo com a teoria junguiana, deve-se sempre buscar a posição oposta quando a
atitude consciente se mostrar unilateral e inflexível. Nesse ponto, buscam-se as reais
intenções do indivíduo e, consequentemente, o complexo que está mais atuante na vida
desse paciente.

Devemos ter cautela quanto a posturas extremas, pois muitas vezes pode ser apenas
uma forma do Eu não entrar em contato com o Complexo, negando-o com o propósito
de afirmar e reafirmar uma postura consciente que está prestes a ser abalada por um
Complexo emergente (JUNG, 1985, p. 25).

No segundo caso encontramos todos os distúrbios que podem alterar o processo consciente.
Aqui se enquadram todos os distúrbios de comportamento, seja verbal, motor, auditivo,
bloqueios na memória, delírios etc. Podemos visualizar estes acontecimentos quando o
paciente esquece ou troca o nome das pessoas, por exemplo. Nesta situação, podemos
supor que o esquecimento está relacionado de certa forma com algum Complexo.

Finalmente, as reações emocionais são extremamente importantes na identificação


de um Complexo. Jung (1995), chegou a esta conclusão, sobretudo, por meio de seus
experimentos. Ele identificou que as emoções, quando extremadas, acusam um conflito.

Quando não se estabelece uma boa comunicação entre a consciência, o Eu e os


conteúdos do Complexo, estes causam por vias inconscientes perturbações na vida
psíquica e sintomas físicos, que podem levar a pessoa a um estado de possessão. Apesar
disso, não se pode ser considerado por si só como patológico, mas indica que existe algo
conflitivo, aponta para conteúdos que foram reprimidos ou desconhecidos e que não
foram assimilados pela consciência.

66
Para (Não) Finalizar

Figura 32.

Fonte <http://unusmunduspsicologia.blogspot.com.br/2014/09/a-psicologia-analitica-de-carl-g-jung.html> Acesso

Sutra da Flor de Lótus da Lei Maravilhosa


(Myôhôrenguekyô Kanzeonbosatsu Fumonbongue)

Honrado do Mundo, possuidor de todos os sinais sutis,

Novamente permita-me perguntar sobre os relacionamentos desta


Criança-Buda. Por que razão é chamada de Kannon?

e Buda respondeu:

Ouçam! Kanzeon pratica o bem em todos os locais e direções.

Fez um voto vasto e profundo como os oceanos, inconcebível na sua


eternidade.

Foi ao servir infinitos Budas que despertou para este juramento de


grande pureza.

Deixe-me brevemente explicá-lo:

Quem ouve seu nome, vê sua presença e sempre o mantém no coração


e na mente, poderá terminar com as tristezas da vida.

Se alguma força do mal o jogar numa fogueira,

pensar no poder de Kannon, transformará a fogueira em água.

67
PARA (NÃO) FINALIZAR

Se no grande oceano, entre perigos de peixes, dragões e demônios,

pensar no poder de Kannon, as ondas não o poderão submergir.

Se do topo do Monte Sumeru, pessoas quiserem empurrá-lo,

pensar no poder de Kannon, o fará pousar estaticamente, assim como


o sol.

Se perseguido por seres ferozes e jogado do Monte do Diamante,

pensar no poder de Kannon, fará com que nenhum fio de cabelo seja
tocado.

Se encontrar loucos com espadas querendo feri-lo,

pensar no poder de Kannon, todos os seres insanos se dirigirão à


bondade.

Se encontrar sofrimento imposto pelas leis, a vida para ser executada,

pensar no poder de Kannon, faz com que a arma de execução se parta


em pedaços.

Se aprisionado, encurralado, acorrentado, pernas e braços algemados,

pensar no poder de Kannon, o libertará completamente.

Se for encantado ou envenenado, alguém quiser ferir seu corpo,

pensar no poder de Kannon, tudo reverterá à pessoa de origem.

Se ameaçado por hakshanas malvados, dragões venenosos e demônios,

pensar no poder de Kannon, fará com que ninguém possa feri-lo.

Se perseguido por bestas ferozes, presas aguçadas e garras


apavorantes,

pensar no poder de Kannon, instantaneamente ao som de sua voz, eles


fogem.

Trovões e raios, tempestades e furacões,

pensar no poder de Kannon, todos se dispersam.

Se vivos, porém esmagados e pertubados, oprimidos por dores


infinitas,

Kannon, com o poder de sua sabedoria maravilhosa, poderá salvar


este mundo do sofrimento!

Perfeito em poderes sobrenaturais.

Praticando amplamente com sabedoria e tato.

68
PARA (NÃO) FINALIZAR

Nas terras do universo não há um lugar onde não se manifeste.

Todos os estados negativos da existência, inferno, fantasmas, animais,


sofrimentos de nascimento, velhice, doença e morte,

Todos gradativamente serão terminados!

Verdadeiro observar, observar sereno,

observar de sabedoria de longo alcance,

observar de misericórdia, observar de compaixão.

Tanto esperado, tanto esperado!

Pura e serena em radiância.

A sabedoria do sol destruindo as escuridões, controlador de


tempestades e incêndios, que ilumina todo o mundo, lei de piedade,
tremor do trovão!

Compaixão maravilhosa, como uma grande nuvem,

caindo simultaneamente chuva espiritual como néctar,

apagando as chamas da tristeza!

Em disputas frente a um magistrado, ou com medo no campo de


batalha,

se pensar no poder de Kannon, todos os seus inimigos se renderão!

Sua é a voz maravilhosa, voz de observador dos sons do mundo,

voz de Brahman, voz de maré crescente, voz de todo o mundo!

Sempre para ser relembrada, sem nenhum pensamento de dúvida.

Observador dos lamentos do mundo, puro e santo,

em dor, tristeza, morte e calamidade,

capaz de ser alívio e salvação íntegros.

Perfeito em todos os méritos,

com olhos de compaixão, observando a todos.

Infinito oceano de bênçãos! Quiçá poder reverenciá-lo.

Então o Bodhisatva Protetor da Terra

levantou-se e indo em frente a Buda, disse:

“Honrado do Mundo!

Saiba que não são poucos os méritos daqueles

69
PARA (NÃO) FINALIZAR

que ouvirem sobre as atividade superiores


e os poderes transcendentais, em todas as direções,

do Bodhisatva Kannon aqui entoados.”

Ao escutar a explicação de Buda,

os oitenta e quatro mil presentes na Assembléia


elevaram seus corações à Iluminação incomparável obtendo a mente

ANOKUTARA SAN MYAKU SAN BODAI


Poema da Longevidade do Tathagata

No decorrer der seus estudos Jung se depara com estruturas que o levaram a definir
conceitos que estavam diretamente relacionados com conteúdos conflitivos à psique e,
conteúdos, que remetiam a conhecimentos ancestrais presentes em um coletivo além
do indivíduo. Na definição desses conteúdos ele introduz os conceitos de Arquétipo e
Complexo, sendo o primeiro apresentado com um caráter mais coletivo e o segundo com
um caráter mais individual. Para ele essas estruturas eram a base para o entendimento
da psique, pois definiam, de modo geral, todos os conteúdos encontrados e discutidos
nas patologias.

Vimos que a psique comporta todos os sistemas do indivíduo. Deste modo, abarca o
consciente, o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. Obviamente, englobando
as estruturas que transitam nestas.

Sobre a personalidade como um todo, Jung (1990) cita:

É absolutamente impossível fazer uma descrição completa da


personalidade, mesmo sob o ponto de vista teórico, porque uma
parcela do Inconsciente não pode ser captada. Esta parcela não é de
modo algum, irrelevante, como a experiência nos tem mostrado até à
saciedade. (JUNG, 1990, p.2).

Em relação à estrutura da psique há conteúdos relativamente definidos, levando em


consideração as questões conscientes e inconscientes.

Para Jung (2000), o Ego representa a mente consciente, enquanto no inconsciente


ficam as lembranças, incluindo as suprimidas. O inconsciente coletivo como vimos no
capítulo anterior é um componente único, representando – de acordo com Jung – nossa
herança psicológica. Sendo um depósito de conhecimentos, vivências e experiências de
nossa espécie.

Ao caminhar pela psicologia analítica encontramos uma variedade de mitos, histórias,


autores, personagens que nos remetem a várias situações e entendimentos. Ou seja,
70
PARA (NÃO) FINALIZAR

por meio da visão que a teoria junguiana nos proporciona, podemos identificar hoje
uma história mitológica ou uma lenda que se passou há anos, mas que a pessoa está
vivenciando agora.

Ou seja, a psicologia analítica nos faz ler de tudo, ter contato com tudo que seja humano,
Jung (2008), dizia que deveríamos saber o máximo possível sobre o humano e isso inclui
as produções humanas. Não devemos nos fechar dentro de uma teoria, mas buscar
sempre explorar ao máximo as demais. Esse ponto é mais um a ser criticado pelos eu
não entendem o Universo da teoria junguiana. Afinal, os críticos entendem que agindo
dessa forma há uma grande confusão e mistura de conceitos, não indo a lugar algum.
Contudo, a ideia e a proposta são outros. A intenção é conhecer o máximo possível, pois
o humano reflete tudo que é humano e não apenas algo específico.

Devido a essa proposta formulada por Jung, também fica difícil descrever como se
originou sua teoria. Entender o comportamento humano nunca foi uma tarefa fácil.
Vivemos hoje em uma era de grandes transformações. De modo que, fobias, estresse,
anorexia, depressão, exclusão social e discriminação – só para citar algumas questões
– e a psicologia é a ciência que busca compreender os fenômenos psíquicos e o
comportamento humano.

O psicoterapeuta ouve com cuidado tudo que seu paciente fala, além de observar
sua forma de se expressar, para assim auxiliar essa pessoa a integrar sua história,
contribuindo para seu autoconhecimento e, consequentemente, crescimento pessoal.

O terapeuta pode trabalhar em escolas, empresas, órgãos públicos, creches, casas de


acolhimento, clínicas especializadas, consultório – entre uma infinidade de frentes e
possibilidades a nossa práxis.

Atualmente, o psicólogo é um profissional indispensável na garantia do respeito aos


Direitos Humanos e Individuais, além da melhoria da qualidade de vida das pessoas.

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