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Introdução à

Antropologia

Prof.ª Isadora de Assis Bandeira

Indaial – 2023
2a Edição
Elaboração:
Prof.ª Isadora de Assis Bandeira

Copyright © UNIASSELVI 2023

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

B214t

Bandeira, Isadora de Assis

Introdução à Antropologia. / Isadora de Assis Bandeira – Indaial:


UNIASSELVI, 2023.

182 p.; il.

ISBN
ISBN Digital

1. Antropologia. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da


Vinci.
CDD 301

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Na Unidade 1, abordaremos a respeito da pré-história da antropologia.
Compreenderemos o contexto social em que nossa disciplina esteve inserida e os reflexos
desse momento de formação até os dias atuais. Entenderemos como os primeiros estudos em
antropologia eram produzidos, desde o entendimento de quem eram os sujeitos que tinham
consigo a legitimidade e condições de desenvolver suas pesquisas e teorias, assim como
de que modo realizavam suas investigações. Iremos entender a passagem da antropologia
feita no escritório para a investigação, longe das populações estudadas, e as mudanças
com a prática do trabalho de campo no ofício do antropólogo. Por fim, aprofundaremos a
respeito da influência do contexto colonial em nosso campo de conhecimento tanto no
momento de nascimento da disciplina como atualmente.

Em seguida, na Unidade 2, estudaremos as diferentes escolas clássicas da


antropologia. As teorias e concepções em torno do pensamento clássico, diferenças e
similaridades entre as escolas. Uma vez que essas escolas formaram a base teórica de
fundação de nossa disciplina. Assim como conheceremos alguns dos nomes dos teóricos
e fundadores de nossa disciplina, intelectuais largamente conhecidos em nosso campo de
conhecimento. Não apenas serão trazidas para a discussão as suas teorias, como também
partes de suas biografias. Seguindo a mesma prática de pensar a antropologia clássica
desde uma perspectiva crítica contemporânea, aprenderemos a respeito de seus efeitos
em termos de teoria e prática na discussão antropológica da atualidade.

Por fim, na Unidade 3, aprenderemos a respeito da consolidação e


transformações em relação à prática do trabalho de campo em nossa disciplina. Faremos
algumas comparações em relação ao pensamento presente na antropologia clássica e
contemporânea, sobretudo, em volta do tema de métodos e técnicas. Compreenderemos
a respeito de possibilidades de uso de ferramentas como entrevistas, dentre outras.
Conheceremos os principais paradigmas de nossa disciplina e realizaremos um primeiro
exercício experimental em termos etnográficos!

A proposta de nosso livro é compreender, desde o contexto pré-histórico, ou


seja, aquele em que as primeiras inspirações antropológicas estavam se formando, e
sua fundação enquanto disciplina científica, abordando as principais escolas clássicas
e as práticas de nosso ofício. Objetivando sempre fazer conexões entre a antropologia
clássica e contemporânea, assim como propondo um horizonte que ofereça um olhar
crítico e sensível a respeito da teoria e prática antropológica. Aproveitem ao máximo este
momento, pois esta pode ser vista como uma das etapas mais instigantes e fecundas
de sua formação. Bons estudos!

Prof.ª Isadora de Assis Bandeira


GIO
Você lembra dos UNIs?

Os UNIs eram blocos com informações adicionais – muitas


vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico
como um todo. Agora, você conhecerá a GIO, que ajudará
você a entender melhor o que são essas informações
adicionais e por que poderá se beneficiar ao fazer a leitura
dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará
informações adicionais e outras fontes de conhecimento que
complementam o assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os


acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir
de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual
– com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a
leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que
você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados
através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo
continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada
com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo
o espaço da página – o que também contribui para diminuir
a extração de árvores para produção de folhas de papel, por
exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto
de ações sobre o meio ambiente, apresenta também este
livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a
possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular,
tablet ou computador.

Junto à chegada da GIO, preparamos também um novo


layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual
adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de
relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os
materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade,
possa continuar os seus estudos com um material atualizado
e de qualidade.

QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a
você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, a UNIASSELVI disponibiliza materiais
que possuem o código QR Code, um código que permite que você acesse um conteúdo
interativo relacionado ao tema que está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse
as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade
para aprimorar os seus estudos.
ENADE
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!

LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conheci-


mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
por meio dela você terá contato com o vídeo
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de
auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que


preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 - FORMAÇÃO DA ANTROPOLOGIA, CONTEXTO SOCIAL E COLONIALISMO..... 1

TÓPICO 1 - PRÉ-HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA...................................................................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................3
2 PRIMEIROS PASSOS: ANTROPOLOGIA E OBSERVAÇÃO ..................................................5
 2.1 O “EU” E O “OUTRO” NA ANTROPOLOGIA .......................................................................................8
2.1.1 A disciplina da antropologia e o eurocentrismo ..................................................................12
2.2 ETNOCENTRISMO ............................................................................................................................... 14
2.3 UMA BREVE APRESENTAÇÃO DAS LINHAS DE INVESTIGAÇÃO
EM ANTROPOLOGIA ............................................................................................................................ 16
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................... 20
AUTOATIVIDADE................................................................................................................... 21

TÓPICO 2 - VIAJANTES....................................................................................................... 25
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 25
2 GRANDES NAVEGAÇÕES: A IMPORTÂNCIA DOS CONTATOS E REGISTROS ................ 26
2.1 O CONTEXTO DAS GRANDES EMBARCAÇÕES E OS ESTUDOS EMPÍRICOS .........................28
2.1.1 Cultura e alteridade: aproximações e diferenças................................................................30
2.2 UM GIRO ANTROPOLÓGICO: DAS TRAVESSIAS OCEÂNICAS ÀS CONEXÕES ON-LINE .....32
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 35
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 36

TÓPICO 3 - ANTROPOLOGIA E COLONIALIDADE............................................................... 39


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 39
2 A ANTROPOLOGIA E SUA HERANÇA COLONIAL............................................................. 40
2.1 ANTROPOLOGIA, COLONIALIDADE E DOMINAÇÃO .....................................................................42
2.1.1 Da antropologia colonial ao novo sujeito crítico..................................................................44
LEITURA COMPLEMENTAR..................................................................................................47
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................... 52
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 53

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 55

UNIDADE 2 — ESCOLAS CLÁSSICAS...................................................................................59

TÓPICO 1 — EVOLUCIONISMO.............................................................................................. 61
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 61
2 O ESTABELECIMENTO DA ESCOLA EVOLUCIONISTA .................................................... 62
2.1 PRINCIPAIS TEÓRICOS FUNDADORES: LEWIS HENRY MORGAN..............................................66
2.2 PRINCIPAIS TEÓRICOS FUNDADORES: EDWARD BURNETT TYLOR.......................................68
2.3 PRINCIPAIS TEÓRICOS FUNDADORES: JAMES GEORGE FRAZER ..........................................71
2.4 ASPECTOS CENTRAIS DA ANTROPOLOGIA EVOLUCIONISTA................................................... 73
3 IMPACTOS SOCIAIS DA ANTROPOLOGIA EVOLUCIONISTA............................................74
3.1 EVOLUCIONISMO E CONTEMPORANEIDADE ................................................................................ 76
RESUMO DO TÓPICO 1..........................................................................................................78
AUTOATIVIDADE...................................................................................................................79
TÓPICO 2 - DIFUSIONISMO.................................................................................................. 81
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 81
2 ESCOLA DIFUSIONISTA: BASE DO PENSAMENTO.......................................................... 82
2.1 ESCOLA DIFUSIONISTA E O FENÔMENO DA DIFUSÃO CULTURAL...........................................86
2.1.1 O trabalho de campo..................................................................................................................89
2.2 FUNCIONALISMO: BRONISLAW KASPER MALINOWSKI E SUA OBRA “ARGONAUTAS
DO PACÍFICO OCIDENTAL” (1922)..................................................................................................... 91
2.3 RADCLIFFE-BROWN E O ESTRUTURAL FUNCIONALISMO .......................................................95
RESUMO DO TÓPICO 2..........................................................................................................97
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 98

TÓPICO 3 - CULTURALISMO............................................................................................... 101


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 101
2 FRANZ BOAS E A INTERDISCIPLINARIDADE NA FORMAÇÃO
DE UM DOS FUNDADORES DA ANTROPOLOGIA: DA FÍSICA À ANTROPOLOGIA ...........102
2.1 ILHA DE BAFFIN E SUBJETIVIDADE NA PESQUISA ANTROPOLÓGICA ................................104
2.1.1 Descobertas do campo: topografia nativa .........................................................................108
2.2 ESCOLA CULTURALISTA ..................................................................................................................110
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................ 112
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................ 116
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................117

REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 119

UNIDADE 3 — CAMPO, MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA


EM ANTROPOLOGIA CLÁSSICA..................................................................123

TÓPICO 1 — O DESPERTAR PARA A PESQUISA.................................................................125


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................125
2 SOBRE TORNAR-SE ANTROPÓLOGO: TEORIA E TRABALHO DO CAMPO..................... 127
2.1 TRABALHO DE CAMPO: PESQUISADOR, RELAÇÕES DE CONFIANÇA
E ALGUNS EXEMPLOS PRÁTICOS...................................................................................................130
2.2 EM CAMPO: OBSERVAÇÃO E NOTAS ...........................................................................................134
2.2.1 O campo estendido e multifocal ......................................................................................... 136
2.3 ESTRANHANDO O FAMILIAR: O TRABALHO DE CAMPO
EM SUA PRÓPRIA COMUNIDADE ..................................................................................................138
RESUMO DO TÓPICO 1....................................................................................................... 140
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 141

TÓPICO 2 - MÉTODOS E TÉCNICAS EM PESQUISA...........................................................143


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................143
2 A FUNDAÇÃO DA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE ......................................................... 144
2.1 A PRÁTICA DA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE (DE PERTO E DE DENTRO)...........................146
2.1.1 O uso de entrevistas................................................................................................................. 147
2.2 SOBRE A ESCRITA ANTROPOLÓGICA: ETNOGRAFIA ............................................................... 149
2.3 PESQUISA ANTROPOLÓGICA: O USO DE MÉTODOS ................................................................ 152
3 TEMA E PESQUISA...........................................................................................................156
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................159
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................160
TÓPICO 3 - ANTROPOLOGIA E OS NOVOS PARADIGMAS................................................163
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................163
2 DESCENTRANDO “O MUNDO”: ANTROPOLOGIA EM CONTEXTOS
LATINO-AMERICANOS.....................................................................................................164
2.1 A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE DO CONHECIMENTO ANTROPOLÓGICO............................... 166
2.2 A ANTROPOLOGIA E AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS ............................................................168
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................170
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................ 176
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 177

REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 179
UNIDADE 1 -

FORMAÇÃO DA
ANTROPOLOGIA, CONTEXTO
SOCIAL E COLONIALISMO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a “pré-história” da antropologia a partir do contexto social e histórico


de formação da disciplina;

• apontar as dinâmicas e relevância dos registros dos viajantes para o fazer antropológico
do período clássico;

• descrever a respeito do fazer antropológico produzido em gabinete e suas diferenças


e limitações frente à pesquisa feita em campo;

• refletir criticamente o caráter colonial da antropologia, sobretudo em sua fase de


formação disciplinar.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em cinco tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – PRÉ-HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA


TÓPICO 2 – VIAJANTES
TÓPICO 3 – ANTROPOLOGIA E COLONIALIDADE

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!

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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -

PRÉ-HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA

1 INTRODUÇÃO
Boas-vindas, acadêmico! Uma das formas mais interessantes para conhecer
uma disciplina está justamente no conhecimento da história de sua formação. Levando
em conta aspectos como seu contexto social, bem como as mudanças que passou
ao longo de seu desenvolvimento. Nesse momento, convido você a embarcar em
uma das viagens mais interessantes que poderia imaginar, trata-se de conhecer um
pouco da história da antropologia clássica, tema que pode parecer muito distante de
nossa realidade, mas que, em verdade, compõe muito de nossa atividade intelectual e
profissional na atualidade.

Veremos que muitas das inspirações teóricas e questões práticas do


período clássico, ainda servem como base para as reflexões de nossa disciplina
contemporaneamente. É necessário conhecer a fundo esse período, pois se trata da
base de nosso ramo de conhecimento. As correntes teóricas clássicas permitem que
nossa visão enquanto antropólogos seja refinada por um olhar que, ao mesmo tempo,
contextualiza e analisa criticamente a realidade atual da disciplina. Um dos fatos mais
interessantes relacionados a nossa escolha, por trabalhar com a antropologia, é que
somos movidos pela curiosidade, essa inesgotável de ânsia por conhecimento presente
em nossas vidas.

A curiosidade é um impulso que movimenta nossas pesquisas e nos enche de


energia vital para investir todos os esforços necessários e obter realização em nosso
ofício enquanto antropólogos. Portanto, independentemente da pesquisa que estamos
fazendo, estamos sempre motivados a compreender mais e mais a respeito dos temas
que se apresentam de interesse pertinente a antropologia. Portanto, neste tópico, você
compreenderá a relevância da dimensão histórica de nossa disciplina, sendo essa de
amplitude ilimitada. Apenas para atiçar a curiosidade, adiantamos que, antes mesmo
de consolidar-se enquanto uma disciplina teórico-científica, as práticas de observação
e registro de fundo antropológico já haviam conquistado adeptos que, com o tempo,
fariam verdadeiras transformações em nossa área de conhecimento.

Você deve se perguntar: como isso é possível? Em nosso trabalho, temos


como tarefas centrais a observação de situações sociais e culturais, bem como seu
registro e sistematização.

3
Desde o período inicial das grandes embarcações (século XVI) motivadas por
seus interesses geopolíticos, a Europa enviou navegantes, exploradores, militares,
comerciantes, dentre outros, em travessias transatlânticas. Esses sujeitos passaram a
escrever registros escritos a respeito dessa nova realidade que estavam conhecendo.
Obviamente esses escritos eram feitos a partir de um modo muito particular, a visão de
mundo europeia vigente naquele momento. Nesse contexto começam a ser cada vez
mais frequentes as chamadas “cartas” dos viajantes, registros esses que continham
descrições a respeito do território que estavam desbravando com intenções de
exploração, bem como os hábitos e costumes de seus habitantes. Esses registros eram
repletos de impressões pessoais e julgamentos morais desses viajantes a respeito dos
povos e cultura do continente que mais tarde veio a ser conhecido como América. 

É necessário um olhar atento e extremamente crítico, pois durante esse período


inicial da escrita dos registros, eles eram impregnados por questões que atualmente
não fazem parte de nosso modo de atuar enquanto antropólogos. Começando pelo
fato de que atualmente compreendemos a diversidade de pessoas e culturas, assim
como valorizamos essas diferenças. Outrora, valores de uma cultura (europeia) se
sobrepunham às demais culturas, originando julgamentos morais e hierarquias sociais
entre sujeitos e territórios diferentes que não existiam na realidade. Nós apenas
conseguimos corrigir os erros do passado ou mesmo reduzir seus danos e pensar
criticamente nossas práticas antropológicas quando ampliamos nossos horizontes e
almejamos uma pesquisa e prática antropológicas consciente dos erros do passado e
disposta a repensar o fazer antropológico.

No próximo subtópico, aprenderemos a importância da observação antropológica,


assim como as possibilidades e alcances do ofício do antropólogo. Esperamos que você
aproveite este momento para compreender a importância do período de fundação de
nossa disciplina e que, ao final, esteja pronto para articular críticas e apresentar questões
de antropologia clássica com maestria!

GIO
Acadêmico, em linhas gerais a antropologia se debruça a estudar as diferenças
presentes nos diversos contextos culturais e sociais da humanidade. Um erro
recorrente do período da fundação da disciplina era o fato de que aqueles
que se dedicaram a escrever os primeiros relatos sobre contextos distintos de
sua realidade acabavam por contaminar esses registros com preconceitos e
juízos morais. No trabalho antropológico é tarefa de suma importância despir-
se de preconceitos e se abrir para a ampliação de noções como diversidade e
respeito ao diferente. Lembrando, as diferenças não são de modo algum um
problema e todo e qualquer tipo de preconceito deve ser combatido!

4
2 PRIMEIROS PASSOS: ANTROPOLOGIA E OBSERVAÇÃO
Acadêmico! Ao escolher a antropologia como sua carreira, é necessário ter em
mente que existem momentos históricos importantes no desenvolvimento da disciplina
e estes são fundamentais uma formação sólida. Por acaso, você já se perguntou como
é possível que uma disciplina alcance absolutamente todas as esferas da vida social
como a antropologia consegue alcançar?

Olhem que interessante, em todos os espaços da experiência humana a


antropologia está presente. É possível realizar uma observação antropológica e produzir
um trabalho etnográfico a respeito de absolutamente todos os lugares, pessoas e
situações sociais que se dispõem no mundo. 

DICA
Para entender mais sobre observação e registro é interessante aproximar-
se do método etnográfico, assista ao vídeo “O que é ETNOGRAFIA e como
fazer? – Antropológica”. Neste vídeo, a professora Mariane da Silva Pisane
apresenta de forma simples e descomplicada um pouco do trabalho de
campo e a etnografia. Acesse em: https://bit.ly/3LRrNPl.

Em nossa área de atuação existe uma infinidade de possibilidades para o


desenvolvimento de pesquisas, prestação de consultorias e demais fornecimento
de serviços a partir de nossa formação em antropologia! Podemos trabalhar junto a
comunidades tradicionais dos povos indígenas (SEEGER; DA MATTA; DE CASTRO, 1979),
ribeirinhas (SILVA, 2014), rurais (ALMEIDA, 2007), espaços urbanos (SOUZA, 2016) ou
até mesmo no universo sem fronteiras da internet, a partir das redes sociais (GOMES,
2020), passando por empresas de distribuição de energia elétrica (YACCOUB, 2010) ou
laboratórios (DORNELLES, 2013), podemos atuar em todos os lugares (CUNHA, 1955).

Em nosso ofício, na maior parte do tempo, articulamos técnicas de observação


e registro, atreladas a discussões teóricas e questões práticas observadas durante
nosso trabalho de campo. Inclusive, essas ferramentas metodológicas, a cada dia, têm
se expandido e sofisticado cada vez mais com o passar do tempo.

Ao longo dos anos, é possível ver antropólogos trabalhando em diversos


segmentos de atuação profissional, produzindo materiais da mais alta relevância técnica
e intelectual, situações que, no período clássico de nossa disciplina, eram sem sombra
de dúvidas impensáveis. Com a evolução das tecnologias e avanços sociais, nossa
disciplina também evoluiu consideravelmente.

5
Todavia, é muito importante que tenhamos claro o fato de que a antropologia
que dispomos atualmente não é a mesma daquela de seu período de fundação. Nossa
disciplina sofreu uma série de mudanças ao longo da história. Assim como segue
transformando-se até os dias de hoje. Durante o momento que se acordou chamar de
período “pré-antropológico” (século XVI) a antropologia nem mesmo era considerada
uma ciência (LAPLANTINE, 2003). Nessa ocasião, as análises e registros que hoje
entendemos como tendo caráter antropológico, eram originalmente produzidas a partir
de relatos de viajantes das mais diferentes profissões e ocupações.

Entre esses viajantes, encontravam-se missionários, comerciantes,


administradores, militares, viajantes, exploradores, indivíduos que atravessaram os
oceanos e traziam em suas bagagens, temperos, iguarias, ouro, pedras preciosas,
entre outras coisas, assim como muitos registros daquilo que presenciaram durante
suas viagens (acadêmico, você conhecerá melhor esse contexto dos viajantes no
Tópico 2 desta unidade). No entanto, durante esse período, a antropologia ainda não era
reconhecida como tendo um caráter científico, para estabelecer-se enquanto área do
conhecimento foi necessário algum tempo.

As modificações e avanços na própria disciplina de antropologia decorrem de


mudanças paradigmáticas construídas ao longo do tempo e esforços crítico reflexivos
que vão muito além de seu território de nascimento. A teoria crítica da antropologia tem
cada vez mais ganhado espaço na América Latina e Caribe.

É de conhecimento público que, atualmente, através dos conhecimentos em


antropologia, é possível observar, registrar e analisar questões sociais das mais variadas
instâncias. Essa infinidade de possibilidades da disciplina é, inclusive, um dos fatores de
maior relevância em nossos campos de atuação profissional.

Em todas as esferas de nossa vida a antropologia está presente, mesmo que,


inicialmente, você ainda não consiga perceber tamanha relevância. No entanto, muito
em breve, a partir dos conhecimentos que iremos adquirir em torno da antropologia, o
mundo que enxergamos não será o mesmo, e, ao caminhar e observar os espaços e
relações interpessoais, sociais e institucionais a nossa volta, será possível perceber com
facilidade a presença da antropologia no espaço social.

A partir de agora, assim como outrora fizeram os viajantes, teremos a oportunidade


de desbravar um mundo que se ampliará diante de nossos olhos. Passaremos a ter cada
vez mais sede por novas descobertas. A antropologia transforma nossa experiência de
vida, trata-se de uma amplitude de perspectivas sociais e culturais infinitas que alargam
nossa capacidade de ver o mundo a nossa volta.

6
Segundo Laplantine (2003), o costume de observar nasceu juntamente com a
própria humanidade, desde que o homem existe, ele observa a si e ao outro. Tal prática
sucedeu e segue repetindo-se desde os tempos mais longínquos até os dias atuais.
Não existe comunidade ou continente em que os indivíduos não carregam consigo esse
costume rotineiro que está na capacidade e prática cotidiana de observar. Seja nas
Américas, Europa, África, Ásia ou Oceania a observação é inerente aos indivíduos.

Convidamos, neste momento, você, acadêmico, a se tornar um explorador


do mundo a sua volta, tomando notas e registros. Sejam escritos ou fotográficos,
o importante é registrar, sobretudo as situações que lhes parecerem socialmente
relevantes. É fato, uma coisa sempre esteve presente na história da antropologia, assim
como na nossa própria história enquanto humanidade, a prática da observação. 

FIGURA 1 – OBSERVAÇÃO, PRÁTICA ANTROPOLÓGICA

FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-illustration/law-enforcement-police-concept-community-
-600w-1802739349.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2022.

Com o passar dos anos as possibilidades de atuação daqueles que se dedicam


à antropologia se alargam consideravelmente, essa abertura é fruto de mudanças
decorrentes do próprio estabelecimento da disciplina científica. Sendo assim, é de suma
importância conhecer a história da antropologia, não apenas tomando-a uma questão
do passado, mas compreendendo seu impacto no tempo presente. Ao longo do tempo,
nossa disciplina conquistou uma amplitude considerável em termos de investigação
antropológica e relevância social (LARAIA, 2001). É necessário ter em mente que o
passado da disciplina revela muito do momento presente, assim como o tempo presente,
um dia se tornará passado e impactará grandemente no que hoje entendemos como o
futuro. Neste momento, embarcamos juntos na grande aventura e compromisso social
de nosso ofício, observar e registrar o mundo a nossa volta. A história consegue cobrar
as incoerências cometidas ao longo do tempo utilizando-se dos registros. Lembre-se: a
partir de agora, você se tornou uma testemunha dos acontecimentos do mundo!

No próximo subtópico, aprenderemos a construção do “eu” e do “outro”.
Conheceremos a quebra do paradigma científico, em que o homem deixa de ser apenas
sujeito de conhecimento e passa a ser objeto científico. Vamos lá!

7
 2.1 O “EU” E O “OUTRO” NA ANTROPOLOGIA
Neste momento de nossos estudos, é importante que você, acadêmico,
conheça e compreenda a virada crucial na história da antropologia clássica. Trata-se
de um momento de suma importância em nossa disciplina, uma vez que a base do
pensamento antropológico começa a despontar.

O homem estabelece uma nova relação com a ciência. Uma vez que, até pouco
antes do final do século XVIII, o sujeito pensante limitava-se a produzir conhecimento
científico a respeito do mundo a sua volta, como se fosse ele o centro do mundo e
tudo o que estivesse disposto no universo existisse para servir a seus interesses e
necessidades. O indivíduo não levava sua própria existência enquanto mais uma das
tantas vidas disposta no mundo, muito menos que sua existência também era passível
de ser compreendida enquanto objeto da ciência. Você deve, agora, se perguntar: como
assim? Isso mesmo, o homem estudava absolutamente tudo que existia no mundo,
menos as razões, dinâmicas e questões de sua própria existência.

Foi apenas a partir do começo do século XIX que o homem passou a conceber
a si próprio também enquanto objeto de conhecimento, ou seja, uma vida que também
poderia e deveria ser observada, analisada e refletida cientificamente. Desse modo, o
homem passou a aplicar e fazer valer em sua própria existência, os métodos de análises
que antes tinham seu uso limitado ao universo de conhecimento da física e biologia
(LAPLANTINE, 2003).

A partir de então é oficialmente inaugurada a história do pensamento do homem


sobre o próprio homem. Esse acontecimento impactou fortemente o meio cientifico de
modo geral, sua relevância repercute até mesmo atualmente. Esse modo de conceber
a própria vida enquanto objeto da ciência gerou efeitos na própria experiência humana
no mundo. Nesse momento da história, saímos de uma posição consolidada de sujeitos
exclusivos de conhecimento e passamos a conceber nossa própria existência enquanto
objetos da ciência. Sem sombra de dúvidas, esse é um dos acontecimentos de maior
relevância na história, a vida humana passa a ser tema de investigação científica.
Absolutamente tudo que diz respeito ao sujeito se torna passível de reflexão!

É muito importante ressaltar que, neste momento inicial, quando o homem


passa a pesquisar sobre as questões que envolvem a humanidade em sim, ele o faz
de um modo muito particular. As práticas de pesquisa a respeito de sua existência
em termos antropológicos se distinguem imensamente em relação ao modo como
concebemos a análise antropológica contemporaneamente. Para começar, essas
pesquisas eram feitas entre diferentes culturas. Isso mesmo, inicialmente, o homem,
ressalta-se, homem branco europeu hegemônico, se dedicava a tomar como objeto da
ciência os homens pertencentes a outros territórios, consequentemente tomando seus
valores como base de análise de suas pesquisas. Estabelecendo, assim, uma separação
pontual que diferenciava o sujeito “observador” (aquele que se considerava detentor
do conhecimento e da legitimidade de seu uso) daquele que seria o sujeito “observado”
8
(sujeito tomado como menos importante, passivo de análise), diferenciando e criando
uma hierarquia de importância entre esses dois polos (ERIKSEN; NIELSEN, 2007). Assim
é possível perceber que investigar a respeito da vida humana não se tratava de tomar
qualquer homem enquanto objeto de estudo, muito menos buscar compreender sua
própria sociedade as questões que a atravessam.

Essas pesquisas eram feitas a partir de práticas de observações, reflexão


(ancoradas em perspectivas morais) e registros. Desse modo, surgiram os primeiros
registros a respeito da vida humana, que mais tarde foram tomados enquanto
material de fundo antropológico. Extremamente marcadas por questões territoriais e
geopolíticas, assim como regidas por um verdadeiro regime de moralidades, ou seja,
as observações e registros eram marcantemente compostas por comparações entre
culturas baseadas em valores morais da cultura dominante (Europa). Inclusive, esses
juízos de valores contaminaram fortemente os primeiros registros a respeitos dos
povos que não pertenciam ao continente Europeu, definidos como sendo os "outros".
Os objetos empíricos, ou seja, os povos pertencentes aos continentes longínquos
em relação à Europa eram considerados pelos exploradores europeus como sendo
populações que se resumiam a “sociedades primitivas/simples”. Em contrapartida, os
europeus se consideravam “sociedades civilizadas/complexas”. Em resumo, a Europa
considerava simples/primitivo/selvagem todos os povos que não fazia parte de sua
civilização, assim como não compartilhavam de uma mesma identidade étnica e racial,
bem como aqueles que tinham hábitos, práticas, costumes e modos de organização
diferentes dos seus, criando, assim, uma falsa hierarquia entre seu modo de conceber o
mundo em relação aos demais modos. 

Assim, durante um longo período de tempo os primeiros registros e reflexões


a respeito da vida humana foram realizados em relação a sociedades longínquas do
continente europeu. Os chamados “viajantes” (embarcações compostas por diferentes
sujeitos europeus – a respeito desse tema, veremos com mais profundidade à frente)
percorriam grandes distâncias geográficas a fim de explorar territórios e toda a sorte
de matéria (minérios, madeira, temperos etc.) encontrada nesses territórios, bem como
dominar suas populações.

Durante essas viagens exploratórias esses viajantes realizavam observações,


análises e registros escritos, daqueles a que forjavam considerar como “os outros”. Vale
reforçar que esses registros eram extremamente impregnados de valores preconcebidos
e preconceitos de toda natureza imaginável. Esses “outros” eram sempre marcados
enquanto inferiores, uma vez que o homem europeu se considerava o sujeito hegemônico
e tomava a si e sua organização social enquanto modelo ideal de civilização (NOVAIS,
1969). O homem europeu não enxergava sua sociedade enquanto apenas mais uma
entre tantas outras existentes ou mesmo aquelas ainda desconhecidas. Não se tratava
de realmente haver diferença culturais que exultavam em hierárquica entre povos e
culturas, no entanto, a Europa forjava uma superioridade cultural em relação aos demais
povos e continentes, essa superioridade apenas existia em sua própria visão de mundo.

9
FIGURA 2 – O OBSERVADOR E O OBSERVADO

FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/french-emissary-giving-gifts-new-caledo-
nian-95544865>. Acesso em: 22 fev. 2022.

A partir dos novos contextos culturais e territoriais descobertos devido às


viagens exploratórias feitas pelas grandes embarcações, iniciou-se um movimento de
reflexão e esforços para descrever tanto os habitantes quanto os territórios e questões
climáticas ainda desconhecidos. É importante considerar que a antropologia em seu
período de fundação em muito serviu para os ideais da colonização. Essa é uma das
tantas dívidas que a antropologia contraiu para com o mundo, sobretudo os povos que
foram colonizados (a respeito desse tema, veremos com profundidade mais a frente).
Mesmo que atualmente nosso ofício se diferencia amplamente de seu contexto de
fundação, conhecer a história da disciplina é fundamental para não incorrer em erros
supostamente já superados, como, por exemplo, a criação de falsas hierarquias sociais. 

Desde esse período, o homem começa a se interessar cada vez mais em


observar, compreender e registrar questões pertinentes a existência humana e suas
variáveis, sejam elas sociais, culturais, éticas, dentre outras. Para além do meio
ambiente e dos fenômenos naturais a nossa volta, a vida humana passa a ser assunto
de interesse público, passível de vantagens diversas. Mesmo que impregnada por uma
série de prejuízos da própria lógica colonizadora, o status de objeto científico que o
homem vai ganhando ao longo do tempo é de grande relevância para a humanidade
(FRAZER; DOUGLAS, 1978).

Observar a si próprio trata-se de uma prática relativamente recente, quando


pensada em relação ao tempo histórico de nossa humanidade. Essa prática se encontra
aberta a uma infinidade de possibilidades em termos de investigação científica, sobretudo
hoje em dia, uma vez que o fenômeno da globalização engrandece a discussão sobre
a diversidade cultural. Os avanços e ampliações de nossa área de pesquisa apenas
são possíveis a partir do interesse e esforços daqueles que se dedicam ao ofício da
antropologia. Acadêmico, a partir de agora, a responsabilidade de promover diálogos e
maneiras de valorizar a diversidade cultural também é sua!

10
Nós, seres humanos, somos extremamente inventivos em nossos modos de
existir e nos organizar. A partir da antropologia, encontramos ferramentas metodológicas
que nos permitem auxiliar, observar e compreender essas diferentes formas de estar no
mundo, uma vez que temos na observação nosso método privilegiado. Essa capacidade
analítica é de suma importância em nossa disciplina, uma vez que contribui para
uma perspectiva de mundo multicultural. Mundo esse onde as mais diversas culturas
convivem respeitosamente umas com as outras, bem como coexistem de modo
igualitário. Essa visão de mundo oportuniza, em alguma medida, a coexistência de
sociedades e coletividades das mais diversas culturas em um mesmo espaço e tempo.
É importante lembrar que essas aproximações são extremamente ricas em termos de
aprendizado e crescimento, afinal, o que é a cultura se não uma prática dinâmica em
constante mudança e avanço?!

Precisamos levar em conta o fato de que “O conhecimento (antropológico) da


nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos
especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas
não a única” (LAPLANTINE, 2003, p. 13). Assim, trabalharemos de modo a derrubar as
construções de hierarquias sociais e buscar evidenciar a importância da existência da
pluralidade de ideias, culturas e modos de ser e estar no mundo. 

No próximo subtópico, aprenderemos a constituição da antropologia enquanto


uma disciplina científica. Iremos nos aproximar do conceito do eurocentrismo. Estamos
aquecendo nossos motores do conhecimento! Seguimos! 

INTERESSANTE
Aqueles que desejam ter sucesso em suas carreiras devem levar a prática
da observação e registro com muita seriedade. Normalmente fazemos esses
registros à mão em um caderno, que, posteriormente, se torna nosso melhor
amigo. Chamamos esse companheiro de “caderno de campo”. Por mais que
a tecnologia tenha ganhado cada vez mais espaço em nossas vidas, o bom e
velho caderno de papel tem uma importância central na vida daqueles que
desejam dedicar-se a observar o mundo e as relações que nele existem. Tenha sempre
consigo um pequeno caderno e uma caneta ou lápis, ao estudar a antropologia você
passará a refletir criticamente sobre o espaço a sua volta. Essa prática cotidiana da escrita
irá contribuir em suas pesquisas e estudos. Em breve, observar o mundo se tornará um
vício pessoal, e você não pode deixar essas impressões e reflexões se perderem no tempo
e na memória. Em determinado momento esses cadernos se tornarão, de certo modo,
parte de sua biblioteca particular.

11
2.1.1 A disciplina da antropologia e o eurocentrismo
A partir da segunda metade do século XIX, o investimento na observação
e registro dos homens na figura desses viajantes passa a ganhar certa rigorosidade
científica, e a antropologia, aos poucos, se torna um ramo do conhecimento científico.
Nossa disciplina passou a estabelecer determinados métodos e técnicas para com suas
observações e sistematização dos registros oriundos dessas observações.

A antropologia foi formalmente estabelecida enquanto disciplina científica


desde o continente Europeu, e é muito importante que essa informação seja levada
em conta, assim como o recorte temporal e geográfico desse momento de fundação.
Esse contexto resultou em uma série de questões pertinentes ao panorama geral da
própria disciplina, assim como ainda ressoa em questões em nosso campo de estudos
contemporâneos. A ocasião do estabelecimento formal da antropologia, conjuntamente
ao contexto da colonização, refletiu em suas escolas e tradições teóricas ao longo de
toda a trajetória da disciplina. 

Em linhas gerais, a antropologia refere-se ao exercício de compreender outros


modos de pensar e vivenciar a cultura que não aqueles dos quais aprendemos e somos
assimilados desde o nosso nascimento, assim como território do qual fazemos parte.
Essas observações e práticas foram iniciadas antes mesmo da própria antropologia se
consolidar enquanto um campo científico. Atualmente, a antropologia constitui parte do
campo das ciências sociais, sobretudo no Brasil.

A cada localidade e tradição de estudos, cabem diferentes enfoques do campo


de pesquisas em antropologia. Em outros países a antropologia pode estar mais próxima à
arqueologia, linguística, dentre outras. Poderíamos até mesmo definir a antropologia como
a ciência do estudo das diferenças, sejam essas das mais diversas naturezas ou contextos. 

Como dito anteriormente, em seu período inicial vigorava uma separação


factual entre o observador e o objeto de observação, ou seja, o sujeito que observava se
encontrava em oposição daquele que era observado. Desde uma separação, sobretudo
territorial “eu” (europeu) e o “outro” (demais continentes) e cultural. Seguindo a lógica
vigente do período, essa distinção acontecia baseada no estabelecimento de cisões
geográficas, que obviamente eram atravessadas e carregadas de muitos outros
elementos relacionados a valores morais e religiosos. Em verdade a marcação geográfica
estava pautava na seguinte lógica: a Europa intitulava-se centro do mundo, e as demais
sociedades eram projetadas e consideradas como menos importantes, periféricas.
Dessa maneira:

12
Assim, a dominação europeia durante a conquista e colonização culminou na
formação da subjetividade da Europa ocidental como central, trazendo à consideração
o eurocentrismo enquanto promulgação da normalidade e racionalidade, bem como a
objetificação e negação das outras culturas e pessoas. Além do mais, o processo colonial
das Américas foi primordial para o desenvolvimento de diversas estruturas hegemônicas,
embora nem sempre essa relação seja reconhecida, que vão estar presentes ao longo
dos anos nas sociedades latino-americanas (MAIA; DE FARIAS, 2020, p. 585).

Portanto, esse modo de observar e definir as diferentes sociedades desde uma


perspectiva hierarquizada ocorria devido a uma prática que contemporaneamente
conhecemos como “eurocentrismo”. Esse fenômeno coaduna em si a falsa ideia de que
a Europa representaria o centro da cultura do mundo, uma referência de civilização em
termos absolutos. Esse pensamento considerava o continente europeu e sua civilização
enquanto um padrão social e modelo a ser seguido para os demais grupos existentes no
mundo (LANDER, 2005).

Nessa perspectiva não se levava em conta, tampouco consideravam e/ou


respeitavam as diferenças culturais diversas. A criação de falsas hierarquias sociais
constituía a lógica colonial. Obviamente essa é uma ilusão colonial que, mesmo
atualmente, pode ser percebida enquanto pensamento vigente em determinados
grupos sociais. Trata-se de uma superestima da cultura de um continente.

É possível visualizar esse pensamento e práticas da herança colonial presente


em nossa atualidade, desde a construção e permanência de monumentos públicos
que demonstram a importância e a aprovação das práticas coloniais europeias,
vejam (Figura 3):

FIGURA 3 – MONUMENTO EM HOMENAGEM AO DESCOBRIMENTO

FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-photo/lisbon-portugal-february-
-19-2015-600w-1935376957.jpg>. Acesso em: 27 out. 2021

13
Uma vez que esses monumentos permaneçam erguidos nos espaços públicos
das cidades, apontam para a valorização de uma perspectiva de dominação, violência
e exploração por parte da população do local. É de suma importância que as violências
que ocorreram no período colonial sejam devidamente elencadas, bem como não
sejam de modo algum homenageadas. Os absurdos cometidos durante o contexto de
colonização não devem ser esquecidos e seu lugar na história é o da análise reflexiva e
não o da homenagem irrefletida.

ATENÇÃO
Compreender as bases da formação de uma área de conhecimento é
indispensável para nossas formações. A história da antropologia representa
as nossas raízes do conhecimento da disciplina. Desfrutem desse mergulho
no tempo!

No próximo subtópico, vamos nos aprofundar no conceito de etnocentrismo,


perspectiva que coloca uma cultura como sendo o centro do mundo e as demais como
menores, inferiores e secundárias. Espero que você esteja aproveitando ao máximo
essa oportunidade de entender as bases do pensamento antropológico, assim como as
similaridades e diferenças da atual antropologia em comparação com o momento inicial
de nossa disciplina!

2.2 ETNOCENTRISMO
Acadêmico, como é possível perceber, desde o momento da fundação de nossa
disciplina até os dias atuais, mudanças significativas atravessaram a perspectiva científica
da antropologia em relação ao mundo como um todo. Essas mudanças apontam para o
fato de que, ao longo do tempo, os próprios antropólogos têm repensado sua disciplina,
portanto, repensado o modo de conceber determinados temas e discussões.

As mudanças de modo algum demonstram ausência de cientificidade na


antropologia, muito pelo contrário, o fato de que os próprios estudiosos da área
reconhecem os possíveis enganos, ou mesmo constatam erros e falhas ao longo da
história da disciplina, demonstra que a constância em termos de pesquisa e reflexão,
é parte central de nossas práticas intelectuais. Vamos entender um pouco melhor
essas questões?!

Durante o período de fundação da antropologia, o etnocentrismo era uma


forte presença no olhar do antropólogo em relação ao mundo a sua volta. A palavra
etnocentrismo refere-se à prática de conceber sua própria etnia (ou cultura) enquanto o
centro do mundo, ou seja, pessoas etnocêntricas são aquelas que acreditam pertencer
a uma etnia/grupo/população/cultura que está no centro da própria humanidade, e que

14
representa um modelo ideal de cultura. Mesmo que, atualmente, os debates antropológicos
girem em torno da diversidade de culturas e pessoas e, por consequência da valorização
dessa pluralidade, na fundação de nossa disciplina, o etnocentrismo era uma prática,
sobretudo, dos estudiosos de nosso campo de conhecimento, ou mesmo daqueles que,
com o tempo, foram considerados os primeiros antropólogos (lembrando que inicialmente
nossa disciplina era formada de estudiosos de vários campos de conhecimento).

E como isso se dá na prática? Simples, as pessoas, em especial, os antropólogos,


acreditavam que seus hábitos, práticas, regimes de moralidade, modos de estar e
permanecer no mundo era o modelo ideal para o restante do mundo. Inacreditável, não?
Pois bem, essa prática vigora por todo o momento de fundação de nossa disciplina, até que,
alguns estudiosos, como Franz Boas (1958) e Bronislaw Malinowski (1884), interessados
nos temas de nossa disciplina começaram a questionar essas visões de mundo.

Esses pesquisadores passaram a observar e registrar os modos dos quais


determinadas culturas se organizavam socialmente e percebiam que se tratava de
modos diferentes e não inferiores de organização. Um pouco a frente de nosso livro,
entenderemos mais como essas mudanças aconteceram, principalmente com as
primeiras práticas de trabalho de campo. Esse modo equivocado (etnocêntrico) de
conceber sua própria cultura como superior e a de outros grupos como inferior,
obviamente causava e ainda causa, nos dias de hoje, grandes conflitos.

Destaca-se que, majoritariamente no período pré-histórico e inicial de nossa


disciplina, sobretudo, evidenciamos essa prática por parte dos estudiosos da cultura
europeia e norte-americana, uma vez que tinham uma perspectiva etnocêntrica de
mundo. Desse modo, acreditavam e justificavam as mais diversas violências (físicas,
materiais e simbólicas) para com as demais culturas existentes no mundo.

A colonização da América Latina e África, por exemplo, apontam como esse


pensamento é produtor de violências diversas e perpétuas, uma vez que ainda vivemos
sobre os efeitos da colonização. É possível enxergar os reflexos do etnocentrismo em
nossas sociedades contemporaneamente.

O racismo, xenofobia, machismo, dentre outras práticas de violência física e


simbólica apontam para o etnocentrismo e suas raízes culturais em sociedades que
sofreram com as diversas colonizações. Além disso, a prática do etnocentrismo está
na desvalorização por parte daqueles que se consideram o modelo ideal, para com a
maioria ou mesmo a totalidade dos elementos e pessoas das demais culturas. Segundo
Rocha (2017, p. 5):

Etnocentrismo é uma visão de mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como
centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através de nossos valores,
nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano intelectual pode ser
visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos
de estranheza, medo, hostilidade etc. Perguntar sobre o que é etnocentrismo é, pois,

15
indagar sobre um fenômeno onde se misturam tanto elementos intelectuais e racionais
quanto elementos emocionais e afetivos. No etnocentrismo, estes dois planos do
espírito humano – sentimento e pensamento – vão juntos compondo um fenômeno
não apenas fortemente arraigado na história das sociedades como também facilmente
encontrável no dia a dia das nossas vidas.

Portanto, trata-se de um regime que, no limite, está ligado à existência e


experiência de mundo. O etnocentrismo também se trata de uma imposição cultural
sobre as demais culturas ao seu entorno.

O efeito devastador dessa prática esteve e ainda está presente em muitas


situações cotidianas, com especial destaque aos países colonizados. Não à toa vivemos
em uma sociedade que tem por costume superestimar os símbolos europeus e norte-
americanos, isso nada mais é do que alguns dos efeitos da formação de um estado
nacional enraizado em um regime colonial.

É comum que tradições da cultura popular brasileira sejam desvalorizadas


pela própria população nacional em comparação a uma valorização exacerbada de
culturas europeias e norte-americanas. Trabalhar com antropologia é estar a todo o
tempo buscando formas de analisar o presente sem esquecer-se do passado. É preciso
criticidade e sensibilidade para o ofício do antropólogo.

No próximo subtópico, conheceremos um pouco sobre cada uma das cinco


linhas de investigação desenvolvidas dentro da disciplina da antropologia: antropologia
biológica (ou física), antropologia pré-histórica, antropologia linguística, antropologia
psicológica, antropologia cultural e social. Seguimos em frente!

DICA
Para conhecer um pouco mais a respeito do fenômeno do etnocentrismo,
assista ao vídeo “Alteridade, etnocentrismo e relativismo cultural”. Disponível
em: https://bit.ly/3s9dBcO.

2.3 UMA BREVE APRESENTAÇÃO DAS LINHAS


DE INVESTIGAÇÃO EM ANTROPOLOGIA
Agora que você já conhece o contexto da “pré-antropologia” e o período de
fundação de nossa disciplina, é importante que tenha conhecimento sobre as divisões
presentes em nossa antropologia na contemporaneidade.

16
Atualmente, a antropologia é dividida em cinco grandes áreas ou linhas de
pesquisa: antropologia biológica (ou física), antropologia pré-histórica, antropologia
linguística, antropologia psicológica, antropologia cultural e social. Essas linhas de
pesquisa não necessariamente ocupam a mesma importância nos diferentes países
do mundo. Como exemplo, no Brasil a linha de investigação da antropologia cultural e
social está presente na maior parte dos centros de pesquisa em antropologia de nosso
país, assim como é a que tem mais adeptos, assim como é a conhecida. No entanto,
é importante que você, acadêmico, tenha ao menos uma noção básica a respeito das
possibilidades de pesquisa em termos de antropologia (MARCONI; PRESOTTO, 2013).
Todavia, corresponde a cada uma dessas vertentes antropológicas uma questão de
aproximação, sendo essas a preocupação com distintos temas relacionados à existência
e organização humana. Neste momento, faremos uma breve passagem por cada uma
dessas linhas de pesquisa, para que, caso seja de interesse, possam buscar aprofundar
suas pesquisas nas áreas a seguir. Vamos lá!

Cabem à antropologia biológica ou antropologia física compreender a


multiplicidade biológica presente nos mais diferentes contextos regionais, culturais,
geográficos, sociais e ecológicos, variando no tempo e espaços. Ou seja, analisa alguns
dos aspectos biológicos e físicos da humanidade em lugares e tempos diferentes ao
longo de nossa história.

Essa linha de pesquisa também analisa os impactos e atravessamentos entre os


indivíduos e meio ambiente, assim como as consequências, mudanças e transformações
decorrentes desse processo de influências recíprocas. Também investiga as diferenças
biológicas presentes entre as populações pertencentes a contextos espaciais e
temporais que se divergem.

FIGURA 4 – ANTROPOLOGIA BIOLÓGICA

FONTE: <https://maestrovirtuale.com/wp-content/uploads/2019/10/Antropolog%C3%ADa-biol%C3%B-
3gica.jpg>. Acesso: 22 fev. 2022.

17
Já ao que diz respeito à antropologia pré-histórica, a tarefa de investigar a partir
de solos e registros todo e qualquer resquício de ação e/ou movimentação humana que
já não esteja mais presente nos diversos territórios. O profissional que se dedica a essa
área deve executar um trabalho minucioso de busca e análise por possíveis objetos
presentes no solo, assim como tentar recuperar as questões ligadas a sociedades
desaparecidas com o passar do tempo. Essa linha de estudo se aproxima fortemente
da arqueologia. Os museus, por exemplo, são espaços onde podemos encontrar muitos
materiais que foram encontrados e catalogados por antropólogos que se dedicam a
essa linha de pesquisa, veja na Figura 5:

FIGURA 5 – PEDRA DO SOL, PATRIMÔNIO ASTECA. ACERVO DO MUSEU NACIONAL DE ANTROPOLOGIA,


CIDADE DO MÉXICO

FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/mexico-city-oct-15-2016-aztec-656778514>.
Acesso em: 22 fev. 2022.

Extremamente importante para o patrimônio imaterial da humanidade,


estabelece-se a antropologia linguística. Esse ramo da antropologia tem como objetivo
compreender, a partir da linguagem e suas expressões, o modo com que distintos grupos
sociais/culturais evidenciam suas inquietudes, juízo de valores e demais questões
que são da ordem da comunicação humana. Essa linha de investigação tem grande
relevância em termos culturais e sociais. 

Já a antropologia psicológica tem como objeto de investigação o modo como


opera, processa e se constituem as questões da psique humana. Sua análise leva em
conta comportamentos, abarcando os fatores totais da existência humana, como a
sociedade e a cultura. Essa linha de investigação é nutrida a partir da integração de
sistemas culturais e sociais, bem como perspectivas de análises antropológicas sem as
quais não seria possível desenvolver sua análise.

18
Como dito anteriormente, a antropologia social e cultural é a linha de
investigação mais explorada no Brasil. Essa ramificação da antropologia representa uma
amplitude de possibilidades investigativas em termos sociais e culturais. Não é possível
esgotar suas áreas de pesquisa e atuação. Podemos pesquisar sistemas de parentesco,
ordenamentos e questões políticas, regimes econômicos, arestas jurídicas, enfim, tudo
o que se pode imaginar é possível de pesquisar dentro dessa linha de investigação
antropológica. Dessa maneira, em termos de pesquisa antropológica no Brasil, na maior
parte das vezes, as investigações científicas em antropologia abordam questões da área
de antropologia social e cultural. 

Por fim, agora que refletimos questões centrais do contexto de fundação


da antropologia e suas nuances, assim como as divisões das linhas de pesquisa em
antropologia, neste momento, vamos avançar e, a partir do próximo tópico, conhecer
um pouco mais as viagens exploratórias, tema de absoluta relevância para o nascimento
de nossa disciplina. Espero que estejam preparados, viajaremos alguns séculos no
contexto das embarcações transatlânticas!

IMPORTANTE
Um exercício extremamente importante em nossa carreira é a pesquisa.
Deste modo, é fundamental que você desenvolva a capacidade e prática
de realizar pesquisas de forma autônoma. Essa é uma tarefa simples,
mas é preciso começar. Busque vídeos, podcasts, filmes e literatura que
abordem questões antropológicas. Dessa maneira, a cada dia você estará
mais familiarizado com a disciplina e seu olhar e sua capacidade de reflexão
crítica irão se desenvolver cada vez mais e melhor!

19
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A prática da observação é própria da existência humana. A observação carrega uma


importância central em termos de pesquisa em antropologia. Mesmo em um contexto
de inúmeras mudanças e transformações em relação ao fazer antropológico,
observar o mundo a nossa volta jamais deixou de ser parte fundamental de nosso
ofício. Com o passar do tempo e os avanços em termos de pesquisa na área da
antropologia, a amplitude de situações possíveis e necessárias de observação e
registro antropológico vem ampliando-se consideravelmente.

• A antropologia floresce a partir de relações de estranhamento e diferença. Sendo


essas questões observadas em um contexto de colonização. Nesse período a
prática da observação e do registro escrito a respeito de povos e territórios, até
então desconhecidos, era impregnada de juízos de valores morais presentes na
mentalidade vigente dos viajantes, por consequência, esses valores faziam parte
desses escritos que foram considerados as primeiras práticas de observação com
fundo antropológico.

• Inicialmente, a antropologia não possuía caráter disciplinar, no entanto, ao longo


do tempo, interações e interesses múltiplos por parte dos exploradores, nossa
disciplina obteve certa formalidade e carácter disciplinar. Desde então, se trata de
uma disciplina em constante mudança e ampliação.

• A antropologia enquanto uma disciplina formal nasce no contexto da Europa,


realidade que reflete diretamente em nossa área de conhecimento. Os povos
europeus consideravam sua sociedade enquanto superior às demais sociedades
presentes no mundo. Criaram uma falsa crença de que a Europa representava
um modelo ideal de sociedade para todo o restante da humanidade. Esse fato
influiu intensamente nos rumos da disciplina, tendo vestígios dessa realidade até
mesmo atualmente.

• Conhecemos brevemente as cinco linhas de investigação da antropologia. Dados


interesses de pesquisa e o contexto social, a vertente com maiores investimentos
e adeptos no Brasil é a antropologia social e cultural. No entanto, esta propicia uma
infinidade de possibilidades a serem estudadas.

20
AUTOATIVIDADE
1 Desde o período de fundação da Antropologia, e de acordo com a Teoria Antropológica
Clássica e suas bases fundacionais que consideravam a existência de um tipo ideia de
modelo de sujeito e sociedade, com relação ao conceito de eurocentrismo, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) Trata-se da capacidade europeia de sistematizar os conhecimentos sobre a


diversidade cultural presente no mundo durante o contexto de formação da
antropologia.
b) ( ) Perspectiva social e cultural equivocada que compreende a cultura europeia
enquanto modelo e padrão de civilização que deve ser seguido pelo restante do
mundo.
c) ( ) Visão de mundo que define o continente europeu enquanto espaço de pluralidade
cultural e social.
d) ( ) Disciplina científica que tem como objetivo estudar a Europa.

2 O sujeito “observador” e o sujeito “observado” são definições europeias de base ideológica,


uma vez que esses dois polos eram atravessados por falsas hierarquias e percepção de
“si” e do “outro” errôneas, pautadas em um projeto de dominação e exploração. Com base
nessa realidade, analise as sentenças a seguir:

I- O “observador” e o “observado” não se tratava de uma definição imutável, esses papéis


variavam e se intercalavam de acordo com os interesses geopolíticos em pauta naquele
período.
II- O europeu se considerava superior e, por consequência, legitimo sujeito “observador”
enquanto atribuía aos demais povos o status passivo de sujeito “observado”.
III- A prática da observação, sistematização de informações e registro escrito era inerente
e compartilhada por todas as culturas.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

21
3 A disciplina de antropologia é dividida em linhas de pesquisa que variam em termos de
interesse conforme os diferentes países em que a antropologia é estudada, em relação
às diferentes linhas de pesquisa e investigação em antropologia, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A antropologia social e cultural investiga a partir de solos e registros todo e qualquer


resquício de ação e/ou movimentação humana em determinado território. Seu trabalho
minucioso analisa possíveis objetos presentes no solo, assim como busca a partir de
sua pesquisa recuperar questões ligadas a sociedades desaparecidas com o passar
do tempo. Essa linha de estudos se aproxima fortemente da arqueologia. A entidade
tem como objetivo a inserção da Engenharia de Produção na comunidade científica e
produtiva no sentido de promover o desenvolvimento social. 
( ) Extremamente importante para o patrimônio imaterial da humanidade se estabelece
a antropologia linguística. Esse ramo da antropologia procura compreender a partir
da linguagem e suas expressões o modo com que distintos grupos sociais/culturais
externalizam inquietudes, juízo de valores e demais questões que são da ordem dá
comunicação humana.
( ) A antropologia linguística tem como objeto de investigação o modo como opera,
processa e constitui as questões da psique humana. Trata-se da análise de
comportamentos, levando em conta os fatores totais da existência humana como
a sociedade e a cultura. Se nutre da integração de sistemas culturais e sociais,
bem como perspectivas de análises antropológicas sem as quais não seria possível
desenvolver sua análise.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 A observação é central na prática antropológica. Observamos o mundo a nossa volta


desde o momento em que nascemos. Escolha um local de sua preferência, pode ser uma
praça, mercado, praia, hospital, teatro, enfim, um espaço onde as pessoas transitem. Leve
consigo um caderno e uma caneta. Pelo máximo de tempo possível observe o espaço.
Procure atentar-se ao máximo sobre elementos do local. Observe o fluxo de pessoas,
tempo de permanência, práticas compartilhadas (exemplo: em uma praça de esportes
muitas pessoas andam de bicicleta), perfil geral dos frequentadores. Durante o tempo
de observação, registre em seu caderno as questões observadas. Convide alguém
de seu convívio social e leia sua descrição para essa pessoa. Não diga qual local está
descrevendo, apenas faça a descrição. É importante que a pessoa escolhida também
conheça o local que você realizou o exercício de observação. Ao final da leitura, pergunte
a ela se a descrição lhe pareceu com algum lugar familiar. Observar e registrar são tarefas
de suma importância em nosso trabalho. Sempre que possível repita o exercício, com o
tempo você perceberá melhoras significativas em relação a essa prática. 

22
5 A observação e os registros em antropologia não são práticas exclusivas de nosso
sentido visual. Os sons, cheiros, barulhos e imagens são elementos que constituem a
observação. É importante que você, futuro antropólogo, consiga realizar observações
e registros que incluam todos esses sentidos. Escolha um local de sua preferência e
realize um exercício descritivo que inclua sons e aromas em seu exercício de observar.
Enquanto antropólogos, observamos o mundo com os olhos, ouvidos, narizes e mãos.
Extrapole a visão e crie uma descrição capaz de levar o leitor ao seu local de observação.

23
24
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
VIAJANTES

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, em nosso Tópico 2, você compreenderá a respeito dos impactos
causados pelas grandes embarcações coloniais em nossa disciplina. Uma vez que, fruto
dos interesses postos e das interações sociais emergidas nesse período, intensificam-se
as especulações sobre as questões relacionadas às diferenças entre os homens e suas
particularidades culturais e sociais, bem como a necessidade de situar e sistematizar
conhecimentos científicos a respeito dessas populações consideradas “outras”. Assim,
na medida em que aumentavam os questionamentos em torno dessas supostas
diferenças, o cenário de pesquisa se mostrava cada vez mais promissor e necessário.
Passando, assim, a apresentar um terreno fértil em relação às investigações movidas
por interesses variados em termos de conhecimento, sobretudo, a respeito do homem
e de sua cultura. 

Nesse período histórico, inaugura-se uma nova maneira de observar, registar e


projetar o mundo e as diferenças presentes nas diversas regiões do globo terrestre. O
homem, seus territórios e suas dinâmicas sociais e culturais passaram a ser observados
por um olhar que hoje pode ser compreendido como uma perspectiva antropológica.
Imagine só, um mundo ainda pouco conhecido, abundante em matérias primas de
extremo valor, populações com hábitos e costumes consideravelmente diferentes e
uma possibilidade de exploração sem fim. Esse era o palco perfeito para investimentos
em ciência, projetando o controle e dominação dessas pessoas e territórios. Importante
apontar que esses interesses de modo algum eram ingênuos. Estavam postos em
jogo uma infinidade de relações de poder, dominação e exploração. Assim, movidos
pelo entusiasmo e interesses econômicos nunca vistos, os viajantes e aqueles
que patrocinavam essas embarcações, passaram a compor um novo contexto de
descobertas, exploração e relações. 

Dessa maneira, durante o século XVI, conjuntamente ao surgimento do


pensamento Renascentista e do contexto dos viajantes, houve uma ampliação na
perspectiva científica a respeito do mundo; e, mesmo que o foco da antropologia esteja
diretamente relacionado a temas culturais e sociais, é importante compreender que
esse contexto histórico contribuiu substancialmente para uma série de transformações
e avanços em termos científicos.

25
Essas viagens contribuíram de modo significativo para descobertas e
sistematização de conhecimentos ligados à Geografia, Cartografia, Meteorologia,
Biologia, dentre outros influenciados por esse momento, bem como devido às chances
de observação propiciadas pelas viagens transatlânticas. Nossa disciplina tem consigo
um forte caráter interdisciplinar, pois todas as outras disciplinas de uma maneira ou de
outra incidem na cultura, tema central de nossas pesquisas. 

Você já imaginou qual a relevância prática do contexto das grandes navegações


para nossa disciplina? Espero que tenham fôlego para tamanha viagem! Vamos lá?

2 GRANDES NAVEGAÇÕES: A IMPORTÂNCIA


DOS CONTATOS E REGISTROS

Neste momento, algumas das questões a muito tempo consolidadas em
nosso imaginário irão cair por terra: isso mesmo, conheceremos uma realidade nunca
imaginada! Existe uma narrativa social que aponta a Europa como responsável por
inaugurar as grandes aventuras pelos mares, mas, acalme-se, esse é um erro clássico
do senso comum. Trata-se de mais uma das tantas questões equivocadas que são
reproduzidas ao longo do tempo a respeito das viagens exploratórias. Enquanto futuro
antropólogo, é fundamental que você tenha sempre em vista o compromisso de verificar
as informações que lhe chegam por meio de uma pesquisa criteriosa. É indispensável
consultar as fontes, assim como sua confiabilidade. Seu ofício enquanto pesquisador
em antropologia requer muita atenção e cuidado com relação aos processos culturais
e sociais ao longo da história. Um antropólogo não deve, de modo algum, tomar nada
como verdade, antes é necessário consultar minuciosamente os fatos e suas fontes. 

Segundo Souza (2007), antes de obterem sucesso em suas travessias


oceânicas, muito do que se conheciam a respeito de terras que ficavam nos “além-
mares”, distantes da Europa, e, por consequência, ainda não exploradas, eram fruto
dos relatos especificamente construídos pelos gregos. Esse povo, particularmente, era
conhecido desde a Antiguidade por ter como tradição viajar e desbravar os mares. Não
à toa, considerados os pais da filosofia, os gregos tinham como costume, no momento
de relatar suas viagens, incrementá-las e florear ao máximo com considerável dose
de fantasia, mitologia e fábula.  De fato, pouco se sabia sobre o mundo, culturas e
populações de modo geral, estando restrita até mesmo a Europa em alguma medida
ao seu próprio continente e algum mínimo conhecimento a respeito da África e Ásia.
Esse desconhecimento não se dava pela falta de interesse em conhecer e explorar seus
continentes vizinhos. No entanto, mesmo sendo uma civilização extremamente desejosa
de empreender pelos mares afora, suas embarcações e ferramentas técnicas ainda
eram insuficientes para garantir segurança e sucesso para realizarem grandes viagens.
Limitando, assim, as possibilidades de desbravar os mares e tomar conhecimento sobre
outros territórios e povos.

26
No entanto, nada poderia ser mais motivador que os interesses políticos,
econômicos e territoriais que estavam em jogo. As chances de obter vantagens
econômicas e territoriais eram suficientes para motivar esses possíveis viajantes
desbravadores. Desse modo, com um forte investimento de recursos dos mais variados,
desde matéria-prima, mão de obra especializada e aporte financeiro, foram viabilizadas
as construções de um número considerável de embarcações (NOVAIS, 1969). Sendo
essas, mais seguras, espaçosas e resistentes, permitindo, assim, a efetivação do plano
de realizar grandes incursões marítimas. Assim, a partir do século XV, as primeiras
embarcações de grande porte europeias, com destinos dos mais distantes imagináveis,
começaram a desbravar os mares rumo as possibilidades de exploração.

FIGURA 6 – GRANDES EMBARCAÇÕES EUROPEIAS

FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-vector/ship-navigation-transport-america-destination-
-600w-1181977372.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2022.

Como já sabemos, muitos dos registros escritos desde os viajantes europeus


que faziam parte das grandes embarcações, eram compostos por impressões pessoais e
fabulações da imaginação humana. Dessa maneira, a confiabilidade dos registros desse
período, de modo geral, era relativamente baixa. Não eram raros os registros que conflitavam
entre si, mesmo que feitos por homens que haviam chegado a um mesmo território. No
entanto, de nenhuma maneira esses registros perdem sua validade e importância, veremos
sua importância científica logo à frente! Esses contatos, conflitos, registros e perspectivas
culturais acabaram por, indiretamente, compor grande parte do arcabouço metodológico
de nossa disciplina. É importante que se faça uma análise crítica a respeito desse período,
todavia, de modo algum podemos descartar sua importância.

No próximo subtópico, dando continuidade ao tema dos viajantes e seus


registros, compreenderemos a importância em termos de pesquisa empírica que esses
registros tiveram tanto no passado como em nossos dias atuais, para a antropologia,
nosso ramo de conhecimento.

DICA
Para conhecer um pouco mais sobre as grandes embarcações assista ao
vídeo “Como eram as caravelas, as naus e os juncos: as embarcações das
grandes navegações”. Disponível em: https://bit.ly/3LS3f91.

27
2.1 O CONTEXTO DAS GRANDES EMBARCAÇÕES E
OS ESTUDOS EMPÍRICOS
Mesmo que os registros dos viajantes apresentassem diferenças consideráveis
quando contestados com a realidade, ainda assim esses escritos foram de extrema
importância para aquele período histórico, assim como para o desenvolvimento da
pesquisa empírica, e, em especial, para a antropologia. Você deve se perguntar: o que é a
pesquisa empírica? Pois bem, a pesquisa empírica é um modo de investigar um espaço,
acontecimento ou situação a partir da experiência de coletar os dados em campo
(seja este qual for), ou seja, é necessário ir até o local e observar o fenômeno do qual a
pesquisa será realizada. Portando, com essa aproximação e observação, o pesquisador
obtém material suficiente para sustentar suas hipóteses e alcançar conclusões.

No período das embarcações, essa maneira empírica de pesquisar acontecia


justamente quando se estabeleciam contatos entre observador (viajantes) e
observados (nativos), resultando em relatos e registros, ou seja, material de pesquisa
empírica. Esse modo de coletar dados que, até os dias atuais, é de suma importância
em nossa área de trabalho. Em boa parte de nossas análises e pesquisas, coletaremos
dados de modo empírico. 

DICA
Para conhecer um pouco mais sobre a pesquisa empírica, consulte o
artigo “O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir e escrever”. Produção
contemporânea de máxima importância para nosso ofício enquanto
antropólogos. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/41616179.

Além disso, era a partir desses relatos que muito do que era conhecido nessas
viagens ganhavam repercussão pública. Aqueles que não estavam presentes nessas
viagens, por diversos motivos, poderiam ter acesso, de certo modo, aos acontecimentos
daquele contexto. Essas viagens tampouco eram acessíveis para a maior parte da
população, que permanecia em solo europeu, e, graças às narrativas dos registros
feitos pelos viajantes, poderiam conhecer parcialmente esses novos territórios e suas
populações. Registros esses que combinavam impressões pessoais, perspectivas
culturais e juízos morais a respeito daquilo que presenciaram e sentiam, seja nos mares
e sobretudo nos territórios e interações ainda pouco conhecidos. 

De acordo com Sant’Anna Neto (2006), os relatos desses cronistas (viajantes) dos
séculos XVI e XVII eram carregados do contexto social e político daquele tempo, do modo
como concebiam o mundo e as dinâmicas sociais. Constavam nesses relatos, conceitos
de natureza estética, religiosa e morais compartilhados pela civilização europeia.

28
Mesmo que, em sua maioria, esses relatos coadunavam preconceitos e toda a
sorte de julgamentos em relação aos povos dos quais estavam estabelecendo contato,
ainda assim esses registros contribuem significativamente nossa compreensão a
respeito do período histórico da fundação de nossa disciplina. Essa possibilidade de
análise representava uma verdadeira abertura de visão de mundo em relação a culturas e
territórios ainda desconhecidas e abundantes em termos de diversidade e cultura, sendo
esse um movimento de absoluta importância, sobretudo para o pensamento crítico.

FIGURA 7 – PESQUISA EMPÍRICA EM CAMPO: O CONTATO DIRETO

FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-photo/moscow-russia-november-
-16-2017-600w-756168472.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2022.

Assim, iniciou-se um movimento representativo nas mais diversas áreas do


conhecimento. Outros ramos do conhecimento passaram a apropriar-se do método
empírico de pesquisa para compreender fenômenos de seus interesses científicos.
A pesquisa de campo passou a ser uma metodologia de interesse compartilhado
por vários campos de conhecimento. Obviamente ainda experimental, esse modo
de pesquisa sofreu uma série de críticas e transformações. No entanto, quanto mais
áreas do conhecimento mostrassem interesse em aplicar essa metodologia, maiores
eram os avanços em termos científicos. Sendo assim, sua ampliação passou a ser de
grande importância. Nesse período, as bases do pensamento científico começam a
mudar consideravelmente. O mundo passa a observar os esquemas e fenômenos das
mais infinitas áreas muito mais pelos olhos da razão e não mais apenas pela religião. A
empiria na pesquisa científica representa uma mudança representativa em termos de
pesquisa e ciência. Com o passar do tempo, a ciência conquista avanços consideráveis
e de suma importância para a humanidade graças à aplicação da pesquisa empírica nos
mais amplos espaços de investigação. 

No próximo subtópico, iremos refletir a respeito das diferenças culturais


presentes entre diferentes grupos. Abordaremos o fenômeno da alteridade nas situações
de contato entre viajantes e nativos. Ficou curioso? Vamos nessa!

29
2.1.1 Cultura e alteridade: aproximações e diferenças
Acadêmico! É central que você compreenda que o objeto privilegiado da
antropologia, nossa disciplina, é o fenômeno da diferença. Sim, as diferenças e suas
variantes! Podemos pensar nas diferenças presentes entre sujeitos, comunidades,
sociedades, sendo essas questões de suma importância em nosso trabalho.

A partir de nossas observações antropológicas encontramos um solo fértil


para investigar a questão das diferenças sociais e culturais. São as diferenças que
constituem e compõem muitas das questões analisadas pela antropologia em termos
sociais e culturais. Em nosso trabalho, a diferença sempre será uma presença constante
e de máxima importância em nossas observações, análises e registros. Cada vez mais
as diferenças entre pessoas, grupos e espaços, de modo geral, terão especial destaque
no modo pelo qual você observa o mundo e reflete a seu respeito.

Essas diferenças plurais são parte constitutiva da existência humana, devido


à diversidade de territórios e de povos existentes. A partir das diferenças presentes
em nossos contextos, adotamos comportamentos, visões e dinâmicas de existência
das mais variadas. É possível encontrar esses pontos de divergência desde a maneira
como os diferentes grupos culturais e sociais organizam e estabelecem suas relações
de parentesco, regimes econômicos, padrões de comportamento, organizações
políticas, sistemas de distribuição e divisão de recursos, dentre outros. Por meio dessas
diferenças entre sujeitos e comunidades é que podemos compreender parte do modo
com que se organizam socialmente e de seu arcabouço cultural. Fato são as diferenças
consomem parte significativa de nossos esforços crítico epistêmicos, desde o período
pré-antropológico até os dias atuais. Ao longo da história da antropologia foram
aplicados os mais intensos investimentos materiais e intelectuais para compreender
essas diferenças.

A partir do contexto das grandes navegações exploratórias empreitadas pela


Europa, essas diferenças tornaram-se visíveis facilmente. Com a aproximação entre
sujeitos de diferentes territórios e culturas, começaram a surgir uma infinidade de
perspectivas e interrogações culturais.

Pigmentando o cenário daquele contexto histórico, consequentemente


impulsionaram o pensamento crítico até os dias atuais. Como consequência dessas
aproximações, umas séries de estranhamentos foram surgindo entre esses sujeitos
pertencentes às culturas diferentes. Essa situação culminou em complexos e intensos
choques culturais. Situações que muitas das vezes culminavam em atos de violência
letal, ceifando majoritariamente a vida das populações nativas, aquelas que não
pertenciam ao continente europeu.

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FIGURA 8 – POVOS NATIVOS

FONTE: <https://shutr.bz/3DUEh5c>. Acesso em: 22 fev. 2022.

Uma vez que se tratava de um cenário onde estava em xeque a afirmação de


valores que constituíam o “eu” e, em contrapartida, as discordâncias decorrentes dos
valores que constituíam o “outro” não faltaram conflitos e divergências de toda ordem
imaginável. Nesse momento, a alteridade presente na constituição dos sujeitos e grupos
sociais estava radicalmente colocada em xeque, fato que impactava intensamente as
relações entre indivíduos e grupos de diferentes culturas.  Tratava-se, sobretudo, da
abertura para um “outro mundo”, abundante em todos os sentidos, assim como conflituoso.

Ufa, quantas informações! No entanto, agora, se você está pensando que esse
modelo inaugurado de fazer pesquisa ficou para trás, está enganado. A pesquisa empírica,
as diferenças e conflitos ainda constituem parte considerável do cenário atual de nosso
trabalho. Entretanto, uma coisa é fato, com o passar do tempo, muitas mudanças e
avanços surgiram no campo da antropologia. Que tal dar um salto das embarcações para
as redes de internet e conhecer um pouco dos avanços de nossa disciplina?

DICA
Acadêmico, existe um mundo de alteridades, ou seja, um mundo repleto
de diferenças que, por vezes, resultam em conflitos em nosso meio social.
As diferenças devem ser consideradas ponto central das relações entre os
seres humanos. A partir das diferenças podemos aprender muito sobre nós
mesmos e sobre os outros. Lembre-se: a diferença é conhecimento. Assista ao vídeo
“Antropologia: alteridade e o convívio social” e procure buscar, a partir das diferenças com
outros sujeitos, possibilidades de crescimento pessoal e aprendizado social e cultural!
Acesse: https://bit.ly/3p3ZzXK.

31
2.2 UM GIRO ANTROPOLÓGICO: DAS TRAVESSIAS OCEÂNICAS
ÀS CONEXÕES ON-LINE
Acadêmico, nossos esforços neste momento serão no sentido de pensar as
mudanças e avanços em nossa disciplina ao longo do tempo. Se no passado, durante
o contexto histórico das grandes embarcações europeias (século XVI), era necessário
atravessar o oceano de um lado ao outro para observar outras realidades e coletar
informações, atualmente, nossa disciplina e consequentemente nosso campo de
pesquisa mudaram consideravelmente.

Verdadeiras mudanças paradigmáticas fazem com que nossos objetos de


pesquisa possam ser observados em absolutamente qualquer espaço social, sejam
estes presenciais ou não. Atualmente, é possível observar e registrar fenômenos
antropológicos sem que seja necessário tamanho deslocamento, ou melhor, podemos
nos deslocar de outras maneiras (OLIVEIRA, 1994). Você deve se perguntar como isso
é possível. Vamos entender junto como é possível substituir distâncias transatlânticas
por um click!

Em nosso momento atual, podemos desenvolver nossa pesquisa de campo,


assim como desenvolver nossas análises e práticas profissionais sem ao mesmo ser
necessário nos deslocarmos fisicamente. Imagine só o quanto a disciplina passou por
mudanças e se reinventou para que isso seja possível!

Existe uma demanda cada vez maior por parte do mercado de trabalho na busca
por profissionais qualificados para atuar nos campos da tecnologia e ciências sociais,
existe uma infinidade de possibilidades de atuação, desde a tecnologia e a antropologia
(DOMINGUES, 2004). Podemos elencar exemplos que se referem a profissionais
capacitados em realizar análises de mercado nos setores de compra, venda e procura
por produtos específicos, consultorias virtuais dos mais diversos temas, construção
e implementação de programas sociais no ambiente das redes, enfim, uma série de
possibilidades estão abertas para unir nossos conhecimentos teóricos em antropologia
aos campos de trabalho em tecnologia.

Navegando no mundo da internet, é possível desenvolver pesquisas, prestar


assessorias técnicas e realizar observações e análises desde sua própria casa. Com
apenas um computador e sinal de internet um mundo se abre ao nosso acesso. As
infinitas relações sociais cada vez mais acontecem a partir de interações virtuais.

Obviamente, é indispensável que você tenha uma sólida formação em


antropologia, mas essa tarefa já está sendo cumprida! Veja que interessantes são as
mudanças e avanços presentes em nossa disciplina. Outrora era necessário investir tempo
e uma variedade de recursos para realizar as observações e registros antropológicos, e,
atualmente, a tecnologia alargou consideravelmente nossas possibilidades de atuação
profissional e pesquisa científica ao longo do tempo.

32
FIGURA 9 – TRABALHO DE CAMPO VIRTUAL, PESQUISA E TECNOLOGIA

FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-photo/smiling-young-black-woman-knitted-
-600w-1927684598.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2022.

Com o passar dos anos, cada vez mais o mercado de trabalho está aberto a
antropólogos dispostos a trabalhar com questões de tecnologia que carecem de análises
antropológicas. Se os analistas e programadores têm a capacidade de criar programas e
aplicativos, são os antropólogos que conseguem, através de suas pesquisas, descobrirem
as necessidades, desejos e anseios de cada grupo social. Além disso, por termos uma
formação que propicia conhecimentos relativos às diversas técnicas de observação,
podemos contribuir cientificamente em todas as áreas do conhecimento. Seja na área
da educação (GUSMÃO, 1997), saúde (HEILBORN, 2004), questões raciais (BANDEIRA,
2020) e tantas outras possíveis e imagináveis. Nossas possibilidades de trabalho podem
ser compreendidas como de alcance ilimitado, visto que em todos os espaços existem
diferenças, relações sociais e culturais, questões de máxima importância em nosso
trabalho. Desse modo, é necessário extrair das produções clássicas questões que
podem contribuir em nossas pesquisas até os dias de hoje, como a observação, registro,
estranhamento, dentre outros temas, assim como é indispensável que tenhamos claro
o marco histórico clássico de nossa disciplina, para que seja possível seguir avançando
e ampliando o escopo de nossa área de conhecimento, bem como ampliando cada
vez mais as possibilidades de atuação de nossa área de trabalho. O contexto social
da fundação de uma disciplina condensa a base de nossos conhecimentos enquanto
entusiastas de uma teoria crítica a respeito do fazer antropológico.

Estamos avançando muito na história da antropologia clássica, todavia, não


podemos nos esquecer das críticas pertinentes a nossa área de conhecimento. No
próximo tópico, refletiremos a respeito da antropologia e sua base colonial, assim como
as possibilidades de ruptura dessa prática antropológica. 

33
IMPORTANTE
Agora que você já sabe que é possível realizar pesquisas em antropologia
na internet, que tal se arriscar a fazer o registro de uma observação.
Você pode observar, descrever e registrar uma rede social de sua
preferência, uma página que usuários interajam em relação a compra
de produtos ou serviços. Enfim, fique a vontade, mas faça um registro
de algum espaço virtual, lembre-se, a observação e a escrita envolvem
dedicação e treinamento. Boa sorte!

34
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O contexto das grandes embarcações foi fundamental para a fundação da


antropologia, sobretudo seu desenvolvimento enquanto disciplina científica, uma vez
que os registros produzidos nesse contexto contribuíram significativamente para a
reflexão do homem sobre o próprio homem.

• A partir dos contatos e estranhamentos provenientes da interação social, a alteridade


aparece em cena. E é a partir da compreensão da importância da alteridade presente
no centro de nossas diferenças, aprendemos a conviver e respeitar a pluralidade de
pessoas, ideias e culturas que compõe a humanidade.

• Os conhecimentos a respeito da fundação de uma disciplina são indispensáveis para


a formação de um antropólogo, uma vez que os avanços e mudanças ao longo da
história desenham os rumos da disciplina tanto no presente, quanto no futuro.

• A ampliação dos espaços de atuação dos antropólogos está diretamente relacionada


à base da formação da disciplina, uma vez que as mesmas ferramentas do período
clássico ainda são ferramentas de atuação nos dias de hoje, como a observação,
registro, contato. Obviamente com avanços significativos tanto das técnicas quanto
dos métodos de pesquisa.

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AUTOATIVIDADE
1 O período em que os viajantes das grandes embarcações iniciaram o movimento de
aproximação de culturas diversas e começaram a criar os primeiros registros escritos
a respeito desses contatos, é chamado de:

a) ( ) Período pré-etnográfico.
b) ( ) Período pré-histórico.
c) ( ) Período pré-antropológico.
d) ( ) Período pré-filosófico.

2 Considerando o contexto social e cultura vigente no continente europeu no momento


em os esforços em viabilizar as grandes embarcações e, consequentemente, os
primeiros registros a partir das observações dos viajantes, reflita a respeito dos
impactos daquela realidade social nas produções escritas por esses viajantes. Com
base nessa realidade, analise as sentenças a seguir:

I- Como o objetivo principal da Europa era de se aproximar para explorar os demais


continentes, os registros feitos pelos viajantes eram usados como meio de falsear
as realidades das diferentes culturas, assim como utilizados enquanto ferramentas
de legitimação da dominação e exploração em relação aos povos pertencentes aos
demais territórios.
II- Os registros dos viajantes são descrições neutras a respeito da cultura e território
daqueles considerados “outros”, assim como se prestavam a engrandecer os
conhecimentos de fundo social e cultural.
III- A partir dos relatos dos viajantes, houve um aumento de interesse por sistematizar
as observações e investir esforços para transformar essas práticas em uma
disciplina científica, a antropologia, fato que só aconteceu a partir do começo do
século XIX.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

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3 Os primeiros registros realizados pelos viajantes a respeito das culturas que não
pertenciam ao continente Europeu, carregavam consigo questões que não mais
fazem parte de nossa prática antropológica na atualidade. Com base nisso, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Estavam presentes nos registros questões de cunho comparativo e hierárquico


entre as diferentes culturas.
( ) Os registros apontavam para a diversidade cultural enquanto uma questão positiva
e importante para o desenvolvimento e evolução da humanidade.
( ) Esses registros eram puramente descritivos, sobretudo com relação a hábitos,
costumes e práticas culturais.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Faça um levantamento de algumas cartas dos cronistas (viajantes) e, a partir de


uma dessas cartas, faça uma pesquisa bibliográfica que contenha uma análise
crítica de um historiador sobre o mesmo contexto relatado na carta. A partir dessas
duas perspectivas de observação, descreva as questões que divergem entre ambos
em um exercício comparativo de observação documental. Como já sabemos, é de
extrema importância que tenhamos a capacidade de desenvolver uma perspectiva
crítica sobre diferentes pontos de vista, assim como realizar pesquisas autônomas.

5 Considerando os conflitos culturais presentes no período colonial, realize uma pesquisa


que considere essas divergências no cenário atual. Busque uma situação em que uma
mesma questão social seja concebida de maneiras diferentes entre países diferentes.
Discorra a respeito das perspectivas (científicas, morais, religiosas) acionadas para
defender ou acusar as diferentes visões. Exemplo: a questão do aborto em países como
Brasil e Argentina.

37
38
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -

ANTROPOLOGIA E COLONIALIDADE

1 INTRODUÇÃO
Atualmente, a antropologia está associada à luta por direitos sociais, bem
como políticas públicas das mais diversas áreas como: saúde, educação, segurança,
habitação, impactos ambientais causados por exploração de mineração, dentre outros
temas que impactam diretamente nas questões públicas. Contudo, é preciso avaliar
essa mudança em termos de pesquisa antropológica enquanto uma conquista social
coletiva. Nossa disciplina sofreu uma série de mudanças e transformações ao longo dos
mais de cinco séculos desde sua fundação, uma vez que, inicialmente, ela servia aos
interesses da elite europeia.

Tanto a fundação quanto uma parte considerável de seu período inicial, nossa
disciplina era utilizada para legitimar violências e atender a interesses privados de uma
pequena porcentagem da população europeia. Os modos de construção das narrativas
sobre os territórios e povos desconhecidos cumpriam duas funções: descrever e
estereotipar. E por meio desses estereótipos eram construídos personagens da história
carregados de inverdades que por si só justificavam uma série de violências coloniais.
Felizmente, na atualidade, nossa disciplina está majoritariamente relacionada com as
lutas por direitos, reconhecimento da importância da diversidade de pessoas, ideias e
culturas, bem como buscando contribuir para uma mudança de pensamento em termos
de respeito a diversidade.

Em nosso Tópico 3, compreenderemos como a antropologia serviu aos


interesses do colonialismo, bem como essa realidade ainda permeia algumas práticas
antropológicas atualmente. Assim como conheceremos um horizonte no qual se
debruça a antropologia decolonial, ou seja, um modo de pensar a antropologia que
preste a contribuir no cenário da diversidade, pluralidade e horizontalidade em termos
de direitos sociais e direito à vida. Existe uma série de pesquisas que carregam consigo
a resistência em termos de direitos sociais.

Aproveite ao máximo essa possibilidade de desenvolver uma visão crítica de sua


área de atuação. É papel central do ofício do antropólogo zelar pela ética na pesquisa,
bem como respeito aos direitos sociais coletivos. Bons estudos!

39
2 A ANTROPOLOGIA E SUA HERANÇA COLONIAL
Acadêmico, neste momento, você chegou a uma parte do percurso de seus
estudos de extrema importância, agora que conhece tanto os aspectos da fundação
da antropologia quanto algumas questões centrais da disciplina. É chegada a hora de
avançar em sua jornada de pesquisa e ter clareza a respeito da herança colonial de
nossa disciplina. Existe uma extensa bibliografia que aborda criticamente a serventia
da antropologia no contexto da colonização. Você deve se perguntar: mas qual é a
relação existente entre antropologia e colonização? Pois bem, agora você irá conhecer
esse passado um tanto obscuro de nossa disciplina. Não se assuste todas as áreas
de conhecimento acumulam com o passar dos tempos erros e acertos ao longo de
suas jornadas. É de suma importância ter consciência das falhas e prejuízos causados
pelo nosso ramo do conhecimento para que assim seja possível reduzir os danos que
ainda possam atravessar nossa realidade, bem como não mais repetir os erros. Vamos
entender melhor essas questões?

FIGURA 10 – CRISTOVÃO COLOMBO: NAVEGADOR E EXPLORADOR

FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-vector/christopher-columbus-14511506-portrait-line-
-600w-1342535294.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2022.

Em primeiro lugar, é necessário entender que o investimento e interesse


europeu em desbravar outros territórios e aproximar-se de “outros” povos não se
tratava de desejos inocentes, ou simplesmente uma vontade genuína em conhecer
outros contextos, povos e culturas. Essa ânsia por aproximar-se desses “outros” estava
diretamente relacionada à possibilidade de dominar e explorar, tanto os territórios
quanto as suas populações.

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Desse modo, esses exploradores encontraram na possibilidade narrativa, um
modo de criar um “outro” perigoso, desumano e, por consequência, passível de sofrer
violências e agressões das mais variadas. Nesses registros eram descritos equívocos
absurdos em termos de narrativa a respeito desses povos e territórios que serviam como
justificativa para a legitimação de roubos, assim como modos degradantes de expor
essas populações, sendo essas das mais diversas e imagináveis. Uma vez que o objetivo
final era o de dominar esses povos, explorar seus territórios, bem como seus recursos
naturais, toda e qualquer maneira de justificar essas ações eram válidas. Todos os meios
necessários eram empregados para atingir a finalidade desejada: roubar e dominar. Por
trás desse encontro de mundos, existia um obscuro plano violento baseado no interesse
das mais diversas naturezas, seja territorial, econômico, religioso, dentre outros. 

Segundo Pereira (2005), os desenvolvimentos da ciência antropológica e da


empresa colonial aconteceram simultaneamente, uma vez que a primeira justifica e
viabiliza a segunda. Houve guerras, massacres, tráfico de pessoas, violências sexuais,
incêndios criminosos e toda a sorte de violências para se alcançar os ideais do projeto
europeu de colonização. As crônicas das viagens em muito diziam o que seria a
antropologia, ao menos durante o período de colonização. Sim, uma antropologia que
servia de base para justificar as atrocidades coloniais, obviamente, a disciplina por si
só não tinha esse poder, no entanto, era manobrada de maneira que parecesse que a
ciência fornecia o se aval para os absurdos presentes no regime colonial.

É de suma importância ter clara a dimensão colonizadora da antropologia no


contexto de colonização. Sobretudo, por se tratar de uma situação de dominação,
que mesmo com o passar de mais de cinco séculos ainda reflete em nossa realidade
contemporânea. O projeto de dominação por parte dos europeus visava a submissão dos
povos nativos para a livre exploração de seu território, matérias-primas e populações.
Essas possibilidades de obter vantagens econômicas era a maior de todas as forças
impulsoras que motivaram investimentos e esforços por parte da Europa para conseguir
ter êxito nas viagens exploratórias.

Os registros e narrativas, que vieram a ser considerados materiais de cunho


antropológico acabavam por falsear a realidade dos povos nativos, para que, desse
modo, fossem legitimadas violências coloniais para com os povos em processo de
dominação. Parece complexo?! Vamos entender.

Em resumo, aqueles que faziam os registros escritos justificavam o uso da


violência para com os povos nativos tenho como desculpa o fato de que os primeiros
não eram humanos como os europeus, faziam uso de juízos morais para legitimar a
exploração dos recursos. Os modos de justificar os roubos, violências e atrocidades para
com os povos nativos eram dos mais diversos, e esses registros antropológicos sobre as
diferenças entre os povos eram o fundo que legitimava essas práticas. 

41
DICA
Saiba, acadêmico, é muito importante que você compreenda o caráter
internacional da antropologia, uma vez que cada vez mais estamos
conectados uns aos outros. Para compreender um pouco mais sobre o
movimento de desconstruir o caráter colonial da antropologia assista ao
vídeo “Almir Cabral Biografado pelo Antropólogo Angolado Antonio Tomas”.
Neste vídeo, o professor aborda questões de antropologia e colonialismo.
Acesse em: https://bit.ly/3H18kIo.

No próximo subtópico, você compreenderá como a diferença cultural era utilizada


para legitimar o uso de violência e um regime de exploração. Quem imaginaria que nossa
disciplina poderia ter um passado tão passível de críticas? Vamos entender melhor!

2.1 ANTROPOLOGIA, COLONIALIDADE E DOMINAÇÃO


No contexto colonial as ditas "diferenças" entre povos e culturas tomavam cada
vez mais espaço e importância dentro de um cenário que objetivava a dominação e
submissão de territórios e povos. Uma vez que existiam interesses em disputa, essas
supostas diferenças eram utilizadas para justificar o projeto de dominação, ou seja, de
modo simples o seguinte pensamento reinava: “minha cultura é a correta, aqueles que
forem diferentes de mim não são humanos como eu e posso violentá-los o quanto me
parecer pertinente”. Esse era o modo de atuação da lógica colonial.

É interessante buscar sempre realizar um exercício de aproximação daquilo que


aprendemos e estabelecer relações com nosso contexto histórico presente. Mesmo
contemporaneamente, o uso de registros e narrativas ainda são utilizados para justificar
massacres, violências e exploração.  Basta fazer uma pesquisa para perceber como
justificativas culturais, religiosas e políticas servem de fundo para legitimar práticas de
massacres entre países, que, quando pesquisados com profundidade, apontam essas
práticas como modos de atingir objetivos de dominação e exploração. O tempo passa,
mas as práticas coloniais seguem vigorosamente até nossos dias atuais.

No contexto de colonização, algumas dessas supostas diferenças eram


transformadas em questionamentos de maior importância, ou melhor, o fundo desses
questionamentos era justamente as questões utilizadas para a legitimação das inúmeras
possibilidades de práticas exploratórias (BALANDIER, 1993). Esses questionamentos
diziam respeito, sobretudo, à lógica do pensamento teológico e filosófico, perspectivas
de mundo vigentes e de extremo alcance e refutação da época. Dentre esses
questionamentos, destaca-se a interrogação pela existência ou não da alma desses
sujeitos tomados como sendo “outros”, “diferentes”, assim como inquietações a respeito
da constituição do pensamento e razão desses povos.

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Em síntese, o que supostamente se investigava era o fato desses sujeitos serem
considerados humanos ou não. Uma vez que essa humanidade não fosse constatada, não
haveria nada que impedisse a exploração total de seus recursos, bem como a possibilidade
de lhes infringir as violências e explorações mais intensas e imagináveis possíveis.

Essas interrogações antecedem ao surgimento da antropologia enquanto uma


disciplina científica, no entanto, eram centrais para os interesses do período colonial.
Essas questões ocupavam um lugar central nos registros que outrora serviram para o
desenvolvimento das pesquisas e perspectivas antropológicas.  É preciso reconhecer
que parte significativa da antropologia produzida durante o período de fundação da
disciplina é extremamente passível a críticas das mais diversas ordens. Devemos levar
em conta o fato de que se trata de um ramo do conhecimento que nasce enraizado nos
valores e prejuízos morais de seu contexto histórico, territorial e político.

Entre as questões que até os dias de hoje atravessam as relações sociais e


estavam fortemente presentes em nossa disciplina, podemos destacar o racismo,
xenofobia, violência de gênero, desigualdade social, eurocentrismo, dentre outras. No
entanto, cabem a nós, sujeitos críticos e pensantes, compreendermos a realidade do
projeto colonial vigente no período, os interesses políticos que atravessaram o contexto
histórico e desenvolver uma crítica substantiva a respeito dessas práticas, uma vez que
assim podemos garantir que a antropologia não seja mais usada como essa ferramenta
de dominação e exploração (VIEGAS; PINA-CABRA, 2014). 

Infelizmente, essa dívida histórica da colonização que resultou em massacres,
genocídios e outros tipos de violência que aconteceram ao longo do período da
colonização ainda é tida como sinônimo de orgulho para determinados grupos. Um mar
de sangue foi derrubado com sangue negro e indígena e, até os dias atuais, existem
monumentos como o da Figura 11, que reiteram uma mentalidade colonialista por parte
de um continente. É de suma importância que você, acadêmico, conheça a história
geral, assim como o desenvolvimento de sua disciplina, pois, dessa maneira, você
sempre terá responsabilidade ética em seu trabalho e perspectiva crítica sobre os fatos.

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FIGURA 11 – MONUMENTO EM HOMENAGEM AO EXPLORADOR CRISTÓVÃO COLOMBO, CIDADE DE HULVA,
ESPANHA

FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-photo/monument-christopher-columbus-huelva-andalusia-
-600w-2063638472.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2022.

INTERESSANTE
Realize uma pequena busca pela internet por matérias de jornais de países
que são considerados potências mundiais e se encontram em guerra com
países considerados subdesenvolvidos, e entendam a lógica do registro
como um modo de legitimação do uso da violência. Nossa ferramenta de
trabalho é, sobretudo, a escrita, e seu uso intencional pode representar um
grande perigo em contextos de interesse político. Também aprenderemos
a importância da diversidade cultural. Fiquem atentos! 

2.1.1 Da antropologia colonial ao novo sujeito crítico


Acadêmico, depois de ir muito longe para compreender a fundação de nossa
disciplina, neste momento, vamos colocar nossos pés no tempo presente. Vamos
entender a importância dos conhecimentos que adquirimos a respeito da tradição
clássica da antropologia para fazer um contraponto com práticas contemporâneas de
nossa disciplina. Se no passado nossa disciplina serviu aos interesses de uma minoria
privilegiada, atualmente, a busca por equidade de direitos civis é um dos marcos de
nossas práticas antropológicas. Vamos juntos?

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Uma das razões de conhecermos a antropologia clássica se dá pelo fato de que ela
nos fornece material mais do que suficiente para perceber mudanças e avanços de nossa
disciplina. É de suma importância que uma área de conhecimento sofra mudanças ao longo
de sua história, característica que evidencia sua evolução enquanto ramo do conhecimento.
Imagine se atualmente a antropologia se prestasse às mesmas ideias que em seu contexto
de fundação? Quanta diversidade não seria desconsiderada em nome de interesses
menores, seria uma lastima se igual. Contemporaneamente, temos a oportunidade de
aprender uma infinidade de culturas, saberes, povos e perspectivas que nos ensinam tanto
a respeito da existência coletiva e diversa. Quando se respeita e valoriza a diversidade, a
visão de mundo se amplia de um modo significativo e enriquecedor!

Outrora, apenas os homens brancos e europeus tinham legitimidade enquanto


sujeitos pensantes, dotados de racionalidade para pesquisar e produzir antropologia.
Além disso, se tratava de uma tarefa que exigia investimento de tempo e recursos
financeiros altíssimos, possibilidade que não se mostrava viável para a maior parte das
pessoas. No período de fundação de nossa disciplina era necessário viajar ao longo de
distâncias transatlânticas, por espaços de tempo que se alongavam. Desbravar mares
para poder se aproximar e registrar, sistematizar e constituir análises de territórios e
culturas diversas era uma possibilidade que apenas sujeitos determinados logravam. 

Atualmente, é possível perceber uma amplitude em relação à mudança e


diversidade de pessoas de gêneros, etnias, camadas sociais e grupos raciais que
produzem uma antropologia da mais alta qualidade e relevância social. O cenário de nossa
disciplina está cada vez mais diversos e interessante, característica que potencializa
significamente nossa área de atuação, ou seja, mudando a cara do pesquisador, muda
também a cara da disciplina! 

Destaca-se que, além da mudança em relação ao próprio sujeito que articula


e produz a antropologia, as metodologias também sofreram mudanças positivas. Cada
vez mais se amplia um movimento de pensar sujeito e objeto de pesquisa de um modo
horizontal e não mais vertical como outrora. Não acreditamos nas hierarquias entre
as culturas e sim no respeito mútuo entre a diversidade cultural presente em nossa
realidade. O respeito pelos conhecimentos e saberes dos povos pesquisados têm sido
cada dia mais parte central de nosso trabalho. 

  Na atualidade, é possível, inclusive dentro da antropologia, conhecer


trabalhos que são produzidos por sujeitos que compõem os grupos sociais que
pesquisam (KOPENAWA; ALBERT, 2019). Esse tipo de pesquisa e produção enriquecem
consideravelmente nossa disciplina, uma vez que levam em conta sujeitos, territórios e
cultura desde uma compreensão da própria realidade, assim como tecendo relações de
respeito e consideração sem igual.

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Se no passado a antropologia serviu de ferramenta para domínio e exploração
de povos, culturas e territórios, contemporaneamente, o movimento crítico vigente visa,
sobretudo, excluir hierarquias, estreitar relações e pautar a pesquisa tendo na ética um
dos aspectos centrais da prática antropológica. 

INTERESSANTE
Para conhecer um trabalho atual produzido a partir da relação entre
antropólogo e nativo, recomenda-se a leitura do livro “A queda do céu”, dos
autores Davi Kopenawa e Bruce Albert. A obra evidencia a importância do
respeito e ética no trabalho de campo, bem como na produção de saberes
compartilhado. Vale muito a pena conhecer esse universo apresentado
por esses autores! Aproveite a leitura!

Enfim acadêmico, chegamos ao final da Unidade 1 de nosso livro. Espero que esta
viagem pelos mares e redes de internet tenha sido de grande valia e uma oportunidade
de conhecimento para todos. Cabe a você pesquisar com mais profundidade sobre os
temas propostos, bem como começar o processo de observação e registro do mundo
a sua volta. Lembre-se, um bom antropólogo é aquele que observa, registra e reflete
criticamente a respeito das questões sociais. Tenha a ética como uma ancora em sua
jornada dentro da antropologia, é esperado que você respeite a diversidade de ideias e
culturas e direcione sua carreira de modo crítico.

A seguir, você terá a oportunidade de ler a “Carta de Pero Vaz de Caminha”


e conhecer um pouco mais sobre esses registros, bem como perspectivas culturais
presentes nos escritos dos viajantes. Boa leitura!

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LEITURA
COMPLEMENTAR
A CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA

Pero Vaz de Caminha

Senhor:

Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam
a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que ora nesta navegação
se achou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como
eu melhor puder, ainda que – para o bem contar e falar – o saiba pior que todos fazer.

Tome, Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem
por certo que, para aformosear nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e
me pareceu.

Da marinhagem e singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza,


porque o não saberei fazer, e os pilotos devem ter esse cuidado. Portanto, Senhor, do
que hei de falar começo e digo:

A partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi segunda-feira, 9 de março.


Sábado, 14 do dito mês, entre as oito e nove horas, nos achamos entre as Canárias, mais
perto da Grã- Canária, e ali andamos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de
três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas, pouco mais ou menos,
houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, ou melhor, da ilha de S. Nicolau, segundo o dito
de Pero Escolar, piloto.

Na noite seguinte, segunda-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de


Ataíde com sua nau, sem haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse.
Fez o capitão suas diligências para o achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais!

E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira
das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, estando da dita Ilha obra de 660 ou
670 léguas, segundo os pilotos diziam, topamos alguns sinais de terra, os quais eram
muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, assim
como outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã,
topamos aves a que chamam fura-buxos.

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Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum
grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra
chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome – o Monte Pascoal e à
terra – a Terra da Vera Cruz.

Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças; e ao sol posto, obra de
seis léguas da terra, surgimos âncoras, em dezenove braças — ancoragem limpa. Ali
permanecemos toda aquela noite. E à quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos
em direitos à terra, indo os navios pequenos diante, por dezessete, dezesseis, quinze,
catorze, treze, doze, dez e nove braças, até meia légua da terra, onde todos lançamos
âncoras em frente à boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez horas
pouco mais ou menos.

Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo
disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro.

Então lançamos fora os batéis e esquifes, e vieram logo todos os capitães das
naus a esta nau do Capitão-mor, onde falaram entre si. E o Capitão-mor mandou em
terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para
lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao
chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens.

Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas.
Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau
Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.

Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar
na costa. Somente deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava
na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave,
compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e
outro deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de
aljaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu
às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.

Na noite seguinte, ventou tanto sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus,
e especialmente a capitânia. E sexta pela manhã, às oito horas, pouco mais ou menos,
por conselho dos pilotos, mandou o Capitão levantar âncoras e fazer vela; e fomos ao
longo da costa, com os batéis e esquifes amarrados à popa na direção do norte, para
ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso, onde nos demorássemos, para tomar
água e lenha. Não que nos minguasse, mas por aqui nos acertarmos.

Quando fizemos vela, estariam já na praia assentados perto do rio, obra de


sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali poucos e poucos. Fomos de
longo, e mandou o Capitão aos navios pequenos que seguissem mais chegados à terra
e, se achassem pouso seguro para as naus, que amainassem.

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E, velejando nós pela costa, obra de dez léguas do sítio donde tínhamos levantado
ferro, acharam os ditos navios pequenos um recife com um porto dentro, muito bom e
muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e amainaram. As naus
arribaram sobre eles; e um pouco antes do sol posto amainaram também, obra de uma
légua do recife, e ancoraram em onze braças.

E estando Afonso Lopes, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos, por


mandado do Capitão, por ser homem vivo e destro para isso, meteu-se logo no esquife
a sondar o porto dentro; e tomou dois daqueles homens da terra, mancebos e de bons
corpos, que estavam numa almadia. Um deles trazia um arco e seis ou sete setas; e na
praia andavam muitos com seus arcos e setas; mas de nada lhes serviram. Trouxe-os
logo, já de noite, ao Capitão, em cuja nau foram recebidos com muito prazer e festa.

A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons


narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de
mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos
traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros,
de comprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na
ponta como um furador.

Metemonos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço
e os dentes é feita como roque de xadrez, ali encaixado de tal sorte que não os molesta,
nem os estorva no falar, no comer ou no beber.

Os cabelos seus são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta, mais que
de sobrepente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia
por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas
de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que
lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena e pena, com uma
confeição branda como cera (mas não o era), de maneira que a cabeleira ficava mui
redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.

O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem-vestido,


com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado.
Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que
aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas.
Entraram. Mas não fizeram sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém.
Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a
terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para
um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal
como se lá também houvesse prata.

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Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no
logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes
um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo dela:
não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados.

Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e figos
passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e, se alguma coisa provaram, logo a
lançaram fora. Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram
nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes a água em uma albarrada. Não beberam. Mal
a tomaram na boca, que lavaram, e logo a lançaram fora.

Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou
muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e
acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo
que dariam ouro por aquilo.

Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos. Mas se ele queria dizer que
levaria as contas e mais o colar, isto não o queríamos nós entender, porque não lho
havíamos de dar. E depois tornou as contas a quem lhas dera.

Então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir, sem buscarem maneira de


cobrirem suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas estavam
bem rapadas e feitas. O Capitão lhes mandou pôr por baixo das cabeças seus coxins; e
o da cabeleira esforçava-se por não a quebrar. E lançaram-lhes um manto por cima; e
eles consentiram, quedaram-se e dormiram.

Ao sábado pela manhã mandou o Capitão fazer vela, e fomos demandar a


entrada, a qual era mui larga e alta de seis a sete braças. Entraram todas as naus dentro;
e ancoraram em cinco ou seis braças – ancoragem dentro tão grande, tão formosa e tão
segura, que podem abrigar-se nela mais de duzentos navios e naus. E tanto que as naus
quedaram ancoradas, todos os capitães vieram a esta nau do Capitão-mor.

E daqui mandou o Capitão a Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias que fossem em


terra e levassem aqueles dois homens e os deixassem ir com seu arco e setas, e isto
depois que fez dar a cada um sua camisa nova, sua carapuça vermelha e um rosário de
contas brancas de osso, que eles levaram nos braços, seus cascavéis e suas campainhas.
E mandou com eles, para lá ficar, um mancebo degredado, criado de D. João Telo, a que
chamam Afonso Ribeiro, para lá andar com eles e saber de seu viver e maneiras. E a
mim mandou que fosse com Nicolau Coelho. Fomos assim de frecha direitos à praia.
Ali acudiram logo obra de duzentos homens, todos nus, e com arcos e setas nas mãos.
Aqueles que nós levávamos acenaram-lhes que se afastassem e pousassem os arcos; e
eles os pousaram, mas não se afastaram muito. E mal pousaram os arcos, logo saíram os
que nós levávamos, e o mancebo degredado com eles. E saídos não pararam mais; nem
esperavam um pelo outro, mas antes corriam a quem mais corria. E passaram um rio que
por ali corre, de água doce, de muita água que lhes dava pela braga; e outros muitos com

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eles. E foram assim correndo, além do rio, entre umas moitas de palmas onde estavam
outros. Ali pararam. Entretanto foi-se o degredado com um homem que, logo ao sair do
batel, o agasalhou e o levou até lá. Mas logo tornaram a nós; e com ele vieram os outros
que nós leváramos, os quais vinham já nus e sem carapuças.

Então se começaram de chegar muitos. Entravam pela beira do mar para os


batéis, até que mais não podiam; traziam cabaços de água, e tomavam alguns barris que
nós levávamos: enchiam-nos de água e traziam-nos aos batéis. Não que eles de todos
chegassem à borda do batel. Mas junto a ele, lançavam os barris que nós tomávamos;
e pediam que lhes dessem alguma coisa. Levava Nicolau Coelho cascavéis e manilhas.
E a uns dava um cascavel, a outros uma manilha, de maneira que com aquele engodo
quase nos queriam dar a mão. Davam-nos daqueles arcos e setas por sombreiros e
carapuças de linho ou por qualquer coisa que homem lhes queria dar.

Dali se partiram os outros dois mancebos, que os não vimos mais.

Muitos deles ou quase a maior parte dos que andavam ali traziam aqueles bicos
de osso nos beiços. E alguns, que andavam sem eles, tinham os beiços furados e nos
buracos uns espelhos de pau, que pareciam espelhos de borracha; outros traziam três
daqueles bicos, a saber, um no meio e os dois nos cabos. Aí andavam outros, quartejados
de cores, a saber, metade deles da sua própria cor, e metade de tintura preta, a modos
de azulada; e outros quartejados de escaques. Ali andavam entre eles três ou quatro
moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos pelas espáduas,
e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito
bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha. Ali por então não houve mais fala ou
entendimento com eles, por a barbaria deles ser tamanha, que se não entendia nem
ouvia ninguém.

Acenamos-lhes que se fossem; assim o fizeram e passaram-se além do rio.


Saíram três ou quatro homens nossos dos batéis, e encheram não sei quantos barris de
água que nós levávamos e tornamonos às naus. Mas quando assim vínhamos, acenaram-
nos que tornássemos. Tornamos e eles mandaram o degredado e não quiseram que
ficasse lá com eles. Este levava uma bacia pequena e duas ou três carapuças vermelhas
para lá as dar ao senhor, se o lá houvesse. Não cuidaram de lhe tomar nada, antes o
mandaram com tudo. Mas então Bartolomeu Dias o fez outra vez tornar, ordenando
que lhes desse aquilo. E ele tornou e o deu, à vista de nós, àquele que da primeira vez
agasalhara. Logo voltou e nós trouxemo-lo. [...]

FONTE: Adaptada de <http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/carta.pdf>. Acesso em: 21


fev. 2022.

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RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A antropologia, sobretudo em seu período clássico, serviu aos interesses coloniais.


Todavia, atualmente, em nossa disciplina existe uma crítica pertinente a respeito
desse momento histórico.

• O investimento europeu em desbravar os mares e conhecer continentes ainda


desconhecidos estava totalmente pautado no interesse por controle, dominação e
exploração. E foi a partir dessa lógica que a antropologia se fundou.

• A fundação de nossa disciplina testemunhou uma série de violências como


guerras, massacres, tráfico de pessoas e toda a sorte de agressões, desde as
prerrogativas coloniais.

• Atualmente, devido às mudanças e avanços em nossa disciplina, é possível realizar


uma pesquisa pautada na observação e registro sem ao menos deslocar-se. Situação
que se opõem ao contexto das grandes embarcações, berço de nossa disciplina.
Existe um amplo espaço para a atuação do antropólogo com questões relacionadas
à tecnologia.

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AUTOATIVIDADE
1 Atualmente, existe um movimento de mudanças consideráveis em termos de
pertencimento cultural em relação aos antropólogos. Não existe uma identidade
única em relação a quem possui legitimidade para trabalhar com antropologia. Com
base nisso, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Existe uma diversidade de pessoas em termos raciais e regionais atuando na


antropologia contemporânea, produzindo, assim, pesquisas extremamente
relevantes e pertinentes.
b) ( ) A entrada de pessoas de diferentes culturas acaba por empobrecer as produções
antropológicas, uma vez que esses sujeitos não têm capacidade crítica desejada.
c) ( ) Existe uma produção antropológica feita por sujeitos pertencentes às próprias
comunidades estudadas, todavia, essa produção não é considerada científica.
d) ( ) Na atualidade, a identidade do pesquisador em antropologia ainda é a mesma do
período clássico.

2 Pensando na prática da observação, registro e reflexão antropológicas contemporâneas


e nos temas relacionados à diversidade de pessoas e ideias, culturas e modos de
organização presentes em nosso trabalho. Acerca do exposto, analise as sentenças
a seguir:

I- O antropólogo tem responsabilidade ética com relação ao desenvolvimento de suas


pesquisas, levando em conta questões como respeito ao grupo pesquisado, bem
como valorização da diversidade.
II- Atualmente, a antropologia preza pelos direitos sociais dos grupos diversos, levando
em conta a importância da igualdade e diversidade.
III- Cabe ao antropólogo atender aos interesses das elites nacionais, visto que são
estes os detentores dos recursos econômicos necessários para o desenvolvimento
de pesquisas.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

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3 O projeto de colonização visava explorar e dominar povos e territórios. Em seu período
inicial a antropologia serviu a esse projeto de modo a legitimar práticas de violência
e exploração. Atualmente, nossa disciplina caminha em sentido oposto, buscando,
inclusive, operar de modo a diminuir os danos desse passado colonial. Com base
nisso, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Ainda atualmente, existem práticas antropológicas que atendem a interesses


particulares, no entanto, a prática majoritária de nosso trabalho gira em torno de
interesses coletivos. 
( ) Os direitos sociais são responsabilidades do Estado, enquanto antropólogos não
temos nenhuma responsabilidade com essas questões.
( ) A antropologia busca desenvolver análises neutras, não levando em conta questões
de direitos sociais.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Agora você já conhece o contexto social e cultural da fundação da antropologia


desde seu período pré-antropológico. Para que você consiga ter domínio sobre esse
tema de tamanha importância em nossa disciplina, descreva com suas palavras o
cenário de surgimento de nossa disciplina.

5 Aponte as similaridades como a prática do trabalho de campo, aproximação com as


populações nativas, registro das observações e de diferenças, como a necessidade
de realização das grandes viagens para o campo (atualmente, possíveis de serem
realizadas na própria comunidade do pesquisador), inovações tecnológicas em
termos de registros, presentes no período clássico e contemporâneo em relação
aos modos de trabalhar dos antropólogos. Visando uma reflexão a respeito dessas
diferenças e aproximações, em síntese, apontar para as heranças do período clássico
de nossa disciplina e seus avanços.

54
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, M. W. B. Narrativas agrárias e a morte do campesinato. RURIS - Centro de
Estudos Rurais, Campinas, v. 1, n. 2, 2007. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.
br/ojs/index.php/ruris/article/view/656. Acesso em: 22 fev. 2022. 
 
BALANDIER, G. A noção de situação colonial. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 3, n.
3, p. 107-131, 1993. 
 
BANDEIRA, I. A. Cadeia, substantivo negro e feminino (ato II): entre adiantos,
saudades e relações. 2020. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) –
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 
 
CUNHA, M. W. V. Possibilidades de exercício de atividades docentes, de pesquisa e
técnico-profissionais por antropólogos no Brasil. Revista de Antropologia, São Paulo,
v. 3, n. 2, pp. 105-114, 1955. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/4161560. Acesso
em: 22 fev. 2022. 
 
DOMINGUES, D. M. G. Ciberespaço e rituais: tecnologia, antropologia e
criatividade. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 10, p. 181-197, 2004. 
 
DORNELLES, R. C. Ciência, coletas e extrações: uma etnografia a partir de um
laboratório de genética de populações. 2013. 187 f. Dissertação (Mestrado em
antropologia Social) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de Antropologia, Porto Alegre. Disponível
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sites/16/2016/07/HILAINE-DE-MELO-YACCOUB.pdf. Acesso em: 22 fev. 2022. 

57
58
UNIDADE 2 —

ESCOLAS CLÁSSICAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• apresentar as diferentes escolas clássicas da antropologia e suas perspectivas


teóricas centrais;

• compreender e aprofundar seus estudos a respeito da escola evolucionista, escola


difusionista, escola culturalista;

• conhecer os principais teóricos clássicos considerados fundadores das escolas


antropológicas do período clássico;

• introduzir uma reflexão geral sobre as correntes teóricas clássicas e seus impactos
no desenvolvimento histórico da disciplina de antropologia.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – EVOLUCIONISMO
TÓPICO 2 – DIFUSIONISMO
TÓPICO 3 – CULTURALISMO

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

59
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!

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60
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
EVOLUCIONISMO

1 INTRODUÇÃO
Olá, acadêmico! Parabéns por ter concluído a Unidade 1 de nosso Livro Didático,
o caminho que você percorreu até agora é de extrema importância para os próximos
passos que você dará em termos de conhecimento e reflexão a respeito da formação e
consolidação das escolas clássicas da antropologia.

Nesta fase do aprendizado, você já está preparado para conhecer, refletir


e apresentar, as diferentes perspectivas críticas presentes nas teorias e críticas que
compõem as escolas antropológicas pertencentes ao período clássico, de maneira
clara, concisa e assertiva. Além do mais, agora será possível desenvolver e sistematizar
os conhecimentos obtidos em torno dessas escolas, seus contextos históricos de
fundação, assim como desenvolver críticas embasadas nos conhecimentos teóricos
adquiridos anteriormente.

A soma dos conhecimentos obtidos nas Unidades 1 e 2 permitirão não apenas


conhecer as escolas clássicas, mas também olhar criticamente o desenvolvimento da
história da antropologia enquanto uma disciplina que se propõe a compreender aspectos
complexos da humanidade e suas diferentes formas de organização.

A partir desta etapa de nossos estudos, você conhecerá algumas das


mudanças, análises e avanços de nossa disciplina, a partir dos conceitos e reflexões
presentes nas escolas do pensamento clássico. É muito importante que você tenha
claro que o estabelecimento da antropologia enquanto uma disciplina científica e suas
transformações presentes no período clássico são referenciais teóricos até mesmo para
o momento contemporâneo, assim como mesmo frente a processos de ampliação e
transformação da perspectiva teórica, bem como questões práticas de nosso campo de
conhecimento antropológico, as mudanças em nossa disciplina não necessariamente
configuram um processo de anulação do pensamento clássico.

Uma vez que, até os dias atuais, ainda existem antropólogos pautando suas
pesquisas, métodos, técnicas e práticas antropológicas desde as perspectivas clássicas.
Trata-se da multiplicidade de possibilidades e escolhas teóricas que coexistem em uma
mesma área de atuação profissional.

61
Em nossa disciplina, contemporaneamente, acordamos de chamar as diferentes
perspectivas teóricas presentes na antropologia de escolas antropológicas. Essas escolas
tratam do pensamento predominante vigente em determinado período e contexto histórico
específico, ou seja, essas escolas antropológicas não são espaços físicos onde as pessoas
ensinam e aprendem antropologia, mas se referem à constituição de diferentes maneiras
metodológicas e teóricas de analisar e compreender os fenômenos culturais.

Lembrando que, como estudamos na Unidade 1, mesmo que a antropologia


tenha múltiplas linhas de pesquisa, no Brasil, ao nos referirmos à antropologia,
majoritariamente estamos falando da antropologia cultural. E é a respeito da antropologia
cultural que estamos estudando em nosso livro!

Com o passar do tempo, as interações sociais, tensões e choques entre culturas


e sociedades, bem como as reflexões teóricas a respeito desses acontecimentos da
ordem do social e cultural, resultaram no nascimento de escolas teóricas (fundadas
por estudiosos da área) com diferentes interpretações antropológicas a respeito das
situações socioculturais. Portanto, um mesmo acontecimento social e cultural pode ser
interpretado de diferentes maneiras, baseados em escolas antropológicas com olhares
que, por vezes, se aproximam e se diferenciam a respeito de um mesmo tema da ordem
da cultura e da sociedade.

Cabe a você, acadêmico, conhecer e se apropriar teórica e metodologicamente


das escolas antropológicas, utilizar as teorias e ferramentas metodológicas que mais
fazem sentido para suas pesquisas e campos de atuação profissional, apropriando-
se desse arcabouço de conhecimentos da melhor forma possível. Assim como é de
suma importância conhecer um pouco a respeito daqueles que foram os fundadores
dessas escolas clássicas, suas realidades sociais e contextos históricos, uma vez que,
essas teorias nos fornecem material suficiente para refletir criticamente a respeito dos
movimentos intelectuais em questão.

Esperamos que você possa aproveitar ao máximo todos os conhecimentos


contidos neste material, para que, assim, ao final de seus estudos, possa ser capaz de
reconhecer, apresentar e formar críticas construtivas a respeito das escolas clássicas,
de modo tranquilo e exitoso. Bons estudos!

2 O ESTABELECIMENTO DA ESCOLA EVOLUCIONISTA 


Acadêmico, você já parou para pensar no motivo das pessoas insistentemente
acreditarem na existência de uma superioridade de certos grupos e/ou sociedades em
relação a outros?

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A antropologia clássica, sobretudo a teoria da escola evolucionista, pode
responder uma parte considerável da origem dessas questões ligadas a existência de
falsas hierarquias entre as populações humanas. Mesmo que a teoria evolucionista
clássica seja um pensamento que há muito tempo tenha sido cientificamente superado,
é possível, ainda nos dias de hoje, encontrar suas heranças sociais em nossas práticas
e relações cotidianas. Vamos entender melhor essas questões?

Foi a partir da definição da antropologia enquanto uma disciplina científica que as


diferentes perspectivas antropológicas foram sendo desenvolvidas e formalmente instituídas
enquanto escolas antropológicas. Sendo a antropologia evolucionista, a primeira grande
escola antropológica consolidada enquanto uma corrente teórica hegemônica presente na
história da antropologia (CASTRO, 2005). Mesmo sendo uma escola teórica pertencente à
grande área de conhecimento da antropologia, atualmente, está estabelecida no campo das
humanidades, a antropologia evolucionista pode ser lida enquanto um saber de fundação
interdisciplinar, no sentido de que suas fontes de observação e análise eram inicialmente
desenvolvidas e refletidas por intelectuais das mais diversas áreas disciplinares. Somado
a isso, deve-se levar em conta o fato de que a separação das áreas de conhecimento em
campos disciplinares se trata de uma perspectiva moderna de organizar e compreender os
diferentes campos do conhecimento.

Acontece que, a escola de antropologia evolucionista está baseada em


aspectos ligados ao que se entendia enquanto “evolução” biológica e cultural, sobretudo
da humanidade, e em menor escala de importância a respeito de outros primatas (o
centro da análise estava no homem, todavia outros organismos vivos eram estudados
como elementos de segunda ordem e tendo menor importância), ou seja, se a escola
evolucionista fosse fundada em nossos dias atuais, ela pertenceria aos campos das
ciências naturais e ciências sociais, concomitantemente. Observe acadêmico, como é
interessante conhecer o período clássico de nossa disciplina, uma vez que aprendemos
inclusive a respeito dos aspectos interdisciplinares presentes no campo de conhecimento
de nossa disciplina que, de modo geral, não são explícitos, ou seja, estudar antropologia
representa investigar um campo interdisciplinar dos conhecimentos científicos!

Fundada no século XIX, a hegemonia da escola evolucionista e sua perspectiva


científica vigorou por volta dos anos 1870 e 1908. O período de vigência de uma escola
teórica nunca pode ser pensado como uma data precisa, no entanto, essas datações
referem-se muito mais ao tempo em que essas teorias tiveram mais adeptos, visibilidade
e espaço no campo científico. É importante que você saiba que, na história da ciência,
existe uma tendência por parte dos estudiosos de pensar, estudar, pesquisar e produzir
teoria em torno dos assuntos de maior relevância para o momento histórico.

A ciência sempre caminha junto com a realidade. Portanto, a escola evolucionista,


foi fortemente inspirada pelas reflexões e trabalhos do então naturalista Charles Darwin
(1809-1882), uma vez que sua teoria da evolução estava em alta entre os estudiosos
daquele período (DOMINGUES; SÁ, 2003). Assim como inspirada pelo filósofo, “biólogo
e antropólogo”, Herbert Spencer (1820-1903), que, por sua vez, buscou aplicar as leis

63
da evolução para absolutamente todas as atividades humanas. Darwin e Spencer se
diferenciavam, sobretudo, ao modo como compreendiam a evolução, para o naturalista
existiam diversas possibilidades de evolução entre os seres vivos, em contrapartida,
Spencer necessariamente apoiava sua teoria na perspectiva de uma linearidade
evolutiva, ou seja, uma única escala progressista de evolução. Em termos de linearidade
evolutiva, existia uma forte similaridade entre o pensamento de Spencer e a teoria da
escola evolucionista.

NOTA
Antes mesmo da própria noção de evolucionismo estabelecido na antropologia,
o filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903) foi um dos principais intelectuais
responsáveis por inspirar a teoria evolucionista, uma vez que sua teoria da evolução
era muito abrangente. Para o estudioso, a evolução se tratava de um conceito de
desenvolvimento, sobretudo, progressivo, que abarcaria: sociedade e cultura humana
(singular), organismos biológicos, mundo físico, mente humana e ciência.

Podemos visualizar, na Figura 1, uma ilustração daquilo que seria considerado


evolução desde uma perspectiva contemporânea. Para a teoria clássica evolucionista
e seus adeptos existiriam passos de desenvolvimento humano. É muito importante
compreender que o topo dessa suposta evolução humana seria ocupado pelo homem
civilizado, detentor da capacidade de leitura e escrita, ou seja, o próprio antropólogo.
E quem poderia alcançar o ofício de antropólogo? O modelo de indivíduo considerado
ideal no século XIX: homem branco, letrado, proprietário, socializado segundo o padrão
europeu de civilização.

FIGURA 1 – PERSPECTIVA EVOLUCIONISTA

FONTE: <https://adobe.ly/3wJt3if>. Acesso em: 2 dez. 2021.

É muito importante acadêmico, que você conheça os pioneiros de nossa disciplina,


bem como o contexto social do qual esses estudiosos estavam inseridos. Assim sendo, os
principais precursores e pioneiros da escola evolucionista foram os estudiosos: Lewis Henry
Morgan (1818-1881), Edward Burnett Tylor (1832-1917) e James George Frazer (1854-1941),
cada qual com suas formações e interesses de pesquisa, com temas que, por vezes, se
assimilam e em outros momentos se diferenciavam (CASTRO, 2005).

64
Todos esses estudiosos foram institucionalmente reconhecidos e amplamente
vistos como antropólogos da mais alta relevância intelectual. Esses três estudiosos,
pesquisaram e produziram materiais que, até os dias de hoje, servem como base para
trabalhos antropológicos, mesmo que suas teorias sejam fortemente criticadas pelos
antropólogos contemporâneos. É importante ter em mente que, mesmo as críticas
em relação a essas produções teóricas são fundamentais para a reflexão a respeito da
história da antropologia, assim como seus usos contemporâneos. Os estudos, pesquisas
e produções desses intelectuais são de suma importância para a fundação, formalização
e consolidação de nossa disciplina, a antropologia. Suas formações, empreendimentos
de pesquisa e produções bibliográficas, tanto no âmbito institucional quanto pessoal,
estão situadas em diferentes áreas do campo do conhecimento. Todavia, seus interesses
pelos estudos em antropologia, os aproximaram teoricamente, bem como os tornaram
consolidados intelectualmente no campo antropológico.

De modo resumido, a teoria antropológica evolucionista, primeira corrente de


pensamento formalmente estabelecido na disciplina da antropologia, compreendia a
existência de uma linearidade evolutiva na humanidade. Portanto, acreditava-se que
toda a humanidade, independente do período ou região do qual pertenciam, deveriam
necessariamente passar pelas mesmas etapas de desenvolvimento. Era como se
os diferentes povos saíssem de um mesmo ponto de partida e, necessariamente,
precisassem alcançar os mesmos objetivos, padrões de comportamento e organização
social (FRAZER, 2014). Sendo assim, toda a humanidade estaria distribuída em diferentes
graus de evolução social, e como vimos na Unidade 1 de nosso livro, essa prática
abria espaço para a criação de hierarquias sociais e a abertura de possibilidades que
justificariam estratégias de exploração e domínio entre os povos considerados evoluídos
em relação àqueles considerados menos evoluídos. Todavia, antes de avançar nossa
compreensão a respeito da escola evolucionista, é importante conhecer um pouco
a respeito daqueles que foram considerados os fundadores dessa corrente teórica.
Como você sabe, os estudos clássicos necessariamente exigem o conhecimento de
certos nomes e biografias parciais daquele que são considerados os fundadores das
disciplinas. Vamos conhecer um pouco a respeito desses pensadores que foram e ainda
são nomes famosos de nossa disciplina?

DICA
Conheça um pouco mais a respeito da Teoria Evolucionista assistindo ao
vídeo “Antropologia Evolucionista – Antropológica”. Neste vídeo a antropóloga
e professora Mariane da Silva Pisani, apresenta um quadro geral sobre a
escola evolucionista. Disponível em: https://bit.ly/3IctqVC.

65
2.1 PRINCIPAIS TEÓRICOS FUNDADORES:
LEWIS HENRY MORGAN
Como já visto, os estudiosos considerados fundadores da escola evolucionista
são: Lewis Henry Morgan (1818-1881), Edward Burnett Tylor (1832-1917) e James
George Frazer (1854-1941), pesquisadores com formações, experiências de mundo e
perspectivas antropológicas com algumas similaridades e diferenças. No entanto,
esses três estudiosos despertaram seus interesses teóricos e dedicaram suas vidas e
carreiras de modo comprometido com as questões da antropologia. É muito importante
conhecer e compreender as formações institucionais, perspectivas sociais, contextos
culturais e produções teóricas daqueles que foram os pioneiros de nossa disciplina. Esse
conhecimento é fundamental para entender os caminhos, avanços e desenvolvimento
da área de conhecimento que pretendemos atuar, assim como a relação com o contexto
histórico em que as teorias e hipóteses científicas foram desenvolvidas. Neste momento,
acadêmico, você conhecerá um pouco a respeito da história de nossos precursores na
antropologia clássica.

Vamos começar por Lewis Henry Morgan, nascido no dia 21 de outubro do ano
de 1818, em uma pequena cidade pertencente ao estado de Nova York, nos Estados
Unidos da América, filho de um proprietário rural. No ano de 1842, Morgan formou-se
no curso de direito no Union College. Desde seu período de formação universitária, a
política sempre foi um de seus temas de grande interesse, chegando a conseguir se
eleger senador estadual. Durante o tempo da faculdade, fez parte de uma associação
de estudantes chamada “Ordem de Nó Gordio”, que tinha como interesse central os
estudos clássicos. Com o passar do tempo, por conta de sua aproximação com o tema,
Morgan dedicava-se cada vez mais com afinco e responsabilidade à associação, bem
como a suas pesquisas clássicas.

Entusiasta pela temática da etnologia, o jovem estudante propôs uma mudança


de nome da associação, tal qual uma aproximação e dedicação com seu grande interesse
de pesquisa: os iroqueses, grupo de povos nativos da região. Ainda segundo suas
sugestões, o grupo passou a se chamar “Grande Ordem dos Iroqueses”. Com o passar
do tempo, sob forte influência de Morgan, o tema ganhou cada vez mais importância e
dedicação por parte dos membros da associação. Inclusive, em determinado momento,
esses membros passaram a usar uniformes inspirados naquilo que eles consideravam
como costumes e rituais iroqueses. Os membros da associação passaram cada vez
mais a reproduzir formas e figuras de linguagem pretensamente iroquesa, do mesmo
modo que estudar a história desses povos nativos.

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FIGURA 2 – LEWIS HENRY MORGAN

FONTE: <https://bit.ly/35d26b8>. Acesso em: 22 fev. 2022.

Em 1844, por decorrência de sua profissão, o ainda jovem advogado, Morgan,


mudou-se para Rochester e abriu seu escritório de advocacia. Nesse período, após um
encontro do acaso, sua vida passou por uma grande mudança. Para sua sorte, em uma
visita a uma livraria na cidade de Albany, Morgan acabou por conhecer um indígena, para
sua surpresa, esse jovem era filho de um chefe Iroquês. Sim, esse mesmo grupo que
Morgan tanto se interessava em conhecer e pesquisar. Depois de uma longa conversa
e algumas trocas, Ely Parker (filho do chefe Iroquês) aceitou mediar uma conversa entre
Morgan e algumas das lideranças Iroquesas, fazendo com que o jovem conseguisse
se aproximar e compreender um pouco mais a respeito da realidade dessas pessoas e
sua cultura. Como resultado desse encontro, outros tantos encontros foram possíveis,
experiência que rendeu muito aprendizado para o estudante e entusiastas dos estudos
clássicos, os conhecimentos adquiridos a partir desses contatos foram centrais para a
continuidade da formação do jovem aspirante a antropólogo.

Convidados por Parker, Morgan e alguns de seus colegas da associação,


visitaram e conheceram as reservas dos povos Iroquês. Após certo grau de relação e
estabelecimento de confiança, no ano de 1846, Morgan foi intitulado como guerreiro
Seneca do clã Falcão, ganhando certo grau de importância e respeito entre os nativos.
Todavia, seu trânsito no território Iroquês dependia do respeito que ele deveria conservar
em relação a algumas ressalvas, por exemplo, a impossibilidade de acompanhar rituais
secretos. Algum tempo desses encontros e acontecimentos movidos por necessidades
pessoais e profissionais, os membros da associação que Morgan participava acabaram
deixando a associação fazendo com que fosse dissolvida. No entanto, o interesse de
Morgan pelas populações Iroquesas jamais diminuiu ou deixou de existir.

O estudioso seguiu exemplarmente estudando a respeito desses povos


(ALMEIDA, 2010). Desse modo, Morgan tornou-se uma referência norte-americana em
termos de pesquisas e conhecimento na temática dos povos Iroqueses, publicando
livros e organizando coleções de objetos indígenas no New York Museum.

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É muito interessante conhecer um pouco a respeito dos autores clássicos
de nossa disciplina. Entender como figuras de tamanha importância trilharam seus
caminhos na antropologia, assim como perceber as aproximações entre nós e nossas
referências. Afinal de contas, todos nós precisamos começar nossa jornada nas
pesquisas antropológicas desde um ponto de partida. Agora que já conhecemos Lewis
Henry Morgan e um pouco de sua biografia, experiências pessoais e institucionais, que
tal conhecermos Edward Burnett Tylor, também considerado um dos fundadores da
escola evolucionista. Bora lá?!

IMPORTANTE
Acadêmico, em nossa Unidade 2 do Livro Didático, há mais do que uma
introdução de assuntos relevantes em termos antropológicos, você está
avançando teoricamente e conhecendo as escolas clássicas do pensamento
antropológico. Sendo assim, é chegada a hora de colocar em prática aquilo
que combinamos na Unidade 1. Você se recorda? Nosso combinado era o de que você
começaria a fazer pesquisas de modo autônomo. Que tal começar a buscar materiais em
plataformas virtuais que tragam um pouco a respeito dos contextos e debates da escola
evolucionista, assim como seus principais fundadores. Busque por filmes, podcasts,
vídeos, materiais audiovisuais de modo geral. Desafie a você mesmo e ultrapasse limites
nunca antes imaginados, quando você busca por conhecimentos de maneira livre e
autônoma você está construindo sua carreira enquanto antropólogo, uma vez que a
pesquisa será sua principal ferramenta de trabalho. Bom trabalho!

2.2 PRINCIPAIS TEÓRICOS FUNDADORES:


EDWARD BURNETT TYLOR
Edward Burnett Tylor nasceu no dia 2 de outubro do ano de 1832, em
Londres, Reino Unido. Desde sua juventude trabalhou com seu pai em uma fundição de
bronze, uma vez que se tratava do negócio de sua família. Tylor não cursou a universidade
ao longo de sua vida. No entanto, sua produção intelectual foi amplamente reconhecida
enquanto pesquisa e abordagem teórica, consolidada nos estudos em antropologia,
também foi considerado o fundador da antropologia cultural. Uma das questões
de grande interesse para o estudioso era justamente definir o contexto científico da
antropologia com base nos estudos evolucionistas presentes naquele período, esse
tema e perspectiva teórica aparecem em seu reconhecido livro “Cultura primitiva”, de
1871. Suas pesquisas e produções contribuíram consideravelmente para a consolidação
da antropologia enquanto uma disciplina teórica formalmente estabelecida no campo
do conhecimento.

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INTERESSANTE
Acadêmico, muitos dos textos clássicos de nossa disciplina não estão traduzidos
para o português. Todavia, para além do conteúdo disponível no Livro Didático,
é importante que você busque fazer leituras dos textos escritos pelos próprios
autores. Nada mais interessante e potente do que conhecer um pensador a partir de sua
própria produção teórica. Dessa maneira, recomenda-se a leitura do livro “A ciência da
cultura”, do evolucionista Edward Burnett Tylor. Disponível em: https://bit.ly/36yhfV9.

Uma vez que as vidas pessoal e profissional se encontram estreitamente


relacionadas, alguns infortúnios e situações pessoais acabaram por fazer com que Tylor
fosse de encontro com a antropologia. Ainda durante sua juventude, o jovem britânico
perdeu seus pais e precisou, juntamente com seu irmão, assumir os negócios de sua
família. No entanto, para sua surpresa, foi acometido de sintomas que pareciam evidenciar
o início de uma tuberculose, fazendo com que fosse necessário seu afastamento dos
negócios. Nesse momento, os médicos o aconselharam há passar algum tempo em
uma região com clima quente, diferente daquele presente na Europa. Assim, no ano
de 1855 o jovem deixou a Inglaterra e seguiu viagem para o México e América Central.
Com as experiências da viagem, despertou para o interesse em buscar compreender as
culturas que naquele momento eram estranhas a sua realidade. Por ocasião da viagem,
acabou conhecendo Henry Christy (1810-1865), etnólogo e arqueólogo, resultando em
uma aproximação fundamental para os rumos que a vida de Tylor tomaria a partir desse
momento (SILVA, 2009).

FIGURA 3 – EDWARD BURNETT TYLOR

FONTE: <https://bit.ly/3JIogRB>. Acesso em: 22 fev. 2022.

69
Segundo Castro (2005), resultou desse encontro o interesse de Tylor pela área
da antropologia, uma vez que a vivência com Christy e sua área de atuação lhe abriu os
olhos para vários assuntos em torno de questões antropológicas, assim como questões
a respeito da pré-história.

A primeira publicação de Tylor em livro versava sobre observações levantadas


em sua viagem ao México, acompanhado pelo etnólogo Christy no ano de 1856, a obra
intitulada “Anahuac: ou, México, antigo e moderno”, de 1861, foi publicada após seu
retorno à Inglaterra. Esse livro trazia uma série de notas em torno das práticas e crenças
que se observavam no México. No entanto, o interesse de Tylor não parou por aí, dando
continuidade em seus estudos a respeito de costumes e crenças tribais, seu interesse
abarcava um raio de temporalidade que tomava tanto os estudos pré-históricos, quanto
aqueles de seu tempo presente. Assim, no ano de 1865, publicou um segundo livro
intitulado “Pesquisas sobre a antiga história e o desenvolvimento da civilização”. E pouco
tempo depois, publicou aquele que seria seu trabalho mais conhecido, “Cultura primitiva:
pesquisas sobre o desenvolvimento da mitologia, filosofia, religião, linguagem, arte e
costume”, de 1871. Tylor além de ampliar o escopo dos estudos a respeito da civilização
humana, também foi de suma importância em termos de teoria e contribuição para o
contexto de fundação da antropologia. Suas pesquisas, publicações e aulas, instruíram
e influenciaram uma geração de pesquisadores jovens e entusiastas do campo da
antropologia, com destaque, por exemplo, ao renomado antropólogo James George
Frazer (1854-1941).

No ano de 1883, o autor era considerado a maior autoridade em antropologia na


Grã-Bretanha, sendo então nomeado conservador do museu da Universidade de Oxford.
Nos próximos anos, foi ganhando outros espaços e cargos dentro da universidade,
assim como consolidou uma reconhecida carreira intelectual. No ano de 1896, tornou-
se o primeiro professor em antropologia em Oxford, cargo de maior relevância dentro
da universidade, publicando, nesse período, um livro intitulado “Sobre um método
de investigar o desenvolvimento das instituições, aplicado às leis de casamento e
descendência”. No ano de 1909, Tylor se aposentou e recebeu o título de professor
emérito, infelizmente nesse período se encontrava em condições mentais que não lhe
permitia sobriedade a respeito da vida. No ano de 1917, veio a falecer. 

Estamos avançando um bom tanto em relação aos teóricos evolucionistas! Cada


um desses estudiosos representa parte considerável da teoria dessa escola antropológica.
Esses pensadores representam a base do desenvolvimento da antropologia enquanto
uma disciplina científica formalmente estabelecida. Agora, vamos conhecer o pesquisador
James George Frazer?

70
DICA
Para conhecer um pouco mais a respeito do renomado antropólogo Edward
Burnett Tylor, é interessante assistir ao vídeo “Edward Burnett Tylor’’. Para
aqueles que não dominam o idioma do inglês, vá em configurações e coloque a
opção de legendas ativadas em português. Disponível em: https://bit.ly/3JFv2r2.

2.3 PRINCIPAIS TEÓRICOS FUNDADORES:


JAMES GEORGE FRAZER
No ano de 1854 nasceu James George Frazer, na cidade de Glasgow, Escócia.
Filho de um farmacêutico, pertencente a uma família de classe média. Estudou na
Universidade de Glasgow e sequenciou seus estudos no Trinity College, em Cambridge,
formando-se em estudos clássicos, Frazer era um aluno de destaque. Passou a maior
parte de sua vida associado institucionalmente à universidade. Nos anos de 1907 e 1908
esteve na Universidade de Liverpool. Com grande interesse pelos estudos clássicos,
sobretudo de autores gregos e romanos, lidos desde suas obras originais. Recebeu uma
bolsa-prêmio da universidade com duração aproximada de seis anos e, no ano de 1895,
essa bolsa de estudos se tornou vitalícia. Mesmo não sendo uma grande fortuna, esse
financiamento permitiu sua dedicação exclusiva e por toda a vida ao campo dos estudos.

Segundo Ackerman (2019), mesmo que os projetos de pesquisa de Frazer


nascessem com certa modéstia, sua obstinação pela pesquisa fazia com que se
tornassem grandiosas produções teóricas. Naquele período, o trabalho de campo não
era uma prática corriqueira dos estudiosos, sobretudo na vida de Frazer, suas pesquisas
eram grandemente baseadas em questionários enviados a missionários e funcionários
imperiais nas mais diferentes partes do mundo. Seu interesse pela área da antropologia
social estava fortemente ligado à leitura da obra “Cultura primitiva” do então antropólogo
Tylor (sim, esse mesmo que acabamos de estudar), assim como influenciado por um
amigo, William Robertson Smith (1846-1894), que era teólogo e antropólogo. Smith
estava pesquisando a história das religiões do Oriente Médio, sobretudo, a partir dos
elementos do Antigo Testamento. Com a morte prematura de Smith, Frazer converteu-se
no estudo da antropologia, no entanto, seus interesses nos temas clássicos o seguiram
ao longo de toda a sua vida. Frazer foi o primeiro intelectual a escrever detalhadamente
a relação entre mitos e ritos, tema de grande relevância. É possível conhecer sua teoria,
sobretudo ao que se refere à relação entre mito e rito em sua obra “O ramo de ouro”
(FRAZER; DOUGLAS, 1978).

71
FIGURA 4 – JAMES GEORGE FRAZER

FONTE: <https://bit.ly/3IarfBH>. Acesso em: 22 fev. 2022.

O teórico evolucionista foi amplamente reconhecido enquanto um estudioso


dos estudos modernos da mitologia e religião, uma vez que desenvolveu trabalhos
em que abordava as similaridades entre crenças mágicas e religiosas entre diferentes
populações. De modo resumido, sua perspectiva apontava para uma progressão de
estágios da crença humana: magia primitiva que progredia para religião e finalmente
à vida científica. Inclusive, essa lógica linear aponta e demostra sua perspectiva de
análise desde um prisma evolucionista. No ano de 1930 sua visão estava severamente
comprometida, dificultando, assim, sua produção escrita. Sua obra mais conhecida
e amplamente divulgada foi “O ramo de ouro”, de 1890, na qual explicava o tema da
mitologia clássica, obra de fôlego com um total de aproximadamente 800 páginas. Após
reedições, diálogos com outros pesquisadores, reflexões e pesquisa, a terceira edição
da obra tinha um total de 13 volumes e 4.569 páginas. No ano de 1922, o autor produziu
uma versão sintetizada que se tornou um best-seller.

Quanto conhecimento teórico é possível adquirir a partir da biografia daqueles


que foram considerados os fundadores de nossa disciplina! Agora que já conhecemos
alguns dos nomes de maior representatividade no período de fundação da escola
evolucionista, que aprofundar um pouco nossos conhecimentos na referida corrente
teórica. Vamos seguir nossa trilha de conhecimento antropológico!

DICA
Para conhecer um pouco mais a respeito do renomado antropólogo James
George Frazer, assista ao vídeo “James George Frazer’’. Para aqueles que
não dominam o idioma do inglês, vá em configurações e coloque a opção
de legendas ativadas em português. Disponível em: https://bit.ly/3BUnvSV.

72
2.4 ASPECTOS CENTRAIS DA ANTROPOLOGIA EVOLUCIONISTA
Conforme apresentado anteriormente, os três grandes nomes da escola
evolucionista, Lewis Henry Morgan (1818-1881), Edward Burnett Tylor (1832-1917) e James
George Frazer (1854-1941) contribuíram de diferentes maneiras para o desenvolvimento
da escola evolucionista. Cada qual com suas formações e interesses específicos,
portanto, produções teóricas voltadas para os temas que lhes chamavam a atenção e
estavam em voga naquele período histórico. Destaca-se que, no centro do pensamento
da escola evolucionista, estava presente a ideia de que as diferenças culturais entre os
diversos grupos humanos eram reduzidas a diferenças de carácter temporal, ou seja,
esses pesquisadores compreendiam o desenvolvimento da humanidade a partir de uma
linha cronológica linear, na qual a evolução humana se daria de igual modo entre todas
as populações, independente da região ou período analisado. Portanto, os esforços
teóricos caminhavam para que, dessa maneira, fosse possível estabelecer um modelo
de estágio evolutivo que apontasse para uma suposta evolução histórica presente em
todos os grupos humanos. 

Em outras palavras, havia uma compreensão de que as populações


pertencentes às mais diversas culturas, costumes, religiões, crenças e organizações
sociais, simplesmente fariam parte de uma mesma linha evolutiva. Independente das
diferenças entre as populações, os teóricos evolucionistas acreditavam que toda a
humanidade percorreria aquilo que se acordou definir como os “estágios da evolução”.
Segundo esse pensamento, os estágios evolutivos de organização social abarcariam
todas as populações, uma vez que teriam o início de seu desenvolvimento em um mesmo
ponto em comum, passando por vários estágios de desenvolvimento e evolução, e por
fim alcançariam o último  e mais desenvolvido estágio, aquele considerado o estado
civilizatório. Esse seria então o modelo civilizatório baseado no tipo ideal europeu de
organização social da civilização. Assim, as práticas, costumes, economia, organização
do parentesco, religião, economia, dentre outros aspectos pertencentes à cultura e a
sociedade estariam baseados no modelo europeu, considerada ideal de civilização e
desenvolvimento (LAPLANTINE, 1988). 

Portanto, os grupos considerados primitivos e selvagens (como já aprendemos


na unidade anterior) eram os sujeitos que estariam sendo “observados” e analisados.
Culturalmente diferentes do modelo europeu de organização social, a esses grupos
equivaleria a fase inicial na escala evolutiva da humanidade, enquanto, no topo desse
processo de evolução, estariam os “observadores” ou seja, as sociedades das quais
fariam parte os antropólogos.

Em resumo, o homem evoluído e por consequência parte do modelo civilizatório


europeu, era pertencente à religião cristã, detentor de conhecimento formal e
proprietário, estaria então no topo da pirâmide de evolução. Em contrapartida, as
populações indígenas estariam em sua base ou por vezes nos primeiros estágios, uma
vez que não eram sujeitos letrados, proprietários e de religião cristã. Essa perspectiva

73
que colocava toda a humanidade em uma escala evolutiva compreendia, em sua teoria,
que todas as populações deveriam seguir um mesmo padrão de desenvolvimento,
baseados em valores, práticas, dinâmicas e comportamentos europeus, considerado
até então o modelo ideal de sociedade. 

De acordo com essa análise, seria possível criar uma classificação para essas
culturas ainda desconhecidas em uma espécie de plano temporal de evolução. Uma
linha cronológica com passos evolutivos. Assim, aqueles que antes eram lidos enquanto
opostos (selvagens), por terem hábitos, costumes e práticas diferentes daquelas do
modelo europeu (modelo civilizatório ideal), a partir do estabelecimento do modelo de
escala evolutiva, não mais seriam tomados como opostos, mas sim ganharam certo grau
de familiaridade, na medida em que eram lidos enquanto humanos similares, todavia em
estágios menos evoluídos.

Uma vez consideradas populações em estágios menos evoluídos, as mais


diversas práticas de imposição de crenças, costumes, valores e até mesmo domínio e
exploração estaria legitimada pela suposta inferioridade evolutiva. Deu para entender?
Vamos retomar de modo a simplificar a teoria: se antes (período pré-antropológico),
quando os europeus (observadores) se encontravam com os diversos grupos culturais
não europeus (observados) acontecia um choque de cultura entre observador e
observado e essas populações eram consideradas diferentes ou opostas, a partir
da fundação da escola evolucionista essas diferenças culturais ganharam outro
carácter. A partir da perspectiva da escola evolucionista, o observador passa a tomar o
observado como familiar, mesmo que distante. O observado, que antes era considerado
antagonicamente oposto, se torna similar, no entanto, considerando que esse “outro”
se encontra em um grau de evolução muito abaixo do seu, ou seja, o observado estava
para trás em termos de evolução quando comparado ao observador.

Contudo, ainda precisamos mergulhar um pouco mais a fundo para entender


qual o interesse por trás da teoria da evolução. A ciência é usada para atender a
interesses políticos e econômicos. Desse modo, vamos refletir um pouco mais a respeito
do impacto social da antropologia evolucionista?

3 IMPACTOS SOCIAIS DA ANTROPOLOGIA EVOLUCIONISTA


Ao passo que a antropologia evolucionista se ampliou entre os estudiosos da
época, algumas questões impactaram diretamente no contexto social vigente, sobretudo,
no contexto das relações entre as populações europeias e norte-americanas para com
o restante do mundo e os diversos povos e culturas. Nesse momento, as diferenças
culturais ocasionadas pela diversidade de povos, territórios e organizações sociais, não
eram vistas como pontos positivos presentes na humanidade. Essas diferenças eram
categorizadas enquanto hierarquias evolutivas presentes na humanidade.

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Sim, acadêmico, os pensadores da escola clássica evolucionista acreditavam
que toda a humanidade se desenvolvia da mesma maneira, saindo de um mesmo
ponto de partida e chegando a um estágio em comum, e não apenas eles, mas muitas
pessoas foram adeptas dessa corrente de pensamento teórico (pasmem, algumas ainda
são até os dias de hoje).  De acordo com a tabela feita pelo antropólogo Lewis Henry
Morgan, a humanidade, como um todo, estaria dividida em períodos evolutivos, e a cada
período equivaleria uma definição específica, determinadas condições e status. Por fim,
os comportamentos, dinâmicas e a organização social seriam compreendidas como
equivalentes a determinado estágio específico de evolução. Esses estágios seriam
sucessivos e necessariamente obrigatórios a todas as diferentes sociedades humanas.

Vamos conhecer esses períodos? São eles: períodos da selvageria, período


da barbárie e período da civilização. Dessa maneira, durante os dois períodos iniciais
(selvageria e barbárie) existiriam três momentos distintos: inicial, intermediário e final. E
o terceiro e último período seria compreendido como relativo ao estágio da civilização,
correspondente ao ápice da evolução humana (notem: modelo ideal de civilização
europeia). Interessante marcar que esse período final era apontado como sendo
responsável pela capacidade de criação, uso e instrumentalização da escrita, ou seja, o
modelo europeu de civilização.

IMPORTANTE
No período equivalente ao pensamento evolucionista, duas questões eram muito latentes
e influenciaram o pensamento dos estudiosos da escola evolucionista, sendo eles:
determinismo biológico e determinismo geográfico. Vamos entender um pouco melhor
estes temas? Quanto ao determinismo biológico, estaria baseado na ideia de que as
pessoas teriam consigo uma questão genética que determinava seus comportamentos e
práticas culturais, ou seja, não se levava em conta a questão da cultura e a influência dela
em nossas vidas. Exemplo de práticas racistas desde uma perspectiva de determinismo
biológico: negros eram naturalmente mais fortes e por isso deveriam ser escravizados,
ou seja, trata-se de uma prática de violência e exploração. Quanto ao determinismo
geográfico, estava baseado na ideia de que os espaços geográficos e suas nuances
(clima, solo, flora etc.) determinavam os comportamentos dos grupos. Na prática,
morando no Brasil, por exemplo, as práticas de higiene pessoal deveriam ser
diferentes daquelas de países com clima frio. Portanto, a geografia determinaria
todos os costumes e hábitos. Todavia, os cuidados com higiene pessoal são
diversos, uma vez que, menos do que o clima, o que define essas práticas
são as perspectivas culturais, por isso, os moradores de um mesmo país têm
costumes higiênicos dos mais variados. Ambas as teorias caíram por terra e
foram superadas científicamente.

Para a escola evolucionista existia a compreensão de que os estágios de evolução


eram equivalentes às fases de vida do homem, portanto, aquele que era considerado
selvagem na fase inicial equivaleria em termos comparativos à fase da primeira infância e
assim sucessivamente em termos evolutivos.

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Essa lógica evolutiva não por acaso atendia a interesses muito específicos
em termos de poder, dominação e exploração. Uma vez que o continente europeu se
autointitulou enquanto pertencente ao ápice da evolução humana, assim como modelo
civilizatório para o restante da humanidade. Essa suposta superioridade em termos
evolutivos justificava e legitimava suas tentativas e práticas de dominação e exploração
em relação a outros povos. Assim, o projeto de colonização de povos e territórios estaria
apoiado em uma falsa afirmação evolutiva de suposta base científica que justificaria as
práticas coloniais (SOILO, 2014). 

Em resumo, enquanto suposto continente mais evoluído, e, por consequência,


superior em termos absolutos, a Europa poderia colonizar os demais povos para que
dessa forma fosse possível contribuir na evolução dessas populações. Todavia, a
verdade é que essa linha evolutiva se tratou de uma concepção errônea que acabava
por legitimar a exploração e dominação de populações e territórios.

A cada sociedade, grupo ou etnias correspondem processos sociais e culturais


diferentes, assim como temporalidades distintas. De fato, as diferentes populações
humanas não são constituídas das mesmas práticas, perspectivas e organização
social. Inclusive, essas diferenças tornam a vida humana rica e interessante! Enquanto
humanos pertencentes a culturas diferentes, não partimos de um mesmo ponto de
saída, tampouco necessitamos alcançar os mesmos objetivos. A diversidade cultural
demonstra o quanto as culturas são plurais e dinâmicas, e se encontram em constante
mudança e transformação, essa multiplicidade de perspectivas, modelos de organização
e práticas culturais representam uma das características mais interessantes da
humanidade.

Assim como já aprendemos que a ciência está sempre relacionada com as questões
do contexto histórico do qual ela pertence, essa mesma ciência impacta consideravelmente
o desenvolvimento da história. Vamos entender esse processo juntos?

3.1 EVOLUCIONISMO E CONTEMPORANEIDADE


O pensamento presente na escola evolucionista que compreendia as culturas
enquanto uma escala de estágios evolutivos está superada em termos acadêmicos.
Atualmente, é notoriamente difundida e reconhecida a compreensão de que as culturas
são diferentes umas das outras e que não existem hierarquias entre as populações
humanas e seus modos de organização social. No entanto, mesmo na atualidade, ainda
vigora em nossas práticas e relações cotidianas a ideia da existência de hierarquias
entre as diferentes culturas do mundo.

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Você deve estar se perguntando: como assim? Pois é, até os nossos dias,
existem indivíduos e sociedades que acreditam pertencerem a uma cultura superior às
demais, e essa pretensa superioridade pode estar ligada a uma infinidade de questões.
Vamos conhecer algumas dessas situações que ilustram essa crença em uma suposta
hierarquia social?!

A intolerância religiosa, por exemplo, aponta para essa perspectiva de uma


suposta existência de hierarquias culturais, uma vez que a religião é um dos aspectos
de grande importância em termos de cultura e pertencimento (NOGUEIRA, 2020).

No Brasil, por exemplo, não são poucas as notícias que mostram violências contra
povos e espaços de culto a religiões de origens africanas. Essas práticas apontam para
a presença do racismo, questão originada na crença de hierarquias entre indivíduos e
sociedades (FERNANDES, 2017). Essas violências evidenciam essa hierarquia presente
no pensamento de muitas pessoas, reiterado por determinadas lideranças políticas. 

Outro fenômeno social que pode ser observado e que comprova a vigência
dessa perspectiva social de hierarquias culturais está na prática da xenofobia. Você
sabe o que é xenofobia? Pois bem, este tema é bem importante em nossa disciplina
de maneira geral e ampla, assim como para esse momento de reflexão em específico.
A xenofobia é o ódio, medo e aversão a todo aquele que é, ou mesmo não sendo ainda
assim é lido, como um estrangeiro, uma pessoa vinda de outro país (CABECINHAS,
2008). Portanto, esse sujeito considerado como “outro/diferente” a depender de sua
localidade de origem (lembrando que os países europeus sempre foram e seguem
sendo considerados enquanto modelo ideal de sociedade, superestimados por parte
considerável dos demais continentes) sofre uma série de violências das mais diversas
ordens, podendo ser violências psicológicas, discriminatórias, criminalizadas, morais ou
até mesmo físicas. Essa prática também demonstra o quanto ainda existe, tanto de
sujeitos como sociedades que consideram haver hierarquias entre diferentes culturas
a ponto de considerarem legítimo o uso da violência contra indivíduos considerados
“outros/estrangeiros”. 

Em resumo, essas hierarquias foram e são utilizadas enquanto mecanismos que


justificariam inúmeras explorações, violências e tentativas de domínio entre indivíduos
e sociedades. É papel do antropólogo apontar essas diferenças culturais enquanto
aspectos centrais da diversidade cultural presente na humanidade, assim como
pesquisar e produzir materiais que atuem na contramão dessas práticas baseadas na
falsa crença da existência de hierarquias entre culturas diferentes (OLIVEN, 1990). Não
existem graus de evolução social, tampouco hierarquias entre povos e culturas. O que
podemos observar são diferenças e similaridades entre as mais diversas sociedades
humanas e a importância dessas diversidades em termos de riqueza cultural e
pluralidade de pensamentos e culturas que em muito somam positivamente para o
desenvolvimento da humanidade.

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RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A escola evolucionista foi à primeira escola hegemônica na antropologia, e foi


fortemente inspirada nas pesquisas e produções dos estudos evolucionistas do
naturalista Charles Darwin.

• Os principais teóricos fundadores da escola evolucionista foram os estudiosos


Lewis Henry Morgan (1818-1881), Edward Burnett Tylor (1832-1917) e James George
Frazer (1854-1941) cada qual com seus interesses de pesquisa, todavia, todos eram
atravessados pelos interesses nos estudos em antropologia.

• A teoria evolucionista acreditava que toda a humanidade era composta por indivíduos
e sociedades que necessariamente deveriam seguir os mesmos estágios evolutivos e
o ponto de evolução máxima seria baseado no modelo ideal de sociedade civilizatória
europeia.

• Mesmo que academicamente a escola evolucionista já tenha sido superada, até os


dias atuais, práticas como intolerância religiosa, racismo, xenofobia, dentre outras,
apontam para a perpetuação de uma falsa crença na existência de hierarquias sociais
entre as diversas culturas humanas.

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AUTOATIVIDADE
1 Segundo a teoria clássica, sobretudo aquela do pensamento pertencente à
escola evolucionista, toda a humanidade estaria sujeita a períodos evolutivos que
necessariamente deveriam ser percorridos por todas as culturas. Sobre esses
períodos, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A diversidade cultural era vista de maneira positiva, assim as diferenças entre


culturas eram respeitadas e valorizadas.
b) ( ) Cada sociedade com sua cultura, costumes, práticas e organizações eram
analisadas em sua totalidade a partir da própria cultura e não em um modelo
comparativo entre culturas diferentes.
c) ( ) A escola evolucionista compreendia que todas as sociedades deveriam
passar pelos mesmos estágios de evolução e alcançar o modelo de civilização
considerado ideal, ou seja, o modelo de sociedade europeia.
d) ( ) Para os pensadores evolucionistas não existiam graus de desenvolvimento, cada
cultura deveria desenvolver-se de acordo com seus pressupostos culturais.

2 Durante o período clássico e a vigência da escola evolucionista, existia a percepção da


existência de uma hierarquia social entre as diversas culturas observada ao redor do
mundo. Ainda hoje podemos observar essa crença em uma hierarquia entre culturas
presente em situações cotidianas da convivência social. Com base no exposto,
analise as sentenças a seguir:

I- Nas situações em que a intolerância religiosa está presente no dia a dia de nossa
sociedade é possível perceber a crença em hierarquias sociais, uma vez que
determinados sujeitos e grupos acreditam serem superiores a outros, com especial
destaque a situações com a presença de racismo.
II- No momento em que a diversidade cultural é respeitada e a pluralidade de ideias é
valorizada, essas hierarquias estão presentes.
III- A prática da xenofobia é uma clara demonstração da ideia de superioridade entre
sociedades e culturas, e é de extrema importância que essas práticas sejam
combatidas, a antropologia pode contribuir consideravelmente para a diminuição
ou mesmo o fim dessas práticas que causam tantas violências.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

79
3 Baseado nos conhecimentos adquiridos a respeito da fundação, hegemonia, duração
do pensamento da escola evolucionista, bem como suas perspectivas teóricas. Com
base nisso, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Fundada no século XIX, a hegemonia da escola evolucionista e sua perspectiva


científica vigorou por volta do ano 1870 e 1908.
( ) A escola evolucionista acreditava que cada sociedade se desenvolvia de acordo
com seus padrões e marcadores temporais próprios.
( ) A escola evolucionista foi fortemente inspirada pelos pensadores Charles Darwin e
Herbert Spencer.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 O centro do pensamento da escola evolucionista está na percepção de uma unidade


humana em termos evolutivos, ou seja, acreditava-se que o modelo europeu de
civilização seria o ideal cultural e social a ser atingido pelas demais culturas humanas.
A respeito desse modelo, escreva sobre as características ideais europeias, assim
como os interesses por trás dessa lógica de modelo civilizatório ideal.

5 Compreendendo que a teoria do naturalista Charles Darwin foi uma das principais
inspirações teóricas do período de fundação da antropologia clássica, sobretudo para
o desenvolvimento da escola evolucionista. Disserte, de modo resumido, a respeito
das questões presentes tanto na escola evolucionista como na teoria da evolução de
Charles Darwin, sobretudo em relação a evolução dos homens.

80
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -

DIFUSIONISMO

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, a escola difusionista é uma das correntes teóricas que compõem
o período do pensamento clássico na antropologia, essa teoria, surge logo após a
escola evolucionista. É muito importante que você saiba que uma escola teórica se
diferencia das demais escolas que existiam antes dela, no entanto, as mudanças e
chamadas viradas de pensamento (os novos paradigmas científicos), de certo modo,
sempre seguem uma lógica. A centralidade do pensamento científico gira em torno das
principais reflexões teóricas que estão em alta naquele determinado período histórico. 

Assim como a cultura, a teoria antropológica está em constante movimento


de avanços e transformações, é de suma importância compreender que uma escola
teórica, em nosso caso, a escola difusionista, nunca está descolada da realidade
histórica e política do período em que ela está inserida, ou seja, a ciência é produzida
sempre a partir das necessidades da própria realidade social. É possível perceber esses
reflexos entre a teoria antropológica e a realidade sociocultural ao refletir a respeito
da legitimidade no fazer científico, uma vez que, no século XIX, apenas os homens
brancos pertencentes a uma classe mais abastada eram considerados aptos a produzir
ciência. Nesse período, a Europa, sob uma série de pretextos, inclusive a necessidade
de pesquisa e avanços científicos, realizava grandes investimentos coloniais, ou seja,
suas expedições marítimas desbravavam e exploravam territórios e populações mundo
afora. Dessa maneira, (como estudamos na unidade anterior), a ciência (produzida pelos
próprios europeus) era utilizada como instrumento de legitimação de todas as violências
e atrocidades feitas pelos colonizadores em benefício do continente europeu. 

Portanto, sendo a escola difusionista criada posteriormente à escola


evolucionista, parte de seu arcabouço teórico reflexivo, era inspirado no pensamento
evolucionista, majoritariamente aceito pela comunidade científica daquele período.
Nesse momento, os pensadores difusionistas buscavam analisar as diversas inovações,
sejam elas materiais ou imateriais, desenvolvidas pelo homem. Essa perspectiva de
análise era baseada em uma reflexão apoiada na teoria evolucionista, sua antecessora
em termos de teoria antropológica. O interesse dos teóricos difusionistas estava na
compreensão da origem das inovações, assim como na hipótese de que existiria uma
suposta difusão dessas inovações entre as diferentes culturas.

81
O objetivo dessa análise era de que assim seria possível compreender as
supostas evoluções culturais (herança da escola evolucionista) presentes nos diversos
grupos socioculturais, por meio da observação dessas inovações e sua difusão.  Para
esses teóricos da escola difusionista, as inovações humanas, das mais diversas ordens,
estariam relacionadas à cultura de um modo amplo. A partir delas seria possível
explicar parte considerável da organização social, assim como da suposta evolução
das sociedades, sendo esse o interesse central da teoria difusionista. Durante o início
do século XIX essa corrente teórica foi explorada principalmente na Alemanha, sendo
estudada por Wilhelm Schmidt (1868-1954) e Fritz Graebner (1877-1934) e na Grã-
Bretanha por G. Elliot Smith (1871-1937) e William J. Perry (1887-1949). Todavia, as teorias
difusionistas nessas duas localidades compreendiam o fenômeno da inovação e difusão
como acontecimentos que se davam de diferentes maneiras. Segundo a perspectiva da
escola alemã, as inovações e difusões se davam em diferentes culturas e se espalharam
mundo afora, em contrapartida, para os estudiosos da Grã-Bretanha, o centro cultural
do mundo seria o Egito, portanto as inovações nasciam naquela localidade específica e
depois se difundiam para outras culturas.

Acontece que, a escola difusionista não foi uma escola proeminente, de modo
que sua permanência no meio científico durou pouco tempo. Todavia, é interessante e
muito importante compreender que a brevidade em termos científicos do pensamento
difusionista, acabou por dar espaço a reflexão teórica necessária para a fundação da
escola funcionalista e estrutural-funcionalista. Em seguida, conheceremos o centro do
pensamento dessas escolas, seus principais teóricos e a relação dessas escolas com o
período histórico daquele momento. 

Note o quanto a ciência é de suma importância em nossas vidas, uma vez uma
teoria sofre uma quantidade de críticas consideráveis e não consegue sustentar-se, esse
mesmo processo de reflexão acaba por originar o desenvolvimento de outras teorias.
Você deve estar curioso para entender esses movimentos e mudanças presentes na
história da antropologia. Feitas as introduções necessárias, vamos avançar um pouco
mais? Bons estudos!

2 ESCOLA DIFUSIONISTA: BASE DO PENSAMENTO


Acadêmico, sempre que um novo desafio em termos de conhecimento se coloca
a frente, é preciso, antes mesmo de iniciar os estudos, definir certas questões que devem
ser compreendidas. Portanto, você já se perguntou qual a questão mais relevante que
precisamos levar em conta quando falamos das diversas escolas teóricas presentes na
antropologia? A questão central de uma escola teórica está no modo como as diferentes
escolas do pensamento buscam explicar a realidade sociocultural, podendo variar entre
análises do momento presente, passado e até mesmo em possíveis reflexões a respeito
de fenômenos futuros.

82
Essas observações acontecem a partir de um determinado recorte de análise,
em nosso campo de conhecimento essa prática de pesquisa pode se dar a partir
de fenômenos como religião, parentesco, trabalho, dentre outros (SILVA, 2000). É
importante destacar que a antropologia não busca por verdades absolutas ou mesmo
tentativa de adivinhação do futuro, distantes disso, os esforços de nossa disciplina
estão concentrados em analisar aspectos da cultura, baseados na realidade presente
em nosso meio social e cultural.

Sendo assim, sempre que você se depara com uma escola teórica, seja do período
clássico ou contemporâneo, a questão a ser observada e compreendida é a seguinte: qual
é o tema central (interesse) que essa escola teórica se dedica a compreender? Quando
você consegue responder a essa interrogação, torna-se muito mais fácil entender
toda a reflexão teórica presente nas escolas do pensamento antropológico. Assim
como é de suma necessidade que você pesquise minimamente a respeito do período
histórico no qual essa escola foi fundada, ou seja, quais os principais acontecimentos
mundiais e regionais que estavam se passando naquele momento, como, por exemplo,
guerras, empreendimentos coloniais, dentre outros acontecimentos. Como já dissemos
anteriormente, as teorias científicas estão sempre intimamente ligadas à realidade social
da qual estão inseridas. E o motivo é simples, a ciência deve atender às necessidades
sociais da coletividade humana, sobretudo a antropologia!

Portanto, o primeiro passo que devemos dar é o seguinte: entender o centro do


pensamento da escola difusionista, ou seja, qual o recorte de análise que essa escola
se propôs a fazer para analisar as diferentes realidades sociais. Vamos entender juntos?!
Pois bem, o centro do pensamento da escola difusionista, estava voltado para analisar as
similaridades (semelhanças) presentes nas diversas culturas humanas, especificamente
ao que se referia à questão das inovações. Você deve estar se perguntando, como assim
inovações? Um passo por vez... Acontece que as inovações, são todas as construções
humanas, materiais ou imateriais criadas pelo homem para atender as suas mais
variadas necessidades. O objetivo principal da escola difusionista era justamente o de
entender as dinâmicas que estavam por trás dessas inovações sociais e seus reflexos
nas diversas culturas presentes no globo terrestre. Esses teóricos acreditavam que,
ao compreender o modo como essas dinâmicas culturais presentes nas inovações
refletiam no interior das culturas, seja por meio de imitação, aprendizado ou conquistas,
se espalhavam mundo afora, dessa maneira, esses estudiosos acreditavam que seria
possível entender em profundidade a existência humana (HOEFLE, 2007).

Essas inovações variam imensamente quanto a suas categorias, podendo ser:


materiais ou imateriais, crenças, hábitos, religião, organização política ou qualquer outra
prática humana imaginável em relação à cultura e suas dinâmicas. Vamos entender
melhor esse tema, a partir de exemplos práticos?!

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Começando pelos exemplos relacionados às inovações materiais, uma vez que
a antropologia desde sua fundação sempre foi uma disciplina científica utilizada para
compreender questões de ordem da existência humana, cultura e suas diversidades.
Portanto, os exemplos materiais ilustram, de modo apropriado, o esquema teórico da escola
difusionista, pois esses exemplos estão presentes em muitos espaços da vida cotidiana. 

Aos exemplos! Algumas das inovações materiais são as ferramentas de trabalho


utilizadas na agricultura, como: facas, machados, enxadas, facões, foices, serras, todas
essas ferramentas são consideradas tecnologias criadas pelo homem para atender a
determinadas necessidades de subsistência, alimentação, assim como a construção
de abrigos, dentre outras coisas. Também é possível pensar na criação da roda, luz
elétrica, computador e assim por diante. Da mesma maneira, partindo para os exemplos
imateriais, é possível pensar nas relações humanas presentes nas diversas situações
como: casamento, namoro, amizade, coletivos e organizações de classes. Uma vez
que esses arranjos humanos também têm como intuito atender a determinadas
necessidades de sobrevivência, sendo essas: proteção, cuidado, segurança, trocas,
colaborações, afetos etc.

Dentre os exemplos das religiões, podemos pensar na reunião de pessoas


com o fim de exercer coletivamente fé em algo, criação de coletivos de pessoas com
fins comuns. É possível, também, pensar nos movimentos sociais, objetivando trocas,
proteção, apoio, segurança. Quanto aos hábitos, podemos exemplificar com o simples
costume de trancar a porta de nossas casas todos os dias antes de dormir, que também
se trata de uma prática de proteção e cuidado, tomar banho diariamente, frequentar
uma praça, praticar um esporte, dentre outras coisas. Você deve estar se perguntando:
sim, essas práticas humanas são óbvias e naturais, mas o que isso tem em relação à
escola difusionista? 

Agora que já refletimos a respeito de uma vastidão de inovações humanas,


vamos entender a relação entre todas essas situações e o nosso interesse teórico,
a escola difusionista. Portanto, interessava grandemente aos pensadores dessa
escola antropológica, observar e compreender essas inovações da vida cotidiana
e sua relação e impactos com a própria cultura humana. Podemos ouvir daqui você
dizendo: “o que essas coisas comuns e cotidianas têm de inovação?” Isto é um engano,
acadêmico! Todas essas práticas são menos comuns do que imaginamos. Você ainda
está pensando: “mas essas coisas acontecem naturalmente desde sempre!”. Este é o
ponto que gostaríamos de chegar, essas práticas não acontecem desde sempre, todas
as construções (materiais) e práticas humanas (imateriais) são construções sociais,
portanto, inovações, e essas inovações não são, de modo algum, questões naturais.

Mesmo que o ser humano tenha consigo o instinto de sobrevivência e sempre


procure atender as suas necessidades básicas, todos os comportamentos e hábitos são
construções sociais! Parece que estamos complicando ainda mais? Calma, a partir de
agora iniciamos um mergulho profundo em termos de aprendizado a respeito da teoria
clássica, juntos vamos conseguir responder a todas essas dúvidas. 

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Em realidade, nenhuma prática proveniente da organização social humana é
natural: todas as dinâmicas e costumes humanos são criados pelo homem, desse modo,
trata-se de construções sociais. A cada cultura humana (grupos socioculturais), cabem
construções sociais com suas particularidades, assim como ao longo do tempo sofrem
diversas mudanças e transformações. Essas diferenças entre os diversos grupos, por
vezes, estão ligadas a questões regionais e climáticas, assim como políticas, dentre
outras, sendo esses fenômenos que influenciam nosso modo de existência. Nada é
determinado por uma causa específica, mas a soma de vários fatores resulta em modos
específicos de existência e sobrevivência humana.

Então, agora que entendemos que as práticas humanas não são naturais e sim
construções humanas, vamos compreender como essas práticas eram vistas pelos
teóricos da escola difusionista. 

Para os pensadores do período clássico (especificamente da escola difusionista)


analisar essas construções sociais era o ponto central para a compreensão das culturas
humanas. Essas construções eram lidas por esses teóricos enquanto resultantes da
evolução humana. Sendo essas inovações (materiais, imateriais e todas as possibilidades
desde a cultura) compreendidas enquanto supostamente difundidas entre as diversas
culturas humanas presentes no mundo (SANTANA-TALAVERA, 2000).

Portanto, na prática, uma inovação seria criada em uma única cultura e


difundida para as demais. É importante lembrar que esse era um período de descobertas
e colonizações, portanto, se tratava de uma compreensão de mundo diferente da que
temos hoje, ou seja, muitas culturas e territórios ainda eram desconhecidos por esses
estudiosos, assim como toda a sorte de exploração e domínio eram vistas como uma
prática socialmente aceita. 

Acadêmico, perceba o quanto avançamos: agora sabemos que é fundamental


entender a importância de conhecer o centro do pensamento de uma escola teórica,
aprendemos a respeito das inovações socioculturais humanas e o que elas representam
para a escola difusionista, e entendemos que todas essas inovações são construções
sociais, ou seja, nada é natural, tudo que existe se trata de uma construção humana.
Agora vamos juntos avançar um pouco mais? 

A escola difusionista carrega este nome, justamente pelo fato de que


essa corrente de pensamento tinha como objetivo central observar e analisar a difusão
das inovações (construções sociais) pelas mais diversas culturas humanas existente
naquele período histórico. Você deve estar se perguntando: o que é essa difusão? Qual a
importância antropológica da difusão para essa escola clássica? Qual o motivo que levou
os teóricos a desenvolverem essa teoria a respeito da difusão das inovações? Estamos
esquentando nossos motores do conhecimento! Neste momento, vamos avançar um
pouco mais e compreender mais a fundo o que seria essa suposta difusão, vamos lá

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DICA
Conheça um pouco mais a respeito da escola difusionista assistindo ao vídeo
“Difusionismo, funcionalismo e estrutural funcionalismo – antropológica’’, no
qual a professora Mariane da Silva Pisani fala um pouco a respeito dessas e
outras escolas. Disponível em: https://bit.ly/36mswaU.

2.1 ESCOLA DIFUSIONISTA E O FENÔMENO DA


DIFUSÃO CULTURAL
Agora que você já sabe que todas as inovações humanas são construções
sociais e essas inovações informam a respeito da cultura, vamos entender a importância
dessas inovações para os estudiosos da escola difusionistas. Para esses teóricos, todas
as inovações anteriormente exemplificadas e tantas outras possíveis e imagináveis
deveriam necessariamente nascer em uma única cultura e local. Independentemente
de quais inovações, variando desde ferramentas, religiões e demais questões criadas
pelo ser humano, necessariamente eram entendidas como originais de uma cultura
específica. E, após serem desenvolvidas nessa cultura específica, necessariamente
seriam difundidas (espalhada) para o restante das culturas.

De fato, esses teóricos não faziam ideia do tamanho do planeta Terra, tampouco
dimensionavam o quanto diversas eram as populações que povoavam o mundo. Essa
ausência de entendimento em relação a dimensão da terra, bem como a densidade
populacional, eram fatores que influenciavam fortemente o pensamento da teoria
difusionista. Visto que, as reais escalas planetárias estavam muito distantes da
compreensão desses estudiosos, contribuindo então para a ideia de que toda e qualquer
inovação nasceria em uma cultura única e seria difundida para as demais. 

Vamos voltar à prática do uso de exemplos, assim podemos ilustrar nossa


imaginação e tornar mais simples a compreensão da teoria difusionista. A roda, por
exemplo, esse item utilizado em tantos veículos e demais ferramentas de uso comum ao
homem (inovação humana), ela pode ser usada para entender essa lógica de inovação
e difusão presente no pensamento difusionista.

Caso os teóricos da escola difusionista fossem analisar a roda, eles iriam


compreender que a roda teria sido criada por uma determinada população específica e as
demais populações do restante do mundo, por imitação, assimilação ou aprendizado, teriam
copiado a roda e passaram a utilizá-la para seu benefício. Essa era a maneira pela qual
esses pensadores imaginavam que todas as inovações humanas passavam. Obviamente
não apenas a roda, mas todas as inovações imagináveis (materiais ou imateriais) presentes
na humanidade. Segundo o pensamento vigente na escola difusionista, sempre existia uma
sociedade em que originalmente eram criadas as inovações, e depois, seja por imitação ou
qualquer outro modo, essa inovação seria apropriada e replicada pelas demais sociedades.

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Nesse período histórico, esses teóricos não compreendiam que essas inovações
aconteciam a todo o tempo nas mais diversas sociedades existentes no mundo. Como
já aprendemos (nunca é demais relembrar) para os difusionistas essas criações tinham
sempre um ponto de partida específico, ou seja, uma sociedade criava uma inovação e em
sequência essas inovações eram difundidas (espalhadas) para o restante das sociedades
humanas (REIS, 2004). O que essa teoria não levava em conta, era justamente o fato
de que a humanidade, de modo geral, independentemente do grupo que fosse, tinha
necessidades relativamente similares, portanto, as culturas diversas iriam buscar criar
inovações para atender as suas necessidades de maneiras similares nas mais diferentes
partes do mundo. Complicou? Nada disso, vamos entender juntos!

ATENÇÃO
Acadêmico, até o presente momento muito conhecimento já foi adquirido,
uma dica importante é que você comece a anotar as informações de uma
maneira que você possa retomar os conteúdos em um segundo momento.
Pode ser uma sistematização em formato de tabela, mapa mental, gráfico,
da maneira que for mais compreensível para você. Escrever é uma das
melhores opções para entender e fixar os conteúdos!

Partindo novamente para os exemplos: agora vamos usar as casas! As casas


são espaços de abrigo e proteção utilizados pela humanidade de maneira geral,
obviamente nossas casas apresentam muitas diferenças. É possível encontrar casas
que se diferenciam consideravelmente em uma mesma rua, bairro ou cidade, assim
como apresentam ainda mais diferenças caso façamos uma comparação entre casas
de continentes diferentes. Dentre essas diferenças, as casas podem oscilar em seus
tamanhos, formatos, materiais ou técnicas de construção. No entanto, uma coisa é certa,
todos os seres humanos, independente da cultura a qual pertença, sente a necessidade
de se proteger em um abrigo (uma casa), seja este fixo ou temporário. Acontece que, as
mudanças e variações climáticas, como o sol, vento, chuva, frio, dentre outros, acabam
por exigir que tenhamos um abrigo.

Sendo assim, variando em formato, material ou estrutura, toda a humanidade


de um modo ou de outro criou suas habitações, uma vez que a necessidade de proteção
é um fenômeno comum a todos. Obviamente, não foi uma cultura específica que
criou a ideia de casa e teve essa inovação replicada pelas demais culturas, todavia, as
diferentes populações sentiram a necessidade do abrigo e criaram suas casas com as
especificidades dadas a suas realidades. 

Portanto, acadêmico, não é muito difícil de imaginar que a necessidade de


construir habitações para o abrigo e proteção não estava presente em apenas uma
sociedade. Uma vez que conhecemos a dimensão territorial do planeta e a proporção da
população mundial, não faz sentido imaginar que apenas um determinado povo sentiu

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a necessidade de construir sua habitação, e após essa inovação feita, todas as outras
culturas as imitaram. No entanto, a realidade do século XIX, em termos informacionais,
era totalmente diferente da nossa realidade atual. Atualmente, reconhecemos que o
mais pertinente e apropriado é a perspectiva de que, conforme as necessidades dos
diferentes grupos, cada qual a sua maneira criou seu próprio espaço de habitação,
sem necessariamente precisar se inspirar em uma única cultura. Esse é apenas um
exemplo para compreender a falha contida na ideia de “criação e replicação” presente
na escola difusionista. É claro que, tanto no passado como nos dias de hoje, é possível
perceber influências em vários aspectos da sociedade entre uma cultura e outra, todavia
não necessariamente as inovações acontecem em uma sociedade específica e são
replicadas para as demais. Sendo as necessidades humanas relativamente parecidas,
as criações também têm certo grau de similaridade. Agora ficou mais claro? Espero que
sim. Pois bem, vamos seguir!

Para a escola difusionista, qualquer questão da ordem das necessidades humanas


poderia ser analisada pelos pensadores difusionistas nessa dupla mão: inovação e difusão,
ou seja, uma sociedade inova (cria algo) e isso é difundido (espalhado) para as demais
sociedades. Como já falamos, existiam relações pontuais entre uma escola teórica e sua
escola sucessora, assim, seguindo a lógica de um suposto movimento de evolução, para
os difusionistas, uma sociedade alcança certo grau de evolução ao imitar e replicar as
inovações de outras sociedades, assim como ao potencializar aquelas inovações.

É muito importante levar isso em conta: existe uma forte influência no


pensamento de uma escola antropológica na escola que nasce e se desenvolve
em seguida. Uma vez que não se trata de uma ruptura completa do pensamento e
perspectiva teórica, mas muito mais de mudanças, transformações e avanços teóricos,
é sempre possível enxergar aspectos de uma escola em sua escola sucessora. Assim,
mesmo que o centro de suas análises estivesse no interesse pela compreensão da
inovação, os difusionistas, de certa forma, ainda carregaram em suas teorias um fundo
da perspectiva evolucionista.

Assim, cada escola antropológica procurou, a seu modo, explicar as questões


presentes na organização social, relações sociais e cotidianas das diversas culturas
humanas. No entanto, a escola difusionista, por sua notória falta de solidez teórica que
explicasse de fato as situações culturais, assim como por acreditar que as ações humanas
se desenvolviam em uma sociedade e seriam replicadas no restante no mundo, acabou por
ter sua teoria superada em pouco tempo. Isso mesmo, a escola difusionista rapidamente
foi substituída por outras duas escolas teóricas. Sendo essas, a escola funcionalista e a
escola estrutural-funcionalista. Ambas as teorias surgiram no começo do século XX, em
contrapartida das teorias evolucionistas e difusionistas. Os nomes mais importantes dessas
teorias eram: Bronislaw Malinowski (1884-1942) (escola funcionalista) e Alfred Radcliffe-
Brown (1881-1955) (escola estrutural-funcionalismo). Novamente acontece mais uma virada
no pensamento antropológico clássico!

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Diferente da perspectiva teórica da escola difusionista, essas duas correntes
que nasceram no início do século XX, de modo resumido, apresentam as seguintes
mudanças: em síntese para esses estudiosos o método de análise de cada sociedade
se dava com o olhar desde dentro da própria sociedade estudada, e não em um
movimento de comparação em relação a outras sociedades. As comparações que
ambos os estudiosos faziam se dava em relação a uma análise histórica e evolutiva
das próprias sociedades analisadas, levando em conta os elementos funcionais que
faziam parte dessas sociedades. Elementos funcionais (gravem este termo) seriam
todos os meios de organização social que exerceriam determinadas funções dentro da
sociedade, sobretudo em relação a seu equilíbrio funcional. Fiquem tranquilos, iremos
nos aprofundar desse respeito mais à frente. 

Dessa forma, em nosso próximo subtópico, entenderemos um pouco mais a


respeito de um dos temas centrais na antropologia: o trabalho de campo! Uma das
maiores novidades em termos antropológicos está no fato de que os antropólogos
Malinowski e Radcliffe-Brown tinham como parte de seu ofício, enquanto antropólogos,
a prática do trabalho de campo. Para ambos, os pesquisadores necessariamente
precisariam estar em campo para o desenvolvimento de suas pesquisas, levando em
consideração o contato, observação e registros sistemáticos feitos diretamente a partir
da aproximação com os grupos dos quais se propunham a estudar.

2.1.1 O trabalho de campo


Como aprendemos na Unidade 1, os antropólogos, em sua maioria, seguiam um
perfil padrão. Majoritariamente se tratava de homens brancos europeus, pertencentes
a uma classe média, proprietários e com algum grau de instrução formal e que se
sobressaiam aos demais cidadãos. Esses homens, letrados e estudiosos foram, então,
os fundadores das primeiras escolas antropológicas, especialmente durante o período
clássico da antropologia.

É muito importante, acadêmico, que você leve essas informações em conta,


uma vez que o perfil dos fundadores de uma disciplina, sobretudo a antropologia,
diz muito a respeito do próprio desenvolvimento da disciplina. Além disso, as críticas
cabíveis às teorias e pesquisas antropológicas referentes ao período clássico estão
ligadas ao perfil de seus teóricos fundadores. Como já aprendido na unidade anterior, as
informações, dados e período histórico que atravessam nossa disciplina não podem ser
simplesmente tomados como fontes dadas, ou seja, é necessário ter em mente que o
olhar crítico é indispensável à pesquisa e estudos antropológicos. 

 Voltando aos primórdios de nossa disciplina. Lembre-se, acadêmico, mesmo no


período da escola evolucionista, não era uma prática comum a realização do trabalho de
campo por parte do antropólogo, ou seja, as teorias eram constituídas a partir de relatos
de terceiros (GUERRA, 2012). Desse modo, não se estabelecia nenhum tipo de relação

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ou aproximação entre o antropólogo e o espaço em que se pretendia pesquisar, muito
menos com as pessoas que habitavam essas regiões distantes (distantes da Europa,
uma vez que esse era considerado o centro do mundo) e suas realidades socioculturais.
 
Nesse período inicial da antropologia, as pesquisas e produções teóricas
antropológicas desses estudiosos eram constituídas a partir de: relatos dos viajantes,
questionários pré-estruturados e registros de outrem. Esses registros utilizados pelos
antropólogos eram feitos por militares, comerciantes, missionários, exploradores, dentre
outros. Portanto, a base das escolas evolucionistas e difusionistas eram pautadas
por registros, feitos por terceiros. Assim, as teorias dessas escolas nasciam desde a
leitura, análise e reflexão desses registros, somados aos conhecimentos adquiridos em
formações de outras áreas de conhecimento, uma vez que a antropologia ainda não se
tratava de uma disciplina estabelecida no cenário científico. 

Esse modo de pesquisar e desenvolver teorias e reflexões antropológicas


acontecia desde uma prática que passou a ser conhecido como “antropologia de gabinete”,
ou seja, os primeiros estudiosos dedicados a área da antropologia e posteriormente
considerados enquanto antropólogos, desde o interior de seus escritórios, desenvolviam
as teorias antropológicas (LAGE, 2009).

Essa primeira geração de estudiosos da antropologia não se deslocava até


o campo (campo é um nome genérico utilizado para definir qualquer espaço onde o
antropólogo faça suas observações e registros a respeito de determinada situação social
e cultural) para colher os dados in lócus (no lugar, “campo”) onde as situações aconteciam,
eles utilizavam esses registros produzidos por terceiros para desenvolver suas teorias
científicas. Essa prática sofreu grandes mudanças com o passar dos tempos.

FIGURA 5 – MALINOWSKI EM TRABALHO DE CAMPO

FONTE: <https://bit.ly/3s8Fr8M>. Acesso: 22 fev. 2022.

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Malinowski inaugurou a prática da pesquisa de campo em antropologia,
obviamente como aprendemos, mesmo que anteriormente a ele, outros sujeitos já
estiveram presentes nessas “regiões distantes" e escrito registros, essa prática, com fim
específico em adquirir conhecimentos para fins específicos em análises antropológicas,
nasceu com Malinowski, sobretudo ao que se refere à observação participante. Em
verdade, Malinowski acabou por lançar um novo modelo de pensar e produzir teoria
e prática antropológica, tratando assim de uma maneira vanguardista em termos da
técnica de investigação, métodos de interpretação das situações e dados a partir da
pesquisa de campo em antropologia. 

A prática do trabalho de campo inaugurada pelo antropólogo e estudioso


Malinowski se trata de uma questão de avanço sem igual na história de nossa disciplina.
Nesse momento, é importante conhecer um pouco desse antropólogo de destaque,
assim como sua obra mais importante, “Argonautas do Pacífico Ocidental”, de 1922.
Preparados para avançar ainda mais em nossos conhecimentos?! 

INTERESSANTE
Para conhecer mais da história do ofício de antropólogo, trabalho de
campo e etnografia, faça a leitura da obra de 1922, “Argonautas do Pacífico
Ocidental”, de Malinowski. É possível encontrar imagens e vídeos a respeito
desse livro. Lembre-se, um bom antropólogo sempre está interessado em
pesquisar e aprofundar seus conhecimentos, nunca é demais aprender a
respeito de nosso ofício!

2.2 FUNCIONALISMO: BRONISLAW KASPER MALINOWSKI E


SUA OBRA “ARGONAUTAS DO PACÍFICO OCIDENTAL” (1922)
É muito importante acadêmico, que você saiba que uma das maneiras de conhecer
a história da antropologia clássica é justamente a partir da leitura das obras clássicas
produzidas nesse período de nossa disciplina, ou seja, as publicações escritas pelos teóricos
que foram as principais referências daquele determinado momento do desenvolvimento da
antropologia. Uma vez que esses sujeitos não apenas estavam buscando responder a certas
questões de ordem social, como também viviam naquele período histórico específico, ou
seja, eram verdadeiras testemunhas da história que estava acontecendo, as descobertas
territoriais, as interações sociais, dentre outros. A escola funcionalista é a corrente teórica
desenvolvida na contrapartida das escolas evolucionistas e difusionistas. Essa teoria
funcionalista desenvolvida em um primeiro momento pelo estudioso Malinowski buscava
compreender a integração funcional dos elementos nas próprias sociedades, ou seja, a
comparação não era mais um ponto a ser analisado, e sim a integralidade dos elementos
que tinham como objetivo compor as sociedades. O antropólogo observava e analisava
as sociedades levando apenas a própria sociedade observada enquanto referência social
(SAMAIN, 1995). Vamos entender como Malinowski colocou em prática essa teoria?!

91
Como dito anteriormente, as obras clássicas são fundamentais para a
compreensão das escolas teóricas clássicas. Uma das obras mais conhecidas e
referenciadas em termos de antropologia clássica, assim como da própria história da
antropologia foi a publicação de Malinowski, intitulada “Argonautas do Pacífico Ocidental”,
de 1922. Em sua introdução, é possível conhecer os elementos que constituíam a base
de sua pesquisa, sobretudo no que se refere ao trabalho de campo desenvolvido pelo
estudioso em questão. Uma das questões mais interessantes ao nos debruçarmos
nessa obra, é o fato de que mesmo sendo uma pesquisa e reflexão teórica em formato
de livro, muitos dos parâmetros utilizados para a pesquisa de campo ainda são vigentes
até os nossos dias atuais. Imaginem só, uma obra centenária que, ainda nos dias de
hoje, contribui solidamente para a produção científica, antropológica, sobretudo em
termos de trabalho de campo e etnografia. 

Etnografia? Pois bem, mesmo que a compreensão dessa ferramenta de trabalho


antropológica seja profundamente estudada em nossa próxima unidade, vamos tomar
uma pequena nota.

NOTA
Etno (etnia) + grafia (escrita): de modo geral a etnografia corresponde a escrita
a respeito das etnias. Portanto, uma etnografia é o resultado dos registros
observados a respeito de determinadas etnias (PEIRANO, 1995).

É importante acadêmico, que você saiba que a etnografia, inaugurada por


Malinowski está presente até os dias de hoje em nossas práticas em pesquisa, assim como
se trata de uma ferramenta de suma importância em nosso ofício enquanto antropólogos.

Em breve, vocês também irão escrever suas etnografias e, assim, contribuir


substancialmente para o estudo das culturas humanas, dinâmicas e processos sociais
que estão em nosso entorno.

FIGURA 6 – BRONISŁAW MALINOWSKI

FONTE: <https://bit.ly/3v548Vx>. Acesso em: 22 fev. 2022.

92
“Argonautas do Pacífico Ocidental” foi uma das publicações de Malinowski de
grande envergadura em termos de pesquisa, assim como resultou em um trabalho de
muita importância para a disciplina da antropologia, sendo essa uma leitura obrigatória
para todos aqueles que decidem se dedicar ao ofício de antropólogo. Uma vez que
essa pesquisa foi resultado de um trabalho de considerável investimento, não apenas
financeiro, mas também pessoal, emocional, intelectual, de relevância prática e teórica.
Parte considerável dessa obra é composta por uma etnografia densa (aprofundaremos
nossos estudos a respeito de etnografia na Unidade 3 de nosso livro), considerada pioneira
em nossa disciplina, amplamente conhecida entre a comunidade científica daquele
período, assim como respeitada até mesmo atualmente. Sua pesquisa é reconhecida
tanto dentro da antropologia como em outras áreas de conhecimento, especialmente
nas ciências humanas e sociais, assim como essa obra tem uma importância central
para a reflexão de nossa disciplina.

A pesquisa de Malinowski resultou em uma situação em que, pela primeira


vez na história da antropologia, aconteceu a seguinte união: métodos de pesquisa
(usados por Malinowski), somados a uma bagagem teórica substancial, juntamente a
um tempo considerável de permanência em campo para a realização de observações
antropológicas, resultando, assim, em interações sociais e registros de suma importância,
destaca-se: registros etnográficos. Desta feita, resultou o aprendizado de Malinowski na
língua dos povos nativos das Ilhas Trobriand, assim como um extenso compartilhamento
de situações cotidianas entre pesquisador e população nativa.

Esse estudioso, dedicou parte de sua vida em viver próximo aos nativos que
optou por pesquisar, criando, assim, um considerável registro a respeito das situações
que presenciou e experimentou estando em trabalho de campo, junto aos povos nativos
daquelas localidades. Portanto, nessa prática de estar conjuntamente com as populações
e tendo a oportunidade de compartilhar situações e experiências particulares, resultou
naquilo que posteriormente se acordou chamar de “observação participante”.

O livro “Argonautas do Pacífico Ocidental” mudou completamente a visão dos


intelectuais daquele período a respeito das sociedades tribais, sobretudo entre os
estudiosos e interessados no tema das populações nativas. Uma vez que, anteriormente
a essa publicação, esses grupos eram vistos enquanto um tema do passado, sobretudo
associados e relacionados à ideia de fósseis, artigos de museus, povos extintos,
irracionalidade e todo tipo de pensamento colonizador possível de se imaginar. Portanto,
a pesquisa de Malinowski foi crucial para evidenciar o fato de que essas culturas nativas
estavam vivas, faziam parte do tempo presente e, sobretudo, compunham o horizonte
da humanidade. Obviamente é indispensável que se leve em conta o fato de que o
antropólogo Malinowski, durante e depois de sua estadia em campo, tinha uma série de
limitações em termos de análise, todavia, os deméritos de suas práticas de modo algum
anulam a importância de seu trabalho e produção teórica. Malinowski teve, e ainda tem,
destaque em nossa disciplina, a antropologia, assim como é fortemente reconhecido
em outros campos de conhecimento.

93
Desde a perspectiva funcionalista, Malinowski demonstra a vida e complexidade
dos povos das Ilhas Trobriand, em uma tentativa de evidenciar suas práticas desde o
“ponto de vista nativo” (questão fortemente criticada), mas que carrega importância
central para o contexto histórico do qual estava submerso, em especial no pensamento
antropológico. Uma das tentativas do autor era a de mostrar o sentido de mundo,
organização social, experiência no mundo e complexidade cultural desses povos. E para
alcançar esses objetivos, o antropólogo considerou a relação entre as funções desses
fenômenos pensados em uma totalidade dentro da própria sociedade analisada. 

O interesse central de Malinowski era o de entender como as instituições


socialmente estabelecidas funcionavam diante dos indivíduos diante de situações de
adversidade. Como assim? Em outras palavras, trazendo alguns pequenos exemplos
para compreensão, o antropólogo Malinowski analisava questões como a necessidade
de reprodução, alimentação, proteção (dentre muitas outras) eram resolvidas com o
casamento, trocas de colheitas e os conceitos de parentesco, ou seja, para a reprodução
estaria o casamento, para a alimentação estariam as trocas de alimentos e para a
proteção a própria concepção de família.

Em resumo, o interesse estava em observar e compreender como os arranjos


culturais (das mais diversas ordens) cumpriam uma função social que atendia às
necessidades fisiológicas do indivíduo. Além das necessidades diversas, existiriam
quatro necessidades fixas da ordem da cultura, sendo essas: controle social, economia,
organização política e educação. E a essas necessidades caberiam instituições estáveis
baseadas em normas pré-estabelecidas que cumpririam funções em relação ao
indivíduo e ao todo social. 

Malinowski oferece ao mundo verdadeiras sessões metodológicas, princípios


científicos e modos de operar de um pesquisador em campo nunca conhecidos com
tamanha complexidade. O intelectual oferece uma descrição densa e abundante em
detalhamento a respeito das práticas cotidianas das populações pertencentes à Ilha de
Trobriand, Melanésia. Um dos fenômenos descritos cuidadosamente pelo estudioso era
a cerimônia do Kula, que materialmente resultava em um sistema de trocas intertribais
que circulavam entre as ilhas do norte ao leste e extremo oriental da Nova Guiné, ao
longo de todo o ano (SILVA, 1998). 

Em resumo, o sistema Kula era baseado na troca de colares e braceletes, todavia


mesmo que em termos financeiros essas peças não carregassem valores consideráveis,
esses objetos carregavam em si valores de cunho moral que circulavam entre essas
ilhas. A essas trocas eram necessárias viagens relativamente longas em um circuito
marítimo tradicionalmente pré-determinado. Dentro desse sistema de trocas, cabiam
papéis sociais e status específicos, questões que aparecem descritas na citada obra.

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O Kula era um ritual de importância central entre os habitantes dessas ilhas.
Uma vez que, o Kula carrega consigo a função social de construir e carregar laços sociais
por longos períodos. Malinowski e seu modo de realizar pesquisa foi revolucionário em
termos antropológicos, uma vez que criou o método da observação participante e
presenteou a comunidade antropológica com a demonstração da importância central
do trabalho de campo em nossos ofícios, enquanto estudiosos, pesquisadores e
antropólogos (CORDEIRO, 2013). A contribuição desse estudioso para a antropologia
é imensa, assim como inaugurou um novo modo de fazer antropologia, estabelecer
relações com os grupos nativos e não menos importante, observar a totalidade da
existência humana e suas práticas e dinâmicas culturais. O maior diferencial de
Malinowski, sem dúvidas, foi o uso do método etnográfico, questão que iremos estudar
na Unidade 3 de nosso Livro Didático.

DICA
Conheça mais a respeito da vida e pesquisa do antropólogo e estudioso
Malinowski, assistindo ao vídeo “A antropologia funcionalista de Malinowski”, do
professor Marcos Henrique Amaral. Disponível em: https://bit.ly/3BOQOWU.

2.3 RADCLIFFE-BROWN E O ESTRUTURAL FUNCIONALISMO


Radcliffe-Brown foi um antropólogo da escola de antropologia social britânica.
Desenvolvendo suas pesquisas, em um primeiro momento, nas ilhas Andaman, no Golfo
de Bengala, ao leste da Índia, e na Austrália. O destaque e centralidade de suas pesquisas
estavam justamente em compreender os sistemas de parentesco e a organização social
dos povos aborígenes dos quais ele se aproximou em trabalho de campo. 

Uma vez que o antropólogo tomava o parentesco como um elemento central na


análise da organização social, uma vez que carregava consigo um sistema de normas
e regras fundamentais para o ordenamento social. Parte considerável de sua pesquisa
estava empenhada em compreender esse sistema e suas resultantes no todo social
(OLIVEIRA; SANTANA; ALVES, 2014). 

95
FIGURA 7 – RADCLIFFE-BROWN

FONTE: <https://bit.ly/3IbR3O5>. Acesso em: 22 fev. 2022.

O centro do pensamento da escola estrutural-funcionalista estava baseado


em entender a função específica que cada instituição exercia na sociedade, assim
como entendia que seu mau funcionamento representava uma desregulação da
própria sociedade. Essa perspectiva apresentava as sociedades com uma abordagem
mecanizada dentro que compunha uma estrutura. Sua perspectiva também levava em
conta a importância da realização de trabalho de campo.

O antropólogo e estudioso não acreditava em comparações evolutivas entre


sociedades, e sim, apoiava-se na compreensão da totalidade da sociedade observada.
Desse modo, as partes (instituições) reunidas formavam o todo que resultaria na
estabilidade social. Portanto, Malinowski diferenciava seu pensamento de Brown,
ao passo que levava em conta sobretudo as necessidades individuais, enquanto no
estrutural funcionalismo, as análises sociais estruturais eram os objetos privilegiados de
investigação, no entanto, ambos levavam em conta a questão da função (funcionalismo)
e sua importância em termos de organização social.

96
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A questão central da escola difusionista estava pautada na ideia de evolução humana


por meio da difusão das inovações, ou seja, uma inovação era criada em determinada
sociedade (inovação esta material ou imaterial) e copiada, portanto, difundida pelas
demais sociedades, essa corrente de pensamento não levava em conta o fato de que
as necessidades humanas são similares, portanto, as inovações para atender a essas
necessidades são desenvolvidas nas diversas sociedades.

• A escola difusionista, devido a suas limitações teóricas, não teve proeminência no meio
científico. Essa escola clássica teve poucos adeptos ao seu pensamento, assim como
uma breve duração em termos de pesquisas. As escolas funcionalistas e estrutural-
funcionalista rapidamente tomaram seu lugar em termos teóricos e científicos.

• O antropólogo Bronislaw Malinowski e seu trabalho de campo foram de suma


importância para o estabelecimento das novas bases metodológicas para o trabalho
de campo em antropologia, sua obra “Argonautas do Pacífico Ocidental”, de 1922, é
uma referência em termos de pesquisa em campo até os dias atuais. A inauguração
do uso do método etnográfico foi uma das questões de destaque central na obra
do antropólogo. 
 
• Para Radcliffe-Brown as instituições representam que as sociedades deveriam ser
analisadas em seu todo, sem comparativos evolutivos com outros grupos. A união
das instituições resulta no equilíbrio e estabilidade social. O antropólogo britânico
também apostava e realizou pesquisa de campo, sendo um dos nomes de grande
importância do período clássico de nossa disciplina, assim como uma referência até
os dias de hoje.

97
AUTOATIVIDADE
1 Segundo a escola difusionista, pertencente ao período clássico da antropologia, a
evolução da humanidade se dá a partir da difusão das inovações. Para essa corrente
de pensamento, a inovação é criada em uma determinada sociedade e copiada,
por consequência, difundida para as demais. Qual era a principal questão ignorada
por essa escola antropológica em termos de análise antropológica? Sobre essas
questões, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A evolução não necessariamente acontece a partir das inovações culturais, mas


sim com o advento das relações entre culturas e os aprendizados consequências
dessas relações.
b) ( ) Ignorar o fato de que a humanidade tem necessidades de sobrevivência
similares, independente da cultura a que se pertença, portanto, suas inovações
acontecem nas mais diversas culturas, e não apenas em uma e replicada nas
demais sociedades.
c) ( ) A escola difusionista centrava a evolução no pressuposto da inovação material,
desconsiderando as inovações imateriais, e, por consequência, todos os
avanços sociais.
d) ( ) Não existem pressupostos de evolução cultural, uma vez que as sociedades são
formadas de avanços e retrocessos cotidianos que impedem um padrão único
de evolução cultural.

2 Para o estudioso Malinowski o trabalho de campo se tratava de uma parte


extremamente importante do trabalho do antropólogo. Em sua obra “Argonautas do
Pacífico Ocidental”, de 1922, o antropólogo compilou algumas de suas observações
colhidas em campo. Sobre essas questões, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Para Malinowski era de suma importância que o antropólogo, por meio da


observação de dois ou mais povos, realizasse uma descrição densa e comparativa
entre os diferentes grupos observados, para assim poder apontar as diferenças
em termos evolutivos. 
b) ( ) Em seu trabalho de campo, Malinowski optou por apenas observar os povos
das ilhas que se estendiam desde o norte ao leste e extremo oriental da Nova
Guiné, todavia, apontou para o fato de que a todo momento era necessário se
resguardar de possíveis interações sociais para com os nativos daquelas ilhas,
evitando, assim, o envolvimento afetivo com aquelas pessoas, sendo, então,
possível realizar uma observação neutra. 
c) ( ) A questão da observação participante dizia respeito aos ensinamentos que o
antropólogo repassava aos nativos das ilhas, uma vez que, enquanto um homem
europeu pertencia a uma sociedade mais evoluída, seus conhecimentos eram
muito importantes para as evoluções dos povos tribais.

98
d) ( ) Para Malinowski era importante tomar o próprio grupo estudado enquanto
referência, ou seja, para o antropólogo a evolução estava presentes nas próprias
práticas internas das comunidades estudadas, a totalidade do próprio grupo
deveria ser o ponto de observação e não a buscas por hierarquias e possíveis
comparações em termos de evoluções entre grupos diferentes.

3 Dentro do sistema de trocas intitulado Kula, descrito pelo antropólogo Malinowski,


circulavam entre as ilhas do norte ao leste e extremo oriental da Nova Guiné, ao longo
de todo o ano, colares e braceletes. Essa prática se tratava de um circuito marítimo
tradicionalmente pré-determinado que envolvia uma série de questões relacionadas
à organização social dos habitantes dessas ilhas. Sobre essas questões relacionadas
ao sistema Kula, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O antropólogo Malinowski observou e registrou que essas trocas carregavam


consigo questões morais, valores de importância social para aqueles que faziam
parte dessas trocas, bem como resultaram no estabelecimento e permanência
de relações que poderiam perdurar ao longo dos tempos. 
b) ( ) O sistema de trocas Kula era baseado em trocas de colares e braceletes que
aconteciam a cada biênio entre os habitantes dessas ilhas, onde o que importava
eram as quantidades de objetos oferecidos por cada parte. 
c) ( ) Independente dos objetos levados para a realização das trocas, o que de fato
importava eram as relações pré-estabelecidas entre as famílias presentes no
ritual, uma vez que os objetos eram apenas simbólicos e os encontros era o que
verdadeiramente moviam o cerimonial do Kula. 
d) ( ) Os valores monetários tinham importância central dentro do cerimonial do Kula,
uma vez que essas práticas de trocas moviam parte considerável da economia
local dos habitantes dessas ilhas. 

4 Por vezes, erroneamente, costumamos enxergar as práticas e dinâmicas de outras


culturas como sendo muito diferentes das práticas e dinâmicas de nossa própria
cultura. Vamos pensar em similaridades entre certas práticas culturais. Portanto, ao
pensar no sistema Kula, vemos a circulação de colares e braceletes entre as ilhas
do norte ao leste e extremo oriental da Nova Guiné, enquanto um sistema de trocas
materiais e imateriais, uma vez que coaduna em si uma série de questões como:
relações, afetos, economia etc. No entanto, em datas culturalmente estabelecidas
como Natal, aniversários, festas de casamento etc., também é comum a troca de
presentes que carregam consigo relações, afetos, economia etc. Desse modo,
baseado na prática de trabalho de campo de Malinowski, faça um registro escrito
(pode incluir áudios, imagens, vídeos, dentre outros recursos) a respeito das trocas
de presentes que acontecem em nossa cultura, busque por meio da observação e
registro destacar os elementos que extrapolam os presentes materiais, todavia fazem
parte desses momentos simbólicos.

5 Pensando na questão central do funcionalismo, sobretudo ao que se relaciona com o


equilíbrio social, com suas palavras, descreva uma prática que pode ser lida enquanto
um dispositivo de desequilíbrio social.
99
100
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
CULTURALISMO

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, agora imagine a possibilidade de um fio condutor cabível e aplicável
a todas as observações e análises de uma área de conhecimento. Um tema central que
atravessa uma disciplina por completo, uma chave que tem a capacidade de abrir todas
as discussões de nossa disciplina. Essa questão resultaria em uma verdadeira explosão
de informações das mais interessantes e inimagináveis possíveis, uma infinidade de
possibilidades condensadas em um mesmo tema.

Está curioso? Muito bem, a partir deste momento nos aprofundaremos nossos
estudos no tema da cultura e seus múltiplos atravessamentos. De agora em diante,
ao ouvir a palavra cultura, todos os seus sentidos serão aguçados às mais intensas
reflexões e análises críticas. A palavra cultura, nunca mais será a mesma, após esta
fase de seus estudos clássicos, a partir de agora, você alcançará a compreensão da
importância científica da cultura para a nossa disciplina e para o mundo!

Uma das maiores potências de nossa área de conhecimento repousa no fato


de que os conteúdos adquiridos em nossa disciplina podem ser observados por toda
a parte da vida cotidiana. O mundo inspira e exala antropologia! Desde antes do nosso
nascimento, em todas as partes do planeta Terra, a cultura está presente em suas mais
diversas formas. Com o estudo e reflexão deste terceiro tópico, você terá prova dessa
afirmação, assim como será capaz de ver a cultura em todas as suas possibilidades e
dimensões. Portanto, vamos juntos explorar o maior tema de nossa disciplina, a cultura! 

Acontece que, a cultura, sobretudo desde a antropologia estudada no Brasil


(como vimos na Unidade 1 de nosso livro), ocupa o centro de nossa disciplina, a
antropologia social, esta é a corrente teórica predominantemente estudada no Brasil.
Em território brasileiro, falar de antropologia é falar de cultura, falar de cultura é falar
de antropologia. A cultura está presente em absolutamente todas as esferas da vida
humana. Seja na linguagem, relações, política, parentesco, alimentação, dentre outros,
podemos observar a cultura e seu impacto na organização social da humanidade. 

E essa escola clássica chamada de teoria culturalista esteve dedicada a


observar, analisar e compreender essas diversas dinâmicas da cultura. É impossível
tornar-se apto a trabalhar com a antropologia sem conhecer com certa profundidade a
cultura e suas infinitas possibilidades de reflexão. Bons estudos!

101
2 FRANZ BOAS E A INTERDISCIPLINARIDADE
NA FORMAÇÃO DE UM DOS FUNDADORES
DA ANTROPOLOGIA: DA FÍSICA À ANTROPOLOGIA
Acadêmico, é muito enriquecedor para a jornada de estudos de um bom
antropólogo que ele tenha interesse em buscar conhecimentos relacionados ao período
clássico de nossa disciplina. Infelizmente, por questões diversas, na atualidade, os temas
clássicos de nossa disciplina recebem pouca ou nenhuma atenção, sendo deixados
como assuntos de segunda importância. No entanto, através dos estudos sobre a vida
e obra dos principais teóricos clássicos  de nossa disciplina, é possível compreender
questões epistemológicas que se fazem presentes na atualidade, sobretudo no que
toca a pesquisa de campo. O cientista alemão Franz Boas (1858-1942), é considerado
um dos fundadores da antropologia, sem sombra de dúvidas se trata de um desses
conceituados intelectuais que oferece reflexões fundamentais para nossa disciplina,
assim como para a própria prática do fazer antropológico contemporâneo (BOAS, 2004).
Esse antropólogo foi e ainda é uma grande referência nos estudos culturalistas, suas
observações e teorias até os dias de hoje se mostram extremamente pertinentes para
a pesquisa antropológica. 

FIGURA 8 – FRANZ BOAS

FONTE: <https://bit.ly/34S77WY>. Acesso em: 22 fev. 2022.

Franz Boas nasceu no ano de 1942 em uma pequena cidade chamada Minde,
na Alemanha. Filho de comerciantes medianos e bem estabelecidos, a possibilidade
de frequentar escolas formais, bem como os estudos superiores lhe foi oferecida. O
proeminente pesquisador acabou sendo popularmente conhecido como “Pai da
Antropologia Americana”, título este conquistado desde suas importantes pesquisas,
bem como o lugar onde estabeleceu sua carreira intelectual. 

Assim como a própria disciplina da antropologia (contemporaneamente), a


carreira e interesses pessoais e científicos de Boas foram percorrendo um caminho
muito interessante, desde uma perspectiva de análise interdisciplinar, fato que, em
muito, influenciou seus estudos e pesquisas em antropologia.

102
No ano de 1881, com apenas vinte e três anos, o jovem estudioso concluiu sua
primeira formação universitária na área da física, na Universidade de Kiel, localizada
na Alemanha. Pela ocasião de sua formação em física, Boas defendeu um trabalho a
respeito da absorção da luz pela água. No entanto, as possibilidades da carreira de físico
não supriam seus interesses e necessidades pessoais e profissionais, causando-lhe
certa insatisfação para com sua área de formação.

Em busca de alcançar êxito e realização em sua carreira, o jovem pesquisador


passou a estudar uma série de disciplinas e temas que despertaram sua atenção
naquela época. Logo após sua titulação em física, decidiu começar a estudar e refletir
a respeito da área da Geografia. Essa passagem não se deu pelo acaso da vida, esse
interesse foi motivado e influenciado pelo geógrafo Theobald Fischer (1846-1910), que
compunha o quadro de professores da Universidade de Kiel. Com o passar do tempo,
ambos começaram a nutrir uma amizade. Nesse momento, Boas precisou prestar o
serviço militar obrigatório pelo período de um ano, e em seu retorno, optou por se mudar
para Berlim, ocasião em passou a ter os primeiros contatos com a antropologia. 

Na capital alemã, teve a oportunidade de conhecer e se aproximar de Adolf


Bastian (1826-1905) que na época era diretor do Museu do Folclore de Berlim. Durante
um período breve, Boas inclusive ficou ligado à instituição. Nesse primeiro contato entre
Boas e a antropologia, seus interesses o aproximavam da área da antropologia física
(ramo da antropologia contemporaneamente relacionada à arqueologia), estudando,
por algum tempo, técnicas de medição. Interessante marcar que, nos dias de hoje,
sobretudo no Brasil, a antropologia cultural domina a cena da antropologia produzida
em nosso país, todavia, naquele período, a antropologia física tinha maior visibilidade.

Essa experiência de trabalho junto ao museu, despertou no jovem pesquisador


um grande interesse pela área dos estudos culturais, bem como geográficos. Motivado em
realizar uma expedição à Ilha de Baffin, localizada no Canadá, Boas inicia uma jornada pela
busca por financiamento para a realização da pretendida expedição. Uma das pretensões
centrais de seu empreendimento era o de entender a relação entre os esquimós com o meio
ambiente, assim como seus costumes, linguagens e práticas cotidianas.

Após muitos esforços, uma oportunidade lhe foi oferecida, estabeleceu, então,
uma barganha com um jornal de grande porte da capital. O acordo estabelecido era de
que, em contrapartida a recursos financeiros suficientes para patrocinar a expedição
pretendida, o jovem deveria entregar ao jornal uma série de artigos a respeito das
experiências da viagem. Desse modo, entre os anos de 1883 e 1884, o ainda entusiasta
dos estudos em antropologia consegue realizar sua viagem a Ilha de Baffin.

A interdisciplinaridade da carreira de Boas serve para mostrar o quanto nossa


área de estudos é aberta a diálogos com todas as áreas de conhecimento. Enquanto
antropólogo, é possível trabalhar e pesquisar nos mais diversos contextos e com os mais
variados temas. Sendo a cultura o centro de nossas análises, não existe espaço onde
a antropologia não seja uma ferramenta de trabalho possível e de grande relevância.

103
Estudar antropologia implica necessariamente em estudar a vida, sendo assim, a
prática antropológica é viável em todas as esferas da vida humana. Em nosso próximo
subtópico vamos conhecer um pouco mais a respeito do trabalho de campo realizado
por Boas. Uma vez que o trabalho de campo enquanto uma prática de pesquisa estava
em sua fase de desenvolvimento inicial e Boas é, até os dias de hoje, uma referência no
assunto (MOURA, 2006). Vamos conhecer um pouco a respeito das situações, questões
e reflexões a respeito do trabalho de campo pioneiro realizado por Boas na Ilha de Baffin?! 

NOTA
Franz Boas, na ocasião de sua morte, fez justiça ao seu próprio legado de
pesquisador e professor da Universidade de Columbia, local onde lecionou
por parte considerável de sua vida. Em uma confraternização na própria
universidade, Boas morreu próximo de um de seus alunos que veio a se tornar uma
referência em nossa disciplina, Claude Lévi-Strauss. Como já aprendemos, a antropologia
nos acompanha ao longo de todas as situações de nossas vidas, no caso de Boas, a
disciplina, de certa forma, o acompanhou até o momento de sua morte. 

2.1 ILHA DE BAFFIN E SUBJETIVIDADE NA PESQUISA


ANTROPOLÓGICA
Inicialmente, as motivações de Boas em realizar a expedição à Ilha de Baffin
(1883-1884) eram atravessadas por interesses relacionados à Geografia, pois nesse
período essa área de estudos era seu mais recente interesse em termos disciplinares.
O objetivo principal do pesquisador, era o de mapear as áreas costeiras da Ilha de
Baffin, sendo esse um trabalho pioneiro naquela localidade; ou, melhor, uma prática
pioneira no sentido de uma produção científica europeia, visto que os próprios nativos
já confeccionavam seus próprios mapas. Inclusive, as técnicas de mapeamento e
desenho dos esquimós eram muito similares ao modelo topográfico europeu. Afinal de
contas, quem melhor que os próprios habitantes de uma localidade para compreender
a respeito de seu território? 

ATENÇÃO
É fundamental que um antropólogo sempre exerça um olhar crítico a respeito
das informações que recebe, sobretudo ao que se refere a sua área de
conhecimento. Não é incomum que os mais diversos autores escrevam com
naturalidade que determinadas práticas foram pioneiras, todavia, é necessário levar
algo em conta, sobretudo quando se trata de questões que envolvem conhecimentos e
práticas de antropólogos em contrapartida aos conhecimentos e práticas nativas. Busque
realizar a seguinte análise: determinado sujeito foi de fato pioneiro na realização de uma

104
prática específica ou outros sujeitos já haviam realizado essa ação, mas não receberam o
devido reconhecimento e legitimidade por não se tratar de pessoas com nível formal de
ensino? Boas, por exemplo, foi pioneiro entre os europeus na confecção de mapas dessa
região, no entanto, antes dele, os próprios nativos já desenhavam os seus próprios mapas. 

No momento da realização desta expedição, o interesse pelo tema da cultura,


suas dinâmicas e nuances já estava presente nas reflexões do jovem pesquisador,
todavia, isso ainda se tratava de uma questão de segunda ordem em seu planejamento
de viagem. Com a chegada em campo, e sua aproximação com os povos nativos,
bem como com as possibilidades das situações que teve a oportunidade de observar
(práticas e costumes cotidianos dos nativos) sua perspectiva de pesquisa e trabalho na
ilha mudaram consideravelmente, e, dessa maneira, a antropologia foi ganhando cada
vez mais interesse por parte do pesquisador. Todavia, mesmo com as muitas mudanças
em relação aos caminhos a serem traçados ao longo do período da expedição, Boas
dedicou-se à produção dos mapas com o devido cuidado e responsabilidade esperados.
Dessa maneira, fez o primeiro mapa de precisão do Canal de Cumberland e o Estreito
de Davis. Mesmo as questões de fundo antropológico, relativas a essa expedição,
sobretudo em relação à vida dos esquimós, tenham ganhado maior relevância, seus fins
geográficos, bem como seus resultados materiais (especialmente os mapas), tiveram
sua devida relevância reconhecida naquele período.
 
É muito valioso, acadêmico, que você saiba que o trabalho de campo começa muito
antes de nossa chegada até o local em que pretendemos realizar nossas pesquisas. Definir o
tema da pesquisa, estabelecer um cronograma de trabalho, arrecadar os fundos financeiros
necessários para a estadia, organizar uma série de coisas para alcançar êxito em nosso
trabalho de campo, fazem parte dos elementos do pré-campo, e são indispensáveis para a
realização de uma pesquisa. Essas questões estiveram presentes nas jornadas dos autores
clássicos de nossa disciplina, bem como ainda fazem parte de nossa realidade. Obviamente,
com o passar do tempo, o surgimento de novas tecnologias e possibilidades (inclusive
virtuais) de realizar essa empreitada, sofreram mudanças consideráveis, no entanto, nunca
foi uma tarefa simples realizar um trabalho de campo de sucesso, assim como os percalços
sempre estiveram presentes em nosso ofício. 

Para Boas, desde o transporte até chegar à Ilha de Baffin, já se tratava de uma
tarefa complexa, sendo esse trabalho de campo um investimento de considerável
fôlego. A única possibilidade para chegar ao local de realização de sua pesquisa era por
meio de uma viagem de navio, além de que seria apenas possível realizar essa travessia
marítima unicamente durante a época do degelo. De modo algum se tratava de um
deslocamento simples e seguro, os riscos e esforços para alcançar o objetivo de chegar
na localidade pretendida eram representativos em termos de dedicação e planejamento.
Assim, a chegada a ilha, acontecimento que hoje em dia pode ser visto como uma tarefa

105
simples, graças aos meios de transportes disponíveis, para aquele período se tratava
de uma grande feita. O reconhecimento da importância do trabalho prático e teórico de
Boas, envolve não apenas suas reflexões críticas, mas o todo que envolveu a realização
de sua pesquisa (RUBIM, 2011).

FIGURA 9 – ILHA DE BAFFIN

Yellowk
inife

FONTE: <https://bit.ly/3IdPChZ>. Acesso em: 22 fev. 2022.

Uma vez que, as pesquisas antropológicas necessariamente atravessam nossas


vidas pessoais, o falso paradigma de uma possível neutralidade científica já caiu por terra
há muitos anos em nossa disciplina. Portanto, pesquisar antropologia necessariamente é
pesquisar cultura e humanidade, e as questões que transbordam esses temas acabam,
de um modo ou outro, nos tomando pessoalmente. Trabalhar com antropologia de modo
algum permite ao sujeito uma perspectiva neutra e descolada do contexto social do qual
está inserido, muito pelo contrário, ser antropólogo é necessariamente fazer parte, assim
como ser afetado (FAVRET-SAADA, 2005) pelos diferentes contextos sociais. O ofício de
antropólogo requer dedicação em questões de ordem teórica e a devida sensibilidade às
mais diversas realidades culturais. O impacto do campo no antropólogo não é um fato
novo em nossa disciplina, inclusive podemos observar essa questão em vários relatos
pessoais de autores clássicos. 

O próprio Franz Boas, durante o mesmo momento em que escrevia os artigos


para o jornal que havia patrocinado sua viagem, escreveu uma espécie de diário
pessoal contendo um número considerável de cartas para sua noiva, seu objetivo
era o de presentear a jovem amada no momento de sua volta de trabalho de campo.
Essas cartas resultaram em um generoso registro a respeito de muitas das sensações
experimentadas pelo pesquisador ao longo de seu período de trabalho de campo. Em
especial, seus anseios, dificuldades, desgostos, solidão, dentre outros sentimentos. É
de suma importância que você, acadêmico e futuro antropólogo, tenha claro que tais
sentimentos e sensações estão presentes até os dias atuais em nossas pesquisas e
trabalhos de campo. Esse registro em formato de cartas, escrito por um dos nomes de
106
maior relevância de nossa disciplina, nos auxilia a compreender e ponderar a respeito
das questões de ordem pessoal e subjetiva que atravessam o dia a dia daqueles que se
dedicam à pesquisa antropológica, na qual, muitas das vezes, é comum deparar-se com
situações das mais adversas. 

Estar em campo é, sem sombra de dúvidas, um dos pontos mais altos da prática
do antropólogo, no entanto, não se pode negar que, em muitos momentos, os sentimentos
mais ambíguos tomam por completo aqueles que se dedicam à pesquisa em culturas e
localidades diferentes das suas de origem. Mesmo que durante um período considerável
de formação em antropologia o estudante receba todas as ferramentas teóricas para
a realização de pesquisa de campo, as surpresas e infortúnios são uma possibilidade
iminente ao trabalho de campo. O contato com culturas diversas coloca os sentimentos
e subjetividades do antropólogo em cena, tornando-o suscetível a muitos sentimentos
e sensações durante e após o trabalho de campo. Diversas são as tensões, choques e
possibilidades de aprendizado que nascem ao longo desse momento de observação
e coleta de dados. Podemos estranhar questões da ordem dos alimentos, práticas de
higiene, relações interpessoais, dentre muitas outras questões das quais o campo se
distingue de nossa realidade cotidiana e cultural. Assim como é possível aprender um
idioma, adquirir habilidades técnicas, conhecer lugares novos, enfim, estar em campo é
expandir o próprio horizonte, pessoal e profissional (MARTINS; MENDES, 2016). 

Nesse período em que Boas realizava sua primeira expedição, a antropologia


ainda era um campo de conhecimento em construção e existia uma infinidade de
possibilidades a serem refletidas. Assim que estabeleceu contato com os nativos da ilha,
o jovem estudioso passou a despertar para as questões relacionadas à cultura e suas
dinâmicas, ou seja, a antropologia. Assim, aos poucos, seus interesses anteriores à viagem
foram sendo deixados de lado, abrindo cada vez mais espaço para as observações de
fundo antropológico. Uma vez que as situações cotidianas presenciadas no então novo
contexto regional e cultural em que estava inserido, acabaram por influenciar a visão de
mundo do mais novo entusiasta em assuntos relacionados à cultura e suas dinâmicas.
Em campo, o fascínio de Boas concentrou-se em torno de assuntos relacionados ao
comportamento humano.

GIO
No período inicial da antropologia, era uma prática comum que os jovens
antropólogos fossem realizar suas pesquisas de campo acompanhados de alguém
de sua confiança, uma pessoa que pudesse fazer a tradução do idioma nativos e/ou
até mesmo uma pessoa que lhe prestasse serviços gerais, alguém que hoje seria lido
enquanto um empregado doméstico ou um assistente de pesquisa. Por recomendação
e insistência de seu pai, Boas foi acompanhado de um empregado de sua família. Essa
informação deve ser absorvida com a devida importância, visto que os créditos não
são reconhecidos a esses “assistentes” de viagens, todavia, suas presenças são de
importância para a ida e permanência dos antropólogos do período clássico em seus

107
campos de pesquisa. O desenvolvimento das pesquisas científicas de uma forma ou de
outra sempre dependem de uma comunidade de pessoas, seja para discussões teóricas
ou questões de ordem da vida prática e o reconhecimento dessas participações se trata de
honestidade e ética intelectual. 

Mesmo com certo grau de dificuldade, o pesquisador, por inúmeras vezes,


colocou-se a realizar tarefas cotidianas que faziam parte da vida dos povos esquimós.
A caça, por exemplo, era uma dessas tarefas. Além dos conhecimentos técnicos, tal
prática despertava grandemente a curiosidade e interesse do jovem cientista em
termos culturais. Boas considerava-se, de certo modo, parte do grupo do qual havia ido
realizar sua pesquisa, tratava-se de um estudioso muito dedicado ao seu ofício. Um dos
grandes diferenciais de sua empreitada em pesquisar a respeito do Ártico, sobretudo
dos povos da Ilha de Baffin, foi o interesse em aprender o idioma local, sendo essa uma
prática incomum entre os pesquisadores daquela época. 

O estudioso percorreu quase cinco mil quilômetros ao longo do ano em que


permaneceu em campo, pelos mais diversos meios de locomoção. O impacto de seu
trabalho de campo e reflexão teórica foram cruciais em termos de mudança de paradigma
a respeito do modo com que as diferentes culturas passaram a ser vistas, sobretudo
pela comunidade de cientistas e entusiastas dos estudos da cultura daquela época.
Boas inclusive chamou a atenção aos olhos para a maneira como a própria sociedade
da qual ele pertencia enxergava a si mesma. Uma vez que observar e refletir a respeito
do “outro” implica em olhar para si mesmo. E esse modo de pesquisar, assim como
as reflexões implicadas na análise antropológica eram totalmente modernas. Vamos
em frente para entender um pouco a respeito das questões levantadas em campo a
respeito da cultura dos povos das Ilhas Baffin, assim como a respeito das reflexões que
passou a fazer a partir de sua própria cultura?! 

2.1.1 Descobertas do campo: topografia nativa


Atrelando os interesses pessoais (conhecer os povos) e profissionais (mapear a
localidade) de Boas em seu tempo em campo, foi possível para o pesquisador reconhecer
rapidamente a abundância em termos de conhecimentos geográficos por parte dos
esquimós. O então entusiasta da disciplina da Geografia, assim como dos temas da
cultura, espantava-se ao perceber a sofisticação em termos topográficos que os nativos
tinham a respeito de sua região. Diferentemente do que se imaginava, tratava-se da
sistematização do conhecimento topográfico de modo profundo, detalhado e complexo.

O próprio estudioso reconheceu uma série de falhas presentes em sua formação


em Geografia, uma vez que a observação da vida dos nativos do Ártico comprovou
o quanto essas populações extrapolavam as questões do determinismo geográfico
presente na disciplina da Geografia.
108
Mesmo que os mapas de Boas tenham sido reconhecidos como os primeiros
mapas detalhados da região, o próprio pesquisador relata a respeito dos mapas feitos
pelos povos nativos da ilha, bem como as habilidades com desenho dos povos nativos.

A sagacidade antropológica de Boas fez com que ele pedisse aos esquimós
que desenhassem os mapas de seu território em papel. Esses mapas eram verdadeiros
tesouros em termos etnográficos, material esse que o jovem trouxe consigo em seu
retorno de campo. A similaridade entre os mapas dos esquimós e aqueles feitos pelo
jovem geógrafo eram impressionantes. 

Destacando o fato de que esses povos conseguiam desenhar na própria neve


seus mapas, apontando para conhecimentos e habilidades de importância considerável,
assim como qualidade e precisão. Deve-se levar em conta também o fato de que a área
em questão era de extensão considerável, fato que em nada impedia a precisão dos
esquimós em relação ao conhecimento de sua região.

Outro ponto interessante observado em campo por Boas era o fato de que, para
os esquimós, era possível medir a distância de um território ao outro a partir do tempo
gasto para realizar essa travessia, mostrando, assim, a complexidade desse sistema de
conhecimento em termos de mapas e territorialidade. 

Desde seus conhecimentos em Geografia, o determinismo geográfico apontava


para o fato de que o ambiente (nesse caso dos esquimós) determinava consideravelmente
a respeito da vida, práticas e dinâmicas sociais de sua população. Todavia, com o passar
do tempo, ao longo de seu trabalho de campo, o pesquisador observou a impossibilidade
prática da comprovação dessa teoria.

INTERESSANTE
Mesmo que a linguagem escrita seja o centro de nosso modo de adquirir
conhecimentos e desenvolver nossas pesquisas na antropologia, existem
outras maneiras extremamente interessantes para aumentar nossos
conhecimentos. Documentários e demais aportes audiovisuais são muito
valiosos para uma sólida formação em antropologia. Sendo assim, para conhecer e
aproximar-se um pouco mais do antropólogo e intelectual Franz Boas, recomenda-se
assistir ao documentário “Estranhos no exterior: as correntes da tradição (Franz Boas)”, a
respeito da vida e pesquisa de um dos pioneiros de maior relevância para o nosso ofício
enquanto antropólogos. Disponível em: https://bit.ly/36mjTx2.

109
2.2 ESCOLA CULTURALISTA
Franz Boas, pouco tempo depois de seu retorno da Ilha de Baffin e após alguns
descontentamentos com suas possibilidades profissionais na Alemanha, muda-se para
os Estados Unidos da América, localidade onde residia sua noiva. Nesse momento seu
interesse estava totalmente voltado para as questões antropológicas e etnográficas.
Realizou outros trabalhos de campo de grande importância em sua carreira. Elaborou
outras expedições já direcionadas ao campo antropológico, confirmando suas hipóteses
iniciadas em seu primeiro trabalho de campo, onde compreendeu que o determinismo
geográfico não se sustenta, frente a observação empírica de povos e culturas que viviam
em contexto regionais das mais diversas condições geográficas e climáticas.

No ano de 1887, enquanto um antropólogo estabelecido, passou a trabalhar


como editor assistente na revista científica Science. Revista esta recém-inaugurada e
que perdura até os dias de hoje. E, em 1889, tornou-se professor da Clark University.

Ambos os cargos foram temporários, todavia foram de importância central na vida


do antropólogo. Em sua participação na citada revista, Boas compreendeu a importância
da formação de uma revista científica capaz de reunir e estreitar pesquisas com interesses
semelhantes, permitindo, assim, o estabelecimento e expansão de discussões a respeito de
temas e interesses de pesquisas de uma mesma área de conhecimento.

Outro trabalho de impacto na carreira de Boas foi no Museum of Natural History,


concomitantemente a oportunidade de lecionar na Columbia University. Para o trabalho
do museu, o antropólogo realiza trabalho de campo, onde coleta dados e peças para o
museu. Em 1905, ao adquirir estabilidade na universidade, sai do museu, dedicando sua
vida a pesquisa e docência. 

Boas é conhecido como o “Pai da Teoria Culturalista”, todavia curiosamente


diferente da tradição dos intelectuais de sua época, o estudioso não estabelece uma
definição concreta para o termo cultura. A cultura para o antropólogo não poderia ser lida
enquanto uma união de partes fragmentadas de uma sociedade, tampouco separada da
natureza. Os esforços do estudioso estavam concentrados em compreender a cultura
enquanto um todo e não enquanto partes fragmentadas de um sistema. Entre suas
grandes áreas de interesse para compreender a cultura repousavam as questões de
linguagem e da arte. A importância do tema das linguagens e arte eram repassados
veementemente a seus alunos.

Para Boas era necessário compreender a fundo a importância da linguagem


para as culturas, assim como entender uma cultura a partir dela mesma e não mais
tendo a cultura europeia como modelo ideal. Outra questão presente em seu trabalho
era a importância da separação entre cultura e raça, questões que perpetuaram ao
longo de boa parte da fundação da antropologia. 

110
 Em sua teoria, Boas abre as discussões a respeito do relativismo cultural, ou
seja, em contrapartida do pensamento vigente no período em que vivia, sua perspectiva
analisa as diversas culturas desde suas diferenças e não tendo como base uma
pseudo-hierarquia entre culturas. Sua teoria apontava para o fato de que as culturas
eram constituídas de diferentes modos de organização social, diferentemente do que
se acordava compreender naquela época em que se acreditava que as culturas partiam
de um modelo simples, podendo desenvolver-se para um sistema complexo. O trabalho
de campo era visto pelo antropólogo enquanto uma parte indispensável à pesquisa
antropológica. Enquanto professor universitário, incentivava intensamente seus alunos
a realizarem trabalho de campo para o desenvolvimento de suas pesquisas. Essas
perspectivas teóricas em muito influenciavam sua vida pública e política, política no
sentido de sua visão a respeito dos diferentes contextos socioculturais presentes em
diferentes territórios (BARBOSA, 2016). 

111
LEITURA
COMPLEMENTAR
ARGONAUTAS DO PACÍFICO OCIDENTAL: UM RELATO DO EMPREENDIMENTO
E DA AVENTURA NOS ARQUIPÉLAGOS DA NOVA GUINÉ

Bronisław Malinowski

INTRODUÇÃO

Tema, métodos e objetivos desta pesquisa

Com raras exceções, as populações costeiras das ilhas do sul do Pacífico são –
ou foram, antes de sua extinção – constituídas de hábeis navegadores e comerciantes.
Muitas delas produziram excelentes variedades de canoas grandes para navegação
marítima, usadas em expedições comerciais a lugares distantes ou incursões de guerra
ou conquistas.

Os papua-melanésios, habitantes da costa e das ilhas periféricas da Nova Guiné,


não são exceção a esta regra. São todos, de maneira geral, navegadores destemidos,
artesãos laboriosos, comerciantes perspicazes. Os centros de manufatura de artigos
importantes – tais como artefatos de cerâmica, implementos de pedra, canoas, cestas
finas e ornamentos de valor – encontram-se em localidades diversas, de acordo
com a habilidade dos habitantes, a tradição herdada por cada tribo e as facilidades
especiais existentes em cada distrito. Destes centros os artigos manufaturados são
transportados a diversos locais, por vezes a centenas de milhas de distância, a fim de
serem comerciados.

Encontram-se, entre as várias tribos, formas bem definidas de comércio ao


longo de rotas comerciais específicas. Entre os motu de Port Moresby as tribos do golfo
Papua encontram-se uma das mais notáveis formas de comércio. Os motu navegam
centenas de milhas em suas toscas e pesadas canoas, chamadas lakatoi, munidas das
características velas em forma de "pinça de caranguejo". Trazem artefatos de cerâmica e
ornamentos feitos de conchas e, em épocas anteriores, lâminas de pedra aos habitantes
do golfo Papua, deles obtendo em troca o sagu e os pesados troncos escavados que são
mais tarde usados pelos motu na construção de suas canoas lakatoi.

Mais para o leste, na costa sul, vivem os mailu, população laboriosa e navegadora
que, através de expedições feitas anualmente, servem de elo entre o extremo leste da
Nova Guiné e as tribos da costa central.
112
Há, finalmente, os nativos das ilhas e arquipélagos, espalhados no extremo leste
que também se encontram em constantes relações comerciais uns com os outros. No
livro do Professor Seligman o leitor encontrará uma excelente descrição sobre o assunto,
especialmente no que se refere às rotas comerciais mais próximas existentes entre as
várias ilhas habitadas pelos massim meridionais. A par desse tipo de comércio, existe,
entretanto, outro sistema, bastante extenso e altamente complexo, que abrange, em
suas ramificações, não só as ilhas próximas ao extremo leste da Nova Guiné, mas também
as Lusíadas, a ilha de Woodlark, o arquipélago de Trobriand, e o grupo d'Entrecasteaux;
penetra no interior da Nova Guiné e exerce influência indireta sobre vários distritos
circunvizinhos, tais como a ilha de Rossel e algumas porções dos litorais sul e norte
da Nova Guiné. Esse sistema de comércio, o Kula, é o que me proponho a descrever
neste volume como veremos mais adiante, trata-se de um fenômeno econômico de
considerável importância teórica. Ele assume uma importância fundamental na vida
tribal sua importância é plenamente reconhecida pelos nativos que vivem no seu círculo,
cujas ideias, ambições, desejos e vaidades estão intimamente relacionadas ao Kula.

II

Antes de iniciarmos aqui o relato sobre o Kula, será interessante apresentar


uma descrição dos métodos utilizados na coleta do material etnográfico. Os resultados
da pesquisa científica, em qualquer ramo do conhecimento humano, devem ser
apresentados de maneira clara e absolutamente honesta. Ninguém sonharia em fazer
uma contribuição às ciências físicas ou químicas sem apresentar um relato detalhado
de todos os arranjos experimentais, uma descrição exata dos aparelhos utilizados, a
maneira pela qual conduziram as observações, o número de observações, o tempo a
elas devotado e, finalmente, o grau de aproximação com que se realizou cada uma das
medidas. Nas ciências menos exatas, tais como a biologia e a geologia, isso não se pode
fazer com igual rigor, mas os estudiosos dessas ciências não medem esforços no sentido
de fornecer ao leitor todos os dados e condições em que se processou o experimento
e se fizeram as observações. A etnografia, ciência em que o relato honesto de todos os
dados é talvez ainda mais necessário que em outras ciências, infelizmente nem sempre
contou no passado com um grau suficiente deste tipo de generosidade. Muitos dos seus
autores não utilizam plenamente o recurso da sinceridade metodológica ao manipular
os fatos e apresentar-nos ao leitor como que extraídos do nada. 

Facilmente poderíamos citar muitas obras de grande reputação e cunho


aparentemente científico, nas quais se fazem as mais amplas generalizações, sem que
os autores nos revelem algo sobre as experiências concretas que os levaram as suas
conclusões. Em obras desse tipo, não há nenhum capítulo ou parágrafo destinado ao relato
das condições sob as quais foram feitas as observações e coletadas as informações.

Um trabalho etnográfico só terá valor científico irrefutável se nos permitir


distinguir claramente, de um lado, da observação direta e das declarações e
interpretações nativas e, resultados de outro, as inferências do autor, baseadas em
seu próprio bom senso e intuição psicológica. O resumo que apresento mais adiante

113
(seção VI deste capítulo) ilustra a linha de pesquisa a ser observada. É necessária a
apresentação desses dados para que os leitores possam avaliar com precisão, não
passar de olhos, quão familiarizado está o autor com os fatos que descreve e sob
que condições obteve as informações dos nativos. Nas ciências históricas, como
já foi dito, ninguém pode ser visto com seriedade se fizer mistério de suas fontes e
falar do passado como se o conhecesse por adivinhação. Na etnografia, o autor é,
ao mesmo tempo, o seu próprio cronista e historiador; suas fontes de informação
são, indubitavelmente, bastante acessíveis, mas também extremamente enganosas
e complexas; não estão incorporadas a documentos materiais fixos, mas sim ao
comportamento e memória de humanos. Na etnografia, é frequentemente imensa a
distância entre a apresentação final dos resultados da pesquisa e o material bruto das
informações coletadas pelo pesquisador através de suas próprias observações, das
asserções dos nativos, do caleidoscópio da vida tribal. O etnógrafo tem que percorrer
esta distância ao longo dos anos laboriosos que transcorrem desde o momento em
que pela primeira vez pisa numa praia nativa e faz as primeiras tentativas no sentido de
comunicar-se com os habitantes da região, até à fase final dos seus estudos, quando
redige a versão definitiva dos resultados obtidos. Uma breve apresentação acerca das
tribulações de um etnógrafo – as mesmas por que passei – pode trazer mais luz à
questão do que qualquer argumentação muito longa e abstrata.

III

Imagine-se o leitor sozinho, rodeado apenas de seu equipamento, numa praia


tropical próxima a uma aldeia nativa, vendo a lancha ou o barco que o trouxe afastar-se
no mar até desaparecer de vista. Tendo encontrado um lugar para morar no alojamento
de algum homem branco – negociante ou missionário – você nada tem para fazer a não
ser iniciar imediatamente seu trabalho etnográfico. Suponhamos, além disso, que você
seja apenas um principiante, sem nenhuma experiência, sem roteiro e sem ninguém que
o possa auxiliar – pois o homem branco está temporariamente ausente ou, então, não se
dispõe a perder tempo com você. Isso descreve exatamente minha iniciação na pesquisa
de campo, no litoral sul da Nova Guiné. Lembro-me bem das longas visitas que fiz às aldeias
durante as primeiras semanas; do sentimento de desespero e desalento após inúmeras
tentativas obstinadas, mas inúteis para tentar estabelecer contato real com os nativos e
deles conseguir material para a minha pesquisa. Passei por fases de grande desânimo,
quando então me entregava à leitura de um romance qualquer, exatamente como um
homem que, numa crise de depressão e tédio tropical, se entrega à bebida. 

Imagine-se entrando pela primeira vez na aldeia, sozinho ou acompanhado de


seu guia branco. Alguns dos nativos se reúnem ao seu redor – principalmente quando
sentem cheiro de tabaco. Outros, os mais velhos e de maior dignidade, continuam
sentados onde estão. Seu guia branco possui uma rotina própria para tratar os nativos;
ele não compreende e nem se preocupa muito com a maneira como você, o etnógrafo,
terá que aproximar-se deles. A primeira visita o enche da esperança de que, ao voltar
sozinho, as coisas lhe serão mais fáceis. Era isso, pelo menos, que eu esperava.

114
Realmente, voltei como planejara. Logo reuniram-se os nativos ao meu redor.
Trocamos alguns cumprimentos em inglês pidgin, dei-lhes um pouco de tabaco e assim
criou-se entre nós uma atmosfera de mútua cordialidade. Tentei, então, dar início ao
meu trabalho. Primeiro, comecei por "fazer" tecnologia, a fim de não entrar diretamente
em assuntos que pudessem levantar suspeitas entre os nativos. Alguns deles estavam
absortos em suas ocupações, fabricando este ou aquele objeto. Foi fácil observá-los e
deles obter os nomes dos instrumentos que estavam usando, e até mesmo algumas
expressões técnicas relativas aos seus métodos de trabalho; mas ficou nisso o assunto.
Devemos ter em mente que o inglês pidgin é um instrumento muito imperfeito como
veículo de comunicação.

FONTE: Adaptada de MALINOWSKI, B. Argonautas do pacífico ocidental: um relato do empreen-


dimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné Melanésia. Tradução de
Anton P. Carr e Lígia Aparecida Cardieri Mendonça. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. Disponível em:
https://bit.ly/3828rYf Acesso em: 22 fev. 2022.

115
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• As escolas teóricas sempre estão ligadas à realidade do contexto social e cultural


em que estão inseridas, não sendo possível, assim, estudar uma teoria antropológica
sem levar em conta os aspectos sociais a sua volta. Questões históricas, bem como
interesses políticos, sempre estão, de algum modo, impactando nas perspectivas
teóricas vigentes.

• Franz Boas foi considerado um dos fundadores da antropologia, em especial


a antropologia cultural. Suas pesquisas foram cruciais para a compreensão da
diversidade de culturas e suas nuances. O intelectual foi crucial para os estudos
culturais, bem como para uma análise de fundo interdisciplinar na disciplina
da antropologia.

• A escola culturalista buscou romper com a hierarquização entre culturas diversas. O


determinismo geográfico foi combatido por Boas e sua teoria culturalista. O relativismo
cultural entra em cena a partir da teoria culturalista. 

• O trabalho de campo constitui uma parte de muita importância no ofício do antropólogo.


É necessário uma série de planejamentos e organizações para empreender um
trabalho de campo com êxito. O antropólogo, necessariamente, será afetado pelas
situações observadas em campo e essas experiências atravessam diretamente seu
fazer antropológico.

116
AUTOATIVIDADE
1 Franz Boas, ao realizar sua pesquisa de campo na Ilha de Baffin, deparou-se com
questões que despertaram sua atenção para o contexto cultural dos esquimós. Sua
teoria culturalista apontava para as diversas culturas existente. De acordo com o
exposto, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As culturas estariam divididas em diferentes pontos de evolução, portanto as


diversidades culturais poderiam ser sistematizadas enquanto diferentes graus
de evolução cultural. 
b) ( ) Segundo Boas, apenas a cultura europeia deveria ser o modelo cultural para as
demais culturas, uma vez que era a cultura que se encontrava em maior nível de
desenvolvimento. 
c) ( ) As diferenças culturais eram maneiras de comprovar a existência de culturas
simples e culturas complexas, no entanto, com o tempo, essas diferenças
poderiam diminuir consideravelmente. 
d) ( ) Ao desenvolver seu trabalho de campo, Boas observou que não existiam
hierarquias entre culturas. Um dos exemplos que envolve essa questão é o fato
de que os mapas de Boas e os mapas dos esquimós eram similares, portanto,
trata-se da questão das diferenças e não das hierarquias. 

2 O trabalho de campo se trata de uma prática de considerável importância em nosso


trabalho enquanto antropólogos, todavia, algumas questões devem ser levadas em
conta durante o momento em que estamos em campo. Desde os relatos de Boas,
é possível perceber que, durante esse período, o antropólogo passa por questões
como. Acerca disso, assinale a resposta CORRETA: 

a) ( ) O antropólogo compreende a importância de sua presença no local a ser


pesquisado, uma vez que, por optar em pesquisar determinada localidade, ele
está contribuindo diretamente para aquele território. 
b) ( ) Cabe ao antropólogo manter-se neutro em absolutamente todas as questões
que aparecerem ao longo do trabalho de campo, uma vez que se espera por
parte do profissional tal comportamento. 
c) ( ) Ao estar em campo, as situações observadas tocam diretamente o antropólogo
que as observa. Sendo necessário estar teoricamente preparado para passar por
essas situações, todavia, deve-se levar em conta que o campo, de uma forma ou
outra, afeta o antropólogo.
d) ( ) Ao chegar no campo o antropólogo deve despir-se de todos os seus valores
morais e viver e sentir de igual maneira que seus interlocutores de pesquisa. 

117
3 Imagine uma pesquisa realizada desde a antropologia, na qual o trabalho de campo
em uma localidade distante seja necessário. A partir desse exemplo, busque descrever
alguns dos elementos que devem ser organizados durante o período de pré-campo,
levando em conta questões como: deslocamento, hospedagem, idioma falado na
localidade e recursos materiais. Lembre-se que o trabalho de campo é uma prática
de grande importância para o ofício do antropólogo, uma boa organização antes da
viagem em si é indispensável para o sucesso de sua pesquisa.

4 A formação interdisciplinar de Franz Boas impactou diretamente em sua carreira


intelectual. O antropólogo realizou sua primeira expedição com fins geográficos,
todavia, com o passar do tempo e suas experiências em campo, seus interesses
foram se aproximando cada vez mais da antropologia. Uma vez que essa diversidade
de conhecimentos afetou sua carreira no sentido de que. Acerca disso, assinale a
alternativa CORRETA: 

a) ( ) Com os conhecimentos adquiridos na física o intelectual teve facilidade em


trabalhar com a antropologia física. Permanecendo, ao longo de sua vida,
refletindo e produzindo a respeito de tal linha de pesquisa. 
b) ( ) Graças aos seus conhecimentos em Geografia, Boas pôde mapear a Ilha de
Baffin e, assim, conquistar a confiança de seus interlocutores, uma vez que
produzir mapas daquelas localidades representou uma grande contribuição para
aquela população.
c) ( ) A formação interdisciplinar de Boas permitiu que o antropólogo realizasse seu
trabalho de campo com um olhar expandido a respeito das questões topográficas
e culturais presentes na região explorada, bem como no cotidiano de seus
interlocutores.
d) ( ) A interdisciplinaridade da formação do antropólogo em nada afetou sua carreira,
uma vez que seu trabalho estava ancorado nas possibilidades econômicas
mais rentáveis. 
 
5 Acadêmico, a respeito da antropologia clássica, você se encontra preparado para
desenvolver críticas sobre determinadas práticas antropológicas. Baseado no
trabalho de campo realizado por Franz Boas e a questão do assistente de pesquisa,
explique com suas palavras a importância de efetivamente reconhecer a participação
da figura do assistente para a realização da pesquisa de Boas.

118
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Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. p. 67-99.

121
122
UNIDADE 3 —

CAMPO, MÉTODOS E
TÉCNICAS DE PESQUISA EM
ANTROPOLOGIA CLÁSSICA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a importância do trabalho de campo no ofício do antropólogo, tendo


clareza em relação às heranças do período clássico da antropologia e sua importância
contemporânea;

• apresentar os principais métodos e técnicas da antropologia, tais como: trabalho de


campo, etnografia, entrevista, pesquisa quantitativa e qualitativa, dentre outros.

• elencar o paradigma moderno a respeito do fazer antropológico desde uma


perspectiva latino-americana, trazendo os novos horizontes da disciplina;

• realizar um trabalho de campo experimental e produzir uma primeira etnografia.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – O DESPERTAR PARA A PESQUISA


TÓPICO 2 – MÉTODOS E TÉCNICAS EM PESQUISA
TÓPICO 3 – ANTROPOLOGIA E OS NOVOS PARADIGMAS

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

123
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!

Acesse o
QR Code abaixo:

124
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —

O DESPERTAR PARA A PESQUISA

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, depois de uma longa e frutífera jornada de conhecimentos
antropológicos em temas pertinentes ao período clássico de nossa disciplina,
chegamos em nossa terceira e última unidade do Livro Didático. A antropologia é uma
das disciplinas mais plurais em termos de horizontes de pesquisa, dentro do universo
científico, seja em relação ao seu conteúdo ou formato. Estudar, pensar e discutir
antropologia, é, sobretudo, um movimento que exige de nós um olhar voltado para a
pluralidade de pessoas, espaços, ideias e contextos culturais e sociais. É parte valiosa
do ofício do antropólogo, desenvolver um olhar atento e sensível para essa pluralidade
de existências. Pesquisar e trabalhar com antropologia, é necessariamente enxergar e
experimentar o mundo sempre no plural, jamais no singular. Essa afirmação, de modo
algum, sugere que as individualidades sejam deixadas de lado em nossa disciplina, ou
mesmo desconsideradas, pelo contrário, essa perspectiva de mundo plural refere-se
justamente ao reconhecimento e respeito a todas as diferenças.

FIGURA 1 – TRABALHO DE CAMPO

FONTE: <https://bit.ly/3h7dhoz>. Acesso em: 23 fev. 2022.

125
Essa pluralidade de ideias, pessoas e culturas, presente em nosso cotidiano, pode
ser observada a partir dos mais diferentes pontos de vista, com interesse privilegiado de
nossa disciplina uma vez que a formação em antropologia, oferece diversas ferramentas
para realizar essa observação e análise. Uma das etapas mais instigantes e interessantes
de prática acadêmica e profissional do antropólogo está justamente na necessidade e
possibilidade da realização de uma pesquisa de campo. Assim, ao final do período de
formação em antropologia, ao escolher um tema de pesquisa para realizar o trabalho
de campo, muitas questões devem ser levadas em conta para a tomada dessa decisão,
tamanha a sua importância.

Além disso, durante a completude das tarefas exigidas em nosso ambiente


profissional, o trabalho de campo é uma peça fundamental do nosso ofício do
antropólogo, tarefa essa que requer uma série de cuidados, preparos e ações para a
execução da atividade antropológica requerida.

A antropologia se trata do estudo do ser humano, suas dinâmicas sociais,


questões de diversidade e nuances culturais. Para levantar nossos dados, o trabalho
de campo é parte crucial de nossa pesquisa, assim como os métodos e técnicas que
conformam essa prática antropológica, independente da escolha do espaço e tema de
pesquisa. Portanto, vamos entender juntos a respeito da prática da pesquisa de campo,
refletindo a respeito de suas heranças provenientes da teoria clássica. Também iremos
compreender a relação entre o antropólogo e o espaço onde se realiza o trabalho de
campo, as questões que atravessam e envolvem a pesquisa, e as inúmeras possibilidades
de temas dentro da pesquisa antropológica. Adiantamos, acadêmico, que o sucesso de
nosso trabalho, está relacionado com a nossa capacidade de desenvolver a pesquisa de
campo e os levantamentos dos dados. De igual modo, precisamos incorporar em nossa
prática diária, enquanto pesquisadores, a capacidade de organização e sistematização
dos dados oriundos da pesquisa de campo.

Em nosso próximo subtópico, vamos entender um pouco mais a respeito do


trabalho de campo, tal como a herança e tradição da pesquisa de campo no contexto
clássico e seus impactos em nossa prática profissional até os dias atuais. Bons estudos!

DICA
Acadêmico, para aprofundar um pouco mais seus conhecimentos a respeito
da história de nossa disciplina, sobretudo no que se refere à questão da
diversidade cultural no contexto brasileiro desde um olhar antropológico,
leia o artigo “A antropologia e a diversidade cultural no Brasil”, de Ruben
George Oliven. Disponível em: https://bit.ly/3HiDN8R.

126
2 SOBRE TORNAR-SE ANTROPÓLOGO: TEORIA
E TRABALHO DO CAMPO
Acadêmico, você deve ter percebido que em algumas passagens de nosso Livro
Didático, tanto na primeira unidade quanto na segunda, o tema do trabalho de campo
por diferentes vezes foi trazido para a reflexão. Seja na pré-história da antropologia,
ou nos estudos das escolas clássicas de nossa disciplina, o trabalho de campo, de um
modo ou outro, faz-se presente em nossos estudos, uma vez que ele é parte central de
nosso ofício. Desenvolver uma pesquisa antropológica está diretamente ligada à prática
do trabalho de campo, sendo esta uma parte indispensável ao nosso trabalho. Esse
tema exige muito espaço reflexivo e a devida atenção.

Neste momento, buscaremos entender e refletir em torno desse tema, tamanha


sua importância teórica e metodológica. Acontece que é impossível pensar, refletir e
falar em antropologia, sem trazer a questão do trabalho de campo para a discussão
(BRANDÃO, 2007).

O trabalho de campo está para o antropólogo, assim como os ingredientes estão


para um cozinheiro, sendo parte central e indispensável de nosso dia a dia enquanto
pesquisadores. E assim como os antropólogos atravessam e impactam, de algum modo,
o local onde realizam suas pesquisas, esses locais e suas dinâmicas e questões também
atravessam e impactam o antropólogo.

Como já estudamos na Unidade 2 de nosso livro, os teóricos clássicos como


Franz Boas (1858) Bronislaw Malinowski (1884-1942), Alfred Radcliffe-Brown (1881),
dentre outros, durante o período de fundação e estabelecimento da antropologia
(conjuntamente com suas próprias formações individuais), enquanto uma disciplina
científica, inauguraram e empreenderam as primeiras experiências de trabalho de
campo. Essa prática, originada no período clássico de nossa disciplina, carrega consigo
demasiada importância e centralidade em nossa área de estudos e profissão até os dias
atuais. Obviamente, aconteceram uma série de mudanças e avanços em torno dessa
prática, com o passar do tempo, todavia, sua importância e seu reconhecimento por
parte da comunidade científica, sobretudo antropológica, segue sendo unânime.

No período clássico, as primeiras viagens a campo (final do século XIX e início do


século XX) demandaram questões diferentes das atuais. Por exemplo, o primeiro grande
passo necessário para o trabalho de campo (visto que nesse momento as pesquisas
eram feitas em locais de considerável distância) estava no planejamento do percurso
até o local desejado. Uma vez que, nesse período, os antropólogos não dispunham das
tecnologias que dispomos atualmente, tornando assim esses deslocamentos um tanto
quanto mais demorados e trabalhosos. Uma viagem que hoje pode ser feita em algumas
horas com o uso de uma ou duas viagens de avião, naquele período poderia demandar
dias, semanas, ou até mesmo meses, em longos trajetos marítimos.

127
Desse modo, somado ao fato de que as pesquisas tinham como foco as
populações que viviam em locais muito distantes (daqueles em que moravam os
antropólogos, Europa e América do Norte), com as possibilidades de transporte daquele
período, o próprio deslocamento, já se tratava de um grande feito! Outro tema, era a
questão da estadia nessas localidades. Uma vez que as habitações, muitas das vezes,
deveriam ser feitas levando em conta que a permanência do antropólogo no local seria
provisória, assim como deveria estar ajustada aos materiais disponíveis na própria
localidade. Na Figura 2, podemos ver a fotografia de uma barraca que serviu de habitação
para o antropólogo Malinowski, durante um de seus trabalhos de campo:

FIGURA 2 – BARRACA UTILIZADA POR MALINOWSKI DURANTE SEU TRABALHO DE CAMPO NA PRAIA
DE NU’AGASI

FONTE: <https://bit.ly/3M6rTD1>. Acesso em: 23 fev. 2022. 

Certamente, as condições atuais, tanto de deslocamento quanto de habitação


para o momento da realização do trabalho de campo, sofreram mudanças consideráveis.
Todavia, as questões ligadas ao pré-campo (questões pertinentes ao período anterior
ao campo) seguem sendo muito importantes. Quando o trabalho de campo é
realizado em um local do qual a realidade regional e social é muito diferente da nossa,
fazem-se necessários alguns cuidados especiais. De maneira geral, é necessário o
estabelecimento de um cronograma, organização financeira, pesquisa básica a respeito
das condições climáticas do território, conhecimentos acerca de questões relacionadas
à saúde pública, dentre outros. Esses cuidados são indispensáveis para tornar o tempo
de trabalho de campo minimamente seguro e viável ao antropólogo.

O devido preparo de uma viagem pode colaborar consideravelmente com as


chances da obtenção de êxito em relação aos resultados esperados. Uma vez que,
em campo, nosso tempo se torna muito precioso. É importante tê-lo o mais livre
possível, evitando assim a necessidade de investi-lo em questões que poderiam ter
sido previamente organizadas. O ideal, é que o tempo e a concentração do pesquisador,
esteja focada no que realmente importa: as observações do campo, bem como a coleta
e os registros dos dados e materiais para a pesquisa. 

128
É fundamental que você compreenda a função do trabalho de campo, uma
vez que, a partir dele, é possível extrair os dados necessários para a pesquisa, fazer
observações antropológicas e desenvolver reflexões críticas a respeito do tema
investigado (ANDRADE, 2019). Esse momento deve ser aproveitado ao máximo, uma vez
que, por vezes, não temos a oportunidade de repetir essa feita, ou mesmo a realidade do
local pode sofrer mudanças consideráveis, podendo ocasionar inclusive, em prejuízos
para a pesquisa. Cada oportunidade de realizar trabalho de campo é única.

Mesmo que a antropologia seja uma disciplina que demande muita dedicação
ao estudo de suas teorias, é apenas quando experimentamos as situações práticas
(trabalho de campo) que os conhecimentos anteriormente adquiridos passam a fazer
real sentido em nossas pesquisas (MAGNANI, 2003). Portanto, são a partir das situações
cotidianas presentes no trabalho de campo que conseguimos encontrar o real significado
das teorias antropológicas, sejam essas clássicas ou contemporâneas. Independente
da localidade (comunidades próximas, desconhecidas, distantes, familiares a nossa
realidade ou mesmo espaços virtuais) em que desejamos realizar nossas pesquisas, o
campo é sempre o norte de nossa atuação profissional e acadêmica.

É muito importante que você, futuro antropólogo, compreenda o espaço de cada


elemento que constitui sua prática de pesquisa e atuação profissional. Erroneamente,
muitos estudantes buscam encaixar as realidades observadas em campo com as teorias
que lhes foram ensinadas durante o momento de suas formações em antropologia.
Esse é um erro comum e, por vezes, fatal em termos de pesquisa antropológica. Em
realidade, o movimento de ser inverso, as teorias é que devem servir como ferramentas
analíticas para compreender com ainda mais profundidade e sofisticação as situações
observadas em campo (BRANDÃO, 2007).

Em outras palavras, o trabalho de campo é a questão central e de maior


importância da jornada de um antropólogo. As observações feitas em campo de modo
algum devem sofrer cortes ou ajustes para se encaixarem nos pressupostos teóricos.
E sim, as observações pertinentes ao trabalho de campo devem direcionar as reflexões
teóricas. A teoria antropológica pode ser interpretada como uma caixa de ferramentas,
e essas ferramentas servem para contribuir com a pesquisa. 

Se é a partir do trabalho de campo que coletamos os dados da pesquisa,


realizamos nossas observações antropológicas e compreendemos o sentido prático das
teorias anteriormente estudadas, em nosso próximo subtópico, vamos entender de que
maneira devemos direcionar nossa prática de pesquisa de campo. Vamos lá?

129
DICA
É interessante conhecer um pouco mais sobre nossos referenciais
teóricos, sobretudo quando estes vivem nos mesmos tempos que nós.
Portanto, para aprofundar um pouco mais a respeito das relações entre
a antropologia contemporânea e suas práticas (trabalho de campo), bem
como o momento atual da antropologia e as possibilidades em termos
de produções antropológicas, assista a aula “Antropologia e cidade” do
professor José Guilherme Magnani. Disponível em: https://bit.ly/3scKEwx.

2.1 TRABALHO DE CAMPO: PESQUISADOR, RELAÇÕES


DE CONFIANÇA E ALGUNS EXEMPLOS PRÁTICOS
Enquanto centro do trabalho antropológico, o trabalho de campo pode ser,
também, um dos momentos mais complexos e difíceis do trabalho do antropólogo.
Acontece que, na maioria das profissões, existe em algum grau etapas pré-definidas
que tornam viáveis a execução das tarefas necessárias. No dia a dia da carreira do
antropólogo, normalmente esses caminhos precisam ser viabilizados pelo próprio
pesquisador. Essa questão parece de difícil compreensão? Sem problemas, vamos
entender melhor esse tema? 

Os exemplos práticos costumam facilitar a visualização de determinadas


situações. Desse modo, vamos imaginar a seguinte cena: um fiscal sanitário precisa fazer
o trabalho de averiguação do cumprimento de leis e normas sanitárias no interior de um
restaurante. Ele então se desloca até o local, apresenta sua credencial e imediatamente
as portas do espaço são abertas para sua inspeção, assim como uma ou mais pessoas
são colocadas a sua disposição, para responder a todas as perguntas pertinentes e
necessárias à ocasião. Esta sequência de passos, permite ao sanitarista realizar seu
trabalho com alguma facilidade, resultando, assim, na completude de sua função.

Em contrapartida, quando escolhemos (pesquisa individual), ou somos


atribuídos a uma tarefa (decorrente da profissão), e o trabalho de campo é uma das partes
indispensáveis a esse processo, nossa credencial enquanto antropólogo, dificilmente
faz com que as portas nos sejam abertas. Seja no sentido figurado ou real, normalmente
os espaços não nos são abertos, tampouco as informações facilmente fornecidas.

É necessário que o próprio antropólogo crie maneiras e se encarregue da


viabilização de sua pesquisa. Essa entrada em campo e diálogo, na maioria esmagadora
dos casos, se deve aos esforços pessoais do próprio pesquisador. Sendo muitas vezes
necessário o estabelecer de contato, bem como um nível mínimo de confiança para com
as pessoas que formam a comunidade do local, pretende-se fazer o trabalho de campo
e desenvolver a pesquisa antropológica.

130
Desse modo, na maioria das vezes, é necessário um investimento de tempo e
esforços consideráveis por parte do antropólogo. Além disso, para estabelecer essas
relações de confiança, é necessário atender previamente a uma série de questões,
essas costumam aparecer ao longo das tentativas de entrada e aproximação do
antropólogo para com o local e as pessoas envolvidas na pesquisa (SILVA, 2000). Não
é possível definir com precisão o que de fato é necessário para conquistar a confiança
das pessoas, uma vez que esse é um tema em relacionado à ordem da subjetividade e
intersubjetividade (MOREIRA, 2020). Aliás, (como vimos na Unidade 1 de nosso livro) a
subjetividade e a intersubjetividade são temas que em muito refletem e interferem em
nossas pesquisas. O espaço em que se pesquisa e suas dinâmicas socioculturais são
elementos que devem ser levados em conta, no momento de buscar estabelecer essas
relações de aproximação e confiança. 

Os riscos e tensões presentes nos mais diversos campos de pesquisa, são fatores
que influenciam consideravelmente para o andamento e desenvolvimento da pesquisa
antropológica. Por exemplo, se o antropólogo deseja pesquisar festas (MAGALHÃES,
2017) o espaço oferecerá um tipo de abertura muito diferente daquela encontrada ao
tentar realizar uma pesquisa em um ambiente prisional (PADOVANI, 2018).

Não se trata de uma divisão que coloca o primeiro exemplo como sendo propício
para realizar pesquisas e o segundo inapropriado. Acontece que, a cada espaço social,
cabem dinâmicas e questões morais, assim como uma infinidade de atravessamentos
próprios de cada espaço social. Portanto, obviamente, a entrada e confiança por parte
das pessoas de cada território envolvem tempos e intensidades diferentes, visto que as
questões e riscos envolvidos são diferentes. É possível desenvolver pesquisas a partir
da antropologia em absolutamente todos os espaços sociais, respeitando obviamente
as regras do próprio local, assim como preservando a integralidade daqueles que
pertencem ao local.

Voltando aos exemplos, vamos pensar nos passos necessários para a realização
de uma pesquisa de campo. Exemplo: uma empresa multinacional responsável pela
produção de produtos cosméticos de uso feminino decide inaugurar uma linha
direcionada ao público masculino.

Produzir cosméticos para consumidores de um outro gênero requer muita


pesquisa, dados os investimentos e riscos envolvidos nessa operação comercial.
Esse lançamento equivale a uma proposta de grandes proporções, graças a uma
série de fatores como: gastos em publicidade, custos de produção, investimento no
desenvolvimento desses novos produtos, dentre outros custos. Nesse momento, uma
equipe multidisciplinar é contratada para avaliar as possibilidades, impactos e riscos
financeiros que envolvem essa operação. Dentre os diversos profissionais contratados
para levantar os dados requeridos pela multinacional em questão, um antropólogo é
convidado para contribuir com a pesquisa. 

131
Nessa equipe, cada profissional é incumbido de tarefas diferentes que devem
ser executadas em um tempo específico. O antropólogo precisa, a partir do público de
frequentadores de barbearias, coletar certas informações de pesquisa como: interesse
em consumir produtos de beleza, quais produtos esse público sente a ausência no
mercado de cosméticos, quais proporções de tempo e investimento financeiro poderiam
ser empregados nesses produtos por parte desse público, dentre outras questões.

Essa parece ser uma tarefa simples, no entanto, caso o antropólogo optasse por
realizar entrevistas estruturadas (vamos estudar a respeito em um subtópico um pouco
a frente) com aqueles sujeitos que são o foco de sua pesquisa, as respostas poderiam
ser diferentes daquelas alcançadas com conversas supostamente informais (DUARTE,
2005). Acontece que parte considerável das pessoas costumam responder a entrevistas
do modo com o qual elas imaginam ser a resposta ideal e esperada pelo entrevistador. Em
contrapartida, em conversas informais, e estando em um ambiente considerado seguro e
acolhedor, as pessoas costumam responder com sua verdadeira opinião. Dessa maneira,
enquanto parte do método de trabalho de campo, a segunda opção (diálogos informais)
pode ser muito mais frutífera para esse antropólogo em questão.

Todavia, cabe a ele encontrar soluções para coletar essas informações e


sistematizá-las. Como isso é possível? Apenas o próprio antropólogo, após realizar uma
série de análises a respeito do espaço pretendido para a realização de sua pesquisa, é
que pode definir a melhor maneira para desenvolver seu trabalho de campo e demais
funções pertinentes a sua tarefa. Espero que você tenha conseguido entender como a
confiança é um elemento de grande importância para a pesquisa antropológica, assim
como cada espaço de pesquisa exige estratégias e escolhas específicas.

O trabalho de campo é uma prática antropológica que apresenta desafios novos


a cada local, situação e tempo. É preciso fôlego e persistência para alcançar os objetivos
previamente traçados.

Algumas vezes o antropólogo organiza um cronograma, levanta hipóteses


e uma série de questões, para a realização de seu trabalho de campo, das quais, no
momento de colocar em prática, acabam perdendo todo o sentido, ou seja, existem
situações que não podem ser previstas e que, apenas em campo, são respondidas ou
mesmo demandam mudanças pequenas ou de proporções consideráveis. 

Um outro exemplo interessante é pensar na seguinte situação: um antropólogo


é contratado pela prefeitura de uma cidade para realizar o levantamento de informações
a respeito de um bairro. Após uma breve investigação, ele define que o centro de sua
pesquisa se dará a partir de conversas com uma determinada liderança comunitária,
sujeito natural do bairro em questão, assim como uma referência em termos de tradição
dos costumes locais,  uma figura de grande respeito entre os moradores e visitantes
do local. O antropólogo então, busca por essa liderança, apresenta sua proposta de
pesquisa e é prontamente atendido. A liderança comunitária aceita colaborar para com
sua pesquisa, levando em conta aspectos positivos que essa feita pode trazer ao bairro.

132
Em seu cronograma, o antropólogo separa dias específicos para entrevistas,
passeios pelo bairro, almoços compartilhados em comércios importantes, assim, todas
essas situações são pensadas para que as entrevistas sejam extensas o suficiente
para o levantamento das informações pertinentes a sua tarefa. Com todo o plano de
pesquisa organizado, duas semanas antes do início desses encontros e entrevistas,
o antropólogo recebe a triste notícia do falecimento dessa liderança, o homem já em
idade avançada sofreu um infarto e veio a falecer. Ninguém gostaria de estar no lugar
desse pesquisador, não é verdade?

Todavia, é necessário compreender que situações como essa são possíveis de


acontecer e de fato acontecem. Portanto, precisamos estar preparados com um plano
B, C, D e assim por diante, para que esse tipo de acontecimento desafortunado não seja
o motivo de impedimento do curso de nossas pesquisas. O bairro, do exemplo anterior,
não deixou de existir, tampouco as demandas de informações por parte da prefeitura da
cidade se esgotaram devido à morte da liderança. Cabe então, ao pesquisador, definir
um novo cronograma de pesquisa, avaliar a possibilidade de buscar por outras figuras
de importância local, pesquisar fontes documentais, quando disponíveis, enfim, esgotar
todas as aberturas possíveis para a realização de sua pesquisa. O antropólogo, em
última instância, precisa não apenas saber realizar pesquisas, mas também viabilizá-las.

Os locais e demandas de pesquisa podem variar consideravelmente entre si,


todavia a confiança sempre será um dos elementos que podem contribuir ou mesmo
encerrar um trabalho de campo (MIRANDA, 2001). É central que o pesquisador tenha
uma postura ética em relação às pessoas das quais irá se aproximar ao longo de seu
tempo em campo.

Preservar a identidade dos interlocutores é uma das questões de grande


relevância na pesquisa antropológica. A depender das informações coletadas em
campo, pessoas, instituições e organizações sociais (dentre outros) podem acabar
sofrendo retaliações e, essa não deve ser, de forma alguma, o objetivo ou resultado de
uma pesquisa antropológica.

Sendo assim, acadêmico, sempre tenha em mente que o respeito pelo local e
pelas pessoas que lá se encontram é parte indispensável do ofício do antropólogo. Em
alguns casos, acabamos pesquisando junto a um mesmo grupo por décadas, ou quem
sabe, toda uma vida. Sendo assim, lembre-se: não existe nada mais frutífero para uma
boa relação entre o pesquisador e os sujeitos envolvidos na realidade de sua pesquisa
do que o respeito mútuo. 

133
DICA
Acadêmico, para pensar um pouco a respeito do trabalho de campo,
possibilidades e dificuldades, recomenda-se a leitura da obra “Sociedade de
esquina” do sociólogo William Foote Whyte, obra contemporânea de grande
importância para os estudos que envolvem o trabalho de campo.

Em nosso próximo subtópico, buscaremos compreender um pouco mais dos


elementos que atravessam o trabalho de campo: usos, sentidos e percepções. Este
caminho, em termos antropológicos, está cada vez mais interessante! Vamos seguir
juntos no aprendizado?!

2.2 EM CAMPO: OBSERVAÇÃO E NOTAS 


Acadêmico, é preciso considerar o fato de que todas as coisas têm o seu
devido tempo, não seria diferente em nossa disciplina. A prática do trabalho de campo,
completa, atualmente, pouco mais de um século, logo, muitas mudanças aconteceram
ao longo desse período.

Assim como as transformações e avanços em nossa disciplina carecem de


certo período, nosso aperfeiçoamento em relação à prática de observação e registro
das situações experimentadas e levantadas em campo também demanda de algum
tempo e experiência.

Com algum tempo e um pouco de prática na tarefa de realizar um trabalho


de campo, adquirimos a capacidade de aguçar alguns dos “sentidos antropológicos”
aprendidos durante o momento de nossas formações em antropologia. Esses sentidos
referem-se à capacidade de observar, ver, ouvir (e inclusive sentir) uma série de
questões que, quando reunidas, tornam-se parte considerável da base reflexiva de
nossa pesquisa antropológica (OLIVEIRA, 1998). Ser antropólogo, necessariamente, é
ser um observador do mundo!

O olhar atento às questões a nossa volta é também atravessado por uma série de
fatores de ordem individual e coletiva. Inclusive, é importante marcar que, por mais que a
pesquisa de campo seja uma prática individual, a reflexão sobre os pontos observados e
os dados coletados da experiência de campo costumam ser motivo de reflexão coletiva. O
conhecimento é sempre produto de trocas e análises conformadas entre nós e nossos pares
de profissão. Portanto, levamos nossas pesquisas para congressos, seminários e demais
encontros de pesquisadores. Assim, a partir dos diálogos estabelecidos com colegas de
ofício, avançamos em nossas análises, sobretudo em nossa própria capacidade analítica. É
preciso saber: a produção de conhecimento é sim uma questão coletiva! 

134
FIGURA 3 – MALINOWSKI EM CAMPO – ILHAS TROBRIAND

FONTE: <https://bit.ly/3BHDeUY>. Acesso em: 22 fev. 2022.

Em se tratando da pesquisa antropológica, um dos conceitos de alta relevância


durante o trabalho de campo é o da alteridade (GUSMÃO, 1999), que, em termos gerais,
trata-se do reconhecimento (e respeito) à diferença ou às diferenças. Estar em campo
é necessariamente experimentar o compartilhamento de situações com pessoas que
podem se diferenciar consideravelmente de nós, antropólogos e pesquisadores. É
preciso respeitar essas diferenças e buscar não criar juízos de valores a partir de nosso
regime de crenças e perspectivas culturais. Claramente, o antropólogo não pode se
despir de sua própria cultura quando se defronta com questões culturais diferentes
das suas, todavia, o respeito à diferença é um dos pontos centrais de nosso ofício. Os
registros, observações e análises, devem necessariamente levar em conta a pluralidade
e diversidade cultural.

Outro fator marcante é, após a realização do trabalho de campo, a experiência


então adquirida, de modo algum ela se torna apenas uma memória de um acontecimento,
encerrada em uma produção escrita. O trabalho de campo segue produzindo efeitos
ao longo de nossa vida e carreira (RIBEIRO, 2017). Trata-se de uma prática intensa e
extensa, ou seja, é necessário aproximação, estreitamento de laços e certo tempo de
permanência para a realização de um trabalho de campo proveitoso.

Uma vez que parte significativa de nossas pesquisas, sobretudo em relação


à coleta dos dados, necessariamente passa pelo estabelecimento de relações com
as pessoas que vem a ser as interlocutoras (pessoas que compõem o espaço que
pesquisamos) da pesquisa, portanto, é necessário um tempo mínimo de permanência
em campo, para que, desse modo, exista a possibilidade da criação de uma relação com
algum grau de confiança (como falamos no subtópico anterior). Ser um antropólogo não
é uma tarefa simples, mas, sem sombra de dúvidas, é recompensadora!

135
É preciso atentar-se ao fato de que esses registros devem ser feitos de modo
ponderado e sistematizado. Enquanto antropólogos, uma das ferramentas de grande
importância de nosso dia a dia é o caderno de campo. Uma caderneta de porte médio
que deve acompanhar o antropólogo em todos os lugares e momentos em que estiver,
uma vez que, além de registrar os dados observados no campo, é possível que, em uma
situação totalmente diferente de nosso campo, tenhamos uma ideia pontual a respeito
de algo relacionado à pesquisa e é neste caderno que faremos as anotações pertinentes.
O caderno de campo é uma espécie de diário, tanto da pesquisa quanto do pesquisador,
sendo um material pessoal e de importância central em nossa prática antropológica.

Toda pesquisa antropológica apresenta uma série de possibilidades frutíferas,


assim como limites específicos ao campo, sejam estes causados pelo contexto social
do local, tempo disponível para a pesquisa, dentre outras questões. No entanto, mesmo
depois de publicada, uma pesquisa sempre é passível de revisões, ampliações e críticas.
Sendo a cultura dinâmica, nossas produções antropológicas não poderiam, de modo
algum, tratar-se de verdades absolutas e inquestionáveis. É preciso dedicar-se ao
máximo na pesquisa, todavia, tendo claro o fato de que em um momento breve ou
distante, nossas análises serão superadas, essa é uma das maiores riquezas da ciência:
seguir sempre avançando!

Em nosso próximo subtópico, iremos ponderar a respeito das possibilidades


expandidas de realizar trabalho de campo, dentre elas, mais de um local de pesquisa,
expansão do campo, e situações que por vezes passam despercebidas de nosso olhar.
Vamos avançar! 

DICA
Aprofunde seus conhecimentos a respeito do trabalho de campo lendo o
texto “O velho e bom caderno de campo” de José G. C. Magnani. Disponível
em: https://bit.ly/3IeQiDX.

2.2.1 O campo estendido e multifocal 


Além daquilo que definimos enquanto o local propriamente dito para a realização
do trabalho de campo, existem espaços tomados inclusive pelos próprios antropólogos
enquanto “locais de passagem”, que, na maioria das vezes, acabam sendo desprezados
enquanto potências analíticas possíveis de gerar bons frutos para a pesquisa de modo
geral (MAGNANI, 2012). É importante estar atento a esses espaços. Vamos pensar em
um exemplo dessas possíveis situações? 

136
Um antropólogo é contratado por uma estatal de energia elétrica, com a seguinte
tarefa: entender o motivo que leva pessoas de uma determinada comunidade a optarem
pela instalação de sistemas de fornecimento de energia elétrica do tipo "gato", ou seja,
fornecimento de energia elétrica por sistemas improvisados e ilegais. Esse modelo de
instalação, apresenta altos níveis de riscos de curtos-circuitos e perigos iminentes.
Acontece que os moradores seguem optando por este serviço, mesmo que o serviço
autorizado oferecido pela estatal tenha a opção de pagamento de um valor de taxa
social, ou seja, um custo monetário baixíssimo que oferece uma instalação segura e
com garantia legal do serviço prestado. Obviamente, o espaço central da pesquisa de
campo do antropólogo está localizado no bairro periférico, assim como será necessário
estabelecer um contato e diálogo com os moradores daquele território.

As observações para a pesquisa ocorreram majoritariamente naquele espaço.


Todavia, as principais linhas de transporte público utilizadas para o deslocamento dos
moradores podem configurar locais ricos em termos de possibilidade de observação
e circulação de informações. Em um primeiro momento, esses espaços secundários
podem parecer apenas locais de passagem, mas com um olhar e ouvidos atentos,
estes pontos podem ser extremamente enriquecedores para a pesquisa antropológica,
seja oferecendo informações concretas, ou mesmo pistas importantes que apontam
possíveis direções para onde o antropólogo pode conseguir dados pertinentes a sua
pesquisa. O trabalho de campo, não se trata de um recorte espacial previamente definido
e fechado em si mesmo, trata-se da escolha de um ponto privilegiado de observação,
todavia esse ponto pode (e costuma) transbordar para muito além do que se define como
sendo o espaço em si. É preciso estar atento aos sinais do próprio campo, uma vez que,
muitas das vezes, o caminho que escolhemos enquanto sujeitos externos ao local, nem
sempre é a melhor opção. Nada mais pertinente à prática da pesquisa antropológica, do
que um antropólogo atento ao seu campo e as informações que nele circulam.

Outra abordagem de igual importância está na possibilidade de um trabalho de


campo multifocal, isto significa pensar que, não necessariamente, uma pesquisa deve
estar tracejada em um único espaço. Um exemplo se trata da pesquisa de doutoramento
de Mallart (2021), o pesquisador faz seu trabalho de campo na cidade de São Paulo,
investigando um número considerável de instituições de controle social. Esse modo
de realizar o trabalho de campo exige um mergulho intenso, dedicado e comprometido
por parte do pesquisador, todavia, sem dúvidas, seus resultados são os mais sólidos
e completos possíveis e imagináveis. Essa prática antropológica pode abocanhar
uma série de dinâmicas sociais que dialogam entre si em espaços diversos, sendo na
pesquisa anteriormente citada, a cidade e algumas de suas instituições, o palco dessas
observações e análises. 

Por mais que um antropólogo se dedique ao estudo das teorias antropológicas


clássicas e contemporâneas, é na prática da pesquisa que, de fato, alcançamos
compreender as nuances das questões socioculturais.

137
Nenhum manual metodológico poderá oferecer fórmulas prontas que sejam
possíveis de aplicar em uma pesquisa, para desse modo, alcançar êxito. É pertinente e
necessário, unir as teorias antropológicas ao exercício incansável do trabalho de campo.
Aguçamos nossos sentidos antropológicos apenas com a experiência da pesquisa empírica.

No próximo subtópico, vamos entender um pouco das possíveis questões


e tensões que envolvem o trabalho de campo realizado em um ambiente familiar ao
antropólogo, suas nuances e ponderações. 

NOTA
O campo estendido pode ser considerado todos os caminhos até o espaço
de pesquisa em si, e o campo multifocal acontece em vários espaços
separados, que, por motivos diversos, se relacionam e podem ser pontos
apropriados para a observação antropológica.

2.3 ESTRANHANDO O FAMILIAR: O TRABALHO DE CAMPO


EM SUA PRÓPRIA COMUNIDADE 
Aprendemos que, durante o período clássico de nossa disciplina, os
antropólogos escolhiam localidades distantes das suas, ou mesmo tribos isoladas
para o desenvolvimento de suas pesquisas, ou seja, o contexto cultural em que faziam
suas observações, registros e análises eram totalmente diferentes da cultura da qual
pertenciam. Assim como é importante relembrar que existia um perfil específico de
antropólogo: homem branco, civilizado, segundo o modelo europeu e norte-americano,
letrado e de classe econômica abastada (LAPLANTINE, 1988).

Com o passar do tempo, tanto as questões que inspiram a escolha do tema e o


local da pesquisa, mudaram consideravelmente. Também tivemos um deslocamento
representativo em relação ao perfil do antropólogo/pesquisador. Uma vez que, no período
clássico de nossa disciplina, o “exótico/diferente” despertava grande interesse por parte dos
estudiosos, atualmente, existe um movimento cada vez maior de pessoas pertencentes a
uma comunidade, optarem por estudar algum dos temas desse espaço do qual pertencem
(REDON, 2008). Essa situação, pode ser extremamente potente para a pesquisa, uma vez
que a aproximação com o espaço, de certo modo, oferece algumas facilidades. 

Questões da ordem da economia e da política atravessam o trabalho de campo,


o próprio antropólogo e, em última instância, a disciplina da antropologia. Não é mais
sustentável que uma disciplina seja ocupada unicamente por um perfil específico de
sujeitos, devemos e precisamos ter olhares e presenças plurais em nossa disciplina. De
fato, não é do dia para a noite que alcançamos êxito na mudança e reconhecimento da
importância desses novos sujeitos no cenário antropológico.

138
A experiência da pesquisa de campo é, sem sombra de dúvidas, singular
(SILVA, 2000). Além disso, um mesmo local e tema, pesquisado por antropólogos
com diferentes marcadores sociais da diferença (raça, classe, gênero, sexualidade e
idade) serão observados de maneira totalmente diferente em campo, além do que,
suas próprias perspectivas culturais farão com que uma mesma situação seja vista de
ângulos distintos.

Em nosso próximo tópico, aprenderemos os métodos e as técnicas disponíveis


para a realização do trabalho de campo. Estamos cada vez mais próximos de uma
prática antropológica!

139
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O trabalho de campo é uma parte central do trabalho do antropólogo, uma vez que os
dados, observações e reflexões da pesquisa nascem dessa experiência. Fundado no
período clássico, essa tradição perdura até os dias atuais. 

• Os elementos do pré-campo são uma parte indispensável do trabalho de campo,


visto que se trata, de modo geral, da organização que viabiliza a execução dessa
etapa da pesquisa. 

• O estabelecimento de uma relação de confiança entre o antropólogo e as pessoas


pertencentes ao seu local de trabalho de campo exige um certo grau de profundidade
e permanência (tempo e esforços), uma vez que, sem essa confiança, a pesquisa de
campo não ultrapassa a superficialidade da realidade analisada.

• A experiência do trabalho de campo atravessa o antropólogo em termos pessoais. Não


é possível neutralizar a própria existência em campo, uma vez que as subjetividades
(antropólogo e interlocutor) estão a todo o tempo colocadas em relação.

140
AUTOATIVIDADE
1 Dentre as diversas questões que devem ser levadas em conta na pesquisa
antropológica, o tema da subjetividade, costumeiramente, é trazido para a discussão
do fazer antropológico. Esse tema foi motivo de reflexão e produção teórica desde o
período clássico até o momento contemporâneo. A respeito desse tema, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) A subjetividade é uma demonstração de falta de profissionalismo por parte do


antropólogo, devendo ser prontamente combatida quando se faz presente na
pesquisa antropológica.
b) ( ) As questões de subjetividade acontecem quando o interlocutor, desprovido de
conhecimentos antropológicos, busca estreitar os laços com o antropólogo, cabendo
ao segundo ignorar essas questões devido a questões profissionais. Do contrário, o
antropólogo pode sofrer punições por parte da associação de antropólogos.
c) ( ) A subjetividade é parte constitutiva da pesquisa antropológica, uma vez que é
tarefa impossível para o antropólogo despir-se de sua perspectiva de mundo no
momento da realização de sua pesquisa, essa questão deve ser trabalhada de
modo ético durante a pesquisa.
d) ( ) O tema das subjetividades não deve ser considerado, uma vez que as questões
de neutralidade devem ser os pressupostos básicos da pesquisa antropológica.
Subjetividade e ciência são temas que não podem conviver em um mesmo espaço.

2 O trabalho de campo é uma das etapas de maior importância para a execução das
pesquisas em antropologia. Cabe ao antropólogo realizar uma pesquisa anterior a sua ida
a campo, para que, de certa forma, possa organizar questões de ordem prática e, assim,
viabilizar a execução de sua pesquisa. Esse levantamento de informações anteriores ao
campo chama-se pré-campo. Sobre o exposto, analise as sentenças a seguir:

I- Pré-campo é a prática de ir a campo uma vez em um período breve para conhecer,


de maneira introdutória, a realidade do espaço e poder criar um plano de ação para
o momento do trabalho de campo.
II- Pré-campo é o levantamento de informações a respeito do local a ser visitado,
sobretudo em relação aos preços de moradia, uma vez que essa é a questão
de maior importância para o antropólogo que se desloca até o local em que se
pretende pesquisar. 
III- Pré-campo é o conjunto de elementos que viabilizarão a execução da pesquisa.
Dentre esses elementos estão um cronograma de pesquisa, levantamento de
fundos necessários para arcar com os custos em campo, breve pesquisa a respeito
da localidade etc.

141
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 O antropólogo precisa estabelecer um tipo específico de relação com os interlocutores


de sua pesquisa, uma vez que serão essas pessoas que lhe fornecerão as informações
necessárias para sua pesquisa. Classifique V para as sentenças verdadeiras e F para
as falsas:

( ) Relação profissional. 
( ) Relação de confiança.
( ) Relação de troca.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Neste momento, percorremos um longo caminho em termos de conhecimentos em


antropologia clássica, trabalho de campo e teoria antropológica. Em nossa primeira
unidade, você realizou um exercício de observação de um espaço, sendo sua primeira
experiência antropológica de prática de trabalho de campo. Daquele momento até
agora seu horizonte antropológico se ampliou consideravelmente, portanto, você
deverá escolher um espaço que não lhe seja familiar. Pode ir a um bairro que não
conhece, uma instituição que ainda não teve a oportunidade de entrar (exemplo:
fórum da sua cidade), um local de lazer que tem curiosidade de ir, dentre outros. Leve
consigo um pequeno caderno para anotações e após baseado nos conhecimentos
adquiridos até o momento (lembre-se da leitura complementar do tópico anterior,
ela será de grande ajuda) faça uma observação a respeito das dinâmicas deste
local ainda desconhecido. Ao final de seu exercício, compare-o com aquele feito na
primeira unidade de nosso livro e perceba o quanto sua capacidade de percepção do
ambiente, sistematização das informações e escrita antropológica avançaram.

5 Levando em consideração as similaridades e diferenças em torno das questões


pertinentes às pesquisas realizadas em um contexto social familiar, portanto, próximo
em relação a um contexto social totalmente desconhecido e distante do pesquisador,
descreva essas diferenças para o momento do pré-campo.

142
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -

MÉTODOS E TÉCNICAS EM PESQUISA

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, uma vez que todo o conhecimento adquirido até o momento e
ao longo da formação em antropologia deverá ser aplicado no dia a dia do trabalho
antropológico. Em nosso Tópico 2, as teorias, serão como chaves, pois permitirão o
entendimento e, em linhas gerais, o modo de atuar profissional de um antropólogo
frente a algumas situações práticas que acabam surgindo no cotidiano das pesquisas
e trabalhos antropológicos. Somos pesquisadores por excelência e nossa pesquisa
está localizada, em grande parte, nos espaços públicos, nas relações interpessoais e
institucionais, nas situações do cotidiano, de modo geral. Onde está presente a cultura
(todos os lugares), ou melhor, as culturas, estão presentes, também, as possibilidades
latentes do desenvolvimento de pesquisa antropológica. 

Todavia, para que possamos efetivamente realizar essas pesquisas, é necessário


que estejamos munidos das ferramentas metodológicas adequadas. Cada campo de
conhecimento (seja a Antropologia, Geografia, Sociologia, História, dentre outros) desenvolve
metodologias que melhor se adequam a seus objetivos de pesquisa. Inclusive, é possível que
um mesmo método seja aplicado por diferentes profissionais em seus campos de atuação.
Desse modo, é muito importante, acadêmico, que você tome notas, pesquise, reflita e se
dedique com muito afinco a este momento de seu aprendizado.

Os métodos podem ser pensados enquanto a ponte que separa as teorias


adquiridas ao longo de seu curso de graduação com as pesquisas que você irá
efetivamente desenvolver, ou seja, os métodos são indispensáveis para nossa carreira,
sem o uso adequado destes, não é possível o desenvolvimento de sua pesquisa e
carreira dentro da antropologia. 

Considerando o fato de que percorremos um longo percurso a respeito da


história da antropologia, sobretudo ao que se refere à teoria antropológica clássica, é
chegada a hora de dar um passo considerável em sua formação. Abordaremos, então,
situações cotidianas para que você possa refletir a respeito dos conhecimentos e
possibilidades práticas em termos de antropologia contemporânea, permitindo a você,
uma ampla visão entre a antropologia clássica e contemporânea. 

143
Neste momento, buscaremos unir aquilo que já aprendemos anteriormente
a respeito das teorias clássicas a partir da exemplificação e reflexão sobre a prática
cotidiana do trabalho do antropólogo, ou seja, quais os efeitos e, sobretudo possibilidades
de aplicação dos conhecimentos acumulados até o momento presente em nosso dia a
dia enquanto antropólogos (pesquisadores e estudiosos). Sem dúvidas, essa é uma das
partes mais interessantes de seus estudos, assim como será central para seu futuro
enquanto um antropólogo!

Em nosso próximo subtópico, vamos juntos pensar a respeito da observação


participante, em seu período de fundação? 

2 A FUNDAÇÃO DA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE 


Em nossa disciplina existem alguns pontos altos em relação ao desenvolvimento
da pesquisa. Um desses pontos, sem dúvidas, é a possibilidade de realização da
observação participante durante o trabalho de campo (OLIVEIRA, 1996). A observação
participante é um desses temas que irá acompanhar toda a sua formação, e, muito
provavelmente, sua carreira profissional ao longo da vida toda. Portanto, não “passe os
olhos” neste tema, dedique tempo e atenção a esta etapa de sua formação. 

O método da observação participante nasce ainda no período de formação de nossa


disciplina, tendo sido desenvolvido, aplicado e sistematizado pelo antropólogo e estudioso
Bronislaw Malinowski (1884-1942), um dos nomes de grande importância de nossa área.
Essa prática, ainda nos dias de hoje, segue sendo usada como metodologia em nosso ofício,
tendo um número grande de adeptos. Vale a pena investir esforços para aprofundar seus
conhecimentos sobre esse assunto! Imagine só, acadêmico, uma prática metodológica de
tamanha importância e eficácia que perdura por mais de um século.

É fundamental que você saiba que a teoria clássica, de forma alguma, é algo
dado apenas para o conhecimento histórico, uma vez que está presente em muitas
práticas antropológicas atuais. Assim como reflete em nossas teorias e práticas
contemporâneas. Valorizem, estudem, reflitam, critiquem e conheçam os temas
clássicos de nossa disciplina!

Como já dito, Malinowski inaugurou o método da observação participante em seu


trabalho de campo nas ilhas Trobriand, no ano de 1915 (sua pesquisa de campo perdurou
até o ano de 1918) enquanto vivia junto dos povos moradores dessas ilhas (MALINOWSKI,
2018). Essa nova metodologia impactou e revolucionou, consideravelmente, aquilo que
seria um novo roteiro do fazer antropológico, após essa inovação, a antropologia nunca
mais foi a mesma! 

144
ATENÇÃO
Malinowski aprendeu a língua dos nativos dos quais desenvolveu sua pesquisa
nas ilhas Trobriand. O estudioso tinha uma certa facilidade com o tema dos
idiomas. Todavia, essa facilidade não era fruto do acaso, seu pai era professor
universitário, linguista, trabalhava com a história das línguas. Lembre-se, existia
um perfil social dos antropólogos do período clássico, é sempre importante ficar atento
a esses “detalhes” de nossa disciplina, é possível refletir e ler muitas questões da própria
disciplina por entre essas entrelinhas de sua história! 

Em nossa Unidade 2, buscamos refletir a respeito da teoria reflexiva de


Malinowski, sendo assim, neste momento, vamos pensar um pouco a respeito das
práticas de campo do antropólogo. Obviamente, também se trata de sua teoria, todavia,
agora veremos desde o ângulo da teoria aplicada ao trabalho de campo. Uma das
questões que embelezam seu trabalho e nos fazem pensar muito a respeito da prática
antropológica, está justamente nas descrições a respeito de suas sensações em campo.
De certa forma, todos nós, antropólogos, sentimos insegurança, medo, alegria, dentre
outros sentimentos. Sobretudo, quando estamos em campo, sendo muito interessante
a oportunidade que Malinowski nos ofereceu ao compartilhar suas sensações
provenientes do campo em seus escritos.  Evidentemente, o jovem antropólogo tinha
suas controvérsias e vaidades, sendo estas características facilmente visualizáveis em
suas produções, no entanto, esses deméritos de modo algum diminuem a importância
intelectual desse estudioso. Sua trajetória antropológica foi de um brilhantismo sem
igual, ao menos para o contexto em que estava inserido. Em todas as partes do mundo,
estudantes foram influenciados pela pesquisa e métodos de Malinowski, suas produções
ainda nos dias de hoje são amplamente difundidas e estudadas. 

Uma das questões que envolvem a escrita antropológica é o tema do estilo.


Sim, existem escritas com estilo! Sem dúvidas um antropólogo que consiga imprimir sua
personalidade em sua produção escrita será um pesquisador de destaque. E Malinowski
carrega um forte estilo em sua escrita e modos de trabalhar com a antropologia. Para
o estudioso, era central no ofício de antropólogo uma aproximação e conhecimento
aprofundado da vida dos aborígenes (população de interesse central da antropologia daquele
momento histórico). Em seu trabalho de campo assim buscou fazer, passando um período
prolongado com os nativos e compartilhando das mais diversas situações cotidianas.

Como aprendemos na Unidade 1 de nosso Livro Didático, em um primeiro


momento da antropologia, era comum que os antropólogos escrevessem suas teorias
a partir de relatos de terceiro. Essa prática de aproximação, sobretudo por um longo
período por parte de Malinowski, representava uma grande inovação em nossa disciplina.
Essa foi uma das viradas mais importantes da história de nossa disciplina, do conforto
do escritório para o campo!

Em nosso próximo subtópico, entenderemos de que maneira a prática da


observação participante foi desenvolvida pelo pesquisador Malinowski!

145
IMPORTANTE
Como sabemos, é possível que determinadas dificuldades da pesquisa só
sejam possíveis de serem visualizadas após nossa chegada em campo.
Com o antropólogo Malinowski, essa questão não foi diferente. Antes de
realizar aquela que se tornaria a pesquisa de maior visibilidade de sua vida,
Malinowski havia estado em campo, todavia, não obteve êxito. Nessa primeira experiência
compreendeu que deveria estar mais próximo aos nativos que desejava pesquisar (pois,
nessa ocasião estava hospedado em uma casa grande, onde pretendia fazer sua pesquisa
desde a varanda da habitação) e não falava a língua daquele povo. Sendo assim, mesmo
não obtendo os resultados esperados, o estudioso tomou lições para a próxima pesquisa
que iria realizar: viver entre os nativos, falar a língua nativa. Notem, mesmo com os erros,
é possível aprender consideravelmente a aperfeiçoar o fazer antropológico. 

2.1 A PRÁTICA DA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE (DE PERTO


E DE DENTRO)
Então, nessa segunda tentativa de realizar uma pesquisa a partir do trabalho de
campo, o estudioso faz algumas mudanças. Malinowski começou a participar da vida dos
nativos dos quais fora pesquisar, sendo essa uma nova perspectiva em termos da prática
antropológica. O antropólogo instalou-se em uma moradia comum, semelhante à dos
povos nativos e passou a acompanhar essa população em suas atividades diárias. Essas
atividades podiam variar entre a produção de algum objeto, preparo de alimentos ou
mesmo trabalho, o antropólogo passou a estar presente nas atividades cotidianas
desses povos nativos. Assim, era possível observar uma infinidade de questões da vida
comum desses povos, desde a mudança das rotinas conforme as estações do ano, as
divisões de trabalho, dentre outros sistemas. Todas as situações da vida cotidiana dos
nativos passaram a ser objeto de observação do jovem estudioso, e, a partir dessas
situações, começou a desenvolver suas teorias a respeito dos significados culturais
dessa população. O interesse de Malinowski estava tanto na vida pessoal quanto social
desses povos. Além de acompanhar o cotidiano dessas populações, o antropólogo então
passou a interagir de diversas maneiras, até mesmo com a compra de ferramentas e
artesanatos produzidos por esses povos. Nesse momento, o antropólogo começou a se
atentar naquilo que futuramente iria sistematizar como a teoria do funcionalismo (tema
que estudamos na unidade anterior).

As cooperações e trocas observadas entre os povos nativos era um dos aspectos


que mais chamavam a atenção do pesquisador. Olhem que interessante, é a partir do
conhecimento das práticas de um estudioso que podemos compreender sua teoria com
muito mais facilidade. 

146
DICA
Para explorar um pouco mais a respeito da observação participante, bem
como do trabalho de campo feito pelo antropólogo Bronislaw Malinowski,
assista ao documentário “Estranhos no exterior: Fora da varanda (Bronislaw
Malinowski)”. Disponível em: https://bit.ly/3BHkVzv.

Caro acadêmico, em nosso próximo subtópico, aprenderemos a respeitos do


uso das entrevistas na pesquisa antropológica, bem como seus pontos positivos e
negativos. Vamos nessa?

2.1.1 O uso de entrevistas


Acadêmico, como você já pode perceber, existem uma série de métodos e técnicas
para a coleta de dados de uma pesquisa, e uma delas é o uso de entrevistas. Isso mesmo,
entrevistas! Você achava que apenas os jornalistas faziam uso dessa ferramenta? Pois
bem, nós, antropólogos, também podemos optar por fazer o uso da entrevista em nossas
pesquisas. Inclusive, muitas pesquisas antropológicas têm como uma de suas principais
fontes de coleta de dados o uso de entrevistas. Vamos entender melhor como podemos
construir essas entrevistas e sistematizar os dados que elas nos fornecem?!

A disciplina da antropologia pode ser considerada uma das disciplinas mais


abrangentes do campo científico, sendo assim, vamos ao que importa, as entrevistas!
Por vezes, buscamos informações específicas das quais não conseguimos coletar com
as nossas observações em campo, e, assim, a depender da disposição das pessoas
das quais estamos pesquisando, o uso de entrevistas pode elucidar essas questões
(BONI; QUARESMA, 2005). Lembre-se, a entrevista também se trata de uma interação
social entre o antropólogo e o entrevistado, por isso, quanto maior a confiança (como
já estudamos anteriormente) entre ambas as partes, provavelmente as chances de
conseguir as informações desejadas aumenta.

FIGURA 4 – ENTREVISTAS

FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/smiling-african-american-young-businesswoman-
-talk-1813989887>. Acesso em: 22 fev. 2022.

147
Todavia, alguns cuidados são muito pertinentes no momento de preparar uma
entrevista, entre eles: tempo, linguagem, local em que será realizada e obviamente o
que será perguntado. Quanto ao tempo, é importante que uma entrevista tenha um
mínimo de objetividade, assim como leve em conta o tempo disponível do entrevistado.

Vamos imaginar a seguinte situação: o antropólogo prepara uma entrevista


com 40 perguntas, e seu entrevistado se dispõe de apenas uma hora para a entrevista.
Provavelmente, antes da décima pergunta o tempo terá se esgotado e as informações não
terão sido obtidas, este é um erro clássico de pesquisadores jovens, lembre-se de ter sempre
esse cuidado. Em relação à linguagem, cabe ao antropólogo levar em conta o contexto
social de seu entrevistado, uma vez que, dependendo da linguagem usada na entrevista,
o entrevistado dificilmente compreenderá as perguntas e isso acarretará uma situação
constrangedora e pouco frutífera para a pesquisa, esse também é um erro comum por parte
de pesquisadores iniciantes. Outro ponto relevante é a escolha do local em que a entrevista
será realizada, considere este fator em seu trabalho, uma vez que, a depender do local onde
você e seu entrevistado estiverem, ele pode se sentir inseguro, acuado ou desconfortável
para responder a determinadas perguntas. Por fim, tenha cuidado e sensibilidade ao
construir sua entrevista, suas perguntas de modo algum podem constranger, violentar
ou desrespeitar o seu entrevistado, esse erro pode ser fatal para a entrevista e inclusive
desenrolar-se em problemas futuros para sua pesquisa.

De fato não podemos prever todos os problemas e dificuldades implicados em


uma entrevista, todavia, alguns cuidados básicos, como esses anteriormente expostos,
são fundamentais para garantir um mínimo de segurança em suas entrevistas. Por vezes,
uma entrevista problemática, por assim dizer, pode fechar inclusive as possibilidades
de fazer a pesquisa de campo em determinada localidade. Por exemplo, imagine que
você está pesquisando junto a uma comunidade ribeirinha e, no momento de fazer
uma entrevista com uma liderança comunitária, uma de suas perguntas seja ofensiva
para essa liderança, ela então decide não mais lhe prestar as informações, assim como
relata o ocorrido com os demais moradores da comunidade que também se ofendem e
decidem não contribuir para a pesquisa. Imaginou? Um erro fatal para uma pesquisa por
conta de uma pergunta pouco articulada e/ou ofensiva. 

De modo geral, as entrevistas podem contribuir grandemente para nossas


pesquisas. Com o uso de entrevistas é possível coletar dados de caráter qualitativo
(ALVES; SILVA, 1992) e quantitativo, ou ambos, a depender do interesse do pesquisador
e disposição do entrevistador em prestar as informações. Todavia, como exposto, é
sempre necessário ter planejamento e cautela, justamente por se tratar de um momento
em que a interação antropólogo e entrevistado é colocada em jogo.

Com tantas ferramentas, em nosso próximo subtópico vamos aprofundar


nossos estudos na etnografia.

148
2.2 SOBRE A ESCRITA ANTROPOLÓGICA: ETNOGRAFIA
Acadêmico, chegamos em uma etapa muito interessante de nossos estudos, o
momento de aprender acerca do método etnográfico. A partir de agora, vamos dar os
primeiros passos em relação ao aprendizado a respeito do modo de escrever/produzir
uma etnografia! Sendo este, um método e prática de discorrer sobre os registros do
campo, desde um olhar antropológico a respeito de situações, relações, instituições,
pessoas, dentre outras coisas. Entre os antropólogos, essa se trata de uma forte
tradição em termos de metodologia e técnica, resultando em uma produção escrita que
evidencia o pensar, fazer e registrar as pesquisas e produções antropológicas.

A partir da escrita etnográfica, situações e experiências de antropólogos, nos mais


variados e interessantes trabalhos de campo espalhados mundo afora, já foram registradas,
e segue sendo uma metodologia muito utilizada em nosso campo de estudos.

A etnografia trata-se de um método específico de escrita a respeito do registro


do trabalho antropológico. Essa é uma das ferramentas de maior importância de
nosso ofício (PEIRANO, 2008). Tendo sido sistematizada pelo antropólogo Bronislaw
Malinowski, essa metodologia segue sendo o aporte central do trabalho do antropólogo.
Atualmente, disciplinas como a Sociologia, Psicologia e Marketing buscam se inteirar e
aplicar o método etnográfico em suas pesquisas.

Uma vez que etno se refere às etnias; e grafia à escrita, etnografia, por alto,
refere-se à escrita a respeito das diversas etnias.

No período clássico de nossa disciplina, a etnografia de fato era reduzida à escrita


a respeito das etnias diferentes daquela da qual pertencia o antropólogo pesquisador.
No entanto, em uma perspectiva moderna da antropologia, poderíamos assimilar a
etnografia como a escrita a respeito da diversidade cultural, sendo esta possível de se
observar, inclusive entre pessoas de uma mesma etnia.

Um grande exemplo dessa possibilidade é a própria antropologia urbana, tema de


grande importância em nossa disciplina na atualidade. Inclusive, nas últimas décadas, a
antropologia urbana tem ganhado cada vez mais espaço e importância em nossa disciplina.
Uma vez que é capaz de contribuir para a compreensão de uma série de questões ligadas
às dinâmicas das cidades, tema de grande interesse da antropologia contemporânea.

149
INTERESSANTE
Acadêmico, mesmo quando estudamos os temas dos estudos clássicos, é
sempre importante que você busque fazer conexões, aproximações e críticas
a respeito dos temas do passado e do presente. Ser um antropólogo é ser um
observador do mundo, portanto, se trata também de desenvolver um olhar
crítico a respeito desse mundo que se observa. Para pensar um pouco a respeito dos
avanços e mudanças da antropologia, assim como do uso da etnografia nesses novos
contextos (como a antropologia urbana, por exemplo), assista ao vídeo “Narradores
urbanos, antropologia urbana e etnografia nas cidades brasileiras: Gilberto Velho”.
Disponível em: https://vimeo.com/50699082.

Utilizamos da etnografia para coletar e registrar os dados de nossas pesquisas, a


partir do contato (trabalho de campo) estabelecido entre nós (antropólogos) e os grupos
dos quais estamos interessados em pesquisar (URIARTE, 2012). No entanto, é preciso
marcar que, atualmente, a etnografia pode ser feita a partir das mais variadas situações
de campo. Desde trabalhos que demandam a realização de longas viagens, pesquisa
em espaços da própria cidade do pesquisador ou até mesmo a pesquisa a partir de um
campo em formato virtual (SEGATA 2015). O importante é que essa produção seja escrita
a partir do trabalho de campo (espaço pesquisado) do antropólogo, em que, de uma
maneira ou outra, se aproxima dos sujeitos pesquisados, independentemente de seu
formato (físico, virtual, documental etc.). Uma vez que nossa disciplina está diretamente
relacionada com a cultura e suas infinitas nuances, a etnografia é também uma prática
em constante movimento. Como sabemos, a cultura é viva, está presente em todos os
espaços, assim o é, também, a possibilidade de etnografar. Deste modo, a antropologia e
suas potencialidades em termos de pesquisa, não poderiam ir em outro sentido, se não o
da constante mudança e avanços.

IMPORTANTE
É viável realizar uma pesquisa com um grupo distante do seu, até mesmo do outro lado do
Oceano Atlântico. Assim como é possível desenvolver uma pesquisa em uma instituição
prisional em seu próprio bairro ou em um grupo de uma rede social da internet. Podemos
pesquisar com crianças na faixa de cinco anos de idade, ou pessoas com mais de 80 anos.
Nossa pesquisa pode ser planejada para ter uma duração de um ano, quando vamos
morar entre as pessoas que pesquisaremos, ou mesmo podemos simplesmente visitar
uma instituição uma vez na semana. Outra via de realizar nosso campo é acompanhando
um grupo específico de uma rede social, do seu próprio computador, sem
ao menos precisar sair de casa. A pesquisa antropológica nos forma para
pesquisar nos mais variados ambientes. É muito importante que você entenda:
todos os espaços de interação social são possibilidade para uma pesquisa
antropológica. Basta que o pesquisador tenha respeito e ética em seu trabalho,
bem como consiga instrumentalizar da melhor maneira o desenvolvimento de
sua investigação!

150
Em nosso ofício buscamos entender os significados das diversas questões
culturais. Em outras palavras, buscamos compreender o que determinadas coisas,
comportamentos, rituais, situações, regras etc. significam para o grupo que estamos
pesquisando. Vamos pensar em um exemplo?!

Malinowski buscou compreender o significado integral da prática do Kula,


lembram? Portanto, para a pesquisa desse antropólogo era importante entender
a variedade de significados e questões relativos à organização social daquelas
populações, sendo assim, sobretudo a partir do Kula, observou suas intencionalidades
e efeitos socioculturais gerados desse sistema de trocas na composição e organização
do todo social. De maneira semelhante, uma infinidade de antropólogos desenvolve
suas pesquisas para que, a partir das mais variadas observações a respeito de questões
culturais, seja possível compreender os significados e impactos sociais de determinadas
práticas na própria cultura em questão. 

Para trazer a etnografia para mais perto de você, vamos fazer o seguinte
exercício: imagine um texto com uma descrição generosa e muito detalhada a respeito
de um local e de uma determinada situação que acontece nesse local (ex.: um culto
religioso em uma igreja). Dessa maneira, o leitor desse texto consegue imaginar com
riqueza de detalhes a respeito das práticas que lá acontecem, mesmo que nunca
tenha estado naquele espaço. Existe uma série de variáveis implicadas nessas práticas
culturais, e essas variáveis acabam por diferenciar os grupos culturais (culturas):
sejam as vestimentas, modelos de habitação, rituais, religiões, regimes econômicos,
performances corporais e infinitas outras questões.

Para a produção de uma boa etnografia é preciso, então, sistematizar as


observações feitas em campo, levando em conta não apenas aquilo que se observa,
mas também aquilo que se escuta. Uma vez que as pessoas (pertencentes ao local eleito
para realizar a pesquisa) dizem muito a respeito da própria cultura local, evidenciam
quem elas são e o modo como se enxergam e se colocam no mundo. Portanto, é de
importância central que o antropólogo não apenas tire suas conclusões a respeito da
população que está estudando, mas que também tenha ouvidos abertos e atentos
para aquilo que as pessoas falam a respeito delas mesmas e de seu ambiente. Os usos
e sentidos de uma cultura estão dispostos a partir das próprias falas e diálogos das
pessoas nativas da própria cultura (MUNANGA, 2015). 

Por fim, a etnografia se trata do registro sistemático a respeito de temas


presentes em uma determinada cultura. Observando e registrando as situações, hábitos
e práticas que estão voltados ao interesse específico da pesquisa a ser realizada. Esse
levantamento acontece a partir da proximidade do antropólogo com o grupo em questão
(independentemente de seu formato).

151
O fator do tempo também deve ser levado em conta, uma vez que só é possível
observar e compreender essas práticas culturais com alguma dedicação e tempo. Por
último e não menos importante, a ética e o respeito pelas pessoas pesquisadas são
elementos centrais, tanto para o estabelecimento dessa proximidade e relação como a
produção escrita a respeito dessa pesquisa e experiência. 

Olhem o quanto estamos avançando e descobrindo um novo mundo em termos


antropológicos! A partir desse momento, você já pode começar a escrever as suas
primeiras etnografias.

Em nosso próximo subtópico, vamos aprender a respeito da pesquisa


antropológica em relação aos métodos quantitativos e qualitativos. Vamos embarcar?

2.3 PESQUISA ANTROPOLÓGICA: O USO DE MÉTODOS


Acadêmico, de um modo geral, os principais interesses da pesquisa antropológica
se concentram naquilo que, em sentido amplo, engloba as questões da ordem humana
e social, ou ainda mais especificadamente, cultural. Tanto para o desenvolvimento
das pesquisas, quanto para sua posterior análise de dados, é preciso adotar critérios
teórico-metodológicos. Essas escolhas fazem parte dos elementos constitutivos da
pesquisa científica, importantes e definidores para o desenvolvimento e conclusão de
uma investigação. Existe uma diversidade de métodos científicos possíveis e aplicáveis
as nossas pesquisas, mesmo que, especialmente na área da antropologia, o método
qualitativo seja historicamente o mais utilizado pela comunidade de antropólogos,
sobretudo quando comparado ao uso do método quantitativo. 

Obviamente, a eleição do método (ou métodos) não se trata de uma preferência


pessoal infundamentada por parte do antropólogo, uma vez que se trata de uma opção
que compõe e interfere diretamente no andamento e resultado de nossas pesquisas,
tanto em relação às questões de ordem geral quanto específicas. Essa escolha está
relacionada ao tema de pesquisa, situação de campo e nuances da investigação, ou
seja, opta-se pelo método que de fato faz sentido e contribui substancialmente para o
desenvolvimento da pesquisa em questão, seja no momento da coleta de dados ou em
sua análise e sistematização (CABRAL, 1998). 

Cada pesquisa científica é singular, mesmo que existam similaridades entre


as investigações, especialmente quando essas são relacionadas a um mesmo tema.
Todavia, a própria relação entre pesquisador (e como já vimos, seus marcadores sociais
da diferença) e o campo, torna cada pesquisa fatidicamente única, cabendo então o
uso planejado das metodologias científicas que, da melhor maneira, irão contribuir para
o engrandecimento da pesquisa.

152
Uma série de fatores são levados em conta para o desenvolvimento de
uma pesquisa científica, dentre eles: teoria, metodologia e técnicas. Mesmo assim,
uma questão deve ficar clara, não existe uma fórmula pronta para se fazer pesquisa
antropológica. Cada contexto cultural, social, político, econômico, requer escolhas muito
específicas (ESTRADA, 2004). Uma pesquisa realizada com estudantes universitários
requer o uso de linguagens e opções metodológicas diferentes, por exemplo de uma
pesquisa realizada com crianças de sete a dez anos, não se trata da existência de
hierarquias sociais, mas sim da compreensão das diferenças existentes entre os mais
diversos grupos de pessoas.

A opção por métodos quantitativos ou qualitativos (também é possível unir os


dois, trataremos a esse respeito mais a frente) além de estar diretamente implicada
no tema central da pesquisa, também pode interferir de modo positivo ou negativo
na apresentação da própria pesquisa. Afinal de contas, na maioria das vezes, nossas
pesquisas não são feitas para responder a questões limitadas aos nossos interesses
privados, uma vez que as produções científicas devem ser de conhecimento público,
assim como objetivar os interesses coletivos, ao menos idealmente. 

DICA
Acadêmico, para aprofundar sua compreensão a respeito da possibilidade
de unir os métodos quantitativos e qualitativos em uma mesma pesquisa,
recomenda-se a leitura do artigo  “Quantitativo-qualitativo: oposição ou
complementaridade?” de Maria Cecília de S. Minayo. Disponível em: https://
bit.ly/3Hc951q.

Independentemente do método utilizado, em uma investigação científica é


importante que o pesquisador leve em conta um aspecto primordial: a compreensão
por parte de terceiros dos resultados de sua pesquisa. Essa pode parecer uma questão
básica, todavia não o é necessariamente.

Existem pesquisas do mais alto rigor científico, embasadas em teorias sólidas,


complexas e refinadas, que, todavia, são de difícil compreensão, sendo esse um
problema relativamente comum no meio acadêmico. Muitas das vezes, não se leva
em conta a necessidade de tornar compreensível o contexto, métodos e resultados da
pesquisa científica, tornando-a, assim, pouco frutífera e/ou compreendida apenas por
um pequeno grupo. Trocando em miúdos, a ideia é a seguinte: de pouco ou nada adianta
uma pesquisa de alta qualidade, se os seus resultados não são compreensíveis. Sempre
leve isso em conta em suas pesquisas e textos, seu texto deve ser compreensível pelo
maior número de pessoas possíveis, isso é produção científica de qualidade! 

153
Os diferentes temas de pesquisas e, consequentemente, as situações de
trabalho de campo, variam entre si. O método quantitativo, como seu próprio nome
anuncia, se refere às quantidades. Assim sendo, uma pesquisa de caráter quantitativo
é aquela em que se desenvolve uma base de levantamento de dados com projeções
a partir de indicadores numéricos (MUSSI et al., 2019). É possível, então, imaginar que
essa escolha se refere ao modo como serão coletados e tratados os dados do campo.
Essa opção pode enriquecer consideravelmente sua pesquisa, assim como oferecer à
sociedade o levantamento de dados pertinentes e de uso público.  Em contrapartida,
mas não em sentido oposto, encontram-se as pesquisas qualitativas. Essa abordagem
metodológica é pertinente ao campo dos sentidos, significados, símbolos e relações,
dentre outras questões observadas nos diversos contextos de ordem socioculturais.
Assim, a metodologia qualitativa é amplamente conhecida e aplicada sobretudo pelos
estudiosos das chamadas ciências humanas e sociais.

Essa opção metodológica é um pouco mais aberta às questões reflexivas de


ordem teórica e crítica. Trata-se de uma abordagem que privilegia a análise de relações
(interpessoais, coletivas e institucionais), fenômenos e processos (sociais e culturais)
compartilhados nos diferentes espaços sociais (NEVES, 1996). Portanto, oferece material
de ordem crítico reflexiva que em muito acrescentam em nossas pesquisas. Não existe
uma hierarquia a respeito da importância ou qualidade de ambos os métodos de
pesquisa, a cada um deles cabem possibilidades e potências metodológicas específicas.
E, mesmo sendo abordagens metodológicas diferentes, é possível fazer a combinação
dessas duas ferramentas de análise em uma mesma pesquisa. Veja que interessante!
Vamos pensar nos exemplos?

Exemplo: um antropólogo é contratado pelo Ministério da Educação para participar


de uma das fases de avaliação de determinado material didático que está em
processo de implementação. Trata-se de uma coleção de livros didáticos utilizados
pelos alunos do 4º ano do Ensino Fundamental, sua tarefa essencial é a de observar
e produzir relatórios a respeito da receptividade, uso, aproveitamento e adequação
do material, tanto por parte dos alunos quanto dos professores. Desse modo, cabe
ao pesquisador realizar seu trabalho de campo dentro da escola, nos ambientes
de uso comum dos professores e sobretudo em sala de aula. Sendo essa, uma
pesquisa de campo realizada ao longo de todo o ano letivo, em mais de uma turma
de ensino fundamental e durante os turnos matutinos e vespertinos. Essa pesquisa
exige aprofundamento teórico a respeito das questões de educação, em especial
o tema da didática, um investimento considerável de tempo, estabelecimento
de relações de confiança, cronograma e sistematização de dados coletados ao
longo do trabalho de campo (observem como todos os temas que aprendemos até
agora estão ganhando vida a partir de um exemplo concreto). Assim, no dia a dia,
o antropólogo vai criando estratégias que facilitam a coleta dos dados necessários
a sua pesquisa.

154
ATENÇÃO
Notem que cabe ao antropólogo ser constantemente um estudioso.
Acontece que, como desenvolvemos pesquisas nos mais diversos contextos,
é necessário estudar e conhecer os contextos dos quais iremos realizar as
investigações. No exemplo citado, o antropólogo precisou estudar a respeito
de questões gerais da área da educação e especificamente sobre o tema da
didática. Ser antropólogo é ser um eterno estudioso!

Nesse caso específico da pesquisa contratada pelo Ministério da Educação, uma


série de ferramentas metodológicas foram aplicadas pelo antropólogo ao longo de seu
trabalho de campo, dentre elas: entrevistas semiestruturadas, observação participante,
etnografia, (calma, um pouco à frente você conhecerá cada uma dessas técnicas de
pesquisa) e questionários. Portanto, o antropólogo optou pelo uso tanto de métodos
qualitativos, quanto quantitativos. Com todo o material levantado em sua pesquisa
de campo e posteriormente analisado e sistematizado, foi possível desenvolver um
relatório de qualidade admirável. Uma vez que desenvolveu um texto argumentativo a
partir das observações, diálogos e situações vivenciadas no ambiente escolar (resultado
da análise qualitativa), assim como ilustrou os dados com o uso de gráficos e tabelas
(resultado da análise quantitativa) resultantes das entrevistas e questionários realizados
com os alunos e professores da escola. Tanto no sentido teórico reflexivo, quanto
material, sua pesquisa demonstrou ter sido feita de uma perspectiva crítica, organizada
e sistematizada, tendo como produto um relatório consistente, claro e satisfatório. Esse
material além de apresentar um texto claro, esclarece qualquer dúvida do leitor com o
uso dos gráficos e tabelas. 

Não é necessário que todo pesquisador faça o uso combinado das duas
metodologias (quantitativa e qualitativa), todavia, se lhe parecer apropriado, a
combinação de ambas pode ser extremamente feliz para sua pesquisa. Como já dito, é
muito importante que o pesquisador analise o espaço em que a pesquisa irá acontecer,
assim como avalie qual ou quais metodologias que melhor serão desenvolvidas naquele
determinado campo. Além disso, é totalmente possível e compreensível que, após
definidos os métodos, no momento de sua aplicabilidade, não sejam obtidos o êxito
imaginado. Em uma situação que isso aconteça, é importante que você repense parcial
ou totalmente a pesquisa e faça os reajustes necessários. Lembre-se, a pesquisa é
uma prática feita por pessoas humanas, passível de erros e reajustes, o importante é
sempre seguir buscando aperfeiçoar seus métodos, técnicas, assim como estudando
diariamente a respeito do tema interessado! 

Agora que já estudamos a respeito do trabalho de campo e parte significativa


dos elementos que compõem essa pesquisa, vamos começar a projetar uma possível
pesquisa. Nosso próximo subtópico será em torno da escolha do tema de pesquisa!

155
3 TEMA E PESQUISA
Até o presente momento, estamos discorrendo sobre os métodos e técnicas de
se fazer pesquisa em antropologia, assim sendo, é necessário que façamos um exercício
que guiará nossa reflexão a partir de agora e para todo o sempre em nosso ofício de
antropólogos. Esse exercício se trata de pensar e escolher um tema de pesquisa do qual
temos interesse. A princípio, é preciso eleger uma questão norteadora para refinar nosso
interesse, definir o tema e então aplicar a teoria estudada. 

Vamos juntos mergulhar no universo da pesquisa antropológica? Ao longo de


toda a sua formação, você recebe uma série de conhecimentos teóricos em torno do
pensamento crítico. Esses ensinamentos são de altíssima relevância, uma vez que será
a partir deles que você irá atuar no ofício de antropólogo. No entanto, na disciplina de
antropologia, toda essa bagagem de conhecimentos precisa ser direcionada para uma
pesquisa, essa é a primeira fase da experimentação antropológica. Obviamente, neste
momento, sua pesquisa será um experimento, uma primeira experiência científica no
campo da antropologia. O tema de sua escolha preferencialmente deverá ser sobre um
assunto que lhe interesse. Não se preocupe, não existe restrição para a escolha da
questão norteadora. Vamos fazer o passo a passo da escolha de um tema? 

Em primeiro lugar, qual assunto desperta seu interesse pessoal? Algo que
você conheça com profundidade ou mesmo que desconheça e gostaria de entender
melhor? Vamos criar um exemplo fictício para que você possa entender como definimos
essas escolhas. Exemplo de situação: supondo que você seja uma pessoa interessada
no tema do ciclismo. Pode ser que você seja um ciclista ou mesmo um admirador da
prática esportiva. Temos aí uma questão: ciclismo! Em sua cidade existe um grupo de
ciclistas que realiza passeios coletivos todo primeiro sábado do mês. Temos então dois
elementos: primeiro, seu interesse pelo ciclismo; e segundo, um grupo de ciclistas do
qual você pode se aproximar para fazer seu trabalho de campo. Veja, questão norteadora
e possibilidade de campo. 

Definida a questão e existindo uma possibilidade de campo, você, como um


iniciante em antropologia, pode deslocar-se até o ponto de encontro desse grupo para
começar a fazer as primeiras observações de campo, é possível que você inclusive faça
uma observação participante, caso queira. Você deve se perguntar: como é possível?
Simples, leve sua bicicleta e acompanhe o grupo pelo circuito definido, ou, a depender
de seu preparo físico, pedale uma parte do trajeto com esse grupo. Muito mais simples
do que você esperava não? Uma vez que você compartilha da atividade realizada pelas
pessoas de seu campo de pesquisa, está fazendo uma observação participante. 

156
Com o passar dos encontros, você começará a notar questões que despertaram
seu interesse de pesquisa. Lembre-se, não é em uma saída de campo que você definiu
seu tema, é necessário investir um certo tempo. Após algumas pedaladas, você começa
a notar que o grupo é formado, em sua maioria, por homens, não sendo essa uma regra
específica desse coletivo, mas que no entanto, na prática, poucas mulheres frequentam
aquele espaço.

Digamos que essa questão começa a se tornar uma interrogação na sua cabeça.
E aí está, você acaba de definir um possível tema de pesquisa. Nesse momento, você
precisará de uma pergunta norteadora para sua pesquisa, podendo ser a seguinte: “O
que leva a ausência ou inferioridade do número de mulheres no grupo de ciclismo X.?” 

Veja que interessante! O campo da pesquisa antropológica está disposto por


todas as partes, basta um olhar sensível e alguma dedicação de tempo e esforços. Para
responder a sua pergunta inicial, você poderá usar uma série de recursos.

Em primeiro lugar, você deve seguir acompanhando o grupo por um período


prolongado. Após aproximar-se um pouco mais das pessoas que compõem esse grupo,
você pode compartilhar seus interesses de pesquisa. É possível somar suas observações dos
passeios de bicicleta, com entrevistas estruturadas ou semiestruturadas que possibilitem a
compreensão dessa ausência de mulheres ciclistas naquele determinado coletivo.

Nessa pesquisa, é possível unir os dados quantitativos (número de mulheres)


e qualitativos (opinião das ciclistas e dos ciclistas, observações a respeito da interação
entre pessoas de diferentes gêneros nesse espaço, dentre outras possibilidades), dessa
maneira sua pesquisa muito provavelmente será promissora e, ao final, oferecerá dados
e informações de carácter e qualidade científica.

O uso da etnografia deverá compor sua produção científica, bem como é possível
que você acrescente imagens do grupo (desde que o uso da imagem das pessoas seja
previamente autorizado por elas) e assim apresentar um trabalho de altíssima qualidade
e estética admirável. 

Viram como é mais simples do que se imagina? Realizar pesquisa desde a


antropologia, mais do que a união de métodos ou técnicas, trata-se de um investimento
e esforço do pesquisador. É possível que muitos percalços apareçam ao longo de
seu caminho na pesquisa, todavia, é necessário sempre retomar a pesquisa desde as
possibilidades existentes e seguir firme em sua proposta de construir conhecimento a
respeito de determinado assunto.

157
IMPORTANTE
Não se esqueça, sempre que você começar a despertar para um tema de
pesquisa de seu interesse, faça um pequeno levantamento de informações
a respeito desse tema, buscando pelas principais produções bibliográficas
sobre ele. Você não precisa ler uma biblioteca inteira, todavia, três ou quatro
artigos podem despertar em seus olhos questões relevantes naquele
determinado assunto, inclusive podem contribuir para que você comece a
traçar um caminho de pesquisa. Mãos na massa, ou melhor, mãos nos livros! 

Espero que esses aprendizados tenham contribuído substancialmente para sua


formação enquanto antropólogo e pesquisador. Coloque a mão na massa e comece a se
arriscar nas primeiras vivências e experiências antropológicas! 

Em nosso próximo tópico, você aprenderá um pouco mais sobre os temas que
têm ganhado mais espaço e interesse científico em nossa disciplina, vamos embarcar
nessa? Quem sabe esses temas não despertem seu interesse para realizar a sua
primeira pesquisa!

158
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O trabalho de campo é parte central da pesquisa antropológica, todavia seu êxito


depende dos métodos e técnicas escolhidas para o desenvolvimento dele.

• A pesquisa antropológica pode ser feita a partir de dois métodos científicos, sendo
esse método qualitativo ou método quantitativo. É possível utilizar apenas um desses
métodos, ou mesmo a junção de ambos. 

• A observação participante se trata de uma prática antropológica desenvolvida


pelo antropólogo Bronislaw Malinowski, mesmo já tendo completado um século
desde seu nascimento, segue sendo utilizada como ferramenta metodológica de
grande importância.

• A etnografia trata-se de um registro a respeito das diferentes culturas. Sua escrita


se dá a partir do contato entre antropólogo e grupo pesquisado, ou seja, ao longo
trabalho de campo.

159
AUTOATIVIDADE
1 As entrevistas podem contribuir consideravelmente para uma pesquisa, inclusive
são passíveis de coletar de informações qualitativas e quantitativas. Assim, sobre a
situação que expõe o seu uso apropriado, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O antropólogo deseja documentar falas de pessoas e fazer o registro de seus nomes,


para então ter a prova da validade das informações prestadas na pesquisa.
b) ( ) O antropólogo objetiva a coleta de informações que não foram possíveis de serem
coletadas apenas com as observações realizadas com o trabalho de campo. 
c) ( ) O antropólogo busca por informações da vida pessoal das pessoas envolvidas
em sua pesquisa, para seu uso anônimo. 
d) ( ) O antropólogo está fazendo um levantamento de dados para um canal jornalístico,
sendo as entrevistas necessárias.

2 Alguns textos trazem em seu corpo argumentativo dados numéricos em formato de


gráficos, tabelas e/ou escalas, esse método pode ser extremamente esclarecedor
para o leitor do texto. Essa prática de pesquisa e apresentação é chamada de:

I- Método qualitativo.
II- Método quantitativo.
III- Método de variação.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 A etnografia é uma das ferramentas metodológicas centrais para a sistematização


da pesquisa em antropologia. Trata-se da escrita daquilo que se observou em um
determinado momento do desenvolvimento da pesquisa. A partir dos conhecimentos
obtidos, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Etnografia é o resultado do registro e sistematização de dados obtidos durante a


pesquisa teórica.
( ) Etnografia é o resultado do registro e sistematização de dados obtidos durante o
trabalho de campo.
( ) Etnografia é o resultado do registro e sistematização de dados obtidos durante o
momento do pré-campo.

160
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Com base na metodologia da observação participante, escreva um relatório/


observação a respeito de um local onde você, de alguma maneira, participe da
dinâmica. Pode ser o seu trabalho, um restaurante que costuma frequentar, um curso
que está fazendo, ou mesmo alguma atividade que você faz parte, como um centro
comunitário de seu bairro ou qualquer outro local que exista interação entre pessoas e
você. Lembrando, diferente dos outros exercícios de observação propostos em nosso
Livro Didático, neste momento, é esperado que você também se coloque enquanto
parte do espaço. Capriche na descrição!

5 Pense em um tema de seu interesse e faça uma pequena pesquisa na internet a


esse respeito. Por meio de um texto expositivo, escreva a respeito do que aprendeu
sobre o tema, assim como faça apontamentos de carácter qualitativo e quantitativo,
ou seja, além de desenvolver a respeito da pesquisa em questão e suas reflexões
a esse respeito (qualitativo) traga dados (quantitativos) que ilustram essa pesquisa.
Lembre-se, pesquisar, refletir e escrever sobre um tema é sempre um exercício para
o momento futuro de sua carreira como antropólogo, invista nesse momento! 

161
162
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
ANTROPOLOGIA E OS NOVOS
PARADIGMAS
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, veja que caminho longo e interessante você percorreu até agora
em termos antropológicos! Em nossa primeira unidade do Livro Didático localizamos
a antropologia desde o seu contexto pré-histórico, definimos as posições marcadas
entre pesquisador e sujeito pesquisado, e refletimos a respeito de uma infinidade
de elementos que constituem nossa disciplina. Já em nossa segunda unidade,
mergulhamos profundamente nas escolas clássicas da antropologia, seus precursores
e teorias. Veja bem, a Unidade 1 foi uma unidade introdutória que esclareceu e localizou
nossa disciplina no tempo e espaço, dessa forma, compreender as teorias e práticas
apresentadas na Unidade 2 fez todo o sentido em termos não apenas cronológicos,
mas também críticos, históricos e localizados. Lembre-se, uma teoria, seja ela clássica
ou contemporânea, jamais pode ser ensinada de modo solto e desamarrado de todo
o contexto espacial, temporal, cronológico e social, é preciso definir e estabelecer um
mapa visual e lógico em termos de aprendizado e conhecimento. 

Pois bem, agora que já conhecemos desde a pré-história de nossa disciplina,


suas escolas teóricas e a questão central do trabalho de campo, métodos e técnicas em
antropologia é chegada a hora de dar um passo adiante na abertura de nosso horizonte
antropológico. Neste terceiro e último tópico de nosso livro, iremos aprender a respeito
de alguns dos paradigmas da antropologia. Você pode se perguntar: qual a importância
de aprender a respeito dos paradigmas atuais da antropologia em uma disciplina de
antropologia clássica? Ótima pergunta!

Acontece que a teoria clássica de modo algum pode estar descolada de nossa
realidade contemporânea, ou seja, é necessário fazer conexões, pontos em comum e
reflexões críticas a respeito dos reflexos da teoria clássica em nosso contexto atual.
Uma vez que, muitas das questões presentes em nossa disciplina atualmente estão
diretamente relacionadas ao período de fundação da disciplina e seus desdobramentos
decorrentes desse período. Se nossa perspectiva não fosse desenvolver um olhar crítico
e analítico, assim como se a antropologia clássica não afetasse diretamente as questões
atuais de nossa disciplina, qual seria o sentido de estudá-la?! Os impactos do período
clássico reverberam até hoje as nossas perspectivas teóricas e críticas. 

Neste momento, refletiremos a respeito dos paradigmas modernos de nossa


disciplina, isto é, as questões pelas quais a antropologia tem se interessado pesquisar,
os novos e promissores campos de pesquisa e as críticas contemporâneas. Imaginem
que em nosso último tópico faremos um balanço geral a respeito dos conhecimentos

163
adquiridos desde uma visão crítica da ampliação e novas questões de nossa disciplina.
Se durante o período clássico o objetivo dos antropólogos era de “conhecer os
selvagens”, quais são os principais interesses dos antropólogos contemporaneamente?!
Atente-se a essa oportunidade, uma análise da perspectiva antropológica clássica e
contemporânea, esse movimento de conhecimento será dos mais interessantes! Vamos
juntos? Bons estudos!

2 DESCENTRANDO “O MUNDO”: ANTROPOLOGIA


EM CONTEXTOS LATINO-AMERICANOS
Acadêmico, em nossas Unidades 1 e 2, aprendemos conjuntamente a respeito
da fundação e consolidação de nossa disciplina, a antropologia. Desse modo, precisamos
ter em mente algumas das questões básicas e indispensáveis para uma reflexão
a respeito da teoria crítica antropológica, tomando, assim, como tema de análise a
legitimidade da produção de conhecimento em nossa disciplina. Uma vez que, mesmo
que a antropologia ofereça seus primeiros frutos no continente europeu e se consolide
entre a Inglaterra, França e Estados Unidos da América, existe uma vasta e considerável
produção de conhecimento que vai muito além desse circuito acadêmico. Sobretudo
em termos de antropologia contemporânea. Sendo assim, esse contexto de fundação
impacta enormemente a produção antropológica até os dias de hoje. 

No entanto, pela própria dinâmica da ciência, assim como resultado de lutas


sociais e perspectivas intelectuais que, para além do norte global, o contexto espacial
e social de reflexão e produção antropológica tem mudado consideravelmente. Já
estudamos o suficiente a respeito do período e contextos nórdicos e anglo saxônicos de
nossa disciplina, sendo assim, é chegado o momento de conhecer um novo contexto
social e práticas de produção antropológica, sobretudo localizada na América Latina.
Essa é uma oportunidade e um convite para que você, estudante, possa expandir os
seus conhecimentos e perspectivas críticas!

É chegado o estágio em que nossa reflexão precisa passar por um processo de


expansão dos horizontes epistemológicos, ou seja, o momento em que intelectualmente
direcionamos nossos interesses de estudo para o local onde estamos radicados, a
gigantesca e expressiva: América Latina.

Você deve estar se perguntando como isso será possível, uma vez que tudo o que
aprendemos até o momento foi produzido pela Europa e Estados Unidos. Tudo bem, a
partir de agora vamos despertar para um olhar crítico e sensível a respeito da antropologia
latino-americana. Desfrutar dos conhecimentos e perspectivas antropológicas
estabelecidas em solo latino-americano trata-se, sobretudo, de compreender as raízes
históricas de nosso território, bem como os efeitos da colonização em nossa disciplina
(e vida de modo geral). Que as cores, aromas, musicalidades e temperatura (em sua
maioria) tropical, sejam um bojo promissor da mais bela reflexão antropológica, nossa
antropologia latino-americana! 
164
FIGURA 5 – MAPA DA AMÉRICA LATINA

FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/map-latin-america-poster-black-whi-
te-1660230421>. Acesso em: 22 fev. 2022.

A tradição nórdica antropológica coloca toda a vasta produção de antropologias


provenientes da América Latina enquanto produções menores, subdivididas e
localizadas, ou seja, antropologia brasileira, antropologia colombiana, antropologia
argentina e assim por diante (OLIVEIRA, 1994). Você deve estar estranhando o uso da
antropologia enquanto desde uma separação territorial. Acontece que, assim como as
escolas clássicas da antropologia são também perspectivas antropológicas diversas e
plurais, existe uma pluralidade em termos de antropologia produzida no mundo. Assim
também o são as produções contemporâneas, e, em especial, para o nosso momento e
espaço de reflexão, trazemos as antropologias nascidas na América Latina.

Também existe uma série de diferenças quanto aos interesses e produções


antropológicas do eixo norte e sul globais. Para começar, podemos pensar no fato
de que a antropologia produzida na América Latina passa por um processo de
subalternização em termos de legitimidade de sua produção de conhecimento, uma
vez que é majoritariamente tomada como uma produção científica periférica (OLIVEIRA,
1994). Essa é uma longa e instigante discussão, vamos nos aprofundar nesse tema?!

Agora que já sabemos que existe antropologia sendo produzida muito para
além do eixo norte, vamos conhecer, em nosso próximo subtópico, um pouco da crítica
a respeito da legitimidade do saber científico desde uma marcação territorial, portanto,
também cultural da tradição antropológica. 

165
DICA
Para compreender melhor o tema da diferença de perspectiva crítica a
respeito das produções antropológicas do eixo sul e norte globais, leia o
artigo “O movimento dos conceitos na antropologia” de Roberto Cardoso de
Oliveira. Disponível em: https://bit.ly/3LTzcgW.

2.1 A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE DO CONHECIMENTO


ANTROPOLÓGICO
Até agora já aprendemos que, historicamente, a antropologia desenvolvida
no norte global, se apresenta enquanto uma disciplina válida e legítima. Em termos
mundiais, a produção antropológica europeia e norte-americana se coloca e é vista
enquanto uma perspectiva antropológica geral, ampla e universal. Assim como essas
tradições de escolas antropológicas localizadas ao norte (é preciso saber que existem
tradições de pensamento, ou seja, muito do que se acreditava na antropologia clássica
ainda o é em nossos dias atuais) definem e localizam todo o restante da antropologia
produzida no mundo, em especial a antropologia desenvolvida na América Latina. Os
intelectuais nórdicos definem nossa produção epistemológica enquanto um ramo muito
específico, limitado e localizado da antropologia. 

Essa perspectiva a respeito das diferenças entre as produções epistemológicas


(conhecimento) do norte e sul globais, apontam para um pensamento reiterado em uma
suposta superioridade, não intelectual, mas também cultural. Afinal de contas, qual
o motivo que justificaria a crença de que a ciência produzida no norte global possa
ser capaz de observar e desenvolver teorias antropológicas aplicáveis e em relação
a todo o mundo, enquanto na América Latina nossas teorias antropológicas seriam
produções de conhecimento limitadas a nossa própria localidade? Essa é mais uma
das amarras colonialistas que perduram por mais de um século na tradição europeia e
norte-americana, perspectivas essas disfarçadas de teoria do conhecimento (OLIVEIRA;
OLIVEIRA, 2017).

Na contramão desse modo de definir e localizar os diversos conhecimentos


antropológicos, existe a teoria crítica decolonial que desponta desde a América Latina.
Uma vez que a antropologia clássica nasce no final do século XIX e início do século XX,
com o contato entre europeus e norte-americanos e outras culturas diversas, o próprio
contexto de sua formação abre um leque de questões passíveis de crítica desde o fato
de que a disciplina tem como base fundante o regime colonial. Essa discussão envolve
questões pertinentes ao campo da política, economia, cultura, estrutura de poder,
dentre outros.

166
NOTA
A teoria crítica decolonial trata-se de uma produção teórica feita desde
a América Latina, com especial atenção a questões do próprio território
e culturas que aqui se encontrar. Um dos objetivos dessa perspectiva
é justamente o mostrar a diversidade de pessoas, culturas e ideias
espalhadas pelo globo, sobretudo em termos de América Latina, fazendo
assim com que não seja reiterada a ideia de que a teoria é produzida
apenas na Europa e América do Norte. Essa é uma questão sobretudo
de reconhecimento e valorização da pluralidade de ideias e valorização
das diversas experiências de mundo.

Sendo estabelecida a partir de uma base colonialista, em que o domínio e


exploração eram os meios de expansão e legitimidade da disciplina, por parte de seus
fundadores, cabe a ressalva de que até que ponto é possível estudar e desenvolver
questões antropológicas sem fazer a devida crítica as questões pertinentes ao
colonialismo e sua relação com a disciplina. Uma vez que todas as áreas de conhecimento
devem ser constantemente revistas e criticadas, não seria diferente com a antropologia,
sobretudo devido a seu contexto de fundação (VIRGILIO, 2020).

Quando pensamos em teoria decolonial, mais do que respostas fixas, nos


cabem perguntas: seria a antropologia latino-americana um contraponto à antropologia
europeia e norte-americana? É possível pensar em uma base comum entre essas suas
perspectivas de conhecimento?

Compreendendo o contexto de colonização legitimador de nossa disciplina,


seria razoável imaginar uma antropologia que se prestasse a combater sua herança
colonial? Essa e tantas outras questões devem ser um chamado para você, futuro
antropólogo que traça seu caminho desde o Brasil, ou seja, em território e perspectiva
da América Latina. 

FIGURA 6 – UM MANIFESTO DA BELEZA LATINO-AMERICANA 

FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-photo/aymara-girl-playing-traditional-cloth-
-260nw-293137061.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2022.

167
INTERESSANTE
Acadêmico, todas as manifestações culturais podem ser pensadas a partir
da perspectiva antropológica. Portanto, conhecer as diversas manifestações
culturais da América Latina é também aprofundar nossos conhecimentos
antropológicos. A arte, teatro, dança, músicas e demais possibilidades artísticas
são verdadeiras bibliotecas vivas para a antropologia. Sendo assim, uma vez que estamos
refletindo sobre a questão da América Latina, é interessante conhecer um pouco de sua
musicalidade. Ouçam a bela música “Latinoamérica”, da banda urbana de Porto Rico, Calle
13, e atenção, acadêmico, aprecie o clipe com a devida sensibilidade. A estética da música
e das imagens é também uma marcação do estilo latino-americano. Como já vimos, a
produção escrita é carregada de sentidos, um modo dos modos mais interessantes
de produzir e expressar a antropologia é a partir de uma escrita abundante em estilo
e beleza, adjetivos mais do que abundantes em nossa América Latina. Disponível em:
https://bit.ly/3JI7Lou.

2.2 A ANTROPOLOGIA E AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Uma vez que, desde os diferentes períodos de nossa disciplina tomaram
determinados temas como assuntos de importância, vivemos em um momento em
que as questões raciais têm cada vez mais ganhado espaço em nossa agenda política
e científica. Os diferentes modos de atuação de nossa disciplina foram atravessados
diretamente pelas questões relativas ao contexto social do qual esteve inserida. Essa
mesma antropologia que outrora se colocou a serviço do colonialismo, atualmente,
sobretudo na América Latina, se abre para os debates pertinentes ao nosso tempo e
espaço atual.

Cada vez mais as questões em torno das relações étnico-raciais têm sido
fatidicamente reclamadas pelos movimentos sociais e intelectuais contemporâneos.
Estamos passando por um momento em que é reclamado um espaço para discussão e
reflexão deste tema, uma vez que ele é caro a parte significativa da população latino-
americana (SILVA, 2016). E estas questões necessárias de reflexão e análise, são sem
sombra de dúvidas, heranças de uma sociedade orientada pelo regime colonial.

Mais do que um simples tema de interesse de pesquisa, os estudos a respeito das


relações étnico-raciais trazem a necessidade urgente de uma discussão a partir da própria
antropologia, em especial a antropologia brasileira a respeito de nossa base científica. Não à
toa, vivemos em uma sociedade que, em pleno século XXI, aumenta, transborda e acumula
em sua história, cada vez mais desigualdades étnico-raciais, oriundas dessa herança
colonial, amontoando para si uma dívida impagável (SILVA, 2019). 

168
FIGURA 7 – A IMPORTÂNCIA DAS VIDAS E EPISTEMOLOGIAS NEGRAS 

FONTE: <https://bit.ly/36Ry1yV>. Acesso: 19 jan. 2022.

Como sabemos, a produção científica, de modo algum pode estar afastada


do contexto social ao qual está inserida. Portanto, cada vez mais as lutas sociais dos
movimentos negros e indígenas cobram pela presença de uma crítica decolonial que
aponte para a importância desses temas. Assim como outra questão de importância
representativa, é a própria presença de pessoas negras e indígenas na formação
do pensamento intelectual, seja na própria antropologia ou em outras áreas de
conhecimento. O sujeito branco, europeu ou norte-americano, homem, dono de
privilégios sociais, não mais pode ser o detentor da legitimidade do conhecimento. Afinal
de contas, quem melhor do que os próprios indivíduos (negros e indígenas, por exemplo)
para tratar a respeito de sua própria realidade? 

IMPORTANTE
Acadêmico, infelizmente, até os nossos dias atuais, as ementas e bibliografias dos cursos
e formações tradicionais em antropologia ainda são compostas majoritariamente por
autores homens e brancos, considerados os únicos detentores legítimos do
conhecimento antropológico. É também parte de sua responsabilidade, contribuir
para a mudança desse regime de referências e citações. Busque pesquisar por
intelectuais negros, indígenas, mulheres, latino-americanos, dente outras
populações consideradas minorias étnicas, que, todavia, se trata da maioria
de nossa população. Assista a entrevista da intelectual e antropóloga negra,
latino-americana, Lélia Gonzalez, intitulada “CULTNE – Lélia Gonzalez” Disponível
em: https://bit.ly/3Hd5oZa.

169
LEITURA
COMPLEMENTAR
RACISMO E SEXISMO NA CULTURA

Lélia Gonzalez

I- Cumé que a gente fica?

[...] Foi então que uns brancos muito legais convidaram a gente prá
uma festa deles, dizendo que era prá gente também. Negócio de
livro sobre a gente, a gente foi muito bem recebido e tratado com
toda consideração. Chamaram até prá sentar na mesa onde eles
tavam sentados, fazendo discurso bonito, dizendo que a gente era
oprimido, discriminado, explorado. Eram todos gente fina, educada,
viajada por esse mundo de Deus. Sabiam das coisas. E a gente foi
sentar lá na mesa. Só que tava cheia de gente que não deu prá
gente sentar junto com eles. Mas a gente se arrumou muito bem,
procurando umas cadeiras e sentando bem atrás deles. Eles tavam
tão ocupados, ensinado um monte de coisa pro crioléu da platéia,
que nem repararam que se apertasse um pouco até que dava prá
abrir um espaçozinho e todo mundo sentar juto na mesa. Mas a festa
foi eles que fizeram, e a gente não podia bagunçar com essa de chega
prá cá, chega prá lá. A gente tinha que ser educado. E era discurso
e mais discurso, tudo com muito aplauso. Foi aí que a neguinha que
tava sentada com a gente, deu uma de atrevida. Tinham chamado ela
prá responder uma pergunta. Ela se levantou, foi lá na mesa prá falar
no microfone e começou a reclamar por causa de certas coisas que
tavam acontecendo na festa. Tava armada a quizumba. A negrada
parecia que tava esperando por isso prá bagunçar tudo. E era um tal
de falar alto, gritar, vaiar, que nem dava prá ouvir discurso nenhum. Tá
na cara que os brancos ficaram brancos de raiva e com razão. Tinham
chamado a gente prá festa de um livro que falava da gente e a gente
se comportava daquele jeito, catimbando a discurseira deles. Onde
já se viu? Se eles sabiam da gente mais do que a gente mesmo?
Se tavam ali, na maior boa vontade, ensinando uma porção de coisa
prá gente da gente? Teve um hora que não deu prá agüentar aquela
zoada toda da negrada ignorante e mal educada. Era demais. Foi aí
que um branco enfezado partiu prá cima de um crioulo que tinha
pegado no microfone prá falar contra os brancos. E a festa acabou
em briga... Agora, aqui prá nós, quem teve a culpa? Aquela neguinha
atrevida, ora. Se não tivesse dado com a língua nos dentes... Agora
ta queimada entre os brancos. Malham ela até hoje. Também quem
mandou não saber se comportar? Não é a toa que eles vivem dizendo
que “preto quando não caga na entrada, caga na saída” [...].

A longa epígrafe diz muito além do que ela conta. De saída, o que se percebe
é a identificação do dominado com o dominador. E isso já foi muito bem analisado por
um Fanon, por exemplo. Nossa tentativa aqui é a de uma indagação do porquê dessa

170
identificação, ou seja, que foi que ocorreu, para que o mito da democracia racial tenha
tido tanta aceitação e divulgação? Quais foram os processos que teriam determinado
sua construção? Que é que ele oculta, para além do que mostra? Como a mulher negra
é situada no seu discurso?

O lugar em que nos situamos determinará nossa interpretação sobre o duplo


fenômeno do racismo e do sexismo. Para nós o racismo se constitui como a sintomática
que caracteriza a neurose cultural brasileira. Nesse sentido, veremos que sua articulação
com o sexismo produz efeitos violentos sobre a mulher negra em particular.

Consequentemente, o lugar de onde falaremos põe um outro, aquele é que


habitualmente nós vínhamos colocando em textos anteriores. E a mudança foi se dando
a partir de certas noções que, forçando sua emergência em nosso discurso, nos levaram
a retornar a questão da mulher negra numa outra perspectiva. Trata-se das noções de
mulata, doméstica e mãe preta.

Em comunicação apresentada no “Encontro Nacional da LASA (Latin American


Studies Association), em abril de 1979 (GONZALES, 1979a), falamos da mulata, ainda que
de passagem, não mais como uma noção de caráter étnico, mas como uma profissão.
Tentamos desenvolver um pouco mais essa noção em outro trabalho, apresentado
num simpósio realizado em Los Angeles (UCLA) em maio de 79 (GONZALES, 1979c).
Ali, falamos dessa dupla imagem da mulher negra de hoje: mulata e doméstica. Mas ali
também emergiu a noção de mãe preta, colocada numa nova perspectiva. Mas ficamos
por aí.

Nesse meio tempo, participamos de uma série de encontros internacionais que


tratavam da questão do sexismo como tema principal, mas que certamente abriam espaço
para a discussão do racismo também. Nossa experiência aí foi muito enriquecedora. Vale
ressaltar que a militância política no Movimento Negro Unificado se constituía como fator
determinante de nossa compreensão da questão racial. Por outro lado, a experiência vivida
enquanto membro do Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo
permitiu-nos a percepção de várias facetas que se 225 constituiriam em elementos muito
importantes para a concretização deste trabalho. E começaram a se delinear, para nós,
aquilo que se poderia chamar de contradições internas. O fato é que, enquanto mulher
negra, sentimos a necessidade de aprofundar nessa reflexão, ao invés de continuarmos na
reprodução e repetição dos modelos que nos eram oferecidos pelo esforço de investigação
das ciências sociais. Os textos só nos falavam da mulher negra numa perspectiva
socioeconômica que elucidava uma série de problemas propostos pelas relações raciais,
mas ficava (e ficará) sempre um resto que desafiava as explicações. Isso começou a nos
incomodar. Exatamente a partir das noções de mulata, doméstica e mãe preta que estavam
ali, nos martelando com sua insistência...

171
Nosso suporte epistemológico se dá a partir de Freud e Lacan, ou seja,
da Psicanálise. Justamente porque, como nos diz Miller, em sua Teoria da Alingua
(1976, p. 17):

O que começou com a descoberta de Freud foi uma outra abordagem


da linguagem, uma outra abordagem da língua, cujo sentido só veio à
luz com sua retomada por Lacan. Dizer mais do que sabe, não saber o
que diz, dizer outra coisa que não o que se diz, falar para não dizer nada,
não são mais, no campo freudiano, os defeitos da língua que justificam
a criação das línguas formais. Estas são propriedades inelimináveis e
positivas do ato de falar. Psicanálise e Lógica, uma se funda sobre o que
a outra elimina. A análise encontra seus bens nas latas de lixo da lógica.
Ou ainda: a análise desencadeia o que a lógica doméstica.

Ora, na medida em que nós negros estamos na lata de lixo da sociedade


brasileira, pois assim o determina a lógica da dominação, caberia uma indagação via
psicanálise. E justamente a partir da alternativa proposta por Miller, ou seja: por que o
negro é isso que a lógica da dominação tenta (e consegue muitas vezes, nós o sabemos)
domesticar? E o risco que assumimos aqui é o do ato de falar com todas as implicações.
Exatamente porque temos sido falados, infantilizados (infans, é aquele que não tem fala
própria, é a criança que se fala na terceira pessoa, porque falada pelos adultos), que
neste trabalho assumimos nossa própria fala, ou seja, o lixo vai falar, e numa boa.

A primeira coisa que a gente percebe, nesse papo de racismo é que todo mundo
acha que é natural. Que negro tem mais é que viver na miséria. Por quê? Ora, porque
ele tem umas qualidades que não estão com nada: irresponsabilidade, incapacidade
intelectual, criancice etc. e tal. Daí, é natural que seja perseguido pela polícia, pois 226
não gosta de trabalho, sabe? Se não trabalha, é malandro e se é malandro é ladrão.
Logo, tem que ser preso, naturalmente. Menor negro só pode ser pivete ou trombadinha
(Gonzales, 1979b), pois filho de peixe, peixinho é. Mulher negra, naturalmente, é cozinheira,
faxineira, servente, trocadora de ônibus ou prostituta. Basta a gente ler jornal, ouvir
rádio e ver televisão. Eles não querem nada. Portanto têm mais é que ser favelados.

Racismo? No Brasil? Quem foi que disse? Isso é coisa de americano. Aqui não
tem diferença porque todo mundo é brasileiro acima de tudo, graças a Deus. Preto aqui
é bem tratado, tem o mesmo direito que a gente tem. Tanto é que, quando se esforça,
ele sobe na vida como qualquer um. Conheço um que é médico; educadíssimo, culto,
elegante e com umas feições tão finas... Nem parece preto.

Por aí se vê que o barato é domesticar mesmo. E se a gente detém o olhar


em determinados aspectos da chamada cultura brasileira a gente saca que em
suas manifestações mais ou menos conscientes ela oculta, revelando, as marcas da
africanidade que a constituem. (Como é que pode?) Seguindo por aí, a gente também
pode apontar para o lugar da mulher negra nesse processo de formação cultural, assim
como os diferentes modos de rejeição/integração de seu papel.

172
Por isso, a gente vai trabalhar com duas noções que ajudarão a sacar o que
a gente pretende caracterizar. A gente está falando das noções de consciência
e de memória. Como consciência a gente entende o lugar do desconhecimento, do
encobrimento, da alienação, do esquecimento e até do saber. É por aí que o discurso
ideológico se faz presente. Já a memória, a gente considera como o não saber que
conhece, esse lugar de inscrições que restituem uma história que não foi escrita, o lugar
da emergência da verdade, dessa verdade que se estrutura como ficção. Consciência
exclui o que memória inclui.

Daí, na medida em que é o lugar da rejeição, consciência se expressa como


discurso dominante (ou efeitos desse discurso) numa dada cultura, ocultando memória,
mediante a imposição do que ela, consciência, afirma como a verdade. Entretanto, a
memória tem suas astúcias, seu jogo de cintura: por isso, ela fala através das falhas
do discurso da consciência. O que a gente vai tentar é sacar esse jogo aí, das duas,
também chamado de dialética; e, no que se refere à gente, à crioulada, a gente saca que
a consciência faz tudo prá nossa história ser esquecida, tirada de 227 cena. E apela prá
tudo nesse sentido1. Só que isso ta aí... e fala.

II- A Nêga Ativa

Mulata, mulatinha meu amor


Fui nomeado teu tenente interventor
(Lamartine Babo)

Carnaval. Rio de Janeiro, Brasil. As palavras de ordem de sempre: Bebida, Mulher


e Samba. Todo mundo obedece e cumpre. Blocos de sujo, banhos a fantasia, frevos,
ranchos, grandes bailes nos grandes clubes, nos pequenos também. Alegria, loucura,
liberdagem geral. Mas há um momento que se impõe. Todo mundo se concentra: nas
concentração, nas arquibancadas, diante da tevê.

As escolas vão desfilar suas cores duplas ou triplas. Predominam as duplas:


azul e branco, verde e rosa, vermelho e branco, amarelo e preto, verde e branco e por
aí afora. Espetáculo feérico, dizem os locutores: plumas, paetês, muito luxo e riqueza.
Imperadores, uiaras, bandeirantes e pioneiros, princesas, orixás, bichos, bichas, machos,
fêmeas, salomões e rainhas de sabá, marajás, escravos, soldados, sóls e luns, baianas,
ciganas, havaianas. Todos sob o comando do ritmo das baterias e do rebolado das
mulatas que, dizem alguns, não estão no mapa. “Olha aquele grupo do carro alegórico,
ali. Que coxas, rapaz” “Veja aquela passista que vem vindo; que bunda, meu Deus! Olha
como ela mexe a barriguinha. Vai ser gostosa assim lá em casa, tesão”. “Elas me deixam
louco, bicho”.

E lá vão elas, rebolantes e sorridentes rainhas, distribuindo beijos como se


fossem bênçãos para seus ávidos súditos nesse feérico espetáculo... E feérico vem de
“fée”, fada, na civilizada da língua francesa. Conto de fadas?

173
1 O melhor exemplo de sua eficácia está no barato da ideologia do branqueamento. Pois
foi justamente um crioulo, apelidado de mulato, quem foi o primeiro na sua articulação
em discurso “cinetífico”. A gente ta falando do “seu” Oliveira Vianna. Branqueamento,
não importa em que nível, é o que a consciência cobra da gente, prá mal aceitar a
presença da gente, prá mal aceitar a presença da gente. Se a gente parte prá alguma
crioulice, ela arma logo um esquema prá gente “se comportar como gente”. E tem muita
gente da gente que só embarca nessa.

O mito que se trata de reencenar aqui, é o da democracia racial. E é justamente no


momento do rito carnavalesco que o mito é atualizado com toda a sua força simbólica. E
é nesse instante que a mulher negra se transforma única e exclusivamente na rainha, na
“mulata deusa do meu samba”, “que passa com graça/fazendo pirraça/fingindo inocente/
tirando o sossego da gente”. É nos desfiles das escolas de primeiro grupo que a vemos
em sua máxima exaltação. Ali, ela perde seu anonimato e se transfigura na Cinderela do
asfalto, adorada, desejada, devorada pelo olhar dos príncipes altos e loiros, vindos de
terras distantes só para vê-la. Estes, por sua vez, tentam fixar sua imagem, estranhamente
sedutora, em todos os seus detalhes anatômicos; e os “flashes” se sucedem, como fogos
de artifício eletrônicos. E ela dá o que tem, pois sabe que amanhã estará nas páginas
das revistas nacionais e internacionais, vista e admirada pelo mundo inteiro. Isto, sem
contar o cinema e a televisão. E lá vai ela feericamente luminosa e iluminada, no feérico
espetáculo.

Toda jovem negra, que desfila no mais humilde bloco do mais longínquo subúrbio,
sonha com a passarela da Marquês de Sapucaí. Sonha com esse sonho dourado, conto
de fadas no qual “A Lua te invejando fez careta/ Porque, mulata, tu não és deste planeta”.
E por que não?

Como todo mito, o da democracia racial oculta algo para além daquilo que mostra.
Numa primeira aproximação, constatamos que exerce sua violência simbólica de maneira
especial sobre a mulher negra. Pois o outro lado do endeusamento carnavalesco ocorre
no cotidiano dessa mulher, quando ela se transfigura na empregada doméstica. É por aí
que a culpabilidade engendrada pelo seu endeusamento se exerce com fortes cargas
de agressividade. É por aí, também, que se constata que os termos mulata e doméstica
são atribuições de um mesmo sujeito. A nomeação vai depender da situação em que
somos vistas2.

Se a gente dá uma volta pelo tempo da escravidão, a gente pode encontrar muita
coisa interessante. Muita coisa que explica essa confusão toda que o branco faz com a
gente porque a gente é preto. Prá gente que é preta então, nem se fala. Será que as avós
da gente, as mucamas, fizeram alguma coisa prá eles tratarem a gente desse jeito? Mas,
quê era uma mucama? O Aurélio assim define:

174
Mucama. (Do quimbumdo mu’kama ‘amásia escrava’) S. f. Bras.
A escrava negra moça e de estimação que era escolhida para
auxiliar nos serviços caseiros ou acompanhar pessoas da família
e que, por vezes era ama-de-leite. (Os grifos são nossos).

² Nesse sentido vale apontar para um tipo de experiência muito comum. Refiro-me aos
vendedores que batem à porta da minha casa e, quando abro, perguntam gentilmente:
“A madame está?” Sempre lhes respondo que a madame saiu e, mais uma vez, constato
como somos vistas pelo “cordial” brasileiro. Outro tipo de pergunta que se costuma
fazer, mas aí em lugares públicos: “Você trabalha na televisão?” ou “Você é artista?” E a
gente sabe que significa esse “trabalho” e essa “arte”.

Parece que o primeiro aspecto a observar é o próprio nome, significante proveniente


da língua quimbunda, e o significado que nela possui. Nome africano, dado pelos africanos
e que ficou como inscrição não apenas no dicionário. Outro aspecto interessante é o
deslocamento do significado no dicionário, ou seja, no código oficial. Vemos aí uma espécie
de neutralização, de esvaziamento no sentido original. O por vezes é que, de raspão,
deixa transparecer alguma coisa daquilo que os africanos sabiam, mas que precisava ser
esquecido, ocultado. Vejamos o que nos dizem outros textos a respeito de mucama, June
E. Hahner, em A Mulher no Brasil (1978) assim se expressa:

[...] a escrava de cor criou para a mulher branca das casas grandes
e das menores, condições de vida amena, fácil e da maior parte das
vezes ociosa. Cozinhava, lavava, passava a ferro, esfregava de joelhos
o chão das salas e dos quartos, cuidava dos filhos da senhora e
satisfazia as exigências do senhor. Tinha seus próprios filhos, o dever
e a fatal solidariedade de amparar seu companheiro, de sofrer com os
outros escravos da senzala e do eito e de submeter-se aos castigos
corporais que lhe eram, pessoalmente, destinados. [...] O amor para
a escrava [...] tinha aspectos de verdadeiro pesadelo. As incursões
desaforadas e aviltantes do senhor, filhos e parentes pelas senzalas,
a desfaçatez dos padres a quem as Ordenações Filipinas, com seus
castigos pecuniários e degredo para a África, não intimidavam nem
os fazia desistir dos concubinatos e mancebias com as escravas.
(p. 120-121)

Mais adiante, citando José Honório Rodrigues, ela se refere a um documento do


final do século XVIII pelo qual o vice-rei do Brasil na época excluía de suas funções de
capitão-mor que manifestara “baixos sentimentos” e manchara seu sangue pelo fato
de se ter casado com uma negra. Já naqueles tempos, observa-se de que maneira
a consciência (revestida de seu caráter de autoridade, no caso) buscava impor suas
regras do jogo: concubinagem tudo bem; mas 230 casamentos é demais. [...]

FONTE: Adaptada de GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais
Hoje, São Paulo, p. 223-244, 1984. Disponível em: https://bit.ly/3scHoB9. Acesso em: 22 fev. 2022.

175
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O norte global (Europa e Estados Unidos) tradicionalmente se definem enquanto uma


espécie de unidade produtora de uma antropologia: geral, ampla e universal. Todavia,
existem críticas desde a própria antropologia que contrapõem essa perspectiva.

• Existe uma vasta produção antropológica latino-americana, sendo esta capaz de


transbordar suas fronteiras territoriais. Portanto, a antropologia produzida na América
Latina é de igual importância epistêmica que qualquer outra vertente, como, por
exemplo, a produção europeia e norte-americana. 

• A história da antropologia foi permeada pela presença de perfil pré-definido de


antropólogo, suposto detentor da legitimidade do conhecimento. Todavia, há algum
tempo existe um movimento intelectual que reclama pela necessidade da reflexão
em torno da importância de novos perfis de antropólogos, portanto, pessoas que
saiam do modelo ideal de sujeito do conhecimento.

• Destaca-se a importância pela leitura e interesse nas produções desses “novos


sujeitos epistemológicos", uma vez que a pluralidade de perspectivas e teorias
enriquece substancialmente nossas formações.

176
AUTOATIVIDADE
1 A teoria antropológica desenvolvida na América Latina, sobretudo, contemporaneamente,
trata-se de uma produção de conhecimento vista pela Europa e Estados Unidos (espaços
de fundação da disciplina de antropologia) enquanto uma vertente antropológica. Sobre a
sua definição, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Em fase de desenvolvimento final.


b) ( ) Em fase de desenvolvimento inicial.
c) ( ) Específica, localizada e limitada.
d) ( ) Ampla, geral e universal.

2 O contexto territorial (Europa e América do Norte) e social de formação da antropologia,


sobretudo quanto ao seu estabelecimento enquanto uma disciplina teórica, em
grande medida influenciou a perspectiva antropológica a respeito do restante do
mundo. As correntes do pensamento clássica vigentes na antropologia estavam
não apenas alicerçadas nas teorias antropológicas, mas também em uma crença de
juízos morais e valores simbólicos pertinentes ao seu contexto histórico e cultural.
Nesse momento, apenas o homem branco, classe média, europeu e norte-americano
eram considerados sujeitos de conhecimento, ou seja, o modelo ideal de pensador
europeu e norte americano. Assinale a alternativa CORRETA:

I- A tradição das escolas antropológicas europeia e norte-americana sempre


consideraram a teoria antropológica latino-americana enquanto uma corrente de
pensamento de igual importância e relevância teórica e crítica.
II- A tradição das escolas antropológicas europeia e norte-americana, desde sua
fundação enquanto campo de conhecimento, sempre manteve uma relação
horizontal com todas as outras produções científicas desenvolvidas fora de seus
contextos regionais.
III- A tradição das escolas antropológicas europeia e norte-americana compreende sua
tradição antropológica como geral, ampla e universal e elenca as outras produções
como sendo de menor relevância e alcance.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

177
3 Na América Latina, existe uma ampla produção antropológica. Todavia, uma de suas
características está em uma divisão de temas e escolas de pensamento que, por
vezes, acabam estando separadas desde uma perspectiva fronteiriça. É comum
que trabalhos e publicações apontem para uma antropologia definida como sendo
brasileira, colombiana, argentina e assim por diante. Outra diferença pontual em
relação à antropologia nórdica e à antropologia produzida na América Latina, está
nos interesses de pesquisa. Nossos trabalhos de campo, em sua ampla maioria, são
feitos a partir de temas próximos da realidade de nosso contexto social. Com base
nisso, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A antropologia latino-americana se limita a pesquisar temas nacionais, uma vez que


esta é a tradição antropológica vigente. Nossas escolas teóricas são especializadas
em temas menores, e específicos do contexto da América Latina. 
( ) A antropologia latino-americana opta amplamente por pesquisar seu próprio
contexto cultural, uma vez que essa é uma das características e interesses
epistemológicos de nossos intelectuais, todavia, de modo algum essa prática
impede a possibilidade e competência em pesquisar temas de outras localidades.
( ) A antropologia produzida na América Latina é especializada unicamente na temática
das populações tradicionais. Nossas pesquisas estão relacionadas à herança
colonial da antropologia clássica, sendo assim, o tema das populações nativas é o
nosso interesse principal de pesquisa.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Uma vez que você chegou ao final de sua jornada nos estudos clássicos e aprendeu
a respeito do trabalho de campo, métodos e técnicas em antropologia, é chegado o
momento de começar a desenvolver suas pesquisas de modo crítico e autônomo.
Baseado nos conhecimentos de nosso último tópico, faça uma pesquisa a respeito
de, no mínimo, quatro antropólogos e antropólogas latino-americanos. Apresente
uma minibiografia destes, assim como considerações a respeito de sua pesquisa.
Este exercício, além de contribuir para o desenvolvimento de sua escrita, também
será de grande importância para sua formação latino-americana, pois, dessa maneira,
você abrirá seus olhos para a possibilidade de estudar teorias e intelectuais fora do
eixo Europa e Norte-América, valorizando, assim, os intelectuais e as produções da
América Latina.

5 Com suas palavras, descreva a respeito da pluralidade de culturas e saberes latino-


americanos que podem ser considerados manifestações culturais passíveis de
pesquisa antropológica. Lembre-se, um texto necessariamente deve conter uma
introdução, desenvolvimento e conclusão.

178
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