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Desde então, Iku vem todos os dias ao mundo para escolher os homens e
mulheres que devem ser reconduzidos ao invisível. Seus corpos devem ser
desfeitos e o sopro vital retirado para que, com aquela matéria, outros seres
possam ser feitos - condição imposta para a renovação da existência.
Ao ver a restituição das mulheres e dos homens ao barro, Nanã chora. Suas
lágrimas amolecem a matéria-prima e facilitam a tarefa da moldagem de outras
pessoas.
Iku é o único orixá que tem a honra de baixar na cabeça de todas as pessoas
que um dia passaram pela terra. É por isso que no axexê, o ritual fúnebre que
celebra, prepara e comemora a volta das mulheres e dos homens ao todo
primordial, prestam-se homenagens a ele, com cantos de júbilo e louvação.
Os iorubás reafirmam no mito de Iku o mistério maior que os astecas também
celebraram: a beleza da morte como viabilidade, pela restituição dos seres ao
todo primordial, da grande festa da vida.
O Kuarup costuma acontecer uma vez por ano no Xingu. Cada tronco pintado e
adornado representa um morto da comunidade. Entre cantos, danças,
lamentos e objetos dos mortos, o Kuarup marca o fim do período do luto. Com
as toras que vão embora, morre o morto e acaba a dor. Quem vive agora é o
ancestral, na dimensão da memória da comunidade e na força sagrada da
natureza de Morená; onde o sol e a lua moram.
Não conheço coisa mais humana que essa luta lindamente perdida: a de
bordar de encantamentos a nossa necessária finitude.