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JUR0229_v2.

PARTE GERAL II E PROCESSO


DE CONHECIMENTO I
Ravi Peixoto
Tamyres Tavares de Lucena

PARTE GERAL II E PROCESSO DE


CONHECIMENTO I
1ª edição

São Paulo
Platos Soluções Educacionais S.A
2021
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Beatriz Meloni Montefusco
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


______________________________________________________________________________________
Peixoto, Ravi
P379p Parte geral II e processo de conhecimento I / Ravi
Peixoto, Tamyres Tavares de Lucena – São Paulo:
Platos Soluções Educacionais S.A., 2021.
154 p.

ISBN 978-65-89881-08-7

1. Petição inicial. 2. Contestação. 3. Prova. I. Lucena,


Tamyres Tavares de. II. Título.

CDD 347
____________________________________________________________________________________________
Evelyn Moraes – CRB: 010289/O

2021
Platos Soluções Educacionais S.A
Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César
CEP: 01418-002— São Paulo — SP
Homepage: https://www.platosedu.com.br/
PARTE GERAL II E PROCESSO DE CONHECIMENTO I

SUMÁRIO
Apresentação da disciplina 05

Tema 01 – Mediação, Conciliação e a Lei nº 13.140/2015 06

Tema 02 – Petição inicial. Requisitos. Interpretação.


Juízo de admissibilidade inicia 47

Tema 03 – Resposta do réu. Contestação. Revelia. Reconvenção.


Arguição de suspeição e impedimento 101

Tema 04 – Tutela provisória 128


Apresentação da disciplina

Nesta disciplina, haverá a análise de temas essenciais tanto gerais quanto


do processo de conhecimento.

O primeiro dos temas a ser abordado é a mediação e a conciliação, em es-


pecial no que toca a regulação da mediação dada pela Lei no 13.140/2015.
Essa legislação teve um interessante foco na mediação a ser realizada
pelos entes públicos.

O texto dessa aula será focado em abordar o funcionamento e os requi-


sitos da autocomposição que envolve entes públicos, em especial a sua
relação com a Lei no 13.140/2015.

A segunda aula estuda um tema essencial, que é a petição inicial. É impor-


tante que se compreendam todos os seus requisitos, pois que se trata da
peça que, de certa forma, inaugura e controla as discussões do processo,
vista por muitos como uma espécie de projeto de sentença.

A terceira aula passa a estudar o tema da resposta do réu, analisando,


dentre elas, a contestação à revelia e a contestação. A defesa do réu pas-
sou por algumas mudanças no CPC/2015, que a simplificou.

Por fim, haverá o estudo da tutela provisória, que passou por considerá-
vel mudança no CPC/2015. Além de ter havido uma tentativa de unifica-
ção entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, houve a criação de um
procedimento antecedente de tutela antecipada, bem como uma regula-
mentação mais detida sobre a tutela da evidência.

5
TEMA 01

MEDIAÇÃO, CONCILIAÇÃO
E A LEI Nº 13.140/2015
Autoria: Ravi Peixoto e Tamyres Tavares de Lucena
Leitura crítica: Juliana Giovanetti Pereira da Silva

Objetivos

• O objetivo desta aula é o de apresentar um panora-


ma da mediação e da conciliação com especial foco
para os casos que envolvam entes públicos. É patente
que há maior dificuldade para a sua realização quan-
do há um ente público envolvido no litígio, em face da
indisponibilidade no direito, mas, cada vez mais, esse
óbice vem sendo superado.

• Não por acaso, a Lei no 13.140/2015 destina diversos


artigos para regular a autocomposição envolvendo
entes públicos, a qual será analisada com o devido
cuidado nas próximas páginas.

6
Introdução

A conciliação e a mediação fazem parte das formas alternativas de re-


solução de conflitos em conjunto com a arbitragem. A diferença é que
as primeiras são pacíficas, dependentes de autocomposição e a segun-
da depende da heterocomposição, resolvida por um terceiro imparcial, o
árbitro.

É nítido que o CPC/2015 valoriza e aposta na utilização dessas formas


alternativas e consensuais de resolução de conflitos, ao estabelecer uma
norma promocional, incentivando-as no art. 3º, §§ 2º e 3º. Além disso, es-
tabelece uma audiência de conciliação que, para não ocorrer, depende
da negativa de ambas as partes (art. 334, CPC), sendo quase obrigató-
ria, e ainda inseriu uma seção dedicada aos conciliadores e mediadores
judiciais.

Essa valorização do CPC/2015 faz parte de uma tendência da atuação do


Poder Público que, em 2010 já contava com a resolução no. 125, do CNJ
tratando da matéria, recentemente reformada, e, também em 2015, com
a Lei nº 13.140, que dispõe sobre a mediação como meio de solução de
controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos
no âmbito da administração pública.

A tendência de aposta nos meios alternativos de solução de conflitos não


é exclusiva do direito brasileiro. Nos EUA, entre 1980 e 1998, o Congresso
Americano elaborou cinco diferentes legislações incentivando a utiliza-
ção desses meios alternativos1. Na União Europeia, foi editado, em 2008,
uma Diretiva da Mediação2 e, mais recentemente, em 2013 foi edita-
da a Diretiva sobre a Resolução Alternativa de Litígios de Consumo.3-4
1
CHASE, Oscar G. Law, culture and ritual. New York: New York University Press, 2005, p. 99. No capítulo 6 da referida obra,
o autor traça elementos que motivaram essa aposta nos meios alternativos de justiça nos EUA.
2
Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21.05.2008 relativa a certos aspectos da Mediação em
matéria civil e comercial, Jornal Oficial da União Europeia no L 136 de 25.5.2008, p. 3.
3
Diretiva 2013/11/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21.05.2013 sobre a Resolução Alternativa de Litígios de
Consumo, Jornal Oficial da União Europeia no L 165 de 18.06.2013.
4
Uma breve menção a essa diretiva pode ser vista em: STÖBER, Michael. Os meios alternativos de solução de conflitos no
direito alemão e europeu: desenvolvimentos e reformas. Tradução de Antonio do Passo Cabral e Letícia Studzinski. Revista
de Processo. São Paulo: RT, v. 244, jun.-2015, p. 374-377.

7
A Alemanha, por exemplo, também tem apostado nos meios alternativos e
pacíficos de resolução de conflitos, editando, desde 2000, algumas legisla-
ções, incentivando-as, inclusive, permitindo que os Estados da Federação
imponham, em algumas causas, um procedimento de conciliação obri-
gatório prévio.5 A Itália, também, foi outro país em que a legislação foi
reformada para incentivar a utilização dos meios alternativos e pacíficos
de solução de conflitos6 e há uma efetiva tendência de valorização da te-
mática na Europa.7 Esses métodos de resolução alternativa de conflitos
fazem parte de um projeto de acesso à justiça,8 mas o seu objetivo não é
servir como armas a serem utilizadas para efetivar a duração razoável do
processo, embora indiretamente possam ter esse efeito.9

A presente unidade tem como foco o estudo das implicações dos referi-
dos diplomas normativos na resolução consensual de conflitos pelo po-
der público, especialmente no âmbito administrativo, que foi objeto de
tratamento específico de diversos artigos na Lei nº 13.140/2015.

1. O novo modelo do direito administrativo e a


maior abertura para as transações

É curioso destacar que, ao contrário do que sempre apontou o senso co-


mum, a origem do direito administrativo nada tem de democrática ou garan-
tista, tendo, ao contrário, o objetivo de diminuição das garantias que teriam
os cidadãos caso pudessem submeter o controle da atividade administra-
tiva ao Poder Judiciário, que seria imparcial em relação ao Poder Executivo.

5
Idem, ibidem, p. 366-368, 371-373. De forma mais detida, sobre a mediação na Alemanha: PEREZ, Adriana Han. A nova lei
alemã de mediação. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 243, mai.-2015.
6
Sobre essas reformas, cf.: GRADI, Marco. La mediazione e la conciliazione delle controversie civili. PUNZI, C.. Il processo
civile. Sistema e problematiche, Le riforme del quinquennio 2010-2014. Torino: Giappichelli, 2015.
7
Para um breve panorama do tema na Europa: CAPONI, Remo. La mediazione nelle legislazioni straniere. Quaderni – La
“mediazione” finalizzata alla conciliazione, v. 29, 2012.
8
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Safe, 1988, p. 81-87.
9
Nesse sentido: WATANABE, Kazuo. Política judiciária de tratamento adequado dos conflitos de interesse – utilização dos
meios alternativos de resolução de controvérsias. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim
(coords.). O processo em perspectiva: jornadas brasileiras de direito processual. São Paulo: RT, 2013, p. 243.

8
A criação de um regime administrativo não teve por objetivo diminuir os
poderes estatais, mas sim de preservá-los mediante a criação de um regi-
me jurídico específico e detentor de vários privilégios em favor dos entes
públicos.10
Ocorre que o próprio olhar do direito administrativo tem recebido novos
aportes teóricos que demandam uma revisão da situação de desigualda-
de entre o poder público e os particulares com os quais se relacionam. O
modelo de administração pública consensual impõe um maior diálogo e
participação dos cidadãos na tomada de decisões.11
A bipolaridade de interesses (Estado-cidadão) perde espaço em detrimen-
to de uma multipolaridade de interesses e a coincidência entre o inte-
resse público e o privado.12 Como destaca a doutrina, “a ambiência de
reciprocidade comunicativa exige o sucumbir da reserva, do silêncio da
indiferença e da autossuficiência decisória por parte da administração pú-
blica”.13 Trata-se de uma evolução do modelo gerencial, que impunha um
enfoque na efetividade dos serviços públicos, mediante, por exemplo, a
descentralização dos serviços, a criação de metas etc.
Esse novo modelo traz em si o aumento da participação dos cidadãos e
o incentivo ao diálogo, ao invés de posições unilaterais e conflituosas. A
realização de audiências públicas, consultas públicas, o foco no proces-
so administrativo participativo, o acordo de leniência e o compromisso
de cessação de condutas são alguns dos exemplos desse modelo de boa
administração.

10
Com mais vagar, sobre esse paradoxo do direito administrativo e a sua evolução em favor das garantias, cf. o primeiro
capítulo da tese de doutorado de Gustavo Binenbojm, intitulado de “A crise dos paradigmas do direito administrativo”:
BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 3ª
ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 9-45.
Com conclusão semelhante: OLIVEIRA, Gustavo Justino de. A administração consensual como a nova face da administração
pública no século XXI: fundamentos dogmáticos, formas de expressão e instrumentos de ação. Boletim de Direito
Administrativo. São Paulo: NDJ, no 4, abr.-2009, p. 420-421.
11
“Sem autêntica liberdade pessoal não há participação, e sim sujeição; sem participação não há autêntica democracia,
e sim meras formalidades sem significado” (MUÑOZ, Jaime Rodríguez-Arana, Direito fundamental à boa administração
pública. Trad. de Daniel Wuncher Hachem. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 35).
12
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. A administração consensual como a nova face da administração pública no século XXI:
fundamentos dogmáticos, formas de expressão e instrumentos de ação... cit., p. 422.
13
LIMA, Raimundo Márcio Ribeiro. Administração pública dialógica. Curitiba: Juruá, 2013, p. 100.

9
O clássico modelo, de uma administração pública de caráter autoritá-
rio e unilateral, não pode mais ser admitido sob o prisma de um Estado
Democrático de Direito.14 O direito administrativo constitucionalizado não
pode mais tratar o indivíduo perante uma situação de sujeição, mas de pa-
ridade, uma vez que tanto o ente público, quanto a outra parte da relação
jurídica de direito público estão sujeitos a um mesmo estatuto jurídico.15
É inegável que uma maior abertura para a consensualidade também deve
estar relacionada aos meios alternativos de solução de conflitos. Em es-
pecial, para este texto, têm-se os casos da mediação e da conciliação. Se
a administração pública sempre ficou marcada por um excesso de rigidez
no seu relacionamento para com os cidadãos, é o momento de ultrapas-
sar barreiras.

A troca do enfrentamento de litígios do Poder Judiciário e a imposição de


decisões coercitivas de forma alguma, atrai o cidadão para se sentir parte
da administração pública. É nesse sentido que a mediação e a conciliação
podem trazer inúmeros benefícios para a relação poder público x cida-
dão, pois tem aptidão para solucionar conflitos de forma mais célere e,
mais do que isso, de trazer uma solução para o problema que agrade a
ambas as partes. Além disso, tem aptidão de permitir que faça o cidadão
efetivamente se sentir integrado ao poder público, por ter tido a oportu-
nidade de resolver o conflito de forma dialógica e não imposta por um
terceiro, como é o caso do Poder Judiciário.16

A utilização dos meios consensuais também estaria adequada aos


ditames constitucionais, pois, ao admitir a autocomposição, haveria o
cumprimento do princípio da eficiência (art. 37, caput, CF).17 É evidente

14
ALMEIDA, Natália Silva Mazzutti; MELO, Luiz Carlos Figueira de. A consensualidade como elemento do processo
administrativo federal brasileiro. Interesse Público. Belo Horizonte: Fórum, no 75, 2012, p. 159.
15
ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial: o ato administrativo e a decisão judicial. São Paulo: RT,
2014, p. 158-159.
16
Também com essa constatação, embora com foco para o caso do controle das políticas públicas: CAMBI, Eduardo;
VASCONCELOS, João Paulo A. Desjudicialização de políticas públicas e o Novo Código de Processo Civil – contributo do
Ministério Público e da Advocacia Pública à solução extrajudicial de conflitos. CUNHA, Leonardo Carneiro da; ARAÚJO, José
Henrique Mouta. Coleção Repercussões do Novo CPC - Advocacia pública. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 3, p. 97.
17
SCHWIND, Rafael Wallbach; KUKIELA, Marina. Câmaras de conciliação e mediação da Administração Pública: comentários
ao art. 174 do novo Código de Processo Civil. TALAMINI, Eduardo (coord.). Processo e administração pública. Salvador:
Juspodivm, 2016, p. 332

10
que é muito mais eficiente a resolução de um conflito por meio da auto-
composição do que a demora natural que ocorre pela utilização do pro-
cesso judicial. E, mais ainda, nos casos em que eventualmente se admita
um equívoco administrativo, tem-se uma restauração da legalidade mais
eficiente, reforçando tanto o princípio da legalidade quanto o da eficiên-
cia (ambos constantes do art. 37, caput, da CF).
Ainda se faz referência ao acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV, CF), pos-
to que esta norma jurídica impõe ao Estado a disponibilização de meios
adequados à resolução de conflitos, dentre eles, a autocomposição, e ao
princípio democrático (art. 1º, CF), que requer que o poder público, a se
ver envolvido em conflitos, disponha-se a dialogar para buscar a solução
adequada para o problema.18

Além disso, é uma forma de solução de conflitos, que, em geral, tem uma
taxa de cumprimento espontâneo maior do que a decorrente de decisões
impostas por terceiros.19 Assim, é uma situação vantajosa para as partes,
que tem não só a solução do conflito mais célere, como também a sua
própria efetivação.

2. Os meios consensuais de resolução de conflitos


e o poder público

Inicialmente, é preciso que seja desfeito o mito de que a indisponibilidade


do interesse público teria aptidão para impedir a realização de acordos
pelos entes públicos. A verdade é que nem todo direito indisponível implica
a impossibilidade de haver transação que o envolva.20

18
SOUZA, Luciane Moessa de. Mediação de conflitos e administração pública. HALE, Durval; PINHO, Humberto Dalla
Bernardina de; CABRAL, Trícia Navarro Xavier. O marco legal da mediação no Brasil. São Paulo: Atlas, 2016, p. 209.
19
MARCUS, Richard L.; REDISCH, Martin H.; SHERMAN, Edward F.; PFANDER, James E. Civil procedure: a modern approach. 5ª
ed. St. Paul: West Publishing Co., 2009, p. 105.
20
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 17ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 1, p. 625; SOUZA, Luciane
Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos e a mediação de conflitos coletivos.
Tese de Doutorado. Florianópolis: UFSC, 2010, p. 130-131. Especificamente sobre o tema: VENTURI, Elton. Transação de
direitos indisponíveis. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 251, jan.-2016. Por um estudo específico acerca da renúncia em
direitos fundamentais (que são indisponíveis e, ainda assim, transacionáveis em certos aspectos): ADAMY, Pedro Augustin.
Renúncia a direito fundamental. São Paulo: Malheiros, 2011.

11
Veja-se, como exemplo, que o art. 334, § 4º, do CPC/2015, ao tratar das
hipóteses em que não será realizada a audiência de mediação ou concilia-
ção, refere-se, no inciso II, aos casos em que não se admite autocomposi-
ção. Não há menção à indisponibilidade dos direitos porque ela não pode
ser confundida com a vedação à transação.

No âmbito administrativo, por exemplo, têm-se vários casos de transa-


ções autorizadas por lei. Têm-se os acordos em contratos administrativos
(art. 65 e 79, da Lei 8.666/1993), os acordos nos procedimentos sanciona-
tórios do CADE (art. 86, da Lei 12.529/2011), dentre outros21. Outras hipó-
teses de direitos indisponíveis também admitem transação, a exemplo do
acordo quanto ao valor e à forma de pagamento em ação de alimentos
e o cabimento do compromisso de ajustamento de conduta em proces-
sos coletivos, hipótese em que o direito é indisponível (art. 5º, § 6º, da Lei
7.347/1985).

Inclusive, a doutrina chega a propor a seguinte classificação: “a) indispo-


nibilidade absoluta (irrenunciável, insuscetível de transação e de perse-
cução processual obrigatória); b) indisponibilidade relativa (irrenunciável,
suscetível de transação, mas de persecução processual obrigatória); c)
disponibilidade limitada (irrenunciável, suscetível de transação e de per-
secução processual facultativa)”.22

Enfim, o que parece ser o grande desafio não é a verificação da aptidão ou


não dos entes públicos de realizar acordos, mas quais seriam as suas con-
dições. É inegável que a margem de liberdade para a realização de acor-
dos pelo poder público é menor do que a existente para o setor privado.
Acontece que, quando a situação envolve o poder público, tem-se a pré-
via exigência de autorização normativa para que o membro da advoca-
cia pública possa transigir em juízo. Algumas leis possuem autorizações

21
Para um panorama legislativo da autocomposição no poder público, cf.: SOUZA, Luciane Moessa de. Mediação de conflitos
e administração pública... cit., p. 210-213.
22
MIRANDA NETTO, Fernando Gama de; MEIRELLES, Delton R. S. Meios alternativos de resolução de conflitos envolvendo a
administração pública. XVIII Encontro Nacional do CONPEDI – Maringá. Fundação Boiteux, 2009, p. 6396.

12
genéricas, tais como o parágrafo único do art. 10, da Lei nº 10.259/2001 e
o art. 8º, da Lei nº 12.153/2009.
A questão é que mesmo essas autorizações são genéricas e dependem de ato
normativo por cada ente federativo, em face da autonomia federativa detida
por cada um deles.23 A AGU, por exemplo, editou a Portaria AGU nº 109/07,
permitindo a realização de transação por procurador nos casos em que
houvesse erro administrativo reconhecido pela autoridade competente
ou, quando verificável pela simples análise das provas e dos documentos
que instruem a ação, pelo advogado ou procurador que atua no feito,
mediante motivação adequada e nos casos em que inexista controvérsia
quanto ao fato e ao direito aplicado (art. 3º, incisos I e II).24 Os artigos 1º
e 2º, da Lei nº 9.469/1997, com a redação dada pela Lei nº 13.140/2015,
autorizam que o AGU, o Procurador-Geral da União, o Procurador-Geral
Federal, o Procurador-Geral do Banco Central do Brasil e os dirigentes
máximos das empresas públicas, em conjunto com o dirigente estatutá-
rio da área afeta ao assunto possam autorizar a realização de acordos ou
transações para prevenir ou terminar litígios, inclusive os judiciais.

A necessidade de autorização normativa para a realização de autocom-


posição pelos entes públicos decorre do princípio da legalidade (art. 37,
caput, CF) que, em relação ao poder público, tem como uma de suas de-
corrências a exigência de que este só pode atuar na medida do que é
autorizado por algum texto normativo. Essa autorização pode decorrer
tanto diretamente da lei como ser realizada por meio de ato normativo
do Chefe do Poder Executivo regulamentando o exercício da autocompo-
sição pelo poder público.

Além do mais, a edição de um ato normativo – público e com critérios para


a realização da autocomposição – também é imprescindível para que se

23
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Comentários ao art. 8º. GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel; GAJARDONI, Fernando da Fonseca
FIGUEIREDO CRUZ, Luana Pedrosa; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo; CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de. Comentários
à lei dos juizados especiais da fazenda pública. 2ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 125; RODRIGUES, Marco Antonio. A fazenda
pública no processo civil. São Paulo: Atlas, 2016, p. 384.
24
Para um breve panorama da experiência da AGU na conciliação, cf.: FACCI, Lucio Picanço. Administração pública e
segurança jurídica: a tutela da confiança nas relações jurídico-administrativas. Porto Alegre: Safe, 2015, p. 110-112.

13
obedeçam aos princípios da publicidade e, especialmente, da impesso-
alidade (art. 37, caput, CF). É preciso que existam elementos de controle
para a análise dos acordos realizados pelos entes públicos.25 Inclusive,
até como forma de permitir um controle adequado, tanto do ponto de vis-
ta interno como externo, os acordos realizados pelo poder público devem
necessariamente ser fundamentados.26

Para além da autorização normativa, há quem mencione os seguintes ele-


mentos: a) agente competente; b) finalidade legítima; c) motivos razoáveis
e d) formas transparentes e controláveis – accountability.27 De fato, esses
parecem ser motivos aptos a auxiliar no controle a posteriori das tran-
sações realizadas por entes públicos, para além da simples autorização
legal. O que precisa ser destacado é que tais acordos ficam sujeitos a uma
possível análise pelos órgãos incumbidos de fiscalizar a Administração,
tais como Tribunais de Conta, o Poder Legislativo etc.28

PARA SABER MAIS


Accountability é um termo da língua inglesa que pode ser tra-
duzido para o português como responsabilidade com ética
e remete à obrigação, à transparência, de membros de um
órgão administrativo ou representativo de prestar contas
a instâncias controladoras ou a seus representados. Outro
termo usado numa possível versão portuguesa é respon-
sabilização. Também traduzida como prestação de contas,
significa que quem desempenha funções de importância na
sociedade deve regularmente explicar o que anda a fazer,
como faz, por qual motivo faz, quanto gasta e o que vai fa-
zer a seguir.

25
Destacando esses aspectos, cf.: SILVA NETO, Francisco de Barros e. A conciliação em causas repetitivas e a garantia de
tratamento isonômico na aplicação de normas. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 240, fev.-2015, versão digital.
26
SOUZA, Luciane Moessa de. Mediação de conflitos e administração pública... cit., p. 214.
27
CIANCI, Mirna; MEGNA, Bruno Lopes. Fazenda pública e negócios jurídicos processuais no Novo CPC: pontos de partida
para o futuro. CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negócios processuais. Salvador: Juspodivm,
2015, p. 493.
28
TALAMINI, Eduardo. A (in)disponibilidade do interesse público: consequências processuais (composições em juízo, prerrogativas
processuais, arbitragem e ação monitória), p. 11. Disponível em: <https://bit.ly/2fbqY6H>. Acesso em:16 abr. 2016.

14
2.1. Um desafio: a confidencialidade e o princípio da
publicidade na resolução consensual de conflitos
pelo poder público
Também denominado princípio do sigilo, a exigência de confidencialidade
é essencial para a garantia de que as sessões de mediação ou conciliação
possam ter maior chance de sucesso.29 Isso porque, garantindo que as
informações utilizadas nessas sessões não possam ser utilizadas no re-
ferido processo judicial e em outros, permite que as partes sintam-se à
vontade para estabelecer um diálogo mais aberto. Do contrário, sempre
haveria o receio de uma determinada informação desfavorável, a exem-
plo de uma parte que aborda o problema envolvido, reconhecendo que
sua culpa pode ser utilizada no litígio judicial. A esse princípio, o CPC/2015
faz menção no caput do art. 166 e a Lei nº 13.140/2015 o detalha nos ar-
tigos 30 e 31.
Ocorre que há na doutrina certa preocupação em como conciliar o dever de
confidencialidade e o princípio da publicidade da Administração Pública,
em especial a partir da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011),
que passa a inserir o sigilo como exceção. Além disso, a Administração
Pública é regida, em termos gerais, pelo princípio da publicidade (art. 37,
caput, da CF), havendo ainda menção à publicidade no poder Judiciário
(art. 93, inciso IX, da CF), reforçado e densificado pelo art. 8º, do CPC/2015.
De fato, é possível que a exigência de publicidade na mediação desencora-
je algumas partes à realização de acordos com o poder público, justamen-
te porque o seu interesse seria o sigilo. No entanto, haveria prevalência
do interesse público na publicidade das informações em detrimento do
interesse no acordo sobre o litígio que envolva o poder público.30 Por
conta desta característica, a doutrina chega a defender que, nos casos
que envolvam o poder público, que não seja necessária a separação en-
tre o mediador e o terceiro julgador, sendo possível que o juiz, caso ca-
pacitado para tanto, possa conduzir esse processo de autocomposição.31
29
Para maiores detalhes acerca do princípio da confidencialidade, cf.: PEIXOTO, Ravi. Primeiras impressões sobre os
princípios que regem a mediação e a conciliação. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, nov.-2015.
30
Nesse sentido, citando precedentes de Cortes norte-americanas: LEATHERBURY, Thomas S.; COVER, Mark. Mediation
public: exploring the conflict between confidential mediation and open government. SMU Law Review, no 46, 1993, p. 2.229.
31
SOUZA, Luciane Moessa de. Mediação de conflitos e administração pública... cit., p. 215.

15
A mesma lógica foi seguida na autorização dos entes públicos na realiza-
ção da arbitragem. É provável imaginar que, por diversas vezes, a arbitra-
gem tenha um caráter confidencial, justamente para evitar os problemas
inerentes à existência de um litígio, tais como a desconfiança do mercado
em relação a uma empresa, a divulgação de informações desfavoráveis
aos participantes etc. No entanto, o art. 1º, § 3º, da Lei nº 9.307/1996, com
a redação dada pela Lei nº 13.129/2015 afirma expressamente que “A ar-
bitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e
respeitará o princípio da publicidade”. Assim, por mais que seja possível
que isso afaste a realização de alguns procedimentos arbitrais com o po-
der público, mais uma vez prevaleceu o interesse público na transparência
e na publicidade dos procedimentos que envolvam entes públicos. Essa
mesma lógica deve ser aplicada à realização da mediação e da conciliação
pelo poder público.
Por conta desses fatores, a mediação e a conciliação da qual faça parte
o poder público não seriam abrangidas pelo dever de confidencialidade,
com a exceção dos casos em que a própria Lei nº 12.527/2011 preserva o
sigilo das informações.32 Como exemplo, seria possível mencionar infor-
mações que violem o respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem
das pessoas (art. 31, caput, Lei no 12.527/2011), que traga riscos à sobera-
nia nacional (art. 23, inciso I, Lei no 12.527/2011), que envolvam segredos
industriais (art. 22, Lei no 12.527/2011) etc.

3. A audiência de conciliação ou de mediação e os


entes públicos

O art. 334 do CPC/2015 estabelece a designação pelo juiz de uma au-


diência de conciliação ou de mediação no início do procedimento, logo
após a petição inicial. De acordo com o art. 334, caput, em regra, o réu,
caso não seja hipótese de improcedência liminar do pedido, será cita-
do para a audiência de conciliação ou de mediação com antecedência
32
SOUZA, Luciane Moessa; RICHE, Cristina Ayoub. Das câmaras de mediação. ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de;
PANTOJA, Fernanda Medina; PELAJO, Samantha. A mediação no novo código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense,
2015, p. 183-185, 210, 219.

16
mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20
(vinte) dias de antecedência. Ao contrário do CPC/1973, o réu não será
citado para contestar, mas para comparecer à audiência. Em relação ao
autor, será intimado na pessoa de seu advogado (art. 334, § 3º, CPC).
Esta audiência, salvo alguns casos excepcionais, só não ocorrerá se ambas
as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consen-
sual (art. 334, § 4º, inciso I, CPC). O autor deverá indicar seu desinteresse na
petição inicial e o réu deverá o fazer por petição apresentada com 10 (dez)
dias de antecedência, contados da data da audiência (art. 334, § 5º, CPC).
O não comparecimento injustificado (e, ao que parece, o mero desinteres-
se em comparecer à audiência não é justificativa razoável) é considerado
ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até
dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa,
revertida em favor da União ou do Estado (art. 334, § 8º, CPC/2015).
Com base nessas disposições normativas, boa parte dos processos inicia-
dos sob a vigência do CPC/2015 terá a realização da referida audiência, o
que envolveria, em tese, também o poder público. Afirmou-se, no tópico
anterior, que a indisponibilidade do direito não significa impossibilidade
de autocomposição.
Isso tudo significa que, em tese, o poder público deveria ter os processos
em que esteja envolvido e inserido na regra geral, qual seja, a realização
da audiência, com exceção das hipóteses em que haja desinteresse de
ambas as partes. No entanto, como também foi afirmado no tópico ante-
rior, para que o procurador que atue no caso concreto possa vir a realizar
a autocomposição, é imprescindível autorização normativa para tanto, o
que, infelizmente, não é comum no direito brasileiro. Em outras palavras,
na grande maioria dos casos, o direito do ente público é, em tese, apto a
ser alvo de autocomposição, mas inexiste autorização legal, o que implica,
na realidade dos fatos, a sua inadmissão.
Portanto, o posicionamento mais adequado é o de que, inexistindo auto-
rização no referido ente para a realização da autocomposição, a audiência

17
de conciliação ou de mediação não seja marcada. Não pelo desinteresse
das partes, mas pela inadmissão da autocomposição (art. 334, § 4º, inciso
II, CPC/2015), do contrário, seriam marcadas um sem número de audi-
ências que não teriam qualquer utilidade, pois o procurador não teria
autorização para realizar qualquer proposta de acordo. Seria uma inter-
pretação que estaria de acordo com a duração razoável do processo (art.
6º, CPC/2015).

No entanto, permanece o problema de como identificar os casos em que


há ou não essa autorização, que pode ter sido realizada por meio de ato
não facilmente disponível ao público, em especial, ao Poder Judiciário,
que poderia, de antemão, já ter conhecimento e dispensar previamente a
audiência. Não parece adequado simplesmente pressupor a impossibilidade
de autocomposição e o magistrado não marcar, como regra, tais audiências
que envolvam o ente público por ir em contrário à lógica do CPC/2015 (art. 3§,
§§ 2º e 3º) que é a de incentivar a mediação e a conciliação.

Apenas parece possível a simples não marcação da audiência quando hou-


ver algum ato normativo que expressamente vede a autocomposição. Por
exemplo, no âmbito da Advocacia Geral da União, mediante despacho no
0035/2016 do Procurador Geral da União, foi aprovada a vedação à reali-
zação da autocomposição que verse, no procedimento ordinário, sobre:
a) penalidade aplicada a agente público; b) que discute danos morais; c)
fundada exclusivamente em matéria de direito e houver súmula da AGU,
parecer aprovado na forma do art. 40, da LC 73/1993, súmula vinculante
do STF, orientação interna adotada pela AGU, orientação proveniente da
Procuradoria-Geral da União, Procuradorias Regionais, Procuradorias da
União nos Estados ou Procuradorias Seccionais, ou parecer da Consultoria-
Geral da União ou das Consultorias Jurídicas dos Ministérios contrários à
pretensão ou d) quando o pedido ou a condenação forem ilíquidos e não
for possível a elaboração dos cálculos pela AGU ou pela Administração
Pública Federal.

Duas hipóteses para solucionar o problema da ausência de possibilidade

18
de realização da autocomposição podem ser vislumbradas.

O advogado público, com base no dever de boa-fé (art. 5º, CPC/2015), deve
informar ao juízo a ausência de qualquer espécie de autorização norma-
tiva para a autocomposição já na petição inicial, quando autor, ou até 10
dias antes da audiência, quando réu.33

De toda forma, essa ainda não é uma boa solução, especialmente porque
ainda dependeria de uma decisão do magistrado reconhecendo a impos-
sibilidade de autocomposição. Especialmente quando o ente público seja
réu, isso poderia acabar acarretando a realização de uma audiência inútil,
não sendo difícil de imaginar que não haja tempo hábil para uma decisão
sobre esse tema entre a petição e a ocorrência da audiência. Aqui, ao
contrário dos casos em que a audiência não é realizada pela manifestação
de vontade de ambas as partes, caso em que o seu cancelamento é au-
tomático e o prazo da contestação já começa do protocolo do pedido de
cancelamento do réu, há expressa necessidade de decisão. Não parece
possível aplicar o art. 335, inciso II, do CPC/2015 para os casos em que a
audiência não é realizada por requerimento do réu alegando que o direito
não pode ser alvo de autocomposição. O juiz deve avaliar se é possível ou
não a autocomposição do direito para que a audiência seja desmarcada
e o prazo da contestação possa iniciar. Portanto, apenas após a decisão

do juiz é que a audiência pode ser considerada cancelada e o prazo da


contestação seria iniciado.
Uma observação é a de que, protocolada a petição e não havendo decisão
até a realização da audiência, o poder público está obrigado a comparecer
e a sua ausência pode ser considerada como ato atentatório à dignidade
da justiça, podendo haver sanção de até dois por cento da vantagem eco-
nômica pretendida (art. 334, §8º, CPC/2015). Cabe ao ente público provar
que há justificativa, mediante a comprovação de que o não compareci-
mento ocorreu, uma vez que o direito não admitia autocomposição.

33
RODRIGUES, Marco Antonio. A fazenda pública no processo civil... cit., p. 385

19
A melhor solução, no entanto, é a realização, entre os entes públicos e o
Poder Judiciário, de protocolos institucionais. Por meio deles, de forma
prévia à instauração dos conflitos, o próprio ente público já poderia infor-
mar ao Poder Judiciário em quais casos é ou não possível a autocompo-
sição. Dessa forma, já na instauração do processo, não haveria necessi-
dade de qualquer discussão sobre o cabimento ou não da audiência, ao
menos do ponto de vista do art. 334, § 4º, inciso II, pois já se teria conhe-
cimento dos casos em que o direito do ente público poderia ser alvo de
autocomposição.
Mesmo que não haja nenhum protocolo institucional, parece possível uti-
lizar-se do conceito de fato notório judicial, que seria o fato que, embora
desconhecido na vida social, é conhecido pelos magistrados, em geral, em
razão do seu ofício, a exemplo de processos anteriores34 para que o juiz,
mesmo quando o ente público seja réu, já realize o despacho da petição
inicial com a indicação da citação para contestar e não para comparecer
à audiência.
Afinal, se o ente público, por exemplo, em diversos processos que tra-
tem de responsabilidade civil alega que não possui autorização normativa
para autocompor, torna-se um fato notório para o juiz que, nessas espé-
cies de casos concretos, isso não é possível e que aquele direito não pode
ser alvo de autocomposição pelos entes públicos. Portanto, baseando-se
na própria informação dos entes públicos em outros processos, poderia o
juiz, no despacho inicial, fundamentando nessa constatação, sequer inti-
mar o ente público para participar da audiência e já citá-lo para contestar.
Afinal, já seria uma espécie de fato notório judicial que, naqueles casos, o
ente público não tem qualquer autorização para conciliar ou mediar.

No entanto, cabe ao advogado público informar ao juízo caso sobrevenha


alguma autorização para autocompor, como forma de obedecer ao art.
3º, § 3º, do CPC/2015 que comanda também aos advogados, o estímulo
aos meios de autocomposição. Esse dever foi também destacado pelo
34 ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2015, v. II, t. II, p. 117.

20
enunciado n. 573, do FPPC, segundo o qual “As Fazendas Públicas devem
dar publicidade às hipóteses em que seus órgãos de Advocacia Pública
estão autorizados a aceitar autocomposição”.

Um último comentário sobre o tema refere-se aos casos de litisconsórcio.


De acordo com o art. 334, § 6º, do CPC/2015, nos casos de litisconsórcio, o
desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos
os litisconsortes. Esse texto normativo deve também ser aplicado às hipó-
teses em que a audiência não pode ser realizada pela impossibilidade de
autocomposição e não apenas nos casos em que há desinteresse das par-
tes, com algumas particularidades. É possível imaginar um litisconsórcio
passivo simples entre o ente público e um particular acerca de responsa-
bilidade civil; apenas para o poder público seria uma hipótese de impos-
sibilidade de autocomposição. Nessas situações, pressupondo que não
haja a manifestação de vontade de todas as partes em não autocompor, a
audiência deve ser realizada, mesmo que o ente público não possa conci-
liar ou mediar. No entanto, parece possível defender que o poder público
não está obrigado a comparecer a essa audiência, uma vez que não pode
autocompor, mesmo que as demais partes manifestem interesse na sua
realização. E mais, esta seria uma justificativa adequada, que impediria a
aplicação da multa do art. 334, §8º, do CPC/2015.

Por outro lado, nos casos de litisconsórcio unitário, em que, pela natureza
da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para
todos os litisconsortes (art. 116, CPC/2015), o entendimento deve ser di-
ferente. Caso um deles não possa conciliar ou mediar, como ocorre com
o ente público na maioria dos casos, a audiência será necessariamente
infrutífera. Portanto, nos casos de litisconsórcio unitário, basta que uma
das partes não possa autocompor para que a audiência seja necessaria-
mente cancelada.35
35
RODRIGUES, Marco Antonio. A fazenda pública no processo civil... cit., p. 385.

21
4. O incentivo à criação de câmaras de mediação e
conciliação pelos entes públicos
Mesmo antes da publicação do CPC/2015, a advocacia pública federal já in-
vestia na realização de transações no âmbito administrativo, por meio da
regulamentação da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração
Federal (art. 18, do Decreto n. 7.392/2010 – já revogado) e, ainda através
do art. 2º, da Portaria n. 1.281/2007, que dispõe sobre o deslinde em sede
administrativa, de controvérsias de natureza jurídica entre órgãos e enti-
dades da Administração Federal, no âmbito da Advocacia-Geral da União.
Consoante informa a doutrina, “a Câmara de Conciliação e Arbitragem
da Administração Federal realizou o total de 161 arbitragens/conciliações
homologadas até outubro de 2013, o que representa 54% de êxito entre
os processos admitidos entre 2007 e 2013, tendo sido realizadas 1.059
reuniões formais desde a criação da Câmara”.36

A Lei nº 13.140/2015 reforçou a existência dessas câmaras, ao alterar,


por meio do art. 44, os §§ 1º e 3º, do art. 1º, da Lei nº 9.469/1997. O §1º
reforça a possibilidade de criação de câmaras especializadas em resolu-
ção consensual de conflitos na esfera federal, que deve ser composta por
servidores públicos ou empregados públicos efetivos. Por sua vez, o §3º
insere que cabe ao respectivo regulamento a forma de composição da
câmara, no entanto, exige que elas tenham, como integrante, pelo menos
um membro efetivo da Advocacia-Geral da União ou, no caso das empre-
sas públicas, um assistente jurídico ou ocupante de função equivalente.
A exigência de composição mínima dessas câmaras por alguém com co-
nhecimento jurídico tem por função um maior controle sobre o conteúdo
dos acordos a serem realizados. A verdade é que os meios alternativos,
atuam sob a sombra do direito,37 cabendo a esses profissionais a análise
36
FACCI, Lucio Picanço. A utilização de meios consensuais de resolução de conflitos pela administração pública e o novo
código de processo civil. CUNHA, Leonardo Carneiro da; ARAÚJO, José Henrique Mouta. Coleção Repercussões do Novo
CPC - Advocacia pública. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 3, p. 239.
37
MARCUS, Richard L.; REDISCH, Martin H.; SHERMAN, Edward F.; PFANDER, James E. Civil procedure: a modern approach…
cit., p. 103. Sobre a temática da avaliação entre as vantagens de realização de um acordo x a utilização do processo judicial:
COOTER, Robert; MARKS, Stephens; MNOOKIN, Robert. Bargaining in the shadow of the law: a testable model of strategic
behavior. The Journal of Legal Studies, v. 225, 1982.

22
da jurisprudência dos tribunais superiores para avaliar as possibilidades
de sucesso em uma demanda judicial e o interesse público na realização
de acordos em cada caso concreto.
O CPC/2015 veio apenas incentivar que essa prática fosse utilizada pelos
demais entes federativos. Assim, o art. 174 impulsiona a criação de câma-
ras de mediação e conciliação nos três níveis da federação (Municípios,
Estados, DF e União). Tais câmaras terão atribuições relacionadas à solu-
ção consensual de conflitos em três casos: a) resolução de conflitos que
envolvam órgão e entidades da administração pública; b) avaliação da
admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, entre particular
e pessoa jurídica de direito público e c) promoção, quando cabível, da
celebração de termo de ajustamento de conduta. Previsão praticamente
idêntica consta do art. 32, incisos I a III, da Lei nº 13.140/2015.
Essas permissões, no entanto, não podem ser vistas como tendo caráter
exaustivo, mas, sim, exemplificativo. Não há qualquer impedimento a que
essas câmaras de mediação e conciliação possam atuar em outros as-
suntos de interesse da administração, tais como conflitos pessoais entre
servidores públicos no ambiente de trabalho.38
Por fim, ainda como observação geral, ainda há a abertura, por meio des-
sas câmaras, para a instauração de ofício ou mediante provocação, pela
advocacia pública, de instauração de procedimento de mediação coletiva
de conflitos relacionados à prestação de serviços públicos (art. 33, pará-
grafo único, da Lei nº 13.140/2015).

4.1. As competências das câmaras e os conflitos entre


entes federativos

Uma das competências de tais câmaras está relacionada à solução de


conflitos que envolvam órgão e entidades da administração pública (art.
174, inciso I, CPC/2015), não havendo qualquer limitação de quais entes
seriam. Isso implica na admissão de que cada ente crie a sua respectiva
GAJARDONI, Fernando; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte; DELLORE, Luiz; ROQUE, André. Teoria geral do processo: comentários
38

ao CPC de 2015: parte geral. São Paulo: Método, 2015, p. 556-557.

23
câmara de mediação com competência para dirimir os conflitos que ve-
nham a surgir com outros entes federativos, por exemplo, um litígio entre
dois estados, ou de um estado com a União.

O aspecto relevante a ser destacado é que, no caso do conflito entre entes


federativos, não parece haver qualquer obrigatoriedade de que a câmara
a ser utilizada seja a que exista no ente mais abrangente. Por exemplo,
havendo conflito entre um órgão ambiental estadual e o IBAMA, não ha-
veria a exigência de que houvesse a utilização da câmara federal. Seria
inaplicável o raciocínio que existe na esfera judicial, em que a presença
da União em um dos polos atrairia automaticamente a competência para
a justiça federal (art. 109, inciso I, da CF), por não haver “julgamento” do
conflito e,39 mais ainda, por não ser um processo judicial no qual seria
analisado o litígio e haveria a efetiva discussão acerca da competência.

5. A Lei nº 13.140/2015 e a solução consensual


de conflitos no âmbito administrativo

O CPC foi bastante singelo no tratamento da matéria, no entanto, a Lei nº


13.140/2015 avançou bastante no tratamento do tema. A partir de agora,
o foco passa a ser o tratamento normativo concedido pela nova legislação
à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo.

5.1. Regras gerais da solução consensual de conflitos no âmbito


administrativo

Inicialmente, o §1º, do art. 32, da Lei nº 13.140/2015, aponta que a compo-


sição e o funcionamento dessas câmaras serão delimitados por meio de
regulamento de cada ente federado. Trata-se de dispositivo interessante,
por respeitar o princípio da autoadministração de cada ente federativo,
39
SCHWIND, Rafael Wallbach; KUKIELA, Marina. Câmaras de conciliação e mediação da Administração Pública: comentários
ao art. 174 do novo Código de Processo Civil... cit., p. 342-343.

24
que permite certa liberdade para conformar as respectivas câmaras da
forma que lhes pareça mais adequada. É possível, por exemplo, que o res-
pectivo ente amplie as hipóteses de utilização das câmaras mencionadas
no art. 174, do CPC/2015 e no art. 32, da Lei nº 13.140/2015.

A submissão dos conflitos a elas será facultativa e cabível apenas nos ca-
sos previstos nos regulamentos de cada ente federado (§2º, do art. 32, Lei
no 13.140/2015), dentre elas, a prevenção e a resolução de conflitos que
envolvam equilíbrio econômico-financeiro de contratos celebrados com
particulares (§5º, do art. 32, Lei no 13.140/2015).

Uma das hipóteses de prévia exclusão de utilização será na qual as con-


trovérsias precisem ser resolvidas por atos ou concessão de direitos sujei-
tos a autorização do Poder Legislativo (§4º, do art. 32, Lei no 13.140/2015).
Um exemplo dessa situação é a desapropriação de bens de domínio dos
Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, que podem ser desa-
propriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas que sem-
pre dependem de prévia autorização legislativa (art. 2º, § 2º, do Decreto-
Lei no 3.365/1941).

Nos casos em que a câmara de mediação e conciliação tenha sucesso na


solução consensual, o acordo será reduzido a termo e constituirá título exe-
cutivo extrajudicial (§ 3º, do art. 32, Lei no 13.140/2015). De toda forma, como
já apontado anteriormente, as soluções alcançadas por meios de um proce-
dimento não conflituoso de resolução de conflitos têm uma maior tendência
de serem cumpridas espontaneamente do que aquela decorrente da impo-
sição de um terceiro, tal qual ocorre na solução judicial.

5.2. Aplicação temporária dos demais procedimentos de


solução consensual de conflitos

O art. 33 indica que, enquanto não forem criadas as câmaras de media-


ção, os conflitos podem ser resolvidos por meio do procedimento “co-
mum” da mediação, regulado pela Lei nº 13.140/2015. Esse procedimento

25
é regulado pelos artigos 14 a 20 da referida legislação.

A criação das câmaras não pode implicar a vedação da autocomposição


judicial.40 O que passará a existir é uma espécie de coexistência de pos-
síveis instâncias em que será possível a autocomposição. Deve ser cons-
truída uma interpretação que preserve a ampla possibilidade de acordos
e, ao mesmo tempo, respeite os limites semânticos do texto normativo.

Na verdade, a interpretação mais adequada para o texto normativo não


parece ser a de vedar a utilização do “procedimento comum” da mediação,
mas tão somente de permitir que, enquanto não criadas as câmaras, ele
possa ser utilizado pelos entes públicos. O que não significa que, após a
instauração das câmaras, haja vedação à sua utilização. Mais ainda, mes-
mo que se entendesse que o objetivo seria o de criar alguma vedação,
ela seria um tanto quanto inócua. Afinal, aplicar-se-ia tão somente às dis-
posições comuns do procedimento de mediação, deixando plenamente
aplicável, por exemplo, a subseção II, que trata da mediação extrajudicial.

Parece-nos que a esse procedimento residual devem ser aplicados os de-


mais dispositivos que versem sobre a mediação, os artigos 21 a 23 da
Lei no 13.140/2015, caso seja extrajudicial e os artigos 24 a 29 da Lei no
13.140/2015, em conjunto com a regulação do CPC, caso seja judicial.

5.3. Juízo de admissibilidade do procedimento de mediação

Para ser instaurado o procedimento administrativo para a resolução con-


sensual de conflitos deve haver um juízo prévio de admissibilidade (art. 34,
§ 1º, Lei no 13.140/2015), verificando, por exemplo, se o regulamento do
ente federativo autoriza que aquela matéria seja de competência da sua
câmara de mediação ou conciliação.
Havendo o juízo positivo de admissibilidade, deve haver a suspensão da
prescrição (art. 34, caput, Lei no 13.140/2015), que retroagirá à data de
formalização do pedido de resolução consensual do conflito (art. 34, § 1º,
40
SCHWIND, Rafael Wallbach; KUKIELA, Marina. Câmaras de conciliação e mediação da Administração Pública: comentários
ao art. 174 do novo Código de Processo Civil... cit., p. 337-338.

26
Lei no 13.140/2015). Houve uma alteração para as ações punitivas e exe-
cutórias, pois os artigos 2º, inciso IV e 2º-A, inciso V, da Lei no 9.873/1999
previam a interrupção da prescrição no caso de “qualquer ato inequívoco
que importe em manifestação expressa de tentativa de solução concilia-
tória no âmbito interno da administração pública federal”. Agora, também
nesses casos, haverá tão somente a suspensão da prescrição.
A previsão da suspensão da prescrição é uma forma de impedir que as
partes se utilizem do Poder Judiciário antes da tentativa de resolução con-
sensual do conflito tão somente para impedir a prescrição da eficácia da
pretensão.
O problema aparece nas hipóteses em que ocorra o juízo negativo de
admissibilidade que, em princípio, não teria aptidão para suspender a
prescrição entre a data do pedido de resolução consensual e o momento
em que não seja sequer admitido. Melhor seria se a legislação houvesse
previsto que a suspensão também ocorreria desde o pedido de resolução
consensual até o momento do juízo negativo, pois, da forma com a qual
foi redigida, poderá afastar algumas partes a tentarem a solução admi-
nistrativa pelo simples receio de serem atingidas pelo prazo prescricional.
Nos casos que envolvam matéria tributária, a referida suspensão não se
aplica, devendo ser observadas as hipóteses do CTN (art. 34, §2º, Lei no
13.140/2015). Isso ocorre porque a suspensão da prescrição do crédito
tributário é matéria a ser regida por Lei Complementar (art. 146, III, “b”,
da CF).41

5.4. Transação por adesão

A legislação avança no tratamento da matéria em relação aos entes pú-


blicos federais, permitindo a transação por adesão nos casos em que
haja a) autorização da AGU, com base na jurisprudência pacífica do
Supremo Tribunal Federal ou de tribunais superiores; ou b) parecer da
41
Com raciocínio análogo: STJ, 2ª T., REsp 1.164.878/PR, Rel. Min. Mauro Campbell, j. DJe 01/09/2010. Abordando o problema
de leis ordinárias que tratam da prescrição tributária, cf.: SOUZA JÚNIOR, Antonio Carlos Ferreira de; FERRAZ FILHO, Luiz
Henrique Gomes. (im)possibilidade jurídica de alteração da prescrição tributária por meio de regras processuais. MIRANDA,
Daniel; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de. Prescrição e decadência. Salvador:
Juspodivm, 2013.

27
AGU, aprovado pelo Presidente da República (art. 35, incisos I e II, Lei no
13.140/2015). É provável imaginar que esta espécie de transação deve ser
bastante utilizada para as hipóteses que envolvam questões repetitivas, a
exemplo de temas relativos ao direito previdenciário.
Trata-se de uma forma de densificar o princípio da impessoalidade, que
rege a atuação da administração pública (art. 37, CF) e, ainda, do princípio
da igualdade, em seu sentido formal (art. 5º, caput, CF). Afinal, não seria
lícito que o ente público admitisse a realização de transação em um caso
e, em outro semelhante, não o fizesse.42 Se realizasse essa prática, incor-
reria em um comportamento contraditório, vedado pelas normas que de-
limitam a atuação da administração pública.43

A criação desse procedimento de transação por adesão facilita a aplica-


ção do princípio da igualdade e da impessoalidade em face dos cidadãos
e diminui a possibilidade de variações interpretativas por parte dos entes
públicos. Por mais que seja possível defender uma autovinculação admi-
nistrativa44 que fosse criada pela repetição na concessão de transações
sobre um mesmo tema para além do novo procedimento construído por
uma resolução específica, com efeitos gerais, não é difícil imaginar varia-
ções na interpretação administrativa pela mera mudança nos cargos de
um determinado ente público sem qualquer justificativa. Isso faria gerar
um incidente que apenas dificultaria e, por muitas vezes, impediria uma
solução consensual de conflitos.

Por bem da verdade, a criação de um procedimento por adesão e com ap-


tidão para gerar maior segurança jurídica, por garantir um comportamen-
to equânime interessa tanto aos administrados como à administração
pública, pois:
42
Nesse sentido: GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Comentários ao art. 8º... cit., p. 125. Essa preocupação também é manifestada
por Eduardo Talamini: TALAMINI, Eduardo. A (in)disponibilidade do interesse público: consequências processuais
(composições em juízo, prerrogativas processuais, arbitragem e ação monitória)... cit., p. 11.
43
FACCI, Lucio Picanço. A utilização de meios consensuais de resolução de conflitos pela administração pública e o novo
código de processo civil... cit., p. 241-242.
44
Sobre o tema: MODESTO, Paulo. Autovinculação da Administração Pública. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE),
Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 4, out./dez.-2010. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/
artigo/paulo-modesto/AUTOVINCULACAO-CONVENCIONAL-DA-ADMINISTRACAO-PUBLICA-O-CONTRATO-DE-GESTAO-NO-
INTERIOR-DA-ADMINISTRACAO-PUBLICA-BRASILEIRA>. Acesso em: 21 ago. 2015.

28
a) evita disparidade de resposta dos órgãos da estrutura administrativa a
demandas equivalentes; b) reduz o risco de litígios acerca da aplicação da lei,
em face de suspeita de decisão caprichosa ou discriminatória; c) acelera a
capacidade de resposta da máquina pública a demandas repetitivas; d) ante-
cipa decisões futuras em matérias de alta incerteza, facilitando a mobilização
de capitais privados em tempo útil para a oferta de bens e serviços para a
própria Administração, ou a adesão de terceiros a políticas públicas.45

Assim, são perceptíveis as vantagens para ambas as partes derivadas da


existência de um procedimento de conciliação por adesão. Tem-se tanto
um maior respeito à isonomia, que aumenta a confiança dos administra-
dos em saber o que esperar desses procedimentos de mediação, como
ainda reduz a quantidade de litígios a que é submetida a União.

Também é relevante a exigência de que, para a edição dessa resolução


administrativa, haja necessidade apenas de autorização da AGU, quando
baseado na jurisprudência pacífica dos tribunais superiores ou do STF,
que são os intérpretes máximos da legislação infraconstitucional e da
constituição respectivamente. Isso demonstra um respeito aos preceden-
tes de tais tribunais, impedindo que seja mantida a litigância repetitiva
para casos em que já existe um posicionamento do Poder Judiciário.

Nas demais hipóteses, o procedimento é mais rigoroso e exige, além do


parecer da AGU, a aprovação do Presidente da República, cabível para
além da hipótese que depende de alinhamento com o entendimento dos
tribunais superiores e com o STF. É possível imaginar, como exemplo, si-
tuação que já consta com uma súmula acerca do entendimento do pró-
prio órgão, mas que ainda não foi pacificada pelos tribunais superiores.

Enfim, os requisitos e condições dessas transações serão definidos em


resolução administrativa própria (art. 35, § 1º, Lei no 13.140/2015) e terão
efeitos gerais, sendo aplicadas aos demais casos idênticos habilitados de
forma tempestiva, mesmo que sejam capazes de resolver apenas parcela
do conflito (art. 35, § 3º, Lei no 13.140/2015).
45
Idem, ibidem, p. 7.

29
Essa resolução administrativa não tem aptidão para implicar na renúncia
tácita à prescrição da eficácia da pretensão material, nem à sua interrup-
ção ou suspensão (art. 35, § 6º, Lei no 13.140/2015). Assim, a mera edição
da referida resolução em nada interfere em processos que estejam trami-
tando no Poder Judiciário. Trata-se de um ato normativo abstrato e que
dependerá da atuação da parte – e do juízo de admissibilidade positivo da
câmara (art. 34, § 1º, da Lei 13.140/2015) - para que possa se beneficiar da
suspensão da prescrição (art. 34, da Lei no 13.140/2015).

A adesão da parte implicará na renúncia aos direitos sobre os quais se


fundamenta a ação judicial eventualmente pendente, o que também en-
volve as ações materiais ainda não processualizadas naquilo que for ob-
jeto da resolução administrativa (art. 35, § 4º, Lei no 13.140/2015). É evi-
dente que essa renúncia só atingirá a parcela objeto da referida resolução
administrativa e, caso eventual ação judicial ainda envolva outros temas,
será extinta apenas parcialmente.

Nos casos em que o interessado seja parte em processo coletivo anterior-


mente ajuizado, essa renúncia deverá ser expressa, exigindo-se que ela
seja informada ao juiz da causa (art. 35, § 5º, Lei no 13.140/2015). ). Em
outros termos, existindo um processo coletivo em trâmite que trate da
matéria alvo do regulamento administrativo de conciliação por adesão,
o autor deve renunciar tanto ao direito de propor uma ação individual,
como de ser beneficiado pela coisa julgada a ser produzida no referido
processo coletivo. Assim, é evidente que o termo parte não foi usado de
forma técnica, como sujeito parcial que atua no processo, mas de forma
ampla, como um indivíduo que pode ser atingido pela coisa julgada do
processo coletivo.

O que se percebe é que há pouquíssima margem para a negociação de


resolução de conflitos no âmbito federal pela própria nomenclatura uti-
lizada “transação por adesão”, o que indica que, para o interessado em
fazer o pedido de adesão, só existirão duas escolhas: a) aderir ou b) não
aderir. Caso deseje aderir à transação, o interessado deverá comprovar

30
o atendimento aos requisitos e condições estabelecidos na resolução ad-
ministrativa (art. 35, §2º). A essa submissão aplica-se o art. 34 e a possibi-
lidade de suspensão do prazo prescricional.

5.5. Conflitos entre órgãos ou entidades de direito público


que integrem a administração pública federal

Os conflitos que ocorram entre órgãos ou entidades de direito público


integrantes da administração pública federal, a AGU deverá resolver ex-
trajudicialmente, observados os procedimentos a serem elaborados por
meio de ato da AGU. (art. 36, caput, Lei no 13.140/2015).

Nos casos em que a matéria esteja sendo discutida em ação de improbi-


dade administrativa ou sobre ela haja decisão do TCU, a conciliação de-
penderá da anuência expressa do juiz da causa ou do Ministro Relator
(art. 36, § 4º, Lei no 13.140/2015). Foi mencionado anteriormente que a
autocomposição atua sob a sombra do direito e, ao que parece, nestas
hipóteses, a força dessa sombra é ainda maior. Trata-se de uma forma de
existir ainda maior controle das autocomposições relacionadas à violação
da probidade administrativa ou que possa modificar alguma decisão do
TCU.
Caso não seja possível o acordo quanto à controvérsia jurídica, o próprio
AGU deverá dirimi-la, com fundamento na legislação aplicável (art. 36, §
1º, Lei no 13.140/2015). De certa forma, a AGU atuará como julgador ad-
ministrativo da referida controvérsia. A AGU está, como deixa claro o art.
36, §1º, vinculada ao princípio da legalidade, aqui naturalmente entendi-
do como a legalidade contemporânea, que abrange a diferenciação entre
texto e norma, a força normativa da Constituição etc.
Se a resolução da controvérsia implicar no reconhecimento da existên-
cia de créditos da União, de suas autarquias e fundações em face de
pessoas jurídicas de direito público federais, a AGU terá o poder de so-
licitar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão a adequação

31
orçamentária para quitação das dívidas reconhecidas como legítimas (art.
36, § 2º, Lei no 13.140/2015).
Destaque-se que essa composição extrajudicial não impede a apuração
da responsabilidade civil do agente que tenha dado causa à dívida, sem-
pre que verificado que a sua ação ou omissão constitui, em tese, infração
disciplinar a ser apurada de acordo com a legislação aplicável (art. 36, §3º,
Lei no 13.140/2015).
Parece possível entender que o termo “dívida” utilizado no texto norma-
tivo deve ser interpretado de forma ampliativa, uma vez que pode haver
controvérsias jurídicas que não gerem o pagamento de valores, mas que
constituam, em tese, infração disciplinar. Basta pensar nas diversas hipó-
teses de atos de improbidade administrativa que não envolvem, necessa-
riamente, o enriquecimento ilícito (art. 9º, da Lei no 8.429/1992) ou prejuí-
zo ao erário (art. 10, da Lei no 8.429/1992), mas que apenas atentem con-
tra os princípios da administração pública (art. 11, da Lei no 8.429/1992).
O conflito pode, por exemplo, envolver a retardação culposa da prática
de um ato de ofício (art. 11, inciso II, da Lei no 8.429/1992) que acabe ge-
rando conflito entre dois entes. Sendo ele resolvido administrativamente,
mesmo que não haja nenhum valor monetário envolvido, é por demais
óbvio que não impedirá a devida investigação da infração disciplinar.

5.5.1. A quase obrigatoriedade da resolução extrajudicial dos conflitos


envolvendo integrantes da administração pública federal

Para a propositura de ação judicial em que figurem concomitantemente


nos polos ativo e passivo, órgãos ou entidades de direito público que in-
tegrem a administração pública federal, impõe-se a prévia autorização da
AGU (art. 39, Lei no 13.140/2015). Tal hipótese parece um tanto quanto
remota, uma vez que a própria legislação insere um procedimento ex-
trajudicial em que a própria AGU pode resolver administrativamente o
conflito (art. 36, § 1º, Lei no 13.140/2015). É difícil imaginar uma hipótese
em que a AGU autorize a utilização judicial do conflito, que gerará um
desgaste muito maior entre os entes, além de ser, provavelmente, muito

32
mais demorado do que uma resolução administrativa.

5.5.2. Utilização da Advocacia Geral da União para a composição


extrajudicial de conflitos por outras pessoas jurídicas

A legislação faculta a outras pessoas jurídicas, tais como os Estados, o


Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações
públicas, bem como às empresas públicas e sociedades de economia mis-
ta federais a submissão de seus litígios que envolvam órgãos ou entida-
des da administração pública federal à Advocacia-Geral da União (art. 37,
Lei no 13.140/2015). Destaque-se que aqui, diferentemente dos conflitos
que envolvam integrantes da administração pública federal, trata-se de
uma faculdade e não de uma situação obrigatória.

Nessas hipóteses, não é obrigatório a essas pessoas jurídicas, caso optem


por se submeter à composição extrajudicial, submeterem-se à decisão
impositiva da AGU no caso do art. 36, § 1º. A esses entes ainda seria pos-
sível a utilização da via judicial, em face da inafastabilidade da aprecia-
ção jurisdicional a lesão a direito (art. 3º, caput, CPC e art. 5º, inciso XXXV,
CF), caso sintam-se prejudicados. Por óbvio, tal situação não pode ocorrer
caso haja acordo, mas tão somente se houver configuração da hipótese
em que a própria AGU resolva o conflito.

5.6. Controvérsias que envolvam tributos administrados


pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ou créditos
inscritos em dívida ativa da União

Nas hipóteses de controvérsias que envolvam tributos administrados


pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ou créditos inscritos em dívi-
da ativa da União, as câmaras de prevenção e resolução administrativa de
conflitos, em regra, apenas poderão atuar nas hipóteses que envolvam
conflitos entre órgãos e entidades da administração pública (art. 32, inci-
so I, Lei no 13.140/2015 e art. 174, inciso I, CPC).

33
Isso porque o art. 38, inciso I, Lei no 13.140/2015 aponta a inaplicabilidade
dos incisos II e II, do caput do art. 32, do mesmo diploma legal (art. 174,
inciso II e II, CPC), que mencionam a competência dessas câmaras para a
avaliação da admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, entre
particular e pessoa jurídica de direito público e a promoção, quando cabí-
vel, da celebração de termo de ajustamento de conduta. Portanto, haveria
a exclusão da possibilidade de conciliação ou mediação no âmbito adminis-
trativo nessas hipóteses. De toda forma, como a celebração de termo de
ajustamento de conduta é relacionado a processos coletivos e há veda-
ção à sua utilização para demandas tributárias (art. 1º, parágrafo único
da Lei nº 7.347/1985), ao menos nesses casos o inciso II, do art. 32, Lei no
13.140/2015 já seria inaplicável.

Em outros termos, nos casos que envolvam tributos administrados pela


Secretaria da Receita Federal do Brasil ou a créditos inscritos em dívida ativa
da União, a utilização das câmaras de mediação e conciliação só pode ser
realizada quando envolver entes que façam parte da administração pública.

Essa ampla vedação para a utilização das câmaras de mediação e arbitra-


gem que envolva tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal
do Brasil ou créditos inscritos em dívida ativa da União é um tanto quanto
desarrazoada. Não parecem existir quaisquer razões para tal vedação. No
entanto, como não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade no referi-
do texto normativo, deve ser aplicado.

Além disso, ainda exclui a possibilidade de as empresas públicas, socie-


dades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade
econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de
serviços em regime de concorrência utilizarem-se da resolução extrajudi-
cial de conflitos que pode ser realizada pela AGU (art. 38, inciso II, Lei no
13.140/2015). Mencione-se que, como a limitação aplica-se tão somente
às pessoas jurídicas que exercem atividades econômicas em regime de
concorrência, é possível a interpretação de que aquelas que atuam em
regime de monopólio podem se utilizar dessa resolução extrajudicial de

34
conflitos, a exemplo dos Correios.

Nas hipóteses em que seja cabível a solução consensual e dele forem par-
tes órgãos ou entidades de Direito Público que integram a Administração
Pública Federal, a submissão do conflito à composição extrajudicial
pela Advocacia-Geral da União implica renúncia do direito de recorrer
ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (art. 38, inciso III, alínea
a, Lei no 13.140/2015). Além disso, para que haja a redução ou o can-
celamento do crédito será necessária a manifestação conjunta da AGU
e do Ministro de Estado da Fazenda (art. 38, inciso III, alínea b, Lei no
13.140/2015). Destaque-se que as alíneas a e b, do inciso III, do art. 38,
da Lei no 13.140/2015 não são aplicáveis a outros entes que possam se
utilizar dessa forma de composição extrajudicial, tais como os Estados,
o Distrito Federal, os Municípios, suas autarquias e fundações públicas
e ainda as empresas públicas e sociedades de economia mista federais.
Isso porque, como visto, o art. 38, III aponta sua aplicabilidade apenas
a órgãos ou entidades de Direito Público que integrem a Administração
Pública Federal.

O parágrafo único do art. 38, da lei em comento, afirma que a impossibili-


dade de utilização, por parte das pessoas jurídicas que explorem ativida-
de econômica em regime de concorrência, da resolução extrajudicial de
conflitos que realizada pela AGU e ainda a exigência de que a submissão
dos conflitos a esse procedimento da AGU implique na renúncia do direi-
to de recorrer ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais não impe-
dem certas competências específicas do AGU. São elas as atribuições de
fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos
normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da
Administração Federal e unificar a jurisprudência administrativa, garan-
tir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre
os órgãos jurídicos da Administração Federal (art. 4º, incisos X e XI, da LC
73/1993).

35
6. Responsabilidade dos servidores e empregados
públicos

Os agentes públicos que participem do processo de composição extra-


judicial do conflito só podem ser responsabilizados civil, administrativa
ou criminalmente quando, mediante dolo ou fraude, receberem qualquer
vantagem patrimonial indevida, permitirem ou facilitarem sua recepção
por terceiro ou para tal concorrerem (art. 40, Lei no 13.140/2015).
Estranhamente, houve uma redução do âmbito constitucional de respon-
sabilização dos servidores, pois, enquanto o art. 37, § 6º, menciona a pos-
sibilidade de direito de regresso nos casos de dolo ou culpa, o art. 40, da
Lei nº 13.140/2015 apenas autoriza a responsabilização do agente público
em caso de dolo ou fraude. Isso implica a exclusão dos erros técnicos
e da negligência, independentemente do seu grau. Trata-se de uma for-
ma de proteger os servidores públicos que atuem nos procedimentos de
mediação, mas que estranhamente reduz o âmbito de responsabilização
previsto na constituição.46
Sobre a responsabilidade civil dos servidores, devem ser feitas algumas
considerações, uma vez que não pode ser confundida com a responsabi-
lidade estatal.

6.1. Responsabilidade civil do Estado

A atual Constituição estabelece, no art. 37, § 6º, que as pessoas jurídicas


de direito público responderão pelos danos causados por seus agentes de
forma objetiva. Assim, torna-se irrelevante a discussão acerca da culpa ou
dolo na responsabilidade estatal por lhe ser elemento estranho. Portanto,
no Brasil, para a responsabilidade dos entes estatais, foi adotada a teoria
do risco, desprezando a culpa e o dolo. Para a configuração da responsa-
bilidade estatal, à parte incumbe comprovar: a) ato comissivo ou omissivo
em algumas hipóteses; b) nexo causal; c) dano. Especificando para o caso
46
Percebeu o ponto: SOUZA, Luciane Moessa de. Mediação de conflitos e administração pública... cit., p. p. 227.

36
da atuação dos agentes que participem do processo de composição ex-
trajudicial de conflitos, na ação específica contra o ente público, descabe
a discussão sobre culpa ou dolo, bastando a comprovação de que ato re-
alizado por este agente lhe causou danos. A teor do disposto no art. 37, §
6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público
deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado
prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor
do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos
de dolo ou culpa.47 Nessas hipóteses, tem-se abertura para a discussão da
eventual culpa ou dolo, muito embora ela só seja relevante para configu-
rar a responsabilidade civil do servidor, não do Estado.

6.2. O art. 40, da Lei nº 13.140/2015 e a sua aplicação limitada


à responsabilização do agente público

Sob a égide da atual Constituição, como dito, a responsabilidade dos en-


tes públicos é objetiva, sendo irrelevante a discussão de culpa ou dolo.
Para que o texto esteja adequado com a constituição, deve ser entendido
que ele se refere tão somente à responsabilidade civil pessoal do servidor
e aos requisitos para a utilização da ação regressiva contra o servidor pelo
Estado ou para os casos em que a parte prejudicada se utilize do litisconsórcio
passivo entre o ente estatal e o agente público.

7. Conclusão

É perceptível a aposta do direito brasileiro na valorização dos meios con-


sensuais de solução de controvérsia. A criação de uma audiência inicial
de conciliação ou de mediação é uma dessas apostas, no entanto, como
visto, existem diversas dificuldades para a sua adequada aplicação con-
tra os entes públicos, em face das limitações inerentes à realização da
47
STJ, 4ª T., REsp 1325862/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 10/12/2013.

37
autocomposição. Por isso, foram propostas maneiras de conciliar a mar-
cação ou não desta audiência e a eventual impossibilidade de realização
da autocomposição.

Outra forma de possibilitar o sucesso dessa empreitada foi a concessão


de meios para que os entes públicos, um dos principais litigantes, possa
construir procedimentos administrativos com essa finalidade.

Por mais que a advocacia pública federal já dispusesse de um conjun-


to de textos normativos tratando da matéria, é importante que tanto o
CPC/2015 quanto a Lei nº 13.140/2015 incentivem e possibilitem novas
formas de solução consensual de conflitos. Além disso, a legislação ainda
faz referência, por diversas vezes, aos demais entes federativos que po-
dem, da mesma forma, construir suas próprias câmaras de mediação.

Enfim, o objetivo deste texto foi o de apresentar as novidades trazidas


tanto pelo CPC/2015 quanto pela Lei nº 13.140/2015, apresentando os
seus pontos fortes e as fragilidades existentes na nova legislação. De toda
forma, para que ela possa ter efetividade e permitir a realização de tran-
sações no âmbito administrativo, será imprescindível que os próprios
entes públicos se utilizem das permissões normativas para a criação de
câmaras de mediação e conciliação, regulamentando os possíveis proce-
dimentos para a sua prática.

Pontuando

1. Novo modelo de direito administrativo.

2. A confidencialidade e o poder público.

3. A audiência de mediação e os entes públicos.

4. A criação de câmara de mediação e conciliação pelos entes públicos.

5. A solução consensual no direito administrativo.

38
Glossário

• Princípio da confidencialidade: a exigência de confidencialidade


é essencial para a garantia de que as sessões de mediação ou con-
ciliação possam ter maior chance de sucesso. Isso porque, garan-
tindo que as informações utilizadas nessas sessões não possam
ser utilizadas no referido processo judicial e em outros, isso per-
mite que as partes sintam-se mais à vontade para estabelecer um
diálogo mais aberto. Do contrário, sempre haveria o receio de uma
determinada informação desfavorável, a exemplo de uma parte
que aborda o problema envolvido, reconhecendo sua culpa poder
ser utilizada no litígio judicial.

• Atribuição das câmaras de mediação e conciliação: a) resolução


de conflitos que envolvam órgão e entidades da administração pú-
blica; b) avaliação da admissibilidade dos pedidos de resolução de
conflitos, entre particular e pessoa jurídica de direito público; e c)
promoção, quando cabível, da celebração de termo de ajustamen-
to de conduta.

VERIFICAÇÃO DE LEITURA
1. Em relação ao princípio da confidencialidade, assinale a al-
ternativa correta:
a) Trata-se de princípio que abrange informações relati-
vas à ocorrência de crime de ação civil pública.
b) A Advocacia-Geral da União deverá realizar composição
extrajudicial do conflito, observados os procedimentos
previstos em ato do Procurador-Geral da União.
c) O dever de confidencialidade não se aplica ao mediador.
d) Pode o mediador revelar informação obtida em sessão
privada, caso expressamente autorizado.

39
e) O juiz pode utilizar como prova informação obtida em
sessão de mediação.
2. Sobre a autocomposição e os direitos indisponíveis, assi-
nale a alternativa correta:
a) Direitos indisponíveis não podem ser alvo de
autocomposição
b) Não há necessidade de ato normativo para que haja a
autocomposição pelo poder público.
c) É possível a autocomposição do valor e forma de paga-
mento em ação de alimentos.
d) Apenas se admite autocomposição envolvendo entes
públicos realizada no âmbito administrativo.
e) Não se deve realizar audiência de mediação ou de con-
ciliação nos casos de direitos indisponíveis.

3. Acerca dos conflitos que envolvam controvérsia jurídica


entre órgãos ou entidades de direito público que integram
a administração pública federal, assinale a alternativa
correta:
a) A composição extrajudicial do conflito será realizada
pelo Ministério Público Federal.
b) A Advocacia-Geral da União deverá realizar composição
extrajudicial do conflito, observados os procedimentos
previstos em ato do Advogado-Geral da União.
c) A composição extrajudicial do conflito afasta a apura-
ção de responsabilidade do agente público que deu
causa à dívida, mesmo que se verifique que sua ação
ou omissão constitui, em tese, infração disciplinar.
d) Nas hipóteses em que a matéria objeto do litígio esteja
sendo discutida em ação de improbidade administra-
tiva ou sobre ela haja decisão do Tribunal de Contas

40
da União, a conciliação de que trata o caput dependerá
da anuência expressa do juiz da causa ou do Ministro
Relator.
e) Na hipótese dessa espécie de conflito, se não hou-
ver acordo quanto à controvérsia jurídica, caberá ao
Presidente da República dirimi-la, com fundamento na
legislação afeta.

4. Em relação aos casos em que a controvérsia jurídica seja


relativa a tributos administrados pela Secretaria da Receita
Federal do Brasil ou a créditos inscritos em dívida ativa da
União, assinale a alternativa correta:
a) As empresas públicas, sociedades de economia mista
e suas subsidiárias que explorem atividade econômica
de produção ou comercialização de bens ou de pres-
tação de serviços em regime de concorrência poderão
submeter seus litígios com órgãos ou entidades da ad-
ministração pública federal à Advocacia-Geral da União,
para fins de composição extrajudicial do conflito.
b) Os Estados e Municípios não poderão submeter seus
litígios com órgãos ou entidades da administração pú-
blica federal à Advocacia-Geral da União, para fins de
composição extrajudicial do conflito.
c) Se for parte uma autarquia federal, a submissão do con-
flito à composição extrajudicial pela Advocacia-Geral
da União não implica renúncia do direito de recorrer
ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.
d) Se for parte uma empresa pública federal, a redução
ou o cancelamento do crédito dependerá de manifes-
tação do Ministro de Estado da Fazenda.
e) Se for parte uma autarquia federal, a submissão do con-
flito à composição extrajudicial pela Advocacia-Geral

41
da União implica renúncia do direito de recorrer ao
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.
5. Sobre a autocomposição da qual faça parte ente público,
assinale a alternativa correta:
a) Apenas se admite a autocomposição caso haja autori-
zação específica do chefe do poder executivo.
b) As câmaras de mediação criadas pelos entes públicos
poderão ser reguladas por cada ente federado.
c) Apenas se admite a autocomposição com autorização
do Procurador Geral da respectiva pessoa jurídica.
d) Havendo uma câmara de mediação, é obrigatória a
submissão dos conflitos que envolvam aquele ente.
e) Enquanto não forem criadas as câmaras de mediação,
os conflitos não podem ser resolvidos por meio da
mediação.

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Gabarito

Questão 01 - Resposta: D

De acordo com o art. 31, da Lei 13.140/2015: “Será confidencial a


informação prestada por uma parte em sessão privada, não po-
dendo o mediador revelá-la às demais, exceto se expressamente
autorizado”.

Questão 02 - Resposta: C

O acordo quanto ao valor e à forma de pagamento em ação de ali-


mentos e o cabimento do compromisso de ajustamento de conduta
em processos coletivos, hipótese em que o direito é indisponível (art.
5º, § 6º, da Lei no 7.347/1985), hipóteses de direitos indisponíveis que
admitem transação”

Questão 03 - Resposta: D

De acordo com o art. 36, §4º, da Lei nº 13.140/2015: “Nas hipóteses


em que a matéria objeto do litígio esteja sendo discutida em ação de
improbidade administrativa ou sobre ela haja decisão do Tribunal de

45
Contas da União, a conciliação de que trata o caput dependerá da
anuência expressa do juiz da causa ou do Ministro Relator”.

Questão 04 - Resposta: E

De acordo com o art. 38, inciso III, alínea a, a, da Lei 13.140/2015: “III
- quando forem partes as pessoas a que alude o caput do art. 36: a)
a submissão do conflito à composição extrajudicial pela Advocacia-
Geral da União implica renúncia do direito de recorrer ao Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais”. O art. 36 faz menção às seguin-
tes pessoas: “No caso de conflitos que envolvam controvérsia jurí-
dica entre órgãos ou entidades de direito público que integram a
administração pública federal, a Advocacia-Geral da União deverá
realizar composição extrajudicial do conflito, observados os procedi-
mentos previstos em ato do Advogado-Geral da União”.

Questão 05 - Resposta: B

De acordo com o art. 32, § 2º, da Lei nº 13140/2015: “A submissão


do conflito às câmaras de que trata o caput é facultativa e será cabí-
vel apenas nos casos previstos no regulamento do respectivo ente
federado”.

46
TEMA 02

PETIÇÃO INICIAL. REQUISITOS.


INTERPRETAÇÃO. JUÍZO DE
ADMISSIBILIDADE INICIAL.
Autoria: Ravi Peixoto e Tamyres Tavares de Lucena
Leitura crítica: Juliana Giovanetti Pereira da Silva

Objetivos

• Um tema essencial no Direito Processual Civil é a peti-


ção inicial, pois é vista por parcela da doutrina como
um projeto da futura sentença. Isso ocorre porque ela
acaba delimitando boa parte das discussões que ocor-
rerão no processo e os limites das decisões judiciais.

• O objetivo desta aula é o estudo pormenorizado de


todos os elementos que envolvem a petição inicial.
De início, haverá um breve estudo sobre o próprio
registro e a distribuição do processo.

• Posteriormente, haverá o estudo de cada um dos ele-


mentos da petição inicial, com destaque para a causa
de pedir, o pedido e o valor da causa. A análise do
pedido é imprescindível para que se compreendam
as diversas nuances que ocorrem na sua cumulação.

• Além disso, há ainda a análise das hipóteses de inde-


ferimento da petição inicial e as suas particularidades.

47
1. Registro e distribuição do processo

O registro é o ato que torna a petição inicial em um documento públi-


co, implicando na existência do processo. Além disso, ele tem um fato
importante, que é o de tornar prevento o juízo e de fixar a competência
(art. 43, CPC). Tem ainda a função, do ponto de vista do Poder Judiciário,
de propiciar a coleta de dados para as estatísticas judiciárias e o próprio
planejamento de suas atividades, servindo a sua data, por exemplo, para
a eleição de metas de julgamento.
Destaque-se o caráter perpétuo do registro, jamais desaparecendo do
banco de dados. A extinção do processo não implica no fim do registro,
mas tão somente a anotação da respectiva extinção.1
Após a realização do registro, o processo deve ser devidamente distri-
buído. Enquanto no processo eletrônico o registro e a distribuição são
automáticos e eletrônicos, feitos diretamente pelos advogados públicos e
privados (art. 10, da Lei no 11.419/2006), nos processos físicos ainda exis-
te a figura do distribuidor, que terá a incumbência dessa tarefa.
O texto normativo afirma que a distribuição deve ocorrer “onde houver
mais de um juiz”. No entanto, essa situação não seria mais adequada, pois
pode ocorrer que em um único juízo existam diversas varas eletrônicas,
dirigidas pelo mesmo juiz, que depende da lei de organização judiciário
local. Seria, por exemplo, a distribuição para a Vara de Família, Vara da
Fazenda Pública etc., e a errônea distribuição para uma das varas deveria
ser corrigida.2
A realização da distribuição deve ser alternada e aleatória, obedecendo-
-se a uma rigorosa igualdade (art. 285, CPC). A aleatoriedade e a alternati-
vidade têm por objetivo permitir a garantia do juiz natural, impedindo-se
que as partes possam escolher ao juiz e ainda garantindo que haja uma
distribuição equitativa de processos, de forma que nenhuma das varas
fique sobrecarregada.
1
ASSIS, Araken. De. Processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2015, v. III, p. 1.674.
2
ARAÚJO, Fabio Caldas de. Curso de processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016, v. 1, p. 921.

48
Além disso, deve a distribuição ser pública e, como forma de garanti-la e
permitir o controle público da distribuição, exige-se que a lista de distri-
buição seja publicada no Diário de Justiça (art. 285, parágrafo único, CPC).
Essa divulgação da lista é também uma forma de dar maior efetividade ao
art. 288, CPC, segundo o qual o juiz, seja de ofício ou mediante requeri-
mento do interessado, deverá corrigir o erro ou compensar a falta de dis-
tribuição que venha a ocorrer. O art. 289, CPC, garante que as partes, os
seus procuradores, o Ministério Público ou a Defensoria Pública possam
fiscalizá-la. No entanto, com a distribuição essa atuação torna-se pratica-
mente impossível.

1.1. Hipóteses de distribuição por dependência

O CPC, no entanto, prevê algumas hipóteses excepcionais em que a distri-


buição ocorre de forma dependente a algum outro processo. Seguindo a
lógica da excepcionalidade, afirma o STJ que “a distribuição da causa por
dependência somente se dá nos casos autorizados por lei, sob pena de
agressão ao princípio do juiz natural”.3 Destaque-se que, embora o art.
286 mencione os principais casos de distribuição por dependência, há ou-
tros, a exemplo do art. 914, §1º, CPC, que fazem referência à distribuição
por dependência dos embargos à execução.

A primeira situação ocorre quando se tem a constatação de que há con-


tinência ou conexão com outra ação já ajuizada (art. 286, inciso I, CPC),
caso em que deve ocorrer a prorrogação da competência. Essa reunião,
no entanto, não deve ocorrer caso um dos processos já tenha sido julga-
do (S. 235, STJ).4

O segundo caso de distribuição por dependência ocorre quando o pro-


cesso venha a ser extinto sem resolução do mérito e houver reiteração
do pedido, mesmo que em litisconsórcio com outros autores ou ainda
que sejam parcialmente alterados os réus da demanda (art. 286, inciso II).
3
STJ, 4ª T., REsp 8.449/AM, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 19/11/1991, DJ 09/12/1991.
4
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.

49
Essa regra incide também nos casos em que haja modificação do remédio
jurídico processual, a exemplo da parte que ingressa com mandado de
segurança, desiste e ajuíza uma ação ordinária.5 Trata-se de uma forma
de evitar a burla à sistemática da distribuição aleatória, preservando-se
o juiz natural. Caso isso não fosse previsto na legislação à parte, tendo a
sua demanda distribuída para um juízo que tem entendimento contrário
à sua tese, poderia, de imediato, pedir desistência e ajuizar novamente a
sua ação, apostando que teria sua demanda distribuída para algum juízo
favorável à sua tese.

A terceira hipótese afirma que nos casos em que os processos possam


gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso
sejam decididos separadamente, mesmo que não haja conexão, deve ha-
ver distribuição por dependência (art. 286, inciso III, CPC). A situação aqui
não deve estar conectada ao problema comum da dispersão de julgados
quanto à matéria de direito, ou seja, relacionada à teoria dos preceden-
tes. O objetivo da norma jurídica neste caso é o de evitar que existam
decisões divergentes sobre um mesmo fato, por exemplo, vários vizinhos
que requerem indenização por danos morais em face de um mesmo vizi-
nho por perturbação do sossego. Por outro lado, não seria cabível a dis-
tribuição por dependência caso tivesse o risco da interpretação se um
determinado benefício concedido a uma determinada categoria que de-
veria ser estendido a outra. Ou mesmo se um determinado remédio deve
ser fornecido pelos entes públicos aos estados, mesmo que as situações
dos cidadãos sejam idênticas. Veja-se que em todos os exemplos haveria
o risco de decisões conflitantes, mas que apenas no primeiro o foco é na
interpretação dos fatos e não do direito.

A última hipótese está relacionada às hipóteses de ampliação objetiva


do processo, tais como a reconvenção e as intervenções de terceiro, a
exemplo do chamamento do processo (art. 286, parágrafo único, CPC).
Um exemplo de ampliação objetiva do processo ocorre com a oposição,
5
STJ, 1ª Seção, CC 97.576/RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 11/02/2009, DJe 05/03/2009

50
transformada no CPC/2015 em um procedimento especial. Tem-se a obri-
gatoriedade de o distribuidor realizar a anotação para garantir a vincu-
lação do processo distribuído por dependência, mas que não impede o
controle pelas partes ou pelo magistrado.

1.2. A violação da distribuição por dependência

A distribuição errônea pode ocorrer, seja por violação a alguma regra de


dependência, como por alguma infração a alternância, ou mesmo pela
avocação ilegal de uma demanda por algum juiz.

A natureza jurídica da regra de competência estabelecida pelo art. 286 – o


caso da distribuição por dependência – é variável. Nos casos dos incisos
I e III, que se referem à conexão, a continência e a reunião de processos
para evitar julgados divergentes, o objetivo é tão somente o da economia
processual, não havendo violação à regra do juiz natural. Nesses casos,
tem-se uma regra de competência relativa, que precluirá caso não alega-
da tempestivamente pelas partes, inclusive o autor, caso tenha alegado
na inicial alguma hipótese de prevenção não observada.6 No entanto, na
hipótese do art. 286, inciso II, CPC, a violação dessa regra implica na viola-
ção da regra do juiz natural. Por conta disso, tratar-se-ia de regra de com-
petência absoluta, podendo ser alegada a qualquer tempo e reconhecida
de ofício pelo juiz (art. 64, § 1º, CPC).

Assim, caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento do interessado, corrigir


o erro ou compensar a falta de distribuição (art. 288, CPC).

2. Formação do processo e o conceito de demanda

A data do protocolo da petição inicial é a data de início da relação jurí-


dica processual, dando início à litispendência para o autor. Para o réu,
6
ASSIS, Araken. De. Processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2015, v. III, p. 99.

51
a litispendência só é iniciada depois que ele for validamente citado (art.
312, CPC/2015).

A demanda pode ser entendida como o ato por meio do qual um sujeito
com capacidade processual veicula pretensão à tutela jurídica do Estado,
impondo a sua atuação, e requer uma determinada providência em face
de outro sujeito.7 A relação que existe entre a demanda e a petição inicial
é a de continente e conteúdo. A petição inicial é a forma com a qual a parte
apresenta a sua demanda ao Poder Judiciário, sendo-lhe o seu conteúdo.

3. Requisitos da petição inicial


A petição inicial tem diversos requisitos exigidos pelo CPC, nos artigos
319 e 320, que serão vistos nos próximos tópicos. No entanto, é preciso
fazer menção a uma alteração em relação ao CPC/1973, que era a exigên-
cia da citação do réu (art. 282, inciso VII). A partir da entrada em vigor do
CPC/2015, não mais se exige o requerimento de citação do réu. De fato,
era uma exigência um tanto quanto formalista, pois, se a parte narrou os
fatos jurídicos que fundamentam sua demanda e fez um pedido contra
o réu, é evidente o seu interesse na citação do réu. O juiz, após realizar
o juízo de admissibilidade positivo da petição inicial, deverá, seguindo as
regras do CPC, indicar a forma de citação do réu, não mais dependendo
de requerimento específico.

A única utilidade que pode restar à menção à citação do réu na petição


inicial é para os casos em que haja o requerimento de alguma espécie
de citação que fuja à regra geral, no caso concreto. Um exemplo é o
caso em que o autor requer a citação de pessoa natural por meio de
oficial de justiça, não desejando, de forma justificada, a citação postal
(art. 247, CPC).8

7
ASSIS, Araken. De. Processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2015, v. III, p. 65-66.
8
Também mencionando essa utilidade do requerimento da citação do réu pelo autor: ASSIS, Araken. De. Processo civil
brasileiro... cit., p. 83.

52
3.1. Forma
Não há muitas exigências formais para a apresentação da petição inicial,
bastando que seja apresentada de forma escrita, datada e assinada. A sua
redação deve utilizar o idioma nacional, em face da exigência constante
do art. 192, caput, do CPC.

Nos juizados especiais cíveis, a apresentação da demanda também pode


ser feita oralmente (art. 14, caput, Lei nº 9.099/1995), mas, mesmo nessa
hipótese, ser reduzida a escrito pela Secretaria do Juizado (art. 14, §3º, Lei
nº 9.099/1995).

3.2. Capacidade postulatória


Para o ingresso do processo, é necessária a assinatura de quem possua
capacidade postulatória. Salvo casos expressamente identificados pela le-
gislação, só quem a possui é o advogado com inscrição na OAB, o defen-
sor público e o Ministério Público.

Em algumas situações, o leigo será detentor de capacidade postulatória.


A título de exemplo, tem-se o habeas corpus (art. 654, CPP c/c art. 1º,
§1º, Lei nº 8.906/1994), inclusive os seus posteriores recursos,9 a atuação
nos juizados especiais cíveis até o valor de 20 salários mínimos (art. 9º,
9.099/1995), o requerimento de medidas protetivas de urgência baseado
na existência de violência doméstica ou familiar contra a mulher (art. 19,
c/c art. 27, Lei nº 11.340/2006) etc.

3.3. Competência
Cabe à parte autora indicar, na inicial, o juízo perante o qual exercerá a sua
ação material processualizada (art. 319, I, CPC). Nesse momento é feito o
endereçamento da demanda, sendo o parágrafo denominado exortação.

O espaço mais adequado para tanto é no cabeçalho da petição inicial,


indicando-se o órgão do Poder Judiciário, o Estado ou Região do respectivo
9
STF, 1ª T., HC 102.836 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Dias Toffoli, j. 08/11/2011, Dje 27/02/2012.

53
tribunal, a comarca, no caso da justiça estadual, ou subseções judiciárias,
no caso da justiça federal, e, caso exista, devem ser indicadas as compe-
tências estabelecidas na legislação local, que, por vezes, criam varas des-
tinadas à fazenda pública, às execuções fiscais, aos processos que envol-
vam direito de família etc. Em qualquer hipótese, mesmo que a comarca
seja de vara única, o endereçamento há de ser impessoal, não se fazendo
menção ao ocupante do cargo de magistrado.10

3.4. Qualificação das partes

O art. 319, inciso II, do CPC exige a qualificação das partes por meio da
inserção na petição inicial das seguintes informações: os nomes, os pre-
nomes, o estado civil, inclusive a existência de união estável, a profissão,
o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a resi-
dência do autor e do réu. Outro conteúdo exigido é a indicação dos ende-
reços do advogado, eletrônico e não eletrônico, que devem estar presen-
tes na procuração a ela anexa.
Os nomes e os prenomes, tal qual o número de inscrição no Cadastro de
Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, são essenciais
para que se possam identificar quais os sujeitos passivo(s) e ativo(s) do
processo em questão.
O domicílio e a residência do autor e do réu são dados essenciais para
a correta comunicação das partes, nos casos em que não seja possível a
intimação por meio de publicação no diário de justiça. Para a citação, por
exemplo, com a exceção dos casos em que ela possa ser feita por meio
eletrônico, sempre será imprescindível a informação do endereço do réu.
Exige-se, ainda, o endereço eletrônico do autor e do réu, que não deve ser
entendido como um requisito essencial, até porque a própria comunica-
ção no processo eletrônico não é realizada dessa forma.
A profissão, em geral, não guarda qualquer relevância para a atuação pro-
cessual, exceto, por exemplo, em eventual remédio jurídico processual no
10
ASSIS, Araken. De. Processo civil brasileiro... cit., p. 70.

54
qual ela seja relevante para a fixação de competência, como o é no caso
do mandado de segurança.

A indicação do estado civil e da existência de união estável tem grande


importância na atuação processual, conforme se infere do art. 73, do CPC.
O referido texto normativo traz uma série de restrições à atuação das
pessoas casadas e em união estável e tal informação deve constar na ini-
cial para que o juiz possa fazer o controle da legitimidade processual da
atuação das partes.
O que se deve entender dos requisitos exigidos no inciso II, do art. 319 do
CPC é que eles permitam a “citabilidade” do réu,11 lógica que foi consagrada
pelo §2º, do art. 319, da legislação processual. Caso não disponha de
informação considerada essencial, a parte poderá requerer na petição
inicial a realização de diligências pelo magistrado (art. 319, §1º, CPC).
A falta de alguma informação relevante não deve implicar no indeferi-
mento da petição inicial quando a obtenção de algum dos dados exigidos
pelo art. 319, II, torne impossível ou oneroso o acesso à justiça (art. 319,
§3º, CPC). No entanto, sempre há de constar elementos mínimos para que
se permita identificar quem é o réu.
O texto normativo mencionado tem por função hipóteses em que o réu é
incerto ou desconhecido, casos em que deve ser utilizada a citação por edi-
tal. O CPC menciona exemplos, tais como a ação de usucapião de imóvel
em que a parte autora desconhecer o proprietário ou seus herdeiros (art.
259, inciso I, CPC) e casos em que o devedor tenha por objetivo substituir
o título ao portador, mas desconhece quem é o credor (art. 259, II). Nessas
situações seria inútil a realização das diligências para a busca de informa-
ções sobre o réu, o que tornaria praticamente inviável o acesso à justiça
pelo autor.
11
Expressão utilizada por Pontes de Miranda (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de
processo civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, t. IV, p. 13).

55
3.5. Fatos e fundamentos jurídicos – as teorias sobre a
causa de pedir
Um dos elementos que devem constar da petição é a causa de pedir, que
é, em termos gerais, a razão de demandar, a razão objetiva em face da

qual a demanda é fundada, compreendendo tanto os fatos quanto os fun-


damentos jurídicos.12

Existem três correntes que tentam explicar o conteúdo da causa de pedir:


a. Teoria da individuação, em que há identificação da causa de pedir tão
somente com a qualificação jurídica dos fatos, fazendo com que o ob-
jeto do processo seja tão somente a relação jurídica alegada. Para essa
teoria, os fatos são irrelevantes e tem por característica a aptidão de
impedir que a relação jurídica possa ser rediscutida em outras oportuni-
dades, mesmo que haja alteração dos fatos.

b. Uma segunda teoria, que não possui denominação específica é identi-


ficada tão somente com os fatos naturais, sem qualquer qualificação.
Dispensaria, então, qualquer referência ao direito material, sendo
irrelevante a discussão sobre a repercussão jurídica dos fatos.

c. A teoria da substanciação, em que se exige que a parte identifique tanto


os fatos jurídicos constitutivos do seu direito, bem como a relação jurídi-
ca, ou seja, a eficácia dos fatos jurídicos alegados. O fato jurídico são os
fatos “coloridos” pela incidência das regras jurídicas; em outras palavras,
essa coloração consiste no fundamento jurídico do pedido.

Na teoria da substanciação, como ela tem por base os fatos jurídicos, a sua
pluralidade implica, por consequência, também na existência de diversas
causae petendi. Essa situação pode ser observada na ação rescisória, em
que cada um dos incisos do art. 966, ou seja, cada um dos fatos jurídicos,
implica em uma causa de pedir diferente. Nada impede que a parte auto-
ra venha a cumular diversas causas de pedir para a realização de um só
12
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A atendibilidade dos fatos supervenientes no processo civil: uma análise comparativa
entre o sistema português e o brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 36-37.

56
pedido, como pode ocorrer de a rescisória ter apenas o requerimento de
rescisão da decisão atacada.

Cabe ainda o destaque de que cada fato jurídico pode ter o seu suporte
fáctico formado por vários fatos.13 Por exemplo, o fato jurídico da usuca-
pião extraordinária tem como suporte fáctico três elementos: a) posse
própria; b) sem oposição (mansa e pacífica); e c) ininterrupta, por 15 anos
(art. 1.238, CC). Isso quer dizer que pode haver cumulação de causas de
pedir com a existência de fatos jurídicos diversos, mas também que cada
fato jurídico pode ser, ele próprio, constituído de diversos fatos.

Tem-se entendido que o direito brasileiro adota a teoria da substanciação


em face da exigência da demonstração, pela parte, dos fatos e dos fun-
damentos jurídicos do seu pedido.14 Os fatos são aqui entendidos como
fatos jurídicos e os fundamentos jurídicos seriam a relação jurídica decor-
rente dos fatos jurídicos. Aos fatos jurídicos dá-se o nome de causa de
pedir remota e à relação jurídica dá-se o nome de causa de pedir próxima.
A causa de pedir remota ainda é dividida, por alguns, em causa de pedir
ativa (fato constitutivo do direito do autor) e causa de pedir passiva (fato
do réu contrário ao direito).15 Em uma demanda de despejo pela falta de
pagamento de aluguéis, a causa de pedir ativa seria a relação de locação
e a passiva justamente a ausência do cumprimento do dever de pagar os
aluguéis.
Não se deve confundir a indicação da relação jurídica com o fundamento
legal a ser invocado, pois iura novit curia, ou seja, o juiz conhece o direito.
O fundamento legal pode ser alterado pelo juiz ou pela parte posterior-
mente, sem que isso seja considerada qualquer espécie de mudança in-
devida da causa de pedir. É também irrelevante o nomen juris concedido
pela parte à demanda, que pode ser alterada pelo juiz.
No entanto, por mais que o juiz possa mudar o enquadramento legal uti-
lizado e debatido pelas partes, deverá intimá-las previamente para que
13
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 70.
14
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A atendibilidade dos fatos supervenientes no processo civil... cit., p. 43.
15
CRUZ E TUCCI, ∆José Rogério. A causa petendi no processo civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 154.

57
possam se manifestar, como forma de obedecer ao dever de consulta
previsto no art. 10 do CPC/2015.

Imagine-se uma hipótese para facilitar o exemplo: A entra com uma de-
manda requerendo de B danos morais por ter realizado um erro médico.
A causa de pedir remota será identificada pelo fato jurídico que agrega os
elementos conduta, culpa, nexo de causalidade e dano; a causa de pedir
próxima seria a relação jurídica, a responsabilidade civil. Esta é uma espé-
cie de relação obrigacional decorrente de um fato jurídico danoso no qual
o sujeito A, prejudicado, tem o direito ao ressarcimento e o sujeito B tem
o dever de reparar o dano.16 O fundamento legal, na hipótese, seriam os
art. 186 e 927, do Código Civil.

3.6. Pedido
Outro dos requisitos da petição inicial é a presença de, ao menos, um pe-
dido (art. 319, IV). É efetivamente o pedido que requer a atuação do Poder
Judiciário, demonstrando qual o bem da vida pretendido pela parte.

3.7. Valor da causa


O CPC exige que toda causa tenha a si atribuído um valor (art. 291), que
deve ser indicado na petição inicial (art. 319, V, CPC), que deve ser fixado
com base no pedido mediato. A sua indicação tem várias consequências
processuais, tais como: a) servir como base de cálculo do valor dos ho-
norários advocatícios (art. 85, §2º), das taxas judiciárias, de multa por ato
atentatório à dignidade da justiça (art. 77, §2º) e também por litigância de
má-fé (art. 81, caput) etc.; b) pode alterar a competência, especialmente
nos casos de competência absoluta, tais como o caso do Juizado Especial
Federal Cível (art. 3º, caput e §3º, da Lei nº 10.259/2001) e dos Juizados
Especiais da Fazenda Pública (art. 2º, caput e §4º, da Lei nº 12.153/2009).
Deve- se apontar inicialmente que o valor da causa tem por base a pre-
tensão da parte autora em abstrato, ou seja, independentemente da
procedência ou não da demanda. É por isso que as teses da defesa não
16
BAPTISTA, Silvio Neves. Teoria geral do dano. São Paulo: Atlas, 2003, p. 59.

58
influenciam na fixação do valor da causa, que independe das eventuais
discordâncias do réu quanto aos seus pedidos.17

No art. 292, o CPC elenca qual deverá ser considerado o valor da causa
tanto na petição inicial quanto na reconvenção, de acordo com a seguinte
organização, valendo frisar que o rol mencionado nesse artigo tem cará-
ter apenas exemplificativo:
a. Cobrança de dívida (art. 292, I, CPC): o valor da causa soma monetariamente
corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades,
tais como os juros moratórios e compensatórios, e da cláusula penal que
incidam até a data de propositura da ação. Uma vez que o texto normativo
apenas faz menção aos juros vencidos, não se pode exigir a inclusão, no valor
da causa, dos eventuais juros vincendos.

b. Ato jurídico (art. 292, II): o valor da causa da ação que objetive discutir a exis-
tência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou
a rescisão de ato jurídico será o valor do ato ou o de sua parte controvertida
(art. 292, II), para os casos em que apenas parte do ato jurídico tenha sido
posto em discussão em juízo.

c. Alimentos (art. 292, III): nas ações que versem sobre alimentos, o valor da
causa terá por base a soma de um ano da respectiva prestação alimentar (art.
292, III). Este inciso abrange tanto as demandas em que haja postulação, re-
visão e mesmo exoneração de prestação alimentar. Caso, por algum motivo,
a prestação alimentar tenha duração menor do que um ano, o valor da causa
terá por base a soma das prestações exigidas.

d. Divisão, demarcação e reivindicação (art. 292, IV): nas ações de demarcação


ou de divisão, o valor da causa será o valor de avaliação da área ou do bem
objeto do pedido. No caso da reivindicação, caso o bem seja imóvel, o valor
da causa tem por base o valor da avaliação da área; já para os bens móveis, a
quantia será fixada tendo por base o valor do próprio bem.

e. Indenização (art. 292, V): esta hipótese inclui qualquer espécie de indeniza-
ção, seja esta baseada em danos materiais, morais, perda de uma chance
etc. Tem-se a tentativa de alteração de uma prática comum na advocacia, que
17
STJ, 4ª T., AgRg no Ag 1.360.288/RS, Rel. Min. Raul Araújo, j. 26/11/2013, DJe 19/12/2013.

59
consiste na realização de um pedido genérico para a fixação dos danos mo-
rais, de forma a diminuir o valor da causa e também de impedir a sucumbên-
cia caso o valor total não fosse concedido. Essa postura, em regra, não é mais
permitida pelo CPC/2015, que obriga a fixação de um valor específico para a
indenização pretendida, com especial destaque para os casos de indeniza-
ção por danos morais. Esse valor, caso não concedido de forma integral, im-
plicará na sucumbência recíproca e a consequente divisão proporcional das
despesas entre as partes (art. 86, CPC). A nova configuração proposta pelo
CPC/2015 implicaria, portanto, na revogação da súmula no 316 do STJ, segun-
do a qual “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em mon-
tante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca”.18
Naturalmente, em casos excepcionais, em que o autor ainda não
tem dimensão das consequências do fato jurídico danoso, desde
que devidamente motivado, ainda será possível o pedido genérico
de indenização. Mas, de toda forma, essa não deve ser a regra, que
deve depender de demonstração do autor da incapacidade de fixa-
ção de um valor específico.
f. Cumulação de pedidos: 1) na cumulação simples ou sucessiva de pedidos, o
valor da causa será a quantia correspondente à soma dos valores de todos
eles (art. 292, VI, CPC); 2) havendo cumulação alternativa, o valor da causa
será baseado naquele que detenha o maior valor (art. 292, VII, CPC); 3) no
caso do pedido subsidiário, por sua vez, o valor da causa terá por base o pe-
dido principal (art. 292, VIII, CPC).
g. Caso a ação exija o pagamento de prestações, como em relações de tratos
sucessivos, caso o autor exija tanto as prestações vencidas como as vincen-
das, o valor da causa levará ambas em conta (art. 292, §1º, CPC). No entanto,
o valor das prestações vincendas terá por base a prestação anual, caso a obri-
gação seja por tempo indeterminado ou por tempo superior a um ano; sendo
por tempo inferior, será igual à soma das prestações (art. 292, §2º, CPC).

3.8. Indicação dos meios de prova


Outro dos requisitos exigidos na petição inicial é a indicação dos meios
Em sentido contrário, entendendo que continua sem haver sucumbência recíproca nesse caso: ARAÚJO, Fabio Caldas de.
18

Curso de processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016, v. 1, p. 931.

60
de prova (art. 319, VI, CPC). No entanto, há certa divergência doutriná-
ria quanto ao conteúdo e mesmo à utilidade dessa indicação dos meios
de prova.

Há quem aponte a inutilidade dessa exigência, pelo fato de que a falta da


indicação dos meios de prova não inibiria o autor de os requerer poste-
riormente durante a fase de saneamento do processo.19

3.9. Opção pela realização ou não da audiência preliminar

Um novo suposto requisito da petição inicial existente a partir da entrada


em vigor do CPC/2015 é a indicação da opção pela realização ou não da
audiência preliminar (art. 319, VII). O CPC/2015 realmente aposta na utili-
zação dos meios consensuais de resolução de conflitos, concedendo um
tratamento detalhado para os mediadores e os conciliadores e trazendo
uma audiência de mediação e conciliação quase obrigatória na fase inicial
do processo.

A verdade é que a falta de manifestação de vontade na realização ou não


da audiência não é requisito da petição inicial. Isso porque o art. 334, §4º,
I, considera que apenas manifestação expressa das partes indica falta de
interesse na realização da audiência. Portando, caso o autor não se mani-
feste sobre o tema na inicial, a audiência será mantida, presumindo-se o
seu interesse. A manifestação sobre o tema na petição inicial só tem fun-
ção quando o seu objetivo é o de demonstrar a ausência de interesse na
realização da audiência preliminar. Portanto, não se trata efetivamente
de um requisito da petição inicial, posto que a sua ausência é incapaz de
torná-la defeituosa e tendo aptidão de gerar o seu indeferimento. Afinal,
a única consequência da ausência de menção ao (des)interesse na reali-
zação da audiência de mediação ou conciliação é a pressuposição, pelo
sistema, de que há interesse.
Há, no entanto, uma situação curiosa, que por vezes implicará na intima-
ção do autor para se manifestar sobre a realização dessa audiência. Fora
19
ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro... cit., p. 82.

61
das hipóteses em que o exercício da função de facilitador seja exercida
por funcionários concursados, atuação por meio de trabalho voluntário

ou os casos de atuação gratuita das câmaras privadas, o mediador ou o


conciliador deve ser remunerado pelo seu trabalho pelas partes (art.169,
caput, CPC c/c art. 13, Lei 13.140/2015). Assim, se a parte autora desejar a
realização da audiência preliminar deve, junto com a petição inicial, arcar
com esses valores. E se a petição inicial for omissa no ponto? Parece mais
razoável o entendimento de que o juiz terá de intimá-lo para: a) depositar
o valor ou; b) dizer que não deseja a realização da audiência.

3.10. Documentos indispensáveis à propositura da ação

Nessa hipótese, há de se diferenciar os documentos indispensáveis à pro-


positura da ação com as provas documentais, que podem ser devidamen-
te requeridas e produzidas posteriormente. A exigência do art. 320 do CPC
está relacionada à exigência de que a inicial esteja acompanhada de do-
cumentos que sejam indispensáveis ao próprio andamento do processo.

Dentre os documentos que podem ser considerados indispensáveis à


propositura da ação, podem ser mencionadas as seguintes espécies:20

a. Documentos que comprovem a capacidade processual do autor. A essa hipó-


tese, faz-se menção à juntada de cópia de documento de identificação para
o caso de pessoa física. Para a pessoa jurídica, tem-se a exigência de que
estejam presentes os documentos aptos a comprovar a regular constituição
da empresa e também os poderes de representação que exercer o seu re-
presentante legal. No caso dos entes despersonalizados, tal como um con-
domínio, a capacidade processual é comprovada pelo ato de investidura da
pessoa natural apta a representar o condomínio em juízo.

20
As espécies a, b, c e d são mencionadas por: MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sergio Cruz. Novo
curso de processo civil. São Paulo: RT, 2015, v. 2, p. 380-381. Para Araken de Assis, estes seriam os mencionados no ponto a,
além de mencionar os relacionados aos pressupostos processuais objetivos extrínsecos. (ASSIS, Araken de. Processo civil
brasileiro... cit., p. 95).

62
Ainda nesse caso, inclui-se a prova do mandato judicial, que deve ser juntado
à petição inicial (art. 104, caput, do CPC e art. 5º, Lei nº 8.906/1994), documen-
to relacionado à regularidade da representação técnica.

A procuração será dispensada quando a atuação tiver por objetivo evitar a


preclusão, decadência ou prescrição e ainda para a prática de ato urgente,
caso a parte esteja representada pela Defensoria Pública e, ainda, quan-
do a representação decorrer diretamente de texto normativo constante da
Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional (art. 287, parágrafo
único, CPC). A última hipótese ocorre, por exemplo, na atuação das procura-
dorias, caso em que a representação da União Federal pela AGU está prevista
na Constituição Federal (art. 131), a mesma coisa ocorrendo para as procura-
dorias estaduais (art. 132).

b. Documentos que são pressupostos para a utilização de remédios jurídicos


processuais específicos. É possível pensar na existência de prova escrita sem
eficácia de título executivo para a propositura de ação monitória (art. 700,
CPC) ou mesmo do título executivo para a utilização da execução de título ex-
trajudicial (art. 783, CPC). Há de se perceber que o requisito é tão somente a
presença do documento; a sua higidez trata-se de questão de mérito que não
diz respeito à admissibilidade da demanda e ocasionará o julgamento pela
improcedência da demanda e não no indeferimento da inicial.

c. Os casos em que os documentos representam o próprio objeto da ação.


Imagine-se hipótese em que a parte ajuíza ação declaratória alegando falsi-
dade documental. É simplesmente inviável o processamento desta demanda
sem que o referido documento conste dos autos em conjunto com a inicial.
Imagine-se ainda o contrato social consolidado (art. 599, §1º, CPC) em ação
de dissolução parcial de sociedade, a qual ainda poderia se acrescer outros, a
depender das circunstâncias do caso (art. 600, incisos I, III e IV).

d. Será também documento indispensável aquele em que “a prova do ato seja


da sua própria substância”.21 Imagine-se no caso de ação de divórcio, em que
seria possível considerar como requisito indispensável da demanda a pre-
sença da comprovação da relação de casamento.

21
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sergio Cruz. Novo curso de processo civil... cit., p. 381.

63
4. Pedido

O pedido é a pretensão material deduzida em juízo. Ele limita a ativida-


de jurisdicional, servindo como elemento de identificação da demanda e
também para fixar o valor da causa. Onde houver pedido, haverá mérito
e, por isto, entende-se na atualidade que há mérito tanto no processo de
conhecimento como no de execução e no cautelar.
Trata-se de elemento essencial no processo, tendo várias funções, tais
como: a) elemento de identificação ou individualização da ação proces-
sualizada proposta, permitindo a apuração da preliminar de litispendên-
cia ou coisa julgada (art. 337, VI e VII, CPC); b) atribuição de valor à causa
(art. 292, CPC); c) auxiliar na delimitação do objeto litigioso e nos limites
objetivos da coisa julgada.22
Deve ser ele sempre certo e determinado23, não sendo admissível que o
autor formule pedidos incertos, deixando ao magistrado a tarefa de de-
limitar o bem de vida pretendido pelo demandante, caso contrário, sua
inicial será inepta.24 O pedido jamais poderá ser incerto, podendo ser re-
alizado genericamente apenas quando expressamente autorizado pela
legislação.

A análise do pedido é extremamente importante, pois ele limitará a de-


cisão do magistrado, devendo haver, em regra, uma necessária congru-
ência entre o(s) pedido(s) e a decisão prolatada. Como afirma Alfredo
Buzaid, a congruência impõe como necessário que “a decisão não con-
tenha mais do que o pedido pelas partes; e de outro lado, que não con-
tenha menos do pedido das partes”25, ou seja, a decisão não pode ser
citra, ultra ou extra petita. Não é por outro motivo que se afirma que
a petição inicial “é o projeto da sentença”26, devendo sempre o magis-
22
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 23ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 10-11.
23
Assim já apontava Francisco de Paula Batista, em obra publicada originalmente em 1857. (Compêndio de teoria e prática
do processo civil. Campinas: Russel, 2002, p. 122-124).
24
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 1, p. 215.
25
Sentença. Estudos e pareceres de direito processual civil. (Notas de adaptação ao direito vigente de Ada Pellegrini
Grinover e Flávio Luiz Yarshell). São Paulo: RT, 2002, p. 213.
26
COUTURE, Eduardo. Introdução ao estudo do processo civil. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder,
2008, p. 50.

64
trado se ater aos pedidos realizados pelo autor, como forma de garan-
tia contra o arbítrio judicial, pois, como bem afirma Álvaro de Oliveira,
“não há juiz mais arbitrário do que o juiz parcial, abuso que se tornaria
insuportável se lhe fosse facultado decidir acerca de seu próprio inte-
resse”27, de forma a aplicar, em sua integralidade, o princípio dispositivo.

4.1. Pedido imediato e mediato


Há de se distinguir os objetos imediato e mediato. O objeto imediato é
referente à natureza da providência jurisdicional, relacionado à declara-
ção, constituição, condenação, ordem a ser expedida etc. O objeto media-
to, por sua vez, está relacionado ao bem da vida pretendido, que seria a
alteração na realidade social desejada pela parte por meio do processo.
Por exemplo, um indivíduo que requer judicialmente sua nomeação em
concurso público no qual foi preterido tem por objeto imediato a ordem
a ser expedida em face da administração pública e mediato o exercício do
cargo público.
O objeto imediato é sempre determinado; o mediato, em certos casos,
pode ser relativamente indeterminado, como nos casos do pedido gené-
rico. Há de se perceber que o objeto imediato é sempre relacionado ao
mediato e, com isso, adquire certa maleabilidade. Se a parte requer uma
tutela declaratória em face da declaração de inexistência de um contrato
por este estar viciado por erro (hipótese de nulidade relativa, nos termos
do art. 171, II, do CC), não há qualquer problema em o juiz desconsiderar
o pedido mediato. Afinal, o que ocorre é a prevalência do pedido mediato,
sobre o imediato, que deve ser interpretado de acordo com o primeiro,
respeitando o efetivo desejo da parte, que é o bem da vida buscado por
meio do processo.28

27
Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 94-95.
28
MACHADO, Marcelo Pacheco. A correlação no processo civil. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 71

65
4.2. Requisitos dos pedidos
Para o adequado processamento dos pedidos, o CPC exige que ele seja
certo (art. 322), determinado (art. 324), claro (art. 330, §1º, II) e coerente
(art. 330, §1º, I).
A certeza significa que o pedido mediato deve ser indicado pela parte. Ela
deverá indicar qual o bem da vida pretendido por meio do processo. Deve
indicar que, por exemplo, deseja uma quantia monetária por decorrência
de uma lesão injusta ao seu direito de imagem, que requer a anulação de
um contrato etc.
A determinação, por sua vez, seria uma espécie de continuação da deli-
mitação do pedido para além da certeza. Aqui, a exigência dirige-se para,
quando for o caso, que seja delimitada tanto a qualidade quanto a quan-
tidade do pedido mediato. Em algumas hipóteses, o pedido pode ser par-
cialmente indeterminado, hipótese em que será considerado genérico,
hipótese analisada adiante.
A clareza do pedido é uma exigência relacionada com a aptidão de permi-
tir que tanto a parte possa se contrapor adequadamente a ele, como que
permita ao juiz compreender exatamente o que requer a parte. A coerên-
cia do pedido seria a sua adequação para com a causa de pedir. Sendo
o pedido incoerente, tem-se verdadeira hipótese de inépcia da petição
inicial.

4.3. Cumulação de pedidos


O pedido poderá, em algumas hipóteses, ser cumulado, desde que obser-
vados alguns requisitos. Dentre as possibilidades de cumulação tem-se
a própria ou real29, quando é objetivo da parte que todos os pedidos se-
jam acolhidos, subdividindo-se em simples (sem precedência lógica entre
os pedidos) e sucessiva (o acolhimento do segundo pedido depende do
primeiro).

29
ABRANTE GERALDES, António Santos. Temas da reforma do processo civil. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2006, v. 1., p. 134

66
Os pedidos cumulados podem ou não ter fundamentos distintos, portan-
to a mesma causa de pedir pode servir a vários pedidos, como cada um
deles pode ter uma pluralidade própria de causae petendi.30 Portanto, não
se pode confundir cumulação de pedidos com cumulação de causas de
pedir.

Contrapõe-se a esta a cumulação do art. 326 do CPC denominada impró-


pria que, a bem da verdade, não é cumulação de pedidos, mas formulação
de vários, sendo apenas um deles atendido. Subdivide-se em eventual ou
subsidiária (há uma hierarquia entre os pedidos, onde o segundo só será
analisado se o primeiro for rejeitado) ou alternativa (são formuladas vá-
rias pretensões, satisfazendo-se o autor com o acolhimento de qualquer
uma delas).

4.4. Espécies de cumulação

4.4.1. Própria

Na cumulação simples, ambos os pedidos poderiam ser alvo de ações


distintas. Logo, o autor os cumula em apenas uma demanda por ques-
tão de economia processual. Havendo a existência desta cumulação, a
procedência de um pedido em nada interfere na procedência ou impro-
cedência do outro pedido, não havendo qualquer tipo de prejuízo entre
os pedidos, pois são completamente independentes entre si. Assim, pode
um pedido ser procedente e o outro não, podem ambos ser procedentes
ou improcedentes.

Um exemplo seria a cumulação, decorrente de um mesmo fato, do pedi-


do de danos morais e materiais em um mesmo processo. O autor poderia
utilizar-se de dois processos distintos para tanto, ou optar por se utilizar
de apenas uma demanda.

Na cumulação sucessiva, embora o autor almeje a procedência de ambos


30
PONTES DE M∆ANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil. cit., p. 75.

67
os pedidos, haverá uma relação de dependência entre o pedido sucessi-
vo e o inicial, condicionante, ou seja, o segundo pedido só será analisado
caso o primeiro seja procedente. Há um vínculo de precedência lógica
entre os pedidos realizados.

Caso o pedido inicial seja julgado improcedente, o magistrado não ana-


lisará sequer o pedido sucessivo. Em comparação ao pedido subsidiário,
enquanto neste a análise do segundo pedido depende da improcedência
do primeiro, aqui a análise depende da procedência e, ainda, no caso da
cumulação subsidiária, apenas um poderá ser procedente, aqui ambos
podem o ser. Portanto, o pedido sucessivo é quase que um tipo antagôni-
co de cumulação se comparado ao subsidiário.

A relação entre os pedidos poderá ser de prejudicialidade, ou de prelimi-


nar. A primeira ocorre quando a rejeição de um implica na rejeição de ou-
tro, a exemplo do que ocorre com a cumulação do pedido de reconheci-
mento de paternidade com o de concessão de alimentos. O segundo caso
ocorre quando a rejeição do primeiro pedido impede o conhecimento do
segundo, tal qual ocorre na cumulação, na ação rescisória, do pedido res-
cindente (que visa desconstituir a coisa julgada) e do rescisório (que tem
por objetivo novo julgamento da causa).

Têm-se como exemplos desta cumulação as ações de investigação e pa-


ternidade e alimentos, as ações de resolução de contrato e de perdas e
danos, as ações possessória, reparatória e demolitória, dentre outras.

4.4.2. Imprópria

A cumulação subsidiária é admitida pelo art. 326 do CPC, permitindo a


formulação de mais de um pedido em ordem subsidiária, de forma que o
juiz conheça do posterior caso não acolha o principal. A análise do pedido
subsidiário depende sempre do não acolhimento, pois apenas um dos pe-
didos poderá ser julgado procedente. Ocorre, então, que a “tutela de um
pedido exclui e impossibilita a do outro, como uma consequência natural,

68
obrigatória e inafastável”31.
Haverá uma ordem de preferência entre os pedidos, embora esta não
tenha natureza material, sendo apenas decorrente da manifestação de
vontade do autor32, que possa estar inseguro acerca do seu direito.
É importante ressaltar que, havendo a cumulação e sendo estabelecida
uma ordem de preferência entre os pedidos, o juiz a ela estará vinculando,
não podendo, em nenhuma hipótese, desobedecê-la e analisar o pedido
subsidiário anteriormente à análise do principal,33 caso em que incorrerá
em error in procedendo. Ele só pode ser apreciado caso o pedido principal
seja examinado e rejeitado ou simplesmente haja algum óbice ao seu co-
nhecimento pelo magistrado (E. 287, do FPPC).34
No caso de o pedido principal ser julgado apenas parcialmente proce-
dente, alguns doutrinadores afirmam que o magistrado poderia passar à
análise do segundo35, pois seria possível presumir que o interesse do au-
tor seria melhor tutelado com a procedência total do pedido subsidiário
do que com a procedência parcial do principal36. No entanto, parece-nos
que, caso entenda o magistrado que seja possível apenas acolher parcial-
mente a ambos, deverá dar prevalência à ordem de preferência efetuada
pelo autor37.
Um dos seus diferenciais em relação à cumulação simples é o fato de
ser desnecessária a existência de compatibilidade entre eles, havendo,
na verdade, até uma relação de prejudicialidade, pois a análise de um de-
pende da improcedência do outro.38 Por exemplo, quando o autor pede a
anulação do negócio e, sendo improcedente, a sua rescisão por infração
de alguma cláusula. No entanto, deve haver algum nexo jurídico entre
os pedidos, decorrendo ambos do mesmo ato ou fato jurídico, pois tal
31
TJÄDER, Ricardo Luiz da Costa. Cumulação eventual de pedidos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 36-37.
32
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Reflexões sobre a cumulação subsidiária de pedidos. CRUZ E TUCCI, José Rogério; BEDAQUE,
José Roberto dos Santos (Coords.). Causa de pedir e pedido no processo civil. São Paulo: RT, 2002, p. 283.
33
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Reflexões sobre a cumulação subsidiária de pedidos... cit., p. 286.
34
E. 287, do FPPC: O pedido subsidiário somente pode ser apreciado se o juiz não puder examinar ou expressamente
rejeitar o principal.
35
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Reflexões sobre a cumulação subsidiária de pedidos... cit., p. 287.
36
TJÄDER, Ricardo Luiz da Costa. Cumulação eventual de pedidos... cit., p. 83.
37
Ricardo Luiz da Costa Tjäder, por sua vez, entende que deveria o magistrado fazer uma ponderação de interesses para
que possa analisar qual pedido seria capaz de melhor satisfazer os interesses do autor. Idem, p. 84. Não coadunamos com
tal posição, pois deve o magistrado, no caso de procedência parcial de ambos, obedecer à ordem preestabelecida pelo
autor, sob pena de violação da necessária congruência entre o pedido e a decisão.
38
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; GOMES, Luiz Fábio. Teoria Geral do processo civil. 5ª ed. São Paulo: RT, 2009, p. 223.

69
cumulação justifica-se por uma eventual insegurança do autor quanto ao
acolhimento do pedido principal, vindo a formular um subsidiário.

Na hipótese de o pedido principal ser acolhido e o réu recorrer, o pe-


dido subsidiário também será devolvido ao tribunal (E. 102 do FPPC).39
Havendo necessidade de produção de prova quanto a ele, o julgamento
poderá ser convertido em diligência a ser realizada no tribunal no primei-
ro grau (art. 938, §2º, CPC).

Em relação ao interesse recursal, caso o pedido principal seja julgado pro-


cedente, o autor não terá interesse em recorrer, uma vez que teve seu pe-
dido principal satisfeito. Por outro lado, mesmo que o pedido subsidiário
seja acolhido integralmente, poderá ele recorrer, em face da existência
de preferência entre os pedidos e, no caso, se o pedido principal não foi
acolhido.40

Uma curiosidade existente nessa cumulação de pedidos é que, para o STJ,


caso apenas o pedido subsidiário seja acolhido, em regra, tem sido reco-
nhecida a existência de sucumbência recíproca. No entanto, no mesmo
precedente, o tribunal afirmou que, a depender da distância, em termos
de importância de um pedido para o outro, os ônus sucumbenciais po-
dem ser atribuídos integralmente ao réu.41

4.4.3. Alternativa
A cumulação alternativa consiste no cúmulo de pedidos, sem ordem de
preferência, para que apenas um deles possa ser julgado procedente (art.
326, parágrafo único). Um exemplo seria o decorrente da pretensão do
depositário, que pode pedir a restituição do bem ou o abatimento do pre-
ço. Não se confunde com o pedido alternativo,42 pois, neste caso, há ape-
nas um único pedido, originário de uma obrigação alternativa, “na qual
39
“O pedido subsidiário (art. 326) não apreciado pelo juiz – que acolheu o pedido principal – é devolvido ao tribunal com a
apelação interposta pelo réu”.
40
No mesmo sentido o enunciado no 288, do FPPC: Quando acolhido o pedido subsidiário, o autor tem interesse de
recorrer em relação ao principal.
41
STJ, Corte Especial, EREsp 616.918/MG, Rel. Min. Castro Meira, j. 02/08/2010, DJe 23/08/2010.
42
No mesmo sentido: CARVALHO, Milton de Paulo. Do pedido no processo civil. Porto Alegre: Safe, 1992, p. 107.

70
o vínculo abrange um conjunto de objetos, dos quais um só tem de ser
prestado”.43

Há aqui certa discussão doutrinária acerca da sua autonomia em relação


à cumulação subsidiária44, no entanto, preferimos classificá-la de maneira
autônoma por questões didáticas.

Nesta cumulação, a obrigação originária não tem característica de uma


obrigação alternativa, mas o inadimplemento do réu permite ao autor
satisfazer o bem da vida pretendido de maneiras diversas, sem que haja
preferência entre elas. Nesta hipótese, apenas um dos pedidos pode ser
acolhido.

Em face da ausência de preferência entre os pedidos, se qualquer de-


les for julgado procedente, não haverá interesse recursal, justamente
por não haver possibilidade de o autor obter situação jurídica mais
vantajosa, pois ao obter o provimento de qualquer dos pedidos, ele
teve satisfeito o seu direito subjetivo buscado. Só poderá recorrer se
nenhum dos pedidos for julgado totalmente procedente ou se houver
a improcedência de ambos.

4.4.4. Cumulação inicial e ulterior

A cumulação de pedidos ainda pode ser dividida em cumulação inicial e ul-


terior. A inicial é a que consta originalmente da petição inicial ou de even-
tual reconvenção. A ulterior, como o próprio nome já o indica, ocorre em
momento posterior. A título de exemplos, ter-se-ia o caso do aditamento
da petição inicial (art. 329, I) e ainda do eventual ajuizamento de ação
declaratória de falsidade de documento (art. 430). À cumulação ulterior
aplicam-se os mesmos requisitos que constam para a cumulação inicial.

43
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 21ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, v. 1, p. 121.
44
Em sentido contrário, como sendo um tipo de cumulação subsidiária: ASSIS, Araken. Cumulação de ações, 3ª ed. São
Paulo: RT, 1998, p. 254; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sergio Cruz. Novo curso de processo
civil. São Paulo: RT, 2015, v. 2, p. 163.

71
4.4.5. Requisitos para a cumulação de pedidos

A cumulação regulada diretamente pelo art. 327 do CPC é apenas a sim-


ples45, em face da independência existente entre os pedidos cumulados,
por haver a formulação de uma pretensão com fundamentos e causas
distintas, além da possibilidade de ajuizamento em processos diferentes.

Voltando a tratar especificamente do texto normativo, tem-se que, para


ser admitida a cumulação, alguns requisitos devem ser respeitados e to-
dos eles devem ser preenchidos, sendo possível encontrá-los no artigo
referido: a) compatibilidade de pedidos; b) mesma competência; e c) iden-
tidade do procedimento ou conversibilidade para o rito ordinário.
Na verdade, ainda é possível citar mais um requisito, muito embora ele
não esteja presente no art. 326, do CPC, que é a necessária identidade do
sujeito passivo, pois, se as partes a quem se dirigem os pedidos forem
diversas, torna-se juridicamente impossível a cumulação, sendo neces-
sária a separação das ações. Aponta Araken de Assis que a exceção à re-
gra encontra-se nos casos de viabilidade do litisconsórcio passivo46 e do
eventual.

4.4.5.1. Compatibilidade

O primeiro dos requisitos expresso no inciso I, do §1º, do art. 327 do CPC


é a compatibilidade dos pedidos, ou seja, não pode haver uma relação
de inviabilidade ou de exclusão entre os pedidos. Deve ser possível que
todos possam ser acolhidos, sem que a escolha de um impeça ou torne
ineficaz o outro47. Esta compatibilidade, no entanto, não é rigorosa a pon-
to de ser necessária a conexão ou continência entre eles48.
A compatibilidade só é exigida no caso da cumulação própria, mas não
45
MITIDIERO, Daniel Francisco. Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Memória Jurídica, 2006, t. III, p. 207-208.
46
Cumulação de ações. 4ª ed. São Paulo: RT, 2002, p. 260. No mesmo sentido: BARBOSA MOREIRA, José Carlos.
O novo processo civil brasileiro... cit., p. 14.
47
MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 9ª ed. Campinas; Millenium, 2003, p. 518
48
NERY JR. Nelson; NERY JR, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 11ª ed.
São Paulo: RT, 2010, p. 584.

72
nas cumulações impróprias (subsidiária e alternativa), de acordo com o
§3º, do art. 327, na qual haverá, por óbvio, até uma relação de prejudicia-
lidade entre os pedidos, como no caso da cumulação subsidiária.

4.4.5.2. Competência

Para que o juiz possa conhecer dos pedidos cumulados, dever ser compe-
tente para conhecer de ambos (art. 327, §1º, II). No entanto, a constatação
de que há incompetência em relação a um dos pedidos não implicará no
indeferimento da inicial, mas apenas no não conhecimento daquele para
o qual o magistrado seja incompetente. Um exemplo dessa situação é
visualizado no enunciado n. 170 da jurisprudência dominante do STJ, que
afirma competir ao juízo onde for intentada a ação de acumulação de
pedidos, trabalhistas e estatutário, decidi-la nos limites da sua jurisdição,
sem prejuízo do ajuizamento de nova causa, com pedido remanescente,
no juízo próprio. O próprio CPC/2015 traz outro exemplo, pois no art. 45,
que trata do deslocamento da competência pela intervenção de ente fe-
deral, caso que não deverá ocorrer caso haja cumulação de pedido e um
deles seja de competência do juízo em que foi proposta a ação.
Para as hipóteses mencionadas, caberá à parte ajuizar nova ação para
poder veicular o pedido para o qual o juízo do primeiro processo era
incompetente.

Existem duas espécies de competência que implicam, igualmente em


consequências diversas, caso o juiz não seja competente para os pedidos
cumulados.
Caso o juiz seja relativamente incompetente para um dos pedidos, o im-
pedimento ao conhecimento do pedido cumulado dependerá da alega-
ção tempestiva da incompetência na contestação (art. 64, caput, c/c art.
337, inciso II, CPC); do contrário, será prorrogada a competência (art. 65,
caput, CPC). Mais ainda, caso haja conexão entre os pedidos cumulados,
uma vez que tivessem sido propostos em processos distintos e haveriam
de ser reunidos (art.55), entende-se que não será possível a alegação de

73
incompetência pelo réu (Enunciado n. 289 do FPPC).
Na hipótese de o juiz ser absolutamente incompetente para conhecer um
dos pedidos, a exemplo de pedido de divórcio, que deveria tramitar na
vara de família, cumulado com reintegração de posse de algum imóvel,
embora possa o réu alegá-la na contestação (art. 64, caput, c/c art. 337,
II, CPC), nada impede que seja conhecida de ofício ou alegada posterior-
mente (art. 64, §1º, CPC). Não há, aqui, hipótese de prorrogação ou de
conexão, impedindo o conhecimento pelo juiz do pedido para o qual seja
absolutamente incompetente.

4.4.5.3. Adequação do procedimento

O último dos requisitos para a cumulação de pedidos é o de que seja ade-


quado para todos o mesmo procedimento (art. 327, §1º, III, CPC). Havendo,
para cada pedido um procedimento diferente, ainda assim, será possível
a sua cumulação, desde que para todos seja possível a compatibilização
com as disposições constantes do procedimento comum.
Uma relevante previsão do CPC/2015 é a de que, embora se exija a utili-
zação do procedimento comum para a cumulação de pedidos com pro-
cedimentos diversos, é possível o emprego das técnicas processuais
diferenciadas previstas nos procedimentos especiais de um dos pedidos,
desde que elas sejam compatíveis com o procedimento comum (art. 327,
§2º, CPC).
Isso permite uma maior flexibilização do procedimento comum, tendência
observada no CPC/2015, por meio da abertura para negócios processuais
de adaptação do procedimento (art. 190, do CPC), a concessão de pode-
res ao juiz para ampliar os prazos processuais (art. 139, inciso VI, do CPC)
etc. É possível imaginar, por exemplo, em demanda em que haja pedido
de reintegração de posse cumulada com resolução de contrato que haja a
utilização da técnica de limitação da cognição, impedindo a discussão do
domínio (art. 557, CPC).

O grande desafio passa a ser a verificação da conversibilidade do

74
procedimento em comum. Para Fredie Didier Jr., pode haver conversão
quando o procedimento especial é apenas uma alternativa das partes,
uma escolha, a exemplo do mandado de segurança e da monitória. Não
haverá essa possibilidade se ele tiver sido criado para tutelar interesse
público, pois serão obrigatórios. Ex.: ações do controle concentrado, in-
terdição, desapropriação etc.

4.5. Ampliação e estabilização da demanda

Após ajuizada a ação, de forma unilateral, só poderá o autor aditar ou alte-


rar o pedido e a causa de pedir até a citação do réu, desde que arque com
as despesas decorrentes da necessidade de nova citação (art. 329, I, CPC).
Isso ocorre porque, ao alterar a demanda, o réu terá direito ao exercício
do contraditório e da ampla defesa em relação às mudanças efetuadas.

Após realizada a citação e até o saneamento do processo, é possível que


haja a realização do aditamento, desde que: a) haja consentimento do réu
e b) a ele seja assegurado o contraditório, no prazo mínimo de 15 dias,
ainda sendo facultado o requerimento de prova suplementar (art. 329, II).
As disposições do art. 329 ora mencionadas aplicam-se também à recon-
venção e à sua respectiva causa de pedir (art. 329, parágrafo único, CPC).

Após a citação, caso haja alteração do pedido ou da causa de pedir pelo


autor e o réu não se manifeste, entende-se que houve aceitação tácita,49
a ele sendo sempre garantido o devido contraditório.

Situação polêmica envolve a possibilidade de alteração da demanda após


o saneamento, especialmente em face tanto da maior abertura aos ne-
gócios jurídicos no CPC/2015, tanto pela própria alteração no texto nor-
mativo que trata da estabilização da demanda. No CPC/1973, o parágrafo
único do art. 264 afirmava que a alteração do pedido ou da causa de pedir
“em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo”.
49
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 57ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, v. 1, p. 778.

75
O seu equivalente, o inciso II, do art. 329, do CPC/2015, não mais traz ter-
mos tão proibitivos. Por conta disso, passaria a ser possível, por meio de
negócio jurídico processual, a alteração da demanda por acordo entre
as partes mesmo após o saneamento.50

Ainda assim, há uma diferença atinente aos poderes de controle do juiz em


face da alteração da demanda após o saneamento do processo. Marinoni,
Arenhart e Mitidiero entendem que ao juiz não cabe qualquer análise da
conveniência dessa alteração, apenas exercendo o controle de validade,
nos termos do parágrafo único do art. 190, do CPC.51 Humberto Theodoro
Jr., no entanto, embora faça menção ao controle de validade, autoriza que
o juiz realiza um controle da conveniência, podendo impedir a alteração
do objeto da demanda caso entenda que haverá um atraso demasiado no
processo.52
Para Fredie Didier Jr., no entanto, essa possibilidade só seria devidamen-
te chancelada pelo texto normativo nas hipóteses em que o novo pedido
fosse conexo ao originário. Isso porque, pela ocorrência da conexão, se o
pedido for realizado em processo autônomo, as demandas deveriam ser
reunidas por conexão (art. 55, §1º, CPC).53
De fato, parece possível às partes a realização de acordo para alteração
objetiva da demanda mesmo após o saneamento do processo, a partir
de uma interpretação conjunta do art. 329 com o art. 190, especialmente
em face da ausência de uma vedação expressa do CPC, tal qual ocorria no
regime anterior. Além disso, quanto ao papel do juiz, como não se trata de
um negócio jurídico que envolva a sua esfera, ele não deve atuar a título de
parte da convenção processual, mas tão somente como um controlador da
validade. Assim, a ele é irrelevante a conveniência do acordo, só podendo
se negar a cumpri-lo nas hipóteses do parágrafo único do art. 190.
50
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sergio Cruz. Novo curso de processo civil... cit., p. 164. Em
sentido semelhante: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Estabilização da demanda no novo Código de Processo Civil. Revista
de Processo. São Paulo: RT, jun.-2015, p. 201-204. Em sentido contrário, vedando a alteração do pedido ou da causa de
pedir após o saneamento: DINAMARCO, Cândido Rangel. O Novo Código de Processo Civil brasileiro e a ordem processual
civil vigente. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 247, set.-2015, p. 92.
51
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sergio Cruz. Novo curso de processo civil... cit., p. 164.
52
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Estabilização da demanda no novo Código de Processo Civil... cit., p. 200, 202.
53
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 1, p. 576-577.

76
Não se nega, com isso, a importância da estabilidade processual, relacio-
nada à sua divisão de fases, densificando, assim, o princípio da segurança
jurídica. No entanto, a nova lógica do CPC, valorizando a autonomia da
vontade e até a economia processual, de um ponto de vista macro, sem
que se exija à parte que se utilize de outro processo para discutir uma
alteração com a qual o réu concorde, devem prevalecer sobre a estabili-
dade do processo. Se, de um ponto de vista, ele será dilatado no tempo,
de outro, resolverá mais um pedido sem que haja necessidade de outro
processo autônomo.

Independentemente do posicionamento adotado, existem duas hipóte-


ses de alteração objetiva do processo que independem tanto da concor-
dância do réu quanto do momento em que ocorram. São elas: a) pos-
sibilidade de a parte pedir a desconsideração da personalidade jurídica
(art. 134, CPC) seja após o saneamento ou até na fase recursal, caso em
que há ampliação do objeto litigioso e b) a ocorrência de fato constitutivo
superveniente, que pode ocorrer em qualquer momento no processo e,
inclusive, pode até ser conhecido de ofício se tiver aptidão de interferir no
julgamento da causa (art. 493, CPC).54

Ao contrário da alteração ou acréscimo do pedido ou da causa de pedir,


a diminuição da demanda não traz as restrições ora mencionadas. São
exemplos de tal situação: a) a renúncia parcial do pedido; b) a desistência
parcial; c) realização de transação parcial do objeto litigioso; d) a realiza-
ção de convenção de arbitragem parcial na pendência do processo; e)
interposição de recurso parcial pelo autor do julgamento desfavorável.55

4.6. Espécies de pedido

4.6.1. Pedido genérico

O pedido genérico é aquele que não é, por completo, determinado em


54
Utilizando esses exemplos: DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil... cit., p. 577.
55
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro... cit., p. 12-13.

77
sua quantidade ou qualidade. No entanto, ele jamais pode ser completa-
mente indeterminado, sendo, sempre, determinável.56 Por isso há quem o
classifique como pedido certo, mas com determinação diferida.57 Se a parte
requer uma universalidade, deverá, ao menos, individualizá-la, indicando
qual é a que deseja, qual o quinhão que alega ter direito etc. Por exemplo,

a parte não pode simplesmente requerer um rebanho. Terá de indicar


qual rebanho deseja, qual a espécie do animal, qual a porcentagem a que
tem direito etc. A autorização para a formulação dessa espécie de pedido
consta da lista taxativa dos incisos I a III do §1º do art. 324.58

A primeira hipótese é relacionada às ações universais, quando o autor


não for capaz de individualizar os bens demandados (art. 324, §1º, I). São
os casos em que a parte requer uma universalidade de bens, que podem
ser de direito ou de fato. A universalidade de fato consiste na pluralida-
de de bens singulares pertencentes a uma mesma pessoa e que tenham
uma destinação unitária (art. 90, CC), a exemplo de um rebanho de gados
em uma fazenda. A universalidade de direito é um complexo de relações
jurídicas de uma mesma pessoa dotada de valor econômico (art. 91, CC),
como é exemplo, uma herança. Uma hipótese concreta de pedido gené-
rico derivado de uma universalidade de bens seria a impossibilidade de
individualização de cada cabeça de gado em um rebanho. Simplesmente
seria impossível ao autor determinar, a priori, cada um dos elementos
que comporão a universalidade de bens requerida.

A segunda hipótese é para os casos em que não seja possível identificar,


de imediato, as consequências do ato ou fato sobre o qual se funda a ação
(art. 324, §1º, II). Trata-se das ações indenizatórias, nos casos em que os
danos causados por algum fato jurídico ainda estão ocorrendo. Imagine-
se hipótese em que a lesão ainda não foi consolidada, não sendo possível
identificar se implicará em incapacidade parcial ou total ou caso de dano
56
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997,
t. IV, p. 35-36.
57
MONTEIRO NETO, João Pereira. Pedido genérico: reflexões à luz do Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo.
São Paulo: RT, v. 243, mai.-2015, p. 63.
58
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil. cit., p. 39.

78
ambiental que ainda não findou. Outra situação deriva da cobrança dos
direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas em estabele-
cimentos hoteleiros que deve ser feita conforme a taxa média de utiliza-
ção do equipamento, apurada em liquidação (S. 261, STJ).

O último caso ocorre para os casos em que a determinação do objeto ou


do valor do pedido depende de ato que deva ser praticado pelo réu (art.
324, §1º, III). Nessa hipótese, o ônus da prova que pertence ao autor no
que toca à determinabilidade do pedido dirige-se à comprovação de que
não possui os elementos probatórios para que o seu pedido fosse, já de
início, determinado. Hipótese clássica é a existente na ação de exigir con-
tas, em que a parte autora requer a prestação de contas pelo réu para
que possa prever a apuração do saldo devedor.

4.6.2. Pedido alternativo

No caso do pedido alternativo, tem-se apenas um pedido; a diferença é


que a sua forma de satisfação é disjuntiva. Ele deriva do direito material;
da existência de obrigações alternativas, facultativas ou com faculdade de
substituição. No caso da obrigação alternativa, para que haja essa espécie
de pedido, é irrelevante que o direito de escolha pertença ao autor ou ao
réu. Um exemplo seria o caso da venda de imóvel em que o preço seja ba-
seado na extensão e, após a medida, esta não corresponda ao acordado.
Caso não seja possível complemento, o art. 500 do Código Civil permite
que o comprador requeira a resolução do contrato ou o abatimento pro-
porcional ao preço.
Pertencendo o direito de escolha ao autor, deve exercê-lo na petição ini-
cial; do contrário, sendo omisso, deve-se considerar que renunciou a esse
direito.59 Cabendo ao réu, que é a regra, em caso de omissão no negócio
jurídico, se ele não o exercer na contestação, tal qual o autor, considera-
-se que a sua omissão implica em renúncia desse direito.60 Mesmo que o
59
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil... cit., p. 59. Em sentido contrário,
permitindo que esse direito possa ser exercido até no cumprimento de sentença: DIDIER JR., Fredie. Curso de direito
processual civil... cit., p. 583.
60
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil... cit., p. 59. Igualmente: DIDIER JR.,

79
autor não indique na inicial tratar-se de pedido alternativo, o direito de
escolha deve ser devidamente assegurado ao réu (art. 325, parágrafo úni-
co, CPC). A eventual de ocorrência de revelia por parte do réu não deve
ser considerada renúncia do exercício do direito de escolha. Um fator que
reforça essa conclusão deriva do fato de que a revelia é considerada um
ato-fato, ou seja, uma omissão avolitiva. Esse direito de escolha deve ser
respeitado pelo magistrado no momento da decisão que acolha o pedido.

4.6.3. Pedido relativo à obrigação indivisível

Nas obrigações indivisíveis, o objeto não é suscetível de divisão devido à


sua natureza, por motivo de ordem econômica ou por ser razão deter-
minante do negócio jurídico (art. 258, CC). Devido à indivisibilidade, caso
sejam diversos os devedores, estes são considerados obrigados pela tota-
lidade da dívida (art. 259) e, sendo diversos os credores, cada um poderá
exigir do(s) devedor(es) a dívida inteira (art. 260, CC). No entanto, caso
um dos credores venha a receber a prestação por inteiro, a cada um dos
demais, será possível a exigência de sua quota-parte em dinheiro do total
(art. 261).
O CPC, ao tratar da matéria, limita-se a complementar a dicção do art.
261 do Código Civil. No art. 328, do CPC tem-se um tratamento das con-
sequências ocasionadas quando apenas um dos credores vai a juízo e sai
vitorioso. Nessa hipótese, por mais que os demais tenham o direito à sua
parte, antes disso, devem ser deduzidas as despesas na proporção do seu
crédito.
A crítica que se faz ao dispositivo é a de que ele está inserido no local
errado, pois não traz qualquer particularidade no pedido da obrigação
indivisível. A bem da verdade, trata-se de uma regra de direito material
complementar à do art. 261 do Código Civil.61

Fredie. Curso de direito processual civil... cit., p. 583.


61
ASSIS, Araken de. Cumulação de ações. 3ª ed. São Paulo: RT, 1998, p. 246.

80
4.6.4. Pedido implícito

Os pedidos implícitos possuem essa nomenclatura porque estarão pre-


sentes na demanda independentemente de o autor ser expresso quanto
a eles, uma vez que estarão presentes por força de lei, sendo uma exceção
à regra de interpretação estrita do pedido. É dever do magistrado anali-
sá-los de ofício e, caso não o faça, proferirá sentença infra petita, sendo
possível a utilização dos embargos de declaração para sanar o vício. Essa
denominação é criticada por parcela da doutrina afirmando que, nessas
hipóteses, não há pedido, “mas apenas autorização da lei para que o juiz,
em determinados casos, possa infringir a regra da inércia e da congruên-
cia, deferindo tutela não demandada pelas partes”.62 De qualquer forma,
essa nomenclatura será utilizada por estar consagrada e por não haver
nomenclatura diversa para essas tutelas que prescindem de requerimen-
to das partes.

A primeira hipótese são as verbas de sucumbência (art. 322, §1º, CPC), que
abrangem as despesas processuais63 (art. 82, §2º) e os honorários advoca-
tícios (art. 85, caput). O segundo seriam os juros legais (art. 322, §1º). Os
juros legais são originários da própria lei, mesmo não tendo sido conven
cionados, sendo, em geral, decorrentes do inadimplemento da obrigação.
O STJ também tem considerado como pedido implícito o de juros sobre o
capital próprio.64 No entanto, os juros convencionais e os compensatórios
situam-se fora do âmbito do art. 322, §1º, do CPC, devendo ser alvo de
pedido expresso.
Será desnecessário também o pedido expresso acerca da correção mo-
netária (art. 322, §1º), de modo a manter o equilíbrio das prestações mo-
netárias, bem como o requerimento da condenação referente às pres-
tações sucessivas nas ações que tenham por objeto o cumprimento de
62
MACHADO, Marcelo Pacheco. A correlação no processo civil: relações entre a demanda e a tutela jurisdicional. Salvador:
Juspodivm, 2015, p. 141-142.
63
O termo despesa é gênero, dos qual decorrem três espécies: a) custas, que seriam a remuneração da atividade jurisdicional;
b) emolumentos, destinados à remuneração dos serviços realizados pelos cartórios ou serventias não oficiais e c) despesas
em sentido estrito, que seriam a remuneração de terceiros envolvidos na prestação jurisdicional, como o pagamento de
honorários do perito. (CUNHA, Leonardo José Carneiro. A fazenda pública em juízo. 8ª ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 123).
64
STJ, 2ª Seção, REsp 1373438/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/06/2014,
DJe 17/06/2014.

81
obrigações de trato sucessivo (art. 323, do CPC).

4.7. Interpretação do pedido


O CPC/1973 era bastante singelo ao tratar da interpretação do pedido,
ao se limitar a afirmar que estes deveriam ser interpretados de forma
restritiva (art. 293). O CPC/2015, no entanto, acolhendo a valorização da
autonomia da vontade, que permeia toda a nova legislação, estabelece
que a interpretação do pedido deverá considerar todo o conjunto da pos-
tulação e também deve observar o princípio da boa-fé (art. 322, §2º, CPC).

A partir do momento em que se passa a considerar a petição inicial como


um ato de vontade, em especial, para efeitos deste tópico, o pedido, a
postulação nele contida passa a ser vista e interpretada de forma diver-
sa. Não se pode mais pensar no pedido como uma parte completamente
isolada do restante da petição inicial, que deve ser interpretada em seu
conjunto. O STJ já vinha dando sinais dessa mudança, pois, em diversos
casos, deixou claro que a interpretação do pedido deve levar em conta
uma análise lógico-sistemática das questões apresentadas pela parte ao
longo da petição.65
A vontade, e não somente o que consta da parte intitulada “dos pedidos”
(embora seja de grande importância), deve ser levada em conta na inter-
pretação do que efetivamente almeja a parte com o referido processo,
consoante destacado no enunciado no 285, do FPPC.
Naturalmente, isso não permite que o juiz considere na sentença um pe-
dido que a parte não fez e, especialmente, que o réu não levou em con-
sideração na realização de sua defesa. O que é possível acontecer é, por
meio de um conjunto, tanto da petição inicial, como da defesa, o adequa-
do entendimento da postulação da parte.
Há inclusive, quem elenque algumas diretrizes para a interpretação do
pedido: a) o julgador deve se ater aos pedidos formulados pela parte, com
65
STJ, 2ªT., REsp 967.375/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 02/09/2010, DJe 20/09/2010. No mesmo sentido: STJ, 4ª T., AgRg no
AREsp 456.533/SC, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 17/09/2015, DJe 25/09/2015; AgRg no AREsp 506.601/RS, Rel. Ministro RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/09/2015, DJe 08/09/2015.

82
a exceção dos implícitos; b) a identificação dos pedidos decorre da inter-
pretação da demanda como declaração de vontade; c) a interpretação
deve levar em conta o texto da petição inicial; d) a defesa também pode
auxiliar na compreensão dos pedidos; e) a interpretação do pedido deve
observar o princípio da boa-fé e os usos do lugar da postulação.66

5. Distribuição da petição inicial

A petição inicial deve ser devidamente registrada e autuada pelo escrivão


ou chefe de secretaria, devendo haver menção ao juízo, a natureza do
processo, o número de seu registro, os nomes das partes e a data de seu
início (art. 206, c/c art. 284, primeira parte, CPC/2015). Nos processos que
tramitem em meio eletrônico, a autuação será realizada de forma auto-
mática, pelo próprio sistema de informática (art. 10, Lei 11.419/2006).

A função do registro é notarial, de caráter estático, ao contrário da dis-


tribuição, que tem um aspecto dinâmico, tendo por função indicar o que
pertence ao trabalho de cada juiz.67 A distribuição deve ser realizada nos
casos em que haja mais de um juiz (art. 284, CPC/2015). Além de ter por
função uma adequada repartição na carga de trabalho entre os juízes,
ainda tem relação com o atendimento ao princípio do juiz natural e, do
ponto de vista do serviço público de administração da justiça, está rela-
cionada aos princípios da eficiência e da duração razoável do processo.68

A distribuição poderá ser realizada de forma eletrônica e deve ser, sem-


pre, realizada de forma alternada e aleatória (art. 285, caput, primeira
parte, CPC/2015), impedindo qualquer forma de meios escusos para que
haja a escolha individual do juiz que deve processar a causa. Ela deve, ain-
da, obedecer a uma rigorosa igualdade, garantidos que os diversos juízos
66
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil... cit., p. 590.
67
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997,
t. III, p. 389-391.
68
MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2015, comentários ao art. 284, no
II, versão digital.

83
igualmente competentes em abstratos tenham uma igualdade aritmética
(art. 285, caput, primeira parte, CPC/2015), impedindo que um deles aca-
be sobrecarregado numericamente em número de feitos.

Como uma forma de aumentar a publicidade e o controle da distribuição, o


CPC exige a publicação de sua lista no Diário de Justiça (art. 285, parágrafo
único, CPC/2015), além de permitir, em tese, sua fiscalização pela parte, seu
procurador, Ministério Público e ainda pela Defensoria Pública. Faz-se men-
ção à fiscalização em tese, pois esta é garantida apenas em abstrato, sendo
impossível sua efetivação na prática, uma vez que a distribuição é realizada
de forma eletrônica, “constituindo mecanismo insondável caixa preta”.69

Em geral, divide-se a distribuição em autônoma ou por dependência.70 A


distribuição autônoma é a regra, em que ocorre a escolha aleatória do
juízo competente para processar a causa. A que ocorre por dependên-
cia excluirá o sorteio, devendo ser encaminhada para o juiz devidamente
competente. É por isso que não parece adequada a nomenclatura de dis-
tribuição por dependência, justamente porque não há sorteio. A forma
tecnicamente correta é a de atribuição por dependência, pois já há previa-
mente um órgão certo e determinado para conhecer do processo.71

De forma expressa, o art. 286, I a III, afirma que a atribuição por depen-
dência deve ocorrer nos seguintes casos: a) conexão ou continência; b)
quando, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito, for rei-
terado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que
sejam parcialmente alterados os réus da demanda; c) quando houver o
risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso sejam
decididas separadamente, mesmo que não haja conexão entre elas. O pa-
rágrafo único do mencionado texto normativo ainda menciona a hipótese
de intervenção de terceiro, reconvenção ou outra hipótese de ampliação
69
ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro... cit., p. 97-98.
70
ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro... cit., p. 98.
71
MARCATO, Antonio Carlos. Breves considerações sobre jurisdição e competência. Revista de Processo. São Paulo: RT, v.
66, abr./jun.-1992, p. 42, nota de rodapé no 23; MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado... cit.,
comentários ao art. 286, no I, versão digital.

84
objetiva do processo, a exemplo do incidente de desconsideração da per-
sonalidade jurídica (arts. 133-137, CPC). De forma implícita, ainda se pode
mencionar o caso das ações acessórias, que exigem a atribuição por de-
pendência (art. 61, CPC).

A natureza da competência que decorre da atribuição por dependência é


controversa. Há precedentes no STJ entendendo ser hipótese de compe-
tência funcional, portanto absoluta72 e também outros que adotam a tese
de que se trataria de competência relativa.73

Identificado algum erro na distribuição, as partes podem requerer ao juiz,


que também pode proceder de ofício à sua correção (art. 288, CPC). Tal
situação pode ocorrer nos casos em que haja livre distribuição, quando
seria caso de distribuição por dependência, devidamente requerida pela
parte. Nesses casos, deve haver a compensação pela mudança na atribui-
ção dos diferentes juízos (art. 288, CPC), uma vez que, enquanto um deles
receberá um novo processo, o outro terá uma causa a menos.

6. Indeferimento da petição inicial

Caso a petição inicial contenha vício insanável, ou mesmo um vício sa-


nável que não tenha sido corrigido pelo autor, nos termos do art. 321,
parágrafo único, do CPC, a consequência será o indeferimento da petição
inicial, extinguindo-se o processo.
O indeferimento da petição inicial não representa mera rejeição de um
ato postulatório, mas consiste em um entendimento pela inviabilidade da
própria demanda, barrando-se o seguimento de todo o processo. Esse in-
deferimento, significando a própria inadmissibilidade do processo como
um todo, somente será possível antes da citação do réu, de forma liminar.
Caso seja reconhecido algum defeito na inicial, após o ingresso do réu na
72
STJ, 2ª T., REsp 1.130.973/PR, Rel. Min. Castro Meira, j. 09/03/2010, DJe 22/03/2010.
73
STJ, 3ª T., REsp 1027158/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 15/04/2010, DJe 04/05/2010.

85
relação processual, não será mais caso de indeferimento liminar da petição
inicial, enquadrando-se essa situação em alguma das hipóteses de extin-
ção sem resolução de mérito, do art. 485, I, do CPC/2015.
Essa distinção é importante, pois, sendo indeferida a inicial após a citação
do réu, caberá a condenação do autor em honorários advocatícios, além
das custas.
Caso sentença determine o total indeferimento liminar da petição inicial,
antes da citação do réu, o CPC/2015 estabelece um regime especial de
impugnação desta decisão, em seu art. 331.

Nessa hipótese, havendo interposição de apelação pelo autor, poderá o


juiz retratar-se em até cinco dias (art. 331, caput, CPC), determinando se-
guimento do processo. Não havendo retratação, o juiz mandará citar o
réu para responder ao recurso (art. 331, §1º, CPC).

Se a sentença for reformada para afirmar que não era hipótese de indefe-
rimento da petição inicial, o prazo para a contestação começará a correr
da intimação do retorno dos autos, observado o disposto no art. 334, nos
termos do art. 331, §2º, CPC.

Esse dispositivo regula uma situação bem excepcional, pois, geralmente,


após prolatada a sentença e extinto o processo (com ou sem resolução de
mérito), o juiz não pode mais rever sua decisão. Em caso de indeferimento
liminar total da petição inicial, interposto o recurso de apelação, o juiz po-
derá se retratar, reformando sua decisão, no sentido de admitir o proces-
samento da demanda, antes mesmo de o recurso seguir para o Tribunal.

O indeferimento liminar da petição inicial é cabível apenas para aqueles


casos de invalidade insanável, defeitos macroscópicos, quando não hou-
ver qualquer viabilidade no seguimento da demanda, sendo assim uma
situação bem excepcional.

Nos termos do CPC/2015, extinguir-se-á liminarmente a petição inicial,

86
uma vez verificada a ocorrência de alguma das situações descritas em
seu art. 330 do CPC/2015, tais como inépcia, manifesta ilegitimidade da
parte, ausência de interesse processual e não atendimento às prescrições
dos arts. 106 e 321.

6.1. Indeferimento por inépcia (art. 330, inc. I):

A inépcia da petição inicial é um defeito que se relaciona ao pedido ou à


causa de pedir, não apenas dificultando, mas efetivamente impedindo o
julgamento do mérito da causa:
Nos termos do §1º, art. 330, será inepta a inicial nos seguintes casos:

a) Faltar-lhe pedido ou causa de pedir. Esse é um defeito grave, pois pedi-


do e causa de pedir são elementos que compõem a própria demanda.
Ademais, caso estes elementos objetivos não estejam claramente deli-
neados na petição inicial, o julgador não poderá saber quais os limites
de sua atuação.
b) o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se
permite o pedido genérico. O pedido dever ser certo e determinado, só
podendo se formular pedido genérico em situações excepcionalmente
autorizadas pela lei. Caso contrário, a petição inicial será considera-
da inepta, mais uma vez, por não se poderem identificar os limites da
demanda e, por consequência, os limites da atuação jurisdicional do
julgador.
c) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão. Esta é
uma situação em que se afronta, antes de tudo, a própria lógica e coe-
rência que se espera do raciocínio jurídico. Sua verificação dependerá
das circunstâncias do caso concreto.
Por exemplo, caso o Autor narra ter sofrido uma cobrança indevida do
Réu, por dívida já paga, poderá requerer o pagamento dos danos mate-
riais e morais sofridos com essa conduta, bem como que se abstenha o
réu de promover medidas constritivas, como negativação de seu nome
em cadastro de inadimplentes. Não poderá, contudo, o autor requerer

87
que, em razão da cobrança indevida, o réu seja condenado a lhe prestar
alimentos até o fim da vida, ou que seja o réu condenado a fazer uma
doação a instituição de caridade, ou ainda que se abstenha de explorar
comercialmente seu negócio, pois nenhuma dessas medidas pode
ser considerada consequência lógica cabível, a partir dos fatos narrados
pelo autor.

d) contiver pedidos incompatíveis entre si. É possível que a Petição


contenha mais de um pedido, sendo isso o que se chama de cumula-
ção de pedidos. Contudo, existem requisitos que devem ser observados
para que a cumulação de pedidos seja cabível, entre os quais se des-
taca a compatibilidade. Um exemplo de pedidos incompatíveis entre si
são os de revisão e anulação de um mesmo contrato.

6.2. Indeferimento por ilegitimidade da parte

Legitimidade das partes, como se sabe, é um dos pressupostos processu-


ais referente à especial autorização do ordenamento para que determina-
do sujeito possa discutir o direito em juízo. Parte legitimada é aquela que,
de alguma forma, tem ligação direta com a relação de direito substancial
discutida, ou então aquele sujeito a quem a tenha sido conferida autori-
zação legal para defender determinado interesse em juízo.

Mesmo depois de admitida a petição inicial e citado o réu, pode-se reconhe-


cer a ilegitimidade de alguma das partes. Mas, caso isso possa ser feito de
plano, meramente analisando-se os termos iniciais da postulação, será caso
de indeferimento liminar da inicial, nos termos do art. 330, inciso I, do CPC.

6.3. Ausência de interesse de agir


Assim como legitimidade das partes, o interesse de agir é um especial
pressuposto, que consiste na utilidade e necessidade da prestação juris-
dicional. Caso ausente desde a propositura da demanda, dará ensejo ao
indeferimento liminar.

88
6.4. Não atendimento às prescrições dos arts. 106 e 321
do CPC/2015
O art. 106, do CPC traz a exigência de que o advogado, mesmo quando
postulando em causa própria, indique o endereço, número de inscrição
na Ordem dos Advogados do Brasil e o nome da sociedade de advogados
da qual participa, para o recebimento de intimações.

O art. 321, do CPC, por sua vez, é a regra que permite a emenda da inicial,
uma vez verificados vícios sanáveis. Não cumprida a diligência determinada
pelo juiz no prazo determinado, será caso de indeferimento liminar da inicial.

7. Improcedência liminar do mérito

A improcedência liminar do pedido regulada pelo art. 332 do CPC/2015 é


uma reformulação bastante bem-vinda do antigo art. 285-A, do CPC/1973,
em que o legislador, regulando os casos em que será cabível, permite uma
abreviação do procedimento, permitindo ao magistrado, mesmo antes de
citar o réu, julgar o pedido liminarmente improcedente.

Trata-se de uma forma de densificar a duração razoável do processo atra-


vés da criação de uma técnica que permite abreviar o procedimento nas
situações em que o pedido do autor não tem praticamente nenhuma
chance de sucesso no Poder Judiciário. Assim, abrevia-se o procedimento
para o autor, evitando que venha trazer mais custos ao réu, que sequer
precisará contratar um advogado para se defender, e igualmente abrevia
o trabalho do Poder Judiciário, que não precisará dar prosseguimento à
prática de diversos atos preparatórios para um julgamento que já se po-
deria antever, desde o início, o resultado.

As situações em que se permite a utilização dessa técnica focam em uma


compatibilização com a sistemática de precedentes obrigatórios (art. 332,
incisos I, II e III, do CPC),74 nos pedidos que contrariem enunciado de sú-
74
Para uma análise dessa relação, cf.: MACEDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. 2ª ed.
Salvador: Juspodivm, 2016, p. 490-494.

89
mula de tribunal de justiça sobre direito local (art. 332, inciso IV, do CPC)
e ainda nas hipóteses de prescrição ou decadência (art. 332, § 1º, do CPC),
sempre havendo a desnecessidade de dilação probatória constatada pelo
juízo.

Uma das hipóteses em que se admite o julgamento por improcedência


liminar do pedido no CPC/2015 relacionada aos precedentes obrigató-
rios é nas hipóteses em que o pedido contrariar enunciado de súmula do
Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça (art. 332, in-
ciso I, do CPC). No entanto, essa previsão normativa não está completa, já
que, para uma súmula de um desses tribunais ter aptidão para se tornar
obrigatória, deverá se ater à moldagem constitucional atribuída a cada um
desses tribunais, ou seja, ao STF compete uniformizar o entendimento da
matéria constitucional e ao STJ da matéria infraconstitucional.75Portanto,
apenas caberá a utilização da técnica da improcedência liminar do pedido
nas hipóteses em que o pedido estiver em sentido contrário a súmula do
STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional.
Tanto é que, no art. 927, inciso IV, do CPC que trata das hipóteses dos ca-
sos em que os precedentes seriam obrigatórios,76 há menção expressa de
que apenas serão vinculantes os “enunciados das súmulas do Supremo
Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça
em matéria infraconstitucional”. Por mais que na atualidade haja maior res-
peito desses tribunais na edição de súmulas apenas nas matérias em que
lhe cabe uniformizar entendimentos, o STF ainda possui diversas súmulas
do período anterior à Constituição de 1988, quando ainda não havia o
STJ e o STF ainda atuava na uniformização da matéria infraconstitucional.
Seguindo a lógica mencionada pelo enunciado, essas súmulas antigas do
STF que tratem de matéria infraconstitucional não terão eficácia vincu-
lante e nem servirão como suporte fático para a utilização do julgamento
pela improcedência liminar do pedido.
75
Esse raciocínio vem sendo acolhido pela doutrina: GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André
Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença – comentários ao CPC
de 2015. São Paulo: Método, 2016, p. 58; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 18ª ed. Salvador: Juspodivm,
2016, v. 1, p. 605.
76
Naturalmente, não é possível afirmar que as súmulas não se confundem com os precedentes, mas são apenas uma
tentativa de esclarecimento da ratio decidendi dos precedentes que a dera origem.

90
Essa é uma interpretação sistemática necessária para dar maior racionali-
dade à tentativa do CPC/2015 de organizar uma sistemática de preceden-
tes obrigatórios, do contrário, haveria um nítido descompasso entre os
enunciados jurisprudenciais obrigatórios (art. 927, do CPC) e as hipóteses
de improcedência liminar do pedido ao tratarem do mesmo tema – as sú-
mulas do STJ e do STF.
Quanto ao procedimento desse julgamento pela improcedência liminar,
tem-se que, interposta a apelação, o juiz poderá se retratar em cinco dias
(art. 332, §3º, CPC), caso em que determinará o prosseguimento do pro-
cesso, com a citação do réu (art. 332, §4º, CPC). Não havendo retratação,
determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões, no prazo de
15 (quinze) dias (art. 332, §4º, CPC).

7.1. O contraditório na improcedência liminar

Uma questão polêmica envolvendo a improcedência liminar do pedido


envolve a interpretação da incidência ou não do art. 10 do CPC, que veda
a prolação de decisões surpresas.

É possível interpretar que o art. 10 do CPC naturalmente possui exceções,


como parece ser o caso do art. 332 do CPC, que regula a improcedência
prima facie, como forma de densificar a duração razoável do processo
através da criação de uma técnica que permite abreviar o procedimento
nas situações em que o pedido do autor não tem praticamente nenhuma
chance de sucesso no Poder Judiciário.
As situações em que se permite a utilização dessa técnica focam em uma
compatibilização com a sistemática de precedentes obrigatórios (art. 332,
incisos I, II e III, do CPC),77 nos pedidos que contrariem enunciado de sú-
mula de tribunal de justiça sobre direito local (art. 332, inciso IV, do CPC)
e ainda nas hipóteses de prescrição ou decadência (art. 332, § 1º, do CPC),
sempre havendo a desnecessidade de dilação probatória constatada pelo
juízo. Ocorre que, nesses casos, uma exceção à aplicação do art. 10 do
77
Para uma análise dessa relação, cf.: MACEDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. 2ª ed.
Salvador: Juspodivm, 2016, p. 490-494.

91
CPC,78 eis que, em outras situações, deveria haver a prévia intimação das
partes para se manifestarem sobre essas hipóteses de improcedência
caso não tivesse sido discutida entre as partes.
O que se faz no art. 332, do CPC como forma de mitigar a redução do
contraditório, é garantir que, por meio do efeito regressivo, haja algum
diálogo entre o apelante e o magistrado, pois, no recurso, o recorrente
poderá demonstrar que: a) o processo requer dilação probatória e/ou b)
que o pedido não contraria nenhum dos precedentes ou enunciados nos
incisos do caput ou que não ocorreu a prescrição ou a decadência. E, em
tendo sucesso nessa argumentação, deve haver a retratação e o prosse-
guimento do processo, com a citação do réu (art. 332, §4º, do CPC).
Além disso, é preciso pensar ainda no fato de que, na maioria dos casos,
o julgamento pela improcedência liminar está relacionado a um processo
repetitivo no qual um advogado minimamente diligente terá conhecimen-
to do precedente obrigatório aplicável ao seu caso. Na grande maioria
dos casos, todas as peças nos processos repetitivos são modelos que sim-
plesmente se repetem. Exigir a aplicação do art. 10, do CPC nas hipóteses
de processos repetitivos é incentivar um diálogo de surdos que provavel-
mente não terá significativo reflexo na qualidade da decisão. Mesmo nas
outras hipóteses de aplicação de precedentes, a legislação parte do pres-
suposto de que um advogado diligente deve ter conhecimento de tais jul-
gados a ponto de levá-los em consideração na sua petição inicial. A única
hipótese em que pode ser criticada a escolha legislativa é a da prescrição
e decadência em que existem diversos fatores que podem impedir a sua
incidência no caso concreto e que poderiam ser esclarecidas pela parte.
No entanto, a escolha legislativa parece clara em ter dado maior valor à
duração razoável do processo do que ao contraditório, permitindo, ao
menos, a possibilidade da retratação.

78
FREIRE, Alexandre; RAMOS NETO, Newton Pereira. Comentários ao art. 332. FREIRE, Alexandre; STRECK, Lenio; CUNHA,
Leonardo Carneiro da; NUNES, Dierle (coords). Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 482. Em
sentido contrário, defendendo que deve haver a incidência do art. 10 também nesses casos: ROQUE, Andre. Contraditório
participativo: evolução, impactos no processo civil e restrições. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 279, mai.-2018, versão
digital, tópico 6.

92
Pontuando

1. Distribuição da petição inicial.


2. Conceito de demanda.
3. Requisitos da petição inicial.
4. Causa de pedir.
5. Pedido.
6. Cumulação de pedidos.
7. Admissibilidade da petição inicial.

Glossário

• Causa de pedir: São os fatos e dos fundamentos jurídicos do seu


pedido.

• Pedido: Pretensão material deduzida em juízo. Ele limita a ativida-


de jurisdicional, servindo como elemento de identificação da de-
manda e também para fixar o valor da causa.

• Pedido imediato: Referente à natureza da providência jurisdicional,


relacionado à declaração, constituição, condenação, ordem a ser ex-
pedida etc.

• Pedido mediato: Relacionado ao bem da vida pretendido, que se-


ria a alteração na realidade social desejada pela parte por meio do
processo.

VERIFICAÇÃO DE LEITURA
1. Sobre a improcedência liminar do pedido, assinale a alter-
nativa correta:
a) Nas hipóteses de improcedência liminar do pedido, a

93
apelação dessa decisão terá o prazo de dez dias.
b) Havendo interposição de apelação de decisão de im-
procedência liminar do pedido, o juiz poderá se retra-
tar em dez dias.
c) Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, in-
dependentemente da citação do réu, julgará liminar-
mente improcedente o pedido que contrariar enun-
ciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do
Superior Tribunal de Justiça.
d) Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, in-
dependentemente da citação do réu, julgará liminar-
mente improcedente o pedido que contrariar súmula
de tribunal regional federal.
e) Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, in-
dependentemente da citação do réu, julgará liminar-
mente improcedente o pedido que contrariar súmula
de tribunal local sobre direito nacional.
2. Sobre a petição inicial, assinale a alternativa correta:
a) É requisito da petição inicial a requisição da citação do
réu.
b) b) A petição inicial não precisa indicar o endereço ele-
trônico do réu.
c) Havendo vício na petição inicial, não cabe ao juiz deter-
minar a sua emenda.
d) O juiz, ao verificar que a petição inicial apresenta defei-
tos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento
de mérito, determinará que o autor, no prazo de quinze
dias, a emende ou a complete, indicando com precisão
o que deve ser corrigido ou completado.
e) O juiz, ao verificar que a petição inicial apresenta defei-
tos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento
de mérito, determinará que o autor, no prazo de vinte
dias, a emende ou a complete, indicando com precisão

94
o que deve ser corrigido ou completado.
3. Sobre o pedido, assinale a alternativa correta:
a) Compreendem-se no principal apenas os juros legais e
a correção monetária.
b) Caso a parte não requeira a condenação da parte ad-
versa em honorários advocatícios, o juiz não poderá fa-
zê-lo de ofício.
c) Na ação que tiver por objeto cumprimento de obrigação
em prestações sucessivas, essas serão consideradas in-
cluídas no pedido, independentemente de declaração
expressa do autor, e serão incluídas na condenação,
enquanto durar a obrigação, se o devedor, no curso do
processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las.
d) O pedido deve ser certo ou determinado.
e) O pedido será ilícito quando o devedor puder cumprir
a prestação de mais de um modo.
4. Sobre o indeferimento da petição inicial, assinale a alterna-
tiva correta:
a) Não é causa de inépcia a ilegitimidade da parte.
b) Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, faculta-
do ao juiz, no prazo de três dias, retratar-se.
c) Haverá improcedência liminar do pedido quando a peti-
ção inicial for inepta.
d) Nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigação
decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alie-
nação de bens, o autor terá de discriminar, sob pena de
inépcia, na petição inicial, dentre as obrigações contratu-
ais, aquelas que pretende controverter, além de quantifi-
car o valor incontroverso do débito.
e) O recurso cabível da decisão que indefere a petição inicial
é o agravo de instrumento.
5. Sobre a petição inicial, assinale a alternativa correta:
a) Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz,

95
independentemente da citação do réu, julgará liminar-
mente improcedente o pedido que contrariar decisão do
pleno do STF.
b) Considera-se inepta a petição inicial quando falta a indica-
ção do valor da causa.
c) Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, faculta-
do ao juiz, no prazo de dez dias, retratar-se.
d) O pedido será alternativo quando, pela natureza da obri-
gação, o devedor puder cumprir a prestação de mais de
um modo.
e) É ilícita a cumulação, em um único processo, contra o mes-
mo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja
conexão.

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97
MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 9ª ed. Campinas;
Millenium, 2003.
MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. São Paulo:
RT, 2015.
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 16ª ed.
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98
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Estabilização da demanda no novo Código de
Processo Civil. Revista de Processo. São Paulo: RT, jun.-2015

Gabarito

Questão 01 - Resposta: C

De acordo com o art. 332, I, do CPC, “Nas causas que dispensem a


fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará
liminarmente improcedente o pedido que contrariar I - enunciado
de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de
Justiça”.

Questão 02 - Resposta: D

De acordo com o art. 321 do CPC, “O juiz, ao verificar que a petição


inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apre-
senta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento
de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a
emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser cor-
rigido ou completado”.

Questão 03 - Resposta: C

De acordo com o art. 323 do CPC, “Na ação que tiver por objeto cum-
primento de obrigação em prestações sucessivas, essas serão con-
sideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração
expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar
a obrigação, se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las
ou de consigná-las”.

Questão 04 - Resposta: D

De acordo com o art. 330, §2º, do CPC, “Nas ações que tenham por

99
objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de finan-
ciamento ou de alienação de bens, o autor terá de, sob pena de inép-
cia, discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais,
aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor in-
controverso do débito”.

Questão 05 - Resposta: D

De acordo com o art. 325, caput, do CPC, “O pedido será alternati-


vo quando, pela natureza da obrigação, o devedor puder cumprir a
prestação de mais de um modo”.

100
TEMA 03

RESPOSTA DO RÉU. CONTESTAÇÃO.


REVELIA. RECONVENÇÃO. ARGUIÇÃO
DE SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO
Autoria: Ravi Peixoto e Tamyres Tavares de Lucena
Leitura crítica: Juliana Giovanetti Pereira da Silva

Objetivos

• Apresentar uma análise dos temas correlatos à res-


posta do réu e ao exercício do direito de defesa, como
contestação, reconvenção, revelia e arguição de sus-
peição e impedimento, tomando como fundamento
teórico da análise o direito de defesa em seu caráter
abstrato e correlato ao direito de ação, destacando-
-se os principais aspectos dogmáticos dos institutos
em exame, especialmente à luz das alterações impos-
tas pelo CPC/2015.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 101


1. Reflexões iniciais acerca do direito de
defesa (exceção)

Exceção é um dos tantos termos de caráter polissêmico estudados pela


ciência processual e, entre os vários sentidos que lhe podem ser atribu-
ídos, destaca-se a noção de exceção como sinônimo de direito de defesa,
de caráter público e abstrato, titularizado pelo réu.
Em tal acepção o termo exceção serve para sintetizar o conjunto de po-
deres, faculdades e ônus conferidos ao réu, para que possa obter uma
prestação jurisdicional que lhe seja favorável. Por meio desse conjunto de
garantias, decorrentes do devido processo legal – em especial da ampla
defesa (art. 5º, LV, CR/88) – o réu poderá manifestar resistência à preten-
são autoral, reconhecer a procedência do pedido ou, ainda, manter-se
inerte, submetendo-se aos possíveis efeitos desfavoráveis que poderão
exsurgir da sua situação de revelia.
Trata-se, portanto, de um fenômeno complexo e de caráter dialético, que
não se exaure quando conferida a primeira oportunidade de o réu apre-
sentar defesa por meio da contestação. O direito de defesa, em verdade,
comporta um conjunto de garantias vinculadas à noção de processo justo,
situação bem observada por Luís Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini,
ao ponderarem que a compreensão integral da ideia de ampla defesa não
requer apenas a concessão de oportunidade de participação, ação e rea-
ção às partes, exigindo-se, além disso, que se lhes garantam, de um lado,
a possibilidade de um amplo e irrestrito leque de alegações e, de outro,
o direito de produzir as provas para a demonstração dessas alegações.
Arrematam concluindo que “ação e defesa (exceção) têm exatamente a
mesma fundamental importância dentro do processo. O autor não está
em posição de supremacia sobre o réu – nem o contrário”. 1
Com efeito, costuma-se estabelecer um paralelo entre a exceção, como
direito de defesa do réu, com o direito de ação do autor, como se aquele

1 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 16ª Ed. São Paulo: RT, 2016. p. 252.

102 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


fosse um reflexo deste, pois ao réu igualmente se reconhece o poder de
ser ouvido em juízo, complementando o caráter bilateral do contraditó-
rio, mesmo que, ao fim, suas razões não sejam acatadas, de modo que
também a exceção como direito de defesa possui um caráter abstrato,
cujo exercício legítimo seria independente do acolhimento das matérias
de defesa suscitadas pelo réu.

Esse paralelismo entre ação e exceção mostra-se presente até mesmo na


doutrina de Cândido Dinamarco, que considera a ação um poder e não
um direito, por entender que inexistem direitos subjetivos e obrigações
de cunho processual, como consequência do interesse público pelo cum-
primento dos objetivos da jurisdição. Por essas mesmas razões conclui
ser também a exceção um poder, tal qual a ação em sua visão, comportan-
do ambas um complexo de situações jurídicas, de modo a fazer o Estado
atuar para a oferta do bem a quem tiver direito.2

Dinamarco ainda frisa que, tal qual a ação, a defesa é igualmente um poder
de atuar de caráter atípico, podendo ser exercido com ou sem tipificação
legal específica, asseverando que “sempre que não ocorra alguma pon-
derável razão de ordem pública prevalece a garantia constitucional, e o
sistema judiciário estára aberto a pretensões de toda ordem e defesas de
toda espécie, segundo as normas de direitos substancial ou processual”.3

Obviamente, essa autonomia e abstração do direito de defesa (ou po-


der, para Dinamarco) não são ilimitadas, ao ponto de permitir ao réu que
invente fatos, ou distorça maliciosamente as circunstâncias do caso e a
interpretação do direito, especialmente à luz do atual regime processual,
em que a boa-fé passa a ser cada vez mais valorizada (art. 5º, CPC/2015),
trazendo imperativos éticos mais consistentes para as partes. Nesse pon-
to, direito de ação e direito de defesa, de fato, assimilam-se, pois os deve-
res de lealdade processual, bem como as sanções em caso de descumpri-
mento, aplicam-se tanto ao autor quanto ao réu.

2
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 7ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2017. Vol. II. p. 377-379.
3
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições... p. 381-382.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 103


Contudo, esse propagado paralelismo entre direito de ação e direito de
defesa não se mostra de todo equilibrado, pois claramente houve sempre
maior esforço em estudar e debater a ação, tanto no sentido de direito do
cidadão de provocar a prestação jurisdicional do Estado e obter um pro-
vimento de mérito, como também no sentido de ação exercida, ou ainda
demanda, em que se pode notar uma crescente tendência de se adequar
cada vez mais o procedimento às diferentes pretensões de direito mate-
rial que se conferem ao demandante.
Desde o início do desenvolvimento da teoria geral do processo como ramo
autônomo do direito, a teoria da ação vem sendo debatida, delineando-se
seus pressupostos, sujeitos, natureza jurídica, entre outros aspectos, dan-
do ensejo a tantas correntes que construíram e reconstruíram a noção
de ação, em suas diversas acepções, sem que se tenha ainda esgotado as
polêmicas em torno desse assunto.4
Ao contrário, o direito de defesa não despertou tamanha preocupação
dos teóricos do processo, situação curiosa que se pode perceber até mes-
mo folheando os diversos manuais de teoria geral do processo, que cos-
tumam tratar da defesa em poucas linhas e, geralmente, pautando a aná-
lise desse tema em cotejo com o direito de ação, destacando as caracte-
rísticas da exceção de forma correlata à ação e ressalvando as diferenças,
como o caráter eventual do direito de defesa do réu, que pode ou não
ser exercido no processo, sem que isso necessariamente invalide todo o
procedimento.
Mesmo com essa tendência de tratar o direito de defesa de forma “espe-
lhada” ao direito de ação, é certo que o conjunto de garantias processuais
conferidas ao réu não se equivalem totalmente àquelas atribuídas ao au-
tor, ainda que o sistema processual tenha a isonomia e o tratamento pa-
ritário das partes como um preceito basilar.

4 BURIL, Lucas; CARVALHO, Maurício Schibuola. Retomando a polêmica em torno da ação: apontamentos compreensivos
a uma disputa terminológica. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 12. Volume 19. Número 1.
Janeiro a Abril de 2018. www.redp.uerj.br.

104 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


O autor dispõe da grande prerrogativa de, em sua petição inicial, definir
os aspectos subjetivos da demanda, determinando contra quem preten-
de litigar, além dos aspectos objetivos, ao delimitar as possibilidades de
tutela jurisdicional de acordo com a causa de pedir e os pedidos formu-
lados em sua peça de ingresso.
As possibilidades de o réu convocar outros sujeitos para compor os polos
da ação são bem mais limitadas, como por exemplo, a possibilidade de se
promover o ingresso de eventuais corresponsáveis por meio do chama-
mento ao processo, hipótese de intervenção de terceiro que o réu só pode
se valer no prazo para contestação (art. 131-132, CPC/2015); ou ainda a
nova figura disposta nos artigos 338 e 339 do CPC/2015, em que o réu po-
derá alegar sua ilegitimidade passiva de forma mais facilitada, sem dar en-
sejo à formação de um incidente, mas mesmo assim a substituição do réu
por outro ficará a critério do autor, que poderá ainda simplesmente suscitar
a formação de um litisconsórcio passivo, convocando o sujeito indicado
pelo réu originário como efetivo legitimado, para litigar ao seu lado.

Em caso de litisconsórcio ativo multitudinário, também se entende que o


réu só poderá impugná-lo antes de apresentada a contestação, ou então
se presume que o grande número de autores não prejudicou a defesa.

É ainda conhecida e bastante replicada a lição de que “o réu não pede,


apenas impede”,5 de modo que, salvo nos casos de ação dúplice, ao
apresentar contestação, ao réu caberia somente manifestar resistência à
pretensão do autor ou reconhecer a procedência do pedido, não poden-
do apresentar um pleito próprio nessa via. Caso pretendesse obter uma
prestação jurisdicional em seu favor, além do mero julgamento de im-
procedência da pretensão autoral, deveria necessariamente apresentar
reconvenção (na mesma oportunidade da contestação), ou então propor
sua própria ação autônoma, salvo nos excepcionais casos em que admi-
tido pedido contraposto na contestação.
5
Corroboram essa lição Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini, os quais afirmam que o réu dispõe apenas de interesse
em se defender, de forma que, no exercício do direito de defesa, o réu apenas pede que se rejeite o pedido do autor e,
caso ao fim seja vencedor, ele não sairia com qualquer vantagem senão a garantia de não poder mais ser demandado pelo
autor, por aquele mesmo fundamento e para aquele mesmo fim (Curso avançado... p. 254).

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 105


Em certos casos, o direito de defesa do réu também sofre limitações adi-
cionais, por regras dispostas fora do CPC, como o artigo 827 do CC/2002,
que determina que o benefício de ordem do fiador somente poderá ser
exercido até a apresentação de contestação.

A essa lição clássica, que atribui ao direito de defesa um caráter mais li-
mitado e essencialmente passivo, opõe-se frontalmente Fredie Didier Jr.,
que vislumbra diversas possibilidades lícitas em que o réu, em sede de
contestação, poderá, de fato, demandar, embora com pedidos bastante
peculiares, citando como exemplos os pleitos por: a) extinção do proces-
so sem exame do mérito; b) remessa dos autos ao juízo competente ou
ao juízo prevento; c) devolução do prazo de defesa; d) improcedência do
pedido do autor; e) condenação do autor às verbas de sucumbência; f)
condenação do autor por litigância de má-fé; e) pretensão dúplice nos
casos de ação dúplice. 6

Esse posicionamento do processualista baiano foi expressamente citado


nos fundamentos do acórdão do Resp 1111270/PR, julgado pelo rito dos
recursos repetitivos (art. 543-C, CPC/73), dando ensejo à fixação da Tese
622, a qual firmou o entendimento de que a aplicação da sanção civil do
pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida (art. 940,
CC/2002) poderá ser postulada pelo réu na própria defesa, independente-
mente da propositura de ação autônoma, ou do manejo de reconvenção.

Assim, conforme a tese fixada, quando o réu estiver sendo cobrado em


juízo por dívida já paga, além de requerer o julgamento improcedente da
ação, poderá formular na própria defesa – sem necessidade de propor re-
convenção ou ação autônoma – também a pretensão reparatória descrita
no atual art. 940 do CC/2002, que prevê, como sanção civil, que o autor da
ação de cobrança infundada seja obrigado a pagar ao devedor o dobro do
que estiver exigindo em juízo indevidamente.

Importante destacar que, nos fundamentos desse julgamento


6
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 19ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2017. Vol. 1. p. 739-740.

106 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


paradigmático, também se considerou que, em oportunidades anterio-
res, o excesso de formalismo foi afastado para facilitar a formulação de
pretensões pelo réu em sua própria defesa, como em decisões do STF e
do STJ que admitiram apresentação de contestação e reconvenção em
uma mesma peça,7 considerando-se igualmente que, em certas situações,
a própria lei processual simplifica o exercício da defesa, admitindo pedi-
do contraposto na contestação, como nas ações possessórias, em que o
requerido pode pleitear indenização pelos prejuízos resultantes da tur-
bação ou do esbulho cometidos pelo autor, na própria peça de bloqueio,
entre outras hipóteses.
Tal ponderação exposta nas razões desse julgado paradigma, ao promo-
ver uma interpretação legal que facilita o exercício da defesa pelo réu,
demonstra que, mesmo não sendo totalmente paritárias as posições de-
correntes do exercício do direito de ação e do direito de defesa, ainda as-
sim o réu não se encontra em situação de inferioridade em face do autor,
tampouco devendo se submeter ao livre talante deste ou do juiz.
Uma pretensa total submissão do réu não se verifica sequer no processo
de execução, em que o exequente já se encontra em reconhecida situação
de vantagem em razão da existência de um título executivo, pois, mesmo
na execução, as garantias do contraditório e da ampla defesa são confe-
ridas ao réu/executado, que pode tanto discutir a própria admissibilidade
do procedimento executivo, como também a existência, validade e eficá-
cia da pretensão executiva afirmada, ainda que de forma mais limitada.

Além disso, tal interpretação que simplifica o exercício da defesa vai ao en-
contro de uma tendência atualmente sufragada no próprio regime implanta-
do pelo CPC em vigor, que extinguiu exceções instrumentais para concentrar
ainda mais as alegações das matérias de defesa na própria contestação, con-
forme será detalhado em tópico específico deste trabalho. Trata-se de nítida
facilitação do direito de defesa propiciada pela própria lei processual.
7
RE 70.951/GB, Rel. Ministro Aliomar Baleeiro, Primeira Turma, julgado em 06.10.1970, DJ 13.11.1970; REsp 1.507.887/RS,
Rel. Ministro João Otávio de Noronha, publicada em 15.05.2015; AREsp 465.758/RS, Rel. Ministra Isabel Gallotti, publicada
em 30.04.2014; e REsp 549.587/PE, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 23.03.2004, DJ 10.05.2004.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 107


Esse esforço jurisprudencial e legal de aprimorar a interpretação e aplica-
ção dos meios de defesa prescritos em lei denota a vinculação existente
entre o adequado exercício das exceções processuais e o devido processo
legal. Nesse ponto, vale ressaltar a advertência dos autores Luiz Guilherme
Marinoni, Daniel Mitidieiro e Sérgio Cruz Arenhart, ao exporem o seguinte
posicionamento:

Nem todo procedimento, ainda que formalmente perfeito, atende ao direito


de defesa, sendo necessário averiguar, em face do seu desenho legal, e a partir
de um ângulo externo, se ele está de acordo com as necessidades do direito
substancial e com os valores consagrados pelas normas da Constituição. Em
outras palavras, a lei, ao limitar o exercício do direito de defesa (reservando ale-
gações para outra demanda), ao limitar o exercício do direito à prova, ou ainda
ao dinamizar ou inverter o ônus da prova, deve estar atenta às necessidades
do direito substancial e aos valores albergados nas normas constitucionais. O
réu também tem direito ao procedimento adequado.8

Como bem explanado no excerto em destaque, limitações legais e inter-


pretações demasiadamente restritivas ao exercício da defesa, caso não
se justifiquem em imperativos do direito substancial a que servem, repre-
sentam afrontas ao direito a um procedimento adequado, que igualmen-
te se confere ao réu.

O direito de defesa, portanto, em que pese suas peculiaridades, deve sem-


pre ser observado de forma adequada, em qualquer espécie de procedi-
mento, eis que desse conjunto de garantias sobrelevam-se o contraditó-
rio e a ampla defesa, principais decorrências do devido processo legal.

Assim sendo, uma vez delineados os fundamentos teóricos e as caracte-


rísticas essenciais do direito de defesa (exceção), com base em tal reper-
tório passa-se então a analisar, detidamente, o perfil dogmático dos seus
principais institutos correlatos, quais sejam: revelia, respostas do réu (con-
testação e reconvenção) e arguição de suspeição e impedimento.
8
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIEIRO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz. Novo curso de processo civil. São Paulo: RT, 2015.
V. 1. p. 349.

108 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


2. Posturas do réu e revelia

Uma vez realizada validamente a citação, o réu passará a compor a rela-


ção jurídica processual, podendo, a partir daí, exercer efetivamente seu
direito ao contraditório, apresentando razões, manifestando defesa, fa-
zendo requerimentos etc.

No regime do CPC/73, com a citação, o réu era já convocado para apre-


sentar resposta/defesa, caso assim desejasse. Contudo, o CPC/2015 esta-
beleceu uma fase prévia de conciliação e mediação para o procedimento
comum, de sorte que, salvo nos casos do § 4º, art. 334, o réu será citado
para, antes de tudo, participar da audiência de mediação e conciliação, em
que se tentará viabilizar uma solução consensual para a causa. Frustrada
ou inviabilizada essa fase de conciliação (nos termos do art. 334, §4º), pas-
sará, então, a contar o prazo para que o réu apresente resposta.

A partir de então, o réu poderá adotar as seguintes posturas: a) apre-


sentar contestação, peça por meio da qual o réu manifesta resistência à
pretensão do autor, pedindo o julgamento improcedente da causa, entre
outras providências correlatas; b) apresentar reconvenção, que consiste
em demanda formulada pelo réu, em que se pedirá a condenação do au-
tor por questões relacionadas com a demanda principal; c) reconhecer a
procedência do pedido do autor, concordando com a pretensão do deman-
dante, caso em que o processo será extinto com resolução de mérito (art.
487, inciso III, do CPC) e, enfim, d) e, enfim, d) manter-se inerte, sem apre-
sentar defesa ou qualquer outra espécie de resposta, situação em que o
réu será considerado revel, podendo surtir ou não os respectivos efeitos
da revelia, a depender do caso.
Os itens supra-expostos resumem as atitudes que podem ser licitamen-
te adotadas pelo réu, que como visto são bastante variáveis, razão pela
qual é possível concluir que contestar a ação é um ônus imposto ao réu,
mas não um dever, significando que, caso o demandado opte por não

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 109


manifestar resistência ao pleito autoral, isso o colocará em situação de
desvantagem processual, mas não ensejará a aplicação de qualquer san-
ção, tampouco invalidará o procedimento.
É por isso que o fenômeno processual denominado revelia, isto é, a não
apresentação de contestação no prazo assinalado (art. 335 e seguintes,
CPC/2015), é considerado por autores como Fredie Didier Jr. como um
ato-fato processual, que não se confunde com a presunção de veracidade
dos fatos alegados pelo autor, que é um dos seus efeitos, que pode ou
não se verificar a depender de determinadas circunstâncias do caso.9
Revelia, portanto, não se configura como um ato ilícito do qual decorra
uma sanção, sendo espécie de contumácia do réu, que se verifica a par-
tir da mera não apresentação tempestiva de contestação. Ademais, nem
sempre revelia significa total inércia do réu, já que tal fato também se ve-
rifica quando a contestação é apresentada, mas fora do prazo, ou ainda
quando o réu se manifesta no prazo para apresentação de defesa, mas
opta por apenas propor reconvenção.

Apesar de o art. 344 do CPC/2015 inicar o tratamento legal da revelia


enunciando que

se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão ver-


dadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor”, no dispositivo seguin-
te (art. 345) já trata de mitigar o rigor dessa presunção legal, dispondo que
esse efeito material da revelia não se verifica quando: “I - havendo plurali-
dade de réus, algum deles contestar a ação; II - o litígio versar sobre direitos
indisponíveis; III - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento
que a lei considere indispensável à prova do ato; IV - as alegações de fato
formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição
com prova constante dos autos.

O art. 346 do CPC/2015, por sua vez, prevvê que: “os prazos contra o revel
que não tenha patrono nos autos fluirão da data de publicação do ato de-
cisório no órgão oficial”. Trata-se do chamado efeito processual da revelia
9 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito... p. 749.

110 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


que, igualmente, nem sempre surtirá em todo e qualquer caso de réu re-
vel. Isso porque, caso o réu não apresente contestação tempestivamente,
mas ainda assim constitua nos autos advogado que lhe represente, deve-
rá ser regularmente intimado dos atos praticados no processo, por meio
do seu patrono constituído.
As situações acima expostas não são as únicas mitigações dos efeitos dele-
térios da revelia, pois é certo que este ato-fato processual não desincumbe
o autor de comprovar os fatos constitutivos do seu direito, também não o
desobrigando de formular pretensões claras, pautadas em argumentação
plausível e fundadas na correta interpretação e aplicação do direito. Assim,
revelia não necessariamente implica em vitória do autor e derrota do réu.
Ademais, muito embora a concentração de todas as matérias de defesa
na contestação seja a regra, Fredie Didier Jr. alerta acerca de questões
que podem ser suscitadas pelo réu mesmo após ultrapassado o prazo de
resposta (art. 342, do CPC), sendo em relação a elas totalmente ineficaz a
revelia. Também assevera que o réu revel não fica impedido de produzir
provas (art. 349, CPC; enunciado nº 231 da súmula do STF),10 sendo ain-
da possível que colecione documentos ou requeira a produção de outros
elementos de prova que julgar necessários, mesmo sendo revel.

3. Espécies de respostas do réu: contestação


e reconvenção

Caso o réu opte por apresentar resposta, exercendo efetivamente suas


garantias de contraditório e ampla defesa, são previstos para esse fim
as figuras da contestação e da reconvenção, as quais servem para instru-
mentalizar a prerrogativa conferida ao réu de contra-atacar. Consistem,
portanto, em espécies de respostas vinculadas ao exercício da defesa, as
10
DIDIER JR., Fredie. Curso de... p. 751-752.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 111


quais serão analisadas detidamente nos tópicos a seguir.
No transcurso da análise, dar-se-á o devido destaque para as principais
alterações operadas com a entrada em vigor do CPC/2015, mas desde já
se destaca que a nova codificação tratou de desburocratizar e simplifi-
car o exercício da defesa, eliminando a necessidade de se opor exceções
instrumentais e incidentes (como a exceção de incompetência relativa,
impugnação ao valor da causa, impugnação à concessão da gratuidade
judiciária), ensejando a alegação concentrada das matérias de defesa na
própria contestação.
Ademais, seguindo orientação já observada jurisprudencialmente, pas-
sou-se a admitir expressamente que até mesmo a reconvenção, que vei-
cula uma pretensão autônoma do réu, seja também apresentada na con-
testação (art. 343, CPC/2015).
Apesar de contestação e reconvenção ainda serem consideradas atos for-
mais do réu, devendo observar critérios mínimos de forma previstos na
lei, é certo que o CPC/2015 tornou o seu exercício mais simplificado, em
comparação com a codificação revogada, conforme será especificado a
seguir.

3.1. Contestação

O CPC/2015, em seu art. 336, determina que “incumbe ao réu alegar, na


contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de di-
reito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que
pretende produzir”.
A contestação, portanto, é a peça em que todas as matérias de defesa
deverão ser arguidas, de forma concentrada, sendo o principal meio pelo
qual o réu manifesta resistência à pretensão do autor.
Trata-se de uma forma de defesa dotada de especificidades, entre as quais
primeiramente se destaca a chamada regra da eventualidade, a qual exige

112 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


que, na contestação, o réu exponha toda e qualquer matéria de defesa de
que disponha em face da pretensão do autor, sob pena de preclusão. Por
força desta regra, o réu fica obrigado a cumular na contestação a arguição
de todas as suas alegações defensivas, seja de ordem material ou proces-
sual, mesmo que nem todas possam ser acolhidas simultaneamente.
Tome-se como exemplo de aplicação da regra da eventualidade o caso de
um réu, contra o qual se ajuizou uma ação de cobrança, situação na qual
poderá deduzir, em sua contestação, que a cobrança fundamenta-se em
contrato inválido; como também que a dívida ainda não se tornou exigí-
vel e que, além de tudo, já efetuou o pagamento. Oberve-se que, mesmo
que tais matérias de defesa conflitem entre si, ainda assim, se não forem
todas alegadas conjuntamente na contestação, o réu não terá outra opor-
tunidade para suscitá-las, a menos que se trate de alguma das situações
expostas no art. 342, do CPC/2015, voltado justamente a excepcionar o
rigor da regra da eventualidade.
O referido art. 342, por seu turno, dispõe que: “Depois da contestação, só
é lícito ao réu deduzir novas alegações quando: I - relativas a direito ou a
fato superveniente; II - competir ao juiz conhecer delas de ofício; III - por ex-
pressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e grau
de jurisdição”.
Assim, caso determinada matéria de defesa não se enquadre nas situa-
ções descritas em tal dispositivo e não tenha sido deduzida na contesta-
ção, o réu perderá a oportunidade de posteriormente se valer desta defe-
sa omitida, por força da regra da eventualidade.

Veja-se que a regra da eventualidade traz para a defesa uma situação


similar à cumulação imprópria de pedidos, técnica admitida na petição
inicial. Contudo, embora se permita a dedução conjunta de matérias de
defesa que não possam ser acolhidas todas conjuntamente, mesmo as-
sim é exigível do réu um mínimo de coerência na sua defesa, até mes-
mo por força dos imperativos éticos decorrentes da boa-fé processual
(art. 5º, CPC/2015). Não pode o réu, portanto, utilizando a eventualidade

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 113


como subterfúgio, defender peremptoriamente a inexistência da obriga-
ção (“nunca assinei esse contrato”) e, ao mesmo tempo, alegar a sua sa-
tisfação (“mas depois que assinei, eu paguei o combinado”), porquanto
tal conduta desleal, por sustentar que um fato ao mesmo tempo existe e
não existe, além de afrontar a lógica, certamente denota que o réu está
alterando a verdade dos fatos, pois pelo menos uma das alegaçoes não
pode ser verdadeira, configurando-se tal comportamento como litigância
de má-fé, nos termos do inciso II, art. 80, do CPC/2015.
Assim, além das exceções descritas no art. 342 do CPC/2015, é possível
deduzir-se que também a boa-fé processual impõe limites à incidência da
regra da eventualidade na contestação, sendo este o sentido que afirmam
Marinoni, Mitidieiro e Arenhart que “a apresentação de defesa incoerente
constitui abuso do direito processual de defesa”.11

Por força dessa regra, é certo também que o réu deve arguir em sua contes-
tação, de forma concentrada, tanto questões processuais, quanto de mérito.
Exige-se, todavia, que as defesas processuais sejam expostas de forma preli-
minar na contestação, antes de se exporem as questões de ordem material,
conforme determinado no art. 337, o qual lista como questões processuais
que devem ser arguidas previamente às de mérito as seguintes:
I - inexistência ou nulidade da citação; II - incompetência absoluta e relativa;
III - incorreção do valor da causa; IV - inépcia da petição inicial; V - peremp-
ção; VI - litispendência; VII - coisa julgada; VIII - conexão; IX - incapacidade
da parte, defeito de representação ou falta de autorização; X - convenção
de arbitragem; XI - ausência de legitimidade ou de interesse processual; XII
- falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar; XIII
- indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça.

Das matérias expostas no rol do art. 337, do CPC apenas convenção de ar-
bitragem e incompetência relativa não podem ser reconhecidas de ofício
pelo juiz. Todas as outras, mesmo que o réu não as alegue em sua con-
testação, poderão ser examinadas pelo julgador, mas sempre de forma
11
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIEIRO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz. Novo curso de processo civil. São Paulo: RT,
2017. V. 2 (versão eletrônica), Tópico 4.2.

114 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


prévia à análise do mérito da causa.

O artigo 337 do CPC/2015 claramente determina que as defesas proces-


suais devem ser arguidas de forma prévia às defesas de mérito, estabe-
lecendo uma ordem de alegações que bem denota o caráter formal da
contestação. Contudo, Fredie Didier Jr. expõe uma interessante crítica a
tal estruturação legal que, pelo menos no plano literal, estabelece uma
primazia das defesas de admissibilidade em face das defesas de mérito.12

Propõe, então, que o art. 337 do CPC/2015 não seja interpretado literal-
mente, porquanto deduz a existência em nosso sistema do princípio da
primazia do exame de mérito (art. 4º, CPC/2015), o qual determina que uma
decisão que resolva o mérito é sempre preferencial àquela que invalide
o procedimento, lógica que persiste inclusive quando se considera a si-
tuação do réu, para quem entende ser mais interessante um julgamento
de improcedência do pedido que resolva definitivamente o litígio, do que
uma extinção do processo sem resolução do mérito, eis que este último
tipo de decisão não impede a repropositura da demanda, caso o autor
sane o defeito que determinou a extinção prematura do feito.13

As defesas materiais, por sua vez, podem ser classificadas da seguinte


forma: (i) defesas de mérito diretas: o réu nega o fato constitutivo alega-
do pelo demandante, ou ainda as consequências jurídicas deste (p. ex.:
o réu nega a existência do contrato de mútuo, que fundamenta a ação de
cobrança; ou alega ter se tratado de uma doação e não de um emprés-
timo de valores); (ii) defesas de mérito indiretas: quando o réu opõe fato
impeditivo, modificativo ou extintivo ao direito alegado pelo autor (p. ex.:
o autor cobra dívida, ao passo que o réu alega novação – fato modificativo,
ou prescrição – fato impeditivo, ou ainda pagamento – fato extintivo).

Tal modo de se classificar as defesas de mérito tem relevância prática,


pois quando o réu suscitar defesa indireta de mérito, o juiz deverá intimar
o autor para que se pronuncie a respeito no prazo de quinze dias (art.
12
DIDIER JR., Fredie. Curso de... p. 733.
13
DIDIER JR., Fredie. Curso de... p. 734-735.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 115


350, do CPC), providência que também deve ser tomada quando o réu
alegue qualquer das defesas processuais descritas no art. 337, da legisla-
ção processual (art. 351, do CPC).

Explica Cândido Dinamarco que todas as defesas processuais são indi-


retas, não existindo, portanto, a espécie “defesa processual direta”. Isso
porque as defesas processuais não se reportam diretamente à situação
de direito material nem se destinam a obter para o réu uma sentença de
mérito favorável, sendo voltadas, em verdade, a excluí-la ou retardá-la. 14

Cotejando-se os regimes do CPC/73 e do CPC/2015, é possível notar que


a codificação em vigor não mais trata da figura denominada nomeação à
autoria ao dispor sobre as intervenções de terceiro típicas. Contudo, não
se trata de uma total supressão dessa hipótese que, decerto, deixou de
ser espécie de intervenção de terceiro, para, de forma mais simplificada,
poder ser exercida não mais como um incidente, mas como uma das ma-
térias que podem ser alegadas em sede de contestação.

Trata-se do que atualmente dispõe o art. 338 do CPC/2015, o qual pre-


vê que, caso o réu alegue na contestação ser parte ilegítima, ou não ser
o responsável pelo prejuízo invocado, caberá ao juiz facultar ao autor a
alteração da petição inicial para substituição do réu, no prazo de quinze
dias. Conferiu-se, então, ao autor forma simplificada de “corrigir” o polo
passivo da ação, caso concorde com o argumento de ilegitimidade susci-
tado pelo réu, situação na qual o autor terá ainda que ressarci-lo de cus-
tas e honorários, mas em valor reduzido (3 a 5% do valor da causa, vide
parágrafo único, art. 338, do CPC/2015).

Na sequência, o art. 339, do CPC ainda tratou de criar para o réu a obri-
gação de indicar o sujeito passivo da relação jurídica discutida, sempre
que tiver conhecimento, quando alegue a sua ilegitimidade, sob pena de
arcar com as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuí-
zos decorrentes da falta de indicação.

14
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições... p. 380.

116 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


É o clássico caso do caseiro (mero detentor/ fâmulo da posse) que é
demandado por engano em ação reivindicatória, no lugar do efetivo
proprietário do imóvel. Nesse caso hipotético, o caseiro tem condições de
já apontar quem seria o proprietário do bem, pois possui vínculo formal
de emprego com este sujeito.

Por fim, o CPC/2015 ainda apresenta outra curiosa solução quando hou-
ver impasse acerca da legitimidade passiva. Ao invés de “corrigir” o polo
passivo, pedindo a exclusão de um réu para o ingresso de outro, o autor
poderá ainda optar por formar um litisconsórcio passivo entre aquele pri-
meiramente demandado e o sujeito apontado pelo réu como legitimado
(art. 339, §2º, CPC/2015).

Por fim, incide ainda sobre a contestação a regra da impugnação especi-


ficada, conforme dispõe o art. 341 do CPC/2015 (“Incumbe também ao
réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes
da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas, salvo
se”). Isso significa que o réu deverá enfrentar todos os pontos trazidos na
petição inicial, sob pena de serem incontroversos, como se, caso não im-
pugando uma determinada alegação a estivesse admitindo.

Obviamente essa regra não deverá ser aplicada de maneira inflexível, es-
tabelecendo o próprio CPC/2015, nos incisos do art. 341, quais as situa-
ções em que se excepciona o rigor da impugnação especificada. Assim,
não deve ser reconhecida a veracidade de determinada alegação exposta
na petição inicial, mesmo quando não impugnada especificadamente pelo
réu, se pelo conjunto dos dados constantes nos autos (alegações das par-
tes, documentos, etc.) não se mostrar plausível. Da mesma forma, caso
o autor não apresente documento imprescindível para demonstração da
veracidade do alegado (ex. título de propriedade sobre o bem litigioso),
não poderá ser presumida a sua veracidade, mesmo se o réu não impug-
nar a questão de forma específica. Enfim, também não incide a regra da
impugnação especificada quando do fato não impugnado não se admitir
confissão.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 117


O parágrafo único, do art. 341, do CPC enfim determina que “o ônus da
impugnação especificada dos fatos não se aplica ao defensor público, ao
advogado dativo e ao curador especial”, razão pela qual tais sujeitos po-
dem apresentar contestação com negativa geral dos fatos, sem que isso
implique em presunção de veracidade, pois, na maioria dos casos, o cura-
dor ou advogado dativo não tem contato direto com o réu (como nos ca-
sos de réu citado por edital).

3.2. Reconvenção

Reconvenção é uma demanda que o réu formula contra o autor, no mes-


mo processo. Em outras palavras, é uma pretensão autônoma do réu
contra o autor, pois aquele (réu) poderá formular contra este (autor) pe-
didos (de qualquer natureza: condenatório, mandamental, declaratório),
desde que o fundamento desta pretensão inversa seja correlato à ação
principal, ou aos fundamentos da defesa.
Admite-se essa possibilidade principalmente por razões de economia pro-
cessual, já que propicia a resolução, em um mesmo processo, de preten-
sões correlatas do autor e do réu.
Além daqueles já apontados na lei, a doutrina ainda identifica mais um
requisito para o cabimento da demanda reconvencional: a competência,
de modo que o juiz da causa originária deve ser igualmente competente
para julgar a matéria trazida na reconvenção.15
A reconvenção, contudo, não será cabível quando não se verificar em con-
creto interesse de agir, ou seja, quando a propositura da reconvenção re-
presentar medida inútil, ou quando se tratar de ações dúplices, em que a
defesa já é uma forma de se fazer pedido contraposto. É o que acontece,
por exemplo, nas ações declaratórias, pois negada a pretensão do autor
(p. ex. reconhecimento de falsidade de documento) é como se já ficasse
reconhecida a hipótese contrária (o documento é verdadeiro).16
15
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIEIRO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz. Novo curso de processo civil. São Paulo: RT,
2017. V. 2 (versão eletrônica), Tópico 4.3.
16
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIEIRO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz. Novo curso de processo civil. São Paulo: RT,
2017. V. 2 (versão eletrônica), Tópico 4.3.

118 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


O CPC/2015 mais uma vez destaca a autonomia da demanda reconven-
cional, ao autorizar a admissão da reconvenção, mesmo que o réu não
tenha apresentado contestação. Nesse caso, o réu apenas formularia pe-
dido contra o autor, sem apresentar defesa (art. 343, § 6º, do CPC).

Os parágrafos 3º e 4º, do art. 343, consistem em inovações do CPC/2015,


porquanto autorizam a formação de litisconsórcio em reconvenção, seja
no polo ativo ou passivo, com sujeitos inicialmente estranhos à relação
jurídica processual. Antes do CPC/2015, controvertia-se acerca dessa prá-
tica, que ora se mostra cabível por expressa disposição legal.

4. Arguição de suspeição e impedimento

A imparcialidade do julgador é essencial para a correta prestação juris-


dicional, sendo um pressuposto determinante para a validade de todo
o procedimento, razão pela qual se fez necessária a previsão de inciden-
te específico para controlar e combater vícios de parcialidade, não ape-
nas do órgão julgador, como também de membros do Ministério Público,
auxiliares da justiça e demais sujeitos imparciais do processo (art. 148,
CPC/2015).

Trata-se justamente do incidente para arguição de impedimento e suspei-


ção, que pode ser proposto a partir das hipóteses descritas nos artigos

144 e 145, do CPC/2015, dispositivos os quais descrevem situações em


que legalmente se presume a parcialidade do julgador, que em tais casos
deve ser afastado.
O próprio juiz pode (deve) reconhecer a ocorrência desses vícios, decla-
rando-se impedido ou suspeito e determinando a remessa dos autos ao
seu substituto legal, sem necessidade de provocação das partes. Quando,
contudo, tal reconhecimento não se dá de ofício, arguindo a parte inte-
ressada a ocorrência de impedimento ou suspeição, dá-se uma situação

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 119


curiosa, pois o juiz passa então a figurar como parte deste incidente, sen-
do lhe conferido prazo para apresentação de resposta perante o respec-
tivo tribunal (art. 146, §1º, CPC/2015).
Conquanto a própria lei já defina expressamente os casos de impedimen-
to e suspeição (artigos 144 e 145, CPC/2015), esforça-se a doutrina em
também determinar como se distinguem tais situações uma da outra,
compreendendo-se que os casos de impedimento versam sobre situa-
ções em que objetivamente a imparcialidade do julgador estará afetada
(presunção absoluta), ao passo que os casos de suspeição concernem a
situações em que esse prejuízo é de ordem subjetiva, sendo casos em que
há meros indícios de parcialidade (presunção relativa).
Fredie Didier Jr. observa, a propósito, que os casos de suspeição são hipó-
teses construídas com base em conceitos jurídicos indeterminados (“ami-
go íntimo”, “inimigo”), admitindo-se até mesmo maior “elasticidade” inter-
pretativa. 17
Isso pode ser observado ao se examinar as hipóteses de impedimento dis-
postas no art. 144 do CPC/2015 que, em resumo, expõem situações nas
quais se verificam vínculos formais (de parentesco, de emprego, estatutá-
rio, contratual) entre o julgador, as partes e/ou seus procuradores, sendo,
portanto, situações facilmente aferíveis, por meio de documentos, sem
necessidade de se investigar o ânimo ou a intenção dos sujeitos, veja-se:

Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções


no processo: I - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como
perito, funcionou como membro do Ministério Público ou prestou depoimen-
to como testemunha; II - de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo
proferido decisão; III - quando nele estiver postulando, como defensor público,
advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou
qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o ter-
ceiro grau, inclusive; IV - quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge
ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral,
até o terceiro grau, inclusive; V - quando for sócio ou membro de direção ou de
17
DIDIER JR., Fredie. Curso de... p. 759.

120 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


administração de pessoa jurídica parte no processo; VI - quando for herdeiro
presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes; VII - em que fi-
gure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou
decorrente de contrato de prestação de serviços; VIII - em que figure como par-
te cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente,
consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive,
mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório; IX - quando promo-
ver ação contra a parte ou seu advogado.

Já as situações descritas como de suspeição, nos incisos do art. 145 do


CPC/2015, para sua verificação requerem um juízo de ordem mais subjeti-
va, já que em certos casos descrevem-se vínculos de ordem mais informal
entre o julgador, partes e seus procuradores, até mesmo de caráter afeti-
vo (“amigo íntimo”, p. ex.), ou que demandem uma análise mais aprofun-
dada da intenção dos sujeitos e das circunstâncias de fato (“interesse na
causa”, “interesse no julgamento”, p. ex.). Veja-se:

Art. 145. Há suspeição do juiz: I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das


partes ou de seus advogados; II - que receber presentes de pessoas que tiverem
interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar al-
guma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para
atender às despesas do litígio; III - quando qualquer das partes for sua credora
ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha
reta até o terceiro grau, inclusive; IV - interessado no julgamento do processo em
favor de qualquer das partes.

Como se tratam de questões pertinentes muitas vezes à vida pessoal e


privada do julgador, admite-se, até mesmo, que este se declare suspeito
por motivos de “foro íntimo”, sem precisar destrinchar e expor os deta-
lhes da sua suspeição (art. 145, §1º, CPC/2015).
É importante distinguir-se bem as espécies legais em comento, pois
apesar de ambas poderem ser arguidas mediante incidente, na forma e no
prazo assinalado em lei (art. 146, CPC/2015), acarretarem o afastamento
do julgador impedido/suspeito e a invalidação dos seus atos descisórios

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 121


(art. 146, §§ 5º, 6º e 7º, CPC/2015), em se tratando de impedimento, o
seu sistema de controle é mais rigoroso. Isso porque, ao contrário da
suspeição, o impedimento pode ser arguido a qualquer tempo e grau
de jurisdição, mesmo após ultrapassado o prazo para propositura do
incidente específico, sendo inclusive hipótese de ação rescisória (art. 966,
II, CPC/2015). Caso a parte interessada não suscite a suspeição no prazo
de quinze dias, a contar do conhecimento do fato (art. 146, CPC/2015),
haverá preclusão.18
É comum estudar-se a arguição de impedimento e suspeição conjunta-
mente com as demais espécies de respostas do réu (contestação e
reconvenção). Todavia, o controle do impedimento e da suspeição, à
evidência, não cabe apenas ao réu, podendo tais vícios serem igualmente
arguidos pela parte autora, a partir do momento em que tome
conhecimento de tais circunstâncias.
Não é apenas o fato de também poder ser suscitado pelo demandan-
te que distingue o incidente de impedimento e suspeição das demais
possibilidades de respostas do réu. Recorde-se que, como exposto
anteriormente, o CPC/2015 simplificou o exercício do direito de de-
fesa, concentrando as matérias de defesa na contestação, ao extin-
guir diversas exceções instrumentais, como as de incompetência re-
lativa e impugnação ao valor da causa, possibilitando que tais ma-
térias sejam arguidas no bojo da própria contestação. Até mesmo a
reconvenção poderá ser proposta na mesma peça da contestação.

A arguição de impedimento e suspeição, todavia, não foi submetida a tal


simplificação procedimental e concentração das matérias de defesa na
contestação, continuando a ser previsto um incidente específico para tan-
to, com aptidão de inclusive suspender o processo, caso assim decida o
relator, além da possibilidade de produção probatória em seu bojo (art.
146, §§ 1º e 2º, CPC/2015).

Enfim, é pertinente ressaltar que, apesar de se conferir a possibilidade de


arguição de impedimento e suspeição não apenas do julgador, mas de
18
DIDIER JR., Fredie. Curso de... p. 756.

122 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


todos os demais auxiliares e sujeitos imparciais do processo, em se tra-
tando de testemunha, o controle de sua imparcialidade não será feito por
meio desse tipo de incidente (art. 148, §4º, CPC/2015), mas por meio do
incidente da contradita, conforme o §1º, art. 457 do CPC/2015.19

Pontuando
1. Reflexões iniciais acerca do direito de defesa (exceção).
2. Atitudes do réu e revelia.
3. Espécies de respostas do réu: contestação e reconvenção.
4. Arguição de suspeição e impedimento

Glossário

• Direito de defesa (exceção): conjunto de poderes, faculdades e


ônus conferidos ao réu, para que possa obter uma prestação juris-
dicional que lhe seja favorável. Por meio desse conjunto de garan-
tias, decorrentes do devido processo legal – em especial da ampla
defesa (art. 5º, LV, CR/88) – o réu poderá manifestar resistência à
pretensão autoral, reconhecer a procedência do pedido, ou ainda
manter-se inerte, submetendo-se aos possíveis efeitos desfavorá-
veis que poderão exsurgir da sua situação de revelia.

• Revelia: espécie de contumácia do réu, que se verifica a partir da


mera não apresentação tempestiva de contestação. Revelia nem
sempre significa total inércia do réu, já que tal fato também se ve-
rifica quando a contestação é apresentada, mas fora do prazo, ou
ainda quando o réu se manifesta no prazo para apresentação de
defesa, mas opta por apenas propor reconvenção.

• Contestação: peça em que todas as matérias de defesa deverão


ser arguidas, de forma concentrada, sendo o principal meio pelo
qual o réu manifesta resistência à pretensão do autor.

19
DIDIER JR., Fredie. Curso de... p. 755.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 123


• Reconvenção: demanda que o réu formula contra o autor, no mes-
mo processo. Em outras palavras, é uma pretensão autônoma do
réu contra o autor, pois aquele (réu) poderá formular contra este
(autor) pedidos (de qualquer natureza: condenatório, mandamental,
declaratório), desde que o fundamento desta pretensão inversa seja
correlato com a ação principal, ou com os fundamentos da defesa.

VERIFICAÇÃO DE LEITURA
1. A respeito das respostas do réu é incorreto afirmar-se o
seguinte:
a) A contestação deve concentrar todas as matérias de
defesa, de mérito e processuais, por força da regra da
eventualidade.
b) Excetuadas a convenção de arbitragem e a incompe-
tência absoluta, o juiz conhecerá de ofício das matérias
de defesa listadas no art. 337, do CPC/2015.
c) A desistência da ação ou a ocorrência de causa extin-
tiva que impeça o exame de seu mérito não obsta ao
prosseguimento do processo quanto à reconvenção.
d) O réu poderá propor reconvenção mesmo que não
apresente contestação.
e) Reconvenção e contestação podem ser propostas con-
juntamente, na mesma peça processual.
2. É efeito material da revelia o seguinte:
a) Prazos contra o réu revel fluirão da data de publicação
do ato decisório no órgão oficial.
b) Julgamento antecipado pela procedência da ação.
c) Presunção de veracidade dos fatos alegados pela parte
autora.

124 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


d) Aplicação de multa por litigância de má-fé.
e) Exclusão do réu revel da relação processual.
3. João Francisco teve contra si ajuizada uma ação de cobran-
ça, deduzindo em sua contestação que a dívida exigida en-
contrava-se já quitada, requerendo por isso o julgamento
improcedente desta demanda. A matéria de defesa apre-
sentada por João Francisco é do tipo:
a) Indireta de mérito.
b) Direta de mérito.
c) Objeção processual.
d) Indireta processual.
e) Exceção instrumental.
4. Será considerado impedido o juiz que:
a) Seja amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes
ou de seus advogados.
b) Promover ação contra a parte ou seu advogado.
c) Seja interessado no julgamento do processo em favor
de qualquer das partes.
d) Receber presentes de pessoas que tiverem interesse
na causa antes ou depois de iniciado o processo.
e) Aconselhar alguma das partes acerca do objeto da cau-
sa ou que subministrar meios para atender às despe-
sas do litígio.
5. Conforme o que atualmente prevê o CPC/2015, caso o réu
alegue na contestação ser parte ilegítima:
a) Deverá indicar o sujeito passivo da relação jurídica dis-
cutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de ser
condenado por litigância de má-fé.
b) Deverá indicar o sujeito passivo da relação jurídica dis-
cutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de lhe
ser imputado o cumprimento da obrigação exigida em

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 125


juízo.
c) Deverá indicar o sujeito passivo da relação jurídica dis-
cutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de ar-
car com as despesas processuais e de indenizar o autor
pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação.
d) Deverá indicar o sujeito passivo da relação jurídica dis-
cutida apenas quando tiver vínculo formal com o pro-
prietário ou possuidor da coisa demandada.
e) Deverá propor incidente específico de nomeação à au-
toria para que sua arguição de ilegitimidade passiva
seja processada.

Referências Bibliográficas

BURIL, Lucas; CARVALHO, Maurício Schibuola. Retomando a polêmica em torno da


ação: apontamentos compreensivos a uma disputa terminológica. Revista Eletrônica
de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 12. Volume 19. Número 1. Janeiro
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DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 19ª Ed. Salvador: Juspodivm,
2017. Vol. 1.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 7ª Ed. São
Paulo: Malheiros, 2017. Vol. II.
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIEIRO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz. Novo curso
de processo civil. São Paulo: RT, 2015. V. 1.
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIEIRO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz. Novo curso
de processo civil. São Paulo: RT, 2017. V. 2 (versão eletrônica).
WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil.
16ª Ed. São Paulo: RT, 2016.

126 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


Gabarito
Questão 1 – Resposta: B
Conforme o disposto no art. 337, §5º: “Excetuadas a convenção de arbi-
tragem e a incompetência relativa, o juiz conhecerá de ofício das matérias
enumeradas neste artigo”.

Questão 2 – Resposta: C
O denominado efeito material da revelia é aquele descrito no art. 344 do
CPC/2015, o qual dispõe que: “Se o réu não contestar a ação, será consi-
derado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formula-
das pelo autor”.

Questão 3 – Resposta: A
Trata-se de uma defesa indireta de mérito, pois João Francisco reconhece
a existência da dívida, mas agrega um fato novo de ordem extintiva, qual
seja: pagamento.

Questão 4 – Resposta: B
“Promover ação contra a parte ou seu advogado” é caso de impedimento
previsto no inc. IX, art. 144 do CPC/2015. Todas as demais situações lista-
das são casos de suspeição.

Questão 5 – Resposta: C

Nesse sentido, veja-se o que determina o art. 339 do CPC/2015: “Quando


alegar sua ilegitimidade, incumbe ao réu indicar o sujeito passivo da rela-
ção jurídica discutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de arcar
com as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos de-
correntes da falta de indicação”.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 127


TEMA 04

TUTELA PROVISÓRIA
Autoria: Ravi Peixoto e Tamyres Tavares de Lucena
Leitura crítica: Juliana Giovanetti Pereira da Silva

Objetivos
• Nesta aula, haverá o estudo do tema da tutela pro-
visória que passou por consideráveis mudanças no
CPC/2015, ora tentando simplificar, “unificando” a
tutela cautelar e a antecipada, ora criando novos pro-
cedimentos, como a tutela antecipada antecedente e
regulamentando a tutela da evidência.
• A tentativa de unificação da tutela antecipada e a
tutela cautelar é uma situação até curiosa, eis que,
ao mesmo tempo, houve a criação de procedimentos
autônomos para cada uma dessas espécies de tutela
provisória. Nesta aula, poderemos verificar as dife-
renças entre eles.
• Além de analisar os elementos gerais da tutela provi-
sória, será possível o estudo dos requisitos específicos
da tutela de urgência, bem como o tratamento e as
polêmicas existentes em relação à tutela da evidência.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 128


1. Tutela provisória

O primeiro elemento a ser verificado no estudo das tutelas provisórias é a


sua identificação dentro dos estudos das espécies de tutelas e de técnicas
processuais. O objetivo desse primeiro tópico é o de permitir ao leitor a
identificação da diferença entre tutela cautelar e técnica antecipatória.
A antecipação da tutela é técnica processual, ou seja, é meio disponibiliza-
do pelo direito processual para prestar a tutela adequada do direito ma-
terial. Sua fundamentação constitucional está na necessidade de prestar
a tutela adequada às situações jurídicas específicas, tratando-se – no atu-
al estágio cultural definidor do direito processual – de um corolário ina-
fastável dos princípios do acesso à justiça e da efetividade do processo.1
Parcela significativa da doutrina contrapõe a tutela antecipada à tu-
tela cautelar, o que é impreciso. A tutela antecipada consiste em téc-
nica que garante à parte alguns efeitos do provimento que só rece-
beria ao fim do processo; é, propriamente, a antecipação dos efei-
tos da tutela final, que pode ser tanto satisfativa como cautelar.2
Não se trata, portanto, de uma tutela diferenciada, mas de técnica
processual.3
A tutela cautelar, por sua vez, consiste na asseguração de direito
que sofre perigo de dano. É tutela, e pressupõe um direito à cautela.4
A cautelar é uma espécie de tutela definitiva, mas tão apenas do direito à
cautela. Enquanto isso, a tutela definitiva pode também ser satisfativa do
direito material.
Ora, sendo a tutela cautelar o provimento que se busca ao fim, a técnica
de sua colocação em momento do iter processual anterior – a liminar –
nada mais é do que antecipação de tutela cautelar.
1
MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela, 11ª ed. São Paulo: RT, 2009, p. 132-133
2
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Do processo cautelar. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 3
3
Assim: DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. ed. Salvador: Juspodivm, 2012,
v. 2, p. 468. MITIDIERO, Daniel. Antecipação da tutela – Da tutela cautelar à técnica antecipatória. São Paulo: RT, 2013, p. 17.
4
Nesse sentido: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2003, tomo XII, p. 12-22. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Do processo cautelar, cit., p. 72-81.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 129


A antecipação da tutela é técnica consistente na concessão dos efeitos do
provimento final antes do momento que normalmente lhe é reservado. Essa
antecipação pode ser tanto da tutela satisfativa como da tutela cautelar.5
Assim, os conceitos devem operar de modo que representem com tanta
fidelidade quanto possível o plano fenomenológico, o que permite esta-
belecer a relação sintática adequada: a antecipação da tutela contrapõe-
se à tutela final; a tutela satisfativa contrapõe-se à tutela cautelar.6

A adequada classificação ocorre da seguinte forma: a tutela definitiva


pode ser subdividida em tutela cautelar e tutela satisfativa. Em ambas há
cognição exauriente; na primeira, a cognição exauriente é referente ao di-
reito a cautela, porém sumária em relação ao pedido principal satisfativo;
a tutela definitiva possui cognição exauriente acerca do pedido principal
satisfativo. Em contraposição a elas, tem-se a técnica da tutela antecipató-
ria, de cognição sumária do direito pleiteado, sendo ele o direito à cautela
ou do pedido satisfativo.7

Na égide do CPC/1973, essa distinção, construída com apuro técnico e


percepção aguçada, não encontrava respaldo no texto normativo, edifica-
do sem tomá-la em conta, o que – por razões óbvias – causou resistência
doutrinária, ainda que injustificada do ponto de vista científico.

Com o novo Código de Processo Civil, a oposição à correta lição doutriná-


ria encontra apoio no próprio texto legal que, no art. 294, parágrafo único,
estabelece que a “A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada,
pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental”. No entanto,
do ponto de vista científico, há claro equívoco na terminologia legal.8

Perceba-se que o CPC/2015 preferiu a nomenclatura tutela provisória em


detrimento da mais utilizada tutela antecipada. Na verdade, a expressão
tutela antecipada, no CPC/2015, é utilizada como uma espécie da tutela
5
MITIDIERO, Daniel. Antecipação da tutela, cit., p. 112.
6
Em sentido contrário: DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 61-65.
7
Com raciocínio semelhante: DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 12ª
ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 637.
8
Para uma análise da construção conceitual doutrinária acerca da tutela cautelar e da tutela antecipada conferir: MITIDIERO,
Daniel. Antecipação da tutela, cit., p. 17-60.

130 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


provisória, particularmente quanto à tutela antecipada satisfativa de ur-
gência. Segundo essa linha, por exclusão, a tutela de evidência não seria
tutela antecipada e a tutela cautelar não poderia ser prestada, propria-
mente, por tutela antecipada. Repete-se, enfim, o grave erro conceitual já
apontado doutrinariamente.

A proposta doutrinária revela-se, inadequada. É que abarca sob o título de


tutela provisória a tutela cautelar, que não é provisória, mas temporária. O
ponto foi percebido com precisão por Ovídio A. Baptista da Silva, que, em
sua obra, esclareceu que a cautelar não se confunde com a tutela anteci-
pada satisfativa. Enquanto naquela assegura-se para executar, nesta há
execução para assegurar. A tutela cautelar não se confunde com a tutela
satisfativa e, por isso, não virá a ser substituída por uma decisão acerca
de seu objeto que perdurará no tempo. Portanto, ela não é provisória,
como a tutela antecipada satisfativa, que é substituída pela decisão final,
mas temporária, no sentido de que serve a um propósito que no futuro se
esvai, não sendo substituída por nada.

É importante a diferenciação dos conceitos: a tutela definitiva é aquela


que visa à satisfação do direito material da parte, a concessão do bem
da vida, enquanto isso, a tutela cautelar tem por objetivo a tutela de um
direito material a cautela, mas, ainda assim, trata-se de uma forma de
tutela. A antecipação de tutela é uma técnica satisfativa, aplicável a todas
as espécies de tutela: seja a definitiva, seja a cautelar e mesmo a executiva.

É importante a correta definição da tutela cautelar e da técnica antecipatória.


Por mais que se possa defender a fungibilidade entre os procedimentos,
foram inseridos dois procedimentos autônomos a depender da natureza
do provimento pleiteado: a tutela antecipada requerida em caráter
antecedente e o procedimento da tutela cautelar requerida em caráter
antecedente. Para que se possa utilizar adequadamente cada um desses
procedimentos, deve a parte ter conhecimento do que objetiva pleitear.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 131


2. A organização legislativa da tutela provisória no
CPC/2015

A despeito das considerações teóricas anteriores, o tratamento a ser dado


deve ter como base o direito positivo, sendo importante conhecer a estru-
turação da tutela provisória no CPC. O tema é tratado no Livro V da Parte
Geral do CPC, nos arts. 294 a 311. O Título I (artigos 294 a 299, do CPC)
traz as disposições gerais sobre a matéria, regulando tanto a tutela de
urgência como a tutela de evidência. A tutela de urgência é tratada pelo
Título II (artigos 300 a 310, do CPC) que também encontra subdivisão em:
disposições gerais (artigos 300 a 302, do CPC); procedimento da tutela an-
tecipada antecedente (artigos 303 e 304, do CPC); procedimento da tutela
cautelar antecedente (artigos 305 a 310, do CPC). Por fim, o art. 311, do
CPC dedica-se ao tratamento da tutela de evidência.

Essa organização pode ser resumida por meio do seguinte quadro:

132 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


3. Características gerais da tutela provisória

3.1. Fundamento da tutela provisória

O art. 294, caput, do CPC, aponta que a tutela provisória poderá ser re-
querida tanto com base na urgência quanto na evidência. Enquanto nas
tutelas de urgência, além da probabilidade do direito, impõe-se à parte a
demonstração do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo
(art. 300, caput, CPC), na tutela de evidência esse perigo de dano é dispen-
sado. Exige-se apenas a demonstração da evidência do direito.

3.2. Tutela provisória incidental ou antecedente

Nos termos do art. 294, parágrafo único, do CPC, a tutela provisória de ur-
gência, seja ela cautelar ou antecipatória, poderá ser requerida incidental-
mente a um processo ou de forma antecedente. Destaque-se que a tutela
de evidência apenas pode ser requerida de forma incidental.

O que determinará o enquadramento como antecedente ou incidental é


o momento em que se requer a tutela provisória, tendo como parâmetro o
pedido principal satisfativo. Em outros termos, a tutela provisória será an-
tecedente se for requerida antes de manejado o pedido principal, como
nas hipóteses dispostas nos arts. 303 e 304, do CPC (antecipada antece-
dente) e nos artigos 305 a 310, do CPC (cautelar antecedente).

A tutela provisória será incidental quando for requerida no mesmo mo-


mento ou depois de manejado o pedido principal. Há que se atentar que
não há limite temporal para a formulação do pedido de tutela provisória
incidental, que pode vir inserido na petição inicial, no recurso, em contrar-
razões e mesmo por meio de simples petição.9

A tutela provisória requerida em caráter incidental independe do paga-


mento de custas, nos termos do art. 295 do CPC. É que, neste caso, o
9
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil... cit., p. 673.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 133


processo já está formado e as custas iniciais já foram pagas no momento
de propositura da ação. O pedido incidental é feito através de simples pe-
tição nos autos. Sendo assim, não há fato gerador de nova taxa judiciária,
pois a máquina já está trabalhando para a solução do caso.

Para a tutela provisória requerida em caráter antecedente, o raciocínio


é o oposto: ela depende do pagamento de custas porque é o ato inicial
de provocação da jurisdição. A relação jurídica processual forma-se com
o pedido de tutela provisória (antecipada ou cautelar), exigindo que se
recolham as custas iniciais. O pedido é formulado em uma petição inicial,
devendo-se comprovar o recolhimento da taxa judiciária.

3.3. Momento e justificação de concessão da tutela provisória

A tutela provisória cautelar ou antecipada pode ser concedida liminarmen-


te, ou seja, inaudita altera parte, como também pode ser concedida em
qualquer outro momento do processo, a exemplo da sentença. A questão
é basicamente de verificação da configuração dos seus requisitos, pois é
possível que a probabilidade do direito venha a ser constada tão apenas
no momento da sentença.

É importante frisar que o termo liminar refere-se tão apenas ao momento


de concessão da tutela provisória, em nada se relacionando à natureza da
medida pleiteada, se cautelar ou antecipatória. A concessão de tutela pro-
visória liminar é uma exceção à regra de que não se proferirão decisões
contra uma das partes sem que ela seja ouvida (art 9º, caput, CPC).

Essa possibilidade excepcional de decisão liminar foi autorizada para os


casos de tutela provisória de urgência (art. 9º, parágrafo único, I, CPC) e
para duas hipóteses de tutela da evidência (art. 9º, parágrafo único, II,
CPC). Frise-se: a autorização da concessão de tais tutelas provisórias de
forma liminar não implica obrigatoriedade de que seja concedida nesse
momento. Há apenas a possibilidade, em caso de urgência devidamente
comprovada, de postecipação do princípio do contraditório. O art. 300,

134 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


§2º, do CPC, ainda permite, em casos de urgência não tão destacada, que
ao menos seja permitida uma justificação prévia por parte do réu.
Não havendo urgência destacada ou mesmo na ausência inicial do preen-
chimento dos pressupostos legais para a concessão da tutela provisória,
tal decisão pode ser tomada em outro momento do processo. Veja-se
que, mesmo concedida a tutela provisória na sentença, mantém-se a sua
utilidade, pois, em tal hipótese, a apelação não terá efeito suspensivo au-
tomático (art. 1.012, §1º, V, CPC).
Quanto à justificação necessária para a concessão de tutela provisória,
por mais que seja hipótese de cognição sumária, não há qualquer dis-
pensa da devida motivação. Tal situação é expressamente exigida pelo
art. 298 do CPC, em que se afirma que a decisão que conceda, negue, mo-
difique ou revogue a tutela provisória deve ser devidamente justificada de
forma clara e precisa.

3.4. Competência
A tutela provisória incidental deve ser requerida ao juízo da causa (art.
299, caput, CPC) que é fundamentada pela prevenção, pois é sempre pre-
vento para quaisquer demandas incidentais.10 Se o processo estiver no
tribunal, em grau de recurso, caberá ao respectivo órgão colegiado co-
nhecer do pedido.
A tutela provisória antecedente, formulada por meio de petição inicial au-
tônoma, será requerida ao juízo competente para conhecer do pedido
principal. Essa constatação é facilitada – inclusive para efeitos de controle
pelo juiz e réu – devido à exigência de que tanto na tutela antecipada an-
tecedente (art. 303, CPC) quanto na tutela cautelar antecedente (art. 305,
CPC) haja a indicação do pedido final.
Se a competência para o pedido principal for de competência do juiz sin-
gular, caberá a ele conhecer o pedido antecedente; se for de competência
de tribunal, caberá à turma ou câmara, por sorteio, conhecer do pedido
antecedente.
10
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017, t. III, p. 859.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 135


3.5. Legitimidade e atuação de ofício

Autor, réu e mesmo intervenientes do processo como o assistente po-


dem requerer a tutela provisória. A questão do interesse nesse pedido
deve ser verificada do ponto de vista de quem alegue ter direito à tutela
pretendida.

A tutela provisória deve ser concedida a partir de requerimento da parte.


Trata-se de exigência decorrente do princípio da congruência, não se po-
dendo ignorar o fato de que o cumprimento dessa espécie de tutela corre
sob o risco do requerente. O próprio CPC é bastante eloquente ao afirmar
que a tutela provisória será requerida (art. 295, do CPC).

Uma questão que ainda é polêmica envolve a atuação de ofício do ma-


gistrado, especialmente nas tutelas cautelares incidentais. Em relação à
tutela provisória antecedente, seja ela cautelar ou antecipatória e a tute-
la provisória antecipada de urgência ou de evidência, tem prevalecido a
necessidade de requerimento da parte, já que caberia à parte optar por
requerer antecipadamente parcela do pedido final assumindo o risco da
responsabilidade objetiva. Especialmente no caso da tutela provisória an-
tecedente, ainda há a questão da inércia judicial, pois se trata de procedi-
mento que depende claramente da iniciativa da parte.

No caso das cautelares incidentais, há quem defenda a possibilidade de


concessão de ofício sob o fundamento de que o seu objetivo é a tutela do
processo e não a satisfação do direito da parte. Como cabe ao juiz o zelo
pelos elementos exteriores do processo, tais como bens e provas, seria
admissível sua concessão de ofício.11

Não parece viável a concessão da tutela provisória de ofício, mesmo a


cautelar. Para além da própria dificuldade em admitir que a tutela cau-
telar é uma tutela do processo e não de um direito material da parte,
não se pode simplesmente ignorar a regra da congruência e o problema

11
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017, t. III, p. 862.

136 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


da responsabilidade objetiva do requerente, que deverá arcar com os
prejuízos decorrentes do seu cumprimento. Apenas se pode admitir que
haja a concessão da tutela provisória de ofício se houver expressa previsão
legal nesse sentido, a exemplo do que ocorre com o pedido de fixação de
alimentos provisórios em ação de alimentos (art. 4º, da Lei 5.478/1968).12

3.6. A reversibilidade da decisão e a prestação de caução

Na concessão da tutela provisória de natureza antecipada tem-se preo-


cupação com os problemas da irreversibilidade da decisão, apontando-se
que, em tais casos, ela não dever ser concedida (art. 300, §3º, CPC). Frise-
se que, embora o texto normativo faça menção tão apenas à tutela pro-
visória de urgência antecipada, trata-se de elemento a ser verificado tam-
bém nas tutelas provisórias de urgência cautelar e de evidência. Afinal,
o mesmo risco de irreversibilidade também pode ser observado em tais
situações.
A diferença aqui pode ser de grau entre as tutelas de urgência e de evi-
dência. Isso porque, na tutela provisória de evidência, a legislação pres-
supõe que a probabilidade do direito é maior do que aquela exigida para
a tutela provisória de urgência, portanto, a possibilidade de mudança da
decisão seria menor. Por conta disso, o risco da irreversibilidade tem me-
nor importância na análise da concessão da tutela da evidência.
A irreversibilidade é um elemento bastante presente na análise da tutela
provisória, e em diversos casos não é faticamente viável o retorno ao es-
tado anterior.
Basta pensar nas hipóteses de concessão de tutela provisória a hipos-
suficiente de tratamento médico de alto valor. A mesma situação ocorre
na concessão de benefícios previdenciários a indivíduos em situação de
miserabilidade. Em nenhum desses casos é possível vislumbrar a possi-
bilidade de ressarcimento aos cofres públicos de tais valores adiantados.
12
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 12ª ed. Salvador: Juspodivm,
2017, v. 2, p. 673.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 137


O fato é que o risco de irreversibilidade, ao contrário do que parece apon-
tar o texto normativo, não pode ser um elemento insuperável. Trata-se
de nítida hipótese em que há a necessidade da ponderação dos direitos
fundamentais em jogo, devendo a decisão ser justificada nos termos do
art. 489, §2º, do CPC.

Como forma de mitigar o risco de irreversibilidade, a legislação permite


que, para a concessão da tutela de urgência, o juiz possa “exigir caução
real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte pos-
sa vir a sofrer” (art. 300, §1º, CPC). Em tal situação, o objetivo é o de garan-
tir que aquele prejudicado pela concessão da tutela provisória possa, ao
menos, ser ressarcido em pecúnia.

Essa mesma caução, por outro lado, não pode ser exigida nas situações
em que a parte economicamente não disponha de meios para oferecê-la
(art. 300, § 1º, CPC). Basta voltar ao exemplo do benefício previdenciário
para vislumbrar que a exigência de caução simplesmente tornaria impos-
sível a concessão da tutela provisória.

A exigência de caução, embora esteja prevista expressamente para a tute-


la provisória de urgência também pode vir a ser exigida nas tutelas provi-
sórias de evidência. Afinal, trata-se de uma forma de mitigar os riscos de
irreversibilidades das decisões que também estão presentes na tutela de
evidência. No entanto, a lógica é igual à análise da irreversibilidade para
a concessão da tutela da evidência, pressupondo-se que a revogação da
decisão antecipatória tem poucas chances de ocorrer. Portanto, a caução,
embora possa ser exigida na concessão da tutela da evidência, apenas
poderá sê-lo em casos excepcionais.

3.7. Recurso

A tutela provisória, como já apontada, pode ser concedida em qualquer


momento do processo, por meio de decisão interlocutória. O recurso

138 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


padrão para a impugnação dessa espécie de decisão será o agravo de
instrumento (art. 1.015, I, CPC).
No entanto, a tutela provisória pode vir a ser concedida tão apenas na
sentença, caso em que não será cabível a utilização do agravo de instru-
mento. Em tal hipótese, por expressa previsão legal, também o capítu-
lo que impugna a tutela provisória deverá ser incluído na apelação (art.
1.013, §5º, CPC).
Sendo concedida apenas no tribunal, abrem-se duas hipóteses de
recorribilidade:
i) no caso de decisão monocrática, o recurso adequado será o agravo
interno (art. 1.021);
ii) na hipótese de decisão colegiada, não se admite a utilização do recurso
extraordinário por decorrência do enunciado n. 726 da jurisprudên-
cia dominante do STF (não cabe recurso extraordinário contra acórdão
que defere medida liminar). Por outro lado, em tese, será cabível o
recurso especial para discutir os requisitos para a concessão da tutela
provisória.
O problema é que o STJ entende que, em regra, não se afigura possível a
utilização do recurso especial para a impugnação da tutela provisória ante
a natureza precária e provisória do juízo de mérito decisório, que pode ser
revertido a qualquer momento, o que configura ausência do pressupos-
to constitucional relativo ao esgotamento de instância, imprescindível ao
trânsito da insurgência extraordinária.13 Há, aqui, a utilização do mesmo
raciocínio da súmula 735 do STF. Para além de tais argumentos, em outros
casos também se afirma que a análise do preenchimento dos requisitos
para a concessão da tutela provisória dependeria “da reapreciação do
contexto fático-probatório dos autos, providência inviável em sede de
recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ”.14

13
STJ, 2ª T., REsp 1.706.944/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 12/12/2017, DJe 19/12/2017.
14
STJ, 4ª T., AgRg no AREsp 849.649/ES, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 19/10/2017, DJe 25/10/2017; STJ, 1ª T., AgRg no AREsp
273.744/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 19/09/2017, DJe 28/09/2017.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 139


3.8. Efetivação da tutela provisória

A tutela provisória foi inserida na legislação processual como uma forma


de conceder maior eficiência à atividade jurisdicional, diminuindo os efei-
tos danosos que o tempo do processo pode gerar nas partes. Por conta
disso, há notável preocupação também com a efetivação das decisões
advindas das tutelas provisórias.
Nesse sentido, o art. 297, caput, do CPC, estabelece uma cláusula geral
processual, permitindo ao juiz a determinação das medidas que conside-
re adequadas à efetivação da tutela provisória, o que, por óbvio, sempre
de forma justificada.
No caso de decisões executivas e mandamentais, tem ainda maior impor-
tância a referida cláusula geral processual, permitindo ao juiz, no caso de
recusa de cumprimento da decisão, utilizar-se de medidas como a multa
(art. 536, § 1º, do CPC), da determinação de busca e apreensão (art. 536, §
1º, do CPC), dentre outras medidas.
Nas decisões condenatórias, deve haver a utilização, no que couber, das
regras relativas ao cumprimento provisório da sentença (art. 297, parágra-
fo único, CPC). Deverá o juiz atuar tendo esse cumprimento como “parâ-
metro operativo”, operando simplificações, como forma de sanar adequa-
damente o perigo de dano irreparável existente na tutela provisória.15

3.9. Alterabilidade da tutela provisória

A tutela provisória é concedida tendo por base uma cognição sumária,


sendo ainda dependente do aprofundamento quanto aos fatos, como
também ao direito. Por conta disso, o art. 296, caput, do CPC permite que
a decisão originária seja alterada a qualquer tempo, podendo tanto con-
ceder tutela negada anteriormente quanto revogar a tutela concedida.

15
COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 300. CUNHA, Leonardo Carneiro da; NUNES, Dierle; STRECK, Lenio;
FREIRE, Alexandre. Comentários ao código de processo civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 425

140 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


Parte-se aqui do pressuposto de que a alteração não veio por meio de
decisão em sede de recurso. A lógica da tutela provisória é a de que ela é
concedida sob a cláusula rebus sic stantibus, sendo viável revisitar a deci-
são originária diante de: i) fatos novos; ii) produção de novos elementos
probatórios16; e iii) o surgimento de fatos preexistentes, mas não alegados
anteriormente pelas partes.17 Basta pensar em hipótese de concessão de
benefício previdenciário a suposto trabalhador rural, mas que, posterior-
mente, durante a instrução, surgem provas robustas da inexistência da
condição de trabalhador do campo.
Parece viável que se admita também nova decisão sobre o tema caso, após
a decisão originária, surja novo precedente obrigatório (art. 927, CPC), hi-
pótese que alteraria o estado de probabilidade do direito.18 Imagine-se hi-
pótese na qual requer o autor concessão de tutela provisória em matéria
tributária e, durante o processo, o STF edite súmula vinculante apontando
a constitucionalidade da referida cobrança tributária.
Não havendo qualquer alteração do estado de direito ou de fato, a tutela
provisória permanece eficaz, mesmo durante o período de suspensão do
processo (art. 296, parágrafo único, CPC).

3.10. Responsabilidade objetiva

A efetivação da tutela provisória é um direito do autor, mas que, natu-


ralmente, possui aptidão de causar prejuízos ao réu. Por conta disso, há
notável preocupação da legislação em estabelecer a necessidade de res-
tituição das partes ao estado anterior, com a necessidade de reparação
dos danos em algumas situações (art. 520, I e II, CPC).

O art. 302 do CPC afirma que, para além da possibilidade de reparação


pelo dano processual, a parte responderá pelo prejuízo que a efetivação

16
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela da evidência. São Paulo: RT, 2017, p. 218; DIDIER JR., Fredie;
BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 12ª ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 665.
17
ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2015, v. 2, t. II, p. 467.
18
Com o mesmo raciocínio: ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2015, v. 2, t. II, p. 468.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 141


da tutela de urgência causar à parte adversa. Deve-se compreender que
o mencionado texto normativo, embora faça menção apenas à tutela de
urgência, também deve ser aplicado à tutela da evidência. Para além da
própria situação análoga de que ambas são espécies de cognição sumária,
o art. 520, I e II, do CPC, ao fazer menção à necessidade de reparação de
danos não faz nenhuma diferença entre tutela de urgência e de evidência.

Essa responsabilidade regulada pelo art. 302 do CPC é um efeito anexo


da decisão que se amolde a uma das hipóteses do texto normativo.19 Por
exemplo, a decisão que acolhe a alegação de prescrição do direito do au-
tor não precisa se manifestar sobre a necessidade de reparação dos da-
nos pela tutela provisória concedida.20 Além disso, trata-se de hipótese de
responsabilidade objetiva, sendo independente da culpa,21 derivada do
entendimento de que o requerente da tutela provisória assume o risco de
indenizar a parte adversa ao requerer a mudança da situação de fato com
base em cognição sumária.22

Incumbe àquele que sofreu o prejuízo requerer a liquidação, sempre que


possível, nos mesmo autos em que executada a tutela provisória (art. 302,
parágrafo único, CPC). Nessa liquidação, deverá haver a comprovação da
existência do dano gerado pela tutela provisória e do nexo causal.
Dentre as hipóteses previstas no art. 302, inciso I, do CPC a primeira delas
é na hipótese em que a sentença, desde que transitada em julgado,23 seja
desfavorável ao requerente da tutela provisória. Muito embora regulada
de forma autônoma, no inciso IV, a hipótese de reconhecimento da ale-
gação de prescrição ou decadência é também uma hipótese de sentença
desfavorável.Em ambas as hipóteses tem-se o surgimento do dever de
indenização pela efetivação da tutela provisória.

19
ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2015, v. 2, t. II, p. 482.
20
STJ, 4ª T., AgInt no REsp 1.630.716/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 15/12/2016, DJe 02/02/2017; STJ, 2ª Seção, REsp
1.548.749/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 13/04/2016, DJe 06/06/2016.
21
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela da evidência. São Paulo: RT, 2017, p. 222; STJ, 4ª T., AgInt no REsp
1.630.716/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 15/12/2016, DJe 02/02/2017; STJ, 2ª Seção, REsp 1.548.749/RS, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, j. 13/04/2016, DJe 06/06/2016.
22
ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2015, v. 2, t. II, p. 480.
23
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela da evidência. São Paulo: RT, 2017, p. 222.

142 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


Há também o surgimento do dever de indenizar quando obtida liminar-
mente a tutela em caráter antecedente e o autor não fornecer os meios
necessários para a citação do requerido no prazo de cinco dias (art. 302, II,
CPC). Essa previsão decorre da preocupação com a necessidade de comu-
nicação ao réu da tutela provisória concedida, permitindo-lhe rebater os
argumentos para a concessão da medida com a maior brevidade possível.
Nessa hipótese, a responsabilidade pelos danos é mantida independente-
mente do resultado final do processo e será limitada aos danos provoca-
dos durante o espaço de tempo em que o réu não participou do processo
em decorrência do atraso da citação.24

A última hipótese ocorre nos casos em que venha a cessar, em qualquer


hipótese legal, a eficácia da medida (art. 302, III, CPC). Nessa hipótese é
necessária a conjugação com o art. 309 do CPC, que faz menção à cessa-
ção da eficácia da tutela cautelar antecedente. Em especial, as hipóteses
em que não há dedução do pedido principal no prazo legal (art. 309, I,
CPC) e quando a tutela não é efetivada em trinta dias, caso, por algum
motivo, ela ainda venha a ser efetivada depois desse período.

3.11. Fungibilidade e correção da tutela provisória

Como já visto anteriormente, a tutela provisória pode ser antecipada, de


urgência ou de evidência, e cautelar. Além disso, no caso das tutelas de
urgência, é possível a utilização de pedido antecedente, com diferentes
procedimentos para o caso da tutela cautelar e da tutela antecipada.

Podem, no entanto, existir situações em que haja uma possível confusão


em relação à natureza jurídica de um pedido, se ele tem natureza cautelar
ou antecipada. No caso do requerimento incidental, a situação é mais sim-
ples, pois o art. 300, caput, do CPC não parece vedar que haja a concessão
de tutela cautelar mesmo quando o pedido seja antecipatório. Afinal, em
ambos há o risco da demora; apenas ele se comporta de forma diversa.
24
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela da evidência. São Paulo: RT, 2017, p. 224.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 143


A questão ganha maior importância no caso do pedido antecedente, que
será analisado com mais detalhes a seguir, mas que é diverso a depender
de o pedido ser antecipatório ou cautelar. No caso da fungibilidade entre
o pedido cautelar e o antecipatório, há expressa previsão legal dessa pos-
sibilidade (art. 305, parágrafo único, CPC), caso em que o juiz seguirá o
rito da tutela antecipada requerida em caráter antecedente. No entanto,
deve ser admitida igualmente a fungibilidade de mão dupla, abarcando a
possibilidade de que, a parte realizando pedido antecipatório anteceden-
te, o juiz venha a recebê-lo como tutela cautelar em caráter anteceden-
te.25 Frise-se que nas duas situações o juiz deve seguir o rito que estiver
adequado com a natureza correta do pedido da parte: entendendo que
se trata de pedido antecipatório, deve seguir o rito dos arts. 303 e 304 do
CPC; entendendo que se trata de pedido cautelar, o rito a ser seguido será
o dos arts. 305 a 310 do CPC.

Há, ainda, outra possibilidade: a parte requer tutela de evidência, no en-


tanto, a situação jurídica descrita não se encaixa em nenhuma das situ-
ações descritas no art. 311, do CPC por outro lado, há probabilidade do
direito e periculum in mora. A mesma situação ocorre no caso de pedido
de tutela de urgência, em que, na verdade, há apenas evidência do direito,
mas não há urgência.

Muito embora já há certo tempo a doutrina tenha demonstrado que há


certo intercâmbio entre a urgência e a probabilidade do direito, havendo
casos em que a maior força de um compensa a falta do outro,26 deve-se
compreender que o CPC tratou de diferenciar os pressupostos e regime
jurídico das duas situações. É de se levar em consideração também o di-
reito ao contraditório da outra parte, que deve ter conhecimento dos ar-
gumentos daquele que requer tutela provisória.

Tudo isso significa que, caso o juiz verifique que há requerimento de tutela
provisória, mas seja caso de tutela da evidência ou o contrário, não deve
25
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 12ª ed. Salvador: Juspodivm,
2017, v. 2, p. 699.
26
COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011.

144 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


simplesmente indeferir o pedido ou deferir o que considerar adequado.
Trata-se de uma espécie de inépcia, devendo haver intimação da parte
para corrigir tais vícios (art. 321, CPC). Essa possibilidade de intimação
para correção do pedido de tutela provisória deve ser utilizada não ape-
nas nas situações em que o equívoco da parte ocorre na petição inicial,
mas em qualquer situação de requerimento de tutela provisória.

4. Tutela de urgência

A tutela de urgência é subdividida em tutela cautelar e tutela antecipada


de urgência. No primeiro tópico deste capítulo, o objetivo foi o de delimi-
tar a diferenciação entre tutela cautelar e tutela antecipada. Neste tópico,
iniciamos o estudo com a contínua diferenciação entre as duas, agora, a
partir dos requisitos para a sua concessão. Esse estudo é importante para
que se verifique o que se está pedindo caso o requerimento seja inciden-
tal ou autônomo.

A legislação optou por inserir a probabilidade do direito como requisito


genérico para a concessão da tutela de urgência, seja ela antecipatória ou
cautelar. Portanto, não fazem mais sentido tentativas de diferenciação
baseadas em um suposto maior rigor para a concessão de tutela ante-
cipatória em relação à tutela cautelar, questões que foram sempre igno-
radas do ponto de vista pragmático, já que o cotidiano forense jamais se
perdeu em tais diferenciações.27 Em suma, o texto normativo exige que
seja demonstrada a probabilidade do direito do objeto da lide principal.

A diferenciação entre as duas passa a ser operada a partir do periculum


in mora. Enquanto na técnica antecipatória ele tem por base o perigo de
dano, na tutela cautelar, o periculum in mora é representado pelo risco ao
resultado útil do processo.
27
COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 300. CUNHA, Leonardo Carneiro da; NUNES, Dierle; STRECK, Lenio;
FREIRE, Alexandre. Comentários ao código de processo civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 429.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 145


Na tutela antecipada o risco daquele alegado está relacionado à possibili-
dade de que a demora natural do processo possa representar a inutilida-
de do provimento final. Por exemplo, no caso da parte que requer o for-
necimento de medicamentos pelo poder público e requer que eles sejam
fornecidos imediatamente, sob pena de risco de morte do autor caso seja
necessário esperar a prolação da sentença.

Por outro lado, na tutela cautelar, o risco está relacionado à possibilidade


de a tutela final tornar-se infrutífera a eventual posterior execução. Em
uma ação de cobrança, a parte tem o conhecimento de que o réu está se
desfazendo de seus bens e requer que sejam arrestados bens suficientes
para que a execução posterior possa ter sucesso.

4.1. Tutela antecipada requerida em caráter antecedente

O procedimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente


é regulado pelos artigos 303 e 304 do CPC/2015. Para que a parte possa
se utilizar desse procedimento, deverá a petição inicial conter os seguin-
tes elementos: a) requerimento da tutela antecipada de urgência, com
a demonstração de que ela é contemporânea à propositura da ação; b)
exposição do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo;
c) exposição do conflito; d) indicação do pedido de tutela final (art. 303,
caput, do CPC); e) indicação de que pretende se valer do benefício do art.
303, do CPC; e f) valor da causa, que tem por base o pedido de tutela final
(art. 303, § 4º, do CPC).

Esses são os requisitos básicos para o juízo de admissibilidade da inicial,


muito embora ainda seja evidente a necessidade da demonstração de que
existem elementos que evidenciem a probabilidade do direito em relação
ao mérito (art. 300, do CPC). Naturalmente, como indicado por Eduardo
José Fonseca da Costa, esses requisitos podem ser compensados entre
si, sendo possível que uma urgência extremada requeira o deferimento

146 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


da tutela antecipada, mesmo que a probabilidade do direito seja frágil.28

Nesse caso, não seria possível a compensação da ausência de urgência


com uma evidência preponderante, posto que o CPC/2015 não permite a
utilização desse procedimento antecedente nas tutelas de evidência.

Há de se compreender que esse procedimento foi pensado para admitir


uma petição inicial mais simples, com a mera exposição da situação de ur-
gência e a probabilidade do direito, ficando para um momento posterior
o acréscimo de maiores detalhes. No entanto, não há qualquer vedação
da utilização desse procedimento mesmo quando a parte tenha todos
os elementos para ingressar com o processo principal. Afinal, trata-se
de uma faculdade da parte de se utilizar desse procedimento que pode
adiantar a fruição do pedido sem que haja necessidade do procedimen-
to comum que pode se alongar por um considerável período de tempo.
Portanto, muitas vezes pouco será acrescentado no momento posterior
ao (in)deferimento do pedido antecipatório.

4.1.1. Procedimento quando há concessão da tutela


antecipada

Sob um ponto de vista geral, após concedida a tutela antecipada liminar,


têm-se duas situações iniciais: a) o autor será intimado para emendar a
petição inicial e a confirmar o pedido de tutela final, em quinze dias, ou em
outro prazo maior que o juiz fixar (art. 303, § 1º, inciso I, do CPC); b) o réu
será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação
(art. 303, § 1º, inciso II, do CPC), também com essa citação sendo iniciado
o prazo para a interposição do agravo de instrumento (art. 1.015, inciso I,
do CPC).

Parte-se da premissa de que a intimação do autor e a citação do réu serão


realizadas de forma concomitante. Assim, ao conceder a tutela antecipada
inaudita altera parte, o juiz determinará, ao mesmo tempo, a intimação do
28
COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 145-175.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 147


autor para aditar a inicial e a citação do réu. Há quem entenda que esses
prazos são sucessivos e não simultâneos, ou seja, primeiro seria contado
o prazo do réu e, posteriormente, caso não seja interposto o recurso, o
autor seria intimado para aditar a inicial29 e, ainda, que o prazo para o adi-
tamento apenas seria iniciado após a efetivação da tutela antecipada.30

Deferida ou não a tutela antecipada, será o caso de complementação da


petição inicial. Parcela da doutrina vem defendendo que não seria pos-
sível o aditamento da causa de pedir e do pedido de tutela, sob pena de
violação do princípio da boa-fé.31 Não parece haver uma vedação a essa
alteração, mas tão somente uma exigência de que, caso haja alteração do
pedido ou da causa de pedir, o réu terá de concordar com ela, além de lhe
ser possibilitado novo prazo de quinze dias para se manifestar (art. 329, II,
CPC), caso a citação tenha sido para oferecer contestação.
Sendo deferida e estabilizada a tutela antecipada, o processo será extinto
com resolução do mérito32, com a manutenção dos efeitos da antecipação
de tutela (art. 303, §§ 1º e 3º, CPC). Caso seja deferida a tutela antecipada
e não aditada a petição inicial, o processo será extinto sem resolução do
mérito (art. 303, §§ 2º, CPC). Deve-se apontar que, uma vez estabilizado o
processo, o cumprimento de sentença deve ter por base o procedimento
definitivo do cumprimento e não o provisório.
Após a extinção desse processo, ambas as partes poderão entrar com ou-
tra ação, com o objetivo de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada
estabilizada (art. 303, § 2º, do CPC), cujo prazo é de dois anos, contados da
ciência da decisão de extinção do processo (art. 303, § 5º, do CPC). Parece
ser possível ir além da literalidade do texto normativo para admitir que
29
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 57ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, v. 1, p. 660.
30
REDONDO, Bruno Garcia. Estabilização, modificação e negociação da tutela de urgência antecipada antecedente:
principais controvérsias. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 244, jun.-2015, p. 179.
31 ARAÚJO, Fabio Caldas de. Curso de processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016, t. I, p. 998. De forma semelhante, mas
sem fazer referência à causa de pedir: MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela da evidência. São Paulo: RT,
2017, p. 230.
32
ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2015, v. II, t, II, p. 491; ARAÚJO, Fábio Caldas. Curso de processo
civil. São Paulo: Malheiros, 2016, t. I, p. 1.001. Em sentido contrário, entendendo trata-se de extinção sem exame do mérito:
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, versão digital, tópico 9.1; SICA,
Heitor Vitor Mendonça. Doze problemas e onze soluções quanto à chamada “estabilização da tutela antecipada”. COSTA,
Eduardo José da Fonseca; PEREIRA, Mateus Costa; GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos (coords.). Tutela provisória. Salvador:
Juspodivm, 2016, p. 353.

148 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


essa outra ação seja ajuizada com o objetivo de exaurir a cognição,33 não

estando limitada às hipóteses de revisão, reforma ou invalidação da tutela


antecipada estabilizada. Interpretar desta forma seria impedir que a parte
autora tivesse direito a um procedimento de cognição exauriente e, por
consequência, à coisa julgada material, o que não parece ser adequado.
Destaque-se que tanto o autor como o réu podem entrar com a ação de
cognição exauriente. É possível imaginar que o próprio autor tenha inte-
resse na instauração dessa ação. Eduardo Talamini menciona interessan-
te hipótese. Promovida medida de urgência para a suspensão dos efeitos
de assembleia geral societária, cujo pedido de tutela final fosse a invalida-
de do conclave. Mesmo que concedida e estabilizada a tutela antecipada,
não teria havido cognição acerca da validade da assembleia. Esse cenário
de insegurança não satisfaria nenhuma das partes, motivo pelo qual, nes-
se caso, o próprio autor teria interesse jurídico em promover a ação de
cognição exauriente.34

4.1.2. Procedimento no caso de indeferimento da tutela antecipada

Caso haja o indeferimento da tutela antecipada, o magistrado deverá de-


terminar o aditamento da petição inicial em até cinco dias, para que seja
instaurado o procedimento comum, de cognição exauriente. Não o fazen-
do, será o processo extinto sem resolução do mérito (art. 303, §6º, CPC).
É curioso observar que, no caso do deferimento da tutela antecipada, o
prazo para complementação da petição inicial será de quinze dias e, no
caso do indeferimento, de apenas cinco dias.

Da decisão que não concede a tutela antecipada, também é possível a


interposição do agravo de instrumento (art. 1.015, I, CPC), muito embora,
nesse caso, a eventual reforma da decisão não deva gerar uma possível
estabilização. O que deve ocorrer é tão apenas a concessão de uma tutela
33
MITIDIERO, Daniel. Comentários ao art. 303. DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim;
DANTAS, Bruno. Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 789.
34
TALAMINI, Eduardo. Tutela de urgência no Projeto do Novo Código de Processo Civil: a estabilização da medida urgente
e a “monitorização” do processo civil brasileiro. Revista de Processo. São Paulo: RT, jul-2012, no 209, p. 27.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 149


provisória incidental.

É possível ainda à parte o requerimento de nova tutela antecipada após


a complementação da petição inicial, com novos argumentos e novas
provas, caso em que terá natureza incidental.

4.1.3. A estabilização da tutela antecipada

Uma vez estabilizada a tutela antecipada antecedente, deve-se ter em


ment e que a decisão inicial é baseada em cognição sumária. Portanto,
essa estabilização não deve ser equiparada à coisa julgada como expres-
samente o faz o CPC (art. 304, §6º, CPC). A característica dessa estabiliza-
ção é a de que ela só poderá ser afastada por meio do processo de revisão
(art. 304, §2º, CPC) e, enquanto não houver decisão em sentido contrário,
conservará os seus efeitos (art. 304, 3º, CPC).

Note-se que essa estabilização inicial possui o prazo de dois anos, que
é justamente o prazo para o ajuizamento da ação de revisão. Um dos
aspectos mais polêmicos acerca da tutela antecipada antecedente é jus-
tamente aquele relativo ao fenômeno que passa a caracterizar a decisão
após esses dois anos. Não há aqui nada próximo de uma unanimidade
doutrinária, sendo perceptível a existência de diversos posicionamentos
divergentes.

Há doutrina defendendo que, após esse prazo de dois anos, tem-se coisa
julgada material sobre a decisão provisória estabilizada35. Por conta dis-
so, seria cabível ação rescisória após esses dois anos36. Assim,
35
Apenas tratando da existência de coisa julgada: GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no código
de processo civil de 2015. MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre. Doutrina Selecionada: Procedimentos
Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 4, p. 206; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira.
Apontamentos para a tutela provisória (urgência e evidência) no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. São
Paulo: RT, v. 254, abr.-2016, p. 206; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 56ª Rio de Janeiro:
Forense, 2015, v. 1, versão eletrônica, tópico 494; ARAÚJO, Fábio Caldas. Curso de processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016,
v. 1, p. 1.002.
36
Fazendo menção à coisa julgada e à ação rescisória: GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André
Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria geral do processo – comentários ao CPC de 2015 – parte geral. São
Paulo: Método, 2015, p. 903; REDONDO, Bruno Garcia. Estabilização, modificação e negociação da tutela de urgência
antecipada antecedente: principais controvérsias. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 244, jun.-2015, p. 187-188; ASSIS,
Araken de. Processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2015, v. II, t, II, p. 491.

150 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


passado o prazo da ação de revisão, seria iniciado automaticamen-
te o prazo para o ajuizamento da ação rescisória (art. 975, CPC/2015),
tendo também como característica uma menor amplitude de impug-
nação da decisão, agora limitada aos incisos do art. 966, CPC/2015.

A existência da coisa julgada teria por base o afastamento da relação en-


tre coisa julgada material e a cognição exauriente, que não se adequaria
ao CPC/2015. Como a coisa julgada seria tão somente o fenômeno que
impede a (re)propositura de demandas que tenham por objetivo modifi-
car anterior julgamento de mérito, este poderia ser encaixado na situação
da tutela provisória não impugnada no período de dois anos. Além disso,
o § 6º do art. 304, do CPC não impediria essa conclusão, pois ele trata-
ria apenas da inexistência de coisa julgada da decisão estabilizada, mas
não da situação jurídica que viria a existir após os dois anos37. A mesma
conclusão também é atingida por outros autores, visto que haveria um
suposto mérito próprio nesse procedimento de tutela antecipada antece-
dente (perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo e a pro-
babilidade do direito) e ainda pelo fato de que a cognição exauriente não
seria um óbice à atribuição da qualidade de coisa julgada material a essa
decisão, uma vez que todo juízo histórico seria apenas de verossimilhança
e a única diferença entre essa decisão e uma sentença do procedimento
comum seria o contraditório, que teria sido entendido como prescindível
pelo réu38. Não seria incompatível a concessão de eficácia de coisa jul-
gada a decisões baseadas tão somente em verossimilhança, como seria o
exemplo da sentença cautelar, emitida em revelia perante a pretensão à
segurança.39

Ao contrário do que defende Bruno Garcia Redondo, o § 6º, do art. 304,


do CPC parece vedar, por completo, a existência da coisa julgada. Não há
qualquer indicação de que essa estabilização poderia se transformar em
37
REDONDO, Bruno Garcia. Estabilização, modificação e negociação da tutela de urgência antecipada antecedente... cit., p.
187-188.
38
GOMES, Frederico Augusto; RUDINIKI NETO, Rogério. Estabilização da tutela de urgência: algumas questões controvertidas.
MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (coords.). Doutrina Selecionada: Procedimentos Especiais, Tutela
Provisória e Direito Transitório. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 4, p. 170.
39
ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro... cit., p. 491.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 151


coisa julgada material, após passados os dois anos da ação de revisão.

A discussão, de fato, não deve passar pela (in)existência de cognição


exauriente, uma vez que nada impediria que o legislador impusesse a
produção da coisa julgada material nesse procedimento.40 Situação seme-
lhante ocorre na ação monitória, em que, mesmo uma tutela de evidência
– também de cognição provisória -, tem aptidão para, caso não seja em-
bargada, ser acobertada pela coisa julgada material (art. 701, CPC/2015).
O óbice existente para esse novo procedimento é legislativo, não cabendo
à doutrina modificar a natureza da estabilização para a coisa julgada. É
uma tentativa de suprir uma lacuna axiológica41 de forma ilegítima, de-
vendo ser afastada.

Há quem defenda o cabimento da ação rescisória nessa hipótese, mas


por outros fundamentos. Para tanto, sustenta que, segundo o §2º, do art.
966, do CPC/2015, também se admite a ação rescisória contra a sentença
terminativa que impeça a repropositura da demanda, o que fez ampliar
o cabimento da referida ação para casos em que não há coisa julgada.
Como, supostamente, não há coisa julgada na sentença terminativa, seria
possível que a coisa julgada teria deixado de ser condição sine qua non
para a admissão da ação rescisória, permitindo a impugnação dessa tute-
la antecipada por dois anos42.

Por mais que seja possível interpretar que o autor tenha tido o objetivo de
fazer referência à ausência de coisa julgada material, não parece adequada
a admissão da rescisória contra tais decisões. Há de se perceber que qual-
quer das partes já possui o prazo de dois anos para entrar com outra ação
visando discutir amplamente a tutela antecipada anteriormente concedi-
da. Simplesmente parece injustificável admitir que essa tutela antecipada
40
Como destaca Marcelo Barbi, “Não há nada, absolutamente nada, no ordenamento jurídico que impeça a atribuição
definitiva de um bem da vida com base em uma cognição sumária”. (GONÇALVES, Marcelo Barbi. Estabilidade soberana da
tutela provisória e coisa julgada: uma proposta de sistematização. Texto inédito, gentilmente cedido pelo autor).
41
A lacuna axiológica consiste em uma regulação de um determinado suporte fático de forma não satisfatória para o
intérprete. Não há propriamente lacuna, mas uma discordância na valoração da forma com a qual foi tratada normativamente
o tema. (GUASTINI, Riccardo. Problemas de conocimiento del derecho vigente. MORATONES, Carles Cruz; BLANCO, Carolina
Fernández; BELTRÁN, Jordi Ferrer (ed.). Seguridad jurídica y democracia em Iberoamérica. Madrid: Marcial Pons, 2015, p. 24).
42
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. São Paulo: Método, 2015, p. 211-212.

152 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


fique sujeita a ser impugnada por mais dois anos via ação rescisória.

Afinal, o entendimento mais adequado parece ser o de que, mesmo após


os dois anos, não haverá a formação da coisa julgada material43. Além da
dicção expressa do art. 304, § 6º, do CPC é preciso perceber que o pró-
prio procedimento não foi construído para a produção da coisa julgada. O
seu objetivo não é este, mas tão somente o de satisfação fática da parte.
Afinal, se o objetivo da parte é o de obter a coisa julgada material, tem-se
o procedimento comum para tanto. Impor a formação da coisa julgada
material no procedimento de antecipação de tutela antecedente é tentar
encaixar antigos conceitos a fórceps no fenômeno da estabilização. Trata-
se de uma forma de simplificar a estabilização.
No entanto, mesmo para aqueles que defendem a inexistência da coisa
julgada material, os posicionamentos são divergentes. Há posicionamen-
to no sentido de que, ultrapassados os dois anos previstos no art. 304, §5º,
do CPC, uma eventual discussão em juízo sobre o mesmo direito material
não poderia ser rejeitada com base na preliminar de coisa julgada (art.
485, V, CPC), mas seria cabível a análise do tema, no mérito, com eventual
extinção com base na prescrição ou decadência (art. 487, II, CPC). Assim,
caberia ampla discussão sobre o tema e, reconhecido que a matéria está
estabilizada nos termos do art. 304, §6º, CPC, o processo seria extinto com
resolução do mérito (art. 487, inciso II, do CPC).44

Este posicionamento não parece avançar muito no tratamento do tema.


A única real diferença é a forma de extinção da decisão: para os que de-
fendem a existência da coisa julgada, esta ocorreria pelo seu respectivo
43
Nesse sentido: NUNES, Dierle; ANDRADE, Érico. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência
antecipatória no novo CPC e o mistério da ausência de formação da coisa julgada. MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO,
Ravi; FREIRE, Alexandre (coords.). Doutrina Selecionada: Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório.
Salvador: Juspodivm, 2015, v. 4, p. 80; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual
civil. 10ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 2, p. 612-613; COSTA, Adriano Soares da. Estabilização da tutela de urgência.
Texto inédito, gentilmente cedido pelo autor.; SICA, Heitor Vitor Mendonça. Doze problemas e onze soluções quanto à
chamada “estabilização da tutela antecipada”. COSTA, Eduardo José da Fonseca; PEREIRA, Mateus Costa; GOUVEIA FILHO,
Roberto P. Campos (coords.). Tutela provisória. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 353. Também nesse sentido, apontando que
seria inconstitucional a previsão de coisa julgada em face da limitação ao contraditório e ao direito à prova: MITIDIERO,
Daniel. Autonomização e Estabilização da Antecipação da Tutela no Novo Código de Processo Civil. Revista Magister de
Direito Civil e Processual Civil, no 63, nov./dez.-2014, p. 28.
44
NUNES, Dierle; ANDRADE, Érico. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência antecipatória no novo CPC
e o mistério da ausência de formação da coisa julgada. MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (coords.).
Doutrina Selecionada: Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016,
v. 4, p. 90.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 153


reconhecimento (art. 485, V, CPC); para Dierle Nunes e Érico Andrade,
ocorreria pela prescrição ou decadência do exercício da pretensão à revi-
são (art. 487, II, CPC). Em termos pragmáticos, a diferença é praticamente
nenhuma: em ambas deve ser respeitado o contraditório, ao contrário
do que parecem apontar os autores. Sequer seria possível mencionar
que, apenas no segundo caso seria cabível ação rescisória, uma vez que
o CPC/2015 aponta a rescindibilidade das decisões que não sejam de mé-
rito, mas impeçam a nova propositura da demanda (art. 966, § 2º, inciso
I, do CPC). Portanto, esse posicionamento, embora avance no reconheci-
mento da inexistência de coisa julgada, em nada contribui para o devido
tratamento analítico da temática.

Outro posicionamento é adotado por Daniel Mitidiero, Sérgio Cruz Arenhart


e Luiz Guilherme Marinoni. Segundo os autores, não há coisa julgada e o
prazo de dois anos não gera qualquer espécie de preclusão para as par-
tes, que podem ajuizar uma ação com o objetivo de alcançar a cognição
exauriente “até que os prazos previstos no direito material para a estabili-
zação das situações jurídicas atuem sobre a esfera jurídica das partes (por
exemplo, a prescrição, a decadência e a supressio)”.45 Este posicionamento
não parece adequado. Ora, nem toda estabilidade extraprocessual é igual
à coisa julgada, nada impedindo que o sistema crie categorias diversas,
como o que parece ter sido feito. Além do mais, não haveria uma incons-
titucionalidade (como entendem os autores) caso o CPC tivesse previsto a
coisa julgada, já que são amplas as oportunidades de contraditórios, seja
por meio do recurso, seja por meio da ampla abertura para a nova discus-
são da causa no prazo de dois anos após a estabilização.

Outra posição aponta que o que acontece com o transcurso in albis do


prazo em tela é um salto considerável: de uma mera impossibilidade de
alteração no processo que se finda passa à imutabilidade das eficácias
antecipadas. Trata-se de uma imutabilidade calcada numa discutibilida-
de relativa, pois o dictum não seria discutível para os fins de mudar as
45
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz. Novo curso de processo civil. São Paulo: RT, 2015,
v. 2, p. 218. Exatamente no mesmo sentido: MITIDIERO, Daniel. Autonomização e Estabilização da Antecipação da Tutela no
Novo Código de Processo Civil... cit., p. 29.

154 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


eficácias antecipadas, mas o é para outros, como, por exemplo, para fins
de natureza indenizatória. Um exemplo seria o caso de estabilização da
decisão que determina o cancelamento de um protesto e advém a perda
do mencionado prazo, não se pode mais protestar o título em discussão,
mas, por óbvio, é possível discutir a dívida, especialmente para fins de,
cobrando-a, condenar o devedor a pagar.

4.2. O procedimento para o pedido de tutela cautelar


antecedente

A tutela cautelar também pode ser requerida de forma antecedente. Ao


contrário da regulação do CPC/1973, que trazia uma série de procedi-
mentos diversos a depender da espécie de medida cautelar pleiteada, o
CPC/2015 inseriu apenas um procedimento geral, em que pode ser re-
querida qualquer espécie de medida cautelar. O próprio CPC traz alguns
exemplos, como o arresto, o sequestro, o arrolamento de bens, o registro
de protesto contra alienação de bem, bem como qualquer outra medida
(art. 301, CPC).

A petição inicial desse procedimento deve obedecer aos ditames do art.


319, I, II, V e VI, do CPC e, além disso, deverá: i) indicar a lide e seu fun-
damento (art. 305, caput, CPC); ii) realizar a exposição sumária do direito
que se objetiva assegurar, demonstrando a existência da probabilidade
do direito; iii) indicar o perigo de dano ou o risco de resultado útil do pro-
cesso (art. 305, caput, CPC); iv) requerer a concessão de tutela cautelar,
em caráter antecedente. O valor da causa deverá ter por base o interesse
econômico relativo ao pleito principal, muito embora possa, em algumas
hipóteses, ser menor, por exemplo, se o bem a ser arrestado for de valor
inferior ao proveito econômico principal.46

Caso seja acolhido o pedido de tutela cautelar, inaudita altera parte ou


após justificação prévia (art. 300, §2º, CPC), o juiz deverá determinar o
46
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 57ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, v. 1, p. 639-640.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 155


cumprimento da medida, bem como citar o réu para contestar o pedido
em cinco dias e indicar as provas que pretenda produzir (art. 306, CPC).
No procedimento cautelar, o réu não é citado para comparecer à audiên-
cia de mediação e de conciliação pela ausência de compatibilidade com o
procedimento abreviado da tutela cautelar antecedente.

Não se vem admitindo, no entanto, reconvenção, pela natureza da tute-


la cautelar, o que a tornaria incompatível com a demora inerente à de-
manda reconvencional.47 No mais, poderá o réu utilizar-se de qualquer
argumento de defesa, a exemplo do impedimento e da suspeição e de
qualquer meio de prova.

Em sendo oferecida a contestação, passará a ser observado o procedi-


mento comum (art. 307, parágrafo único, CPC). Não havendo contestação,
haverá a incidência dos efeitos materiais da revelia, devendo o juiz decidir
dentro de cinco dias (art. 307, caput, CPC). A revelia que ocorre no proce-
dimento cautelar dirige-se tão apenas no perigo da demora e na probabi-
lidade do direito, não repercutindo na análise do pedido final satisfativo,48
inclusive porque ainda haverá a oportunidade para ser oferecida poste-
riormente a contestação em relação ao pedido principal.

Concedida a tutela cautelar, o autor terá o prazo de trinta dias para diligen-
ciar para a sua efetivação, sob pena de que seja cessada a sua eficácia (art.
309, II, CPC). Uma vez efetivada, o autor terá o dever de formular o pedido
principal nos mesmo autos, no prazo de trinta dias (art. 308, caput, CPC).

Pelo fato de o pedido ser formulado nos mesmo autos, não se exige o
adiantamento de novas custas processuais (art. 308, caput, CPC). Na mes-
ma oportunidade em que formular o pedido principal, o autor poderá
aditar a causa de pedir, que agora se dirigirá ao pedido satisfativo, não
estando mais limitado ao direito a cautelar (art. 308, §2º, CPC).

47
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela da evidência. São Paulo: RT, 2017, p. 257.
48
De forma semelhante: MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela da evidência. São Paulo: RT, 2017, p. 259;
COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 300. CUNHA, Leonardo Carneiro da; NUNES, Dierle; STRECK, Lenio;
FREIRE, Alexandre. Comentários ao código de processo civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 457.

156 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


Não formulado o pedido no prazo legal, a medida perde eficácia (art. 309,
II, CPC) e o processo deve ser extinto sem exame do mérito.49 O raciocínio
é semelhante ao da súmula no 482 do STJ, editada à época do CPC/1973,
segundo o qual “A falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art.
806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção
do processo cautelar”. No entanto, não há qualquer impedimento ao ajui-
zamento de novo processo, de cognição exauriente, muito embora, em
regra, não possa repetir o pedido cautelar, salvo se venham a existir no-
vos fundamentos (art. 309, parágrafo único, CPC).
Após a apresentação do pedido principal, o procedimento passa a ser o
comum, caso em que as partes serão intimadas para a audiência de me-
diação ou de conciliação (art. 334, CPC). Ambas serão intimadas por meio
de seus advogados ou pessoalmente, sem nova necessidade de citação
do réu (art. 308, §3º, CPC), pois já foi citado anteriormente no processo
cautelar. Essa intimação cautelar pode vir a ser utilizada no caso de o réu
ter sido revel no processo cautelar. Não havendo composição, o prazo
será contado na forma do art. 335 do CPC (art. 308, §4º, CPC).
Na hipótese do indeferimento da pretensão cautelar, o processo será ex-
tinto. Muito embora não haja aqui o procedimento de formulação, nos
próprios autos do pedido principal a parte poderá ajuizar novo processo
de cognição plena. Não se aplica aqui o prazo preclusivo do art. 308 do
CPC por se tratar de processo autônomo.50

4.2.1. Cessação da tutela cautelar

O CPC regula as hipóteses em que a tutela cautelar antecedente deixa de


ter eficácia e, em todas essas hipóteses, é vedada a simples renovação do
pedido, salvo sob novo fundamento (art. 309, parágrafo único, CPC).
A primeira situação ocorre caso deferida a tutela cautelar e ela não seja
efetivada no prazo de trinta dias (art. 309, II, CPC). O importante aqui é
49
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 57ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, v. 1, p. 643.
50
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 57ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, v. 1, p. 642.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 157


verificar se houve culpa do autor na ausência dessa efetivação, não po-
dendo ele ser prejudicado pela demora do Poder Judiciário. Cabe apenas
ao autor demonstrar que agiu para que a decisão fosse efetivada, forne-
cendo, por exemplo, o endereço correto do réu, a adequada indicação
dos bens etc. Caso a efetivação ocorra pela ausência de citação pela de-
mora na atuação do oficial de justiça, ou pela ocultação de bens pelo réu,
não deverá a tutela cautelar perder a eficácia.51

A segunda hipótese é caso o autor não deduza o pedido principal no pra-


zo legal (art. 309, I, CPC). Frise-se novamente que esse prazo será de trinta
dias a partir da efetivação da medida. Há de se apontar que nem sem-
pre haverá necessidade de dedução do pedido principal, nos casos das
ações cautelares autônomas. Basta mencionar os casos de pedidos caute-
lares de caução de dano infecto e o arresto para assegurar crédito ainda
inexigível.52

A terceira hipótese legal ocorre nos casos em que o juiz julgue impro-
cedente o pedido principal formulado pelo autor ou venha a extinguir o
processo sem resolução do mérito (art. 309, inciso III, do CPC). Ainda há
perda da eficácia da tutela cautelar nos casos em que a sentença seja pela
procedência do pedido e ele venha a ser efetivado e satisfeito, situação
em que a referida tutela simplesmente deixa de ser necessária.53 Afinal,
não há mais nada a ser acautelado.

4.2.2. O indeferimento da tutela cautelar e o processo principal

Em regra, o indeferimento da tutela cautelar não impede e nem influi no


julgamento do pedido principal (art. 310, do CPC). O processo cautelar
tem por base uma cognição sumária em referência ao pedido satisfativo,
que será devidamente aprofundada, seja pela produção de novas provas,
51
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 12ª ed. Salvador: Juspodivm,
2017, v. 2, p. 696.
52
COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 300. CUNHA, Leonardo Carneiro da; NUNES, Dierle; STRECK, Lenio;
FREIRE, Alexandre. Comentários ao código de processo civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 459.
53
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 12ª ed. Salvador: Juspodivm,
2017, v. 2, p. 698.

158 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


seja pelo aprofundamento da discussão jurídica.

Essa mesma lógica ocorre nos casos em que a tutela cautelar perca sua
eficácia. Mesmo nas hipóteses do art. 309, I e II, do CPC, o autor poderá
ainda formular o pedido principal. O risco que passa a se sujeitar o autor
é o de ser responsabilizado objetivamente por eventuais danos sofridos
pelo réu.
A única hipótese em que o pedido principal não poderá mais ser formu-
lado é caso haja o reconhecimento da prescrição ou da decadência da
tutela definitiva ainda no processo cautelar (art. 310, CPC).

5. Tutela da evidência

O CPC de 2015 realizou a sistematização da tutela da evidência no art.


311. Não se trata exatamente de uma novidade no sistema processual,
pois já existia no art. 273, II, do CPC/1973, relacionada ao abuso do direito
de defesa, mas não havia qualquer organização legislativa.
O art. 311, caput, do CPC, insere a tutela da evidência como uma espécie
de tutela provisória – de cognição sumária –, que independe da demons-
tração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo. Trata-se
aqui da sua principal característica. Há uma compensação, pela exigência
de uma maior probabilidade do direito alegado em detrimento da desne-
cessidade de uma situação de urgência.
É uma forma de distribuir os ônus decorrentes do natural tempo do
processo,54 pois seria inadequado impor a alguém com um direito evi-
dente que tivesse de esperar até a concessão da tutela definitiva para
usufruir do direito material pleiteado. Não se pode simplesmente ignorar
a situação fática que ocorre no processo brasileiro, em que é comum que
um processo demore anos para que tenha a sentença.

54
BODART, Bruno V. da Rós. Tutela de evidência. 2ª ed. São Paulo: RT, 2015, p. 111.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 159


5.1. Hipóteses de concessão de tutela da evidência

Ao contrário do que ocorre na tutela de urgência, o CPC optou por inserir


as hipóteses em que se considera admissível a concessão de tutela pro-
visória sem a urgência nos incisos do art. 311. Parte da doutrina já consi-
dera que tais hipóteses são exemplificativas e não exaustivas, pois que se
trata de instituto que sempre existiu na prática, mediante a compensação
de uma maior probabilidade do direito com a existência de uma menor
urgência.55 Há também quem entenda se tratar de rol exaustivo, embora
aponte a existência de outras situações em que há previsão de tutela da
evidência na legislação, a exemplo da ação monitória (art. 700, do CPC) e
na ação de despejo (art. 59, §1º, da Lei de Locações).56

A primeira hipótese está baseada no abuso do direito de defesa ou no


manifesto propósito protelatório da parte (art. 311, I, CPC). Nessa hipóte-
se, o direito não é “naturalmente” evidente, mas é detentor ao menos de
uma probabilidade, que será somada à conduta do réu. Divide-se aqui a
doutrina em identificar se tratar de hipótese de tutela de evidência puni-
tiva, em que há uma sanção ao réu que age de má-fé57 e a que interpreta
que a conduta do réu, em tal situação, tem por aptidão gerar uma presun-
ção relativa que faz com que a probabilidade do direito do autor torne-se
uma quase certeza do direito.58

A eventual dificuldade a ser verificada no caso concreto é no preenchi-


mento dos conceitos jurídicos indeterminados de “abuso do direito de
defesa” e “manifesto propósito protelatório da parte”. Tem-se reconheci-
do que o primeiro abrange os atos praticados dentro do processo, como
prestar informações erradas, a utilização de recursos protelatórios. O
segundo estaria relacionado com condutas ocorridas fora do processo,
55
COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 300. CUNHA, Leonardo Carneiro da; NUNES, Dierle; STRECK, Lenio;
FREIRE, Alexandre. Comentários ao código de processo civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 468.
56
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 12ª ed. Salvador: Juspodivm,
2017, v. 2, p. 700-701.
57
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 12ª ed. Salvador: Juspodivm,
2017, v. 2, p. 703.
58
COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 300. CUNHA, Leonardo Carneiro da; NUNES, Dierle; STRECK, Lenio;
FREIRE, Alexandre. Comentários ao código de processo civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 464.

160 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


como a ocultação de bens ou de provas, a retenção reiterada dos autos
por tempo delongado etc.59

A segunda hipótese tem por base a exigência de que: i) as alegações de


fato possam ser comprovadas apenas documentalmente e ii) que haja
tese favorável fixada no julgamento de casos repetitivos ou em súmula
vinculante (art. 311, incisos II, do CPC).

Em relação ao primeiro requisito, é preciso que se compreenda que as


alegações de fatos só podem ser comprovadas por meio de prova docu-
mental. Portanto, não se admite a utilização de outros meios probatórios
para tanto. Trata-se de observação importante na medida em que a tutela
provisória pode ser concedida a qualquer momento, mas não se admite,
por exemplo, que venha a ser requerida tutela da evidência após a dilação
probatória tendo por base uma prova pericial.

Em relação aos precedentes que podem servir como suporte fático para
essa espécie de tutela da evidência, tem predominado o entendimento
de que não apenas as teses firmadas em processos repetitivos (incidente
de resolução de demandas repetitivas e recurso extraordinário e especial
repetitivos) podem ser utilizadas, mas todos os precedentes obrigatórios
mencionados no art. 927 do CPC.60 Tal interpretação teria por base uma
interpretação sistemática do CPC, no sentido de que a mesma força argu-
mentativa trazida pelos precedentes listados no art. 311, II, do CPC, também
estaria contida nos demais provimentos obrigatórios do art. 927 do CPC. Há
ainda quem realize interpretação ainda mais ampliativa, fazendo referência
à jurisprudência unânime de tribunal superior, portaria do Poder Executivo
que dispensa a oferta de contestação ou de recursos pela procuradoria etc.61

Isso permitiria que também se admitisse a concessão da tutela da evi-


dência quando for favorável à tese defendida pelo autor decisão do STF
59
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 12ª ed. Salvador: Juspodivm,
2017, v. 2, p. 708.
60
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 12ª ed. Salvador: Juspodivm,
2017, v. 2, p. 708.
61
COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 300. CUNHA, Leonardo Carneiro da; NUNES, Dierle; STRECK, Lenio;
FREIRE, Alexandre. Comentários ao código de processo civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 465.

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 161


em controle concentrado de constitucionalidade (art. 927, I, CPC), acórdão
em incidente de assunção de competência (art. 927, III, CPC), enunciados
das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do
Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional (art. 927, IV,
CPC) e orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem
vinculados (art. 927, V CPC).

A terceira hipótese ocorre nos casos de pedido reipersecutório fundado


em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que
será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação
de multa (art. 311, inciso III, do CPC). Alguns elementos devem ser desta-
cados: i) o pedido reipersecutório está relacionado ao requerimento de
restituição da coisa, não abrangendo eventual pedido do equivalente em
dinheiro; ii) apenas se aplica às hipóteses de depósito convencional, pois
baseada em contrato de depósito; iii) a probabilidade do direito depende
da configuração da mora da parte ré.

A última hipótese depende da existência de dois requisitos cumulativos:


i) a petição inicial deve ser instruída com prova documental suficiente dos
fatos constitutivos do direito do autor e ii) o réu não opor prova capaz de
gerar dúvida razoável (art. 311, IV, CPC).

Frise-se que os fatos constitutivos do autor devem ser suficientemente pro-


vados ao ponto de gerar a evidência do direito apenas por meio de prova
documental. Dentro da hipótese da prova documental, é possível ainda
incluir os fatos notórios e as presunções absolutas.

Em relação ao réu, deverá ele opor dúvida razoável, tanto por meio de
prova documental, quanto por meio de prova documentada, a exemplo
de perícia produzida por meio do procedimento de antecipação de prova.
Não o fazendo, tem-se a possibilidade de concessão da tutela da evidên-
cia, mas que não impede que essa dúvida razoável venha a ser comprova-
da durante a dilação probatória.

162 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


5.2. Contraditório
A regra, no CPC, é a de que não devem ser proferidas decisões contra
uma das partes sem que ela seja previamente ouvida (art. 9º, caput, do
CPC), inserindo, como regra, o contraditório prévio. No entanto, permitiu-
-se a concessão inaudita altera parte da tutela da evidência nos casos de
tutela da evidência baseada em provimentos obrigatórios e do pedido rei-
persecutório (artigos 9º, parágrafo único, inciso II, e 311, parágrafo único,
ambos do CPC), casos em que o contraditório será postecipado.

Alguns autores têm defendido haver inconstitucionalidade na concessão


de tutela da evidência liminar, em face da inexistência de ameaça de pe-
recimento irreversível do direito do autor, tornando-a, portanto, uma tu-
tela desproporcional. Portanto, não haveria justificativa para que não se
aguarde a contestação, na qual o réu poderia, de diversas formas, comba-
ter o direito do autor, seja por meio de elementos probatórios, da distin-
ção ou superação de precedentes etc.62

Pontuando

• A antecipação da tutela é técnica processual, ou seja, é meio dispo-


nibilizado pelo direito processual para prestar a tutela adequada do
direito material.

• A tutela definitiva é aquela que visa à satisfação do direito material


da parte, a concessão do bem da vida; enquanto isso, a tutela cau-
telar tem por objetivo a tutela de um direito material a cautela, mas,
ainda assim, trata-se de uma forma de tutela. A antecipação de tute-
la é uma técnica satisfativa, aplicável a todas as espécies de tutela:
seja a definitiva, seja a cautelar e mesmo a executiva.

62
COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 300. CUNHA, Leonardo Carneiro da; NUNES, Dierle; STRECK, Lenio;
FREIRE, Alexandre. Comentários ao código de processo civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 465. Em sentido contrário,
sem vislumbrar inconstitucionalidade: DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual
civil. 12ª ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 2, p. 659-660).

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 163


Glossário

• Tutela antecipada: consiste em técnica que garante à parte al-


guns efeitos do provimento que só receberia ao fim do processo; é,
propriamente, a antecipação dos efeitos da tutela final, que pode
ser tanto satisfativa como cautelar. Não se trata, portanto, de uma
tutela diferenciada, mas de técnica processual. Essa antecipação
pode ser tanto da tutela satisfativa como da tutela cautelar
• Tutela cautelar: consiste na asseguração de direito que sofre pe-
rigo de dano. É tutela, e pressupõe um direito à cautela.63 A caute-
lar é uma espécie de tutela definitiva, mas tão apenas do direito à
cautela.
• Tutelas provisórias de urgência e evidência: Enquanto nas tute-
las de urgência, além da probabilidade do direito, impõe-se à parte
a demonstração do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do
processo (art. 300, caput, CPC), na tutela de evidência esse perigo
de dano é dispensado. Exige-se apenas a demonstração da evidên-
cia do direito.

VERIFICAÇÃO DE LEITURA
1. Sobre a tutela provisória, assinale a alternativa incorreta:
a) Aplica-se o regime do cumprimento provisório de sen-
tença para fins de efetivação da tutela provisória.
b) A decisão que concede a tutela provisória deverá ser
motivada de forma clara e precisa, prescindindo da
exposição de motivos a decisão que a modifique, ou
revogue.
c) A tutela provisória requerida em caráter incidental in-
depende do pagamento de custas.
d)  A tutela provisória conserva sua eficácia na pendência

63
Nesse sentido: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2003, tomo XII, p. 12-22. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Do processo cautelar, cit., p. 72-81.

164 Parte Geral II e Processo de Conhecimento I


do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada
ou modificada.
e) A tutela provisória de evidência apenas poderá ser re-
querida em caráter incidental.
2. A tutela de evidência:
a) é incompatível com o procedimento comum, sendo
prevista apenas em procedimentos especiais.
b) pode ser concedida em caráter antecedente e incidental.
c) em nenhuma hipótese poderá ser concedida inaudita
altera pars.
d) requer para sua concessão a demonstração de ele-
mentos que evidenciem a probabilidade do direito e o
perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
e) poderá ser concedida quando ficar caracterizado o
abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório da parte.
3. Acerca da tutela cautelar requerida em caráter anteceden-
te, assinale a alternativa correta:
a) Caso o juiz entenda que o pedido formulado como tu-
tela cautelar antecedente tem natureza antecipada, ex-
tinguirá o processo sem julgamento de mérito.
b) Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá
de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta)
dias, caso em que será apresentado nos mesmos au-
tos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, de-
vendo-se proceder ao adiantamento de novas custas
processuais.
c) Se por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cau-
telar, a parte poderá sempre renovar o pedido, com os
mesmos fundamentos, propondo novo procedimento
antecedente.
d) A causa de pedir não poderá ser aditada no momento

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 165


de formulação do pedido principal.
e) Cessa a eficácia da tutela concedida em caráter ante-
cedente se não for efetivada dentro de 30 (trinta) dias.
4. Assinale a alternativa em que conste(m) a(s) hipótese(s)
em que é possível a estabilização da tutela provisória con-
cedida em caráter antecedente, caso não seja interposto o
recurso:
a) antecipada;
b) cautelar;
c) antecipada e cautelar;
d) antecipada e de evidência;
e) antecipada, cautelar e de evidência.
5. A tutela provisória de urgência, uma vez demonstrado no
caso o preenchimento dos requisitos legais para a sua
concessão:
a) não poderá ficar condicionada à prestação de caução pela
parte interessada, por ausência de previsão legal nesse
sentido.
b) deverá ser deferida, mesmo quando houver perigo de
irreversibilidade dos efeitos da decisão.
c) não admite justificação prévia.
d) poderá a qualquer tempo ser revogada ou modificada.
e) apenas poderá ser concedida em caráter antecedente
e não incidental.

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Gabarito

Questão 1 - Resposta: B

Tanto a decisão que modifica, ou revoga como também a decisão que con-
cede tutela provisória devem expor seus motivos de forma clara e precisa,
conforme determina o art. 298, do CPC “na decisão que conceder, negar,
modificar ou revogar a tutela provisória, o juiz motivará seu convencimento
de modo claro e preciso”.

Questão 2: Resposta: E

O art. 311 do CPC/2015 prevê as hipóteses de concessão de tutela de


evidencia, independentemente da demonstração de perigo de dano ou
de risco ao resultado útil do processo, determinando o seu inciso I a

Parte Geral II e Processo de Conhecimento I 169


concessão dessa medida quando: “ficar caracterizado o abuso do direito
de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte”.

Questão 3 - Resposta: E

Nesse sentido prescreve o art. 309, inc. II, do CPC/2015: “art. 309. Cessa
a eficácia da tutela concedida em caráter antecedente, se: [...] II - não for
efetivada dentro de 30 (trinta) dias”.

Questão 4 - Resposta: A

Apenas no procedimento da tutela antecipada requerida em caráter ante-


cedente é prevista a possibilidade de estabilização se da decisão que a con-
ceder não for interposto recurso, vide art. 303 e seguintes do CPC/2015.

Questão 5 - Resposta: D

Com efeito, qualquer tutela provisória, seja de urgência ou não, poderá


ser revogada ou modificada a qualquer tempo.

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