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PERSPECTIVAS EM

COMPLIANCE
MÚLTIPLOS OLHARES EM GOVERNANÇA E CONFORMIDADE
PERSPECTIVAS EM
COMPLIANCE
MÚLTIPLOS OLHARES EM GOVERNANÇA E CONFORMIDADE

ORGANIZADORAS:
NADIALICE FRANCISCHINI DE SOUZA
ZULENE BARBOSA GOMES

AUTORES:
Ana Paula Ribeiro Serra Josilane Fraga Bastos
Aurora Barros Larissa Alencar Sampaio
Blenda Araujo Saraiva Silva Luana Cerqueira Sousa
Carlos Queiroz Lucas Holmes de Rezende Serrano
Cleudes Cerqueira de Freitas Junior Mayanne Pontes
Denilton Leal Carvalho Nadialice Francischini de Souza
Érika L’Amour Ferreira Santos Rubens Sérgio S. Vaz Junior
Fábio S. Santos Sandra Rosa Vespasiano Borges
Fabíola Grimaldi Tássia Barbara F. B. Seixas
Fernando Henrique Cardoso Neves Tatiane Lima dos Santos
Geraldo Almeida Cunha Thalita Matos da Silva
Jamile Souza Calheiros dos Santos Thayana Macêdo
Jamily Duarte da Silva Viviane Cardoso Lacerda Pacheco
José Vicente Cardoso Santos Zulene Barbosa Gomes
© Editora Mente Aberta
Endereço Eletrônico: editoramenteaberta.com.br
E-mail: menteaberta@editoramenteaberta.com.br
Coordenação Editorial
Pedro Camilo de Figueirêdo Neto

Conselho Editorial
DOUTORES: MESTRES:
Claudia de Faria Barbosa Angelo Boreggio
Heliete Rosa Bento Bruno Barbosa Heim
Jessica Hind Ribeiro Costa Fábio S. Santos
José Rômulo de Magalhães Filho Geraldo Almeida Cunha
Luciano Sérgio Ventim Bomfim Geraldo Calasans Silva Júnior
Maria João Guia Isan Almeida Lima
Nadialice Francischini de Souza João Francisco Liberato de Mattos
Régia Mabel da S. Freitas Carvalho Filho
Ricardo Maurício Freire Soares Marcelo Politano de Freitas
Sheila Marta Carregosa Rocha Pedro Camilo de Figueirêdo Neto
Urbano Félix Pugliese do Bomfim Rubens Sérgio S. Vaz Júnior
Thacio Fortunato Moreira
Programação Visual de Capa Revisão
Fernando Campos Adriano Mota Ferreira & Joana Cunha

Diagramação
Alfredo Barreto

A reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer modo, somente será
permitida com autorização da editora.
(Lei nº 9.610 de 19.02.1998)

CIP – Brasil. Catalogação na fonte

Souza, Nadialice Francischini de.


Perspectivas em Compliance: múltiplos olhares em governança e conformidade
/ organização Nadialice Francischini de Souza e Zulene Barbosa Gomes –
Salvador, Ba: Editora Mente Aberta, Junho, 2020.

276 p.
ISBN: 978-65-86483-07-9

1. Compliance. 2. Perspectivas. 3. Governança. 4. Conformidade. I. Gomes,


Zulene Barbosa. II. Souza, Nadialice Francischini de. III. Título.

CDD – 340

Impresso no Brasil Presita en Brasilo
SUMÁRIO
Prefácio, 9

ASPECTOS GERAIS

1 Felicidade, ética e perpetuidade: o que o compliance tem a ver com


isso?, 13
Aurora Barros

2 Por que a sua empresa precisa de um Programa de Compliance?, 28


Carlos Queiroz

3 Implantação da cultura da integridade: fator chave para o sucesso do


Programa de Compliance, 38
Érika L’Amour Ferreira Santos

4 Compliance em perspectiva na gestão de pessoas: novos perfis dos


códigos de conduta nas organizações, 48
Larissa Alencar Sampaio
José Vicente Cardoso Santos

5 Gestão de crise e o caso Sallve, 63


Luana Cerqueira Sousa

5
6 | Diversos Autores

6 Formação de gestores de integridade: inovação no cenário prospectivo


para o Programa de Integridade no Setor Público, 75
Sandra Rosa Vespasiano Borges

7 Compliance – gestão de riscos com suporte de cenários prospectivos, 88


Thayana Macêdo

O COMPLIANCE APLICADO A SETORES ESPECÍFICOS DA


ATIVIDADE ECONÔMICA

8 A Instrução n. 617 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) como


marco regulatório do compliance no ordenamento jurídico brasileiro, 101
Ana Paula Ribeiro Serra

9 Compliance e melhores práticas no mercado financeiro, 110


Blenda Araujo Saraiva Silva
Tássia Barbara F. B. Seixas

10 Sistema de compliance no setor da saúde: requisitos básicos para a


implantação, 126
Viviane Cardoso Lacerda Pacheco

ASPECTOS PROCESSUAIS DO COMPLIANCE

11 Compliance, mediação e arbitragem: a tríade da eficiência na


mitigação do risco reputacional das corporações, 143
Denilton Leal Carvalho

12 Gerenciamento eficaz de riscos em execuções contra a Fazenda


Pública e a administração da escassez, 151
Geraldo Almeida Cunha
Josilane Fraga Bastos
Zulene Barbosa Gomes
Perspectiva em Compliance | 7

CRIMINAL COMPLIANCE E SEUS DESDOBRAMENTOS

13 O novo marco regulatório para prevenção à lavagem de dinheiro


e ao financiamento do terrorismo (PLDFT): uma necessidade de
aprimoramento dos programas de criminal compliance na cultura
empresarial brasileira, 171
Lucas Holmes de Rezende Serrano
Fernando Henrique Cardoso Neves

14 Responsabilização do compliance officer com base na teoria da


cegueira deliberada, 184
Nadialice Francischini de Souza

15 Criminal compliance: a política de cumprimento de normas penais


como instrumento de tutela ambiental e seus impactos na atividade
econômica empresarial, 196
Rubens Sérgio S. Vaz Junior
Thalita Matos da Silva

16 Compliance: anticorrupção e lavagem de dinheiro, 209


Tatiane Lima dos Santos

COMPLIANCE ELEITORAL

17 Considerações sobre o compliance e o financiamento de campanhas no


Direito Eleitoral brasileiro, 223
Fábio S. Santos
Cleudes Cerqueira de Freitas Junior

18 Programas de integridade para os partidos políticos frente à regra


constitucional do artigo 17, 236
Jamile Souza Calheiros dos Santos

19 Compliance eleitoral-partidário: o compliance como mecanismo de


fortalecimento em meio à crise dos partidos políticos, 247
Jamily Duarte da Silva
8 | Diversos Autores

LGPD E COMPLIANCE

20 A Lei Geral de Proteção de Dados e os Programas de Compliance, 265


Fabíola Grimaldi
Mayanne Pontes
PREFÁCIO
O livro que está em suas mãos possui temas transdisciplinares, resultado
da cooperação de brilhantes profissionais com múltiplas formações: bacharéis
em Direito, administradores, advogados, agentes públicos, compliance officers,
economista, mestres e doutores em diversas áreas.
Dentre os temas abordados no tocante à gestão de pessoas, incluem-se
os novos perfis dos códigos de conduta nas organizações, impactando na for-
mação de gestores e na inovação no cenário prospectivo para o programa de
integridade também no setor público.
Com efeito, buscamos aqui tratar da gestão de conflitos, trazendo solu-
ções para além da judicialização. Em relação à gestão de riscos e regulação,
abordam-se cenários prospectivos da implantação da cultura da integridade,
fatores-chave para o sucesso do programa de compliance em setores específi-
cos da atividade econômica e adoção de melhores práticas de governança no
mercado financeiro. Há também a abordagem do gerenciamento de riscos em
execuções contra a Fazenda Pública face à administração da escassez, bem
como influxos da Lei Geral de Proteção de Dados e programas de compliance.
Para além de tais perspectivas, expõe-se o criminal compliance e seus des-
dobramentos, tratando do novo marco regulatório para prevenção à lavagem
de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Face à transdiciplinariedade,
há também capítulo que versa sobre a responsabilização do compliance officer
com base na teoria da cegueira deliberada, bem como acerca da política de
cumprimento de normas penais como instrumento de tutela ambiental e seus
impactos na atividade econômica empresarial.
9
10 | Diversos Autores

No campo do direito eleitoral, há considerações sobre o compliance e o


financiamento de campanhas visando a implantação de programas de inte-
gridade para os partidos políticos frente a regra constitucional, bem como
impactos do compliance eleitoral partidário como mecanismo de fortalecimen-
to democrático. Já na área de saúde, aborda-se o sistema de compliance e os
requisitos básicos para a sua implantação.
Cumpre ressalvar que esta obra obteve o apoio do Instituto de Com-
pliance Bahia (ICBAHIA), associação sem fins lucrativos, fundada em 2015,
que congrega profissionais de diversas áreas da ciência com o objetivo de
maximizar as potencialidades do compliance na história social e jurídica do
Estado da Bahia.
O apoio dos autores e do ICBAHIA nesta edição soma-se no reforço à
cultura de compliance no Estado. Essa instituição destaca-se por seu ideário
de combate à corrupção, cuja interface é consubstanciada pelo Direito e de-
mais ramos do conhecimento que permitem o aprimoramento das medidas de
integridade ao nível estadual e nacional. Atua também na pesquisa e desen-
volvendo medidas de aprimoramento de integridade pública e privada, tam-
bém fomentando a cultura da boa governança e da probidade administrativa.
Durante a construção deste livro, enfrentamos um cenário de pandemia
em toda a aldeia global que nos faz refletir sobre a responsabilidade social das
organizações e sua capacidade de gerir crises, bem como gerenciar riscos com
suporte de cenários prospectivos.
É imperioso, no pós-pandemia, tornar o meio ambiente empresarial e
governamental saudável, resiliente, lastreado em valores éticos, pautado no
respeito, na transparência e no cuidado com a proteção de dados, de modo a
contribuir com a cultura de integridade, fator chave de sucesso do programa
de compliance, portanto, em sintonia com a felicidade, a ética e a perpetuidade,
elementos de sustentabilidade.
Assim, desejamos que esta leitura desperte, no leitor, um olhar sistêmico
sobre governança, integridade, ética e compliance. Diante das questões aqui
expostas, perceba você o que o compliance tem a ver com isso e porque a sua
empresa precisa de um programa de governança e compliance. As respostas
propostas certamente o surpreenderão. Excelente leitura!

Nadialice Francischini de Souza


Zulene Barbosa Gomes
(Organizadoras)
ASPECTOS GERAIS
FELICIDADE, ÉTICA E PERPETUIDADE: O QUE O
1
COMPLIANCE TEM A VER COM ISSO?

Aurora Barros1

A vida passa tão depressa que nos esquecemos do que realmente im-
porta, dos valores, dos conselhos dos avós e pais, do tempo em família e com
genuínos amigos, daquilo que nos impulsiona, faz-nos acordar todos os dias
revigorados. O que motiva, o que move, a criatividade de viver os dias nos so-
lavancos das cidades, apinhadas de pessoas indo e vindo, atrás de mais e mais,
bater metas inatingíveis, chegar no horário, desviar do trânsito, concluir os
estudos, levar as crianças à escola, obrigações e mais obrigações, no mundo
real e no mundo digital. Vivendo várias vidas em uma só, ou sobrevivendo a
elas.
E todo esse movimento acelerado tem consequências para o mundo e
vem propiciando vários alertas quanto ao bem-estar da população.
Nesse sentido, o tema felicidade, notadamente no mundo corporativo,
vem ganhando impulso diante da representatividade desse sentimento para a
humanidade e seus propósitos, dedicados sobretudo à evolução da sociedade.

1 Advogada formada pela Universidade Católica de Pernambuco. Pós-graduada em Direito


Público e em Direito Tributário. Profissional da área de Compliance, com ênfase em Ética
e Integridade. Sóciafundadora do escritório que leva o seu nome, atende às organizações
sociais, empresas privadas e aos órgãos públicos, fomentando as boas práticas, ética e
integridade, em prol de uma sociedade mais justa. E-mail: advaurorabarros@gmail.com.
13
14 | Aurora Barros

Com esse escopo, descortinam-se inúmeras pesquisas e publicações que


geram uma positiva reflexão sobre o poder do bem-estar que advém de um
ambiente corporativo feliz, ético, íntegro e sustentável, permeado pela pre-
sença auspiciosa da governança corporativa e do compliance.
Nesse contexto, firmam-se certos marcos de evidência, os quais serão
abordados nos tópicos seguintes, visando a responder, não de forma conclu-
siva, mas sim reflexiva, à pergunta que se fez no título da presente exposição.

1 CONTEXTUALIZANDO O TEMA

No Dia Internacional da Felicidade, comemorado em 20 de março, desde


2012, a empresa de opinião Gallup publica o Relatório Mundial da Felicidade
para analisar o bem-estar das pessoas em diversos países.
Nos últimos anos tem-se observado o crescente avanço da infelicidade
no mundo. O Brasil, em 2019, ficou na 32ª posição, e o seu ápice em 2018, ten-
do relação direta com o desgaste na política e a crise econômica. “O relatório
analisa 156 nações e acumula dados dos últimos 12 anos em seis variáveis que
ajudam a medir o bem-estar da população: renda, liberdade, confiança, expec-
tativa de vida saudável, apoio social e generosidade” (ROSA, 2019).
A pesquisa também ressalta que, apesar de a renda ser um fator relevan-
te, as grandes potências mundiais não estão livres de lidar com aspectos da
tristeza. Diversos países considerados ricos demonstraram queda nas posi-
ções do ranking. O Reino Unido ficou em 15º lugar, a Alemanha ficou em 17º,
o Japão ficou em 58º lugar, a Rússia ficou em 68º e a China ficou em 93º.
Segundo (HOLANDA, 2020), a saúde mental se tornou assunto do ano
em 2019. Repentinamente, uma questão antes relegada ao silêncio foi jogada
no centro das atenções. Milhões de pessoas tomaram consciência da famosa
“epidemia” de ansiedade, de depressão e de outros transtornos. Se o planeta
está passando por maus bocados, o Brasil se encontra numa posição parti-
cularmente frágil. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS),
somos o país mais ansioso do mundo: 9,3% da população tem algum tipo de
transtorno. Na cidade de São Paulo, um quinto dos habitantes já teve algum
diagnóstico relacionado à ansiedade. No mundo, a situação não é diferente:
segundo a OMS, os ansiosos correspondem a um quarto da população mun-
dial (HOLANDA, 2020).
Nesse contexto, o mundo corporativo reproduz muito insumo para a
referida pesquisa, acreditamos que muitos dos problemas são carreados em
virtude do ambiente laboral.
Os problemas de ambientes hostis se estendem para além do âmbito
profissional. O estresse no trabalho já é responsável por doenças como de-
Perspectiva em Compliance | 15

pressão, ansiedade, síndrome do pânico e burnout. Informações do Ministério


da Saúde indicam que, entre 2007 e 2017, foram registrados 8.607 casos de
transtornos mentais relacionados ao trabalho em todo o Brasil. Além disso,
uma pesquisa da Internacional Stress Management Association (Isma-BR)
estima que 32% dos brasileiros já foram diagnosticados com a síndrome do
desgaste emocional e 72% sofrem com alguma sequela do estresse (AMÉRI-
CO, 2020).
A boa notícia é que esse quadro de epidemia planetária pode ser tra-
balhado. Como disse Shawn Achor (2012), ser feliz não é acreditar que não
precisamos mudar, é perceber que podemos.
É importante, igualmente, além de observar a realidade atual, atentar-se
ao futuro que se avizinha para tomada das decisões de mudanças, notadamente
no âmbito profissional.
A necessidade urge, igualmente, em face da chegada de novas gerações,
afetando o entendimento sobre a força de trabalho e o ritmo do consumo. Os
chamados millennials ou geração “Y”, nascidos entre o início de 1980 e ano
2000, possuem outra percepção de mundo, dos valores e das necessidades do
ser humano.
Até 2020, a geração millennials constituirá mais de um terço da força do
trabalho global (MANPOWER GROUP, 2020).
Dessa forma, é interessante trazer ao conhecimento algumas tendências
do Brasil e do mundo. Uma pesquisa realizada pelo site de recrutamento Va-
gas.com com 1.400 jovens brasileiros com idade média de 26 anos, com ensino
superior completo e incompleto, mostra que 81% deixariam de se candidatar
a uma vaga se a empresa estiver envolvida em casos de corrupção, desvio de
dinheiro e má gestão. E para 89% o sucesso de uma companhia está ligado
aos valores que ela pratica (ALVES, 2016).
Globalmente, as prioridades de trabalho para a geração millennials va-
riam. Trabalhar com pessoas extraordinárias é importante para 91% no Bra-
sil, mas apenas 55% no Japão. As políticas de aposentadoria são importantes
para 39% dos japoneses e metade dos australianos, em contraste com mais
de 85% daqueles na Índia. Os objetivos também são importantes. Para oito
em cada dez millennials do México, Índia e Brasil, é importante trabalhar
para empreendedores socialmente responsáveis e consistentes com seus va-
lores. Na Alemanha, Holanda e Noruega, são seis em cada dez. O objetivo é
uma prioridade para a maioria deles em toda parte (MANPOWER GROUP,
2020).
Em face de toda essa realidade, o tema vem ganhando relevo e inves-
timentos para que o bem-estar coletivo não seja uma utopia, mas sim uma
necessária missão dos dias atuais.
16 | Aurora Barros

2 MAS, E O QUE É FELICIDADE?

A felicidade não é feita de momentos de alegria. A felicidade é feita de


sensação de que sua vida vale a pena, para você e para os outros (MAGA-
LHÃES, 2014).
Observa-se que a felicidade estaria mais relacionada à troca, não somen-
te o que você espera do mundo, mas sobre aquilo que você pode e deve entre-
gar ao mundo.
Para Mario Sergio Cortella (2017), “em latim, a palavra felix tem duplo
sentido. Ela significa feliz, mas também significa fértil. Assim, felicidade é
fertilidade – não apenas no sentido de reprodução, mas como sentimento de
que a vida não cessa, de que não há esterilização dos sonhos nem desertifica-
ção do futuro”.
Muito úteis as ponderações sobre a origem em latim da palavra felicida-
de, isto porque faz todo o sentido sua relação com a fertilidade. A felicidade
gera e atrai valores positivos para o convívio em sociedade em todas as re-
lações, propicia ambientes de alto nível de rendimento e realizações pessoais
e profissionais. Campo fértil para inovação, novos caminhos, o avanço do ser
humano de forma sustentável e responsável. Quem está feliz cuida de si e do
próximo, e tem uma relação especial com as pessoas e com o mundo, não há
desertificação, a vida não cessa.
Das definições acima, apesar de ser difícil conceituar de forma conclusiva
o que é felicidade, observa-se que no âmago conceitual existe um propósito
maior que move o ser humano, algo que reside dentro de cada um e que
extrapola em seus atos, na ausência da inércia, no firme objetivo de sempre
avançar com uma agenda ética e positiva.
O sentido de melhoria pessoal e de pertencimento ao grupo proporciona
a sensação de felicidade, propósitos, valores, empatia são percepções claras do
gosto da felicidade.

3 FELICIDADE NO TRABALHO

Desfazer-se de crenças negativas que podem impedir o avanço da refle-


xão se torna um exercício desafiador. Muitas pessoas entendem o trabalho
como alguma forma de castigo e se submetem a situações desumanas, a assé-
dios e toda forma de condições vexatórias no ambiente laboral.
Segundo (CORTELLA, 2016), posso sim me agradar, alegrar-me com o
que eu faço apenas porque fui obrigado a fazê-lo, desde que não torne a obri-
gação um suplício. Que a obrigação seja uma circunstância a ser enfrentada,
não um castigo que os deuses colocaram sobre as minhas costas e que eu
Perspectiva em Compliance | 17

preciso superar. Há pessoas no mundo do trabalho que encaram o que fazem


como uma provação. Deus ou qualquer força está provando-o, para que ele
seja depurado. Por isso, é um sofrimento purificador. Não se encara aquilo
como inferno, mas como uma chance de salvação. E isso pode fazer com que
o propósito seja seguir de maneira obsequiosa, sem reclamar.
Outras pessoas, a grosso modo, podem se submeter, ora por questões de
falta de autoestima, ora por questões mesmo financeiras. Há também crenças
negativas de que “todas as empresas são assim”, “não posso mudar o ambien-
te”, “não tenho idade para aprender coisas novas” e até o usual “sempre fiz
assim, não sou eu quem vai mudar”. São crenças negativas que impedem a
percepção do poder de mudança que temos.
Há momentos na vida em que, de fato, não há alternativa. Temos de
fazer algo que nos garanta a sobrevivência. Todo organismo, para ir além
naquilo que deseja, precisa manter-se em estado de funcionamento. Em al-
guns momentos da nossa trajetória, foi necessário fazer coisas para garantir
a sobrevivência naquela circunstância. Já houve ocasiões em que, se pudesse
escolher, isto é, se não fosse obrigado a fazer determinada coisa, não faria.
Não porque fosse imoral ou descartável, mas porque não era algo que me co-
locava na rota dos meus motivos. Trata-se de uma necessidade, e não de uma
liberdade, enfatiza (CORTELLA, 2016).
Para Carla Furtado, que estuda a felicidade no trabalho há alguns anos,
foi esse seu interesse que fez nascer o Instituto Feliciência, que mede, por
meio de indicadores, o que torna as pessoas felizes ou satisfeitas naquilo que
fazem. Perguntada sobre o que é ser feliz no trabalho, se a ver com talento,
salário, prazer, como a maneira como olhamos a própria vida, ela diz que não
existe uma única resposta para isso. “Tem a ver com satisfação, comprometi-
mento, envolvimento, engajamento, estado de flow, seus humores, saber como
as pessoas se sentem enquanto estão ali”, explica. “Na minha perspectiva, a
felicidade no trabalho segue aquilo que constitui a felicidade na vida, segun-
do a psicologia positiva: a vivência de mais emoções positivas que negativas
aliada à percepção de propósito”. E lembra: “propósito nunca é sobre o que
me beneficia exclusivamente, mas como eu impacto positivamente o meio por
conta do que faço” (FURTADO, 2020).
De uma forma ou de outra, gozando da liberdade de decisão ou na atua-
ção mediante uma forte circunstância ou motivo, o trabalho deve ser feito de
forma ética e íntegra, e ainda é possível ressignificá-lo, integrando a felicida-
de ao seu ambiente.
Nas lições de Achor (2012), os primeiros a adotarem o benefício da fe-
licidade foram os maiores bancos do mundo, por terem sido os primeiros a
serem atingidos pela crise.
18 | Aurora Barros
Comecei a pesquisar e ensinar os princípios apresentados no livro a mi-
lhares de líderes seniores, diretores gerais e CEOs de algumas das maio-
res (e mais surradas) instituições financeiras do mundo. Depois, passei às
pessoas e empresas em todos os outros setores que também haviam sido
gravemente golpeadas pela crise. Os tempos não eram felizes nem as pla-
teias estavam felizes. Mas, independentemente do setor, da empresa ou
do cargo na organização, em lugar de resistência encontrei pessoas quase
universalmente abertas a aprender como utilizar a psicologia positiva para
repensar seu estilo de trabalho.

Enquanto isso, pesquisadores da psicologia positiva concluíam uma me-


ta-análise, um estudo de praticamente todos os estudos científicos dispo-
níveis sobre a felicidade – mais de 200 feitos com 275 mil pessoas. As
conclusões desses pesquisadores corresponderam exatamente ao que eu
vinha ensinando – que a felicidade leva ao sucesso em praticamente todos
os âmbitos, inclusive no trabalho, na saúde, amizade, sociabilidade, criati-
vidade e energia. (ACHOR, 2012).

Para a mudança é preciso estar aberto ao conhecimento de novos ca-


minhos, conforme o relato acima, mesmo em tempo de crise, os líderes das
instituições financeiras não estavam resistentes ao novo. É preciso entender
que nosso organismo está pronto para receber novas informações e impulsos.
É possível mudar.
Quando você aprende coisas novas, aquelas minúsculas conexões no cé-
rebro multiplicam-se e ficam mais fortes. Quanto mais você desafia o cérebro
a aprender, maiores ficam as células de seu cérebro. Nesse momento, coisas
que você achava difíceis ou mesmo impossíveis, como falar uma língua es-
trangeira ou trabalhar com álgebra, parecem ficar fáceis. O resultado é um
cérebro mais forte e mais inteligente (DWECK, 2017).
Dessa forma, é possível ressignificar o trabalho, reaprender em qualquer
idade, introduzir a felicidade no ambiente em que habita horas e horas por dia
e aprender a como conduzir o mundo do trabalho de forma mais alegre, feliz,
mais leve, com sentimento de pertencimento, de valores éticos e de propósito.
Por outro lado, é imprescindível que as organizações observem que o
modelo de negócios com líderes e com colaboradores à beira de um ataque,
de pessoas doentes, sem ter direito a férias nem vida pessoal não encontra
mais qualquer espaço no mundo corporativo atual, pelo menos para as orga-
nizações comprometidas com o respeito à dignidade da pessoa, da ética, da
integridade e das boas práticas.
As organizações estão mesmo atentando-se ao bem-estar dos emprega-
dos. Aumentou a percepção das companhias sobre a importância do capital
humano para a vantagem competitiva e para a execução da estratégia. Além
disso, os profissionais têm mais opções no mercado e são menos tolerantes a
Perspectiva em Compliance | 19

certas atitudes negativas. A sociedade também exige das empresas uma nova
postura (LINS, 2020).
Além de ser direito do ser humano, estabelecer um ambiente de trabalho
saudável favorece as organizações e seus objetivos sociais, inclusive de pro-
dutividade positiva.
Há um enorme volume de dados demonstrando que trabalhadores feli-
zes apresentam níveis mais elevados de produtividade, fecham mais vendas,
são mais eficazes em posições de liderança, recebem uma melhor avaliação de
desempenho e são inclinados a tirar menos dias de afastamento por doença,
pedir demissão ou ficar estafados. CEOs felizes são mais propensos a liderar
equipes ao mesmo tempo mais felizes e saudáveis, e criar um ambiente de
trabalho propício ao alto desempenho. A lista de benefícios da felicidade no
trabalho é praticamente interminável (ACHOR, 2012).
Portanto, felicidade no ambiente de trabalho é algo que se impõe e não é
mais possível negociar quando se trata disso. É necessidade do ser humano.
O meio ambiente e a cultura organizacional são fatores básicos para
que se exercite a condição de ser feliz, de estar harmonizado com os outros.
Se a cultura da organização irradia infelicidade, é um ambiente autoritário,
conflituoso, cujo estímulo predominantemente é competir, e não cooperar,
prevalecendo o individualismo, não a equipe, então é quase impossível estar
motivado e feliz (MATOS, 2017).
No tópico seguinte, traremos algumas reflexões de como um programa
de compliance pode ser um catalisador dessas necessárias mudanças em rela-
ção aos aspectos humano e comportamental.

4 COMPLIANCE, INTEGRIDADE, ÉTICA E FELICIDADE


CORPORATIVA

Na nossa visão, os programas de compliance possuem foco na integrida-


de, isto é, independentemente da necessidade óbvia do atendimento a todo
o arcabouço legal em que a organização está inserida, tal programa visa a
implementar ou melhorar as condições de integridade das organizações, nas
suas condutas internas e externas.
Integridade significa estado ou característica daquilo que está inteiro,
que não sofreu qualquer diminuição; plenitude, inteireza. É característica ou
estado daquilo que se apresenta ileso, intacto, que não foi atingido ou agredi-
do (INFOPÉDIA, 2003).
A legislação brasileira anticorrupção se ocupou em trazer à lei a expres-
são “integridade” e entendemos que não foi à toa, pois há de se registrar a
necessidade de criação de um ambiente íntegro das nossas organizações, se-
20 | Aurora Barros

jam privadas, sejam públicas. Em raríssimos casos podemos ter exemplos de


organizações íntegras, tal como o significado exato da palavra.
No entanto, é orientado que:

As empresas têm a responsabilidade de implementar programas para a


consolidação de valores e políticas que promovam padrões éticos e de
integridade em seus negócios, rejeitando atos ilegais, ilegítimos e de
corrupção. Esses programas devem ter caráter preventivo, para evitar a
ocorrência de práticas antiéticas ou corruptas, bem como prever medi-
das corretivas para comportamentos no ambiente organizacional que
violem seus princípios. (BRASIL, [201?a]). (Grifou-se).

Para o setor público:

[...] é preciso estimular a integridade no serviço público para que seus


agentes sempre atuem, de fato, em prol do interesse público. Entende-se
que a integridade pública representa um estado ou condição de um órgão
ou entidade pública que está “completa, inteira, perfeita, sã”, no sentido
de uma atuação que seja imaculada ou sem desvios, conforme as normas
e valores públicos. A integridade pública pode ser compreendida, portanto,
como uma qualidade ou uma virtude de uma determinada organização e
de seus agentes, quando atuam de maneira proba, conforme o interesse
público e os demais princípios, normas ou valores que devem nortear a
atuação da Administração Pública. (BRASIL, [201?a]). (Grifou-se).

Depreende-se das orientações da Controladoria Geral da União-CGU


acima expostas que a preocupação quanto à integridade é igualmente rela-
cionada à participação de cada parte inserida em tais contextos; notadamen-
te, o capital humano que faz acontecer, implementa, gere e atenta-se para
as melhorias contínuas de um efetivo programa de compliance. Nota-se, das
expressões em negrito, o aspecto legal a ser conduzido pelas atitudes com-
portamentais humanas.
O programa de compliance é genuinamente humano, tanto pela sua con-
dução quanto pelo seu objetivo. Não existe tal programa se não existir o ser
humano. E, a partir deste, existem as organizações e todas as suas variáveis
de gestão e de entrega para a sociedade.
É importante, ainda, enfatizar que os programas de compliance e a preo-
cupação com o ambiente ético e íntegro são de responsabilidade de todos que
fazem parte da organização, independentemente da sua condição hierárquica.
Nas lições de Luis Roberto Antonik (2016):

As organizações são as pessoas que as representam e eticamente assumem


o papel de donos ou dos acionistas. O respeito destes às regras mínimas
exigidas pela sociedade, no aspecto moral e dos bons costumes, permeará
Perspectiva em Compliance | 21
a empresa e seus empregados e logo chegará aos clientes, criando um am-
biente de confiança mútua e de responsabilidade conjugada pelo serviço
prestado ou pelo produto fabricado.

Dessa forma, não é apenas estar em conformidade com a lei, como em


alguns momentos se apresenta, mas sim, antes de tudo, ao nosso ver, a con-
formidade com o respeito à pessoa, à sociedade, ao planeta, ao ser humano
que desenvolve as suas habilidades e capacidades em prol de uma organização
e, por consequência vital, essa organização atinge os seus objetivos, inclusive
de atendimento ao arcabouço legal.
Nessa perspectiva, o programa de compliance fortalece a governança
corporativa que tiver os seus pilares definidos de responsabilidade corporativa,
prestação de contas, transparência e equidade, segundo a conceituação do Ins-
tituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) (E&C, 2019). E uma
governança corporativa íntegra produz enorme influência na felicidade no
ambiente de trabalho.
Registre-se, igualmente, que a gestão e a governança estão atravessando
enormes transformações para atender às mudanças corporativas que se im-
põem, considerando as competências sócio comportamentais do século XXI.
As mudanças fundamentais que estamos passando, das quais os atuais
escândalos empresariais são, em grande medida, apenas um reflexo, certa-
mente nos levarão a um novo paradigma sobre o que significa boa gestão e
governança. Tudo indica que esse novo paradigma – chave para o sucesso das
empresas neste século que apenas se inicia – será baseado em três elementos
centrais: busca por um propósito superior, liderança consciente e cultura éti-
ca (SILVEIRA, 2018).
Dessa forma, é importante mencionar, igualmente, que o programa de
compliance favorece a clareza quanto aos propósitos das organizações, promo-
ve uma liderança consciente e firma a cultura ética organizacional.
De fato, executar seu trabalho em um ambiente antiético não favorece a
felicidade no trabalho, enfatiza “cultura saudável tende a contribuir para um
ambiente mais ético e feliz ao eliminar situações de ressentimento e falta de
propósito entre os colaboradores (LG, 2019).
As relações interpessoais, a ética, o respeito, o trabalho em equipe e o
reconhecimento mútuo foram tidos como os principais fatores para a felici-
dade no ambiente de trabalho, segundo a pesquisa desenvolvida pelo Grupo
Meaning of Work International Research Team (JUNGES; MENDONÇA; PI-
NHEIRO, 2016).
Portanto, o bom desempenho e produtividade dependem fundamental-
mente da cultura organizacional desenvolvida pela empresa, que pode favo-
22 | Aurora Barros

recer fatores saudáveis e/ou patologizadores no ambiente de trabalho. Essa


cultura pode ser movida por valores éticos que priorizam o ser humano tra-
balhador ou por valores exploratórios que visam apenas à produção (JUN-
GES; MENDONÇA; PINHEIRO, 2016, p. 189).
E o programa de compliance, por meio de seus mecanismos e procedi-
mentos, deve ser instrumento nas organizações, visando a implementar a in-
tegridade e a ética nas relações corporativas por meio de suas políticas com
o viés humano, código de conduta, métricas sobre a cultura organizacional,
conforme previsão da ISO 19600, comunicação clara e plano de comunicação,
treinamentos eficazes e constantes, antecipação e gestão dos riscos, melhoria
contínua, inclusive através de canais de denúncia e informações, dentre ou-
tros.
Os pilares de um efetivo programa de compliance podem capitanear re-
cursos amplos para a cultura organizacional, com grande impacto na ética
das organizações e, por conseguinte, na felicidade no ambiente laboral. Além
de promover uma liderança consciente e transparente, evidenciando a cada
dia os propósitos superiores das organizações, seja para os seus colaborado-
res, ou para a sociedade.
Outro importante impacto é na análise e gestão do risco reputacional.
Num ambiente em que as pessoas estão mais felizes no seu contexto de tra-
balho, certamente elas não terão ânimo para arriscar a reputação de sua or-
ganização. Ao contrário, zelam por tal e pela ética.
A pessoa feliz é necessariamente ética (JUNGES; MENDONÇA; PI-
NHEIRO, 2016). Portanto, tudo se relaciona e se complementa, naturalmente.
Pode-se afirmar igualmente que, para o público externo, perceber que a
organização é efetivamente ética e íntegra produz um sentimento de empatia
que acarreta um menor risco de que a reputação possa atingir a organização
de forma fatalista. Há a chance de defesa, antes do “julgamento sumário” das
redes sociais e afins.
Uma empresa que tenha um programa de integridade efetivo e uma cul-
tura de negócios reconhecida no mercado, prezando pela honestidade, atrairá
mais e melhores propostas de negócios e contratos com clientes que se sen-
tirão mais seguros em concluí-los com a referida empresa; a boa reputação
também atrairá e manterá nos quadros da empresa profissionais de talento
que, muitas vezes, decidem não trabalhar nesta ou naquela instituição, uma
vez que, embora ofereçam melhores salários, ao ter uma reputação negativa
no mercado, acabam não sendo uma boa opção. Isso significa uma redução no
turn over (percentual anual de contratações e desligamentos de funcionários)
com todos os benefícios que lhe são inerentes (NEVES, 2018).
Perspectiva em Compliance | 23

A ética é fator predominante nas relações sociais. A reputação deve ser


gerida com autenticidade e transparência.
Obviamente que um programa de compliance atua na mitigação de riscos
corporativos (inerentes e residuais), inseridos os riscos reputacionais. Mas há
de se registrar que não se trata de um programa “para inglês ver” ou a “cer-
teza de uma blindagem organizacional”. Tais conceitos não são reveladores
da verdade. Trata-se de um programa que pode propiciar uma margem de
segurança nas relações corporativas, na medida em que prevê riscos, a fim de
mitigá-los, em todas as searas da organização, primando por sua perenidade,
dentro de uma perspectiva ética, de integridade e de sustentabilidade, em
busca de uma melhoria contínua.
Conclui-se que o programa de compliance tem tudo a ver com a melhoria
ou inserção da felicidade no ambiente do trabalho, com a aplicação dos seus
pilares, no fortalecimento da governança corporativa, com a preocupação com
a integridade, propiciando um ambiente em estado de flow, apto a recepcio-
nar o sucesso, pessoal e organizacional, com responsabilidade, consciência,
propósito genuíno e transparência, fatores imprescindíveis para o futuro que
se avizinha.

5 RENOVAR E PERPETUAR

Conforme assevera Silveira (2018, p. 217):

Estamos vivendo um mundo cada vez mais transparente e volátil, onde


a mudança ocorre em alta velocidade. A elevada volatilidade do mundo
contemporâneo, por sua vez, faz com que a adaptabilidade seja cada vez
mais um elemento-chave para o sucesso empresarial – em substituição à
busca pela máxima eficiência por meio do controle de todas as variáveis
que afetam a organização. As pessoas estão cada vez mais conectadas e em-
poderadas graças ao acesso a novas tecnologias. Qualquer pessoa que uti-
lize um pequeno dispositivo pode reunir e difundir informações sensíveis
em tempo real para todo o mundo. Estamos enfrentando megatendências,
como o aquecimento global, o desenvolvimento da inteligência artificial,
a polarização social, os desafios da sustentabilidade e as mudanças demo-
gráficas. Essas megatendências, de consequências praticamente impossí-
veis de estimar para as próximas décadas, fazem com que estejamos todos
vivendo em um mundo cada vez mais complexo, fragmentado e incerto.

Assim, manter-se no mesmo formato de negócio pode colidir com a


necessária renovação organizacional que, entre outros imperativos, impõe
a mudança comportamental top down primando pela felicidade no ambiente
das organizações, ética, integridade, propósito superior, transparência, líde-
24 | Aurora Barros

res conscientes das suas atitudes perante si e terceiros e boas práticas de


governança.
A implicação dessa mudança de valores para o mundo dos negócios foi
bem sintetizada por um relatório recente da Legal Research Network, que ar-
gumenta que as empresas contrataram braços no século XIX (da economia
industrial), cérebros no século XXI (da economia humana) e terão que con-
tratar corações no século XXI (da economia humana). Essas mudanças estru-
turais, por sua vez, estão levando stakeholders a terem expectativas cada vez
maiores sobre o papel das empresas na sociedade (SILVEIRA, 2018, p. 219).
A empresa, ao oferecer as condições, em termos de cultura, clima moti-
vacional e práticas adequadas para que o homem se sinta feliz no trabalho,
está se garantindo como organização de alta produtividade. E, como tal, em
condições de se perpetuar (MATOS, 2017, p. 118).
Visando reerguer as condições ambientais e organizacionais, Matos
(2017, p. 110) definiu o fator QF (Quociente de Felicidade) como mensuração
do clima ético e de bem-estar social na empresa. Pelo fator QF acreditamos
que surge “a nova empresa”, significando a mudança de valores para um novo
sistema econômico centrado no ser humano. Isso ocorrerá não só por aspi-
ração humana, mas por exigência do mercado. O QF surge para harmonizar
razão (QI) e emoção (QE).
Com pretensão semelhante, o indicador de Felicidade Interna Bruta
(FIB) é um projeto da Organização das Nações Unidas (ONU), o qual foi cria-
do com a visão de se medir a felicidade da população como forma de desen-
volvimento. O questionário original do FIB tem 249 questões relacionadas
com nove dimensões: bem-estar psicológico, saúde, uso do tempo, vitalidade
comunitária, educação, cultura, meio ambiente, governança e padrão de vida.

Em julho de 2011, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução


convidando os países membros a medirem a felicidade de seus habitantes
e usar os dados para ajudar em suas políticas públicas. Em abril de 2012,
houve a primeira Reunião de Alto Nível da ONU com o tema “Felicidade
e bem-estar: definindo um novo paradigma econômico”, que foi presidida
por Jigme Thinley, primeiro-ministro do Butão, o primeiro e único país
que até então havia adotado oficialmente a felicidade interna bruta, ao in-
vés do produto interno bruto, como seu principal indicador de desenvolvi-
mento. (WIKIPÉDIA, 2019).

Segundo Evandro Borges, em sua obra Psicologia positiva:

Nos relatórios, principais especialistas de várias áreas – economia, psico-


logia, análise de pesquisa, estatísticas nacionais, entre outros — descre-
vem como as medições de bem-estar podem ser efetivamente usadas para
Perspectiva em Compliance | 25
avaliar o progresso das nações. Cada relatório está organizado por capí-
tulos, que se aprofundam nas questões relacionadas à felicidade, incluin-
do doenças mentais, benefícios objetivos da felicidade, a importância da
ética, implicações políticas e as ligações com a abordagem da OECD para
mensurar o bem-estar subjetivo e o Índice de Desenvolvimento Humano.
(BORGES, 2017).

Renovar para perpetuar, essa é a condição das organizações do Brasil e


do mundo. Muito tem a ser feito, mas tudo começa de um primeiro passo e
da receptividade da caminhada. Considerar o ser humano como valor, e não
como custo (MATOS, 2017, p. 121), empatia, compaixão, sentimentos que
nos diferenciam das máquinas, da inteligência artificial que invade setores do
mercado sem pedir licença.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cremos que os profissionais de compliance são missionários nessa batalha,


ao defender as boas práticas, a ética, a transparência, a integridade, o bem-
estar e a felicidade no trabalho, o lucro honesto que são insumos para as
organizações que pretendem deixar o seu legado positivo e ter creditada a
sua perenidade. Muitos são os desafios, mas há a certeza de que esses missio-
nários estão dispostos a avançar, lançar ideias, participar da renovação que já
iniciou e que produzirá frutos exitosos para a coletividade.
Como diz Beto Guedes, em sua belíssima canção O Sal da Terra: “Vamos
precisar de todo mundo pra banir do mundo a opressão, para construir a vida
nova vamos precisar de muito amor, a felicidade mora ao lado e quem não é
tolo pode ver”.
É preciso empatia, compaixão e amadurecimento de cada um e das
organizações de que o ser humano carece de socorro, de um olhar humano
para entender as limitações de um corpo e de uma alma que foram criados
para o bem, para a felicidade, é humano ser feliz, ser ético, ser íntegro. É
humano propiciar a felicidade, a ética, a transparência, as boas práticas. A
liderança consciente, o propósito superior. É humano ser compliance. É huma-
no “recriar o paraíso agora para merecer quem vem depois”.

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tps://pt.wikipedia.org/wiki/Relat%C3%B3rio_Mundial_da_Felicidade. Aces-
so em: 17 mar. 2020.
POR QUE A SUA EMPRESA PRECISA DE UM
2
PROGRAMA DE COMPLIANCE?

Carlos Queiroz2

O ideal que se busca nos negócios, sejam eles de que qualquer natureza, é
a lisura e transparência entre as partes; fazer a coisa certa, estejam as partes
contratando com pessoas naturais ou jurídicas, é o anseio social.
O Estado só causa ingerência para punir pessoas naturais e jurídicas
quando estas de algum modo descumprem os ditames legais, atingindo a so-
ciedade como um todo ou alguém diretamente.
Foi a partir do anseio social que surgiu o compliance, o qual busca que
empresas públicas ou privadas desenvolvam suas atividades com total cum-
primento das legislações vigentes e com isso consigam entregar o seu melhor.
Nessa linha de raciocínio, correspondendo à expectativa atual do merca-
do é que as empresas necessitam implantar um programa de compliance que

2 Advogado e profissional de Compliance e Ética. Especialista em Compliance pela PUC-


SP, Instituto Insper, pela LEC-Legal Ethics Compliance e pelo Instituto de Direito Penal
Econômico e Europeu (IDPEE), da Faculdade de Direito Penal da Universidade de
Coimbra. Membro da Comissão de Estudos Permanentes sobre Compliance da OAB-
PE. Secretário-geral da subcomissão de Compliance do Instituto dos Advogados de
Pernambuco (IAP). Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).
Membro da União dos Advogados Criminalistas (UNACRIM). Membro do Instituto dos
Advogados de Pernambuco (IAP). Membro da Associação dos Advogados de São Paulo
(AASP).
28
Perspectiva em Compliance | 29

as coloque numa posição de destaque nos negócios, adquirindo credibilidade


no mercado de trabalho por reconhecidamente prezarem pela ética e lisura
no trato com seus clientes e colaboradores.
Quando uma empresa possui negócios com o Estado, pela própria impo-
sição legal, terá ela que ter implantado um programa de compliance. Porém, a
pergunta que aqui se faz é em relação às empresas que não possuem negócios
com o setor público, nem têm pretensão de tê-lo. Qual a importância de im-
plantar um programa de compliance?
O presente artigo busca demonstrar que implantar um programa de
compliance está muito além de uma exigência legal em alguns casos, visando
a alcançar a real necessidade de uma mudança de postura que hoje o mercado
exige: respeito às leis, respeito ao meio ambiente, aos direitos do consumidor,
responsabilidade social, enfim, uma empresa que não só proclama, mas age
da maneira correta.
A metodologia foi a de pesquisa e análise da documentação histórica
citada nesse trabalho, bem como da legislação pertinente, notadamente da
Lei Anticorrupção e de livros e artigos produzidos por autores da área de
compliance.
Nesse contexto, abordaremos os seguintes tópicos: (i) Do surgimento do
compliance; (ii) Da importância da implantação de um programa de compliance;
(iii) Dos pilares de um programa de compliance; (iv) Das vantagens de se pos-
suir um programa de compliance.

1 DO SURGIMENTO DO COMPLIANCE

Compliance é cogente? E o que é compliance? Esse termo pode ser defini-


do como o dever das empresas e instituições públicas de estimular uma cultu-
ra organizacional que preza pela ética e pelo compromisso com as legislações.
Melhor dizendo, compliance é o cumprimento das normas, sejam elas leis ou
políticas internas, com base em determinado padrão de conduta.
O termo compliance, originado do verbo inglês to comply, também pode
ser entendido como: “[...] o dever de cumprir, de estar em conformidade e
fazer cumprir leis, diretrizes, regulamentos internos e externos, impostos às
atividades da instituição, buscando mitigar o risco atrelado à reputação e o
risco legal/regulatório [...]” (BINDER; COIMBRA, 2010. p. 2). E, de igual
modo, Milena Donato Oliva e Rodrigo da Guia Silva consignaram que “[...] a
noção de compliance envolve o estabelecimento de mecanismos de autorregu-
lação e autorresponsabilidade pelas pessoas jurídicas” (OLIVA; SILVA, 2018.
p. 2708-2729).
30 | Carlos Queiroz

Quando se pensa em compliance, reconduz-se imediatamente à ideia de


autovigilância. “Consubstancia sistema de controles cuja função primordial
consiste em promover uma cultura de respeito à legalidade e evitar a ocor-
rência de violações às normas jurídicas e ao Código de Ética de casa entida-
de” (CUEVAS; FRAZÃO, 2018. p. 19). O Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE) pontifica que: “Compliance é fazer a coisa certa” (2016).
Nesse sentido, encaixa-se perfeitamente o conceito conhecido como walk
the talk que consiste em se fazer o que se fala (ANDRADE; SOUZA; TO-
MAGNINI; UCHOA, 2020. p. 22).
Em tempos de importantes e grandes operações contra a corrupção, a
exemplo da Operação Lava Jato e tantas outras, o programa de compliance se
torna cogente, ou seja, uma regra para as empresas que prestam serviços ou
fornecem bens para o setor público. Tanto no setor público como no privado,
entende-se que um programa de compliance efetivo gera resultados na insti-
tuição não apenas de conformidade, mas também de eficiência da organização.
No Brasil, a partir da transição da década de 1990 para a primeira déca-
da do século XXI, observou-se um progressivo reconhecimento legislativo
e pelos demais órgãos de controle da importância do compliance (Instrução
CVM n. 116, de 3 de maio de 1990). Nesse caminhar, o compliance passou a
ser exigência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) (Brasil, 2001) e do
Banco Central (BACEN) para atuação de certas atividades.
Vale destacar que o Brasil, desde o ano de 2000, aderiu ao Tratado da
Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE) e
promulgou o Decreto nº 3.678, de 30 de novembro, no qual, em seu art. 2º,
constou a obrigação de que cada Estado-parte deveria “tomar todas medidas
necessárias ao estabelecimento das responsabilidades de pessoas jurídicas
pela corrupção de funcionário público estrangeiro, de acordo com seus prin-
cípios jurídicos” (BRASIL, 2000).
Assim, a OCDE passou a avaliar os países que adotaram a Convenção,
emitindo relatórios de avaliação em relação ao Brasil nos anos de 2004, 2007
e 2010, e em todos esses documentos foi apontada a falha do sistema jurídico
interno por não prever uma norma de responsabilização de empresas pela
prática de suborno transnacional.
Motivado, então, pelo terceiro relatório, o de 2010, o qual foi bastante
veemente, impondo que a obrigação fosse cumprida pelo Brasil até a próxima
avaliação, que se daria em 2014, foi proposto o Projeto de Lei nº 6.826, que
serviria ao texto normativo da Lei Anticorrupção.
Note-se que, ao contrário dos Estados Unidos, que passou a intensificar
a legislação a partir de grandes escândalos financeiros, a exemplo das em-
presas Enron, em 2001, e Worldcom, em 2002, o Brasil, apesar de inúmeros
Perspectiva em Compliance | 31

escândalos de fraudes não menos importantes, teve como propulsor da legis-


lação anticorrupção os compromissos internacionais assumidos (ANDRA-
DE; SOUZA; TOMAGNINI; UCHOA, 2020. p. 16).
Nessa toada, com o surgimento da Lei Anticorrupção do Brasil (Lei nº
12.864/2013), que pune as pessoas jurídicas por atos praticados em desfavor
da Administração Pública, seja ela nacional ou estrangeira, nasce com força a
necessidade de as empresas implantarem programas de compliance.
Passados aproximadamente sete anos da Lei Anticorrupção, é possível
observar a evolução por que passam os programas de compliance, mais espe-
cificamente estas três fases: (i) a primeira, formalista; (ii) intermediária, de
efetividade; (iii) e mais recente, a cultural (CARVALHO; SIMÃO; 2018).
No início, com a publicação da Lei Anticorrupção e do Decreto nº
8.420/2015, observou-se a fase formalista, em que as empresas correram
para se adaptar ao art. 42 do decreto, sendo vista a área de compliance, quando
existente, como uma fiscalizadora da atividade da empresa, além de assumir
o papel de um departamento jurídico, tendo que validar muitas decisões pro-
cedimentais internas.
Como já mencionado, as grandes operações da Polícia Federal, a partir
de 2016, impulsionaram a generalização do compliance no país, surgindo a
segunda fase dos programas: a de efetividade. A efetividade dos mecanismos
de compliance passou a ser valorizada, justamente para se evitar novos episó-
dios de corrupção nas empresas, pois os controles até então existentes não
estavam funcionando com o fim de prevenir a prática de ilícitos.
Na terceira fase, a cultural, os colaboradores entendem a importância
dos conceitos e cumprem as regras por acreditarem nelas, não porque são
impostas pela organização, mas pela ética internalizada como valor genuíno
que estimula o cumprimento espontâneo das obrigações legais e normativas.
Com efeito, de acordo com a Transparência Internacional (2019), o Bra-
sil ocupava a 96ª posição no Índice de Percepção da Corrupção de 2017, num
ranking que inclui 180 países.
Já em 2018, o Brasil apresentou sua pior nota desde 2012 e cai da 96ª
para a 105ª posição no ranking da Transparência Internacional, continuando
em declínio no ano de 2019, cujo índice de Percepção da Corrupção caiu para
a 106ª posição (TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL, 2020).
Esse contexto delineou a evolução histórica no Brasil do surgimento da
Lei Anticorrupção e dos programas de compliance.
32 | Carlos Queiroz

2 DA IMPORTÂNCIA DA IMPLANTAÇÃO DE UM PROGRAMA DE


COMPLIANCE

Não há novidade em se afirmar que as empresas que possuem relação de


negócio com os setores públicos precisam cumprir certos requisitos, entre
eles possuir programa efetivo de compliance.
Nesse contexto, em relação às empresas que não têm relação com o
Estado, notadamente as que não fornecem bens e/ou serviços, questiona-se
se precisam ter programa de compliance.
Independentemente de intencionar ou manter relação de negócio com o
Estado, as empresas por si só necessitam se encaixar e se alinhar aos novos
tempos, sob pena de ficarem de fora do mercado, que passa a exigir perfil
ético, sustentável, que respeite os seus empregados (leis trabalhistas), que
respeite os seus consumidores, enfim exige que as empresas ajam da forma
mais reta e correta possível, em todos os aspectos.
Nesse sentido, a Lei Anticorrupção é uma importante ferramenta de in-
centivo legal para que as empresas passem a implementar programas de com-
pliance como forma de aprimorar seu sistema de gestão da ética.
Com efeito, a lei supracitada define um programa de integridade:

Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no


âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimen-
tos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregula-
ridades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e
diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularida-
des e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou
estrangeira.

Parágrafo Único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplica-


do e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das ativi-
dades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante
aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua
efetividade. (BRASIL, 2013).

O referido diploma legal, em seu art. 42, trouxe um rol bem extenso de
parâmetros que passaram a servir de base para que se possa avaliar a existên-
cia e efetividade do programa de integridade das empresas.
A partir desse rol, as corporações passaram a ter um verdadeiro manual
de medidas que as auxiliam na difícil e árdua missão de combate à corrupção
em sua estrutura interna, além de combater as famosas e corriqueiras fraudes
em licitações. Ressalvadas as adaptações necessárias, a depender da natureza
empresarial, porte da empresa, entre outras particularidades, um programa
de integridade é para todos, sem exceção.
Perspectiva em Compliance | 33

3 DOS PILARES DE UM PROGRAMA DE COMPLIANCE

A importância de um programa de integridade é tamanha que, quan-


do efetivo, atua em três pilares primordiais à saúde empresarial: (i) preven-
ção, (ii) detecção e (iii) remediação (ANDRADE; SOUZA; TOMAGNINI;
UCHOA, 2020, p. 21).
O primeiro pilar, prevenção, é o ideal maior de um programa de integri-
dade. Prevenir uma má conduta, um ilícito, uma demanda judicial, seja ela de
que natureza for, é agir com retidão, lisura e, como recompensa, passar a go-
zar de grande credibilidade no mercado, atraindo clientes e novos negócios.
O segundo pilar, a detecção, é o ato de identificar um problema na cor-
poração e agir com eficiência para evitar sua consumação e as óbvias conse-
quências negativas, seja no ramo de atividade, seja judicialmente.
O terceiro pilar, a remediação, propiciará que um problema já instalado e
com consequências tenha seus efeitos negativos minimizados, restabelecendo
o status anterior de legalidade e retidão.
Conseguir ultrapassar a barreira e a disseminada cultura empresarial de
só passar a fazer a coisa certa porque existe uma lei que assim determine e
conseguir implementar a cultura de passar a fazer a coisa certa por convicção
e por acreditar que só será possível construir um país mais justo e com igual-
dade de negócios é o maior objetivo de um programa de integridade.
Nunca é demais lembrar: programa de integridade é um programa de
compliance específico para prevenção, detecção e remediação dos atos lesivos
previstos na Lei nº 12.846/2013, que tem como foco, além da ocorrência de
suborno, também fraudes nos processos de licitações e execução de contratos
com o setor público (BRASIL, 2015).
Com efeito, programa de integridade e compliance é fazer a coisa certa
(CADE, 2016) no ramo de atividade da organização, ou seja, exige-se hoje do
dirigente da empresa um dever de cuidado mais acurado (dever de proteção e
vigilância, notadamente pela importação e metamorfose da teoria do domínio
do tato e teoria da cegueira deliberada pela nossa jurisprudência – acórdão
da ação penal 470-Mensalão) e de comportamento ético nas suas ações em
face dos stakeholders, isto é, pelas partes interessadas: clientes, fornecedores,
sociedade, Estado etc.
No Brasil, contamos com a existência de agências regulatórias e diversos
órgãos de controle estatal das atividades empresariais, no âmbito da União,
estados e municípios.
Nesse dever de cuidado, hoje, de grande espectro, os gestores privados
têm que cumprir normas internas, mas também muitas normas externas,
notadamente as normas estatais de regulamentação da sua atividade empre-
sarial, sob pena de sofrerem sanções administrativas, cíveis e penais.
34 | Carlos Queiroz

4 DAS VANTAGENS DE SE POSSUIR UM PROGRAMA DE COMPLIANCE

De outro ângulo, o programa de integridade e compliance passou a ser


uma grande ferramenta de resultados empresariais, notadamente pela miti-
gação de riscos e pela grande repercussão positiva da imagem da organiza-
ção que o possui, seja pública ou privada e tenha ou não relação com entes
estatais.
Além disso, um programa de compliance pode ir além do cumprimento
de normas, isto é, seguindo na direção da gestão da organização, visando a
garantir o alcance dos objetivos e metas estabelecidas no plano estratégico da
organização, confirmando a eficiência do modelo de gestão.
Com efeito, melhor caminho não existe ao dirigente de empresa e ao ges-
tor público, de um modo geral, senão implantar um programa de integridade
e compliance efetivo, sob pena de um desaguar natural da responsabilidade
administrativa, civil e penal.
Nessa esteira, um programa efetivo de integridade e compliance deve ter,
no mínimo, o previsto no art. 42 do Decreto nº 8.420, de 18 de março de
2015, que regulamenta a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que “dispõe
sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de
atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras pro-
vidências”.
Um programa de integridade e compliance vai muito além de apenas evi-
tar que as empresas sejam castigadas/punidas por um delito cometido. A
gestão de um programa de compliance atua como agente transformador de an-
tigas culturas, procedimentos e condutas empresariais, de modo que cumprir
com as regras – sejam elas internas, sejam externas – é um corolário lógico
de um comportamento ético, reto, unânime e esperado, e ao cumpri-las não só
pelas eventuais sanções, mas por ser um comportamento natural no âmbito
empresarial, a empresa ganha credibilidade no mercado, diante da postura
assumida, além de não incorrer em condutas típicas.
Muito além de interpretar leis, o programa de compliance visa a implan-
tar/consolidar padrões éticos.
Cabe ao código de ética da empresa delimitar as condutas proibidas e
quais as normas de comportamento a serem seguidas nela. Ou seja, a implan-
tação de um programa de integridade e compliance efetivo pelas empresas é
um caminho sem volta, especialmente diante do cenário jurídico atual mun-
dial (OCDE, 1997) e do Brasil (BRASIL, 1998).
Nesse cenário, melhor caminho não há do que o da prevenção, fazendo
uso de ferramentas consagradas de gestão empresarial – árvore de problemas,
gráfico de Gantt, análise stakeholder, mapa de processos e análise SWOT –
Perspectiva em Compliance | 35

para mitigação dos riscos, especialmente os penais, em razão da atividade


empresarial.
A existência de um programa de integridade e compliance efetivo tem
grande importância na vida de uma empresa, ainda que esta não mantenha
negócios com o setor público, haja vista que no seu dia a dia acaba interagindo
de várias formas com o Poder Público, seja no momento de pagar um tributo,
seja durante uma fiscalização feita por aquele, seja diante da necessidade de
obtenção de alvarás ou licenças.
Mas a importância de uma empresa possuir um programa de compliance
vai muito além de manter ou possuir pretensões de manter relações comer-
ciais (negócios) com o setor público. Ela transpassa essa questão e tem al-
cance na visibilidade da empresa no mundo dos negócios, colocando-a numa
posição de destaque no cenário comercial/empresarial e com isso atraindo
oportunidade de negócios e rentabilidade.
As vantagens que a empresa passa a ter em comparação às que não
possuem o programa de compliance colocam-na em privilégio, atraindo ne-
gócios com outras empresas que, pelo nível de exigência de retidão e lisura,
passam a querer se relacionar apenas com as que, igualmente a elas, possuem
o programa.
Como em qualquer opção que tenhamos que fazer, a primeira coisa a se
observar é se o profissional contratado ou a empresa contratada possuem
boas referências no seu ramo de atuação, tais como confiança e credibilidade.
Assim é vista a empresa que possui um programa de compliance, como uma
pessoa jurídica confiável, atraindo com isso negócios e investidores, sendo
vista com “bons olhos” no mercado.
Outra vantagem e importância de possuir um programa de compliance
é que a empresa passa a ter a real noção, diante do mercado, e em especial
do mercado brasileiro atual, com toda a sua instabilidade, dos riscos que sua
empresa sofre ao fazer determinada operação comercial, investimentos ou
mesmo diante de uma involuntária mudança do mercado. Assim, tendo um
diagnóstico completo dessas situações, pode-se evitar perdas, responsabiliza-
ções, sendo ainda possível que ações sejam desenvolvidas para diminuir ou
cessar tais riscos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As empresas necessitam implantar um programa de compliance, pois ou-


tro caminho não há, já que será a sua postura no mercado de trabalho que lhe
dará a credibilidade necessária para adquirir novos negócios e clientes.
O Brasil terá duas fases, antes e após o surgimento do compliance.
36 | Carlos Queiroz

Com o passar dos anos, o programa de compliance constará como mera


formalidade, porque já terá ele atingido o seu melhor objetivo: a mudança de
postura empresarial, que terá retratado a partir das boas práticas a cultura
empresarial de um país.

REFERÊNCIAS

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Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências. Presi-
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Perspectiva em Compliance | 37
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3
IMPLANTAÇÃO DA CULTURA DA
INTEGRIDADE: FATOR CHAVE PARA
O SUCESSO DO PROGRAMA DE
COMPLIANCE

Érika L’Amour Ferreira Santos3

Nos processos de implantação do programa de compliance, é considerado


alicerce central o patrocínio da alta administração. Nesse sentido, quanto ao
programa de compliance, é fundamental que sua implantação seja de iniciativa
da alta administração, que poderá dar o suporte necessário para que ele seja
implantado. Isso acontece porque muitas vezes os colaboradores estão acos-
tumados a determinada política ou procedimento que pode ser até a forma
mais simples de executar um processo ou rotina, mas não será a forma mais
3 Graduada em Administração pela Faculdade de Ciências da Administração de
Pernambuco (UPE, 2000). Especialista em Gestão da Qualidade em Serviços pela
Faculdade de Ciências da Administração de Pernambuco (UPE, 2002) e MBA em
Controladoria e Finanças pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2004). Professora
convidada: da Universidade de Pernambuco, para a disciplina de Auditoria e compliance
aplicados à gestão de recursos humanos; da Católica Business School (UNICAP), para
as disciplinas de Compliance, ISO 19600, ISO 37001 e ISO 31000; e da FAFIRE, para
as disciplinas de Auditoria e compliance, Compliance digital e LGPD e gestão de pessoas.
Consultora para implantação das áreas de Auditoria Interna e Compliance, criação e
implantação de Programas de Integridade e Compliance e em Projetos de Adequação à
LGPD.
38
Perspectiva em Compliance | 39

correta em relação à conformidade legal. Assim, é muito mais cômodo fazer


uma rotina de um modo mais prático, mais rápido, do que de forma mais bu-
rocrática, por exemplo.
Na prática, a grande maioria das pessoas que executa uma tarefa ou
rotina se preocupa mais em dar-lhe cabo de modo mais prático, demandando
menos tempo, do que em fazê-la da forma mais adequada, seguindo os re-
quisitos legais relacionados ao tema dela. É justamente por isso que o apoio
da alta administração é tão importante: sendo uma determinação que vem
de cima, ela será mais fielmente seguida, mesmo que demande mais tempo
e implique forma mais burocrática ou complexa de executar uma tarefa ou
processo. A expressão americana walk the talk, cuja tradução significa “andar
na conversa”, mas a interpretação mais comum é “seguir o que se prega”, re-
flete bem o apoio da alta administração em relação ao compliance: sendo algo
incentivado por ela, será a primeira a dar o bom exemplo, fazendo o que é
certo, independentemente das circunstâncias. Além do bom exemplo, a alta
administração exerce o poder natural da hierarquia em uma companhia, ou
seja, os colaboradores podem até discordar dela, mas não deixarão de seguir
suas orientações, mesmo que apenas mais à frente entendam que de fato o
melhor para a organização é fazer o que é certo, o que mandam as leis e regu-
lamentos aplicados ao negócio.
De fato, o apoio da alta administração é a pedra fundamental desse tipo
de implantação. No entanto, é preciso ter sempre em mente que, quando fala-
mos em implantar uma nova cultura, falamos necessariamente em uma mu-
dança cultural, e a empresa precisa viver este objetivo, a começar pelo mais
alto grau hierárquico, pois que, se não for encarado desta forma, será apenas
mais um projeto, e na prática cairá por terra após poucos meses de implan-
tado. Será a partir dele que a cultura se disseminará e irá permear por toda
a empresa.
Uma mudança cultural deste porte precisa, antes de qualquer coisa, de
equilíbrio e aderência. A cultura da integridade precisa se enraizar em todas
as áreas da empresa, promovendo primeiramente uma mudança de mindset,
pois antes os assuntos relacionados ao compliance, como código de ética, canal
de denúncia e políticas internas estavam espalhados em várias áreas da em-
presa, a exemplo da área de gente e gestão, ou RH, e agora passarão a ter um
dono, que deve ter a preocupação de ter uma rotina de aprendizado contínuo
sobre o assunto.
É uma virada de chave que precisa fazer parte do dia a dia de todas as
áreas e não dá para se iludir, achando que o compliance será só preventivo: não
adianta florear, sabemos que é um processo de educação também, mas vai
haver momentos de tensão e tormenta, pois nem tudo são flores. O inverso
40 | Érika L’Amour Ferreira Santos

também não se aplica: não dá para achar que vai ter sucesso na implantação,
seguindo a linha do terrorismo, ou a linha policialesca. Compliance também
não é isso, é equilíbrio entre estas duas alternativas, sempre com a preocu-
pação na manutenção do programa, que deve ser factível e aderente, e com a
continuidade do negócio, também apoiada pelo compliance.
O principal objetivo de um programa de compliance é fazer com que as
empresas consigam otimizar seus recursos, de modo a angariar a melhor qua-
lidade possível em seus produtos, serviços e no relacionamento da empresa
com a sociedade, mesmo que os recursos sejam escassos, ou seja, conseguir
ser o mais efetiva possível em tudo o que faz, ainda que com limitações or-
çamentárias. Tudo isso por meio da ética e de uma conduta íntegra, que não
dependem apenas de gastos, mas de investimento de tempo, de mudanças de
atitude e de comprometimento real de todos os envolvidos no ecossistema
corporativo.

1 COMO REALIZAR A MUDANÇA CULTURAL NECESSÁRIA COM FOCO


NO COMPLIANCE

Estabelecer uma cultura organizacional baseada na integridade não é


tarefa fácil, mas mais difícil ainda é modificar uma cultura já existente, na
qual a integridade não está formalmente inserida no contexto (constando,
por exemplo, como um dos valores da companhia) organizacional. No entan-
to, há o alento de que empresas que atuam de forma ética com seus funcio-
nários conseguem um maior envolvimento, rendimento e comprometimento
de seus colaboradores, os quais alinham suas metas às da empresa. Estudos
mostram que as pessoas preferem trabalhar e são mais comprometidas com
corporações éticas. Um exemplo destes estudos foi realizado pela LRN Cor-
poration com cerca de 16 mil empregados em 17 países e publicado no The
How Report, em 2016, que constatou desempenho de alta performance em
97% das empresas com perfil cultural de self-governance (tendo a cultura da
integridade como princípio fundamental), contra apenas 36% de desempenho
de alta performance em empresas com perfil de blind obedience (que preza pela
obediência cega, independente da adoção de princípios morais).
Adicionalmente aos resultados desta pesquisa, sabemos na prática que o
engajamento e o comprometimento dos funcionários com uma empresa são
sempre maiores quando ela atua de forma ética com seus colaboradores. Dife-
rentemente do que muitos pensam, o chão de fábrica está sim atento a todos
os detalhes da conduta profissional de seus líderes e, independentemente de
concordarem com ela ou não, eles sabem discernir se aquela conduta está
de acordo com os padrões, regras e cultura da empresa (inclusive nos casos
Perspectiva em Compliance | 41

em que o comportamento íntegro não faz parte da cultura), ou se se trata de


comportamento isolado e não aprovado pela alta direção.
Infelizmente sabemos que muitos gestores acabam contribuindo de for-
ma negativa para a implantação da cultura de integridade, pois que, apesar
de serem exemplo para suas equipes, nem sempre contribuem com exemplos
positivos. Este tema é tratado como um tabu, mas é a mais pura realidade: na
grande maioria dos casos, as fraudes são elaboradas e planejadas pelos gesto-
res, e apenas executadas pelas suas equipes, que infelizmente se veem muitas
vezes sem alternativa, a não ser colaborar com a fraude (ou com o compor-
tamento antiético envolvendo, por exemplo, conflito de interesses) solicitada
por seu superior hierárquico.
Neste sentido, ferramentas como o canal de denúncias terceirizado (com
garantia de anonimato e não retaliação ao denunciante) e um robusto código
de conduta podem exercer um papel muito especial nesta mudança de cultura
que precisa ser feita, para que o programa de compliance seja realmente efeti-
vo, e não apenas mais um item (superficialmente atendido) em um checklist ou
conjunto de metas.
A partir do momento em que os colaboradores e fornecedores entendem
que o canal de denúncias de fato funciona, observamos um aumento natural
no número das denúncias, sendo cada vez mais comum o registro das “pro-
cedentes”, aliadas à preocupação do denunciante em apresentar evidências do
fato em questão, contribuindo para que todos que compõem o ecossistema da
empresa atuem como fomentadores da integridade dela. Aos poucos eles vão
percebendo que é muito melhor trabalhar numa empresa que possui ambien-
te ético, em que os acordos coletivos são cumpridos, em que se segue a legis-
lação trabalhista – sem que os processos trabalhistas sejam um “continuação
natural” do processo de desligamento –, em que o assédio moral só existe nos
treinamentos e permite que todos saibam identificá-lo e, ao mesmo tempo,
extingui-lo via canal de denúncias.
O código de conduta, por sua vez, diz claramente qual é a postura es-
perada dos profissionais que atuam na empresa, tanto colaboradores como
fornecedores, servindo para dar o norte, deixando claras as regras, o que
pode, o que não pode ser feito, e as consequências de infringi-lo, em termos
de medidas disciplinares. Ele serve de alicerce para a nova cultura que precisa
ser implantada e também para todo o programa de compliance em si, tendo
em vista que dá o “tom” da postura adotada pela empresa dali por diante.
Perguntas que muitas vezes não são proferidas pelos colaboradores (seja por
desconhecimento, seja por medo mesmo) encontram suas respostas no có-
digo, quando ele é bem redigido e efetivamente tem o objetivo de colocar
42 | Érika L’Amour Ferreira Santos

“ordem na casa”, a partir do momento em que é a pedra fundamental para a


conduta profissional daqueles que se relacionam com a empresa.

2 PRINCIPAIS DIFICULDADES NA MUDANÇA CULTURAL COM FOCO


NO COMPLIANCE

Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelos executivos nesse


processo? Mesmo para profissionais com muita expertise profissional e amplo
conhecimento de seu mercado de atuação, há sempre vários obstáculos e bar-
reiras a serem vencidos.
Segundo Roberto Medeiros, superintendente de compliance da Neoener-
gia S.A.:

A implantação de programas de integridade sempre é um desafio muito


grande, principalmente quando se trata de organizações de grande porte.
Qualquer ação empresarial que implique mudança de comportamentos e
atitudes sempre envolverá algumas dificuldades, considerando a resistên-
cia natural que as pessoas têm à mudança. E é claro que um programa
de integridade que seja efetivo fatalmente provocará mudanças em vários
processos empresariais, envolvendo muitas pessoas. Minha percepção é
que a maior dificuldade nesse processo de mudança de cultura é conseguir
traduzir a linguagem do Compliance e a sua necessidade para os diversos
grupos de interesse, dentro e fora da organização, colocando-o não numa
perspectiva de fiscalização ou de legalismo, mas sim em uma perspectiva
de aumento da confiança organizacional e de uma estratégia de gestão por
princípios e não somente por normas. (MEDEIROS, 2019).

No ramo da Construção Civil temos visto várias grandes empresas


preocupadas em entrar no eixo e limpar seu nome, fazendo um forte trabalho
de implantação do compliance. Um exemplo é a Andrade Gutierrez, que, de
acordo com o jornal O Estadão:

[...] conseguiu conquistar 20 novas obras nos últimos dois anos e até já
voltou a contratar. A carteira de projetos da empreiteira cresceu R$ 8,2 bi-
lhões até junho e somou R$ 11,1 bilhões – ainda distante dos R$ 30 bilhões
de 2014, quando a construtora foi envolvida na Lava Jato, mas um alento
em tempos de baixo crescimento econômico. (PEREIRA, 2019).

Outra construtora que está investindo pesado no compliance é o Grupo


Queiroz Galvão S.A. De acordo com Sérgio Loureiro, diretor de compliance:

O Grupo Queiroz Galvão tem desenvolvido seu programa de Compliance


desde 2014. Neste contexto, foram realizadas inúmeras ações para a sua
implantação e aprimoramento, dentre elas: a criação de uma diretoria de
Compliance ligada ao Conselho de Administração da Holding; o compro-
Perspectiva em Compliance | 43
misso da alta direção no cumprimento das diretrizes; a utilização de um
canal de denúncias gerido por empresa independente; a criação de um có-
digo de ética e um robusto conjunto de normas e procedimentos internos
do Programa de Compliance; o desenvolvimento de programas de treina-
mento para todos os colaboradores, além da implantação de processos de
controles internos e auditorias. Em 2017, a Construtora Queiroz Galvão
foi a primeira companhia brasileira do segmento de infraestrutura a obter
as certificações ISO 37.001:2016 – Sistema de Gestão Antissuborno e a
declaração de verificação ISO 19.600:2014 – Sistema de Gestão de Com-
pliance.

Analisadas isoladamente, essas medidas não conferem por si só a efetivi-


dade do Programa de Compliance do Grupo. Tal efetividade foi alcançada
quando o Programa de Compliance se fez inserido no sistema de gestão da
organização como um todo, desta forma, os processos e suas interrelações
passaram a incorporar as medidas mitigadoras de risco relacionados ao
Compliance. Sem dúvida nenhuma, este inter-relacionamento de proces-
sos e normas foi o maior desafio na implantação do nosso programa, con-
tribuindo ativamente para a Cultura de Compliance”. (LOUREIRO, 2019).

Como se vê, há uma série de dificuldades relacionadas à mudança cultu-


ral, alicerce básico para a implantação do compliance na empresa, mas este é
um caminho não tão árduo e que pode levar a resultados inimagináveis, pois
a consequência natural é que o funcionário se sinta parte deste processo e
contribua diretamente para os resultados da empresa. Assim, resultados po-
sitivos vão gerar cada vez mais satisfação, envolvimento, a sensação de per-
tencimento e de autorresponsabilidade. Um ciclo extremamente positivo e
desejado por todas as empresas que querem se manter no mercado, em cresci-
mento contínuo, com resultados financeiros e qualitativos cada vez melhores.

3 FATORES DE SUCESSO NA IMPLANTAÇÃO DA CULTURA DA


INTEGRIDADE

Mas como fazer com que a cultura da integridade seja implantada com
sucesso? Alguns cuidados devem ser tomados. Falaremos sobre algum deles,
mas sem a pretensão de que se torne um checklist, porém, deixando o alerta
que são pontos de atenção que devem ser observados com muito critério, pois
que, como cada empresa tem uma cultura própria, um segmento específico e
cada CNPJ atua como uma persona diferente da outra, cada caso é um caso.

3.1 TEMPO DE IMPLANTAÇÃO

Justamente por envolver uma mudança cultural, por mais que se traba-
lhe com frameworks ou metodologias criadas especificamente para a implan-
44 | Érika L’Amour Ferreira Santos

tação do programa de compliance, não dá para fazer uma mudança cultural


no curto prazo. Uma mudança cultural, principalmente em se tratando da
cultura de integridade, leva em média um ano, no mínimo. Se a preocupação
tiver o viés de apenas cumprir um requisito legal e não tiver o apoio da alta
administração, poderá levar bem menos tempo e ser proporcionalmente me-
nos efetiva, ou “para inglês ver”, pois se tornará apenas mais um projeto que é
implantado, não é acompanhado, não gera resultado concreto e muito menos
leva à mudança cultural, e, em breve, nem para cumprimento dos requisi-
tos legais servirá, pois as controladorias-gerais, tanto dos estados quanto da
União, estão cada vez atentas a projetos fakes.

3.2 REFORÇAR OS VALORES DA COMPANHIA

Os valores da companhia devem de fato simbolizar sua essência. Não se


está falando em, necessariamente, incluir a ética como valor, mas que ela se
faça presente no dia a dia, das ações mais simples às mais complexas, mesmo
que não faça parte, de modo formal, da lista dos valores da empresa. O impor-
tante é que ela seja de fato um valor. Não adianta dar um treinamento sobre
a conduta que a empresa espera de seus funcionários e fornecedores, e na
prática não agir de acordo com o que se prega. Questões como concorrência
desleal, tentativas de aniquilar a concorrência ou de criar um monopólio não
são saudáveis; pior, mostram que na prática a liderança (seja a alta adminis-
tração, um procurador dos acionistas ou mesmo os donos da empresa) não
está nem aí para esse “papo de ética”. O raciocínio geral será: “Se os donos
não se preocupam com ética, não sou eu que vou me preocupar...”.
Outro caso muito comum de mau exemplo dado pelas empresas diz res-
peito às leis trabalhistas. Se uma empresa não cumpre seu papel como empre-
gador, seja em relação às leis e acordos coletivos, seja em relação às condições
de trabalho e equipamentos de proteção que oferece aos seus funcionários, ela
não conseguirá obter resultados positivos quanto à conduta esperada de seus
colaboradores, visto que não cumpre o básico, e isso também é integridade.
Enquanto estes forem os valores aplicados diariamente, não adianta fa-
lar em compliance, e é por isso que em muitas empresas os administradores
só atinam para o compliance para tentar resolver o caos, como remedição e
ferramenta de gestão de crise, a exemplo do que aconteceu com a JBS, que
apenas após a realização do maior acordo de leniência do mundo, que envolve
o ressarcimento de R$ 10,3 bilhões, passou a ter uma robusta área de com-
pliance, com 40 funcionários.
Quando os valores morais da empresa são reforçados, há um reflexo
direto em seu valor como negócio: no caso da JBS, as ações passaram de
Perspectiva em Compliance | 45

R$ 5,00 (antes do acordo) para R$ 27,85, dia 28 de agosto 2019. Não há dú-
vidas de que com esta margem é possível manter financeiramente todas as
ações relacionadas ao compliance e ao programa de integridade.

3.3 TREINO

Sim! O treinamento precisa ser repetido várias vezes, não de modo igual,
mas com abordagens e temas diferentes, preferencialmente por meio de me-
todologias ativas, para que possa se enraizar na mente dos colaboradores e
fornecedores. A integridade vem de berço, faz parte da constituição do cará-
ter, da forma que somos criados por nossos pais, dos exemplos e estímulos
que recebemos ao longo da vida, tanto em casa, como na escola, no trabalho
de na sociedade.
É justamente por este motivo que o bom exemplo pode e deve ser
ensinado através dos treinamentos, para que através de simulações de
situações cotidianas se desenhe um novo padrão na mente dos envolvidos,
gravado como tatuagem, assim como a metodologia de repetição usada pelas
crianças quando estão em fase de aprendizagem.
Do mesmo modo que os pais precisam repetir várias vezes, para que
uma empresa consiga fazer com que seus funcionários e fornecedores sigam
uma determinada conduta, é preciso treinar, com métodos diversos, todas as
mensagens, regras e padrões de conduta que se quer passar.
Vale observar que, quando o tema é treinamento em compliance (no có-
digo de conduta, nas políticas internas etc.), muitas empresas caem no erro
de acreditar que apenas na fase de implantação do programa de integridade
(como foco na conduta) ou no programa de compliance (foco na conduta e na
conformidade com as leis e regras do setor) é que é preciso ter esta preocu-
pação. O cuidado deve ser ainda maior na manutenção, para que de fato faça
parte da rotina dos funcionários, de modo que eles consigam, inclusive, levar
para a sociedade e para suas casas aquilo que aprenderam na empresa.
Outro erro muito comum é a preocupação com o prazo de conclusão do
treinamento, e não com a forma com a qual ele é conduzido. Infelizmente, ge-
ralmente por questões orçamentárias, algumas empresas focam em concluir o
treinamento com 100% dos funcionários no mínimo de tempo possível, para
atender, em alguns casos, regras ou normativos específicos de seu setor de
atuação. Com isso, muitas acabam não resistindo à tentação do “menor custo”
e colocam entre 100 e 200 colaboradores em uma sala de aula e, ao final, dão-
-se por satisfeitos, pois “bateram a meta”.
Por mais que se trate de treinamentos válidos e que vão ajudar com in-
formações e esclarecimentos de dúvidas que poderiam surgir no dia a dia do
46 | Érika L’Amour Ferreira Santos

colaborador, quando se trabalha com um grande número de participantes, é


natural que não haja interação ou que ela se limite a “seguir comandos” de
quem está dando o treinamento. É importante resistir à tentação do “menor
custo” e tentar trabalhar com turmas de 25 a 35 participantes, em que seja
possível treinar de forma adequada, fazendo uso, por exemplo, de metodolo-
gias ativas, como o problem learning based (PBL), dinâmicas de grupo e simu-
lações de cenários realizadas de diversas formas diferentes.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se vê, há uma série de dificuldades relacionadas à mudança cultu-


ral, alicerce básico para a implantação do compliance na empresa. No entanto,
este é um caminho não tão árduo, mas um pouco mais lento do que se pode
imaginar, durando em média dois anos para que se consolide, contudo pode
levar a resultados positivamente inimagináveis, pois a consequência natural
é que o funcionário se sinta parte deste processo e que contribui diretamente
para os resultados da empresa. Ao se deparar com uma conduta inadequada,
provavelmente o colaborador irá, de forma muito natural, ser compelido a
orientar ou, se preciso, ser até mesmo incisivo, para que seja feito o que é
certo. Aquele que age de forma errada, por sua vez, tenderá a aceitar as orien-
tações de forma muito mais natural, atuando rapidamente na correção de sua
ação ou postura para a qual foi chamado a atenção.
Assim, resultados positivos vão gerar cada vez mais satisfação, envolvi-
mento, sensação de pertencimento e de autorresponsabilidade. Um ciclo ex-
tremamente positivo e desejado por todas as empresas que querem se manter
no mercado, em crescimento contínuo, com resultados financeiros e qualita-
tivos cada vez melhores.

REFERÊNCIAS

BIEGELMAN, M; BIEGELMAN, D. Building a world-class compliance


program: the seven steps in practice (Part I). Hoboken, NJ, USA: John Wiley
& Sons, Inc., 2011.
CRUZ, M. Fazendo certo a coisa certa – como criar, implementar e
monitorar programas efetivos de Compliance. São Paulo: Simplíssimo, 2014, p.
26
LOUREIRO, Sério. Programa de compliance no Grupo Queiroz Galvão.
[Entrevista cedida a] Érika L’Amour Ferreira Santos. Brasil, 2 out. 2019.
Disponível em: erika.lamour@integrityassessoria.com.br. Acesso em: 14 mar.
2020.
Perspectiva em Compliance | 47
LRN. The How Report 2016. Disponível em: https://content.lrn.com/
purpose-inspired-leadership-culture/how-report. Acesso em: 14 mar. 2020.
MEDEIROS, Roberto. Implantação de programas de integridade.
[Entrevista cedida a] Érika L’Amour Ferreira Santos. Brasil, 4 out. 2019.
Disponível em: erika.lamour@integrityassessoria.com.br. Acesso em: 14 mar.
2020.
PEREIRA, Renée. Após leniência, Andrade Gutierrez conquista 20 obras
e volta a empregar. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 20 de setembro
de 2019. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/
negocios,apos-leniencia-andrade-gutierrez-conquista-20-obras-e-volta-a-
empregar,70003017484. Acesso em: 12 mai. 2020.
4
COMPLIANCE EM PERSPECTIVA NA
GESTÃO DE PESSOAS: NOVOS PERFIS
DOS CÓDIGOS DE CONDUTA NAS
ORGANIZAÇÕES
Larissa Alencar Sampaio4
José Vicente Cardoso Santos5

Na atualidade se observa que as novas práticas e descobertas das teorias


da informação e comunicação com os seus novos paradigmas têm imposto
4 Administradora e Terapeuta Junguiana. Consultora em Desenvolvimento Humano e
Organizacional, Compliance e Coach Sistêmica. Pós-graduada em Processos Criativos e
Facilitação de Grupos pelo Instituto Junguiano da Bahia/Escola Baiana de Medicina.
Co-autora do e-book que traz o tema Coaching para Pessoas e Organizações (trabalho
desenvolvido pelo grupo de estudos da ABRH-BA 2016). Estudou Psicanálise por dois
anos na Escola Brasileira de Psicanálise da Bahia. Ministrou aulas pelo SENAI e SENAC,
na Bahia e em Pernambuco, e no Instituto João Carlos Paes Mendonça de Compromisso
Social (IJCPM-BA). Palestrante em universidades, empresas e outras instituições. Em
2017, foi coordenadora dos grupos de práticas da ABRH-BA.
5 Graduado em Física (UFBA/1987). Analista de Sistemas. Bacharel em Direito
(Universo/2019). Mestre em Educação (UNEB). Mestre em Administração e Comércio
Internacional (CESEC / UNEX/Espanha/Badajox). Pós-graduado em Física do Estado
Sólido (UFBA). Pós-graduado em Auditoria Interna (UNEB-UCSAL-AUDIBRA). Pós-
-graduado em Psicopedagogia (UNC). Doutor Honoris Causa com a Ordem do Mérito da
Chancelaria para a América do Sul (UNIMEC-Tít. Honorífico). Doutorando em Mode-
lagem Computacional e Sistemas Cognitivos na área de concentração de Sistemas Com-
plexos (SENAI-CIMATEC). Professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), do
SENAI-CIMATEC e do Centro Universitário Kroton (Unime – Salvador-Ba).
48
Perspectiva em Compliance | 49

uma busca continuada da excelência em gerir pessoas na administração das


empresas, pois em tempo de incertezas, de grandes mudanças e rápidas trans-
formações no mundo contemporâneo acabam por constituir-se num grande
desafio para as organizações e para os seus gestores, em especial as novas
dinâmicas que são impostas e as novas práticas e conhecimentos demandados
(COUTO, 2004, p. 11).
Em todos os aspectos as mudanças ocorridas acabam por abalar tanto os
ambientes físicos e sociais, como também o cenário empresarial e até mesmo
a forma de agir, sentir e pensar das pessoas, gerando-se um desdobramento
que impacta as questões éticas e morais (BOHLANDER, 2003).
No aspecto empresarial, observa-se que as empresas lutam para se man-
ter vivas em um mercado turbulento, decorrente das mudanças políticas,
econômicas, tecnológicas e sociais, de forma que os modelos organizacionais
sofrem também uma profunda transformação, tornando a previsibilidade e
a estabilidade cada vez mais difíceis, senão impossíveis (BOYATZIS, 2006).
No caso das organizações empresariais, observa-se também que, quando
sofrem esses impactos, acabam por refletir no seu capital humano, ou seja, no
denominado capital intelectual e ético, registrando-se assim mudanças nos
parâmetros do mercado no que diz respeito aos valores e elementos de real
importância (LACOMBE, 2005).
Verifica-se assim que, na medida em que ocorrem essas mudanças, as
pessoas vão sendo avaliadas por novos critérios de competências, de forma
que, neste novo contexto, não importa apenas a inteligência, a formação ou
o grau de especialização adquirido pelo profissional, mas a maneira com que
esse indivíduo vai lidar consigo e com os outros, os padrões da ética, da moral
e das boas práticas enraizados no indivíduo e na coletividade como um todo.
Assim, esse critério de avaliação, que vem sendo utilizado cada vez mais, de-
fine o perfil de quem será contratado, dispensando ou mantido, e quem ficará
para trás ou será promovido nas organizações (GOLEMAN, 2016), trata-se
da era da conduta, dos seus códigos e práticas expectadas.
Em face destes cenários, verifica-se que novos padrões perpassam em
todos os níveis da nossa sociedade; com eles, novos paradigmas em muitas
áreas do conhecimento humano, em especial nas áreas da gestão, informa-
ção e comunicação. Estas novas realidades acabam por gerar mudanças nos
processos de gestão das organizações empresariais, criando novos valores,
formas e demandas de comportamento, bem como novos códigos de conduta,
seja na vida privada, seja nas instituições empresariais.
A gestão de pessoas nas organizações tem precisado evoluir para acom-
panhar os novos modelos e demandas da sociedade e, em desdobramento, o
surgimento de modelos nas organizações empresariais.
50 | Larissa Alencar & José Vicente Santos

Desta forma, esta pesquisa objetiva, de forma geral, a descrição e evi-


dências atuais da importância do código de conduta na gestão de pessoas nas
organizações empresariais; como objetivos específicos, tem-se o registro das
mudanças de paradigmas nessas organizações e dos conceitos novos de valo-
ração nos processos de gestão, e o proporcionar de um revisita na literatura
nas áreas correlatas.
Para consolidar esta pesquisa, adota-se uma metodologia lastreada na
revisão de literatura, de cunho documental e histórico, com publicações clás-
sicas e atuais nas áreas em estudo, bem como as discussões acadêmicas atuais
sobre as mesmas temáticas associadas (DEMO, 2008), (DUTRA, 2014),
(GIL, 2001), (LAKATOS; MARCONI, 2014) e (YIN, 2015).
No decorrer do desenvolvimento desta pesquisa, serão elencados concei-
tos e processos associados à gestão, às formas de conduta e novos conceitos
demandados, que incluem a inteligência emocional e os estilos dos novos mo-
delos contemporâneos da liderança (BERGAMINI, 1994).

1 A CONDUTA E A CAPACITAÇÃO COMO NOVAS DEMANDAS NA


GESTÃO DE PESSOAS

A evolução da gestão de recursos humanos para a atual gestão de pessoas


perpassa, segundo Machado et al. (2008), pelo caminho do conhecimento dos
ambientes internos e externos, pode ser percebida pela maior participação
das pessoas nas decisões organizacionais e participação efetiva do planeja-
mento estratégico global, buscando a efetividade dos produtos e serviços aos
clientes, aos fornecedores e aos colaboradores da organização.
Para Fischer (2002, p. 38), os modelos de gestão de pessoas podem ser
entendidos como “[...] a maneira pela qual uma empresa se organiza para ge-
renciar e orientar o comportamento humano no trabalho”. Entendendo o que
a autora afirma, considera-se que o conceito não está referindo-se somente
ao momento em que o colaborador ingressa na empresa, mas sim a todo o pe-
ríodo em que este atua nela. Para isso, ainda de acordo com a mesma autora,
a empresa precisa se estruturar definindo visão, missão, valores, princípios,
estratégias, políticas e práticas ou processos de gestão.
Já na visão de Chiavenato (2008, p. 9), gestão de pessoas é a integração
das “[...] atividades de especialistas e de gestor – como agregar, aplicar, re-
compensar, desenvolver, manter e monitorar pessoas – no sentido de propor-
cionar competências e competitividade à organização”.
Entende-se, então, que essa área é a que constrói talentos por meio de
um conjunto integrado de processos, com o objetivo de cuidar do capital
humano na empresa, o elemento fundamental para o sucesso organizacional.
Perspectiva em Compliance | 51

Na visão de Friendman, Hatch e Walker (2000 apud DEMO, 2008, p.


34), “[...] para dar valor às pessoas, as organizações devem ir além da noção
de recursos humanos e ir em direção à noção de capital humano”, ou seja,
entendendo o capital humano da organização como a noção que vê as pessoas
não como recursos perecíveis a serem consumidos, mas como bem de valor a
ser desenvolvido.
É dessa forma que, ao longo desses anos, as pessoas passaram de meros
recursos associados na organização a instrumentos de riqueza e fonte de
capital humano, que, com seu desenvolvimento, podem trazer sucesso para
organização (BERGAMINI, 1994).
O contexto da gestão de pessoas, segundo Chiavenato (2008), é formado
por pessoas e organizações, uma vez que aquelas passam boa parte de suas
vidas trabalhando dentro destas. Assim, de um lado está o trabalho, que toma
considerável tempo das vidas e dos esforços das pessoas, que dele dependem
para sua subsistência e alcance de seus objetivos pessoais; do outro, estão as
organizações, que também dependem dos seus colaboradores, que lhes dão
vida, dinâmica, energia, inteligência, criatividade e racionalidade, na busca de
seus objetivos globais e estratégicos (BOHLANDER, 2003).
Diante desse contexto, fica evidente que as organizações, nos tempos
atuais, estão ampliando sua visão e atuação estratégica, pois todo o processo
produtivo só se realiza com a participação em conjunto dos diversos parcei-
ros que a organização mantém, cada qual contribuindo com algum recurso
(LACOMBE, 2005).
Para Chiavenato (2004), os objetivos da gestão de pessoas são variados
e devem contribuir para que haja eficácia da organização, e, muitas vezes, se
possível, a eficiência também. Ainda segundo o mesmo autor, espera-se que
haja eficácia com o uso da ajuda à organização, no sentido de alcançar seus
objetivos, bem como o de proporcionar competitividade com o treinamento
das pessoas envolvidas e bem motivadas.

1.1 EVOLUÇÃO DA ÁREA DE RECURSOS HUMANOS: FASES E


ERAS

Para comentar sobre as fases da evolução dos recursos humanos, deve-se


considerar que esta área de estudo tem evoluído para acompanhar os novos
modelos de produção e gestão. A literatura aponta diversas fases evolutivas
construídas ao longo dos anos. Em pouco mais de 100 anos, a área de recur-
sos humanos evoluiu de uma concepção contábil, passando por abordagens
legais, tecnicistas e administrativas, chegando hoje à estratégica, por meio
da gestão de pessoas (MARRAS, 2000), evoluindo no sentido de promover
desenvolvimento e comprometimento das pessoas na organização.
52 | Larissa Alencar & José Vicente Santos

Nesse mesmo contexto, Dutra (2014) defende que a história da área de


Recursos Humanos pode ser classificada em cinco fases, e a nossa proposta
nesta pesquisa perpassa por sugerir uma nova fase, a fase 6 – a da conduta –,
conforme observa-se a seguir no Quadro 1:

Quadro 1: Fases do aprimoramento de condutas


CRONOLOGIA
FASES PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
APROXIMADA
Fase 1: Foi a pioneira da gestão de pessoal, caracterizando-
Até a década de
Fase Contábil se pela preocupação com os custos da organização.
trinta do século
(Pré-jurídico- Os trabalhadores eram vistos, exclusivamente, sob
passado
trabalhista) o enfoque contábil.
Entre os Registrou o aparecimento da função de chefe
Fase 2: anos trinta e de pessoal, profissional cuja preocupação estava
Fase Legal cinquenta do centrada no acompanhamento e na manutenção
século passado das recém-criadas leis trabalhistas.
Implantou-se no Brasil o modelo americano de
gestão de pessoas, tendo alavancado a função
de recursos humanos ao nível de gerência.
Nessa oportunidade foi implantada a indústria
Fase 3: Ocorreu entre os
automobilística no país, momento em que
A Fase anos cinquenta e
os empresários tiveram que aceitar em seus
Tecnicista 1964
organogramas a figura de gerentes de relações
industriais, representando, assim, um grande
avanço para os trabalhadores e também nas
relações entre capital e trabalho.
Criou-se um marco histórico nas relações entre
capital e trabalho, à medida que foi o berço de
uma verdadeira revolução movida pelas bases
Fase 4: trabalhadoras, tendo sido implementado o
Fase Ocorreu entre movimento sindical. Nessa fase, registrou-se nova
dministrativa os anos 1964 e mudança na denominação e na responsabilidade do
(ou 1985 até então gerente de relações industriais, passando
Sindicalista) a ser chamado de gerente de recursos humanos. A
partir daí, mudou-se a ênfase dos procedimentos
burocráticos e operacionais para uma visão mais
humanística, voltada aos indivíduos e suas relações.
Foi marcada pela introdução dos primeiros
programas de planejamento estratégico atrelado ao
A partir de 1985 planejamento central das organizações. Iniciouse
Fase 5:
até meados dos nova alavancagem organizacional no cargo de
Fase
últimos cinco gerência de Recurso humanos que, de posição
Estratégica
anos gerencial de terceiro escalão, em nível ainda tático,
passou a ser reconhecida em algumas organizações
como diretoria, em nível estratégico.
Perspectiva em Compliance | 53

CRONOLOGIA
FASES PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
APROXIMADA
É, ou será, marcada pelo perfil não apenas técnico
Fase 6:
do colaborador, mas sobretudo por suas condutas,
Fase da
seus aspectos éticos e morais, e com a introdução
Conduta (ou Ocorre nos dias
dos programas coletivos e politicamente corretos
Compliance) atuais
indexados ao perfil empresarial da própria
(Nossa
organização, que prima por direitos difusos e
proposta)
coletivos de toda a sociedade.
Fonte: Adaptado de Dutra (2014) e adequado à realidade atual.

Ainda nesse sentido de análise das fases históricas da área de recursos


humanos, pode-se observar também que, de acordo com o que preconiza
Chiavenato (2006), esses estudos podem ser classificados em três eras ao lon-
go do século XX: a era da industrialização clássica, a neoclássica e a era da
informação, e cada uma acaba por trazer diferentes abordagens sobre como
lidar com as pessoas na organização.
Assim, a área recebeu diferentes denominações: relações industriais, re-
cursos humanos e gestão de pessoas. Cada abordagem está ajustada aos pa-
drões de sua época, à mentalidade predominante na época e às necessidades
das organizações (DAVIS, 2004).
A era da informação, surgindo com a gestão de pessoas, vem trazendo
consigo o conceito das equipes de gestão com pessoas. Nessa era, lidar com as
pessoas deixou de ser considerado um problema e passou a ser uma solução
para as organizações, nas quais suas condutas e comportamentos passaram
a ser tratados de forma predominantemente comportamental, com vistas à
análise do comportamento do coletivo em detrimento do individual, e o ne-
gócio passou a ser a transformação das pessoas como vantagem competitiva,
fruto das organizações ditas bem-sucedidas.
O papel do novo líder é ser empreendedor e um pesquisador emocional,
ou seja, ser o sujeito e o construtor da história (BLANCHARD; HODGES,
2007). Não é somente com a visão de liderar, mas sim com o propósito de
empreender as relações humanas e ser pesquisador de suas emoções e das
pessoas (SALMAZO, 2006), de forma que as suas condutas e comportamen-
tos também são elementos influenciadores para os seus gestados, para a orga-
nização em geral, sobretudo com reflexos de onde estejam inseridos.
54 | Larissa Alencar & José Vicente Santos

1.2 GESTÃO DE PESSOAS, INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E PERFIS


DE CONDUTA E COMPORTAMENTO

Uma liderança com inteligência emocional é fortalecedora dos laços


emocionais entre os colaboradores, deixando-os mais motivados, produtivos
e satisfeitos com seu trabalho e com as suas respectivas condutas, porque
o líder emocionalmente inteligente promove segurança e cria um ambiente
cada vez mais contagiante (GOLEMAN, 2017), com condutas imitáveis e
aceitáveis por todos.
Esse tipo de liderança “[...] cria valor agregado mediante ingredientes
humanos essenciais para o desempenho organizacional” (GOLEMAN, 2016,
p. 246) e um dos exemplos destes ingredientes é o código de conduta ética
nas empresas, que é o conjunto de regras que estabelece valores e orienta as
ações de um determinado grupo de colaboradores de acordo com os princí-
pios da organização, fixando-se assim como um instrumento de divulgação
da filosofia, da visão, da missão e dos valores da empresa.
As organizações contemporâneas estão se adaptando à modernização,
saindo de uma abordagem tradicional em busca de um novo contexto empre-
sarial, utilizando para isso diferentes ferramentas de competitividade, com
um esforço voltado à eficácia na utilização de seus colaboradores (DAVIS,
2004).
Essa mudança ocorre tanto no contexto interno quanto externo das or-
ganizações públicas e privadas, visto que a área de gestão de pessoas passou
a ser o cerne das atenções no mundo moderno, no qual o fator humano tem
lugar primordial nas organizações. No caso em análise, tem-se isto posto
com o desenho da inteligência emocional, não obstante as políticas de gestão
de pessoas têm evoluído para acompanhar os novos modelos de gestão, em
virtude das transformações ocorridas a partir da reestruturação produtiva e
intensificação da concorrência no mercado mundial, com novos perfis deman-
dados, e não apenas com a inteligência emocional (ARAUJO, 2006).
O código de ética empresarial facilita e propicia um melhor entendimen-
to da cultura organizacional e esta se refere ao conjunto de comportamentos
que distingue a organização das demais. Com isso, o código de ética serve
para orientar as ações dos colaboradores da empresa e explicitar a postura
desta em face dos diferentes públicos com os quais interage (DAVIS, 2004).
De acordo com o que preconiza Vergara (2016), a ética empresarial vem
a ser o conjunto de ações que tentam buscar o maior grau de realização pos-
sível dos valores que os seus respectivos membros creem por convicção, pas-
sando assim a gerar responsabilidade, endógena e exógena, por parte da alta
administração e de toda a comunidade empresarial, devido às consequências
Perspectiva em Compliance | 55

factíveis de cada ação, de forma que o código de conduta ética nas empresas
pode vir a ser utilizado como uma importante ferramenta de unificação de
objetivos e comportamentos, além de importante balizador de consenso de
eventuais ajustes de condutas.

1.3 AS PRÁTICAS DE COMPLIANCE COMO UM NOVO PERFIL DE


CÓDIGO DE CONDUTA

Atualmente, tem-se utilizado um termo de outro vernáculo para a con-


ceituação e a prática das formas de condutas éticas tão preconizadas e até
então pouco exigidas. Trata-se do comply ou compliance, que nas suas origens
saxônicas tem o significado de “[...] agir em sintonia com as regras”, o que
explicita um pouco o termo e o seu uso, pois sugere o uso em linha com as
normas, controles internos e externos, bem como as políticas e diretrizes
estabelecidas para a sua organização ou o negócio em si, valendo-se para
todas as esferas, desde a pessoal até a trabalhista, fiscal, contábil, financeira,
ambiental, jurídica, previdenciária, ética etc. (AMENDOLARA, 2020).
Vale o registro de que, no início da década de 90, este termo passou a
ser adotado como princípio, em especial nas instituições bancárias e finan-
ceiras, pois até então se referia apenas ao processo de adequação jurídica e
exorbitou-se a compor os processos com o conjunto de estratégias de gestão
de pessoas, das técnicas de melhoria contínua, da harmonização contábil, en-
tre outros. Uma empresa, para consolidar-se no mercado, deve alinhar sua
função de compliance aos objetivos estratégicos: missão, visão da companhia e
propagação de relações com organizações, permitindo assim que, com o uso
dos procedimentos ou ferramentas de compliance, uma empresa possa alcan-
çar seus objetivos estratégicos e suas relações com os padrões éticos e morais
demandados (MONTALVÃO, 2015).
Deve-se também evidenciar que os procedimentos e ferramentas de com-
pliance como o conjunto de procedimentos, perfis e condutas, desdobrando-se
em elaboração de manuais de ética, de planos de disseminação da cultura
organizacional, de maneira a tornar consensual na empresa e entre os seus
colaboradores diretos e indiretos a construção de uma cultura organizacional
que permita inclusive fiscalizações em conformidade com ações e aplicações.
Para a construção e implementação deste conceito, recomenda-se a ela-
boração, com o auxílio dos especialistas contratados, de um código de con-
duta, em linguagem simples e objetiva, para o entendimento de todos, com
posterior procedimento de endomarketing que o dissemine de forma positiva
e proativa, de maneira a criar canais de comunicação permanentes com sua
equipe, permitindo inclusive que se denunciem condutas inadequadas aos
56 | Larissa Alencar & José Vicente Santos

stakeholders, ratificando que a organização não se envolve com atos fora de


condutas previstas no compliance (GÓIS, 2014).
Com a adequação neste processo, observa-se um ganho de credibilida-
de por parte de clientes, investidores, fornecedores e da sociedade como um
todo, o que torna essas práticas uma importante ferramenta para as empre-
sas que buscam mercados externos e altos níveis de governança corporativa
(MONTALVÃO, 2015).

1.4 OS DESAFIOS E TENDÊNCIAS NA GESTÃO DE PESSOAS

De acordo com Ulrich (2001), a área de gestão de pessoas perpassa por


cinco desafios.
O primeiro desafio decorre da globalização e exige que a organização
pense globalmente, mas atua localmente por meio dos produtos, serviços e
práticas de acordo com as realidades locais. Esse desafio exige das organiza-
ções uma mentalidade global para atender as necessidades locais.
O segundo diz respeito à criação de uma cadeia de valores para a compe-
titividade e serviços, que prega um enfoque maior sobre as políticas de gestão
de pessoas, direcionada a seus colaboradores e parceiros na organização.
O terceiro estabelece que a lucratividade da organização deva ser al-
cançada por meio do crescimento, mediante a influência dos consumidores,
do fomento das competências e de fusões e aquisições da empresa. Logo, os
gestores de pessoas que buscam o crescimento da lucratividade precisam
descobrir novas maneiras de conceber e aplicar os processos no âmbito das
organizações.
O quarto é justamente o foco nas capacidades da organização, objetivan-
do transformar o planejamento estratégico em ações cotidianas por meio da
integração e das competências individuais.
E, por fim, o quinto desafio consiste em preparar o líder para atuar como
gestor de pessoal, de condutas e da integração das mudanças organizacionais
(ARAUJO, 2006).
Nesse processo, a organização deve desprender-se de seus antigos hábi-
tos e rotinas, para vivenciar a nova realidade organizacional. O atual gestor
de pessoas deve estar atento à identificação das políticas: quais precisam ser
descartadas, quais devem ser melhoradas ou inseridas e como fariam para
envolver seus colaboradores nesse novo processo empresarial.
O terceiro milênio aponta para mudanças cada vez mais velozes e inten-
sas no ambiente organizacional, nas pessoas, como mostra o Quadro 2, que
caracteriza as novas tendências do mundo moderno, destacando a relevância
da gestão de pessoas em cada uma das variáveis identificadas. Todas essas
Perspectiva em Compliance | 57

tendências estão afetando e continuarão a afetar a maneira pela qual as orga-


nizações utilizam as pessoas (CHIAVENATO, 2003).
Ulrich (2001) propõe um modelo de múltiplos papéis da área de gestão
de pessoas na construção de uma organização competitiva, como mostra o
Quadro 2 a seguir:

Quadro 2: Múltiplos papéis da área de gestão de pessoas


METÁFORAS
PAPEL/FUNÇÃO
(IMAGENS QUE
DA GESTÃO DE RESULTADO ATIVIDADES
CARACTERIZAM O
PESSOAS
PROFISSIONAL)
Agente das
Administração de Execução da estratégias de
Parceiro estratégico
estratégias de RH estratégia RH e estratégia
empresarial
Administração da Construção Reengenharia
Especialista
infraestrutura da de uma dos processos
administrativo
organização infraestrutura da organização
Aumento do
Administração da Ouvir e
envolvimento e Defensor dos
contribuição dos responder os
capacidade dos Funcionários
funcionários funcionários
funcionários
Administração da Criação de uma Gerir a
transformação e da organização Agente de mudanças transformação e
mudança renovada a mudança
Gerir de forma
socialmente
Execução
aceita as
de tarefas Colaborador em
estratégias,
Administração de de forma consonância com
os processos,
condutas altamente todas as tendências
a inteligência
reconhecida e atuais
emocional
sustentável
e as novas
transformações
Fonte: Adaptado de Ulrich (2001).

Assim, conforme apresentado, verifica-se a criação de valor e a obtenção


de resultados nas áreas de gestão de pessoas que, por objetivo, propõem-se a
focalizar não apenas as atividades ou trabalhos a serem feitos, mas também
as metas e resultados para, a partir daí, estabelecer os papéis e atividades dos
parceiros da organização nas suas condutas e nas suas formas de procedi-
mentos aliados aos valores éticos e morais.
58 | Larissa Alencar & José Vicente Santos

Ainda de acordo com o que preconiza Ulrich (2001), o código de conduta


ética nas organizações empresariais deve ser regido por seis princípios bási-
cos, a citar: confiabilidade, respeito, responsabilidade, justiça, ser cuidadoso
e cidadania.
Outra tendência da área é a gestão por competências, aliadas aos valores
éticos e morais, ou seja, tem-se uma nova forma de gestão, a busca pela de-
senvoltura das seguintes atividades, conforme Fischer (1998 apud FLEURY
e FLEURY, 2001, p. 65) e no Quadro 3 a seguir:

Quadro 3: Novas formas de gestão e suas características principais


CARACTERÍSTICAS OBJETIVOS
Visa à adequação de competências necessárias às estratégias
formuladas de negócio, representadas por empresas que
Captação de pessoas buscam por pessoas que tenham um nível educacional
elevado; condutas éticas e morais, com consonância total do
que é expectado pela sociedade.
As empresas passam a contar com a possibilidade de
Desenvolvimento de
desenvolver as competências essenciais dos indivíduos e
competências
suas adequações às necessidades organizacionais.
Práticas utilizadas por empresas preocupadas em resguardar
parte do conhecimento tácito de seus colaboradores,
bem como a sua manutenção nas próprias organizações,
Remuneração por
e com isto implantam novas formas de remuneração de
competência
seus empregados, a citar a participação nos resultados, as
remunerações variáveis e as baseadas nas competências
desenvolvidas.
Fonte: Adaptado de Ulrich (2001).

É importante o registro de que a gestão de pessoas não ocorre apenas no


departamento/setor específico nas organizações e estas atividades devem ser
vistas pelos gestores das diversas unidades da respectiva organização como
parte do seu trabalho que, se realizado corretamente, permite à empresa
atingir seus objetivos estratégicos com maior efetividade.

1.5 POLÍTICAS PARA A GESTÃO DE PESSOAS E BOAS PRÁTICAS


E CONDUTAS

No contexto de gestão de pessoas, compreende-se que cabe à empresa a


responsabilidade de dar suporte necessário para que os colaboradores usem
seus talentos, habilidades e conhecimentos em prol de melhores resultados.
Ao mesmo tempo, os colaboradores recebem o que a empresa tem de melhor
Perspectiva em Compliance | 59

a oferecer, contribuindo com seu crescimento e desenvolvimento pessoal e


profissional (DUTRA, 2014).
Decorre desse entendimento que cada organização desenvolve suas pró-
prias políticas de gestão de pessoas de acordo com sua filosofia e suas necessi-
dades, pois aquelas precisam estar aliadas à própria estratégia organizacional
(ARAUJO, 2006).
Carvalho e Nascimento (2014) afirmam que, enquanto a filosofia da
empresa é mais duradoura e estável, as políticas de recursos humanos são
mais mutáveis e dependem, entre outros fatores, de relação com o mercado,
influência do poder público, estabilidade/instabilidade política, econômica e
social do país.
Segundo Demo (2008), as políticas de gestão de pessoas estão relacio-
nadas ao uso de certas práticas, as quais são trabalhadas em conjunto de ma-
neira construtiva para atingir determinados objetivos de forma que existem
inúmeras políticas envolvendo a área de gestão de pessoas. As ações devem
ser validadas e compartilhadas com todos os membros da organização, e,
neste viés, as condutas e as capacitações assumem grande importância (GO-
LEMAN, 2016).
Uma liderança com inteligência emocional enfrenta constantemente os
desafios de criar equipes eficientes. Planejar, decidir por meio da eficiência,
buscar sempre a motivação e o engajamento dos seus liderados. A comunica-
ção de uma visão, portanto, promove sempre mudanças necessárias para se
buscar a ressonância e relacionamentos interpessoais mais efetivos (SOTO,
2007).
Nessa contemporaneidade, em meio às incertezas, aos ambientes cada
vez mais complexos e turbulentos, é de fundamental importância a inteligên-
cia emocional da liderança não só para o aumento da ressonância de um gru-
po, de uma equipe ou da organização como um todo (FERNANDES, 2002),
mas sim para a efetividade do compromisso do código de ética uma vez im-
plantado.

2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A liderança nos novos tempos retrata-se como aquela capaz de emo-


cionar a sua equipe mediante a representatividade e a forma de gerenciar as
pessoas, com qualidade para se alcançar os resultados, tendo como base os
aspectos comportamentais e organizacionais.
Verificou-se também que o principal requisito da liderança é desenvol-
ver potenciais em todos os segmentos de atuação, para obter-se resultados
por meio das pessoas, além do fato de que as organizações hoje necessitam
60 | Larissa Alencar & José Vicente Santos

de pessoas adaptáveis às novas situações de mercado para a formação de di-


ferenciais competitivos, para atingir as metas organizacionais cada vez mais
complexas e mutáveis.
Desta maneira, de uma forma geral, restou também que, para desen-
volver pessoas em uma organização, é necessário a preparação de agentes
de mudanças, que podem ser funcionários da própria organização ou pro-
fissionais externos, com o intuito de treinar os colaboradores para as novas
condições do ambiente externo, preparando a organização para as novas exi-
gências do mercado, além do fato de que, para se introduzir tais mudanças
nas organizações, deve-se lembrar que existem tecnologias que aplicam o
conhecimento das ciências comportamentais à administração, o desenvolvi-
mento organizacional.
Algumas técnicas de desenvolvimento organizacional, dentre as princi-
pais, perpassam por elementos que estão indexados ao treinamento da sen-
sitividade, à análise transacional, ao desenvolvimento de equipes, à consul-
toria de procedimentos, à reunião de confrontação, à retroação ou feedback
de dados e às normas de condutas éticas e morais, tendo-se aí os aspectos
das teorias do dever ético, o qual parte do pressuposto de que o ser humano
assumiu com seus semelhantes a obrigação de se comportar de acordo com
regras morais para poder conviver em sociedade, de forma que os conceitos
éticos seriam extraídos, portanto, das regras morais que conduzissem à per-
petuação da sociedade, da paz e da harmonia do grupo social.
Assim, o estudo doutrinário a respeito do motivo que leva a produzir a
conduta como elemento determinante, tal como hoje se considera a complian-
ce, é um específico esforço intelectual, coadunado com consenso e culturas
desejadas para a localidade ou para uma organização como um todo. Nestas
novas formas de conduta, busca-se conhecer o que promove a satisfação, pra-
zer ou felicidade como uma forma ética desejada.
Outrossim, aspectos éticos e morais encontrados em pensadores clássi-
cos, de maneira que têm sua origem a partir das bases educacionais comuns,
mas aperfeiçoam-se quanto à complexidade dos deveres, pelos códigos, pelas
leis, pelo consenso das comunidades e não apenas nos dias atuais, mas para
todo o sempre.
Apresenta-se assim, com esta pesquisa, as principais características dos
processos de gestão, suas fases e atributos, com o propósito de sugestões
para o cenário atual, considerado uma fase das condutas (clássicas e por ve-
zes esperadas) e perfis das novas demandas postas na atualidade. As fases
indexadas a uma proposta de consideração do novo cenário, além de apontar
também as principais competências emocionais e sociais básicas para a for-
mação de grandes lideranças, esperam deles perfis de visão sistêmica. Ade-
Perspectiva em Compliance | 61

mais: eficácia, eficiência, visão empreendedora, aliadas às novas demandas de


condutas postas na atualidade, propostas do código de ética organizacional
aplicado ao processo de gestão de pessoas, são o novo desafio diante do atual
cenário de constantes mudanças.

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YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 5. ed. Porto Alegre:
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5
GESTÃO DE CRISE E O CASO SALLVE

Luana Cerqueira6

1 GESTÃO DE CRISE É UM BRAÇO DO COMPLIANCE

A gestão de crise faz parte de um programa de compliance. Por mais que


o termo compliance tenha chegado no Brasil sob o véu do pagamento de propi-
nas pelo setor privado ao setor público, ele é muito mais que uma ferramenta
de combate à corrupção.
O termo compliance vem do inglês to comply, que significa estar em con-
formidade. Assim, uma empresa que implementa um programa de compliance
está buscando caminhar em conformidade com normas, processos e procedi-
mentos, a fim de destacar sua boa reputação e integridade.
No contexto da atualidade, ser uma organização ética e transparente é
exigência de mercado trazida não só por investidores, mas também por clien-
tes, que buscam consumir de empresas que gerem confiança, credibilidade e
diferencial, ou seja, de empresas que tenham uma boa reputação (DELLOI-
TE, 2015).
Assim, o compliance proporciona à empresa que o implementa uma me-
lhor gestão do negócio através do autoconhecimento, em conjunto com en-

6 Advogada. Sócia do escritório Gois & Sousa Advogados. Especialista em Direito e


Processo do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito. Pós-graduanda em Compliance
pela Faculdade Baiana de Direito. Membro do Compliance Women Comite – CWC.
63
64 | Luana Cerqueira

tendimento do mercado de atuação, o que enseja boa reputação nos cenários


nacional e internacional, para investidores e clientes.
Para a criação de um programa efetivo, faz-se necessária a presença de
três pilares: prevenção, detecção e resposta.
O pilar da prevenção tem seu alicerce na análise de riscos da organização,
que deve ser realizada com base no tamanho da empresa, no mercado em que
atua e na cultura organizacional (LEC, 2017). A partir daí, criase um código
de conduta, que deverá conter as principais políticas a serem adotadas pela
empresa, por todos que nela trabalham ou que por ela falam, de modo a res-
peitar e valorizar o que a empresa entende como ético. A eficácia do pilar da
prevenção, assim como de todo o programa de compliance, está diretamente
ligada ao treinamento e comunicação realizados na empresa, de modo que
toda a organização fale a mesma língua: a cultura empresarial.
Já no pilar da detecção estão posicionados processos e procedimentos
destinados a identificar falhas, fraudes ou melhorias a serem realizadas no
programa, através de auditorias internas e externas, implementação de canal
de denúncia externo e independente, e a due dilligence de terceiros. Tais mé-
todos visam a identificar falhas no programa de compliance com antecedência
suficiente, para que os riscos sejam mitigados sem trazer consequências ne-
gativas para a reputação empresarial (LEC, 2017).
Por último, no pilar da resposta, encontramos as condutas que deverão
ser adotadas caso alguma irregularidade seja identificada ou apontada pelo
pilar da detecção. A existência deste pilar possibilita o melhoramento contí-
nuo do programa (LEC, 2017), por meio da aplicação de medidas de reme-
diação ou medidas disciplinares, diante da presença de situações indesejadas.
Cabe salientar que, quando um programa é efetivo, grande parte das
respostas que devem ser dadas já estão parametrizadas na empresa, para que
a resposta seja rápida e eficaz. Entretanto, nem tudo que acontece a uma or-
ganização pode ser previsto, mas esses fatos imprevisíveis também precisam
de uma resposta.
É nesse sentido que o presente texto objetiva entender como a empresa
Sallve gerenciou uma crise que quase descontinuou suas atividades. Contudo,
faz-se necessário entender o que é uma crise para, em seguida, conhecer
quem é e como funciona a Sallve e, por fim, compreender a crise a alcançou e
como foi feita sua gestão.

2 O QUE É CRISE?

Em alguns momentos, mesmo diante do mais bem elaborado e mais res-


peitado programa de compliance, as falhas de todos os processos não poderão
Perspectiva em Compliance | 65

ser antecipadas com a sua real magnitude e a empresa vai se deparar com
uma crise (DELLOITE, 2015).
Uma crise jamais será gerada por um evento isolado e podemos compa-
rála à queda de um avião, o meio de transporte mais seguro do mundo.
Em que pese ser considerado o mais seguro, nada é 100% seguro, sendo
este o motivo central para a criação de planos de ação a serem utilizados
quando as coisas saem do controle ao ponto de desencadear uma crise.
Dito isto, temos que, para que um avião caia, faze-se necessária uma série
acontecimentos em, e não um isolado, o que faz com que a sua origem demore
a ser identificada e que suas consequências devam ser tratadas com urgência,
celeridade e competência (O PODCAST, 2020).
Assim, para que se identifique se aquele fato ou aqueles acontecimentos
possuem o condão de desencadear uma crise, é primordial entender a evolu-
ção de um “problema” até que este possa ser considerado uma “crise”, bem
como a diferença entre ambos.
Problemas são eventos previsíveis, inseridos na rotina e que devem
ser facilmente resolvidos pelos líderes de uma empresa que entende o
funcionamento dos seus processos e procedimentos.
Esses problemas passam a ser vistos como emergências a partir do mo-
mento em que são previsíveis, mas a sua ocorrência pode interromper a execu-
ção/prestação do serviço por um determinado período de tempo (DELLOI-
TE, 2015). Como exemplo teríamos o site de vendas de um produto que sai
do ar ou de uma aeronave que precisa de manutenção mesmo quando todos
os passageiros estão embarcados.
Vale chamar a atenção para o fato de que a prestação de serviço foi inter-
rompida, mas a possibilidade de ocorrer da forma como aconteceu já estava
prevista e, quando eventos como esses se tornam reais, a empresa já deve
possuir fluxograma para que a emergência seja mitigada.
Já a crise aparece a partir do momento em que uma situação classificada
como de baixa probabilidade e alto impacto se torna real. Assim, a crise é o
ápice, é o evento de grande dimensão que pode comprometer a perenidade e
a reputação de uma empresa, podendo ter sido previsto ou não (DELLOITE,
2015).
A palavra crise vem do grego krísis, que significa névoa de incerteza e
era utilizada pela medicina antiga para fazer referência ao momento decisivo
de uma doença, na qual o resultado seria a cura ou a morte do paciente (CI-
BER, 2010).
Da mesma forma que os médicos gregos estavam repetidamente diante
de krísis, as empresas precisam gerir crises a todo momento, independen-
temente do seu porte, por se tratar de algo inerente ao negócio. Tal fato
decorre principalmente do aumento do acesso a informação proporcionado
66 | Luana Cerqueira

pela Internet, aliado às fake news, que podem, em conjunto ou isoladamente,


encerrar as atividades de uma empresa.
Assim, durante a gestão de crise, a empresa estará a todo momento sen-
do testada em relação a seus valores e ao que prega, com sua reputação con-
tinuamente entre a cruz e a espada.
Em suma, gestão de crise é o enfretamento de situações fáticas não pla-
nejadas ou de grande complexidade, que podem ter origens internas ou ex-
ternas à empresa e geram graves riscos não só para o negócio, mas também
para os relacionamentos com clientes e investidores.
Esses cenários devem ser previstos ao máximo no pilar da prevenção,
através da análise de riscos, e monitorados no pilar da detecção, para que a
empresa esteja munida de processos e procedimentos para enfrentar um ce-
nário de crise, mesmo diante da remota probabilidade de que o evento acon-
teça, já que, conforme dito acima, não se pode prever com exatidão quando
irá ocorrer.
No cenário de crise, o tempo deve sair da roupagem de principal inimigo
para figurar melhor aliado da empresa, pois as respostas devem ocorrer de
forma célere, a fim de minimizar a magnitude dos fatos, conforme esperado
pelos envolvidos (DELLOITE, 2015).
Ocorre que nem sempre as empresas estão prontas para enfrentar um
cenário de crise e foi exatamente isso que aconteceu com a jovem empresa
Sallve Comércio de Cosméticos Ltda.

3 QUEM É A SALLVE

A Sallve é uma marca Brasileira de cosméticos lançada no início de 2019,


que chegou ao mercado levantando a bandeira da democratização do acesso a
produtos de cuidados com a pele e que tem como diferencial o contato direto
com os consumidores para cocriar seus produtos (YAHN, 2019).
Ela está enquadrada no modelo de negócio chamado de digital native
vertical brand (DNVB), ou marca vertical nativa digital. Esse conceito foi cria-
do pelo americano Andy Dunn em 2016 para falar sobre as empresas que já
nascem no ambiente on-line justamente por entenderem como ele funciona
e, para que esse modelo empresarial seja efetivo, é necessário que a marca,
o produto e a experiência do consumidor estejam sempre em sintonia; caso
contrário, o modelo empresarial desmorona (INSIDER, 2019).
Para que o empreendimento se desenvolva no modelo acima, a empresa
precisa ter um controle total de todas as suas operações, o que permite uma
expansão sem perda de controle, mas ao mesmo tempo concentra nela todas
as responsabilidades (INSIDER, 2019).
Perspectiva em Compliance | 67

Nesse contexto, em seu pouco mais de um ano de história, a Sallve ini-


ciou uma “conversa” com seus potenciais consumidores para a criação de pro-
dutos para a pele, o que já demonstra o peso das redes sociais no sucesso da
marca e de seus produtos (YAHN, 2019).
Assim, a Sallve teve seu primeiro produto lançado, o “antioxidante hi-
dratante”, que ganhou as prateleiras digitais do próprio site da marca em
maio de 2019, seguido meses depois pelo “esfoliante enzimático” (O POD-
CAST, 2020).
O planejamento estratégico da marca era ter 10 produtos lançados até
dezembro de 2020 (YAHN, 2019) e até então ela estava cumprindo com seu
papel de DNVB, bem como tendo uma resposta positiva aos seus produtos, o
que convergiu em uma reputação positiva em seu ramo de atuação.
Ocorre que o segundo produto lançado pela marca – o esfoliante enzi-
mático – poderia retardar o avanço da empresa ou fechar suas portas. Isto
porque, esse segundo produto foi o que desencadeou a primeira crise enfren-
tada pela marca que, em menos de um ano, teve que fazer um recall de 50%
do seu portfólio.

4 A CRISE NA SALLVE

O início da crise e seu gerenciamento se confundem no caso da Sallve,


razão pela qual algumas das primeiras atitudes na gestão de crise do caso
Sallve serão abordadas neste tópico.
Frise-se que no início a empresa acreditou estar diante de um problema,
mas, com o rápido desenrolar dos fatos, passou pelo conceito de emergência,
reconhecendo-se oficialmente em estado de crise com menos de 10 dias.
O red flag da empresa foi acionado quando ela teve ciência de que algu-
mas embalagens do esfoliante enzimático incharam, através de queixa reali-
zada por três consumidores.
A informação chegou ao setor de comunicação da marca através das re-
des sociais e, por se tratar de um produto do segmento clean beauty, ou seja,
um produto que possui componentes mais delicados, como ômegas e enzimas
de frutas, poderia ter o inchaço na embalagem provocado pela fermentação de
um desses componentes (O PODCAST, 2020).
Nesse momento, cabe salientar um ponto de extrema importância nos
processos internos da empresa: comunicação rápida, limpa e eficiente com
a alta administração, identificado a partir do momento em que o setor de
administração de redes sociais da Sallve informou de forma célere a uma das
sócias, que também é a chief creative officer (CCO) – diretora de criação – da
marca, acerca do inchaço das embalagens (O PODCAST, 2020).
68 | Luana Cerqueira

A fina comunicação entre os setores da empresa fez com que de imediato


fosse identificado que a marca não estava diante de apenas um problema, de
algo corriqueiro.
A partir daí, iniciou-se um monitoramento do contexto de riscos através
das redes sociais, com foco na possibilidade de existirem mais consumidores
com embalagens inchadas e, passados dois dias, foram descobertos mais doze
casos.
Diante da grande probabilidade de desencadeamento de uma crise, prin-
cipalmente caso o comportamento atípico da embalagem passasse para a pele
de algum consumidor, a empresa fez o seu primeiro movimento externo, re-
tirando de imediato o produto da loja on-line (O PODCAST, 2020).
Conforme dito acima, por ser uma DNVB e ter o controle total das ope-
rações, o produto era vendido em loja on-line própria, o que auxiliou na to-
mada de decisão e na execução desta. A partir de então, a Sallve deu início a
sua gestão de crise.

5 A GESTÃO DE CRISE NO CASO SALLVE

No cenário atual, liderado principalmente pelo acesso à Internet e pela


divulgação de informações – sejam elas verdadeiras ou não –, as crises têm
direcionado holofotes à reputação do negócio, de modo que, caso uma crise
venha a acontecer e não seja administrada de forma correta e célere, terá
como consequência exposição negativa exacerbada, o que ameaça diretamen-
te a continuidade de qualquer negócio (DELLOITE, 2015).
Nesse diapasão, a saída do esfoliante enzimático das prateleiras on-line
somada aos comentários nas redes sociais sobre o inchaço da embalagem
poderia ser a combinação para uma especulação desenfreada, com a conse-
quente míngua do que tinha sido construído pela marca como um todo até
aquele momento.
É por combinações inflamáveis como essa que as tomadas de decisão
em momentos de crise devem ser rápidas e eficazes, focando no principal
público-alvo, que no caso da Sallve são seus consumidores, a comunidade de
pessoas que interagem a todo momento sobre cuidados com a pele através
das plataformas da empresa.
Ciente desse risco, o monitoramento contínuo de toda a cadeia do pro-
duto identificou a evolução do inchaço na embalagem em 1% dos lotes do
esfoliante enzimático (O PODCAST, 2020).
Mesmo sendo um percentual que pode ser considerado pequeno, a em-
presa já entendia que estava fazendo um gerenciamento de crise e por isso de-
cidiu fazer um recall, já que, em termos de crise, as ações precisam ser rápidas.
Perspectiva em Compliance | 69

O recall aconteceu com apenas 8 dias do primeiro caso de inchaço na


embalagem do produto (O PODCAST, 2020), o que significa que a Sallve
não hesitou em assumir a culpa, fato de grande importância para um efetivo
gerenciamento de crise.
Aqui cabe abrir um parêntesis para explicar que recall é um direito básico
de segurança do consumidor, utilizado nos momentos em que um fabricante
solicita a devolução de um lote ou de uma linha inteira de produtos (PRO-
CON, 2017), e, no caso da Sallve, houve a solicitação de uma linha inteira de
produtos, o esfoliante enzimático.
Esse processo é complexo e cheio de fases para se tornar realidade, moti-
vo pelo qual a empresa teve que ir em busca de conhecimento sobre o assunto,
tanto para tomar a decisão quanto para aplicá-la de forma eficiente.
Um dos passos desse processo é entrar em contato com todos os consu-
midores através dos mais diversos meios – a exemplo de e-mail e mensagem
de texto –, a fim de informar acerca da realização do recall, o que consequen-
temente faz com que a empresa precise ter esses dados.
Assim, o fato de a empresa realizar as vendas de seus produtos em seu
próprio site fez com que o acesso aos dados das 15 mil pessoas que adquiriram
o produto fosse realizado de forma eficiente (O PODCAST, 2020), o que não
aconteceria caso a venda fosse realizada de forma difusa, em diversas plata-
formas.
Com essa vantagem gerada pelo tipo de negócio DNVB, a Sallve infor-
mou aos compradores acerca do recall através de e-mail, mensagem de Wha-
tsApp e mensagem de texto, com o objetivo de atingir e impactar os clientes
(O PODCAST, 2020).
A proporção da crise com que a empresa se deparou colocava em xeque
sua reputação tão recentemente criada, uma vez que era nova no mercado e
estava tornando-se “queridinha” do seu público-alvo por ser, como dito em
seu próprio site, “resultado da combinação de conversas sinceras, escolhas
seguras e fórmulas incríveis” (SALLVE, 2020).
Ocorre que os três pontos poderiam cair por terra no lançamento do se-
gundo produto da marca, caso ela não tivesse criado um plano de ação rápido
e eficaz para gerir a crise após a realização do recall. “As crises expõem os
níveis de preparação e a capacidade de resposta de uma organização, testan-
do os valores, a liderança e a sua reputação em um momento em que não há
espaço para erros” (DELLOITE, 2015).
Esses níveis de preparação e resposta são demonstrados através da for-
ma de comunicação realizada, e comunicação em crise é a da empresa com
seus públicos estratégicos.
70 | Luana Cerqueira

Assim, tinha chegado a hora de provar que a Sallve realmente se comu-


nicava com a comunidade que foi criada ao seu redor.
Foi nesse contexto que, após retirar os produtos das prateleiras eletrôni-
cas do seu site, a empresa voltou todos os seus esforços para se comunicar e
informar as 15 mil pessoas que efetuaram a compra do produto de que um
recall estava sendo feito (O PODCAST, 2020).
Isto posto, antes de informar ao público externo e à imprensa, a Sallve
informou o recall nos moldes acima informados apenas para os compradores
do produto, a fim de comunicar que estariam realizando um recall do esfolian-
te enzimático (O PODCAST, 2020).
A informação só foi aberta para o público em geral depois que todo o
grupo específico, ou seja, as 15 mil pessoas que compraram o produto, foi
informado sobre o recall (O PODCAST, 2020).
É importante chamar a atenção para o fato de que o recall foi acompanha-
do da devolução imediata do valor do produto e que essa devolução não é um
procedimento padrão do recall, foi uma opção da empresa.
Foi dessa forma que a Sallve conseguiu se manter firme em seu propósi-
to, que é se comunicar diretamente com o cliente, e isso não seria possível se
eles não tivessem uma cultura empresarial forte.
Toda ação é seguida de uma reação, e, como era de se esperar, os con-
sumidores responderam aos chamados de recall com uma série de dúvidas e
questionamentos, os quais foram em sua totalidade respondidos.
Isso aconteceu também quando a informação alcançou o público em ge-
ral, de modo que a empresa procurou responder a todas as perguntas dos
consumidores com transparência, colocando a informação como base da co-
municação entre a empresa e seu público-alvo (O PODCAST, 2020), reduzin-
do as margens para especulação.
Uma vez informado ao público geral acerca do recall de um dos seus
produtos, a próxima atitude da empresa foi desligar todos os influenciadores
digitais: não era o momento de fazer propaganda da marca.
Além do mais, os influenciadores têm seu trabalho vinculado às suas
imagens e muito provavelmente não se sentiriam confortáveis em continuar
vendendo em suas redes o produto de uma marca que estava passando por
uma crise (O PODCAST, 2020). Esse desconforto seria notado pelos consu-
midores, acarretando em uma maior perda de reputação.
Caso fosse de interesse do influenciador digital, a Sallve disponibilizou
auxílio para administrar comentários em sua rede social sobre o tema, po-
dendo assim ser mantido o bom relacionamento entre a marca e terceiros
vinculados a ela (O PODCAST, 2020).
Perspectiva em Compliance | 71

Ademais, uma empresa que se diz inovadora na forma de se comunicar


não pode fazê-lo através de terceiros, principalmente diante de uma crise.
O silenciamento de marketing durou três meses (O PODCAST, 2020).
Esse posicionamento tinha dois objetivos: o primeiro deles era parar de
vender e informar, pois não existe a possibilidade de conciliar a crise de um
produto com a venda de outro, principalmente quando se tem apenas dois
produtos no portfólio. O segundo objetivo foi o de preservar a credibilidade
de empresa DNVB, que se comunica diretamente com os clientes, no sentido
de que ninguém falaria por ela, e sim que ela falaria por si mesma.
Dessa forma, a Sallve optou em falar por si e não pagar pessoas para
fazerem isso por ela (O PODCAST, 2020). Ao assumir o erro, suspender o
marketing de vendas e empenhar todo seu capital humano para informar sobre
o ocorrido, a Sallve encontrou uma combinação vencedora para sair da crise.
“A pausa que foi dada na comunicação como um todo evitou que a ima-
gem da marca fosse ainda mais arranhada” (O PODCAST, 2020).
Além de travar todos os produtores de conteúdo, a marca passou bastan-
te tempo preocupada em informar seus clientes, e não em vender os outros
2 produtos. Assim, eles conseguiram voltar a criar raízes para se manter no
mercado.
Quando se fala em gestão de crise, não dá para “colocar um pé em cada
canoa”: ou se vende ou se mitiga a crise, e foi a segunda opção que “salvou a
Sallve”.
Para viabilizar essa comunicação com a qual todas as dúvidas foram res-
pondidas, a equipe inteira da empresa passou a ser responsável pelo atendi-
mento ao cliente durante um longo período. Além disso, foram convocados
especialistas, a exemplo de dermatologistas, para que as respostas fossem
ainda mais completas (O PODCAST, 2020).
Ao direcionar todos os setores da empresa para a comunicação com os
consumidores, a Sallve trouxe ainda mais robustez na gestão da grise, uma
vez que formalizou e comunicou adequadamente esse processo para toda a
organização, de acordo com seus valores.
Dito isto, temos que gestão de crise é colocar diferentes setores em uma
só articulação, razão pela qual é imprescindível que a articulação seja concen-
trada (CGU, 2015).
Vale chamar a atenção para o fato de que, no contexto existencial da
empresa, ir à imprensa antes de falar diretamente com cada um dos consumi-
dores poderia desestruturar toda a gestão de crise.
Isto posto, a forma como a Sallve atuou no gerenciamento da crise de-
corrente da necessidade do recall de um de seus dois produtos trouxe uma
consequência extremamente positiva para sua reputação, fazendo com que
72 | Luana Cerqueira

consumidores devolvessem os produtos com bilhetes motivacionais, pedindo


para a empresa não desistir do produto, por exemplo (O PODCAST, 2020).
Ainda que superada a crise, cabe informar que a Sallve não tinha um
planejamento de crise quando esta ocorreu e, mesmo tendo sobrevivido a esta
sem planejar, de imediato foi feito um planejamento de crise para os próximos
5 anos (O PODCAST, 2020).
Assim, temos que, da mesma forma que acontece com o programa de
compliance, a gestão de crise pode fazer parte da empresa “por amor ou pela
dor”.
A Sallve obteve sucesso na gestão da sua primeira crise porque teve agi-
lidade de resposta, ou seja, assim que existiu a mínima possibilidade de um
dos seus produtos estar contaminado com uma bactéria, a venda foi suspensa
e foi feito um recall do produto, tudo isso em menos de 10 dias.
Aqui volto a salientar a importância de reconhecer o erro para os con-
sumidores e investidores (DELLOITE, 2015). Como diria o empresário e
investidor Warren Buffet, “a reputação demora anos para ser construída e
minutos para ser destruída”, e o silêncio pode causar destruição em minutos.
Ato contínuo, admitir a culpa deve ser um ato seguido de respostas rápi-
das, e assim foi feito em relação às informações prestadas aos consumidores,
através de um diálogo transparente e uniforme, para depois atender aos ques-
tionamentos da imprensa.
Por fim, a empresa aproveitou as oportunidades decorrentes da crise:
estreitou os laços com os investidores e com os clientes, devido ao contato
maciço e constante.
Deste modo, por mais que seja dessaborido, o caso da Sallve deixa claro
que a crise não possui apenas consequências negativas, sendo possível sim
colher bons frutos disso.
Que o plano de crescimento da empresa retrocedeu é um fato, mas em
um contexto de crise no qual se busca a continuidade do negócio, o mais
importante é manter a boa imagem da empresa para os consumidores, inves-
tidores e parceiros.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O caso do gerenciamento de crise da Sallve demonstra que as empresas


devem buscar o preparo para enfrentar cenários de crise, uma vez que não é
possível definir com exatidão quando estas acontecerão.
Dessa forma, a gestão de crise deve fazer parte de um programa de com-
pliance efetivo, uma vez que, além da perda de reputação, uma crise pode im-
Perspectiva em Compliance | 73

plicar o aumento de custos operacionais, reclamação de clientes ou até mes-


mo a descontinuação do negócio.
Reforça-se, portanto, a importância da existência de um planejamento de
crise, para que o evento possa ser devidamente administrado pela empresa,
com resposta imediata, seguida da efetiva gestão da crise para que se possa
dar continuidade aos negócios através de um plano de retomada.
Assim, ter processos maduros para gerir crises é uma necessidade laten-
te no mundo em que vivemos, fazendo com que a capacitação dos envolvidos
seja determinante para definir a magnitude de um cenário de crise.

REFERÊNCIAS

CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Programa de integridade –


diretrizes para empresas privadas. CGU, 2015. Disponível em: <https://www.
gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/etica-e-integridade/
arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-para-empresas-privadas.pdf>.
Acesso em: 22 abr. 2020.
CIBERDÚVIDAS. A etimologia da palavra crise. Disponível em: <https://
ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-etimologia-da-palavra-
crise/28974>. Acesso em: 22 abr. 2020.
DELLOITE. Manual de Gestão de Crises para RI. Disponível em: <https://
www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/br/Documents/risk/Manual-
Gestao-Crises-para-RI.pdf>. Acesso em 19 abr. 2020.
DELLOITE. Os cinco pilares dos riscos empresariais Delloite. Disponível
em: <https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/br/Documents/
risk/Os-Cinco-Pilares-dos-Riscos-Empresariais-Deloitte.pdf>. Acesso em: 20
abr. 2020.
INSIDER, DNVB. Veja o diferencial das marcas nativas digitais. Disponível
em: <https://www.insiderstore.com.br/blog/dnvb-veja-o-diferencial-das-
marcas-nativas-digitais/>. Acesso em: 22 abr. 2020.
LEC. Os 9 pilares de um programa de compliance. Disponível em: <https://
lec.com.br/blog/os-9-pilares-de-um-programa-de-compliance/>. Acesso em:
09 abr. 2020.
PROCON. O que é recall? Disponível em: <http://www.procon.pa.gov.br/
node/92>. Acesso em: 13 mai. 2020.
PODCAST O PODCAST #40. Gerenciamento de crise da
Sallve com Julia Petit. Disponível em: https://open.spotify.com/
episode/5XDSI5yUlusZOTYwzNcJ7A?si=c1LuzJO0TRyi9wCNJlWVSQ.
Acesso em: 11 fev. 2020.
SALLVE. O que é a Sallve? Disponível em <https://www.sallve.com.br/>
Acesso em: 11 fev. 2020.
74 | Luana Cerqueira
YAHN, Camila. Sallve, nova marca brasileira de skin care quer ser a maior
do Brasil em 10 anos. UOL, Beleza, 2 jun. 2019. Disponível em: <https://
ffw.uol.com.br/noticias/beleza/sallve-nova-marca-brasileira-de-skin-care-
quer-ser-a-maior-do-brasil-em-10-anos/>. Acesso em 21 abr. 2020.
6
FORMAÇÃO DE GESTORES DE
INTEGRIDADE: INOVAÇÃO NO CENÁRIO
PROSPECTIVO PARA O PROGRAMA DE
INTEGRIDADE NO SETOR PÚBLICO

Sandra Rosa Vespasiano Borges7

No momento em que se estabelece a implantação de Unidades de Gestão


de Integridade (UGIs), emergente no contexto do Decreto n° 9.203, de 22
de novembro de 2017, a formação de gestores de integridade para entender e
aderir à cultura de compliance como uma função essencial do sistema de inte-
gridade surge como um desafio na gestão pública, trazendo questionamentos
que definirão os cenários de prospecção para, além do combate à corrupção e
à fraude, estabelecer uma Governança Pública comprometida com a correta
aplicação dos recursos públicos, controle social e transparência.
As referidas Unidades de Gestão de Integridade (UGI), com seus res-
pectivos responsáveis (gestores de integridade), caracterizam a primeira eta-
pa de um processo gradual de instituição dos programas de integridade dos
órgãos e das entidades da Administração Pública federal direta, autárquica
7 Administradora. Instrutora Interna do Estado Pernambuco em Compliance no
Setor Público. Ms. Gestão do Desenvolvimento Sustentável. Esp. Compliance e
Gestão de Riscos. Esp. Qualidade em Serviços. Esp. Auditoria em Serviços de Saúde.
Aperfeiçoamento em Gestão Pública pela Escola de Governo do Estado de Pernambuco.
75
76 | Sandra Rosa Vespasiano Borges

e fundacional, inicialmente, mas preparando o terreno quanto à adesão de


programas de integridade em outras esferas públicas e organismos com per-
sonalidade jurídica diversificada, que geralmente estabelecem relação contra-
tual com o Poder Público (BRASÍLIA, 2019).
Conforme as portarias da Controladoria-Geral da União (CGU), Por-
taria nº 1.089, de 25 de abril de 2018, revogada pela Portaria n° 57, de 4 de
janeiro de 2019, a UGI deve atender a critérios e orientações pontuais que
exigem, entre outras questões estruturais, um responsável para desenvol-
ver as competências cabíveis a essas unidades previstas como estruturação,
execução e monitoramento do programa de integridade, orientação, treina-
mentos, além de práticas coerentes com as estabelecidas em guias práticos da
CGU sobre implantação do programa de integridade pública e de gestão de
riscos para a integridade (BRASÍLIA, 2019).
Diante da necessidade de designação de pelo menos um servidor para
atuar como responsável pela UGI, de acordo com o artigo 4° e seu parágrafo
2º da Portaria n° 1.089/2018, surgem questionamentos essenciais e desafia-
dores: não seria esse servidor, responsável pela UGI e suas competências, um
gestor de integridade? Caberia a esse responsável pela UGI ser submetido a
uma formação corporativa voltada para a cultura de compliance e sistema de
gestão de integridade, além de normas específicas, como ISO 31000 (e suas
derivadas), ISO 19600, ISO 37001, entre outras? Seria a educação corpora-
tiva, através das escolas de governo, uma facilitadora para a formação ativa
de gestores de integridade e, em consequência, instauração de UGIs com
competência para implantar programas de integridade efetivos e legítimos?
Dentre os estados do Nordeste, Pernambuco estabeleceu – através da
Lei n° 16.309, de 8 de janeiro de 2018 voltada para o combate à corrupção,
que dispõe no âmbito estadual sobre a responsabilização administrativa e ci-
vil de pessoas jurídicas por atos contra a Administração Pública, prevista na
Lei nº 12.846, de 1° de agosto de 2013, de âmbito nacional – a Lei Estadual n°
16.309/2018, que institui mecanismos inovadores de prevenção e detecção de
corrupção para o Poder Público e tem como, entre outras diretrizes, capacitar
os servidores para a mitigação dos riscos de corrupção, canal de denúncia
eficaz e reconstrução de valores como a ética, responsabilização, integridade
e compromisso com a Administração Pública (ALEPE, 2018).
Em abril de 2019, o Centro de Formação Corporativa dos Servidores
do Estado de Pernambuco (CEFOSPE), escola de governo com formações
específicas na área de gestão pública, lançou o primeiro Curso de Complian-
ce no Setor Público, institucionalizado e direcionado para todos os agentes
públicos estaduais, seguindo as recomendações da Lei n° 16.309/2018, repre-
Perspectiva em Compliance | 77

sentando um grande avanço na educação corporativa para a implantação de


programas de integridade para o modelo de governança caracterizado pela
modernização, mudança e transparência.
Na sequência, o estado de Pernambuco estabeleceu, por meio da Lei
n° 16.722, de 9 de dezembro de 2019, a obrigatoriedade de implantação de
programas de integridade por pessoas jurídicas de direito privado que con-
tratarem com a Administração Pública estadual. A referida lei tem em seu
artigo 7°, parágrafo 1°, incisos I e II a necessidade de um servidor do órgão
fiscalizador emitir certificado de regularidade ou identificar a necessidade
de adequações no programa de integridade da empresa a ser contratada por
processo licitatório vencido.
Questiona-se, pois: será esse agente fiscalizador um gestor de integri-
dade, com competência para certificar a empresa privada ou o programa de
integridade instituído por ela? Terá esse representante do órgão fiscalizador
a formação, competência e certificação específicas para avaliar, recomendar
adequações e proferir despacho quanto à conformidade de um programa de
integridade em empresas com personalidade jurídica de direito privado, ven-
cedoras de processos licitatórios com o estado de Pernambuco, garantindo a
lisura dos aspectos de implantação do programa de integridade, segundo as
recomendações exigidas nas publicações da CGU?
A determinação de implantar e manter um programa de integridade
nas empresas que contratarem com a Administração Pública do estado de
Pernambuco (e já em alguns outros estados brasileiros) deverá, através do
agente fiscalizador, ser garantida e certificada a partir da identificação de
um sistema de integridade corporativo que agrega a conformidade às leis e
normas exigidas pelos princípios da compliance, alinhada ao gerenciamento
de controles e um sistema de gestão de ética corporativa, estabelecendo a boa
governança com regras de gestão de riscos e controle interno (CARNEIRO;
JÚNIOR, 2018).
Sabe-se que a adesão das recomendações legais para o estabelecimento
de UGIs e, em sequência, instituição de programas de integridade validado a
partir de critérios preestabelecidos em lei não são concebidas de forma ime-
diata e automática, trazendo à governança pública a confiabilidade na lisura
e licitude das contratações públicas e uso devido dos recursos públicos, por
exemplo. Há muito a que construir, principalmente quanto à mudança de
cultura organizacional e ética comportamental na gestão pública (NARDES
et al., 2018).
Nesse teor, o presente artigo busca destacar o papel da educação cor-
porativa, por meio das escolas de governo, como facilitador na formação de
78 | Sandra Rosa Vespasiano Borges

gestores de integridade no setor público, observando que as regulações go-


vernamentais e publicações da CGU estabelecidas são essenciais para garan-
tir a construção de uma cultura de compliance nas instituições públicas, mi-
nimizando os riscos de violação de leis e normas de condutas, prospectando
cenários legítimos de sistema de integridade pública e consequentemente de
programas de integridade fidedignos (BRASÍLIA, 2018).
Para se chegar a tais questionamentos, foi realizado um levantamen-
to bibliográfico a partir de publicações específicas ao tema, artigos, livros e
manuais elaborados por autarquias da esfera federal e outros nacionais, que
trouxessem bases contextualizadas quanto à problemática da formação de
gestores de integridade, da educação corporativa como facilitadora para essa
capacitação e da implantação do programa de integridade no setor público
em conformidade com as exigências dos órgãos controladores do Poder Pú-
blico nacional.

1 FRAMEWORK PARA FORMAÇÃO DOS GESTORES DO PROGRAMA


DE INTEGRIDADE

A necessidade de implantar programas de integridade, inicialmente em


empresas privadas e dando sequência no setor público, teve o seu nascedouro
no Brasil quando entrou em vigor a Lei nº 12.846/2013, a qual estabelece
que empresas, fundações e associações passarão a responder civil e adminis-
trativamente por atos lesivos praticados em interesse próprio ou benefício
que causarem prejuízos ao patrimônio público, infringirem princípios da Ad-
ministração Pública ou compromissos internacionais assumidos pelo Brasil,
dando exemplo de boa-fé, legalidade e boa governança (COELHO, 2016).
No entanto, o grande desafio é de constituir (instituir) no setor público
a cultura de conformidade e de amadurecimento na percepção de riscos para
a integridade (riscos de compliance), de forma sistêmica e estrutural, antes
mesmo de se estabelecer um sistema de gestão de integridade, com seus vá-
rios produtos, a exemplo dos programas de integridade. O acervo de publica-
ções da CGU, TCU, legislações e de instituições de ensino com expertise no
assunto auxiliam ricamente o entendimento e a implantação de programas
de integridade. Mas e em relação aos responsáveis por esses programas de
integridade no setor público? Tal entendimento viabiliza a observância do
cumprimento dos aspectos exigidos para a implantação de um programa de
integridade, segundo Portaria n° 1.089/2018 da CGU, sem que o represen-
tante, gestor de integridade, tenha a formação ou capacitação devida?
Perspectiva em Compliance | 79

Lembrar que não se cogitará a ideia de fraude quando o indivíduo, que


ocupa posição de autoridade técnica na organização, tenha a “capacidade” se-
gundo Santos apud Wolfe e Hermanson (2016, p. 55) de executar ações para
prevenir e mitigar o cometimento desta. A capacidade é um dos aspectos que
facilitam ou dificultam o surgimento de mecanismos de prevenção e detecção
de fraudes no Poder Público, quando se leva em consideração os estudos a
partir da teoria do pentágono da fraude, sendo tal premissa mais uma justi-
ficativa para a educação corporativa na formação de gestores de integridade
ser fundamental.
Através de abordagem educativa com metodologias ativas e prospecti-
vas, a sensibilização dos agentes públicos, voltada para a formação de gesto-
res de integridade e equipes (de compliance público), será um ponto positivo
para a estruturação de UGI e programas de integridade com mais solidez e
funcionalidade no combate a fraudes e corrupção, na devida orientação para
utilização do recurso público, nas relações contratuais entre empresas de per-
sonalidade privada e a Administração Pública.
Os treinamentos e a formação continuada, nas instituições públicas, vol-
tados à construção de uma cultura de conformidade (compliance) dependerão
da mobilização proativa do gestor de integridade, que desempenhará o papel
de modelo de conduta para sua equipe na busca do estabelecimento dos va-
lores, da ética comportamental e da transparência pública, essencial para a
estruturação do sistema de integridade e da confiabilidade no Poder Público,
como protagonista da defesa social, do cumprimento das políticas públicas e
de boas práticas de governança (CARNEIRO; JÚNIOR, 2018, p. 51).
A CGU tem papel importante no processo de educação corporativa vol-
tada para a formação da gestão púbica, no que se refere à necessidade de seus
agentes públicos entenderem e aderirem à cultura de conformidade, geren-
ciamento de riscos para integridade e implantação do programa de integri-
dade, visando à boa governança no setor público. A partir de 2015, a CGU
entre tantas publicações, elaborou o Guia de Implantação de Programa de
Integridade nas Empresas Estatais, orientando a governança pública para o
exercício de ações de integridade, maior controle e fiscalização das contra-
tualizações público-privadas, na tentativa de minimizar práticas ilícitas nas
organizações públicas e construir a cultura de compliance no setor público
(PINHO; RIBEIRO, 2018).
O acervo de publicações da CGU para a implantação de um programa
de integridade está à disposição de forma pública em seu portal, podendo
ser acessado pelos gestores públicos, especialmente nas esferas estadual e
municipal. Ele orienta na implantação de programa de integridade para o
80 | Sandra Rosa Vespasiano Borges

combate a práticas ilícitas, de corrupção e antiéticas nos setores de maior


vulnerabilidade, a exemplo do setor de gestão de pessoas, o setor de contra-
tos e licitações, o setor de infraestrutura. O acervo da CGU é suficiente para
fortalecer as práticas de mitigação dos dilemas de condutas voltados para os
conflitos éticos, violações das legislações, ações de corrupção e fraudes nas
relações empresariais com o setor público, ou seja, riscos para a integridade
(BRASÍLIA, 2017).
O termo integridade sinaliza para a questão do resgate de princípios
e valores que vão além da busca do cumprimento da conformidade com as
regulações e leis que incentivam a mitigação dos atos de corrupção e lesivos
à Administração Pública. Por esse fato, a educação corporativa quanto ao
entendimento do compliance no setor público é algo relativamente novo, que
deve se consolidar em todas as esferas e órgãos federais, estaduais e munici-
pais, voltando-se para agentes e gestores públicos sob a perspectiva da inte-
gridade pública (CARNEIRO, JÚNIOR, 2018).
Pode causar estranheza associar o compliance à Administração Pública,
visto que ele se constitui um conjunto de medidas para adequar relações co-
merciais internacionais entre empresas privadas e estatais. Mas a aplicação e
a implementação de um programa de integridade, como também de gestores
de integridade, requerem a construção de uma cultura de compliance sistema-
tizada por parte de todos atores públicos, visando ao resgate da participação
direta da população no controle social e na confiabilidade da Administra-
ção Pública. Configura-se como um resgate de valores como ética, transpa-
rência e integridade na governança pública, solidificado através de aspectos
do programa de integridade, como treinamentos e comunicação efetivos e
contínuos. A importância de um gestor de integridade nesse cenário de mo-
dernização e mudanças nas práticas de governança segue como um impacto
positivo e essencial.
Seguindo a lógica das especificações do Guia Prático das Unidades de
Gestão da Integridade (BRASÍLIA, 2019) para a implantação de UGI, é de-
terminada a presença de um responsável pela área, que pode ser preexistente,
mas que esse indivíduo incorpore competências que favoreçam a continui-
dade das práticas de estruturação, execução e monitoramento do programa,
com equipe certificada e qualificada para a dedicação específica, a fim de que
o princípio da integridade na gestão pública seja resgatado e se desenvolva.
A UGI deverá ter como uma das principais atribuições, ser responsável pela
avaliação de programas de integridade em empresas com relações contra-
tuais com o Poder Público, quanto a sua regularidade, eficiência e eficácia.
Perspectiva em Compliance | 81

Tais medidas refletem o comprometimento, independência e objetividade da


equipe e gestores de integridade nesse processo.
A política de gestão da integridade está estruturada a partir de aspectos
bem definidos pela CGU: desenvolvimento do ambiente de gestão do pro-
grama de integridade; análise periódica dos riscos; estruturação e implan-
tação de políticas e procedimentos do programa de integridade; comunica-
ção e treinamento; e monitoramento do programa, medidas de remediação e
aplicação de penalidades. Tais aspectos deverão ser implantados nos órgãos
públicos e também avaliados quanto a sua existência, aplicação e efetivida-
de nas empresas privadas que se relacionam à Administração Pública, para
fins de formalização da relação contratual, o que já tem exigido legislações
estaduais, como a Lei n° 16.722, de 9 de dezembro de 2019, do estado de Per-
nambuco, em seu artigo 10°.
Percebe-se, então, o quanto a formação corporativa terá seu valor reco-
nhecido na consolidação das práticas supracitadas. No entanto, questiona-se
a condição técnica das escolas de governo do país para a formalização e ins-
titucionalização de cursos e outras metodologias ativas, que proporcionem
aprendizagem organizacional ideal para desenvolver gestores de integridade
capazes de estabelecer cenários prospectivos e decisões estratégicas no aten-
dimento às exigências de estruturar uma UGI, implantar programa de inte-
gridade no setor público e certificar programa de integridade em empresas
contratadas pela Administração Pública?
Quando se estabelece, no órgão público, a instauração de um programa
de integridade, refere-se todavia a necessidade de uma mudança de compor-
tamento, assumindo-se a implantação de um conjunto de arranjos institu-
cionais, regulamentações, instrumentos de gerenciamento (ISO 31000, ISO
19600 e ISO 37001) e controle alinhados a valores éticos, que têm por finali-
dade estabelecer de forma comum a integridade, a transparência e a minimi-
zação dos riscos de atitudes que possam violar os padrões sociais e políticas
socioeconômicas institucionalizadas através de regulações (COELHO, 2016).
Por esse fato, a formação dos gestores de integridade deve seguir um fra-
mework de maturidade gerencial (Quadro 1) idealizado pelo autor e adaptado
para projeto de Curso de Formação de Gestores de Integridade a ser institu-
cionalizado no CEFOSPE a partir de 2020.
82 | Sandra Rosa Vespasiano Borges
Quadro 1: Framework de maturidade gerencial para Gestores de Integridade

PARTICIPAR
DOMÍNIOS COMPREENDER COMPARTILHAR
E INCLUIR

Estruturar - Foco na conformidade - Foco no compartil- - Enfoque na gover-


para... - Foco na felicidade hamento das infor- nança
(Projeto) - Interações comu- mações - Identificação dos
nitárias - Atenção para as riscos
- Aprendendo através informações compar- - Interações comu-
do real tilhadas nitárias
- Transmissão de ex- - Interações comu- - Criando juntos
periências nitárias e de todos os - Solicitando ideias
- Narrativa e comuni- parceiros - Identidade do
cação de suporte - Estar disponível; projeto/ações
- Mecanismos de con- presente
trole - Melhorar o valor
das trocas
- Interesses em co-
mum em rede

Construir - Comunicação - Produção baseada - Tomada de de-


para... - Layout do projeto/ em áreas comuns ou cisão
ação vulneráveis - Delegação
- Facilitação - Gestão de dados - Planejamento de
- Manutenção - Documentação eventos/capaci-
- Gerenciamento de - Legislações, regu- tações
projetos/ação lação, políticas inter- - Gestão coopera-
nas, normas ISO tiva
- Rede de trabalho e - Monitoria
contatos
Capacitar - Manter a clareza da - Fazer conexões - Acolher as falhas/
para... visão e finalidade - Resiliência denúncias
- Percepção amadu- - Autocuidado - Garantir a segu-
recida de riscos para - Inovação e conheci- rança
integridade mento - Inspirar a contri-
- Manter a autentici- - Condutas éticas/ buição
dade e integridade códigos e políticas - Nutrir a cultura
- Ficar “curioso” - Controles efetivos/ da ética compor-
eficazes tamental e dos
negócios
Fonte: Elaborado pelo autor.

A implantação do programa de integridade deverá apresentar elementos


de estruturação e de gestão que refletem a visão integrada de subdivisões
ou parâmetros, que devem ser estabelecidos pelo gestor de integridade para
Perspectiva em Compliance | 83

aprimorar medidas já implementadas, a exemplo de códigos de ética e con-


duta, canais de denúncia, comissão de ética, transparência pública, controles
internos, entre outros em órgãos públicos e empresas privadas (BRASÍLIA,
2017).
Todas as práticas desenvolvidas pelos gestores de integridade com base
no framework criado pelo autor (Quadro 1) levarão a modernizações da go-
vernança alinhada ao desenvolvimento do programa de integridade e ges-
tão de continuidade, com melhores práticas e menores índices de condutas
de corrupção. A formação específica dos gestores de integridade terá como
conteúdos temas que desenvolverão a cultura de conformidade (compliance
público) fortalecida e construída para a integração do sistema de controle
interno e a gestão da ética corporativa, apoiada pela alta administração e
desenvolvida pelos agentes públicos (BRASÍLIA, 2015).
É interessante entender que todo esse cenário de ação do gestor de
integridade deverá fortalecer e garantir a prevenção e mitigação de atos
lesivos à administração pública, ao surgimento de comportamentos antiéticos
ou práticas de corrupção, tendo como ponto de partida o “tom da liderança
cooperativa e transparente”. O gestor de integridade será o responsável pelas
boas práticas e lisura dentro das UGI, preservando a reputação da instituição
pública a que pertence. O gestor de integridade deve seguir formação corpo-
rativa e treinamentos contínuos, através de metodologias ativas, prospectivas
e sob perspectiva holística para estabelecer uma cultura de conformidade,
baseada em elementos como confiança, transparência, prestação de contas,
elevada motivação intrínseca, segurança psicológica, cooperação, empatia,
solidariedade, harmonia e equilíbrio (SILVEIRA, 2018).
No entanto, Coelho (2016, p. 93) ressalta que infelizmente no Brasil a
mudança para uma cultura de compliance no setor público é bastante lenta, re-
tardando a estruturação de um sistema de integridade corporativa e pública,
bastante atrasadas quanto à conformidade de legislações governamentais,
regulamentações, políticas internas, normas ISO e outras regulações, neces-
sitando de disponibilidade para a mudança comportamental e autossustentá-
vel, na perspectiva da visão holística e do comprometimento, principalmente
da alta administração e dos gestores. Segundo Brasiliano (2018), uma postu-
ra de gestão que conecta estratégias e execução, principalmente na mitigação
dos riscos para a integridade.
A implantação adequada e eficaz dos programas de integridade está di-
retamente relacionada com a modernização e amadurecimento da governan-
ça, fato esse que deverá ser analisado (avaliado) pelos gestores de integridade
que irão compor as UGIs. Os métodos utilizados para a capacitação e o trei-
namento da alta administração dos gestores e dos agentes públicos deverão
84 | Sandra Rosa Vespasiano Borges

ser ministrados por profissionais com a formação especializada na área do


compliance, gestão de riscos e controles, além de ser validados através de pa-
recer técnico que garanta o processo de aprendizagem efetivo e competência
comprovada para certificação externa (BRASILIANO, 2018).
A educação corporativa é considerada uma grande aliada para a retenção
e motivação de colaboradores com potenciais habilidades, em cenário parti-
cular. No setor público, a capacitação dos agentes públicos e da alta admi-
nistração é mais direcionada aos aspectos técnicos e comportamentais, re-
lacionados ao desenvolvimento do trabalho em equipe, práticas de gestão e
liderança, relacionamento interpessoal, porém ainda são escassos os cursos
institucionalizados por estados brasileiros voltados para a área do compliance
público e sua conexão exata com o sistema de integridade pública (LAMBOY,
2018). Uma capacitação mais efetiva nos órgãos públicos e com a participação
direta das escolas de governo será um grande passo para a transmissão de
novos conhecimentos e estimulação da análise crítica quanto à construção de
um pensamento de compliance público como função de mudança de comporta-
mento organizacional e reestruturação de boas práticas de governança.
Os treinamentos em compliance público e integridade pública para ges-
tores e agentes públicos, fazendo as devidas diferenciações e similaridades,
trazem o conhecimento pleno sobre todo o programa de integridade a ser
implantado e as atribuições de cada agente público nesse novo momento de
resgate da integridade pública. Assim, faz-se importante ter estratégias e
objetivos organizacionais definidos, como também clareza na execução das
etapas do programa de integridade, primando pela eficiência, segurança e
equilíbrio da equipe e gestores, seguindo as orientações da CGU em suas
publicações e analisando criticamente os impactos nos processos de traba-
lho, áreas de vulnerabilidade e no comportamento dos gestores e agentes
públicos, principalmente em relação a fraudes e condutas de corrupção na
Administração Pública.
Diniz (2017) ressalta que a educação corporativa no setor público ainda
é pouco expressiva quanto às iniciativas de capacitação e treinamento sob
a temática do compliance público para a integridade pública, o que difere da
educação corporativa na abordagem do compliance nas práticas de governança
voltada para a iniciativa privada. Porém, nessa atual conjuntura brasileira, e
especialmente em Pernambuco , onde os agentes públicos deverão assumir
competências técnicas para emitir certificado de regularidade dotado de fé
pública ao programa de integridade de empresas privadas em relação contra-
tual com a Administração Pública, identificar adequações nesses programas
e proferir despacho final à pessoa jurídica contratada para que o processo de
contratação seja lícito e em conformidade com a lei.
Perspectiva em Compliance | 85

Outro ponto a discutir é em relação à precocidade das leis estaduais e


municipais que ainda não institucionalizaram o programa de integridade
como mecanismo de apoio à governança pública. Serão a formação dos agen-
tes públicos sobre a temática do compliance e sua integração com a estrutu-
ração do sistema de integridade pública que deverão exigir a elaboração de
regulamentos específicos, de forma a assegurar a execução lícita de processos
natos e inerentes ao setor público, a exemplo das contratações entre pessoa
jurídica de personalidade privada com as instituições públicas de forma líci-
ta. Diante dessas condutas, busca-se evitar riscos para a integridade, como
a inclusão do “custo propina” nos valores dos contratos e a inadequação do
direcionamento dos recursos públicos, cenário que exige a implementação de
mecanismos de prevenção, detecção, punição e remediação de fraudes e atos
de corrupção (CASTRO; PIRONTI, 2019).
A partir do momento em que o Poder Público exige legalmente das rela-
ções público-privadas, a utilização de programas de integridade que estabele-
çam políticas de compliance e um gerenciamento dos riscos para a integridade,
tem-se a prevenção da corrupção, fraudes e riscos para a boa governança
pública. A tendência é construir uma cultura ética corporativa e a formação
continuada de gestores de integridade a partir de conceitos que ultrapassem
a questão legal e de gestão. Entende-se como um momento em que gestores
de integridade deverão ser treinados para o desenvolvimento de habilidades
socioemocionais, voltando-se para a mudança comportamental, a ética dos
negócios, a conformidade normativa e o gerenciamento de riscos que impac-
tem nas necessidades da população e na concretização das políticas públicas.
Que a formação dos gestores de integridade possibilite contratações públicas
mais seguras e transparentes, que repercutirão em práticas de governança
pública sustentáveis e transparentes, além da prevenção de atos nocivos à
Administração Pública.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação corporativa no setor público para a formação de gestores de


integridade exigirá o conhecimento sobre a temática do compliance e de siste-
ma de integridade corporativa e pública, respeitando a diversidade cultural,
as gerações e as visões de mundo, além de promover relações harmoniosas,
comunicações simétricas, mitigação de conflitos éticos e riscos para a inte-
gridade. Um fator que chama a atenção é a necessidade de mencionar qual
a importância da implantação e dos objetivos do programa de integridade,
além do entendimento de quais mudanças poderão ocorrer, e os impactos
sociais residuais e emergentes.
86 | Sandra Rosa Vespasiano Borges

Surge, então, como um grande desafio da administração pública, além


de estabelecer regulamentações para o combate à corrupção e fraudes na ce-
lebração de relações entre a esfera pública e a iniciativa privada. Ademais, há
a necessidade do fortalecimento das escolas de governo, que são estruturas
responsáveis pela educação efetiva e corporativa dos agentes públicos, e da
formação do gestor de integridade para a consolidação das unidades de ges-
tão da integridade e programas de integridade pública reais e efetivos.
Trata-se da responsabilidade em formar gestores públicos não apenas
em relação à conformidade das leis, ou simplesmente e conotativamente ao
“cumpra-se” com normas e legislações, mas também quanto aos comporta-
mentos éticos e identificação do impacto que os riscos que uma conduta ilícita
terá na dinâmica do setor público, no ordenamento, crescimento e na vida de
um povo e de sua nação.
É necessário frisar que a formação dos gestores de integridade não
se relaciona apenas ao conteúdo sobre as terminologias de compliance,
governança, gestão de risco e programa de integridade, mas especialmente
aos propósitos, valores e condutas que serão alicerces para as boas práticas
nas unidades de gestão de integridade (UGI).
Portanto, um dos aspectos exigidos para a instituição da UGI e da im-
plantação de programas de integridade seria a formação de gestores de in-
tegridade através da educação corporativa, determinante para a efetivação
das estratégias organizacionais e pela garantia de valores éticos, condutas e
princípios da instituição direcionados para a integridade pública.

REFERÊNCIAS

ALEPE. Lei n° 16.309, de 8 de Janeiro de 2018. Responsabilização


Administrativa e Civil de Pessoas Jurídicas no combate a corrupção e fraudes
à Administração Pública do Estado de Pernambuco. Pernambuco. 2018.
BRASILAINO, A.C.R. Inteligência em risco: gestão integrada em riscos
corporativos. 2. ed. rev. e ampl. com o COSO 2017 e ISO 31000:2018. São
Paulo: Sicurezza, 2018.
CARNEIRO, C; JÚNIOR, M.C.S. Compliance e boa governança: pública e
privada. Curitiba: Juruá, 2018.
CASTRO, R.; PIRONTI, A. de. Compliance nas contratações públicas:
exigências e critérios normativos. Belo Horizonte: Fórum, 2019.
BRASÍLIA. Guia Prático das Unidades de Gestão da Integridade.
Orientações para o Setor Público. MTCGU. Brasília: DF, 2019.
__________. Guia Prático de Gestão de Risco. Orientações para a
Administração Pública. MTCGU. Brasília: DF, 2018.
Perspectiva em Compliance | 87
__________. Manual de Implementação de Programas de Integridade.
Orientações para o Setor Público. MTCGU. Brasília: DF, 2017.
__________. Guia de Integridade Pública. Orientações para a Administração
Pública Federal, direta, autárquica e fundacional. CGU. Brasília: DF, 2015.
COELHO, C.C.B.P. Compliance na Administração Pública: uma necessidade
para o Brasil. RDFG. Bahia. v.3, n.1. jul-dez, 2016. p. 75-95.
DINIZ, E. Compliance é pouco representativo no setor público e em
pequenas empresas. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2017.
LAMBOY, C.K. Manual de compliance. 1. ed. São Paulo: Via Ética, 2018.
SANTOS, R. A. Modelo preditivo de fraude ocupacional nas organizações
privadas. 2016. Tese de Doutorado em Administração. PUC – São Paulo,
2016.
SILVEIRA, A. D. I. M. da. Ética empresarial na prática: soluções para gestão e
governança no século XXI. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018.
7
COMPLIANCE – GESTÃO DE RISCOS COM
SUPORTE DE CENÁRIOS PROSPECTIVOS

Thayana Macêdo8

A sociedade brasileira tem escutado nos dias mais recentes, principal-


mente a partir do ano de 2014, graças a operações como “Lava-Jato”, nomes
e expressões como compliance, programas de compliance, programas de inte-
gridade, ética, moral, risco, controles, dentre outros. No entanto, a constante
referência ao “combate à corrupção” tem, de certa forma, trazido uma simpli-
ficação do conceito de compliance, limitando-o a estruturas vinculadas à inte-
gridade, o que não deixa de ser um dos seus vieses, mas afunila a amplitude
da expressão, a ultrapassar a noção de mera conformidade.
A origem do compliance, conforme observamos atualmente, remonta às
décadas de 1960 e 19709 (PEIXOTO, 2017). Entretanto, é preciso destacar
que, sob a estrutura de controles internos com base em conformidade, o

8 Fundadora da CLAT Compliance. Advogada. Palestrante. Mentora. Especialista em


Compliance (Unyleya), com formação em compliance anticorrupção (LEC), gestão de risco
público (ENAP), combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento terrorista (ENAP/
COAF) e LGPD (LEC). MBA em gerenciamento de Crise (Unyleya). Mestranda/
doutoranda em ciências jurídicas (UAL/PT).
9 Foreign Corrupt Practices Act - FCPA. Entrada em vigor: 19 de dezembro de 1977
(PIZARRO, 2016, p. 31).
88
Perspectiva em Compliance | 89

princípio remonta aos anos de 190610 e 191311, com atenção para o ramo de
alimentos, medicamentos e instituições financeiras. No Brasil, as primeiras
exigências com característica de compliance surgiram por meio das “normas
penais, introduzidas pela legislação que criminalizou a lavagem de dinheiro”
(VERÍSSIMO, 2017, p 15), todavia verdadeiramente ganharam força com
advento da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, cujo propósito fundou-se
em responsabilizar administrativa e civilmente pessoas jurídicas pela prática
de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira – combate à
corrupção (BRASIL, 2013).
Com o presente estudo, buscamos apresentar uma visão lato sensu daqui-
lo que entendemos ser o instituto do compliance, haja vista o seu “coração”
tratar, com primazia, de assuntos relacionados aos riscos corporativos de
desconformidade, para além do foco de estudo ao combate da corrupção. Isso
porque não há sentido em estudar compliance sem antes entender-se o risco e
a imprescindibilidade de alcançar as formas de sua mitigação.
Os cenários prospectivos despontam, então, como ferramenta moderna
e eficaz de potencializar o compliance, através da gestão de riscos baseada em
estruturas proativas visando sustentabilidade e diferencial para as corpora-
ções no mercado.
Nesse sentido, passaremos a apresentar conformidade/compliance, livre
de conceitos que a se prendam ao sentido restrito de integridade, para am-
pliá-los conforme as melhores práticas e estruturas de gerenciamento de ris-
cos, com maior estruturação de controles internos, amparado no estudo dos
cenários prospectivos, como ferramenta estratégica para tomada de decisão
por parte da alta administração, mais confiáveis e possíveis a ampliar compe-
titividade e sobrevivência das organizações.

1 O QUE É COMPLIANCE?

Cronologicamente, a conformidade nasce da necessária estruturação de


controles internos das relações comerciais e financeiras, mesmo que àquela
altura a palavra compliance não fosse utilizada, marcando sua utilização no
mercado corporativo quando da exigência, por parte da Securities and Ex-
change Commission (SEC), de contratação de compliance officer e estrutura-

10 “1906, com a promulgação do Food and Drug Act, o governo norte a­ mericano criou
um modelo de fiscalização centralizado, como forma de regular as atividades relacionadas
à saúde alimentar e ao comércio de medicamentos, contudo, foi devido às instituições
financeiras que o Compliance avançou” (CARNEIRO, 2019, p. 45).
11 “O despertar do compliance surgiu em 1913, ao tempo da criação do Banco Central
Americano” (PIZARRO, 2016, p. 30).
90 | Thayana Macêdo

ção de programas de compliance para controles internos de monitoração das


operações corporativas (BERTOCCELLI, 2018, p. 38). Isso quer dizer que
tratar compliance como mero sinônimo de conformidade limita, em muito, o
que verdadeiramente se busca com a estruturação dessa expressão. A pura e
simples conformidade poderia ser melhor tratada e compreendida se passás-
semos, aqui, a apresentar o princípio constitucional da legalidade, o que, por
questões estruturais, não faremos.
Na lição de Bertoccelli (2019, p. 39), “compliance integra um sistema
complexo e organizado de procedimentos de controle de riscos e preservação
de valores intangíveis”, acrescentando que “deve ser coerente com a estrutu-
ra societária, o compromisso afetivo da sua liderança e a estratégia da empre-
sa”, concluindo com a indicação de “elemento, cuja adoção resulta na criação
de um ambiente de segurança jurídica e confiança indispensável para boa
tomada de decisão”. Adiciona em seu conceito a explicação segundo a qual
tal “sistema interno também pode ser chamado de programa de integridade”
ou de compliance “com a finalidade de prevenir, detectar e corrigir atos não
condizentes com os princípios e valores da empresa, assim como perante o
ordenamento jurídico vigente”.
Marcos Assi (2018, p. 24) apresenta o compliance como sendo ato de “pla-
nejar a prevenção de riscos de desvios de conduta e descumprimento legal,
além de incorporar métodos para detectá-los e controlá-los”, aduzindo ainda
a necessidade de, através do compliance, mobilizar os gestores numa postura
“mais proativa e preventiva no gerenciamento e no tratamento dos riscos
que permeiam a atividade empresarial e comprometem sua sustentabilidade”.
Além do mais, acrescenta o autor, o compliance é ferramenta que se constitui
num dos “pilares da governança corporativa, juntamente com a confiança e
transparência (disclosure); a equidade (fairness), sintetizada na lealdade dos
administradores para com os interesses da companhia”, acrescentando a in-
dispensável “prestação de contas (accountability), relacionada à exposição pú-
blica das contas aos interessados no negócio, bem como a responsabilização
dos gestores e subordinados por qualquer ato praticado”.
Assim, compreendemos a completa estruturação da conformidade ampa-
rada em gestão de riscos, com a finalidade de fortalecer e/ou criar controles
internos, o intuito de garantir sustentabilidade da atividade corporativa e, de
forma lógica, diferencial competitivo, promovendo a conduta institucional e
consequentemente dos seus colaboradores, em práticas que alimentem, com
consistência estratégica, a boa governança.
Perspectiva em Compliance | 91

2 GESTÃO DE RISCOS E CENÁRIOS PROSPECTIVOS

Quando se fala em risco somos levados a intuitivamente pensar na pos-


sibilidade de materialização de um prejuízo quantitativo ou qualitativo, pois o
risco se refere a incerteza, a probabilidade de algo negativo ocorrer.
Marcos Assi (2017, p. 45) apresenta risco como “uma ou mais condições
de variáveis com potencial necessário de causar dano ao patrimônio da em-
presa, tangível ou intangível”, acrescentando ser tal imprevisão “inerente ao
negócio”, relacionando-o à necessária vinculação, como em codependência,
aos controles internos. Em outras palavras, a gestão dos riscos existe para
alimentar de informações os planos organizacionais e “estabelecer procedi-
mentos corretos”, trazendo segurança na implementação dos controles e, por
fim, estruturando a tomada de decisão que parte da alta administração ins-
titucional. Além disso, o autor afirma que o risco é “propriedade objetiva de
um evento ou atividade, relativa a probabilidade de ocorrência de um evento
adverso bem definido, como também é uma construção social e cultural”.
Destacamos que o risco, em sendo algo inerente a cada ramo de ativida-
de, não se resume ao espaço corporativo privado, como bem apresenta Rodri-
go Fontenelle (2017, p. 27), pois “a gestão de riscos é um elemento-chave da
governança nas organizações do setor público, em termos de suas estruturas,
processos, valores corporativos, cultura e comportamento”. Assim, “ela exis-
te para ser associada ao processo decisório e ao processo de estabelecimento
da estratégia, ou seja, deve ser integrada ao processo de decisão” (FONTE-
NELLE, 2017, p 27). Ainda segundo o autor, no que se refere à gestão de
riscos, a forma de gerenciamento de riscos é “um instrumento de tomada de
decisão da alta administração que visa a melhorar o desempenho da organi-
zação pela identificação de oportunidades de ganhos e de redução de probabi-
lidade e/ou impacto de perdas”, pois vai “além do cumprimento de demandas
regulatórias” (FONTENELLE, 2017, p 27). Então, os controles internos não
podem ser estabelecidos sem que haja gerenciamento de riscos; por sua vez,
este deve ser estruturado com base em planejamento estratégico, para segu-
rança da tomada de decisão.
Quanto aos cenários prospectivos, vale lembrar que é da essência do ser
humano a curiosidade pelo futuro (BRASILIANO, 2010, p. 43). Tal interesse
remonta ao Egito dos faraós, com previsões sobre plantio; à Grécia antiga,
com a utilização dos oráculos orientando e prevendo estratagema de guerra;
além de passagens bíblicas retratadas em profecias (BRASILIANO, 2010, p.
43). Para a ciência e os estudos acadêmicos, porém, as adivinhações não pos-
suem peso relevante. Nesse sentido, Brasiliano (2010, p. 45) aponta “o filósofo
e pedagogo francês Gaston Berger” como sendo pioneiro na utilização do
92 | Thayana Macêdo

termo “prospectiva”, quando escreveu A atitude prospectiva no ano de 1957,


“estabelecendo como prever futuro desejável para o mundo”.
Superada essa impressão de adivinhação, a doutrina vem mostrar os ce-
nários prospectivos como meios estratégicos, trabalhando com a imprevisi-
bilidade dos riscos, objetivando amparar as tomadas de decisão da alta ad-
ministração levando em consideração incertezas parciais. Ilustra Brasiliano
(2010, p. 7) que, “quanto mais sofisticado o mercado se torna, mais evidente a
necessidade das empresas conhecerem seus riscos”, destacando, ainda, “a ela-
boração de cenários”, focando no seu contexto histórico, que “surgiu visando
transformar a incerteza total em incerteza parcial”. Brasiliano (2101, p. 7)
ainda mostra, dentro da complexidade de cada caso, que o ambiente corpo-
rativo favorece a construção de cenários prospectivos onde se “pode permitir
um exercício valioso para o entendimento do contexto e das forças que de-
terminam o futuro”, aduzindo que “As empresas que melhor compreenderem
esse futuro e suas tendências terão maior chance de sobreviver”.
A previsão trazida pelos cenários está diretamente ligada ao diferencial
competitivo que o planejamento estratégico garante à gestão empresarial.
Cria-se assim um ambiente de segurança, agregando-se valor e utilizando-se
possibilidades confiáveis de futuros possíveis.
Os cenários prospectivos são recursos, nas palavras de Brasiliano (2010,
p. 13), para “evitar insucessos”, destacando “permitir analisar o potencial de
ameaças e oportunidades para desenvolvimento de alternativas possíveis so-
bre o futuro, tendo em vista a criação de diferentes caminhos que levam a di-
ferentes cenários”. É dessa forma que “o gestor pode controlar o alcance dos
objetivos estratégicos e, portanto, alterar suas ações estratégicas em face do
cenário que estiver manobrando”. Ainda destaca ser um desafio estratégico,
no sentido de entender as variáveis das “matrizes, para que se possa obter
subsídios” ante o “planejamento das operações da empresa” ou de qualquer
instituição, “entendendo quais são as incertezas críticas, seus atores e respec-
tivos relacionamentos”. Destacamos aqui a necessidade de atitudes proativas,
estratégicas e antecipatórias que possam dar suporte palpável por meio da
elaboração de cenários com o máximo peso de segurança.
Cenários prospectivos não são mera previsão de futuro, pois carecem
de estudo estratégico de possibilidades com vistas à tomada de decisão com
base em probabilidade de inovação que agrega valor e permite diferencial
competitivo.
Perspectiva em Compliance | 93

3 GERIR RISCOS COM CENÁRIOS PROSPECTIVOS NO AMBIENTE DE


COMPLIANCE

Contemplando o processo de gerenciamento de riscos, identificamos que


“a decisão deve ser dinâmica, pois o próprio gerenciamento de riscos é aná-
lise de condições futuras” (BRASILIANO, 2010, p. 7). Assim, os cenários
prospectivos são como um dispositivo munido de meios capazes de “olhar
amplamente, tomando cuidado com as interações”, frisando a possibilidade
de fitar ao longe, acautelados com o por vir, a longo prazo “e, principalmente,
levarmos em conta o gênero humano, o único agente capaz de modificar o
futuro” (BERGER, 1957, apud BRASILIANO, 2010, p. 9).
Brasiliano (2010, p. 11) explica cenários prospectivos como sendo “abor-
dagem analítica e explorativa, levantando incertezas, invocando a reflexão
e questionando os possíveis desdobramentos das decisões, não apenas em
termos dos objetivos postos, mas em toda a interação entre sistemas técnicos
e sociais”. Sob o olhar da problemática de gerenciar riscos, os cenários pros-
pectivos possibilitam manusear as probabilidades, projetando um futuro com
mais de uma possibilidade de decisão real, mas ainda não materializada.
Alertamos anteriormente para a impossibilidade pragmática do com-
pliance isolado de imprescindível mapeamento e gerenciamento de riscos.
Vale destacar ser o compliance ferramenta de governança, ou seja, meio propi-
ciador de elementos, suficiente para munir a alta administração de informa-
ções para tomada de decisão.
Sendo impossível desvincular, dentro do programa de compliance, a to-
mada de decisão de um trabalho minucioso de gestão de riscos, importa tam-
bém lembrar que os riscos são incertezas passíveis de materialização futura.
Sendo algo a ocorrer ou não em momento futuro, cabe, indiscutivelmente, aos
responsáveis pela conformidade, àqueles que agem em posição de segunda
linha de defesa12, a estruturação de seu trabalho lastreados por cenários.
Deste modo, citando Heijden (2004 apud BRASILIANO, 2010, p. 14),
quando fala dos benefícios da construção de cenários estratégicos, e buscando
adequação à realidade de um programa de compliance que, como já dito, alinha
as decisões da alta administração ou gerenciamento dos riscos corporativos,

12 Modelo das três linhas de defesa. Adaptação da Guidance Company Law Directive
da Europan Federantion of Risk Manager Associations (ECIIA-FERMA): “A segunda
linha de defesa tem um propósito específico, dar suporte à gestão e o processo de
governança corporativa, e não tem função de tomada de decisão, pelo contrário, deverá
apresentar subsídios legais e operacionais para que os gestores tomem suas decisões
em conformidade, uma vez que conhecem os riscos envolvidos” (ECIIA-FERMA, 2013,
apud ASSI, 2017, p. 54).
94 | Thayana Macêdo

apresentamos a necessidade de “criar uma estrutura nos padrões do ambien-


te”, por assim dizer, nos moldes da realidade específica de cada organização;
identificando as chamadas incertezas irredutíveis e pugnando pela “criação
de um processo de conversação dialético-estratégica, no qual diversas visões
são confrontadas”. Isso significa, ainda sob a peculiaridade de cada institui-
ção, levantar as possibilidades dos riscos se materializarem e, consequente-
mente, confrontar as possibilidades maior impacto negativo, almejando o(s)
melhor(es) recurso(s) a utilizar no futuro. Além disso, valoriza-se o conheci-
mento dos colaboradores,13 tendo em vista que a gestão de riscos é de respon-
sabilidade de todos, posto ser imprescindível a colaboração generalizada para
obtenção de um resultado o mais preciso possível, somando-se esforços para
estruturar e alimentar estratégias corporativas.
Planejar é estar preparado, sob o olhar dos cenários prospectivos, para
tudo aquilo que possa impactar a corporação no futuro; é estar precavido
de forma estratégica, observando “o desenvolvimento a longo prazo de um
sistema organizacional mais robusto, mais bem preparado para resistir a cho-
ques inesperados” (BRASILIANO, 2010, p. 14). E, se pensarmos em risco de
compliance, podemos alinhar os “choques inesperados” de crises reputacionais
que venham a existir, desestruturando a confiabilidade indispensável a toda
organização.
Mesmo sendo objeto habitual, quando tratamos de estudo dos cenários,
previsibilidade e gestão de impactos ou planejamentos aplicados a longo pra-
zo, é possível a utilização, diante de padrões específicos, da prospecção, tra-
zendo ao caso concreto “uma maior adaptabilidade” por existir “observação
mais hábil do ambiente” corporativo.
Há circunstâncias dentro da gestão de riscos de compliance que exigem
respostas rápidas, sendo apenas possível em caso de um planejamento estra-
tégico prévio. Citando Sêneca (apud BRASILIANO, 2010, p. 39), “não existe
vento favorável para o homem que não sabe para onde ele está indo”. Assim,
ilógico é dissociar prospecção de estratégia. São meios alternativos, não ba-
seados em mística, mas amparados em previsão e inovação.
Ponto relevante para o compliance e para o estudo dos cenários prospec-
tivos é levar-se em consideração o fator humano como ator protagonista, por
ter vontade de mudança, sendo importante considerar que são as pessoas a
fazer a diferença no ambiente corporativo.
Godet (1999 apud BRASILIANO, 2010, p. 41), destacando o ser huma-
no, acentua quatro atitudes ante as possibilidades futuras. Primeiro, apre-
13 Desde a alta administração até ao que vulgarmente se chama “chão de fábrica”, cada
setor e colaborador deve conheceR seu risco específico e alimentar a matriz de risco com
as informações pertinentes.
Perspectiva em Compliance | 95

senta-nos a atitude passiva, chamando de “avestruz” o homem que, quando


defrontado com a incerteza, “sofre com a mudança”; na sequência, apresenta
a atitude reativa, denominando “bombeiro” aquele que “aguarda que o ‘fogo’
se declare para combater”, não se prevenindo e esperando a crise com atitude
reacionária; tem-se ainda a atitude pré-ativa, identificando o agente “segu-
rador”, que “se prepara para as mudanças possíveis porque sabe que a repa-
ração é mais cara que a prevenção”; por fim, a atitude proativa identifica o
“conspirador”, aquele “que atua no sentido de provocar mudanças desejadas”.
Nesse contexto, Brasiliano (2010, p. 41) mostra a benéfica ação dos perfis
identificados como “segurador” e “conspirador”, colocando-os “num contex-
to de mudanças de mercado e crescimento” como sendo os que antecipam as
mudanças e também as provocam através de ações de inovação.
Mesmo não sendo algo tão novo no contexto corporativo brasileiro,
inaugurado no fim da década de 1990, com a promulgação da Lei de Combate
à Lavagem de Dinheiro,14 mas ainda sofrendo com uma visão “míope”, dis-
torcida, o contexto nacional carece de entendimento quanto à necessidade de
visualizar o compliance para além do combate à corrupção – trata-se, sim, de
ferramenta de governança, amparada em Gestão de Risco sob a ótica de cená-
rios prospectivos. Em tais cenários, combater a desconformidade, dentre elas
da corrupção e a fraude, ou ainda a lavagem de dinheiro até o financiamento
de crimes como tráfico de drogas e terrorismo, é consequência natural de
um eficiente planejamento estratégico, a fortalecer os controles internos. As-
sim, o compliance, em sentido amplo, corresponde ao trabalho concatenado de
conhecimento e mapeamento das adversidades e fragilidades institucionais
somados aos esforços de todos os colaboradores envolvidos, para estruturar
a estratégia prospectiva a funcionar como suporte da gestão de riscos. Com
base nos riscos geridos e cenários estruturados e no planejamento das ações,
combater a desconformidade passa a ser uma lógica.
Por imposição legal, o que se observa no Brasil, tratando-se de con-
formidade, é uma tendência de as instituições esforçarem-se na elaboração
de programas de integridade, objetivando a adequação ao que dispõe a Lei
Nacional de Combate à Corrupção. Carece-se, portanto, da empreendedora
visão de conformidade com base na estratégia competitiva. Por esta razão,
citamos Prahalad & Hamel (1995 apud BRASILIANO, 2010, p. 12), quando
anuncia:

14 Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. “Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou


ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para
os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras -
COAF, e dá outras providências”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/l9613.htm. Acesso em: 02 mar. 2020.
96 | Thayana Macêdo
A meta de competição pela previsão do futuro de cada setor pode ser resu-
mida em criar a melhor base de premissas possível sobre o futuro e, assim,
desenvolver a base necessária para moldar a sua evolução. A competição
pela previsão do futuro do setor é essencialmente uma competição pelo
posicionamento da empresa como líder intelectual em termos de influência
no direcionamento e forma da transformação do setor.

Compreender que um programa de compliance possibilita à organização


maiores possibilidades de sustentabilidade no mercado é entender que, para
se conhecer o ambiente e o universo competitivo, há que se impulsionar a
utilização de ferramentas para mapeamento e gerenciamento de riscos, ali-
cerçadas em metodologias de cenários, sobre a visão prospectiva, olhando-se
para o futuro, abrindo-se mão do planejamento estratégico tradicional e apo-
derando-se de modernas “técnicas de gestão empresarial”.

4 APONTAMENTOS FINAIS

Utilizar a metodologia de cenários prospectivos insere o fator humano


em situação de protagonismo, pois prospectar o futuro carece da utilização
da criatividade humana. A complexidade de eventos do hoje não dispensa
a interpretação, possibilitando a criação dos cenários baseados naquilo que
ainda não existe.
Cenários prospectivos concebem um ambiente futuro, possível, não vivi-
do, mas de provável consumação.
Quando relacionamos a necessidade de trabalhar os riscos sob perspec-
tiva de compliance utilizando a prospecção, a razão de ser está amparada no
fato das relações comerciais atuais influenciarem constantemente o universo
imprevisível das relações interpessoais, não obstante os fatores naturais (da
natureza).
É da condição humana ousar, daí a razão de se falar em “apetite ao
risco”. Como mensurar o apetite ao risco humano? Ele está em constante
modificação, impulsionado pelo ambiente externo, somadas vezes alimentado
pelo consumismo. O homem ousa. As empresas precisam estar atentas às
necessidades dos seus públicos. As organizações igualmente possuem seu
apetite ao risco, que as colocam em posições específicas no mercado. As
instituições públicas devem estar alertas aos interesses sociais em contínua
metamorfose. Os cenários prospectivos possibilitam, ao gerenciamento dos
riscos, ampliar de forma proativa e inovadora a visão de futuro, criando um
ambiente que propicia, de forma real, prever as possibilidades de mercado do
porvir.
Perspectiva em Compliance | 97

Mapeamento e gerenciamento de riscos, objetivando controles internos,


não são novidades para o mercado. No entanto, predizer de forma estratégica
o que o futuro reserva às instituições e corporações possibilita aos programas
de compliance planejar de forma ágil, estruturando atitudes a longo prazo,
mas também oferecer respostas para problemáticas que carecem de urgência.
O mundo corporativo não só vive da precaução quanto acontecimentos
passados, impedindo repetição; o diferencial competitivo reside em prever o
futuro, inserindo as organizações em patamar de superioridade. Se investir
em programas de integridade é obrigação legal, para boa parte das empresas
que, de alguma forma, relaciona-se com o setor público, empregar capital na
elaboração de programas de compliance, em que a gestão de riscos se faz por
meio dos mecanismos de cenários prospectivos, é alavancar-se no mercado
com diferencial competitivo de consequências baseadas em sustentabilidade.
Tratamos aqui da visão de um compliance macro, ao que damos o nome
de lato sensu, de visão ampliada, pondo em situação de destaque as organiza-
ções e as corporações preocupadas com o futuro institucional, com o valor e
a imagem dos seus produtos, o que de forma alguma está resumido ao mundo
privado das entidades. Isso pode ser perfeitamente aplicado ao universo ins-
titucional das organizações públicas, da administração direta ou indireta, al-
cançando, inclusive, o terceiro setor. Utilizar prospecção para prever o futuro
garante segurança na tomada de decisão da alta administração, seja no topo
da cadeia hierárquica, seja em qualquer outro ramo.

REFERÊNCIAS

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__________. Governança, risco e compliance. São Paulo: Saint Paul, 2017.
BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho. Compliance. Manual de compliance.
Coordenação: André Castro Carvalho (e outros). Rio de Janeiro: Forense,
2019.
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www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12846.htm.
Acesso em: 02 mar. 2020
__________. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm> Acesso em: 02 mar. 2020
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riscos corporativos: um estudo de caso brasileiro. São Paulo: Sicurezza,
2010.
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37-58. Jun./jul. 2019
98 | Thayana Macêdo
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setor público. 2. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
PIZARRO, Sebastião Nóbrega. Manual de Compliance. Vila Nova de
Famalicão: Nova Causa Edições Jurídicas. 2016.
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PEIXOTO, Ariosto Mila. SEC (Securities and Exchange Commission).
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mar. 2017. Disponível em: https://licitacao.com.br/index.php/atribuicoes-
e-responsabilidades-do-compliance-officer/. Acesso em: 02 mar. 2020.
O COMPLIANCE
APLICADO A SETORES
ESPECÍFICOS DA
ATIVIDADE ECONÔMICA
A INSTRUÇÃO N. 617 DA COMISSÃO DE
8
VALORES MOBILIÁRIOS (CVM) COMO
MARCO REGULATÓRIO DO COMPLIANCE
NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO

Ana Paula Ribeiro Serra15

Diariamente nos deparamos com mensagens que afirmam a importância


da política de programas de compliance, no sentido de dirimir os riscos decor-
rentes das atividades realizadas nas organizações. Diante das revoluções e da
velocidade das informações no mundo, a Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) entendeu a necessidade de atualizar a antiga Instrução 301, a fim de
adequar a norma brasileira às legislações internacionais.
A verdade é que, pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro,
o entendimento é de que o compliance não se encontra pautado apenas em
documentos, políticas e programas, mas também na minuciosa abordagem de
análise de riscos de uma organização.
Sem dúvidas, a partir de 1º de julho de 2020, a redação da Instrução nº
617 irá colaborar com as novas tendências para o compliance no Brasil, con-
tribuindo com a efetividade na análise de riscos e consequentemente com a

15 Advogada. Especialista em compliance pelo INSPER. Membro da Comissão de


Compliance da OAB-BA.
101
102 | Ana Paula Ribeiro Serra

identificação de suspeitas práticas de lavagem de dinheiro e de financiamento


ao terrorismo nas operações financeiras.
Nesse contexto, o presente trabalho trata-se de artigo científico, cuja
finalidade é abordar as atualizações contidas na nova Instrução nº 617 da
CVM, demonstrando a sua importância no mercado de capitais, bem como
a sua finalidade de obter a efetividade na abordagem de estudo dos riscos,
tutelando a segurança e integridade das entidades financeiras e o progresso
da economia no país.
Através da revisão bibliográfica sobre o tema, será possível identificar
algumas das alterações contidas na norma supracitada, bem como os impac-
tos positivos que irão corroborar para a efetividade na mitigação da prática
dos ilícitos de lavagem de dinheiro e do financiamento ao terrorismo.
Sendo assim, o presente trabalho busca, da mesma forma, investigar a
forma com que as normas de compliance, agora inseridas no ordenamento
jurídico brasileiro, são capazes de propiciar a integridade nas organizações,
permitindo a aplicação da cultura baseada na ética empresarial e a mitigação
das fraudes rechaçadas pela legislação atual do Brasil.

1 MARCO REGULATÓRIO

A edição do novo marco regulatório no mercado de capitais, por meio da


edição da nova Instrução nº 617, contribuirá de forma efetiva no mercado de
valores mobiliários, como forma de implantar uma nova perspectiva de com-
pliance, voltada para a abordagem de análise e mitigação de riscos.
A importância do tema encontra-se consubstanciada na edição da nova
Instrução pela CVM, estabelecendo novos métodos de identificação e miti-
gação de riscos em face da tipificação penal de lavagem de dinheiro e finan-
ciamento ao terrorismo, garantindo a segurança das transações no mercado
de capitais.
Sem dúvidas, a norma tem como efeito modernizar a regulação da maté-
ria, buscando alinhá-la às melhores práticas atualmente adotadas nos princi-
pais mercados globais, bem como com às diretrizes do sistema internacional
relacionados ao tema, como a título exemplificativo a GAFI (Grupo de Ação
Financeira Contra Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo).

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Preliminarmente, a fim de obter maior compreensão sobre o assunto, é


salutar rememorar a evolução histórica que decorreu na tipificação penal dos
Perspectiva em Compliance | 103

crimes atualmente denominados de “lavagem de dinheiro” e “financiamento


ao terrorismo.
O Brasil, no ano de 1991, por meio do decreto de número 154, declarou
ser signatário da Convenção de Viena, que tinha como propósito enquadrar,
como tipificação penal, as condutas que ensejam a substituição, conversão ou
ocultação de bens decorrentes do tráfico de entorpecentes.
Em outras palavras, nesse momento, os países assinantes deste pacto
assumiam a finalidade de combater o exercício dos atos ilícitos atrelados ao
narcotráfico. A partir desse cenário, observou-se a importância de se obter
uma legislação específica sobre essa temática e oportunamente, no ano de
1998, fora promulgada a Lei de Crimes de Lavagem de Dinheiro.
Nesta conjuntura, observou-se a necessidade de ampliar o alcance da lei
supracitada, e por essa razão no ano de 2012 a Lei nº 9.613/1998 foi alterada
com o objetivo de tipificar como crime de lavagem de dinheiro toda e qual-
quer tentativa de legalizar recursos oriundos de atividades ilícitas. Posterior-
mente, no ano de 2016, fora promulgada a Lei nº 13.260, que tipificou como
crime o financiamento do terrorismo.
Nessa linha de intelecção, a CVM, alinhada às práticas mais atualizadas
nos principais mercados mundiais, no dia 5 de dezembro de 2019 revogou por
completo a Instrução nº 301/1999 por meio da Instrução n° 617, sob a pers-
pectiva de lograr diretrizes mais modernas quanto à prevenção dos crimes
de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, visando a garantir a
integridade das operações financeiras no mercado de capitais.

3 IMPORTÂNCIA DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A Comissão de Valores Mobiliários é considerada por muitos como o


“juiz do mercado financeiro”. Isso porque, a entidade autárquica, vinculada
ao Ministério da Fazenda, é designada para exercer a fiscalização, desenvol-
vimento e normatização do mercado de valores mobiliários no Brasil.
No exercício das suas atribuições, tem como uma das suas principais fi-
nalidades assegurar o funcionamento eficiente das organizações financeiras,
a fim de resguardar a postura ética dos agentes e investidores participantes
das operações, bem como garantir a integridade do mercado de valores mo-
biliários.
Na busca incessante pela integridade do mercado financeiro, a CVM,
após a realização de diversas audiências públicas, vislumbrou a importância
de garantir, ainda mais, a segurança nas operações financeiras, de acordo com
as normas internacionais, promovendo um cenário favorável para a efetivida-
de do mercado de capitais. A partir de então, com a edição da nova Instrução
104 | Ana Paula Ribeiro Serra

nº 617, é possível afirmar que surge um novo marco regulatório no âmbito do


mercado de capitais, advindo inclusive os entendimentos basilares das nor-
mas de compliance.
O texto da instrução define novos parâmetros de proteção ao mercado
de valores mobiliários, com a finalidade de este não servir como instrumento
para a prática dos crimes de lavagem de dinheiro e financiamento ao terroris-
mo. Hoje, após a edição da nova instrução, é possível afirmar os sujeitos que
são responsáveis pelo cumprimento das mudanças aduzidas na nova norma.
Conforme esposado no texto, sujeitam-se às obrigações previstas na ins-
trução nº 617 da CVM, no limite de suas atribuições:

I - as pessoas naturais ou jurídicas que prestem no mercado de valores


mobiliários, em caráter permanente ou eventual, os serviços relacionados
à distribuição, custódia, intermediação, ou administração de carteiras;

II - entidades administradoras de mercados organizados e as entidades


operadoras de infraestrutura do mercado financeiro;

III - as demais pessoas referidas em regulamentação específica que pres-


tem serviços no mercado de valores mobiliários, incluindo:

a) os escrituradores;

b) os consultores de valores mobiliários;

c) as agências de classificação de risco;

d) os representantes de investidores não residentes; e

e) as companhias securitizadoras; e

IV - os auditores independentes no âmbito do mercado de valores mobi-


liários.

Portanto, significa dizer que os principais participantes do mercado de


capitais deverão obedecer às recentes determinações editadas pela CVM por
meio da Instrução nº 617, com escopo de garantir a segurança das operações
realizadas nas instituições financeiras.

4 INOVAÇÕES DA INSTRUÇÃO 617 DA CVM

Conforme fora fartamente demonstrado acima, a CVM editou no dia 5


de dezembro de 2019 a Instrução nº 617, como novo marco regulatório para
prevenção dos crimes de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.
Perspectiva em Compliance | 105

No mesmo passo, o Banco Central, em janeiro de 2020, editou a circular 3978,


também com a finalidade de mitigar a prática dos ilícitos penais supracitados.
Em que pese as normas tenham objetos semelhantes, elas não são iguais.
Entretanto, não há como negar que ambas possuem muito mais semelhanças
do que diferenças. O que ocorre é que as referidas normas permitem que haja
sinergia entre as empresas por elas reguladas, corroborando para troca de
informações e maior assertividade na abordagem de análise de riscos.
Sob a perspectiva da instrução editada pela CVM, faz-se salutar mencio-
nar as principais alterações que a acompanham. A primeira delas, talvez até
a mais importante, versa sobre a nova perspectiva da abordagem baseada em
risco, como principal instrumento de governança, tendo como embasamento
a recomendação número 1 do GAFI, que se desloca nesse mesmo sentido.
Agora, e pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro, a recente
instrução da CVM determina que a nova política de análise minuciosa de
riscos deverá conter, de forma discriminada, a utilização da metodologia, a
fim de criar novos parâmetros de avaliação, tratamento e mitigação dos riscos
identificados.
A nova alteração tem como principais pilares a avaliação anual, que de-
verá ser realizada pelo diretor responsável, oportunidade em que será apre-
sentado o diagnóstico dos riscos a que a entidade financeira está e poderá ser
submetida. Caberá identificar ainda os riscos que possam envolver clientes,
produtos, carteira, serviços e até mesmo os funcionários, classificando os ris-
cos em categorias de baixo, médio ou alto.
No entanto, não basta apenas identificar e classificar. A instrução tam-
bém determina que a análise de riscos, bem como a sua classificação deverá
ser encaminhada para conhecimento da alta direção da entidade financeira,
que irá verificar e instrumentalizar medidas a fim de inviabilizar a prática dos
ilícitos penais como a lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.
Sendo assim, tanto a avaliação de riscos anual bem como as políticas
adotadas pela alta direção com escopo de mitigação dos riscos da entidade
poderão ser classificadas como medidas dinâmicas e complementares, visto
que a partir da comunicação das informações entre elas é que se poderá ser
alcançada a efetividade do novo instrumento de análise de riscos no mercado
de capitais.
Outra alteração importante contida no texto da Instrução nº 617 que
merece ser abordada versa sobre a maior definição das atribuições e respon-
sabilidades do diretor responsável da organização financeira. A partir de en-
tão, o diretor também desempenhará atividades como a gerência de riscos,
que nada mais é do que atribuição designada pelo compliance.
106 | Ana Paula Ribeiro Serra

Registra-se então que agora também é função do diretor responsável a


confecção do relatório anual, com a discriminação minuciosa da identifica-
ção de riscos, devendo ser apresentada a alta administração da entidade. No
referido documento deverá constar, de forma discriminada, a metodologia
da avaliação aplicada, como também deverá mencionar a carteira e os dados
cadastrais dos clientes, a forma de monitoramento, análise e proceder com a
comunicação ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) no
tocante às situações que possam apresentar riscos à instituição financeira.
A nova norma também entende como relevante o conhecimento minu-
cioso da carteira de clientes, tanto que aduz como medida preventiva a uti-
lização da política pela entidade de “conheça seu cliente”, (“know your client”
– KYC), incluindo ações voltadas à identificação do beneficiário final.
Esta, inclusive, é uma nova grande alteração que acompanha a redação
da nova instrução. Isso porque, demonstra-se a preocupação em melhor espe-
cificar e identificar quem é o beneficiário final de uma determinada operação
financeira. Sendo assim, a instrução orienta que primeiro deverá ocorrer a
identificação do cliente, o cadastro, a realização das diligências e, consequen-
temente, o processo a fim de verificar quem é o beneficiário final da transação.
A Instrução nº 617 da CVM frisa a importância de que as operações
suspeitas sejam realizadas mediante a comunicação ao COAF. Significa dizer
que não há impedimento para realização destas operações, desde que sejam
comunicadas ao COAF no prazo máximo de 24 horas, após analisados os in-
dícios que ensejaram a suspeita de ilicitude na operação.
Superadas algumas das mudanças trazidas pela redação da nova instru-
ção da CVM, enxerga-se que a recente norma, a partir da utilização da abor-
dagem de risco, precisará não só contar com a seriedade dos sujeitos envolvi-
dos na operação, mas também com a tecnologia e uma mudança na cultura da
entidade financeira para se adequar às novas determinações.
Frisa-se que a nova política será um grande desafio para as organizações,
principalmente para adaptar-se às novas regras. Não basta apenas adotar a
nova metodologia, mas sim aplicar e investir no treinamento dos envolvidos,
como também fiscalizar o seu cumprimento. Os treinamentos precisos e as-
sertivos, sem dúvidas, resultarão na capacitação dos sujeitos na instituição
financeira a fim de identificar, de forma factual, a ilicitude nos atos que posam
ensejar a prática da lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.

5 COMPLIANCE COMO PILAR DA NOVA INSTRUÇÃO DA CVM

A partir das novidades aduzidas na recente norma editada, restou-se


fartamente demonstrado que o princípio do programa de compliance não se
Perspectiva em Compliance | 107

encontra baseado apenas na formalidade dos documentos ou na aplicação de


códigos e políticas internas, mas também na importância de se obter uma
abordagem de análise de riscos efetiva, a fim de identificar e inibir os perigos
oriundos das operações do mercado de capitais.
Insta rememorar, mas sem muita extensão, a origem da nomenclatura
que hoje é utilizada mundialmente, principalmente na esfera empresarial. O
termo que originou a expressão “compliance” principiou do verbo inglês de-
nominado to comply, que no idioma português corresponde ao ato de agir
de acordo com uma regra ou determinação, uma instrução interna ou um
comando. Significa afirmar que estar em “compliance” corresponde a estar em
conformidade com leis, políticas e regulamentos externos e internos de uma
determinada organização.
O fato é que para a determinada entidade encontrar-se em conformidade
com as determinações do compliance não basta apenas atender aos normativos
dos órgãos reguladores ou regulamentos internos atrelados ao controle
interno.
O compliance vai muito além. Atualmente, encontra-se a necessidade de,
além de estar em consonância com a política da entidade, também contar
com o suporte da alta administração, possuir efetivo mapeamento de riscos,
realizando sempre o treinamento e comunicação entre os colaboradores da
empresa, buscando a eficácia e a conformidade perante as normas.
O certo é que as diretrizes do compliance enriqueceram não só o cumpri-
mento de políticas internas, como também agregou a importância de aplicar
a cultura baseada na integridade e na ética, mitigando a prática de fraudes e
atos que não estão acordo com o nosso ordenamento jurídico vigente.
Nesse ponto, é imperioso citar o recorte da obra Manual de compliance,
nas palavras do autor Chrisrian K. de Lamboy (2018, p. 4):

Atualmente, as empresas estão cada vez mais globalizadas, num ambiente


mais competitivo, com pressão para redução de custos e a remuneração
dos executivos atrelada a rentabilidade, o que poderia levar a busca de lu-
cro a qualquer preço. Estes fatos contribuem para o desenvolvimento nas
organizações de líderes de programas de compliance, como um mecanismo
efetivo na prevenção ao descumprimento de normas, combate a fraudes,
corrupção, lavagem de dinheiro e do desvio de conduta ética em geral. Do
ponto de vista macro, não se pode não se pode perder de vista que uma
sociedade composta por organizações íntegras se constitui uma sociedade
mais justa e harmoniosa, com maior respeito aos direitos individuais, com
menos corrupção e pobreza.

Não se deve perder de vista que o programa de compliance não protege


apenas a organização em si, mas sim a sociedade como um todo. Isso porque,
108 | Ana Paula Ribeiro Serra

a garantia à legislação é um dos pilares centrais do Estado Democrático


de Direito. A ausência de integridade é um fator de elevado prejuízo, que
acarreta graves riscos não só para os colaboradores da entidade, mas também
para a economia nacional.
A conduta ética e a governança corporativa já compõem o discurso das
organizações. A partir do momento em que não se tem um efetivo programa
de compliance, corre-se o risco gritante da violação da reputação dessas orga-
nizações em razão de uma postura que pode ser vista como não íntegra pelos
seus clientes e interessados.
Novamente, elucida acertadamente Christian Lamboy (2018, p. 6):

Na esfera privada, a função de compliance recebeu o impulso inicial nas ins-


tituições financeiras, para as quais se converteu em requisito regulatório.
Na sequência deste movimento em prol do compliance, aparecem outros
setores regulados, como o farmacêutico e de telecomunicações, dentre ou-
tros, expandindo-se, mais recentemente, para os mais diversos setores; e
isso porque o compliance é uma questão estratégica, que se aplica a todos os
tipos de organizações, tanto empresas e entidades do terceiro setor como
entidades públicas (pequenas ou grandes), empresas de capital aberto e
empresas fechadas de todas as regiões do mundo.

Com a redação desse novo entendimento da CVM, fica nítida a impor-


tância de se implementar o modelo de compliance para os sujeitos ativos no
mercado de capitais, que precisarão estabelecer uma nova metodologia para
efetividade da abordagem de riscos perante a tentativa de lavagem de recur-
sos oriundos de crimes e do financiamento ao terrorismo.
Sendo assim, entende-se que as políticas provenientes dos programas de
compliance se tornam regra e passam a ser objeto de uma regulação promo-
vida pela CVM, com a finalidade de obter maior segurança dos partícipes do
mercado de capitais, garantindo a efetividade das operações financeiras.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

À guisa de considerações finais, restou constatado que a redação da


nova Instrução nº 617 da CVM resulta em vasta contribuição para o Brasil,
uma vez que prevê um “olhar minucioso” sob as atividades das instituições
financeiras, tanto para o sistema bancário como também para o mercado de
capitais.
A norma corrobora não para a prevenção do crime, até porque isso não
corresponde às competências das instituições financeiras, mas sim para não
Perspectiva em Compliance | 109

servir como instrumento das práticas de lavagem de dinheiro e do financia-


mento ao terrorismo.
Dessa forma, a CVM adota as melhores práticas implementadas nos
mercados internacionais no âmbito aos crimes supra, no mercado de valores
mobiliários, aderindo instrumentos de investigação cada vez mais rígidos,
bem como uma linha de diálogo mais célere, usando como base as expertises
oriundas do compliance.
Indubitavelmente, o novo regimento desencadeará maior segurança e
integridade no mercado de valores mobiliários, garantindo não só a efetivi-
dade das normas, como também melhores mapeamentos de riscos, inibindo a
lavagem de recursos oriundos dos ilícitos penais.
Somente assim, a partir da vigência da nova Instrução nº 617 da CVM,
que ocorrerá no dia 1º de julho de 2020, as novas regras poderão ser classifi-
cadas como um marco regulatório para a prevenção das práticas de lavagem
de dinheiro e terrorismo no mercado financeiro, o que trará maior integri-
dade para o mercado como um todo e contribuirá de forma positiva para a
economia do país.

REFERÊNCIAS

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www.topinvest.com.br/sao-atribuicoes-da-cvm/. Acesso em: 24 fev. 2020.
9
COMPLIANCE E MELHORES PRÁTIC1AS
NO MERCADO FINANCEIRO

Blenda Araujo Saraiva Silva16


Tássia Barbara F. B. Seixas17

No cenário econômico brasileiro, bancos múltiplos, comerciais, de inves-


timentos, de desenvolvimento, câmbio e cooperativas financeiras compõem o
sistema financeiro nacional. Destes, as cooperativas financeiras vêm sobres-
saindo-se anualmente no mercado financeiro não só pelos números positivos,
mas também pela filosofia humanística que as norteia – de desenvolvimento
socioeconômico dos cooperados –, contrária ao pragmatismo e impessoalida-
de do mercado financeiro tradicional.

16 Compliance officer da VIABAHIA Concessionária de Rodovias S/A. Cofundadora


da Comissão de Compliance da Bahia com apoio do IBDEE. Compliance Senior pelo JG
Compliance Group. Mestre em Engenheira Civil, com mais de 10 anos de experiência
em Concessão de Rodovias voltada para Gestão de Projetos, Governança Corporativa,
Compliance, Auditoria, Controles Internos, Gestão de Riscos, Normas ISO.
17 Graduada em Administração de Empresas. Supervisora de Compliance do Grupo TPC
– Operador Logístico. Cofundadora da Comissão de Compliance da Bahia com apoio do
IBDEE. Compliance Senior pelo JG Compliance Group. Certificação Profissional Anbima
(Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) – CPA-20.
Certificada em Lavagem de Dinheiro e Financiamento de Terrorismo. Certificação de
Controles Internos, Gestão de Riscos, Auditoria Interna e Compliance.
110
Perspectiva em Compliance | 111

Como decorrência do crescimento da competitividade em que atualmen-


te se baseia a maioria das organizações que concedem crédito e das crescentes
exigências por aprimoramento dos seus sistemas de controles internos para
gestão de riscos como fraudes, corrupção e prevenção à lavagem de dinheiro,
é imprescindível atuar em conformidade com as normas do Sistema Finan-
ceiro Nacional (SFN).
Nesse caso, torna-se inevitável a busca pela excelência através de me-
lhores práticas de gestão baseadas em diretriz estratégica assertiva, voltada
à eficiência, controle de custos, segurança, fortalecimento da imagem e cul-
tura institucional para um crescimento sustentável. Instituições Financei-
ras (IFs), atuando nesse sentido, poderão mitigar possíveis falhas humanas
e operacionais, e evitar riscos à imagem diante de seus clientes, do mercado
e da sociedade, o que torna essencial a implementação de um programa de
compliance por parte destas instituições.
Fatos relevantes no cenário mundial, relacionados a escândalos finan-
ceiros e de governança, como Watergate, Banco Barings, Enron, WorldCom,
além dos ataques terroristas ocorridos nos Estados Unidos, despertaram a
necessidade de regulamentações ainda mais efetivas e aplicáveis em todos os
países, a fim de gerir os riscos aos quais as instituições estão sujeitas.
Nesse contexto, o termo compliance se tornou conhecido e se destacou
a “função de compliance”, de grande importância na proteção e no aprimo-
ramento do valor e da reputação corporativa. A “função de compliance”, in-
tegrada aos demais pilares da governança corporativa, chega no momento
de transformação, e sua implementação nas IFs brasileiras tem importância
e missão que vão além do implícito na Resolução nº 2.554/98, emitida pelo
Conselho Monetário Nacional, inseridas em mudanças que visam ao alinha-
mento de processos, acompanhamentos sistêmicos da normatização, assegu-
ramento das obrigações, cumprimento de normas e procedimentos, e princi-
palmente a preservação da imagem perante o mercado.
As instituições que atuam em conformidade para evitar problemas fu-
turos como fraudes, corrupções, lavagem de dinheiro etc., que colocam em
risco a sua imagem diante de seus clientes, do mercado e da sociedade. As
exigências cada vez maiores servem para aprimoramento dos seus sistemas
de controle interno.
Nesse seguimento, o setor de compliance, por ser um dos pilares da boa
governança, possui um termômetro que, quanto mais forte sua cultura orga-
nizacional na IF, mais efetiva será a implementação do programa de complian-
ce, que deverá ser adaptado às características próprias de cada instituição.
Logo, para garantir a efetividade do programa de compliance, o profissional de
compliance atua tanto no âmbito regulatório ou legal, quanto na esfera com-
portamental relativa à integridade, ética, transparência, comprometimento e
112 | Blenda Silva & Tássia Seixas

honestidade de todos os integrantes da instituição, com o objetivo de corrigir


e prevenir desvios que possam trazer conflitos ao negócio.
Após fatos relevantes ocorridos no cenário financeiro mundial, os ór-
gãos reguladores, investidores e executivos de negócios passaram a almejar
que as demonstrações financeiras se tornassem cada vez mais transparentes,
sendo que estas deveriam refletir a realidade econômica do negócio, os dife-
rentes riscos e oportunidades relacionados com a empresa e também apre-
sentar estes dados de forma compreensiva. O Congresso norte-americano,
em resposta às fraudes ocorridas, aprovou a Lei Sarbanes-Oxley (SOx), com
importantes definições sobre práticas de governança corporativa (BONOTO,
2010, p. 2).
Assim, parte-se do pressuposto de que a organização dotada de uma área
de compliance eleva a qualidade, a segurança e a velocidade das interpre-
tações regulatórias e reduz os riscos de multas ou encargos impostos por
autoridades.
Contudo, o objetivo deste trabalho é apresentar a relevância da imple-
mentação de melhores práticas em um sistema de controle interno nas IFs
por meio de um programa de compliance.

1 PRINCIPAIS COMPONENTES DA GOVERNANÇA CORPORATIVA

Numa visão de implementação de programa de compliance disciplinado


e sistêmico, iniciamos pela avaliação da importância do papel dos principais
componentes da governança corporativa, tendo em vista que o apoio da alta
direção é condição indispensável e permanente para o fomento de uma cultu-
ra ética, de respeito às leis e para a aplicação efetiva do programa.
Voltado para a forma como as organizações são administradas, com o
intuito de garantir seu valor, envolvendo políticas, regulamentações, cultura
e processos, o tema governança corporativa se difundiu mundialmente, des-
tacando-se de forma rápida no cenário econômico. Cabe salientar que cada
país/organização institui suas boas práticas de governança em concordância
com o ambiente econômico e social ao qual está inserido, assim como as nor-
mas e legislações aos quais está exposto.

Seguramente, Governança Corporativa não é um modismo a mais. Seu


desenvolvimento tem raízes firmes. E sua adoção tem fortes razões para
disseminar. Organizações multilaterais, como as Nações Unidas e Organi-
zação para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), veem
as boas práticas da Governança Corporativa como pilares da arquitetura
econômica global e um dos instrumentos, em suas três dimensões – a eco-
nômica, a social e a ambiental. (ANDRADE; ROSSETTI, 2006, p. 99).
Perspectiva em Compliance | 113

As organizações brasileiras, vislumbrando maior destaque no mercado,


começaram a adotar boas práticas de governança corporativa, a fim de se
manterem competitivas em um cenário marcado pela globalização e priva-
tizações. Em concordância com o Instituto Brasileiro de Governança Cor-
porativa (IBGC), a organização que opta por boas práticas de governança
corporativa adota como linhas mestras os quatro pilares: a transparência, a
prestação de contas, a equidade e a responsabilidade corporativa.
A eficiência da governança corporativa deve se basear numa análise cri-
teriosa da adequação dos processos, cultura e disciplina organizacional, re-
cursos humanos e tecnologia, e na aplicação de controles rigorosos, preven-
tivos e de detecção na gestão dos riscos. Deve pautar-se, ainda, em atuação
conjunta com os gestores na avaliação, gestão e monitoramento dos mecanis-
mos de medição de desempenho.
No atual contexto econômico e social de crescente exigência pela trans-
parência, é fundamental que as organizações atuem nos conceitos de gover-
nança corporativa e de compliance de forma conjunta, de modo a nortear a
gestão, proteger os interesses de todas as partes envolvidas, contribuir para
um ambiente de negócios ético e transparente, e preservar a imagem e a re-
putação corporativa.
Dentre as melhores práticas adotadas, costuma-se segmentar a estrutu-
ra corporativa de acordo com o Quadro 1 a seguir:

Quadro 1:Estrutura corporativa


Conselho de administração: apoio na definição de estratégia e
apetite ao risco.
Comitê de auditoria: controle de gestão.
Estrutura de
suporte aos Auditoria interna: verificação da adequação da matriz de riscos, da
acionistas eficácia dos controles internos, da aderência a normas internas e
aos marcos regulatórios e da aderência às estratégias e valores da
organização.
Auditoria externa.
Gerenciamento de risco: matriz e classificação de risco.
Controles internos: resposta aos riscos identificados.
Estrutura
de suporte à Compliance: criação de ambiente e cultura de cumprimento de
gestão marcos regulatórios e normas relacionadas a princípios e valores.
Jurídico: identificação e interpretação de leis que impactem os
negócios.
Fonte: elaboração própria.
.
114 | Blenda Silva & Tássia Seixas

Dessa forma, uma estrutura de governança corporativa que considere


esses conceitos deve contemplar os principais componentes listados acima,
além da obrigatoriedade da divisão de tarefas entre as áreas, observando sem-
pre as questões de conflitos de interesses.

1.1 CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO

O conselho de administração, por sua vez, de forma estratégica, deve


patrocinar, supervisionar e avaliar a exposição aos riscos e a eficácia da sua
gestão, definir os valores e princípios éticos da organização e rever o siste-
ma de governança corporativa, incentivando a implementação do programa
de compliance, já que possui um papel fundamental na supervisão da direção
da empresa, como também no relacionamento entre executivos e acionistas,
além de monitorar a gestão e assegurar que os interesses da organização
como um todo prevaleçam.
A Lei n. 6.404/76, Lei das Sociedades por Ações, art. 142, dispõe que é
de competência do conselho de administração:

I - fixar a orientação geral dos negócios da companhia;

II - eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as atribui-


ções, observado o que a respeito dispuser o estatuto;

III - fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os


livros e papéis da companhia, solicitar informações sobre contratos cele-
brados ou em via de celebração, e quaisquer outros atos;

IV - convocar a assembleia-geral quando julgar conveniente, ou no caso


do artigo 132;

V - manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da dire-


toria;

VI - manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o estatu-


to assim o exigir;

VII - deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão de ações


ou de bônus de subscrição.

VIII – autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de


bens do ativo não circulante, a constituição de ônus reais e a prestação de
garantias a obrigações de terceiros;

IX - escolher e destituir os auditores independentes, se houver. (BRASIL,


2001).
Perspectiva em Compliance | 115

As práticas do conselho administrativo são determinantes para o funcio-


namento correto da estrutura e das boas práticas da governança corporativa.
Desta maneira, o papel do conselho de administração se torna imprescindível
para que um de seus quatro pilares seja cumprido: a transparência.

1.2 COMITÊ DE AUDITORIA

Com base no IBCG (2018), a existência de um comitê de auditoria é uma


boa prática para todo e qualquer tipo de organização, independentemente
de seu estágio do ciclo de vida. No entanto, não exime o conselho de admi-
nistração da responsabilidade plena sobre os assuntos tratados pelo comitê,
uma vez que este é um órgão de apoio do conselho. Na ausência do comitê de
auditoria, o próprio conselho de administração deve desempenhar as funções
que seriam do comitê.

1.3 AUDITORIA INTERNA

A auditoria interna, como importante apoiadora da estrutura de com-


pliance, é uma atividade independente, de avaliação objetiva de todo o proces-
so de governança e validações por meio de testes dos processos e controles,
sempre baseados no perfil de risco da instituição para agregar valor e melho-
rar as operações.
Com base no IBGC (2009), a auditoria interna, que pode ser própria
da instituição ou terceirizada, tem como responsabilidade monitorar, avaliar
e realizar recomendações, visando a aperfeiçoar os controles internos e as
normas e procedimentos estabelecidos pelos administradores. A alta dire-
ção como um todo é diretamente beneficiada pela melhoria do ambiente de
controle decorrente de uma atuação ativa da auditoria interna. Este órgão
deve perseguir a melhoria de processos e práticas para o aperfeiçoamento do
ambiente de controle, além de apontar as irregularidades.
A área de compliance deve acompanhar os planos de ação de apontamen-
tos da auditoria interna relacionados à conformidade, podendo levar em con-
ta os resultados dos trabalhos em sua avaliação do ambiente de compliance. O
programa de compliance deve estar no escopo de avaliação regular e periódica
da auditoria interna, devendo haver independência entre eles.
116 | Blenda Silva & Tássia Seixas

1.4 GERENCIAMENTO DE RISCOS

Para garantir foco nos aspectos mais relevantes, a abordagem baseada


em risco pressupõe que cada IF adote uma avaliação de risco de compliance de
acordo com seu modelo de negócios, apetite ao risco e ambiente regulatório
a que está sujeita, não existindo assim um modelo uniforme para todas as or-
ganizações. Identificar, avaliar e classificar esses riscos é um dos passos mais
importantes e fundamentais na criação de um programa sólido de compliance.
Por ser dinâmica, a análise de risco deve ser periodicamente revisada, sen-
do essencial classificar e avaliar adequadamente os riscos presentes, gerando
ações práticas de mitigação e controle.
As responsabilidades da gestão de risco são: identificar, medir, gerenciar
e controlar os riscos das instituições, com objetivo de acompanhar a aplica-
ção das normas, políticas e procedimentos de combate à fraude, corrupção e
combate à lavagem de dinheiro. Essa gestão é fundamental para a institui-
ção compreender os riscos assumidos, dimensionando-os e adequando-os aos
seus objetivos relacionados ao risco versus retorno de suas operações. As-
sim como acompanhar a estrutura de controles internos das instituições, por
meio de ferramentas como análise geral de riscos, gestão integrada de riscos,
controles e dicionários de riscos, avaliando a arquitetura de controles versus
os riscos (operacional, legal, de crédito, de mercado e outros) envolvidos na
operação (COIMBRA E MANZI, 2010).

1.5 CONTROLES INTERNOS

O sistema de controles internos define-se pela totalidade das políticas


e procedimentos instituídos pela administração de uma IF para assegurar
que os riscos inerentes a suas atividades sejam reconhecidos e administrados
adequadamente.
Segundo o Manual da Supervisão do Banco Central do Brasil (Bacen),
um elemento fundamental da abordagem prudencial observada pela supervi-
são é que as IFs devem ter controles internos adequados e efetivos. De fato,
a verificação da cobertura e eficácia destes controles, à luz das diretrizes em
vigor e das boas práticas geralmente aceitas, é uma parte significativa de
qualquer inspeção dos órgãos reguladores em uma IFs.
Consoante conceitos do Comitê de Supervisão Bancária da Basileia, o
Conselho Monetário Nacional editou a Resolução nº 2554/98, que dispõe so-
bre a necessidade de implantação e implementação de sistemas de controles
internos, estando definido ainda, no parágrafo 2º da norma, como responsa-
bilidades da alta administração:
Perspectiva em Compliance | 117

a. implantação e implementação de estrutura de controle interno efeti-


va mediante definição de atividades de controle a todos os níveis de negócios
da instituição;
b. o estabelecimento dos objetivos e procedimentos pertinentes aos
mesmos;
c. a verificação sistemática da adoção e do cumprimento dos procedi-
mentos definidos em função do disposto no inciso II, dessa forma.

Cabe salientar que os controles internos permeiam todas as operações


de uma IF. Assim, a adequada avaliação da cobertura e efetividade dos con-
troles internos só será completa quando da avaliação de exposição a riscos e
atendimentos normativos.
Em algumas Instituições, a área de controles internos pode ser respon-
sável por atividades de apoio relacionadas à função de compliance, a exemplo
da realização de testes de conformidade com leis e regulamentações. Nesses
casos, as responsabilidades de cada área devem estar claras e formalizadas,
devendo haver coordenação adequada para a realização das atividades e ava-
liação dos resultados.

1.6 COMPLIANCE

Guimarães (2018, p. 8), ao definir o termo compliance, assevera que é

[...] estar de acordo com a lei, normas, políticas e procedimento, com obje-
tivo de prevenir, detectar e punir atos ilegais e em desacordo com o código
de ética e conduta da empresa, através da implantação de um programa
de melhoria continua, preservando a reputação e a imagem da empresa, as
suas finanças, de maneira eficiente, segura e sustentável, mitigando os seus
riscos, combatendo a corrupção interna e externamente nas relações com
organizações públicas, privadas e a sociedade em geral.

A área de compliance atua sistemicamente para prevenção, detecção e res-


posta, por meio dos comitês e canal de denúncia, identificando, em conjunto
com a auditoria, atos de corrupção e suborno, fraudes, lavagem de dinheiro,
entre outros atos ilícitos e condutas indesejáveis. A materialização desses
riscos de compliance pode gerar recomendações de sanções, sobretudo as co-
metidas pela alta direção, que podem impactar não apenas na imagem, mas na
própria sustentabilidade da organização.
Nesse sentido, a área de compliance tem se tornado cada vez mais uma
atividade também consultiva, dando suporte aos objetivos estratégicos e fa-
zendo parte da missão, visão, valores, cultura e gerenciamento de riscos das
118 | Blenda Silva & Tássia Seixas

IFs. Riscos estes de sanções legais ou regulatórias, de perda financeira ou de


reputação que uma IF pode sofrer como resultado da falha no cumprimento
da aplicação de leis, regulamentos, código de conduta e das boas práticas do
mercado.
A Resolução n° 4595/2017 do Bacen dispõe sobre a política de con-
formidade (compliance) das IFs e demais instituições autorizadas a funcionar
pelo Banco Central do Brasil. As instituições devem implementar e manter
o porte, a complexidade, a estrutura, o perfil de risco e o modelo de negócio,
de forma a assegurar a efetiva gestão do risco de conformidade. Assim, a
alta administração tem caráter essencial, determinante e indispensável para
a eficiência, credibilidade e total apoio do programa, e deve estabelecer as
diretrizes da atividade de compliance e disponibilizar os recursos necessários,
além de disseminar a cultura de compliance pelo exemplo.
Numa visão sistêmica, a estrutura de compliance deve ser estabelecida
com base em uma avaliação específica sobre as características da organização
e diagnóstico dos riscos. É essencial a existência de uma estrutura organi-
zacional bem definida, com atribuição de papéis e responsabilidades, assegu-
rando independência e a adequada segregação das funções, seja por meio de
uma área específica, seja de representantes de compliance em áreas específicas.
É recomendável um comitê de compliance para orientar quanto à gestão do
programa, análise das denúncias e manutenção dos processos de evolução
e amadurecimento do compliance na organização, contribuindo para o esta-
belecimento de normas, políticas de prevenção conectadas a mecanismos de
detecção e respostas, e ainda dispor de uma ferramenta que possibilite relatos
de irregularidades como um canal de denúncias que permite a identificação e
atuação sobre suas vulnerabilidades e riscos do negócio.
O profissional de compliance deve fornecer à alta administração dados
sobre a gestão do risco de compliance, e cabe destacar que cada colaborador,
independentemente do nível hierárquico ou tipo de contrato de trabalho/
serviço que presta à organização, deve estar comprometido com a prática e a
disseminação da cultura de compliance.

1.6.1 Compliance e principais competências do conselho de administração

O conselho de administração, quando existente, deve apoiar a implan-


tação e o funcionamento independente da função de compliance, assim como
sujeitar-se às rotinas e aos procedimentos inerentes. É responsável por acom-
panhar a gestão do risco de compliance da IF, devendo aprovar a política de
compliance, de acordo com regulamentação vigente, garantindo a comunica-
Perspectiva em Compliance | 119

ção da política de compliance da Instituição a todos os colaboradores e presta-


dores de serviços, bem como disseminação de padrões de integridade e con-
duta ética como parte da cultura; assegurar adequada gestão, efetividade e
continuidade do programa; garantir que a alta administração, com apoio da
função de compliance, implemente medidas corretivas para não conformidades
identificadas; prover os meios necessários para que as atividades relacionadas
à função de compliance sejam exercidas adequadamente, incluindo pessoas em
quantidade, capacitação e experiência suficientes; avaliar periodicamente a
efetividade da gestão do risco de compliance.
Na inexistência do conselho de administração, suas responsabilidades
devem ser incorporadas pela alta administração. Ambos permanecem res-
ponsáveis pela conformidade e efetividade de possível terceirização da função
de compliance.

1.6.2 Compliance e responsabilidades da alta direção das IFs

É função da alta administração: nomeação de oficial de compliance;


estruturar a função de compliance de forma independente e autônoma com
adequada segregação de função para evitar conflitos de interesse; assegurar
a isenta busca da conformidade por meio de ações corretivas/preventivas,
sendo munida com informações relevantes; disponibilizar recursos
necessários; disseminar a cultura de compliance pelo exemplo (tone at the
top); implementar sistema de controle interno adequado ao risco dos seus
negócios, para proporcionar segurança operacional e maior confiabilidade do
mercado; designar oficiais de compliance devendo provê-los de uma adequada
estrutura administrativa de apoio a fim de assegurar a funcionalidade da
função.

1.6.3 Responsabilidades gerais da área de compliance

Visando aos controles internos, a função compliance possui as seguintes


aplicabilidades:
120 | Blenda Silva & Tássia Seixas
Tabela 2: Aplicabilidade da função compliance:
Perante órgãos de controle Gerais
Leis – certificar-se da aderência e do Disseminar com todos os seus
cumprimento. públicos: sócios, administradores,
colaboradores e parceiros de
negócios os princípios, diretrizes e
condutas estabelecidos no código
de conduta.
Princípios éticos e de normas de conduta – Administrar o relacionamento
assegurar-se da existência e observância. com agentes reguladores e de
supervisão.
Regulamentos e normas – assegurar-se da Proteger a reputação da empresa,
implementação, aderência e atualização. mantendo a confiança dos seus
stakeholders.
Procedimento e controles internos – assegurar- Difundir elevados padrões de
se da existência de procedimentos associados integridade e valores éticos,
aos processos. através da disseminação de cultura
que aborde a importância da
conformidade em suas empresas
controladas e/ou coligadas.
Sistema de informações – assegurar-se da Atendimento e acompanhamento
implementação e funcionalidade. de auditorias internas e externas.
Segregação de funções – assegurar-se da Assegurar à área de compliance uma
adequada implementação da segregação de gestão independente e autônoma,
funções nas atividades da instituição, a fim de como função segregada, de modo a
evitar o conflito de interesse. garantir a isenção e imparcialidade
em todas as suas atuações.
Plano de contingência – assegurar-se da Garantir recursos (materiais e
implementação e efetividade por meio de humanos) mínimos necessários ao
acompanhamento de testes periódicos. bom desempenho de sua função.
Prevenção à lavagem de dinheiro – fomentar a Assegurar pleno acesso a qualquer
cultura de prevenção através de treinamentos informação, provocando ou
específicos. acompanhando investigações
quando a área de compliance
considerar necessário.
Cultura de controles – fomentar a cultura de Garantir que todas as unidades
controles em conjunto com os demais pilares de negócio estejam operando em
do sistema de controles internos na busca conformidade com as leis, normas
incessante da sua conformidade. emitidas pelos órgãos reguladores,
diretrizes e políticas estabelecidas
pela empresa.
Perspectiva em Compliance | 121

Relatório do sistema de controles internos Deliberar sobre questões que


(gestão de compliance) – avaliação dos riscos e possam afetar a “performance”
dos controles internos – elaborar ou certificar- dos controles internos, incluindo
se da elaboração do referido relatório com base necessidades de treinamento,
nas informações obtidas junto a diversas áreas envolvendo aspecto: conceitual,
da instituição, visando apresentar a situação operacional e comportamental.
qualitativa do sistema de controles internos em Acompanhar com o setor
atendimento à Resolução n.º 2554/98. responsável novas regulamentações
nos órgãos competentes a fim
de manter as áreas da empresa
atualizadas.
Relações com órgãos reguladores e fiscalizadores Propor que toda a empresa, os
– assegurar-se de que todos os itens requeridos membros da diretoria, gerentes,
pelos reguladores sejam prontamente colaboradores, prestadores e
atendidos por toda IF assertivamente e com parceiros, ajam de acordo com os
representatividade e fidedignidade. melhores interesses dos nossos
clientes e com integridade em
relação ao mercado.
Participar ativamente do desenvolvimento de Descrever, avaliar e revisar as
políticas internas, que previnam problemas políticas/ procedimentos das áreas
futuros de não conformidade e a regulamentação com vistas a minimizar riscos
aplicável a cada negócio. operacionais, inclusive, mas não se
limitando aos riscos de corrupção.
Relações com auditores internos e externos Assegurar, aos integrantes da área
– assegurar-se de que todos os itens de auditoria de compliance, a confidencialidade
relacionados a não conformidade com as leis, no exercício da função, segregação
regulamentações e políticas da instituição de funções e separação de
financeira sejam prontamente atendidos e responsabilidades orientando o
corrigidos pelas várias áreas da IF. controle das atividades para evitar
– Manter a sinergia entre as áreas de auditoria o conflito de interesse.
interna, auditores externos e compliance. Prestar suporte técnico e de
pesquisa (participação de comitês)
para as diversas áreas da empresa.
Relações com associações de Classe e Fomentar a cultura de prevenção
importantes participantes do mercado para à lavagem de dinheiro e lei
promover a profissionalização da função e anticorrupção.
auxiliar na criação de mecanismos renovados Monitorar o cumprimento
de revisão de regras do mercado, legislação e das políticas, regras, normas,
regulamentação pertinentes em linha com a procedimentos e legislação que
necessidade dos negócios, visando a integridade regulam os negócios, auxiliando na
e credibilidade do sistema financeiro. sua implementação, assegurando
sempre a preservação da imagem
da empresa perante o mercado de
modo geral.
Fonte: Tabela elaborada pelas autoras, com base nos dados disponíveis em: http://www.
abbi.com.br/funcaodecompliance.html.
122 | Blenda Silva & Tássia Seixas

Altamente reguladas, as IFs em operação nacional, historicamente já


são obrigadas a observar aspectos gerais de compliance, conforme Tabela 2
acima. Nos últimos anos, o BC e o CMN vêm reforçando o arcabouço regu-
latório que disciplina a governança corporativa para assegurar a solidez e a
eficiência do SFN. É importante destacar que no setor financeiro a função de
compliance exige conhecimento regulatório vasto nas operações, e o não cum-
primento e acompanhamento dos regulamentos podem trazer consequências
reputacionais e prejuízos financeiros.

1.7 COMPLIANCE E ÁREA JURÍDICA

A área jurídica faz parte da primeira linha de defesa, e o compliance, da se-


gunda. Embora, em algumas instituições, compliance e jurídico possam estar
subordinados à mesma estrutura organizacional, a área de compliance deve ter
garantida sua independência de atuação.
A área jurídica de uma organização responde à área de gestão, em alguns
casos ao diretor administrativo ou ao presidente da empresa e não detém, em
regra, a independência e a neutralidade necessárias ao exercício da função de
compliance.
O jurídico orienta sobre a maneira legal pela qual o negócio pode ser
conduzido, dentro do arcabouço regulatório em que a atividade se desenvol-
ve. O compliance assume uma posição bem mais conservadora e deve posi-
cionar-se pela observância de normas, políticas e temas que são aderentes a
aspectos éticos e de conduta da instituição. Neste contexto, é fundamental o
apoio entre as áreas atuando em parceria.

2 ÓRGÃOS REGULADORES, AUTORREGULADORES E ASSOCIAÇÕES


DE CLASSE

Quando da publicação de normativos pelos órgãos reguladores, a área de


compliance avalia a aplicabilidade e quais áreas devem ser envolvidas no pro-
cesso de análise das providências necessárias para atender ao requerimento e
logo após divulga o normativo internamente na organização.
De maneira proativa, para tornar o processo efetivo, o compliance orga-
niza reuniões com cada área, a fim de debater os normativos quanto a sua
aplicabilidade, escopo de trabalho, análise de impacto, riscos, plano para cum-
primento, prazos exigidos pelo regulador, necessidade de criação de políticas,
entre outros. Ao final das reuniões, estão definidos os planos e possibilidades
para atendimento, cronograma para retorno de posicionamento ao compliance
compatível com a data exigida pelo regulador, incumbência de cada área etc.
Perspectiva em Compliance | 123

O cronograma é estabelecido de maneira que haja visibilidade de todas as


etapas a serem cumpridas e seus respectivos prazos.
O regulador e o autorregulador precisam perceber que há uma vontade
real da instituição de estar em conformidade, e que esse desejo não é somente
da área de compliance em si, mas também da alta administração e, consequen-
temente, de todo o corpo funcional da instituição.
No caso do mercado financeiro brasileiro, os órgãos reguladores são:
Banco Central do Brasil (Bacen), Comissão de Valores Mobiliários (CVM),
Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) e Supe-
rintendência de Seguros Privados (Susep). Os órgãos autorreguladores são:
BM&FBovespa Supervisão de Mercados (BSM), Balcão Organizado de Ati-
vos e Derivativos (CETIP), Associação Brasileira das Entidades dos Merca-
dos Financeiros e de Capitais (Anbima) e Associação dos Analistas e Profis-
sionais de Investimentos do Mercado de Capitais (Apimec). Adicionalmente,
no caso das IFs públicas ou de economia mista, existe a necessidade de aten-
der, além de outros órgãos, principalmente a Controladoria-Geral da União
(CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As IFs são organizações que têm missão e propósito definido, explícito


ou não, que, por trabalharem com recursos, atuam em um mercado em que
as variáveis de risco dos negócios apresentam grande volatilidade, portan-
to precisam ser gerenciadas para atingir expectativas desejadas. Esta gestão
deve ocorrer com base nos riscos da atividade para eficiência e eficácia da
organização. Os controles internos que, são pontos de detecção dessas amea-
ças ou oportunidades, viabilizam a gestão dos riscos, visando a mitigá-los e a
aumentar as chances de atingir os objetivos pretendidos.
Considerando esse cenário, os órgãos reguladores têm se tornado mais
incisivos com as regulamentações para a gestão de riscos, exigindo que as
instituições sejam capazes de identificar, checar, medir, validar, criar mecanis-
mos de controles aperfeiçoados que possam minimizar os riscos próprios dos
seus processos de negócios, como práticas de combate à lavagem de dinheiro
e financiamento do terrorismo quando da utilização de produtos e serviços
oferecidos.
Nesse contexto, torna-se cada vez mais evidente a necessidade de imple-
mentação de programa de compliance nas IFs, a fim de cumprir com as regula-
mentações necessárias e diretrizes exigidas, através de práticas saudáveis de
controles e gestão de riscos, corroborando para o fortalecimento da postura
124 | Blenda Silva & Tássia Seixas

ética, disseminação de cultura de controle, além de ações objetivas na oferta


de produtos e serviços.
Considerando recentes notícias veiculadas, as fraudes financeiras via in-
ternet e correios eletrônicos têm cada vez mais se especializado, tornando a
tecnologia um pilar fundamental para o desenvolvimento de um bom pro-
grama de compliance. Por isso, uma das grandes tendências e desafios nessa
área é direcionar parte dos recursos no aperfeiçoamento de novas tecnolo-
gias para obter um sistema de melhor desempenho, que automatize parte das
atividades, como verificação de antecedentes, monitoramento de controles e
processos, entre outros. Dessa maneira, as chances de que alguma atividade
ilícita seja despercebida são minimizadas, otimizando tempo e reduzindo cus-
tos através das soluções tecnológicas e inovadoras.
Portanto, atingir o objetivo de assegurar e proporcionar segurança para
a eficácia das operações em IFs, gerando maior confiança nos investidores,
credibilidade, competitividade, valor agregado, viabilidade de dados e confor-
midade com leis e regulamentos requer considerar como pilar fundamental
da governança implementar um programa de compliance eficaz na busca pela
sustentabilidade dos negócios. Embora seja o de maior importância, a prática
é a exploração concomitante dos demais pilares, uma vez que se complemen-
tam e se fortalecem.
Essa recomendação, advinda tanto da Lei n° 12.846/2013 (Lei An-
ticorrupção Empresarial) quanto das Resoluções Bacen nº 2.554/98 e nº
4.595/2017, constitui-se num enorme avanço, pois colabora de maneira sig-
nificativa para minimizar os riscos a que se encontram sujeitas às IFs, ser-
vindo de impulsionadores para a adoção de uma postura mais ética, impondo
medidas que poderão inibir atos de corrupção, fraudes e ilícitos, a exemplo
de suborno e lavagem de dinheiro.
Na prática, o fortalecimento das estruturas de governança das IFs vem
ocorrendo devido a todo o arcabouço de regras existentes, somado ao acom-
panhamento tempestivo e intensificado das autoridades reguladoras do setor.
Em grande parte, essa condição é suficiente para prever uma estrutura de
governança sólida, que contribui para a diminuição de riscos e o estabeleci-
mento de confiança por parte do mercado. Para tanto, é primordial a existên-
cia de um ambiente de controle adequadamente desenhado, construído sob o
guarda-chuva de um modelo de governança ético, transparente e constante-
mente monitorado.
Neste sentido, as IFs devem, de fato, formalizar, promover e executar os
programas de compliance, de modo que estes possam ser usados como ferra-
mentas capazes de ajudar a evitar ou minimizar riscos do próprio negócio,
ou seja, os programas devem não apenas constar em manuais de controles
Perspectiva em Compliance | 125

internos, mas também existirem para que as pessoas jurídicas possam, antes
de negociar, conhecer os parâmetros e as regras a serem seguidas.

REFERÊNCIAS

BONOTO, Pietro. Trabalho de conclusão de curso: as fraudes contábeis da


Enron e WorldCom e seus efeitos nos Estados unidos. 2010. Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul – Faculdade de Ciências Econômicas – FCE, De-
partamento de Ciências Contábeis e Atuarias (Curso de Ciências Contábeis).
Porto Alegre, 2010.
ANDRADE, A.; ROSSETTI, J. P. Governança corporativa: fundamentos, de-
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República, Casa Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
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__________. Resolução Bacen nº 4595, de 28 de agosto de 2017. Política de
conformidade (compliance) das instituições financeiras. Disponível em: ht-
tps://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadNormativo.asp?ar-
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em: 2 abr. 2020.
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das Melhores Práticas
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Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Análises & tendências. 4. ed.
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COIMBRA, Marcelo de A.; MANZI, Vanessa A. (Orgs.). Manual de complian-
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GUIMARÃES, José. Apostila 1, MCE 2, CO – TP1 Compliance, Governança e
Riscos. Salvador, 2018.
10
SISTEMA DE COMPLIANCE NO SETOR
DA SAÚDE: REQUISITOS BÁSICOS PARA A
IMPLANTAÇÃO

Viviane Cardoso Lacerda Pacheco18

O artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU


(1948) anuncia que “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz
de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar”. A Constituição da Repú-
blica Federativa do Brasil (1988), no artigo 196, concretizando este princípio
universal, estabelece a saúde como “um direito de todos e dever do Estado”.
Por consequência, todos têm direito de acesso à saúde no Brasil.
Precipuamente, a finalidade das organizações hospitalares é tutelar a
vida, a saúde e a integridade física, direitos fundamentais constitucionalmen-
te protegidos. Assim, para alcançar este propósito e manter a relação de con-
fiança entre o prestador e o tomador de serviço, elas devem mitigar riscos das
atividades profissionais e evitar atos de não conformidade.

18 Advogada graduada em Direito pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC).


Especialização em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela Estácio. Graduanda
em Compliance, Governanças e Riscos pela Faculdade Baiana de Direito. Enfermeira
graduada pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL). MBA em Auditoria em
Serviços de Saúde pela IBPEX. Especialista em UTI pela Universidade Castelo Branco.
Auditora líder ATSG e WCA- ISO 19600 e 37001. Autora do Livro Compliance em
perspectiva. E-mail: vivianeclacerda@hotmail.com.
126
Perspectiva em Compliance | 127

Esta pesquisa detém seu olhar ao comentado tema – efetividade do siste-


ma de compliance –, especificamente no setor da saúde. Dessa forma, descreve-
rá os requisitos imprescindíveis para sua implantação, tais como: comprome-
timento e apoio da alta administração; instância responsável; análise, avalia-
ção e gestão de riscos, e monitoramento contínuo dos atributos do programa.
O termo compliance significa agir de acordo com as normas, portanto
visa a assegurar a atuação da organização em conformidade com os preceitos
do ordenamento jurídico e das boas práticas de governança corporativa.
O estudo se mostra relevante ante os escândalos de corrupção no Brasil,
problema sistêmico do mundo inteiro que atinge diretamente o bem-estar
dos cidadãos ao diminuir investimentos na educação, na segurança, na saúde.
Ademais, o enrijecimento no cenário pátrio e internacional das sanções às
práticas de suborno, a exemplo da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção),
estabelece a responsabilização objetiva, civil e administrativa das pessoas ju-
rídicas por ilícitos desta natureza. Dessa maneira, a existência dos mecanis-
mos de compliance é ferramenta de grande valia nessa luta.
O sistema de compliance mostra-se como mecanismo eficiente a partir
do momento em que a instituição visa a prevenir transgressões no ambiente
hospitalar, agregar valor e proporcionar benefícios tanto para os empregados
quanto para os empregadores. Assim, os resultados ocasionados com sua im-
plantação são: transparência, economicidade, mudança cultural e comporta-
mental, melhoria do clima organizacional, aumento na reputação da empresa,
qualidade de assistência aos pacientes, diminuição da prática de atos ilícitos e
de transgressões das condutas éticas.
Nesse sentido, cumprir os requisitos do sistema de compliance facilita
a demonstração de cuidado e respeito das organizações de saúde com seus
clientes, além de construir um relacionamento baseado na confiança.

1 CONCEITOS

Atualmente, o conceito de compliance vem expandindo-se, de modo que


o seu campo de atuação vai muito além da esfera penal, atingindo diversas
áreas jurídicas e não jurídicas, não se limitando ao simples atendimento rigo-
roso à legislação, uma vez que passou a buscar não somente o cumprimento
da lei, mas também a consonância com os princípios da empresa, alcançando
a moral, a ética e a transparência na condução dos negócios e em todas as
atitudes dos colaboradores (GIOVANINI, 2014).
A corrupção e a fraude são situações difíceis de serem detectadas na área da
saúde, sobretudo em razão da complexidade de sua cadeia produtiva, pluralidade
de atores e segmentos envolvidos.
128 | Viviane Cardoso Lacerda Pacheco

De acordo com o entendimento de Coimbra & Manzi (2010), compliance


é o dever de cumprir e estar em conformidade com diretrizes estabelecidas
na legislação, normas e procedimentos determinados interna e externamente
para uma empresa, de forma a mitigar riscos relacionados à reputação e aos
aspectos regulatórios da empresa.
Numa tradução livre, o termo compliance advém do verbo inglês to comply
e significa fazer o que é certo, agir de acordo com a legislação.
Segundo Cunha (2007), compliance é um conceito jurídico indetermina-
do, ele será, para fins práticos do presente estudo, tratado como um conjunto
de mecanismos adotados por uma empresa privada para estímulo da boa-fé
e lealdade nas relações, bem como o controle e mapeamento de riscos e esta-
belecimento de parâmetros éticos internos, de modo a prevenir, identificar e
remediar ilícitos, principalmente as manifestações da já mencionada corrup-
ção corporativa.
Por esse motivo, faz-se pertinente transcrever o conceito do “programa
de integridade” adotado pelo Decreto nº 8.420/2015, que regulamentou a
Lei 12.846/13:

Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade


consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, programas de integridade são
o conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, au-
ditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, bem como a aplicação
efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes que tenham
por objetivo detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilí-
citos praticados contra a administração pública nacional ou estrangeira.
(BRASIL, 2015).

Esse é o sistema de compliance previsto na Lei Anticorrupção do ordena-


mento jurídico brasileiro. Assim, a sua efetiva existência gera um elemento
atenuador da aplicação de sanções penais contra empresas e organizações
privadas que contratem com a Administração Pública.
Note-se que a definição contida no dispositivo faz referência expressa a
um sistema que “efetivamente” previna, detecte e remedeie práticas de ilícitos
contra a administração.
Em virtude dos fatos mencionados, observa-se a necessidade da implan-
tação do programa efetivo de compliance em todos os setores, especialmente
na saúde, a fim de realizar ações de prevenção e combate à corrupção e outras
fraudes, evitando-se também encargos substanciais com prováveis processos
administrativos e ou judiciais.
Biderman e Avelino (2013) descrevem a complexa situação das institui-
ções de saúde no que tange “[...] aos diversos atores envolvidos durante o
processo de adoecimento, a exemplo dos: pacientes, profissionais de saúde,
Perspectiva em Compliance | 129

governo, indústria, distribuidores, planos e sistemas de saúde, hospitais e clí-


nicas, fornecedores e terceiros”.
O âmbito da saúde revela-se bastante vulnerável a atos ilícitos, pois é
acompanhado de incertezas: não existe a previsão de quem, quando e onde irá
adoecer, nem de qual será o profissional responsável pelo tratamento.

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO COMPLIANCE NA SAÚDE

A origem deste instituto é norte-americana. Preliminarmente, mencio-


nase o Office of the Inspector General (OIG), inaugurado em 1976, órgão res-
ponsável por investigar de fraudes na saúde e descrever requisitos ideais de
efetividade do programa neste setor.
Em 1977 foi promulgado o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), lei que
objetiva punir suborno transfronteiriços a agentes públicos estrangeiros, evi-
tar a corrupção do território norte-americano, além de regular as relações
comerciais de empresas americanas com Estados estrangeiros.
Seguindo-se a isso, em 1906 houve a publicação da Pure Food and Drugs
Act, legislação responsável por criar as Agências Reguladoras da Saúde – A
Food and Drugs Administration (FDA). Estas são competentes para prote-
ger e promover a saúde pública, bem como regular as atividades relacionadas
à indústria de alimentos, medicamentos e cosméticos.
Importante destacar o ano de 1991, considerado marco da publicação
dos primeiros parâmetros necessários para a implantação do programa de
compliance corporativo do EUA, o U.S. Federal Sentencing Guideline. Este ma-
nual prevê justa punição para a instituição e seus agentes, além destacar os
pilares do compliance, quais sejam: a prevenção, detecção e punição de condu-
tas criminosas.
Ademais, o Department of Health and Human Services Office of Inspector
General (HHS EIG) visa a velar a integridade dos programas de saúde, além
de elencar os elementos necessários para a implantação dos programas de
compliance abaixo enumerados:

1. Implementar políticas escritas de conformidade, procedimentos e pa-


drões de conduta; 2. Designar um compliance officer e um comitê de
compliance, que serão responsáveis pelo monitoramento; 3. Conduzir
treinamentos e educação eficazes sobre as políticas de conformidade, pro-
cedimentos e padrões de conduta; 4. Desenvolver linhas de comunicação
eficazes e permitir mecanismos de denúncia anônima; 5. Realizar monito-
ramento interno e auditorias periódicas; 6. Reforçar os padrões de conduta
para os funcionários por meio de diretrizes disciplinares bem divulgadas;
7. Responder prontamente a detecção de ofensas e desenvolver planos de
ação corretiva. (FEDERAL SENTENCING GUIDELINE, 1991).
130 | Viviane Cardoso Lacerda Pacheco

Por conseguinte, o sistema de compliance no setor da saúde deve ser com-


posto por sete pilares. Percebe-se a coincidência destes com os que foram
inicialmente previstos para o compliance corporativo e publicados pelo U.S.
Federal Sentencing Guideline.
Posteriormente, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) no ano de 2010 publicou o Good Practice Guidance on
Internal Controls, Ethics and Compliance (Guia de Boas Práticas da OCDE),
composto pelos requisitos necessários para comprovar a efetividade do pro-
grama de compliance.
Ainda convém lembrar os Principles of Federal Prosecution of Business
Organizations, normas que auxiliam os procuradores do DOJ na tomada de
decisão contra as corporações e levam em consideração os seguintes fatores:

(i) a natureza e gravidade da violação; (ii) a extensão da prática irregular


dentro da empresa (incluindo a conivência ou omissão da administração
da empresa); (iii) o histórico de violações semelhantes; (iv) a cooperação da
empresa com as autoridades na investigação da violação; (v) a existência
prévia de um programa de compliance e sua efetividade; e (vi) os esforços
e medidas para corrigir falhas, incluindo os esforços para a implementação
de programa de compliance (ou a melhoria de um programa de compliance
existente) e medidas disciplinares contra a administração ou empregados
envolvidos na violação. (WILKINSON & OH,2009).

No Brasil, a Lei nº 12.846/2013, que entrou em vigor em 2013 e é conhe-


cida como Lei Anticorrupção, regulamentada pelo Decreto nº 8.420/2015,
foi responsável por criar o programa de integridade, marco regulatório do
compliance no Brasil.
O decreto traz expressamente o termo integridade segundo a OCDE
(2019). Integridade significa uma pedra fundamental da boa governança,
condição para que todas as outras atividades do governo não só tenham con-
fiança e legitimidade, mas também sejam efetivas. E complementa, afirman-
do que “promover a integridade e a prevenção à corrupção é essencial não
só para preservar a credibilidade das instituições públicas em suas decisões,
mas também para assegurar um campo propício para os negócios privados”
(OCDE, 2019).
Em consequência, com a Lei n. 12.846/13, iniciaram-se as investigações
da Operação Lava Jato e, concomitante, a descoberta de fraudes e muitos es-
cândalos também ocorriam no âmbito da saúde, a exemplo da Máfia das Pró-
teses, que envolvia médicos corruptos, responsáveis por superfaturar o preço
de próteses, realizar cirurgias sem necessidade, além de utilizar produtos de
baixa qualidade em pacientes.
Perspectiva em Compliance | 131

Nesse cenário e com o objetivo de uniformizar a avaliação dos progra-


mas de compliance, a Controladoria-Geral da União (CGU) publicou a Porta-
ria nº 909, de 2015, com requisitos a seguir expostos:

Inicialmente, a empresa deverá comprovar que o programa de integridade


foi construído de acordo com o seu tamanho, perfil de atuação e posicio-
namento no mercado. Também deverá ficar comprovado o histórico de
aplicação do programa com resultados alcançados anteriormente na pre-
venção de atos lesivos. A terceira linha de avaliação será a demonstração
de que o programa foi aplicado no próprio ato lesivo em questão, tendo
funcionado como prevenção contra um dano maior ou na reparação do
prejuízo causado. (OLIVEIRA, 2017).

Da mesma forma, é importante destacar o Acordo Setorial de Dispositi-


vos Médicos (2014). Hoje denominado Instituto Ética Saúde, possui escopo
de criar e publicar normativas sobre regras de governança, procedimentos e
de compliance aplicáveis ao setor de saúde. Além disso, visa a descrever polí-
ticas e procedimentos sobre as interações entre os profissionais da saúde, os
importadores, os distribuidores e os fabricantes de dispositivos médicos.
Certamente, toda legislação sobre compliance deve ser observada no mo-
mento de implantação dele no sistema de saúde. Em vista dos argumentos
apresentados, faz-se imperioso informarmos a tramitação de projetos de lei
do Congresso Nacional Brasileiro, quais sejam: o Projeto de Lei da Câma-
ra dos Deputados nº 2452/201519 e o Projeto de Lei do Senado Federal nº
225/201220, uma vez que ambos preveem o combate das ilegalidades prati-
cadas na área da saúde.

3 REQUISITOS DE UM SISTEMA DE COMPLIANCE

Inicialmente, convém esclarecer que este artigo não tem o objetivo de


esgotar o tema. Ele apenas trará uma abordagem prática do programa de
compliance, objetivando melhor visualização de sua aplicação no segmento da
saúde.

19 Projeto de Lei nº 2452/2015: Criminaliza as condutas perpetradas pela “Máfia das


Órteses e Próteses”.
20 Projeto de Lei nº 225/2012: Altera a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, que
dispõe sobre os Conselhos de Medicina, e dá outras providências, para tornar obrigatória
a inserção, no Código de Ética Médica, de disposições para proibir os médicos e as
sociedades médicas de receberem quaisquer tipos de incentivos dos setores da indústria
e do comércio de produtos para a saúde, de forma a garantir a autonomia profissional na
prescrição ou indicação desses produtos.
132 | Viviane Cardoso Lacerda Pacheco

De acordo com a CGU (2018), um programa de integridade é o conjunto


de medidas e ações institucionais voltadas à prevenção, detecção, punição e
remediação de fraudes e atos de corrupção.
Ademais, a partir da análise dos elementos de implantação, torna-se pos-
sível verificar convergências e traçar aspectos centrais que o programa de
compliance efetivo deve conter, sob pena de este tornar-se sem efeito, isto é,
um mero “programa de papel” ou “programa de prateleira”. Além disso, para
ter o benefício de atenuação das penalidades previstas na Lei Anticorrupção e
nos mencionados diplomas estrangeiros, ele deve ser adequado e real.
A Associação de Tecnologia Médica Avançada (ADVAMED) disponibi-
liza guia para uniformizar a criação de programas de integridade (compliance)
nas instituições médicas, com foco nos seguintes aspectos: (a) criar políticas e
procedimentos escritos; (b) dispor de um responsável pelo departamento de
compliance e de um comitê de ética; (c) dispor de um programa de treinamento
e educação efetivos; (d) ter linhas de comunicação efetivas; (e) conduzir audi-
torias internas; (f) fazer cumprir as normas por meio dos parâmetros disci-
plinares divulgados; (g) responder prontamente aos problemas detectados e
adotar medidas corretivas.
Convém ainda citar a Instrução Normativa nº 02, do Instituto Ética Saú-
de (2016), que estabelece requisitos básicos do programa de compliance na
saúde, a seguir expostos:

I. Comprometimento da liderança e política anticorrupção; II. Implemen-


tação de políticas e procedimentos por escrito; III. Designação de um res-
ponsável pela de integridade da empresa; IV. Realização de programa de
treinamento e educação eficaz; V. Manutenção de registros escritos que
comprovem a divulgação e o treinamento do programa de integridade; VI.
Criação de um Comitê de Ética interno da empresa, independente e autô-
nomo; VII. Desenvolvimento de plano de comunicação; VIII. Implemen-
tação de padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de
integridade; IX. Adoção de padrões de conduta, código de ética e políticas
de integridade; X. Realização de avaliações de risco, monitoramento e au-
ditorias internas XI. Desenvolvimento de padrões de execução do pro-
grama; XII. Tomada de ação rápida quando problemas forem detectados
e a realização de ações corretivas e/ou sanções disciplinares; XIII. Reali-
zação (due diligence) em suas relações com terceiros; XIV. Implementação
de canal de denúncias; XV. Auditorias e monitoramentos internos; XVI.
Adoção de medidas disciplinares; XVII. Implementação de procedimentos
de punição, desenvolvimento de procedimentos específicos para prevenir
fraudes.

A CGU liberou em 2018 um guia para implantação de programas de


integridade na Administração Pública Federal, mais especificamente nos ar-
tigos 19 e 20 do Decreto nº 9.203/2017. Assim, as organizações devem estru-
Perspectiva em Compliance | 133

turar os seus programas nos seguintes eixos: I - comprometimento e apoio


da alta administração; II – existência de unidade responsável pela implanta-
ção no órgão ou na entidade; III – análise, avaliação e gestão dos riscos asso-
ciados ao tema da integridade, e IV – monitoramento contínuo dos atributos
do programa de integridade.
A CGU (2018) informa que para a estruturação do programa de inte-
gridade a primeira medida será a designação de uma Unidade de Gestão da
Integridade. Em seguida, o órgão/entidade deverá aprovar seu Plano de In-
tegridade e tal fase será composta pelas seguintes etapas: (i) levantamento da
situação das unidades de integridade e, caso necessário, estabelecimento de
medidas para sua criação ou fortalecimento; (ii) levantamento de riscos para
a integridade e estabelecimento de medidas de tratamento; (iii) elaboração e
aprovação do Plano de Integridade.
A seguir detalharemos os quatro eixos/requisitos do programa de inte-
gridade/compliance previsto pela CGU, por ser o mais utilizado pelas organi-
zações hospitalares no Brasil.

3.1 COMPROMETIMENTO E APOIO DA ALTA ADMINISTRAÇÃO

O termo “suporte da alta administração” vem da expressão em inglês


tone from the top, isto é, a eficiência do programa do compliance depende, ne-
cessariamente, do apoio e do encorajamento pessoal na alta administração da
empresa (GIOVANNI, 2014).
O tone from the top, condição indispensável, significa que o exemplo vem
de cima. Assim, o tom deve ser o da alta direção, uma vez que, quando existe
o compromisso desta, consequentemente todos os colaboradores, de todos os
níveis hierárquicos, terão o compromisso e disseminarão a cultura do com-
pliance.
Outro fator importante revela-se no elevado nível hierárquico dos pro-
fissionais incumbidos do programa de compliance, para permitir suficiente
independência e autonomia na tomada de decisões, na elaboração dos pro-
cedimentos, do código de ética e conduta da empresa, até porque os altos
empregados também deverão respeitar as diretrizes do compliance, razão pela
qual a comissão deve ter livre acesso aos mais elevados órgãos de governança
da empresa (MAEDA, 2013).
As lideranças ocupam naturalmente uma posição de destaque, sendo
alvo de atenção dos colaboradores, os quais geralmente reproduzem os atos
dos líderes, seja por admiração, lealdade, respeito, seja por qualquer outro
motivo. São exemplos de comprometimento da alta direção:
134 | Viviane Cardoso Lacerda Pacheco
• Patrocinar o programa de integridade perante o público interno e exter-
no, ressaltando sua importância para a organização e solicitando o com-
prometimento de todos os colaboradores e partes interessadas; • Partici-
par ou manifestar apoio em todas as fases e implementação do programa;
• Adotar postura ética exemplar e solicitar que todos os colaboradores do
órgão ou entidade também o façam; • Aprovar e supervisionar as políticas
e medidas de integridade, destacando recursos humanos e materiais sufi-
cientes para seu desenvolvimento e implementação. (CGU, 2018).

Para tanto, a cultura organizacional permeia todos os valores de uma


empresa e de quem nela atua. Portanto, as instituições devem promover o seu
crescimento, o qual deve ser baseado em condutas éticas e na legislação em
vigor. A cultura e o suporte da alta administração serão fatores fundamentais
para o sucesso e a efetividade do programa de compliance.

3.2 INSTÂNCIA RESPONSÁVEL

Outro eixo extremamente importante para que haja um desenvolvimen-


to adequado do programa de integridade é a existência da instância respon-
sável. Esta poderá ser representada por: unidade, grupo, pessoa ou comitê,
contudo estes devem ser dotados de autonomia, independência, imparcialida-
de, recursos materiais, financeiros e humanos necessários ao desempenho de
suas atribuições funcionais.
O responsável pela instância acompanhará ações e medidas de integrida-
de a serem implementadas. Além disso, e sempre que for possível, o responsá-
vel terá acesso ao mais alto nível hierárquico da organização.
Com o advento da Instrução Normativa Conjunta MP/CGU nº 01/2016,
os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal deverão instituir um “Co-
mitê de Governança, Riscos e Controles” (CGU, 2018).
A CGU (2019) ainda prevê outras atribuições do responsável, em nível
estratégico, pelo Programa de Integridade da instituição. Estas serão cons-
tituídas das instâncias de segunda camada específicas para acompanhar o de-
senvolvimento e implementação das políticas de integridade.

3.3 ANÁLISE, AVALIAÇÃO E GESTÃO DE RISCOS

A análise de riscos é um dos pontos mais sensíveis da implantação do


programa de compliance, uma vez que a falha no conhecimento e mapeamento
dos riscos ocasionará ineficácia em todo o processo.
Assim, o objetivo é identificar antecipadamente quais são as principais
áreas de exposição da empresa, a fim de traçar as medidas preventivas pro-
porcionais, sobretudo analisar os fatores de risco internos e externos.
Perspectiva em Compliance | 135

No mundo corporativo, o “risco” está associado à incerteza do cumpri-


mento de algum objetivo ou na probabilidade de perda de algo material ou
intangível. Para tanto, o departamento de compliance poderá entrevistar os
empregados dos diferentes setores, analisar documentos, verificar as deman-
das judiciais que a empresa enfrenta, ouvir especialistas dos diversos depar-
tamentos, conhecedores dos processos da organização e da legislação aplicá-
vel, entre outras bases (GIOVANNI, 2014).
Entende-se por risco toda a possibilidade de ocorrer um determinado
evento e deste impactar diretamente nos objetivos da empresa.
Assim, programa de compliance efetivo é aquele em que a empresa co-
nhece e entende as áreas de riscos a que está exposta em suas atividades e
nos mercados em que atua. Portanto, “é preciso que seja feita a identificação
prévia das principais áreas de risco e das principais circunstâncias que pos-
sam aumentar as chances de que violações ou práticas inadequadas sejam
cometidas pelos colaboradores” (MAEDA, 2013).
Tão somente conhecendo suas áreas e processos mais sensíveis será
possível criar controles ou adaptar os já existentes de forma efetiva.
O levantamento e a análise de riscos realizados previamente à imple-
mentação do programa de integridade ajudarão a organização a identificar
suas vulnerabilidades e as áreas mais suscetíveis à corrupção. Isto lhe dará
a oportunidade de atuar de maneira mais direcionada e especializada, para
prevenir de forma mais eficiente e eficaz a possibilidade de ocorrência dos
eventos apontados (CGU, 2018).
Sem dúvidas este é o eixo mais crítico do programa, sendo assim ele deve
ser guiado por uma contínua identificação, análise e avaliação dos riscos a que
as instituições estão expostas e vulneráveis.

3.4 MONITORAMENTO CONTÍNUO DOS ATRIBUTOS DO


PROGRAMA

Após a implantação do programa de compliance, faz-se necessário moni-


torá-lo continuamente, com o objetivo de movimentar os processos, atualizar
os riscos anteriormente mapeados e ajustar as novas carências da empresa no
decorrer do tempo.
A partir do mapeamento das principais áreas de riscos, o setor de com-
pliance deverá desenvolver regras, controles e procedimentos, objetivando
minimizar a possibilidade de ocorrência de práticas de condutas ilícitas ou
inadequadas pelos colaboradores (MAEDA, 2013).
Convém afirmar que Código de Ética deve ter uma linguagem concisa,
objetiva, simples e clara. Ele deve conter os valores e a missão da empresa,
136 | Viviane Cardoso Lacerda Pacheco

ser de fácil acesso, com o objetivo de ser efetiva a comunicação e a compreen-


são de todos os empregados da organização.
No que diz respeito à elaboração do Código de Ética e Conduta, há de se
atentar que:

[...] partirá desde o conceito de padrões morais e éticas, origem, missão,


valores, objetivos, política, visão da empresa, até as questões de sigilo, pri-
vacidade e sanções disciplinares, devendo ser público aos membros da or-
ganização, os quais, inclusive, devem atestar a sua ciência sobre os termos
ali consignados, tais como direitos, deveres e possíveis sanções, de modo a
não alegarem desconhecimento futuro. É um trabalho que deve ser trans-
parente, idôneo e jamais sigiloso, sob pena de perecimento de sua eficácia.
(INNOCENT, 2017).

Após a elaboração do código, das políticas e dos procedimentos surgem


novos processos internos imprescindíveis, que vão desde a revisão integral
dos modelos de contratos, adequando-os aos novos regulamentos corporati-
vos, até a reestruturação e revisão de todo material utilizado para divulgar a
empresa (PEIXOTO, 2015).
O código de conduta ou de ética é constituído pela visão, missão e valo-
res. Ademais, ele trará definições sobre: padrões e comportamentos deseja-
dos; deveres e responsabilidade; políticas internas relacionadas a prevenção
de fraude, lavagem de dinheiro, brindes, presentes, hospitalidade, anticor-
rupção, conflito de interesses, assédio moral e sexual, doações, dentre outras.
Em seguida, todos os colaboradores e terceiros serão treinados, e só no
final do treinamento assinarão o termo de compromisso contido no código
de ética da organização.
Por fim, a empresa disponibilizará canal de denúncia, que deve ser confi-
dencial, sigiloso e externo, pois visa a verificar ocorrências e situações de não
conformidade com o código de conduta, políticas internas e/ou legislação
vigente, de forma profissional e estritamente confidencial, a fim de promover
segurança e credibilidade para todos que compõem a organização.
Após a implantação do programa de compliance, faz-se necessário moni-
torá-lo continuamente, com o objetivo de movimentar os processos, atualizar
os riscos anteriormente mapeados e ajustar as novas carências da empresa no
decorrer do tempo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em virtude dos fatos mencionados ante a análise doutrinária e legis-


lativa, percebe-se a existência de requisitos específicos para implantação do
sistema de compliance no setor da saúde.
Perspectiva em Compliance | 137

Ademais, observa-se que tanto os EUA quanto o Brasil utilizam-se dos


sete elementos inicialmente previstos no U.S. Federal Sentencing Guideline
(1991), e mantidos no Health and Human Services Office of Inspector General
(EIG HHS) e na Office Of The Inspector General (OIG). Estes são os parâme-
tros/requisitos básicos para a inserção do sistema.
Constata-se que os empresários americanos utilizam o U.S. Federal Sen-
tencing Guideline para regulamentar os programas de compliance. Este do-
cumento oficial serve como repositório de boas práticas e de requisitos para
comprovar a efetividade do programa de compliance no setor da saúde (heal-
thcare).
Além disso, é conveniente citar o mais recente guia do departamento de
justiça norte-americano, o Evaluation of Corporate Compliance Programs, que
enfatiza a avaliação dos programas de compliance corporativo e suas melhores
práticas. Contudo, por ser genérico, devemos adequá-lo às necessidades da
área de saúde.
Por todos estes aspectos ora mencionados e de acordo com o Office Of
The Inspector General (OIG), o sistema de compliance no âmbito da saúde nor-
teamericana permanece com os sete parâmetros para a implantação de um
efetivo programa.
Já no Brasil, muitos hospitais utilizam os quatro eixos/requisitos descri-
tos no manual da CGU, considerado pelos estudiosos em compliance o guia de
melhores práticas no país.
É importante informar sobre os sete requisitos previstos pela ADVAMED
e os 17 requisitos elencados pelo Instituto Ética Saúde. Numa comparação
com os requisitos da CGU, percebe-se que aquelas só detalham mais espécies
dos quatro gêneros trazidos pela CGU.
Por fim, convém citar os pontos positivos do efetivo sistema de com-
pliance, a seguir enumerados: melhora da governança, monitoramento dos
controles internos, aumento da credibilidade da empresa, a valorização da
marca da empresa, elevada reputação empresarial, maior respeitabilidade
e confiança no mercado, reduções de multas e indenizações, facilidades nos
requerimentos de financiamentos, aumento no retorno de investimentos,
ganhos em efetividade organizacional.

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ASPECTOS PROCESSUAIS
DO COMPLIANCE
11
COMPLIANCE, MEDIAÇÃO E
ARBITRAGEM: A TRÍADE DA EFICIÊNCIA
NA MITIGAÇÃO DO RISCO REPUTACIONAL
DAS CORPORAÇÕES

Denilton Leal Carvalho21

Recentemente, alguns institutos têm transformado o panorama jurídico


brasileiro na resolução de litígios. Com efeito, mecanismos como o compliance,
a mediação e a arbitragem possuem um elevado potencial revolucionário dos
paradigmas na prevenção e solução de conflitos, notadamente os empresa-
riais. Não por acaso, dominam a ordem do dia quando o tema se desenvolve
em derredor da seara corporativa.
O clássico binômio vencedor-perdedor das contendas judiciais vem ce-
dendo espaço para a premissa estribada na teoria win-win, dos métodos ade-
quados de solução de controvérsias, na busca por uma solução efetivamente
pacificadora, com atuação colaborativa e preservação das relações empresa-
riais.
Nessa senda, pode-se afirmar, sem titubeio, que os programas de com-
pliance, a mediação e a arbitragem constituem excelentes ferramentas para a

21 Procurador Federal. Especialista em Direito Tributário pela Anhaguera/LFG. Sócio-


fundador da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (CAMES). Analista de
Compliance Sênior.
143
144 | Denilton Leal Carvalho

prevenção, gestão e resolução de conflitos, em especial no âmbito empresa-


rial.
Mas, o que há de tão especial nesses institutos que os tem colado em um
certo grau de destaque – a bola da vez – nos temas corporativos? Arrisca-se
mencionar, ao menos, duas principais caraterísticas, comuns aos três institu-
tos, que atraem o interesse do mundo empresarial, quais sejam: a eficiência e
a proteção reputacional. Contudo, no presente trabalho, limitar-nos-emos a
maiores digressões, sem a pretensão de esgotamento do tema, acerca dessa
segunda característica.

1 O COMPLIANCE, A MEDIAÇÃO E A ARBITRAGEM COMO


EFICIENTES FERRAMENTAS DE PROTEÇÃO REPUTACIONAL

Com origem estadunidense (com maior ênfase a partir do caso Water


Gate e da publicação do Foreing Corrupt Practices Act (FCPA), o compliance
encontra-se em ampla expansão no mundo. No Brasil, os programas de in-
tegridade (como o compliance é traduzido pela legislação nacional) ganharam
ainda maior relevância com a promulgação da Lei nº 12.846/13, a chamada
Lei Anticorrupção.
Diante do propósito do presente artigo, calha reavivar que um programa
de compliance consiste num sistema complexo e organizado que visa a manter
as práticas de uma empresa em consonância com as leis, normas, políticas
e procedimentos, colimando prevenir, detectar e punir ou apresentar uma
adequada resposta aos atos ilegais ou que estejam, de alguma forma, em des-
conformidade com o Código de Ética e Conduta da instituição, com o objetivo
de preservar a reputação e incolumidade financeira da empresa, asseguran-
do-lhe longevidade.
A implementação de um programa de compliance é baseada em compo-
nentes ou grupos de medidas que devem ser adotadas, os quais convencio-
nou-se denominar “pilares”.
Advertimos, desde logo, que não há uma uniformidade quanto ao núme-
ro, tampouco uma exata correspondência entre os pilares apontados pelos
estudiosos da matéria. Nessa linha, a Controladoria-Geral da União (CGU),
no seu manual de Programa de Integridade – Diretrizes para Empresas Pri-
vadas, elenca cinco pilares; o Tribunal de Contas da União (TCU), em seu
Referencial de Combate a Fraude e Corrupção, também aponta cinco pilares,
embora distintos daqueles da CGU; a Legal Ethics Compliance (LEC), adota
nove pilares; a JG Compliance Group, assim como a Siemens em seu progra-
ma, preferem agrupar os mecanismos em apenas três pilares: prevenção, de-
tecção e resposta, modelo ao qual aderimos.
Perspectiva em Compliance | 145

Mister se faz destacar que tais pilares devem estar alicerçados em dois
pressupostos ou pré-requisitos para início de um programa de integridade:
suporte da alta administração (tone from the top) e a análise de riscos (risk
assessment).
O pilar da prevenção é constituído pela elaboração do código de ética e
condutas; a criação de políticas e procedimentos; comunicação e treinamento;
due diligence, e pela sensibilização, ou seja, disseminação da cultura da inte-
gridade.
No pilar da detecção, encontram-se as medidas de criação do canal de
ética/denúncias, implementação de controles, investigações internas, audito-
rias e monitoramento contínuo.
O pilar da resposta é composto por medidas disciplinares (advertência,
suspensão, demissão, exclusão de sócio, rescisão contratual, imposição de
multa etc.) e ações corretivas.
Fácil inferir-se, pois, que o pilar da prevenção é o principal, haja vista
que o objetivo precípuo de um programa de compliance é manter as práticas
da empresa em conformidade com o ordenamento jurídico e normas éticas,
visando a agregar valor reputacional e ganhos financeiros.
No entanto, detectada eventual desconformidade, faz-se mister a adoção
das medidas elencadas no pilar da resposta, com aplicação de medidas disci-
plinares e corretivas.
Como destacado alhures, um programa de compliance tem por escopo
prevenir a prática de atos ilícitos e/ou em desacordo com as regras, normas,
políticas ou procedimentos de integridade, visando à preservação da reputa-
ção da empresa e, consequentemente, sua saúde financeira.
Nessa senda, forçoso concluir que, realizada uma prática em desconfor-
midade com os preceitos acima elencados, os componentes do pilar da detec-
ção (canal de ética/denúncias, auditorias etc.) constatarão a infração, fazendo
com que seja infligida uma medida disciplinar/corretiva (advertência, sus-
pensão, demissão, exclusão etc.) ao(s) autor(es) do ato infracional. Esta é a
lógica e o fluxo de um programa de integridade.
Entrementes, nem sempre o pilar da resposta terá uma fácil aplicação.
Suponha-se que, numa sociedade empresarial, o departamento de compliance
detecte que um dos sócios ou um alto executivo da corporação está agindo
em desconformidade com uma política de integridade, causando prejuízos à
empresa. Inexoravelmente, a simples tentativa de aplicação de uma medida
disciplinar dará azo a um conflito societário, que certamente se degenerará
numa demanda judicial.
Quais as consequências desse conflito societário levado ao poder judiciá-
rio? As piores possíveis, indubitavelmente.
146 | Denilton Leal Carvalho

A publicidade, inerente ao processo judicial, do conflito societário tende


a macular a reputação e a credibilidade da empresa; a inegável morosidade
do Judiciário protrairá o conflito por longos anos, fragilizando os negócios e
as finanças, sem falar nos custos de um processo judicial que se arrastará por
anos sem uma solução para o conflito.
Em suma, por mais nobre que seja a missão do compliance, não se
pode olvidar dos efeitos deletérios que podem ser gerados pelos conflitos
decorrentes das sanções impostas pelo pilar da resposta de um programa de
integridade.
Com efeito, a imposição de uma sanção poderá resultar, não raras vezes,
em um conflito societário (tentativa de exclusão do sócio), numa rescisão de
contrato com um fornecedor relevante, numa demissão de algum integran-
te do C-Level etc., que, quase certamente, ensejará uma judicialização desse
conflito, seja no âmbito cível/empresarial, trabalhista ou até mesmo criminal.
Deveras, a publicidade desse conflito pelo Poder Judiciário, com a ajuda
das mídias sociais, por óbvio, conspurcará a reputação e a credibilidade da
corporação. Ora, a exposição de uma crise societária ou da perda de um con-
trato relevante denota a ideia de fragilização da empresa, atingindo, em cheio,
a imagem da companhia. Em outros termos: potencializa-se o risco reputa-
cional, que pode convolar-se em efetivo dano de reputação.
O risco de reputação, como cediço, consiste na possibilidade de perdas
decorrentes de danos à imagem da empresa, resultando em diversos prejuí-
zos, sobretudo financeiros.
A reputação de uma organização pode corresponder a 40% do seu valor
de mercado, segundo dados extraídos de uma pesquisa realizada pela Univer-
sidade de Oxford, em outubro de 2002.
Calha registrar que, de acordo com a pesquisa “Reputational@Risk”,22
realizada em 2014 pela Deloitte, apurou-se que 87% dos executivos partici-
pantes consideram o risco de reputação como “mais importante” ou “muito
mais importante”. Note-se que, de acordo com a referida pesquisa, para 41%
dos entrevistados com experiência de algum evento de risco reputacional, a
perda de receita e a desvalorização da marca foram os principais impactos do
dano de reputação.
Numa observação pragmática, pode-se constatar os impactos catastró-
ficos decorrentes dos danos de reputação sofridos pelas empresas envolvidas
nos escândalos apurados pela Operação Lava Jato, aqui no Brasil.

22 «Reputation@Risk | Deloitte | Survey, Global, Reputation, Risk». Deloitte (em


inglês). Disponível em: https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/global/
Documents/Governance-Risk-Compliance/gx_grc_Reputation@Risk%20survey%20
report_FINAL.pdf. Acesso em: 2 mar. 2020.
Perspectiva em Compliance | 147

Oportuno consignar, a propósito, declaração do presidente do Supremo


Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, em entrevista concedida ao Jornal O
Estado de São Paulo, em 13 de dezembro de 2019, segundo o qual: “A Lava
Jato foi muito importante, desvendou casos de corrupção, colocou pessoas na
cadeia, colocou o Brasil numa outra dimensão do ponto de vista do combate
à corrupção, não há dúvida. Mas, destruiu empresas”.
De uma breve análise da declaração do ministro, é possível se extrair
uma importante conclusão: faz-se necessário adotar certos cuidados no com-
bate à corrupção nas empresas, a fim de se evitar o mal maior, que é a extin-
ção das corporações. Em termos populares, é o efeito colateral do processo de
combate à corrupção nas corporações. É preciso cautela no uso do remédio,
para não se transformar num veneno.
É exatamente esse raciocínio que se faz no presente trabalho, num
paralelo à implementação de um programa de compliance. São necessários
certos cuidados a fim de ser evitar que as consequências decorrentes da apli-
cação dos instrumentos que compõem o pilar da resposta de um programa de
integridade não afetem danosamente a reputação da organização.
Em suma, é preciso se utilizar de determinados instrumentos jurídicos
a fim de se evitar que os potenciais conflitos decorrentes da aplicação de
sanções por força da detecção de inconformidade por programa integridade
afete a reputação da empresa. É nessa equação que surgem a mediação e a
arbitragem como métodos adequados a auxiliar o compliance a mitigar o risco
reputacional.
A respeito desses métodos adequados de solução de conflitos, revela-se
oportuno salientar que a mediação e a arbitragem destacam a autonomia da
vontade das partes, tratando os problemas que atingem as sociedades em-
presariais de forma célere, eficiente, sigilosa e segura, preservando as
relações entre os envolvidos.
A mediação é um procedimento de solução de conflitos em que um ter-
ceiro imparcial conduz os envolvidos à construção de uma solução consen-
sual para determinado litígio. Destaque-se que a solução é construída pelos
próprios interessados, não parte de uma sugestão do mediador. Ademais, a
mediação é indicada para situações em que existe um vínculo jurídico ou pes-
soal prévio e continuado entre as partes envolvidas no conflito. Visa, pois, ao
resgate do diálogo entre as partes e a preservação da relação, característica
essa que se adequa perfeitamente às relações societárias.
Calha salientar que, com a mediação, há significativa redução dos custos
na resolução do conflito. Além disso, o tempo médio de solução do conflito é
exponencialmente inferior quando comparado a uma demanda judicial. Im-
portante salientar, outrossim, que se trata de um procedimento confidencial
148 | Denilton Leal Carvalho

(art. 2º, VII, art. 30 e art. 31 da Lei nº 13.140/2015) e com rito flexível, mo-
dulado pelas partes.
Na arbitragem, os envolvidos delegam a solução da contenda a uma pes-
soa ou instituição qualificada e especializada que, em um determinado prazo,
previamente estabelecido, decidirá de forma definitiva a controvérsia.
De acordo com a Lei nº 9.307/96, o árbitro é juiz de fato e de direito, e a
sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder
Judiciário, sendo reconhecida como um título executivo judicial – artigo 31
da Lei de Arbitragem e artigo 515, inciso VII, do Código de Processo Civil.
Assim como a mediação, a arbitragem, em regra, revela-se mais econô-
mica que um processo judicial (especialmente nas demandas empresariais).
Ademais, a arbitragem é muito mais célere que a demanda judicial. A Lei
de Arbitragem estabelece o prazo de seis meses para a prolação da sentença
arbitral, se outro não houver sido convencionado pelas partes. Consigne-se,
ainda, que a decisão será proferida por um expert escolhido pelas partes e
o processo também é protegido pela confidencialidade. Além do dever de
discrição do árbitro, previsto no art. 13, § 6º da Lei nº 9.307/96, os regula-
mentos de praticamente todas as câmaras de arbitragem trazem a previsão de
confidencialidade do processo arbitral.
Infere-se, pois, que a mediação e a arbitragem, além de outras, possuem
três características de suma relevância na resolução de um conflito empresa-
rial, sobretudo quando societário, quais sejam: confidencialidade, celeridade
e economicidade. Sem desconsiderar importância da celeridade e da economi-
cidade no âmbito empresarial, no que diz respeito à proteção reputacional, a
confidencialidade dos conflitos revela-se um atributo indispensável.
Nessa senda, a complementação de um programa de compliance com os
institutos da mediação e arbitragem como meios adequados para solução dos
conflitos decorrentes de uma imposição de sanção em razão da constatação
da prática de alguma irregularidade ou ato de não conformidade, mitiga sig-
nificativamente o risco reputacional, evitando-se o dano à imagem da orga-
nização.
Assim, no exemplo alhures apontado, constatando-se que um dos sócios
agiu em desacordo com uma política de compliance, instaura-se um procedi-
mento de mediação. E aqui cabe reavivar uma das principais características
da mediação: ela é indicada para situações em que existe um vínculo jurídico
ou pessoal prévio e continuado entre as partes envolvidas no conflito, bus-
cando-se, sempre que possível, a preservação da relação. Sem dúvidas, numa
sociedade empresarial, não há nada mais importante que a própria vida da
empresa. Ademais, esse conflito, por força da confidencialidade, não poderá
ser levado ao conhecimento dos demais stakeholders.
Perspectiva em Compliance | 149

Note-se que, ainda que malogre a busca pela solução consensual, entra
em cena a arbitragem, cuja decisão será proferida por um expert no tema, es-
colhido pelas partes envolvidas num processo de caráter sigiloso.
E o mais importante: o conflito, seja na mediação, seja na arbitragem,
estará sob a égide da confidencialidade, o que preservará a reputação da em-
presa, mitigando, conseguintemente, os riscos de danos financeiros e à ima-
gem da corporação.
Acrescente-se que a solução, advinda da mediação ou da sentença ar-
bitral, será muito mais célere, bem como os custos serão reduzidos, quando
comparados aos do processo judicial.

2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Intuitiva, por consequência, é a conclusão de que há uma relação de ne-


cessária complementaridade entre o programa de compliance, a mediação e a
arbitragem, na busca pela prevenção e solução eficiente de conflitos corpora-
tivos, visando à mitigação do risco reputacional.
Assim, o pilar da resposta de um programa de integridade deve contem-
plar, além das medidas disciplinares e ações corretivas, a busca de soluções
adequadas através da mediação e da arbitragem.
Nessa vereda, pode-se dizer que o compliance, a mediação e a arbitragem
constituem a tríade da eficiência na mitigação do risco reputacional.
Por fim, oportuno salientar que esta inclusão da mediação e arbitragem
como componentes do pilar da resposta de um programa de compliance pode
ocorrer de duas formas: pela inserção de uma cláusula compromissória (med-
-arb) nos contratos societários, nos contratos com os principais fornecedores,
bem como nos contratos trabalhistas eventualmente firmados com os altos
executivos da organização.
Diante da ausência de cláusula compromissória, as soluções adequadas
por meio da mediação e arbitragem podem ser alcançadas com a celebração
de um compromisso arbitral, após instaurado o litígio.

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12
GERENCIAMENTO DE RISCOS EM
EXECUÇÕES CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
E DEVER DE ADMINISTRAÇÃO DA
ESCASSEZ
Geraldo Almeida Cunha23
Josilane Fraga Bastos24
Zulene Barbosa Gomes25

No atual cenário de profunda crise fiscal e de enfrentamento de riscos à


integridade pública, a administração da escassez consubstancia-se expressão

23 Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador (1994). Advogado.


Especialista em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre
em Psicologia Social (Instituto de Psicologia, PPGPSI/UFBA, inconcluso). Mestre
em Direito Público – Direito Ambiental – Bolsista CAPES (UFBA, 2017). Membro do
Grupo de Pesquisa em Violência e Escola (Instituto de Psicologia, PPGPSI/UFBA, desde
2007); do Grupo de Pesquisa em cidadania e Análise Econômica do Direito (Faculdade
de Direito, PPGD/UFBA, desde 2016); do Grupo de Pesquisa em Direito Ambiental,
Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais (Faculdade de Direito, PPGD/UFBA,
desde 2016); do Núcleo de Estudos Conjunturais (Faculdade de Economia, UFBA, desde
2018). Professor universitário. Conferencista. Doutorando pelo DMMDC.
24 Graduada em Direito pela UNIJORGE.
25 Graduada em Administração em Marketing pela UNIME. Graduada em Direito
pela UNIJORGE. Pós-graduada em Advocacia Pública. Pós-graduada em Governança,
Compliance, Gestão de Riscos (Faculdade Baiana de Direito). Advogada. Pesquisadora e
Membro do Grupo de Pesquisa em Análise Econômica do Direito (Faculdade de Direito,
PPGD/UFBA, desde 2018).
151
152 | Geraldo Cunha, Josilane Bastos & Zulene Gomes

de dever de gestão, visando à priorização do interesse público, especialmente


através da governança, que consiste em alinhar processos e estruturas im-
plantadas pela alta administração para informar, dirigir, administrar, avaliar
e monitorar atividades organizacionais, com o intuito de alcançar os objeti-
vos e prestar contas dessas atividades à sociedade.
O dever de gestão consiste na consubstanciação dos princípios admi-
nistrativos constitucionais de transparência e eficiência (ínsitos, explícita e
implicitamente, no art. 37, caput, da CF/88). O primeiro – fundamento de
toda governança e corolário dos princípios constitucionais da publicidade, da
moralidade, da legalidade e da impessoalidade – consiste em meio de efetiva-
ção do direito humano à proteção contra o administrador, o abuso e o desvio
de poder; o segundo se expressa no próprio conceito de administração, pois
que a atividade administrativa consiste em organizar e disciplinar os meios
dispostos, na consecução do interesse público, com integridade, eficácia, efi-
ciência e efetividade.
Com efeito, diagnosticar e mitigar riscos de integridade, financeiros, or-
çamentários, fiscais é uma das formas que expressam uma governança pú-
blica pautada no interesse da comunidade. No âmbito privado, a organização
modula o nível de apetite de risco a enfrentar; no caso do setor público, tem o
dever de mitigá-lo em vários contextos: na contratação de bens e serviços, de
pessoal, no enfrentamento de pandemias, nas comoções sociais decorrentes
de caso fortuito e força maior, na execução orçamentária e fiscal, o que envol-
ve alocação de recursos escassos.
Diante do plexo de vulnerabilidades que atingem a seara pública, este
texto concentra-se em demonstrar as causas e impactos do risco consistente
em promover execução em duplicidade contra a Fazenda Pública, relacionan-
do-o com a administração da escassez.
Importante ressaltar, por questão de desambiguação, que não se trata
aqui de concurso de credores em execução única contra diversas figuras da
administração, pois que os requisitos fundamentais de toda execução são a
identidade do credor, a identidade do devedor e a competência do juiz para
todas as execuções.
Há que se respeitar, portanto, a autonomia das relações obrigacionais
executadas e das responsabilidades equivalentes, e, não existindo vínculo
direto de direito material entre elas, verifica-se a inexistência de reconhe-
cimento da unidade de devedores, requisito essencial para a cumulação de
execuções.
Assim, este ensaio vai tratar de situação diversa: um polo exequente
multitudinário ou não, que figura como exequente em execuções diversas
pleiteando o mesmo objeto, sendo a única executada a Administração Públi-
ca.
Perspectiva em Compliance | 153

Cumpre contextualizar que, segundo relatório do Conselho Nacional de


Justiça (CNJ), o final de 2019 totalizou 33 milhões de processos em fase de
execução, com tempo médio no primeiro grau de jurisdição de três anos e
sete meses, e no Juizado Especial, de um ano e nove meses.
Com efeito, visa a demonstrar as consequências jurídico-econômicas de-
correntes de falhas em sistemas de controle e diagnóstico de riscos durante a
fase de cumprimento de sentença, execução individual de título coletivo, risco
que se estende até a expedição de alvará.
Para alcançar esse objetivo, apresenta as múltiplas formas pelas quais o
risco de processamento de execução simultânea se exterioriza, expondo de
que modo a alteração da estrutura de incentivos, a partir da gestão de riscos
na fase de cumprimento de sentença, pode impactar na redução da litigiosida-
de e na mitigação de perda financeira, delineando os impactos institucionais,
operacionais, financeiros e de integridade.
Este estudo tenciona delinear os impactos institucionais, operacionais,
financeiros e de imagem decorrentes do comportamento processual abusivo
do litigante que propõe simultaneamente mais de uma execução contra a Fa-
zenda Pública, além de evidenciar a imprescindibilidade da gestão de riscos
na fase de cumprimento de sentença, demonstrando, ao longo do ensaio, a es-
trutura de incentivos aos riscos de integridade e como o aperfeiçoamento dos
controles pela Fazenda Pública e Judiciário mitigaria os impactos financeiros
a serem empregados em políticas públicas e sua repercussão na celeridade
processual.
O problema de pesquisa enfrentado é: de que modo a gestão integrada
de riscos durante a fase de execução de sentença pode impactar na redução
da litigiosidade e qual a sua relação com a administração da escassez?
A hipótese é que a cobrança multíplice incrementa a judicialização e
impacta no custo e duração do processo, sendo, por consequência, um óbice
à efetivação de políticas públicas. A importância desses objetos de pesquisa
reside em trazer a lume o problema da litigiosidade sob a perspectiva dos
desdobramentos da má-fé processual do exequente e seus impactos jurídico-
-econômicos para a coletividade.
A contribuição do estudo reside em interligar a gestão de riscos como
mecanismo estratégico de administração da escassez e redução da litigiosi-
dade, além de propor soluções de enfrentamento do risco objeto de estudo.

1 INFRAESTRUTURA DE INCENTIVOS A RISCOS EM FASE DE


CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

Na sistemática do antigo Código Processo Civil (CPC/1973), mesmo


se tratando de execução fundada em título judicial, para opor resistência à
154 | Geraldo Cunha, Josilane Bastos & Zulene Gomes

execução, a Fazenda Pública tinha à sua disposição os embargos do devedor.


Atualmente, o meio é a impugnação, cuja diferença é tão somente o modo
(nos próprios autos) e o prazo (de trinta dias) para impugnar, querendo.
As matérias para impugnação estão consignadas nos incisos I a VI sob
o caput do mencionado artigo e impende-se à Fazenda Pública a necessidade
de declarar o valor que entende como correto ao alegar o excesso de execu-
ção, sob a pena de rejeição da alegação.
Como este ensaio circunscreve a fase de execução, é preciso destacar
que a cumulação de execuções é arguida no momento de impugnação ao
cumprimento de sentença, nos termos do art. 535, inciso IV, do CPC/2015
(BRASIL, 2015), caso não seja diagnosticado empecilho substantificado na
fiscalização deficitária das substituições processuais e demandas de iniciati-
vas massivas ou multitudinárias
A boa-fé processual é pressuposto para que um processo seja conduzido
por aspectos éticos, o que atrai a atenção para o comportamento das partes.
Bodart (2015), ao discorrer sobre a tutela de evidência, assevera que a atua-
ção do magistrado é definitiva para o zelo da boa-fé processual, o que inclui
o controle atento ao tempo do processo, de modo a elidir táticas dilatórias
e manejar adequadamente a sancionabilidade dos fatos que consubstanciam
abuso do processo.
O autor trata especificamente da conduta abusiva do réu e ressalta a
necessidade de postura ativa por parte do juiz, bem como diz que a passivi-
dade judicial diante de práticas dilatórias incrementa o descrédito na própria
jurisdição.
Por outro lado, é preciso também perceber que uma conduta que se
afasta da boa-fé, praticada pelo exequente, pode contribuir com a excessiva
litigiosidade, com o tumulto processual e sobretudo pode ampliar o risco
de pagamento em duplicidade, que se consubstancia pelo pedido múltiplo de
mesmo objetivo a ser impugnado em impugnação à execução caso existam
sistemas aptos à análise de riscos.
Neste aspecto, elencam-se várias possibilidades de conduta processual
abusiva do exequente, como o duplo pedido de obrigação de pagar, de fazer,
de execução de multas. Este risco atinge execução fiscal, previdenciária, tra-
balhista, consumerista e também ocorre em relação a cumprimento de sen-
tença contra a Fazenda, em simultaneidade com pedido administrativo.
Outro cenário é o pedido de execução de crédito já inscrito em precató-
rio ou que haja sido objeto de requisição de pequeno valor. Mais uma forma,
ainda, é requerer simultaneamente o pagamento em juizado especial e na
justiça comum.
Perspectiva em Compliance | 155

No tocante às demandas massivas, o risco de pagamento em duplicidade


tende a ser maior, uma vez que pode ocorrer a execução promovida pelo ente
sindical, associação e simultaneamente pelo substituído ou associado.
No tocante ao contexto do risco objeto do estudo, é necessário com-
preender a dinâmica do processo coletivo brasileiro, derivado das class actions
norte-americanas, ainda que indiretamente por meio da doutrina italiana.
Para Gidi (2007), secundum eventum litis não é a coisa julgada, mas a sua
extensão erga omnes à esfera jurídica individual de terceiros (membros do
grupo), ao que esse autor classifica como in utilibus da coisa julgada.
A ação coletiva objetiva a economia processual, o acesso à justiça e a
aplicação voluntária e autoritativa do direito material, possuindo os seguin-
tes requisitos: impraticabilidade do litisconsórcio (joinder impracticability),
ocorrência de questão comum de fato e/ou de direito (commom question), que
o representante tenha as mesmas pretensões (tipicality), representatividade
adequada (adequacy of representation) e enquadramento em uma das hipóteses
previstas em lei (critério pragmático). (GIDI, 2007)
No caso dos EUA, as class actions obtiveram maior destaque a partir da
Reforma de 1966 no Direito norte-americano, especialmente da reescrita da
Rule 23 enquanto instituto processual vocacionado inicialmente para o com-
bate à discriminação racial, cujas peculiaridades da cultura jurídica america-
na, do processo civil e do papel constitucional de seu judiciário possuem rela-
ção com aspectos políticos, ideológicas, constitucionais, estruturais e técnicos
(GIDI, 2007).
Ao revés, o sistema brasileiro de processo coletivo é muito distinto do
americano, especialmente no que se refere à satisfação do crédito. No modelo
americano, não há processo de execução individual após a formação do título
executivo, por exemplo. No Brasil, após o trânsito em julgado e a formação
do título executivo, o credor possui livre disponibilidade de execução, não
havendo obrigatoriedade de a execução ser feita pelo ente coletivo.
Assim, o título formado no processo coletivo fundamenta múltiplas exe-
cuções individuais advindas da exclusão das execuções coletivas e a partir daí
surge o risco de pagamento em duplicidade em processos executivos
Neste estudo, risco avaliado é o uso de recursos públicos em favor de
interesses privados que se exteriorizam pela simultaneidade de processos de
execução individual e coletiva, e, como há livre disponibilidade da execução,
não induz litispendência executar individualmente um título coletivo, mes-
mo que o sindicato/associação esteja executando coletivamente, mas um
dos processos deve ser extinto sob a pena de enriquecimento ilícito, uma
vez que a dupla cobrança afasta a boa-fé do autor (BRASIL, 2009).
156 | Geraldo Cunha, Josilane Bastos & Zulene Gomes

Cite-se que um das causas de incremento de tal risco é a inadequada efe-


tivação do dever de informação nos autos do processo de execução coletiva
de desistência pelo exequente, silêncio que conduz ao risco de pagamento em
duplicidade e que majora o trabalho do Judiciário e da Fazenda Pública, con-
substanciando-se risco de integridade e financeiro que desafia o aperfeiçoa-
mento de instrumentos de gestão judiciária e fazendária durante a execução
e satisfação do crédito, de modo evitar a duplicidade bis idem.
Assim, a duplicidade de processos executivos tem como uma das causas
relacionadas a falha de comunicação entre o substituído e o ente coletivo, não
necessariamente por dolo ou má-fé. Em alguns contextos, a execução indivi-
dual precede a coletiva, incluindo múltiplos processos em litisconsórcio.
Para Gidi (2007), ao tratar das class actions, diz que uma adequada noti-
ficação é o mínimo que um processo coletivo precisa proporcionar aos mem-
bros do grupo titular da pretensão, revestindo-se de exteriorização do devido
processo legal.
Nesse sentido, adotando-se o raciocínio do ilustre professor para a fase
de execução do título formado em processo coletivo, é possível mitigar o
risco de pagamento em duplicidade e também do problema de litigiosidade
em dobro, em triplo, com o dever de informação do substituído ao sindicato
e comprovação, e por outro lado do dever de informação do sindicato e asso-
ciação em relação ao exequente e ao réu.
Ressalve-se que inexiste previsão legal de que o exequente que ingressar
com um pedido individual comunique esta execução ao ente coletivo, nem
mesmo ao juízo da execução. Esta comunicação de desistência tem sido uma
construção jurisprudencial, fundamentando-se no princípio da boa-fé proces-
sual e na vedação ao enriquecimento ilícito.
A despeito de não existir regra acerca de renúncia a um dos créditos, é
cediço que a boa-fé processual, o dever de cooperação, o princípio da mora-
lidade e a vedação ao enriquecimento ilícito se impõem. Assim, a postura do
exequente de comunicar ao sindicato o ajuizamento da lide individual para
fins de reduzir a litigiosidade também repercute no prolongamento das dis-
cussões no âmbito do processo de execução coletiva.
Por seu turno, se o sindicato assumir uma postura cooperativa ao infor-
mar, no processo coletivo, a exclusão do exequente e seu quinhão, mitigaria
tal risco. Ademais, a Fazenda Pública como dona do risco tem o dever de
administrar a escassez instrumentalizando controles efetivos que obstem o
risco de pagamento em duplicidade. O Judiciário também possui um papel
neste processo, sobretudo, por meio do poder geral de cautela e de controle
do processo.
Perspectiva em Compliance | 157

O STJ, ao tratar do risco de pagamento em duplicidade entre execução


coletiva e individual, assim se manifestou:

AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓ-


PRIOS FUNDAMENTOS. EXECUÇÃO EM MANDADO DE SEGU-
RANÇA. BENEFICIÁRIAS DO TÍTULO EXECUTIVO COLETIVO
QUE FIGURAM EM OUTRAS AÇÕES EXECUTÓRIAS. POSSÍVEL
DUPLICIDADE NO PAGAMENTO. 1. Não há como abrigar agravo re-
gimental que não logra desconstituir os fundamentos da DECISÃO ataca-
da. 2. Insurgem-se os requerentes contra o DESPACHO que determinou
a comprovação, nos autos da presente ação individual, da desistência da
ação coletiva. 3. A determinação decorreu da informação de que as mesmas
partes, beneficiárias, nos presentes autos, dos precatórios e requisições de
pequeno valor expedidos, também figuram em outras ações executórias
referentes ao mesmo crédito. 4. Visando impedir uma possível duplicida-
de no pagamento, foi determinada a comprovação da desistência na ação
coletiva, da qual ainda não consta expedição de ordem de pagamento. 5.
Havendo nos autos a evidência de que as mesmas partes figuram como
beneficiárias em duas ou mais execuções, deve ser mantida a determinação
de se comprovar na presente ação a desistência das demais, tendo em vista
a expedição dos precatórios/requisições de pequeno valor. 6. Agravo re-
gimental improvido. (AgRg no ExeMS 8.376/DF, Rel. Ministro SEBAS-
TIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe
23/10/2015. (BRASIL, 2015).

Para a referida corte, a execução individual, mesmo no caso de existir


execução coletiva, não significa litispendência, contudo é imperioso que haja,
como demonstrado, a exclusão de um dos processos executivos (BRASIL,
2009).
Portanto, o executado é dono do risco de pagamento em duplicidade;
assim, é preciso destacar que a mera alegação de execução dupla tende a ser
mais eficiente com a comprovação do fato extintivo de obrigação.
Todavia, o Judiciário possui um papel significativo de gerir tal risco de
integridade do processo judicial, porquanto é impactado pelo comportamen-
to abusivo do exequente, na medida em que várias execuções de mesmo obje-
to contribuem com o incremento do estoque de processos em cursos e com a
taxa de congestionamento, desembolsa recursos para cumprir citações e in-
timações, incluindo custos de gestão judiciária e com eventuais repercussões
também na saúde dos servidores e magistrados como um todo.
Determinados precedentes judiciais no âmbito do Tribunal de Justiça do
Estado da Bahia, são no sentido de que a declaração de renúncia ao direito
de participar da execução coletiva não enseja qualquer prejuízo ao exequen-
te, sendo garantia ao ente público de que não incorrerá em quitação dupla
(BRASIL, 2019).
158 | Geraldo Cunha, Josilane Bastos & Zulene Gomes

Importante, ressalvar que o risco de pagamento em duplicidade pode


ser mitigado durante o processo administrativo de pagamento, antes da ex-
pedição do requisitório e inscrição do precatório. Assim, determinados juízos
têm suspendido a expedição do requisitório até que o exequente comprove a
desistência em execução simultânea, como abaixo se vê:

IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO INDIVIDUAL DE TÍTULO


JUDICIAL COLETIVO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. MAN-
DADO DE SEGURANÇA. SENTENÇA CONCESSIVA.SATISFAÇÃO
DO CRÉDITO. OBEDIÊNCIA AO REGIME DE PRECATÓRIO/RPV.
ART. 100 DACONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES
DO STF E STJ. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DESIS-
TÊNCIA À EXECUÇÃO PROMOVIDA PELO SINDICATO IMPE-
TRANTE. IMPOSSIBILIDADE DE PAGAMENTO EM DUPLICIDA-
DE. PROCEDÊNCIA (Classe: Cumprimento Provisório de Decisão. Nú-
mero do Processo:0000365-15.2018.8.05.0000, Relator (a): José Edivaldo
Rocha Rotondano, Tribunal Pleno, Publicado em: 17/10/2018). (BRASIL,
2018).

Assim, como expressão de devido processo legal, o dever de comuni-


cação dos exequentes que desistiram de seguir na execução coletiva e que
informaram aos entes coletivos se impõe, inclusive para acelerar o próprio de
satisfação do crédito coletivo. É imperioso o dever de informação também na
relação advogado/cliente, uma relação entre Judiciário, contribuinte, Estado
e parte.

2 IMPACTOS JURÍDICO-ECONÔMICOS DA EXECUÇÃO EM


DUPLICIDADE E O PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL

Para Holmes e Sustein (2012), autores que tratam do tema “custos dos
direitos”, não há direitos sem a presença do Estado enquanto garantidor e,
para tal conformação, é inexorável a judicialização de políticas públicas e o
protagonismo judicial nesse processo.
Para Ingo Sarlet (2003), a teoria da “reserva do possível”, na sua origem,
não se relacionava exclusivamente à existência de recursos financeiros sufi-
cientes para a efetivação dos direitos sociais, mas à razoabilidade da preten-
são proposta em face da sua concretização.
Destarte, os condicionamentos impostos pela cláusula da “reserva do
possível” ao processo de concretização dos direitos de segunda geração
compreende, de um lado, a razoabilidade da pretensão individual/social de-
duzida em face do Poder Público e, de outro, a existência de disponibilidade
financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele recla-
madas (BRASIL, 2004).
Perspectiva em Compliance | 159

A cláusula da reserva do possível, importada do Direito alemão, foi


transmutada e reduzida à vinculação orçamentária e originariamente deli-
neava um alcance muito maior. Compreende-se, portanto, que as possibili-
dades materiais do Estado seriam maiores com a gestão de riscos em todas
as fases processuais, especialmente com foco em controle de litispendência e
coisa julgada, incluindo a recuperação de ativos, caso pagos indevidamente.
Nas palavras de Ana Paula Barcellos (2002):

[...] a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode


ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem
pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar
seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a
finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a
forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é
exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição.

A alocação de recurso tem relação com a colaboração social, com o bem-


-estar da coletividade, inserindo-se o papel democrático do processo para
além de uma satisfação particularista. Assim, as sociedades devem buscar
alocar seus recursos de modo a preservar os fundamentos morais da cola-
boração social nela existente. A reserva do possível imbrica-se com a teoria
das escolhas trágicas (CALABRESI; BOBBIT, 1978).
É paradoxal que tratamentos de alto custo sejam negados em face do
argumento de reserva do possível e, de outro lado, haja desperdício de re-
cursos orçamentários, seja pelas escolhas trágicas, imorais, seja por fraudes
ou pela má gestão. Considerando o cenário de crise econômica, com efei-
tos deletérios na arrecadação fiscal, imprescindível desenvolver formas de
administrar a escassez para além de uma abordagem retórica, focada em
combate às fraudes.
A ADPF 45 (BRASIL, 2004) debruçou-se sobre a cláusula da reserva do
possível e parte do acórdão exarado assim retrucou:

Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - me-


diante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-ad-
ministrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e
censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabele-
cimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições
materiais mínimas de existência.

Em resumo, a cláusula da reserva do possível não pode se tornar pa-


naceia ou pretexto para a não realização de determinado dever estatal. Em
relação ao objeto de estudo, há muita convergência, uma vez que o estabele-
cimento de controles automatizados, dentro de um escopo de inteligência ar-
160 | Geraldo Cunha, Josilane Bastos & Zulene Gomes

tificial, pode atrair recursos para a organização, enquanto resultado de gestão


de riscos.

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” - res-


salvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser
invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento
de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta
governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniqui-
lação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial
fundamentalidade. (BRASIL, 2004).

Com efeito, o objeto de estudo possui uma aproximação com aspectos


de análise econômica do Direito, ciência caracterizada pela adaptabilidade,
inter e transdisciplinariedade e que, dentre outras particularidades, traz uma
perspectiva consequencialista, pautada no impacto da estrutura de incentivos
sobre o comportamento humano, o que lhe atribui um caráter empírico au-
sente no paradigma jurídico atual (GICO, 2000).
Os critérios alocativos são circunstanciais e culturalmente definidos, in-
cluindo a eficiência, a “honestidade” e a igualdade (CALABRESI; BOBBITT,
1978). No caso do objeto de pesquisa, existem posturas disfuncionais pratica-
das pelo exequente que resultam em aumento do tempo e custos do processo,
implicando na alocação de recursos públicos indevidamente.
Portanto, esta abordagem pauta-se nas causas e consequências das re-
gras jurídicas e de suas organizações, na tentativa de prever como cidadãos e
agentes públicos se comportarão diante de uma dada regra e como alterarão
seu comportamento caso essa regra seja modificada, porquanto a avaliação
da adequação de determinada norma está intimamente ligada às suas reais
consequências sobre a sociedade – consequencialismo (GICO, 2000)
Impõe-se, nesse sentido, destacar que a explosão de processos de execu-
ção individual é economicamente menos vantajosa para o executado por vá-
rios aspectos, entre eles a aplicação da Súmula 345 STJ, que impõe, nos casos
em que o patrono realiza a liquidação do julgado, a remuneração a título de
honorários.
Nesse diapasão, calha asseverar que em relação a honorários nas execu-
ções coletivas o STF assentou a tese de que é inviável a fragmentação destes,
tema para outra pesquisa mais aprofundada. Aqui, cabe destacar que o pro-
cesso de execução individual do Direito brasileiro desprestigia o processo
coletivo e as instituições.
Assim, há impactos na realização de políticas públicas compreendidas
como “providências para que os direitos se realizem, para que as satisfações
Perspectiva em Compliance | 161

sejam atendidas, para que as determinações constitucionais e legais saiam do


papel e se transformem em utilidades aos governados” (OLIVEIRA, 2006).
Há também impactos na higidez do sistema de precatórios, garantia
constitucional do cumprimento de decisão judicial contra a Fazenda Pública,
que se define por regras de natureza processual conducentes à efetividade da
sentença condenatória transitada em julgado por quantia certa contra enti-
dades de direito público.
No tocante ao impacto orçamentário e à escassez de recursos públicos,
a conduta promove lesão ao erário, reputando-se ato de improbidade admi-
nistrativa.
O processo duplicado gera dupla atuação do Judiciário, Procuradoria,
Secretaria da Fazenda, serventuários, condenação em honorários, astreintes,
bloqueios judiciais e ressarcimento de custas, o que tende a incrementar a
escassez de recursos públicos que poderiam ser direcionados ao desenvolvi-
mento de políticas públicas, notadamente atinentes à área de fornecimento de
medicamentos de alto custo.
Em especial as repercussões econômicas das decisões judiciais, sujeitas
aos vieses cognitivos do erro induzido por excesso de demandas ou a reserva
do possível incutida por heurísticas de superalocação de recursos, quando
na verdade o que há é duplicação dos resultados por deficiência de gestão,
sobrecarga do sistema e má-fé na litigância e até a paroxísmica advocacia
administrativa (art. 321, do CP).
As sociedades devem buscar alocar seus recursos de modo a preservar
os fundamentos morais da colaboração social nela existente. Quando é bem-
-sucedida nessa tarefa, a escolha trágica é evitada e transformada em uma
alocação não trágica; por pelo menos não aparentar contradição moral, traz
a ideia de que a reserva do possível se imbrica com a teoria das escolhas
trágicas (CALABRESI; BOBBIT, 1978).
Com efeito, pode contribuir com a recorribilidade interna indicador que
computa o número de recursos internos interpostos em relação ao número
de decisões terminativas e de sentenças proferidas e recorribilidade externa:
indicador que computa o número de recursos encaminhados aos tribunais
em relação ao número de acórdãos e de decisões publicadas, e pode impactar
na taxa de congestionamento, indicador que mede o percentual de casos que
permaneceram pendentes de solução ao final do ano-base, em relação ao que
tramitou (soma dos pendentes e dos baixados). Além disso, há a possibilida-
de de repercutir na saúde do servidor, magistrado, em face da exponencial
carga de trabalho.
162 | Geraldo Cunha, Josilane Bastos & Zulene Gomes

3 GESTÃO DE RISCOS E EXECUÇÃO DE TÍTULO FORMADO EM


PROCESSO COLETIVO

Conforme análise etimológica proposta pelo Instituto Brasileiro de Go-


vernança Corporativa (IBGC, 2007), risco é proveniente da palavra risicu ou
riscu, em latim, que significa ousar (to dare’, em inglês), inicialmente relacio-
nado à possibilidade de algo não dar certo, à quantificação e qualificação da
incerteza, em relação às “perdas” como também aos “ganhos”, ao rumo dos
acontecimentos planejados, seja por indivíduos, seja por organizações.
A raiz do risco objeto da pesquisa consiste na vulnerabilidade no siste-
ma de controle de execuções simultâneas e coisa julgada durante a fase de
cumprimento de sentença relacionado à infraestrutura de incentivos abaixo
delineada.
Os riscos associados são inerentes durante a execução de título judicial.
Sobre o tema, a ISO 31000 (ABNT, 2009a) classifica risco inerente como
o evento ao qual uma organização está exposta sem considerar quaisquer
medidas de controle que possam reduzir a probabilidade de sua ocorrência
ou seu impacto, o evento residual a que uma organização está exposta após a
implementação de medidas de controle para o tratamento do riscos. E serão
riscos operacionais quando comprometerem as atividades da organização,
normalmente associados a falhas, deficiência ou inadequação de processos
internos, pessoas, infraestrutura e sistemas.
Assim, o risco de execução em duplicidade pode representar consequên-
cia e/ou causa de outros riscos que afetam o processo judicial. Em rol exem-
plificativo, podemos indicar os seguintes riscos: a) excessiva litigiosidade pe-
las execuções dobradas (integridade do processo); b) impacto sobre a recor-
ribilidade interna e externa; c) incremento do custo e do tempo do processo;
d) deficiência de informação no processo; e) decisões jurídicas conflitantes; f)
desembolso das astreintes em duplicidade; g) desembolso de honorários em
duplicidade; h) inscrição dupla em precatório; i) quebra da execução; j) paga-
mento por RPV duplo, prejuízo ao erário decorrente de fraude processual; l)
perda de efetividade da execução coletiva, risco à imagem do ente sindical/
instituições; m) improbidade administrativa; n) cometimento de fraude; o)
impacto em alocação de recursos em política pública; p) enriquecimento ilíci-
to; q) à saúde do servidor
Os tipos de riscos expostos são tanto financeiros, quanto de integridade.
O risco financeiro/orçamentário pode comprometer a capacidade orçamentá-
ria e financeira necessária à realização das atividades empresariais; já o risco
de integridade está relacionado à corrupção, fraudes, irregularidades e/ou
desvios éticos e de conduta que podem comprometer os valores e padrões
Perspectiva em Compliance | 163

preconizados pela administração, para realização de seus objetivos. Uma vez


diagnosticados os riscos, calha identificar o seu impacto, visando à constru-
ção da matriz de riscos para, a partir daí, ser possível gerenciá-los.
De acordo com a Portaria n. 1163/2019, da Controladoria-Geral da
União (CGU):

II - Gestão de riscos: processo de natureza permanente, estabelecido, dire-


cionado e monitorado pela alta administração, que sistematiza, estrutura
e coordena as atividades de gerenciamento de riscos da organização; e III
- Gerenciamento de riscos: processo para identificar, avaliar, administrar
e controlar potenciais eventos ou situações e fornecer segurança razoável
no alcance dos objetivos organizacionais. (BRASIL, 2019).

Por seu turno, dentro do contexto de gerenciamento de riscos existem


vários métodos que podem ser utilizados por organizações públicas ou pri-
vadas, destacando-se: International Organization for Standardization; ISO
31000: Principles and Guidelines for Risk Management; Committee of
Sponsoring Organizations of the Treadway Commission (COSO II); Geren-
ciamento de Riscos Corporativos; Estrutura Integrada Austrália/New Ze-
land; Risk Management 4360:2004; International Organization of Supreme
Audit Institutions (INTOSAI); Guidelines for Internal Control Standards
for the Public Sector (IBGC, 2007).
A gestão eficaz de riscos é crucial para a consecução do princípio da efi-
cácia e fundamento primordial para o planejamento de políticas, programas
e serviços públicos. Ao se tratar de judicialização e processos, tem-se, via de
regra, um ambiente caracterizado por incertezas cujos resultados impactam
significativamente no orçamento e, consequentemente, na afetação de recur-
sos importantes e escassos para essas políticas, programas e serviços, sobre-
tudo quando as execuções se multiplicam indevidamente sobre um mesmo
objeto, dívida e devedor.
Assevere-se que a CGU utiliza a bow-tie, ou gravata-borboleta, na etapa
de análise do processo de gerenciamento de riscos, relacionando objetivo,
risco e suas causas, consequências e os controles existentes. Neste sentido,
em relação ao objeto do estudo, as vulnerabilidades acima geram também
consequências, sendo causas para outros riscos.
Como visto, não é um risco exclusivo da Fazenda Pública, cujas reper-
cussões transcendem as razões puramente econômicas, consistente em tor-
nar o processo judicial um espaço ético. Assim, é razoável que o executado
comprove a dupla execução e isto só é possível por meio de ações estratégicas
que cruzem informações e mapeamento destas.
164 | Geraldo Cunha, Josilane Bastos & Zulene Gomes

Diante do risco, o executado tem o dever de administrar a escassez, uma


vez que deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos
preceitos da Constituição induz à inconstitucionalidade por omissão, que
pode ser total, quando nenhuma providência é adotada, ou parcial, quando é
insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público (BRASIL, 2004).
Como visto, a raiz do risco objeto da pesquisa consiste na vulnerabilida-
de no sistema de controle de execuções simultâneas, que também se estende
para o fenômeno da coisa julgada durante a fase de cumprimento de sentença,
o que tende a promover excessiva litigiosidade e uso do processo de modo
inadvertido.
Nesse diapasão, administrar a escassez é também estabelecer parcerias
com outras instituições, compreendendo que o risco é integrado, incluin-
do a criação de estratégias de enfrentamentos aos riscos de integridade nas
execuções contra a Fazenda e o CNJ, uma vez que é um problema também de
gestão judiciária.
Outra medida é a instituição de fundo de recuperação de ativos em coo-
peração com o Poder Judiciário e a Fazenda Pública, bem como efetivo plano
de integridade definindo diretrizes e responsabilidades na instituição para
detectar, prevenir e remediar as ocorrências de quebra de integridade, definir
a instância responsável pela fiscalização de seu cumprimento, estruturar uni-
dades de gestão de riscos das execuções, direcionar recursos para a atividade,
software, equipe, capacitação e procedimentar controles de modo a assegu-
rar a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas, além de
promover integração de bases de dados entre Judiciário e Fazenda, ampliar a
transparência dos pagamentos, monitorar o impacto financeiro.

4 CONCLUSÃO

A cultura de integridade, governança corporativa e programas de com-


pliance são assuntos que têm estado em ascensão na atualidade, notadamente
no ambiente empresarial, com influxos cada vez mais acentuados no setor
público, uma vez que a necessidade de melhoria da eficiência na gestão se
impõe, o que perpassa pela compreensão do sistema de riscos que permeia
uma determinada organização, no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo
e Judiciário.
Como exposto, a postura abusiva dos exequentes promove tumulto pro-
cessual, sem considerar a inexorabilidade da escassez. É preciso compreen-
der os desdobramentos da má-fé processual para a coletividade, como é dever
das instituições a promoção de mecanismos que obstem o dano ao erário.
Perspectiva em Compliance | 165

Como visto, reputa-se grave a conduta de judicializar o cumprimento de


sentença já estando em outra execução pela consequência social, incremento
da litigiosidade, recursos, audiências, tempo do magistrado, do serventuário,
da advocacia pública enquanto participantes desse macroprocesso, inclusive
com prejuízo para a celeridade da execução coletiva.
Destarte, é indispensável tornar mais eficiente a gestão pública, no âm-
bito administrativo ou judicial, especialmente com o tratamento de riscos,
esforço de gestão e obrigatoriedade de recuperar ativos.
Diante de grave convulsão fiscal, em um cenário pós-pandemia, resta
imperioso utilizar resultados da gestão de riscos como mecanismo mediador
de administração da escassez, consentâneo com a relevância jurídica, econô-
mica e social da sua existência para o sistema fiscal e orçamentário e para a
coletividade, uma vez que políticas públicas demandam recursos para sua efe-
tivação, não servindo o princípio da reserva do possível como mera retórica.
De um lado, a gestão de risco pode contribuir com a administração da
escassez; de outro, com a redução da litigiosidade e com a integridade do
sistema de justiça, traduzindo-se em um risco de enfrentamento integrado.
Diante dos riscos apresentados e consequências jurídico-econômicas,
emerge a necessidade de mitigá-los, por meio do aperfeiçoamento de siste-
mas de controle nos processos judiciais e nos procedimentos internos. Como
exposto, não são eventos exclusivos da Fazenda Pública, impactando também
na integridade do sistema judicial. Com o cruzamento de informações, have-
ria menor número de recursos, desafogando o Judiciário e focando em ações
de controle estratégico de recuperação e sanção por práticas abusivas.
Caso a Fazenda Pública promovesse acordo coletivo para satisfação do
crédito, ensejaria a redução da litigiosidade. Cumpre também ao Poder Judi-
ciário desenvolver ações estratégicas que resultem na gestão dos estoques,
enfrentando o tema da litigiosidade a partir de uma perspectiva de controle
de litigiosidade na fase executiva, um vez que o risco aqui tratado impacta
na efetivação de políticas públicas na medida em que retira recurso essencial,
em face da barreira de insuficiência orçamentária. Conclui-se que a reserva
do possível tem correlação com a gestão de riscos de integridade, pois que
impactam na forma de administrar a escassez.
Portanto, esforços em favor da integridade na fase de execução revelam
o papel da governança, visando a uma melhor alocação de recursos públicos,
racionalização da gestão, otimização de estratégias de prevenção de riscos
à integridade do processo executivo e, portanto, de administrar a escassez.
166 | Geraldo Cunha, Josilane Bastos & Zulene Gomes

REFERÊNCIAS

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CRIMINAL COMPLIANCE
E SEUS DESDOBRAMENTOS
13
O NOVO MARCO REGULATÓRIO PARA
PREVENÇÃO À LAVAGEM DE DINHEIRO
E AO FINANCIAMENTO DO TERRORISMO
(PLDFT): UMA NECESSIDADE DE
APRIMORAMENTO DOS PROGRAMAS DE
CRIMINAL COMPLIANCE NA CULTURA
EMPRESARIAL BRASILEIRA
Lucas Holmes de Rezende Serrano26
Fernando Henrique Cardoso Neves27

O presente trabalho consiste em analisar o novo marco regulatório para


prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLDFT),
26 Pós-graduado em Criminal Compliance e Responsabilidade Empresarial pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CEPED/UERJ). Pós-graduado em Processo
Penal pelo Instituto de Direito Penal Económico e Europeu (IDPEE) da Faculdade
de Coimbra e pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Advogado
criminal.
27 Sócio-fundador da Cardoso, Siqueira & Linhares. Doutorando em Sociologia e Direito
pelo PPGSD/UFF. Mestre em Sociologia e Direito pelo PPGSD/UFF. Pós-graduado
em Direito Eleitoral. Graduado em Direito pela UFF. Professor das Pós-graduações
em Ciências Criminais da FUPAC/MG, em Direito Empresarial e em Novos Direitos
da UVA. Membro do Grupo de Pesquisa “Direito e Novas Perspectivas Regulatórias”,
coordenando a linha “Direito Penal Econômico e Inovação” do LEDH.uff – Laboratório
Empresa e Direitos Humanos da UFF. Membro do Projeto de Extensão “UFF nas
Ruas”, coordenando o Grupo de Trabalho sobre Privação de Liberdade, do InEAC/UFF.
171
172 | Lucas Holmes & Fernando Neves

editado tanto pelo Banco Central (Bacen), por meio das Cartas Circulares de
números 3.978, de 23 de janeiro de 2020,28 e 4.001, de 29 de janeiro de 2020,29
como também pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), através da nova
Instrução CVM nº 617, de 5 de dezembro de 2019.30
Neste deslinde, a proposta deste artigo é sustentar a necessidade do
aprimoramento dos programas de compliance sob a ocorrência de fatores cri-
minógenos contemporâneos e transnacionais que abarquem a incidência do
Direito Penal. É exatamente neste contexto que a prevenção à lavagem de di-
nheiro e ao financiamento ao terrorismo (PLDFT) necessita ser aprimorada
e revestida de saber científico específico para não só prevenir a incidência de
infrações penais, mas também para detectar e remediar potenciais riscos que
podem atingir um determinado conglomerado empresarial e, consequente-
mente, desencadear na responsabilização criminal individual dos seus mem-
bros que compõem a alta administração.
As novas diretrizes regulatórias emanadas tanto pelo Bacen como pela
CVM, demonstram uma maior ampliação e rigor nos controles internos de
monitoramento, nos quesitos de avaliação interna, na política de “conheça
seu cliente” (know your costumer – KYC), nos critérios de avaliação de pessoa
exposta politicamente (PEP), na ampliação dos sinais de alerta de operações
ou situações atípicas, e da necessidade de adoção da figura de um único dire-
tor responsável pelo cumprimento da nova norma de PLDFT.
Não há como negar que, além da ampliação de poderes de supervisão
e controle por parte das instituições financeiras, em decorrência do modelo
gerencial da autorregulação, tais entidades necessitam compartilhar com as
agências estatais um alto fluxo de dados e informações de particulares. Dian-
te de uma forte internacionalização do mercado financeiro, o campo norma-
tivo de adequação se amplia cada vez mais, principalmente de empresas e
instituições que possuem seus negócios em nações com alto rigor legislativo
e agências de enforcement bem capacitadas.

28 Dispõe sobre a política, os procedimentos e os controles internos a serem adotados


pelas instituições a funcionário pelo Banco Central do Brasil visando à prevenção da
utilização do sistema financeiro para a prática dos crimes de ‘‘lavagem’’ ou ocultação de
bens, direitos e valores, de que trata a Lei nº 9.613/98, e de financiamento do terrorismo,
previsto na Lei nº. 13.260/2016.
29 Divulga relação de operações e situações que podem configurar indícios de ocorrência
dos crimes de ‘‘lavagem’’ ou ocultação de bens, direitos e valores, de que trata a Lei nº.
9.613/98, e de financiamento ao terrorismo, previstos na Lei nº 13.260/2016, passíveis
de comunicação ao Conselho de Controles de Atividades Financeiras (Coaf).
30 Dispõe sobre a prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo –
PLFDT no âmbito do mercado de valores mobiliários.
Perspectiva em Compliance | 173

De fato, esta circunstância da globalização vem trazendo questões cada


vez mais complexas e difíceis de se remediar; contudo, eventual lacuna nor-
mativa ou falha na persecução penal vem sendo tratada por intermédio de
organismos internacionais em conjunto com as demais nações ou entre as
próprias, seja por meio de tratados, seja por cooperação jurídica internacional
em matéria penal (BECHARA, 2011; GIRARDI, 2018).
As recomendações do Grupo de Apoio Financeiro Internacional (GAFI/
FAFT) e das suas notas interpretativas auxiliam os Estados no desmantela-
mento de crimes transnacionais financeiros relativos à prática de lavagem de
dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Diante de um sistema financeiro
cada vez mais integralizado, faz-se necessário que os países cooperem entre
si por meio de inteligência financeira cada vez mais eficiente e autônoma (DE
CARLI, 2013).
As Unidades de Inteligência Financeira (UIF) estão presentes na Reco-
mendação nº 29 (antiga Recomendação nº 26) do FAFT-GAFI (2019). Estas
unidades possuem relevo significativo no controle de atos ilícitos voltados
especificamente à prática de lavagem de ativos e financiamento ao terroris-
mo, quando na ocorrência de comunicações e práticas de origem suspeitas no
sistema financeiro de uma determinada nação que pode impactar na econo-
mia global.
Sob a ótica da realidade brasileira, a temática do compliance começou a
ganhar maior envergadura com o advento da Lei nº 12.846/2013 (Lei An-
ticorrupção) e com os sucessivos escândalos decorrentes da Operação Lava
Jato, que culminaram na deflagração de diversas investigações e ações pe-
nais envolvendo a classe política e empresarial do país, sendo levantadas pelo
MPF sofisticadas operações de lavagem de dinheiro para o encobrimento e
patrocínio de diversos crimes.31
O recorte teórico sobre compliance que aqui se propõe é relação aos pro-
gramas de integridade voltados para a área criminal, ou seja, que têm como
preocupação principal a prevenção de infrações penais. Por mais que se com-
preenda – e pode parecer um pouco óbvio – que a essência do compliance “é
estar em conformidade”, logo se subentenderia que a ocorrência de qualquer

31 A própria operação entrou em certo descrédito após outros “escândalos” envolvendo


membros do Ministério Público e demais agentes públicos e privados, nacionais e
estrangeiros. Mesmo assim, a deflagração das operações denominadas como “Câmbio,
Desligo!” e “Patrón” narram um grande esquema de lavagem de dinheiro que operava
por meio de doleiros e offshores via a operação “DólarCabo” em paraísos fiscais localizados
tanto no Caribe, como no Paraguai e no Uruguai. A descoberta da operacionalização dos
sistemas BankDrop e ST demonstram que havia uma rede bancária paralela ao controle
dos órgãos de fiscalização. Estima-se que tal esquema de lavagem de ativos operava pelo
menos, desde a década de 90 (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2018).
174 | Lucas Holmes & Fernando Neves

ilícito, independentemente da sua natureza, não seria permitida em nenhuma


circunstância. Por outro lado, diante das peculiaridades que perpassam o
estudo do Direito Penal e de empresas,32 este tema merece a sua devida rele-
vância, diante deste novo marco regulatório editado que incide diretamente
na Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98).33
Feito este breve introito, o escopo deste trabalho está sedimento em 2
(dois) eixos principais. O primeiro é a conceituação do que seria um progra-
ma de criminal compliance e a sua significativa importância de implementação
em uma organização empresarial que exerce atividade no mercado regulado
e que necessita não só mensurar eventos sensíveis, mas também se atentar à
necessidade de um profissional que detém saber específico em matéria penal.
O segundo consiste na apresentação das novas e, a partir de 1º de Julho deste
ano, vigentes Cartas Circulares n° 4.001 e n° 3.978 do Bacen e Instrução
Normativa da CVM 617/19. Por fim, destaca-se como a complementariedade
normativa causa a complexificação da conformidade e consequentemente o
aumento do risco para administradores, diretores e demais funções.

1 DOS FUNDAMENTOS DE UM PROGRAMA DE CRIMINAL


COMPLIANCE

O setor financeiro assim como o mercado de capitais são nichos que


possuem tradição regulatória de compliance há bastante tempo.34 Isto se dá

32 Determinadas questões como a teoria da cegueira deliberada, a teoria do domínio do


fato, a responsabilidade penal por omissão e a responsabilidade penal da pessoa jurídica
são exemplos que por si só não são tão simples e demandam um maior rigor de análise
jurídica tanto em âmbito teórico doutrinário como também jurisprudencial dos tribunais
nacionais e estrangeiros.
33 “Inicialmente que se diga que a Lei de Lavagem de Dinheiro verdadeiramente
inaugurou um certo sistema de compliance na realidade brasileira. Ao especificar que
determinadas pessoas (físicas ou jurídicas) se mostram obrigadas a identificar seus
clientes e a manter registros dos mesmos, e, por outro lado, comunicar certas operações
financeiras, tudo com vistas ao evitamento de crime, perfaz uma noção de criminal
compliance.” (SAAD-DINIZ; SILVEIRA, 2015, p. 173-180).
34 ‘‘Analisar o compliance no setor financeiro é basicamente retomar à origem efetiva
da sua aplicação tanto no âmbito nacional quanto internacional. Isto significa dizer que
foi no mercado financeiro e de capitais, que o conceito de compliance se desenvolveu e
encontro terreno fértil para sua imposição como componente necessário e fundamental
para as organizações. São muito os episódios históricos que nos remetem aos primeiros
passos do compliance na consolidação dos seus aspectos gerais, como função norteadora
de conformidade com as leis e regulamentos internos e externos, no entanto, o instituto
que para muitos parece novidade deu seus primeiros passos já no ano 1960 quando a
Securities and Exchange Commission – SEC, um dos principais reguladores do mercado
de capitais norte-americano, passou a recomendar fortemente a criação de itens como:
Perspectiva em Compliance | 175

justamente pela internacionalização destes mercados; sendo assim, eventuais


operações em países como os Estados Unidos, que impõem a determinadas
empresas nacionais e estrangeiras a conformidade de normas para que pos-
sam operar e atuar neste tipo de mercado, intencionalmente buscam sedi-
mentar a cultura de integridade e cumprimento de regras em decorrência
dos inúmeros escândalos de fraudes contábeis que marcaram o mercado in-
ternacional e fragilizaram economias locais.35
Os instrumentos de enforcement mais conhecidos internacionalmente que
mexem na estrutura interna de empresas que pretendem expandir os seus
negócios e integrar o mercado financeiro internacional são o Foreign Cor-
rupt Practices Act (FCPA), United Kingdom Bribery Act (U.K). Bribery, Sar-
banes-Oxely Act (SOX) e o Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer
Protection Act (CARNEIRO, 2018).
De certa maneira, a influência de tais normas e até mesmo com as rati-
ficações de tratados internacionais que versam sobre o tema de corrupção e
lavagem de dinheiro fizeram com que o Brasil buscasse também a sua própria
legislação que, além de tratar sobre a corrupção, criou mecanismos efetivos
de responsabilização direta para as empresas em decorrência de atos lesivos à
Administração Pública. É neste contexto que se origina uma aparente preo-
cupação na formulação e implementação de programas de compliance (inte-
gridade) em âmbito nacional.36
É por meio da responsabilidade da pessoa jurídica que o compliance as-
sume realce na identificação de falhas de uma organização empresária, que
por outro lado pode vir a ser utilizado como instrumento de defesa da em-
presa perante os órgãos públicos, impactar na dosimetria das sanções, como

procedimentos, controles internos, programas de treinamento e monitoramento


periódico.’’ (SWISTTALSKI, 2019, p. 559-576).
35 Os casos Enron – EUA (2001), Merck – EUA (2001), WorldCom – EUA (2002),
Tyco – EUA (2002), Xerox – EUA (2002), Bristol-Myers Squibb – EUA (2002)
e Parmalat – ITA (2003) são exemplos de empresas que passaram por auditorias
independentes que se mostraram insuficientes e coniventes com as irregularidades de
suas demonstrações financeiras. Como consequência, estas ocultações das verdadeiras
demonstrações financeiras influenciou os acionistas erroneamente em suas decisões,
pois estes acreditavam estarem investindo em ações de empresas que apresentavam o
seu verdadeiro valor no mercado de capitais. Diante da ocorrência destas situações, os
resultados dessas irregularidades refletiram no cenário econômico mundial como um
‘‘efeito dominó’’. (PIZO, 2018, p. 3-6).
36 No ordenamento jurídico brasileiro, os seguintes dispositivos fortalecem o sistema de
integridade nacional: (i) Lei nº 8.429/1992 (Lei de improbidade); (ii) Lei nº 8.666/1993
(Lei de licitações); (iii) Lei nº 12.529/2011 (Lei de Estruturação do Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência; (iv) Lei nº 12.813/2013 (Lei de Conflito de Interesses; (v) Lei nº
13.019/2014 (Marco Regulatório do Terceiro Setor); (vi) Lei nº 13.303/2016 (Estatuto
Jurídico das Empresas Estatais).
176 | Lucas Holmes & Fernando Neves

também na mensuração da responsabilidade individual dos dirigentes que


compõem um conselho ou cargos na alta administração.37
O fundamento primordial de um programa de criminal compliance neste
cenário é buscar auxiliar as organizações empresariais para a prevenção e
detecção de infrações penais. Conforme o preceituado por José Leite (2018),
diante de uma perspectiva teórica das legislações estrangeiras – principal-
mente o FCPA e UKBA – e das suas agências de enforcement – SEC e DOJ –,
e, agora, no caso do Brasil, com a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013),
tais dispositivos apresentam como contrapartida para o desenvolvimento da
atividade empresarial a capacidade investigatória, com posterior comparti-
lhamento das provas, enquanto condição para exclusão/atenuação da respon-
sabilidade ou culpabilidade penal.
As investigações internas, por exemplo, no âmbito de um programa
de compliance, beira contornos procedimentais similares e/ou equiparados
de uma investigação regulamentada em dispositivo processual penal, o que
denotaria uma migração do modelo de investigação pública para o âmbito
privado, desde que observadas obviamente as suas devidas peculiaridades e
características.
Sendo assim, as investigações internas podem ser consideradas como
uma ferramenta de compliance de caráter reativo, que é acionada a partir de
uma eventual suspeita de irregularidade. O que pode se dar tanto por via de
canal de denúncias ou por notícias na imprensa ou até mesmo por demandas
de caráter judicial (civil, consumerista, administrativo e penal), que conse-
quentemente podem propulsionar a abertura de uma investigação. O escopo
de responsabilidade de uma investigação efetiva está estritamente relacio-
nado ao poder de direção e controle do empresário, juntamente com o seu
dever de diligência que dá sustento para a constituição de uma obrigação em
fomento da Responsabilidade Social Corporativa (MARTIN, 2018).
Em artigo elaborado por González Franco, Schemmel e Blumenberg
(2013), os referidos autores elencam cinco funções do advogado penalista na
estruturação de um programa de compliance destinado a mensurar a ocorrên-
cia de infrações penais, quais são, em síntese: (i) o assessoramento especia-
lizado; (ii) a análise de riscos penais; (iii) a resolução de problemas jurídicos

37 A responsabilidade penal da pessoa jurídica no Direito brasileiro está restrita a esfera


ambiental, a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) em seus artigos 1º e 3º dispõe,
respectivamente, que a responsabilização objetiva será administrativa e civil para
as pessoas jurídicas pela prática de atos contra Administração Pública e estrangeira.
Por conseguinte, a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade
individual de seus dirigentes ou administradores de qualquer pessoa natural, autora,
coautora ou partícipe do ato ilícito.
Perspectiva em Compliance | 177

penais; (iv) uso de linguagem própria e compreensão da língua jurídica; e (v)


os protocolos de reação.
Os referidos autores concluem que o expert em Direito Penal seria uma
peça essencial para potencializar a força autorreguladora da empresa em que
traria para dentro da sua cultura organizacional maior padronização e segu-
rança jurídica. Chama-nos a atenção especialmente para o pilar das investiga-
ções internas, uma vez que a expertise sobre tal tema pode nos remeter a uma
análise experimental e teórica do advogado em contextos de investigações
públicas, processos judiciais de origem litigiosa ou negocial e eventuais tra-
tativas com os agentes públicos que atuam perante os órgãos de persecução
penal.
Não sendo o escopo do artigo enfrentar as críticas de “privatização do
processo penal”, ocorre que as investigações internas corporativas acabam
sendo reflexos de uma tendência de autorregulação como técnica efetiva para
a prevenção da corrupção, lavagem de dinheiro e demais irregularidades,
sendo, desse modo, um instrumento de política criminal voltado para fins
preventivos de crimes e que possui respaldo por parte dos organismos inter-
nacionais (BARRILARI, 2018).
A inserção do profissional que detém o domínio técnico, científico e
de experiência na área penal é determinante para uma compreensão global
do universo que impera os órgãos de persecução. Para tanto, o chamamen-
to destes profissionais para o ambiente corporativo é fator estratégico para
eventuais tomadas de decisão e, principalmente, da proteção da reputação da
empresa, do trabalhador e dos empresários.38

2 AS NOVAS REGULAÇÕES PLDFT DA CVM E BACEN

Conforme exposto, o espaço da conformidade não é apenas o da regulação,


o que abre espaço, inclusive, para inovações do ponto de vista de autorregulação

38 “Para resolver esta problemática é que é levantada a hipótese de legitimação dos


programas de criminal compliance a partir da função de instrumento de proteção dos
espaços de liberdade e dos direitos dos trabalhadores. O que se propõe é que compliance
tenha como elemento legitimador não somente a prevenção de delitos, algo que é
aparentemente possível a depender do contexto, mas principalmente a proteção do
trabalhador. Se é verdade que um programa efetivo de compliance sempre interessará
primeiramente à própria empresa, é também certo que se mostra interessante para
seus empregados, por lhes permitir a defesa, com recurso de mecanismos de prevenção
de riscos puníveis, frente às possíveis consequências penais. Deste modo, compliance se
justificaria como instituto jurídico não só pela sua capacidade de prevenção, mas também
pela capacidade de organização das empresas e proteção dos trabalhadores.” (MIRANDA,
2019 p. 241-242).
178 | Lucas Holmes & Fernando Neves

e inovação no próprio setor privado para a prevenção de ilícitos em suas


políticas de PLDFT e demais procedimentos operacionais internos.
Neste artigo, trazemos breves considerações acerca do criminal com-
pliance a partir justamente dos limites regulatórios, em especial as recentes
(i) Instrução Normativa 617 de 2019 da Comissão de Valores Mobiliários, (ii)
a Circular 3.978 e (iii) Carta Circular n° 4001, ambas de 2020.
À guisa de demonstração de como as 3 normativas, todas com vigência a
partir de 1º de julho de 2020,39 modulam o “espaço da conformidade”, deixando
ainda mais estritas determinadas expectativas dos atores empresariais no que
tange à prevenção à lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo,
destacaremos as características principais de cada uma.

2.1 A INSTRUÇÃO NORMATIVA CVM 617/2019

A instrução normativa da Comissão de Valores Mobiliários 617 de 201940


visa a dispor sobre a prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do
terrorismo (PLDFT) no âmbito do mercado de valores mobiliários, dispondo
de uma “nota explicativa”, e um relatório de Audiência Púbica41 para este fim.
Ainda, é tida como parte da Agenda Regulatória da CVM 2019.
Como a própria nota explicativa42 traz, a instrução foi editada no intuito
de “modernizar a regulação”, alinhando-a plenamente às diretrizes dos prin-
cipais organismos internacionais que lidam com essa temática, em especial o
Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento
do Terrorismo (GAFI).
As principais diferenças são: (i) a inserção da abordagem baseada em
risco, com a necessidade de uma estruturação de política de PLDFT e a ela-
boração periódica de uma avaliação de risco, assim como a reformulação de
regras, procedimentos e controles internos; (ii) aprimoramento das funções
e responsabilidades do diretor responsável pela norma e apresentação de de-
veres vinculados à alta administração; (iii) definição de etapas vinculadas à
condução de política “conheça seu cliente” (know your costumer), incluindo de-
talhamento das rotinas relacionadas ao pleno conhecimento do beneficiário
final; (iv) maior detalhamento de sinais de alerta a serem monitorados e dos
39 Todas com exceções, listadas em subtópicos próprios. Em nossa bibliografia, dispomos
dos textos integrais das regulações para consulta.
40 Disponível em: http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/instrucoes/
anexos/600/inst617.pdf. Acesso em: 2 mar. 2020.
41 Disponível em: http://www.cvm.gov.br/audiencias_publicas/ap_sdm/2016/
sdm0916.html. Acesso em: 2 mar. 2020.
42 Disponível em: http://www.cvm.gov.br/legislacao/notas-explicativas/nota617.
html. Acesso em: 2 mar. 2020.
Perspectiva em Compliance | 179

pontos que devem integrar a análise da operação ou situação atípica que foi
detectada, assim como a apresentação dos elementos mínimos que devem
integrar um reporte para a unidade de inteligência financeira.
Ao mesmo tempo que é a primeira Instrução que traz consigo uma nota
explicativa, conforme supracitado, a audiência pública sobre o tema PLDFT
trouxe sugestões à normativa que foram alteradas, sendo as principais noti-
ciadas pela própria CVM em seu site: (i) adoção da figura de um único diretor
que será responsável pelo fiel cumprimento da nova norma de PLDFT; (ii)
reorganização das situações em que as rotinas para a identificação do bene-
ficiário final não serão aplicáveis, assim como das informações requeridas
quando do processo de coleta de informações cadastrais; (iii) flexibilização
dos prazos para a atualização dos cadastros dos clientes; (iv) regulamentação
dos deveres decorrentes da Lei n° 13.810/19, que por sua vez alterou a Lei n°
13.170/15; (v) maior detalhamento dos pontos a serem observados quando
do registro de operações e respectiva manutenção de arquivos.

2.2 CIRCULAR N° 3.978/2020 E CARTA CIRCULAR N° 4001/2020

A Circular n° 3.978/2020 do Banco Central veio na mesma perspectiva,


isto é, dispondo sobre a:

[...] política, os procedimentos e os controles internos a funcionar pelo


Banco Central do Brasil visando à prevenção da utilização do sistema fi-
nanceira para a prática dos crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, di-
reitos e valores de que trata a Lei n° 9.613, de 3 de março de 1998, e a de
financiamento do terrorismo, previsto na Lei n° 13.260 de 16 de março de
2016.

De maneira complementar, a Carta Circular n° 4.001/2020 dispôs a:

[...] relação de operação e situações que podem configurar indícios de


ocorrência dos crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e va-
lores, de que trata a Lei 9.613 de 3 março de 1998 e de financiamento ao
terrorismo, previstos na Lei 13.260, de 16 de março de 2016, passíveis de
comunicação ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

A nova regulação de PLDFT do Bacen é dividida em: (i) Do objeto e do


âmbito de aplicação; (ii) da Política de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao
Financiamento do Terrorismo; (iii) da Governança da Política de Prevenção
à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo; (iv) da Avaliação
Interna de Risco; (v) dos Procedimentos destinados a conhecer os Clientes;
(vi) do Registro de Operações; (vii) do Monitoramento, da Seleção e da Aná-
lise de Operações e situações suspeitas; (viii) dos Procedimentos de Comuni-
180 | Lucas Holmes & Fernando Neves

cação ao Coaf; (ix) dos Procedimentos destinados a conhecer Funcionários,


Parceiros e Prestadores de Serviços Terceirizados; (x) dos Mecanismos de
Acompanhamento e de Controle; (xi) da Avaliação de Efetividade; (xii) Dis-
posições Finais.
Quanto às operações, reguladas pela Circular 4001, destacamos os ti-
pos gerais que trazem suas particularidades, estas são situações relacionadas
com: (i) operações em espécie em moeda nacional com a utilização de contas
de depósitos ou de contas de pagamento; (ii) operações em espécie e cartões
pré-pagos em moeda estrangeira e cheques de viagem; (iii) com a identifica-
ção e qualificação de clientes; (iv) a movimentação de contas de depósito e
de contas de pagamento em moeda nacional; (v) operações de investimento
no país; (vi) operações de crédito no País; (vii) movimentação de recursos
oriundos de contratos com o setor público; (viii) relacionadas a consórcios;
(ix) pessoas ou entidades suspeitas de envolvimento com financiamento ao
terrorismo e a proliferação de armas de destruição em massa; (x) atividades
internacionais; (xi) situações relacionadas com operações de crédito contra-
tadas no exterior; (xii) operações de investimento externo; (xiii) funcionários,
parceiros e prestadores de serviço; (xiv) campanhas eleitorais; (xv) a BNDU
e outros ativos não financeiros; (xvi) movimentação de contas correntes em
moeda estrangeira; (xvii) situações relacionadas com operações realizadas
em municípios localizados em regiões de risco.
A novidade da nova regulação que mais repercutiu foi a inclusão de todo
o tipo de político, em estados e municípios, e seus familiares de até segundo
grau, naqueles que têm um escrutínio diferenciado na análise de informações
financeiras. Um substancial aumento de cargos que identificam pessoas poli-
ticamente expostas faz com que, a partir de 1º de Julho deste ano, obrigato-
riamente, exista um novo grande fluxo de dados financeiros alimentando as
agências de controle.
Além das circulares, o Bacen conta com a exposição de motivos, em que
se trazem o resumo de debates em pontos como, principalmente, (i) políti-
ca de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo,
(ii) avaliação interna de risco, (iii) procedimentos destinados a conhecer os
clientes, (iv) registro de operações, (v) procedimentos de monitoramento, de
seleção e de análise de operações e situações suspeitas.

3 APONTAMENTOS

As “regulações” são a forma jurídica (PACHUKANIS, 2017) da globa-


lização, algum teórico do Direito poderia apontar, sem muito medo de errar.
O alcance que regulações emitidas por órgãos internacionais ou nacionais,
Perspectiva em Compliance | 181

seja pela interpretação ortodoxa, seja heterodoxa, que as fazem serem ad-
mitidas pela ratificação de tratados internacionais ou mesmo por imposição,
modificam do dia para a noite toda uma série de sanções ou possibilidades
de sanções para vários atores empresariais, tal qual se observou nos últimos
“escândalos de corrupção”, em especial na América Latina.
Nossa apresentação se deu para, além de destacar os novos marcos no
que importa a uma criminal compliance, ou a formulação e implementação
de uma política de conformidade que afasta a responsabilidade criminal de
PLDFT. Não é nosso papel aqui analisar cases de cada uma das possibilidades
do assunto (responsabilidade do Diretor, compartilhamento de informações,
investigações internas etc.), mas sim de, nesse breve exercício, perceber como
a possibilidade de responsabilização criminal cresceu.
Sendo mais cirúrgico, se o bordão “a globalização trouxe a sociedade
de risco”, junto de alguma citação duvidosa de Ulrich Bech é extremamente
batido em qualquer apresentação de “Direito Penal Econômico” para se falar
da “criminalização dos riscos”, a nova regulação PLDFT se dá num contexto
“4.0”, onde o território de ação é intrínseco às novas tecnologias e os riscos
que as estas apresentam.
Para além de observar isso a partir da leitura das normativas, a própria
imprecisão sobre alguns possíveis conflitos – por exemplo, a regulação da
privacidade pela LGPD e/ou sigilos genéricos (comercial, legal etc.) e o re-
passe de informação ao Diretor responsável e/ou órgãos de controle – podem
gerar conformidade perante uma lei (Lei Geral de Proteção de Dados) e falta
de conformidade com a PLDFT, ou viceversa.
A imprecisão atual no que tange à proteção de dados, risco altíssimo
pelos desafios atuais enfrentados pela própria “adequação” do setor público
e privado às normas de segurança da informação e práticas de tratamento
de dados em prol da privacidade, pode ficar ainda maior quando se trata das
novas normativas apresentadas: ao mesmo tempo que uma instituição finan-
ceira tem uma relação com pessoas físicas, também o tem com os órgãos de
controle; ou seja, da mesma maneira que a LGPD incide na relação de con-
sumo sobre as mesmas informações, a PLDFT também o pode, levantando
uma conformidade intersetorial do ponto de vista jurídico, tornando-a mais
complexa e, por isso, “mais arriscada”.
O tempo nos dirá como os órgãos e as instituições se comportarão, em
especial pelo tempo que têm, antes em 1º de julho de 2020, agora, com a De-
liberação CVM nº 848 – que duplicou ou estendeu por 3 meses prazos regu-
latórios – as normativas só entram em vigor no dia 1º de outubro. Enquanto
escrevíamos este artigo, o mundo passava por um delicado momento pandê-
mico, que inclusive aumentou ainda mais a utilização de meios digitais, dando
182 | Lucas Holmes & Fernando Neves

cada vez mais valor a inovações financeiras e toda a sorte de commodities di-
gitais, ressaltando mais uma vez como a cibersegurança e a compreensão das
inovações fazem parte de uma efetiva adequação normativa de PLDFT, assim
como a real compreensão que deve ser feita sobre ela a nível das empresas
como partícipes de uma política internacional que as coloca em competição
global.
Por isso, o profissional com expertise no Direito Criminal está presente
para refletir acerca dos processos a serem implementados e, principalmente,
para discutir com toda a equipe interna e terceiros qual a cultura a ser pen-
sada, ao ponto de se antecipar às tendências regulatórias, evitando surpresas
e desenvolvendo, desde sempre, um relacionamento sadio com as agências de
controle, simplificando as soluções em compliance para uma melhor prolifera-
ção da cultura em toda a sociedade.

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Dispõe sobre a política, os procedimentos e os controles internos a serem
adotados pelas instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do
Brasil visando à prevenção da utilização do sistema financeiro para a prática
dos crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, de que trata
a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, e de financiamento do terrorismo,
previsto na Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016. Diário Oficial da
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de operações e situações que podem configurar indícios de ocorrência dos
crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, de que trata
a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, e de financiamento ao terrorismo,
previstos na Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016, passíveis de comunicação
ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 de jan. de 2020. Disponível
em: http://www.in.gov.br/web/dou/-/carta-circular-n-4.001-de-29-de-
janeiro-de-2020-240824523. Acesso em: 1° mar. 2020.
__________. Instrução CVM nº 617, de 5 de dezembro de 2019. Dispõe sobre a
prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo – PLDFT
Perspectiva em Compliance | 183
no âmbito do mercado de valores mobiliários. Diário Oficial da República
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setor financeiro e mercado de capitais. In: CARVALHO, André Castro (et. al.).
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14
RESPONSABILIZAÇÃO DO COMPLIANCE
OFFICER COM BASE NA TEORIA DA
CEGUEIRA DELIBERADA

Nadialice Francischini de Souza43

Desde o advento da Lei n. 12.846/2013, que trata da responsabilização


administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Admi-
nistração Pública, nacional ou estrangeira, conhecida como Lei Anticorrup-
ção, colocou-se em pauta a discussão de questões relacionadas ao compliance e
à atuação do compliance officer.
Uma dessas discussões é a responsabilidade e a possibilidade de respon-
sabilização do compliance officer por ações que ele deveria ter praticado, pre-
visto ou prevenido. O artigo 3º da mencionada lei determina que, além da
responsabilização da pessoa jurídica, também podem ser responsabilizados
pessoalmente os seus dirigentes ou administradores ou qualquer pessoa na-
tural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito (BRASIL, 2013).
Para identificar se alguém é autor, coautor ou partícipe de um ato crimi-
noso, o Código Penal brasileiro, no seu artigo 13, adotou as teorias da ação
ou omissão direta, ao prever que “Considera-se causa a ação ou omissão sem a

43 Advogada. Docente. Doutora em Direito pela UFBA. Mestre em Direito pela UFBA.
Especialista em Direito Empresarial pela UFBA. Extensão Universitária em Docência
do Ensino Superior pela ESAB.
184
Perspectiva em Compliance | 185

qual o resultado não teria ocorrido”. Entretanto, passou-se a discutir a ampli-


tude dessa identificação a partir da adoção da teoria da cegueira deliberada.
Segundo a teoria da cegueira deliberada, todo agente que não interfira
diretamente na ação ou omissão, mas deliberadamente se coloque em posição
que lhe permita não saber do fato ou não desconfiar que está acontecendo,
deve ser também responsabilizado pelo ato. Sua aplicação, no Brasil, ganhou
destaque com o advento do julgamento da Ação Penal n. 470, caso conhecido
como Mensalão.
Por ser uma teoria com aplicação recente no Brasil, ainda há muito o
que ser analisado, principalmente quando associada ao compliance. Um ponto
que precisa ser bastante discutido é a possibilidade de responsabilização do
compliance officer tendo como base a teoria da cegueira deliberada.
Para tanto, o presente estudo será desenvolvido em três partes. Na pri-
meira, será apresentada a figura do compliance officer, sua atuação após o ad-
vento da Lei n. 12.846/2013 e suas responsabilidades. Em seguida, será abor-
dada a teoria da cegueira deliberada, seu surgimento, sua aplicação e seus
requisitos. Por último, será analisado se há a possibilidade de responsabilizar
o compliance officer tendo como base a teoria da cegueira deliberada.

1 ATUAÇÃO DO COMPLIANCE OFFICER

A Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013, conhecida como Lei Anti-


corrupção ou Lei da Empresa Limpa, é considerada o marco no combate às
práticas anticorruptivas, uma vez que permite punir a empresa por atos des-
sa natureza praticados em seu nome ou em seu benefício. Ou seja, não só o
agente que pratica o ato diretamente vai ser responsabilizado, mas também a
pessoa jurídica sofrerá as consequências impostas.
As consequências previstas nessa lei são de natureza administrativa e
civil, havendo a possibilidade de aplicação de multa no “valor de 0,1% (um
décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último
exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os
tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível
sua estimação”, sendo que, caso “não seja possível utilizar o critério do valor
do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil
reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais)”, nos termos do quanto
disposto no artigo 6º, da Lei n. 12.846/2013 (BRASIL, 2020). Entretanto,
ela não afasta a incidência de outras punições previstas em outras legislações,
principalmente as de natureza penal.
A Lei Anticorrupção também prevê que a pena pode ser reduzida ou não
aplicada se a empresa adotar uma série de medidas preventivas, como garan-
186 | Nadialice Francischini de Souza

tir “a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade,


auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de
códigos de ética e de conduta” em seu âmbito interno, conforme previsão do
artigo 7º, VII (BRASIL, 2020). Ou seja, o programa de compliance é apresen-
tando como uma ferramenta de combate à corrupção, “posicionando-se no
cerne da discussão de assuntos ligados à governança corporativa, a progra-
mas de integridade e a boas práticas empresariais” (FUJINO, 2019).
É nesse cenário que, no Brasil, a profissão do compliance officer ganhou
destaque. Ele é o agente responsável por políticas antifraude, por gerir e
coordenar a “implementação de políticas de integridade indispensáveis para
a própria sobrevivência das corporações”, buscando mitigar os riscos legais
para as empresas e para a própria Administração Pública e a sociedade civil
em face da empresa (RECHULSKI, 2020).
Esse não é um profissional que tem atuação somente no Brasil. No mun-
do, também há a figura do responsável legal pelo cumprimento das normas, a
exemplo da Espanha que, desde o advento do art. 28 da RD 217/2008, de 15
de fevereiro, que regula o regime jurídico das empresas de serviço de investi-
mentos, criou a “Función de cumplimiento normativo”, atribuída ao responsável
legal por garantir o cumprimento das normas de prevenção de condutas ilí-
citas (GÓMEZ-ALLER, 2020).
Entretanto, Jacobo Dopico Gómez-Aller (2020) pondera que essas fun-
ções de prevenção e controle podem estar sob a responsabilidade de um com-
pliance officer, mas não é obrigatório. Isso vai depender muito da estrutu-
ra interna de cada empresa, podendo, tal função, ser atribuída ao diretor de
Recursos Humanos, ao diretor financeiro, a uma Comissão de Controle de
Riscos ou outros que assumam as responsabilidades de prevenção de ilícitos.
Isso ocorre pelo fato de não haver uma regulamentação clara, na Es-
panha, sobre a função do compliance officer, tornando difícil traçar um perfil
desse profissional, quais as suas responsabilidades para evitar a ocorrência
dos delitos. E conclui Jacobo Dopico Gómez-Aller (2020) afirmando que,
“Por ello, difícilmente pueden hacerse afirmaciones generales del tipo ‘el compliance
officer ostenta un deber de garante’ (o ‘el compliance officer no ostenta un deber de
garante’), ni tomas de posición muy generales sobre cómo debe valorarse su omisión”.
Assim como na Espanha, no Brasil não há como traçar um perfil do
compliance officer, quais as suas obrigações e quais as suas responsabilidades,
ficando a cargo de cada empresa, dentro da sua estrutura, estabelecer tais
regras. A regulamentação sobre o compliance officer mais específica que se tem
é a prevista na ISO 19.600:2014 – Sistema de Gestão de Compliance (2014) –,
mas se limita a afirmar que é o profissional com responsabilidade da gestão
do compliance.
Perspectiva em Compliance | 187

O que se tem é um entendimento doutrinário segundo o qual as prin-


cipais funções do compliance officer são: criar e implementar um programa
efetivo de compliance; promover auditorias para garantir que as práticas de
compliance estão sendo aplicadas (ADMINUPLEXIS, 2020); gerenciar os ris-
cos, principalmente os vinculados aos crimes de corrupção; criar e implantar
código de ética e condutas (ABDALLAH, 2020).
Nesse sentido, Marcos Assi (2013, p. 58) afirma que o dever do complian-
ce officer é contribuir também para a manutenção e preservação da cultura
ética e de integridade da empresa. Nelson Kenzo Gonçalves Fujino (2019)
também aponta que é obrigação desse profissional se debruçar sobre as bali-
zas que suportam a operacionalização do compliance, tais como:

[...] aval e suporte da alta administração, código de ética e conduta, classi-


ficação e gerenciamento dos riscos, controles internos, treinamentos cor-
porativos, comunicação e disseminação do programa, canal de denúncia,
investigações, auditoria, monitoria e melhoria contínua.

A sua função é muito próxima à de gestão e prevenção de ilícitos, prin-


cipalmente os relacionados com a anticorrupção. Por esse motivo, compreen-
de-se que o compliance officer também pode ser punido pelas práticas advindas
da Lei n. 12. 846/2013. Isso porque o artigo 3º, em sua parte final, afirma que
a responsabilidade se estende a “qualquer pessoa natural, autora, coautora ou
partícipe do ato ilícito” (ALMEIDA, 2020).
Entretanto, Marcos Assi (2013, p. 55-58) discorda dessa posição, uma
vez que o compliance officer é um profissional subordinado à alta direção da
empresa, ou seja, ele sempre se reportará “diretamente ao diretor de com-
pliance ou a algum outro diretor indicado pela organização”. Estão ausentes,
entre as suas responsabilidades, os poderes necessários para fazer cumprir as
normas dentro da empresa.
Mas esse não é o entendimento majoritário, segundo Arnaldo Quirino
de Almeida (2020), ao afirmar que “uma leitura mais cuidadosa do artigo 3º
da norma anticorrupção (Lei 12.846/2013), na sua integralidade, nos condu-
zirá à possibilidade de o Compliance officer ser responsabilizado também pelas
ilicitudes que decorrem daquela lei”. E complementa:

Em matéria de imputação de responsabilidade na Lei Anticorrupção, o


preceito legal pode mesmo ter abrangência extraordinária, alcançando,
indistintamente, empregados, colaboradores internos e externos, dentre
quais, portanto, tranquilamente podemos elencar, por exemplo, o Com-
pliance officer, fornecedores e prestadores de serviços terceirizados etc.
(ALMEIDA, 2020).
188 | Nadialice Francischini de Souza

Assim, o compliance officer é, sim, responsável pessoalmente pelas práti-


cas de atos relacionados com a Lei n. 12. 846/2013, podendo sofrer direta-
mente as mesmas punições que a empresa responsável. Isso porque, além da
amplitude estabelecida pela lei, há a atuação direta como agente responsável
pela implantação do compliance e de políticas de integridade.

2 TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA APLICADA AO COMPLIANCE

A teoria da cegueira deliberada, de natureza penal, é também conhe-


cida como teoria do avestruz, ignorância deliberada, cegueira intencional
ou provocada, willful blindness, Ostrich Instructions ou doutrina da evitação
da consciência. Seu surgimento ocorreu na Inglaterra em 1861, com o
julgamento do caso Regina x Sleep, sendo bastante acolhida nos Estados
Unidos da América e tem, como principal ditame, o fato de:

[...] o agente, de modo deliberado, se coloca[r] em situação de ignorância,


criando obstáculos, de forma consciente e voluntária, para alcançar um
maior grau de certeza acerca da potencial ilicitude de sua conduta. Vale
dizer, o infrator provoca o seu desconhecimento acerca do ilícito, de modo
que sua ignorância deliberada passa a equivaler-se ao dolo eventual ou, até
mesmo, à culpa consciente. (VALENTE, 2017).

No Brasil, a aplicação dessa teoria foi vista pela primeira vez no caso do
roubo ao Banco Central do Brasil em Fortaleza, Ceará. Pouco tempo após o
fato ilícito, um dos criminosos efetuou a compra de onze carros e adiantou a
compra de outros à vista e em espécie, totalizando um valor de R$ 980.000,00
(novecentos e oitenta mil reais). O que chamou a atenção é que tudo foi pago
em espécie e em notas de R$ 50,00 (cinquenta reais), acondicionadas em sa-
cos. O juiz condenou os sócios da revendedora de automóveis pelo crime
de lavagem de dinheiro sob o argumento de que, apesar de não saberem da
origem ilícita do dinheiro, deveriam ter desconfiado, ou seja, ignoraram deli-
beradamente o fato (BRASIL, 2020)
A sua popularização somente ocorreu com o julgamento da Ação Penal
n. 470 – conhecida como Mensalão –, aparecendo especificamente no voto do
ministro Celso de Mello ao acompanhar o voto do relator no item VII da AP
470, sobre lavagem de dinheiro. Ele reconheceu expressamente a possibili-
dade de utilização dos critérios da teoria da cegueira deliberada para a con-
figuração do crime de lavagem de dinheiro, entretanto, “com muita cautela”
(STF, 2012).
Victor Augusto Estevam Valente (2017) aponta que, com o julgamento
do Mensalão, a “a jurisprudência passou a considerar a ignorância deliberada
Perspectiva em Compliance | 189

equivalente ao dolo eventual, com base no sentido cognitivo-normativo de


dolo”. Mas aponta também que a sua utilização deve ser feita observando o
fato de que o agente:

[...] atua de forma indiferente em relação à ilicitude do fato, assumindo


o risco de produzir o resultado mediante “desconhecimento provocado”,
pois chega a ignorar fatores determinantes do ilícito, a saber: (i) a origem
do produto que porventura transporta, oculta ou adquire; (ii) a origem
do dinheiro que aceita no exercício de alguma atividade profissional, en-
tregando-o como contraprestação de determinado bem ou serviço; e (iii)
o transporte de certo pacote ou mercadoria para o agente que apresenta
atitude suspeita, tendo em vista a vantagem a ser obtida em razão de tal
transporte. (VALENTE, 2017).

Esses requisitos estão em consonância com o entendimento da doutri-


na majoritária, encabeçada por Ragués i Vallès (apud CARVALHO; ROSA,
2019) que, no início do século XXI, fiNcou as bases da teoria, estabelecendo
quatro requisitos para a configuração da cegueira deliberada, que são:

1.º) Ausência de representação suficiente dos elementos do tipo penal,


traduzindo-se no fato de que o agente não conte com os conhecimentos
que permitem afirmar que agiu com o grau de representação exigido pelo
elemento subjetivo do tipo respectivo no mesmo instante em que realiza a
ação ou omissão objetivamente típica.

2.º) Capacidade de obter a informação ignorada, uma vez que só se pode


dizer que decidiu ignorar deliberadamente o indivíduo que possuía condi-
ções de conhecer. E tal capacidade (de conhecer) deve estender-se por toda
a realização da conduta (ação ou omissão) típica.

3.º) Dever de obter a informação ignorada, o que é inerente a qualquer mo-


delo de imputação subjetiva em que vigora o princípio da culpabilidade. Só
é possível se responsabilizar alguém pela falta de conhecimento se houver
o dever de conhecer o conteúdo ignorado.

4.º) Decisão de não conhecer por parte do agente, ou seja, que o estado de
falta de representação decorra de uma decisão do próprio indivíduo. A op-
ção pela ignorância deve ser voluntária, ou ao menos, consciente, podendo
traduzir-se tanto em ações concretas que objetivem evitar a informação,
com também em omissões do dever de conhecer.

Em resumo, “é o agente que podendo e devendo conhecer determina-


das circunstâncias penalmente relevantes de sua conduta, toma deliberada
ou conscientemente a decisão de manter-se em estado de ignorância em rela-
ção a elas” (CARVALHO; ROSA, 2019). Assim, essa pessoa será punida pelo
mesmo ato ilícito de quem o praticou originalmente.
190 | Nadialice Francischini de Souza

A sua aplicação plena no direito brasileiro ainda envolve muita discussão.


A principal crítica que se faz ao uso da teoria da cegueira deliberada encon-
tra-se no argumento de que ela foi criada para possibilitar uma condenação
penal em casos nos quais o Estado não é capaz de produzir as provas. Esse é
o entendimento de Elkan Abramowitz e Barry A. Bohr (2007), ao afirmarem
que essa teoria permite a condenação de um agente só pelo fato de ele não ter
se esforçado suficientemente para saber a verdade sobre os fatos.
Essa incidência contraria a teoria finalista adotada pelo ordenamento
penal brasileiro, que tem como elemento principal o dolo, ou seja, a von-
tade livre e consciente de praticar o ato lesivo, conhecendo e querendo as
consequências dele advindas. Nesse sentido, Gisele Mendes de Carvalho e
Gerson Faustino Rosa (2012) apontam a necessidade de dois elementos para
a configuração de um delito doloso: “o primeiro, de ordem intelectiva, é a
consciência; e o segundo, de ordem volitiva, é a vontade”. E complementam
afirmando que “o dolo eventual, exige para sua configuração, o elemento cog-
nitivo, sendo impossível assumir o risco de produzir o resultado daquilo que
não se conhece, ainda que minimamente”.
Afirmam Gisele Mendes de Carvalho e Gerson Faustino Rosa (2020),
ainda, que “Além do dolo, o Código Penal também possibilitou que a conduta
fosse atribuída ao agente a título de culpa, nos casos em que o agente deu
causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”.
Essa digressão sobre o ordenamento penal brasileiro serve para apontar
que:

Há, ao se tratar da ignorância deliberada, uma inversão na ordem daquilo


que deve ser, efetivamente, analisado. Pois prioriza-se o que o indivíduo
não sabe – os ditos conhecimentos que deveria e podia conhecer –, ao invés
de aferir-se aquilo que está devidamente representado pelo autor ao deci-
dir prosseguir em sua realização. (CARVALHO; ROSA, 2012).

Dessa forma, apesar do seu uso pelos Tribunais, a teoria da cegueira de-
liberada não é totalmente aceita pela doutrina penal, havendo discussão sobre
a sua legalidade e adequação ao sistema penal brasileiro.

3 RESPONSABILIZAÇÃO DO COMPLIANCE OFFICER COM BASE


NA TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA

O artigo 3º, da Lei n. 12.846/2013, prevê a responsabilização individual


dos dirigentes ou administradores da empresa ou de qualquer pessoa natural,
autora, coautora ou partícipe do ato ilícito, estendendo, como já salientado à
Perspectiva em Compliance | 191

figura do compliance officer. Mas este poderia ser responsabilizado com base
na teoria da cegueira deliberada?
O entrelaçamento entre compliance e Direito Penal surgiu mais recente-
mente como reflexo da expansão do Direito Penal Econômico e da crimina-
lidade empresarial. Dessa interligação é que surge a necessidade de agentes
internos nas empresas com a obrigação de “avaliar constantemente os proce-
dimentos (desta) com vistas a garantir a conformidade de sua atuação com as
exigências normativas, em especial quanto ao cumprimento das obrigações
de prevenção e repressão à lavagem de dinheiro”, a exemplo do compliance
officer. (MAGALHÃES, 2014).
Uma das hipóteses aventadas para a incidência dessa teoria é a situação
em que o compliance officer, deliberada e conscientemente, deixa de implantar
ou de supervisionar a implantação do programa de integridade pelo qual é
responsável, mecanismos imprescindíveis para o “recebimento de informa-
ções de operações suspeitas de lavagem de capitais, criando conscientemente
um mecanismo que veda a chegada ao seu conhecimento de qualquer dúvi-
da sobre a licitude dos bens” (SANTO, 2017).
Nesse caso, há a obrigação legal de garante, de agente econômico-finan-
ceiro protetor de um bem jurídico, e o indivíduo que detém essa responsa-
bilidade deve impedir o resultado danoso. Vlamir Costa Magalhães (2014)
entende que, caso esse agente opte pela “ignorância confortável, comportan-
do-se como o avestruz que enterra a cabeça para não ver a luz do sol”, ou seja,
se coloque em uma posição de fazer “vista grossa” e “ouvidos de mercador”,
permitido a ocorrência do crime, deve ser responsabilizado.
Essa é uma tese bastante controversa e que ainda merece ser bastante
discutida. David Rechulski (2020) defende que a aplicação da teoria da ce-
gueira deliberada aos casos em que o compliance officer se coloca propositada-
mente em uma situação de não querer ver o fato, ou mesmo em uma posição
de “desinteresse em melhor conhecer ou investigar a fundo algum fato poten-
cialmente ilícito no âmbito da empresa implicaria a assunção dolosa do risco
da ocorrência de um resultado lesivo”, não é o melhor caminho. Ele ainda
completa afirmando que, para esses casos, deve-se ter a incidência da figura
da omissão penal, prevista no artigo 13, § 2º, do Código Penal, que se:

[...] aplica quando o omitente poderia e deveria agir para evitar o resulta-
do, quedando-se inerte”. De acordo com o Código Penal, tal dever incumbe
a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção e vigilância; a quem
criou, com seu comportamento anterior, o risco da ocorrência do resulta-
do; ou a quem, de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o
resultado lesivo e nada fez para tanto. [...] o Compliance Officer tem o dever
de tudo fazer ao seu alcance para impedir a prática daquelas condutas
192 | Nadialice Francischini de Souza
associadas à corrupção, à subvenção da prática de atos ilícitos, às fraudes
nos procedimentos licitatórios, e outras correlatas, especialmente por meio
da implementação de um programa de compliance efetivo. Ao se omitir,
seja ao não implementar um programa de compliance efetivo, seja ao não
fiscalizar-lhe o cumprimento, ainda que podendo fazê-lo, e assim concorrer
para a ocorrência do resultado lesivo a que lhe comanda a lei evitar, poderá
ele ser envolvido no cenário das apurações para avaliar-se a relevância de
sua omissão diante do crime perpetrado. (RECHULSKI, 2020).

Débora Motta Cardoso (2013), fazendo uma análise sobre o crime de


lavagem de dinheiro, entende que as figuras jurídico-penais mais adequadas
para incidir são as já existentes no ordenamento jurídico brasileiro – o dolo
direto ou o dolo eventual, além das figuras omissivas, quando há o dever de
garante. A teoria da cegueira deliberada é uma figura muito próxima ao dolo
eventual; entretanto, na configuração do dolo eventual, é necessário que o
“agente que pratica uma conduta com dolo eventual, conscientemente admite
que sua ação possa vir a produzir o resultado, ainda que tenha uma mera es-
perança de que esse não ocorra”.
Na configuração da teoria da cegueira deliberada, o agente teria que
criar “estruturas de filtragem de informações a que tem acesso. Ela nada
pergunta, não deixa que lhe digam algo sobre a origem dos valores, cria bar-
reiras para que as pessoas lhe informem, não quer saber” (CARDOSO, 2013).
Essa posição, que deve ser assumida para a configuração e incidência
da teoria da cegueira deliberada, é totalmente contrária às obrigações que o
compliance officer assume. O compliance officer tem a obrigação legal e contra-
tual de evitar a conduta ilícita, de investigar tais atos, de implantar medidas
e políticas que as coíbam e, caso não o faça, incorre no resultado por omissão,
uma vez que assumiu a obrigação de impedir o resultado, incidindo no quanto
previsto no artigo 13, § 2º, “b”, do Código Penal.

4 CONCLUSÕES

A Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013, conhecida como Lei Anti-


corrupção ou Lei da Empresa Limpa, considerada um marco no combate às
práticas anticorruptivas, trouxe a possibilidade de punir civil, administra-
tiva e penalmente as pessoas jurídicas, seus dirigentes, administradores ou
qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito. Nesse
cenário, ganhou destaque a figura do compliance officer, uma vez que a implan-
tação do programa de compliance é colocada como ferramenta de combate à
corrupção e reduz a punição ou até mesmo evita a sua incidência.
Perspectiva em Compliance | 193

Sua principal atuação é no sentido de criar e implantar um efetivo de


compliance; realizar auditorias para garantir que as práticas de compliance
estão sendo efetivadas; gerenciar e controlar os riscos, principalmente os vin-
culados aos crimes de corrupção; criar e implantar código de ética e condutas.
E, apesar da sua importância, não se pode traçar um perfil do profissional
de compliance officer, pois as suas funções podem ser exercidas por qualquer
pessoa dentro da estrutura organizacional.
Contudo, havendo o compliance officer, qual a medida da sua responsabi-
lidade? É possível a aplicação da teoria da cegueira deliberada a situações em
que se envolva?
Tal teoria, de natureza penal e importada do direito estrangeiro, com
aplicação principalmente nos Estados Unidos da América, busca responsabi-
lizar o agente que, apesar de não participar da ação delituosa direta ou indire-
tamente, toma deliberada ou conscientemente a decisão de não saber do fato,
de se manter em estado de ignorância em relação à sua ocorrência. Ou seja, o
sujeito deveria desconfiar de alguma situação errada, mas não o faz.
Do entrelaçamento entre o compliance e a teoria da cegueira deliberada é
que surge a possiblidade de responsabilização do compliance officer pelas suas
omissões ou por não agir ativamente.
Como toda incidência recente, que ainda depende de uma discussão, há
posições a favor e contra a responsabilização do compliance officer com base
na teoria da cegueira deliberada. Entretanto, a posição que deve ser assumida
para a configuração e incidência da teoria da cegueira deliberada é totalmen-
te contrária às obrigações que o compliance officer assume.
O compliance officer tem a obrigação legal e contratual de evitar a con-
duta ilícita, de investigar tais atos, de implantar medidas e políticas que os
coíbam e, caso não o faça, incorre no resultado por omissão, uma vez que
assumiu a obrigação de impedir o resultado, incidindo o quanto previsto no
artigo 13, § 2º, “b”, do Código Penal.

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15
CRIMINAL COMPLIANCE: A POLÍTICA DE
CUMPRIMENTO DE NORMAS PENAIS COMO
INSTRUMENTO DE TUTELA AMBIENTAL
E SEUS IMPACTOS NA ATIVIDADE
ECONÔMICA EMPRESARIAL

Rubens Sérgio S. Vaz Junior44


Thalita Matos da Silva45

Os novos conflitos resultantes da globalização passam a atingir vítimas


indeterminadas e bens difusos, que pertencem à sociedade como um todo, não
podendo o Direito Penal, que desempenha o papel delicadamente responsável
44 Advogado especialista em Direito Ambiental Corporativo. Sócio do Escritório André
Medeiros. Mestre em Planejamento Ambiental pela Universidade Católica de Salvador.
Especialista em Processo Civil pela Universidade do Salvador. Especialista em Direito
Público do Estado realizado em parceria entre o Instituto de Educação Superior,
UNYAHNA de Salvador (IESUS) e o Centro de Estudos Jurídicos de Salvador (CEJUS).
Professor titular do Centro Universitário Jorge Amado na graduação de Direito.
Professor da Escola de Magistratura do Estado da Bahia (EMAB). Professor de Direito
Ambiental do Centro de Estudos José Aras. Professor de Direito Ambiental do Brasil
Jurídico. Professor de Direito Ambiental do CP IURIS. Autor de diversos livros. E-mail:
rssvaz@gmail.com.
45 Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Jorge Amado. Pós-graduanda em
Direito Público e Privado pela Uninassau. Participação nas obras coletâneas: MultiDireitos
volume 5 e Direito Ambiental: velhos problemas, novos desafios.
196
Perspectiva em Compliance | 197

no ordenamento jurídico de proteger efetivamente os maiores valores da hu-


manidade, ficar inerte diante dessa realidade social.
O pensamento jurídico moderno reconhece que o desígnio imediato e
primordial do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos, essenciais
ao indivíduo e à comunidade, norteada pelos princípios fundamentais da per-
sonalidade e individualização da pena, da culpabilidade, entre outros, pelo
império da lei formal, como ultima ratio e de sentido uniforme.
O estudo da criminalização de condutas ligadas à atividade econômi-
ca necessita da análise de seus reflexos ambientais, assim como o estudo do
regime legal destas atividades não pode ser desenvolvido sem a análise da
legislação penal vigente.
Ademais, na sociedade moderna, as transformações sociais, econômicas e
tecnológicas vivenciadas pelo mundo nos últimos anos vêm interferindo nos
sistemas penal e empresarial, máxime nos contemporâneos tempos de uma
sociedade de risco. Essas novas realidades ensejam o surgimento de um novo
tipo criminal, o empresarial, sendo visto como o de caráter supraindividual.
No Brasil, a legislação ambiental é ampla, além de ser considerada avan-
çada e com uma Carta Magna que favorece o meio ambiente. Em âmbitos
práticos, esse grande arcabouço legislativo tratando dos aspectos ambientais
acaba por desestimular muitas empresas a investirem no país, e mais: muitos
empresários por, desconhecerem o instituto, acabam por concluir que o in-
vestimento nesta área é algo custoso, desnecessário e que não oferece retorno
imediato.
Em outro aspecto, existem empresas que possuem o discernimento da
importância do atendimento à legislação ambiental e adotam condutas no
sentido de cumprimento das normas vigentes, garantindo dessa forma a sua
boa imagem para os consumidores e fornecedores, evitando assim a respon-
sabilização penal e consequentemente a mácula da imagem empresarial.
Ademais, tem em vista aumentar seu valor de mercado em consequência
de práticas sustentáveis, elevando seu conceito para o público devido às es-
tratégias de marketing, tornando-a apta ao mercado sustentável. Tal objetivo
inclina-se a aliar o desenvolvimento econômico à preservação do meio am-
biente, evitando futuras demandas judiciais decorrentes de possíveis danos
ambientais por meio da prevenção de riscos típicos das empresas. Além disso,
o Poder Público vem exigindo nas suas licitações que as empresas apresen-
tem seu programa de compliance.
Nessa circunstância, temos a política denominada de criminal compliance,
que vem de uma análise prévia da prática delitiva, com o intuito de distender
dispositivos de controles internos no âmbito corporativo para impedir ou
198 | Rubens Vaz Júnior & Thalita Silva

prevenir crimes nesse meio, preservando empresas e instituições financeiras


e atenuando sua persecução criminal.
Criminal compliance oferece ideologias consideráveis ao Direito Penal,
longe de ser apenas uma recomendação, porque traz várias formas alternati-
vas de solução e instrumentos práticos e efetivos de prevenção de crimes am-
bientais, estruturação de regras, programas, diretrizes, códigos de conduta,
manuais e deveres para implantação, cumprimento e fiscalização, com muito
rigor, de forma cautelosa e habilidosa, isto é, instrumentos de controle inter-
no e externo que visam a dar transparência no mundo empresarial.
O presente trabalho tem como objetivo principal o estudo do instituto
do criminal compliance decorrente da necessidade de adaptação da atividade
empresarial ao conjunto de normas penais que regem estas atividades, espe-
cialmente no que diz respeito à tutela ambiental e seus reflexos no âmbito da
atividade empresarial.

1 SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DO CRIMINAL COMPLIANCE

Pode-se dizer que se experimenta uma nova era do Direito Penal, em que
as obrigações de observância, a probabilidade de criminalização de pessoas
jurídicas, a responsabilização de seus sócios ou dirigentes e a necessidade da
prevenção de riscos empresariais constituem-se questões relevantes na con-
cepção da responsabilização criminal.
Nos últimos tempos, com o avanço da tecnologia, dos meios de comu-
nicação, da economia global e das transações comerciais, observou-se o sur-
gimento de novas condutas, consideradas dignas de tutela penal pelo legis-
lador. Em meio a esse cenário surge o instituto do compliance, que pode ser
compreendido como a implementação de políticas e mecanismos de contro-
les internos para fiscalizar as atividades empresariais, e o cumprimento das
normas legais e reguladoras, com a finalidade de prevenção e repressão de
delitos.
Na seara penal, o criminal compliance pode ser definido como uma pos-
sibilidade de se combater o que se entende atualmente como criminalidade
moderna, ou seja, combater a corrupção, lavagem de dinheiro, entre outros.
Assim, pode-se compreendê-lo como uma nova forma de mecanismo guiado
por um dever de colaborar com o Estado na prevenção da criminalidade no
ambiente empresarial.
O conceito de compliance constitui-se algo recente, surgido na década de
noventa, tornando-se o foco de estudos jurídicos ainda de maneira introver-
tida, porém, definitiva. Assim, verifica-se:
Perspectiva em Compliance | 199
Compliance estabelece uma relação, portanto, entre um “estado de con-
formidade” e uma determinada “orientação de comportamento”. Se esta
“orientação de comportamento” é uma norma jurídica, está-se diante de
Compliance jurídico, cuja designação varia conforme a área do direito, a
qual a norma a ser seguida se insere. (SAAVEDRA, 2016, p. 245).

Por outro lado, o desenvolvimento do compliance tem se dado ao lado


do Direito Penal e da Criminologia, sendo tal instituto debatido em âmbito
internacional. Há um movimento de estímulo ao debate sobre a necessidade
prévia de conhecimentos jurídico-penais para sua aplicação, razão pela qual
esse novo ramo de estudo tem sido designado pela doutrina internacional
como criminal compliance, em suma, uma pesquisa sobre os controles inter-
nos e de outras medidas que podem ser adotadas em empresas e instituições
financeiras com o fim de prevenção de crimes.
O criminal compliance visa a evitar danos por meio das práticas corpora-
tivas preocupadas com o meio ambiente, bem como pela adesão à ética como
elemento de atuação da empresa, em outro sentido também tem por objetivo
verificar possíveis crimes e criminosos na esfera de atuação da pessoa jurídica.
Criminal compliance se anexa ao contexto da acepção de que o Direito
Penal tem a missão de proteger bens jurídicos, individuais e coletivos, en-
tre eles o meio ambiente, que convenientemente requer um modo de atuar
preventivo e inevitavelmente se atenta a uma funcionalidade, a de formular
políticas criminais.
Para tanto, o encarregado pelo compliance assume um papel de garantia,
tendo em vista que sua atuação envolve a responsabilidade pelos resultados,
obrigação de cuidado e observação diante do cumprimento das normas e pre-
venção de riscos nas empresas.
Portanto, o primeiro atributo associado à expressão criminal compliance
é prevenção. Diversamente do Direito Penal tradicional, que está acostuma-
do à observação ex post de crimes, ou seja, na análise de atos omissivos e co-
missivos que já violaram, direta ou indiretamente, algum direito pautado de
tutela penal, o criminal compliance trata o mesmo fenômeno a partir de uma
análise ex ante, isto é, de uma análise de controles internos e das medidas que
podem prevenir a persecução penal da empresa.
No Brasil, o compliance ainda estabelece um instituto em desenvolvimen-
to, mas de ordem obrigatória às instituições financeiras, avançando de manei-
ra introvertida no que tange a outras áreas. Assim:

Em que pese o conceito tenha surgido na década de noventa, o tema ainda


não recebeu o merecido destaque no Brasil, sendo praticamente desconhe-
cido na academia e na doutrina jurídico-penal (especialmente no âmbito
200 | Rubens Vaz Júnior & Thalita Silva
da Criminologia). Mais: no âmbito empresarial, os potenciais atingidos
também parecem não ter se dado conta das fortes consequências jurídi-
co-penais desse novo instituto para o desenvolvimento de suas atividades.
(SAAVEDRA, 2011, p. 11).

Do mesmo modo, o chamado criminal compliance ainda estabelece um


tema novo no Brasil, mas que revela um avanço obrigatório diante da cres-
cente fiscalização das pessoas jurídicas, a indispensabilidade de prevenção e
aderência às normas que regulam a atuação empresarial dentro de seu ramo
de atividade, assim como a integração de todos os setores da corporação
jurídica a fim de prevenir riscos ao meio ambiente e a responsabilização penal
da empresa e das pessoas que dela fazem parte.

2 ATUAÇÃO DAS NORMAS PENAIS COMO APARATO À TUTELA


AMBIENTAL

Hodiernamente, nota-se que é indiscutível ser necessária a preservação


efetiva do meio ambiente, e agente fundamental para exercer tal dever tem
sido o Direito. Nesse diapasão, mesmo perante os obstáculos das diversas
áreas do conhecimento e da evolução humana que essa espécie particular de
tutela apresenta, os legisladores têm proclamado algumas boas razões para
se lançarem na senda da tutela penal ambiental.
Pode-se, por exemplo, afirmar que o incremento da dificuldade das rela-
ções sociais contemporâneas fez surgir novos lugares de interesse jurídico-
-penal e questões de diversos níveis de enredamento, cuja problematização
consumou no esgotamento explicativo dos parâmetros jurídicos clássicos,
invocando novos estudos que permitam um já indispensável aprimoramento.
Igualmente, o clamor social existente neste domínio, próprio à ampli-
tude do moderno movimento de neocriminalização e o fato de se tratar de
matéria cuja integridade penal já não se refuta, e ainda o motivo por que as
normas gerais, não penais, muitas vezes se mostram limitadas à proteção de
interesses sociais, impondo-se a atuação do Direito Penal à efetivação da sua
tutela. Nota-se, portanto:

Atribui-se legitimação, nos tempos presentes, à atuação do Direito Penal


não como tutela de bens jurídicos fundamentais da vida em sociedade, mas
como ‘poderosos instrumentos de mudança social e de transformação da
sociedade’. Trata-se de ‘um motor que dinamiza a ordem social e promove
as mudanças estruturais necessárias’. O Direito penal não deve limitar-se
apenas ao papel de mantenedor da ordem social, do status quo que lhe é
subjacente, mas deve, direta e imediatamente, imiscuir-se, de modo ativo,
nas relações tensionais que explodem na sociedade. (FRANCO, 1996, p.
170).
Perspectiva em Compliance | 201

A respeito das razões que levam à intervenção do Direito Penal na pro-


teção ambiental, extremamente necessária, como restou apontado, diante da
consolidação da citada sociedade de risco, nota-se que este é convocado a
cumprir seu papel de instrumento de controle de riscos juntamente com as
demais normas de outros ramos do Direito.
Nesse aspecto, não servem apenas as regulamentações de natureza civil e
administrativa para a proteção efetiva do ambiente. O Direito Penal também
tem sua função na sociedade contemporânea, cujas características ajudam no
discurso pela expansão desse direito, o que acaba colocando o administrador
de riscos, seja ele legislador, seja magistrado, diante de um conflito, tendo
em vista que ele deverá lidar, ao mesmo tempo, com os discursos de retração
dos âmbitos de abrangência das normas criminais e com a citada expansão
do Direito Penal, o que envolve, inclusive, uma análise que perpassa toda a
atividade político-criminal.
Dante dessas necessidades impostas pela sociedade contemporânea pós-
-industrial para a adaptação do Direito Penal como meio de defesa eficaz, em
face dos novos riscos ambientais e, portanto, visando a oferecer resultados
aos atuais clamores de proteção social, esse ramo do Direito desenvolve mo-
dificações estruturais, adaptando o sistema repressivo ao fenômeno da so-
ciedade de risco. Surge, então, o Direito Penal de Risco como um particular
setor do pensamento penal, com intuito de atender aos anseios por respostas
eficientes aos novos riscos ao meio ambiente perante a sociedade contempo-
rânea.
O Direito Penal de Risco, resultado da dogmática dessa coletiva onde
estão presentes os modernos riscos, cunhados de alta tecnologia e potencia-
lidade lesiva, caracteriza-se por uma série de instrumentos com os quais se
procura encarar acertadamente tais questões. É em virtude das novas dúvi-
das – as quais se colocam sobre a determinação dos perigos e seu julgamento
– que possibilidades acabam sendo formuladas no interior do sistema político.
Assim, o Direito Penal de Risco equivale à linguagem jurídica, segundo a
qual este Direito deve ser aplicado para enfrentar os novos riscos sem quais-
quer ressalvas, partindo de certas transformações consideráveis nos concei-
tos, institutos e princípios da dogmática. Em resumo, sugere a mitigação do
princípio da reserva legal, o amplo emprego de instrumentos próprios de
antecipação da tutela penal e o abandono de princípios básicos garantidores
do cidadão ante o ius puniendi, como a culpabilidade e a imputação objetiva,
entre outros.
As normas penais ambientais, nos termos do modelo de proteção legal
utilizado pelo legislador brasileiro, geram preocupações e críticas por parte
dos agentes do Direito, sobretudo do Direito Penal. Há que se pensar com
cautela sobre a aceitabilidade e os limites dessas maneiras típicas da técnica
202 | Rubens Vaz Júnior & Thalita Silva

legislativa característica do Direito Penal de Risco, voltando-se à questão da


tutela penal antecipatória do meio ambiente no contexto sociológico em que
este se apresenta na atualidade.
Por conseguinte, há restrições à criminalização desse precioso bem jurí-
dico que devem ser apontadas para que essa proteção jurídica não caminhe de
encontro aos princípios norteadores e fundamentos básicos do Direito Penal
do Estado Social e Democrático de Direito.

3 O MEIO AMBIENTE COMO BEM JURÍDICO PROTEGIDO NA ATUAL


SOCIEDADE DE RISCO

Na contemporaneidade, o corpo social de todo o mundo vem enfrentan-


do diversas dificuldades em face das inovações e dos prejuízos causados ao
meio ambiente. Cada vez mais aumenta a preocupação acerca dos recursos
naturais, sendo que estes vêm sendo devastados, o que reflete negativamente
na sociedade, diminuindo a qualidade de vida de todas as formas.
O meio ambiente é um bem jurídico difuso, destituído de conteúdo pa-
trimonial propriamente dito, pertencente a toda coletividade, que merece
especial e diferenciada proteção. A isso tudo se deve incluir o fato de que a
proteção do meio ambiente em regra entra em confronto com grandes inte-
resses econômicos, os quais, sob a retórica do progresso, tentam justificar as
agressões à natureza.
Com o passar dos tempos, nota-se que as atividades e a vida dos seres
humanos destroem progressivamente o meio ambiente e ameaçam as bases
da própria vida, dado que a capacidade do homem de usufruir os recursos e
de influenciar nos processos da natureza foi aumentando, as sociedades cres-
ceram, passando a deixar marcas cada vez mais profundas no ambiente.
Nos últimos anos, em meio à chamada sociedade de risco, tudo se anteci-
pou: o crescimento demográfico, os progressos científicos e técnicos, as novas
tecnologias, a mecanização na produção e nos transportes, a utilização quan-
titativa de energia, a urbanização. Ultimamente, o homem tem gerado dese-
quilíbrios cada vez maiores e uma completa destruição do meio ambiente, não
apenas nos territórios em que vive, mas também nos ciclos indispensáveis à
reprodução das condições de vida na Terra.
Sob a concepção de progresso, principalmente após as transformações
oriundas da Revolução Industrial, considerada marco histórico do século
XIX e o fenômeno de maior relevância da era contemporânea, a animação
com as constantes descobertas tecnológicas e as inesgotáveis necessidades
humanas de consumo, estimuladas por este novo modelo de desenvolvimen-
to, fizeram com que fossem ignorados os perigos da poluição e seus alertas.
Perspectiva em Compliance | 203

No Brasil, inicialmente, o art. 225 da Constituição Federal de 1988 re-


compensou todos os esforços ambientalistas na Assembleia Constituinte e
atribuiu a esse bem jurídico de natureza supraindividual um direito autôno-
mo, isto é, o direito ao meio ambiente, cuja preservação passa a ser a pilastra
em que se assenta a política econômico-social do país, e dedicou três parágra-
fos às atividades suscetíveis de causar danos ambientais. Em razão disso, atrai
a atenção aquele que trata da responsabilidade penal.
Em consequência da incontestável relevância da sua preservação, gerada
pela consciência da indispensabilidade da proteção já mencionada, que cada
vez mais vem acentuando-se, o Direito tem atestado intrínseco interesse pelo
meio ambiente, a ponto de este bem jurídico merecer tutela constitucional
em muitos países. O Brasil, sabidamente, trouxe algumas das mais avança-
das regras na busca de preservação desse novo ramo do Direito, “[...] como
consequência do registro feito, no sentido de que preservar e restabelecer o
equilíbrio ecológico se tornam questões de vida ou morte” (MILARÉ, 2005,
p. 844).
No mesmo sentido e de suma importância é a descrição de Celso Fiorillo
(2006, p. 18), que relata acerca do tema:

Já não é mais possível considerar a proteção da natureza como um objetivo


decretado pelo homem em benefício exclusivo do próprio homem. A natu-
reza tem que ser protegida também em função dela mesma, como valor em
si, e não apenas como um objeto útil ao homem. [...] A natureza carece de
uma proteção pelos valores que ela representa em si mesma, proteção que,
muitas vezes, terá de ser dirigida contra o próprio homem.

No intuito de deixar ainda mais visível os acontecimentos no decorrer


do tempo, Helita Custódio (2005, p. 2) enfatiza que:

É sempre oportuno relembrar que a destruição progressiva e irracional


dos recursos naturais, caracterizada pelo uso nocivo da propriedade
imobiliária e dos respectivos recursos naturais e culturais (águas, ar, solo,
subsolo, flora e fauna hídricas e terrestres, além dos bens integrantes
do patrimônio cultural), vem preocupando e alarmando notadamente as
comunidades científicas dos diversos campos, em face dos iminentes riscos
que envolvem a própria sobrevivência humana.

Foi nesse entendimento que o legislador pátrio, seguindo a inclinação


de muitos países ocidentais, aprovou em regime de urgência a Lei dos Cri-
mes Ambientais (Lei nº 9.605/98), festejada como objeto de grande avanço
pelos defensores da natureza, gerando, porém, muitas discussões e dúvidas
entre os juristas no tocante à sua aplicabilidade, tendo em vista os possíveis
204 | Rubens Vaz Júnior & Thalita Silva

embates de suas normas com os princípios penais constitucionais, sugerindo


inclusive a ineficácia desse tipo de proteção jurídica.
O meio ambiente, temática muito discutida e abordada na atualidade,
vem sendo exposto à necessidade de uma conscientização, por este motivo
deve ser tratado e conceituado para melhor entendimento da matéria am-
biental pela população mundial.

4 CRIMINAL COMPLIANCE E SEUS EFEITOS NO ÂMBITO


CORPORATIVO

A essencialidade da função do criminal compliance tem por meta adequar


as práticas corporativas para que os seus dirigentes não sejam surpreendidos
com responsabilização criminal por possíveis danos causados ao meio am-
biente em razão dos atos da empresa.
Conforme exposto, a matéria relacionada à responsabilidade ambiental
tem status constitucional, uma vez que está prevista no parágrafo 3º do art.
225 da Constituição Federal do Brasil de 1988 e afirmar que: “[...] as condu-
tas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infrato-
res, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, indepen-
dentemente da obrigação de reparar os danos” (BRASIL, 1988).
Vale destacar que, em razão da infinidade de normas regulatórias e le-
gais, os métodos de compliance podem variar consideravelmente entre as di-
versas atividades possíveis no mundo corporativo. Porém, o objetivo, inde-
pendentemente da área de atuação, sempre será o resguardo da empresa con-
tra problemas jurídicos ou administrativos com o meio ambiente que possam
ferir a sua reputação perante a sociedade.
Dentro desse vasto cenário, é natural que o empresário realmente preo-
cupado com a segurança e a imagem da pessoa jurídica possua, ao menos em
um primeiro momento, especial atenção com a composição do compliance.
Isso acontece porque o Direito Penal, verdadeiro alicerce do ordenamen-
to jurídico, é o que de forma legítima pode aplicar uma punição que restrinja a
liberdade do indivíduo, afastando-o do convívio em sociedade. Em síntese, é o
fenômeno da “prevenção geral negativa”, ou seja, o medo psicológico gerado
pela pena prevista que desencoraja o agente a cometer crime. Assim, nota-se:

O compliance seria fruto de um novo risco da atividade empresarial, dife-


rente do tradicional risco econômico, estar-se-ia falando de um risco nor-
mativo. Este risco normativo surge como o problema do empresário em
se adaptar a toda gama de normas que regem sua atividade, tais como
as normas de proteção ao sistema financeiro, meio ambiente, consumidor,
dentre outras. Assim, o compliance, em sentido amplo, pode ser definido
Perspectiva em Compliance | 205
como prevenção de riscos de responsabilidade empresarial por descumpri-
mento de regulações legais. (BACIGALUPO, 2011, p. 22).

As políticas de governança empresarial atreladas ao cumprimento das


regras devem ser desenvolvidas de acordo com as particularidades do ramo
das corporações e sua respectiva normatização jurídica. Cada área de atuação
está exposta a diversos riscos normativos específicos da atividade desenvol-
vida, de tal modo que não existe um modelo padrão de programa de cumpri-
mento, devendo ser construído e observado em cada caso concreto. Assim,
Benedetti (2014, p. 75) esclarece que:

Na verdade, quando se fala em compliance, automaticamente se quer refe-


rir aos sistemas de controles internos de uma instituição que permitam
esclarecer e dar segurança àquele que se utiliza de ativos econômico-fi-
nanceiros para gerenciar e prevenir a realização de eventuais operações
ilegais, que podem culminar em desfalques, não somente à instituição,
como também, aos seus clientes, investidores e fornecedores.

É necessário mencionar desde já que, à exceção da hipótese de crimes


ambientais, cuja legislação permite a punição das pessoas jurídicas, as sanções
penais recaem sobre a pessoa física, isto é, aquele que efetivamente praticou
a conduta criminosa. É incontestável que a prática de delitos no campo
corporativo causa resultados danosos tanto para a pessoa física quanto para
a pessoa jurídica. E é exatamente para evitar tais consequências que nasce o
denominado criminal compliance.
Por meio desse artifício, as empresas buscam implantar mecanismos in-
ternos para fixar condutas e comportamentos atrelados à ética empresarial e,
claro, compatíveis com as leis aplicáveis vigentes. O objetivo específico desse
regimento interno de compliance é prevenir a prática de condutas criminosas
por parte dos funcionários e dirigentes da empresa, em especial nas práticas
voltadas para as questões ambientais.
Não gera nenhum resultado quando apenas os sócios seguirem a legisla-
ção à risca e, paralelamente, um funcionário, agindo sozinho, corrompe agen-
tes públicos para obter uma promoção ou ganhos maiores em determinada
licitação. Cabe, pois, ao criminal compliance controlar essas situações, tudo
com o intuito de proteger tanto a imagem da empresa e também a dos seus
sócios, dirigentes e demais empregados, e de prevenir e evitar o envolvimento
da corporação em situações criminosas.
A criminalidade empresarial, antes limitada a algumas poucas hipóteses
práticas, desenvolveu-se muito e atualmente tem uma importância cada vez
maior no cenário jurídico mundial. Correlato a isso, o criminal compliance,
sem sombra de dúvidas, passou a ser algo essencial no âmbito empresarial.
206 | Rubens Vaz Júnior & Thalita Silva

O conhecimento jurídico-penal, dessa forma, é imprescindível para que


se analise e identifique os riscos a que determinada atividade empresarial
está exposta, de forma que esta avance de forma correta. Esse novo instituto,
chamado pela doutrina jurídica penal internacional como criminal compliance,
parece ser a melhor saída para os que desejam blindar suas atividades em-
presariais em face dos possíveis danos causados ao meio ambiente e para se
manterem competitivos em um mercado cada vez mais exigente de práticas
de integridade e ética das corporações.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As ideias expostas acima no desenvolver do presente artigo permitem


evidenciar as hodiernas considerações no que tange à relação entre as polí-
ticas de criminal compliance aplicáveis às atividades empresariais e os seus
reflexos no meio ambiente.
Nesta análise, pôde-se verificar a tutela do meio ambiente como bem
jurídico que deve ser resguardado em razão da sua fragilidade perante as
atuações das empresas, de seus dirigentes e de situações que perfazem a atua-
lidade, considerando a grande quantidade de poluentes existentes.
O Direito Penal tem sido muito requisitado pela sociedade e, a todo tem-
po, tem passa por consideráveis transformações para responder à crimina-
lidade contemporânea. O modelo clássico de atuação repressiva do Direito
Penal sempre se mostrou adequado para cumprir seu objetivo relativamente
simples de tutela de bens jurídicos individuais.
Em outro aspecto, os crimes contra o meio ambiente, que ferem bens
jurídicos universais, cujos danos são maiores e na maioria vezes irreversíveis,
não têm combate fácil para o Direito Penal em sua forma tradicional, o qual
é provocado a buscar mecanismos diversos para atingir uma proteção efetiva.
Dessa forma, aparecem propostas modernas que defendem um Direito Penal
em um modo de atuação preventivo.
Determinadas atividades empresariais estão sujeitas a um complexo re-
gramento jurídico, especialmente no âmbito do Direito Penal e do Direito
Empresarial, notório exemplo diz respeito às atividades que envolvem em
seu objeto o risco de atingir a natureza. Aos naturais riscos do negócio ju-
rídico soma-se o risco normativo, representado pela necessidade de correta
adaptação ao regramento jurídico-normativo, demandando a implementação
de políticas de conformidade penal empresarial.
O ordenamento jurídico do Brasil segue um caminho de política criminal
desenvolvida internacionalmente por meio da qual se busca uma amplificação
Perspectiva em Compliance | 207

do âmbito de alcance das normas penais, incluindo a responsabilização crimi-


nal e administrativa das pessoas jurídicas.
Nesta linha de política criminal, foi criada e publicada a Lei de Crimes
Ambientais, que incorpora ao ordenamento jurídico brasileiro sanções penais
e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambien-
te, que, por decorrência lógica, demandam da atividade empresarial novos
investimentos na prevenção de ilícitos. Em face do exposto, a implementação
de políticas de criminal compliance é uma realidade a ser enfrentada pelas
empresas brasileiras. A análise de seus custos não pode ter a desatenção do
Direito.
A prevenção da realização do ilícito penal em benefício da empresa e de
crimes cometidos em seus invólucros deve ser incorporada nas práticas de
governança corporativa, o que resultará em nítidos avanços na política cri-
minal nacional, especialmente nas áreas de crimes ambientais, na medida em
que se substitui o ineficaz estimulo pela ameaça de pena por um incentivo po-
sitivo advindo dos benefícios do melhor desempenho da atividade econômica
em adequação às normas de prevenção e conformidade, alçando a realidade
empresarial corporativa brasileira a patamares não antes imaginados.
A conscientização e o regramento de condutas a serem adotas pela mo-
tivação das empresas em prol da proteção do meio ambiente serão de impor-
tância extrema, tendo em vista a necessidade de estagnar a sociedade de ris-
co, mitigando as condutas danosas ao meio ambiente. Para tanto, a sociedade
de proteção do meio ambiente e a função do processo em matéria ambiental
formularam resultados positivos perante a atual sociedade de risco, no in-
tuito de enfatizar a conscientização da comunidade, diminuindo os riscos e
estimulando as atuações em benefício do meio ambiente.

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208 | Rubens Vaz Júnior & Thalita Silva
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16
COMPLIANCE: ANTICORRUPÇÃO E
LAVAGEM DE DINHEIRO

Tatiane Lima dos Santos46

O presente artigo trata do compliance, da anticorrupção e lavagem de di-


nheiro. A noção de compliance e a implementação de seus mecanismos de con-
trole interno estão presentes no cenário brasileiro há aproximadamente vin-
te anos, embora até 2012 restritas ao setor financeiro. A Lei nº 12.683/2012,
que determinou a adoção de políticas, procedimentos e controles internos; a
Lei nº 12846/2013, que entre outras disposições trata da responsabilização
administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Admi-
nistração Pública, nacional, ou estrangeira, bem como a Operação Lava Jato,
que desde 2014 investiga crimes de corrupção ativa e gestão fraudulenta,
lavagem de dinheiro, organização criminosa, obstrução da justiça, operação
fraudulenta de câmbio e recebimento de vantagem indevida incentivaram a
implementação dessa prática e mecanismos nos cenários das sociedades pri-
vadas não financeiras, obrigando-as a iniciar um ciclo de mudanças, com rees-
truturações estratégicas, organizacionais e tecnológicas, além de reciclagem
constante, buscando a otimização dos recursos humanos, incrementando o
treinamento e fortalecendo a política de controles internos e a conduta ética.

46 Advogada. Especialista em Ciências Criminais e Direito Público. Pós-graduanda em


Direito Médico e da Saúde. E-mail: tatianelsantos.adv@gmail.com.
209
210 | Tatiane Lima dos Santos

Sua evolução histórica no Brasil inicia-se em 1998, com a publicação da


Lei nº 9.613, que dispõe sobre crime de lavagem ou ocultação de bens; em
2012, tem-se a publicação da Lei nº 12.683, que alterou a Lei nº 9.613/98 para
tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro;
em 2013, a publicação da Lei nº 12.846, chamada de Lei Anticorrupção; e,
por fim, em 2014, a Primeira Fase da Operação Lava Jato e sua aplicação no
Direito hodierno, buscando demonstrar a atual necessidade de se ter uma
interpretação mais horizontalizada de cada requisito apontado.
O compliance tem fundamental importância para o desenvolvimento eco-
nômico do país com integridade e conduta ética, evitando cada vez mais o
desvio de sua finalidade para burlar a lei.
Desse modo, o atual trabalho acadêmico busca esclarecer toda a proble-
mática decorrente do tema proposto, tendo como fundamentos a análise da
legislação pátria, bem como a pesquisa doutrinária e jurisprudencial, e ainda
um não engessamento do Direito pelos intérpretes e aplicadores da Lei, para
que se evite uma maior lesão aos cofres públicos, de modo que o Estado possa
atender com satisfação as suas demandas.
Busca-se ainda apresentar respostas ou possíveis soluções para a temá-
tica, abordando o assunto de forma a inibir que os integrantes da sociedade
empresarial se esquivem de suas obrigações, apontando os danos causados ao
patrimônio público, o que gera a impossibilidade de prestação de serviços e
de realização de obras públicas que beneficiam toda a sociedade.
A pesquisa é de natureza aplicada, pois o problema a ser tratado é um
caso específico e basicamente mostra quem deve figurar no polo ativo ou pas-
sivo da obrigação, sendo sua abordagem bibliográfica, de cunho qualitativo,
pautada em livros, artigos científicos e outros meios de informações periódi-
cas, como revistas e boletins jurídicos, em bibliotecas virtuais e sites. Com o
objetivo de propiciar uma compreensão mais adequada, foi dado a este traba-
lho uma divisão em três capítulos bem definidos, sendo a pesquisa realizada
no período de março a julho do de 2018.

1 DESENVOLVIMENTO

Compliance é um conjunto de medidas internas adotadas por um deter-


minado agente econômico, que permite a esse agente prevenir ou minimizar
os riscos de violação às leis decorrentes de suas atividades, ou detectá-los
mais rapidamente caso se concretizem. Compliance vem do inglês to comply,
significando estar de acordo, cumprir com as leis e regulamentos estatais.
(VERÍSSIMO, 2018) O tema compliance tomou de assalto o mundo jurídico
e, em especial, o universo do Direito Penal. Diversos debates internacionais
têm sido traçados mundo afora sobre a questão, ainda que muitas vezes sem
Perspectiva em Compliance | 211

respostas conclusivas. O cenário jurídico-penal brasileiro, no entanto, mesmo


com previsões genéricas do assunto desde 1998, parecia até recentemente
pouco se inquietar. A preocupação, contudo, parece absolutamente urgente,
principalmente em face das mudanças legislativas que recentemente têm en-
trado em vigor (SILVEIRA; SAA-DINIZ, 2017).
A noção de compliance e a implementação de seus mecanismos de contro-
le interno estão presentes no cenário brasileiro há aproximadamente vinte
anos, embora até 2012 estivessem apenas no setor financeiro. Sobre o tema,
leciona Carla Veríssimo, em sua obra Compliance: incentivo à adoção de medidas
anticorrupção:

Há, contudo, uma diferença fundamental entre o compliance com as normas


de prevenção à lavagem de dinheiro e o compliance com a lei anticorrupção:
enquanto o primeiro é obrigatório, o segundo é facultativo. A adoção de
procedimentos de integridade, auditoria e códigos de ética são apenas in-
centivados pela Lei 12.846/2013. A falta de compliance com as normas ati-
lavagem de dinheiro pode acarretar a imposição de sanções administrati-
vas tanto para a empresa como para as pessoas físicas. A falta de compliance
com as normas anticorrupção impede apenas o benefício da mitigação da
pena de multa administrativa que for imposta à empresa. (VERÍSSIMO,
2018).

Ademais, ainda na literatura de Carla Veríssimo:

Se o benefício oferecido pela lei anticorrupção para a empresa que pos-


sui e aplica um programa de integridade (compliance) é a possibilidade
de redução da multa aplicada em decorrência da prática de atos lesivos
à Administração Pública, a ameaça desta sanção – imposta no âmbito de
um processo administrativo – será suficiente para motivar as empresas a
implementarem esses programas? (VERÍSSIMO, 2018).

Portanto, o conceito de compliance descreve a necessária obediência às


normas sobre prevenção e combate ao crime de lavagem e anticorrupção, e
impõe aos sujeitos legalmente obrigados, sob pena de sanções administrati-
vas e criminais, a prevenção, a investigação e a comunicação às autoridades
competentes dos delitos praticados.
Para compreender esta forma emergente de criminalidade e avaliar tan-
to as questões jurídicas quanto os possíveis impactos desta nova modalidade
de intervenção no funcionamento do mercado, é necessário demonstrar os
fundamentos teóricos sob os quais este novo padrão regulatório foi produzi-
do. O sistema brasileiro antilavagem de dinheiro permite observar com algu-
ma clareza as assim chamadas três gerações de leis de lavagem de dinheiro,
com referência à técnica dos tipos penais de conexão e à forma com que as
212 | Tatiane Lima dos Santos

atualizações legislativas buscaram atender às demandas da dinâmica da glo-


balização econômica (GUARAGNI; BACH; SOBRINHO, 2017).
Na primeira geração, os interesses tutelados estavam centrados no com-
bate ao tráfico de drogas, fazendo referências (Decreto nº 154/1991) à Con-
venção da ONU contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psi-
cotrópicas, a Convenção de Viena de 1998. Logo depois, já adentrando para a
segunda geração com a publicação da Lei nº 9.613/1998, o Brasil aumentou
o catálogo de delitos antecedentes – além do tráfico de drogas, terrorismo
e seu financiamento, tráfico de armas, extorsão mediante sequestro, crimes
contra organizações criminosas (art. 1º da Lei 9.613/98) – e criou sua unida-
de de inteligência financeira (art. 14), o Conselho de Controle das Atividades
Econômicas (COAF). Desde 1999, os esforços de alinhamento internacio-
nal induziram à adoção de modelos especiais de “cooperação mútua” (COAF,
2012). É com base nos entendimentos acima expostos que se defende, nesta
pesquisa, as chamadas políticas anticorrupção e antilavagem de dinheiro.
A corrupção é uma expressão polissêmica, pois o seu significado vai
depender do comportamento do seu corruptor. Dentre os vários conceitos
existentes, destacam-se alguns, os quais estão presentes no dicionário: “des-
moralização”, “decomposição”, “subornação”, “depravação”, “ação ou efeito de
corromper”, destroçar algo”. Grecco Filho (2015) entende que a corrupção
“pode ser comparada a uma doença, a um vício que impulsiona o sujeito a
sempre querer mais e mais”, e que a ganância “seria um dos genes que fariam
parte do elemento subjetivo do agente”. Isso porque, o corrupto é insaciável,
possui a necessidade de ter sempre mais, sendo que o crescimento do seu
patrimônio ilícito o impulsiona a cometer outros atos de corrupção, já que
apenas um ato não o satisfaz (GRECCO FILHO; RASSI, 2015)
O Brasil está entre um dos países mais corruptos do planeta, ao alcan-
çar a 69ª posição dentre os 175 países, em um estudo elaborado pela ONG
Transparência Internacional no ano de 2014. O risco de corrupção no Brasil,
assim, é considerado alto, sendo visível a necessidade de criação de mecanis-
mos de controle por parte das autoridades, bem como a implementação e o
aprimoramento de programas internos de prevenção dessa criminalidade no
interior das empresas (UGAZ, 2014).
Nesse cenário, duas leis brasileiras estabelecem regras de cooperação pri-
vada e incentivam as instituições a colaborarem com a investigação: a Lei Fe-
deral nº 9.613/1998, com as alterações introduzidas pela lei nº 12.683/2012,
e a Lei Federal nº 12.846/2013, regulamentada pelo Decreto nº 8.420/2015,
denominadas, respectivamente, de Lei de Lavagem de Dinheiro e de Lei An-
ticorrupção Empresarial.
Perspectiva em Compliance | 213

A lavagem de dinheiro, conhecida também como “branqueamento de ca-


pitais”, é o ato ilícito de favorecer, ou até acobertar, a prática de outras con-
dutas ilícitas; assim, tem como objetivo transformar em lícitos valores e bens
patrimoniais que foram adquiridos de forma ilícita. No que diz respeito à Lei
de Lavagem de Dinheiro, o instrumento estabeleceu regras de cooperação
privada, instituindo obrigações às pessoas e instituições que atuem em seto-
res considerados sensíveis ao crime (SPECK, 2000).
Segundo Grecco Filho e Rassi (2015), a principal finalidade dessa lei
é a imposição rigorosa de penalidades de natureza civil e administrativa a
pessoas jurídicas que estejam relacionadas à corrupção de agentes públicos
e de fraudes às licitações, bem como fortalecer os órgãos de fiscalização para
inserir a cultura anticorrupção.
O objetivo pretendido com este estudo não é causar nenhum tipo de bar-
reira que venha a dificultar a abertura de novos empreendimentos, mas evitar
que haja violação à integridade e à não conformidade.
Fraude é um fenômeno sistêmico que provoca rupturas no cenário
social e vultosos prejuízos às organizações governamentais e privadas, e em
última instância ao cidadão. A literatura sobre esse fenômeno ainda é polê-
mica quanto aos conceitos e aos indicadores. Os indicadores possíveis são
obrigatoriamente indiretos e devem ser utilizados com cuidado. Para lidar
com as dificuldades teóricas e de mensuração, propõe-se estudar o fenôme-
no da fraude na percepção moral do indivíduo, com intuito de estimular o
desenvolvimento de programas de compliance visando a mitigar o risco e a
controlar a fraude nas organizações por meios de instrumentos formais e de
ações relativas à cultura (SANTOS, 2011).
Assim, faz-se necessário aprofundar o conhecimento de fatores que in-
fluenciam a decisão do indivíduo no cometimento de fraude em organizações
privadas e avaliar os resultados da implantação de programas de compliance
na percepção moral dos indivíduos dessas organizações.
A fraude e a corrupção eram tratadas na literatura acadêmica com bre-
vidade; forneciam material para anedotas e cochichos sociais, mas não eram
vistas como um problema a ser enfrentado por meio de políticas e reformas
específicas (SPECK, 2000). A corrupção era considerada um “lubrificante” da
economia, cuja existência era benéfica. Quando muito, economistas (LEFF,
1964) observavam a corrupção como possível causa de alguns prejuízos para
a eficácia econômica. No entanto, como fato de pouco impacto na ordem das
coisas, não era digna de estudo e muito menos de intervenção.
Na primeira década do século XXI, o debate sobre corrupção aumentou
e ganhou densidade. Os indicadores mais utilizados para quantificar a cor-
rupção são: os escândalos relatados na mídia; as condenações contabilizadas
214 | Tatiane Lima dos Santos

nas instituições ligadas à esfera penal; as informações obtidas em pesquisas


entre cidadãos (SPECK, 2000). O primeiro indicador origina-se nas notícias
expostas pela grande mídia. O segundo indicador – condenações penais – uti-
liza dados de órgãos investigativos e punitivos, como Ministério Público, po-
lícia, comissões parlamentares de inquérito, entre outros. Por fim, o terceiro
indicador – informações obtidas por meio de pesquisa de opinião – investiga
com os cidadãos o grau e a extensão da corrupção na sociedade, as percep-
ções morais sobre o fenômeno e a conceituação de corrupção (SPECK, 2000).
Sendo assim, o conceito de corrupção define-se, segundo a Controlado-
ria-Geral da União, como:

Relação social (de caráter pessoal, extramercado e ilegal) que se estabelece


entre dois agentes ou dois grupos de agentes (corruptos e corruptores),
cujo objetivo é a transferência de renda dentro da sociedade ou do fundo
público para a realização de fins estritamente privados. Tal relação envolve
a troca de favores entre os grupos de agentes e geralmente a remuneração
dos corruptos ocorre com o uso de propina ou de qualquer tipo de pay-off,
prêmio ou recompensa. (CGU, 2009, p. 60).]

Desta forma, discutir compliance é compreender a natureza e a dinâmica


da corrupção e da fraude nas organizações independentemente de seu ramo
de atividade. No entanto, para as organizações que possuem suas atividades
controladas por órgãos reguladores do Poder Público, por se tratar de ativi-
dades de prestação de serviço ao público, a exemplo das instituições finan-
ceiras, distribuidoras de energia, comunicação, aviação, entre outras, há uma
série de exigências legais que devem cumprir, sob pena de até mesmo serem
impedidas de exercer suas atividades, sofrer danos à sua imagem ou ainda
sanções às organizações e aos indivíduos (podendo gerar processos adminis-
trativos ou até mesmo criminais).
Embora haja previsão legal, o esboço feito no capítulo anterior demons-
trou que a ameaça de punição administrativa e civil sob a Lei Anticorrupção
não parece ser suficiente para motivar as empresas a adotarem programas
ou medidas simplificadas de compliance, em razão da baixa probabilidade de
aplicação efetiva dela (SILVEIRA; SAA-DINIZ, 2017).
Mesmo sustentando não haver, na lei, um incentivo real para a elabo-
ração e a implementação de programas ou medidas de compliance, pensamos
que a definição de parâmetros para a avaliação de sua efetividade é necessária.
Contudo, se uma empresa optar pela negociação de um acordo de leniência,
terá que concordar com cláusulas que exigirão a adoção, aplicação ou aper-
feiçoamento de um programa de compliance (AGU; MJ; PR; CGU, 2015), uma
vez que fora regulamentada a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que
Perspectiva em Compliance | 215

“dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela


prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá
outras providências” (BRASIL, 2013).
Deste modo, o gozo dos benefícios previstos no acordo de leniência, ao
final de seu cumprimento, dependerá, além do atendimento de outras obri-
gações assumidas pela empresa, da comprovação da efetividade do programa
ou das medidas de compliance adotadas (SILVEIRA; SAA-DINIZ, 2017). Ou
seja, para que um programa de compliance possa contribuir para a conformi-
dade com as leis e repercutir favoravelmente na responsabilização da pessoa
jurídica e das pessoas físicas, ele deve ser efetivo.
Não obstante, não há sentido em exigir que empresas pequenas ou mé-
dias contem com estruturas complexas de prevenção de delitos, pois os pro-
gramas de compliance têm um custo importante. Segundo Carla Veríssimo
(2018), o programa ou o sistema utilizado deve ser adequado ao porte da
empresa e também aos riscos que ela enfrenta. Em muitos casos empresas
pequenas ou médias poderão desenvolver o compliance por meio de medidas
mais simples, e que nem sempre poderão ser caracterizadas como programas
de compliance.
Ademais, a autora supracitada, ainda em sua obra, expõe que a ISO
370001 é que detalha os sistemas de administração anticorrupção, ressalta
a importância de se compreender a organização e seu contexto: as questões
externas e internas que são relevantes para os seus propósitos e que afetam
sua habilidade de atingir objetivos de prevenção da corrupção. Quanto maior
a empresa, mais complexa é a tarefa de incorporar um sistema de cumpri-
mento normativo.
A implementação de um programa de compliance é um processo progres-
sivo, que deve se estender a todos os níveis de atividade da empresa. Para que
se possa desenvolver uma cultura de compliance, são necessárias atividades em
distintas instâncias da organização. O primeiro passo é comunicar ao conjun-
to de empregados a existência e o conteúdo do código de ética da empresa.
Outro ponto importante também é o incentivo à observância do compliance,
que deve ser promovido pela direção da empresa de maneira incessante. Ela
pode ser exercida por meio de palestras, comunicações por escrito, debates
entre os empregados etc. Porém, a direção da empresa deverá igualmente
observar o compliance na administração do negócio e nas decisões que tomar
(SILVEIRA; SAA-DINIZ, 2017, p. 321-343).
As medidas organizacionais que a empresa precisa adotar devem ter
por escopo evitar as oportunidades de violações das normas legais, regula-
mentares e éticas, bem como possibilitar a descoberta de fatos ou atos que
impliquem violação dessas normas. Engelhart (2014) aponta que medidas
216 | Tatiane Lima dos Santos

especiais devem existir para os dirigentes da empresa, já que sua conduta po-
derá ser observada e controlada apenas por poucas e determinadas pessoas.
Assim, ainda poderia ser utilizado um comitê de compliance especial, para o
qual os dirigentes devam reportar regularmente.
Por fim, a Lei Anticorrupção mencionou um já antigo conhecido do Di-
reito Penal: o acordo de leniência. Explicitamente, a Lei Anticorrupção refe-
riu, em seu art. 16, a possibilidade da autoridade máxima de cada órgão ou
entidade pública de celebração de acordo de leniência:

Art. 16 – A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá


celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pelas
práticas dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as
investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração
resulte: [...]

I – a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e

II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o


ilícito sob apuração.

§ 1º O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preen-


chidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I – a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em


cooperar para a apuração do ato ilícito;

II – a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração


investigada a partir da data de propositura do acordo;

III – a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere ple-


na e permanentemente com as investigações e o processo administrativo,
comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos
processuais, até seu encerramento [...]. (BRASIL, 2013).

Com isso em mente, tem-se, segundo o § 2º, que “a celebração do acordo


de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do
art. 6º e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da
multa aplicável” (BRASIL, 2013).
Já o art. 17 da Lei Anticorrupção vai mais longe ainda e destaca que:

A administração pública poderá também celebrar acordo de leniência


com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei
8.666/93, com vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas
estabelecidas em seus artigos 86 a 88. (BRASIL, 2013).
Perspectiva em Compliance | 217

Desta maneira, os trabalhos relativos à criminalidade empresarial, desde


anos, mencionam os mecanismos de controle interno e externo como um
fator preventivo respeitável, e todo o apoio a instrumentos de denúncia da
própria empresa também tem sido valorizado, apesar de certa oposição da
seara penal.
Contudo, sob o prisma utilitarista, seria possível sustentar que aqueles
que fazem denúncias atuariam como defensores de uma ética maior. Indu-
bitavelmente, a noção mais apropriada de um instituto dessa ordem impõe
pensar que as denúncias podem ser de ordem interna ou externa. Nesse meio
tempo, é de se imaginar que existem informações privilegiadas em âmbito
interno que mais facilmente podem colaborar com uma verdadeira prevenção
de fenômenos ilícitos em termos empresariais.
Todavia, o Decreto nº 8.420/2015, ao regulamentar a Lei Anticor-
rupção, também cuidou dos acordos de leniência no Capítulo III. Levando
adiante a ideia de que seria necessário introduzir incentivos à colaboração
no ordenamento brasileiro, segue com a proposta de “isenção” ou “atenua-
ção” no manejo do sistema de sanções (art. 28), contanto que o programa de
leniência colabore tanto com a identificação dos demais envolvidos na infra-
ção administrativa quanto na obtenção célere de informações e documentos
que comprovem a infração sob apuração. Ao que tudo indica, a ideia seria a
consagração da leniência como o verdadeiro pilar fundamental da política
anticorrupção brasileira.
Portanto, tais regras, em que pesem serem previstas em alguma sorte de
previsão, podem gerar derradeiramente um efeito reverso, que é o de trans-
formar o acordo de leniência, de pilar fundamental agora da política anticor-
rupcional, em verdadeiro “calcanhar de Aquiles” do sistema.

2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, é importante que cada empresa adote um pro-


grama de compliance, estabelecendo normas a serem cumpridas e respeitadas
com seriedade pelos envolvidos, distribuindo as funções e competências entre
todos, elaborando um sistema que evidencie com rigor as condutas crimino-
sas e mantendo uma relação transparente para com todos os envolvidos.
Ademais, é necessário que as empresas deem a devida atenção a este
instituto, implantando esses programas de compliance no cotidiano de suas
atividades empresariais, ainda mais depois da criação de leis que permitem a
responsabilização objetiva civil e administrativamente da pessoa jurídica por
atos praticados pelos administradores e empregados delas.
218 | Tatiane Lima dos Santos

Por fim, a partir do momento em que as empresas começarem a aderir


ao instituto do compliance (criminal compliance), em suas atividades corpora-
tivas provavelmente não haverá mais a prática de condutas ilícitas, mas se
houver, elas terão a possibilidade de individualizar as condutas com precisão,
e o Direito Penal poderá cumprir seu objetivo de resolver as exigências da
sociedade de risco sem precisar flexibilizar seus princípios e as garantias fun-
damentais.
Além do mais, as ferramentas do compliance contribuem para o enfren-
tamento da fraude, daí a relevância das organizações investirem em um pro-
grama complexo de gestão da ética, que deve compreender ações como a
elaboração de código de conduta. Por fim, observa-se, nos limites deste tra-
balho, que a existência de um código de conduta sem o acompanhamento de
um canal de denúncias tende a inibir a denúncia de atos antiéticos de colegas
de trabalho, o que não ocorre quando se aplica um programa de compliance
integrando essas duas ferramentas.

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responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de
atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras
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do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho
de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências.
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Regulamenta a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre
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providências. Presidência da República, Casa Civil. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/d8420.htm.
Acesso em 7 mai. 2020.
Perspectiva em Compliance | 219
CONSELHO DE CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS (COAF) -
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perspective. In: BRODOWSKI, D. (et al.). Regulating corporate criminal
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anticorrupção. 1. ed. (2ª tiragem). São Paulo: Saraiva, 2018.
COMPLIANCE ELEITORAL
17
CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMPLIANCE
E O FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS NO
DIREITO ELEITORAL BRASILEIRO

Fábio S. Santos47
Cleudes Cerqueira de Freitas Junior48

Nos últimos anos, pôde-se perceber um crescimento financeiro exacer-


bado direcionado a campanhas eleitorais, de tal modo houve também um
aumento relevante de escândalos de corrupção envolvendo a Administração

47 Doutorando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).


Mestrado e Doutorado pela Universidade Salvador (UNIFACS) e Bolsista CAPES.
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Especialista
em Direito Público e em Docência do Ensino Superior. Membro do Grupo de Pesquisa
em Análise Econômica do Direito (UFBA), Educação e Desenvolvimento e em Cidades,
Urbanismo e Urbanidades. Pesquisador do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
Líder do Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos, Violência e Minorias Invisíveis
(UNIRUY). Professor (Cursos de graduação e pós-graduação) de Direito, Metodologia
Científica e Pesquisa Jurídica (Centro Universitário Ruy Barbosa – UNIRUY Wyden
Educacional); Faculdade Nobre de Feira de Santana (FAN), Unidade de Ensino Superior
de Feira de Santana (UNEF), Universidade Católica do Salvador (UCSAL), Faculdade de
Tecnologia e Ciências (FTC). E-mail: fabiosantosdireito@gmail.com.
48 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ruy Barbosa (UNIRUY Wyden
Educacional). Bacharel em Ciências Contábeis. Pós-graduando em Direito Processual
Civil. Pós-graduando em Direito Eleitoral. E-mail: cleudes_junior@hotmail.com.
223
224 | Fábio Santos & Cleudes Freitas Júnior

Pública. Sendo assim, surgiu a necessidade de acompanhar as grandes em-


presas doadoras e candidatos a mandatos eletivos.
Nesse contexto, houve o surgimento do compliance eleitoral nos partidos
políticos brasileiro, cujo objetivo é fiscalizar as doações recebidas e efetuadas,
a fim de garantir que todas as estas estejam de acordo com o estrito cum-
primento da legalidade, tendo-se em vista que as campanhas eleitorais bem
como os partidos políticos devem pautar suas ações na trilha da transparên-
cia e da ética, e adotar procedimentos e formas de controle eficazes, seguindo
as boas práticas de governança com o escopo de evitar a prática de ilícitos
criminais, administrativos e cíveis.
Ocorre que, com o advento do compliance, surge o seguinte questiona-
mento doutrinário: quais seriam as fontes financeiras ideais capazes de arcar
com gastos das campanhas eleitorais, garantindo a probidade e democracia
das eleições? Quais sistemas de controle servem para proporcionar maior se-
gurança quanto às análises econômico-financeiras, possibilitando uma atua-
ção correta e adequada, protegendo contra os riscos de corrupção e fraudes,
que sejam conhecidas e cumpridas por todos, com padrões de transparências?
Diante de tais questionamentos, o objetivo geral deste artigo científico
consiste em compreender e discutir acerca do compliance sob a ótica do Direi-
to Eleitoral brasileiro. Quanto aos objetivos específicos, temos: a) compreen-
der o financiamento das campanhas eleitorais brasileiras com o advento da
Lei nº e 13.488/2017 e da emenda constitucional 97/2017; b) analisar o au-
mento da verba para o fundo partidário; c) refletir sobre o impacto social com
a retirada de investimentos de outros setores para o custeio das campanhas.
No que tange à metodologia da pesquisa realizada para este estudo, ba-
seia-se em uma pesquisa bibliográfica, realizada em fontes primárias e secun-
dárias, em livros, artigos de revistas e sites especializados. A pesquisa biblio-
gráfica será constituída principalmente de artigos científicos e livros, visto
que permite a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla. Já a
pesquisa documental, embora se assemelhe à pesquisa bibliográfica, permite
que se tenha acesso a documentos como reportagens de jornal, relatórios de
pesquisa, documentos oficiais, revistas eletrônicas entre outros. É convenien-
te mencionar como fonte de estudo e fundamentação teórica bibliografias de
diversos doutrinadores renomados que possuem obras relacionadas ao tema
em estudo.
A relevância do assunto e a conexão com o Direito Eleitoral é verificada
pela enorme importância que este vem adquirindo na dinâmica econômica
brasileira atualmente. A escolha do tema se justifica pela atualidade do as-
sunto, sobretudo com a recentíssima entrada em vigor da Lei Anticorrupção,
Lei nº 12.846, de 2013, que positivou a importância de códigos de conduta.
Perspectiva em Compliance | 225

Ademais, a ética é sempre relevante e pertinente no âmbito do Direito, e nos


mundos acadêmico e jurídico.
Este texto está dividido em seções. Nesta seção introdutória são apre-
sentados os objetivos da pesquisa, metodologia adotada, procedimentos téc-
nicos, justificativa e relevância do tema.
A segunda seção contempla o Direito Eleitoral, cujo objetivo é não só
compreender sua definição, mas diferenciá-lo do Direito Partidário. Na se-
quência é apresentado um breve histórico do Direito Eleitoral. Na terceira
seção é explanado sobre o financiamento de campanha eleitoral, perpassando
a legalidade e a ética no que tange a esta questão. Na quarta seção é abordado
o compliance, apresentando sua definição, breve histórico, função, elementos
essências, bem como as principais fontes de regulamentação.
As considerações finais são apresentadas ao final do trabalho, nas quais
são pontuados os aspectos mais importantes desta pesquisa, observando se
os objetivos do trabalho foram alcançados, discutidos e levando à reflexão
destes, fixando recomendações, bem como identificando os próximos pontos
a serem abordados numa nova pesquisa.
Insta ressaltar que não há pretensão aqui de se esgotar o assunto e ofe-
recer respostas definitivas, mas sim de acrescentar contribuição para tão rico
debate de teorias e teses jurídicas.

1 APONTAMENTOS SOBRE O DIREITO ELEITORAL BRASILEIRO

Conceituar nem sempre é um exercício fácil, pois comumente nos depara-


mos com terminologias, acepções, neologismos e signos os quais se efetivam
no espaço e no tempo (LENZA, 2016). Contudo, antes de nos adentrarmos
no conteúdo propriamente dito, faz-se importante compreender a diferença
de definição do Direito Eleitoral para o Direito Partidário. O doutrinador
Omar Chamon (2006, p. 21), a fim de conceituar Direito Eleitoral, leciona:

O Direito Eleitoral, ramo autônomo do direito público, regula os


direitos políticos e o processo eleitoral. Todas as Constituições tra-
taram dessa matéria. Cuida-se de instrumento para a efetiva demo-
cracia, ou seja, estuda-se a influência da vontade popular na ativi-
dade estatal.

Neste mesmo diapasão, Roberto Moreira de Almeida (2017, p. 43) ex-


plana que:

O Direito Eleitoral como o ramo do Direito Público constituído por


normas e princípios disciplinadores do alistamento, da convenção
226 | Fábio Santos & Cleudes Freitas Júnior
partidária, do registro de candidaturas, da propaganda política, da
votação, da apuração e da diplomação dos eleitos, bem como das
ações, medidas e demais garantias relacionadas ao exercício do su-
frágio popular.

Para Gomes (2011, p. 19), o Direito Eleitoral trata-se de “um conjunto


de normas destinadas a regular os deveres do cidadão em suas relações com
o Estado, para sua formação e atuação. Estado, aqui, entendido no sentido
de governo, administração”. Ou seja, diz respeito a ramo do Direito cuja fina-
lidade é garantir a identidade da vontade soberana do povo e a formação da
vontade política do Estado. Com efeito, o Direito Eleitoral cuida do exercício
da soberania popular, por meio da qual o povo exerce todo o poder que lhe
pertence, de forma direta ou indireta.
Desse modo, é uma disciplina que cuida do exercício do poder do povo
descrito no art. 1º, parágrafo único da Constituição Federal, segundo o qual
“todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Quanto ao Direito Eleitoral, contém unicamente regras e princípios so-
bre os direitos políticos (artigos 14 a 16 da CF/1988), pois são esses direitos
que viabilizam o exercício da soberania popular. Não há, no âmbito do Di-
reito Eleitoral, o tratamento normativo dos partidos políticos, uma vez que
entre estes e os direitos políticos existe uma distinção conceitual. Com efeito,
o ramo do Direito que trata dos partidos políticos é o Direito Partidário.
Essa distinção conceitual é extremamente importante para a delimitação
da competência da Justiça Eleitoral, haja vista esta somente julgar os litígios
eleitorais. Os litígios partidários não são processados e julgados pela Justiça
Eleitoral, salvo quando tiverem reflexo nas eleições.
No que diz respeito aos princípios do Direito Eleitoral, o doutrinador
Roberto Moreira Almeida (2017, p. 51) enfatiza que, “no campo jurídico, pode
ser empregado no sentido de regra fundamental, regra padrão ou regra pa-
radigma à ciência do direito”.

1.2 BREVE HISTÓRICO

De modo geral, as civilizações sempre buscaram modos de escolher os


seus representantes, haja vista a impossibilidade de alcance de decisões unâ-
nimes em grupos. Assim: “Há de considerar-se, ainda, que, em qualquer gru-
po ou coletividade, as decisões que implicam a manifestação dos interesses
primordiais não conseguem ser ratificadas e aprovadas por todos os inte-
grantes da sociedade” (RAMAYANA, 2010, p. 3).
Perspectiva em Compliance | 227

A Grécia foi palco das primeiras votações e eleições na história da huma-


nidade. Os votos das pautas mais importantes eram registrados em pedaços
de pedra intitulados de ostrakon, enquanto Roma utilizava pedaços de madei-
ra, embora em nenhum dos lugares o sufrágio fosse universal (RAMAYANA,
2010). Ou seja, cada região tinha a sua singularidade, sua especificidade.
Sendo assim, com o objetivo de melhor analisar o instituto do voto e
suas vicissitudes, surge o Direito Eleitoral, cujas normas dizem respeito ao
sufrágio e seus desdobramentos. No que tange à origem do voto, é possível
verificar certos momentos origem: primeiro, na escolha de chefes militares;
segundo, quando os guerreiros se transformam em governantes; terceiro,
fez-se necessário organizar as formas do sistema de escolha dos representan-
tes (RAMAYANA, 2010). Para melhor ilustrar, o quadro a seguir resume a
evolução do Direito Eleitoral brasileiro.

Quadro 1: Evolução do Direito eleitoral brasileiro


Período Acontecimento
Colonial No Brasil, a eleição para os cargos das repúblicas das vilas e cidades era
disciplinada pelo Código Eleitoral da Ordenação do Reino. Os princi-
pais cargos eletivos de tais repúblicas, intitulados de oficiais, eram os de
vereador, de juiz e de procurador do Conselho.

Imperial Com o Brasil já independente de Portugal, foi outorgada a Constituição


de 1824, que dispôs sobre o sistema eleitoral em seus artigos 90 a 97.
Em conformidade com a Constituição, a escolha dos deputados e sena-
dores da Assembleia Geral e dos membros dos Conselhos Gerais das
Províncias dava-se através de eleições indiretas.
Republicano O Período Republicano é marcado pela vigência da Constituição Fede-
ral de 1891, a qual prevê normas relativas ao sistema eleitoral federal.
Após a Revolução de 1930, foi promulgada a Constituição de 1934, cuja
principal inovação em matéria de Direito Eleitoral foi a previsão, no
seio da Carta Magna, da Justiça Eleitoral como órgão do Poder Judi-
ciário.
A Constituição Federal de 1988 regulou sobre os direitos políticos
(arts. 14 a 16) e sobre os partidos políticos (art. 17). Ela manteve a
Justiça Eleitoral dentro do Poder Judiciário, como um dos seus órgãos
(art. 92, inciso V e 188 a 121).
Fonte: Adaptado de FERREIRA, 2005.)

É ainda importante frisar que houve quatro códigos eleitorais ao longo da


história brasileira, a saber: o 1º código eleitoral foi instituído com o Decreto
21.076, de 24 de fevereiro de 1932. O 2º código eleitoral foi a edição da Lei, 48
de maio de 1935, o 3º código eleitoral foi o Decreto-Lei 7.586, de 28 de maio
de 1945, a Lei Agamenon Magalhães, e o 4º código eleitoral foi instituído
mediante a edição da Lei 4.737, de 15 de julho de 1965 (FERREIRA, 2005).
228 | Fábio Santos & Cleudes Freitas Júnior

Pode-se observar que o Direito Eleitoral brasileiro sofreu importantes


modificações ao longo da história, objetivando alcance de aperfeiçoamento, a
fim de corresponder de maneira mais precisa à vontade do povo e à atividade
governamental.

2 O FINANCIAMENTO DE CAMPANHA ELEITORAL

Diz-se financiamento público a doação feita pelo Poder Estatal de verba


advinda da relação tributária para partidos políticos e candidatos, cuja fina-
lidade seja custear uma campanha eleitoral. O professor Luiz Vergílio Dalla-
-Rosa, a fim de conceituar financiamento eleitoral, leciona:

[...] é uma forma efetiva de viabilizar a independência dos partidos


políticos e, consequentemente, seus candidatos e eleitos frente ao
assédio de grupos interessados em vantagens advindas dos bene-
fícios públicos, destarte preserva-se o princípio da igualdade entre
os partidos e os candidatos que disputam o pleito, concedendo uma
série de condições idênticas a eles independentemente do tamanho
da legenda. (DALLA-ROSA, p. 278).

Antes de se debruçar sobre o modelo legitimado pelo Brasil, faz-se im-


portante investigar como outros países gerem seus financiamentos de cam-
panha, a fim não só de comparar, mas também de ter melhor dimensão sobre
o tema proposto. Para tanto, serão apresentados dois modelos, a saber: o nor-
te-americano e o francês.
O padrão norte-americano de financiamento de campanha para as elei-
ções federais é o dual, com primazia de capital privado. O candidato escolhe
um delineamento de financiamento, público ou privado, contanto que atenda
aos critérios estabelecidos. É importante destacar que a supervisão do finan-
ciamento privado das campanhas eleitorais norte-americanas é realizada por
uma agência reguladora independente, a Federal Election Comission (FEC),
em português Comissão Eleitoral Federal (SILVA, 2017, p. 23).
Os candidatos que optam pelo financiamento público têm um teto limite
de gasto imposto pela legislação, o qual impede que estes arrecadem recursos
por meio de doações depois de receberem o valor do fundo eleitoral, além
de estarem sujeitos ao limite de gastos mais árduo, inclusive para recursos
pessoais. É válido também destacar que tal limitação de gastos tem sido fator
determinante no uso principalmente do financiamento público das campa-
nhas eleitorais.
O modelo francês também apresenta um perfil misto, porém de forma
específica, uma vez que adota um financiamento realizado por meio de reem-
bolso de valores após o término da campanha.
Perspectiva em Compliance | 229

Sob a ótica da perspectiva histórica francesa, pode-se inclusive asseverar


que desde 1995 as pessoas jurídicas, até mesmo os sindicatos, não podem
contribuir financeiramente com a campanha eleitoral, nem para manutenção
financeira de um partido político. Sendo assim, o financiamento privado ade-
re, de modo geral, o modelo de doações por pessoas físicas, cujo objetivo é
o controle do poder econômico sobre o resultado dos certames eleitorais, a
fim de garantir a representatividade fiel da democracia no resultado eleitoral.
Há, inclusive, um teto limite para doações por pessoa. Tal limite torna-se
global, haja vista se tratar de um limite que independe de quantos candidatos
o cidadão deseje favorecer (SILVA, 2017, p. 27).

2.1 FONTES FINANCEIRAS – FUNDO PARTIDÁRIO

A cogitação sobre o financiamento público brasileiro iniciou-se após inú-


meras denúncias e processos judiciais e políticos (CPIs), nos quais constavam
o aumento da corrupção e movimentação paralela de recursos, ou seja, recur-
sos advindos de fonte incerta e indevida.
Porém, ao tratar deste tema, existem controvérsias entre doutrinadores.
De um lado, há uma linha doutrinária que defende a ideia de que, uma vez
instituído o financiamento público, ficariam vedadas as doações privadas, se-
jam elas de pessoas físicas, sejam de pessoas jurídicas, não acontecendo mais
o famoso “caixa dois”, porque partidos e candidatos ficariam menos depen-
dentes do financiamento privado, com isso reduzindo a influência do poder
econômico nas eleições, aumentando a transparência dos gastos eleitorais e
diminuindo os custos da campanha.
De outro lado, outros doutrinadores compreendem que a adoção desse
tipo de financiamento não irá acabar com a corrupção, tampouco extinguirá
o “caixa dois”, portanto não existindo garantia de que as doações particulares
não serão realizadas às escondidas, elevando a possibilidade de aumento de
gasto estatal no custeio das campanhas com verba pública, desvio de finalida-
de nos gastos públicos, entre outros.
No Brasil, o modelo de financiamento de campanha eleitoral é o misto.
Os candidatos e os partidos não podem receber direta ou indiretamente
qualquer tipo de benefício em dinheiro ou estimável em dinheiro de entidades
ou governos estrangeiros (incluídas as organizações sem fins lucrativos que
recebam recursos do exterior), bem como de órgão da Administração Pública
direta ou indireta, ou ainda fundação que seja mantida com recursos públicos.
Tal proibição é ampliada aos concessionários e permissionários de serviços
públicos, como também às entidades de classe sindical, além dos demais casos
apresentados pelo rol do art. 24 da Lei nº 9.504/1997.
230 | Fábio Santos & Cleudes Freitas Júnior

Quanto ao Fundo Partidário Especial de Financiamento de campanha


(FPEF), ele financia uma parte das campanhas eleitorais, repartindo todos
os meses entre os partidos e repasse é feito pelo TSE no ano do pleito. Seu
objetivo é garantir a autonomia financeira, permitindo a existência e criando
espaço para a diversidade de ideias na política. Trata-se de uma assistência
criada em 1965 e se mantém como financiamento. Constitui-se de doações da
União, multas, penalidade e outros recursos atribuídos por lei.
Quanto às liberações dos recursos, estas se dão da seguinte maneira:
duodécimos (dotações mensais sempre no esmo valor) e multas eleitorais (de-
pendem da arrecadação). Todos os partidos devidamente registrados no TSE
podem receber uma fração de tal fundo, exceto quando suas contas forem
rejeitadas (TSE, 2018).
É de grande valia também destacar que a Lei nº 9.096/1995 obriga
a destinação de alguns gastos específicos, a saber: 20% para criação e
manutenção de instituto ou fundação de pesquisa, 30% em promoção de
participação das mulheres, sendo o restante para despesas administrativas e
campanhas. Porém, o limite de pessoal fica em 50% para diretório nacional e
60% para diretórios estaduais.
Existem críticas quanto ao uso de verba pública para financiamento de
campanhas eleitorais. Por um lado, há argumentos favoráveis de que o fundo
partidário dá garantia a todos os partidos cujo alcance teria representação nas
instâncias políticas. Vendo sob essa ótica, o fundo incentiva uma maior diver-
sidade partidária e possibilita autonomia financeira para os partidos, uma
vez que com esses recursos conseguem fechar suas contas (TSE, 2018). Por
outro, argumentos contra criticam tanto seus critérios de distribuição quanto
suas consequências negativas, porque, com os critérios atuais, os recursos
vão em sua maioria para os partidos maiores, ensejando vantagem sobre os
menores. Outro argumento crítico negativo é o de que o dinheiro do fundo
poderia ser destinado a áreas mais importantes, como serviços públicos em
geral (TSE, 2018).
E ainda há o argumento daqueles que defendem o fim do financiamento
público para que se desincentive a proliferação de partidos intitulados de
fisiológicos, ou seja, sem consistência ideológica, cujo objetivo é apenas enri-
quecer seus membros (TSE, 2018).

2.2 BREVE ENTENDIMENTO DA LEI Nº 13.488/2017 E DA EMENDA


CONSTITUCIONAL 97/2017

A Lei nº 13.488 modificou as Leis nº 9.504, de 30 de setembro de 1997


(Lei das Eleições), nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, e nº 4.737, de 15 de
julho de 1965 (Código Eleitoral), revogando os dispositivos da Lei nº 13.165,
Perspectiva em Compliance | 231

de 29 de setembro de 2015, cognominada de Minirreforma Eleitoral de 2015,


cuja finalidade é promover reforma no ordenamento político-eleitoral.
Com o advento da referida lei, no art. 17, § 1º da Constituição Federal de
1988 ficou definido que:

É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura


interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de
seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e
funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas
coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições
proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em
âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos
estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.  (BRASIL, 1988).

Insta salientar que tal proibição da celebração das coligações apenas en-
trará em vigor a partir das eleições de 2020, como fundamentado no art. 2°
da Emenda Constitucional n° 97/2017. Sendo assim, ainda permanece a cele-
bração de coligações para a disputa de cargos no Poder Executivo.
Outra alteração no que tange à Carta Magna deu-se no § 3º do art.
17, que regulamentou sobre o acesso dos partidos políticos aos recursos do
fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuito no rádio e na televisão,
pois só terão direito a tais recursos, na forma da lei, os partidos políticos que
alternativamente:

I - obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3%


(três por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço
das unidades da Federação, com um mínimo de 2% (dois por cento) dos
votos válidos em cada uma delas; ou

II - tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos


em pelo menos um terço das unidades da Federação. (BRASIL, 1988, grifo
nosso).

Quanto às mudanças no âmbito Infraconstitucional, ocorreram várias


com a lei em comento. Porém, por conta do foco deste trabalho, aqui será
destacada a mais importante em relação ao tema, a saber: a permissão para
que o pré-candidato possa fazer uma arrecadação prévia de recursos a partir
do dia 15 de maio, sendo que a liberação de recursos fica condicionada ao
registro da candidatura.
Conforme o novo § 3º do art. 22 A, desde o dia 15 de maio do ano elei-
toral, aos pré-candidatos é facultativo arrecadar previamente os recursos na
modalidade fundamentada no inciso IV do § 4º do art. 23 da lei em comento.
Porém, a liberação dos recursos por parte das entidades arrecadadoras fica
232 | Fábio Santos & Cleudes Freitas Júnior

condicionada ao registro da candidatura, e a realização de despesas de cam-


panha deve ser observada no calendário eleitoral.
De modo geral, essas foram as mudanças mais importantes realizadas
pelo Congresso Nacional acerca da lei em questão.

3 O COMPLIANCE NO DIREITO ELEITORAL

A expressão compliance se origina do verbo em inglês to comply, cujo sig-


nificado é cumprir, satisfazer, realizar. A fim de conceituar tal expressão, Ana
Paula Candeloro et al lecionam que:

Um conjunto de regras, padrões, procedimentos éticos e legais que, uma


vez definido e implantado, será a linha mestra que orientará o comporta-
mento da instituição no mercado em que atua, bem como as atitudes de
seus funcionários; um instrumento capaz de controlar o risco de imagem
e o risco legal, os chamados ‘riscos de compliance’, a que se sujeitam as
instituições no curso de suas atividades. (CANDELORO et al., 2012. p. 30).

Apesar da crescente necessidade de regulação e criação de padrões de


transparência ser mais evidente por volta década de 70, foi na década de
40 que surgiu o primeiro exemplo de sistema de regras, procedimentos e
instituições para a regulamentação da política econômica internacional, inti-
tulado de Acordo de Bretton Woods, no qual o Banco Internacional para a
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) se inspirou e posteriormente criou
o Banco Mundial, e o Fundo Monetário Internacional (FMI) (COLARES,
2014).
No Brasil, na década de 90, o mercado começava sua abertura comercial
e, com isso, era pressionado para alinhar-se aos moldes de competitividade
e transparência mundiais, em especial aos órgãos reguladores internacionais
Bank for International Settlements (BIS) e Securities and Exchange Comission
(SEC) (COLARES, 2014, p. 64).

Finalmente, em 2013, talvez em decorrência de pressões sociais, acele-


rou-se o processo de aprovação de uma lei que regulasse as práticas de
corrupção no país. Assim, entrou finalmente em vigor em janeiro de 2014
a Lei 12.846/13, chamada de Lei Anticorrupção ou LAC.

A referida lei foi a primeira norma a destacar o que poderia ser facilmen-
te traduzido como um programa de compliance como meio de ponderação de
sanções. A pretensão de um compliance é fiscalizar diligentemente as contas
para evitar que recursos sejam destinados, de maneira indevida, ao financia-
mento de candidatos. A cultura de transparência e rejeição da corrupção faz
Perspectiva em Compliance | 233

com que indícios mínimos de desvios ocasionem perdas e prejuízos para as


companhias. Neste contexto, garantem funcionários que pretendem contri-
buir com campanhas, na condição de pessoa física, sem associação à marca
ou ao nome do empregador. De igual modo, os ocupantes de cargos de che-
fia não devem coagir ou incorporar subalternos para votar em determinado
candidato.

Em meio a luta permanente entre o público e o privado, o moderno e o


arcaico, práticas transparentes e obscuras que surge nos EUA na década
de 1930 o compliance decorrente do verbo to comply que significa ‘con-
formidade com’ e que se trata de um conjunto de métodos e procedimen-
tos que promovem o cumprimento da legislação, ou seja, o “programa de
compliance visa estabelecer mecanismos e procedimentos que tornem o
cumprimento da legislação parte da cultura corporativa”. (MENDES;
CARVALHO, 2017, p. 31).

Sob o prisma partidário, o compliance estabelece códigos rígidos de


conduta para os próprios partidos, candidatos e demais pessoas físicas ou
jurídicas envolvidas no processo eleitoral (filiados e prestadores de serviços,
por exemplo). Sendo assim, faz-se importante a orientação e a supervisão não
só da militância, mas também dos dirigentes, haja vista as normas aplicáveis
às campanhas são amplas e muitas vezes mal interpretadas, englobando as
exigências para a adequação de prestação de contas, o teto limite de gastos, as
normas de propaganda eleitoral, o sistema de inelegibilidade, os critérios para
lançamento de pré-candidatura, as exigências para registro de candidatura
entre outros (LAMARCHIA e PETRARCA, 2018).
A rigidez da compliance ajuda na coibição e prevenção de atos burladores
e prejudiciais à reputação das associações, como a assinatura de contratos
com pessoas físicas ou jurídicas que tenham histórico de corrupção e outros
ilícitos. “A adoção do programa de conformidade é uma tentativa de restabe-
lecer a confiança nas agremiações partidárias” (JUNIOR, 2018, p. 15).
Em último caso, o cômputo da adoção dessa conduta deve atrair eleitores
e fomentar os valores republicanos. O autor Antônio Joaquim Ribeiro Júnior
relembra a respeito dos costumes predominantes na Administração Pública
e o compliance: A adoção de uma governança arcaica e obscura no seio das
agremiações contribuiu de forma decisória para o descrédito e a perda da
confiança da população, sobretudo, depois dos diversos escândalos de corrup-
ção envolvendo políticos e partidos (JUNIOR, 2018, p. 1).
Faz-se imprescindível, portanto, a adoção de normas rígidas de conduta
ética no âmbito dos partidos, cujo objetivo é promover o absoluto respeito
aos princípios republicanos e à independência das legendas partidárias. Tal
234 | Fábio Santos & Cleudes Freitas Júnior

assunto deve ser abordado com a seriedade exigida, sem delongas ou escusas
que possam modificar o propósito de ampliação da transparência, da pro-
bidade e o respeito à legalidade na atuação dos partidos (LAMARCHIA e
PETRARCA, 2018).

4 CONSIDERAÇOES FINAIS

Ao longo deste trabalho, buscou-se compreender e discutir acerca do


compliance sob a ótica do Direito Eleitoral brasileiro. Pode-se observar que
houve um crescimento financeiro exacerbado direcionado às campanhas elei-
torais, o que ensejou a necessidade de se acompanhar as grandes empresas
doadoras e os candidatos a mandatos eletivos. Nesse cenário, surgiu o com-
pliance eleitoral nos partidos políticos brasileiros, objetivando a fiscalização
das doações recebidas e realizadas, a fim de garantir que estas estejam em
conformidade com o estrito cumprimento da legalidade.
Percebe-se que os países que outrora adotaram financiamento exclusi-
vamente público hoje preferem um sistema híbrido, e a ênfase passa a ser no
estabelecimento de limites de gastos, no controle da contabilidade dos par-
tidos e na fiscalização adequada dos movimentos financeiros destinados ao
financiamento de campanhas.
Dessa maneira, evidencia-se que o programa de conformidade ou com-
pliance surge como uma saída para um problema. E nessa corrente de pensa-
mento o compliance aparece como a solução para a crise de confiança da po-
pulação nos partidos brasileiros, garantindo a prática de procedimentos com
transparência, confiabilidade, que resultem em situações previsíveis e com
um plano de contenção e proteção contra o suborno, sendo este o caminho
para partidos angariarem melhores resultados e trazer de volta a confiança
que um dia se fez o centro do regime democrático.

REFERÊNCIAS

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Juspodivm, 2017.
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do Brasil. Brasília, DF, 5 out. 1988. Presidência da República, Casa Civil.
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constituicaocompilado.htm. Acesso em: 26 out. 2019.
_______. Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017. Altera as leis nºs 9.504, de
30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições), 9.096, de 19 de setembro de 1995,
e 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), e revoga dispositivos da
Perspectiva em Compliance | 235
Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015 (Minirreforma Eleitoral de 2015),
com o fim de promover reforma no ordenamento político-eleitoral.
CANDELORO, Ana Paula P.; DE RIZZO, Maria Balbina Martins; PINHO,
Vinícius. Compliance 360º: riscos, estratégias, conflitos e vaidades no mundo
corporativo. São Paulo: Trevisan, 2012.
CHAMON, Omar. Direito Eleitoral. São Paulo: Método, 2006.
COLARES, Wilde Cunha. Ética e compliance nas empresas de outsourcing.
Dissertação de Mestrado. São Paulo: Insper, 2014
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro.
2. ed. Brasília: Secretaria de Documentação e Informação do Tribunal
Superior Eleitoral, 2005.
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 7.ed. ver., atual. e ampl. São Paulo:
Atlas, 2011.
JUNIOR, Antônio Joaquim Ribeiro. Direito eleitoral e compliance: a adoção
do programa de conformidade como solução a crise dos partidos políticos no
Brasil. Rev. Estud. Eleit. Recife, V.2, Número 3, p.1-103, jul.2018.
LAMACHIA, Cláudio; PETRARCA, Carolina. Compliance eleitoral é funda-
mental para campanhas e empresas. Revista Consultor Jurídico. 2018.
RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus,
2010.
SILVA, Celso Vinícius. Financiamento de Campanha eleitoral no Brasil:
Uma análise do modelo de financiamento misto na atual conjuntura do país.
Monografia UFPE, Recife, 2017.
TSE. Fundo Partidário. Tribunal Superior Eleitoral, 2018. Disponível em:
http://www.tse.jus.br/partidos/fundo-partidario-1/fundo-partidario. Acesso
em: 24 out. 2019.
VEGARA, Sylvia Constant. Projetos e relatórios de pesquisa em
administração.13. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
18
PROGRAMAS DE INTEGRIDADE PARA OS
PARTIDOS POLÍTICOS FRENTE À REGRA
CONSTITUCIONAL DO ARTIGO 17

Jamile Souza Calheiros dos Santos49

O objetivo do presente trabalho é analisar a autonomia dos partidos polí-


ticos,50 consignada no artigo 17, §1º, da CF/88, frente à urgência de medidas
efetivas para assegurar a integridade política, para que se possa retornar ao
caminho de confiabilidade dos governantes.
Desde o ano de 2017, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº
429/17,51 que “Altera a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, que dispõe

49 Advogada e internacionalista. Sócia do Escritório Ribeiro e Calheiros Advogados


Associados. Assessora parlamentar na Assembleia Legislativa da Bahia. Especialista
em Direito Público Municipal, Política e Planejamento Estratégico. E-mail:
jamilecalheirosadv@gmail.com.
50 Partido político é a “pessoa jurídica de direito privado, integrada por um grupo de
indivíduos que se associam, estavelmente, em torno de um objetivo determinado, que
é assumir e permanecer no poder ou, pelo menos, influenciar suas decisões e, ipso facto,
pôr em prática uma determinada ideologia político-administrativa” (ALMEIDA, 2018.
p. 203).
51 Projeto de Lei do Senado Federal nº 429/2017 de autoria do Senador Antônio
Anastasia – PSDB-MG. Tramitação em 16 jan 2020: Pronto para deliberação do
plenário. (Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/
materia/131429. Acesso em 06 jan 2020).
236
Perspectiva em Compliance | 237

sobre partidos políticos, regulamenta os artigos 14, § 3º, inciso V e 17, da


Constituição Federal, a fim de aplicar aos partidos políticos as normas sobre
programa de integridade” (BRASIL, 2017).
Tal proposição tem o objetivo de modificar a lei dos partidos políticos
para dispor que o estatuto partidário deve prever programa de integridade
para coibir desvios, fraudes e atos ilícitos. A violação implica no cancelamen-
to imediato da filiação. A falta de programa efetivo implica na suspensão de
recebimento do fundo partidário.
Ocorre que a Constituição Federal do Brasil assegura aos partidos polí-
ticos liberdade para definir sua organização interna, seu funcionamento e o
seu estatuto. Assim, o dilema é como implementar, assim como vem ocorren-
do com empresas privadas, Administração Pública direta e indireta e outras
instituições, programas de integridade e programas de compliance52 nos par-
tidos políticos brasileiros.
A sociedade vem cobrando, dos governantes e das instituições, que
sejam éticas. Por isso, programas de integridade e de compliance vêm se
popularizando. Mesmo sendo uma palavra advinda da língua inglesa, to com-
ply, o compliance já faz parte do vocabulário dos brasileiros pela representa-
tividade. Assim, programas de compliance é um caminho sem volta desde a
vigência da Lei Anticorrupção, Lei n. 12.846/13.
Dessa forma, medidas vêm sendo tomadas no combate à corrução, en-
tretanto é necessário criar alternativas para que instituições como os par-
tidos políticos também tenham esse compromisso social e possam adotar
um programa de conformidade em suas estruturas, assim como vem sendo
feito com outras organizações.

1 NATUREZA JURÍDICA DOS PARTIDOS POLÍTICOS

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, os partidos polí-


ticos são inquestionavelmente pessoas jurídicas de direito privado. Assim, os
partidos políticos adquirirem personalidade jurídica nos termos do art. 45 do
Código Civil (BRASIL, 2002):


Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito priva-
do com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida,

52 Consiste “em um conjunto de regras, padrões, procedimentos éticos e legais, que,


uma vez definido e implantado, será a linha mestra que orientará o comportamento
da instituição no mercado em que atua, bem como a atitude dos seus funcionários”
(CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012, p. 30).
238 | Jamile Souza Calheiros dos Santos
quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, aver-
bando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Dessa forma, após obterem a personalidade jurídica através da inscrição


do ato constitutivo no respectivo registro, os partidos deverão registrar seus
estatutos perante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), conforme regulamen-
ta o art. 17, § 2º, da Constituição Federal, segundo o qual “Os partidos políti-
cos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão
seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral” (BRASIL, 1988).
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) já tratou no ano de
1995, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 164458,53 de relatoria do Minis-
tro Celso de Mello, quando se verificou a natureza do registro dos estatutos
partidários perante o TSE, decidindo que é meramente administrativa e des-
tinada a verificar a obediência ou não da agremiação partidária interessada,
conforme os requisitos constitucionais e legais.
Assim, as agremiações partidárias adquirem personalidade jurídica, na
forma da lei civil, já que são pessoas jurídicas de direito privado, mas que se
faz necessário, após a aquisição dessa personalidade, o registro do respectivo
estatuto perante o TSE, por força constitucional.
É importante ressaltar que, por causa do parágrafo único do artigo 1º da
Lei dos Partidos Políticos (Lei n. 9096/95), incluído pela Lei nº 13.488/17 ,
os partidos políticos não se equiparam às entidades paraestatais ou serviços
53 “EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - REGISTRO PARTIDÁRIO
- RECUSA DE REGISTRO DEFINITIVO PELO TRIBUNAL SUPERIOR
ELEITORAL - PROCEDIMENTO DE CARÁTER MATERIALMENTE
ADMINISTRATIVO - INEXISTÊNCIA DE CAUSA - INADMISSIBILIDADE DO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - AGRAVO IMPROVIDO. - São impugnáveis na via
recursal extraordinária apenas as decisões finais proferidas no âmbito de procedimento
judicial que se ajuste ao conceito de causa (CF, art. 102, III). A existência de uma causa
- que atua como inafastável pressuposto de índole constitucional inerente ao recurso
extraordinário - constitui requisito formal de admissibilidade do próprio apelo extremo.
A locução constitucional “causa” designa, na abrangência de seu sentido conceitual,
todo e qualquer procedimento em cujo âmbito o Poder Judiciário, desempenhando sua
função institucional típica, pratica atos de conteúdo estritamente jurisdicional. Doutrina
e jurisprudência. - O procedimento de registro partidário, embora formalmente
instaurado perante órgão do Poder Judiciário (Tribunal Superior Eleitoral), reveste-se
de natureza materialmente administrativa. Destina-se a permitir ao TSE a verificação
dos requisitos constitucionais e legais que, atendidos pelo Partido Político, legitimarão
a outorga de plena capacidade jurídico-eleitoral à agremiação partidária interessada. A
natureza jurídico-administrativa do procedimento de registro partidário impede que este
se qualifique como causa para efeito de impugnação, pela via recursal extraordinária, da
decisão nele proferida (RE 164458 AgR, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal
Pleno, julgado em 27/04/1995, DJ 02-06-1995 PP-16241 EMENT VOL-01789-03 PP-
00587)”. (BRASIL, 1995).
Perspectiva em Compliance | 239

autônomos, que são aquelas que, segundo Filho (2014), são pessoas jurídicas
de direito privado criadas por lei para, atuando sem submissão à Admi-
nistração Pública, promover o atendimento de necessidades assistenciais
e educacionais de certas atividades ou categorias profissionais, que arcam
com sua manutenção mediante contribuições compulsórias.

2 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA

Autonomia, segundo o dicionário Michaelis (2015), é a autodetermina-


ção político-administrativa de que podem gozar partidos, sindicados, corpo-
rações, cooperativas etc., em relação ao país ou comunidade política dos quais
fazem parte. Em outras palavras, autonomia é aquela matéria de competência
exclusiva da organização e em relação à qual não cabe ingerência de órgão,
indivíduo ou poder que não faça parte da estrutura.
Conforme já mencionado, foi assegurado ao partido político a autonomia
adequada para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento.
Assim, a autonomia partidária significa que a ideologia partidária é matéria
interna corporis, ou seja, são questões resolvidas pela própria instituição par-
tidária através de seu estatuto e, assim, excluída de qualquer interferência
do Estado. O art. 15 da Lei nº 9096/95 disciplina tal questão nos seguintes
termos:

Art. 15. O Estatuto do partido deve conter, entre outras, normas sobre:

I - nome, denominação abreviada e o estabelecimento da sede no território


nacional;

II - filiação e desligamento de seus membros;

III - direitos e deveres dos filiados;

IV - modo como se organiza e administra, com a definição de sua estrutura


geral e identificação, composição e competências dos órgãos partidários
nos níveis municipal, estadual e nacional, duração dos mandatos e proces-
so de eleição dos seus membros;

V – fidelidade e disciplina partidárias, processo para apuração das infra-


ções e aplicação das penalidades assegurado amplo direito de defesa;

VI – condições e forma de escolha de seus candidatos a cargos e funções


eletivas;

VII – finanças e contabilidade, estabelecendo, inclusive, normas que os


habilitem a apurar as quantias que os seus candidatos possam despender
240 | Jamile Souza Calheiros dos Santos
com a própria eleição, que fixem os limites das contribuições dos filiados
e definam as diversas fontes de receita do partido, além daquelas previstas
nesta Lei;

VIII – critérios de distribuição dos recursos do Fundo Partidário entre


os órgãos de nível municipal, estadual e nacional que compõem o partido;

IX – Procedimento de reforma do programa e do estatuto.

Além disso, as entidades partidárias também possuem autonomia, obser-


vados os limites legais, para definir, por exemplo, o cronograma de atividades
eleitorais de campanha e executá-lo em qualquer dia e horário, conforme es-
tabelece o art. 3º da Lei n. 9.096/95:

Art. 3º [...] §1º É assegurada aos candidatos, partidos políticos e


coligações autonomia para definir o cronograma das atividades eleitorais
de campanha e executá-lo em qualquer dia e horário, observados os limites
estabelecidos em lei.

Assim, ante o reconhecimento constitucional da liberdade e da autono-


mia partidária, cabe aos partidos políticos se legitimarem socialmente para
fazer com que o comando constitucional seja respeitado. O estabelecimento
de estatuto amplamente discutido com seus filiados, com previsão de par-
ticipação e decisão democrática, é medida indispensável ao fortalecimento
das organizações partidárias. Desse modo, o partido conseguirá do Estado o
respeito necessário ao seu efetivo funcionamento.

3 PROGRAMAS DE INTEGRIDADE

Os conceitos de programa de compliance e de programas de integridade,


já devidamente apresentados no presente trabalho, devem ser fixados para
um melhor entendimento do que será apontado a seguir.
Cumpre destacar que, no bojo da recente história do Brasil, programas
de integridade começaram a serem adotados pelas empresas, principalmente
após terem seus nomes envolvidos em escândalos, como o que ocorreu com
a conhecida Operação Lava Jato,54 que é considerada a maior investigação de
corrupção e lavagem de dinheiro já vista no Brasil.

54 A operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que


o Brasil já teve. Estima-se que o volume de recursos desviados dos cofres da Petrobrás,
maior estatal do país, esteja na casa de bilhões de reais. Soma-se a isso a expressão
econômica e política dos suspeitos de participar do esquema de corrupção que envolve
a companhia. O nome do caso, “Lava Jato”, decorre do uso de uma rede de postos de
Perspectiva em Compliance | 241

Cabe, aqui, uma pergunta: por que uma empresa, e até mesmo um parti-
do político, depois de tais acontecimentos, motivar-se-ia a criar um programa
de compliance ou programa de integridade?
No caso das empresas, para que possam resgatar sua credibilidade pe-
rante o mercado, os investidores e principalmente entre seus clientes. Já os
partidos políticos, para recobrarem a simpatia e a confiança dos filiados, so-
bretudo dos eleitores, já que os programas, de modo geral, têm a finalidade
de monitorar e assegurar que todos os envolvidos estejam de acordo com as
suas práticas de conduta, que são organizadas através da elaboração de um
código.

4 PROGRAMAS DE INTEGRIDADE PARA OS PARTIDOS POLÍTICOS:


POSSIBILIDADES

A primeira possibilidade em questão refere-se à extensão ou não, aos


partidos políticos, das previsões trazidas pela Lei nº 12.846/13 (Lei Anti-
corrupção), nos moldes do parágrafo único do seu art. 1º, e considerados os
ilícitos previstos no seu art. 5º. Eis o que diz seu art. 1º, parágrafo único:

Art. 1º [...] Parágrafo único: Aplica-se o disposto nesta Lei, às socieda-
des empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, indepen-
dentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem
como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou socie-
dades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território
brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.
(BRASIL, 2013).

Os ilícitos regulamentados no artigo 5º da referida lei referem-se aos


atos lesivos à Administração Pública, nacional ou estrangeira, praticados pe-
las sociedades empresárias e sociedades simples, fundações, associações que
atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra os prin-
cípios da Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, pu-
blicidade e eficiência) ou contra os compromissos internacionais assumidos
pelo Brasil.
Nesse diapasão, os partidos políticos, como pessoas jurídicas, são en-
globados no parágrafo único da Lei Anticorrupção e, por isso, submetem-se

combustíveis e lava a jato de automóveis para movimentar recursos ilícitos pertencentes


a uma das organizações criminosas inicialmente investigadas. Embora a investigação
tenha avançado para outras organizações criminosas, o nome inicial se consagrou.
(MPF. Caso Lava Jato. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lava-jato/
entenda-o-caso. Acesso em 18 fev 2020.
242 | Jamile Souza Calheiros dos Santos

a ela, sendo plenamente possível e recomendado que tenham seu código de


conduta e programas de integridade, a fim de nortearem suas diretrizes e
políticas.
Entretanto, há questões nesse entendimento que não são tão singelas.
Quais seriam as condutas ilícitas prevista no artigo 5º da Lei Anticorrupção
que os partidos políticos podem praticar? Trata-se, por sua vez, de uma lista
fechada?
Assim, o que se pode depreender é que essa possiblidade ainda não en-
contra amparo legal e doutrinário para sua defesa, já que não se encontram
respostas sobre qual o ente competente ou legitimado para aplicar tais san-
ções contra os partidos políticos. Além disso, caso tais punções fossem passí-
veis de aplicação, seriam impostas pela via administrativa ou judicial?
Dessa forma, a primeira possibilidade abordada para a situação estudada
ainda suscita dúvidas e não deve ser aplicada para a defesa, para a viabilidade
de aplicação dos programas de integridade dos partidos políticos.
Outra possibilidade diz respeito à discussão em torno de uma possível
legislação específica sobre o compliance para os partidos políticos, para criar
uma obrigação a eles imposta, tal como se dá com os órgãos públicos do
Executivo e com as empresas estatais, tal como previsto no Projeto de Lei do
Senado (PLS) n. 429/2017), ou como um incentivo, como se dá no sistema da
Lei Anticorrupção para as empresas privadas, como é a preferência do PLS
n. 60/2017.
Esse projeto tem o objetivo de os partidos políticos responderem ob-
jetivamente pela prática de atos contra a Administração Pública por seus
dirigentes, com a seguinte condição: a responsabilização do partido político
não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes, administradores
ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe de ato ilícito.
É definido o momento então de afirmar que ambos modelos (projetos
de lei apresentados), em tese, são viáveis. A principal questão, entretanto, é
definir o que os parlamentares avaliam como mais conveniente e adequado
para o caso dos partidos, pessoas jurídicas sui generis de direito privado, pelo
seu papel central na vida democrática e pela circunstância prática de funcio-
narem basicamente com recursos públicos.

5 PROJETOS DE LEI EM TRAMITAÇÃO

Tramita no Senado Federal o PLS 429/17, de autoria do senador Antô-


nio Anastasia, que tenciona alterar a Lei dos Partidos Políticos para impor
às agremiações político-partidárias o dever de preverem, em seus estatutos,
programa de integridade. O projeto tem destacada importância para incre-
Perspectiva em Compliance | 243

mentar o combate à corrupção, notório agente prejudicial da confiabilidade


da representação política.
Cumpre ressaltar, no entanto, que o referido projeto de lei parece desde-
nhar da autonomia partidária, tal como concebida pela Constituição de 1988,
na medida em que impõe às greis a obrigação de adotarem plano de integri-
dade, submetendo-se às graves consequências fáticas e jurídicas tratadas na
proposição.
Assim, caso o projeto de lei em questão seja aprovado em plenário e
transforme-se em lei, será necessário, antes, passar por alguns ajustes, nota-
damente no que se refere aos órgãos internos das entidades partidárias, não
por livre opção dos seus órgãos deliberativos ou de gestão, mas, sim por uma
verticalizada decisão estatal veiculada no diploma legislativo em elaboração.
Em que pese não haver amparo legal para compelir os partidos a criarem
programa de integridade, o projeto de lei poderia ter facultado às agremia-
ções partidárias a adoção de programa de integridade e, em contrapartida,
estabelecer sanções premiais aos partidos que, por livre decisão de seus fi-
liados, optarem por migrar para o novel e mais moderno regime jurídico
(MEDEIROS, 2019).
O PLS n. 60/2017, de autoria do senador Ricardo Ferraço, visa a esta-
belecer normas de compliance para as siglas partidárias, prática já adotada
por empresas privadas no combate a atos ilícitos, alterando, assim, a Lei n.
9096/95, conhecida como a Lei dos Partidos Políticos. Tal projeto também
colide frontalmente com o que é preconizado na Carta Magna brasileira e
serão necessários alguns ajustes para que não incorra em inconstitucionali-
dade.
Assim, embora, em um primeiro momento, as regras possam “assustar”
os representantes das agremiações, pela necessidade de se adequarem à nova
realidade, se bem aplicadas, representarão um resultado mais positivo, com a
redução e, a longo prazo, a expurgação de riscos e de práticas ilícitas e cor-
ruptas intrapartidárias; com o aumento de filiados, eleitores e recursos eco-
nômicos, em razão do cumprimento de padrões éticos e transparentes pelo
partido, que é tão exigido pela população; com a redução de custos desneces-
sários, por meio de revisão de procedimentos internos, entre outros.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É notável a influência da adoção de um programa de integridade ou


de compliance eficaz em face da prática de condutas criminosas. O programa
dita um conjunto de medidas que, ao serem adotadas, atuam na prevenção dos
riscos de possíveis descumprimentos do texto legal.
244 | Jamile Souza Calheiros dos Santos

Ou seja, ainda que de fato ocorra crime, este deverá ser detectado de
modo a preservar o organismo ou, nesse caso, o partido político. Em outras
palavras, é saudável em todas as relações esclarecer quais serão as “regras do
jogo” e suas respectivas penalidades para que os envolvidos possam entrar,
“no jogo”, conscientes e cientes de suas leis.
Tais programas não possuem uma forma única, engessada, vez que tra-
zem como características orgânicas da capacidade de se moldarem para aten-
der às necessidades, excluindo os riscos de determinada atividade. O mesmo
se aplica ao código de conduta criado a partir da avaliação de riscos e da due
diligence ou “devida diliência” (ALBUQUERQUE BISNETO, 2019), face ao
organismo que pretende atingir.
A implementação de programas de integridade e programas de com-
pliance no âmbito dos partidos políticos é tema de discussão há alguns
anos, levantando inúmeras questões sobre sua aplicação, conforme pôde ser
apresentado ao longo do texto, inclusive sobre a violação da autonomia dos
partidos, prevista na Constituição Federal.
Contudo, adotar um programa de integridade no âmbito político-parti-
dário é medida não só oportuna, mas também necessária, notadamente para
resgatar a credibilidade dos partidos políticos e, consequentemente, da classe
política.
Como é sabido, os partidos políticos são submetidos a diversas normas
já dispostas na legislação eleitoral e até nos seus estatutos, mas conforme foi
visto nas últimas eleições, muitas foram as regras e vedações aplicadas aos
partidos visando a redução de práticas ilícitas e até mesmo corruptas, como
as “candidaturas laranjas”, de fachada (G1, 2019), por exemplo.
Assim, seria conveniente, analisando principalmente o cenário das elei-
ções do ano de 2018, que os partidos também criassem um método de con-
trole, principalmente por se tratarem de entidades que lidam com e recebem
recursos públicos.
Espera-se que, por meio de tais programas, ainda que inicialmente seja
estranha a aplicação e adaptação das agremiações partidárias, estas terão,
na prática, uma importante ferramenta no combate à utilização indevida do
dinheiro público e atos de corrupção intrapartidárias, resgatando, dentre ou-
tros, a confiança e a credibilidade tão desgastadas em meio aos escândalos
políticos noticiados diariamente.
Contudo, uma das maiores vantagens na aplicação de práticas éticas por
parte dos partidos políticos é que, ao agirem com transparência e probida-
de, em contrapartida, os partidos também podem se proteger de responsa-
bilidades eventualmente impostas pelo Poder Judiciário e demais órgãos de
Perspectiva em Compliance | 245

controle, desde que demonstrem o efetivo cumprimento do programa de in-


tegridade.
Nesse passo, vemos que programas de integridade se apresentam no âm-
bito partidário como uma prática em que todos ganham, já que além de servir
como uma ferramenta de controle bastante segura, transparente e eficaz na
mitigação de riscos, também garante a proteção do partido político como
um todo e traz mais moralidade ao processo eleitoral, ao prever e garantir o
controle tanto dos nossos recursos públicos, quanto dos padrões éticos das
agremiações partidárias, que simbolizam a escolha do povo ao eleger seus
representantes.

REFERÊNCIAS

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ao princípio da autonomia político-partidária. Dissertação (Mestrado em
Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2002.
19
COMPLIANCE ELEITORAL-PARTIDÁRIO:
O COMPLIANCE COMO MECANISMO DE
FORTALECIMENTO EM MEIO À CRISE DOS
PARTIDOS POLÍTICOS

Jamily Duarte da Silva55

A crise na política brasileira que vem arrastando-se anos após anos des-
pertou a necessidade de se buscar mecanismos de fortalecimento para as en-
tidades partidárias, haja vista que é cada vez mais significativa a ascensão
da corrupção no Brasil e, por conseguinte, a perda da credibilidade dessas
instituições perante a sociedade.
As práticas adotadas nas agremiações tornaram-se, com o passar dos
anos, mecanismos de desconfiança para a população, tendo os escândalos en-
volvendo corrupção política e dos partidos o sobressalto para firmar o total
descrédito social. Por esta perspectiva, passou-se a encarar o compliance como
uma possível solução para a má gestão dos partidos políticos e também ten-
tativa de incorporar maior transparência aos atos praticados por estes.
No presente artigo, buscou-se demonstrar a essência da formação das
agremiações partidárias e seu funcionamento, analisado a partir do disposto

55 Bacharela em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Pós-


graduanda em Direito Político e Prática Eleitoral pelo Complexo de Ensino Renato
Saraiva (CERS). Pós-graduanda em Direito Público pela Faculdade Legale.
247
248 | Jamily Duarte da Silva

na Lei nº 9.096/95, passando pela apresentação e instituições de amplas con-


ceituações sobre o compliance, tendo em vista que a atribuição do complian-
ce não é restrita apenas aos programas de integridade, sendo esta uma das
vertentes a ser explorada.
A partir das apresentações para maior entendimento do leitor, buscou-se
demonstrar, por meio de estatísticas comprobatórias, a ausência da credibi-
lidade dos partidos políticos perante a sociedade, sobretudo destacando-se
a corrupção e a ausência de transparência como pontos principais a serem
corrigidos em sua essência.
Por se tratar de uma temática abrangente, cheia de detalhes e, de certo
modo, ainda não pacificada, a tratativa dos argumentos aqui trazidos corro-
boram como instrumento para se demonstrar que o compliance é de fato uma
ferramenta extremamente útil para sanar a ausência de confiança perante os
partidos políticos, tendo em vista que tais práticas buscam fiscalizar, norma-
tizar e tornar o sistema transparente e eficaz, inibindo violações de direitos e
construindo deveres sólidos entre os entes das instituições.

1 PARTIDOS POLÍTICOS

Mediante os ensinamentos trazidos por Veloso e Agra (2009, p. 110),


podemos conceituar os partidos políticos como organismos sociais estrutu-
rados com a finalidade de organizar as forças em torno de um ideário político
para disputar o poder na sociedade. Difundem sua ideologia política para
conseguir adeptos e tentam contribuir para o direcionamento das políticas
públicas.
O professor José Jairo Gomes acrescenta:

Compreende-se por partido político a entidade formada pela livre asso-


ciação de pessoas, com organização estável, cujas finalidades são alcançar
e/ou manter de maneira legítima o poder político estatal e assegurar, no
interesse do regime democrático de direito, a autenticidade do sistema re-
presentativo, o regular funcionamento do governo e das instituições po-
líticas, bem como a implementação dos direitos humanos fundamentais
(GOMES, 2017, p. 119).

Tais definições trazem o entendimento de que os partidos políticos são


ferramentas de propagação e defesa democrática de crenças e da pluralidade
de ideologias constitucionalmente protegidas. A conceituação dos partidos
políticos exibe o entendimento básico sobre o mecanismo de movimento de-
mocrático e plural.
Perspectiva em Compliance | 249

1.1 DA ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS PARTIDOS


POLÍTICOS

A Carta Magna brasileira estabeleceu no art. 17 a livre a criação, extin-


ção e fusão de partidos políticos, obedecendo à soberania nacional, ao pluri-
partidarismo, ao regime democrático e aos direitos fundamentais. Em sua
instituição, previu observar, como norma fundamental pelo partidos, quatro
preceitos, a saber: caráter nacional; proibição de recebimento de recursos fi-
nanceiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;
prestação de contas à Justiça Eleitoral; funcionamento parlamentar na forma
da lei.
Cumpre observar o § 1º do art. 7º da Lei nº 9.096/95, que constituiu
requisitos objetivos que devem ser observados pelos partidos, como condição
para se adquirir o caráter de partido nacional, a saber:

Art, 7º. [...] § 1° Só é admitido o registro do estatuto de partido político


que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que compro-
ve, no período de dois anos, o apoiamento de eleitores não filiados a parti-
do político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento)
dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados,
não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço,
ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do
eleitorado que haja votado em cada um deles. (BRASIL, 1995).

A instituição do segundo preceito impede que os partidos recebam sub-


venção de países ou organismos internacionais, evitando assim potenciais
interferências posteriores. Outrossim, a Constituição determinou aos parti-
dos políticos a necessidade de prestar contas ao Tribunal Superior Eleitoral
anualmente, o que se justifica pela arrecadação de receitas, com o intuito de
coibir abusos de poder.
O último preceito concerne ao funcionamento parlamentar nos termos
da lei, o que fica explícito da leitura do art. 12 da Lei nº 9.096/95 – Lei dos
Partidos Políticos: “Art. 12. O partido político funciona, nas Casas Legislati-
vas, por intermédio de uma bancada, que deve constituir suas lideranças de
acordo com o estatuto do partido, as disposições regimentais das respectivas
Casas e as normas desta Lei” (BRASIL, 1995).
A lei infraconstitucional acima citada corrobora com a norma funda-
mental, trazendo em seus dispositivos importantes disposições sobre a au-
tonomia dos partidos políticos para organizar-se internamente, bem como
estabelecer programas e editar seus respectivos estatutos. Nota-se que tal in-
dependência é restrita apenas a sua composição interna e funcionamento, não
250 | Jamily Duarte da Silva

sendo, no entanto, absoluta. A CF/88 e a lei infraconstitucional relativizam


tal autonomia partidária, a exemplo da utilização de organização paramilitar
pelos partidos políticos (art. 17, § 4º da CF/88 e art. 6º da Lei nº 9.096/95).
Os partidos políticos possuem natureza jurídica de direito privado, ra-
tificando isso, os arts. 1º e 7º da Lei nº 9.096/95 determinam que a forma de
constituição das agremiações será de acordo com a lei civil, concluindo com
o registro do seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral:

Os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado. A Consti-


tuição Federal de 1988, em seu art. 17, § 2º, preceitua que os partidos
políticos adquirem personalidade jurídica na forma da Lei Civil, devendo
registrar-se no cartório de registro civil de pessoas jurídicas (do Distrito
Federal), e os Estatutos, no TSE em até 1 (um) ano antes da data das elei-
ções (art. 4º da Lei n° 9.504/97). (LENZA, 2012, p. 188).

As entidades, como já exarado, são formadas da mesma forma que em-


presas privadas que exercem atividades empresariais; contudo, diferente-
mente, não têm finalidade econômica e desempenham um mister de natureza
pública.

1.2 DAS FINANÇAS DO PARTIDO POLÍTICO

A Lei dos Partidos Políticos, em conformidade com a Constituição Fe-


deral de 1988, determina que é vedado o financiamento das agremiações por
parte de entidades ou organismos internacionais, acrescentando também:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qual-


quer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável
em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, proce-
dente de:

I - entidade ou governo estrangeiros;

II - entes públicos e pessoas jurídicas de qualquer natureza, ressalvadas as


dotações referidas no art. 38 desta Lei e as proveniente do Fundo Especial
de Financiamento de Campanha;

III - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

IV - entidade de classe ou sindical.

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação


e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os
filiados a partido político. (BRASIL, 1995).
Perspectiva em Compliance | 251

Ressalta-se que este dispositivo proíbe o recebimento de recursos finan-


ceiro de pessoas jurídicas de qualquer natureza aos partidos políticos, com
redação da minirreforma eleitoral de 2017, afetada especialmente pela deci-
são do Supremo Tribunal Federal na ADI nº 4650, proposta pelo Conselho
Federal da OAB, na qual se declarou inconstitucional o financiamento priva-
do de campanha por pessoal jurídica de direito privado.
Do mesmo modo, os partidos têm a obrigação anual após o recebimento
e aplicação dos recursos financeiros de prestar contas, enviando os balance-
tes ao respectivo órgão da Justiça Eleitoral com base na hierarquia, sendo o
Tribunal Superior Eleitoral, no caso do Diretório Nacional, demonstrando
os seguintes itens:

I - discriminação dos valores e destinação dos recursos oriundos do fundo


partidário;

II - origem e valor das contribuições e doações;

III - despesas de caráter eleitoral, com a especificação e comprovação dos


gastos com programas no rádio e televisão, comitês, propaganda, publica-
ções, comícios, e demais atividades de campanha;

IV - discriminação detalhada das receitas e despesas. (BRASIL, 1995).

O propósito da prestação de contas é garantir que houve o recebimen-


to de recursos permitidos por lei, bem como o gerenciamento destes sem
desvios e abusos, garantindo a paridade de armas e a legalidade do pleito
eleitoral:

Este é o ato pelo qual os partidos políticos que participam do pleito e os


seus candidatos, em cumprimento ao que dispõe a Lei nº 9.504/97, dão
conhecimento à Justiça Eleitoral dos valores arrecadados e dos gastos elei-
torais efetuados, a fim de se impedir distorções no processo eleitoral, o
abuso de poder econômico e desvios de finalidade na utilização dos recur-
sos arrecadados e, ainda, preservar, dentro da legalidade, a igualdade de
condições na disputa eleitoral. (BATINI, 2015, p. 91).

Apesar de toda a fiscalização imposta pela legislação eleitoral para que as


agremiações cumpram suas funções dentro das normas, a lei em comento não
traz no seu escopo normas que garantam transparência, integridade e pre-
visibilidade dos atos partidários, bem como não há um sistema de prevenção
ou combate à corrupção ativa e/ou passiva, como proposto pelo compliance.
252 | Jamily Duarte da Silva

2 TEORIA GERAL DO COMPLIANCE

Bertoccelli (2019) evidencia o surgimento do compliance através da le-


gislação norte-americana, com a criação da Prudential Securities, em 1950,
e com a regulação da Securities and Exchange Commission (SEC), de 1960,
em que se fez menção à necessidade de institucionalizar os programas de
compliance, com a finalidade de criar procedimentos internos de controle e
monitoramento de operações.
Do mesmo modo, os professores Renato de Melo Silveira e Eduardo
Saad (2015) reafirmam o entendimento sobre o compliance:

Orienta-se, em verdade, pela finalidade preventiva, por meio da programa-


ção de uma série de condutas (condução de cumprimento) que estimulam a
diminuição de riscos da atividade. Sua estrutura é pensada para incremen-
tar a capacidade comunicativa da pena nas relações econômicas ao combi-
nar estratégia de defesa da concorrência leal e justa com as estratégias de
prevenção de perigos futuros. (SILVEIRA; SAAD, 2015 apud BERTOC-
CELLI, 2019, p. 39).

Assim sendo, a compreensão do compliance engloba um sistema comple-


xo e organizado de mecanismos de controle de riscos e prevenção. Destaca-se
que os valores a serem preservados devem se encontrar coerentes com a es-
trutura da sociedade, bem como o compromisso de seus líderes e a estratégia
das organizações que resulte em um ambiente de segurança jurídica para
todos.
O sistema interno trazido pelo compliance pode também ser chamado de
programa de integridade, cuja finalidade visa a prevenir, detectar, corrigir
atos não apropriados com os valores e princípios das organizações, bem como
do ordenamento jurídico vigente.
Ressalta-se, todavia, que o compliance não se trata de um sistema infalível,
capaz de solucionar todos os problemas de uma empresa, mas tem o objetivo
de “minimizar as possibilidades de que ele ocorra, e criar ferramentas para
que a empresa rapidamente identifique sua ocorrência e lide da forma mais
adequada possível com o problema” (MENDES; CARVALHO, 2017, p. 31).
Considerando as conceituações trazidas num primeiro momento para
definir o compliance em sua essência, percebe-se que este constitui um sistema
multidisciplinar e preventivo, em que a sua aplicação se adequará às necessi-
dades do seu ambiente de destinação. Nesse sentido, é importante conhecer
a estrutura de um programa de compliance (conformidade) para melhor com-
preensão da sua destinação e finalidade.
Perspectiva em Compliance | 253

2.1 A ESTRUTURA DOS PROGRAMAS DE COMPLIANCE

O compliance é operacionalizado por meio de um programa cuja finalida-


de é transmudar a pessoa jurídica de direito público ou privado empenhada
em cumprir a legislação, independentemente da área de atuação, seja econô-
mica, seja social.
Tal programa é elaborado a partir de três fundamentos principais e cada
um se subdivide em mais três pilares. A caracterização do programa de com-
pliance é o primeiro fundamento e se subdivide em: a) análise e valoração dos
riscos; b) medidas de identificação, prevenção e comunicação e valores da
empresa; c) estrutura do compliance.
O segundo fundamento diz respeito à introdução do programa, que por
sua vez é composto por mais três pilares: a) comunicação e detalhamento das
especificações de compliance; b) promoção da observação do compliance; c) os
procedimentos organizacionais para criação do programa.
O terceiro e último fundamento é o de alicerçamento e aperfeiçoamento,
que se entende como reagir aos atos eventualmente ilícitos, aplicar a sanção
e aperfeiçoar para que ato igual não seja realizado novamente, tendo como
pilares: a) o processo de apuração de violações ao programa; b) sanções para
os violadores do programa; c) avaliação continuada e aperfeiçoamento.
O primeiro passo para um programa de conformidade efetivo e viável é
o alicerce da avaliação dos riscos. Isso quer dizer que, ao elaborar um pro-
grama, deve-se antes de mais nada conhecer as normas, nacionais ou estran-
geiras, aplicáveis no âmbito da empresa ou ente/entidade da Administração
Pública e catalogar todos os possíveis riscos, criando um inventário (ENGE-
LHART apud VERÍSSIMO, 2018).
Assim sendo, após a identificação dos riscos, deve-se organizá-los de
acordo com a expectativa de ocorrência e, em caso de acontecimentos, vis-
lumbrá-los e criar um gerenciamento de riscos (risk management).
Segundo Veríssimo (2018, p. 284), o objetivo é “mitigar os riscos e es-
tabelecer procedimentos para adotar a frente aos atos lesivos que venham a
ocorrer”.
É notório que o sistema de conformidade a ser adotado se transfaz muito
a depender do tamanho da empresa, ente ou entidade para o qual está sendo
confeccionado, sem esquecer das especificidades. Contudo, em qualquer
hipótese, o terceiro pilar do primeiro fundamento deve estar presente, qual
seja, a criação de uma estrutura “na qual sejam atribuídas claramente as
tarefas de compliance, e que receba as competências correspondentes e os re-
cursos suficientes para a implementação dessas tarefas” (VERÍSSIMO, 2018,
p. 290).
254 | Jamily Duarte da Silva

Nesta fase de execução se insere o compliance officer, a quem se delega a


função de dar prosseguimento ao programa e manter comunicação com os
diretores ou dirigentes, prestando contas dos atos realizados.
Durante o processo de implementação do compliance, os procedimentos
de organização para constituição do programa devem ser dotados de regra
pela pessoa jurídica, visando a “evitar as oportunidades de violações das nor-
mas legais, regulamentares e éticas, bem como possibilitar a descoberta de
fatos ou atos que impliquem violação das mesmas” (VERÍSSIMO, 2018, p.
294). Por fim, o terceiro fundamento que se correlaciona com a consolidação
e aperfeiçoamento do compliance se inicia com a necessidade de criação de um
processo para apurar a violação ao programa.
Por conseguinte, vale dizer que o programa de conformidade necessita
de um agrupamento eficiente de procedimentos que lhe garanta avaliação e
aperfeiçoamento por meio de suas normas internas. Ao mesmo tempo, des-
taca-se que se torna inexequível a previsão de todos os atos de corrupção
que possam ser praticados, tendo em vista que a capacidade humana de agir
e modificar seus atos é múltipla e infinita, mas tal fato não impossibilita a
formação de um programa pautado em princípios basilares que incidam in-
dependentemente da previsão de determinadas condutas humanas. Neste
ponto, cumpre mencionar a ISO 19600 (2018), a qual dispõe que, no caso
de violação do programa estabelecido, ou seja, em caso de práticas de atos de
corrupção, estes devem ser tratados com proporcionalidade e razoabilidade
dos princípios instituídos no programa de compliance, observando os atos de
modo a sempre buscar criar novos procedimentos de controle para coibir a
reincidência.

3 A ADOÇÃO DO COMPLIANCE COMO MECANISMO DE


FORTALECIMENTO E SOLUÇÃO PARA A CRISE DOS PARTIDOS
POLÍTICOS

4.1 A FUNÇÃO PARTIDÁRIA

A função dos partidos políticos está atrelada à tutela dos seus programas
concebidos a partir dos seus princípios, por meio dos quais se dá a concre-
tização dos anseios sociais ou pelo menos parte deles. “Os partidos políticos
contribuem para a legitimação como instrumentos de concretização das ideo-
logias políticas nos âmbitos do poder. Possuem, portanto, obrigações como
intermediadores e canalizadores dos interesses cidadãos” (COELHO, 2016,
p. 216).
Perspectiva em Compliance | 255

Isto posto, observa-se que, apesar do fundamento e da imagem de enti-


dades que possuem e devem por isso garantir a plena eficácia da democracia,
o funcionamento do programa partidário, a formação de equipes compostas
por candidatos idôneos e comprometidos, prestações de contas e outros, a
realidade é outra. Ao averiguar de maneira mais cuidadosa as ações partidá-
rias, verifica-se facilmente acontecimentos antagônicos à essência formulada
para o que se propõe os organismos políticos, contrariando tudo o que deve-
riam representar.
Os partidos políticos, ao serem criados, assumem deveres e obrigações,
nas figuras de seus representantes, externa e internamente.

Cumpre ressaltar, porém, que as legendas possuem obrigações democráti-


cas não só perante a sociedade e o poder público, mas também em âmbito
interno. Os partidos políticos são protagonistas no processo democrático
e, como tal, também em sua organização interna devem apregoar e efetivar
os valores democráticos, sob pena de causarem prejuízos à legitimidade de
sua própria organização, bem como à integridade do Estado democrático.
(COELHO, 2016, p. 216).

Desde 1995, quando foi criada a Lei dos Partidos Políticos, houve um
considerável progresso entre as entidades, e estas buscaram instituir inter-
namente processos democráticos, maior participação dos filiados em suas
convenções, para que através disso todos os seus integrantes interagissem e
dialogassem sobre as decisões, perspectivas e caminhos pelos quais os parti-
dos estariam seguindo.
Frisa-se que a utilização do termo democracia não se traduz como mera
participação da população nas decisões do Estado, mas numa concepção ma-
cro, implica confiança, transparência, previsibilidade, além da instituição cla-
ra e objetiva de princípios e regras que visem a garantir a probidade parti-
dária.
Visto isso, pode-se afirmar que a democratização inserida pelos parti-
dos contribuiu significativamente para o aumento do número de filiações. No
ano de 2019, em levantamento divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral,
chegou-se à marca de 15.687.917 (quinze milhões, seiscentos e oitenta e sete
mil novecentos e dezessete) pessoas filiadas a partidos políticos, os quais são
divididos em 33 (trinta e três).
Contudo, apesar da crescente evolução ao que demanda a democracia
intrapartidária, quando os olhares passam a analisar questões de governança,
por exemplo, as perspectivas tendem a mudar. Em análise das organizações,
seja por ausência de legislação, seja por fiscalização do Estado, os partidos
encontram-se em total desacordo com o ordenamento jurídico vigente no
256 | Jamily Duarte da Silva

que concerne a questões de transparência, previsibilidade, controle interno e,


consequentemente, confiança.
No ano de 2018 foi divulgada uma pesquisa pelo movimento intitulado
Transparência Partidária, na qual se constatou na época que, dos 35 parti-
dos registrados no TSE, trinta e três estavam com níveis de transparência
abaixo de 1,0, levando-se em consideração que a metodologia aplica notas de
0 a 10.
A pesquisa considerou informações sobre contabilidade, relação de fi-
liados, procedimentos internos, estrutura e organograma do partido, todos
estes requisitos para uma governança moderna.
Considerando tais informações, ainda se pondera que diariamente são
noticiados supostos desvios de conduta e práticas corruptivas atreladas a
partidos políticos, o que também leva ao Tribunal Superior Eleitoral pedidos
de cassação de registros de agremiações constantemente devido aos inúme-
ros abusos e práticas delituosas.
Por estes motivos, verifica-se ser imprescindível que as agremiações en-
tendam a necessidade de adotar deliberações no que tange à governança,
tendo em vista que práticas de corrupção não coadunam mais com os anseios
sociais e tendem a levar a responder pelos atos todos os envolvidos. Aqui,
deve-se reforçar a real necessidade de enraizar a prática de boa governança
para uma mudança total não apenas na essência do partido, como também
nos dirigentes, nos filiados e nos princípios adotados como norteadores de
seus ideais políticos.

3.2 A APLICAÇÃO DO PROGRAMA DE CONFORMIDADE NA


ORGANIZAÇÃO INTRAPARTIDÁRIA

A desconfiança com a política brasileira e por conseguinte com seus par-


tidos políticos teve o seu estopim no ano de 2007, dando destaque ao “Men-
salão”. Desde então foram crescentes os escândalos e casos de denúncias en-
volvendo suborno e dirigentes de partidos políticos, tornando ainda mais
delicada a relação da sociedade com a política. Prova disto é apontada numa
pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2017, que demonstra
um percentual baixo de confiança da população nos partidos políticos, apenas
7%.
Cumpre mencionar que a responsabilidade dos alarmantes números que
pairam sobre as relações sociedade x partidos políticos é, em sua maioria, dos
próprios partidos, tendo em vista que estes até então não adotaram planos de
governança e gestão de transparência capazes de conduzir suas gestões para
Perspectiva em Compliance | 257

o patamar de eliminação de atos de corrupção, considerando este ser o fator


de peso mais alto quando tratamos de confiabilidade baixa da população.
Diversamente do “dever ser”, como é demonstrado pela pesquisa acima,
as organizações partidárias falham ao não viabilizar em suas páginas on-line
dados importantes, como listas de filiados com os nomes, histórico de filiação,
o resultado contábil e financeiro, um próprio portal de transparência de suas
receitas e despesas, a estrutura interna com a composição dos órgãos deci-
sórios, lista de parceiros e fornecedores, detalhamento dos procedimentos de
escolhas de candidatos, procedimentos pra distribuição de fundo partidário e
fundo de financiamento das campanhas eleitorais etc.
Demonstradas todas as problemáticas acima, passa-se então a buscar a
solução. A construção do programa de compliance versa sobre todos os aspec-
tos que uma organização, seja ela empresarial, seja pública ou partidária, deve
instituir, assim como seus fundamentos, entre eles regras objetivas e abran-
gentes a todos, código de ética e conduta, o comprometimento de todos os
partícipes, incluindo a mais alta direção partidária, a instituição do programa
de integridade, canais de denúncia geridos por terceiros.
Foi a partir desses direcionamentos que o Senador Antonio Anastasia
(PSDB) propôs ao Senado Federal o Projeto de Lei nº 429/2017, que preten-
de instituir no âmbito dos partidos políticos o programa de conformidade,
com a criação do art. 37-B na Lei nº 9.096/95:

Art. 37-B. Para fins do disposto nesta Lei, programa de integridade con-
siste, no âmbito de um partido político, no conjunto de mecanismos e
procedimentos internos de integridade, controle, auditoria e incentivo à
denúncia de irregularidades, e na aplicação efetiva de códigos de ética e
de conduta, políticas e diretrizes, inclusive estendidas a terceiros, com o
objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos
praticados ou atribuídos ao partido político. (BRASIL, 2017).

O projeto proposto tem por objetivo a instituição de procedimentos a


serem incorporados pelos partidos e tornar as práticas adotadas viáveis e le-
gais. Deve-se sobressaltar que o projeto surgiu em razão da instituição da Lei
nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), que prevê a necessidade de programas
de integridade que busquem auditar e incentivar denúncias de irregularida-
des e a efetiva aplicação de códigos de ética e de conduta.
Cumpre destacar alguns pontos relevantes acerca da instituição do pro-
grama de compliance pelos partidos políticos. Os canais de comunicação são
uma espécie de instrumentos de diálogo entre todos os envolvidos nas ins-
tituições, desde os mais altos dirigentes até o cidadão, e estes canais possibi-
litam a realização de denúncias de irregularidades e condutas que se desvir-
258 | Jamily Duarte da Silva

tuam da busca da lisura e ética, além de ser uma fonte de garantia do sigilo
destas denúncias.
A Empresa Brasileira Acreditadora de Compliance (EBANC) editou a
norma DSC 10.000, que prescreve diretrizes para o sistema de compliance que
consigna a importância dos canais de comunicação para a validade e eficiên-
cia do programa a ser adotado:

A organização deve assegurar aos empregados e aos parceiros comerciais


acesso ao representante da Alta Direção, por meio de canais apropriados,
para que estes possam comunicar uma denúncia, alegação, suspeita ou in-
formação que represente eventual ou potencial violação do código de con-
duta da organização, desvio de conduta, descumprimento de normas inter-
nas ou transgressão da legislação e/ou regulamentação aplicável, seja por
parte de um empregado ou terceiro, que possua relacionamento comercial
o profissional com a organização. A organização deve assegurar a confi-
dencialidade das informações recebidas por tais canais e proibir retaliação.
A organização deve garantir que suspeitas, denúncias, alegações, reclama-
ções, etc. sejam prontamente averiguadas e as consequências apropriadas
sejam devidamente aplicadas. (EBANC, 2015).

A implantação e efetivo funcionamento dos canais de comunicação, sob


sigilo, possibilitam que os partidos forneçam à população e demais interes-
sados a garantia de lisura e efetivas condições de denúncias feitas de forma
segura, na medida do possível, contra atos infracionais e ilícitos cometidos
pelos membros, fornecedores e parceiros das entidades.
Outro ponto que merece destaque relaciona-se à implantação do progra-
ma de conformidade pelos partidos políticos, o qual tem sua real responsabi-
lidade atrelada à direção dos partidos para que possa tornar sua efetivação e
manutenção real, mas ressalta-se que, apesar de importante, o programa de
compliance não lhes transfere toda responsabilidade.
Para a DSC 10.000, alta direção diz respeito:

A mais alta instância hierárquica executiva da organização. Ela pode ser


formada por um ou mais administradores, pela diretoria estatutária, pe-
los sócios, pelos proprietários ou por outra definição da organização que,
de acordo com a sua natureza, represente o poder de decisão interno
(EBANC, 2015)

Por fim, destaca-se também o programa de integridade que se soma a to-


dos os demais procedimentos, incluindo a política antissuborno, que é capaz
de expungir latentes atos de corrupção.
A predita norma se tornou o marco preliminar do sistema de confor-
midades no Brasil, visto que o art. 10° e o art. 1112 determinam a um rol
Perspectiva em Compliance | 259

de pessoas que implementem atos de transparência, supervisão e verificação


capazes de eliminar possíveis condutas atípicas.
Convém mencionar também que mais recentemente a Lei nº 12.846/2013,
também conhecida como Lei Anticorrupção, voltada para as pessoas jurídicas
de direito privado, previu como condição para diminuição de sanções aplica-
das a empresas que cometem atos de corrupção a existência do programa de
integridade.
O que se torna muito importante quando tratamos do programa anti-
corrupção é a verificação dos casos rotineiros nos partidos políticos, a exem-
plo da concessão de terceiros à agremiação e seus membros de subvenções,
patrocínio, presentes, doações e outros. Dito isto, a EBANC, através da DSC
10.000, propõe a adoção das seguintes medidas:

A organização deve estabelecer procedimento documentado para o empre-


gado oferecer ou receber presentes e hospitalidades e conceder doações e
patrocínios, envolvendo terceiros, incluindo:

a) critérios claros contemplando, no mínimo, em qual circunstância deve


haver permissão, proibição e/ou pré-aprovação;

b) como deve ser o processo de aprovação, de modo a assegurar a transpa-


rência e mitigação dos riscos de operações dessa natureza;

c) qual(is) é(são) a(s) função(ões) na organização responsável(is) pela auto-


rização dessas operações;

d) quais são os registros pertinentes a serem mantidos. (EBANC, 2015).

Isto posto, cumpre salientar que as medidas ora mencionadas visam a


coibir as possibilidades de que qualquer membro ligado aos partidos venha a
receber presentes com o propósito de concessão ou manutenção de vantagens
indevidas.
Considerando a vasta possibilidade de discussão acerca do tema pro-
posto, o estudo demonstra ser viável a implementação e regulação de uma
norma que venha a tornar a implementação do programa de compliance para
entidades políticas um fator real e de importante efetividade para a crise que
se arrasta nas agremiações.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das elucidações no que tange à ordem legal, especialmente no


que diz respeito ao papel dos partidos políticos e sua função representativa
260 | Jamily Duarte da Silva

no dever de materializar o regime democrático de direito e a promoção do


pluralismo ideológico, resta evidente a importância da existência de um pro-
grama de compliance.
Ocorre que os conflitos que cercam os partidos políticos, por conseguin-
te os próprios políticos e representantes das instituições, vêm provocando
uma instabilidade perante a população, bem como o aumento do descrédito
social e rompimento de confiança que os indivíduos depositavam nas agre-
miações. Os dados demonstram que apenas 7% da população tem confiança
nos partidos políticos, e atrelados ao estudo de que as agremiações não são
instituições transparentes e com os casos e relatos recorrentes de corrupção
corroboram a tese da crise dos partidos.
No Brasil há atualmente 33 partidos políticos, os quais possuem histó-
rias construídas por alianças e conspirações políticas cercadas por escândalos
que, por consequência, ofuscam os programas e princípios das suas essências
fundacionais, o que acaba ocasionando o considerável aumento da descon-
fiança da população.
Neste panorama, o programa de compliance surge como uma escapatória
para o problema. Visto isso, observa-se que a aplicação das vertentes trazidas
pelo compliance para as entidades partidárias induz a uma percepção de aber-
tura de diálogo entre todos os entes que compõem as instituições, possibili-
tando assim uma abertura de comunicação e maior fiscalização e instituição
de regramentos mais sólidos e capazes de gerar punições aos que se desvir-
tuam dos princípios estabelecidos.
A instituição de regramentos mais sólidos impostos pelo programa de
conformidade valida a ideia da necessidade de implantação de códigos de con-
duta e ética como meios de dar maior visibilidade aos mecanismos de puni-
ção e impõe, por consequência, uma tentativa de evitar condutas atípicas e
capazes de ampliar as práticas de suborno e corrupção pelos membros das
agremiações.
Vale ressaltar que, além de códigos de conduta e ética, o programa pos-
sibilita também a instituição de procedimentos de auxílio, conduzindo à am-
pliação de uma fiscalização mais efetiva e independente, auditorias, além do
maior aperfeiçoamento das condutas internas das instituições, o que visa a
consolidar maior eficiência para seus respectivos funcionamentos.
Cumpre mencionar que a efetivação do programa de compliance e suas
vertentes vem para abranger por completo a estrutura partidária, para que
assim se institua de maneira universal o cumprimento das normas e regi-
mentos.
As diretrizes impostas pelo programa de compliance emergem como um
viés de saída para a crise instaurada na relação da população com os parti-
Perspectiva em Compliance | 261

dos políticos, já tão desacreditados. A implantação de soluções que visam a


ampliar a transparência e impor procedimentos vistos como confiáveis e que
possibilitem resultados genuínos para conter as práticas corruptíveis vem
sendo o percurso aceitável e eficiente para de fato conquistar resultados que
tragam de volta a confiança da população, que um dia já apostou nestas insti-
tuições como o caminho para uma democracia efetiva e real.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO/IEC


19600:2014: sistema de gestão de compliance. Rio de Janeiro, 2014. Disponível
em: <http://www.abnt.org.br/noticias/4857-lancamento-daversao-em-
portugues-da-iso-19600-2014-sistema-de-gestao-de-compliance-diretrizes>.
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LGPD E COMPLIANCE
A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS E
20
OS PROGRAMAS DE COMPLIANCE

Fabíola Grimaldi56
Mayanne Pontes57

A proteção de dados já está presente na legislação brasileira, com nor-


matizações feitas, no Código de Defesa do Consumidor, no Código Civil e no
Marco Civil da Internet. Entretanto, uma lei específica se tornou prioridade,
em face do grande avanço das comunicações e tecnologias, sendo necessárias
medidas protetivas atreladas à transparência e à efetividade.
A Lei n. 13.709/18, chamada de Lei Geral de Proteção de Dados
(LGPD), permitirá ao Brasil alinhar-se a mais de cem países que já possuem
norma sobre o assunto, alterando o cotidiano de usuários, empresas e do
Poder Público. É através dela que ficará garantida a viabilidade de negócios
nacionais e internacionais.
Devido à expressa garantia de uma série de direitos fundamentais, como
a liberdade, a privacidade e o desenvolvimento pessoal, a LGPD não só se

56 Advogada. Pós-graduanda em Direito Digital e Proteção de Dados pela EBRADI.


Especialista em Direito e Controle em Proteção de dados pela PUC-SP. Pós-graduanda
em Direito Corporativo e Compliance pela Escola Paulista de Direito. MBA Executivo
de gestão em Administração Empresarial na FGV. MBA Marketing pela ESPM.
57 Advogada. Pós-graduanda em Direito Administrativo. Participou das obras Diálogos
Jurídicos II, Diálogos Jurídicos III, Diálogos Jurídicos IV e Diálogos Jurídicos V.
265
266 | Fabíola Grimaldi & Mayanne Pontes

alinha à Constituição Federal, como também à extensão desses direitos até


então não vislumbrados.
Sua adequação não possui apenas comandos normativos, mas enseja
também uma mudança cultural sobre como os dados pessoais serão tratados,
sejam eles sensíveis ou não. Qualquer pessoa, física ou jurídica, que colete
dados, estará sujeito aos seus comandos.
Em contrapartida, o compliance, que vem ganhando cada vez mais força,
traz o compromisso da empresa com ações em concordância com as regras
ou instruções internas, buscando sempre a conformidade e o cumprimento
de normas nacionais e internacionais. O seu objetivo é a atuação de forma
íntegra e transparente.
Assim, compete ao compliance, desde já, avaliar e planejar procedimentos
e estruturas internas adequadas para garantir a conformidade com a LGPD.
Os treinamentos, controles e até cargos específicos deverão ser direcionados
para adequar a empresa, buscando evitar as sanções previstas na lei.
O presente texto busca demonstrar a interdisciplinaridade para adequa-
ção dessa lei que perpasse por todos os setores de uma empresa. É necessário
que profissionais de diversos setores, como o de tecnologia e jurídico, jun-
tem-se para viabilizar a conformidade com a lei. Tal junção se torna mais
fácil e equivalente com os programas de compliance.

1 LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (LGPD)

Devido aos constantes escândalos de vazamento de dados, diversos paí-


ses procuraram se atualizar e desenvolver seus métodos de proteção. O caso
mais famoso, envolvendo o fornecimento de dados, foi o da empresa de big
data e marketing político Cambridge Analytica, que obteve informações de mi-
lhares de usuários do Facebook.
O Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia, General
Data Protection Regulation (GDPR), foi o pontapé necessário para o Brasil
buscar desenvolver a sua própria lei de proteção de dados. Além da necessi-
dade de regulamentar a proteção de dados de forma mais específica, trata-se
também de medida política e econômica a fim de garantir a continuidade dos
negócios nacionais e internacionais.
Sancionada pelo ex-presidente Michel Temer, a Lei Geral de Proteção
de Dados (LGPD), Lei n. 13.709/2018, é a que possui o maior tempo entre a
sua promulgação e a sua vigência.
Seu maior objetivo consiste no tratamento adequado de dados pessoais
e na proteção, sendo eles digitais ou físicos. Sua abrangência envolve tanto as
Perspectiva em Compliance | 267

pessoas físicas quanto pessoas jurídicas de direito público e privado, na forma


do seu art.1°:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive


nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito
público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais
de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade
da pessoa natural. (BRASIL, 2018).

Dessa forma, ao garantir a proteção dos direitos fundamentais de liber-


dade, da privacidade e do livre desenvolvimento da personalidade, a LGPD
alerta, em seu texto legal, para a importância do tratamento de dados pes-
soais, sensíveis ou não.
Os dados pessoais são qualquer informação relacionada à pessoa natu-
ral que a identifique ou a torne identificável. São exemplos disso o nome,
sobrenome, CPF e RG, além dos dados considerados sensíveis como raça,
religião, sexualidade e opinião política. Sensíveis ou não, a lei regulamenta a
sua proteção.
O tratamento de dados pessoais, segundo a LGPD seria toda a operação
realizada com dados pessoais, na forma do seu art.5, X:

Art. 5. [...] X - tratamento: toda operação realizada com dados pessoais,


como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utiliza-
ção, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arqui-
vamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informa-
ção, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração; (BRA-
SIL, 2018).

Assim, qualquer operação que envolva dados pode ser considerada como
tratamento e deve seguir os parâmetros legais, desde que seja realizada em
território nacional, por pessoa física ou jurídica de direito público ou privado,
cujos titulares estejam localizados no Brasil ou que tenha por finalidade a
oferta de produtos ou serviços no Brasil. Caso contrário, esse tratamento po-
derá, segundo os acordos internacionais e diretrizes do direito internacional,
ser regido pela GDPR.
É importante pontuar que o titular do dado pessoal deve, de forma expressa,
livre, informada e inequívoca, exprimir o seu consentimento para o tratamento
do dado. Se provado qualquer vício no consentimento, o tratamento desse
dado estará vedado, uma vez que o consentimento é elemento essencial para o
tratamento pois garante, acima de tudo, a transparência.
A únicas exceções são o tratamento de dados pessoais realizado por pes-
soa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos, o rea-
268 | Fabíola Grimaldi & Mayanne Pontes

lizado exclusivamente para fins jornalístico, artístico ou acadêmico (neste


caso, não se dispensa o consentimento), de segurança pública, defesa nacio-
nal, segurança do Estado ou atividades de investigação e repressão de infra-
ções penais, ou dados em trânsito, isto é, aqueles que não têm como destino
agentes de tratamento no Brasil, na forma do art. 4° da LGPD.

2 PRINCÍPIOS DA LGPD

Os princípios, antes vistos como meras recomendações de ordem mo-


ral ou política, ganharam força e passaram a ser alicerce para a aplicação
imediata de outros direitos subjetivos, tornando-se comandos recheados de
efetividade e juridicidade. Eles ajudam a nortear uma questão, servindo como
fundamento para se atingir a melhor solução em um conflito.
A LGPD elenca os princípios que considera pertinentes para a sua efeti-
vidade. O seu art. 6° traz onze princípios, que são: boa-fé, finalidade, adequa-
ção, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança,
prevenção, não discriminação, responsabilização e prestação de contas.
Presente em todas as relações jurídicas, o princípio da boa-fé é um dos
norteadores na relação dos negócios jurídicos. Seu significado encontra raiz
nas boas intenções e na fidelidade da palavra dada, que não deverá ser objeto
do abuso de confiança. É um pacto que deverá ser cumprido da forma e ma-
neira ajustadas. Todas as atividades de tratamento de dados pessoais deverão
observar tal princípio.
Segundo o art. 6, I, da LGPD, o princípio da finalidade configura-se pela
realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e
informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma
incompatível com essas finalidades. Isso quer dizer que os dados coletados
e obtidos para um fim não podem ser desviados para a realização de outras
atividades que não aquelas para as quais o titular deu o seu consentimento.
Para cada direção de tratamento que o dado terá, deverá ser informado ao seu
titular para receber a sua autorização, o seu consentimento.
Intimamente ligado ao princípio da finalidade, o princípio da adequação
estabelece que os dados devem ser usados de forma compatível com a finali-
dade para a qual foram obtidos. Para Cots e Oliveira (2019), o objetivo desse
princípio se fundamenta no procedimento realizado para chegar à finalidade
pretendida. Assim, deve-se informar que os dados serão eliminados, mas pos-
suir uma cópia destes seria uma violação a tal princípio.
Outro princípio ligado ao da finalidade é o princípio da necessidade, que
estabelece que somente serão tratados os dados necessários. Assim, observa-
da a finalidade, os dados excessivos ou desnecessários não deverão ser objeto
Perspectiva em Compliance | 269

de tratamento, como, por exemplo, requerer a orientação sexual para admis-


são de empregado.
O princípio da não discriminação expressa a vedação no tratamento de
dados para fins discriminatórios, ilícitos ou abusivos. Um exemplo de viola-
ção a esse princípio é a dispensa de empregados por motivo de religião ou por
serem do sexo feminino.
Expresso de forma clara no artigo 9° da LGPD, o princípio do livre
acesso também é vislumbrado de forma implícita nos seus arts. 18, 19 e 20.
Visa a garantir aos titulares a consulta facilitada e gratuita sobre a forma e
a duração do tratamento, bem como o acesso à integralidade dos seus dados.
Também é garantido ao titular solicitar correção de equívocos ou a revisão de
decisões subsidiadas em procedimentos automatizados sobre os seus dados.
Relacionado com o princípio da transparência e do livre acesso, o princí-
pio da qualidade dos dados exige que os dados sejam objetivos, atualizados e
exatos. Um dado pessoal equivocado e/ou desatualizado pode trazer um dano
ao seu titular, por exemplo, a sua desclassificação em um processo seletivo ou
um erro no tratamento médico.
Considerado como base de todo o texto legal da LGPD, o princípio da
transparência visa garantir que todas as informações estejam e sejam claras,
precisas e acessíveis aos titulares dos dados. Ele é o instrumento que vincula
todos os demais princípios, pois é necessário que o titular entenda o que ocor-
rerá no tratamento de seus dados, a fim de que seu consentimento seja válido.
A ausência desse princípio configura violação dos demais.
A segurança como princípio da LGPD é fundamental para estabelecer
uma proteção dos dados. Os agentes de tratamento devem utilizar medidas
administrativas e/ou técnicas que garantam a proteção dos dados pessoais
em eventuais violações, sejam elas acidentais, sejam provocadas. Essas medi-
das serão tomadas desde o primeiro momento, a fim de garantir a segurança
da informação.
A adoção de medidas para prevenir possíveis danos no tratamento dos
dados pessoais caracteriza-se como prevenção. O princípio da prevenção im-
põe aos agentes de tratamento que analisem, reflitam e adotem medidas efe-
tivas para garantir não só a legalidade dos procedimentos, mas também a
proteção ao dado. É necessário ressaltar a importância e o quão valiosos são
os dados pessoais, pois seu tratamento de forma irregular pode ser extrema-
mente perigoso. É preciso agir antes que o dano ocorra.
Para estarem em conformidade com o princípio da responsabilização
e da prestação de contas, as empresas buscarão ter o conhecimento de que
os chamados controladores e operadores serão os responsáveis pelo correto
cumprimento das exigências legais previstas na LGPD. Caberá ao controla-
270 | Fabíola Grimaldi & Mayanne Pontes

dor e ao operador manter registro das operações de tratamento de dados pes-


soais que realizarem, podendo, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados
(ANPD), requisitar informações a qualquer momento. Inclusive, o relatório
de impacto à proteção de dados pessoais é fruto de uma requisição que poderá
ser feita pela ANPD.
Ressalta-se a possibilidade da inversão do ônus da prova quando houver
hipossuficiência para fins de produção de provas ou quando for excessiva-
mente oneroso, ao titular dos dados, produzir prova.
Vislumbrando-se os princípios elencados na lei e seus significados de
forma genérica, percebemos que a LGPD traz diversas orientações e imposi-
ções para garantir a sua efetividade em um tema tão valioso. Seus princípios
norteiam todo o seu texto legal e buscam trazer mais segurança e eficiência
na adoção e aplicação de medidas essenciais para a proteção dos dados pes-
soais.
Para Tepedino, Frazão e Oliva (2020), a LGPD não apenas repete prin-
cípios no rol do art. 6°, pois a presença deles pode ser identificada ao longo de
seus dispositivos. Essa configuração fortalece a coerência da lei e a unidade
do sistema ao qual ela se integra, formal e materialmente.

3 COMPLIANCE

Os primeiros programas de compliance foram criados em 1991, liderados


por Adrian Cadbury, na Inglaterra, com o principal objetivo de resgatar a
confiança dos investidores na honestidade e na accontability das companhias
de capitais abertos, motivadas pelos escândalos envolvendo grupo Coloroll, o
consórcio Asil Nadir’s Polly Peck e o grupo Maxwell.
No Brasil, os esforços para criação dos mecanismos de conformidade
vêm se intensificando ao longo dos anos, impulsionados principalmente pelos
casos de corrupção envolvendo grandes empresas brasileiras e a Administra-
ção Pública.
Assim, foi somente a partir da Lei Anticorrupção Brasileira, Lei n.
12.846/2013, que as empresas passaram a reconhecer a necessidade de im-
plantar os programas de compliance com o principal intuito de evitar as san-
ções administrativas e judiciais.
O Decreto n. 8.420, de 2015, regulamenta a Lei Anticorrupção e estabe-
lece os chamados programas de integridade. O seu artigo 41estabelece que:

Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade


consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e
procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia
Perspectiva em Compliance | 271
de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta,
políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes,
irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública,
nacional ou estrangeira. (BRASIL, 2015).

Os chamados programas de integridade são, na verdade, os programas


de compliance que irão buscar, dentre outras coisas, padrões de conduta e de
ética, estendendo-os a seus fornecedores, prestadores de serviço, agentes in-
termediários e associados. É uma extensão para toda empresa.
Em razão desse contexto, o termo compliance está se tornando cada vez
mais uma realidade presente na governança corporativa das empresas bra-
sileiras, nascendo uma cultura da necessidade de políticas e procedimentos
capazes de garantirem conformidade com as normas jurídicas e condutas éti-
cas, a fim de preservar a sustentabilidade dos seus negócios e o valor dos seus
ativos.
O termo compliance, originário do verbo em inglês to comply, traduz a
ideia de uma ação voltada para os parâmetros legais vigentes. É o agir de
acordo com a lei, ou seja, estar em conformidade com as regras internas da
empresa, com procedimentos éticos e com as normas jurídicas vigentes.
Porém, o compliance vai além desses fundamentos, pois seu campo de
atuação é extremamente amplo. Ele funciona como um sistema complexo e
organizado de procedimentos de mitigação de riscos, preservação de valores
éticos e de sustentabilidade corporativa, com o objetivo de resultar na cria-
ção de um ambiente de segurança jurídica e confiança para o mercado e boa
tomada de decisões corporativas.
Notória é a presença da palavra “ética” no compliance. Seus programas,
ao serem incorporados à atividade empresarial, tornar-se-ão parte integran-
te do modelo de negócio da empresa e representarão a sua imagem positiva
na busca de uma sociedade mais justa e sustentável.
Vale mencionar que a adoção de boas práticas de governança corporati-
va é requisito para estratégias empresariais, que têm como escopo estabelecer
a forma como estas serão administradas e controladas. O programa complian-
ce é considerado um dos pilares da governança corporativa, uma vez que sua
função primordial é a conformidade com as leis, respeito aos regulamentos e
mitigação de riscos.
Assim, apesar de recente no ambiente empresarial brasileiro, a cultura
do compliance já é considerada realidade, criada principalmente por movimentos
legislativos derivados da crise moral pela qual passou a política do Brasil.
Importante salientar que, para implantação do programa, é necessária a
criação de uma área independente e autônoma dentro da estrutura organiza-
272 | Fabíola Grimaldi & Mayanne Pontes

cional comprometida em realizar os controles e o acompanhamento contínuo,


com intuito de mitigar os riscos e a prevenção.
Segundo Carvalho e Almeida (2010, p. 62), o programa de compliance,
para ser efetivo e eficaz, necessita conter, em seus procedimentos e condutas,
os seguintes elementos e diretrizes:

a) Atuação direta e apoio incondicional da Alta Direção;

b) Indicação de responsável pelo Programa de Integridade;

c) Programa de Integridade adequado às características de atuação da pes-


soa jurídica;

d) Criação de regras e procedimentos;

e) Comunicação;

f) Treinamento;

f) Canais de denúncia e sistema de premiação;

h) Monitoramento;

i) Indicadores de desempenho e,

j) Aplicação do programa e preocupação com os fornecedores e prestado-


res de serviços.

Resta claro que a compreensão de um programa de compliance é muito


mais dinâmica do que um simples controle interno com o intuito de protege
contra escândalos e fraudes. Neste contexto de atingir o nível de excelência no
que concerne ao cumprimento da conformidade em uma empresa, o compliance se
volta para todas e diversas áreas dentro da empresa, deixando de ser apenas um
programa de combate à corrupção.

4 COMPLIANCE NA LGPD

O compliance na proteção de dados é um mecanismo que se encaixa de


forma complementar ao propósito de cumprimento da LGPD. Mesmo que
ele busque seus próprios avanços em outros setores, direciona os esforços
que deverão ser voltados a fazer com que as organizações assumam compor-
tamentos virtuosos e protetivos em relação aos dados coletados dos titulares.
Dessa forma, não há dúvidas de que o programa de compliance é a
ferramenta ideal para atingir os objetivos delimitados na supracitada lei, pois a
Perspectiva em Compliance | 273
mitigação de riscos se faz necessária para garantir o tratamento adequado e justo
dos dados pessoais, tratamento que, sem a incidência dessa lei, é realizado sem a
devida importância.
Esse programa terá como pilares a transparência, a equidade e a pro-
teção com regras específicas que visam a impedir o uso abusivo dos dados
pessoais causados pela ausência de ética.
Conforme as previsões da LGPD, as empresas deverão realizar diversas
ações para se adequarem à lei. Para Maldonado (2019), existem cinco etapas
de implementação, que são: preparação, organização, implementação de de-
senvolvimento, governança de dados pessoais e avaliação de melhoria. Em
todas essas etapas, será necessário ter um encarregado que tomará como fun-
ção ser o elo entre a empresa e o órgão da Administração Pública responsável
por fiscalizar o cumprimento da lei.
A necessidade do encarregado e os deveres que ele assumirá e deverá
cumprir, como o de receber e processar reclamações sobre proteção de dados,
cria uma verdadeira aliança na forma e nos meios de compliance. Isto porque
os dois são movidos por uma atuação preventiva e de constantes atualizações.
Além disso, o processamento de informações sensíveis, treinamento dos
colaboradores com o fim de monitorar, prevenir e coibir o descumprimento
da legislação promovendo um ambiente ético e sustentável são temas tra-
tados na LGPD e vistos no próprio compliance. Atrelando essas funções aos
princípios da lei, é possível enxergar, de forma mais clara, a sua associação.
As estruturas para o cumprimento da lei podem ser realizadas através
dos programas de conformidade, uma vez que ambos vão buscar uma mudan-
ça não só no interior da empresa, como também na forma de seu funciona-
mento, de seus hábitos e da sua própria política de relacionamento.
No entanto, é um programa que necessita de adaptações para atender à
LGPD, pois o texto legal exige registros específicos no tratamento de dados
pessoais para os controladores e operadores comprovarem as adequações e
conformidades. É possível vislumbrar um pouco dessa imposição dos regis-
tros no art. 37 da LGPD:

Art. 37. O controlador e o operador devem manter registro das operações


de tratamento de dados pessoais que realizarem, especialmente quando
baseado no legítimo interesse. (BRASIL, 2018).

O uso de tecnologia e inteligência artificial em comunhão com o com-


pliance de dados ajuda as corporações a subsidiarem estratégias e planeja-
mentos com uso de políticas para evitar danos digitais. O programa de con-
274 | Fabíola Grimaldi & Mayanne Pontes

formidade se une às boas práticas de segurança da informação e à proteção


do processamento dos dados pessoais.
Outro ponto que merece verdadeira relevância é a promoção de uma
correta e eficaz segurança digital. Deverá o compliance, dentro do possível,
minimizar os riscos de invasões e vazamentos executados por hackers que
podem causar sérios danos em relação à imagem, à honra e demais direitos
da vida dos clientes, titulares dos dados.
A evolução das informações é tão rápida e mutável que os programas
de compliance, em relação ao tratamento de dados, deverão observar todo um
ciclo de vida, que vai desde o seu projeto inicial até posterior descarte. Des-
ta forma, o mecanismo de programa de conformidade de dados deverá ser
pensado e desenhado com cuidado, por se tratar de direito fundamental da
personalidade do titular de dados.
Esse programa e sua atuação, na supracitada lei, vai além dos pontos
regulatórios. É perceptível que ele está ligado a critérios e impactos sociais, o
que acarreta grandes responsabilidades para as organizações que processam
dados pessoais. Seus programas, portanto, devem exigir o compromisso com
condutas internas e externas dentro do sistema de governança.
O compliance deve ser enxergado como prática corporativa que possuirá,
junto com a LGPD, uma tendência social e cultural, com o intuito de defen-
der os direitos fundamentais dos titulares contra abusos e garantir a transpa-
rência e uso ético e justo dos dados.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No cenário atual, a criação da LGPD é mais um avanço legislativo que con-


solida a necessidade do uso ético, seguro e responsável dos dados pessoais. É
mais um avanço que promove a necessidade de conscientização, implantação e
monitoramento para garantir o tratamento adequado, a privacidade e a proteção
de dados.
As equipes de compliance deverão estar preparadas para a evolução que
a normativa de proteção de dados trará. São impactos previstos na economia
e para a sociedade, já que as informações, tidas como dados, serão tratadas
com mais atenção. Todos os olhos se voltarão para o Brasil, assim como se
voltaram para a Europa com a GDPR. Em consequência, as empresas, tanto
no setor público quanto no privado, mudarão a sua forma de conduzir seus
negócios, sejam eles nacionais, sejam internacionais. A mudança envolve não
só as empresas e seus consumidores, como também empregadores e empre-
gados. Diversas serão as questões trazidas e as necessidades de adequação.
Perspectiva em Compliance | 275

Em busca de conformidade com a LGPD, qualquer pessoa que colete


dados não deverá somente se adequar à lei, mas deve inseri-la no seu dia a dia;
no seu cotidiano. Por isso que se trata de uma adequação não só estrutural e
prática como cultural. É preciso incentivar o compromisso com a segurança
dos dados, conscientizando a todos da importância e proteção.
O mercado brasileiro deve buscar se igualar aos mercados internacionais ao
implementar uma estrutura e uma política interna de compliance digital. Este de-
verá garantir o correto tratamento dos dados pessoais através do conjunto de es-
forços, disciplinas e estratégias voltadas para o cumprimento das normas legais
e regulamentares abordadas na LGPD. As organizações do setor público estarão
sujeitas, também, pois têm o dever de garantir a proteção dos dados pessoais,
impedir o tratamento inadequado e assumir comportamentos virtuosos e éticos.
Por fim, a importância do compliance na multicitada lei é um caminho
incontestável a ser seguido e aplicado, uma vez que o intuito de proteção
dos dados pessoais atinge mais de um objetivo, pois protege o indivíduo,
garantindo seus direitos fundamentais. Os programas de compliance são os
instrumentos que garantirão a efetividade estrutural normativa e os princípios
da lógica das condutas e atividades relacionadas aos dados pessoais coletados.
Assim, a estruturação dos programas de conformidade com a normativa
de proteção de dados mostra-se extremamente funcional e benéfica para as
organizações. É clara a possibilidade da diminuição dos riscos, da criação
de estratégias preventivas e da valoração de condutas éticas como forma de
transparência e segurança entre titulares e organizações tratadoras de dados
pessoais.

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