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Daniel Wei Liang Wang

Fernanda Vargas Terrazas


organizadores

Judicialização
da Saúde nos
Municípios

TESES JURÍDICAS,
DIAGNÓSTICOS
E EXPERIÊNCIAS DE GESTÃO
Às trabalhadoras e aos trabalhadores do SUS pela resiliência e dedicação
durante a pandemia da Covid-19
Prefácio
As secretarias municipais de saúde têm se deparado ao longo dos anos com
a crescente judicialização da saúde e o CONASEMS, ciente desse cenário,
realizou esforços para apoiar os municípios na resposta a esse fenômeno,
com destaque para a realização de eventos e a elaboração de materiais sobre
o tema, atuação junto à órgãos do Sistema de Justiça e a realização, no âm-
bito do PROADI-SUS, do Curso de Especialização em Direito Sanitário com
Ênfase em Judicialização da Saúde para gestores e trabalhadores do SUS,
sobretudo os que atuam nas secretarias municipais de saúde e seus conselhos
representativos (CONASEMS e COSEMS).

Como forma de potencializar essas iniciativas e também ampliar a sua atua-


ção no campo da judicialização da saúde, no ano de 2020 o CONASEMS
iniciou o projeto Judicialização da Saúde nos Municípios: como responder e
prevenir, sob a coordenação do Prof. Daniel Wei Liang Wang, com o intuito
de elaborar novos produtos para apoiar os municípios nesse tema.

A presente coletânea de artigos - Judicialização da Saúde nos Municípios:


Teses Jurídicas, Diagnósticos e Experiências de Gestão -, é um dos produtos
desse projeto e tem como objetivo reunir produção científica sobre a judicia-
lização da saúde a partir da perspectiva dos municípios brasileiros.

Considerando a carência que existe de produções com esse enfoque e a im-


portância de que elas existam para que o impacto da judicialização no âmbito
municipal não seja subestimado, a proposta do CONASEMS é colocar luz
sobre o trabalho e as experiências desenvolvidas nos municípios para lidar

Sumário 3
com essa questão. Além disso, é imprescindível contar com a maior pluralida-
de possível de autores e com a contribuições das mais diversas de localidades
geográficas.

A reunião do que se revelou um riquíssimo material não era tarefa fácil e,


para alcançar esse objetivo, o CONASEMS, com a coordenação do Prof. Da-
niel Wang, lançou chamada pública para a submissão de propostas de artigos
sobre o tema, que deveriam discorrer sobre teses jurídicas, diagnósticos e
experiências de gestão sobre a judicialização da saúde nos municípios.

Ao todo foram recebidas quase 80 propostas de artigos e, ao fim de um longo


processo, compõem a presente coletânea 38 artigos elaborados por 101 au-
tores, aos quais expressamos o mais profundo agradecimento por sua contri-
buição com o desafio de produzir conteúdo sob um enfoque pouco explorado
e de grande relevância para as discussões sobre a temática da judicialização
da saúde. Agradecemos também pela compreensão com nossas dificuldades
ao realizar um trabalho dessa envergadura.

Aqui cabe um destaque que, por se tratar de uma coletânea de artigos, os


trabalhos refletem a opinião de seus autores, que não necessariamente são
opiniões do CONASEMS, mas as quais temos a satisfação de divulgar, cum-
prindo com nossa missão de promover um debate rico e plural sobre assun-
tos que impactam a saúde pública do país.

Reforçamos o agradecimento a todos que contribuíram com este projeto e


desejamos que os trabalhos aqui apresentados possam contribuir com o for-
talecimento da política de saúde e com qualificação do trato com a judiciali-
zação. Excelente leitura!

Wilames Freire Bezerra


Presidente do CONASEMS

Sumário 4
Autores
Adriana Ribeiro Bloisi
Aldemes Barroso da Silva
Alessandra Cristiane Cano de Souza
Alexander Itria
Amanda Degrande de Paula
Amanda Patrícia Favaron Portella
Ana Maria Bim Gomes
Ana Maria Groff Jansen
Andrei Popovski Kolaceke
Annie Jeanninne Bisso Lacchini
Antônio Jansem Targino de Sousa Filho
Beatriz Cristina de Freitas
Bruno Henrique Silva Santos
Camila Degrande de Paula
Camila Mota Cavalcante
Carina Paula Pacheco
Carmen Silvia Lima de Arruda
Carolina Nogared Cardoso
Caroline Schweitzer de Oliveira
Claiton Leoneti Lencina
Clara de Sousa Gustin
Claudia Marcela Vargas Peláez
Cleide Teresinha Dos Santos Messias
Cristiano Manetti
Dagmar de Paula Queluz
Danilo Di Paiva Malheiros Rocha
Dayane Degner Ribeiro Brasil
Eliene Neves Valadão
Emilienne Estrela de Lacerda Alencar
Emmanuelle Fonseca Marinho de Anias Daltro
Érica Mayumi Tanaka
Fabiely Gomes da Silva Nunes
Fabíola Bagatini Buendgens
Fausto Pereira dos Santos
Felipe Barreto de Melo
Francisca Miriane de Araújo Batista
Gabriela Drummond Marques da Silva
Gabriela Pinheiro Lima Chabbouh
Guilherme Daniel Pupo
Halanna Rocha Ferraz
Helena Hime Funari
Helvécio Miranda Magalhaes Junior
Henrique Yu Jiunn Wang
Hugo Lázaro Marques Martins
Iara Maria Pinheiro de Albuquerque
Iara Veloso Oliveira Figueiredo
Janaina Guldoni Fuzinelli
Jaquison Correa da Cunha
Jean Carlos Debastiani
José Ricardo Messias
Josie Moreira da Silva Katsube
Jussara Moraes Hatae Campoville
Kaite Cristiane Peres
Kelle Oliveira Silva
Laíssa Castro Gomes
Leandro Gomes Lobo
Lenir Santos
Letícia Coelho Simon
Lis Cardoso Marinho Medeiros
Luciana Cugliari Travesso
Luciana Dadalto
Luciana Gaspar Melquíades Duarte
Luciane Anita Savi
Luciano Bertinetti
Lucineia Aparecida de Oliveira
Luís Cláudio Lemos Correia
Luís Henrique Lemes
Luiz Carlos Barufatti
Maclóvia Fontoura
Marco Tulio Antonio Garcíazapata
Mareni Rocha Farias
Maria Camila Abramides Prada
Mariana Skaf Esteves da Rocha
Marília Berlofa Visacri
Marysabel Pintos Telis Silveira
Mônica Cristina Nunes da Trindade
Mônica Silva Monteiro de Castro
Mozer Cardoso Botelho
Natalia Pires de Vasconcelos
Nicolle Chistien Mesquita Marques Megda
Nívia Maria Oliveira de Souza
Olga de Castro Martins
Pablo Maciel Brasil Moreira
Paulo Maximiliano Corrêa
Priscila Ribeiro de Castro
Priscilla Rodrigues Ferreira
Rafael Teixeira Sebastiani
Ricardo de Castro Nascimento
Rodrigo César Maure
Rômulo Paes de Sousa
Rosana Aparecida Garcia
Stefane Cristina Paixão Oliveira
Suzana Souza Santos Andrade
Tatiana dos Reis Balaniuc Monteiro Moreira
Thaís Cidral Testoni
Thiago Campos
Vanessa Elias de Oliveira
Vanessa Limeira de Azevêdo
Vera Lúcia Edais Pepe
Wanessa Debôrtoli de Miranda
Yuran Quintão Castro
Sumário
Prefácio 3
Introdução 15

Teses Jurídicas e Práticas Judiciais 19


O médico, o juiz e o paciente individual 20
Luís Cláudio Lemos Correia
O locus dos municípios na judicialização da saúde: competência
material e responsabilização processual à luz da tese do Tema 793/STF 34
Bruno Henrique Silva Santos
O Pacto Federativo frente ao cumprimento das decisões na esfera
da saúde: Uma breve reflexão sobre a responsabilidade solidária
nas Ações Regressivas nos casos de prestação contínua 58
Hugo Lázaro Marques Martins
Questão federativa e as medidas para enfrentamento da pandemia da
Covid-19 74
Ricardo de Castro Nascimento
Importância da utilização de audiências sequenciais nos processos
de saúde 86
Carmen Silvia Lima de Arruda
Alternativas para o sistema de justiça promover e proteger bens
sanitários de forma igualitária no SUS 112
Iara Maria Pinheiro de Albuquerque
Vulnerabilidade dos pacientes na judicialização da saúde 135
Luciana Dadalto
Camila Mota Cavalcante
Clara de Sousa Gustin
Direito sanitário: desafios jurídico-teóricos e normativos evidenciados
pela pandemia da Covid-19 155
Lenir Santos
Thiago Campos

Diagnósticos 179
Judicialização da Saúde em Santa Catarina – 20 anos de história 180
Kaite Cristiane Peres
Fabíola Bagatini Buendgens
Carolina Nogared Cardoso
Felipe Barreto de Melo
Guilherme Daniel Pupo
Letícia Coelho Simon
Mônica Cristina Nunes da Trindade
Claudia Marcela Vargas Peláez
Mareni Rocha Farias
Perfil da judicialização da saúde pública no município de Piracicaba - SP 206
Beatriz Cristina de Freitas
Dagmar de Paula Queluz
A gestão da judicialização: o caso da Secretaria Municipal de Saúde
de São Paulo - SP 229
Gabriela Pinheiro Lima Chabbouh
Nicolle Chistien Mesquita Marques Megda
Vanessa Elias de Oliveira
O auxílio da Ferramenta Planejamento Estratégico Situacional na
diminuição de processos judiciais de medicamentos em Canguçu - RS 253
Cristiano Manetti
Luciano Bertinetti
Inserção da Assistência Farmacêutica na resolução de processos de
judicialização de medicamentos: Uma parceria tripartite entre
Universidade Federal de Pelotas, Conselho Regional de Farmácia
do Rio Grande do Sul e Defensoria Pública do Rio Grande do Sul 272
Paulo Maximiliano Corrêa
Marysabel Pintos Telis Silveira
Claiton Leoneti Lencina
A intervenção do Poder Judiciário nas políticas de enfrentamento
à Covid-19 em Goiânia - GO 291
Danilo Di Paiva Malheiros Rocha
Alexander Itria
Marco Tulio Antonio Garcíazapata
Demandas judiciais direcionadas à Assistência Farmacêutica de Vitória
da Conquista - BA: aplicação de indicadores para avaliação e
monitoramento 313
Halanna Rocha Ferraz
Kelle Oliveira Silva
Fabiely Gomes da Silva Nunes
Pablo Maciel Brasil Moreira
Priscila Ribeiro de Castro
Demandas e causas de judicialização da saúde no Piauí 335
Aldemes Barroso da Silva
Francisca Miriane de Araújo Batista
Lis Cardoso Marinho Medeiros
O direito à saúde baseada em evidências: Decisões judiciais sobre
o fornecimento de medicamentos no município de Guará - SP 353
Amanda Degrande de Paula
Camila Degrande de Paula
Judicialização nas políticas públicas de saúde na perspectiva do
Ministério Público: uma análise do período 2015 e 2016 no
município de Araputanga - MT 376
Jaquison Correa da Cunha
Utilização da curva ABC para análise de gastos com medicamentos
visando atendimentos judiciais para tratamentos de média e alta
complexidade no município de Campinas - SP e a necessidade de
pactuação federativa para atendimento destas demandas 396
Amanda Patrícia Favaron Portella
Luciana Cugliari Travesso
Impacto econômico da judicialização na política da assistência
farmacêutica em Campinas – SP 411
Stefane Cristina Paixão Oliveira
Rodrigo César Maure
Érica Mayumi Tanaka
Marília Berlofa Visacri

Covid-19 e judicialização da saúde no município de São Paulo 431


Natalia Pires de Vasconcelos
Helena Hime Funari
Mariana Skaf Esteves da Rocha
Henrique Yu Jiunn Wang
Análise da postura da Administração Pública Municipal e da discussão
judicial sobre as competências federativas na pandemia da Covid-19
no município de Juiz de Fora - MG 468
Luciana Gaspar Melquíades Duarte
Yuran Quintão Castro
Estudo do perfil processual das demandas vinculadas à judicialização
e recomendações administrativas de ações e serviços em saúde pública
no município de Corbélia - PR 490
Jean Carlos Debastiani
Cleide Teresinha Dos Santos Messias
José Ricardo Messias
Luís Henrique Lemes
Análise jurídica e estatística da judicialização da demanda de
medicamentos na 7ª Coordenadoria Regional de Saúde do Rio
Grande do Sul - RS 506
Mozer Cardoso Botelho
A judicialização de medicamentos em uma cidade de pequeno
porte - Santa Rita de Caldas - MG: uma análise na perspectiva
do usuário 528
Priscilla Rodrigues Ferreira
Rosana Aparecida Garcia

Experiências e Propostas de Gestão 544


Cooperação interinstitucional para a solução extrajudicial das
demandas de saúde: uma experiência no município de Santo
Antônio de Jesus - BA 545
Adriana Ribeiro Bloisi
Suzana Souza Santos Andrade
Emmanuelle Fonseca Marinho de Anias Daltro
Nívia Maria Oliveira de Souza
Leandro Gomes Lobo
Proposta de normatização dos fluxos operacionais e administrativos
relacionados ao fornecimento de medicamentos por força judicial 562
Luciane Anita Savi
Estudo da viabilidade de implantação de protocolo municipal de
dispensação de fórmulas e módulos nutricionais no município de
Campinas – SP 581
Maria Camila Abramides Prada
Stefane Cristina
Práticas abusivas e fraudes em demandas judiciais de medicamentos:
estratégias para sua identificação e minimização 600
Vera Lúcia Edais Pepe
Olga de Castro Martins
Atendimento qualitativo aos usuários do município de Santa Rita - PB,
no enfrentamento da judicialização da saúde 626
Vanessa Limeira de Azevêdo
Emilienne Estrela de Lacerda Alencar
Antônio Jansem Targino de Sousa Filho
Estratégias multidisciplinares e humanizadas para efetividade dos
serviços na atenção básica no município de Bastos - SP e seu impacto
na redução da judicialização em matéria de saúde 650
Rafael Teixeira Sebastiani
Jussara Moraes Hatae Campoville
Alessandra Cristiane Cano de Souza
Josie Moreira da Silva Katsube
Luiz Carlos Barufatti
Janaina Guldoni Fuzinelli
A experiência do município de Ribeirão Preto frente à judicialização
da saúde e à nova Lei Municipal nº 3.044/2020 664
Tatiana dos Reis Balaniuc Monteiro Moreira
Internação compulsória a usuários em uso de álcool e outras drogas
em Porto Alegre - RS 687
Dayane Degner Ribeiro Brasil
Annie Jeanninne Bisso Lacchini
Curso de atualização em políticas de saúde e gestão do Sistema Único
de Saúde – uma parceria entre ENSP-FIOCRUZ-EMARF/TRF2 702
Eliene Neves Valadão
A jurimetria da judicialização da saúde: uma proposta de variáveis
obrigatórias para a petição inicial do Processo Judicial Eletrônico (PJe) 718
Iara Veloso Oliveira Figueiredo
Gabriela Drummond Marques da Silva
Wanessa Debôrtoli de Miranda
Helvécio Miranda Magalhaes Junior
Fausto Pereira dos Santos
Mônica Silva Monteiro de Castro
Rômulo Paes de Sousa
Construindo paradigmas na Rede de Atenção Psicossocial - Comitê
Interinstitucional de Avaliação, Monitoramento e Gestão das Demandas
Judiciais e em Risco de Judicialização no Âmbito da Saúde Mental e
Assistência Social do município de Florianópolis 741
Ana Maria Bim Gomes
Caroline Schweitzer de Oliveira
Luciane Anita Savi
Laíssa Castro Gomes
A experiência do município de Florianópolis - SC na organização do
atendimento das demandas judiciais de acesso a produtos e serviços
de saúde 755
Luciane Anita Savi
Caroline Schweitzer de Oliveira
Lucineia Aparecida de Oliveira
Laíssa Castro Gomes
Ana Maria Bim Gomes
Programa de gestão regionalizada da judicialização da Saúde na
região nordeste de Santa Catarina (PROGREJUS) - proposta de
um sistema colaborativo regional para minimizar os efeitos da
judicialização da saúde 769
Ana Maria Groff Jansen
Andrei Popovski Kolaceke
Carina Paula Pacheco
Maclóvia Fontoura
Thaís Cidral Testoni
Introdução
Daniel Wei Liang Wang
Professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas – SP

A judicialização da saúde é um fenômeno que tem sido objeto de muita aten-


ção de gestores e acadêmicos. O volume de demandas cresceu exponencial-
mente nas últimas décadas, assim como o impacto de decisões judiciais sobre
o orçamento da saúde. Além de ter crescido em volume, a judicialização tam-
bém tem se interiorizado e começa a fazer parte da rotina de municípios de
pequeno e médio porte.

Contudo, as pesquisas e reflexões sobre o tema acabam se concentrando na


judicialização contra União, governos estaduais e governos municipais das
capitais. Esse viés limita a nossa compreensão do fenômeno, já que a judicia-
lização da saúde pode ter características diferentes a depender do lugar. O
perfil dos demandantes, das demandas e o impacto sobre a gestão podem ser
muito diferentes de um estado ou de um município para outro.

Além do mais, a capacidade de resposta à judicialização também não é igual.


Para um município pequeno, algumas poucas ações podem comprometer
uma parcela significativa do seu orçamento da saúde. Da mesma maneira,
é mais difícil para esses municípios adquirirem o conhecimento científico e
jurídico para contestarem essas demandas ou os recursos necessários para
preveni-las.

Portanto, o pouco conhecimento da judicialização em âmbito municipal, so-


bretudo para municípios pequenos e médios, é uma lacuna relevante na lite-
Sumário 15
ratura sobre judicialização da saúde. Tentando suprir essa lacuna, o presente
livro reúne textos que focam na judicialização da saúde nos municípios, tanto
para descrever o fenômeno quanto para propor soluções para os impactos
negativos que ele gera para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Os textos que compõem esse volume foram escolhidos por meio de um pro-
cesso seletivo. Primeiramente, houve uma chamada pública para a submissão
de um resumo. Os autores dos resumos selecionados foram, então, convida-
dos a enviar um artigo completo. Esse modelo de chamada pública permitiu
maior abrangência geográfica (quase todas as regiões do Brasil estão repre-
sentadas), além de abrir espaço para divulgação de experiências muito ricas
até então desconhecidas.

Os capítulos foram divididos em três blocos. O primeiro bloco, “Diagnósti-


cos”, reúne estudos de caso que fazem uma análise descritiva da judicialização
da saúde em uma determinada localidade. São trabalhos que analisam dados
como: número de ações impetradas por ano, taxa de sucesso dos pacientes
nos tribunais, atuação da Defensoria Pública e Ministério Público, tipos de
pedidos mais frequentes, perfil dos tratamentos pedidos, perfil dos litigantes,
e gasto do orçamento da saúde com cumprimento de decisões judiciais.

Embora seja grande a diversidade de experiências, algumas conclusões po-


dem ser extraídas do conjunto dos trabalhos. Primeiro, o gasto com judicia-
lização consome um valor considerável do orçamento de saúde dos entes e
uma parte muito significativa desse gasto é destinada ao custeio de um grupo
muito pequeno de tratamentos de alto custo não incorporados ao SUS. Se-
gundo, existe uma parte da judicialização que ocorre por falhas da própria
Administração, como a falta de informação e de acolhimento dos pacientes.
Terceiro, em alguns lugares esse gasto tem crescido nos últimos anos, mas há
outros em que algumas medidas de prevenção da judicialização têm reduzido
o número de ações e condenações.

Nesse bloco estão também artigos que tratam sobre a atuação da Defensoria
Pública na internação de pacientes usuários de álcool e outras drogas e so-

Sumário 16
bre a atuação de municípios no combate à Covid-19, em particular a intera-
ção entre municípios, estados e Judiciário em temas relacionados a medidas
não-farmacológicas para a prevenção de contágio.

O segundo bloco, “Experiências e Propostas de Gestão”, foca em estratégias


para a redução da judicialização. Muitos artigos neste livro fazem um diag-
nóstico da judicialização junto com uma análise de estratégias para sua pre-
venção e, portanto, poderiam estar tanto nesse bloco quanto no anterior. Os
artigos inseridos nesse bloco são aqueles em que o foco está mais na estratégia
de redução do que na descrição do fenômeno.

A grande força desse bloco é a capacidade dos trabalhos de descrever em de-


talhe cada estratégia e de trazer dados empíricos para avaliar se alcançaram
o objetivo pretendido de se reduzir a judicialização. Há uma multiplicidade
de estratégias discutidas nesse bloco. As mais comumente mencionadas são: a
criação de espaços de diálogo entre o serviço de saúde e atores do sistema de
Justiça (OAB, Ministério Público, Defensoria Pública e Judiciário); formação
de quadros no Judiciário e na Administração com conhecimento no tema;
instâncias administrativas para análise de demandas e resolução de litígios
sem a necessidade de uma demanda judicial; humanização do atendimento e
maior atenção às necessidades individuais de cada paciente; corpos técnicos
para melhor embasamento científico para as decisões tomadas pelo sistema
de saúde; criação de protocolos municipais para tratamentos frequentemente
judicializados; mecanismos para colaboração entre entes federativos; estraté-
gias para se evitarem fraudes e “esquemas” que tentam usar a judicialização
para auferir lucros indevidos; e produção de informação de qualidade sobre
as demandas judiciais.

O bloco “Teses Jurídicas e Práticas Judiciais” reúne trabalhos que discutem


como o Judiciário deveria, na visão dos autores, decidir demandas de saúde.
Um dos principais temas nesse bloco é a competência federativa dos municí-
pios. A questão federativa foi discutida no contexto de disputas de competên-
cia para imposição de medidas de distanciamento social para prevenção da

Sumário 17
Covid-19 e no de demandas contra municípios para fornecimento de trata-
mentos que, pelas pactuações do SUS, deveriam ser de responsabilidade de
outro ente. Sobre este ponto, o Tema de Repercussão Geral 793 do Supremo
Tribunal Federal foi objeto de análise detida porque, embora resolva algumas
questões, ainda suscita dúvidas quanto à sua aplicação.

Outro tema importante discutido nesse bloco foi a necessidade de as decisões


judiciais analisarem um pedido individual à luz da evidência científica so-
bre tratamentos. Além de decisões mais informadas em evidência científica,
também se defendeu a necessidade de uma melhor compreensão do Direito
Sanitário para resolução de dilemas em saúde como as apresentadas pela
Covid-19. Por fim, alguns textos também argumentaram que a tutela coletiva
do direito à saúde deve ter preponderância sobre concessões individuais de
tratamentos. Ações coletivas permitiriam a efetiva melhora na política pública
de saúde ao invés de simplesmente privilegiar alguns indivíduos que busca-
ram a via judicial.

O grande diferencial desse livro, além do foco nos municípios, é o fato de que
os trabalhos trazem muitos dados empíricos e a experiência de pessoas dire-
tamente envolvidas com o assunto. São análises que, ao invés de se limitarem
a generalidades e grandes teorizações, olham o impacto concreto da judicia-
lização sobre o sistema de saúde e de como as instituições vão se ajustando e
se transformando para lidar com ela. Portanto, o livro traz contribuições que
não só permitem entender melhor o fenômeno da judicialização da saúde,
como também oferecem subsídios para que os atores dos sistemas de Saúde e
de Justiça possam intervir nele de forma mais qualificada.

Sumário 18
Teses jurídicas e
práticas judiciais
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

O médico, o juiz e o paciente individual


Luís Cláudio Lemos Correia1

Resumo
A incorporação de tecnologias de saúde deve ser primaria-
mente norteada pelo paradigma populacional. Uma vez
incorporada a tecnologia, a decisão quanto à utilização do
recurso em um dado paciente passa a ser clínica, seguin-
do o paradigma individual. Este fluxo hierárquico permite
que gestores pensem socialmente, enquanto médicos man-
têm a natureza de suas decisões centrada no paciente. A
inversão da lógica deste processo promove uma demanda
decisória do individual para o coletivo, quase impossível
de racionalizar. Isto ocorre quando médicos “terceirizam”
aos juízes uma decisão individual. A solução primordial
está no processo de decisão, mais do que no conhecimen-
to de medicina ou de metodologia científica. Neste pro-
cesso, a procura da “certeza baseada em evidências” deve
ser abandonada, dando lugar à incerteza probabilística
das condutas médicas. Da mesma forma, vieses cognitivos
resultantes da valorização de pensamentos de custo-efeti-
vidade em decisões individuais devem ser evitados. A so-

1 Doutor de Medicina e Saúde - UFBA; Livre-docente em Cardiologia; Escola Bahiana de Medicina


e Saúde Pública; Lattes: http://lattes.cnpq.br/1731139801144559.

Sumário 20
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

lução é cognitiva e está contida na habilidade de juízes fa-


zerem as perguntas certas. Neste texto, apresentaremos os
aspectos filosóficos e técnicos desta forma de pensar como
suporte para estas decisões.

Palavras-chave: Judicialização em Saúde; Veracidade Cien-


tífica; Relevância; Análise Econômica

Sumário 21
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Introdução
A incorporação de tecnologias de saúde deve ser primariamente norteada
pelo paradigma populacional. Uma vez incorporada a tecnologia, a decisão
quanto à utilização do recurso em um dado paciente passa a ser clínica, se-
guindo o paradigma individual. Este fluxo hierárquico permite que gestores
pensem socialmente, enquanto médicos mantêm a natureza de suas decisões
centrada no paciente.

Para que este sistema de racionalidade funcione, as decisões sociais de incor-


poração (“regras do jogo”) precisam ser valorizadas. No entanto, vivemos
o “paradoxo brasileiro”: aparentemente, o maior sistema de saúde pública
do mundo é dedicado a uma sociedade cuja cultura em saúde é regida pelo
pensamento individual, desconsiderando decisões de finalidade coletiva (in-
corporações, protocolos).

Este paradoxo promove a inversão lógica do fluxo das decisões: na medida em


que normas coletivas são desconsideradas no processo de prescrição, a decisão
primária de incorporação passa a ser individual. E no desconforto dessa inver-
são, médicos acabam por terceirizar suas decisões a juízes (judicializar), que por
sua vez se sentem no dever de elaborar uma decisão individual que ao mesmo
tempo considere o paradigma populacional. Constrói-se uma demanda decisó-
ria quase impossível de racionalizar: do individual para o coletivo.

O senso comum atribui a dificuldade de juízes neste processo de decisão à


falta da formação médica. No entanto, ao analisarmos profundamente, é evi-
dente que médicos possuem a mesma dificuldade, visto que são estes mesmos
que delegam à Justiça suas decisões. Por este motivo, a despeito da criação
de núcleos médicos de apoio às decisões de juízes, a sensação de dilemas in-
solúveis permanece.

Na verdade, a principal barreira não está na ausência de conhecimento mé-


dico por juristas ou na falta de conhecimento de metodologia científica por
médicos. O cerne da questão está no aspecto cognitivo da tomada de decisão.

Sumário 22
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Neste artigo, argumentarei que a solução está no processo de decisão baseada


em incerteza, desfazendo o equívoco a respeito do que se denomina “medici-
na baseada em evidências”: a obstinada procura da certeza platônica.

Antes de pensar em “medicina baseada em evidências” devemos refletir: do


que se trata “medicina”? Se iniciarmos pela etimologia da palavra, “medicina”
deriva do latim mederi, que significa “escolher o melhor caminho”. Medicina é
o processo de tomada de decisão pragmática, objetivando melhores desfechos
para os pacientes e para a sociedade. Em essência, medicina é consequencialista.

Em medicina, no direito e na vida estamos constantemente a tomar decisões


à procura do “melhor” caminho. Enfatizo a diferença entre “melhor” cami-
nho e caminho “certo”, pois do ponto de vista consequencialista é impossível
saber o certo durante um processo de decisão a priori. A maior propriedade
das consequências é a imprevisibilidade. Incerteza é um fenômeno inerente
às decisões. Portanto, o pensamento a prevalecer deve ser o probabilístico,
em detrimento da ilusão determinística causada por uma descalibrada e pre-
tensiosa valorização de evidências.

Na verdade, “medicina baseada em evidências” não existe. Existe apenas me-


dicina, e esta deve ter seus processos de decisão baseados em racionalidade, in-
certeza e probabilidade. “Evidência” não é o fim, é o meio de acesso a estas pro-
babilidades que necessitamos para a decisão. Precisamos utilizar simplesmente
o paradigma da “medicina”, a humilde procura da melhor decisão, eliminando
a fantasiosa noção de que condutas médicas são panaceias determinísticas.

Incerteza e probabilidade são o cerne do pensamento científico contempo-


râneo. Portanto, nossa proposta pode ser também entendida como o uso do
modelo mental científico no processo de decisão. A evolução da medicina
para um paradigma verdadeiramente científico depende de a sociedade
como um todo direcionar suas expectativas e demandas para esta forma de
pensamento. A carência do modelo mental científico envolve todas as áreas, a
médica, jurídica, política, econômica, educacional, segurança pública e mui-
tas outras. Não costumamos ver decisões e debates baseados em evidências

Sumário 23
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

probabilísticas. Prevalece como argumento a lógica de cada um, gerando um


mundo dogmático e polarizado, evidenciado por uma sociedade “analfabe-
ta cientificamente”. Na medida em que nos alfabetizamos, percebemos que
plausibilidade (lógica) não é o mesmo que probabilidade.

Os adventos dos plantões médicos ou núcleos de avaliação tecnológica que


hoje dão suporte técnico a decisões de juízes representam uma evolução,
porém não solucionam a questão. O processo angustia e, sob a percepção
de que uma negação pode resultar em dramática perda (pensamento deter-
minístico ao invés do probabilístico), decisões se enviesam de forma liberal. É
o que os psicólogos cognitivos denominam de “arrependimento antecipado”
referente à omissão.

“Medicina baseada em evidências” não é o uso de um amontoado de evi-


dências. É a forma científica de pensar se materializando em decisões (sejam
médicas ou judiciais) baseadas nos componentes ceticismo, relevância, valori-
zação das incertezas e probabilidades.

Na tomada de decisão, nem médicos, nem juízes devem procurar a resposta


certa. A solução está em encontrar as perguntas certas. Assim, proponho três
perguntas hierárquicas e um modelo mental baseado em incerteza.

Argumentaremos que, na hierarquia das decisões individuais, o aspecto de


custo-monetário/efetividade deve ser o último a ser considerado e de pre-
ferência evitado. A maioria das decisões se resolve com o pensamento eco-
nômico primordial: benefício clínico versus custo não monetário, sendo este
último representado por consequências não intencionais de nossas decisões,
sob a forma de eventos adversos ou sofrimento físico/psicológico que muitas
condutas médicas promovem. Este processo hierárquico aproxima os para-
digmas individual e populacional, facilitando o processo da decisão.

Seguindo este racional, o que antes pareciam dilemas se dissolvem em boas


decisões baseadas em incerteza e racionalidade. Isso caracteriza a verdadeira
medicina, a ser exercida por médicos, gestores de sistemas e juristas. Enfim,
por toda a sociedade.

Sumário 24
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Desenvolvimento

As Dimensões da Judicialização

Proponho três dimensões da judicialização em saúde: conduta está formal-


mente incorporada pelo sistema de saúde, porém não alcança paciente; con-
duta não foi avaliada pelo sistema, mas já está disponível comercialmente
no país; o sistema decide pela não incorporação, porém o binômio médico/
paciente insiste na indicação da conduta.

A primeira dimensão, a mais adequada em processos de judicialização, diz res-


peito a decisões administrativo/jurídicas, de menor interface com o pensamen-
to médico. O presente artigo não aborda esta dimensão. As segunda e terceira
circunstâncias são as que se aplicam ao processo de decisão que propomos a
seguir. Na segunda dimensão, a decisão do juiz é de primeira ordem, sem
precedente. Na terceira, há uma decisão prévia negativa dada pelo sistema de
saúde. Isto implica que o ônus da prova a favor da oferta da conduta ao pa-
ciente é maior no terceiro exemplo, gerando uma tendência de que o processo
decisório seja resolvido negativamente nas primeiras etapas.

Pergunta 1: É verdade?

Juízes e médicos precisam exercer o ceticismo, sem medo. Ceticismo não é de-
sacreditar ou negar. Ceticismo é duvidar. Judicializações são baseadas em alega-
ções de benefício. Portanto a primeira questão é: este benefício é verdadeiro?

Qualquer proposição médica, mesmo as esdrúxulas, possuem algum “respal-


do” de trabalhos “científicos”. A questão principal é a confiabilidade destes
trabalhos. Neste contexto, precisamos notar que há diferentes graus de evi-
dências e a maioria dos trabalhos científicos possui “ruídos” decorrentes de
imprecisão amostral ou vieses metodológicos, não podendo ser considerados
evidências confirmatórias.

Sumário 25
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Portanto, quando um proponente citar um estudo, o juiz deve devolver a


pergunta: qual o nível de evidência deste estudo? Neste sentido, a reflexão se
faz se a qualidade da evidência de fato está de acordo com o que é apresen-
tado na ação judicial.

Segundo, e os outros estudos? Esta pergunta é essencial, pois proponentes


podem sofrer do viés de confirmação, excluindo evidências negativas e consi-
derando apenas as positivas. O olhar inicial deve ser voltado para a totalidade
das evidências. Este olhar deve classificar as evidências por nível de qualidade
e ao final apenas as de boa qualidade devem nortear a decisão.

Em se considerando a totalidade das evidências, o juiz deve demandar ape-


nas as que lhe sejam apresentadas com evidências de alto nível metodológico.
Estas se referem aos trabalhos classificados como “alta precisão” (tamanho
amostral) e com baixo risco de viés (desenho do estudo).

Desta análise, surge a percepção de que estudos científicos podem (1) sugerir
benefício, (2) sugerir ausência de benefício ou (3) não sugerir nada, pois não
há bons trabalhos. Nas situações 1 e 2 fica mais fácil se direcionar. Mas como
fazer quando não sabemos (situação 3)?

Um princípio básico da medicina baseada em evidências é o ônus da prova.


O ônus da prova está na alegação do benefício. Se não demonstrado por estu-
do(s) de qualidade, ficamos com a “hipótese nula” que remonta à ausência de
benefício. Ou seja, na ausência de demonstração científica, nos comportamos
como se o fenômeno não existisse. Esse é o modelo mental científico.

Isso pode dar a sensação de que deixamos de fazer algo com grande potencial
de benefício, porém esta é uma falsa percepção. Na verdade, antes de demons-
trada, uma hipótese tem maior probabilidade de ser falsa do que verdadeira.
E isso decorre da ausência de associação entre plausibilidade e probabilidade.
Plausibilidade vem da lógica, probabilidade não. A baixa probabilidade de as
hipóteses serem verdadeiras não é notada, pois vivemos a falácia narrativa de
conviver apenas com hipóteses que vingaram. Nosso denominador mental não
contém a maioria das hipóteses que morreram pelo caminho do empirismo.

Sumário 26
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Em segundo lugar, devemos pensar que pode haver consequências não in-
tencionais na adoção de uma conduta não suficientemente estudada. Na
verdade, são incontáveis as consequências não intencionais concorrendo
probabilisticamente com uma boa intenção. Quando esta intenção não é
acompanhada de valor conceitual comprovado cientificamente, sua proba-
bilidade final tende a ser menor do que a probabilidade das imprevisíveis e
incontáveis consequências não intencionais.

Terceiro, “benefício” demonstrado cientificamente não é benefício garantido


clinicamente, trata-se apenas da entrega de uma probabilidade. Isso será me-
lhor discutido quando abordamos a segunda pergunta, que é o tamanho da
probabilidade de benefício que entregamos.

Portanto, não se precipitar na adoção de condutas incertas não é uma omis-


são. Pelo contrário, a probabilidade de prejudicar pode ser maior do que
beneficiar quando adotamos algo baseado em crença.

Importante salientar que nesta fase de análise não estamos propondo pensar
em consequências não intencionais monetárias, visto que aqui adotamos o
conceito de economia clínica. Neste conceito falamos do preço não mone-
tário pago pelo paciente ou pelo ecossistema. No primeiro caso, eventual
estresse psicológico trazido pela conduta médica, esperança descalibrada que
dificulte o processo de resiliência, complicações clínicas, sequelas, eventos ad-
versos, dor física, e outras consequências dessas dimensões pessoais. No caso
do ecossistema, o custo não monetário é o cultivo à cultura anticientífica ou
fantasiosa nos processos de decisão. Na verdade, a presença de custo (maior
ou menor) faz parte de uma dimensão determinística. Enquanto custo é uma
certeza, o benefício é uma probabilidade.

Partindo do reconhecimento do peso do ônus da prova relacionado a uma


decisão contrária à regra escolhida pelo sistema ou uma decisão virgem de ava-
liação pelo sistema, o julgador pode detectar rapidamente situações nas quais a
probabilidade de sucesso da argumentação em prol da conduta é muito baixa,
e merecem que questionamentos mais enfáticos sejam devolvidos aos técnicos.

Sumário 27
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Caso algumas das situações abaixo se apresentarem em demandas de trata-


mento, o julgador deve solicitar argumentos mais convincentes:

• Evidências limitadas a estudos observacionais (alto risco de viés de confusão),


visto que não há ensaios clínicos randomizados, que são o tipo de estudo confir-
matório para eficácia;

• Evidências limitadas a ensaios clínicos de características preliminares, com peque-


no tamanho amostral ou alto risco de viés (problemas metodológicos). Em caso
de dúvida, questionar a respeito do poder estatístico e da qualidade metodológi-
ca dos estudos, o que respectivamente previne erros aleatórios e sistemáticos;

• Evidências limitadas a ensaios clínicos cujo desfecho primário é substituto, pois


sabemos que influência em exames não é garantia de benefício clínico. Desfechos
substitutos são aqueles avaliados por exames, diferentes de desfechos clínicos que
descrevem ocorrências reais nas dimensões de sobrevida ou qualidade de vida.

Neste ponto vale salientar que “revisão sistemática ou meta-análise” são apenas
ferramentas que sumarizam evidências, e não são evidências per si. Portanto,
“há uma revisão sistemática que indica benefício” é uma frase a ser contestada
inicialmente. O que indica benefício é a qualidade e resultados dos trabalhos
contidos nesta revisão sistemática. Esta postura evita “ilusões meta-analíticas”,
reconhecendo que uma conclusão positiva de uma revisão sistemática não in-
dica necessariamente um dado de alto valor preditivo positivo.

Desta forma, grande parte das demandas teria uma conclusão negativa nesta
fase em que a análise prima pelo rigor da metodologia científica à procura de
um bom valor preditivo positivo da evidência apresentada.

Nos casos em que se identificam evidências favoráveis de alta qualidade, evo-


luímos para a segunda pergunta: a relevância da conduta médica.

Pergunta 2: É relevante?

Veracidade não garante relevância. Algo verdadeiro pode ser insignificante.

Sumário 28
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Por exemplo, um quimioterápico que verdadeiramente prolonga a vida do


paciente, porém em média em apenas 3 dias. Na verdade, a maioria das con-
dutas médicas voltadas para benefício prognóstico possui impactos marginais
e justamente por isso precisa da lente de aumento de um estudo grande para
detecção de seu efeito. Desta forma, dentre os benefícios, precisamos separar
aqueles que fazem muita diferença daqueles cujos impactos clínicos são tê-
nues. Isto é importante dentro do pensamento de economia clínica. Precisa-
mos mensurar o ganho para comparar com o custo não monetário. Vale aqui
salientar que médicos tendem inconscientemente a superestimar o benefício
de suas condutas, subestimando o dano. Portanto, esta é uma provocação que
o juiz deve fazer a técnicos que lhe orientam: qual a magnitude do benefício?

Primeiro, a magnitude depende do tipo de benefício. Em boa parte das vezes


o benefício não está em sobrevida (prevenir morte) ou qualidade de vida, e
a demonstração de efeito reside em eventos menos impactantes. Segundo,
todo efeito benéfico é a entrega de uma probabilidade, não de uma garantia.
Do ponto de vista de redução de desfechos futuros indesejados, precisamos
quase sempre tratar muitos pacientes para um deles se beneficiar.

Isto ocorre porque “benefício” é condicionado a três probabilidades. Primeiro,


a probabilidade de a conduta ser eficaz. Se chegamos nesta fase, esta dúvida
está superada pela análise de veracidade anteriormente descrita. No entanto,
mesmo depois de vencida esta incerteza conceitual, permanece a incerteza in-
dividual: o paciente que receber esta conduta irá se beneficiar? Uma conduta
eficaz não protege um paciente em 100% das vezes. No caso prognóstico, a
redução relativa do risco usualmente gira em torno de 20% a 40%. Além disso,
para que um paciente seja individualmente beneficiado ele precisaria ser aque-
le cujo destino é o desfecho indesejado.

Consideremos um tratamento que tem por objetivo prevenir um desfecho car-


diovascular indesejado, como infarto ou morte. Há duas incertezas: primeiro,
se o paciente está entre os que evoluirão com o desfecho; segundo, em sendo
um deles, se o tratamento evitará o desfecho. Por exemplo, risco cardiovascular
elevado é definido como 20% ou mais de probabilidade deste tipo de desfecho.

Sumário 29
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Imaginem uma cirurgia de revascularização como um bom tratamento para


prevenir o desfecho: redução de risco oferecida de 30%. Desta forma, ao apli-
car 30% de redução a um paciente que tem probabilidade de 20% de desfecho,
terminamos com 6% de probabilidade de benefício individual (20% x 30%).
Daí derivamos o número necessário a tratar, calculado por 100 / probabilidade
individual do benefício: 100/6 = 17. Ou seja, de 17 pacientes que receberiam
essa cirurgia, apenas 1 de fato se beneficiaria (6%).

Portanto, a não adoção de uma conduta questionável não é a negação de um


benefício garantido. Isso dá mais leveza e racionalidade à decisão. Precisa-
mos vencer nossa inata tendência ao pensamento determinístico, valorizar
a incerteza e utilizar probabilidade no processo de decisão. Até porque tudo
tem um custo.

Pergunta 3: Qual o custo?

O processo mental que prioriza medidas de custo-monetário/efetividade tem


sido proposto como peça essencial da racionalização de decisões judiciais em
questões de saúde individuais. No entanto, não está comprovado que este
processo aprimora a racionalidade da decisão individual, e há motivos para
se temerem efeitos indesejados.

A valorização do custo-efetividade individual é equivocada, pois predispõe dois


tipos de vieses cognitivos que tornam a decisão mais vulnerável a gastos des-
proporcionais ao benefício: ancoramento probabilístico e vítima identificável.

Primeiro, o pensamento de custo-efetividade ancora o processo de decisão a


uma impressão de que o benefício é determinístico. Por exemplo, se falamos
$20.000 por ano de vida salva, gera-se a impressão de que estamos pagando
esse valor para receber como garantia um ano de vida. Isso é verdadeiro
do ponto de vista populacional (em média), porém do ponto de vista indi-
vidual há uma imensa dúvida se aquele indivíduo terá sua vida prolongada
efetivamente. Portanto, a premissa do “ano de vida salva” não se completa
no pensamento individual, e a incorreta percepção da vida ganha ancora o

Sumário 30
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

pensamento a favor do falso investimento.

Da mesma forma, dados de impacto orçamentário são de cunho populacio-


nal, não individual. A adoção de uma conduta individual não terá o impacto
orçamentário que resulta do número de doentes (população-alvo).

Segundo, o racional de não oferecer uma conduta benéfica pois “esta é de


alto custo e o recurso pode ser utilizado de outra forma para beneficiar um
maior número de pessoas” é pouco factível de ser feito por um médico dian-
te de seu paciente ou por um juiz diante de um caso individual. Quando o
sujeito em questão é um indivíduo concreto (vítima identificável), a sensação
de perda por não oferecer um potencial benefício é concreta, diferente do
ganho proveniente da economia do recurso.

A ciência da economia comportamental demonstra que em decisões que en-


volvem perdas e ganhos, o viés de “aversão à perda” torna nossas posições
previsivelmente irracionais. Cognitivamente, uma perda tem um impacto
psicológico negativo maior do que ausência de um ganho no mesmo valor.
Essa característica da mente humana pode fazer com que a monetização de
um caso individual, ao invés de prevenir gastos excessivos, promova reações
psicológicas que aumentem a probabilidade da oferta da conduta, indepen-
dente de seu custo.

O pensamento de economia monetária é útil e adequado ao processo de deci-


são de políticas de saúde. Neste contexto não temos um “drama” individual,
o pensamento é ecológico, e devemos considerar a relação de custo-efetivida-
de e o impacto orçamentário.

Importante salientar que evitar modelo mental monetário em decisões


individuais não implica em liberalidade na utilização de recursos, pelo
contrário. Ao abandonar o perigoso pensamento monetário em casos in-
dividuais, o ônus da prova será direcionado para a análise da veracidade
e impacto clínico da conduta. E a maioria das propostas ainda não in-
corporadas pelo sistema é reconhecida como duvidosa em sua compro-

Sumário 31
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

vação científica ou de magnitudes de efeito marginais, não justificando


sentenças favoráveis. O desconforto cognitivo promovido por análises de
economia monetária será substituído pelo conforto cognitivo de perceber
que não há motivo para aprovação de uma conduta não comprovada ou
de pequena magnitude de benefício.

Ao utilizar o pensamento tradicional de custo-efetividade antes das etapas


científica (veracidade) e clínica (probabilidade individual), o desconforto cog-
nitivo do juiz ao monetizar o benefício clínico acaba por fazer este superes-
timar benefícios questionáveis ou marginais. Precisamos pensar “economica-
mente”, valorizar a incerteza e abrir espaço para uma decisão probabilística
sem necessitar negar um benefício individual por questões monetárias.

Conclusão
Ao longo deste texto, argumentamos que, ao fazer as perguntas certas, juízes
exercerão o ceticismo necessário a uma análise de tecnologia em saúde cujo ônus
da prova é alto, tendo em vista que o sistema de saúde não tem a conduta incor-
porada. A valorização da dúvida conceitual (comprovação científica) e a quan-
tificação do benefício baseada em sua probabilidade e em sua importância pro-
moverão uma visão realista ao juiz, que não se sentirá negando um tratamento
importante, nem aprovando um tratamento fútil.

Esse processo tornará mais rígida a avaliação do juiz, sem necessitar entrar em
aspectos monetários, corrigindo a fragilidade do médico que terceiriza ao juiz
o processo de decisão. Em contrapartida, os raros tratamentos de alto nível de
evidência para grandes magnitudes de efeito, que por algum modo não estejam
incorporados, podem ter decisões favoráveis de juízes que sabem se tratar de
decisões individuais, portanto sem impacto orçamentário populacional.

No mundo ideal, as judicializações deveriam ser raras, e principalmente relacio-


nadas a condutas já incorporadas ao sistema de saúde coletiva. Enquanto uma
postura mais restritiva não ocorre no Brasil, caberá aos juízes utilizar de sabedo-

Sumário 32
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

ria e evitar vieses cognitivos mediados pelo pensamento determinístico ou pela


ilusão de que o monetário traz racionalidade ao processo decisório individual.

Referências
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ção: uma análise das orientações do Conselho Nacional de Justiça. Estudos Avançados
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Schmidt U, Zank H. What is Loss Aversion? Journal of Risk and Uncertainty 2005;
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Sumário 33
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

O locus dos municípios na judicialização


da saúde: competência material e
responsabilização processual à luz da
tese do Tema 793/STF
Bruno Henrique Silva Santos1

Resumo
Este artigo explica a forma da repartição das competên-
cias administrativas dos entes federativos na assistência
terapêutica integral do SUS, tratando separadamente da
assistência farmacêutica e da prestação dos demais ser-
viços de atendimento à saúde e enfatizando quais são
as atribuições dos municípios. Na sequência, aborda os
aspectos processuais das demandas por tecnologias em
saúde com base na tese do Tema 793/STF (RE 855.178),
especialmente a discussão sobre a responsabilidade soli-
dária dos entes federativos, a existência de litisconsórcio
necessário, a possibilidade de chamamento ao processo e

1 Graduado em Direito - UEL; Juiz da 3ª Vara Federal de Londrina/PR; Coordenador do Comitê


Executivo de Saúde de Londrina/PR e Juiz Auxiliar do Núcleo de Saúde do Sistema de Conciliação
do TRF/4ª Região.

Sumário 34
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

o dever de ressarcimento, sempre direcionando a análise


para a situação dos municípios.

Palavras-chaves: Judicialização; Saúde; Competência; Mu-


nicípios; Tema 793/STF; Solidariedade; Litisconsórcio;
Chamamento ao Processo; Ressarcimento.

Sumário 35
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Introdução
A judicialização da saúde é uma realidade já posta e com a qual se faz necessário
lidar. O ideal de reduzi-la ou evitá-la demanda a adoção de medidas estratégicas
efetivas, complexas e harmônicas entre os três poderes da República.

Paralelamente a isso, entretanto, é preciso aprimorar a judicialização da saúde


já existente, de forma que, sendo inevitável a intervenção jurisdicional na polí-
tica pública, a ingerência na esfera de atuação do Poder Executivo seja a menor
possível. Com isso, são preservadas ao máximo suas competências, bem como
a repartição das atribuições dos diversos entes federativos naquilo que resulta
na organicidade do SUS (art. 198 da CF/88). Para tanto, é necessário bem com-
preender o que cabe a cada ente na assistência terapêutica do Sistema Único de
Saúde e, a partir daí, definir as respectivas responsabilidades processuais.

Os municípios sofrem especialmente com a responsabilização judicial desregra-


da ou com a adoção da responsabilidade solidária “pura” nas ações judiciais em
que se postulam tecnologias de saúde. Isso ocorre porque em grande parte das
vezes os tratamentos vindicados possuem custos incompatíveis com um orça-
mento municipal já reduzido e, via de regra, com muito menos margens para
readequações de rubricas para o atendimento das ordens judiciais quando com-
parados aos estados membros e à União2.

A primeira parte do presente artigo delimita as atribuições materiais dos mu-


nicípios no fornecimento de tecnologias em saúde segundo a legislação de re-
gência. Na segunda parte do estudo, são abordados os aspectos processuais das
demandas por produtos ou serviços em saúde que envolvem os referidos entes
federativos, sempre seguindo como norte a tese firmada pelo STF no tema 793
da Repercussão Geral (RE 855.178).

2 Neste sentido, WANG, VASCONCELOS, OLIVEIRA e TERRAZAS alertaram que “a judicia-


lização tende a causar um grande impacto na política de saúde dos municípios que, em regra, possuem menor
capacidade para lidar com os custos e a imprevisibilidade advinda dos gastos em saúde ordenados judicialmente”
(WANG, D. W. L. et al. Os impactos da judicialização da saúde no município de São Paulo: gasto
público e organização federativa. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 48, n. 5, p.
1191-1206, 2014).

Sumário 36
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Competências dos municípios na assistência terapêutica


do sus
A política de assistência terapêutica do SUS tem seu regramento jurídico com
base no Capítulo VIII da Lei nº 8.080/90 (arts. 19-M a 19-U).

Para a compreensão da repartição de competências na assistência terapêuti-


ca, convém que ela seja analisada sob dois enfoques: a assistência farmacêuti-
ca - aqui entendida como a entrega de medicamentos - e o fornecimento de
outras tecnologias em saúde para os cuidados dos pacientes (serviços médicos
em geral, consultas, internações, órteses e próteses etc).

Ainda que a assistência farmacêutica esteja compreendida dentro da assistên-


cia terapêutica integral, nos termos do art. 6º, I, “d” da Lei nº 8.080/903, a sua
normatização particular e a grande atenção que vem recebendo na judiciali-
zação da saúde aconselham que seja estudada em um primeiro momento de
maneira apartada, para que posteriormente seja bem compreendida dentro
da assistência integral.

2.1. Competência dos municípios na assistência farmacêutica

Nos termos do art. 19-U da Lei 8.080/90, “a responsabilidade financeira pelo for-
necimento de medicamentos (...) será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite”.
Essa regra é reforçada no art. 19-P, I, da mesma lei, pelo qual, na ausência de
protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação do medicamento
será feita com base na Relação Nacional de Medicamentos - RENAME “e a
responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite”.

Na prática, o que ocorre é que, após a incorporação de um novo medica-


mento ao SUS, a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) define a responsa-
bilidade pelo seu custeio, aquisição e entrega, inserindo-o dentro de um dos

3 Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a execução
de ações: (...) d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;

Sumário 37
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

grupos (componentes) da RENAME, que foram organizados de acordo com


a complexidade do tratamento, com a garantia de sua integralidade na res-
pectiva linha de cuidado e com a manutenção do equilíbrio-financeiro entre
os entes federativos. Para cada um desses grupos há uma forma distinta de
divisão de competências.

Os componentes da RENAME são o básico, o estratégico e o especializado, este


último subdividido em quatro outros grupos (1A, 1B, 2 e 3), todos eles discipli-
nados no Anexo XXVIII da Portaria de Consolidação GM/MS 02/2017.

O componente básico “destina-se à aquisição de medicamentos e insumos, incluin-


do-se aqueles relacionados a agravos e programas de saúde específicos, no âmbito da
Atenção Básica à Saúde”4. Via de regra, são os medicamentos dispensados na
atenção primária, de uso mais corriqueiro pela população e com custos rela-
tivamente mais baixos quando considerados individualmente.

Ainda que a União contribua para o custeio dos medicamentos do compo-


nente básico, que é feito por todos os entes federativos (art. 537 da Portaria
de Consolidação GM/MS 06/2017), cabem aos estados membros e aos muni-
cípios, como regra, a sua aquisição e entrega à população, nos termos pac-
tuados pelas Comissões Intergestores Bipartites. É o que dispõe o art. 39 do
Anexo XXVIII da Portaria de Consolidação GM/MS 02/2017, in verbis:

Art. 39. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis pela


seleção, programação, aquisição, armazenamento, controle de estoque e pra-
zos de validade, distribuição e dispensação dos medicamentos e insumos do
Componente Básico da Assistência Farmacêutica, constantes dos Anexos I e
IV da RENAME vigente, conforme pactuação nas respectivas CIB (...).

As exceções dizem respeito à insulina humana, aos medicamentos contracep-


tivos e aos insumos do “Programa Saúde da Mulher”, cuja aquisição e finan-
ciamento são exclusivos da União (arts. 35 e 36 do Anexo XXVIII da Portaria
de Consolidação GM/MS 02/2017).

4 Art. 34 do Anexo XXVIII da Portaria de Consolidação GM/MS nº 02/2017

Sumário 38
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Já o componente estratégico diz respeito aos medicamentos para tratamento


e controle de doenças e agravos de perfil endêmico e com importância epi-
demiológica contemplados em programas estratégicos de saúde do SUS. Em
especial, tem por objetivo financiar as ações de assistência farmacêutica no
controle de endemias (tuberculose, hanseníase, malária etc) de abrangência
nacional ou regional, na entrega de anti-retrovirais contra DST’s e AIDS,
nos programas de sangue e hemoderivados, de imunobiológicos e de medi-
camentos para hepatites virais (art. 536 da Portaria de Consolidação GM/MS
06/2017). Os medicamentos deste componente são adquiridos centralizada-
mente pelo governo federal.

Por fim, o componente especializado “é uma estratégia de acesso a medicamentos


no âmbito do SUS, caracterizado pela busca da garantia da integralidade do trata-
mento medicamentoso, em nível ambulatorial, cujas linhas de cuidado estão definidas
em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas publicados pelo Ministério da Saúde”5.
Trata-se, normalmente, dos medicamentos de custo mais elevado e destina-
dos a tratamentos mais complexos.

Dentro do componente especializado, o art. 49 do Anexo XXVIII da Portaria


de Consolidação GM/MS 02/2017 assim define os respectivos subgrupos, de
acordo com a repartição de atribuições entre os entes federativos:

I - Grupo 1: medicamentos sob responsabilidade de financiamento pelo


Ministério da Saúde, sendo dividido em:

a) Grupo 1A: medicamentos com aquisição centralizada pelo Ministério


da Saúde e fornecidos às Secretarias de Saúde dos Estados e Distrito Fe-
deral, sendo delas a responsabilidade pela programação, armazenamento,
distribuição e dispensação para tratamento das doenças contempladas no
âmbito do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica; e

b) Grupo 1B: medicamentos financiados pelo Ministério da Saúde me-


diante transferência de recursos financeiros para aquisição pelas Secre-
tarias de Saúde dos Estados e Distrito Federal sendo delas a responsa

5 Art. 48 do Anexo XXVIII da Portaria de Consolidação GM/MS nº 02/2017

Sumário 39
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

bilidade pela programação, armazenamento, distribuição e dispensação


para tratamento das doenças contempladas no âmbito do Componente
Especializado da Assistência Farmacêutica;

II - Grupo 2: medicamentos sob responsabilidade das Secretarias de Saú-


de dos Estados e do Distrito Federal pelo financiamento, aquisição, pro-
gramação, armazenamento, distribuição e dispensação para tratamento
das doenças contempladas no âmbito do Componente Especializado da
Assistência Farmacêutica; e

III - Grupo 3: medicamentos sob responsabilidade das Secretarias de


Saúde do Distrito Federal e dos Municípios para aquisição, programa-
ção, armazenamento, distribuição e dispensação e que está estabelecida
em ato normativo específico que regulamenta o Componente Básico da
Assistência Farmacêutica.

Os medicamentos do Grupo 3 são financiados conforme regras do Componen-


te Básico da Assistência Farmacêutica (art. 540, §1º da Portaria de Consolida-
ção GM/MS 06/2017), ou seja, com a participação dos três entes federativos.

Além disso, há regulamentação específica da assistência oncológica, cujos


tratamentos são financiados com recursos federais e ministrados diretamen-
te por centros de referência na área, nos termos da Portaria do Ministério
da Saúde 874/2013. Neste caso, salvo alguns poucos medicamentos adquiri-
dos centralizadamente pela União, cabe aos aludidos centros de referência
definir quais fármacos serão ministrados aos seus pacientes, observados os
limites dos recursos repassados pelo governo federal por meio de Autoriza-
ções de Procedimentos de Alta Complexidade – APAC específicas para cada
espécie de câncer.

Desta maneira, o que cabe aos municípios dentro da assistência farmacêutica


nacional do SUS é a aquisição e distribuição dos medicamentos do compo-
nente básico, bem como daqueles constantes no Grupo 3 do componente
especializado da RENAME, juntamente com os Estados e da forma como pac-
tuado nas Comissões Intergestores Bipartites. O financiamento destes medi-
camentos, no entanto, é tripartite, contando também com recursos federais.

Sumário 40
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

A RENAME conta com anexos específicos para cada um dos componentes


da assistência farmacêutica6, o que permite identificar a qual deles pertence
cada medicamento padronizado no SUS.

Além disso, os municípios podem ainda instituir Relações Municipais de


Medicamentos (REMUME’s), de forma suplementar às relações nacional
e estaduais, nos termos do art. 19-P, III da Lei nº 8.080/907, caso em que
caberá a eles o financiamento, a aquisição e a entrega dos fármacos.

2.2. Competência dos municípios em relação às demais tecnologias


da assistência terapêutica

Além da RENAME, que sistematiza em seus diversos componentes da as-


sistência farmacêutica a repartição das atribuições dos entes federativos, o
Decreto nº 7.508/2011 previu a criação da RENASES (Relação Nacional
de Ações e Serviços de Saúde), a qual, como o próprio nome diz, “com-
preende todas as ações e serviços que o SUS oferece ao usuário para atendimento da
integralidade da assistência à saúde” (art. 21). É na RENASES, portanto, que
constam todos os produtos (órteses, próteses, bolsas coletoras e equipamen-
tos médicos) e demais procedimentos (exames, procedimentos cirúrgicos,
tratamentos ambulatoriais e hospitalares etc) disponíveis no sistema público
de saúde.

A elaboração da RENASES é atribuição do Ministério da Saúde, que deve,


entretanto, observar as diretrizes gerais pactuadas pela CIT, tudo nos ter-
mos do art. 22 e do art. 32, parágrafo único, I do Decreto nº 7.508/2011.
Atualmente, é a Resolução 02/2012 da CIT que dispõe sobre as diretrizes
para a elaboração da RENASES.

6 https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relacao_medicamentos_rename_2020.pdf
7 Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada: (...)
III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos
instituídas pelos gestores municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no
Conselho Municipal de Saúde. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

Sumário 41
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Assim como ocorre em relação às listas de medicamentos, além da relação


nacional, “os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão adotar relações es-
pecíficas e complementares de ações e serviços de saúde, em consonância com a RENA-
SES, respeitadas as responsabilidades dos entes pelo seu financiamento, de acordo com
o pactuado nas Comissões Intergestores” (art. 24 do Decreto nº 7.508/2011).

Obedecendo ao comando do art. 16 da Portaria de Consolidação GM/MS


01/2017, a RENASES é dividida em cinco partes, a saber: I – Ações e Serviços
da Atenção Primária; II – Ações e Serviços da Urgência e Emergência; III
– Ações e Serviços da Atenção Psicossocial; IV – Ações e Serviços de Aten-
ção Especializada, esta subdividida em Atenção Ambulatorial Especializada,
Odontologia Especializada e Atenção Hospitalar; e V – Ações e Serviços da
Vigilância em Saúde.

Ao contrário da RENAME, que é organizada em diversos componentes, cada


qual com atribuições específicas de financiamento, aquisição e distribuição
pelos diversos entes federativos, os componentes da RENASES não guardam
relação necessária com as competências administrativas ou responsabilidades
financeiras da União, dos estados e dos municípios. A divisão, como visto acima,
dá-se de acordo com o tipo de atendimento à saúde prestado (atenção primária,
urgência e emergência, atenção psicossocial, atenção especializada e vigilância
sanitária). Dentro destes grupos, os deveres assumidos por cada ente serão
necessariamente pactuados na CIT, conforme estabelece o art. 23 do Decreto
nº 7.508/20118.

As responsabilidades a serem definidas na CIT não são apenas as financeiras,


mas também aquelas relativas à efetiva prestação dos serviços, tudo de acordo
com as particularidades administrativas, econômicas, geográficas e sociais de
cada região. Sobre isso, o art. 15 da Portaria de Consolidação/MS 01/2017
traz diretrizes importantes a serem observadas:

8 Art. 23. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios pactuarão nas respectivas
Comissões Intergestores as suas responsabilidades em relação ao rol de ações e serviços constantes
da RENASES.

Sumário 42
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Art. 15. O financiamento das ações e serviços da RENASES será tripartite,


conforme pactuação, e a oferta das ações e serviços pelos entes federados
deverá considerar as especificidades regionais, os padrões de acessibilidade,
o referenciamento de usuários entre municípios e regiões, e a escala econô-
mica adequada.

Por não ter a RENASES seguido a mesma sistemática da RENAME na


divisão das tecnologias em saúde nelas previstas, não é possível verificar
a responsabilidade de cada ente federativo - seja a de financiamento, de
aquisição ou entrega – pela simples consulta à lista. É necessário buscar as
respectivas pactuações na CIT para que se possa identificar, em cada caso,
a quem compete prestar o serviço de saúde e a origem dos recursos finan-
ceiros para tanto necessários.

Ainda assim, é possível afirmar, em linhas gerais, que os municípios atuam


preponderantemente na atenção básica à saúde, em suas mais diversas ver-
tentes (saúde da família, tratamento psicossocial, saúde da mulher, cuidados
de doenças crônicas mais prevalentes, urgências e emergências etc). Via de
regra, são os tratamentos com maiores índices de demandas e também os
mais simples. No entanto, dada a grande variabilidade do porte econômico,
do grau de desenvolvimento e da população dos milhares de municípios bra-
sileiros, as estruturas locais do SUS e, consequentemente, as redes de atendi-
mento e serviços de saúde disponibilizados também variam muito9.

É comum, portanto, que municípios de médio e grande porte ofereçam aten-


dimentos de média e alta complexidade, tudo a depender das pactuações
nas comissões intergestores. Muitas vezes, esses municípios-polos atendem
também pacientes dos municípios menores da região ou de regiões despro-
vidas dos serviços necessários aos plenos cuidados da população, o que se
faz mediante pactuações e compensações financeiras ajustadas entre os entes

9 Um bom retrato das desigualdades econômicas regionais e dos seus reflexos no atendimento da
saúde da população pelo SUS pode ser visto na Pesquisa Nacional de Saúde/2019 (Pesquisa nacional
de saúde: 2019: informações sobre domicílios, acesso e utilização dos serviços de saúde: Brasil, grandes
regiões e unidades da federação / IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. - Rio de Janeiro:
IBGE, 2020).

Sumário 43
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

municipais, estadual e federal10. A ausência desta atuação conjunta e harmô-


nica, com municípios com melhor estrutura e mais serviços médicos disponí-
veis prestando auxílio aos municípios menores traz sérias consequências para
esses últimos, que acabam sendo demandados judicialmente por serviços que
não têm condições de disponibilizar11.

Dito tudo isso, cumpre definir as balizas da responsabilidade dos municípios


nas demandas judiciais por tratamentos de saúde, bem como as garantias
contra eventuais imputações de competências alheias.

Responsabilidade processual dos municípios nas deman-


das judiciais de saúde à luz do Tema 793/stf
Uma das questões mais candentes da judicialização da saúde no Brasil sem-
pre foi a responsabilidade material dos diversos entes federativos pelo forne-
cimento de tecnologias em saúde determinado judicialmente e, consequen-
temente, a legitimidade processual passiva da União, dos estados membros
e dos municípios nessas demandas. Muito já se debateu na doutrina e na
jurisprudência sobre o tema. O ponto que enseja maiores controvérsias é a
existência de uma possível responsabilidade solidária entre todos os entes
pela prestação dos serviços de saúde em geral.

Na doutrina, abalizadas vozes já vêm há algum tempo pregando que a com-


petência comum dos entes federativos para cuidar da saúde, tal qual prevista
no art. 23, II da Constituição12, não significa de forma alguma que todos eles

10 Esse remanejamento do tratamento de pacientes de municípios diversos é, ao mesmo tempo, uma


consequência das desigualdades socioeconômicas entre eles e uma medida para otimização das ativida-
des do SUS, numa tentativa de aplicação do princípio da integralidade do atendimento à saúde. Sobre
este tema, conferir: VIEIRA, Fabiola Sulpino. Direito à Saúde no Brasil: seus contornos, judicialização
e a necessidade da macrojustiça, p. 21. IPEA, 2020.
11 Sobre este problema, Carla Estefânia Albert pontuou que “se for levado em consideração que grande
parte das especialidades em saúde se concentra em torno dos centros urbanos, sabidamente capitais e polos regionais,
as demandas decorrentes da ausência total ou parcial desse tipo de cuidado torna o fenômeno da judicialização ainda
mais desafiador para os Municípios”. (ALBERT, Carla Estefânia. Análise sobre a judicialização da saúde
nos municípios. Revista Técnica CNM, Brasília, p. 151-175, 2016).
12 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...)
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.

Sumário 44
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

possam ser demandados pela entrega de qualquer tratamento, indiscrimina-


damente, porquanto referido dispositivo precisa ser lido em conjunto com
o art. 198, caput e inciso I da mesma Constituição, segundo o qual o SUS é
composto por uma rede regionalizada e hierarquizada, tendo como uma de
suas diretrizes a descentralização13. Assim, a competência comum lato sensu
é implementada, na prática, mediante uma criteriosa divisão de atribuições
individualmente direcionadas à União, aos estados e aos municípios14.

A jurisprudência, todavia, vinha se posicionando firmemente pelo reconhe-


cimento da responsabilidade solidária dos entes federativos pela prestação
de tratamentos de saúde postulados judicialmente, desconsiderando a divi-
são de atribuições administrativas entre eles dentro da política de assistência
terapêutica do SUS. Este entendimento havia se solidificado principalmen-
te a partir do julgamento da STA 175 pelo Supremo Tribunal Federal15, em
cujo voto condutor do acórdão, de lavra do Min. Gilmar Mendes, constou
o seguinte:

A competência comum dos entes da Federação para cuidar da saúde consta


no art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municí-
pios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da
coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja
causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual
ou federal), de prestações na área de saúde.

13 Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada
e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização,
com direção única em cada esfera de governo;
14 Neste sentido: NETO, João Pedro Gebran; DRESCH, Renato Luís. A responsabilidade solidária
e subsidiária dos entes políticos nas ações e serviços de saúde. Revista do TRF/4ª Região, Porto Ale-
gre, nº 84, p. 77-103, maio/2014; também: ASENSI, Felipe. Responsabilidade Solidária dos Entes da
Federação e “Efeitos Colaterais” no Direito à Saúde. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v.16 n.3,
p. 145-156, nov. 2015/fev. 2016; e ainda: WANG, D. W. L. et al. Os impactos da judicialização da saúde
no município de São Paulo: gasto público e organização federativa. Revista de Administração Pública,
Rio de Janeiro, v. 48, n. 5, p. 1191-1206, 2014.
15 Suspensão de Segurança. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art.
196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde - SUS. Políticas públicas. Judicializa-
ção do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que
envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. (...)
(STA 175 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010,
DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00070)

Sumário 45
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Sucedeu, no entanto, que o próprio Supremo Tribunal Federal afetou o RE


855.178 ao regime da repercussão geral para apreciar especificamente a “res-
ponsabilidade solidária dos entes federados pelo dever de prestar assistência à saúde”
(Tema 793). Originariamente, quando do julgamento do mérito, o acórdão
recebeu a seguinte ementa:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRA-


TIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILI-
DADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento
médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, por-
quanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser
composto por qualquer um deles, isoladamente ou conjuntamente.

(RE 855178 RG, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 05/03/2015,
PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050
DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015)

Como se vê, o STF havia, basicamente, confirmado a tese da responsabili-


dade solidária irrestrita já adotada na STA 175. Ocorre que, no julgamento
dos embargos de declaração, o Tribunal alterou significativamente o entendi-
mento, de forma a consignar expressamente o dever da autoridade judicial
de direcionar casuisticamente o cumprimento da ordem de acordo com as
regras de repartição de competências entre os entes federativos, bem como
de determinar o ressarcimento a quem suportou ônus financeiro que seria
alheio. Com efeito, esta é a ementa do acórdão após o julgamento dos embar-
gos de declaração (sem destaque no original):

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLA-


RAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO
GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO
OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POS-
SIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS
PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EM-
BARGOS DE DECLARAÇÃO. 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no
rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes
federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, iso-

Sumário 46
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

ladamente ou conjuntamente. 2. A fim de otimizar a compensação entre


os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios
constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a
caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências
e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. 3. As
ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na AN-
VISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente
específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes. 4. Embargos de
declaração desprovidos.

(RE 855178 ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON


FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2019, PROCESSO ELETRÔ-
NICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-090 DIVULG 15-04-2020
PUBLIC 16-04-2020)

Com isso, o STF firmou a seguinte tese de Repercussão Geral:

Tese (Tema 793): Os entes da federação, em decorrência da competência


comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na
área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e
hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento
conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarci-
mento a quem suportou o ônus financeiro.

Ao passar a referir expressamente o dever do Juiz de direcionar a ordem de


prestação de atendimento em saúde ao ente competente segundo as regras
administrativas, bem como de assegurar o ressarcimento àquele que suportou
o ônus financeiro relativamente a tratamento que deveria ter sido prestado
por ente distinto, o Supremo Tribunal Federal definitivamente abandonou o
entendimento anterior da responsabilidade solidária irrestrita. Ainda que a
corte tenha mantido a referência à solidariedade, não faria sentido algum o
acréscimo do item 2 da ementa do acórdão dos embargos de declaração do RE
855.178 – cuja redação foi inserida também na tese firmada – caso a intenção
fosse simplesmente permanecer com o entendimento até então existente.

Neste contexto, a manutenção da possibilidade de condenação solidária ir-


restrita dos entes federativos à entrega de tratamentos médicos pelo SUS,
independentemente da repartição das competências administrativas, signifi-

Sumário 47
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

ca extirpar da ordem jurídica justamente aquilo que o STF fez questão de a


ela acrescentar no julgamento dos embargos de declaração do RE 855.17816.
Significa, ainda, desrespeitar a regra constante no art. 927, III do Código de
Processo Civil, segundo a qual “os juízes e os tribunais observarão (...) os acórdãos
(...) de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário
e especial repetitivos”.

Se o Juiz deve direcionar o cumprimento da ordem, nas demandas por tra-


tamentos de saúde, ao ente federativo competente segundo a repartição das
atribuições administrativas no SUS, não deveria haver qualquer dúvida acer-
ca da necessidade de tal ente figurar no polo passivo da relação processual,
no mínimo na condição de litisconsorte necessário. De fato, não há como
conceber que aquele que será o responsável por atender à pretensão da parte
autora não seja réu na relação processual, exercendo na plenitude os direi-
tos ao contraditório e à ampla defesa, o que atrai a incidência da parte final
do art. 114 do Código de Processo Civil, segundo o qual “o litisconsórcio será
necessário (...) quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da
sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes”.

Da mesma maneira, é processualmente equivocado o entendimento de que o


dever de direcionamento da ordem judicial contra o ente administrativamente

16 Aparentemente, foi o que ocorreu no seguinte acórdão da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justi-
ça, que se reportou ao entendimento originário do STF no RE 855.178, desconsiderando as relevantes
modificações ocorridas por ocasião do julgamento dos embargos de declaração:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. FORNECIMEN-


TO DE MEDICAMENTOS. ILEGITIMIDADE DA UNIÃO. MEDICAMENTO REGISTRADO NA
ANVISA. SÚMULAS 150, 224 E 254 DO STJ. 1. Na forma da jurisprudência, “a competência da
Justiça Federal, prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, é fixada, em regra, em razão da pessoa
(competência ratione personae), levando-se em conta não a natureza da lide, mas, sim, a identidade das
partes na relação processual.” (STJ, CC 105.196/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção,
DJe de 22/2/2010). Nesse sentido: AgRg no CC 114.474/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Pri-
meira Seção, DJe de 30/4/2014). 2. No caso em exame, como o Juízo Federal reconheceu a inexistência
de litisconsórcio passivo necessário da União e determinou o retorno dos autos à Justiça Estadual, é de
ser declarada a competência do Juízo Estadual para o processamento e julgamento da demanda, nos
termos das Súmulas 150, 224 e 254 do STJ. 3. Outrossim, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento
do RE 855.178/SE, apreciado sob o regime da repercussão geral e vinculado ao Tema 793/STF, firmou
esta tese: “O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado,
sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um
deles em conjunto ou isoladamente.” 4. Agravo Interno não provido. (AgInt no CC 173.750/RS, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020)

Sumário 48
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

competente, bem como a determinação de ressarcimento àquele que arcou


com ônus alheio, são questões a serem observadas apenas por ocasião do cum-
primento de sentença17. Além de afrontar diretamente o art. 506 do Código
de Processo Civil, segundo o qual “a sentença faz coisa julgada às partes entre as
quais é dada, não prejudicando terceiros”, ele subtrai do ente federativo adminis-
trativamente competente para o cumprimento da ordem – e a quem caberá o
ressarcimento àquele que efetivamente a cumpriu – o direito ao contraditório
e à ampla defesa durante toda a fase de conhecimento do processo.

A discussão sobre as implicações processuais da tese firmada pelo STF no Tema


793, especificamente em relação ao litisconsórcio necessário, é comumente tra-
vada nas ações judiciais em que se busca a concessão de tratamentos não in-
corporados ao SUS, casos em que o Supremo Tribunal Federal entende que a
União deve compor o polo passivo da demanda, atraindo-se a competência da
Justiça Federal. Não bastassem os fundamentos já expostos acima, a leitura do
acórdão que deu origem à tese afasta qualquer margem de dúvida sobre a obri-

17 Este entendimento foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da 1ª Seção:

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPE-


TÊNCIA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. JUSTIÇA ESTADUAL E JUSTIÇA FEDERAL.
APLICAÇÃO DA SÚMULA 150 DO STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

1. Hipótese em que o Juízo Federal afastou a União do polo passivo da lide, uma vez que sua inclusão
não foi uma escolha da parte, mas decorreu do atendimento de uma decisão judicial. 2. De acordo
com a decisão proferida pelo Juízo Federal, não há litisconsórcio necessário nas ações que buscam o
fornecimento de medicamentos, não sendo possível ao magistrado estadual determinar a emenda da
inicial para a inclusão da União no litígio. 3. Dessa forma, tendo o Juízo Federal reconhecido a ilegiti-
midade da União para figurar no polo passivo do litígio, é de rigor a aplicação da Súmula 150 do STJ:
“Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no
processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas.” 4. Afastada a legitimidade da União para
figurar no polo passivo da demanda pela Justiça Federal, deve-se reconhecer a competência da Justiça
Estadual para o deslinde da controvérsia. 5. Consigne-se que a tese firmada no julgamento do Tema
793 pelo Supremo Tribunal Federal, quando estabelece a necessidade de se identificar o ente respon-
sável a partir dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização do SUS, relaciona-se ao
cumprimento de sentença e às regras de ressarcimento aplicáveis a quem suportou o ônus financeiro
decorrente do provimento jurisdicional que assegurou o direito à saúde. 6. Portanto, o julgamento do
Tema 793 não modifica a interpretação da Súmula 150/STJ, mormente no presente caso, haja vista
que o Juízo Federal não afastou a solidariedade entre os entes federativos, mas apenas reconheceu a
existência do litisconsórcio facultativo, tendo considerado inadequada a decisão exarada pela Justiça
Estadual que determinou a emenda da petição inicial para que fosse incluída a União no polo passivo
da demanda. 7. Registre-se, ainda, que, no âmbito do Conflito de Competência, não se discute o mérito
da ação, cumpre apenas a análise do juízo competente para o exame do litígio. 8. Agravo Interno não
provido. (AgInt no CC 166.929/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
em 16/06/2020, DJe 23/06/2020)

Sumário 49
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

gação do Juiz de determinar a inclusão do ente competente para o tratamento


postulado no polo passivo da demanda, mesmo que de ofício.

A ata oficial de julgamento do RE 855.178 consigna que o acórdão foi proferi-


do “nos termos do voto do Ministro Edson Fachin”18. Pois bem, o próprio ministro
fez constar em seu voto a seguinte premissa, dentre outras que lhe serviram
como base (sem destaques no original):

1.1. Premissas

(...)

Quinta: Partindo do exame das espécies de tutela examinadas na STA 175,


é possível estabelecer condicionantes para a admissão das respectivas ações.
Quando a pretensão veicular pedido de entrega de medicamento padro-
nizada, a competência estatal é regulada por lei, devendo figurar no polo
passivo a pessoa política com competência administrativa para o forneci-
mento do medicamento, tratamento ou material. Quando o medicamento
não for padronizado, a União deve compor o polo passivo da lide. Além
disso, a dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tra-
tamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e a
comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos
no artigo 28 do Decreto Federal n. 7.580/11.

A assertividade da premissa dispensa maiores considerações. Ainda assim,


consta também no voto do Ministro Relator que:

v) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou


medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas as suas hipóte-
ses), a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o
Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou al-
teração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como consti-
tuição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q,
Lei 8.080/90), de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não
padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão,
nos termos da fundamentação;

18 Este é um ponto de extrema relevância a ser observado, porque são comuns argumentos que bus-
cam justificar a manutenção do entendimento original do STF acerca da responsabilidade “pura” com
base em votos de outros ministros.

Sumário 50
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

A clareza dos fundamentos do voto condutor do acórdão não dá brechas


para interpretações criativas que busquem sustentar a manutenção do enten-
dimento original do STF de que a solidariedade entre os entes federativos
autorizaria que quaisquer deles fossem condenados à entrega de tecnologias
em saúde demandadas judicialmente. O que foi decidido pelo Supremo Tri-
bunal Federal está bem demonstrado. Sua conclusão, evidentemente, pode
estar sujeita a críticas e confrontações argumentativas. Ainda assim, sendo
uma decisão proferida em regime de repercussão geral pela mais alta corte
do país, ela deve ser obedecida pelas demais instâncias judiciais.

Conforme as lições de Marinoni, Arenhart e Mitidiero19:

As razões contidas nas decisões, agora vistas como precedentes, assumem


naturalmente eficácia obrigatória. Note-se que o precedente não é parâme-
tro para o controle da legalidade das decisões, mas erige critério a ser ne-
cessariamente seguido para a resolução dos casos futuros, verdadeiro modo
de ser do direito em determinado contexto histórico.

Isso quer dizer que uma Corte Suprema, ao decidir um caso que pode ou
não se repetir, pode elaborar um precedente, ou melhor, uma norma que
empresta sentido ao direito e, apenas por isso, deve ser observada pelos
juízes e tribunais incumbidos de resolver os futuros conflitos.

Diante deste cenário, é preciso redimensionar a responsabilidade solidária


dos entes federativos - reafirmada pelo STF no Tema 793 –, de maneira que
seja agora compatibilizada com o dever da autoridade judicial de, a despeito
disso, direcionar o cumprimento da ordem de fornecimento de um tratamen-
to de saúde contra o ente administrativamente competente. A solidariedade,
doravante, deve ser entendida no sentido de que qualquer ente federativo
pode figurar no polo passivo de ações judiciais em que se busca o recebimen-
to de tratamento de saúde pelo SUS, de maneira a ampliar a garantia dos
cidadãos em caso de extrema dificuldade ou impossibilidade de atendimento

19 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de
Processo Civil, vol. 2, 2ª ed., p. 611. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016

Sumário 51
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

da ordem por algum deles. No entanto, e a despeito disso, os entes com-


petentes pelo financiamento e pelo fornecimento do tratamento devem es-
tar presentes no processo – isoladamente ou em conjunto com os outros, a
critério da parte autora –, devendo a eventual condenação ser direcionada
contra aqueles ou, caso assim não tenha ocorrido, ser assegurado o direito de
ressarcimento ao ente administrativamente incompetente, mas que acabou,
por quaisquer razões, cumprindo a decisão judicial.

Aliás, a garantia de ressarcimento ao ente que não era o competente para o


custeio do tratamento determinado judicialmente, mas que cumpriu a ordem
judicial, é outra importante inovação trazida pela tese firmada no Tema 793/
STF. Ao consignar que o Juiz deve “determinar o ressarcimento a quem suportou
o ônus financeiro”, o Supremo Tribunal Federal afasta qualquer interpretação
da legislação de regência que leve à conclusão de que o acerto de contas en-
tre os entes envolvidos deva ser feito administrativamente. Trata-se, agora,
de uma garantia ao ente que cumpriu a decisão de que, caso ele não seja o
responsável pelo custeio do tratamento de acordo com a divisão de respon-
sabilidades dentro do SUS, será ressarcido das despesas que teve, servindo a
determinação judicial como título executivo passível de cumprimento dentro
do próprio processo.

Suponhamos, portanto, que um município seja demandado para fornecer


um medicamento para tratamento oncológico, cuja responsabilidade pelo
custeio é da União, conforme demonstrado no item 2.1 acima. Nesta hipóte-
se, a União deve figurar no polo passivo da ação e contra ela é que eventual
decisão judicial de acolhimento da pretensão deve ser direcionada. Contudo,
se por qualquer razão a ordem foi dada contra o município e foi por ele cum-
prida, deve o Juízo determinar que a União proceda, no próprio processo,
ao ressarcimento das despesas tidas pelo ente municipal. É isso o que consta
na tese do Tema 793/STF.

Outro aspecto relevante da referida tese que precisa ser ressaltado é o reflexo
gerado no entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que não é ca-
bível o chamamento ao processo nas demandas judiciais por medicamentos.

Sumário 52
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Com efeito, no julgamento do REsp 1.203.244/SC20, submetido ao regime


dos recursos repetitivos (Tema 686), o STJ firmou a seguinte tese:

Tese (Tema 686): O chamamento ao processo da União com base no art. 77,
III, do CPC, nas demandas propostas contra os demais entes federativos
responsáveis para o fornecimento de medicamentos ou prestação de servi-
ços de saúde, não é impositivo, mostrando-se inadequado opor obstáculo
inútil à garantia fundamental do cidadão à saúde.

Tendo o Supremo Tribunal Federal, no entanto, consignado no RE 655.178


(Tema 793) que o juiz deve determinar, inclusive de ofício, a inclusão da
União no polo passivo da ação em que se postula o recebimento de tratamen-
to não padronizado, é evidente que não se pode impedir o estado membro ou
o município que já figura como réu de provocar o Juízo a fazê-lo mediante o
chamamento ao processo. O mesmo raciocínio deve ser adotado em todos os
casos em que o ente federativo competente para o fornecimento da tecnolo-
gia em saúde não esteja no polo passivo da relação processual.

Não há lógica em vedar o chamamento ao processo - que é instituto proces-


sual direcionado especificamente a chamar à responsabilidade os demais de-
vedores solidários por aquele que foi acionado judicialmente, nos termos do
art. 130, III do Código de Processo Civil21 - justamente quando se pretende
defender a manutenção da solidariedade “pura” nas demandas por trata-
mentos do SUS, como o faz o Superior Tribunal de Justiça. Ou bem há soli-
dariedade da forma como compreendida tradicionalmente no Direito Civil, e
então deve ser admitido o chamamento ao processo; ou é preciso reconhecer
que a solidariedade realmente tem temperamentos próprios quando se trata
da judicialização da saúde. De qualquer forma, mesmo na segunda hipótese
o chamamento ao processo deve ser admitido, como já explicado.

Não há dúvida, portanto, de que a Tese 686 dos recursos repetitivos do STJ
foi superada pela Tese 793 da Repercussão Geral do STF.

20 REsp 1203244/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em


09/04/2014, DJe 17/06/2014
21 Art. 130. É admissível o chamamento ao processo, requerido pelo réu: (...) III - dos demais deve-
dores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns o pagamento da dívida comum.

Sumário 53
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Apesar de tudo isso, e a despeito da clareza da tese do Tema 793/STF e dos


fundamentos do voto condutor do acórdão do RE 855.178, o fato é que o STJ
continua decidindo de acordo com o entendimento antigo e já superado do
Supremo Tribunal Federal no sentido de que quaisquer dos entes federati-
vos podem ser demandados nas ações de medicamentos, sem que haja litis-
consórcio necessário com aquele efetivamente competente segundo as regras
administrativas. O Superior Tribunal de Justiça assim o faz ora sob o funda-
mento de que cabe à Justiça Federal deliberar sobre a legitimidade passiva da
União, de maneira que, uma vez excluído o ente do polo passivo pelo Juízo
Federal, o processo deve obrigatoriamente retornar à Justiça Estadual22; ora
adentrando no próprio mérito da responsabilidade dos entes, afirmando ser
solidária e, com isso, permitindo que a parte autora demande apenas contra
aqueles que escolher, segundo seus próprios critérios23.

Essa dissonância entre os entendimentos do STF e do STJ definitivamente


não é boa, trazendo insegurança a uma questão que deveria ter sido resol-
vida com o Tema 793/STF. A partir do momento em que a Suprema Corte
avocou para si a competência para tratar do assunto sob o prisma das normas
constitucionais pertinentes, não há mais espaço para questionamentos. Cer-
tamente, não se pode descartar a existência de interpretações divergentes da
própria tese. O que não mais cabe é simplesmente reproduzir entendimentos
anteriores a ela sem que ao menos se demonstre que permanecem válidos
mesmo após o julgamento dos embargos de declaração do RE 855.178.

Por mais que caiba ao Superior Tribunal de Justiça solucionar conflitos de


competência entre Juízos Federais e Estaduais (CF/88, art. 105, I, “d”), nos
quais essa discussão é comumente levantada, a solução não pode passar ao
largo do Tema 793/STF.

Com base em tudo o que foi dito e voltando a análise à situação dos mu-
nicípios nas demandas por tratamentos do SUS, tem-se que eles são parte

22 AgInt no CC 173.750/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em


15/12/2020, DJe 18/12/2020, dentre vários outros acórdãos no mesmo sentido
23 AgInt no REsp 1606349/PI, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TUR-
MA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020; e AgInt no CC 172.483/RS, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/11/2020, DJe 17/11/2020, dentre outros.

Sumário 54
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

legítima para figurar no polo passivo de quaisquer delas. No entanto, caso


não sejam os responsáveis pelo tratamento vindicado, o ente competente - a
quem a ordem judicial deve ser direcionada - também deve se fazer presente
na condição de litisconsorte necessário. Na hipótese de o tratamento postula-
do não estar incorporado ao SUS, a União deve obrigatoriamente compor o
polo passivo, ainda que em litisconsórcio com o ente municipal.

A efetiva responsabilidade pela disponibilização de tratamentos não padro-


nizados concedidos judicialmente é uma questão específica que merece um
estudo particularizado, sendo alheia aos propósitos deste texto24.

Conclusões
A partir de tudo o que foi exposto, é possível chegar às seguintes conclusões:

a) as competências dos entes federativos dentro da política de assistência tera-


pêutica integral do SUS são definidas de acordo com regramentos jurídicos
próprios para os medicamentos e para as demais tecnologias em saúde;

a.1) em relação aos medicamentos, compete aos municípios a aquisição e


distribuição daqueles que integram o componente básico, bem como
dos constantes no Grupo 3 do componente especializado da RENA-
ME, juntamente com os estados membros e da forma como pactuada
nas Comissões Intergestores Bipartites. O financiamento destes me-
dicamentos, no entanto, é tripartite, contando também com recursos
federais. Além disso, cabe aos municípios a aquisição, o financiamento
e a entrega dos fármacos inseridos nas Relações Municipais de Medi-
camentos (REMUME’s);

24 Acerca do tema, verificar os seguintes artigos: MOROZOWSKI, Ana Carolina; OLIVEI-


RA, Luciana da Veiga. Da responsabilidade solidária na assistência à saúde no SUS. Migalhas,
2019. Disponível em: https://www.google.com/search?q=ABNT+cita%C3%A7%C3%A3o+artigo+i-
nternet&rlz=1C1GCEU_pt-BRBR819BR819&oq=ABNT+cita%C3%A7%C3%A3o+artigo+internet&-
aqs=chrome..69i57j0i22i30.11015j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8. Acesso em 17/02/2021; e também:
SANTOS, Bruno Henrique Silva. Pactuação da Assistência Farmacêutica no SUS: decifra-me ou te
devoro. Direito em Comprimidos, 2020. Disponível em: https://direitoemcomprimidos.com.br/pac-
tuacao-medicamentos-sus/. Acesso em 17/02/2021. Ainda, do mesmo autor: Divisão de competências
nas Ações e Serviços Públicos em Saúde no SUS: decifra-me ou te devoro – Parte II. Direito em
Comprimidos, 2020. Disponível em: <https://direitoemcomprimidos.com.br/pactuacao-da-assisten-
cia-farmaceutica-parte-ii/>. Acesso em 17/02/2021

Sumário 55
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

a.2) no que diz respeito às demais tecnologias em saúde, a competência


municipal é definida pela pactuação na CIT daquelas que constam na
RENASES;

b) nas demandas judiciais que buscam o fornecimento de tratamento de saúde


pelo SUS, e nos termos do entendimento firmado pelo STF no RE 855.178 e
na tese do Tema 793 da Repercussão Geral:

b.1) todos os entes federativos são partes legítimas para figurar no polo pas-
sivo da ação. No entanto, aquele que é o competente para o custeio ou
a entrega do tratamento deve obrigatoriamente figurar como réu, seja
mediante provocação dos demais réus – inclusive por meio do chama-
mento ao processo – ou por iniciativa do próprio Juízo;

b.2) na hipótese de a decisão judicial ter sido cumprida por ente diverso do
competente, deve ser assegurado àquele que a cumpriu o ressarcimen-
to pelas respectivas despesas, a ser feito no bojo do próprio processo;

b.3) quando o tratamento postulado não houver sido incorporado ao SUS, a


União deverá obrigatoriamente figurar como ré no polo passivo da de-
manda, ainda que em litisconsórcio com outros entes federativos contra
os quais a ação já havia sido proposta;

c) um alinhamento da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça com a


tese firmada no Tema 793/STF é salutar para a segurança jurídica na judicia-
lização da saúde e para reduzir ao máximo possível a interferência judicial na
gestão do SUS, que já é uma consequência inevitável dessa judicialização.

Referências
ALBERT, Carla Estefânia. Análise sobre a judicialização da saúde nos municípios.
Revista Técnica CNM, Brasília, p. 151-175, 2016

ASENSI, Felipe. Responsabilidade Solidária dos Entes da Federação e “Efeitos


Colaterais” no Direito à Saúde. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v.16 n.3,
p. 145-156, nov. 2015/fev. 2016

Sumário 56
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel.


Novo Curso de Processo Civil, vol. 2, 2ª ed., p. 611. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016

MOROZOWSKI, Ana Carolina; OLIVEIRA, Luciana da Veiga. Da responsabilidade


solidária na assistência à saúde no SUS. Migalhas, 2019. Disponível em:
https://www.google.com/search?q=ABNT+cita%C3%A7%C3%A3o+artigo+
internet&rlz=1C1GCEU_pt-BRBR819BR819&oq=ABNT+cita%C3%A7%C3%A3o+artigo
+internet&aqs=chrome..69i57j0i22i30.11015j0j7&sourceid=chrome&ie
=UTF-8. Acesso em 17/02/2021

NETO, João Pedro Gebran; DRESCH, Renato Luís. A responsabilidade solidária


e subsidiária dos entes políticos nas ações e serviços de saúde. Revista do TRF/4ª
Região, Porto Alegre, nº 84, p. 77-103, maio/2014

Pesquisa nacional de saúde: 2019: informações sobre domicílios, acesso e utilização


dos serviços de saúde: Brasil, grandes regiões e unidades da federação / IBGE,
Coordenação de Trabalho e Rendimento. - Rio de Janeiro: IBGE, 2020

Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME/2020. Disponível em:


https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relacao_medicamentos_rename_2020.pdf.
Acesso em 17/02/2021

SANTOS, Bruno Henrique Silva. Pactuação da Assistência Farmacêutica no SUS:


decifra-me ou te devoro. Direito em Comprimidos, 2020. Disponível em: https://
direitoemcomprimidos.com.br/pactuacao-medicamentos-sus/. Acesso em 17/02/2021.

_________. Divisão de competências nas Ações e Serviços Públicos em Saúde no


SUS: decifra-me ou te devoro – Parte II. Direito em Comprimidos, 2020. Disponível
em: <https://direitoemcomprimidos.com.br/pactuacao-da-assistencia-farmaceutica-
parte-ii/>. Acesso em 17/02/2021

VIEIRA, Fabiola Sulpino. Direito à Saúde no Brasil: seus contornos, judicialização e


a necessidade da macrojustiça, p. 21. IPEA, 2020.

WANG, D. W. L. et al. Os impactos da judicialização da saúde no município de São


Paulo: gasto público e organização federativa. Revista de Administração Pública, Rio
de Janeiro, v. 48, n. 5, p. 1191-1206, 2014

Sumário 57
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

O Pacto Federativo frente ao


cumprimento das decisões na esfera
da saúde: Uma breve reflexão sobre
a responsabilidade solidária
nas Ações Regressivas nos casos
de prestação contínua
Hugo Lázaro Marques Martins1

Resumo
Consoante preconizado pela Constituição da República, é
dever do Estado e direito da população a garantia à saúde,
mediante a adoção de medidas que atenuem ou impeçam
o risco de doença ou o seu agravamento. Essas medidas
institucionais de saúde devem integrar uma rede regiona-
lizada e hierarquizada, formando, obviamente, um sistema
único, organizado, porém, descentralizado. Em outras pa-
lavras, há que se ter um sistema único de saúde. Todavia,
isso não significa que todas as esferas de governo devam

1 Pós-Doutor em Democracia e Direito Humanos - Universidade de Coimbra-Portugal, Doutor e


Mestre em Direito Público - PUC-Minas e Especialista em Direito Internacional - CEDIN; Procurador
Geral do Município de João Monlevade – MG e Professor Universitário; FUNCESI – Itabira-MG.

Sumário 58
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

desenvolver todo e qualquer tipo de ação relacionada à


saúde. O sistema deve ser descentralizado, para, inclusive,
serem evitadas ações em duplicidade e para melhor apro-
veitamento dos limitados recursos financeiros. Infere-se,
pois, que a assistência à saúde se dará de forma crescente,
conforme sua complexidade. Ou seja, quanto maior o cus-
to/complexidade remeter-se-á a competência de atuação
para as esferas de maior abrangência territorial de gover-
no, ascendendo do município até à União, perpassando os
Estados. Havendo ações judiciais exigindo por parte do
cidadão efetivação deste direito, optando o mesmo por um
litisconsórcio passivo entre os entes federados municipal
e estadual, com sua consequente condenação solidária ao
pagamento do tratamento dispensado ao cidadão, revela-
se cabível o direito de regresso pelo devedor solidário que
cumpriu por inteiro e isoladamente a obrigação, conforme
orientação jurisprudencial.

Palavra-chave: Saúde, Ação Regressiva, Solidariedade,


Entes Federados.

Sumário 59
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Introdução
Consoante preconizado pelo art. 196, da Constituição da República, é dever
do Estado e direito da população a garantia à saúde, mediante a adoção de
medidas que atenuem ou impeçam o risco de doença ou o seu agravamento.

Neste contexto, não se pode pôr em dúvida que a saúde é um direito de todos
e dever do Estado. Esse direito, no entanto, conforme a própria dicção do art.
196 é garantido “mediante políticas sociais e econômicas”. Isso quer dizer que os
poderes públicos das três esferas hão de desenvolver políticas públicas a fim de
garantir o direito à saúde de todos. Essas políticas de saúde, nos termos do art.
198, devem integrar “uma rede regionalizada e hierarquizada”, formando, obvia-
mente, um sistema único, organizado, porém, “descentralizado”.

Em outras palavras, há que se ter um sistema único de saúde. Todavia, isso


não significa que todas as esferas de governo devam desenvolver todo e qual-
quer tipo de ação relacionada à saúde. O sistema deve ser descentralizado,
para, inclusive, se evitarem ações em duplicidade e para melhor aproveita-
mento dos limitados recursos financeiros.

Nessa esteira, o Pacto pela Saúde firmado pela Portaria 399/GM2, do Minis-
tério da Saúde, dispôs que cabe aos Estados, a partir da atenção básica que
é tarefa afeta aos Municípios da Federação, as ações e serviços de média e
alta complexidade, de acordo com a programação pactuada e integrada da
atenção à saúde, fomentando o acesso da população aos medicamentos e tra-
tamentos cuja disponibilização seja de sua alçada.

Infere-se, pois, que a assistência à saúde se dará de forma crescente, conforme


sua complexidade, ou seja, quanto maior o custo/complexidade remeter-se-á
a competência de atuação para as esferas estadual e federal de governo. Isto
acontece porque os repasses de recursos de maior valor, geralmente, ocorrem
na seguinte ordem: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

2 http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2006/GM/GM-399.htm

Sumário 60
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Assim, constatando que a prestação de serviços de saúde e a efetivação deste


direito fundamental seja de responsabilidade conjunta da União, Estados, Mu-
nicípios e Distrito Federal, finda por estabelecer a possibilidade de o cidadão
poder demandar qualquer um desses entes, conforme anotam Dallari e Nunes
(2010, p. 105).

Em contrapartida, se um ente federado for demandado isoladamente, conti-


nuam Dallari e Nunes (2010), não tem direito de regresso contra os demais,
“caracterizada está a situação de que qualquer um deles pode ser o responsável
pelo cumprimento da obrigação, cabendo à parte escolher contra quem deseja
litigar”. Ressalta-se que a ação regressiva é cabível, segundo a legislação pro-
cessual vigente, sempre que, em nome de terceiro, houver o adimplemento de
dívida ou de dano. Em tais casos, dentre outros, será possível o ressarcimento
dos valores despendidos.

Havendo, neste contexto específico, claro litisconsórcio passivo entre os entes


federados municipal e estadual, com sua consequente condenação solidária ao
pagamento do tratamento dispensado ao cidadão, revela-se cabível o direito de
regresso pelo devedor solidário que cumpriu por inteiro e isoladamente a obri-
gação, conforme orientação jurisprudencial. Neste diapasão, resta aparente o
direito assegurado ao município, ora autor de uma ação regressiva, de se ver
ressarcido pelos gastos despendidos. Sem embargo, a obrigação solidária pode
ser exigida de qualquer um dos devedores na sua integralidade. Contudo, em
caso de ressarcimento, deve-se verificar a cota parte cabível a cada um.

É certo afirmar que, de forma arrazoada, o direito à saúde e à vida se sobrepõem


aos interesses financeiros da Administração e os entraves burocráticos não po-
dem servir de escusas para o descumprimento das normas constitucionais.

No entanto, ao se buscarem as vias jurisdicionais para o regresso de valores


custeados isoladamente, a municipalidade teria o direito de exigir que os futu-
ros gastos provenientes desta responsabilidade solidária fossem custeados em
caráter liminar pelo Estado Federado, sob pena de perpetuar um injusto dese-
quilíbrio federativo.

Sumário 61
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Da natureza solidária da obrigação de efetivação do direi-


to fundamental à saúde
Consoante preconizado pelo art. 196, da Constituição da República, é dever
do Estado e direito da população a garantia à saúde, mediante a adoção de
medidas que atenuem o risco de doença ou o seu agravamento:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante


políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.”

Ao se debruçar sobre o tema, restou sedimentado pelo Supremo Tribunal


Federal - STF que:

“O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indis-


ponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição
da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado,
por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público,
a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas
idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à
assistência farmacêutica e médico-hospitalar” 3

Em outras palavras, há que se ter um sistema único de saúde. Todavia, isso não
significa que todas as esferas de governo devam desenvolver todo e qualquer
tipo de ação relacionada à saúde. O sistema deve ser descentralizado para,
inclusive, evitar ações em duplicidade e para melhor aproveitar os limitados
recursos financeiros.

Com o fito de regulamentar esse sistema único de saúde previsto na norma


constitucional, foi editada a Lei Federal nº 8.080/90, que assim dispõe em seu
artigo 8º:

“Art. 8º. As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de


Saúde (SUS), seja diretamente ou mediante participação complementar da

3 n (RE 393175 AgR, Relator: Min. Celso De Mello, Segunda Turma, julgado em 12/12/2006).

Sumário 62
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

iniciativa privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquiza-


da em níveis de complexidade crescente.” (grifamos)

E, nessa esteira, o Pacto pela Saúde firmado pela Portaria 399/GM4, do Mi-
nistério da Saúde, dispôs que cabe aos ESTADOS, a partir da atenção básica
que é tarefa afeta aos Municípios da Federação, as ações e serviços de média
e alta complexidade, de acordo com a programação pactuada e integrada
da atenção à saúde, fomentando o acesso da população aos medicamentos e
tratamentos cuja disponibilização seja de sua alçada.

Isto acontece porque a capacidade econômica, que se encontra intimamente


atrelada à competência para instituição e arrecadação de tributos, encontra-
se desproporcionalmente dividida entre os entes federados. Nestes termos,
os recursos mais vultosos estão sob a tutela da União e Estados Federados,
estando os municípios na ponta dos menos favorecidos neste processo. Assim,
ainda que a prestação de serviços de saúde seja de responsabilidade conjunta
da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, fazendo com que o cidadão
possa demandar qualquer um desses entes, conforme anotam Dallari e Nu-
nes (2010), isso reafirma:

“a idéia de responsabilidade recíproca entre os entes, de tal modo que aque-


le que for cobrado por determinada prestação pode – e deve – reclamar a
devida compensação da unidade da Federação legalmente responsável pelo
desempenho da atenção em saúde reclamada.”

Neste norte, a assistência farmacêutica, incluída no campo de atuação do SUS


(art. 6º da Lei Federal nº 8.80/90) e financiada pela União, Estados e Mu-
nicípios, estrutura-se em três dimensões: (a) componente básico (ações de
assistência farmacêutica na atenção básica em saúde e para agravos e progra-
mas de saúde específicos, inseridos na rede de cuidados da atenção básica);
(b) componente estratégico (ações de assistência farmacêutica de programas
estratégicos, tais como controle de endemias, programa de doenças sexual-
mente transmissíveis e outras); e (c) componente especializado (medicamen-

4 http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2006/GM/GM-399.htm

Sumário 63
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

tos de alto custo ou para tratamento continuado - Portaria de Consolidação


nº 02/2017 - Título IV).

O fornecimento do componente especializado, nos quais normalmente se in-


cluem os medicamentos de alto custo, foram sendo regulamentados por leis
estaduais, como é o exemplo da Lei mineira nº 14.533/2002 e das Delibera-
ções CIB-SUS/MG 746/2010, 867/2011 e 1.640/2013, e é de responsabilidade
do Estado de Minas Gerais.

Nesse sentido, os Tribunais superiores estão sedimentando a interpretação


legal relatada acima, casos como o de fornecimento de medicamentos de alta
complexidade e de custos elevados devem ser arcados por entes dotados de
capacidade orçamentária suficiente para tanto. De fato, impor um ônus des-
proporcional ao mesmo, poderia comprometer permanentemente a capaci-
dade de condução dos demais atos administrativos inerentes à capacidade
municipal. A título ilustrativo, vejamos algumas decisões sobre o tema:

“AÇÃO COMINATÓRIA EM DESFAVOR DO ESTADO DE MINAS GE-


RAIS E DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE. PACIENTE COM
DIABETE TIPO 2. FORNECIMENTO DE INSULINA. SISTEMA ÚNICO
DE SAÚDE. ORIENTAÇÃO DO STF. RE 855.178/SERGIPE. REPERCUS-
SÃO GERAL (TEMA 793). LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO.
MÉRITO. MEDICAMENTO NÃO INCLUÍDO NA FARMÁCIA POPU-
LAR BÁSICA. DELIBERAÇÕES CIB-SUS. LEI ESTADUAL 14.533/2002.
COMPETÊNCIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. PRETENSÃO ACO-
LHIDA. REFORMA DA PARCIAL SENTENÇA. IMPROCEDÊNCIA DO
PEDIDO QUANTO AO MUNICÍPIO/RÉU. OBRIGAÇÃO QUE EXTRA-
POLA LIMITES DE SUAS ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIA. 1. Regra
geral, o sistema de compartilhamento de competências, tal como estabeleci-
do no art. 23, II, da CRFB/88, reserva competência concorrente ao gestor
do fundo municipal de saúde para avaliar as ações e a forma de execução dos
serviços públicos relativos à saúde, a ele competindo garantir atendimento
público aos munícipes acometidos por doenças e que carecem de recursos
para o necessário tratamento, ainda que sua atividade deva obediência às
regras previamente estabelecidas pelo Ministério da Saúde. 2. O julgamen-
to do Recurso Extraordinário 855.178/SE não significa que o Supremo Tri-
bunal Federal tenha antecipado o julgamento do Recurso Extraordinário

Sumário 64
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

566. 471/RN, que também teve repercussão geral reconhecida (Tema 06):
“Dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de
doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo.” 3. No
contexto enfocado neste processo judicial, o Município/réu não deve ser
responsabilizado pelo fornecimento, por tempo indeterminado, insulina
pleiteada pela parte autora, de custo mais elevado, não incluída no elenco
padronizado de medicamentos dos programas de assistência farmacêu-
tica do SUS. Tal obrigação incumbe ao ESTADO DE MINAS GERAIS e
não deve ser imposta ao MUNICÍPIO/réu, cuja competência em sede de
fornecimento gratuito de medicamentos a usuários do SUS não deve ser
considerada ampla e irrestrita e, em sendo assim, não abrange remédios e
insumos tidos como excepcionais, de alta complexidade, não constantes da
lista da Farmácia Popular Básica”. (Apelação Cível 1.0024.08.272985-6/001.
Relator Desembargador Armando Freire. Dje 01/07/2016)”. (grifamos)

Em outra oportunidade, decidiu o TJMG no mesmo sentido, reconhecendo


expressamente a possibilidade do “ressarcimento do atendimento a servi-
ços prestados para outras esferas de governo”, demonstrando que o sistema
de Federalismo cooperado exige a repartição de competências, atribuições e
responsabilidades para efetivação de direitos fundamentais que exigem alta
carga de complexidade de atuação estatal:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. MUNICÍPIO


E ESTADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RESPONSABILI-
DADE SOLIDÁRIA. DIREITO DE REGRESSO. Perante os administrados
e munícipes, a responsabilidade dos entes federados pela dispensação de
medicamentos e tratamentos médicos é solidária, conforme fixado na tese
de repercussão geral do RE n.º 855.178/PE, o que não quer dizer que entre
os cooperados não se aplique a definição de competências preceituada na
Lei Orgânica de Saúde (Lei n.º 8.080/1990), que inclusive assegura, aos
entes federados, o “ressarcimento do atendimento a serviços prestados
para outras esferas de governo” (art. 35, VII). Recursos de apelação co-
nhecidos e não providos. (TJMG - Apelação Cível 1.0432.12.002389-5/001,
Relator(a): Des.(a) Albergaria Costa, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
28/02/2019, publicação da súmula em 13/03/2019). (grifamos)

E continua a jurisprudência do TJMG, apresentando uma visão jurispru-


dencial da organização da gestão descentralizada da assistência de saúde no

Sumário 65
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

âmbito da Administração Pública, compartimentando a mesma em três di-


mensões e reconhecendo, consequentemente, a responsabilidade solidária
dos entes federados na efetivação destes direitos:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL/REEXAME NECESSÁRIO - CIRURGIA


OFTAMOLÓGICA DE CATARATA - DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA
E À SAÚDE - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS
E MUNICÍPIOS - GESTÃO DESCENTRALIZADA - MULTA DIÁRIA -
POSSIBILIDADE - NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO - OBRIGAÇÃO DE
APRESENTAR RECEITA MÉDICA ATUALIZADA. - A Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal entende que “o recebimento de medicamentos
pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de
qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessi-
dade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios”, e “o ente
federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetivi-
dade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos
para postergar a devida prestação jurisdicional” (RE 607.381 AgR, Rela-
tor Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 17.6.2011). - A gestão descen-
tralizada da assistência de saúde no âmbito do Executivo - estruturada
nas três dimensões: a) componente básico; b) componente estratégico; c)
componente de medicamentos de alto custo excepcional - não afasta a
responsabilidade solidária no âmbito do Judiciário, podendo quaisquer
dos entes federados figurar no pólo passivo da ação, assegurado eventual
regresso pela via cabível em face do ente adequado. - Uma vez evidenciada
a omissão por parte da Administração Pública municipal, em face da demo-
ra injustificada em realizar o tratamento ou direcionar o paciente aos de-
mais níveis de atenção à saúde do SUS, conclui-se devida a intervenção do
Poder Judiciário, de modo a viabilizar o atendimento do paciente. (TJMG
- Ap Cível/Rem Necessária 1.0390.15.002353-4/001, Relator(a): Des.(a) Ali-
ce Birchal, 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/09/2016, publicação da
súmula em 03/10/2016)”. (grifamos)

Com efeito, havendo solidariedade entre os entes federados na dispensação


dos fármacos ou de tratamentos médicos, a jurisprudência dos Tribunais
Superiores pátrios reconheceu a possibilidade da ação regressiva daquele
que arcou isoladamente com os gastos para o fornecimento do medicamen-
to, desde que, formada a relação processual, tenha havido condenação de
forma solidária.

Sumário 66
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Nesse sentido:

“ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE RE-


GRESSO DO MUNICÍPIO CONTRA O ESTADO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁ-
RIA. INEXISTÊNCIA. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 275 e 283 DO
CÓDIGO CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. INEXISTÊN-
CIA. PARCELA RECURSAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
INCIDÊNCIA SÚMULAS 211/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDEN-
CIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. RECURSO ESPECIAL
PROVIDO. 1. Inexiste violação do art. 535 do CPC/73 quando a prestação
jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento
e resolução das questões abordadas no recurso. 2. Estando ausente no acór-
dão recorrido o necessário e indispensável exame dos artigos indicados no
recurso especial, a despeito da oposição dos embargos de declaração, mos-
tra-se inviabilizada a análise de tal parcela recursal. Incidência da Súmula
211/STJ. 3. A inexistência de similitude fática entre os acórdãos recorrido
e paradigma inviabiliza o confronto jurisprudencial. 4. Para o exercício do
direito de regresso, disciplinado no art. 283 do Código Civil, faz-se necessá-
rio que a obrigação seja solidária, da forma prevista nos arts. 264 e 265 do
código civil, ou seja, quando concorrer, na mesma obrigação, mais de um
devedor obrigado e que tal vínculo seja determinado por lei ou pela von-
tade das partes (contrato). 5. Nas demandas cujo objeto do pedido consiste
no fornecimento de medicamentos ou serviços de saúde, a obrigação é dire-
cionada na formação da relação processual, ocasião em que o autor indica
qual o ente da federação deve ser o sujeito passivo da relação obrigacional
para cumprir o mandamento constitucional, podendo indicar mais de uma
entidade em litisconsórcio. 6. A formação da dívida solidária, nas demandas
cujo objeto do pedido consiste no fornecimento de medicamentos ou servi-
ços de saúde, somente é possível quando houver litisconsórcio passivo entre
as entidades da federação, devendo tal comunhão ocorrer na propositura
da demanda, com a formação da relação processual, possibilitando o jul-
gador, no comando decisório, determinar a partilha da obrigação entre os
litisconsortes. 7. Não integrando o Estado do Rio de Janeiro, originalmente,
o pólo passivo da demanda, não há como se estabelecer a solidariedade
descrita no arts. 275 e 283 do Código Civil, tendo em vista que, na forma-
ção do título executivo judicial, não constava como devedor da obrigação o
referido ente federativo. Recurso especial provido”.5

5 In (REsp 1316030/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em


04/08/2016, DJe 17/08/2016).

Sumário 67
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Em contrapartida, se um ente federado for demandado isoladamente, não


tem direito de regresso contra os demais, “caracterizada está a situação de
que qualquer um deles pode ser o responsável pelo cumprimento da obriga-
ção, cabendo à parte escolher contra quem deseja litigar”:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO


AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.RESPONSABILIDADE SOLIDÁ-
RIA DOS ENTES FEDERATIVOS PELO FUNCIONAMENTO DO SIS-
TEMA ÚNICO DE SAÚDE. PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO.
SÚMULA 83 DO STJ. AGRAVO INTERNO DA MUNICIPALIDADE
A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Esta egrégia Corte Superior firmou
entendimento de que a União como os Estados e os Municípios podem,
isoladamente, figurar no polo passivo da demanda, não dispondo, inclusi-
ve, de direito de regresso contra os demais, bem como da faculdade de se
utilizar a figura do chamamento ao processo, caracterizada está a situação
de que qualquer um deles pode ser o responsável pelo cumprimento da
obrigação, cabendo à parte escolher contra quem deseja litigar (AgRg no
AREsp. 350.065/CE, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 24.11.204; AgRg no
REsp. 1.297.893/SE, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 5.8.2013). 2. Agravo
Interno da Municipalidade a que se nega provimento.”6 (AgInt no AREsp
1021950/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEI-
RA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 03/08/2018)”. (grifamos)

Desta forma, no caso pontuado por este estudo, as demandas que se origina-
ram de ações regressivas foram propostas por cidadãos em face do próprio
ente da Administração Pública municipal e estadual, oportunidade na qual o
município prontamente providenciou a aquisição de medicamentos através
de processos licitatórios sem aguardar a remessa dos mesmos pelo sistema de
Gerência Regional de Saúde – GRS conforme normalmente ocorre, conside-
rando a multa a ser aplicada nas decisões judiciais.

Nestas circunstâncias, ao proferir sentença nos processos desta natureza, o


douto Juízo reconheceu a solidariedade entre os entes públicos e julgou pro-
cedente o pedido em desfavor destes, determinando que os entes forneces-
sem ao paciente os medicamentos solicitados.

6 In (REsp 1316030/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em


04/08/2016, DJe 17/08/2016)

Sumário 68
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Havendo, assim, claro litisconsórcio passivo entre os entes federados muni-


cipal e estadual, com sua consequente condenação solidária ao pagamento
do tratamento dispensado ao cidadão, revela-se cabível o direito de regresso
pelo devedor solidário que cumpriu por inteiro e isoladamente a obrigação,
conforme orientação jurisprudencial colacionada.

Neste contexto, resta claro o direito assegurado ao município, ora autor de


uma eventual ação regressiva, de ver-se ressarcido pelos gastos despendidos.
Sem embargo, a obrigação solidária pode ser exigida de qualquer um dos
devedores na sua integralidade. Contudo, em caso de ressarcimento, deve-se
verificar a cota parte cabível a cada um.

Cumpre citar o acórdão abaixo:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPE-


CIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CIRUR-
GIA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. 1. OPERADORA DO PLANO
DE SAÚDE. LEGITIMIDADE E RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. POS-
SIBILIDADE. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS E
HOSPITALARES. SÚMULA 83/STJ. 2. QUINHÃO CABÍVEL AOS DEVE-
DORES. 50%. O CREDOR PODE EFETUAR A COBRANÇA INTEGRAL
EM RELAÇÃO A QUALQUER UM DELES. 3. AGRAVO IMPROVIDO. 1.
No que concerne à legitimidade da agravante para figurar no polo passivo
da demanda, a orientação jurisprudencial desta Corte Superior se firmou no
sentido de que “Se o contrato é fundado na prestação de serviços médicos e
hospitalares próprios e/ou credenciados, no qual a operadora de plano de
saúde mantém hospitais e emprega médicos ou indica um rol de convenia-
dos, não há como afastar sua responsabilidade solidária pela má prestação
do serviço” (REsp 866.371/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma,
Julgado em 27/3/2012, DJe 20/8/2012). 2. No que se refere ao quinhão que
caberia a cada devedor, em se tratando de responsabilidade solidária, mos-
tra-se cabível no percentual de 50% para cada um, ressalvado previsão em
contrato. Ademais, não se mostra imperativa a discussão acerca do grau de
responsabilidade dos co-devedores, na medida em que, na responsabilidade
solidária, todos os devedores respondem cada qual pela sua dívida, tendo o
credor o direito de efetuar a cobrança integral da dívida em relação a qual-
quer um deles, podendo, inclusive, ser apresentado contra o outro ação de
regresso para reaver o valor excedente à cota parte por ele paga. 3. Agra-

Sumário 69
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

vo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1533920/RS, Rel.


Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em
01/12/2016, DJe 12/12/2016)”. (grifamos)

Com efeito, ao se comprovar, com os documentos juntados à citada ação re-


gressiva, evidenciando pagamentos realizados de forma contínua por este
ente público, é certo que somente aqueles gastos comprovados devem ser
objeto de ressarcimento. Assim, se não informado o valor no recibo da entre-
ga, deve ser considerado o custo do medicamento obtido pelo ente devedor
(Estado Federado) para fornecimento em casos similares.

É certo afirmar que, de forma arrazoada, o direito à saúde e à vida se so-


brepõe aos interesses financeiros da Administração e os entraves burocráticos
não podem servir de escusas para o descumprimento das normas constitu-
cionais. Observa-se, outrossim, que o excelso Supremo Tribunal Federal, ao
julgar o RE nº 855.178 (Tema 793) sob o rito de repercussão geral, firmou
precedente vinculante assim ementado:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINIS-


TRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPON-
SABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO
GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deve-
res do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados.
O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente
ou conjuntamente. (STF, RE 855178/RG, Relator: Min. Luiz Fux, julgado
em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL -
MÉRITO DJe-050, Divulg. 13-03-2015, Public. 16-03-2015)”.

E a despeito do julgamento do RE nº 855.178/PE, em repercussão geral,


quando o STF fixou a tese da responsabilidade solidária entre os entes fede-
rados, houve pronunciamento sobre a validade das normas de repartição da
competência entre os gestores, que têm regulamentação e amparo legal e,
portanto, vale na relação entre eles e não perante o administrado.

Ora, a dita responsabilidade solidária consagrada nas ações que pretendem o


fornecimento de medicamentos somente pode ser apurada no âmbito exter-

Sumário 70
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

no, ou seja, na relação entre os entes federados e o particular. No âmbito da


relação entre os entes federados, todavia, deve ser observado o dispositivo na
Lei Federal nº 8.080/1990.

Do cabimento da ação regressiva


A ação regressiva é cabível sempre que, em nome de terceiro, houver o adim-
plemento de dívida ou de dano. Casos em que, em via de regresso, é cabível
o ressarcimento dos valores despendidos.

É certo que, no caso do debate em tela, resta necessário o aprofundamento


da reflexão quanto à possibilidade de se exigir regressivamente do ente fede-
rado, mesmo quando este não se encontrar no polo passivo da ação judicial.

Caso contrário, estaríamos diante de um claro ENRIQUECIMENTO SEM


CAUSA por parte do ente federado uma vez que usufruiu da boa fé do Autor,
assumindo um compromisso na confiança do futuro adimplemento, devendo
ser ressarcido, nos termos do Código Civil:

“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem,
será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos
valores monetários.

Ampla doutrina reforça a importância da censura ao enriquecimento sem


causa, para fins da efetiva preservação da boa fé nas relações jurídicas:

“O repúdio ao enriquecimento indevido estriba-se no princípio maior da


equidade, que não permite o ganho de um, em detrimento de outro, sem
uma causa que o justifique. (...) A tese, hoje, preferida pela doutrina brasi-
leira é a da admissão do princípio genérico de repulsa ao enriquecimento
sem causa indevido. Essa a opinião de que participo.” (RODRIGUES, Sa-
raiva, p.159.)

Assim, caso se configure uma situação fática de tentativas infrutíferas de re-


cebimento dos valores devidos, comprometendo a saúde financeira do ente
federado e sua própria autonomia administrativa. Nestes termos, o dever de

Sumário 71
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

pagamento integral dos valores pretendidos em face do Estado demonstra


ser um fator imperativo, sendo necessário, ainda, garantir o ressarcimento
dos valores devidamente atualizados cumulados com juros de mora.

Conclusão
Conforme o contexto narrado neste estudo, não se pode pôr em dúvida que
a saúde é um direito de todos e dever do Estado, necessitando de um sistema
único de saúde para garantir a sua efetivação de forma equânime e justa a
toda a nação. Todavia, isso não significa que todas as esferas de governo de-
vam desenvolver todo e qualquer tipo de ação relacionada à saúde. O sistema
deve ser descentralizado para, inclusive, evitar ações em duplicidade e para
melhor aproveitar os limitados recursos financeiros.

Infere-se, pois, que a assistência à saúde se dará de forma crescente, confor-


me sua complexidade. Isto acontece porque os repasses de recursos de maior
valor, geralmente, ocorrem na seguinte ordem: União, Estados, Distrito Fe-
deral e Municípios. Assim, ainda que a prestação de serviços de saúde seja de
responsabilidade solidária e inserida no complexo processo de Federalismo
cooperado em que se exige dos entes políticos uma atuação concomitante na
efetivação de direitos fundamentais através da prestação de serviços públicos,
permite que o cidadão possa demandar em desfavor de qualquer um desses
entes, desde que respeitando alguns critérios específicos.

Se um ente federado for demandado isoladamente, não tem direito de re-


gresso contra os demais, mas, se não for, a ação regressiva é cabível sempre
que, em nome de terceiro, houver o adimplemento de dívida ou de dano. As-
sim, casos desta natureza, a via de regresso, se apresentam como alternativa
cabível ao ressarcimento dos valores despendidos.

Havendo, neste contexto, claro litisconsórcio passivo entre os entes federados


municipal e estadual, com sua consequente condenação solidária ao paga-
mento do tratamento dispensado ao cidadão, revela-se cabível o direito de

Sumário 72
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

regresso pelo devedor solidário que cumpriu por inteiro e isoladamente a


obrigação, conforme orientação jurisprudencial.

É certo afirmar que, de forma arrazoada, o direito à saúde e à vida se sobrepõe


aos interesses financeiros da Administração e os entraves burocráticos não po-
dem servir de escusas para o descumprimento das normas constitucionais.

No entanto, ao buscar as vias jurisdicionais para o regresso de valores cus-


teados isoladamente, a municipalidade teria o direito de exigir que os fu-
turos gastos provenientes desta responsabilidade solidária fossem custeados
em caráter liminar pelo Estado Federado, sob pena de perpetuar um injusto
desequilíbrio federativo.

Referência
Dallari, Sueli Gandolfi; Nunes, Vidal Serrano; Direito Sanitário. São Paulo: Editora
Verbatim, 2010;

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral das obrigações. 24 ed. São Paulo:
Saraiva;

Sumário 73
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Questão federativa e as medidas


para enfrentamento da pandemia
da Covid-19
Ricardo de Castro Nascimento1

Introdução
A ampliação do papel do Judiciário na elaboração e execução das políticas
públicas não é um fenômeno isolado brasileiro. Também não se limita à polí-
tica de saúde pública, pois tem abarcado a própria política institucional.

Diariamente assistimos à judicialização da política. As sessões do Supremo


Tribunal Federal (STF) se tornaram mais relevantes do que as sessões do
Congresso Nacional. Sabemos o nome e temos opinião a respeito de cada um
dos ministros. Em outros tempos, era raro alguém que soubesse o nome do
então presidente do STF.

A ampliação do papel do Judiciário ganhou força com o desenvolvimento


do neoconstitucionalismo depois da segunda guerra mundial. A Constituição
deixou de ser uma carta de princípios disciplinadora do poder político e pas-
sou a ter força normativa. O desenvolvimento do controle da constituciona-
lidade centralizado em uma corte constitucional tornou a força normativa da
Constituição presente no dia a dia do cidadão. A partir de então, o que está
escrito na Constituição é para valer e tem que ser cumprido.

1 Doutor em Direito - PUC-SP; Juiz Federal em São Paulo e Professor; Instituto de Direito Público
- IDP-SP; Lattes: http://lattes.cnpq.br/6589638555931926.

Sumário 74
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

No dia seguinte à publicação de uma lei, já temos sua constitucionalidade


questionada perante o Supremo Tribunal Federal. É o terceiro tempo da
política, cujo resultado depende da interpretação sobre a compatibilidade da
norma aprovada no fórum político com a própria Constituição.

A pandemia da Covid-19 surge em meio a este cenário de intensa judicialização


da política. Era previsível que as visões antagônicas de como tratá-la desagua-
riam no Judiciário, seja no juiz da comarca, seja no Supremo Tribunal Federal.

Poderíamos tratar a judicialização das políticas públicas de enfrentamento


à Covid-19 sob várias óticas. Optamos por um enfoque centrado no conflito
federativo decorrente da adoção de medidas de combate à calamidade sani-
tária nas várias esferas de poder. Este é o nosso tema.

Federalismo cooperativo brasileiro


Nosso país adotou o federalismo até no nome. Somos a República Federativa
do Brasil. Trata-se de um dos pilares do nosso estado democrático de direito,
sendo vedada a apreciação de qualquer proposta de emenda constitucional
tendente a abolir a forma federativa de Estado2. Nossa federação tem como ori-
ginalidade a participação também dos municípios expressamente considera-
dos como membros autônomos detentores de esfera independente de poder3.

Não há hierarquia entre os entes federados. Cada um tem autonomia e inde-


pendência para atuar na sua esfera de competência. A estrutura e as competên-
cias legislativas e administrativas estão expressamente consignadas na Consti-
tuição Federal, a quem todos devem obediência. No texto constitucional temos
delineadas as competências administrativas4 e legislativas5 da União, Estados e
Municípios. Os conflitos federativos são resolvidos com base na Constituição
Federal da qual o Supremo Tribunal Federal é o principal guardião.

2 Art. 60, § 4º, I da C. F.


3 Art. 1º da C. F.
4 Artigos 21, 25 e 30, respectivamente, da C. F.
5 Artigos 22, 25 e 30, respectivamente, da C. F.

Sumário 75
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Em face da vinculação à Constituição, os entes federados não exercitam


suas competências em total discricionariedade. Há o dever constitucional
de cooperação entre eles, caso contrário, não haveria razão de ser da pró-
pria federação. É federalismo cooperativo, no qual cada ente exerce au-
tonomamente as respectivas competências de forma coordenada com os
demais entes federativos. Tal obrigação de coordenação fica ressaltada em
situações de crise institucional.

Em ambiente de mútua cooperação, além das competências legislativas e


administrativas de cada esfera de poder, temos a competência administra-
tiva comum da União, Estados e Municípios6 e a competência legislativa
concorrente entre União e Estados7. Em algumas matérias, todos detêm
competência, o que aumenta o risco de conflitos e, por consequência, há
uma maior necessidade de cooperação.

Apesar do dispositivo constitucional referir-se à competência legislativa


concorrente apenas da União e Estados, os Municípios sempre poderão
suplementar a legislação estadual e federal quando houver relevante inte-
resse local8. É constitucionalmente possível que as três esferas da federação
legislem concorrentemente sobre o mesmo tema, cabendo à União editar
normas gerais, aos Estados e Municípios, normas suplementares para aten-
der aos interesses regional e local.

Competência constitucional em matéria de saúde


A competência constitucional desdobra-se em competência administrativa e
legislativa. A primeira estabelece a quem incumbe a execução do serviço pú-
blico. A segunda estabelece as normas abstratas e genéricas que regulam a
prestação de serviço e limitam a atividade dos particulares.

6 Art. 23 da C. F.
7 Art. 23 da C. F.
8 Art. 30, I e II da C. F.

Sumário 76
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Na Constituição de 1998, temos o poder compartilhado da União, Estados


e Municípios para prestar o serviço público de saúde. É um caso típico de
competência administrativa comum. Aqui, importante tornar expresso o dis-
positivo do artigo 23, II da Constituição Federal:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal


e dos Municípios:

(...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas


portadoras de deficiência;

O dever-poder de cuidar da saúde é de todos os membros da federação.


O serviço deve ser prestado por cada ente da federação de forma integrada
e sistematizada. É o Sistema Único de Saúde – SUS, instituído pela Lei nº
8.080/90, uma lei federal de âmbito nacional que inclui as regras de coopera-
ção federativa na prestação coordenada do serviço público.

Cada ente tem sua autonomia, mas todos têm a obrigação constitucional de
atuar coordenadamente. Pode-se afirmar a existência de uma cooperação
e coordenação compulsórias entre os entes federados em matéria de saúde
pública. No melhor exemplo de federalismo cooperativo, a Constituição esta-
belece que “as ações e os serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada
e hierarquizada e constituem um sistema único”9.

No âmbito da respectiva competência, cada ente federado pode expedir atos


concretos, com base na supremacia do interesse público sobre interesse priva-
do, fundamento do poder de polícia, que limite a liberdade e a propriedade
dos indivíduos. Tais atos não precisam ser necessariamente veiculados em lei,
mas são expedidos na forma da lei, ou seja, baseados na lei e na competência
constitucional. Respaldada na Constituição, a lei fixa os parâmetros da atua-
ção da administração pública que se materializa em atos concretos. São estes
atos concretos que limitam a liberdade do indivíduo com base na prevalência
do interesse público maior.

9 Art. 198 da C. F.

Sumário 77
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Adiantando a cadência da exposição, em matéria de saúde pública, podem


os chefes dos Poderes Executivos federal, estadual ou municipal, com funda-
mento na supremacia do interesse público (cuidar da saúde coletiva) sobre o
privado, expedir um decreto estabelecendo uma limitação compulsória à liber-
dade e propriedade do indivíduo. Tal medida deve ter fundamento fático que
a justifique como, por exemplo, uma situação de emergência de saúde pública
e ter os parâmetros estabelecidos na lei e na Constituição.

Diante de uma calamidade sanitária, o Poder Executivo de cada ente fede-


rativo, com base na mesma competência administrativa comum, pode emitir
normas restringindo a liberdade dos indivíduos. A medida deve guardar a de-
vida proporcionalidade entre a situação de fato e o comando normativo. Tal
proporcionalidade evidentemente estará sujeita aos mecanismos de controle,
inclusive o judicial.

Como todos os entes federativos têm a competência administrativa comum,


há sempre o risco de comandos contraditórios frutos da mesma competência
constitucional. Qual deve prevalecer?

A resposta não é simples, nem consensual. Tudo vai depender do conteúdo da


norma e de uma análise constitucional. Algumas hipóteses são de fácil solução.
Assim, por exemplo, o prefeito não pode suspender ou restringir o tráfego na
rodovia estadual ou federal que atravessa o município. Quando se tratar de ati-
vidade vinculada a serviço público federal ou estadual, os limites municipais são
bastante estreitos. Já quanto à limitação do comércio, temos consenso em prol
do exercício da competência municipal diante da prevalência do interesse local.

As medidas restritivas mais polêmicas de combate à pandemia têm vigência


temporal limitada. Nem sempre os grupos de interesse contrários têm tempo
hábil para um questionamento judicial da medida antes do esgotamento de
seus efeitos.

Quanto à competência legislativa, a saúde é matéria da competência legislativa


concorrente. Aqui também se faz necessário a transcrição do artigo 24, XII do
texto constitucional:

Sumário 78
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concor-
rentemente sobre:

(...)

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;

(...)

§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-


se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a


competência suplementar dos Estados.

No exercício da competência legislativa concorrente, a União deve se limitar


a normas gerais, expressão imprecisa, cuja delimitação do seu significado tem
gerado rios de tinta da comunidade jurídica. Mas sem adentrar na comple-
xidade do debate interpretativo, a União poderá estabelecer na lei apenas
regras e princípios gerais, facultando aos estados a promulgação de leis que
complementam ou dão mais concretude às normas gerais federais.

Nos exatos termos do artigo 30, I e II da Constituição, os municípios também


têm competência para suplementar a legislação federal e a estadual no que
couber, atendendo o interesse local. O município tem o poder para emitir
norma que dê maior concretude às normas federais ou estaduais.

Aspectos jurídicos da calamidade pública da covid-19


A pandemia da Covid-19 passou a ser especificamente regulada pelo orde-
namento jurídico nacional com a declaração de situação de emergência de
saúde pública pela Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, que dispôs
“sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus”.

Em seu artigo 3º, a Lei nº 13.979/2020 elencou as medidas que poderiam ser
tomadas, pelas autoridades competentes, para o enfrentamento da emergên-

Sumário 79
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

cia de saúde pública, a saber: a) isolamento10; b) quarentena11; c) determina-


ção de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta
de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas e tratamentos
médicos específicos; d) uso obrigatório de máscaras de proteção individual
(incluída posteriormente pela Lei nº 14.019, de 02 de julho de 2020), e)
estudo ou investigação epidemiológica; f) exumação, necropsia, cremação e
manejo de cadáver; g) restrição excepcional e temporária de locomoção, in-
clusive entrada e saída do País, por rodovias, portos e aeroportos.

No exercício da sua competência legislativa concorrente em matéria de pro-


teção e defesa da saúde, a União, considerando a situação de emergência,
estabeleceu normas gerais, elencando as possíveis medidas a serem adotadas
no combate à pandemia da Covid-19. Por enquanto, tudo de acordo com o
figurino constitucional.

Nos termos da Constituição, caberia ao chefe do executivo de cada ente fede-


rativo, no exercício da sua competência administrativa, adotar uma ou várias
das medidas previstas na lei federal geral. Assim, por exemplo, um prefeito
teria respaldo legal para decretar medida de isolamento no município.

Após a entrada em vigor da Lei nº 13.979/2020, a pandemia ganhou as pro-


porções que conhecemos e os conflitos federativos em relação às medidas
cresceram na mesma proporção. De um lado, o Presidente da República em
uma postura negacionista e contrária à adoção de medidas mais rígidas e do
outro, boa parte dos governadores e prefeitos, seguindo as recomendações
da Organização Mundial da Saúde – OMS, mais favoráveis à adoção de me-
didas de isolamento social.

10 isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte,


mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a pro-
pagação do coronavírus (art. 2º, I da Lei nº 13.979/2020).
11 quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas
que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias
suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronaví-
rus (art. 2º, I da Lei nº 13.979/2020).

Sumário 80
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Pouco mais de um mês de vigência da Lei nº 13.979/2020, mais exatamente no


dia 20 março de 2020, o Presidente da República editou a Medida Provisória
nº 926, alterando e adicionando dispositivos ao texto original da referida lei.

A Medida Provisória nº 926 continha vários dispositivos alterando as regras


gerais do procedimento licitatório para aquisição de bens, serviços e insumos
destinados ao enfrentamento da pandemia. Mas vamos focar em uma alteração
específica no tocante aos limites das medidas a serem adotadas no enfrenta-
mento da pandemia.

Ao introduzir, por meio da medida provisória, os parágrafos 8º e 9º ao art. 3º


da 13.979/2020, o Presidente da República excluiu dos efeitos das medidas os
serviços públicos e as atividades essenciais e reservou para si a fixação de quais
serviços e atividade seriam excepcionados12. Por decreto do Presidente da Re-
pública seria publicada a lista das exceções.

A medida provisória delegou ao chefe do executivo da União a definição, via


decreto, de quais os serviços e atividades que estariam excluídos dos efeitos das
medidas adotadas por Estados e Municípios, especificando, por exemplo, o
conceito aberto de “atividades essenciais”.

O Presidente da República tentou inverter a hierarquia das normas jurídicas,


limitando a competência administrativa constitucional de Estados e Municí-
pios. O seu decreto iria estabelecer os contornos das ações dos governadores e
prefeitos, o que não encontra respaldo na Constituição.

Em um ambiente de intensa judicialização da política, a resposta não iria


esperar muito.

12 Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância mundial decorrente


do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as
seguintes medidas:
(...)
§ 8º As medidas previstas neste artigo, quando adotadas, deverão resguardar o exercício e o funciona-
mento de serviços públicos e atividades essenciais.

§ 9º O Presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades es-
senciais a que se referem o § 8º.

Sumário 81
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Julgamento da ADI 6.341 pelo stf


Em 23 de março de 2020, três dias depois da publicação da Medida Provisó-
ria nº 926, o Partido Democrático Trabalhista – PDT ingressou com a ação
direta de inconstitucionalidade – ADI nº 6.341-DF, questionando justamente
a constitucionalidade das alterações introduzidas pela Medida Provisória que
limitaram a competência de governadores e prefeitos na tomada de medidas
de combate à pandemia, centralizando na figura do Presidente da República
a definição dos serviços públicos e atividades essenciais para efeitos da adoção
de medidas de enfrentamento da pandemia.

É justamente em razão desse processo que o atual Presidente se refere de


forma crítica ao Supremo Tribunal Federal, afirmando que a corte o deixou
de “mãos amarradas” para combater a pandemia que, a partir da decisão,
passou a ser de responsabilidade de governadores e prefeitos.

Os aspectos jurídicos do combate à pandemia da Covid-19 foram objeto de


várias decisões do STF13, mas foi na ADI nº 6.341-DF que o tribunal fixou as
balizas do seu entendimento sobre o conflito federativo envolvendo de um
lado o Presidente da República e do outro, governadores e prefeitos. Todas
as decisões supervenientes derivaram do entendimento ali estabelecido.

Logo no dia seguinte após o ajuizamento da ação, o relator, Ministro Marco


Aurélio, concedeu monocraticamente o pedido liminar deixando explícito
que as alterações introduzidas pela Medida Provisória não poderiam limitar
a competência constitucionalmente assegurada aos Estados e Municípios. As
medidas a serem adotadas pelos governadores e prefeitos continuavam a não
poder ser limitadas pelo Presidente da República.

Em 15 de abril de 2020, em sua primeira sessão por videoconferência, o ple-


no do Supremo Tribunal Federal referendou e explicitou a decisão liminar,
dando uma interpretação conforme a Constituição e esclarecendo que o Pre-
sidente da República poderá dispor, por decreto, sobre os serviços públicos e

13 ADIs nº 6.362, 6387 e 6.625 e ADPFs nº 672, 690, 754 e 709, entre outras.

Sumário 82
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

atividades essenciais, mas deve respeitar as competências asseguradas consti-


tucionalmente aos Estados e Municípios14.

Em síntese, a adoção das medidas legais de enfrentamento da pandemia e


respectiva extensão deve respeitar o pacto federativo e não um decreto presi-
dencial. Governadores e Prefeitos têm o dever-poder de atuarem no combate
à pandemia, adotando, por decreto, medidas de isolamento social que o está-
gio da pandemia exigir no âmbito regional e local, inclusive com parâmetros
mais rígidos daqueles estabelecidos pelos outros entes federados.

Após a decisão, a Medida Provisória nº 926 foi apreciada pelo Congresso


Nacional e convertida na Lei nº 14.035, de 11 de agosto de 2020, mas seus

14 REFERENDO EM MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DA INCONSTITUCIONALIDADE.


DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. EMERGÊNCIA SANITÁRIA INTERNACIO-
NAL. LEI 13.979 DE 2020. COMPETÊNCIA DOS ENTES FEDERADOS PARA LEGISLAR E ADOTAR
MEDIDAS SANITÁRIAS DE COMBATE À EPIDEMIA INTERNACIONAL. HIERARQUIA DO SISTE-
MA ÚNICO DE SAÚDE. COMPETÊNCIA COMUM. MEDIDA CAUTELAR PARCIALMENTE DEFE-
RIDA. 1. A emergência internacional, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, não implica nem
muito menos autoriza a outorga de discricionariedade sem controle ou sem contrapesos típicos do Estado
Democrático de Direito. As regras constitucionais não servem apenas para proteger a liberdade individual,
mas também o exercício da racionalidade coletiva, isto é, da capacidade de coordenar as ações de forma
eficiente. O Estado Democrático de Direito implica o direito de examinar as razões governamentais e o di-
reito de criticá-las. Os agentes públicos agem melhor, mesmo durante emergências, quando são obrigados a
justificar suas ações. 2. O exercício da competência constitucional para as ações na área da saúde deve seguir
parâmetros materiais específicos, a serem observados, por primeiro, pelas autoridades políticas. Como esses
agentes públicos devem sempre justificar suas ações, é à luz delas que o controle a ser exercido pelos demais
poderes tem lugar. 3. O pior erro na formulação das políticas públicas é a omissão, sobretudo para as ações
essenciais exigidas pelo art. 23 da Constituição Federal. É grave que, sob o manto da competência exclusiva
ou privativa, premiem-se as inações do governo federal, impedindo que Estados e Municípios, no âmbito de
suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais. O Estado garantidor dos direi-
tos fundamentais não é apenas a União, mas também os Estados e os Municípios. 4. A diretriz constitucional
da hierarquização, constante do caput do art. 198 não significou hierarquização entre os entes federados,
mas comando único, dentro de cada um deles. 5. É preciso ler as normas que integram a Lei 13.979, de
2020, como decorrendo da competência própria da União para legislar sobre vigilância epidemiológica,
nos termos da Lei Geral do SUS, Lei 8.080, de 1990. O exercício da competência da União em nenhum
momento diminuiu a competência própria dos demais entes da federação na realização de serviços da
saúde, nem poderia, afinal, a diretriz constitucional é a de municipalizar esses serviços. 6. O direito à saúde
é garantido por meio da obrigação dos Estados Partes de adotar medidas necessárias para prevenir e tratar
as doenças epidêmicas e os entes públicos devem aderir às diretrizes da Organização Mundial da Saúde,
não apenas por serem elas obrigatórias nos termos do Artigo 22 da Constituição da Organização Mundial
da Saúde (Decreto 26.042, de 17 de dezembro de 1948), mas sobretudo porque contam com a expertise
necessária para dar plena eficácia ao direito à saúde. 7. Como a finalidade da atuação dos entes federativos
é comum, a solução de conflitos sobre o exercício da competência deve pautar-se pela melhor realização
do direito à saúde, amparada em evidências científicas e nas recomendações da Organização Mundial da
Saúde. 8. Medida cautelar parcialmente concedida para dar interpretação conforme à Constituição ao § 9º
do art. 3º da Lei 13.979, a fim de explicitar que, preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos ter-
mos do inciso I do artigo 198 da Constituição, o Presidente da República poderá dispor, mediante decreto,
sobre os serviços públicos e atividades essenciais. (STF, ADI 6.341-DF, Tribunal Pleno, referendo em medida
cautelar, rel. designado Ministro Edson Fachin, jul. 05/04/2020)

Sumário 83
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

dispositivos devem ser interpretados de acordo com os parâmetros fixados


pelo Supremo Tribunal Federal, que asseguraram a competência constitucio-
nal de Estados e Municípios.

Conclusão
A separação de poderes na democracia representativa moderna passa tam-
bém por uma partilha territorial dos centros de poder. Diante das nossas
dimensões continentais, a adoção do federalismo como forma de estado pos-
sibilita uma maior flexibilidade da ação estatal compatível com as diferenças
regionais. O estado federal é fator fundamental para unidade da nação, per-
mitindo o partilhamento dos espaços de poder por meio de representantes
eleitos em cada esfera autônoma de poder. É na Constituição que encontra-
mos os parâmetros e regras do pacto federativo.

Ao Judiciário cabe zelar pela obediência às regras do jogo preestabelecidas.


Ele não é vocacionado para a elaboração das políticas públicas, mas corrige
seus rumos com base no pacto maior que é a Constituição.

Nos mais de trinta anos de vigência da Constituição Federal de 1988, os em-


bates federativos envolvendo o enfrentamento da pandemia da Covid-19 aci-
ma sinteticamente narrados constituem o melhor e mais didático exemplo de
que vivemos em uma federação e tem gente zelando por ela.

A omissão do poder central não inibe a ação dos demais entes federados,
que têm espaço assegurado pela Constituição para tomar as medidas que
entenderem necessárias. O resultado positivo de medidas adotadas serve de
exemplo a ser seguido pelos demais gestores.

O estado democrático de direito sofre ataques diários no Brasil, o que exige


vigilância permanente. Em momentos de crise, como a que estamos passan-
do, é bom saber que ainda há juízes em Brasília15.

15 A frase “Ainda há juízes em Berlim” refere-se ao conto O Moleiro de Sans-Souci, de François An-
drieux. Na Prússia, em 1745, um moleiro que se recusava a abandonar sua pequena propriedade

Sumário 84
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Nosso país é um exemplo a não ser seguido no enfrentamento da pandemia.


Os números falam por si. Mas certamente a situação seria ainda pior se não
tivéssemos uma Federação e um Judiciário atuantes.

Referências
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 6ª
ed. São Paulo: Atlas, 2013.

DALLARI, Sueli Gandolfi, NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Direito sanitário. São
Paulo: Editora Verbatim, 2010.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 34ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2019.

MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito


constitucional. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 35ª ed. São Paulo: Atlas, 2019.

SERRANO, Mônica de Almeida Magalhães. O Sistema Único de Saúde e suas


diretrizes constitucionais. 2ª ed. São Paulo: Editora Verbatim, 2012.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI


6341. http://portal. stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente= 5880765 (acessado em
30/03/2020).

pretendida pelo rei Frederico 2º. Chamado à presença do monarca para explicar a sua resistência,
teria dito a célebre frase. O moleiro confiava que a Justiça não haveria de distingui-lo do rei. Art. 198
da C. F.

Sumário 85
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Importância da utilização de audiências


sequenciais nos processos de saúde
Carmen Silvia Lima de Arruda1

Resumo
A partir da análise de casos concretos – ações civis públicas
envolvendo Saúde Pública ajuizadas em face dos Municí-
pios, Estados e União, em razão da reconhecida responsa-
bilidade solidária dos entes federativos na garantia à saú-
de da população –, o presente ensaio tem como objetivo
compartilhar a experiência na utilização de audiências se-
quenciais para solução mais célere e acordada nos litígios.
Nessas audiências é possível obter uma clara compreensão
da demanda, assim como a apresentação das reais dificul-
dades enfrentadas pelos gestores, e os limites de compe-
tência dos entes federativos envolvidos. As audiências são
oportunidades para o diálogo claro e transparente entre
as partes, capaz de inspirar a necessária cooperação para
a melhoria do sistema, viabilizando maior efetividade na
entrega do serviço e atendimento da população, especial-

1 PhD em Direito Público - Universidade de Pavia, Doutora pelo Programa de Pós-graduação So-
ciologia e Direito - UFF, Mestre em Justiça Administrativa - UFF, Juris Doctor - University of Miami.
Juíza Federal Titular; 15ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Lattes: http://lattes.cnpq.
br/0314644085422182.

Sumário 86
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

mente no momento da pandemia da Covid-19 em que efe-


tividade representa salvar vidas.

Palavras-chave: Saúde Pública, Casos concretos de deman-


das estruturadas, Audiências sequenciais.

Sumário 87
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Introdução
O sensível aumento do número de ações judiciais envolvendo saúde pública,
fenômeno conhecido como judicialização da saúde, passou a exigir pronta
resposta dos Tribunais. Uma das medidas adotadas foi a especialização de
varas federais, como ocorreu com a 15ª Vara Federal em 2017,2 para casos
envolvendo o direito fundamental à saúde, necessitando ainda da utilização
de novas técnicas para soluções dessas complexas questões, estribadas na ju-
risprudência que foi se consolidando ao longo dos anos.

Um sem número de pedidos individuais para entrega de medicamentos, in-


ternação e tratamento médico exige o exame minucioso das situações fáticas,
desafiando a isonomia e a equidade. Nas ações coletivas, envolvendo direitos
homogêneos, buscam-se soluções para profundas deficiências do serviço pú-
blico prestado à população pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com questões
de difícil solução que chegam à Corte Suprema brasileira (os chamados hard
cases) exigindo o manejo de doutrinas sofisticadas como a ponderação de
princípios e o sopesamento entre o “direito à saúde de um versus direito à
saúde de todos”3 para uma adequada solução.

Neste trabalho, o objetivo é compartilhar a experiência na condução de au-


diências sequenciais, que possibilitam não somente a oitiva das partes en-
volvidas no litígio, mas especialmente o diagnóstico do problema estrutural
existente e o estabelecimento de um programa de reestruturação a ser al-
cançado através da técnica de negociação judicial, buscando garantir maior
efetividade e celeridade às demandas.

2 Resolução nº TRF2-RSP-2017/00006, de 8 de março de 2017. Art. 1º. ALTERAR o art. 26


da Resolução nº TRF2-RSP-2016/00021, de 08/07/2016, disponibilizada no e-DJF2R do dia
13/07/2016, às fls. 8/17, para dar nova redação ao § 2º e incluir os §§ 5º e 6º, nos seguintes termos:
[...] 5º. As 4ª, 15ª, 23ª e 28ª Varas Federais da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro detêm
competência, por concentração, para processar e julgar os feitos que envolvam direito à saúde
pública”. Disponível em: <https://www.jfrj.jus.br/sites/default/files/SAGAB/trf2-rsp-2017-00006.
pdf>. Acesso em: 7 abr. 2021.
3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 657.718 (repercussão geral), Relator: Min. Marco Au-
rélio, Relator p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, julg. 22/05/2019, DJe 09/11/2020. Disponível em:
<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4143144>. Acesso em: 14 abr. 2021.

Sumário 88
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Idealizadas como forma de solução mais célere e acordada, apresentando


alguns casos concretos de ações civis públicas envolvendo saúde pública ajui-
zadas em face da União, Estado e Municípios (legitimados em razão da reco-
nhecida responsabilidade solidária dos entes federativos), as audiências se-
quenciais vem sendo utilizadas para possibilitar a exposição das necessidade
e deficiências, compreender as dificuldades reais enfrentadas pelos gestores
e os limites de atuação dos entes envolvidos, viabilizando o diálogo claro e
transparente entre a sociedade representada e o poder público, como um
espaço capaz de inspirar a necessária cooperação para a melhoria do sistema,
e alcançar uma solução definitiva, de forma consensual.

Especialmente neste delicado momento de enfrentamento de uma crise sa-


nitária de proporções inigualáveis decorrente do estado de emergência na
saúde da pandemia da Covid-19, as audiências sequenciais são fundamentais
para “construir soluções consensuais”, conforme expressa recomendação do
Presidente do Supremo Tribunal Federal em seminário realizado pelo Con-
selho Nacional de Justiça (CNJ) em comemoração ao Dia da Saúde4.

Acreditamos que a realização de audiências sequenciais nas ações coletivas


de saúde pública possa ser utilizada como fórum para debates construtivos,
respeitando a harmonia na atuação dos poderes constituídos, voltados para
a concretização das políticas públicas da saúde e a preservação dos valores da
cidadania e da dignidade da pessoa humana5.

4 Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/fux-defende-medidas-conjuntas-para-garantir-o-direito-a-


saude/>. Acesso em: 7 abr. 2021.
5 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Art. 1º. A República Federativa
do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-
se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a
dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo
político.

Sumário 89
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

A concretização do direito à saúde6


O direito constitucional brasileiro consagra o princípio da inafastabilidade da
jurisdição7, segundo o qual nenhuma lesão ou ameaça a direito estará a salvo
do controle judicial, como uma garantia constitucional para qualquer pessoa
que sofra ou esteja ameaçada de sofrer uma ilegalidade, como derradeiro
recurso contra arbítrios e de garantia dos direitos inerentes à cidadania.

Tratando-se o direito à saúde de um direito social constitucionalmente prote-


gido8, imperioso compreender a orientação do Supremo Tribunal Federal na
definição dos limites da atuação judicial como instrumento necessário à pre-
servação ou restabelecimento de garantias fundamentais afrontadas por atos
arbitrários ou ilegais9. Num contexto de Estado de Direito, como recentemente
salientou o Ministro Luiz Fux, Presidente do Supremo Tribunal Federal:

A prioridade do Poder Judiciário é poder proporcionar condições necessá-


rias para superação da crise sanitária ocasionada pela pandemia. Por isso,
imperioso construir soluções consensuais, fruto de diálogo entre todos os
atores do sistema de Justiça e de saúde, que viabilizem um caminho possível
de contenção de distorções que incidem sobre o legítimo direito do cidadão
de acionar o Judiciário para fazer valer o seu direito à saúde10.

6 Expressão cunhada pelo Ministro Gilmar Mendes em Voto proferido na AG. REG. Na Suspensão
de Liminar 47. p. 7. Disponível em <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC-
&docID=610254> Acesso em 16 de junho de 2021
7 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Art. 5º [...] XXXV - a lei não ex-
cluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
8 Art. 6º e 196 a 200 da Constituição Federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em 10 de abril de 2021.
9 Sobre judicialização da saúde no STF vide https://www10.trf2.jus.br/comite-estadual-de-saude-rj/
judicializacao/stf/> Acesso em 10 de abril de 2021.
10 Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/fux-defende-medidas-conjuntas-para-garantir-o-direito-a-
saude/>. Acesso em: 7 abr. 2021.

Sumário 90
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Judicialização da Saúde

O aumento exponencial dos casos relacionados à saúde levados ao Poder


Judiciário vem sendo motivo de muita atenção e estudos11, mas também de
duras e recorrentes críticas12. Este fenômeno13, na verdade, é um reflexo do
legítimo exercício de cidadania e democracia de uma população carente de
serviços de qualidade capazes de garantir um mínimo existencial14, com uma
resposta às suas necessidades mais básicas.

Privada do gozo de direitos fundamentais à saúde, a judicialização da saúde


decorre do exercício do direito constitucionalmente garantido ao cidadão
de acesso à Justiça, muitas das vezes como último recurso disponível contra
arbitrariedades e ilegalidades perpetradas pelo poder público, especialmente
contra os direitos à saúde dos mais vulneráveis.

Em diversas oportunidades o Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo


o direito dos cidadãos à saúde, como no caso do precedente onde reconheceu
o “dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de

11 Resolução nº 107/2010 Institui o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução


das demandas de assistência à saúde. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/173> acesso
em 10 de abril de 2021.
Para melhor compreensão da judicialização da saúde, sugere-se acessar: Judicialização da Saúde no Bra-
sil: Perfil das demandas, causas e propostas de solução. Instituto Insper – Conselho Nacional de Justiça.
Brasília. 2019. Disponível em <https://www.cnj.jus.br/solucoes-construidas-pelo-cnj-buscam-reduzir-ju-
dicializacao-da-saude/> Acesso em 10 de abril de 2021.
12 Disponível em <https://www.conass.org.br/consensus/judicializacao-na-saude/> acesso em 10 de
abril de 2021.
13 PERRUSO, Marco Antônio. Aspectos sociológicos da litigância e do acesso à justiça. Revista da
SJRJ, Rio de Janeiro, n. 24, p. 241-252, 2009. Disponível em: <https://www.jfrj.jus.br/revista-sjrj/
artigo/aspectos-sociologicos-da-litigancia-e-do-acesso-justica>. Acesso em: 14 abr. 2021.
14 “A CF distinguiu, sem a menor dúvida, entre as prestações de saúde que constituem proteção
do mínimo existencial e das condições necessárias à existência, que deveriam ser gratuitas, e as que
se classificam como direitos sociais e que poderiam ser custeadas por contribuições. De feito, as ativi-
dades preventivas geram o direito ao atendimento integral e gratuito: as campanhas de vacinação, a
erradicação das doenças endêmicas e o combate às epidemias são obrigações básicas do Estado, deles
se beneficiando ricos e pobres independentemente de qualquer pagamento. A medicina curativa e
o atendimento nos hospitais públicos, no entanto, deveriam ser remunerados pelo pagamento das
contribuições ao sistema de seguridade, exceto quando se tratasse de indigentes e pobres, que tem
o direito ao mínimo de saúde sem qualquer contraprestação financeira, posto que se trata de direito
tocado pelos interesses fundamentais.” TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial. Rio de
Janeiro: Editora Renovar. 2009, p.245.

Sumário 91
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo” (Tema
6 do STF)15.

Mais recentemente, em importante precedente, o Supremo Tribunal Federal


firmou o Tema 500 com a tese de que “o Estado não pode ser obrigado a
fornecer medicamentos experimentais”. Todavia, em caso de mora irrazoável
da Anvisa na apreciação do respectivo pedido, excepcionalmente, é possível a
concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, preenchidos os se-
guintes requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no
Brasil; (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências
de regulação no exterior; (iii) a inexistência de substituto terapêutico no Bra-
sil. Nessas ações, envolvendo fornecimento de medicamentos, reconheceu-se
a legitimidade passiva da União Federal e, consequentemente, a competência
da Justiça Federal16.

Sabe-se, todavia, que há um crescente número de ações individuais ajuizadas


que podem acarretar o esgotamento do Poder Judiciário brasileiro, já no li-
mite de sua capacidade de absorção de demandas, gerando mais frustrações
e distorções quanto à sua real vocação para a solução de litígios.

De fato, o Poder Judiciário deve estar atento ao congestionamento artificial


provocado por demandas temerárias que possam potencializar conflitos e in-
viabilizar sua atuação, devendo buscar soluções eficazes e efetivas para gestão
do volume de demandas.

15 “Proponho a seguinte tese para efeito de fixação sob o ângulo da repercussão geral: o reco-
nhecimento do direito individual ao fornecimento, pelo Estado, de medicamento de alto custo, não
incluído em Política Nacional de Medicamentos ou em Programa de Medicamentos de Dispensação
em Caráter Excepcional, depende da comprovação da imprescindibilidade – adequação e necessida-
de –, da impossibilidade de substituição do fármaco e da incapacidade financeira do enfermo e dos
membros da família solidária, respeitadas as disposições sobre alimentos dos artigos 1.694 a 1.710 do
Código Civil”. Recurso Extraordinário 566.471 Rio Grande do Norte. Rel Ministro Marco Aurélio.
Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE566471.pdf Acesso em:
4 jun. 2021.
16 “Proponho a seguinte tese para efeito de fixação sob o ângulo da repercussão geral: o registro
do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa é condição inafastável, visando
concluir pela obrigação do Estado ao fornecimento”. Recurso Extraordinário 657.718 Rel Ministro
Marco Aurélio. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE657718.
pdf. Acesso em: 4 jun. 2021.

Sumário 92
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Não obstante, evidenciada a omissão do poder público na adoção de medidas


necessárias para a preservação da vida e da saúde, como agora se vê no con-
texto da pandemia do Covid-19, o acesso aos tribunais deve ser garantido,
e a judicialização da saúde representa “o legítimo direito do cidadão de acionar o
Judiciário para fazer valer o seu direito à saúde”17.

Deferência e seus limites

Logo após a decretação do estado de emergência em razão da pandemia da


Covid-19, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendou aos juízes a
adoção de uma postura mais deferente à administração de modo a propor-
cionar “estabilidade às ações das autoridades sanitárias”, visando “ao cumpri-
mento do interesse público e da segurança do sistema sanitário, bem como a
efetividade judicial e a celeridade no cumprimento da decisão”18.

A deferência, no entanto, não pode ser uma válvula de escape disponível ao


alvitre do órgão judicante, sempre obrigado a aprofundada e criteriosa aná-
lise do caso concreto. Seu correto emprego é benéfico, podendo colaborar
para o descongestionamento do Poder Judiciário, que deve estar disponível
para bem desempenhar sua missão precípua de solucionar conflitos, notada-
mente aqueles que envolvam o escrutínio de ações ilegais, arbitrárias ou que
atentem contra direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

Em meio às duras críticas e numerosos ataques contra o “ativismo judicial” ou


“judicialização”, o Supremo Tribunal Federal vem delineando as balizas para
a deferência e definindo critérios explícitos para o exercício do controle juris-

17 Ministro Fux, Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, na


abertura do Seminário Digital em Comemoração ao Dia Mundial da Saúde. Disponível em <https://
www.cnj.jus.br/fux-defende-medidas-conjuntas-para-garantir-o-direito-a-saude/> acesso em 4 de junho
de 2021.
18 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução CNJ nº 66/2020. Art. 5º. “Recomendar a to-
dos os juízos com competência sobre o direito à saúde que seja observado o efeito prático da decisão
no contexto de calamidade, com vistas ao cumprimento do interesse público e da segurança do siste-
ma sanitário, bem como a efetividade judicial e a celeridade no cumprimento da decisão”. Disponível
em: <https://atos.cnj.jus.br/files/original181819202010155f88926b6ae41.pdf>. Acesso em: 7 abr. 2021.

Sumário 93
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

dicional, plenamente justificável em hipóteses nas quais faltar razoabilidade ou


houver clara intenção de neutralizar a eficácia dos direitos sociais19.

Neste sentido, vale destacar o trecho de recente decisão proferida por aque-
la Suprema Corte, na qual se consignou que “o controle somente se justifica
nas hipóteses de (i) inobservância do devido processo legal; (ii) exorbitância das
competências do Conselho; e (iii) injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade do
ato impugnado”20, devendo, naturalmente, ser compreendido o devido processo
legal em suas duas vertentes: a substantiva, referente aos direitos e garantias fun-
damentais, e a processual, relativa às garantias da ampla defesa e contraditório21.

Mencione-se que logo que deflagrado o estado de emergência na Saúde decor-


rente da Covid-19, propôs-se uma ação perante o Supremo Tribunal Federal vi-
sando à requisição administrativa de leitos privados, sob alegação de insuficiência
das medidas adotadas pelo Poder Público para conter a pandemia e resguardar
o direito fundamental à saúde. Restou, na ocasião, decidido não caber à Supre-
ma Corte “substituir os administradores públicos dos distintos entes federados na tomada
de medidas de competência privativa destes, até porque não dispõe de instrumentos hábeis

19 “A intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas deve se dar com parcimônia, devendo
ocorrer apenas quando se verificar uma inércia injustificada ou abusiva do Estado, conforme pon-
derações do Min. Celso de Mello no julgamento da ADPF 45/2004: É que, se tais Poderes do Estado
agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a
eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injus-
tificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível
consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna
e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já
enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de
intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja
sido injustamente recusada pelo Estado”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 1.249.356. Relator:
Min. Edson Fachin, julg. 29/05/2020, DJe 03/06/2020. Disponível em: <https://jurisprudencia.stf.jus.
br/pages/search/despacho1106071/false>. Acesso em: 14 abr. 2021).
20 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 34.490, Relator: Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão:
Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, julg. 27/11/2018, DJe 12/04/2019. Disponível em: <https://jurispru-
dencia.stf.jus.br/pages/search/sjur401821/false>. Acesso em: 14 abr. 2021.
Sobre os devido processo legal substantivo e processual: “Nesse ponto, cumpre ressaltar que o duplo
grau de jurisdição integra a cláusula do due process of law, a qual compreende não apenas um conjun-
to de regras de caráter formal e substantivo destinado a assegurar a regularidade do processo judicial,
mas também uma garantia material de que ninguém será arbitrariamente privado de seus direitos e
liberdades. Para que isso se concretize, na prática, é preciso que o sistema legal seja dotado de meca-
nismos que evitem, o mais possível, a ocorrência de erros judiciários, sob pena de transformar-se em
letra morta o princípio do devido processo legal”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 136.644,
Relator: Min. Ricardo Lewandowski, julg. 18/10/2017, DJe 20/10/2017. Disponível em: <https://juris-
prudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho796633/false>. Acesso em: 14 abr. 2021).

Sumário 94
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

para sopesar os distintos desafios que cada um deles enfrenta no combate à Covid-19”. As-
sim, valendo-se dos princípios da separação dos poderes, da deferência adminis-
trativa e da razoabilidade, foi negado seguimento à arguição, resguardando-se a
competência exclusiva das autoridades públicas22.

No entanto, mais recentemente, e diante do agravamento da pandemia a Mi-


nistra Rosa Weber foi categórica ao afirmar, em outra demanda coletiva onde
novamente se pretendia a disponibilização de leitos, que:

“uma vez identificados omissão estatal ou gerenciamento errático em si-


tuação de emergência, como aparentemente ora se apresenta, é viável a
interferência judicial para a concretização do direito social à saúde, cujas
ações e serviços são marcados constitucionalmente pelo acesso igualitário
e universal (CF, arts. 6º e 196)23” (Grifos nossos).

Pode-se então concluir que, uma vez identificado, após a devida instrução
processual, o descumprimento de preceitos fundamentais, o Poder Judi-
ciário estará autorizado a intervir para corrigir omissões e ilegalidades dos
gestores públicos.

Demandas estruturais

Como o nosso Sistema Único de Saúde (SUS) foi concebido com base nos prin-
cípios da universalidade, integralidade, participação social e gestão coordena-
das dos três entes federativos24, muitas ações coletivas relativas à saúde pública

22 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 671, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal
Pleno, julg. 03/04/2020, DJe 07/04/2020. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.as-
p?incidente=5884983>. Acesso em: 14 abr. 2021.
23 ACO 3483 TP/DF - Julgamento em 09/03/2021Disponível em <https://jurisprudencia.stf.jus.br/
pages/search/despacho1178074/false> Acesso em 10 de junho de 2021.
24 Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais;
III - participação da comunidade.
§ 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da
seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

Sumário 95
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

por vezes decorrem de problemas estruturais do sistema, incapaz de respon-


der às necessidades de 70% da população brasileira dele dependente25.

Inicialmente disciplinado pela Lei 8080/199026, e já com mais de 30 anos


de existência, o SUS apresenta graves problemas estruturais, muitas vezes
decorrentes da indevida ou insuficiente alocação de recursos tanto humanos
como materiais e má gestão da informação. Para solucionar problemas relati-
vos à divisão das competências dos entes envolvidos, foi promulgada a Lei nº
12.466/201127, criando as comissões intergestores Bipartite e Tripartite como
foros de negociação e pactuação.

A despeito de contar com parcela significativa de orçamento público28, a ges-


tão da Saúde Pública continua a enfrentar graves dificuldades, problemas es-
truturais que demandam tempo e dedicação para compreender e disposição
para solução. Muitas das vezes os problemas estruturais do SUS vão desaguar
no Poder Judiciário, em ações coletivas, demandando a realização de audiên-
cias sequenciais com regularidade, com todos os entes, de forma a permitir a
compreensão para obter uma solução negociada, que poderá envolver uma
reforma estrutural, ou seja, uma reforma nas bases do Sistema.

Na doutrina, encontramos a definição do que se passou a chamar de proces-


so estrutural, relacionado a “casos em que se discutem questões altamente

§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços


públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:
I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser
inferior a 15% (quinze por cento);
II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere
o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as
parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;
25 ARRUDA, Carmen Silvia Lima de. Transparência, transparência, transparência. In CUNHA, Ale-
xandre, et al, Direito em tempos de Crise – Covid – 19. Vol 1. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2020. p. 380.
26 Lei nº 8.080/1990, Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da Saúde,
a organização e funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível
em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em 2 de junho de 2021.
27 Lei nº 12.466/2011. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/
L12466.htm#art1. Acesso em 2 de junho de 2021.
28 Orçamento da União- 2020: Áreas Finalísticas - Total: R$ 1.816.067.153.058,85<http://www.por-
taltransparencia.gov.br/orcamento>; Orçamento da saúde R$ 187.514.367.435,00 <http://www.portal-
transparencia.gov.br/funcoes/10-saude?ano=2020>

Sumário 96
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

complexas, relativas a direitos fundamentais e em que se busca interferir na


estrutura de entes ou instituições ou em políticas públicas”29. Nestes casos, a
decisão a ser proferida não será uma decisão simples, mas uma “decisão es-
trutural (structural injunction)”, ou seja, “aquela que (busca) implementar uma
reforma estrutural (structural reform) em um ente, organização ou instituição,
com o objetivo de concretizar um direito fundamental, realizar uma determi-
nada política pública ou resolver litígios complexos”30.

Uma característica do processo estrutural salientada por Fredie Didier seria,


em primeiro lugar, a multipolaridade, com a “formação de diversos núcleos
de posições e opiniões”, em que frequentemente está presente a coletividade,
representada em uma ação coletiva31, e a complexidade, por admitir diversas
soluções possíveis32.

Este autor destaca ainda a existência de uma “elevada conflituosidade interna


entre os grupos atingidos e até mesmo dentro do próprio grupo”33, exigindo
flexibilidade intrínseca ao procedimento pelo qual se desenvolve o processo
estrutural – ou seja, não há uma forma única de condução – e, finalmente, “a
consensualidade tem especial importância nesse tipo de processo”34.

Assim, deparando-nos com uma demanda estrutural, o primeiro passo (ou


primeira fase) certamente é identificar o problema estrutural e se, de fato,
este envolve uma desorganização estrutural de direitos fundamentais a exigir
a intervenção reestruturante, e a meta a ser atingida35:

29 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Elementos para
uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil. Revista do Ministério Público do Estado
do Rio de Janeiro, n. 75, jan./mar. 2020, p. 104. Disponível em: <http://www.mprj.mp.br/documen-
ts/20184/1606558/Fredie_Didier_jr_%26_Hermes_Zaneti_Jr_%26_Rafael_Alexandria_de_Oliveira.
pdf>. Acesso em: 4 abr. 2021.
30 Ibidem. p. 103.
31 Ibidem. p. 112.
32 Ibidem. p. 113.
33 Ibidem. p. 114.
34 Ibidem. p. 115.
35 Ibidem. p. 116.

Sumário 97
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

O que marca esse momento processual é que, como quer que seja, a decisão
estrutural não exaure a função jurisdicional. Ela apenas dá início àquela
que, provavelmente, é a fase mais duradoura do processo estrutural, mar-
cada pela participação efetiva do juiz (e, naturalmente, das partes e de ou-
tros sujeitos) para a implementação do novo estado de coisas36.

A segunda fase é definir o tempo, modo e grau de estruturação a serem


implementados e o regime de transição até a solução do problema estrutu-
ral37, que poderá exigir uma série de “decisões em cascata”38 ou seja, decisões
tomadas a partir da verificação do cumprimento de decisões previamente
tomadas, pois diante de problemas estruturais uma única decisão, v. g. uma
sentença condenatória, ou assinatura de um Termo de Acordo, não é sufi-
ciente para dar solução a um problema estrutural.

Uma das principais características da demanda estrutural é a acentuada in-


tervenção judicial na atividade dos sujeitos envolvidos no processo, sejam
eles particulares ou públicos. Isso impõe a necessidade de revisão de diversos
conceitos, como, no caso de decisão que vise a reestruturação de ente público
ou a implementação de política pública, a ideia de insindicabilidade do méri-
to administrativo pelo Judiciário por força da separação dos Poderes39.

Didier destaca a necessidade de avaliação/fiscalização permanente das me-


didas estruturantes para fiscalizar a implementação da reforma projetada40.

São inúmeros os casos de demandas complexas que desafiam o Judiciário


por soluções estruturais. Destaca-se importante precedente do Supremo Tri-

36 Ibidem. p. 117.
37 Ibidem. p. 118.
38 Para Sergio Arenhart as decisões em cascata caracterizam-se pela “prolação de uma primeira decisão,
que se limitará a fixar em linhas gerais as diretrizes para a proteção do direito a ser tutelado, criando o
núcleo da posição jurisdicional sobre o problema a ele levado. Após essa primeira decisão – normalmente,
mais genérica, abrangente e quase ‘principiológica’, no sentido de que terá como principal função estabe-
lecer a ‘primeira impressão’ sobre as necessidades da tutela jurisdicional – outras decisões serão exigidas,
para a solução de problemas e questões pontuais, surgidas na implementação da “decisão-núcleo”, ou para
a especificação de alguma prática devida. ARENHART, Sérgio Cruz In Decisões estruturais no direito processual civil
brasileiro”. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2013, ano 38, vol. 225, p. 400.”
39 Ibidem. p. 119.
40 Ibidem. p. 121.

Sumário 98
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

bunal Federal em caso envolvendo o Estado do Rio de Janeiro, visando a


redução da letalidade policial e ao controle de violações de direitos humanos
pelas forças de segurança fluminenses. Ante o reconhecimento de omissão es-
trutural do poder público na adoção de medidas para redução da letalidade
policial41, o Ministro Relator determinou uma série de providências a serem
adotadas pelo Estado do Rio de Janeiro, no prazo de 90 dias, especialmente
elaborar um plano visando a redução da letalidade policial e controle de
violações de direitos humanos, e orientação de seus agentes de segurança e
profissionais de saúde42.

Destaque-se a preocupação do Ministro Relator em submeter o referido Pla-


no à ampla discussão entre as partes, antes de sua homologação:

Entendo ainda que o referido plano deverá ser submetido a audiência


pública a ser posteriormente aprazada, oportunidade na qual será subme-
tido à discussão pelas partes deste processo, pelos órgãos públicos envol-
vidos, setores da sociedade civil e vítimas da violação de direitos, devendo
essas considerações ser incorporadas e justificadas no documento final que
deverá ser apresentado a esta Corte para fins de homologação43.

Audiências sequenciais em casos concretos


De forma a assegurar a ampla discussão e participação social44 em casos com-
plexos envolvendo a coletividade, o Supremo Tribunal Federal passou a ado-
tar a técnica de realização de audiências públicas para instrução de processos
judiciais como forma de garantir o diálogo com a população, como na ins-
trução da ADI nº 3.510/2008, em que se discutia a possibilidade de pesquisas
científicas com células-tronco embrionárias:

41 18/08/2020. ADPF 635 MC/RJ Disponível em <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/


sjur433905/false> acesso em 10 de abril de 2021.
42 Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754168293>
Acesso em 10 de abril de 2021.
43 ADPF 635/MC/RJ Inteiro teor do Acórdão p. 185.
44 ARRUDA, Carmen Silvia Lima de. O princípio da transparência. São Paulo: Quartier Latin, 2020.
p. 209.

Sumário 99
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Convencido de que a matéria centralmente versada nesta ação direta de in-


constitucionalidade é de tal relevância social que passa a dizer respeito a toda a
humanidade, determinei a realização de audiência pública, esse notável me-
canismo constitucional de democracia direta ou participativa45. (grifo nosso)

Em caso envolvendo a interrupção da gestação do feto anencefálico (ADPF nº


54/DF), o Ministro Relator determinou a realização de audiência pública46. Em
outro caso, onde foi requerida suspensão de liminar para melhoria de atendi-
mento hospitalar em sede de ação civil pública, diante do reconhecimento da
existência de “questões complexas” foi determinada a realização de “Audiência
Pública para oitiva de especialistas em matéria de Saúde Pública, especialmen-
te os gestores públicos, os membros da magistratura, do Ministério Público,
da defensoria Pública, da Advocacia da União, Estados e Municípios, além de
acadêmicos e de entidades e organismos da sociedade civil”47.

Acredita-se que a riqueza das contribuições das audiências públicas, permi-


tindo ampla participação dos envolvidos, aliada ao reconhecimento da im-
portância da utilização das técnicas alternativas de composição de litígio,
como a mediação e negociação, vem inspirando a designação de audiências
de conciliação e mediação nas demandas coletivas, viabilizando o diálogo e
visando a solução negociada da demanda.

Por ocasião do estado de emergência decorrente da pandemia do coronaví-


rus, em ação proposta pelos Estados do Maranhão, de São Paulo, da Bahia,
do Piauí e do Rio Grande do Sul em face da União Federal sobre habilitação
de novos leitos de UTI para o enfrentamento da Covid-19 junto ao Ministé-
rio da Saúde, a Ministra Rosa Weber, após deferir a tutela de urgência, deter-
minou que as partes se manifestassem sobre interesse de:

45 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3.510, Relator: Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julg.
29/05/2008. DJe 28/05/2010. p. 145. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=AC&docID=611723. Acesso em: 14 abr. 2021.
46 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 54, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julg.
12/04/2012, DJe 30/04/2013. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id-
=136389880&ext=.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2021.
47 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. SL 47 AgR, Relator: Min. Gilmar Mendes (Presidente), Tri-
bunal Pleno, julg. 17/03/2010, DJe 30/04/2010. p. 22. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/pagina-
dorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610254>. Acesso em: 14 abr. 2021.

Sumário 100
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

“composição amigável do litígio, ou para a designação de audiência de con-


ciliação/mediação perante esta Suprema Corte, nos termos do artigo do 334
CPC/2015. Enfatiza-se a imprescindibilidade do diálogo e da cooperação
institucionais para a solução dos conflitos que envolvem as unidades fede-
rativas (artigo 102, I, f, da CF), sobre os quais a atuação coercitiva do Poder
Judiciário deve ser sempre supletiva e parcimoniosa”48.

A seguir, apresentaremos dois casos concretos envolvendo questões estrutu-


rais no sistema de saúde. Tratam-se de ações civis públicas propostas pelo Mi-
nistério Público e Defensoria Pública Federais, em curso na 15a Vara Federal
do Rio de Janeiro, nos quais a técnica de realização de audiências sequenciais
foi utilizada no primeiro grau de jurisdição.

Ação da Radioterapia

Em 2014, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Estado do Rio de


Janeiro e a Defensoria Pública da União propuseram ação civil pública contra a
União, o Estado do Rio de Janeiro e o município do Rio de Janeiro objetivando
compelir os réus a adotarem medidas que assegurassem a ampliação dos serviços
de radioterapia no município do Rio de Janeiro, em quantitativo suficiente para
suprir a demanda, procedendo-se ao atendimento dos pacientes com diagnósti-
co de neoplasia maligna no prazo máximo de 60 dias, conforme previsto na Lei
nº 12.732/1249. Os autores alegavam ausência de ações de planejamento, gestão e
execução de serviços em oncologia para estruturar a rede de atenção à saúde em
oncologia e implementar a regulação do seu acesso, apesar da vigência da Lei nº
12.732/12, e que a escassez de serviços de radioterapia no município do Rio de
Janeiro seria um dos “principais nós críticos na atenção oncológica”.

Apesar de tentativas extrajudiciais de solução do problema, inclusive com


participação e reconhecimento da necessidade pelo Tribunal de Contas da

48 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ACO3483deciso.pdf>.


Acesso em: 14 abr. 2021.
49 Ação Civil Pública 0006744-51.2014.4.02.5101. 15ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Disponível
em: <https://eproc.jfrj.jus.br/eproc/controlador.php?acao=arvore_documento_listar&txtNumProcesso-
=00067445120144025101&hash=c6c629d9546ecb00ecc401566c6d5673>. Acesso em: 14 abr. 2021.

Sumário 101
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

União, alegava-se a omissão dos réus na implementação de medidas eficazes


para a solução do problema, em violação à dignidade da pessoa humana, ao
direito fundamental à saúde e à vida.

Foi designada uma primeira audiência, em que as partes se comprometeram


a elaborar um cadastro/lista e promover a inserção das vagas de radioterapia
ofertadas no sistema de regulação do município. Além disso, pactuaram a ela-
boração de um plano de ação para reduzir a zero o quantitativo de pacientes
na lista de espera.

Concordaram também as partes em adotar as medidas necessárias para con-


tratação de serviços complementares e alocação de equipamentos para am-
pliação dos serviços de radioterapia. Para a introdução dessas medidas, foi
acordado prazo de até 60 dias. No entanto, decorrido o prazo assinalado, os
compromissos assumidos não foram cumpridos.

Constatou-se, neste ponto, tratar-se de demanda estrutural, que exigiria a


elaboração de planos para ampliação do parque de radioterapia, com investi-
mentos em novas máquinas ao longo de muitos anos, o que exigiria a realiza-
ção de sucessivas audiências para acompanhamento das etapas e controle das
providências adotadas por cada um dos entes envolvidos.

Seguindo as fases sugeridas por Didier, no primeiro passo, o problema estru-


tural estava identificado: a deficiência no serviço de radioterapia, que acarre-
tava uma fila desorganizada de mais de 500 pacientes sem atendimento, su-
jeitos ao agravamento do quadro clínico para morte. Esse quadro exigia uma
intervenção judicial que não se limitasse a uma decisão típica, mas consistisse
em uma participação efetiva do juiz para implantação de uma nova estrutura
de radioterapia no Rio de Janeiro.

A segunda fase, envolvendo o tempo, modo e grau de estruturação a ser im-


plementada e o regime de transição até a solução do problema estrutural, de
fato exigiu uma série de “decisões em cascata”.

Foram identificados, ainda, os fatores da multipolaridade, na medida em que


a ação envolvia os três entes da federação. Foram chamados também a parti-

Sumário 102
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

cipar das audiências os prestadores de serviço de radioterapia, tanto públicos


como privados.

No curso do processo, foram realizadas 35 audiências sequenciais, envolven-


do as partes e prestadores de serviço de radioterapia, para apurar as dificul-
dades enfrentadas para regularização do serviço de radioterapia no Estado
do Rio de Janeiro.

Foi regularizada a fila de espera para atendimento, passando a ser dispo-


nibilizada a lista de todos os pacientes cadastrados50, conforme sistema de
Regulação da Secretaria de Estado de Saúde, SER (Sistema Estadual de Re-
gulação)51, com esclarecimentos quanto à data de atendimento e prioridades
para garantir transparência.

Foram também realizadas audiências para acompanhamento do cronograma


de instalação de novas máquinas adquiridas pelo Hospital Estadual Pedro
Ernesto e pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), onde foram feitas ins-
peções judiciais em 19/12/2019 e 09/01/2020.

Em abril de 2020, o Ministério da Saúde expediu a Portaria nº 877, de 20 de


abril de 2020, criando Força Tarefa no âmbito do Programa de Expansão de
Radioterapia do SUS (PER-SUS) com a finalidade de identificar e atuar sobre
os pontos críticos que interferem na execução dos projetos de implantação
de equipamentos de radioterapia, de forma a viabilizar a execução do PER-
SUS no Estado do Rio de Janeiro. O programa prevê colocação de 9 novos
equipamentos de radioterapia no Estado do Rio de Janeiro52, mas só se tem
notícia da instalação de uma das máquinas no INCA.53

50 Disponível em https://smsrio.org/transparencia_ses/#/sespendencias Acesso em 10 de abril de


2021.
51 Disponível em <https://www.saude.rj.gov.br/regulacao/complexo-regulador-estadual/regula-
cao-no-estado-e-municipio> Acesso em 10 de abril de 2021.
52 Ação Civil Pública 0006744-51.2014.4.02.5101. 15ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Vide evento
1427. Portaria n° 877 de 20 de abril de 2020. Cria Força Tarefa no âmbito do PER-SUS para viabilizar a
execução dos projetos de implantação dos equipamentos de radioterapia no Estado do Rio de Janeiro.
Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-877-de-20-de-abril-de-2020-254002980>.
Acesso em: 14 abr. 2021.
53 Disponível em <https://bandnewsfmrio.com.br/editorias-detalhes/instituto-nacional-de-can-
cer-recebe-novo-equi> Acesso em 10 de abril de 2021.

Sumário 103
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Decorrido o prazo estipulado na referida Portaria, foi designada nova au-


diência para 20/06/2020, na Superintendência de Saúde do Estado do Rio de
Janeiro, em que esteve presente o então Ministro da Saúde, General Eduar-
do Pazuello54, que se comprometeu a iniciar a execução dos termos acorda-
dos na Portaria. Foi noticiada a retomada das obras do campus integrado do
INCA, para colocação de novo parque de radioterapia55. Todavia, diante de
problemas técnicos de engenharia, o planejamento não se concretizou.

Como bem destaca o Ministério Público Federal

“De fato, com tais determinações estruturantes, logrou-se a unificação e


qualificação da fila de acesso de TODOS os pacientes do Município e do
Estado do Rio de Janeiro aos Serviços de Radioterapia existentes no territó-
rio, dentro do sistema informatizado de regulação - SER, pactuada em CIB
e com adoção de protocolos únicos de regulação e a transparência da fila
de pacientes, a permitir ainda acompanhamento da mesma por parte dos
pacientes e dos órgãos de fiscalização”56

Com o advento da pandemia, percebeu-se a diminuição da procura pelos


serviços de radioterapia, concentrando-se os esforços nos serviços de aten-

54 Ação Civil Pública 0006744-51.2014.4.02.5101. 15ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Vide evento
1563.
55 Disponível em <https://www.inca.gov.br/noticias/obras-do-campus-do-inca-serao-retomadas> Aces-
so em 10 de abril de 2021.
56 Prossegue o Parecer do MPF com esclarecimentos: “ A unificação da fila e a instituição da re-
gulação unificada de acesso de todos os pacientes que necessitam de radioterapia (indexado pelo
nome do paciente, pelo tempo de espera e gravidade do quadro), no Estado do Rio de Janeiro, aos
serviços de radioterapia, com a hierarquização dos casos de acordo com a gravidade do quadro clí-
nico de cada um e a indicação nominal, foi de extrema importância para otimizar e obter o melhor
aproveitamento de todas as consultas de 1ª vez para planejamento em radioterapia dos Serviços de
Radioterapia existentes no território, de forma a garantir o atendimento do paciente mais oportuno
possível de acordo com a gravidade da sua doença e com o prazo previsto em lei.

Ademais, a transparência da lista/fila de pacientes com solicitação pendente para agendamento da


1ª consulta para planejamento em radioterapia e o efetivo controle pelos gestores da entrada em
máquina dos pacientes com início das sessões de radioterapia no Serviço de Radioterapia, por meio
do sistema informatizado SER, foram medidas determinadas por esse d. Juízo que também se mos-
traram fundamentais para o acompanhamento do tempo de espera para o agendamento da 1ª con-
sulta para planejamento do tratamento e para o controle da data do efetivo início das sessões, em
cumprimento à Lei nº 12.732/2012.

Parecer MPF – Evento 1858 processo 0006744-51.2014.4.02.5101 Disponível em<https://


eproc.jfrj.jus.br/eproc/controlador.php?acao=arvore_documento_listar&txtNumProcesso-
=00067445120144025101&hash=791e458a2995062ca60d0acbd8764c4b> Acesso em 16 de junho de 2021.

Sumário 104
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

dimento de leitos para Covid-19. Não obstante, após um ano do início da


pandemia, no mês de março de 2021, o serviço de radioterapia voltou a apre-
sentar elevado número de pacientes aguardando atendimento. O MPF insis-
te na condenação dos entes na implantação do plano de ação que importe
em ampliação do quantitativo do Serviço de Radioterapia no Rio de Janeiro,
estando o feito pendente de julgamento.

Ação dos leitos Covid nos hospitais federais do Rio de Janeiro

Após decretado o estado de emergência da Covid-19, em 20.03.2020, a De-


fensoria Pública da União e o Ministério Público Federal propuseram ação ci-
vil pública contra a União, Estado e Município do Rio de Janeiro, a Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Fundação para o Desenvolvimento Científico e
Tecnológico em Saúde (Fiotec), visando a adoção de medidas para o enfren-
tamento da pandemia de Covid-1957. Alegava-se a ausência de insumos, me-
dicamentos e equipamentos de proteção individual (EPI’s) aos profissionais
da saúde da rede federal para enfrentamento do coronavírus, além de “ur-
gência de se proceder a ações efetivas para conter os danos gerados pelo atual quadro de
saúde pública, o qual vem se agravando de forma anunciada há tempos, sem qualquer
providência efetiva por parte do Poder Público”.

O Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro – COREN/RJ reque-


reu o seu ingresso no feito como amicus curiae. O Ministério Público Federal,
por sua vez, em conjunto com a Defensoria Pública da União, solicitou sua
admissão como litisconsorte ativo.

Foram realizadas mais de dez audiências no curso da ação, todas por video-
conferências, em razão das medidas de distanciamento social que acarreta-
ram o fechamento das dependências da Justiça Federal. Participaram as par-
tes, e seus responsáveis técnicos, para oportunizar aos réus a apresentação
de planos de enfrentamento à pandemia atualizados, que incluíssem uma

57 Ação Civil Pública 5017491-62.2020.4.02.5101. 15ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

Sumário 105
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

análise prospectiva e uma proposta de atuação a curto e médio prazos, escla-


recendo, em especial, as medidas voltadas à ampliação do fornecimento de
leitos para atendimento da população.

Neste caso, igualmente, pode-se perceber o preenchimento das fases deli-


neadas por Didier: a primeira fase de identificação do problema estrutural e
conhecimento da desorganização estrutural envolvendo direitos fundamen-
tais (a exigir a intervenção reestruturante) e a meta a ser atingida; a segunda
fase referente ao tempo, modo e grau de estruturação a ser implementado e
o regime de transição até a solução da questão estrutural58, com as “decisões
em cascata”, de forma a resolver os problemas decorrentes da efetivação das
decisões anteriores.

Igualmente presentes os elementos identificadores do processo estrutural,


a saber, a multipolaridade caracterizada por diversos núcleos de posições e
opiniões, a presença da coletividade e a complexidade, por admitir diversas
soluções possíveis.

Inicialmente foram realizadas audiências objetivando esclarecimentos quan-


to aos planos de contingência elaborados para enfrentamento da Covid-19,
assim como maior transparência nas ações adotadas, especialmente quanto à
disponibilização de leitos dos Hospitais Federais para atendimento de pacien-
tes de Covid-19, leitos bloqueados e indisponíveis sem justificativa.

Foi determinado que a devida justificativa dos bloqueios e indisponibilidades


passe a constar expressamente dos painéis de leitos da Regulação da Secreta-
ria Municipal de Saúde, o que foi objeto de verificação por auditoria e inspe-
ções judiciais designadas.

Diante do crescente número de pessoas em fila para atendimento, foram


proferidas decisões visando a regularização de pessoal e consequente dispo-
nibilização dos leitos na rede federal para atender à demanda de novas inter-
nações e suprimir a deficiência de pessoal efetivo. Como consequência, em

58 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 118.

Sumário 106
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

maio de 2020 foi assinada a Medida Provisória 974/20 autorizando a prorro-


gação dos contratos de trabalho de 3.592 profissionais temporários de saúde
que atuam nos seis Hospitais Federais59, posteriormente transformada em
Lei 14.072/2060, possibilitando a reabertura dos leitos nos Hospitais Federais
do Rio de Janeiro.

Deve-se mencionar, por oportuno, caso bastante semelhante em curso pe-


rante o Supremo Tribunal Federal, em que foi proferida decisão concessiva
de tutela provisória pela Ministra Rosa Weber, já referendada pelo Tribunal
Pleno, assim ementada:

Ação Cível Originária. Direito social à saúde (CF, arts. 6º e 196). Pandemia
do novo Coronavírus. COVID-19. Comprovação, por meio de estudos téc-
nicos qualificados, do recrudescimento da crise de saúde pública no Brasil.
Aumento do número de Estados em zona de alerta crítico (mais de 80%
dos leitos de UTI ocupados). Inércia da União Federal no desempenho da
função institucional de exercer a coordenação nacional do enfrentamento
ao estado de emergência de saúde pública. Comportamento omissivo da
União Federal em face da obrigação de prover auxílio técnico e financeiro
aos entes subnacionais na execução e formulação de políticas sanitárias.
Injustificada redução de custeio dos leitos de UTI nos Estados-membros.
Limites à discricionariedade administrativa na concretização de políticas
constitucionais de saúde pública. Presença dos requisitos do art. 300 do
CPC. Probabilidade de direito evidenciada. Risco de dano caracterizado:
não há nada mais urgente do que o desejo de viver. Tutela provisória de
urgência deferida61 (Grifos nossos).

Neste importante precedente, a Ministra Relatora, além de determinar


providências à União Federal quanto aos pedidos de habilitação de novos
leitos de UTI, possibilitou a realização de audiência de conciliação/media-
ção perante esta Suprema Corte, nos termos do artigo do 334 CPC/2015,

59 Disponível em https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/142171.
Acesso em 4 de junho de 2020.
60 Lei 14.072 de 14 de outubro de 2020. Disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2020/
lei-14072-14-outubro-2020-790726-norma-pl.html Acesso em 4 de junho de 2021.
61 ACO 3483 TP/DF - Julgamento em 09/03/2021Disponível em <https://jurisprudencia.stf.jus.br/
pages/search/despacho1178074/false> Acesso em 10 de junho de 2021.

Sumário 107
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

destacando a importância do diálogo e da cooperação institucionais para


a solução dos conflitos que envolvem as unidades federativas (artigo 102,
I, f, da CF).

Conclusão
“Não há nada mais urgente do que o direito de viver”62, vaticinou a Ministra Rosa
Weber, ao deferir a tutela provisória de urgência, reconhecendo o dever da
União de prover os entes subnacionais na execução e formulação de políti-
cas sanitárias, diante da injustificada redução de custeio dos leitos de UTI
nos Estados-membros63.

A judicialização da saúde é uma conquista da cidadania, uma garantia de


controle especialmente diante de hipóteses de inobservância do devido pro-
cesso legal, de exorbitância das competências dos órgãos da administração,
de injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade, flagrante ilegalidade ou
desvio de finalidade na conduta da administração. Cabe ao Poder Judiciário
estabelecer os limites para a judicialização temerária e prejudicial à qualida-
de da função jurisdicional através da autocontenção e deferência.

Diante da demonstração de problemas estruturais que possam acarretar


graves ofensas a direitos fundamentais, especialmente à saúde, como nos
dois casos concretos acima examinados, o Judiciário deve agir na garantia
dos direitos fundamentais dos cidadãos que, em última análise, representa
a garantia do direito à vida. Tanto no caso de ausência de tratamento de

62 Medida Cautelar na Ação Civil Originária 3.478. Min Rosa Weber. Disponível em: http://www.stf.
jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ACO3478.pdf Acesso em 4 de junho de 2021.
63 Medida Cautelar na Ação Civil Originária 3.478. Ação Cível Originária. Direito social à saúde
(CF, arts. 6o e 196). Pandemia do novo Coronavírus. COVID-19. Dever da União de prover os entes
subnacionais na execução e formulação de políticas sanitárias. Injustificada redução de custeio dos
leitos de UTI nos Estados-membros. Limites à discricionariedade administrativa na concretização de
políticas constitucionais de saúde pública. Presença dos requisitos do art. 300 do CPC. Probabilidade de
direito evidenciada. Risco de dano caracterizado: não há nada mais urgente do que o desejo de viver. Tutela
provisória de urgência deferida. Min Rosa Weber. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/
noticiaNoticiaStf/anexo/ACO3478.pdf Acesso em 4 de junho de 2021.

Sumário 108
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

radioterapia no tempo previsto em lei, como na ausência de leitos para


internação de pacientes acometidos do vírus Covid-10, a omissão do poder
público pode agravar o quadro clínico do paciente, levando à morte.

A realização de audiências sequenciais é fundamental para bem compreen-


der os contornos dos litígios e as necessidades das partes, abrindo espaço
para diálogo, cooperação institucional e negociação capaz de viabilizar a
construção de soluções consensuais em demandas complexas que visem a
melhorar a estrutura do sistema, bem como a fiscalização e controle das
ações concretas do Poder Executivo.

Referências
ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões estruturais no direito processual civil
brasileiro. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2013, ano 38, vol. 225, p. 400

ARRUDA, Carmen Silvia Lima de. O princípio da transparência. São Paulo:


Quartier Latin, 2020.

______, Transparência, transparência, transparência. In CUNHA, Alexandre, et al,


Direito em tempos de Crise – Covid – 19. Vol I. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2020.

______. Harmonia entre os Poderes: judicialização, autocontenção e deferência. In


CUNHA, Alexandre, et al, Direito em tempos de Crise – Covid – 19. Vol III. São
Paulo: Ed. Quartier Latin, 2020.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução CNJ nº 66/2020. Disponível em:


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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 657.718 (repercussão geral), Relator:


Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, julg. 22/05/2019,
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Sumário 109
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

______. Supremo Tribunal Federal. RE 1.249.356. Relator: Min. Edson Fachin, julg.
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p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, julg. 27/11/2018, DJe 12/04/2019.
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______. Supremo Tribunal Federal. ADI 4.874, Relatora: Min. Rosa Weber, Tribunal
Pleno, julg. 01/02/2018, DJe 01/02/2019. Disponível em: <https://jurisprudencia.stf.
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Pleno, julg. 29/05/2008. DJe 28/05/2010. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/
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DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de.
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Sumário 110
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Judicialização da Saúde no Brasil: Perfil das demandas causas e propostas de solução.


Instituo Insper – Conselho Nacional de Justiça. Brasília. 2019. Disponível em <https://
www.cnj.jus.br/solucoes-construidas-pelo-cnj-buscam-reduzir-judicializacao-da-saude/>
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PERRUSO, Marco Antônio. Aspectos sociológicos da litigância e do acesso à justiça.


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Resources Defense Council, Inc., 467 U.S. 837 (1984). Disponível em: <http://www.
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Sumário 111
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Alternativas para o sistema de justiça


promover e proteger bens sanitários de
forma igualitária no SUS
Iara Maria Pinheiro de Albuquerque1

Resumo
O presente artigo aponta que o crônico subfinanciamento
do SUS desde a sua criação é a principal causa de sua deses-
truturação atual, na medida em que impediu a consolida-
ção paulatina do projeto de saúde pública universal ideali-
zado pelo movimento de Reforma Sanitária Brasileira. Da
mesma forma, é igualmente a principal causa indutora da
judicialização da saúde e este fenômeno tem causado difi-
culdades nas políticas do SUS. Assim o é, em razão de os
tribunais estarem trilhando o caminho da maximização da
tutela judicial individual em detrimento da tutela coletiva,
bem como por desconsiderarem as normas legais regentes
das políticas públicas sanitárias. Diante disso, as sentenças
judiciais criam privilégios no acesso ao SUS, produzindo
profundas desigualdades entre usuários e abalando as fi-

1 Graduada em Direito - UFRN; Membro do Ministério Público do Estado do RN; Promotora de


Justiça de Defesa da Saúde Pública e membro da Associação Nacional do Ministério Público de Defesa
da Saúde - AMPASA; Ministério Público do Estado do RN.

Sumário 112
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

nanças do sistema de saúde pública. Dessa forma, ousamos


sugerir uma mudança de rota na judicialização da saúde,
onde a função judicante priorizará a tramitação de ações
coletivas sanitárias em varas especializadas em matéria de
saúde pública, modelo que assegurará amplo espaço de
atuação dialética para protagonismo de diversos atores
institucionais no processo judicial, especialmente os secre-
tários de saúde, de modo que o Poder Judiciário terá o
condão de ajustar sua atuação institucional em consonân-
cia com os objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil, passando a prolatar decisões judiciais redutoras
das extremas desigualdades sociais brasileiras, à medida
que for conferindo efetividade às políticas públicas sanitá-
rias do SUS.

Palavras-chave: Efetividade do Direito à Saúde, Subfinan-


ciamento do SUS, Desigualdades Sociais, Judicialização da
Saúde, Micro-justiça e Macro-justiça, Controle Judicial de
Políticas Públicas, Ações Judiciais Coletivas, Justiça Social,
Conciliação e Mediação Judicial, Processo Estrutural.

Sumário 113
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

A grande ameaça ao SUS: o seu subfinanciamento


A Constituição Federal de 1988 elencou o direito à saúde como direito fun-
damental social, de caráter universal e igualitário, além de ter constitucio-
nalizado a política pública de saúde, desenhada como uma rede de serviços
públicos e privados de relevância pública, com primazia das ações preventi-
vas e de promoção e proteção da saúde, sem descurar da garantia do acesso
aos serviços assistenciais de atenção integral à saúde, tornando o SUS um dos
sistemas públicos de saúde mais inclusivos do mundo.

Entrementes, nada obstante a importância estratégica do SUS para o desen-


volvimento da sociedade brasileira, desde sua criação o mesmo vem sendo
subfinanciado e essa grave insuficiência de recursos financeiros para sua ope-
racionalização traduz-se no maior obstáculo à universalização com qualidade
das políticas públicas sanitárias.

Com efeito, no Brasil, o percentual do PIB aplicado em saúde alcança 8,9%2;


todavia, apenas 3,8% equivale ao gasto público, que é suportado em conjunto
pela União, Estados e Municípios. Assim, esse único dado por si só já informa
uma distorção grave no âmbito da política pública sanitária no Brasil, haja
vista o SUS ser muito maior e mais abrangente do que o sistema de saúde
privado em nosso país.

Comparando-se países que possuem sistemas públicos universais3, o Brasil é


o único com mais de 100 milhões de habitantes e ainda assim é o que possui
um dos menores gastos públicos em saúde, correspondente a 42,8% do gasto
total em saúde; enquanto que na Espanha o percentual do gasto público em
saúde alcança 71,0% do gasto total; na França esse percentual chega a 78,9%
e na Itália é de 74,9%.

O Brasil também ocupa baixas colocações no ranking entre países latino-ame-


ricanos quando se compara o gasto per capita público anual em saúde4, já que

2 MENDES, Eugênio Vilaça. Desafios do SUS, Brasília: CONASS, 2019, p. 372.


3 MENDES, Eugênio Vilaça. Op. Cit. p. 372/375.
4 MENDES, Eugênio Vilaça. Op.Cit. p. 374/375.

Sumário 114
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

aplicamos tão somente US$ 594,90, enquanto que a Argentina emprega US$
992,60, a Costa Rica assegura US$ 977,30 e, por sua vez, o Uruguai aplica
US$ 1.220,20.

Nesse cenário de baixo gasto público em saúde, é crucial registrar que a


União – ente que recolhe majoritariamente as principais fontes de receitas
para o financiamento do SUS5 - vem paulatinamente diminuindo sua par-
ticipação contributiva, favorecendo decisivamente para o subfinanciamento
crônico do sistema de saúde e levando estados e municípios a aumentarem
suas participações.

Dessa maneira, entre os anos de 2000 a 2014 o aporte financeiro da União no


gasto público em saúde caiu de uma participação no patamar de 58,6% para
42,4%; enquanto que estados e municípios juntos aumentaram suas participa-
ções, quando saíram de um patamar de aplicação de 41,4% e atingiram 57,4%6.

Com a publicação da EC 29/00 surgiram os percentuais derivados de base de


cálculo de impostos, de aplicação obrigatória para os três entes federativos:
Municípios 15%; Estados 12% e para a União o valor empenhado no ano
anterior acrescido da variação anual do PIB. À vista disso, inaugurou-se um
período de estabilidade do gasto público em saúde.

Ainda assim, com a ausência da regulamentação legal complementar da EC


29/00 em tempo oportuno, que somente veio a lume 12 anos depois, através
da edição da Lei Complementar nº 141/2012, foram lançados na incerteza
jurídica aspectos importantes previstos na norma constitucional, como a defi-
nição do raio de abrangência do conceito de ações e serviços de saúde e, por
consequência, perdeu-se qualidade e racionalidade no gasto em saúde.

A edição dessa Lei Federal ainda representou o fracasso do movimento po-


pular saúde +10, resultante de interessante atuação da sociedade brasilei-
ra, com manifestações nas ruas exigindo melhores serviços de saúde no ano

5 ALVES, Sandra Maria Campos; DELDUQUE, Maria Célia; NETO, Nicolao Dino (Orgs.). Direito
Sanitário em Perspectiva, Brasília: Fiocruz e ESMPU, Volume II, 2013, p. 96.
6 MENDES, Eugênio Vilaça. Op. Cit. p. 385.

Sumário 115
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

de 2013. Contudo, as articulações do Ministério da Economia junto à Casa


Legislativa Federal viabilizaram a edição da EC 86/2015, que alterou a vin-
culação das receitas da União em saúde para percentual de 10% da Receita
Corrente Líquida, resultando em menos recursos para o SUS7.

Na sequência, de forma abrupta e drástica, foi aprovada a Emenda Constitu-


cional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, também conhecida como emenda
do congelamento dos gastos públicos, instituindo um Novo Regime Fiscal.
De acordo com esse novo regime, foi fixado um limite de gastos no âmbito
dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, com vigência pelos
próximos 20 (vinte) anos.

Desse modo, no setor sanitário, a partir do exercício financeiro de 2018, a


União passou a utilizar como limite o orçamento disponível para os gastos
com saúde em 2017, acrescido, tão somente, da inflação daquele ano. Na
prática o valor da aplicação mínima de recursos em ações e serviços de saúde
está estagnado desde 2017, a despeito do crescimento e o envelhecimento na-
tural da população brasileira e o consequente aumento dos agravos e doenças
crônicas.

Inquestionavelmente cuida-se de uma medida que representa as pregações


da corrente defensora da austeridade fiscal, próprias do neoliberalismo. Em
nosso entendimento, a EC 95/2016 está em visível colisão com os objetivos
fundamentais da República do Brasil, plasmados no artigo 3º da CF, já que o
resultado desse meteórico arrocho fiscal nas políticas públicas da área social
será catastrófico para as classes sociais mais vulneráveis, como evidenciam as
enormes perdas de recursos financeiros para o SUS.

Desta feita, conclui-se facilmente que o custeio das políticas públicas sanitárias
está incompatível com a proteção constitucional do direito à saúde, que foi
encartado no rol de direitos fundamentais sociais (artigo 6º, CF) e recebeu a
distinção de serviços de relevância pública no texto magno (artigo 197, CF).

7 http://portal.stf.jus.br. ADI 5595, Relator Min Ricardo Lewandowski, STF.

Sumário 116
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Dessarte, em que pese a ampliação do acesso, o desenvolvimento de progra-


mas exitosos e a gigantesca produção de serviços assistenciais, o subfinan-
ciamento crônico do SUS faz com que a realidade do dia a dia de operacio-
nalização das políticas sanitárias seja deficitária em várias frentes de ações e
serviços públicos de saúde (ASPS), levando a uma intensa busca pelo acesso
aos bens sanitários por meio do Poder Judiciário, resultando no fenômeno
conhecido como judicialização da saúde.

Porém, antes de desvendarmos as implicações para o SUS decorrentes da


atuação do Poder Judiciário, impende-se explicar o papel do Poder Executi-
vo na formulação e execução das políticas públicas sanitárias.

Papel do poder executivo no campo da saúde

(a) Artigo 196, da Constituição Federal

Pela dicção do artigo 196, caput, da CF, “a saúde é direito de todos e dever do Esta-
do, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação”.

A acepção de Estado no texto do referido dispositivo constitucional está apli-


cada em sentido amplo, abrangendo União, Estados e Municípios, na medida
em que, pela dicção do artigo 23, II, da CF, os três entes públicos são respon-
sáveis solidariamente por cuidar da saúde dos brasileiros. Este dispositivo é
dirigido aos Poderes Legislativo e Executivo, poderes políticos responsáveis,
no exercício de suas missões constitucionais, pelas atividades estatais legife-
rante e administrativa, respectivamente; esta última marcada pela formula-
ção e execução das políticas públicas.

Pela simples leitura da norma constitucional se infere que o direito à saúde


não é alcançado apenas por meio de políticas públicas sanitárias, necessita

Sumário 117
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

igualmente de programas econômicos e sociais a serem desenvolvidos pelos


poderes políticos para minimizar o risco de doença e de outros agravos, ga-
rantidos através de investimentos públicos que enfrentem os condicionantes
e determinantes em saúde, como a pobreza, moradia, saneamento básico,
meio ambiente e outros8.

As políticas públicas são programas estatais que instrumentalizam as presta-


ções materiais necessárias ao gozo e usufruto dos direitos sociais; o que refor-
ça a centralidade da função executiva na promoção de referidos direitos, es-
pecialmente em sua dimensão coletiva, quando são ofertados universalmente
através da estruturação de serviços públicos que, por sua vez, dependem de
expressivos recursos financeiros.

Os investimentos públicos para implementação de políticas públicas são asse-


gurados por meio das ferramentas do planejamento estatal: o Plano Pluria-
nual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual que
espelham as escolhas alocativas de recursos feitas pelos Poderes Legislativo e
Executivo, considerando que seus agentes são eleitos pelo voto direto, estan-
do democraticamente legitimados a fazerem as escolhas trágicas em cenários
de escassez de recursos, “de modo que algumas pessoas serão atendidas e outras não,
com base em critérios políticos”9.

Assim sendo, o SUS foi desenhado no texto constitucional como um conjun-


to de diversas políticas públicas sanitárias, voltadas para ações preventivas e
assistenciais à saúde, delineadas para atenderem as necessidades de saúde de
uma população gigantesca, com condições socioeconômicas muito distintas,
dependendo, portanto, de um orçamento à altura do gigantismo do sistema
público de saúde e de uma qualificada execução do planejamento estatal, por
meio do fiel cumprimento das leis orçamentárias.

8 CARVALHO, Guido Ivan; SANTOS, Lenir. Sistema Único de Saúde: Comentários à Lei Orgânica
da Saúde.4ªed.rev e atual. Campinas: Editora da Unicamp, 2006. pág.32.
9 OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos Fundamentais Sociais: Efetividade Frente a Reserva do
Possível. 1ªed. Curitiba: Juruá, 2012, p. 296.

Sumário 118
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Dessa forma, a organização normativa infraconstitucional do SUS é com-


posta por um conjunto amplo e diversificado de normas legais de variadas
hierarquias.

(b) As Normas Infraconstitucionais que Regulamentam o SUS

A legislação complementar ao texto constitucional é formada por duas Leis


Federais: Lei 8080/90 e a Lei 8142/90. A primeira trata (a) da organização, da
direção e da gestão do SUS; (b) das competências e atribuições das três esfe-
ras de governo; (c) do funcionamento e da participação complementar dos
serviços privados de assistência à saúde; (d) da política de recursos humanos;
(e) dos recursos financeiros, da gestão financeira, do planejamento e do or-
çamento; a segunda dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do
Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais
de recursos financeiros na área de saúde.

No ano de 2011 foram editados dois atos normativos de suma importância


para a organização legal do SUS: trata-se da Lei nº 12.401 e do Decreto Fede-
ral nº 7.508 que, respectivamente, alterou a Lei nº 8.080, para dispor sobre a
assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do
Sistema Único de Saúde – SUS e, com muito atraso, o segundo regulamentou
a Lei nº 8.080, para dispor sobre a organização do SUS, o planejamento da
saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa.

As diretrizes legais previstas nas leis orgânicas da saúde foram sendo concreti-
zadas por inúmeras portarias editadas pelo Ministério da Saúde no exercício
de seu papel normatizador nacional das políticas públicas de saúde, consti-
tuindo-se em atos normativos infralegais que dão concretude ao disciplina-
mento constitucional e legal do SUS.

Com efeito, as portarias emanadas do Ministério Saúde são emitidas para


atenderem ao interesse público sanitário, já que visam disciplinar a operacio-
nalização de ações e serviços de saúde de acesso universal e igualitário. Além
disso, são também normas possuidoras de indistinto traçado democrático,

Sumário 119
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

haja vista serem previamente aprovadas pelos Conselhos de Saúde, organis-


mos de participação popular inseridos nas três instâncias do SUS, que atuam
de forma integrada com os gestores sanitários.

Assim, toda essa ampla legislação constitucional, legal e infralegal confere


organicidade sistêmica ao SUS. Tal conformação jurídico-legal deve ser de
observância cogente por parte do Poder Judiciário no exercício de sua fun-
ção judicante quando da apreciação de ações que buscam acesso aos bens
sanitários públicos.

Nada obstante isso, a judicialização da saúde vem demonstrando que os tri-


bunais julgam as ações sanitárias contra o poder público quase que exclusiva-
mente embasando-se nas normas constitucionais, especialmente com amparo
no artigo 196 da CF que, como vimos, se volta para garantir a implementação
de políticas públicas sociais e econômicas e não para assegurar diretamente
direitos individuais sociais, levando a uma judicialização disfuncional do di-
reito à saúde.

Papel do poder judiciário no campo da saúde


O direito fundamental de ação encontra guarida no texto constitucional por
meio do disposto no art. 5º, XXXV, segundo o qual “a lei não excluirá da apre-
ciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Mediante esta norma plasmou-se no ordenamento jurídico brasileiro o prin-


cípio da inafastabilidade da jurisdição, pelo qual o Poder Judiciário deve
analisar toda e qualquer ameaça ou lesão a direito trazida à sua apreciação,
inclusive aquelas decorrentes do cometimento de excessos ou omissões na
execução das funções estatais a cargo dos dois poderes políticos, Legislativo
e Executivo.

Com efeito, o Poder Judiciário é o guardião da Constituição, na medida em


que o Estado brasileiro se constitui em um Estado Democrático de Direito,
nos termos do artigo 1º, § único da Constituição Federal.

Sumário 120
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

A intervenção do Poder Judiciário no âmbito das políticas públicas é decor-


rente dessa lógica jurídica constitucional, que autoriza o controle judicial dos
poderes políticos, uma vez que “as políticas públicas são diretrizes de interesse
público que informam programas de ação governamental segundo objetivos a serem
alcançados e que, para esse fim, condicionam a conduta dos agentes estatais”10.

À vista disso, o surgimento, o desenvolvimento e a ampliação da judicialização


da saúde encontra respaldo no princípio da inafastabilidade da jurisdição,
que rege a atividade judicante. Mas a garantia de acesso ao Poder Judiciário
vem sendo traduzida quase como sinônimo de deferimento do pedido do
litigante individual, como demonstraremos a seguir, analisando mais detida-
mente o fenômeno da judicialização da saúde pública em nosso país.

Modelo vigente de judicialização das demandas de saúde

(a) Seu Surgimento

A proliferação da judicialização das demandas de saúde iniciou-se na segunda


metade da década de 90, com o ajuizamento de demandas em busca de aces-
so a medicamentos, com ênfase aos medicamentos para tratamento da AIDS.
Diversas demandas em vários estados da federação com julgamento favorável
aos pedidos pressionaram o Poder Executivo a implementar uma política pú-
blica sanitária à altura dos danos advindos com a epidemia da AIDS no Brasil,
obtendo resultados muito interessantes para o fortalecimento da assistência
aos portadores do vírus e àqueles que já tinham desenvolvido a doença, com a
estruturação no âmbito do SUS de uma política de atenção específica.

A criação do Programa Nacional de IST Aids e Hepatites Virais remonta à


publicação da Portaria GM/MS nº 236, de 2 de maio de 1986, que criou o

10 FERRARESI. Eurico. A Responsabilidade do Ministério Público no Controle das Políticas Públicas.


In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coords.). O Controle Jurisdicional de Políticas
Públicas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 491.

Sumário 121
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Programa de Controle da SIDA ou AIDS, hoje, Departamento de IST, Aids


e Hepatites Virais, bem como à Lei Federal n° 9.313, de 13 de novembro de
1996, que dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portado-
res do HIV e doentes de AIDS.

O programa de vigilância, prevenção e controle do HIV/AIDS brasileiro foi


premiado internacionalmente. “Se essa política não tivesse sido adotada, o Brasil
teria 18 milhões de brasileiros infectados, ao invés dos 860 mil que existem atualmente”,
como destacou Eugênio Vilaça Mendes11. Todavia, este início alvissareiro de
judicialização tornou-se um exemplo isolado.

(b) Sua Ampliação

As demandas judiciais se disseminaram e se diversificaram enormemente quan-


to aos pedidos, de medicamentos básicos a leitos de UTI, de entrega de fraldas
a tratamentos no exterior, pois o Poder Judiciário, órgão central do Sistema de
Justiça, mantém-se primordialmente provendo os pleitos individuais com ên-
fase na prolação de liminares, tornando célere o acesso ao bem sanitário para
aqueles que conseguem ingressar com uma demanda judicial. Ademais, as de-
cisões são fundamentadas com primazia na norma constitucional do artigo 196
da CF, ignorando quase por completo as normas legais e infralegais regentes
das políticas sanitárias do SUS e sem ofertar um espaço adequado para defesa
dos entes públicos gestores da política pública de saúde.

A enxurrada de ações judiciais sanitárias é resultado do entendimento prefe-


rencial dos juízes de que a escassez de recursos financeiros e a não previsão do
bem sanitário na política pública delineada pelo Poder Executivo não são ra-
zões suficientes para ensejar o indeferimento do pedido individual. Essa com-
preensão trata o direito à saúde como direito que independe da análise de seu
impacto nas finanças e na própria estruturação administrativa do SUS.

11 MENDES, Eugênio Vilaça. op. cit. p. 85.

Sumário 122
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Os números são significativos. Segundo o estudo “Judicialização da Saúde no


Brasil: perfil das demandas, causas e propostas de solução”12, elaborado pelo
INSPER a pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre os anos de
2009 a 2017, o número anual de ações relativas à saúde em primeira instância
triplicou. Destaca que somente no ano de 2017 cerca de 95.700 (noventa e
cinco e mil e setecentas) novas ações foram propostas com o escopo de obter
acesso à saúde. Segundo o Instituto, nesse mesmo período (2009 a 2017), na
segunda instância, as lides envolvendo saúde cresceram cerca de 85% e, apenas
em 2017, foram 40.660 (quarenta mil, seiscentos e sessenta) novos processos.

O mesmo estudo apontou que “em 2016, o gasto com demandas judiciais na saú-
de consumiu R$ 1,3 bilhão do orçamento do Ministério da Saúde. A lista com os dez
medicamentos mais caros é responsável por 90% desse valor. O dinheiro está saindo de
outros programas da saúde e de outros segmentos do orçamento federal, embora haja
pouca clareza e avaliação sobre os impactos mais gerais desse fenômeno”13.

(c) Críticas à Maximização da Tutela Sanitária Individual: Violações a


Princípios Constitucionais

Sem embargo da importância de considerar que a principal causa da judicia-


lização excessiva é a não concretização do direito universal à saúde, confor-
me previsão na Constituição Federal de 1988 e na Lei Federal nº 8080/90,
em razão do subfinanciamento do SUS; como também reconhecermos que
esse amplo acesso à Justiça é uma importante ação afirmativa de cidadania
em nosso país, impende-se apontar que as tutelas judiciais individuais criam
privilégios dentro do SUS e põem em risco a continuidade da atividade ad-
ministrativa sanitária.

Diversas distorções surgiram por dentro do SUS decorrentes dessa forma


de entrega da atividade judiciante, situadas fortemente na constatação de

12 https://www.insper.edu.br/conhecimento/direito/judicializacao-da-saude-dispara-e-ja-custa-r-13-
bi-a-uniao
13 https://www.insper.edu.br/conhecimento/direito/judicializacao-da-saude-dispara-e-ja-custa-r-13-
bi-a-uniao

Sumário 123
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

que significativa parte das ações individuais propostas busca e consegue: (1)
prestação de serviços de alto custo fora dos protocolos do SUS; quando não
intentam (2) acesso a tratamentos que sequer foram regulamentados pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) ou mesmo (3) busca tra-
tamentos que, apesar de registrados, serão usados com finalidade diversa à
recomendada pela agência reguladora (off-label).

Assim sendo, referidas decisões judiciais que alteram as listas oficiais de fárma-
cos e de ações e serviços públicos de saúde violam os princípios constitucionais
da igualdade, da separação de poderes e do planejamento estatal.

Concretamente, as decisões judiciais em processos individuais que alteram as


listas oficiais de bens sanitários do SUS atingem o princípio da igualdade, em
razão da impossibilidade de estender os efeitos das sentenças prolatadas nos
processos judiciais aos demais usuários que igualmente teriam direito àquela
ação de saúde, uma vez que o bem sanitário não pode ser universalizado,
como regra, em razão da insuficiência de recursos financeiros para tanto.
Esse quadro cria privilégios de atendimento no âmbito do SUS, descaracte-
rizando abusivamente sua finalidade assistencial igualitária, que não aceita
critérios desproporcionais de diferenciação entre seus usuários.

Noutro giro, violam também o princípio da separação de poderes ao causarem


uma invasão inconstitucional nas funções legislativa e administrativa estatais,
por claramente desconsiderarem o disciplinamento legal de incorporação de
tecnologias no SUS, afrontando diretamente o disposto nos artigos 19-P e 19-T
da Lei Federal nº 8080/90 e nas Portarias GM/MS nº 3.047/2019 e PRT nº
1/2017 que disciplinam, respectivamente, a Relação Nacional de Medicamen-
tos - RENAME e a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde – RENASES.

E, por fim, as violações ao princípio constitucional do planejamento estatal


atingem a estruturação administrativa e financeira do SUS, pois, via de re-
gra, as decisões judiciais desorganizam as peças orçamentárias sanitárias. Ao
fazerem isso, reduzem a capacidade de as políticas do SUS proverem ações
de saúde de forma universal e igualitária, o que causa um estrago na promo-

Sumário 124
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

ção coletiva dos direitos sanitários que, pelo seu elevado custo econômico e
complexidade de efetivação em largo espectro, dependem de concretização
planejada e progressiva ao longo do tempo.

Portanto, um bom planejamento estatal está intrinsecamente ligado às ativi-


dades dos poderes políticos na formulação e execução das políticas públicas
e traduz a resposta constitucional em consonância com o compromisso com
justiça social declarado na Constituição Federal, em seu artigo 3º e incisos, na
medida em que busca a promoção em larga escala dos direitos fundamentais
sociais, constituindo-se em um limite legítimo à atuação do Poder Judiciário14
quando da apreciação de demandas atreladas ao direito à saúde.

Apesar disso, é possível o Poder Judiciário redirecionar sua atividade judicante


para promover a macro-justiça sanitária, de modo a alcançar a raiz dos proble-
mas no acesso aos serviços públicos de saúde que afetam negativamente a vida
de inúmeros brasileiros, especialmente os mais vulneráveis economicamente.

A macro-justiça: alternativas para o poder judiciário


promover e proteger bens sanitários de forma igualitária
no SUS
Os direitos sociais foram constitucionalmente atrelados à implementação de
políticas públicas sociais e econômicas. Nesse sentido, sua positivação no or-
denamento jurídico brasileiro tem a missão essencial de reduzir as desigual-
dades sociais15, que são históricas e profundas no Brasil. Exatamente por isso
que diversas políticas públicas foram constitucionalizadas, merecendo espe-
cial ênfase a política pública de saúde, única na Constituição que recebeu a
caracterização de relevância pública, conforme letra do artigo 197 da CF.

14 “Esse controle judicial deverá, em qualquer hipótese, considerar as previsões orçamentárias com sendo parte do
planejamento da atividade estatal e respeitá-las sempre que não violarem frontalmente o ordenamento jurídico. JA-
COB. César Augusto Alckim. A reserva do possível: Obrigação de previsão orçamentária e de aplicação
da verba, in GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coords.). Op. Cit., p. 278.
15 GEORGE, Rafael; MAIA, Kátia (Coord.). A Distância que Nos Une: Um Retrato das Desigualdades
Sociais Brasileiras. www.oxfambrasil.org.br. Oxfam Brasil, setembro, 2017.

Sumário 125
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Assim, em respeito ao compromisso constitucional com justiça social, as ações


judiciais coletivas deveriam passar a ser o meio processual mais idôneo para
garantir efetividade aos direitos fundamentais sociossanitários por meio do
Poder Judiciário, uma vez que buscam tutelar toda uma coletividade e suas
necessidades de saúde, protegendo o direito à saúde como política pública,
sendo somente indiretamente considerados os direitos individuais sanitários
dela decorrentes.

A tutela judicial coletiva ordinária do direito à saúde deve ser aquela cujo
objeto vise dirimir violações a direitos sanitários decorrentes da omissão do
Poder Executivo quando da não implementação das políticas públicas sanitá-
rias já delineadas legalmente. Em processos dessa natureza, a tutela judicial
respeitará os limites constitucionais de atuação dos poderes políticos, além
de produzir sentenças judiciais que beneficiarão de forma igualitária um nú-
mero indistinto de pessoas com necessidades em saúde, ao mesmo tempo em
que protegerá e fortalecerá o SUS e suas fontes de financiamento.

Doutra banda, manejando-se o meio processual coletivo, ainda reconhece-


mos legitimidade de intervenção do Poder Judiciário que vise alterar parcial
ou totalmente a política pública sanitária, considerando que no bojo de um
processo coletivo a instrução probatória e o exercício do contraditório e da
ampla defesa são dilatados e assegura-se espaço adequado de defesa para o
poder público. Mesmo assim, enxergamos essa intervenção como excepcional
em razão do princípio constitucional da separação dos poderes, impondo-se
autocontenção na atuação dos órgãos legitimados para ajuizamento de ações
coletivas com esse escopo.

Em ambas as vertentes de atuação coletiva ficam preservados os princípios da


igualdade, do planejamento estatal e da separação dos poderes.

O Ministério Público brasileiro deve se pautar majoritariamente por essa li-


nha de atuação, com arrimo nos fundamentos constitucionais lançados nos
artigos 127, caput e 129, II da CF. O Plano Nacional de Atuação Ministerial
em Saúde Pública, instituído pelo Conselho Nacional de Procuradores Gerais

Sumário 126
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

do Ministério Público dos Estados e da União – CNPG, está em consonância


com essa diretriz constitucional, ao estabelecer que a tutela ministerial da
saúde pública deve “contribuir, especialmente, para a concretização do direito à
saúde na sua dimensão social”.

Nessa linha de entendimento, destaca-se que o instrumento central de atua-


ção coletiva sanitária no âmbito do Ministério Público é a Promotoria de Jus-
tiça de Defesa da Saúde Pública. A atuação nesse ofício ministerial permite ao
Promotor de Justiça adquirir sólidos conhecimentos acerca da fase de formu-
lação das políticas públicas sanitárias e das dificuldades surgidas na fase de
implementação delas; bem como permite ao membro do Parquet conhecer
os grandiosos resultados produzidos no seio da sociedade brasileira com a
entrega coletiva dos bens sanitários previstos nas políticas públicas do SUS.

Por isso, advogamos pela criação de varas especializadas em matéria de saú-


de pública na primeira instância de todos os tribunais brasileiros.

(a) Criação de Varas Especializadas em Matéria de Saúde Pública


com Prioridade na Tramitação de Ações Coletivas que Visem a
Implementação da Política Sanitária Prevista nas Normas do SUS

Como meio de amenizar os impactos da judicialização da saúde no SUS em


razão da enxurrada de ações em tramitação nas Cortes brasileiras, a partir dos
debates ocorridos na Audiência Pública nº 04, promovida pelo STF, no ano
de 2009, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ tem implementado diversas
medidas em busca da racionalização das demandas judiciais que versam sobre
o direito à saúde.

Diretamente decorrente da mencionada Audiência Pública no STF, deu-se a


edição da Recomendação nº 31/2010 pelo CNJ, recomendando aos tribunais
“a adoção de medidas visando melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do
direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolven-
do a assistência à saúde”; na mesma linha e no mesmo ano foi criado o Fórum

Sumário 127
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Nacional do Judiciário para Monitoramento e Resolução das Demandas de


Assistência à Saúde – Fórum da Saúde, mediante a Resolução nº 107-CNJ.

No ano de 2016, por meio da Resolução nº 238-CNJ, foram criados os Co-


mitês Estaduais de Saúde e a previsão de criação de varas especializadas em
matéria de saúde pública nos tribunais, comarcas e seções judiciárias em que
há mais de uma vara de Fazenda Pública, conforme art. 3º dessa norma.
Nada obstante isso, a partir de levantamento feito nas leis de organização
judiciária dos 27 Tribunais de Justiça de todo o país, através de consulta em
seus respectivos sites institucionais, observou-se que apenas 11 Tribunais ins-
tituíram varas especializadas em saúde, quais sejam: Ceará com 2 varas; Ba-
hia, 2 varas; Minas Gerais, 1 vara; Amapá, 2 varas; Roraima, 2 varas; Acre, 1
vara; Tocantins, 1 vara; Distrito Federal, 1 vara; Goiás, 2 varas; Mato Grosso,
1 vara; Paraná, 1 vara.

Com efeito, o cumprimento em todo o território nacional dos termos da Reso-


lução nº 238/2016 do CNJ ampliará a produção de sentenças com efeito estru-
turante tendo como alvo do litígio o Sistema de Saúde por meio do processo
estrutural16. Esta é a via mais adequada para o Poder Judiciário compreender
o SUS em toda sua extensão e complexidade próprias a uma rede gigantesca
de ações e serviços de saúde, permeada por questões de ordem econômica, so-
ciossanitária e técnico-científica e não apenas o vislumbrar por entre pequenas
frestas quando da apreciação dos casos judicializados individualmente.

Desta feita, urge que o Poder Judiciário amplie o número de Varas especia-
lizadas em matéria de saúde pública, instituindo-as em todos os 27 tribunais
estaduais, alcançando também os tribunais federais.

Ademais, deveria assegurar por meio desses ofícios judiciais a tramitação


prioritária de ações coletivas que visem o controle da omissão do Poder Exe-

16 BARROS, Marcus Aurélio de Freitas; FERREIRA, Iago Oliveira. Um Novo Paradigma Para o Con-
trole das Políticas Públicas Prestacionais – Tutela Estrutural em Foco. 1ªed. Curitiba: Brazil Publishing,
2020, p. 163: “O processo coletivo estrutural coloca o litígio coletivo no centro do debate político, de forma a que se
passe a, continuadamente, adotar amplas e sólidas medidas de reestruturação da entidade responsável pela violação,
resolvendo o problema prospectivamente, até que se chegue à efetiva reorganização da entidade e, por conseguinte,
à solução do problema estrutural e afirmação, na prática, do direito transindividual”.

Sumário 128
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

cutivo na implementação de políticas públicas sanitárias já delineadas legal-


mente, ofertando locus estratégico para a defesa do SUS e de suas políticas
sanitárias democráticas e igualitárias, redutoras de desigualdades sociais, em
observância ao exato cumprimento do objetivo principal visado pela prote-
ção constitucional do direito à saúde na CF/88.

Com a instituição de primazia para julgamentos baseados na insuficiência ou


deficiência das políticas públicas sanitárias, suas causas e possibilidades de
melhorias no âmbito do sistema público de saúde, efetivar-se-á verdadeira
transformação social pela via do processo judicial, com a abertura de cami-
nhos de intervenção para serem sanados diversos gargalos do SUS, inclusive
o seu subfinanciamento, conferindo-se benefícios igualitários em prol de um
universo amplo e indistinto de usuários.

Outrossim, ainda beneficiar-se-á indiretamente toda a sociedade brasileira,


com a progressiva redução das desigualdades socioeconômicas entre classes
sociais, em razão da garantia do acesso com qualidade de mais pessoas aos
bens sanitários.

(b) Impulsionamento dos Processos Judiciais Coletivos Baseado na


Conciliação e Cumprimento Gradual das Obrigações Sanitárias

Considerando que é consenso que políticas públicas só conseguem ser imple-


mentadas ao longo do tempo, dado seu elevado custo econômico e complexi-
dade de efetivação de forma universal, o fomento à política de conciliação no
âmago do Poder Judiciário institui um novo horizonte para o julgamento dos
chamados litígios complexos, pois “é fundamental que seja estabelecido um diálogo
entre os poderes constituídos com vista a solução do caso concreto”17.

Nessa senda, o Código de Processo Civil (CPC) de 2015 traz diversos instru-
mentos incentivadores à solução consensual dos conflitos, claramente inau-
gurando um novo modelo de processo, em que o Judiciário e as funções

17 BUCCI, Maria Paula Dallari; DUARTE. Clarice Seixas (Coords). Op. Cit. p. 193.

Sumário 129
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

essenciais à Justiça são chamados a estimular a utilização de meios que bus-


quem a negociação dos conflitos entre as partes, tais como a conciliação e a
mediação, tanto previamente à formação do processo, quanto no decorrer
de seu curso.

Consequentemente, o legislador declara no art. 6º do diploma processual


civil que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em
tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Portanto, a resolução negociada
dos conflitos judiciais é a estratégia adequada para ser utilizada no impulsio-
namento das ações coletivas que visam proteger e promover o direito à saú-
de, buscando-se a implementação progressiva das políticas públicas sanitárias
legalmente delineadas.

(c) Estímulo a Participação de Diversos Atores Institucionais no


Âmbito de um Único Processo Judicial

Igualmente nas tutelas coletivas é fundamental permitir e até mesmo estimu-


lar a participação dos diversos atores institucionais que atuam na promoção
e defesa dos direitos fundamentais sociais no âmbito de um único processo
judicial, com a finalidade de promover-se um debate o mais amplo e demo-
crático possível em torno do bem sanitário em jogo.

Pontua-se que a multiplicidade de partes revestirá de maior legitimidade a


decisão judicial, uma vez que, na área sanitária, em razão do passivo social
brasileiro, das necessidades ilimitadas em saúde e da limitação de recursos
financeiros, prioridades devem ser elencadas e escolhas trágicas terão que ser
feitas no contexto da resolução negociada dos conflitos judiciais.

As possibilidades legais são amplas. O código de processo prevê nos arts. 113
a 118 o instituto do litisconsórcio, em que “duas ou mais pessoas podem litigar, no
mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente” quando existe comunhão de
direitos ou obrigações relativas à lide, há conexão em razão do pedido ou da
causa de pedir ou, por fim, existe afinidade de questões por pontos comuns,
de fato ou de direito.

Sumário 130
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Ademais, o CPC, nos arts. 119 a 124, assegura a possibilidade da intervenção


de terceiros no processo mediante o instituto da assistência, pelo qual é possível
que um terceiro, com interesse jurídico de que a sentença seja favorável a uma
das partes processuais, pode intervir no processo com vistas a assisti-la.

Por fim, a lei processual civil em seu artigo 138, caput, ainda possibilita ao juiz
“solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade
especializada, com representatividade adequada”, por meio do instituto denomina-
do amicus curiae cuja participação se dá mesmo que este não seja parte e que
não tenha interesse jurídico na lide.

Como qualificar a interlocução entre Poder Executivo


e Poder Judiciário nas ações judiciais sanitárias
Ao longo da história das constituições brasileiras os municípios tiveram pre-
servadas suas esferas de autonomia política, assegurando-se suas competên-
cias para organizar os serviços públicos locais, conforme atual texto do artigo
30, VII, da CF.

O advento do SUS mantém-se fiel a essa construção jurídico-legal histórica,


fortalecendo a municipalização dos serviços e ações de saúde, através da di-
retriz constitucional da descentralização. Tal característica se manifesta em
contraposição à forte centralização na esfera federal do sistema médico-pri-
vatista anterior, quando não havia uma instância de gestão pública autônoma
próxima das necessidades em saúde dos brasileiros.

Assim, no SUS os gestores municipais de saúde exercem protagonismo na


arena da saúde pública, sendo os gestores sanitários que lidam mais direta-
mente com as necessidades de saúde dos usuários do SUS, já que as pessoas
vivem nas cidades e, claro, a judicialização da saúde encontra-se na ordem
do dia na agenda dos secretários municipais de saúde. Dessa forma, os se-
cretários municipais de saúde podem contribuir mais para a qualificação do
fenômeno da judicialização da saúde perante os órgãos do Sistema de Justiça
– Poder Judiciário, Ministério Público e Defensorias Públicas.

Sumário 131
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Ao mesmo tempo, os secretários apresentarão melhores defesas técnicas sem-


pre que correlacionarem o objeto da demanda individual com a política pú-
blica de saúde normatizada, de modo a situar os respectivos agentes jurídi-
cos das potencialidades e dos limites do Sistema Municipal de Saúde, dando
destaque para: (a) o cenário epidemiológico municipal, com apresentação
da rede assistencial de ações e serviços de saúde; (b) o orçamento sanitário
municipal, com a devida comprovação do cumprimento pelo ente municipal
do piso constitucional em saúde e, (c) o conjunto da população-alvo atendida
pelo SUS na municipalidade para aquela demanda específica que foi levada
ao Poder Judiciário individualmente.

Por tudo isso, é muito relevante que as defesas processuais no bojo das ações
judiciais sanitárias resultem de uma coordenação entre a Secretaria de Saú-
de, Secretaria de Finanças e a Procuradoria Municipal Judicial.

Além disto, os municípios devem sempre requerer o acionamento dos espa-


ços de mediação e conciliação durante o trâmite do processo judicial, para
serem asseguradas amplas vias de conhecimento de todas as nuances de im-
pacto no Sistema Municipal de Saúde trazidas no escopo dos litígios, sejam
eles individuais ou coletivos, uma vez que apenas com espaços de negociação
será viabilizado adequado contraditório e ampla defesa do poder público,
com mais chances de resultar em uma decisão judicial que assegure a supre-
macia do interesse público e do bem coletivo.

Conclusão
À guisa de conclusão, asseveramos que o Poder Judiciário distribuirá justi-
ça social quando atuar majoritariamente para efetivar o controle judicial de
violações a direitos sanitários decorrentes da omissão do Poder Executivo
quando da não implementação das políticas sanitárias delineadas legalmente
pelas leis orgânicas da saúde e por meio das portarias ministeriais.

Ademais, pode melhor atuar através da tramitação prioritária de ações cole-


tivas em varas especializadas em matéria de saúde pública, utilizando-se do

Sumário 132
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

processo judicial estrutural, tutelando o direito à saúde como política pública


e considerando somente indiretamente os direitos individuais sanitários.

Desse modo, o Judiciário atingirá de forma igualitária número indistinto de


pessoas com necessidades em saúde e, ao mesmo tempo, protegerá e ajudará
a consolidar o Sistema Único de Saúde e suas fontes de financiamento.

Referências
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Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

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Sumário 134
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Vulnerabilidade dos pacientes na


judicialização da saúde
Luciana Dadalto1
Camila Mota Cavalcante2
Clara de Sousa Gustin3

Resumo
Sabe-se que o reconhecimento da força jurídica dos di-
reitos fundamentais contribuiu para a concretização do
direito à saúde como direito essencial e, assim, obrigação
estatal. Ademais, a dimensão subjetiva desse colabora para
o aumento da judicialização de medicamentos e tratamen-
tos de saúde ineficazes, podendo ser propiciada, inclusi-
ve, pela falta de comunicação adequada na relação entre
profissionais de saúde e pacientes. Em razão disso, o pa-
ciente não compreende, de fato, que o medicamento ou
tratamento, prescrito pelo profissional de saúde, pode vir

1 Doutora em Ciências da Saúde - Universidade Federal de Minas Gerais; Mestre em Direito Privado
- Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Professora - Centro Universitário Newton Paiva;
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2434143079314894.
2 Pós-graduanda em Direito Processual Civil - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais;
Pós-Graduada em Direito Médico e Hospitalar - Centro Preparatório Jurídico; Graduada em Direito
- Centro Universitário Newton Paiva; Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Bioética (GEP-
Bio) - Centro Universitário Newton Paiva. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4679532361821847.
3 Graduada em Direito - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Pesquisadora do Grupo
de Estudos e Pesquisa em Bioética (GEPBio) - Centro Universitário Newton Paiva. Lattes: http://lattes.
cnpq.br/2230277744165897.

Sumário 135
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

a ocasionar maiores riscos e malefícios do que benefícios.


Consequentemente, muitos pacientes levam essas deman-
das para o Poder Judiciário, em busca de ter o direito à
saúde concretizado, contudo, acabam contribuindo para o
aumento da judicialização da saúde de forma nociva. Jun-
to a isso, existe a falta de conhecimento técnico por parte
dos juízes, que tem feito com que o Poder Judiciário pro-
fira decisões equivocadas que podem, até mesmo, colocar
em risco a vida dos próprios autores das ações. Desta for-
ma, por meio de pesquisa de natureza exploratória, cons-
tatou-se a imprescindibilidade da adesão dos magistrados
aos pareceres emitidos pelo NAT-jus, a fim de respaldar
as decisões proferidas em evidências científicas, para além
de fundamentos principiológicos; a necessidade de discus-
sões bioéticas acerca da vulnerabilidade dos pacientes e
da aplicação do consentimento informado e esclarecido,
adequado ao letramento em saúde, no âmbito da relação
médico-paciente.

Palavras-chave: Judicialização da Saúde; Vulnerabilidade;


Relação médico-paciente; Letramento em Saúde; Bioética
de Intervenção.

Sumário 136
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Introdução
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/1988) elevou,
em seu artigo 6º, o direito à saúde na esfera dos direitos sociais. Assim, con-
sagrou o acesso à saúde como um direito humano fundamental social, reco-
nhecendo-o como um direito de todos e dever do Estado, bem como assegu-
rando-o por meio de políticas sociais e econômicas (art. 196).

Os direitos fundamentais tratam de normas jurídicas exigíveis, que conferem


aos seus titulares a faculdade de postulá-los na via judicial, portanto, a sua apli-
cação pode ser impelida pelo Poder Judiciário. Significa dizer que é atribuído
ao Judiciário o papel de salvaguardar e defender os direitos individuais, em
consonância com a proteção processual garantida pela própria Constituição
Federal de 1988. A título de exemplificação, faz menção à inafastabilidade da
tutela judicial, retratada no art. 5º, inciso XXXV, em que: “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”4.

Dessa forma, como o direito à saúde é um direito fundamental de aplicação


imediata, surge aos seus titulares o poder de ação caso haja inobservância por
parte do poder público. Neste sentido, diante das adversidades apresentadas
pelo Estado brasileiro em compor políticas públicas capazes de materializar
os preceitos constitucionais de acesso universal à saúde, a população brasi-
leira tem recorrido de forma progressiva ao amparo no Poder Judiciário,
ocasionando no fenômeno da judicialização da saúde5.

Em face dos resultados obtidos pela pesquisa “Judicialização da Saúde no


Brasil: Perfil das demandas, causas e propostas de solução”, constatou-se que
entre os anos de 2008 e 2017 ocorreu um aumento de 130% do número de
demandas judiciais relativas à saúde. O estudo - elaborado pelo Instituto de
Ensino e Pesquisa (Insper) para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - de-
monstrou que, no mesmo período, o número total de processos judiciais

4 MARMELSTEIN, George. Os Direitos Fundamentais como Direitos Exigíveis. In: Curso de Direitos
Fundamentais. 2. ed. - São Paulo. Editora Atlas S.A., 2009, p. 291-295.
5 ARAÚJO, Cynthia Pereira de; LÓPEZ, Éder Maurício Pezze; JUNQUEIRA, Silvana Regina San-
tos. Judicialização da Saúde: Saúde pública e Outras Questões. Porto Alegre, Verbo Jurídico, 2016.

Sumário 137
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

cresceu em 50%. Ademais, a pesquisa também constatou que o setor de saú-


de foi responsável por 498.715 processos de primeira instância e 277.411
processos de segunda instância, aumentando consideravelmente os gastos
pelo Poder Público. Para maiores esclarecimentos, o Ministério da Saúde,
registrou que, no período de sete anos, houve um crescimento de aproxi-
madamente 13 vezes nos gastos com demandas judiciais, alcançando R$ 1,6
bilhão no ano de 20166.

Destaca-se ainda que pesquisas sobre o tema apontam que a maioria dos pe-
didos judiciais em demandas de saúde refere-se a medicamentos7. Inclusi-
ve, no ano de 2019, o Ministério da Saúde gastou R$ 1,37 bilhão apenas
com a aquisição de medicamentos e depósitos judiciais para ressarcimento
de pacientes8.

Neste sentido, estudos realizados acerca de ações ajuizadas em face da União,


comprovam que há um número considerável de ações individuais que obje-
tivam o fornecimento de medicamentos de alto custo que, em grande parte,
não possuem registro na Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA). Conse-
quentemente, houve um grande aumento nos gastos com o fornecimento
destes medicamentos, por exemplo, só no ano de 2016, foram despendidos
R$ 766.071.832,79 para o fornecimento de vinte medicamentos sem registro
na ANVISA. Destes destaca-se o fármaco Eculizumabe, responsável pelo gas-
to total de R$ 624.621.563,43 em prol de atender 364 pacientes. Ressalta-se
que a referida droga é utilizada no tratamento de duas doenças raras, Sín-
drome Hemolítico-Urêmica Atípica – SHUA e Hemoglobinúria Paroxística
Noturna – HPN, no entanto, não enseja a cura dessas enfermidades9.

6 AZEVEDO, Paulo Furquim de; AITH, Fernando Mussa Abujamra (Coord. Acadêmicos). Judiciali-
zação da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e propostas de solução. Instituto de Ensino e Pes-
quisa – INSPER, Brasília: Conselho Nacional de Justiça – CNJ, 2019. Disponível em: <https://www.cnj.
jus.br/wp-content/uploads/2019/03/66361404dd5ceaf8c5f7049223bdc709.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2020.
7 EMPÓRIO DO DIREITO. Números de 2019 da Judicialização Da Saúde no Brasil – Por Clenio Jair
Schulze, 02/09/2019. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/numeros-de-2019-da-ju-
dicializacao-da-saude-no-brasil>. Acesso em: 07 abr. 2020.
8 OLIVEIRA, Mariana; VIVAS, Fernanda. Governo não pode ser obrigado a fornecer remédio de alto custo
fora da lista do SUS, decide STF. G1, 11/03/2020, TV Globo Brasília. Disponível em: <https://g1.globo.
com/politica/noticia/2020/03/11/governo-nao-pode-ser-obrigado-a-fornecer-remedio-de-alto-custo-fora-
da-lista-do-sus-decide-stf.ghtml>. Acesso em: 13 mar. 2020.
9 XAVIER, Christabelle-Ann. Judicialização da Saúde: Perspectiva Crítica sobre os Gastos da União
para o Cumprimento das Ordens Judiciais. In: Coletânea Direto à saúde: dilemas do fenômeno da

Sumário 138
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

À vista disso, Clenio Jair Schulze elucida que grande parte dos medicamen-
tos judicializados amenizará os sofrimentos dos pacientes, autores das ações,
contudo, não oferecerá a cura de suas enfermidades. Expõe também que,
por trás desse contexto de judicialização, os magistrados enfrentam grandes
dilemas no decorrer do julgamento dessas demandas. Isso porque parte das
ações no âmbito da saúde possui como objeto tratamentos experimentais,
que sequer estão incorporados no Sistema Único de Saúde (SUS), ou no rol
de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Assim,
em razão da alta complexidade e tecnicidade que envolvem o tema, os magis-
trados são inseridos em um mar de incertezas entre amparar pacientes que
depositam sobre o Judiciário a expectativa do poder de cura de suas enfer-
midades, ou em indeferir pedidos de tratamentos e procedimentos médicos
sem evidências científicas que, muito provavelmente, não trarão qualquer
benefício para os autores das ações10.

Embora o Poder Judiciário possa parecer um meio eficaz para a efetivação de


direitos fundamentais, a realidade vem demonstrando que o ajuizamento de
ações no âmbito da saúde pode ocasionar consequências maléficas aos pró-
prios autores das ações, isto é, a pacientes em condição vulnerável.

Assim, este artigo tem o objetivo de trazer discussões acerca da vulnerabili-


dade do paciente diante do fenômeno da judicialização da saúde. Destaca-se
que não é a intenção da presente pesquisa deslegitimar as demandas judi-
cializadas em razão de violações de direito fundamental, ou de um direito já
reconhecido e legitimado. Pretende-se, aqui, fazer uma análise crítica, pro-
positiva, para a redução de ações judiciais concernentes a medicamentos ou
procedimentos médicos, sem qualquer evidência científica que justifique o
seu uso, e que podem, inclusive, ser prejudiciais à parte autora da ação.

judicialização da saúde. Organizadores Alethele de Oliveira Santos, Luciana Tolêdo Lopes - Brasília
(DF): CONASS, 2018, v2, p. 53-61.
10 SCHULZE, Clenio Jair. Direito à Saúde e a Judicialização do Impossível. In: Coletânea Direto à
saúde: dilemas do fenômeno da judicialização da saúde. Organizadores Alethele de Oliveira Santos, Luciana
Tolêdo Lopes - Brasília (DF): CONASS, 2018, v2, p. 16-24.

Sumário 139
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Para tanto, a atual pesquisa estruturou-se em metodologia qualitativa, reali-


zando a revisão bibliográfica de artigos científicos publicados em português,
entre os anos de 2015 e 2020, nas bases de dados Google Scholar e Scientific
Electronic Library Online (SciELO). Foram utilizados os seguintes descritores:
“judicialização da saúde”, “vulnerabilidade”, “direitos dos pacientes”, “co-
municação” e “relação médico paciente”. Nesse ínterim, foi verificada a ne-
cessidade de adentrar às discussões bioéticas acerca da vulnerabilidade dos
pacientes, uma vez que, apoiada em seus preceitos, demonstra-se como um
norte para as questões concernentes à relação médico-paciente. De posse des-
ses dados, concluiu-se que a coleta de consentimento livre e esclarecido pe-
los médicos, adequado ao letramento em saúde, aos pareceres emitidos pelo
NAT-jus e aos fundamentos da bioética de intervenção, são imprescindíveis
para a diminuição da judicialização da saúde.

O paciente como sujeito vulnerável na judicialização


da saúde
Como visto, a Constituição Federal brasileira de 1988 consagrou o acesso à
saúde como um direito humano fundamental social, transformando-o em um
direito de todos e dever do Estado, ao qual compete assegurar o acesso uni-
versal e igualitário por meio de políticas sociais e econômicas. Assim, o direito
à saúde é indispensável para a preservação da dignidade dos seres humanos e,
portanto, no contexto de judicialização da saúde, a atuação do Poder Judiciário
deve ser voltada para beneficiar os autores das ações, levando sempre em con-
sideração a situação de vulnerabilidade em que se encontram.

Sabe-se que a segunda metade do século XX foi marcada por diversas mu-
danças e transformações no âmbito dos direitos civis, como o advento dos
direitos dos pacientes, impulsionados por movimentos sociais organizados.
A principal reivindicação, comum entre os movimentos, era a defesa dos pa-
cientes em face do paternalismo médico. Demandava-se a necessidade de
romper com a lógica paternalista presente até as décadas anteriores, em que

Sumário 140
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

os pacientes eram diminuídos à rasa classificação de suas enfermidades, logo,


por estarem em situação de vulnerabilidade deveriam ter seus direitos e au-
tonomia restringidos11.

Neste sentido, por muitos anos, a relação médico-paciente foi verticalizada, ou


seja, sob a justificativa do princípio da beneficência, o paciente era submetido
a procedimentos médicos sem que houvesse a sua participação nas tomadas de
decisões, sendo considerado apenas o que o médico achasse melhor para o en-
fermo12. Assim, as demandas propostas pelos movimentos sociais conceberam
a ideia de que os pacientes não se encontram submetidos à deliberação médica,
possuindo, portanto, o direito de autodeterminação13.

O sentido etimológico da palavra “paciente” expressa o sentido de vulnerabi-


lidade, ou seja, aquele que se encontra em situação de fragilidade14. O termo
“vulnerabilidade”, por sua vez, de origem latina, advém de vulnus (eris), que
significa “ferida”. Assim, a vulnerabilidade pode ser compreendida como a
possibilidade de se ser ferido15. Verifica-se, portanto, uma correlação entre as
palavras “paciente” e “vulnerabilidade”; diante disso, surge a obrigatoriedade
ética de defesa e proteção de paciente, justamente para que não seja “ferido”.

11 ALBUQUERQUE, Aline; PARANHOS, Denise G.A.M. Direitos Humanos dos Pacientes e Vulnerabi-
lidade: O Paciente Idoso à Luz da Jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos. Revista
Quaestio Iuris, vol. 10, nº. 04, Rio de Janeiro, 2017. p. 2845. Disponível em: <https://www.e-publi-
cacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/27401>. Acesso em: 21 jul. 2020. DOI: 10.12957/
rqi.2017.26686
12 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Recomendação CFM nº 1/2016. Dispõe sobre o processo
de obtenção de consentimento livre e esclarecido na assistência médica; Brasília: CFM; 2016.
13 ALBUQUERQUE, Aline; PARANHOS, Denise G.A.M. Direitos Humanos dos Pacientes e Vulnera-
bilidade: O Paciente Idoso à Luz da Jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos. Re-
vista Quaestio Iuris, vol. 10, nº. 04, Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: <https://www.e-publi-
cacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/27401>. Acesso em: 21 jul. 2020. DOI: 10.12957/
rqi.2017.26686
14 ALBUQUERQUE, Aline; PARANHOS, Denise G.A.M. Direitos Humanos dos Pacientes e Vul-
nerabilidade: O Paciente Idoso à Luz da Jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos.
Revista Quaestio Iuris, vol. 10, nº. 04, Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: <https://www.e-publi-
cacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/27401>. Acesso em: 21 jul. 2020. DOI: 10.12957/
rqi.2017.26686
15 NEVES, Maria Patrão. Sentidos da vulnerabilidade: característica, condição, princípio. Revista
Brasileira de Bioética 2006; 2:157-72.

Sumário 141
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

É sabido que o paciente se encontra em uma situação de fragilidade, vez que


diante do acometimento de enfermidade, torna-se vulnerável, e cada pacien-
te enfrenta a doença de forma específica, em razão disso é imprescindível que
essa atenção e solicitude para com essa vulnerabilidade sejam aplicadas no
âmbito da judicialização da saúde. Isso porque, a busca pela concretização do
direito à saúde tem feito com que indivíduos pleiteiem no Poder Judiciário
inúmeras questões.

Como já dito, nos estudos realizados sobre o assunto, a maioria dos pedidos
judiciais em demandas de saúde refere-se a medicamentos16. Ocorre que o
paciente em diversas situações judicializa medicamentos que não possuem a
sua evidência científica comprovada, acarretando na “Judicialização do im-
possível”, que segundo Clenio Jair Schulze se consuma “quando são postu-
lados aos magistrados tratamentos que não apresentam resultados úteis ou
satisfatórios e, mesmo assim, são veiculados com a expectativa de resolver o
problema de saúde do autor da ação judicial”17.

Essas informações deveriam ter sido comunicadas pelo médico assistente


prescritor, como uma forma de salvaguardar a segurança do paciente diante
da possibilidade do insucesso terapêutico, assim como evitar-se-ia a “Judicia-
lização do impossível”. Em face disso, a relação entre o profissional de saúde
e o paciente, diferentemente daquela pautada pela verticalização, deve ser
fundamentada na horizontalidade e na comunicação adequada.

A relação médico-paciente ineficaz é aquela marcada pela deficiência comu-


nicativa e intensificada pela vulnerabilidade e hipossuficiência de conheci-
mento do paciente diante das informações, linguajar e técnicas médicas. Por-
tanto, tais questões trazem consigo um debate complexo, que necessita ser
norteado pela bioética de intervenção (BI), levando em conta que o respeito
pela vulnerabilidade humana é uma de suas principais preocupações.

16 EMPÓRIO DO DIREITO. Números de 2019 da Judicialização Da Saúde no Brasil – Por Clenio Jair
Schulze, 02/09/2019. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/numeros-de-2019-da-ju-
dicializacao-da-saude-no-brasil>. Acesso em: 07 abr. 2020.
17 SCHULZE, Clenio Jair. Direito à Saúde e a Judicialização do Impossível. In: Coletânea Direto à
saúde: dilemas do fenômeno da judicialização da saúde. Organizadores Alethele de Oliveira Santos, Luciana
Tolêdo Lopes - Brasília (DF): CONASS, 2018, v2, p. 14-25.

Sumário 142
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

A título de conhecimento, a BI manifesta-se como uma das correntes da nova


bioética latino-americana, surgindo como uma alternativa à bioética tradi-
cional. Enquanto essa possui como objetivo dirimir conflitos morais e éticos
oriundos de países desenvolvidos, aquela preconiza a resolução de questões
políticas, econômicas e culturais dos países latino-americanos, em que a desi-
gualdade social e a pobreza são indiscutivelmente graves. Portanto, é necessá-
rio que as questões sociais, específicas dos países periféricos, sejam apreciadas
por uma bioética comprometida com a justiça social e com a construção de
uma sociedade mais equitativa18.

A BI possui como um de seus pilares o entendimento de que a equidade


é uma forma de se alcançar a igualdade, motivo pelo qual recomenda-se a
sua utilização como método de ponderação diante de relações assimétricas19.
Assim, em se tratando de judicialização da saúde, verifica-se que seus ensina-
mentos podem ser utilizados como forma de se traçarem possíveis caminhos
para o fim da assimetria existente na relação entre profissional de saúde e pa-
ciente, uma vez que, compreendendo que o paciente é indivíduo autônomo,
capaz de decidir sobre as intervenções e tratamentos em seu próprio corpo,
este irá se empoderar. Consequentemente, será propiciado o diálogo efetivo
para com o médico, de modo que ambos possam chegar a uma decisão em
conjunto. Isto posto, sabendo que a falha na comunicação entre profissional
de saúde e paciente evidencia-se como um possível motivo para o aumento
da judicialização da saúde, a bioética de intervenção torna-se capaz de diri-
mir tais conflitos, obtendo impacto positivo no Poder Judiciário.

Outra forma de proteção dos indivíduos em posição de vulnerabilidade, as-


sim como no caso dos pacientes, é o Termo de Consentimento Livre e Escla-

18 SANTOS, Ivone L; SHIMIZU, Helena E.; GARRAFA, Volnei. Bioética de intervenção e pedagogia
da libertação: aproximações possíveis. Revista bioética (Impr.). 2014; 22 (2) p. 271-280. Disponível em:
<https://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/916>. Acesso em: 30 ago.
2020. http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222008
19 GOMES DE SOUSA, Eduardo David; FRANCISCO, António Hélder; ALFREDO, Edson; MAN-
CHOLA, Camilo. Termos de esclarecimento e responsabilidade à luz da bioética de intervenção. Revista bioética
(Impr.). 2018; 26 (3): p. 360-370. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1983-80422018000300360>. Acesso em: 30 ago. 2020. DOI: 10.1590/1983-80422018263255

Sumário 143
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

recido (TCLE). De acordo com a Recomendação de nº 1/2016 do Conselho


Federal de Medicina, este pode ser compreendido como um:

ato de decisão, concordância e aprovação do paciente ou de seu represen-


tante legal, após a necessária informação e explicações, sob a responsabili-
dade do médico, a respeito dos procedimentos diagnósticos ou terapêuticos
que lhe são indicados.

Para a eficácia do TCLE, é fundamental que os profissionais de saúde se com-


padeçam com as dificuldades e anseios de seus pacientes, levando sempre em
consideração a realidade de nosso país. Segundo estudos desenvolvidos em
2018 pela ONG Ação Educativa e pelo Instituto Paulo Montenegro, a cada
dez jovens e adultos brasileiros, de 15 a 64 anos, três são considerados analfa-
betos funcionais, isto é, possuem dificuldades em utilizar-se da leitura, escrita
e operações matemáticas em ocorrências cotidianas. Desta feita, o TCLE pre-
cisa ser aplicado de forma a atender a esse contexto, visando o entendimento
pleno de cada paciente, bem como respeitando as particularidades e contex-
to social em que este está inserido.

Em razão da necessária e melhor compreensão do paciente, temos o letra-


mento funcional em saúde (LFS), que visa propiciar meios para que possam
tomar decisões conscientes20. As autoras Mariana Dantas Cordeiro e Helena
Alves de Carvalho Sampaio apontam que a mais recente definição preconiza
o LFS como:

conjunto de conhecimentos, motivações e competências para acessar, com-


preender, avaliar e aplicar informações a fim de julgar e tomar decisões
cotidianas na prevenção de doenças e nos cuidados e promoção da saúde,
mantendo ou melhorando a qualidade de vida21.

O letramento recomenda que a linguagem dos profissionais da saúde seja


simples, sem termos científicos. Logo, para garantir que o paciente, de fato,

20 CORDEIRO, Mariana Dantas; SAMPAIO, Helena Alves de Carvalho. Aplicação dos fundamentos do
letramento em saúde no consentimento informado. Revista bioética. (Impr.). 2019; 27 (3): 410-8. DOI: https://
doi.org/10.1590/1983-80422019273324.
21 CORDEIRO, Mariana Dantas; SAMPAIO, Helena Alves de Carvalho. Aplicação dos fundamentos do
letramento em saúde no consentimento informado. Revista bioética. (Impr.). 2019; 27 (3): 410-8. DOI: https://
doi.org/10.1590/1983-80422019273324.

Sumário 144
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

compreenda as informações no âmbito da saúde, propõe-se o método tea-


ch-back a fim de eliminar perguntas realizadas por profissionais de saúde, que
não garantem o entendimento do paciente sobre o procedimento médico ao
qual está sujeito ou se submeterá, tais quais “O(a) senhor(a) entendeu?” ou
“O(a) senhor(a) tem alguma dúvida?”, que frequentemente são respondidas
por um “sim” ou “não”. O objetivo desse método é fazer com que o paciente
compreenda a informação que lhe foi passada de forma que este possa expli-
cá-la com suas próprias palavras22.

Percebe-se, portanto, que o termo de consentimento informado e esclareci-


do, adequado ao letramento em saúde, é capaz de contribuir para o entendi-
mento do paciente acerca dos procedimentos médicos a que será submetido,
pois preconiza uma linguagem acessível por parte dos profissionais de saúde,
sem termos técnicos de difícil compreensão, apta a atender pacientes de di-
versas realidades. Desta forma, verifica-se que o letramento em saúde possui
um papel de grande importância no contexto da judicialização da saúde. Isso
porque, como visto, uma parte considerável das ações judiciais no âmbito da
saúde possui como objeto tratamentos experimentais, que não estão incorpo-
rados no SUS, ou no rol de procedimentos da ANS e que, muito provavel-
mente, não trarão benefícios à saúde dos autores das ações23. Neste sentindo,
Cynthia Pereira de Araújo elucida:

(..) o que acaba por se tutelar é, no lugar de saúde, a esperança depositada


em terapias fúteis, especialmente do ponto de vista dos objetivos desejados,
cujo conhecimento exige uma comunicação com o paciente que, com fre-
quência, não ocorre, impedindo-o de compreender a finalidade do trata-
mento pretendido24.

22 CORDEIRO, Mariana Dantas; SAMPAIO, Helena Alves de Carvalho. Aplicação dos fundamentos do
letramento em saúde no consentimento informado. Revista bioética. (Impr.). 2019; 27 (3): 410-8. DOI: https://
doi.org/10.1590/1983-80422019273324.
23 SCHULZE, Clenio Jair. Direito à Saúde e a Judicialização do Impossível. In: Coletânea Direto à
saúde: dilemas do fenômeno da judicialização da saúde. Organizadores Alethele de Oliveira Santos, Luciana
Tolêdo Lopes - Brasília (DF): CONASS, 2018, v2, p. 16-24.
24 ARAÚJO, Cynthia Pereira de. Existe direito à esperança? saúde no contexto do câncer e fim de vida.
Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2018, p. 58.

Sumário 145
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Portanto, é preciso que o profissional de saúde seja, em suas comunicações


com o paciente – o que inclui as prescrições – o mais didático possível, trans-
mitindo todas as informações necessárias e, inclusive, levando em conside-
ração o contexto social no qual o paciente está inserido, para que este esteja
ciente quando, por exemplo, o que lhe fora prescrito possa ocasionar maiores
riscos e efeitos colaterais do que benefícios. Dessarte, evitar-se-á que o pacien-
te, futuramente, venha a propor ações perante o Poder Judiciário visando
obter um medicamento ou tratamento que não tenha eficácia, segurança e/
ou efetividade comprovada e que, inclusive, possa vir a trazer consequências
negativas para a sua saúde. Destaca-se que não há necessidade de os profis-
sionais de saúde emitirem informações pormenorizadas, muito menos dados
técnicos que possam até mesmo provocar mal-estar ao paciente.

Poder Judiciário: concretização ou banalização do direito


fundamental à saúde?
Sabe-se que a comunicação possui um papel fundamental na relação entre
profissional de saúde e paciente, sendo, inclusive, percebido como um possí-
vel mecanismo de redução de ajuizamento daquelas ações que buscam trata-
mento e/ou medicamentos sem evidências científicas. Assim, a judicialização
da saúde baseada apenas na prescrição médica é falha, pois o magistrado
não consegue, apenas pela análise da prescrição, saber se o paciente foi de-
vidamente informado e compreendeu a necessidade e os efeitos colaterais
daquilo que está pleiteando.

Como já exposto, a CF/1988 elevou o acesso à saúde como um direito huma-


no fundamental, assim, na inobservância de seu cumprimento, o indivíduo
possui direito de ação em face do Poder Judiciário. Neste sentido, conside-
rada a dimensão subjetiva do direito à saúde cumulada com a precariedade
de nosso sistema público de saúde, os cidadãos brasileiros têm buscado por
amparo no Poder Judiciário, para que este concretize o direito constitucional
à saúde, não satisfeito pelo Poder Executivo por meio de políticas públicas.

Sumário 146
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

A busca por esta concretização tem feito com que indivíduos pleiteiem no
Poder Judiciário inúmeras questões, por exemplo: contratempos na mar-
cação de consultas, realização de cirurgias, tratamentos e, principalmente,
medicamentos25.

Ocorre que os magistrados têm encontrado dificuldades em compreender a


formação dos componentes farmacológicos e dos produtos e serviços de saú-
de; em razão disso, o Poder Judiciário tem praticado desacertos ao deferir o
acesso a determinados medicamentos ou procedimentos médicos26.

Alude-se, aqui, às medidas liminares determinando o fornecimento da subs-


tância fosfoetanolamina sintética para diversos pacientes, popularmente co-
nhecida como “pílula do câncer”, propiciadas sem quaisquer evidências cien-
tíficas que justificassem a utilização destas, pelo contrário, podendo acarretar
consequências negativas para a saúde desses27. O uso da fosfoetanolamina,
diante de tamanha repercussão, foi legalmente caracterizado como medica-
mento por meio da Lei 13.269/2016, contudo, sem a devida licença da ANVI-
SA. Por conseguinte, a Associação Médica Brasileira ajuizou a Ação Direta de
Inconstitucionalidade de número 5.501 que, recentemente, declarou a refe-
rida lei como sendo inconstitucional. Faz-se, a seguir, referência ao disposto
pelo Ministro Relator Marco Aurélio Mendes de Farias Mello:

A esperança que a sociedade deposita nos medicamentos, sobretudo aque-


les destinados ao tratamento de doenças como o câncer, não pode se dis-
tanciar da ciência. Foi-se o tempo da busca desenfreada pela cura sem o
correspondente cuidado com a segurança e eficácia dos fármacos utilizados.
O direito à saúde não será plenamente concretizado se o Estado deixar de
cumprir a obrigação de assegurar a qualidade de droga mediante rigoroso
crivo científico, apto a afastar desengano, charlatanismo e efeito prejudicial.

25 ARAÚJO, Cynthia Pereira de; LÓPEZ, Éder Maurício Pezze; JUNQUEIRA, Silvana Regina San-
tos. Judicialização da Saúde: Saúde pública e outras questões. Porto Alegre, Verbo Jurídico, 2016, p. 61.
26 DRESCH, Renato Luís. Judicialização da Saúde: Medidas de Aprimoramento Técnico das demandas
Judiciais. In: GEBRAN NETO, João Pedro; AVANZA, Clenir Sani; SCHULMAN, Gabriel (org.) Direto da
Saúde em perspectiva: Judicialização, gestão e acesso. Vitória, Editora ABRAGES, Vol. 2, 2017, p. 91-118.
27 DRESCH, Renato Luís. Judicialização da Saúde: Medidas de Aprimoramento Técnico das demandas
Judiciais. In: GEBRAN NETO, João Pedro; AVANZA, Clenir Sani; SCHULMAN, Gabriel (org.) Direto da
Saúde em perspectiva: Judicialização, gestão e acesso. Vitória, Editora ABRAGES, Vol. 2, 2017, p. 91-118.

Sumário 147
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

(STF; Medida Cautelar na Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 5.501;


Relator Ministro Marco Aurélio; Plenário, Sessão Virtual de 16.10.2020 a
23.10.2020.)

Dessarte, o cumprimento ao direito à saúde não deve trazer malefícios aos


seus destinatários, no entendimento de Álvaro Nagib Atallah disponibilizar
tratamentos cuja “segurança não está adequadamente estudada contraria a
Constituição, pois isso pode promover agravos à saúde e frequentemente,
devido ao desperdício com tratamentos caros e ineficazes, reduzir o acesso
universal àquilo que é efetivo e seguro”. Ademais, a execução deste deve ser
fundamentada em evidências científicas28, inclusive por se tratar de um limite
já estabelecido pelo art.19-O, parágrafo único, da Lei nº. 8.080/90, em que
os medicamentos ou produtos “serão aqueles avaliados quanto à sua eficácia,
segurança, efetividade e custo-efetividade para as diferentes fases evolutivas
da doença ou do agravo à saúde de que trata o protocolo”.

Nota-se também que os magistrados, em muitas circunstâncias, determinam


a aquisição e entrega de medicamentos requeridos, fundamentando-se ape-
nas em princípios constitucionais, desprezando completamente o que esta-
belece na norma jurídica que regulamenta o caso concreto. É o que ocorre,
por exemplo, em processos em que se pleiteia a concessão gratuita de medi-
camentos oncológicos pelo Estado, sendo os atos infralegais desprezados no
momento de deferimento dos pedidos. Tratam-se de atos normativos edita-
dos justamente para a implementação de políticas públicas de atenção onco-
lógica, em respeito tanto aos preceitos constitucionais relativos ao direito à
saúde, quanto ao deferimento desenfreado de medicamentos supostamente
adequados para o câncer. Assim, a desconsideração desses atos é, no mínimo,
incongruente com o foco do ordenamento jurídico29.

28 ATALLAH, Álvaro Nagib. Direito à saúde e a não maleficência. Uma definição da Medicina Ba-
seada em Evidências. Diagn Tratamento. 2010;15(3):103. Disponível em: <http://files.bvs.br/uploa-
d/S/1413-9979/2010/v15n3/a1528.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2020.
29 ARAÚJO, Cynthia Pereira de. A Concessão Judicial de medicamentos para o tratamento onco-
lógico? Uma questão de normatividade. Revista da AGU, n. 141, nov. 2013. Disponível em: <http://
www.tjmt.jus.br/INTRANET.ARQ/CMS/GrupoPaginas/126/1127/a_concessao_judicial_de_medicamen-
tos_para_o_tratamento_oncologico_-_uma_questao_de_normatividade_-_c-5.pdf>. Acesso em: 12 abr.
2020.

Sumário 148
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Diante disso, percebe-se que os juízes, além de interferirem no planejamento


e execução das políticas públicas de saúde, determinam, inúmeras vezes, que
o Estado forneça tecnologias em saúde, considerando, apenas, a prescrição
médica30. Verifica-se, portanto, a existência do fenômeno nomeado por Zillá
Oliva Roma de “farmacialização do Judiciário”:

(...) na maioria das vezes, nesses processos, o tratamento judicial é muito


parecido com o procedimento adotado em drogarias, nas quais o cidadão/
paciente apresenta sua receita médica e o farmacêutico/atendente entrega/
vende o medicamento, com a diferença de que, a rede pública de saúde,
não há pagamento na forma direta, mas tão somente na indireta, no que
toca à arrecadação tributária31.

Restou demonstrado que, nas demandas de saúde, o relatório médico por si


só não é instrumento suficiente para a concessão do que fora pleiteado. Junto
a ele, é imprescindível que haja o TCLE, para que o juiz possa se certificar
sobre a vontade expressa pelo paciente, ou seja, que este está de acordo com
os riscos e benefícios do tratamento/procedimento pelo qual entrou em Juízo.
Inclusive, conforme apuração realizada por advogados da União que atuam
no âmbito da saúde em todos os Estados da Federação, verifica-se que rara-
mente o termo de consentimento é juntado aos autos32.

Pelo exposto, em prol de decisões judiciárias com maior assertividade, a fim


de evitar que a vulnerabilidade do paciente mais uma vez seja colocada em
risco, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através da Resolução nº 238 de
2016, implantou o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-Jus)
a fim de auxiliar os magistrados com informações técnicas. A partir disso, o
CNJ e o Ministério da Saúde celebraram o Termo de Cooperação n. 21/2016,

30 ARAÚJO, Cynthia Pereira de. A Concessão Judicial de medicamentos para o tratamento oncológico?
Uma questão de normatividade. Revista da AGU, n. 141, nov. 2013. Disponível em: <http://www.tjmt.
jus.br/INTRANET.ARQ/CMS/GrupoPaginas/126/1127/a_concessao_judicial_de_medicamentos_para_o_tra-
tamento_oncologico_-_uma_questao_de_normatividade_-_c-5.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2020.
31 ROMA, Zillá Oliva. Da farmacialização do judiciário: breves considerações. Revista de Processo,
vol. 270/2017, p. 279-310, Ago/2017. Disponível em: <https://anotacoesdeprocessocivil.blogspot.
com/2017/11/da-farmacializacao-do-judiciario-breves.html>. Acesso em: 13 mar.2020.
32 ARAÚJO, Cynthia Pereira de. Existe direito à esperança? Saúde no contexto do câncer e fim de vida. Tese
(Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2018, p. 113.

Sumário 149
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

com o intuito de proporcionar aos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Tri-
bunais Regionais Federais subsídios técnicos para que, nos casos de ações no
âmbito da saúde, a tomada de decisão seja realizada com base em evidências
científicas. Ademais, também foi criado o projeto Banco Nacional de Pare-
ceres – Sistema E-NATJUS que se trata de uma plataforma digital, formada
por pareceres técnico-científicos e notas elaboradas em evidências científicas,
constando dados acerca de medicamentos já incorporados pela política públi-
ca, emitidos pelos Núcleos de Apoio Técnico ao Judiciário (NATJUS) e pelos
Núcleos de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS). Uma das finalida-
des da referida plataforma é orientar os magistrados a partir de pareceres e
notas técnicas, em prol de evitar decisões em desacordo com temas relativos
a medicamentos e/ou tratamento médico não recomendados, bem como a
judicialização desenfreada destes33.

A celebração desses convênios é de extrema importância, pois, diante das


dificuldades que os magistrados encontram em produzir decisões que en-
volvam questões de saúde, em razão da alta complexidade e tecnicidade que
envolvem o tema, as notas técnicas, elaboradas com observância aos princí-
pios da Medicina Baseada em Evidências, permitem a produção de decisões
fundamentadas, evitando o comprometimento do erário - advindo do alto
custo para o processamento de ações -, da saúde dos autores da ação e da
judicialização desenfreada.

Ainda, reitera-se a importância das evidências científicas na tomada de deci-


são por meio dos Enunciados das I, II e III Jornadas de Direito de Saúde do
Conselho Nacional de Justiça34.

Frisa-se ainda que os pareceres disponibilizados pelo NAT-JUS devem ser


imparciais e não devem, jamais, ser utilizados para atender aos interesses de
indústrias farmacêuticas ou, ainda, de planos e sistemas de saúde.

33 E-NATJUS. Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/


programas-e-acoes/forum-da-saude-3/e-natjus/>. Acesso em: 20 ago. 2020.
34 BRASIL. Enunciados das I, II e III Jornadas de Direito de Saúde do Conselho Nacional de Justiça.
Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/03/e8661c101b2d80ec95593d03dc1f1d3e.
pdf>. Acesso em: 20 dez. 2020.

Sumário 150
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Considerações finais
A partir da promulgação da CF/1988 o direito à saúde foi incluído no âmbito
dos direitos sociais, consagrando o acesso à saúde como um direito humano
fundamental social, sendo um direito de todos e dever do Estado. Entretan-
to, decorrente de sua dimensão subjetiva, permite que seus titulares, em face
de pretensões perante o Poder Judiciário, depositem sobre os magistrados
a expectativa de obter respostas para seus anseios, principalmente no que
concerne a medicamentos e tratamentos médicos.

Como visto, o aumento das demandas judiciais no âmbito da saúde agravou-se


em 130% nos anos de 2008 e 2017, restando evidente o fenômeno da judiciali-
zação da saúde. Logo, são imprescindíveis a adesão e a confiança por parte dos
magistrados em relação aos pareceres emitidos pelo NAT-Jus, elaborados com
observância aos princípios da MBE, para que as decisões judiciais proferidas
sejam respaldadas na tecnicidade e na atual ciência médica, evitando assim o
comprometimento da saúde dos autores de ações, no caso, pacientes.

Para além disso, é indispensável que, diante de uma situação à qual o pacien-
te deseje ajuizar uma ação judicial pleiteando o recebimento de determinado
medicamento ou tratamento médico, o profissional de saúde não deixe de
transmitir as informações necessárias acerca dos possíveis efeitos colaterais ou
até mesmo a ineficácia destes, de modo a evitar, tanto a propositura de ações
infundamentadas, quanto o possível risco à saúde do próprio - caso haja defe-
rimento da demanda. Alude-se aqui para a importância do TCLE, que deve
ser realizado apenas após o devido diálogo com o médico assistente, de modo
a assegurar a ciência e compreensão pelo paciente em face dos benefícios e
malefícios do medicamento ou tratamento em questão.

Assim, é fundamental que os profissionais de saúde não reproduzam a ultra-


passada ideia de que os pacientes são incapazes de realizar suas próprias deci-
sões, em oposição às conquistas históricas na relação médico-paciente. É neces-
sário considerar a autonomia de cada ser, afinal, esses devem ser considerados
como seres íntegros, e não mais diminuídos à rasa classificação por doenças.

Sumário 151
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Neste sentido, a bioética de intervenção demonstra-se como um norte na con-


dução da relação médico-paciente, uma vez que busca incitar a libertação, o
empoderamento e a emancipação dos vulneráveis, que no contexto tratam-se
de pacientes. Deste modo, diante do atual cenário brasileiro, em que ainda
existem muitos analfabetos funcionais, é de grande importância a utilização do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido adequado ao letramento funcio-
nal em saúde, como forma de garantir a autonomia e desejo daqueles indiví-
duos que se encontram em posição de vulnerabilidade, principalmente no que
tange à hipossuficiência técnica presente na relação médico-paciente.

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Sumário 154
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Direito sanitário: desafios


jurídico-teóricos e normativos
evidenciados pela pandemia
da Covid-19
Lenir Santos1
Thiago Campos2

Resumo
O presente artigo reflete sobre a importância de se vence-
rem alguns desafios do direito sanitário, como o de con-
solidar uma teoria jurídica; superar vácuos legislativos
e sistematizar suas normas, fatos que contribuirão para
o seu fortalecimento, melhoria na atuação do SUS, na
elaboração, exegese e aplicação das normas sanitárias,
fortalecendo assim o direito à saúde na tomada de deci-
são mais estruturada e uniforme dos gestores da saúde.
Certamente o aprofundando da doutrina e a melhoria da
jurisprudência fundados num regime jurídico sanitário

1 Doutora em Saúde Coletiva pela FCM/UNICAMP e Graduada em Direito - UERJ, Presidente do


Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA e Professora Colaboradora; Universidade Estadual de
Campinas; Lattes: http://lattes.cnpq.br/7987900897964197.
2 Mestrando em Saúde Coletiva pela FCM/UNICAMP, Especialista em Direito Sanitário e Graduado
em Direito - UCSAL; Diretor Regional; Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA; Lattes: http://
lattes.cnpq.br/6405356984763220.

Sumário 155
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

trariam mais uniformidade aos conceitos jurídicos do di-


reito sanitário. Há ainda uma falta de coesão na tomada
de decisão dos agentes públicos em relação à saúde, o que
ficou demonstrada nessa grave crise sanitária vivenciada
neste século pela sociedade e poderes públicos, a pande-
mia da Covid-19. Dilemas éticos, sociais e jurídicos ficaram
evidenciados, tanto quanto o frágil conhecimento do direi-
to sanitário, amplamente judicializado, inclusive em rela-
ção a conceitos que já deveriam estar consolidados e que
não deveriam mais ser objeto de disputa, conflitos, dúvi-
das jurídicas. Este artigo procura abordar as dificuldades
ainda existentes no direito sanitário e os flancos jurídicos
que precisam ser enfrentados para a sua consolidação,
dentre eles, a construção de uma teoria geral.

Palavras-chaves: Teoria do Direito Sanitário; Direito Sani-


tário; Sistema Único de Saúde; Pandemia Covid-19; Judi-
cialização da Saúde.

Sumário 156
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Introdução
A saúde como direito tardou a ser reconhecida no Brasil, o que, por consequên-
cia, adiou a discussão teórico-jurídica do direito sanitário, principiada somente
nos anos 903 e encorpada, ainda que de modo enviesado, pelas discussões jurí-
dicas ensejadas pela busca da tutela jurisdicional de prestações individuais de
saúde. Um ramo do direito, portanto, que se construiu menos por uma teoria
de pensamento jurídico-sanitário estruturado e mais pelas batalhas travadas na
arena judicial em defesa da saúde.

Na realidade, o direito sanitário passou a ser construído no país após a Consti-


tuição de 1988 ter positivado o direito à saúde e instituído um sistema público
de base unificada e interfederativa para garantir-lhe efetividade, com a Lei n°
8.080, de 1990 (Lei Orgânica da Saúde – LOS), a definir a sua organização e
funcionamento. Após a edição da lei, o Sistema Único de Saúde (SUS) passou
a ser organizado em conformidade às bases iniciadas pelos convênios SUDS4,
que foram sendo extintos a partir da absorção de seu objeto pelo SUS, confor-
me disposto no artigo 50 da sua lei organizadora.

A incipiente compreensão jurídica dos operadores do direito sobre o tema, alia-


da ao insuficiente entendimento por muitos dos gestores, à época responsáveis
pela implantação do SUS, das básicas estruturas organizativas do sistema, e por
ausente uma teoria geral do direito sanitário, dificultou o entendimento de te-
mas básicos como a definição das responsabilidades sanitárias que deveriam ser
compartilhadas entre os entes federativos. Se para a transferência de recursos
financeiros de um ente para outro se leva em conta o seu porte socioeconômico,

3 O estudo do direito sanitário iniciou-se mais efetivamente nos anos 90, com o surgimento de for-
mação acadêmica do direito sanitário (especialização) em curso pioneiro promovido pelo Centro de
Estudos e Pesquisas em Direito Sanitário (CEPEDISA, SP, 1989); o do Instituto de Direito Sanitário
Aplicado – IDISA, SP no ano 2000; e ainda o da Escola de Saúde Pública da Fiocruz, RJ. Destaca-se a
participação de Lenir Santos, Guido Ivan de Carvalho, Suely Dallari nessa construção, sem isso signi-
ficar desconsideração de outros profissionais do direito e da saúde que se dedicaram ao tema.
4 O Convênio SUDS foi firmado em 1987 pela União com os Estados-membros para unificar e
descentralizar as ações e serviços de saúde a cargo da União, no âmbito do Decreto Federal n° 94.657,
de 20.07.1987.

Sumário 157
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

demográfico e geográfico, não seria possível entender que no tocante à pres-


tação de serviços à população isso não seja levado em conta ao se impor igual-
dade, entre entes desiguais, em suas responsabilidades na garantia de servi-
ços. Isso demonstra as dificuldades de compreensão das estruturas do SUS e
de como uma teoria geral do direito sanitário poderia orientar o legislador e
o executor das políticas sanitárias.

O direito sanitário é complexo pelo fato de a saúde ser um direito de conceito


fluido que envolve prestações de serviços individuais e coletivos, difusos, de-
correntes de fatores sociais que interferem nas condições de saúde da popu-
lação tanto quanto à necessidade de se garantir acesso universal às prestações
de serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde. Essa complexi-
dade deu ensejo a um processo normativo infralegal abundante, oriundo do
Ministério da Saúde, ao lado da escassez de conceitos e paradigmas jurídicos
sanitários orientadores das políticas. Por isso a gestão do SUS navega ainda
hoje num mundo pantanoso de regras infralegais minudentes, muitas vezes
contraditórias entre si e em relação à lei; isso sem falar na frequente extrapo-
lação da competência federal para legislar sobre regras gerais de saúde, o que
confunde, até os dias de hoje, o gestor da saúde e demais atores.

A saúde é um termo multívoco, consistente em um direito permeado por cam-


pos sanitário e não sanitários como os fatores sociais e econômicos que interfe-
rem com a saúde das pessoas. Esse campo preventivo associado ao de presta-
ção de serviços assistenciais torna vastas as pretensões de saúde das pessoas e
duvidosas as decisões judiciais que tendem a expandir os conteúdos do direito
à saúde, muito marcados pela época, cultura, costumes, desenvolvimento tec-
nológico. Por isso, medidas jurídicas que permitam a contenção do direito à
saúde, sem asfixiá-lo, são importantes referências para a construção de siste-
mas de saúde universais.

Com o aumento das demandas judiciais na saúde nos primeiros anos do século
XXI, o direito sanitário passou a chamar a atenção dos operadores e pensa-
dores do direito e das autoridades sanitárias. Esses sujeitos se viam na con-
tingência de operar o direito sanitário quase sempre de modo urgente para o

Sumário 158
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

atendimento de tais demandas - na maioria dos casos, por meio de pedidos de


concessão de tutelas de urgência, em medidas liminares de caráter satisfativo,
o que arrefece, muitas vezes, a necessidade de aprofundamento teórico-nor-
mativo quando da sentença terminativa, até mesmo pela ausência de domínios
jurídicos conceituais, produção e sistematização normativa adequada.

O ativismo judicial na saúde pode ter atrapalhado mais do que auxiliado a


organização e o funcionamento do SUS e infelizmente não contribuiu para a
estruturação de conceitos jurídico-sanitários. Pautou-se pela aplicação exegéti-
ca casuística, individualizada, sem uniformidade, com cada dirigente público,
magistrado, membros do Ministério Público, interpretando o direito indivi-
dual e coletivo à sua própria sorte, sem um eixo estruturante desse complexo
direito de muitas variáveis.

A intensa judicialização continua a ser um sinal das inadequações operativas


do direito, até os dias de hoje. Certamente uma teoria jurídica conceitual, de
cunho geral, definindo parâmetros gerais do direito sanitário, somada à siste-
matização de suas normas legais, revisão das infralegais5, muito contribuiria
com o aprimoramento da garantia do direito à saúde em nosso país em termos
constitucionais, sem o entendimento de que o direito à saúde tudo comporta,
sem limites técnico-jurídicos e assistenciais.

A ausência de sistematização normativa e de melhor estruturação dos princí-


pios, objetivos e diretrizes do direito à saúde dispostos na Constituição e na
LOS6 refletiu, na produção reguladora da área, um cipoal de regras infrale-
gais que confundem regras de estrutura organizativa com conceitos médico-
terapêuticos, definições de políticas públicas, como exemplo.

Infelizmente, ainda hoje, normas infralegais revogadas continuam a ser apli-


cadas, como é o caso das normas operacionais; regras mal interpretadas,

5 Não basta a consolidação das portarias do Ministério da Saúde, sendo necessária a sua revisão
pós-consolidação, por ser impossível compreender e aplicar mais 10 mil artigos, afora os colossais
anexos descritivos.
6 A Lei Orgânica da Saúde define em seu artigo 7° diretrizes do SUS como princípio e vice-versa.
Um exemplo é denominar como princípio do SUS a integração executiva de ações e serviços de saúde.

Sumário 159
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

como exemplo, a direção única em cada esfera de governo que muitas vezes
embaraça a uniformidade conceitual necessária do SUS, sem falar, até mes-
mo, no discernimento sobre a vigência de alguns regramentos. Importante,
pois, melhor alicerçar o direito sanitário, aprofundar seus estudos científicos,
promover debates jusfilosóficos, teórico-jurídicos, para garantir um sistema de
conceitos sólidos a marcar a sua aplicação, a sua hermenêutica, em especial a
sua produção legislativa.

Importa ainda definir os contornos jurídicos do direito à saúde dada a sua flui-
dez, por se tratar de um conceito jurídico aberto, indeterminado, que necessita
de enquadramento. A possibilidade de se discriminarem de modo seguro quais
serviços estão a cargo do SUS e quais os serviços indiretos com efeitos diretos
na saúde das pessoas, permitiria a adequada responsabilização da autoridade
pública omissa. Tanto isso é fato que o artigo 5° da LOS define como um dos
objetivos do SUS identificar as condicionantes e determinantes da saúde para
o estabelecimento de políticas públicas intersetoriais dadas as conexões com a
saúde da população.

Assim, a saúde como um direito natural que deve ser garantido a todos, nos
leva a considerar a grave crise por que passa a humanidade pelo surgimento,
em 2019, do novo coronavírus, que jogou luz no direito sanitário, nas políticas
de saúde, na necessidade da presença do Estado e na proteção da vida pela
saúde. Este artigo não poderia deixar de considerar essa grave crise sanitária,
com previsões drásticas de doença e morte e as exigências dos sistemas de
saúde, além do forte tensionamento político-social em busca de soluções para
dilemas éticos, sociais e jurídicos que têm surgido diuturnamente.

Nesse contexto de demanda urgente de atendimento da pandemia da Co-


vid-19, o direito sanitário tem emergido como realidade que pode auxiliar as
autoridades sanitárias, os operadores e legisladores, diante de erráticas inter-
pretações ante a ausência de paradigmas conceituais claros e historicamente
consolidados, causando – direta ou indiretamente – retrocesso na aplicação do
direito, mitigando assim garantias próprias como a do financiamento trilateral
e dos arranjos federativos no âmbito do SUS.

Sumário 160
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

A pandemia do coronavírus (Covid-19) tem exigido dos sistemas de saúde de


todas as nações um esforço hercúleo para a prevenção e a redução do contágio,
bem como para a mitigação dos danos ocasionados à saúde daqueles acometi-
dos de sequelas orgânicas e psicológicas.

Muitas destas questões exigiram e exigem soluções à luz do direito sanitário


e nesse sentido claro está o desconhecimento de institutos, estruturas, or-
ganização do SUS, palco de dúvidas, interpretações errôneas, decisões du-
vidosas na aplicação do direito. Certamente a solidez do direito sanitário e
de seus institutos poderia contribuir para evitar ou solucionar conflitos de
modo ágil. O que temos assistido é uma intensa judicialização de questões
jurídicas, seja por desconhecimento, por interpretação equivocada, dada a
pouca importância conferida ao direito sanitário ao longo desses anos e a
falta de consolidação de uma teoria geral com conceitos gerais sobre questões
de emergência sanitária, controle de epidemias de importância nacional e
internacional, dentre outras.

Uma sólida base conceitual sobre a vigilância epidemiológica forneceria ele-


mentos para o controle de epidemias como a Covid-19. A lei de vigilância epi-
demiológica é de 1975 e precisa ser revisitada para a sua atualização. Teorias
jurídicas, revisão legislativa, sistematização das normas da saúde, muito contri-
buiriam para decisões judiciais mais uniformes e coerentes.

Por fim, o estudo do direito sanitário revela-se fundamental neste século, a


era da dignidade humana, da liberdade e da justiça social, com a saúde se
constituindo como um de seus principais direitos por encontrar seus funda-
mentos nos direitos humanos.

Fundamentos jurídico-filosóficos do direito sanitário


Saúde sempre foi objeto de preocupação do ser humano em razão de suas
enfermidades, fazendo da história da saúde a história das doenças e das per-
plexidades humanas em relação às suas causas e controle, uma vez que a vida

Sumário 161
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

grupal sempre esteve no centro da transmissão de doenças contagiosas, ainda


que nem sempre houvesse essa clareza. Sendo a enfermidade inerente à vida
(Rosen, 1985), a história da humanidade é repleta de epidemias, pandemias
e doenças incuráveis, ao lado do sentimento do medo, da perplexidade, do
pecado, da religiosidade, da magia.

Há evidências em civilizações antigas de preocupações com a saúde e o sa-


nitário, mas são da Grécia antiga os relatos mais conhecidos e precisos sobre
saúde, com Hipócrates (ano 460 a.c.) descrevendo certas doenças e suas teo-
rias conceituais. A finitude da vida e a enfermidade deram ensejo a concep-
ções filosóficas, religiosas e mágicas sobre vida e morte, evoluindo na medida
em que a ciência, a pesquisa e a biotecnologia avançaram e, como bem diz
Romero (2019), a doença, muitas vezes, foi protagonista da história e da evo-
lução humana.

Neste século XXI, estamos vivendo de modo real esse protagonismo da doen-
ça coletiva com a grave epidemia da Covid-19, que está a alterar o rumo da
história de modo trágico e rápido, em todos os seus campos.

Nos aproximando do século XIX e do desenvolvimento da visão humanísti-


ca, pode-se dizer que foi a partir daí que o binômio saúde-doença passou a
ser objeto de teorias ético-filosóficas sobre cuidados sociais públicos7, gerando
debates sobre deveres sociais versus responsabilidades pessoais. É de se lem-
brar ainda do interesse em se garantir mão de obra saudável para a melhoria
da produção na era da industrialização do século XIX, o que levou mui-
tos pensadores a defenderem melhores condições de vida aos trabalhadores
como direito em si mesmo e não para a melhoria da produção.

Vê-se que saúde, política e economia se imbricaram e que o humanismo cres-


cente a partir do século XIX influenciou a construção da saúde pública a
partir de conceitos ético-filosóficos e sociais e de forma mais abrangente que
a medicina exclusivamente.

7 Consultar: Rosen, G. Scliar, M. Ibidem; Berlinguer, Ética da Saúde. Editora Hucitec, 1996;
G. Sigerist, H.E. Civilização & Doença. São Paulo: Hucitec Editora, 2007.

Sumário 162
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

No século XX, após os horrores de duas grandes guerras mundiais, au-


mentaram as preocupações com a proteção da pessoa humana, ensejando
a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que consagra como premis-
sa ético-filosófica da vida humana a sua dignidade e a sua liberdade. A
preocupação com o direito à saúde levou Estados a reconheceram em seus
ordenamentos jurídicos a saúde como direito, assentando as bases para a
construção do direito sanitário como ramo autônomo do direito.

No Brasil pode-se afirmar que o direito sanitário vem sendo construído a


partir da constitucionalização do direito à saúde na Constituição de 888.
Ainda que as Constituições anteriores, quase todas, tratassem da saúde sob
o ponto de vista de prestações de serviços assistenciais, socorro público, vi-
gilância pública, combate a epidemias, endemias e outros agravos, o direito
à atenção à saúde se consagrou em 1988 como direito público subjetivo,
oponível ao Estado em razão de suas responsabilidades.

Os serviços de assistência à saúde, de cunho individualizado, que se faziam


presentes no âmbito da previdência de trabalhadores, em acordo as suas
categorias profissionais (Lei Eloy Chaves, 1923), talvez tenham sido no país
um dos primeiros serviços públicos de proteção social, com financiamento
de empregadores, empregados e governo. Eram normas de direito previ-
denciário com os serviços de saúde sendo os curativos e considerados bene-
fícios previdenciários.

A Reforma Sanitária dos anos 70 e a conquista de diversos programas fe-


derais de interiorização, integração e unificação de serviços de saúde, tem
no Programa dos Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde, Decre-
to n° 94.657, de 20.07.1987, a sua máxima expressão que desaguaram na
previsão constitucional do sistema de Seguridade Social, com previdência
contributiva, assistência social de garantia de mínimos existenciais e saúde
universalizada e igualitária. Lembramos mais uma vez que os serviços de
saúde que foram objeto do SUDS eram considerados benefícios previden-

8 O controle sanitário, as ordenações públicas sanitárias eram objeto de estudo do direito


administrativo.

Sumário 163
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

ciários, ou seja, estavam a cargo do Instituto Nacional da Assistência Médica


da Previdência Social (Inamps).

O reconhecimento de saúde como direito social e individual, em seus artigos


6° e 196, de concepção biogenética e socioeconômica, deveria orientar as po-
líticas de Estado, com o desenvolvimento econômico sendo instrumento do
desenvolvimento social e do bem-estar coletivo, direcionando a formulação
de metas econômicas em função das metas sociais, como bem reza o artigo 1°,
§ 2°, da Lei Complementar Paulista n° 791, de 1995.

Com a Constituição positivando o direito à saúde e ampliando o seu núcleo


essencial, o estudo das normas jurídicas constitucionais, sua sistematização e
interpretação fundamentada em conceitos jurídico-sanitários, passaram a ser
urgentes. Em especial, essa necessidade se consolida quando a judicialização
do direito à saúde adentra os tribunais superiores e o Procurador Geral da
República instaura em 1993 o Inquérito Civil Público nº 1, para apurar irre-
gularidades no financiamento da saúde.

Pode-se dizer que, a partir dessa data, o mundo jurídico público de modo
ainda incipiente despertou para a existência e importância do direito sanitá-
rio e a imperiosa necessidade de seu estudo. Esparsas obras9, artigos jurídicos
doutrinários, pesquisas e estudos, cursos de especialização foram surgindo
timidamente e o crescimento da judicialização da saúde nos anos 2.000, com
liminares urgentes e de efeito satisfativo, passaram a embaraçar a organiza-
ção e o funcionamento do SUS e a prejudicar o aprofundamento do tema
pelo próprio Judiciário. Isso tudo certamente embaraçou a construção de
uma sólida base teórica do direito sanitário.

Muitas vezes, a base teórica de um ramo do direito se firma com doutrina e


jurisprudência, mas o direito sanitário brasileiro ainda se ressente da falta de
uma doutrina robusta, mesmo que conte hoje com uma jurisprudência am-
pliada, muitas vezes controversa em relação aos conceitos do direito à saúde,

9 A publicação em 1992, da obra Comentários à Lei Orgânica da Saúde (Editora Hucitec), da autoria
de Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos, talvez tenha sido a primeira obra pós-Constituição de 88 a
tratar de tema vinculado ao direito sanitário ao tecer comentários à Lei n° 8.080, de 1990.

Sumário 164
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

talvez exatamente pela falta de estruturação de uma teoria própria do direito


sanitário. Por outro lado, a não sistematização de seu arcabouço jurídico le-
gislativo, seja por meio da elaboração de um código sanitário, seja por meio
da consolidação das normas federais, colabora para a não consolidação das
bases jurídicas do direito sanitário. Nesse âmbito, convém lembrar, por opor-
tuno, que as normas infralegais, em especial as do Ministério da Saúde, que
foram consolidadas em 2017, pecam pelo excesso e regras conflituosas com
os conceitos legais e constitucionais do direito à saúde e do SUS, merecendo
de modo urgente uma revisão para além da consolidação.

De todo modo, tem-se que o direito sanitário nasceu constitucionalizado em


razão da tutela do direito à saúde, com alguns princípios básicos e a instituição
do SUS e suas diretrizes. A Constituição fixou as atribuições do SUS e os limites
impostos ao setor privado na sua atuação na saúde. Essas fontes constitucionais
do direito sanitário, são a base de sua estruturação e seria oportuno o estímulo
à formulação de uma teoria geral estruturante do direito sanitário a pautar a
sua aplicação, a sua exegese e construção normativa.

O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 662510, de 2021, reco-


nhece que direito à vida, é escusado dizer, corresponde ao direito, univer-
salmente reconhecido à pessoa humana, de viver e permanecer vivo, livre
de quaisquer agravos, materiais ou morais, significando, especialmente, sob
pena de ficar esvaziado de seu conteúdo essencial, o direito a uma “existência
digna”, conceito mencionado no art. 170 de nossa Lei Maior. Já a saúde, de
acordo com o acima citado art. 196, “é um direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitária11.

Um direito cujos princípios basilares são a dignidade, a liberdade e a justiça social,


somados aos princípios da segurança sanitária, do acesso universal e da igual-
dade de atendimento (art. 196), cabendo ainda às políticas socioeconômicas
definir os meios executivos para evitar os riscos de enfermidades e agravos.

10 Supremo Tribunal Federal, ADI 6625. Acesso em 12.03.2021. Disponível em www.stf.jus.br


11 Podemos afirmar que a fonte primária básica para a construção de uma axiologia do direito sani-
tário são a dignidade humana, o exercício das liberdades da pessoa e o alcance da justiça social da qual
todos dos princípios do direito à saúde brasileiro derivam.

Sumário 165
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Enquadramento do direito à saúde à luz da constituição


Encontrar o núcleo essencial do direito à saúde em sua vastidão conceitual é
de grande importância para fixar as responsabilidades dos agentes públicos
em seus campos de atuação.

Saúde como direito social e individual tem concepção complexa que extra-
pola o convencional conceito médico-biológico-terapêutico que a pautava
anteriormente, quando, ao se falar em saúde, associava-se à enfermidade e
aos meios de sua cura ou minoração. Contudo, a medicina, o médico e o bio-
lógico perderam a sua primazia com a ampliação do conceito saúde quando
se passou a compreender seus aspectos econômico, político, social, cultural12,
não mais se regendo exclusivamente pela área médica e biológica, mas sim
por considerações de ordem socioeconômica, pelo desenvolvimento tecnoló-
gico e biotecnológico e pelo estilo de vida.

Saúde sendo considerada como um estado de completo bem-estar físico,


mental e social e não apenas a mera ausência de doença ou enfermidade,
ajustável cada época à sua cultura, valores, modo de vida, trouxe outra di-
mensão para o termo, hoje sintetizada pelo gozo de um bem-estar que permi-
ta o livre exercício de vários direitos, dentre eles o da própria liberdade. Nes-
se sentido, como afirmam Sem Kliksberg (2007, p. 76), “a saúde está entre as
mais importantes condições da vida humana e é um constituinte criticamente
significativo das capacidades humanas que temos que valorizar”.

Por isso, falar em direito à saúde é pensar em um feixe de direitos próprios e


correlatos que não se inserem na saúde como setor. Por isso importa categori-
zá-lo como direito próprio e impróprio pelos seus efeitos diretos e indiretos
na saúde das pessoas. Um conjunto de serviços próprios que exigem contornos
jurídicos e maior precisão como setor e um conjunto de serviços impróprios como
fatores que contribuem para a garantia da saúde, mas que excedem o aten-
dimento assistencial (serviços próprios). Uma coisa são os serviços de aten-

12 Scliar, M. Do mágico ao social. Editora Senac São Paulo. 2002, 2ª edição, p.17.

Sumário 166
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

dimento à saúde e outra, as condições de vida social, econômica, ambiental,


genéticas interferindo na saúde individual.

Pode-se dizer que saúde lato sensu é direito à proteção de um estado de ser o
mais sadio possível e não tão somente prestações de serviços assistenciais. As
prestações de serviços em geral pressupõem algum agravo e, por isso, o Poder
Público, prioritariamente, deve agir preventivamente para que as pessoas não
adoeçam por causas evitáveis, interrelacionando políticas públicas que preser-
vem a saúde das pessoas com meios de sua promoção e recuperação.

Além disso, a definição da abrangência do setor saúde do ponto de vista pres-


tacional importa para o planejamento, o orçamento, a definição de programas
específicos e o financiamento dos entes públicos. Defini-la indiretamente in-
teressa à formulação de políticas públicas para a equidade em saúde, que não
está tão somente no atendimento de demandas, mas sim no desenvolvimento
da sociedade para o alcance de equidade social, o que requer o combate à desi-
gualdade em saúde decorrente das disparidades geográfica, de gênero, de raça
e de renda, o que levou Sen e Kliksberg (2007) a reconhecerem a equidade na
saúde como um conceito multidimensional. Esses temas são relevantes para o di-
reito sanitário e por isso precisam ser melhor classificados e sistematizados para
o enquadramento do direito tutelado pelo Estado mediante serviços prestados
pelo SUS (serviços próprios) e por aqueles assegurados mediante políticas pú-
blicas de proteção social (serviços impróprios).

A dicção do artigo 196 da Constituição exige como ponto de partida a sua


decomposição em duas partes distintas por ter definido o direito à saúde
como a garantia de serviços próprios, objeto do SUS, e de serviços impró-
prios, objeto de políticas públicas. Santos (2010) chamou atenção a esse fato
ao discorrer sobre o conceito de integralidade da assistência à saúde, tecendo
importantes considerações sobre os binômios saúde-serviço e saúde-política pú-
blica socioeconômica.

O direito à saúde, ao compreender políticas sociais e econômicas que evitem o


risco do agravo à saúde e ações e serviços de promoção, proteção e recupera-

Sumário 167
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

ção da saúde, impôs ao SUS – sistema constitucional de viabilização da saúde


pública – a tripla dimensão de regular, prevenir e prestar serviços assistenciais
à população13 para atender a concepção múltipla do termo saúde.

Daí poder se falar em responsabilidades sanitárias diretas e indiretas que ensejam


serviços sanitários próprios e impróprios. Deveres sanitários de ordem subjacen-
tes, que se instalam generalizadamente por todos os setores, correspondendo
às responsabilidades indiretas das autoridades públicas não-sanitárias, como
a poluição do ar, da água, do solo e o saneamento, todos com graves reflexos
na saúde coletiva.

Apesar de a responsabilidade com o meio ambiente ser indireta, cabe às au-


toridades sanitárias de modo direto a identificação e divulgação dos fatores
condicionantes e determinantes da saúde (art. 5°, I, da Lei n° 8.080), que de-
veria ocorrer periodicamente. Além disso, compete a elas participar, median-
te parâmetros preestabelecidos, da formulação da política de meio ambiente
(art. 15, VII) em seus efeitos sanitários.

Assim, há ações específicas do setor saúde e dos setores econômico-sociais,


ambientais, tecnológicos, que concorrem e configuram como meio para o
estado de bem-estar físico, psíquico, social. Ao organizar o setor saúde, o dever
de garantir acesso universal e igualitário para a promoção, proteção e recuperação da
saúde se caracteriza constitucionalmente (art. 198, II) como atividade própria,
específica do SUS. Todas as nuances do direito à saúde precisariam ser melhor
sistematizadas para adequada compreensão do direito à saúde que cabe ao
SUS, desafios para o estudo do direito sanitário.

O caráter social da saúde expresso em suas condicionantes e determinan-


tes, exigiria definições infraconstitucionais gerais e específicas para dispor
sobre qualidade de vida como fundamento político-social das condições de
saúde. As medidas gerais abrangem os contornos necessários para a garantia
de condições dignas de trabalho, renda, alimentação, educação, moradia e

13 Regular para prevenir agravos, diga-se; prestar serviços para também prevenir mediante a medi-
cina diagnóstica e recuperar a saúde agravada.

Sumário 168
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

saneamento, que se caracterizam como atuação sanitária indireta do Estado


a produzir efeitos na saúde. Como medidas específicas, temos, por exemplo,
a organização e o funcionamento do SUS, bem como seus serviços e medidas
assistenciais, que se configuram como serviços diretos incumbidos às redes de
atenção à saúde no SUS.

É preciso, pois, reconhecer a interdependência, a interrelação e a intercone-


xão entre saúde e qualidade de vida num modelo de sociedade de bem-estar
social ou, melhor dizendo, um Estado que protege seu cidadão do risco de
adoecer por causas evitáveis, sejam elas próprias ou impróprias, com a ação
da saúde pautando o desenvolvimento econômico para o alcance de metas
sociais. Daí novamente trazer a norma expressa no Código de Saúde Paulista,
aqui mencionado (Lei Complementar n° 791, de 1995).

O caráter individual da saúde, expresso no reconhecimento da necessidade


do Estado de adotar ações e serviços de saúde que previnam, promovam e
recuperem a saúde das pessoas, encontra no SUS, delineado pelo artigo 198
da Constituição, o instrumento para a realização das competências gerais se-
toriais insertas nos artigos 23, II, e 24, IX, da Constituição e as específicas no
artigo 200 do mesmo documento.

De um lado, um Estado que previne agravos à saúde e de outro a organização


e funcionamento de um sistema com ações e serviços curativos e promocio-
nais, de acesso universal, aberto à população de modo igualitário, sem distin-
ção, nem mesmo de condição econômica. Ações programáticas dependentes
de políticas públicas, de cunho geral, que incumbem a diversos setores e, de
outro, um sistema público de saúde incumbido de promover a saúde (esti-
mular as pessoas e a sociedade a cuidarem da saúde individual e coletiva); de
proteger a saúde (medidas regulatórias e fiscalizadoras estatais); e de recupe-
rar a saúde (serviços curativos e de apoio diagnóstico).

São dois os núcleos do direito à saúde, sendo o primeiro objeto dos mais di-
versos setores públicos de modo indireto e o segundo o objeto do SUS, pres-
tado de modo direto à população. O marco legislativo, o estudo do direito, a

Sumário 169
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

doutrina e a hermenêutica, bem como a judicialização sanitária dizem respei-


to quase sempre ao objeto que conforma o SUS, aos meios para a realização
da saúde. (Bisol, 2020).14

Isso tudo nos leva a considerar na estruturação de uma teoria geral do di-
reito sanitário, a necessidade de discriminação das responsabilidades dire-
tas e indiretas na saúde em razão da existência no mundo fático de serviços
próprios e impróprios, decorrentes da concepção de saúde que contempla
não tão-somente as ações diretas dos órgãos sanitários, mas também aquelas
que interferem com a saúde de modo indireto, produzindo efeitos sanitários
ainda que não estejam no setor saúde. Havendo responsabilidades sanitárias
diretas e serviços de saúde próprios e responsabilidades sanitárias indiretas e serviços de
saúde impróprios, como a questão do meio ambiente saudável, o saneamento,
a alimentação, importante essa discriminação para a fixação das responsa-
bilidades sanitário de agentes públicos não-sanitários. (Ações impróprias da
saúde por seus efeitos indiretos na vida do cidadão e ações próprias pelos
seus efeitos diretos.)

Nessa linha de pensamento temos como objeto do direito sanitário: a) as me-


didas regulatórias da saúde a cargo dos órgãos reguladores, como a Anvi-
sa, as vigilâncias estaduais e municipais, que interagem com outros órgãos
reguladores como os do meio ambiente, da agricultura etc.; b) as medidas
protetivas que exigem do setor saúde a detecção dos fatores determinantes e
condicionantes da saúde que requerem a sua participação na formulação de
determinadas políticas públicas (art. 5° da LOS); e c) as medidas de recupe-
ração da saúde, com serviços assistenciais ambulatoriais, hospitalares, apoio
diagnóstico (serviços assistenciais).

Por fim, há ainda os regramentos próprios e as diretrizes do SUS, um arcabou-


ço normativo de base constitucional, complexo e disciplinado em lei que ainda
sofre importantes lacunas, como as disciplinas ao setor privado da saúde.

14 Bisol, J; Rey Filho, M. DIREITO SANITARIO Org. Lemos, A.; Alves, Sandra. Por que uma teoria
geral do direito sanitário? – Editora Matrioska 2020. Acessível em: https://www.cadernos.prodisa.fio-
cruz.br/LIVRO_PDF_Direito_Sanitario_digital_link_ajustado-1.pdf Acesso em 7.1.2020.

Sumário 170
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

O marco normativo do SUS: a lei n° 8.080, de 1990


Competindo ao Estado o dever de atuar na saúde curativa, foi preciso insti-
tuir um serviço público incumbido dessas atribuições, dando origem ao SUS,
estabelecido pelo artigo 198 da Constituição. Esta norma define o SUS como
um conjunto de ações e serviços públicos de saúde articulados entre si e in-
tegrados em redes regionalizadas a cargo dos entes federativos e com finan-
ciamento específico.

O enunciado constitucional ensejou a edição da lei-quadro da saúde, Lei n°


8.080, de 1990, dando forma ao SUS. Esse diploma legal previu deveres es-
tatais, na forma do disposto no § 1° do artigo 2° e artigo 3°, e atribuições e
objetivos do SUS (artigos 5° e 6°) próprios e impróprios - os primeiros se
estabelecendo como um conjunto de ações e serviços disciplinados no artigo
6° e os demais na forma de resultados indiretos na saúde que pressupõem o
desenvolvimento econômico como instrumento do bem-estar coletivo.

Na conceituação do SUS, encontramos mandamentos político-administrati-


vos expressos na obrigatoriedade de integrar serviços públicos de saúde en-
tre os entes federativos em regime de cooperação federativa; a organização
em rede de atenção à saúde e a estruturação das regiões de saúde como divi-
são sanitária do Estado-membro. Ao lado de seu conceito, a complementá-lo
em sua organização, estão as suas diretrizes e responsabilidades15, discrimi-
nando-as e distribuindo-as entre os entes federativos; a direção única como a
obrigatoriedade de se centralizarem setorialmente, em cada esfera de gover-
no, as ações e serviços de saúde que não podem se dispersar entre diversos
setores, como já foi no passado; o atendimento integral e a priorização das
ações e serviços preventivos sem abandono dos serviços curativos, na dinâ-
mica do atendimento integral à saúde. E a participação da comunidade que
deu origem aos conselhos de saúde, organizados na forma do disposto na Lei
n° 8.142, de 1990, consagrando a democracia direta na gestão da saúde. Mui-

15 Cf. Santos, L. Distribuição de competência no Sistema Único de Saúde. O papel das três esferas de
governo no SUS. Publicação OPAS, 1994.

Sumário 171
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

tos desses institutos foram e são mal compreendidos e regrados em minúcias


pelo Ministério da Saúde, de modo complexo e invasivo das competências
dos demais entes federativos incumbidos do cuidado com a saúde.

O SUS como resultado da integração federativa sistêmica das ações e serviços


de saúde nos leva a afirmar ser da natureza dos serviços públicos de saúde
serem integrados sistemicamente em um único sistema público. Essa integra-
ção dos serviços de saúde é obrigatória, em especial a integração dos serviços
estaduais com os municipais, uma vez que são poucos os serviços da União de
atendimento direto à população, e deve ser organizada de modo regionaliza-
do, dando ensejo às regiões de saúde, regulada e coordenada pelo Estado, o
seu responsável estadual.

A determinação constitucional dessa integração, sujeita aos princípios do ar-


tigo 196 (universalidade de acesso e igualdade) e às diretrizes do artigo 198
da Constituição, consolida um sistema interfederativo de saúde de caráter
nacional, ensejando um SUS de abrangência nacional e gestão federal, esta-
dual e municipal, de modo regionalizado. São balizas importantes para uma
teoria geral do direito sanitário, lembrando a incipiente regulação dos aspec-
tos interfederativos do SUS e da região de saúde, elemento importante na
integração federativa de serviços.

Esse quadro ensejou a alteração na sua lei-quadro em 2011, para disciplinar


a criação de instâncias nacional, estadual e regional de deliberação consen-
sual da definição e operacionalidade das políticas de saúde e demais aspectos
interfederativos sanitários. Diversos aspectos jurídico-administrativos devem
ser solucionados nessa forma de gestão interfederativa dada a gestão com-
partilhada do SUS.

O contrato organizativo da ação pública da saúde, conforme disposto no Decreto


nº 7.508, de 2011, é um importante elemento de agregação das ações e serviços
de saúde dos entes federativos na região de saúde quanto ao estabelecimento
das responsabilidades federativas em relação ao SUS. Contudo, ante a falta de
compreensão das bases jurídico-teóricas do SUS, o contrato não foi bem com-

Sumário 172
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

preendido. Tem-se preferido que a pactuação nas instâncias deliberativas do


SUS permaneça sem lastro contratual a impor segurança jurídica ao cumpri-
mento das responsabilidades federativas. Diante disso, não se levam a cabo os
deveres de cada um dos entes quando esses não são cumpridos, tampouco se
permite o aperfeiçoamento desse instrumento pela via factual, o que lastrearia
cada vez mais o cumprimento das obrigações de uns com os outros em favor de
um SUS responsivo, consolidado e aperfeiçoado permanentemente.

Essas dificuldades decorrem da falta de compreensão jurídica adequada do


SUS, um dos desafios jurídicos do SUS.

As dificuldades do direito sanitário evidenciadas pela


pandemia da Covid-19
A ausência de determinadas normas, doutrina, teoria geral consolidando o di-
reito sanitário ficou evidente na pandemia da Covid-19, que mostrou essas fra-
gilidades. A pandemia da Covid-19 exigiu das autoridades sanitárias respostas
rápidas, urgentes, coordenadas e estruturadas para combater a disseminação
do novo coronavírus, como a necessidade de ampliação de serviços, compra de
medicamentos, insumos, testes diagnósticos para o seu enfrentamento, distri-
buição territorial adequada às necessidades de saúde das pessoas.

Some-se a isto o uso político da pandemia, com o acirramento de disputas


político-partidárias, as estratégias de disseminação de falsas notícias, o ne-
gacionismo da ciência mediante recomendações de tratamentos e medica-
mentos sem evidências científicas, dentre outros aspectos negativos. O Brasil
passou a vivenciar a falta de coordenação da política de saúde, que caberia ao
Ministério da Saúde, como direção nacional do SUS e conflitos permanentes
entre as autoridades públicas, dificultando a construção de consensos interfe-
derativos, a união de todos em favor do bem comum, diálogos institucionais
e federativos, pautados pela colaboração e respeito.

Nesse contexto, a judicialização da saúde pelos entes federativos ganhou for-


ça e relevância e a falta de reconhecimento e melhor estruturação do direito

Sumário 173
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

sanitário com seus vazios teóricos, normativos, doutrinários pode ter contri-
buído para interpretações equivocadas de autoridades políticas, sanitárias e
judiciais, tumultuando ainda mais a vida política e sanitária no país.

Talvez a existência consolidada de uma teoria geral do direito sanitário teria


força para atuar na própria produção normativa do SUS, na sua exegese, ga-
rantindo maior unidade. Os conflitos interpretativos poderiam ser mitigados
no cotidiano do SUS. Como exemplo, podemos citar os conflitos jurídicos so-
bre compra de vacinas pelo setor privado em ambiente de escassez; a compe-
tência própria e a supletiva dos estados e municípios para legislar e atuar na
saúde, ainda mais quando num ambiente de inação do ente federal; o dever
da União na coordenação nacional da pandemia; o apoio técnico e financeiro
aos entes federativos pela União; a necessária adoção de medidas de prote-
ção sanitária da população como dever constitucional de prevenir agravos à
saúde, o uso off label de medicamentos (que exigem a autorização da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa), a obrigatoriedade de aquisição de
vacinas em tempo oportuno; as requisições administrativas de bens e serviços
e diversas outras medidas adotadas por autoridades sanitárias.

O STF teve que reafirmar, de forma expressa, a existência de competências


comuns entre os entes federativos para a atuação na área da saúde, o que já
deveria estar assentado, consolidado, conforme se vê na decisão proferida no
bojo da ADPF 67216:

A gravidade da emergência causada pela pandemia do coronavírus (CO-


VID-19) exige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a
efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de todas as
medidas possíveis e tecnicamente sustentáveis para o apoio e manutenção
das atividades do Sistema Único de Saúde, sempre com o absoluto respeito
aos mecanismos constitucionais de equilíbrio institucional e manutenção da
harmonia e independência entre os poderes, que devem ser cada vez mais
valorizados, evitando-se o exacerbamento de quaisquer personalismos pre-
judiciais à condução das políticas públicas essenciais ao combate da pande-
mia de COVID-19.

16 Supremo Tribunal Federal, ADPF 672. Relator Min. Alexandre de Moraes.

Sumário 174
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Em relação à saúde e assistência pública, a Constituição Federal consagra


a existência de competência administrativa comum entre União, Estados,
Distrito Federal e Municípios (art. 23, II e IX, da CF), bem como prevê
competência concorrente entre União e Estados/Distrito Federal para le-
gislar sobre proteção e defesa da saúde (art. 24, XII, da CF), permitindo
aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber,
desde que haja interesse local (art. 30, II, da CF); e prescrevendo ainda a
descentralização político-administrativa do Sistema de Saúde (art. 198, CF,
e art. 7º da Lei 8.080/1990), com a consequente descentralização da exe-
cução de serviços, inclusive no que diz respeito às atividades de vigilância
sanitária e epidemiológica (art. 6º, I, da Lei 8.080/1990)

Mais uma vez vimos aprofundar uma judicialização que poderia ter sido des-
necessária ou minimamente desaconselhada pelos órgãos jurídicos compe-
tentes da União, caso o direito sanitário estivesse mais consolidado no país,
mesmo que muitas demandas tenham tido cunho político. Competências
quase que indelegáveis do Poder Executivo foram transferidas para a deci-
são do Poder Judiciário pelos flancos existentes ainda neste ramo do direito,
como exemplo a necessidade de se reafirmarem conceitos jurídico-sanitários
que, em 32 anos do direito à saúde, não deveriam mais suscitar dúvidas. O
direito sanitário repentinamente passou a ser fortemente demandado em sua
estrutura teórico-jurídica e normativa e dado o desinteresse de anos e anos
por esse ramo do direito que não se fortaleceu, foram muitas as inadequações
operativas durante a pandemia.

O painel de ações Covid-19 do STF ilustra essas disfunções. Com o objetivo


de divulgar ao público as ações judiciais propostas e as decisões proferidas
relacionadas à pandemia17, pode-se ver no portal do STF o volume de ações
judiciais propostas perante a Corte. O STF contabilizou um total de mais de
8 mil ações judiciais em tramitação na Corte em pouco mais de um ano da
pandemia, com quase 10 mil decisões proferidas. Chega-se à incrível média
de 20 novas ações diariamente submetidas à mais alta Corte Judiciária do
país relativas à pandemia. Isso confirma a necessidade de reflexões sobre

17 Supremo Tribunal Federal. Disponível em: https://transparencia.stf.jus.br/extensions/app_proces-


so_covid19/index.html, acessado em 13 de abril de 2021.

Sumário 175
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

melhorias no arcabouço jurídico sanitário, oportunidade de discussão sobre


uma teoria jurídica sanitária e outros aspectos técnico-jurídicos que poderão
contribuir para a melhor atuação do SUS. O aumento na produção de estu-
dos, pesquisas e doutrina que consolidem esse tão relevante campo do direito
seriam oportunas a partir da pandemia.

Como se observa, a Covid-19 tem representado um gigantesco desafio à saú-


de em todos os seus campos, impondo um papel central à jurisprudência, o
que nem sempre é o melhor caminho. Isso reafirma a necessidade de se cons-
truir e fortalecer o direito sanitário sob todos os aspectos para qualificar sua
exegese, seu arcabouço normativo, seus conceitos estruturantes, seu estudo
e pesquisa.

Considerações finais
Os complexos aspectos jurídico-administrativos e sanitário do SUS precisam
ser mais aprofundados, compreendidos, sistematizados para uma atuação
harmoniosa, com menor judicialização possível. Uma teoria jurídica sanitá-
ria importa para o fortalecimento do direito sanitário, como bem pontuou
o professor Aith (2006),

a Teoria Geral do Direito Sanitário (...) possibilita uma visão mais ampla deste
importante ramo jurídico, oferecendo elementos para a sua compreensão e
para a interpretação dos textos normativos que o compõe. Auxilia também as
autoridades públicas responsáveis por tomar decisões vinculadas às normas
de Direito Sanitário, na medida em que tais decisões devem observar o regi-
me jurídico do Direito Sanitário sempre que este for cabível.

A consolidação de uma teoria jurídica sanitária se mostra necessária ao lado


de outros aspectos consolidadores do direito sanitário. A atual crise sani-
tária vivenciada pela humanidade neste século bem demonstra tal fato. A
estruturação teórica do direito sanitário poderá conformar uma base orien-
tadora da elaboração de suas normas, de sua exegese e aplicação, fortale-
cendo o direito à saúde.

Sumário 176
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

Há ainda questões em aberto na área da saúde, conflitos interpretativos, vazios


normativos, incompreensões de conceitos e institutos da saúde que precisam ser
resolvidos para a melhor aplicação do direito e com certeza, na medida em que
se aperfeiçoam suas normas, seus conceitos, se melhora a sua atuação, as decisões
das autoridades sanitárias, a definição de políticas.

Muitas são ainda questões não resolvidas do SUS. Há dificuldades em sua ope-
racionalidade, na compreensão conceitual ensejando decisões díspares e o não
cumprimento de diretrizes fundamentais. Um dos exemplos são as regiões de
saúde, essenciais na organização do SUS e que até hoje não conseguiram alcan-
çar os resultados necessários. Um sistema regionalizado que ainda não conta com
reais regiões de saúde. Se o SUS se define como um sistema integrado de ações
e serviços de saúde dos entes federativos em rede regionalizada e hierarquizada,
não poderia, após 32 anos, ainda não ter cumprido tal determinação constitu-
cional. Ainda que haja regiões de saúde, elas não alcançaram o seu desiderato.

Por fim, muitos são os desafios jurídicos, normativos, operacionais e judiciais do


SUS. Muitos deles passam por questões políticas, mas com certeza a melhoria de
suas estruturas jurídicas, a existência de uma teoria geral do direito sanitário, a
sua melhor normatividade, contribuirão para o fortalecimento do direito à saú-
de e como consequência, para a melhoria da saúde das pessoas.

Referências
AITH, Fernando Mussa Abujamra. Teoria geral do direito sanitário brasileiro.
2006. Tese (Doutorado em Serviços de Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. doi:10.11606/T.6.2006.tde-23102006-
144712. Acesso em: 2020-03-31.

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BISOL, J; Rey Filho, M. Direito Sanitário Org. Lemos, A.; Alves, Sandra.
Por que uma teoria geral do direito sanitário – Editora Matrioska 2020. Acessível
em: https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/LIVRO_PDF_Direito_Sanitario_digital_
link_ajustado-1.pdf Acesso em 7.1.2020.

Sumário 177
Judicialização da Saúde nos Municípios Teses Jurídicas e Práticas Judiciais

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Editora, 2010.

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três esferas de governo no SUS. Publicação OPAS, 1994.

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Orgânica da Saúde. São Paulo: Editora Hucitec, 1ª edição, 1992.

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Supremo Tribunal Federal, ADI 6625. Acesso em 12.03.2021. Disponível em:


www.stf.jus.br

Supremo Tribunal Federal, ADPF 672. Relator Min. Alexandre de Moraes. Acesso
em 12 de abril de 2021. Disponível em www.stf.jus.br

Supremo Tribunal Federal. https://transparencia.stf.jus.br/extensions/app_processo_


covid19/index.html Acesso em 13 de abril de 2021. Disponível em:
www.stf.jus.br

Sumário 178
Diagnósticos
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Judicialização da Saúde em Santa


Catarina – 20 anos de história
Kaite Cristiane Peres1
Fabíola Bagatini Buendgens2
Carolina Nogared Cardoso3
Felipe Barreto de Melo4
Guilherme Daniel Pupo5
Letícia Coelho Simon6
Mônica Cristina Nunes da Trindade7
Claudia Marcela Vargas Peláez8
Mareni Rocha Farias9

Resumo
Introdução: A judicialização da saúde, principalmente a
que envolve tecnologias curativas como os medicamentos,

1 Doutoranda em Farmácia - UFSC e Mestre em Farmácia - UFSC; Doutoranda; Universidade


Federal de Santa Catarina; Lattes: http://lattes.cnpq.br/8479232964355311.
2 Doutora em Farmácia - UFSC; Farmacêutica do Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário (NAT-Jus)
de Santa Catarina; Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina Currículo Lattes: http://lattes.
cnpq.br/3792961510125223.
3 Mestranda em Farmácia - UFSC; Mestranda; Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC);
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5324626830502129.
4 Especialista em Direito Sanitário - Unyleya e Graduado em Direito - UFS; Procurador do Estado;
Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina; Lattes: http://lattes.cnpq.br/8550589265027473.
5 Mestre em Assistência Farmacêutica - UFSC; Apoiador Técnico Regional; Conselho de Secretarias
Municipais de Saúde de Santa Catarina (COSEMS/SC); Lattes: http://lattes.cnpq.br/1593112298465675.
6 Pós-Graduada em Direito Público e em Gestão da Promoção e Assistência à Saúde - Faculdade de
Ciências Médicas de Minas Gerais e Fundação Unimed e Graduada em Direito - Universidade Católica
de Pelotas; Assistente Jurídica; Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina.
7 Doutoranda em Farmácia - UFSC e Mestre em Assistência Farmacêutica - UFSC; Doutoranda;
Universidade Federal de Santa Catarina; Lattes: http://lattes.cnpq.br/7473166267717127.
8 Doutora em Farmácia - UFSC e Mestra em Farmacologia - UNAL/Bogotá; Professora Assistente
do Departamento de Farmácia e Diretora da Fundación IFARMA; Universidad Nacional de Colombia;
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3162983867676697.
9 Pós-Doutorado - University of Health and Life Sciences (UMIT) em Hall in Tirol/Áustria e Douto-
ra em Ciências Naturais - Universidade de Bonn/Alemanha; Professora Titular; Universidade Federal
de Santa Catarina; Lattes: http://lattes.cnpq.br/1955003761488344.

Sumário 180
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

se interiorizou, atingindo o âmbito municipal. Conhecer


o percurso da judicialização nos Estados e os fatores que
favorecem/dificultam a ocorrência deste fenômeno é fun-
damental para a definição de estratégias com objetivo de
minimizar seu impacto. O trabalho objetiva analisar a ex-
pansão histórica da judicialização da saúde no Estado de
Santa Catarina. Métodos: Trata-se de um estudo ecológi-
co, realizado a partir de dados secundários provenientes
de ações judiciais envolvendo a assistência à saúde, impe-
tradas até 2019 e que lograram êxito contra o Estado de
Santa Catarina. Analisou-se o perfil das ações judiciais e
potenciais correlações com as características demográfi-
cas, índices socioeconômicos e de desempenho do siste-
ma de saúde dos municípios de Santa Catarina. Resulta-
dos: A análise histórica de 20 anos (2000-2019) mostrou
a ocorrência de 66.726 ações judiciais envolvendo 57.894
autores, os quais solicitaram 145.728 tecnologias, sendo
145.145 produtos e 583 serviços. Houve um aumento das
ações judiciais no Estado até 2015 mas, posteriormente,
diversas ações de enfrentamento executadas no Estado
levaram a uma redução nesse número. Observou-se uma
associação do número de ações judiciais com IDHM, ID-
SUS, Índice de Gini, e porte de município. Conclusão:
A expansão da judicialização na área da saúde em Santa
Catarina nos últimos 20 anos atingiu todos os municípios
do Estado e os dados apontam para uma correlação com
indicadores de maior acesso aos serviços de saúde corro-
borando com outros estudos nacionais.

Palavras-chave: Judicialização da Saúde; Assistência à Saú-


de; Poder Judiciário.

Sumário 181
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
O debate sobre a judicialização na saúde inclui diferentes causas e múltiplas
abordagens. Abrange a busca insaciável pela garantia de direitos individuais
e o exercício da cidadania; a primazia de direitos individuais em detrimento
de direitos coletivos; a exposição de falhas e o potencial efeito desorganiza-
cional na gestão das políticas públicas; o alto preço das tecnologias em saúde;
os fundamentos fáticos e jurídicos mencionados nas demandas e a atuação
do Poder Judiciário; o crescimento do número das demandas judiciais e as
medidas de enfrentamento.

O fenômeno se iniciou nos grandes centros urbanos, principalmente nas ca-


pitais, em virtude da maior facilidade de acesso às instituições do Judicário
(BOING, 2008; PEREIRA et al. 2010; RONSEIN, 2010). No decorrer dos
anos, a judicialização da saúde aumentou, principalmente, após o ano 2000,
se interiorizando e alcançando municípios com diferentes características,
com destaque às tecnologias curativas, como os medicamentos (RONSEIN,
2010). Neste período houve um fortalecimento tanto das políticas públicas
na área da saúde, quanto das instituições do Judiciário, Ministério Público
e Defensoria Pública (ASENSI, 2010; OHLAND, 2010). Em Santa Catarina,
no período de 2008-2017, conforme a pesquisa “Judicialização da Saúde no
Brasil: Perfil das demandas, causas e propostas de solução”, elaborada pelo
Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) para o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), o Ministério Público destacou-se por integrar as principais partes ati-
vas (acionantes) nos processos de saúde, em primeira instância, movidos no
Estado (10,2% do total do estado). Já quanto à parte passiva (réus), destacam-
se os municípios (15,4%) e o Estado (35,9%) (INSPER, 2019).

A judicialização causa um efeito direto na (des)organização e no orçamento


da saúde pública das partes passivas, principalmente pela imprevisibilida-
de dos processos judiciais. Em alguns casos há desconsideração da ordem
federativa do Sistema Único de Saúde (SUS) e a decisão judicial é direcio-
nada à competência de outro ente (WANG et al., 2014; RAMOS et al., 2017).

Sumário 182
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Em âmbito municipal, o impacto orçamentário quando as decisões não se-


guem a ordem administrativa do SUS pode ser superior ao valor disponível
nos municípios (FERRAZ, 2011; WANG et al., 2014).

Diante do aumento da judicialização e seus impactos, em 2009, o Supremo


Tribunal Federal (STF) promoveu a Audiência Pública nº 4. Foram ouvidos
mais de 50 especialistas, incluindo advogados, defensores públicos, promo-
tores e procuradores de justiça, magistrados, professores, médicos, técnicos
de saúde, gestores e usuários do sistema de saúde, com o objetivo de discutir
questões relativas à responsabilidade dos entes da Federação e ao financia-
mento do SUS (BRASIL, 2009). A audiência resultou na instituição do Fórum
Nacional do Judiciário e na criação de um grupo de trabalho do CNJ. O CNJ
passou a exercer melhor seu papel institucional e proporcionou a difusão
de iniciativas para o enfrentamento da judicialização (BRASIL, 2009; JOR-
GE, 2017). Propostas e análises sobre a judicialização têm sido frequentes,
como a discussão da participação solidária dos entes, das responsabilidades
administrativas e das ações envolvendo medicamentos experimentais e não
registrados no órgão regulatório nacional ou medicamentos de alto preço e
não incorporados ao SUS (VARGAS-PELÁEZ et al., 2019).

A União e, principalmente, os estados e os municípios têm buscado e adota-


do estratégias para o enfrentamento e o gerenciamento da judicialização da
saúde. Desta forma, conhecer o percurso da judicialização nos estados e os
fatores que favorecem/dificultam a ocorrência deste fenômeno é fundamen-
tal para a definição de estratégias a fim de minimizar seu impacto. O trabalho
tem como objetivo analisar a expansão histórica da judicialização da saúde no
Estado de Santa Catarina.

Metodologia
Trata-se de um estudo ecológico, realizado a partir de dados secundários,
provenientes de ações judiciais impetradas contra o Estado de Santa Catari-
na, envolvendo a assistência à saúde, no período de 2000 a 2019.
Sumário 183
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Santa Catarina é o menor estado da região Sul do Brasil, com território de


95,4 mil km², população estimada em 2020 de 7,2 milhões de pessoas e den-
sidade demográfica de 65,29 habitantes por km². O Estado é constituído
por 295 municípios, sendo Florianópolis a Capital. Além da Capital, entre
as maiores cidades destacam-se Joinville, Blumenau, Itajaí, Balneário Cam-
boriú, Chapecó, Criciúma, Lages e Jaraguá do Sul (BRASIL, 2021a; SANTA
CATARINA, 2021a). Em relação à saúde, a gestão é organizada em 16 regiões
de saúde.

Consideraram-se neste estudo todas as ações judiciais, registradas no siste-


ma de gerenciamento das ações judiciais da Secretaria de Estado da Saúde
de Santa Catarina (SES/SC), envolvendo a assistência à saúde ajuizadas nas
Justiças Estadual e Federal contra o Estado de Santa Catarina, que lograram
êxito, até 31 de dezembro de 2019. As variáveis analisadas foram: partes pas-
sivas (réus), número do processo, município de residência do autor, data de
cadastro da ação no sistema e tecnologia objeto da ação. As tecnologias soli-
citadas foram classificadas em produtos ou serviços de saúde. Os produtos
incluíram medicamentos, cosméticos, produtos para saúde e seus acessórios,
alimentos, vitaminas e suplementos, e saneantes. Já os serviços, correspon-
deram a consultas, exames, procedimentos, transporte e demais serviços de
apoio ao indivíduo.

Os desfechos analisados foram o número de ações judiciais acumuladas du-


rante o período de análise, por município de residência do autor, região de
saúde, e réu (parte passiva) e a proporção de ações acumuladas por 1.000
habitantes (hab), considerando a população censitária de 2010 (BRASIL,
2010). Para os dois municípios emancipados após a realização do Censo 2010
(Pescaria Brava e Balneário Rincão), foi adotada a população estimada para
2020 (BRASIL, 2021a).

Seguindo as características demográficas de Santa Catarina, os municípios


foram classificados, segundo seu porte populacional em: micro (até 5 mil ha-
bitantes); muito pequeno (≥5 mil e <10 mil habitantes); pequeno (≥10 mil e

Sumário 184
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

<25 mil habitantes); médio (≥25 mil e <50 mil habitantes); grande (≥50 mil
e <100 mil habitantes); e muito grande (>100 mil habitantes).

Para a análise da relação entre o número e a proporção de ações judiciais


e acumuladas com as características demográficas, índices socioeconômicos
e de desempenho do sistema de saúde dos municípios de Santa Catarina,
consideraram-se as seguintes variáveis: sexo, faixa etária, tipo de população
(rural ou urbana), escores do Índice de Desenvolvimento Humano Munici-
pal (IDHM), Índice de Gini (desigualdade socioeconômica) e Índice de De-
sempenho do Sistema Único de Saúde (IDSUS). Foram excluídos registros
sem especificação do município de residência do autor.

Os dados da população censitária, do IDHM e do Índice de Gini foram obti-


dos no Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, com referência ao ano
de 2010 (ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO, 2021). Os dados
do IDSUS foram provenientes da base de dados do Ministério da Saúde;
para esta análise optou-se pelo ano de 2010 devido à qualidade e à abran-
gência dos indicadores que compõem o IDSUS desse ano (BRASIL, 2021b).
Os municípios de Pescaria Brava e Balneário Rincão não foram incluídos na
análise socioeconômica e de desempenho do SUS, devido à indisponibilidade
de dados.

Os dados coletados foram tabulados e analisados no programa Microsoft Offi-


ce Excel® 2016. As variáveis categóricas foram representadas pela frequência
absoluta e relativa. As variáveis quantitativas foram representadas por media-
na, média e desvio-padrão, além da amplitude (mínimo e máximo).

A fim de analisar a influência dos municípios de médio/grande porte nas


análises realizadas, foram considerados dois subconjuntos distintos: um con-
tendo os 293 municípios e outro em que foram retirados os nove municípios
considerados pelo governo estadual como as maiores cidades, totalizando
284 municípios.

As distribuições do número e da proporção de ações acumuladas entre o


porte dos municípios foram comparadas via teste de Kruskal-Wallis. Quando
Sumário 185
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

significativo, o teste post-hoc de Dunn foi utilizado para diferenciar as cate-


gorias. Realizou-se a correlação de Pearson para verificar o grau de relação
entre os desfechos e as variáveis estudadas. Quando significativa, a intensida-
de da correlação foi classificada como: 0 – 0,3 = fraca; 0,4 – 0,6 = regular; 0,6
– 0,9 = forte e 0,9 – 1,0 = muito forte, conforme Callegari-Jacques (2005).

O modelo de regressão log linear foi utilizado para relacionar os desfechos


e as variáveis estudadas. O modelo foi realizado para respeitar as pressupo-
sições dos modelos de regressão (análise de resíduos, linearidade, homoce-
dasticidade, autocorrelação e colinearidade). Inicialmente, as variáveis foram
inseridas no modelo, e pelo método de backward foram retiradas as variáveis
com maior P valor, até que todas as variáveis fossem significativas ou impor-
tantes para o modelo. Para o desfecho número de ações acumuladas foram
avaliadas as variáveis: percentual de população urbana, feminina, e maior
que 60 anos, IDHM, IDSUS, Índice de Gini e porte do município. Para o des-
fecho proporção de ações acumuladas foram avaliadas as variáveis: IDHM,
IDSUS, Índice de Gini e porte do município.

As análises estatísticas foram realizadas no software SPSS®, versão 25.0.

O estudo foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres


Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina e dispensado da avalia-
ção por envolver dados secundários, sem participação direta ou indireta dos
sujeitos e sem identificação dos envolvidos (CAAE 80427717.7.0000.01.21).

Resultados e Discussão

Caracterização das Ações Judiciais

A consulta ao sistema de gerenciamento das ações judiciais da SES/SC possi-


bilitou uma análise histórica de 20 anos da judicialização da saúde no Estado
de Santa Catarina, com o primeiro registro datado de 18 de maio de 2000.

Sumário 186
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

No período de análise ocorreram 66.726 ações judiciais envolvendo 57.894


autores, os quais solicitaram 145.728 tecnologias, sendo 145.145 produtos e
583 serviços. A mediana de solicitações por autor foi de dois, variando entre
uma a 46 solicitações.

Entre as tecnologias solicitadas, os medicamentos predominaram, com 88,6%


(n = 129.070) das solicitações. Resultado próximo foi observado em um es-
tudo conduzido pelo CNJ sobre as demandas judiciais no Brasil de 2008 a
2017, o qual identificou que entre as decisões judiciais de segunda instância,
classificadas como de judicialização da saúde e publicadas pelos Tribunais de
Justiça, 69,1% corresponderam a medicamentos, sendo que na região Sul
este percentual foi de 74,6%. Em Santa Catarina, o assunto “Fornecimento
de medicamentos” representou 28% dos processos do Tribunal de Justiça do
Estado (primeira, segunda ou nas duas instâncias) (INSPER, 2019).

A judicialização para o acesso aos medicamentos apresenta uma tendência


de crescimento a nível nacional e internacional. A construção da valorização
do acesso ao produto e o surgimento de tecnologias de alto preço geram
expectativas de que a utilização destes medicamentos possa gerar impactos
mais significativos na saúde, mesmo que esses não apresentem valor terapêu-
tico adicional aos tratamentos já inseridos no sistema de saúde (VARGAS-PE-
LAEZ et al., 2014; 2019).

Por se tratar de análises de ações judiciais contra o Estado de Santa Catarina,


este foi parte passiva em todas as ações (n = 66.726, 100%), contudo, a par-
tir de 2006 as ações passaram a envolver também a União e/ou municípios.
Em 2019, o número de ações cujos réus eram o Estado e os municípios (n =
1.869) foi praticamente igual ao número de ações que tiveram como parte
passiva somente o Estado (n = 1.878). Isso pode ser um possível impacto da
solidariedade passiva dos entes federados, sedimentada pela jurisprudência
brasileira, sendo a União, os estados e os municípios solidariamente respon-
sáveis pelas prestações em saúde, pois todos integram o SUS (SOUZA, 2010).

Sumário 187
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Considerando que o requerente pode propor ação judicial em desfavor de


qualquer um dos entes federados, a escolha pela parte passiva que oferece
menor resistência ao cumprimento das decisões judiciais resulta na preferên-
cia por litigar contra estados e municípios, enquanto a União representa um
ente mais distante da parte ativa e, em casos de descumprimento da ação, o
autor não dispõe de meios para que bloqueios judiciais possam ser efetivados
contra ela. Adicionalmente, há de se considerar o maior acesso à informação
da parte ativa e de seus representantes no município, o que acaba favorecen-
do a inclusão deste como polo passivo. Desta forma, os municípios têm sido
cada vez mais compelidos à responsabilidade pelo fornecimento de tecnolo-
gias por meio de ações judiciais.

A partir do debate do Recurso Extraordinário nº 855.178, tema 793, julgado


em 2019, referente à tese de solidariedade, espera-se uma mudança no ce-
nário e que a União passe a configurar na parte passiva de forma mais equi-
tativa em relação aos estados e municípios, considerando a responsabilidade
administrativa de cada ente (BRASIL, 2019).

Em Santa Catarina, no período analisado, todos os 295 municípios, em al-


gum ano, integraram a parte passiva junto ao Estado. O último município foi
Brunópolis (Serra Catarinense), com população de 2.850 habitantes, citado
na parte passiva pela primeira vez em 2015. Observa-se um aumento gradual
da participação dos municípios na parte passiva das ações. Inicialmente, fo-
ram municípios de portes maiores e, a partir de 2006, municípios de portes
menores, demonstrando que a judicialização da saúde foi se disseminando
entre estes e alcançando cada vez mais municípios no Estado. No ano de
2016, 277 municípios (93,9%) integraram a parte passiva (Figura 1).

Ainda conforme a Figura 1, percebe-se um aumento progressivo no número


de ações judiciais até 2015, ano com maior número de ações durante o perío-
do analisado. Acredita-se que esse aumento acompanhe uma tendência na-
cional e até internacional. Conforme Ferraz (2019), o crescimento das ações
judiciais é decorrente de uma combinação de fatores que incluem, além da

Sumário 188
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

ampliação de direitos dos cidadãos e do seu acesso ao Judiciário, particula-


ridades da área da saúde, como o avanço tecnológico, o elevado preço das
tecnologias em saúde, e ainda questões relacionadas à ineficiência do sistema
de saúde no atendimento das necessidades dos usuários, entre outros.

Figura 1 Representatividade do número de ações judiciais da saúde, distribuído por porte


dos municípios e número de municípios que integraram a parte passiva. n = 66.726
300 9.000
8.000
7.600
250 7.200
6.800
6.400
6.000
200 5.600
5.200
Nº de municípios

4.800

Nº de ações
150 4.400
4.000
3.600
3.200
100 2.800
2.400
2.000
50 1.600
1.200
800
400
0 0
2004

2014
2000

2001

2002

2003

2005

2006

2007

2017
2008

2009

2010

2011

2012

2013

2015

2016

2018

Ano 2019
Muito grande Grande Médio Pequeno
Muito pequeno Micro porte Nº de Municípios

Fonte: Elaboração própria a partir do sistema de gerenciamento das ações judiciais da Secretaria de Estado da
Saúde de Santa Catarina (SES/SC).

Legenda: Nº = número.

Outro aspecto importante a ser considerado no aumento do número de ações


foi o novo entendimento jurisprudencial consolidado na virada dos anos
2000, quando a ideia de que o direito à saúde do artigo 196 da Constituição
Federal de 1988 era uma norma puramente programática foi superada. Ao
descartar a limitação de recursos como mero “interesse financeiro e secun-
dário do estado”, ou seja, irrelevante diante do interesse maior da saúde e
da vida, proclamou-se na verdade um “direito a tudo”. Essa interpretação
exacerbadamente expansiva se contrapôs não apenas à limitação de recursos,
mas a qualquer outra razão invocada pelo estado para não fornecer o medi-

Sumário 189
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

camento pleiteado, tais como a falta de evidências científicas e a ausência de


aprovação regulatória (tratamento “off-label”) (FERRAZ, 2019).

Cabe ainda destacar a criação da Defensoria Pública no Estado de Santa Ca-


tarina, em 2012, com a contratação dos primeiros procuradores em 2013
(SANTA CATARINA, 2021b). Isso pode ter facilitado o acesso ao Poder Judi-
ciário, a partir da garantia de assistência jurídica, integral e gratuita aos que
comprovassem insuficiência de recursos.

A partir de 2015, houve um decréscimo no número de ações (Figura 1), sen-


do que em 2016 a redução foi de 13,6% em comparação ao ano anterior;
2017, de 19,8%; e 2018, 21,2%. Tal decréscimo pode ser reflexo de diferentes
estratégias desenvolvidas em âmbito nacional, estadual e/ou municipal para
promover a interlocução entre profissionais, gestores da área da saúde e o
Poder Judiciário, instrumentalizando e qualificando os magistrados respon-
sáveis pelos julgamentos de demandas que envolvem a assistência à saúde.
Embora o marco da difusão do enfrentamento da judicialização tenha ini-
ciado em 2009, com Audiência Pública nº 4 no STF, o processo de discussão
e implantação das recomendações foi se consolidando ao longo do tempo,
assim como os resultados práticos.

Em Santa Catarina, entre as estratégias adotadas para o enfrentamento da


judicialização podem ser citadas: a reestruturação do banco de dados SIS-
COMAJ, atualmente denominado CEOS (2011); a implementação do Comitê
Estadual de Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência da
Saúde de Santa Catarina (COMESC) (2012); a criação do Núcleo de Ações
Repetitivas em Assistência à Saúde (NARAS) da Procuradoria Geral do Es-
tado (PGE/SC) e do Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário (NAT-Jus/SC) da
SES/SC, assim como a publicação do Decreto Estadual nº 241, de 30 de junho
de 201510; o movimento da região de saúde Carbonífera de aproximação e a
parceria entre municípios em ações de enfrentamento à judicialização (2017).

10 O Decreto Estadual n. 241, de 30 de junho de 2015: Disciplina procedimentos a serem adotados


pelos médicos e odontólogos servidores públicos estaduais na prescrição de medicamentos e na solici-
tação de exames e procedimentos de saúde e estabelece outras providências.

Sumário 190
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Os municípios também realizaram ações locais como: Lages (Serra Catarinen-


se) criou um Núcleo de Conciliação de Medicamentos (2012); Gaspar (Médio
Vale do Itajaí) publicou o Decreto Municipal nº 6.595/2015, aos moldes do
Decreto Estadual nº 241/2015; Joinville (Nordeste) implementou o NAT e
regulamentou os procedimentos voltados à prevenção e à resolução admi-
nistrativa de litígios na saúde (2016); Criciúma (Carbonífera) reestruturou a
assistência farmacêutica (2016), publicou o Decreto Municipal nº 664/2017,
aos moldes do Decreto Estadual nº 241/2015, aumentou a comunicação e as
ações junto à Defensoria Pública da União e do Estado, assim como promoveu
ações para ampliar a informação sobre acesso a medicamentos. As estratégias
estaduais e municipais demonstram que o Estado vem desenvolvendo um
movimento constante para minimizar e racionalizar os impactos estruturais/
orçamentários da judicialização à saúde. Caetano, Matheus e Diehl (2021)
discutem algumas destas estratégias de forma mais aprofundada e descrevem
como no Estado de Santa Catarina os Poderes Executivo e Judiciário e as
Funções Essenciais à Justiça (Procuradoria Geral do Estado, Defensoria Pú-
blica e Ministério Público) se organizaram para atender às demandas judiciais
para o acesso a medicamentos, a partir dos anos 2000.

De forma complementar, na análise do número de ações judiciais, por região


de saúde e por ano (Tabela 1), é possível verificar, pela intensidade da colo-
ração, que, entre as 16 regiões de saúde do Estado, o maior número de ações
se concentrou nas regiões da Grande Florianópolis, Carbonífera, Laguna,
Alto e Médio Vale do Itajaí, Foz do Rio Itajaí, Serra Catarinense e Nordeste.
É importante salientar que nessas regiões se encontram as maiores cidades
do Estado. Nesta análise, foram excluídos os registros que não continham a
especificação do município de residência do autor (n = 5).

Sumário 191
Nº de Ações Proporção
Nº Ação
Regiões de Saúde Popula- acumula-

Sumário
Acumu-
(Nº de municípios) ção da 1.000

2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
lado
Hab

Alto Uruguai Catarinense 0 0 2 8 6 18 48 50 39 46 42 54 77 97 140 163 138 83 78 54 1143 141.990 8,05


(n=15)

Alto Vale do Itajaí (n=27) 0 0 0 3 13 33 73 75 68 80 115 130 255 299 330 418 366 211 205 211 2885 269.424 10,71

Alto Vale do Rio do Peixe 0 0 1 6 25 40 76 72 59 84 86 95 133 194 220 244 190 152 167 158 2002 274.305 7,30
(n=20)
Judicialização da Saúde nos Municípios

Carbonífera (n=12) 1 1 10 11 39 94 290 573 279 134 184 330 485 696 720 962 851 633 489 486 7268 403.737 18,00

Extremo Oeste (n=30) 0 0 1 1 13 18 36 56 67 70 109 126 276 225 277 294 279 182 152 191 2373 223.547 10,62

Extremo Sul Catarinense 0 0 1 1 8 20 64 108 84 55 89 115 182 240 231 337 172 125 98 98 2028 180.808 11,22
(n=15)

Foz do Rio Itajaí (n=11) 0 1 4 15 53 80 125 139 159 189 268 242 305 370 412 580 536 412 284 266 4440 555.564 7,99

Grande Florianópolis (n=22) 1 1 19 108 207 374 597 620 609 568 733 755 1184 1248 1188 1171 1029 708 719 855 12694 1.012.233 12,54

Laguna (n=18) 0 0 1 3 13 21 114 375 591 462 473 576 541 576 583 1085 1194 534 489 618 8249 345.487 23,88

Médio Vale do Itajaí (n=14) 0 2 1 13 29 35 233 151 170 286 181 257 314 415 450 784 625 429 330 364 5069 666.938 7,60
de saúde, no período de 2000-2019. n = 66.721

Meio Oeste (n=20) 0 1 2 5 7 8 17 32 26 40 42 39 102 140 157 218 184 105 147 136 1408 179.824 7,83

Nordeste (n=13) 0 1 2 10 31 56 125 125 99 111 206 206 271 359 409 448 427 1238 378 501 5003 868.530 5,76

Oeste (n=25) 0 1 1 10 42 43 132 100 132 127 233 205 285 298 284 319 272 231 259 279 3253 319.662 10,18

gerenciamento das ações judiciais da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina (SES/SC).
Planalto Norte (n=13) 0 0 0 4 5 24 42 64 69 97 134 152 200 163 117 229 202 223 241 287 2253 354.200 6,36

Serra Catarinense (n=18) 0 1 1 6 13 24 40 95 147 135 269 347 354 404 480 609 357 230 253 257 4022 286.238 14,05
Tabela 1 Representatividade do número de ações judiciais da saúde distribuído por região
Diagnósticos

Legenda: Nº ou n = número / HAB= habitantes / Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do sistema de

192
Xanxerê (n=21) 0 0 0 6 17 69 128 85 132 79 131 145 208 263 358 306 236 168 175 125 2631 189.054 13,92
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Identifica-se que a Grande Florianópolis se destacou no número absoluto de


ações ao longo de todo o período analisado - o que já era esperado diante
do tamanho da população abrangida e por incluir a capital do Estado, que
dispõe de serviços mais especializados e estruturados de saúde, assim como
das instituições da Justiça. As regiões Carbonífera e Médio Vale do Itajaí co-
meçaram a se destacar em 2006, Laguna, em 2007, e as demais regiões, a
partir de 2010.

Na análise de 2016 em relação a 2015, verificou-se que todas as regiões de


saúde apresentaram decréscimo no número de ações, compatível com o per-
fil geral do Estado (Figura 1). Em 2017 comparado a 2016, somente as re-
giões Nordeste (189,9%) e Planalto Norte (10,4%) apresentaram aumento,
enquanto as demais regiões registraram um decréscimo variando de 15,1% a
55,3%. Em 2017, 89,6% das ações da região Nordeste foram impetradas por
requerentes residentes no município de Joinville. Neste ano, foram compu-
tadas entre as ações judiciais oriundas dos residentes de Joinville a ação civil
pública (ACP) proposta no município (n = 910; 81,1%), em 2007, solicitando
o fornecimento das insulinas análogas, que passaram a ser atendidas pelo
Estado. Os anos de 2018 e 2017, apesar do decréscimo de 21,2% observado
no perfil geral, as regiões Alto Vale do Rio do Peixe, Grande Florianópolis,
Meio Oeste, Oeste, Planalto Norte, Serra Catarinense e Xanxerê registraram
um aumento de 1,6% a 40%, enquanto nas demais regiões houve decréscimo.
Isso demonstrou que, além do perfil geral do Estado, é preciso considerar e
analisar as particularidades sociodemográficas, sanitárias, políticas e jurídicas
de cada região, assim como as estratégias adotadas por estas para mitigar os
efeitos da judicialização da saúde.

No total de ações acumuladas (n = 66.721) ao longo dos 20 anos, o maior nú-


mero de ações correspondeu a requerentes residentes nas regiões da Gran-
de Florianópolis (n = 12.694, 19,0% do total), Laguna (n = 8.249, 12,4%),
Carbonífera (n = 7.268, 10,9%), Médio Vale do Itajaí (n = 5.069, 7,60%) e
Nordeste (n = 5.003, 7,50%). No entanto, ao analisar a proporção de ações
por 1.000 habitantes esse cenário é modificado: Laguna apresentou 23,9

Sumário 193
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

ações/1.000 hab, Carbonífera 18,0 ações/1.000 hab, Serra Catarinense 14,0


ações/1.000 hab, Xanxerê 13,9 ações/1.000 hab e a Grande Florianópolis
12,5 ações/1.000 hab. Percebe-se que municípios de micro a pequeno porte
apresentaram maior proporção de ações judiciais por 1.000 habitantes, como
Grão Pará (51,9 ações), Rio Fortuna (41,6), Morro da Fumaça (37,3), Palmitos
(34,1), entre outros.

Análise das ações judiciais x características dos municípios de


Santa Catarina

No que se refere à análise das ações judiciais conforme situação demográfica,


socioeconômica e de saúde dos municípios, a Tabela 2 apresenta a caracteri-
zação quantitativa dos municípios do Estado.

Tabela 2 Caracterização de todos os municípios e do subconjunto, conforme as variáveis


qualitativas e quantitativas de interesse

Todos municípios (n=293) Subconjunto (n=284)


Variáveis
n (%) n (%)

Porte dos Municípios

Micro 108 (36,9) 108 (38)

Muito Pequeno 64 (21,8) 64 (22,5)

Pequeno 73 (24,9) 73 (25,7)

Médio 21 (7,2) 21 (7,4)

Grande/Muito grande 27 (9,2) 18 (6,3)

Faixa Escore IDSUS

4 a 4,9 5 (1,7) 5 (1,8)

5 a 5,9 76 (25,9) 74 (26,1)

6 a 6,9 160 (54,6) 155 (54,6)

7 a 7,9 52 (17,7) 50 (17,6)

Sumário 194
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Todos municípios (n=293) Subconjunto (n=284)


Variáveis
n (%) n (%)

GH IDSUS

GH1 1 (0,3) -

GH2 8 (2,7) 2 (0,7)

GH3 48 (16,4) 46 (16,2)

GH5 232 (79,2) 232 (81,7)

GH6 4 (1,4) 4 (1,4)

Variáveis quantitativas Média (DP) Min-Máx Média (DP) Min-Máx

% Urbana 59,1 (23,9) 14,1 - 100 57,9 (23,3) 14,1 - 100

% Feminina 49,3 (1,3) 36,5 - 52,5 49,3 (1,3) 36,5 - 51,9

% Masculina +60 anos 5,9 (1,3) 3 - 9,9 5,9 (1,3) 3 - 9,9

% Feminina +60 anos 6,5 (1,3) 3,2 - 9,9 6,5 (1,3) 3,2 - 9,9

% Total +60 anos -9,4 (10) -28,5 - 29,7 12,4 (2,5) 6,6 - 19,6

0,123 0,066 - 0,729 0,621 -


IDHM
(0,025) 0,196 (0,038) 0,827

0,732 0,621 - 0,726 0,618 -


IDHM Renda
(0,040) 0,847 (0,039) 0,848

0,728 0,618 - 0,846 0,768 -


IDHM Longevidade
(0,041) 0,870 (0,029) 0,894

0,847 0,768 - 0,633 0,455 -


IDHM Educação
(0,029) 0,894 (0,057) 0,771

0,637 0,455 - 0,440 0,280 -


Índice de Gini
(0,060) 0,800 (0,053) 0,620

0,441 0,280 - 6,366 4,720 -


IDSUS
(0,053) 0,620 (0,627) 7,820

Legenda: DP – Desvio Padrão; GH – Grupo Homogêneo; Máx – Máximo; Min – Mínimo; n - nú-
mero; IDHM - Índice de Desenvolvimento Humano Municipal; IDSUS - Índice de Desempenho
do Sistema Único de Saúde.
Fonte: Elaboração própria.

Sumário 195
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Ao comparar o número de ações acumuladas por porte dos municípios, veri-


ficou-se que há diferença significativa no número de ações entre as categorias
(P<0,001). O número de ações nos municípios de porte micro foi menor do
que o número nos municípios muito pequenos e ambos são menores do que
nos municípios de porte pequeno. Os números de ações dos municípios de
porte pequeno, de porte médio, de porte grande e de porte muito grande
não apresentaram grandes diferenças entre si. Os mesmos resultados foram
encontrados na amostra do subconjunto. Em relação ao percentual de ações
acumuladas por 1.000 habitantes, só houve diferença estatisticamente signifi-
cativa entre os municípios de porte micro, sendo o percentual desses menor
do que o visualizado nos municípios de porte muito pequeno e pequeno
(P<0,001).

A análise de correlação de Pearson possibilitou verificar que a maioria das


variáveis analisadas foram associadas ao número de ações acumuladas em
grau moderado, conforme apresentado na Tabela 3. Destaca-se que o Índi-
ce de Gini e o escore IDSUS não apresentaram associação significativa com
o número de ações acumuladas na análise de todos os municípios, nem na
análise do subconjunto. Em relação à proporção, verificou-se uma associação
negativa e fraca para o Índice de Gini e positiva e fraca para o IDSUS. Con-
siderando o ln (logaritmo natural), a interpretação de tais índices foi mais di-
versificada entre os diferentes desfechos e números de municípios avaliados
(Tabela 3).

Sumário 196
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Tabela 3 Associação entre as variáveis demográficas, Índice de Desenvolvimento Humano


(IDHM); Índice de Desempenho do Sistema Único de Saúde (IDSUS) escore e Índice de Gini, dos
municípios de Santa Catarina com o número de ações judiciais, no período 2002-2019

Todos municípios (n=293) Subconjunto (n=284)

Ações Ações
Variáveis Nº Ações Nº Ações
Acumula- Acumula-
Acumula- Acumula-
das/1.000 das/1.000
das r (P) das r (P)
Hab r (P) Hab r (P)

% Urbana 0,455 0,487


(<0,001) (<0,001)

% Feminina 0,374 0,382


(<0,001) (<0,001)

% Masculina +60 anos -0,351 -0,372


(<0,001) (<0,001)

% Feminina +60 anos -0,174 -0,193


(0,003) (0,001)

% Total +60 anos -0,270 -0,290


(<0,001) (<0,001)

IDHM 0,438 0,243 0,371 0,274


(<0,001) (<0,001) (<0,001) (<0,001)

IDHM Renda 0,402 0,236 0,288 0,265


(<0,001) (<0,001) (<0,001) (<0,001)

IDHM Longevidade 0,268 0,188 0,279 0,204


(<0,001) (0,001) (<0,001) (0,001)

IDHM Educação 0,432 0,216 0,367 0,243


(<0,001) (<0,001) (<0,001) (<0,001)

Índice de Gini 0,108 -0,128 -0,056 -0,133


(0,065) (0,029) (0,347) (0,025)

IDSUS Escore 0,015 0,174 -0,044 0,175


(0,797) (0,003) (0,459) (0,003)

Sumário 197
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

ln (Nº Ações ln (Ações ln (Nº Ações ln (Ações


Acumula- Acumula- Acumula- Acumula-
das) das/1.000 das) das/1.000
Hab) Hab)

% Urbana 0,684 0,653


(<0,001) (<0,001)

% Feminina 0,521 0,485


(<0,001) (<0,001)

% Masculina +60 anos -0,538 -0,505


(<0,001) (<0,001)

% Feminina +60 anos -0,278 -0,257


(<0,001) (<0,001)

% Total +60 anos -0,420 -0,390


(<0,001) (<0,001)

IDHM 0,554 0,324 0,492 0,348


(<0,001) (<0,001) (<0,001) (<0,001)

IDHM Renda 0,499 0,349 0,431 0,373


(<0,001) (<0,001) (<0,001) (<0,001)

IDHM Longevidade 0,442 0,270 0,416 0,281


(<0,001) (<0,001) (<0,001) (<0,001)

IDHM Educação 0,508 0,259 0,440 0,277


(<0,001) (<0,001) (<0,001) (<0,001)

Índice de Gini -0,012 -0,122 -0,085 -0,135


(0,842) (0,036) (0,151) (0,023)

IDSUS Escore -0,140 0,133 -0,169 0,132


(0,017) (0,023) (0,004) (0,026)

0 < r < 0,3 – fraco


0,3 <= r < 0,6 – moderado
0,6 <= r <= 1 – forte/muito forte
Legenda: IDHM - Índice de Desenvolvimento Humano Municipal; IDSUS - Índice de Desem-
penho do Sistema Único de Saúde; ln - Logaritmo natural; n - número; r - coeficiente de corre-
lação de Pearson.
Fonte: Elaboração própria

Sumário 198
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

No modelo de regressão log linear, a partir do método backward (Tabela 4),


identificou-se que as características dos municípios que se relacionam direta-
mente, de forma significativa, com o aumento do desfecho número de ações
acumuladas foram: percentual do sexo feminino em relação à população do
total, IDHM Renda, escore do IDSUS e porte dos municípios. Em relação ao
aumento do desfecho proporção de ações acumuladas por 1.000 habitantes,
as variáveis IDHM Renda e escore do IDSUS se relacionaram diretamente,
enquanto o Índice de Gini se relacionou de forma inversa. Esses resultados se
mantiveram na análise do subconjunto de 284 municípios (Tabela 4).

Tabela 4 Modelos de Regressão Log linear dos municípios

Variáveis β Erro Padrão P valor Interpretação

Todos Municípios (n=293)

Desfecho ln (Número de Ações Acumuladas)

%Feminina 0,081 0,036 0,026 8,1%

IDHM Renda (%) 0,063 0,011 <0,001 6,3%

IDSUS Escore 0,152 0,068 0,026 15,2%

Porte Muito Pequeno 1,156 0,111 <0,001 115,6%

Porte Pequeno 1,930 0,113 <0,001 193,0%

Porte Médio 2,407 0,183 <0,001 240,7%

Porte Grande/Muito 3,444 0,175 <0,001 344,4%


Grande

r=0,882; r²aj=0,773

Desfecho ln (Proporção de Ações Acumuladas/1000 Hab)

IDHM Renda (%) 0,058 0,009 <0,001 5,8%

Índice de Gini (%) -0,017 0,007 0,015 -1,7%

IDSUS Escore 0,130 0,059 0,029 13,0%

r=0,392; r²aj=0,145

Sumário 199
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Variáveis β Erro Padrão P valor Interpretação

Subconjunto (n=284)

Desfecho ln (Número de Ações Acumuladas)

%Feminina 0,079 0,037 0,032 7,9%

IDHM Renda 0,061 0,011 <0,001 6,1%

IDSUS Escore 0,124 0,070 0,077 12,4%

*Porte Muito Pequeno 1,153 0,111 <0,001 115,3%

*Porte Pequeno 1,930 0,113 <0,001 193,0%

*Porte Médio 2,406 0,183 <0,001 240,6%

*Porte Grande/Muito 3,263 0,196 <0,001 326,3%


Grande

r=0,863; r²aj=0,739

Desfecho ln (Proporção de Ações Acumuladas/1000 Hab)

IDHM Renda (%) 0,065 0,010 <0,001 5,7%

Índice de Gini (%) -0,016 0,007 0,025 -1,6%

IDSUS Escore 0,126 0,060 0,038 12,6%

r=0,410; r²aj=0,159

**Regressão Log Linear Municípios com Porte Micro são referências.


Legenda: IDHM - Índice de Desenvolvimento Humano Municipal; IDSUS - Índice de Desem-
penho do Sistema Único de Saúde; ln - Logaritmo natural; n - número.
Fonte: Elaboração própria.

Os dados demonstraram que, em relação ao número total de ações acumu-


ladas, municípios que apresentam maiores escores IDSUS, ou seja, com me-
lhor estrutura e prestação de serviço em saúde, apresentam maior número
de ações judiciais, assim como municípios com maior IDHM Renda e com
maior percentual do sexo feminino. Considerando os 293 municípios, para
cada aumento de 1% na população feminina e no IDHM Renda, a variação
esperada no aumento do número de ações foi de 8,1% e de 6,3%, respectiva-
mente. Com o aumento de 1 ponto no escore do IDSUS, a variação esperada
no aumento do número de ações é de 15,2%. A variável categórica porte do

Sumário 200
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

município representou um aumento considerável no número de ações quan-


do comparado ao porte micro dos municípios, sendo a variação esperada
de aumento do número de ações dos municípios de porte muito pequeno a
porte grande/muito grande de 115,6% a 344,4%.

Na análise do número de ações judiciais/1.000 habitantes observou-se que,


para cada aumento de 1% no IDHM Renda, a variação esperada no aumento
do número de ações é de 5,8%, e para o aumento de 1 (um) ponto no ID-
SUS, a variação esperada no aumento do número de ações é de 13,0%. No
entanto, no caso do Índice de Gini ocorreu uma relação inversa, pois para
cada aumento de 1% no Índice de Gini, a variação esperada na redução do
número de ações foi de 1,7%. Resultados semelhantes foram encontrados na
análise do subconjunto.

Estudos demonstram que a população atendida pela via judicial apresen-


ta melhores condições socioeconômicas e está localizada em municípios com
melhor desempenho de saúde (CHIEFFI, BARATA, 2009; VAZ et al., 2018).
Estes estudos apontam que a interferência do Judiciário pode agravar ainda
mais as desigualdades sociais no âmbito da saúde.

Conclusão
Os resultados apresentados mostram que a expansão da judicialização na área
da saúde em Santa Catarina nos últimos 20 anos atingiu todos os municípios
do Estado e apontam para uma correlação com indicadores de maior acesso
aos serviços de saúde e maior nível de desenvolvimento dos municípios, o
que corrobora com resultados de estudos prévios. Dado que os indicadores
utilizados nesta análise partem da perspectiva da área da saúde, é necessário
aprofundar nos estudos da perspectiva da estrutura do setor Judiciário e do
acesso ao mesmo.

Cabe ressaltar que os dados analisados apresentaram como banco de dados


o sistema de gerenciamento da SES/SC, não sendo possível analisar as ações
judiciais envolvendo apenas os municípios como polo passivo.

Sumário 201
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Os dados também apontam para a contribuição positiva das ações conjuntas


entre os setores, Judiciário e da Saúde, no enfrentamento do fenômeno. No
entanto, como este trabalho não apresentou entre os objetivos avaliar a efi-
ciência das estratégias de enfrentamento, novos estudos poderão contribuir
para esta discussão.

Considerando as perspectivas de empobrecimento da população e mudanças


significativas nos serviços de saúde decorrentes da pandemia da Covid-19,
a continuidade dos estudos e ampliação da série histórica será fundamental
para a garantia do direito constitucional à saúde e à sustentabilidade do SUS.

FINANCIAMENTO: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível


Superior – Brasil (CAPES) pelo financiamento da bolsa de doutorado da au-
tora principal.

AGRADECIMENTOS: a Luciano S.P. Guimarães pela contribuição nas aná-


lises estatísticas.

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Sumário 202
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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Sumário 203
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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Sumário 204
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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Sumário 205
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Perfil da judicialização da saúde pública


no município de Piracicaba - SP
Beatriz Cristina de Freitas 1
Dagmar de Paula Queluz2

Resumo
Há divergência na literatura quanto à compreensão dos
motivos e efeitos da judicialização da saúde nas políticas
públicas e na gestão da saúde. Objetivo: Analisar o perfil
da judicialização da saúde pública no município de Piraci-
caba - SP. Métodos: Estudo transversal descritivo, realiza-
do em 2020, referente a dados secundários de 2ª instân-
cia, do município de Piracicaba - SP, disponíveis no site do
Tribunal de Justiça de São Paulo, no período de janeiro
de 2010 a dezembro de 2020. Para composição da amos-
tra foi considerado um intervalo de confiança de 95%, e
um erro de 5%, totalizando uma amostra aleatória de 265
acórdãos. As variáveis analisadas foram: ano, sexo, carac-
terísticas e principais demandas, principais doenças, tipo
de decisão, representação jurídica. Resultados: Houve
um aumento relativo de demandas judiciais entre o ano

1 Doutorado em Odontologia - UNICAMP; Pesquisadora Colaboradora no Departamento de Ciên-


cias da Saúde e Odontologia Infantil; UNICAMP; Lattes: http://lattes.cnpq.br/0361200182777099
2 Doutorado em Clínica Odontológica - UNICAMP; Docente no Departamento de Ciências da Saú-
de e Odontologia Infantil; UNICAMP; Lattes: http://lattes.cnpq.br/5675954404503793

Sumário 206
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

de 2010 a 2020 de 255%. Os acórdãos judiciais analisados


envolveram 60,4% (n=160) demandantes do sexo femi-
nino, e 39,6% (n=105) do sexo masculino. A maioria das
demandas buscou acesso a medicamentos 85% (n=225),
insumos 13% (n=34), internação 2% (n= 6). Em 82% dos
acórdãos os demandantes buscavam acesso a medicamen-
tos não constantes nas listas oficiais. As principais doen-
ças envolvidas foram: Cardiopatias 18% (n=47), Diabetes
12% (n=31), Obesidade 10% (n= 26), Acidentes Vascular
Cerebral 8% (n=21), Hepatite 8% (n=21), Saúde Mental
5% (n=13), outros 40% (n=106). Em 92% dos acórdãos o
Judiciário foi favorável aos demandantes e em 85,5% dos
acórdãos os demandantes solicitaram gratuidade da justiça.
Conclusão: O perfil da judicialização da saúde pública no
município de Piracicaba busca acesso principalmente a me-
dicamentos não constantes nas listas oficiais do município.

Sumário 207
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
O direito à saúde, inserido como direito fundamental no arcabouço jurídico
brasileiro pela Constituição Federal de 1988, foi elevado a um princípio im-
portante do “Estado Democrático de Direito”, (Art. 1º inc. III da Constitui-
ção Federal CF/88) (BRASIL, 1988).

No artigo 6º da CF/88 o direito à saúde está inarredavelmente ligado a este


princípio normativo, sendo implementado pelo Estado através de outras leis
infraconstitucionais como a Lei nº 8.080/90, que dispõe sobre as condições
para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o fun-
cionamento dos serviços no Sistema Único de Saúde – SUS. Onde no art. 2º
dispõe a saúde como um direito fundamental, cabendo ao Estado prover as
condições indispensáveis à eficácia constitucional (BRASIL, 1988).

O artigo 197 da CF/88 reconhece que as ações e serviços de saúde são de


relevância pública, e por força de lei, o Estado deve normatizar, regula-
mentar, fiscalizar e controlar estas ações podendo ele próprio exercê-las
ou por intermédio de terceiros, pessoa física ou jurídica de direito privado
(BRASIL,1988).

O artigo 198 da CF/88 definiu a estrutura do Sistema Único de Saúde - SUS,


considerando-o regionalizado e hierarquizado de acordo com princípios e
diretrizes específicas mediante financiamento da União, Estados, do Distrito
Federal e Municípios (BRASIL, 1988).

Com base em todo esse arcabouço legal, a população brasileira passou a usu-
fruir o direito ao acesso à saúde integral e universal e, de acordo com a CF e
os princípios normativos do SUS, ações e serviços de saúde devem ser pres-
tados sem discriminações e gratuitamente no sentido de consolidar o acesso
universal (AITH, 2019).

Com a implantação do SUS, e suas políticas estruturantes, como a Estratégia


de Saúde da Família, houve uma forte expansão da atenção à saúde como

Sumário 208
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

foco na saúde básica e coordenação do cuidado (AZEVEDO; COSTA, 2010),


o que possibilitou o acesso à saúde a grande parte da população brasileira
que não possuía nenhuma possibilidade de acesso a serviços de saúde ou que
não tinha condições financeiras para arcar com planos privados de saúde
(AITH, 2019).

No entanto, aponta-se que o SUS ainda está distante de garantir o direito


universal à saúde e a atenção integral conforme a previsão constitucional e as
necessidades de saúde individuais e coletivas, mesmo considerando os impor-
tantes avanços obtidos (AZEVEDO; COSTA, 2010).

Na prática, a fragmentação do cuidado, a precarização de recursos, as rela-


ções de trabalho, as desigualdades regionais (Campos, 2018), entre outros,
impõem dificuldades importantes aos gestores na consolidação do sistema de
saúde público e para efetivação do direito à saúde (MOTA, 2018).

O sistema público de saúde brasileiro é amplo e complexo, abrangendo uma


grande diversidade de atores nas esferas pública e privada, bem como di-
versas entidades regulatórias e inúmeros dispositivos legais que disciplinam
a relação entre esses vários atores (CNJ, 2019). Além de abrangente, o tema
saúde também é frequentemente levantado em conflitos políticos e judiciais
(CNJ, 2019). E considerando que a prestação da atenção à saúde envolve a
distribuição de recursos escassos em uma sociedade complexa, com padrões
epidemiológicos que aproximam o Brasil ao mesmo tempo de países desen-
volvidos e subdesenvolvidos, determinar o que é prioritário e quem deve ser
o foco dessas prioridades é um tema que envolve necessariamente disputas
(CNJ, 2019).

A judicialização da saúde é a expressão dessas disputas (CNJ, 2019). Dentre


os direitos sociais consolidados na Constituição Federal de 1988, o direito
à saúde apresenta maior relevância na discussão jurídica e acadêmica à luz
da proteção e promoção da saúde, principalmente pelo destaque do alcance
da efetivação desse direito pela via judicial e suas consequências. Destaca-
se que muitas dessas disputas são demandas legítimas e decorrem de viola-

Sumário 209
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

ções do direito fundamental à saúde (SCHULZE; NETO, 2015). Isso ocorre


quando há uma falha no sistema de saúde ou algum problema de gestão. A
outra situação decorre de demandas em torno de direitos não reconhecidos,
como tratamentos ou tecnologias ainda não incorporadas, sem registro na
Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, ou sem indicação médica
(SCHULZE; NETO, 2015).

Tentando compreender o fenômeno da judicialização das demandas da saú-


de pública no Brasil e seus impactos nos vários estados brasileiros, alguns
pesquisadores (VIEIRA; ZUCCHI, 2007; FERRAZ, 2009) abordam os efeitos
negativos deste tipo de demanda na governabilidade, nas finanças e na ges-
tão das políticas e ações de saúde. Dentre os pontos negativos ainda pode ser
ressaltado que as decisões judiciais podem aumentar as iniquidades do siste-
ma, favorecendo quem teve acesso através da Justiça em detrimento daqueles
que não optaram ou desconhecem essa via (SCHULZE; NETO, 2015).

Outros autores (BIEHL; SOCAL; AMON, 2016; AITH ET AL., 2014, DINIZ;
ROBICHEZ; PENALVA, 2014) observaram que a judicialização das deman-
das da saúde pode apresentar um caráter positivo ao apontar falhas sistêmi-
cas na efetivação das políticas de saúde quando essas políticas negam acesso
a bens e serviços de saúde aos quais o cidadão teria direito, por demora na
avaliação das solicitações em nível administrativo, protocolos clínicos assisten-
ciais desatualizados ou não acompanhamento das portarias de políticas de
saúde já instituídas.

A revisão das políticas públicas de saúde já instituídas pode fomentar a cria-


ção de novas políticas, como ocorreu com o Programa Nacional de Medica-
mentos para HIV/AIDS, além da revisão das listas oficiais de medicamentos e
a atualização de protocolos (SCHULZE; NETO, 2015).

No entanto, de um ponto de vista mais geral, pode-se dizer que a questão da


judicialização da saúde não implica em uma resposta simples e única (SCHU-
LZE; NETO, 2015).

Sumário 210
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Os aspectos positivos e negativos apontados acima não são necessariamente


contraditórios, se compreendermos a variabilidade regional no que diz res-
peito ao fenômeno da judicialização (CNJ, 2019). A judicialização da saúde
pode apresentar diferenças regionais relevantes que se refletem nos sistemas
de assistência à saúde e no Judiciário (MOTA, 2018).

Essa hipótese definiu o escopo dessa pesquisa e delineou o objetivo proposto.


Desta forma, o objetivo desta pesquisa foi analisar o perfil da judicialização da
saúde pública no município de Piracicaba – SP. Esse perfil propiciou conhe-
cer as principais demandas judiciais no município e o quanto interferem com
a gestão da saúde neste segmento de atenção.

Método
Trata-se de um estudo transversal, descritivo, realizado em 2020, referente
a dados secundários de 2ª instância, do município de Piracicaba, São Paulo,
disponíveis no site do Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP, no período de
janeiro de 2010 a dezembro de 2020.

O estudo foi realizado no município de Piracicaba, São Paulo. A escolha do


município de Piracicaba deveu-se às importantes conquistas na área da saúde
nos últimos anos, ampliando desde a abrangência das ações preventivas na
atenção básica até ações formativas e tecnológicas em saúde, tornando-se im-
portante centro de referência na área da saúde (PPA 2018-2021).

Os dados foram coletados no site do TJSP: http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consul-


tacompleta. Trata-se de dados secundários, públicos, e o acesso aos acórdãos
ocorreu por meio da seleção dos dados da Comarca de Piracicaba e de des-
critores específicos, termos utilizados pela plataforma do Tribunal, sendo:
“Saúde” E “SUS”. Desta forma, foram identificados 851 acórdãos judiciais no
período analisado.

Sumário 211
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Para composição da amostra foi considerado um intervalo de confiança de


95%, e um erro de 5%, totalizando uma amostra aleatória, selecionada rando-
micamente por computador (realizada no Excel), de 265 acórdãos judiciais.

A coleta de dados foi realizada por meio de instrumento construído para a


pesquisa e as variáveis analisadas foram: ano, sexo do demandante, caracte-
rística da demanda (se individual ou coletiva), principais demandas, princi-
pais doenças, tipo de decisão (se favorável ou desfavorável), representação
jurídica (Advogado particular, Defensoria Pública, Ministério Público).

A pesquisa não foi submetida a um Comitê de Ética em Pesquisa local, por se


tratar do uso de dados secundários, públicos e disponíveis na Web.

Resultados
De acordo com os descritores de busca utilizados foram identificados 851
acórdãos judiciais no período de 2010-2020. A evolução numérica dos acór-
dãos no período, apesar de uma redução entre 2013 e 2014 apresenta uma
tendência linear crescente (Figura 1).

Figura 1 Evolução do número de acórdãos de 2 ª instância TJSP de 2010-2020

120
100
80
60
40
20
0
2008 2010 2012 2014 2016 2018 2020 2022
n acórdãos Linear (n acórdãos)
Período analisado 2010-2020

Houve um aumento relativo de demandas judiciais entre os anos de 2010 e


2020 de 255%.
Sumário 212
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Segundo a amostra definida, foram analisados 265 acórdãos judiciais de se-


gunda instância. Os acórdãos judiciais analisados envolveram 60,4% (n=160)
demandantes do sexo feminino e 39,6 % (n=105) do sexo masculino.

Todos os acórdãos analisados referiam-se a demandas individuais. A maioria


das demandas buscou acesso a medicamentos (Tabela 1).

Tabela 1 Principais demandas observadas nos acórdãos analisados de 2010-2020

Demandas n %

Medicamentos 225 85

Insumos (Fitas/reagentes/glicosímetros/bombas de insuli- 154 79,8


na/equipamentos/

Internação (Tratamento/ internação compulsória) 6 2

Fonte: TJSP 2010-2020 / Elaboração própria.

Em 85% dos acórdãos (n=225) os demandantes buscavam acesso a medi-


camentos não constantes nas listas de medicamentos oficiais do SUS. Essa
demanda de medicamentos agregou medicamentos não padronizados pela
ANVISA 18% (n=40) e medicamentos padronizados e não constantes nas
listas oficiais do SUS 82% (n=185). Em 32% (n=85) dos acórdãos judiciais o
demandante solicitava mais de um medicamento ou insumo.

Foi ampla a variação das doenças envolvidas nas demandas judiciais do mu-
nicípio, mas as principais doenças envolvidas nos acórdãos judiciais foram
categorizadas conforme apresentado na Tabela 2. As doenças foram categori-
zadas pelo pleito da demanda, mas a maioria dos demandantes apresentava
diversas comorbidades. Nas doenças citadas como “outras” (Tabela 2), estão
agregadas todas as demais doenças citadas que não se repetiram nos proces-
sos analisados, como vários tipos de neoplasias, doenças neurológicas, Alzhei-
mer, nefropatias, doenças respiratórias, doenças raras, déficit de atenção e
aprendizagem, autismo, entre várias outras. Não foi possível a categorização

Sumário 213
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacio-


nados com a Saúde - CID, visto que, nos acórdãos, é citada a doença, e nem
todos os acórdãos trazem a especificação de cada CID envolvido.

Tabela 2 Principais doenças mencionadas nos acórdãos analisados de 2010-2020

Doenças N %

Cardiopatias 47 18

Diabetes 31 12

Obesidade 26 10

Acidente Vascular Cerebral 21 8

Hepatite 21 8

Saúde mental 13 5

Outras (Neolplasias/Alzheimer/Nefropatias/e outras) 106 40

Fonte: TJSP 2010-2020 / Elaboração própria.

Em 92% dos acórdãos o Judiciário foi favorável aos demandantes, e em 85,5%


dos acórdãos os demandantes solicitaram gratuidade da justiça.

Discussão
No Brasil observa-se um aumento do número de decisões judiciais obrigando
o poder público a fornecer medicamentos, insumos, equipamentos e cirur-
gias (WANG et al., 2014).

O aumento no número de processos judiciais também pôde ser observado no


município de Piracicaba, 255% de 2010 a 2020. O Relatório Justiça em Nú-
meros, emitido pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, traz dados sobre a
judicialização da saúde e aponta que, no ano de 2019, tramitavam nas várias
instâncias judiciais do país, cerca de dois milhões de processos ajuizados até
31/12/2018, demandas sobre a Judicialização da Saúde, referentes aos siste-

Sumário 214
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

mas de saúde público e privado (SCHULZE, 2019). Segundo Schulze (2019),


a Judicialização da Saúde está consolidada no Brasil.

Wang et al., (2014) apontam que esse fenômeno pode impactar ainda mais
os municípios que possuem, normalmente, orçamentos menores e infraes-
trutura menos desenvolvida que Estados e a União para enfrentamento do
problema.

A maioria dos acórdãos judiciais analisados neste estudo, referentes às de-


mandas de saúde no município de Piracicaba, envolvia demandas promo-
vidas por mulheres, perfil esse observado em outro estudo referente a um
município do interior do Estado de São Paulo (CABRAL; RESENDE, 2015).
Outra forte característica das demandas é o caráter individual das ações judi-
ciais. Todos os acórdãos analisados se referiam a demandas individuais.

Travassos et al. (2013) analisando dados dos Tribunais de Justiça dos Estados
de Pernambuco, Rio Grande do Sul e Minas Gerais também apontaram que
a litigação é predominantemente individual.

Nesse ponto da discussão se coloca a problemática da dimensão dos direitos


sociais e do direito à saúde; a dupla dimensão do individual e transindivi-
dual e sua relevância no campo da exigibilidade dos direitos sociais (SARLET,
2013). Sarlet (2013) aponta que a preferência (mas não a exclusividade) da
tutela coletiva deve vir acompanhada do melhoramento dos processos ad-
ministrativos, do controle social e do acesso à Justiça, no sentido de buscar
equidade ao sistema, sem a supressão da tutela individual e, ainda, exame
das violações e ameaças de violação à dignidade humana.

A microlitigação é um dado em saúde, e o acúmulo de ações individuais


gera desafios importantes para o Judiciário, para a gestão da saúde e para
os usuários dos sistemas de saúde (CNJ, 2019), impondo um aumento das
iniquidades ao acesso a bens e serviços de saúde, pois só se beneficia o autor
da demanda judicial, demais usuários do sistema de saúde com as mesmas
necessidades não são alcançados pela decisão judicial.

Sumário 215
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

A análise da judicialização da saúde no município de Piracicaba também per-


mitiu observar um perfil de demandas majoritariamente voltadas ao acesso
de medicamentos não constantes em listas oficiais do SUS, e em 32% (n=85)
dos acórdãos, os demandantes solicitavam, na mesma ação judicial, mais de
um medicamento e/ou insumo. Os medicamentos são o principal objeto de
litígio judicial em saúde no Brasil (LOPES, 2019; FREITAS et al., 2020).

Freitas et al. (2020) observaram em revisão sistemática da literatura que a


judicialização para acesso a medicamentos tem ocorrido em duas situações,
uma em que há judicialização por demandas relacionadas ao acesso a medi-
camentos que constam nas listas de medicamentos do SUS e outra em que
se observa um maior percentual de demandas para acesso a medicamentos
“não” inclusos nas listas de medicamentos do SUS.

As demandas judiciais por medicamentos também são apontadas como um


reflexo da dificuldade de acesso aos serviços de saúde (FREITAS et al., 2020),
aos vazios e desatualização das ações assistenciais (AMARAL; GORETI; PAN-
DOLFO, 2012). Além disso, Oliveira et al. (2020) destacam que o acesso a
medicamentos no Brasil por meio do SUS envolve também problemas rela-
cionados com a incorporação e o fornecimento de novos medicamentos, além
das dificuldades enfrentadas pelos usuários para acesso aos medicamentos já
cobertos.

Segundo Neto et al. (2012) há indícios de que a indústria farmacêutica tam-


bém poderia pressionar a incorporação de novos medicamentos e muitas ve-
zes o crescimento da judicialização, influenciando médicos, grupos e associa-
ções de pacientes e grupos de advogados.

Outros aspectos também podem ser ressaltados e podem contribuir para um


aumento da demanda e da judicialização por medicamentos, tais como, o
envelhecimento populacional (SCHULZE JC, 2019) e um aumento das co-
morbidades associadas, assim como uma cultura de medicalização, de medi-
camentalização da vida (SCHULZE JC,2019).

Sumário 216
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

O aumento da população idosa no Brasil, evidenciado pela mudança da pi-


râmide demográfica brasileira, traz como consequência uma mudança no
perfil das necessidades de saúde, pois a maioria das doenças que acometem a
terceira idade é crônico-degenerativa, distúrbios mentais, patologias cardio-
vasculares, câncer e estresse, cujo tratamento envolve um espectro relativa-
mente grande de medicamentos que podem ser utilizados isoladamente ou
em associação (NETO et al., 2012).

No entanto, o excesso de medicalização, por sua vez, pode conduzir ao au-


mento dos procedimentos e diagnósticos clínicos e terapêuticos desnecessá-
rios (MARQUES et al., 2019).

Sem menosprezar a incidência das doenças ou minimizar a premente ne-


cessidade da intervenção medicamentosa e do diagnóstico precoce, obser-
va-se que o aumento da medicalização é um fenômeno global, desenfreado,
baseado em uma ampla gama de sintomas e formas diagnósticas (CHAVES
et al., 2017), o que reforça a necessidade de repensar os avanços da medica-
lização como forma majoritária de intervenção terapêutica (RODRIGUES et
al., 2009). O percentual de demandas para acesso a medicamentos observado
nesta pesquisa pode refletir isso, e é observado também em outros estados
brasileiros (FREITAS et al., 2020).

Dentre as doenças dos demandantes, identificadas nos acórdãos analisados,


observou-se que as principais doenças são as cardiopatias, a hepatite, o diabe-
tes e a obesidade, doenças crônicas, epidemiologicamente reconhecidas como
grandes problemas de saúde pública, perfil também observado por Neto et
al., 2012.

A maior demanda de medicamentos estava destinada ao tratamento do dia-


betes, envolvendo a judicialização pelas insulinas análogas de ação prolonga-
da como a LantusR (Glargina), a LevemirR (Detemir) e a LisproR (Huma-
log), ainda não incorporadas nas listas oficiais do SUS até 2019.

A Lei nº. 11.347, de 2006 dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamen-


tos e materiais necessários à sua aplicação e monitoramento da glicemia capi-

Sumário 217
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

lar aos portadores de diabetes inscritos em programas de educação para dia-


béticos do SUS (Brasil, 2006). O Ministério da Saúde financia integralmente
as insulinas NPH e Regular e os Estados e Municípios financiam os insumos,
assim como as insulinas NPH (Neutral Protamine Hagedorn) e regular; e o
SUS também deve fornecer seringas, tiras reagentes, lancetas e glicosímetros
(BRASIL, 2006).

Em 2012, o Ministério da Saúde emitiu a Nota Técnica 26/2012, sobre a re-


comendação de não incorporação das insulinas análogas ao rol de medica-
mentos disponibilizados pelo SUS, considerando que as insulinas análogas
de ação prolongada apresentam eficácia e segurança semelhantes à insulina
humana NPH já incorporada.

No entanto, por conta da demanda de algumas Secretarias Estaduais de Saú-


de e consultas públicas realizadas sobre a incorporação dessas insulinas, em
2019, a Portaria nº 19, de 27 de março de 2019 (BRASIL, 2019), tornou
pública a decisão de incorporar insulina análoga de ação prolongada para o
tratamento de Diabetes Mellitus tipo I, no âmbito do Sistema Único de Saúde
– SUS (BRASIL, 2019).

Além da pressão para incorporação de novos medicamentos, como no caso


das insulinas de ação prolongada, também se pode observar que mesmo com
a previsão em políticas públicas de tratamento para o diabetes, em várias
regiões brasileiras (FREITAS et al., 2020) ocorrem demandas judiciais para
acesso a insumos, como fitas, reagentes, e glicosímetros, insumos já previs-
tos em políticas públicas de saúde, o que adiciona à judicialização da saúde
um volume de demandas desnecessárias. Tal fato impõe também, às entida-
des públicas envolvidas, um custo adicional de honorários advocatícios e de
sucumbência.

Em 2007, Vieira e Zucchi já tinham observado que algumas demandas pode-


riam ser evitadas se fossem observadas políticas e protocolos de tratamentos
já implementados pelo SUS. Machado et al. (2011), analisando processos do
Estado de Minas Gerais de 2005 a 2006, também apontaram que o fenômeno

Sumário 218
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

da judicialização na saúde pode indicar falhas do sistema público de saúde,


uma vez que há solicitações de medicamentos constantes de suas listas. Mas
também pode se constituir um obstáculo para a prática do uso racional de
medicamentos e para a consolidação das premissas da Política Nacional de
Medicamentos quando medicamentos sem comprovação de eficácia e não
padronizados pelo Sistema Único de Saúde são solicitados e concedidos (MA-
CHADO et al., 2011).

Observou-se que poucos estudos abordam o problema da judicialização da


saúde e seu impacto nos municípios brasileiros.

A Confederação Nacional de Municípios (CNM) realizou uma pesquisa, con-


sultando os municípios de todo o país, buscando compreender a situação em
relação à judicialização da saúde, a partir das falas, dados e dificuldades dos
gestores locais no enfrentamento desse fenômeno (ALBERT, 2016). O resul-
tado revelou que os municípios de todo o país enfrentam um significativo
volume de ações, especialmente de compra e entrega de medicamentos a
pacientes do Sistema Único de Saúde (ALBERT, 2016).

Paim et al. (2017) em estudo para analisar o acesso a medicamentos pleiteados


na Justiça na comarca de Antônio Prado - RS, entre os anos de 2004 a 2015,
observaram que 30,6% dos medicamentos solicitados via judicial estavam
padronizados no componente básico da assistência farmacêutica, 7,6% eram
componentes especiais, 11,4% especializados e 0,9% estratégicos.

Em São João da Boa Vista - SP, Cabral e Rezende (2015) observaram um


número crescente de ações judiciais para acesso a medicamentos, com signifi-
cativo impacto no orçamento da saúde, sendo que 56,39% dos medicamentos
solicitados não pertenciam à lista oficial; 30,40% eram de responsabilidade
do município e 13,21% de responsabilidade do Estado. Apontam também
que os gastos com as ações judiciais quase triplicaram de 2010 para 2012,
e que o gasto médio por ação teve um salto de aproximadamente 500% no
período analisado (CABRAL; REZENDE, 2015).

Cabral e Rezende (2015) buscaram identificar as principais características da


evolução dos gastos com a judicialização do provimento de medicamentos no
Sumário 219
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

município de Chapecó - SC entre 2008 e 2015, e apontam uma evolução de


2.940% neste tipo de gasto, os valores pagos pelo município tiveram a maior
participação percentual, com 63,68% do total de gastos.

Nossa pesquisa observou que o perfil da judicialização da saúde no município


de Piracicaba – SP busca acesso, na sua maioria, a itens não constantes em
listas oficiais, apenas 13% das demandas se referiam a itens já previstos em
políticas públicas, como insumos, fitas, reagentes e glicosímetros. A pequena
demanda por itens já previstos em listas oficiais do SUS pode demonstrar
uma efetividade das ações do município em relação às políticas públicas já
previstas, mas a alta demanda por itens não previstos pode interferir na ges-
tão da saúde local.

Problemas relacionados à efetivação do direito à saúde, em muitos casos, es-


tão relacionados também a questões ligadas à implementação e à manutenção
das políticas públicas de saúde locais (SARLET, 2013). Essas questões não
podem ser relegadas apenas sob a égide da falta de recursos. Quanto mais
efetivo for o acesso pela via administrativa, menos trilhado será o caminho
judicial (SARLET, 2013, p.170).

Outro aspecto que se ressalta é o caráter solidário da responsabilidade entre


Municípios, Estados e União na resposta à demanda judicial, observado nesta
pesquisa, visto que muitos medicamentos solicitados judicialmente não são de
competência do município. Assim como o desafio jurisdicional de estabelecer
limites à extensão e ao alcance da dignidade humana, definindo qual o limite
do direito à saúde, pois, pela Constituição, trata-se de um direito fundamen-
tal, integral e gratuito (SCHULZE; NETO, 2015). Por outro lado, não há
disposição clara e expressa que o dever do Estado está limitado aos recursos
disponíveis, dando a falsa impressão de que estes direitos são totalmente ab-
solutos (SCHULZE; NETO, 2015).

Schulze e Neto, 2015, p. 49-50, ressaltam ainda que a judicialização da saúde,


como já ressaltado acima, geralmente ocorre a partir de duas hipóteses: a
primeira quando se demanda a efetivação de um direito já reconhecido, mas
negado administrativamente; a outra ocorre quando se judicializam direitos

Sumário 220
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

não reconhecidos como tratamentos, tecnologias experimentais ou ainda não


incorporadas no mercado nacional, ou sem indicação médica.

Outro aspecto relevante quanto à judicialização da saúde trata do acompa-


nhamento dos pacientes que foram beneficiários de uma decisão judicial.

Schulze C.J. (2020) ressalta a importância de um rigoroso processo de farma-


covigilância para acompanhamento das ações judiciais para concessão de um
medicamento ou qualquer outra tecnologia em saúde, não só para proteção
dos pacientes no sentido de avaliar e monitorar resultados e efeitos adversos,
quanto no sentido de avaliar o resultado do processo judicial.

É notório que a judicialização da saúde colocou à discussão as consequências


positivas e negativas da efetivação do direito fundamental à saúde, e essa
discussão perpassa a inclusão de novos medicamentos e novas tecnologias, a
relação custo-benefício e eficácia dessas incorporações, a definição clara sobre
os limites da universalidade e integralidade em políticas públicas, e até uma
interferência judicial menor na concessão de medicamentos não previstos em
políticas públicas (SCHULZE E NETO, 2015, p. 193).

O Judiciário tem sido favorável aos demandantes. Nesta pesquisa, em 92%


dos acórdãos, o Judiciário foi favorável aos demandantes; essa característica
da judicialização também foi observada em revisão sistemática sobre o tema
(FREITAS et al., 2020).

Este estudo teve como limitação a falta de dados suficientes para traçar o perfil
socioeconômico dos demandantes, pois os acórdãos não possuíam dados sobre
escolaridade, naturalidade, profissão e renda. No entanto, em 85,5% dos acór-
dãos judiciais analisados, os demandantes solicitaram gratuidade da justiça.

Segundo ressaltam Schulze e Neto (2015, p. 176) torna-se desnecessário com-


provar hipossuficiência para fazer jus ao que está assegurado, ou não, em
política pública, devido à força do princípio da universalidade, não poden-
do haver qualquer limitação no que diz respeito às condições das pessoas
que procuram o SUS, o que não implica em assegurar todo e qualquer tipo

Sumário 221
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

de prestação de serviços ou acesso à saúde não previsto em política pública


(SCHULZE E NETO, 2015, SCHEREN; WERNKE; ZANIN, 2017).

O que se discutiu em muitos dos acórdãos judiciais analisados por essa pes-
quisa foi a vantagem, ou mesmo a necessidade, do uso de determinado me-
dicamento não incorporado pelo SUS em relação às alternativas terapêuticas
já incorporadas para o tratamento de certas doenças. Nesse sentido, torna-se
importante e necessário discutir arranjos institucionais e a proposição de es-
tratégias de conciliação entre os participantes desse processo, médicos, pa-
cientes, gestores e Judiciário. Asensi e Pinheiro (2016) apontam que a amplia-
ção de arranjos institucionais dialógicos promoveu a redução da litigiosidade
em Lages - SC e que esses arranjos permitiram uma importante atuação ex-
trajudicial e fomentaram o diálogo entre os diversos atores envolvidos.

As novas tecnologias utilizadas na assistência à saúde podem, por um lado,


trazer inegáveis benefícios, como o aumento da longevidade, a prevenção e
a cura de doenças, além da proteção e reabilitação da saúde, mas, por outro
lado, trazem importantes desafios relativos aos riscos e aos custos dos seus
usos e implementações em sistemas de saúde (SCHULZE; NETO, 2015).

No entanto, o processo de incorporação de novas tecnologias nos sistemas


de saúde é permeado pela influência de diversos grupos de interesses, que
podem exercer forte influência na tomada de decisões (SCHULZE; NETO,
2015). No Sistema Único de Saúde, com o propósito de regular a incorpora-
ção de novas tecnologias, foi instituída a Comissão Nacional de Incorporação
de Tecnologias, a CONITEC (Lei nº 12.401/2011), com atribuições relativas
à incorporação, exclusão ou alteração de tecnologias de saúde, bem como
na definição ou alteração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas
(BRASIL, 2011).

As decisões da CONITEC deveriam ter papel deliberativo e não apenas con-


sultivo na gestão das estratégias de tratamento e incorporação de novos me-
dicamentos e tecnologias no SUS e, desta forma, não poderiam ser contes-
tadas judicialmente por usuários que pretendam ter acesso fora das normas
estabelecidas pelo órgão.

Sumário 222
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Nesse sentido, coloca-se um desafio jurídico-político mais amplo, que bus-


que reconhecimento institucional da CONITEC, assim como acontece com
o NICE (National Institute for Health and Care Excellence), a mais reconhecida
dentre as agências nacionais de avaliação e incorporação tecnológica (SOU-
ZA; LISBOA, 2018).

Para tanto, a CONITEC deveria ter independência, isonomia, e distancia-


mento das pressões exercidas por interesses da indústria, profissionais de
saúde, organizações de pacientes e órgãos governamentais.

Outro aspecto relevante observado nos acórdãos analisados por esta pesquisa
foi que a falta de dados relativos aos pacientes para a negativa inicial da de-
manda pela Secretaria de Saúde do Município favoreceu a decisão em segun-
da instância, não permitindo a reversão da decisão inicial. A simples alegação
da falta de recursos ou que o item demandado não era de competência do
município não foram condições suficientes para serem acatadas pelo Judiciá-
rio, nem para justificar a negativa administrativa. Destacam-se aqui a falta de
informações precisas sobre o cuidado e o gerenciamento da atenção à saúde
dos pacientes usuários do sistema, de forma a subsidiar as concessões ou ne-
gativas a nível administrativo.

Tornar a saúde um direito universal traz, a cada dia, novos e importantes


desafios à sua implementação e efetivação. Aos gestores da saúde, os desafios
que se impõem são complexos e vão desde a complexidade de se obterem re-
cursos e investimentos que possibilitem a execução de ações em saúde numa
prerrogativa efetiva de todos até a definição de prioridades e novas incor-
porações tecnológicas que contemplem um maior número de usuários do
sistema, enfatizando, assim, a saúde como política de Estado.

Este estudo aponta a necessidade de se discutirem estratégias de conciliação


entre os participantes desse processo, médicos, pacientes, gestores e Judiciá-
rio, a medicalização excessiva; além da necessidade de informações precisas
sobre o cuidado e o gerenciamento da atenção à saúde dos pacientes usuários
do sistema.

Sumário 223
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Conclusão
Conclui-se que o perfil da judicialização da saúde pública no município de
Piracicaba – SP busca acesso, principalmente, a medicamentos não constan-
tes nas listas oficiais do município. As principais doenças envolvidas nas de-
mandas judiciais analisadas são crônicas, epidemiologicamente reconhecidas
como grandes problemas de saúde pública.

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Sumário 228
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

A gestão da judicialização: o caso da


Secretaria Municipal de Saúde de São
Paulo - SP
Gabriela Pinheiro Lima Chabbouh1
Nicolle Chistien Mesquita Marques Megda2
Vanessa Elias de Oliveira3

Resumo
O artigo analisa as ações judiciais impetradas contra a Se-
cretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS-SP) e o
efeito dessas ações judiciais sobre o Poder Executivo mu-
nicipal. A metodologia aplicada é quali-quantitativa, ten-
do como principal método o estudo de caso, centrada em
uma abordagem empírica de dados sobre a judicialização
da saúde e complementada com entrevistas para a capta-
ção da percepção dos gestores municipais sobre o fenôme-
no da judicialização no município de São Paulo. Primeira-
mente, são apresentados dados sobre o volume de ações
recebidas, os itens judicializados e o volume de recursos
despendidos com ações judiciais em saúde nos anos de

1 Mestre em Políticas Públicas - UFABC; Analista de Políticas Públicas; Prefeitura Municipal de São
Paulo; Lattes: http://lattes.cnpq.br/3321872230187148.
2 Graduada em Direito - Universidade Presbiteriana Mackenzie; Procuradora do Município de São
Paulo; Prefeitura Municipal de São Paulo; Lattes: http://lattes.cnpq.br/9779924092839682.
3 Doutora em Ciência Política - USP; Professora Associada; Universidade Federal do ABC; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4500064778115550.

Sumário 229
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

2018, 2019 e 2020. Na sequência, por meio de entrevistas


com servidores municipais, são discutidas as percepções
sobre a judicialização da saúde em tempos de normalidade
e de pandemia. Conclui-se, primeiramente, que a tendên-
cia de crescimento de novas ações judiciais, verificada des-
de 2011, foi interrompida em 2020, com a redução do nú-
mero de novas ações e a redução nos recursos destinados
ao atendimento das demandas judiciais. Acredita-se que os
resultados estejam relacionados à pandemia de Covid-19,
mas ainda não é possível compreender seu impacto a mé-
dio prazo. Além disso, constatou-se que, apesar das recen-
tes melhorias na gestão de dados sobre a judicialização da
saúde em São Paulo, ainda são necessários aprimoramen-
tos no sistema de acompanhamento das ações, de forma a
dar conta da complexidade do processo e, assim, enfren-
tar os problemas e efeitos gerados pela judicialização da
saúde no município.

Palavras-chave: Judicialização da saúde; Município de São


Paulo; Covid-19.

Sumário 230
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
O presente trabalho reconhece a importância da sistematização de informa-
ções sobre a judicialização da saúde nos municípios brasileiros e, em especial, a
respeito das ações judiciais em saúde no maior município brasileiro: São Paulo.
Sendo assim, optou-se por centrar esse estudo em uma abordagem empírica,
a partir de dados disponíveis no âmbito municipal, complementados pela per-
cepção dos gestores, operadores do direito e técnicos da Secretaria Municipal
de Saúde de São Paulo (SMS-SP) sobre esse processo. A partir desses dados,
discutem-se aspectos da judicialização da saúde e da gestão de informações
sobre as ações judiciais em saúde no âmbito do município de São Paulo.

Tal esforço justifica-se pela necessidade de ampliação do conhecimento sobre


a judicialização, pois o diagnóstico é a primeira etapa para buscar soluções
de planejamento das ações do Executivo frente à interferência do Judiciário
na atuação da gestão. Assim, o artigo pretende dar visibilidade a informações
sobre a judicialização da saúde no município de São Paulo, em um contexto
de crescente demanda judicial, por parte da população, para a concretiza-
ção de seus direitos à saúde, mas também em um contexto de pandemia de
Covid-19.

A metodologia aplicada a este trabalho é quali-quantitativa, tendo como prin-


cipal método o estudo de caso. Segundo Yin (2001), este método é adequado
quando se faz necessário descrever de maneira ampla e profunda algum fe-
nômeno social complexo, pois ele permite a aplicação cumulativa de outros
métodos como entrevistas e análise de documentos. O presente estudo de
caso tem como objeto o fenômeno da judicialização da saúde no município
de São Paulo.

Primeiramente, serão analisados dados sobre o volume de ações recebidas


pela Secretaria Municipal de São Paulo-SP e sobre os tipos de itens judicia-
lizados, dados obtidos por meio de consulta ao Sistema Integrado de Ações
Judiciais (SIAJ) e Sistema Integrado de Ações Judiciais Digital (SIAJ-d), com

Sumário 231
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

apoio da Procuradoria Geral do Município (PGM). Na sequência, será ana-


lisado o volume de recursos despendidos por ano com a judicialização da
saúde, por meio de consulta ao Sistema de Orçamento e Finanças (SOF), com
apoio da Coordenadoria de Finanças e Orçamento (CFO) da SMS-SP.

Com base em entrevistas com servidores públicos municipais de diversas


áreas, serão discutidas as percepções sobre os impactos da judicialização da
saúde sobre a organização dos serviços de saúde prestados em tempos de
normalidade e de pandemia. Por fim, serão discutidos os recentes avanços e
os desafios remanescentes para sistematização de dados sobre a judicialização
da saúde pela Prefeitura Municipal de São Paulo.

A importância das discussões sobre o perfil dos demandantes, a taxa de pro-


cedência das ações, as decisões revertidas pelo município e o pertencimento
dos itens judicializados às listas do Sistema Único de Saúde (SUS) não é negli-
genciada. No entanto, diante da impossibilidade de obtenção de informações
atualizadas sobre esses temas, optou-se pela análise dos dados disponíveis e,
atualmente, passíveis de atualização periódica.

Judicialização da saúde em municípios


O fenômeno da judicialização da saúde vem sendo muito abordado do ponto
de vista nacional e de alguns estados, mas ainda foi pouco explorado do pon-
to de vista do impacto sobre os municípios. Por isso, antes de entrar no exa-
me das decisões judiciais circunscritas ao estudo de caso do município de São
Paulo, vale destacar características comuns da judicialização em municípios.

Um dos princípios organizativos do SUS é a descentralização, que, atendendo


às determinações constitucionais e legais, define atribuições comuns e com-
petências específicas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municí-
pios. A descentralização transfere a responsabilidade da prestação de serviços
de saúde para a esfera municipal, visando ampliar a eficiência, a qualidade e
a capacidade de fiscalização e controle pela sociedade. “Os estados e a União

Sumário 232
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

devem contribuir para a descentralização do SUS, fornecendo cooperação


técnica e financeira para o processo de municipalização”4.

No entanto, a descentralização orçamentária não caminha na mesma veloci-


dade que a descentralização de responsabilidades na prestação dos serviços
de saúde e a questão do financiamento segue sendo um desafio no processo
de implantação do SUS5. Apesar de a escassez de recursos ser um problema
que afeta as três esferas de poder, o aumento da participação estadual e fede-
ral no financiamento do SUS é um problema a ser solucionado.

A Confederação Nacional de Municípios (CNM) realizou, em 2015, uma pes-


quisa sobre a judicialização da saúde, consultando os 5.570 municípios do
país. Dentre os 4.168 municípios participantes, 49% (2.042) afirmaram estar
respondendo a alguma ordem do Poder Judiciário em relação à demanda
da área de saúde. Segundo os consultados, o número de ações judiciais em
saúde contra os municípios brasileiros corresponderia a cerca de 100 mil.

No entanto, o número informado pelos executivos municipais parece subes-


timado frente às 792.851 ações judiciais com o tema saúde que tramitaram
no Judiciário em 2015, segundo dados do Relatório Justiça em Números de
2016, do Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Os dados de 2019, publica-
dos no Relatório Justiça em Números de 2020, informa que foram 459.076
demandas judicializadas, com aproximadamente 135 mil relativas à Saúde
Suplementar (planos de saúde privados).

Apesar da importância de conhecer o fenômeno da judicialização em municí-


pios, o município de São Paulo, por se tratar do maior município brasileiro,
possui estrutura de oferta de serviços e volume de recursos arrecadados su-
perior a alguns estados brasileiros, o que justifica a análise do caso do muni-
cípio de São Paulo.

4 BRASIL Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Departamento de Apoio à Descentralização.


O SUS no seu município: garantindo saúde para todos. Ministério da Saúde, Secretaria-Executiva,
Departamento de Apoio à Descentralização. 2. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2009, p.21.
5 Cf. UGÁ, Maria Alícia et al. Descentralização e alocação de recursos no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS). Ciência & Saúde Coletiva, v. 8, p. 417-437, 2003, p. 436.
Sumário 233
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Da análise dos dados das ações judiciais no município de


São Paulo
No município de São Paulo, as ações judiciais que possuem como objeto a saú-
de, do ponto de vista jurídico, são de competência da Procuradoria Geral do
município de São Paulo (PGM-SP). Do ponto de vista técnico, essas ações são
de responsabilidade da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS-SP).

Verifica-se que, apesar de o número de novas ações continuar crescendo no


período de 2011 a 2019, conforme gráfico 1 abaixo, a PGM-SP, diferente-
mente do que acontece na Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, não
instituiu setor especializado no acompanhamento das ações de saúde. No âm-
bito da SMS-SP, a estruturação de uma unidade administrativa específica pela
gestão de demandas judiciais deu-se por meio de um processo não linear, de
continuidade e descontinuidade, repleto de mudanças nos fluxos de trabalho
e de perda de memória institucional.

Atualmente, o acompanhamento das ações pela PGM-SP é realizado por meio


do Sistema Integrado de Ações Judiciais Digital (SIAJ-d), em funcionamen-
to desde 2017. Este sistema é um aprimoramento do Sistema Integrado de
Ações Judiciais (SIAJ). No âmbito da SMS-SP, não há sistema específico para
o monitoramento das ações judiciais em saúde, diferentemente da Secretaria
Estadual de Saúde de São Paulo (SES-SP), que utiliza o sistema chamado
S-CODES desde 2010.

Dado que a SMS-SP não possui sistema próprio para o acompanhamento


das ações judiciais em saúde, a principal fonte disponível para acompanha-
mento do número de novas demandas e dos tipos de demandas recebidas é o
SIAJ-d. Conforme esse sistema, o número de ações judiciais em saúde segue
tendência de crescimento: em 2011, foram ajuizadas 178 ações; em 2015,
houve um aumento expressivo, com o ajuizamento de 4526 ações; e, em 2019,
esse aumento permaneceu significativo, com o ajuizamento de 8747 ações.

6 Das 452 ações ajuizadas em 2015, 92 foram cadastradas no sistema da PGM-SP em 2016.
7 Das 874 ações ajuizadas em 2019, 102 foram cadastradas no sistema da PGM-SP em 2020.

Sumário 234
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Todavia, em 2020, ano em que teve início a pandemia de Covid-19, foram


ajuizadas apenas 5888 novas ações. Portanto, vê-se que os ajuizamentos des-
pencaram a um patamar próximo do que os encontrados em 2016 e 2017. O
gráfico 1 contém os números de novas ações por ano e ilustra a interrupção
da tendência de crescimento.

Uma hipótese explicativa para a diminuição do número de novas ações ajui-


zadas, a ser explorada em pesquisas futuras, é que a crise sanitária pode ter
feito com que as pessoas ficassem mais apreensivas em buscar os serviços
de saúde, além da ocorrência de restrição temporária do atendimento de
consultas presenciais, exames e procedimentos realizados pelas Portaria de
SMS.G nº 154/2020 e nº 117/2021. Ao fazer isso, diagnósticos foram retarda-
dos, gerando uma provável contenção nas ações, o que pode deflagrar um
crescimento represado após a contenção da pandemia.

Gráfico 1 Número de Ações Judiciais de Saúde contra o Município de São Paulo por ano

874
808 Ações Ajuizadas
622 617 588
452
332 329
259
178

2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020

Fonte: Sistema Integrado de Ações Judiciais Digital- SIAJ-d, fev. 2021. Elaboração Própria.

Além da análise dos números gerais de ações ajuizadas, com o início do fun-
cionamento do SIAJ-d foi possível uma melhor subclassificação do objeto das
ações em saúde. Antes do sistema, os processos enquadravam-se em uma
única classificação geral de saúde/medicamento/hospitais e, depois, passaram

8 No número de novas ações de 2020 foi computado apenas as ações cadastradas no sistema da PG-
M-SP até o dia 31/12/2020.

Sumário 235
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

a ser classificados em 16 categorias, possibilitando uma melhor compreensão


do fenômeno. Desde 2018, todas as ações ajuizadas contam com a possibili-
dade de divisão do objeto saúde em: medicamentos, cirurgias, tratamentos,
consultas ou exames, vagas em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), insu-
mos, fraldas, homecare, dietas, leites, cadeiras de rodas, órteses e próteses,
acolhimento (residência inclusiva ou terapêutica), mista (vários objetos na
mesma ação), diversas e sem classificação.

O gráfico 29 contém as ações por subcategoria nos anos de 2018 a 2020. No


entanto, é importante apontar que o SIAJ-d não faz a classificação de forma
automática. O enquadramento de uma ação em uma categoria é feito ma-
nualmente pelos servidores e pode não estar de acordo com o verdadeiro
objeto das ações. Essa imprecisão pode ser verificada pela existência de ações
sem classificação, denominadas “vazias”, e pode gerar problemas na confiabi-
lidade dos dados, mas não acarreta problemas no acompanhamento da ação
em juízo, já que essa informação não interfere na atuação do procurador do
município.

Ao analisar o gráfico 2, é possível constatar que, na maioria dos casos, houve


continuidade na posição ocupada por cada item na lista de demandas - medi-
camentos sendo o item mais demandado, seguido por cirurgias, tratamento e
assim por diante. Entretanto, nota-se que em 2020 houve um salto nas ações
de acolhimento10, que representavam menos de 1% do total das ações ajuiza-
das em 2018 e 2019 e passaram para aproximadamente 7% em 2020.

9 Nesse trabalho as ações que não tinham subclassificação, ou seja, que estavam vazias conforme a
planilha recebida, foram agrupadas com as ações diversas.
10 Nos casos em que a pessoa não possua condições de suporte familiar ou social suficientes para
garantir as suas necessidades de moradia, o Ministério Público ou outra pessoa ajuíza as ações de aco-
lhimento que visam a inclusão do tutelado, no Serviço Residencial Terapêutico (SRT) ou Residência
Inclusiva, que pertence a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social – SMADS.

Sumário 236
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Gráfico 2 Ações Judiciais de Saúde contra o Município de São Paulo por ano e por tipo

2020

2019

2018

ano 2018 2019 2020

Medicamento 182 189 148

Cirurgia 146 174 111

Tratamento 147 153 79

Diversos 108 111 55

Consulta ou exame 34 61 44

Acolhimento 2 4 41

Dieta 19 18 24

Insumos 42 17 21

Mista 25 35 18

Homecare 14 19 15

Vaga em UTI 47 46 14

Fralda 26 20 11

Leite 9 9 5

Cadeira de rodas 5 15 2

Órtese ou prótese 2 3 0

(Vazias) 32 42 16

Fonte: Sistema Integrado de Ações Judiciais Digital (SIAJ-d), fev. 2021. Elaboração Própria.

Os pedidos de tratamento, que são os que não estão especificados em ou-


tras categorias ou os que abrangem um conjunto de categorias, continuam
ocupando o terceiro lugar entre as ações mais ajuizadas, no entanto, percebe-

Sumário 237
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

se uma queda de aproximadamente 5% do que esses pedidos representavam


do total em 2018 e 2019. Outra diminuição que chama a atenção são os pedi-
dos de vaga em UTI, que representavam aproximadamente 5% do total dos
pedidos em 2018 e 2019 e passaram a aproximadamente 2% em 2020.

Havia uma tendência de crescimento no número de ações judiciais recebidas


pelo município de São Paulo desde o início dos registros em 2011. Provavel-
mente a alteração na tendência de crescimento verificada em 2020 tem cor-
relação com a pandemia de Covid-19. Todavia, apenas com a continuidade
no acompanhamento das informações será possível verificar se o padrão de
redução no número de ações judiciais se mantém ou se os números serão
retomados após a contenção da pandemia.

Da análise das despesas com as ações judiciais


O dispêndio de dinheiro público com as ações judiciais é um tema de suma
importância, pois o orçamento público é limitado, enquanto o potencial de
despesas é ilimitado, o que demanda o uso racional dos recursos. Nesse con-
texto, para possibilitar que o direito fundamental à saúde seja universal e
igualitário, a Constituição Federal, no seu art. 196, prevê que o Estado tem
o dever de garantir o direito à saúde com políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doenças e de outros agravos com ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação.

A escolha sobre as melhores tecnologias em saúde para uma população é


política pública e econômica realizada através da avaliação de incorporação
de uma nova tecnologia no SUS. Para a inclusão de uma nova tecnologia,
além do registro na ANVISA, que verifica evidências de eficácia e segurança,
é necessária a recomendação feita pela Comissão Nacional de Incorporação
de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), que se averigua,
além de evidências de eficácia e segurança, há também custo-efetividade em
relação às tecnologias já existentes no SUS.

Sumário 238
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Com o ajuizamento das ações, há uma quebra nas políticas públicas de saúde
feitas pelo Estado, pois a maioria das demandas no município de São Paulo
é individual, visando medicamentos e tratamentos que não fazem parte da
lista do SUS11. Assim, inicia-se um processo de dispêndio de dinheiro do or-
çamento da saúde para salvaguardar direitos individuais em detrimento do
direito do restante da população.

As despesas em razão das ações judiciais podem ser classificadas da seguinte


forma: diretas, com uma dotação orçamentária vinculada para o cumpri-
mento das ações judiciais, ou seja, com uma verba prevista no orçamento pú-
blico para este fim específico, e indiretas, que utilizam dinheiro de dotações
não vinculadas ao cumprimento das ações judiciais, como as utilizadas para
as compras gerais da Secretaria Municipal da Saúde.

As despesas diretas são as compras de medicamentos, insumos, dietas, ma-


teriais médico-hospitalares, cirurgias, vagas em UTI, consultas, exames etc.,
quando realizadas para atender especificamente ao cumprimento de uma
determinação judicial. Elas ocorrem quando o Judiciário concede algo que
não está previsto no SUS Municipal, ou quando não é possível o atendimento
da ordem judicial em razão de falta de estoques ou falta de vagas, ensejando
a abertura de um processo administrativo próprio para compra por dispensa
de licitação ou em uma ata de registro de preços das ações judiciais12.

Já as despesas indiretas são: os salários dos funcionários que atuam em todas


as áreas ligadas às demandas judiciais; as despesas com honorários advoca-
tícios; os sequestros de receitas públicas, o fornecimento de medicamentos,
insumos, dietas, materiais médico-hospitalares, cirurgias, vagas em UTI, con-
sultas e exames, quando esses são disponibilizados pela rede. Ou seja, quan-
do o SUS realiza uma cirurgia com o atendimento do autor da ação no lugar
do próximo da fila ou quando redireciona um insumo do seu estoque para o
atendimento de uma ação.

11 Informações obtidas nas entrevistas e dados do SIAJ-d.


12 Como no caso do processo 6018.2019/0033702-3, como demonstra o despacho publicado http://
www.docidadesp.imprensaoficial.com.br/NavegaEdicao.aspx?ClipID=84d9a8e2365880a67c1169b6e-
9bc0879&PalavraChave=6018.2019/0033702-3 visualizado no dia 21/03/2021

Sumário 239
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Somente em 2018 foram criadas dotações específicas para gastos com ações
judiciais, possibilitando a divisão das despesas diretas e indiretas. A partir
desse momento houve a possibilidade de vincular no orçamento de forma
direta os gastos com as ações judiciais, o que facilitou o planejamento e a
visualização dos gastos pelo gestor público, pois com elas é possível separar
uma parte do orçamento para as ações e acompanhar quanto do dinheiro
orçado está sendo utilizado.

Consequentemente, as compras excepcionais de materiais médico-hospitala-


res, medicamentos e dietas passaram a ser realizadas respectivamente pelas
dotações orçamentárias: 84.10.10.302.3003.4107.33909100.00, 84.10.10.303
.3003.2519.33909100.00 e 84.10.10.301.3003.2509.33909100.00.

Os valores separados pelo município para o pagamento de compras realiza-


das de 2018 a 2020, referentes às despesas diretas, podem ser visualizados no
gráfico 3 “Valores Empenhados”13.

Gráfico 3 Valores empenhados com ações judiciais em saúde contra o Município


de São Paulo

R$ 7.000.000,00
R$ 6.000.000,00
R$ 5.000.000,00
R$ 4.000.000,00
R$ 3.000.000,00
R$ 2.000.000,00
R$ 1.000.000,00
R$ 000,00
Material Médico Medicamentos Dietas
Hospitalar e Ambulatorial

2018 2019 2020

13 Dados de 2018, extraídos de CHABBOUH, GABRIELA PINHEIRO LIMA, O impacto da ju-


dicialização da saúde sobre a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo: orçamento e organização
administrativa, 2019, p. 74. Valores de 2019 a 2020 foram informados por CFO/SMS-SP.

Sumário 240
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

material médico
ano hospitalar e medicamentos dietas
ambulatorial

2018 R$ 4.665.768,22 R$ 6.306.548,71 R$ 1.836.201,44

2019 R$ 4.520.619,17 R$ 2.742.024,50 R$ 780.095,50

2020 R$ 3.722.321,46 R$ 2.748.145,12 R$ 1.165.076,85

Fonte: Coordenadoria de Finanças e Orçamento (CFO) da SMS-SP fev. 202.1 Elaboração Própria.

Do gráfico acima, pode-se depreender que as despesas diretas com ações ju-
diciais somaram o total de R$ 12.808.518,37 no ano de 2018, R$ 8.042.739,17
no ano de 2019 e R$ 7.635.543,43 no ano de 2020. Dessa forma, verifica-se
que, aparentemente, os gastos com as ações estão caindo.

A maior queda registrada foi em relação às compras de medicamentos, que di-


minuíram aproximadamente 57% de 2019 para 2020. Essa diminuição pode
ser facilmente explicada pela aquisição de apenas um tipo de medicamento.
As compras com o medicamento Nusinersena-Spinraza, recentemente incor-
porado pelo SUS para o tratamento de Atrofia Muscular Espinhal 5q (AME)
tipo II e III (uma doença genética rara), somaram o total de R$ 4.192.891,92
no ano de 2018, R$1.072.667,63 no ano de 2019 e R$ 481.014,83 no ano
de 202014. Quando retirado o Nusinersena-Spinraza das compras de medi-
camentos, verificamos um outro panorama, como pode ser visto no gráfico
“Total das despesas com Medicamentos sem Nusinersena-Spinraza”. A signi-
ficativa diminuição dos gastos ocorreu em razão da diminuição do número
de doses por paciente, pois no início do tratamento há a necessidade de uma
quantidade maior do medicamento, pelo indeferimento de liminares nas no-
vas ações ajuizadas e pelo fato de o Estado de São Paulo ter passado a cum-
prir todas as determinações judiciais em que ela correu.

14 Conforme informações retiradas do Diário Oficial da Cidade (DOC), utilizando as palavras chaves:
nusinersena e spinraza, realizadas no dia 21/03/2021 às 17:45.

Sumário 241
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Gráfico 4 Total das despesas com medicamentos por ano sem Nusinersena-Spiranza

R$ 2.267.130,29
R$ 2.113.656,79
R$ 1.669.356,87

2018 2019 2020

Fonte: Diário Oficial da Cidade- DOC. Elaboração Própria.

Ao analisar em conjunto o gráfico “Valores Empenhados” com o gráfico “Total


das despesas com Medicamentos sem Nusinersena-Spinraza”, verificamos a
grande relevância que um item de valor elevado pode ter no total de despesas.
Devemos atentar, ainda, para a existência de diversos custos indiretos, que
não são computados de forma específica pela Secretaria Municipal de Saúde.

Reitera-se que os valores analisados contemplam apenas os itens que foram


comprados excepcionalmente para o atendimento das ações judiciais. Quan-
do bens e serviços fornecidos regularmente pelo SUS são redirecionados para
o atendimento das demandas judiciais, incluindo leitos de UTI, cirurgias e
medicamentos constantes das listas do SUS, esses valores não são contabiliza-
dos nos custos da judicialização pela SMS-SP.

Conclui-se que, apesar da diminuição dos valores totais utilizados com as com-
pras por dispensa de licitação e atas de registro de preço das ações judiciais,
não é possível afirmar a existência de uma tendência de queda dos gastos.

Da percepção dos gestores municipais


Ao longo de três semanas, foram 8 gestores entrevistados (Anexo II - Lista
de entrevistados), dentre eles profissionais das áreas administrativa, jurídica
(assessores e procuradores) e da saúde (médicos e farmacêuticos) que traba-
lham na Prefeitura de São Paulo. Os entrevistados foram selecionados com

Sumário 242
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

base em seu envolvimento com as ações judiciais, buscando sempre captar as


percepções de profissionais de diversas áreas.

Optou-se pela realização de entrevistas semiestruturadas que, para Manzi-


ni15, correspondem àquelas que focam em um tema sobre o qual é confeccio-
nado um roteiro com as principais perguntas sobre o assunto, que podem ser
complementadas por outras questões que surjam no momento da interação
com o entrevistado. Tais entrevistas acontecem de forma mais livre e não es-
tão restritas a um conjunto de respostas padronizadas.

O objetivo das entrevistas era captar a percepção dos agentes públicos sobre a
judicialização no município. Para isso foi utilizado roteiro de perguntas (Ane-
xo I - Roteiro Entrevistas), orientado a tratar do seguinte conjunto de temas:
a) o fenômeno da judicialização; b) as características das ações judiciais; c) a
sistematização de dados; d) desafios e potenciais de melhoria no cumprimen-
to das decisões judiciais; e) o impacto da pandemia de Covid-19.

As entrevistas foram acordadas por telefone e aconteceram virtualmente. To-


dos os entrevistados foram previamente informados sobre o intuito da pes-
quisa e consentiram em participar por vontade própria, a fim de colaborar
com o sucesso do trabalho. É importante salientar que as respostas se baseiam
na experiência individual dos entrevistados com o tema, pois a maior parte
dos gestores entrevistados não possui acesso ao SIAJ, não acessa o Sistema de
Orçamento e Finanças ou outras formas de sistematização das ações judiciais
pela SMS-SP.

Antes de passar à análise de cada um dos temas abordados durante as en-


trevistas, salienta-se que, dado o número de entrevistados, não foi possível
encontrar padrões que diferenciem as percepções dos entrevistados das áreas
administrativa, jurídica e da saúde.

15 MANZINI, E. J. A entrevista na pesquisa social. Didática: São Paulo, v. 26/27, p. 149-158.


1990/1991.

Sumário 243
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

A) O fenômeno da judicialização

Segundo os entrevistados, uma parte das ações judiciais é legítima, pois visa
preencher uma lacuna no atendimento do SUS, seja porque o sistema não
providenciou o tratamento no prazo adequado, seja porque o tratamento do
SUS foi insuficiente para o caso particular. No entanto, outra parte das ações
é desnecessária e acontece, muitas vezes, pela falta de organização do SUS e
pela falta de protocolos mais objetivos.

Apesar da recente tendência de redução do número de ações judiciais, os


entrevistados não concordam sobre se o número de ações judiciais está di-
minuindo ou aumentando. Parte dos entrevistados afirmava perceber o au-
mento das demandas judiciais, enquanto outra parte afirmava perceber a sua
diminuição.

Alguns atribuíram a redução ao respeito pelos juízes do tema 106 do Supre-


mo Tribunal de Justiça (STJ), que estabelece: a concessão dos medicamentos
não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa
dos requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado
e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da impres-
cindibilidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento
da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira
de arcar com o custo do medicamento prescrito; e iii) existência de registro
do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.
Outros afirmaram que o tema 106 não resolveu o problema, pois ainda há
desrespeito aos precedentes pelo Poder Judiciário.

Outros entrevistados atribuíam a redução das ações à pandemia de Co-


vid-19, inferindo que na crise sanitária muitas pessoas preferiram evitar ir
aos equipamentos de saúde, pelo medo de contrair o vírus nesses locais, ou
não puderam ir em razão da suspensão dos atendimentos que não eram de
emergência.

Sumário 244
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

B) As características das ações judiciais

A percepção dos gestores municipais está em conformidade com o que de-


monstram os dados no que diz respeito à predominância de ações indivi-
duais e ao perfil das ações judiciais. Os entrevistados citaram insumos para
diabetes, cirurgias ortopédicas e tratamentos oncológicos como os itens mais
judicializados, em conformidade com as informações extraídas do SIAJ-d.

Ainda sobre o perfil das ações judiciais, vários informaram que a maior parte
dos medicamentos não constava nas listas do SUS. As informações sistemati-
zadas pela Prefeitura de São Paulo não permitem confrontar essa percepção
com os dados, mas pesquisa de 2019 registrou que:

A parcela de medicamentos pleiteados entre 2014 e 2017, que se encontra-


vam disponíveis pelo SUS no ano do pleito, constitui mais de 50% do total,
contra 42% de medicamentos não padronizados, sendo que 6% deles não
estavam autorizados pela Anvisa para comércio nacional16.

Em relação aos custos das demandas judiciais, alguns informaram desconhe-


cer os valores despendidos, outros disseram que os custos eram altos, como
afirmou o entrevistado (1): “Já li algumas coisas. Escuto os procuradores di-
zerem, mas não sei dizer quanto. Acho que é um custo alto”. Alguns medi-
camentos foram listados como os mais caros, como o Nusinersena-Spinraza
para Atrofia Muscular Espinhal (AME) e os imunomoduladores para câncer.

Quando indagados quanto à taxa de sucesso dos pacientes, os entrevistados


afirmaram ter a percepção de que os pacientes ganharam na maior parte das
vezes. Um dos entrevistados (entrevistado 8) chegou a estimar em 80% a taxa
de sucesso dos pacientes em seus pleitos judiciais contra o município de São
Paulo. No entanto, os sistemas disponíveis não permitem saber ao certo a
taxa de êxito do município nas ações, ou seja, qual a porcentagem das defesas
que são acatadas pelos juízes.

16 CHABBOUH, GABRIELA PINHEIRO LIMA, O impacto da judicialização da saúde sobre a Secre-


taria Municipal de Saúde de São Paulo: orçamento e organização administrativa, UFABC, 2019, p. 61.

Sumário 245
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Alguns entrevistados têm a percepção de uma taxa de êxito maior da SM-


S-SP em casos na Justiça Federal e nas Varas da Fazenda Pública da Justiça
Estadual, e de um êxito maior dos demandantes na Vara da Infância e da
Juventude. Cabe ressaltar que para esses entrevistados o conceito de taxa de
êxito não é compreendido apenas pela quantidade de ações julgadas impro-
cedentes, mas também pelos casos julgados parcialmente procedentes, como
nos casos em que é solicitado um medicamento de marca específica, mas há a
condenação para o fornecimento do medicamento pelo princípio ativo.

C) A sistematização de dados sobre a judicialização

Apesar de, atualmente, ser possível monitorar informações gerais sobre o


número de ações judiciais recebidas, os tipos de ações recebidas e parte dos
valores desembolsados com essas ações, a ausência de sistematização dos da-
dos foi uma constante nas entrevistas realizadas.

Profissionais envolvidos com o tratamento administrativo das demandas judi-


ciais afirmaram que existem alguns sistemas que apoiam o registro de infor-
mações sobre as ações judiciais, mas que esses sistemas não estão integrados e
muitos dos controles são feitos apenas em planilhas Excel.

Alguns entrevistados (entrevistados 6 e 7) afirmaram que houve uma melho-


ra na sistematização dos dados sobre a judicialização, principalmente com
o início da utilização do SIAJ-d. Entretanto, entendem que existem falhas
no sistema e dados que não podem ser obtidos. Por exemplo, a equipe da
assessoria jurídica acompanha as ações para verificar o êxito das defesas, mas
o acompanhamento dos casos não produz informações sistematizadas para
melhoria dos processos de defesa.

Outro entrevistado (entrevistado 2) listou a existência de alguns controles e


sistemas, mas reforçou: “Não existe sistematização, e quando existe elas não
são completas”. Ressaltou que ainda são necessários mais esforços da SMS-SP
para conhecer a demanda e desenvolver inteligência para lidar com a judi-
cialização da saúde no município.

Sumário 246
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

D) Desafios e potenciais de melhoria no cumprimento das decisões


judiciais

Os entrevistados listaram os curtos prazos e a indisponibilidade de vagas


como os principais desafios para o cumprimento das decisões judiciais. Um
dos entrevistados (entrevistado 5) afirmou ainda que: “por ter judicializado,
normalmente é um problema consolidado, uma coisa difícil de conseguir”,
explicando que parte da judicialização seria fruto de demandas cujas filas de
espera para atendimento no SUS são realmente grandes por conta dos custos
e da complexidade, como cirurgias ortopédicas e exames específicos (como
polissonografia e eletroneuromiografia). Esse dado expõe um problema já
apontado pelas análises sobre judicialização da saúde no Brasil: parte dela
demonstra as falhas no SUS, explicitando aos gestores os problemas da rede
de serviços de saúde e, até mesmo, os problemas de financiamento do SUS17.

Outro problema com relação à regulação, na opinião dos entrevistados, é a


dificuldade “de os gestores hospitalares entenderem a questão de prioridade
da ordem judicial em detrimento da fila regular”, ou seja, a dificuldade de
“tirar o paciente da regulação comum, o que gera muitas vezes um questio-
namento sobre a justeza disso (entrevistado 8)”18.

O questionamento sobre a justiça da realização de uma regulação paralela


para o cumprimento das decisões decorre do fato de a “fila regular” ser rea-
lizada de acordo com critérios técnicos, enquanto a ordem judicial posiciona
na frente a pessoa que conseguiu uma decisão favorável, em detrimento de
outras que segundo avaliações médicas necessitam mais do atendimento.

Segundo o entendimento de alguns dos entrevistados (entrevistados 6, 7 e 8),


a defesa do município tem melhorado com o passar do tempo, tendo em vista
que hoje há mais precedentes favoráveis aos entes públicos. Adicionalmente,

17 Conselho Nacional de Justiça. Judicialização da Saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e
soluções. Insper, 2019, p. 69-72, Disponível em: https://static.poder360.com.br/2019/03/relatorio-judi-
cializacao-saude-Insper-CNJ.pdf. Acesso em: 30 mar 2019.
18 Trechos retirados das entrevistas realizadas para elaboração do presente artigo.

Sumário 247
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

reconhece-se um maior empenho dos envolvidos para conseguir a melhor


solução para as demandas em saúde, seja de forma individual em uma ação
ou através da realização de ações proativas e conjuntas com Judiciário, o
Ministério Público e a Defensoria. Isso é, também, um elemento importante
para ser considerado nas análises sobre a judicialização.

Dentre as oportunidades de melhoria, os entrevistados apontam que o fluxo


de demanda e oferta do SUS, que propicia demora no atendimento (entre-
vistado 5), poderia ser melhorado, reduzindo as demandas judicializadas.

E) O impacto da pandemia da Covid-19 sobre a judicialização


A percepção dos entrevistados sobre o impacto da pandemia no ajuizamento
de demandas de saúde foi diversa. Alguns dos gestores apontaram efeitos
diretos da pandemia nas ações judiciais em saúde, outros afirmaram que o
padrão da judicialização se manteve o mesmo. Dentre os que listaram mu-
danças, temos:

Com o início da pandemia, recebemos muitas ações coletivas, populares e


ações civis públicas (...) pleiteando insumos: máscaras, luvas. Alegando que
faltavam materiais de proteção individual. Ação de partido político pedindo
mais transparência na divulgação de dados. (entrevistado 1).

Outros apontaram ainda que:

Complicou um pouco, porque o atendimento foi suspenso, consultas de


especialidades, consultas eletivas, para diagnóstico de câncer: colonoscopia.
Na parte de urgência e emergência aumentou por conta do aumento da
demanda de Covid. Reduziu, inicialmente, trauma, infarto, porque as pes-
soas não estavam saindo. Nesse momento voltou ao normal e ainda tem a
COVID.(entrevistado 3).

Outros (entrevistados 5, 6, 7 e 8) afirmaram que foram poucas as ações re-


lacionadas à Covid-19. Para esses entrevistados, a crise sanitária diminuiu a
procura do Poder Judiciário para a tutela de direitos relacionados à saúde.
Essa percepção está alinhada ao número de novas ações recebidas, apresen-
tado anteriormente.
Sumário 248
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Todavia, para conhecer os reais efeitos da pandemia sobre o processo de ju-


dicialização no município de São Paulo, faz-se necessário o acompanhamento
do número de novas ações por um longo período, o que nos trará um mapa
mais acurado desse cenário.

Considerações gerais sobre as entrevistas


Os dados coletados pelas entrevistas reforçam a importância da adequada
gestão dos dados da judicialização da saúde, de forma a enfrentar o comple-
xo problema por ela gerado para a Secretaria Municipal de Saúde.

Os entrevistados reconhecem a legitimidade de parte da judicialização, que


por vezes procura garantir acesso a serviços que são falhos. Por outro lado,
muitas vezes, ela é desnecessária e decorre da falta de organização do SUS e
de protocolos mais objetivos.

Outro achado importante foi a ausência de sistematização dos dados sobre a


judicialização, o que chamamos aqui de gestão adequada dos dados. Apesar
de ser possível monitorar informações gerais sobre as ações judiciais recebi-
das, seus tipos e parte dos valores desembolsados com essas ações, uma gestão
de dados mais desenvolvida ajudaria a dar respostas mais rápidas, resolver
problemas relacionados à rede de serviços e de assistência farmacêutica, den-
tre outras ações. Enfim, as entrevistas reforçam a ideia de que a gestão de
dados precisa ser aprimorada.

É importante salientar que estamos tratando da Capital mais rica do país,


com recursos técnicos e financeiros para dar conta da questão. Ainda assim,
os dados e as entrevistas reforçam que ainda há muito a ser feito na gestão de
dados. Isso demonstra, portanto, que há muito a ser feito para enfrentarmos
a judicialização da saúde, não só em São Paulo, mas no país.

Sumário 249
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Conclusão
A temática do tratamento das ações judiciais é extremamente complexa. A
judicialização envolve muitas áreas governamentais e muitos atores. Por um
lado, o envolvimento do setor jurídico é indispensável, por se tratar de uma
demanda apresentada pela via judicial (exigindo a atuação de procuradores
na defesa da instituição e de seu dirigente). Por outro lado, o envolvimento
dos profissionais da saúde é tão ou mais importante, já que o conteúdo do
pleito é o acesso à saúde, ou seja, tem caráter altamente técnico e exige a ela-
boração de pareceres para a defesa do município.

A complexidade é incrementada quando tratamos da execução das decisões


judiciais. O cumprimento da determinação dos juízes, em prazos muitas vezes
exíguos, exige processos de compras, no caso de medicamentos e insumos,
ou de regulação de vagas, no caso de cirurgias e tratamentos, o que requer a
participação de mais unidades administrativas. Por fim, o cumprimento das
ações judiciais envolve, ainda, a tomada de decisão a respeito da alocação de
recursos escassos.

Em 2020, houve reversão da tendência de crescimento no número de ações


judiciais recebidas pelo município de São Paulo. Acredita-se que a alteração
tenha relação com a pandemia de Covid-19, provavelmente porque os servi-
ços de saúde eletiva ficaram parcialmente suspensos por conta da quarentena
e porque as pessoas evitaram acessar os serviços de saúde. É possível que a
demanda represada seja retomada após a contenção da pandemia, mas isso
somente poderá ser avaliado nos próximos anos.

A redução no número de demandas foi acompanhada da redução dos valo-


res despendidos com as ações judiciais em saúde, utilizados com as compras
por dispensa de licitação e atas de registro de preço das ações judiciais. No
entanto, temos que considerar a interferência do Nusinersena-Spinraza na
alteração dos índices de queda. Por isso, o comportamento de apenas um
ano não permite afirmar a existência de uma tendência de queda dos gastos.

Sumário 250
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Fica clara a necessidade de melhoria na forma de controle dos gastos, espe-


cialmente quando são despendidos itens ou serviços já disponíveis na rede
municipal de saúde.

Apesar da crise sanitária, no último ano a SMS-SP recebeu apenas algumas


poucas ações relacionadas à Covid-19. No início da pandemia, em 2020, fo-
ram ajuizadas ações solicitando equipamento de proteção individual (EPI) e
afastamento de servidores da saúde. Todavia, somente em 2021 surgem as
primeiras ações solicitando ao município de São Paulo a aplicação de vacinas
e a disponibilização de vagas em UTI.

A percepção dos gestores municipais sobre a judicialização da saúde é muito


diversa, mas podemos traçar como percepção comum a necessidade de me-
lhoria nos registros relacionados às ações judiciais para desenvolvimento de
inteligência e melhoria na resposta do município às ações judiciais. Enfim,
os gestores percebem a necessidade de aprimoramento dos instrumentos de
gestão da judicialização.

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Sumário 251
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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Sumário 252
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

O auxílio da Ferramenta Planejamento


Estratégico Situacional na diminuição
de processos judiciais de medicamentos
em Canguçu - RS
Cristiano Manetti1
Luciano Bertinetti2

Resumo
A judicialização no Brasil teve início na década de 80 com
o Grupo de Apoio à Prevenção à Aids em São Paulo e o
Grupo Pela Vidda do Rio de Janeiro. Pesquisas científi-
cas nesta área apontam para o aumento da demanda judi-
cial, fazendo com que os municípios tenham que comprar
medicamentos que não fazem parte da Relação Nacional
de Medicamentos Essenciais (RENAME) ou Relação Mu-
nicipal de Medicamentos (REMUME). Este trabalho tem

1 Cursando Especialização em Atenção à Saúde das Pessoas com Sobrepeso e Obesidade, Aperfei-
çoamento em Atenção Integral à Saúde - Doenças Negligenciadas - FIOCRUZ. Especialista em Gestão
em Saúde - FIOCRUZ, Especialista em Vigilância em Saúde Ambiental - UFRJ, Aperfeiçoamento em
Farmacêuticos na Atenção Básica/Atenção Primária à Saúde: Trabalhando em Rede - UFRGS, Espe-
cialista em Gestão da Assistência Farmacêutica - UFSC, Especialista em Farmácia Clínica-Farmacologia
- Universidade Católica de Pelotas, Graduado em Formação Pedagógica de Docentes - Universidade
Católica de Pelotas e em Farmácia e Bioquímica com Ênfase em Análises Clínicas pela Universidade
Católica de Pelotas; Farmacêutico Responsável Técnico; Farmácia Municipal da Prefeitura Municipal
de Canguçu/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/3724774750842299.
2 Graduado em Fisioterapia - Universidade da Região da Campanha; Secretário Municipal de Saú-
de; Prefeitura Municipal de Canguçu/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/9550835062701540.

Sumário 253
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

como objetivo apresentar um comparativo dos gastos com


processos judiciais contra o município de Canguçu - RS
antes e após a atualização da REMUME, através da Fer-
ramenta Planejamento Estratégico Situacional (PES). As
informações foram obtidas por meio de oficinas de cons-
trução do Plano Operativo (PO), pesquisa bibliográfica e
anotações ao longo da vivência do processo. Concluiu-se
que a utilização desta ferramenta, que proporcionou um
trabalho colaborativo, auxiliou na redução no número de
processos judiciais e na ampliação do fornecimento dos
fármacos à população. Espera-se que a utilização do Pla-
nejamento Estratégico Situacional continue auxiliando a
Secretaria Municipal de Saúde, em especial a Assistência
Farmacêutica, na redução de processos judiciais e propor-
cionando um atendimento mais eficiente à população.

Palavras-chave: Judicialização da Saúde; Planejamento Es-


tratégico; Sistema Único de Saúde.

Sumário 254
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
A obtenção de medicamentos através de processos judiciais teve origem no
Brasil na década de 80 com o Grupo de Apoio à Prevenção da Aids (GAPA)
em São Paulo e o Grupo Pela Vidda (GPV) do Rio de Janeiro. No entan-
to, houve uma demanda maior nos anos 90 como alternativa de acesso ao
tratamento do HIV/Aids, pois não era fornecido pelo governo brasileiro
(BRASIL, 2005).

Pesquisas nesta área apontam para o aumento da demanda judicial, fazendo


com que os Municípios tenham que comprar medicamentos que não fazem
parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) ou Rela-
ção Municipal de Medicamentos (REMUME), sendo que muitos destes fár-
macos são prescritos por profissionais da rede privada, causando prejuízos
aos princípios do SUS: equidade, integralidade e universalidade, aumentan-
do com isto o uso irracional de medicamentos e o uso de recursos financeiros
públicos não programados (VIEIRA, ZUCCHI, 2006).

Este trabalho tem como objetivo apresentar um comparativo dos gastos com
processos judiciais contra o Município de Canguçu - RS antes e após a atuali-
zação da REMUME, através da Ferramenta Planejamento Estratégico Situa-
cional (PES). Neste relato de experiência, o autor não se coloca apenas como
observador, mas como propositor e membro da equipe que elaborou o plano
de intervenção na realidade da assistência farmacêutica do município. As in-
formações foram obtidas por meio de oficinas de construção do Plano Opera-
tivo (PO), pesquisa bibliográfica e anotações ao longo da vivência do processo.

A atualização da REMUME do município de Canguçu - RS teve por base a


experiência de elaboração de um PO, parte integrante do PES, desenvolvido
com a finalidade de qualificar a Assistência Farmacêutica Municipal. O PES,
concebido pelo economista chileno Carlos Matus, é um método de planeja-
mento orientado por problemas e trata, principalmente, daqueles que são
mal estruturados e complexos, para os quais não existe solução normativa ou
previamente conhecida em suas múltiplas dimensões: política, econômica,
social, cultural, etc. e em sua multissetorialidade (Artmann, 2000).

Sumário 255
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

A judicialização no Brasil
De acordo com Everson Macêdo Silva et. al. (2017), o Distrito Federal gas-
tou entre setembro de 2014 a agosto de 2016, R$43,7 milhões de reais com
ações judiciais solicitando medicamentos. Destes, 17% não apresentavam re-
gistro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Chagas e San-
tos (2018) realizaram um levantamento dos gastos com processos judiciais da
Secretaria Estadual de Saúde do Distrito Federal de 2013 a 2017, o gasto total
foi R$ 122 milhões de reais. A maioria dos recursos foi utilizada para empe-
nhar 607 processos (17,1%) em 2017, correspondendo a R$ 29,2 milhões de
reais (23,9%).

Um estudo realizado por Vilvert, S. H. et. al. (2019) sobre o perfil de pro-
cessos judiciais em assistência à saúde contra o estado de Santa Catarina, no
período de dezembro de 2015 a dezembro de 2016, mostrou que o gasto com
processos judiciais em 2015 foi de R$ R$ 135.549,39, caso a aquisição fosse
realizada pelo Estado, o gasto mensal seria de R$ 82.016,29. Em dezembro
de 2016, os custos com bloqueios judiciais foram de R$ 833.634,88, o gasto
seria de R$ 447.357,68 se a compra fosse realizada de forma administrativa.
Foi observado um aumento de 858,82% dos gastos com medicamentos obti-
dos através de processos judiciais, do ano de 2015 para 2016.

Conforme Trezzi e Otero (2013), no ano 2011, o RS apresentou 113.953 pro-


cessos judiciais, enquanto o Estado de SP, com mais de 44 milhões e 404 mil
habitantes (IBGE, 2015), teve 44.690, ou seja, menos da metade do número
de processos. O RS possui hoje uma população de pouco mais de 11 milhões
e 254 mil habitantes (IBGE, 2015), quatro vezes menor que a população do
estado de São Paulo. O Estado do Paraná, que possui pouco mais de 11 mi-
lhões e 165 mil habitantes, quase a população gaúcha, somava, no mesmo
ano, apenas 2.609 ações. O Governo do Rio Grande do Sul costuma contestar
os pedidos judiciais, mas na maior parte das vezes acaba obrigado a fornecer
a medicação. O Estado recebe, mensalmente, 5,6 mil processos solicitando
tratamentos, medicamentos ou cirurgias por via administrativa e em torno
de 2 mil processos por meio de ordens judiciais (TREZZI, OTERO, 2013).

Sumário 256
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

A Secretaria Estadual de Saúde do RS lançou em 2020, o projeto SER Saúde,


uma parceria entre o Governo do Estado, Federação das Associações de Mu-
nicípios do Rio Grande do Sul (FAMURS), o Conselho de Secretarias Muni-
cipais de Saúde do Rio Grande do Sul (COSEMS/RS) e a Defensoria Pública
do estado, com a finalidade de reduzir a judicialização no Estado. Em entre-
vista realizada por Bissigo e Scarton (2020), a Secretária Estadual de Saúde
Arita Bergmann declarou que o povo gaúcho precisa ter direito à saúde, no
entanto, o SUS precisa dispor de meios viáveis aos tratamentos solicitados ju-
dicialmente. Ela ainda mencionou que um quarto das verbas que a Secretaria
Estadual possui para aplicar em políticas públicas é gasto com a judicializa-
ção, despesa que, em 2019, alcançou o valor de R$ 649 milhões de reais, um
recurso necessário para investir na coletividade.

No município de Pelotas - RS, foi elaborado um estudo sobre a judicialização


de processos na Terceira Coordenadoria Regional de Saúde (CRS), com da-
dos obtidos através do sistema AME. Esta coordenadoria é responsável por 22
municípios da região sul do Estado do RS, incluindo o Município de Cangu-
çu - RS. Em janeiro de 2012, estavam cadastrados neste sistema 3.714 ações
judiciais, sendo que 45% das ações eram de usuários residentes em Pelotas,
totalizando 4.360 medicamentos solicitados. Destes, 43% não eram padroni-
zados pelo SUS, 19% eram de competência do município e 38% estavam na
lista de medicamentos fornecidos pelo estado. Foram levantadas como causas
da judicialização, as dificuldades de gestão da Assistência Farmacêutica (AF),
o elevado número de usuários do SUS e a extensão territorial do Município,
fazendo com que o gestor encontrasse dificuldades de interlocução com os
usuários (FREDES, 2012).

A judicialização em Canguçu
O município de Canguçu - RS possuía um elevado número de processos ju-
diciais devido à desatualização da REMUME, que havia sido elaborada em
2006. Em maio de 2016 foi realizada uma atualização com a inclusão de vá-

Sumário 257
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

rios novos medicamentos, tendo como base a 9ª edição da RENAME de 2014


e o perfil epidemiológico da população de Canguçu, através de estudos sobre
a morbimortalidade do município. Com a atualização, vários medicamentos
deixaram de ser solicitados por via judicial.

A aquisição de fármacos pertencentes a REMUME proporciona uma econo-


mia ao Município, pois estes são adquiridos por registro de preço ou pregão
eletrônico, ganhando a empresa que fornecer a melhor cotação. Além dis-
so, a cidade de Canguçu pertence à Associação dos Municípios da Zona Sul
(AZONASUL), do estado do Rio Grande do Sul, que licita medicamentos em
grande quantidade, para todos os Municípios pertencentes a este grupo, o
que reduz o seu custo total.

O deferimento dos processos judiciais refere-se aos medicamentos que não


estão nas listas dos componentes Básico, Especializado, Essencial (SES RS) e
Estratégico da Assistência Farmacêutica. A judicialização também ocorre em
fármacos que estão nas listas SUS, mas cujo número da Classificação Estatísti-
ca Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) do
usuário não está contemplado pelos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêu-
ticas do Ministério da Saúde.

Os princípios do SUS: integralidade, universalidade e equidade acabam favo-


recendo a estratégia das indústrias farmacêuticas de abrir mercado para seus
novos produtos. Caso este medicamento seja incluído em algum programa
da AF, significa um excelente mercado, pois grande parte da população bra-
sileira não possui recursos financeiros para arcar com o tratamento médico
(CHIEFFI, BARATA, 2010).

No município de Canguçu - RS foi realizada uma parceria entre a Defensoria


Pública, o Ministério Público, a Secretaria Municipal de Saúde, a Farmácia
Municipal e as Farmácias comerciais, para que a aquisição dos fármacos deferi-
dos judicialmente e não enviados pelo estado seja feita por um funcionário da
Secretaria Municipal de Saúde, e não mais pelos próprios pacientes. Assim, a
aquisição é realizada através de levantamento de preços nas farmácias comer-

Sumário 258
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

ciais do município, sendo escolhida a que oferecer o menor preço. A compra


é realizada dessa forma quando o estado não envia a medicação ao Município,
nesses casos os usuários levam uma negativa à Defensoria Pública informando
que seu tratamento não foi disponibilizado, logo o Poder Judiciário emite um
Alvará Judicial bloqueando as contas do Estado e do Município, ou seja, eles
entendem que a guarda é compartilhada, sendo cada ente responsável com
50% do custo para a aquisição. Normalmente são tratamentos da alta comple-
xidade, não sendo de responsabilidade do Município o seu fornecimento. Esta
modalidade de compra apresenta um custo mais elevado, tanto para o Estado
quanto para o Município, pois quando os medicamentos são adquiridos di-
retamente pela Secretaria Estadual de Saúde, a aquisição é feita em grande
quantidade, através de registro de preços, com valores mais baixos.

De acordo com Pepe et al. (2010) existem três ângulos com efeitos negativos:
o primeiro fala sobre o deferimento absoluto de processos, causando proble-
mas ao serviço público infringindo os princípios do SUS. O segundo refere-se
a compra emergencial através de procedimentos sem licitação pública, logo
com maior gasto na aquisição destes medicamentos. O terceiro ângulo refere-
se à segurança do usuário em virtude de possíveis prescrições inadequadas
sem evidências científicas comprovadas.

Fredes (2012) menciona que o fornecimento de medicamentos por meio de


ações judiciais, faz com que os gestores de saúde aumentem sua preocupação
em relação aos gastos que estas ordens geram, pois rompe com o planeja-
mento e desestabiliza a Política Nacional de Medicamentos (PNM), tendo-se
em vista que se dá de forma arbitrária ao funcionamento organizacional do
SUS, fazendo com que se adquiram fármacos fora das listas públicas padro-
nizadas, sem um financiamento próprio, levando, desta forma, ao desvio de
recursos de outras ações de saúde. Para Fredes, os gestores devem estabe-
lecer novos parâmetros para a AF, uma vez que a judicialização da saúde e
especialmente o elevado número de processos judiciais para o fornecimento
de medicamentos, devem atender tanto os interesses da população como os
da administração pública. Para a autora,

Sumário 259
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

As ações judiciais para o fornecimento de medicamentos provocam discus-


sões sobre a qualidade da gestão pública, sobre os princípios e diretrizes
do SUS, como equidade e integralidade e a ingerência do poder judiciário
nas políticas públicas, pois caracterizam pleitos particulares em detrimento
da universalidade proposta pelo SUS, o que tem levado a desestabilização
do sistema e a quebra do planejamento, fragilizando o processo de gestão.
(FREDES, 2012, p. 9-10)

De acordo com Pepe et al. (2010), é necessário melhorar a comunicação entre


os poderes Executivo e Judiciário, com o objetivo de definir claramente os
atores envolvidos na questão, suas competências e possibilidades. Torna-se
fundamental a criação de espaços institucionais formais de diálogo para a
elaboração de políticas públicas eficazes, além de recorrer da decisão liminar
com embasamento teórico adequado, enfatizando a segurança do usuário
nos casos de uso de fármacos não registrados, importados, de uso off label
ou em pesquisa clínica. Criar um mecanismo frequente de atualização de
informações acerca da judicialização que possa ser compartilhado entre os
diversos atores envolvidos na garantia do direito à AF, viabilizando o acesso
e o monitoramento das ações, com uma linguagem capaz de estimular ações
inovadoras futuras e ser compreendida por diversos agentes.

Para Fredes (2012), a qualificação da gestão parece ser imprescindível para


garantir que o planejamento seja eficiente, assim como a revisão das listas
públicas, com incorporação de novas tecnologias, fazendo o levantamento
dos dados reais de cada município. Identificar os problemas da gestão e do
planejamento do município é fundamental e com certeza irá refletir no nú-
mero de processos judiciais, além de ser muito útil para o controle social nos
mecanismos de melhoria da gestão. Foi justamente o levantamento detalhado
de informações sobre os efeitos da judicialização em Canguçu, elaborado em
conjunto com diversos atores envolvidos com a saúde pública no Município
através da construção de um plano operativo, que possibilitou uma redução
nos processos judiciais e uma prestação de serviços mais eficiente, tanto fi-
nanceira quanto socialmente.

Sumário 260
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Planejamento estratégico situacional


O PES, de acordo com Rivera e Artmann (1999), surgiu na década de 70 com
a ideia de introduzir o diálogo na atividade de planejamento, articulando
sujeitos sociais e propondo uma problematização coletiva visando uma cons-
trução de projeto assumida por todos, priorizando a comunicação. Para os
autores, o modelo de organização formulado por Carlos Matus deve ser refle-
xivo como condição de governabilidade, além da necessidade de construção
de indicadores para o monitoramento do plano. Segundo Matus, um ator
com conhecimento do problema e capacidade de raciocínio estratégico com
certeza enfrentará melhor um dilema do que alguém com baixo conhecimen-
to da realidade e apenas conhecimento de método, por melhor que este seja
(RIVERA; ARTMANN, 1999). É dividido em quatro momentos: Explicativo,
relacionado ao entendimento do que se pretende realizar, das oportunidades
e dos problemas que serão enfrentados; Normativo, relacionado a todo o
processo de planejamento; Estratégico, relacionado à viabilidade de supe-
rar os obstáculos e alcançar o objetivo; Tático-operacional, etapa decisiva do
planejamento situacional que corresponde ao processo de tomada de decisão
(AZEVEDO, 1992; TONI, 2004).

O processo de planejamento para a elaboração do Plano Operativo, que re-


sultou na atualização da REMUME de Canguçu - RS, incluiu a mobilização
de diferentes atores que foram escolhidos devido às suas possíveis relações
com a proposta. A Prefeitura de Canguçu possuía 259 funcionários lotados
na Secretaria Municipal de Saúde (SMS), dos quais 78 (30%) dos servidores
tinham nível superior. Para a realização do Momento Explicativo foram con-
vidados 11 profissionais que representavam os setores mais relevantes para
este estudo, mas compareceram apenas 7. Na reunião foi realizada uma dinâ-
mica de grupo, ocasião em que todos explanaram suas ideias e sugestões até
se chegar a um consenso. O grupo demonstrou interesse em participar do PO
e colaborou com informações e conhecimentos relevantes na elaboração do
momento explicativo. Os problemas elencados foram: (a) excessiva judiciali-

Sumário 261
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

zação, (b) desatualização da REMUME da Farmácia Municipal de Canguçu,


(c) problemas na entrega dos medicamentos pela empresa fornecedora e (d)
condicionalidades legais para aquisição de medicamentos. Cada participante
pontuou os problemas elencados quanto à magnitude, transcendência, vul-
nerabilidade, urgência e factibilidade. Ao final da reunião foi feita uma soma
geral das notas de todos os atores envolvidos no processo de construção do
Plano Operativo. Não houve conflito de ideias, apenas concepções diferentes
em relação à nota atribuída. Neste encontro, após a pontuação e com a defi-
nição do problema priorizado, foram identificados seus descritores, ou seja,
as evidências que revelam que aquela situação priorizada é um problema.

A segunda fase do momento explicativo ocorreu com a construção do Diagra-


ma de Ishikawa ou Espinha de Peixe (Diagrama de causa e efeito). De posse
dos descritores, do problema priorizado e da imagem-objetivo, foi elaborada
uma apresentação da Espinha de Peixe para que todos os atores envolvidos
pudessem emitir suas opiniões e sugestões. Não houve a necessidade de re-
escrever o problema nem os descritores, pois houve consenso desde o início
da primeira fase. Após a análise crítica e minuciosa do problema, descritores
e imagem-objetivo, foram sendo apresentadas causas e suas respectivas con-
sequências até se chegar à causa convergente: falta de comunicação entre
os setores administrativo, financeiro, equipe técnica, compras e Defensoria
Pública; e na sua respectiva consequência: aumento dos gastos com saúde.

O momento normativo contou com a participação da secretária municipal


de saúde, do farmacêutico responsável técnico pela AF e outros profissionais
da Secretaria Municipal de Saúde. Após a realização desta etapa foi possível
identificar os objetivos específicos, as operações e as ações a serem realizadas.
Como objetivos, pode-se citar: promover a participação de diversos segmen-
tos da área de saúde na construção da REMUME a fim de estabelecer estra-
tégias para reduzir a não adesão ou abandono do tratamento, o agravamento
do quadro clínico e novas consultas ou internações e evitar gastos excessivos;
otimizar a aquisição de medicamentos de acordo com o perfil epidemiológico
do Município, evitando o desperdício de verbas públicas; reduzir o número

Sumário 262
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

excessivo de ordens judiciais, a fim de diminuir os gastos extras com medi-


camentos não pertencentes à farmácia básica e elevar o nível de satisfação do
usuário, evitando novos processos jurídicos.

Foram definidas como operações necessárias para que os objetivos fossem


alcançados: criação de uma Comissão de Farmácia e Terapêutica (CFT) para
planejamento na seleção e compra de medicamentos; planejamento na aqui-
sição de fármacos baseados no perfil epidemiológico da população; atualiza-
ção da lista de fármacos que compõem a Farmácia Básica levando em conta
as necessidades dos usuários e adequação da REMUME com base no per-
fil epidemiológico dos pacientes. Entre as ações necessárias estão: elaborar
o projeto de instalação da CFT; estudo da demanda mensal de prescrições
atendidas; estudo das medicações dispensadas por ordem judicial pelo Mu-
nicípio; adequação da aquisição de medicamentos conforme demanda inves-
tigada; levantamento daqueles de maior prevalência de uso pela população a
partir dos cadastros individuais das Unidades Básicas de Saúde (UBS), CAPS
e média complexidade; selecionar em reunião da CFT os fármacos que deve-
rão ser incluídos na REMUME e manter a regularidade de oferta a partir do
planejamento e sistematização da compra.

No Momento Estratégico, fez-se uma análise da matriz do Momento Norma-


tivo para a elaboração da nova matriz. Partindo-se das operações e ações elen-
cadas no momento anterior, foram realizadas nesta etapa as análises de via-
bilidade e factibilidade, o déficit e a atividade estratégica para cada operação.

A matriz do momento tático-operacional também foi elaborada no mês de


janeiro de 2016 e contou com a participação dos mesmos atores envolvidos
na elaboração do momento estratégico. Fez-se uma análise de cada objeti-
vo específico, operações e ações da matriz do Momento Estratégico para a
elaboração da matriz final do Plano Operativo, inserindo-se os recursos fi-
nanceiros, caso necessário ou estimado, a responsabilidade e centralidade
(ator principal: órgão ou setor ou técnico) e outros parceiros (órgão ou setor
ou técnico), assim como o prazo para realização das ações e o indicador de

Sumário 263
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

avaliação (operação). Constatou-se a necessidade de recursos no valor de R$


20.000,00 ao mês para a aquisição de medicamentos que não pertençam à
Farmácia Básica. Como indicadores de avaliação é possível citar: decreto de
criação da CFT, projeto de Lei da REMUME atualizada, número absoluto
de medicamentos solicitados por ordem judicial/mês e razão entre a relação
de medicamentos definidos na REMUME e a relação de medicamentos em
estoque na Farmácia Municipal/mês.

Os aspectos positivos percebidos nas quatro oficinas foram a troca de conhe-


cimento entre os diversos atores, o que enriqueceu o trabalho sobre o Plano
Operativo, além da receptividade de todos na busca de novos conhecimentos
e possíveis melhorias em relação à Assistência Farmacêutica. Como aspectos
negativos cita-se a ausência de alguns colegas, que poderiam ter contribuído
para uma excelente troca de experiências.

O monitoramento e avaliação do planejamento são importantes para que


seja possível acompanhar a execução do plano, seu desenvolvimento e suas
transformações, possibilitando que ele seja atualizado quando se fizer neces-
sário. Como potencialidades desta ferramenta menciona-se a organização da
equipe de trabalho, a atuação dos diferentes atores, a definição do foco de
atuação e o fato de este ser um processo dinâmico que pode sofrer atualiza-
ções sempre que for preciso. Conforme Toni (2004), a análise de problemas, a
identificação de cenários, a visualização de atores e o enfoque estratégico são
partes fundamentais e que distinguem o PES em relação a outros métodos
de planejamento.

No que se refere às fragilidades, evidenciou-se a não permanência de alguns


atores envolvidos no processo de elaboração do PO, que necessitaram deixar
a equipe por afastamento do serviço ou por motivo de férias. É possível pre-
ver também que o déficit em tecnologia de informação em algumas UBS foi
uma fragilidade na obtenção de dados para este estudo.

Sumário 264
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Resultados e Discussão
Após a atualização da REMUME do município de Canguçu - RS em 2016, o
número de processos judiciais vem diminuindo expressivamente (gráfico 1).
Percebe-se (gráfico 2) um aumento no número de processos administrativos,
logo a população está procurando essa via, que é mais rápida, para obter seus
tratamentos. Houve um aumento considerável de 2019 para 2020, em espe-
cial os fármacos pertencentes ao componente excepcional.

Gráfico 1 Número de processos judiciais

800
700
600
500
400
300
200
100
0
2015 2020

Fonte: Do autor (2021)

Gráfico 2 Número de processos administrativos

2020
Excepcional 2019

Especial

Processos
Administrativos

0 50 100 150 200 250

Fonte: Do autor (2021)

Sumário 265
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

O gráfico 3 nos mostra que o número de processos judiciais deferidos contra


o Estado vem diminuindo em relação aos componentes básico e especial, sen-
do que o componente básico é disponibilizado pelo Município e o componen-
te especial é fornecido administrativamente pelo Estado do Rio Grande do
Sul. Percebe-se que em relação ao componente estratégico, disponibilizados
pelo Ministério da Saúde (MS), não houve mais nenhum processo deferido.
Predominam os fármacos que estão fora das listas preconizadas pelo Siste-
ma Único de Saúde (SUS) e alguns processos de fármacos pertencentes ao
componente excepcional, por não se enquadrarem nos Protocolos Clínicos e
Diretrizes Terapêuticas do MS.

Gráfico 3 Número de processos judiciais

2020
Fora da Lista
2019

Excepcional

Estratégico

Especial

Básico

Processo Judiciais

0 100 200 300 400 500

Fonte: Do autor (2021)

Em relação aos gastos com processos judiciais, é possível constatar que houve
um aumento expressivo em 2017 e em 2018. A partir de 2019, começou a
ocorrer uma diminuição das despesas judiciais, tendo uma redução significa-
tiva em 2020 (gráfico 4).

Sumário 266
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Gráfico 4 Gastos com processos judiciais

R$ 800.000,00
R$ 700.000,00
R$ 600.000,00
R$ 500.000,00
R$ 400.000,00
R$ 300.000,00
R$ 200.000,00
R$ 100.000,00
R$0,00
2015 2016 2017 2018 2019 2020

Fonte: Do autor (2021)

Este aumento nos gastos judiciais ocorreu devido à falta de envio dos medica-
mentos do Estado ao Município, gerando um custo extra aos cofres públicos
municipais. A Comarca de Canguçu – RS entende que a guarda é comparti-
lhada, ou seja, ambos, Município e Estado, são responsáveis pelo fornecimen-
to dos medicamentos à população. Além disso, o preço dos medicamentos é
reajustado periodicamente, elevando as despesas na aquisição dos mesmos.

O gráfico 5 apresenta os valores que retornaram aos cofres do Município de


Canguçu - RS e do Estado do Rio Grande do Sul, através de pesquisa de pre-
ço de medicamentos solicitados por alvará judicial com bloqueios nas contas
públicas. Os valores que sobram são depositados, 50% nas contas municipais
e 50% nas estaduais.

Após a atualização da REMUME, investiu-se na atenção básica com a aquisi-


ção de novos fármacos. Através do gráfico 6 percebe-se um aumento gradual
com o passar dos anos, ultrapassando R$ 1 milhão e 400 mil reais em 2020.

Sumário 267
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Gráfico 5 Devolução aos cofres públicos

R$ 140.000,00
R$ 120.000,00
R$ 100.000,00
R$ 80.000,00
R$ 60.000,00
R$ 40.000,00
R$ 20.000,00
R$0,00
2016 2017 2018 2019 2020

Fonte: Do autor (2021)

Gráfico 6 Investimento na atenção básica

R$ 1.600.000,00
R$ 1.400.000,00
R$ 1.200.000,00
R$ 1.000.000,00
R$ 800.000,00
R$ 600.000,00
R$ 400.000,00
R$ 200.000,00
R$0,00
2016 2017 2018 2019 2020

Fonte: Do autor (2021)

Conclusão
Este trabalho apresentou um comparativo dos gastos com processos judiciais
contra o município de Canguçu - RS antes e após a atualização da REMUME,
através do PES. Conclui-se que a utilização desta ferramenta, que proporcio-
nou um trabalho colaborativo, auxiliou na redução do número de processos
judiciais, através de um melhor planejamento na compra de medicamentos,
tendo por base o perfil epidemiológico da população. Apesar da diminuição
no número de processos judiciais, as despesas do município tiveram um au-
mento significativo, pois a redução dos gastos não depende exclusivamente
do planejamento da Secretaria Municipal de Saúde, o governo do estado do
Rio Grande do Sul também precisa fazer a sua parte, enviando ao Município
os fármacos de sua competência.

Sumário 268
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Nota-se uma maior satisfação dos usuários em encontrar seus tratamentos


disponíveis na Farmácia Municipal, reduzindo-se a necessidade de buscar a
via judicial, que não é imediata. A Secretaria Municipal de Saúde vem forta-
lecendo a Atenção Básica, especialmente na ampliação do fornecimento de
medicamentos, preconizando com isso os princípios do SUS: equidade, uni-
versalidade e integralidade.

Espera-se que a utilização do Planejamento Estratégico Situacional continue


auxiliando a Secretaria Municipal de Saúde, em especial a Assistência Farma-
cêutica na redução de processos judiciais e proporcionando um atendimento
mais eficiente e humanizado à população.

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Sumário 269
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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Sumário 270
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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Sumário 271
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Inserção da Assistência Farmacêutica na


resolução de processos de judicialização
de medicamentos: Uma parceria
tripartite entre Universidade Federal de
Pelotas, Conselho Regional de Farmácia
do Rio Grande do Sul e Defensoria
Pública do Rio Grande do Sul
Paulo Maximiliano Corrêa1
Marysabel Pintos Telis Silveira2
Claiton Leoneti Lencina3

Resumo
Considerando a importância do acesso e promoção do uso
racional de medicamentos, criou-se um convênio, entre a
Universidade Federal de Pelotas (UFPel), o Conselho Re-
gional de Farmácia do Rio Grande do Sul (CRFRS) e a
Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (DPERS). Esse

1 Doutor em Ciências Farmacêuticas - UFRGS; Professor; Centro de Ciências Químicas, Far-


macêuticas e de Alimentos (CCQFA) - Universidade Federal de Pelotas; Lattes: http://lattes.cnpq.
br/4998676835234039.
2 Doutorado em Ciências Médicas - UFRGS; Professora; Departamento de Fisiologia e Farmacologia
- Universidade Federal de Pelotas;. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5270811643798283.
3 Doutorado em Ciências Farmacêuticas - Université de Picardie Jules Verne; Professor; Centro
de Ciências Químicas, Farmacêuticas e de Alimentos - Universidade Federal de Pelotas; Lattes: http://
lattes.cnpq.br/8161148559048978. email: claiton.lencina@ufpel.edu.br

Sumário 272
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

projeto teve como objetivo principal a promoção do uso


racional de medicamentos e a racionalização de recursos
decorrentes da judicialização de medicamentos. Os pro-
cessos identificados pela Defensoria como de elevada com-
plexidade são enviados aos professores do curso de far-
mácia da UFPEL para a elaboração de parecer, o qual é
realizado com auxílio dos discentes. Cada parecer discorre
quanto à adequação da solicitação de utilização do medi-
camento, à luz das evidências científicas e do enquadra-
mento, quando houver, ao Protocolo Clínico e Diretrizes
de Tratamento (PCDT) do Ministério da Saúde do Brasil.
Resultados: Nos quatro anos do projeto foram realizados
44, 51, 20 e 56 pareceres respectivamente. Entre 10% e
22% das solicitações envolviam medicamentos que já cons-
tavam das listas de medicamentos fornecidos pelo SUS.
Quanto à frequência de prescrição pelo nome genérico,
os percentuais variaram entre 45% e 75%. A análise das
solicitações demonstra que existe uma insuficiência de em-
basamento científico que justifique a utilização da maioria
dos medicamentos solicitados.

Sumário 273
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
O direito à saúde no Brasil é garantido pela Constituição Federal de 1988
como um direito social a ser realizado por meio de políticas públicas que, en-
tre outras tarefas, devem promover e garantir o acesso universal e igualitário
às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde dos cida-
dãos (BRASIL, 1988). Assim sendo, coloca-se o Estado como responsável pela
promoção de bens e serviços relacionados à saúde, abrindo caminhos para o
processo de judicialização do direito à saúde (BRITO, 2011).

A partir da década de 1980, principalmente após a VIII Conferência Nacio-


nal de Saúde, as políticas públicas de saúde no Brasil passaram por importan-
tes alterações com a finalidade de fortalecer e subsidiar a responsabilidade do
Estado frente à saúde da população (BOING, 2013). Umas das mais impor-
tantes políticas públicas neste sentido é a Política Nacional de Medicamentos
(BRASIL, 1998). Aprovada em 1998, tem por finalidade garantir a seguran-
ça, a eficácia e a qualidade dos medicamentos, assim como a promoção do
uso racional e o acesso da população àqueles medicamentos considerados es-
senciais. A distribuição dos medicamentos é garantida por meio da assistência
farmacêutica (AF) nos seus componentes básico, estratégico e especializado
(BRASIL, 2004).

Os medicamentos pertencentes a cada um dos componentes da AF estão


elencados na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME). O
Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF) é constituído por
uma relação de medicamentos e insumos farmacêuticos voltados aos agra-
vos prevalentes e prioritários da Atenção Básica. O Componente Estratégico
da Assistência Farmacêutica (CESAF), por sua vez, destina-se à garantia do
acesso a medicamentos e insumos para prevenção, diagnóstico, tratamento
e controle de doenças e agravos específicos, contemplados em programas
estratégicos de saúde do SUS. Já o Componente Especializado da Assistência
Farmacêutica (CEAF) visa garantir, no âmbito do SUS, o acesso ao tratamen-
to medicamentoso de doenças raras, de baixa prevalência ou de uso crônico

Sumário 274
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

prolongado com alto custo unitário, cujas linhas de cuidado estão definidas
em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas - PCDT, publicados pelo Mi-
nistério da Saúde (RENAME, 2015).

Em revisão sistemática publicada em 2016, Catanheide, Lisboa e Sousa co-


locam que, apesar da política de assistência farmacêutica ser consistente, ela
não tem conseguido atender a todas as necessidades referentes ao acesso a
medicamentos. Isto decorre, principalmente, por desconhecimento ou não
adesão por parte dos prescritores às listas de medicamentos do SUS e por
pressão da indústria, frente a estes, para o uso de fármacos que não estão
presentes nas listas (CATANHEIDE; LISBOA; SOUSA, 2016).

A judicialização da saúde tem causado impactos significativos na estruturação,


no financiamento e na organização do sistema de saúde (TORRES, 2013), o
que poderia ser evitado se fossem seguidas estas listas de medicamentos e os
protocolos clínicos específicos. Segundo levantamento realizado pelo Conse-
lho Nacional de Justiça em parceria com o Instituto de Ensino e Pesquisa, no
período de 2008 a 2017 a judicialização da saúde apresentou um aumento de
130% (CNJ, 2019). Outros países da América Latina como Argentina, Equa-
dor, Peru e Venezuela também enfrentam esse mesmo cenário (PANDOLFO,
2012). A maioria das demandas judiciais de assistência à saúde no Brasil é
de medicamentos (CARNEIRO, 2015). Elas tiveram início na década de 90,
com as solicitações dos medicamentos antirretrovirais, mas, com a posterior
distribuição gratuita e universal destes medicamentos a partir dos anos 2000
houve redução nestes pedidos, surgindo outras condições patológicas domi-
nantes (BORGES, 2010).

Decisões judiciais favoráveis para casos de prescrições médicas por nomes


comerciais ou de medicamentos que não estão nas listas do SUS (RENAME),
ou de medicamentos para uso off-label geram altos custos à saúde e nem sem-
pre são garantia do melhor tratamento para o paciente. Os medicamentos
pertencentes à RENAME geralmente têm custos menores e garantia de segu-
rança e qualidade do tratamento dentro dos recursos públicos (GONTIJO,

Sumário 275
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

2010) sem comprometer os recursos para a saúde da comunidade. Muitas


vezes, medicamentos não contemplados nas listas públicas são prescritos pelo
desconhecimento destas pelos prescritores e pelo desconhecimento das polí-
ticas públicas (BALESTRA NETO, 2015).

Em revisão sistemática, Freitas e colaboradores (FREITAS, 2020) concluem


que a judicialização da saúde pode apontar falhas na gestão e que as ações são
geralmente individuais, não resultando em benefícios para a comunidade e
sim somente para o indivíduo. Outros autores também destacam que deferir
processos sem a devida evidência científica e sem subsídios clínicos prejudica
a assistência farmacêutica e os recursos da gestão, além de comprometer o
uso racional de medicamentos (LOPES, 2014; SANT´ANA, 2011). Por outro
lado, quando se trata de processos judiciais para acesso a medicamentos para
tratamento de doenças raras, a judicialização pode ser o único caminho para
obtenção do tratamento (OLIVEIRA, 2013; AITH, 2014).

Logo no início, visando garantir o direito dos cidadãos, o Judiciário deferia


a grande maioria dos processos para o fornecimento dos medicamentos soli-
citados, na maior parte dos casos sem considerar a política de assistência far-
macêutica do SUS (MARQUES, 2007; VIEIRA, 2008). Este cenário começou
a mudar após a publicação da Recomendação Nº 31 de 30 de março de 2010,
que destaca a importância de disponibilizar assessorias técnicas (médicos e
farmacêuticos) aos magistrados no Judiciário e nas demais instituições jurí-
dicas (Procuradoria Geral do Estado, Ministério Público, Defensoria Pública)
(BRASIL, 2010). Assim sendo, com o intuito de qualificar as decisões judiciais
com base em evidências científicas, em 2016 o Ministério da Saúde (MS) e o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) assinaram termo de cooperação técni-
ca, disponibilizando bases de dados para subsidiar tais decisões (ANDRADE,
2016). O Estado do Rio Grande do Sul foi um dos primeiros estados brasilei-
ros a apresentar casos de judicialização de medicamentos (SOARES, 2012).

Considerando a importância da melhoria do acesso e promoção do uso ra-


cional de medicamentos pela população, criou-se um convênio, em uma par-

Sumário 276
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

ceria inédita no país, entre a Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), o


Conselho Regional de Farmácia do Rio Grande do Sul (CRF-RS) e a Defenso-
ria Pública do Rio Grande do Sul (DPERS). Esse projeto teve como objetivo
principal a promoção do uso racional de medicamentos e a racionalização de
recursos decorrentes de solicitações de medicamentos demandadas por via
judicial. Além disso, buscou-se igualmente a promoção da interação entre a
academia e outros órgãos públicos, mediante ações no âmbito da judicializa-
ção da saúde por meio de cooperação técnico-científica.

Este projeto tem importância social e comunitária, uma vez que propicia re-
dução do tempo de espera para acesso ao medicamento e racionaliza a soli-
citação de judicialização quando esta se faz necessária, fornecendo tanto ao
prescritor quanto à Defensoria Pública, subsídios para a obtenção do melhor
resultado final. Também propicia diminuição dos processos judiciais para
aqueles medicamentos pertencentes às listas da AF, reduzindo desta forma os
custos públicos que provêm de todo o processo judicial assim como os custos
gerados pela aquisição destes medicamentos demandados, que muitas ve-
zes afetam expressivamente o orçamento da gestão. Ainda, quando possível,
enrobustece o pedido fundamentado na Medicina Baseada em Evidências
(MBE), aumentando, assim, as chances de deferimento. Em consequência
destas características, o usuário tem acesso mais rápido ao seu tratamento e
de forma mais racional.

Desenvolvimento
O município de Pelotas foi o local da realização deste trabalho. A cidade con-
ta, de acordo com o último censo, com 328.275 habitantes (IBGE, 2020). O
trabalho foi executado através de um convênio tripartite entre a Universida-
de Federal de Pelotas (UFPel), a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande
do Sul (DPERS) e o Conselho Regional de Farmácia do Rio Grande do Sul
(CRFRS). A UFPel é uma instituição de ensino superior, extensão e pesquisa
reconhecida nacional e internacionalmente. Desde a assinatura do acordo e

Sumário 277
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

início dos trabalhos, o Curso de Farmácia coordena as ações realizadas junto


à DPERS. O Conselho Regional de Farmácia teve um papel muito impor-
tante na implementação do referido acordo, iniciando essa parceria entre
CRFRS e DPERS na cidade de Porto Alegre e, com a demonstração do êxito
através da qualificação da atuação junto ao público, estendeu a atividade à
seccional de Pelotas com a participação da UFPel, através da cedência parcial
dos profissionais farmacêuticos. Em relação à equipe de trabalho, quatro do-
centes atuaram no projeto e, destes, dois atuam atualmente. A meta de for-
mação discente foi contemplada com a participação de oito alunos no total,
dos quais três ainda em exercício.

A DPERS é uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incum-


bindo-lhe a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa,
em todos os graus, judicial e extrajudicialmente, dos direitos individuais e
coletivos, de forma integral e gratuita aos necessitados. A atuação da Defenso-
ria Pública do Estado em praticamente todas as áreas do Direito, merecendo
destaque as atribuições exercidas nas searas do Direito Civil, Criminal, Direi-
tos Humanos, Execução Penal, Saúde, dentre outras. A Defensoria Pública
de Pelotas conta com dois Defensores Públicos atuantes na área da saúde, o
primeiro responsável pelo Juizado Especial da Fazenda Pública e ajuizamen-
to Cível, o segundo com atribuição de atendimento, ajuizamento e 6ª Vara
Cível. O número de atendimentos mensal na Defensoria Pública de Pelotas
na área da saúde é de em torno de 250 assistidos.

Tendo em vista que a equipe de atuação do Curso de Farmácia, sejam do-


centes ou discentes, possui carga horária limitada de atuação devido a outras
atribuições e atividades paralelas, os processos avaliados passam por uma
análise prévia do defensor público e seu envio à equipe técnica dá-se median-
te critérios definidos pela Defensoria.

Os dados de interesse a serem coletados integram a lista de documentos re-


queridos pela defensoria para que se proceda com a solicitação de ação ju-
dicial para medicamentos, dentre os quais: Laudo médico contendo a doen-
ça, o Código Internacional de Doenças (CID), a urgência na utilização dos

Sumário 278
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

medicamentos, consequências da não utilização, receita médica atualizada


(constando o nome comercial e nome genérico ou similar, se houver) indi-
cando a dosagem e o tempo de duração do tratamento, declaração fornecida
pela Farmácia Pública do Município e da Farmácia Pública do Estado de que
o medicamento não é fornecido (negativa de fornecimento), bem como as
justificativas médicas para a solicitação de determinado tratamento, dentre
outros. Quando o medicamento não faz parte dos Protocolos Clínicos e Di-
retrizes Terapêuticas do Sistema Único de Saúde (PCDT – SUS) e existem
tratamentos disponibilizados pelo SUS para a doença em questão, o médico
deverá justificar, além do motivo que o levou a prescrever um medicamento
fora de lista, o motivo pelo qual não prescreveu os medicamentos do SUS. Há
a previsão, em caso de necessidade, do médico ser contatado pela defensoria
para possíveis complementações e esclarecimentos.

Após a avaliação inicial do defensor público, em julgamento de necessidade,


é gerada uma solicitação de consulta a qual é enviada à equipe da UFPel. O
trabalho da equipe técnica da Universidade objetiva reunir informações téc-
nicas e científicas fundamentadas na Medicina Baseada em Evidências com a
finalidade de embasar a decisão do Defensor em relação à judicialização da
solicitação. Considerando a situação atual da judicialização de medicamen-
tos no Brasil, onde o magistrado é, a princípio, profundamente sensível aos
conhecimentos científicos da MBE gerados pela comunidade científica mun-
dial, o resultado do trabalho que conduz ao parecer técnico pode fornecer in-
dícios das chances de a solicitação lograr êxito. Assim, a quantidade, a quali-
dade e a profundidade destas informações podem iluminar o difícil percurso
que resulta em uma decisão qualificada. A possibilidade, durante esta análise
mais aprofundada da solicitação, de encontrar caminho para uma solução
administrativa, trazendo celeridade ao acesso ao medicamento pelo paciente,
ao mesmo tempo em que reduz a carga de judicialização de medicamentos, é
uma das metas do acordo tripartite. Na figura 1, é apresentada graficamente
a tramitação citada anteriormente. Ressalta-se que a seta tracejada apontan-
do para “encaminhamento pela Defensora” indica o encaminhamento da-
queles pareceres que seguem adiante por decisão da Defensora, sem passar
pela análise da equipe técnica do projeto.

Sumário 279
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Figura 1 Esquema da tramitação das ações entre DPERS e UFPel

Solicitação Apreciação pela Emcaminhamento


recebida na DPE Defensora pela Defensora

Embasamento
técnico-científico Solução
administrativa

Consulta Parecer
técnica INTERNO Ajuizamento

No recebimento desta solicitação, as informações sobre o paciente, forneci-


das pelo prescritor, são detalhadamente analisadas para se iniciar um estu-
do do caso, relacionando-o com dados da Medicina Baseada em Evidências
(MBE) presentes na literatura. Para tanto, várias instituições e seus respec-
tivos documentos emitidos são averiguados para a instrução do parecer que
será gerado.

Inicialmente, verifica-se o relato clínico presente no laudo médico, assim


como o CID apontado, comparando com aqueles apresentados nos sites in-
ternacional e nacional CID-10 (OMS, 1997). Em seguida, verifica-se a exis-
tência de PCDT/SUS para o acometimento descrito no laudo médico. Além
disso, verifica-se a presença do medicamento prescrito em lista pública de
medicamentos tais como Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RE-
NAME), Relação Estadual de Medicamentos Essenciais (REME) e Relação
Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME), assim como nos compo-
nentes Básico, Especializado e Estratégico da Assistência Farmacêutica.

No caso de o acometimento clínico estar contemplado nos PCDT/SUS, acon-


selha-se ao prescritor seguir as diretrizes descritas pelo Ministério da Saúde
(MS), indicando que a prescrição de medicamentos não previstos precisa es-
tar justificada na utilização sem sucesso dos medicamentos lá elencados ou,
ainda, uma superioridade terapêutica indubitável do primeiro em relação
aos segundos. A comprovação desta superioridade terapêutica àqueles medi-

Sumário 280
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

camentos apontados pelo MS é baseada em dados científicos disponíveis na


literatura das ciências médicas e farmacêuticas.

O mesmo percurso é realizado quando a doença diagnosticada não possui


PCDT/SUS. Desta forma, uma marcha de busca e compilação de informações
importantes e dados confiáveis foi padronizada pela equipe, assim como um
conjunto de vias para obtê-las. Para tanto, bases de artigos científicos são
acessadas, como por exemplo, Web of Science, PubMed, ScienceDirect, Micro-
medex®, entre outras, com objetivo de realizar revisão atual das evidências
científicas que relacionam o medicamento solicitado e seu uso no tratamento
da doença diagnosticada, assim como sua comparação com medicamentos de
uso consolidado.

Ademais, os relatórios e documentos oficiais da Comissão Nacional de In-


corporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) são acessados, pois vários
medicamentos prescritos não presentes em listas públicas já tiveram seus
pedidos de incorporação avaliados. Relatórios específicos de mesma natu-
reza do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-Jus) e do Cen-
tro Colaborador do SUS: Avaliação de Tecnologias e Excelência em Saúde
(CCATES-UFMG) também são consultados, sempre que possível, no intuito
de complementar informação e encontrar possíveis referências bibliográfi-
cas importantes ainda não utilizadas. Além disso, os relatórios emitidos pela
equipe técnica da Advocacia Geral da União são acessados para conhecimen-
to das justificativas apresentadas por uma das partes do processo.

Com objetivo de fortalecer o embasamento técnico científico, são acessados,


igualmente, protocolos de tratamento para determinadas doenças emitidos
por sociedades científicas de reconhecimento nacional e internacional tais
como Sociedade Britânica de Gastrenterologia, Sociedade Americana de
Hematologia, entre muitas outras. Por fim, um estudo dos medicamentos
prescritos nos tratamentos solicitados em relação aos posicionamentos dos
órgãos oficiais de saúde de outros países tais como: National Institute for He-
alth and Care Excelence (NICE) – Reino Unido; Canadian Agency for Drugs and

Sumário 281
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Technologies and Health (CADTH) – Canadá; Haute Autorité de Santé (HAS) –


França; Scottish Medicines Consortium / National Health Service Scotland (SMC/
NHSScotland) – Escócia; The Australia Health System (AHS) – Austrália; Health
Technology Assesment (HTA) – Alemanha; Institute for Quality and Efficiency in
Health Care (IQWiG) – Alemanha, entre outros. Estes posicionamentos são
complementarmente muito importantes, pois representam estudos e con-
clusões sólidas e confiáveis além de, em consequência disso e por se tratar
de organismos de renome mundial, sensibilizarem as decisões técnicas dos
órgãos brasileiros.

Em posse da pesquisa descrita anteriormente, a equipe da UFPel redige um


parecer e o envia à Defensora Pública, que o utiliza para realizar a sua defesa
no processo ou a decisão de contatar o profissional prescritor para maiores
esclarecimentos. A pesquisa e a redação do parecer são realizadas pelos alu-
nos e docentes, com supervisão dos últimos. É importante ressaltar que o
parecer emitido pelo grupo técnico não é peça do processo, mas instrumento
auxiliar aos defensores públicos. Cabe ainda ressaltar que todos os dados
pessoais acessados, assim como os encaminhamentos decorrentes da etapa
de intervenção, são sigilosos, conforme documento de compromisso de sigilo
assumido pelos participantes da equipe técnica da universidade.

Resultados
Nos quatro anos do projeto foram realizados 44, 51, 20 e 56 pareceres, res-
pectivamente, tendo média de 42,75 pareceres por ano. Ao todo foram judi-
cializados 296 medicamentos, uma média de 1,73 medicamentos por proces-
so (Tabela 1). Foram incluídos todos os pareceres encaminhados ao grupo de
estudo da UFPel no período citado.

Sumário 282
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Tabela 1 Dados

Média de medi-
Medicamentos
Período Pareceres camentos por
judicializados
processo

1° ano 44 74 1,68

2° ano 51 75 1,47

3° ano 20 41 2,05

4° ano 56 106 1,98

Geral 171 296 1,73

Quanto ao conhecimento dos prescritores sobre os medicamentos disponibi-


lizados pelo sistema público de saúde, observamos que, em média, 16% das
solicitações continham medicamentos que fazem parte da relação nacional de
medicamentos essenciais (RENAME), sendo oferecidos pela Farmácia Muni-
cipal de Pelotas. Estudo realizado por Biehl e cols. (BIEHL, 2016) analisando
dados de judicialização de medicamentos do ano de 2008 no Estado do Rio
Grande do Sul obteve o resultado de 73% dos processos contendo medica-
mentos da RENAME. Essa grande redução pode ser explicada por uma série
de fatores, destacando-se as mudanças ocorridas na RENAME ao longo dos
anos, o maior conhecimento dos prescritores dos medicamentos disponibili-
zados nas listas públicas e as mudanças das condutas do judiciário nos defe-
rimentos das solicitações. Ao longo dos anos, foi observado que a frequência
de prescrição pelo nome genérico ocorre em média em 62% dos processos,
com variação entre 45% e 75% ao ano (Tabela 2). A porcentagem de medi-
camentos prescritos pelo nome genérico pode ser considerada elevada, pois
segundo revisão de Cantanhede et al. (2016) a maioria dos estudos que ava-
liam esse indicador apresenta uma porcentagem que varia entre 19,5 e 45%.

Sumário 283
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Tabela 2 Qualidade da prescrição

Medicamentos contidos na Medicamentos prescritos pelo


Período
RENAME nome genérico

1° ano 16% 75%

2° ano 22% 45%

3° ano 10% 56%

4° ano 16% 72%

Geral 16% 62%

Durante a análise das solicitações para a elaboração dos pareceres, os pro-


fessores identificaram que a maioria dos processos encaminhados não apre-
sentava as informações mínimas necessárias para comprovar a necessidade
dos pacientes quanto à medicação solicitada. Esse problema gera atraso no
andamento do processo e dificulta o acesso do paciente aos medicamentos
solicitados e a análise do mérito da demanda, retardando o trabalho da Jus-
tiça. Perante a análise da documentação apresentada, os problemas identifi-
cados foram separados em casos em que não havia embasamento científico
na literatura que justificasse a escolha pelo medicamento e casos em que a
documentação apensada ao processo não trazia informações suficientes para
avaliar a necessidade do medicamento solicitado (Tabela 3).

Tabela 3 Qualidade das informações apensadas ao processo

Processo com falta


Possui justificativa
Não possui embasa- de informação
Período para acesso ao
mento científico para embasar a
medicamento
decisão

1° ano 24% 34% 41%

2° ano 20% 21% 59%

3° ano 22% 44% 33%

4° ano 28% 29% 43%

Sumário 284
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Quanto ao problema de saúde diagnosticado como justificativa para a solici-


tação do medicamento, observa-se a predominância dos transtornos mentais
e comportamentais e das doenças do aparelho circulatório (Tabela 4). Em
comparação com outros estudos, podemos observar que existe uma variação
com relação a esse aspecto, o que se deve a diferenças populacionais e am-
bientais. No estudo de Ziolkowiski e cols. (ZIOLKOWISKI, 2021) realizado
no Município de Uruguaiana - RS a principal causa relacionada à judicializa-
ção é a Diabetes Mellitus, sendo que em nosso estudo esta condição é a sexta
patologia mais frequente.

Tabela 4 Frequência do problema de saúde principal que originou o processo


em cada um dos anos do estudo

CID- 10 1° ano 2° ano 3° ano 4° ano

F - Transtornos mentais e
25% 19% 21% 23%
comportamentais

I - Doenças do
16% 22% 21% 20%
aparelho circulatório

J – Doenças do
15% 3% 6% 9%
aparelho respiratório

M - Doenças do sistema osteomus-


7% 18% 16% 7%
cular e do tecido conjuntivo

G - Doenças do
7% 8% 6% 11%
sistema nervoso

E - Doenças endócrinas, nutricio-


6% 6% 16% 14%
nais e metabólicas

C00 a D48 –
6% 3% 6% 5%
Neoplasias

K – Doenças do
2% 6% 6% 3%
aparelho digestivo

Outros 16% 15% 2% 8%

CID – 10: Classificação Internacional de Doenças e Problemas à Saúde.


*Os problemas de saúde foram ordenados de acordo com a frequência observada no primeiro
ano do estudo.

Sumário 285
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Na tabela 5 é apresentada a lista dos medicamentos mais judicializados em


cada ano do projeto. Sendo os mais frequentes, nos quatro primeiros anos, o
glicopirrônio, a duloxetina, a rivaroxabana e a apixabana, respectivamente.

Tabela 5 Medicamentos mais judicializados em cada ano do projeto

1° ano 2° ano 3° ano 4°ano

glicopirrônio duloxetina rivaroxabana apixabana

rivaroxabana rivaroxabana rituximabe aripiprazol

duloxetina apixabana duloxetina empaglifazona

ruxolitinibe rituximabe glicopirrônio escitalopram

topiramato glicopirrônio escitalopram bevacizumabe

Conclusão
O projeto de inserção da judicialização de medicamentos na resolução de
processos vem gerando bons resultados desde sua criação. A contribuição do
conhecimento técnico do profissional farmacêutico na análise das demandas
por medicamentos tem contribuído para o melhor entendimento dos profis-
sionais do Judiciário quanto aos aspectos técnicos que envolvem a tomada de
decisão. Com a experiência adquirida ao longo da avaliação dos processos,
podemos observar que se faz necessário um trabalho de educação continua-
da junto aos profissionais prescritores visando esclarecer pontos que dificul-
tam a análise do mérito do processo, ocasionando atraso na elaboração dos
pareceres e no andamento do processo como um todo. Os pontos a serem
abordados seriam aspectos legais da prescrição, como o emprego da nomen-
clatura genérica na confecção das prescrições, bem como do conhecimento
da equipe clínica quanto aos medicamentos que compõem as relações de me-
dicamentos fornecidos pelo SUS. Além disso, foi identificada a necessidade
de que os prescritores tenham maior cuidado em detalhar o histórico clínico
e terapêutico do paciente.

Sumário 286
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Limitações
Após elaborar os pareceres e liberá-los à DPERS, os membros do grupo de
trabalho da UFPel não tiveram mais acesso ao andamento dos processos. O
DPERS não realiza o rastreamento dos processos após o ajuizamento, sendo
assim, não foi possível avaliar o impacto dos pareceres nos números relacio-
nados com o ajuizamento dos processos.

Agradecimentos
Os autores agradecem às defensoras Gabriela Przybysz Vaz (DPERS) e Eleo-
nora Mascarenhas Mendonça Caldeira (DPERS) pela cordialidade no tra-
balho e oportunidade de atuação conjunta, a docente Farmacêutica Maria
Cristina Werlang (UFCSPA) pelo empenho na viabilidade e atuação nas fases
iniciais, assim como aos farmacêuticos Zelma Padilha (CRFRS), William Peres
(CRFRS) e Éverton Borges (CRFRS) pela viabilidade do convênio e apoio.
Por fim, agradecemos à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura e à Pró-Reitoria
de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Pelotas pela dispo-
nibilidade de bolsas aos alunos participantes.

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Sumário 290
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

A intervenção do Poder Judiciário nas


políticas de enfrentamento à Covid-19
em Goiânia - GO
Danilo Di Paiva Malheiros Rocha1
Alexander Itria2
Marco Tulio Antonio Garcíazapata3

Resumo
A presente pesquisa se justifica pela necessidade de se ve-
rificar até que ponto as políticas públicas de saúde, espe-
cificamente da Covid-19, sofrem interferência do Poder
Judiciário e agravam a disseminação do novo coronavírus.
Objetiva-se verificar a evolução das políticas municipais de
enfrentamento à Covid-19; identificar as ações judiciais re-
lacionadas à Covid-19; e analisar a interferência das deci-
sões judiciais nas políticas municipais. Utilizaram-se dados
(ações judiciais) obtidos através da Procuradoria Geral do
Município de Goiânia entre 1º de março a 31 de dezem-
bro de 2020. Contemplaram-se os seguintes indicadores:

1 Doutorando em Ciências da Saúde - UFG; Professor; Universidade Estadual de Goiás/UEG; Lat-


tes: http://lattes.cnpq.br/4673126876120371.
2 Doutor em Ciências - USP e Graduado em Economia - UNISO e Direito - UNIVERSO; Profes-
sor Associado e Pesquisador; Universidade Federal de São Carlos/UFSCAR; Lattes: http://lattes.cnpq.
br/7278290457268315.
3 Doutor em Infectologia e Medicina Tropical - UFMG; Professor; Universidade Federal de Goiás/
UFG; Lattes: http://lattes.cnpq.br/3672512339058369.

Sumário 291
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

demandantes (pessoa física ou jurídica); atividade econô-


mica exercida (comércio, indústria, prestação de serviço),
quando for o caso; o pedido relacionado à Covid-19; o
teor da decisão proferida (liminar deferida ou indeferida).
Foram expedidos 27 decretos municipais. O pico de ações
judiciais ocorreu em julho de 2020, devido à rigidez das
restrições. A maioria das ações (80%) instrumentalizou-se
via Mandado de Segurança. Prevaleceu a alegação de ser
atividade essencial (25%). Entidades religiosas lideraram
como autoras (17%). Os pedidos, em sua maioria, foram
de retomada das atividades (56%). A maioria das liminares
foi deferida (58%) comprovando a intervenção do Poder
Judiciário nas políticas públicas. Conclui-se que a falta de
diálogo entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciá-
rio, o discurso negacionista do Governo Federal, a poli-
tização da doença e a demora na obtenção da vacina fo-
mentaram as disputas judiciais em busca da flexibilização
das medidas restritivas de combate à Covid-19. Necessário
um diálogo entre os poderes a fim de garantir o objetivo
comum: a vida.

Palavras-chave: Covid-19; Políticas Públicas; Intervenção;


Poder Judiciário.

Sumário 292
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
A Covid-19, doença causada pelo coronavírus denominado SARS-CoV-2, foi
registrada na China, em dezembro de 2019. Em 30 de janeiro de 2020, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a epidemia da Covid-19
constituía uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacio-
nal (ESPII) e, em 11 de março de 2020, uma pandemia (CRODA; GARCIA,
2020).

O primeiro caso da doença no Brasil foi confirmado em 26 de fevereiro de


2020. Em 17 de março de 2020, registrou-se o primeiro óbito no país. O fale-
cido era pessoa idosa, do sexo masculino, paulistano, portador de diabetes e
hipertensão (BRASIL, 2020a).

Constatou-se alto índice de transmissão, inclusive dos infectados assintomáti-


cos, e a tendência a gerar complicações graves, internações e mortes, aliadas à
ausência de imunidade prévia, à inexistência de vacinas ou tratamentos com
evidência científica comprovada e à vulnerabilidade da população brasileira
(condições de vida e saúde) (CASTRO et al., 2020).

Nesse contexto, foram adotadas políticas governamentais que objetivavam


achatar a curva epidêmica da Covid-19 e postergar o pico de demanda por
serviços de saúde. Isso para evitar a sobrecarga do sistema de saúde e este en-
trar em colapso, o que pode levar a aumento da letalidade por falta de leitos
e de cuidados intensivos (GARCIA; DUARTE, 2020).

Cada ente federativo decidiu implementar políticas públicas específicas, de


acordo com o avanço do vírus. Adotou-se desde o revezamento do funciona-
mento de atividades empresariais, industriais e prestacionais até a implemen-
tação de lockdown4. Este cenário elevou a insatisfação de alguns segmentos da
sociedade que levaram a discussão ao Poder Judiciário que, ao decidir, pode
interferir diretamente nas políticas públicas do Poder Executivo.

4 An emergency situation in which people are not allowed to freely enter, leave, or move around in
a building or area because of danger (Cambridge Dictionary).

Sumário 293
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Há quem defenda que a manifestação do Poder Judiciário de forma a in-


fluenciar nas políticas públicas é um simples ativismo judicial e, para outros, é
um fato mais grave: a judicialização da política. No ativismo judicial o magis-
trado decide com base em argumentos de política e de moral, ou seja, ocorre
quando o direito é substituído pelas convicções pessoais de cada magistrado
(ou de um conjunto de magistrados). A judicialização da política é um fenô-
meno que exsurge a partir da relação entre os poderes do Estado, deslocan-
do do polo de tensão dos poderes Executivo e Legislativo em direção à justiça
constitucional (STRECK, 2011, p. 589).

Independente desta celeuma, há casos em que a participação do Poder Ju-


diciário se mostra imprescindível na garantia e preservação de direitos vio-
lados. Há um sistema de controles recíprocos no ordenamento jurídico bra-
sileiro – checks and balances do sistema constitucional americano –, no qual há
uma interação entre os órgãos integrantes de cada um dos três poderes do
Estado, cada um deles é chamado a desempenhar funções típicas e atípicas,
ocorrendo, portanto, uma interseção entre esses poderes (TAVARES, 2012).

O objetivo principal deste trabalho é analisar se, por meio das decisões do
Poder Judiciário, houve flexibilização nas políticas públicas de combate à
pandemia da Covid-19.

Buscou-se: a) verificar a evolução das políticas municipais de enfrentamento


à Covid-19 por meio de seus decretos; b) identificar as ações judiciais rela-
cionadas à Covid-19; e c) analisar nos desfechos a interferência das decisões
judiciais nas políticas municipais.

Foi realizada uma pesquisa de caráter exploratório, no município de Goiânia,


no período compreendido entre 1º de março de 2020 a 31 de dezembro de
2020. Quanto à evolução das políticas municipais de enfrentamento à Co-
vid-19 no município de Goiânia utilizaram-se-se as informações publicadas
no sítio www.goiania.go.gov.br.

Os dados (ações judiciais) foram fornecidos pela Procuradoria Geral do Mu-


nicípio de Goiânia. O critério de inclusão compreendeu as ações judiciais pro-

Sumário 294
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

postas contra o município de Goiânia relacionadas à Covid-19. Já o critério


de exclusão contemplou as ações cujos pedidos se referiam a prestação de
saúde (leitos, cirurgias e medicamentos). Os dados coletados foram registra-
dos e tabulados em planilha Excel. A análise dos dados adotou os seguintes
indicadores: autores das ações (pessoa física ou jurídica); atividade econômica
exercida (comércio, indústria, prestação de serviço), quando for caso; pedido
relacionado à Covid-19 (abertura de comércio, mudança de horário e outros);
o teor da decisão proferida (liminar deferida ou indeferida); e se a ordem ju-
dicial confirmou a política pública implementada pelo Poder Executivo.

Justifica-se a discussão presente no trabalho diante da necessidade de se ve-


rificar até que ponto as políticas públicas de saúde, especificamente da Co-
vid-19, sofrem interferência do Poder Judiciário e agravam a disseminação
do novo coronavírus.

Desenvolvimento
No município de Goiânia foi editado o primeiro decreto municipal em 13 de
março de 2020 sobre o enfrentamento ao novo coronavírus. Fundamentou-
se na Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional da Orga-
nização Mundial da Saúde, de 30 de janeiro de 2020, declarando SITUA-
ÇÃO DE EMERGÊNCIA em Saúde Pública no Município de Goiânia. Na
ocasião, dispensou-se a licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de
saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública, criou-
se o Centro de Operações de Emergência em Saúde – COE, determinou-se
quarentena de 14 dias para servidores que estavam em viagem ou férias e
proibiu-se a realização de eventos que pudessem causar aglomeração de pes-
soas, dentre outras (Decreto nº 736).

No dia 16 de março de 2020, suspendeu-se o funcionamento de feiras espe-


ciais (roupas e artesanatos) e dos mercados públicos municipais. Além disso,
detalhou-se o trabalho remoto (home office) para servidores públicos idosos,

Sumário 295
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

grávidas, doentes respiratórios e com filhos em idade escolar. Na mesma se-


mana, permitiu-se sistema de rodízio entre os servidores que não se enqua-
dravam no grupo de risco (Decretos nº 751, de 16 de março de 2020 e nº
784, de 18 de março de 2020, respectivamente).

No dia 17 de março de 2020, foi editado o Decreto Estadual nº 9.637, que foi
implicitamente aderido pelo município de Goiânia. Baseado no aumento dos
casos da doença, suspenderam-se todas as atividades em feiras, inclusive as
feiras livres (hortifrutigranjeiros); shopping centers, galerias e polos comer-
ciais de rua atrativos de compras; cinemas, clubes, academias, bares, restau-
rantes, boates, teatros, casas de espetáculos, clínicas de estética e consultórios
de saúde bucal/odontológica, pública e privada, exceto aquelas relacionadas
ao atendimento de urgências e emergências. Na mesma semana proibiram-se
reuniões e eventos religiosos, filosóficos, sociais e/ou associativos (Decreto nº
9.638, de 20 de março de 2020).

Em 23 de março de 2020, foi declarada Situação de Calamidade Pública no


Município de Goiânia, com previsão de término em 31 de dezembro de 2020.
Esta medida é adotada quando a situação está mais grave que o estado de
emergência. Este se relaciona à possibilidade iminente de surgirem danos à
saúde, à população e aos serviços públicos. Aquele está relacionado à efetiva
ocorrência de tais danos, os quais deixam de ser uma hipótese, passando à
realidade concreta posta (Decreto nº 799).

Em 24 de março de 2020, foi instituído o Gabinete de Gestão de Crise Co-


vid-19 composto por secretários municipais, representantes da Guarda Civil
Metropolitana, Procuradoria e Controladoria Geral do Município. Houve
alteração na composição em 31 de março de 2021, de forma a acrescentar
outros secretários municipais (Decreto nº 829, de 24 de março de 2020 e
Decreto nº 855, de 31 de março de 2020). Na mesma data foram acrescen-
tadas ao rol de doenças crônicas para exercício do trabalho remoto algumas
comorbidades e foi reduzido o trabalho dos órgãos municipais para funcio-
namento em meio expediente, das 7 às 13 horas (Decreto nº 830, de 24 de
março de 2020).

Sumário 296
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

O Decreto Estadual nº 9.644, de 26 de março de 2020, fez algumas atualiza-


ções ao Decreto Estadual nº 9.633, que havia suspendido as atividades não
essenciais. Retirou da proibição de funcionamento as borracharias e restau-
rantes em rodovias, dentre outras.

Em 27 de março de 2020, houve a suspensão dos prazos processuais para


manifestação, impugnação ou interposição de recursos administrativos en-
quanto durasse o Estado de Emergência. Esta norma foi revogada em 08 de
maio de 2020 (Decreto nº 849, de 27 de março de 2020 e Decreto nº 996, de
08 de maio de 2020, respectivamente).

Em 03 de abril de 2020, foi editado o Decreto Estadual nº 9.645. A referida


norma permitiu o retorno de feiras livres (hortifrutigranjeiros), condiciona-
da às boas práticas de operação padronizadas pela Secretaria de Estado de
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, sendo vedado o funcionamento de
restaurantes e praças de alimentação, o consumo de produtos no local e a
disponibilização de mesas e cadeiras aos frequentadores.

Em 19 de abril de 2020, o governo do Estado de Goiás decidiu pela abertura


das atividades consideradas não essenciais através do sistema de revezamen-
to, iniciando-se com 14 dias de suspensão seguidos por 14 dias de funcio-
namento, sucessivamente. As atividades consideradas essenciais não fizeram
parte do revezamento, mantendo-se sempre funcionando. O mesmo deter-
minou a manutenção da suspensão de todos os eventos públicos e privados
de qualquer natureza, inclusive reuniões em áreas comuns de condomínios,
utilização de churrasqueiras, quadras poliesportivas e piscinas. Por outro
lado, salões de beleza, oficinas mecânicas, lavanderias, construção civil e cele-
brações religiosas ficaram permitidas, sendo estas com restrições de horários
e intervalos entre os eventos para esta última (Decreto nº 9.653).

O Decreto nº 9.656, de 24 de abril de 2020, considerou atividade de cartório


extrajudicial essencial e permitiu seu funcionamento de forma ininterrup-
ta. Acrescentou às proibições condominiais o uso de quadras poliesportivas,
salões de jogos e festas, academias de ginástica, espaços de uso infantil, salas

Sumário 297
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

de cinemas e/ou demais equipamentos sociais que ensejassem aglomerações e


que fossem propícios à disseminação da Covid-19.

Em 28 de abril de 2020, foi instituída a Central de Fiscalização Covid-19, com


a finalidade de coordenar o recebimento de denúncias, convocar auditores
fiscais de outras áreas de atuação e proceder ao fechamento imediato dos es-
tabelecimentos que estivessem descumprindo os protocolos sanitários, além
das medidas administrativas (multas) e penais (Decreto nº 950). Na mesma
data, estabeleceram-se regras para os serviços de transporte público coletivo,
tais como limite de passageiros e assepsia dos veículos, dentre outras. Além
disso, recomendou horários de funcionamento de estabelecimentos indus-
triais, comerciais e de serviços de maneira escalonada para evitar horários de
pico, o que nunca foi respeitado pelas empresas concessionárias responsáveis
pelo transporte coletivo (Decreto nº 951).

O Decreto nº 1.041, de 15 de maio de 2020, instituiu a Comissão de Acom-


panhamento de Distribuição de Cestas Básicas à população em situação de
vulnerabilidade social, com a finalidade de atendimento assistencial. Em 15
de maio de 2020, houve a inclusão de algumas doenças no rol de trabalho re-
moto, dentre elas, AIDS, diabetes e cardiopatias. Além disso, determinou-se a
distribuição de gêneros alimentícios aos pais ou responsáveis dos estudantes
das escolas públicas de educação básica (Decretos nº 1.042 e nº 1.043), bem
como o Decreto nº 1.050, de 18 de maio de 2020, estabeleceu novos horários
de funcionamento de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços a
fim de evitar horários de pico.

Em 29 de maio de 2020, foi permitida a abertura de imobiliárias, clubes de


futebol e de mercados públicos municipais, mantendo a proibição de eventos
(Decreto nº 1.113). O Decreto nº 1.187, de 19 de junho de 2020, flexibilizou
os decretos restritivos anteriores e autorizou a abertura de shopping centers,
galerias, centros comerciais e congêneres, comércio varejista e atacadista e es-

Sumário 298
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

tabelecimentos localizados na Região da 445, permanecendo a vedação para


uso de áreas de lazer, de festa, lounges, games e brinquedotecas.

A partir de 30 de junho de 2020, o município de Goiânia adotou a forma


explícita de adesão aos decretos estaduais. Desta forma, aderiu ao sistema de
revezamento de atividades econômicas nos termos do Decreto Estadual n°
9.653, de 19 de abril de 2020, alterado pelo Decreto Estadual n° 9.685, de 29
de junho de 2020, iniciando com 14 dias de suspensão seguidos por 14 dias
de funcionamento, sucessivamente. Além disso, pela primeira vez, tornou
obrigatório o uso de máscaras de proteção facial quando houvesse necessida-
de de sair de casa, sob pena de aplicação de multa6 (Decreto nº 1.242).

A partir de 13 de julho de 2020, iniciou-se a política de flexibilização das


medidas restritivas que perdurou até o fim do ano. Ocorre que algumas ati-
vidades permaneceram vedadas em sua totalidade, o que resultou na busca
ao Poder Judiciário. Seguindo o Decreto Estadual nº 9.692, de 13 de julho de
2020, o município de Goiânia permitiu o retorno das atividades econômicas e
não econômicas como, por exemplo, eventos esportivos sem acesso ao públi-
co, feiras especiais (roupas e artesanatos), academias, quadras poliesportivas,
bares e restaurantes, devendo os estabelecimentos restringir sua ocupação
ao máximo de um cliente para cada 12m², dentre outras medidas sanitárias.
Manteve proibidas as atividades de clubes recreativos e parques aquáticos;
as aulas presenciais de instituições de ensino público e privadas; os cinemas,
teatros, casas de espetáculo e congêneres; boates e congêneres; e os salões de
festa e jogos (Decreto nº 1.313, de 13 de julho de 2020).

Em 15 de julho de 2020, foi democratizada a participação de membros do


COE. Foram acrescentados 02 (dois) representantes de instituições de pes-
quisas científicas e 02 (dois) representantes da categoria médica, além da
presença, sem direito a voto, de representantes de entidades e instituições

5 A região da 44 é um polo de comércio de roupas fazendo com que Goiânia seja o segundo maior
polo de vendas de roupas e calçados do Brasil, atrás de São Paulo, segundo o IBGE.
6 Art. 81, inciso XIX, da Lei n.° 8.741, de 19 de dezembro de 2008, aproximadamente no valor de
R$ 627,38 (seiscentos e vinte e sete reais e trinta e oito centavos).

Sumário 299
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

públicas e privadas e de membros do Ministério Público, ambos mediante


convite (Decreto nº 1.327).

Em 05 de agosto de 2020, foi constituída a Comissão Técnica de Elaboração


e Gestão do Protocolo de Procedimentos para o Manejo dos Resíduos Sólidos
Recicláveis frente à pandemia por Covid–19 no Município de Goiânia (De-
creto nº 1.436).

Em 15 de setembro de 2020, houve flexibilização das medidas restritivas de


maneira a permitir o funcionamento de parques aquáticos, clubes recreati-
vos, de cursos profissionalizantes e de escolinhas de iniciação esportiva para
alunos de até 12 anos (Decreto nº 1.655).

O Decreto nº 1.645, de 11 de setembro de 2020, definiu o termo aglomeração


como “a reunião, sem justificativa legalmente prevista, a partir de 10 (dez)
pessoas, sem a observância mínima de 1,5m de distanciamento entre elas”.

O Decreto nº 1.808, de 09 de outubro de 2020, flexibilizou as políticas sani-


tárias autorizando a realização de feiras de negócios, congressos e seminários
científicos e/ou acadêmicos; caravanas, grupos de compras e excursões na re-
gião da 44, em percentual de até 60% do total usual; e retorno das atividades
no horário normal.

O Decreto nº 1.851, de 19 de outubro de 2020, permitiu a realização de cul-


tos religiosos a ocorrerem em qualquer dia da semana com até 50% de sua
capacidade de pessoas sentadas. Permitiu o uso de espaços comuns de condo-
mínios verticais e horizontais destinados a eventos sociais. Autorizou eventos
sociais em espaços comerciais, inclusive em clubes recreativos, destinados à
realização destes eventos, devendo ser obedecida a ocupação de até 50% do
espaço ou um participante para cada 12m² da área do espaço, limitada à ca-
pacidade máxima de 150 pessoas. Liberou as aulas presenciais de instituições
de ensino público e privado no limite de 30% de sua capacidade.

Diante dos questionamentos quanto à obrigatoriedade do uso de máscaras


via decreto, a Lei Municipal n° 10.545, de 04 de novembro de 2020, criou a

Sumário 300
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

obrigação do uso de máscara. Em caso de descumprimento, remeteu o valor


da multa à forma definida por meio de regulamento. Foi editado o Decreto
nº 1.968, de 11 de novembro de 2020, diminuindo para pessoas físicas a
multa prevista no Decreto nº 1.242/2020, de R$ 627,38 para R$ 110,00. O
mesmo decreto encerrou a restrição de 30% para lotação das academias, qua-
dras poliesportivas e ginásios, ao revogar o artigo 8º do Decreto n° 1.313, de
13 de julho de 2020.

Em 09 de dezembro de 2020, o Decreto nº 2.118 prorrogou a Situação De


Calamidade Pública no Município de Goiânia por mais 180 dias a partir de
31/12/2020.

Análise dos processos


Atualmente o Poder Judiciário exerce um papel diferenciado daquele que
historicamente lhe foi atribuído. Há pouco menos de duas décadas seu papel
era eminentemente controlador e coercitivo. Contudo, a partir da Constitui-
ção Federal de 1988 houve avanços, por um lado no plano da conquista de
direitos humanos e, por outro, com a responsabilização do Ministério Público
em garantir a defesa dos direitos de cidadania.

Assim, o Judiciário passa a ser chamado para responder a um conjunto de


demandas sobre as quais não possuía uma maior aproximação ou mesmo
vinculação, excetuando-se casos em que havia a opção pessoal de determi-
nados juristas.

Nesta perspectiva, foram identificados 88 processos judiciais protocolizados


na Justiça Estadual, sendo a sua distribuição mensal apresentada no gráfico 1.

Sumário 301
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Gráfico 1 Quantitativo de processos ajuizados por mês, Goiânia, Goiás

Mês 7;
quantidade; 32

Mês 10;
Mês 5; quantidade; 17
Mês 4; quantidade; 7
Mês 9;
quantidade; 1
Mês 8; quantidade; 18
quantidade; 9
Mês 6; Mês 11;
quantidade; 1 quantidade; 3

Fonte: elaboração própria.

Neste aspecto, verifica-se relação com a vigência dos decretos publicados. À


medida que as políticas municipais ficaram mais restritivas houve maior inci-
dência da demanda judicial.

Chama atenção que dentre 88 processos, apenas 2 foram movidos por pes-
soas físicas, (e 86 por pessoas jurídicas). Destes dois, ambos diziam respeito
à solicitação para liberação de cerimônias de casamento com a justificativa
de que poderiam diminuir o quantitativo de pessoas. Tais argumentos não
foram aceitos e, por conseguinte, foram indeferidos pelo magistrado. Neste
primeiro aspecto processual, há de se entender que, uma vez que as normas
vigentes impediam temporariamente o funcionamento dos estabelecimentos,
restou a busca pela tutela jurisdicional para determinar a possibilidade ao
direito de produção de bens e serviços. O Judiciário neste aspecto assume
dois papéis que não lhe competem: 1) a de gestor público; 2) a de gestor sa-
nitário, uma vez que as determinações e decretos objetivavam gerar menor
circulação de pessoas, isolamento social e minimizar a cadeia de transmissão
do vírus.

Sumário 302
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Tipos de ações
As ações judiciais possuem procedimentos específicos que devem ser segui-
dos tanto pelas partes quanto pelos julgadores. Desta forma, não cabe ao juiz
mudar prazos e inverter procedimentos, sob pena de violar princípios pro-
cessuais como, por exemplo, o princípio do devido processo legal.

Além disso, cabe ao advogado definir um tipo de ação a ser proposta de


acordo com a demanda de seu cliente. O gráfico 2 relata que os advogados
elegeram o mandado de segurança.

Gráfico 2 Distribuição por tipo de ação

80%

17%
1% 1% 1%

Ação Anulatória Ação Ordinária Ação Coletiva Declaratória Mandado de Segurança

Fonte: elaboração própria.

A escolha foi influenciada pela ausência do pagamento dos honorários de su-


cumbência para a parte vencida, em caso de indeferimento do pedido, e da
celeridade processual que o mandado de segurança apresenta em comparação
ao procedimento comum à maioria das ações. Enquanto neste há audiência
de instrução e julgamento, que permite a produção de provas orais (testemu-
nhas) e de perícia, o mandado de segurança só admite provas pré-constituídas
(produzidas antes do processo), o que torna a tramitação mais célere.

Sumário 303
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Motivos
Ao levantar os aspectos acerca da motivação que levou à busca ao Judiciá-
rio, nos deparamos de um lado com conceitos específicos, mas de outro com
conceitos amplamente contextualizados nas mídias populares e redes sociais,
como o caso do “direito de ir e vir”, que no momento da pandemia foi pro-
pagado, sem algum aspecto mais aprofundado. O gráfico 3 retrata quais os
motivos apresentados pelos demandantes.

Gráfico 3 Principais Justificativas presentes nos pedidos judiciais

Direito a
liberdade culto
Princípio
da isonomia

Atividade essencial
PORCENTUAL

Respeita
os protocolos
Estabelecimento
alega CNAE de bar
Direito a liberdade
economica

Outros

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%

Fonte: elaboração própria.

Independente de juízo de valor, o motivo mais mencionado foi o direito à


liberdade de culto. Além do aspecto estabelecido na Constituição Federal,
seus defensores abriram debates ao afirmar que não haveria, entre os direitos
fundamentais, algum que fosse mais relevante que o direito ao culto.

Outro motivo muito abordado foi o direito à isonomia, ocasião em que se


questionava a liberação para funcionamento de bares e shoppings centers em
detrimento à manutenção do fechamento de escolas.

Ainda nesta seara, a busca ao Judiciário foi, durante toda a pandemia, in-
cessante, ao solicitar que os magistrados pudessem declarar a essencialidade

Sumário 304
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

de determinados serviços e julgar também a bem-intencionada vontade do


empresariado que sugeria respeitar todos os protocolos sanitários, evitando
a proliferação do vírus.

Demandantes
Demandantes são as pessoas (físicas ou jurídicas) que reivindicam seus direi-
tos em face de outrem. Também são denominados de “autores” em face do(s)
“réu(s)”. Os demandantes podem propor ações de forma individual ou em
conjunto, desde que exista comunhão de direitos, conexão pelo pedido ou
pela causa de pedir ou ocorrer afinidade de questões por ponto comum de
fato ou de direito (DIDIER JR, 2015).

Há outra maneira de ser titular de ação, através do mecanismo da repre-


sentação por organizações sindicais, entidades de classe ou associações legal-
mente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa
dos interesses de seus membros ou associados. Desta forma, apenas um de-
mandante propõe ação cujos reflexos serão absorvidos pelos associados ou
sindicalizados. Exemplo de ação com vários demandantes ocorreu no caso de
escolas. Houve uma única ação com 54 demandantes. No caso de representa-
ção, houve ação proposta pelo Sindicato dos Restaurantes, Bares e Similares
do Estado de Goiás – Sindbares em defesa dos interesses da categoria.

Constatou-se uma diversidade de pessoas jurídicas que buscaram a manifes-


tação do Poder Judiciário. Variaram desde associações representativas (de
bares, hotéis, imobiliárias, lojistas e shoppings) a instituições religiosas, de
ensino, clubes recreativos, condomínios residenciais, bares e casas noturnas.

Sumário 305
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Gráfico 4 Demandantes

Outros*; Quantidade; 18; 20% Igreja; Quantidade; 17; 19%

Sindicatos; Quantidade; 2; 2%
Hotel; Quantidade; 2; 2% Condomínio Residencial;
Quantidade; 7; 8%
Casamento; Quantidade; 2; 2%
Estética; Quantidade; 3; 3%

Construção; Quantidade; 3; 3% Escola; Quantidade; 7; 8%

Varejo; Quantidade; 4; 5%
Casa Noturna; Quantidade; 5; 6%
Condomínio; Quantidade; 4; 5%
Berçário; Quantidade; 4; 5% Clubes Recreativos; Quantidade; 5; 6%
Bares; Quantidade; 5; 6%

* Outros (academia, associações, venda cadeira, geladeira, salão, sauna, eventos)


Fonte: elaboração própria.

Dos pedidos
O pedido é a conclusão da exposição dos fatos e dos fundamentos jurídicos,
exprimindo o que o autor pretende em face das políticas determinadas pelos
gestores. Sua finalidade é dupla: obter a tutela jurisdicional do Estado (uma
condenação, uma declaração) e fazer valer um direito subjetivo frente ao réu.

Assim, uma manifestação inaugural do autor é chamada de pedido imediato,


no que se relaciona a pretensão a uma sentença, a uma execução ou a uma
medida cautelar; e pedido mediato, é o próprio bem jurídico que o autor
procura proteger com a sentença. O pedido imediato se relaciona com o di-
reito processual, e o mediato com o direito material.

Nesse sentido, a maioria dos pedidos remete à retomada das atividades. O


pedido relacionado à suspensão de interdição tem relação direta com a re-
tomada das atividades, pois, ao anular o ato de interdição, o retorno do fun-
cionamento é a medida consequente. A diferença é que a interdição é um
ato administrativo resultante de uma fiscalização no local acrescida de pena
pecuniária (multa). Há de se destacar que alguns estabelecimentos que ou-

Sumário 306
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

trora haviam sofrido auto de infração com penalidade de interdição, pediam


pelo fim da penalidade, enquanto que outros pediam o direito à retomada
das atividades econômicas uma vez que os decretos os obrigavam a fechar.

Gráfico 5 Principais pedidos realizados

Quantidade;
Retomar
atividades; 52

Quantidade;
Quantidade;
Flexibilização
Suspensão Quantidade; Quantidade;
da área Quantidade;
Interdição; 12 comum; 10 Acesso Criança Realizar
12 anos; 3 Assembleia; 3 Outros; 6

Retomar Atividades Suspensão Interdição Flexibilização Acesso Criança 12 anos


da área comum
Realizar Assembleia Outros

Fonte: elaboração própria.

Obrigatório discorrer sobre o pedido denominado “flexibilização de área


comum”, pois, neste embate, demonstra falha do gestor na percepção das
particularidades dos edifícios residenciais. Desta forma, a vontade de dar ce-
leridade ao lockdown se sobrepôs à possibilidade de rodízio de uso, para even-
tuais caminhadas ou banhos de sol. No município de Goiânia, há bairros emi-
nentemente residenciais com grande adensamento populacional devido aos
prédios7, o que contribuiu para o descumprimento à proposta de isolamento
social. Inclusive famílias inteiras buscaram passeios em supermercados e me-
gastores de construção para justificarem a quebra do isolamento.

Concessão de liminares
Nos casos que requerem uma prestação jurisdicional urgente é possível a
prolação de decisões provisórias até que seja proferida a definitiva. São as

7 Por exemplo, setor Bueno, Oeste, Marista e Pedro Ludovico.

Sumário 307
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

tutelas de urgência, instrumentalizadas, por exemplo, nas medidas liminares


deferidas nas ações de mandado de segurança. Conquanto sejam provisórias,
somente podem ser concedidas quando demonstrados os seguintes requisi-
tos: probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil
do processo.

Dinamarco (1996, p. 195) conceitua a probabilidade do direito como a:

Situação decorrente da preponderância dos motivos convergentes à acei-


tação de determinada proposição, sobre os motivos divergentes. As afirma-
tivas pesando mais sobre o espírito da pessoa, o fato é provável; pesando
mais as negativas, ele é improvável (Malatesta). A probabilidade, assim con-
ceituada, é menos que a certeza, porque lá os motivos divergentes não ficam
afastados, mas somente suplantados; e é mais que a credibilidade, ou veros-
similhança, pela qual na mente do observador os motivos convergentes e os
divergentes comparecem em situação de equivalência e, se o espírito não
se anima a afirmar, também não ousa negar. O grau dessa probabilidade
será apreciado pelo juiz, prudentemente e atento à gravidade da medida
a conceder.

O perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, por sua vez, é a


possibilidade de dano à tutela jurisdicional pretendida em função de de-
curso do tempo, ou seja, na demora do reconhecimento do direito ou na
própria urgência.

Verificou-se que todas as ações objeto desta pesquisa solicitaram a concessão


de liminares, sempre fundamentadas na probabilidade do direito e do perigo
da demora (urgência). Ao todo houve 4 casos de desistência da ação. Ocorre-
ram em consequência à perda do objeto8.

Nos casos em que as liminares foram indeferidas, os magistrados justificaram


a decisão na então recente manifestação do Supremo Tribunal Federal - Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6341 -, que adotou o entendimento
de que as medidas adotadas pelo Governo Federal na Medida Provisória nº
926/2020 para o enfrentamento do novo coronavírus não afastam a compe-

8 Fato ocorrido com mandados de segurança impetrados por escolas, pois com a liberação das ativi-
dades escolares em 19 de outubro de 2020 (Decreto nº 1.851), tornou-se desnecessária a manutenção
da ação judicial.

Sumário 308
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

tência concorrente nem a tomada de providências normativas e administrati-


vas pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios.

Quando as liminares foram deferidas, os julgadores se basearam nos prin-


cípios constitucionais da livre iniciativa, liberdade religiosa e prevenção de
crise econômica. O gráfico 6 retrata o deferimento das liminares:

Gráfico 6 Concessão de liminares

Indeferidas; Participação;
Defiridas; Participação;
0,423076923076924; 42%
0,576923076923079; 58%

Fonte: elaboração própria.

A maioria (58%) das ações judiciais teve concessão de liminares no sentido de


flexibilizar as políticas públicas municipais de combate à pandemia da Co-
vid-19, do que resta patente que, especificamente neste estudo, houve inter-
venção do Poder Judiciário nas normas estabelecidas pelo Poder Executivo.

Conclusão
O presente trabalho abordou a temática da saúde pública e das relações sa-
nitárias presentes na pandemia de Covid-19 criando uma relação frente às
decisões tomadas pelo Poder Judiciário em face das políticas públicas imple-
mentadas no município de Goiânia, capital do Estado de Goiás.

Dessa maneira, o processo efetivamente teve início quando da publicação de


decretos editados pelo Poder Executivo local e da falta de resolutividade nas

Sumário 309
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

demandas e anseios específicos. Vale relembrar que, em muitos momentos,


tornou-se popular o hiato economia-saúde, gerando ainda mais descontenta-
mento do empresariado.

A falta de preparo técnico, o negacionismo capitaneado pelo presidente da


república, a politização da doença, a ausência de subsídios eficazes do gover-
no e a falta de um plano nacional de vacinação são fatores determinantes que
levaram à provocação do Poder Judiciário. Este, por sua vez, não pode se re-
cusar a solucionar o litígio, em cumprimento ao princípio da inafastabilidade
do controle jurisdicional.

Há falta de conhecimento técnico do julgador, especificamente sobre Direito


Sanitário, que não é disciplina obrigatória nas faculdades. Desta forma, as
decisões atendem os pedidos individuais, com base em princípios gerais cons-
titucionais, sem análise das evidências científicas.

As ações de mandado de segurança não permitem dilação probatória (oitiva


de testemunhas e peritos). Nesta perspectiva, as decisões judiciais em matéria
de saúde se tornam precárias e fatalmente não terão o verdadeiro condão de
fazer justiça.

Em tempos atuais, em que pese a enorme comoção nacional e a necessidade


de imediata tomada de decisão visando a inibir o avanço da Covid-19, é im-
prescindível a busca pelo diálogo entre os Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, pois o objetivo é apenas um: a manutenção de vidas, a diminuição
de uso de leitos e de UTI, bem como estancar o avanço da doença.

Referências
BRASILA. Ministério da Saúde (BR). Ministério da Saúde declara trans-
missão comunitária nacional [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde;
2020 [citado 2020 abr 7]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/noticias/
agencia-saude/46568-ministerio-da-saude-declaratransmissao-comunitaria-nacional

Sumário 310
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

BRASILB. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM n. 356, de 11 de março de 2020.


Dispõe sobre a regulamentação e operacionalização do disposto na Lei nº 13.979,
de 6 de fevereiro de 2020, que estabelece as medidas para enfrentamento da
emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coro-
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Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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TAVARES, André Ramos. Paradigmas do judicialismo constitucional. São Paulo:


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Sumário 312
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Demandas judiciais direcionadas à


Assistência Farmacêutica de Vitória da
Conquista - BA: aplicação de indicadores
para avaliação e monitoramento
Halanna Rocha Ferraz1
Kelle Oliveira Silva2
Fabiely Gomes da Silva Nunes3
Pablo Maciel Brasil Moreira4
Priscila Ribeiro de Castro5

Resumo
A saúde é garantida ao cidadão brasileiro na Constituição
Federal e, com objetivo de efetivar este direito, o Poder
Judiciário intervém nas políticas públicas determinando

1 Graduada em Farmácia - UFBA; Coordenadora de Assistência Farmacêutica; Secretaria Mu-


nicipal de Saúde: Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista - BA; Lattes: http://lattes.cnpq.
br/8390180576504068.
2 Doutora em Ciências Fisiológicas - Sociedade Brasileira de Fisiologia; Docente; Universidade Fe-
deral da Bahia: Instituto Multidisciplinar em Saúde - Campus Anísio Teixeira; Lattes: http://lattes.
cnpq.br/1900761718844277
3 Mestranda em Saúde Coletiva - UFBA e Graduada em Farmácia - UFBA; Docente; Centro Univer-
sitário UNIFTC; Lattes: http://lattes.cnpq.br/0434532931303934.
4 Mestrando em Saúde Coletiva - UFBA e Graduado em Farmácia - UFBA; Coordenador e Con-
sultor de Assistência Farmacêutica; Secretaria Municipal de Saúde: Prefeitura Municipal de Vitória da
Conquista - BA; Lattes: http://lattes.cnpq.br/8949590720461169.
5 Mestre em Saúde Coletiva - UFBA e Graduada em Farmácia - UEFS; Farmacêutica; Universidade
Federal da Bahia: Instituto Multidisciplinar em Saúde - Campus Anísio Teixeira; Lattes: http://lattes.
cnpq.br/0872007723360236.

Sumário 313
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

o fornecimento de medicamentos prescritos para o trata-


mento do paciente. Assim, a judicialização de medicamen-
tos pode ser uma via legítima de defesa dos direitos dos
indivíduos para casos onde o Estado não consegue efeti-
var as políticas públicas como acesso aos serviços de saúde,
incluída a Assistência Farmacêutica. Contudo, no cenário
atual, as demandas judiciais transformam o sistema de
saúde em mero fornecedor de medicamentos. Os avanços
da compreensão da judicialização e seu monitoramento
possibilitam intervir para evitar a desconstrução da Políti-
ca de Assistência Farmacêutica. Com o intuito de conhecer
as características desse fenômeno no município de Vitória
da Conquista – Bahia, o presente estudo transversal, re-
trospectivo com abordagem descritiva, se propôs a realizar
a aplicação dos indicadores de avaliação e monitoramento
de demandas judiciais de medicamentos descritos no Ma-
nual de Indicadores de Avaliação e Monitoramento das
demandas judiciais de medicamentos (Escola Nacional de
Saúde Pública/Fiocruz) às demandas direcionadas à Assis-
tência Farmacêutica desse município no período de janei-
ro de 2013 a julho de 2017. Os resultados obtidos servem
como parâmetros para as políticas de gestão, de forma a
tentar reduzir a judicialização de medicamentos, melhorar
o acesso racional a medicamentos pelo usuário e contri-
buir para o entendimento entre a instância de Saúde e o
Poder Judiciário.

Palavras-chave: Judicialização da saúde; Judicialização de


medicamentos; Assistência Farmacêutica.

Sumário 314
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
A garantia constitucional da saúde como um direito social a ser assegurado
pelos entes federados (União, Estados e Municípios) aparenta ser a causa da
judicialização da saúde. Esta se manifesta como forma de efetivar o cumpri-
mento de tal direito, tendo em vista que há grandes dificuldades na imple-
mentação de políticas estatais no país (BRASIL, 1988; ANDRADE; JÚNIOR;
FERREIRA, 2017). A Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990) reconhece a
necessidade de formulação da política de medicamentos a partir da responsa-
bilidade de execução das “ações de assistência terapêutica integral, inclusive
farmacêutica” (BRASIL, 1990).

Apesar dos avanços relacionados à garantia de direitos e ampliação do aces-


so a medicamentos, observa-se uma demanda cada vez maior por medica-
mentos via Judiciário (BRASIL, 2015) com decisões que, em sua maioria,
são desfavoráveis ao Estado. Dadas as dificuldades encontradas pela gestão
em saúde em cumprir o que foi determinado pela Constituição, esta trans-
formou-se em uma área de intervenção do Poder Judiciário (ANDRADE;
JÚNIOR; FERREIRA, 2017), que obriga os entes federados a fornecerem
medicamentos prescritos, tendo sempre como base a garantia da saúde esta-
belecida na Constituição (BRASIL, 1988; BRASIL, 1990).

A judicialização pode ser uma via legítima de defesa dos direitos dos indiví-
duos em casos nos quais o Estado não consegue efetivar as políticas públi-
cas de acesso aos serviços de saúde, incluída a Assistência Farmacêutica (AF)
(TORRES, 2010). Também pode indicar uma incapacidade do Poder Público
em atender as necessidades básicas da população, seja pela falta dos medica-
mentos, seja pela falta de recursos humanos capacitados, o que torna mais
complexa essa realidade (CHIEFFI; BARATA, 2009).

Contudo, no cenário atual, as demandas judiciais sobrecarregam o sistema


do ponto de vista financeiro e organizacional, na medida em que contrariam
diretrizes já estabelecidas de forma técnica e democrática (OLIVEIRA et. al.,
2017), contradizendo o princípio da integralidade do SUS. Isso ocasiona im-

Sumário 315
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

posições de uso e de incorporação de tecnologias e insumos para a saúde sem


a devida avaliação técnica, o que leva a uma desordem no contexto da AF
(TORRES, 2010; OLIVEIRA et. al., 2017).

Liminares judiciais recebidas pela AF que incluam medicamentos disponibi-


lizados no SUS, inseridos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
(RENAME), podem indicar tanto uma falha de acesso provocado por uma
gestão inadequada, como também uma falta de informação por parte do so-
licitante (PINTO; OSÓRIO-DE-CASTRO, 2015). A burocracia encontrada
para se obter acesso aos medicamentos junto aos órgãos estaduais e muni-
cipais, associada ao atendimento inadequado do usuário em alguns desses
locais e à desinformação do usuário, leva muitos a desistirem da busca por via
administrativa e faz com que a via judicial seja vista como a única possibilida-
de de obtenção do seu tratamento (VENTURA et. al., 2010).

A intervenção do Poder Judiciário na área da saúde cria a necessidade de


capacitação tanto dos atores políticos quanto jurídicos, de desenvolvimen-
to de competências e habilidades práticas de mediação e de construção de
consenso e diálogo institucional focados em saúde (BRASIL, 2015). Os avan-
ços na compreensão da judicialização e seu monitoramento possibilitam que
o Judiciário intervenha de maneira a evitar a desconstrução da política de
AF. Além disso, permitem a cooperação para a melhoria do planejamento
e construção de políticas públicas que atendam às necessidades da popula-
ção e contribuam para minimizar o número de liminares judiciais expedidas
(VENTURA, 2010).

O presente estudo se propõe a aplicar às demandas direcionadas à AF, os in-


dicadores descritos no “Manual de indicadores de avaliação e monitoramen-
to das demandas judiciais de medicamentos” da Escola Nacional de Saúde
Pública da Fundação Oswaldo Cruz (PEPE; VENTURA; OSÓRIO-DE-CAS-
TRO, 2011), com o intuito de conhecer as características desse fenômeno no
município de Vitória da Conquista – Bahia.

Sumário 316
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Metodologia
Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo com abordagem descritiva
que analisou as demandas judiciais atendidas pela AF do município de Vitó-
ria da Conquista, Bahia, no período de janeiro de 2013 a julho de 2017.

Foram incluídas ações judiciais que demandaram medicamentos e que colo-


cavam o município de Vitória da Conquista – BA como réu e cujo cumpri-
mento foi ou era executado pela AF municipal no período de estudo. Este pe-
ríodo foi escolhido devido à disponibilidade de dados sistematizados acerca
dos processos pela Procuradoria da Saúde e pela Gestão da AF do município
e dados sobre o cumprimento das ações. Foram excluídos da análise os pro-
cessos em que constavam apenas solicitações de procedimentos, complemen-
tos alimentares e insumos.

As informações foram coletadas na base de dados da AF municipal, onde


constam dados dos pacientes, dos processos, diagnósticos e dispensação
dos medicamentos de acordo com a ordem judicial, bem como da análise
documental dos processos. Dados de custos financeiros para aquisição dos
medicamentos foram obtidos no setor financeiro da Secretaria Municipal de
Saúde. Os indicadores foram aplicados segundo as sugestões do “Manual de
indicadores de avaliação e monitoramento das demandas judiciais de medi-
camentos” (PEPE; VENTURA; OSÓRIO-DE-CASTRO, 2011).

Nos processos em que não constavam dados referentes à renda familiar men-
sal per capita nas fontes sugeridas pelo referido manual, foi utilizada a classi-
ficação de hipossuficiente ou não-hipossuficiente, considerando a origem do
processo, impetrado pela Defensoria Pública ou não, respectivamente, e de
acordo com os critérios utilizados pela referida instância.

Para a coleta de dados foi utilizado um questionário estruturado elaborado


com base nas variáveis utilizadas para o cálculo dos indicadores descritos no
manual. Para cada liminar foi atribuído um código numérico, com o objetivo
de não haver identificação do nome do autor no banco de dados. Os dados

Sumário 317
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

foram coletados, registrados e analisados no período de 01 de julho de 2017


a 23 de agosto de 2017. Foi feita a análise descritiva das variáveis por medidas
de frequência e medidas de tendência central (média e mediana). Utilizou-se
o software Epi Info®, versão 3.5.1.

O projeto de pesquisa do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pes-


quisa da Universidade Federal da Bahia – Instituto Multidisciplinar em Saú-
de / Campus Anísio Teixeira (IMS/CAT) com parecer nº 2.146.049.

Resultados
No período determinado para o estudo, foi encontrado um total de 240 ações
judiciais nas quais foi exarada decisão liminar ou de antecipação de tutela
em favor do autor, para o fornecimento de medicamentos, insumos, fórmu-
las alimentares e fraldas (no período avaliado, não existia em cumprimento
nenhum processo com sentença). Ao agrupar as ações judiciais que deman-
daram apenas insumos, alimentos e fraldas, sem solicitação de pelo menos
um medicamento, foram excluídas da análise 80 ações. Ao fazer a busca pe-
los termos que comprovavam o recebimento do medicamento, observou-se
a existência de 33 ações judiciais cujas liminares ou antecipações de tutela
foram concedidas em período anterior a 2013 (2009 a 2012), mas que ainda
tiveram cumprimento no período selecionado para o estudo e, por tal moti-
vo, foram adicionadas para análise.

Desta forma, foram analisadas 193 ações judiciais e respectivas liminares ou


antecipações de tutela concedidas em favor do autor para o fornecimento
de medicamentos. Os resultados estão dispostos a seguir, organizados em 4
dimensões, de acordo com o “Manual de indicadores de avaliação e moni-
toramento das demandas judiciais de medicamentos” (PEPE; VENTURA;
OSÓRIO-DE- CASTRO, 2011).

Sumário 318
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

DIMENSÃO 1: Características sociodemográficas do autor da ação


judicial – características da população em relação aos aspectos
sociais e demográficos.

Essa dimensão avalia as características sociodemográficas do autor da ação.

No caso do indicador renda per capita mensal, não foi possível sua avaliação,
pois nos processos não consta esta informação. Há apenas em boa parte deles
declarações de hipossuficiência, quando estas são impetradas pela Defensoria,
ou declarações de carência, quando impetradas por advogados particulares ou
dativos. Desta forma, não foi possível analisar as diferenças na concentração da
renda familiar, já que 79,8% dos processos contavam com declaração de hipos-
suficiente e 14,5% dos processos não continham informação alguma quanto à
condição financeira do autor, de acordo com a Tabela 1.

Tabela 1: Características Sociodemográficas do Autor da Ação Judicial

indicador frequência %

Indicador 1: Renda familiar mensal per capita

Hipossuficiente 154 79,8

Não-hipossuficiente 11 5,7

Sem informações 28 14,5

Indicador 2: Proporção da população por faixa etária (em anos)

1–4 9 4,7

5–9 14 7,2

10 – 14 16 8,3

15 – 19 26 13,5

20 – 59 39 20,2

60 – 69 49 25,4

Maior que 70 40 20,7

Sumário 319
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

indicador frequência %

Indicador 3: Proporção da população por ocupação

Advogado (a) 3 1,6

Aposentado (a) 27 14,0

Autônomo (a) 14 7,3

Doméstica 5 2,6

Dona de casa 21 10,8

Estudante 15 7,8

Trabalhador rural 17 8,8

Outros 11 5,7

Sem ocupação 14 7,2

Não se aplica 18 9,3

Sem informação 48 24,9

Indicador 4: Proporção da população por município de domicílio do autor da ação

Vitória da Conquista 193 100,0

DIMENSÃO 2: Características processuais das ações judiciais.

Esta dimensão avalia os aspectos que se encontram em conformidade com as


leis nacionais e locais.

Com relação ao indicador 1, Proporção de Ações Judiciais por representação


do autor da ação, observou-se que a grande maioria das demandas judiciais foi
impetrada pela Defensoria Pública do Estado da Bahia, representando 86%
das demandas, 11,4% foram representadas por advogados particulares com
pedido de justiça gratuita, e em apenas 2,6% a representação do autor foi por
advogado particular sem pedido de gratuidade.

O indicador 2, que se refere ao tempo mediano de decisão liminar ou antecipa-


ção de tutela na primeira instância, o indicador 3, que trata do tempo mediano

Sumário 320
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

da intimação da instância da saúde, e o indicador 4, que corresponde ao tempo


mediano de entrega do medicamento, estão representados na Tabela 2, além
do tempo mínimo, máximo e médio demandado para cada um deles.

Tabela 2 Tempo mínimo, médio, máximo e mediano, em dias, para concessão de liminar,
intimação da instância de saúde e fornecimento do medicamento ao autor

Concessão de liminar ou Entrega do


Tempo Intimação da instância
antecipação de tutela medicamento
(dias) de saúde (Indicador 3)
(Indicador 2) (Indicador 4)

Máximo 225 41 93

Mínimo 1 1 28

Médio 28 8 52

Mediano 13 6 61

Destaca-se a existência de processo com demora de 93 dias para a entrega do


medicamento, embora, nas liminares, o tempo estipulado pelo juiz para o for-
necimento tenha variado de 24h até 10 dias.

O indicador 5, proporção de concessão de liminar ou antecipação de tutela,


expressa o percentual do número de ações com concessão de liminar ou an-
tecipação da tutela, considerando o número total de ações com pedidos des-
sa natureza (PEPE; VENTURA; OSÓRIO-DE-CASTRO, 2011). Todos os 193
processos analisados pediam antecipação de tutela e todos foram atendidos.
Na instância de saúde em questão, todos os fornecimentos pela via judicial
ocorreram em sede de antecipação dos efeitos da tutela, o que demonstra a
urgência entendida pelos magistrados em determinar o fornecimento de todos
os medicamentos solicitados.

A proporção de ações judiciais com exigência judicial para concessão de limi-


nar ou antecipação de tutela (indicador 6) se refere ao percentual de ações
contendo decisão judicial exigindo a apresentação de documentos e/ou es-
clarecimentos adicionais ao autor para a concessão da tutela antecipada, no
conjunto das ações judiciais. Todos os processos impetrados continham nos

Sumário 321
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

autos documentos pessoais, prescrição e relatório médico. Em 40,9% deles,


além dos documentos já citados, identificamos cópia de prontuário hospitalar
e/ou exames laboratoriais e exames de imagem. Desta forma, para a concessão
de liminar não houve nenhuma solicitação de documento extra. Entretanto,
em 14% das liminares, após a concessão de tutela antecipada, houve intimação
ao prescritor para que fosse avaliado se não havia medicamentos disponíveis
no SUS para o tratamento do paciente. Nenhuma das liminares nesses casos
foi revogada.

O indicador 7, que avalia a proporção de sentenças favoráveis ao autor, mos-


trou que poucos processos já contavam com sentença até a conclusão da coleta
de dados. Dos 193 processos, foram identificados apenas 7,8% com sentença
em primeira instância, e todas foram em favor do autor. Quanto ao indicador
8, que avalia a proporção de acórdãos favoráveis ao autor, não foi identificado
nenhum processo com decisão em segunda instância.

Para aplicação do indicador 9, que avalia a razão de demandas extrajudiciais,


foram resgatados ofícios de solicitação de medicamentos recebidos como res-
posta pela AF e verificou-se que, das 193 liminares ou antecipações de tute-
la em estudo, 128 haviam feito solicitação extrajudicial, ou seja, a razão de
demandas extrajudiciais é de (66%). Houve demandas via Defensoria Pública
Estadual (82%), Ministério Público (13,3%) e advogado particular em menor
proporção (4,7%). Quanto aos demais processos em que não foram encon-
tradas demandas extrajudiciais (65), não se pode afirmar que realmente não
houve esse primeiro contato, pois, dentre essas, há uma parcela originária do
período de 2009 a 2012, não fazendo parte, portanto, do banco de dados, e
parte dos ofícios de solicitação de 2013 não foi resgatada, pois em sua maioria
há disponível apenas a cópia do processo e a decisão interlocutória no setor.

Em se tratando da razão das ações judiciais coletivas, indicador 10, nesta avalia-
ção nenhum dos processos que demandavam medicamentos era ação coletiva
(todos tratavam de demandas individuais).

Sumário 322
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

A avaliação da proporção de ações judiciais impetradas por tipo de réu da


ação (indicador 11) mostrou que a grande maioria das ações (82%) foi defe-
rida contra o município e o Estado da Bahia simultaneamente, devendo estes
cumpri-las solidariamente. As ações que o município deveria cumprir sozinho
representaram 14% e apenas 4% das ações tiveram as três esferas como réus.
Todos os processos são da Comarca de Vitória da Conquista e a estratificação
quanto ao Órgão de Julgamento mostrou que 49% das liminares ou antecipa-
ção de tutela foram expedidas pela Vara da Fazenda Pública, 35% pela Vara da
Infância e Juventude e 16% pela Justiça Federal.

DIMENSÃO 3: Características médico-sanitárias das ações judiciais.

Nesta dimensão, cujos dados estão apresentados na Tabela 3, são avaliados os


aspectos relativos ao corpo de conhecimentos das Ciências da Saúde.

Tabela 3: Características médico-sanitárias das ações judiciais (Dimensão 3)

indicador frequência %

Indicador 1: Proporção de medicamentos por subgrupos terapêuticos / farmacológi-


cos / substâncias químicas (n=287)

A: Aparelho digestivo e metabolismo* 43 15,0

B: Sangue e órgãos hematopoéticos* 35 12,2

C: Aparelho cardiovascular*w 25 8,7

D: Medicamentos dermatológicos* 24 8,4

G: Aparelho geniturinário e hormônios sexuais* 7 2,4

H: Preparações hormonais sistêmicas, excluindo


2 0,7
hormônios sexuais e insulinas*

J: Anti-infecciosos para uso sistêmico* 9 3,1

L: Agentes antineoplásicos e imunomoduladores* 20 7,0

M: Sistema musculoesquelético* 15 5,2

N: Sistema nervoso* 59 20,6

Sumário 323
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

indicador frequência %

P: Produtos antiparasitários, inseticidas e repelentes* 1 0,3

R: Aparelho respiratório* 35 12,2

S: Órgãos sensitivos* 12 4,2

Indicador 2: Proporção de medicamentos prescritos


pelo nome genérico (n= 287, há pacientes com mais de 138 48,1
um medicamento solicitado)**

Indicador 3: Proporção de prescrições que utilizam


58 27,3
exclusivamente o nome genérico (n= 212 prescrições)

Indicador 4: Proporção de medicamentos requeridos


que figuram nas listas de medicamentos essenciais vigen- 111 38,7
tes (n=287)

Indicador 5: Ações judiciais contendo documentos adi-


193 100,0
cionais, que não a prescrição de medicamentos (n=193)

Indicador 7: Proporção de diagnósticos principais:

Diabetes Mellitus 27 14,0

Paralisia cerebral (Encefalopatia fixa) 13 6,7

Doenças pulmonares (asma, enfisema, DPOC) 10 5,2

Trombofilia 5 2,6

Epidermólise bolhosa 6 3,1

Degeneração Macular Relacionada à Idade 5 2,6

Fibrilação atrial 4 2,1

Outros diagnósticos 123 63,7

Indicador 8: Proporção de pacientes com cadastro


na instância de saúde anterior à demanda judicial 23 28,0
(n=82)***

* Classificação Anatômica Terapêutica Química (ATC), (1º nível ATC).


** Para proporção de medicamentos foi considerado como no exemplo a seguir: Se a substância
X foi prescrita para 15 pacientes diferentes, 10 vezes com nome genérico e 5 vezes com nome
comercial, esse medicamento foi contabilizado 10 vezes no genérico e 5 em nome comercial
*** Apenas liminares de 2016 e 2017, após implantação do sistema HORUS (Sistema Nacional
de Gestão da Assistência Farmacêutica) (informatização das Farmácias Municipais)

Sumário 324
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Sobre o primeiro indicador desta dimensão (tipo de Classificação Anatômica Te-


rapêutica - ATC), foi verificada uma maior frequência de medicamentos que
agem no Sistema Nervoso (20,6%), com maior prevalência daqueles para tra-
tamento de epilepsia, dor crônica, depressão e ansiolíticos, seguidos de medi-
camentos para o Aparelho Digestivo e Metabolismo (15%), grupo no qual se
destacaram os novos medicamentos orais para tratamento de diabetes e os aná-
logos de insulina. O terceiro grupo de medicamentos mais frequentes foi para o
sangue e órgãos hematopoéticos, com destaque para a heparina de baixo peso
molecular e os novos anticoagulantes orais, a Rivaroxabana e Dabigatrana.

Para análise das prescrições por nome genérico, foi considerada todas as vezes
em que o medicamento foi prescrito, e cada uma delas foi contabilizada. Des-
sa forma, observou-se que 51,9% dos medicamentos prescritos não estavam
em conformidade com a Denominação Comum Brasileira. A frequência de
medicamentos prescritos que estão selecionados na Relação Nacional de Medi-
camentos Essenciais foi de 38,7%. Todos os processos continham documentos
além da prescrição médica, predominando o relatório médico, seguido de exa-
mes complementares.

O indicador 8, que avalia se o paciente já possuía cadastro na instância de saúde,


teve sua análise comprometida, pois este estudo considerou dados dos anos de
2013 a 2017 e somente em 2016 as farmácias públicas municipais começaram
a utilizar o sistema HORUS em que é possível registrar todos os atendimentos
realizados para os pacientes a partir do número do cartão SUS. Assim, com o
total de 82 liminares neste período, foi demonstrado que 28% desses pacientes
possuíam cadastro e eram atendidos pela AF em período anterior à liminar.

O indicador 9 avalia a razão de gasto de medicamentos demandados em face


daqueles da programação anual. De acordo com a Portaria nº 1.555/2013
(BRASIL, 2013), que regulamenta o Componente Básico da AF, a soma do
repasse tripartite por habitante/ano, no período do estudo, totalizava R$ 9,82.
Considerando-se que a população do município de Vitória da Conquista, uti-
lizada para o cálculo era de 318.901 habitantes, tendo como base a população
de 2017, a programação anual totalizada era de R$ 3.131.607,82.

Sumário 325
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Foram quantificados os valores pagos para fornecimento de medicamentos so-


licitados à AF via liminar ou antecipação de tutela judicial em 2015, 2016 e
2017, este último até 31/08, e observou-se o evidenciado na Tabela 4, que mos-
trou que a razão de gastos com medicamentos demandados por via judicial nos
últimos 3 anos foi de 0,2 (20%).

Tabela 4: Razão de gasto com medicamentos de demandas judiciais nos anos 2015 a 2017*

Razão liminar/
Medicamento por via
ano Programação AF programação
Judicial
(Indicador 9)

2015 R$ 3.131.607,82 R$ 602.162,00 0,19

2016 R$ 3.131.607,82 R$ 826.527,00 0,26

2017* R$ 2.087.738,55 R$ 300.608,00 0,14

Média 0,20

*2017 valor referente a 8 meses, dado até 31/08/2017.

Para avaliar a proporção de medicamentos demandados com alternativa te-


rapêutica no Sistema Único de Saúde (indicador 10), analisaram-se aleatoria-
mente 50 prescrições que demandaram o total de 117 medicamentos. Consi-
derando o diagnóstico do paciente, identificou-se que dos 117 itens prescritos,
70,1% possuíam alternativas na RENAME e, dentre esses, 19 solicitações de
medicamentos foram acompanhadas de justificativa em relatório médico de
falha terapêutica com o medicamento disponibilizado pelo SUS (por isso, a
solicitação de medicamento não disponível na rede pública).

DIMENSÃO 4: Características político-administrativas das ações


judiciais.

Esta dimensão avalia os aspectos relacionados às competências executivas, ad-


ministrativas e econômicas da Administração Pública, referindo-se à gestão da
AF no SUS. Os resultados estão dispostos na Tabela 5.

Sumário 326
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Tabela 5: Características político-administrativas das ações judiciais

indicador frequência %

Indicador 1: Proporção de medicamentos registrados na 287 100


Anvisa* (n=287)

Indicador 2: Proporção de medicamentos, por compo-


nente do bloco de financiamento da AF (n=287):

Básico 63 22,0

Especializado 40 13,9

Estratégico 8 2,8

Não Classificado 176 61,3

Indicador 3: Proporção de ações judiciais que possuem 0 0,0


ao menos um medicamento prescrito para indicação de
uso off label (n=193)

Indicador 4: Proporção de ações judiciais que deman- 129 67,0


dam ao menos um medicamento que esteja fora dos
componentes do bloco de financiamento da assistência
farmacêutica (n=193)

Indicador 5: Proporção de ações judiciais que deman- 38 19,7


dam ao menos um medicamento do componente espe-
cializado da assistência farmacêutica (n=193)

*Obtido através do banco de dados de medicamentos e hemoderivados da ANVISA

Na avaliação da faixa etária, a predominante foi a de idosos (maior que 60


anos) divergindo do encontrado anteriormente em Vitória da Conquista, em
que houve o predomínio de autores adultos (19 a 59 anos) - 36,21% - segui-
dos dos idosos (34,48%) (BARRETO; PEREIRA; GUIMARÃES, 2013). Estes
resultados também divergiram daqueles encontrados no Pará, em que pre-
dominaram os adultos de 30 a 39 anos (CARNEIRO, 2015). Essa divergência
pode estar relacionada ao fato de o presente estudo restringir as demandas
somente a medicamentos, e os demais estudos citados avaliarem todas as de-
mandas judiciais em saúde. Alguns estudos verificaram que há predomínio
de autores aposentados dentre aqueles que declararam ocupação, bem como
de processos que não contam com esta informação, variando de 9,1% a 81%

Sumário 327
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

(BARRETO; PEREIRA; GUIMARÃES, 2013; CARNEIRO, 2015; PEREIRA;


PEPE, 2015).

Sobre a representação do autor, o percentual de ações impetradas por advoga-


do particular (11,4%) foi bem menor do que o encontrado nos anos de 2013 e
2014, de 20,69% (ANDRADE; JÚNIOR; FERREIRA, 2017). Estudos que ava-
liaram as demandas em municípios do Estado da Bahia constataram maior re-
presentação por Defensoria Pública e/ou Ministério Público (TORRES, 2010;
BARRETO et. al., 2013; ANDRADE; JÚNIOR; FERREIRA, 2017), assim como
na Paraíba (LEITÃO et. al., 2016) e no Pará, em que esse percentual chegou
a 85,1% (CARNEIRO, 2015). Neste estudo, 86% das ações foram impetradas
por Defensoria Pública, perfil totalmente divergente do Paraná, onde apenas
7,1% tiveram esta representação e a grande maioria (56,2%) foi representada
por advogado privado (PEREIRA; PEPE, 2015). Do mesmo modo, 63% das
demandas atendidas pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia foram con-
duzidas por advogados particulares (TORRES, 2010).

Com relação ao tempo mediano para entrega de medicamentos, no Paraná


identificou-se que esse era de 18 dias, três vezes menor que o tempo necessário
em Vitória da Conquista. Neste ponto, algumas discussões precisam ser levan-
tadas acerca do motivo da não agilidade na entrega do medicamento, como
a não eficiência do processo de pedido, compra e a entrega pelo fornecedor,
como também o fato de não conseguir contatar o autor/paciente para que este
venha receber o seu medicamento. Já quanto ao tempo necessário para con-
cessão da liminar no Paraná, foi identificado que eram necessários 27 dias, o
dobro do tempo identificado no presente estudo (PEREIRA; PEPE, 2015).

Foi observada a presença de outros documentos além da receita médica em


todos os 193 processos analisados, não sendo necessária solicitação judicial de
documentos. Em estudo anterior, constatou-se que o laudo/relatório médico
foi o documento comprobatório mais predominante, presente em 97,13% dos
autos. Observa-se na prática da judicialização de medicamentos que a prova
necessária e suficiente de que o autor precisa do medicamento é a prescrição
de um médico (BARRETO et. al., 2013).

Sumário 328
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

A prescrição por nome genérico ou Denominação Comum Brasileira (BRASIL,


2014), não é respeitada na maioria dos itens prescritos. Com isso, o município
é obrigado a custear medicamentos de um mesmo princípio ativo, conforme
a marca comercial determinada pelo juízo, ao passo que muitos são ofertados
pelo SUS. No Estado de São Paulo há o exemplo do ácido acetilsalicílico, que
pertence ao Componente Básico da Assistência Farmacêutica, de competência
municipal, e que, por força judicial, é adquirido em 24 marcas (BRASIL, 2013;
BRASIL, 2014; SIQUEIRA, 2015).

Os dados da razão de gastos com medicamentos judicializados em face daque-


les da programação anual dos anos anteriores a 2013 não estavam disponíveis
para serem resgatados na Secretaria Municipal de Saúde. Contudo, um estudo
realizado no município de Vitória da Conquista (OLIVEIRA; FRANÇA; OLI-
VEIRA, 2017) nos anos de 2013 e 2014 demonstrou que em 2013 a razão foi
24% e em 2014 foi 12%. Já em 2015, dados do presente estudo mostram que
esta razão foi para 19%, sendo que 2016 apresentou a maior razão 26%. Con-
siderando-se os dados encontrados em 2017 até o mês de agosto, verifica-se
que há a tendência de redução, com uma razão de 14%. O que pode ter con-
tribuído para essa redução é o fato de o Estado da Bahia estar atendendo, via
protocolo próprio, os pacientes que recebem análogos de insulina. No estado
do Paraná, a razão de gasto com a demanda judicial é muito maior que a pro-
gramação, chegando a 178% (PEREIRA; PEPE, 2015).

Em 2014, apesar da menor razão de gastos com liminares e antecipações de tu-


tela, observou-se que, na realidade, esse gasto não diminuiu. O que influenciou
a queda na razão, foi o aumento do financiamento da AF garantido pela por-
taria nº 1555/2013, que instituiu novos valores mínimos para o financiamento
do Componente Básico da AF (BRASIL, 2013).

A quarta dimensão mostra que os medicamentos solicitados eram todos re-


gistrados na ANVISA e que, apesar de majoritariamente não fazerem parte
de nenhum bloco de financiamento, cerca de 22% deles pertenciam ao Com-
ponente Básico. Isso se deve ao fato de o município disponibilizar os medica-
mentos da REMUME (Relação Municipal de Medicamentos Essenciais), que

Sumário 329
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

são selecionados com base em alguns critérios, dentre eles os epidemiológicos.


E há demandas de medicamentos do Componente Básico que não estão na
REMUME, mas constam na RENAME. Nesse caso, quando é recebido o ofício
extrajudicial, é informada a alternativa terapêutica e apresentação que o mu-
nicípio disponibiliza.

Quanto ao dado encontrado no presente estudo, de que 67% dos medicamen-


tos solicitados estavam fora das listas de financiamento da AF, o achado está de
acordo com o encontrado em uma revisão de literatura (CATANHEIDE; LIS-
BOA; SOUZA, 2016), que mostrou que em Minas Gerais, Espírito Santo e Rio
de Janeiro predominam os medicamentos fora do elenco do SUS, assim como
no Rio Grande do Norte (76%) (MACÊDO, 2013).

É necessário haver um ciclo de incorporação de tecnologia contínuo, seguro,


isento de conflitos e interesses particulares, e não o simples fornecimento de
qualquer medicamento. A via judicial de oferta de medicamentos se transfor-
ma numa alternativa para incrementar a diferença no acesso e no tratamen-
to no SUS. Diante desse quadro, apenas os Estados e municípios com maior
capacidade econômica conseguem cumprir as demandas dos seus habitantes
(CHIEFFI; BARATA, 2009; PEPE; FIGUEREDO, 2010).

Adicionalmente, verificou-se no indicador 10 da terceira dimensão que para


70,1% dos medicamentos solicitados havia alternativa terapêutica no SUS.
Com isso, há a necessidade de sempre identificar se há alternativa no SUS para
a condição do paciente e se há histórico de não resposta ou contraindicação a
este tratamento, pois, havendo alternativa ainda não utilizada, acredita-se que
seja de extrema importância oferecê-la (PEPE; FIGUEREDO, 2010).

Também se observou em 10% das prescrições (n=212) que o objetivo era um


medicamento específico, não disponibilizado, porém a prescrição continha
também medicamentos do elenco básico (predominando xilocaína, omepra-
zol, sinvastatina e ácido acetilsalicílico), que igualmente foram judicializados
por estarem no documento. Ressalta-se ainda o cumprimento pelo município
do fornecimento de medicamentos do Componente Especializado (13,9% dos

Sumário 330
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

itens prescritos), o que mostra que em parte não estão sendo consideradas as
responsabilidades dos entes federativos, neste caso, a responsabilidade do Es-
tado e/ou União.

Os dados mostram a necessidade de instituição de um núcleo técnico para


diálogo contínuo entre as instâncias de saúde municipal, estadual e judiciário.
Tal órgão teria como objetivo a avaliação das demandas com devido suporte
técnico, o estabelecimento de fluxo para fornecimento, por via administrativa,
de medicamentos do Componente Básico da AF, não incluídos na REMUME,
e a definição da forma de acesso à informação ao usuário. Isso atenuaria alguns
dos problemas apontados em estudo realizado por Damascena e Waissmann,
em Vitória da Conquista, que observou que o usuário percorre diversos locais,
tanto instâncias de saúde do Estado e Município quanto de Justiça, em busca
do tratamento, ou pelo menos de uma informação sobre a possibilidade de
conseguir ou não o medicamento (DAMASCENA; WAISSMANN, 2017).

Conclusão
A avaliação dos indicadores mostrou que ainda há uma escassez de informa-
ções socioeconômicas sobre os autores de ações judiciais, não podendo assim
afirmar se há ou não uma classe social ou grupo específico menos favorecido.
Ficou clara a necessidade de verificar se o maior percentual de idosos recor-
rendo à via judicial se deve ao fato de o sistema de saúde não estar conseguin-
do garantir o acesso aos medicamentos, à pressão da indústria farmacêutica
sobre os prescritores para indicação dos medicamentos de suas marcas (já
que mais de 50% não foi prescrito com nome genérico) ou apenas a falha
na comunicação e divulgação por parte do setor saúde, o que causa a não
utilização da REMUME, resultando em prescrições de medicamentos não
fornecidos pelo município.

O grande percentual de demandas extrajudiciais existentes dá a possibilida-


de de o município se antecipar às demandas que chegarão pela via judicial.
Assim, pode-se intervir de modo a evitar a judicialização dos itens que com-

Sumário 331
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

põem a RENAME, abrindo possibilidades para o diálogo com prescritores


- para avaliação de existência de alternativa terapêutica no SUS para aque-
las prescrições fora do elenco do SUS - o que leva a um atendimento mais
eficiente, reduzindo o itinerário dos pacientes na rede municipal e visando
maior acesso e com qualidade.

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Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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org/10.1590/s0103-73312010000100006

Sumário 334
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Demandas e causas de judicialização


da saúde no Piauí
Aldemes Barroso da Silva1
Francisca Miriane de Araújo Batista2
Lis Cardoso Marinho Medeiros3

Resumo
No Brasil, a discussão sobre o acesso às ações e aos servi-
ços de saúde pela via judicial ganhou importância teórica
e prática ao suscitar crescentes debates entre acadêmicos,
operadores do direito, gestores públicos e sociedade civil.
Objetivo: Analisar as demandas e as causas de judiciali-
zação da saúde no Estado do Piauí. Métodos: Estudo de
caso quantitativo, descritivo, longitudinal e exploratório,
realizado nas Secretarias Municipais de Saúde, Complexo
Regulador Estadual e Farmácia de Dispensação de Medi-
camentos Excepcionais do Piauí, no período de maio de

1 Mestrando em Saúde da Mulher - UFPI e Graduado em Medicina - UNINOVAFAPI, Enfermagem


- UESPI e Direito - UESPI; Prefeito do Município de Arraial; Universidade Federal do Piauí; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2682354695912455.
2 Doutora em Biotecnologia - UFPI e Graduada em Biomedicina - UNINOVAFAPI; Coordenadora
Executiva do Centro de Inteligência em Agravos Tropicais Emergentes e Negligenciado - CIATEN;
Universidade Federal do Piauí; Lattes: http://lattes.cnpq.br/2072547853578344
3 Doutora em Enfermagem - UFPI e Graduada em Enfermagem - UFPI e Odontologia - UFPI; Pro-
fessora Titular e Coordenadora Adjunta do Mestrado Profissional em Saúde da Mulher; Universidade
Federal do Piauí Lattes: http://lattes.cnpq.br/4773333384743803

Sumário 335
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

2020. A amostra totalizou 20 participantes e a seleção dos


municípios ocorreu de forma aleatória. Os dados foram
coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com-
postos por variáveis categóricas e numéricas. Os dados fo-
ram analisados com frequência relativa, absoluta e o teste
do qui-quadrado. Resultados: A amostra, gestores proce-
dentes de municípios de grande, médio e pequeno porte,
que atuavam em clínica médica, setor de regulação e de
farmácia e que reagiram ao processo judicial com senti-
mentos de tranquilidade, surpresa e insegurança. A aqui-
sição de recursos medicamentosos constituiu a principal
demanda de judicialização da saúde no Piauí e a maio-
ria dos gestores considerou que a atuação do Poder Judi-
ciário. Na maioria das vezes a judicialização ocorreu sem
contato direto, embora boa parte dos envolvidos abordas-
se o gestor com comportamentos e atitudes ameaçadoras.
Conclusão: A judicialização da saúde no estado do Piauí
constituiu uma prática expressiva e que ocorre nos diver-
sos municípios piauienses, estando diretamente associada
à busca e aquisição de recursos medicamentosos.

Palavras-Chave: Judicialização da Saúde. Acesso aos Servi-


ços de Saúde. Direito à Saúde.

Sumário 336
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
No Brasil, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Fede-
ral, promulgada em 1988, concretizaram a universalização do direito à saúde
por meio de instrumentos normativos e de programas estratégicos que permi-
tiram ao cidadão reivindicar o acesso aos tratamentos e aos insumos necessários
para promoção, proteção e recuperação da saúde, assim como à participação
social na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) (ONU, 1948; BRASIL, 2016).

Em decorrência disso, as práticas de saúde foram institucionalizadas à ma-


nutenção da qualidade de vida e do bem-estar, constituindo direito funda-
mental e dever do Estado, devendo ainda ser baseada nos princípios que
regem o desenvolvimento do SUS como a universalidade, a integralidade, a
descentralização, a participação popular e a equidade, seja como elemento
existencial, seja agregado aos indicadores de qualidade e à manutenção de
direitos básicos como educação, saneamento básico, atividades culturais e de
segurança (SILVA, 2016; BAHIA, 2008).

Nesse sentido, o SUS se configura como um dos maiores sistemas públicos de


saúde do mundo, compreendendo um conjunto de ações e serviços prestados
por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da admi-
nistração direta e indireta e das fundações, visando a prevenção de doenças e
a promoção da saúde (BRASIL, 2016). Destaca-se que a criação do SUS cons-
tituiu um dos principais avanços em relação ao desenvolvimento de políticas
públicas de caráter universalista, estando intimamente relacionada à tomada
de responsabilidade pelo Estado (MEDEIROS, 2013; MACHADO, 2008).

Apesar dos serviços e práticas referenciadas pelo SUS, a grande demanda e


as dificuldades para acesso a esse sistema ainda representam realidade ex-
pressiva e grande desafio enfrentado pela população brasileira, constituindo
um dos principais fatores determinantes para Judicialização da Saúde. De
acordo com Pepe et al. (2010), a judicialização da saúde é um fenômeno mul-
tifacetado, que expõe os limites e as possibilidades institucionais estatais e
que instiga a produção de respostas efetivas pelos agentes públicos, gestores

Sumário 337
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

e pelo sistema de justiça em busca de alternativas legais para preservação do


direito à saúde.

No Brasil, a judicialização da saúde iniciou-se em meados dos anos 1990, com


pessoas portadoras da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) que
se uniram através de organizações não governamentais (ONGs) criadas de
forma coletiva e focadas na defesa de novos recursos diagnósticos e terapêu-
ticos, tornando a assistência farmacêutica no SUS alvo constante de debates
nos sistemas sanitário e de justiça (VERBICARO et al., 2017).

Para a descrição da palavra-chave, também chamada de descritor (DeCS)


encontrado na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) (BIREME, 2020) o termo
Judicialização significa a “busca pelo sistema judiciário como a última alterna-
tiva para obtenção do medicamento ou tratamento ora negado pelo sistema
de saúde público ou privado, seja por falta de previsão de estoque, seja por
questões orçamentárias”.

Outras discussões sobre o acesso às ações e aos serviços de saúde pela via
judicial vem crescendo em todos os estados brasileiros e ganhou importância
teórica e prática ao suscitar debates entre acadêmicos, operadores do direito,
gestores públicos, profissionais e sociedade civil, trazendo para o centro da
discussão a atuação do Poder Judiciário em relação à garantia do direito à
saúde (VERBICARO et al., 2017).

Considerando a magnitude do problema, os impactos econômicos e sociais,


e a importância por investigar a percepção do Poder Público Municipal, este
estudo apresentou como objetivo analisar as demandas e as causas de judicia-
lização da saúde no Estado do Piauí.

Método
Trata-se de estudo de caso quantitativo, descritivo, longitudinal e explorató-
rio, desenvolvido no Programa de Mestrado Profissional em Saúde da Mu-
lher. Os dados foram obtidos nas Secretarias Municipais de Saúde, no Com-

Sumário 338
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

plexo Regulador Estadual e na Farmácia de Dispensação de Medicamentos


Excepcionais do Estado do Piauí, em maio de 2020.

Para delimitação da amostra, foram considerados os seguintes critérios: estar


em efetivo exercício do cargo que ocupem (secretário (a) municipal de saú-
de, diretor do complexo regulador estadual e da farmácia de medicamentos
excepcionais) e a aceitação em participar da entrevista. A exclusão foi con-
dicionada à não aceitação em responder à entrevista e não ter processos de
judicialização na saúde.

Desse modo, a composição dos participantes totalizou 20 componentes, atri-


buindo-se um erro amostral de 5%, nível de confiança de 95% e consideran-
do p<0,5.

A seleção dos municípios ocorreu de forma aleatória por território de saúde,


sendo um o município sede e outro sorteio aleatório, utilizando-se o software
estatístico R versão 3.5.1 ou tabela de números aleatórios. O território foi usa-
do para atender à lógica estabelecida pela política nacional da atenção básica.

Para coleta de dados, realizou-se a aplicação de entrevistas aos secretários


municipais de saúde, ao diretor do Complexo Regulador Estadual e ao di-
retor da Farmácia de Medicamentos Excepcionais através do questionário
enviado por correio eletrônico via plataforma Google Forms.

Ainda, foi realizada revisão da literatura nas bases de dados que compõem o
portal Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) utilizando os seguintes Descritores
em Ciências da Saúde (DeCS): Judicialização da Saúde; Acesso aos Serviços de
Saúde e Rede de Comunicação de Computadores. A combinação dos termos
de busca foi realizada por meio do operador booleano AND e para inclusão das
evidências consideraram-se artigos primários, teses e dissertações, publicados
no período de 2008 a 2019, nos idiomas português, inglês ou espanhol.

Para a criação de bancos de dados e processamento estatístico foi utilizado


o software Statistical Package for Social Science (SPSS). Na análise inferencial
realizou-se o teste do qui-quadrado de Pearson de acordo com as variáveis

Sumário 339
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

categóricas e numéricas utilizadas nos instrumentos de pesquisa. Foram pes-


quisadas as variáveis: local de trabalho, causa, reação, devolutiva. Para todos
os testes estatísticos realizados neste estudo foi considerado o nível de signi-
ficância (α) de 5%.

Esta pesquisa obteve aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Univer-


sidade Federal do Piauí – UFPI sob parecer de nº 4.047.179 e desenvolveu-
se conforme os requisitos propostos pela Resolução 466/2012 e 510/2016 do
Conselho Nacional de Saúde (CNS), que trata dos aspectos éticos e legais das
pesquisas que envolvem seres humanos.

A participação foi voluntária e condicionada à assinatura do Termo de Con-


sentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em duas vias, constando os objetivos,
justificativa, relevância e métodos da pesquisa, assim como assegurando o
anonimato e o direito de permanecer ou desistir da pesquisa em qualquer
momento, sem prejuízos ou penalidades. Ainda, os pesquisadores assinaram
o Termo de Compromisso de Utilização de Dados (TCUD).

Os riscos foram mínimos e envolveram a possibilidade de invasão de privaci-


dade, vazamento de informações e divulgação de dados confidenciais. Diante
dessas condições, utilizaram-se as seguintes estratégias: sigilo absoluto das in-
formações obtidas; limitação do tempo e do acesso aos documentos e processos
judiciais somente pelos pesquisadores; garantia de que os pesquisadores esti-
vessem habilitados ao método de coleta e identificação de sinais verbais e não
verbais de desconforto relacionados ao tempo de realização da pesquisa.

Resultados
Neste estudo participaram gestores procedentes dos seguintes municípios:
Teresina, Oeiras, Uruçuí, Pimenteiras, Piripiri, Elesbão Veloso, Bom Jesus,
Floriano, Bocaina, Francisco Ayres, Joaquim Pires, São Gonçalo do Gurguéia,
Campo Maior, Angical do Piauí, Ribeiro Gonçalves, Picos, Parnaíba, Coronel
José Dias, além dos responsáveis pela Farmácia de Medicamentos Excepcionais

Sumário 340
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

e Complexo Regulador Estadual. Esses municípios foram elencados por serem


locais que concentram maiores demandas judiciais, sendo regiões estaduais si-
tuadas em macrorregionais de saúde com maior número de habitantes.

A análise descritiva dos resultados evidenciou que a maioria dos participan-


tes, todos médicos, atuava em clínica médica 10 (50%) e que a aquisição de
recursos medicamentosos representou a causa prevalente de judicialização
da saúde 13 (65%). A Tabela 1 apresenta a caracterização da amostra conside-
rando o setor de trabalho, as demandas de judicialização da saúde, a atuação
do poder judiciário e a percepção do gestor. É importante o tipo de formação
para o impacto da pesquisa pois as demandas da judicialização são feitas na
maioria envolvendo a clínica médica e estão relacionadas a medicamentos
indicados para determinado tratamento.

Tabela 1: Resultados sobre a judicialização da saúde no Estado do Piauí

Variável n % p-valor

Setor que trabalha

Farmácia 5 25,0

Complexo Regulador 5 25,0 0,9981

Clínica médica 10 50,0

Causa da Judicialização

Medicamentos 13 65,0

Outro 6 30,0 0,9991

Leito 1 5,0

Informações necessárias para melhorar o diálogo

Diagnóstico 7 25,0

Tratamento 8 28,6
0,9941
Desfecho 9 32,1

Outro 4 14,3

Sumário 341
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Variável n % p-valor

Sobre a atuação do poder judiciário

Resolutiva 11 55,0

Não resolutiva 5 25,0 0,9901

Não sabe 4 20,0

Reação ao receber o processo judicial

Surpreso 5 25,0

Tranquilidade 12 60,0 0,9891

Insegurança 3 15,0

Abordagem do usuário que acionou a judicialização

Ameaçadora 2 10,0

Solicitação verbal 2 10,0

Não tem interface com o usuário 2 10,0


0,5961
Impositiva 1 5,0

Tranquila 2 10,0

Através de notificação judicial 7 35,0

Não respondeu 4 20,0

Legenda: 1Teste qui-quadrado de Pearson para homogeneidade.

Sumário 342
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Quando investigado o conhecimento prévio sobre a judicialização antes do


seu município ser judicializado, o Gráfico 1 indica que 60% responderam
positivamente.

Gráfico 1: Conhecimento sobre judicialização antes de o município ser judicializado

60% 40%
Não Sim

Fonte: Pesquisadores.

O Quadro 1 descreve a percepção dos participantes ao serem questionados


sobre quais informações acreditavam serem necessárias para melhorar o
diálogo entre a Secretaria Municipal de Saúde e o Poder Judiciário e apon-
ta a necessidade de o Judiciário aproximar-se mais dos setores da saúde
para poder compreender melhor os casos e as especificidades da terapêuti-
ca médica e do serviço de saúde.

Muitas vezes são judicializadas causas impossíveis de serem atendidas pelo


sistema existente. Uma aproximação entre o Judiciário e o setor da saúde
permite que a gestão esclareça as peculiaridades da situação concreta de
forma a viabilizar decisões mais adequadas e factíveis.

Sumário 343
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Quadro 1: Descrição das informações necessárias para melhorar o diálogo entre a


Secretaria Municipal de Saúde e o Poder Judiciário

Categoria Percepção

M1 - “Considero que deve conhecer todo o processo do


paciente antes mesmo de deferir o parecer. Escutar a parte
técnica da gestão, que já conhece o caso.”
Judiciário ter
conhecimento M3 - “Descrição mais completa do quadro clínico, classificação
técnico sobre de risco baseada em algum protocolo, conhecer a fila e o tempo
o item de espera dos outros pacientes pelo mesmo procedimento.”
judicializado
M17 - “Parecer técnico emitido pela secretaria informando,
possíveis gratuidades garantidas por outros entes, tratamento
similar, pesquisa ampliadasobre poder aquisitivo do solicitante.”

Responsabilizar M5: “Responsabilização do ente federado correto.”


o ente federativo
M9. “Judiciário cobre as outras instâncias também.”
correto

Observar as M7. “Muitas vezes o Poder Judiciário, quando decide em


consequências questões de saúde, não observa as consequências práticas da
práticas da gestão decisão”.

Fonte: Pesquisadores.

Dentre as informações ou ações necessárias para reduzir ou minimizar os


transtornos associados à judicialização da saúde, foram descritas estraté-
gias voltadas para criação de câmara técnica com entes envolvidos e escuta
técnica com a gestão, além da elaboração de documento técnico norteador
para os entes federativos e a capacitação sobre o processo de judicialização
(Quadro 2).

Sumário 344
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Quadro 2: Categorização de respostas sobre as ações necessárias para minimizar os


transtornos causados pela judicialização em saúde

Categoria Percepção

M1- “Fazer a escuta com a parte técnica da gestão”.

M4- “Instituir uma equipe multiprofissional para colaborar com


a tomada de decisão acerca do procedimento”.

M5- “Maior integração e resolutividade dos setores envolvidos


na execução das ações”.

M9- “Criar câmaras técnicas no judiciário e nas secretarias e


estas trocarem informações antes das sentenças”.

M13- “O diálogo entre o Poder Judiciário e a gestão”.


Criação de Câmara
M16- “Que o Poder Judiciário procure ouvir o gestor da saúde
Técnica com
antes de cobrar ou solicitar algo, principalmente medicações
entes envolvidos
excepcionais, que na maioria dos casos não são de respon-
e escuta técnica
sabilidade do município, mas a cobrança só vem para gestor
com a gestão
municipal”.

M17- “Criação de uma comissão, composta por agentes do


judiciário, do município e do estado para debater as demandas
antes da decisão final”.

M19- “Ampliar espaço de diálogo com o Judiciário, para que


este conheça o nível de responsabilidade de cada ente na resolu-
ção dos problemas judicializados”.

M18- “Precisa haver um diálogo entre as partes antes de deci-


dir, verificar a existência de fármacos similares por exemplo”.

M2- “O gestor saber quais as responsabilidades dos órgãos da


saúde”.

M3- “Buscar sempre ter discernimento sobre os direitos e deve-


Elaboração de res dos usuários e de cada esfera do governo”.
Documento Técnico
M4- “Elaboração de um instrumento a ser preenchido com
Norteador para os
informações sobre patologia, exames, terapêutica e justificativa
entes federativos
do procedimento de judicialização”.

M8- “Conhecimento e responsabilidade de cada esfera”.

M14- “Melhorar a informação”.

Sumário 345
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Categoria Percepção

M15- “Estudo e capacitação para os integrantes mais comuns do


Capacitação dos Polo ativo das judicializações, estes, na maioria dos casos consti-
municípios e entes tuídos pelo Ministério Público e Defensoria Pública”.
federativos sobre a
judicialização M20- “O próprio Ministério Público informar as limitações dos
municípios nos casos de concessões privilegiadas”.

Fonte: Pesquisadores.

Discussão
O processo de judicialização da saúde no estado do Piauí constituiu uma prática
expressiva na busca pela aquisição de recursos diagnósticos e terapêuticos, sendo
realidade expressiva em municípios de grande e de pequeno porte, com popu-
lações que variam entre 3.041 e 864.845 habitantes. Não foi possível identificar
uma diferença significativa no tipo das demandas judicializadas em razão do
tamanho do município.

A composição da amostra envolveu gestores que atuavam em clínica médica


e nos setores de Regulação em Saúde e de Farmácia. Estes dados corroboram
com os estudos de Leitão et al. (2016) que, ao investigarem as demandas de
judicialização no estado da Paraíba, identificaram o elevado número de ações
judiciais que pleitearam medicamentos padronizados pelo SUS, destacando-se
os antineoplásicos.

Estudo de Lisboa e Souza (2017) realizado na Bahia, visou identificar os fatores


associados à busca em pleitear medicamentos na Justiça, em especial a insulina,
e encontrou como justificativas a hipossuficiência do autor, a necessidade do uso
da medicação, o dever e obrigação do Estado em fornecê-la e as dificuldades de
acesso ao medicamento causadas por questões administrativas e burocráticas.

Quanto ao conhecimento prévio sobre a judicialização antes de o seu município


ser judicializado, a maioria afirmou ter conhecimento (60%), o que nos leva a
refletir que eles possam ter elementos para resolver as demandas recebidas. A

Sumário 346
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

judicialização da saúde refere-se à busca no Judiciário como a última alternativa


para obtenção de medicamentos ou tratamentos negados pelo SUS, seja por falta
de previsão na Relação Nacional de Medicamentos (RENAME), ou por ques-
tões orçamentárias, representando um reflexo do sistema deficitário, que não
consegue concretizar a proteção desse direito fundamental, tornando-se um dos
maiores desafios para gestores e autoridades de saúde (JOCHEM, 2019).

As demandas judiciais podem decorrer de inúmeras situações e envolver a ine-


ficiência na atuação da autoridade pública de saúde ou, em contraposição, a rei-
vindicação de tratamentos, procedimentos cirúrgicos e acesso a medicamentos e
recursos tecnológicos não padronizados pelo SUS, representando este último a
maioria dentre os casos judicializados.

No Piauí, as causas de judicialização concentraram-se na necessidade da aquisi-


ção de medicamentos, seguida de outras causas não especificadas pelos gestores.
Dados também encontrados em outros estudos indicam que as terapias medica-
mentosas constituem o principal bem judicializado na política de saúde no Brasil
(VENTURA et al., 2010; ANDRADE et al., 2008). Chieffi, Barradas e Golbaum
(2017) enfatizam que nos casos de judicialização 62% buscavam medicamentos,
sendo que 30% dos medicamentos pertenciam ao SUS.

Em relação à atuação do Poder Judiciário nos processos de judicialização, 50%


dos gestores consideraram que foi resolutiva, dando solução às demandas, e 25%
a reputaram como não resolutiva. Para o Ministério da Saúde, no âmbito do
Poder Executivo Federal, o fenômeno da judicialização da saúde constitui um
desafio em relação às demandas recebidas pelos tribunais, no que diz respeito
ao cumprimento das decisões, que pode comprometer partes significativas dos
orçamentos e chegar até à reclusão de gestores por descumprimento de decisão
judicial (FLEURY; FARIA, 2014, p. 111).

De acordo com Rodrigues et al. (2020), a literatura especializada não aborda


questões envolvendo o destino dos recursos fornecidos ao indivíduo, cabendo ao
Poder Judiciário a expedição da ordem judicial, mas não realizando o monitora-
mento do desfecho, que é incumbência das Secretarias de Saúde. Ainda, refor-

Sumário 347
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

ça que parcela significativa de municípios não conta com insumos para este
monitoramento. Assim, o resultado dos recursos empenhados nos processos
judicializados não tem acompanhamento se não houver estreita colaboração
entre a Justiça e a Saúde.

Para Barroso (2008, p.32), o impacto da judicialização da saúde representa


riscos à continuidade das políticas de saúde pública, por desorganizar as ati-
vidades administrativas e dificultar a aplicação racional dos, por muitas vezes
escassos, recursos públicos. Em vários casos, pode-se observar a concessão de
privilégios para alguns pacientes que buscam os meios jurídicos em prejuízo
da coletividade, que depende das políticas públicas universais implementa-
das pelos gestores.

Indagada sobre qual reação teve ao receber o processo judicial, a maioria ex-
pressou tranquilidade, seguida de sentimentos de surpresa e de insegurança.
Há relatos ainda de que, na grande maioria, a judicialização ocorreu sem
contato direto com o usuário, embora boa parte dos envolvidos abordasse o
gestor de forma ameaçadora.

Sobre quais informações são necessárias para reduzir ou minimizar os trans-


tornos causados pela judicialização em saúde, os gestores categoricamente
enfatizaram a criação de câmaras técnicas com entes envolvidos e escuta téc-
nica da gestão na busca por apoio efetivo na discussão dos casos e na interlo-
cução com o Poder Judiciário.

Corroborando com essa necessidade, Pepe et al. (2010) indicam a necessidade


de melhorar a interlocução entre o Poder Executivo e o Judiciário, com a
definição clara dos atores envolvidos na questão, suas competências e possi-
bilidades, como expressa a Resolução nº 31/2010 do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ). Além disso, convém abordar que a defesa técnica judicial do
gestor, principalmente correlacionada às questões médico-científicas, depen-
de de uma comunicação real entre os campos jurídico e da saúde, portanto,
o fomento de espaços institucionais formais de diálogo é fundamental para a
garantia de elaboração de políticas públicas eficientes.

Sumário 348
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

A elaboração de documento técnico norteador também foi descrita como ins-


trumento capaz de minimizar os transtornos causados pela judicialização. Evi-
dencia-se que os gestores se sentem desamparados de literatura e de documen-
tos que indiquem o que de fato é responsabilidade deles. Nesse sentido, Mazza
(2014, p. 374) esclarece que o Poder Judiciário muitas vezes não observa e não
considera as políticas que envolvem o direito à saúde, ficando restrito à leitura
do ordenamento jurídico sem observar o planejamento orçamentário, conforme
estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, inviabilizando desta forma a
sustentabilidade financeira da política de saúde.

Outro estudo desenvolvido por Pepe et al. (2010) apresenta os fatores de dificul-
dade que devem ser considerados, fazendo-se importante compreender e de-
senvolver instrumentos operacionais. Um deles envolve a criação de mecanismos
para constante atualização de informações sobre a demanda judicial, que possam
ser compartilhadas entre os diversos atores e setores envolvidos na garantia do
direito à assistência farmacêutica.

Ainda foi identificada a necessidade de capacitação dos gestores municipais e


entes federativos sobre a judicialização. Os participantes enfatizaram a constan-
te insegurança quanto à atuação nos casos de judicialização. Pepe et al. (2010)
indicam a necessidade de viabilizar e facilitar o acesso a informações e análises
de casos de judicialização, de forma a ampliar a possibilidade de ações éticas,
jurídicas e técnicas desses agentes do Estado no planejamento, realização e
monitoramento de suas ações. Por fim, garantir que as análises disponibilizadas
possuam uma linguagem capaz de estimular ações inovadoras futuras e sejam
compreendidas por diversos agentes, com formações específicas de diversos
campos de conhecimento.

Conclusão
Este estudo evidenciou que a judicialização da saúde no estado do Piauí cons-
tituiu uma prática expressiva e que ocorre nos diversos municípios piauien-
ses. A atuação dos participantes se concentrou em clínicas médicas, setores

Sumário 349
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

de regulação e em gerências farmacêuticas, e as demandas de judicialização


prevalentes estiveram associadas à aquisição de recursos medicamentosos.

Na maioria dos casos, a atuação do Poder Judiciário foi considerada reso-


lutiva e as variáveis relacionadas ao desfecho e diagnóstico foram expressas
como necessárias para melhorar o diálogo entre as Secretarias de Saúde e o
Poder Judiciário.

A criação de câmaras técnicas, a elaboração de documento norteador para os


entes federativos e a capacitação para os gestores municipais foram descritas
como ações favoráveis à redução dos impactos e transtornos causados pela
judicialização em saúde.

Destacou-se a necessidade de melhoria de diálogo entre o ente federativo


judicializado e o Poder Judiciário, além de capacitação e colaboração entre o
judiciário, gestores e entes federativos.

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Sumário 350
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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Sumário 352
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

O direito à saúde baseada em


evidências: Decisões judiciais sobre
o fornecimento de medicamentos no
município de Guará - SP
Amanda Degrande de Paula1
Camila Degrande de Paula2

Resumo
O direito à saúde é definido como um direito de todos e
um dever do Estado, estando condicionado à implemen-
tação das políticas públicas de saúde, que dependem das
decisões dos administradores e da disponibilidade de re-
cursos financeiros. Por ser interpretado como um direito
absoluto e ilimitado, a insatisfação social com a ausência
de concretização do direito à saúde acarretou o fenômeno
da judicialização, que aumenta expressivamente todos os
anos. Esse fenômeno acarreta a desorganização das polí-
ticas públicas de saúde, uma vez que gera o atendimen-
to individualizado em detrimento do coletivo. O trabalho
problematiza a relação entre o acesso à justiça e a efetivi-

1 Graduada em Direito; Oficial Administrativo; Secretaria Municipal de Saúde de Guaratinguetá - SP.


2 Graduada em Química; Agente Comunitária de Saúde; Secretaria Municipal de Saúde de Guara-
tinguetá - SP.

Sumário 353
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

dade do direito à saúde sobre o aspecto do fornecimento


de medicamentos. O objetivo é investigar as decisões ju-
diciais sobre o fornecimento de medicamentos, de modo
a verificar se foram utilizados argumentos embasados em
conhecimentos científicos na decisão judicial e na defesa
da Fazenda Pública Municipal de Guará.

Palavras-chaves: Direito à saúde; Judicialização da saúde;


Medicina baseada em evidências.

Sumário 354
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
As normas constitucionais que asseguram o direito à saúde não podem ser
interpretadas como um direito individual ao acesso gratuito e ilimitado aos
meios de proteção à saúde. Por exigirem uma prestação positiva do Estado
para a sua implementação, através de políticas públicas de saúde, estão con-
dicionadas às decisões dos administradores e à disponibilidade de recursos
financeiros. A concretização desse direito fundamental ensejou a ascensão do
Poder Judiciário como garantidor dos direitos negados pelos Poderes Exe-
cutivo e Legislativo, diante da incapacidade do Estado de efetivar integral-
mente o direito à saúde. A insatisfação social com a ausência da concretização
dos direitos fundamentais, especialmente do direito à saúde, acarretou o fe-
nômeno da judicialização.

O presente trabalho busca problematizar a relação entre o acesso à justiça e


a efetividade do direito à saúde, sobre o aspecto do fornecimento de medi-
camentos. A Constituição Federal de 1988 propôs a efetivação do direito à
saúde, baseada na premissa de que a saúde é um direito de todos e um dever
do Estado. Neste cenário, o direito à saúde foi elevado a direito fundamental,
constituindo uma prestação positiva do Estado, que deve ser efetivado atra-
vés da instituição de políticas públicas. Diante da limitação destas, as deman-
das judiciais são utilizadas para conseguir o atendimento ilimitado, resul-
tando na inversão do objetivo primordial do Sistema Único de Saúde (SUS)
que é o atendimento igualitário e universal a toda a população. De um lado,
os recursos da saúde são limitados em relação à demanda, sendo necessário
que os gestores escolham a sua alocação. De outro lado, o Poder Judiciário,
em regra, parte da premissa de que a saúde é direito absoluto, colocando
em plano secundário a escassez de recursos e os princípios estruturantes do
SUS, o que impacta de modo expressivo a programação e a organização do
sistema de saúde.

O objetivo desta pesquisa é investigar a judicialização do fornecimento de


medicamentos. Para tanto, foi realizada pesquisa de campo no município de

Sumário 355
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Guará/SP. Neste cenário, busca-se observar as ações governamentais direcio-


nadas à saúde no município, especificamente à assistência farmacêutica. A
pesquisa busca discutir as consequências e os efeitos do processo de judiciali-
zação, registrando as medidas adotadas pelo ente municipal para a efetivação
da política pública de acesso aos medicamentos e as estratégias de defesa da
Fazenda Pública Municipal nos processos judiciais. Quanto a este segundo tó-
pico, busca-se verificar se o município adotou estratégias de defesa apoiadas
em conhecimentos científicos e se a decisão proferida pelo Poder Judiciário
foi fundamentada na medicina baseada em evidências.

O direito à saúde
Internacionalmente, o direito à saúde foi reconhecido em 1948 pela Orga-
nização Mundial de Saúde (OMS), em seu documento de criação. Durante
a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários da Saúde, o conceito
de saúde foi definido como um “estado completo de bem-estar físico, mental
e social, e não apenas a mera ausência de doença” na Declaração de Alma-A-
ta (1978), que ainda afirma se tratar de um direito humano fundamental.
Nesta Conferência, foi estabelecido que a saúde é a mais importante meta
social mundial, sendo necessária a participação efetiva dos Estados para a
promoção de políticas de saúde que visem o bem-estar físico, mental e social
da população.

No Brasil, o direito à saúde foi positivado na Constituição Federal de 1988, sen-


do a maior promessa à construção do Sistema Único de Saúde (SUS), afirman-
do a saúde como um direito fundamental e um dever do Estado. Ao conceito
de saúde foram incorporadas novas dimensões, uma vez que para ter saúde é
preciso ter acesso a outros fatores, como alimentação, moradia, saneamento
básico, trabalho, renda, educação, transporte, lazer, entre outros.

A introdução do direito à saúde na Constituição Federal foi resultado dos


movimentos sociais durante o processo de redemocratização do país. A par-
ticipação popular no Movimento de Reforma Sanitária deu origem a uma

Sumário 356
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

proposta de política de saúde que delineou a construção do sistema universal


e descentralizado de saúde pública.

O tratamento constitucional do direito à saúde estabeleceu um novo modelo


de saúde pública através da criação do SUS. Além de estar incluído no Título
de Direitos e Garantias Fundamentais do artigo 6º da Constituição Federal, o
direito à saúde conta com uma seção específica com cinco artigos (artigos 196
a 200). Nesse contexto, Asensi afirma que:

[...] com a Constituição de 1988 e as intensas reivindicações de uma plura-


lidade de grupos, a saúde tomou seu lugar como um direito fundamental,
cujo imperativo é a prestação positiva do Estado no sentido de concretizá-la
e ampliá-la a todos os cidadãos. Em seu artigo 196, observa-se que a saúde
é um “direito de todos e dever do Estado” (BRASIL, 1988), o que denota a
pretensão universalizante deste direito. Aqui, a saúde é caracterizada como
um direito fundamental e dever do Estado, o que denota uma dupla-di-
mensão (direito-dever) em sua natureza (ASENSI, 2010).

O artigo 196 da Constituição Federal ao afirmar que a saúde é direito de


todos definiu a universalidade da cobertura do SUS. Essa pretensão univer-
salizante conferiu ao Estado o dever de construção de uma política pública
de saúde, sendo o primeiro passo iniciado com a criação do Sistema Único de
Saúde. A saúde, ao se tornar um direito fundamental do povo e um dever do
Estado, passou a ser “garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visam à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”,
nos termos do artigo 196 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Anterior-
mente, a definição de saúde representava um quadro de ausência de doença,
entretanto, a partir da criação do Sistema Único de Saúde, a promoção e pre-
venção dos agravos à saúde passaram a integrar o planejamento das políticas
públicas de saúde, como pode ser verificado no texto constitucional.

Aparentemente, no texto constitucional, o direito à saúde foi reduzido à res-


ponsabilidade do Estado na formulação de políticas sociais e econômicas,
presumindo-se que o direito à saúde não seria uma norma de aplicabilidade
imediata, uma vez que dependeria da formulação e execução das políticas de

Sumário 357
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

saúde. Entretanto, por se tratar de um direito fundamental, inerente ao direito


à vida, o direito à saúde tem aplicabilidade imediata, uma vez que os preceitos
normativos que tratam de direitos fundamentais têm efetividade e eficácia.

Para Dallari (2008, p. 11), a afirmação constitucional da saúde como direito


social talvez possa explicar como esse direito, contrariando a tradição dos
direitos sociais de apresentarem caráter de norma de eficácia contida, vem
sendo uma norma de caráter tão eficaz. Nesse sentido, Asensi (2010) afirma
que o atributo da saúde como direito fundamental recebeu a qualificação de
norma de eficácia plena, uma vez que este possui força normativa suficiente
para a sua incidência imediata e independente de norma posterior para a sua
aplicação. O autor ainda continua afirmando que o direito à saúde constitui
cláusula pétrea, devido a sua associação com o direito à vida.

Conforme exposto, para Canotilho e Moreira (1984, p. 342 apud SILVA, J.,
2015, p. 312) o direito à saúde apresenta duas vertentes, a primeira vertente
tem natureza negativa, ao impor ao Estado ou terceiros a supressão de atos
prejudiciais à saúde, e a segunda vertente tem natureza positiva, uma vez
que consiste no dever do Estado de executar medidas e prestações visando a
prevenção das doenças e seu tratamento. Nesse sentido, Figueiredo e Sarlet
(2008, p. 7) afirmam que os deveres fundamentais relacionados ao direito à
saúde podem impor obrigações originárias, como a implementação do Siste-
ma Único de Saúde, a aplicação mínima dos recursos em saúde e o dever de
respeito à saúde, e também obrigações derivadas quando o direito à saúde
depende de regulação pela legislação infraconstitucional.

A medicina baseada em evidências


A história demonstra que muitos tratamentos e medicamentos foram insti-
tuídos e utilizados sem comprovação de sua eficácia e segurança, baseados
apenas em opiniões pessoais ou recomendações de pessoas respeitáveis. A
mudança do modelo de decisão clínica fundamentada por opiniões para o
modelo de decisão baseado em evidências constitui um processo contínuo de

Sumário 358
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

aprendizagem. Inicialmente este movimento estava restrito aos médicos, mas


se expandiu para outras áreas, alcançando o Sistema Único de Saúde por
meio da adoção dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) e,
por último, da judicialização do direito à saúde.

A Medicina Baseada em Evidências (MBE) tem como objetivo nortear as de-


cisões sobre cuidados em saúde por meio da busca pelas melhores evidências
científicas da literatura médica. Esta concepção garante que a prática médica
não seja apenas baseada na intuição, na experiência clínica não-sistematiza-
da e nas teorias fisiopatológicas, mas também na análise dos métodos por
meio dos quais as informações médicas foram ou serão obtidas (ATALLAH;
CASTRO, 1998, p. 11). A medicina baseada em evidências constitui um “elo
entre a boa ciência e a boa prática” clínica, uma vez que integra as melhores
evidências das pesquisas científicas com a habilidade clínica e a preferência
do paciente (ATALLAH; CASTRO,1998, p. 5).

O conceito de medicina baseada em evidências pode ser definido como o


“uso criterioso, explícito e meticuloso das melhores evidências atuais na to-
mada de decisões relativas à assistência a cada paciente” (SACKETT et al.,
1996 apud PEREIRA; GALVÃO; SILVA, 2016, p. 2). A partir desse conceito
compreendem-se os três componentes da medicina baseada em evidências,
que são: o uso criterioso, explícito e meticuloso que se refere ao aprendizado,
conhecimento e reflexão crítica na utilização dos produtos e procedimentos;
as melhores evidências atuais que estão relacionadas à atualização das evidên-
cias científicas, permitindo a melhor escolha para cada situação e, por fim, a
tomada de decisão relativa à assistência a cada paciente que visa beneficiar o
paciente ao utilizar a melhor evidência para o tratamento (SACKETT et al.,
1996 apud PEREIRA; GALVÃO; SILVA, 2016, p. 2).

Por meio da postura progressista da medicina baseada em evidências, o direi-


to à saúde pode ser desenvolvido em sua integralidade, uma vez que é possí-
vel determinar previamente a eficácia, efetividade, eficiência e segurança de
um tratamento. Dessa forma, garante-se a tomada da melhor decisão médica
mediante a integração de diversas ferramentas científicas.

Sumário 359
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Com o objetivo de auxiliar as decisões médicas, a literatura científica tem rea-


lizado revisões sistemáticas, divulgando o conhecimento científico, a fim de
reduzir as incertezas sobre determinado tratamento ou medicamento. Con-
forme afirma Cochrane (1972 apud ATALLAH, 2002) “tudo que for efetivo
deve ser gratuito” para a população. Nesse sentido, Atallah (2002) afirma que
para ser gratuito “é preciso saber o que é mais efetivo. E se for efetivo, se é
eficiente, se eficiente, se é seguro”.

Os estudos realizados pela medicina baseada em evidências têm como ob-


jetivo revelar a eficácia, efetividade, eficiência e segurança das tecnologias
em saúde. Ao agregar esses conceitos na política de assistência farmacêutica,
busca-se que o Poder Judiciário observe os parâmetros da medicina baseada
em evidências, a fim de evitar que a decisão do julgador esteja adstrita apenas
ao receituário médico.

Com o advento de novas tecnologias de saúde e a pressão para sua incorpo-


ração, a administração pública também desenvolveu diretrizes médicas para
orientar as ações e serviços de saúde no SUS. Os documentos norteadores
das práticas em saúde no Sistema Único de Saúde são os Protocolos Clínicos
e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas
(DDT), os Protocolos de Uso e as Diretrizes Nacionais.

Os protocolos clínicos permitem o gerenciamento da política pública de saú-


de, pois tem como objetivo o aperfeiçoamento da assistência à saúde do pa-
ciente, ao delimitar as recomendações a serem seguidas pelos profissionais
da saúde, gestores e pacientes, uma vez que realiza a revisão da literatura
científica, priorizando revisões sistemáticas e ensaios clínicos randomizados,
estabelecendo critérios de diagnóstico, tratamento, monitorização clínica
e laboratorial, fármaco, esquema de administração, tempo de tratamento,
acompanhamento e verificação dos resultados terapêuticos (BRASIL, 2014,
p. 18-19).

Para Miranda (2013, p.107-108 apud GEBRAN NETO; SCHULZE, 2015, p.


206), os PCDT apresentam três funções: a função gerencial, ao criar padrões

Sumário 360
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

de assistência, de modo a reduzir a diversidade de tratamentos para uma


mesma moléstia, permitindo o planejamento da relação de medicamentos
segundo o perfil epidemiológico; a função educacional, uma vez que incen-
tiva a capacitação dos profissionais da saúde a partir da literatura médica e
dos dados da medicina baseada em evidências, facilitando a disseminação
de conhecimento; e, por último, a função legal, ao adequar as condutas dos
operadores e usuários do sistema de saúde aos protocolos.

Os protocolos clínicos passaram a ser formulados pela Comissão Nacional de


Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) através dos resultados do
consenso técnico e científico que permite estabelecer parâmetros de qualida-
de, garantindo que os pacientes tenham acesso não apenas a um tratamento
padronizado, mas que não sejam submetidos a tratamentos desnecessários e
nocivos. Conforme afirma Atallah (2010, p. 103), “o direito à saúde deve ser
baseado em evidências de sua eficácia e segurança”, uma vez que o Estado
não tem tanto o dever de oferecer ações e serviços de saúde, quanto o de
evitar os agravos à saúde, ou seja, evitar que um tratamento traga mais ma-
lefícios do que benefícios, o que pode ser evitado através da incorporação de
tecnologias de saúde de acordo com a medicina baseada em evidências.

Os estudos da medicina baseada em evidências são divididos de acordo com


os níveis de evidências e são utilizados pela CONITEC nas decisões sobre as
incorporações de tecnologias no SUS (BRASIL, 2016). Os sete níveis de evi-
dências são compostos por: revisão sistemática e metanálise (nível 1); ensaio
clínico randomizado mega trials com elevado número de pacientes (nível 2);
ensaio clínico randomizado com baixo número de pacientes (nível 3); estudo
observacional de coorte (nível 4); estudo de caso controle (nível 5); estudo
de série de casos (nível 6) até a opinião de especialista (nível 7). O primeiro
nível, representado pela revisão sistemática, sintetiza os resultados dos outros
estudos divulgados para se obter a melhor resposta, através da seleção de
artigos científicos imparciais, apresentando as melhores evidências científicas
sobre saúde, uma vez que são os resumos das evidências selecionados por
qualidade e relevância.

Sumário 361
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

As classificações dos níveis de evidências orientam as condutas dos profissio-


nais da saúde na tomada da decisão, sendo que os níveis mais baixos repre-
sentam a ausência de provas que permitam conferir certeza sobre determina-
do estudo clínico. Através da utilização da medicina baseada em evidências é
possível fazer pesquisas de boa qualidade, sem conflito de interesses e vieses,
principalmente se utilizando das revisões sistemáticas.

A judicialização do direito à saúde


A concretização do direito à saúde ensejou a ascensão do Poder Judiciário
como garantidor dos direitos negados pelos Poderes Executivo e Legislativo
diante da incapacidade do Estado de efetivar o direito à saúde. Segundo
Gebran Neto e Schulze (2015, p. 29) o protagonismo do Poder Judiciário de-
ve-se à necessidade de concretização do direito à saúde que é protelada pela
crise do estado-legislador e do estado-administrador.

A deficiente atuação do Executivo na execução das políticas públicas e a


omissão do Legislativo em elaborar leis regulamentando o direito à saúde
ocasionou o protagonismo do Poder Judiciário nas últimas décadas, princi-
palmente no que tange a concretização do direito à saúde. O protagonismo
do Judiciário passa a ser representado pelo fenômeno da judicialização da
saúde, uma vez que os outros dois órgãos atuam de modo deficiente.

Para Barroso (2012, p. 24-25), o fenômeno da judicialização é a decisão pelo


Poder Judiciário de questões de repercussão política ou social, que deveriam
ser decididas pelo Congresso Nacional e pelo Poder Executivo. O autor afir-
ma que é uma circunstância decorrente do modelo constitucional adotado
no Brasil, ou seja, não é um exercício intencional de vontade política. Neste
sentido, Simabuku et al. afirma que:

O fenômeno da judicialização na área da saúde não é restrito ao Brasil, mas


se verifica também em países da América Latina e diversos outros países nos
quais o direito à saúde é o fundamento legal de seus sistemas públicos de
saúde. Via de regra as decisões judiciais nesse tema consideram, sobretudo,

Sumário 362
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

o direito individual à saúde em detrimento do direito coletivo ou do bem


coletivo, desconsiderando desse modo critérios de equidade, de prioriza-
ção, de oportunidade, de adequação e até mesmo de racionalidade, colo-
cando acima de tudo a efetivação desses direitos individuais (SIMABUKU
et al., 2015, p. 3027).

A determinação judicial desconsidera as políticas públicas de saúde existen-


tes, violando os princípios da equidade, impessoalidade e isonomia ao con-
ceder benefícios somente àqueles que buscam solução judicial, uma vez que
nem todos têm acesso ao Judiciário.

A ascensão do Poder Judiciário está atrelada à transição da postura inefetiva


para a tentativa de efetivação dos direitos fundamentais. Anteriormente, o di-
reito à saúde era considerado uma norma programática, não estando o Esta-
do obrigado a efetivá-lo. Essa tese era adotada, inclusive, pelo próprio Poder
Judiciário. Entretanto, este cenário foi alterado pelo Judiciário, que passou a
interpretar a Constituição com uma postura mais proativa e materializadora
dos direitos fundamentais. Desse modo, assumiu a responsabilidade de discutir
os direitos e de proteger a população das ilegalidades praticadas pelo Estado
quanto ao direito à saúde, através da nova interpretação dada ao artigo 5º, in-
ciso XXXV da Constituição Federal, que se tornou o fundamento para a judi-
cialização das questões sociais (GEBRAN NETO; SCHULZE, 2015, p. 46-47).

Por exigir uma atuação positiva do Estado na formulação e efetivação das


políticas públicas, o direito à saúde tem sido judicializado, o que demonstra
que o serviço de saúde não é prestado adequadamente, sendo necessário re-
correr à via judicial, ou que há abuso do indivíduo na busca por um direito
não existente (GEBRAN NETO; SCHULZE, 2015, p. 45).

O Poder Judiciário, em regra, atrela o direito à saúde ao direito individual


ao fornecimento ilimitado das prestações de saúde, interferindo na efetivação
do direito fundamental à saúde em virtude das omissões dos demais poderes,
de modo que as suas decisões repercutem nas políticas públicas de saúde e,
assim, desorganizam o orçamento público, uma vez que implicam na realoca-
ção de recursos para o cumprimento das decisões judiciais.

Sumário 363
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

O principal debate quanto ao direito à saúde é se este possui limitação, uma


vez que vem sendo tratado pelo Poder Judiciário como um direito absoluto.
Para Gebran Neto e Schulze:

Um pensamento inicial conduz a ideia de que se trata de um direito abso-


luto. Isso se dá em razão da noção geral segundo a qual sem saúde não há
dignidade humana. As decisões judiciais, em geral, deixam de enfrentar
tal questão, fundamentando, genérica e equivocadamente, que o direito à
saúde está previsto na Constituição e que por isso cabe ao Estado prestar
toda e qualquer política a fim de concretizá-lo, condenando o ente público a
prestar tratamentos e fornecer produtos, medicamentos e novas tecnologias
(GEBRAN NETO; SCHULZE, 2015, p. 37).

Por exigir uma atuação positiva do Estado na formulação e efetivação das


políticas públicas de saúde, o direito à saúde apresenta um custo. Sendo as
necessidades humanas geralmente ilimitadas, elas acabam sendo limitadas
pela disponibilidade de recursos financeiros. Nesse sentido, o direito à saú-
de não pode ser considerado um direito absoluto, já que é essencialmente
limitado pelos recursos financeiros. Diante desse quadro, não cabe ao Judi-
ciário a escolha de onde serão alocados os recursos públicos e a criação de
políticas públicas.

As decisões judiciais, inclusive do Supremo Tribunal Federal (STF), conde-


nam os entes públicos ao fornecimento de tecnologias em saúde, inclusive de
tecnologias não registradas na Anvisa, uma vez que as decisões judiciais são
tomadas em um plano individual. Neste contexto, o direito à saúde não pode
ser analisado sem se verificar as perspectivas de limitação financeira e de li-
mitação de recursos humanos e tecnológicos, apesar de não haver disposição
afirmando que o dever do Estado está limitado aos recursos disponíveis, o
que ocasiona a impressão deste ser um direito absoluto.

Para Castro (2014 apud GEBRAN NETO; SCHULZE, 2015, p. 29-30), o di-
reito à saúde no Brasil está atrelado ao mito do governo grátis, no qual o
Estado deve prestar tudo sem nenhum custo. Esse pensamento incentiva até
mesmo o próprio Poder Judiciário a tomar decisões que desequilibram o sis-
tema público de saúde.

Sumário 364
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

O Poder Judiciário tornou-se o protetor das omissões do Estado na imple-


mentação das políticas públicas. Nessa atuação, apesar de ter legitimidade
para reconhecer lesões e ameaça a direitos, o Judiciário deve se auto-conter,
devendo agir apenas no controle e na insuficiência das políticas públicas exis-
tentes, não criando políticas de saúde através de decisão judicial.

Segundo Gebran Neto e Schulze (2015, p. 49-50), a judicialização da saúde


inicia-se em duas hipóteses. A primeira se manifesta quando se postula um
direito já reconhecido, mas negado administrativamente, ou seja, quando
a tecnologia de saúde já foi incorporada ao SUS. Nesse caso, o juiz deve
julgar procedente a ação, pois se trata de um problema de gestão. A segun-
da hipótese refere-se aos direitos não reconhecidos administrativamente,
como tecnologias em saúde não incorporadas ao SUS, sem registro na An-
visa ou incorporadas, mas que não se destinam àquele diagnóstico. Nessa
situação não há previsão legal para a concessão da tecnologia, e a conde-
nação dos entes públicos pode ocasionar prejuízo financeiro e dificuldades
na execução orçamentária. Para os autores, no caso da segunda hipótese é
necessário que se estabeleça um padrão para a decisão do magistrado, de
modo que haja equilíbrio do papel do Judiciário no que tange a judiciali-
zação da saúde.

Para Mendonça a interferência judicial cria algumas dificuldades, como a:

(i) desorganização administrativa, dada a necessidade de desviar recursos


– orçamentários, materiais e humanos – para o cumprimento das ordens;

(ii) ineficiência alocativa, uma vez que remédios são adquiridos em pequena
escala para atender às decisões, por vezes desconsiderando a existência de
alternativas similares disponíveis nas listas oficiais; e

(iii) grande estímulo à seletividade, já que as prestações beneficiam apenas


o universo restrito de potenciais litigantes. Em se tratando de doenças com-
plexas e de diagnóstico difícil, aliás, não é incomum que o público típico
das decisões judiciais seja consideravelmente diferente daquele que lota as
emergências dos hospitais públicos em busca de atendimento básico (MEN-
DONÇA, 2016).

Sumário 365
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Nesse contexto, constata-se que o direito à saúde não é absoluto. Este é um


direito subjetivo sujeito a algumas limitações, tais como a disponibilidade de
recursos financeiros e as políticas públicas existentes no SUS. A efetivação do
direito à saúde é função precípua do Poder Executivo e Legislativo, que tem
a faculdade de estabelecer as condições para a efetivação do direito funda-
mental à saúde de acordo com a capacidade financeira e as prioridades de
gastos, devendo o Poder Judiciário agir apenas para concretizar os direitos
previstos nas políticas públicas existentes.

A racionalidade das decisões judiciais


A relação entre direito e saúde foi deslocada para o Judiciário, inicialmente
com as ações judiciais que solicitavam tratamento contra a AIDS/HIV e poste-
riormente com a judicialização de outras tecnologias em saúde direcionadas a
diversas enfermidades. O Judiciário, contudo, na visão de GEBRAN NETO e
SCHULZE (2015, p. 100) ainda tem muito a avançar quanto à judicialização
da saúde, a fim de evitar abusos praticados pelos indivíduos, pela indústria
farmacêutica, pelos médicos, pelos planos de saúde e pelos próprios entes
públicos, embora haja inegável legitimação democrática das decisões judiciais
proferidas om base em audência pública.

Entretanto, ao Judiciário não cabe proferir de forma indiscriminada decisões


sobre a gestão da saúde, já que uma das suas funções é o controle da admi-
nistração pública, devendo agir principalmente em caso de vício, omissão, ile-
galidade ou inconstitucionalidade do ato administrativo (GEBRAN NETO;
SCHULZE, 2015, p. 103).

As decisões em saúde trazem benefícios quanto ao atendimento individua-


lizado ao mesmo tempo em que geram custos a serem supridos pelo poder
público. A decisão judicial deve considerar quais os benefícios e os custos na
tomada de decisão, a fim de oferecer a melhor assistência à saúde possível
ao menor custo possível dentro do orçamento público. Entretanto, o Poder
Judiciário não considera essas questões ao decidir sobre o fornecimento dos

Sumário 366
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

medicamentos e outras prestações em saúde, ocasionando, assim, um conflito


entre as discricionariedades médicas, da gestão pública e do próprio juízo.

Nesse sentido, Gadelha afirma que as ações judiciais:

[..] implicam conteúdos técnicos e médicos diversos e abrangentes, cria-se


um conflito entre várias discricionariedades (aqui entendida como a prerro-
gativa de cada agente envolvido decidir sobre o que se lhe toca) – a médica,
a da gestão da saúde e a do Juízo –, no qual a balança pende para o poder
que, hoje, se afigura, até por faculdade do Judiciário, como o maior de to-
dos: o poder médico. E é a inquestionabilidade da prescrição médica como
premissa adotada pelo Poder Judiciário que confere essa maior potência
ao poder médico, fortalecendo-o além do próprio Poder Judiciário e em
detrimento da discricionariedade, igualmente técnica e legítima, da gestão
e administração dos sistemas de saúde (GADELHA, 2014, p. 66)

Para Gadelha (2010) há uma confusão principalmente do Poder Judiciário


quanto aos princípios da universalidade e integralidade que gerem o Sistema
Único de Saúde, o que pode ocasionar o fim do justo acesso ao sistema de
saúde. A autora observa que:

Lamentavelmente, ainda há quem persista com a ideia de modelo centrali-


zado, desconsidere a hierarquização e, contrastando, confunda universali-
dade com liberdade de acesso e escolhas (por exemplo, escolha por onde,
como e com o que ser assistido) e integralidade com ilimitabilidade assisten-
cial (por exemplo, disponibilidade de tudo o que exista, não importando se
válido, a que custo e onde seja ofertado). Essa liberalidade no modo de ver
e assim querer que seja o funcionamento do SUS expressa o conflito entre
o desejo individual e o direito coletivo, numa equação que terminará por
zerar a universalidade e o justo acesso (GADELHA, 2010).

A autora apresenta alguns impactos negativos das decisões judiciais que descon-
sideram as normas de funcionamento do SUS, uma vez que o Poder Judiciário:

[...] participa desse contexto, impondo, quando desconsidera a inconsis-


tência técnica ou as alternativas existentes, uma alocação não planejada de
recursos previamente orçados. A transferência de responsabilidade para o
SUS por atendimento realizado fora de suas normas operacionais ou de sua
rede de estabelecimentos credenciados e habilitados (conforme parâmetros
de necessidade e critérios de qualidade e sustentabilidade devidamente es-

Sumário 367
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

tabelecidos) gera (quando não também desperdício de recursos públicos)


distorções e problemas para esse Sistema (que não pode ser tomado como
um mero fornecedor de procedimentos ou medicamentos), como: desre-
gulação do acesso assistencial com justiça e equidade; perda da integralida-
de assistencial; ausência do controle e da avaliação da assistência prestada;
quebra das prioridades definidas para a saúde pública; financiamento pú-
blico direto da assistência privada sem o devido contrato para a utilização
de recursos públicos (GADELHA, 2010).

Para tentar diminuir a judicialização da saúde é necessário estabelecer um


diálogo entre a medicina e o direito, pois o Judiciário tem controlado a efe-
tivação do direito à saúde sem nenhum limite. Consequentemente, o acesso
à informação sobre saúde é essencial para a tomada de decisão pelo ma-
gistrado para que a judicialização seja racionalizada através da busca pelas
melhores evidências científicas sobre a tecnologia em saúde solicitada no
processo a fim de embasar a decisão judicial. O diálogo entre medicina e
direito traduzem-se na aplicação da medicina baseada em evidências como
uma ferramenta essencial tanto para as escolhas médicas quanto para as es-
colhas em políticas públicas e para a decisão judicial.

No que tange às políticas públicas de saúde, esse avanço foi conquistado com a
instituição da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CO-
NITEC), órgão responsável pela incorporação de tecnologias no SUS. Através
desse órgão a administração pública realiza a atualização dos protocolos clíni-
cos e diretrizes terapêuticas e da RENAME, demonstrando uma tentativa de
consolidar as políticas públicas através de ferramentas que orientam os profis-
sionais da saúde e os pacientes sobre os tratamentos disponibilizados no SUS.

A fim de orientar a decisão judicial sobre o fornecimento do medicamento, a


medicina baseada em evidências pode oferecer grandes contribuições, uma vez
que afasta o casuísmo e a opinião médica, que representa o nível mais baixo de
evidência (ARAUJO, JUNQUEIRA, LOPEZ, 2016, p. 78). Consequentemen-
te, o magistrado deve refutar o receituário médico, solicitando no mínimo a
realização de perícia judicial que avalie se a prescrição está adequada aos co-
nhecimentos da medicina baseada em evidências ou solicitar a colaboração de

Sumário 368
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

algum órgão especializado para verificar se a tecnologia em saúde demandada


é necessária ou adequada para a melhora ou cura da doença, se existem al-
ternativas disponíveis no SUS e o custo-eficiência do tratamento judicializado.

Quando se trata de saúde pública é necessário conciliar as tecnologias em


saúde e a gestão pública para o desenvolvimento do SUS. Neste contexto,
é essencial que a decisão judicial esteja amparada na medicina baseada em
evidências, seguindo os critérios da eficácia, efetividade, eficiência e segu-
rança das tecnologias em saúde, além de verificar a qualidade do estudo,
os métodos utilizados, o financiamento da pesquisa, os pacientes estudados,
entre outras condições em que a pesquisa clínica foi realizada, para que seja
encontrada uma boa pesquisa científica para a fundamentação da decisão do
magistrado, de modo que esta não esteja adstrita ao receituário médico.

Análise das decisões judiciais


A análise da judicialização da saúde do município de Guará demonstra que a
maior parte da demanda está relacionada ao fornecimento de medicamentos
aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas que
não constam na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME).

Ao identificar os efeitos e as consequências da judicialização da Assistência


Farmacêutica no Município, se procura verificar os desdobramentos da atua-
ção e interpretação do Poder Judiciário e da Fazenda Pública Municipal no
que diz respeito ao direito à saúde, para observar se foram utilizados argu-
mentos da Medicina Baseada em Evidências (MBE) nos processos judiciais.

Foram analisados apenas os processos com decisão liminar, sentença ou acór-


dão para o fornecimento de medicamentos, totalizando 91 processos contra
a Fazenda Pública Municipal no período de 2010 a 2020. A partir do ano de
2019, a Secretaria Municipal de Saúde passou a elaborar a negativa de forne-
cimento do medicamento, em virtude da necessidade do prévio requerimen-
to administrativo solicitado pelo Poder Judiciário, constando além da infor-

Sumário 369
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

mação se o medicamento integra a listagem da RENAME como também os


protocolos clínicos elaborados pela CONITEC para o tratamento da doença.

Através da análise dos processos judiciais foi verificado que o Poder Judiciá-
rio ao condenar a Fazenda Pública Municipal, não embasa a decisão em co-
nhecimentos científicos da medicina baseada em evidências, ocasionando di-
versos efeitos, como à desorganização orçamentária e a ineficiência dos gastos
públicos com despesas para atender as determinações judiciais individuais
em detrimento do atendimento coletivo.

Em março de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Tema 6 de


repercussão geral, referente ao fornecimento de medicamentos não incluídos
na Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF). Durante o julga-
mento, o Plenário do STF julgou improcedente o fornecimento de medica-
mento não incluído nas normativas do Sistema Único de Saúde. Entretanto,
a fixação da tese foi adiada para momento posterior.

Diante da ausência da fixação de tese, o fornecimento de medicamento não


incorporado ao Sistema Único de Saúde exige a presença cumulativa dos
requisitos do Tema 106 julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, que são:

i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstancia-


do expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou
necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento
da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;

iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos


autorizados pela agência (BRASIL, 2018).

Apesar da não fixação da tese os votos dos ministros Luís Roberto Barroso e
Alexandre de Morais propõem um diálogo entre o Poder Judiciário e os en-
tes com capacidade técnica para a avaliação das tecnologias em saúde, como
a CONITEC, a fim de verificar se o medicamento pleiteado não possui substi-
tuto terapêutico incorporado ao Sistema Único de Saúde e a comprovação da
eficácia, segurança e efetividade do medicamento pleiteado fundamentada
na medicina baseada em evidências.

Sumário 370
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Ao analisar as decisões judiciais foi verificado que em 4 (quatro) processos a ne-


gativa de fornecimento da Secretaria de Saúde foi fundamentada na medicina
baseada em evidências, sendo que pelo menos um dos medicamentos pleitea-
dos integrava o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêutica (PCDT) ou existia
decisão da CONITEC pela não incorporação ao Sistema Único de Saúde.

Apesar das negativas estarem fundamentadas na medicina baseada em evi-


dências, especialmente em protocolos clínicos, somente em um dos processos
a decisão liminar determinou o fornecimento apenas dos medicamentos pre-
vistos nas normativas do SUS, sendo que, nesse caso a decisão foi fundamen-
tada na ausência de hipossuficiência financeira para a negativa de forneci-
mento dos medicamentos não incorporados ao SUS. Esta decisão foi mantida
na sentença judicial pela motivação anteriormente exposta.

Nos demais processos a decisão liminar, sentença ou acórdão garantiu o for-


necimento dos medicamentos não incorporados ao Sistema Único de Saúde,
desconsiderando as informações apresentadas pela Secretaria de Saúde, sen-
do a prescrição médica considerada prova suficiente para a concessão.

Dessa análise, verifica-se que os conhecimentos da medicina baseada em


evidências são poucos utilizados tanto pelo ente administrativo quanto pelo
Poder Judiciário, uma vez que dos 91 (noventa e um) processos judiciais em
apenas 4 (quatro) foram mencionados conhecimentos científicos. Entretan-
to, os conhecimentos da medicina baseada em evidências foram desconsi-
derados pelo Poder Judiciário ao conceder a tutela antecipada, sentença ou
acórdão. Quanto às decisões judiciais verifica-se que o Poder Judiciário e a
Fazenda Pública Municipal precisam avançar tanto no que tange a decisão
judicial quanto na defesa pública para utilização de conhecimentos cientí-
ficos da medicina baseada em evidências a fim de reduzir e racionalizar as
decisões judiciais.

Através do conhecimento científico dos protocolos clínicos e diretrizes terapêu-


ticas e da medicina baseada em evidências será garantida a racionalização das
decisões judiciais, e consequentemente, a sustentabilidade do Sistema Único

Sumário 371
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

de Saúde. Para tanto as decisões médicas e jurídicas devem ser embasadas em


conhecimentos científicos que busquem a eficácia, efetividade, eficiência e se-
gurança das ações de prevenção, diagnóstico e tratamento em saúde.

Considerações finais
A atuação do Judiciário na judicialização da saúde está atrelada à premissa
do direito à saúde ilimitado e absoluto. As decisões judiciais desconside-
ram as políticas públicas de saúde e a competência de cada ente federativo
quanto à execução das ações e serviços de saúde. A judicialização da saúde,
apesar de demonstrar as falhas na execução das políticas públicas, não re-
sulta em benefício para a população, uma vez que as despesas públicas para
o atendimento das determinações judiciais individuais ocasionam prejuízos
ao atendimento coletivo.

A ausência de definição de critérios para o fornecimento de medicamentos


acarreta a concessão judicial de medicamentos baseada apenas na prescrição
médica, comprometendo o orçamento público destinado ao SUS. Essa situa-
ção, que ocorre no município de Guará, destaca o comportamento do Poder
Judiciário na concessão de medicamentos baseados apenas na prescrição mé-
dica, sendo que, quando o fornecimento do medicamento é negado judicial-
mente, a decisão está atrelada às condições socioeconômicas do munícipe.

Estabelecer a racionalidade das decisões judiciais é uma dificuldade entre o re-


conhecimento do direito à saúde como universal, integral e gratuito e a incapa-
cidade do Estado de atender todas as necessidades da população. É necessário
estabelecer um diálogo entre o direito e a medicina, uma vez que é impossível
manter a sustentabilidade do SUS se o Poder Judiciário continuar concedendo o
fornecimento de tecnologias em saúde solicitadas individualmente sem nenhum
parâmetro. Consequentemente, a decisão judicial baseada em conhecimentos da
medicina baseada em evidências que consideram os critérios da eficácia, efetivi-
dade, eficiência e segurança das tecnologias em saúde é uma forma de garantir a
efetividade do direito à saúde e a sustentabilidade do sistema de saúde.

Sumário 372
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Apesar da incorporação da medicina baseada em evidências nas negativas


administrativas no município de Guará a partir do ano de 2019, baseadas
especialmente em protocolos clínicos de tratamento dentro do SUS, o Po-
der Judiciário continua a conceder o fornecimento de medicamento apenas
baseado no receituário médico, desconsiderando a existência de substitutos
terapêuticos incorporados ao SUS.

A judicialização da saúde traz desafios para o Poder Judiciário em razão de


sua deficiência na atuação judicial que não pode se restringir apenas à análise
da prescrição médica. O Judiciário tem muito que avançar quanto à aplicação
de conhecimentos científicos para a tomada de decisões. Nessa lógica, perce-
be-se uma leve mudança jurisprudencial a partir dos votos dos ministros Luís
Roberto Barroso e Alexandre de Morais no Tema 6 de Repercussão Geral
no Supremo Tribunal Federal, ao afirmaram a necessidade da integração do
direito e da medicina através da aplicação dos conhecimentos científicos da
medicina baseada em evidências na decisão judicial a fim de racionalizar a
judicialização da saúde.

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Sumário 375
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Judicialização nas políticas públicas


de saúde na perspectiva do Ministério
Público: uma análise do período 2015 e
2016 no município de Araputanga - MT
Jaquison Correa da Cunha1

Resumo
A pesquisa tem como objetivo fazer uma análise da judi-
cialização nas políticas públicas de saúde do município de
Araputanga no período de 2015 e 2016 a partir da pers-
pectiva do Ministério Público. Tal propósito se alavanca no
desejo de contribuir para uma gestão participativa, a par-
tir do diálogo sobre o tema entre os poderes constituídos e
os atores sociais, buscando identificar os principais pontos
que levam ao processo de formalização da judicialização.
Adotamos como metodologia a pesquisa bibliográfica, do-
cumental e pela pesquisa de campo, para a qual foi entre-
vistada a representante do Ministério Público Estadual da
Comarca do município de Araputanga - MT. Foi realizado
levantamento do número de ofícios encaminhados pelo

1 Graduado em Ciências Biológicas - UNEMAT e Direito - FCARP, Especialista em Direito Adminis-


trativo, Constitucional e Eleitoral; Advogado e Gestor da Assessoria em Gestão Pública.

Sumário 376
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Ministério Público à Secretaria de Saúde nos anos de 2015


e 2016, bem como quais foram os investimentos da Prefei-
tura de Araputanga - MT no cumprimento do requerido
nos ofícios e das ações com pedido de liminar ajuizadas
pelo Ministério Público. Os resultados apontam para 95
ofícios encaminhados à Secretaria de Saúde buscando a
efetivação dos serviços de saúde; dentre essas demandas
destacou-se a busca por medicamentos, o que aponta para
um déficit significativo a ser analisado e sanado pela ges-
tão pública. Portanto, o fenômeno de judicialização pode
apontar para um despertar da sociedade quanto aos seus
direitos; da mesma forma, também pode indica a dificul-
dade do executivo de promover, através das políticas pú-
blicas, os serviços de saúde efetivos, o que permite sugerir
a criação de uma gestão participativa com a comunidade,
implementando ferramentas de planejamento na promo-
ção dos serviços de saúde no município de Araputanga.

Palavras-chave: Políticas Públicas; Judicialização; Saúde


Pública.

Sumário 377
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
A crescente preocupação com a interferência do Poder Judiciário nas ações
do Poder Executivo através do processo de judicialização ganha mais ex-
pressividade no cenário da Administração Pública, uma vez que esta tem
um papel de destaque frente aos demais poderes no cotidiano das pessoas.
Esse aspecto nos leva a crer que a efetivação do direito fundamental à saúde,
atualmente, parece estar intrinsecamente ligada ao processo de judicialização
do direito à saúde.

O objetivo dessa pesquisa consiste em analisar o processo de judicialização no


município de Araputanga - MT, nos anos de 2015 e 2016, a partir da perspec-
tiva do Ministério Público, e quais foram os fatores relevantes que levaram
a serem ajuizadas Ações Civis Públicas (ACP) contra a Saúde no município
de Araputanga. Para tanto, foi entrevistada a representante do Ministério
Público Estadual da Comarca de Araputanga, para entendermos como vem
surgindo o processo de judicialização no município, como também verificar o
quantitativo de ofícios encaminhados nos anos de 2015 e 2016 ao Poder Exe-
cutivo Municipal, para buscar a efetivação do direito fundamental à saúde.

Ademais, observa-se que a efetividade do direito à saúde para a população


brasileira vem ganhando expressividade na conectividade do Poder Judiciá-
rio em face do Executivo, e também, ganhando um importantíssimo espaço
na garantia do direito à saúde, ao determinar que o executivo cumpra com
o papel/dever de promover os serviços de saúde. A intervenção do Poder
Judiciário, na grande maioria das vezes, acaba obrigando ao fornecimento de
medicamentos, procedimentos cirúrgicos, tratamentos médicos, dentre ou-
tros, que são negados pela Secretaria da Saúde dos municípios.

Por esse motivo, a presente pesquisa analisará esse fenômeno que resulta na
interferência do Poder Judiciário junto ao Poder Executivo, bem como os
efeitos no orçamento público, decorrentes das decisões judiciais que obri-
gam ao fornecimento de medicamentos e a promoção de políticas públicas de
saúde direcionada a indivíduos e não à coletividade. Para que haja a devida

Sumário 378
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

efetivação do direito à saúde como um dos bens da vida a que todo cidadão
deve ter acesso, é primordial o diálogo entre os diferentes atores que prota-
gonizam o processo de judicialização, sendo necessário observar se no mu-
nicípio de Araputanga - MT está presente a necessária aproximação entre o
Poder Executivo e a sociedade no processo de planejamento das ferramentas
de promoção da saúde.

Políticas Públicas de Saúde e Judicialização


Souza (2003, p.26) resumiu a política pública como o campo do conhecimen-
to que busca, ao mesmo tempo, colocar o governo em ação ou analisar essa
ação e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso das mesmas.
Tais formulações de políticas públicas constituem-se no estágio em que os
governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em
programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.

É importante destacar que o processo de política pública não possui uma ra-
cionalidade manifesta, ou seja, o processo de criação de políticas públicas não
é uma ordenação tranquila, na qual cada ator social conhece e desempenha
o papel esperado. Não há, no presente estágio de evolução, alguma possibili-
dade de fazer com que a racionalidade lógica consiga descrever os processos
de política, pois as mesmas acontecem em meio a diferentes tensões.

Para Saraiva (2006, p. 29), a turbulência das políticas públicas gera a sen-
sação da não governabilidade, que se reflete na insegurança frente às ações
governamentais e ainda gera uma percepção de aparente “desordem”. Essa
sensação não afeta apenas o cidadão, mas a todos os atores administrativos,
políticos e seus analistas que constatam a extrema complexidade das políti-
cas públicas e as aparentes debilidades do Estado para cumpri-las. Não obs-
tante, as instituições estatais, como as organizações, buscam a realização de
finalidades que não são exclusivamente resposta às necessidades sociais, mas
também se configuram como ações que estruturam, modelam e influenciam
os processos econômicos.

Sumário 379
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

As políticas públicas em saúde integram o campo de ação social do Estado


orientadas para a melhoria das condições de saúde da população e dos am-
bientes natural, social e do trabalho. Sua tarefa específica, em relação às ou-
tras políticas públicas da área social, consiste em organizar as funções públicas
governamentais para a promoção, proteção e recuperação da saúde dos indi-
víduos e da coletividade (LUCCHESE; AGUIAR, 2004).

Lucchese e Aguiar (2004, p. 03) consideram que as políticas públicas de saú-


de no Brasil iniciaram em 1988 com a Constituição Federal, que estabeleceu
os princípios de universalidade e equidade no acesso às ações e serviços e
pelas diretrizes de descentralização da gestão, de integralidade do atendi-
mento e de participação da comunidade, na organização de um sistema único
de saúde no território nacional. Logo, as políticas de saúde no Brasil vêm
sendo formuladas no campo de uma reforma setorial abrangente, propondo
mudanças institucionais de grande magnitude, ao tempo em que introduz
novos espaços de interlocução permanente entre Estado e sociedade na ges-
tão pública, toma a participação social como ferramenta primordial para a
efetivação das políticas públicas de saúde.

Com as mudanças introduzidas a partir do texto constitucional, da Lei Orgâ-


nica da Saúde (Lei nº 8.080/90) e da Lei nº 8.142/90, as decisões em matéria
de saúde pública passaram a envolver novos e múltiplos atores, impondo
modificações significativas no desenho e formulação das políticas de saúde,
com importantes inovações institucionais em termos da estrutura e dinâmica
do processo decisório.

A nova concepção do sistema de saúde descentralizado e administrado de-


mocraticamente, incluindo a participação da sociedade organizada, prevê
mudanças significativas nas relações de poder político e na distribuição de
responsabilidades entre o Estado e a sociedade, e entre os distintos níveis
de governo – nacional, estadual e municipal, cabendo aos gestores setoriais
papel fundamental na concretização dos princípios e diretrizes da reforma
sanitária brasileira (LUCCHESE; AGUIAR, 2004).

Sumário 380
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Nessa perspectiva, Lucchese e Aguiar (2004, p. 05) destacam que a partici-


pação social teve notória efetividade nas Conferências de Saúde e participa-
ção em Conselhos de Saúde. Destacam-se os colegiados como instrumento
fundamental na discussão das políticas públicas de saúde na gestão do SUS;
e ainda a Comissão Intergestores Tripartite na direção nacional do Sistema
Único de Saúde e as Comissões Intergestores Bipartites na direção esta-
dual; bem como fortaleceram-se os órgãos colegiados nacionais de repre-
sentação política dos gestores das ações e serviços nos estados e municípios.
Destacam a participação social na efetividade das políticas públicas de saú-
de; CONASS (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e o CONASEMS
(Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde) como importantes
canais de participação dos gestores públicos nas definições das políticas e da
ação governamental setorial.

A constitucionalização da saúde e de outros direitos sociais, como a educação,


a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência so-
cial, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados,
consagrados no artigo 6° da Constituição Federal, serviram para impulsionar
e implementar as políticas públicas; são elas um garantidor da dignidade
da pessoa humana e oportunizam o controle judicial dessas ações, uma vez
que possibilitam o ingresso de ações judiciais para exigir a sua concretização
(MAPELLI JÚNIOR, 2015).

Portanto, apesar de sempre ter sido dada a devida atenção ao direito à saúde
em todas as Constituições Brasileiras, somente na Constituição de 1988, a
saúde foi elevada à condição de direito fundamental, demonstrando a inten-
ção do legislador brasileiro em estar em sintonia com as declarações interna-
cionais que visam garantir os direitos inerentes à pessoa humana.

Neste diapasão, o direito à saúde foi disponibilizado numa seção especial


junto ao capítulo da Seguridade Social, na qual verificamos um aprofunda-
mento, por parte do legislador, na concepção de saúde e no dever do Estado
de promovê-la, assim os artigos 196 a 200 da Constituição Federal trazem em
seu bojo os aspectos relativos às ações e serviços de saúde que cabem ao Poder

Sumário 381
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Público executar, refletindo como diretrizes para o Sistema Único de Saúde


(SUS) e para a iniciativa privada.

Pormenorizando, portanto, Barbosa (2014, p.179) destaca que nas políticas


públicas de saúde existem limitações financeiras, orçamentárias e técnicas
para concretização plena dos direitos fundamentais e é justamente no Es-
tado Pós-Social que ficará evidente a lacuna entre os dispositivos legais que
possam assegurar determinados direitos e garantias fundamentais e sua efe-
tiva prestação, indicando-se um crescente aumento de demandas judiciais na
tentativa de alinhar os preceitos fundamentais às necessidades do cidadão.
Ademais, a intervenção do Poder Judiciário para efetivação desses direitos
tem sido tratada sob o prisma da interferência entre os poderes, dado o fato
de que as obrigações de fazer, impostas ao Poder Executivo implicariam a
adoção implícita de políticas públicas, sem que esta fosse pensada e construí-
da pelo poder legitimado para implementá-las.

A busca excessiva da concretização do direito à saúde, por meio da judicializa-


ção, fez com que o Poder Judiciário lançasse um olhar atento a esse fenômeno.
Os outros poderes também o fizeram, pois ao decidir o Poder Judiciário sobre
esses assuntos, concretizando o direito fundamental à vida, saúde e dignidade
da pessoa humana, acaba interferindo na reserva orçamentária dos municípios.
Esse panorama faz as discussões se tornarem acirradas, chegando a sugerirem
a violação do princípio constitucional da separação de poderes. A concretização
dos direitos fundamentais sociais parece estar conexa à temática da judicializa-
ção do direito, fenômeno que não é típico brasileiro, sendo utilizado em outros
países para garantir o acesso aos serviços essenciais, o qual atualmente vem se
expandido fortemente no Judiciário brasileiro. Dessa forma, ocorre uma cons-
tante preocupação dos gestores do Sistema Único de Saúde, dos operadores do
direito, dos secretários de saúde, especialmente com os critérios que pautam as
decisões sobre essa temática, e a consequente problemática causada no orçamen-
to dos municípios (MARION; LEAL; MASS, 2015, p. 2-3).

Neste sentido, Torres (2008, p. 70) destaca que a interferência do Judiciário


teve como marco inicial a década de 90, momento em que os portadores

Sumário 382
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

do vírus HIV buscaram, através das demandas judiciais, acesso rápido e efi-
ciente a medicamentos e tratamento eficaz para a doença. Ademais, grada-
tivamente, o Poder Judiciário mostrou-se efetivo na busca por melhorias no
âmbito da saúde e, nesse contexto, as demandas aumentaram e superlotaram
as instâncias judiciais de tomada de decisão.

A discussão sobre a matéria supra está pautada no julgamento do Agravo


Regimental no Recurso Extraordinário nº 271.286/RS, que reconheceu o de-
ver do Estado de oferecer o tratamento aos pacientes soropositivos. Assim, o
acórdão afirmou o caráter fundamental do direito à saúde, como prerroga-
tiva jurídica indisponível, assegurada à generalidade de pessoas pela Consti-
tuição Federal, como consequência indissociável ao direito à vida. Essa posi-
ção do Supremo Tribunal Federal fortaleceu a posição de instâncias iniciais
sobre o direito à saúde, no sentido da admissão de sua aplicabilidade imedia-
ta e direta junto às normas constitucionais que positivam o direito à saúde,
como os artigos 6 e 196. Essa decisão tornou o Poder Judiciário fortemente
comprometido com a concretização do dever de proteção à saúde atribuída
ao Estado (FIGUEIREDO; SARLET, 2009, p. 06).

Neste contexto, o entendimento de Marion, Leal e Mass (2015, p. 04) é que


atualmente ocorre uma judicialização exacerbada, sem critérios, buscando
alcançar nas ações o acesso aos medicamentos, tratamentos médicos no Brasil
e no exterior, próteses, equipamentos, mas atingem também fraldas, que re-
presentam pouco valor, e atingem tratamentos e equipamentos que exigem
valores significativamente expressivos. Além do mais, percebe-se que o re-
querente, por muitas vezes, sequer tentou ou esgotou as vias administrativas.
Contudo, frente a essas peculiaridades e diferentes demandas, o Poder Judi-
ciário não poderá deixar de julgar e, como antes já asseverado, concretizar
esse direito que é previsto constitucionalmente como direito fundamental.

Agindo dessa forma, o Poder Judiciário coloca em risco a própria continui-


dade de políticas públicas existentes, pois a jurisprudência brasileira pode
impedir que políticas coletivas, dirigidas à promoção da saúde pública,
sejam devidamente implementadas, uma vez que seus recursos podem se

Sumário 383
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

esvair no cumprimento dessas decisões. Assim, o excesso de judicialização


das decisões políticas pode levar à não realização prática da Constituição
Federal pois em muitos casos, o que se revela é a concessão de benefícios a
alguns jurisdicionados em detrimento da generalidade da cidadania, que
continua dependente das políticas universalistas implementadas pelo Poder
Executivo (BARROSO, 2014).

Por esses motivos, a principal crítica à atuação do Poder Judiciário na con-


cretização do direito à saúde de forma individual é apresentada por Antunes
e Gonçalves (2010), citado por Marion, Leal e Mass (2015, p. 05). Os autores
afirmam que quando o Poder Judiciário aparece como a solução salvadora
junto à população, na realidade apresenta-se extremamente prejudicial. Essa
afirmação é explicada levando em conta que haverá a canalização de recursos
para situações individualizadas, independente de valor a ser destinado, o que
feriria o “espírito” do artigo 196 da Constituição, que é de proporcionar o
acesso universal e igualitário às ações e serviços da saúde.

Nesse viés, Marion, Leal e Mass (2015, p. 05) enfatizam que o próprio Poder
Judiciário demonstrou preocupação com o efeito de suas decisões em ma-
téria de direito à saúde e das políticas públicas de direito à saúde, quando
convocou, em face dos inúmeros processos pertinentes à matéria no Supre-
mo Tribunal Federal, a Audiência Pública da Saúde em 2009. A audiência
serviu para questionar o dever do Estado na criação de vagas em UTI’s e
em hospitais, no fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos, es-
pecialmente nos casos em que um único tratamento implica em montantes
elevados, além de situações em que o tratamento necessário não está previsto
nos Protocolos do Sistema Único de Saúde.

A solução, acredita-se, não será encontrada nos extremos, ou seja, nem em


uma atividade exacerbada do Poder Judiciário, nem em sua omissão. Re-
quer-se um esforço dos operadores do direito no sentido de criarem mecanis-
mos e foros adequados para a discussão, revigorando o sentido do princípio
da separação de Poderes (FIGUEIREDO; SARLET, 2009).

Sumário 384
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Judicialização das políticas públicas de saúde do


município de Araputanga no período de 2015 e 2016
na perspectiva do Ministério Público
O método de pesquisa utilizado para que fosse feita a análise da judicialização
nas políticas públicas de saúde do município de Araputanga - MT, no período
de 2015 e 2016, teve como base a pesquisa bibliográfica e levantamento do-
cumental. O aspecto teórico foi elaborado a partir da legislação, doutrinas e
artigos, revisando a literatura existente sobre Estado, Direito Fundamentais,
Políticas Públicas, Judicialização da Saúde, Direitos e Garantias Constitucio-
nal, Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990 e a Lei nº 8.142/90, dentre ou-
tros subsídios pertinentes ao estudo.

O levantamento de dados deu-se via instrumento de coleta padronizado (en-


trevista semiestruturada), aplicada à representante do Ministério Público com
o intuito de compreender seu posicionamento quanto ao tema em discussão.

Os dados que apresentaremos são resultados da entrevista realizada com a


promotora de Justiça de Araputanga, bem como de dados fornecidos pela
sua equipe de assessoria técnica.

Em relação à promoção e garantia do exercício e o acesso ao direito à saúde


através das políticas públicas, a Promotora destacou que o Ministério Público
tem um papel fundamental na defesa dos direitos individuais e indisponíveis;
e que o Ministério Público se fortalece a partir da cobrança do cumprimento
dos deveres dos entes públicos. Salientou ainda que o Ministério Público vem
atuando também através de palestras em parceria com os profissionais de saú-
de junto à sociedade, dando ênfase nas cobranças por melhorias das unidades
de saúde e no fornecimento de medicamentos, entre outros itens necessários
para a continuidade dos serviços de saúde, ou seja, com essa atuação, o MP
está contribuindo para o acesso e a promoção da saúde em Araputanga - MT.

Quanto à intervenção do Ministério Público na efetivação dos direitos à saú-


de, a Promotora afirmou que o trabalho é realizado através das cobranças

Sumário 385
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

junto ao executivo, com diálogo constante com a população, e por meio da


fiscalização dos gestores no cumprimento dos seus deveres. No que tange aos
desafios do alcance da promoção à saúde, a entrevistada destaca que é sabido
que “as estruturas dos municípios são precárias e falta gestão, e muitas vezes
falta vontade, fatores que dificultam o acesso à saúde e retarda a efetivação
da promoção da saúde”.

Na oportunidade, a promotora mencionou que, devido a esses fatores, ocor-


re a judicialização, momento em que explicou como é formalizada a judicia-
lização, sendo um processo cronológico de busca para a garantia do direito
à saúde. Neste caso, o cidadão procura o Ministério Público e apresenta sua
queixa ou denúncia ao órgão através de seus servidores que orientam o ci-
dadão a procurar a Secretaria de Saúde para a solução da queixa, pelas vias
administrativas. A partir da negativa da Secretaria de Saúde para a resolução
do problema apresentado, quando ocorre, o Ministério Público atua ofician-
do a mesma Secretaria de Saúde, cobrando informações quanto aos objetos
da pretensão, sejam eles, medicamentos, exames e cirurgias, dentre outros,
para o que é estipulado um prazo de resposta para o Executivo.

Neste sentido, a partir da resposta da Secretaria de Saúde é que o Ministério


Público ajuíza a ação ou arquiva a denúncia. Caso a resposta ao ofício venha
a atender ao objeto requerido, de plano arquiva-se a denúncia; todavia, se a
resposta for negativa, quando o ente informa que não irá atender à demanda
ou informa que a competência é de outro ente federativo, o Ministério Pú-
blico ajuíza a ACP.

Quanto ao processo da ACP, a Promotora relata que ela contempla dois en-
tes no polo passivo, isto é, a ação demanda contra o Estado e o Município.
Ela explica que, mesmo sendo competência somente do Estado, é colocado
o município como ente que assume responsabilidade solidária. Quanto aos
pedidos de bloqueio, a representante do MP destaca que ele é requerido em
um eventual descumprimento de liminar, assim, o MP solicita ao juiz que
proceda ao bloqueio das contas do Estado para garantir o fornecimento do
objeto requerido na ação. Nesse movimento processual, o Ministério Público

Sumário 386
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

destaca a responsabilidade subsidiária do município, primeiro bloqueia as


contas do Estado e, caso não encontre o valor para suprir a demanda, em
seguida buscará os valores necessários nas contas do município.

Ainda neste contexto, a entrevistada destaca que há um grande desafio a


ser refletido quando são ajuizadas as ACPs: já existe uma fila de espera para
os procedimentos ou exames. Todavia, aqueles que procuram o Ministério
Público e ajuízam a ação acabam “furando” essa fila em detrimento daqueles
que estão aguardando os mesmos procedimentos e que não procuram o Mi-
nistério Público ou a Defensoria Pública. Não se sabe exatamente o porquê
não o fazem, se por falta de conhecimento ou porque não o querem, uma vez
que a situação daqueles que não buscam esses meios também é de estarem
aguardando na fila de espera; casos tão graves quanto os que procuraram o
Ministério Público.

Neste contexto, explica a Promotora que em relação às demandas dos ofícios,


elas são colocadas em tabelas e acompanhadas as suas soluções. Assim, após
ajuizada a ACP, ela é acompanhada pelo próprio sistema do Fórum, bem
com as intimações e decisões também o são; as pessoas que procuram o MP
para relatar que não foram feitas as medidas cabíveis ao cumprimento, tam-
bém fazem seu papel no controle dessas medidas. O acompanhamento das
liminares é feito a partir do que as pessoas levam ao MP, haja vista que o MP
realiza o acompanhamento até as decisões. Uma vez dada a liminar, ocorre o
aviso ao cidadão, informando-o que foi proferida a liminar; desse ponto em
diante, se foi cumprida ou não a liminar, depende do retorno do cidadão ao
Ministério Público.

Na visão da Promotora de Justiça, o motivo da procura do Ministério Públi-


co para efetivação dos direitos e garantias fundamentais já intitulados pela
Constituição Federal está bastante claro: “o principal problema que atrapalha
os municípios é a falta de gestão e falta de planejamento”. Salienta ainda que,
por muitas vezes, o município possui dinheiro em conta e não o gasta por
falta de procedimento licitatório ou adesão de ata, fato que demonstra falta
de planejamento e gestão.

Sumário 387
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Trazidos à base da pesquisa, passamos a observar alguns dados que foram


encaminhados pelo Ministério Público à Secretaria de Saúde no ano de 2015
e 2016 e que demandavam o cumprimento do dever de fornecer o serviço de
saúde. Também observamos alguns investimentos em saúde que a Prefeitura
de Araputanga - MT realizou em vista do cumprimento dos complementos
da atenção básica, sendo investimentos relativos ao cumprimento de deman-
da judicial, ofícios do Ministério Público ou Defensoria Pública e de compe-
tência do Estado em objetos de Média e Alta Complexidade (MAC).

Nos anos de 2015 e 2016, verificou-se que o Ministério Público encaminhou


95 ofícios ao município de Araputanga através da Secretaria Municipal de
Saúde. Desses 95 ofícios, 30 eram de medicamentos; 21 referiam-se a trata-
mentos e consultas médicas; 17 a exames; 15 a procedimentos cirúrgicos; 08
a materiais e insumos; 03 a pedidos de internação; e 1 a procedimento para
colocação de prótese.

Quanto às ACPs ajuizadas por motivo da negatória desses ofícios, dos 30 ofí-
cios requerendo medicamentos, 06 foram ajuizados como Ação Civil Pública;
dos 21, referente a tratamentos e consultas médicas, 06 (seis) abriram ACP;
dos 17, requerendo exames, somente 01 levou a ajuizamento de ACP; dos 15
relativos a procedimentos cirúrgico, 03 levaram a ser ajuizadas ACPs.

Os demais requerimentos não levaram ao ajuizamento de ACPs, sendo aten-


didos em vias administrativas que anteriormente fora negada pelo Executivo,
conforme tabela abaixo:

Tabela 1: Demonstrativo de requisições feitas pelo Ministério Público e correspondente


ajuizamento de Ação Civil Pública em face da Secretaria de Saúde nos anos de 2015 e 2016

Nº de ACPs
Objetos Requeridos Arquivados
requisições Ajuizadas

Medicamentos 30 6 24

Tratamentos e Consultas 21 6 15

Sumário 388
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Nº de ACPs
Objetos Requeridos Arquivados
requisições Ajuizadas

Exames 17 1 16

Cirurgias 15 3 12

Materiais e insumos 8 0 8

Internação 3 0 3

Prótese 1 0 1

TOTAL 95 16 79

Fonte: Equipe técnica do Ministério Público da Comarca de Araputanga - MT.

Frente a isso, pode-se asseverar que no município de Araputanga a maior cau-


sa de judicialização da saúde reside nos pedidos de medicamentos, tratamentos
e consultas diversas. Esse panorama torna urgente ser colocado em prática um
instrumento de diálogo mais efetivo entre as esferas envolvidas em relação à
resolução do problema; muito mais do que propriamente aquilo que toca a
organização da Secretaria da Saúde na compra de medicamentos.

Nos anos 2015 e 2016 foi investido em complementos da atenção básica e


compras de medicamentos judicializados o quantitativo de R$ 267.524,76,
conforme informações obtidas junto ao Departamento de Contabilidade de
Prefeitura de Araputanga - MT; vale ressaltar que o valor descrito se equipa-
ra aos investimentos de atenção básica sobre o objeto em discussão.

Podemos observar no gráfico abaixo que grande parte dos ofícios foi atendi-
da em vias administrativas, ou seja, a demanda inicial apontada pelo ofício do
Ministério Público foi arquivada por ter sido atendida e por isso não foram
judicializadas, isto é, não ensejaram a abertura de ACPs.

Sumário 389
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Gráfico 01: Demonstrativo de números de ofícios encaminhados do Ministério Público


à Secretaria de Saúde nos anos de 2015 e 2016

35
30
25
20
15
10
5
0
Medicamentos Exames Tratamentos Cirurgias Materiais Prótese Internação
e consultas de insumos

Total de Ofícios ACP Ajuizada Arquivados

De acordo com o entendimento de Silva et al (2018), que corrobora a preo-


cupação quanto às ferramentas de planejamento para a aquisição dos objetos
ora demandados, os investimentos desordenados prejudicam a continuidade
dos serviços a serem prestados na promoção de saúde. Isso ocorre porque as
compras dos objetos judicializados sem procedimentos licitatórios, ou seja,
dispensando os procedimentos legais para atender a demanda em face de
liminar, acabam gerando custos mais altos, uma vez que permitem adquirir
produtos acima do preço praticado no mercado.

Esses resultados são bastante relevantes para a pesquisa; pois, conforme o en-
tendimento de Marion, Leal e Mass (2015), a posse desses dados se torna um
momento de fortalecimento da gestão do SUS, visto que a gestão municipal
passa a conhecer quais foram os pontos que necessitam de implementação e
que mais geraram requerimentos em demandas judiciais. Da mesma forma,
se tem ciência dos objetos fornecidos pelo SUS que foram requeridos em
vias administrativas sem atender pontualmente a coletividade e sim algumas
individualidades, demonstrando claramente a falta de planejamento. Logo,
tais resultados possibilitam a visualização dos objetos mais necessitados e mais
demandados pela população do município de Araputanga, o que pode se
tornar um instrumento que auxiliará o Executivo a planejar e aperfeiçoar o
investimento dos recursos da saúde.

Sumário 390
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Neste sentido, Marion, Leal e Mass (2015, p. 06) relatam que todos os dados
levantados podem propiciar momentos de discussão e de diálogo que con-
duzam a uma perspectiva de cooperação e consequente racionalização das
demandas e da atuação do Judiciário. Logo, o diálogo entre os atores envol-
vidos (Poder Judiciário, Secretaria da Saúde, Defensoria Pública, Gabinete
de Assistência Judiciária e a própria sociedade) é fundamental, pois nele são
discutidos os pontos cruciais para se determinar mecanismos que diminuam
a judicialização da saúde, sem comprometer a eficácia e efetividade do direito
fundamental à saúde.

Segundo Marion, Leal e Mass (2015, p. 07) outro ponto a ser observado no
campo da pesquisa são as falhas na execução das políticas públicas existen-
tes no município. Assim, observamos que em Araputanga - MT, a alegação
da escassez de recursos conduz a um embate entre “mínimo existencial” e
“reserva do possível”, o que tem gerado o fenômeno de judicialização do
direito à saúde, quando o Poder Judiciário aparece como um protagonista
importante no espaço da garantia desse direito. Todavia, ao determinar
o fornecimento de determinados medicamentos ou procedimentos, pode
agravar ainda mais as dificuldades orçamentárias e financeiras já vivencia-
das pelo Poder Público Executivo.

Ainda seguindo o entendimento de Marion, Leal e Mass (2015, p. 07) sobre a


ótica da reserva do possível, terminologia muito usada e amplamente alega-
da nas contestações do Poder Executivo nas demandas judiciais, ocorre um
embate intrigante; de um lado temos a medida liminar para cumprir com a
obrigação de fornecer um direito fundamental revestido de maior significân-
cia, que é o direito à saúde, por outro lado temos o confronto com questões
de cunho financeiro e orçamentário.

Esse é o ponto primordial da discussão, pois esbarra em valores ou em in-


teresses que aparentemente se contrapõem; de um lado, o direito à vida e
à saúde e o direito ao mínimo existencial e vital para a manutenção da vida
e, por outro lado, a separação de poderes, os princípios orçamentários e a
reserva do possível. Marion, Leal e Mass (2015, p. 07) consideram que tais

Sumário 391
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

fatos levam a uma chamada desproporcionalidade ou escolhas trágicas, que


assim se configuram: se o ente público, no caso o município, deixa de atender
o direito à vida ou à saúde, estará descumprindo os princípios e legislações
basilares regentes, amparadas constitucionalmente; por outro lado se o ente
público cumpre as demandas requeridas pode atentar tanto contra os prin-
cípios da reserva do possível e do orçamentário, quanto contra as leis que fis-
calizam a aplicação dos recursos públicos, tais com a Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF).

Portanto, Marion, Leal e Mass (2015, p. 07) discutem que para o debate da
efetivação do direito à saúde é necessário que ocorra um processo de com-
prometimento de inúmeras instâncias do poder, sendo a esfera judicial ape-
nas uma delas.

Silva et al (2018) destaca que as maiores dificuldades dos gestores da saúde


encontram-se na falta de planejamento e gestão. Para tanto, as ações judi-
ciais vêm nas lacunas da efetivação de planejamento, o que gera uma indi-
vidualização da demanda em detrimento do atendimento coletivo e leva a
uma desorganização ainda maior dos serviços; em outras palavras, ao decidir
demandas individuais e interferir no orçamento público, o Judiciário, por
vezes, não se ampara em uma visão do todo e acaba por desestruturar ainda
mais o planejamento das políticas públicas em sentido amplo.

Pormenorizando e colhendo o entendimento de Silva et al (2018) quanto à


falta de planejamento na promoção da saúde dos municípios, concordamos
que tal fato contribui para o crescimento das demandas judiciais, ou seja, é
a falta de gestão do município que proporciona a intervenção do Poder Ju-
diciário na execução dos direitos fundamentais à saúde. Por conseguinte, o
município deverá redobrar a atenção nas ferramentas de planejamento da
promoção da saúde, se valendo, dentre outros possíveis instrumentos, das
principais queixas expressadas através dos ofícios ministeriais encaminhados
à Secretaria de Saúde.

Sumário 392
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Considerações finais
Ao retornarmos na linha do tempo, podemos observar a grande luta que a
população brasileira enfrentou no século passado, para que então pudésse-
mos hoje ser merecedores dos direitos e garantias fundamentais, dentre eles,
aos serviços de Saúde Pública de forma universal, igualitária e integral. Ade-
mais, a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, se tornou o
marco inicial de uma grande batalha da participação da sociedade, reivindi-
cando que todos pudessem ter direitos ao acesso à saúde.

Assim, o legislador constituinte da Carta Magna de 1988 reservou um capí-


tulo para tratar exclusivamente da saúde, mais precisamente os artigos 196 a
200 da Constituição Federal, frutos das reivindicações do anseio da socieda-
de, que necessitava de políticas públicas de saúde que não atendessem sim-
plesmente algumas classes sociais e sim um Sistema que fosse “Único”, sem
quaisquer distinções.

Porém, as falhas observadas na execução das políticas públicas existentes no


município, precisamente a falta de gestão e planejamento, assim como a es-
cassez de recursos alocados para tal finalidade, surgem como fator preponde-
rante para a condução da judicialização do direito à saúde. Nesse contexto,
o Judiciário aparece como protagonista na garantia desse direito quando de-
termina a concretização do direito à saúde, ora pelo fornecimento de deter-
minados medicamentos, próteses ou tratamentos, o que agrava ainda mais as
dificuldades orçamentárias já vivenciadas pelos Poderes Públicos.

Ao observarmos a crescente judicialização da saúde, podemos destacar três per-


cepções: a primeira é o “despertar” da sociedade em buscar os seus direitos ga-
rantidos após anos de lutas e que foram intitulados na Constituição Federal; a
segunda percepção diz respeito à ampliação do acesso à justiça, com a imple-
mentação de Promotorias de Justiça, Defensorias Públicas e Núcleo de Práticas
Jurídicas dos cursos de Direito das faculdades públicas e privadas; já a terceira
percepção constitui o distanciamento da efetivação dos direitos fundamentais de
acesso à saúde, por parte do Poder Executivo. Logo vale ressaltar que os dois

Sumário 393
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

primeiros pontos vêm agregando valores positivos e o terceiro é extremamente


negativo, por não atender os princípios basilares das legislações vigentes.

Portanto, o maior desafio dos gestores da saúde é evitar o processo de ju-


dicialização, assumindo de forma efetiva o dever de promover o direito
fundamental à saúde; por outro lado, esbarra-se nos recursos alocados para
tal fim, uma vez que, após a judicialização, é gerado uma individualização
do destino dos recursos que são investidos nessas demandas em detrimento
do investimento coletivo, o que tem levado muitos entes públicos à desor-
ganização dos serviços.

Assim, esta pesquisa suscita que representantes de outros poderes, tais como
os gestores públicos (Prefeito Municipal e Secretário de Saúde), Defensor
Público, Magistrado da Comarca e o Presidente do Conselho Municipal de
Saúde, também partes integrantes do fenômeno da judicialização, sejam ou-
vidos, uma vez que implicados na executividade das ações de saúde no mu-
nicípio de Araputanga. Mesmo assim, cumpre-nos sugerir que seja implan-
tado no município de Araputanga um consistente diálogo entre os Poderes
constituídos e a própria sociedade, criando-se mecanismos para minimizar
os efeitos da judicialização da saúde no orçamento do município e realizar
uma gestão democrática e de planejamento com políticas públicas finalísticas
que venham ao encontro das necessidades da comunidade e da efetivação do
direito à saúde.

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Sumário 395
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Utilização da curva ABC para análise


de gastos com medicamentos visando
atendimentos judiciais para tratamentos
de média e alta complexidade no
município de Campinas - SP e a
necessidade de pactuação federativa
para atendimento destas demandas
Amanda Patrícia Favaron Portella1
Luciana Cugliari Travesso2

Resumo
Segundo a OMS, saúde é um estado de completo bem-es-
tar físico, mental e social e não somente a ausência de en-
fermidades. O artigo 196 da Constituição Federal reco-
nhece a saúde como direito de todos e dever do Estado,
sendo Direito Fundamental do ser humano. Nosso sistema

1 Especialista em Saúde Pública - UNICAMP, Gestão da Assistência Farmacêutica - UFSC, Con-


tratos Administrativos - Unileya e Saúde Coletiva - Uninter e Graduada em Farmácia e Bioquímica
- USP; Farmacêutica do Núcleo de Insumos; Secretaria Municipal de Saúde - Prefeitura Municipal
de Campinas.
2 Doutoranda em Saúde Pública - USP, Mestre em Saúde Coletiva - UNICAMP, Especialista em
Direito Sanitário - UNICAMP e Graduada em Direito - USF; Assessora do Gabinete da Secretária Mu-
nicipal de Saúde; Prefeitura Municipal de Campinas.

Sumário 396
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

de saúde não tem sido capaz de efetivar a contento este Di-


reito, acarretando o aumento da judicialização. Este artigo
visa relatar a experiência do município de Campinas fren-
te às ações judiciais envolvendo o fornecimento de medi-
camentos para tratamentos de média e alta complexidade
em detrimento das regras de financiamento e execução
do Componente Especializado da Assistência Farmacêuti-
ca no âmbito do SUS. O estudo foi realizado por meio de
análise da curva ABC da Farmácia Judicial em 2020. Os
resultados apontaram que, dos 378 medicamentos, apenas
8,7% correspondem a itens classificados como A na curva
ABC. No entanto, essa parcela de medicamentos corres-
ponde a 79,7% dos gastos e sua maioria refere-se a medi-
camentos destinados a tratamento de média e alta com-
plexidade. A classe B representa 16,7% dos itens, e 16%
dos gastos. Por fim, compõem a classe C 282 itens (74,6%),
que representam apenas 4,3% dos gastos e correspondem
ao atendimento do maior número de processos judiciais e
de itens de baixa complexidade. Conclui-se que os man-
dados judiciais referentes a tratamentos de média e alta
complexidade impactam significativamente no orçamento
municipal demonstrando a necessidade de pactuações en-
tre os Entes Federados com a divisão da responsabilidade
conforme a complexidade dos tratamentos demandados.

Palavras-chaves: Judicialização; Complexidade.

Sumário 397
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução

A judicialização e a responsabilidade dos entes federados

O direito à saúde foi alçado a direito fundamental do cidadão brasileiro na


Carta Constitucional de 1988, alcançando uma abrangência e profundidade
jamais vistas no Brasil por meio da criação do Sistema Único de Saúde e da
imposição ao Estado do dever de garanti-lo.

Neste momento, o cidadão que anteriormente apenas acessava algum sistema


de saúde se fosse trabalhador ou se o sistema de caridade lhe alcançasse, pas-
sou a contar com o Estado para ver atendida essa sua necessidade essencial.
O direito à saúde é intimamente relacionado ao próprio direito à vida.

Com o decorrer dos anos e a estruturação crescente do Sistema Único de


Saúde, passou-se a notar principalmente nos municípios, mas também nos
Estados Federados e na União, a existência de um fenômeno denominado de
judicialização da saúde.

O fenômeno da judicialização da saúde pode ser definido como uma quanti-


dade exorbitante de ações judiciais movidas contra os entes federados e, tam-
bém, contra os planos privados de saúde, para se obterem insumos e serviços
de saúde, fundamentado essencialmente no art. 196 da Constituição Federal.
Ademais, está amparado pelo direito constitucional de acessar o Judiciário e
pelos princípios norteadores do direito sanitário.

Os municípios são muito afetados pela tendência de entendimento do Poder


Judiciário de que a responsabilidade dos entes federados é solidária.

Ocorre, todavia, que no ordenamento sanitário pátrio há uma clara defi-


nição das responsabilidades de cada ente e a observância dessa é bastante
importante, visto que as consequências advindas de condenações solidárias
impactam o financiamento da saúde pública, especialmente para os municí-
pios, tendo em vista a formatação do financiamento da saúde pública no país.

Sumário 398
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Diante disso, pretende-se no presente artigo discutir os impactos e a impor-


tância de transformar em realidade tangível a responsabilidade de cada ente
federado por meio do estudo das ações judiciais promovidas contra o muni-
cípio de Campinas.

O arranjo organizacional campineiro para resolução de demandas


sanitárias

Por oportuno, e brevemente, aproveita-se o ensejo para descrever o arranjo


organizacional do município de Campinas para tratar as demandas judiciais
relacionadas à saúde.

A Secretaria Municipal de Saúde de Campinas conta com uma área que é


responsável pelo acompanhamento das ações judiciais, além da aquisição de
insumos e serviços, e pelo monitoramento do adequado cumprimento das
decisões judiciais, de modo a garantir a imprescindível segurança farmacêu-
tica de seus munícipes. Esse acompanhamento inclui também a verificação da
necessidade de continuidade do tratamento de cada paciente, seja registran-
do eventual falecimento de algum solicitante, seja avaliando a pertinência do
prosseguimento de determinado tratamento.

A Secretaria de Saúde, em cooperação com a Secretaria de Justiça, destacou


profissional médico para estar ao lado dos procuradores municipais na Se-
cretaria Municipal de Justiça, que conta com área especializada para as ações
de saúde e procuradores municipais destacados para atuar exclusivamente
nestas demandas. Esse profissional tem papel fundamental no esclarecimen-
to das questões de saúde e na instrução da defesa do município e, quando sua
competência profissional é extrapolada, o processo é encaminhado aos cole-
gas de departamento para adequada instrução, havendo inclusive atuação
direta junto aos magistrados para esclarecimentos em situações relevantes.

Deste modo, nota-se um fluxo administrativo favorável em Campinas, que


contribui para uma estabilidade razoável nos valores financeiros implicados
nas condenações judiciais, apesar de elevados e da imposição de cumprimen-

Sumário 399
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

to de ordens judiciais que têm por objeto insumos e serviços que são da esfera
de competência da União e do Estado.

A responsabilidade jurídica dos Entes Federados nas questões de


saúde

Que o direito à saúde é de acesso universal é pressuposto inequívoco, passa-


dos 23 anos de sua proclamação na Constituição Federal de 1988 (CARNUT
& MAESSERAN, 2016).

Que o Supremo Tribunal Federal decidiu no Tema 793 (RE 855178) que a
responsabilidade entre os estados é solidária também hoje é pressuposto, na
medida em que decidiu que:

“O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos


deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes fede-
rados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isolada-
mente ou conjuntamente”.

Todavia, embora o Poder Judiciário tenda a decidir pautado na responsabi-


lidade solidária, há espaço e relevância para a discussão acerca da respon-
sabilidade dos entes federados, tendo em vista a conformação do Sistema
Único de Saúde como uma rede interfederativa que é regulamentada por
legislação federal que prevê explicitamente as competências de cada um dos
entes, bem como os espaços de articulação e decisão dessas pactuações. Em
caso de descumprimento dessas disposições, para além do pacto federativo,
fica a possibilidade de um ente chamar ao outro a responsabilidade que lhe
cabe (SANTOS & ANDRADE, 2011). Esta possibilidade também é tratada na
decisão do Supremo Tribunal Federal supramencionada.

Ademais, é admitida a possibilidade de um ente federado ser ressarcido pelo


outro, dado que há uma responsabilidade específica para cada um deles. Não
se ignora, no entanto, que existem “zonas de certezas” e “zonas de incerte-
zas”, como discutido por Morozowski e Oliveira em seu artigo intitulado “Da
responsabilidade solidária na assistência à saúde no SUS”.

Sumário 400
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

A luz que se deve lançar sobre essas zonas de certezas e incertezas está pre-
sente na Lei nº 12.401/11, que esclarece a necessidade da existência de proto-
colos clínicos definidos. Na ausência desses, tais definições devem ocorrer de
forma pactuada no âmbito das Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite
(art. 19-M e art. 19-P).

Ademais, as Portarias Ministeriais nº 204/2007, 1555/2013 e 1554/2013 já


desenharam o norte que guia a definição dos componentes básicos, estraté-
gico e especializado, esclarecendo como se dá o financiamento da assistência
farmacêutica e, inclusive, deixando claro que é opção da União a compra
centralizada do rol de medicamentos ali descritos, uma vez que a Portaria é
de lavra do Ministro da Saúde.

Assim, para além do que já existe, e deve ser forçosamente utilizado para
atribuir a competência correta de cada ente federado, há que se lançar mão,
onde houver zona cinzenta, daquilo que foi pactuado nas Comissões Inter-
gestores Bipartite e Tripartite.

Desenvolvimento
O estudo foi realizado na Farmácia Judicial, que é responsável pelo atendi-
mento dos mandados judiciais impetrados contra a Prefeitura Municipal de
Campinas. Apesar de os atendimentos envolverem dietas, suplementos ali-
mentares, itens de enfermagem, higiene pessoal, equipamento, entre outros.
O objetivo do estudo foi mensurar o estoque de medicamentos da farmácia
por meio da classificação ABC e da análise baseada na complexidade e valo-
res dos tratamentos.

Em 2020, a Farmácia Judicial do município atendeu a 539 processos judiciais


que visavam o fornecimento de medicamentos, englobando no total 378 tipos
distintos de medicamentos de diversas classes farmacológicas.

A curva ABC de estoques teve sua origem em estudos realizados pelo eco-
nomista e sociólogo italiano Wilfredo Frederigo Samaso, ou mais conhecido

Sumário 401
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

como Vilfredo Pareto, que viveu entre os anos 1848 e 1923. Pareto observou
que uma pequena parcela da população desses países, em torno de 20%,
concentrava a maior parte da riqueza, cerca de 80%. Ele observou uma re-
gularidade na distribuição da renda nesses países, a qual não dependia das
características específicas dessas nações (VIANA, 2000). A curva ABC é um
procedimento que tem por objetivo identificar os produtos em função dos
valores que eles representam e, com isso, estabelecer formas de gestão apro-
priadas à importância de cada item em relação ao valor total dos estoques
(VECINA E REINHARDT, 1998).

As informações buscadas para desenhar a curva ABC foram obtidas por meio
do sistema informatizado utilizado pela Secretaria Municipal de Saúde para
auxiliar na gestão de estoque e consideraram o período de janeiro a dezem-
bro de 2020. Este sistema foi parametrizado para fornecer, como valor unitá-
rio médio, o valor referente às últimas aquisições do item.

Os dados obtidos pelo sistema informatizado foram organizados em uma pla-


nilha de Excel em quatro colunas: medicamentos fornecidos por meio de
ações judiciais em 2020, quantidade, valor unitário médio e valor total. Foi
calculado o percentual de cada item frente ao valor total e ordenada a plani-
lha de acordo com o valor de cada medicamento, para posteriormente clas-
sificar as curvas:

Tabela 1: Dados obtidos por meio da curva ABC para medicamentos dispensados
pela Farmácia Judicial do Município de Campinas

Percentual Percentual
Quantidades de referente referente
Curvas Valor (R$)
medicamentos à quantidade ao valor total
total de itens (%) dos itens (%)

A 33 8,7% R$ 6.799.037 79,7%

B 63 16,7% R$ 1.361.803,1 16%

C 282 74,6% R$ 368.334,9 4,3%

Total 378 100% R$ 8.529.175 100%

Sumário 402
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Conforme Portarias nº 204/GM de 2007, nº 1.554/2013 e nº 1.555/2013, o fi-


nanciamento das ações de saúde é organizado em blocos, sendo a Assistência
Farmacêutica um desses blocos. E esta se divide em três componentes: básico,
estratégico e especializado.

O Componente Básico destina-se à aquisição de medicamentos da atenção


básica e sua gestão é de responsabilidade dos municípios.

O Componente Estratégico abrange os medicamentos utilizados para trata-


mento de doenças de perfil endêmico ou com grande impacto socioeconô-
mico, segundo classificação do Ministério da Saúde. Tais medicamentos são
adquiridos pelo Ministério da Saúde, distribuídos aos estados e a sua dis-
pensação se dá, via de regra, por meio das Unidades Básicas de Saúde dos
municípios onde reside o paciente.

O Componente Especializado da Assistência Farmacêutica abrange três gru-


pos de medicamentos:

Grupo 1: ubdividido em 1A e 1B: financiamento compete exclusivamente ao Minis-


tério da Saúde, engloba medicamentos indicados para doenças com trata-
mentos de maior complexidade e com elevado impacto financeiro. Esses
medicamentos são dispensados pelos Estados;

Grupo 2: constituído por medicamentos cujo financiamento compete aos Estados;

Grupo 3: constituído por medicamentos cuja responsabilidade pelo financiamento é


tripartite e a dispensação é de responsabilidade dos municípios.

Diante das ponderações apresentadas, iniciamos a análise de cada grupo es-


tabelecido por meio da curva ABC:

GRUPO A

É o grupo de itens de maior importância financeira. Este grupo representa


apenas 8,7% dos itens fornecidos pela Farmácia Judicial, porém representa o
maior gasto, 79,7% do total despendido com medicamentos.

Sumário 403
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

O valor médio dos itens neste grupo é de R$ 3.151,20.

Dentre os medicamentos que compõem este grupo, observa-se que 39% são
medicamentos destinados ao tratamento oncológico como Ibrutinib, Nivo-
lumabe, Vismodegibe, Abiraterona, Bevacizumabe, Vemurafenibe, Daratu-
mumabe, Cobimetinibe, Trastuzumabe Entansina, Rituximabe, Pazopanibe e
Pertuzumabe. Estes medicamentos representam 28,53% do valor total gasto
pelo município de Campinas para atendimento de mandados judiciais que
visam o fornecimento de medicamentos.

A Portaria GM/MS nº 874, de 16 de maio de 2013 estabelece a Política Na-


cional para a Prevenção e Controle do Câncer e define que os tratamentos
especializados de alta complexidade e densidade tecnológica para as pes-
soas com câncer são oferecidos pelos hospitais habilitados pelo Ministério da
Saúde como UNACON (Unidade de Assistência de Alta Complexidade em
Oncologia) e como CACON (Centro de Assistência de Alta Complexidade
em Oncologia) e hospitais gerais com cirurgia oncológica. Os medicamentos
oncológicos devem ser fornecidos por estas Unidades, que são ressarcidas
pelo Ministério da Saúde. Ou seja, o custeio de tratamentos oncológicos é
de incumbência exclusiva da União. Neste contexto e em consonância com
a Portaria GM/MS nº 874, a responsabilidade pelo custeio de tratamentos
oncológicos demandados por meio de ações judiciais não deve ser atribuída
à esfera municipal.

Também integrando o grupo A está o medicamento Ocrelizumabe 30 mg/ml,


utilizado no tratamento de esclerose múltipla. Este medicamento apresentou
o maior valor unitário médio do rol de medicamentos fornecidos, com cada
frasco custando ao município R$ 24.581,86. A incidência da Esclerose Múlti-
pla no Brasil é baixa, de cerca de 10 casos a cada 100 mil habitantes (ABEM,
2010). Este medicamento foi aprovado pela ANVISA em 2018, mas não cons-
ta na lista dos medicamentos autorizados a serem fornecidos pelo SUS.

Conforme arts. 3º, 4º e 5º da Portaria nº 1554/2013 do Ministério da Saúde,


compete exclusivamente à União o financiamento de medicamentos indica-

Sumário 404
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

dos para os tratamentos de doenças de maior complexidade e com elevado


impacto financeiro, como é o caso da maioria dos medicamentos que com-
põem este grupo.

GRUPO B

É composto pelo grupo intermediário. Este grupo representa 16,7% dos itens
fornecidos pela Farmácia Judicial e representa 16% do valor total consumido
em 2020.

Este grupo apresentou valor médio unitário de R$ 859,95.

Este grupo envolve tratamentos de diferentes complexidades como onco-


lógicos, hormonais, antiagregantes plaquetários, psicoestimulantes, agentes
formadores de ossos, antivirais, entre outros. Envolvendo tratamentos incor-
porados e não incorporados no SUS.

Desta forma, para este grupo também seria necessária a análise e discussão
visando a divisão de responsabilidade entre as esferas de governo e participa-
ção das esferas Estadual e Federal.

GRUPO C

São os itens de menor relevância financeira, porém representam 74,6% dos


medicamentos fornecidos pela Farmácia Judicial e apenas 4,3% dos gastos totais.

Este grupo apresentou o valor médio unitário de R$ 41,49.

O grupo C é constituído pela maior gama de medicamentos envolvendo


tratamentos incorporados e não incorporados pelo Sistema Único de Saúde
como anti-hipertensivos (Telmisartana, Olmesartana, Valsartana, Losarta-
na, Enalapril, Propranolol), antidiabéticos orais (Metformina, Vildagliptina,
Dapagliflozina, Canagliflozina, Fosfato de Sitagliptina, Pioglitazona, Gliclazi-
da, Glimepirida e Empagliflozina), hipolipemiantes (Rosuvastatina, Atorvas-

Sumário 405
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

tatina, Sinvastatina, Ezetimiba e Ciprofibrato), entre outras classes farmacoló-


gicas relacionadas principalmente às patologias que acometem grande parte
da população de nosso país.

Desta forma, este grupo é composto de itens com menor custo e em grande
parte menor complexidade. Neste grupo, alguns medicamentos como, por
exemplo, Losartana, Enalapril, Propanolol, Metformina, Glicazida, Sinvasta-
tina, são incorporados pelo SUS, integram a Relação Municipal de Medica-
mentos e são distribuídos gratuitamente nas Unidades Básicas do município.

Para isso, o município adquire regularmente medicamentos essenciais que


compõem a Relação Municipal de Medicamentos (REMUME) e são disponi-
bilizados nas Unidades e Serviços de Saúde do Município. De acordo com a
Política Nacional de Medicamentos (1998) os medicamentos essenciais são:

“O elenco dos medicamentos considerados básicos e indispensáveis para


atender a maioria dos problemas de saúde da população, e que devem ser
disponibilizados continuamente aos segmentos da sociedade que deles ne-
cessitem, nas formas farmacêuticas apropriadas, e compondo uma relação
nacional de referência que serve de base para o direcionamento da produ-
ção farmacêutica e para o desenvolvimento científico e tecnológico, bem
como para definição de listas de medicamentos essenciais nos âmbitos esta-
dual e municipal, que por sua vez, serão estabelecidas com o apoio de gestor
federal e segundo a situação epidemiológica respectiva.”

Estes medicamentos essenciais não são medicamentos de segunda categoria


selecionados para pessoas com poucos recursos, mas sim o tratamento mais
custo-efetivo para uma dada condição patológica. A perspectiva adotada na
seleção dos medicamentos essenciais é epidemiológica e busca refletir ne-
cessidades coletivas, ao invés de perspectivas individuais ou de segmentos
específicos (HOGERZEIL, 2004).

O valor unitário médio para os medicamentos padronizados pelo município


(REMUME) é de aproximadamente R$5,28.

Quando comparamos o valor médio unitário dos itens que compõem os gru-
pos A, B e C com os medicamentos que compõem a REMUME a diferença é

Sumário 406
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

exorbitante. No entanto, comparando o grupo A (valor médio R$3.151,20) e


o B (valor médio R$ 859,95), a diferença é ainda mais expressiva.

Os resultados apresentados demonstram que um pequeno número de itens é


responsável pelo comprometimento de um grande volume de recursos des-
pendidos com medicamento, sendo que este alto valor do orçamento público
comprometido destina-se ao atendimento de um número muito pequeno da
população do município.

De acordo com levantamento do IBGE em 2020, o município de Campinas


possui 1.213.792 habitantes e atendeu a 539 pessoas por meio de mandados
judiciais que demandaram o fornecimento de medicamentos, o que repre-
senta uma parcela de 0,04% da população do município.

Estes tratamentos com altos valores e envolvendo tratamentos de alta com-


plexidade causam um impacto financeiro significativo nas finanças do mu-
nicípio. O aumento da judicialização da saúde no Brasil gera a necessidade
da construção e pactuação tripartite, no modelo similar ao bloco de finan-
ciamento da Assistência Farmacêutica, de modo que haja otimização dos re-
cursos orçamentários disponíveis, evitando a sobrecarga dos municípios ou
demais esferas governamentais.

Esta afirmação ganha maior relevo na medida da fixação da tese pelo Supre-
mo Tribunal Federal no âmbito do Tema 793:

“Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são so-


lidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde,
e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização,
compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as re-
gras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem
suportou o ônus financeiro”.

Deste modo, importante que se passe a decidir minimamente apontando


qual o ente federado responsável pelo cumprimento da ordem judicial.

Sumário 407
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Conclusão
O cenário encontrado no município de Campinas, embora num contexto
administrativo organizado no que diz respeito ao tratamento que se dá às
ações judiciais, demonstra claramente o peso que as condenações trazem ao
orçamento municipal quando relacionadas a itens que não são de responsa-
bilidade do município, mas da União ou do Estado.

Se não houver o cumprimento da legislação vigente e da racionalidade inter-


federativa na aplicação dos recursos, fica para o município, o ente mais frágil
financeiramente, arcar com tratamentos que, de fato, não são de sua respon-
sabilidade quando observadas as normas que atualmente regulamentam o
Sistema Único de Saúde.

Por certo que não se pretende afrontar ou negar o direito inegável do pa-
ciente-cidadão solicitante e tampouco os princípios fundamentais do direito
sanitário. No entanto, propõe-se que, internamente na rede interfederativa
e perante o Judiciário, deve-se buscar e insistir para que a racionalidade
já regulamentada seja realidade tangível nos municípios deste país. Esse
entendimento é especialmente relevante ao se levar em conta que estes tra-
vam sua luta diuturna para também garantir a segurança farmacêutica do
paciente-cidadão, analisando detidamente as ações judiciais e as prescrições
realizadas e solicitando as adequações pertinentes que resultem em melhor
cumprimento da integralidade da assistência. Esta detida avaliação só pode
ser realizada no “varejo” e individualmente, e não com discussões genéricas
realizadas no “atacado”, incapazes de considerar sutilezas da judicialização
da saúde.

Referências
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mento. ABEM. Disponibilidade: http://www.abem.org.br/incidencia.html. Acesso em:
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Sumário 408
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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controle. Brasília, DF; 2007. Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/
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BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria Nº 1554, de 30 de julho de 2013. Dispõe


sobre as normas de financiamento e execução do componente especializado da assis-
tência farmacêutica no âmbito do sistema único de saúde. Disponível em:http://
bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt1555_30_07_2013.html. Acesso em 15
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Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/ prt0874_16_05_2013.
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Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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Sumário 410
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Impacto econômico da judicialização


na política da assistência farmacêutica
em Campinas – SP
Stefane Cristina Paixão Oliveira1
Rodrigo César Maure2
Érica Mayumi Tanaka3
Marília Berlofa Visacri4

Resumo
A Assistência Farmacêutica (AF) é o conjunto de ações
voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde,
tendo o medicamento como insumo essencial e visa seu
acesso e uso racional. Os recursos financeiros destinados
pela esfera municipal do Sistema Único de Saúde (SUS)
para compra de medicamentos pela via judicial crescem a
cada ano. Diante deste contexto, o objetivo deste estudo

1 Graduada em Farmácia - UNIPAC; Gestora Pública na Coordenação de Convênios da Assistência


Hospitalar no Departamento de Gestão e Desenvolvimento Organizacional; Secretaria Municipal de
Saúde de Campinas; Lattes: http://lattes.cnpq.br/5267211327604644.
2 Graduado em Farmácia- UFINAL-MG, Coordenador da Farmácia Sub Judice no Departamento
Administrativo; Secretaria Municipal de Saúde de Campinas.
3 Graduada em Farmácia - UEM e Direito - PUCCAMP; Coordenadora da Farmácia de Manipu-
lação Municipal Botica da Família; Secretaria Municipal de Saúde de Campinas; Lattes: http://lattes.
cnpq.br/6655139627048990.
4 Graduada em Farmácia - UNICAMP; Pesquisadora de Pós-Doutorado, Faculdade de Ciências Mé-
dicas/UNICAMP; Lattes: http://lattes.cnpq.br/8996541751566260.

Sumário 411
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

foi caracterizar o perfil das demandas no contexto da ju-


dicialização da AF em Campinas com enfoque no impac-
to econômico. Trata-se de um estudo retrospectivo, des-
critivo e quantitativo, composto por dados da Secretaria
Municipal de Saúde de Campinas coletados dos registros
de cumprimento a decisões judiciais da Farmácia Sub Ju-
dice. Essas informações estão relacionadas à dispensação
de medicamentos, material médico-hospitalar e/ou nutri-
ção enteral no ano de 2020. Para avaliação do impacto
econômico, também foram coletadas informações finan-
ceiras do Fundo Municipal de Saúde (FMS) dos valores
liquidados para custeio da AF nos anos de 2016 a 2020.
No total, foram demandados 500 itens diferentes (344
medicamentos). Os antineoplásicos e imunomoduladores
foram os de maior impacto orçamentário, considerando
análise da curva ABC. Os valores gastos no cumprimen-
to de decisões judiciais passaram de 5,4 milhões de reais
em 2016 para mais de 9,6 milhões de reais em 2020 (au-
mento de 78%), o que representa 28% de todo o recurso
destinado ao custeio da AF do município, mas beneficia
apenas 0,056% dos munícipes. Com isso, conclui-se que
as demandas judiciais provocaram um impacto econômi-
co negativo na gestão em saúde, gerando uma distribui-
ção não equânime dos recursos.

Palavras-chave: Judicialização da Saúde; Assistência Farma-


cêutica; Acesso a Medicamentos Essenciais e Tecnologias em
Saúde; Políticas Públicas de Saúde.

Sumário 412
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
A Constituição Federal Brasileira de 1988 (CF/88) consagrou a saúde como
um direito social (art. 6º da CF/88), um direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do ris-
co de doença e de outros agravos, bem como o acesso universal e igualitário
às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196 da
CF/88). Para isso, o Estado brasileiro, por meio da cooperação mútua entre
a União, os Estados e os Municípios, tem a responsabilidade de formular
e executar as políticas de saúde visando o equilíbrio do desenvolvimento e
do bem-estar-social (art. 23, art. 24 e art. 30 da CF/88) (BRASIL, 1988). No
entanto, este direito é constantemente submetido para apreciação judiciária,
o que implica altos gastos públicos, dificultando direta ou indiretamente a in-
serção de políticas públicas, principalmente da Assistência Farmacêutica (AF)
(MAPELLI JUNIOR, 2015).

A AF está incluída no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) no


art. 6 da Lei 8.080/90 e objetiva a execução de ações e de serviços que visem
assegurar a assistência terapêutica integral e a promoção, a proteção e a re-
cuperação da saúde nos estabelecimentos públicos e privados que desempe-
nhem atividades farmacêuticas, tendo o medicamento como insumo essencial
e visando ao seu acesso e ao seu uso racional (BRASIL, 1990; BRASIL, 2014).

No Brasil, o item mais demandado em ações judiciais em saúde é o medi-


camento (VENTURA et al., 2010; RODRIGUES et al., 2020; BATISTELLA
et al., 2019; FIOCRUZ, 2018). Mesmo com os avanços nas políticas e ações
públicas de AF, a demanda judicial individualizada contra os entes públicos
teve um crescimento exponencial nos últimos anos (NISIHARA et al., 2017)
em todas as instâncias judiciais, o que evidencia que ainda há dificuldades
de acesso da população aos medicamentos necessários à assistência integral à
saúde (VENTURA et al., 2010).

A escolha da via judicial para pedidos de medicamentos e outros insumos de


saúde pode advir da ineficiência das políticas públicas de saúde, especialmen-

Sumário 413
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

te devido à escassez dos recursos econômicos face às necessidades individuais


ilimitadas (BESSA & COÊLHO, 2016; SILVA, 2019). Por vezes, podem ser
influenciadas pela indústria farmacêutica para abertura de mercado no SUS
de medicamentos novos, pela prescrição médica por marca, ou off label ou
de alto custo para doenças raras não incorporados ao SUS (VENTURA et al.,
2010; PAIM et al., 2017; DINIZ et al., 2012; BATISTELLA et al., 2019). No
entanto, o deferimento destas tutelas judiciais precisa ser coerente e contex-
tualizado dentro das políticas já estabelecidas de forma universal, igualitária
e democrática, mediando o conflito entre o direito individual e da coletivida-
de (MAPELLI JUNIOR, 2015; BRASIL, 2014; VENTURA et al., 2010).

Estudos empíricos de direito à saúde evidenciam que, em geral, a resposta


judicial tem se limitado a determinar o cumprimento pelos gestores de saúde
da prestação requerida pelos reivindicantes. Estes tendem a ser respaldados
precipuamente na prescrição médica individual como única prova proces-
sual, sem outros meios de prova que constatem se a prescrição era adequada
e que assegurem o uso racional de medicamentos na perspectiva da proteção
e segurança do paciente, mediante a apresentação de defesas técnicas consis-
tentes e concordantes com os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas
(PCDT), a existência de alternativas terapêuticas, registro do medicamento
na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a indicação do ente
responsável pela provisão conforme as normativas SUS. Outro dado impor-
tante abordado foi a recorrente concessão liminar do Judiciário, com acolhi-
mento quase absoluto dos pedidos de antecipação da tutela judicial. Além
disso, foi observada pouca disposição dos réus para recorrer das liminares
(VENTURA et al., 2010; RODRIGUES et al., 2020; NISIHARA et al., 2017;
SANT’ANA et al., 2011).

Reforça-se que o SUS é alicerçado em diretrizes de descentralização, regio-


nalização e hierarquização que são estratégias de organização do sistema de
saúde. Com relação ao fornecimento de medicamentos, em particular, foi
instituída a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF) (BRASIL,
2004) que, por meio da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RE-

Sumário 414
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

NAME) (BRASIL, 2020), organiza o acesso aos medicamentos do SUS e atri-


bui responsabilidades e financiamentos específicos para cada ente federativo.

Relativo, especificamente, à AF, a judicialização favorece: a) sujeição a mo-


nopólios de distribuição dos medicamentos; b) perda da capacidade de ad-
ministrar compras; c) a ineficiência em relação à escala; d) dificuldade de
controle das quantidades consumidas e estocadas; e) alocação desigual de
recursos (SANT’ANA et al., 2011). Portanto, mesmo nos casos de demandas
justas, a judicialização traz consequências econômicas para a organização
da política.

A determinação da aquisição individual obrigatória e imediata de medica-


mentos, sem licitação, afasta ainda qualquer planejamento e negociação, tra-
zendo como consequência um impacto econômico significativo nos orçamen-
tos destinados à saúde pública (DINIZ et al., 2012), indo na contramão da Lei
Federal 14.133/2021, que visa economicidade no uso dos recursos públicos
nas compras públicas (BRASIL, 2021).

Diante desta perspectiva, este trabalho objetivou caracterizar o perfil das de-
mandas judiciais sobre o direito à saúde no contexto da judicialização da
Política de Medicamentos em Campinas - SP, com enfoque no impacto eco-
nômico desse fenômeno no Sistema Público Municipal de Saúde. O presente
diagnóstico pode permitir aos gestores da saúde pública um efetivo planeja-
mento, com estabelecimento de medidas que reduzam os custos atuais decor-
rentes dessas ações judiciais e possibilite que os recursos sejam destinados de
acordo com as políticas de AF implementadas.

Metodologia
O presente estudo é um trabalho retrospectivo, descritivo e quantitativo ba-
seado na análise dos dados extraídos do registro informatizado (Banco de
dados Access) das demandas judiciais, coordenadas pela Farmácia Sub Ju-
dice e das informações quanto ao financiamento da AF fornecidas pelo Fun-

Sumário 415
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

do Municipal de Saúde (FMS), ambos da Secretaria Municipal de Saúde de


Campinas - SP.

Definiu-se como universo da pesquisa as ações judiciais atendidas no ano


de 2020, movidas por pacientes que receberam medicamentos e/ou outros
insumos (material-médico hospitalar, acessórios, nutrição enteral) contra o
município de Campinas - SP, tanto por origem pública quanto privada.

Para avaliar as características dos medicamentos, as variáveis construídas


para o estudo deu-se inicialmente pela elaboração da Curva ABC. A classifi-
cação obtida pela Curva ABC nos permitiu separar os itens em três grupos:
A - grupo de itens mais importantes (quantidade pequena e alto custo unitá-
rio); B - itens em situação intermediária entre as classes A e C; C - itens menos
importantes (quantidade grande e pequeno custo unitário) (CAVALLINI &
BISSON, 2010). Em seguida, os medicamentos classificados na Curva ABC
como A ou B, foram verificados e tabulados os seguintes dados:

a) Já pertencer a uma das listas oficiais do SUS: RENAME 2020 (BRASIL, 2020);
Relação Municipal de Medicamentos Essenciais - REMUNE / Lista de Medi-
camentos Padronizados para dispensação nas unidades de saúde (02/02/2021)
(PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS, 2021);

b) Disponibilidade para venda no país (registro na ANVISA com preço aprova-


do na Lista da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos - CMED,
publicada em 01/02/2021) (CMED, 2020);

c) Classificação terapêutica do medicamento segundo as normas farmacológicas


da Anatomical Therapeutic Chemical Classification (ATCC) da Organização Mun-
dial da Saúde (OMS) (WHOCC, 2021);

d) Prescrição médica de acordo com a Denominação Comum Brasileira (DCB)


ou por marca comercial;

e) Disponibilidade de equivalente terapêutico (genérico ou similar).

Após, também se caracterizou as demandas por materiais médico-hospitala-


res, insumos e acessórios e por nutrição enteral e suplementos nutricionais.

Sumário 416
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Para avaliação do impacto econômico da judicialização no valor global desti-


nado ao custeio da AF, foram tabulados os dados financeiros do FMS com os
registros dos valores liquidados, por ano e por fonte de recurso, extraindo
deste valor despendido no cumprimento das demandas judiciais nos últimos
cinco anos (2016 - 2020).

Em relação aos aspectos éticos, os resultados apresentados neste artigo não


permitiram, de nenhuma forma, a identificação dos sujeitos demandantes ou
seus representantes, e obedeceram a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018
– Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGDP). A apresentação dos dados
foi autorizada pelo Secretário Municipal de Saúde – Autorização 001/2021.

Resultados
O município de Campinas - SP possui 1.213.792 habitantes (IBGE, 2020) e,
em 2020, 678 pacientes (0,056%) tiveram acesso a pelo menos um medica-
mento, material médico-hospitalar e/ou nutrição enteral/suplementos pela
Prefeitura Municipal de Campinas via decisões judiciais individuais, o que
representou um gasto total anual em dispensações realizadas pela Farmácia
Sub Judice (saídas) superior a 10,5 milhões de reais.

Análise dos dados extraídos do registro informatizado da Farmácia Sub Ju-


dice permitiu verificar que em 2020 foram cadastrados 117 novos processos
judiciais: 72 (61%) provenientes de prescrições de médicos particulares, 44
(38%) emitidas pelo SUS e 1 (1%) não declarado. Outra informação relevante
foi que 77 (66%) foram demandados por advogados particulares, 36 (31%)
por defensores públicos e 4 (3%) não informados, demonstrando serem ma-
joritárias as representações por médicos e advogados particulares.

No total, 500 tipos de itens foram dispensados, dos quais 12% pertencem à
Curva A, 17% à Curva B e 72% à Curva C e representam 80%, 15% e 5% dos
gastos, respectivamente. O grupo de itens mais requerido judicialmente foi o
de medicamento (344 itens diferentes, 71% do gasto anual), seguido por ma-

Sumário 417
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

terial médico-hospitalar (130 itens diferentes, 21% do gasto anual) e nutrição


enteral / suplementos (26 itens diferentes, 8% do gasto anual). As diferentes
apresentações dos medicamentos requisitados referiam-se a 234 princípios ati-
vos, isolados ou em combinação, e totalizaram um gasto anual superior a R$
7,4 milhões de reais, dos quais 12% poderiam ter sido fornecidos pelo progra-
ma de AF Municipal - SUS sem necessidade de judicialização, Tabela 1.

Tabela 1: Proporção dos itens de medicamentos solicitados nas ações judiciais em relação
à apresentação farmacêutica disponível para compra no mercado nacional e o recurso
financeiro requerido para aquisição pelo Município de Campinas, São Paulo, Brasil, 2020.

Medicamentos solici- Número de apresentações Total financeiro requerido


tados farmacêuticas (n, %) (R$, %)

Medicamentos
15 (4%) R$ 10.794,97 (0,1%)
manipulados

Medicamento
importado, sem
3 (1%) R$ 93.335,62 (1,3%)
registro ANVISA e
aprovação CMED

Medicamento com
registro ANVISA
286 (83%) R$ 7.329.071,28 (98,1%)
e aprovação CMED,
fora da REMUNE

Medicamento com
registro ANVISA
e aprovação CMED, 40 (12%) R$ 34.337,87 (0,5%)
constante na
REMUNE

Total 344 (100%) R$ 7.467.539,74 (100%)

Fonte: Sistema de registro informatizado, Farmácia Sub Judice, 2020 / Relação de medicamentos padronizados
para dispensação nas unidades de saúde, 2021. Secretaria Municipal de Saúde de Campinas / São Paulo.

A análise da Curva ABC dos medicamentos organizados por princípio ativo,


demonstra que 8,5% dos itens pertencem à Curva A (20 itens), 11,5% Curva
B (27 itens) e 80% (187 itens) à Curva C, Figura 1.

Sumário 418
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Figura 1: Curva ABC, medicamentos, por princípio ativo (isolados ou em combinação)

100,0%
% do valor total (custo)

80,0%

60,0%

40,0%

20,0%

0,0%
Itens Individualmente
% Individual % Acumulada

Fonte: Sistema de registro informatizado, Farmácia Sub Judice, 2020.

Os medicamentos classificados na Curva ABC como A e B, juntos, custaram


aos cofres públicos 95% dos recursos totais das despesas decorrentes de ação
judicial. Sete medicamentos (nintedanibe, omalizumabe, ibrutinibe, pirfeni-
dona, nivolumabe, insulina glargina e benralizumabe) responderam por mais
de 50% deste total, entre eles, seis são novos, prescritos por marca, sem equi-
valente farmacêutico e não incorporados ao SUS.

Ainda relativo às características dos medicamentos da Curva A e B:

a) 23,4% dos medicamentos pertencem ao Componente Especializado da Assis-


tência Farmacêutica (CEAF) (RENAME 2020);

b) 2% dos medicamentos pertencem tanto à REMUME quanto ao CEAF;

c) Duas das tecnologias (4%): caneta auto injetável de adrenalina 0,3 mg (agente
adrenérgico) e sulfonato de poliestireno 454g (tratamento de hipercalemia e
hiperfosfatemia) não estão disponibilizadas no mercado nacional, requerendo
importação cujo preço não é regulado pela CMED;

d) Em relação à classificação terapêutica dos medicamentos, verificou-se que a


maior frequência foi de antineoplásicos e imunomoduladores (51,1%), apare-
lho digestivo e o metabolismo (17,0%) - em especial, agentes antidiabéticos,
sistema nervoso e respiratório (6,4%), Tabela 2;

Sumário 419
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

e) 74,5% foram prescritos com nome comercial, em desacordo com a DCB, dos
quais 38,3% possuíam equivalente terapêutico;

f) 61,7% são medicamentos novos e, destes, 45% medicamentos pertencem à


Curva A e 55% à Curva B dos quais, 51,7% são agentes antineoplásicos e
imunomoduladores.

Tabela 2: Distribuição, segundo 1º nível da Anatomical Therapeutic Chemical


Classification (ATCC), dos fármacos presentes nas Curvas A e B dispensados pela Farmácia
Sub Judice, Secretaria Municipal de Saúde, Município de Campinas, São Paulo, Brasil, 2020.

Classificação ATC Porcentagem em relação


Número de itens (n)
(1° nível) ao número de itens (%)

Agentes antineoplásicos e
24 51,1%
imunomoduladores

Aparelho digestivo e
8 17,0%
metabolismo

Sistema nervoso 3 6,4%

Sistema respiratório 3 6,4%

Sistema cardiovascular 2 4,3%

Sangue e órgãos
2 4,3%
hematopoiéticos

Agentes anti infecciosos


1 2,1%
para uso sistêmico

Órgãos sensoriais 1 2,1%

Agentes dermatológicos 1 2,1%

Hormônios e análogos 1 2,1%

Vários 1 2,1%

Total 47 100%

Fonte: Sistema de registro informatizado, Farmácia Sub Judice, 2020.

Relativo aos materiais médico-hospitalares, insumos e acessórios, foi pos-


sível inferir que 256 pacientes solicitaram judicialmente um ou mais dos
130 itens dispensados pela Farmácia Sub Judice durante o ano de 2020,

Sumário 420
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

totalizando um valor de quase de 2,2 milhões de reais. Destes, 71% do valor


gasto correspondem a 50 itens utilizados no tratamento da doença Diabetes
Mellitus, Tabela 3.

Tabela 3: Materiais médico-hospitalares, insumos e acessórios dispensados pela Farmácia


Sub Judice, Secretaria Municipal de Saúde, Município de Campinas, São Paulo, Brasil, 2020

Porcentagem em
Materiais médico-hospi- Itens diferentes Valor total
relação ao valor
talares (n) (R$)
(%)

Bombas de infusão de
21 1.196.213,08 54,5%
insulina e acessórios

Outros acessórios e
29 360.959,24 16,4%
insumos para diabetes

Fraldas / toalhas
28 325.162,33 14,8%
umedecidas

Dispositivos e acessórios
7 148.951,18 6,8%
do trato geniturinário

Dispositivos e acessórios
6 63.140,75 2,9%
de traqueostomia

Dispositivos e acessórios
de nutrição enteral e 13 37.339,98 1,7%
parenteral

Aparelho auditivo 1 31.500,00 1,4%

Luvas / máscaras
8 16.084,79 0,7%
cirúrgicas

Curativos e insumos 9 13.913,91 0,6%

Antissépticos de pele e
6 3.016,77 0,1%
mucosas

Coletor de artigos
perfurocortantes / sacos 2 74,52 0,0%
de lixo descartáveis

Total 130 2.196.356,55 100%

Fonte: Sistema de registro informatizado, Farmácia Sub Judice, 2020.

Sumário 421
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Salienta-se que a maioria das ações judiciais foi determinada que os itens ti-
vessem marcas específicas. Desta forma, mesmo existindo diversos itens com
a mesma função terapêutica, obriga-se que o município entregue a marca
específica. Além disso, 42 (32,6%) itens dos materiais médico-hospitalares es-
tavam previstos em algum programa ofertado pelo SUS do município ou
poderiam ser substituídos por algum item existente.

Relativo às aquisições para atendimento de demanda judicial de nutrição en-


teral e suplementos nutricionais, para atendimento a usuários com necessi-
dade alimentar especial, houve requerimento de 15 tipos de fórmulas nutri-
cionais, solicitadas por marcas específicas, totalizando 26 apresentações, e um
gasto anual de aproximadamente 873 mil reais.

Em síntese, os valores liquidados pela Prefeitura Municipal de Campinas


para o cumprimento de decisões judiciais em AF passaram de 5,4 milhões de
reais em 2016 para mais de 9,6 milhões de reais em 2020, isto é, um aumento
de 78%, Figura 2, demonstrando que assim como em outras regiões do país
(NISIHARA et al., 2017; VENTURA et al., 2010) a judicialização da AF tem se
tornado uma prática crescente para acesso a medicamentos.

Figura 2: Total liquidado pela Prefeitura Municipal de Saúde objetivando o


cumprimento de decisões judiciais referentes à Assistência Farmacêutica, Secretaria
Municipal de Saúde, Município de Campinas, São Paulo, Brasil, 2016 a 2020

2020 R$ 9.650.031,74

2019 R$ 10.428.621,11

2018 R$ 10.372.125,02

2017 R$ 5.978.397

2016 R$ 5.451.662

Total liquidado (milhões)

Fonte: Fundo Municipal de Saúde da Prefeitura Municipal de Campinas.

Sumário 422
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

No ano de 2020, excetuando-se os gastos da AF destinado ao enfrentamento


da pandemia de infecção humana pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) no
âmbito do SUS de Campinas - SP, o valor total de recursos públicos destina-
dos ao custeio da AF foi de cerca de 31 milhões de reais, incluindo as despesas
com demandas judiciais, antecipação de tutela e depósito judicial. O financia-
mento se deu 64% com Recursos Municipais, 13% com Recursos Estaduais e
23% com Recursos Federais. Ressalta-se que todo o financiamento do custeio
no cumprimento de demandas judiciais é realizado exclusivamente com Re-
cursos Municipais, gerando impacto financeiro maior a este ente.

Discussão
Este trabalho construiu um diagnóstico da judicialização no município de
Campinas - SP e mensurou o impacto econômico global das demandas judi-
ciais sobre os recursos totais utilizados no financiamento da AF no município
em 2020, bem como os recursos liquidados a fim de cumprimento de ações
judiciais na Assistência nos últimos cinco anos (2016 - 2020).

O item mais requerido judicialmente foi o medicamento, o que vai ao en-


contro do descrito na literatura (VENTURA et al.,2010; RODRIGUES et al.,
2020; BATISTELLA et al., 2019; OAPS, 2020; FIOCRUZ, 2018). Por meio
da análise da curva ABC dos medicamentos solicitados, identificou-se que 47
itens corresponderam a uma porcentagem elevada do total de custos (95%).
Entre eles, destacam-se o nintedanibe e ibrutinibe (antineoplásicos e imuno-
moduladores) e o omalizumabe (sistema respiratório) com alto valor unitário.

Estudos brasileiros mostraram que os principais medicamentos solicitados


pela via judicial são aqueles que atuam no sistema nervoso, sistema cardio-
vascular e aparelho digestivo e metabolismo (UCKER et al., 2006; CHIEFFI
& BARATA, 2009). Aqui, também, os medicamentos para o aparelho diges-
tivo e o metabolismo (especialmente os antidiabéticos) tiveram alta frequên-
cia. Entretanto, diferentemente do que era esperado, os antineoplásicos e
imunomoduladores foram os mais frequentes. Vale ressaltar que apenas os

Sumário 423
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

medicamentos das Curvas A e B foram classificados pela ATCC, pelo alto


custo que representam.

Ainda, foi observada uma grande variedade de insulinas sendo requeridas


(agentes antidiabéticos, subgrupo ATCC - aparelho digestivo e metabolismo);
muitas vezes um mesmo princípio ativo foi prescrito de várias maneiras, isto
é, diferentes apresentações (nomes comerciais, concentrações, volume, for-
mas de aplicação etc.). De fato, há um aumento de ações judiciais de insulinas
análogas no Brasil (LIMA et al., 2015). Com base nos dados da Secretaria de
Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE/MS) no período de 2010
a 2015, os medicamentos mais demandados judicialmente foram destinados
ao tratamento da diabetes e de doenças raras (JULIANO et al., 2018).

Além de medicamentos, notou-se também que materiais, acessórios e insumos


utilizados no tratamento da diabetes representaram um alto percentual dos
gastos com ações judiciais. Desta forma, fica nítida a necessidade de reorga-
nização dos programas voltados ao atendimento de pacientes com diabetes.

Importante ressaltar que apesar de 2020 ter sido um ano atípico devido à
pandemia causada pelo SARS-CoV-2, não foi observada mudança no perfil
das solicitações de itens da AF via judicialização.

O uso racional de medicamentos compreende a prescrição apropriada, a


disponibilidade oportuna e a preços acessíveis, a dispensação em condições
adequadas, bem como o consumo nas doses indicadas, nos intervalos defini-
dos e no período indicado de medicamentos eficazes, seguros e de qualidade
(STORPIRTIS & MENDES, 2008). Sabe-se que a promoção da prescrição
racional consiste em um dos maiores desafios para a gestão pública da AF,
especialmente a dos medicamentos novos e mais caros. Visto que o foco das
demandas judiciais de medicamentos, na perspectiva jurídica, é a saúde do
paciente litigante, é importante que a apreciação do Judiciário exija ao me-
nos o cumprimento dos requisitos mínimos para uma prescrição segura e
adequada, dos quais grande parte se trata de exigências legais das Leis Fede-
rais 5.991/73 e nº 9.787/99 (BRASIL, 1973; BRASIL, 1999), como elemento

Sumário 424
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

fundamental da promoção do uso racional do medicamento (SANT’ANA et


al., 2011; WHO, 1987).

Os resultados deste trabalho mostraram que em muitos casos não está ocor-
rendo uma prescrição racional. Por exemplo, mesmo itens que são ofer-
tados pelo SUS ou que poderiam ser substituídos por algum item com de
mesma função terapêutica são judicializados, como é o caso das insulinas
citadas previamente, indicando que o Poder Judiciário e os médicos pres-
critores não levam em consideração os protocolos e políticas públicas imple-
mentadas pelo SUS (CHIEFFI, 2017). Ainda, a maioria dos medicamentos
foi prescrita pelo nome comercial, em desacordo com a DCB, e outros não
tinham registro na ANVISA.

No Brasil, é notável a busca crescente por medicamentos pela via judicial,


tendo o fenômeno da judicialização em saúde crescido de maneira exponen-
cial (JULIANO et al., 2018). No período entre 2008 a 2015 houve aumento
de 74% no orçamento com medicamentos disponibilizados pelo SUS pelos
diferentes componentes, enquanto os medicamentos oriundos da via judicial
tiveram nesse período um aumento superior a 1000%, não respeitando os
princípios do SUS como o da equidade do acesso da população à saúde públi-
ca (DAVID et al., 2016). Nosso trabalho também retratou o impacto econômi-
co e a distribuição desigual de recursos relativos ao aumento do fenômeno de
judicialização ao mostrar que os valores gastos no cumprimento de decisões
judiciais em medicamentos, insumos e nutrição enteral saltaram de 5,4 mi-
lhões de reais em 2016 para mais de 9,6 milhões de reais em 2020 (aumento
de 78%), beneficiando apenas 678 pacientes, isto é, 0,056% dos 1.213.792
habitantes de Campinas (IBGE, 2020). Vale destacar que este valor liquidado
em 2020 representou 28% de todo o recurso público utilizado no custeio da
AF (foram excetuados os gastos da AF destinados ao custeio para o enfrenta-
mento da pandemia COVID-19 em 2020).

Ainda sobre a questão da distribuição desigual, foi observado que a maioria


das ações analisadas foi ajuizada por advogados particulares, demonstrando
que aqueles mais abastados financeiramente, e que podem arcar com os cus-

Sumário 425
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

tos de representações jurídicas privadas, acabam tendo maior acesso à saúde


por via judicial. Este resultado corrobora os achados de estudo sobre proces-
sos judiciais de solicitações de medicamentos à Secretaria de Estado da Saúde
de São Paulo (SES-SP) realizado em 2006 (CHIEFFI & BARATA, 2009) e
de estudo do Observatório de Análise Política em Saúde, que divulgou os
dispêndios do SUS decorrentes de ações judiciais em 2018, e concluiu que,
provavelmente, além de ineficiência, esse quadro gera iniquidade, uma vez
que os recursos alocados são retirados de outros programas que poderiam
atender a muito mais pessoas (JULIANO et al., 2018).

Outro resultado obtido foi que, com os gastos relacionados a ações judiciais,
64% do financiamento da AF foi realizado com recursos municipais. Fato
constatado também por Wang et al. (2014), que traz que a judicialização da
saúde afeta principalmente os municípios, que são frequentemente requeri-
dos por estarem mais próximos da população, mas geralmente possuem o or-
çamento mais restrito e estrutura menos desenvolvida que Estados e União.
De acordo com a estrutura federativa do SUS, foi atribuído aos municípios
ações de baixa ou média complexidade. Desta forma, o Judiciário, ao descon-
siderar essa organização de competências, afeta o planejamento e a gestão da
saúde pública do ente federativo.

Conclusão
Os dados desta pesquisa foram comparáveis aos relatados em estudos bra-
sileiros quanto ao aumento exponencial na judicialização da saúde, em
especial, na AF, visto que o item que responde pelo maior número de
ações interpostas em face do Poder Público e pelo maior volume de gastos
é o de medicamento.

Nossos resultados mostraram um aumento de 78% do valor gasto pelo mu-


nicípio no que diz respeito ao cumprimento de decisões judiciais por me-
dicamentos, insumos e nutrição enteral no período de 2016 a 2020. Cons-
tatou-se que, do valor total gasto na AF no município de Campinas - SP em

Sumário 426
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

2020, 28% foi dedicado ao cumprimento de ações judiciais. Ademais, poucos


pacientes foram beneficiados - 0,056% dos munícipes.

Portanto, conclui-se que as demandas judiciais provocam um impacto eco-


nômico negativo na gestão do equilíbrio orçamentário-financeiro em saúde,
por não permitir uma distribuição equânime, eficiente e justa dos recursos,
interferindo assim na execução das políticas de saúde pública no âmbito do
SUS municipal.

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Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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Sumário 430
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Covid-19 e judicialização da saúde no


município de São Paulo
Natalia Pires de Vasconcelos1
Helena Hime Funari2
Mariana Skaf Esteves da Rocha3
Henrique Yu Jiunn Wang4

Resumo
O município de São Paulo é um dos mais atingidos pela pan-
demia de Covid-19. No início da crise sanitária, o município
era também um dos líderes nacionais em número de ações
judiciais propostas contra sua Secretaria de Saúde. Em um
cenário onde saúde pública e os dilemas dessa política se
tornam mais agudos e proeminentes, este trabalho investi-
ga o que ocorreu com esta judicialização da saúde. Através
da análise de uma amostra representativa de casos de saú-
de para 2019 e 2020 demonstramos que a pandemia de
Covid-19 não afetou a argumentação de juízes(as) ou o re-

1 Doutora em Direito - USP; Professora e Coordenadora do Núcleo de Direito, Saúde e Políticas


Públicas do Centro de Regulação e Democracia - Insper e Senior Research Fellow do Solomon Center
for Health Law and Policy - Yale Law School; Lattes: http://lattes.cnpq.br/1609040731612877
2 Mestranda em Ciência Política - USP e Graduada em Direito - USP; Pesquisadora do Núcleo de
Direito, Saúde e Políticas Públicas do Centro de Regulação e Democracia; Insper; Lattes: http://lattes.
cnpq.br/2155176353844929
3 Mestranda em Políticas Públicas - Insper e Graduada em Administração - Insper. Pesquisadora do
Núcleo de Direito, Saúde e Políticas Públicas do Centro de Regulação e Democracia; Insper; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/6319988519022546
4 Doutorando em Economia - Insper. Pesquisador do Núcleo de Direito, Saúde e Políticas Públicas
do Centro de Regulação e Democracia; Insper; Lattes: http://lattes.cnpq.br/5250656269739168

Sumário 431
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

sultado das liminares e sentenças, mas acelerou o tempo


do processo, permitindo decisões liminares mais rápidas,
porém ainda majoritariamente em favor da parte deman-
dante e baseadas quase exclusivamente no direito consti-
tucional à saúde e na prescrição médica do(as) pacientes.
Mesmo em um cenário de crise sanitária, juízes e juízas de
primeira instância no município continuam pouco defe-
rentes à política de saúde e, especialmente, à divisão inter-
na de competências dentro do SUS.

Palavras-chave: Judicialização, Saúde Pública, Município,


São Paulo, Covid-19.

Sumário 432
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
Em 14 de março de 2020, o município decretou estado de calamidade pú-
blica diante da pandemia de Covid-19 que se alastrava pelo país. Foco dos
primeiros casos confirmados no Brasil, a gestão municipal temia pelo esgar-
çamento e insuficiência de sua rede de atendimento hospitalar. Diferentes
medidas foram postas em prática pelo município para priorizar o atendimen-
to de pacientes Covid-19 e realocar recursos humanos e financeiros para o
enfrentamento da crise. Além de ampliar sua capacidade hospitalar através
da construção de hospitais de campanha, o município explicitamente suspen-
deu procedimentos e cirurgias eletivas, desviando grande parte de sua rede
hospitalar para a Covid-19.

A repentina demanda por serviços hospitalares, insumos e medicamentos


agrava o quadro do já sobrecarregado sistema de saúde municipal. De 2016
a 2020 a fila na rede pública de saúde para exames, consultas e cirurgias
no município de São Paulo cresceu 70%. Em janeiro de 2020, aproximada-
mente 217 mil pessoas aguardavam para a realização de exames, 910 mil
para consultas e 153 mil para a realização de cirurgias. O déficit adminis-
trativo em garantir atendimento faz com que a demanda por saúde escoe
para o Judiciário.

Não por acaso, no início da pandemia, o município também era um dos líde-
res em número de ações judiciais propostas contra sua Secretaria de Saúde.
Entre 2017 e 2018, estavam em curso mais de 4 mil ações judiciais contendo
o município no polo passivo. A maior parte destas ações corria junto à justiça
estadual (88%), 61% delas requerendo medicamentos e insumos, e 39% pro-
cedimentos cirúrgicos, exames, consultas, internações ou outros serviços de
saúde (PSANQUEVICH & MOREIRA, 2019).

Muito dessa judicialização se deve à interpretação abrangente dos artigos


6º e 196 da Constituição Federal pelo Judiciário, que entende caber ao
Estado assegurar o atendimento de todas as necessidades de saúde que o
indivíduo possa ter, garantindo, inclusive, os tratamentos mais avançados

Sumário 433
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

independentemente de seus custos (FERRAZ, 2009). Se a postura expan-


sionista do Judiciário tensiona as competências e escolhas da administração
sobre a alocação de recursos já escassos na área de saúde, a crise sanitária
decorrente da pandemia de Covid-19 evidencia, de modo sem precedentes,
a importância e urgência de escolhas coletivas nesta distribuição de recur-
sos em saúde. Municípios enfrentam de forma ainda mais aguda estas ne-
cessidades por planejamento e organização de prioridades em cenários de
escassez. Além de, na maior parte das vezes, funcionarem como porta de
entrada de usuários no sistema de saúde, especialmente para o provimento
da atenção básica, municípios contam com menor poder financeiro e capa-
cidade organizacional que Estados e União, o que os torna especialmente
vulneráveis a crises como a pandemia e ao impacto de decisões decorrentes
da judicialização da saúde.

Neste contexto, nos colocamos as seguintes perguntas de pesquisa: diante de


um conjunto ainda mais urgente de prioridades de saúde pública para enfrentamento
de uma crise de saúde sem precedentes, como juízes e juízas motivaram suas decisões em
casos de saúde? A pandemia afetou a forma como a Justiça trata demandas em saúde?
Como isso ocorre no nível municipal?

Para responder a esta pergunta, analisamos se e como as respostas oficiais ao


novo coronavírus SARS-CoV-2 no âmbito municipal influenciaram o julga-
mento de liminares de pedidos de medicamentos, tratamentos e serviços em
face do Poder Público. Testa-se a hipótese de que a situação de emergência
de saúde instaurada deveria levar o Judiciário a uma maior cautela na con-
cessão de liminares ou provimento de sentenças, ao reconhecer que o Poder
Executivo alocou seus recursos prioritariamente para atender pacientes com
Covid-19. Isso se refletiria em um menor deferimento de liminares ou na
prorrogação de prazos judiciais, ou mesmo considerações mais apuradas so-
bre o funcionamento do SUS e sua divisão de competências entre entes fe-
derados. Em outras palavras, quando a saúde virou o tema mais importante
da agenda pública, o que aconteceu com a judicialização da saúde? E como
juízes internalizaram a crise em suas decisões?

Sumário 434
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Para responder a esta pergunta, o texto se divide em cinco partes, além desta
introdução. A seguir, discutimos como a literatura tem analisado a judicializa-
ção da saúde em nível municipal, com especial ênfase para os trabalhos sobre
o tema no município de São Paulo. Na seção 3 descrevemos nossos métodos
e testes empíricos, para na seção 4 apresentar os resultados. Discutimos os
achados na seção 5 e encerramos o trabalho com uma conclusão que retoma
os pontos mais importantes do texto, discute suas limitações e propõe uma
agenda de pesquisa.

O que a literatura tem a nos dizer até o momento?


O fenômeno da judicialização da saúde se tornou um fato inescapável para
o sistema de saúde pública brasileiro, com milhares de ações judiciais sendo
propostas anualmente (AZEVEDO et al., 2018). Em geral, estas ações são de-
cididas de forma desfavorável à autoridade pública, condenando o SUS, em
prazos esguios e sob pena de sanções duras e caras, ao provimento de leitos,
exames e serviços muitas vezes fora das filas de regulação das secretarias; ou
à concessão de medicamentos e tecnologias potencialmente pouco custo-efe-
tivos diante de alternativas providas pelo sistema. Este fenômeno é alvo de
um grande número de estudos empíricos e multidisciplinares que procura
especialmente mapear como juízes e juízas decidem casos em saúde e seus
efeitos sobre a política pública.

A maior parte destes trabalhos, contudo, se debruça principalmente sobre


a judicialização no âmbito estadual e olha com quase exclusividade para a
concessão judicial de medicamentos e insumos. Estas análises concluem que o
Judiciário se atém quase exclusivamente à prescrição médica do demandan-
te, em geral representado por advogados privados, e desconsidera as razões
técnicas trazidas pelas defesas das autoridades públicas (WANG et al., 2020)
que justificariam a não concessão administrativa de determinado medica-
mento. Mais ainda, o Judiciário estende a responsabilidade pela prestação da
demanda de saúde a todo e qualquer ente, independentemente da divisão

Sumário 435
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

de competências interna do SUS que atribui a cada esfera de governo obriga-


ções de custeio e prestação de serviços também diferentes5.

Estudos sobre os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul,
por exemplo, apontam para uma taxa de concessão dos pedidos de deman-
dantes em primeira instância em torno de 80%, chegando a mais de 90% em
segunda instância (WANG et al., 2020; VASCONCELOS, 2021)

Faltam, contudo, estudos mais aprofundados sobre a dimensão local da ju-


dicialização da saúde e como este fenômeno abarca outros itens da cesta de
produtos e serviços ofertados pelo SUS. Os poucos trabalhos produzidos so-
bre o tema apontam que os efeitos organizacionais e orçamentários da judi-
cialização sobre o âmbito municipal podem ser ainda mais disruptivos do que
os efeitos a nível estadual.

Em pesquisa conduzida pela Confederação Nacional de Municípios (CNM),


em 2015, com 4.168 municípios pelo Brasil, por exemplo, 1.678 municípios
afirmaram que a maior dificuldade imposta pela judicialização da saúde seria
a inexistência de recursos suficientes para o cumprimento de decisões judi-
ciais ou sua não previsão orçamentária (ALBERT, 2016). Municípios de pe-
queno porte, por exemplo, com orçamentos já reduzidos para o provimento
de sua parte na política de saúde sofreriam maior impacto proporcional com
o bloqueio de valores, sequestro orçamentário ou mesmo o próprio cumpri-
mento de decisões judiciais com compras não licitadas e a preços de mercado.
Wang et al. (2014), por exemplo, mostram que cerca de 55% do gasto do mu-

5 Esta tese, da responsabilidade solidária entre União, Estados e Municípios (CARLI & NAUDORF,
2019) permite que demandantes processem todo e qualquer ente federativo, independentemente das
atribuições da política. O tema da responsabilidade solidária entre entes federativos foi analisado pelo
STF no julgamento do Tema 793, no RE 855178, j. 23/05/2019. Embora a decisão não se contraponha
à posição original do Tribunal de que o “polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, iso-
ladamente, ou conjuntamente”, o Tribunal ponderou que, para otimizar a compensação de recursos
entre os entes, a autoridade judicial deveria “diante dos critérios constitucionais de descentralização e
hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competên-
cias e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”. Nesta pesquisa não analisamos
especificamente o impacto desta nova regra sobre a jurisprudência do TJSP, especialmente porque
nos concentramos sobre a parcela de casos que envolvem o município apenas na justiça estadual (não
incluímos casos que foram transferidos para a Justiça Federal). Uma pesquisa sobre o tema precisa ser
capaz de mapear a judicialização que envolve também ou somente Estados e União.

Sumário 436
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

nicípio de São Paulo com judicialização da saúde em 2011 foi destinado ao


fornecimento de medicamentos de alto custo, de responsabilidade de Estados
ou União por sua maior capacidade financeira. O gasto com demandas judi-
ciais representaria, ainda, expressivo percentual do orçamento municipal da
cidade e grande parte – 45% – seria alocada para tratamentos não contempla-
dos pelo Sistema Único de Saúde.

A mesma pesquisa da CNM revelou ainda que 647 dos municípios respon-
dentes destacaram como principal dificuldade a falta de profissionais especia-
lizados; e 518, a falta de estrutura adequada para lidar com as demandas. O
cumprimento de ações judiciais em municípios sem centros de média e alta
complexidade ou equipes especializadas, por exemplo, impõe dificuldades
de logística como o transporte de pacientes.

Ainda, o padrão da judicialização se alteraria para demandas que pedem


mais frequentemente acesso a serviços, como consultas, exames e vagas de
internação. Ao analisar o caso de Brasília, Diniz et al. (2013) destacam uma
predominância de demandas por serviços, como exames, consultas, cirurgias
e, especialmente, acesso a unidades de tratamento intensivo. Psanquevich
e Moreira (2019) destacam que, entre janeiro de 2017 e setembro de 2019,
quase 30% das demandas ativas que envolviam o município de São Paulo re-
queriam tratamentos ou cirurgias. Chabbough (2020) chega a números ainda
maiores para pedidos diferentes de medicamentos e insumos - de 656 novas
ações recebidas pela PGM em 2018, ao menos 56% delas requerem cirurgias,
tratamentos, vagas de UTI, exames e consultas.

O perfil dos demandantes parece variar de forma considerável de municí-


pio a município. Mas a pesquisa da CNM, mencionada acima, destaca que
os municípios com o maior volume de judicialização são também municí-
pios com IDH alto ou muito alto. Especificamente para o município de São
Paulo, Vieira & Zucchi (2007) encontram uma concentração de demandas
de pacientes moradores de áreas de menor vulnerabilidade no município.
Chabbough (2020), em levantamento mais recente, também encontra uma
maior concentração de ações nas regiões central e sudeste, de maior desen-

Sumário 437
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

volvimento socioeconômico, mas percentuais também elevados de casos em


bairros mais periféricos.

Em relação à representação, os estudos encontram predominância de repre-


sentação judicial pela advocacia privada (VIEIRA & ZUCCHI, 2007; CHA-
BBOUGH, 2020), ainda que a Defensoria tenha paulatinamente expandi-
do sua atuação no campo. Ferraz e Wang (2013), contudo, avaliando ações
promovidas pela Defensoria Pública e Ministério Público (MP) no municí-
pio, encontram indícios de que há maior representação de indivíduos que
moram em bairros de índice médio ou alto de desenvolvimento e onde as
necessidades de saúde são relativamente baixas. O mesmo ocorre para Ações
Civis Públicas propostas pelo Ministério Público para a resolução de questões
estruturais da política. Além disso, a taxa de êxito dessas ações coletivas é
menor que a atuação do MP em casos individuais.

Este artigo contribui para a literatura investigando o fenômeno da judiciali-


zação da saúde a nível municipal e considerando a pandemia como um fator
explicativo para demandas e o comportamento de juízes. Outros estudos re-
centes também têm analisado os efeitos da pandemia sobre a atuação do Judi-
ciário. Vasconcelos et al. (2020) analisam decisões em habeas corpus e o efeito
da Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça, que recomendava a
juízes(as) da justiça criminal que considerassem os efeitos da pandemia sobre
a saúde de pessoas privadas de liberdade e penas de prisão. O estudo conclui
que a pandemia alterou muito pouco a atuação da Justiça sobre o tema, ainda
que tenha servido como argumento nas decisões de muitos casos. Conclusão
semelhante foi obtida por Hartmann et al. (2020) para habeas corpus junto
ao STJ e STF, ainda que a Covid-19 tenha afetado o tempo de duração dos
processos, contraintuitivamente tornando-os mais rápidos.

Os achados de outras áreas sobre o impacto da crise sanitária sobre o sistema


de justiça tornam ainda mais importante a pergunta - e o que ocorreu com as
ações judiciais em saúde pública? Se a judicialização da saúde é um fenômeno
tão relevante, perene e que afeta de forma desproporcional os municípios, o
que ocorreu com ele em um cenário em que saúde se tornou tema da ordem

Sumário 438
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

do dia? A seguir, descrevemos como respondemos a esta pergunta expondo


nossa metodologia e hipóteses de pesquisa.

Metodologia
Este trabalho parte de pedido de informação realizado através do Portal de
Transparência do município de São Paulo, onde se solicitou à Procuradoria
Geral do Município (PGM) lista com todos os processos judiciais em saúde
ajuizados entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020. A PGM enviou lista com
o total de 1.605 processos que contavam com o município no polo passivo da
ação e cuja atuação da PGM (registro em seu sistema eletrônico) ocorreu a
partir de 2019. Destes, 162 tramitavam junto à Justiça Federal (132 em se-
gredo de justiça) e não foram analisados pela pesquisa. Dos que tramitavam
junto à Justiça Estadual, 812 foram registrados pela PGM em 2019, e 631 em
2020, sendo 262 e 119 nos respectivos anos em sigilo de justiça.

Ao todo, portanto, esta pesquisa analisou os 1.062 casos públicos e acessíveis


junto ao arquivo eletrônico de andamentos e sentenças do Tribunal de Jus-
tiça do Estado de São Paulo. Extraímos de forma automatizada (por meio
de ferramentas de web scraping) os andamentos processuais disponíveis na
página eletrônica do Judiciário paulista e definimos uma amostra aleatória
de 600 processos (sobre o universo de 1.062 casos), codificados manualmente
pelas autoras e autor desta pesquisa. Essa amostra aleatória permite conclu-
sões com 99% de confiança e 4% de margem de erro. Destes 600 casos, 62
casos foram distribuídos antes de 2019, mas a atuação da PGM começou em
2019 (portanto, registrados pela PGM como casos de 2019). Eles foram consi-
derados para parte das considerações descritivas da pesquisa (Tabela 2), mas
excluídos da análise inferencial e testes de hipóteses.

Além das datas para decisões em tutela antecipada ou liminares, sentenças e


arquivamento dos processos, esta análise manual também categorizou infor-
mações sobre o tipo de pedido judicial (se pedidos por medicamentos, vagas
hospitalares, exames, consultas ou tratamentos em saúde, dentre outros), a

Sumário 439
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

doença ou condição declarada pelo demandante que daria causa à deman-


da, o resultado das decisões judiciais e os argumentos utilizados por juízes e
juízas, assim como a vara judicial e variáveis relacionadas ao perfil do juiz ou
juíza responsável pelo caso (gênero e tempo de magistratura).

Considerando que o anúncio das medidas restritivas para enfrentamento da


pandemia no país ocorreu no dia 14 de março de 2020, adotamos esta data
como marco temporal para o início da pandemia. A partir dela traçamos o
perfil da judicialização e das decisões antes e depois da pandemia testando
três hipóteses de pesquisa:

H1. Diante da crise sanitária, juízes e juízas teriam incorporado considerações so-
bre a Covid em suas decisões ou argumentos. Logo, a pandemia teria um
efeito causal sobre a argumentação de juízes;

H2. Independentemente de a argumentação incorporar ou não considerações sa-


nitárias, a pandemia teria afetado as taxas de deferimento ou indeferimento
de casos em saúde;

H3. A pandemia teria afetado o tempo ou duração do processo, prolongando pra-


zos e o tempo de tomada de decisão.

Resultados

Descritivas Gerais

O padrão de judicialização da amostra é bastante consistente com os re-


sultados encontrados na literatura. As demandas são de caráter quase ex-
clusivamente individual, sendo cerca de 57% dos casos representados por
advogados(as) privados(as). No polo passivo, Município e Estado aparecem
conjuntamente em cerca de 69,5% dos casos e a União é parte do polo pas-
sivo em pouco mais de 1% dos casos amostrados. Estas características foram
constantes ao longo dos anos de 2019 e 2020 de modo que a pandemia não

Sumário 440
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

parece ter influenciado contra quem as ações são ajuizadas ou a forma de


representação legal dos(as) demandantes.

As condições de saúde mais citadas por impetrantes como o motivo da entra-


da no sistema judiciário também não se alteraram ao longo do período ana-
lisado, sendo estas: doenças ou complicações oncológicas (21,47% dos casos),
condições cardiovasculares ou vasculares (15,16%) e ortopédicas (12,61%).
Note que há possibilidade de sobreposição, dado que alguns demandantes
apresentam múltiplas condições de saúde.

Um efeito potencial da pandemia sobre a demanda é a queda no número


total de casos distribuídos no primeiro semestre de 2020, como pode ser visto
no gráfico 1, abaixo. O mínimo absoluto foi atingido no segundo semestre
de 2020, no qual apenas 15 casos foram encontrados na amostra. Esta queda
pode estar relacionada com as medidas de restrição de circulação e fecha-
mento de serviços não essenciais no período e atrasos operacionais no acesso
remoto aos serviços do Judiciário. Mesmo assim, antes da pandemia já se
observava uma queda no total de novos casos ajuizados contra a Prefeitura. O
número total de casos também é bastante semelhante nos últimos trimestres
de 2019 e 2020 (65 e 62 casos, respectivamente).

A expectativa de sobrecarga do sistema de saúde fez com que autoridades


dessem prioridade a certos serviços públicos de saúde a fim de reduzir o ris-
co de contágio pelo vírus. A Portaria SMS Nº 154, de 20 de março de 2020,
determinou a suspensão parcial de consultas, exames, procedimentos e cirur-
gias eletivas nos ambulatórios hospitalares e na rede de atenção básica6. Tais
restrições podem ter afetado o perfil dos pedidos realizados pelos deman-
dantes: percebe-se uma maior concentração de pedidos por medicamentos e
insumos no período e queda no percentual de pedidos referentes a consultas
médicas e vagas hospitalares.

6 Uma possível explicação para a queda no número de ações é o fato de a Portaria Nº 154 ter sus-
pendido parcialmente as consultas. Afinal, com a diminuição de consultas, há menos diagnósticos e,
como consequência, menor indicação para exames e consultas. Agradecemos aos editores por terem
ressaltado este ponto.

Sumário 441
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Gráfico 1: Novos casos e tipos de pedido por trimestre – 2019-2020

120% 120
110% 113
100% 17% 23% 100
90% 25%
80% 17% 83 82 80
70% 33% 32% 6% 0%
28% 65 53 6%
62
60% 27% 27% 4% 60
27%
50% 52 13% 21%
40% 23% 25% 7% 9%
34% 6% 15% 40
30% 37%
20% 37% 40% 20
10% 22%
33% 32% 15 38% 31%
0% 12%
0
2019-1 2019-2 2019-3 2019-4 2020-1 2020-2 2020-3 2020-4

Medicamentos Consulta Procedimento cirúrgico Vaga Hospitalar


Insumos Outros Total de Casos

Fonte: Elaboração própria.

A queda no número total de casos distribuídos em 2020 levou a uma queda


no número total de casos analisados e decididos pelas juízas e juízes. Antes
da data definida como marco do início da pandemia (14 de março de 2020),
foram analisadas 371 decisões liminares e 118 sentenças, sendo encontrados
apenas 194 e 58 após esta data (queda de 47,7% e 70%, respectivamente).
O tempo entre a distribuição do processo, decisão liminar e sentença também
diminui no segundo período, o que demonstra uma aparente relação entre
menos casos e andamentos processuais mais rápidos no período.

Tabela 1: Percentual de decisões liminares por resultado e sentenças no período


e tempo médio em dias entre distribuição e liminar; liminar e sentença

LIMINAR SENTENÇA

Pré-COVID-19 COVID-19 Pré-COVID-19 COVID-19

Total 371 118 194 58

Concedido 61.45% 64.40% 30.41% 32.75%

Parcialmente
9.43% 7.62% 4.63% 5.17%
concedido

Extinto – – 53.60% 55.17%

Sumário 442
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

LIMINAR SENTENÇA

Pré-COVID-19 COVID-19 Pré-COVID-19 COVID-19

Indeferido 29.1% 28.0% 11.85% 6.89%

Prazo Médio 40,01 12,88 132,02 107,84

* O número de casos acima totaliza menos que 600 casos porque na amostra há casos sem decisão liminar, sem
sentença e casos que foram enviados à Justiça Federal em conflito de competência.

Fonte: Elaboração própria.

Os padrões de concessão antes e depois da pandemia também parecem não


ter se alterado – giram em torno de 71 e 72% para liminares e 35 e 37% para
sentenças. Considerando que analisamos uma amostra representativa, não
parece haver diferença estatística entre os dois períodos. Mas os percentuais
de indeferimento em sentença caem de um período a outro. Isso sugere que
se há alguma diferença entre os períodos, é na direção de tornar juízes(as)
mais propensos ao deferimento.

Um ponto importante para ambos os períodos é o número de casos que têm


sua liminar concedida, mas são extintos sem resolução de mérito em senten-
ça. Isso ocorre por razões que envolvem especialmente o caráter satisfativo
das liminares. Juízes(as) extinguem o processo porque a entrega do produto,
da vaga hospitalar, ou o agendamento da consulta, por exemplo, na sua visão
precluem qualquer razão para que o processo continue. Considerando que
boa parte das decisões liminares ocorre sem a oitiva do município ou do Esta-
do, a solução do caso ocorre já na liminar e praticamente sem contraditório.
Outra razão para a extinção sem resolução de mérito é a desistência do(a)
requerente ou o seu falecimento.

Em relação aos tipos de argumentos utilizados por juízes(as) de primeira ins-


tância em suas decisões, há uma grande concentração de decisões baseadas
na prescrição médica, sendo esse o único argumento apresentado na deci-
são liminar em cerca de 15,5% dos casos. O direito constitucional à saúde
também é argumento bastante frequente, trazido como única justificativa em
cerca de 13,7% dos casos de tutela provisória. Uma combinação de apenas

Sumário 443
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

estes dois argumentos (prescrição médica e direito constitucional à saúde) é


encontrada em 11% dos casos, de modo que em aproximadamente 40% das
decisões liminares, a argumentação de magistrados(as) se limita à prescrição
médica e ao artigo 196 da Constituição Federal. Os dois argumentos são tam-
bém os mais frequentes em decisões liminares e sentenças pelo deferimento
completo ou parcial de pedidos (Tabela 2).

Nas sentenças analisadas, os argumentos mais frequentes também foram a


menção ao direito constitucional à saúde, presente em 38% dos casos, a exis-
tência de prescrição médica apresentada pelas partes em 24% dos casos, a
responsabilidade solidária dos entes em garantir o acesso à saúde em 20%
das sentenças, e a necessidade de o medicamento ter registro prévio na AN-
VISA em 13%. Todos esses argumentos foram em grande parte utilizados a
favor da concessão do pedido (Tabela 2). Importa destacar que a ausência de
registro na ANVISA foi mencionada também como justificativa para a não
concessão de medicamento em sede liminar ou extinção do caso, ainda que a
percentuais menores que seu uso para a concessão. O mais notável, contudo,
é que a menção à pandemia de Covid-19 aparece em apenas 1% dos casos da
amostra, concentrada em casos de provimento parcial da liminar7.

Por fim, cabe mencionar que o padrão dos argumentos mais utilizados nas
tutelas provisórias se repete nas sentenças, com exceção dos que abordam es-
cassez de recursos e a reserva do possível. Movidos pela “urgência” da liminar,
a preocupação com o orçamento é aparentemente posta de lado. Entretanto,
esse argumento é utilizado especialmente nos casos em que há concessão par-
cial ou indeferimento da sentença, enquanto casos de provimento completo
fazem menos considerações orçamentárias ou sobre escassez, alegando que
não seriam justificativas válidas para a violação do direito à saúde.

7 Nestes casos, o provimento parcial se deu porque o acesso a serviços ou exames solicitados pelo/a
requerente ou a perícia foram suspensos em razão da COVID-19. Em um caso, o/a magistrado/a de-
feriu parcialmente a entrega de todos os medicamentos solicitados pelo/a requerente, mas indeferiu a
parcela do pedido que dependeria de exame pericial pelo IMESC. Em outro caso, a decisão liminar
deferiu parcialmente o pedido para pedir informações sobre a possibilidade de procedimento cirúrgico
diante da pandemia.

Sumário 444
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Tabela 2: Percentual de argumentos mais frequentes nas liminares e sentenças

Tipo LIMINAR SENTENÇA

Parcial- Parcial-
Indefe- Indefe-
Resultado Deferido mente Deferido mente Extinto
rido rido
Deferido Deferido

Total 324 45 141 105 14 16 110

Direito à
46.6% 40.0% 10.6% 80.0% 57.1% 25.0% 2.7%
saúde

Prescrição
48.5% 55.6% 14.2% 62.9% 35.7% 25.0% 2.7%
médica

Respon-
sabilidade 11.4% 2.2% 0.0% 34.3% 42.9% 25.0% 1.8%
Solidaria

ANVISA 10.2% 2.2% 2.1% 21.9% 7.1% 0.0% 1.8%

Escas-
sez de
recursos e 0.6% 2.2% 0.0% 18.1% 28.6% 6.3% 0.9%
reserva do
possível

COVID-19 1.2% 4.4% 1.4% 0.0% 0.0% 0.0% 0.9%

* O número de casos acima totaliza menos que 600 casos porque na amostra há casos sem decisão liminar,
sem sentença e casos que foram enviados à Justiça Federal em conflito de competência. Consideramos aqui
todos os casos da tabela cedida pela PGM, incluindo casos distribuídos antes de 2019 (62 casos), mas cuja
atuação da PGM se iniciou em 2019. Excluímos da tabela acima casos que não envolvem algum desses ar-
gumentos mais frequentes.

Fonte: Elaboração própria.

Sumário 445
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Teste de Hipóteses

Hipótese 1. Diante da crise sanitária, juízes e juízas teriam incorporado considera-


ções sobre a COVID em suas decisões ou argumentos. Logo, a pandemia
teria um efeito causal sobre a argumentação de juízes.

Os dados acima permitem rejeitar a primeira hipótese. Percebemos que a Co-


vid-19 sequer é trazida por juízes e juízas em suas decisões (menos de 1% dos
casos) e não há diferença entre os argumentos invocados por magistrados/as
antes e depois da pandemia. Como discutiremos à frente, os achados refor-
çam padrões já encontrados pela literatura sobre como o Judiciário justifica
suas decisões em casos de saúde.

Hipótese 2. Independentemente de a argumentação incorporar ou não considera-


ções sanitárias, a pandemia teria afetado as taxas de deferimento ou
indeferimento de casos em saúde.

Como vimos na descrição dos achados, não parece haver diferença significa-
tiva entre os percentuais de deferimento antes e depois da pandemia tanto
nas liminares quanto nas sentenças. Para testar esta relação, construímos um
modelo de regressão logit em que a variável resposta indica se o pedido foi
deferido (valor = 1) ou negado (valor = 0), e o beta indica a probabilidade
de concessão do pedido. As tabelas 3 e 4 abaixo mostram os resultados para a
variável de interesse liminar dummy e sentença dummy, que assumem os valores
0 para decisões antes da pandemia e 1 para decisões depois, referindo-se,
respectivamente, a decisões liminares e sentenças.

Tanto para as liminares como para as sentenças não podemos rejeitar a um


nível de confiança adequado à hipótese de que não houve diferença no per-
fil de resposta do judiciário antes e depois do início da Covid-19. Ou seja,
a probabilidade de concessão do pedido formulado pela parte se manteve
inalterada para contextos pré e pós-pandêmico.

Sumário 446
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Tabela 3: Regressão logit para probabilidade de concessão da liminar

Variáveis Logit 5 Logit 6 Logit 7 Logit 8

Liminar dummy 0.0654 0.0642 0.0753 0.0737

  (0.0646) (0.0648) (0.0628) (0.0630)

saúde da mulher -0.258** -0.251** -0.224** -0.220**

  (0.101) (0.103) (0.101) (0.103)

doenças oncológicas 0.140* 0.149* 0.138* 0.155**

  (0.0789) (0.0776) (0.0781) (0.0772)

comarca_tipo = 2   -0.108*   -0.106*

    (0.0597)   (0.0589)

comarca_tipo = 3   -   -

         

comarca_tipo = 4   0.121   0.116

    (0.0836)   (0.0864)

genero_juiz -0.136*** -0.138*** -0.134*** -0.137***

  (0.0496) (0.0490) (0.0490) (0.0485)

tempo_magistratura -2.29e-06 -2.87e-06 -1.93e-06 -2.73e-06

  (4.16e-06) (4.08e-06) (4.19e-06) (4.10e-06)

estado     0.117** 0.102**

      (0.0494) (0.0498)

defensoria     0.0442 0.0654

      (0.0577) (0.0584)

Observações 268 266 268 266

*** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1        

Fonte: Elaboração própria

Sumário 447
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Tabela 4: Regressão logit para probabilidade de concessão da sentença

Variáveis Logit 5 Logit 6 Logit 7 Logit 8

sentença dummy -0.0179 -0.0230 -0.0136 -0.00889

  (0.126) (0.134) (0.117) (0.126)

saúde da mulher -0.418** -0.392* -0.599*** -0.587***

  (0.189) (0.201) (0.201) (0.217)

transtornos psiquiátricos -0.296* -0.263 -0.250 -0.203

  (0.161) (0.171) (0.156) (0.170)

comarca_tipo = 2   0.189*   0.117

    (0.0970)   (0.108)

comarca_tipo = 3   -   -

         

comarca_tipo = 4   -   -

         

genero_juiz -0.104 -0.124 -0.124 -0.132

  (0.0924) (0.0987) (0.0894) (0.0954)

tempo_magistratura -2.16e-06 -1.78e-06 -8.45e-07 -1.69e-06

  (8.28e-06) (8.62e-06) (8.31e-06) (8.86e-06)

estado     -0.0518 -0.0693

      (0.104) (0.106)

defensoria     0.348*** 0.335**

      (0.127) (0.134)

Observações 92 86 92 86

*** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

Fonte: Elaboração própria

Sumário 448
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Como resultados laterais dessa análise, nota-se que tratamentos oncológicos


tem probabilidade positiva de concessão, mas pedidos que envolvem pres-
tações relacionadas a saúde da mulher (incluídos aqui pedidos para trata-
mentos oncológicos para câncer de mama, útero ou ovário, tratamento para
fertilização in vitro ou tratamentos contraceptivos) têm menor probabilidade
de deferimento, tanto em liminares (25%) quanto em sentenças (40%). O gê-
nero da juíza também possui um efeito significativo sobre a probabilidade de
concessão dos pedidos de urgência: quando mulheres julgam aumenta-se em
14% a probabilidade de indeferimento8.

Hipótese 3. A pandemia teria afetado o tempo ou duração do processo, prolongando


prazos e o tempo de tomada de decisão.

Por fim, testa-se se a pandemia afetou o tempo de resposta dos juízes e juízas
de primeiro grau na Capital. Essa relação seria esperada quer como um efeito
indireto da pandemia sobre o funcionamento da Justiça e a condução de atos
processuais como produção de provas, citação das partes, prestação de infor-
mações etc.; quer como uma decisão dos/as magistrados/as de oferecer mais
tempo para a defesa ou cumprimento de decisões pela fazenda municipal.

A Tabela 5 apresenta os resultados para o caso das liminares, enquanto a


Tabela 6 apresenta os resultados para as sentenças, sendo as estimativas feitas
através do modelo de regressão linear. A variável resposta Y é o tempo de
duração do processo em dias, a variável de interesse liminar dummy indica
quando a decisão foi proferida, assumindo o valor 0 se for antes do início
da pandemia e o valor 1 se for após 14 de março de 2020. Essa relação foi
controlada pelo tipo de pedido9, pelo tipo de comarca – tipo 2 para juizado

8 Vasconcelos, Machado e Wang (2020) encontram resultados semelhantes sobre diferenças de gêne-
ro afetando o resultado de decisões. Naquela ocasião, as autoras e o autor mediram a taxa de concessão
de habeas corpus ajuizados durante a pandemia e encontram que desembargadoras tenderiam a inde-
ferir mais pedidos que desembargadores.
9 Os pedidos foram classificados nas seguintes categorias, cada uma delas correspondendo a uma
variável de controle: medicamento, vaga_hospitalar, consulta_atendimento, procedimento_cirúrgico,
vulnerabilidade social/assistência social, saúde da mulher, câncer de próstata, doenças oncológicas,
diabetes, doenças cardiovasculares e vasculares, transtornos psiquiátricos, síndromes de má-formação
cognitiva, doenças ortopédicas, doenças respiratórias.

Sumário 449
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

especial, tipo 3 para vara cível e tipo 4 para vara da Infância e da Juventude –
e pelas partes – se houve a presença do estado no polo passivo e da defensoria
no polo ativo. Para fins de exposição dos resultados, apresentamos apenas as
variáveis que apresentaram significância estatística.

Como pode ser visto na tabela 7, percebemos que a nossa hipótese não se
confirma. Em sentido contrário, o beta da variável de interesse mostra que,
após o início da pandemia, os processos obtiveram uma medida liminar em
média aprox. 31 dias mais rápido. De forma também não esperada, quando o
processo corre nos juizados especiais, o tempo até a decisão liminar aumenta
em média aprox. 29 dias10.

Já em relação aos pedidos, nota-se um tempo de decisão mais rápido quando


são pleiteadas vagas hospitalares e procedimentos cirúrgicos. Pedidos relacio-
nados à diabetes, por sua vez, possuem um tempo mais lento de concessão de
medidas cautelares.

Tabela 7: Efeito da pandemia sobre o tempo para decisão liminar

Variáveis Linear 1 Linear 2 Linear 3 Linear 4

Constante 51.13*** 36.17*** 55.95*** 40.70***

  (8.249) (8.197) (11.23) (11.18)

liminar dummy -31.76*** -33.26*** -31.46*** -33.02***

  (5.810) (5.939) (5.814) (5.924)

vagas hospitalares -35.50*** -29.12*** -35.45*** -29.38***

  (7.045) (6.841) (6.983) (6.814)

procedimento cirúrgico -15.45** -10.88* -15.17** -10.69*

  (6.569) (6.412) (6.467) (6.380)

diabetes 52.86** 40.92* 53.75** 41.55*

10 Isso para processos que tiveram início tanto antes como depois da pandemia.

Sumário 450
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Variáveis Linear 1 Linear 2 Linear 3 Linear 4

  (24.73) (23.51) (24.94) (23.81)

comarca_tipo = 2   29.95***   29.43***

    (6.529)   (6.430)

comarca_tipo = 3   2.854   4.112

    (6.223)   (6.764)

comarca_tipo = 4   11.52   12.28

    (12.07)   (12.11)

estado     -8.950 -6.611

      (8.063) (7.941)

defensoria     2.673 0.335

      (6.740) (6.581)

Observações 441 439 441 439

R2 0.127 0.161 0.130 0.163

Prob > chi2 2.76e-06 6.53e-08 8.89e-06 2.23e-07

*** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1        

Fonte: Elaboração própria

Para as sentenças proferidas antes e depois do início da pandemia, encon-


tramos também resultado em sentido contrário ao esperado: o beta de in-
teresse não apresenta significância estatística, ou seja, não há variação no
tempo de resposta de juízes de primeiro grau para sentenças antes e depois
da pandemia.

Sumário 451
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Tabela 8: Efeito da pandemia sobre o tempo para sentenças

Variáveis Linear 1 Linear 2 Linear 3 Linear 4

Constante 132.3*** 124.3*** 119.9*** 111.0***

  (14.88) (13.58) (14.79) (14.67)

sentença dummy -19.34 -14.15 -16.04 -12.44

  (13.92) (14.08) (13.58) (14.09)

doenças respiratórias -45.25** -43.30** -46.54** -44.24**

  (19.28) (18.35) (19.33) (18.37)

comarca_tipo = 2   38.08*   37.29*

    (19.61)   (19.03)

comarca_tipo = 3   -79.95***   -78.43***

    (13.75)   (13.93)

comarca_tipo = 4   -26.04   -26.09

    (20.39)   (19.98)

estado     5.334 10.46

      (15.69) (15.59)

defensoria     22.84 16.84

      (18.20) (17.11)

Observações 252 252 252 252

R-squared 0.058 0.092 0.066 0.097

Prob > chi2 0.291 0 0.325 0

*** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

Fonte: Elaboração própria

Como achado relevante desse modelo tem-se o efeito da variável doenças respira-
tórias: processos com esses pedidos têm a sentença proferida em média aprox.
45 dias mais rápido. Também é notável que os processos das varas cíveis têm
um tempo de resposta da decisão final em média 80 dias mais rápido.

Sumário 452
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Discussão
O principal achado desta pesquisa é que há poucas evidências de que a Co-
vid-19 afetou a judicialização da saúde no município de São Paulo. A pan-
demia não afetou a argumentação dos juízes ou o resultado das liminares e
sentenças. Como em outros estudos (WANG et al., 2020; WANG et al., 2014;
CHABBOOUGH, 2020), a maioria das liminares é decidida em favor da par-
te demandante. Observa-se, contudo, uma proporção menor de sentenças
por provimento. Isso ocorre porque uma grande proporção dos casos tem
liminares satisfativas, que encerram a lide com a concessão do serviço de
saúde e/ou desistência da parte. O perfil da judicialização de serviços, predo-
minante no caso do município de São Paulo, afeta, assim, os resultados dos
processos, que praticamente se encerram após curto contraditório. Esse pon-
to também ilustra a importância de se estudar o posicionamento de juízes(as)
em primeira instância nos momentos iniciais do processo.

A variável federativa também não afeta os resultados – não há diferença esta-


tística entre provimento e improvimento para casos que tem no polo passivo
município, Estado, Estado e Município/União. Esse ponto reforça também as
impressões da literatura sobre a tese da responsabilidade solidária, indicando
que não há relevância para o Judiciário sobre quem deveria ser a autoridade
responsável dentro do SUS para a prestação de um determinado serviço ou
entrega de produto. Esta constatação se mantém mesmo na pandemia, quan-
do seria esperada atitude mais deferente à política de saúde e sua regulação.

Um achado adicional é que mesmo em casos em que não se menciona a res-


ponsabilidade solidária, a Justiça não determina quem, ao final do caso, tem
a obrigação de cumprir a decisão. Em apenas 44% das decisões liminares
concedidas ou parcialmente concedidas que contavam com mais de um ente
federativo no polo passivo, juízes(as) especificaram de quem seria a respon-
sabilidade de atender à demanda pontuada. Cabe, assim, aos entes federados
arbitrar entre si ao longo do processo quem deve cumprir a ordem judicial,

Sumário 453
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

o que pode causar atrasos na resposta a liminares e multas por descumpri-


mento. Ou, ainda, permanecem os dois entes no processo, com ônus às duas
esferas da administração.

O perfil das demandas também se alterou pouco, com uma queda do número
de demandas sobre serviços de saúde no segundo trimestre de 2020. Com a
suspensão de grande parcela do atendimento de saúde presencial relaciona-
do a procedimentos eletivos, é provável que essa queda esteja relacionada à
própria ausência de interação com a administração pública e, assim, de uma
negativa que justifique a ação judicial. Os números, contudo, voltam a crescer
no terceiro trimestre, o que parece indicar que há uma lenta normalização
da demanda.

Muitos casos que envolvem a Prefeitura, ademais, tratam de assistência social


e serviços de acolhida para dependentes químicos, pacientes de transtornos
mentais e idosos. Esta judicialização, promovida em sua maioria pela Defen-
soria Pública em atendimento a uma população bastante vulnerável, é espe-
cialmente impactada pela suspensão de atividades presenciais e atendimento
apenas eletrônico.

A única hipótese que não foi rejeitada por esta pesquisa demonstra correla-
ção entre o tempo médio do processo e a pandemia. A correlação encontra-
da, contudo, tem sentido inverso do esperado. Ao invés de mais tempo para
decisões, em decorrência das dificuldades operacionais de realizar os atos do
processo em meio à pandemia, ou mesmo refletindo escolhas não explícitas
de magistrados/as por mais deferência à Fazenda, encontramos que casos
após a pandemia têm tempo médio para decisões menor, especialmente no
caso de liminares. Este achado é consistente com outro estudo sobre ações
judiciais durante a pandemia (HARTMANN et al., 2020).

Prováveis explicações para este resultado podem estar relacionadas com uma
maior produtividade de magistrados/as em home office, ou mesmo a queda
no número geral de processos distribuídos por magistrados no primeiro se-
mestre de 2020 – ao todo em 2020 foram distribuídos no Judiciário paulista

Sumário 454
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

3.668.242 processos em primeira instância por todo o Estado, enquanto 2019


registrou 4.618.43511.

Conclusão
Como vimos, na Capital e para casos que envolvem o município de São Pau-
lo, a pandemia parece ter afetado muito pouco o conteúdo e os resultados
da judicialização. Esta pesquisa é a primeira de um conjunto de esforços do
Núcleo de Direito, Saúde e Políticas Públicas do Insper em analisar os efeitos
da pandemia sobre a judicialização da saúde em São Paulo. Em pesquisas
futuras espera-se comparar os níveis estaduais e municipais para uma fo-
tografia mais completa sobre a ação de juízes(as) na pandemia. Esta é uma
limitação desta pesquisa: seu recorte apenas permite conclusões para a atua-
ção de juízes(as) de primeira instância na Capital do Estado e para casos que
envolvem o município de São Paulo. Uma avaliação completa precisa analisar
tanto a distribuição quanto os padrões decisórios em todos os casos de saúde
que estes(as) juízes(as) decidem, considerando também sua carga para outros
temas comparativamente. Outra limitação desta pesquisa está na parcela de
processos que não puderam ser acessados por tramitarem em segredo de
justiça. Mesmo com essas limitações, os achados são consistentes com a litera-
tura sobre judicialização da saúde no município de São Paulo, o que fortalece
a correção e representatividade dos achados para, inclusive, mais casos além
dos municipais.

11 Confira o relatório do Conselho Nacional de Justiça, Justiça em Números para 2019 (https://
www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/), e notícia sobre a quantidade de proces-
sos distribuídos em primeira instância na justiça estadual de São Paulo – “TJSP fecha 2020 com
mais de 4,3 milhões de processos julgado” Tribunal de Justiça de São Paulo, 07/02/2021, disponível
em: https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=63248&pagina=1#:~:text=O%20total%20
de%20processos%20distribu%C3%ADdos,Especial%20e%20da%20C%C3%A2mara%20Especial. (acesso
13/04/2021)

Sumário 455
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Referências
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ssrn.3659624

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Sumário 456
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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Sumário 457
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Anexos
Tabela 9: Prazo para liminar antes e depois da Pandemia

Variáveis Linear 1 Linear 2 Linear 3 Linear 4

Constante 51.13*** 36.17*** 55.95*** 40.70***

  (8.249) (8.197) (11.23) (11.18)

liminar_dummy = 1 -31.76*** -33.26*** -31.46*** -33.02***

  (5.810) (5.939) (5.814) (5.924)

medicamento -1.435 4.219 -0.299 4.766

  (7.936) (7.977) (7.865) (7.932)

vagas_hospitalar -35.50*** -29.12*** -35.45*** -29.38***

  (7.045) (6.841) (6.983) (6.814)

consulta_atendimento -5.572 -5.955 -5.806 -5.975

  (7.906) (7.864) (7.807) (7.810)

procedimento_cirurgico -15.45** -10.88* -15.17** -10.69*

  (6.569) (6.412) (6.467) (6.380)

vulnerabilidade social/assistencia
134.4 134.4 132.7 133.2
social

  (133.9) (123.6) (130.0) (121.6)

saúde da mulher 11.72 16.33 10.70 15.68

  (14.66) (15.21) (14.99) (15.45)

cancer de prostata -6.650 -4.335 -9.036 -5.996

  (10.59) (11.47) (10.20) (11.28)

doenças oncologicas -9.024 -8.774 -8.292 -8.582

  (10.16) (10.23) (9.944) (10.06)

diabetes 52.86** 40.92* 53.75** 41.55*

  (24.73) (23.51) (24.94) (23.81)

doenças cardiovasculares e
0.0614 -0.744 1.080 -0.147
vasculares

Sumário 458
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Variáveis Linear 1 Linear 2 Linear 3 Linear 4

  (7.314) (7.145) (7.254) (7.083)

transtornos psiquiátricos -8.354 0.869 -9.258 -0.354

  (15.69) (15.19) (15.22) (14.73)

sindromes de má-formação
13.32 13.82 11.91 12.79
cognitiva

  (19.73) (22.35) (19.86) (22.44)

doenças ortopédicas -4.100 -2.379 -3.545 -1.934

  (8.182) (7.711) (8.135) (7.661)

doenças respiratórias -6.207 -4.878 -6.622 -5.272

  (8.072) (8.253) (8.291) (8.467)

comarca_tipo = 2   29.95***   29.43***

    (6.529)   (6.430)

comarca_tipo = 3   2.854   4.112

    (6.223)   (6.764)

comarca_tipo = 4   11.52   12.28

    (12.07)   (12.11)

estado     -8.950 -6.611

      (8.063) (7.941)

defensoria     2.673 0.335

      (6.740) (6.581)

Observações 441 439 441 439

R2 0.127 0.161 0.130 0.163

Prob > chi2 2.76e-06 6.53e-08 8.89e-06 2.23e-07

Robust standard errors in


       
parentheses

*** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1        

Fonte: Elaboração própria.

Sumário 459
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Tabela 10: Prazo para Sentença antes e depois da Pandemia

(1) (2) (3) (4)

Variáveis Linear 1 Linear 2 Linear 3 Linear 4

Constante 132.3*** 124.3*** 119.9*** 111.0***

  (14.88) (13.58) (14.79) (14.67)

sentenca_marco = 1 -19.34 -14.15 -16.04 -12.44

  (13.92) (14.08) (13.58) (14.09)

vulnerabilidade social/assistencia
31.67 27.04 34.76 31.48
social

  (76.41) (80.62) (80.16) (81.15)

saúde da mulher 46.48 50.41 44.72 50.73

  (58.79) (57.58) (56.46) (56.00)

cancer de prostata 17.08 19.62 16.71 20.33

  (25.54) (25.72) (26.77) (26.49)

doenças oncologicas -13.64 -18.03 -9.557 -15.04

  (20.17) (20.19) (18.93) (19.15)

diabetes 57.67 45.79 65.75 52.06

  (46.22) (46.11) (45.63) (44.79)

doenças cardiovasculares e
-19.56 -22.50 -20.27 -23.75
vasculares

  (17.86) (17.42) (18.41) (18.13)

transtornos psiquiátricos 4.147 2.723 10.61 8.482

  (26.00) (26.51) (25.46) (26.42)

sindromes de má-formação
-13.88 1.133 -13.67 1.267
cognitiva

  (32.60) (29.35) (25.74) (25.02)

doenças ortopédicas 44.78 45.54 41.94 42.62

  (33.38) (33.23) (34.68) (34.22)

doenças respiratórias -45.25** -43.30** -46.54** -44.24**

Sumário 460
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

(1) (2) (3) (4)

Variáveis Linear 1 Linear 2 Linear 3 Linear 4

  (19.28) (18.35) (19.33) (18.37)

comarca_tipo = 2   38.08*   37.29*

    (19.61)   (19.03)

comarca_tipo = 3   -79.95***   -78.43***

    (13.75)   (13.93)

comarca_tipo = 4   -26.04   -26.09

    (20.39)   (19.98)

estado     5.334 10.46

      (15.69) (15.59)

defensoria     22.84 16.84

      (18.20) (17.11)

Observations 252 252 252 252

R-squared 0.058 0.092 0.066 0.097

Prob > chi2 0.291 0 0.325 0

Robust standard errors in


parentheses

*** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

Fonte: Elaboração própria.

Sumário 461
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Tabela 11: Prazo para Arquivamento antes e depois da Pandemia

(1) (2) (3) (4)

Variáveis Linear 1 Linear 2 Linear 3 Linear 4

Constante 561.5 47.43 1,413 1,013

  (981.6) (1,078) (1,300) (1,350)

arquivamento_marco = 1 -650.6 -917.0 -862.8 -1,220

  (1,028) (1,067) (1,064) (1,105)

vulnerabilidade social/assistencia
-2,163 -2,790 -1,464 -2,022
social

  (4,819) (4,879) (4,894) (4,934)

saúde da mulher -1,942 -1,253 -1,410 -509.2

  (2,483) (2,553) (2,555) (2,634)

cancer de prostata -2,903 -2,821 -3,284 -3,277

  (2,921) (2,943) (2,977) (2,992)

doenças oncologicas 2,412* 2,355* 2,124 1,996

  (1,382) (1,402) (1,444) (1,463)

diabetes -31.66 -538.2 42.20 -513.9

  (2,188) (2,240) (2,256) (2,304)

doenças cardiovasculares e
-175.3 -130.5 33.99 114.3
vasculares

  (1,306) (1,355) (1,329) (1,373)

transtornos psiquiátricos -0.923 494.2 -250.8 264.0

  (1,939) (1,992) (1,994) (2,038)

sindromes de má-formação
-476.5 -375.8 -1,328 -1,339
cognitiva

  (4,731) (5,474) (4,830) (5,541)

doenças ortopédicas -79.79 234.6 314.0 764.1

  (2,049) (2,098) (2,092) (2,144)

doenças respiratórias -546.4 -426.9 -485.8 -327.2

Sumário 462
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

(1) (2) (3) (4)

Variáveis Linear 1 Linear 2 Linear 3 Linear 4

  (1,752) (1,782) (1,777) (1,803)

comarca_tipo = 2   1,464   1,673

    (1,095)   (1,109)

comarca_tipo = 3   1,000   1,372

    (4,878)   (4,923)

comarca_tipo = 4   413.3   410.9

    (2,880)   (2,888)

estado     -1,050 -1,279

      (1,057) (1,075)

defensoria     -548.7 -656.2

      (1,161) (1,173)

Observations 95 95 95 95

R-squared 0.056 0.077 0.069 0.096

Prob > chi2 0.928 0.940 0.938 0.931

Standard errors in parentheses

*** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

Fonte: Elaboração própria.

Sumário 463
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Tabela 12: Regressão logit para probabilidade de concessão da liminar


com regressões e controles completos

(1) (3) (5) (7) (2)

Variáveis Logit 1 Logit 2 Logit 3 Logit 4 Logit 5

liminar_marco = 1 0.0565 0.0646 0.0529 0.0593 0.0654

  (0.0501) (0.0487) (0.0498) (0.0484) (0.0646)

medicamento 0.102* 0.0784 0.105* 0.0855 0.0566

  (0.0582) (0.0583) (0.0580) (0.0578) (0.0708)

vagas_hospitalar 0.129* 0.0998 0.142* 0.119 0.0779

  (0.0750) (0.0738) (0.0740) (0.0727) (0.0786)

consulta_atendimento 0.0286 0.0314 0.0229 0.0228 -0.0161

  (0.0558) (0.0548) (0.0555) (0.0543) (0.0646)

procedimento_
0.0275 0.00239 0.0193 -0.00531 0.0270
cirurgico

  (0.0575) (0.0572) (0.0567) (0.0564) (0.0679)

vulnerabilidade social/
- - - - -
assistencia social

saúde da mulher -0.163* -0.184** -0.164* -0.189** -0.258**

  (0.0869) (0.0874) (0.0874) (0.0876) (0.101)

cancer de prostata 0.0274 0.0251 0.0429 0.0457 0.0294

  (0.157) (0.153) (0.154) (0.153) (0.179)

doenças oncologicas 0.114* 0.121* 0.129** 0.144** 0.140*

  (0.0649) (0.0634) (0.0642) (0.0627) (0.0789)

diabetes -0.170** -0.0950 -0.158** -0.0756 -0.0996

  (0.0803) (0.0815) (0.0793) (0.0804) (0.0959)

doenças cardiovascula-
0.120* 0.118* 0.116* 0.115* 0.0720
res e vasculares

  (0.0703) (0.0687) (0.0690) (0.0672) (0.0753)

transtornos
-0.0776 -0.114 -0.0312 -0.0614 -0.103
psiquiátricos

Sumário 464
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

(1) (3) (5) (7) (2)

Variáveis Logit 1 Logit 2 Logit 3 Logit 4 Logit 5

  (0.0784) (0.0781) (0.0789) (0.0782) (0.0842)

sindromes de má-
-0.0615 -0.123 -0.0626 -0.144 -0.135
formação cognitiva

  (0.152) (0.152) (0.151) (0.148) (0.232)

doenças ortopédicas -0.0261 -0.0231 -0.0367 -0.0285 -0.0845

  (0.0656) (0.0649) (0.0645) (0.0641) (0.0778)

doenças respiratórias 0.142 0.143 0.156 0.156 0.264

  (0.108) (0.106) (0.106) (0.104) (0.166)

comarca_tipo = 2   -0.172***   -0.169***  

    (0.0487)   (0.0483)  

comarca_tipo = 3   -   -  

comarca_tipo = 4   0.137*   0.154**  

    (0.0702)   (0.0634)  

genero_juiz         -0.136***

          (0.0496)

tempo_magistratura         -2.29e-06

          (4.16e-06)

estado     0.107** 0.0841*  

      (0.0446) (0.0443)  

defensoria     0.0937** 0.120***  

      (0.0460) (0.0451)  

Observations 430 428 430 428 268

Standard errors in
 
parentheses

*** p<0.01, **
 
p<0.05, * p<0.1

Fonte: Elaboração própria.

Sumário 465
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Tabela 13: Regressão logit para probabilidade de concessão de sentença


com regressões e controles completos

(1) (3) (5) (7) (2)

Variáveis Logit 1 Logit 2 Logit 3 Logit 4 Logit 5

sentenca_marco = 1 0.0301 0.0285 0.0409 0.0458 -0.0179

  (0.112) (0.119) (0.109) (0.116) (0.126)

medicamento 0.0256 0.0841 0.0640 0.113 -0.0357

  (0.114) (0.126) (0.113) (0.123) (0.124)

vagas_hospitalar 0.0105 0.0445 0.0603 0.0833 -0.0196

  (0.149) (0.159) (0.152) (0.159) (0.154)

consulta_atendimento 0.222* 0.242* 0.216* 0.236* 0.154

  (0.125) (0.128) (0.121) (0.125) (0.132)

procedimento_
-0.0151 -0.0167 -0.0776 -0.0605 -0.0576
cirurgico

  (0.141) (0.150) (0.136) (0.145) (0.147)

vulnerabilidade social/
- - - - -
assistencia social

saúde da mulher -0.434** -0.412** -0.533*** -0.523*** -0.418**

  (0.187) (0.199) (0.186) (0.199) (0.189)

cancer de prostata - - - - -

doenças oncologicas -0.163 -0.139 -0.134 -0.104 -0.134

  (0.111) (0.117) (0.108) (0.115) (0.118)

diabetes -0.0807 -0.162 -0.0294 -0.0869 -0.0605

  (0.159) (0.176) (0.153) (0.174) (0.171)

doenças cardiovascula-
0.0921 0.0467 0.0758 0.0748 0.134
res e vasculares

  (0.152) (0.159) (0.143) (0.154) (0.167)

transtornos
-0.313* -0.277 -0.267* -0.225 -0.296*
psiquiátricos

  (0.160) (0.171) (0.159) (0.173) (0.161)

Sumário 466
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

(1) (3) (5) (7) (2)

Variáveis Logit 1 Logit 2 Logit 3 Logit 4 Logit 5

sindromes de má-
- - - - -
formação cognitiva

doenças ortopédicas -0.202 -0.137 -0.169 -0.114 -0.180

  (0.149) (0.160) (0.145) (0.156) (0.148)

doenças respiratórias -0.228 -0.189 -0.208 -0.168 -0.224

  (0.172) (0.182) (0.170) (0.183) (0.189)

comarca_tipo = 2   0.145   0.0916  

    (0.0982)   (0.106)  

comarca_tipo = 3   -   -  

comarca_tipo = 4   -   -  

genero_juiz         -0.104

          (0.0924)

tempo_magistratura         -2.16e-06

          (8.28e-06)

estado     -0.0134 -0.0343  

      (0.0971) (0.101)  

defensoria     0.252** 0.244*  

      (0.117) (0.125)  

Observations 97 91 97 91 92

Standard errors in
parentheses

*** p<0.01, **
p<0.05, * p<0.1

Fonte: Elaboração própria.

Sumário 467
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Análise da postura da Administração


Pública Municipal e da discussão
judicial sobre as competências
federativas na pandemia da Covid-19 no
município de Juiz de Fora - MG
Luciana Gaspar Melquíades Duarte1
Yuran Quintão Castro2

Resumo
O presente trabalho averiguou, no contexto da pandemia
de Covid-19, a partir da análise de decretos publicados
pelo município de Juiz de Fora - MG, se a competência
comum dos entes da federação, confirmada pelo Supremo
Tribunal Federal, para adoção de medidas de saúde, foi
respeitada. Partiu-se da hipótese de que os entes federa-
dos, têm legitimidade para tratar dos assuntos relaciona-
dos a cada um, independente de interferência dos demais.
O estudo lastreou-se no referencial teórico do Pós-posi-
tivismo, especialmente nas concepções de Alexy (2001;

1 Doutora em Direito Público - UFMG; Professora; Universidade Federal de Juiz de Fora; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9612622153460207
2 Mestrando em Direito e Inovação - UFJF; Advogado e Pesquisador; Universidade Federal de Juiz
de Fora; Lattes: http://lattes.cnpq.br/9459346457267661

Sumário 468
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

2002) quanto à Teoria dos Direitos Fundamentais e a Teo-


ria da Argumentação. Por meio de metodologia qualita-
tiva, mediante emprego de método preponderantemente
dedutivo, debruçou-se sobre a resposta ao problema da
pesquisa referente ao respeito pelas competências federa-
tivas na gestão da pandemia. Examinou-se, brevemente,
o programa “Minas Consciente”, criado pelo Governo de
Minas Gerais para uniformizar a retomada gradual da eco-
nomia no Estado. Percebeu-se que ao município de Juiz de
Fora - MG foram conferidas as prerrogativas relacionadas
à autonomia para a adoção das medidas de saúde pública,
em respeito aos ditames do Federalismo, uma vez que o
programa estadual não vinculou as ações municipais.

Sumário 469
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
O contexto da pandemia de Covid-19 demandou a adoção de iniciativas rápi-
das e eficientes pelas entidades federadas, tendo em vista o contínuo avanço
da doença nos respectivos territórios. Complexos conflitos principiológicos
evidenciaram-se. Nesse sentido, o presente trabalho debruçou-se sobre as
competências a serem desempenhadas pelas entidades federativas no con-
texto da pandemia.

Devido à necessária contenção da doença, demonstrou-se importante a fixa-


ção de restrições, por meio de atos administrativos advindos do Chefe do Po-
der Executivo dos entes municipais, às atividades econômicas que promoves-
sem alguma espécie de aglomeração e que não fossem imprescindíveis para a
manutenção dos indivíduos em sociedade. A espera por deliberações no bojo
do processo legislativo não se coadunaria com esse contexto de demanda por
posicionamentos céleres.

Desse modo, buscou-se averiguar, por intermédio da análise de decretos


do Poder Executivo do município de Juiz de Fora - MG, se a competência
comum entre as entidades federadas para a adoção das medidas de saúde,
confirmada por posicionamentos do Supremo Tribunal Federal (STF), foi
respeitada. Estabeleceu-se, como período de tempo para análise, a data da
publicação da Lei nº 13.979 (BRASIL, 2020a), criada para definir as medidas
de enfrentamento à pandemia no território nacional, até o dia 31 de dezem-
bro de 2020.

Partiu-se do pressuposto de que a Administração Pública municipal tem a


devida legitimidade para tratar dos assuntos de saúde pública atinentes ao
território de sua competência, sem a interferência das demais entidades pú-
blicas. Como objetivo geral, buscou-se investigar se, por meio da autonomia
conferida pelo Federalismo, foi juridicamente adequada a postura da Ad-
ministração Pública que visou a tutela do direito à saúde e do direito à vida
em detrimento da primazia das liberdades econômicas, diante da quantidade
de casos da doença e de mortes na municipalidade. Os objetivos específicos

Sumário 470
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

consistiram na análise da postura da Administração Pública do município de


Juiz de Fora frente ao avanço da Covid-19.

Para tanto, analisou-se, brevemente, a conformação do município de Juiz de


Fora ao programa “Minas Consciente”, elaborado pelo governo do Estado
de Minas Gerais, para uniformizar as ações dos 853 municípios do Estado
relacionadas à retomada gradual das atividades econômicas. Juiz de Fora -
MG aderiu ao plano em meados do mês de maio de 2020 e, a partir desse
momento, comprometeu-se a seguir as diretrizes nele estabelecidas.

No que tange à parcela qualitativa da pesquisa, utilizou-se a metodologia


dedutiva, pois se formularam premissas gerais que orientaram a solução, no
estudo de caso, da colisão entre o direito à saúde e o direito à livre iniciativa.
O exame do referencial teórico e da revisão de literatura, por meio dos parâ-
metros doutrinários do Pós-positivismo, auxiliaram no reforço ao respeito ao
conteúdo da Constituição (BRASIL, 1988) e à racionalidade da argumenta-
ção na resposta ao problema de pesquisa proposto.

O presente estudo demonstrou-se de grande valia para averiguar a maneira


como o ente municipal de referência no Estado de Minas Gerais agiu, diante
das prerrogativas a ele conferidas pela Constituição (BRASIL 1988), bem
como em respeito aos princípios constitucionais ligados aos direitos funda-
mentais e à estrutura político-administrativa do Estado Democrático de Di-
reito brasileiro, sendo, a partir disso, possível a projeção dessa perspectiva a
outras realidades pelo país.

Pressupostos teóricos das medidas de contenção


à Covid-19
O Pós-positivismo, corrente filosófico-jurídica desenvolvida a partir dos pres-
supostos da filosofia da linguagem e como forma de superação à teoria posi-
tivista, almeja a consecução da igualdade e da liberdade, preceitos basilares
do Estado Democrático de Direito (ALEXY, 2001, 2002). Para tanto, o Estado

Sumário 471
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

deve tutelar os direitos fundamentais mediante aplicação da máxima da pro-


porcionalidade, em conformidade com as condições fáticas e jurídicas que se
apresentarem a cada caso concreto.

O Estado de Direito provê as condições normativas necessárias para que o


Poder Público direcione o seu posicionamento de maneira previsível e, em
razão disso, salvaguarde a segurança jurídica. Ademais, assegura direitos fun-
damentais, de maneira a limitar a ação estatal legislativa, administrativa e
judicial, bem como delineia a plenitude de ações dos indivíduos que prejudi-
quem a conformação social.

Para o Positivismo, o Direito seria uma ciência formal, competindo ao in-


térprete apenas a análise da melhor norma para o caso, desde que essa se
limitasse à moldura do ordenamento jurídico (CARVALHO; DUARTE, 2012,
p. 128). Desse modo, o Direito afastaria influências de ciências correlatas à
jurídica, como a filosofia, a sociologia e a política que maculariam a aplica-
ção da norma com posicionamentos valorativos do intérprete. O raciocínio
valorativo seria inerente ao Direito, sem haver, contudo, delimitação quanto
à natureza daquele que estaria relacionado à norma considerada para o con-
texto (CARVALHO; DUARTE, 2012).

A teoria positivista considera que o Direito é aplicável por meio da subsunção


da norma ao fato, não devendo, pois, os argumentos de cunho valorativo in-
fluenciar no posicionamento jurídico (CARVALHO; DUARTE, 2012, p. 126).
Face a isso, as lacunas normativas seriam preenchidas mediante emprego da
discricionariedade (DWORKIN, 2002). Destarte, há o aumento do subjetivis-
mo, implicando em redução da segurança jurídica.

Contra isso, o Pós-positivismo, como acima salientado, advindo dos ditames


da filosofia da linguagem, considera que a disciplina do fato depende do
discurso, da sua externalização por meio da fala, cuja correspondência ao
fato implicaria a verdade. Com isso, necessariamente, o pensamento deve
ser traduzido pela racionalidade da argumentação, para permitir controlar
objetivamente a correção (o alcance da verdade) do discurso, em busca da

Sumário 472
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

universalidade (CARVALHO; DUARTE, 2012). Desta maneira, o escopo do


Pós-positivismo é a racionalização do processo de interpretação e aplicação
do Direito, no qual se situam as teorias da argumentação jurídica (CARVA-
LHO; DUARTE, p. 130), mediante convencimento a partir de razões a serem
apresentadas para a solução de cada caso concreto.

Para tanto, o discurso jurídico, espécie do discurso prático-geral, faz uso das
fontes do Direito: precedentes, doutrina, costumes e normas (ALEXY, 2001;
2002). Quanto às últimas, Dworkin (2002), relevante autor pós-positivista,
propõe que são classificadas em duas espécies: regras ou princípios; estes são
derivados dos valores sociais e, da mesma forma que aquelas, são vinculantes,
ou seja, geram direitos e deveres a todos os indivíduos.

As regras diferenciam-se dos princípios por serem comandos definitivos,


aplicados à maneira “tudo ou nada”, enquanto estes, ao veicularem valores,
refletem o aspecto moral da comunidade. Diante dessa distinção de origem,
é possível concluir que os princípios são mais abstratos, permitindo que, com
maior frequência, colidam entre si. Como forma, pois, de dirimir tal embate,
deve haver o sopesamento, diante do caso concreto (DWORKIN, 2002).

Com isso, Dworkin (2002) referenda a ideia de que o Direito não é apartado
da moral. O autor considera que o princípio jurídico é capaz de vincular e
ser considerado legítimo em virtude da moral, por ela representar as prá-
ticas sociais. Segundo a teoria pós-positivista, inexistem regras meramente
programáticas no ordenamento. Isso posto, pondera que decisões políticas
são arriscadas, pois podem romper com o Estado de Direito, por não terem
o condão de salvaguarda dos princípios norteadores desse.

O respeito exigido por esta concepção jusfilosófica ao Direito posto ensejou


a valorização normativa da Constituição, cuja juridicidade foi reconhecida a
partir, sobretudo, da vinculatividade atribuída aos princípios.

Avançando no pensamento de Dworkin (2002), Alexy (2001; 2002) desenvol-


ve a máxima da proporcionalidade para dirimir o conflito entre princípios,
a fim de permitir a demonstração argumentativa da qual deve sobressair,

Sumário 473
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

diante do contexto analisado. Da mesma forma que Dworkin (2002) consi-


dera que os princípios, dotados de maior carga valorativa, são mais propícios
às colisões. Em razão disso, pondera que esses são verdadeiros mandados de
otimização, considerados normas prima facie, devendo ser atendidos da maior
maneira possível, diante do caso concreto.

Como forma de dirimir tal conflito, Alexy (2001) elaborou a máxima da


proporcionalidade, em avanço às considerações previamente firmadas por
Dworkin (2002) acerca do sopesamento entre princípios colidentes. Alexy
(apud TREVISAN, 2015, p. 155) afirma que a ponderação é um procedimen-
to de argumentação a ser exercido a cada caso concreto, buscando, pois, a
correção. Para Alexy (apud TREVISAN, 2015, p. 155), a correção está jungi-
da à fundamentação. Assim, afirma que a racionalidade da ponderação é ga-
rantida pela observância de determinadas regras de argumentação, devendo
a correção ou a verdade ser resultado de um procedimento, de um discurso
racional (TREVISAN, 2015, p. 156), o que enseja a universalidade do resul-
tado (TOLEDO, 2017, p. 5).

Alexy (2001; 2002), ao tratar da máxima da proporcionalidade, e com o fito


de preservar o Estado Democrático de Direito, desenvolve sua estrutura em
três submáximas: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito. A adequação orienta para a análise da aptidão da restrição a um prin-
cípio para promover o outro com ele colidente; a necessidade pressupõe o
emprego do meio menos gravoso para a promoção desse princípio oposto;
a proporcionalidade em sentido estrito, por fim, mensura se a efetivação do
princípio prevalente supera a restrição a ser promovida sobre o princípio de
menor peso, no caso concreto.

Desse modo, os direitos fundamentais, normas positivadas na Constituição


(BRASIL, 1988) para a incorporação de direitos humanos (jusnaturalismo),
são considerados princípios constitucionais, por serem abrangentes, tendo
em vista a correlação com a condição humana do indivíduo e, em razão dis-
so, garantirem-lhe dignidade. Ademais, necessitam ser efetivados na maior
forma possível, desde que respeitem como limite o núcleo essencial de cada

Sumário 474
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

direito, considerado o arcabouço de prestações mínimas que caracterizam o


direito fundamental (DUARTE; CASTRO, 2020).

A despeito do contexto judicial em que se desenvolveram tais teorias, os ges-


tores públicos, ao editarem decretos municipais, também precisam decidir
fundamentadamente (princípio da motivação) sobre quais direitos deverão
prevalecer a cada situação fática apresentada. Desse modo, a população tem
a possibilidade de controlar racionalmente a postura adotada pelo adminis-
trador, tendo em vista os limites impostos pela legislação e pela Constituição
(BRASIL, 1988).

Sendo assim, a Administração Pública, capitaneada pelo Chefe do Poder Executi-


vo, da mesma forma que o Estado-Juiz, representado pelos membros da magis-
tratura, necessita promover decisões, frente às demandas públicas, que podem
variar de uma municipalidade para outra, inclusive na pandemia de Covid-19.

Isso fundamenta, ao lado da competência da entidade federativa local para a


atuação na seara sanitária, o dever de reconhecimento da melhor capacida-
de dos municípios de procederem à ponderação dos direitos fundamentais
colidentes na crise do novo coronavírus: o direito à saúde e a livre iniciativa
(corolário do direito à liberdade). A partir da incidência discursiva das pre-
missas da autonomia inerentes ao princípio do federalismo, vislumbra-se a
necessária independência de cada ente político para proceder às decisões
que melhor se adequem ao contexto de cada um, modulando as restrições
imprescindíveis à livre iniciativa de acordo com a intensidade da ameaça exis-
tente aos direitos à saúde e à vida em cada cidade, de acordo com a situação
da doença de Covid-19 em cada localidade.

Nessa perspectiva, Balkin e Levinson (2001) salientam a importância da pre-


servação dos princípios constitucionais fundantes, independentemente das
mudanças de interpretação do texto da Constituição, realizada pelos indiví-
duos, haja vista a necessária busca pelas origens deles no processo de adapta-
ção do texto constitucional frente às novas conformações sociais e para que não
se deteriore o Estado Democrático de Direito legitimamente instituído.

Sumário 475
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Com efeito, para optar pela primazia de determinado direito, em busca do


controle do avanço da pandemia, incumbe ao administrador salvaguardar
aquele que se coadune com a dignidade da pessoa humana, na maior medida
possível, a despeito da valorização conferida pelo ordenamento a ambos.

O judiciário e o resgate do federalismo


O Federalismo brasileiro originou-se da decorrência de um poder central
forte, que abriu mão de sua soberania para conferir autonomia aos estados-
membros (SALES, 2020, p. 4). O Brasil, durante o processo de consolidação
da República, caracterizou-se por, tendencialmente, centralizar o poder políti-
co-administrativo na pessoa do Chefe do Executivo da União. Somente a partir
da publicação da Constituição de 1988 foi possível consolidar a relevância dos
demais entes públicos para a manutenção do Estado brasileiro, principalmente
após os 21 anos de ditadura militar pelo qual o Brasil havia passado.

A Constituição (BRASIL, 1988), desse modo, já no caput do artigo 1º, classifi-


ca a República Brasileira como República Federativa e estatui que ela é com-
posta pela união, indissolúvel, dos Estados, Municípios e do Distrito Federal.
Dessa forma, imediatamente, o Legislador Constituinte Originário esclareceu
o caráter descentralizado do poder, bem como demonstrou a elementaridade
de cada ente público para a formação do Estado brasileiro. Como forma de
resguardar essa conformação de país, o mesmo legislador elencou, no inciso I
do § 4º do artigo 60 da Constituição (BRASIL, 1988), a federação como uma
cláusula pétrea no ordenamento jurídico pátrio. Com isso, ainda que o Le-
gislador Constituinte Derivado almeje alterar o teor do texto constitucional,
uma emenda que comprometa o Federalismo não pode sequer ser proposta.

A despeito disso, o desenho político-institucional possibilitou que, por meio


de emendas parlamentares, ocorresse uma progressiva recentralização do
papel da União ao longo dos anos (RODRIGUES; AZEVEDO, 2020, p. 2-3).
A Constituição (BRASIL, 1988) manteve a tradição de concentrar parcela
considerável da capacidade de legislar na escala federal, o que limitou, sobre-

Sumário 476
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

maneira, a autonomia dos governos de estados e municípios (RODRIGUES;


AZEVEDO, 2020, p. 4).

Apesar da distribuição de competências efetuada pelo Constituinte Originá-


rio, a União avançou sobre a esfera de autonomia dos demais entes, mediante
a centralização de poderes relacionados à capacidade legislativa, principal-
mente acerca da carga tributária. O ente público federal, com isso, acumulou
maior quantidade de divisas, fruto de uma repartição de receitas tributárias
que não permitiu o alcance da autonomia financeira pelos outros entes públi-
cos (SOUZA; COIMBRA; MACHADO, 2020, p. 115). Assim, há considerável
dependência dos entes menores em relação ao orçamento da União, tornan-
do-se cada vez mais difícil a esses a consecução de políticas públicas que lhes
concerne (MAZZUOLI; FRAZÃO, 2020, p. 24). Evidencia-se, com isso, uma
crise fiscal, política, econômica e social, ocasionada pela postura centralizado-
ra do Poder Público Federal.

Como exemplo, pode-se citar a instituição e a arrecadação de valores me-


diante a incidência das alíquotas do Programa de Integração Social (PIS) e
da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), sobre
a receita bruta das empresas, exceto de microempresas e empresas de peque-
no porte que contribuem para o Simples Nacional. Esse é um dos principais
tributos que a União recolhe. A despeito da queda na arrecadação no perío-
do de pandemia, no mês de junho de 2020, as respectivas receitas somaram
o montante de R$ 11,683 bilhões (ESTADÃO CONTEÚDO, 2021). Aliás, a
União concentra cerca de 55% da arrecadação de tributos do país (MAR-
TELLO, 2021).

No Brasil, adota-se o Federalismo híbrido, reunindo características do Fe-


deralismo dual, com competências privativas e exclusivas, e do Federalismo
cooperativo, com competências comuns e concorrentes (SOUZA; COIMBRA;
MACHADO, 2020, p. 116). Pode-se considerar, também, que o Constituinte
Originário, em busca de configurar um Federalismo de equilíbrio, objetivou
ampliar as competências concorrentes, a fim de conferir maior autonomia
aos estados federados (SALES, 2020, p. 6). Desse modo, a Constituição (BRA-

Sumário 477
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

SIL, 1988) conferiu competências administrativa e legislativa a cada ente,


com base no critério da hegemonia do interesse do ente federado, de modo
que, se esse for predominantemente nacional, a competência é da União;
se regional, dos estados; se local, dos municípios (SOUZA; COIMBRA; MA-
CHADO, 2020, p. 118-119).

Nesse sentido, pode-se citar a organização das políticas públicas de saúde, em


razão do sistema de saúde ser financiado, conjuntamente, por todos os entes
da federação, consoante dispõe, por exemplo, o artigo 196 da Constituição
(BRASIL, 1988) e o artigo 15 da Lei nº 8.080 (BRASIL, 1990). Assim, tais po-
líticas adquirem centralidade à medida em que sejam consideradas de maior
extensão e complexidade, em busca do respeito à capacidade de cooperação
entre os entes (ROCHA NETO, 2020, p 343).

Desde o início dos anos 2000, há um processo de releitura da organização do


Federalismo brasileiro, frente à crise sistêmica acima descrita. O Supremo Tri-
bunal Federal, em 2003, por exemplo, firmou representativo precedente, no
âmbito do Recurso Extraordinário nº 189.170 (BRASIL, 2003), sobre a compe-
tência do ente municipal em regular o horário de funcionamento do comércio
local. Após reiteradas decisões nesse sentido, o STF publicou a Súmula Vin-
culante nº 38 (BRASIL, 2015) com a seguinte redação: “É competente o mu-
nicípio para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.”

Desse modo, paulatinamente, houve uma busca pela retomada da rela-


ção harmônica entre os entes da federação, nos moldes como o Legisla-
dor Constituinte Originário pensou, em um primeiro momento, a estru-
tura político-administrativa do Brasil como uma federação colaborativa e
compartimentalizada.

Na pandemia, os limites do pacto federativo foram constantemente testados,


diante da necessidade da adoção de medidas céleres e urgentes pelos adminis-
tradores públicos, frente ao avanço da doença nos respectivos territórios. Diante
disso, o Supremo Tribunal Federal foi acionado algumas vezes para dirimir tais
conflitos e resgatar os preceitos do Estado Democrático de Direito.

Sumário 478
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Observou-se que o STF foi de encontro a uma possível retomada da con-


centração dos poderes em somente um ente e almejou a revalorização da
importância do Federalismo. Destaca-se que o Governo Federal publicou a
Medida Provisória nº 926 (BRASIL, 2020c), com escopo de alterar disposi-
tivos da Lei nº 13.979 (BRASIL, 2020a). Aquele ato normativo, inclusive,
foi posteriormente transformado na Lei nº 14.035 (BRASIL, 2020d) que,
por sua vez, consolidou algumas modificações no conteúdo da Lei nº 13.979
(BRASIL, 2020a).

Entre as alterações ocorridas, uma modificou a redação do caput do artigo 3º da


lei acima. Isso, por sua vez, motivou o Partido Democrático Trabalhista (PDT) a
ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, posteriormente de-
nominada de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.341 (BRASIL, 2020e).
O partido entendeu que a mudança no conteúdo da lei gerou prerrogativas
excessivas à União, desequilibrando, com isso, a cooperação entre os entes.
Diante desse questionamento, o plenário do STF, no dia 15 de abril de 2020,
confirmou a liminar inicialmente proferida pelo Ministro Edson Fachin, no
sentido de reafirmar que os entes públicos possuem competência concorrente
para legislar sobre assuntos atinentes à saúde pública de cada localidade.

Dessa forma, não foi permitido ao Chefe do Poder Executivo Federal deter-
minar quais seriam os serviços essenciais em todo o país, sem que se respeitas-
se a autonomia de cada ente local. Assim, reforçou-se o respeito ao conteúdo
do inciso II do artigo 23 da Constituição (BRASIL, 1988), que considera a
competência comum entre todos os entes públicos para tratar de assuntos
relacionados à saúde.

Destaca-se, ainda, que, em momento anterior a essa decisão, no dia 08 de


abril de 2020, por meio de decisão monocrática, o Ministro Alexandre de
Moraes do STF, considerou, em sede da Ação de Arguição de Descumpri-
mento de Preceito Fundamental nº 672 (BRASIL, 2020f), que os governos
estaduais, municipais e distrital, no âmbito de jurisdição de seus territórios,
teriam competência para adotar as medidas necessárias à contenção da Co-
vid-19, independentemente da anuência dos demais.

Sumário 479
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Assim, o Poder Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, que pos-


sui como atribuição a uniformização da jurisprudência nacional, almejou a
busca pelas origens do Federalismo brasileiro, pensado como uma maneira
em que todos os membros do Estado possuam poderes para que inexista a
propagação de tiranias. Desse modo, não caberia apenas à União o papel de
determinar as regras de combate à pandemia. Aos demais entes, no limite das
respectivas jurisdições, foi permitido que se adotasse aquilo que fosse neces-
sário para a contenção do avanço da doença.

Análise da postura da administração pública do município


de Juiz de Fora - MG no contexto da pandemia
O contexto da pandemia de Covid-19, relacionado ao avanço contínuo da
doença, exigiu iniciativas rápidas e eficientes dos gestores públicos, impossi-
bilitando a espera pelas deliberações no bojo do processo legislativo. Sendo
assim, neste trabalho, analisaram-se os atos administrativos publicados no
âmbito do Poder Executivo do município de Juiz de Fora - MG, acerca das
medidas de restrição à economia, como a determinação do fechamento de
comércios considerados não-essenciais. Essas ações demonstraram-se neces-
sárias, pois a atividade comercial promove circulação de pessoas e, em função
disso, permite a propagação da Covid-19.

Tais iniciativas foram respaldadas pelos ditames da Lei nº 13.979 (BRASIL,


2020b), editada no mês de fevereiro de 2020 para estabelecer as medidas de
enfrentamento à pandemia no território nacional. Desse modo, como a legis-
lação federal elencou atitudes possíveis de serem adotadas para o combate à
pandemia em todo o território brasileiro, os atos administrativos exarados
pelo Poder Executivo pautaram-se em tais disposições, bem como estavam
respaldados pelo posicionamento do STF, consoante afirmado alhures.

Segundo os ditames do artigo 8º da Lei nº 13.979 (BRASIL, 2020b), esse re-


gramento deveria vigorar enquanto perdurarem os efeitos do Decreto Legis-
lativo nº 6 (BRASIL, 2020f), publicado, pelo Congresso Nacional, em março

Sumário 480
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

de 2020, reconhecendo, em todo o território nacional, o estado de calami-


dade pública. Este trabalho, em respeito ao escopo metodológico proposto,
analisou os decretos publicados pelo município de Juiz de Fora - MG a partir
daquela data até o final de 2020.

Assim, em consulta ao sítio eletrônico oficial do município de Juiz de Fora -


MG, pesquisou-se, no espaço relacionado aos “atos do governo”, os decretos
municipais publicados entre o dia 6 de fevereiro de 2020 e 31 de dezembro de
2020. Foram encontrados 16 decretos publicados pelo Poder Executivo Muni-
cipal, concernentes às medidas de contenção a Covid-19, no que tange às res-
trições às atividades econômicas. O primeiro, cuja numeração é 13.893 (JUIZ
DE FORA, 2020a), foi publicado no dia 17 de março e o último, de numeração
14.179 (JUIZ DE FORA, 2020b), publicou-se no dia 14 de novembro.

O município, em um primeiro momento, não optou pelo fechamento de es-


tabelecimentos elencados como não-essenciais ou pela restrição de horário de
funcionamento desses. Verificou-se, contudo, a adoção comedida de medidas
restritivas, como a impossibilidade de realização de eventos com mais de 100
pessoas e o estímulo a práticas de higienização dos clientes e funcionários.
Nesse instante, haviam sido catalogados apenas 2 casos confirmados e nenhu-
ma morte (MINAS GERAIS, 2021a).

Entretanto, logo que se percebeu o agravamento da pandemia, constatou-se


que houve o enrijecimento das ações de controle à atividade comercial. Como
ilustração, pode-se citar a publicação, no dia 18 de março (um dia após a edi-
ção do primeiro decreto municipal), do Decreto Municipal nº 13.894 (JUIZ
DE FORA, 2020c), em que se determinou, entre outras restrições, a proibi-
ção de quaisquer eventos que promovessem aglomerações, bem como a im-
possibilidade de funcionamento de shoppings centers e centros comerciais,
exceto “farmácias, clínicas de atendimento na área de saúde, supermercados,
restaurantes e locais de alimentação, em relação a esses dois últimos apenas
na modalidade entrega a domicílio (delivery)”. Oficialmente, contudo, ainda
não havia o aumento de casos e de mortes na data do dia 18 de março de
2020 (MINAS GERAIS, 2021a).

Sumário 481
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Essa postura restritiva, aliás, permaneceu até junho do ano de 2020, mês em
que se publicou o Decreto nº 13.975 (JUIZ DE FORA, 2020d), estabelecendo,
por exemplo, restrição ao funcionamento de bares. Ademais, o artigo 11 do
mencionado decreto dispôs que:

Art. 11. Nas lanchonetes e restaurantes dar-se-á preferência a entrega em


domicílio (delivery) ou retirada no balcão e, para caso de consumo no local,
fica o estabelecimento obrigado ao cumprimento de todas as medidas pre-
vistas no §2º do artigo antecedente, bem como a proibição do autosserviço
(self-service) e do entretenimento.

Especificamente na data da publicação do mencionado decreto, qual seja, dia


12 de junho de 2020, Juiz de Fora - MG registrou 811 casos confirmados da
doença e 38 mortes (MINAS GERAIS, 2021a).

É importante frisar que, por meio do Decreto nº 13.959 (JUIZ DE FORA,


2020e), o município de Juiz de Fora - MG aderiu ao plano “Minas Consciente
- Retomando a economia do jeito certo” (2021), programa criado pelo Gover-
no do Estado de Minas Gerais para estabelecer:

(...) a retomada gradual de comércio, serviços e outros setores, tendo em


vista a necessidade de levar a sociedade, gradualmente, à normalidade,
através de adoção de um sistema de critérios e protocolos sanitários, que
garantam a segurança da população.

Tal programa tem como característica o reconhecimento da autonomia do


ente municipal, diante da situação vivenciada na municipalidade, para a ado-
ção de medidas mais restritivas que as estabelecidas no protocolo de abertura
controlada dos estabelecimentos comerciais. Desde o momento da adesão do
ente municipal ao programa, devem-se seguir os protocolos sanitários previs-
tos para o funcionamento dos estabelecimentos comerciais autorizados para
cada espécie de onda de flexibilização (MINAS GERAIS, 2021b).

Trata-se, com isso, de norma (decreto municipal) que vincula o ente público,
a partir da adesão aos protocolos sanitários, sob pena de aplicação, pelos
órgãos de controle das ações das entidades públicas, de penalidades concer-
nentes à configuração de improbidade administrativa, por exemplo.

Sumário 482
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

O Estado de Minas Gerais, para a melhor organização dos protocolos sanitá-


rios, foi subdivido em macro e microrregiões. A primeira foi composta por mu-
nicípios maiores, habitualmente utilizados como referência para determinadas
localidades do Estado. Enquanto na segunda, foram inseridos, junto àqueles
de maior proporção, os de menor dimensão e que estivessem próximos aos
selecionados como parâmetro para a macrorregião (MINAS GERAIS, 2021b).

Pouco tempo depois que o município de Juiz de Fora aderiu ao Minas


Consciente, o Governo do Estado de Minas Gerais, no dia 05 de agosto, mo-
dificou a metodologia de análise dos dados e reformulou os protocolos de
abertura do comércio (MINAS GERAIS, 2021b). Nessa mudança, mantida
até o dia 31 de dezembro de 2020, o plano estabeleceu três ondas de aber-
tura gradual das atividades econômicas, com protocolos específicos para
cada uma, quais sejam: vermelha (atividades essenciais), amarela (algumas
atividades não-essenciais) e verde (atividades não-essenciais).

Com isso, o município que estivesse inserido na macrorregião contida na onda


amarela e na microrregião classificada com a onda verde pôde optar por uma
dessas. Outrossim, diante das circunstâncias apresentadas no território munici-
pal, autorizou-se a restrição ainda maior do exercício das atividades econômicas
para que fosse adotado, durante período de tempo específico, o protocolo esta-
belecido pela onda vermelha (MINAS GERAIS, 2021b).

Destarte, como sobredito, permitiu-se a autonomia do administrador para ava-


liar a situação apresentada no município, a fim de se verificar a segurança em
flexibilizar o exercício de determinadas atividades econômicas, estabelecidas
para a macro e microrregião em que o município estivesse inserido, sem que isso
acarretasse consequências desastrosas ao sistema de saúde. Então, autorizou-se,
apenas, que houvesse maior restrição às atividades e não se flexibilizasse, por ini-
ciativa própria do ente municipal, além das previsões estipuladas pelo programa
para a cidade (MINAS GERAIS, 2021b).

Desse modo, averiguou-se que o município de Juiz de Fora - MG, após a ade-
são ao referido plano, optou por seguir, em grande medida, os protocolos sa-

Sumário 483
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

nitários estabelecidos pelo Minas Consciente. Constatou-se, aliás, que foram


adotadas menores restrições ao comércio, como no Decreto nº 13.991 (JUIZ
DE FORA, 2020f), em que se permitiu o consumo no local para restaurantes,
em horários específicos, de segunda-feira a sexta-feira. Nesse mesmo dia, 27
de junho de 2020, os dados oficiais do Governo Estadual apontavam 1480
casos da doença e 49 mortos na cidade (MINAS GERAIS, 2021a).

Percebeu-se que foram garantidas ao ente público municipal as suas prerro-


gativas acerca da adoção das medidas necessárias à contenção da doença no
território de sua competência, sem que houvesse a interferência dos demais
entes. A adesão ao Minas Consciente (MINAS GERAIS, 2021b) foi uma es-
colha da gestão de cada município, sem que se configurasse imposição do
estado-membro, de maneira a coadunar-se aos ditames do federalismo coo-
perativo e ao posicionamento do STF.

Conclusão
Demonstrou-se que as medidas de restrição à livre-iniciativa, publicadas por
meio de decretos do Poder Executivo do município de Juiz de Fora no perío-
do de 6 de fevereiro de 2020 a 31 de dezembro de 2020, em busca da con-
tenção a Covid-19, coadunam-se com preceitos do Estado de Direito, tendo
em vista a ponderação que promovem entre os direitos fundamentais à saúde
e à livre iniciativa. Consoante os pressupostos do Pós-positivismo, as normas
constitucionais devem ser efetivamente respeitadas, sob pena do comprome-
timento do Estado de Direito.

O princípio do federalismo, inicialmente estabelecido pelo Legislador Cons-


tituinte Originário como uma forma de se evitar a concentração de poderes
em apenas um ente federado, a fim de se coibirem tiranias, tem sido resgata-
do, paulatinamente, pelo Poder Judiciário. A concretização do entendimento
do Supremo Tribunal Federal, em posicionamentos paradigmáticos, como na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.341 (BRASIL, 2020d) e na Ação
de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 672 (BRASIL,

Sumário 484
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

2020e), reitera a competência de cada entidade para tratar de questões ati-


nentes aos assuntos de seus respectivos interesses.

Com isso, por meio do Judiciário, tem-se construído o resgate ao Federalis-


mo, tendo em vista que, durante os anos de estabelecimento da República
Federativa brasileira, a União, de forma progressiva, abarcou competências
legislativas e políticas que deveriam ser repartidas, proporcionalmente, com
os demais entes. Com efeito, ocorreu a concentração de recursos no ente
público federal, criando, a partir disso, a dependência dos demais, em busca
de uma possível repartição dessas divisas, para que pudessem arcar com as
demandas atinentes aos respectivos territórios.

Mediante a análise dos atos administrativos editados pelo Poder Executivo


de Juiz de Fora - MG, verificou-se que, em tal municipalidade, não houve a
interferência dos demais poderes na adoção de medidas necessárias à con-
tenção da Covid-19, no que tange às restrições às atividades econômicas. A
adesão ao programa “Minas Consciente” não caracterizou invasão de compe-
tência do Estado de Minas Gerais na esfera de jurisdição municipal. Em tal
plano, aliás, permitiu-se a autonomia do ente de menor dimensão, frente à
realidade vivenciada no local. Essa adesão, ainda, foi voluntária e, somente a
partir desse momento, o ente público necessitou seguir as diretrizes, tal qual
em um acordo bilateral.

Nesse sentido, percebeu-se que o município de Juiz de Fora - MG, em um pri-


meiro momento, assumiu postura mais restritiva ao desenvolvimento das ativi-
dades econômicas. Porém, após a adesão aos protocolos do programa, verificou-
se maior flexibilização nas ações, em virtude das possibilidades de, consoante
a submáxima da necessidade, limitar menos este direito e promover o direito
à saúde mediante a adoção de protocolos sanitários previamente estabelecidos.

Essa postura, entretanto, não procedeu à aplicação da proporcionalidade em con-


formidade com o caso concreto, nas dimensões estabelecidas por Alexy (2002). A
flexibilização às restrições das atividades comerciais aumentou à medida em que
se verificou o crescimento de casos da doença e de mortes no município.

Sumário 485
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Por fim, de acordo com a análise do caso concreto do município de Juiz de


Fora - MG, foi possível inferir que houve o respeito aos preceitos do fede-
ralismo cooperativo, mediante observância das competências constitucionais
comuns das entidades da federação para tratar de medidas relacionadas à
saúde pública, conforme decidido pelo STF. A partir disso, verifica-se o avan-
ço do processo de resgate da autonomia conferida aos entes federados, neces-
sária para a distribuição equânime de poderes e de prerrogativas político-ad-
ministrativas numa federação.

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Sumário 486
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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Sumário 488
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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Sumário 489
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Estudo do perfil processual das


demandas vinculadas à judicialização
e recomendações administrativas de
ações e serviços em saúde pública no
município de Corbélia - PR
Jean Carlos Debastiani1
Cleide Teresinha Dos Santos Messias2
José Ricardo Messias3
Luís Henrique Lemes4

Resumo
Dentre as crescentes demandas elencadas nos serviços de
saúde pública, judicialização de medicamentos, insumos e
serviços têm chamado atenção pelo aumento da demanda
nos últimos anos. Neste cenário, assumimos que o usuário
fica “exposto”, sendo ele a parte mais “fraca e frágil” da re-

1 Graduado em Fisioterapia; Fisioterapeuta; Divisão de Educação Permanente em Saúde da Secre-


taria Municipal da Saúde de Corbélia/PR; Lattes: http://lattes.cnpq.br/2071476319331081,
2 Graduada em Enfermagem - UNIANDRADE; Enfermeira; Secretária Municipal de Saúde do Mu-
nicípio de Corbélia/PR, Lattes: http://lattes.cnpq.br/9005341802886132,
3 Graduado em Direito - UFPEL; Advogado; Procuradoria Municipal de Cascavel/PR; Lattes: http://
lattes.cnpq.br/6880068080668794.
4 Graduado em Direito - UNIPAR; Advogado; Setor Jurídico da Câmara Municipal de Corbélia/PR;
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3720017354271077,

Sumário 490
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

lação usuário-políticas de gestão administrativa de atenção


à saúde em questões específicas e especiais. Sendo assim,
esta pesquisa tem por objetivo analisar a abordagem jurí-
dica junto às demandas vinculadas à Secretaria Municipal
da Saúde de Corbélia – PR entre os anos de 2017 a 2020,
em que houve uma mudança de perfil de acolhimento
destas demandas judiciais, em virtude de uma maior aber-
tura de comunicação, visando atender as suas recomen-
dações administrativas, antes que estas venham a se tor-
nar processos judiciais mandatórios. Os resultados obtidos
permitiram identificar uma diminuição gradativa dos va-
lores aplicados no cumprimento de sentenças mandatórias
e um aumento da aplicação de recursos no atendimento
das recomendações administrativas. Constatou-se que no
período de 2017 a 2020, 87% dos recursos foram aplicados
em recomendações administrativas, com o restante sendo
gasto no cumprimento de ordens judiciais. Consideran-
do somente os anos de 2019 e 2020, o gasto administrati-
vo alcançou 98,8% dos recursos, dispêndio mais eficiente
que sua alternativa. Dessa forma podemos concluir que
foi significativa a mudança de perfil na abordagem des-
tas demandas, com base no planejamento estratégico, que
gerou diminuição da aplicação de recursos em ações man-
datórias no município, gerando melhora no planejamento
orçamentário e na qualidade de vida dos munícipes.

Palavras-Chave: Judicialização, Planejamento estratégico,


SUS.

Sumário 491
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
A judicialização da política é um fenômeno mundial, que emergiu no século
XX, nas democracias já consolidadas dos Estados de bem-estar social. No
Brasil esse tipo de organização política tomou discreto lugar no ordenamento
jurídico a partir da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
de 1934, com o comando de que compete concorrentemente à União e aos
Estados “cuidar da saúde e assistência públicas”, nos termos do inciso II do
Art. 10 do referido texto constitucional, demarcando nitidamente a separa-
ção do Estado liberal para a democracia social.

Em 1988, este paradigma se aperfeiçoa no Brasil com a promulgação da


Constituição Cidadã, que avançou, vigorosamente, no campo dos direitos so-
ciais como a educação, saúde e o trabalho.

O tema ganha ainda mais importância, pois declara que o acesso à saúde é
“direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos”,
conforme disposto no Art. 196, da Carta Magna.

O direito à alimentação incluso no rol dos direitos sociais mencionados no


Art. 6º a partir da Emenda Constitucional nº 64/2010, reforça e comple-
menta o dever do Estado brasileiro de proteger a saúde e a dignidade do
homem, dever este já incorporado à legislação nacional desde a assinatura
do Pacto Internacional de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Cultu-
rais, ratificado pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 226,
de 12 de dezembro de 1991 e promulgado pelo Decreto nº 591 em 06 de
julho de 1992.

Aplicados à saúde, a intervenção do Poder Judiciário na política é conheci-


da como judicialização da saúde, refere-se à busca do Poder Judiciário, pelo
cidadão, como última alternativa para obtenção de medicamento ou trata-
mento negado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seja por falta de previsão
na Relação Nacional de Medicamentos (RENAME), seja por questões orça-

Sumário 492
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

mentárias. É reflexo de um sistema de saúde deficitário, que não consegue


concretizar a contento a proteção desse Direito Fundamental.

Nesse sentido, a expansão da judicialização tem preocupado gestores e juristas,


pois, sem critérios, pode conduzir a um desequilíbrio do orçamento, prejudi-
cando políticas públicas já avançadas (SILVA, 2013). Sendo que a intervenção
judicial no âmbito da gestão do setor saúde tem sido alvo de intenso debate.
(PEPE, FIGUEIREDO, SIMAS, CASTRO, VENTURA, 2010).

O fenômeno multifacetado da judicialização em saúde expõe limites e pos-


sibilidades institucionais estatais e instiga a produção de respostas efetivas
pelos agentes públicos, do setor saúde e do sistema de Justiça.

Medeiros (2013) enfatiza que a responsabilidade financeira pelo fornecimen-


to de medicamentos, produtos de interesse para a saúde ou procedimentos
é pactuada na Comissão Intergestores Tripartite (CIT), que é composta por
representantes do Ministério da Saúde, das Secretarias Estaduais de Saúde e
das Secretarias Municipais de Saúde.

Silva, (2013) defende que a judicialização da saúde merece atenção de to-


dos os setores da sociedade, pois seu crescimento desenfreado poderá trazer
graves consequências para o equilíbrio orçamentário do país. A saúde é um
direito humano fundamental, mas se encontra mal implementado. Esse é o
principal fator que desencadeia a expansão do movimento. Nesse sentido, é
necessário haver um equilíbrio entre a consecução do direito individual e das
políticas públicas previstas, para que o orçamento público não seja onerado a
tal ponto que torne inviável a atuação do Estado.

Não obstante seja consenso que a situação é preocupante, que há levantamen-


to da proposição de mais de setecentos e setenta mil processos em primeira
e segunda instâncias estaduais entre os anos de 2008 e 2017 (CNJ, 2015),
não existe um levantamento, em âmbito nacional, capaz de medir o impacto
desse fenômeno que se convencionou chamar de judicialização da saúde para
todo o SUS e seus usuários. Isso se dá, em grande medida, pelo fato de que
as ações propostas estão divididas entre a Justiça Federal e a Justiça de cada

Sumário 493
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Estado da Federação, sendo que cada uma destas é um espaço autônomo de


decisão, com organização própria e características de demandas, em certa
medida, particularizadas.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem fazendo uma série de recomen-


dações, para aproximar os Poderes Executivo e Judiciário com o objetivo de
diminuir a judicialização da saúde, com esse propósito determinou por meio
da Resolução nº 238/2016, que os Tribunais de Justiça instalassem os Comi-
tês Estaduais de Saúde, órgão colegiado e multidisciplinar responsável pela
operacionalização das matérias de competência do Fórum Nacional da Saúde
e pelo acompanhamento do cumprimento de suas deliberações, no âmbito
de cada unidade da Federação, conforme define o Art. 1º da Resolução nº
388/2021, que lhe dá a estrutura.

Quando o Poder Executivo de qualquer esfera não é capaz de oferecer o


acesso a esses direitos por via administrativa, é possível a intervenção do Ju-
diciário, cabendo a esta instituição deliberar a favor ou não do demandante.
No Brasil, de forma geral, esse quadro de judicialização na saúde é um fato
recorrente em diversos estados e municípios brasileiros. Essa realidade não é
diferente no Estado e nos municípios do Paraná.

Sendo assim, esse estudo tem por objetivo analisar a abordagem jurídica jun-
to às demandas vinculadas à Secretaria Municipal da Saúde de Corbélia – PR,
com aproximadamente dezoito mil habitantes no oeste do Paraná, entre os
anos de 2017 e 2020. Este recorte se justifica pela mudança de perfil de co-
municação entre o Poder Executivo Municipal e o Ministério Público local
que ocorreu nesta região, com vistas a acolher as demandas originárias deste
setor, antes que estas venham a se tornar processos judiciais mandatórios.

Materiais e métodos
Em vista da necessidade de se compreender a realidade da demanda do mu-
nicípio de Corbélia em relação às suas demandas judiciais, foram levantados,

Sumário 494
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

junto ao setor de assistência farmacêutica, assistência à saúde da Secretaria


Municipal de Saúde e ao setor jurídico da Secretaria de Administração Muni-
cipal, os dados elencados vinculados às demandas de fornecimento de ações,
serviços, medicamentos e insumos de saúde por via de mandados judiciais e
de recomendações administrativas desde o ano de 2017.

Para fins de padronização, foram relacionados por nome do produto vincula-


do à demanda, ano de início de fornecimento, ano final de fornecimento e o
valor dispensado durante o período deste recorte.

O intuito de utilizar o ano de 2017 como referência é o de analisar a mudan-


ça de perfil de abordagem implementada naquele ano, conforme uma nova
proposta de abordagem em acomodar demandas de recomendação adminis-
trativas junto à construção de protocolos e de melhorias no acesso da popu-
lação a ações e serviços em saúde.

É importante relatar que a coleta dos dados considerou as demandas que


surgiram anteriormente ao ano de 2017, mas somente as que ainda tinham
efeitos ativos no período de 2017 e 2020. Essa medida permite que os dados
vinculados a custo sejam completos e mais próximos quanto à realidade do
planejamento orçamentário e financeiro para ações futuras.

Ainda em relação à obtenção de dados, os valores elencados nos resultados


mostram o acúmulo dos custos de cada produto, considerando como ano ini-
cial de cálculo o ano de 2017 ou posterior, sendo que os itens que iniciaram
seu fornecimento anteriormente foram contabilizados a fim de comparação
financeira, a partir do ano de 2017.

Resultados
Os resultados obtidos ao levantamento de dados demonstram desde logo que,
no período de recorte, foram demandados por trinta e quatro pacientes ape-
nas medicamentos, organizados na tabela 01 pelo nome, período de forneci-
mento, tipo de documento autorizativo e custo aproximado de fornecimento.

Sumário 495
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Tabela 1: Relação de produtos fornecidos por processo, de acordo com o tipo de


judicialização, período de fornecimento e custo aproximado a partir de 2017

PERÍODO CUSTO
PRODUTO TIPO
(início – fim) (aprox.)

Enoxaparina 2017 – 2017 Recomendação ADM 15.900,00

Enoxaparina 2017 – 2017 Recomendação ADM 15.900,00

Enoxaparina 2017 – 2017 Recomendação ADM 15.900,00

Enoxaparina 2018 – 2018 Recomendação ADM 15.900,00

Enoxaparina 2018 – 2018 Recomendação ADM 15.900,00

Enoxaparina 2018 – 2018 Recomendação ADM 15.900,00

Enoxaparina 2018 – 2018 Recomendação ADM 15.900,00

Enoxaparina 2019 – 2019 Recomendação ADM 15.900,00

Enoxaparina 2020 – 2020 Recomendação ADM 15.900,00

Enoxaparina 2020 – 2020 Recomendação ADM 15.900,00

Enoxaparina 2020 – 2020 Recomendação ADM 15.900,00

Venlafaxina +
2014 – atual Mandado Judicial 10.152,00
mirtazapina

NAN Sem Lactose 2020 – 2020 Mandado Judicial 1.200,00

Procimax 2018 – 2018 Mandado Judicial 1.253,00

Sacubitril, apixabana,
bisoprolol,
2011 – atual Mandado Judicial 779,51
dapagliflozina,
pregabalina

Polietilnoglicol 2020 – atual Recomendação ADM 795,60

Ezectimiba 2012 – atual Mandado Judicial 2.947,64

Neocate LCP 2019 – atual Recomendação ADM 29.702,40

Lexapro 2011 – 2019 Mandado Judicial 21.600,00

Donaren retard 2013 – atual Mandado Judicial 7.923,60

Azorga colírio 2012 – atual Mandado Judicial 5.160,00

Sumário 496
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

PERÍODO CUSTO
PRODUTO TIPO
(início – fim) (aprox.)

Divalproato de sódio
2012 – 2019 Mandado Judicial 6.993,72
ER

Progesterona
2017 – 2017 Recomendação ADM 1.337,05
micronizada

Progesterona
2019 – 2019 Recomendação ADM 1.337,05
micronizada

Torval CR, hidantal 2020 – 2020 Recomendação ADM 2.253,27

Metronidazol,
ciprofloxacino,
2017 – 2017 Recomendação ADM 846,20
codeína, paracetamol,
plasil, enoxaparina

Aptamil Pepti 2017 – 2017 Recomendação ADM 8.234,24

Velija 2018 – 2018 Mandado Judicial 998,00

Fórmula Infantil 2018 – 2018 Mandado Judicial 1.200,00

Dieta enteral líquida 2018 – 2018 Recomendação ADM 10.200,00

Aptamil active 2018 – 2018 Mandado Judicial 1.080,00

Aptamil active 2017 – 2018 Mandado Judicial 2020,00

Neocate 2017 – 2018 Mandado Judicial 16.320,00

Depakote ER,
Venlafaxina, Prolopa,
2017 – 2017 Mandado Judicial 10.000,00
Cilostazol, entre
outros.

Fonte: Própria.

Na tabela 02 observamos, de forma mais resumida e focada, os custos rela-


cionados às demandas autorizadas por recomendações administrativas e por
mandados judiciais entre os anos de 2017 a 2020.

Sumário 497
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Tabela 2: Custos utilizados no cumprimento de recomendações administrativas


e por mandados judiciais entre os anos de 2017 e 2020, tanto em números absolutos,
como em porcentagem

Recomendação Admi-
Ano Mandado Judicial TOTAL
nistrativa

2017 58.117,59 (62,5%) 34.859,11 (37,5%) 92.976,70

2018 73.800,00 (71,5%) 29.390,11 (28,5%) 103.190,11

2019 32.089,25 (67,1%) 15.689,11 (32,9%) 47.777,36

2020 65.600,07 (87,1%) 9.689,11 (12,9%) 75.289,11

TOTAL 229.600,91 (71,9%) 89.627,44 (28,1%) 319.233,28

Fonte: Própria.

Ainda podem ser observados, na tabela 03, os montantes acumulados dos


valores relacionados à Recomendação Administrativa e de Mandado Judicial,
quando considerados os processos iniciados no ano de 2017 em diante, ex-
cluindo-se os valores dos itens que se iniciaram devido a processos anteriores
ao ano de 2017, possibilitando uma análise mais proporcional da mudança
no modelo de atenção às demandas judiciais.

Tabela 3: Custos utilizados no cumprimento de recomendações administrativas


e por mandados judiciais entre os anos de 2017 e 2020, excluindo os valores de processos
anteriores ao ano de 2017, em números absolutos e em porcentagem

Ano Recomendação Administrativa Mandado Judicial

2017 58.117,59 (75,2%) 19.170,12 (24,8%)

2018 73.800,00 (84,3%) 13.701,12 (25,7%)

2019 32.089,25 (100%) 0,0 (0,0%)

2020 65.600,07 (98,2%) 1.200,00 (1,8%)

TOTAL 229.600,91 (87%) 34.071,24 (13%)

Fonte: Própria.

Sumário 498
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Discussão e Conclusão
A apuração de índices de saúde vai muito além da mera quantificação do for-
necimento de tratamentos e de ausência de doença, avança principalmente
na seara da falta de acompanhamento do Estado das condições da comunida-
de, acabando por expor as falhas na execução de ações e serviços de saúde.
Neste sentido, a judicialização da saúde promove também alguns benefícios
ao sistema. Neto (2007), afirma que:

“é forçoso reconhecer os muitos benefícios da judicialização da saúde. Em


primeiro lugar, a própria afirmação da saúde como direito e o reconheci-
mento de pretensões individuais a prestações positivas do Estado em um
momento de declínio do WelfareState. E, com o crescente protagonismo
terapêutico, a exposição das lacunas nas políticas públicas e nas falhas em
sua execução. O aperfeiçoamento dos mecanismos de tutela de interesses
difusos, coletivos e individuais homogêneos é condição indispensável para
que os serviços se conformem para o atendimento das necessidades da po-
pulação; para que a demanda determine a espécie, a qualidade e a quanti-
dade da oferta, e não o contrário” (Neto, 2007, pág. 41).

Em outro estudo, realizado por Medeiros (2013), que aborda o fornecimento


gratuito de leite com fórmula especial e o fenômeno da judicialização da saú-
de no Brasil, chega-se à conclusão de que as demandas requerendo forneci-
mento de alimentos, sobretudo, de leites com fórmulas especiais vêm sendo
confirmadas tanto pelos Juízos de primeira quanto de segunda instâncias,
uma vez que utilizam a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF e
Superior Tribunal de Justiça – STJ no intuito de afastar os argumentos da Ad-
ministração Pública e fazer prevalecer os direitos fundamentais do homem.

O entendimento de Barroso (2012) é de que a judicialização significa que al-


gumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas
por órgãos do Poder Judiciário e não pelas instâncias políticas tradicionais:
o Congresso Nacional e o Poder Executivo, em cujo âmbito se encontra o
Presidente da República, seus Ministérios e a administração pública em geral.
Tal processo resulta na transferência indireta dos poderes de planejamento
e execução de políticas públicas pertencentes ao Poder Executivo aos juízes

Sumário 499
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

e Tribunais, alterando significativamente a linguagem, a argumentação e o


modo de participação da sociedade.

Pereira (2012) enfatiza que na judicialização da saúde, um instrumento que


tem sido muito utilizado para impetrar essas ações é o remédio constitucional
do Mandado de Segurança. Na Constituição Federal, o Mandado de Segu-
rança está previsto no inciso LXIX, do Art. 5º, o qual dispõe:

“Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e cer-


to, não amparado por ‘habeas-corpus’ ou ‘habeas-data’, quando o responsá-
vel pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de
pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público” (Constituição
Federal, 1988).

De acordo com os autores Santos (2016), Girão, Stival (2016), Pepe, et al.
(2010), é notório que o crescimento no número de ações judiciais na área da
saúde é assunto preocupante para os gestores. Ainda temos que avançar no
diálogo entre os Poderes Executivo e Judiciário, com a finalidade de definir
claramente competências e possibilidades de todos os atores envolvidos no
processo de judicialização: pacientes, médicos, Judiciário, Ministério Público,
Advogados e sociedade em geral, em busca da melhoria do acesso e qualida-
de do sistema público de saúde, conforme parte da análise extraída a seguir:

“...em se julgar procedente as inúmeras demandas que recorrem a judiciali-


zação da proteção do direito à saúde, sem se levar em conta a repartição de
competências, o planejamento e as prioridades estabelecidas, comprometer-
se-á ainda mais o atendimento aos indivíduos acometidos por tantas outras
doenças que também buscam socorro no SUS. Mais que isso, haverá com-
prometimento do próprio futuro do Sistema Único de Saúde, cujas ações
concatenadas nas três esferas de governo, com a participação da sociedade,
restarão adiadas em face da insuficiência de receitas.” Zenkner, Junior (2016).

Ao visar a “promoção, proteção e recuperação” da saúde, o SUS traz em si a


ideia de que o objetivo do sistema vai além da atuação preventiva e posterior
(quando a doença se manifesta), busca encontrar um meio de estabelecer um
processo ligado à qualidade de vida e também a um processo que se constrói
e se modifica mediante influência social (SCHWARTZ, 2001).

Sumário 500
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Saleh (2011) reforça que a saúde não pode estar subordinada às teorias de
aspectos apenas econômicos. O Estado deve observar a dignidade da pessoa
humana e a proteção integral à pessoa, buscando uma sadia qualidade de
vida. Isso tudo deve ser o norte para escolha do medicamento ou congênere
a ser fornecido pelo Estado.

No Brasil, o modelo de gestão da saúde passa por três entes federativos:


Federal, Estadual e Municipal, diante de um modelo de gestão caracterizado
pelo repasse de verbas federais aos Estados e Municípios, dividindo atribui-
ções e buscando maior eficiência com o gasto público e acesso aos serviços.
Por estar mais próximo dos usuários, o sistema de saúde municipal, a quem
cabe a atenção básica, acaba sendo a primeira escolha do usuário para buscar
meios de recuperação, reabilitação e promoção de saúde.

O aumento das ações judiciais não se restringe ao aumento das demandas


por entrega de medicamentos, está relacionado também a demandas por ou-
tros serviços, tais como: realização de cirurgias, procedimentos, material mé-
dico-hospitalar, vagas UTI, fornecimento de componentes alimentares entre
outros, causando grande preocupação para os gestores do SUS.

O crescimento do número de processos judiciais implicou diretamente no


dispêndio dos entes públicos para o cumprimento das decisões judiciais que
determinam o fornecimento de medicamentos. Segundo dados disponibili-
zados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), abrangendo União, Estados
e Municípios, verificou-se que os gastos da União com processos judiciais
referentes à saúde em 2015, p. ex., foram de R$ 1 bilhão, significando um
aumento de mais de 1.300% (de R$ 70 milhões para R$ 1 bilhão) em sete
anos. Ainda, segundo os dados do TCU, o fornecimento de medicamentos,
alguns sem registro no Sistema Único de Saúde, correspondia a 80% das
ações (Acórdão 1787/2017 TCU – Plenário – Processo 009.253/2015-7 apud
Leite e Bastos, 2018).

Para Barroso (2008), as decisões concessivas de medicamentos sem uma efe-


tiva observação criteriosa da demanda podem redundar em efeitos negativos

Sumário 501
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

para todo o sistema de saúde pública, ou seja, acaba por causar uma disfun-
ção em todo o sistema.

O risco de se desenvolver a via judicial como principal meio para se garantir


o acesso ao medicamento acaba por gerar danos relevantes ao direito à saú-
de, atentando contra princípios éticos e legais, notadamente o acesso iguali-
tário à saúde (BAPTISTA; MACHADO; LIMA, 2009).

Exposto tais pontos que possam embasar de forma satisfatória a grande lacuna
criada no SUS em via da execução de ordens judiciais, na tentativa de reafirmar
o direito à Saúde elencado na Lei nº 8.080 de 1990, podemos discutir as mudan-
ças do perfil adotado no município de Corbélia a partir do ano de 2017, quando
houve a mudança na gestão municipal. Após a troca de gestão, pautaram-se os
problemas observados e, dessa forma, foram elencados os processos necessários
a se implementar para que houvessem as mudanças necessárias na saúde pública
municipal, com vistas ao planejamento estratégico realizado para tal fim.

As situações de demandas judiciais em geral são peculiares ao sistema, em


que o planejamento financeiro e de serviços não tem previsão para tal, porém
não deixam de ser demandas em Saúde Pública.

Sendo assim, como forma de se estabelecer alguma forma de planejamento, o


município transformou grande parte destas demandas em protocolos regula-
mentares de atendimento de saúde, acolhendo os interesses da comunidade
a um custo-benefício efetivo ao sistema público.

Dessa forma, estabeleceu-se uma nova forma de comunicação com o Poder


Judiciário no município, revigorando uma comunicação antes falha e pouco
colaborativa. Para isso, foi elaborado um canal de proposição para que as de-
mandas geradas sejam objeto de esforço coletivo, para atendê-las e diminuir
demandas judiciais, desde que contemplem os princípios legais necessários às
ofertas em ações e serviços de saúde.

A partir disso, a Secretaria Municipal de Saúde criou um novo processo de


trabalho, com vistas ao atendimento humanizado e empático ao paciente,

Sumário 502
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

permitindo que demandas, a grande esforço dos setores estratégicos de pla-


nejamento em saúde, fossem capazes de absorver tais necessidades e transfor-
má-las em diretrizes, metas, ações e protocolos de saúde.

Ao observar os números gerados por tais demandas é notório que o município


de Corbélia atingiu seu objetivo nesse sentido, pois houve uma diminuição gra-
dativa na proposição de novos processos judiciais em saúde pública, chegando
a não existir nenhum no ano de 2019, como observado na tabela 03.

Ainda mais evidente quando, proporcionalmente nos quatro anos estudados,


revela que 87% do recurso aplicado em demandas de saúde esteve voltado a
atender as recomendações administrativas do Ministério Público, e somente
13% representam gastos decorrentes de processos judiciais.

Quando observados os dados de 2019 e 2020, em que os critérios definidos


anos anteriores já estavam consolidados, com protocolos e regulação municipal
bem estabelecidos, é ainda mais notória a mudança do perfil de saúde públi-
ca voltado às ações e serviços de origem judicial, uma vez que somente 1,2%
dos recursos aplicados foram destinados a atender processos judiciais e 98,8%
dos recursos aplicados foram elencados por meio de protocolos que atendiam
as necessidades vinculadas às recomendações administrativas advindas do Mi-
nistério Público. Com isso minimizou-se, de forma significativa, o impacto da
judicialização do serviço público municipal do município de Corbélia.

Entendemos que ainda há muito a se discutir com relação a esta temática, já


que de um lado encontram-se os gestores com poucos recursos para realiza-
ção das ações preconizadas em saúde e do outro o usuário com a necessidade
de ter o direito à saúde atendida de forma integral e satisfatória.

Podemos concluir que no município de Corbélia no Estado do Paraná, em vir-


tude do grande esforço em alterar a abordagem às demandas judiciárias, hou-
ve uma significativa mudança de perfil de atendimento. Com base no planeja-
mento estratégico, gerou-se diminuição significativa destas demandas judiciais
ou externas ao sistema local de saúde, possibilitaram-se fatores de melhora no
planejamento orçamentário e de melhora na qualidade de vida dos munícipes,

Sumário 503
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

que têm seus direitos a ações e serviços de saúde assegurados de forma integral
e eficiente, sem necessidade de lançar mão do Poder Judiciário.

Referências
BARROSO, L. R. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito
à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação
judicial. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, n. 63, 2008. Disponível em: <https://www.pge.rj.gov.br/comum/code/
MostrarArquivo.php?C =MTI2MQ%2C%2C>. Acesso em: 15 abr. 2021.

BAPTISTA, T.W.F.; MACHADO, C.V.; LIMA, L. D. Responsabilidade do Estado


e direito à saúde no Brasil: um balanço da atuação dos Poderes. Ciência & Saúde
Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p. 829-839, 2009.

BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do


Brasil, de 16 de julho de 1934. Rio de Janeiro, 1934. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm>. Acesso em: 15 abr. 2021.

______. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05


de outubro de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 abr. 2021.

______. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 3916 de 30 de outubro de 1998.


Aprova a Política Nacional de Medicamentos. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.
br/bvs/saudelegis/gm/1998/prt3916_30_10_1998.html>. Acesso em: 12 abr. 2021.

______. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: RENAME. Ministério da


Saúde. Secretaria de Ciência Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de
Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.

______. Conselho Nacional de Justiça. Justiça pesquisa: judicialização da saúde


no Brasil. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/
destaques/ arquivo/2015/06/6781486daef02bc6ec8c1e491a565006.pdf>.
Acesso em: 12 abr. 2017.

______. Recomendação nº 31, de 30 de março de 2010. Recomenda aos Tribunais a


adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores
do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais
envolvendo a assistência à saúde. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos /
detalhar/877>. Acesso em: 14 abr. 2021

Sumário 504
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

______. Resolução nº 238 de 06 de setembro 2016. Dispõe sobre a criação e


manutenção, pelos Tribunais de Justiça e Regionais Federais de Comitês Estaduais
da Saúde, bem como a especialização de vara em comarcas com mais de uma vara
de fazenda Pública. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2339>.
Acesso em: 14 abr. 2021

______. Resolução nº 388 de 13 de abril de 2021. Dispõe sobre a reestruturação


dos Comitês Estaduais de Saúde, fixados pela Resolução CNJ no 238/2016, e dá
outras providências. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos /detalhar/3868>.
Acesso em: 14 abr. 2021

NETO, A.J.F. Judicialização da saúde. Caderno Mídia e Saúde Pública:


Comunicação em Saúde pela Paz. Belo Horizonte: ESP-MG, 2007. Disponível em:
<http://www.esp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2009/06/caderno-midia-e-saudepubli
ca-2.pdf#page=49>. Acesso em 03 de out.2018.

PEPE, Vera Lúcia Edais et al. A judicialização da saúde e os novos desafios da gestão
da assistência farmacêutica. Ciência & Saúde Coletiva, v.15, n.5 p.:24052414,
2010. Disponível em: <https://www.scielosp.org/article/csc/2010.v15n5/ 24052414/>.
Aceso em 25 set. 2018.

SALEH, Sheila Martignago. Fraternidade e direito à saúde: o fornecimento gratuito


de medicamentos essenciais para a efetivação material do princípio da dignidade
humana. AmicusCuriae v.8, n.8, p.1-18, 2011. Disponível em: <http://periodicos.
unesc.net/index.php/amicus/article/viewFile/578/565>. Acesso em 12 abr. 2021.

SANTOS, L. “A judicialização da saúde virou anarquia” - Revista Época. 27 junho


de 2016 Disponível em: <https://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/06/judicializacao-
da-saude-virou-anarquiadiz-advogada-lenir-santos.html>.
Acesso em 14 abr. 2021.

SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: Efetivação em uma Perspectiva Sistêmica.


Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

SILVA, Liliane Coelho da. Judicialização da saúde: em busca de uma contenção


saudável. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 112, maio 2013. Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_%20leitura&artigo_
id= 13182>. Acesso em: 14 abr. 2021.

Sumário 505
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Análise jurídica e estatística da


judicialização da demanda de
medicamentos na 7ª Coordenadoria
Regional de Saúde do Rio Grande do Sul
Mozer Cardoso Botelho1

Resumo
O estudo trata do Direito à Saúde e à Saúde Pública, sobre
a ótica da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, jurisprudência e doutrina. O direito à saúde foi
incluso dentre os Direitos Sociais, previsto no art. 6º do
texto constitucional e reafirmado sua relevância, no art.
196 da CF/88, em que atribui ao Estado a obrigação de for-
necê-lo e direito a todos a exigi-lo. Ainda, busca consolidar
conceitos doutrinários, assim como destacar decisões rele-
vantes do Poder Judiciário. Utiliza, ainda, de dados públi-
cos, como despesas da 7ª Coordenaria Regional de Saúde
para cumprimento de decisões judiciais. Também aponta
possíveis soluções que podem ser debatidas e implantadas

1 Especialização em Gestão Pública - Faculdade Educacional da Lapa e em Direito de Família e


Sucessões - Damásio Educacional e Graduado em Direito - Universidade da Região da Campanha;
Servidor Técnico Administrativo em Educação; Universidade Federal do Pampa.

Sumário 506
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

nos próximos anos, conforme o entendimento da doutrina


e do Poder Judiciário. Foi observado uma elevada quan-
tidade de demandas, pela via judicial, de medicamentos
com valor inferior a um salário-mínimo e uma pequena
quantidade de medicamentos com valor superior a cem
salários mínimos, porém com impacto financeiro relevan-
te. O estudo utilizou o método de pesquisa hipotético-de-
dutivo e método de procedimento analítico com técnicas
de pesquisa bibliográfica e documental.

Palavras-chave: Judicialização da Saúde; Direito à Saúde;


Medicamento; Poder Judiciário.

Sumário 507
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
A Constituição Federal de 1988 prevê o direito à saúde como um dos di-
reitos sociais, assegurando-o ao cidadão e obrigando o Estado a fornecê-lo.
A análise jurídica da judicialização da saúde é de grande relevância, já que
influencia diretamente as finanças dos entes federados, colocando em jogo a
saúde da população e o planejamento da gestão sobre a alocação de recursos.

O estudo foi realizado na área de abrangência da 7ª CRS (7ª Coordenadoria


Regional de Saúde do Rio Grande do Sul) que abarca seis municípios, são
eles: Aceguá, Bagé, Candiota, Dom Pedrito, Hulha Negra e Lavras do Sul. A
7ª CRS é responsável pelo planejamento, acompanhamento e gerenciamento
das ações e serviços de saúde na sua região de atuação, e vem se deparando
com diversas demandas, de serviços de saúde e medicamentos, muitas delas
através de determinações judiciais.

Devido à importância do tema, faz-se necessário o seu estudo de forma mais


concentrada e regionalizada, já que o tema em âmbito nacional e estadual
se encontra em ritmo avançado, porém sem grandes resultados efetivos. A
judicialização da saúde pública, deve, ainda, ser objeto de análise sobre seus
impactos na implantação de políticas públicas, já previstas e com planejamen-
to elaborado a longo prazo, com perspectivas de maior eficiência. Ao invés de
fornecer serviços e medicamentos de imediato, como ocorrem com decisões
judiciais liminares.

Desta forma, este estudo faz uma análise dos dados fornecidos pela 7ª Coor-
denadoria Regional de Saúde, como o custo para cumprimentos das decisões
judiciais e os quantitativos de demandas atendidas para cumprimento das
decisões do Poder Judiciário. Com isso, pretende-se descobrir o impacto e
os motivos da judicialização na região estudada, que nada mais é que um
obstáculo para o bom funcionamento do serviço público de saúde no Brasil.

Também é objetivo deste estudo analisar o posicionamento da doutrina e dos


Tribunais Superiores sobre as demandas do fornecimento de medicamentos

Sumário 508
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

através do Poder Judiciário. Quais os limites do Poder Judiciário em obrigar


o Poder Executivo a fornecer medicamentos e outros serviços, assim como
listar as possíveis soluções para a redução da judicialização da saúde no Bra-
sil, seja através de políticas públicas eficientes e mais abrangentes e de limites
bem definidos, ou pela via judicial.

A judicialização da saúde no brasil como direito social:


conceito de direito à saúde e análise jurídica e doutriná-
ria acerca dos limites ao fornecimento de medicamentos
através de decisões judiciais
O Brasil, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, vem se de-
parando com o avanço do fenômeno judicialização de direitos sociais, dentre
eles o direito à saúde tem ganhado destaque. O status do direito à saúde foi
posto entre os direitos sociais, conhecidos como direitos de segunda dimen-
são ou geração, que estão previstos no art. 6º da Constituição Federal do
Brasil de 1988 (SOARES, 2021, p.13).

Ao estudarmos o fenômeno da judicialização, devemos compreender a sua gê-


nese, para tanto, faz-se necessário mencionar o princípio da inafastabilidade da
jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV da Constituição Federal que em conjunto
com o princípio da legalidade, se houver ameaça ou lesão ao direito, o Poder
Judiciário será provocado a se manifestar sobre o tema e intervir para aplicar o
direito no caso concreto, em respeito ao Estado Democrático de Direito. Ainda,
quando gozar de plausibilidade o pedido, deve o Poder Judiciário apreciar o
pleito, sendo indeclinável a prestação jurisdicional (MORAES, 2007, p. 73).

No mesmo sentido Mendonça (2015, p.50) esclarece:

[...] aplicabilidade de caráter imediato dos direitos fundamentais, conforme


previsão do art. 5º, § 1º da Constituição Federal, bem como a inafastabilidade
do Judiciário, que consta do art. 5º, XXXV do texto constitucional, permitem
a possibilidade de que decisões judiciais resolvam demandas que envolvam
direitos sociais, de modo a determinar ao Estado a sua efetivação.

Sumário 509
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Cabe mencionar que há diferença entre judicialização e ativismo judicial, sen-


do que este se estabelece de modo a inovar no ordenamento jurídico, sem
respaldo legal, já aquele alicerça-se na lei ou nos princípios, embora sejam
atribuições discricionárias de outro poder (OLIVEIRA, LIPPI, 2020).

Segundo Garapon (1998), “O ativismo começa quando, entre várias soluções


possíveis, a escolha do juiz é dependente do desejo de acelerar a mudança so-
cial ou, pelo contrário, de a travar”. Ainda, de acordo com Oliveira e Lippi, o
ativismo judicial tende a ocupar maior espaço nos Tribunais Superiores, ten-
do em vista diversos fatores, entre eles a inércia do Poder Legislativo sobre
temas controversos, além da intensa alteração social e cultural da sociedade,
que força mudanças legislativas com mais frequência, em velocidade maior
que a capacidade de produzir leis (OLIVEIRA, LIPPI, 2020).

Segundo Lenza, cabe ao Estado prestar de forma positiva os direitos de se-


gunda dimensão, proporcionando melhor qualidade de vida e isonomia no
tratamento e oferta de serviços sociais para a população, principalmente os
direitos sociais consagrados no art. 6º da Constituição Federal de 1988 (LEN-
ZA, 2014, p. 1185).

É necessário distinguir direitos de aplicação imediata e de aplicação limitada,


sendo que aquele se aplica mesmo na hipótese de omissão do Poder Legisla-
tivo, como por exemplo, quando se trata de direitos fundamentais, previstos
no art. 5º da Constituição Federal de 1988. Enquanto, a limitada restringe-se
a exigir do Poder Público a sua observância no que se refere à criação de po-
líticas públicas na busca de sua concretização (LENZA, 2014, p. 1185).

Ainda, segundo a Constituição Federal, no seu art. 196, a “saúde é direito de


todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas”,
e exige que as políticas públicas “visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988).

A saúde, uma palavra amplamente utilizada com objetivo de expressar


bem-estar e aspectos físicos considerados ideais, segundo a OMS, pode ser

Sumário 510
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

conceituada como sendo “um estado de completo bem-estar físico, mental


e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”
(Organização Mundial de Saúde, 1946).

De acordo com a Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/


WHO), promulgada na cidade de Nova Iorque em 22 de julho de 1946, saú-
de é “Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um
dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de
religião, de credo político, de condição econômica ou social”.

O direito à saúde deve ser visto como uma forma de obrigar o Estado a forne-
cer Políticas Públicas voltadas para o bem-estar da sociedade, ligando o direi-
to expresso na Constituição com a legislação ordinária, que visa implantar os
princípios, com o objetivo de manter o mínimo existencial para toda a socie-
dade por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) (LEAL, 2009, p. 150-151).

A judicialização da saúde pode ser compreendida como, a “intervenção do


Judiciário na solução de demandas cujos temas de repercussão política ou so-
cial deveriam ter sido decididos de maneira tradicional, isto é, pelos Poderes
Executivo e Legislativo” (MENDONÇA, 2015, p.50)

Ao analisar o que é judicialização e a ideia conceitual do que é saúde, ambas


fundamentais para este trabalho, coube desenvolvê-las a luz do tema escolhi-
do e o problema existente, que seria o impacto desta judicialização da saúde,
mais especificamente em medicamentos na 7ª Coordenadoria de Regional de
Saúde do Rio Grande do Sul (7º CRS-RS). Buscando assim uma visão sobre
o tema em nossa Região, onde se abordou tanto a visão do Estado quanto a
dos usuários.

O problema se desenvolve na diferença entre a capacidade do Estado em


fornecer medicamentos e a necessidade da população por serviços de saúde,
incluindo medicamentos. A distância entre a capacidade e a necessidade tem
aumentado com o tempo, visto que o surgimento de novas doenças exige a
inclusão de novos medicamentos nas políticas públicas, nem sempre alcan-
çadas. Por isso, constantemente é exigida a ampliação das políticas públicas

Sumário 511
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

voltadas à manutenção da saúde, seja em razão do avanço da medicina e da


indústria farmacêutica, seja pelas demandas que são geradas pela sociedade
pela via administrativa e judicial.

No que se refere ao limite financeiro, ou capacidade financeira do Estado,


ou ainda, reserva do possível, percebe-se que a capacidade dos Estados e
Municípios de prestar e fornecer serviços se limita aos recursos disponíveis,
esses oriundos de impostos pagos pela população, muitas vezes com recursos
insuficientes ou inexistentes (MOREIRA, 2011, p. 93).

A reserva do possível nas palavras de Teixeira (2012, p. 46) é um princípio de


“origem alemã, o princípio da reserva do possível, também chamada de cláusu-
la da reserva do possível, representa um limite à atuação estatal, sobretudo na
efetivação dos direitos sociais, em razão da escassez dos recursos disponíveis”.

Porém, não basta o Poder Público justificar a não prestação de serviço ou


fornecimento de medicamentos, com a falta de recursos públicos suficien-
tes para aquela demanda, para aplicar o princípio da reserva do possível. É
necessário que o Poder Público comprove que está se empenhando em im-
plantar políticas públicas para aquele direito social exigido pelo demandante
(MOREIRA, 2011, p. 93).

No que se refere aos novos medicamentos, o Brasil possui uma lista de for-
necimento obrigatório pelos entes federados, a Relação Nacional de Medica-
mentos Essenciais (RENAME). A RENAME representa um avanço na gestão
e no planejamento da saúde pública do país, porém sofre quando o assunto
é inovação, já que tem dificuldades em ser atualizada, visto que, a inclusão de
novos medicamentos não ocorre de forma automática.

Em decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da suspensão de


tutela antecipada (STA) nº 175, o Ministro Gilmar Mendes, na condição de
Presidente desta Corte, no seu voto, ressaltou a necessidade de que as deman-
das relativas a medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde, sejam
compatíveis com a lista de protocolos do SUS, e a RENAME. Todavia, caso não
conste na lista fornecida pelo SUS, mas seja fornecido pelo sistema privado, po-

Sumário 512
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

derá nesta hipótese ser determinado o seu fornecimento, garantindo-se uma


ampla produção probatória na fase instrutória (STF, STA nº 175).

Ao deparar-se com o magnífico voto do relator e Ministro Gilmar Mendes,


Carneiro (2016, p. 295) sintetiza ser necessário “a insuficiência de recursos
financeiros do requerente; a comprovada eficácia terapêutica do medicamen-
to pleiteado, somada à sua essencialidade para o tratamento e a inexistência
de tratamento eficaz fornecido pelo SUS que substitua aquele pretendido”.

O direito à saúde foi reconhecido pelo Constituinte de 1988, no art. 196 da


Constituição Federal com objetivo de forçar a implantação de políticas públi-
cas voltadas para à saúde, considerando-se um direito coletivo. Porém, o en-
tendimento que vem preponderando é que se trata de um direito individual,
ou seja, que pode ser exigido pessoalmente pelo demandante, solicitando o
fornecimento de um medicamento para um só indivíduo (NUNES e SCAFF,
2011, p. 109).

Desta forma, o Estado deve se preocupar em elencar critérios bem defini-


dos, normatizar diretrizes e buscar regulamentar situações previsíveis. Ainda,
deve prever que tipo de demanda judicial pode ser exigida seja individual
ou coletiva com a finalidade de implantar Políticas Públicas. Embora não seja
possível prever todas as hipóteses, numerus clausulus, tendo em vista a com-
plexidade da matéria, é possível construir uma norma que eleja parâmetros
flexíveis (LEAL, 2008, p. 53).

O direito à saúde e a judicialização de medicamentos na


7ª Coordenadoria de Saúde do Rio Grande do Sul
Durante o levantamento de dados realizado na 7º CRS (Coordenadoria de
Saúde do Rio Grande do Sul), percebeu-se que o valor despendido por este ór-
gão para cumprir as 533 determinações judiciais foi de R$ 3.881.934,73, sendo
analisado o período de 18 (dezoito) meses que corresponde de janeiro de 2016
a junho de 2017, resultando em um valor mensal de R$ 215.663,04, na média.

Sumário 513
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Foi eleito como parâmetro o salário mínimo nacional em razão da sua padro-
nização, ou seja, podemos afirmar que o salário mínimo nacional aplicado
em São Paulo é o mesmo que no Estado do Rio Grande do Sul. A utilização
de parâmetros que possam ser aplicados em outras localidades facilita o de-
senvolvimento e prosseguimento do estudo em outras regiões, assim como
possibilita a análise conjunta dos dados.

Ao analisar os dados fornecidos pela 7ª CRS, pode-se gerar os seguintes gráficos:

comparação dos valores dos alvarás com o salário nínimo

9; 2%
49; 9%

159; 30% 316; 59%

Até 1 SM 1 SM a 10 SM 10 SM a 100 SM Maiores que 100 SM

Fonte: 7ª Coordenadoria Regional de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul.

Mais da metade, 59%, dos alvarás2 têm valor de até um salário mínimo, o que
corresponde a 316 ordens judiciais, totalizando o valor de (R$140.569,58). A
segunda maior demanda está nos medicamentos com valor de 1 salário mínimo
(R$ 937,00) até 10 salários-mínimos (R$ 9.370,00), que corresponde a 30% (159)
dos alvarás no período pesquisado, totalizando um valor de (R$ 405.201,50).

2 Trata-se de ordem judicial acatando o pedido de que solicita, para que forneça algo ou quantia
certa, garantir direito que seja suficientemente comprovado.

Sumário 514
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

A terceira faixa analisada corresponde aos alvarás de 10 (R$9.370,00) à 100


(R$93.700,00) salários mínimos e foi constatado que apenas 9% (49) dos alva-
rás estão nessa faixa de valor, totalizando (R$1.514.194,48).

Em última análise foram verificados os alvarás com valores acima de 100


salários-mínimos (R$93.700,00). Nesta faixa de valores, foram encon-
trados somente 2% (9) dos alvarás cumpridos, porém totaliza o valor de
(R$1.821.969,17).

Comparando este último com a primeira faixa de até 1 salário-mínimo (R$


937,00), o custo para atender 316 demandas foi de (R$ 140.569,58), enquan-
to, para atender 9 pessoas foram desembolsados (R$1.821.969,17), valor 13
vezes maior. O que comprova o real impacto financeiro da judicialização de
medicamentos de alto custo.

Supondo que todas as 18 Coordenadorias Regionais de Saúde do Estado Rio


Grande do Sul tivessem despesas equivalentes para cumprimento de decisões
judiciais, teríamos um total de R$69.874.825,14. Comparando o valor gasto
com saúde pelo estado do Rio Grande do Sul em 2017, que alcançou o mon-
tante de (R$ 4.576.340.172,75), poderíamos dizer que 2% das despesas do
estado com saúde, foram para cumprir decisões judiciais (ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL, 2017).

No caso em análise, a demanda de apenas 9 cidadãos corresponde a 47% do


valor gasto pela 7º Coordenadoria Regional de Saúde no período de janeiro
de 2016 a junho de 2017, demandas individuais que estão com valores acima
de (R$93.700,00) 100 salários mínimos.

O município de Bagé, sede da 7ª CRS, gastou em 2017 o total de (R$


59.355.091,63) com saúde, incluindo folha de pagamento e despesas admi-
nistrativas. A título de comparação, o valor gasto de 7ª CRS, somente com
decisões judiciais é equivalente a 7% do orçamento da saúde do município de
Bagé. Se comparar o valor que o município disponibilizou para fornecimen-
to de medicamentos com o valor gasto com decisões judiciais pelo órgão do
estado, podemos dizer que a 7ª Coordenadoria Regional de Saúde gastou o

Sumário 515
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

equivalente a 89% do valor gasto pelo município para fornecimento de medi-


camentos obrigatórios (BAGÉ, 2017)3.

Por meio deste estudo, foi observado que há muitas pessoas que estão de-
mandando medicamentos de baixo custo. Dentre os vários motivos para isso,
podemos citar a falta de recursos da população, que pode se dar em razão
da região possuir uma renda familiar inferior às demais regiões. Também,
pode estar motivando a busca pela via judicial para fornecer medicamentos
de baixo valor, a falta de fornecimento de medicamentos de sua obrigação,
na forma administrativa.

Neste sentido, coube analisar a capacidade financeira da população da região


da campanha, mais especificamente as cidades de competência da 7ª CRS,
comparando com outras cidades de maior movimentação de recursos, que
geram maior renda entre as famílias.

Para isso, foi realizada uma pesquisa juntos ao sítio do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), no qual se encontrou as seguintes informações:

Tabela 1: Valor do rendimento nominal mediano mensal per capita dos domicílios
particulares permanentes – Urbana

UF MUNICíPIO RENDA

RS Porto Alegre R$ 1.000,00

DF Brasília R$ 825,00

RJ Rio de Janeiro R$ 750,00

SP São Paulo R$ 750,00

RS Candiota R$ 744,00

RS Bagé R$ 511,00

RS Lavras do Sul R$ 510,00

3 O município de Bagé gastou em 2017 o valor de R$ 59.355.091,63 com a Secretaria Municipal


de Saúde e Atenção à Pessoa com Deficiência. Do total do orçamento da Secretaria de Saúde, R$
4.349.378,86 foram gastos com serviços e medicamentos de fornecimento obrigatório.

Sumário 516
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

UF MUNICíPIO RENDA

RS Dom Pedrito R$ 510,00

RS Hulha Negra R$ 487,50

RS Aceguá R$ 400,00

MÉDIA GERAL R$ 648,75

MÉDIA DAS CAPITAIS R$ 831,25

MÉDIA DAS CIDADES DA 7ª CRS R$ 527,08

Fonte: BGE - 2015.

Extraindo algumas informações, pode-se perceber que a renda média per


capita das capitais é 37% superior à média dos valores obtidos nos municípios
da região de abrangência da 7ª Coordenadoria Regional de Saúde do Rio
Grande do Sul.

A região tem ainda uma média 13% menor que a média do Estado do Rio
Grande do Sul, que gira em torno de R$606,22 (IBGE, 2017). Contribuindo
para que um maior número de pessoas dependa do Estado, abrangendo tam-
bém as demandas da área da saúde, como a de medicamentos. A escassez de
recursos e a baixa capacidade financeira da população pode preencher um
dos requisitos elencados pelo Supremo Tribunal Federal, a hipossuficiência
dos demandantes de arcar com tratamento medicamentoso.

Seguindo a análise da renda pelo IBGE em 2015, no município de Bagé a


renda média girava em torno de 2,8 salários-mínimos e 19,3% da população
estava com alguma ocupação. Se comparado com outros municípios do Estado,
sua posição era 36 de 497 com relação à renda e, quanto a população profissio-
nalmente ativa, o município ocupa a posição 221 de 497. Ainda, foi analisado
o percentual de domicílios com rendimentos de até meio salário mínimo por
pessoa, que correspondiam, na época, a 32,8% da população nessa faixa. Desta
forma, ficou demonstrado que uma grande parcela da população recebe me-
nos que meio salário mínimo por pessoa nas residências de Bagé, cidade da
sede da 7ª Coordenadoria Regional de Saúde (IBGE, 2015).

Sumário 517
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Neste caso, confrontando a tese de que nosso poder aquisitivo seja tão baixo
com relação a outros Estados e regiões, é possível perceber uma relação entre
o crescimento da judicialização da saúde na região de atuação da 7ª Coorde-
nadoria Regional de Saúde. Porém, é necessário levar em consideração ou-
tros fatores como o custo de vida, melhor qualidade de vida, acesso à justiça
e acesso à informação, entre outros motivos que acarretam uma pressão na
capacidade financeira das famílias.

Verificar pontos de equilíbrio entre o dever do estado e o


direito à saúde exigido pelos cidadãos, na busca por solu-
ções sustentáveis nas decisões judiciais
Muito pouco se escreve sobre os limites de abrangência do direito à saúde,
assim como do Poder Judiciário de determinar o fornecimento de medica-
mentos pelo Estado. Para isso, em uma decisão do Supremo Tribunal Fede-
ral, estabeleceu-se paradigmas fundamentais entre o direito de exigir uma
obrigação de fazer do Estado em favor de um cidadão, como no caso do
fornecimento de medicamentos. A Ministra Ellen Gracie, na situação de re-
latora do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 734.487/PR no ano
de 2010, ressaltou importância de garantir o direito constitucional à saúde4.

O que colocou em questão a necessidade de que o direito à saúde seja presta-


do através de Políticas Públicas, nesse sentido, cabe ressaltar que poucas são
as demandas no sentido de implantar políticas públicas, mas sim de fornecer
um medicamento para determinada pessoa em casos específicos.

4 DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO A SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO


DE INSTRUMENTO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIO-
NÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O
direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de po-
líticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo
acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando
inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão
que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido
(AI 734.487-AgR/PR, Rel. Min. ELLEN GRACIE).

Sumário 518
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Também, observou-se a pouca utilização do instrumento Ação Civil Pública,


através da qual pode-se exigir o direito, que é coletivo e universal. Nesse
mesmo contexto o Ministro Dias Toffoli nos possibilitou apreciar o seu im-
portante voto em que proferiu como relator:

Agravo regimental no agravo de instrumento. Constitucional. Legitimidade


do Ministério Público. Ação civil pública. Implementação de políticas pú-
blicas. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não
ocorrência. Reserva do possível. Invocação. Impossibilidade. Precedentes.
1. Esta Corte já firmou a orientação de que o Ministério Público detém
legitimidade para requerer, em Juízo, a implementação de políticas públi-
cas por parte do Poder Executivo de molde a assegurar a concretização de
direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos garantidos pela Cons-
tituição Federal, como é o caso do acesso à saúde. 2. O Poder Judiciário,
em situações excepcionais, pode determinar que a Administração pública
adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos
como essenciais sem que isso configure violação do princípio da separação
de poderes. 3. A Administração não pode invocar a cláusula da ‘reserva do
possível’ a fim de justificar a frustração de direitos previstos na Constituição
da República, voltados à garantia da dignidade da pessoa humana, sob o
fundamento de insuficiência orçamentária. 4. Agravo regimental não pro-
vido. (AI 674.764-AgR/PI, Rel. Min. DIAS TOFFOLI).

A demanda judicial que resulte em benefício do coletivo pode ser uma alter-
nativa para consolidação do direito à saúde, ao mesmo tempo que conserva
o direito de acesso à Justiça. Como exemplo, podemos imaginar uma ação
coletiva que tenha a pretensão da construção de um Centro Especializado ao
Atendimento de Pessoas com Diabetes ou que no centro de referência, seja
oferecido todos os medicamentos necessários para a manutenção da quali-
dade de vida do usuário do serviço público, ou seja, a ação seria favorável a
diversas pessoas, inclusive o demandante. A exigência de que a demanda ju-
dicial não seja individualizada não serve para todos os casos, pois há situações
de difícil solução, em que o requerente pode vir a óbito pelo agravamento do
seu quadro clínico.

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), abordou o tema e sugeriu que o Poder


Judiciário deve “evitar a reprodução de uma visão medicalizada de saúde”.

Sumário 519
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Nesse sentido o CNJ reiterou que “a saúde é verdadeiramente um direito mul-


tifacetado, na medida em que comporta critérios sociais, políticos, jurídicos e,
até mesmo, psicológicos”, o que demonstra a complexidade da sua concretiza-
ção, sugerindo inclusive afastar a medicalização da saúde como única forma ou
principal para efetivação da saúde (CNJ, 2015).

Nesse sentido o CNJ no relatório de 2015 destacou que:

De fato, a saúde não se reduz à mera ausência de doença, pois envolve as-
pectos que se encontram relacionados ao bem-estar físico, mental e social.
Isto traz um desafio ainda mais complexo para as instituições jurídicas, pois
se torna fundamental promover uma visão desmedicalizada da saúde, que
deve considerar o paciente como ser humano inserido em um contexto so-
cial específico e com subjetividades singulares. (CNJ, 2015, p. 130).

Ainda no relatório, o Conselho Nacional de Justiça adverte que:

A reprodução de uma visão medicalizada da saúde também pode ocorrer


pela sobrevalorização do saber médico e farmacêutico no processo decisório
judicial. Isto pode contribuir para uma visão restrita do problema de saúde
por parte de magistrados. Em verdade, é fundamental o desenvolvimento
de uma visão multiprofissional e interdisciplinar dos problemas de saúde,
sob risco de forte reducionismo decisório, o que implica, inclusive, ir além
do saber médico e sopesar os laudos técnicos. (CNJ, 2015, p. 131).

Sobre esta ótica, deve haver um esforço do Poder Público em afastar a visão
de que o usuário é um agente passivo, ou seja, apenas recebe as informações
de forma concentrada pelos profissionais da saúde, sendo apenas um objeto
de estudo da medicina, afastando-o da participação direta das políticas públi-
cas relacionadas à saúde, o que também ajuda a não as compreender (SILVA,
2014, p. 38).

Após perceber o crescimento das demandas judiciais relativas à saúde o CNJ


publicou a Resolução nº 238/2016, que tem por objetivo dispor “sobre a cria-
ção e manutenção, pelos Tribunais de Justiça e Regionais Federais de Comitês
Estaduais da Saúde, bem como a especialização de vara em comarcas com mais
de uma vara de fazenda Pública”, com representante dos mais diversos ramos,
como Defensoria Pública, Ministério Público, Advogados, entre outros.

Sumário 520
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

A Resolução nº 238/2016 também fortaleceu a criação dos Núcleos de Apoio


Técnico do Judiciário (NAT-JUS) realizando perícias, laudos e pareceres, que
tem a função de auxiliar os magistrados em decisões mais técnicas. Também foi
firmado um termo de cooperação entre o CNJ e o Ministério da Saúde, que
criaram um banco de dados com pesquisas científicas voltadas para orientação
dos magistrados sobre os mais diversos temas da área da saúde. Isso possibilita
que um magistrado saiba em qualquer lugar do país se aquele medicamento
demandado é superior e com melhor resultado, como afirma o autor da de-
manda. A utilização da ferramenta possibilitará melhor qualidade, sobre o as-
pecto técnico e científico, das decisões judiciais, proporcionando uma redução
ou melhor aplicação dos recursos públicos, inclusive da 7ª CRS.

Portanto, conclui-se que o Conselho Nacional de Justiça vem tratando o tema


Judicialização da Saúde com seriedade, buscando soluções, sugerindo e orien-
tando os demais órgãos do Poder Judiciário quanto à forma de solucionar o
conflito entre o Estado que possui recursos limitados, e o cidadão que necessita
de uma medicação ou de uma internação. Porém, nenhuma destas sugestões
vinculam os Juízes a decidir conforme as orientações e pareceres publicados
pelo CNJ e demais órgãos de apoio.

A posição doutrinária é que o direito à saúde é um direito fundamental, que por


expressa previsão no texto constitucional, possui aplicação imediata, podendo
ser exigido desde sua publicação, conforme dispõe o art.5º, §1º da Constituição
Federal de 1988 (BRASIL, 1988). Porém, a simples previsão na Constituição Fe-
deral não pressupõe que o Estado possua capacidade para fornecer a todos que
requeiram. Todavia, o mesmo argumento não permite ao Estado que se omita de
sua obrigação, sob o argumento de que não possui condições financeiras ou por
falta de previsão legal, já que ambas não são absolutas. (ALEXY, 2008, p. 445).

Segundo a teoria de Robert Alexy, deve-se permitir uma interpretação de caso


a caso, porém com uma regra lógica e racional, como de concretizar determi-
nado direito, mesmo que às vezes negando, mas seguindo uma lógica objeti-
va, respeitando o mínimo imprescindível para a sobrevivência (CARNEIRO,
2016, p. 80-81).

Sumário 521
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Embora seja complexo o modelo de direitos fundamentais sugerido por


Robert Alexy, sua pretensão não é normatizar todos os casos, mas sim criar
teses e orientações norteadas pela ética, moral, senso coletivo, princípios e
pragmatismo. A aplicação do modelo sugerido pelo autor possibilita a criação
de uma norma, que ingressa no arcabouço jurídico através de orientações,
súmulas, enunciados de órgãos do Poder Judiciário, após uma séria análise
sobre o que realmente é correto e necessário para aquela sociedade (CAR-
NEIRO, 2016, p. 84-85).

Quanto à alteração legislativa referente à saúde, muitas modificações são fei-


tas em razão de teses e decisões do Poder Judiciário, como sugere a teoria de
Robert Alexy. A lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990, conhecida como lei
do SUS, tem sido alterada constantemente, vindo ao encontro das recomen-
dações e análises feitas pelo Conselho Nacional de Justiça, assim como outros
órgãos. Incluindo níveis de saúde mais amplos, como direito a lazer, atividade
física, saneamento básico entre outros, como forma de manter a organização
social e econômica do País (BRASIL, 1990).

A Lei nº 8.080/90 no seu art. 1º ressalta que “A saúde é um direito funda-


mental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis
ao seu pleno exercício”. Em outras palavras, havendo um problema de saú-
de, compete ao Estado possibilitar a sua recuperação, por meio de políticas
públicas, objetivando a redução de enfermidades, de forma que atenda o
maior número de pessoas. Contudo, “o dever do Estado, não exclui o dever
da família, empresas e sociedades”, conforme prevê o art. 2º, §2º da Lei nº
8.080/90 (BRASIL, 1990).

A dificuldade que reflete no Poder Judiciário, sobre demandas por medi-


camentos e outros serviços que deveriam ser fornecidos pelo SUS, está na
carência por políticas públicas de qualidade. O descumprimento pelo Estado
de normas que o obrigam a fornecer medicamento e a ampliação do direito
a acessar o Poder Judiciário e fazem com que o número de demandas seja
crescente. Por este motivo é que o judiciário ficou conhecido como a segunda
porta para acessar os serviços de saúde pública no Brasil (BUCCI, 2017).

Sumário 522
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Outra razão para a elevação dos números de demandas no Poder Judiciário


por medicamentos é o intervalo de tempo entre o pedido e a efetivação do
direito. Embora o Judiciário seja conhecido por prestar um serviço moroso,
quando se trata de demandas por serviços de saúde, normalmente costu-
ma ser mais rápido que a via administrativa, visto que tramitam de forma
prioritária e geralmente acompanhado de pedidos liminares (RODRIGUES
e MAAS, 2016, p. 16).

Muitas vezes o magistrado se depara com situações complexas, como a de-


manda de um medicamento que, se não fornecido naquele momento, pode
levar o jurisdicionado a óbito. Nestes casos é possível notar aparente conflito
de normas, onde de um lado figura a necessidade do paciente, que se não
for acatado o seu pedido pode resultar na sua morte, do outro, o Estado,
com uma série de limitações financeiras e técnicas para atender a demanda.
Além do possível conflito quanto a separação dos Poderes. Diante disso, o
magistrado, normalmente opta pelo deferimento do pedido para fornecer o
medicamento em caráter liminar (RODRIGUES e MAAS, 2016, p. 15).

A falta de conhecimento sobre o tema, impossibilita o magistrado de tomar


uma decisão técnica sobre ótica da medicina. À vista disso, que é necessária
uma equipe de apoio, com conhecimentos técnicos para sugerir e orientar
os membros do Poder Judiciário sobre a real urgência e gravidade do caso,
sem que fique à mercê dos fatos e argumentos trazidos ao processo pela parte
requerente (RODRIGUES e MAAS, 2016 p. 16-17).

Portanto, nota-se que há uma série de dificuldades encontradas para que as


demandas por medicamentos migrem do Poder Judiciário para demandas
meramente administrativas. Para isso, é necessário que haja uma interpre-
tação universal sobre qual a responsabilidade do Estado quanto à saúde dos
brasileiros. Por meio de políticas públicas concretas e eficazes que proporcio-
nem aos usuários do serviço público de saúde um atendimento de qualidade,
em tempo razoável e proporcional à complexidade do caso. Com isso, é pos-
sível que seja superada a extensa fase de judicialização de políticas públicas,
entre elas a do Direito à Saúde.

Sumário 523
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Considerações finais
Através do estudo realizado, observou-se que as demandas judiciais têm fun-
damentos jurídicos bem amplos no que se refere ao direito à saúde, visto que
não há uma norma específica que vincule a Administração Pública ao forne-
cimento de determinado medicamento. Esta lacuna sobrecarrega o Poder Ju-
diciário, que lhe compete julgar o caso, por expressa previsão constitucional,
conforme o princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Coube ao Poder Judiciário estabelecer parâmetros quanto às demandas envol-


vendo o Direito à Saúde, como fez o Ministro do Supremo Tribunal Federal
Gilmar Mendes, que, em julgamento, na situação de relator, estabeleceu parâ-
metros para a exigência de determinadas demandas relacionadas ao Direito
à Saúde. Contudo, têm se mostrado ultrapassados estes requisitos, já que boa
parte da população consegue preencher as condições impostas, se tornando
praticamente uma norma que obriga o Estado a fornecer medicamento e ou-
tros serviços públicos de saúde, ainda que por força de decisão judicial.

Desta forma, após uma vasta análise quanto aos valores e quantidade de al-
varás judiciais cumpridos pela 7ª Coordenadoria de Saúde do Rio Grande
do Sul, foi constatado um elevado número de demandas judiciais por medi-
camentos com valores inferiores a um salário-mínimo nacional, aproximada-
mente 59% das demandas judiciais.

Ainda, foi constatado que, no período de 18 meses, apenas nove decisões


judiciais foram responsáveis por ocupar 47% do valor gasto com cumprimen-
to de alvarás judiciais, ou seja, 2% das condenações foram suficientes para
preencher quase metade do valor gasto pela 7ª CRS com judicialização de
demandas por medicamentos.

Foi observado outro fator que pode vir contribuir para o elevado número de
condenações judiciais. A baixa capacidade financeira da população da região
estudada pode justificar o alto número de pedidos de medicamentos com
valores abaixo de um salário-mínimo. Embora outros fatores possam favo-

Sumário 524
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

recer para os números apresentados, conforme jurisprudência do Supremo


Tribunal Federal, a hipossuficiência do requerente em suportar o valor do
medicamento é um requisito a ser considerado.

Portanto, o estudo considerou, além dos dados obtidos junto a 7ª Coordena-


doria Regional de Saúde do Rio Grande do Sul, relatórios, julgados e artigos
científicos que contribuíram para constatar que é possível que haja relação
entre a capacidade financeira da população da região e a judicialização da
saúde. Assim como, oportunizou destacar algumas medidas que podem ser
adotadas, de modo a controlar e qualificar a busca pelo Poder Judiciário para
concretização do Direito à Saúde.

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Sumário 527
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

A judicialização de medicamentos
em uma cidade de pequeno porte -
Santa Rita de Caldas - MG: uma análise
na perspectiva do usuário
Priscilla Rodrigues Ferreira1
Rosana Aparecida Garcia2

Resumo
Esse estudo é parte de uma Dissertação de Mestrado rea-
lizada na UNICAMP/SP e teve como objetivo analisar o
processo de judicialização de medicamentos como garan-
tia de direito à saúde na perspectiva do usuário e descre-
ver os fatores que o levaram a entrar com uma ação judi-
cial. O estudo foi realizado em uma cidade de pequeno
porte – Santa Rita de Caldas – estado de Minas Gerais,
no período de 2007 a 2019. Foram utilizadas entrevistas
semiestruturadas e analisadas na perspectiva da macro/
micropolítica do caminho percorrido pelos usuários neste

1 Mestre em Saúde Coletiva - UNICAMP e Graduada em Farmácia - UFJF; Farmacêutica Res-


ponsável Técnica; Farmácia de Minas em Santa Rita de Caldas, MG; Lattes: http://lattes.cnpq.
br/7876559710893746.
2 Doutora em Saúde Coletiva - UNICAMP e Graduada em Enfermagem - UNICAMP;. Professora
Colaboradora; DSC/FCM/UNICAMP; Lattes: http://lattes.cnpq.br/8085884041804011.

Sumário 528
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

processo de judicialização e alguns conceitos do referen-


cial teórico e metodológico da Análise Institucional. Como
resultados, foram encontrados 11 usuários com ações de-
feridas no período, sendo 64% do sexo feminino e 36% do
sexo masculino, concentrando-se na faixa etária acima dos
50 anos de idade. Segundo a ocupação, 64% dos usuários
eram aposentados e pensionistas. No tocante à escolarida-
de, 64% possuíam ensino fundamental incompleto. Quan-
to à representação jurídica, 73% utilizaram a Defensoria
Pública e, em relação à origem das prescrições, 46% tive-
ram origem no SUS. Os medicamentos de referência são
a maioria dos deferidos em ação judicial (55%). Os fatores
que levaram os usuários a entrar com ação judicial estão
relacionados à falta de informação e à fragilidade da rede
de atenção à saúde. Os achados demonstraram que a judi-
cialização de medicamentos no município é uma estratégia
de acesso ao direito à saúde e evidenciaram a importância
de novos estudos em cidades de pequeno porte que consi-
derem o olhar dos usuários inseridos nas redes de atenção
à saúde.

Palavras-chave: Direito à Saúde; Assistência Farmacêutica;


Judicialização da saúde.

Sumário 529
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Introdução
O setor saúde é uma área que envolve o direito enquanto cidadania, onde os
usuários exigem do poder público maiores investimentos no setor e o acio-
nam judicialmente para obrigá-lo a prover principalmente medicamentos,
sendo o investimento do governo no orçamento da saúde insuficiente para
garantir as necessidades de alguns usuários (CABRAL; REZENDE, 2015).

Segundo Sabino (2016), o fenômeno da judicialização da saúde, ao intervir


no poder público, acaba por privilegiar o individual à custa do coletivo, o
que fere os princípios e diretrizes do SUS e da Política Nacional de Me-
dicamentos (PNM), como por exemplo, o princípio da equidade. Pepe et
al. (2010) ainda reforçam a interferência da judicialização na programação
orçamentária do SUS.

Autores como Vieira e Zucchi (2007) citam situações em que o Estado se


vê obrigado a custear, via sistema judiciário, medicamentos que não cons-
tam nas relações de medicamentos essenciais, ampliando, assim, o debate
democrático sobre o conteúdo da Constituição.

Chieffi e Barata (2009) avaliam que muitos usuários acionam o Judiciário


em busca de medicamentos que não estão disponíveis nos serviços pú-
blicos devido a preços abusivos praticados pelos fabricantes ou de falta
de estoque, padronização do uso, registro no país, além de comprovação
científica de eficácia.

Pandolfo et al. (2012) também relatam que muitas dessas ações judiciais
solicitam medicamentos que ainda são experimentais e sem registro na
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), além de condutas
médicas discordantes dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas
(PCDT) e das listas de medicamentos do Componente Especializado da
Assistência Farmacêutica.

Para outros autores, como Munk (2014), a judicialização de medicamentos


que compõem as listas disponíveis no SUS pode representar falta de esto-

Sumário 530
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

que desses medicamentos ou se referir à dificuldade de acesso dos usuários aos


serviços e, por outro lado, a demanda de ações judiciais por medicamentos que
não são padronizados, pode demonstrar falhas do sistema público na incorpo-
ração de novas tecnologias.

É importante que o gestor municipal elabore um diagnóstico da situação atual,


para que possa ter informações sobre os mandados judiciais, identificando er-
ros e desperdícios de recursos na gestão.

Por ter estes diferentes olhares sobre o tema, a judicialização da saúde precisa
ser analisada a partir de várias perspectivas e tratada sem preconceitos contra
os usuários que entram com ações judiciais e contra o Poder Judiciário, o qual
pode ser utilizado para equacionar conflitos existentes e ajudar a não gerar
maiores prejuízos aos usuários e aos cofres públicos.

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem se preocupado em qualificar estas dis-


cussões e realizou, em 2009, uma audiência pública para debater o tema da
judicialização da saúde, com objetivo de ampliar o debate dos diversos setores
envolvidos na busca por soluções referentes às demandas da saúde, visando
obter esclarecimentos em relação ao direito à saúde (SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, 2009).

Igualmente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também recomendou aos


Tribunais a adoção de medidas que possibilitem o apoio técnico de profissio-
nais de saúde na formação de juízo de valor visando melhor subsidiar os magis-
trados e demais operadores de direito. A criação dos Núcleos de Apoio Técnico
do Poder Judiciário (NAT-Jus), por meio da Resolução nº 238 de 2016, teve o
objetivo de aprimorar o conhecimento técnico dos magistrados para solução
das demandas, bem como conferir maior celeridade no julgamento das ações
judiciais, sendo posteriormente criado o projeto Banco Nacional de Pareceres
– Sistema e-NatJus (BRASIL, 2016).

A temática da judicialização de medicamentos pode ser analisada a partir de


várias perspectivas: do gestor do SUS, do usuário que entra com ações judiciais,
dos profissionais que prescrevem, de procuradores públicos, do próprio Judiciá-

Sumário 531
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

rio, dentre outros. E apesar de ser um tema debatido por muitos autores, este es-
tudo inova por sua perspectiva de análise ainda pouco encontrada na literatura:
o olhar do usuário que judicializa o medicamento como direito à saúde.

Assim sendo, abordar o tema da judicialização de medicamentos na perspec-


tiva dos usuários que acionam o Judiciário em favor de seu direito à saúde,
garantido constitucionalmente, não somente contempla a relevância política,
técnica e acadêmica, mas insere a voz de quem pouco fala nos trabalhos e
estudos acadêmicos acerca do tema, contribuindo para um olhar e uma abor-
dagem humanizada ao estudo em questão.

Desenvolvimento
O estudo é parte de uma Dissertação de Mestrado, realizada na Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP/SP). É uma pesquisa qualitativa que teve
como objetivo analisar o perfil dos usuários com concessão de ordem judicial
de medicamentos e descrever os fatores que os levaram a entrar com uma
ação judicial com essa finalidade.

Foi realizado no município de Santa Rita de Caldas, localizado no sul de


Minas Gerais (MG) e que possui uma população estimada de 9.027 pessoas,
sendo considerado um município de pequeno porte.

Santa Rita de Caldas possui três equipes de Estratégia de Saúde da Família


(ESF), tendo uma cobertura de 100% da população na Atenção Básica, se-
gundo Relatório Anual de Gestão (RAG). O município conta com uma Far-
mácia Básica Municipal, um Pronto Atendimento Municipal (PA) e uma base
do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade


de Ciências Médicas (FCM) da UNICAMP e a estratégia de coleta de dados
foi a utilização de entrevistas semiestruturadas com os usuários que tiveram
deferimento de decisões judiciais de medicamentos no município de Santa
Rita de Caldas e que estavam recebendo medicação até dezembro de 2019.

Sumário 532
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

As cópias das ações judiciais deferidas ficam arquivadas na Farmácia Básica


Municipal, sob guarda da farmacêutica. Após autorização no CEP, foi rea-
lizada uma pesquisa nas cópias das ações judiciais deferidas arquivadas na
Farmácia Básica Municipal, onde foram encontradas 11 (onze) ações judiciais
ativas compreendidas entre o período de 2007 a 2019. Dentre as ações judi-
ciais encontradas na pesquisa, 1 (uma) foi deferida no ano de 2007, 2 (duas)
ações em 2013, 3 (três) ações em 2014, 1 (uma) em 2015, 1 (uma) em 2017, 1
(uma) em 2018 e 2 (duas) ações no ano de 2019.

Após levantamento das ações judiciais ativas, foi feito contato com os usuários
que receberam medicação neste período. Todos foram convidados a parti-
cipar das entrevistas, não havendo recusa, dando início a coleta de dados.
Por haver limitação de saúde ou idade avançada de 5 (cinco) usuários, estes
foram representados por seus familiares.

Não foram considerados os usuários que tiveram ações negadas, pois o aces-
so a tais ações possui outros fluxos, visto que não ficam arquivadas no setor
jurídico da Prefeitura Municipal de Santa Rita de Caldas.

A entrevista foi tomada no sentido amplo de comunicação verbal e no sentido


restrito de coleta de informações sobre o tema científico, e foi perguntado ao
usuário ou ao seu representante: serviço de saúde utilizado para atendimen-
to/consulta; experiência em relação aos serviços do SUS; motivação a realizar
ação judicial para conseguir o medicamento e se houve tentativas prévias
para obtenção do medicamento no SUS; tipo de representação jurídica utili-
zada pelo usuário; origem da prescrição médica; tempo de espera para aqui-
sição da medicação após o deferimento da ação judicial.

Os achados da pesquisa foram analisados a partir da dinâmica e organização


da Atenção Primária à Saúde (APS) (macropolítica do trabalho em saúde)
e da relação com os usuários ideal-real que acessam o Judiciário para bus-
car o direito a medicamentos no SUS (micropolítica dos usuários na rede
de saúde). O usuário ideal é aquele usuário que é disciplinado, guiado por
procedimentos padronizados e previsíveis, já o usuário-real é o usuário que

Sumário 533
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

é autônomo, nômade, que faz escolhas, e que se revolta com a racionalidade


planejada pelos administradores (CECÍLIO et al., 2014).

Também utilizamos alguns conceitos do referencial teórico metodológico da


Análise Institucional (AI), que segundo L’Abbate (2012, p. 198) “[...] tem por
objetivo compreender uma determinada realidade social e organizacional, a dos discur-
sos e práticas dos seus sujeitos. Para tanto, tendo por base o conceito de instituição a
Análise Institucional utiliza-se de um método constitutivo de um conjunto articulado
de conceitos [...]”. E o conceito de analisador, criado por Félix Guattari, publi-
cado pela primeira vez por esse autor em 1974, incorporado posteriormente
por Lourau, foi utilizado durante as entrevistas que repetiram contradições e
“não ditos” no discurso oficial instituído.

O momento de realização das entrevistas, em março de 2020, foi um mo-


mento difícil, pelo contexto histórico e sanitário por que passava o mundo, o
país e nossa cidade. Em 11 de março de 2020, a OMS declarou pandemia de
Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), o que levou
vários países a quarentena e lockdown.

Nos estados e municípios, as diferenças regionais levaram os entes federados a


decisões de acordo com suas realidades locais. De uma maneira geral, apesar
das contradições de todo o território nacional, os estados adotaram o isola-
mento social como medida de contenção da transmissão do vírus, mantendo
atividades consideradas essenciais funcionando e com as medidas de higiene e
cuidado pessoal – lavagem de mãos, uso do álcool gel, máscaras, dentre outros.

A estratégia utilizada para evitar expor a risco as pessoas entrevistadas foi


a de aproveitar o momento em que os usuários ou seus representantes iam
buscar seus medicamentos, explicando os cuidados que seriam tomados devi-
do à pandemia. Desta maneira, foram levados a uma sala arejada e ventilada,
com o distanciamento entre pesquisadora e entrevistado. No momento da
entrevista, não houve cumprimentos como apertos de mãos, foi utilizada a
máscara durante todo o período da entrevista e álcool gel foi oferecido para
higienizar as mãos na entrada e na saída.

Sumário 534
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

O contexto da pandemia surgiu como um analisador natural, conceito este


criado por Félix Guattari e incorporado por Lourau como aquilo que permite
revelar a estrutura da instituição, provocá-la, forçá-la a falar. Assim sendo, nos-
sa pesquisa evidenciou os problemas vivenciados pelos usuários, visto que estes
referiram, durante as entrevistas, que seus tratamentos e retornos médicos fo-
ram comprometidos (desmarcados) e não puderam acontecer nesse período.

Para caracterizar o perfil dos usuários que entraram com ações judiciais de me-
dicamentos deferidas no período de 2007 a 2019, segue um panorama geral,
descrito por meio da Tabela 1.

Tabela 1: Caracterização dos usuários de ações judiciais de medicamentos deferidas


segundo idade, grau de instrução, ocupação e sexo. Santa Rita de Caldas. Minas Gerais. 2020.

Usuários Sexo Idade Ocupação Grau de instrução

Ensino Fundamental
Rosa F 52 Do Lar
Incompleto

Amarelo M 33 Pensionista Analfabeto

Ensino Fundamental
Vermelho F 56 Do Lar
Incompleto

Ensino Fundamental
Lilás F 78 Pensionista por morte
Incompleto

Aposentada por Ensino Fundamental


Laranja F 55
invalidez Incompleto

Branco F 35 Auxiliar de dentista Ensino Médio Completo

Ensino Fundamental
Marrom M 28 Agricultura familiar
Incompleto

Ensino Fundamental
Verde M 80 Aposentado
Incompleto

Preto F 63 Aposentada Superior Completo

Ensino Fundamental
Cinza F 77 Aposentada
Incompleto

Azul M 86 Aposentado Analfabeto

Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nos dados da pesquisa (2020).

Sumário 535
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Para garantir o sigilo dos entrevistados ou representantes foram assim iden-


tificados: usuário entrevistado (UE) e representante entrevistado (RE) e para
cada categoria demos uma cor específica.

Dos 11 usuários que tiveram deferimento de decisões judiciais de medica-


mentos, 7 (64%) eram do sexo feminino e 4 (36%) do sexo masculino, con-
centrando na faixa etária acima dos 50 anos de idade.

Segundo a ocupação, 2 (18%) eram trabalhadores ativos, outros 2 (18%)


eram do lar e não recebiam nenhum salário e 7 (64%) eram aposentados ou
pensionistas, o que vem para reforçar a questão da baixa condição financei-
ra para custear seus tratamentos. Em relação à escolaridade, 7 (64%) usuá-
rios tinham o ensino fundamental incompleto seguido por 2 (18%) usuários
analfabetos, diferente de nossas hipóteses de que o grau de escolaridade
maior teria relação com este processo, sendo apenas 1 (9,09%) usuário com
ensino médio completo e 1 (9,09%) com ensino superior completo. Quanto
à representação jurídica, 73% foram assistidos pela Defensoria Pública e,
em relação à origem das prescrições, 46% tiveram origem no SUS. Um fato
que nos chamou a atenção foi que das 5 prescrições (46%) que tiveram ori-
gem no SUS, 2 foram transcritas por profissional do SUS e quanto à classi-
ficação dos medicamentos solicitados, 55% eram de referência e apenas 9%
solicitaram o medicamento genérico.

Durante as entrevistas, foi relatado como se deu o processo que os levaram a


entrar com a ação judicial para acesso ao medicamento.

Analisando a perspectiva do usuário, pudemos perceber o “vai-e-vem” e as ten-


sões, falta de informação e sofrimento vivenciados no sistema como um todo:

[...] antes de entrar com a ação judicial foi muito transtorno, a gente ia num
lugar eles mandavam aqui, daqui mandava ali, sinceramente pensei em
desistir [...]. (RE Marrom). Grifos nossos.

[...] Olha foi bem desgastante, um tanto humilhante. (UE Vermelho). (grifo
nosso).

Sumário 536
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

O cansaço e sentimento de humilhação referido pelos usuários neste percur-


so são cumulativos a uma carga de sofrimento e necessidade em relação ao
acesso à medicação e de alguém que os acolha. Não sendo possível na rotina
estabelecida pelo SUS, há situações em que o usuário é orientado a entrar
com a ação. E neste contexto é que surge o chamado usuário-real.

[...] até que me mandaram entrar com a ordem judicial, de certo acharam
que eu não entraria, mas entrei porque ele necessitava do remédio e nós
temos direitos, a gente paga as contas nossas e pagamos caro por isso [...].
(RE Marrom). (grifo nosso).

Observamos que, no caso dos usuários de Santa Rita de Caldas, a motivação


central da busca foi a falta de recursos financeiros para comprar a medicação.

[...] É que eu não tinha condições de comprar o remédio né? Era muito
caro pra mim. (UE Rosa). (grifo nosso).

[...] Porque eu não tinha dinheiro para comprar, não tinha para onde me
virar. (UE Vermelho). (grifo nosso).

[...] O custo deles, um alto custo. (UE Branco). (grifo nosso).

De uma maneira geral, os usuários justificaram ter entrado com ação judicial
para acessar os medicamentos por motivos como: a grande quantidade de
medicamentos prescritos e a falta destas medicações no SUS, aliadas ao alto
custo das medicações e às condições financeiras que os usuários possuem. Por
estas razões, e por referirem ser a medicação que fez efeito em sua patologia,
entraram com o processo de judicialização.

As limitações impostas ao SUS podem ser relacionadas a várias questões, des-


de financiamento, que é um dos grandes problemas do sistema, até a questão
do modelo biomédico, centrado em procedimentos, medicamentos, e que
foca na medicina curativa, muitas vezes hegemônico na APS.

Durante a primeira entrevista, pudemos notar o sofrimento e dor da entre-


vistada, por já ter tentado várias vezes passar na APS e não conseguir resolver
seu problema, precisando ser encaminhada para especialidade do SUS, o que
segundo o relato não ocorreu.

Sumário 537
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Percebemos que os usuários que entraram com ação judicial para acessar
medicamentos referem uma procura inicial pelo “SUS municipal” na “ten-
tativa de uso das medicações existentes na farmácia do município”. Quando não
conseguem o medicamento, vão para o nível secundário sem, no entanto, um
ordenamento e uma coordenação deste cuidado.

Em um dos casos, o usuário se desloca para ser atendido em um hospital de


referência, em outro estado (São Paulo), fora de sua região de saúde e fora
de uma rede de cuidados ordenada e coordenada pela APS, recebendo para
tal, o transporte do município para o deslocamento.

Os usuários também relataram as desmarcações e remarcações de consul-


tas agendadas e não referiram um acompanhamento e monitoramento pelos
profissionais da APS, sendo que um dos grandes desafios na APS é ordenar a
rede de atenção à saúde e coordenar o cuidado.

Se refletirmos na perspectiva dos processos gerados para aquisição de me-


dicamentos, concordamos com WEICHERT (2010) que afirma que “[...] não
se pode confundir o direito à assistência farmacêutica com o direito ao consumo de
medicamentos”. Igualmente se faz necessária uma revisão da integralidade do
cuidado e da assistência, necessário para que os usuários não se percam na
“rede” e não confundam o SUS como um dispensador de medicamentos do
setor privado. Há um ordenamento necessário nesta rede e os profissionais
de saúde precisam fazer isto acontecer.

Algumas fragilidades nas Redes de Atenção à Saúde (RAS) que fazem com
que o usuário tome decisões próprias são passíveis de propostas organizacio-
nais e de fluxos internos, não necessitando de uma ação externa.

Um dos exemplos é o que chamaram de “troca de receitas” dos serviços par-


ticulares para uma receita com o “logotipo do SUS”, onde observamos que
se trata de uma prática que poderia ser caracterizada como uma infração do
Código de Ética Médica, visto que o profissional assume a responsabilidade por
um ato médico que não praticou (BRASIL, 2018). Por outro lado, os fluxos do
próprio município induzem o usuário a este caminho e o profissional médico a

Sumário 538
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

esta prática, o que, se analisarmos na perspectiva da necessidade deste usuário,


que não tem uma referência municipal de um especialista e se desloca a outros
municípios para ser atendido, evidencia uma fragilidade nas RAS. São práticas
a serem repensadas através de novos fluxos que melhor direcionem usuários e
profissionais da saúde, pois na lógica atualmente instituída, é o que está impli-
citamente dado sem depender de escolhas dos profissionais.

A situação de perda de vínculo com a APS também precisa ser trabalhada, pois
é necessário avaliar o motivo, os fluxos, os ruídos que não permitiram uma res-
posta eficiente. Segundo a usuária, “os funcionários se estressavam com ela”, e a sua
situação de saúde não foi compreendida pela equipe, o que a levou a procurar o
serviço particular para consultas cardiológicas e vasculares. É uma usuária com
problema circulatório e possui uma ferida que não cicatriza na perna. Uma re-
ferência na APS precisa tomar casos e situações como esta e discutir como uma
sentinela na assistência, para reinserir o usuário ao sistema, corrigindo possíveis
fluxos equivocados ou ruídos e orientando à usuária os limites existentes.

Apesar do limite de poucos entrevistados, tivemos achados importantes que se


mostraram como analisadores sobre a temática, que podem acontecer com ou-
tros usuários em municípios de pequeno porte em qualquer local no país, que
precisam ser acolhidos em sua singularidade e que não necessariamente restrin-
gem a responsabilidade ao profissional médico. Na prática, as entrevistas eviden-
ciaram: [...] Foi médico do SUS, porque particular o juiz não aceita, aí não con-
segue, mas na verdade quem passou foi o médico particular, nós tivemos que
procurar o médico do SUS para fazer outra receita. (RE Verde). (grifo nosso).

Para tal, pressupõe que se o paciente necessitar ser encaminhado para outro
ponto de atenção à saúde, a APS precisa coordenar o cuidado e não somente
“trocar receita”. A informação dada pelos usuários foi de que houve a “troca de
receita” para que a ação pudesse ser ajuizada.

Oliveira e Pereira (2013) relatam que a unidade de APS ou equipes de ESF têm
a função de atuar como centros de comunicação com os serviços de atenção
secundária e terciária e o apoio diagnóstico e terapêutico.

Sumário 539
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

Não houve, em nenhum dos casos entrevistados que entraram com ação para
acesso à medicação via judicial, a referência de uma continuidade na assistên-
cia, um acompanhamento, um monitoramento da situação de saúde.

Por fim, difícil de entrevistar, difícil de ouvir, de relatar, e, agora, de revisitar


o que escrevemos, foi a entrevista com a mãe que perdeu um filho devido a
um acidente de ônibus correlacionado a uma suposta negligência do condu-
tor municipal, onde esta tragédia fatal motivou o casal a procurar o Judiciá-
rio para tratamento e acompanhamento psicológico.

Não foi relatado um acolhimento ao caso. A dor descrita e sentida por nós,
nos fez escolher a cor preta, para representar esta entrevista, justamente pelo
luto que sentimos e a mobilização interna que esta entrevista nos causou, nos
deixando sem palavras e com sentimento de impotência. Chegamos a pedir
desculpas durante a entrevista, por fazê-la voltar a tantas lembranças.

Porém, apesar de toda a dor da família, já recuperada dos sentimentos que


nos mobilizaram durante a entrevista, conseguimos avaliar a questão público
x privado envolvido no caso, onde o município tem psiquiatra para atendi-
mento e mesmo assim paga um psiquiatra particular para o casal que possui
até plano de saúde.

Não é nosso objetivo julgar a situação específica relatada, ao contrário: quere-


mos refletir sobre um sistema de saúde que pertence a uma sociedade e que
para ser mantido deve ser garantido pelo Estado, mas, também, zelado por
esta sociedade.

Conclusão
Como observado neste estudo, o impacto do macrocontexto na APS é real e
fragiliza o trabalho em rede. No caso específico do usuário que judicializa o
acesso a medicamentos como direito, podemos notar que nem sempre é por
interesses particulares. Evidenciamos que seus problemas de saúde não são
acompanhados pela APS do Munícipio, o que foi observado em várias falas

Sumário 540
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

principalmente nesse momento de Pandemia do Covid-19, onde muitos re-


tornos aos especialistas foram adiados.

O tema da judicialização da saúde continua polêmico e contraditório por


trazer discussões quanto aos limites do direito à saúde versus a capacidade
financeira do Estado.

O Poder Judiciário pode ser uma estratégia para o acesso ao direito a medi-
camentos no SUS que, muitas vezes, estão sendo negligenciados pelo poder
público, seja por licitações desertas, faltas de recursos, ou outros. Da mesma
maneira, pode ser considerado uma porta de entrada na incorporação de
novas tecnologias (medicamentos) pelo SUS, quando há lacunas nas políticas
de saúde.

Desta forma, podemos inferir que a cidade de Santa Rita de Caldas, um mu-
nicípio de pequeno porte, tem similaridade com a maioria dos municípios do
mesmo porte no Brasil, que devem também possuir dificuldades em manter
uma atenção à saúde dentro dos princípios e diretrizes da APS, e o trabalho
em RAS, onde o usuário deveria ser ouvido em sua real necessidade.

Dentro desta rede, muitas vezes fragmentada, o usuário que precisa de uma
medicação para resolver seus problemas de saúde não tem a quem recor-
rer, pois seu problema transcende o nível de complexidade municipal. Esta
perspectiva de olhar precisa ser mais bem incorporada aos debates públicos,
desmistificando o atual preconceito em relação à temática da judicialização
da saúde e repensada pelos gestores públicos.

Os achados deste estudo evidenciaram que a judicialização de medicamentos


no município de Santa Rita de Caldas é uma estratégia de acesso ao direito à
saúde, tendo em vista a necessidade dos usuários reais e as fragilidades evi-
denciadas nas RAS.

Esperamos que este estudo possa ser replicado em outros municípios de pe-
queno porte no país e que o tema da judicialização de medicamentos possa
ser olhado em uma perspectiva que contemple as realidades distintas do país

Sumário 541
Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

e as necessidades dos usuários reais do SUS, buscando estratégias locais ou


municipais de trabalho que possibilitem a qualificação do olhar sobre o pro-
cesso da judicialização de medicamentos, tendo sempre como protagonista
dos debates os usuários do sistema de saúde.

Referências
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e manutenção, pelos Tribunais de Justiça e Regionais Federais de Comitês
Estaduais da Saúde, bem como a especialização de vara em comarcas com mais
de uma vara de fazenda Pública. Brasília, 2016.

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Judicialização da Saúde nos Municípios Diagnósticos

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Sumário 543
Experiências
e propostas
de gestão
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Cooperação interinstitucional para


a solução extrajudicial das demandas
de saúde: uma experiência no município
de Santo Antônio de Jesus - BA
Adriana Ribeiro Bloisi1
Suzana Souza Santos Andrade2
Emmanuelle Fonseca Marinho de Anias Daltro3
Nívia Maria Oliveira de Souza4
Leandro Gomes Lobo5

Resumo
Este trabalho apresenta a experiência de cooperação entre
a Defensoria Pública Estadual e a Secretaria de Saúde do
município de Santo Antônio de Jesus, Estado da Bahia,
com vistas a solucionar as demandas da saúde apresenta-
das pelos assistidos residentes no referido município de

1 Graduada em Direito; Coordenadora de Sistemas de Informação; Secretaria de Saúde de Santo


Antônio de Jesus-BA.
2 Especialista em Direito Administrativo - VERBO e Graduada em Direito - UNEB; Procuradora;
Prefeitura Municipal de Amargosa - BA; Lattes: http://lattes.cnpq.br/9369925493589098.
3 Doutora em Administração - UFBA e Graduada em Enfermagem - UESC; Auditora em Saúde
Pública; Prefeitura Municipal de Salvador - BA; Lattes: http://lattes.cnpq.br/1918918024462339.
4 Mestre em Saúde Pública - UFBA e Graduada em Enfermagem - UEFS; Auditora em Saúde Públi-
ca; Secretaria de Saúde de Santo Antônio de Jesus – BA; Lattes: http://lattes.cnpq.br/1078626720616116.
5 Graduado em Medicina; Médico Intensivista; Secretaria de Saúde de Salvador - BA.

Sumário 545
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

forma mais célere. Trata-se de uma pesquisa qualitativa


exploratória composta por duas fases. Na primeira delas,
foi realizada uma revisão de literatura no campo do Direi-
to Constitucional e do Direito Administrativo, com o obje-
tivo de reunir embasamento teórico para a análise crítica
da experiência. Na segunda fase, à luz dos conceitos teó-
ricos identificados, foi realizada a análise da experiência
em si, com o auxílio de técnicas previstas no estudo de
caso, cujo produto foi a descrição dos procedimentos e dos
resultados alcançados, além da reflexão sobre a potencial
replicabilidade da experiência de cooperação na gestão do
Sistema Único de Saúde dos municípios brasileiros.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais; Judicialização da


Saúde; Sistema Único de Saúde; Cooperação Interinsti-
tucional

Sumário 546
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Introdução
O direito à saúde é reconhecido como uma prerrogativa fundamental inerente
à pessoa humana e um dever do Estado, resultante da afirmação dos valores
democráticos e da exaltação da cidadania. Neste contexto, a partir do processo
de redemocratização brasileira, por intermédio da promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil (CRFB), ocorrida em 1988, foi criado o Siste-
ma Único de Saúde (SUS) que possui entre os seus objetivos a formulação das
políticas de saúde.

Todavia, verifica-se, por vezes, iniquidades no acesso aos bens e serviços de saúde
e, a partir deste quadro, a judicialização do direito à saúde surge como uma fer-
ramenta de garantia, sendo, ao menos em teoria, um meio de aperfeiçoamento
da universalização do direito à saúde no Brasil.

As demandas judiciais no âmbito da saúde se avolumaram nos últimos anos,


conforme o relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (2015) e, na esfera
administrativa, de acordo com a observação direta realizada no cotidiano dos
municípios, há constante redução de oferta de serviços prestados em tempo há-
bil seja por esgotamento ou insuficiência das medidas passíveis de serem adota-
das para solucionar os problemas apresentados pela população.

Diante desta problemática, a cooperação entre a Defensoria Pública, o Ministé-


rio Público e as Secretarias de Saúde surge como um instrumento que promete
gerar maior celeridade na solução das demandas de saúde da sociedade civil,
atendendo, extrajudicialmente, os processos de judicialização da saúde. Assim
como vem ocorrendo em diversas partes do Brasil, os usuários do SUS do mu-
nicípio de Santo Antônio de Jesus também experienciam um caso de articulação
interinstitucional em prol da garantia do direito à saúde.

O município de Santo Antônio de Jesus, interior do Estado da Bahia, conta com


uma população estimada de 102.380 habitantes, de acordo com o Instituto Bra-
sileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020). Apresenta o Índice de Desenvol-
vimento Municipal (IDHM) em torno de 0,700, ocupando a posição de número

Sumário 547
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

125 no ranqueamento dos 417 municípios do Estado, sendo superior à média


Estadual que é de 0,660. Ademais, possui um PIB per capita de R$ 21.629,28
(IBGE, 2018), o que o coloca numa posição de 38º lugar em comparação com os
outros 416 municípios do Estado.

O objetivo deste trabalho é apresentar a experiência de cooperação entre a De-


fensoria Pública Estadual e a Secretaria de Saúde do município de Santo Antônio
de Jesus, Estado da Bahia, com vistas a solucionar as demandas da saúde, apre-
sentadas pelos assistidos residentes no referido município, de forma mais célere.

Além desta introdução, este trabalho é composto de um referencial teórico,


dividido em duas partes. A primeira delas trata do direito à saúde no ordena-
mento jurídico brasileiro, incluindo a organização do Sistema Único de Saúde,
assim como a divisão de competências entre os entes federativos na área da
saúde. Já a segunda parte descreve o processo de judicialização da saúde, des-
tacando a ideia de mínimo existencial na saúde, vinculada ao embate entre o
princípio da reserva do possível e da necessidade de previsão orçamentária,
apresentando, ainda, a visão geral sobre soluções extrajudiciais para a efetiva-
ção do direito à saúde. Na sequência, tem-se o relato de experiência, propria-
mente dito, composto da descrição e análise da cooperação entre a Defensoria
Pública do Estado da Bahia e o Poder Executivo Municipal de Santo Antônio
de Jesus e, por fim, a conclusão do estudo.

Direito à saúde no Brasil


Considerando a sua consagração constitucional como direito social funda-
mental, bem como por ser essencial na manutenção do próprio direito à vida,
o direito à saúde deve ser garantido a todos pelo Estado e encontra-se vin-
culado à ordem social, ao bem-estar, à justiça social e à dignidade humana.
(BARROSO, 2017).

A CRFB (1988) informa, em seus artigos 196 ao 200, que o direito à saúde é
garantido mediante políticas sociais e econômicas que tenham como objeti-

Sumário 548
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

vos principais a redução do risco de doença e de outros agravos, assim como


o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e
recuperação. De acordo com Bandeira de Mello (2018), a saúde, juntamente
com a previdência e a assistência social, integra o Sistema da Seguridade Social
brasileiro, disciplinado pelo artigo 194 da CRFB (1988), sendo um dos ele-
mentos que constituem a base primordial da vida humana à luz dos preceitos
e valores constitucionais.

Segundo Dresch (2016), o direito à saúde pertence à categoria dos direitos fun-
damentais de segunda geração, também denominados direitos sociais. Para o
autor, esses direitos surgiram a partir da transição político-econômica do Estado,
que, no século XX, deixou de atuar como mero garantidor de direitos indivi-
duais, passando a assumir a competência de fornecer prestações positivas aos
cidadãos como forma de atendimento e satisfação de suas necessidades básicas.

O SUS, regulamentado por meio da Lei nº 8.080/1990, caracteriza-se por ser


o modelo público de ações e serviços de saúde do Brasil, sendo que seu surgi-
mento possibilitou uma evolução significativa no campo das políticas públicas,
assim como na implementação de diretrizes e regras específicas no ordenamento
jurídico pátrio (MELLO, 2017). Dessa forma, a prestação de saúde no Brasil é
orientada por um conjunto de princípios com validade e aplicação em todo o
território nacional, onde o SUS apresenta em sua estrutura, assim como em toda
a sua sistemática institucional, uma concepção ampla do direito à saúde, pautada
na democratização e igualdade de acesso, ao menos na teoria.

Todavia, esse arcabouço jurídico que fundamenta a prestação de saúde não ga-
rante que o SUS consiga combater todos os problemas de saúde da população,
como, por exemplo, a falta de medicamentos e a escassez de procedimentos mé-
dicos. Na prática, isso leva os usuários do SUS a se utilizarem do Poder Judiciá-
rio para conseguir solucionar suas demandas, que são inúmeras e específicas de
indivíduo para indivíduo.

Medeiros, Medeiros e Caetano (2017) afirmam que o serviço de saúde se tornou


responsabilidade de todos os entes federativos, direta e indiretamente, sendo

Sumário 549
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

que as competências neste âmbito são compartilhadas entre estes, conforme


os dispositivos do artigo 30, do Título III, sobre a organização do Estado, e
o artigo 198, ambos da CRFB (1988).

Neste contexto, considerando a complexidade dos problemas de saúde a


serem contemplados e os recursos municipais limitados, estabeleceu-se a
prestação de cooperação técnica e financeira por parte dos Estados e da
União, qual seja, a prestação indireta do serviço, já que, na prática, um ente
federativo sozinho não teria como dar conta da prestação dos serviços com
qualidade de forma universal.

Na tarefa de gerir as estruturas locais ou regionais do SUS, torna-se funda-


mental a observação de diretrizes e princípios normativos. Neste sentido,
Dresch (2016) destaca a descentralização com direção única como forma de
distribuir responsabilidades entre os vários níveis de governo, no que tange
às ações e serviços de saúde. Entende-se que, com a descentralização, cada
organização local ou regional pode servir de referência à população, já que,
dentro de suas competências, poderá alcançar mais soluções e resultados no
atendimento aos problemas de sua área, bem como facilitar o controle social
sobre os níveis do sistema.

Nesse modelo de descentralização, compete aos municípios a tarefa de co-


nhecer os seus usuários e o histórico desses pacientes por meio de progra-
mas locais que coloquem as equipes de saúde mais próximas da população
e impliquem conhecimento capaz de fazer com que as Secretarias de Saúde
tenham uma noção do que a população precisa em determinada área, em
sua integralidade.

A integralidade da atenção à saúde também se revela como importante ele-


mento do sistema, levando-se em conta que o indivíduo atendido é um ser
integral, participativo no processo saúde-doença, sendo que as ações de pro-
moção, proteção e recuperação da saúde devem atendê-lo integralmente,
com atenção plena desde a promoção, prevenção, tratamento e recuperação.
(CRUZ, 2017).

Sumário 550
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

A judicialização da saúde
De acordo com Cruz (2014), a observância da lei, a gestão eficiente, além da
disponibilização e correta utilização de recursos financeiros, são pilares que
oferecem sustento à efetivação do direito à saúde e à existência de políticas
públicas, assim como equilíbrio ao sistema de saúde. Contudo, apesar de ser
considerado um dos maiores e mais modernos sistemas públicos de saúde do
mundo, o SUS vem sofrendo déficits de financiamento decorrentes de oscila-
ções nos níveis de arrecadação fiscal, de crises econômicas e políticas, da gestão
ineficiente, bem como desvio de dinheiro público. (MEDEIROS; MEDEIROS;
CAETANO, 2017).

Assim, num contexto de parcos recursos e de busca crescente de serviços de saú-


de, a judicialização tornou-se uma alternativa para os brasileiros que sofrem com
o descaso e a omissão do Poder Público e buscam ter suas demandas atendidas.

Conforme o relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2018), dentre os


1.778.269 processos ajuizados no Brasil, 420.930 (23,6%) pleitearam medica-
mentos e 135.849 (7,6%) tratamento médico-hospitalar pelo SUS. Esta estatística
do CNJ contribui para um diagnóstico acerca da não garantia administrativa do
direito à saúde no Brasil.

Neste cenário, a maneira encontrada pelos usuários que dependem do SUS para
o pronto restabelecimento da sua qualidade de vida é acionar o Judiciário como
forma de garantir o pleno gozo dos direitos à saúde.

Para Barroso (2017), a judicialização envolve uma transferência de poder do


Executivo para o Judiciário no que tange à criação de soluções para fatos que
alcancem repercussão política ou social e não estejam sendo tutelados pelas ins-
tâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo, assim
como a Administração Pública em geral.

Nesse sentido, a maior preocupação com a efetivação dos direitos fundamentais


através da Constituição de 1988 ampliou as possibilidades para a população uti-
lizar-se de novos remédios para sanar as omissões relacionadas à concretização

Sumário 551
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

dos seus direitos, como a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a ar-
guição de descumprimento de preceito fundamental e o mandado de injunção.

A judicialização da saúde surge como um fenômeno jurídico nesse contexto,


possibilitando à sociedade civil alcançar o cumprimento das tutelas de saúde
referentes à aquisição de remédios, tratamentos e atendimentos por inter-
médio de provimentos judiciais liminares (BARROSO, 2017). Na prática, a
única alternativa que os usuários encontram para se valer dos seus direitos
à saúde em situações em que o sistema não viabiliza o acesso de maneira
espontânea ou até mesmo célere, nos casos que necessitam de urgência, é a
judicialização para a obtenção da tutela.

O mínimo existencial
Considerando que o direito à saúde é um direito fundamental, devendo,
portanto, ser obrigatoriamente efetivado pelo Estado, independente de
questões orçamentárias, tendo por base o princípio do mínimo existencial,
Moraes (2018) enfatiza que a dignidade do ser humano está intrinsecamen-
te ligada à sua qualidade de vida, sendo necessário que sejam cumpridas,
por parte do Estado, prestações positivas e viabilizadoras da fruição básica
dessa dignidade.

Desta forma, entende-se que o Poder Público deve socorrer todos os cida-
dãos, e prestar toda a assistência necessária, sob pena de estar violando não
só o direito à saúde, mas todos os direitos fundamentais que lhe são vincula-
dos. Barroso (2017) afirma que a noção de mínimo existencial representa
o conjunto de prestações materiais essenciais e elementares sem as quais o
indivíduo está destinado a permanecer abaixo da linha da dignidade, ao
passo que o não cumprimento dessas prestações indica concreta violação
aos mandamentos constitucionais.

Logo, ocorrendo a violação do núcleo dos direitos fundamentais, abre-se a


possibilidade de o Judiciário intervir nos atos administrativos, omissivos ou co-

Sumário 552
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

missivos, para manutenção e satisfação do mínimo existencial para aqueles aos


quais são negadas as condições dignas de subsistência. (MEIRELLES, 2018).

Considerando o mínimo existencial e as necessidades da população em ter


suas garantias de saúde efetivadas, há um papel de destaque do Judiciário na
solução desses conflitos, pois, mesmo com todo o aparato legislativo que dá
suporte aos mecanismos de assistência à saúde, o Poder Público, por vezes,
se vale das prerrogativas orçamentárias para se eximir da responsabilidade
com o cidadão.

Previsão orçamentária e o princípio da reserva do possível


Para a satisfação das suas obrigações, a Administração deve possuir recursos
públicos suficientes dentro de um razoável equilíbrio financeiro, sendo im-
prescindível a existência de previsão orçamentária e o estabelecimento de
prioridades no exercício da gestão.

Como limite à satisfação de tais garantias à saúde, surge a teoria da reserva


do possível, no que diz respeito à reserva financeira administrativa, uma vez
que o Estado pode não possuir recursos suficientes, não bastando apenas
alegar, mas demonstrar concretamente, diante da escusa de cumprimento às
demandas sociais ou a ordens judiciais. (DI PIETRO, 2018).

A reserva do possível, dessa maneira, está intrinsecamente ligada aos atos


da Administração, sendo que, para que as políticas públicas sejam ofertadas
para a sociedade civil, faz-se necessária uma análise das condições do Poder
Executivo, desde a elaboração até a execução das normas orçamentárias.
Contudo, a doutrina brasileira compreende, em sua maioria, que cabe à
Administração Pública, diante do conflito entre a sua capacidade econômica
e os direitos a serem cumpridos, buscar uma forma proporcional e razoável
de compatibilização.

Ao analisar o caso concreto deve-se levar em conta a hierarquização dos direi-


tos, dos quais a saúde é um dos principais, e fazer prevalecer as prerrogativas

Sumário 553
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

consideradas de maior relevância diante das situações fáticas, destacando a


oportunidade e a conveniência, por meio de medidas que mais atendam ao
interesse público. (MORAES, 2018).

Apesar do descaso com a efetivação dos direitos sociais, seja pelo mal planeja-
mento das verbas pelo Estado ou pela criação de políticas públicas insuficien-
tes para atender às carências de saúde da população, Lenza (2018) comple-
menta que o Poder Legislativo, ao regulamentar os direitos, deve respeitar
o seu núcleo essencial, oferecendo as condições para que a Administração
assegure a implementação dos direitos constitucionalmente assegurados.

Nesse diapasão, a reserva do possível jamais deve servir de obstáculo à efeti-


vação de pelo menos uma porção mínima de cada direito fundamental social,
sob pena de violar frontalmente o princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana.

Estudo de caso no município de Santo Antônio


de Jesus Bahia
Diante do conflito entre o mínimo existencial e a reserva do possível, o exer-
cício da judicialização de demandas acaba sendo o caminho natural para os
indivíduos diante da omissão e da burocracia estatal. Essa realidade, além
de atentar contra a confiabilidade do Poder Público perante a sociedade,
contribui de forma considerável para o elevado número de lides contra a
administração, mais especificamente em desfavor das Secretarias de Saúde
Municipais e Prefeituras, a serem resolvidas pelo Sistema Judiciário.

Frente aos dilemas da não garantia do acesso aos serviços de saúde, Santos
(2017) informa que o papel da Defensoria Pública, como uma das entidades
alinhadas com os propósitos do Estado Social e Democrático de Direito, assim
como a ampliação da sua autonomia – funcional, administrativa e financeira
– acaba por permitir a sua independência com relação à atuação nas deman-
das contra o Estado, no caso, as que reivindicam prestações sociais, entre as

Sumário 554
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

quais se encontram as situações relacionadas à saúde. (LEITE; DE OLIVEI-


RA BASTOS, 2018).

Neste contexto, a observação direta permite afirmar que a Defensoria Pública


tem buscado firmar parcerias e cooperação interinstitucional para apresentar
meios mais eficazes e céleres de resolver as questões de saúde junto à Admi-
nistração Pública Municipal, evitando o acúmulo de aberturas de incontáveis
e dispendiosos processos judiciais.

Em 24 de maio de 2017, a Defensoria Pública do Estado da Bahia, conside-


rando o interesse convergente com a Secretaria de Saúde do município de
Santo Antônio de Jesus de garantir acesso à saúde dos cidadãos que se encon-
tram em situação de vulnerabilidade, apresentou uma proposta de parceria
que tem como base um conjunto de ações criadas para solucionar extraju-
dicialmente e de forma mais célere as demandas de saúde dos assistidos na
esfera municipal, que buscam a instituição expondo suas necessidades.

O projeto em questão origina-se na Resolução nº 01/2016 do Fundo de As-


sistência Judiciária (FAJ) da referida Defensoria, interligado às atribuições
do Conselho Deliberativo do Fundo de Assistência Judiciária da Defensoria
Pública do Estado da Bahia, com base nos dispositivos dos artigos 2º, inciso I,
e 5º, inciso I, da Lei nº 11.045/2008. Entre os formuladores dessa Resolução
estavam os defensores públicos conselheiros fiscais do FAJ, atuantes à época
na 6ª Regional da DP/BA, sediada em Santo Antônio de Jesus.

No projeto, buscou-se como objeto o estabelecimento de princípios básicos de


cooperação que pudessem ser desenvolvidos pelas partes, ou seja, Defensoria
Pública e os usuários de saúde, de um lado, e Secretaria de Saúde do muni-
cípio de outro. Por meio desses, pretendia-se que elas pudessem, juntas, re-
solver as demandas dos assistidos no âmbito municipal de forma mais célere.

Observa-se que a intenção do projeto interinstitucional é fazer uma atuação


preventiva, evitando ingressos de ações no Judiciário, por meio de diálogos
para a solução das demandas com a Secretaria de Saúde do município, que
abriu um espaço para atendimento, conforme Figura 1.

Sumário 555
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Figura 1: Fluxograma para atendimento às demandas pela Comissão Interinstitucional

Assessoria do Diretoria responsável


Gabinete da SMS pela demanda

SIM

Defensoria Demanda
estrutura?
Pública

NÂO

Componente
Municipal Reunião da Comissão
de Auditoria Interinstitucional

Fonte: Elaborado pelos autores.

Como metodologia, os atendimentos serão disponibilizados com a integração do


paciente com a Defensoria Pública e a Secretaria de Saúde, da seguinte forma:

[...] o cidadão busca a Defensoria Pública da Bahia em Santo Antônio de Je-


sus com relato de ameaça ou violação ao seu direito à saúde, ele é atendido
e devidamente orientado acerca da documentação e providências necessá-
rias para obtenção, junto à Secretaria Municipal de Saúde, de uma solução
extrajudicial da demanda (BAHIA, 2017).

Esse encaminhamento dos pacientes é feito por meio de ofício físico e eletrô-
nico oriundo da Defensoria Pública contendo um breve resumo da demanda
do assistido - demanda estruturada - e o pedido de requisição de providên-
cias que o Poder Público Municipal precisa efetuar para garantir o acesso à
saúde do demandante. Nessa senda:

[...] No ofício de encaminhamento, que também será enviado ao e-mail


institucional da Secretaria de Saúde (saude.saj2017@gmail.com), poderão
ainda ser requisitadas informações pertinentes à situação do assistido, que
a Secretaria prestará à Defensoria, também através de correspondência ele-
trônica, dentro do prazo máximo de 05 (cinco) dias (BAHIA, 2017).

O gabinete do Secretário de Saúde encaminha a demanda estruturada


para a Diretoria responsável pelo objeto da demanda. Os técnicos da res-

Sumário 556
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

pectiva diretoria apuram os fatos, adotam as providências cabíveis e/ou


realizam os possíveis encaminhamentos. Todas as ações são registradas em
relatório que é enviado por e-mail à Defensoria Pública no prazo máximo
de 05 (cinco) dias.

Para o acompanhamento dessas demandas, foi estabelecido um calendário


de reuniões mensais, em toda primeira quarta-feira do mês, iniciando em
05 de julho de 2017, na qual estavam presentes os representantes da De-
fensoria Pública e os representantes da Secretaria de Saúde, formando uma
comissão interinstitucional, para a discussão das demandas encaminhadas
– estruturadas e não estruturadas - e apresentação das providências a serem
tomadas pelo órgão municipal, além das soluções e conclusões de cada um
dos casos previamente encaminhados.

Eventualmente, são solicitadas informações complementares sobre a situa-


ção do assistido. Embora não esteja previsto no projeto de cooperação, a
Defensoria solicita pareceres ao Componente Municipal de Auditoria do
SUS quando a demanda apresentada pelo cidadão não se encontra estru-
turada – demanda não registrada no banco de dados da Defensoria Pú-
blica seja pela complexidade técnica do campo da saúde ou, ainda, pelas
ambiguidades observadas nos dispositivos normativos que versam sobre as
competências e responsabilidades das três esferas de governo diante do fi-
nanciamento e operacionalização do SUS.

Conforme Relatório Anual de Gestão 2017 fundamentado por relatórios do


Componente Municipal de Auditoria referente a Atividade Administrativa
nº 41 e a Cooperação técnica nº 05, a integração entre Defensoria e o Poder
Público Municipal demonstra-se proveitosa, permitindo maior articulação
e comunicação direta. Isso é feito por meio de instrumentos especialmente
criados para as finalidades ora expostas, numa atuação preventiva e plane-
jada, com o escopo de evitar a judicialização desnecessária de demandas de
saúde e oferecer melhores possibilidades de assistência e atendimento aos
cidadãos que necessitam, muitas vezes em situação de urgência, dos serviços
e das políticas do sistema público de saúde.

Sumário 557
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Essa atuação preventiva evita o ingresso de ações judiciais, na medida em que


o acesso aos serviços de saúde pode ser alcançado por meio do diálogo entre os
pacientes e os profissionais técnicos disponibilizados pela Secretaria Municipal
de Saúde especificamente para esse tipo de atendimento e solução do problema.

No período compreendido entre maio de 2016 e maio de 2018, ou seja, 12


meses anteriores à implantação do projeto de cooperação em tela e 12 meses
após, foram identificadas as seguintes demandas:

Quadro 1: Demandas por tipo apresentadas na Defensoria Pública no período de maio de


2016 a abril de 2018

Tipo de demanda N %

Consultas e/ou exames 16 37,2

Medicamentos 12 27,9

Cirurgia 5 11,6

Suplementos nutricionais 3 7,0

Transporte/remoção 2 4,7

Vacina 2 4,7

Fisioterapia 1 2,3

Diálise 1 2,3

Tratamento endodôntico 1 2,3

Total 43 100,0

Fonte: Elaborado pelos autores.

O resultado das atividades de cooperação pode ser observado no Quadro 2.


Nota-se que, embora as demandas tenham aumentado de volume no período
analisado, o ajuizamento, antes de 80%, foi reduzido a zero, evidenciando a
efetividade das soluções extrajudiciais. O não ajuizamento, entretanto, não é
sinônimo de demanda resolvida. Os status da demanda evidenciam que 9%
das demandas não foram resolvidas, ao passo que em 24,24% dos casos não
há registro e 33,3% estão sem resposta.

Sumário 558
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Quadro 2: Status das demandas apresentadas na Defensoria Pública no período


de maio de 2017 a abril de 2018

Status da demanda N %

Resolvida 11 33,3

Não resolvida 3 9,1

Não há registro 8 24,2

Sem resposta 11 33,3

Ajuizada 0 0,0

Total 33 100,0

Fonte: Elaborado pelos autores.

A redução do ajuizamento de ações após a implantação do projeto de coope-


ração interinstitucional indica que ele é benéfico para a população, uma vez
que, por meio do diálogo, conseguiu-se resolver diversas demandas. Contudo,
ressalta-se que a redução das demandas judiciais a zero não significa que todas
as demandas foram resolvidas. Isso porque alguns casos não chegam ao conhe-
cimento da Defensoria Pública, talvez por desconhecimento da possibilidade
desse contato pela comunidade, cabendo, sempre que possível, destacar a exis-
tência do mecanismo de cooperação nos meios de comunicação locais.

Conclusão
O presente artigo analisou a experiência de cooperação entre a Defensoria
Pública Estadual e a Secretaria de Saúde do município de Santo Antônio de
Jesus - BA, com vistas a solucionar as demandas da Saúde, apresentadas pelos
assistidos residentes no referido município, de forma mais célere.

Os principais resultados indicam que a cooperação pode ser exitosa para a


sociedade, na medida em que a aproximação entre os órgãos cooperantes
torna mais célere a resolução das demandas de saúde dos usuários do SUS,
que, normalmente, são objeto de ações judiciais morosas.

Sumário 559
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Como limite da experiência, nota-se que, mesmo com ampla divulgação pela
mídia local da cooperação interinstitucional entre a Defensoria Pública e a Secre-
taria de Saúde Municipal, parte da população não sabe da existência do projeto
e dos trâmites de encaminhamento para a solução das demandas por esta via.

Cabe registrar que a cooperação auxilia na redução de demandas judiciais,


mas não esgota todas as questões, uma vez que o direito à Saúde envolve
problemas complexos, advindos de novas demandas, atualização tecnológica,
surgimento de novas doenças, dentre outros fatores que englobam a temática.

Referências
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gional da DPE/BA e a secretaria de saúde do município de Santo Antônio de Jesus
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Sumário 560
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

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Sumário 561
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Proposta de normatização dos fluxos


operacionais e administrativos
relacionados ao fornecimento de
medicamentos por força judicial
Luciane Anita Savi1

Resumo
As políticas de saúde na área de Assistência Farmacêutica
(AF) prevêem as diferentes responsabilidades das instân-
cias gestoras quanto ao fornecimento de medicamentos no
Sistema Único de Saúde (SUS). Ao transportar essas pre-
missas para o âmbito judicial, e à luz do Tema 793 do Su-
premo Tribunal Federal, torna-se evidente a necessidade
de formalizar em Comissão Intergestores a operacionaliza-
ção dos serviços demandados judicialmente. Neste contex-
to e buscando melhor eficiência na administração pública,
a representação dos municípios na Câmara Técnica de As-
sistência Farmacêutica da Comissão Intergestores Biparti-
te (CIB) de Santa Catarina propôs uma normatização dos

1 Graduada em Farmácia - UFSC; Assessora Técnica em Assistência Farmacêutica e Farmacêutica;


Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Santa Catarina - COSEMS/SC e Secretaria Municipal
de Saúde de Florianópolis; Lattes: http://lattes.cnpq.br/7349775619118204.

Sumário 562
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

fluxos e etapas operacionais pertinentes ao cumprimento


de demandas judiciais para fornecimento de medicamen-
tos, relacionadas às ações judiciais em que Estado e Muni-
cípio figuram no polo passivo. A proposta que atualmente
se encontra sob análise da gestão estadual busca organizar
fluxos relacionados à informação, à logística de medica-
mentos e aos aspectos administrativos, operacionais e le-
gais, considerando a estrutura local. Espera-se, assim, qua-
lificar o atendimento ao cidadão e minimizar problemas
decorrentes da ausência de normatização interinstitucio-
nal, a exemplo da duplicidade de atendimento, aquisições
antieconômicas, descumprimentos e penalidades judiciais,
as quais costumam causar maior impacto nos municípios.
Também, de forma pactuada, pretende-se direcionar a lo-
gística da AF para o ente mais capacitado para cada caso e
organizar ações e serviços compatíveis com a manutenção
do equilíbrio entre os entes, à luz da legislação e dos crité-
rios constitucionais de descentralização, hierarquização e
das regras de repartição de competências; servindo tam-
bém para nortear o magistrado em suas decisões.

Palavras-chave: Judicialização; Medicamentos; Assistência


Farmacêutica; Comissão Intergestores.

Sumário 563
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Introdução
O acesso a medicamentos no Brasil é parte do direito à saúde e a sua garantia
depende, dentre outras questões, do contexto econômico, social e político.
A ampliação do acesso geralmente está associada à melhoria das condições
socioeconômicas da população, mas também à capacidade de financiamen-
to dos sistemas de saúde, à promoção do uso racional dos medicamentos,
à eficiência na gestão dos recursos e na elaboração e execução de políticas
públicas relacionadas à assistência farmacêutica (AF) (CHIEFFI; BARATA,
2009; PEPE et al., 2010; CATANHEIDE, LISBOA, SOUZA, 2016; OLIVEI-
RA; NASCIMENTO; LIMA, 2019).

O acesso a medicamentos através do Sistema Único de Saúde (SUS) de-


corre de ações articuladas e diferenciadas entre os entes da federação e
sua operacionalização é prevista na legislação. A Política Nacional de Assis-
tência Farmacêutica reconhece as responsabilidades das diferentes instân-
cias gestoras, sendo as Comissões Intergestores as instâncias de pactuação
consensual entre os entes federativos para a definição das regras da gestão
compartilhada do SUS, incluindo os aspectos operacionais, financeiros e
administrativos, bem como responsabilidades de acordo com o porte de-
mográfico e desenvolvimento econômico-financeiro de cada ente, estabe-
lecendo as responsabilidades individuais e as solidárias. A necessidade de
organização interfederativa dos serviços oferecidos pelo SUS também en-
contra amparo no art. 198 da Constituição Federal de 1988, na Lei Federal
nº 8080/1990 e no Decreto Federal nº 7508/2011, (BRASIL, 1988; BRASIL,
1990; BRASIL, 1998; BRASIL, 2004; BRASIL 2011; BRASIL, 2017a; BRA-
SIL, 2017b; BRASIL, 2017c; BRASIL, 2017d).

Além disso, a Política Nacional de Medicamentos estabelece que o modelo


de AF não deve se restringir à aquisição e à distribuição de medicamentos
e que aos gestores federal e estaduais cabe, entre outras atribuições, prestar
cooperação técnica e financeira aos municípios no desenvolvimento das suas
atividades relativas à AF (BRASIL, 1998).

Sumário 564
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Ao julgar o Recurso Extraordinário 855.178, que trata da solidariedade dos


entes federativos para o pagamento de medicamentos e tratamentos defe-
ridos por decisão judicial (Tema 793), o Supremo Tribunal Federal (STF)
fixou a seguinte tese:

“Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são so-


lidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde,
e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização,
compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as re-
gras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem
suportou o ônus financeiro”.

Aqui fica clara a relevância das regras de repartição de competências firma-


das nas Comissões Intergestores, inclusive para direcionamento dos cum-
primentos de ordens judiciais.

Segundo Bevilacqua e Santos (2019), a tese fixada pelo STF privilegia o aces-
so à Justiça e pode fomentar a judicialização da saúde ao acelerar a concessão
judicial de medicamentos; e leva a concluir que os municípios podem ficar
vulneráveis quando do descumprimento da segunda parte da tese, referente
ao ressarcimento interfederativo, haja vista a complexidade e fragilidade da
sistemática atual de reembolso intergovernamental. Portanto, percebe-se que
o ente com menor capacidade financeira e com menor potencial de gerar
economia de escala em aquisições seria o menos indicado para adquirir pro-
dutos demandados judicialmente, ainda que se vislumbre a possibilidade de
ressarcimento, que na prática se mostra morosa e complicada.

Nogueira (2019) conclui que o Tema 793 não é claro sobre qual ente fede-
rado deve compor o polo passivo e ser condenado nas prestações da saúde,
motivo pelo qual a identificação do mesmo deve ser uma preocupação dos
litigantes e dos operadores do direito, inclusive para assunção das eventuais
penalidades por descumprimento. Deduz-se, assim, que ao ente mais frágil
no polo passivo interessa a identificação do devedor da prestação.

Ventura et. al. (2010) afirma que a efetividade do direito à saúde, o que inclui
a AF, requer um conjunto de respostas políticas e ações governamentais mais

Sumário 565
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

amplas, e não meramente formais e restritas às ordens judiciais. As demandas


judiciais não podem ser consideradas como principal instrumento delibera-
tivo na gestão da AF no SUS, mas admitidas como um elemento importante
na tomada de decisão dos gestores e, muitas vezes, na melhoria do acesso aos
medicamentos no SUS.

É fato que parte dos municípios catarinenses, em sua grande maioria de pe-
queno porte, vem contribuindo com a gestão estadual no cumprimento de
ações judiciais, inclusive quando não fazem parte do polo passivo da ação,
ao assumirem a tarefa da entrega dos medicamentos adquiridos pelo Esta-
do. Para tanto, a gestão municipal tem cedido recursos humanos e estrutura
física para o armazenamento, dispensação dos medicamentos e demais ati-
vidades pertinentes. Contudo, não são raros os casos de desabastecimentos
desses medicamentos, gerando transtornos entre os autores e as farmácias
municipais, além de penalidades contra os municípios por descumprimento
de ordem judicial, uma vez que estes nem sempre possuem pactuação formal
com os demais réus sobre a divisão de responsabilidades e a operacionali-
zação do cumprimento da demanda e por isso não conseguem defender-se
judicialmente quando são penalizados.

Muitas vezes, na perspectiva dos autores das ações judiciais e do próprio


Judiciário, o ente que entrega o medicamento ao município é o causador do
descumprimento, pois a este não importa a logística envolvida na entrega
final e, sob pressão, alguns municípios acabam assumindo integralmente o
cumprimento da ação, ainda que de produtos de alto custo e não relaciona-
dos à atenção básica. Ademais, falhas na logística reversa e em remanejamen-
tos coordenados pelo ente estadual acabam gerando custos adicionais aos
municípios devido à contratação de empresas especializadas para o descarte
quando do vencimento dos medicamentos abandonados pelos autores.

Portanto, diante da fragilidade em que os municípios se colocam ao assumir


informalmente, frente aos demais réus, o fornecimento de medicamentos
“judicializados”, ainda que para facilitar o acesso para o autor, é fundamental
que haja a formalização das etapas operacionais entre esses entes em Comis-

Sumário 566
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

são Intergestores. A pactuação, além de organizar e padronizar nas diferen-


tes localidades os serviços envolvidos no cumprimento de ordens judiciais,
na eventualidade de falhas que incorram em descumprimento, facilmente
possibilitará identificar o ente competente para a busca de solução, evitando
a transferência de responsabilidades entre os entes e direcionando as penali-
dades judiciais ao responsável.

Ao considerar que as demandas judiciais estão cada vez mais presentes na ro-
tina das secretarias de saúde, fica evidente a necessidade da organização das
ações e serviços decorrentes destas demandas de forma mais célere, eficiente
e ao menor custo para a sociedade, especialmente quando o magistrado não
especifica qual ente é o responsável pelo cumprimento. Nesse contexto, a
representação dos municípios catarinenses na Câmara Técnica de Assistência
Farmacêutica (CTAF) da Comissão Intergestores Bipartite de Santa Catarina
(CIB/SC) propôs uma normatização, a ser pactuada na CIB/SC, dos fluxos e
etapas operacionais e administrativas relacionadas ao cumprimento de or-
dens judiciais para o fornecimento de medicamentos.

Desenvolvimento
Os impactos na gestão da AF provocados pela judicialização da saúde não se
restringem à entrega de medicamentos. Há características específicas desta
demanda, que vem exigindo um tipo de atuação do gestor, administrativa e
judicial, diferenciada para responder às ordens judiciais, evitar o crescimento
de novas demandas e preservar os princípios e as diretrizes do SUS. Entre os
impactos na operacionalização da AF, a agilidade necessária para o forneci-
mento de medicamentos não previstos no planejamento faz com que se crie
uma estrutura paralela nas secretarias de saúde, além de compras emergen-
ciais mais dispendiosas.

A proposta de normatização para ser aprovada através de deliberação em


CIB considerou padronizar um fluxo operacional interinstitucional entre es-
tado e municípios, por meio de suas Secretarias de Saúde, para o atendimen-

Sumário 567
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

to de ordens judiciais para o fornecimento de medicamentos em ações em


que ambos estejam no polo passivo.

Para tanto, espelhou-se nas responsabilidades interfederativas já vigentes no


âmbito administrativo da AF no SUS e sugeriu-se alguns pilares:

a) Descentralização de acordo com estrutura local: a proposta de normatização


visa oferecer a possibilidade de cada gestor municipal avaliar sua capacidade
operacional local para então formalizar o atendimento compartilhado direta-
mente com a gestão estadual.

b) Informação: entende-se que o sucesso do compartilhamento das atividades


interinstitucionais também depende de acesso à informação suficiente e co-
municação eficiente. Ao considerar o volume de informações envolvidas nos
atendimentos judiciais, é fundamental que haja um sistema informatizado
que reúna, minimamente, dados dos processos, dos atendimentos, dos com-
provantes de cumprimento e dos estoques dos produtos.

c) Logística de medicamentos: as etapas que envolvem a logística de medicamen-


tos “judicializados” foram espelhadas nas regras de execução da AF no âmbito
administrativo do SUS, as quais consideram a divisão de responsabilidades
entre os entes de forma proporcional à sua capacidade operacional.

d) Aspectos administrativos, operacionais e legais sobre o cumprimento: neste tre-


cho da proposta constam as demais etapas relacionadas à dispensação do me-
dicamento e cumprimento de ordem judicial.

A proposta de normatização foi apresentada nos seguintes termos:

Considerando (...)

RESOLVE:

Art. 1º. Aprovar a normatização, entre a Secretaria de Estado da Saúde de Santa


Catarina (SES/SC) e as Secretarias Municipais de Saúde de Santa Catarina (SMS),
dos fluxos operacionais e administrativos relacionados ao cumprimento de ordens
judiciais para o fornecimento de medicamentos, insumos e nutrição.

Sumário 568
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

§ 1º. A SMS que optar realizar o fornecimento de medicamentos relacionados ao


cumprimento de ordens judiciais em que a SES/SC figura o polo passivo das ações,
nos termos desta Deliberação, formalizará acordo diretamente com a SES/SC através
de instrumento próprio.

Capítulo I - DO SISTEMA INFORMATIZADO PARA ACOMPANHA-


MENTO DAS DEMANDAS JUDICIAIS

Art. 2°. Caberá à SES/SC disponibilizar sistema informatizado que integre SES/SC
e SMS para o gerenciamento e acompanhamento das demandas judiciais, conforme
funcionalidades expostas nesta Deliberação, e que inclua previsão, controle e rastrea-
mento dos estoques dos medicamentos.

§ 1º. Compete à SES/SC disponibilizar manual/tutorial para a utilização do sistema,


suporte técnico e capacitação aos usuários sempre que necessário.

Capítulo II - DAS PACTUAÇÕES PARA O CUMPRIMENTO DE DE-


MANDAS JUDICIAIS

Art. 3º. As pactuações interinstitucionais, entendidas como os acordos formais entre a


SES/SC e a SMS que expressam o detalhamento de como ocorrerá o cumprimento de
determinada ordem judicial, serão realizadas entre os gestores estadual e municipal
de saúde por meio de termo de pactuação.

§ 1º. As pactuações individualizadas para cada processo judicial serão realizadas nos
casos não previstos nesta Deliberação, podendo haver consensos específicos para cada
demanda, a critério dos referidos gestores.

§ 2º. O gestor de saúde poderá designar um ou mais servidores para representá-lo na


pactuação através de instrumento legal, sendo este identificado no termo de pactuação.

§ 3º. Considera-se o prazo de até 15 (quinze) dias para resposta da proposta de pac-
tuação ao gestor proponente, após o recebimento da intimação judicial.

§ 4º. O proponente da pactuação deverá redigir o termo de pactuação, respeitando


consenso prévio, e enviá-lo assinado à outra parte, a qual terá até 3 (três) dias para
também assinar o documento e devolvê-lo.

§ 5º. O termo de pactuação poderá ser apresentado nos autos, se necessário, para
identificar o ente responsável pelo cumprimento da demanda.

Sumário 569
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Capítulo III - DO ACOMPANHAMENTO DAS ORDENS JUDICIAIS E


RESPECTIVOS CUMPRIMENTOS
Art. 4º. As informações sobre os processos, cumprimentos e movimentações processuais
relevantes ao cumprimento da ordem judicial e ao planejamento da SMS que realiza
o fornecimento de medicamentos deverão ser informadas pela SES/SC a SMS através
do sistema informatizado previsto no Capítulo I desta Deliberação.

Art. 5º. As atualizações de receitas médicas, alterações de posologia, abandono ou


desistência do tratamento, óbito da parte autora, entre outros fatos relevantes para o
planejamento da SES/SC, deverão ser informados pela SMS à SES/SC através do
sistema informatizado previsto no Capítulo I desta Deliberação.

§ 1º. Configura abandono de tratamento a não retirada do medicamento e outros pro-


dutos por mais de três meses consecutivos, facultando-se ao demandado a suspensão
das respectivas aquisições, devendo, ainda, noticiar ao Juízo o respectivo abandono
(Enunciado 15 do COMESC - Comitê Estadual de Monitoramento e Resolução das
Demandas de Assistência da Saúde de Santa Catarina).

Capítulo IV - DA PROGRAMAÇÃO E AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS

Art. 6º. A programação e a aquisição de medicamentos do Componente Básico da As-


sistência Farmacêutica – CBAF vigente e outros de competência municipal pactuados
em instâncias intergestores para cumprimento de ações judiciais, independentemente
de quem sejam os réus, serão realizadas pelas SMS.

§ 1º. Caberá à SMS providenciar a inclusão do demandante no atendimento admi-


nistrativo do SUS, evitando o fornecimento em condições diferenciadas.

§ 2º. Caberá à SMS solicitar a extinção do processo judicial ou, no caso do município
não figurar no polo passivo da ação, fornecer subsídios para que a SES/SC solicite a
extinção do processo judicial.

Art. 7º. A programação e a aquisição de medicamentos do Componente Especializa-


do da Assistência Farmacêutica – CEAF vigente, insulinas, análogos de insulina e
outros medicamentos de competência estadual pactuados em instâncias intergestores
para cumprimento de ações judiciais independentemente de quem sejam os réus, serão
realizadas pela SES/SC.

§ 1º. Caberá à SES/SC providenciar a inclusão do demandante no atendimento ad-


ministrativo do SUS via CEAF, evitando o fornecimento em condições diferenciadas.

Sumário 570
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

§ 2º. Caberá à SES/SC solicitar a extinção do processo judicial ou, no caso do Estado
não figurar no polo passivo da ação, fornecer subsídios para que a SMS solicite a
extinção do processo judicial.

Art. 8º. A programação e a aquisição de medicamentos não previstos nos artigos 5º


e 6º para cumprimento de ações judiciais independentemente de quem sejam os réus,
serão realizadas pela SES/SC.

Capítulo V - DA DISTRIBUIÇÃO E TRANSPORTE DE MEDICAMENTOS

Art. 9º. O transporte dos medicamentos deverá obedecer a critérios adequados, de


modo a não afetar a identidade, qualidade, estabilidade, integridade e, quando for o
caso, a esterilidade dos produtos, conforme legislação sanitária vigente.

Art. 10º. A distribuição e o transporte dos medicamentos adquiridos pela SMS, con-
forme Capítulo IV, bem como a sua logística dentro do município, será responsabili-
dade da SMS.

Art. 11º. A distribuição e o transporte dos medicamentos adquiridos pela SES/SC,


conforme Capítulo IV, será responsabilidade da SES/SC.

§ 1º. Caberá à SES/SC transportar e descarregar os medicamentos até o endereço


indicado pela SMS;

§ 2º. Os medicamentos deverão estar acompanhados dos devidos registros e guias de


remessa explicitando o nome genérico ou Denominação Comum Brasileira (DCB),
dosagem, forma farmacêutica, apresentação e lote, além da quantidade e data de
validade de cada lote;

§ 3º. Os medicamentos e suas respectivas quantidades deverão estar acompanhados da


identificação dos seus destinatários (autor da ação);

§ 4º. Na eventualidade do estoque enviado pela SES/SC ser insuficiente para todos
os autores, a SES/SC deverá identificar os autores desatendidos, bem como informar a
previsão de reabastecimento em relatório que deverá acompanhar as guias de remessa.

§ 5º. Os medicamentos deverão ser entregues em quantitativo mínimo que permita a


dispensação para 60 dias de tratamento.

§ 6º. Quantitativos superiores à média semestral poderão ser entregues à SMS desde
que haja espaço e local adequado para o armazenamento.

Sumário 571
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

§ 7º. A SMS poderá recusar o recebimento dos medicamentos caso estejam com validade
inferior a 90 dias, em más condições de acondicionamento, quebrados, violados, com
sinais de umidade e outras características que sinalizam a inadequação do produto, de-
vendo registrar detalhadamente o motivo da recusa para [especificar o setor] da SES/SC.

§ 8º. A SMS poderá recusar medicamentos de uso e/ou aplicação hospitalar ou que
exijam ambiente apropriado para a sua manipulação (ex. alguns antineoplásicos),
cabendo à SES/SC providenciar o ambiente adequado para a administração do me-
dicamento no demandante.

Capítulo VI - DO ARMAZENAMENTO DE MEDICAMENTOS

Art. 12º. O armazenamento deve garantir a qualidade dos medicamentos desde o recebi-
mento até o fornecimento ao destinatário através de procedimentos técnicos que incluem:

I - Recebimento – ato de examinar e conferir os produtos quanto à quantidade, as


características que sinalizam sua adequação e a sua documentação, incluindo aquelas
especificadas no artigo 10º;

II - Estocagem – arrumação dos medicamentos em área definida e adequada, em


condições recomendadas pelo fabricante do produto, respeitadas suas especificidades
(termolábeis, fotossensíveis, inflamáveis etc), de forma organizada a permitir segu-
rança e agilidade na sua localização de forma inequívoca;

III - Segurança – cuidado dos produtos contra danos físicos, furtos e roubos, incluin-
do a segurança da equipe e do ambiente de trabalho;

IV - Conservação – capacidade de manter as características dos produtos durante o


período de estocagem;

V- Controle de Estoque – monitoramento da movimentação física dos produtos (en-


trada, saída e estoque);

VI - Entrega – fornecimento do produto de acordo com as necessidades do usuário,


garantindo adequadas condições de transporte, preservação da identificação e ras-
treabilidade do produto, além das exigências administrativas pertinentes.

Art. 13º. A Secretaria de Saúde responsável pelo armazenamento providenciará e


manterá a estrutura física (espaço físico, refrigeradores, climatização, móveis, com-
putadores e demais equipamentos) e os recursos humanos necessários, conforme legis-
lação sanitária vigente.

Sumário 572
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

§ 1º. O armazenamento dos medicamentos adquiridos pela SES/SC, enquanto não


enviados para a SMS, será responsabilidade da SES/SC.

§ 2º. O armazenamento dos medicamentos adquiridos pela SMS, bem como daqueles
enviados pela SES/SC, conforme Capítulo IV, será responsabilidade da SMS.

Art. 14º. Compete à SES/SC disponibilizar à SMS sistema informatizado, confor-


me previsto no Capítulo I, para previsão, controle e rastreamento dos estoques de
medicamentos.

Art. 15º. Na eventualidade de perdas de medicamentos adquiridos pela SES/SC e


armazenados pela SMS, haverá reposição pela SES/SC desde que essas perdas não
tenham ocorrido por negligência ou imprudência da SMS.

§ 1º. A comunicação sobre as perdas e a solicitação de reposição de estoque, deverá ser


realizada pela SMS a [especificar setor] da SES/SC.

Art. 16º. Na eventualidade do envio de medicamentos em quantidades e/ou especifi-


cações equivocadas pela SES/SC, a SMS deverá comunicar imediatamente a [especi-
ficar setor] da SES/SC e solicitar a correção do estoque.

Capítulo VII - DA VALIDAÇÃO DE CONTRACAUTELAS - AVALIAÇÃO


E ARQUIVAMENTO DAS RECEITAS MÉDICAS

Art. 17°. Compete à SMS verificar a legitimidade da receita médica e demais do-
cumentos pertinentes, conforme legislação sanitária, para autorizar o fornecimento
do medicamento.

§ 1º. Para receber os medicamentos e demais produtos deferidos judicialmente, a


parte autora deverá comprovar a necessidade de manutenção do tratamento através
da apresentação de prescrições médicas atualizadas na periodicidade que determina
a legislação sanitária (com destaque para a Portaria 344/98 da Anvisa, e alterações
posteriores), ou na falta desta, minimamente a cada seis meses para tratamentos con-
tínuos (Enunciado 12 do COMESC).

§ 2º. Na ausência de receita médica válida, o fornecimento do medicamento pode-


rá ser suspenso e o fato informado à SES/SC, via sistema informatizado conforme
Capítulo I, tanto para subsídio da anulação da determinação judicial como para
justificativa da permanência do estoque na SMS.

Sumário 573
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Art. 18º. Compete à SMS inserir os dados e/ou digitalizar as receitas médicas no
sistema informatizado, conforme Capítulo I.

§ 1º. A SMS não arquivará receitas médicas (via farmácia) e poderá descartá-las
após 180 dias se não retiradas pela SES/SC.

Capítulo VIII - DO FORNECIMENTO E DISPENSAÇÃO

Art. 19º. O fornecimento e dispensação de medicamentos pela SMS para cumprimen-


to de ordens judiciais ficará condicionado à plena execução das etapas previstas nos
demais Capítulos desta Deliberação, com destaque aos artigos 10º e 16º.

Art. 20º. Compete à SMS providenciar e manter os recursos humanos e a estrutura


física (espaço físico, refrigeradores, climatização, mobiliário, computadores e demais
equipamentos), conforme legislação sanitária vigente, para o serviço de farmácia en-
volvido no fornecimento e dispensação de medicamentos demandados judicialmente,
bem como ao aparato administrativo pertinente.

§ 1º. A SES/SC poderá fornecer mobiliário, equipamentos e imóveis, bem como recur-
sos humanos, para a abertura e manutenção do serviço (armazenamento, farmácia e
suporte administrativo) através de acordo direto com o município.

§ 2º. A SES/SC poderá providenciar, para uso dos municípios, atas de registro de
preços para aquisição de mobiliário e equipamentos destinados à abertura e manu-
tenção do serviço.

§ 3º. Compete à SMS estabelecer o local e o horário do serviço, conforme suas


especificidades.

Art. 21º. Caberá à SMS fornecer os medicamentos do Componente Básico da Assis-


tência Farmacêutica – CBAF vigente e outros de competência municipal pactuados
em instâncias intergestores, para cumprimento de ações judiciais independentemente
de quem sejam os réus.

§ 1º. Os medicamentos que compõem a Relação Municipal de Medicamentos - RE-


MUME ou Relação Regional de Medicamentos - REREME deverão ser disponibili-
zados conforme critérios já estabelecidos no SUS (de forma administrativa), a fim de
evitar duplicidades no fornecimento.

§ 2º. Os demandantes deverão ser orientados ao atendimento administrativo no SUS


e incluídos no serviço municipal de saúde.

Sumário 574
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

§ 3º. Caberá à SMS solicitar a extinção do processo judicial ou, no caso do município
não figurar no polo passivo da ação, fornecer subsídios para que a SES/SC solicite a
extinção do processo judicial.

Art. 22º. Após a distribuição dos estoques pela SES/SC, caberá à SMS armazenar e
fornecer os medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica
– CEAF vigente, insulinas, análogos de insulina e outros medicamentos de com-
petência estadual pactuados em instâncias intergestores para cumprimento de ações
judiciais independentemente de quem sejam os réus.

§ 1º. Caberá à SES/SC providenciar a inclusão do demandante no atendimento ad-


ministrativo do SUS via CEAF, evitando o fornecimento em condições diferenciadas.

§ 2º. Caberá à SES/SC solicitar a extinção do processo judicial ou, no caso do Estado
não figurar no polo passivo da ação, fornecer subsídios para que a SMS solicite a
extinção do processo judicial.

Art. 23º. O fornecimento dos demais medicamentos enviados pela SES/SC para cum-
primento de ações judiciais independentemente de quem sejam os réus, serão realiza-
das pela SMS.

§ 1º. A SMS não fornecerá medicamentos diretamente aos usuários, caso estes medi-
camentos sejam de uso e/ou aplicação hospitalar ou que exijam ambiente apropriado
para a sua manipulação (ex. alguns antineoplásicos).

§ 2º. No caso de recusa do medicamento pelo demandante, a SMS colherá a assi-


natura do mesmo, ou testemunhas, em termo de recusa do medicamento em que se
explicitará o motivo e data, para posterior envio à SES/SC via sistema informatizado,
conforme Capítulo I.

Capítulo IX - DOS RECIBOS E ARQUIVAMENTO

Art. 24º. Compete à SES/SC emitir os recibos de fornecimento, os quais poderão ser
gerados via sistema informatizado, conforme Capítulo I.

Art. 25º. Compete à SMS conferir a documentação do demandante e o conteúdo dos


recibos com os medicamentos fornecidos, bem como obter a assinatura do demandante
confirmando o cumprimento da ordem judicial.

§ 1º. A SMS digitalizará o recibo no sistema informatizado, conforme Capítulo I.

Sumário 575
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

§ 2º. Na inoperância do sistema informatizado, caberá a [especificar setor] SES/SC


providenciar a retirada dos recibos físicos na SMS.

§ 3º. A SMS não arquivará recibos físicos e poderá descartá-los após 180 dias se não
retiradas pela SES/SC.

Capítulo X - DA DEVOLUÇÃO E REDISTRIBUIÇÃO DE ESTOQUES


REMANESCENTES

Art. 26º. Caberá à SMS registrar cada fornecimento no sistema informatizado (Ca-
pítulo I), bem como controlar o seu estoque, de modo a permitir que a SES/SC iden-
tifique remotamente estoques remanescentes e providencie sua redistribuição, quando
necessário.

§ 1º. A SMS deverá notificar a [especificar setor] SES/SC sobre estoques abandona-
dos, sobras por motivos diversos, erros em remessas ou outras situações que demandem
o recolhimento de medicamentos.

§ 2º. A SMS deverá notificar a [especificar setor] SES/SC sobre estoques com valida-
de inferior a 90 dias para que sejam remanejados e se evite sua perda.

§ 3º. Na inoperância do sistema informatizado entre SES/SC e SMS para notifica-


ção, esta deverá ser enviada através de [sugestão da SES].

Art. 27º. Caberá à SES/SC, quando notificada, retirar os estoques remanescentes


na SMS, providenciando o transporte adequado desses medicamentos, incluindo as
embalagens necessárias.

Capítulo XI - DO DESCARTE

Art. 28º. Caberá à SMS o descarte dos medicamentos vencidos, quebrados, violados
ou inutilizados que adquiriu, bem como aqueles que não foram devidamente notifica-
dos à SES/SC, conforme Capítulo X.

Art. 29º. Caberá à SES/SC o descarte dos medicamentos vencidos, quebrados, vio-
lados ou inutilizados que adquiriu, bem como aqueles devidamente notificados pelas
SMS, conforme Capítulo X.

Art. 30º. Caberá à SES/SC o descarte dos medicamentos que enviar à SMS com
validade inferior a 90 dias.

Sumário 576
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

§ 1º. A SES/SC poderá utilizar-se de mecanismos com os seus fornecedores para evi-
tar perdas por vencimento, a exemplo das cartas de comprometimento de troca.

Capítulo XII – DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 31º. As regionais de saúde serão referências para apoio logístico e técnico para a
execução das atividades previstas nesta Deliberação.

Conclusão
Esta proposta construída pelos técnicos municipais foi apresentada à Câmara
Técnica de Assistência Farmacêutica da CIB/SC e encontra-se sob análise da
gestão estadual, aguardando acatamento ou contraproposta (CIB/SC, 2019).

A fragilidade da organização operacional e administrativa para o cumpri-


mento de demandas judiciais e ausência da formalização das responsabilida-
des individuais dos entes em Comissão Intergestores, ainda que estes entes
componham o polo passivo das ações judiciais, tem se mostrado desfavorável
aos municípios, pois estes apresentam maior dificuldade em contar com equi-
pe técnica e jurídica com conhecimento especializado para lidar com os as-
pectos intrínsecos à judicialização, bem como em cumprir demandas judiciais
que envolvem aquisições de maior complexidade ou dispêndio financeiro.

A ausência do reconhecimento intergestores das atribuições individuais, rela-


cionadas principalmente a qual ente compete a aquisição e a distribuição dos
medicamentos, também tem desmotivado alguns municípios de maior porte
e com maior número de ações judiciais a assumir a entrega de medicamentos,
enquanto etapa de cumprimento de ordem judicial, inclusive porque essa
tarefa se somaria às obrigações que o município já possui em relação às ações
em que é réu único.

Importante esclarecer que a proposta de deliberação bipartite alcançaria as


ações em que o município e o estado são condenados solidariamente, uma

Sumário 577
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

vez que se pretende o cumprimento conforme a repartição de competências


legalmente reconhecida no âmbito da CIB.

Nesse sentido, através da proposta de normatização interinstitucional dos


fluxos operacionais a ser aprovada em CIB, os municípios catarinenses de-
monstram interesse em qualificar os atendimentos para fornecimento de me-
dicamentos demandados judicialmente para que sejam realizados de forma
mais eficiente e ao menor custo para a sociedade, ao se buscarem a organiza-
ção e a formalização das atribuições entre os entes, tomando como exemplo
as políticas de saúde já vigentes no âmbito administrativo da assistência far-
macêutica no SUS.

Referências
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 855.178. Recurso


extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 2º e 198 da Constituição Federal,
a existência, ou não, de responsabilidade solidária entre os entes federados pela
promoção dos atos necessários à concretização do direito à saúde, tais como o forne-
cimento de medicamentos e o custeio de tratamento médico adequado aos necessita-
dos. Recorrente: União Federal. Recorrido: Maria Augusta da Cruz Santos. Relator:

Sumário 579
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

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Sumário 580
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Estudo da viabilidade de implantação


de protocolo municipal de dispensação
de fórmulas e módulos nutricionais no
município de Campinas – SP
Maria Camila Abramides Prada1
Stefane Cristina Paixão Oliveira2

Resumo
As demandas judiciais para solicitações de fórmulas e mó-
dulos nutricionais industrializados contra os entes públi-
cos no Brasil cresceram exponencialmente, constituindo-
se como um novo desafio para gestores do Sistema Único
de Saúde. Sem o acesso na própria unidade de saúde, o
município é acionado por parte destes pacientes por meio
de demandas judiciais. No entanto, outros pacientes aca-
bam ficando sem o acesso às formulações ou dependem de
custeio próprio. O estudo focou na viabilidade de implan-
tação de um Programa Municipal de Dietas e Suplementos

1 Graduada em Nutrição - PUCCAMP; Gestora Pública; Coordenação de Convênios de Ensino e


Serviço no Departamento de Gestão e Desenvolvimento Organizacional; Secretaria Municipal de Saú-
de de Campinas; Lattes: http://lattes.cnpq.br/8765020873294227.
2 Graduada em Farmácia - UNIPAC; Gestora Pública na Coordenação de Convênios da Assistência
Hospitalar no Departamento de Gestão e Desenvolvimento Organizacional; Secretaria Municipal de
Saúde de Campinas; Lattes: http://lattes.cnpq.br/5267211327604644.

Sumário 581
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Nutricionais em Campinas - SP, para atendimento aos por-


tadores de necessidades alimentares especiais, visando o
fortalecimento da rede de cuidados, a ampliação do acesso
e a economicidade do orçamento público. Realizou-se o
levantamento das necessidades do município nas unidades
de saúde próprias decorrentes de judicialização em 2020.
Padronizaram-se as unidades de medidas das fórmulas e
módulos nutricionais. Em seguida, foi estimada a econo-
micidade a partir da comparação dos custos de aquisições
do Almoxarifado da Saúde (sub judice) e da Rede Munici-
pal Dr. Mário Gatti (licitação - registro de preço); 388 pa-
cientes dependem de quatorze fórmulas nutricionais para
se alimentar (302 adultos e 86 crianças). O fornecimento
de fórmulas nutricionais por marcas e de forma não pa-
dronizada por via judicial resultou num custo aproximado
de 872 mil reais ao município, sendo que 17,1% poderiam
ter sido economizados por aquisição por registro de preço.
A implantação de um Protocolo Municipal pode favorecer
a economicidade, a efetividade, a equidade do acesso, bem
como uma maior humanização do cuidado.

Palavras-chave: Judicialização do acesso à Saúde, Terapia


Nutricional, Nutrição Enteral, Suplementos Nutricionais.

Sumário 582
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Introdução
A Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1946 definiu a saúde como um
estado completo de bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência
de doença ou enfermidade. Em sentido amplo e contemporâneo, saúde é,
sobretudo, uma questão de cidadania e de justiça social. Ela transpõe o mero
estado biológico ao incorporar a concepção de que o estado de saúde também
é determinado pelas condições de vida e de trabalho dos indivíduos, pela
conjuntura social, econômica, política e cultural de determinado país, por
aspectos legais e institucionais relativos à organização dos sistemas de saúde
e do nível de acesso dos usuários aos serviços como educação, saúde, servi-
ços sociais, transportes e lazer. Dentre os determinantes de saúde de maior
impacto na saúde da população estão os econômicos e sociais, uma vez que
pobreza, exclusão social, baixa renda, por exemplo, pode não favorecer um
estilo de vida que permita a escolha e manutenção de alimentação adequada
e saudável para cada etapa da vida.

Desde a publicação da Constituição Federal de 1988 e da Lei Orgânica da


Saúde em 1990, observam-se avanços nas políticas e ações públicas de saúde
como direito fundamental e dever do Estado. Neste sentido, a Política Nacio-
nal de Alimentação e Nutrição (PNAN) e o Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (SISAN) preveem em suas diretrizes e objetivos a ga-
rantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) aos portadores
de necessidades alimentares especiais. Também destacam o dever dos gesto-
res do Sistema Único de Saúde (SUS) nas esferas Federal, Estadual, Distrital
e Municipal, de promover sua implementação por meio da viabilização de
parcerias e da necessária articulação interinstitucional.

As fórmulas nutricionais são definidas pela Agência Nacional de Vigilância


Sanitária (Anvisa) como alimento para fins especiais, industrializado, apto
para uso por sonda e, opcionalmente, por via oral, consumido somente sob
orientação médica ou de nutricionista, especialmente processado ou elabo-
rado para ser utilizado de forma exclusiva ou complementar na alimentação

Sumário 583
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

de pacientes com capacidade limitada de ingerir, digerir, absorver ou meta-


bolizar alimentos convencionais ou de pacientes que possuem necessidades
nutricionais específicas determinadas por sua condição clínica.

A Portaria de Consolidação MS/GM nº 02/2017, item 4,1, (Anexo 1 do Anexo


III) vai além e traz a atenção nutricional como parte do cuidado integral ao
usuário na Rede de Atenção à Saúde (RAS) e a Atenção Básica como coor-
denadora do cuidado e ordenadora da Rede. Para a garantia da prática da
atenção nutricional no âmbito da Atenção Básica no Sistema Único de Saúde
(SUS) deve-se abranger o cuidado aos indivíduos portadores de necessidades
alimentares especiais que se alimentam por via oral ou por uma via alternati-
va, como sonda nasoentérica, nasogástrica e gastrostomia.

Atualmente, não há financiamento específico para as fórmulas nutricio-


nais no SUS, com exceção no ambiente hospitalar com custeio dentro da
Autorização de Internação Hospitalar (AIH) e para os casos das fórmulas
destinadas aos indivíduos com fenilcetonúria. Mesmo sem o financiamen-
to, algumas unidades da Federação e alguns municípios implantaram uma
rede assistencial para o acompanhamento de indivíduos com necessidades
alimentares especiais, com protocolos de fluxos e diretrizes clínicas, facili-
tando o acesso às fórmulas nutricionais industrializadas no âmbito do siste-
ma público de saúde.

As demandas judiciais relacionadas à saúde contra os entes públicos no Bra-


sil, incluindo solicitações de fórmulas e módulos nutricionais, cresceram ex-
ponencialmente nos últimos anos, constituindo-se como um novo desafio
para gestores do SUS. No que se refere a tais solicitações, nota-se que elas se
justificam pelo papel do SUS no cuidado nutricional daqueles com necessi-
dades alimentares específicas e pelo alto custo do que é requerido, que torna
sua compra impraticável para a maioria das famílias brasileiras.

Em Campinas, o terceiro maior município paulista, com 1.213.792 milhões de


habitantes, atualmente a aquisição e distribuição das fórmulas enterais aos mu-
nícipes vem sendo realizada, em parte, pela Secretaria Estadual de Saúde pela

Sumário 584
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Divisão Regional de Saúde (DRS-7), que possibilita o atendimento de algumas


especificidades nutricionais a pacientes que se alimentam por sonda, através de
protocolos administrativos definidos. Na indisponibilidade ou indeferimento da
solicitação da prescrição nutricional por qualquer motivo, vários usuários acio-
nam a Justiça para acessá-la, seja pelo Estado, seja pelo município.

De acordo com a estrutura federativa do SUS, aos municípios foram atribuí-


das ações em saúde de baixa ou média complexidade, pois em geral possuem
orçamento mais restrito e estrutura menos desenvolvida quando comparados
aos Estados e à União, que são responsáveis por ações de alta complexidade.
No entanto, estudos observam que, devido à proximidade da população so-
licitante ao governo municipal, este nível de governo é o mais acionado, sem
que sejam observadas as competências de cada esfera para cumprimento das
Políticas Públicas de Saúde.

Estudos apontam para os seguintes impactos da judicialização na saúde: a


criação de um acesso desigual ao SUS, favorecendo sobremaneira aqueles
que acionam o Judiciário; um desequilíbrio na distribuição de competên-
cias dentro do Sistema, que potencialmente sobrecarrega o município; e a
dificuldade para o planejamento e a gestão do orçamento público, dada a
imprevisibilidade do gasto imposto pelas ações judiciais, que descaracteriza
as bases teóricas e conceituais amplamente discutidas sobre o acesso ao SUS.
Avaliação econômica com coleta de dados de ações judiciais, na região de
Barbalha - CE, Brasil, no período de 2013 a 2018, também constatou que
o custo de aquisição dos itens demandados não incorporados pelo SUS é
mais elevado.

Nesse contexto, o Estado precisa acautelar-se do acionamento do usuário, via


sistema judicial com efetividade e economicidade sem deixar de assistir ao
usuário, a partir de políticas públicas de saúde específicas.

Do ponto de vista clínico, essa via de acesso ao sistema gera atraso no início
do tratamento do paciente ao compreender que a Terapia Nutricional En-
teral Domiciliar (TNED) tem o objetivo de fornecer a quantidade necessária

Sumário 585
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

de nutrientes para o funcionamento do organismo e visa ainda manter ou


recuperar o bom estado nutricional. Além disso, a TNED permite a proxi-
midade do paciente com seus familiares, a redução do risco de complicações
clínicas e contaminação hospitalar e reduz a morbimortalidade, promovendo
menor tempo e gasto com hospitalização. Outra vantagem da TNED é poder
ser realizada com fórmulas industrializadas, cujo benefício está na sua com-
posição nutricional, osmolaridade, estabilidade adequada e segurança micro-
biológica testadas pela indústria.

O presente estudo avaliou a viabilidade de implantação de um protocolo mu-


nicipal de dietas enterais e suplementos nutricionais de modo a disponibilizar
os produtos necessários para garantir a segurança alimentar e nutricional dos
pacientes do município de Campinas - SP, melhorar a saúde e qualidade de
vida dos mesmos e assegurar o uso racional dos recursos públicos.

Metodologia
Realizou-se o levantamento acerca dos tipos de fórmulas e módulos nutri-
cionais prescritos aos seus usuários com seus respectivos quantitativos, bem
como o número de pacientes em uso das fórmulas nutricionais em 8 servi-
ços de saúde da rede municipal sendo: 4 Distritos de Saúde de Campinas, 2
Centros de Referência (Centro de Referência do Idoso, Centro de Referência
em Reabilitação), 2 ambulatórios de especialidades (Ambulatório de crianças
prematuras e de alto risco - Ambulatório Fênix - e Ambulatório de crianças
de 0 a 16 anos egressos do eixo UTI e enfermaria pediátrica do HMMG por-
tadores de múltiplos dispositivos como sondas, traqueostomia, gastrostomia,
derivações, oxigênio suplementar e/ou BiPAP - Bilevel Positive Pressure Airway
- Ambulatório Andorinhas - por meio de ofício encaminhado pelo Sistema
Eletrônico SEI utilizado pela Prefeitura Municipal de Campinas.

O levantamento dos dados foi realizado de outubro de 2020 a março de


2021, tempo entre a solicitação e o recebimento das respostas e são referen-
tes ao ano de 2020.

Sumário 586
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Solicitaram-se ao Almoxarifado da Saúde do município os dados acerca do


tipo de fórmulas e módulos nutricionais fornecidos em 2020 pela Farmá-
cia Sub Judice, adquiridos por licitação nas modalidades Compra Direta ou
AMIL, com seus respectivos preços, e ao Hospital Municipal Dr. Mário Gatti,
unidade que pertence à Rede Mário Gatti de Urgência, Emergência e Hos-
pitalar (RMMG), o preço praticado em processo de licitação regular da Ins-
tituição na modalidade Pregão Eletrônico do tipo Registro de Preço (PERP)
das fórmulas identificadas como necessárias frente ao levantamento anterior-
mente realizado.

Diante dos dados apresentados efetuou-se um compilado das informações


com a padronização dos descritivos das dietas enterais e suplementos nutri-
cionais, enquadrando cada solicitação de acordo com o descritivo técnico e
a conversão das unidades de medidas de número de lata (grama) ou frasco
(ml /L) para Kcal total para as fórmulas nutricionais e peso por grama para
os módulos nutricionais.

A partir da padronização destas unidades, estimou-se a quantidade necessária


para atender a demanda do município em um ano, que é composta pela soma
das necessidades apresentadas pela Rede Municipal (baseado no número de
pacientes indicados pelos Distritos de Saúde, Centros de Referência e Ambula-
tórios de Especialidades da RMMG) e as dispensações realizadas pela Farmácia
Sub Judice. Feito isso, realizou-se a comparação dos valores estimados, tanto
quando comprados por via judicial, quanto quando adquiridos por processo
licitatório regular, para os itens dos quais possuíamos ambos os preços.

Desenvolvimento
A contagem demonstrou que os serviços possuem 388 pacientes dependendo
de fórmulas nutricionais para se alimentar, sendo 302 adultos e 86 crianças.

O número de pacientes adultos atendidos pelos serviços de saúde consulta-


dos pode ser conferido na Tabela 1 e o de pacientes pediátricos, na Tabela 2.

Sumário 587
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Tabela 1: Número de pacientes adultos em uso de fórmulas nutricionais


por serviço de saúde consultado.

Serviço Nº de pacientes em TNE

SAD Sul 82

SAD Sudoeste 64

SAD Norte/ Leste 69

SAD Noroeste 34

Centro de Referência do Idoso 53

Total 302

Tabela 2: Número de pacientes pediátricos em uso de fórmulas nutricionais


por serviço de saúde consultado.

Serviço Nº de pacientes em TNE

SAD Sul 09

SAD Sudoeste 16

SAD Norte/ Leste 14

SAD Noroeste 6

Fênix 5

Andorinhas 36

Total 86

Da reunião dos dados das unidades de saúde percebeu-se a falta de padro-


nização na maneira em que os serviços realizam suas prescrições e registram
seus dados. Houve diferença na maneira de descrever as fórmulas nutricio-
nais e padronizar as quantidades como frascos ou latas, mililitros ou gramas.
Diante das divergências, foi realizada a padronização dos descritivos das fór-
mulas e módulos nutricionais e as unidades de medida foram padronizadas
como calorias (Kcal) no caso de fórmulas e gramas (g) no caso dos módu-
los nutricionais, garantindo uma efetiva comparação dos valores praticados
quando da aquisição das fórmulas nutricionais por meio de ação judicial ou

Sumário 588
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

registro de preço. O mesmo foi realizado com os produtos apresentados pelo


Almoxarifado da Saúde e pela RMMG. Da análise das fórmulas apresentadas
percebeu-se a necessidade de padronização de 11 fórmulas nutricionais (Ta-
bela 3A) e 02 módulos nutricionais e 01 espessante (Tabela 3B).

Posteriormente, as necessidades de todo o município e os demais dados apre-


sentados foram devidamente tabulados na “Tabela 3A: Padronização das Fór-
mulas Nutricionais para o município de Campinas e comparativo de valores
de aquisição de acordo com a modalidade – preço por Kcal” e na “Tabela
3B: Padronização das Fórmulas Nutricionais para o Município de Campinas
e comparativo de valores de aquisição de acordo com a modalidade – preço
por grama (g), com a respectiva necessidade anual apontada pelos serviços de
saúde e a cobertura anual executada via atendimento a demandas judiciais”.
Também está exposto o valor por Kcal ou grama executado pelo Almoxarifa-
do da Saúde e pela RMMG.

Observa-se que a cobertura atual em fórmulas nutricionais é de 23.702.264


Kcal/ano, que corresponde a 17,7% da necessidade total apontada pelos
serviços de saúde. Obteve-se o mesmo percentual de cobertura para os mó-
dulos nutricionais.

Tabela 3A: Padronização das Fórmulas Nutricionais para o município de Campinas


e comparativo de valores de aquisição de acordo com a modalidade – preço por Kcal

Valor
Necessidades Necessidades Valor
aquisição
apontadas pelos apontadas pelos aquisição
ITEM Nº de pacientes em TNE Registro
serviços de saúde serviços de saúde sub judice
de Preço
(Kcal)/ ano (Kcal)/ ano R$/Kcal
R$/Kcal

Dieta oral/enteral nutricionalmente


completa e balanceada, em pó ou
líquida, sem fibras, isenta de sacarose e
glúten, com proteína de soja, normo-
calórica (1,0 a 1,2 Kcal/ml), normo-
1 121.996.800 121.996.800 0,01557 0,01233
protéica (em torno de 15% do VET),
contendo carboidratos entre 20 e 65% e
lipídeos entre 24 e 35%. Deve atender
100% das IDR em, no máximo, 1800
ml. Embalagem: pote ou lata de 800 g.

Sumário 589
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Valor
Necessidades Necessidades Valor
aquisição
apontadas pelos apontadas pelos aquisição
ITEM Nº de pacientes em TNE Registro
serviços de saúde serviços de saúde sub judice
de Preço
(Kcal)/ ano (Kcal)/ ano R$/Kcal
R$/Kcal

Dieta oral/enteral nutricionalmente


completa e balanceada, em pó ou
líquida, com fibras, isenta de sacarose
e glúten, com proteína de soja, normo-
calórica (1,0 a 1,2 Kcal/ml), normo-
2 4.560.000 4.560.000 0,01519 -
protéica (em torno de 15% do VET),
contendo carboidratos entre 20 e 65% e
lipídeos entre 24 e 35%. Deve atender
100% das IDR em, no máximo, 1800
ml. Embalagem: pote ou lata de 800 g.

Dieta enteral, nutricionalmente comple-


ta, líquida isenta de sacarose, lactose e
glúten, hipercalórica (1,5 Kcal/ml), com
3 no mínimo 16% de proteína acrescido 41.040 41.040 0,01653 0,01333
de fibras solúveis e insolúveis (mínimo 8
g/l) e TCM como uma das fontes lipídi-
cas. Embalagem: Frasco de 1 litro

Dieta enteral/oral infantil de lactentes e


crianças de 0 a 36 meses, em pós, poli-
mérica, nutricionalmente completa, para
nutrição oral e/ou enteral, com 1Kcal/ml,
com adição de LCPufas, nucleotídios e
prebióticos GOS/FOS. Isenta de sacarose
4 e glúten, com 10,5% de proteínas (60% 1.290.000 1.290.000 - 0,03491
soro do leite e 40% caseína), 40,4% de
carboidratos (54% lactose e 46% de mal-
todextrina) e 49,1% de lipídeos (óleos
vegetais: canola, palma, coco, girassol
e óleo de peixe e mortirella alpina).
Embalagem: Lata de 400 g

Dieta enteral para crianças de 1 a


6 anos de idade, nutricionalmente
5 completa, hipercalórica. Baixa osmo- 154.800 154.800 0,05715 0,08666
laridade. Isenta de sacarose e lactose.
Embalagem: Frascos de 200 ml.

Dieta enteral e oral especialmente


desenvolvida para crianças a partir
dos 3 anos de idade, nutricionalmente
completa, em pó, normocalórica e nor-
6 4.365.600 4.365.600 0,02223 0,01458
moprotéica, sem fibras com proteína
a partir de 9% do VET, carboidratos
entre 44 e 60% do VET entre 55 e 44.
Embalagem: frascos de 200 ml.

Sumário 590
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Valor
Necessidades Necessidades Valor
aquisição
apontadas pelos apontadas pelos aquisição
ITEM Nº de pacientes em TNE Registro
serviços de saúde serviços de saúde sub judice
de Preço
(Kcal)/ ano (Kcal)/ ano R$/Kcal
R$/Kcal

Dieta oral/enteral em pó para


crianças de 01 a 10 anos de idade,
com disfunção gastrointestinal, com
no mínio 12% de proteínas (100%
proteína do soro do leite hidrolisada),
7 388.800 388.800 0,02460 0,08390
no máximo 50% de carboidratos e até
35% de lipídeos. Osmolaridade de,
no máximo 350 MOSM/Kg de água.
Isenta de lactose e glúten. Embalagem:
lata de 400 g.

Fórmula enteral/oral infantil para


lactentes e crianças de primeira
infância com alergia a múltiplos
alimentos ou distúrbios da digestão
e absorção de nutrientes, constituída
8 43.200 43.200 0,07639 0,04801
por 100 de aminoácidos livres,
isenta de proteína láctea, lactose,
galactose, frutose, sacarose e glúten,
nutricionalmente completa, em pó.
Embalagem: latas de 400 g.

Dieta oral/ enteral em pó,


nutricionalmente completa para
pacientes com necessidades de ação
anti-inflamatória e reparação da
mucosa intestinal, normocalórica,
9 0 0 0,15072 -
normoprotéica e hiperlipídica, com
alto teor de cloreto, zinco, molibdênio
e vitaminas A, D, E, C e B6, indicada
para pacientes que necessitam de uma
nutrição com TGFβ-2.

Fórmula infantil de partida para


crianças de 0 a 6 meses adicionada de
10 518.400 518.400 0,05761 0,00634
prebióticos. Embalagem; Latas de 400
ou 800 gramas.

Fórmula infantil para lactentes e de


segmento para lactentes e crianças
de primeira infância destinada às
11 necessidades dietoterápicas específicas 518.400 518.400 - 0,02885
com proteína láctea extensamente
hidrolisada e com restrição de lactose
com DHA, ARA e Nucleotídeos.

TOTAL 133.877.040 133.877.040

Sumário 591
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Tabela 3B: Padronização das Fórmulas Nutricionais para o município de Campinas e


comparativo de valores de aquisição de acordo com a modalidade – preço por grama (g)

Necessidade Cobertura Valor Valor


anual apontadas calórica anual aquisição aquisição
ITEM DESCRITIVO TÉCNICO
pelos serviços por aquisições sub judice Registro de
de saúde sub judice R$/g Preço R$/g

Módulo de proteína, sendo 100% de


proteína do soro do leite, sem sabor.
1 21.600 0 - 0,01500
Embalagem: Potes de 250 a 300
gramas.

Módulo de fibras solúveis contendo


60% de Goma Guar parcialmente
2 40.320 14.400 0,1658 0,04300
hidrolisada e 40% de inulina, sem
sabor. Embalagem: Lata 260 g

Espessante instantâneo em pó, à base


de gomas, isento de sabor, lactose,
3 sacarose e glúten específico para 20.400 0 - 0,14590
pessoas com disfagia. Embalagem:
latas de 125 a 500 gramas

TOTAL 82.320 14.400

Após a padronização das necessidades do município para um ano e dos valo-


res praticados, para fins de comparação, foram excluídos 5 (cinco) itens que
não foram adquiridos nas duas modalidades e 1 (um) item que foi adquirido
em embalagem do tipo sistema fechado, que tem uso exclusivo hospitalar.
Os dados podem ser conferidos nas Tabelas “4A: Comparativo dos preços
praticados quando da aquisição por via judicial e da aquisição por Registo
de Preço, na modalidade Pregão Presencial Eletrônico, para atendimento da
necessidade anual do município de fórmulas nutricionais” e na “4B: Compa-
rativo dos preços praticados quando da aquisição por via judicial e da aquisi-
ção por Registo de Preço, na modalidade Pregão Presencial/Eletrônico, para
atendimento da necessidade anual do município de módulos nutricionais”.
Ao comparar os valores praticados, constatou-se que as compras realizadas
por licitação Pregão Eletrônico do tipo Registro de Preço (PERP) foram 17,1%
mais baratas, ganho obtido não apenas pelo menor valor, mas também por
economia de escala. Há de se considerar que os custos a mais da judicialização
não se limitam apenas ao preço do item adquirido, mas a todo custo envolvido

Sumário 592
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

na efetivação dos direitos individuais, tanto do Poder Executivo quanto do


Judiciário, estes não mensurados no presente trabalho.

Tabela 4A: Comparativo dos preços praticados quando da aquisição por via judicial
e da aquisição por Registo de Preço, na modalidade Pregão Presencial Eletrônico, para
atendimento da necessidade anual do município de fórmulas nutricionais.

Necessidade anual Cobertura


apontadas pelos calórica anual SUB JUDICE REGISTRO DE
DESCRITIVO TÉCNICO
serviços de saúde / aquisições sub (R$) PREÇO (R$)
(Kcal) judice (Kcal)

Dieta oral/enteral nutricionalmente


completa e balanceada, em pó ou
líquida, sem fibras, isenta de sacarose
e glúten, com proteína de soja, normo-
calórica (1,0 a 1,2 Kcal/ml), normo- R$ R$
121.996.800 3.566.480
protéica (em torno de 15% do VET), 1.955.577,64 1.548.613,79
contendo carboidratos entre 20 e 65%
e lipídeos entre 24 e 35%. Deve atender
100% das IDR em, no máximo, 1800
ml. Embalagem: pote ou lata de 800 g.

Dieta enteral, nutricionalmente


completa, líquida isenta de sacarose,
lactose e glúten, hipercalórica (1,5 Kcal/
ml), com no mínimo 16% de proteína R$ R$
41.040 7.155.000
acrescido de fibras solúveis e insolúveis 118.916,79 95.923,21
(mínimo 8 g/l) e TCM como uma das
fontes lipídicas. Embalagem: Frasco
de 1 litro

Dieta enteral para crianças de 1 a


6 anos de idade, nutricionalmente
completa, hipercalórica, enriquecida
com o exclusivo mix de carotenoides e R$ R$
154.800 2.743.600
com o exclusivo MF6, mix com 50% de 165.631,58 251.175,34
fibras solúveis e 50% insolúveis. Baixa
osmolaridade. Isenta de sacarose e
lactose. Embalagem: Frascos de 200 ml.

Dieta enteral e oral especialmente


desenvolvida para crianças a partir
dos 3 anos de idade, nutricionalmente
completa, em pó, normocalórica e nor- R$ R$
4.365.600 455.400
moprotéica, sem fibras com proteína 107.171,97 70.290,18
a partir de 9% do VET, carboidratos
entre 44 e 60% do VET entre 55 e 44.
Embalagem: frascos de 200 ml.

Sumário 593
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Necessidade anual Cobertura


apontadas pelos calórica anual SUB JUDICE REGISTRO DE
DESCRITIVO TÉCNICO
serviços de saúde / aquisições sub (R$) PREÇO (R$)
(Kcal) judice (Kcal)

Dieta enteral em pós para crianças de


01 a 10 anos de idade, com disfunção
gastrointestinal, com no mínio 12%
de proteínas (100% proteína do soro
R$ R$
do leite hidrolisada), no máximo 50% 388.800 722.500
27.338,27 93.238,07
de carboidratos e até 35% de lipídeos.
Osmolaridade de, no máximo 350
MOSM/Kg de água. Isenta de lactose e
glúten. Embalagem: lata de 400 g.

Fórmula enteral/oral infantil para lac-


tentes e crianças de primeira infância
com alergia a múltiplos alimentos ou
distúrbios da digestão e absorção de
R$ R$
nutrientes, constituída por 100 de ami- 43.200 2.691.332
208.883,69 131.284,88
noácidos livres, isenta de proteína lác-
tea, lactose, galactose, frutose, sacarose
e glúten, nutricionalmente completa,
em pó. Embalagem: latas de 400 g.

Fórmula infantil de partida para


crianças de 0 a 6 meses adicionada de R$ R$
518.400 511.632
prebióticos. Embalagem; Latas de 400 59.345,25 6.530,40
ou 800 gramas.

R$ R$
TOTAL 127.508.640 17.845.944
2.642.865,21 2.197.055,88

Tabela 4B: Comparativo dos preços praticados quando da aquisição por via judicial
e da aquisição por Registo de Preço, na modalidade Pregão Presencial / Eletrônico, para
atendimento da necessidade anual do município de módulos nutricionais.

Necessidade Cobertura
anual apontadas calórica anual SUB JUDICE REGISTRO DE
DESCRITIVO TÉCNICO
pelos serviços de / aquisições sub (R$) PREÇO (R$)
saúde (g) judice (g)

Módulo de fibras solúveis contendo


60% de Goma Guar parcialmente R$ R$
40.320 14.400
hidrolisada e 40% de inulina, sem 9.072,58 2.352,96
sabor. Embalagem: Lata 260 g

TOTAL 40.320 14.400 R$ 9.072,58 R$ 2.352,96

Sumário 594
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Ainda, segundo os dados coletados no Almoxarifado da Saúde, a Farmácia


Sub Judice apontou que no ano de 2020 atendeu a 68 pacientes que aciona-
ram a Prefeitura Municipal de Campinas mediante processos judiciais, sendo
que 33 eram de pacientes do SUS e 35 eram pacientes de serviços particula-
res. Esse atendimento custou R$ 872.342,85 reais aos cofres públicos.

Os produtos determinados por mandado judicial são adquiridos conforme


a prescrição médica, em que, na maioria dos casos, consta o nome comer-
cial da fórmula nutricional, não permitindo uma efetiva concorrência entre
os diversos fabricantes ou fornecedores. Também ocorre o fato de que o
paciente/usuário recebe uma prescrição para uso contínuo de fórmulas ou
módulos nutricionais e acaba interrompendo o tratamento por conta pró-
pria ou por nova alternativa terapêutica, e até mesmo óbito, sem comunica-
ção ao ente público, trazendo prejuízos à municipalidade, pois este produto
não pode ser redirecionado para ação judicial de outro indivíduo e, quando
não há possibilidade de devolução para o fornecedor, precisa ser doado,
para que não seja perdido. Ainda, segundo o Almoxarifado da Saúde, são
recebidas prescrições incompletas, o que dificulta a compra e, em alguns
casos, induz ao erro, tendo a compra de ser refeita.

Há ainda que se considerar que estudos demonstram que o mero forneci-


mento de fórmulas e módulos nutricionais por meio de mandados judiciais
pode incorrer em resultados não efetivos, visto que os usuários não rece-
bem orientação de como diluir e administrar os produtos. Por outro lado,
a terapia nutricional realizada em domicílio acompanhada por uma equipe
especializada que conhece as dificuldades de renutrir um indivíduo desnu-
trido e a realidade do seu paciente traz ganhos em vários aspectos, como
melhor inserção do indivíduo na sociedade, maior rapidez no retorno ao
trabalho, menores taxas de internação e reinternação hospitalar, diminui-
ção dos custos com repetidas internações, menores custos durante o novo
internamento e, na oncologia, favorece um adequado tratamento quimiote-
rápico, uma vez que evita a suspensão do tratamento pelo comprometimen-
to do estado de desnutrição.

Sumário 595
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

A judicialização ainda prejudica a assistência ao usuário devido ao tempo


prolongado de tramitação do processo. Sendo o tempo de início do trata-
mento essencial no alcance dos resultados citados acima, o trabalho desenvol-
vido na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) constatou que
a variação do tempo de tramitação da distribuição do processo foi de 0 dias
a mais de 365 dias. Este tempo prolongado de tramitação do processo até o
acesso do paciente ao item requerido demonstra que, apesar de as demandas
judiciais viabilizarem o acesso do usuário às fórmulas nutricionais, o direito à
saúde não tem sido garantido.

Conclusão
Os resultados do presente estudo permitiram verificar que a cobertura da
necessidade da população, quando comparada com as quantidades de fór-
mula adquiridas sub judice, é de apenas 15% e que os valores dos produtos
representam uma diferença de 17,1% entre uma modalidade ou outra.

A implementação de um Programa Municipal de Dispensação de Fórmulas


e Módulos Nutricionais se justifica, pois possibilita a ampliação do acesso dos
usuários ao tratamento de maneira precoce e com resultados mais efetivos,
maior agilidade no processo de aquisição e dispensação, pois estes serão vin-
culados e gerenciados pela rede municipal de saúde, de forma planejada,
com fluxos e formulários padronizados e, com isso, esperam-se efeitos posi-
tivos na Atenção Secundária e Terciária, a partir da diminuição no número e
dias de internações por desnutrição, além de favorecer a equidade ao acesso
e humanização do cuidado.

Referências
OPAS/ OMS BRASIL - Organização Pan-Americana da Saúde /Organização Mundial
da Saúde (OMS) Brasil. Desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde para as
Américas. OPAS/OMS apoia governos no objetivo de fortalecer e promover a saúde
mental da população. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php. Acesso
em: 18 mar. 2021.

Sumário 596
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

SCLIAR, M. História do conceito de saúde. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio


de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 29-41, 2007.

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Sumário 599
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Práticas abusivas e fraudes em


demandas judiciais de medicamentos:
estratégias para sua identificação
e minimização1
Vera Lúcia Edais Pepe2
Olga de Castro Martins3

Resumo
O crescimento das demandas judiciais é uma realidade
em Estados e Municípios do Brasil, com variação de suas
principais características de acordo com a realidade lo-
cal. Medicamentos mantêm-se como os principais bens de
saúde demandados, por vezes sem fazer parte da Relação
de Medicamentos Essenciais, com concentração em gru-
pos terapêuticos de alto custo, com predomínio de repre-
sentação de advogados privados e de poucos prescritores
concentrando as demandas judiciais. Demandas judiciais
de alguns medicamentos estiveram relacionadas a práticas

1 Este trabalho foi parcialmente financiado pelo TED 149/2019 Fiocruz/MS.


2 Doutora em Medicina - USP, Pesquisadora; Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz
(ENSP/Fiocruz); Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4760974J7.
3 Mestranda em Saúde Pública - FIOCRUZ e Graduada em Direito - UFRJ; Advogada; Escola Nacional
de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz (ENSP/Fiocruz); Lattes: http://lattes.cnpq.br/7145799494182453.

Sumário 600
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

abusivas da indústria farmacêutica, para manter altos pre-


ços, e também a fraudes. A proposta deste artigo foi ma-
pear os fatores contributivos para fraudes na judicialização
da Saúde e as possíveis estratégias para sua identificação,
enfrentamento e minimização, contemplando a coopera-
ção entre os entes federativos, nas demandas judiciais de
medicamentos, com ênfase nos medicamentos de alto cus-
to. A constituição de grupos de trabalho interfederativos,
multidisciplinares e intersetoriais pode contribuir no de-
senvolvimento de estratégias para a identificação de con-
dutas antiéticas e fraudes nas demandas judiciais, além de
desenhar as melhores estratégias para sua minimização. O
mapeamento dos dados existentes, o uso de metodologias
e tecnologias para a melhoria da implementação das inter-
venções, a implementação e aprimoramento de normas e
políticas anticorrupção, bem como de intervenções espe-
cíficas que passam pela qualificação da Assistência Farma-
cêutica e das demandas judiciais, disponibilização de siste-
mas de informações ágeis, transparência nas informações e
prestação de contas são estratégias que podem auxiliar no
combate às condutas antiéticas, favorecendo não apenas o
Sistema de Saúde, mas sobretudo a saúde da população.

Palavras-chave: Judicialização da Saúde, Medicamentos,


Fraude, Sistema Único de Saúde

Sumário 601
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Condutas antiéticas e corrupção no setor saúde


Medicamentos mantêm-se como os principais bens de saúde demandados
por via judicial (VIEIRA, 2020; BATISTELLA et al., 2019a) e podem repre-
sentar gastos importantes para os municípios, sejam eles de grande porte
ou não, especialmente quando arcam com a compra de medicamentos de
alto custo que não são de sua competência (REIS, 2019; WANG et al., 2014).
Os municípios têm-se constituído tanto parte ativa como parte passiva na
primeira instância e na segunda instância em alguns Tribunais Estaduais
(AZEVEDO & AITH, 2019). Na primeira instância os municípios aparecem,
geralmente, como réu e na segunda instância como apelante ou agravante.
O crescimento das demandas judiciais contendo medicamentos, bem como
os gastos com estas demandas, é uma realidade em estados e municípios do
Brasil (VITORINO, 2020; SCHEREN et al., 2018; ZAGO et al., 2016).

Vian (2020) define corrupção como um abuso de poder para auferir um ganho
privado e nela se inclui a fraude e abuso, pois em geral elas envolvem abuso
de poder. Desse modo, o termo “corrupção” utilizado no presente trabalho
possui significado mais amplo, de acordo com a literatura internacional, não se
restringindo à definição legal constante nos artigos 317 e 333 do Código Penal
Brasileiro. Inclui também fraude, suborno, apropriação indevida, desfalques,
desvio de patrimônio público, tráfico de influência, abuso de função e enrique-
cimento ilícito. Entende-se por fraude o fato de obter um benefício ilegalmente
de qualquer natureza pela infração intencional da lei e de obter um benefício
de maneira injusta, seja qual for sua natureza, sabendo que está atuando “no
limite” da lei ou se aproveitando da ausência de uma lei.

A corrupção não só afeta os serviços em saúde como também o estado de saú-


de das populações. Altos níveis de corrupção podem aumentar a pobreza e a
desigualdade, aumentar os custos e diminuir a qualidade e a disponibilidade
de serviços públicos como a saúde, afetando mais as populações carentes que
necessitam dos serviços públicos. A corrupção é reconhecida como um dos
maiores impedimentos para que se alcancem os Objetivos de Desenvolvimen-
to do Milênio (WHO, 2014).

Sumário 602
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Grande parte da corrupção no Setor da Saúde é reflexo de problemas de go-


vernança e de prestação de contas no setor público (WHO, 2014). O setor far-
macêutico envolve atores que atuam em diversas áreas (autoridades da área
jurídica e regulatória, médicas, de enfermagem, farmacêuticas, econômicas,
de advogados e pesquisadores) que podem atuar tanto no setor público como
no privado (WHO, 2014). A Organização Mundial da Saúde, em seu Progra-
ma de Boa Governança dos Medicamentos, voltado à questão da corrupção
em saúde na área dos medicamentos, considera que os tipos e as causas são
diversos: econômicas, sociais, culturais e políticas (WHO, 2014).

As relações que podem enviesar as decisões dos prescritores envolvem marke-


ting; interações problemáticas entre indústria farmacêutica e provedores ou
reguladores (presentes, dinheiro, patrocínio, taxas); influência na prescrição,
promoção indevida e influência nas autorizações de mercado e reembolso de
medicamentos/equipamentos médicos (VIAN, 2020). Pode haver influência
na prescrição, promoção indevida e influência nas autorizações de mercado
e reembolso de medicamentos/equipamentos médicos. A relação entre estes
atores pode não ser favorável para o Setor Público, seja pela influência da
indústria farmacêutica na recomendação de medicamentos mais caros, sem
maior vantagem terapêutica, pelos prescritores, seja pela influência no regis-
tro sanitário (GRAY et al., 2010; GOTZSCHE, 2016).

Para alguns autores, a corrupção no Setor Saúde brasileiro apresenta-se de


forma sofisticada, podendo utilizar toda a estrutura governamental (LEAL &
RITT, 2015; CATLETT & GRION, 2015). Leal & Ritt (2015; pág.13) elen-
cam as fraudes às quais o Setor está sujeito:

“...comissões ilegais para encaminhamento de pacientes, notas superfatu-


radas, falsificação de registros e assinaturas, solicitação de equipamentos e
produtos – como famigerado caso das próteses – desnecessários, e, o mais
comum, requisições falsas – faturas de serviços não prestados ou excessivos...
pagamento a médicos, existem supostos pagamentos a fiscais, subsídios des-
viados, licitações fraudadas, liminares judiciais utilizadas para obrigar insti-
tuições governamentais a pagar por procedimentos desnecessários...”

Sumário 603
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

No que diz respeito às fraudes diretamente relacionadas aos casos de deman-


das judiciais de saúde, os autores se referem a verdadeiras “máfias da saúde”,
com superfaturamento de cirurgias disponíveis no SUS, compras superfa-
turadas de medicamentos, demandas de medicamentos em ensaios clínicos,
licitações fraudulentas, repetição de ações pelo mesmo cidadão, apresentadas
em face da União, de Estado e de Município e desvio de medicamentos ju-
dicializados para uma rede de distribuição de produtos no mercado negro
(LEAL & RITT, 2015).

As fraudes e as condutas abusivas nas demandas judiciais de medicamentos


são um tema ainda pouco explorado, embora já tenham sido identificadas
em demandas judiciais de medicamentos de alto custo. A proposta deste arti-
go é mapear os fatores contributivos para fraudes na judicialização da Saúde
e as possíveis estratégias para sua identificação, enfrentamento e minimiza-
ção, contemplando a cooperação entre os entes federativos, com ênfase nas
demandas judiciais de medicamentos de alto custo.

Fraudes com medicamentos de alto custo no Brasil:


identificação e fatores contributivos para as práticas
abusivas e corrupção no setor farmacêutico
A “cadeia dos medicamentos” é complexa e envolve diversas etapas, estando
o setor farmacêutico vulnerável às condutas abusivas e antiéticas em qualquer
uma delas (PASCHKE et al., 2018). Na Grécia, foi identificada uma tipologia
que interessa ao caso das fraudes em demandas judiciais de medicamentos de
alto custo: a de demanda induzida, com os prescritores realizando prescrições
fraudulentas de diferentes maneiras: a) elevando o valor dos medicamentos
prescritos; b) prescrevendo medicamentos desnecessários e c) prescrevendo
medicamentos que não serão dispensados aos pacientes (EUROPEAN CO-
MISSION, 2017).

Existem diversas condutas antiéticas cuja prática aumenta a vulnerabilidade


do setor farmacêutico em relação à corrupção. Algumas delas são: “desequi-

Sumário 604
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

líbrio de informação”, “medicamentos falsificados e sem regulação”, “promo-


ção antiética de medicamentos e conflitos de interesses”, “suborno e ofereci-
mento de presentes” (WHO, 2014).

Algumas vezes a moralidade da conduta é passível de questionamento, mas


não há ilicitude. No Brasil, somente em 2011, 140 audiências foram pedidas
por deputados e senadores à ANVISA para discutir questões de interesse de
empresas farmacêuticas, de alimentos e laboratórios, com sede em seu Esta-
do/cidade (ALBUQUERQUE et al., 2017; CHADE, 2012).

Caetano et al. (2020) apontam que a ausência de registro e de preço deter-


minou que, até 2017, o Ministério da Saúde fosse obrigado a importar o
eculizumabe, demandado judicialmente, a qualquer preço cobrado pelo for-
necedor, arcando ainda com todos os custos de transporte. A empresa pro-
positalmente adiava o pedido de registro para continuar com o uso off label
do medicamento sem preço estabelecido pelo governo brasileiro, e somente
solicitou seu registro em 2015, quando coincidentemente findava sua prote-
ção patentária. Em 2016, o Brasil representou 76,7% da receita da indústria
farmacêutica com este medicamento, por meio da judicialização da Saúde
(CAETANO et al., 2021).

Foram encontrados relatos de algumas fraudes em demandas judiciais no


Brasil. A operação “Garra Rufa”, em 2008, na cidade de Marília, teve como
objeto medicamentos de 3 empresas farmacêuticas: o etanercepte (laborató-
rio Wyeth), o infliximabe (laboratório Mantecorp) e o efalizumabe (Merck
Serono), para psoríase grave. Estavam envolvidos 18 atores, dentre eles dois
advogados, a Associação dos Portadores de Vitiligo e Psoríase do Estado de
São Paulo (APEVPESP), com sede em Marília, e um mesmo médico. Os rela-
tórios médicos apresentavam redação padronizada para cada medicamento e
se referiam a insucesso com tratamento disponível no SUS (CAMPOS NETO,
2017). Os crimes investigados foram estelionato (artigo 171 do Código Penal)
e associação criminosa (artigo 288 do Código Penal).

A “Operação Asclépio”, de 2013, em São Paulo, voltou-se para a importação


dos EUA, por meio de demanda judicial, da lopitamida. Registrada nos EUA

Sumário 605
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

para o tratamento da hipercolesterolemia familiar homozigótica, era pres-


crito para pacientes com hipercolesterolemia. Houve um prejuízo de R$ 9,5
milhões aos cofres públicos. Estavam envolvidos 13 médicos, que emitiam
laudos padronizados, representante da indústria farmacêutica Aegerion e a
Associação Nacional de Doenças Raras e Crônicas (ANDORA). Foram 33 de-
mandantes nas cidades de São Paulo, São José dos Campos, Campinas, São
Bento do Sapucaí, Pindamonhagaba, Lorena e Suzano. Alguns não sabiam
que estavam impetrando uma demanda judicial e não possuíam o diagnóstico
de hipercolesterolemia familiar homozigótica. O tratamento com o medica-
mento, produzido pela empresa americana Aegerion Pharmaceuticals, com
sede no Canadá, custava mais de R$ 1 milhão por paciente. (ANÔNIMO,
2015; SEGATTO, 2016). A mesma empresa viu-se envolvida, em 2017, com
o medicamento metreleptina, sem registro no Brasil. Houve suspeita que os
brasileiros estavam sendo usados como cobaias para estudos científicos, visto
que o medicamento ainda estava, por exigência do FDA, em estudo clínico
para ampliação de evidências sobre sua eficácia e segurança (AGU, 2017). O
medicamento tem como indicação a lipodistrofia e o Ministério da Saúde gas-
tou, desde 2016, R$ 50 milhões em ações judiciais de 20 pacientes portadores
de Síndrome de Berardinelli. O medicamento é registrado no FDA desde
2014, mas seu registro não havia sido solicitado no Brasil, provavelmente
para possibilitar cobrar um maior preço pela venda individualizada antes do
registro (PINHO, 2017).

A Operação “Cálice de Higia”, em 2017, teve como objeto a demanda judicial


de eculizumabe, à época sem registro pela Anvisa. O medicamento é produzi-
do pela empresa Alexion Pharmaceuticals para síndrome hemolítica urêmica
atípica. A investigação identificou demandas judiciais, com mesmo modelo e
causa de pedir, ajuizadas pela Associação de Familiares, Amigos e Portadores
de Doenças Graves. Eram poucos os advogados responsáveis pelas ações, que
continham relatórios semelhantes feitos por grupos específicos de médicos.
Houve desistência após a solicitação judicial de realização de perícia médica
(GONÇALVES & GONÇALVES, 2019). Melo et al. (2018) relatam que a Ad-
vocacia Geral da União (AGU) considerou os seguintes indícios de fraude:

Sumário 606
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

pequeno grupo de advogados; relatórios médicos semelhantes; laudos ela-


borados por grupos específicos de médicos; desistências de processos após
solicitação de uma juíza para que os pacientes passassem por perícia médica
(MELO et al. 2018). Caetano et al. (2020) chamam a atenção de que das 414
pessoas que possuíam decisões judiciais para receber o fármaco em 2017, 28
não foram localizadas; cinco não residiam no endereço informado; seis se
recusaram a prestar informações, 13 já tinham falecido e, mais preocupan-
te, cerca da metade dos pacientes não apresentava provas de diagnóstico da
doença e, ainda assim, vinha recebendo o eculizumabe por decisão judicial.

A empresa farmacêutica Sanofi Genzyme foi condenada em primeira ins-


tância, pela justiça de São Paulo, a devolver o montante pago pelo governo
estadual pela laronidase em demandas judiciais. Além disso, a decisão imputa
o fornecimento mensal do medicamento às crianças pela indústria, que foi
também condenada por danos morais coletivos. Da referida decisão cabe re-
curso. O cruzamento de dados feito pela CGU, AGU e Ministério da Saúde,
constatou que após o término do estudo clínico, os participantes logo viraram
autores de ação contra o Estado, para fornecimento do medicamento (CO-
LUCCI, 2019). À época, a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do
Conselho Nacional de Saúde, relacionada às pesquisas clínicas, já assegurava
aos seus participantes o acesso aos benefícios e medicamentos que tenham se
mostrado eficazes, sob responsabilidade do pesquisador e da indústria far-
macêutica (WANG, 2017). A Resolução de Diretoria Colegiada da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no 38, de 12 de agosto de 2013,
previa, igualmente, a obrigatoriedade de fornecimento gratuito de medica-
mento após ensaio clínico.

Leal & Ritt (2015) referem que dentre os maiores problemas na judicialização
da saúde está a possibilidade da má utilização do Judiciário para fins escusos,
como o atendimento de interesses da indústria farmacêutica, por exemplo.

Mackey et al. (2017) consideram que a governança frágil, a ausência de


normas e uma política de saúde com dificuldades de implementação criam
condições para a corrupção. Estruturas de gestão ineficientes, mecanismos

Sumário 607
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

inapropriados de financiamento e alocação desigual de recursos, além de


uma cultura de aceitação da corrupção são, também, segundo a European
Comission (2017) condições facilitadoras.

Determinadas características, portanto, sugerem haver atuação do setor pro-


dutivo de medicamentos para pressionar o uso de medicamentos e garantir
seus interesses. Algumas delas foram encontradas em demandas judiciais de
medicamentos contra municípios brasileiros, ainda que não fosse configura-
do/identificado algum tipo de conduta antiética/fraudes.

Demandas judiciais de medicamentos em municípios


brasileiros
As demandas de medicamentos por vias alternativas, administrativas ou ju-
diciais, podem indicar dificuldades no acesso a estes bens ou problemas na
organização e funcionamentos da Assistência Farmacêutica, especialmente
quando há necessidade de busca de medicamentos pertencentes ao elenco
das Relações de Medicamentos Essenciais (RIBAS, 2020; CATANHEIDE;
LISBOA; SOUZA, 2016). Por outro lado, grande é o debate em torno da
busca de medicamentos, por demandas judiciais individuais, não registrados
no país ou não incorporados pelo Sistema Único de Saúde, que em geral são
medicamentos de alto custo, uma vez que envolve um debate sobre, dentre
outros, atraso na incorporação, coletivização dos benefícios, proteção do de-
mandante, constrangimentos na gestão da AF, sustentabilidade do sistema
de saúde, equidade no acesso e iniquidade nas oportunidades (BIHEL &
PETRYNA, 2016; FERRAZ, 2019; PEPE et al., 2010).

Mantém-se necessário que a tomada de decisão dos atores da Saúde e da Jus-


tiça considere, por um lado, a necessidade de efetivação do direito à saúde
e, por outro lado, a proteção dos demandantes e a sustentabilidade do Sis-
tema de Saúde (PEPE et al., 2010; VENTURA et al., 2010). As demandas
judiciais de medicamentos possuem múltiplas dimensões e implicam em múl-
tiplos desafios para o sistema de saúde brasileiro (PEREIRA et al., 2015).

Sumário 608
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Uma destas dimensões é a do mercado da saúde e seus interesses. Biehel


(2019) ressalta que as trajetórias e as formas das demandas judiciais de saúde
relacionam-se não apenas à saúde, mas também aos princípios de mercado.
Para o autor, estão em jogo as formas pelas quais o governo se relaciona com
os sujeitos de direitos e os interesses do mercado.

Pinto et al. (2015) encontraram muitas fragilidades na gestão da Assistência


Farmacêutica (AF) e atribuem o fato ao incremento das demandas judiciais. As
principais falhas encontradas referiam-se à: ausência de Comissão de Farmácia
e Terapêutica ou de Relação Municipal de Medicamentos (Remume); não ado-
ção de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas; deficiências quantitativas
de farmacêuticos na gestão, na Central de Abastecimento Farmacêutico, na
dispensação das unidades e deficiências na logística e dispensação dos medica-
mentos. Balbani (2015) indica serem fatores contributivos para as demandas
judiciais, além das falhas na Assistência Farmacêutica, a pouca informatização e
o planejamento insuficiente para a aquisição de medicamentos.

Estudos publicados sobre as demandas judiciais de medicamentos nos muni-


cípios brasileiros têm apontado fragilidades na gestão da Assistência Farma-
cêutica, que incluem desabastecimento por restrição orçamentária e frágil
articulação interinstitucional, que podem propiciar ou agravar demandas
judiciais de medicamentos. Referem, igualmente, dificuldades na gestão dos
medicamentos judicializados, desde a análise técnica até a resposta ao Sistema
de Justiça. Ferreira et al. (2019) em estudo sobre falhas na gestão da assistên-
cia farmacêutica em relação a medicamentos judicializados em municípios do
Mato Grosso do Sul, analisa que os piores indicadores são aqueles relacionados
aos medicamentos judicializados, constatando que somente seis gestores reali-
zavam análises técnicas das prescrições médicas e que mantinham contato com
o Poder Judiciário. Análise de 254 receitas no município de Franco da Rocha,
São Paulo, em 2017, constatou haver 66,5% com erros de prescrição e 39,7%
das 179 receitas dispensadas, mostraram erros de documentos no momento
da dispensa e todas apresentaram erros de rotulação, não sendo fornecidas
orientações para sua administração (ARAÚJO, 2018).

Sumário 609
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

A judicialização da Saúde não é um fenômeno homogêneo. Ao contrário, varia


em suas principais características de acordo com a realidade local (AZEVEDO
& AITH, 2019). Em alguns municípios as prescrições originam-se prioritaria-
mente no setor privado (MADURO, 2020; CABRAL l & REZENDE, 2015), em
outros, no setor público (ARAÚJO & MACHADO, 2020; BATISTELLA et al.,
2019b; OLIVEIRA & SOUZA, 2014). Estudo sobre prescrição de insulina glar-
gina, posteriormente incorporada ao SUS, revelou que 71,9% das prescrições
advinham de médicos privados, seguida de 12,6% de prescrições oriundas de
hospitais universitários (SANTOS et al., 2018). Estudo conduzido em Vitória
da Conquista e Salvador observou que a informação estava ausente em mais de
metade dos documentos (Barreto et al., 2013).

Em Ribeirão Preto - SP, no município de Belém - PA, em municípios da Bahia


e do Mato Grosso do Sul, os agentes públicos, Defensoria e Ministério Público,
foram os principais representantes legais das ações judiciais (MADURO & PE-
REIRA, 2020; DAMASCENO & RIBEIRO, 2019; BARRETO et al., 2013; PIN-
TO, 2013). Em Ivinhema - MS, Imperatriz - MG e Pelotas - RS as Defensorias
Públicas foram os órgãos mais procurados para representarem os interesses
dos requerentes (DIAS et al., 2019; OLIVEIRA & SOUZA, 2014; MASSAÚ
& BAINY, 2014). Por outro lado, estudo realizado no município de Londrina
constatou que a representação judicial por advogados particulares nas deman-
das por medicamentos foi de 55,3% (BATISTELLA et al., 2019b).

Em 2016, 46% dos medicamentos demandados judicialmente contra a Secre-


taria Municipal de Saúde de Belo Horizonte concentravam-se em dois labo-
ratórios farmacêuticos (ARAÚJO & QUINTAL, 2018). Em estudo sobre judi-
cialização de medicamentos no município de Ribeirão Preto - SP, 3% dos 706
prescritores, concentravam quase 30% do total das prescrições. Um médico
atuava em 106 processos, e outro, em segundo lugar, em 50 (MADURO & PE-
REIRA, 2020). Carneiro et al. (2019) referem que 22,72% das 537 solicitações
judiciais em um município mineiro, foram feitas por um único médico.

Em muitos municípios estudados, a maior parte dos medicamentos não fazia


parte do elenco da Assistência Farmacêutica (DIAS et al., 2019; BATISTELLA

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et al., 2019b; SILVA et al., 2017; ZAGO et al., 2016; UCKER et al., 2016; PIN-
TO et al., 2015; OLIVEIRA & SOUZA, 2014; BARRETO et al., 2013; BAR-
REIRA, 2012). Em decisões liminares de 154 demandas judiciais de medica-
mentos, contra o município de Salvador, entre 2014 a 2016, predominou o
Componente Básico da Assistência Farmacêutica (45,9%). O medicamento
mais demandado, no período, foi o ranibizumabe, não incorporado ao SUS
para degeneração macular (RIOS, 2019). O autor informa que neste período
não havia rotinas ou instrumentos para a detecção de fraudes.

Nas demandas judiciais contra o município de Belo Horizonte, 57,2% dos


medicamentos não estavam incorporados ao SUS, sendo que em 63,1% des-
tas demandas, havia alternativas terapêuticas e, em 14,4%, não havia indica-
ção terapêutica para o medicamento demandado (ARAÚJO & QUINTAL,
2018). Carneiro et al. (2019) referem a indicação de uso off label em 3,4% das
demandas judiciais em Ipatinga - MG.

Estudo das demandas judiciais em 13 municípios de pequeno porte do


meio-oeste de Santa Catarina mostrou que predominaram as demandas de
medicamentos voltados ao tratamento de doenças do aparelho digestivo e
metabolismo, sistema nervoso e agentes antineoplásicos e imunomodula-
dores (Zago et al., 2016). Estes mesmos autores concluem por característi-
cas semelhantes às de grandes municípios: rápida expansão, predomínio
de demandas por medicamentos, ações judiciais individuais, solicitação de
fármacos de alto custo e fração razoável de medicamentos disponibilizados
pelo sistema público de saúde.

Parte importante do orçamento municipal destinado à Assistência Farma-


cêutica, pode, em alguns locais, estar comprometida com medicamentos de-
mandados por via judicial. Reis (2019) analisou os gastos de alguns municí-
pios paulistas, nos anos de 2015, 2016 e 2017, com as demandas judiciais e
concluiu haver sobrecarga nos municípios uma vez que arcam com custos de
medicamentos ou procedimentos de alto custo e complexidade. Em 2011, no
município de São Paulo, 55% do gasto com insumos demandados judicial-
mente foi com medicamentos que estão presentes nas listas da União e dos

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Estados (WANG et al., 2014). No Distrito Federal, 30 dos 224 medicamentos,


foram responsáveis por 89,52% do gasto total, sendo 17% destes medicamen-
tos sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (SILVA et al.,
2017). Em Juiz de Fora, parte dos gastos com medicamentos judicializados
referiam-se àqueles fora dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas,
não incorporados ou fora da competência municipal. Ainda que os medica-
mentos mais demandados tenham sido o ranibizumabe, as insulinas de ação
rápida e a rivaroxabana, os que configuraram maior custo foram os antineo-
plásicos rituximabe, trastuzumabe e ipilimumabe (NUNES, 2016).

Recente estudo em município mineiro observou que apenas 51% dos 56 pa-
cientes utilizando medicamentos judicializados para diabetes mellitus tipo 2,
em 2019, foram consultados no SUS. Três demandas eram de medicamentos
não pertencentes à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (FERREI-
RA et al., 2020).

No estudo de Pinto et al. (2015), observou-se que em 2 cidades do Mato Gros-


so do Sul a pressão exercida pelas demandas judiciais por medicamento dis-
torceu o processo de inclusão na lista municipal de medicamentos, e uma
lista municipal incluiu 180 medicamentos além dos pactuados com o Estado,
como forma de evitar a judicialização.

Estratégias para identificação e minimização de condutas


antiéticas/corrupção nas demandas judiciais de medicamentos

As organizações internacionais estão implementando medidas de prestação


de contas e transparência, assim como medidas anticorrupção em suas ope-
rações. A prestação de contas pode ser entendida como os mecanismos que
fazem as instituições ficarem suscetíveis aos seus públicos específicos. Requer
que as organizações sejam responsáveis por aqueles que serão impactados
pelas suas decisões. A prestação de contas também faz com que as instituições
justifiquem seus resultados para os tomadores de decisão internos e externos
e imponham sanções aos comportamentos corruptos (KOHLER & BOWRA,

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2020). A transparência é entendida, para estes autores, como quando os ci-


dadãos são informados sobre como e porquê as decisões relativas às polí-
ticas públicas são feitas e implementadas. Para entender como as decisões
são tomadas é necessária informação sobre os procedimentos seguidos e os
critérios usados para tomar aquela decisão. Entender porquê as decisões são
tomadas exige a divulgação das informações elaboradas pelos formuladores
de políticas e a revelação dos argumentos aduzidos a favor e contra decisões
(KOHLER & BOWRA, 2020).

Mackey et al. (2018) propõem a adoção, no framework do Desenvolvimento


Sustentável, de subindicadores relacionados à corrupção na saúde, visando: 1.
chamar atenção sobre o tema, 2. aumentar os recursos para demonstrar a efe-
tividade de intervenções, programas e políticas anticorrupção e 3. investimen-
tos para implementar programas anticorrupção e políticas de prevenção. Os
autores propõem o foco em 3 principais dimensões. A primeira em mapear os
dados existentes que podem ser utilizados para medir o progresso no combate
à corrupção, a segunda examinar metodologias e tecnologias (auditoria, in-
quéritos, entrevistas com informantes-chave, monitoramento etc.) para melho-
rar os dados e melhorar a implementação de intervenções e a terceira realizar
análise comparativa de normas e políticas anticorrupção.

Segundo Vian (2020), existem estratégias que auxiliam na melhor definição


e na mensuração da corrupção: inquéritos para avaliar a percepção e custo
da corrupção, coleta de dados qualitativos e revisão do sistema de controle.
Paschke et al. (2018) acreditam que a transparência - inclusive no pagamento a
profissionais de saúde, do custo de produção e justa precificação - bem como
a prestação de contas podem reduzir a vulnerabilidade dos sistemas de saúde
por meio do monitoramento de práticas corruptivas e antiéticas.

No que diz respeito à fraude/corrupção especificamente nas demandas judi-


ciais de saúde, em especial de medicamentos de alto custo, as estratégias para
sua minimização passam pela qualificação da Assistência Farmacêutica e das
demandas judiciais, bem como pela identificação dos riscos no processo a ela
referente, fora e dentro do órgão.

Sumário 613
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

A constituição de grupos de trabalhos interfederativos, com atores multidisci-


plinares e intersetoriais, para mapear sistemas de informação, processos rela-
cionados às demandas judiciais de medicamentos, especialmente os de alto cus-
to, e seu cumprimento, órgãos envolvidos na resposta e análise das demandas
judiciais e uma Comissão para rever processos das demandas judiciais, iden-
tificando pontos vulneráveis à corrupção pode ser de valia. Podem contribuir
para pensar formas de aprimorar o gerenciamento financeiro, os mecanismos
para melhorar a transparência, a proteção de denunciantes, o gerenciamento
de conflitos de interesse e a garantia de que as leis, políticas e programas anti-
corrupção sejam devidamente cumpridos (MACKEY et al., 2017).

Estratégias específicas, cuja implementação merece ser discutida de forma


interfederativa, podem ser úteis e encontram-se sintetizadas no Quadro 1:

Quadro 1: Estratégias específicas de resposta às demandas judiciais de medicamentos

Considerações sobre possíveis


Estratégias
implementação e resultados

Aumentar a detecção

Compartilhar informações por meio de


Informar profissionais de saúde sobre boletins e comunicação em massa1
as políticas de saúde e as atividades Estabelecer política de acesso à legislação
fraudulentas sanitária e às informações essenciais sobre
as políticas públicas de saúde2

Melhorar rastreio de prescrições e Checar informações pode detectar com-


pacientes portamentos suspeitos1

Realizar campanhas publicitárias, utili-


zando mídias sociais como ferramenta
Conscientizar população sobre fraudes educativa e de mobilização social3,4
e uso inadequado
Estabelecer canais para denúncia protegi-
da pelo cidadão5

Sumário 614
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Considerações sobre possíveis


Estratégias
implementação e resultados

Melhorar rastreio de possíveis atividades Utilizar mídia social para monitorar


relacionadas a fraudes em demandas ativamente atividades relacionadas à
judiciais corrupção e para coletar denúncias6

Introduzir rotinas de coleta e


processamento dos dados para detecção
de fraudes: reconhecimento de padrões
Aprimorar os mecanismos de consolida- passíveis de fraude, acompanhamento
ção e análise crítica das informações pós-entrega e seleção de processos
para inspeção, com a participação, caso
necessária, dos órgãos de persecução
criminal (polícia e Ministério Público) 7,8

Aumentar o esforço requerido para a prática de fraude

Checar informações com médicos e


demandantes1
Verificar as prescrições
Manter registro sobre os médicos e
demandantes1

Realizar fiscalização, conjunta com Exigir registro das motivações e solicitar


os Conselhos Regionais de Medicina, consentimento esclarecido do paciente
das prescrições de medicamentos não conforme Parecer Conselho Federal de
registrados e de indicação de uso off label Medicina CFM 2/20167

Facilitar a condenação de infratores e


Decretar/aperfeiçoar Leis sobre fraudes
minimizar prescrições que resultem em
nas prescrições de medicamentos
demandas judiciais fraudulentas1

Instar a solicitação de registro de Inibir estratégias de uso das demandas


medicamento judicializado para a judiciais para evitar a atuação da
definição de preço pela CMED nos casos CEMED/Anvisa no estabelecimento de
de demandas repetitivas preço máximo do medicamento

Reduzir acesso fácil aos medicamentos


Promover estoque e dispensação seguros
por meio de fraudes1

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Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Considerações sobre possíveis


Estratégias
implementação e resultados

Realizar inspeções em processos e


Identificar duplicidades de pagamento avaliações de pacientes, selecionados
por parte dos entes federativos conforme critérios de risco e
materialidade7

Manter programa de monitoramento


Rastrear e monitorar as prescrições para
das prescrições e a troca de informações
identificar padrões de abuso/fraude1
entre as instâncias do SUS

Monitorar as demandas judiciais para


Instituir Programa de monitoramento identificar padrões de abuso/fraude
das demandas judiciais e a troca de
informações entre as instâncias do SUS Garantir o real acesso aos medicamentos
e do poder judiciário e identificar a resposta clínica,
promovendo a melhoria dos resultados
clínicos e o uso racional de recursos9

Tornar transparente as relações entre


indústrias farmacêuticas e profissionais Contribuir para a identificação de
de saúde, a modelo da Lei no 22440, possíveis relações com demandas de
de 21 de dezembro de 2016, do estado medicamentos em pesquisa clínica
de Minas Gerais

Dar transparência ao sistema de compras


Identificar demandas judiciais de maior
e de demandas judiciais de medicamentos
custo para os gestores públicos
pelo executivo

Organizar e disponibilizar o acesso Aumentar a capacidade de análise das


informatizado aos dados judiciais nos informações para identificação de fraudes
órgãos de saúde e nos tribunais e maior transparência em geral

Fonte: Wartell et al, 2013 (modificado). 1.Wartell et al, 2013; 2. Azevedo e Aith, 2019; 3. Bertot et al, 2020; 4.
Holenan et al, 2016; 5. Kohler & Bowra, 2020); 6. Mackey et al, 2017; 7. TCU, 2016; 8. Joudaki et al, 2015; 9.
Ferreira et al, 2020.

Considerações finais
O acesso a medicamentos, de forma equitativa e de acordo com as necessida-
des sanitárias, ainda constitui um desafio no Brasil. Por um lado, fragilidades
na gestão da Assistência Farmacêutica e atraso na incorporação de medica-

Sumário 616
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mentos e, por outro lado, interesses econômicos das indústrias farmacêuticas


se refletem, por vezes, na busca destes bens por meio da Justiça. Os muni-
cípios integram a parte ativa das demandas judiciais de medicamentos, com
algumas demandas extrapolando sua competência federativa e com caracte-
rísticas que podem favorecer condutas antiéticas/fraudes.

Já foram identificadas condutas antiéticas e fraudes com medicamentos que


se utilizam das demandas judiciais para sua implementação, a custos impor-
tantes para o Sistema de Saúde Público. A “Operação Asclépio”, de 2013, é
um exemplo de demandas judiciais de medicamentos de alto custo contra
municípios. Torna-se necessário que o Sistema Único de Saúde seja capaz de
identificar e minimizar este tipo de conduta de forma a diminuir os gastos
sanitários desnecessários e diminuir eventos adversos evitáveis em pessoas
que demandam o medicamento para outras indicações terapêuticas, que não
as recomendadas em bula. As estratégias de resposta e enfrentamento das
fraudes no setor farmacêutico têm sido objeto de interesse de organizações
internacionais e nacionais. As estratégias para minimizar as demandas judi-
ciais fraudulentas e para responder a elas ainda necessitam ser construídas
no Brasil, o que implica em ações para sua identificação e para dificultar
tal prática. A colaboração interfederativa pode tornar realidade, de maneira
mais rápida e efetiva, a identificação e o enfrentamento de eventuais condu-
tas antiéticas/fraudes com os medicamentos demandados.

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Sumário 625
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Atendimento qualitativo aos usuários


do município de Santa Rita - PB, no
enfrentamento da judicialização da saúde
Vanessa Limeira de Azevêdo1
Emilienne Estrela de Lacerda Alencar2
Antônio Jansem Targino de Sousa Filho3

Resumo
O direito à saúde é fundamental a todos e é dever do Es-
tado, conforme a Constituição Federal de 1988. Contudo,
sabe-se que o Sistema Único de Saúde passou por sucessi-
vos subfinanciamentos, bem como que a judicialização da
saúde tende a gerar gastos mais elevados aos entes públi-
cos. No município de Santa Rita - PB, com a finalidade de
evitar o aumento e os custos extraordinários das demandas
judiciais, o Jurídico da Secretaria de Saúde buscou quali-
ficar os atendimentos de forma estratégica para melhor
instrução das solicitações administrativas e das demandas

1 Especialista em Direito Sanitário com ênfase em Judicialização da Saúde - FIOCRUZ, especialista


em Direito Processual Civil - Faculdade Damásio de Jesus e Graduada em Direito - UFPB; Coordena-
dora Jurídica; Secretaria Municipal de Saúde de Santa Rita/PB.
2 Graduada em Direito - FPB; Coordenadora de Controle Interno; Secretaria Municipal de Saúde
de Santa Rita/PB.
3 Graduado em Direito - UNIPE; Assessor Jurídico; Secretaria Municipal de Santa Rita/PB.

Sumário 626
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

judiciais. Para elaboração do artigo, foram utilizadas as


experiências da Secretaria Municipal de Saúde de Santa
Rita, além de pesquisa de legislação, de jurisprudência, de
doutrina e publicações relacionadas ao tema, de estudos
com dados sobre judicialização da saúde em outros entes
federativos, dos enunciados do Conselho Nacional de Jus-
tiça e de Notas Técnicas de órgãos de avaliação de tecnolo-
gias em saúde. O trabalho desenvolvido demonstra como
o fortalecimento do serviço administrativo oferecido no
município de Santa Rita impactou positivamente no baixo
número de ações judiciais sanitárias, na racionalização de
custos e na qualificação das demandas judiciais ajuizadas.
Outrossim, exemplifica atuação no sentido de garantir o
acesso à saúde, com atenção ao planejado para as verbas e
gastos públicos, bem como às normas que regem o Sistema
Único da Saúde e aos parâmetros legais impostos à Admi-
nistração Pública.

Palavras-Chave: Judicialização da Saúde; Atendimento


Qualitativo dos Usuários do SUS; Planejamento e Racio-
nalização de Gastos Públicos.

Sumário 627
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Introdução
Todos os brasileiros, possuindo um plano de saúde privado ou não, depen-
dem do Sistema Único de Saúde (SUS), pois este abrange, entre tantas outras
vertentes, o controle da qualidade da água que chega nas casas, o controle
da qualidade e segurança de alimentos e medicamentos para consumo e o
controle de doenças. Por isso, classifica-se o Direito à Saúde como sendo um
direito fundamental.

Além disso, devido à excessiva carga de serviços sobre os municípios, à limita-


ção dos recursos financeiros destinados a esses, à atualização insuficiente das
listas oficiais do SUS, à falta de busca de soluções alternativas dentro do siste-
ma e, por vezes, ao deficiente diálogo interinstitucional, o índice da judiciali-
zação no Brasil tem aumentado consideravelmente, o que causa desestrutu-
ração no planejamento e na execução orçamentária dos entes públicos. Desse
modo, encontrar melhores formas de enfrentar a judicialização importa em
defender a continuidade da rede pública de saúde brasileira.

A Constituição Federal de 1988, promulgada com base em um Estado


Democrático de Direito “... destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvi-
mento, a igualdade e a justiça como valores supremos...” (BRASIL, 1988,
preâmbulo), instituiu, em seu art. 196, a saúde como um direito de todos e
dever do Estado.

Acontece que, mesmo sendo um direito fundamental, a saúde precisa ser ga-
rantida por meio de políticas sociais e econômicas, como ensina o mesmo art.
196 da CF/88 e, portanto, não pode ser ofertada sem o acompanhamento e a
atenção do Estado, de modo que a manutenção daquela é seu dever.

A Carta Magna de 1988 também preconiza que a administração pública, di-


reta e indireta, de todos os entes federativos, deve ser regida pelos princípios
da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, como
previsto no art. 37 da CF/88.

Sumário 628
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p. 83) a administração eficien-


te tem como base a qualidade, presteza e resultados positivos, gerando um
dever de mostrar rendimento funcional, perfeição e rapidez dos interesses
coletivos. Assim sendo, a utilização de verbas públicas deve orientar-se sob os
mesmos parâmetros principiológicos, com respeito ao planejamento finan-
ceiro e orçamentário.

Os entes federativos, por meio de suas equipes de saúde, devem buscar for-
necer o melhor serviço possível; para tanto, é recomendável que se prepa-
rem com informações como: em que área atuar com maior intensidade, quais
os medicamentos previstos em relação padronizada que a população mais
precisa, quais os procedimentos que exigem maior urgência. A partir des-
se estudo, ocorre organização para realizar licitações, contratos, convênios e
parcerias, visando contínuo abastecimento do necessário.

Todavia, há anos, a judicialização da saúde tem impactado os entes federati-


vos, desestabilizando o planejamento realizado por estes. Outrossim, impõe
a mobilização de agentes administrativos para realizar dispensas de licitação
em prazos exíguos e para elaboração de defesas. Além disso, nos autos de
ações judiciais pode ocorrer sequestro de verbas públicas ou outras penali-
dades. Assim, fica evidente que tais movimentos na máquina pública geram
aumento nos gastos públicos.

A cidade de Santa Rita, objeto da experiência que se apresenta, é a maior


cidade em território da região metropolitana do Estado da Paraíba, contan-
do com 718,576 km² (IBGE, 2018) e com a terceira maior população desse
Estado, estimada em 137.349 habitantes (IBGE, 2019).

Além disso, passou por período de intensa instabilidade política, especial-


mente no ano de 2015 quando, decretada calamidade pública, a rede pública
de saúde municipal foi diretamente afetada com o fechamento de 22 das 35
unidades de saúde.

Portanto, participar da gestão de saúde pública em um município com ca-


racterística de médio porte e com muitos resquícios de anterior calamidade

Sumário 629
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

pública representou um grande desafio. Contudo, a utilização das técnicas


apresentadas neste texto demonstrou resultados bastante positivos.

Dito isso, este artigo tem o intuito de demonstrar, por meio de experiências
vivenciadas pelos servidores públicos da Coordenadoria Jurídica da Secreta-
ria Municipal de Saúde de Santa Rita - PB, que existem formas de melhor
enfrentar a Judicialização da Saúde, com o cumprimento de todos os deveres
da Administração Pública, bem como com o respeito e a busca à efetivação do
direito dos usuários do SUS.

Para elaboração deste artigo, foram utilizados como fontes dados oriundos
da Secretaria Municipal de Saúde de Santa Rita; legislação; jurisprudência;
doutrina e publicações relacionadas ao tema; estudos com dados sobre ju-
dicialização da Saúde em outros entes federativos; enunciados do Conselho
Nacional de Justiça e Notas Técnicas de órgãos de avaliação de tecnologias
em saúde.

A judicialização da saúde no Brasil


O ingresso de processos judiciais envolvendo a saúde é uma realidade cres-
cente no Brasil desde a década de 1990, embora não seja exclusividade
deste país.

Em meados de 2009, o CNJ iniciou sua caminhada na prevenção à judicia-


lização da saúde após a contabilização de 500.000 (quinhentos mil) procedi-
mentos judiciais no Brasil.

De acordo com estudo inédito realizado pelo Insper, por encomenda do Con-
selho Nacional de Justiça, entre 2008 e 2017, as demandas judiciais envol-
vendo saúde tiveram aumento de 130% (BRASIL, 2019). Percebeu-se que
houve consequências diretas no orçamento do Ministério da Saúde, o qual
registrou, no ano de 2016, gastos 13 vezes maiores com demandas judiciais.
A pesquisa verificou, ainda, que poucas decisões citam os órgãos que as qua-
lificariam, como os Núcleos de Apoio Técnico (NATs) e a Comissão Nacional

Sumário 630
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), causando, assim, refle-


xão quanto à necessidade de replicar boas práticas (BRASIL, 2019).

Com o passar dos anos, o cenário só se agravou e, no ano de 2019, foi lançado
o Relatório Analítico Propositivo Justiça Pesquisa do CNJ com o tema: “Ju-
dicialização da Saúde no Brasil: Perfil das Demandas, Causas e propostas de
Solução” (BRASIL, 2020). Segundo esse levantamento, no Estado da Paraíba,
no qual se insere o município de Santa Rita, foram feitas apenas 70 (setenta)
solicitações de Notas Técnicas ao NAT-JUS Nacional.

Verifica-se que o CNJ vem acompanhando anualmente os números da judi-


cialização da saúde no Brasil, demonstrando principalmente uma busca de
alternativa conciliatória entre o direito individual do cidadão e a sustentabili-
dade da política pública de saúde. Em análise mais recente do Relatório Jus-
tiça em Números (BRASIL, 2020), constatou-se que são mais de duas milhões
de ações sobre saúde, a maioria envolvendo pedidos de acesso a procedimen-
tos e a medicamentos.

É de se mencionar também que o debate sobre o fenômeno da judicialização


da Saúde vem se ampliando no país nos últimos anos, com envolvimento de
magistrados, servidores, profissionais e acadêmicos.

Acredita-se, inclusive, que a judicialização da saúde passou por diferentes


momentos, sendo possível dividi-la em três fases (SCHULZE, 2020). Na pri-
meira fase, juízes deferiam integralmente as demandas. Esse entendimento,
já superado pelos tribunais superiores, em virtude do Tema 106 do Superior
Tribunal de Justiça e dos Temas 500, 793 e 796 do Supremo Tribunal Fede-
ral, foi ou deveria ter sido superado por juízes de primeiro grau.

Classificada por Schulze (2020), mas relativa a anos anteriores, a visão cor-
respondente à primeira fase encontra-se bem descrita no seguinte excerto de
Vieira (2008):

“A integralidade para os tribunais está mais associada à noção de consumo,


haja vista o deferimento de demandas sem ressalvas sobre a existência de
política pública para tratar as doenças. Nessa concepção, o direito à saúde

Sumário 631
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

se resume à oferta de medicamentos, reduzindo-se às ações curativas e pa-


liativas, sem considerar o caráter fundamental de promoção e prevenção
de doenças e agravos. Sob esse ponto de vista, gera-se a confusão entre a
existência de mercado com a sua oferta de mais de 16 mil especialidades
farmacêuticas e a existência do SUS, que deve fornecer tratamento à popu-
lação em todos os níveis de complexidade da atenção à saúde”.

A segunda fase (SCHULZE, 2020) está relacionada à prolação de decisões


judiciais que considerem a Saúde Baseada em Evidências e foi impulsiona-
da pelo CNJ. No entanto, tal fase ainda não foi plenamente atingida tendo
em vista que muitos membros da Magistratura continuam utilizando funda-
mentos genéricos na concessão dos pedidos, tais como a aplicação de uma
cobertura universal de saúde (inexistente no SUS) e a adoção da saúde como
direito absoluto.

Em uma terceira fase (SCHULZE, 2020), espera-se avaliação quanto aos reais
benefícios para os autores de processos judiciais e aumento da investigação
sobre as evidências em saúde (análise de eficácia, efetividade, eficiência e
equidade).

Percebe-se, assim, que o cenário vem se modificando para uma utilização


mais racional e qualificada das demandas judiciais, partindo da compreen-
são, fixada no Tema 793, do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2020),
de que “diante dos critérios de descentralização e hierarquização, compete
à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de re-
partição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o
ônus financeiro”.

A mudança na visão institucional mostra-se essencial no momento atual e se


harmoniza com a experiência ora apresentada, pois ambas buscam combater
o aumento da judicialização sem buscar alternativas dentro da própria rede
pública, o que contribui com o processo de desestabilização do SUS, ferindo
os princípios da igualdade, equidade e integralidade (BRASIL, 1988). Isso
porque a grande quantidade de demandas prejudica a organização da gestão
pública de saúde e, de acordo com Vieira (2008), “desorganiza as finanças

Sumário 632
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

públicas porque o Estado acaba sendo ineficiente, perdendo seu poder de


compra”, causando, assim, verdadeiro retrocesso.

O aumento da judicialização da Saúde Pública no Brasil ocasiona, além da


desestruturação no planejamento e na execução orçamentária, a diminuição
na autonomia do ente em adotar as decisões com base em critérios técni-
co-administrativos previstos nos dispositivos legais, desestruturando as vias
regulares de acesso ao sistema público de saúde.

Os desafios da gestão municipal em Santa Rita


Certamente, a gestão municipal de saúde não é fácil em nenhuma cidade bra-
sileira, ainda mais com o subfinanciamento federal que vem atingindo o SUS
há muitos anos (SANTOS, 2018). Todavia, o cenário encontrado na cidade
de Santa Rita, Paraíba, no ano de 2017, quando se iniciou a experiência ora
apresentada, é um caso a se destacar.

A Administração Pública municipal enfrentou diversas dificuldades no pro-


cesso de transição governamental que ocorreu no ano de 2017. Deparou-se
com a total escassez de informações necessárias ao levantamento, organização
e continuidade das ações e serviços.

Em 2017, somavam-se mais de 35 equipes de Saúde da Família sem realizar


atendimento, diversas delas interditadas pelo Conselho Regional de Medi-
cina da Paraíba (CRM-PB)4. Além disso o Serviço de Atendimento Móvel de
Urgência-SAMU local iniciou o ano fechado, tendo sido reaberto logo em
fevereiro de 2017 (SANTA RITA, 2017). De mesmo modo, o Programa Mais
Médicos havia sido desabilitado em 2015 por falta de repasses e pela precária

4 Muitos veículos de comunicação apresentaram notícias sobre as diversas interdições ocorridas, po-
demos citar como exemplo o título da matéria veiculada pelo G1, qual seja: “CRM interdita mais duas
unidades de saúde em Santa Rita” (G1, 2015). Ao longo do texto noticiado verificamos que, à época,
já se contavam 22 unidades interditadas pelo CRM, interdições éticas e estruturais. A título de com-
plementação, sugerimos a leitura de mais duas matérias, outra veiculada pelo G1, com título: “CRM
interdita dez postos de saúde de Santa Rita”(G1, 2015); e outra veiculada pelo Portal Correio, de título:
“CRM acha irregularidades e interdita 15 unidades de saúde de Santa Rita” (CORREIO, 2015).

Sumário 633
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

estrutura disponível, mas foi retomado após alguns meses de esforços con-
juntos entre os servidores da Secretaria de Saúde (SANTA RITA, 2017).

O lixo e a sujeira tomaram conta das ruas da cidade durante meses, o que
agravava ainda mais a situação da saúde local (A UNIÃO, 2016). Ademais,
diversas obras da Secretaria Municipal de Saúde espalhadas por toda a ex-
tensão territorial da cidade encontravam-se paralisadas. Somando a isso o
fato de que a edilidade pública estava sucateada e com escasso pessoal espe-
cializado. Estava montado o cenário de caos.

Diante de toda a problemática apresentada, o município de Santa Rita preci-


sou e ainda precisa de tempo para se reestruturar.

Contudo, mesmo diante do cenário descrito acima, várias ações foram toma-
das para que as medidas cabíveis ao reaparelhamento dos setores prejudica-
dos pudessem se concretizar e, enfrentando os desafios apresentados, a nova
gestão municipal aos poucos foi vencendo cada etapa, como se demonstra
pela reabertura do SAMU, pela retomada do Programa Mais Médicos e pelo
trabalho desenvolvido para organização de processos administrativos e en-
frentamento de demandas judiciais, neste exposto.

Atendimento qualitativo aos usuários do SUS


O SUS tem o objetivo de ofertar ações de prevenção, promoção e recupe-
ração da saúde, sendo distribuídas suas responsabilidades entre os 03 (três)
níveis de governo (Federal, Estadual e Municipal), de modo que cada ente
possa adotar suas próprias decisões, respeitando os princípios gerais, men-
cionados anteriormente, com a finalidade de promover um serviço de saúde
com qualidade e dignidade (BRASIL, 1988).

Com a descentralização das obrigações entre os poderes, cada ente possui


autonomia para planejar, gerenciar, e executar, de forma administrativa, os
seus recursos financeiros, a fim de ofertar os serviços de saúde à população,
em consonância com a Constituição Federal e demais dispositivos legais.

Sumário 634
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Lucian Ohland (2010), sobre a distribuição de responsabilidade entre os En-


tes Federativos e a “municipalização da saúde”, relata o seguinte:

[…] Não há hierarquia entre União, Estados e Municípios, e sim com-


petências para cada um dos três gestores do SUS, com distribuições de
responsabilidades pelas ações e serviços em saúde, partindo-se sempre da
ideia de que, quanto mais perto do fato a decisão for tomada, maior será
o nível de acerto. Tal premissa tem atribuído maior responsabilidade aos
Municípios na implementação das ações em saúde, a chamada “municipa-
lização da saúde”.

Entretanto, a municipalização da saúde, unida à limitação dos recursos fi-


nanceiros e humanos na maioria dos municípios, bem como à atualização
insuficiente das listas oficiais do SUS e, por vezes, à excessiva burocratização
dos processos, fazem com que esses entes suportem excessiva carga com o
fenômeno da judicialização da Saúde Pública, gerando desestruturação no
planejamento e na execução orçamentária do ente público.

Observou-se que as ações judiciais em saúde terminam por gerar maior gasto,
visto que impõem mobilização de pessoal da Administração Pública para rea-
lizar defesa e para providenciar o cumprimento de decisões, geralmente em
curtíssimo prazo, inviabilizando a economicidade advinda de processos licita-
tórios regulares. Somam-se a isso eventuais multas pecuniárias (por vezes de
valores mais altos do que o objeto do processo) e sequestro de verbas públicas.

Diante desse quadro fático, dentre as medidas mais plausíveis para diminui-
ção dos impactos negativos decorrentes da judicialização da saúde, foram
identificadas como estratégias viáveis e econômicas o oferecimento de alter-
nativas administrativas, por meio da qualificação e da humanização da infor-
mação à população. Outra importante estratégia foi a ampliação do diálogo
entre o corpo técnico da Secretaria de Saúde e a Procuradoria Municipal,
bem como entre o referido corpo técnico e o Ministério Público, a Defensoria
Pública e o Poder Judiciário.

Nesse sentido, avaliando as nuances da judicialização da saúde no Brasil e


adequando à realidade santarritense, a Coordenadoria Jurídica e o Controle

Sumário 635
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Interno da Secretaria Municipal de Saúde de Santa Rita - PB, por meio de seus
agentes públicos, criaram uma série de mecanismos e critérios administrativos
para que pudessem aprimorar o trabalho com eficiência, resguardando os di-
reitos dos cidadãos e o planejamento orçamentário, financeiro e administrativo.

Estabelecimento de critérios para solicitações


administrativas
Um dos caminhos aos serviços públicos de saúde se dá por meio dos processos
administrativos. No caso da Secretaria de Saúde de Santa Rita, tais processos
são abertos para solicitações de medicamentos, procedimentos, materiais ou
insumos, por vezes não previstos na política de saúde pública. Neste órgão,
os processos já tinham como exigência mínima as documentações pessoais do
solicitante e a prescrição por profissional de saúde.

Acontece que, para que se possa fornecer um serviço com qualidade, em


observância ao planejamento financeiro realizado, resguardando o direito
individual e também o interesse público, os processos precisam ser instruídos
com o maior número de informações possíveis.

As Secretarias Municipais de Saúde geralmente são compostas por diversos


setores que podem auxiliar na construção de um procedimento administra-
tivo robusto, contendo as informações que a Administração Pública precisa
para assegurar um adequado encaminhamento do caso e para atendimento
dos usuários dentro do previsto nas normas do SUS.

Em uma visão ainda mais ampla, os processos, melhor instruídos, servem ao


Ministério Público, Defensoria Pública e Poder Judiciário, facilitando a com-
preensão acerca da possibilidade ou não de fornecimento pelo município, de
sugestões de alternativas dentro do SUS, ou mesmo da previsão de compe-
tência de outro ente público para tal.

Assim, após reuniões e diversas conversas, a Coordenadoria Jurídica e o Con-


trole interno da Secretaria Municipal de Saúde de Santa Rita adequaram

Sumário 636
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

o procedimento administrativo, incorporando os setores, alinhando-os na


composição processual. Nesse aspecto, vale destacar que a reconstrução da
Atenção Primária e Especializada, bem como de todos os outros núcleos con-
tribuiu sobremaneira com as melhorias realizadas.

O controle interno de processos por planilha já existia na Coordenadoria


Jurídica, por importante iniciativa e zelo de servidores efetivos. Tal prática
foi reforçada e juntou-se à organização dos processos, aprimorando-se o mo-
nitoramento dos casos, bem como a segurança para o serviço público e para
os usuários deste.

Os setores da Secretaria Municipal de Saúde de Santa Rita - PB envolvidos


na composição dos processos administrativos incluem: 1 - Serviço Social -
setor que realiza a avaliação da situação socioeconômica do(a) requerente
e que acolhe o usuário tomando ciência de sua solicitação, realizando, por
vezes, visitas domiciliares; 2 - Farmácia - setor que organiza, acomoda e dis-
pensa os medicamentos, bem como emite Pareceres Técnicos sobre estes;
3 - Regulação - setor responsável por prestar informações sobre procedi-
mentos, órteses, próteses e materiais especiais; 4 - Coordenadoria Jurídica
- setor consultivo nas questões legais; e 5 - Gabinete do Secretário de Saúde
- setor decisivo a conceder ou não autorização para a realização do procedi-
mento/fornecimento do medicamento/insumo/procedimento.

De forma exemplificativa, analisemos o caso de uma usuária do SUS, mãe


de uma criança com 7 meses, que se dirija à Secretaria Municipal para so-
licitar 15 latas de fórmula nutricional, por tempo indeterminado, para tra-
tamento de APLV - Alergia à Proteína do Leite da Vaca. Nesta situação,
recebida a solicitação pelo Serviço Social da Secretaria de Saúde e tendo
sido verificado que a documentação (documentação pessoal, comprovante
de residência e indicação/prescrição médica para a fórmula) está completa,
agenda-se visita domiciliar na qual a assistente social realizará a coleta de
maiores informações sobre a situação da solicitante e a nutricionista avaliará
o quadro clínico da criança.

Sumário 637
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

No caso hipotético em apreço, o(a) nutricionista prescritor(a) indicou a quan-


tidade de 15 latas da fórmula nutricional por tempo indeterminado, sendo
de grande importância a verificação feita por nutricionista da Secretaria, que
emite Parecer Técnico sobre o caso, pois, tendo em vista o planejamento feito
anteriormente e a limitação dos recursos, qualquer fornecimento desmedido
pode gerar desequilíbrios ou desabastecimentos e, por consequência, poderia
prejudicar outras crianças que necessitem da mesma fórmula.

Outro exemplo, é o das demandas por fraldas geriátricas, em relação às quais


foi firmado Protocolo para que os fornecimentos ocorram apenas em casos
relacionados à saúde (caso contrário, foi previsto o direcionamento à Assis-
tência Social) e quando não for possível a obtenção pelo Programa Farmácia
Popular, conforme Portaria nº 184/2011 (BRASIL, 2011), visto que, nesta
situação, o acesso ocorre na modalidade copagamento.

Os critérios que a Coordenadoria Jurídica da Secretaria Municipal de Saú-


de de Santa Rita adotou, em conjunto com os demais setores, para a análi-
se das solicitações administrativas foram apoiados na ciência, na medicina
baseada em evidências, na jurisprudência, nos Enunciados do Conselho
Nacional de Justiça e na experiência adquirida com o serviço público de
maneira geral.

Realizando esse tipo de análise, deu-se maior qualidade aos procedimentos


administrativos pois, com a emissão de documentos mais ricos em detalhes
e informações técnicas, os Pareceres da Coordenadoria Jurídica puderam se
apoiar em bases mais sólidas para a emissão de opiniões, como veremos no
ponto a seguir.

Emissão de pareceres jurídicos em processos


administrativos
De maneira geral, o parecer jurídico é uma peça bastante importante no
procedimento administrativo, principalmente no serviço público. Esse do-

Sumário 638
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

cumento faz parte da atuação consultiva do profissional operador do direito,


o qual, para obtenção de melhores resultados para o objeto em estudo, deve
ser, preferencialmente, especialista ou ter experiência no ramo do Direito
Sanitário, assunto tão pouco abordado nas faculdades.

Os Pareceres Jurídicos emitidos pela Coordenadoria Jurídica da Secretaria


Municipal de Saúde de Santa Rita são documentos opinativos e expressam
posicionamentos e análises legais, não possuindo qualquer condão de se-
rem definitivos, pois não são legalmente obrigatórios. Possuem, assim, o
intuito orientador.

Todavia, mesmo não sendo exigível por lei, a equipe da Coordenadoria Ju-
rídica, ciente da importância de requerimentos que envolvem saúde e da
realidade da judicialização no Brasil, optou por fazer dos Pareceres Jurídi-
cos documentos bem embasados, que unem informações técnicas, evidências
científicas, legislação, jurisprudência e enunciados.

Utilizando o caso hipotético acima, de requerimento de 15 latas para criança


de 07 meses com APLV por tempo indeterminado, pedido recorrente em
muitas Secretarias de Saúde, somam-se às informações clínicas os quantitati-
vos paradigmáticos apresentados pela CONITEC em relatório de recomen-
dação (BRASIL, 2018).

Nos casos de medicamentos não disponíveis na rede pública de saúde munici-


pal, por vezes são juntadas Fichas Técnicas disponibilizadas pela CONITEC,
bem como Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas existentes para as
patologias dos usuários solicitantes. Tais documentos permitem a sugestão de
alternativas medicamentosas previstas no SUS para que os pacientes possam
ter tratamento adequado, garantindo, assim, seu atendimento e, ao mesmo
tempo, seguindo o planejamento do ente federativo.

A importância dos documentos da CONITEC para magistrados, Ministério


Público e advogados é reforçada, sendo de relevante menção os Enunciados
nº 33 e 57 do Conselho Nacional de Justiça (BRASIL, 2019), aprovados após
três Jornadas de Direito da Saúde.

Sumário 639
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Além dos documentos da CONITEC, passaram a ser consultados sítios ele-


trônicos que disponibilizam Notas e Respostas Técnicas realizadas por Nú-
cleos de Apoio ao Judiciário (NAT-JUS) e juntados documentos existentes
que tivessem relação com o caso de cada usuário demandante.

No âmbito da jurisprudência, utiliza-se, em casos de medicamentos não in-


corporados à relação do SUS, a decisão da Primeira Seção do Superior Tribu-
nal de Justiça (STJ), nos autos do REsp 1657156-RJ (BRASIL, 2018), recurso
repetitivo, em 25/04/2018, no sentido de que o fornecimento depende de
três requisitos: (i) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e
circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescin-
dibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o
tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade
financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de
registro na ANVISA do medicamento.

Além disso, é acrescentado entendimento de Tribunal de Justiça, preferen-


cialmente o local, que é o da Paraíba, ou Tribunal Regional Federal que re-
force a tese. Em relação a este, tem destaque decisão dispondo que “o trata-
mento médico no sistema público de saúde deve ser privilegiado em relação
à opção escolhida pelo paciente” e que tal medida “serve para evitar prejuízos
à economia pública, sendo necessário que o Poder Judiciário apenas interve-
nha nas políticas públicas de saúde quando estas inexistirem ou flagrante-
mente se apresentarem insuficientes” (PARAÍBA, 2016).

Quanto a materiais não previstos no SUS, é orientado o retorno ao médico


prescritor para que justifique, com base em evidências científicas, por meio
de relatório circunstanciado5, o motivo pelo qual não podem ser utilizados
itens constantes da política pública de saúde.

5 Registre-se que, na experiência vivenciada pelos autores, raramente se recebeu laudo circuns-
tanciado baseado em evidências científicas. Em alguns casos, ocorreu a substituição por objetos pre-
vistos no SUS ou a emissão de laudo genérico apenas afirmando a necessidade do item não constante
na rede pública.

Sumário 640
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Tal orientação se dá com base em enunciados do CNJ, especialmente os de


nº 14, 19, 29, 58 e 59, que servem para conscientizar profissionais da saúde
do dever de fundamentar solicitações na Medicina Baseada em Evidências e,
para magistrados, do dever de indeferimento de pedidos que não compro-
vem o cumprimento do referido requisito (BRASIL, 2019).

Desse modo, pode ocorrer alerta às partes e órgãos interessados quanto à


preferência à previsão existente no SUS, de forma que as prescrições fora
dele sejam excepcionais e devidamente fundamentadas cientificamente, pre-
servando-se a estrutura e o planejamento da rede pública municipal.

Atendimento efetivo do cidadão, quando possível


As demandas judiciais no Brasil são variadas e caso não haja cuidado dos ges-
tores com o fortalecimento da atenção primária e especializada e com a ade-
quada instrução de processos, corre-se o risco de o município ser demandado
por itens simples, que poderiam se resolver por via administrativa.

A resolução extrajudicial das demandas de baixo custo ou pontuais, quan-


do possível e seguindo todos os trâmites legais, é interessante e represen-
ta economicidade. Isso porque, como já exposto em tópico anterior, uma
judicialização representa um gasto muito maior, pois demanda tempo dos
profissionais, emissão de documentos, além de representar risco de multas
pecuniárias e de sequestro de verbas públicas.

Qualificação nas respostas e melhoria no relacionamento


com o Ministério Público, Defensoria Pública e Judiciário
Da mesma forma que ocorreu a qualificação de Pareceres Jurídicos emitidos,
houve a qualificação das respostas, oferecidas por Ofícios, a órgãos como Mi-
nistério Público e Defensoria Pública.

Sumário 641
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Além disso, foram envidados esforços no sentido de estreitar a comunica-


ção com assessores e membros desses órgãos. Nesse sentido, foram realiza-
das reuniões para compartilhamento de conhecimentos em Direito Sanitário
(com menção aos Enunciados do CNJ e jurisprudência). Além do enfoque
teórico, foram debatidas ações administrativas explicadas nos tópicos 1 e 2
acima mencionados, ressaltados os impactos negativos de uma eventual ju-
dicialização ou, em caso de processos em curso, dialogada com o Judiciário a
possibilidade de direcionamento, quando fosse o caso, ao Estado ou à União.

Esse proceder causou impacto bastante positivo ao evitar novas decisões ju-
diciais em desfavor do município ou ao provocar modificações que tornaram
determinações jurisdicionais já em trâmite menos gravosas ao ente público.

Estreitamento da relação com a Procuradoria, com envio de informações téc-


nicas com celeridade para instruir processos judiciais.

Dentre as competências inerentes à Procuradoria-Geral Municipal está a de


representar judicial e extrajudicialmente o município nos mais variados assun-
tos, dentre os quais estão incluídas as matérias referentes ao direito à saúde.

Todavia, não é muito comum que operadores do Direito possuam conheci-


mento ou experiência no ramo do Direito Sanitário para apresentar peças
defensivas com melhor tecnicidade e maior chance de eficácia em processos
que envolvam a saúde pública. Por isso, é bastante importante a aproxima-
ção das Coordenadorias e Assessorias Jurídicas das Secretarias de Saúde
com as Procuradorias.

Na experiência alvo deste artigo, a Coordenadoria Jurídica da Secretaria


Municipal de Saúde de Santa Rita e a Procuradoria-Geral Municipal, con-
juntamente, realizam, desde o início do ano de 2017, encontros e contatos
visando o alinhamento de estratégias para respostas mais técnicas e com o
maior respaldo nos procedimentos judiciais da Saúde. Nesse sentido, é de
se registrar que o interesse e o alto nível dos profissionais da Procuradoria
são características essenciais para a obtenção de resultados positivos, o que
foi o caso.

Sumário 642
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Tomando como base o exemplo da usuária do SUS que se dirige à Secretaria


de Saúde para solicitar 15 latas de fórmula nutricional por tempo indetermi-
nado, se a questão é judicializada e o(a) juiz(a) solicita, previamente à decisão,
informações sobre o caso, são prestados esclarecimentos técnicos pertinentes,
especialmente quanto ao quantitativo paradigma para a idade fixado pela
CONITEC (BRASIL, 2018), que é de 07 latas dos seis aos doze meses, visan-
do evitar uma decisão em dissonância com recomendação dessa Comissão,
prejudicial ao planejamento da Secretaria e, consequentemente, aos outros
usuários do serviço.

Se o magistrado, sem determinar oitiva prévia do gestor, profere ordem judi-


cial nos mesmos termos da prescrição do médico/nutricionista, concedendo o
requerido em sua totalidade6, a Secretaria de Saúde encaminha à Procuradoria
os esclarecimentos a fim de subsidiar recurso para modificação da decisão.

Como veremos a seguir, a qualificação das informações e o estreitamento das


relações com a Procuradoria-Geral Municipal fizeram com que resultados
positivos fossem alcançados, gerando decisões de menor impacto ou mesmo
alterações benéficas por meio de convencimento dos agentes do Judiciário.

Resultados obtidos
Como primeiro resultado positivo obtido, percebeu-se que a experiência
aplicada evitou demandas judiciais de procedimentos de baixo custo, pois
muitos foram substituídos por tratamentos alternativos no âmbito do SUS ou
foram fornecidos administrativamente.

Além disso, houve baixo percentual de ações judiciais em face do municí-


pio, especialmente se considerado o quantitativo populacional, estimado em
137.349 habitantes. Em levantamento realizado pelo Setor Jurídico, em re-
latório apresentado no final do ano de 2018 (SANTA RITA, 2018), como

6 Essa decisão corresponderia a um exemplo da primeira fase da judicialização da saúde descrita por
Schulze (2019) e exposta no item II deste artigo.

Sumário 643
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

resultado do trabalho de monitoramento citado no item IV.1 deste, foi com-


putado 3,28% de ações judiciais no ano de 2017 e 2,78% no ano de 2018,
porcentagens resultantes de comparação entre a quantidade de processos
administrativos de usuários e de órgãos demandantes.

Quanto a esses números, apresenta-se o seguinte gráfico, resultado compila-


do das informações do relatório (SANTA RITA, 2018):

Comparativo entre demandas administrativas e judiciais

467

2017 173

21 3,28%

519

2018 234

21 2,78%

0 100 200 300 400 500 600


Administrativos MP/DP Judicializados

O percentual não só foi baixo, como foi decrescente; ademais, foi mantida a
quantidade de novas decisões judiciais com intimação à Secretaria de Saúde
para cumprimento (21 no ano de 2017 e 21 no ano de 2018), tendo se mos-
trado, no período, positivamente, em movimento oposto à tendência que se
apresentava no cenário nacional, segundo analisado no tópico II.

Outros resultados positivos ocorreram com modificações favoráveis de deci-


sões judiciais, as quais foram adaptadas às políticas já previstas no SUS, ou fo-
ram direcionadas ao ente competente, ou foram divididas de forma a diminuir
o ônus para o município. Como exemplos de decisões favoráveis obtidas em

Sumário 644
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

processos judiciais tem-se o caso concreto de fórmula para criança com APLV,
fixado o fornecimento até dois anos de idade, quando deve haver introdução
alimentar, conforme relatório CONITEC; há também casos de modificações de
medicamentos e de repartição de materiais de alto custo com o Estado.

O estreitamento na relação com a Procuradoria Municipal facilita o trabalho


desta, contribuindo para a prestação de respostas ao Judiciário de forma cé-
lere e dentro dos prazos estabelecidos, o que evita a aplicação de penalidades
processuais.

Por fim, todas essas consequências benéficas ocasionaram, como esperado,


racionalização de custos para a Secretaria de Saúde e para o município, pos-
sibilitando a efetivação do direito à saúde consoante o planejamento estabe-
lecido e a assistência regularmente prestada.

Conclusão
O acesso à saúde por meio da judicialização tornou-se uma das temáticas
mais debatidas nacionalmente. O aumento desenfreado de novos processos
judiciais e seu impacto na organização do orçamento público geraram de-
sordem nas políticas públicas e programas do SUS, desrespeitando também
os princípios da igualdade, equidade e integralidade, obstaculizando o uso
racional de recursos.

O crescente aumento das ações judiciais de saúde em todo território brasi-


leiro chamou a atenção do CNJ, que passou a expor números obtidos em
pesquisas anualmente e que vem buscando alternativas conciliatórias entre o
Poder Judiciário, o cidadão e os entes federativos.

Foi considerada, ainda, a divisão da judicialização da saúde em três fases, por


Schulze: na primeira fase, juízes deferiam as demandas em sua totalidade;
na segunda fase, algumas decisões eram proferidas considerando a Saúde
Baseada em Evidências; e, na terceira fase, há a expectativa de uma análise
minuciosa da saúde baseada em evidências por parte do Judiciário.

Sumário 645
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Diante do já difícil cenário nacional, a cidade de Santa Rita, no estado da Pa-


raíba, quando do início da experiência relatada, estava em condição caótica,
com 35 unidades de Saúde interditadas, Serviço de Atendimento Móvel de
Urgência - SAMU fechado por força dos órgãos de fiscalização e controle,
Programa Mais Médicos desabilitado, dentre outros problemas que deman-
daram esforços para serem amenizados, motivando o presente estudo.

A Coordenadoria Jurídica e o Controle Interno, ao avaliarem toda a situação


exposta sobre os impactos negativos decorrentes da judicialização da saúde a
nível nacional, no estado da Paraíba e principalmente no município de Santa
Rita, bem como a desestruturação dos serviços da Secretaria Municipal de
Saúde, envidam esforços no intuito de qualificar o atendimento aos usuários
do SUS, garantindo, ao mesmo tempo, os direitos dos cidadãos, o planeja-
mento e a execução orçamentária.

Foi necessário realizar uma aproximação entre os setores técnicos da Secre-


taria de Saúde, criando uma série de mecanismos qualitativos e oferecendo
alternativas por vias administrativas, além de humanizar a informação à po-
pulação. Além disso, houve qualificação das informações prestadas à Procura-
doria do município, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e ao Poder
Judiciário, como uma das principais medidas para diminuição dos impactos
causados pela judicialização em Santa Rita - PB.

O conjunto de experiências vivenciadas e expostas no decorrer do artigo


demonstrou que é possível o engajamento dos diferentes personagens que
compõem o SUS na busca pela utilização mais consciente dos gastos e por
mais tecnicidade nos processos decisórios. Outrossim, tais experiências de-
monstraram uma administração pública mais responsável e consequente-
mente mais eficiente, consoante restou comprovado nos resultados obtidos.

Conclui-se que, mesmo com todas as dificuldades, analisando desde o início


do ano de 2017, a judicialização no município de Santa Rita, ao contrário
do que ocorre no cenário nacional, vem sendo controlada. Esse resultado
positivo foi obtido por meio da qualificação nas respostas técnicas e melhoria

Sumário 646
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

no relacionamento entre a Administração Pública, Ministério Público, De-


fensoria Pública e o Poder Judiciário, os quais contribuem para que haja um
equilíbrio na consecução do direito individual em harmonia com os direitos
da coletividade e não intervindo de forma indevida nas políticas públicas
estabelecidas, evitando gastos excessivos que possam desorganizar as progra-
mações financeiras do orçamento público.

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https://emporiododireito.com.br/leitura/a-nova-fase-da-judicializacao-da-saude.
Acesso em: 14 mar 2021

SCHULZE e NETO, Clenio Jair e João Pedro Gebran. Judicialização da saúde e o


Tema 793 do STF. https://emporiododireito.com.br/leitura/judicializacao-da-saude-e-
o-tema-793-do-stf. Acesso em: 14 mar 2021

VIEIRA, Fabiola Sulpino. Ações judiciais e direito à saúde: reflexão sobre a


observância aos princípios do SUS. Rev. Saúde Pública [online]. 2008, vol.42,
n.2, pp.365-369. Epub Feb 29, 2008. ISSN 1518-8787. https://doi.org/10.1590/
S0034-89102008005000010

Sumário 649
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Estratégias multidisciplinares
e humanizadas para efetividade dos
serviços na atenção básica no município
de Bastos - SP e seu impacto na redução
da judicialização em matéria de saúde
Rafael Teixeira Sebastiani1
Jussara Moraes Hatae Campoville2
Alessandra Cristiane Cano de Souza3
Josie Moreira da Silva Katsube4
Luiz Carlos Barufatti5
Janaina Guldoni Fuzinelli6

Resumo
A escassez ou mesmo inexistência de recursos públicos
não exime os entes estatais do dever de garantir os direi-

1 Mestrando Interdisciplinar em Saúde Pública – FOUSP, Pós-Graduado em Direito Constitucional -


UNIFIA e Graduado em Direito - UNIFAI; Procurador Jurídico; Prefeitura Municipal de Bastos - SP;
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1764779855727353.
2 Mestra em Odontologia em Saúde Coletiva - UNICAMP e Graduada em Enfermagem - FAI; Coorde-
nadora do Departamento de Planejamento; Secretaria Municipal de Saúde de Bastos - SP; Lattes: http://
lattes.cnpq.br/7834671896228656.
3 Pós-Graduada em Farmácia Hospitalar e Bioquímica - Unoeste e Graduada em Enfermagem - UNIFAI;
Coordenadora da Assistência Farmacêutica; Secretaria Municipal de Saúde de Bastos - SP.
4 Graduado em Serviço Social - UNIDERP; Central de Medicamentos e Materiais; Secretaria Municipal
de Saúde de Bastos - SP.
5 Pós-Graduado em Medicina do Trabalho - USF e Graduação em Medicina - UEL; Médico Regulador;
Secretaria Municipal de Saúde de Bastos - SP; Lattes: http://lattes.cnpq.br/8556608165270803.
6 Pós-Graduada em Enfermagem do Trabalho - FAMERP e em Saúde Pública - UNIFESP e Graduada
em Enfermagem - FAP; Diretora de Atenção em Saúde; Secretaria Municipal de Saúde de Bastos - SP.

Sumário 650
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

tos fundamentais previstos na Constituição Federal com o


objetivo de garantir o mínimo de dignidade para a vida
humana. O presente estudo abordará a implantação, exe-
cução e análise de resultados das estratégias multidisci-
plinares para a humanização e eficácia na prestação dos
serviços de saúde no âmbito da atenção básica, porta de
entrada do usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), no
município de Bastos, entre os anos de 2017 e 2020, bem
como seu impacto direto na redução da judicialização da
saúde em relação a medicamentos e prestação de serviços
públicos de saúde. A partir da identificação das demandas
administrativas requeridas junto à Secretaria Municipal
de Saúde, da utilização de protocolos humanizados, da
realização de visitas técnicas, da discussão interdisciplinar
de intervenções e da utilização de alternativas terapêuticas
constantes dos protocolos clínicos vigentes, pretende-se
evidenciar os efeitos positivos diretos na realidade dos pa-
cientes. A coleta de dados realizada por meio de discussão
dos casos judicializados e submetidos administrativamente
entre 2017 e 2020 à Secretaria Municipal de Saúde, que
tiveram como causa de pedir o fornecimento de medica-
mentos e prestação de serviços em saúde, destacou a re-
dução significativa da judicialização em matéria de saúde,
reflexo da efetividade da prestação do serviço público e da
humanização no atendimento realizado ainda na atenção
básica no município de Bastos.

Palavras Chaves: Recursos Públicos, Judicialização, Proto-


colos Clínicos, Humanização.

Sumário 651
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Introdução
Os estudos empíricos sobre a judicialização da saúde no Brasil, à guisa de biblio-
grafias em razão da atualidade da temática, indicam que medicamentos são o
principal objeto de contestação nas Cortes (PEPE, et al., 2010; FREITAS, 2020).

A política de assistência farmacêutica para o fornecimento gratuito de medi-


camentos no sistema de saúde brasileiro é orientada por princípios univer-
salistas. Nesse sentido, nem a legislação que regulamenta o direito à saúde
nem as políticas do Sistema Único de Saúde (SUS) restringem o atendimento
em função da classe social dos usuários ou estabelecem limites financeiros aos
gastos com medicamentos em tratamentos. Há certos medicamentos, porém,
que o SUS não oferece regularmente em seu dispensário. Em resposta a isso,
alguns usuários acionam judicialmente o poder público a fim de obrigá-lo a
disponibilizar esses medicamentos.

Existem inúmeras razões para um medicamento não constar do dispensário


regular do SUS, mas três delas, segundo Medeiros, Schwastz, Doederlein
(2013), merecem atenção. A primeira refere-se ao gerenciamento de esto-
ques: certos medicamentos exigem estocagem, por períodos curtos, e alguns
são consumidos casualmente e não justificam grandes reservas. Desta forma,
as dificuldades em administrar esses estoques associadas a demoras regula-
res no curso de processos de compra e remanejamento fazem com que o
fornecimento do medicamento seja comprometido. A segunda razão é a não
inclusão do medicamento nas listas de dispensa, seja porque não se reco-
nhece cientificamente a eficácia terapêutica do medicamento, seja porque,
apesar do reconhecimento científico, o processo de autorização pela vigilân-
cia sanitária não foi concluído. A terceira razão é a recusa do fornecimento
em função da existência de substitutos com melhor relação custo-benefício
(eficiência terapêutica), conhecida como a tese da racionalidade em saúde.

A partir de 2008, o município de Bastos iniciou o fornecimento de trata-


mentos e medicamentos a partir de demandas judiciais, o que provocou um
crescimento exponencial de diversos tratamentos até 2016, entre elas as de

Sumário 652
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

medicamentos padronizados pelo SUS e outros que não constavam na padro-


nização. A partir de 2017, com a mudança na gestão municipal, foi formada
uma comissão técnica com objetivo de analisar quais eram estas demandas
(BASTOS, 2017).

O presente artigo propõe detalhar as estratégias multidisciplinares e huma-


nizadas realizadas no município pelo desempenho da Comissão de Avaliação
Técnica (CAT), evidenciando a redução no acesso aos fármacos por meio do
Judiciário e visando a garantia da universalidade no cuidado e a equidade do
atendimento em saúde oferecidos pelo SUS.

A Assistência Farmacêutica engloba um conjunto de ações voltadas à promo-


ção, proteção e recuperação da saúde, tanto individual como coletiva, tendo
o medicamento como insumo essencial e visando o seu acesso e o seu uso
racional (BRASIL, 2004).

No âmbito do SUS, em nível ambulatorial, os medicamentos disponíveis para


o tratamento de doenças ou de agravos são aqueles padronizados na Relação
Nacional de Medicamentos (RENAME). As responsabilidades das instâncias
gestoras do SUS (Federal, Estadual e Municipal), em relação aos medicamen-
tos, estão definidas em três componentes: básico, estratégico e especializado.

Segundo levantamento realizado pelos autores, cerca de 80% (oitenta por


cento) da população bastense é usuária do Sistema Único de Saúde, e quase
a totalidade da população acessa os medicamentos ofertados na Rede Muni-
cipal do SUS. Nesse sentido, é evidente a necessidade de maiores investimen-
tos pelos demais entes e do racionamento na utilização dos recursos públicos.

Observando a realidade do município e aproveitando os meios disponíveis


ofertados pelo SUS, são realizadas visitas domiciliares com intuito de conhe-
cer a situação do usuário e a complexidade apresentada pelo requerente.
Durante o atendimento no domicílio, é realizado o acolhimento do usuário
e a escuta ativa, e são apresentadas orientações quanto às alternativas para
possíveis ajustes da medicação. Posteriormente, as informações obtidas são
discutidas com os profissionais da CAT, para avaliação e definição da melhor

Sumário 653
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

estratégia que será utilizada na intervenção das solicitações de fármacos que


não constam nas listas de medicamentos padronizados.

O público-alvo são usuários do município e, em alguns casos, indivíduos vul-


neráveis e com dificuldades para acessar a informação, o que se transforma
na principal causa da busca pela judicialização.

O acompanhamento por meio de visita domiciliar tem como objetivo entender


a dinâmica familiar e as dificuldades apresentadas pelo requerente e sua famí-
lia. Desta forma, o propósito das visitas é acolher, ouvir, informar, coletar dados
e propor ações que de fato contribuam para o direcionamento em respeito ao
tratamento do paciente e à condição de fragilidade a que está exposto.

Após a apresentação do quadro clínico, o paciente é orientado quanto a ajus-


tes na prescrição do medicamento não padronizado pelo SUS e, em outros
casos, conforme os critérios específicos no protocolo municipal, será funda-
mentada a justificativa para a concessão do fármaco, esclarecendo que seu
tratamento receberá a devida atenção para acesso ao medicamento necessá-
rio até que seja redefinida dentre as alternativas padronizadas.

As estratégias adotadas pela CAT através de protocolos de atendimento é um


indicador de que as ações executadas na atenção à saúde da população podem
ter um impacto considerável nos resultados alcançados em cada atendimento.

Desenvolvimento
O aumento nas demandas judiciais para fornecimento de medicamentos, vi-
sando à otimização dos recursos públicos em 2017, ensejou a instituição da
Comissão de Avaliação Técnica (CAT) através da Portaria nº 4.912/17. A co-
missão é composta por um médico regulador, um procurador jurídico, um
assistente social, uma farmacêutica, um enfermeiro e uma nutricionista com
o objetivo de acompanhar as solicitações de prescrições de medicamentos e
outros insumos que não são padronizados no elenco do SUS, elaborando
Relatórios Técnicos para cada caso acompanhado.

Sumário 654
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Com a constituição da comissão de avaliação, também foi desenvolvido fluxo-


grama para organização dos procedimentos administrativos relativos às solici-
tações de fármacos e de serviços em saúde, que incluíam diversas diligências a
fim de prestar a efetiva resposta ao cidadão solicitante, seja por meio de reu-
niões da CAT, avaliação socioeconômica, visitas domiciliares e pareceres técni-
cos, jurídicos e médicos relativamente às áreas farmacêutica, jurídica e médica.

A partir de sua constituição e formulação do fluxograma de trabalho, de-


limitando as estratégias relativas a cada tipo de solicitação, a comissão de
avaliação passou então a acompanhar os pacientes que protocolaram reque-
rimentos solicitando prestação de serviços em saúde, fornecimento de me-
dicamentos não padronizados ou que procuraram auxílio na Secretaria de
Saúde, na assistência social ou nas próprias unidades básicas de saúde.

De acordo com a dinâmica estabelecida pelos membros da comissão multi-


disciplinar, o primeiro contato com o requerente resulta na acolhida, fase na
qual a problemática é apresentada e é realizada escuta qualificada. Posterior-
mente, para melhor conhecimento da realidade do paciente, são agendadas
visitas domiciliares com o objetivo de compreender sua realidade social e os
aspectos do cotidiano, uma vez que o requerente pode não estar anterior-
mente referenciado nos procedimentos realizados em âmbito institucional.

A partir da escuta qualificada, das visitas e das orientações técnicas da comis-


são, o paciente passa a compreender que o objetivo do trabalho da equipe
multidisciplinar é, além da prestação de informações claras de modo que
possibilite a ele dialogar com o médico de referência acerca de uma alterna-
tiva acessível ao fármaco necessário, também o auxiliar nas situações em que
a prescrição do medicamento não constante das listas oficiais municipais e
estaduais são provenientes da rede privada ou de outras cidades. Apresenta-
se, assim, uma solução administrativa eficaz e adequada.

Na realização das visitas domiciliares ao requerente, os membros da comissão


interrogam o paciente para conhecimento e identificação de sua demanda
em saúde, do tempo desde que o paciente identificou sua problemática, bem

Sumário 655
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

como se já lhe foi prescrita medicação padronizada no município ou dispo-


nível no SUS.

Além de tais pontos, também é avaliado pelos membros da comissão se o


acompanhamento médico é realizado na unidade de saúde pública ou pri-
vada. Isso é feito porque pode haver eventual solicitação de exames comple-
mentares para o diagnóstico e análise dos medicamentos de que o paciente
já faz ou fez uso.

A partir da coleta dos dados nas diligências referidas, a Comissão se reúne


para buscar opções de tratamento oferecidas pelo SUS e fazendo interme-
diações quando há necessidade de avaliação de médico especialista do mu-
nicípio, avaliação e acompanhamento nutricional ou realização de exame es-
pecífico. Ao final deste processo, com a conclusão da comissão materializada
no Relatório Final, que aponta os caminhos a serem seguidos pelo paciente
para acesso ao fármaco ou serviço pretendido, bem como a proposição de
intervenções de caráter assistencial ou nutricional e a oferta dos serviços tera-
pêuticas existentes nos protocolos oficiais do SUS.

Durante as visitas, os membros da comissão de avaliação se depararam com


cenário de desinformação, no sentido de que, muitas vezes, os pacientes que
buscam a via judicial desconhecem as medicações e serviços em saúde que,
em verdade, já estão escalonados e vigentes nos protocolos oficiais do SUS.

A partir deste cenário, há também intervenção interna na própria prestação de


serviços dos profissionais da saúde do âmbito municipal no sentido de levar a
informação aos munícipes e usuários do SUS. Isso é feito por meio da capacita-
ção dos agentes comunitários de saúde para otimização da acolhida, multiplica-
ção da informação e conhecimento da população acerca dos serviços, fármacos
e terapêuticas ofertadas, bem como dos procedimentos a serem adotados para
acesso a eles. Com isso, pretende-se que os pacientes busquem a Unidade Bá-
sica de Saúde de referência para a solução administrativa de sua necessidade
médica ou farmacológica, solucionando a necessidade do paciente neste âmbi-
to, evitando-se a judicialização a partir da eficácia da atividade administrativa.

Sumário 656
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

A Comissão de Avaliação Técnica também constatou nas visitas domiciliares


que determinados pacientes utilizam os medicamentos de forma errada, em
desatenção à prescrição médica. Por essa razão, a CAT, quando analisa a de-
manda levada a sua competência, também solicita, nas visitas, relação dos me-
dicamentos de que o paciente faz uso e questiona como estes são utilizados,
informação que é então comparada com o que é previsto na prescrição médica.

A Organização Mundial da Saúde estima que metade da população mundial


não toma corretamente a medicação prescrita por razões diversas e, para
responder à complexidade das estratégias multidisciplinares, surge o desafio
de formular alternativas, fornecendo acesso à informação e a disseminando
entre a população:

A Organização Mundial da Saúde estima que 50% dos cidadãos, em todo


o mundo, não tomam corretamente os seus medicamentos, por diversas
razões. Calcula-se, ainda, que seja possível poupar em todo o mundo cerca
de 370 mil milhões de euros em cuidados de saúde através da utilização
optimizada do medicamento, o que corresponde a cerca de 8% da despesa
mundial em Saúde, por ano. Promover o Uso Responsável do Medicamen-
to deverá ser, assim, uma prioridade para a sustentabilidade do Sistema de
Saúde, perspectivando ganhos em saúde e económicos para a sociedade em
geral (ORDEM DOS FARMACÊUTICOS, 2016).

Neste ponto, a Comissão de Avaliação Técnica compreendeu a necessidade


de iniciar o desenvolvimento educativo, a partir de um processo de apren-
dizagem social em longo prazo, com a participação de todos os atores dos
processos administrativos em saúde no âmbito municipal.

Nos casos em que o paciente exige que determinado medicamento seja de


uma marca específica, justificando que, pela prescrição médica, somente
este terá o efeito desejado, a Comissão de Avaliação intervém apresentando
a eficácia do princípio ativo do referido medicamento, explicando os fun-
damentos farmacológico e médico empregados, seja nos casos em que há
disponibilização imediata pelo município, seja nos casos em que as aquisi-
ções deverão ocorrer a partir da identificação da demanda que motivou a
visita domiciliar.

Sumário 657
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Com a nomeação dos membros da CAT, o setor da Assistência Farmacêutica pas-


sou a avaliar e atualizar a Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMU-
ME), que inicialmente era composta por duzentos e trinta e um medicamentos.

A partir de 2019, a coordenação da assistência farmacêutica e o médico regu-


lador, ambos membros da comissão de avaliação, se reuniram periodicamen-
te com os médicos da rede municipal de saúde, apresentando as dificulda-
des enfrentadas, os fármacos dispensados pelo SUS e as prescrições médicas
existentes até então, possibilitando substituições e inclusões de fármacos que
ainda não constavam da lista oficial a partir da realidade local. A partir das
necessidades apresentadas, foram incluídos 19 novos medicamentos, além de
outros 37 itens a serem utilizados nos serviços de saúde municipal, passando
de 250 itens de medicamentos previstos na REMUME em 2019 para 306
itens em 2021. Com a instituição deste espaço de discussão, a atualização da
REMUME passou a ser anual.

A CAT juntamente com os médicos que atuam no âmbito municipal, com-


preendem que o objetivo da atualização anual da REMUME é fortalecer a
lista dos medicamentos disponíveis no município, proporcionando mais au-
tonomia e condições para os profissionais do município prescreverem alter-
nativas de tratamento aos pacientes na rede de saúde, melhor qualidade de
vida para os usuários e efetividade da terapêutica indicada.

Toda a atuação da CAT, em suas diversas vertentes e disciplinas, a partir dos


métodos já narrados, possibilitou a redução da judicialização de medicamen-
tos e serviços em saúde. Isso ocorreu porque se passou a considerar a eficácia
e a efetividade das soluções administrativas apresentadas aos casos existentes
e porque algumas demandas nem sequer começaram ser trazidas à CAT, em
razão de o paciente já possuir conhecimento acerca da porta de entrada dos
serviços e dos procedimentos que podem ser adotados para a satisfação de
sua demanda, ainda em âmbito administrativo.

A Comissão de Avaliação Técnica também buscou aproximação com os atores


da Justiça, como a Subseção de Bastos da Ordem dos Advogados do Brasil

Sumário 658
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

(OAB), a Promotoria de Justiça de Bastos e o próprio Poder Judiciário. Isso


possibilitou maior aprofundamento do conhecimento destes profissionais da
Justiça acerca da realidade da saúde pública local, possibilitando, inclusive,
comunicação ágil quanto a eventuais demandas e ordens judiciais concedi-
das, para que houvesse maior eficácia do resultado pretendido pelo paciente
também no âmbito judicial.

Neste ponto, importa destacar a decisão do Superior Tribunal de Justiça


(STJ), dentro da sistemática dos recursos repetitivos instituída pelos artigos
1036 a 1041 do Novo Código de Processo Civil, que fixa requisitos para que o
Poder Judiciário determine o fornecimento de medicamentos fora da lista do
SUS. A decisão estabeleceu critérios que passaram a ser exigidos nos proces-
sos judiciais distribuídos a partir da referida decisão, ou seja, a partir de 21 de
setembro de 2018, data de sua publicação no Diário Oficial da União (DOU).
Assim, a concessão dos medicamentos não incorporados nos atos normativos
do SUS, com o intitulado Tema 106 STJ, está condicionada aos seguintes
requisitos (BRASIL, 2018):

A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do


SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:

i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstancia-


do expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou
necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento
da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;

iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos


autorizados pela agência (BRASIL, 2018).

A partir desta decisão judicial no âmbito dos recursos repetitivos junto ao STJ,
que possui validade em todo âmbito nacional, a CAT, haja vista a presença de
um integrante com conhecimentos técnicos da seara jurídica, passou a integrar
em suas análises de requerimentos de medicamentos não incorporados pelo
SUS os requisitos constantes do Tema 106 do STJ, o que também foi observado
pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário nos casos concretos.

Sumário 659
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Com a atuação da CAT, bem como a partir do conhecimento levado à popu-


lação a partir das intervenções daquela, foi possível observar que o fenômeno
da judicialização de medicamentos e de serviços em saúde no município de
Bastos apresentou uma queda de 74% (setenta e quatro por cento) quando
comparados os anos de 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020.

2020 5

2019 4

2018 5

2017 7

2016 19

2015 23

0 5 10 15 20 25
Fonte: Próprio Autor.

Os dados estatísticos colhidos revelam a efetividade da estratégia multidis-


ciplinar para enfrentamento da judicialização de medicamentos e serviços
em saúde operada pela CAT instituída a partir da Portaria nº 4.912/17 no
município de Bastos.

Conclusão
As articulações, reuniões, visitas domiciliares, discussão técnica e multidis-
ciplinar dos casos submetidos à avaliação da CAT, bem como as estratégias
de enfrentamento e atuação efetiva, ensejaram resultado positivo, com a
redução de 74% (setenta e quatro por cento) dos casos levados ao Poder
Judiciário entre os anos de 2015 e 2020 na comarca e município de Bastos,
Estado de São Paulo.

Sumário 660
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

O resultado positivo, a partir das experiências e do conhecimento da popu-


lação e dos próprios profissionais da saúde, possibilitou maior racionalidade
dos próprios usuários do SUS e dos atores da seara judicial acerca dos medi-
camentos constantes da REMUME e dos protocolos clínicos oficiais do SUS, o
que permitiu maior eficácia na resposta às necessidades dos usuários.

No âmbito judicial, a formalização da Tese 106 do STJ, com abrangência


nacional a partir de 21 de setembro de 2018, estabelecendo critérios para a
concessão de medicamentos não incorporados nos atos normativos do SUS
também deve ser considerada como um marco na redução das demandas
submetidas ao Poder Judiciário, tendo em vista que, apesar da responsabi-
lidade solidária dos entes no âmbito do SUS, os critérios estabelecidos pela
jurisprudência do STJ possibilitaram maior racionalidade em relação às me-
dicações prescritas e não incorporadas nos atos normativos do SUS, princi-
palmente ao exigir o prévio registro do medicamento na Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Apesar do grande desafio de os serviços de saúde mensurarem os dados qua-


litativos do trabalho produzido, é possível observar que as ações multidiscipli-
nares realizadas pela CAT, instituída a partir da Portaria nº 4.912/17, no muni-
cípio de Bastos tiveram impactos significativos na redução de novas demandas
judiciais, principalmente na qualidade de vida dos pacientes acompanhados.

A preocupação com os gastos públicos é dever de todos e, por isso, a cons-


cientização da população no uso adequado de medicamentos prescritos e nas
opções de ajustes, facilitando o acesso aos fármacos e promovendo melhoria
na qualidade de vida individual, é tarefa coletiva. Nesse sentido, o próprio
usuário também possui responsabilidade acerca do conhecimento sobre os
canais de acesso, a porta de entrada do SUS e os meios administrativos para
obter a resposta efetiva à sua necessidade.

Sabe-se da carência de estudos no âmbito da judicialização da saúde que


apresentem medidas com potencial de reduzir o número de demandas ju-
diciais por medicamentos e que possam ser adotadas principalmente em pe-

Sumário 661
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

quenos municípios. Por outro lado, apesar da escassez destas bibliografias, a


prática da CAT possibilitou otimização da prestação de serviços em saúde no
município de Bastos, de modo a atender a necessidade do tratamento do pa-
ciente, otimizando os gastos públicos em saúde e ampliando o acesso à rede
universal do SUS.

Dessa forma, as estratégias multidisciplinares e humanizadas para efetividade


dos serviços na atenção básica, a partir da atuação e da articulação da CAT
com os pacientes, os demais atores do serviço público de saúde em âmbito
municipal e estadual, bem como com os profissionais da Justiça, possibilita-
ram maior eficácia na resposta da necessidade do usuário que pleiteou medi-
camentos e prestação de serviços em saúde. Diante disso, foi visível o impacto
de tal política na redução da judicialização em matéria de saúde no município
de Bastos.

Espera-se que esta experiência possa contribuir e apoiar gestores de saúde e


equipes técnicas de outros municípios que vivenciem a mesma problemática
ao buscar estratégias para o fortalecimento do SUS municipal.

Referências
BASTOS. município de Bastos. Portaria nº 4.912/2017. Institui a Comissão de
Avaliação Técnica. Bastos, São Paulo. Disponível em: https://www.bastos.sp.gov.br/
legislacao/detalhe/41/portarias-491017-a-491817/. Acesso em 10 mar. 2022.

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Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.
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FREITAS, I. V. Judicialização da saúde. Uma revisão sistêmica. Braz. J. Hea. Rev.,


Curitiba, v. 3, n. 4, p. 6244-6251 jul./aug. 2020. ISSN 2595-6825.

Sumário 662
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Debora; SCHWARTZ, Ida Vanessa Doederlein.


A tese da judicialização da saúde pelas elites: os medicamentos para
mucopolissacaridose. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 4,
p. 1089-1098, abr. 2013. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/
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ORDEM DOS FARMACÊUTICOS. Recomendações da Ordem dos Farmacêuticos


para o Uso Responsável do Medicamento. [S. l.]: Ordem dos Farmacêuticos, 2016.
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PEPE, V. L. E. et al. Caracterização de demandas judiciais de fornecimento de


medicamentos “essenciais” no Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde
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S0102-311X2010000300004

Sumário 663
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

A experiência do município de Ribeirão


Preto frente à judicialização da saúde
e à nova Lei Municipal nº 3.044/2020
Tatiana dos Reis Balaniuc Monteiro Moreira1

Resumo
O município de Ribeirão Preto tem um histórico robusto
na questão da judicialização da saúde, tendo inclusive re-
cebido o Prêmio Mário Covas por trabalho apresentado
pela equipe da época em parceria com o DRS XIII e HC
da FMRP USP na categoria inovação em gestão em 2008.
Em 2002, constituiu a CASE - Comissão de Análise de Soli-
citações com o objetivo de fornecer subsídios técnicos obje-
tivando maior eficiência nas demandas judiciais. A Comis-
são nunca teve caráter jurídico, sempre analisou apenas
a questão técnica dos pedidos, sejam eles medicamentos,
dietas, insumos, equipamentos, internações, cirurgias ou
qualquer outro tipo. Diversas iniciativas foram sendo to-
madas no Estado de São Paulo para auxiliar os gestores a

1 Mestra em Ciências - USP, Especialista em Direito Sanitário - IDISA e em Saúde Pública - UNAERP,
Pós-Graduada em Vigilância Sanitária - FIOCRUZ e Graduada em Direito - UNAERP; Fiscal da Vigi-
lância Sanitária e Diretora de Controle e Auditoria da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto
- SP; Lattes: http://lattes.cnpq.br/6765406206448585.

Sumário 664
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

enfrentar e otimizar a questão e, em paralelo, o Conselho


Nacional de Justiça lançou diversos enunciados em seus
simpósios para auxiliar e nortear os magistrados em suas
tomadas de decisões. No dia 09 de dezembro de 2020, foi
publicada no Diário Oficial a Lei Municipal nº 3044, que
dispõe sobre as ações judiciais ou procedimentos admi-
nistrativos de qualquer esfera que envolvam assistência à
saúde e autoriza o ocupante do cargo de Procurador Mu-
nicipal a não contestar, não recorrer, não comparecer em
audiência de conciliação ou desistir de recursos de ações/
defesas de ações quando houver parecer positivo da CASE.
A missão da Comissão se mantém relevante, ocupando um
papel de extrema importância no município; no contexto
atual (2021) deverá ser fortalecida visando sempre cum-
prir os princípios do SUS para fornecer atendimento inte-
gral às pessoas com equidade e justiça.

Palavras-Chave: Comissão de Análise CASE; Solicitações


Especiais; Demanda Judicial; Pareceres; Enunciados; Sub-
sídios Técnicos; Conselho Nacional de Justiça - CNJ.

Sumário 665
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Introdução
Como consta na própria portaria instituidora, a CASE - Comissão de Análise
de Solicitações (CASE) é uma instância colegiada, de natureza consultiva, atual-
mente vinculada à Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto, que tem
como atribuição emitir parecer nos pedidos de ações judiciais enviadas pelas
Varas Especializadas do Poder Judiciário e pelo Ministério Público Estadual.

O órgão objetiva fornecer subsídios técnicos a estas ações, assegurando maior


eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à Saú-
de, como medicamentos, exames, internações, fornecimento de equipamen-
tos, dietas e demais tratamentos em face do Sistema Único de Saúde (SUS).

A CASE foi constituída em 2002 por técnicos do município, do DRSXIII - De-


partamento Regional de Saúde do Estado e do HCRP - Hospital das Clínicas
e realiza um levantamento da situação das solicitações de medicamentos sem
registro na ANVISA, medicamentos já padronizados, prescrições da rede
complementar e privada de saúde, requisições pelo nome comercial de die-
tas e medicamentos, prescrições com cálculo excessivo entre outros e emite
pareceres ao Ministério Público e Judiciário.

Esta Comissão, que existe até a presente data e da qual faço parte desde
2015, foi constituída através da Portaria Estadual nº 02/04 (revogada em
2014)2. Mesmo passando anos num vazio normativo a Comissão nunca dei-
xou de exercer suas atividades e hoje, formalizada pela Portaria Municipal nº
178/20193, possui apenas 04 técnicos da área da saúde e 01 da área adminis-
trativa, todos servidores municipais voluntários, pois os técnicos do Hospital
das Clínicas e Secretaria do Estado deixaram de participar.

2 SÃO PAULO, SP. Portaria do Diretor, de 29 de março de 2014. Revoga a Portaria de 02, publicada
em 04 de agosto de 2004 alterada em 28 julho 2008 e 15 de agosto 2009, que constituiu a Comissão de
Análise de Solicitações Especiais da então DIR XVIII de Ribeirão Preto, atualmente DRS XIII. Diário
Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo, SP, Seção 1, p. 104.
3 RIBERÃO PRETO. Portaria nº 178/2019, de 19 de dezembro de 2019. Constitui a CASE - COMIS-
SÃO DE ANÁLISE DE SOLICITAÇÕES ESPECIAIS, da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão
Preto/SP. Diário Oficial do Município de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, ano
47, n. 10.839, p.2.

Sumário 666
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Seu objetivo continua sendo fornecer subsídios técnicos objetivando maior efi-
ciência nas demandas judiciais. A Comissão nunca teve caráter jurídico, sem-
pre analisou apenas a questão técnica dos pedidos, sejam eles medicamentos,
dietas, insumos, equipamentos, internações, cirurgias ou qualquer outro tipo.

Toda demanda de pareceres chega do Poder Judiciário (Varas da Fazenda


Pública, da Infância e do Idoso) e do Ministério Público através do e-mail
case@saude.pmrp.com.br, onde é catalogada pela área administrativa, atual-
mente sob minha responsabilidade, e, na sequência, direcionada aos técnicos
de cada área para análise.

Até o início da pandemia do novo coronavírus, a demanda vinha do Ministé-


rio Público por meio de processos físicos, como recomendava a portaria, mas
desde março de 2020 passou a vir por e-mail. Essa prática será incorporada em
definitivo mesmo após o final da pandemia, em consonância com o projeto da
Prefeitura “Ribeirão sem Papel” que já está em funcionamento através do siste-
ma implantado em 2021 pela Prefeitura, chamado SOLAR BPM, da Softplan.

Normalmente, os juízes solicitam análise da comissão antes de proferir suas


decisões e, embora o parecer dos técnicos não seja vinculativo, podendo eles
ser acatados ou não, o parecer tem papel importante para o desfecho no
Judiciário. No entanto, no caso do Ministério Público, este somente ajuíza a
ação se receber manifestação favorável dos técnicos da CASE.

A saúde como um direito de todos foi garantida no país com a promulgação


da Constituição de 1988 e, em consonância com o mandamento constitucio-
nal, foi sancionada a Lei Federal que criou o SUS, a 8080, em 1990.

Tal norma alterou a configuração do Sistema de Saúde Pública Nacional, ga-


rantindo acesso irrestrito e substituindo décadas de uma oferta precária de
saúde apenas para aqueles que tivessem carteira assinada, em que restava, aos
que não podiam pagar, um pedido de misericórdia nas Santas Casas locais.

Após a promulgação do texto constitucional, cresceu significativamente a cobran-


ça desse direito na via judicial e, assim, desde o ano de 2010, o CNJ – Conselho

Sumário 667
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Nacional de Justiça, através da Resolução 31, vem se manifestando fortemente


frente ao assunto e fazendo recomendações aos Tribunais de Justiça do país.

De tempos em tempos, enunciados são publicados em encontros realizados


especificamente para discutir a judicialização da saúde e assegurar maior efi-
ciência na solução das demandas, bem como nortear tema tão polêmico. Isso é
feito, afinal, porque falar de saúde é falar de vida humana, seja a preservação
da própria vida ou da qualidade dela, e, desta forma, negar qualquer pedido
referente ao direito à saúde parece negar o direito à própria vida, e isso nenhu-
ma pessoa intenta fazer.

Os enunciados editados sob a tutela e o comando do Conselho Nacional de


Justiça foram sendo cada vez mais solidificados no mundo jurídico nacional e,
diante deste contexto, surgiu a necessidade de estruturar núcleos técnicos de
assessoramento aos magistrados e magistradas.

Inicialmente, as solicitações eram formuladas sem tantas exigências, mas após


a Primeira Jornada de Direito à Saúde do CNJ elas começaram a ser refor-
muladas, como a necessidade de renovação periódica de relatório, histórico e
prescrição médica bem fundamentada, providências óbvias, mas que não cos-
tumavam ser observadas.

Dentre elas, foram sendo incluídas a necessidade de demonstração da negativa


ou indisponibilidade da prestação no âmbito do SUS, do registro do medi-
camento na ANVISA e da inclusão do paciente no cadastro das Unidades de
Assistência de Alta Complexidade (UNACON) ou dos Centros de Assistência
de Alta Complexidade em Oncologia (CACON).

Através desses enunciados, observa-se que questões fundamentais foram dis-


cutidas em âmbito nacional. No entanto, faz-se necessário um contínuo e cres-
cente fortalecimento (e implementação) de metas unificadoras. Por exemplo,
não se deve impor ao SUS ações e serviços que são de reconhecida natureza as-
sistência social, já que o SUS é uma das diversas políticas públicas e não a única.

Diante disso, tal sistema deve ser utilizado, exclusivamente, para garantir o
direito universal à saúde da população brasileira.

Sumário 668
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Um dos enunciados mais importantes a meu ver é o Enunciado 14, que reco-
menda a demonstração da inefetividade do tratamento oferecido e disponi-
bilizado pelo SUS aos seus usuários.

Ao mesmo tempo que ele fortalece o Sistema, evidencia a relevância da Co-


missão quando seus pareceres trazem esse tipo de informação.

A CASE simultaneamente atende diversos enunciados e, ao emitir seus pa-


receres além das informações prestadas, cumpre também o papel de prévia
oitiva ao gestor do SUS que o juiz deve buscar (Enunciado 13).

Os enunciados também atingem a saúde suplementar e essa é outra questão


pouco debatida. Sabemos que muitos pacientes usuários de planos privados
propõem as ações frente ao SUS e não contra o seu plano privado. Paira
então a grande dúvida se as comissões técnicas podem questionar o polo
passivo das ações e informar que o autor possui plano, responsável pelo for-
necimento do objeto da sua demanda, ou se em hipótese alguma isso deve ser
questionado pelo técnico, uma vez que o acesso ao SUS é universal.

Seguindo com os enunciados, se eles forem levados à risca, todos os itens


que a Comissão precisa para fornecer um parecer técnico bem fundamen-
tado ficariam atendidos, pois além dos temas já descritos anteriormente eles
também trazem a obrigação de que a prescrição seja feita pelo princípio ativo
e com relatórios médicos fundamentados circunstanciados e precedidos de
evidências científicas, completando a lista de solicitações de documentos feita
pela CASE.

As Jornadas de Direito à Saúde e a publicação de enunciados aconteceram


em toda a década passada, tendo a última, a III Jornada, ocorrido em 2019.
Com isso, foi formado um compilado de 48 enunciados com referências ro-
bustas para os julgamentos do tema, registrando a importância de recorrer à
medicina baseada em evidências para a solução das ações.

Importante ressaltar que essa interferência do Conselho Nacional de Justiça


às vezes gera polêmicas e opiniões muito divergentes. Existem os que enten-

Sumário 669
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

dem a iniciativa do CNJ como essencial para nortear uma seara tão complexa,
mas também há os que defendem que o Conselho extrapola suas funções e
tenta legislar criando enunciados de natureza jurisdicional. Na prática, vive-
mos, cotidianamente, a experiência da grande importância dos enunciados.

Iniciativas sobre o tema no estado de sp


Paralelamente à existência da CASE, vários formatos de grupos de trabalho
já foram montados com objetivo semelhante. Exemplo disso aconteceu, em
2015 através da publicação da Portaria n° 9177[1], editada pelo TJSP. A Porta-
ria instituiu um grupo de trabalho com a finalidade de avaliar e implementar
as possíveis soluções quanto à conciliação pré-processual nos pedidos de me-
dicamentos na região de Ribeirão Preto.

O grupo era composto por integrantes do Judiciário, da Fazenda Pública do


Estado e do COSEMS/SP, mas nunca teve grande efetividade e não se soube
qual a sua conclusão.

No cenário estadual, as iniciativas também foram sendo tomadas a partir


de discussões entre diversos atores e, em 2016, foi celebrado o TERMO DE
COOPERAÇÃO TÉCNICA nº 49/20164 entre a Secretaria de Estado da Saú-
de de SP, o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria. Esse termo
teve como objetivo a formalização da adesão dos municípios ao protocolo de
fluxos de serviços de triagem, orientação farmacêutica e nutricional e corre-
latos, conhecido como ACESSA SUS.

Em 2019, o município de São Paulo aderiu ao ACESSA SUS e o Programa


tem sido bem-sucedido, como podemos ver através dos relatos do Ministério
Público, da Defensoria e da Prefeitura do município.

4 SÃO PAULO. Termo de Cooperação Técnica nº 049/2016. Estabelece um protocolo de fluxos de


serviços de triagem e orientação farmacêutica, nutricional e correlatos pelo SUS e seus reflexos no Sis-
tema de Justiça, em especial nas instituições que o compõem. Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
São Paulo, SP. Disponível em: <https://www.trf3.jus.br/documentos/dirg/ajud/SUS_TERMO_DE_COO-
PERACAO_TECNICA_ASSINADO_49_2016.pdf>. Acesso em 14 de marços de 2022.

Sumário 670
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

De acordo com o site da Prefeitura de São Paulo:

“O programa prevê o atendimento direto à população e das demandas pro-


venientes do Ministério Público, Defensoria Pública e do Poder Judiciário
Estadual, visando à diminuição de ações judiciais desnecessárias e ainda for-
necendo informações técnicas para os magistrados antes da decisão judicial,
promovendo o uso racional de medicamentos com maior segurança e efeti-
vidade. Por meio do acolhimento presencial, técnicos da saúde verificarão
a necessidade individualizada do paciente e buscarão o atendimento da de-
manda, levando em consideração a integralidade de assistência à saúde que
o SUS propõe, sempre com foco de reinserção do paciente no Sistema Único
de Saúde.”5

De acordo com o então Procurador-Geral de Justiça, Gianpaolo Smanio:

“O projeto reduz a propositura de ações judiciais. “Nos casos em que há ju-


dicialização, o Acessa SUS estabeleceu um fluxo de análise, observando-se os
protocolos de atendimento do SUS e a integralidade do Orçamento da saúde.
Em 2018 foram realizados 48.000 atendimentos, dos quais houve solução de
74% dos pleitos, por intermédio do deferimento do pedido administrativo, da
reorientação para que o paciente obtivesse o produto/medicamento já ofertado
pelo SUS ou ainda ofertando alternativas terapêuticas disponíveis no sistema”.6

Existe ainda, como mais uma ferramenta técnica, que foi instituída em 2018
pelo TJSP, o NATJus, que já vem sendo utilizado por alguns juízes do mu-
nicípio de Ribeirão Preto. Trata-se de um núcleo de apoio técnico do Poder
Judiciário que fornece às varas e câmaras do Tribunal notas e respostas téc-
nicas com fundamentos científicos que auxiliem na análise de pedidos que
envolvam procedimentos médicos e fornecimento de medicamentos.

Portanto, vimos que a situação mudou consideravelmente desde que a CASE


surgiu. Hoje temos todos esses sistemas disponíveis, complementando e for-
talecendo os técnicos que emitem parecer para causas relativas à saúde.

5 SECRETARIA ESPECIAL DE COMUNICAÇÃO. São Paulo firma adesão ao programa Acessa


SUS. Site Oficial do Município de São Paulo, 2019. Disponível em: <http://www.capital.sp.gov.br/noti-
cia/sao-paulo-firma-adesao-ao-programa-acessa-sus>. Acesso em 21 de março de 2021.
6 NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. Vantagens do Acessa SUS são abordadas por PGJ em
evento do Tribunal de Contas. Site Oficial do Ministério Público do Estado de São Paulo, 2019. Dis-
ponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/noticias/noticia?id_noticia=20661899&id_gru-
po=118> Acesso 21 de março de 2021.

Sumário 671
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

É importante lembrar que, além da demanda habitual de solicitações, existe


uma demanda reprimida por conta da pandemia que deverá vir à tona, espe-
cialmente sobre os procedimentos eletivos suspensos nesse momento e todos
esses grupos técnicos irão ser de grande auxílio.

A forma procedimental da comissão


A CASE, ao receber o pedido encaminhado pela área administrativa, orga-
niza a distribuição dos serviços, verificando o assunto bem como a documen-
tação enviada e o técnico especializado tem um prazo de até 10 dias para
emitir o Parecer, salvo em casos que considerar urgentes, com risco à vida do
paciente. Assim que concluído o Parecer Técnico, este é remetido, imediata-
mente, por meio eletrônico, ao Juiz da causa ou ao Ministério Público.

Para garantir que todos os pedidos sejam avaliados adequadamente é neces-


sário o preenchimento do Formulário de Solicitação de Especiais (um especí-
fico para pedido de dietas e outro para os demais pedidos).

Os dados fundamentais e que constam no formulário são:

1. Identificação completa da paciente;

2. Caracterização da doença com diagnóstico e CID;

3. Produto solicitado pelo descritivo técnico, não devendo constar nome comer-
cial e histórico de tratamentos anteriores;

4. no caso de pedido de dieta, deve ter o Histórico e antropometria incluindo a


classificação do estado nutricional atual;

5. Plano alimentar atual em caso de solicitação de dietas;

6. Relatório médico atualizado e indicação da terapia nutricional;

7. Cópias dos exames laboratoriais recentes;

Sumário 672
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Membros da comissão
Ao ser constituída em Portaria Municipal, foi determinado que os profissio-
nais designados para compor a CASE são proibidos de ter qualquer relação
que possa vir a configurar conflito de interesses com indústria farmacêutica,
laboratórios e com o profissional prescritor, como rendimentos pecuniários,
prêmios, presentes e vantagens assemelhadas. Esta vedação se estende tam-
bém aos cônjuges, parentes colaterais, ascendentes ou descendentes de pri-
meiro grau dos membros da Comissão.

É determinado também que a designação do membro da CASE deve ser pre-


cedida, sem prejuízo de outras formalidades, do preenchimento do Termo de
Compromisso, declarando, sob as penas da lei, a inexistência de situações que
possam gerar conflito de interesses. Além disso, fica o membro da CASE res-
ponsável por esclarecer situação da qual advenha conflito de interesses decor-
rente das vedações previstas no caput que venha a surgir durante o exercício
de sua função, podendo se declarar suspeito ou impedido em caso concreto.

Outra questão delicada é que o nome dos membros da CASE consta na Portaria,
gerando, em algumas circunstâncias, certo desconforto. Esta função continua
a ser um trabalho não remunerado, considerando-se como serviço relevante.

Situação atual - desenvolvimento na prática

Diante do cenário acima descrito, o município de Ribeirão Preto segue com a


CASE emitindo pareceres, pois ainda não foi implantado o Programa ACES-
SA SUS no município.

Embora esse programa estadual tenha se mostrado eficiente, pois visa dimi-
nuição de ações judiciais desnecessárias e ainda oferta informações técnicas
para os magistrados antes das decisões judiciais, ele requer um aporte fi-
nanceiro e de recursos humanos por parte do município que precisam ser
discutidos e avaliados.

Sumário 673
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Apesar das fragilidades como a quantidade de membros e a saída da DRS e


HC, pelo seu longo histórico e pela sua seriedade e eficiência, a CASE conti-
nua sendo um caminho de análise muito utilizado em Ribeirão Preto.

Nas ações judiciais distribuídas perante o Poder Judiciário Estadual em que


se demandem prestações de saúde em face do Sistema Único de Saúde (SUS)
os pedidos são enviados para que técnicos analisem e se manifestem antes da
concessão das liminares.

O Ministério Público, por sua vez, em conduta sempre impecável, apenas pro-
põe ações nas causas com parecer favorável da Comissão, respeitando as mani-
festações técnicas, que informam sempre se a demanda solicitada tem opção de
tratamento disponível pelo SUS, entre outras informações relevantes.

Importante salientar que a pretensão mais solicitada para análise da CASE


são os medicamentos, na proporção de 70% dos pedidos, aproximadamente.
As demais solicitações são pedidos de dietas, equipamentos e tratamentos.

Hoje temos a Portaria de Consolidação nº 02/2017, que trata do tema já pu-


blicado anteriormente pelo Ministério da Saúde através da Portaria nº 1554
sobre as regras de financiamento e execução do CEAF, componente especia-
lizado da assistência farmacêutica no âmbito do SUS.

Esta portaria dispõe sobre as regras referentes ao fornecimento de medica-


mentos, levando em consideração que o CEAF é uma estratégia de acesso a
medicamentos no SUS caracterizada pela busca à integralidade da assistência.

O acesso aos medicamentos é garantido mediante pactuação da União, dos


Estados e dos municípios e, desta forma, as diferentes responsabilidades
dos entes precisam ser respeitadas para não prejudicar, em especial, os mu-
nicípios que recebem os pacientes, mas que tem um recurso finito para uma
demanda que tem que ser distribuída conforme os graus de complexidade
e orçamento.

Nesta norma temos a divisão das responsabilidades, as formas de financia-


mento, aquisição, programação, armazenamento e dispensação.

Sumário 674
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

São levados em conta critérios como complexidade do tratamento da doença,


garantia da integralidade do tratamento e a manutenção do equilíbrio finan-
ceiro entre as esferas de gestão do SUS.

O impacto orçamentário é calculado pelo departamento de assistência farma-


cêutica do MS e a responsabilidade pelo financiamento das incorporações de
medicamentos é pactuada na Comissão Intergestores Tripartite (CIT).

A Portaria trata ainda da execução do Componente Especializado, da forma


de solicitação, avaliação, autorização, dispensação, renovação da continuida-
de do tratamento e do laudo, definindo responsabilidades tanto a nível de
secretarias estaduais quanto às aquisições centralizadas pelo Ministério.

Já em relação à atenção básica, responsabilidade dos municípios, tínhamos a


Portaria nº 1555/2013. No entanto, essa foi revogada pela Portaria de Con-
solidação que se destina ao fornecimento dos medicamentos e insumos para
o tratamento precoce e adequado dos problemas mais comuns e/ou prioritá-
rios, passíveis de atendimento em nível básico, incluindo aqueles relaciona-
dos a agravos e programas de saúde específicos.

A Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto possui uma padronização


de aproximadamente 350 medicamentos, incluindo os medicamentos dos
programas ministeriais e gerenciados pela Divisão de Farmácia e Apoio Diag-
nóstico, a Relação Municipal de Medicamentos – REMUME7.

Entretanto, embora o sistema prime pela integralidade, ou seja, ele alcance


desde a atenção básica até a mais alta complexidade como tratamentos onco-
lógicos e transplantes, temos na Constituição Federal uma garantia de saúde
como direito de todos e dever do Estado, sendo este um conceito extrema-
mente amplo e muitas vezes mal interpretado.

7 DIVISÃO DE FARMÁCIA E APOIO DIAGNÓSTICO. Site Oficial do Município de Ribeirão


Preto/SP, 2019. Disponível em: <http://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/portal/saude/divisao-de-farma-
cia-e-apoio-diagnostico>. Acesso em 21 de março de 2021.

Sumário 675
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

A Constituição assegura que o direito à saúde deve ser garantido mediante


políticas públicas, sendo o SUS uma dessas políticas, mas que muitas vezes é
interpretada como a única política de saúde no país.

Hoje tem aumentado a discussão sobre qual direito à saúde a CF garante,


pois por muito tempo vinha sendo defendido que ela garante “tudo para
todos”, mas que se mostrou ser uma equação insustentável uma vez que a
demanda é infinita e a receita sempre será finita.

Existem pouquíssimos países com sistemas universais de saúde, mas todos


eles têm regras que precisam ser observadas não apenas por seus usuários e
gestores, mas também pelo Judiciário. Quando um país garante tratamento
médico e medicamentos sem custo, a população normalmente não exige o
que não está estabelecido nas políticas e protocolos pré-definidos como se
tornou hábito no Brasil.

Como exemplo podemos citar os fantásticos protocolos para centenas de en-


fermidades, da diabetes ao Alzheimer, com medicamentos de primeira linha,
mas que geram grande demanda por medicamentos não incorporados sem
considerar o custo-benefício que a tecnologia oferece.

Importante destacar que desde a sua criação o SUS sofre com o sub-finan-
ciamento e, em tempos atuais, tal financiamento permanece insuficiente em
razão da limitação do teto de gastos e outras medidas legislativas predatórias.

Por conta da grande oferta de produtos, equipamentos, exames e medica-


mentos por parte das indústrias, e por encontrarmos uma grande necessida-
de de tratamentos por parte da população, dificuldade de acesso e falhas na
gestão, a demanda judicial cresceu de forma exponencial. Isso levou o Con-
selho Nacional de Justiça a intervir na causa e criar regras para a concessão
dessas liminares e sentenças.

A questão não é simples e por mais que a decisão do magistrado seja extre-
mamente importante, a questão orçamentária também deve ser discutida
com a mesma intensidade, pois, embora a discussão judicial tenha a vida

Sumário 676
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

humana como o cerne do processo, muitas decisões são fundamentadas de


forma que os princípios do SUS, especialmente a equidade, não sejam leva-
dos em consideração.

O município de Ribeirão Preto, sempre presente nessas discussões, organi-


zou, no ano de 2010, o I Seminário Brasileiro sobre o Direito à Vida e à Saú-
de e seus impactos orçamentário e judicial. Os trabalhos apresentados foram
compilados no excelente livro “DIREITO À VIDA E À SAÚDE”, editado pela
então editora Atlas em 20108.

Dezenas de autores participaram da composição da obra, diversos membros


da CASE original, e diferentes realidades e pontos de vista foram expostos
sobre o tema. Passada mais de uma década da publicação da obra, percebe-
mos que a situação já evoluiu bastante, mas continua a exigir reflexões e uma
análise permanente.

A questão do equilíbrio necessário entre a necessidade do paciente e o sistema


de saúde continua a ser perseguida, a discussão do uso racional dos medica-
mentos, a qualidade da assistência, da prescrição e o papel de todos esses entes
desde os fabricantes até o consumidor se apresenta urgente e sempre atual.

O assunto foi ampliado de forma exponencial no ano de 2018 quando o Su-


perior Tribunal de Justiça julgou o mérito do Recurso Especial nº 1.657.156
RJ, referente a controvérsia repetitiva descrita no Tema 106, cuja questão era
a obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorpo-
rados em atos normativos do SUS.

Pela primeira vez o Superior Tribunal de Justiça modulou efeitos da decisão


de um recurso repetitivo para processos distribuídos a partir da conclusão
daquele julgamento.

O Tema 106, que trata do fornecimento de medicamentos constantes do rol


do SUS, foi discutido exaustivamente. Ao final, o STJ firmou a Tese de que a

8 BLIACHERIENE, Ana Carla; SANTOS, José Sebastião dos. Direito à vida e à saúde: impactos
orçamentário e Judicial. São Paulo: Atlas, 2010.

Sumário 677
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS


exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:

i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado


expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou ne-
cessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da
moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;

iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos auto-


rizados pela agência. (Tese definida no acórdão dos embargos de declaração
publicado no DJe de 21/9/2018.)

Realmente, em virtude da enorme quantidade de ações foi necessária a paci-


ficação do tema pelo STJ, estabelecendo diretrizes básicas para observância
em todas as ações judiciais em tramitação nos tribunais estaduais.

Colaborando no crescimento das ações vimos a disponibilização de novos me-


dicamentos e tecnologias, que foi crescendo e gerando uma quantidade de
ofertas (muitas delas sedutoras) impactando o setor privado da medicina e
instigando os pacientes a almejarem as novidades do mercado.

Além de estratégias de marketing envolvidas nessa questão, sensibilizando os


profissionais prescritores, temos produtos restritos e inacessíveis a uma gran-
de parcela da população que, com um direito à saúde tão abrangente quanto
o nosso, se viu na prerrogativa de buscá-los a qualquer custo.

Para completar, causando um efeito colidente, e que ainda provoca dúvidas,


o Supremo Tribunal Federal editou o Tema 7939 - Responsabilidade solidária
dos entes federados pelo dever de prestar assistência à saúde, com base no

9 BRASIL. Tema 793 do Supremo Tribunal Federal - Responsabilidade solidária dos entes federados
pelo dever de prestar assistência à saúde; em andamento. Recurso extraordinário em que se discute, à luz
dos arts. 2º e 198 da Constituição Federal, a existência, ou não, de responsabilidade solidária entre os entes
federados pela promoção dos atos necessários à concretização do direito à saúde, tais como o fornecimento
de medicamentos e o custeio de tratamento médico adequado aos necessitados. Disponível em: <http://
www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4678356&numer-
oProcesso=855178&classeProcesso=RE&numeroTema=793#>. Acesso em 10 de março de 2022.

Sumário 678
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

artigo 23 da CF, não exonerando nenhum ente da responsabilidade de cum-


prir o art. 196 da CF, e determinando que qualquer um deles pode figurar
no polo passivo, isolado ou conjuntamente.

Cabe aqui informar que os “temas” são uma categoria processual autônoma,
emanada da Suprema Corte após o julgamento de questões nacionalmente
relevantes. Em virtude de sua “repercussão geral”, seus efeitos automatica-
mente irradiam para todas as ações semelhantes em tramitação na Justiça.

Conforme explica, brilhantemente, a juíza federal Ana Carolina Moroskowi,


em artigo de sua autoria:

“a ideia de que todos seriam responsáveis por custear as mesmas coisas,


além de não atentar à legislação de regência do SUS, desconsiderava um
fato importantíssimo: a diferença econômica entre os entes. Um município
pequeno não pode ser obrigado, ainda que solidariamente, a fornecer as
mesmas tecnologias que devem ser fornecidas pela União”10.

Após uma série de votos divergentes e em virtude de contundente polêmica,


amenizou-se a questão com a seguinte tese jurídica deixando ao magistrado
tal incumbência:

“Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são so-


lidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde,
e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização,
compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as re-
gras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem
suportou o ônus financeiro”

Em que pese a consagração da repartição dos encargos pelos entes da federa-


ção, na medida fixada e com base nas atribuições pactuadas na CIT - Comissão
Intergestores Tripartite, infelizmente, tal diretriz, emanada do próprio STF,
não tem sido observada por vários julgadores, que entendem que todos os três
entes respondem igualmente.

10 MOROZOWSKI, Ana Carolina. Migalhas, 2020. Tema 793 do STF e responsabilidade dos en-
tes federados no SUS. Afinal, o que deve repercutir?. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/
depeso/332592/tema-793-do-stf-e-responsabilidade-dos-entes-federados-no-sus--afinal--o-que-deve-reper-
cutir>. Acesso em 21 de março de 2021.

Sumário 679
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

É importante destacar que o voto condutor definiu ainda que processos que
pleiteiam medicamentos não padronizados devem ter a União no polo passi-
vo. A União, entretanto, vem tentando mesmo assim se eximir da responsa-
bilidade em diversas ações, deixando o gestor municipal muitas vezes numa
situação impossível, pois esses pedidos, geralmente, envolvem medicamentos
e tratamentos caríssimos.

Outra questão que provoca desconforto no sistema diz respeito ao comporta-


mento das instituições privadas, como por exemplo as ILPIs - Instituições de
Longa Permanência para idosos, responsáveis legalmente pela atenção inte-
gral ao idoso, regidas por normas que determinam sua obrigação de primar
pelo cuidado global e prever a atenção integral à saúde do idoso, fornecendo
tudo que ele necessita; mas, aproveitando-se da postura de boa-fé do Poder
Judiciário, acabam exigindo que seus pacientes ingressem com ações contra
o Poder Público para que este assuma o fornecimento de fraldas, dietas, oxi-
gênio e medicamentos, buscando na prática transferir suas responsabilidades
para os entes públicos, em que pese serem instituições privadas.

Após demanda tão grande por fraldas via judicial, a Prefeitura de Ribeirão
Preto instituiu um protocolo de sucesso para fornecimento de fraldas descar-
táveis para idosos acamados e pessoas com deficiência física, mental ou neu-
rológica, através do Programa “Cuidar e Bem-estar”, regulamentado pela
Lei nº 13.528, de 03/06/201511, diminuindo imensamente a judicialização
deste item.

Este excelente programa é uma parceria da Secretaria da Saúde com a Secre-


taria de Assistência Social, onde a Saúde financia o programa e o Fundo So-
cial administra, fazendo a triagem de pacientes e entrega dos cartões. Assim,
o assistido, atendendo aos critérios estabelecidos na lei, é incluído no progra-
ma e recebe um cartão vale fraldas com um valor inserido mensalmente para

11 RIBEIRÃO PRETO. Lei nº 13.528, de 03 de junho de 2015. Dispõe sobre a distribuição gratuita
pelo poder público municipal de fraldas descartáveis para idosos acamados e pessoas com deficiência
física, mental ou neurológica, com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Diário Oficial do
Município de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. Ribeirão Preto, SP. Disponível em: <https://www.
ribeiraopreto.sp.gov.br/legislacao-municipal/pesquisa/lei/36290>. Acesso em 10 de março de 2022.

Sumário 680
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

compra da fralda de sua preferência, evitando ao gestor público o desgaste


da compra e armazenamento de itens muito volumosos.

A Lei nº 3.044/2020
Finalmente, chegamos à Lei Municipal nº 304412, publicada no final de 2020,
que veio para fortalecer a importância de uma demanda bem instruída e bem
documentada ao enfatizar que o parecer favorável dos técnicos da CASE au-
toriza o Procurador Municipal a não contestar, não recorrer e não compare-
cer em audiências tendo como objeto a matéria aqui abordada (judicialização
na área da saúde).

É compreensível que o Procurador entenda ser desnecessário se opor em


ação em que o técnico da saúde se manifestou favorável ao pedido do autor.
No entanto, muitas vezes a manifestação do técnico não é considerada na sua
integralidade, trazendo assim grande prejuízo ao órgão público, pois existem
pareceres parciais, outros favoráveis por tempo determinado ou favorável
ao medicamento pelo princípio ativo, e a decisão acaba sendo proferida sem
essas advertências e limitações, vinculando assim o gestor a comprar um me-
dicamento pelo seu nome (marca comercial) ou fornecer um produto/trata-
mento por tempo indeterminado. Nesse sentido, vale lembrar que o parecer
da CASE tem caráter exclusivamente técnico, não questionando questões
como renda financeira, solicitações da saúde suplementar e complexidade
entre os entes federativos.

Estes são os vieses que causam um embaraço na análise, gerando desconforto


aos técnicos, que vêm se negando a participar da Comissão; tal contexto é
demonstrado na própria quantidade reduzida de pessoas que hoje trabalham
na mesma.

12 RIBEIRÃO PRETO. Lei Complementar nº 3.044, de 07 de dezembro de 2020. Dispõe sobre


ações judiciais ou procedimentos administrativos de qualquer esfera que envolvam assistência à saúde.
Diário Oficial do Município de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. Ribeirão Preto, SP. Disponível em:
<https://publico.camararibeiraopreto.sp.gov.br/consultas/norma_juridica/norma_juridica_mostrar_pro-
c?cod_norma=11106>. Acesso em 10 de março de 2022.

Sumário 681
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Desta forma, a dinâmica dos trabalhos da CASE, visando a celeridade, funcio-


nalidade e eficácia das manifestações, necessita ser fortalecida e a exigência
dos documentos que embasam a análise da Comissão deve ser mais efetiva.

Para que isso ocorra, é necessário que, ao ser distribuída a ação, ou feita a so-
licitação no Ministério Público, a cópia remetida à Comissão venha instruída
com todos os documentos necessários para emissão do parecer (formulário de
solicitação assinada pelo médico prescritor; receita médica nos termos da Re-
solução 1851/08 do Conselho Federal de Medicina13, ou seja, legível, datado,
detalhado, no laudo deve constar além da doença e/ou diagnóstico de forma
extensa e com CID; relatório e exames médicos, todos datados, assinados e
legíveis; cópia do RG, CPF, cartão SUS e comprovante de endereço).

É essencial que todos esses documentos sejam enviados corretamente e que


os solicitantes sejam moradores do município. No entanto, a maioria dos re-
latórios é precária e não informa os tratamentos já realizados ou é ilegível,
dificultando imensamente a análise.

Uma questão importante é a assinatura do médico responsável no formulá-


rio, que fornece ao pedido a formalidade necessária e garante que os trata-
mentos ofertados pelo SUS já foram tentados e não foram exitosos, além de
se responsabilizar pela demanda levada ao órgão público.

Após a publicação da lei municipal supracitada, a CASE entrou em contato


com a Vara da Infância e Juventude e do Idoso e com o Ministério Público
para discutir a necessidade de que a documentação que for enviada para
análise atenda a todos os critérios pré-estabelecidos, especialmente, a partir
dessa normatização. O objetivo é estar em contato com todos os envolvidos,
mas pela pandemia ainda não conseguimos atingi-lo.

13 BRASÍLIA. Resolução CFM nº 1.851/2008, de 18 de agosto de 2008. Altera o art. 3º da Resolução


CFM nº 1.658, de 13 de fevereiro de 2002, que normatiza a emissão de atestados médicos e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Seção I, p. 256. Brasília, DF. Disponível em: <https://sistemas.
cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2008/1851>. Acesso em 13 de março de 2022.

Sumário 682
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Com a publicação da lei municipal surgiram propostas


para a case
Considerando os impactos que a Lei nº 3044 trouxe, têm sido discutidas as
maiores necessidades da Comissão neste momento:

1. Promover reuniões entre todos os envolvidos e fortalecer a relação e os pro-


pósitos consagrados no SUS, com o objetivo de prestar um serviço que atenda
a todos e obedeça aos princípios administrativos de eficiência, legalidade, im-
pessoalidade e boa gestão dos recursos públicos.

2. Avaliar a adesão ao ACESSA SUS, com o objetivo de que a judicialização dimi-


nua, uma vez que o objetivo do programa é promover o uso racional de medi-
camentos e reintegrar os pacientes aos programas de assistência farmacêutica
do SUS, resolvendo as demandas administrativamente.

3. Fortalecer a Comissão com mais técnicos, questão essencial não apenas pelo
volume de trabalho, mas pela responsabilidade envolvida e, se possível, esca-
lar técnicos da gestão estadual para agregar ao time municipal.

4. Incluir as informações da demanda judicial no sistema de cadastro de usuários


Hygia para organizar cada vez mais os dados da judicialização no município.

5. Promover simpósios e encontros com gestores de outros municípios e estados,


permitindo que novas técnicas e modelos de sucesso, no tocante a gestão, se-
jam espelhados e seguidos pelos administradores do SUS.

Conclusão
Como consta no artigo “A influência da gestão do sistema de saúde na utili-
zação da via judicial para acesso a produtos e serviços” (BLIACHERIENE &
SANTOS, 2010), “a inexistência de recursos financeiros não pode prosperar frente a
iminência da morte” e desta forma teremos demandas para sempre.

Não esperamos que elas deixem de existir, mas que estratégias sejam sempre
discutidas e implementadas para que a Justiça possa ser oferecida tanto ao
Sumário 683
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

usuário quanto ao ente público que vem trabalhando com afinco para
oferecer saúde de forma integral e universal à população, com grande
eficiência, apesar dos recursos finitos.

Nesse momento, temos a pandemia que trouxe a Covid-19 como mais um


entrave para essa discussão, uma vez que o combate aos seus efeitos nocivos
e devastadores se tornou a prioridade central no SUS. Superada tal adver-
sidade, faz-se necessária a retomada dos encontros, a fim de aprofundar as
discussões e solucionar os gargalos existentes no que toca ao tema judiciali-
zação da saúde. Evidentemente, a Covid-19 provocou o surgimento de no-
vas demandas, em especial o represamento e a suspensão de procedimentos
relacionados às outras necessidades médicas da população.

Se a CASE continuará a se fazer necessária frente à possível adesão ao


sistema ACESSA SUS (quando esse for implementado no município de
Ribeirão Preto) e ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (o NA-
TJus) é uma questão a ser debatida. Por ora, temos uma legislação munici-
pal que exige da Comissão ainda mais rigor na cobrança da documentação
que fundamenta as demandas, para que as análises sejam sempre nortea-
das por regras austeras com vista a garantir o direito do usuário e analisar
o impacto orçamentário causado ao ente público.

Todo esse esforço, controle, fixação de parâmetros, almeja a manutenção,


a continuidade e a sobrevivência do Sistema Único de Saúde, que repre-
senta uma grande conquista, senão a maior delas, no que toca à saúde do
povo brasileiro.

Referências
BLIACHERIENE, Ana Carla; SANTOS, José Sebastião dos. Direito à vida e à saú-
de: impactos orçamentário e Judicial. São Paulo: Atlas, 2010.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


São Paulo: Ed Saraiva, 1991.

Sumário 684
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para


a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 20 de setembro de 1990b.

BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria de Consolidação nº 2,


de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as políticas nacionais de
saúde do Sistema Único de Saúde. Brasília, 2017.

BRASIL. Tema 793 do Supremo Tribunal Federal - Responsabilidade solidária


dos entes federados pelo dever de prestar assistência à saúde; em andamento.
Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 2º e 198 da Constituição
Federal, a existência, ou não, de responsabilidade solidária entre os entes
federados pela promoção dos atos necessários à concretização do direito à
saúde, tais como o fornecimento de medicamentos e o custeio de tratamento
médico adequado aos necessitados. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/
jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4678356&
numeroProcesso=855178&classeProcesso=RE&numeroTema=793#>.
Acesso em 10 de março de 2022.

BRASÍLIA. Resolução CFM nº 1.851/2008, de 18 de agosto de 2008. Altera o


art. 3º da Resolução CFM nº 1.658, de 13 de fevereiro de 2002, que normatiza a
emissão de atestados médicos e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Seção I, p. 256. Brasília, DF. Disponível em: <https://sistemas.cfm.org.br/normas/
visualizar/resolucoes/BR/2008/1851>. Acesso em 13 de março de 2022.

DIVISÃO DE FARMÁCIA E APOIO DIAGNÓSTICO. Site Oficial do município


de Ribeirão Preto/SP, 2019. Disponível em: <http://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/
portal/saude/divisao-de-farmacia-e-apoio-diagnostico> Acesso em 21 de março
de 2021.

MOROZOWSKI, Ana Carolina. Migalhas, 2020. Tema 793 do STF e


responsabilidade dos entes federados no SUS. Afinal, o que deve repercutir?
Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/332592/tema-793-do-stf-
e-responsabilidade-dos-entes-federados-no-sus--afinal--o-que-deve-repercutir>.
Acesso em 21 de março de 2021.

NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. Vantagens do Acessa SUS são


abordadas por PGJ em evento do Tribunal de Contas. Site Oficial do Ministério
Público do Estado de São Paulo, 2019. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/
portal/page/portal/noticias/noticia?id_noticia=20661899&id_grupo=118>.
Acesso 21 de março de 2021.

RIBEIRÃO PRETO. Lei Complementar nº 3.044, de 07 de dezembro de 2020.


Dispõe sobre ações judiciais ou procedimentos administrativos de qualquer esfera

Sumário 685
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

que envolvam assistência à saúde. Diário Oficial do município de Ribeirão Preto,


Estado de São Paulo. Ribeirão Preto, SP. Disponível em: <https://publico.camara-
ribeiraopreto.sp.gov.br/consultas/norma_juridica/norma_juridica_mostrar_proc?-
cod_norma=11106>. Acesso em 10 de março de 2022.

RIBEIRÃO PRETO. Lei nº 13.528, de 03 de junho de 2015. Dispõe sobre a dis-


tribuição gratuita pelo poder público municipal de fraldas descartáveis para idosos
acamados e pessoas com deficiência física, mental ou neurológica, com mobilidade
reduzida, e dá outras providências. Diário Oficial do Município de Ribeirão Preto,
Estado de São Paulo. Ribeirão Preto, SP. Disponível em: <https://www.ribeiraopreto.
sp.gov.br/legislacao-municipal/pesquisa/lei/36290>. Acesso em 10 de março de 2022.

RIBERÃO PRETO. Portaria nº 178/2019, de 19 de dezembro de 2019. Constitui a


CASE - COMISSÃO DE ANÁLISE DE SOLICITAÇÕES ESPECIAIS, da Secretaria
Municipal da Saúde de Ribeirão Preto/SP. Diário Oficial do Município de Ribeirão
Preto, Estado de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, ano 47, n. 10.839, p.2.

SÃO PAULO, SP. Portaria do Diretor, de 29 de março de 2014. Revoga a Portaria


de 02, publicada em 04 de agosto de 2004 alterada em 28 julho 2008 e 15 de agosto
2009, que constituiu a Comissão de Análise de Solicitações Especiais da então DIR
XVIII de Ribeirão Preto, atualmente DRS XIII. Diário Oficial do Estado de São
Paulo. São Paulo, SP, Seção 1, p. 104.

SÃO PAULO. Termo de Cooperação Técnica nº 049/2016. Estabelece um protocolo


de fluxos de serviços de triagem e orientação farmacêutica, nutricional e correlatos
pelo SUS e seus reflexos no Sistema de Justiça, em especial nas instituições que o
compõem. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. São Paulo, SP. Disponível em:
<https://www.trf3.jus.br/documentos/dirg/ajud/SUS_TERMO_DE_COOPERACAO_
TECNICA_ASSINADO_49_2016.pdf>. Acesso em 14 de marços de 2022.

SECRETARIA ESPECIAL DE COMUNICAÇÃO. São Paulo firma adesão ao pro-


grama Acessa SUS. Site Oficial do Município de São Paulo, 2019. Disponível em:
<http://www.capital.sp.gov.br/noticia/sao-paulo-firma-adesao-ao-programa-acessa-
sus>. Acesso em 21 de março de 2021.

Sumário 686
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Internação compulsória a usuários em


uso de álcool e outras drogas em
Porto Alegre - RS
Dayane Degner Ribeiro Brasil1
Annie Jeanninne Bisso Lacchini2

Resumo
A internação compulsória é uma medida de intervenção
destinada a usuários com transtorno mental ou transtorno
por uso de substâncias, associado a risco de auto e heteroa-
gressão, determinado pelo Poder Judiciário, sem o con-
sentimento do sujeito, em casos mais graves e extremos,
após ineficiência de medidas intervencionais voluntárias.
Este trabalho objetiva evidenciar à comunidade acadêmica
o processo de internação compulsória a usuários em uso
de álcool e outras drogas no município de Porto Alegre,
no Estado do Rio Grande do Sul. Trata-se de um relato
de experiência acerca desse processo, que é conduzido

1 Mestre em Enfermagem - UFCSPA, Especialista em Saúde Mental HCPA e UNISINOS e Gradua-


da em Enfermagem - UFCSPA; Pesquisadora; Fundação Universidade Federal de Ciências da Saúde
de Porto Alegre; Lattes: http://lattes.cnpq.br/1452592398070841.
2 Doutora em Enfermagem - UFRGS e Graduada em Enfermagem - UFSM; Docente do Programa
de Pós-Graduação em Enfermagem; Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre Lat-
tes: http://lattes.cnpq.br/5806180139423756.

Sumário 687
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

pelo âmbito jurídico e da saúde. Inicialmente, o familiar


do usuário deve encaminhar-se à Defensoria Pública Es-
tadual para a solicitação do termo de internação compul-
sória. Na sequência, deve dirigir-se ao Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e outras Drogas de referência, do seu
território, referindo os motivos e agravos que o fizeram
solicitar tal intervenção. Haverá uma avaliação pela equi-
pe multiprofissional, com tentativas de aproximação do
usuário ao serviço e de reversão da internação compul-
sória para um acompanhamento voluntário. Mostrando-
se ineficiente esta aproximação, caso a equipe identifique
benefícios da internação poderá concretizar a medida, de-
vendo o familiar encaminhar o formulário à Defensoria
Pública Estadual. A internação compulsória é destinada a
casos mais graves, com riscos ao indivíduo e à comunida-
de. Deve-se tentar a sua reversão, com aproximações ao
usuário e construção de vínculo, visando a possibilidade
de intervenções voluntárias na reabilitação do usuário.

Palavras-chaves: Internação Compulsória; Assistência à


Saúde Mental; Transtornos Relacionados ao Uso de Subs-
tâncias.

Sumário 688
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Introdução
O uso abusivo de álcool e outras drogas se constitui como uma questão de
saúde pública, podendo desencadear problemas biológicos, sociais e psíqui-
cos, como o Transtorno por Uso de Substâncias (TUS) (LIMA et al., 2018;
BALLONE, 2010; BRASIL, 2015).

O TUS envolve um padrão intenso de uso de Substâncias Psicoativas (SPAs),


mesmo com o experimento de problemas significativos relacionados ao uso.
Isso ocorre devido ao fato de essas substâncias ativarem o sistema de recom-
pensa do cérebro e produzirem sensações de prazer. A ativação pode ser tão
intensa que cada vez mais anseiam pela substância e negligenciam as ativida-
des diárias para obtê-la e usá-la (APA, 2013; JULIÃO, et al., 2012).

Dentre as possibilidades de intervenção ao uso intenso e problemático, pode-


mos visualizar o acompanhamento psicossocial realizado no Centro de Aten-
ção Psicossocial, na modalidade de Álcool e outras Drogas (CAPS AD) e as
internações psiquiátricas (BRASIL, 2001; BRASIL, 2002).

O CAPS AD é serviço de saúde mental pertencente ao Sistema Único de Saú-


de (SUS) e preconizado pelas políticas de saúde mental como um dos compo-
nentes da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) às demandas do uso de SPAs
(BRASIL, 2002; BRASIL 2017).

Este serviço conta com o aporte de uma equipe multiprofissional, visando


a promoção do processo de reabilitação psicossocial e a reinserção social do
usuário3. O serviço realiza, também, atendimentos a situações de crise, com
encaminhamentos e intervenções pertinentes, conforme a gravidade da si-
tuação. Em situações de crise, onde o usuário necessita de um cuidado in-
tensivo da equipe de saúde, a internação pode ser uma alternativa benéfica
(BRASIL, 2002; BRASIL, 2017).

3 No âmbito da saúde mental, nomeamos os indivíduos de “usuários” por estarem utilizando servi-
ços extra-hospitalares vinculados ao SUS, como o CAPS AD.

Sumário 689
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Conforme previsto na Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, que dispõe


sobre a proteção e os direitos dos usuários com transtornos mentais, a in-
ternação psiquiátrica se apresenta em três modalidades: internação volun-
tária (quando há consentimento do usuário), internação involuntária (sem
o consentimento do usuário, com autorização familiar ou de responsáveis)
e a internação compulsória (sem o consentimento do usuário e com auto-
rização judicial) (BRASIL, 2001). Neste estudo, focaremos no processo de
internação compulsória em álcool e outras drogas.

A internação compulsória é uma medida de intervenção destinada a usuá-


rios com transtorno mental ou transtorno por uso de substâncias, associado
a um dos seguintes fatores: risco de autoagressão, risco de heteroagressão,
risco de agressão à ordem pública, risco de exposição social e incapacidade
grave de autocuidados (RUIZ; MARQUES, 2015).

A medida é determinada pelo Poder Judiciário após avaliação de uma equi-


pe especializada em saúde mental do CAPS AD e sem o consentimento do
indivíduo cuja internação foi solicitada (BRASIL, 2001; BRASIL, 2019). A
ocorrência da internação e a sua alta devem ser comunicadas ao Ministério
Público (MP), à Defensoria Pública Estadual (DPE) e aos órgãos de fiscaliza-
ção em, no máximo, 72 horas (BRASIL, 2019).

A intervenção se mostra necessária quando o indivíduo está colocando a


sua vida ou a de outras pessoas em risco. Ainda assim, a medida é bastante
agressiva, por ser contra a vontade do sujeito. Nesse momento, porém, a
internação é a única possibilidade para o início de uma terapêutica. Porém,
anteriormente, é importante que ocorram tentativas de reversão da medi-
da, com a possibilidade de uma intervenção voluntária, como o acolhimen-
to noturno, no CAPS AD, ou uma internação.

Frente a essas questões e inquietações, realizou-se relato de experiência


quanto ao processo de internação compulsória, no âmbito jurídico e da
saúde. Para maiores subsídios, buscaram-se dados na literatura científica
acerca da temática, com o intuito de demonstrar em que momento a in-

Sumário 690
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

tervenção se torna necessária e como esse processo ocorre na prática. O


estudo tem como objetivo evidenciar à comunidade científica o processo
de internação compulsória a usuários em uso de álcool e outras drogas, no
município de Porto Alegre.

Internação compulsória a usuários em uso de álcool e


outras drogas

Processo metodológico

O estudo evidencia a descrição do processo de internação compulsória a


usuários em uso de álcool e outras drogas, no âmbito jurídico e da saúde,
por meio de um relato de experiência realizado por uma Enfermeira, pro-
fissional de saúde mental e atuante em CAPS AD, no município de Porto
Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul, no primeiro semestre de 2021.

O relato tem a finalidade de descrever uma vivência profissional que contri-


bua com a discussão, reflexão de ideias e construção de conhecimentos para
a qualificação do cuidado na área da saúde (ARAÚJO et al., 2013).

A apresentação dos resultados ocorreu conforme dados obtidos de obser-


vações práticas, na área da saúde, do processo de internação compulsória,
desde a solicitação do formulário na DPE até a avaliação da situação por
profissionais de saúde mental do CAPS AD. Posteriormente, os dados ob-
servados foram associados à literatura científica da área para maiores dis-
cussões acerca do processo.

O estudo levou em consideração os aspectos éticos de seguridade e autenti-


cidade das informações, garantindo a não exposição de opiniões individuais
e sendo apresentada somente a visão da pesquisadora acerca do processo
de internação compulsória no município.

Sumário 691
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Processo de internação compulsória a usuários em uso de


álcool e outras drogas no âmbito jurídico e da saúde
O consumo de álcool e outras drogas tem sido um grande desafio para a saú-
de pública mundial (UNODC, 2017; BRASIL, 2015). Estima-se que 1 bilhão
de pessoas no mundo utilizaram alguma SPA pelo menos uma vez. Dessas,
30 milhões desenvolveram TUS e resultaram em incapacidades diárias e até
mortes prematuras (UNODC, 2017). No Brasil, aproximadamente 47% da
população já teve contato com alguma substância ilícita, 20% teve acesso à
cocaína e, dessas, 5% a utilizaram (BASTOS et al., 2017; RODRIGUES et al.,
2019; BOKANY, 2015).

A literatura científica evidencia que 5% das internações em países desenvolvi-


dos estão relacionadas ao consumo abusivo de álcool e outras drogas (UNODC,
2017). No Brasil, de 2005 a 2015, 0,4% das internações hospitalares ocorreram
devido ao uso de álcool e outras drogas (RODRIGUES et al., 2019).

Conforme os artigos 6º e 9º da Lei Federal nº 10.216/2001, a internação com-


pulsória é destinada a usuários em uso abusivo de SPA e com risco de auto e
heteroagressão, sendo determinada pelo Poder Judiciário e sem o desejo do
indivíduo (BRASIL, 2001). Na maioria dos casos, a família do usuário é que
irá solicitar a medida, percebendo os agravos e consequências diárias do uso,
mas ela também pode ser requerida pela equipe de saúde.

O acompanhamento em regime de internação ofertará uma assistência inte-


gral e mais intensiva, visando seu processo de desintoxicação e reabilitação
psicossocial (BRASIL, 2015). Esse apoio irá proteger o usuário de danos que
ele poderia causar à sua integridade e à dos demais. Durante este período, é
importante que ele esteja ciente da situação e das consequências de seus atos,
visando diminuir os riscos existentes.

A internação somente deverá ser concretizada e validada quando não houver


nenhuma outra possibilidade de acompanhamento na Rede de Atenção à
Saúde (RAS). Pontua-se, também, que o familiar poderá solicitar a interrup-
ção da medida, se achar necessário (BRASIL, 2001).

Sumário 692
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

O processo de solicitação da medida tem gerado discussões sobre ética, liber-


dade, autonomia, direitos humanos e efetividade do acompanhamento. São
criados, assim, desafios éticos para a equipe de saúde, como a definição dos
critérios para encaminhamento, questionamentos sobre a decisão da equipe
pela internação poder se impor à autonomia do usuário e qual deve ser a
relação desse Sistema com o Sistema Judiciário (FATURETO, PAULA-RA-
VAGNANI, GUANAES-LORENZI, 2020).

Segundo a Constituição Federal, todo cidadão brasileiro possui dignidade,


direito à liberdade e autonomia de escolha (BRASIL, 1988). Frente a isso,
a proteção dos direitos deve perdurar em situações em que haja perda da
autonomia, observando princípios da bioética, como não maleficência, bene-
ficência e justiça (DUARTE, et al., 2018; BRASIL, 1988).

Atualmente, no município de Porto Alegre, o processo de solicitação de inter-


nação compulsória necessita ser acionado, inicialmente, pela DPE4, que tem
como atribuição oferecer orientação jurídica e promover os direitos humanos
e a defesa dos direitos individuais e coletivos (DEFENSORIA PÚBLICA DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 2021).

O familiar deverá se encaminhar à DPE, explicando a situação atual do usuá-


rio que necessitaria dessa intervenção, e solicitar o termo de internação com-
pulsória. A equipe da DPE orientará o familiar sobre como proceder em re-
lação à solicitação de internação compulsória. A avaliação e o preenchimento
do termo serão realizados pela equipe multiprofissional do CAPS AD.

No termo de internação compulsória deverão constar informações acerca da


situação atual do indivíduo e do seu histórico de saúde em geral, bem como
dados sobre os acompanhamentos em saúde mental já realizados e a justifica-
tiva da necessidade de internação compulsória. O documento deve ser ana-
lisado e discutido em equipe, para evitar possíveis equívocos em avaliações.

4 Devido ao fato de o CAPS AD ser um serviço vinculado ao SUS, a grande maioria da comunidade
assistida são pessoas economicamente hipossuficientes. Portanto, os familiares acessam a DPE para
auxílio na concretização da medida.

Sumário 693
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Caso se entenda que a medida é necessária, o formulário deve ser assinado


pelos profissionais que acompanharam o caso.

Posteriormente, o familiar deve se encaminhar ao CAPS AD, serviço es-


pecializado no processo de reabilitação em saúde mental, álcool e outras
drogas (BRASIL, 2002), pertencente ao território do indivíduo. A equipe
do CAPS AD irá atender o familiar, coletando informações sobre a situação
agravante e sobre o usuário cuja internação foi solicitada. Na sequência,
avaliará a situação, discutindo em equipe, e tentará aproximar-se do usuá-
rio. Essa aproximação será realizada por meio do familiar, solicitando que
ele compareça ao serviço, ou por busca ativa, via contato telefônico ou via
visita domiciliar, se necessário.

A busca ativa via contato telefônico pode ser entendida como um primeiro
contato com o usuário pelo profissional responsável pelo caso, o Terapeuta
de Referência (TR), objetivando um possível início do acompanhamento no
serviço. Já a visita domiciliar ou atendimento domiciliar visa um atendimento
no local de morada do indivíduo, para compreensão de seu contexto, de suas
relações e do planejamento do acompanhamento futuro (BRASIL, 2015).

Havendo essa possibilidade de aproximação, tenta-se contato com o usuário


no intuito de conhecer melhor a situação e o indivíduo, visando a construção
do vínculo terapêutico para posterior intervenções. O vínculo é um recurso
terapêutico benéfico ao usuário no processo de reabilitação ao uso intenso
de álcool e outras drogas que se estabelece a partir da troca (transferência)
de afetos entre o profissional e o usuário, podendo ser potente quando se
consegue apoio para auxiliá-lo, bem como, para estimulá-lo a se ajudar no
acompanhamento (responsabilização do cuidado) (BAPTISTA, et al, 2020).

Caso esse processo seja positivo, o profissional iniciará o acompanhamento


na tentativa de reverter a internação compulsória em uma intervenção vo-
luntária, como uma internação ou acolhimento noturno no CAPS AD III
- modalidade de atendimento 24 horas, em álcool e outras drogas - depen-
dendo da situação e dos agravos.

Sumário 694
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

A internação voluntária, em hospital geral ou psiquiátrico, é uma interven-


ção realizada com o consentimento do usuário, com duração aproximada de
21 dias. Essa medida objetiva minimizar os riscos, priorizando necessidades
psicossociais, (re)ajustando o tratamento psicofarmacológico e promovendo
a reinserção social. É indicada para casos mais graves, com riscos associados,
quando os recursos extra-hospitalares se mostraram insuficientes (BRAGA,
PEGORARO, 2020).

Já o acolhimento noturno, podendo ser realizado pelo CAPS AD III, é um


recurso do Projeto Terapêutico Singular (PTS) dos usuários que objetiva a re-
tomada das relações interpessoais e do convívio familiar e/ou comunitário, em
regime de atenção contínua, por até 14 dias (BRASIL, 2015). O PTS é instru-
mento potente promotor de cuidado no âmbito do CAPS, contemplando as ne-
cessidades do sujeito de forma singular. Envolve, em sua construção, a equipe,
o usuário e sua família (BRASIL, 2015; BAPTISTA, et al, 2020).

Importante ressaltarmos a importância desses acompanhamentos voluntários,


reforçando que a internação compulsória pode vir a interferir nos princípios
da reforma psiquiátrica, superestimando as possibilidades terapêuticas da in-
ternação psiquiátrica e podendo, assim, desempoderar a RAPS (FATURETO,
PAULA-RAVAGNANI, GUANAES-LORENZI, 2020).

Caso o tratamento voluntário não obtenha resultado favorável, avalia-se o


caso novamente, a partir das falas do familiar e das tentativas de aproxima-
ção realizadas, e realizam-se as demais intervenções possíveis, como a con-
cretização da assinatura do termo. Com o termo de internação compulsória
assinado, o familiar do usuário deve encaminhá-lo novamente a DPE, em um
prazo de 72 horas, para posteriores intervenções e concretização da medida
com o juiz. Também deverão ser informadas, no mesmo prazo, ao MP e aos
órgãos de fiscalização.

O MP defende os interesses sociais e individuais, zela pela correta aplicação


das leis e pela garantia do Estado Democrático de Direito. Cabe-lhe a defesa
do direito à saúde e à vida, atuando na garantia dos direitos de crianças, ado-

Sumário 695
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

lescentes, idosos e incapazes, do direito à educação e do direito ao meio am-


biente preservado (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRAN-
DE DO SUL, 2021).

Os órgãos de fiscalização se propõem a supervisionar o processo de inter-


nação compulsória e, ao mesmo tempo, criar mecanismos para melhorar o
encaminhamento da medida. Podem ser representados pela Polícia Militar
e pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) (MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 2021).

Com a autorização da internação compulsória pelo juiz, cabe ao SUS providen-


ciar a entrada do usuário no hospital, devendo ser feito por meio da atuação dos
agentes do SAMU, com o aporte da Polícia Militar do município. Em conjunto,
buscarão o usuário em sua residência e o levarão para a internação hospitalar.

Em seu ingresso, o usuário contará com aporte de uma equipe multiprofis-


sional e um PTS focado nas suas necessidades acerca do uso e na reabilitação
psicossocial. Porém, embora a equipe utilize de recursos terapêuticos, já na
admissão há um impacto no processo de cuidado, pois o usuário estaria cum-
prindo a medida judicial, contra a sua vontade, influenciando, desse modo,
nas possibilidades de adesão ao tratamento, na construção do vínculo tera-
pêutico e no seguimento do cuidado (FATURETO, PAULA-RAVAGNANI,
GUANAES-LORENZI, 2020).

Durante este período, é importante a aproximação da equipe do CAPS AD,


discutindo o caso com a equipe da internação, pessoalmente ou por telefone,
e visitando o usuário de modo a fortalecer o vínculo para possível seguimento
do acompanhamento no serviço, após a alta da internação.

O período de internação perdurará pelo tempo necessário à desintoxicação


das SPAs, que é de aproximadamente 21 dias, com prazo máximo de 90 dias.
O processo visa à promoção da reabilitação do usuário, com aporte medica-
mentoso, atendimentos individuais, e participação em grupos terapêuticos,
com a possibilidade da criação de estratégias para evitar o uso abusivo das
SPAs no pós-alta (MENDES et al., 2018).

Sumário 696
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

A alta será avaliada pelo médico psiquiatra e pela equipe multiprofissional que
acompanharam o caso, devendo ser informadas em, no máximo, 72 horas ao
MP, à DPE e aos órgãos de fiscalização do município, conforme o fluxograma 1.

Fluxograma 1: Internação compulsória a usuários em uso de álcool


e outras drogas no município de Porto Alegre

Usuário está desintoxicação das SPAs e reabilitações


internado psicossocial, conforme o plano de cuidados

durante a internação acompanhado pelo médico psiquiatra e pela


e na alta hospitalar equipa multiprofissional

a alta deve ser informada,


em até 72 horas

- ao MP
- a DPE
- e aos órgões de fiscalização

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Conclusão
O processo de internação compulsória a usuários em uso de álcool e outras
drogas é destinado a casos mais graves, de uso com riscos ao usuário e à co-
munidade e envolve o âmbito jurídico e da saúde desde a avaliação inicial do
caso até a concretização da medida. Tal processo evidencia-se como uma me-
dida mais agressiva, por ser contrário à vontade do usuário e, em alguns casos,
poder deixar traumas em relação ao acompanhamento. Em contrapartida, a
medida é concretizada apenas após avaliação rigorosa de uma equipe especia-
lizada em saúde mental, sendo, portanto, necessária naquele momento.

Importante salientarmos que a internação somente deverá ser encaminhada


quando outras possibilidades de intervenção voluntárias não forem possíveis,

Sumário 697
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

devido à ineficácia dessas ou ao não desejo do usuário de colaborar com elas.


Deve-se tentar a sua reversão para um acompanhamento voluntário, com
aproximações ao usuário, construção de vínculo e explicações acerca do esta-
do atual do sujeito e possibilidades de acompanhamento.

Acredita-se que todo esse cuidado seja necessário, de modo a visar maior
entendimento e autonomia do indivíduo em seu processo de reabilitação.
Quando o sujeito entende os efeitos do uso de SPAs em sua vida, consequen-
temente terá maior discernimento acerca das questões envolvendo o uso e
das possibilidades existentes de acompanhamento psicossocial.

Ao fim da investigação científica, identificaram-se algumas limitações. Devido


ao fato de o estudo ser um relato de experiência, as observações das pes-
quisadoras, atuantes no âmbito da saúde mental, estiveram evidenciadas no
processo, com maior ênfase à sua área de estudo. Outro fator relevante é o
de que cada município ou região de saúde pode apresentar um fluxo distin-
to acerca das internações compulsórias, havendo diferenças com o processo
discutido neste estudo.

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Sumário 701
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Curso de atualização em políticas


de saúde e gestão do Sistema Único
de Saúde – uma parceria entre
ENSP-FIOCRUZ-EMARF/TRF2
Eliene Neves Valadão1

Resumo
O presente artigo apresenta o Curso de Atualização em
Políticas de Saúde e Gestão do Sistema Único de Saúde,
que foi promovido pela Escola Nacional de Saúde Pública,
pela Fundação Oswaldo Cruz e pela Escola de Magistratu-
ra Regional Federal da 2ª Região, entre os dias 02/10/2020
e 19/03/2021. Essa iniciativa é uma continuidade do diálo-
go iniciado entre o sistema judiciário e o sistema de saú-
de brasileiros a partir da Audiência Pública nº 4 do STF,
ocorrida nos dias 27, 28 e 29 de abril, e 4, 6 e 7 de maio
de 2009. O artigo inicialmente descreve como o Judiciá-
rio procurou, desde a referida Audiência, manter o diá-

1 Graduada em Direito - UFRJ; Oficial de Justiça Avaliador Federal; Justiça Federal do Rio de Janeiro.

Sumário 702
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

logo interinstitucional aberto, através de várias iniciativas


no intuito de dar maior racionalidade à sua atuação nas
demandas versando sobre saúde. Em seguida, o curso é
detalhado, desde sua idealização e execução até seu encer-
ramento. Finalmente, o artigo busca analisar o ambiente
acadêmico como um espaço para a construção de conheci-
mento específico, que evite os efeitos deletérios da judicia-
lização não qualificada em matéria de saúde.

Palavras-chave: Judicialização; Diálogo Interinstitucional;


Atualização Profissional.

Sumário 703
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Introdução
Nas últimas décadas, o notável aumento das demandas judiciais em matéria de di-
reito à saúde levou o Poder Judiciário brasileiro a questionar se o sistema de Justiça
estaria fazendo bem à Saúde (I FÓRUM NACIONAL DO JUDICIÁRIO, 2010).

O diagnóstico de que o Judiciário estaria exercendo uma força desconstruti-


va sobre o sistema de saúde foi realizado pelo ministro do STF Gilmar Men-
des, que viu no diálogo interinstitucional o tratamento mais adequado para
a questão. O ministro convidou autoridades em matéria de Sistema Único de
Saúde para a Audiência Pública nº 4, de 5 de março de 2009. E, assim, teve
início a necessária interlocução entre o Judiciário e o SUS na busca pela efeti-
vação do direito à saúde tal qual previsto na Constituição de 1988.

O tratamento à base de diálogo interinstitucional se mostrou apropriado logo


de início, bem como ficou claro que esse haveria de ser contínuo. Desde en-
tão, o Poder Judiciário passou a se dedicar à tarefa de compreender o funcio-
namento do SUS para que pudesse fortalecer o sistema brasileiro de saúde,
por meio da qualificação de suas decisões judiciais.

Em 2010, foi instituído, pela Resolução 107 do CNJ (CONSELHO NACIO-


NAL DE JUSTIÇA, 2010), o Fórum Nacional do Judiciário para o monito-
ramento e resolução das demandas de assistência à saúde, com a atribuição,
explicitada em seu art. 1º, de “elaborar estudos e propor medidas concretas e nor-
mativas para o aperfeiçoamento de procedimentos, o reforço à efetividade dos processos
judiciais e à prevenção de novos conflitos”.

A mesma Resolução previu a criação dos Comitês Executivos de Saúde para


realizar os fins do Fórum Nacional. O Comitê Executivo Nacional foi criado
pela Portaria CNJ nº 91/2010 e os Comitês Estaduais de Saúde pela Reso-
lução 238 de 06/09/2016 do CNJ. Esta última previa a criação de Núcleos
de Apoio Técnico do Judiciário (NAT JUS), constituído por profissionais
de saúde para elaborar pareceres nos casos concretos das ações em matéria
de saúde.

Sumário 704
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Foi criado, também, o sistema e-NatJus como instrumento de auxílio técnico


para os magistrados no processamento e julgamento das ações sobre direito
à saúde. Trata-se de um sistema alimentado pelos NatJus estaduais e pelo
NatJus nacional, que disponibiliza durante 24 horas e 7 dias por semana o
serviço de profissionais de saúde para avaliarem as demandas de urgência
usando protocolos médicos e, com base nas melhores evidências científicas
disponíveis, emitirem parecer com o respaldo técnico necessário para a toma-
da de decisão, conforme Provimento nº 84/2019 expedido pela Corregedoria
Nacional de Justiça. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019)

Em 15 de maio de 2021, foi publicada a Resolução nº 388 (PRESIDÊNCIA


CNJ, 2021), de 13/04/2021, dispondo sobre a reestruturação dos Comitês
Estaduais de Saúde, fixados pela Resolução CNJ nº 238/2016. Entre outras
providências, a referida resolução dispõe que os Comitês serão denomina-
dos Comitês Estaduais, seguidos da sigla da respectiva unidade federativa
(UF) do Fórum Nacional da Saúde do CNJ, pois são parte integrante do
Fórum. Ademais, os Comitês Estaduais poderão deliberar sobre a constitui-
ção de Comitês Regionais, fixando-lhes competência e composição. Outra
determinação contida na Resolução é a de designar um servidor para ali-
mentar a plataforma E-NatJus, com as notas técnicas produzidas pelo Nú-
cleo de Apoio Técnico do Judiciário (NatJus). O texto atribui aos Comitês a
competência para viabilizar o diálogo interinstitucional em ações de saúde,
o que reforça a necessidade dessa medida em caráter permanente como
meio de fortalecimento da estrutura do SUS, por parte do Poder Judiciário.

A Audiência Pública nº 4 do STF foi o pontapé inicial para aproximar ma-


gistrados, administração pública e a ciência médica no intuito de qualificar
as decisões judiciais. Todas as ações empreendidas pelo Poder Judiciário
desde então alcançaram resultados importantes, no sentido de dar mais
subsídio instrumental para a Justiça enfrentar o aumento vertiginoso das
ações judiciais em matéria de saúde. Mas, restava ainda ampliar os espaços
para o diálogo e construção de conhecimento dos diversos atores do sistema
de Justiça.

Sumário 705
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

O ambiente acadêmico é tratado como espaço importante para o diálogo na


Recomendação nº 31 do Conselho Nacional de Justiça (DJE/CNJ, 61/2010
de 07/04/2010, 2010), que indica a necessidade de formação específica sobre
direito sanitário e de outras atividades, tais como visitas dos magistrados aos
Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde, bem como às unidades de saúde
pública ou conveniadas ao SUS, dispensários de medicamentos e a hospitais
habilitados em Oncologia como Unidade de Assistência de Alta Complexidade
em Oncologia - UNACON ou Centro de Assistência de Alta Complexidade em
Oncologia – CACON, com a finalidade de aproximar a Magistratura do Siste-
ma de Saúde. Porém, diante da falta desse tipo de formação nas universidades,
as escolas de Magistratura precisariam se incumbir dessa difícil tarefa.

A Escola de Magistratura Federal (EMARF) da 2ª Região, por meio da Coorde-


nadora do Comitê Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, a Juíza Federal Maria
Amélia Senos de Carvalho, Titular da 23ª Vara Cível da Seção Judiciária do Rio
de Janeiro e também integrante da Comissão de Acompanhamento do Curso
de Aperfeiçoamento e Especialização da EMARF, compreendeu a importância
do tema e assumiu o desafio de promover um curso com esse grau de comple-
xidade para oferecê-lo a seus magistrados, servidores e peritos judiciais.

O curso de atualização em políticas de saúde e gestão do


Sistema Único de Saúde
A parceria entre a EMARF da 2ª Região, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
e a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) não se deu por
acaso. Integrantes do Comitê Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, a Dra.
Vera Lúcia Edais Pepe, médica, pesquisadora da Escola Nacional de Saú-
de Pública Sérgio Arouca/FIOCRUZ e a Dra. Claudia Garcia Serpa Osorio
de Castro, farmacêutica, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública
Sérgio Arouca/FIOCRUZ, expuseram aos demais integrantes do Comitê Es-
tadual de Saúde a experiência na formulação do “Curso de Aperfeiçoamento
em Política e Gestão da Saúde Pública para o Ministério Público”, de Coope-

Sumário 706
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

ração entre a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação


Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), o Ministério da Saúde (MS/SEGEP), a Comis-
são Permanente de Defesa da Saúde (CNPG/GNDH/COPEDS) e o Conselho
Nacional do Ministério Público (CNMP). Como Coordenadora do Comitê
Estadual de Saúde, a juíza Maria Amélia tomou conhecimento da iniciativa
pioneira e convidou Vera Pepe e Claudia Osorio para um projeto semelhan-
te, mas voltado para as necessidades da EMARF/2ª Região. Assim começou
a parceria para a gestação do Curso de Atualização em Políticas de Saúde e
Gestão do Sistema Único de Saúde.

Em entrevista concedida após o término das aulas da primeira turma do


Curso, a magistrada Maria Amélia e as doutoras Vera Pepe e Claudia Osorio
contaram um pouco sobre a formulação do Curso de Atualização em Políticas
de Saúde e Gestão do SUS (CARVALHO, PEPE, & CASTRO, 2021).

A Coordenadora Maria Amélia relatou sua preocupação com a carência de


considerações acerca das especificidades do sistema de saúde, políticas públi-
cas de saúde, princípios, diretrizes, instrumentos de gestão e normas do SUS
nas decisões judiciais no âmbito da 2ª Região. Segundo Maria Amélia, o curso
foi idealizado para ser voltado a magistrados, servidores e peritos do Juízo
atuantes no âmbito da 2ª Região, pois entendia que a qualificação deveria
alcançar não só os magistrados. O curso deveria, também, tratar de questões
teóricas e práticas relativas à gestão do SUS e ao Direito Sanitário. Para tanto,
seria necessário um corpo docente composto por especialistas em várias áreas
do conhecimento.

Vera Pepe acrescentou que, de acordo com as necessidades apontadas pela


Coordenadora Maria Amélia, buscou agregar ao programa do Curso conhe-
cimentos sobre o funcionamento do SUS, suas potencialidades e seus cons-
trangimentos, pois, a seu ver, os reais contornos do Direito Sanitário só ga-
nhariam sentido se analisados dentro do sistema de saúde.

A partir da seleção de pontos de interesse sobre o SUS para o sistema de


Justiça, as coordenadoras criaram o arcabouço temático para o Curso, na mo-

Sumário 707
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

dalidade Atualização, com carga horária de 156 horas. Como Atualização, o


Curso atenderia a outro aspecto levantado pela Coordenadora Claudia Oso-
rio: as mudanças que ocorrem nos sistemas. De acordo com ela, os problemas
referentes à judicialização da saúde e ao Sistema de Saúde estão ligados ao
momento da propositura da ação e sofrem mudanças com o tempo. Assim, o
Curso, nos moldes em que foi projetado, permite manter o diálogo atualiza-
do a cada nova turma.

Após meses de elaboração e revisão do projeto, foi publicado o Acordo de


Cooperação (TRF2, 2019), onde se encontra a descrição de todo o projeto,
no Plano de Trabalho anexo. Devido à pandemia de Covid-19, o Curso
precisou ser adaptado para o modo online e teve seu início adiado para
02/10/2020, sendo necessária a assinatura de um termo aditivo do Acordo
(TRF 2º REGIÃO, 2020).

O Curso foi dividido em quatro módulos, com corpo docente adequado aos
objetivos específicos de cada um deles.

O Módulo 1, Políticas de saúde e o Sistema Único de Saúde, teve como objeti-


vo capacitar o aluno a considerar a especificidade, os princípios, as diretrizes,
as fortalezas, os desafios e as normas do SUS em suas decisões, a partir de
um panorama sobre saúde comparada, controle social/participação popular,
principais normas do SUS, direitos e deveres dos usuários e sobre a situação
da saúde da população brasileira. Participaram como docentes desse módulo
Joyce Mendes de Andrade Schramm (pesquisadora em Saúde Coletiva pela
Fiocruz), Tatiana Wargas de Faria (Pesquisadora do Departamento de Ad-
ministração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública
da Fiocruz), Luciana Dias de Lima (docente permanente do Programa de
Pós-Graduação em Saúde Pública no âmbito do mestrado e doutorado, na
Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fiocruz), João René de
Mattos Rodrigues Filho (da Secretaria de Gestão Participativa do Ministé-
rio da Saúde), Ligia Giovanella (Doutora em Saúde Pública, docente perma-
nente do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da ENSP/Fiocruz),
Márcia Lustosa (coordenadora das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva

Sumário 708
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

de Defesa da Saúde do Ministério Público do Rio de Janeiro) e Maria Helena


Mendonça (pesquisadora na Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz).

Além das aulas síncronas e assíncronas os docentes indicaram farto material


de apoio e de leitura complementar. A dinâmica das aulas foi variada e, em
algumas delas, os alunos foram convidados a se dividirem em grupos menores
para debaterem determinados assuntos e posteriormente apresentarem para
os demais participantes do Curso. Esse módulo apresentou a importância (a)
do Perfil Epidemiológico da população para as ações de saúde; (b) dos efeitos
da austeridade em saúde no adoecimento da população; (c) das características,
princípios e desafios do SUS; (d) dos aspectos do pacto federativo e da autono-
mia para formulação de políticas públicas de cada ente; (e) do arcabouço jurí-
dico e aplicabilidade de normas que regulam o SUS; (f) dos direitos de usuários
do SUS; e (g) do controle social e participação popular no SUS.

O Módulo 2, sobre planejamento e financiamento do Sistema Único de Saúde,


teve como objetivo capacitar os alunos a considerarem, em suas decisões, os
principais aspectos (a) do planejamento, gestão e financiamento, (b) da gestão
do trabalho na perspectiva do mix público-privado do SUS, (c) do Sistema
Nacional de Vigilância em Saúde; e, ainda, capacitar o discente a lançar mão
dos principais sistemas de informação para gestão do SUS. Participaram como
docentes desse módulo Tânia Maria Peixoto Fonseca (Analista de Gestão em
Saúde Pública da Presidência da Fiocruz), Vera Lúcia Edais Pepe (Pesquisa-
dora titular do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da
Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fiocruz. Integra o Comitê
Executivo do Rio de Janeiro, do Fórum Nacional de Saúde, do Conselho Na-
cional de Justiça), Elida Graziane Pinto (Professora do Curso de Administração
Pública da Fundação Getúlio Vargas - EAESP-FGV - e Procuradora do Minis-
tério Público de Contas do Estado de São Paulo, titular da 2ª Procuradoria de
Contas), Maria Angélica Borges dos Santos (docente colaboradora do Progra-
ma de Saúde Pública da ENSP/Fiocruz e Doutora em Saúde Pública), Márcia
Teixeira (pesquisadora adjunta da Fiocruz), Heitor Franco Werneck (doutor
em Saúde Pública e servidor da Agência Nacional de Saúde Suplementar),

Sumário 709
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Marismary Hosrth De Seta (Professora da ENSP e Doutora em Saúde Cole-


tiva), Tânia Maria Peixoto Fonseca (Analistas de Gestão em Saúde Pública da
Presidência da Fiocruz), Guilherme Franco Neto (Especialista em Saúde, Am-
biente e Sustentabilidade da Fiocruz, onde coordena o Programa Institucio-
nal de Saúde, Ambiente e Sustentabilidade e o Centro Colaborador da OPAS/
OMS de Saúde Pública e Ambiente) e Elaine Miranda (Professora Associada
da Universidade Federal Fluminense - UFF, Coordenadora do programa de
pós-graduação stricto sensu em Administração e Gestão da Assistência Farma-
cêutica da UFF, pesquisadora colaboradora do Departamento de Política de
Medicamentos e Assistência Farmacêutica (NAF-ENSP/Fiocruz).

Os docentes, além das aulas síncronas e assíncronas, também organizaram me-


sas redondas sobre alguns temas e ofereceram material complementar de es-
tudo. O módulo tratou (a) do planejamento e gestão do SUS e seus desafios,
inclusive em tempos de Covid-19; (b) da evolução do financiamento da saúde e
seus efeitos no sistema de saúde público; (c) da exploração de sítios eletrônicos
sobre gasto público em saúde e dos Conselhos de Saúde; (d) da carência de
profissionais nos serviços de saúde, mix público-privado e Saúde Complemen-
tar; (e) das vigilâncias do campo da saúde; e (f) de emergência sanitária.

O Módulo 3, sobre Organização do Sistema Único de Saúde, teve como ob-


jetivo conferir ao aluno a capacidade de considerar em suas decisões as prin-
cipais políticas de saúde em relação (a) à Atenção Primária, Média e Alta,
em Saúde; (b) às Redes de Atenção à saúde; (c) à regulação em saúde e da
assistência; (d) à Assistência Farmacêutica e incorporação de tecnologias; e
(e) às RENASES, RENAME e REMUME, inclusive nos aspectos que envol-
vem oncologia, Atenção Domiciliar e Transplantes. Além desses objetivos, os
alunos foram incentivados a utilizar os instrumentos de acesso público do
SUS que facilitam a atuação da Magistratura e a considerar as estratégias
de atuação nas políticas públicas de saúde no processo decisório. O corpo
docente foi composto por Maria Helena Mendonça (Pesquisadora titular na
ENSP/Fiocruz, em Saúde Pública), Francisco Campos Braga Neto (Profes-
sor e pesquisador na área de organização e gestão de sistemas e serviços de

Sumário 710
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

saúde), Rosana Kushnir (Coordenadora do Curso de Especialização em Ges-


tão de Sistemas e Serviços de Saúde-ENSP), Lilian Miranda (Pesquisadora
da ENSP da Fiocruz, membro do Programa de Pós-Graduação em Saúde
Pública da ENSP/Fiocruz e membro do Mestrado Profissional em Atenção
Psicossocial do IPUB/UFRJ), Lenice G. da Costa Reis (médica, pesquisadora
na ENSP, Doutora em Saúde Pública), Rebecca Cabral de Figueiredo Gomes
Pereira (Assessora técnica na Subsecretaria de Gestão da Atenção Integral à
Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro), Kitty Crawford
(assessora da diretoria executiva da Fundação Saúde, ex-Coordenadora da
Central de Regulação do Estado do Rio de Janeiro), Claudia da Silva Lunardi
(Médica, Subsecretária de Regulação, Controle, Avaliação, Contratualização
e Auditoria da Secretaria Municipal de Saúde/RJ - SMS/RJ - e integrante do
Comitê Estadual de Saúde), Claudia Garcia Serpa Osorio de Castro (Far-
macêutica, Pesquisadora da ENSP/Fiocruz), Rosângela Caetano (Professora
adjunta do Departamento de Planejamento e Políticas Públicas do Instituto
de Medicina Social da UERJ), Vera Lúcia Edais Pepe (Pesquisadora da ENSP/
Fiocruz), Maria Inez Gadelha (Chefe de Gabinete do Departamento de Aten-
ção Especializada da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde.
Médica em Oncologia Clínica) e Rodrigo Alves Sarlo (formado em Medicina
com especialização em Nefrologia, com Residência Médica na UFRJ).

Também houve indicação de farto material de estudo complementar. Esse mó-


dulo trouxe esclarecimentos acerca da Assistência Farmacêutica, que foram im-
portantes para a compreensão da judicialização de medicamentos oncológicos
sob a perspectiva do financiamento e tratamento oncológico pelo SUS. O tópi-
co abordou, ainda, os desafios da Atenção Primária em saúde e da Assistência
de Alta e Média complexidade e da regionalização e redes de saúde. Quanto
à Regulação em Saúde, foram apresentados meios de explorar os sistemas do
SER e SISREG do Rio de Janeiro, com explicações sobre a lógica desses siste-
mas, diante da necessidade do cumprimento de uma ordem judicial.

Finalmente, o Módulo 4, “A Judicialização da Saúde”, teve o objetivo de levar


o aluno a compreender as principais características das demandas judiciais

Sumário 711
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

de Saúde no Estado do Rio de Janeiro, bem como as estratégias para sua


minimização e qualificação. Os docentes que participaram desse módulo fo-
ram Carlos Alberto Chaves (Secretário de Saúde do Rio de Janeiro), Mauro
Lúcio Silva (Assessor Jurídico do COSEMS/RJ), Anabelle Macedo (Promotora
de Justiça da Promotoria da Saúde na Tutela Coletiva e suplente do Comitê
Estadual da Saúde), Thaisa Guerreiro de Sousa (Defensora Pública, Coorde-
nadora de Saúde e Tutela Coletiva da Defensoria Pública do Estado do Rio de
Janeiro), Caroline Tauk (Juíza Federal Titular da 4ª Vara Federal Cível, como
competência concentrada em Saúde Pública e integrante do Comitê Estadual
de Saúde do Rio de Janeiro), Mirian Ventura (Professora Adjunta do Institu-
to de Estudos em Saúde Coletiva - IESC/UFRJ), Fábio Oliveira (Juiz Federal,
Professor da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Doutor em
Direito do Estado), Flávio Badaró (Diretor do Núcleo de Assessoria Técnica
em Ações de Saúde, pela Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro,
que assessora tecnicamente os magistrados do PJERJ e Justiça Federal no RJ,
desde 2012. Membro do GT de Judicialização da Saúde do Conselho Federal
de Farmácia), Andrea Daquer Barsotti (Juíza Federal, Professora da Univer-
sidade do Grande Rio) e Maria Amélia Senos de Carvalho (Juíza Federal
de Vara com competência concentrada em Saúde Pública, Coordenadora do
Comitê Estadual de Saúde do Rio de Janeiro).

Nesse módulo, foram tratadas as questões de macro e micro justiça na ju-


dicialização da saúde. A judicialização foi abordada sob a ótica do gestor e,
também, dos atores do Sistema de Justiça. A aplicação dos parâmetros do
STF para decisões, nas demandas sobre saúde, foi demonstrada por meio de
estudo de caso. O Módulo trouxe informações acerca da elaboração de nota
técnica e dos meios de pesquisa. Para finalizar, a turma foi dividida em gru-
pos menores e cada grupo ficou responsável por analisar petições iniciais em
matéria de saúde e elaborar decisões com base no que foi aprendido durante
o Curso, com ênfase na aplicação dos parâmetros do STF.

O Curso teve início com uma turma de dezesseis alunos, sendo quatorze mu-
lheres, dentre elas sete magistradas, cinco servidoras da SJRJ e TRF2 e duas

Sumário 712
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

peritas, uma médica e uma psicóloga. Entre os participantes homens, um era


servidor da SJRJ e outro era médico perito. Durante o Curso, houve desis-
tência por parte de quatro alunos. Os motivos informados por dois desses
alunos foi a falta de disponibilidade de tempo para acompanhar as aulas e
para ler o material disponibilizado pelos professores.

A presença feminina entre os alunos do Curso foi muito marcante, a ponto


de vários professores destacarem essa característica na turma e associarem o
interesse feminino com o cuidado que seria algo intrínseco ao SUS. Duran-
te o Curso, sete Juízes Federais Substitutos recém-empossados, três Juízas e
quatro Juízes, juntaram-se à turma, para incorporarem as aulas como parte
do programa dos cursos de formação, vitaliciamento e aperfeiçoamento de
magistrados da EMARF/2ª Região. Entre as Magistradas, pelo menos duas
foram lotadas posteriormente em varas com competência concentrada em
saúde pública. O perfil etário dos alunos variou entre 30 e 55 anos.

Conclusão
O reconhecimento de que a atuação do Judiciário estava desestruturando as
políticas sanitárias do Sistema Único de Saúde (BISOL, 2009) foi fundamen-
tal para que o Sistema Judiciário procurasse aperfeiçoar suas decisões em
matéria de Saúde.

O Poder Judiciário compreendeu que o caminho para concretizar o direito


constitucional à saúde passava pela percepção do SUS como um patrimônio
público que deveria ser fortalecido pelas demais instituições e Poderes do país.

Passados 12 anos da Audiência Pública nº 4 do STF, em 2009, mesmo havendo


grandes mudanças institucionais por parte do Poder Judiciário, a permanência
do diálogo interinstitucional necessita avançar para outros ambientes.

Marcia A. Amaral (AMARAL, 2018) entende que as estratégias de diálogos


institucionais adotadas até hoje têm sido insuficientes, pois o número de
demandas judiciais só aumenta. Constatada essa realidade e não havendo

Sumário 713
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

possibilidade de o Judiciário deixar de julgar tais casos, torna-se necessário


qualificar as decisões judiciais com conhecimento atualizado sobre políticas
de saúde e gestão do SUS.

Nesse sentido, o Curso de Atualização em Políticas de Saúde e Gestão do


Sistema Único de Saúde se mostrou como um excelente espaço de diálogo
interinstitucional com vistas à qualificação das decisões judiciais em saúde.

No mesmo sentido, elenco os depoimentos de duas alunas do Curso: Rosana


Wrigg Aragão Moreira, servidora lotada em gabinete, no TRF2, relatou que
havia adquirido experiência no tema, quando trabalhou na 15ª Vara Federal
Cível, competente para matéria concentrada em saúde, mas explicou que,
em instância revisora, há necessidade de verificar se a primeira instância ob-
servou os parâmetros decisórios necessários para a decisão ser mantida ou
não. Nesse aspecto, sentiu que o Curso solidificou alguns conhecimentos que
já possuía e expandiu sua visão sobre o Sistema de Saúde, de forma que se
sente mais capacitada a auxiliar os desembargadores no Tribunal Regional
Federal da 2ª Região, na análise dos processos (WRIGG, 2021).

Nas palavras da Juíza Federal Substituta Mônica Cravo, lotada na Vara Fede-
ral Única de Macaé/SJRJ,

“O Curso foi uma oportunidade ímpar de aproximar os sistemas de saúde


e jurídico. Cada um com seus códigos, lógicas e procedimentos, existe
muita incompreensão mútua, em grande parte fruto do desconhecimen-
to. Estando do lado de cá, de dentro do Judiciário, pude ter noções fun-
damentais acerca do SUS, desde a história de sua construção a partir do
movimento da Reforma Sanitária até os meandros de seu funcionamento
atual: suas comissões, pactuações, redes, sistemas de regulação, inclusive
dando cara e voz a gestores e reconhecendo-lhes como profissionais enga-
jados e carregados de experiência e saber técnico. Os desafios foram igual-
mente abordados, basta falar da transição epidemiológica, da tripla carga
de doença e do subfinanciamento crônico – em vias de agudização. Todos,
temas tratados com a turma por gente altamente qualificada e comprome-
tida, tanto que, apesar do desalento do cenário nacional (especialmente
frente ao desperdício da experiência e do saber acumulados no país para
enfrentamento da pandemia), ao fim do curso saímos energizadas e com

Sumário 714
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

esperança. Certamente todas saímos melhor preparadas para pensar e


realizar um controle judicial de políticas públicas para além dos conceitos
e lugares comuns estritamente jurídicos, enxergando esse controle como
a parte que nos cabe no esforço de construção de um sistema universal e
sendo capazes de atuar no sentido de garantir o direito à saúde com al-
gum conhecimento de causa acerca dos códigos, lógicas e procedimentos
do SUS – que, de resto, é a tradução institucional desse direito à saúde
expresso constitucionalmente.” (CRAVO, 2021)

Como parte do corpo discente do Curso pude observar e participar de um


intenso debate entre alunos e professores. Vivenciei a construção de conheci-
mento, por meio da troca de saberes entre os atores do Sistema Judicial e do
Sistema de Saúde. Porém, nesse encontro de sistemas com culturas diferen-
tes, também houve alguns choques.

O tema da regulação de leitos do módulo três, por exemplo, surpreendeu al-


guns alunos, quando tomaram conhecimento de que a ordem judicial que de-
termina a internação, na prática, acaba sendo submetida a critérios do sistema
da regulação que podem modificar seu cumprimento. Isso por causa de crité-
rios técnicos desconhecidos pelo prolator da ordem, aos quais a regulação não
pode deixar de obedecer. É o que ocorre, por exemplo, na hipótese de o juiz
ordenar a internação para procedimento cirúrgico em hospital determinado,
onde não há serviço adequado para a situação específica daquele paciente que,
em virtude de comorbidades, precisa de acompanhamento médico de outra
especialidade durante a cirurgia. O responsável pela regulação irá proceder à
internação, porém, onde houver vaga apropriada para o caso concreto.

O contato com professores, que atuam profissionalmente nos variados seto-


res que compõem o SUS, permitiu perceber que há um grande interesse em
tornar o Judiciário um parceiro do SUS na efetivação do direito à saúde. Nas
aulas sobre assistência farmacêutica e incorporação de tecnologias, as ações
coletivas em saúde foram apontadas como uma forma de judicialização im-
portante para o SUS. No caso de medicamentos não fornecidos pelo sistema,
mas muito demandados em ações judiciais, uma decisão em ação coletiva
pode permitir que o gestor estruture a compra do referido medicamento, em

Sumário 715
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

vez de permanecer submetido a inúmeras decisões judiciais em ações indivi-


duais que encarecem a aquisição.

Mesmo após o término do Curso, alunos e coordenadoras permaneceram


em contato, com a troca de informações e material de estudo. Acredito que
o ambiente acadêmico seja responsável por essa dinâmica favorável à per-
manência do diálogo interinstitucional. Minha conclusão é de que o Curso
foi excelente em termos de organização e escolha do corpo docente. Quanto
ao aproveitamento dos alunos, o que se pode dizer, por enquanto, é que a
manutenção de oitenta e seis por cento dos alunos que iniciaram o Curso até
o final das aulas sinaliza que o interesse se manteve alto entre os discentes.
Em relação ao impacto na judicialização, foi um primeiro passo. Mas, para
fazer frente ao incessante aumento das demandas em saúde, novas turmas
parecem ser o caminho certo a seguir.

Referências
AMARAL, M. A. (Outubro de 2018). Conversações para a Ação: um Desafio a
Superar para o Fortalecimento do SUS. Coletânea Direito à Saúde – Boas Práticas e
Diálogos Institucionais, p. 13/22.

BISOL, J. (2009). Judicialização desestruturante: reveses de uma cultura jurídica


obsoleta. O Direito Achado na Rua: introdução crítica ao direito à saúde, 327/331.

CARVALHO, M. A., Pepe, V. L., & Castro, C. G. (27 de Março de 2021). Entrevista
com as Coordenadoras do Curso de Atualização em Políticas Públicas de Saúde
e Gestão do SUS, Maria Amélia, Vera Pepe e Claudia Osorio. (E. N. Valadão,
Entrevistador) Rio de Janeiro: plataforma Google Meet.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. (2010). Institui o Fórum Nacional do


Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde.
Brasília: CNJ.

BRASIL.Conselho Nacional de Justiça. (2019). Judicialização da Saúde no Brasil:


Perfil das Demandas, Causas e Propostas de Solução. Brasília-DF: Instituto de
Pesquisa Insper.

Sumário 716
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. (DJE/CNJ nº 168/2019, de 19/08/2019, p. 9


de 2019). Provimento Nº 84 de 14/08/2019.

CRAVO, M. M. (31 de março de 2021). Depoimento escrito pela entrevistada


encaminhado por mensagem eletrônica. (E. N. Valadão, Entrevistador)

DJE/CNJ, 61/2010 de 07/04/2010. (30 de março de 2010). Recomendação nº 31.


Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os
magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na
solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde., pp. 4-6.

I Fórum Nacional do Judiciário: Justiça faz bem à Saúde. (30 de julho de


2010). Fonte: Direito & Cidadania: https://www.editorajc.com.br/i-forum-
nacional-do-judiciario-justica-faz-bem-a-saude-3/#:~:text=Com%20o%20slogan%20
%E2%80%9CA%20Justi%C3%A7a,tanto%20conflitos%20de%20consumidores%20com

Portal Frente Nacional de Prefeitos. (2019). Prefeitos pedem clareza na


responsabilização de cada ente em processos judiciais de saúde. Portal Frente
Nacional de Prefeitos, https://www.fnp.org.br/noticias/item/2025-prefeitos-pedem-
clareza-na-responsabilizacao-de-cada-ente-em-processos-judiciais-de-saude?highlight=
WyJqdWRpY2lhbGl6YWNhbyJd.

Presidência CNJ. (15 de abril de 2021). CNJ/Atos. Fonte: www.cnj.jus.br: https://


atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3868

TRF 2A. REGIÃO. (22 de dezembro de 2020). https://emarf.trf2.jus.br/site/


intercambio.php. Fonte: EMARF: Escola da Magistratura Regional Federal
da 2ª Região: https://emarf.trf2.jus.br/site/documentos/
termoaditivoacordocooperacaofiocruz2020.pdf

TRF2. (27 de dezembro de 2019). https://emarf.trf2.jus.br/site/intercambio.php.


Fonte: EMARF: Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região:
https://emarf.trf2.jus.br/site/documentos/acordocooperacaofiocruz2019.pdf

WRIGG, R. (29 de março de 2021). Relato em áudio pela plataforma Whatsapp


sobre o Curso de Atualização em Políticas de Saúde e Gestão do SUS.
(E. N. Valadão, Entrevistador)

Sumário 717
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

A jurimetria da judicialização da saúde:


uma proposta de variáveis obrigatórias
para a petição inicial do Processo
Judicial Eletrônico (PJe)
Iara Veloso Oliveira Figueiredo1
Gabriela Drummond Marques da Silva2
Wanessa Debôrtoli de Miranda3
Helvécio Miranda Magalhaes Junior4
Fausto Pereira dos Santos5
Mônica Silva Monteiro de Castro6
Rômulo Paes de Sousa7

Resumo
Nas últimas décadas, a judicialização da saúde se tornou um
tema amplamente estudado. O Judiciário se constituiu como

1 Doutoranda em Saúde Coletiva - FIOCRUZ, Mestre em Saúde Pública - FIOCRUZ e Graduada


em Direito - PUC/MG; Pesquisadora; Fiocruz Minas - Instituto René Rachou; Lattes: http://lattes.cnpq.
br/8570146388142571
2 Doutora em Saúde Coletiva - UnB e Mestre em Estatística - UFMG e Graduada em Estatística - UFMG;
Pesquisadora; Fiocruz Minas - Instituto René Rachou; Lattes: http://lattes.cnpq.br/7921844400118643
3 Doutora em Saúde Coletiva - FIOCRUZ e Mestre em Saúde e Nutrição - UFOP e Graduada em Nu-
trição - UFV; Professora Adjunta no Departamento de Gestão em Saúde; Universidade Federal de Minas
Gerais; Lattes: http://lattes.cnpq.br/5705357044153951.
4 Doutor em Saúde Coletiva - UNICAMP e Graduado em Medicina - UFMG; Pesquisador; Fiocruz
Minas - Instituto René Rachou; Lattes: http://lattes.cnpq.br/6479834231281505.
5 Doutor em Saúde Coletiva - UNICAMP e Graduado em Medicina - UFG; Pesquisador; Fiocruz Mi-
nas - Instituto René Rachou; Lattes: http://lattes.cnpq.br/5762087564420831.
6 Doutora em Saúde Pública - FIOCRUZ, Mestre em Saúde Pública - UFMG e Graduada em Me-
dicina - UFMG; Pesquisadora; Fiocruz Minas - Instituto René Rachou; Lattes: http://lattes.cnpq.br/
0852487536427610.
7 Doutor em Epidemiologia Ambiental - London School Of Hygiene And Tropical Medicine (LSHTM)
e Graduado em Medicina - UFMG; Investigador Sênior e Pesquisador Associado Honorário; Fiocruz e
IDS da Universidade de Sussex; Lattes: http://lattes.cnpq.br/5006513659961268.

Sumário 718
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

uma via de acesso à saúde que impacta na administração pú-


blica e no orçamento dos entes federativos. O impacto orça-
mentário pode ser maior quando o ente federativo do qual
se exige o cumprimento da decisão judicial é o município.
Majoritariamente, os objetos alvo da judicialização são de res-
ponsabilidade dos Estados e da União, mas frequentemente
recai sobre os municípios a obrigação pelo fornecimento. Para
compreensão e estudo desse fenômeno, as estatísticas judiciais
são de grande importância. O Sistema Judiciário carece de
regras de padronização das variáveis obrigatórias para o re-
gistro e acompanhamento de processos. Isto dificulta o de-
senvolvimento da jurimetria no país. O Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) tem empreendido iniciativas para o desen-
volvimento das estatísticas judiciais do Brasil, como o Proces-
so Judicial Eletrônico (PJe). Este trabalho tem como objetivo
analisar e propor a definição de variáveis de preenchimento
obrigatório no protocolo de petição inicial do PJe, contribuin-
do para a melhor organização dos dados. Foram selecionados
estudos, em revisão narrativa da literatura, que demonstra-
ram a existência de limitações na padronização e no acesso
às informações provenientes do Judiciário e dificuldades em
relação à obtenção dos dados para pesquisas. Esse diagnósti-
co amparou a proposição de 46 variáveis de preenchimento
obrigatório no protocolo de ações judiciais. Recomenda-se a
utilização do formulário padrão do PJe por todos os tribunais
brasileiros, para melhorar a alimentação e organização da in-
formação e sobre a judicialização da Saúde.

Palavras-chave: Judicialização da Saúde; Jurimetria; Direito


Sanitário.

Sumário 719
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Introdução
No Brasil, nas últimas décadas, tornou-se recorrente a provocação do Poder
Judiciário para obter acesso a serviços e produtos na área da saúde, tanto em
relação ao sistema público quanto ao sistema privado (VIEIRA, 2017). As deci-
sões judiciais impondo obrigação de fazer e fornecer prestações em saúde pelo
poder público têm crescido ao longo dos anos. A tendência do Judiciário é des-
considerar o impacto orçamentário das decisões e de apresentar o entendimen-
to majoritário de que todos os entes da federação têm responsabilidades iguais
pela prestação de Saúde. Porém, os municípios possuem maior dificuldade em
se defender nos processos e menores orçamentos do que a União e os Estados,
tornando particularmente preocupante o impacto das decisões judiciais para seu
orçamento, tema ainda pouco explorado pela literatura (WANG, 2014).

A maior parte da judicialização da Saúde se dá a partir de objetos típicos dos


níveis secundários e terciários da atenção, como pedidos de medicamentos
de alto custo e de internações. Na repartição de competências do SUS, es-
ses objetos são de responsabilidade da União e dos Estados. Porém, com a
judicialização, frequentemente essa responsabilidade recai sobre os municí-
pios (MELO, 2017). Tal cenário evidencia a necessidade de estudos para que
se possa compreender como os municípios são afetados pela judicialização
(WANG, 2014; MASSAU, 2015).

A chave para realizar essas pesquisas é a coleta de dados por meio das estatísti-
cas judiciais. A maior parte da produção científica sobre o tema utiliza dados de
tribunais já informatizados e com dados mais estruturados ou se restringem a
recortes específicos, com quantidade limitada de dados. Além disso, essas pes-
quisas têm se concentrado nas regiões sudeste e sul do Brasil, onde há maior
abrangência dos sistemas informatizados, fornecendo uma visão fragmentada
do universo de ações na Justiça (CHRISPIM et al., 2018).

A criação, em 2005, de um órgão capaz de centralizar as estatísticas judiciais,


o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (OLIVEIRA; CUNHA, 2020), permitiu
a aceleração da produção de dados estatísticos confiáveis, com o propósito de

Sumário 720
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

realizar o planejamento estratégico e amparar iniciativas para a melhoria da


prestação jurisdicional (OLIVEIRA; CUNHA, 2020). Entretanto, mesmo com
a centralização dos dados pelo CNJ, ainda há muitas limitações relacionadas
à forma com que os dados provenientes dos tribunais são gerados, extraídos,
consolidados e disponibilizados. Nos tribunais, os dados quase sempre são ge-
rados de forma individual para cada processo, e não por meio de variáveis
padronizadas para o conjunto dos processos. Oliveira e Cunha (2020) afirmam
que a maneira como os dados são gerados dificulta tanto o acompanhamento
do percurso de um processo dentro do Judiciário quanto o conhecimento da
solução que o tribunal confere para cada tipo de caso.

O CNJ criou o Processo Judicial Eletrônico (PJe), visando à modernização


da tramitação dos processos no Poder Judiciário. O software desenvolvido
contou com a experiência e com a colaboração de diversos Tribunais brasilei-
ros (TEIXEIRA; RÊGO, 2017) e teve a participação consultiva do Conselho
Nacional do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil, da Ad-
vocacia Pública e das Defensorias Públicas (CNJ, 2020a).

O PJe propõe a prática de atos jurídicos e o acompanhamento do trâmite


processual de forma padronizada e objetiva a adoção da solução padronizada
e gratuita para os Tribunais (CNJ, 2020a). O CNJ tem a missão de fomentar
a implantação completa do PJe em todos os Tribunais brasileiros, por meio
de sua plataforma tecnológica. Para essa concretização, o CNJ deve atuar na
coordenação do desenvolvimento das melhores soluções, bem como na qua-
lidade da sua instalação (CNJ, 2020b).

A resolução n° 427/2010 CNJ, que regulamenta o processo eletrônico no Su-


premo Tribunal Federal (STF) e dá outras providências, em seu art. 9º, I, diz
que é de responsabilidade do advogado ou procurador a formação do processo
eletrônico, eles devem “preencher os campos obrigatórios contidos no formu-
lário eletrônico pertinente à classe processual ou ao tipo de petição”, bem como
qualificar as partes e adicionar documentos. Dessa forma, ao protocolar a peti-
ção inicial o advogado preenche um formulário inicial com as informações do
processo no sistema do Pje para que a ação judicial tenha início.

Sumário 721
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Apesar de o PJe ter sido definido como padrão pela Resolução nº 185/13, ainda
existem tribunais que utilizam outros sistemas (COELHO, 2019). O Novo Có-
digo de Processo Civil (CPC) incorporou novas atribuições ao CNJ, destacando
em seu art. 1.069 a responsabilidade de promover, periodicamente, pesquisas
estatísticas para avaliação da efetividade das disposições do próprio CPC.

Portanto, deve-se considerar que o CNJ é protagonista na informatização


do processo judicial, seja na edição de regras para sua concretização, seja
na construção de soluções tecnológicas que contribuam para a realização da
justiça. Assim, caso a informatização seja bem realizada, certamente haverá
melhora nas condições de obtenção dos dados confiáveis que permitirá a evo-
lução contínua de todo o sistema (CNJ, 2020c).

Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo apresentar sugestões


de variáveis a serem preenchidas de forma obrigatória no formulário de pro-
tocolo de uma petição inicial do PJe e em petições judiciais específicas em
Saúde, contribuindo para a melhor organização dos dados sobre ações judi-
ciais no nível nacional e facilitando pesquisas futuras.

Desenvolvimento
Este trabalho foi desenvolvido em duas etapas: na primeira, foi feito um le-
vantamento das variáveis processuais utilizadas para pesquisas sobre a judi-
cialização da Saúde e das dificuldades e limitações para obtenção dos dados.
Na segunda etapa, a partir da revisão feita, foi apresentada a sugestão das
variáveis a serem preenchidas de forma obrigatória no formulário de proto-
colo da petição inicial do PJe.

Para a primeira etapa, realizou-se uma revisão narrativa da literatura, com a se-
leção de estudos que utilizaram variáveis advindas das ações judiciais. A revisão
narrativa é um método apropriado para estudos que descrevem e discutem o
estado da arte, sob um enfoque teórico, proporcionando ao leitor a visualização
do conhecimento produzido em determinada área em curto espaço de tempo

Sumário 722
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

(RIBEIRO E VIDAL, 2018) e permitindo que o tema seja discutido de forma


ampla. Ela tem por característica a não utilização de critérios explícitos e sistemá-
ticos ao se fazerem a busca e análise crítica da literatura (ROTHER, 2017).

Variáveis, dificuldades e limitações em investigações


sobre a judicialização da saúde
Para analisar a judicialização da Saúde no Brasil, vários grupos de pesquisadores
desenvolveram formulários próprios, com variáveis diversas, para obter infor-
mações, evidenciando a carência de um formulário padronizado e completo.

Por meio da Resolução nº 65/08, o CNJ estabeleceu a padronização da nu-


meração única para todos os processos judiciais, que passam a ter o mesmo
número ao longo de toda sua tramitação, facilitando o acompanhamento do
percurso do processo. Entretanto, nem todos os tribunais brasileiros utilizam
este padrão numérico, bem como utilizam plataformas eletrônicas diversas
da padronização do PJe. A utilização de vários formatos de apresentação das
informações gera desafios para a parametrização, no sentido de analisar os
dados dispersos em várias bases de dados, com códigos e regras de codifica-
ção diferentes. Isto é evidenciado por Oliveira e Cunha (2020), que reforçam
a necessidade de padronização para que as informações sejam validadas e
consolidadas em uma base única, de fácil extração de informações.

Os autores relataram, ainda, precariedade no cadastramento processual, com


processos mal autuados, classificados em categorias indevidas, que recebem
movimentos e assuntos lançados de maneira inadequada, o que faz com que
sobrevenham problemas de consistência, prejudiciais à sistematização dos
dados, o que impossibilita identificar a quantidade exata de ações judiciais
(OLIVEIRA; CUNHA, 2020).

Vieira (2020) relata dificuldades referentes ao levantamento sobre o número


de processos em que os gestores do SUS são réus. A dificuldade se apre-
sentou tanto no âmbito do SUS quanto no do Poder Judiciário. Além disso,

Sumário 723
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

em seu estudo, foram relatadas limitações na classificação das demandas por


assuntos e, em alguns casos, as demandas podiam ser categorizadas em dife-
rentes classes pelos tribunais.

Tais dificuldades levam a uma grande diversidade na escolha das variáveis e


estratégias de busca de dados, como é possível observar na tabela 1.

Kozan (2019) realizou um estudo descritivo sobre as decisões judiciais profe-


ridas em ações movidas por pacientes portadores de câncer contra o SUS e
os planos de saúde privados, contidas na base pública on-line do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). Para a operacionalização da pesquisa,
foram utilizados sete filtros (“Pesquisa livre”; “Classe”; “Assunto”; “Comarca”;
“Data do Julgamento”; “Origem” e “Tipo da Decisão”) disponíveis no site do
TJSP (KOZAN, 2019). Os autores elaboraram um questionário estruturado
para o recolhimento de informações das decisões relacionadas ao tema do
trabalho, que foi aplicado em cada acórdão encontrado.

Vieira e Zucchi (2007) abordaram as ações judiciais de medicamentos no Es-


tado de São Paulo, no ano de 2005. Foram usados dados das ações constantes
nos bancos de controle da Assessoria Jurídica e da Divisão de Suprimentos
da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (SMS-SP). Os autores pa-
dronizaram um formulário para coleta de dados dos processos de sentenças
judiciais para posterior análise exploratória (VIEIRA; ZUCCHI, 2007).

Sumário 724
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Tabela 1: Variáveis utilizadas nos estudos de judicialização da saúde encontrados


por meio de revisão narrativa, 2021 (elaboração própria)

Estudos Variáveis e recortes utilizados

“Câncer”, “neoplasia”, “tumor”,


“carcinoma”, “linfoma”,
1) “Pesquisa livre” –
“leucemia”, “mieloma”,
para chegar
“mesotelioma”, intercaladas
às ações relaciona-
pelo conector/operador “ou”.
das a câncer foram
Para a definição dessas palavras-
utilizadas e combi-
chave foi usado como referência
nadas as seguintes
o Capítulo 2 (Neoplasias) da
palavras-chave:
Classificação Internacional de
Doenças (CID 10).

Foram levantadas as decisões


2) “Classe” – finais de mérito, proferidas
optou-se pela em segunda instância. As
seleção dos recursos decisões liminares e/ou de
de apelação e tutela antecipada, concedidas
de embargos em julgamento preliminar, não
Foram infringentes foram objeto do estudo, tendo
descritos os em vista seu caráter provisório.
KOZAN, três filtros
2019 que permitem “6233 − planos de saúde”;
classificação “10000629 − cobrança de
das ações 3) “Assunto” – seguro saúde”; “10000983 −
os acórdãos foram material rel plano/seg saúde/conv
filtrados também saúde”; “10001132 − plano de
considerando saúde”; e “10001318 − seguro
o critério de saúde”. E foram selecionados
indexação de os seguintes indexadores
jurisprudência relacionados aos conflitos
do TJSP. Foram entre cidadãos e o Estado e/
considerados ou o município de São Paulo:
os seguintes “10069 − Tratamento Médico-
indexadores Hospitalar e/ou Fornecimento
relacionados aos de Medicamentos”; “11883 −
conflitos entre Tratamento Médico-Hospitalar”
usuários de “11884 – Fornecimento de
planos de saúde e Medicamentos”; e “11885 –
operadoras: Unidade de terapia intensiva
(UTI) ou unidade de cuidados
intensivos (UCI)”

Sumário 725
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Estudos Variáveis e recortes utilizados

Domicílio (característica sociodemográfica)

Decisão liminar /antecipação de tutela

Natureza da ação judicial

Natureza do representante judicial do autor da ação

Réu(s) da ação

Tempo de tramitação da ação judicial

Tempo de decisão liminar

Tempo da intimação da instância da saúde

Número de ações por ano de competência, condutor da


ação (características processuais)

Classificação da doença segundo a CID-10

Classificação dos medicamentos segundo a Anatomical


Therapeutic Chemical (ATC)
Foram
PEREIRA; abordadas Número de medicamentos prescritos pelo nome
PEPE, 2015 as seguintes genérico ou pela relação de Denominações Comuns
variáveis Brasileiras (DCB)

Número de medicamentos prescritos presentes


na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
(RENAME) vigente

Medicamentos prescritos presentes nas listas estaduais


ou municipais de medicamentos essenciais vigentes

Racionalidade da indicação terapêutica (características


médico-sanitárias)

Medicamentos registrados na Agência Nacional de


Vigilância Sanitária (Anvisa)

Origem da prescrição médica segundo o sistema de


saúde (limitada à presença da cópia da prescrição)

Número de medicamentos por componente do bloco de


financiamento da assistência farmacêutica.

Existência de alternativa terapêutica ao medicamento


requerido entre os medicamentos padronizados
(características político-administrativas)

Sumário 726
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Estudos Variáveis e recortes utilizados

Beneficiário (sexo, idade, município de residência)

Representante judicial (advogado, promotor, defensor


público)

Atendimento (médico prescritor, especialidade médica,


Foram origem do atendimento, estabelecimento de saúde,
CAMPOS
abordadas diagnóstico conforme Classificação Internacional de
NETO et al.,
as seguintes Doenças – CID-10)
2012
variáveis
Medicamento (fármaco conforme classificação do
Anatomical Therapeutic Chemical – ATC) e laboratório
fabricante

O cálculo da idade do beneficiário foi realizado com base


nas datas da petição inicial e de nascimento.

Doenças informadas

Tipos de classes terapêuticas dos medicamentos


solicitados, origem da prescrição (SUS ou outros serviços)

Tipo de representação jurídica


Foram
VIEIRA;
abordadas Existência de alternativa na Relação Municipal de
ZUCCHI,
as seguintes Medicamentos Essenciais de São Paulo (REMUME)
2007
variáveis
Registro do medicamento na Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) e na agência de vigilância
sanitária dos EUA, Food and Drug Administration (FDA)

Existência de evidências científicas que fundamentem a


recomendação de uso do medicamento

Sumário 727
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Estudos Variáveis e recortes utilizados

Sexo

Idade
Características Escolaridade
sociodemográficas
dos proponentes Ocupação

Renda

Domicílio

Data de entrada

Número de autores da ação

As variáveis Decisão liminar/antecipação


Características
VIEIRA, foram de tutela
processuais
2017 distribuídas em
Natureza da representação
três dimensões
jurídica do autor da ação

Réu(s) da ação

Natureza do estabelecimento
de saúde

Médico prescritor

Características Diagnóstico principal


médicas e sanitárias
Medicamento demandado

Presença de laudos ou outros


documentos que justifiquem o
pedido

Em 2011, pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação


Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ) construíram o Manual de Indicadores de
Avaliação e Monitoramento das Demandas Judiciais de Medicamentos. Foram
propostos 30 indicadores, subdivididos em quatro dimensões: sociodemográ-
ficas, processuais, médico-sanitárias e político-administrativas. Apesar de apre-
sentarem resultados importantes, os autores também descreveram limitações
em relação a falhas de preenchimento nas bases de dados (PEPE, 2011).

Pereira e Pepe (2015) aplicaram esse manual em ações judiciais individuais


de medicamentos no Estado do Paraná. Utilizaram o banco de dados dos

Sumário 728
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

mandados judiciais do Centro de Medicamentos do Paraná (CEMEPAR), que


apresentava informações provenientes de um formulário próprio, chamado
de Ficha Técnica para Cumprimento de Ordem Judicial. As autoras aponta-
ram dificuldades em encontrar informações sobre as características sociode-
mográficas. Por não terem tido acesso ao processo judicial na íntegra, identi-
ficaram apenas informações sobre o município de domicílio do autor da ação,
não conseguindo identificar outras variáveis como sexo, idade, renda anual
per capita e ocupação.

Outra dificuldade relatada no estudo refere-se ao acesso às prescrições mé-


dicas e a outros documentos médicos apensos ao processo judicial, o que
resultou na incompletude de informações sobre as características médico-
sanitárias. Em contrapartida, as variáveis das características processuais
das ações judiciais e das características político-administrativas tiveram boa
completude. O trabalho concluiu que, para aplicação uniforme dos indica-
dores básicos de monitoramento das demandas judiciais de fornecimento
de medicamentos, seria necessário ter acesso a uma cópia de cada processo
judicial referente a cada demanda, bem como, por ocasião do cadastro para
fornecimento dos medicamentos, obter os dados sociodemográficos (PE-
REIRA; PEPE, 2015).

Campos Neto et al. (2012) realizaram estudo descritivo retrospectivo sobre a


judicialização de medicamentos contra o Estado de Minas Gerais, entre 1999
e 2009, por meio de dados provenientes da Secretaria de Estado de Saúde de
Minas Gerais (SES-MG). Os autores utilizaram um formulário previamente
testado, que foi aplicado aos expedientes administrativos de processos judi-
ciais concluídos ou em curso. Importante limitação do estudo foi a incom-
pletude e inconsistência da base de caráter administrativo, cujo propósito
original não é o de investigação (CAMPOS NETO et al., 2012).

Vieira (2017) realizou coleta de dados de processos judiciais de medicamen-


tos que tinham o Estado da Paraíba como réu, no ano de 2014. Os dados
foram coletados do Núcleo de Atendimento à Judicialização da Saúde da Se-
cretaria Estadual de Saúde do Estado da Paraíba (NAT/SES/PB) por meio de

Sumário 729
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

um formulário elaborado pelo próprio autor. A ausência de variáveis socioe-


conômicas, tais como renda, escolaridade e ocupação, de variáveis referentes
a informações médico-sanitárias, como diagnóstico e origem da prescrição,
foram limitações para fazer a avaliação da adequação entre o medicamento
demandado e o diagnóstico do paciente (VIEIRA, 2017).

Por fim, é importante destacar os desafios encontrados pela pesquisa do INS-


PER (2019), que foi encomendada pelo próprio CNJ. O estudo apontou as
dificuldades que o modo de organização das informações de decisões judi-
ciais apresenta às pessoas que se dedicam à análise e acompanhamento das
decisões judiciais em Saúde. É uma limitação que impacta nas pesquisas vol-
tadas ao aprimoramento da política judiciária, bem como pesquisas em geral
voltadas ao Judiciário e seus desdobramentos sobre as atividades socioeconô-
micas (INSPER, 2019).

Sugestão de variáveis de preenchimento obrigatório no


protocolo de uma petição inicial
A partir da revisão de literatura e observação das limitações e das variáveis
necessárias para realização de pesquisas sobre a judicialização da Saúde,
e após observação das variáveis presentes no manual do PJE/MG (TJMG,
2017), no Relatório Médico para judicialização do acesso à saúde do Comitê
Estadual da Saúde de Minas Gerais (CESMG) (CESMG, 2016) e no Sistema
de Gestão de Processos Judiciais da Secretaria Estadual de Saúde de Minas
Gerais (SIGAFJUD), o presente trabalho propôs a criação de uma lista de
variáveis de preenchimento obrigatório pelos autores das ações judiciais no
momento inicial do processo, ou seja, no momento em que o procurador/
advogado da parte realiza o protocolo da petição inicial.

Nota-se que foram identificadas algumas iniciativas para preenchimento de


informações pelo advogado no momento do protocolo de uma ação judicial,
como o Relatório Médico do CESMG, que é um formulário que os advoga-
dos recebem para preencherem informações adicionais sobre os processos de

Sumário 730
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

saúde. Dessa forma, este estudo identificou iniciativas isoladas para melhor
preenchimento das informações processuais. E, em um esforço de contribuir
para a jurimetria brasileira, sugere uma padronização do preenchimento de
variáveis ao se ajuizar uma ação judicial.

Foram propostas ao todo 46 variáveis de preenchimento obrigatório, 33 no


protocolo de ações judiciais em geral e 13 que devem ser preenchidas em
processos específicos em Saúde. Em relação às variáveis gerais, 16 são sobre o
autor; 2 sobre o réu e 15 sobre o processo. Elas estão disponibilizadas na tabe-
la 2, sinalizadas de acordo com a relevância classificada pelos pesquisadores,
sendo laranja para baixa, amarelo para média e verde para alta relevância.

Tabela 2: Sugestões das variáveis obrigatórias, relevância e justificativa


de sua inclusão no formulário de protocolo de petição inicial do Processo Judicial
Eletrônico, 2021 (elaboração própria)

Sugestões de variáveis de preenchimento obrigatório do protocolo de petição inicial

Variável Relevância Justificativa

Dados sobre o autor

Elencada como essencial da petição inicial no artigo


Nome Alta
319, II, §1º a §3º do CPC.

Tem a importância de eliminar homônimos, permitir


Nome da
Média a identificação do indivíduo e o relacionamento
genitora
probabilístico com registros de outras bases de dados.

Elencada como essencial da petição inicial no artigo


319, II, e §1º do CPC. Importante para identificação
CPF/CNPJ Alta
do indivíduo e relacionamento direto com registros de
outras bases de dados.

Auxilia na identificação do indivíduo e relacionamento


probabilístico com registros de outras bases de dados.
Sexo Alta
Permite identificação de desigualdades sociais com
base nas diferenças de gênero.

Elencada como variável essencial da petição inicial no


Estado civil Média
artigo 319, II, e §1º do CPC.

Sumário 731
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Sugestões de variáveis de preenchimento obrigatório do protocolo de petição inicial

Variável Relevância Justificativa

Auxilia na identificação do indivíduo


e relacionamento probabilístico com registros
Data de
Alta de outras bases de dados. Ajuda a eliminar
Nascimento
homônimos e é uma variável importante em termos
sociodemográficos.

Permite identificação de desigualdades sociais com


base nas diferenças de etnia. Esta variável possui um
Etnia Média
grau de subjetividade que depende
da avaliação do indivíduo.

Permite identificação de desigualdades sociais com


Escolaridade Alta
base nas diferenças de acesso à educação.

Elencada como variável essencial da petição inicial


Ocupação Média no artigo 319, II, e §1º do CPC. Porém é uma
característica temporária do indivíduo.

Tipo de pessoa
Tem a importância de quantificar se os litigantes são
(física ou Média
indivíduos ou empresas ou outros entes jurídicos.
jurídica)

Elencada como variável essencial da petição inicial


no artigo 319, II, e §1º do CPC. Porém, a chance de
Endereço Média
variações na escrita é grande, se não for coletado em
campos previamente padronizados, a partir do CEP.

Bairro de Elencada como variável essencial da petição inicial


Baixa
residência no artigo 319, II, e §1º do CPC.

Elencada como variável essencial da petição inicial no


artigo 319, II, e §1º do CPC. O CEP permite o georre-
CEP de ferenciamento do local de residência do indivíduo de
Alta
residência modo mais objetivo do que o endereço, uma vez que
não está sujeito às mesmas variações de escrita. Permi-
te o mapeamento dos dados de judicialização por área.

Elencada como variável essencial da petição inicial


município de no artigo 319, II, e §1º do Código de Processo Civil.
Alta
residência Permite o mapeamento dos dados de judicialização
por área.

Sumário 732
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Sugestões de variáveis de preenchimento obrigatório do protocolo de petição inicial

Variável Relevância Justificativa

Elencada como variável essencial da petição inicial


no artigo 319, II, e §1º do Código de Processo Civil.
Estado Alta
Permite o mapeamento dos dados de judicialização
por área

País de Elencada como variável essencial da petição inicial no


Baixa
nascimento artigo 319, II, e §1º do CPC.

Dados sobre o réu

Elencada como variável essencial da petição inicial


no artigo 319, II, e §1º do CPC. Porém, como quem
Nome Média
preenche o formulário é o autor ele pode não saber
preencher o nome do réu.

Tipo de pessoa Apesar de ser difícil o autor saber o CPF do réu na


(física ou Média hora do preenchimento, é possível que ele saiba se o
jurídica) mesmo é uma pessoa física ou jurídica.

Dados sobre o processo

Importante para identificação do processo e


relacionamento direto com registros de outras bases
Número do
Alta de dados judiciais. Esta variável não é preenchida
Processo
pelo advogado, mas fornecida pelo sistema após a
finalização do cadastro inicial.

Importante para identificação do processo segundo


Classe judicial Alta
as Tabelas Processuais Unificadas (TPUs).

Permite identificar se os interesses são individuais ou


Ação individual
Média coletivos, bem como impacto que decisão pode ter no
ou coletiva
trâmite processual.

Para categorização e identificação do tema do


processo segundo as TPUs. Em alguns casos
Assunto
os assuntos podem ser categorizados de modo
principal Alta
diferente de acordo com o tribunal ou o advogado.
(matéria)
A confiabilidade da informação dependerá da
qualidade do seu preenchimento.

Assuntos Para categorização e identificação do tema do


Média
acessórios processo, segundo as TPUs.

Sumário 733
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Sugestões de variáveis de preenchimento obrigatório do protocolo de petição inicial

Variável Relevância Justificativa

Elencada como variável obrigatória da petição inicial


no artigo 319, IV, do CPC, por meio da interpretação
Objeto Alta
de que o objeto corresponde ao "o pedido com as
suas especificações".

Aparece como variável obrigatória da petição inicial


no artigo 319, V, do CPC. Auxilia na comparação
Valor da causa Baixa
com valor do medicamento e tratamento prescrito,
se for o caso.

Elencada como variável obrigatória da petição inicial


Órgão julgador Alta
no artigo 319, I, do CPC.

Permite a identificação geográfica dos locais em que


o judiciário está sendo mais demandado. Não é uma
Jurisdição Média
variável preenchida pelo advogado, mas identificada
a partir do que foi preenchido em órgão julgador.

município do Permite a identificação geográfica dos locais em que o


Alta
Processo Judiciário está sendo mais demandado.

É uma variável presente no processo que apresenta


de alguma forma uma característica pessoal da parte
processual. Porém não é uma variável segura para
Justiça gratuita Média
auferir condições socioeconômicas aos litigantes,
principalmente pelo fato de que não é usual negação
do benefício da gratuidade, quando solicitado.

Pedido de
Liminar ou
Alta Permite identificar a urgência do pedido.
Antecipação de
tutela

Elencada como variável obrigatória no artigo


Nome do
Alta 103 do Código de Processo Civil e artigo 133 da
Advogado
Constituição Federal.

OAB do Elencada como variável obrigatória no artigo 103


Alta
Advogado do CPC e artigo 133 da CF.

Registro do MP Variável de preenchimento obrigatório quando


Média
ou DP figurarem como parte

Sumário 734
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Sugestões de variáveis de preenchimento obrigatório do protocolo de petição inicial

Variável Relevância Justificativa

Variáveis de interesse para processos em saúde

Importante para saber se esgotou a via


O paciente foi administrativa. Muitos estudos observam se a
atendido pela pessoa está no sistema público ou privado de saúde,
Saúde Pública Alta para levantar suposições socioeconômicas e como
ou Saúde os sistemas são utilizados. Sugestão baseada nas
Suplementar? informações incluídas no Relatório Médico proposto
pelo CESMG.

Importante para identificar corretamente o médico


solicitante e para verificar se um mesmo médico
CRM do
Alta está associado a muitas ações. Sugestão baseada nas
Médico
informações incluídas no Relatório Médico proposto
pelo CESMG.

Tem a importância de identificar a quantificar


as operadoras presentes nos litígios em saúde.
Identificar as relações entre os litígios e as
Qual operadora Alta
operadoras, se há padrões. Sugestão baseada nas
informações incluídas no Relatório Médico proposto
pelo CESMG

Houve tentativa
Importante para saber se esgotou a via
de obter o
administrativa antes de acionar o judiciário. E se
produto ou
houve negativa indevida é um diagnóstico de falha
serviço pelo
que pode ajudar a melhorar o sistema e as políticas.
plano de saúde? Alta
Também é uma variável importante para conhecer
Houve negati-
se o usuário possui plano de saúde e está acionando
va? Escrita ou
o SUS. Sugestão baseada nas informações incluídas
verbal? Em que
no Relatório Médico proposto pelo CESMG.
data?

Houve tenta- Importante para saber se esgotou a via


tiva de obter administrativa antes de acionar o Judiciário. E se
o produto ou houve negativa indevida é um diagnóstico de falha
serviço pelo que pode ajudar a melhorar o Sistema e as políticas
Alta
SUS? Houve nos pedidos em que se identificou que a solicitação
negativa? Es- é procedente. Sugestão baseada nas informações
crita ou verbal? incluídas no Relatório Médico proposto pelo
Em que data? CESMG.

Sumário 735
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Sugestões de variáveis de preenchimento obrigatório do protocolo de petição inicial

Variável Relevância Justificativa

Permite conhecer melhor a distribuição dos


processos segundo a organização territorial
do SUS, uma vez que uma pessoa pode morar
em um município e ser atendida em outro, em
Em que conformidade com as Redes de Atenção à Saúde.
Unidade/ Isso ocorre, por exemplo, nos municípios pequenos
Alta
Município/ localizados perto de capitais, devido à forma como
Estado? o SUS distribui seus serviços. Atendimentos que
necessitam de instrumentos mais complexos são
localizados apenas nas localidades maiores.
Sugestão baseada nas informações incluídas no
Relatório Médico proposto pelo CESMG.

Permite rápida identificação da doença objeto do


litígio. A Recomendação 31 do CNJ solicita que os
Tribunais de Justiça dos Estados e aos Tribunais
Regionais Federais procurem instruir as ações, tanto
quanto possível, com relatórios médicos, descrição
CID Alta da doença, inclusive CID, contendo prescrição
de medicamentos, com denominação genérica
ou princípio ativo, produtos, órteses, próteses e
insumos em geral, com posologia exata. Sugestão
baseada nas informações incluídas no Relatório
Médico proposto pelo CESMG.

Permite compreender se o medicamento solicitado


Código
Alta compõe o rol de medicamentos incorporados pelo
RENAME
SUS.

Permite verificar se o medicamento está alinhado


Princípio
com o CID e, para um mesmo CID, quais
ativo do Alta
os princípios ativos têm sido mais objeto de
medicamento
judicialização.

Importante para identificar se o medicamento


passou pelos protocolos da Anvisa. Se o
Registro na
Alta medicamento possuir o registro, o mesmo precisa
Anvisa
estar válido, uma vez que a autorização possui data
de validade.

Sumário 736
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Sugestões de variáveis de preenchimento obrigatório do protocolo de petição inicial

Variável Relevância Justificativa

Para compreender se o valor do medicamento


Valor do requerido está de acordo com a tabela CMED,
medicamento - que norteia o mercado de medicamentos no país,
CMED (Câmara estabelecendo preços e informando consumidores
Alta
de Regulação sobre os valores máximos para compra de remédios
do Mercado de em farmácias e drogarias. Também permite avaliar
Medicamentos) se os medicamentos mais solicitados pela via judicial
possuem alto custo.

Informação importante como prova, por meio da


Existe Relatório
qual, o autor poderá demonstrar a veracidade de
Médico
Alta seu diagnóstico e prescrição médica. Elencada como
anexado ao
variável essencial da petição inicial no artigo 319,
processo
VI, do CPC.

Informação importante como prova, por meio da


qual, o autor poderá demonstrar a veracidade de
Qual o meio
seu diagnóstico e prescrição médica. O relatório
confirmatório
médico, entretanto, é mais importante, pois inclui
do diagnóstico
Baixa informações mais detalhadas sobre o paciente. Faz-se
(exames ou
aqui a ressalva de que, nos casos de câncer, o meio
avaliações
confirmatório do diagnóstico é fundamental, de
utilizadas)
relevância alta, sem o qual o tratamento da doença
sequer é iniciado.

Conclusão
As principais recomendações deste texto são: utilização de um formulário pa-
drão por todos os tribunais brasileiros, definindo variáveis de preenchimen-
to obrigatório, para melhorar a alimentação e organização da informação e
possibilitar a análise e a compreensão sobre a judicialização da saúde. Estas
recomendações são consistentes com as apresentadas pelo CNJ (CNJ, 2020a).
Apesar da evolução do tema no país, ainda há importantes lacunas a serem
exploradas para melhor compreensão do fenômeno e suas implicações.

Sumário 737
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

A jurimetria é muito importante para que os municípios possam conhecer a


relevância de cada um dos principais objetos da judicialização em Saúde.

O conhecimento deste fenômeno permitirá aos municípios dotar a gestão


pública de ferramentas para lidar com os desequilíbrios orçamentários e os
constrangimentos aos gestores decorrentes de determinadas medidas judi-
ciais. Permitirá inclusive a definição de uma melhor atribuição de respon-
sabilidades na provisão de medicamentos e procedimentos propedêuticos e
terapêuticos entre os entes federados, no âmbito da gestão pactuada do SUS.
Ademais, tende a dar melhor embasamento aos gestores municipais e suas
áreas jurídicas para sua adequada defesa e qualificação de seu planejamento.
Também, ela contribuirá para a desjudicialização no acesso aos bens e servi-
ços de saúde, pois pode permitir um diagnóstico mais preciso da judicializa-
ção no local e proporcionar uma atuação prévia ao problema, privilegiando
outros meios de negociação e intermediação de conflitos no plano local entre
os usuários, através do Ministério Público e o Judiciário, e o Executivo.

Nesse contexto, a possibilidade do uso de um formulário padrão, com in-


formações de fácil preenchimento, com variáveis pertinentes à realização de
diagnósticos e pesquisas, é o cenário mais desejável para possibilitar investi-
gações consistentes. Os resultados destes estudos poderão contribuir para um
papel mais assertivo das entidades representativas dos prefeitos e gestores
municipais nos debates nacionais com o Judiciário, reforçando iniciativas já
em curso pelo CNJ.

Referências
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judicialização da saúde em Minas Gerais, Brasil. Revista de Saúde Pública, v. 46,
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Sumário 740
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Construindo paradigmas na Rede


de Atenção Psicossocial - Comitê
Interinstitucional de Avaliação,
Monitoramento e Gestão das Demandas
Judiciais e em Risco de Judicialização no
Âmbito da Saúde Mental e Assistência
Social do município de Florianópolis
Ana Maria Bim Gomes1
Caroline Schweitzer de Oliveira2
Luciane Anita Savi3
Laíssa Castro Gomes4

Resumo
A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) traz diretrizes no
âmbito do SUS no sentido de fortalecer a assistência à saú-

1 Graduada em Enfermagem - UNIFAI, Enfermeira do Departamento de Atenção Psicossocial; Se-


cretaria Municipal de Saúde de Florianópolis; Lattes: http://lattes.cnpq.br/9413724631251602.
2 Mestra em Saúde Pública - UFSC; Enfermeira do Núcleo de Atendimento Judicial de Servi-
ços de Saúde e Insumos; Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis; Lattes: http://lattes.cnpq.
br/4627038463350744.
3 Doutora em Biotecnologia - UFSC; Farmacêutica do Núcleo de Atendimento Judicial; Secretaria
Municipal de Saúde de Florianópolis; Lattes: http://lattes.cnpq.br/7349775619118204.
4 Graduanda em Direito - CUESC; Estagiária; Assessoria Jurídica e Núcleo de Atendimento Judicial
da Secretaria Municipal de Saúde, Lattes: http://lattes.cnpq.br/9804147028515855.

Sumário 741
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

de mental, desconstruir estigmas e preconceitos e promo-


ver estratégias de desinstitucionalização, proporcionando
maior vínculo do usuário e promovendo sua autonomia e
inserção social. Em Florianópolis - SC, entre julho/2019 e
dezembro/2020, foram protocoladas cerca de 263 deman-
das na área de saúde mental, entre judicialização e juridici-
zação. Nesse sentido, esse relato de experiência por meio de
uma análise descritiva se propõe a narrar como o município
de Florianópolis - SC organiza o processo de trabalho nos
casos de vulnerabilidade social e violação de direitos rela-
cionados à saúde mental. Em 2019 foi publicado o Decreto
Municipal nº 20.426 que criou o Comitê Interinstitucional
de Avaliação, Monitoramento e Gestão das Demandas Ju-
rídicas e em Risco de Judicialização no Âmbito da Saúde
Mental e Assistência Social. Este Comitê visa integrar as re-
des de assistência social e saúde mental com a finalidade
de analisar, discutir e monitorar a condução dos casos re-
lacionados às demandas judiciais em saúde mental. Após
um ano de experiência do Comitê, é evidente a melhora do
diálogo intersetorial e interinstitucional através de fluxos de
encaminhamentos efetivos e documentos intersetoriais que
harmonizaram o entendimento das áreas, contribuindo,
assim, para eficiência na resolução dos casos judicializados
e para o desfecho, na esfera administrativa, dos casos com
potencial de juridicização, promovendo real economia aos
cofres públicos e evitando ainda prejuízo ao sistema de saú-
de e ao próprio indivíduo.

Sumário 742
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Introdução
Em 2017 foi instituído no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde de Floria-
nópolis (SMS), o Núcleo de Atendimento Judicial para fornecimento de Servi-
ços de Saúde e Insumos – NAJ-SeI, subordinado à Assessoria Jurídica. A partir
desse Núcleo foi possível constatar um aumento das determinações judiciais
para acolhimento institucional dos/as usuários/as para cumprimento por parte
do município de Florianópolis. Contudo, as determinações não especificavam
e ainda não especificam se a responsabilidade é da Secretaria Municipal de
Saúde (SMS) ou da Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS).

Considerando a interface desses casos com o Departamento de Atenção Psi-


cossocial da SMS e a Diretoria de Proteção Social Especial/Gerência de Alta
Complexidade da SEMAS, em 2019 foi criado Comitê Interinstitucional de
Avaliação, Monitoramento e Gestão das Demandas Jurídicas e em Risco de
Judicialização no Âmbito da Saúde Mental e Assistência Social (DECRETO
Nº 20.426/2019) com vistas a organizar o processo de trabalho, a comunica-
ção e articulação intersetorial, além de avaliar e deliberar encaminhamentos
aos casos de vulnerabilidade social e violação de direitos relacionados à saúde
mental dos indivíduos.

Vale ressaltar que as responsabilidades foram definidas a partir de acordos


formais firmados entre as secretarias envolvidas considerando a realidade, os
recursos existentes e o respeito às competências de cada órgão da rede.

Este Comitê tem por competência integrar as redes de assistência social e


saúde mental com a finalidade de examinar, discutir, avaliar e monitorar a
condução dos casos relacionados às demandas jurídicas em saúde mental,
possibilitando a análise das necessidades existentes e dos recursos deman-
dados para a eleição das prioridades do município nesta área, com possíveis
estratégias de atuação. Além disso, o comitê promove o desenvolvimento e a
articulação da implantação de medidas destinadas a ampliar a acessibilidade
e equidade das ações da assistência relacionadas às demandas judicializadas e
juridicizadas no âmbito da saúde mental.

Sumário 743
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Segundo Asensi (2010 p.48) juridicização são:

“conflitos que não são levados ao Judiciário, mas que são discutidos sob o
ponto de vista jurídico, principalmente em momentos pré-processuais, en-
quanto judicialização se trata de conflitos que são levados ao Judiciário na
forma de ação civil pública ou algum outro instrumento processual”

Diante do exposto, a saúde mental está atrelada ao aumento significativo da ju-


ridicização, ou seja, medidas extrajudiciais na tentativa de reaver os direitos vio-
lados. Quando essa mediação de conflitos, em geral realizada por representantes
do Ministério Público, outros órgãos públicos ou privados, resta frustrada, se
torna então necessária a judicialização, acionando para tal o Poder Judiciário.

Como um dos objetivos do Comitê é evitar a judicialização, a categorização das


demandas pré-processuais são essenciais para a otimização do processo, em sua
grande parte as requisições são oriundas dos Ministérios Públicos, Defensorias
Públicas e Varas de Justiça que consistem em: relatórios situacionais do atendi-
mento prestado ao indivíduo e/ou família pela equipe dos Centros de Saúde ou
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); pedidos de internação compulsória/in-
voluntária; acolhimentos institucionais; atendimentos com especialidades como
psicologia ou psiquiatra.

Nos casos judicializados, as demandas compreendem duas principais categorias:


relatórios situacionais dos atendimentos prestados ao indivíduo e/ou família pela
equipe dos Centros de Saúde ou Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e re-
quisição de atendimentos por profissionais de saúde no âmbito da saúde mental,
como consultas em psicologia e psiquiatria.

Nesse sentido o Comitê desenvolveu a “Nota técnica sobre Acolhimento Institu-


cional, Acolhimento para Tratamento e Internação Psiquiátrica nos Serviços de
Saúde e Socioassistenciais”, a fim de nortear os agentes institucionais quanto aos
princípios preconizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único
de Assistência Social (SUAS) e suas respectivas competências.

A referida nota destaca ações e procedimentos que devem ser adotados


para o adequado funcionamento dos fluxos instituídos, abordando desde

Sumário 744
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

os relatórios situacionais dos(as) usuários(as) até a identificação dos órgãos


responsáveis pelo respectivo acolhimento institucional para tratamento. E,
principalmente, orienta as instituições no sentido de levar em consideração o
âmbito de competência da SMS e da SEMAS, a fim de aperfeiçoar e qualificar
a assistência aos(às) usuários(as).

Desenvolvimento
Os serviços de acolhimento para pessoas em sofrimento mental são os ser-
viços especializados que oferecem proteção às pessoas e famílias afastadas
temporariamente do seu núcleo familiar e/ou comunitários de origem, e se
encontram em situação de abandono, ameaça ou violação de direitos. Tais
serviços funcionam como moradia provisória até que a pessoa possa retornar
à família de origem, ser encaminhada para família substituta ou ser capaz
de exercer autonomia e autocuidado por conta própria. Estes equipamentos
podem estar vinculados aos serviços de saúde ou de assistência social.

Importante ressaltar que, apesar de a maioria dos cumprimentos judiciais


determinar acolhimento institucional, não é delimitado se a instituição é de
competência da saúde ou da assistência social, apesar de existir especifici-
dades previstas por leis, diretrizes, normas e portarias, as quais norteiam os
fluxos quanto aos acolhimentos e às necessidades das pessoas5.

A falta dessa definição é mais um dos motivos da criação do Comitê Interins-


titucional de Avaliação, Monitoramento e Gestão das Demandas Jurídicas e
em Risco de Judicialização no Âmbito da Saúde Mental e Assistência Social
para a definição da competência entre saúde a assistência social poder ser
verificada no Fluxograma.

Os casos de determinação judicial para acolhimento institucional, discuti-


dos neste comitê, são referentes às pessoas com deficiências ou diagnósticos

5 Portaria de Consolidação n° 3 de 28 de setembro de 2017, Tipificação dos Serviços Socioassisten-


ciais, SUAS, 2017.

Sumário 745
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

relacionados a transtornos mentais. Isso ocorre em casos cuja cronicidade


dos transtornos mentais pode afetar a funcionalidade da pessoa (capaci-
dade de se autogerir, autossustentar, autocuidar-se), gerando deficiências,
dificuldades motoras e/ou físicas e comprometimento em áreas de habili-
dades adaptativas como comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais,
utilização de recursos da comunidade, saúde e segurança, habilidades aca-
dêmicas, lazer e trabalho.

Estes quadros, geralmente, vêm acompanhados de dificuldade financeira, inca-


pacidade de autossustentabilidade e autocuidado, e ausência de rede familiar.
São pessoas a quem o comprometimento da funcionalidade causou situação de
dependência de cuidados e/ou necessidade de supervisão para as atividades da
vida e, não raro, encontram-se sem rede social e em abandono familiar.

Vale frisar que o conceito de pessoa com deficiência é de indivíduo que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sen-
sorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas (BRASIL, 2016).

Nem todas as pessoas com deficiência são dependentes. O conceito de depen-


dência está relacionado à perda da capacidade funcional associada à deman-
da por cuidados de longa duração. A dependência pode ser incapacitante ou
não, bem como gradual, definitiva ou reversível. A situação de dependência
pode afetar as capacidades das pessoas com deficiência que, em interação
com as barreiras, limitam a realização das atividades e restringem a partici-
pação social (BRASIL, 2016).

O diferencial para delimitar se o acolhimento institucional é de competência


da saúde ou da assistência social é o grau de dependência do usuário. Nos
casos em que a pessoa com deficiência ou transtorno mental é totalmente
dependente de cuidados, cabe à saúde o acolhimento, pois esta pessoa neces-
sita de cuidados integrais 24 horas por dia por equipe de saúde, ou seja, não
possui capacidade de autocuidado.

Sumário 746
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Já nos casos em que a pessoa não seja totalmente dependente, cabe aos equi-
pamentos de alta complexidade da assistência social o acolhimento destas
pessoas considerando a importância em “fortalecer possibilidades de intera-
ção entre os residentes, inclusive com pessoas com diversos graus de depen-
dência convivendo entre si’’ (BRASIL, 2016).

Desta forma, segue o detalhamento dos serviços voltados para acolhimento


no SUS.

Instituída em 2011 através da Portaria nº 3.088, a Rede de Atenção Psicos-


social (RAPS) proporciona diretrizes, no âmbito do SUS, para a assistência à
pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo aquelas com problemas
decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. A RAPS vem para forta-
lecer e ampliar a assistência à saúde mental, desconstruindo estigmas e pre-
conceitos, promovendo estratégias de desinstitucionalização, proporcionan-
do o vínculo do usuário e família, protagonismo, promoção de autonomia e
inserção social.

São componentes da RAPS: Atenção Primária à Saúde (APS), incluindo Equi-


pes de Consultório na Rua; Centros de Atenção Psicossocial nas suas diferen-
tes modalidades; Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) 192;
Salas de Estabilização; Unidade de Pronto Atendimento 24 horas; Portas hos-
pitalares de atenção à urgência/pronto socorro; enfermaria especializada em
Hospital Geral; Serviço Hospitalar de Referência e serviços para acolhimento
de pessoas com transtornos mentais, focados no tratamento da dependência
química, e serviços de ressocialização das pessoas em alta de internações de
longa permanência. Dividem-se em:

> Unidade de Acolhimento (UA): ambiente residencial para pessoas com necessi-
dades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, que apresentem
intensa vulnerabilidade social e/ou familiar e estejam em tratamento no CAPS
Ad, com permanência de seis meses;

> Comunidades Terapêuticas (CT): acolhimento de caráter voluntário de, no má-


ximo, 9 meses de pacientes com necessidades clínicas estáveis decorrentes do
uso de crack, álcool e outras drogas;

Sumário 747
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

> Residencial Terapêutico (RT): acolhimento de pacientes com histórico de in-


ternação de longa permanência (2 anos ou mais ininterruptos) egressos de
hospitais psiquiátricos e hospitais de custódia.

De acordo com o artigo 2º da Lei nº 10.216/2001 as pessoas com trans-


torno mental são prioritariamente tratadas em serviços ambulatoriais. As
internações psiquiátricas devem ser indicadas para situações de crise ou
urgência em saúde mental que não forem passíveis de serem manejadas
em componentes extra-hospitalares ou cujo tratamento ambulatorial tenha
sido esgotado. São as situações de descompensações psíquicas e/ou clínicas,
agitações psicomotoras, agressividade, tentativas de suicídio, entre outras.
Quando a internação é necessária, deve ser breve, não sendo permitida a
internação de longa duração. A internação é efetivada em hospital, cabendo
à saúde sua indicação e execução. O acolhimento em Comunidade Tera-
pêutica (CT), de caráter voluntário, também pode ser indicado quando há
insucesso no tratamento ambulatorial, sempre após avaliação clínica e exa-
mes complementares nos CAPS Álcool e Drogas e articulação das equipes
destes serviços com a CT.

São serviços ambulatoriais que, além da avaliação e manejo das situações de


crise e urgência, acompanham os pacientes com transtornos mentais. Na APS
são acompanhados os pacientes com transtornos leves a moderados. Esse
atendimento é feito nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), por meio das
Equipes de Saúde da Família (ESF) e dos Núcleos de Apoio à Saúde da Fa-
mília (NASF), com apoio de psicólogo, assistente social, psiquiatra, educador
físico, nutricionista, entre outros, e no consultório na rua (eCR), com equipe
para o atendimento itinerante à população em situação de rua.

Na Atenção Especializada são assistidas as pessoas com transtornos mentais


moderados a graves. Essa atenção é realizada nos Centros de Atenção Psicos-
social (CAPS), que são acompanhados pelas UPAs e pelo SAMU na Atenção à
Urgência e Emergência, como suporte para o atendimento às crises e urgên-
cias em saúde mental e encaminhados para internação em leitos psiquiátricos
em Hospital Geral ou Hospital Psiquiátrico, quando necessário.
Sumário 748
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Importante ressaltar que conforme a Deliberação nº 085/17 da Secretaria


Estadual de Saúde de Santa Catarina (SES/SC):

A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico cir-


cunstanciado que deverá ser emitido por médico psiquiatra, médico de qual-
quer outra especialidade, médico clínico generalista e médico da Estratégia
Saúde da Família, desde que esteja vinculado ao Sistema Único de Saúde, atra-
vés da Secretaria Municipal de Saúde. Este profissional terá o poder e a respon-
sabilidade (penal, civil e ética) de decidir previamente quanto ao seu cabimento
e tempo de duração, especificando os motivos/indicações para a internação psi-
quiátrica, conforme exigências contidas no artigo 6º da Lei n.10.216, de 6 de
abril de 2001. É recomendável que o laudo que esteja indicando a internação
aponte também as condições de acompanhamento do paciente inclusive a sua
supressão se for o caso, de forma justificada, em ambas as hipóteses.

Referente aos serviços previstos para acolhimento institucional da pessoa com


deficiência, geridos pelo SUAS, são destinados às famílias e/ou indivíduos com
vínculos familiares rompidos ou fragilizados, como segue:

> Serviço de acolhimento institucional voltado para crianças e adolescentes, incluindo


aqueles com deficiências, em situação de risco pessoal e social, que não conseguem
ser cuidados e protegidos por suas famílias;

> Serviço de acolhimento institucional para adultos e famílias, voltado às pessoas em


situação de rua e desabrigo por abandono, migração e ausência de residência ou
pessoas em trânsito e sem condições de autossustento;

> Serviço de acolhimento institucional para mulheres em situação de violência com risco
de morte ou ameaças em razão de violência doméstica e familiar;

> Serviço de acolhimento institucional para jovens e adultos com deficiência cujos vín-
culos familiares estejam rompidos ou fragilizados. É previsto para jovens e adultos
com deficiência que não dispõem de condições de autossustentabilidade, de reta-
guarda familiar temporária ou permanente ou que estejam em processo de desli-
gamento de instituições de longa permanência, e ocorre em Residências Inclusivas.

> Serviço de acolhimento institucional para idosos acima de 60 anos, independentes e/


ou com diversos graus de dependência, quando esgotadas todas as possibilidades
de autossustento e convívio com familiares, quando não dispõem de condições

Sumário 749
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

para permanecer com a família, ou em casos de vivências de situações de violência


e negligência, em situação de rua e de abandono (SUAS, 2015).

Ressalta-se que as pessoas com deficiências acolhidas pelos serviços socioassis-


tenciais no município devem ser assistidas pela Rede de Atenção Saúde (RAS)
da cidade, recebendo cuidados de saúde nas UBS presentes nos territórios des-
tas residências, nos CAPS e nos serviços de urgência e emergência. Os cuidados
são os previstos na Política Nacional de Atenção Básica e na Política Nacional
de Saúde Mental.

Fluxograma 1: Diferenciação Acolhimento institucional SUS e SUAS

Fluxo de Acolhimento

SUAS SUS

Acolhimento Institucional Acolhimento para Tratamento,


Internação Compulsória ou Involuntária

- Necessidade de moradia e cuidado à pessoa com deficiência


ou ao indivíduo com vínculos familiares rompidos ou fragilizados - Avaliação da necessidade de
internação;
- Avaliação multiprofissional, médica,
- serviço de acolhimento institucional de caráter provisório ou psiquiátrica ou psicológica com
excepcionalmente de longa permanência voltado para crianças e exceção de perícias para instrução
adolescentes, incluindo aquelas com deficiências, em situação de risco de guarda e outros;
pessoal e social, cujas famílias não conseguem cuidar e proteger; - Inserção em tratamento de saúde;
- serviço de acolhimento institucional de caráter provisório ou - Alta de Hospital de Custódia
excepcionalmente de longa permanência para adultos e famílias, ou Psiquiátrica com permanência
voltado às pessoas em situação de rua e desabrigo por abandono, há 2 anos ou mais.
migração e ausência de residência ou pessoas em trânsito e sem
condições de autossustento;
- serviço de acolhimento institucional de caráter provisório ou - Unidade de Acolhimento: ambiente
excepcionalmente de longa permanência para mulheres em situação residencial para pessoas com
de violência, em situação de risco de morte ou ameaças em razão necessidade decorrentes do uso de
da violência doméstica e familiar; crack, álcool e outras, que apresentem
- serviço de acolhimento institucional de caráter provisório ou intensa vulnerabilidade social
excepcionalmente de longa permanência para jovens e adultos com e/ou familiar e estejam em tratamento
deficiência, cujos vínculos familiares estejam rompidos ou fragilizados. no CAPS Ad, com permanência
É previsto para jovens e adultos com deficiência que não dispõem de de seis meses;
condições de autossustentabilidade, de retaguarda familiar tempo- - Comunidades Terapêuticas:
rária ou permanente ou que estejam em processo de desligamento de acolhimento de caráter voluntário
instituições de longa permanência. É feita em Residências Inclusivas. de no máximo 9 meses de pacientes
- serviço de acolhimento institucional para idosos acima de 60 anos, com necessidades clínicas estáveis
independentes e/ou com diversos graus de dependência, de caráter decorrentes do uso de crack,
provisório ou excepcionalmente de longa permanência, quando álcool e outras drogas;
esgotadas todas as possibilidades de autossustento e convívio com - Residencial Terapêutico: acolhimento
os familiares, que não dispõem de condições para permanecer de pacientes com internação de longa
com a família, com vivências de situações de violência e negligência, permanência (2 anos ou mais
em situação de rua e de abandono, com vínculos familiares ininterruptos) egressos de hospitais
fragilizados ou rompidos. psiquiátricos e hospitais de custódia.

Sumário 750
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Fonte: Nota técnica sobre Acolhimento Institucional, Acolhimento para Tratamento e Internação Psiquiátrica
nos Serviços de Saúde e Socioassistenciais. SMS Florianópolis, 2018.

Por fim, a busca pela manutenção dos direitos humanos e fundamentais no que
tange à assistência em saúde mental tem impactado de forma significativa no
acesso e cuidados em saúde à população com transtorno mental e/ou pessoas
com outros problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas.

Resultados
Dentro da área temática “Experiência no enfrentamento da judicialização”, o
presente estudo trouxe como metodologia uma análise descritiva, em forma
de relato de experiência, que se inicia com a criação do Comitê em 2019 até
a presente data.

Em Florianópolis, de acordo com o setor de Assessoria Jurídica/Núcleo de


Atendimento Judicial da Secretaria Municipal de Saúde, foram protocolados
cerca de 263 processos, sendo 34% de demandas pré-processuais e 66% judi-
ciais no âmbito da saúde mental entre julho/2019 e dezembro/2020.

Do total das demandas atendidas juridicizadas, oriundas dos Ministérios Pú-


blicos, Defensorias Públicas, Delegacias, Conselhos Tutelares, dentre outros,
40% consistiram em atendimentos por profissionais de saúde, em sua maioria
nas especialidades de psicologia ou psiquiatra, 17% solicitações de relatórios
situacionais do atendimento prestado ao indivíduo e/ou família pela equipe
dos Centros de Saúde ou Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), 14% pedi-
dos de avaliação para internações compulsórias, 8% acolhimentos institucio-
nais e 22% demais demandas, incluindo solicitações administrativas quanto
ao funcionamento dos serviços.

Nos casos judicializados as demandas compreendem duas principais catego-


rias: 44% requisições de relatórios situacionais do atendimento prestado ao in-
divíduo e/ou família pela equipe dos Centros de Saúde ou Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS) e 42% para inclusão de atendimento no âmbito da saúde

Sumário 751
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

mental como consultas em psicologia e psiquiatria, restando 9% das requisições


para internações compulsórias e 5% para acolhimentos institucionais.

Podemos observar que 76% dos casos incluindo a judicialização e juridiciza-


ção no âmbito da saúde mental, no período de julho de 2019 até dezembro
de 2020, concentraram-se em requisições de relatórios situacionais de aten-
dimentos psicológicos e psiquiátricos.

O Comitê Interinstitucional de Avaliação, Monitoramento e Gestão das De-


mandas Jurídicas e em Risco de Judicialização no Âmbito da Saúde Mental e
Assistência Social mostrou-se presente na resolução e acompanhamento das
demandas com vistas à resolutividade dos casos, sendo em sua grande maio-
ria assistidos em conjunto entre a Assistência Social, por meio da Gerência de
Alta complexidade da Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS), e
a saúde, por meio da Secretaria Municipal de Saúde.

Mais especificamente, dos 18 casos compartilhados entre SMS e SEMAS, para


acolhimento institucional, nesse período de julho de 2019 a dezembro de 2020,
apenas 01 caso tratava de acolhimento sob responsabilidade do SUS e 17 casos
de responsabilidade do SUAS, visto se tratarem em sua grande maioria de situa-
ções de vulnerabilidades sociais e incapacidades de autossustento e autogerência.

Conclusão
Após um ano de experiência como membros do Comitê, fica evidente a me-
lhora do diálogo intersetorial e interinstitucional. Por meio das reuniões
periódicas foi possível a criação de fluxos de encaminhamentos efetivos, de
documentos que unificassem as falas dos setores, contribuindo assim para o
desfecho favorável dos casos judicializados e juridicizados.

Observou-se que, dentre as demandas compartilhadas entre SMS e SEMAS,


sua grande maioria tratava de casos relacionados a vulnerabilidades sociais,
incapacidades de autossustento e autogerência. Conseguiu-se também evitar

Sumário 752
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

que alguns casos de maior complexidade caminhassem no sentido da judicia-


lização, o que poderia ser desfavorável visto a urgência em prover o cuidado
necessário ao indivíduo com transtorno mental.

Referências
ASENSI, Felipe Dutra. Judicialização ou juridicização? As instituições jurídicas e
suas estratégias na saúde. Physis: Revista de Saúde Coletiva, [S.L.], v. 20, n. 1, p.
33-55, 2010. FapUNIFESP (SciELO).

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.088, de 23/12/11 que Institui a Rede


de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com
necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS), 2011.

BRASIL. Sistema Único de Assistência Social. Orientação para gestores,


profissionais, residentes e familiares sobre o Serviço de Acolhimento
Institucional para Jovens e Adultos com Deficiência em Residências Inclusivas:
Perguntas e Respostas. 1ª Edição. Brasília. 2016. Disponível em: <https://
www.conass.org.br/biblioteca/wp-content/uploads/2011/02/NT-58-UNIDADE-DE-
ACOLHIMENTO-DA-RAPS.pdf>. Acesso em 15/04/2021.

BRASÍLIA. Resolução nº 3: Regulamenta, no âmbito do Sistema Nacional de


Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD. O acolhimento de adolescentes com
problemas decorrentes do uso, abuso ou dependência do álcool e outras drogas
em comunidades terapêuticas. Ministério da Justiça e Segurança Pública/Conselho
Nacional de Políticas sobre Drogas. 2020. Disponível em <https://www.in.gov.
br/en/web/dou/-/resolucao-n-3-de-24-de-julho-de-2020-268914833>. Acesso em:
15/04/2021.

CONASS, Nota Técnica nº 58/2011: Rede de atenção Psicossocial, minuta de


portaria que institui a Unidade de Acolhimento da Rede de Atenção Psicossocial.
Brasília, p. 1-15. 2011.

CONASS, Nota Técnica nº 32/2011: Institui a Equipe de Desinstitucionalização


como integrante do componente “Estratégias de Desinstitucionalização” da Rede
de Atenção Psicossocial (RAPS), no âmbito SUS e define incentivo financeiro de
custeio. Brasília, p. 2-3. 2013. Disponível em: <https://www.conass.org.br/wp-
content/uploads/2013/09/NT-32-2013-Equipe-de-Desisinstitucionalizacao-da-RAPS-.
pdf>. Acesso em 15/04/2021.
Sumário 753
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

FLORIANÓPOLIS. Decreto nº 20.426, de 21 de junho de 2019: Dispõe sobre a


criação do Comitê Interinstitucional de Avaliação, Monitoramento e Gestão das
Demandas Jurídicas e em Risco de Judicialização no Âmbito da Saúde Mental e da
Assistência Social. Florianópolis, SC: Prefeitura Municipal de Florianópolis.

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL, Prontuário SUAS: serviços


de acolhimento institucional para crianças e adolescentes. Brasília, p. 1 - 62. 2018.
Disponível em:<http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/
prontuario/Prontu%C3%A1rio_Acolhimento_Vers%C3%A3o_Final_2.4.pdf>.
Acesso em 15/04/2021.

Sumário 754
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

A experiência do município de
Florianópolis - SC na organização do
atendimento das demandas judiciais de
acesso a produtos e serviços de saúde
Luciane Anita Savi1
Caroline Schweitzer de Oliveira2
Lucineia Aparecida de Oliveira3
Laíssa Castro Gomes4
Ana Maria Bim Gomes5

Resumo
Este trabalho apresenta a organização de Florianópolis -
SC para atender às demandas judiciais de acesso a medica-
mentos, insumos e serviços de saúde, tendo como desafio
a preservação dos princípios e diretrizes do Sistema Úni-

1 Doutora em Biotecnologia - UFSC; Farmacêutica do Núcleo de Atendimento Judicial; Secretaria


Municipal de Saúde de Florianópolis; Lattes: http://lattes.cnpq.br/7349775619118204.
2 Mestra em Saúde Pública - UFSC; Enfermeira do Núcleo de Atendimento Judicial de Servi-
ços de Saúde e Insumos; Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis; Lattes: http://lattes.cnpq.
br/4627038463350744.
3 Mestre em Planejamento Urbano - UDESC; Advogada e Assessora Jurídica; Secretaria Mu-
nicipal de Saúde de Florianópolis/Procuradoria Geral do Município. Lattes: http://lattes.cnpq.
br/7088797620517113.
4 Graduanda em Direito - CUESC; Estagiária; Assessoria Jurídica e Núcleo de Atendimento Judicial
da Secretaria Municipal de Saúde, Lattes: http://lattes.cnpq.br/9804147028515855.
5 Graduada em Enfermagem - UNIFAI, Enfermeira do Departamento de Atenção Psicossocial; Se-
cretaria Municipal de Saúde de Florianópolis; Lattes: http://lattes.cnpq.br/9413724631251602.

Sumário 755
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

co de Saúde (SUS). Até 2014, Florianópolis não contava


com estrutura focada no atendimento de ações judiciais
e limitava-se ao mero cumprimento, com fluxos internos
descoordenados e que prejudicavam as atividades admi-
nistrativas e assistenciais de diferentes setores. Diante do
aumento do número de ações, da necessidade de estraté-
gias de prevenção e de defesa, bem como de prezar pela
eficiência no uso dos recursos públicos, foi implantado o
Núcleo de Atendimento Judicial, focado em ações de medi-
camentos (NAJ-Med) e, em 2017, outro Núcleo focado em
ações de insumos e serviços (NAJ-SeI). Para a prevenção
de demandas judiciais foi criada a Comissão de Análise de
Processos Judiciais (CPJ), focada na solução administrativa
do pedido de medicamentos com o que há disponível no
SUS. Em 2020, a assessoria jurídica da Secretaria Munici-
pal de Saúde assumiu parte da atribuição da Procurado-
ria Municipal para aperfeiçoar o suporte jurídico ao NAJ-
Med e NAJ-SeI. Estas iniciativas foram impulsionadas pela
qualificação profissional dos servidores para atuar na judi-
cialização da saúde e pela compreensão do gestor de que a
busca pelo equilíbrio entre o direito à saúde e os princípios
e diretrizes do SUS transita pela qualificação e intercâm-
bio dos profissionais de saúde e operadores do direito, re-
sultando em melhor organização interna, em melhor uso
dos recursos disponíveis e na preservação da eficiência da
administração pública.

Sumário 756
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Introdução
Face à dificuldade do Poder Executivo em cumprir seu dever institucional
quanto à saúde da população ou mesmo à incompreensão da sociedade quan-
to às políticas públicas de saúde pautadas nos princípios do Sistema Único de
Saúde (SUS), o cidadão tem encontrado uma nova forma de acesso a produtos
e serviços de saúde por meio dos processos judiciais. Este fenômeno, conhecido
por “judicialização da saúde”, compreende a provocação e a atuação do Poder
Judiciário em prol da efetivação da assistência médica e/ou farmacêutica. O
Executivo, por sua vez, passa a ser constrangido, nas vias jurisdicionais, a pres-
tar indiscriminadamente atendimento médico e assistência farmacêutica, pro-
vocando repercussões tanto na política de saúde como sobre os cofres públicos.
Tal fenômeno envolve aspectos políticos, sociais, éticos e sanitários, de modo
que não se limita aos componentes jurídico e de gestão de serviços públicos
(VENTURA et al., 2010; LEITÃO et al., 2014).

Com o aumento da judicialização, também surge a discussão sobre os desafios


presentes no Estado de Direito Democrático e para a governança em políticas
públicas. Na última década, a gestão da judicialização da saúde tem sido marca-
da por medidas de racionalização da demanda judicial e forte articulação entre
instituições de saúde e de justiça. As aproximações resultaram em uma política
judiciária de resolução de conflitos na saúde protagonizada pelo Conselho Na-
cional de Justiça (CNJ), que recomenda a criação de novos arranjos interins-
titucionais, como os Núcleos de Assistência Técnica aos juízes, e a adoção de
parâmetros técnico-científicos e político-administrativos para as deliberações.
Preconizam, ainda, o uso de Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos
que reduziriam a judicialização, de modo que não é mais possível compreen-
der e formular políticas públicas de saúde sem levar em consideração a atuação
dos atores do Sistema de Justiça e suas interações com o Executivo e Legisla-
tivo, que têm transformado saberes e práticas na saúde (VENTURA, 2020).

A ampliação da atuação do Sistema de Justiça no acesso à assistência à saúde


tem repercussões sobre a gestão, influenciando na tomada de decisão dos

Sumário 757
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

profissionais envolvidos e, ao menos em parte, pode decorrer das deficiên-


cias da própria administração pública. Por outro lado, tal atuação pode estar
relacionada à alta e persistente demanda judicial, combinada com respos-
tas automáticas e insatisfatórias sem uma devida e cuidadosa análise crítica
da demanda pelos atores envolvidos. A combinação desses elementos pode
causar um tipo de “disfunção nos sistemas” com “o risco de se desenvolver
a via judicial como principal meio para se garantir o acesso ao medicamen-
to” (BAPTISTA; MACHADO; LIMA, 2009) e, nesse sentido, causar prejuízos
significativos à efetividade (individual e coletiva) do direito à saúde, com vio-
lação de princípios éticos e legais importantes, como o acesso igualitário e a
integridade física e saúde do demandante (VENTURA et al., 2010).

O descompasso entre as necessidades de saúde da população, sempre cres-


centes, e os custos para atendê-las, cada vez maiores, torna o problema da
escassez de recursos ainda mais complexo e difícil e a determinação do con-
teúdo do direito à saúde mais delicada. Isso tudo em um contexto de medica-
lização da sociedade e consumo da saúde, no qual “médicos e ‘consumidores’
estão ficando prisioneiros de uma fantasia na qual todos têm algo de errado
e todos e tudo podem ser curados” (FERRAZ; VIEIRA, 2009).

Tendo em vista a crescente judicialização de temas relativos à saúde, em nú-


mero e em diversidade, o forte impacto sobre os orçamentos públicos e a
necessidade de assegurar a sustentabilidade do SUS, são imprescindíveis es-
tratégias que promovam a devida avaliação das demandas judiciais também
sob o olhar técnico, e não apenas jurídico. Isso deve ser feito de modo que
seja possível medir suas implicações no sistema público e investigar suas mo-
tivações para, assim, corrigir possíveis falhas do sistema e avaliar estratégias
de gestão para que as ordens judiciais sejam cumpridas sob o princípio cons-
titucional da eficiência na administração pública.

No cenário de crise financeira que afeta o Brasil, torna-se importante o uso


adequado dos recursos econômicos disponíveis. É inegável que o aumento de
despesas devido ao cumprimento de ordens judiciais acaba por desorganizar
as políticas públicas de saúde, na medida em que recursos destinados ao siste-

Sumário 758
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

ma como um todo passam a ser direcionados para o atendimento de situações


individuais, com prejuízo à universalidade do atendimento (ZUCCHI; DEL
NERO; MALIK, 2000). Portanto, iniciativas que visam utilizar os recursos exis-
tentes de modo mais eficiente devem ser promovidas e incentivadas.

O crescimento do número de ações judiciais, associado ao fato de que as


decisões são predominantemente favoráveis aos autores, vem gerando pro-
blemas para o sistema de saúde como um todo, já que algumas decisões aca-
bam comprometendo gravemente o orçamento para a saúde, em razão do
elevado preço de alguns tratamentos pleiteados. No caso das ações judiciais
individuais para fornecimento de produtos e serviços de saúde estão em jogo
bens providos pelo Estado com recursos públicos e, portanto, a decisão afeta,
ainda que indiretamente, toda a coletividade (BORGES, UGÁ, 2010; SAVI;
SANTOS, 2013).

O impacto das decisões nos orçamentos da União e de alguns estados tem sido
objeto de muitas pesquisas. Porém, salvo algumas exceções, pouco se conhece
sobre como decisões judiciais obrigando o fornecimento de bens e serviços de
saúde - principalmente medicamentos - afetam os municípios (WANG et al.,
2014), motivo pelo qual a organização municipal se mostra necessária.

Estratégias de gestão de demandas judiciais em


âmbito municipal
A Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, atenta ao fato de que o
aumento exponencial de demandas judiciais por medicamentos vinha pre-
judicando o serviço de Assistência Farmacêutica, em 2014 instituiu o Núcleo
de Atendimento Judicial para fornecimento de medicamentos (NAJ-Med),
vinculado à sua Assessoria Jurídica, com as seguintes atribuições, até então
não estabelecidas na Secretaria:

I – Verificar se a ordem judicial está sendo cumprida por outro réu, de modo a
evitar multiplicidade de atendimento e gastos desnecessários;

Sumário 759
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

II – Providenciar toda a documentação necessária para o cumprimento da or-


dem judicial, a partir do documento encaminhado pela Assessoria Jurídica,
observando critérios técnicos pertinentes à dispensação de medicamentos,
bem como à legislação sanitária vigente;

III – Verificar se o medicamento solicitado possui registro e se é de uso autori-


zado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA; Notificar a
Assessoria Jurídica no caso de o medicamento demandado não estar nestas
condições;

IV – Comunicar à Assessoria Jurídica no caso de haver conflito entre a ordem ju-


dicial e a prescrição médica, ou qualquer outra questão que impeça o cum-
primento da ordem judicial;

V – Abrir e acompanhar o processo de aquisição de medicamentos mediante


ordem judicial;

VI – Realizar a análise técnica de licitações para aquisição de medicamentos por


ordem judicial;

VII – Localizar, no sistema cadastro de Família, ou no sistema Cartão Nacional de


Saúde, se o paciente reside no município de Florianópolis;

VIII – Comunicar a equipe de Saúde da Família sobre o atendimento judicial do


cidadão, visando a adequação do seu tratamento de acordo com as Políticas
Públicas de Saúde vigentes;

IX – Comunicar à Assessoria Jurídica sobre possibilidades de adequações da or-


dem judicial visando o uso racional de medicamentos;

X – Prestar esclarecimento formal, quando solicitado, ao Judiciário e aos auto-


res sobre o cumprimento das ordens judiciais;

XI – Providenciar a documentação necessária e encaminhá-la a Assessoria Jurídi-


ca, a fim de que sejam solicitados os devidos ressarcimentos de acordo com
as ordens judiciais (FLORIANÓPOLIS, 2014).

A partir da criação do NAJ, começou a se organizar o atendimento das demandas


judiciais com foco no cumprimento das ordens ao menor custo possível para o
Sumário 760
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

município. Para isso, foram reorganizados o sistema de aquisição e o controle das


entregas dos produtos aos autores e se iniciaram as pactuações com a Secretaria
Estadual de Saúde de Santa Catarina e as solicitações de ressarcimento à União.

Como descrito por Wang et al. (2014), as “licitações preventivas” diminuem


os custos porque se abre uma concorrência por meio da qual diferentes in-
dústrias competem para oferecer o menor preço. Ademais, todas elas são
obrigadas a fornecer o medicamento com descontos obrigatórios, de acordo
com a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). O NAJ
também atua com “licitações preventivas” de medicamentos constantemente
demandados, evitando, assim, dispensas de licitação que geralmente trazem
custos maiores para o município.

Os aspectos orçamentários e financeiros necessários para cobrir as despesas


com ações judiciais merecem tratamento diferenciado. Também, para que seja
possível atender às determinações judiciais nos prazos fixados e de forma efi-
ciente, tanto para o fornecimento do produto/serviço, quanto para a apresen-
tação de informações ao Poder Judiciário, é aconselhável que a administração
designe um responsável que, de um modo geral, é um servidor escolhido pelo
gestor municipal. Isso porque o acompanhamento e supervisão do trâmite do
processo interno são fundamentais, bem como a articulação com todas as áreas
envolvidas, de forma que os prazos sejam cumpridos e que a melhor defesa seja
apresentada (SAVI, BOSQUETTI, PEREIRA, 2013).

Tendo em vista a experiência positiva com o NAJ-Med e a necessidade de


disciplinar o atendimento das ações judiciais relacionadas a serviços e insu-
mos, foi instituído o Núcleo de Atendimento Judicial para fornecimento de
Serviços de Saúde e Insumos (NAJ-SeI). Esse núcleo atua em dois eixos: 1)
Serviços de saúde (exames, consultas e procedimentos) e 2) Insumos (produ-
tos não classificados como medicamentos, segundo os critérios da ANVISA) e
tem as seguintes atribuições previstas em Portaria:

I – Avaliar, coordenar, orientar e acompanhar o cumprimento das ordens judi-


ciais na área da saúde, especificamente, as demandas judiciais relacionadas
aos serviços de saúde e para o fornecimento de insumos, oriundos do Poder

Sumário 761
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Judiciário, Procuradoria-Geral do Estado e Município, no que se refere, espe-


cificamente, a ações judiciais;

II – Propor e implementar métodos e rotinas de trabalho que agilizem a execução


das demandas de sua área de atuação;

III – Verificar se a ordem judicial está sendo cumprida por outro réu, de modo a
evitar multiplicidade de atendimento e gastos desnecessários;

IV – Promover ações para garantir o cumprimento de decisões judiciais que de-


terminem o fornecimento de insumos e/ou serviços de saúde com base em
critérios técnicos e na legislação sanitária vigente;

V – Solicitar, quando necessário, parecer técnico de outros profissionais de saúde


organizados em comissão devidamente formalizada, ou de setores especializa-
dos da SMS, que fundamente petição para adequação ou suspensão de ordem
judicial para fornecimento de insumos e/ou serviços de saúde;

VI – Comunicar à equipe do Centro de Saúde sobre o atendimento judicial do(a)


usuário(a), visando a adequação do seu tratamento de acordo com as Políticas
Públicas de Saúde vigentes;

VII – Planejar as aquisições de insumos para o atendimento de demandas judiciais;

VIII – Solicitar aquisição de insumos conforme estabelecido nas demandas judiciais;

IX – Acompanhar o estoque dos insumos demandados por ação judicial, tendo por
base as compras solicitadas, o consumo e as informações de estoque a serem
fornecidas pelo almoxarifado;

X – Acompanhar o processo e agir, quando necessário, para o devido e tempestivo


cumprimento das demandas judiciais (FLORIANÓPOLIS, 2017).

Outra iniciativa relacionada à prevenção da judicialização foi a implanta-


ção da Comissão de Análise de Processos Judiciais de Medicamentos – CPJ,
em 2013, com função principal de analisar processos judiciais de medica-
mentos e elaborar pareceres técnicos para a defesa das ações e “negati-
vas” administrativas com orientações sobre opções terapêuticas disponíveis.

Sumário 762
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Cada pedido era avaliado segundo critérios técnico-científicos e sob a luz


das políticas públicas de saúde vigentes, considerando-se também os dados
médicos disponíveis na ação, a literatura científica atualizada e a legisla-
ção sanitária. Este trabalho visava esclarecer, especialmente ao magistrado,
sobre as possibilidades de tratamentos disponibilizadas pelo SUS, que em
muitos casos são ignoradas pelos próprios prescritores e, com isso, minimi-
zar ordens judiciais e antecipações de tutela desnecessárias, ou mesmo um
potencial de agravamento da saúde do requerente, quando se tratam, por
exemplo, de pedidos de medicamentos sem comprovação de segurança ou
com uso não aprovado para o qual foi prescrito. A experiência da CPJ ficou
entre as dez melhor classificadas na categoria “gestão” da 3ª Edição do Prê-
mio de Boas Práticas em Saúde do município, porém foi descontinuada por
questões administrativas.

Entende-se que a especificidade e a complexidade do atendimento das or-


dens judiciais e das atividades relacionadas demandam um serviço especia-
lizado. Esse atendimento não se resume à simples entrega de um produto,
mas envolve conhecimento técnico, atendimento de legislações específicas,
abertura e acompanhamento de licitações com variedade de itens já supe-
riores aos que são adquiridos administrativamente, gerenciamento de con-
tratos com fornecedores específicos, conhecimento dos trâmites do proces-
so judicial, entre outros.

Até o momento, percebe-se com a experiência do NAJ que, por meio de um


setor diferenciado e focado nas ações judiciais, é possível um maior controle
sobre o cumprimento das demandas, de modo que se possam reunir infor-
mações para planejar, com os dados identificados, ações de gerenciamento,
como por exemplo:

a) Evitar multiplicidade de atendimento da ordem pelos réus (uma vez que não
existe um sistema de dados que disponibilize aos envolvidos as informações
sobre o processo);

Sumário 763
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

b) Programar aquisições por licitação e evitar compras emergenciais (só é possí-


vel quando se tem um acompanhamento eficiente do fluxo de entrada e saída
de produtos);

c) Controlar estoques de produtos de acordo com as retiradas dos autores e


providenciar remanejamentos com outros réus para evitar a perda do produ-
to (principalmente quando ocorre o abandono ou finalização do tratamento
pelo autor, os quais quase sempre não são informados às Secretarias nem pelo
autor, nem pelo Judiciário);

d) Realizar previsão orçamentária (pelo menos das ordens judiciais já deferidas);

e) Observar critérios técnicos que possam vir a prejudicar o autor em decorrên-


cia do uso do produto concedido judicialmente e informar o fato ao Judiciá-
rio, considerando o dever do Estado em garantir a segurança do cidadão no
uso de medicamentos. Este critério é utilizado na padronização de medica-
mentos no SUS e é previsto no art. 196 da Constituição Federal, que descreve
que a saúde é dever do Estado, mas que deve ser garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agra-
vos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação;

f) Informar ao Judiciário sobre as possibilidades de inserção do autor no


serviço de saúde oferecido pelo SUS, especialmente quando há a judicia-
lização de produtos já padronizados no SUS e que poderiam ser retirados
administrativamente pelo cidadão. Isto é orientado pelo princípio constitu-
cional da eficiência na Administração Pública e o art. 7º, IV e XIII, da Lei
nº 8.080/1990 que descreve que as ações e serviços públicos de saúde e os
serviços privados contratados ou conveniados que integram o SUS, devem
obedecer a princípios como a igualdade da assistência à saúde, sem precon-
ceitos ou privilégios de qualquer espécie e a organização dos serviços públicos
de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.

O quadro atual da saúde no país aponta que o problema ainda está longe de
ser resolvido, incumbindo ao poder público buscar alternativas para resulta-
dos efetivos, tanto a longo quanto a curto prazo. O Estado deve sempre ser

Sumário 764
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

guiado pelo princípio da eficiência ao prestar os serviços de saúde pública,


quer de forma direta ou indireta, optando pelas medidas que se mostrem
idôneas para a consecução da qualidade do atendimento, em consonância
com os preceitos constitucionais para suprir as necessidades da população.

Entre essas alternativas, considera-se pertinente o desenvolvimento de ins-


trumentos operacionais para: a) criar um mecanismo de constante atuali-
zação de informações sobre a demanda judicial, que possam ser comparti-
lhadas entre os diversos atores e setores envolvidos na garantia do direito à
saúde; b) viabilizar e facilitar o acesso a essas informações e análises, de for-
ma a ampliar a possibilidade de ações éticas, jurídicas e técnicas dos agentes
do estado no planejamento, realização e monitoramento de suas ações e;
c) garantir que as informações e as análises disponibilizadas possuam uma
linguagem capaz de estimular ações inovadoras futuras e ser compreendi-
da por diversos agentes, com formações específicas de diversos campos de
conhecimento (PEPE et al., 2010).

A realização de seminários, palestras e debates sobre o tema, com as insti-


tuições envolvidas no processo - Procuradorias Gerais e Secretarias de Saúde
dos Estados e Municípios, Ministérios Públicos Estadual e Federal, Defenso-
rias Públicas Estadual e Federal, Poder Judiciário Estadual e Federal, conse-
lhos de classe e sociedade civil - tem contribuído na minimização das ações
judiciais. Como exemplo, cita-se a participação de profissionais de saúde do
município no Comitê Estadual de Monitoramento e Resolução das Deman-
das de Assistência da Saúde de Santa Catarina – COMESC, o qual é recomen-
dado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ e tem foco no monitoramento
de fatores envolvidos em ações judiciais e a busca pela solução dos conflitos
na área da saúde.

Neste espaço são promovidos debates e são buscados consensos, de forma


integrada e articulada, que dão ensejo a enunciados e recomendações com o
objetivo de uniformizar procedimentos a serem adotados pelos profissionais
de saúde e do direito, priorizando a assistência à saúde, a organização do SUS
e o desenvolvimento, de modo isonômico, das políticas públicas para todos
que buscam o SUS.

Sumário 765
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Além da aproximação dos profissionais da saúde com os operadores do di-


reito, a Secretaria Municipal de Saúde viabilizou a qualificação profissional
dos servidores para atuar na judicialização da saúde, a exemplo do incentivo
à participação no curso de Especialização em Direito Sanitário ofertado pelo
Conasems em parceria com o Hospital do Coração e a Fundação Oswaldo
Cruz. Essa parceria surge, inclusive, pelo entendimento de que a busca pelo
equilíbrio entre o direito à saúde e os princípios e diretrizes do SUS transita
pela qualificação e intercâmbio desses profissionais, resultando em organi-
zação interna, no melhor uso dos recursos disponíveis e na preservação da
eficiência da administração pública.

Conclusão
Não há dúvidas de que o fortalecimento da assistência à saúde no sistema pú-
blico é um dos principais caminhos para a redução da judicialização da saúde
e para a promoção do acesso aos tratamentos pelo SUS. Esse fortalecimento
envolve, sobretudo, a qualificação da gestão e dos serviços, a disponibilização
de um rol abrangente de produtos e serviços padronizados, o qual está atrela-
do ao financiamento adequado, entre outros pontos (SAVI; SANTOS, 2013).

A discussão sobre a judicialização da saúde, apesar de já estar em voga há mais


de duas décadas, ainda carece de amadurecimento. É preciso incluir no debate
as questões fáticas e financeiras, bem como as consequências que as decisões
judiciais produzem nos serviços prestados pelo SUS (PAIXAO, 2019).

Importante registrar que o relatório de auditoria operacional do Tribunal


de Contas da União (TC 016.757/2015-7 - Fiscalização 290/2015, Relator
Bruno Dantas) sobre a judicialização no Estado de Santa Catarina reconhe-
ceu o resultado da iniciativa municipal, conforme extrai-se: “(…) em agosto
de 2014 foi criado o Núcleo de Atendimento Judicial (NAJ) para fornecimento de
medicamentos, medida que foi decisiva para o controle dos gastos com remédios de-
mandados judicialmente.”

Sumário 766
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

A experiência municipal apresentada tem reforçado a cada dia o entendi-


mento de que a organização de setores específicos com profissionais capaci-
tados para lidar com as demandas judiciais dentro da Secretaria de Saúde,
a colaboração entre as áreas técnicas e jurídica, bem como a implantação de
fluxos internos mais eficientes são essenciais para mitigar as consequências da
judicialização no âmbito municipal.

Referências
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Sumário 768
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Programa de gestão regionalizada


da judicialização da Saúde na região
nordeste de Santa Catarina (PROGREJUS)
- proposta de um sistema colaborativo
regional para minimizar os efeitos da
judicialização da Saúde
Ana Maria Groff Jansen1
Andrei Popovski Kolaceke2
Carina Paula Pacheco3
Maclóvia Fontoura4
Thaís Cidral Testoni5

Resumo
A judicialização da Saúde é um tema de alta relevância
para a administração pública e o seu crescimento expo-

1 Especialista em Administração Hospitalar - UNIVILLE, em Gestão da Clínica em Hospitais do SUS e


em Processos Educacionais em Saúde - Hospital Sírio-Libanês e Graduada em Assistência Social - UFSC;
Diretora Executiva; Consórcio Intermunicipal de Saúde do Nordeste de Santa Catarina; Lattes: http://
lattes.cnpq.br/5467778892661086.
2 Especialista em Direito Sanitário para Gestores e Trabalhadores do SUS com Ênfase em Judicializa-
ção da Saúde - FIOCRUZ e Graduado em Direito - UNIVILLE; Diretor Executivo; Secretaria da Saúde
do Município de Joinville/SC.
3 Especialização/Residência em Clínica Médica - Hospital Regional Hans Dieter Schmidt e Graduada
em Medicina - UNIVILLE; Médica Assistente do Núcleo de Apoio Técnico (NAT/Jus); Secretaria da
Saúde do Município de Joinville/SC; Lattes: http://lattes.cnpq.br/8236304999271793.
4 Cursando MBA Executivo em Gestão de Saúde - IPOG, Especialista em Neuropediatria - Instituto
Fisiomar e Graduada em Fisioterapia - Associação Catarinense de Ensino; Fisioterapeuta; Município de
Araquari/SC.
5 Especialista em Direito Societário e Empresarial - CESUSC e Graduada em Direito - UNIVILLE;
Coordenadora de Processos Judiciais e Administrativos; Secretaria da Saúde do Municipal de Joinville/SC.

Sumário 769
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

nencial gera importante impacto financeiro aos cofres pú-


blicos. A prevenção da judicialização da Saúde está direta-
mente ligada à capacidade de interlocução e compreensão
entre todos os atores envolvidos no processo. A aproxima-
ção das instituições – especialmente da gestão do SUS e do
Sistema de Justiça –, como estratégia para a redução da
litigiosidade na Saúde Pública, mostra-se positiva. Nesse
contexto de imprescindibilidade de fortalecimento e inter-
locução colaborativa na esfera municipal e como alterna-
tiva para atenuar os impactos negativos gerados pelo mo-
delo institucional atual, criou-se a proposta de um sistema
colaborativo regional para minimizar os efeitos da judicia-
lização da Saúde, no âmbito municipal. O PROGREJUS
encontra-se em fase inicial de atuação, tendo sido aprova-
do em novembro de 2020 e instituído suas atividades no
início do ano de 2021. A operacionalização do programa
compreende 4 pilares principais: Câmara Técnica, Banco
Regional de Pareceres Técnicos, Banco Regional de Me-
dicamentos e Monitoramento Regional. Em linhas gerais,
a implantação do programa objetiva a uniformização pro-
gressiva dos processos de trabalho, o compartilhamento
de conhecimento, a otimização do uso dos recursos públi-
cos, o acompanhamento do diagnóstico situacional regio-
nal e a cooperação para ações regionalizadas de controle e
enfrentamento da gestão de ordens judiciais relacionadas
à Saúde Pública.

Palavras-chave: Saúde; Judicialização; Municípios.

Sumário 770
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Introdução
O crescimento exponencial da judicialização da saúde é uma verdadeira via de
mão dupla. De um lado assegura a tutela do direito individual à saúde, de outro,
pode comprometer os escassos recursos públicos e as necessidades coletivas.

Esse fenômeno estimulou a criação do Núcleo de Apoio Técnico (Nat/Jus),


em Joinville – Santa Catarina, por meio do Decreto Municipal nº 26.981,
publicado em 2016. Tal medida regulamentou os procedimentos voltados à
prevenção e à resolução administrativa de litígios na saúde.

O impacto positivo dessa experiência consistiu na redução considerável do


número de processos judiciais nos quais são demandados medicamentos,
procedimentos ou materiais relativos à saúde em face do município de Join-
ville, contribuindo para a redução do comprometimento do orçamento pú-
blico com tais demandas e facilitando o acesso do usuário às informações e
serviços do SUS.

A dimensão da judicialização no Estado de Santa Catarina foi abordada em


auditoria operacional executada pela Diretoria de Atividades Especiais do
Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina em 2018, que apontou defi-
ciências de gestão nos procedimentos que eram adotados pela Secretaria de
Estado da Saúde. De acordo com a referida auditoria:

O Executivo catarinense empenhou 4,69% - R$ 151.755.426,44 - do orça-


mento da saúde de R$ 3.235.247.173,00 para atender a demandas judiciais
relativas à área. Entretanto, em 2019, esse índice praticamente dobrou,
atingindo 8,29% do orçamento.

(...)

A comarca de Florianópolis foi a que apresentou o maior número de ações


- 6.988 - de janeiro de 2015 a março de 2018. Joinville, que tem uma popu-
lação semelhante à da Capital, contabilizou, no período, apenas 742 ações.

Os resultados da auditoria evidenciam a expansão vertiginosa das demandas


de saúde no Estado de Santa Catarina nos últimos anos, a indisponibilidade

Sumário 771
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

de meios para o seu controle em municípios menores e a existência de ordens


judiciais originadas por atendimentos fora de domicílio, ou seja, que ocorrem
a partir do encaminhamento de pacientes para serviços especializados oferta-
dos em municípios ou estados que não são os de sua residência.

Nada obstante, o fenômeno da judicialização da saúde também resulta em


alguns efeitos positivos, entre os quais é possível citar o aprimoramento da
gestão da saúde pública, a incorporação de novas tecnologias custo-efetivas,
a atuação mais concreta de entidades como ANVISA e ANS, a criação da
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS e o incentivo à
implementação da saúde baseada em evidências científicas.

A despeito dos efeitos positivos destacados, o crescimento da litigiosidade na


Saúde Pública também ocasiona um importante impacto financeiro aos co-
fres públicos, prejudicando a execução das políticas de saúde. Além disso,
esse fenômeno acaba por resultar em uma maior alocação de recursos escas-
sos em benefício dos indivíduos cujo acesso à Justiça é facilitado por condi-
ções socioeconômicas, culturais e regionais, em detrimento daqueles que se
encontram mais distantes do Sistema de Justiça.

Nesse contexto, é necessário encontrar o equilíbrio entre a inquestionável


escassez de recursos públicos e a concretização do direito à Saúde. A judicia-
lização ilimitada acaba agravando, cada vez mais, as crises política, jurídica,
econômica e institucional.

Vários são os fatores que fomentam essa prática, destacando-se a ausên-


cia de limites ao acesso à Justiça, as deficiências das prestações estatais, as
omissões legislativas e a cultura do litígio. Trata-se da institucionalização
do processo judicial como mecanismo de resolução de todos os problemas
individuais e sociais. (BONIFÁCIO, 2015).

Evidências apontam que a mediação e a conciliação podem alterar o panora-


ma atual. Considerando a elevada demanda de processos judiciais no âmbito
da saúde, é evidente que os gestores possuem um papel muito relevante.
Assim, deve haver uma aproximação entre os atores do Sistema de Saúde e
do Sistema de Justiça. Essa tese apresenta como base a teoria dos diálogos

Sumário 772
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

institucionais. Tal postura dialógica existe para permitir a aproximação entre


o gestor de saúde e todos os atores do Sistema de Justiça, visando contribuir
para um melhor amparo do sistema jurisdicional e também da operação da
saúde. (HÄBERLE, 2002)

Por outro lado, a indisponibilidade de recursos em municípios menores, di-


ficulta o aporte de subsídios técnicos para estimular uma contínua e perma-
nente conversa entre o Sistema Judiciário e o gestor de saúde. Nesse con-
texto de imprescindibilidade de fortalecimento e interlocução colaborativa
na esfera municipal, foi adotada, como estratégia regional, a implantação do
Programa de Gestão Regionalizada da Judicialização de Saúde na Região
Nordeste de Santa Catarina (PROGREJUS).

O presente artigo propõe uma análise do PROGREJUS a partir de uma


abordagem qualitativa e descritiva. Busca-se descrever o projeto e sua im-
plantação, partindo da análise dos impactos da judicialização da saúde, já
conhecido pelos municípios, e detalhar de que forma tais medidas poderão
minimizar os desafios relativos ao referido fenômeno.

Em linhas gerais, a implantação do programa em questão objetivava a uni-


formização progressiva dos processos de trabalho, o compartilhamento
de conhecimento, a otimização do uso dos recursos públicos, o acompa-
nhamento do diagnóstico situacional regional e a cooperação para ações
regionalizadas de controle e enfrentamento da gestão de ordens judiciais
relacionadas à saúde.

A cooperação entre municípios como ferramenta


de controle e enfrentamento da judicialização da saúde
Os efeitos nocivos da judicialização da saúde afetam todos os entes federati-
vos, mas é sabido que os municípios, por estarem mais próximos do cidadão,
comumente são mais demandados pelos órgãos de controle (CONFEDERA-
ÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS, 2018).

Sumário 773
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Além do número excessivo de demandas, a judicialização da saúde compro-


mete uma parcela significativa dos orçamentos locais, especialmente nos mu-
nicípios de menor porte. Aproximadamente 90% dos municípios brasileiros
têm menos de 50 mil habitantes e 70% têm menos de 20 mil e, por apresenta-
rem maiores limitações operacionais e financeiras, tais entes públicos de pe-
queno porte tendem a sofrer com mais intensidade as consequências danosas
das demandas judiciais (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS,
2018). Soma-se a esses desafios, ainda, a frequente imposição de sanções pes-
soais aos gestores municipais de Saúde, que por vezes sofrem bloqueio de
bens pessoais, decretação de prisão, entre outras medidas coercitivas.

A Confederação Nacional dos municípios, em levantamento realizado em


2015, verificou que as maiores dificuldades encontradas pelos gestores mu-
nicipais de saúde no cumprimento de decisões judiciais são “recursos insu-
ficientes ou não previstos no orçamento”, “falta de profissionais especiali-
zados” e “falta de estrutura adequada”, nessa ordem. Na mesma pesquisa,
apurou-se que o tipo de demanda mais frequente nas ações propostas em
face dos municípios é o fornecimento de medicamentos (78% do total), segui-
do por ordens de internações (10%) e tratamentos especiais (10%).

Diante desse cenário, a instituição de processos e iniciativas de cooperação entre


entes públicos, poderes e sociedade civil, que envolvam medidas de prevenção
e resolução administrativa de litígios, apoio mútuo para fins de cumprimento
de decisões judiciais, cooperação técnica, entre outros, é fundamental para o
controle e redução da judicialização da saúde, bem como para a melhoria con-
tínua dos serviços ofertados pelo Sistema Único de Saúde. Nesse sentido:

Inelutavelmente, para que haja efetividade do direito à saúde, de caráter


transindividual, é mister a cooperação entre os poderes e a participação da
sociedade. Ou seja, os conteúdos da integralidade e da assistência do sistema
devem ser definidos entre sociedade e Estado, numa contínua cooperação
por meio de diálogos interinstitucionais (MACHADO e MARTINI, 2018).

A cooperação entre entes públicos ganha importância em decisões que envol-


vam ações e serviços públicos de saúde regionalizados, sobretudo no que diz

Sumário 774
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

respeito à atenção especializada, cuja oferta – e consequentemente a origem


das prescrições de produtos e serviços questão objeto de ações judiciais – co-
mumente está centralizada em municípios de maior porte. Acerca da regio-
nalização das ações e serviços públicos de saúde, cumpre ainda destacar:

A região de saúde é essencial para integrar as ações e serviços de saúde


dos entes federativos, qualificar a gestão do SUS e garantir a integralida-
de e por isso deve ser constituída sob a ótica sanitária e não meramente
administrativa; devendo, ainda, para ser qualitativa, não ser concebida e
tida como mera divisão administrativa do Estado, mas sim como o locus da
integralidade; ela precisa ser capaz de resolver se não a totalidade, a quase
totalidade das necessidades de saúde da população regional; ser parte de
um sistema nacional, estadual e intermunicipal que encontra na região de
saúde o espaço de sua atuação para o usuário.

(...)

A importância da regionalização para que as redes de atenção à saúde sejam


sistêmicas e resolutivas, com a região de saúde sendo o centro integrador
das referências entre os serviços dos mais diversos entes federativos é fato
indiscutível. A soma articulada das individualidades municipais assimétricas
gera unidade regional equitativa (SANTOS, 2013).

Em um contexto de regionalização das ações e serviços públicos de saúde, por-


tanto, a cooperação interinstitucional pode ser efetivada a partir de mecanismos
de integração regional, que viabilizem uma ação cooperativa e solidária dos di-
versos entes públicos, contribuindo para uma melhor oferta de ações e serviços
de saúde e evitando a sobreposição e a dispersão de recursos escassos.

O programa de gestão regionalizada da judicialização


da saúde na região nordeste de Santa Catarina

3.1. Histórico de implantação

Como alternativa para atenuar os impactos negativos gerados pelo fenômeno da


judicialização da saúde, desenvolveu-se, a partir da colaboração entre os muni-

Sumário 775
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

cípios da Região Nordeste de Santa Catarina e o Consórcio Intermunicipal de


Saúde do Nordeste de Santa Catarina, a proposta de um sistema colaborativo
regional voltado para a resolução, prevenção e gestão das demandas judiciais.

Os municípios integrantes da Região Nordeste de Santa Catarina, nos quais


o projeto foi implementado, são Araquari, Balneário Barra do Sul, Barra
Velha, Corupá, Garuva, Guaramirim, Itapoá, Jaraguá do Sul, Joinville, Mas-
saranduba, São Francisco do Sul, São João do Itaperiú e Schroeder.

Desde 2016, o município de Joinville, que é o mais populoso da Região, conta


com o Núcleo de Apoio Técnico ao Sistema de Justiça (NAT-Jus), órgão res-
ponsável pela condução dos procedimentos voltados à prevenção e resolução
administrativa de litígios na saúde. Por já dispor de estrutura com equipe
técnica multidisciplinar destinada a atuar em diferentes frentes relacionadas
à judicialização da saúde, o município de Joinville disponibilizou os recur-
sos materiais, técnicos e humanos necessários à concretização do projeto, tais
como plataforma digital para a disponibilização dos pareceres e demais do-
cumentos produzidos no PROGREJUS, servidor para conduzir e organizar
os cronogramas das atividades e projetos, desenvolvimento de painel intera-
tivo para o monitoramento de indicadores e, principalmente, apoio técnico
na elaboração de propostas de pareceres técnicos, considerando a vasta ex-
periência da equipe nesse sentido.

O compartilhamento do conhecimento e da experiência reunidos pelo muni-


cípio de Joinville mostrou-se fundamental para viabilizar a concretização da
estratégia proposta, haja vista que diversos municípios da região, de menor
porte, não dispunham dos recursos necessários para a criação de núcleos
multidisciplinares próprios que se dedicassem exclusivamente ao enfrenta-
mento da judicialização da saúde.

A importância das iniciativas municipais e regionais também era reforçada


pela insuficiente abrangência da atuação do Núcleo de Apoio Técnico do
Judiciário (NAT-Jus) mantido pela Secretaria de Estado da Saúde de Santa
Catarina, que, no ano de 2018, atendia apenas 10% das comarcas do Estado.

Sumário 776
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

Diante desse cenário, as Secretarias Municipais de Saúde representadas na


CIR (Comissão Intergestores Regional) da região Nordeste de Santa Catari-
na, pactuou em 20 de novembro de 2020, a implantação do PROGREJUS,
nos termos definidos pela Deliberação nº 40/CIR/2020.

3.2. Operacionalização do programa

Em conformidade com o disposto na Deliberação nº 40/CIR/2020, o PROGRE-


JUS contempla 4 pilares principais: Câmara Técnica, Banco Regional de Pare-
ceres Técnicos, Banco Regional de Medicamentos e Monitoramento Regional.

O processo de implantação do projeto também é acompanhado pelo Con-


sórcio Intermunicipal de Saúde do Nordeste de Santa Catarina - CISNOR-
DESTE, uma vez que a referida instituição é responsável pela compra com-
partilhada dos medicamentos e dispõe de Câmara Técnica de Assistência
Farmacêutica que reúne representantes técnicos de todos os municípios da
Região. Ao Consórcio é assegurada a participação no desenvolvimento de
todos os projetos que integram o Programa.

3.2.1. Câmara Técnica

Como já visto, a articulação e a cooperação entre entes públicos são fundamen-


tais para o controle, a gestão e a redução dos efeitos nocivos da judicialização da
saúde. Para tanto, é indispensável a criação e manutenção de espaços permanen-
tes de diálogo entre órgãos e entidades, a fim de que seja viabilizada a troca de
experiências e a discussão de soluções para os desafios que são comuns a todos.

O principal espaço de articulação e pactuação das ações do PROGREJUS é a


Câmara Técnica, composta por dois representantes de cada município (titu-
lar e suplente). A Câmara Técnica do PROGREJUS é a instância responsável
dentro do Programa, pela análise de dados e indicadores, pela padronização
dos procedimentos voltados à prevenção da litigiosidade e pela cooperação
técnica entre as equipes dos municípios.

Sumário 777
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

A discussão e a definição de estratégias comuns para os municípios da Região


ocorrem nas reuniões da Câmara Técnica, que são realizadas mensalmente,
preferencialmente por meio de videoconferência.

3.2.2. Banco Regional de Medicamentos

As compras públicas têm suas regras gerais estabelecidas pela Lei nº 8.666,
de 21 de junho de 1993, que disciplina a licitação e estabelece critérios para
sua inexigibilidade ou dispensa, que são tidas como regimes excepcionais para
aquisição de bens pelos entes estatais.

Para que sejam cumpridas todas as formalidades legais inerentes às compras


públicas, é imprescindível a realização de planejamento e programação pré-
vios de aquisições, de forma a garantir a disponibilidade de medicamentos nas
quantidades adequadas e no tempo oportuno, para que as necessidades da
população sejam integralmente atendidas.

As demandas judiciais, por vezes, têm como objeto tecnologias não incorpora-
das pelo SUS, como é o caso das frequentes ações que versam sobre o forneci-
mento de medicamentos que não estão previstos nas listas oficiais (por exem-
plo, RENAME – Relação Nacional de Medicamentos e REMUME – Relação
Municipal de Medicamentos). Em razão disso, os municípios, quando se en-
contram diante da obrigação de fornecimento de medicamentos demandados
judicialmente, frequentemente não contam com os produtos demandados em
seus estoques, nem tampouco têm condições de prever a necessidade de forne-
cimento de tais itens para fins de inclusão em seus planejamentos de compras,
o que dificulta e posterga o cumprimento das decisões judiciais.

Soma-se a isso outro obstáculo ao cumprimento das decisões judiciais: é fre-


quente, nesse tipo de demanda, a concessão de tutela de urgência para o forne-
cimento do medicamento em prazos exíguos, nos quais é praticamente inviável
a aquisição dos produtos demandados mediante processo licitatório.

É sabido que “a aquisição de medicamentos de ações judiciais tem sido em


alguns casos categorizada como emergência e feita sem licitação, podendo

Sumário 778
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

favorecer fraudes e compra a preços elevados no mercado varejista” (PEPE


et al., 2010).

Ainda nesse sentido, as autoras explanam:

No Distrito Federal, foram referidas situações nas quais há alteração na compra


programada, em razão das ordens judiciais, seja por mudança da prescrição ou
por desistência do tratamento farmacológico. No Estado do Rio de Janeiro, ob-
servou-se que 32% dos pacientes que demandaram judicialmente medicamen-
to excepcional de julho 2007 a junho 2008 não se apresentaram na secretaria
estadual de saúde para receber o medicamento. (PEPE et al, 2010).

Tais situações não são exclusivas do Distrito Federal ou do Rio de Janeiro. As


demandas judiciais de medicamentos não previstos nas listas oficiais e, por-
tanto, não incorporados pelo SUS, são por muitas vezes imprevisíveis e, caso
o paciente deixe de utilizar o respectivo fármaco, não há destinação para o
seu uso, visto que tal medicamento não faz parte da política de saúde estabe-
lecida pelo SUS a nível nacional e/ou municipal.

Com a finalidade de facilitar o cumprimento das decisões judiciais e evitar


desperdícios de medicamentos, foi idealizado, no âmbito do PROGREJUS, o
Banco Regional de Medicamentos.

O Banco Regional de Medicamentos reúne, em uma plataforma, informa-


ções acerca de eventuais estoques excedentes de medicamentos demandados
judicialmente, de forma a possibilitar a realização de permutas e/ou doações
entre os municípios para fins de apoio mútuo no cumprimento de decisões
judiciais. São considerados excedentes os medicamentos adquiridos para o
atendimento de usuários que posteriormente vieram a óbito ou abandona-
ram o tratamento, bem como os itens adquiridos em razão de decisões ou
prescrições posteriormente alteradas.

3.2.3. Banco Regional de Pareceres Técnicos

O Banco Regional de Pareceres Técnicos do PROGREJUS consiste em uma


plataforma que reúne pareceres técnicos elaborados pelas equipes atuantes

Sumário 779
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

nos municípios da Região Nordeste de Santa Catarina em conformidade


com uma metodologia previamente estabelecida, devidamente validados e
discutidos pela Câmara Técnica. Os pareceres incluídos no Banco são utili-
zados para subsidiar as defesas dos municípios nas ações judiciais e as even-
tuais negativas de produtos e serviços não incorporados, quando solicitados
pelos usuários.

A importância de subsídios técnicos adequados para a análise de demandas


de saúde tem sido constantemente defendida por instituições como o Conse-
lho Nacional de Justiça, que, em suas Jornadas de Direito da Saúde, promove
importantes discussões sobre o tema. Entre os enunciados das Jornadas de
Direito da Saúde destaca-se o enunciado nº 18, segundo o qual “Sempre que
possível, as decisões liminares sobre saúde devem ser precedidas de notas de
evidência científica emitidas por Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário - Na-
tJus e/ou consulta de banco de dados pertinente”.

A referida nota técnica é um documento de caráter científico, elaborado pe-


las equipes técnicas, que se propõe a responder, de modo preliminar, a uma
questão clínica sobre os potenciais efeitos de uma tecnologia para uma deter-
minada condição de saúde vivenciada por um indivíduo.

No processo de implantação do PROGREJUS, optou-se por priorizar a in-


serção, no Banco de Pareceres Técnicos, de documentos relativos aos medi-
camentos demandados com maior frequência nas ações judiciais registradas
pelos municípios da região, entre os quais destacam-se os fármacos destina-
dos ao tratamento de doenças cardiovasculares, oncológicas e psiquiátricas.

Por meio da análise de evidências científicas, faz-se uma avaliação sobre eficá-
cia, segurança e custo-efetividade da tecnologia. A verificação das alternativas
terapêuticas para a condição clínica em questão é pautada preferencialmente
pelas indicações expressas nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas
do Ministério da Saúde, relatórios de recomendação da Comissão Nacional
de Incorporação de Tecnologias no SUS, portarias do Ministério da Saúde e
protocolos Municipais.

Sumário 780
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

3.2.4. Monitoramento Regional

Para que medidas eficazes de prevenção e o enfrentamento da judicialização


da Saúde sejam adotadas pelos entes públicos, é imprescindível que os ges-
tores do Sistema Único de Saúde promovam a realização de um diagnóstico
situacional que englobe a definição do perfil das demandas judiciais, de seus
demandantes, de seus representantes judiciais e dos prescritores, bem como
do número de ações ajuizadas a cada ano, das tecnologias demandadas, das
patologias que acometem os autores das ações, entre outras informações.

Na operacionalização do PROGREJUS, foi proposta a realização do referi-


do monitoramento de forma regionalizada, uma vez que, em um contexto
de centralização dos atendimentos especializados nos municípios de maior
porte, as prescrições que dão origem às ações judiciais comumente são prove-
nientes de locais diversos dos municípios de residência dos pacientes.

Para tanto, foi pactuada a reunião, pelos municípios participantes, de infor-


mações relevantes para o diagnóstico situacional da judicialização da saúde
na região, as quais serão reunidas, compiladas e disponibilizadas em um pai-
nel regional interativo, a fim de subsidiar os processos de tomada de decisão
das equipes e gestores no que diz respeito à judicialização da saúde.

3.3. Resultados, perspectivas e desafios

O PROGREJUS, que foi pactuado em novembro de 2020, se encontra atual-


mente em fase inicial de implantação, motivo pelo qual ainda há poucos da-
dos disponíveis para a avaliação de seus resultados. Até o momento, dentre
as iniciativas propostas, foi obtido um maior avanço na alimentação do Banco
de Pareceres Técnicos, que já conta com acervo diversificado e frequente-
mente acessado pelos municípios da Região.

Os principais desafios encontrados na implantação do Programa têm sido


a participação dos membros da Câmara Técnica nas reuniões mensais e o
envio dos dados para a compilação do Monitoramento Regional. De maneira

Sumário 781
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

geral, os servidores encarregados do cumprimento de decisões judiciais e da


gestão da judicialização da saúde em municípios de pequeno porte exercem
múltiplas funções e apresentam pouca disponibilidade de tempo para dedi-
cação ao projeto. A crise sanitária decorrente da pandemia de Covid-19 tem
agravado substancialmente tais dificuldades. A contenção da pandemia tem
exigido muito esforço dos profissionais da área de saúde, afetando direta-
mente sua disponibilidade para o atendimento de outras demandas.

A partir da superação das atuais dificuldades, é esperada a intensificação do


compartilhamento de informações e da cooperação municipal para ações re-
gionalizadas de controle e enfrentamento da judicialização da saúde.

Conclusão
A análise de propostas de atuação colaborativa como o PROGREJUS de-
monstra que, apesar da complexidade do fenômeno da judicialização da saú-
de, é viável a implementação de processos regionalizados de gestão, controle
e enfrentamento, mitigando as iniquidades e demais efeitos nocivos que fre-
quentemente estão relacionados ao crescimento desenfreado das demandas
judiciais relativas à saúde pública.

A manutenção de canais e instâncias de diálogo entre entes federativos e en-


tre poderes tem como consequência, ainda, um aprimoramento da gestão do
sistema de saúde como um todo, uma vez que proporciona a alocação mais
eficiente dos recursos públicos e viabiliza um planejamento mais adequado às
reais necessidades da população.

Nada obstante, a implementação do PROGREJUS ainda se encontra no iní-


cio. Embora a proposta seja promissora e esteja em consonância com as prin-
cipais recomendações e orientações de órgãos como o Conselho Nacional de
Justiça, a análise da viabilidade e proficuidade do projeto dependerá de um
período maior de observação, no qual poderão ser reunidos dados conclusi-
vos a respeito dos resultados obtidos pela iniciativa.

Sumário 782
Judicialização da Saúde nos Municípios Experiências e propostas de gestão

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Sumário 784

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