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Miriam Ventura1
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Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-
mail: miriam.ventura@iesc.ufrj.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8520-8844.
Luciana Simas2
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Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
luciana.simas06@gmail.com. ORCID: https://orcd.org/0000-0003-2494-8747.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Resumo
Discute-se a Câmara de Resolução de Litígios em Saúde (CRLS), no Rio de Janeiro, no
tocante à mediação de conflitos, a partir de entrevistas com usuários das Defensorias
Públicas e análise documental. A experiência representa um avanço na busca da
efetividade dos direitos e políticas. Contudo, constata-se uma atuação focalizada na
redução da judicialização e no ajuste entre demanda dos atendidos e oferta do SUS,
buscando mitigar as deficiências dos serviços sem alcançar uma abordagem integral e
célere do acesso ao direito à saúde e à justiça.
Palavras-chave: Judicialização da saúde; direito à saúde; acesso à justiça.
Abstract
The Health Dispute Resolution Chamber (CRLS), in Rio de Janeiro, is discussed in terms of
conflict mediation, based on interviews with users of the Public Defender's Office and
documentary analysis. The experience is an advance in the search for the effectiveness of
rights and policies. However, there is a performance focused on reducing judicialization
and adjusting the demand of those served and the SUS offer, seeking to mitigate the
deficiencies of services without achieving a comprehensive and rapid approach to access
to the right to health and justice.
Keywords: Judicialization of health; right to health; access to justice.
Introdução1
O litígio judicial para garantia do direito à saúde tornou-se um caminho alternativo para
o cidadão reivindicar prestações estatais, com jurisprudências favoráveis à
responsabilização dos governos, em contextos político-jurídicos bastante diversos
(FERRAZ, 2018). O entendimento das instâncias de direitos humanos é que Estados devem
fornecer tratamentos que atendam às necessidades de saúde dos indivíduos e
populações, ainda que a regulamentação estatal não tenha previsão desta cobertura, em
especial, àqueles que não possuem capacidade econômica (GILARDI et al., 2007).
Os direitos humanos como construção axiológica dinâmica pressupõem o
embate tanto no momento de produção quanto de aplicação da norma, evidenciando a
“tensão dialética entre regulação social e emancipação” (SANTOS, 1998, p. 11). Nesse
sentido, viabilizar a resolução dos conflitos é questão central na realização dos direitos,
sua maior e menor efetividade se dará de acordo com o contexto socioeconômico, as
culturas jurídicas e políticas locais, e a existência (ou não) de estruturas administrativas
que sustentam a aplicação dos direitos e o efetivo acesso à justiça (SANTOS, 2007).
Recente estudo sobre “determinações legais da saúde” no âmbito global reitera
o poder do Direito e das leis para intervir nas “causas sociais e econômicas subjacentes a
lesões e doença”. Destaca como uma de suas funções essenciais a “resolução das
disputas” entre indivíduos, organizações e governos, tanto nos tribunais de justiça
tradicionais como através de mecanismos alternativos, mediação ou arbitragem. Aponta
que os resultados dessas práticas podem ir muito além das partes envolvidas (GOSTIN et
al., 2019).
O desafio prático no acesso à saúde e à justiça é traduzir os direitos e as
prestações devidas pela Administração Pública em um sistema público que garanta
procedimentos e serviços (como a saúde e a advocacia pública e gratuita) capazes de
compatibilizar as dimensões coletivas e individuais dos direitos, interesses e
responsabilidades governamentais em disputa, com mecanismos adjudicatórios
eficientes.
1 Agradecimentos: À equipe de pesquisa –Elaneide Antonio Antunes, Érika Fernandes Tritany , Denise
Campos Verginio, Iaralyz Fernandes Farias, Luiza Lena Bastos, Neide Emy Kurokawa e Silva, Priscilla de Oliveira
Tavares, Renato Maciel Dantas. À Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – DPERJ, nas pessoas da Dra.
Thaisa Guerreiro de Souza, Coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva, e Dra. Samantha Monteiro de Oliveira,
do Núcleo de Fazenda Pública/CRLS, pelo apoio à pesquisa. Ao CNPq, pelo financiamento do estudo (processo
n.º 402079/2016-7).
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 3, 2021, p. 1989-2014.
Miriam Ventura e Luciana Simas
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/51143| ISSN: 2179-8966
1992
O município do Rio de Janeiro (com 6,7 milhões de habitantes) possui uma extensa rede
de serviços municipais, estaduais e federal, continuando a ser um dos maiores
quantitativos de processos judiciais relativos à assistência à saúde no Brasil (PEÇANHA;
SIMAS; LUIZA, 2017).
O acesso à saúde pública no Brasil se dá por meio do SUS, hierarquizado e
descentralizado, com direção única, gestão nos três níveis de governo, com instâncias de
participação e controle social democrático, os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais
2O Sistema de Regulação – SISREG é um sistema web, criado pelo Ministério da Saúde, que permite gerenciar
consultas, exames e procedimentos da média e alta complexidade no sistema de saúde, de forma a regular a
oferta e a demanda em conformidade com as necessidades de saúde. O potencial de risco para a vida, agravos
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1998
à saúde ou grau de sofrimento dos usuários identificados são classificados e sinalizados por cores, com o
objetivo de manter um fluxo de atendimento que estabeleça prioridade. Ver também
<http://www.subpav.org/download/sisreg/_SISREG_regulador_protocolo.pdf >.
3 Os entrevistados serão identificados por código numérico e nomes fictícios garantindo-se sua não
identificação.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 3, 2021, p. 1989-2014.
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2001
A interação e comunicação dos usuários com a equipe da CRLS são uns dos
aspectos centrais do acesso ao direito e à justiça mais frágeis do serviço. Para a maioria
dos usuários, os encaminhamentos são pouco compreensíveis.
A fala da Sra. Helena (E3) é ilustrativa das dificuldades comunicativas. Ela buscava
um medicamento oftalmológico não inserido na lista pública de fornecimento e uma de
suas grandes dificuldades era compreender por que um medicamento prescrito por um
médico do serviço de saúde não pode ser fornecido:
Então eles mandaram que eu viesse na Defensoria Pública pra o Governo
conceder. Mas eles também dizem que não tem. Esse monte de coisa que eu
leio, leio e não entendo. [E3]
serviços de saúde e dos limites da oferta desses serviços de saúde, sendo necessário sua
revisão à vista de maior efetividade ou resolutividade.
A perspectiva de atuação da CRLS, como já apontada, é a de regular a utilização
de bens e serviços de saúde e judiciário, além de buscar o equilíbrio possível entre oferta
da rede e demanda dos usuários. A adoção de tal perspectiva explica tanto as variações
nas práticas dos atores envolvidos, como as fragilidades da atuação da CRLS frente à
complexidade das demandas de saúde vocalizadas pelos entrevistados. Importante
reiterar a potencialidade do novo arranjo e seu necessário aperfeiçoamento no sentido
de ir além, buscando a efetividade de um conjunto de direitos sociais e adequações de
políticas em prol da redução das vulnerabilidades presentes e vocalizadas pelos usuários.
5. Considerações finais
6. Referências Bibliográficas
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https://doi.org/10.1093/hrlr/ngv025.
Sobre as autoras
Miriam Ventura
Graduada em Direito (1983). Mestre (2007) e Doutora (2012) Saúde Pública (Escola
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz/ Fiocruz).
Professora Adjunta do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) / UFRJ. Membro
do Conselho Diretor da Cepia – Cidadania, Estudos, Pesquisa, Informação e
Ação. Editora associada dos Cadernos de Saúde Pública (CSP) Fiocruz. Coordena o
Laboratório Interdisciplinar de Direitos Humanos e Saúde – LIDHS/UFRJ. Integra o
corpo docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do
IESC e Faculdade Medicina da UFRJ, coordena a linha de pesquisa “Construção social
do acesso à saúde: interfaces entre sujeitos, direitos e políticas”, com orientações de
mestrado e doutorado. Desenvolve e orienta estudos sobre direito à saúde e o
sistema de justiça; acesso à saúde e à justiça; direitos sexuais e reprodutivos;
cidadania e saúde; saúde global e direitos humanos; ciência e tecnologia e direito à
saúde.
Luciana Simas
Doutora em Bioética, Ética Aplica e Saúde Coletiva (PPGBIOS / UFRJ), com intercâmbio
na Universidade da Flórida - Levin College of Law (2016). Mestre em Direito e
Sociologia (UFF); advogada, com especialização em Direito Público, graduada pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Consultora da UNODC/ONU, no Programa
Justiça Presente do Conselho Nacional de Justiça. Foi Pesquisadora Visitante na Escola
Nacional de Saúde Pública (Ensp/FIOCRUZ), tendo experiência como consultora
jurídica em projetos com pesquisa empírica e no magistério, nas áreas de Direito à
Saúde, Sociologia Jurídica, Prática Jurídica, Criminologia e Direitos Humanos.