Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
23072012 591
Debora Diniz 1
Teresa Robichez de Carvalho Machado 2
Janaina Penalva 1
Abstract This paper seeks to analyze the Judicia- Resumo Este artigo discute as tendências do Po-
ry’s approach with respect to demands for the ju- der Judiciário frente às demandas sobre judiciali-
dicialization of the right to health by means of a zação do direito à saúde, por meio de um estudo
case study of civil lawsuits for access to health de demandas judiciais cíveis por acesso à assistên-
care in Brazil’s Federal District. Judicialization cia em saúde no Distrito Federal. Por judicializa-
of the right to health signifies the judicialization ção do direito à saúde, entende-se a judicializa-
of various of the health services provided. This is ção de variadas prestações de saúde. Trata-se de
a descriptive and exploratory case study that cov- um estudo exploratório, descritivo, longitudinal,
ers the Federal District and uses mixed techniques com uso de técnicas mistas de levantamento e
to gather and analyze data. This study analyzed análise dos dados coletados no DF. Foram anali-
385 lawsuits (87% of the total number of cases of sadas 385 ações, o que corresponde a 87% do total
judicialization of health for the period from 2005 de casos de judicialização da saúde do período entre
to 2010 that reached the Appellate court). The 2005 e 2010 que alcançaram a 2ª Vara. Os resul-
results indicate that the most judicialized service tados indicam que o principal bem judicializado
is access to intensive care unit, followed by drugs é o acesso à UTI, seguido por medicamentos e as-
and health care. Almost all lawsuits are filed by sistência médica. A quase totalidade dos processos
public defenders, with medical prescriptions and é apresentado por defensor público, com receitas e
recommendations from the public health service. indicações médicas oriundas do serviço público
The results of this study challenge some domi- de saúde. Em cerca de 8% dos casos, há compro-
nant themes in the national debate, particularly vante de renda no processo com predominância
the claim that judicialization is a phenomenon dos valores em torno de R$ 500,00. Os resultados
of the elites and that the services judicialized are da pesquisa desafiam algumas teses dominantes
drugs. The study does not seek to make generali- no debate nacional, em particular a alegação de
zations, but highlights the fact that the phenom- que é um fenômeno das elites e que o bem judicia-
enon of judicialization of health has different as- lizado são os medicamentos. Os dados não têm
1
Programa de Pós-
pects encompassed under the same concept. pretensões generalizantes, mas aponta que o fenô-
Graduação em Política
Social, Universidade de Key words The judicialization of health, Judi- meno da judicialização da saúde tem diferentes
Brasília. Caixa Postal 8011. cial decisions, Right to health, Health policies aspectos englobados pelo mesmo conceito.
70.673-970 Brasília DF
Brasil. d.diniz@anis.org.br
Palavras-chave Judicialização da Saúde, Deci-
2
Faculdade de Direito, sões judiciais , Direito à saúde, Políticas de saúde
Universidade de Brasília.
serviço de saúde de onde parte o pedido médico cial, não haveria porque considerar a renda um
dos bens e serviços de saúde demandados, avalia- critério argumentativo para a judicialização de
do pela origem da receita médica que acompa- necessidades de saúde.
nhou o pedido inicial ao juiz. Mais uma vez as A Tabela 2 traz os bens de saúde que foram
evidências sugerem que a judicialização não é um demandados judicialmente. O principal bem ju-
fenômeno exclusivo das elites. Apenas 9% dos dicializado foi acesso à UTI na rede privada de
processos parte de pedidos obtidos por meio da saúde (66%). Outro bem cuja solicitação judicial
medicina privada. Não é possível dizer, no en- foi frequente é a demanda por assistência médica
tanto, se esse é um caso de validação das receitas (13%), porém com menor frequência que o aces-
de medicina privada por serviços públicos de saú- so à UTI. A demanda por medicamentos, princi-
de para o início do litígio judicial. pal motivo da judicialização na literatura nacio-
Embora exista um debate sobre a classe so- nal foi provocada por 15% dos indivíduos. Não
cial dos demandantes em diferentes processos de há na literatura nacional sobre judicialização da
judicialização da saúde no Brasil, uma pergunta saúde evidências que se comparem ao encontra-
sobre classes só faz sentido quando a intenção é do no DF, o que sugere ser a judicialização uma
contestar os princípios de universalidade que re- resposta às particularidades da política de saúde
gem o sistema de saúde. Para um sistema que, pública local e suas fragilidades.
por ser universal, não discrimina atendimentos As doenças mais comuns são doenças do
por atributos das pessoas, a origem social dos aparelho circulatório (28%) e doenças do apare-
indivíduos deve ser considerada irrelevante. O lho respiratório (24%), conforme Tabela 3. Até
que parece ser mais razoável questionar, porém, 2007, as demandas por UTI respondiam a 32%
é se as demandas expressam necessidades de saú- do total de demandas. A partir de 2008, elas pas-
de – aquelas que o sistema público de saúde deve sam a representar 71% do total das demandas.
atender por imposição constitucional. O padrão de demanda por bens de saúde
Avaliar a necessidade de bens e serviços de sugere ser consistente com os diagnósticos mé-
saúde a partir de processos judiciais é uma tarefa dicos apresentados nos pedidos judiciais. Esses
mais difícil do que pode parecer à primeira vista. diagnósticos apontam para uma prevalência de
No entanto, há informações no curso dos pro- doenças agudas (78%) no conjunto dos casos.
cessos que trazem indicações importantes sobre Os tratamentos de doenças agudas são, em ge-
a razoabilidade do que é demandado. Como se ral, bem enquadrados nos protocolos terapêuti-
verá a seguir, o conjunto formado pelos motivos cos do sistema público de saúde. Deve ser nota-
para o não julgamento em sentença terminativa do que esses diagnósticos foram realizados qua-
de processos, as razões para que esse julgamento se que integralmente por médicos da rede públi-
não tenha ocorrido e o tipo de bens de saúde ca de saúde. A ausência desse tratamento, refleti-
solicitados indica que a judicialização expressa da na judicialização, pode ser um indicador de
solicitações para a cobertura de necessidades es-
pecíficas e urgentes de saúde.
A primeira tabela traz ainda os dados de com-
provação de renda disponíveis em 27 processos
(7% do total). A renda mais alta comprovada foi Tabela 2. Bens de saúde demandados.
de R$ 3.809,00 e a mais baixa de R$ 354,05. Vale
notar que uma análise da documentação apre- Demanda Total
sentada na entrada do processo indica que 7%
Vaga em UTI na Rede Privada de Saúde 254 66
dos requerentes eram analfabetos e 20% dos pro-
Medicamentos 60 15
cessos baseiam seus argumentos na pobreza dos Assistência médica 52 13
requerentes. Entretanto, considerando que a com- Produtos para saúde 20 5
provação não ocorre na maioria dos processos, Custos com atendimento na rede privada 14 3
pode haver uma concentração dos indivíduos Alimentos 3 1
com menor renda entre aqueles que apresenta- Tipos específicos de instalação 3 1
ram documento de comprovação no pedido ini- Vaga em UTI na Rede Pública de Saúde 2 0
cial. Por outro lado, a simples exigência ou de- Outros 3 1
manda espontânea de apresentação de compro- Fonte: Levantamento de processos julgados na 2ª Vara de
vação de renda na petição inicial deve ser um dado Fazenda Pública Privativa do TJDFT - 2005 a 2010.
analisado com cautela: se o Sistema Único de Nota: um processo pode demandar mais de um bem, portanto a
Saúde é universal e não focalizado por classe so- soma dos totais pode ultrapassar 100%.
Fonte: Levantamento de processos julgados na 2ª Vara de Fazenda Pública Privativa do TJDFT - 2005 a 2010.
reação à omissão das políticas do que demanda Tabela 4. Principais argumentos do pedido do
por tratamentos não oferecidos pelo sistema. requerente.
A Tabela 4 apresenta os argumentos utiliza-
Argumento Total
dos para fundamentar os processos. Um mesmo
processo pode lançar mão de mais de um argu- Direito à saúde 367 95%
mento. Em cada processo a estrutura argumen- Risco de vida 293 76%
tativa segue um padrão particular sendo, por- Risco de dano irreparável ou de difícil 201 52%
tanto, difícil determinar quais seriam os argu- reparação
mentos centrais e quais os periféricos. No entan- Direito à vida 191 50%
to, como conjunto de leis e princípios constituci- Insuficiência de renda 79 20%
onais as quais os processos podem recorrer é
Fonte: Levantamento de processos julgados na 2ª Vara de
razoavelmente limitado, foi possível identificar e
Fazenda Pública Privativa do TJDFT - 2005 a 2010.
classificar os argumentos em 5 categorias.
Nota: um processo pode demandar mais de um bem, portanto a
Praticamente todos os processos fundamen- soma dos totais pode ultrapassar 100%.
tam sua argumentação no direito à saúde (95%)
e muitos recorrem ao direito à vida (50%), am-
bos difíceis de contestar do ponto de vista jurídi-
co – embora a decisão dos juízes possa variar, é
difícil contrapor um argumento baseado no di-
reito à vida com uma argumentação fundamen- Dada a urgência dos tipos de demanda pre-
tada na reserva do possível, por exemplo. Relaci- dominantes, a maior parte dos requerentes soli-
onado ao fato de que a maioria dos processos cita decisão liminar. Os juízes tendem a conceder
solicita vagas em UTI, muito comuns são tam- essas liminares (70%). Apenas 8% das decisões
bém os argumentos de risco de vida (76%), dano são desfavoráveis aos requerentes, como mostra
irreparável ou de difícil reparação (52%) e risco a Tabela 5. Como predominam demandas por
de agravo da doença (18%). E, como já mencio- vagas de UTI de indivíduos correndo risco de
nado, o argumento da insuficiência de renda é vida ou agravamento de condição clínica, esse é
mencionado em 20% dos processos. um resultado de certo modo esperado.
D Diniz, TRC Machado e J Penalva participaram 1. Barroso LR. Da falta de efetividade à judicialização
igualmente de todas as etapas de elaboração do excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito
de medicamentos e parâmetros para a atuação ju-
artigo. dicial. Revista Interesse Público 2008.
2. Vieira FS, Zucchi P. Distorções causadas pelas ações
judiciais à política de medicamentos no Brasil. Rev
Agradecimentos Saude Publica 2007; 41(2):214-222.
3. Messeder AM, Osório-de-Castro CGS, Luiza VL.
Mandados judiciais como ferramenta para garantia
Ao Dr. Alvaro Ciarlini, juiz da 2ª Vara de Fazenda do acesso a medicamentos no setor público: a ex-
Pública Privativa do TJDFT, por possibilitar aces- periência do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cad
so aos dados. Ao Observatório da Justiça Brasi- Saude Publica 2005; 21(2):525-534.
leira pelo financiamento concedido. Às pesqui- 4. Diniz D, Medeiros M, Schwartz IVD. Consequên-
sadoras Renata Janaina de Sousa Brito, Natália cias da judicialização das políticas de saúde: custos
de medicamentos para as mucopolissacaridoses.
Peres Kornijezuk e Vanessa Carrião pela coleta Cad Saude Publica 2012; 28(3):479-489.
dos dados. À equipe da ANIS – Instituto de Bio- 5. Medeiros M, Diniz D. A tese da judicialização da
ética, Direitos Humanos e Gênero, em especial saúde pelas elites: os medicamentos para mucopo-
ao João Neves, pelo tratamento dos dados, e Al- lissacaridose. Cien Saude Colet 2013; 18(4):1079-1088.
berto Madeiro, pela classificação médica dos di- 6. Sarmento D. A proteção judicial dos direitos soci-
ais: alguns parâmetros ético-jurídicos. In: Souza
agnósticos. Neto CP, Sarmento D. Direitos Sociais: fundamen-
tos, judicialização e direitos sociais em espécie.
Rio de Janeiro: Lumen Juris; 2008.
7. Baptista, Tatiana Wargas de Faria; Machado, Cristi-
ani Vieira; e Lima, Luciana Dias de. Responsabili-
dade do Estado e direito à saúde no Brasil: um
balanço da atuação dos Poderes. Cien Saude Colet
2009; 14(3):829-839.
8. Borges DCL. Uma Análise das Ações Judiciais para
o Fornecimento de Medicamentos no Âmbito do
SUS: o caso do estado do Rio de Janeiro no ano de
2005 [dissertação]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2007.
9. Cosendey MAE, Bermudez JAZ, Reis ALA, Silva
HF, Oliveira MA, Luiza VL. Assistência Farmacêu-
tica na atenção básica de saúde: a experiência de
três estados brasileiros. Cad Saude Publica 2000;
16(1):171-182.
10. Vieira FS, Zucchi P. Distorções causadas pelas ações
judiciais à política de medicamentos no Brasil. Rev
Saude Publica 2007; 41(2):214-222.
11. Marques SB, Dallari SG. Garantia do direito social
à assistência farmacêutica no Estado de São Paulo.
Rev Saude Publica 2007; 41(1):101-107.
12. Kornis G, Braga MH, Zaire C. Os Marcos Legais das
Políticas de Medicamentos no Brasil Contemporâ-
neo (1990-2006). Revista APS 2008; 11(1):85-99.
13. Brasil. Tribunal de Contas da União (TCU). Avali-
ação do TCU sobre a Ação Assistência Financeira para
Aquisição e Distribuição de Medicamentos Excepcio-
nais. Brasília: TCU; 2005.
14. Pereira JR, Santos RI, Nascimento Junior JM,
Schenkel EP. Análise das demandas judiciais para o
fornecimento de medicamentos pela Secretaria de
Estado da Saúde de Santa Catarina nos anos de 2003
e 2004. Cien Saude Colet 2010, 15(Supl. 3):3551-3560.
15. Diniz D. Judicialização de medicamentos no SUS:
memorial ao STF. Brasília: SérieAnis; 2009. [docu-
mento na Internet]. [acessado 2010 maio 19]. Dis-
ponível em: http://www.anis.org.br/serie/artigos/
sa66_diniz_medicamentos_stf.pdf