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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
SOCIOLOGIA E DIREITO
NITERÓI
2018
I
Niterói, 2018
Ficha catalográfica automática - SDC/BFD
DOI: http://dx.doi.org/10.22409/PPGSD.2018.d.
CDD -
Dedicatória
Agradecimentos
RESUMO
O direito à saúde tem suscitado diversos temas relevantes para a ciência do Direito.
Não apenas no debate da aplicação de um direito fundamental, mas, especialmente, problemas
referentes à filosofia e à sociologia do Direito. A discussão sobre a concretização das
prestações de saúde pelo Estado transcende os limites da política e da economia. A ideia de
higidez do Direito também entra na pauta dos debates quando se pretende estabelecer uma
compreensão acerca das tensões formadas, quando considerados os papeis das instituições
integrantes da estrutura de um sistema de saúde. A experiência brasileira mostra-se pródiga
nos exemplos que mantém vivos os debates entre o positivismo jurídico e os movimentos de
superação que criticam o excessivo formalismo e tentam imprimir, no discurso, conteúdos
axiológicos, pretensamente altruísticos. Dentro da proposta investigativa, desenvolvida na
presente pesquisa, buscou-se estabelecer as conexões entre os direitos fundamentais e as
necessidades humanas com o propósito de fornecer um referencial objetivo de
fundamentação. Avançando sobre o problema da concessão de medicamentos sem registro na
ANVISA, o trabalho passa pela judicialização e a fundamentação das decisões proferidas no
âmbito do Supremo Tribunal Federal que consideram (in)contestáveis tais prestações
considerando o direito à vida e os procedimentos regulatórios para a verificação da eficácia,
segurança e qualidade dos fármacos.
Palavras-Chave:
ABSTRACT
The right to health has raised a number of relevant issues to the science of Law. Not
only in the debate about the application of a fundamental right, but, especially, problems
concerning to the philosophy and sociology of Law. The debate about the implementation of
health care by the State transcends the limits of politics and economy. The notion of integrity
of Law also compose the agenda of debates when it is intended to establish an understanding
about the tensions arising from the debate, when considering the roles of institutions that are
part of the structure of a health system. The Brazilian experience is rich in the examples
which keep alive the debates between legal positivism and the movements of overcoming
which criticize the excessive formalism and try to insert, in the discourse, axiological
contents, supposedly altruistic. In the research proposal, it has been tried to establish the
connections between the fundamental rights and the human necessity with the purpose of
providing an objective reference of justification. In order to advance in the issue of the supply
of medicines without registration in ANVISA, the work goes through judicial review and the
justification of the judicial precedents rendered by the Supreme Court that consider
(un)questionable such benefits, considering the right to life and the regulatory procedures to
verification of effectiveness, safety and quality of drugs.
Keywords:
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................1
METODOLOGIA DA PESQUISA.........................................................................................7
CONCLUSÃO.......................................................................................................................176
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................180
X
ABREVIATURAS UTILIZADAS
SS – Suspensão de Segurança
STA – Suspensão de Tutela Antecipada
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
SUS – Sistema Único de Saúde
TCE – Tribunais de Contas do Estado
TCM – Tribunais de Contas do Município
TCU – Tribunais de Contas da União
UPA – Unidade de Pronto Atendimento
1
INTRODUÇÃO
sustentação lógica de sua gênese. Nesse sentido, buscou-se alcançar um embasamento dentro
de uma perspectiva filosófica capaz de fornecer um referencial hermenêutico, minimamente,
seguro. Insere-se, portanto, no contexto da presente tese, a relação entre os direitos
fundamentais e as necessidades humanas na ótica investigativa.
2
A relevância do tema gerou a edição da recomendação n.º 31 de 30 de março de 2010 do Conselho Nacional de
Justiça. A recomendação foi fruto das conclusões alcançadas nas audiências públicas realizadas pelo Supremo
Tribunal Federal em 2009, convocada pelo Ministro Gilmar Mendes. De acordo com a orientação constante do
3
poder público e os pedidos de substâncias sem o prévio registro na ANVISA 3 são outros
exemplos de medidas concedidas pelos Tribunais de todo o país.
item B.2 o CNJ recomenda que os Tribunais de Justiça dos Estados e Tribunais Regionais Federais orientem os
magistrados no sentido de que “Evitem autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela
ANVISA ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei.”
3
Recentemente dois casos ganharam notoriedade nos Tribunas e noticiários de todo o país. A polêmica
envolvendo o uso do Canabidiol para o tratamento de doenças psiquiátricas ou neurodegenerativas como
esquizofrenia, mal de Parkinson, epilepsia e ansiedade, bem como a utilização da substância Fosfoetanolamina
sintética, descoberta que representa uma esperança para a cura do câncer. As drogas ilustram a polêmica do
embate jurídico provocado pela vedação legal quanto ao seu fornecimento e as decisões judiciais que autorizam
seu uso.
4
Como exemplo, dos mais variados pleitos que são apresentados na justiça, citamos o caso de um homem
acometido de disfunção erétil que propôs ação pretendendo o fornecimento de Viagra. Colaciona-se a ementa do
julgamento do recurso de agravo de instrumento interposto pelo Estado do Rio de Janeiro contra a decisão do
juiz de primeiro grau que concedeu a liminar. “Agravo de Instrumento interposto contra decisão que deferiu
tutela antecipada para fornecimento do medicamento VIAGRA. Somente se reforma a decisão concessiva ou não
da antecipação de tutela, se teratológica, contrária à lei ou à prova dos autos. Ausência dos requisitos necessários
à concessão da tutela, vez que os documentos que instruem os autos não deixam transparecer qualquer dano
irreparável à saúde do agravado. Matéria afeta à fase probatória da ação dita principal e após o devido processo
legal. ART. 557 § 1º-A DO CPC RECURSO PROVIDO.” Ag. Instrumento Nº. 0048009-42.2010.8.19.0000
5 Além do problema expressão do dispositivo legal referido há vedação relacionada à ética médica conforme
prevê o art. 102 da Resolução 1931/2009 do Conselho Federal de Medicina, que institui o código de ética
médica, estabelece que é vedado ao médico deixar de utilizar a terapia correta, quando seu uso estiver liberado
no país. Dessa forma, pode incorrer em infração disciplinar o médico que prescreva tratamento sem a prévia
autorização pelas autoridades sanitárias. No parágrafo único do referido dispositivo consta que a utilização de
terapêutica experimental é permitida quando aceita pelos órgãos competentes. Disponível em <
http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20667:codigo-de-etica-medica-res-
19312009-capitulo-xii-ensino-e-pesquisa-medica&catid=9:codigo-de-etica-medica-atual&Itemid=122> Acesso
em 22/02/2016.
4
(preço de circulação). Nesse sentido, questiona-se como deve ser enfrentado o problema da
atuação judicial diante da necessária aferição de critérios autorizativos puramente técnicos.
É sempre importante relembrar que as decisões judiciais devem ser orientadas por
um dever de legitimação, evitando valorações extremadas ou inexistentes. Nesse sentido, cabe
ao aplicador do direito buscar posições racionais e procedimentais capazes de conferir o
atributo da validade bem como da eficácia. Pretende-se, compreender, a partir da análise dos
acórdãos sobre o assunto, as teses apresentadas para se conceder ou negar uma prestação de
saúde, considerando os fatores não apenas jurídicos vinculados ao caso, mas eventuais
circunstâncias como valores éticos, morais, clínicos, políticos ou econômicos.
6
METODOLOGIA DA PESQUISA
6
É possível citar autores como Aristóteles e Epicuro no campo da filosofia, Karl Marx e Herbert Marcuse com
uma abordagem sociológica e econômica, Abrahan Maslow com o tratamento voltado para a psicologia
motivacional, entre outros que, direta ou indiretamente, abordaram o tema das necessidades humanas.
10
uma abordagem que se afasta da perspectiva jurídico-formal dos direitos fundamentais para
encontrar sua justificativa introdutória.
7
Nesse sentido “Afirma-se, de antemão, que as necessidades humanas básicas diferem dos interesses e desejos.
Enquanto as necessidades parecem referir-se aos constrangimentos à obtenção ou ao atingimento de objetivos ou
fins específicos que são geralmente aceitos como naturais e/ou morais, os interesses e desejos dizem respeito à
esfera precípua da volição. Portanto, justificam-se em razão de fins individuais, contrariamente às necessidades,
que são generalizáveis.” GUSTIN, Miracy B.S. Das Necessidades Humanas aos Direitos – Ensaio de sociologia
e filosofia do Direito. Belo Horizonte: Del Rey. 2009. Pag. 9
11
O ser humano é uma criatura que apresenta uma autonomia relativa, pois depende do
meio ambiente onde vive, buscando estabelecer conexões com outros indivíduos. Além das
carências individuais, de conteúdo puramente biológico, o ser humano busca a satisfação de
outros elementos extraídos das trocas entre os membros de um meio social. Vê-se, portanto,
que as necessidades precisam ser compreendidas individualmente, como reflexo do exercício
das autonomias dos sujeitos, bem como analisadas no plano da coletividade.
Portanto, com base nas diversas concepções filosóficas a seguir coletadas, é possível
constatar que identificação das necessidades sofre com a tensão entre o individual e o social.
8
Numa análise etimológica do termo autonomia é possível identificar esse sentido de viver em conformidade
com suas próprias leis. autos: a si; nomos: regra ou lei.
12
O ser humano possui inegável individualidade, contudo é preciso destacar que se encontra
inserido em uma ordem social e as estruturas sociais são formadoras de novos carecimentos. É
preciso analisar se as demandas individuais, por si só consideradas, são insuficientes para a
concessão de mecanismos de satisfação ou se a construção decorrerá de um sistema mais
globalizado, considerando a preponderância dos anseios da coletividade.
9
Autores como Marx e Marcuse utilizam tais categorias para a formulação da crítica ao capitalismo, máxime
para criticar as necessidades criadas que servem de propulsão para o consumo alienado e inconsequente pelos
indivíduos.
14
teorias excludentes, mas ideias que analisava o tema sob perspectivas diferenciadas, muitas
influenciadas por contextos históricos, antropológicos ou sociológicos.
De acordo com a visão aristotélica, por exemplo, o indivíduo, embora inserido num
contexto coletivo, assume papeis e necessidades voltadas para o alcance do bem coletivo.
Através de suas virtudes naturais, bem como aquelas desenvolvidas por força de treinamentos,
o ser pode perseguir o bem de todos. Para o agir virtuoso o indivíduo assume a capacidade de
escolha e, portanto, assume a aptidão de deliberar e optar pelas possibilidades existentes10.
Nesse sentido, o ser humano necessita de alguns objetos que lhe são preciosos, pois permitem
a elevação da sua virtuosidade como a sabedoria, a alma, a saúde, a justiça, mas também pode
ter necessidades desejáveis como a força, a honra, a riqueza, que podem ser utilizadas para o
bem ou para o mal.
10
Na obra Ética a Nicômaco, o filósofo busca identificar qual bem é mais valioso para o ser humano e, portanto,
capaz de guiar suas ações. Certamente, a felicidade é esse “sumo bem”, contudo, não é a felicidade em seu
sentido vulgar relacionada ao prazer, à riqueza ou à honra. A felicidade é um estado da alma alcançado por meio
da realização de suas virtudes. Aristóteles segue afirmando que as virtudes podem ser intelectuais, extraídas do
aprendizado e, portanto, resultado da experiência e do tempo, ou morais, que são incorporadas a partir de nossos
hábitos, como fruto do exercício deles. O destaque dado à obra decorre do fato de ser um importante referencial
teórico sobre o agir humano, o que viabiliza compreender, dentro da ótica filosófica de Aristóteles, identificar
onde as necessidades humanas encontram seu fundamento. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco (Coleção Os
Pensadores, vol. 2). São Paulo: Nova Cultural, 1991.
11
Importante destacar que o prazer, na doutrina epicurista, é a preponderância da medida adequada sobre os
excessos, isto é, o prazer não é alcançado pelos excessos, mas sim pela moderação. Esse prazer de se alcançar a
felicidade com as coisas simples da vida é o fator determinante para a identificação da necessidade do indivíduo
e, uma vez satisfeita, produz de equilíbrio, pois se elimina a dor do corpo e da alma. Conforme estabelece o
filósofo: “Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes
ou aos que ignoram o nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao
prazer que é a ausência de sofrimento físico e de perturbações da alma. Não são, pois, bebidas nem banquetes
contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes, nem o sabor de peixes e iguarias de uma festa farta que tornam
doce uma vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda a escolha de toda a rejeição que
remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa perturbação toma conta dos espíritos.” EPICURO.
Carta sobre a felicidade (a Meneceu). Tradução Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP. 2002. Pag. 43-45
12
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro:
Zahar. 2007. Pag. 93
15
13
Na obra Suma Teológica, são Tomás de Aquino desenvolve as “Cinco Vias” em que busca demonstrar através
de elementos objetivos as provas acerca da existência de Deus, reforçando a ideia de compatibilização entre
razão e fé.
16
14 Na Suma Teológica, são Tomás de Aquino identifica necessidades naturais (comida, bebida, vestuário,
transporte, habitação) e as artificiais que não são frutos da natureza, mas sim criadas pela inventividade humana
(dinheiro). São Tomás de Aquino. Suma Teológica. Pag. 932. Disponível em <
https://sumateologica.files.wordpress.com/2017/04/suma-teolc3b3gica.pdf> Acesso em 12/07/17
17
15
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. 2. ed. Tradução: Norberto de Paula
Lima, adaptação e notas: Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1997. Parág. 189
18
16
“Podemos distinguir tanto as necessidades verídicas como as falsas necessidades. ‘Falsas’ são aquelas
superimpostas ao indivíduo por interesses sociais particulares ao reprimi-lo: as necessidades que perpetuam a
labuta, a agressividade, a miséria e a injustiça. Sua satisfação pode ser assaz agradável ao indivíduo, mas a
felicidade deste não é uma condição que tem de ser mantida e protegida caso sirva para coibir o desenvolvimento
da aptidão (dele e de outros) para reconhecer a moléstia do todo e aproveitar as oportunidades de cura. Então, o
resultado é euforia na infelicidade. A maioria das necessidades comuns de descansar, distrair-se, comportar-se e
consumir de acordo com os anúncios, amar e odiar o que os outros amam e odeiam, pertence a essa categoria de
falsas necessidades.” MARCUSE, Hebert. A ideologia da sociedade industrial – O homem unidimensional.
Tradução Giasone Rebuá. Rio de Janeiro: Zahar. 1973. P. 26
17
“De fato, nos setores mais altamente desenvolvidos da sociedade contemporânea o transplante de necessidades
sociais para individuais é de tal modo eficaz que a diferença entre elas parece puramente teórica.” Op. Cit. P. 29
18
Op. Cit. P. 57
19
consumo manipulado e da dominação do dinheiro. Questiona-se se vale o preço pago por essa
sociedade irracional que dissemina a instabilidade social, a perpetuação da labuta e a
promoção da frustração.
São obras que se aproximam, sobretudo pelo aspecto ideológico, sendo elementos
convergentes nas teorias apresentadas o processo de alienação provocado pelo capitalismo e a
manipulação das necessidades humanas. A falta de uma consciência livre dos indivíduos
impede a compreensão daquelas necessidades que são reais ou verdadeiras. Somente com a
libertação do sujeito haveria a possibilidade de emancipação e identificação das necessidades
legítimas que para Marx seria fruto de um contexto histórico e social enquanto que para
Marcuse partiria da vontade do homem, ou seja, a criação das necessidades surgiria a partir da
individualidade subjetiva que criaria constantemente novas necessidades qualitativamente
relevantes e a busca por meios de satisfação e essa seria a base do desenvolvimento humano21.
19
Op. Cit. P. 222
20
É aquilo que Marx na obra O Capital identifica como o “Caráter fetichista da mercadoria”. Op. cit. P. 204
21
No entanto, é preciso destacar que as investigações sobre necessidades humanas também sofreram com teorias
que partiam de metodologias distintas, refutando, em certa medida, a categoria materialismo histórico. Tais
teorias compreendem, portanto, as necessidades a partir das chamadas teorias motivacionais, alterando o
paradigma constituído pelo marxismo que compreendia as necessidades como objetos realizados por fatores
sociais e históricos. Por essa perspectiva, o comportamento humano é orientado por aspectos mentais e
instintivos no sentido de satisfação das necessidades capazes de conferir prazer e, consequentemente, obtenção
de felicidade. Nesse sentido, é possível citar Abraham Maslow que identificou as necessidades humanas a partir
de uma abordagem da psicológica, hierarquizando-as graficamente na figura da pirâmide onde, na base ficariam
as necessidades fisiológicas, passando pelas necessidades de segurança, relacionamento, estima, até chegar nas
necessidades de realização pessoal.
20
Conforme sustenta o autor, na obra “A Era dos Direitos”, a natureza variável das
necessidades e dos direitos dificulta a identificação de um fundamento único para os direitos
humanos, sendo ilusórias as tentativas de se descobrir um “fundamento absoluto” capaz
alcançar a adesão universal. O relativismo histórico gera uma pluralidade de concepções que
impedem a construção de um argumento irresistível23.
22
“Essas exigências nascem somente quando nascem determinados carecimentos. Novos carecimentos nascem
em função da mudança das condições sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazê-los. Falar de
direitos naturais ou fundamentais, inalienáveis ou invioláveis, é usar fórmulas de uma linguagem persuasiva, que
podem ter uma função prática num documento político, a de dar maior força à exigência, mas não têm nenhum
valor teórico, sendo, portanto completamente irrelevantes numa discussão de teoria do direito.”BOBBIO,
Norberto. A Era dos Direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier. 2004. P. 10.
23
Op. cit. P. 12
24
“Pois bem: dois direitos fundamentais, mas antinômicos, não Podem ter, um e outro, um fundamento absoluto,
ou seja, um fundamento que torne um direito e o seu oposto, ambos, inquestionáveis e irresistíveis. Aliás, vale a
pena recordar que, historicamente, a ilusão do fundamento absoluto de alguns direitos estabelecidos foi um
obstáculo à introdução de novos direitos, total ou parcialmente incompatíveis com aqueles. Basta pensar nos
empecilhos colocados ao progresso da legislação social pela teoria jusnaturalista do fundamento absoluto da
propriedade: a oposição quase secular contra a introdução dos direitos sociais foi feita em nome do fundamento
absoluto dos direitos de liberdade. O fundamento absoluto não é apenas uma ilusão; em alguns casos, é também
um pretexto para de fender posições conservadoras.” Op. cit. P. 15
21
Diante das inúmeras teorias tratadas para a identificação do conteúdo teórico das
necessidades, ao longo de vários momentos e contextos, constata-se a dificuldade em se
atingir um conceito uniformemente aceito e, como destacado, a perseguição da noção de
necessidade não decorre de mero capricho investigativo, mas está na ordem de se instituir um
ponto de partida para as decisões políticas, econômicas e jurídicas. A definição conceitual
permite estabelecer um referencial de preservação e promoção do desenvolvimento humano.
Tenta-se, na árdua missão de se construir um conceito, uma definição permeada pela
neutralidade valorativa, sendo certo, contudo, que eventuais influxos ideológicos poderão
servir de referenciais de fundamentação a posteriori.
25
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico – Fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo:
Alfa Omega. 2001. P. 164.
22
norte para a fixação de condições adequadas para existência humana, sendo certo que
providências nos campos político e econômico devem conformar-se com propósitos
evolutivos.
26
BAY, Christian. Needs, wants and political legitimacy. Canadian Journal of Political Science. Vol I. 1968.
Pag. 241-260. Disponível em <http://www.jstor.org/stable/3231290> Acesso em 21/09/2017
23
Por outro lado, o dano pode ligar-se à ideia de privação de bens, sendo, também,
fundamental considerar o caráter generalizante do conteúdo conceitual de bem. Sofremos um
dano quando somos privados de determinados bens, carecendo daquilo que necessitamos e,
portanto, tais bens são valiosos porque capazes de promover uma satisfação. A noção de
necessidade define o tipo e âmbito de atividades e instrumentos ideais para a promoção de
uma vida digna e plena de sentidos. Essas atividades e instrumentos podem ser considerados
os bens primários, sem os quais os prejuízos são identificáveis concretamente.
Apontar uma necessidade opõe-se à ideia de eleição realizada pelo sujeito. A adesão
encontra fundamento na identificação daquilo que é inevitável sob pena de um dano sério e
irreversível. Apesar de eventuais críticas acerca da indeterminação do conceito de dano, não
se pretende uma construção universalmente aceita, pois compreendemos que se trata de uma
questão de convenção, variável, nesse sentido, de acordo com o contexto inserido. Todavia,
em termos de premissas minimamente aceitáveis, podemos definir o conceito de dano num
sentido negativo, de inevitabilidade e indispensabilidade, em que a privação repercute, a partir
de processos de objetivação, de maneira igualmente grave nos indivíduos.
Diante de tudo que restou apurado, afastamo-nos das considerações que associam as
necessidades às concepões de meras frustrações, angústias ou perturbações, voltando-se para a
percepção da gravidade da desconstrução de sua integridade física ou moral e de sua
qualidade de vida. Nesse sentido, a necessidade é tudo aquilo que o individuo precisar ter
satisfeito para evitar um dano. É um estado de dependência que precisar ser correspondido,
pois inexiste alternativa racional ou negociável senão sua satisfação.
Por outro lado, a teoria proposta não possui caráter excludente, isto é, não se assume
a existência de uma via alternativa para fazer frente à natureza metafísica do jusnaturalismo
ou ao pragmatismo empírico do juspositivismo. Ao associar as perspectivas necessidades aos
direitos fundamentais estabelece-se uma proposta de uma base metodológica racionalmente
constitutiva que sirva como critério de fundamentação.
26
determinado momento. Todavia, não se trata de abandonar outro elemento integrador, qual
seja, a capacidade de criar regras estruturantes. A construção formulada vai ao sentido de
identificar uma fundamentação para a integração normativista do Direito, ou, dentro da
proposta apresentada por Norberto Bobbio acerca das fontes do direito, como realidades
fáticas que estabelecem a relação de dependência construtivista do ordenamento jurídico
alicerçado nas normas jurídicas produzidas28.
28
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora
Universidade de Brasília. 1999. P. 45
29
É possível relembrar o caso em que o Estado passou a impor a existência de kits de primeiros socorros nos
veículos automotores. Não seria concreta a afirmação que a existência do kit eliminaria um dano. Tratava-se de
imposição de limitação sem a correspondente necessidade, configurando-se, portanto, a ilegitimidade da medida.
28
Não são raros os casos em que pacientes abandonam os tratamentos tradicionais pela
busca de terapias experimentais ou sem a confiabilidade desejada, elevando a exposição ao
dano o que permite ponderar que tais substâncias não devem ser percebidas como meios de
satisfação de uma necessidade vez que o dano continuará latente. As expectativas de obtenção
de tais prestações, sob o argumento do direito fundamental, revelam-se altamente
questionáveis sob o prisma relação necessidade e afastamento de um dano30.
Para alguns, o Estado seria o único ente capacitado a fornecer, em graus adequados, a
satisfação demandada pelos indivíduos. Somente a atuação estatal viabilizaria o projeto de
conceder a todos níveis mínimos e igualitários de atendimento e, conferir a atribuição ao juízo
das individualidades repercutiria negativamente ao criar exclusões e desigualdades.
30
Sobre o tema remetemos à nota técnica 56/2015 da ANVISA além da decisão do Supremo Tribunal Federal
nos autos da STA n.º 828 onde ambas revelam a preocupação com o abandono dos tratamentos tradicionais,
reiterando a possibilidade de circulação da substância denominada fosfoetanolamina sintética.
29
Por outro lado, nos Estados em que o modelo econômico liberal prevalece, o Direito
surge como ferramenta de proteção dos indivíduos contra o poder estatal. É equivocada a
percepção que defende a hipertrofia estatal, sobretudo em função da burocracia paralisante e
incapacidade de alcançar a satisfação de todas as necessidades individuais. A opção viável,
portanto, é aquela que assegura o fortalecimento das autonomias e dos mecanismos de decisão
coletiva, ou seja, os movimentos sociais deteriam liberdade para eliminar os efeitos danosos
da centralização estatal.
Na perspectiva habermasiana, por sua vez, a legalidade deve ser construída mediante
o uso de princípios democráticos discursivamente constituídos. A validade depende da criação
de normas de conduta e regras de controle através da participação daqueles diretamente
interessados, isto é, através da observância de um processo discursivo elaborado por todos e
para todos. Por outro lado, a facticidade encontra assento nos processos históricos e sociais
espontaneamente constituídos e elaborados pela comunidade. Nesse caso, os agentes agem em
conformidade com a lei em função do convencimento sobre sua legitimidade e não pelo
motivo coercitivo do dever.
31
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia – Entre facticidade e validade. Tradução Flávio Beno
Siebeneichler. Vol. I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1997. P. 43.
31
32
Op. cit. P. 138
32
Como produtos de uma realidade social, histórica ou cultural num dado momento, as
necessidades estão em constante processo de criação e aprimoramento. De estável e universal,
apenas aquelas necessidades consideradas básicas, cuja satisfação decorre pelo simples fato
de permitir a sobrevivência do indivíduo. A base da transposição de uma situação para outra
sofre influxos de diversas ordens. Cada vez mais são anunciadas novas gerações de direitos,
influenciados pelas novas tecnologias, pelo multiculturalismo e pelos intentos de conservação
do meio ambiente natural.
Assim sendo, afirma-se que a reserva do possível pode ser enfrentada sob óticas
distintas, a fática e a jurídica. Sob o prisma fático, sustenta-se tese de que não se pode exigir
uma prestação do Estado diante da inexistência material de recursos, sendo questão
objetivamente aferível. Por outro lado, a impossibilidade jurídica da teoria baseia-se no fato
de os gastos públicos dependem de lei orçamentária que serve como orientação para os gastos
públicos e, uma vez instituídas tais diretrizes, revela-se a opção por destinar o dinheiro para
satisfação de outras necessidades sociais, diversas daquela buscada pelo indivíduo.
33
Como indica Ingo Sarlet, destaca-se a origem alemã da teoria (Der Vorbehalt des Möglichen). De acordo com
o autor, a reserva do possível propõe que a efetividade dos direitos sociais dependeria da reserva de capacidade
financeira estatal, pois os direitos fundamentais são prestações financiadas pelos cofres públicos. As noções
foram desenvolvidas pelo Tribunal Constitucional alemão, onde a Corte firmou o entendimento de que existem
limitações fáticas para a satisfação de todas as demandas de acesso a um direito. A questão controvertida
consistia na pretensão de um estudante que buscava o acesso ao ensino superior, sendo que Alemanha adotava
uma política de restrição do número de vagas por turma, com vistas a manter a qualidade do ensino. O Tribunal
fixou o entendimento (caso que ficou conhecido como numerus clausus) de que o acesso à universidade deve
considerar algumas condicionantes: (a) o indivíduo somente poderá exigir aquilo que é razoável exigir da
sociedade, ou seja, mesmo havendo o direito e recursos somente se podem pretender prestações razoáveis; (b)
existir regulamentação prévia; (c) prova da incapacidade material do Estado por insuficiência de recursos e (d) a
comprovação de que o Estado envidou todos os esforços governamentais para proporcionar a prestação, no caso,
cabia ao Estado provar que adotou todas as ações administrativas para aumentar o número de vagas. SARLET,
Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do Possível, mínimo existencial e direito à saúde:
algumas aproximações. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n.º 24, julho/2008. Disponível em
HTTP://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao024/ingo_mariana.html Acesso em 28/09/2017
34
Apenas para ilustrar a complexidade do tema destacamos a Suspensão de Tutela Antecipada 198 requerida no
STF. Tratava-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal visando a concessão, em favor
de um menor, do medicamento denominado Elaprase, não registrado na ANVISA. O medicamento apresentava
um custo anual aproximado para os cofres públicos no valor de R$ 2.600.000,00. Outro caso similar foi o da
STA 223. Outro caso que merece destaque foi o julgado na STA 1053, em que o autor, portador de doença rara
(Síndrome Hemolítico Urémico Atípica), obteve decisão obrigando o estado do Acre a fornecer o medicamento
35
Bobbio destaca uma preocupação dos juristas e dos políticos modernos, fazendo uma
comparação entre liberdades e poder, afirmando que são figuras incompatíveis já que o uso de
poderes pode inviabilizar o exercício de liberdades. Significa que o exercício ilimitado de
direitos fundamentais levará à restrição de outros, como ocorre no caso da saúde, em que a
sua plenitude pode levar à diminuição de outros direitos igualmente caros à sociedade. É
nesse sentido que as normas que estabelecem direitos sociais em uma Constituição, embora
elogiáveis quanto às suas finalidades, encontram limites em disponibilidades de diversas
ordens35.
Por fim, outra limitação para a satisfação das necessidades consiste na limitação
jurídica, isto é, quando o ordenamento jurídico proíbe determinada medida de atendimento
pela orientação firmada pela instância representativa. Como será apresentado de maneira mais
ampliada, existem prestações de saúde demandadas que encontram o óbice normativo para
sua concessão36. A proposição limitadora assume o espírito de se restringir, em certa medida,
a absolutização de um direito fundamental.
Solliris, que apresentava um custo total de aproximadamente R$ 600.000,00. O destaque deste caso era o fato de
o medicamento, além de apresentar custo elevado, não possuía o registro na ANVISA, não havendo, portanto,
certificação acerca dos riscos e da eficácia da substância. Neste caso, a Ministra Carmem Lúcia indeferiu o
pedido de suspensão da tutela antecipada, confirmando a decisão do Tribunal de Justiça do Acre no sentido de
obrigar o poder público a fornecer o medicamento.
35
Como aponta o jusfilósofo italiano “Quando digo que os direitos do homem constituem uma categoria
heterogênea, refiro-me ao fato de que — desde quando passaram a ser considerados como direitos do homem,
além dos direitos de liberdade, também os direitos sociais — a categoria em seu conjunto passou a conter
direitos entre si incompatíveis, ou seja, direitos cuja proteção não pode ser concedida sem que seja restringida ou
suspensa a proteção de outros.” Op. cit. P. 24.
36
Exemplo emblemático é o da substância conhecida como Canabidiol. Derivado da maconha, a substância
apresente dois óbices. Primeiramente, a ausência de registro no órgão de vigilância sanitária impediria sua
circulação. Por outro lado, o fato de ser derivado da maconha seu consumo seria proibido. Não foram poucas as
decisões judiciais que autorizavam, inclusive, o plantio e produção do extrato do canabidiol pelos próprios
requerentes. Em julho de 2017 a substância em questão foi categorizada, pela ANVISA, como medicamento
específico, conforme RDC nº 24/2011, por conter, como princípios ativos, dois fitofármacos: tetraidrocanabinol
e canabidiol, isolados da espécie vegetal Cannabis sativa.
36
37
Segundo Dimitri Dimoulis: “O moralismo da interpretação oferece respostas aos dois maiores problemas
práticos da interpretação jurídica. O que fazer quando uma norma clara e concreta entra em conflito com valores
morais que o julgador considera de crucial importância? A posição moralista é que o julgador deve adaptar a
norma aos requisitos de correção moral. Deve-se interpretar e analisar o direito ‘sob o olhar vigilante das
exigências do direito justo’.” DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico: Introdução a uma teoria do direito e
defesa do pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Método, 2006. P. 92.
37
38
LAFER. Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt,
Cia das Letras, São Paulo, 1988. P.134
39
Como destacou Bobbio “Em segundo lugar, os direitos do homem constituem uma classe variável, como a
história destes últimos séculos demonstra suficientemente. O elenco dos direitos do homem se modificou, e
continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das
classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc. Direitos
que foram declarados absolutos no final do século XVIII, como a propriedade sacre et inviolable, foram
submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas; direitos que as declarações do século XVIII
nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados com grande ostentação nas recentes
declarações. Não é difícil prever que, no futuro, poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer
podemos imaginar, como o direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o direito de respeitar a vida
também dos animais e não só dos homens. O que prova que não existem direitos fundamentais por natureza. O
que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras
épocas e em outras culturas.”BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2004. P. 13
38
40
“Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo,
político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são
direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para
impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.” Op. cit. P. 17
39
41
Apenas como referencial pode-se citar o art. 72 da Constituição de 1991 que inaugurava da seção da
declaração dos direitos não elencando a saúde como um direito dos indivíduos.
40
Nota-se, nesse período, que as prestações de saúde surgiam como um proveito para
aqueles que contribuíam para o sistema de previdência social. Os trabalhadores com vínculos
regulares dispunham dos serviços médicos refletindo a conexão da saúde como repercussão
de um direito trabalhista. Sem perder a característica de serviço público, a saúde vinculava-se
a uma contraprestação do indivíduo que mantinha regular relação de emprego e contribuía
para o sistema. Para os demais indivíduos, que não possuíam vínculos empregatícios, abriam-
se dois caminhos: contar com as entidades de caridade, como as Santas Casas ou aderir às
Caixas e Institutos de aposentadoria e pensão43.
O viés não universal e excludente da saúde foi modificado nas décadas seguintes
com as propostas que objetivavam conferir ao Estado um dever voltado para as políticas
sociais de saúde. O movimento da Reforma Sanitária, nascida no início da década de 70,
primava pela adoção de um conjunto de propostas de mudança e regulação do sistema de
saúde e, consequentemente, a melhora nas condições de vida da população. O movimento
pautava suas reivindicações no reconhecimento da essencialidade do direito à saúde como
algo inato ao ser humano e um dever do Estado, sendo a ideia embrionária da proposta
universalista e isonômica da assistência à saúde44.
42
Como ilustração cite-se o movimento denominado revolta da vacina, ocorrido em 1904, em decorrência da
vacinação obrigatória para combater o surto de varíola.
43
O modelo das Caixas serviu de referencial inicial para o surgimento dos primeiros planos de saúde no Brasil.
Disponível em< http://www.ans.gov.br/aans/quem-somos/historico> Acesso em 18/04/2017.
44
“Com isso, uma das principais bandeiras do movimento de reforma sanitária foi o princípio da integralidade,
que se traduz na ideia de que o indivíduo deve ser visto como uma totalidade bio-sociopsíquica, além de ter
direitos aos serviços de saúde de baixa, média e alta complexidade de forma humanizada. Ao mesmo tempo, tal
princípio preconiza que os problemas de saúde vão além da mera presença ou ausência de doença, pois
envolvem condicionantes sociais de múltiplas naturezas. Buscou-se, ainda, promover medidas que afastassem a
exclusividade da noção de especialidade médica no cuidado em saúde, de modo a constituir uma atenção em
41
saúde mais integral, que considerasse o usuário como um sujeito partícipe do seu processo de prevenção,
proteção e recuperação.” ASENSI, Felipe Dutra. Direito à Saúde: Práticas sociais reivindicatórias e sua
efetivação. Curitiba: Juruá. 2013. Pag. 140
45
Por todos, cite-se o viés marxista na tese de doutoramento apresentada por Antonio Sérgio da Silva Arouca
intitulada “O Dilema Preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva”,
apresentada em 1975 na Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.
46
PAIVA, Carlos Henrique Assunção; TEIXEIRA, Luiz Antonio. Reforma sanitária e a criação do Sistema
Único de Saúde. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.21, n.1, jan.-mar. 2014. P. 15-35.
47
A conferência foi convocada pela Presidência da República por solicitação do Ministro da Saúde contando
com quase cinco mil participante, sendo 1000 delegados indicados por instituições e organizações de saúde o que
respeitou os ideais do movimento de reforma sanitária de integração conjunta em espaços públicos com a
participação social. O contexto político abriu-se para as reivindicações sociais na tentativa de construção de um
modelo de sistema integrado.
42
Na visão de Sérgio Arouca o conceito de saúde não se confunde com o fato de não
estar doente. Está, na verdade, atrelado ao desenvolvimento de qualidade de vida para os
indivíduos, de bem-estar proporcionado pelo respeito ao direito ao trabalho, educação,
saneamento, vestimenta, alimentação e pelo exercício de liberdades, obtendo, assim, uma
existência digna49. No campo normativo é possível perceber esse abastamento conceitual
conforme previsto no art. 3º da Lei n.º 8080/9050 quando elenca, como fatores determinantes e
condicionantes da saúde, vários aspectos cujo alcance depende da conjugação de diversas
áreas do conhecimento, ratificando-se a ideia de que o conceito de saúde está intimamente
vinculado a muitos elementos que transbordam a existência de hospitais, de médicos, exames
e medicamentos.
48
Disponível em <http://www.who.int/about/mission/en/.> Acesso em 15/07/2016
49
Conforme destacou um dos maiores sanitaristas do Brasil na palestra de abertura da 8ª Conferência Nacional
de Saúde “Talvez seja interessante a gente pensar um pouquinho sobre o que significa isso, o que significa esse
conceito de saúde, colocado quase como algo a ser atingido. Não é simplesmente não estar doente, é mais: é um
bem-estar social, é o direito ao trabalho, a um salário condigno; é o direito de ter água, à vestimenta, à educação,
e, até, à informações sobre como se pode dominar este mundo e transformá-lo. É ter direito a um meio ambiente
que não seja agressivo, mas que, pelo contrário, permita a existência de uma vida digna e decente; a um sistema
político que respeite a livre opinião, a livre possibilidade de organização e de autodeterminação de um
povo.”AROUCA, Antonio Sérgio da Silva. Democracia é Saúde. Anais da 8ª Conferência Nacional de Saúde.
Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1987.
50
“Art. 3o Lei n.º 8080/90 - Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a
saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio
ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços
essenciais.” (Redação dada pela Lei nº 12.864, de 2013)
43
Consiste numa noção distinta daquela adotada em outros países, como em Portugal,
onde o direito à saúde é tratado como um direito fragilizado pela insuficiente regulamentação
e pela atribuição de corresponsabilidade entre Estado e indivíduo, neste último caso,
atribuindo-se ao sujeito o dever de cuidar de si, verdadeira estratégia cujo propósito é
amenizar os impactos econômicos dos serviços de saúde51. A despeito do seu regular
funcionamento e de níveis satisfatórios nos indicadores de saúde, o fato pode ser explicado
por sistemas de terapia alternativas, especialmente em áreas rurais, onde a medicina oficial
soma-se à medicina popular de produção artesanal52.
51
“Sociologicamente, o efeito da responsabilização do indivíduo por sua própria saúde torna cada indivíduo um
‘doente em suspenso’, que é responsável pela procura das suas suscetibilidades. Expressões como ‘obrigação
moral’, ‘dever público’, ‘domesticação da incerteza’, culto da saúde’ e ‘empreendedorismo moral’ passam a ser
uma constante nos organismos internacionais e o no próprio Estado português para enfatizar a
corresponsabilidade do indivíduo pela efetivação de sua própria saúde.” ASENSI, Felipe Dutra. Direito à Saúde:
Práticas sociais reivindicatórias e sua efetivação. Curitiba: Juruá. 2013. P. 183.
52
“Recorda-se, a propósito, a segunda hipótese geral deste trabalho de deixarmos acima formulada como se
segue: <<as deficiências da produção estatal de saúde e segurança social são em parte compensadas pela
sociedade-providência. Neste campo, o que caracteriza especificamente a sociedade portuguesa é a forte
presença da medicina popular de produção artesanal ao lado da medicina oficial e funcionando como mecanismo
44
Como reflexo dessas aspirações sociais, a Constituição de 1988 alça a saúde como
um dever do Estado, inaugurando um imperativo normativo de verdadeiro direito fundamental
no sentido de universalização das prestações de saúde. A institucionalização permitiu a
consolidação de princípios e programas cujo desenvolvimento e observância por parte dos
poderes políticos encontrariam sua viabilidade no denominado Sistema Único de Saúde. O
art. 198 da CRFB surge como ponto de partida para a criação de um sistema normativo
próprio de significação das prestações de saúde, estabelecendo as diretrizes de uma estrutura
institucional para todas as esferas, ou seja, um modelo de arranjos voltados para a
consolidação das prestações de saúde em todos os entes federativos, contando ainda com a
participação da comunidade.
compensatório das deficiências da medicina estatal ou da inacessibilidade da medicina privada. Neste sentido é
legítimo falar-se de articulação de modos de produção de saúde como característica global da sociedade
portuguesa no domínio dos cuidados de saúde>>.” SANTOS, Boaventura de Souza. O Estado, a sociedade e as
políticas sociais – O caso das políticas de saúde. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 23. 1987. P. 13-74.
53
Art. 6º, VI Lei n.º 8080/90
45
fundamental, cabe ao Estado proporcionar meios para o pleno e efetivo exercício, sem a
consideração de fatores distintivos individuais.
54
Relação dos atuais integrantes, conforme eleição realizada em novembro de 2015. Disponível em
<http://conselho.saude.gov.br/expediente/Composicao_CNS.pdf> Acesso em 18/04/2017.
55
Prestações referenciadas em organismos internacionais como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e
Organização Pan-americana de Saúde
46
56
A questão do fornecimento de medicamentos de alto custo teve a repercussão geral reconhecida pelo STF no
recurso extraordinário n.º 566.471. Somente como ilustração da relevância da questão, citamos a situação
noticiada pelo CNJ que apresenta o caso do Estado do Rio de Janeiro que gasta 11,8 milhões de reais para
custear o tratamento de 13 pacientes com a doença de Pompe. Somente para se ter uma ideia, o mesmo Estado
gasta 21 milhões para atender 120 mil pacientes por ano em uma Unidade de Pronto Atendimento. Disponível
em <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80770-rj-cria-estrutura-propria-para-atender-casos-de-saude-que-chegam-
a-justica> Acesso em 21/02/2010.
47
São frequentes as notícias sobre o aumento considerável das despesas do Estado com
o cumprimento de decisões judiciais concessivas de medidas de saúde, dificultando o
adequado planejamento das prestações pelo SUS58. Conforme se extrai do levantamento feito
junto ao Ministério da Saúde a linha de crescimento, nos últimos cinco anos, é acentuada,
conduzindo o Estado a destinar, cada vez mais, recursos para o cumprimento de decisões
judiciais concessivas de prestações de saúde.
57
Recursos extraordinários n.º 657.718 sobre a obrigatoriedade, ou não, de o Estado fornecer medicamento não
registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e o Recurso Extraordinário n.º 566.471em
que se discute a obrigatoriedade de o Estado prover medicamentos de alto custo.
58
No ano de 2014 o Estado teve um gasto de R$ 838,4 milhões somente com o cumprimento de decisões
judiciais conforme relatado no portal da saúde do governo federal, disponível em <
http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/20195-em-cinco-anos-mais-de-r-2-1-
bilhoes-foram-gastos-com-acoes-judiciais> com acesso em 21/02/2016.
59
Os dados fornecidos pelo DLOG/SE/MS para o ano de 2016 referem-se apenas àquelas aquisições realizadas
até o mês de junho do referido ano.
60
Dados obtidos através de requerimento realizado no portal da transparência do Governo Federal de
responsabilidade da Controladoria Geral da União no endereço eletrônico
<http://esic.cgu.gov.br/sistema/Principal.aspx> realizado em 22/07/2016, respondido em 15/08/2016. O
protocolo recebeu o n.º 25820003298201652
48
afirmado, guarda enorme distância entre o legal e o real, optou-se por analisar uma questão
que vem agravando, especialmente no aspecto financeiro, a crise do sistema de saúde,
causando sérias implicações quanto às pretensões de alcance de suas propostas iniciais. A
obrigatoriedade de realização das prestações de saúde em razão da judicialização da pretensão
de medicamentos não registrados pela ANVISA, além de gerar custos não previstos no
orçamento do Estado, introduz importante debate acerca da compreensão do Direito.
Em seguida foi editada a denominada Lei Orgânica da Saúde (lei n.º 8.080 de 19 de
setembro de 1990) dispondo sobre as condições de promoção, proteção e recuperação da
saúde, além de estabelecer regras sobre a organização e o funcionamento dos serviços de
alcance das prestações de saúde61.
A lei n.º 8.142 de 28 de dezembro de 1990, que também compõe a rede normativa
básica de regramento do Sistema Único de Saúde, define os preceitos acerca das
transferências de recursos financeiros entre os entes federativos e estabelece regras sobre a
participação da comunidade na gestão do SUS. A proposta de um sistema participativo deu-se
com a redefinição das atribuições do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que inicialmente
possuía função meramente consultiva e de apoio ao Ministro da Saúde62, passando a
representar a instância máxima de deliberação, fiscalização, acompanhamento e
61
A lei n.º 8080/90, desde sua criação, foi consideravelmente alterada por vários diplomas legais como lei n.º
9836/1999, lei n.º 10.424/2002, lei n.º 11.108/2005, lei n.º 12.401/2011, lei n.º 12.466/2011, LC n.º 141/2012,
lei n.º 12.864/2013, lei n.º 13.097/2015
62
Órgão instituído pela Lei n.º 378/1937 e reformulado pelos Decretos n.º 34.347/1957, 45.913/1959 e
847/1962.
49
monitoramento das políticas públicas de saúde, sendo composto por representantes da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios; dos trabalhadores da área da saúde e das entidades de
representação dos usuários do sistema63. A representação dos demais entes federativos
ocorreu com a criação do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e Conselho
Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS)64.
Merece destaque, também, o denominado Pacto pela Saúde de 200666 que consistiu
em um conjunto de compromissos e ações articuladas entre os vários níveis de governo no
sentido de desenvolver e reforçar as políticas públicas de saúde, definindo de maneira
inequívoca as responsabilidades na promoção, proteção e recuperação de saúde. As propostas
63
“Os conselhos de saúde são órgãos colegiados deliberativos e permanentes do SUS, existentes em cada esfera
de governo e integrantes da estrutura básica do Ministério da Saúde, das secretarias de saúde dos estados, do
Distrito Federal e dos municípios, com composição, organização e competência fixadas pela Lei nº 8.142, de 28
de dezembro de 1990. Atuam na formulação e proposição de estratégias, e no controle da execução das políticas
de saúde, inclusive em seus aspectos econômicos e financeiros. Suas decisões devem ser homologadas pelo
chefe do poder legalmente constituído, em cada esfera de governo. As regras para composição dos conselhos de
saúde são, também, estabelecidas no texto legal, devendo incluir representantes do governo, prestadores de
serviços, trabalhadores de saúde e usuários, sendo a representação dos usuários paritária (50%) em relação ao
conjunto dos demais segmentos. A criação dos conselhos deve ser objeto de lei ou decreto, em âmbito municipal
ou estadual. O Conselho Nacional de Saúde (regulado pelo Decreto n° 99.438, de 1990) estabeleceu
recomendações para constituição e estruturação dos conselhos estaduais e municipais de saúde, quais sejam:
garantia de representatividade, com a escolha dos representantes feita pelos próprios segmentos; distribuição da
composição, sendo 50% usuários, 25% para trabalhadores de saúde e 25% para gestores e prestadores de
serviços; eleição do presidente entre os membros do Conselho.” Referência constante do documento elaborado
pelo Ministério da Saúde, intitulado O SUS de A a Z: Garantindo a saúde nos municípios. Brasília: Ministério da
Saúde, 2009. Pag. 98-99
64
Como destaca Asensi, a criação dos conselhos de saúde, em todos os níveis da federação, pode ser apontado
como um dos fatores criadores de uma cultura de reivindicação das prestações de saúde no plano do Judiciário,
contribuindo, em importante escala, para a enorme judicialização de pretensões voltadas para a efetivação do
direito à saúde. Como destaca o autor “Não é por acaso que a cultura política que se constituiu no Brasil, ao
menos no que concerne àqueles cidadãos que são menos influenciados pelos obstáculos econômicos e
socioculturais de acesso à justiça, esteve relacionada a uma radical judicialização da saúde. A cultura política
brasileira encontrou solo fértil na judicialização para efetivara o direito à saúde, inclusive promovendo uma
relativa concorrência – ainda que pouco visível – das instâncias participativas mais tradicionais, tais como os
Conselhos e Conferências de saúde.” ASENSI, Felipe Dutra. Direito à Saúde: Práticas sociais reivindicatórias e
sua efetivação. Curitiba: Juruá. 2013. P. 293.
65
NOB/SUS 01/91 aprovada pela Resolução n.º 258 de 07 de janeiro de 1991; NOB/SUS 01/93 aprovada pela
Portaria n.º 545 de 20 de maio de 1993; NOB/SUS 01/96 aprovada pela Portaria n.º 2203 de 06 de novembro de
1996; NOAS/SUS 01/01 aprovada pela Portaria 95 de 20 de janeiro de 2001 e NOAS/SUS 01/02 aprovada pela
Portaria n.º 373 de 27 de fevereiro de 2002. Com exceção da primeira norma, editada pelo do Instituto Nacional
de Assistência Médica da Previdência Social, extinto pela Lei n.º 8689/93, todos os demais atos normativos
foram editados pelo Ministério da Saúde.
66
Portaria do Ministério da Saúde n.º 399 de 22 de fevereiro de 2006
50
riscos das novas prestações dentro de um cenário de compatibilização entre os benefícios para
os usuários e os impactos orçamentários e logísticos para o SUS.
De acordo com sua proposta institucional, o trabalho desempenhado pelo órgão deve
ser permanente de modo a realizar uma revisão constante dos medicamentos disponibilizados
pelo SUS. Difere do procedimento de registro adotado no âmbito da agência de vigilância
sanitária, pois, como será visto adiante, a ANVISA realiza um procedimento de aferição de
segurança, eficácia e viabilidade econômica, ao passo que a CONITEC analisa a possibilidade
de incorporação do medicamento considerando a viabilidade financeira e a escolha da terapia
mais vantajosa diante das alternativas existentes.
30
25
20
INCORPORADO
15 NÃO INCORPORADO
10 EXCLUÍDO
0
2012 2013 2014 2015 2016
67
Art. 24. “O processo administrativo de que trata este Capítulo deverá ser concluído em prazo não superior a
cento e oitenta dias, contado da data em que foi protocolado o requerimento, admitida a sua prorrogação por
noventa dias, quando as circunstâncias exigirem.”
68
Disponível em <http://conitec.gov.br/decisoes-sobre-incorporacoes> acesso em 01/01/2018
53
Sob essa perspectiva, o SUS pretende estabelecer-se como um sistema eficaz que,
com base em evidências científico-financeiras, procura ampliar a disponibilidade de terapias
nos três níveis de governo e alcançar a sociedade em geral. A metodologia busca assentar-se
numa racionalidade que alie eficácia e segurança às diretrizes de bom uso dos escassos
recursos públicos.
69
O período de dois anos para as atualizações da RENASES está previsto no art. 22 parágrafo único e do
RENAME no art. 26 parágrafo único do Decreto n.º 7508 de 28 de junho de 2011.
54
surgem diante dos problemas pontuados, contudo, é preciso compreender se surge uma
margem de justificação da interferência judicial diante de atrasos irrazoáveis nas respostas aos
pedidos de registro de fármacos.
O período do pós-segunda grande guerra, além de marcado pelo luto provocado pelos
milhões de mortos, serviu de momento de reflexão acerca da presença do Estado na
economia. O movimento de desestatização70 consolidava-se na formulação de medidas de
organização e gestão de serviços confiados aos particulares e a concessão de liberdades não
compatíveis com a rigidez das regras observáveis pela administração pública71.
70
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Desestatização, Privatização, Concessões e Terceirizações. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2000. P. 9
71
“Havia chegado o momento da reversão das tendências estatizantes, de recompor a afetada autonomia da
sociedade e de recuperar a desgastada dignidade da pessoa: uma grande obra que haveria de se iniciar na Europa
justamente a partir dos países cujas gerações mais haviam sofrido com as consequências daquelas funestas
ideologias concentradoras de poder no Estado: a Itália e a Alemanha.” NETO. Diogo de Figueiredo Moreira.
Mutações nos Serviços Públicos. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de
Direito Público da Bahia, n.º 1, fevereiro, 2005. Disponível em <http://www.direitodoestado.com.br> Acesso em
28/07/2016
56
72
Noticia a existência de um modelo regulatório nos Estados Unidos desde 1887 com o Interstate Commerce
Act. e o Interstate Commerce Comission que cuidavam da regulação das estradas de ferro.
73
Disponível em <http://www.bcb.gov.br/pre/Historia/HistoriaBC/historia_BC.asp> Acesso em 08/08/2016.
57
74
Disponível em < http://www.cvm.gov.br/menu/acesso_informacao/institucional/sobre/cvm.html> Acesso em
08/08/2016.
75
Discute-se a inconstitucionalidade da ANCINE, criada através de Medida Provisória sendo que a Constituição
determina no art. 37, XIX que somente por lei específica poderá ser criada autarquia.
76
Com essa finalidade de ajustes no modelo regulatório foi apresentado o Projeto de Lei n.º 3337/2004 dispondo
sobre a gestão, a organização e o controle social das agências reguladoras, passando a integrar o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007. Também em 2007 foi editado o Decreto n.º 6062 dispondo sobre o
Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação – PROREG, objetivando
implementar melhorias no sistema regulatório como a coordenação entre instituições do sistema, mecanismos de
prestação de contas, a participação e monitoramento da sociedade civil e a qualidade da regulação dos mercados.
58
Em 1900 foi criado o Instituto Soroterápico Federal cujo objetivo era fabricar soros e
vacinas contra doenças, sendo transformado e ampliado posteriormente para uma Diretoria
Geral de Saúde Pública. O órgão, dirigido pelo sanitarista Oswaldo Cruz, teve sua atuação
ampliada, não se restringindo à fabricação de vacinas, passando a acumular as atividades de
pesquisa e qualificação de recursos humanos. Boa parte das atividades iniciais estava voltada
para o combate à epidemia de febre amarela e de varíola, além de políticas de saneamento e
higiene pessoal77.
77
Disponível em < http://www.funasa.gov.br/site/museu-da-funasa/cronologia-historica-da-saude-publica>
Acesso em 04/08/2017
59
78
Decreto n.º 16.300 de 31/12/1923 – “Art. 256. É indispensavel licença do Departamento Nacional de Saude
Publica para a venda de antisepticos ou desinfectantes preparados pharmaceuticos e remedios novos.”
79 Decreto n.º 19606 de 19/01/1931 – “Art. 37. O Departamento Nacional de Saude Publica é a única autoridade
competente em todo o território da República para conceder licença para serem dadas ao consumo público as
especialidades farmacêuticas e poderá exigir a modificação de sua fórmula quando ficar demonstrado pelo
progresso da ciência que uma das substâncias componentes da mesma, julgada até então terapeuticamente util, é
nociva à saude.”
80
O Decreto n.º 3171 de 02 de abril de 1941 reorganizou o Departamento Nacional de Saúde, criando diversos
órgãos como o SNFM
60
Por outro lado, as Leis n.º 5991/73 e 6360/76 passaram a regular o controle sanitário
mais amplo sobre medicamentos, inserindo na atividade da fiscalização sanitária o
componente qualidade, pois os fabricantes ficaram obrigados a relatar às autoridades de
vigilância sanitária as reações adversas decorrentes da ministração de medicamentos. O
Decreto-lei n.º 6437/77 instituiu regras acerca das infrações à legislação sanitária, prevendo
punições para os infratores responsáveis pela produção e circulação de medicamentos sem o
prévio registro no órgão de controle.
No início da década de 90 o país passou por uma nova reforma administrativa com o
início do governo Fernando Collor de Mello cujo objetivo consistia, especialmente, em
estabelecer um processo de desestatização e a consequente redução do tamanho do Estado,
flexibilização das regras do comércio internacional e de investimento estrangeiro e a
diminuição da intervenção estatal no setor privado. O período foi caracterizado, ainda, pela
fértil produção normativa, destacando-se, para o presente objeto, a Lei n.º 8078/90 (Código de
Defesa e Proteção do Consumidor) e a Lei n.º 8080/90 (Lei Orgânica da Saúde).
81
Decreto n.º 68.806 de 25 de julho de 1971. O decreto 75.985 de 17 de julho de 1975 revogou o anterior,
estabelecendo novas disposições para a Central de Medicamentos.
61
82
Somente entre abril/90 e novembro/92 foram três secretários Baldur Oscar Schubert (04/90-12/91), Sérgio
Wiener (12/91-02/92) e João B. Risi Junior (02/92-11/92)
83
Projeto Inovar. Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária. Brasília: Ministério da Saúde. 1990.
84
“Ignorou-se a natureza protetora das ações de Vigilância, como se a doutrina do liberalismo e a
desregulamentação pudessem sobrepor-se às práticas da Vigilância, como se fosse possível esquecer que o modo
de produção cria lógicas que entram em choque com os interesses sanitários da coletividade.” COSTA, EA., e
ROZENFELD, S. Constituição da vigilância sanitária no Brasil. In: ROZENFELD, S., org. Fundamentos da
Vigilância Sanitária [online]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ. 2000. P. 36
85
O anticoncepcional Microvilar e o Androcur, utilizado para o tratamento do carcinoma de próstata, são dois
exemplos ganharam notoriedade no período em função de adulterações. A comoção e a instabilidade social
provocados pelo escândalo dos medicamentos falso teve como resposta do governo das leis 9677/98 e 9695/98
que a alteraram os dispositivos do Capítulo III do Título VIII do Código Penal, incluindo na classificação dos
62
Através da Lei n.º 9782/1999 foi criada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária –
ANVISA, autarquia sob regime especial, responsável pela promoção da saúde da população,
por meio do controle sanitário da produção e comercialização de produtos e serviços
destinados ao consumo, cabendo, também, a fiscalização dos ambientes, processos, insumos e
tecnologias relacionados à saúde pública, além de exercer o controle portos, aeroportos e
fronteiras87.
delitos considerados hediondos crimes contra a saúde pública bem como alterando as penalidades das infrações
sanitárias nos casos de falsificação de medicamentos.
86
Destaca-se que a primeira regulamentação sobre os medicamentos genéricos ocorreu em 1993 com o decreto
793 contendo, basicamente regras acerca da denominação genérica. Foi somente com a Lei n.º 9787/99 houve a
efetiva implementação de uma política de medicamentos genéricos.
87 Art. 6º Lei n.º 9782/99
63
A autarquia é formada por uma diretoria colegiada, que possui a função precípua de
direção da entidade, definindo a administração estratégica e propondo ao Ministro da Saúde
políticas e diretrizes governamentais destinadas ao cumprimento de seus objetivos, editar
normas sobre matérias de sua competência, realizar a gestão de pessoal e apresentar os
relatórios e dados sobre a gestão da agência.
88
Os dados foram obtidos através de solicitação realizada em 30/08/2016 no Sistema Eletrônico do Serviço de
Informação ao Cidadão registrada sob o número de protocolo 25820003927201644. Segue a íntegra da resposta
no sistema e-SIC: “Em atenção ao seu questionamento manifestaram-se a Gerência de Gestão da Arrecadação -
GEGAR, Gerência de Orçamento e Finanças - GEFIC e Gerência–Geral de Gestão de Pessoas - GGPES,
conforme abaixo: 1) Quantidade de servidores efetivo e comissionados da autarquia; ATIVO PERMANENTE -
1.977 REQUISITADO - 13 NOMEADO CARGO COMIS. - 17 REQ.DE OUTROS ORGAOS - 01 2) O
orçamento da ANVISA para o ano de 2016; O orçamento consignado para Anvisa para o exercício de 2016 é de
R$ 850.053.831,00 distribuído nas ações de governo conforme demonstrativo em anexo. 3) Os valores
repassados pela União para o ano de 2016; Relativamente aos recursos financeiros repassados pela União, até a
presente data foi repassado o montante de R$ 380.477.710,50. 4) As receitas auferidas nos últimos 5 anos com a
taxa de fiscalização de vigilância sanitária; 2011 - R$ 331.035.376,09 - 2012 - R$ 331.560.959,59 - 2013 - R$
342.142.547,05 - 2014 - 367.212.527,09 - 2015 - 459.417.257,36. 5) As receitas auferidas nos últimos 5 anos
com multas decorrentes de ações de fiscalização. 2011 - R$ 51.111.710,72 - 2012 - R$ 22.438.581,14 - 2013 -
R$ 24.293.580,44 - 2014 - R$ 31.903.282,04 - 2015 - R$ 29.252.759,12 Esclarecemos que as informações
supramencionadas nos itens 4 e 5 podem ser acessadas por meio do sítio eletrônico http://
transparencia.gov.br/receitas/consultas.asp.”
89
RDC n.º 61 de 03/02/2016
64
91
MINTZES, Barbara. Disease Mongering in Drug Promotion: Do Governments Have a Regulatory Role?
Disponível em < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1434509/> Acesso em 10/08/2017
92
“Non-linear, quantum leap innovation, which is unexpected and unpredictable, where the future goal is
unclear or non-existent (such as the discovery of totally new therapeutic drug classes that are currently not
linked to disease mechanisms); and Linear, ‘logical’ innovation, based on incremental improvements, dedicated
to reaching superior, well-defined goals (such as aiming to improve on existing therapies by discovering safer or
better drugs within the same therapeutic class).” SMITH, Ester F. e SMITH, Denis A. Should scientific
innovation be managed? Drug Discovery Today. Volume 7. Artigo 18. Elsevier. 2002. P. 941-945
93
Em 1928 o médico Alexander Fleming, ao pesquisar o vírus influenza descobriu um agente bactericida eficaz
para o tratamento de uma série de infecções. Embora não fosse esse o objeto de sua pesquisa, as observações
realizadas nos seus experimentos, acabou por desenvolver a penicilina. Esse é um bom exemplo de uma
inovação não linear.
67
94
Resolução da ANVISA RDC 60/2014 art. 4º XVIII e XIX.
95
Entre 2015 e 2017 foram registrados 71 novos medicamentos. Do total, 33 foram de medicamentos sintéticos e
38 de medicamento biológicos. A consulta foi realizada no portal do Parecer Público de Avaliação de
Medicamentos do Ministério da Saúde <http://www.anvisa.gov.br/datavisa/Fila_de_analise> utilizando os
parâmetros de pesquisa “Categoria regulatória: novos” e “período de publicação: 01/01/2015 a 31/07/2017
96
Informação extraída do relatório fornecido pela entidade americana que representa as empresas que
desenvolvem pesquisas biofarmacêuticas (Pharmaceutical Research and Manufacturers of America). Disponível
em < http://phrma-docs.phrma.org/sites/default/files/pdf/biopharmaceutical-industry-profile.pdf> Acesso em
02/08/2017. De acordo com relatório divulgado em 2016 pela INTERFARMA (Associação da Indústria
Farmacêutica de Pesquisa), a estimativa seria em torno de 10 anos. Disponível em <
https://www.interfarma.org.br/public/files/biblioteca/109-relatario-anual-de-atividades-site.pdf> Acesso em
11/08/2017
68
Outro fator determinante em uma pesquisa sobre novo fármaco está no custo.
Estima-se que a indústria farmacêutica tenha investido, no ano de 2015, quase 150 bilhões de
dólares em pesquisa e desenvolvimento de medicamentos. Já o custo aproximado para o
desenvolvimento de uma única droga é de 2,6 bilhões. No entanto, é importante destacar que,
a despeito do altíssimo investimento realizado, o retorno para as empresas alcançam valores
igualmente elevados. A título de ilustração, em 2014, o mercado farmacêutico mundial
alcançou US$ 997 bilhões97.
97
Informações obtidas no relatório “The Pharmaceutical Industry and Global Health: Facts and figures 2017”
elaborado pela International Federation of Pharmaceutical Manufacturers & Associations. Disponível em <
https://www.ifpma.org/wp-content/uploads/2017/02/IFPMA-Facts-And-Figures-2017.pdf> Acesso em
11/08/2017.
98
Consiste na análise sobre o caminho percorrido pelo medicamento no corpo. Não tem por objetivo identificar a
forma de atuação, mas sim as etapas percorridas desde a administração até a excreção.
99
O termo indica a área da farmacologia que estuda os efeitos de um medicamento no tecido que é o alvo do
tratamento. Trata-se de identificar como a droga age no corpo do paciente.
69
fundamentais considerando a eliminação dos riscos pois as etapas seguintes são desenvolvidas
com a aplicação das substâncias em seres humanos sadios e doentes.
Superada esta etapa, são iniciados os ensaios clínicos, separados em quatro fases: Na
fase I é examinada a segurança do fármaco com a determinação da posologia para as etapas
posteriores, a verificação da toxidade e farmacologia clínica. Consiste na fase que conta, em
regra, com a participação de voluntários saudáveis. Na fase II a eficácia é o ponto de
investigação. São estudos terapêuticos em grupos de pacientes para a identificação das
respostas para as análises farmacocinéticas e farmacodinâmicas. Já a fase III é o momento de
identificação do valor terapêutico em comparação com o placebo e outros medicamentos. Por
fim, a fase IV, realizada no momento de comercialização onde são estudados os efeitos em
condições distintas das autorizadas, sua segurança e eficácia considerando a utilização num
cenário de prática clínica diária.
Neste ponto, em especial, é preciso observar que a pesquisa com seres humanos no
Brasil deve observar os protocolos instituídos pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
(CONEP), vinculada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS). Cabe, à comissão, instituir
normas e diretrizes regulamentadoras das pesquisas que envolvem seres humanos, tendo,
portanto, como responsabilidade fundamental garantir a integridade dos participantes. Propõe-
se, também, a desenvolver uma função educativa acerca da ética na ciência, sobretudo, em
temas delicados como genética e reprodução humana, novos dispositivos para a saúde,
pesquisas em populações indígenas, pesquisas conduzidas do exterior e aquelas que envolvam
questões relacionadas à biossegurança.
A comissão é integrada por uma rede de comitês criados nas diversas instituições de
pesquisa. Consistem em órgãos colegiados independentes e interdisciplinares, de caráter
consultivo, educativo e deliberativo com o objetivo de proteger a integridade e dignidade dos
participantes de pesquisas e a realização dos estudos dentro de padrões éticos.
100
No dia 15/02/2017 o plenário do Senado Federal aprovou o PLS n. 200/2015 que dispõe sobre a pesquisa
clínica com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica com Seres Humanos.
Dentre outras providência prevê a extinção do CONEP e a criação da Instância Nacional de Ética em Pesquisa
Clínica e estabelece regras para a composição e atribuições dos CEPs. Atualmente o projeto de lei tramita na
Câmara dos Deputados com o n. 7082/2017.
70
Em observância aos ditames da Lei n.º 6360/80, especialmente em seu art. 12 que
estabelece a vedação de circulação de medicamentos sem o prévio registro, além da
necessidade de compatibilização das diretrizes da Política Nacional de Medicamentos,
prevista na Portaria n. º 3816/1998, do Ministério da Saúde, foram criadas regras e definidas
as competências para a verificação dos requisitos de produção, segurança e eficácia dos
medicamentos destinados à circulação.
101
Para ilustrar, cite-se o caso da substância denominada Talidomida que, ministrada em gestantes, provocava a
deformação física dos fetos.
72
102
O procedimento está regulado pela Resolução RDC n.º 222 de 28 de dezembro de 2006
103
Tributo instituído pelo art. 23 da Lei n.º 9782/99
73
juntada dos demais documentos na ANVISA, podendo ser realizado por meio físico (postal ou
presencial) ou virtual.
104
De acordo com a ANVISA, o termo “medicamento novo”, sem outra adjetivação, é, na prática, utilizado para
se referir a medicamentos novos com princípios ativos sintéticos e semissintéticos, associados ou não, que são os
avaliados pela GEPEC. Quando se utiliza o termo “medicamento novo” sem outro complemento não se está
referindo, portanto, a produtos biológicos, fitoterápicos, homeopáticos, medicamentos ditos “específicos”,
medicamentos isentos de registro, e nem tampouco a cópias (genéricos e similares). Disponível em
<http://portal.anvisa.gov.br/conceitos-e-definicoes7> Acesso em 06/09/2016
74
requerente deverá anexar relatórios técnicos contendo informações dos estudos clínicos e dos
aspectos farmacotécnicos do produto. São informações de conteúdo técnico de estrutura e
princípios ativos que constarão da bula do produto no caso de deferimento do pedido de
registro. Além disso, a análise farmacotécnica abrange todas as etapas de fabricação do
medicamento, desde a aquisição de matéria prima, produção, controle de qualidade,
estocagem e circulação dos produtos finalizados.
105
A definição de medicamento de referência está na RDC n.º 60/2014, Art. 4º XXV - medicamento de
referência – produto inovador registrado no órgão federal responsável pela vigilância sanitária e comercializado
no País, cuja eficácia, segurança e qualidade foram comprovadas cientificamente junto ao órgão federal
competente, por ocasião do registro (Lei nº 9.787, de 10/02/1999);
106
Criada pela Lei n.º 10.742 de 06 de outubro de 2003.
107
Art. 43 da Resolução da Diretoria Colegiada RDC n.º 60/2014
75
obtêm num prazo razoável a resposta para o pedido de registro, bem como pelos inúmeros
indivíduos acometidos por diversas doenças sem um tratamento eficazmente apropriado.
A interessante análise feita por Antonio do Passo Cabral converge para o mesmo
sentido de se oxigenar democrática e pluralisticamente a atuação estatal. Ao agregar os
108
“quem participa de processos de comunicação ao dizer algo e ao compreender o que é dito — quer se trate de
uma opinião que é relatada, uma constatação que é feita, de uma promessa ou ordem que é dada; quer se trate de
intenções, desejos, sentimentos ou estados de ânimo que são expressos —, tem sempre que assumir uma atitude
performativa. [...] A atitude performativa permite uma orientação mútua por pretensões de validade (verdade,
correção normativa, sinceridade) que o falante ergue na expectativa de uma tomada de posição por sim/não da
parte do ouvinte. Essas pretensões desafiam a uma avaliação crítica, a fim de que o reconhecimento
intersubjetivo de cada pretensão particular possa servir de fundamento a um consenso racionalmente motivado.”
HABERMAS, Jurgen. Consciência moral e agir comunicativo, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1989. P.40-42
76
109 “Impende haver uma preocupação maior em agregar o indivíduo ao debate coletivo, principalmente diante
das peculiaridades da vida moderna, que muitas vezes contribuem para a anomia política e o afastamento do
indivíduo da esfera pública , gerando o enfraquecimento do potencial reivindicatório da sociedade civil. A
democracia exige aproximação recíproca e contínua entre Estado e sociedade, que devem unir esforços em prol
do bem comum e não ser compreendidos como entes antagônicos ou cujas iniciativas devam excluir-se
mutuamente.” CABRAL, Antonio do Passo. Os Efeitos Processuais da Audiência Pública. RDE. Revista de
Direito do Estado. Vol. 2. 2006. P. 121
110
“Para fazer frente a esse quadro, é importante que na esfera das ‘massas’ mais ou menos organizadas, ou
organizáveis, existam um interesse e um empenho reais pela democratização exitosa, ao menos com vistas ao
longo prazo. Sem comunicação e cooperação com esse fator, nenhuma elite consegue manter-se no poder,
indefinidamente. A democratização, que se constrói com mais chances de êxito «de baixo » do que « de cima »,
processa-se precisamente a partir de uma multiplicidade de iniciativas de auto-ajuda, de auto-proteção, de
afirmação dos direitos civis e de outras formas de resistência. Mas, justamente aqui a exclusão social é
gravemente impeditiva e deve ser combatida com todas as forças, com vistas à realidade (futura) de um sistema
democrático.
A questão colocada pelo tema deste texto não deve ser respondida apenas em termos éticos; daí que
tenha sido necessário operacionalizar melhor conceitos centrais, de modo a possibilitar enunciados quantitativos.
Nessa perspectiva, a miséria maciça, primordialmente econômica, diz respeito ao povo-destinatário; a miséria
sócio-cultural, que acarreta a apatia política, diz respeito ao povo ativo; e a exclusão jurídica em acepção mais
estrita (violência ilegal, desigualdade inconstitucional, negação da proteção jurídica, impunidade dos
responsáveis pela opressão) consiste em violações do status do povo como instância de atribuição.” MÜLLER
Friedrich. Democracia e Exclusão Social em Face da Globalização. Revista Jurídica. v. 7, n. 72. Maio. 2005.
Brasília.P 01-10. Disponível em < https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/444/438>
Acesso em 03/01/2018.
77
111
Os dados foram obtidos no sítio eletrônico da agência reguladora (www.anvisa.gov.br)
78
serviços
farmacêuticos em
farmácias e
drogarias e dá
outras
providências, e
revoga a
Instrução
Normativa nº 10,
de 17 de agosto
de 2009
23/03/2011 Núcleo de Não disponível Retirada do Aprovação da
Gestão do mercado RDC nº 50, de 25
Sistema brasileiro dos de setembro de
Nacional de medicamentos 2014 que dispõe
Notificação e inibidores do sobre as medidas
Investigação em apetite por de controle de
Vigilância problemas comercialização,
Sanitária relacionados prescrição e
com a dispensação de
segurança e medicamentos
eficácia destes que contenham as
produtos substâncias
anfepramona,
femproporex,
mazindol e
sibutramina, seus
sais e isômeros,
bem como
intermediários e
dá outras
providências e
RDC Nº 52, de 06
de outubro de
2011 que dispõe
sobre a proibição
do uso das
substâncias
anfepramona,
femproporex e
mazindol, seus
sais e isômeros,
bem como
intermediários e
medidas de
controle da
prescrição e
dispensação de
medicamentos
que contenham a
81
substância
sibutramina, seus
sais e isômeros,
bem como
intermediários e
dá outras
providências.
29/04/2010 Gerência-geral Não disponível Regras de Aprovada a RDC
de Inspeção, autorização de nº 10 de 21 de
Monitoramento funcionamento março de 2011
da qualidade, para empresas que dispõe sobre
controle e importadoras de a garantia da
fiscalização de medicamentos qualidade de
insumos medicamentos
médicos, importados e dá
produtos, outras
propaganda e providências
publicidade
24/03/2010 Gerência-geral Não disponível Medidas para o Não disponível
de Inspeção, controle da
Monitoramento prescrição e da
da qualidade, dispensação de
controle e antibióticos
fiscalização de
insumos
médicos,
produtos,
propaganda e
publicidade
24/08/2006 Não disponível Não disponível Boas Práticas de Não disponível
Manipulação de
Medicamentos
para Uso
Humano em
Farmácias
13/04/2005 Não disponível Não disponível Atividade de Não disponível
Fracionamento
nos
Estabelecimento
s de
Dispensação de
Medicamentos
112
“Ao lado da representação democrática em sentido estrito, isto é, do exercício da autoridade pelo Parlamento
eleito para representar os interesses do povo, pode-se falar também em uma representação argumentativa. A
ideia de Democracia deixa de ser vista como apenas um sistema que contém não mais que um processo de
tomada de decisão centrado na ideia de eleição e da regra majoritária, mas passa a ser estendida para
compreender também os processos argumentativos que ocorrem no interior das instâncias de tomada de
decisão.” BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do Precedente Judicial: a justificação e a aplicação de
regras jurisprudenciais; São Paulo: Noeses. 2012. P. 37-38
113
Os dados da ANVISA foram obtidos através de solicitação no portal da transparência registrado sob os n.º
25820002921201650 e 2582000509820175. As informações sobre o tempo de registro de medicamento na FDA
estão disponíveis no sítio da entidade (https://www.accessdata.fda.gov/scripts/cder/daf/index.cfm)
83
Já naquilo que diz respeito aos medicamentos novos, a tabela abaixo revela um
aumento no tempo para registro das inovações farmacêuticas ao longo dos últimos seis anos.
Numa comparação entre os anos de 2011 e 2016 pode-se perceber que o aumento foi de
110%. Isso representa um grande prejuízo para os pacientes que aguardam a liberação de
novas substâncias bem como para o setor produtivo de medicamentos, que fica
impossibilitado de explorar livremente suas atividades econômicas. O tempo registrado na
prática excede muito aquele fixado pelo art. 12 § 3º da Lei n.º 6360/76 que fixa 90 dias para a
concessão do registro.
1400 1316
1200
1000
816
800 716
642 622 Deferido
539 Indeferido
600 495
420462
375
400
184
200
0
0
2011 2012 2013 2014 2015 2016
114
Disponível em < http://portal.anvisa.gov.br/fila-de-analise > Acesso em 23/08/2017
84
39
40
35
30
25 24
22 22 23
25
Deferido
20
15 Indeferido
15
8 9
10 7
3
5
0
0
2011 2012 2013 2014 2015 2016
2.3 Análise comparativa com entidade congênere: Food and Drug Administration
115
Art. 17-A da Lei n.º 6360/76
116
A definição objetiva de enquadramento evitará pedidos de priorização aleatórios e sem nenhum fundamento.
Apenas para ilustrar, no ano de 2016, dos 233 pedidos de prioridade apresentados, 135 foram indeferidas, ou
seja, aproximadamente 60% dos pedidos.
86
117
Disponível em <https://www.fda.gov/AboutFDA/WhatWeDo/History/default.htm> Acesso em 25/08/2017
118
Como visto, a ANVISA conta com consultores externos (ad hoc), normalmente farmacêuticos, médicos,
professores que validarão os dados apresentados pelas empresas requerentes dos registros.
87
Nesse sentido, poderá uma substância obter uma aprovação acelerada se os estudos
clínicos verificarem que o fármaco, cujo objetivo inicial só será conhecido após longo tempo
de pesquisa, apresenta evidências de eficácia para se alcançar um benefício clínico
razoavelmente considerável. Por exemplo, uma substância com o propósito inicial de estender
a vida de pacientes com câncer, mas que demanda um tempo grande de pesquisas e estudos
para a identificação dos resultados, pode ter uma aprovação acelerada se restar evidenciado
que a droga é eficaz para provocar uma redução do tumor. Nesta hipótese, a comprovação da
88
119
Disponível em < https://www.fda.gov/ForPatients/Approvals/Fast/default.htm> Acesso em 31/08/2017
89
50
45
45 41 41 41 41 41
39
40 36 35
35
30
30 27
25 22 DEFERIDO
20 INDEFERIDO
15
10
5
0
2011 2012 2013 2014 2015 2016
De acordo com os relatórios apresentados pela FDA120, no ano de 2015, das 45 novas
substâncias aprovadas 14 (31%) obtiveram a designação fast-track e 10 (22%) foram
120
Disponível em < https://www.fda.gov/Drugs/DevelopmentApprovalProcess/DrugInnovation/default.htm>
Acesso em 01/09/2017
90
A FDA possui um tempo médio de tramitação prioritária de seis meses ao passo que
a tramitação padrão de um medicamento é de dez meses. Como observado no levantamento
apresentado acima, nos últimos três anos a ANVISA apresentou um tempo médio para o
registro dos novos medicamentos de 715 dias, o que representa um prazo, aproximadamente,
quatro vezes superior. Se é fato as críticas relacionadas os riscos de se aprovar uma substância
através de um processo acelerado sem se obter elementos mais confiáveis acerca de sua
segurança, também é criticável um prazo demasiadamente estendido, pois priva as pessoas de
terapias eficazes para o tratamento de doenças.
121
“Así, en el siglo XIX y principios del XX las pontencias europeas coordinaban sus accione para contener la
llegada de enfermedades infecciosas desde sus colônias. Era una época en la que se <luchaba> contra la
enfermedad. Sin embargo, hoy en día existe una visión comprehensiva de la salud y las enfermedades
infecciosas se abordan como una problemática común que requiere la cooperación y la adopción de textos
multilaterales en los que participen todos los Estados.” HERNÁNDEZ, Xavier Seuba. La protección de la salud
ante la regulamentación internacional de los productos farmacêuticos. Madrid: Marcial Pons. 2010. P. 41
91
É inegável que a saúde é um dos temas que se apresenta de maneira mais evidente
nessa interdependência global. Os desafios sanitários, epidêmicos, ambientais, entre outros
representam preocupações que não se restringem a determinada fração do território, assim
como a repercussão em produtos específicos, como os medicamentos. A regulação dos
medicamentos insere-se neste contexto de preocupação global com a saúde. Diversos são os
textos normativos com especialização positiva cujo propósito coincide com o alcance do bem-
estar físico, mental e social multilateral. Dentre da tendência crescente da globalização as
normas jurídicas internacionais relacionadas à saúde e aos medicamentos têm origem nos
princípios de direito internacional público como na produção normativa dos organismos
criados com essa finalidade institucional.
Outro tema que merece reflexão consiste no conflito entre os direitos humanos e a
propriedade intelectual em termos gerais, contudo, no contexto do presente trabalho, a análise
consiste basicamente no confronto entre a inovação farmacêutica os efeitos sobre o direito à
saúde. A análise perpassa pelas considerações sobre o direito à propriedade intelectual como
instrumento de desenvolvimento de novas tecnologias e tratamentos e a gestão de valores
sociais superiores.
122
Art. 2u e art. 21e da Constituição da OMS
94
123
Nesse sentido destaca-se o art. Artigo 27° da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “1.Toda a pessoa
tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no
progresso científico e nos benefícios que deste resultam.
2.Todos têm direito à proteção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária
ou artística da sua autoria.” Disponível em <https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/> Acesso em
22/08/2017
124
SALAZAR, Silvia. Intellectual Property and the Right to Health. In Intellectual Property and Human Rights.
World Intellectual Property Organization. Geneva. 2007. P. 65
125
HERNÁNDEZ, Xavier Seuba. La protección de la salud ante la regulamentación internacional de los
productos farmacêuticos. Madrid: Marcial Pons. 2010. P. 155
126
No Brasil o Tratado foi incorporado pelo Decreto n.º 591 de 6 de julho de 1992.
127
Art. 15 - 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem a cada indivíduo o direito de:
a) Participar da vida cultural;
b) Desfrutar o processo científico e suas aplicações;
c) Beneficiar-se da proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica, literária
ou artística de que seja autor.
95
2. As Medidas que os Estados Partes do Presente Pacto deverão adotar com a finalidade de assegurar o pleno
exercício desse direito incluirão aquelas necessárias à convenção, ao desenvolvimento e à difusão da ciência e da
cultura.
3.Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade indispensável à pesquisa
cientifica e à atividade criadora.
4. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem os benefícios que derivam do fomento e do
desenvolvimento da cooperação e das relações internacionais no domínio da ciência e da cultura.
96
Por fim, outra tentativa de compatibilização dos interesses seria a criação, a nível
internacional, de parcerias público-privadas com o compromisso de estimular a inovação
farmacêutica tendo como foco a saúde pública e sendo interessante para o setor privado diante
do mercado consumidor a ser alcançado pelas descobertas. Através de um compromisso, de
caráter complementar aos tratados internacionais existentes sobre o direito à saúde, as
128
“há desafio de redefinir do direito à propriedade intelectual à luz da concepção contemporânea dos direitos
humanos, da indivisibilidade, interdependência e integralidade destes direitos, com especial destaque aos direitos
econômicos, sociais e culturais e ao direito ao desenvolvimento, na construção de uma sociedade de aberta, justa,
livre e plural, pautada por uma democracia cultural emancipatória.” PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e
Propriedade Intelectual. 2007. P. 39. Disponível em <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2665 >
Acesso em 22/08/2017.
129 HERNÁNDEZ, Xavier Seuba. La protección de la salud ante la regulamentación internacional de los
productos farmacêuticos. Madrid: Marcial Pons. 2010. P. 165
130
Op. cit. P. 166
97
131
Xavier Seuba cita exemplos de parcerias público-privadas criadas com propósito específicos para o estudo e
desenvolvimento de fármacos para enfermidades específicas como Tabacco Free Initiative, Making Pregnancy
Safer Initiative, International AIDS Vaccine Initiative, South African AIDS Vaccine Initiative, Medicines for
Malaria Venture, European Malaria Vaccine Initiative, Global Alliance for Tuberculosis Drug Development,
Paediatric Dengue Vaccine Initiative, human Hookworm Vaccine Initiative, Rotavirus Vaccine Accelerated
Development and Introduction, Pneumococcal Vaccine Accelerated Development, entre outras. Op. cit. P. 169-
170
98
Como analisado no presente capítulo, inúmeros são os temas que envolvem o registro
de um medicamento. O tempo de registro de um medicamento, a conciliação dos interesses
público-privados, a segurança dos consumidores, a proteção da propriedade intelectual, são
apenas exemplos diante da amplitude dos interesses em jogo. Inevitavelmente, as oposições
de ideias repercutem no plano do Judiciário, cabendo, aos Tribunais, solucionar questões que,
invariavelmente, ultrapassam os limites da dogmática do Direito.
132
Op. cit. P. 205.
99
O tema ainda foi retratado nas obras de outros autores referenciados pela relevância
na ciência política como Maquiavel que, apesar de defender a ideia tripartite, entendia que
essa seria uma maneira de justificar e conservar o poder do soberano. Em Locke, os três
poderes (Executivo, Legislativo e Federativo) possuíam funções específicas, mas destacava a
preponderância do Legislativo em relação aos demais. Na visão do autor, no momento em
legisla para todas as partes da sociedade, é natural seus status de supremacia133. Dentre os
133
Para Locke “Em todo caso, enquanto o governo subsistir, o legislativo é o poder supremo, pois aquele que
pode legislar para um outro lhe é forçosamente superior; e como esta qualidade de legislatura da sociedade só
existe em virtude de seu direito de impor a todas as partes da sociedade e a cada um de seus membros leis que
lhes prescrevem regras de conduta e que autorizam sua execução em caso de transgressão, o legislativo é
forçosamente supremo, e todos os outros poderes, pertençam eles a uma subdivisão da sociedade ou a qualquer
101
méritos da teoria de Locke, destaca-se a defesa da ideia de separação dos poderes que embora
insipiente foi amplamente adotada pelos teóricos no século XVIII.
Ocorre que como criticado por Hegel, a independência consiste no problema mais
grave da proposta de separação dos poderes, com riscos de desintegração do Estado. A
independência entre os poderes gerou um estado de conflito, no momento em que se
enxergam, reciprocamente, como verdadeiros inimigos. Para a teoria hegeliana, a separação
não produziria o ideal de unidade, mas sim de destruição do todo, que somente seria retomada
pela violência. A ideia de divisão de poder é combatida pelo filósofo alemão que prefere o
tratamento de repartição organicista dos poderes, ou seja, defende o afastamento da tese de
poderes independente para a de poderes coordenados. Apenas através de suas mútuas relações
um de seus membros, derivam dele e lhe são subordinados.” LOCKE, John. Segundo Tratado de Governo Civil.
Tradução Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. São Paulo: Vozes. 2003. P. 76
134
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis. Trad. Cristina Murachco. São Paulo:
Martins Fontes, 1996. P. 166
135
Conforme consta da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão “art. 16 - A sociedade em
que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem
Constituição”. Disponível em < https://www.senat.fr/lng/pt/declaration_droits_homme.html> Acesso em
30/09/17
102
136
Segundo Hegel “A Constituição é racional quando o Estado determina e em si mesmo distribui a sua
atividade em conformidade com o conceito, isto é, de tal modo que cada um dos poderes seja em si mesmo a
totalidade. É isto obtido porque cada momento contém em si a ação dos outros momentos e porque, ao
exprimirem a diferença do conceito, todos eles se mantêm em sua idealidade e só constituem um todo individual
único.” HEGEL, Georg Wilíelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. Tradução Orlando Vitorino. São
Paulo: Martins Fontes, 1997. P. 244
103
de todas as ações dos sujeitos políticos. Contudo, o presente nos dá outro contexto, sendo
nítida a tendência de elevação dos conflitos, em especial pela atuação hiperbólica do
Judiciário.
137
Identificada inicialmente no debate regulatório norte-americano foi tratada pela doutrina brasileira por vários
autores como ARAGÃO, Alexandre dos Santos. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo
econômico. Rio de Janeiro: Forense. 2005. P. 365; NETO. Diogo de Figueiredo Moreira. Direito Regulatório.
Rio de Janeiro: Renovar. 2003. P. 212 e JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras
independentes. São Paulo: Dialética. 2002. P. 360-370.
105
jurídica. A atuação descuidada do Legislativo pode revelar, antes de tudo, uma fragilidade
institucional além de evidenciar que a responsabilidade de seus membros com um interesse
social maior na verdade sucumbe ao individual.
138
Autorizou o uso da substância denominada fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com
neoplasia maligna.
139
Art. 4º Ficam permitidos a produção, manufatura, importação, distribuição, prescrição, dispensação, posse ou
uso da fosfoetanolamina sintética, direcionados aos usos de que trata esta Lei, independentemente de registro
sanitário, em caráter excepcional, enquanto estiverem em curso estudos clínicos acerca dessa substância.
106
Nas informações prestadas pelos órgãos responsáveis pela edição do ato, em especial
as casas do Congresso Nacional, são identificadas justificativas destituídas de um
embasamento técnico-científico sólido. O Senado Federal, por exemplo, fez alusão a alguns
estudos acadêmicos que atestavam efeitos positivos da substância tendo iniciado o processo
legislativo em função de notícias que davam conta de seu poder curativo. Já na Câmara dos
Deputados afirmava-se, também com base em estudos, que a fosfoetanolamina não
apresentava elevados índices de toxicidade por ser uma substância produzida naturalmente
pelo corpo humano além de a isenção provisória do registro representar um mecanismo de
combate ao mercado clandestino formado pela busca do “medicamento”. Por outro lado,
justificava-se a criação do diploma com o argumento da competência legislativa, ou seja, no
momento em que o Legislativo pode atribuir funções à autarquia de vigilância sanitária, como
o registro de medicamentos, pode suprimir, alterar ou manter tal competência, podendo, por
conseguinte, autorizar medicamento sem o prévio registro (“in eo quod plus est semper inest
et minus”).
A eficácia da Lei n.º 13269/2016 foi suspensa liminarmente pelo STF sob o
fundamento de que a circulação da substância dependeria de registro nos termos do art. 12 da
Lei n.º 6380/76140. De acordo com a decisão, o afastamento casuístico, promovido pela lei
140
No julgamento restaram vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes que
concediam a liminar para determinar a interpretação conforme no sentido de permitir a utilização da substância
para os pacientes em estado terminal.
107
Essa outra linha de judicialização da saúde reforça uma característica das tensões
constantes das relações entre os indivíduos e o Estado. A correção pretendida, como ocorre
em outras linhas do tema direito às prestações de saúde, esbarra em questões complexas no
momento em transfere o eixo decisório para outra instância que precisa considerar diretrizes e
141
“De um lado, os parlamentos demonstraram o caráter fantasioso da sua pretensão de se erigirem em
instrumentos onipotentes do progresso social. Demasiadas leis foram emanadas demasiadamente tarde, ou bem
cedo tornaram-se obsoletas; muitas se revelaram ineficazes, quando não contraprodutivas, em relação às
finalidades sociais que pretendiam atingir; e muitas, ainda, criaram confusão, obscuridade e descrédito da lei.
Nem se esqueça que os parlamentos, nas sociedades pluralísticas, compõem-se na maior parte de políticos eleitos
localmente, ou vinculados eleitoralmente a certas categorias ou grupos. Os valores e prioridades desses políticos
são, por isso, muito amiúde valores e prioridades locais, corporativos ou de grupo.”CAPPELLETTI, Mauro.
Juízes Legisladores? Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1999. P. 44
108
142
“No entanto, exatamente em razão do enorme aumento dos encargos da intervenção legislativa, verificou-se o
fenômeno de obstrução (“overload”) da função legislativa, e este overload, que representa tema central da
ciência política atual, tornou-se típica característica, na verdade típica “praga” dos estados modernos, pelo menos
daqueles com regime não autoritário e pluralístico-liberal. Nesses estados, os parlamentos amiúde são
excessivamente abundantes e por demais empenhados em questões e discussões de política geral e partidária,
para estarem em condições de responder, com a rapidez necessária, à demanda desmedidamente aumentada de
legislação.” CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Op. cit. P. 43
109
143
TRF1 0034002-35.2008.4.01.3400, AMS 0007607-93.2014.4.01.3400, REOMS 0067058-49.2014.4.01.3400,
REOMS 0047376-79.2012.4.01.3400
144 É a análise feita por Jeremy Waldron opondo-se à encampação do majoritarismo pelo ativismo judicial.
WALDRON, Jeremy. Law and disagreement. Oxford: Clarendon Press. 1999. P. 232-254.
110
medida é adequada a decisão judicial que considera a proteção do direito fundamental à saúde
em detrimento da realidade fática e técnico-científica de ausência de autorização legal para a
circulação de medicamentos sem registro na ANVISA e, sobretudo, as linhas argumentativas
utilizadas para dar suporte às decisões.
O fenômeno do ativismo judicial perpassa por inúmeros fatores, como a crítica sobre
as instituições majoritárias, em especial pela demora na criação de soluções adequadas aos
novos contornos sociais postulantes de respostas concretas e transferência das
responsabilidades legislativas ao Judiciário com a inevitável transformação deste em
verdadeiro policy-maker. Esse movimento realça o deslocamento da centralidade acerca da
função normativa e administrativa, estabelecendo no Judiciário a função integralizadora dos
direitos sociais.
145
Em destaque o Tribunal Constitucional alemão com várias decisões paradigmáticas.
111
ressalto na função judiciária como alternativa para a pretendida maximização dos direitos
fundamentais.
Para Luis Roberto Barroso o conceito da expressão ativismo judicial pode ser
interpretada no sentido de englobar as vertentes de atuação judicial na integração de normas e
no controle de políticas públicas, assumindo feições de legitimidade quando dá máxima
abrangência aos princípios fundamentais consagrados na Constituição, ressalvando, contudo,
a necessidade de comedimento na interferência acerca de políticas públicas, devendo guardar
deferência em determinadas escolhas políticas147.
Ingeborg Maus apresenta uma abordagem sob um enfoque sociológico, que destaca a
mudança da visão depositada no Judiciário a partir da formação da consciência social que
passa a “venerar” as decisões judiciais a partir da idealização da figura paterna, ou seja, a
sociedade, ao se tornar órfã, busca restabelecer a centralidade. O impulsionamento das críticas
146
“Neste contexto – diferente de país para país, mas convergente no seu sentido geral -, temos mesmo vindo a
assistir, em alguns países, a um deslocamento da legitimidade do Estado: do poder Executivo e do poder
Legislativo para o poder Judiciário. Esta transferência da legitimidade é um processo gradual, nalguns Estados a
ocorrer mais rapidamente do que noutros. Esse movimento leva a que se criem expectativas positivas elevadas a
respeito do sistema Judiciário, esperando-se que resolva os problemas que o sistema político não consegue
resolver. Acontece que a criação de expectativas exageradas acerca das possibilidades de o Judiciário ser uma
solução é, ela própria, uma fonte de problemas. Quando analisamos a experiência comparada, verificamos que,
em grande medida, o sistema Judiciário não corresponde à expectativa e, rapidamente, de solução passa a
problema. Acresce que, se as expectativas forem muito elevadas, ao não serem cumpridas, geram enorme
frustração. Tudo isto ocorre num contexto de maior visibilidade social do sistema judicial, o qual, entretanto, se
tornou alvo e, por vezes, refém dos meios de comunicação social. Esta visibilidade alterou, profundamente, o
lugar do sistema judicial dentro da sociedade.” SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Revolução
Democrática de Justiça. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2007. P.18
147 “A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na
concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois
Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da
Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do
legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com
base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de
condutas ou de abstenções ao Poder Público” BARROSO, Luis Roberto. Ativismo Judicial e Legitimidade
Democrática. Disponível em <http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>,
acesso em: 15/07/2013
112
A autora esclarece a existência de críticas formuladas por aqueles que sinalizam uma
mudança no perfil da consciência coletiva, em que a figura paterna clássica, central e
dominante, cede espaço para uma autonomia capaz de extrair das interações sociais conceitos
autônomos objetivamente aferíveis. Para essa linha de pensamento, a formação do “eu” não
estaria mais centrada em refletir a imagem dominante do sujeito habilitado a solucionar todos
os carecimentos e adotar as decisões mais acertadas148.
148
MAUS, Ingeborg. O judiciário como superego da sociedade. Tradução Geraldo de Carvalho e Gercélia
Batista de Oliveira Mendes. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004
149
Op. cit. P. 16
113
150
“Contra o ‘domínio despersonificado da lei’ e sua base democrática, o Judiciário havia novamente valorizado
fortes elementos do domínio patriarcal e da decisão autônoma situacional ao relativizar matérias de leis
individuais envolvendo convenções morais e ‘valores’. Na autoencenação, como instância moral, está sua oferta
para a delegação do superego, por assim dizer, seu lado voltado para a libido social. Todavia, o output decisório
fático sequer chega perto de corresponder a esse autoentendimento e às expectativas sociais. Isso se aplica não
apenas a decisões imorais, mas também no que diz respeito à ambivalência dos conceitos morais do repertório de
fundamentação das decisões dos tribunais.” Op. cit. pag. 37
151
Vale destacar a crítica formulada por Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia ao destacar o equívoco de Maus
acerca da abordagem dada por Dworkin sobre o Direito e a moral. Para Alexandre, Dworkin entendia que os
conteúdos morais, éticos e pragmáticos eram importantes no processo legislativo e que, uma vez incorporada a
norma ao Direito, tais referenciais não podem mais ser invocados. Nesse momento, a jurisdição passa a contar
apenas com princípios jurídicos e não mais políticos. Ainda para Alexandre, a posição de Maus justifica-se em
razão da aproximação com as visões de Alexy e que, na verdade, este último autor é seria o responsável por
realizar uma aproximação entre o Direito e a moral ao defender, de maneira intransigente, a Corte Constitucional
alemã e a sua jurisprudência de valores. BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Ingeborg Maus e o Judiciário
como Superego da Sociedade. R. CEJ, Brasília, n. 30, p. 10-12, jul./set. 200.
152
Op. cit. P. 32.
114
153
Exemplo ilustrativo da afirmação foi verificado na outorga da decisão acerca dos efeitos civis das uniões
homoafetivas. O legislativo não firmou posição, delegando ao Judiciário a definição sobre o tema.
154
Como afirmado por Lenio Streck “Ao que me parece, o que há nos ‘argumentos metajurídicos’ é, na verdade,
uma tentativa de ‘moralização do Direito’. Aposta-se no protagonismo judicial, considerado como inevitável
(conforme Kelsen já dizia). Mas o fato do intérprete atribuir o sentido não quer dizer que ele possa, sempre, dar o
sentido que lhe bem convier (como se houvesse uma separação integral entre texto e norma e como se estes
tivessem existências autônomas) e deixar de lado o texto constitucional. STRECK, Lenio Luiz. O Supremo não é
o guardião da moral da nação. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2013-set-05/senso-incomum-
supremo-nao-guardiao-moral-nacao> Acesso em 04/10/2017
155
STRECK, Lenio Luiz. Entre o ativismo e a judicialização da política: a difícil concretização do direito
fundamental a uma decisão judicial constitucionalmente adequada. Joaçaba, v. 17, n. 3, p. 721-732, set./dez.
2016
115
Vale destacar que nem todos os autores que abordam o assunto fazem distinção para
a expressão, considerando ativismo judicial toda e qualquer forma de interferência do
Judiciário em questões políticas através de demandas levadas pelos cidadãos para o interior
das Cortes156. Por outro lado há aqueles que conceituam o ativismo judicial como reflexo de
um movimento denominado neoconstitucionalismo em que o Judiciário investe-se na função
de protetor de direitos fundamentais consagrados no corpo da Constituição, ainda que para tal
propósito, adote critérios hermenêuticos adaptados pela conveniência, na tentativa de integrar
o ordenamento jurídico através de critérios contramajoritários157.
156
“Thus the judicialization of politics should normally mean either (1) the expansion of the province of the
courts or the judges at the expense of the politicians and/or the administrators, that is, the transfer of decision
making rights from the legislature, the cabinet, or the civil service to the courts, or at least, (2) the spread of
judicial decision-making methods outside the judicial province proper. In summing up we might say that
judicialization essentially involves turning something into a form of judicial process.” TATE, Chester Neal and
VALLINDER, Torbjörn. The Global Expansion of Judicial Power. New York e London: New York University
Press, 1995. P. 15
157
“No neoconstitucionalismo, a leitura clássica do princípio da separação de poderes, que impunha limites
rígidos à atuação do Poder Judiciário, cede espaço a outras visões mais favoráveis ao ativismo judicial em defesa
dos valores constitucionais. No lugar de concepções estritamente majoritárias do princípio democrático, são
endossadas teorias de democracia mais substantivas, que legitimam amplas restrições aos poderes do legislador
em nome dos direitos fundamentais e da proteção das minorias, e possibilitem a sua fiscalização por juízes não
eleitos. E ao invés de uma teoria das fontes do Direito focada no código e na lei formal, enfatiza-se a
116
158
STRECK, Lênio. “Ainda e sempre o problema da relação “regra-princípio”: uma análise em tempos pós-
positivistas”, in: George Salomão Leite e Ingo Sarlet (coord.). Jurisdição Constitucional, Democracia e Direitos
Fundamentais: estudos em homenagem ao Ministro Gilmar Ferreira Mendes. Salvador: Juspodivm, 2012. Pag.
311-332.
119
apenas política. Na proposição Dworkiniana, o juiz teria o dever de manter uma integridade
do Direito, devendo, para isso, evitar decisões, potencialmente, baseadas numa reflexão moral
ou política. Para o autor, o juiz tem uma responsabilidade decisória prática, e os princípios
contribuem para esse afastamento das convicções pessoais.
159
Conforme assinala Daniel Sarmento “No neoconstitucionalismo, a leitura clássica do princípio da separação
de poderes, que impunha limites rígidos à atuação do Poder Judiciário, cede espaço a outras visões mais
favoráveis ao ativismo judicial em defesa dos valores constitucionais. No lugar de concepções estritamente
majoritárias do princípio democrático, são endossadas teorias de democracia mais substantivas, que legitimam
amplas restrições aos poderes do legislador em nome dos direitos fundamentais e da proteção das minorias, e
possibilitem a sua fiscalização por juízes não eleitos. E ao invés de uma teoria das fontes do Direito focada no
código e na lei formal, enfatiza-se a centralidade da Constituição no ordenamento, a ubiquidade da sua influência
na ordem jurídica, e o papel criativo da jurisprudência.” SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo no
Brasil. Disponível em <http://www.danielsarmento.com.br/wp-content/uploads/2012/09/O-
Neoconstitucionalismo-no-Brasil.pdf>, acesso em 15/07/2016
160
Como destacam Fernando Gama e Alexandre Garrido “Um sistema jurídico constitucionalizado caracteriza-se
pela existência de uma Constituição ‘invasora’, capaz de condicionar tanto a legislação quanto a jurisprudência e
a doutrina, assim como o conjunto das relações sociais que tem lugar em uma determinada comunidade jurídica.
O ordenamento jurídico encontra-se, consoante tal definição, ‘impregnado’ pela eficácia irradiante das normas
constitucionais que atinge os diferentes ramos do Direito, sejam eles de direito público ou de direito privado.”
SILVA, Alexandre Garrido da; MIRANDA NETTO, Fernando Gama de. Neoconstitucionalismo e pós-
positivismo: entre o judicial self-restraint e o judicial activism. in: Fernando Gama de Miranda Netto (org.),
Epistemologia & Metodologia do Direito, Campinas: Millennium Editora, 2011. P. 213/227
120
161
“Se e na medida em que essa pretensão tem implicações morais, fica demonstrada a existência de uma
conexão conceitualmente necessária entre direito e moral.” ALEXY, Robert. Conceito e Validade do Direito.
São Paulo: Martins Fontes. 2011. P. 47.
162
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgilio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros. 2015. P. 90
121
inserção da moral na hermenêutica jurídica e, dessa maneira, permite que o aspecto descritivo
da regra compatibilize-se com a realidade dos fatos vivenciados pelos julgadores. Como
destacado, a referida doutrina não surge como um tertium genus na dicotomia juspositivismo
x jusnaturalismo, mas sim como uma técnica argumentativa em que o intérprete busca
legitimar a decisão por meio de uma racionalidade que confira correção e justiça aos olhos
dos destinatários.
163
SARMENTO, Daniel. Ubiquidade Constitucional: os dois lados da moeda. In: Livres e Iguais: Estudos de
direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2006. P. 200.
122
Ainda que se possa questionar o positivismo jurídico pelo seu afastamento dos
conteúdos morais, dos questionamentos acerca da legitimidade do órgão responsável pela
criação das regras ou pela ilusória construção de respeitabilidade pelos indivíduos, é inegável
sua objetividade, especialmente, naquelas em que a elasticidade interpretativa poderia criar
mais incertezas e prejuízos, como ocorre na concessão de medicamentos destituídos de
registro perante os órgãos competentes.
123
164
SUSTEIN, Cass R. e VERMEULE, Adrian. Interpretation and Institutions. Disponível em <
http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1279&context=law_and_economics > acesso
em 10/11/2017.
165
Op. cit. P. 2
124
166
OST, François. Júpiter, Hércules, Hermes: tres modelos de juez. In: Doxa, Cuadernos de Filosofia del
Derecho, n. 14, Alicante, 1993.
125
elemento humano (o juiz), e falível, e apenas avançam sobre questões ambiciosas por
entender que a teoria política é ineficiente ou inútil167.
167
“We have argued that issues of legal interpretation cannot be adequately resolved without attention to
institutional issues. An extraordinary variety of distinguished people have explored interpretive strategies
without attending to the fact that such strategies will inevitably be used by fallible people and with likely
dynamic effects extending far beyond the case at hand. Two mechanisms seem principally responsible for this
institutional blindness. One is a role-related trap: interpretive theorists ask themselves “how would I decide the
case, if I were a judge?”—a question whose very form suppresses the key consideration that the relevant
interpretive rules are to be used by judges rather than theorists. Another is a cognitive trap: specialists, such as
legal academics, criticize the insufficiently nuanced opinions issued by generalist judges in particular cases,
overlooking that the same judges might well have done far worse, over a series of cases, by attempting to
emulate the specialists’ approach. Overall, the key question seems to be, "how would perfect judges decide
cases?" rather than "how should fallible judges proceed, in light of their fallibility and their place in a complex
system of private and public ordering?" Op. cit. P. 46-47
126
168
Expressão cunhada por VERMEULE, Adrian e SUNSTEIN, Cass. Interpretation and Institutions. In: John M.
Olin Program in Law and Economics Working Paper No. 156, 2002. Disponível em <
http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1279&context=law_and_economics > acesso
em 10/11/2017
127
169
“These examples illustrate that, at the very least, institutional analysis is necessary, even if not sufficient, to
an adequate evaluation of interpretive methods. It is of course true, in these examples, that some first-best
128
account is needed in order to define judicial error. Our minimal point is that the first-best account, taken by
itself, is necessarily incomplete. It is impossible to derive interpretive rules directly from the first-best account,
because institutional considerations always intervene. An intentionalist account of statutes’ authority, by itself,
tells us nothing about whether real judges should consult or not consult legislative history; a theoretical
injunction to avoid absurd outcomes, by itself, tell us nothing about whether real judges should be licensed to
use an absurdresults doctrine. In any of these settings, certain findings about institutional capacities might cause
the proponent of the first-best account either to adopt or reject the interpretive doctrine in question. Theory
without institutional analysis spins its wheels, unable to gain traction on the question of what interpretive rules
real-world judges should use.” Op. cit. P. 23
129
Outro ponto destacado por Sarmento consiste na inabilidade dos juízes em lidar com
questões próprias de outros campos do saber. Apesar da aptidão para o enfrentamento das
questões jurídicas, o magistrado brasileiro, no geral, mostra-se inábil quando a
interdisciplinariedade surge no contexto do mérito da controvérsia deduzida em juízo. A
problemática das chamadas políticas públicas é um exemplo adequado dessa amplificação da
cognição do julgador, pois, inevitavelmente conteúdos de economia e política merecerão a
consideração no momento da decisão judicial.
Por fim, igualmente relevante para o debate suscitado pelo autor, existiria outra
limitação decorrente da dinâmica processual. O processo foi assentado sobre bases próprias
para solução de conflitos bilaterais de justiça comutativa. Há uma demanda para se repensar
um modelo estrutural capaz de proporcionar o enfrentamento de problemas de uma justiça
distributiva, em que se permita a participação de múltiplos atores interessados e,
eventualmente, afetados com a decisão judicial172.
170
Como adverte o autor “Em síntese, a hermenêutica constitucional não deve ser construída a partir de
idealizações contrafáticas dos intérpretes, sejam elas o ‘juiz Hércules’ de Dworkin, o legislador que encarna a
vontade geral do povo, ou até mesmo o dirigente da agência reguladora completamente técnico, apolítico e
independente. No debate jurídico brasileiro, é preciso superar a cegueira diante das capacidades institucionais
reais dos agentes que interpretam e aplicam as normas constitucionais, para construir teorias mais realistas, que
possam produzir, na prática, resultados que otimizem os valores constitucionais.” SARMENTO, Daniel.
Interpretação Constitucional, Pré-compreensão e Capacidades Institucionais do Intérprete. In: SOUZA NETO,
Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel e BINENBOJM, Gustavo. Vintes anos da Constituição Federal de 1988.
Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009
171
Op. cit. P. 318
172
Op. cit. P. 319
130
O direito fundamental à saúde surge como um ambiente sujeito aos influxos dos
argumentos ideais, sobretudo em razão de uma consciência desenvolvida por valores naturais
capazes de justificar as críticas às teses que sustentam o caráter negativo das prestações em
certas situações. A Constituição, no art. 196, ao estabelecer a saúde como um direito de todos
e um dever do Estado, amplificando seu alcance de acessibilidade universal, criou espaços de
discricionariedade para o legislador. Alexy estabelece que tais espaços podem ser divididos
em espaços estruturais e espaços epistêmicos. No primeiro caso o legislador atua dentro dos
limites constitucionalmente dispostos, ou seja, naquilo que a constituição não ordena e nem
proíbe, ela libera e, nesse sentido, o legislador atua dentro desses espaços considerando as
finalidades, os meios certos/idôneos e a ponderação entre os valores dentro do quadro
constitucional173.
Por outro lado, nos espaços epistêmicos, ou de conhecimento, o problema não está
em definir os espaços de atuação, dentro daquilo que não é ordenado ou proibido e, portanto,
liberado pela Constituição. A questão está em se definir os limites da capacidade do
legislador, isto é, dentro de um quadro de incerteza. Dentro desse cenário, Alexy sustenta que
o legislador deve intervir tomando como referencial as premissas verdadeira a partir de
elementos empíricos. Logo, o legislador, formalmente legitimado, deverá exercer uma
discricionariedade, por meio do conhecimento cientificamente comprovado, para normatizar
e, tais escolhas, deverão ser respeitadas pelos Tribunais, inclusive as Cortes
Constitucionais174.
173
ALEXY, Robert. “Ponderação, jurisdição constitucional e representação”. Constitucionalismo Discursivo.
Trad. Luís Afonso Heck. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2011. P. 79-80
174
É nesse sentido que destacam Miranda Netto e Lacombe “Alexy estabelece o princípio formal da
competência decisória do legislador democraticamente legitimado, o que significa que as decisões relevantes
para a sociedade são da responsabilidade do legislador e a Corte Constitucional deve respeitá-las.” MIRANDA
NETTO. Fernando Gama; CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Representação argumentativa: fator retórico
ou mecanismo de legitimação da atuação do Supremo Tribunal Federal? Disponível em <
http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3589.pdf> acesso em 11/12/2017.
133
Por isso, os argumentos apresentados pelo Supremo Tribunal Federal devem ser
analisados detalhadamente para se compreender a atuação específica da corte neste “caso
difícil”. A saída encontrada pela Corte Constitucional deve ter o cuidado de considerar os
riscos de uma retórica que pode ser entendida como antidemocrática quando o pressuposto
dialógico entre as instâncias do Poder estatal são excluídas do processo construtivo do
ordenamento jurídico. Desconsiderar a representação democrática desestabiliza a harmonia
pretendida no texto constitucional.
Ação Direta de Inconstitucionalidade, caso que ganhou notoriedade por sinalizar mais um dos
conflitos institucionais entre o Legislativo e o Judiciário, pois aquele aprovou lei permitindo a
circulação de substância sem registro na ANVISA e um recurso extraordinário cuja
repercussão geral restou reconhecida. Todas as decisões foram analisadas com o propósito de
estabelecer os referenciais decisórios adotados por cada magistrado.
175
No levantamento realizado, não se considerou destituído de registro medicamentos off label (ARE956045),
isto é, substâncias registradas para um determinado grupo de pacientes mas que eram prescritos por médicos para
outras pessoas. Situação muito comum quando considerada as faixas etárias previstas na certificação de
circulação fornecida pela ANVISA, mas que passavam a ser receitadas para pacientes inseridos em outro grupo
etário. Na hipótese, apesar de registrado, o medicamento apresenta dúvidas acerca de sua segurança e eficácia
diante da ausência de estudos clínicos comprobatórios quando destinados, por exemplo, ao tratamento pediátrico.
Em tais casos, o medicamento encontra-se registrado, cabendo ao especialista prescrever ou não a substância.
Desse modo, entendemos que essas situações ultrapassam o objeto da presente pesquisa.
135
Neste item, realizamos uma análise sobre as decisões monocráticas tomadas pelos
presidentes do Supremo Tribunal Federal, no exercício de uma de suas atribuições instituída
no art. 4º da Lei n.º 8437/92; art. 25 Lei n.º 8038/90; art. 15 Lei n.º 12016/2009 e art. 13,
XVII e art. 297 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. São pedidos de
suspensão de liminar, suspensão de tutela antecipada e suspensão de segurança dirigidas ao
Tribunal Superior. De acordo com os referidos dispositivos, compete ao Ministro-presidente a
apreciação monocrática de suspensão dos efeitos da decisão impugnada.
176
Nesse sentido “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA.
LIMINAR CONCEDIDA. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. PRESSUPOSTOS. DECISÃO DE ÚLTIMA OU
ÚNICA INSTÂNCIA. REGIMENTO INTERNO. FORÇA DE LEI. RECEPÇÃO PELA
NOVA ORDEMCONSTITUCIONAL. 1. Suspensão da execução de liminar. Lei 8038/90, artigo 25, e RISTF,
artigo 297. Legislação especial que, de modo explícito, não inseriu na competência do Presidente do Supremo
Tribunal Federal o poder de suspender a execução de liminares concedidas por Tribunal Superior. 2. Para o
deferimento do pedido indispensável que se trate de decisão proferida, em única ou última instância, pelos
Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal. Ademais, necessária que a
causa tenha por fundamento matéria constitucional e que haja a demonstração inequívoca de que a execução
imediata do provimento liminar causará grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia. Precedente. 3.
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Inaplicabilidade. Alegação improcedente. As disposições do
Regimento Interno da Corte foram recebidas pela Constituição, que não repudia atos normativos anteriores à sua
promulgação, se com ela compatíveis. Precedente. Agravo regimental a que se nega provimento.”STA n.º 10
Ag.Regimental. Relator Min. Neri da Silveira
136
STA n.º 34. Min. Nelson Jobim. 07/06/2005 (Tenovir) – O caso tratava da pretensão de
obrigação de fazer de portador do vírus da AIDS para condenar, solidariamente, a União, o
Estado de São Paulo e o Município de São Paulo ao fornecimento de medicamentos para o
tratamento da doença, sendo certo que dois dos medicamentos pretendidos estavam
registrados e um sem registro. Neste último caso, a decisão apresenta fundamentação escassa,
limitando-se a afirmar que a ausência de registro não constituiria violação grave à saúde
pública. Nesse sentido, manteve a decisão do Tribunal de origem que havia determinado o
fornecimento do fármaco.
SS n.º 2.873. Min. Nelson Jobim. 23/03/2006 (Miglustat) – O Ministro entendeu que a
ausência de registro não seria fundamento, por si só, para se vedar o uso do medicamento no
Brasil. A norma programática, prevista no art. 196 CFRB, não pode representar mero roteiro
para as decisões administrativas devendo ser considerada a efetividade do direito fundamental
à saúde. A saúde é o mais nobre bem da personalidade, merecendo a concretização das
normas programáticas. Considerou, ainda, a existência do periculum in mora inverso, hábil a
justificar a manutenção da decisão impugnada que concedeu o fornecimento do medicamento,
ou seja, o deferimento do pedido de suspensão poderia culminar na morte do paciente.
SL n.º 166. Min. Ellen Gracie. 14/06/2007 – Neste caso o paciente buscava o fornecimento
do medicamento denominado Avastin que, no momento da propositura da ação (dez/2006)
177
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de Segurança: Sustação da eficácia de decisão judicial proferida
contra o poder público. Salvador: Juspodivm. 2017
137
não possuía registro. A ministra indeferiu o pedido de suspensão formulado pelo Estado do
Rio de Janeiro, mantendo-se o fornecimento do medicamento. Fundamentou a decisão
considerando que o medicamento passou a ser comercializado no país em abril de 2007, com
o regular registro na ANVISA.
STA n.º 198 (22/12/2008), STA n.º 244 (11/11/2008), SL n.º 319 (28/10/2009), STA n.º 361
(20/11/2009), STA n.º 348 (27/11/2009), SS n.º 3.854 (10/12/2009), SS n.º 4.045
(07/04/2010), SS n.º 3.962 (07/04/2010), SS n.º 3.989 (07/04/2010), STA n.º 260
(20/04/2010). Min. Gilmar Mendes – Em todos os processos verificou-se uma repetição de
fundamentos nas decisões do Ministro-presidente. Inicialmente fez-se uma análise sobre o
cabimento das medidas de contracautela apresentados pelo Estado, fixando-se o entendimento
no sentido de que a suspensão da eficácia somente deveria ser acolhida diante da flagrante
violação ao interesse público, revelados pelo risco de lesão à ordem, à saúde, à segurança e à
economia pública. Quanto ao ponto específico da atuação judicial autorizativa de
fornecimento de medicamento sem registro, o magistrado considerou que os protocolos
clínicos e diretrizes sanitárias devem ser observados pelo Judiciário178.
178
Conforme trecho extraído da decisão do Ministro nos autos da STA 260 “O segundo dado a ser considerado é
a existência de motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS. Há casos em que se
ajuíza ação com o objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender que
inexistem evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão. Nessa hipótese, podem ocorrer, ainda,
duas situações distintas: 1º) o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente; 2º)
o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia.
A princípio, pode-se inferir que a obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição,
restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas para a promoção, proteção e
recuperação da saúde. Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à corrente da “Medicina com base em
evidências”. Com isso, adotaram-se os “Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas”, que consistem num
conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os
medicamentos disponíveis e as respectivas doses. Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade
com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente.” Disponível
em < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2633941> acesso em
31/10/2017
138
A exceção à tese firmada pelo Ministro restou evidenciada no julgamento da STA n.º
244. No processo o magistrado indeferiu o pedido de suspensão da liminar, mantendo-se a
decisão do Tribunal de Justiça do Paraná que concedeu medicamento sem registro.
Fundamentou a decisão que autorizou o fármaco no perigo de dano inverso a ser suportado
pelo paciente em tratamento.
SS n.º 4.316 (07/06/2011) e SS n.º 4.304 (19/04/2011) Min. Cezar Peluso.– O Ministro-
Presidente entendeu que, a despeito da ausência de registro do fármaco na ANVISA, o
medicamento Soliris era reconhecido pela comunidade médica como eficaz para o tratamento
da Hemoglobinúria Paroxística Noturna. A ausência de registro na entidade de vigilância
sanitária não constituiria óbice para o fornecimento do medicamento, havendo, inclusive, a
previsão legal para a circulação de substâncias medicamentosas adquiridas por meio de
organismos multilaterais internacionais para uso em programas de saúde do Ministério da
Saúde conforme previsto na Lei n.º 9782/99. Afirmou, ainda, não existir risco de lesão à
ordem, à economia ou à saúde pública que pudesse justificar a suspensão da segurança.
Ainda nos fundamentos, afirmou que apesar da ausência de registro e de uma suposta
proibição prevista no art. 12 da Lei n.º 6360/76, o medicamento seria o único,
reconhecidamente, eficaz no tratamento da doença e, desse modo, haveria verdadeiro risco de
dano inverso, permitindo o fornecimento do remédio. Embora interposto agravo interno pelo
Estado de Rondônia contra a decisão monocrática, não houve o julgamento colegiado em
função do pedido de desistência decorrente do falecimento da parte agravada.
STA n.º 761 e SL n.º 815. Min. Ricardo Lewandowski. 07/05/2015 – O primeiro consistia
em pedido de suspensão de tutela antecipada formulado contra decisão do Tribunal de Justiça
do Distrito Federal que havia mantido a decisão do juízo de primeira instância determinando o
fornecimento de medicamento (Soliris) indicado para o tratamento de doença grave
(hemoglobinúria paroxística noturna). Já na SL n.º 815 o processo versava sobre o
fornecimento do medicamento Sofosbuvir e Simeprevir para tratamento da doença cirrose
hepática decorrente de contaminação pelo vírus da hepatite C. Em ambos os casos, a
discussão central consistia no fornecimento de medicamento não registrado na ANVISA. A
sessão de julgamento de ambos ocorreu no dia 07 de maio de 2017, sendo certo que no mês de
139
Importante destacar que, futuramente, o STF julgaria situação semelhante (ADIN n.º
5501 que decidiu pela suspensão dos efeitos da lei n.º 13.269/2016 que autorizou a circulação
da substância denominada fosfoetanolamina sintética)180. Conforme será analisado a seguir,
tais Ministros assumiram uma posição diametralmente oposta, entendendo que a ausência de
179
Conforme destacou o Ministro-Presidente no acórdão “No entanto, pontualmente, quando há comprovação de
que uma medicação ainda não aprovada pela ANVISA é a única eficaz para debelar determinada enfermidade
que coloca em risco a vida de paciente sem condições financeiras, entendo que o Estado tem a obrigação de
custear o tratamento se o uso desse mesmo medicamento for aprovado por entidade congênere da agência
reguladora nacional.” Disponível em <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=8625237>acesso em 26/10/2017
180
Os argumentos serão explicitados adiante em tópico próprio
140
registro seria óbice para a circulação. Sinaliza, novamente, para a instabilidade decisória
dentro da corte.
SL n.º 558 e SL n.º 633. Min. Cármen Lúcia. 08/08/2017 – Nos processos buscava-se o
fornecimento do medicamento Soliris. A ministra Cármen Lúcia (presidente) entendeu que
deveria se considerar a ponderação de valores com inevitável prestígio ao direito à vida. Neste
caso, discutiu-se, ainda, o problema do fornecimento de medicamentos de alto custo pelo
Estado, pois a substância pretendida no processo já foi considerado o medicamento mais caro
do mundo, conforme destacou a revista Forbes. O fármaco chega a custar, para cada paciente,
409,5 mil dólares por ano181. Todavia, não foram analisados os fundamentos específicos pelos
quais a ministra justificava o fornecimento do medicamento pelo Estado, colhendo-se, apenas,
aqueles relacionados à concessão pela ausência de registro.
181
Disponível em < https://www.forbes.com/2010/02/19/expensive-drugs-cost-business-healthcare-rare-
diseases.html> Acesso em 01/11/2017
142
AI n.º 824.946. Min. Dias Toffoli. 23/04/2013 – Neste caso buscava-se o fornecimento de
medicamento não registrado na ANVISA, mas constante da lista dos medicamentos
excepcionais fornecidos pelo estado do Rio Grande do Sul, ora agravante. O Ministro
considerou que não seria hipótese de aplicação do regime da repercussão geral, pois se
tratavam de situações diversas182. No recurso extraordinário n.º 657.718, primeiro processo
em que se reconheceu a repercussão geral do tema, de acordo com o Ministro, discute-se a
concessão de medicamento sem registro de origem estrangeira o que não se assemelhava ao
caso do Agravo de instrumento em análise. Como fundamento da decisão considerou que é
dever do Estado implementar o direito à saúde fornecendo os meios necessários para a sua
concretização.
182
Como se verá adiante, não há fato ou fundamento determinante que permita estabelecer uma distinção entre o
caso julgado e aquele em que foi reconhecida a repercussão geral. Ambos discutem a exigibilidade de
medicamento sem registro. Seria hipótese de suspensão dos feitos idênticos.
143
ARE n.º 842.853. Min. Cármen Lúcia. 16/02/2015 – A ministra entendeu que deveria negar
seguimento ao agravo de instrumento interposto contra a decisão do Tribunal de Justiça do
Mato Grosso do Sul que inadmitiu o recurso extraordinário interposto, pois não houve o pré-
questionamento da matéria na origem. A consequência prática da decisão foi a de impedir o
fornecimento do medicamento sem registro.
Petição n.º 5.828. Min. Edson Fachin. 06/10/2015 – Tratava-se de caso que a peticionante
impugnava a decisão do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo que suspendeu a
decisão que concedia a fosfoetanolamina sintética. O tribunal de origem considerou que
haveria risco grave de dano à ordem e à economia pública conforme art. 4º Lei n.º 8437/92. O
Ministro entendeu que a ausência de registro não configuraria risco de dano à ordem e a
economia pública. Concedeu a medida cautelar com base na presença dos requisitos do
fummus boni juris e do periculum in mora. Quanto à plausibilidade dos fundamentos
debatidos na causa, o ministro entendeu que a ausência de registro de medicamento na
ANVISA não representa risco de lesão à ordem pública bem como, quanto ao risco da
demora, considerou que a negativa do fornecimento poderia tornar ineficaz a medida diante
da possibilidade de ofensa ao direito à vida, ou seja, seguiu a teoria do periculum in mora
inverso. Autorizou, portanto, o fornecimento da substância.
Ação Cautelar n.º 4.094. Min. Edson Fachin. 27/01/2016 – O Ministro entendeu que a ação
cautelar, dada a acessoriedade, só poderia sem proposta nos casos de ação principal de
competência originária do STF, o que não era o caso. A requerente pretendia o fornecimento
da fosfoetanolamina sintética. O Ministro Edson Fachin considerou, ainda, que não houve a
prova da necessidade do tratamento, pois a requerente não apresentou laudo médico
comprobatório da doença. Negou seguimento para a ação, impedindo o fornecimento da
substância.
ARE n.º 959.299. Min. Luis Roberto Barroso. 14/04/16 – O Ministro determinou o retorno
dos autos para a origem para aplicar o regime da repercussão geral.
MS n.º 34.145. Min. Celso de Mello. 18/04/16 – A Associação Médica Brasileira propôs o
mandado de segurança para questionar a lei que autorizava a fosfoetanolamina sintética. No
entendimento do Ministro-Relator o mandamus não foi conhecido, pois a própria associação
médica ajuizara, na sequência, ADIN n.º 5.501 onde obteria, posteriormente, decisão liminar
de suspensão da lei. Seguiu entendimento sumulado no enunciado 266 da Corte no sentido de
não ser cabível o mandado de segurança para questionamento de lei em tese.
144
RE n.º 965.359. Min. Teori Zavascki. 30/06/16 – Tratava-se de recurso extraordinário contra
decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que ordenou ao Estado fornecer medicamento
sem registro. O recurso não foi conhecido por falta de pré-questionamento, isto é, o Estado de
São Paulo, ora recorrente, não impugnou, na origem, a questão da proibição do Estado em
fornecer medicamento sem registro. Outra questão processual que culminou na manutenção
da decisão recorrida com a manutenção da decisão que concedeu o fornecimento do
medicamento sem registro. O Ministro destacou, ainda, na decisão, que o medicamento fora
registrado pela ANVISA em 10 de agosto de 2015.
ARE n.º 937.288. Min. Marco Aurélio. 01/08/2016 – A questão versava sobre o
fornecimento de medicamento sem registro. Conforme laudo pericial, não havia comprovação
acerca da eficácia do medicamento para o tratamento da doença, reconhecendo a adequação
do tratamento disponibilizado no SUS. Contudo o Ministro considerou que a parte pretendia a
revisão de questões fáticas, não comportadas em sede de recurso extraordinário, negando
provimento ao agravo no RE para isentar o Estado do dever de fornecer medicamento sem
registro.
Reclamação n.º 24.759. Min. Cármen Lúcia 01/09/16 – A ministra entendeu que a
reclamação somente se aplica quando a autoridade da decisão do STF for violada, mas, para
essa verificação, é preciso aferir a identidade dos motivos determinantes na questão julgada
pela Corte e aquela proferida por outro órgão, supostamente ofensiva. No caso o Tribunal de
Justiça de São Paulo decidiu favoravelmente ao fornecimento de medicamento sem registro
(Revlimid), estando ausente a identidade material com o caso julgado na ADIN n.º 5501 que
cuidava da suspensão da lei que autorizava a circulação de substância diversa. A ministra
relatora não conheceu da reclamação, o que significou, na prática, a manutenção do
fornecimento do medicamento irregular.
ARE n.º 959.299 Min. Luis Roberto Barroso. 05/06/17 – O Ministro determinou a
devolução por conta da aplicação do regime da repercussão geral (sobrestamento). A decisão
145
Petição n.º 6.626. Min. Dias Toffoli. 28/04/17 – O Ministro entendeu que a via processual
utilizada não era adequada, razão pela qual não conheceu da ação por incompetência do STF.
Dessa maneira, nem o requerimento de liminar em tutela provisória de urgência antecipada,
nem o mérito foram analisados, permanecendo, portanto, a decisão do juízo de origem que
negou o fornecimento da substância fosfoetanolamina sintética.
183
Participaram da sessão de julgamento os Ministros Gilmar Mendes (relator), Celso de Mello, Marco Aurélio
Mello, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen
Lúcia e Dias Toffoli.
146
184
De acordo com o item I, b.2 da Recomendação n.º 31 de 30 de março de 2010, o CNJ resolve recomendar aos
Tribunais de Justiça dos Estados de Tribunais Regionais Federais que “Evitem autorizar o fornecimento de
medicamento ainda não registrados pela ANVISA, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções
expressamente previstas em lei”. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/files/atos_administrativos/recomendao-
n31-30-03-2010-presidncia.pdf> Acesso em 03/11/2017
147
Em 2016 o Congresso Nacional aprovou a da Lei n.º 13.269 que autorizou o uso da
substância denominada fosfoetanolamina sintética pelos pacientes diagnosticados com
neolplasia maligna. De acordo com o diploma aprovado em 13 de abril de 2016, restou
autorizado o uso da substância, desconsiderando os protocolos estabelecidos pela agência de
vigilância sanitária para o registro e circulação de medicamentos no território nacional. No
contexto normativo instituído pela lei, a utilização da substância poderia ocorrer por livre
escolha dos pacientes, bastando a apresentação de laudo médico diagnosticando a
enfermidade e a assinatura do termo de responsabilidade pelo paciente ou seu representante
legal.
148
Para os Ministros que se posicionaram pela suspensão liminar dos efeitos da Lei n.º
13.269/2016, há uma inegável solidariedade entre entes federativos na obrigação de proteger
149
Na visão dos Ministros que se posicionaram pela suspensão cautelar dos efeitos da
lei impugnada, direito à saúde não seria efetivado com a autorização do uso de substância sem
um rigoroso controle científico, afastando, desse modo, charlatanismos e prejuízos aos
pacientes186. O Ministro-Relator destacou que representava requisito fundamental para a
circulação de um medicamento a prévia aprovação na ANVISA, nos termos do comando
estabelecido no art. 12 da Lei n.º 6360/76. A lei impugnada suprimiria, casuisticamente, essa
exigência.
Outro fundamento adotado pelo relator residia no fato de que, embora a Constituição
estabeleça o dever do Estado, incluindo-se nessa concepção todos os Poderes, é preciso
respeitar as repartições de atribuições ficando a cargo do Executivo a criação de autarquias
considerando a descentralização técnica para a fiscalização de atividades específicas, não
cabendo ao congresso, por lei, burlar a regra de distribuição das funções. Nesse ponto,
portanto, destacou-se da ideia de harmonia e independência entre os Poderes.
185
Conforme destacou o Ministro-Relator é “hora de atentar-se para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja,
proporcionar vida gregária segura e com o mínimo de conforto suficiente a atender ao valor maior atinente à
preservação da dignidade do homem (agravo de instrumento nº 232.469/RS, 12 de dezembro de 1998; recurso
extraordinário nº 244.087/RS, 14 de setembro de 1999; recurso extraordinário nº 247.900/RS, 20 de setembro de
1999; recurso extraordinário nº 247.352/RS, 21 de setembro de 1999, todos de minha relatoria).” Disponível em
< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13194039 > Acesso em 17/10/2017
186
Conforme asseverou o Ministro-Relator “É no mínimo temerária – e potencialmente danosa – a liberação
genérica do medicamento sem a realização dos estudos clínicos correspondentes, em razão da ausência, até o
momento, de elementos técnicos assertivos da viabilidade da substância para o bem-estar do organismo humano.
Salta aos olhos, portanto, a presença dos requisitos para o implemento da medida acauteladora.” Disponível em
< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13194039 > Acesso em 17/10/2017
150
O risco está presente também no fato de a lei autorizar o uso da substância bastando
a apresentação de laudo médico indicativo da existência de neoplasia maligna e a assinatura
do termo de consentimento de responsabilidade, ou seja, dá-se por livre escolha do paciente,
não sendo exigida a prescrição médica específica.
Em parte de seu voto o Ministro Barroso, assim como o relator, também destacou a
ideia de violação à separação dos poderes já que invade função regulamentar privativa do
Executivo. Citou a teoria da reserva da administração que estabelece a existência de um
núcleo funcional essencial conferido à administração e imune às ingerências do parlamento188.
O Legislativo, ao desconsiderar os procedimentos de natureza tipicamente administrativos da
agência de vigilância sanitária, viola a separação dos poderes. De acordo com o voto do
Ministro, a atuação da ANVISA deve ser respeitada por todos os órgãos de controle, inclusive
o Legislativo189.
Por fim, o Ministro Barroso valeu-se de outra questão para sustentar a tese da
inconstitucionalidade da lei. Destacou a resolução RDC nº 38/2013 da ANVISA que institui
um programa de uso compassivo de medicamento novo promissor para a utilização por
determinados grupos de pacientes (portadores de doenças debilitantes graves e/ou que
ameacem a vida e sem alternativa terapêutica satisfatória com produtos registrados no país)190.
187
“Não se trata aqui de negar às pessoas diagnosticadas com câncer a esperança de cura de doença tão grave e
devastadora. Em verdade, o que se busca é garantir que as expectativas de melhora com o uso de substâncias
medicamentais sejam fundadas em evidências científicas e clínicas, sem expor os pacientes a maiores riscos de
danos à saúde ou a tratamentos inócuos, que constituam somente ilusão.” Disponível em <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13194039 > Acesso em 17/10/2017
188
A citada teoria é encontrada na defesa apresentada por CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 2003. Pag. 739
189
“Esse domínio legítimo de atuação administrativa da Anvisa, balizado pela lei, deve ser respeitado pelas
diferentes instâncias de controle, inclusive pelo Poder Legislativo. Trata-se de uma exigência que decorre
logicamente da separação de poderes. Daí porque a Lei nº 13.269/2016, ao substituir uma escolha técnica e
procedimental da Agência por uma decisão política do Legislador, interferiu de forma ilegítima no
funcionamento da Administração Pública, em afronta à reserva de administração e à separação de poderes.”
Disponível em < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13194039 > Acesso em
17/10/2017
190
A Resolução RDC n.º 38/2013 da ANVISA institui conceitos importantes acerca do acesso expandido e do
uso compassivo de medicamentos. De acordo com o art. 2º VIII – “programa de acesso expandido: programa de
disponibilização de medicamento novo, promissor, ainda sem registro na Anvisa ou não disponível
comercialmente no país, que esteja em estudo de fase III em desenvolvimento ou concluído, destinado a um
grupo de pacientes portadores de doenças debilitantes graves e/ou que ameacem a vida e sem alternativa
terapêutica satisfatória com produtos registrados” e inciso X – “programa de uso compassivo: disponibilização
de medicamento novo promissor, para uso pessoal de pacientes e não participantes de programa de acesso
expandido ou de pesquisa clínica, ainda sem registro na Anvisa, que esteja em processo de desenvolvimento
151
clínico, destinado a pacientes portadores de doenças debilitantes graves e/ou que ameacem a vida e sem
alternativa terapêutica satisfatória com produtos registrados no país;”
152
saúde. Ainda na visão do ministro, não se pode poderia admitir que o STF considerasse
fatores metajurídicos em suas decisões e o Estado deve agir sobre bases empíricas.
Por sua vez, a Ministra Cármen Lúcia, refutou a divergência instaurada, no sentido
de emprestar interpretação conforme para reconhecer a constitucionalidade do ato impugnado
apenas para os pacientes em estado terminal. Na visão da Ministra, a ciência médica não
consegue identificar, com precisão, tal referencial, de maneira que a incerteza preservaria a
instabilidade institucional, além de alimentar os possíveis prejuízos aos usuários.
No julgamento da ADIN 5501, a tese vencida considerou que deveria ser conferida
interpretação conforme para considerar a constitucionalidade da lei para autorizar o
fornecimento da substância fosfoetanolamina sintética apenas para os pacientes acometidos de
neoplasia em estado terminal. O revisor foi o Ministro Edson Fachin que abriu a divergência
para considerar que existem estudos científicos da comunidade médica que relatam a ausência
de toxidade da substância. Como destacado, o composto apenas fornece uma substância já
produzida naturalmente pelo corpo humano, contudo em quantidade insuficiente para eliminar
as células cancerosas. Informa que tais estudos foram juntados pelo Presidente do Congresso
Nacional não havendo violação ao direito à vida (art. 5º, 6º e 196 CRFB).
Por fim, assentou a decisão na Resolução ANVISA n.º 38, de 12 de agosto de 2013,
que aprova o regulamento para os programas de acesso expandido, uso compassivo e
fornecimento de substância ou medicamento pós-estudo. O programa, de acordo com o
disposto e seu art. 2º, X, destina-se a disponibilizar “medicamento novo promissor, para uso
pessoal de pacientes e não participantes de programa de acesso expandido ou de pesquisa
clínica, ainda sem registro na ANVISA, que esteja em processo de desenvolvimento clínico,
destinado a pacientes portadores de doenças debilitantes graves e/ ou que ameacem a vida e
sem alternativa terapêutica satisfatória com produtos registrados no país”. Sugeriu que a
substância fosse ministrada administrativamente por meio dos órgãos de controle integrantes
do Sistema Único de Saúde191.
A posição vencida no julgamento contou com a adesão dos Ministros Rosa Weber,
Dias Toffoli e Gilmar Mendes que se utilizaram dos mesmos fundamentos apresentados pelo
Ministro Edson Fachin.
191
No voto o Ministro destaca “Nos termos do art. 200, I, da Constituição Federal, compete ao sistema único de
saúde “controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da
produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos”. O sistema único
é definido pela Lei 8.080/90 como sendo “o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e
instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações
mantidas pelo Poder Público” (art. 4º, caput).” Disponível em <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13194039 > Acesso em 17/10/2017
154
sofrem de doença renal crônica. De acordo com o Tribunal recorrido, o Estado não pode ser
obrigado a fornecer medicamento sem registro.
192
Vale registrar para fins de distinção que o art. 8º §5º da Lei 9782/99 (lei de criação da ANVISA) admite a
dispensa de registro de medicamentos adquiridos de organismos multilaterais internacionais. Neste caso, temos
organismos internacionais criados por meio de esforços conjuntos de vários países com um propósito de trabalho
conjunto em áreas específicas. São exemplos a ONU, FMI, OMC, Banco Mundial, entre outros.
155
indicados pelo relator são no sentido de observância da estrita legalidade no tema, elevando a
atividade fiscalizatória exercida pela ANVISA em nome da segurança contras os potenciais
riscos de danos decorrentes da incerteza sobre os benefícios clínicos.
193
Como informado, a Resolução RDC N.º 38 da ANVISA de 12 de agosto de 2013 estabelece regras para os
programas de acesso expandido, uso compassivo e fornecimento de medicamento pós-estudo.
194 Destaca-se dessa parte da fundamentação do voto a indicação de um prazo “razoável” para a concessão do
registro, sem, contudo, esclarecer qual o parâmetro para o estabelecimento do prazo apresentado. Não justifica o
requisito em qualquer critério legal, empírico, comparativo, apenas assentando o entendimento que seria
admissível aguardar o prazo de 365 dias para o trâmite de registro no órgão competente. Na visão do Ministro,
ultrapassado o lapso temporal “razoável”, o Judiciário poderia autorizar a circulação do fármaco.
156
estaria obrigado a fornecer a droga, pois, do contrário, haveria inegável exposição dos doentes
a riscos incertos.
O Ministro Edson Fachin lembrou que os artigos 6º, 196 e 198, II da Constituição
Federal impedem a concessão de fármaco sem registro, contudo, compreende que o direito à
saúde não pode comportar uma interpretação literal. Acrescentou que, por força do art. 5º §2º
da Carta, depreende-se a possibilidade de fornecimento de medicamentos de qualquer ordem,
pois, enquanto signatário do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
e pelo Protocolo de São Salvador195, as obrigações estatais envolvendo direito à saúde não são
exaustivas cabendo, aos Estados, a adoção de medidas até o máximo de seus recursos
disponíveis.
195
De acordo com o PIDESC, Decreto 591/92 “ARTIGO 12 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem
o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental. 2. As medidas que os
Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão
as medidas que se façam necessárias para assegurar: a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade
infantil, bem como o desenvolvimento e das crianças; b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho
e do meio ambiente; c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras,
bem como a luta contra essas doenças; d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e
serviços médicos em caso de enfermidade. Acrescentando-se ainda o Protocolo de São Salvador, incorporado
pelo Decreto n.º 3321/99 “Artigo 10 Direito à saúde 1. Toda pessoa tem direito à saúde, entendida como o gozo
do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social. 2. A fim de tornar efetivo o direito à saúde. os Estados
Partes comprometem-se a reconhecer a saúde como bem público e, especialmente, a adotar as seguintes medidas
para garantir este direito: a) Atendimento primário de saúde, entendendo-se como tal a assistência médica
essencial colocada ao alcance de todas as pessoas e famílias da comunidade: b) Extensão dos benefícios dos
serviços de saúde a todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado; c) Total imunização contra as principais
doenças infecciosas; d) Prevenção e tratamento das doenças endêmicas, profissionais e de outra natureza; e)
Educação da população sobre prevenção e tratamento dos problemas da saúde; e f) Satisfação das necessidades
de saúde dos grupos de mais alto risco e que, por sua situação de pobreza, sejam mais vulneráveis. Disponível
em < http://www.migalhas.com.br/arquivos/2016/9/art20160929-02.pdf> Acesso em 25/10/17
196
Conforme destacou o Ministro Fachin “A indicação dos limites de intervenção do Poder Judiciário sobre o
controle dos atos multidisciplinares de regulação tem sido reformulada, na esteira do precedente acima
transcrito, de modo a abranger não apenas a exigência de obediência às regras de procedimento, mas também: (i)
indicação compreensível das razões de decidir; (ii) erro na aplicação da lei; (iii) precisão, confiabilidade e
consistência dos fatos; (iv) suficiência de provas para o exame de uma situação complexa; (v) erro manifesto na
apreciação dos fatos; ou (vi) abuso de poder.” E segue afirmando que “Trata-se, dessa forma, de assumir uma
postura mais deferente às escolhas técnicas ou democráticas tomadas pelos órgãos competentes, sem deixar que
a Administração ou as entidades regulatórias deixem de prestar contas de sua atuação.” Disponível em <
http://www.migalhas.com.br/arquivos/2016/9/art20160929-02.pdf> Acesso em 25/10/17
157
O julgamento foi suspenso diante do pedido de vista do Ministro Teori Zavascki não
tendo sido retomado até a data de finalização do presente levantamento. Dos votos analisados
foram identificados, como fundamentos determinantes, a teoria da separação dos poderes e
respeito à atividade fiscalizatória do Executivo, por meio de sua agência reguladora,
apresentando-se indevido o controle concorrente do Judiciário. Outro ponto destacado pelos
Ministros foi a necessidade de se respeitar o procedimento técnico-científico como forma de
eliminação dos riscos aos pacientes. Como visto, os fundamentos não sofreram variações
substanciais, mas meras mudanças argumentativas.
198
Ressalvada a previsão do art. 127 da CRFB ao estabelecer que o Ministério Público tem como função
institucional defender os interesses sociais e individuais indisponíveis, sem, contudo, estabelecer sua amplitude.
199
MARTEL. Letícia de Campos Velho. Indisponibilidade de direitos fundamentais: Conceitos lacônicos,
consequências duvidosas. Espaço Jurídico. Joaçaba, v. 11, n. 2, p. 334-373, jul./dez. 2010
200
Como ocorre com as terras devolutas destinadas à proteção do meio ambiente (art. 225 § 5º CRFB), as terras
indígenas (art. 231 § 4º CRFB) ou
201
Caso do herdeiro em relação aos bens gravados com cláusula de inalienabilidade (art. 1911 Código Civil)
159
Por outro lado, assumir sua dimensão conceitual em conformidade com o conteúdo
normativo da indisponibilidade dos direitos fundamentais, igualmente, forma um rol de
prestações que, no aspecto pragmático, permitiria estabelecer infinitas prestações aos seus
obrigados e, nesse campo em particular, ao Estado. Apenas para balizar o problema dentro
dos parâmetros estabelecidos no presente trabalho, considerar indisponível o “direito à saúde”
conduziria a cenários de absolutização. Portanto, estabelecer o nexo entre a indisponibilidade
e a integralidade do direito fundamental à saúde justificaria exigências de toda sorte, tornando
o Estado um segurador universal, máxime dentro do ambiente denominado pós-positivista em
que a comunicação entre o direito e a moral é farta.
202
O Ministro do STF Celso de Mello destacou a tese da indisponibilidade do “direito à saúde” no Agravo
Regimental no RE n.º 685.230, in verbis: “O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica
indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz
bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder
Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a
garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.” (grifo
nosso)
161
Num segundo momento, por influência dos ideais do welfare state, passou-se a
sustentar o caráter prospectivo das normas programáticas, conferindo contornos de efetividade
plena. Para essa linha de pensamento as normas programáticas deixam de ter conteúdo
meramente enunciativo, devendo ser aplicado um olhar progressista no sentido de dar
juridicidade concreta203. Para os adeptos, as normas programáticas se manifestam de modo
diferente em relação às normas de eficácia plena, pois há um óbice natural que é a falta
comando específico. Todavia, não se pode retirar sua juridicidade quando considerada a
vinculação imposta aos órgãos responsáveis pela elaboração de regras específicas. Tais
vínculos podem ser afirmados quando elas retiram a discricionariedade do Legislativo e,
também, quando imprimem um aspecto negativo, ou seja, impede a criação de normas em
sentido contrário.
203
GRAU, Eros Roberto. A Constituição brasileira e as normas programáticas. In: Revista de
Direito Constitucional e Ciência Política, Rio de Janeiro: Forense, ano III, n. 4, p. 40-47, jan./jun. 1985, p. 43 e
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da
doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2004. P. 34, 35.
163
reivindicáveis, a partir das normas programáticas, demanda uma análise mais cuidadosa sob
pena de incorrermos em problemas já apontados no presente trabalho como a ausência de
critérios objetivos para o julgador, ensejando a prática do ativismo judicial e inserção de
axiomas nas decisões judiciais204. A complexidade é verificada em determinados direitos
sociais, especialmente aqueles que dependem de intrincadas providências estatais, não só no
aspecto do gasto público, mas igualmente no âmbito da atividade regulatória estatal.
204
Nesse sentido, Daniel Sarmento afirma que “Naturalmente, a conjugação do constitucionalismo social com o
reconhecimento do caráter normativo e judicialmente sindicável dos preceitos constitucionais gerou efeitos
significativos do ponto de vista da importância da Constituição no sistema jurídico – ela assumiu uma
centralidade outrora inexistente – bem como da partilha de poder no âmbito do aparelho estatal, com grande
fortalecimento do Poder Judiciário, e, sobretudo, das cortes constitucionais e supremas cortes, muitas vezes em
detrimento das instâncias políticas majoritárias.” SARMENTO, Daniel. Constitucionalismo: trajetória histórica e
dilemas contemporâneos. In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang. Jurisdição constitucional,
democracia e direitos fundamentais. Estudos em homenagem ao Ministro Gilmar Ferreira Mendes. Salvador:
JusPodivm, 2012. P. 112-113
205
Como destaca Margarida Lacombe Camargo “A segunda observação refere-se à grande crítica que recai sobre
o pragmatismo jurídico: a falta de segurança social pelo desapego do juiz à norma posta pela autoridade legítima
e competente, que é o legislador. Essa crítica é respondida por Richard Posner do seguinte modo: o juiz
164
Ocorre que, a nosso sentir, a questão do dano foi tratada de maneira superficial pelo
STF em algumas oportunidades. No sentido daquilo que se sustentou ao longo do presente
trabalho, o registro do medicamento, segundo os protocolos adotados pela agência de
vigilância sanitária, procura identificar os possíveis riscos derivados do uso de determinada
substância medicamentosa. O Supremo Tribunal Federal, ao consentir com o fornecimento do
fármaco, não se ajusta ao inafastável dever de fundamentação fático-jurídica. Embora natural
a superficialidade da cognição liminar, é notório que a falta de registro constitui provável
pragmatista, pelo próprio fato de ter em mira as consequências da sua ação, na prática não quer desapontar a
população, que espera garantia e previsibilidade de suas ações, conforme a lei. Isso leva a que o juiz considere
seriamente as lei e os precedentes judiciais. Sabe que existe grande expectativa da sociedade sobre suas ações.
Caso o juiz não a ofereça, fere a sociedade cuja credibilidade é garantida pelo respeito ao Direito posto. Afinal, o
Direito existe, antes de tudo, para oferecer segurança à sociedade.” CAMARGO, Margarida Lacombe. O
pragmatismo no Supremo Tribunal Federal brasileiro. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel
e BINENBOJM, Gusavo. Vinte anos da Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009. P. 369
165
206
Conforme noticiado pelo jornal Estadão em 13/02/2016, a Procuradoria da Universidade de São Paulo
calculava cerca de 13 mil processos versando sobre o fornecimento da fosfoetanolamina sintética. Disponível em
<http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,acoes-por-pilula-do-cancer-travam-sistema-juridico-da-
usp,10000016211> Acesso em 07/11/2017
207
www.fda.gov
208
www.pmda.go.jp/english/
209
www.ema.europa.eu/ema/
166
210
“Art. 18 - O registro de drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos de procedência estrangeira
dependerá, além das condições, das exigências e dos procedimentos previstos nesta Lei e seu regulamento, da
comprovação de que já é registrado no país de origem.
§ 1º Na impossibilidade do cumprimento do disposto no deste artigo, deverá ser apresentada comprovação do
registro em vigor, emitida pela autoridade caput sanitária do país em que seja comercializado ou autoridade
sanitária internacional e aprovado em ato próprio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da
Saúde.
§ 2º No ato do registro de medicamento de procedência estrangeira, a empresa fabricante deverá apresentar
comprovação do cumprimento das Boas Práticas de Fabricação, reconhecidas no âmbito nacional.”
211
Art. 24. Estão isentos de registro os medicamentos novos, destinados exclusivamente a uso experimental, sob
controle médico, podendo, inclusive, ser importados mediante expressa autorização do Ministério da Saúde.
212
Como destacado na pag. 112 do presente trabalho, a fase III é o momento de identificação do valor
terapêutico em comparação com o placebo e outros medicamentos. Neste momento busca-se a identificação de
indicadores efetivos de melhoria ou evolução decorrentes do tratamento, pois já ministrados em pacientes
doentes.
213
Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos
e serviços que envolvam risco à saúde pública.
§ 5o A Agência poderá dispensar de registro os imunobiológicos, inseticidas, medicamentos e outros insumos
estratégicos quando adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso em
programas de saúde pública pelo Ministério da Saúde e suas entidades vinculadas.
167
214
Disponível em <
http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2970929/CONSULTA+PUBLICA+N+327+DIGES.pdf/9d9751f5-
3325-40da-a05f-01974032a7d5 > acesso em 07/11/2017
215
Stare decisis et non quieta movere (mantenha-se a decisão e não se mexa no que está quieto)
168
216
Registre-se a crítica apresentada acerca do caráter vinculante, sobretudo em razão da ausência de previsão
constitucional acerca da vinculação dos juízos singulares em relação às decisões dos tribunais superiores. O
efeito das súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal decorre de expressa previsão no texto
constitucional no art. 103-A caput CRFB ao passo que o efeito vinculante das decisões proferidas no IRDR
decorrem apenas do texto legal, violando, em tese, a independência funcional dos magistrados e a independência
entre os poderes.
169
Ocorre que é preciso ter o cuidado para que haja a aplicação ajustada entre o
precedente e o caso presente. A aferição, que ficará a cargo do aplicador do precedente,
deverá levar em consideração as questões centrais (ratio decidendi) formadoras do
precedente. Para tanto, a intensa atividade interpretativa deve localizar os pontos de
semelhança entre as causas, sob pena de o sistema criar distorções e injustiças. Portanto, para
a justa aplicação do sistema de precedentes, é preciso identificar as questões que
influenciaram o julgamento do caso passado e as causas da nova, posta para julgamento.
Trata-se de conceito cuja definição é complexa, inclusive para os juristas dos países que
seguem a tradição anglo-saxônica218.
217
No dizer de Frederick Schauer: “Entretanto, de uma maneira igualmente se não mais importante, uma
argumentação por precedente se projeta também para o futuro, pedindo-nos para olhar as decisões de hoje como
um precedente para os julgadores do amanhã. Hoje não é apenas o futuro do passado; é, do mesmo modo, o
ontem do amanhã. Um sistema de precedentes, assim, envolve a responsabilidade especial que acompanha o
poder de comprometer o futuro antes de chegarmos lá.” SCHAUER, Frederick. Precedente. Coleção Grandes
Temas do Novo CPC. Coord. Fredie Didier Jr. Vol. 3. Precedentes. Salvador: Juspodivm. 2015. Pag. 51
218 Para ilustrar cite-se o trabalho de Jose María Salgado – Precedentes y control de constitucionalidad em
Argentina – em que o autor afirmar que alguns teóricos chegam a citar sessenta e quatro técnicas diferentes para
distinguir e identificar a ratio decidendi. SALGADO. Jose María. Precedente y control de constitucionalidad em
Argentina. Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Coord. Fredie Didier Jr. Vol. 3. Precedentes. Salvador:
Juspodivm. 2015. Pag. 128
219 De acordo com o autor: “O conceito de ratio decidendi sempre foi muito discutido. Na verdade, a
dificuldade sempre esteve na sua identificação na decisão judicial, embora seja certo que a ratio não se confunde
com o dispositivo e com a fundamentação, mas constitui algo externo a ambos, algo que é formulado a partir do
relatório, da fundamentação e do dispositivo.” MARINONI, Luiz Guilherme. Uma nova realidade diante
do Projeto de CPC: a ratio decidendi ou os fundamentos determinantes da decisão. Disponível em <
http://www.marinoni.adv.br/home/artigos/pagina/3/>. Acesso em 11/04/2016.
170
Outro caso emblemático foi o do Ministro Gilmar Mendes, pois, enquanto presidente
do Supremo Tribunal Federal, enfrentou diversos pedidos de suspensão de liminar, de tutela
antecipada e de segurança222. De modo geral, assumiu uma posição autocontida e, portanto, de
deferência ao procedimento de registro sanitário de medicamentos. Considerou que a
220
Vale transcrever o trecho final da decisão em comento “Isso posto, defiro em parte o pedido para suspender a
execução da tutela antecipada concedida no Agravo de Instrumento 2242691-89.2015.8.26.0000, em trâmite
perante a 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim como todas as
decisões judiciais proferidas em âmbito nacional no mesmo sentido, indicadas ou não nos autos, que tenham
determinado à Universidade de São Paulo o fornecimento da substância “fosfoetanolamina sintética” para
tratamento de câncer, até os seus respectivos trânsitos em julgado, mantido, porém, o seu fornecimento,
enquanto remanescer o estoque do referido composto, observada a primazia aos pedidos mais antigos.” (Grifo
nosso) Disponível em
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarConsolidada.asp?classe=STA&numero=828&origem=AP>
Acesso em 01/11/2017
221
“Então, não me parece admissível que hoje o Estado, sobretudo num campo tão sensível como é o campo da
saúde, que diz respeito à vida, e à própria dignidade da pessoa humana, possa agir irracionalmente, levando em
conta razões de ordem metafísica, ou fundado em suposições, enfim, que não tenham base em evidências
científicas.” Disponível em
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarConsolidada.asp?classe=ADI&numero=5501&origem=AP>
Acesso em 03/11/2017
222
Citamos STA 198, STA 244, SL 319, STA 361, STA 348, SS 3854, SS 4045, SS 3962, SS 3989 e STA 260.
Todas as decisões foram analisadas acima.
171
223
“Como ficou claro nos depoimentos prestados na Audiência Pública, é vedado à Administração Pública
fornecer fármaco que não possua registro na ANVISA. A Lei Federal n.º 6.360/76, ao dispor sobre a vigilância
sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, determina em
seu artigo 12 que “nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser
industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”. O artigo
16 da referida Lei estabelece os requisitos para a obtenção do registro, entre eles, o de que o produto seja
reconhecido como seguro e eficaz para o uso a que se propõe. O Art. 18 ainda determina que, em se tratando de
medicamento de procedência estrangeira, deverá ser comprovada a existência de registro válido no país de
origem. O registro de medicamento, como lembrado pelo Procurador-Geral da República, é uma garantia à saúde
pública. E, como ressaltou o Diretor-Presidente da ANVISA, a agência, por força da lei de sua criação, também
realiza a regulação econômica dos fármacos.
Após verificar a eficácia, a segurança e a qualidade do produto e conceder o registro, a ANVISA
passa a analisar a fixação do preço definido, levando em consideração o benefício clínico e o custo do
tratamento. Havendo produto assemelhado, se o novo medicamento não trouxer benefício adicional, não poderá
custar mais caro do que o medicamento já existente com a mesma indicação.
Por tudo isso, o registro na ANVISA mostra-se como condição necessária para atestar a segurança e
o benefício do produto, sendo a primeira condição para que o Sistema Único de Saúde possa considerar sua
incorporação. Claro que essa não é uma regra absoluta. Em casos excepcionais, a importação de medicamento
não registrado poderá ser autorizada pela ANVISA. A Lei n.º 9.782/99, que criou a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA), permite que a Agência dispense de “registro” medicamentos adquiridos por
intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso de programas em saúde pública pelo Ministério
da Saúde.” Disponível em <
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarConsolidada.asp?classe=SL&numero=319&origem=AP> acesso
em 03/11/2017.
224 “Considerando a competência da ANVISA para regular, controlar e fiscalizar a segurança sanitária dos
medicamentos, função de fundamental importância para a proteção e a promoção da saúde pública, solicitem-se
informações à Agência Reguladora sobre o medicamento Naglazyme, objeto do pedido de suspensão. Informe a
Agência, no prazo de 10 dias, se há autorização para a importação do referido medicamento, em que estágio se
encontra seu pedido de registro no Brasil, se o fármaco é considerado seguro para o consumo e qualquer outra
informação técnica que julgue relevante.” Disponível em <
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarConsolidada.asp?classe=STA&numero=244&origem=AP>
Acesso em 03/11/2017
172
evidenciado no julgamento da ADIN n.º 5.501 quando o Ministro votou pela aplicação da
técnica da interpretação conforme, para autorizar o fornecimento da fosfoetanolamina
sintética para os pacientes em estágio terminal de câncer, desconsiderando os protocolos
clínicos225.
Por fim, notou-se decisões em descompasso proferidas pela ministra Cármen Lúcia.
Por exemplo, no julgamento dos pedidos de suspensão de liminar n.º 558 e 633, a magistrada
justificou seu voto na ponderação de valores e a indiscutível prevalência do direito à vida.
Negar o fornecimento do medicamento, na visão da ministra, redundaria no risco de dano à
vida do paciente. Tais decisões foram proferidas após o julgamento da ADIN n.º 5.501 em
que a magistrada considerou que era preciso reconhecer o caráter indispensável do
procedimento de verificação da segurança, eficácia e qualidade, realizada pela entidade de
225
“Mas, a meu ver, estamos diante daquela hipótese em que o tratamento ainda não pode ser registrado, não
passou pelos testes da Anvisa, que são complexos, mas há situações que, de fato, exigem algum tipo de resposta.
É um tratamento de caráter alternativo. Se provoca um bem-estar que, como disse a Ministra Cármen, vai
propiciar um melhor desenvolvimento e um melhor estágio espiritual e, por isso, contribuir para com o
tratamento, inclusive, com os métodos ortodoxos, já será algo importante, significativo.” Disponível em <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13194039> acesso em 03/11/2017
226
“Trata-se, dessa forma, de assumir uma postura mais deferente às escolhas técnicas ou democráticas tomadas
pelos órgãos competentes, sem deixar que a Administração ou as entidades regulatórias deixem de prestar contas
de sua atuação.” Disponível em <http://www.migalhas.com.br/arquivos/2016/9/art20160929-02.pdf> Acesso em
03/11/2017. Lembramos que na ocasião do levantamento dos votos o feito estava suspenso em razão de pedido
de vista.
227
“A competência atribuída à agência não é privativa, porquanto, nos termos do art. 200, caput, da Constituição
Federal, é exercida nos termos da lei. Noutras palavras, a concretização da proteção à saúde é feita pelo poder
legislativo. A constituição de agência própria para realizar as atribuições controle é, nessa perspectiva, faculdade
do legislador, ou, como prefere parcela expressiva da doutrina nacional, a legitimidade da atuação regulatória
deve ser exercida intra legem. Sob essa perspectiva, não haveria impedimento para que determinada substância
viesse a ser regulada por meio de lei. A Anvisa não detém competência privativa para autorizar a
comercialização de toda e qualquer substância.” Disponível em
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13194039> acesso em 03/11/2017
173
Como afirmado, esses são apenas alguns exemplos das oscilações dos Ministros
sobre temas idênticos, fato que prejudica enormemente a formulação de um referencial
hermenêutico dentro da Suprema Corte. Como destacado por Fernanda Duarte, há um
comportamento do Judiciário que impede a formulação de uma lógica diante falta de
consensos, na verdade, a falta de uma mediação entre as interpretações possíveis acaba por
devolver o conflito para a sociedade229. Por essa lógica do contraditório230, como tratado pela
autora, as práticas discursivas reproduzem, de fato, uma disputa de teses em que a não
formação de consensos impede a construção de um diálogo argumentativo capaz de
convencer a sociedade interessada na decisão judicial.
228
“Estou acompanhando o Ministro-Relator, com base na Constituição, no que se refere ao princípio da
precaução - que normalmente a gente usa em matéria ambiental, mas que acho que é para a saúde, e, portanto,
sem receio do perigo inverso -, especialmente pela possibilidade que a própria Resolução da Anvisa, a Resolução
nº 38, garante que aquele que esteja na situação de ter de se submeter àquele tratamento e demonstrar as
condições, não apenas nos termos previstos na Lei. Pela lei, seria apenas o diagnóstico de câncer e o
consentimento do interessado. Quem está no desespero pode tomar decisões mais graves do que a situação
vivida. E, às vezes, uma dor nos leva facilmente a aderir a alguma coisa sem passar pelos procedimentos que
dariam alguma segurança.” Disponível em <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13194039> acesso em 03/11/2017
229
DUARTE, Fernanda. Método de decisão judicial e Supremo Tribunal Federal: Uma gramática a ser
descoberta. In: Cadernos Temáticos “Justiça Constitucional no Brasil: Política e Direito. Anais do Seminário
Nacional sobre justiça constitucional Seção especial da revista EMARF. TRF 2ª Região. Dez/2010.
230
Como destacado pela autora, a lógica do contraditório não se confunde com o princípio do contraditório. Este
encarado como uma proposta de audiência prévia das partes antes da tomada de uma decisão. A lógica do
contraditório, por sua vez, remonta uma tradição da civil law, com os exercícios oratórios/retóricos do trivium da
Escola de Bologna. Nesses exercícios, instaurava-se uma disputa dialética infinita entre os alunos do curso de
Direito. Op. Cit. P. 290
174
231
A título de ilustração, podemos lembrar a recente discussão travada na Suprema Corte acerca da interpretação
do princípio da presunção de inocência e da possibilidade de execução provisória da pena. Apenas para
relembrar, em 2009 o STF julgou o HC 84.078, firmando o entendimento que não seria cabível prisão antes do
trânsito em julgado da sentença condenatória. Contudo, em 2016, o Tribunal julgou novamente a questão (HC
126.292) alterando o entendimento e passando a admitir o cumprimento provisório da pena após a condenação
em segunda instância. O tema ainda voltaria para a pauta do Tribunal no julgamento de medidas cautelares nas
ações declaratórias de constitucionalidade n.º 43 e 44, em que se manteve e entendimento que mitigava a
presunção de inocência. A despeito da posição firmada por apertada maioria (6X5), alguns Ministros aplicaram a
posição inicial, concedendo ordem em habeas corpus para afastar o cumprimento provisório da pena (por todos
citamos o caso julgado pelo Min. Ricardo Lewandowski no HC 137.063). Todavia, o tema voltará, em breve,
para discussão quando do julgamento definitivo das ADCs n.º 43 e 44 quando o Tribunal voltará a analisar o
tema, havendo possibilidade de inversão do resultado diante da alteração na composição da Corte.
232
“Considerando as citações de precedentes, observou-se que o STF também as faz geralmente para confirmar a
vigência e a aplicação do precedente. É o que se verificou em cerca de 94% das citações mapeadas. Raramente o
STF afasta ou supera expressamente um precedente citado – citações para afastamento não chegaram a 4%, e as
feitas para superação de precedente não chegaram a 2% do total. Os números sugerem que as citações são
inseridas nos votos para corroborar os pontos de vista defendidos pelos Ministros.” SUNDFELD, Carlos Ari e
SOUZA, Rodrigo Pagani. “Accountability” e Jurisprudência do STF: estudo empírico de variáveis institucionais
e estrutura das decisões. In: Vojvodic, Adriana et al. Jurisdição Constitucional no Brasil. São Paulo: Malheiros.
2012. P. 89
175
CONCLUSÃO
Como visto, as discussões sobre o direito à saúde ramificam-se por diversas áreas do
conhecimento humano. No plano do Direito, vários debates são travados dentro da proposta
de se compreender as reais possibilidades de validade e eficácia dos juízos incorporados pelos
intérpretes. Não se pode desconsiderar que as posições assumidas repercutem no sentido da
adesão coletiva, pois ao se compreender a impossibilidade de absolutização do direito
fundamental à saúde, surgem possíveis recusas diante da carga humanitária do tema. Todavia,
marcar a posição pretendida no presente trabalho significa adotar o sentido do equilíbrio do
Direito bem como, dentro de uma perspectiva fático-pragmática, adequar-se à realidade
social, política e econômica brasileira, ainda que para tanto seja preciso assimilar as críticas
destacadas.
É assentado nessas premissas que a tese assume a posição de rejeitar a posição que
procura absolutizar os direitos fundamentais sob a retórica da preservação da vida enquanto
bem maior do indivíduo. Não se pode afirmar o desempenho de uma necessidade humana a
concessão de medicamento destituído de registro já que incerto seu potencial curativo e, por
conseguinte, obstativo de um dano. Não que o procedimento de aferição de eficácia e
segurança realizado pelas entidades fiscalizadoras seja capaz de excluir integralmente os
riscos, contudo, há significativa redução e, desse modo, mostra-se sensato conservar o
irremediável pressuposto procedimental/fiscalizatório.
177
233
Curiosamente Dworkin destaca que o positivismo jurídico, chamado por ele de teoria dominante, sofre
críticas de ambas as matrizes ideológicas, ou seja, é acusado por uns como uma ideologia de “esquerda” e por
outros como uma teoria ligada à “direita” política. DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a sério. São Paulo:
Martins Fontes. 2014. P. XII e XIII.
178
Embora possa parecer uma escolha orientada por razões de contornos emocionais,
como “a escolha de Sofia”, a racionalidade prevalece se consideramos a fundamentação na
crença nas opções do Legislador. A discricionariedade judicial, admitida inclusive no plano
do positivismo jurídico235, deve se pautar por elementos objetivos. Na decisão entre o direito à
vida e o fornecimento de um medicamento sem registro o julgador deve compreender a
concepção do dano para rejeitar a prestação.
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