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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS


CURSO DE DIREITO – CAMPUS SÃO JOSÉ
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A POSSIBILIDADE ÉTICO-JURÍDICA DO DIREITO À ORIGEM


GENÉTICA NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA

LUIZ GABRIEL CREMA

São José, Maio de 2008


1

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI


CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS
CURSO DE DIREITO – CAMPUS SÃO JOSÉ
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A POSSIBILIDADE ÉTICO-JURÍDICA DO DIREITO À ORIGEM


GENÉTICA NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA

Monografia submetida à Universidade do Vale


do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à
obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: MSc Samantha Buglione


Acadêmico: Luiz Gabriel Crema

São José, Maio de 2008


2

Dedico esta pesquisa aos meus pais


Silos e Celina, com todo o amor e
gratidão.
3

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela tranqüilidade espiritual que me passa nos momentos


delicados.

Aos meus pais pela estrutura que me proporcionaram e pelo apoio


incondicionado de todas as formas em todos os momentos da minha vida. Por me
possibilitarem chegar até aqui.

À minha namorada Bianca, por todos bons momentos que me proporciona.

À minha orientadora, professora Samantha Buglione, por seus precisos


ensinamentos e competente e decisiva orientação.
4

“Nem tudo que se enfrenta pode ser modificado, mas


nada pode ser modificado até que seja enfrentado”

Albert Einstein.
5

RESUMO

O foco principal deste estudo é a análise da possibilidade ético-jurídica do direito ao


conhecimento da origem genética por filho gerado via reprodução humana assistida
heteróloga. A hipótese é que esse direito se fundamenta no respeito à dignidade
humana, algo necessário ante ao crescente avanço da biotecnologia causador de
impacto e incremento de complexidade nas relações sociais atuais. Constata-se de
um lado, que as pessoas, movidas pelo desejo de procriação, buscam na medicina
especializada a forma de solucionar seus problemas de infertilidade; essa busca,
dada sua natureza, desencadeia polêmicas e questionamentos no campos ético,
jurídico e científico. O pano de fundo são desejos e dramas humanos de grande
seriedade. De outro lado, intercorrências e desdobramentos envolvendo pai, mãe,
doador de sêmen, filho – fruto de tal acesso ao referido desenvolvimento - criam
situações jurídicas de diversas ordens e esbarram-se em um problema de base que
é a incipiente legislação voltada ao tema, gerando por sua vez, novas dificuldades. É
preciso resgatar pressupostos éticos em sociedades ordenadas sob a régia do
biopoder. O Direito, nesse sentido, pode ser um instrumento importante,
assegurando a preservação de valores como a dignidade em legislações sobre o
tema. A pergunta-problema desta pesquisa toca em um ponto nevrálgico que é o
conflito entre direitos fundamentais do ser gerado pela técnica e à intimidade e
privacidade familiar. O trato dos direitos sob os padrões da Bioética, por meio de
seus princípios – a partir do direito fundamental de dignidade da pessoa humana - e
também, a reunião e interpretação da legislação existente, bem como o
embasamento humano, científico e ético à questão, é o objeto da presente
monografia. Adotou-se como postura metodológica, principalmente o estruturalismo
doutrinário, primando-se pela elaboração de um trabalho conciso, comparando-se
posicionamentos teóricos, buscando a obtenção de conclusões. A pesquisa
caracterizou-se em sua abordagem pelo método dedutivo e em seus procedimentos,
pelos métodos pesquisa bibliográfica e análise de conteúdo. A análise recaiu sobre
Leis, Resoluções Administrativas e Doutrinas. A perspectiva potencial do estudo é
que possa, ao trazer-se à tona a discussão do direito à origem genética da pessoa
gerada nesse processo – talvez a parte mais negligenciada – oferecer subsídios à
compreensão e ao aperfeiçoamento das posturas e encaminhamento nos processos
reprodutivos artificiais, bem como, aos envolvidos no processo.

PALAVRAS-CHAVE: Reprodução Humana Assistida. Bioética. Dignidade da


Pessoa Humana. Direito à Origem Genética.
6

ABSTRACT

The main focus of this study is the analysis of the ethical-legal possibility of the right
to the knowledge of the genetic origin for generated son by heterolog reproduction
attended human being way. The hypothesis is that this right if bases on the respect
to the dignity human being, something necessary with the increasing by the advance
of the biotechnology impact and increment of complexity in the current social
relations. The people, moved for the procreation desire, search in the specialized
medicine the form to solve its problems of infertility; this search, given its nature,
unchains controversies and questionings in the fields ethical, legal and scientific. The
cloth of deep is desires and human dramas of great seriousness. Of another side,
unfoldings involving father, mother, semen donor, son - fruit of such access to the
related development - create legal situations of diverse orders and stop in a base
problem that is the incipient legislation come back to the subject, generating in turn,
new difficulties. It’s necessary to rescue estimated ethical in societies commanded
under the regal one of biopower. The Right, in this direction, can be an important
instrument, assuring the preservation of values as the dignity in laws about the
subject. The question-problem of this research touches in a critic point that is the
conflict between basic rights of the being generated for the technique and to the
privacy and familiar privacy. The treatment of the rights under the standards of the
Bioethics, by means of its principles - to break of the basic right of dignity of the
person human being - and also, the meeting and interpretation of the existing
legislation, as well as the human basement, scientific and ethical to the question, is
the object of the present monograph. It was adopted as methodologic position,
mainly the doctrinal composition, using the elaboration of a concise work, comparing
theoretical positions, searching the attainment of conclusions. The research was
characterized in its boarding for the deductive method and in its procedures, for the
methods it searches bibliographical and content analysis. The analysis fell again on
Administrative Laws, Resolutions and Doctrines. The potential perspective of the
study is that it can, when bringing itself it to the quarrel of the right to the genetic
origin of the individual in this process - perhaps the neglected part more - to offer to
subsidies to the understanding of the positions and guiding in artificial the
reproductive processes, as well as, the involved ones in the process.

KEYWORDS: Reproduction Attended Human being. Bioethics. Dignity of the Human


Person. Right of the Genetic Origin.
7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................9

CAPÍTULO 1 .............................................................................................................13

1 FUNDAMENTOS ELEMENTARES DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA....................13

1.1 ÉTICA..................................................................................................................13

1.1.1 Moral e Ética ....................................................................................................15

1.2 BIOÉTICA............................................................................................................16

1.2.1 Correntes Bioéticas ..........................................................................................19

1.2.2 Princípios da Bioética .......................................................................................20

1.2.3 Biodireito ..........................................................................................................23

1.3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ..................................................................25

1.4 DIREITO À PROCRIAÇÃO E DESCENDÊNCIA.................................................27

1.5.1 Paternidade Biológica e Sócioafetiva ...............................................................34

1.5 FILIAÇÃO E ESTADO DE FILIAÇÃO..................................................................37

CAPÍTULO 2 .............................................................................................................43

2 REPRODUÇÃO ASSISTIDA: CONCEITOS...........................................................43

2.1 ESTERILIDADE E INFERTILIDADE ...................................................................43

2.2 CONCEITOS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA ..................................46

2.3 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA ......................................................48

2.4 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA HETERÓLOGA.....................................54

2.4.1 O Doador de Sêmen ........................................................................................58

2.4.2 Banco de Sêmen ..............................................................................................62

2.4.3 Anonimato ........................................................................................................64

CAPÍTULO 3 .............................................................................................................67

3 O RESPALDO ÉTICO-JURÍDICO DO DIREITO À ORIGEM GENÉTICA POR


FILHO GERADO VIA REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA ........................67
8

3.1 ASPÉCTOS LEGAIS DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA.......................................67

3.1.1 Conselho Federal de Medicina – Resolução 1.358/92 .....................................69

3.1.2 Projetos de Lei .................................................................................................72

3.1.3 Legislação Internacional...................................................................................77

3.2 RAZÕES QUE LEVAM O FILHO SÓCIOAFETIVO BUSCAR SUA ORIGEM


GENÉTICA ................................................................................................................82

3.3 CONFLITO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PERSONALIDADE:


INTIMIDADE X CONHECIMENTO DA ORIGEM BIOLÓGICA..................................84

3.3.1 Solução do Conflito: O Direito à Origem Genética por Filho Gerado via
Reprodução Assistida Heteróloga .............................................................................88

3.4 AÇÃO ADEQUADA PARA SE BUSCAR A ORIGEM BIOLÓGICA .....................94

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................98

REFERÊNCIA .........................................................................................................102

ANEXO....................................................................................................................108

GLOSSÁRIO ...........................................................................................................113
9

INTRODUÇÃO

O crescente poder tecnológico sobre o corpo e a mente, especificamente


os avanços da biotecnologia e engenharia genética, como também as novas práticas
biomédicas oriundas do descobrimento do DNA, têm gerado problemas ético-
jurídicos voltados à vida, à morte, à reprodução assistida, ao patrimônio genético, às
experiências com seres humanos, etc, causando impacto social e perplexidade.

Por interferir na ordem natural das coisas, tais desenvolvimentos vêm


desafiando a inteligência dos juristas, que deverão determinar até onde as “ciências
da vida” poderão agir sem que haja agressão à dignidade da pessoa humana. Esta
é a questão crucial.

A ameaça das técnicas biomédicas sobre a humanidade gerou uma ética


para a civilização biotecnológica exatamente no sentido de preservar a dignidade da
pessoa humana dos abusos do biopoder.

Diante de tudo isso, há que se contemplar/atentar para a necessidade de


uma adaptação do direito ao estado atual das situações inusitadas criadas pelo
progresso biotecnológico.

O Direito, enquanto área do saber, por sua própria natureza e missão, é


sempre apontado como um dos mais, senão o mais, tradicionalista dos ramos do
conhecimento, todavia o momento clama por transformações. O Direito pode ser um
instrumento importante, assegurando a preservação dos valores como a dignidade,
em legislações sobre o tema.

Desenvolver um direito que impeça os exageros provocados pelas


pesquisas científicas e pelo desequilíbrio do meio ambiente, é um desafio a ser
conquistado, resgatando e valorizando a dignidade do ser humano.

Todos os temas ligados à manipulação genética, dada sua natureza,


desencadeiam polêmicas cujo pano de fundo são desejos e dramas humanos de
grande seriedade. Acompanha-se pelos meios de comunicação e também na
jurisprudência, a luta de indivíduos, requerendo judicialmente direitos das mais
diversas ordens.
10

Por tudo isso, o pensar bioético veio a fazer parte de um âmbito maior das
ciências da vida e despertou um apurado sentido do ser humano, fazendo com que
o profissional voltado a esse ramo do saber se interrogue: “O que devo fazer? O que
posso fazer? Quais os limites éticos para a ação médica ou técnico-científica?”.

O imperativo científico-tecnológico vai progressivamente permitindo


espaço ao imperativo ético, e com isso, a bioética emerge como novo domínio da
reflexão que considera o ser humano em sua dignidade e as condições éticas para
uma vida humana digna, alertando a todos sobre as conseqüências nefastas de um
avanço incontrolado da biotecnologia e sobre a necessidade de uma tomada de
consciência dos desafios trazidos pelas ciências da vida.

A bioética é personalista, por analisar o homem como pessoa ou como


um “eu”, dando valor fundamental à vida e à dignidade humanas, não admitindo
qualquer intervenção no corpo humano que não redunde no bem da pessoa, que
sempre será um fim, nunca um meio para a obtenção de outras finalidades.

Na prática o que se constata é uma proteção pelo princípio do anonimato,


de um lado ao doador de sêmen/ óvulo, de outro, da instituição médico-laboratorial
que a viabiliza, sem que se leve em conta os direitos do ser gerado da reprodução
assistida, que precisam ser respaldados.

O conhecimento da origem genética é extremamente relevante quando


vista no âmbito dos direitos da personalidade, uma vez que o alcance dessas
informações refletirão diretamente no direito à vida e à saúde.

A questão da origem genética é extremamente atual, pois a dimensão


genética da pessoa humana foi evidenciada por recentes descobertas em torno do
código genético humano.

O objeto principal desta pesquisa é trazer à tona, e muito especialmente


para o filho gerado via reprodução humana assistida heteróloga, subsídios que
consagram o direito de conhecer a ascendência biológica ou a identidade genética,
como um direito autônomo, ou seja, identificar se esse direito se evidencia como
uma dimensão do direito de identidade pessoal. Também é intenção, demonstrar as
limitações que sofre esse direito, como direito autônomo, se evidenciando apenas na
existência de alguma justificativa para a sua investigação,como por exemplo razões
de natureza médica ou a prevenção de incesto.
11

O direito à origem genética, no entanto, vem sofrendo muitas limitações


em razão do estabelecimento do anonimato nos processos de reprodução humana
assistida e adoção e também diante da recusa à realização do exame genético para
a verificação da ascendência biológica.

Feita esta incursão na problemática mais ampla, a temática delimitada


para a presente monografia é: Possibilidade ético-jurídica do direito à origem
genética por filho gerado via reprodução humana assistida, perguntando-se e
pretendendo-se responder ao seguinte Problema: Qual o respaldo ético-jurídico do
conhecimento da origem genética por filho gerado via reprodução assistida, de modo
à orientação de interessados – tanto pais quanto filhos, como de estudiosos, no
campo do Direito?

Pretende-se que as reflexões e constatações aqui evidenciadas, possam


contribuir com a sociedade civil e científica, oferecendo subsídios à compreensão e
aperfeiçoamento das posturas e encaminhamento nos processos reprodutivos
artificiais, bem como aos envolvidos nos mesmos.

O presente trabalho busca trazer à tona a discussão do conhecimento da


origem genética pelo filho, temática pós moderna, cada vez mais corrente, em meio
a diferenciadas alternativas de reprodução humana; identificar a legislação
pertinente à temática da origem genética e de conhecimento das próprias raízes bio-
existenciais do homem; disponibilizar dados teóricos capazes de auxiliar as pessoas
na construção da própria origem; relacionar o direito ético-jurídico à origem genética
com o direito de respeito à dignidade humana oferecendo subsídios à compreensão
de si mesmo pelo ser humano; e, contribuir com o campo ético, jurídico e científico
na fundamentação e na conceptualização da Reprodução Humana Assistida
Heteróloga;

Entende-se que o direito de conhecer a própria origem se fundamenta no


respeito à dignidade humana, algo necessário ante ao crescente avanço da
biotecnologia causador de impacto e incremento de complexidade nas relações
sociais atuais.

Nesta perspectiva, como plano de assunto, destaca-se necessário trazer


uma revisão bibliográfica / reflexão sobre Fundamentos elementares,
12

Conceptualizações e Respaldo Ético-Jurídico ao direito de conhecimento da origem


genética por filho gerado via reprodução assistida.

As abordagens destes aspectos tiveram como norte a pessoa humana e o


seu direito fundamental e a legislação, trazendo-se o enfoque da bioética, pois este
é revelador da plena apreensão da fundamentação do direito fundante da pessoa
humana. Ao se inserir o biodireito / a bioética nesta ótica, é possível ir além da visão
mecanicista aparentemente instituída pelo conhecimento da dimensão genética
humana.

Assim é, que a presente Monografia está estruturada em três grandes


capítulos, cada qual contemplando os subsídios para a análise, compreensão e
síntese da resposta ao questionamento central do estudo e desvelador de categorias
de análises básicas para tal.

A Metodologia desta pesquisa caracteriza-se em termos de Método de


Abordagem como Método Dedutivo, adotando-se o movimento do geral para o
particular, isto é, trazendo-se a teoria para iluminar a questão problema em pauta.

Como Método de Procedimento, optou-se pela Pesquisa Bibliográfica com


Análise de Conteúdo, tendo-se realizado um estudo de Leis, Resoluções
Administrativa e Doutrinas, no sentido de identificar, reunir, analisar e avaliar o
respaldo jurídico ao conhecimento da origem genética.

Primou-se pela elaboração de um trabalho conciso e a opção pelo


estruturalismo doutrinário, entendendo-se ter abrangido uma amostragem
significativo dos autores no campo de conhecimento em estudo.

Ao final desta monografia, fecha-se o ciclo da dimensão delimitada,


oferecendo-se um panorama do estado da arte/da legislação que ampara o assunto,
contemplando inclusive as lacunas a serem preenchidas. Tem-se consciência de
que o tema é uma obra aberta, necessitando de novas pesquisas e esforços
contínuos na busca de explicitações e caminhos.
13

CAPÍTULO 1

1 FUNDAMENTOS ELEMENTARES DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Ante um tema monográfico, o autor opta por uma linha de estudos, uma
abordagem teórica que permita amparar e expandir suas próprias idéias e teses a
respeito do assunto em análise. Sim, porque na verdade, buscam-se autores,
especialmente que já se consagraram na literatura, exatamente, para que estes
venham reforçar, ajudar, corroborar a defesa. Do mesmo modo, esquematiza-se um
“plano de assunto” que cubra os fundamentos básicos das categorias de análise.

Na presente investigação, o intuito é identificar o dispositivo legal que dá,


ao ser gerado via reprodução assistida heteróloga, o direito à origem genética. Quer-
se porém, ofertar uma orientação embasada, inserida nos cânones da ética e
bioética, numa perspectiva humana; numa linha de reflexão que contemple
primeiramente os direitos humanos da dignidade e da personalidade.

Assim é, que se elege como “fundamentos elementares” da reprodução


assistida desenvolvidos e demonstrados nos sub-itens a seguir: Ética; Bioética;
Dignidade da Pessoa Humana; Direito à Procriação e Descendência; Paternidade e
Maternidade; e, Filiação e Estado de Filiação.

1.1 ÉTICA

Difícil a tarefa de conceituar ética. Assim entende o Procurador do Estado


de Santa Catarina, Tycho Brahe Fernandes, aduzindo que “ao proceder-se ao
exame da ética, deve ser ressaltado, de início, que ela não encontra uma
conceituação uniforme, tampouco seu campo de atuação é estático”1. Ainda que há
muito utilizado, o vocábulo ‘ética’ não alcançou conceituação consensual entre os
grandes estudiosos do tema.

1
ERNANDES,Tycho B. A Reprodução Assistida em face da bioética e do biodireito: aspectos do direito da família e do
direito de sucessões. Florianópolis: Diploma Legal, 2000. p. 28.
14

Ética é uma palavra de origem grega, e conforme assevera George


Edward Moore, tem duas origens possíveis: “a primeira é a palavra grega éthos, com
‘e’ curto, que pode ser traduzida por costume, a segunda também se escreve éthos,
porém com ‘e’ longo, que significa propriedade do caráter”2. E continua, “a primeira
é a que serviu de base para a tradução latina Moral, enquanto a segunda é a que,
de alguma forma, orienta a utilização atual que damos à palavra Ética. Ética é a
investigação geral sobre aquilo que é bom”3.

De acordo com os estudos de Volnei Ivo Carlin, a função do vocábulo


ética foi alterada com o passar do tempo segundo, quando aduz que “a primeira
função do vocábulo ethica foi, fundamentalmente, adjetiva e geral na análise do
comportamento humano, surgindo, em fase ulterior, como a doutrina dos costumes,
aludindo ao comportamento moral e, dentro dele, ao comportamento jurídico”4.

Ao tratar do assunto, Carlos Maria Romeo Casabona expõe que “ética


consiste nos critérios e teorias sobre o comportamento correto”5. Há também o
preciso conceito de Fátima Oliveira:

Ética diz respeito a consensos possíveis e temporários entre diferentes


agrupamentos sociais, que, embora possuam hábitos, costumes e moral
diferentes, e mesmo divergindo na compreensão de mundo e nas
perspectivas de futuro, às vezes, conseguem estabelecer normas de
6
convivência social relativamente harmoniosas em algumas questões .

Para elaborar o estudo sobre ética e a oportuna distinção e/ou


interdisciplinaridade entre Ética e Moral, imprescindível trazer à tona os
ensinamentos do filósofo contemporâneo, especialista em ética, Peter Singer que
argumenta que:

A Ética existe em todas as sociedades humanas, e, talvez, mesmo entre


nossos parentes não-humanos mais próximos. Nós abandonamos o
pressuposto de que a Ética é unicamente humana.
[...]
A Ética pode ser um conjunto de regras, princípios ou maneiras de pensar
que guiam, ou chamam a si a autoridade de guiar, as ações de um grupo

2
MOORE, George Edward. Princípios éticos. Escritos filosóficos. Problemas fundamentais da filosofia. São Paulo: Victor
Civita, 1985. p. 121.
3
MOORE, George Edward. op. cit., p 121-122
4
CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica- ética e justiça. Florianópolis: Ed. Obra Jurídica, 1996. p. 33-34.
5
CASABONA,C.M.Romeo; QUEIROZ, J.F. Biotecnologia e sua Implicações Ético-Jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey,
2004. p.30.
6
OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da Cidadania. São Paulo: Moderna, 1997. p. 47.
15

em particular (moralidade), ou é o estudo sistemático da argumentação


sobre como nós devemos agir (filosofia moral)7.
O que se extrai diante destes, e dos vários outros pontos vistos, que se
analisou, é que ética constitui a moral e o juízo de valores que obedecem a certos
padrões culturais de acordo com o senso comum, correspondentes ao correto em
determinado grupo social, religioso ou territorial. A ética não está presente apenas
no direito. Está presente sempre que exista a necessidade de se tomar uma decisão,
escolher entre o certo e o errado e, às vezes, entre o certo e o certo. Está presente
sempre que houver a necessidade de uma tomada de posição tendo em vista um
juízo de valor.

1.1.1 Moral e Ética

Moral e ética costumam andar próximas. Há pessoas que confundem


moral com ética e ética com moral, todavia, elas diferenciam-se. A moral estabelece
regras que são assumidas pela pessoa, como uma forma de garantir o seu bem-
viver. Trata-se, pois, de uma convicção individual.

Entende-se por moral, (da raiz latina mores = costumes) conduta,


comportamento, modo de agir. É o conjunto sistemático de normas que orientam o
homem para a realização do seu fim (essência). É o conjunto de regras de conduta
ou hábitos julgados válidos, quer de modo absoluto, quer para grupo ou pessoa
determinada.

“Moralidade” de acordo com Samantha Buglione, diz respeito às “crenças


e pensamentos das pessoas”8.

Já a Ética, é um ramo da filosofia, que estuda a natureza do que se


considera adequado e moralmente correto. É o conjunto de normas e princípios que
norteiam a boa conduta do ser humano. É também, uma doutrina filosófica que tem
por objeto a moral no tempo e no espaço, em que o estudo dos juízos de apreciação
são referentes à conduta humana. A ética está representada por um conjunto de
normas que regulamentam o comportamento de um grupo particular de pessoas, e

7
SINGER,P. Ética Prática. Tradução de Álvaro Augusto Fernandes. Lisboa: Gradiva, 1999. p. 89.
8
BUGLIONE, Samantha. Bioética. In: Jornal A Notícia. Santa Catarina. 09/10/2007. p. A2.
http://www.an.com.br/2007/out/09/0opi.jsp.
16

tem sido aplicada na economia, política, ciência-política, à estrutura da família, à


sexualidade, e como a sociedade vê o papel dos indivíduos, conduzindo a campos
distintos da ética e não-relacionados, como o feminismo, a guerra e a Bioética. É
comum que esses grupos tenham o seu próprio código de ética, normatizando suas
ações específicas. Nesta interpretação da ética, ela não se diferencia em nada da
moral, com a exceção de que a ética serviria de norma para um grupo determinado
de pessoas, enquanto que a moral seria mais geral, representando a cultura de uma
nação, uma religião ou época.

O que é ético em um determinado lugar, não é necessariamente ético em


outro. Por exemplo, a poligamia, que é considerada comum nos países Islãs, é, sob
outra visão, considerada uma afronta à moral na cultura ocidental cristã, enquanto a
moral independe das fronteiras geográficas e garante uma identidade entre pessoas
que sequer se conhecem, mas utilizam este mesmo referencial moral comum.

1.2 BIOÉTICA

Buglione em seu artigo sobre “Bioética” mencionando o posicionamento


do filósofo Singer, orienta que:

um tema ético importante é aquele que toda pessoa que pensa um pouco
tem de enfrentar e as questões tratadas pela bioética, definitivamente,
decorrem desse enfrentamento [...] A bioética é uma tentativa de criar um
padrão ético comum […] e ao mesmo tempo é um espaço de mediação […]
9
entre as diferenças e as igualdade” .

De acordo com os estudiosos do tema, a palavra “bioética” é recente,


porém o ensino da moral e questionamentos éticos quanto à saúde, existem há
séculos. Neste sentido, Giovanni Berlinguer bem expõe que “recente é tão somente
a palavra bioética, tendo os seus temas, entretanto uma longa história: fato
demonstrado, por exemplo, pela experimentação em seres humanos, a qual,
renovando seus métodos, vem ocorrendo há séculos” 10.

O termo bioética foi empregado pela primeira vez pelo oncologista e


biólogo norte-americano Van Rensselder Potter, da Universidade de Wisconsis, em

9
BUGLIONE, Samantha. Op. cit. (on-line)
17

Madisnon, em sua obra Bioethics: bridge to the future, publicada em 1971, num
sentido ecológico, considerando-a a “ciência da sobrevivência” 11. Para este autor, a
bioética seria então uma nova disciplina que recorreria às ciências biológicas para
melhorar a qualidade de vida do ser humano, permitindo a participação do homem
na evolução biológica e preservando a harmonia universal.

O entrecruzamento da ética com as ciências da vida e com o progresso


da biotecnologia provocou uma radical mudança nas formas tradicionais de agir dos
profissionais da saúde, dando uma outra imagem à ética médica e,
conseqüentemente, originando um novo ramo do saber, qual seja, a bioética12.

Na análise de Samantha Buglione, expressando a tentativa de impor


limite à ação humana, mesmo respeitando sua diversidade, surgem em tempos
diferentes duas narrativas morais: a dos direitos humanos final da década de 40 e
bioética na década de 70 13.

Warren Reich conceitua bioética como “o estudo sistemático das


dimensões morais - incluindo visão moral, decisões, conduta e políticas - das
ciências da vida e atenção à saúde, utilizando uma variedade de metodologias
éticas em um cenário interdisciplinar”14.

Conforme Maria Helena Diniz,

o conceito atual de bioética é um tanto modificado, devendo ser interpretado


como o estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências da
vida e da saúde, enquanto examinada à luz dos valores e princípios morais.
A bioética seria, assim, uma resposta da ética às novas situações oriundas
15
da ciência no âmbito da saúde e da vida .

Engloba a bioética, segundo a ótica de Miguel Kottow “o conjunto de


conceitos, argumentos e normas que valorizam e justificam eticamente os atos
humanos que podem ter efeitos irreversíveis sobre os fenômenos vitais”. 16
“Um

10
BERLINGUER, Giovanni. In: COHEN, C.; SEGRE, M. (Org.) Bioética. São Paulo: EDUSP, 1999. p.7.
11
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. 2.e. Aumentada e atualizada conforme o Novo Código Civil (Lei n. 10
406, de 10/01/2002). São Paulo: Saraiva, 2002. p. 9.
12
DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 5
13
BUGLIONE, Samantha. op. cit., (on-line)
14
REICH, Waren. Enciclopédia da Bioética, 2 ed. New York: MacMillan, 1995: XXI. p. 28.
15
DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 10
KOTTOW,M.H. Introducion a la Bioética. Chile: Editoral Universitária, 1995. p. 53.
16
18

estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida, da qualidade


de vida e dos cuidados da saúde” 17.

Observa-se, atualmente, profissionais da área biomédica utilizando de


seus preceitos morais para decidir questões problemáticas, polêmicas éticas e
outras dúvidas cruciais, pertinentes à vida do ser humano, sem, ainda, o respaldo
fundamental de uma lei a ser seguida. A bioética estabelece a discussão acerca
dessas problemáticas, dando uma luz a esses profissionais, sobre qual melhor
decisão a ser tomada.

Maria Helena Diniz faz um alerta sobre tal liberdade dos cientistas
biomédicos e já enfocando o tema da presente monografia, qual seja a reprodução
assistida.

Enquanto não advier a legislação regulamentadora da reprodução assistida,


prevalecerá o princípio de que tudo aquilo que não está proibido está
permitido, deixando aos cientistas da área biomédica, grandes
possibilidades de ação no campo da embriologia e engenharia genética. A
atividade jurisdicional só poderá utilizar-se dos princípios gerais de direito
comparado ante à complexibilidade dessa temática, sempre levando em
18
conta o respeito à dignidade da pessoa humana .

O primeiro marco no estabelecimento da discussão bioética na


reprodução assistida é o Warnock Report. Iniciado em 1982, sob demanda oficial do
governo inglês, ele corresponde ao trabalho de comissão formada por um grupo de
médicos, advogados, teólogos e cientistas sociais, tendo sido publicado em 1985 –
portanto numa fase bastante inicial da difusão das técnicas de reprodução assistida.
Essa comissão foi instalada para examinar as implicações éticas da reprodução
assistida19.

Uma das discussões bioéticas correntes na reprodução assistida, refere-


se justamente à questão problema abordada no presente estudo, acerca da
possibilidade, para filhos concebidos mediante essa tecnologia reprodutiva, de
conhecer sua origem genética.

17
BUGLIONE, Samantha. op. cit. (on-line)
18
DINIZ, Maria Helena. op cit., p. 522-523
19
CORRÊA, Marilena Villela. Novas tecnologias reprodutivas: limites da biologia ou biologia sem limites? Rio de Janeiro:
EDUERJ, 2001. p. 207-208.
19

1.2.1 Correntes Bioéticas

As orientações históricas continuam a existir hoje em dia e refletem as


origens filosóficas da bioética. Nesse contexto, diferentes correntes éticas orientam
as conclusões bioéticas.

Rebeca Cook; Bernard Dickens; Mahmoud Fathalla20 abordam três


correntes bioéticas: Baseada no Dever; Conseqüencialista ou Utilitarista e Feminista.

A bioética baseada no dever (ou deontológica) é atribuída à razão ou à


lei natural, e ela distingue o vício da virtude, enquanto qualidade inerente a uma
ação ou proposta. “A bioética baseada no dever, tende a ser absolutista, se
distanciando da relatividade e do pluralismo ético”. Está entre os expoentes
seculares desta corrente, o filósofo Kant do final do Século XVIII. A Igreja Católica
Apostólica Romana por outro viés, também é deontológica.

Os bioeticistas baseados no dever acreditam que o bom pode vir do mal,


e que um fim que seja bom em si mesmo, não justifica o uso de meios
inerentemente errados.

Os bioeticistas consequencialistas ou utilitaristas reconhecem


responsabilidades morais pelas conseqüências das escolhas bioéticas individuais, e
classificam a conduta boa ou correta como sendo aquela que seja útil na promoção
e na maximização do bem-estar e da felicidade. “A conduta ética, neste caso, visa e
maximiza resultados desejáveis, e a conduta é errada se ela causa ou contribui para
conseqüências nocivas ou indesejáveis julgadas por meio de avaliações do bem-
estar comunitário, democrático ou político”.

Diferente da ética baseada no dever, a ética consequencialista ou


utilitarista não aspira ser universal ou tolerante, mas oferece uma resposta
pragmática a diversas conseqüências.
20

A bioética feminista é descrita, algumas vezes, como a “ética do cuidado


ou da inclusão”. Esta corrente reage contra a exclusão das mulheres de fontes
históricas de autoridade moral, como: posições no clero religioso, centros de
conhecimentos, incluindo Universidades e outras sociedades, profissões como a
medicina e o direito e assembléias legislativas.

Negação da importância da voz e da experiência das mulheres – metade da


inteligência acumulada pela espécie humana – era freqüentemente
deliberada, mas atualmente é vista como um descrédito da autoridade
moral das instituições exclusivistas [...] As análises feministas abordam
preocupações não apenas com o sexo, que é biológico ou genético, mas
também com o gênero, que é socialmente construído.

Na atualidade o conceito de Bioética abrange não só os aspectos


tradicionais da ética médica, mas também inclui a ética ambiental, com os debates
sobre os direitos das futuras gerações.

Há diversos modelos teóricos bioéticos, entre os quais, o adotado no


presente estudo, a abordagem principialista é clássica e se apresenta na
sistematização dos princípios bioéticos (respeito às pessoas, beneficência e justiça),
consagrados no Relatório Belmont e depois ampliados por Beauchamp e Childress
com o princípio da não-maleficência, como se verá no item a seguir.

Essa diversidade de perspectivas retrata o pluralismo dos modelos


teóricos da bioética.

Há que se considerar que “as dimensões morais da experiência humana


não podem ser capturadas numa única abordagem”, conforme alerta Pessini21.

1.2.2 Princípios da Bioética

A bioética principialista contempla e sistematiza os seus princípios.

“Em 1977, o Congresso dos Estados Unidos criou uma comissão (National
Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and
Behavioral Research) com o objetivo de elaborar princípios gerais e comuns
que permitissem resolver casos envolvendo vida, tecnologia e saúde e que,
ao mesmo tempo, expressassem algum consenso, o que resultou no

20
COOK, Rebeca; DICKENS, Bernard; FATHALLA, Mahmond. Saúde Reprodutiva e Direitos Humanos: Integrando
medicina,ética e direito. Rio de Janeiro: CEPIA, 2004. p. 68-70.
21
PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais da Bioética. 5.ed. São Paulo: Loyola, 1996.
p. 58
21

“Relatório Belmont”, […] propôs quatro princípios éticos básicos: o respeito à


autonomia, à beneficência, à não-maleficência e à justiça […] estruturais para
a bioética”22.

No Relatório Belmont, o princípio ético básico de “Respeito às pessoas”


incorpora, ao menos duas convicções éticas, afirma Renata Pereira23:
primeiramente, os indivíduos devem ser tratados como agentes autônomos, e
segundo, que as pessoas com autonomia diminuída estão sujeitas à proteção.

O princípio do respeito às pessoas divide-se pois, em duas exigências


morais separadas: a exigência “reconhecer a autonomia” e a exigência “proteger”
aqueles com autonomia diminuída. Uma pessoa autônoma é um indivíduo capaz de
deliberar sobre questões pessoais e de agir sob o sentido de tal deliberação.

O princípio da autonomia, na compreensão de Beauchamp e Childress,


consiste no “governo pessoal do eu”, livre de interferências externas, bem como de
limitações pessoais que possam vir a impedir uma escolha correta. Assim, ação
autônoma será aquela que for expressão de um entendimento substancial sobre o
que é decidido e livre de qualquer coerção por parte de terceiros24. A autonomia
seria aquela propriedade que tem a vontade de ser para ela mesma a sua lei, sem
que se leve em consideração a natureza dos objetos do querer. Para Kant, a
autonomia é o único princípio da moral 25.

Fátima de Oliveira vê o princípio da beneficência, como aquele baseado


na obrigatoriedade do profissional da saúde (médico) de promover, em primeiro
lugar, o bem-estar do paciente; tem a função de "fazer o bem", passar confiança e
evitar danos, tratamentos inúteis e desnecessários26. Neste sentido, o Código de
Ética Médica, em seu art. 2º, estabelece que o "alvo de toda a atenção do médico é
a saúde do ser humano, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e o
melhor de sua capacidade profissional"27.

22
BUGLIONE, Samantha. op. cit. (on-line)
23
PEREIRA, Renata B. da Silva. O Direito de Conhecer a Origem Biológica: uma abordagem Intergeracional. Florianópolis:
UFSC – CCJ – CPGD, 2003. (Tese de Doutorado) p. 48.
24
BEAUCHAMP,T.L. & CHILDRESS,J.F.Princípios de Ética Biomédica.São Paulo: Loyla, 2002. p. 138 e 141.
25
KANT,I. Critique de la raizon pratique: précédue des fondements de la metaphyssique des moeurs. Paris: Librarie
Philosophique de Ladrange, 1848. p. 90
26
OLIVEIRA, Fátima. op. cit., p. 55-56
27
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA.Código de Ética Médica. http://www.gineco.com.br/codigo.htm.
22

As pessoas devem ser tratadas de maneira ética não somente


respeitando suas decisões e protegendo-as do dano, mas também fazendo esforços
para fixar seu bem estar. Duas regras gerais foram formuladas como expressões
complementares de ações beneficentes: 1) Não prejudicar e 2) Maximizar benefícios
possíveis e minimizar danos possíveis28.

Segundo Elio Sgreccia, o princípio da beneficência representa algo mais


que o hipocrático primum non nocere, ou seja, o princípio do não-malefício, pois não
comporta somente o abster-se de prejudicar, mas implica, sobretudo no imperativo
de promover o benefício29. Marco Segre considera pouco útil a diferenciação entre
beneficência e não-maleficência, tratando-se, antes, de tentativa de delimitar
responsabilidades. Assim, a diferenciação seria, apenas, acadêmica30.

Entre os que entendem pela inclusão do princípio da não-maleficência,


Junges impõe que “consiste no dever, para o profissional, de realizar o seu serviço
de forma a não causar danos, ou riscos, ao seu paciente. Em não sendo possível
excluírem-se os riscos, deve-se optar, sempre, por aquele que acarrete menos
sofrimento ao paciente”31. Requer-se, antes de tudo, que os profissionais atuem com
consciência e cuidado.

Em bioética, entende-se por princípio de justiça uma distribuição


eqüitativa das cargas e dos benefícios, e a não discriminação das pessoas por
causas relacionadas à sua condição econômica, sexual, racial, social e outras. Neste
sentido, a justiça está relacionada à igualdade de oportunidades.

O princípio da justiça na formulação consagrada no Relatório Belmont,


publicado em 1978, refere-se a quem deve receber os benefícios da pesquisa e os
riscos que ela venha acarretar, no sentido de “distribuição justa” ou do “que é
merecido”. Assim, é injusto negar, sem uma boa razão, um benefício merecido por
uma pessoa ou quando algum encargo lhe é imposto indevidamente. Uma outra
maneira de concebê-lo verifica-se quando os iguais devam ser tratados da mesma
forma. Quanto a isto, no entanto, assinala: Quem é igual e quem é não-igual? Quais
considerações justificam afastar-se da distribuição igual? Alguns admitem que

28
PEREIRA, Renata B. da Silva. op. cit., p. 85.
29
SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética. São Paulo: Loyola, 1996. p. 167.
30
COHEN, C.; SEGRE, M. (Org.) Bioética. 1999, p. 176.
23

distinções baseadas na experiência, na idade, na privação, na competência, no


mérito e na posição, constituem critérios justificadores do tratamento diferenciado.

Como se vê, o princípio da justiça pressupõe que existem muitas


formulações amplamente aceitas de como distribuir os benefícios e os encargos.

Entende Aristóteles que a justiça é a disposição de caráter que impele as


pessoas a fazerem o que é justo; que as faz agir justamente e a desejar o que é
justo. Assim, justo é o respeitador da lei e o probo, sendo o seu contrário, o injusto,
aquele homem que desrespeita as leis, não se guiando por lei alguma, e o ímprobo.
Identifica Aristóteles a justiça em todos os atos do legislador 32.

Wider argumenta que Beneficência, Autonomia e Justiça são três


conceitos fundamentais, tomados como princípios. A partir destes princípios, as
ações devem visar à melhoria da sociedade e de cada ser humano (beneficência)
que tem o direito de escolha e decisão sobre sua própria vida (autonomia); e a
sociedade através do Estado, deve exercer os mecanismos de controle das ações
para essas justas causas (justiça)33.

Considera-se muito adequada e oportuna a interdisciplinaridade e


intercomplementaridade entre princípios.

1.2.3 Biodireito

Superados os conceitos de ética e bioética, e no interior da própria


bioética, discorre-se sobre biodireito.

Começa-se por uma definição de Direito:

“O Direito – embora se manifeste de forma ampla por abranger valores


sociais e éticos – é até hoje instrumento de orientação da sociedade, não
podendo, apesar disso, restringir-se ao ato de normatizar e limitar. Passa o
Direito a ter uma função mais indicadora de condutas justas, devendo
indicar quais os procedimentos apropriados para as novidades sociais e
tecnológicas hoje enfrentadas” 34.

31
JUNGES,J.R. Bioética. São Leopoldo - RS: Unisinos, 1999. p. 50.
32
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
p. 121-126.
33
WIDER, Roberto. Reprodução Assistida. Aspectos do Biodireito e da Bioética. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.p. 36.
34
LEITE, Eduardo de O. Procriações Artificiais: Bioética e Biodireito. In: I CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITODA
FAMÍLIA. Anais. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 149.
24

É sabido que, com o desenvolvimento das ciências do mundo


contemporâneo, com enorme repercussão social, surgem também problemas e
questionamentos morais, que envolvem muita polêmica, de difícil solução. O
biodireito busca, com a argúcia dos juristas, desafiar, limitar e disciplinar esses
avanços, buscando soluções satisfatórias, sob a cautela de que não ultrapassem as
barreiras éticas pré-estabelecidas pela sociedade e atendendo às necessidades ora
surgidas. Para Judith Martins Costa, o biodireito “indica a disciplina, ainda nascente,
que visa a determinar os limites de licitude do progresso científico, notadamente da
biomedicina”35.

O Biodireito busca unir as noções de Bioética e Direito.

Francesco Bellino e María Casado argumentam respectivamente:

A bioética estuda, epistemologicamente, o seu objeto do ponto de vista


ético. Se o próprio objeto material (a vida) é, por exemplo, estudado do
ponto de vista jurídico, temos não a bioética, mas o ‘bio-ius’36.
Útil unir as noções de Bioética e Direito. Não para justificar a Bioética, no
sentido legalista da expressão, mas para entender os valores
constitucionais e os ‘princípios gerais das nações civilizadas’ como acordo
37
mínimo inamovível .

Em uma análise mais avançada do tema, num vértice de aplicação do


operador de direito, Rita Maria Paulina dos Santos defende que

o profissional da área jurídica, ao se deparar com as novas indagações, em


decorrência das novas tecnologias, deve sempre decidir a questão baseado
nos princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana,
inviolabilidade do corpo humano e direito absoluto à vida. Algumas vezes,
sem dúvida, essa decisão será muito difícil, pelo fato de serem aplicáveis ao
mesmo caso vários princípios. Deve, entretanto, o juiz decidir qual princípio,
no caso concreto, prevalecerá. Vale dizer, interpretar a norma 38.

Como o direito não pode furtar-se aos desafios levantados pela


biomedicina, surge o “biodireito”, estudo jurídico que, tomado por fontes imediatas a
bioética e a biogenética, teria a vida por objeto principal, salientando que a verdade
científica não poderá sobrepor-se à ética e ao direito, assim como o progresso

35
COSTA, Judith Martins. Bioética e dignidade da pessoa humana: rumo a construção do biodireito. Revista da Pos
Graduação de Direito: Universidade de São Paulo, São Paulo: Edições Técnicas, n. 3, 2001. p.64.
36
BELLINO, Francesco. Fundamentos da Bioética: aspectos antropológicos, ontológicos e morais. Tradução de Nelson
Souza Canabarro. Bauru:EDUSC,1997. p. 34-35.
37
CASADO, Maria(org.). Materiales de Bioética e Derecho.Barcelona: Cedecs Editorial,1996. p.39.
38
SANTOS, Rita M. P. dos. Dos Transplante de Órgãos à Clonagem.Rio de Janeiro: Forense,2000. p. 31-32.
25

científico não poderá acobertar crimes contra a dignidade humana, nem traçar, sem
limites jurídicos, os destinos da humanidade 39.

Vê-se, portanto, que o Biodireito, é um novo ramo do direito, cujo objetivo


se traduz em regular aquilo que concerne à matéria da Bioética, quais sejam,
matérias da área da saúde e biotecnologia. Por ser um ramo em plena ascensão,
principalmente no Brasil, o Biodireito ainda não foi “descoberto” pelo legislador, que
carece de Leis e Projetos de Lei de suma importância para acompanhar o
desenvolvimento mundial, particularmente na área aqui discutida. Enquanto outros
países possuem legislação avançada em temas como inseminação artificial,
eutanásia, direito à identidade genética, inseminação artificial, clonagem, aborto,
produtos trangênicos, morosamente, o Brasil a passos lentos, discute a
constitucionalidade da Lei que autoriza pesquisas em células - tronco,
escamoteando uma base legal que regulamente a bioética como um todo.

1.3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O que vem a ser dignidade da pessoa humana?

Em que pese todas as dificuldades em lograr êxito, o conceito e o


significado do princípio da dignidade da pessoa humana são necessários para o
enfrentamento do tema da reprodução assistida heteróloga, em pauta.

Sábias as definidoras palavras do consagrado jurista Miguel Reale:

Os bioeticistas devem ter como paradigma o respeito à dignidade da pessoa


humana, que é o fundamento do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º,
III) e o cerne de todo o ordenamento jurídico. Deveras, a pessoa humana e
sua dignidade constituem fundamento e fim da sociedade e do Estado,
sendo o valor que prevalecerá sobre qualquer tipo de avanço científico
e tecnológico. (grifo nosso) Conseqüentemente, não poderão bioética e
biodireito admitir conduta que venha a reduzir a pessoa humana à condição
de coisa, retirando dela sua dignidade e o direito a uma vida digna 40.

Denota-se, na concepção de Reale, que toda norma que advém do


biodireito e bioética (e de qualquer outra área do direito) deve respeitar sempre a
“dignidade da pessoa humana”, nunca reduzindo a vida à uma coisa, pois é ela o

39
DINIZ, Maria Helena. op. cit., 2002. p.8.
26

fundamento básico do Estado Democrático do Direito. Coisificar o ser humano


passa, por exemplo, por questões como a não possibilidade de identificação da
própria ascendência.

Leciona Reinaldo Pereira e Silva que o reconhecimento da dignidade de


cada pessoa humana repousa no fato da pessoa ter “a potencialidade de se
determinar, por intermédio da razão, para a ação da liberdade”. Ressalta dois
pressupostos indispensáveis ao amparar essa dignidade: devem as pessoas ser
respeitadas igualmente, isso por pertencer à espécie humana e, ainda, que esse
respeito independe do grau de desenvolvimento das potencialidades humanas41. No
mesmo sentido estão os ensinamentos de Loureiro, para quem a dignidade humana
é “o valor intrínseco, originalmente reconhecido a cada ser humano, fundado na sua
autonomia ética”, albergando, portanto, “uma obrigação geral de respeito da pessoa,
traduzida num feixe de deveres e de direitos correlativos”42.

Ingo Wolfgang Sarlet, em sua obra, defende que ainda que não exista um
conceito consensualmente aceito, ao longo dos tempos, doutrina e jurisprudência
têm concretizado seu conteúdo e delineado contornos básicos de dignidade da
pessoa humana, propondo a seguinte conceituação jurídica da dignidade da pessoa
humana:

a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o


faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da
comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que asseguram à pessoa tanto contra todo e qualquer ato de
cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e
43
de vida em comunhão com os demais seres humanos .

Vaclav Havel, dramaturgo e estadista tcheco, enfoca a dignidade humana


como elemento diferenciador em relação às demais espécies; literalmente:

[...] O conceito de dignidade humana permeia todos os direitos humanos


fundamentais e os documentos relativos aos direitos humanos. Para nós,
isso é tão natural que achamos que nem sequer faz sentido indagar o que

40
REALE, Miguel. Apud DINIZ, Maria Helena. op. cit., 2002. p17.
41
SILVA, Marcos A. De filho para pai uma releitura da relação paterno-filial a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Revista Brasileira de direito da família, Porto Alegre, a.2, n.6, 2000. p. 84.
42
LOUREIRO, J.oão C, G. Apud. PETERLLE, Selma R. O Direito Fundamental à Identidade Genética na
Constituição Brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 84.
43
SARLET, Ingo W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 59.
27

realmente significa a dignidade humana, ou por que a humanidade deveria


possuí-la, nem tampouco nos indagamos por que razão faz sentido que
todos nós a reconheçamos uns nos outros e uns para os outros.
As raízes mais profundas do que se chamam direitos humanos se
encontram além e acima de nós, em algum lugar mais profundo do que o
mundo dos contratos e acordos humanos. Elas têm sua origem no âmbito
metafísico.
Embora muitos não se dêem conta disso, os seres humanos - as únicas
criaturas totalmente conscientes de seu próprio ser e da mortalidade, que
enxergam aquilo que as cerca como um mundo e mantêm uma relação
interna com esse mundo - derivam dignidade, além de responsabilidade, do
mundo como um todo; ou seja, daquilo no qual identificam o tema central do
mundo, sua espinha dorsal, sua ordem, sua direção, sua essência, sua alma
- chame-o como quiser. Os cristãos formulam a questão em termos simples:
44
o homem foi colocado no mundo à imagem de Deus .

O princípio da dignidade da pessoa humana é cardinal, e tem inspirado os


textos de Bioética por todo o planeta. Segundo Roberto Wider, a dignidade zelou
pela conjunção dos direitos fundamentais do homem ao longo da história e, diante
da novidade das questões médicas, não se pode olvidar a milenar construção de
valoração da vida, à luz da razão, da natureza, da ética, e da própria consciência
humana 45.

Verifica-se, pois, como patente, o real valor e sentido da dignidade da


pessoa humana.

Transcreve-se como fecho, o pensamento de Maria Helena Diniz, que


contempla e corrobora tudo o que se disse neste primeiro item: “Com o
reconhecimento do respeito à dignidade da pessoa humana, a bioética e o biodireito
passam a ter um sentido humanista, estabelecendo um vínculo com a justiça”46.

1.4 DIREITO À PROCRIAÇÃO E DESCENDÊNCIA

No contexto da análise do direito à origem genética por parte da pessoa


gerada via reprodução assistida heteróloga, que é o tema desta monografia, e ainda,
tendo-se discorrido, também com o mesmo intuito, sobre ética, bioética, dignidade
da pessoa humana, para se chegar ao entendimento de Paternidade, Maternidade e

44
FOLHA DE SÃO PAULO Apud ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo de. Técnicas de reprodução assistida e o
biodireito. 2005. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6522. (on-line)
45
WIDER, Roberto. op. cit., p. 59
46
DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 19
28

Filiação, considera-se indispensável uma incursão ao direito reprodutivo ou direito à


concepção e descendência ou direito à procriação e descendência, com um dos
fundamentos elementares da reprodução assistida.

Inicialmente, e para situar o direito reprodutivo, procriativo e


consequentemente de descendência, de mulheres e homens, cabe uma
“curiosidade” / “crueldade” histórica e cultural causadora de desafio à questão da
procriação, como se descreve a seguir.

Por muito tempo, a esterilidade feminina e as mulheres estéreis eram


encaradas como seres malditos que precisavam ser banidos do convívio da
sociedade. A esterilidade era atribuída tanto à influência de bruxas quanto dos
desígnios divinos ou considerada castigo de Deus para os judeus. A esterilidade,
ganhou foro de autenticidade e legitimidade, servindo, em Roma, inclusive como
elemento de rejeição institucionalizada47. A mulher que não tinha filhos era
alcunhada de “figueira do inferno”.

Atualmente, essa visão fantasiosa não prospera mais, e hoje a


impossibilidade de procriar atinge não só ao indivíduo, mas também atinge
diretamente ao casal48 e consequentemente, a família, estando o direito à procriação
no rol dos direitos familiares.

Nesta linha de análise, faz-se necessário entender a evolução do conceito


de família, oportunamente decifrada pelas palavras de Luiz Edson Fachin, quando
elucida que, em oposição a uma concepção antiga de família, nasce a família
moderna:

A dicotomia desses dois padrões familiares se revela em alguns marcantes


aspectos. O casamento, por exemplo, antes prioritariamente fonte de
procriação e de afinidade, torna-se um lugar de companheirismo; a filiação,
então praticamente tida como um bem tanto quanto como liame necessário
entre gerações e mão-de-obra disponível, passa a informar um novo
sentimento familial [...] A pequena-família, distante da família patriarcal
caracterizada por ser uma unidade de produção, é muito mais um núcleo
onde são dominantes a relações de afeto, de solidariedade e de
cooperação49.

47
LEITE, Eduardo de Oliveira. Apud. MACHADO, Maria Helena. Controvérsias Éticas e Jurídicas na Reprodução
Medicamente Assistida. Florianópolis: UFSC-CPGD,1999. p. 17.
48
MACHADO, Maria Helena. Op. cit. p. 17.
49
FACHIN, Luiz Edson. Apud. FERNADES, Tycho Brahe. op. cit., p. 64-65
29

Pela ótica de Fachin, constata-se que, outrora a filiação era tida como
uma necessidade familiar de produção. Na mentalidade atual, o valor que um filho
tem perante sua família, supre uma necessidade afetiva e sentimental.

Neste sentido, acredita Mônica Sartori Scarparo que a família evoluiu do


estágio no qual a procriação era uma obrigação, passando a ser encarada como
direito de cada indivíduo, se e quando ele a considerar importante em seu contexto
existencial50.

Maria Helena Diniz também defende tal ponto de vista:

Cada indivíduo tem liberdade para decidir o número de filhos e o


espaçamento do nascimento pertence à seara da imunidade e não-
interferência externa. [...] Como todo direito impõe obrigações, que
constituem seus limites, no exercício dos direitos reprodutivos, os casais e
os indivíduos devem considerar as necessidades de seus filhos nascidos e
por nascer, bem como seus deveres para com a comunidade. Logo, os
direitos reprodutivos não são absolutos, pois os direitos da prole e o bem
comum impõem seus limites. Por isso não se pode falar de uma liberdade
procriadora exercida de qualquer maneira, mas de uma liberdade
responsável. Há liberdade para criar a vida, mas não para destruí-la,
harmonizando o direito à vida e o direito à liberdade do casal de planejar a
família51.

Maria Helena Diniz, advoga ainda ser “o planejamento familiar


responsável um direito reprodutivo, ou melhor, um direito humano básico”,
reconhecido pela ONU, na resolução de 1968, e pela Constituição, em seu art. 226,
§7, “sendo, com base nos princípios do respeito à dignidade humana e da
paternidade responsável, um paradigma da política populacional”.

Planejamento Familiar consiste, no “conjunto de ações da regulação da


fecundidade que possibilite o exercício do direito da constituição, da
limitação ou do aumento, da prole. Constituir prole ou tomar a resolução de
ter filhos, restringir o número de filhos ou aumentar o seu número, são
52
assuntos elementares do planejamento familiar” .

Deve-se deixar claro que, pela legislação brasileira, todos têm direito à
concepção e à descendência (CF, arts. 5, L, 7, XVII, XIX e XXV, 208, IV E 226, §7;
CC, art. 1565, §2; Lei n. 9263/96), podendo exercê-lo por via de ato sexual ou
fertilização assistida, em caso de infertilidade.

50
SARPARO, Monica Sartori. Apud FERNANDES, Tycho Brahe. op. cit., p.64
51
DINIZ, Maria Helena. op. cit.. p. 136-137
52
MACHADO; PERROTI; PERROTI. Apud FERNANDES, Tycho Brahe. op. cit., p. 114
30

O casal estéril tem direito à filiação por meio de reprodução assistida desde
que isso não venha a colocar em risco a saúde da paciente e do possível
descendente (Res. CFM n. 1.358/92, n.2). A incapacidade de perpetuar a
espécie por meio natural porém, ainda é encarada como uma exceção,
devendo ser relegada ao foro íntimo dos interessados. Apesar de a
infertilidade ser um problema de saúde pública, os órgãos públicos nunca
elaboraram um programa de terapia para casais sem filhos, solucionando
crises de auto-estima, angústias ou ansiedades que podem causar abalo
53
conjugal, nem tampouco os planos de saúde cobrem seus tratamentos .
O direito de ter um filho funda-se, portanto, na igualdade entre aqueles
capazes de conceber um filho de maneira tradicional (sexualmente) e aqueles que
não possuem essa capacidade ou que tenham dificuldades para tanto.

Arthur de Castilho Neto defende que de fato, existe um direito de procriar,


pois a “moralidade da inseminação artificial homóloga ou heteróloga consentida
porque julga ser um direito do ser humano, o direito à liberdade individual de
escolhas. Recusar ao casal subfértil a possibilidade à alternativa se nos afigura
sobremaneira injusta e injurídica” 54.

Sabe-se que a infertilidade é uma doença, e que a superação desse


problema, seja pela adoção ou utilização das técnicas de reprodução assistida, é
uma forma de assegurar-se a garantia constitucional do direito à saúde. Não haveria
explicações, em pleno século XXI, para restringir o direito daqueles que são inférteis,
de se valerem dessas avançadas tecnologias para exercer a procriação e
descendência.

Para esgotar qualquer possibilidade de negação ao direito à procriação


por reprodução assistida, não se pode deixar de fora o posicionamento
argumentativo de Gláucia Savin:

Não tem sentido, diante dos progressos da Medicina no combate à


esterilidade, que se condene qualquer pessoa a que se resigne, máxime
garantindo-se, no âmbito constitucional, o direito à saúde. Saliente-se que
tal direito não se compensa com a possibilidade de adoção, porque, muitas
vezes, o indivíduo carrega em si o desejo de gerar seus descendentes.
Diante da técnica médica que possibilita tal satisfação, não se pode
legitimamente, negar ao homem ou à mulher esse direito55 .

53
ABDELMASSIH, Roger. Apud DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 137.
54
CASTILHO NETO, Arthur de. Inseminação Artificial Humana – As descobertas Científicas e o Direito brasileiro. Revista de
Direito da Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,v.1, n.1, p.61-76, mar/jul. 1975. p. 69
55
SAVIN, Gláucia. Apud FERNANDES, Tycho Brahe. op. cit., p. 67.
31

Há uma única ressalva, todavia necessária: a de que o direito de procriar


por reprodução assistida, deva ser exercido de maneira que não ponha em risco a
vida da paciente ou da criança a nascer.

Maria Helena Diniz, é enfática ao defender uma fiscalização na


reprodução assistida:

O direito de alguém à concepção e à descendência por meio de fertilização


assistida só deverá ser permitido se não colocar em risco a vida ou à saúde
da paciente e do possível descendente (Res. CFM n. 1.358/92, I, n. 2; Lei
espanhola n. 35/88. art. 2º). [...]

Segundo a autora,é preciso o cuidado devido para que não ocorra


casos como o seguinte:

Não se poderia admitir o ocorrido na Itália, onde, por ocasião de uma


reprodução assistida, a gestante e o bebê foram contaminados com o vírus
da AIDS [...] daí o enorme risco existente na reprodução assistida,
requerendo maiores cautelas no banco de sêmen e nos exames efetuados
nos doadores de material fertilizante e nas mulheres que cederam seu útero
para procriação alheia56.

Assim, ao se discorrer sobre o direito à procriação e à


descendência, traz-se à tona razão essencial da importância e necessidade de
continuidade da espécie e por através dela, da dignidade humana.

1.5 PATERNIDADE E MATERNIDADE

No contexto da revolução biotecnológica, e dos processos de reprodução


artificial, os conceitos de paternidade e maternidade vêm sofrendo grandes
mudanças.

O desenvolvimento da biotecnologia modificou a idéia que até então se


tinha sobre maternidade e paternidade, e como conseqüência, as relações de
parentesco.

Com vistas a corrigir essas anomalias, e viabilizar o projeto parental, a


engenharia genética desenvolveu métodos artificiais que são as técnicas de
reprodução assistida.

56
DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 522-523.
32

O surgimento da reprodução assistida para aqueles casais que desejam


ter filhos e devido a problemas de infertilidade ou de esterilidade não obtém êxito na
concepção, representa uma saída.

Agora, com os avanços científicos, esses casais encontram a


possibilidade da realização do seu desejo de formação de uma família, na plena
acepção da palavra. Há aqueles casais que se “envolvem em busca do próprio filho,
numa inquietação que não se resolve com a adoção”57.

A função biológica da reprodução adquire, na visão de Tamanini, na


ordem simbólica que define a cultura, novos significados, caracterizando-se também,
como função cultural, social e política. Há uma dicotomia e descontinuidade entre o
natural e o cultural, entre o orgânico e o subjetivo58.

As referidas preocupações com a infertilidade, com a maternidade e com


a paternidade e ao mesmo tempo os avanços tecnológicos, subjacentemente trazem
concepções e ideais diversificados, por parte do pai e da mãe / do homem e da
mulher. O papel de cada um, o nível de participação, a extensão do
comprometimento, sofre a influência da cultura, da experiência e do significado que
tem o ser pai e o ser mãe.

“Quando se trata de reprodução assistida, é preciso incluir os homens


como um ponto de apoio para o bem estar das mulheres, mas é também
fundamental a reconstrução de processos sociais e de mentalidades”, diz
Tamanini59.

“A maternidade funda-se na relação natural biológica da mãe com seu


filho, e a paternidade se constitui numa função social construída pela cultura”60.

Alude Fernandes, que paternidade “é um estado de espírito, além de uma


relação meramente biológica ou genética, não havendo como se forçar alguém a ser

57
SALEM, FONSECA, QUEIROZ. Apud TAMANINI, Marlene. Novas Tecnologias Reprodutivistas Conceptivas à luz da
bioética e das Teorias de gênero: Casais e médicas no Sul do Brasil. Florianópolis: UFSC-CFH-PPICH, 2003. (Tese de
Doutorado). p.149.
58
TAMANINI, Marlene. Op. cit., p.128.
59
TAMANINI, Marlene. Op. cit., p.128.
60
TUBERT, Silvia. Mulheres sem sombra: maternidade e novas tecnologias reprodutivas. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos.
1996. p 67.
33

pai. Logo, para que a mesma seja reconhecida, é fundamental que haja o
consentimento daquele que virá a ser declarado pai”61.

E, por via de conseqüência, “o homem infértil ou estéril, com o


consentimento, reconhece, prévia e irretratavelmente, a paternidade, tal qual a mãe,
da criança que será gerada”. 62
“Não sendo permitida a impugnação de paternidade
com fundamento em inseminação artificial, ao cônjuge que nela consentiu”63.

Segundo Juracy Siqueira, na década de 90, houve uma emergência de


estudos sobre a masculinidade e o valor subjacente que possui a paternidade para
as masculinidades. Exemplifica que a sua pesquisa encontrou “homens que
maternam mas que não abrem mão de seus lugares de autoridade na família, ou
que mantêm o duplo padrão de moral sexual, afirmando que isso é coisa de
homem”64.

“A paternidade biológica é a relação de filiação entre o pai e o filho,


estabelecida pela consangüinidade. Essa forma de estabelecimento de paternidade
pelos laços de sangue sempre foi a de maior prevalência, desde as origens da
relação de parentesco”65.

Pai é aquele que, tendo contribuído ou não com material genético para a
fecundação que deu origem a um novo ser, acolhe-o, tratando-o com amor, carinho
e dedicação, além de contribuir material, moral e intelectualmente para o seu pleno
desenvolvimento.

Para Fernandes, caso uma mulher casada venha a se valer de uma das
técnicas heterólogas de reprodução assistida, sem o consentimento do marido ou
companheiro, a ele caberá o aforamento de ação negatória de paternidade, ao
argumento do não consentimento66.

61
FERNANDES, Tycho Brahe. op. cit., p. 116.
62
CASABONA, Apud FERNANDES, Tycho Brahe. op. cit., p. .
63
BASTOS, Apud FERNANDES, Tycho Brahe. op. cit., p. 117.
64
SIQUEIRA, Juracy Apud PEDRO, Joana; GROSSI, Pillar (Orgªs). Masculino Feminino Plural.Florianópolis: Mulheres,
1998. (Tese de Doutorado). p.195.
65
QUEIROZ, Juliane F. Paternidade: Aspectos Jurídicos e Técnicos de Inseminação Artificial. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
p.46
66
FERNANDES, Tycho Brahe. op. cit., p.117
34

Se o homem casado ou que esteja vivendo em união estável, venha a


falecer e previamente tenha consentido na utilização de seu material genético, sua
paternidade restará estabelecida quando do nascimento, mesmo após sua morte.

No que tange especificamente ao conceito de maternidade, sua


determinação e a fixação, têm como fator determinante e deve-se levar em conta, o
projeto de maternidade, ou seja, mãe será aquela que desejou ser mãe,
independentemente do liame genético ou gestacional e, sempre que houver a
doação de óvulos, o consentimento da receptora, salvo se mera portadora67.

Ante a possibilidade de um conflito de maternidades, é fundamental


estabelecer judicialmente que a maternidade deverá recair, sempre, naquela que
será mãe sócioafetiva. Ou seja, no caso de sub-rogação do útero, a maternidade
sempre cairá na mãe sócioafetiva. O projeto de Lei tramitando na Câmara dos
deputados defende que “a doação temporária do útero não poderá ter objetivo
comercial ou lucrativo”.

1.5.1 Paternidade Biológica e Sócioafetiva

A família e os direitos de filiação merecem sempre ampla proteção do


Estado. A maior preocupação do ramo do Direito de Família é o bem-estar dos filhos
envolvidos e o que é melhor para eles, embora este venha passando por
transformações, tendo que se adequar às mudanças que ocorrem na sociedade.

A família hoje é marcada, pelos laços afetivos de amor, de ideal de


felicidade, de carinho, de desvelo e de comunhão, não pelo domínio de posse. Pai
não é somente o genitor, mas protetor, amigo, companheiro. Os homens estão mais
presentes na sua função paterna; o papel do provedor vem perdendo relevância e,
no campo da sexualidade, pesquisadores apontam para uma relação de
aproximação entre sexo e afeto e entre amor e razão68.

O afeto não nasce do sangue, mas da convivência. Esse pensamento tem


feito com que a própria paternidade biológica tenha a sua importância acentuada se

67
FERNANDES, Tycho Brahe. op. cit., p.113.
68
TAMANINI, Marlene. Op. cit., p. 163.
35

acompanhada da paternidade sócioafetiva, que vem ultimamente ganhando espaço


no direito de família. Reconhecer um filho deve ser um gesto de amor, afeto e
dedicação, não somente uma obrigação vinculada a laços genéticos. Desta maneira,
é importante que se estabeleça a distinção entre paternidade biológica e paternidade
sócioafetiva.

A verdade sócioafetiva é tão real quanto a biológica, seus efeitos tão


concretos quanto os oriundos de laços sanguíneos, ou até mesmo mais verdadeiros.

A relação paterno-filial não se explica apenas na descendência genética,


mas sim, e de modo preponderante, na relação sócioafetiva, a qual supre o indivíduo
em suas necessidades elementares de alimentação, lazer, educação, sem
desconsiderar o afeto e o amor. No mundo moderno, não se pode, portanto,
prescindir de um outro pilar que sustenta a paternidade: o sócioafetivo69.

“Se o liame biológico que liga um pai a seu filho é um dado, a


paternidade pode exigir mais do que apenas laços de sangue”70. Assim, se a
paternidade era normatizada em face do Direito, real ou ficticiamente, a paternidade
afetiva não se apresentava como um valor jurídico.

A relação sócioafetiva71 constatada entre filho e pais - ou entre o filho e


apenas um deles - vincula e tem como fundamento o afeto72, o sentimento existente
entre ambos: “melhor pai ou mãe nem sempre é aquele que biologicamente ocupa
tal lugar, mas a pessoa que exerce tal função, substituindo o vínculo biológico pelo
afetivo” 73.

Caracterizar a paternidade sócioafetiva passa necessariamente pela


relação de afeto com o filho de criação, comprovada pela posse de estado de filho
(estado de filho afetivo). “Possuir um estado” é ter de fato título correspondente,
desfrutar as vantagens a ele legadas e suportar seus encargos74. É passar a ser
tratado como filho.

69
QUEIROZ, Juliane F. op. cit., p. 49.
70
FACHIN, Luiz Edson. Apud. FERNADES, Tycho Brahe. op. cit., p. 36.
71
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Apud PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). A família na travessia do milênio. Belo Horizonte:
DelRey, 2000. “a identidade genética não se confunde com a identidade da filiação, tecida na complexidade das relações
afetivas que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo”.
72
Ibidem. “O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não do sangue”.
73
BARBOZA, Heloisa Helena. Apud PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). op. cit., p. 140.
74
PLANIOL, M. et RIPERT, G. Traite pratique de droit civil francais. 2nd edition, 14 volumes. Paris, Librairie Générale de
36

O professor Zeno Veloso demonstra muito bem essa relação em suas


palavras:

Quem acolhe, protege, educa, orienta, repreende, veste, alimenta, quem


ama e cria uma criança, é pai. Pai de fato, mas, sem dúvida, pai. O "pai de
criação" tem posse de estado com relação a seu "filho de criação." Há nesta
relação uma realidade sociológica e afetiva que o direito tem de enxergar e
socorrer. O que cria, o que fica no lugar do pai, tem direitos e deveres para
75.
com a criança, observado o que for melhor para os interesses desta

É visível a valorização do elemento sócioafetivo, pois a paternidade


biológica se torna insuficiente se, ao mesmo tempo, não se encontrar a paternidade
de afeto.

Há que se buscar sempre o equilíbrio das verdades biológica e sócio-


afetiva.

No direito brasileiro, tem-se considerado a prevalência do critério


sócioafetivo para fins de se assegurar a primazia da tutela à pessoa dos filhos, no
resguardo dos seus direitos fundamentais, notadamente o direito à convivência
familiar76.

As transformações jurídicas da família repercutiram na disciplina da


filiação, que auxiliaram na mudança dos conceitos de paternidade. A sociedade,
embora a passos lentos, mas arduamente, começa a entender que pai pode muito
bem não ser aquele que emprestou sua colaboração na geração genética da
pessoa.

Assim, na busca do equilíbrio destas verdades para o estabelecimento da


paternidade, deve-se ter como base fundamental os novos valores inerentes ao
conceito de família trazidos pela Constituição Federal de 1988, como também pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente, os quais apontam para a valorização da
paternidade sócio-afetiva.

O objetivo desta monografia é indicar o direito à origem biológica, porém


sem intenção de que isso propositadamente, vá interferir na relação sócioafetiva que
tenha a pessoa gerada via produção assistida heteróloga, com sua família.

Droit et de Jurisprudence, 1952. In: BOEIRA, J.B. Ramos. Filiação e solução de conflitos de paternidade (com base na posse
de estado de filho – paternidade sócioafetiva). p. 135.
75
VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 215.
76
SILVA, Marcos A. 2000. op. cit.. p. 27.
37

1.5 FILIAÇÃO E ESTADO DE FILIAÇÃO

Do latim, “filiatio” significa a relação de parentesco que se estabelece


entre pais e filhos em linha reta, gerando o estado de filho. Numa segunda acepção,
deve-se entender filiação como o resultado auferido nas relações interpessoais
estabelecidas em torno do desejo de alcançar a perpetuidade.

No entendimento de Leila Donizetti, filiação é

o resultado do desejo de perpetuar a espécie, direito inerente a todo ser


humano, como também é conseqüência da interação existente entre
pessoas cujo objetivo inicial é a responsabilização pelo outro” e acrescenta,
“engloba, pois, a filiação, o fruto do desejo e, num momento posterior da
77
paternidade; traz implícito um complexo de direitos e deveres correlatos.

Por sua vez, De Plácido e Silva consagra que:

a filiação, pois, é fundada no fato da procriação, pelo qual se evidencia o


estado de filho, indicativo do vínculo natural ou consangüíneo, firmado entre
o gerado e seus progenitores. É, assim, a indicação do parentesco entre os
pais e os filhos, considerados na ordem ascencional, destes para os
primeiros, do qual também procedem, em ordem inversa, os estados de pai
(paternidade) e de mãe (maternidade). 78

Vê-se que ambos os conceitos se complementam.

Conta a história, que no início do século passado, a família era fundada


exclusivamente no casamento, único conceito de família existente. Nessa época, a
mulher e os filhos ocupavam uma posição de inferioridade na esfera familiar, uma
vez que deviam respeito e obediência ao marido e chefe da sociedade conjugal.
Como desdobramento dessa concepção unívoca da família, o casamento tinha o
condão de moralizar as relações sexuais entre homem e mulher, uma vez que só por
meio dessas é que era possível conceber filhos legítimos79.

Segundo Leila Donizetti:

essa era uma concepção imposta pela igreja, que via o casamento como
destinação consagrada à procriação. E, sabido da influência que a igreja
possuía no século passado, não era admissível à sociedade, gerar filhos

77
DONIZETTI, Leila. Filiação Sócioafetiva e Direito à Identidade Genética. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p.27.
78
SILVA, De Plácido e.Vocabulário Jurídico. 15. ed. Rio de Janeiro:Forense, 1998. p. 297.
79
DONIZETTI, Leila. op. cit., p.9.
38

fora do casamento. Esses quando existiam, eram considerados filhos


“ilegítimos” não só pela igreja como pelo ordenamento jurídico [...] a tríplice
composição pais, filhos e casamento sofreram inúmeras alterações sociais
ao longo da história e bradaram por definições e regulamentações, e o
Direito de Família foi gradativamente sendo influenciado pelos ideais de
igualdade e solidariedade 80.

Nos dias atuais, tanto na esfera jurídica, quanto na social, este


pensamento foi totalmente superado. Hoje, os filhos extramatrimoniais são
reconhecidos e protegidos pelo ordenamento jurídico, tanto é verdade, que a Lei
Maior de 88 considera a família como base de toda sociedade, fazendo ressalva,
todavia, acerca da integração dos membros que compõem a sociedade, dentre os
quais os membros advindos de relações fora do seio familiar, visto que estes
elementos referidos são seres humanos, igualmente tratados na Lei.

Todos os filhos merecem atenção especial do Estado, independente de


origem. Em seu artigo 227, §6°, a Carta Constitucional de 88, que consagra os
direitos da criança e do adolescente, afadigou qualquer discriminação entre os filhos,
proibindo-se definitivamente quaisquer designações diferenciatórias com relação à
situação dos filhos. Foi convincente ao reconhecer igualdade entre os filhos
biológicos, afetivos, havidos no casamento ou fora dele.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança


e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
[...]
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação.

Guilherme Calmon, analisando o conteúdo do referido artigo


constitucional, entende que

O preceito contido no artigo 227, parágrafo 6°, da Constituição Federal,


precisa ser desdobrado em dois importantes aspectos que estão bastante
relacionados, mas que não se confundem: a) a igualdade de qualificações
entre filhos, impedindo qualquer designação discriminatória; b) a igualdade
de direitos entre filhos. Além destes, mas intimamente relacionados a eles,
podem ser mencionados os pontos atinentes aos critérios do
estabelecimento da paternidade e da maternidade e aos requisitos – ou

80
DONIZETTI, Leila. op. cit., p.9.
39

condições – para que seja reconhecida a inexistência de paternidade e de


maternidade81.

A Desembargadora gaúcha, Maria Berenice Dias, comemorou o


dispositivo da Carta Magna de 1988, que acabou com séculos de hipocrisia e
preconceito. Para ela:

A Constituição Federal de 1988, num único dispositivo, espancou séculos


de hipocrisia e preconceito [...] Consagrou a igualdade dos filhos, havidos
ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e
qualificações. Essas profundas modificações acabaram derrogando
inúmeros dispositivos da legislação então em vigor, por não serem
recepcionados pelo novo sistema jurídico. Após a Constituição Federal. O
82
Código Civil perdeu o papel de lei fundamental do direito de família .

Muito exaltado o dispositivo, também pela Advogada Thaís Rachel de


Souza:

Por fim, a Carta Constitucional de 1988 revolucionou o Direito de Família,


colocando abaixo as suas estruturas já corroídas pelo tempo, edificando
novos pilares, mais sólidos e resistentes. Com a inclusão de um dispositivo
constitucional, promoveu-se uma reviravolta no Direito de Família e se
modificou o instituto em que se acreditava imutável: o reconhecimento da
filiação.
Graças à ousadia do constituinte, hoje os filhos devem ser tratados de igual
maneira perante a legislação brasileira, não comportando mais qualquer
distinção, não devendo estes sofrerem mais com o estigma social da
discriminação, possibilitando aos magistrados um leque maior de
possibilidade ao proferir as sentenças, sempre com à equidade entre os
83
filhos .

Comprova-se que a constituinte, com o sensato dispositivo acima citado,


fez jus à democratização confiada àquela época de pós-militarismo, alcançando-se,
portanto, a igualdade entre os filhos, não tendo mais relevância o fato de serem
frutos de relacionamento matrimoniais ou extramatrimoniais, revogando, por
conseguinte, os dispositivos do Código Civil de 1916, cujo conteúdo era eivado de
desigualdades.

Continuando a tratar de filiação, agora em outra esfera da legislação


brasileira vigente, o conceito de estado de filiação encontra-se exposto no art. 27 do
Estatuto da Criança e do Adolescente:

81
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. O Biodireito e as Relações Parentais.Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 421.
82
GAMA, Guilherme C. N. op. cit., p. 27.
83
SOUZA, Thaís Rached de. A evolução da legislação brasileiro pertinente à filiação matrimonial e extramatrimonial à luz da
Constituição da Republica Federativa do Brasil e do Código Civil. Revista da OAB/SC, Florianópolis, OAB/SC,n.121, Dez
40

Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo,


indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus
84
herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça .

Segundo Washington de Barros Monteiro, o direito ao estado de filiação é


personalíssimo, porque é um direito inerente ao filho, não podendo passar para os
descendentes. Esse direito só será personalíssimo se esse filho for civilmente
incapaz. É indisponível, pois não admite nenhuma transação, e imprescritível
porque, enquanto vivo, esse filho tem o direito de reclamar seu reconhecimento e o
pai de responder a tal reclame85.

Paulo Luiz Netto Lobo conceitua juridicamente o Estado de Filiação:

O estado de filiação é a qualificação jurídica dessa relação de parentesco,


atribuída a alguém, compreendendo um complexo de direitos e deveres
reciprocamente considerados. O filho é titular do estado de filiação, da
mesma forma que o pai e a mãe são titulares dos estados de paternidade e
da maternidade, em relação a ele 86.

Mister mencionar a tripla qualificação de filiação feita por Eduardo de


Oliveira Leite: biológica, psicológica e afetiva. Segundo o autor, a filiação biológica
seria aquela apresentada sob o “aspecto cromossômico e genético”, enquanto a
psicológica consistiria em “afeição” que se estabelece entre as primeiras semanas e
os primeiros meses de vida, que verdadeiramente forja uma filiação: isto é, esse
vínculo de amor que nada tem a ver com a filiação biológica, sendo a filiação afetiva
aquela que é estabelecida no próprio relacionamento familiar87.

Outros autores entendem que o conceito de filiação implica em 3


definições: biológica, jurídica e sócioafetiva.

A mais tradicional, a biológica, é definida por Sílvio Rodrigues como: “a


relação de parentesco consangüíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma
pessoa àquelas que a geraram”88.

2005. p.13.
84
BRASIL, República Federativa do. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8069/90.
85
MONTEIRO, Washington de Barros. Apud CURY, Munir. Estatuto da criança e do adolescente comentado. São Paulo :
Malheiros 2000. p. 104.
86
LÔBO, Paulo L.N. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. 2004. Disponível
em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4752 (Acessado em 05/05/2008).
87
LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito: Aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e
jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 208-209.
88
RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: direito de família. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 6. p. 28.
41

A filiação jurídica, conforme os dizeres de Maria Cristina de Almeida,


consiste na filiação juridicamente através de sentença, certidão, ou declaração: “é
pelo vínculo jurídico da filiação que, a priori e classicamente, se estabelece o elo de
ligação entre um filho e seus pais, reconhecendo a ordem jurídica à importância da
filiação, como conceito fundamental no direito de família”89.

No Brasil, a Constituição de 88 como um todo, assimilou preceitos básicos


visando proteger os desiguais concedendo direitos inerentes a toda pessoa humana.
À família, o art. 226 proclamou que “a família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado”. Por conseguinte, as uniões estáveis, formadas somente por
casais ou casais e filhos, alcançaram a mesma proteção concedida às famílias
formadas com base no vínculo matrimonial90.

Por fim, a sócioafetiva, que decorre da verdade sócioafetiva do


sentimento, do amor desenvolvido por “pais” e “filhos”.

Por filiação sócioafetiva, entende Guilherme Calmon Nogueira da Gama


tratar-se “do vínculo que decorre da relação sócioafetiva constatada entre filho e
pais, o sentimento existente entre eles – tendo como fundamento o afeto”91.

Nathalie Carvalho Cândido(2007) , refere-se a três modelos de filiação,


que em relação à determinação da filiação, coexistem atualmente, sendo eles o
tradicional, o científico e o sócioafetivo.

“No modelo tradicional o critério é a presunção de paternidade ou


maternidade em benefício do casal que a concebeu na constância do
casamento. No científico o critério é o biológico, sendo considerado pai e
mãe aqueles que passaram sua herança genética à criança concebida. Por
fim, tem-se no modelo sócioafetivo o critério afetivo, que define a
paternidade ou maternidade em favor daqueles que desejaram e realizaram
o projeto parental, independente de este ter se concretizado com material
genético próprio ou de terceiros”.

O conjunto de circunstâncias capazes de externar a qualidade de filho


legítimo do casal que o cria e educa, é o que estabelece a posse do estado de filho
configura-se nas seguintes circunstâncias: sempre ter levado o nome dos
presumidos genitores; ter recebido continuamente o tratamento de filho legítimo; ter

89
ALMEIDA, Maria C. DNA e o estado de filiação à luz da dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado.2003.
p. 86.
90
DONIZETTI, Leila. op. cit., p.30
91
GAMA, op. cit., p. 482
42

sido constantemente reconhecido, pelos presumidos pais e pela sociedade, como


filho legítimo92.

Boeira, em sua aprofundada concepção, define a posse de estado de filho


como sendo "uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação
frente a terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação
paterno-filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de
pai” 93

Importante a lição de Leila Donizetti, que lembra que “estado de filiação


não confunde com a origem biológica e investigar a paternidade é diferente de
conhecer a ascendência genética”94.

São claríssimas as definições e considerações dos autores acima citados,


dispensando outros comentários.

Entender o conceito de filiação neste estudo aplicável à reprodução


assistida heteróloga e suas implicações, é de extrema importância, afinal, não
haveria que se falar em reprodução assistida, caso os filhos não fossem
fundamentais à essencial procriação do ser humano. Importância grande para o bom
resultado da presente pesquisa, estudar os conceitos dos institutos do direito de
procriar, o estado de filiação, família, pai e mãe.

92
GOMES, Orlando. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 324.
93
BOEIRA,J.B. R..Investigação de paternidade-posse de estado de filho:paternidade sócioafetiva.Porto Alegre:Livraria do
Advogado, 1999. p. 60
94
DONIZETTI, Leila. op. cit., p. 3.
43

CAPÍTULO 2

2 REPRODUÇÃO ASSISTIDA: CONCEITOS

Neste item, denominado Reprodução Assistida – a palavra chave da


Monografia em pauta – discorre-se sobre a mesma e sobre conteúdos a ela
relacionados e que a explicam, ampliando o entendimento a respeito, tais como:
Esterilidade e Infertilidade; Conceitos de Reprodução Assistida; Técnicas de
Reprodução Assistida; Reprodução Assistida Heteróloga; Doador de Sêmen; Banco
de Sêmen; Anonimato.

2.1 ESTERILIDADE E INFERTILIDADE

Para iniciar o estudo sobre esterilidade e infertilidade, é necessário trazer


conceitos que precisem seu sentido, pois no senso comum são tratados sem
distinção.

Thomas Lathrop Stedman, qual argumenta que, enquanto esterilidade é


“a incapacidade de fertilização ou reprodução”, e é irreversível; a infertilidade é uma
“esterilidade relativa” e pode ser reversível 95.

Modernamente, conforma a Organização Mundial de Saúde (OMS),


“infertilidade é a incapacidade de conceber de um casal, após um ano de
relacionamento sexual, sem o uso de medidas contraceptivas96”. Os fatores de

95
STEDMAN, Thomas Lathrop. Apud. FERNANDES, Tycho Brahe. op cit., p. 52.
96
QUEIROZ, Juliane F., op. cit., p. 67
44

infertilidade podem ser absolutos ou relativos, dando origem, respectivamente, à


esterilidade ou à hipofertilidade. A primeira deriva de situações irreversíveis em que
a concepção só será possível por meio de técnicas de reprodução medicamente
assistida. Nas situações de hipofertilidade, como infertilidades de causa inexplicada,
a concepção poderá ser conseguida, em alguns casos, por terapêuticas
tradicionais97 .

Entende Léo Pessini, que a esterilidade caracteriza-se pela


impossibilidade de ocorrer a fecundação numa situação irreversível; é a
incapacidade definitiva para conceber. Estéril se constitui o matrimônio ou casal que,
depois de um ano de relacionamento sexual com uma freqüência adequada e sem
qualquer medida contraceptiva, não consegue a gravidez. A infertilidade, por sua
vez, é a incapacidade de ter filhos vivos, sendo possível a fecundação e o
desenvolvimento do embrião ou feto, o que equivale à hipofertilidade. 98

Observa-se, portanto, que esterilidade e infertilidade têm designações


distintas.

Marciano Vidal aduz que a esterilidade “é uma doença, ou conseqüência


de uma doença, com seus componentes físicos, psíquicos e, inclusive, sociais.
Deste ponto de vista, qualquer procedimento dirigido a remediá-la, desaparecendo
ou não a causa que origina, deve ser entendido como uma terapia”99. Visão a qual é
discordada por Heloísa Helena Barboza, para quem as técnicas de reprodução
assistida não levam a esterilidade a uma cura efetiva, sendo que, a sua utilização
serve apenas para a satisfação do desejo de alcançar a paternidade ou
maternidade100.

Para o autor da presente pesquisa, os dois entendimentos estão corretos


e um complementa o outro, pois concebe que a reprodução assistida é alternativa
para corrigir um problema médico, portanto é uma terapia, bem como serve para
alcançar à paternidade ou maternidade, portanto, uma busca por um direito.

97
PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. op. cit. 1996. p. 215.
98
PESSINI, Léo. Apud. MACHADO, Maria Helena. op. cit., p. 15
99
VIDAL, Marciano. Apud. . FERNANDES, Tycho Brahe. op. cit., p.55
100
BARBOZA, Heloisa Helena.A filiação em fase de inseminação artificial e da fertilização “in vitro”. Rio de Janeiro:
Renovar,1993. p. 39.
45

As duas doenças são devidamente registradas na Classificação


Internacional de Doenças101 - CID 10 - e, como tais, podem ser tratadas. São
doenças que atingem tanto ao homem, quanto à mulher, independente de suas
opções sexuais.

Tanto o homem quanto a mulher podem ser estéreis, sendo que este
problema pode originar-se sem causa aparente ou ser de origem desconhecida.
Normalmente, segundo Maria Helena Machado, “a esterilidade é um problema de
ordem física (orgânico) ou psicológica (mental), detectado na mulher ou no
homem”102.

A hipofertilidade ou baixa fertilidade é determinada pela ausência de uma


quantidade mínima de espermatozóides por ml (mililitros), além de insuficiência de
mobilidade e normalidade em índices necessários que determinam a fertilidade ou
não do homem. Atualmente, considera-se fértil, segundo os parâmetros da
Organização Mundial da Saúde, o homem que apresenta um índice de produção de
10 milhões ou mais de espermatozóides por ml 103.

Detecta-se a infertilidade feminina, quando de problemas na produção de


óvulos.

Passa-se a seguir a discorrer, distintamente, sobre a esterilidade feminina


e masculina:

Uma das causas mais conhecidas de infertilidade entre as mulheres, é a


procura tardia da gravidez104. Trata-se de um problema de ordem física, pois a idade
é um fator importante na infertilidade feminina. A capacidade do ovário de produzir
ovos declina com a idade, especialmente depois dos 35 anos. Em torno de 1/3 dos
casais onde a mulher tem mais de 35 anos experimenta problemas de fertilidade.
Quando a mulher atinge a menopausa ela não mais poderá produzir ovos ou ficar
grávida.

101
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classificação Internacional de Doenças:10 revisão. Tradução Centro
Colaborador da OMS PARA A Classificação de Doenças em Português. 2.ed. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo,
1995.
102
MACHADO, Maria Helena. op. cit., p. 16.
103
LEITE, Eduardo de Oliveira. Apud. MACHADO, Maria Helena. op. cit., p. 16.
104
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Apud. MACHADO, Maria Helena. op. cit., p. 19.
46

Em seu site, o médico Dr. Roger Abdelmassih indica que os principais


fatores da infertilidade feminina são: idade, alteração nas trompas, aderência
pélvica, fatores uterinos, fatores hormonais ou ovulatórios e endometriose. Para o
médico, problemas com a ovulação são as causas mais comuns de infertilidade
feminina. Sem a ovulação os ovos não estarão disponíveis para a fertilização. Sinais
de problemas com a ovulação incluem ciclos menstruais irregulares ou falta de
menstruação. Simples fatores de estilo de vida - como estresse, dieta ou treinamento
esportivo - podem afetar o equilíbrio hormonal da mulher. Mais raramente, o
desequilíbrio hormonal pode ser causado por condição médica grave, como o tumor
na glândula pituitária que pode ocasionar problemas na ovulação105.

Entre os homens, o principal problema está relacionado ao stresse (causa


psicológica).

A infertilidade masculina é geralmente causada por problemas na


produção do esperma ou em conseguir que o esperma alcance o ovo.

Taxativamente, o Dr Abdelmassih arrola como causas de infertilidade


masculina: infecções e inflamações, alterações hormonais, quantidade e qualidade
dos espermatozóides, varicocele e distúrbios imunológicos106.

2.2 CONCEITOS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

Historicamente, a esterilidade sempre foi considerada um fator negativo


na vida das pessoas. “Havia uma maldição e um estigma no entorno da esterilidade
em todas as culturas e, em contrapartida, a santificação da fertilidade”107. Mesmo
assim, se concebia a idéia de que, algum dia, alguém pudesse vir a nascer por outro
meio que não o da reprodução natural; nem se cogitava o nascimento por
reprodução assistida.

Deu-se então que, nos anos 50, após intensas pesquisas dos geneticistas
Watson e Crick, desvendou-se a estrutura material genética do ser humano,
o DNA. Após o feito, o progresso científico na área da genética não parou e,

105
ABDELMASSIH,Roger.Infertilidade Feminina. http://www.abdelmassih.com.br/in_infertilidade_feminina.php. acesso em
23/02/2008). (on-line)
106
ABDELMASSIH, Roger. Infertilidade Feminina. (on-line)
107
OLIVEIRA, Fátima op. cit., p. 65.
47

em pouco tempo, já era crível ao pensamento das pessoas, o


desenvolvimento de técnicas de reprodução humana em laboratório. Até que,
em 20 de julho de 1978, no General Hospital, em Oldham, Inglaterra, nascia
Louise Brown, o primeiro bebê de proveta, graças ao trabalho dos doutores
Steptoe e Edwards, que vinham se dedicando à pesquisa há mais de quinze
108
anos .
Sobre esse desenvolvimento biotecnológico, Fernandes, com
simplicidade, aponta que “com a evolução das ciências biomédicas, logrou-se obter,
primeiro, o prazer da sexualidade sem os ‘riscos’ da procriação e, mais
recentemente, os prazeres da procriação sem os ‘riscos’ da sexualidade” 109.

Após o nascimento de Louise Brown, muitos outros bebês de proveta


vieram ao mundo, e novas técnicas de reprodução assistida foram surgindo.

Reprodução assistida é o termo que define um conjunto de técnicas de


tratamento médico paliativo, em condições de in/hipofertibilidade humana, visando à
fecundação.

Essas técnicas substituem a relação sexual na reprodução biológica e


envolvem a intervenção, no ato da fecundação, de pelo menos um terceiro
sujeito, o médico, e às vezes, de um quarto, representado pela figura do
doador de material reprodutivo humano. A doação pode ser de células
reprodutivas (ou gametas), os óvulos e espermatozóides, ou mesmo de
embriões já formados; pode haver também a doação temporária de útero,
conhecida ainda como empréstimo de útero, aluguel de útero, mãe substituta
110
e outros .

Na inseminação artificial, dependendo da técnica aplicada, a fecundação


poderá ocorrer in vivo ou in vitro.

A fecundação ocorre in vivo, por procedimentos relativamente simples,


consistindo na introdução dos gametas masculinos de forma intra-uterina; no caso
da fecundação in vitro, o processo é mais elaborado e a fecundação ocorre em
laboratório, de forma extra-uterina111.

Levando em conta a origem dos gametas, a inseminação ou fecundação


poderá ser homóloga ou heteróloga.

108
LEITE, Eduardo de Oliveira.op.cit. p. 19-20 .
109
FERNANDES, Tycho Brahe. op. cit., p. 45.
110
CORRÊA, Marilena Villela. op. cit., p.11.
111
CANZIANI, Eduardo de Carvalho. Aspectos Legais das reprodução assistida. In: FREITAS, Douglas Phillips (Coord). Curso
de Direito de Família. Florianópolis : Voxlegem, 2004. p. 158.
48

Homóloga quando a fecundação se der entre gametas provenientes de


um casal que assumirá a paternidade e a maternidade da criança. Será heteróloga,
quando o espermatozóide ou o óvulo na fecundação, ou até mesmo ambos, são
provenientes de terceiros que não aqueles que serão os pais sócioafetivos da
criança gerada112.

Na ocorrência de inseminação homóloga, esta não incidirá em grandes


problemas quanto à filiação, vez que os pais que assumirão a função sócioafetiva,
serão os doadores do material genético. Juridicamente, a reprodução assistida
quando heteróloga, gera dúvidas , ainda não cobertas pela legislação, tal qual, se o
filho gerado por meio de reprodução assistida heteróloga, pode vir a buscar a sua
real origem genética, ainda que isso implique na quebra de preceitos da medicina,
como o anonimato do doador do material genético utilizado na reprodução.

Outros problemas poderão ocorrer, como por exemplo, a inseminação


artificial post mortem113.

2.3 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Observa-se na prática uma grande demanda pela Reprodução Assistida.

Roberto Wider aponta como possibilidades de Reprodução Assistida:


Reprodução Homóloga ou Heteróloga, Inseminação post mortem, Criopreservação
de Embriões, Utilização de Embriões Excedentários114.

As técnicas teriam sido desenvolvidas “com a finalidade de vencer os


obstáculos que impediam o encontro entre espermatozóides e óvulos em casais
estéreis115”.

No campo da reprodução assistida, de acordo com Marilena Vilella


Corrêa, as técnicas podem ser separadas / agrupadas em dois grupos, e, em função
de o ato da fecundação ocorrer dentro ou fora do corpo da mulher116.

112
CANZIANI, Eduardo de Carvalho. op.cit. p. 158.
113
A inseminação artificial post mortem ocorre quando a esposa (ou companheira) é inseminada com os gametas do marido
(ou companheiro) já falecido.
114
WIDER, Roberto. op. cit., p.2.
115
OMS, Apud CORRÊA, Marilena V. op. cit., p.67.
49

No primeiro grupo incluem-se técnicas de “Inseminação Artificial”, que são


as mais antigas e mais simples. Trata-se de uma transferência de sêmen através do
aparelho genital feminino, realizado pelo médico, que substitui a relação sexual
como meio de fecundação. Nesse caso, a fecundação ocorre no interior do corpo da
mulher. Às técnicas de Inseminação Artificial acoplou-se a prática da doação do
sêmen, constituindo a chamada a inseminação heteróloga ou inseminação artificial
com doador (IAD).

No segundo grupo de técnicas de reprodução assistida, conhecidas


genericamente como Fertilização in Vitro (FIV), onde o encontro de óvulo e
espermatozóide que caracteriza a fecundação, se realiza fora do corpo da mulher,
num laboratório a partir daquelas células reprodutivas. Foi estabelecido
originalmente no campo médico com o objetivo exclusivo de tratar esterilidades
femininas provocadas pelo chamado fator tubário – alterações no nível das
estruturas do aparelho reprodutivo feminino, conhecidas como trompas. Nesse caso
o homem e a mulher seriam férteis, produtores de células sexuais.

Existem mais de uma dezenas de técnicas variantes de fertilização in


vitro, a FIV, a GIFT e a ICSI são as mais comumente empregadas e conhecidas,
todas designadas pelo termo genérico de fertilização in vitro ou FIV, e o resultado
visado são bebês de proveta.

Além dos dois grupos de técnicas de reprodução assistida, quais sejam:


Inseminação Artificial e de Fertilização in vitro, existem ainda, práticas
complementares, que envolvem a troca de material reprodutivo. Elas consistem na
doação de óvulos, espermatozóides, embriões e útero.

Outra técnica coadjuvante no conjunto da reprodução assistida é o


congelamento de embriões117.

Entre as técnicas de reprodução assistida mais utilizadas atualmente,


destacam-se: inseminação artificial (IA), transferência intratubária de gametas
(GIFT), transferência intratubária de zigotos (ZIFT), fecundação e fertilização in vitro
(FIV e FIVETE).

116
CORRÊA, Marilena V. op. cit., p. 68-73.
117
CORRÊA, Marilena V. op. cit., p. 67-73.
50

Maria Helena Machado classifica, em sua dissertação, as técnicas de


procriação assistida em três categorias: baixa, média e alta complexidade. Para ela,
fertilização de baixa complexidade consiste na inseminação artificial. A de mediana
complexidade corresponde à GIFT. Já, a fertilização artificial de maior complexidade
se constitui na fertilização in vitro (FIVETE) exigindo que sua realização seja feita em
laboratórios altamente especializados118.

Outra técnica recorrível, vulgarmente conhecida como "mães de aluguel"


ou "mães de substituição", ocorre quando a mulher possui uma incapacidade física
para carregar o embrião.

Importante ressaltar que qualquer dessas técnicas podem ser utilizadas


ora de forma homóloga, ora de forma heteróloga. O que vai definir como homólogo
ou heterólogo será a proveniência do material biológico utilizado.

A seguir, tece-se noções sobre as técnicas de reprodução assistida,


explicitando-se de forma suscinta cada uma dessas técnicas, a partir de pesquisas
em diferentes autores; mais à frente, discute-se seus principais problemas tendo
como balizas os princípios constitucionais consagrados na Constituição Brasileira de
1988, abordados por Ommati119.

a) A Inseminação Artificial

A inseminação artificial é um processo através do qual se colhe material


genético do homem por meio de masturbação em laboratório, congelando-se o
esperma colhido em solução de azoto líquido para posterior implantação na mulher.
Nessa modalidade de técnica reprodutiva, a fecundação ocorre no próprio corpo da
mulher, gerando, em conseqüência, similaridade entre a maternidade biológica e a
gestacional, uma vez que recebe o esperma do doador no próprio corpo120.

É a mecânica mais simples, sem dúvida, supondo-se a sanidade dos


gametas; seria a coleta do sêmen com a imediata introdução no corpo da mulher,
donde se falar em auto-inseminação, possibilidade exitosa se a mulher estiver na
época da ovulação e não sofrer de nenhuma deficiência funcional ou orgânica. Essa

118
MACHADO, Maria Helena. op. cit, p. 27.
119
OMMATI, José Emílio Medauar. As novas técnicas de reprodução humana à luz dos princípios constitucionais. 1998.
Disponível em http://www.universojuridico.com.br/publicacoes/doutrinas. (on-line).
120
DONIZETTI, Leila. op cit, p. 93-94.
51

introdução pode ser feita usando-se cânulas ou seringas. Isso permite a simplicidade
da técnica e a ausência quase que total de riscos para a receptora121.

É possível, ainda, o congelamento do sêmen recolhido, quando este não


é automaticamente implantado no corpo da mulher. Pelas técnicas de
crioconservação (congelamento de gametas) existentes na atualidade, pode-se
manter o sêmen com suas características inalteradas por um período de até 20
anos.

Assim é, que “foi notícia em revista de grande circulação aqui no Brasil a


façanha de um hospital do estado americano da Califórnia, que conseguiu a
concepção de um gêmeo de um menino de sete anos de idade. Essa proeza que, ao
mesmo tempo, assusta, só foi possível graças ao congelamento de
espermatozóides. E, o congelamento de óvulos, técnica que parecia impossível, foi
noticiada em outubro de 1997, como o mais novo avanço na área de reprodução
artificial”122.

O alongamento na discussão de técnica tão simples justifica-se, como se


verá adiante, pelo fato de que todos os outros métodos são derivados da
inseminação artificial.

b) A Transferência Intratubária de Gametas (GIFT)

A GIFT se constitui na aspiração do ovócito e na sua transferência para


as trompas juntamente com os espermatozóides123. É o caso da reprodução in vivo.

Na mesma operação, colocam-se ambos os gametas em uma cânula


especial, devidamente preparados, introduzindo-os em cada uma das trompas de
Falópio, lugar onde se produz naturalmente a fertilização. Se tudo transcorre
normalmente, os espermatozóides penetram em um ou mais óvulos, formando-se o
embrião. Este descerá dentro das trompas até o útero, de forma tal que a concepção
se produzirá integralmente no corpo da mulher. O grande problema é a baixa
porcentagem de êxito desta técnica, figurando entre 35 a 40 %124.

121
LAMADRID, Miguel Ángel Soto. Biogenética, filiación y delito: La fecundación artificial y la experimentación genética ante el
derecho. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1990. p. 28 a 30.
122
PASTORE, Karina. A Vida no Freezer. In: Revista Veja, Ed. Abril, edição 1535, ano 31 n° 8, 25 de fevereiro de 1998.
p. 40.
123
RUSSO, Giovani. Apud MACHADO, Maria Helena. op. cit. p, 41.
124
LAMADRID, Miguel Ángel Soto. op cit., p.30.
52

Nas técnicas que não se utilizam apenas de métodos físicos, como a


GIFT, é comum a concepção de gêmeos. Já que em tais tipos de técnicas,
recolhem-se vários óvulos, para aumentar as chances de sucesso da intervenção.

c) A Transferência Intratubária de Zigotos (ZIFT)

Por meio da transferência intratubária de zigotos (ZIFT, em inglês), ambos


os tipos de gametas são postos em contato, in vitro, em condições apropriadas para
a sua fusão. O zigoto ou zigotos resultantes são transferidos para o interior das
trompas uterinas125.

A grande diferença da ZIFT em relação à GIFT é que, na primeira, a


fecundação se realiza fora do corpo da mulher, enquanto na segunda, o encontro do
óvulo com o espermatozóide, formando o embrião, ocorre nas trompas126.

A ZIFT, assim como a GIFT, possui baixa porcentagem de êxito. Há


vários zigotos excedentes, que não são colocados no corpo da mulher e que depois
são conservados congelados até que o casal decida o que fazer com ele, surgindo
problema ético-jurídico discutido atualmente no STF.

d) Fecundação In vitro (FIV)

Conhecida popularmente como “bebê de proveta”, a fertilização in vitro é


a fertilização em laboratório, que compreende as seguintes etapas: indução da
ovulação, punção folicular e cultura de óvulos, coleta e preparação de esperma e,
finalmente, inseminação e cultura de embriões.127

Juliane Fernandes Queiroz explica o processo da FIV:

É o procedimento pelo qual um óvulo é removido de um folículo e fertilizado


por espermatozóides fora do corpo da mulher, em meio artificial adequado
para se iniciar a reprodução celular, quando, então, o embrião será
128
implantado no útero materno.
Fertilização in vitro (FIV) consiste em colher óvulos de uma
mulher, fertilizando-os numa placa de Petri para os mesmos, quando já
transformados em zigotos, iniciando a divisão celular dentro do útero da receptora.

125
OMMATI, José Emílio M. op. cit. (on-line)
126
PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. op. cit., p. 218.
127
FRANTZ, Nilo. I Congresso Brasileiro de Biodireito. Anais, Out. 2000. p. 130-143.( palestra constante do livro da Escola
Superior de Advocacia, OAB/RS). p. 130-143.
128
QUEIROZ, Juliane. op.cit., p. 74.
53

Quando o zigoto se implanta com sucesso e se torna embrião, a gravidez progride


do mesmo modo que aquela naturalmente conseguida129.

O método, inicialmente, foi indicado para mulheres com obstrução


irreversível ou ausência tubária bilateral, sendo que, atualmente, também é utilizado
nos casos de oligozoospermia, falha do tratamento cirúrgico tubário, esterilidade
sem causa aparente e endometriose130.

A FIV é uma das técnicas de maior repercussão, possui alto porcentual de


êxito, porém, assim como outras técnicas, esta também carrega o inconveniente de
produzir embriões excedentes.

e) Fertilização In Vitro Seguida da Transferência de Embriões (FIVETE)

A técnica da FIVETE é utilizada, na maioria das vezes, por conta da


esterilidade tubária ou, no caso dos espermatozóides serem aniquilados no
organismo feminino (esterilidade imunológica, que ocorre raramente), além das
situações em que o número de espermatozóides saudáveis são insuficientes, assim
como nos casos de esterilidade de origem desconhecida.

A fertilização in vitro seguida da transferência de embriões, ou


simplesmente FIVETE (sigla em inglês), consiste na técnica segundo a qual o zigoto
ou zigotos continuam a ser incubados in vitro no mesmo meio em que surgiram, até
que se dê a sua segmentação. O embrião ou embriões resultantes (estágio de 2 a 8
células) são, então, transferidos para o útero ou para as trompas. É a fertilização em
laboratório, conhecida como bebê de proveta.

Difere da ZIFT pelo fato da transferência ocorrer após a segmentação do


zigoto, quando este já é denominado de embrião131.

e) As Mães de Substituição

Para discorrer sobre mães de substituição, traz-se à tela excelente


argumentação conclusiva de Ommati:

temos o que vulgarmente se chamou de "mães de aluguel", mas que


preferimos denominar de "mães de substituição".

129
WIDER, Roberto. op. cit., p. 8.
130
MENDES, Patrícia Ferreira. O direito à identidade genética na reprodução assistida heteróloga. São José - SC:
UNIVALI, 2006 ( Monografia de Conclusão de Curso de Direito). p. 35.
131
PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. op. cit., p. 218 a 219.
54

Convém ressaltar que não se trata de uma técnica biológica, mas sim da
utilização de mulheres férteis que se dispõem a carregar o embrião, durante
o período de gestação, pela impossibilidade física da mulher que recorreu
aos Centros de Reprodução, de suportar o período gestacional.
Essa prática tem tido repercussões bastante negativas, pelo fato de, muitas
vezes, a mãe substituta se afeiçoar ao ser que vai gerar, descumprindo a
obrigação contratual de devolver o recém-nascido à mulher que a contratou.
Nos países desenvolvidos, esse fato tem causado grandes discussões,
sendo na maior parte deles vedado o uso das mães de substituição.

Muitas são as classificações das técnicas de reprodução humanas


artificiais, tendo-se optado pela acima exposta pelo critério de uma melhor clareza
com relação ao conceito e nível da assistida heteróloga.

2.4 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA HETERÓLOGA

A reprodução assistida heteróloga é utilizada quando insurge na


impossibilidade de um dos cônjuges ou companheiros contribuir com seu material
fecundante, e o outro podendo contribuir, normalmente, com seus gametas. Em
outras palavras, inseminação artificial heteróloga é a técnica de reprodução em que
se utiliza gameta doado por alguém que não seja o pai ou a mãe do futuro filho.

Maria Helena Machado explana claramente quando da ocorrência de


inseminação artificial heteróloga:

O cônjuge ou companheiro que não produzir espermatozóides ou que os


produzir em número inferior ao necessário para que ocorra a fertilização,
poderá resolver o seu problema de infertilidade, utilizando-se de
espermatozóides de doadores, através dos bancos de sêmen. Nesse caso,
132
tem-se uma inseminação artificial heteróloga.

A mulher, por sua vez, segundo Maria Helena Machado, poderá valer-se
da fecundação in vitro, quando vier a sofrer qualquer anomalia tubária que impeça a
fecundação através de meios naturais. Nesse caso, o encontro com o sêmen não
ocorrerá na trompa, mas no laboratório, através de um tubo ou em cultura
laboratorial. E, quando a infertilidade feminina ocorrer por falta ou ausência de
óvulos, pode ela recorrer a óvulos de doadoras, que serão fertilizados in vitro, pelo

132
MACHADO, Maria Helena. op. cit., p. 27.
55

esperma do marido ou companheiro, e posteriormente implantado no útero da


mulher infértil, ocorrendo assim, a doação de óvulos133.

Para Paulo Luiz Netto Lôbo, a inseminação artificial heteróloga, prevista


no art. 1.597, V, do Código Civil, dá-se quando é utilizado sêmen de outro homem,
normalmente doador anônimo, e não o do marido, para a fecundação do óvulo da
mulher. A lei não exige que o marido seja estéril ou que, por qualquer razão física ou
psíquica, não possa procriar. A única exigência é que tenha o marido previamente
autorizado a utilização de sêmen estranho ao seu. A lei não exige que haja
autorização escrita, apenas que seja "prévia", razão porque pode ser verbal e
comprovada em juízo como tal.134

Assim pois, a reprodução humana assistida heteróloga ocorre quando o


espermatozóide e / ou óvulo na fecundação, são proveniente de um doador anônimo
que não aqueles que serão os pais sócioafetivos da criança gerada. Será homóloga,
mquando se der entre gametas provenientes de um casal que assumirá a
paternidade e a maternidade da criança.

A futura legislação deverá determinar que, para a utilização de qualquer


das técnicas de reprodução assistida, haja o prévio consentimento escrito dos
envolvidos, o qual será irrevogável após ser ela aplicada.

Tycho Brahe Fernandes é preciso ao explicar que:

Por fecundação heteróloga entende-se o processo pelo qual a criança que


vier a ser gerada por qualquer das técnicas de reprodução assistida for
fecundada com a utilização de gametas de doadores, dividindo-se a
fecundação heteróloga “a matre”, quando o gameta doado for o feminino, “a
patre”, quando se tratar de doação de gameta masculino, ou total, quando
os gametas utilizados na fecundação, tanto os masculinos quanto os
femininos, são de doadores135.

Pode então, ocorrer – e é o caso mais freqüente – casos em que o marido


ou companheiro não tem condições de fornecer sêmen apto a ser utilizado nas
técnicas conceptivas, e, também é possível, porém com menos freqüência, ocorrer a
gravidez da mulher que se aproveitou do óvulo de outra mulher, que foi fecundado
por esperma de seu marido, recebendo o embrião em seu corpo.

133
MACHADO, Maria Helena. op. cit., p. 27.
134
LÔBO, Paulo Luiz Netto. op. cit. (on-line)
135
FERNADES, Tycho Brahe, op. cit., p. 58.
56

Guilherme Calmon Nogueira da Gama observa que o maior número de


casos de aplicação das técnicas de reprodução heteróloga se vincula à doação de
sêmen de terceiro. Não há dúvida que relativamente à mulher (mãe ou
companheira), o fundamento do vínculo que se constituirá entre ela e a criança é o
biológico. A questão mais complicada se refere ao marido ou companheiro, uma vez
que não haverá qualquer liame biológico entre o marido (ou companheiro) e a futura
criança. De qualquer modo, haverá necessidade de se verificar a presença (ou não)
do consentimento do marido para o fim de se analisar se o vínculo de parentesco
poderá ou não ser reconhecido.136

Importante citar novamente Guilherme Calmon Nogueira da Gama, para


perceber que o parentesco entre o pai e a criança concebida será civil e não
consangüíneo, cabendo, portanto, todas as implicações disponíveis na legislação
brasileira no que às obrigações que o pai tem com o filho:

Independentemente dos critérios, das fontes, e das origens que possam ser
cogitadas a respeito, é essencial observar que o parentesco entre o homem
(marido ou companheiro) e a criança concebida a partir das técnicas de
reprodução heteróloga, não será o natural, mas o civil, diante da sua origem
ser diversa da consangüinidade. O mesmo raciocínio é aplicável nos casos
em que foi o marido (ou companheiro) que contribuiu com os seus gametas
masculinos para servirem na fecundação de óvulo doado por terceira
pessoa, apenas com a inversão das espécies de parentesco: enquanto o
137
homem será pai natural da criança, a mulher será mãe civil.

Novamente são oportunas as lições de Gama que nos casos do recurso


às técnicas de reprodução assistida heteróloga, quando há doador de sêmen, deve-
se averiguar o período em que se verificou a concepção era época da vivência do
casamento, incluindo os prazos legais do Código Civil, no seu artigo 1.597. Em
ocorrendo a concepção diante do tratamento que a mulher se submeteu no
momento do casamento, independentemente do consentimento do marido, existirá
presunção de paternidade diante da verdade jurídica, que tem como pressuposto o
risco da situação em que se encontra o marido no sentido de assumir os efeitos do
projeto parental posto em prática pela sua esposa unilateralmente138.

Deste modo, incide corretamente a presunção de paternidade do marido


relativamente à criança, uma vez sucedido o nascimento com vida, diante do parto

136
GAMA, Guilherme C. N. op. cit., p. 736.
137
GAMA, Guilherme C. N. op. cit., p. 736.
57

da mulher casada, o que revela que é a verdade jurídica embasadora da


paternidade-filiação, nesse caso. Tal presunção, entretanto, é relativa, que poderá
ser afastada em se provando que não houve pretensão por ele manifestada no
sentido de aceitar que sua mulher pudesse procriar mediante assistência médica –
com sêmen de terceiro – o que demonstra que a verdade jurídica pode ceder ante à
verdade biológica e à ausência de verdade afetiva139.

A relação entre pais e filhos concebidos na relação sexual tem pleno


embasamento jurídico, valor biológico e afetividade. Para os gerados na
inseminação heteróloga o homem que anui dessa opção reprodutiva, nos casos em
que a mulher recebe sêmen de terceiro, será o pai jurídico e afetivo. Diferenciando-
se no critério biológico apenas.

Assente desta forma Juliane Fernandes Queiroz:

Se o companheiro consentiu na realização da inseminação heteróloga, a


paternidade dever-lhe-á ser atribuída juridicamente. O ato de anuência
indica que o homem está disposto a assumir uma paternidade sócioafetiva.
Não só auxilia, inclusive psicologicamente, na concepção da criança, como
também está declarando a vontade de criá-la como filho, estabelecendo-se,
nesse momento, o vínculo de filiação140.

Dois principais problemas decorrentes da aplicação das técnicas de


reprodução medicamente assistida heteróloga, são apontados por Cândido:

- A possibilidade de haver o conhecimento da identidade do doador por


parte da criança concebida conflitar com o direito à intimidade do doador,
cuja identidade sairia do anonimato;
- O direito ao conhecimento da ascendência genética por aquele ser gerado
via reprodução assistida heteróloga colidir com: a) a desconstituição da
paternidade anterior; b) a declaração de uma nova paternidade; c) bem
como, a desconsideração de qualquer vínculo jurídico entre doador e
criança, uma vez que esta foi concebida para efetivação de projeto parental
de outras pessoas141.
Segundo Eduardo de Oliveira Leite:

A procriação artificial, apesar dos excelentes resultados já alcançados,


capazes de contornar a infertilidade, ainda provoca a diversidade de
opiniões, mas também, convergência sobre pontos essenciais, cuja validade
continua sendo inegável: nem a inseminação artificial, nem a fecundação in
vitro, nem a maternidade por substituição, não curam a esterilidade que as

138
GAMA, Guilherme C. N. op. cit., p. 736.
139
Como afirma Eduardo de Oliveira Leite, “se o marido não concordou com a inseminação abre-se-lhe a via da negatória da
paternidade” (Procriações artificiais e o direito, cit., p. 370). No mesmo sentido: BARBOZA, Heloisa Helena. Op. cit., p. 62.
140
QUEIROZ, Juliana F. op. cit., p. 84.
141
CÂNDIDO, Nathalie Carvalho. Reprodução Medicamente Assistida:distinção e origem genética. 2007.
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10171 (acesso no dia 15/02/2008). (on-line)
58

motivam. São paliativos, são tratamentos capazes de dar filhos a quem a


natureza os negou. Assim como a adoção, tradicionalmente admitida no
terreno mais conservador e formal do mundo jurídico.

Apesar de verificar-se o crescimento dos laboratórios de reprodução


assistida, a realidade atual da legislação brasileira é pobre no que tange à matéria.
Há hoje, urgente necessidade de criação de lei que regule a reprodução assistida. O
que ocorre é que esses laboratórios, órfãos de leis, funcionam sob suas convicções
éticas, e não raramente, seus interesses financeiros.

A urgência se dá pelo fato de que a biotecnologia vem avançando de


maneira inalcançável, sem o suporte de uma lei que breque esses avanços para que
não fujam do controle. É manifesto que todas as novidades biotecnológicas não
podem ser realizadas, deixando à responsabilidade da consciência dos profissionais
que manejam a reprodução humana. Enquanto isso, os conflitos éticos se proliferam
e não se chegará a um consentimento tão cedo.

2.4.1 O Doador de Sêmen

Para introduzir um outro lado da discussão em pauta – a questão da


doação de sêmen – necessária à reprodução humana assistida heteróloga, oportuna
é a advertência de Wider : “Na seara da reprodução assistida, a reprodução
heteróloga é uma das mais complexas; nela há além das pessoas diretamente
envolvidas, mais uma: o doador, cujos direitos têm de ser levados em conta”.142

O conceito de doação está explícito no art. 1165 do Código Civil brasileiro:


“considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberdade, transfere de
seu patrimônio, bens ou vantagens para o de outra, que os aceita”.

No caso estudado, o sêmen ou óvulo doados, constituem patrimônio não


econômico, que compõe o corpo do doador. Para melhor entendimento, segue a
lição de Antonio Chaves:

Os bens de valor econômico podem ser livremente doados, conforme a


vontade de seu detentor. Já os bens sem valor econômico, que compõem o
corpo da pessoa, só podem ser objetos de doação, desde que a transação

142
WIDER, Roberto. op. cit., p. 89.
59

não fira à integridade corporal do doador, como é o caso do sangue, do rim


e do sêmen143.
Reconhece a doutrina não ser absolutamente patrimonial o direito sobre o
próprio corpo, mas pessoal, de caráter especial, tendo por conteúdo a livre
disposição do corpo, dentro dos limites assinalados pelo direito positivo.
Para a doação restar bem sucedida, devem ser cumpridos os
pressupostos da liberdade (animus donandi), transferência e aceitação, além é claro,
o contrato, ainda que tácito.

A Resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, que dispõe


sobre as normas éticas para a utilização de técnicas de reprodução assistida e serve
como uma norma interna entre os sujeitos envolvidos da reprodução assistida, e que
não tem força de lei, em seu sub-item IV, consonante à doação de gametas ou pré-
embriões, dispõe que:

IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES


1 - A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial.
2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-
versa.
3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores
de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações
especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem
ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade
civil do doador.
4 - As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter,
de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral,
características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.
5 - Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará
que um doador tenha produzido mais que 2 (duas) gestações, de sexos
diferentes, numa área de um milhão de habitantes.
6 - A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do
possível, deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica
e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a
receptora.
7 - Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou
serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam
serviços, participarem como doadores nos programas de RA.

Quem consentiu em doar o seu sêmen para um Banco de esperma, com


vistas a auxiliar um casal infértil, embora possa (em tese) alegar que o filho é,
geneticamente falando, seu, deverá, em contrapartida, aceitar que o filho não é
institucional, nem voluntariamente, seu. Ao contrário, estar-se-ia admitindo – como
ocorre na doação de órgãos – que após o implante do órgão em novo paciente, o

143
CHAVES, Antonio. Op.cit..p.86.
60

doador reclamasse a propriedade do órgão doado, o que fica vedado pela lógica e
pela própria natureza da doação144.

Em consulta feita ao site eletrônico do Hospital Albert Einstein de São


Paulo-SP, sobre doação de sêmen, constatou-se que, para doar sêmen, o homem
deve ter entre 18 e 40 anos; ser saudável e não ter doenças hereditárias; concordar
com o anonimato; além de passar por uma consulta médica para ser avaliado. Todos
os itens devem ter resultados perfeitos. Aprovado, o doador tem que fazer a coleta
do sêmen depois de, no mínimo, três dias e, no máximo, sete de abstinência sexual
e de masturbação. Não há qualquer tipo de pagamento pela ação, que deve ser
sempre gratuita. É claro que o critério quanto à seleção de doadores é subjetivo.
Outras clínicas não fazem um controle tão rigoroso, muitas vezes por escassez no
banco de sêmen, muito embora quanto maior o controle, maiores as chances de
sucesso do tratamento e melhor a saúde da criança concebida.

Se aprovado, o doador deve preencher documentos que serão usadas


para diferenciar as características dos doadores. Todas as características possíveis,
que podem ser preservadas, pertinentes ao doador, são guardadas em uma ficha de
registro. O tipo sanguíneo, em alguns grupos, é considerado fator prioritário de
eleição para aceitação de doador, embora não seja essencial.

Esses documentos são:

- Ficha de filiação do doador, na qual figuram seus dados pessoais: o


número da carteira de identidade, CPF, endereço, telefone, as
características físicas e as referências pessoais e familiares. Registram-se
seu peso, altura, cor da pele, cor dos olhos, cor e textura do cabelo, bem
como as características da aparência (magro, normal, obeso), do caráter
(nervoso, normal, tranqüilo) e outras mais que podem ser consideradas.
Assinalam-se também o grupo sanguíneo e o fator Rh.
- Documento de compromisso assinado pelo doador no qual aparecem suas
obrigações com o banco de sêmen, tais como regularidade em suas
entregas, pontualidade no horário, dias de abstinência, disciplina com as
análises microbiológicas e tratamentos indicados, e a certeza de que não
está doando amostras a outro banco de sêmen.
- Documento, assinado pelo doador, de compromisso de renúncia, que
impede de realizar qualquer reclamação sobre as amostras doadas, e de
renúncia sobre uma possível paternidade das concepções obtidas com o
seu material genético, estabelecendo também a responsabilidade exclusiva
145
do banco de sêmen no destino do material doado .

144
LEITE, Eduardo de O. op. cit., p. 382.
145
QUEIROZ, Juliane F. op. cit., p. 92.
61

Quando o número máximo de gestações permitidas por lei for alcançado,


o doador será informado de que o banco poderá prescindir de seus serviços. Para
tanto, o banco tem que anotar o destino do sêmen e, em seguida, a consecução da
gravidez. Entretanto, não basta colher somente a informação da gravidez. É de
fundamental importância que se registre se a gravidez resultou em nascimento com
vida e mais o sexo da criança gerada146.

Tal informação permitirá que o doador seja dispensado e que o material


não seja mais doado a nenhum casal, quando se atingir o número de gestações que
se considera aceitável, conforme a Resolução 1.358/92, inciso IV, 5 já aludido147.

Outras questões a serem esclarecidas no que dizem respeito ao doador


de sêmen são pertinentes. Não se questiona sua idoneidade ao realizar a doação,
mas sim no que pode vir posteriormente. Pode o doador pleitear a paternidade da
criança gerada através de seu sêmen? Pode o doador ter seu anonimato quebrado
por mera curiosidade do filho?

Tycho Brahe Fernandes, acredita que o doador de sêmen, não poderá


reclamar a paternidade de qualquer criança gerada com seu sêmen se a mãe for
casada ou viver em união estável. Situação em que o filho será tido como legítimo
do marido ou companheiro. No caso em que a receptora do sêmen é mulher solteira,
viúva, divorciada, ou separada judicialmente, poderá o filho vir a demandar a
paternidade em ação, movida contra o doador. No outro vértice, Fernandes cita
autores com opiniões contrárias à sua: Eduardo de Oliveira Leite e Mario de Aguiar
Moura, Maria Helena Diniz e Tânia da Silva Pereira e Pinto Ferreira. Entendem que
o doador de sêmen não pode ser demandado, em decorrência da paternidade, uma
vez que ele abdica voluntariamente de sua paternidade, da mesma forma o faz
quem entrega uma criança para adoção148.

Mais uma vez, fica evidente a necessidade de uma legislação pontual,


específica para a reprodução assistida, no sentido de tutelar as necessidades,

146
MENDES, Patrícia F. op. cit. p, 46.
147
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução 1.358/92 . Brasília.
148
FERNANDES, Tycho Brahe. Op. cit. p. 84.
62

obrigações e direitos do doador, dos dados do doador, do filho que será concebido,
da mãe e do pai, da clínica que utiliza da prática, entre outros.

2.4.2 Banco de Sêmen

Os bancos de sêmen são utilizados para a preservação de sêmen


humano congelado, com funções exclusivas de procriação humana, realizada por
meio das técnicas de reprodução assistida.

A Pro-Seed implantou o primeiro banco de sêmen do Brasil, preservando


sêmen. Iniciou as atividades de recrutamento de doadores voluntários anônimos em
1992 com liberação de sêmen para Inseminação (IAD) em 1993.

Segundo informações da Pro-seed149, a finalidade do Banco de Sêmen se


constitui em manter armazenados os sêmens (espermatozóides), por tempo
indeterminado, congelado em nitrogênio líquido (196ºC negativos) para utilização em
inseminação artificial ou outras técnicas de fertilização assistida para se conseguir
gravidez.

Uma vez coletado, o sêmen é analisado para verificação da quantidade


de espermatozóides e sua motilidade. Uma solução à base de glicerol é adicionada
ao sêmen de forma gradativa com a finalidade de proteger os espermatozóides dos
possíveis danos causados pelo congelamento. O sêmen diluído é colocado em
recipientes plásticos resistentes ao congelamento, identificado, congelado e mantido
à temperatura de 196º C negativos, em botijão com nitrogênio líquido, por tempo
indefinido.

O banco de sêmen, deste modo, funciona como um armazém de


espermatozóides que serão empregados nas várias técnicas de reprodução. É
utilizado para armazenar tanto o material de inseminações artificiais homólogas
(caso, por exemplo, de maridos que serão tratados com quimio ou radioterapia, ou
antes, de uma vasectomia) e quando de inseminações heterólogas (doação por
terceiro)150.

149
http://www.pro-seed.com.br
150
QUEIROZ, Juliane F. op. cit. p. 90-91.
63

Existem hoje, três formas de obtenção de espermatozóides: através de


masturbação em laboratório, coleta de espermatozóides no epidídimo151 e testículo
ou através de ejaculação estimulada (vibro ou eletro-ejaculação) e são congelados
através de técnica bem estabelecida.

As informações contidas nos bancos de sêmen, subdividem-nos em


banco de sêmen terapêutico, e, de doadores anônimos. Interessa ao presente
estudo, este último, já que aquele trata de manter congelados sêmen de homens
que vão submeter-se a tratamentos, que podem colocar em risco sua fertilidade,
como quimio ou radioterapia, vasectomia, algumas cirurgias, entre outros, e que
quando utilizados, caracterizarão a reprodução homóloga.

O Banco de Sêmen de Doadores Anônimos consiste em manter sêmen


de pessoas que voluntariamente doaram seus gametas para casais cujo marido
apresenta infertilidade que não pode ser tratada. Destarte, para se realizar a
inseminação heteróloga o banco de sêmen fornece o material fecundante, que, por
sua vez, é obtido por meio de doação feita por terceiros.

O início da composição do banco se faz por meio da seleção dos


doadores, por métodos rígidos e criteriosos, com o fito de não comprometer a
concepção. Os candidatos a doadores recebem um folheto explicativo indicando as
provas prévias às quais terão de se submeter antes de formar parte do banco, os
controles sorológicos trimestrais, assiduidade e responsabilidades que devem
adquirir152.

Os recipientes que armazenam o sêmen são identificados por códigos


que levam ao arquivo do doador. Apenas pessoas credenciadas, que trabalham no
banco de sêmen, têm acesso a esses arquivos, no sentido de assegurar, de forma
absoluta, o anonimato do doador e o sigilo das informações.

Os bancos de sêmen armazenam material genético com as mais variadas


características de doadores, de maneira que na hora da seleção do esperma,
possam ser selecionados fatores como altura, peso, tipo sanguíneo, cor dos olhos e
cabelo, para que este seja o mais parecido possível com o parceiro da paciente. O
sêmen deve ser escolhido entre os doadores cujo fenótipo se assemelhe mais ao do

151
O epidídimo é um pequeno ducto que coleta e armazena os espermatozóides produzidos pelo testículo.
64

marido da mulher. Escolhido o material do doador compatível ao casal receptor, as


doses lhe serão entregues para execução da inseminação artificial heteróloga153.

2.4.3 Anonimato

Um dos aspectos que tem suscitado discussões é o atinente ao


anonimato do doador154.

A necessidade de manter ou não em sigilo o nome dos doadores de


gametas ou embriões é questão de extrema importância e sua elucidação é
indiscutivelmente, imprescindível na presente pesquisa.

Pode-se e deve-se levar em conta, por analogia, em primeiro lugar, a Lei


9.434/97, reguladora da doação de órgãos, onde doadores de órgãos tem seu
anonimato garantido.

O anonimato é garantido institucionalmente também pelo Conselho


Federal de Medicina, na Resolução 1.358/92, “Item” IV – 2 e 3( inclusive já
mencionado em item anterior desta monografia) :

IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES


[...]
2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-
versa.
3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores
de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações
especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem
ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade
civil do doador.
Numa prática ultrapassada, em alguns países, houve um tempo em que
era comum o absurdo de misturar o sêmen de vários doadores, técnica conhecida
nos Estados Unidos como Confused Artificial Insemination, sem que os dados dos
doadores fossem mantidos em um banco de dados. No Brasil, essa técnica é
considerada, atualmente infração grave, reprovável e hoje vedada eticamente. O

152
MENDES, Patrícia Ferreira. op cit., p. 46 .
153
QUEIROZ, Juliane F. op. cit., p. 93.
154
DONIZETTI, Leila. op cit., p. 120.
65

que se exige é a manutenção de um registro no qual, apesar de garantido o


anonimato, os doadores poderão ser identificáveis155.

O anonimato é um assunto polêmico, dando ênfase à divergente questão


acerca da possibilidade jurídica da quebra de sigilo do material genético do doador,
para que se esclareça a origem genética do indivíduo assim gerado.

Há os que defendem que o anonimato se impõe de forma irrefutável,


como é o caso de Oliveira, Leite, Scarparo156.

Alerta Mendes, que os partidários do anonimato – a maioria dos juristas,


cientistas e médicos do mundo - também orientados por pesquisas e complexos
estudos, destacam que o anonimato é mais benéfico. Apontam, ainda, a dificuldade
que se criaria com a possibilidade de investigação, o risco de se desaparecerem
doadores (exatamente o que ocorreu na Suécia) e o aspecto negativo da
inexistência de vínculo afetivo entre o doador e a criança, bem como a ausência de
utilidade social157.

Ademais, conforme alerta Cândido a possibilidade do conhecimento do


doador por parte da criança concebida, conflitaria com o direito à intimidade do
doador que teria sua identidade revelada e não mais anônima158.

Quais as implicações que esse anonimato exerceria sobre a vida das


partes envolvidas? A quem dar o direito aos princípios do respeito à pessoa / à sua
autonomia, à beneficência, a não maleficência e à justiça? Sobre qual das duas
partes estar-se-ia desrespeitado tais princípios ? O direito à intimidade suplantaria
tais direitos?

Donizetti advoga que:

No âmbito do Direito, os argumentos desfavoráveis ao anonimato do doador


são de ordem constitucional, porquanto esteados no entendimento de que a
imposição dessa obrigatoriedade atenta contra a Lei fundamental. Para
essa corrente, a observância do anonimato do doador de gameta pelos
“estabelecimentos” que cuidam da infertilidade, bem como para aqueles que
fazem a doação do material, contraria o princípio da dignidade da pessoa
humana, que, segundo eles, atinge tanto a criança, que nascerá com a
utilização do material recebido,quanto o próprio doador [...] A dignidade da

155
MENDES, Patrícia F. op. cit., p. 46.
156
FERNANDES, Tycho Brahe. op. cit. p. 112.
157
MENDES. Patrícia F. op. cit., p. 46.
158
CÂNDIDO, Nathalie C. op. cit. (on-line)
66

criança, é lesionada quando é retirado o direito de ter acesso às suas


origens, uma vez que ao privá-la desse conhecimento ela é quase que
transportada para o mundo animal. Afinal,o que deferencia a reprodução
dos seres humanos e dos animais é o conhecimento das origens e a
vinculação que se estabelece com quem lha concedeu. 159
Entende-se que é de grande relevância e deve ser previsto em lei, a
quebra do sigilo de quem seja o doador de gametas que deram origem à pessoa.
Essa quebra, no entanto, deverá ocorrer apenas por autorização judicial e somente
quando o interessado completar a maioridade, tendo maturidade para saber se,
efetivamente, pretende obter a informação e se tem condição de absorvê-la.

Sérgio Ferraz alude o que o Congresso de Turim recomenda no tocante


ao assunto: “Os filhos, ao atingirem a idade adulta, terão direito ao acesso a todas
as informações relativas às suas origens”160 .

Hilda Sá adverte que o sigilo pode implicar no risco da mulher que se


submete ao processo, poder receber o sêmen de seu pai ou de seu irmão, com as
conseqüências graves da consangüinidade. 161

Cabe ressaltar que se é favorável ao anonimato, por questões éticas,


contudo, diante de necessidades específicas e justificáveis, e consonante com a
dignidade da pessoa humana, há que ser quebrado o sigilo dentro de padrões
também éticos.

159
DONIZETTI. Op cit, p. 120.
160
FERRAZ, Sérgio. Manipulações biológicas e princípios constitucionais: uma introdução. Porto Alegre: Sergio Fabris,
1991. p. 98.
161
SÁ, Hilda V. Os filhos perante a lei: direitos e deveres. 2.ed. São Paulo: Universitária de Direito, 1986.
67

CAPÍTULO 3

3 O RESPALDO ÉTICO-JURÍDICO DO DIREITO À ORIGEM GENÉTICA POR


FILHO GERADO VIA REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA

O terceiro e último capítulo da presente pesquisa, visa respaldar ética e


juridicamente, o direito à origem genética por filho gerado via reprodução assistida e
heteróloga, solucionando assim a questão problema.

Buscou-se desenvolver um estudo sobre a legislação acerca da


reprodução assistida, abordando quais razões levam o filho sócioafetivo a buscar a
sua origem genética, o conflito entre direitos fundamentais à origem genética e à
intimidade, a ação adequada para se buscar a origem genética, bem como a solução
para o conflito entre direitos fundamentais.

3.1 ASPÉCTOS LEGAIS DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA

O crescimento exacerbado das clínicas especializadas em reprodução


humana assistida, hoje em dia, é evidente. Sua alta demanda se dá em virtude do
grande volume de casais inférteis que anseiam por filhos.

Em que pese essa realidade, não existem leis que se adequem e/ou que
amparem seus procedimentos, tampouco os reflexos jurídicos incidentes dessas
técnicas.

A Constituição Federal de 1988, no caput do artigo 227 consagra o direito


da criança à convivência familiar, considerando-se incluído o direito de investigar sua
origem genética162.

162
PEREIRA, Renata B. da Silva. op. cit., p. 99.
68

O Código Civil brasileiro (Lei 10.406/02), não dá a devida atenção ao


tema apenas citando-o em um de seus mais de dois mil artigos, parecendo
desinteressar-se ante a complexidade da questão. Deixa de lado tanto o tema da
reprodução assistida em maior riqueza de profundidade, como também outros de
importante relevância jurídico-social.

O Código Civil apenas menciona timidamente a reprodução assistida. Seu


artigo 1.597, incisos III, IV e V, reproduzem-se da seguinte forma:

Artigo. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os


filhos:
[...]
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido;
IV - havidos a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários,
decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia
autorização do marido.
Tem-se que, pois, que o Código Civil, apenas incluiu a matéria em seu
texto, não a disciplinando de maneira adequada e condizente com sua importância.

De tão vaga, a vaga previsão legal acima mencionada recebeu críticas de


alguns estudiosos, dentre os quais, Álvaro Villaça Azevedo, que entende ser a
matéria de extrema complexividade para ser apenas mencionada em alguns incisos.
Nas palavras de Villaça Azevedo:

Tentando tratar da fecundação artificial homóloga e heteróloga, nos incisos


III a V do artigo 1.597, capítulo da filiação, o legislador inseriu matéria de
alta complexividade e que deveria existir em um estatuto próprio cuidando
163
de todo o tema envolvente de fecundação assistida .
Merece, então, legislação específica, tendo em vista que a mera menção
das técnicas permite diferentes interpretações ocasionando diversos debates
jurídicos.

Não se pode ignorar as resoluções nº 303/00 e 196/96 do Conselho


Nacional de Saúde, referente a pesquisas em reprodução humana. Como bem
expõe Renata Pereira:

A resolução nº 303/00 trata de Pesquisas em Reprodução Humana,


consideradas aquelas que se ocupam com o funcionamento do aparelho
reprodutor, procriação e fatores que afetam a saúde reprodutiva da pessoa

163
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Ética, direito e reprodução humana assistida. In: DINIZ, Maria Helena; LISBOA, Roberto Senise
(orgs). Direito Civil no século XXI. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 72
69

humana, em especial, a reprodução assistida; a anticoncepção; a


manipulação de gametas, pré-embriões, embriões e feto e a medicina fetal
[...]
A resolução nº 196/96 determina que o Comitê de Ética em Pesquisa
deverá examinar o protocolo, elaborar o Parecer consubstanciado e
encaminhar ambos à CONEP com a documentação exigida por lei, cabendo
à CONEP a provação final destes protocolos, ficando delegada ao CEP a
aprovação das pesquisas envolvendo outras áreas de reprodução
humana164.

No Brasil, o mais completo documento oficial produzido especificamente


sobre a matéria da reprodução assistida é uma Resolução do Conselho Federal de
Medicina (Resolução 1.358/92). Essa resolução parte da consideração da
legitimidade do anseio de superar a infertilidade humana – problema de saúde com
implicações médicas e psicológicas165. Na esfera administrativa, essa resolução
almeja mostrar os caminhos éticos a serem seguidos pelos médicos e clínicas,
porém, sem a interferência do Estado (poder judiciário), já que não possui força de
lei.

Por conseguinte, o profissional da área da saúde deve agir com juízo


ético e muita cautela, de modo que seu trabalho não seja prejudicado por demandas
judiciais advindas da não regulamentação legal do seu trabalho, causados pela
inércia do poder legislativo brasileiro.

Alguns Projetos de Lei também já foram confeccionados, sem que


saíssem do papel e fossem postos em prática.

É razoável a profissionais da medicina, diante da plena carência de


legislação específica e abrangente, pleitearem uma regulamentação urgente para
agirem e trabalharem dando mais tranqüilidade ao paciente e a eles mesmos, a
exemplo do que acontece em outros países, com legislação avançada no tema.
Cabe ao legislador, portanto, atuar, com o poder que lhe é conferido, no sentido de
regulamentar as técnicas de reprodução humana assistida.

3.1.1 Conselho Federal de Medicina – Resolução 1.358/92

164
PEREIRA, Renata B. da Silva. op. cit., p. 103-104.
165
CORRÊA, Marilena V. op. cit., p. 218.
70

A única regulamentação sobre reprodução humana assistida é fruto da


celeridade do Conselho Federal de Medicina, que através da sua Resolução
1.358/92, adotou normas éticas, como dispositivo deontológico, no que concerne à
regulamentação a ser observado pelas clínicas e médicos que atuam com a
reprodução humana assistida.

Eduardo de Carvalho Canziani vê da mesma maneira:

O Brasil ainda não possui legislação específica que regule a reprodução


assistida, e os julgados que tratam sobre o tema ainda são raros no país.
Atualmente a única norma que possui acerca da reprodução humana
assistida, vem do Conselho Federal de Medicina que, em 1992, através da
Resolução n° 1.358, resolveu adotar normas éticas, como dispositivo
deontológico, no que diz respeito à regulamentação e procedimento a
serem observados pelas clínicas e médicos que lidam com a reprodução
166
humana assistida .

Renata Pereira aduz que “segundo a resolução, a finalidade das técnicas


de reprodução assistida é auxiliar na resolução de problemas de fertilidade humana,
quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes, devendo ser usadas apenas na
hipótese de probabilidade de sucesso”167.

A norma do CFM, que poderá ser lida na seção “anexos” deste texto
monográfico, busca organizar e definir quando e como recorrer à reprodução
assistida, procura mostrar um caminho a ser seguido por todas as partes envolvidas
no ato, mostra como deve atuar o médico, o que pode ser pleiteado pelo paciente,
destaca que deve haver uma explicação minuciosa e consentimento de todos os
envolvidos, mostra que deve-se sempre optar pela gratuidade da doação e pelo
sigilo sobre a identidade dos doadores e receptores, entre outros fatores
norteadores. Inegável que é uma resolução muito adequada. Quase completa.

Sob análise de seu conteúdo, Marilena Villela Corrêa explana:

A Resolução Normativa do Conselho Federal de Medicina [...] reafirma os


princípios gerais da inviolabilidade e da não-comercialização do corpo
humano, exige a gratuidade do dom e que a prática da doação de material
reprodutivo seja anônima, devendo ser ainda respeitado o sigilo médico.
Indica a necessidade de observação do chamado “consentimento
informado” para participação dos programas de Fiv. Estabelece regras para
diminuir a possibilidade de incesto inadvertido, como o controle do número
de receptores por doação e um limite, em termos espaciais, dentro do qual o
material de um mesmo doador poderia ser utilizado por determinado número

166
CANZIANI, Eduardo de Carvalho. op. cit., p. 157.
167
PEREIRA, Renata B. da Silva. op. cit., p. 106.
71

de mulheres. Também delimita em 14 dias o tempo máximo de


desenvolvimento de um embrião fora do corpo feminino. Nesses pontos a
168
Resolução do CFM segue, predominantemente, o modelo europeu .

Apesar de sua minuciosidade, a resolução 1.358/92 não resolveu – nem


teria competência para tanto – problemas de ordem ética. A utilização da técnica
assistente de reprodução humana implica em muita polêmica, pois trata de assuntos
que até então não foram discutidos. Alberto Silva Franco, traz à tela alguns destes
problemas:

No que tange à figura do doador, as questões referentes às cautelas que


devem cercar o ato de doação e, em particular, nessa área, a questão da
necessidade de preservação ou não do anonimato. Ainda nesse contexto,
não se pode perder de vista a ocorrência da “dupla paternidade”, ou seja, a
existência de um pai genético e de um pai legal. Se não bastasse, há ainda
a ser objeto de consideração, a situação do filho gerado: a necessidade de
explicação das relações que devem existir entre o filho e o pai legal ou entre
o filho e o pai genético; não se podendo excluir, de todo, o direito do próprio
filho de conhecer sua identidade genética. Vale acentuar, nessa matéria, a
precisa observação de Esse: “a doação de gametas não é idêntica à doação
de sangue: o sangue é totalmente absorvido pelo corpo de um terceiro,
enquanto que o gameta, além de ser absorvido, perpetua a pessoa do
169
doador na criança” .
E, dentre as questões que acima foram aludidas, surge uma de maior
importância do que as outras para a presente investigação. Trata-se do anonimato
do doador. Segundo Álvaro Villaça Azevedo:

Assenta a Resolução, ainda, que os doadores “não devem conhecer a


identidade dos receptores e “vice-versa”, devendo ser mantido sigilo sobre
suas identidades.
Ao tratar dos usuários das técnicas de reprodução assistida (II, 1 e 2), com
modernidade, inclui essa resolução não só os usuários casados como
também conviventes em regime de união estável, reconhecida como uma
das formas de constituição da família brasileira, pelo Texto Constitucional de
1988 (artigo 226, parágrafo 3°)170.

Desagasalhada pelo Código Civil vigente, a reprodução assistida tem no


Conselho Federal de Medicina, a regulamentação no âmbito administrativo que
merece. A referida resolução todavia, não supre as necessidades legais e regula a
matéria com certa complexidade, muito embora tenha servido de base para alguns
projetos de lei, como se verá adiante.

168
CORRÊA, Marilena V. op. cit., p. 218-219.
169
FRANCO, Alberto Silva. Genética Humana e Direito. Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina,v.1, n.4, p. 17-29,
1996. p. 52.
170
AZEVEDO, Álvaro Villaça Apud, DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 72.
72

3.1.2 Projetos de Lei

Ante a necessidade de legislação específica regulamentadora da


reprodução humana medicamente assistida, legisladores propuseram diversos
Projetos de Lei referentes ao tema. Alguns desses projetos seguem fielmente as
disposições da resolução 1.358/92 do CFM, sem dar grande ênfase aos reflexos e
conseqüências jurídicas provenientes do uso das técnicas assistentes de
reprodução humana, como é o caso do Projeto de Lei 3.638/97, do Deputado Luiz
Moreira, o mais antigo, que é uma cópia integral da mencionada resolução e
defende o anonimato incondicional do doador, permitindo a quebra do sigilo apenas
em casos imprescindíveis à saúde da criança.

Podem-se citar, também, o Projeto de Lei 90/99, escrito pelo Senador


Lúcio Alcântara; o Projeto de Lei 1.184/03, apresentado pelo Senador José Sarney;
o Projeto de Lei n°.120/03 do Deputado Roberto Pessoa e também o Projeto de Lei
n°.4686/04, do Deputado José Carlos Araújo.

Segundo análise de Nathalie Carvalho Cândido, o Projeto de Lei 90/99 é


o mais completo:

O projeto defendido pelo Senador Lúcio Alcântara traz várias inovações,


sendo o projeto mais avançado no processo legislativo e estando em
tramitação no Senado Federal. Por ter sido objeto de várias deliberações a
redação original já foi alterada por duas vezes resultando em dois
substitutivos, o primeiro de 1999 do Senador Roberto Requião e o segundo
de 2001 do Senador Tião Viana.
Deve-se perceber que no projeto original, a maternidade de substituição
seria permitida, por isso, baseado na igualdade entre os sexos, deveriam
ser também beneficiários os homens solteiros, o que não foi previsto.
Apesar de ter mantido a redação original, o segundo substitutivo não mais
permite, em seu art. 3º, a maternidade de substituição, o que torna
infrutífera a discussão acerca da constitucionalidade da restrição de uso aos
homens solteiros, uma vez que, por impossibilidades físicas e sem
condições de recorrer ao popular “útero de aluguel”, mesmo que lhes
possibilitassem a utilização das técnicas, não haveria concretização do
projeto parental por eles171.

Originalmente, esse PL tinha como necessário o consentimento livre e


esclarecido tanto dos beneficiários, como também dos doadores de sêmen, que

171
CÂNDIDO, Nathalie C. op. cit. (on-line)
73

deveriam estar conscientes de sua eventual identificação civil por parte do ser
gerado, como também da obrigatoriedade de reconhecimento da criança em casos
previstos na lei (art.3°, §2°). A identificação civil poderia ocorrer quando a criança
completasse a maioridade, ou a qualquer tempo em casos de falecimento de ambos
os pais (art.12, caput). Já o reconhecimento poderia ocorrer se a criança não tivesse
no registro a filiação relativa à pessoa do mesmo sexo do doador ou da mãe
substituta (art. 12, §1º)172.

Foram então, elaborados dois substitutivos do projeto com algumas


mudanças, dentre as quais, a não necessidade do consentimento livre em relação
ao reconhecimento da criança em casos previstos na lei.

Cândido ainda aponta outras importantes diferenças, como:

O original dispunha que a identificação poderia ocorrer quando a criança


completasse a maioridade, ou a qualquer tempo em casos de falecimento
de ambos os pais. O substitutivo de 99, apesar de exigir a declaração de
consentimento do doador de que ele poderá vir a ser identificado civilmente,
não permite a identificação pela criança. Quando o primeiro substitutivo
indica no art.9º, §2º, que o médico poderá entrevistar o doador, dispõe que
deverá ser resguardada a identidade civil, então, compreende-se que essa
entrevista deverá ser feita por outra forma que não pessoal ou que o médico
é que poderá conhecer a identidade do doador e que deva omiti-la do
paciente. Já o substitutivo de 2001 informa em seu art. 9º, §1º que a criança
poderá a qualquer tempo conhecer a identidade do doador, inclusive
através de representação ou assistência enquanto incapaz173.

Outro dispositivo importante, presente no projeto de lei, é a


obrigatoriedade de registros dos casos de reprodução assistida e de dados sobre o
doador, para caso de necessidade de informações aos médicos, pelo período de
cinqüenta anos. Podem os médicos consultar esses dados, sem que a criança
conheça sua ascendência biológica.

Quanto aos outros projetos, pode-se destacar o de autoria do Senador


José Sarney, PL 1.184/03, que, por sua vez, é uma reprodução do substitutivo de
2001 do Projeto de do Senador Lúcio Alcântara.

Já o Projeto de Lei 120/03, de responsabilidade do Deputado Roberto


Pessoa, sugere uma mudança na Lei 8.560/92, que regula a investigação de
paternidade dos filhos havidos fora do casamento. O projeto recomenda o acréscimo

172
CÂNDIDO, Nathalie C. op. cit. (on-line)
173
CÂNDIDO, Nathalie C. op. cit. (on-line)
74

do item “A” no art. 6º, prevendo a absoluta possibilidade da identidade dos doadores,
sem restrições, o que não é o ideal, pois ignoraria toda a discussão compreensível
gerada diante da possibilidade do conhecimento à origem genética, sem uma
justificativa razoável.

De autoria do Deputado José Carlos Araújo, o Projeto de Lei 4.686 de


2004 propõe o acréscimo do art. 1.597-A ao Código Civil, dispondo pela
identificação civil do doador, assim como no projeto do Deputado Pessoa, a
qualquer tempo, e sem nenhuma ressalva.

A seguir, apresenta-se um quadro demonstrativo, arrolando os principais


Projetos de Lei referentes às técnicas de reprodução assistida, construído
especialmente para esta monografia e baseado em dados extraídos da obras de
autores com por exemplo Wider e também, de consultas às instâncias legislativas
citadas.

Proposição Autor Origem Ementa

Cria Programa de
Reprodução Assistida no
Neucimar Fraga 174
Projeto de Lei n.º 5624/05 CD Sistema Único de Saúde
PL - ES
e dá outras
providências.

Estabelece normas e
critérios para o
Projeto de Lei n.º 4889/05 Salvador Zimbaldi CD funcionamento de
PTB - SP
Clínicas de Reprodução
Humana.

Introduz art. 1.597-A à


Lei nº 10.406, de 10 de
José Carlos Araújo
Projeto de Lei n.º 4686/04 CD janeiro de 2002, que
PFL - BA
institui o Código Civil,
assegurando o direito ao

174
CD – Camâra dos Deputados
75

conhecimento da origem
genética do ser gerado a
partir de reprodução
assistida, disciplina a
sucessão e o vínculo
parental, nas condições
que menciona.

Dispõe sobre a
obrigatoriedade da
Natureza Pública dos
Bancos de Cordão
Henrique Fontana
Projeto de Lei n.º 4555/04 CD Umbilical e Placentário e
PT - RS
do Armazenamento de
Embriões resultantes da
Fertilização Assistida e
dá outras providências.

Disciplina o uso de
técnicas de Reprodução
Humana Assistida como
um dos componentes
Maninha auxiliares no processo
Projeto de Lei n.º 2.061/03 CD
PT - DF de procriação, em
serviços de saúde,
estabelece penalidades
e dá outras
providências.

Dispõe sobre a
Projeto de Lei n.º 1.184/03 Senado Federal CD
Reprodução Assistida.

Dispõe sobre a
reprodução humana
Dr. Pinotti
Projeto de Lei n.º 1.135/03 CD assistida.Definindo
PMDB - SP
normas para realização
de inseminação artificial,
76

fertilização "in vitro",


barriga de aluguel
(gestação de
substituição ou doação
temporária do útero), e
criopreservação de
gametas e pré -
embriões.

Dispõe sobre a
investigação de
paternidade de pessoas
nascidas de técnicas de
reprodução
Roberto Pessoa
Projeto de Lei n.º 120/03 CD assistida.Permitindo à
PFL - CE
pessoa nascida de
técnica de reprodução
assistida saber a
identidade de seu pai ou
mãe biológicos.

Dispõe sobre a
autorização da
fertilização humana “in

Lamartine Posella vitro” para os casais


Projeto de Lei n.º 4.665/01 CD comprovadamente
PMDB - SP
incapazes de gerar filhos
pelo processo natural de
fertilização e dá outras
providências.

Autoriza o governo do
175
Projeto de Lei n.º 2.655/01 Heloneida Studart ALERJ Estado do Rio de
Janeiro, através da

175
ALERJ – Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
77

secretaria de Estado de
Saúde, a implantar
clínica especializada em
reprodução assistida e
dá outras providências.

Projeto de Lei n.º 90/01 Lúcio Alcântara Dispõe sobre a


SF176
(SUBST.) PSDB - CE reprodução assistida.

Dispõe sobre a
Projeto de Lei n.º 90/99 Lúcio Alcântara
SF Procriação Medicamente
(SUBST.) PSDB - CE
Assistida

Lúcio Alcântara Dispõe sobre a


Projeto de Lei n.º 90/99 SF
PSDB - CE reprodução assistida.

Dispõe sobre a
utilização de técnicas de
Confúncio Moura
Projeto de Lei n.º 2.855/97 CD reprodução humana
PMDB - RO
assistida e dá outras
providências.

Institui normas para a


Luiz Moreira
Projeto de Lei n.º 3.638/93 CD utilização de técnicas de
PTB - BA
reprodução assistida.

Em consulta ao site desses três organismos legislativos e também nos de


Santa Catarina, em abril de 2008, nenhum outro projeto referente ao tema em
estudo – Reprodução Humana Assistida – está em tramitação, o que é de se
lamentar e reforçar o apelo à necessidade urgente de medidas neste sentido.

3.1.3 Legislação Internacional

176
SF – Senado Federal
78

Diferentemente do Brasil, outros países possuem legislação ampla e


avançada em relação à reprodução humana assistida. São legislações amplas e
completas, e que podem servir de base, por analogia, para que a lei brasileira
referente à reprodução assistida seja elaborada abrangendo todas as questões que
envolvem o tema.

Em sua obra, Roberto Wider177. faz ampla abordagem sobre os aspectos


legais internacionais em relação à reprodução assistida heteróloga, especialmente à
questão do anonimato e do direito da criança de conhecer sua origem
genética,que,sinteticamente, se apresenta a seguir:

Nos Estados Unidos da América com relação à reprodução heteróloga,


tendo havido o consentimento expresso do marido, escrito e assinado,
arquivado e confidencial, bem como a mulher artificialmente inseminada
com o esperma de um doador e se a inseminação artificial for efetuada sob
a orientação de um médico devidamente habilitado, o cônjuge varão ou o
companheiro será legalmente considerado pai da criança.
O doador não guarda relação legal com a criança, e os registros médicos
concernentes à inseminação adotada são de caráter sigiloso e só poderão
ser revelados dada determinação judicial, mediante a comprovação e
relevantes interesses autorizadores.

Ao que denota, nos Estados Unidos, há um controle severo com relação a


quebre do sigilo do doador de sêmen, e não há dúvidas quanto à paternidade legal,
que é assinada pelo marido ou companheiro.
[...]
Na Suécia ocorreram os primeiros casos de inseminação medicamente
assistida heteróloga nos países nórdicos da Europa.
No final de 1981, foi constituída uma comissão multidisciplinar para estudos
das questões ligadas ao tema, que apresentou um relatório conclusivo em
setembro de 1983, sugerindo alterações legislativas atinentes à filiação.
A Lei 1 140 de 21 de dezembro de 1984 sobre inseminação foi aprovada ao
mesmo tempo, firmando-se o princípio de que em sendo dado, pelo marido,
o consentimento para a inseminação com material de um doador, aquele
marido ou companheiro que consentiu será havido juridicamente como pai
da criança.
Na Suécia é reconhecido direito da criança à verdade quanto às suas
origens biológicas.

O direito suíço determina pois, que toda pessoa terá acesso ao


conhecimento de sua ascendência genética.
[...]

177
WIDER, Roberto. op cit., p. 92-107.
79

Na Grã-Bretanha o doador de sêmen não tem qualquer vínculo, direto ou


deveres com a criança gerada, que é obtida e havida como filha do casal
que optou pela inseminação.
É assegurado ao filho, a partir dos 18 anos, acesso às informações sobre os
caracteres do doador, ao qual, atualmente, não é mais garantido o
anonimato.

Vê-se que na Grã-Bretanha o assunto avança em dimensão.


[...]
Na Alemanha o anonimato do doador não é garantido. As clínicas que
praticam fecundação artificial são obrigadas a arquivar as informações
acerca dos doadores, e as crianças ao completarem 16 anos, podem ter
acesso ao arquivo de dados, vindo a conhecer suas origens biológicas.
Constata-se que a legislação alemã merece destaque especial, pois ao
incorporar a Declaração dos Direitos da Criança da ONU (1989), passou considerar
o direito de conhecer a ascendência genética como um direito fundamental da
criança.
[...]
Na Europa Central Oriental – Países Socialistas
Há um consenso na legislação dos países socialistas do leste europeu na
determinação jurídica da paternidade da criança fruto da hétero-
inseminação. Em havendo consentimento do marido, na inseminação
heteróloga medicamente assistida não poderá posteriormente haver a
impugnação da paternidade.
[...]
A Constituição Federal da Iugoslava consagra “o direito humano de decidir
livremente sobre o planejamento familiar”.
A Lei de 21/01/1978 em seu art. 32 dispõe sobre o anonimato recíproco no
caso da inseminação heteróloga : “Os trabalhadores da instituição médica
que realiza a inseminação artificial devem guardar segredo dos elementos
de que poderia resultar a determinação da identidade do doador do sêmen
e bem assim da mulher que foi artificialmente inseminada e do seu marido.
Em casos de inseminação heteróloga, o doador de sêmen não poderá
reconhecer a identidade da mulher para a qual o sêmen foi doado, e a
inseminação com sêmen de um outro homem somente poderá ser realizada
com o consentimento do marido”.
[...]
“Na Hungria a proteção do anonimato do doador é prescrita no Decreto do
Ministério da Saúde de 29/09/1981...” um dever de estrita confidencialidade
relativamente à identidade do doador e ao processo em si mesmo”.
Nesse país há um fator novo em relação aos demais, relativo à matéria: a
preocupação com o compromisso ético dos profissionais que praticam a
técnica.
[...]
Na França regras deontológicas e éticas formam um conjunto de direitos e
deveres dos intervenientes no processo de reprodução assistida, que se
concentram nos CECOS-MS, ou seja, nos Centros e Estudos e
Conservação de Sêmen do Ministério da Saúde francês.
O doador é alvo de significativa política e de criteriosa seleção; ao casal
solicitante do tratamento também é assegurado o direito ao anonimato de
80

suas identidades e ao segredo do ato médico levado a efeito e,


principalmente à garantia de medidas preventivas do risco de transmissão
de enfermidade hereditária. O casal tem que manter informadas as
instituições que praticam a reprodução assistida quanto aos resultados
clínicos e psicológicos do processo ao longo dos anos.
A França não prevê o direito à verdade por parte da pessoa assim gerada,
procurando contudo seu sistema, resguardar seus direitos por meio de
criteriosa seleção do doador e pelo acompanhamento dos procedimentos
através do Ministério da Saúde.
Comparando as diferentes formas que as ações utilizam ao procurar
preservar e garantir os diretos de todos os envolvido nas questões relativas
à Reprodução Heteróloga, verifica-se de um lado a Suécia onde as normas
partem do ponto de vista da criança a ser gerada mas, de um modo ou de
outro preservam a figura do doador. De outro lado o Sistema Francês onde
há controle rígido os Centros de Reprodução e seleção criteriosa do doador
e o que salvaguarda os direitos da pessoa assim concebida.
[...]
Na Itália dada às peculiaridades inerentes à forte presença da Igreja
Católica e o Estado do Vaticano, bem como à significativa expressividade
do pensamento teológico, a utilização das técnicas de procriação assistida e
a sua discussão assumem uma configuração toda especial, havendo na
legislação exigências e cautelas.
De um lado inicialmente em 1987 condena terminantemente os métodos de
reprodução assistida. Faz severas críticas à inseminação assistida
heteróloga já que a “integração psicofísica de homem e mulher despojada
de caráter natural carnal é substituída por práticas diversas”; já que propicia
“casos de incestos e de impedimentos dirimentes, na hipótese da mulher ser
inseminada com o sêmen de um familiar seu”;...já que a “utilização de
sêmen de doador representa uma atitude egoísta do casal”. Coloca-se em
contra partida os méritos da adoção.
Por outro lado, a corrente favorável à reprodução heteróloga argumenta, em
síntese, que “o caráter natural da família não se vê atingido pela
inseminação com sêmen doado, uma vez que a prática permite o
nascimento de um filho – finalidade natural da família”.
É competência da Justiça de Menores a autorização para a prática
heteróloga e depende de autorização judicial, também, a quebra do
segredo, em casos especialíssimos.

Ao que se depreende, na Itália, tanto ao doador quanto ao casal de


requerentes, ficam assegurados o segredo e anonimato, contudo tendo o filho, fruto
da inseminação heteróloga, em casos especiais, o direito de conhecer o modo pelo
qual foi concebido.
[...]
Na regulamentação espanhola são impostas menos condições, todavia são
bem definidas as normas. Somente nos centros de reprodução humana
autorizados e submetidos à permanente controle por parte as autoridades
sanitárias, poderão ser realizadas as técnicas de procriação assistida,
sempre empregadas com assessoramento médico, psicológico e jurídico [...]
sendo adotada a técnica [...] “para evitar-se a transmissão de doenças de
fundo genético à prole”.
O doador, bem como a mulher receptora, deverá ser maior de 18 anos,
havendo o resguardo do anonimato de todos os envolvidos no processo,
81

embora possa, em caráter excepcional, como o comprovado risco de vida


do assim gerado, vir a ser revelada a identidade do doador.

Na Espanha, pois, observa-se um rigoroso controle do Estado sobre os


Centros de reprodução assistida e a preocupação com o sigilo, no entanto, nota-se,
uma postura mais aberta em relação ao estado civil da receptora.

A Constituição portuguesa por sua vez, prevê de maneira expressa o


direito à identidade genética dentre os direitos pessoais fundamentais.
[...]
Em Portugal, no Decreto 415 / VII, Capítulo III, a questão de reprodução
heteróloga é permitida somente em caso de comprovada esterilidade do
marido ou convivente...em caso de gravidez providenciada pela
inseminação artificial, e dela nasça uma criança, esta será havida como filha
do marido ou convivente, desde que o mesmo tenha concordado por
escrito.
A letra do artigo 1.801 do diploma civil português anuncia a disposição do
sistema jurídico em aceitar tanto os progressos científicos, quanto os meios
de prova modernos e mais afirmadores, além de visualizar a verdade
biológica na questão do parentesco: “Nas ações relativas à filiação, são
admitidos como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros
métodos cientificamente comprovados”.
A doação do esperma é ato totalmente gratuito, sendo assegurado ao
doador, bem como aos beneficiários da intervenção assistida, o segredo e
anonimato (conforme ocorre em legislação de outros países).
Sobre a questão do anonimato do doador e do direito à identidade genética,
no âmbito do direito português, é importante mencionar a alteração de
interpretação a que se dá margem à lei de Revisão Constitucional,
aprovada em 04 de setembro de 1997, em vigor. Esta lei, em seu art. 26,
n.3, estabelece que a dignidade pessoal e a identidade genética do ser,
principalmente quando envolvidas a\s técnicas de procriação assistida,
devem ser garantidas.

Percebe-se que nas legislações internacionais, de maneira geral, o


princípio do anonimato do doador é bastante respeitado, e assim deve continuar.
Segundo Donizetti, “o anonimato é exigido, com o intuito de proteger a integridade
psíquica da criança gerada por meio de inseminação heteróloga”178.

Os legisladores brasileiros, poderiam tomar como base essas legislações,


analisando quais funcionam melhor na prática, no sentido de verificar onde a
dignidade da pessoa humana é de fato respeitada.Não há nada de errado nisso.

178
DONIZETTI, Leila. op cit., p. 117.
82

3.2 RAZÕES QUE LEVAM O FILHO SÓCIOAFETIVO BUSCAR SUA ORIGEM


GENÉTICA

Escolher pela reprodução assistida, em regra, advêm do interesse do


casal infértil em procriar. Do mesmo modo, não se pode negar, baseado no princípio
da igualdade, que a criança gerada através desta técnica também possua
interesses, dentre os quais, o de buscar sua origem genética.

Segundo Cândido, quatro principais hipóteses incorporam esse interesse:

1- A falta de um pai ou de uma mãe juridicamente estabelecido quando a


técnica foi utilizada só por um indivíduo;
2- Pode também ser movido pela vontade de ver desconstituída a
paternidade anteriormente estabelecida, seja por ambição material, seja por
desentendimentos com os que lhe criaram;
3- Pode surgir da necessidade de se analisar o material genético de seu
ascendente para preservar a saúde do filho sócioafetivo;
4- Como pode também ter como partida a mera curiosidade sobre aquele ou
aqueles que permitiram a concretização do projeto parental daqueles que
reconhece como pais179.

Além destas hipóteses, conhecer a origem genética pode evitar a


ocorrência de incesto, no caso da pessoa concebida pela técnica artificial vier a
casar com seu irmão ou irmã biológica, ou até mesmo o doador casar com sua filha
biológica. Isso implicaria em problemas de saúde para futuros descendentes do
casal, além de interminável discussão ética. Outrossim, o artigo 1.531 do Código
Civil proíbe que parentes naturais contraiam qualquer regime de casamento.

Art. 1.521. Não podem casar:


I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

A primeira hipótese levantada por Cândido, é argumentada da seguinte


forma:

o desejo de conhecer o doador é originado pela falta de um pai ou mãe


juridicamente estabelecido, deve-se considerar a decisão da Constituição
Federal de 1988 em reconhecer como entidade familiar a "comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes" (art. 226, § 4º, CF/88).
Reconhecendo a família monoparental, seria absurdo excluir as pessoas

179
CÂNDIDO, Nathalie C. op cit., (on-line)
83

solteiras da possibilidade de serem beneficiárias das técnicas de


reprodução medicamente assistida, por isso, a Lei 9.263/96, que
regulamenta o direito constitucional ao planejamento familiar, em seu art.3º
dispõe:
Art. 3º. O planejamento familiar é parte integrante do conjunto de ações de
atenção à mulher, ao homem ou ao casal, dentro de uma visão de
atendimento global e integral à saúde.
Parágrafo único. As instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde, em
todos os seus níveis, na prestação das ações previstas no caput, obrigam-
se a garantir, em toda a sua rede de serviços, no que respeita a atenção à
mulher, ao homem ou ao casal, programa de atenção integral à saúde, em
todos os seus ciclos vitais, que inclua, como atividades básicas, entre
outras:
I - a assistência à concepção e contracepção;
180
[...]
Comprovada a possibilidade legal de solteiros recorrerem aos métodos de
reprodução assistida, pode surgir o fato de quando a criança, fruto dessa técnica
laboratorial, se der conta de que não possui pai, é natural que ela requeira
judicialmente o reconhecimento do pai faltoso, indispensável para seu
desenvolvimento e formação.

Neste sentido, contextualiza Silmara de Abreu Juny Chinelato que no


caso da ausência do pai, o filho tem direito ao conhecimento da origem genética:

ter direito ao reconhecimento da origem genética não significa subjugação,


discriminação ou preponderância da filiação biológica em face da filiação
Sócioafetiva, pois tal entendimento só seria relevante quando tratamos da
discussão travada em um conflito positivo de paternidade, mas, ao tratar de
uma criança que não terá pai algum e desejando conhecer seus verdadeiros
pais, nada mais lógico que se reconheça esse direito181.

Entretanto, cumpre ressaltar que conhecer a origem biológica não implica


no reconhecimento de paternidade.

Passando à hipótese em que o filho sócioafetivo anseia pela


desconstituição da paternidade ou maternidade sócioafetiva, por interesses
financeiros ou desentendimentos com as pessoas que o criaram, entende-se como
uma conduta reprovável. Esse caso deve ser desconsiderado, pois possibilitaria, que
o filho requeresse reconhecer a paternidade biológica, apenas por ser o doador uma
pessoa com plenas condições financeiras, enquanto seus pais afetivos, não. Na

180
CÂNDIDO, Nathalie C. op cit., (on-line)
181
CHINELATO, Silmara de A. Apud MOREIRA FILHO, José Roberto. op.cit. (on-line)
84

questão do desentendimento do filho com seus pais afetivos, é razoável conceber


que também não é motivo para desconstituição de filiação.

A terceira hipótese levantada por Cândido, relativa à possibilidade da


análise da ascendência genética se fazer útil à manutenção da vida do ser gerado,
esta sim, é extremamente compreensível e aceitável diante do fato em que a
medicina evoluiu de tal maneira que doenças podem ser evitadas, reconhecidas e
tratadas com eficiência quando se tem conhecimento da carga genética do
indivíduo. Assim defende Guilherme de Oliveira: "o progresso dos meios de
diagnóstico e dos meios terapêuticos das doenças genéticas tornou fundamental,
em certos casos, conhecer os antecedentes biológicos de um indivíduo"182.

A questão do incesto acima aludida, também pode perfeitamente ser


abordada nesta hipótese de prevenção de doenças (e não apenas no caso de
impossibilidade de união civil), já que é sabido que filhos advindos de casais
formados por parentes nascem com distúrbios genéticos.

Chegando à última hipótese referente à curiosidade do filho acerca do


doador do sêmen que o gerou, para Cândido, a doutrina vem reconhecendo este
direito pelo mesmo motivo que reconhece o direito do filho inserido em família
monoparental, ou seja, baseia-se na imperiosa necessidade psicológica de conhecer
a ascendência como forma de compor a própria personalidade. Esse conhecimento,
é preciso lembrar, não é aceito pacificamente na doutrina, como já esclarecido.

3.3 CONFLITO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PERSONALIDADE:


INTIMIDADE X CONHECIMENTO DA ORIGEM BIOLÓGICA

Antes de entrar no mérito do conflito entre direito à intimidade e direito de


conhecimento da origem genética, deve-se entender o que o envolve.
Primeiramente, elucidar-se-á o direito de personalidade.

Pontes de Miranda define direitos da personalidade como todos os


direitos necessários à realização da personalidade e à sua inserção nas relações
jurídicas; afirma, que o primeiro desses direitos é o da personalidade em si mesma,
85

explicando que, não se trata de direito sobre a pessoa. O direito de personalidade


como tal não é direito sobre a própria pessoa: é o direito que se irradia do fato
jurídico da personalidade. Há direitos da personalidade que recaem in corpus suum;
não está entre eles, o direito de personalidade como tal183.

Os direitos da personalidade são inerentes à pessoa e à sua dignidade.


Cinco ícones principais constituem a personalidade: vida/integridade física, honra,
imagem, nome e intimidade.

Diniz, citando Goffredo Telles Júnior conceitua personalidade como um


conjunto de caracteres próprios da pessoa:

A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que


o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apóia
os direitos e deveres que dela irradiam, é o objeto de direito, é o primeiro
bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela
possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente
em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar
outros bens184.
Derradeiramente, pode-se afirmar que os direitos da personalidade têm
por objeto os elementos que incorporam a personalidade do seu titular, analisada
em seus aspectos físico, moral e intelectual.

Passando ao caso em tela, a única norma que dispõe sobre reprodução


assistida, a resolução 1.358/92 do CFM, de alçada administrativa, sobrepõe o direito
à intimidade do doador ao direito do filho sócioafetivo conhecer sua origem genética.
Surge então, um conflito entre direitos fundamentais. Se por um lado a resolução
adjudica o direito ao anonimato do doador, baseando-se no direito fundamental à
intimidade, o direito do ser gerado de conhecer sua origem genética constitui direito
fundamental de personalidade.

Direito à Intimidade:

A resolução 1.358 do CFM, única regulamentação específica a respeito


das técnicas de reprodução assistida, em seu item IV, determina que os doadores
não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa, bem como, manter
obrigatoriamente o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-

182
OLIVEIRA, Guilherme de. Apud CÂNDIDO, Nathalie C. op. cit. (on line)
183
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Campinas-SP: Brookseller, 2000. p. 39.
184
DINIZ, Maria Helena. op.cit.. p. 119.
86

embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações


sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para
médicos, resguardando-se a identidade civil do doador:

2 – Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores ou vice-


versa.
3 – Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores
de gametas e pré-embriões, assim como o dos receptores. Em situações
especiais, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente
para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.
O sigilo se justifica pelas conseqüências que as informações a respeito da
origem da filiação podem gerar para aquele que foi concebido e para o doador do
sêmen. Guilherme Calmon Nogueira da Gama explica:

O anonimato dos pais naturais – na adoção – e o anonimato da pessoa do


doador – na reprodução assistida heteróloga – se mostram também
necessários para permitir a plena e total integração da criança na sua
família jurídica. Assim, os princípios do sigilo do procedimento (judicial ou
médico) e do anonimato do doador têm como finalidades essenciais a tutela
e a promoção dos melhores interesses da criança ou do adolescente,
impedindo qualquer tratamento odioso no sentido da discriminação e
estigma relativamente à pessoa adotada ou fruto de procriação assistida
185
heteróloga .
O direito à intimidade, que resguarda o anonimato do doador, é previsto
na Carta Magna de 88, em seu art. 5º, X, que dispõe ser inviolável a intimidade, a
vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Na visão de Edson Ferreira da Silva, direito à intimidade "consiste no


poder jurídico de subtrair do conhecimento alheio e de impedir qualquer forma de
divulgação de aspectos da nossa existência que de acordo com os valores sociais
vigentes interessa manter sob reserva"186.

Em obra conjunta com Ives Gandra Martins, Celso Ribeiro Bastos


conceitua o direito à intimidade da seguinte maneira:

consiste na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de


estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o
acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir
que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação
187
existencial do ser humano .

185
GAMA, Guilherme C. N. op. cit., p. 903.
186
SILVA, Edson F. Apud CÂNDIDO, Nathalie C. op. cit. (on-line)
187
BASTOS, Celso R. e MARTINS, Ives Gandra da S. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988, v.1.
p. 63
87

José Roberto Neves Amorim assim escreve:

Dentro de um aspecto geral da intimidade, as confidências íntimas de cada


pessoa devem permanecer no recôndito de sua consciência até que ela
resolva ou autorize a divulgação, correspondendo ao segredo ou sigilo [...]
No âmbito privado, referente ao lar, à família, à correspondência, o sigilo
guarda razões personalíssimas, caracterizando ato de intromissão a
divulgação ou o uso indevido de confidências. Todos têm direito à reserva
sobre o conhecimento de fatos pessoais íntimos188.

Tem-se, pois, que para os que defendem o anonimato, o doador de


sêmen tem direito ao sigilo, no âmago da sua intimidade, de tal maneira que aqueles
que tentarem quebrar esse sigilo, não obterão êxito. O direito ao anonimato do
doador é amparado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, vez que o direito
à intimidade é um desdobramento dos direitos fundamentais, que visam,
exatamente, a preservação da dignidade da pessoa humana.

Direito ao Conhecimento da Origem Biológica:

Enquanto uns defendem o direito ao anonimato do doador, outros tantos


acenam pela proteção ao direito da criança de conhecer sua ascendência genética
encontrando no princípio da dignidade da pessoa humana, seu embasamento ético-
teórico.

Assim norteia Belmiro Pedro Welter, que assevera: “em qualquer caso, o
filho, o pai e a mãe têm o direito de investigar e/ou de negar a paternidade ou a
maternidade biológica, como parte integrante de seus direitos de cidadania e de
dignidade de pessoa humana”189.

Tal qual o direito à intimidade, o direito ao conhecimento da origem


genética também está disposto na Constituição, no art. 227, § 6º, onde dispõe que
todos os filhos terão os mesmos direitos e qualificações, assim sendo, deve-se dar à
criança gerada por reprodução assistida heteróloga o direito de saber sua origem da
mesma forma que outro indivíduo nascido de relações sexuais tem conhecimento.

O direito de conhecer a origem genética é fundado no direito de


personalidade em relação aos direitos à identidade e à vida e integridade física.
Quanto ao direito à vida e a integridade física, considera-se a possibilidade, diante

188
AMORIM, José R. N. Apud CÂNDIDO, Nathalie C. op. cit. (on-line)
189
WELTER, Belmiro P. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Revi.dos Tribunais, 2003. p. 229
88

do que o desenvolvimento da medicina pode oferecer. Conhecer a origem biológica


é evitar, reconhecer e curar doenças hereditárias pela análise da sua ascendência
genética. Ululante que o impreterível direito à vida é resguardado, quando se
conhece sua origem genética.

E é assim que Paulo Luiz Netto Lobo pontifica:

O objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é


assegurar o direito da personalidade, na espécie direito à vida, pois os
dados da ciência atual apontam para a necessidade de cada indivíduo
saber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para
prevenção da própria vida190.

Vê-se pois, pelo exposto, a existência de conflito entre direitos


fundamentais. De um lado, o direito à intimidade e privacidade familiar, e portanto o
direito ao anonimato do doador; de outro, o direito da personalidade na espécie
direito à vida e seus desdobramentos, e portanto o direito ao conhecimento da
origem genética por parte do ser gerado via reprodução assistida heteróloga.

3.3.1 Solução do Conflito: O Direito à Origem Genética por Filho Gerado via
Reprodução Assistida Heteróloga

Para solucionar o conflito entre direitos fundamentais, faz-se necessário


entender qual forma é utilizada para solucionar conflitos de normas de princípio. É
imprescindível, pois, trazer à baila os ensinamentos de Robert Alexy, autoridade do
direito contemporâneo mundial, que buscou o aperfeiçoamento dos procedimentos
direcionados à justa e racional aplicação das normas de direitos fundamentais. Alexy
defende que regras e princípios são subespécies de normas, já que mostram o que
é permitido ou proibido. Assim, a distinção entre regras e princípios é uma distinção
entre dois tipos de normas.

Há que se trazer à consideração, os ensinamentos de Robert Alexy, que é


autoridade do direito contemporâneo mundial e que buscou o aperfeiçoamento dos
procedimentos direcionados à justa e racional aplicação dos direitos fundamentais.

Segundo Waldo Fazzio Júnior:

190
LOBO, Paulo Luiz N. op. cit. (on-line)
89

Robert Alexy preconiza que as normas de direitos fundamentais constituem


um sistema aberto de princípios e regras adequadas. Ante a impossibilidade
de revelá-los apenas por meio de regras, em virtude de sua amplitude, opta
pela principiologia, porque os princípios ensejam a eclosão de conflitos,
composição de princípios aparentemente contraditórios, ponderação de
valores e equalização de interesses, como convém a uma ordem
constitucional aberta e ao pluralismo jurídico-político. Os princípios se
prestam a otimizar tanto a criação como a aplicação das normas de direitos
fundamentais, ou seja, aumentam-lhes o rendimento eficacial, prima
facie191.

Para Alexy, enquanto um conflito de regras só pode ser solucionado


introduzindo em uma de suas regras uma cláusula de exceção que elimina o conflito
ou declarando inválida, pelo menos, uma das regras, os conflitos de princípios
devem ser solucionadas de maneira totalmente distinta. Quando dois princípios
estão em colisão, um dos dois princípios tem que ceder ante o outro. Mas isso não
significa declarar inválido o princípio desprezado nem que no princípio desprezado
haja que ser introduzida uma cláusula de exceção. O que vai determinar qual o
princípio que deve ceder serão as circunstâncias. Isso quer dizer que, nos casos
concretos, os princípios têm diferentes pesos e que prevalece o princípio com maior
peso. Enquanto o conflito de regras se resolve na dimensão da validade, a colisão
de princípios – considerando que só podem colidir princípios válidos – tem lugar
mais além da validade, resolve-se na dimensão do peso192.

Têm-se com as lições de Alexy, que na conflituosidade de princípios, a


ponderação (adequação, necessidade e paridade) é a mediadora da solução
mais prática e, nem por isso, menos justa. O próprio Alexy aceita as
dificuldades emergentes de sua construção teórica, mesmo porque a
identificação de moral correta com moral fundamentável não se apresenta
perfeitamente configurada, ensejando espaços de incerteza. Também, a
preservação do caráter normativo da pretensão de correção depende, não
apenas de argumentos puramente lógicos, mas de uma fundamentação moral,
se pretende obter razoável grau de coerência. Entretanto, a teoria distintiva
das estruturas de princípios e regras, se não oferece soluções definitivas, leva
muito adiante as pesquisas dirigidas a uma teorização adequada das normas
de direitos fundamentais e sua procedimentalização operacional193.

Ponderar nesse caso, significa observar qual dos princípios possui maior
peso, ressalvando sempre que não se pode sobrepor absolutamente um princípio
sobre o outro, já que ambos têm o seu valor e seu interesse social, ainda que

191
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. As normas de direitos fundamentais para Robert Alexy. Disponível em
www.fazzio.pro.br/arts/Alexy.pdf. (on-line)
192
AMORIM, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy: Esboço e críticas. 2005.
(on-line)
193
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. op. cit. (on-line)
90

contraditórios um ao outro. Sobrepor um princípio, não significa considerar o outro


inválido.

Segundo Letícia Amorim, “a solução da colisão consiste em estabelecer


entre os princípios uma relação de precedência condicionada. A determinação da
relação de precedência condicionada consiste em indicar as condições segundo as
quais um princípio precede ao outro”194. Como não há uma hierarquia formal entre os
princípios, para um se sobressair ao outro, vai depender da ocorrência fática e
jurídica do caso concreto.

O processo a ser seguido, na fase de ponderação, começa com a


investigação e identificação dos princípios (valores, direitos, interesses) em
conflito195, e quanto mais elementos forem trazidos, mais correto poderá ser o
resultado final da ponderação; segundo, atribui-se o peso ou importância que lhes
corresponda, conforme as circunstâncias do caso concreto196; e por fim, decide-se
sobre a prevalência de um deles sobre o outro. O resultado da ponderação é a
decisão em si, a solução corretamente argumentada conforme o critério de que,
quanto maior seja o grau de prejuízo do princípio que há de retroceder, maior há de
ser a importância do cumprimento do princípio que prevalece197.

Entende-se como fundamental utilizar-se a ponderação como critério para


solução do presente conflito entre os direitos fundamentais à vida e à origem
genética; e para auxiliar na ponderação, recorre-se ao princípio da dignidade da
pessoa humana para definição do direito que deve se sobrepor ao outro.

A tese que se defende é de que como todos os direitos fundamentais


objetivam a proteção da dignidade humana, mais justo é permanecer aquele que em
maior grau defenda dessa dignidade.

Segundo cita Paulo Bonavides198:

Konrad Hesse entende os direitos fundamentais como aqueles que visam à


criação e manutenção dos pressupostos elementares de uma vida na
liberdade e na dignidade humana. Ressalta desta definição a finalidade
precípua dessa gama de direitos, além de ser notável o alargamento de seu

194
AMORIM, Letícia Balsamão. op. cit. (on-line)
195
No presente caso, os direitos em conflito são o da intimidade e o do conhecimento da origem biológica.
196
O peso e a importância dos direitos fundamentais conflitantes estão no item 3.3.
197
AMORIM, Letícia Balsamão. op. cit. (on-line)
198
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
91

âmbito de abrangência, o que por certo desfavorece a sua precisa


identificação. Casos há, entretanto, em que se verifica frontal colisão entre
direitos fundamentais diversos, mesmo após superada a verificação dos
respectivos âmbitos de proteção. Ocorre quando um direito fundamental
interfere diretamente no âmbito de proteção de outro. Conforme já anotado,
estas situações ocorrem em razão, principalmente, do caráter heterogêneo
de que se revestem estes direitos, bem como em razão do seu conteúdo
aberto e mutável, a exigir, em muitas ocasiões, uma situação concreta para
firmar sua previsão.

Não restam dúvidas que ambos os interesses, no caso em tela, do doador


e da criança, encontram-se amparados no texto constitucional, verificando-se um
choque entre direitos fundamentais. Fica claro, também, que não se pode sobrepor o
direito à intimidade, que resguarda informações genéticas, em detrimento à vida de
uma pessoa, que pode ser protegida, caso conheça seus dados biológicos. Todavia,
não se pode deixar de lado o valor grandioso do direito à intimidade, que também
compõe a dignidade da pessoa humana, portanto, fundado na ponderação
defendida por Robert Alexy, a presente solução de conflitos de normas de princípios,
deve considerar, deve sobrepor aquela mais razoável para cada situação.

Não se pode ignorar que a identidade genética é extremamente relevante


quando vista no âmbito dos direitos da personalidade, vez que, tais informações
refletirão diretamente no direito à vida. Os avanços alcançados pela ciência
sinalizam a necessidade de o indivíduo conhecer os ascendentes biológicos mais
próximos com o intuito de sanar eventuais predisposições a doenças transmissíveis
hereditariamente, além de contribuir para a construção da história protagonizada por
cada um de nós199.

Verifica-se portanto, um choque de direitos fundamentais. Ambos são


direitos amparados no texto constitucional. Trata-se de dois princípios em conflito

Ainda que o anonimato se fundamente na intimidade e privacidade do


doador, esse direito fundamental deverá ser abdicado quando confrontado com o
direito à vida e, nele inserido, o direito à vida de outra pessoa.

Gama defende que o anonimato das pessoas envolvidas deve ser


mantido, mas devem ceder à pessoa que resultou da técnica concepcionista
heteróloga, diante do reconhecimento pelo Direito brasileiro dos direitos

199
DONIZETTI, Leila. op. cit., p. 3.
92

fundamentais à identidade, à privacidade, e à intimidade, podendo a pessoa ter


acesso às informações sobre toda a sua história sob prisma biológico para o
resguardo de sua existência, com a proteção contra possíveis doenças hereditárias,
sendo o único titular de interesse legítimo para descobrir suas origens200. Em suas
palavras, ele aduz que:

Mesmo para aqueles que consideram o anonimato em caráter absoluto, tal


afirmação deve necessariamente ceder interesses maiores que se revelam
pelo risco concreto de doenças hereditárias ou genéticas que podem ser
prevenidas ou mais bem tratadas em relação à pessoa concebida com o
auxílio de técnica de reprodução assistida heteróloga. Não há como
reconhecer que o anonimato do doador possa prevalecer perante a iminente
lesão à vida ou à higidez físico-corporal da pessoa que foi gerada com
material fecundante do primeiro201.

Um embate entre direitos fundamentais estará sempre distante de


pacificidade. Ambos os lados têm justificativas e argumentos aceitáveis. Não se
pode ignorar de forma alguma o direito fundamental à intimidade, tampouco
minimizar sua importância. O que se tem em tela, é que a vida humana está acima
da intimidade, ainda que abdicar esta para preservar aquela, seja desconfortável à
pessoa lesada.

À luz da bioética, oportuno trazer as palavras de Maria Helena Diniz:

Os bioeticistas devem ter como paradigma o respeito à dignidade da pessoa


humana, que é o fundamento do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º,
III) e o cerne de todo o ordenamento jurídico. Deveras, a pessoa humana e
sua dignidade constituem fundamento e fim da sociedade e do Estado,
sendo o valor que prevalecerá sobre qualquer tipo de avanço científico e
tecnológico. Consequentemente, não poderão bioética e biodireito admitir
conduta que venha a reduzir a pessoa humana à condição de coisa,
retirando dela sua dignidade e o direito a uma vida digna202.

O que se deve ter claro é que, o direito à origem biológica em detrimento


à intimidade visa preservar a dignidade da pessoa humana. Ainda que raro
acontecer, não se pode expor o ser humano a uma situação em que venha a contrair
matrimônio com sua irmã biológica, por exemplo. Assim como, não é justo que a
intimidade de uma pessoa seja tão importante a ponto de negar a alguém seus
dados e tirar assim uma chance de cura de alguma doença. Isso seria reduzir à
pessoa humana à condição de coisa, retirando dela sua dignidade e o direito a uma

200
GAMA, Guilherme C. N. op. cit., p. 803.
201
GAMA, Guilherme C. N. op. cit., p. 803.
93

vida digna. O princípio constitucional do direito à vida deve prevalecer, sempre,


sobre o direito à intimidade do doador.

Ainda que importante e grandioso o direito à intimidade, é inconcebível


que o anonimato do doador se sobressaia em detrimento da conservação da saúde,
e em alguns casos, da vida da pessoa gerada com o material genético de pessoa
desconhecida, que poderiam ser prevenidas ou tratadas após conhecimento da
origem genética.

Por outro lado, em casos onde há uma mera curiosidade por parte do filho
em buscar o conhecimento de sua origem genética, deve prevalecer o direito à
intimidade, preservando a reserva íntima que cada um tem resguarda sobre si. Além
disso, não se pode considerar a curiosidade um motivo pertinente, porque
possibilitaria a discriminação e estigma relativamente à pessoa fruto de procriação
assistida, e, além do mais, seu pai biológico não teria dever algum em respaldar
civilmente, com alimentos por exemplo, o beneficiário do direito.

Em suma, cumpre reafirmar que o direito à ascendência biológica existe,


devendo haver a devida regulamentação legal. Ressalte-se cabível porém, apenas
nos casos em que a saúde da pessoa esteja em risco ou risco iminente e quando
haja suspeita de incesto, ou outros casos em que esse direito se sobressaia à
intimidade.

Quando em colisão, reafirma-se, um dos princípios tem que ceder ao


outro, pelo determinante das circunstâncias concretas; pelo critério do peso; e na
ponderação (adequação, necessidade e paridade) que é mediadora da solução
prática.

O argumento para atribuição de peso e importância ao princípio do direito


ao conhecimento da origem genética por parte do filho gerado do processo de
reprodução assistida heteróloga baseia-se: na Dignidade humana, nos Princípios da
Igualdade, Autonomia, Justiça, Beneficência, e Não Maleficência, nos Direitos da
Personalidade, no Direito à Vida, no Direito de construção e protagonização da
História Pessoal.

202
DINIZ, Maria Helena. op. cit., p.18.
94

3.4 AÇÃO ADEQUADA PARA SE BUSCAR A ORIGEM BIOLÓGICA

Superada a questão quanto à possibilidade do direito ao reconhecimento


da origem genética, passa-se a estudar qual a ação adequada para tanto. Trata-se
de direito personalíssimo da criança, não sendo passível de obstaculização,
renúncia ou disponibilidade por parte da mãe ou do pai.

Cumpre ressaltar, que o Código Civil, em seu artigo 75, constitui que "a
todo o direito corresponde uma ação, que o assegura". Portanto, não se pode
impedir que a criança advinda das técnicas de reprodução assistida busque seu
direito no âmbito jurisdicional, sob pena de estar negando seu direito à ação.

No âmbito processual, a doutrina brasileira não chegou a um consenso


quanto à ação adequada para investigar a origem genética. Majoritariamente, fala-se
em ação de investigação de paternidade. Dentre os projetos de lei que tratam da
regularização da reprodução humana assistida, apenas o projeto nº. 120/03 define a
ação própria para essa identificação como sendo a ação investigatória de
paternidade. Todavia, em sentido contrário, há quem diga que o habeas data é a
mais adequada das ações para se buscar a origem genética.

Tycho Brahe Fernandes, citando Álvaro Villaça de Azevedo e Walter


Ceneviva, assevera:

posiciona-se Álvaro Villaça de Azevedo, para quem o filho concebido


através de uma das técnicas de reprodução assistida poderá, a qualquer
tempo, investigar sua paternidade, esclarecendo, ainda, que os
responsáveis pela guarda dos dados do doador de sêmen deverão fornecê-
los, em segredo de justiça.
No mesmo sentido é a posição de Walter Ceneviva, quando assegura que o
direito da mãe não vincula o filho, e este, ao atingir a maioridade, poderá
ingressar com a competente ação investigatória para tentar a identificação
do homem que, mesmo involuntariamente e apesar das circunstâncias, é
203
seu verdadeiro pai .

Em sentido contrário, posiciona-se Paulo Luiz Netto Lôbo, que entende


que para garantir a efetivação do direito fundamental do conhecimento da origem
genética, não é preciso investigar a paternidade. Em suas palavras:

203
FERNANDES, Tycho Brahe. Op. cit. p. 85.
95

Toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade,


de vindicar sua origem biológica [...] Uma coisa é vindicar a origem genética,
outra a investigação de paternidade. A paternidade deriva do estado de
filiação, independente de origem (biológica ou não). O avanço da
biotecnologia permite, por exemplo, a inseminação artificial heteróloga,
autorizada pelo marido [...]. Nesse caso, o filho pode vindicar os dados
genéticos do doador anônimo de sêmen que conste nos arquivos da
instituição que o armazenou, para fins de direito da personalidade, mas não
poderá fazê-lo com escopo de atribuição de paternidade.
Conseqüentemente, é inadequado o uso da ação de investigação de
paternidade, para tal fim204.

Para Lôbo, a filiação não caminha junto com a origem biológica, já que “a
identidade genética não se confunde com a identidade da filiação, tecida na
complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o
desejo”. Este é o argumento, para a não utilização da investigação de paternidade
para se conhecer a origem genética205.

Para Cândido:

A ação investigatória de paternidade se mostra imprestável para busca do


conhecimento da origem genética, primeiramente por passar a impressão
equivocada de que origem genética se confunde com o instituto da
paternidade, segundo por não atender ao direito de todos aqueles que
desejam o conhecimento de suas origens por não poder ser proposta para
investigação da doadora de óvulos, e, finalmente, pelos seus efeitos de
constituição de novo vínculo parental, desconstituindo o anterior e
submetendo o investigando ao poder familiar do doador, o que é totalmente
diferente do fim desejado. Infelizmente, uma vez que o ECA não prevê
restrições à sua propositura e também pelo fato de não existir ação própria,
a ação investigatória de paternidade vem sendo utilizada de forma
equivocada por aqueles que desejam conhecer sua ascendência genética,
sendo uma tendência concedê-la com efeitos limitados206.

Entre os que defendem o habeas data como ação adequada para


busca da origem genética, está Guilherme Calmon Nogueira da Gama, o autor
acredita que, para fazer valer esse direito, a criança gerada poderia valer-se de tal
remédio constitucional,

O habeas data não se restringiria à Administração Pública, podendo atingir


entidades que mantenham bancos de dados de caráter público; o que
abrange casas de saúde, bancos de sêmen e de embriões e,
fundamentalmente, as pessoas dos profissionais que se responsabilizaram
pelo procedimento médico concernente à procriação assistida heteróloga207.

204
LÔBO, Paulo Luiz N. op. cit. (on-line)
205
LÔBO, Paulo Luiz N. op. cit. (on-line)
206
CÂNDIDO, Nathalie C. op. cit. (on-line)
207
GAMA, Guilherme C. N. op. cit., p. 803.
96

O habeas data configura inovação prevista no art 5º, LXXII da Lei Maior
de 1988, e tem como objetivo levar ao conhecimento do impetrante, dados relativos
à pessoa do impetrante, constantes de arquivos, cujo órgão responsável tenha se
negado a fornecer.

Art. 5º
[...]
LXXII - conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do
impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades
governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo
sigiloso, judicial ou administrativo;

Percebe-se que, tal qual a investigação de paternidade, o habeas data


não é a ação própria ideal para o conhecimento da ascendência biológica. Como se
vê no texto de seu dispositivo constitucional, o objetivo do hábeas data é assegurar
informações relativas ao impetrante. Ainda que as informações almejadas sejam
importantes e relativas ao impetrante, o que se busca são informações de outra
pessoa (impetrado), tornando indisponível a concessão do remédio constitucional.

Outro fato questionável à impetração de habeas data no presente caso,


se dá na necessidade das informações constarem em registros ou bancos de dados
de entidades governamentais ou de caráter público. Como a técnica de reprodução
medicamente assistida ocorre em sua maioria em clínicas privadas, o habeas data
se torna inviável.

Considerando que, no ordenamento jurídico brasileiro, não existe


nenhuma ação perfeitamente adequada para resguardar o direito fundamental ao
conhecimento da origem genética, o legislativo deve, juntamente com os estudiosos
do processo civil, criar uma ação própria para efetivação desse direito
constitucionalmente protegido. Essa ação deverá se restringir no conhecimento da
origem biológica, afastando qualquer possibilidade de reconhecimento civil de
paternidade ou filiação. Além disso, essa ação deverá conter limitações quando à
possibilidade de sua propositura, sendo interessante que limite o conhecimento da
origem genética se sobreponha ao direito à intimidade do doador e não em meros
casos de curiosidade.
97

O conhecimento da origem genética, não implicará em nenhum vínculo


entre o doador e pessoa gerada. Segundo Patrícia Ferreira Mendes, serão três os
efeitos causados: o efeito psicológico do conhecimento de sua origem genética, a
preservação da saúde das pessoas geradas pela técnica de reprodução assistida
frente doenças genéticas e, os impedimentos matrimoniais208.

Com o se vê, embora à primeira vista e em geral, quando não é possível o


habeas data, nem a “investigação de paternidade”, cabe o Mandado de Segurança,
não é o caso; não se trata de um direito líquido e certo, vai depender das
circunstâcias.

Fica claro por todas as argumentações aqui apresentadas, que no


ordenamento jurídico brasileiro não existe nenhuma ação perfeitamente adequada
para resguardar o direito fundamental ao conhecimento da origem genética.
98

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos estudos e reflexões realizados e na bibliografia analisada, em


função do tema desta Monografia, é possível chegar a algumas conclusões.

Sabe-se que a reprodução humana assistida, pela sua atualidade e


repercussão, por ser um tema eminentemente técnico e específico precisa ser
disseminado, para que as pessoas se conscientizem e se envolvam na sua
discussão e participem, de algum modo, no seu encaminhamento.

A biotecnologia vem trazendo infindas possibilidades e, cada vez mais,


técnicas de concepção humana assistida são desenvolvidas e colocadas ao alcance
das pessoas, que movidas por diversas razões, aderem às mesmas. Verifica-se
constantemente um crescimento no número de concepções de crianças através da
reprodução assistida, impulsionado de um lado, pelo desejo de ter um filho, de outro
pelas intenções lucrativas das empresas de engenharia genética. Interesses que
convergem, mas que se antagonizam no ponto de vista ético.

Constata-se que a ciência tem evoluído de tal maneira, que o direito


brasileiro não consegue acompanhá-la na mesma proporção. Na legislação
existente, o direito do sujeito gerado pela reprodução assistida, é o menos abordado,
fato que causa por sua vez dificuldades, impasses e dor humana. É preciso analisar
a legitimidade e responsabilidades tanto dos que serão autores, como dos que serão
receptores das novas vidas oriundas dessas tão novas e discutidas técnicas.

Do pouco que se localiza na legislação, pode-se citar o artigo 226, §7°, da


Constituição Federal de 88, que prevê o direito ao planejamento familiar, e garante a
homens, mulheres e casais, o acesso às técnicas de reprodução medicamente

208
MENDES, Patrícia F. op. cit., p. 70.
99

assistida, como uma das formas de proteção dos direitos reprodutivos na


concretização de projetos parentais; também o artigo 227, §6°, que consagra a
igualdade dos filhos havidos ou não do casamento, garantindo-lhes os mesmos
direitos e qualificações.

O Código Civil em vigor apenas prevê, em seu artigo 1.597, a atribuição


de paternidade, artigo esse que vem merecendo mudanças ao longo das Jornadas
de Direito.

A Resolução, do Conselho Nacional de Saúde, nº 303/2000 trata de


Pesquisas em Reprodução Humana, consideradas aquelas que se ocupam com o
funcionamento do aparelho reprodutor, procriação e fatores que afetam a saúde
reprodutiva da pessoa humana, em especial, a reprodução assistida; a
anticoncepção; a manipulação e gametas, pré-embriões, embriões e feto e a
medicina fetal.

A Resolução Administrativa de n° 1.358/92, do Conselho Federal de


Medicina, traz várias ponderações a respeito de utilização das Técnicas de
reprodução assistida, mas não tem força de lei.

Ante a necessidade de legislação específica regulamentadora da


reprodução assistida, legisladores propuseram diversos Projetos de Lei referentes
ao tema que continuam em tramitação nas diferentes esferas legislativas, sem
serem aprovados até o presente momento.

Algumas legislações estrangeiras estão adiantadas no que concerne à


reprodução humana assistida, e poderiam servir de referência a uma futura
legislação brasileira. A alemã merece destaque especial, pois ao incorporar a
Declaração dos Direitos da Criança da ONU (1989), passou a considerar o direito de
conhecer a ascendência genética como um direito fundamental da criança; a
Constituição portuguesa, prevê de maneira expressa o direito à identidade genética
dentre os direitos pessoais fundamentais; na mesma linha de previsão
constitucional, o direito suíço determina que toda pessoa terá acesso ao
conhecimento de sua ascendência genética.

A literatura, as demandas jurídicas e constatações empíricas denotam


muitas vezes o interesse pelo conhecimento da origem genética por parte do ser
gerado pela reprodução assistida heteróloga, motivado: a) pela curiosidade natural
100

de identificação da ascendência e construção da própria história pessoal b) pelo


intuito de prevenção ou cura de eventuais predisposições a doenças transmissíveis
hereditariamente c) para que se evite incesto e d) por interesses de reconhecimento
civil de paternidade. Deve-se ressaltar, no entanto, que a ascendência genética não
se confunde com a paternidade, pois este é conceito culturalmente construído.

Todavia, há um conflito entre os direitos fundamentais à origem genética e


o direito à intimidade, que respalda o anonimato nos processos de reprodução
humana assistida. Ambos têm sua importância e seus pontos positivos, tornando a
solução do conflito muito complicada.

O conhecimento da origem genética é extremamente relevante quando


visto do âmbito dos direitos de personalidade, já que o alcance dessas informações
refletirá diretamente no direito à vida e à saúde. Não se pode desprezar os avanços
da biotecnologia que possibilitam o tratamento de doenças quando se têm os dados
genéticos pessoais do paciente. Impedir o acesso à origem genética, seria, neste
ponto, andar para trás, desprezar a vida do paciente, ignorar os anos de estudo
investidos pela ciência médica que trazem correntemente benefícios à sociedade
humana.

O anonimato por sua vez, é um direito fundamental do doador. Ele não


precisa ser obrigado a se expor, de tal forma que a criança gerada a partir de seu
sêmen saiba quem doou o sêmen, apenas por mera curiosidade ou para reclamar a
paternidade civil. Além do mais, sem proteção ou incentivo, os doadores poderiam
desaparecer aos poucos. Nesses sentidos, o anonimato tem papel fundamental e é
digno do respaldo dado pelo direito fundamental à intimidade .

Usou-se os artifícios da ponderação, defendida por Robert Alexy, e do


prevalecimento da dignidade da pessoa humana para solucionar o conflito entre
intimidade e conhecimento da origem genética.

Ponderar nesse caso, significa observar qual dos princípios possui maior
peso, ressalvando sempre que não se pode sobrepor absolutamente um princípio
sobre o outro, já que ambos têm o seu valor e seu interesse social, ainda que
contraditórios um ao outro.
101

Quanto ao respeito à dignidade da pessoa humana, tem-se que consiste


na essência de todo ordenamento jurídico; é o fundamento do Estado Democrático e
de Direito; valor prevalente sobre todo avanço científico e tecnológico.

Uma vez reconhecido o direito ao conhecimento da origem genética, o


próximo passo é discutir qual a melhor opção de ação jurídica para pleitear
juridicamente esse direito. E é aí que a legislação em devir deverá atuar.

Há que se ter e defender o direito digno, ético, moral de conhecimento da


origem biológica do ser gerado via reprodução assistida heteróloga; o que não
implica necessariamente, na perda da paternidade e a filiação sócioafetiva, que
entende-se também legítimo e inviolável.

Deveras, a sociedade tem no direito um instrumento de orientação:


normatizador, limitador, indicador de condutas justas e procedimentos apropriados,
que se respaldará na ética, bioética, nos princípios da autonomia, beneficência, não
maleficência, justiça e da dignidade da pessoa humana, no caso do direito ao
conhecimento da origem genética ao ser gerado via reprodução assistida
heteróloga.

Preza-se pela urgente regulamentação legal da reprodução humana


assistida.

O que se quer é uma sociedade mais justa, equânime e com pessoas


felizes.
102

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108

ANEXO

RESOLUÇÃO Nº 1.358/92 DO CONSELHO FEDERAL


DE MEDICINA
109

RESOLUÇÃO CFM nº 1.358/92

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições que lhe confere a


Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto 44.045, de 19
de julho de 1958, e
CONSIDERANDO a importância da infertilidade humana como um problema de
saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de
superá-la;
CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico já permite solucionar
vários dos casos de infertilidade humana;
CONSIDERANDO que as técnicas de Reprodução Assistida têm possibilitado a
procriação em diversas circunstâncias em que isto não era possível pelos
procedimentos tradicionais;
CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o uso destas técnicas com os
princípios da ética médica;
CONSIDERANDO, finalmente, o que ficou decidido na Sessão Plenária do Conselho
Federal de Medicina realizada em 11 de novembro de 1992;
RESOLVE:
Art. 1º - Adotar as NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE
REPRODUÇÃO ASSISTIDA, anexas à presente Resolução, como dispositivo
deontológico a ser seguido pelos médicos.
Art. 2º - Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação.
São Paulo-SP, 11 de novembro de 1992.
IVAN DE ARAÚJO MOURA FÉ
Presidente
HERCULES SIDNEI PIRES LIBERAL
110

Secretário-Geral
Publicada no D.O.U dia 19.11.92-Seção I Página 16053.
NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO
ASSISTIDA
I - PRINCÍPIOS GERAIS
1 - As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução
dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando
outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da
situação atual de infertilidade.
2 - As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva
de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível
descendente.
3 - O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis e
doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de
uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados já
obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações
devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O
documento de consentimento informado será em formulário especial, e estará
completo com a concordância, por escrito, da paciente ou do casal infértil.
4 - As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo
ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de
evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.
5 - É proibido a fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra finalidade que
não seja a procriação humana.
6 - O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a receptora
não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes
de multiparidade.
7 - Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a
utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.
II - USUÁRIOS DAS TÉCNICAS DE RA
1 - Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja indicação não
se afaste dos limites desta Resolução, pode ser receptora das técnicas de RA,
desde que tenha concordado de maneira livre e conciente em documento de
consentimento informado.
2 - Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge
ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento informado.
III - REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM
TÉCNICAS DE RA
111

As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo


controle de doenças infecto-contagiosas, coleta, manuseio, conservação,
distribuição e transferência de material biológico humano para a usuária de técnicas
de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos:
1 - um responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados,
que será, obrigatoriamente, um médico.
2 - um registro permanente (obtido através de informações observadas ou relatadas
por fonte competente) das gestações, nascimentos e mal-formações de fetos ou
recém-nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade
em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas
e pré-embriões.
3 - um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material
biológico humano que será transferido aos usuários das técnicas de RA, com a
finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças.
IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES
1 - A doação nunca terá caráter lucrativa ou comercial.
2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.
3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de
gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as
informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas
exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.
4 - As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de
forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características
fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.
5 - Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um
doador tenha produzido mais que 2 (duas) gestações, de sexos diferentes, numa
área de um milhão de habitantes.
6 - A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível
deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a
máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.
7 - Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços,
nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços,
participarem como doadores nos programas de RA.
V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES
1 - As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e
pré-embriões.
2 - O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos
pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco,
devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído.
112

3 - No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar


sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões
criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um
deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.
VI - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE PRÉ-EMBRIÕES
As técnicas de RA também podem ser utilizadas na preservação e tratamento de
doenças genéticas ou hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com
suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica.
1 - Toda intervenção sobre pré-embriões "in vitro", com fins diagnósticos, não poderá
ter outra finalidade que a avaliação de sua viabilidade ou detecção de doenças
hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.
2 - Toda intervenção com fins terapêuticos, sobre pré-embriões "in vitro", não terá
outra finalidade que tratar uma doença ou impedir sua transmissão, com garantias
reais de sucesso, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.
3 - O tempo máximo de desenvolvimento de pré-embriões "in vitro" será de 14 dias.
VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO
ÚTERO)
As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de
RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que
exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora
genética.
1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora
genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à
autorização do Conselho Regional de Medicina.
2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
113

GLOSSÁRIO

Na presente Monografia as categorias, ou seja, os principais termos, têm os


seguintes significados operacionais:

Anonimato – Manutenção de sigilo sobre os dados dos doadores de sêmen ou


óvulo. Ocultação da identificação.

Ascendência/Ancestralidade – Pais e pais, avôs, bisavôs, tataravôs...destes.

Banco de Sêmen – Ambiente especializado em coletar, armazenar e preservar


semens (espermatozóides) com funções exclusivas de procriação humana por meio
de técnicas de reprodução assistida.

Biopoder – Poder tecnológico sobre o corpo e a mente; manipulação genética.

Biotecnologia – Gama de possibilidades técnicas de concepção humana.


114

Doação de Sêmen – Contrato em que uma pessoa, por liberdade, transfere de seu
corpo, seu patrimônio genético (sêmen ou óvulos), para outra pessoa que o aceita.

Esterilidade – Incapacidade de fertilização ou reprodução.

Fecundação heteróloga “a matre” – Quando o gameta doado for o feminino.

Fecundação heteróloga “a patre” – Quando se tratar de doação de gametas


masculino.

Fecundação heteróloga total – Quando os gametas utilizados na fecundação, tanto


os masculinos quanto os femininos, são de doadores.

Fecundação “in vivo” – Introdução de gametas masculino no útero da mulher,


quando ocorrerá a fecundação.

Fecundação “in vitro” - A fecundação ocorre em laboratório de forma extra-


uterina, em um processo mais complexo que o natural.

Infertilidade – Incapacidade de conceber de um casal, após um ano de


relacionamento sexual sem uso de medidas contraceptivas.

Origem Genética – Carga hereditária; historicidade biológica; elemento integrante


de constituição da pessoa humana.

Paternidade / Maternidade Biológica – É a relação natural biológica entre Pai –


filho / Mãe – filho, estabelecida pela consaguinidade
115

Paternidade / Maternidade Sócioafetiva – É a relação social e afetiva entre Pai-


filho / Mãe-filho, estabelecida pela convivência amorosa, dedicada, afetuosa, não
somente vinculada a uma obrigação por laços de sangue.

Pensar Bioético – Apurado sentido humano pelas ciências da moral da vida;


entrecruzamento das ética com as ciências da vida.

Possibilidade Ético-Jurídica - Amparos Éticos e Legais.

Ponderação – mecanismo mediador da situação de conflito entre princípios.

Procriação – Concepção por via de ato sexual ou fertilização assistida. Ato de


fecundação do óvulo pela espermatozóide.

Progresso Biotecnológico – Novas práticas biomédicas oriundas do


descobrimento do DNA.

Reprodução Humana Assistida – Processo de reprodução humana artificial, ou


seja conduzido externamente, onde a fecundação do(s) óvulo(s) pelo(s)
espermatozóide(s) ocorre por meio de manipulação medicamente assistida.

Reprodução Humana Assistida Homóloga – É quando a fecundação se der entre


gametas provenientes de um casal que assumirá a paternidade e maternidade da
criança.

Reprodução Humana Assistida Heteróloga – É quando o espermatozóide ou o


óvulo na fecundação, ou até mesmo ambos, são provenientes de terceiros, que não
aqueles que serão pais afetivos do ser gerado. Em outras palavras é a técnica de
116

reprodução em que se utiliza gameta doado por alguém que não seja o pai ou a mãe
do futuro filho.

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