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12 TEORIA GERAL DO ORCAMENTO PUBLICO 12.1. CONCEITO A questo do orgamento piblico é um dos aspectos fundamentais do Estado democratico de Direito!. Um Estado sem orgamento, como destaca Gabriel Ivo, “no chega até aos administrados, seus programas sociais ficam no plano das intengdes politicas, nZio se tornam prescritivos”. Na clssica definigdio de Aliomar Baleeiro, orgamento é “o ato pelo qual o Poder Legislativo prevé e autoriza ao Poder Executivo, por certo periodo ¢ em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos servigos piiblicos e outros fins adotados pela politica econdmica ou geral do pats, assim como a arrecadagio das receitas ja criadas em lei”. Segundo José Ribamar Gaspar Ferreira, o orgamento piblico consiste na “esti- mativa e autorizacdo de desembolso de recurso financeiros, com indicagao dos pro- gramas e projetos de um governo em que serdo aplicados, dentro de um periodo, ea estimativa de obtencao dos recursos financeiros necessarios, no mesmo periado, pe- los Grgios competentes, expressas em um documento, segundo normas estabelecidas’*. Tal conceito, apesar de se pretender completo, omite a natureza le~ Bislativa do orgamento piblico. FEITOSA, Raymundo Juliano Régo. Finangas puiblicas ¢ tributagdo na constituinte: I9STAYSS, p. 13. Para Gabriel Ivo, 0 orgamento é fundamental para a propria concepgio de Estado: “O oryamen ‘0 €0 meio juridico, normativo, pelo qual o Estado torna-se Estado” (Lei orgamentiria anual; no Femessa para sang, no prazo constitucional, do projeto de lei, p. 273), Noutra passagem, assevers ‘Nao seria exagerado dizer, pois, que 0 F: si na prépria lei ony aria, Sem orgamento niio hi Estado” (Lei orgamentéria anual; ial, do projeto de lei, p. 275). 1. Lei orgamentdria anual; nfo remessa para sangao, no prazo constitue liza iblicas por meio do orgamento, Sem um orgamento o Estado fica impedido de realizar as sidades pablicas e desempenhar a razio de sua existéncia” (Lei orgamentiria anual; no remessa Para sangio, no prazo constitucional, do projeto de lei, p. 278), BALEEIRO, Aliomar, Uma introdugdo a ciéncia das finangas, p. 381. FERREIRA, José Ribamar Gaspar, Curso de direito financeiro, p. 38. 1VO, Gabi Digitalizado com CamScanner 410 Direito Financeito e Econdmico Esquematizado Carlos Alberto de Moraes Ramos Filho O orgamento piiblico &, de fato, a lei que prevé (estima) as receitas ¢ fixa as despesas para determinado periodo (exercicio financeiro). E, no dizer de Oyama Cesar Ituassti, “o documento corporificador das finalidades pretendidas em um perfodo determinado, sempre énuo™. ‘Também é chamado de Lei de Meios, tendo em vista que pi ‘rios para o desempenho dos programas da Administragao Pitblica’. As transagdes financeiras que se representam no orgamento piiblico dizem respei- to aos dispéndios de recursos (despesas) € aos recursos a serem obtidos (receitas), 0 orgamento compoe-se, assim, de duas partes distintas: a referente as despesas arela- tiva as receitas. O Poder Legislativo autoriza o plano das despesas que o Estado terd de efetuar no cumprimento de suas finalidades, bem como o percebimento dos recursos necessdrios & efetivagio de tais despesas dentro de um perfodo determinado de tempo’, Por ser a expressiio numérica da atividade financeira do Estado’, 0 orgamento piiblico deverd “evidenciar a politica econémico-financeira e o programa de trabalho do Governo” (art. 2°, Lei n. 4.320/64)". Como observa Fernando Leme Weiss, os ‘orgamentos “devem deixar claro quais sio os programas de governo, ou seja, quais so as propostas mais amplas que serdo efetivadas através de um conjunto de dota- Ges orgamentirias™'. O orgamento pablico pode, pois, ser considerado, no dizer de Alberto Deodato, “o espelho da vida do Estado e, pelas cifras, se conhecem os deta- Thes de seu progresso, da sua cultura e da sua civilizagaio”. No mesmo sentido € a ligio de Marcelo Sampaio Siqueira, que assevera: “A importancia do orgamento piiblico est no fato de ser uma fiel radiografia do plane- jamento econdmico proposto pelo governo, sendo, portanto, uma exteriorizagio desta”, 5 CARVALHO, Densvaldo. Orcamento e contabitidade piiblica, p. 5; MACHADO JUNIOR, J. Te: . Administragao orgamentaria comparada: Brasil-Estados Unidos, p. 76; MASAGAO, Métio. Curso de direito administrativo, p.91. © ITUASSU, Oyama Cesar. Aspectos do direito, p. 91. 7 SILVA, Jair Candido da; VASCONCELOS, Edilson Felipe. Manual de execugdo orgamentiria ¢ contabilidade pitblica,p. 322; DOMINGUES, José Marcos. Atividade financeira e direitos sociais, p. 104. * FERREIRA FILHO, Manoel Gongalves. Comentarios d Constituigdo brasiteira de 1988, v. 3 P 141; FERREIRA, José Ribamar Gaspar. Curso de direito financeiro, p. 34; ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da, Manual de direito financeiro e direito tributario, p. 74. © SILVA, Sandoval Alves da. Direitos sociais: leis orgamer 0, p. 113, ™ Referida disposigao legal, segundo Nagib Slaibi Filho, evidencia que 0 orgamento publico, “mis {que uma formulagao técnica, é instrumento legitimante do Poder perante a sociedad” (Anotaces 4 Constituigdo de 1988: aspectos fundamentais, p. 357). 1 WEISS, Fernando Leme. Princfpias tributdrios e financeiros, p. 240. ® DEODATO, Alberto. Manual de ciéncia das finangas, p. 359. No mesmo sentido: AFTALION Enrique Ri; VILANOVA, José; RAFFO, Julio. Introduccién ao derecho, p. 888. © SIQUEIRA, Marcelo Sampaio. Orgamento piblico ¢ a aplicagio dos prinefpios constitucionais ‘econémicos, p. 131. is como instrumento de implement Digitalizado com CamScanner 12 8 Teoria Geral do Orgamento Publico mi 112.2. PRINCIPIOS ORGAMENTARIOS Funcionando 0 orgamento piiblico como instrumento de controle das contas do governo', deve, por conseguinte, obedecer a regras e principios estabelecidos. ‘Tis prinefpios atuam como premissas, linhas norteadoras de ago a serem ob- servadas na elaboragdo da proposta orgamentiria e do orgamento em si!*. © Manual Técnico de Orgamento (MTO) do Governo Federal assim enqua- rao tema: “Os princfpios orgamentérios visam estabelecer regras basicas, a fim de conferir racionalidade, eficiéncia e transparéncia aos processos de elaboragiio, exe- cugio e controle do orgamento piiblico. Vélidos para todos os Poderes para todos osentes federativos — Unido, Estados, Distrito Federal e Municfpios —, sio esta- belecidos e disciplinados tanto por normas constitucionais e infraconstitucionais quanto pela doutrina”"*, s principios orgamentérios nao tém merecido aprovagao unanime da doutrina pitria, Aqui analisaremos apenas os de maior representatividade, dentre os quais se destacam os seguintes: i legalidade; Dl exclusividade; Bi universalidade; Bi especializagio; i programagio; i anterioridade; i anualidade; Di unidade; @ nao afetagao; @ transparéncia. Vejamos, separadamente, cada um deles. 512.24, Legalidade princfpio da legalidade (ou reserva legal) significa que apenas a lei em sen- lo formal pode aprovar os orcamentos e autorizar os créditos suplementares e especiais”, Relativamente aos orcamentos, referido principio é previsto no art, 165, caput, da CF, que assim dispoe: HICKS, Ursula K. Financas piiblicas, p. 386. PISCITELLI, Roberto Bocaccio et al. Contabilidade publica: uma abordagem da administragao financeira piblica, p. 50. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orgamento © Gestio. Secretaria de Oryamento Federal, Manual técnico de orgamento MTO, p. 15. JACINTHO, Jussara Maria Moreno. A participagdo popular ¢ o processo orgamentirio, p. 56. Digitalizado com CamScanner 412. Direito Financeito ¢ Econdmico Esquematizado Carlos Alberto de Moraes Ramos Filho Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerio: 10 plano plurianual; M1 —as diretrizes orgamentérias; II — 0s orgamentos anuais. Quanto aos créditos suplementares ¢ especiais, o principio da legalidade encon- tra-se no inciso V do art, 167 da CF, segundo o qual a abertura das referidas modali- dades de créditos adicionais depende de prévia autorizagio legislativa. Ressalte-se que 0 art. 68, § 1°, inciso III, da CF profbe o emprego de leis dele- para dispor sobre planos plurianuais, diretrizes orgamentarias e orgamentos. Ho art. 62, § 1°, inciso I, alfnea d, da CF" veda a edigiio de medidas provisé. rias sobre matéria relativa a planos plurianuais, diretrizes orgamentérias, orgamento e créditos adicionais — ressalvados os créditos extraordindrios, previstos no art. 167, §3%,da CR. gada Observagiio: Ao contririo do art. 62, § 1°, inciso I, alinea d, da CF, o art. 68, § I’. inciso III, da CF nio profbe expressamente a delegagio da legislagao sobre crédi- tos adicionais, 12.2.2. Exclusividade Esse prinefpio determina que 0 orgamento, em regra, nfio poderd conter disposi- yo estranho a fixagdio da despesa e A previsiio da receita (art. 165, § 8°, I" parte, CF). A origem dessa vedacdo, como noticia Aurélio Pitanga Seixas Filho, foi “o mau hébito dos legisladores brasileiros, anteriores a 1926, de encartarem no texto orcamentirio normas autorizativas de aumento do funcionalismo publico e outras estranhas ao assunto, que mereceram a denominagao de caudas orgamentarias"”. Assim, para que 0 orgamento fosse aprovado, acabavam as caudas orcamentirias também, por consequéncia, tendo de sé-lo”*. B—]_Observagio: No direito portugués, como leciona Eduardo Manuel Hintze da Paz Ferreira, as normas de natureza diversa incluidas no orgamento piiblico sio denomi- nadas cavaleiros orgamentais, Esse autor exemplifica o fenémeno descrito com o caso da Faculdade de Direito de Lisboa, que deve sua existéncia ao recurso ao expe- diente em questio, “como forma de ultrapassar as intimeras dificuldades com que S° defrontou a sua criagi ™ Pardgrafo inclutdo pela Emenda Constitucional n. 32, de 11.09.2001, SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga, Limites orgamentirios da administragao pal ‘mesmo sentido: SILVA, José Afonso da, Orcamento-programa no Brasil, p. 108. > ‘TAVARES, André Ramos. Curso de diveito constitucional, p. 887. 2! FERREIRA, Eduardo Manuel Hintze da Paz. Ensinar financas puiblicas numa fuculdade de drei 10, p. 149-150. a, p. 159, No Digitalizado com CamScanner Teoria Geral do Orgamento Publico a3 0 princfpio da exclusividade visa, pois, impedir a introdugiio espairia, na Lei Or camentéria Anual, de quest@es estranhas & sua preefpua funglo, que & a de fixar as ‘espesas piiblicas e orgar as receitas publicas para determinado exereicio financeiro”, ‘Além das matérias supramencionadas, 0 § 8° do art, 165 da CF co art. 7° da Lei 1n,4.320/64 admitem que a LOA também possa conter autorizagiio ao Executivo para: BD abrir eréditos suplementares até determinada importane realizar, em qualquer més do exercicio financeiro, operagdes de crédito, ain- da que por antecipacio de receita orcamentiria. Tais permissbes, para alguns, constituem excegSes ao prinefpio orgamentirio da exclusividade”. Nesse sentido, alias, j4 decidiu o STF, Ousamos, contudo, discordar de tal posicionamento, por entendermos que as referidas matérias nfio constituem matéria estranha A previsiio de receitas ¢ a fi- xagio de despesas, tendo em vista que: Bos créditos suplementares, como espécie de créditos adicionais (art. 40, Lei n. 4,320/64), nada mais sio do que autorizagdes de despesa insuficientemente dotadas na Lei de Orgamento. Nesse sentido é a ligo de Ricardo Lobo Torres, para quem a autorizagao para a abertura de créditos suplementares “tem a mes- ma natureza dos da despesa respectiva, pelo que nao constitui elemento estranho a0 orgamento”?5; Bas operagies de crédito, apesar de no acrescer 0 ativo do patriménio piblico, categorizam-se como receitas ptiblicas para o direito positivo brasileiro (arts. 3°, caput, € 11, §§ 1° a 4°, Lei n, 4.320/64; art. 12, § 2°, Lei Complementar n. 101/2000), niio se apresentando, pois, como matéria estranha ao orgamento. Observagiio: Apesar de o pariigrafo nico do art. 3° da Lei n 4.320/64 excluir da disposigio do caput do mesmo artigo as operagées de créditos por antecipagio de receita, 0 art. 7° da referida lei (reiterando a disposigao do § 8° do art. 165 da CF) permite & LOA conter autorizagio ao Executivo para realizar tal modalidade de operagiio. Assim, 0 STF reconheceu a constitucionalidade de dispositivo da Lei n. 503, de (04,09,2005, do Estado de Roraima (que dispunha sobre as diretrizes orgamentérias para 0 exercicio de 2006), que permitia a contratagio de operacao de crédito por antecipagao da receita, por entender que tal dispositivo legal € compativel com a tessalya do § 8° do art, 165 da CF**, * SILVA, De Placido e. Nogdes de financas e direito fiscal, p. 51. * Nesse sentido: TOLEDO JR., Flavio C. de; ROSSI, Sérgio Ciquera. A Lei 4.320 no comtexto da lei de responsabilidade fiscal, p. 27. =, STF, ALAgR 366.3177MG, Rel. Min, Moreira Alves, I" Turma, j.em 14.05.2002, DJ 14.06.2002, p. 138. 3, LORRES, Ricardo Lobo. O orgamento na constituigao, p. 206. STF, ADI 3.652/RR, Rel. Min, Sepilveda Pertence, Pleno, j. em 19.12.2006, DJ 16.03.2007, p. 20. Digitalizado com CamScanner 414 Direito Financeiro e Econémico Esquematizado _Carlos Alberto de Moraes Ramos Filhy Confira-se, a respeito, a seguinte decisio do STJ: “(..) 3. A lei do orgamento anual (ato-regra) pode autorizar, genericamente, as operagdes de crédito por antecipagio de receita (art. 165, § 8°), que niio afasta a necessidade de aprovagio, em cada caso, por ato legislative de inferior hierarquia (ato-condigdo). 4. Assim, para as operagies de cerédito por antecipagio de receita niio basta a autorizagao genérica contida na lei or-

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