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TEeoRIA GERAL

DO
Dirrerro CrviL

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RED Livros
Teoria GERAL DO Direrro Civit ÍNDICE ANALÍTICO
2001

O Copyright by
INTRODUÇÃO ... eee 45
Red Livros

Capa
Eugênio Carlos Amarante Russi Direito objetivo e subjetivo

— Não cabe ao direito civil fornecer o conceito


Diagramação e Coordenação Editorial
“Edméia Gregório dos Santos geral do direito. Ciência geral do direito. Feição
sociológica e feição psíquica. KomLer, MicgLt,

Juerinc. Filosofia do direito... 45

— Sociologicamente, o direito é uma regra social


Red Livros
Av. João B. M. do Canto, 1695 - Loja 09 obrigatória. Ordem jurídica. Psicologicamente,
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eae eeenerenecea narinas 47
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da obra e à sua editoração.

Impresso no Brasil — Printed in Brazil


blica interna e internacional... 49 Ty
4 — Divisão das leis quanto ao seu objeto. ................ 51 Eficácia da lei no espaço
5 - Segundo a sua natureza... 51

6 -— Quanto à extensão territorial... 52 16 — Função internacional das leis... 61


7 Leis, decretos, regulamentos, avisos, ordens 17 - Direito internacional e privado. Seus princí-

e circulares, cce ererenerrereeraa serrana seerenaeeens 52 pios essenciais... 63

— Supremacia das leis federais sobre as estaduais. ......... 53


9 — Leis pessoais € territoriais... 54 v

Fontes subsidiárias do direito


HI a) O Costume
Eficácia da lei no tempo

18 — A fonte imediata do direito é a lei. Fontes sub-


10 — Quando a lei começa a ser obrigatória, segundo sidiárias. ...... receitas 63
O direito pátrio... steam 55 19 — Costume jurídico. Seus elementos constitu-
Li — A lei obriga, ainda que seja desconhecida pelo LÍVOS. iii rare 64
indivíduo... aereas 56 20 - Doutrina romana. Sua crítica. Escola histó-

12 — Conflito das leis no tempo. .......... ss 57 rica, GENY semanas eee meentenerenis 65
13 — O princípio da não retroatividade é um pre- 21 - Conformidade entre os costumes e as necessi-
ceito de política jurídica. Komgr. Constituição dades sociais. Lei e costume. ...........iii 67
Federal... ieerenecenerteeeeraererereanna 58 22 - Opinião de Komer. Observações a respeito.

4 — O projeto de Código Civil Brasileiro. Direitos Transformação da prática jurídica em costume.


adquiridos. Bronvgau, DemoLomBr, LAURENT, A doutrina dos escritores como fonte do costume.
Ty. Huc E Gassa. O princípio da não retroati- A prática dos interessados. Crítica de LamBerT
vidade é um princípio de proteção individual. ......... 59 A GEN. .eiieeerreeereraesenentierasarereeaeaanisanaess 68
15 - Regras para resolver as dificuldades mais co- 23 — Caracteres do costume jurídico, segundo a lei
IUMS. iss er rseerterreacreaacearerariaeaeeneeeaeececaieererereratas 60 de 13 de agosto de 1769. Costume interpretativo
e ab-rogatório. ....... sessenta 70
32 — Princípios gerais do direito... 82
24 — O costume em face do direito comercial, Re-
33 - Algumas legislações sobre esta matéria. ........ 83
quisitos. Competência das juntas comerciais. ......... NR
34 - Projetos de Código Civil Brasileiro. ........ 83
25 — O direito costumeiro perante as codificações.
Opinião de GENY. ss seeeesereeermniiereas 73
VEL
26 — Os projetos de Código Civil Brasileiro. ............... 74
Interpretação das leis

VI
35 — Qu- 4 interpretar. Interpretação gramatical,
Fontes subsidiárias do direito, hoje estancadas
lógica e sistemática. ............ peerieeeerereereaaearenaearena 84
b) O direito romano e o das nações modernas
36 — A vontade do legislador. Interpretação literal. .......... 85
37 — Os intérpretes do Código Civil francês, Laurenr,
27 — O direito canônico deixou de ser uma das fon-
Burnoir, SaLEHLES, GENY, LAMBERT... 86
tes subsidiárias do direito civil brasileiro. ................ 76
38 — À escola alemã. DermBuro e Komer. A escola
28 — O direito romano. A lei da boa razão. Os esta-
moderna francesa. ALEXANDRE ALVARES. ici 89
tutos da Universidade de Coimbra. .................. Ea
39 — Trabalhos preparatórios... 91
29 — O direito das nações modernas... 78
40 — As leis são preceitos gerais. Função do intér-
292 — Com a codificação, não há mais fontes sub-
prete na revelação do direito... 92
sidiárias. ..... eras 79
41 — Regras de interpretação segundo ALEXANDRE
ALVARES. .eiccirearmteeerrererarerenaanananereaaneaeanaeaaaaa
ver serasnesaa 94
vH
Analogia, Princípios gerais do direito
IX
Cessação da eficácia da lei
30 — A função supletiva da analogia. O direito ro-
mano. O Código Civil da Áustria e as orientações
42 — Revogação expressa, tácita e parcial... 96
do Tino... etererreeearentererereaers 79
43 — Leis anuais... sro caaaaranerereraneana 97
31 — Analogia legal e jurídica. ......crea 81
44 — Cessação do motivo da lei. Opinião de RiBas. ........ 97
45 - Lei especial posterior não revoga a geral an- Direitos sobre as coisas e direitos sobre as ações

TENOR. eres
eirin ter erieaana eae ee ren tecrtirecenaacenrena 98 humanas. ie cresiseereenesereeertanaaaenaneatnaanencancs 102

x XIV

Análise do direito subjetivo Classificação dos direitos

46 — Definição do direito subjetivo. Sujeito, objeto, 52 — Necessidade das classificações. Quadro geral
relação. Tutela jurídica... 99 dos direitos. ...... ss ciscerenerererenconsaceearenecenanananes 103
47 — Elemento substancial e formal segundo JHeriNG. .......... 100. 53 — Situações jurídicas. Faculdades. ae 104
48 — Faculdades constitutivas do direito... 100 54 — Direito ao nome civil, Doutrina de JHerino é
PLANIOL. ns ementas 104

XI 55 — Código Civil alemão. Projeto do Código Civil


Do sujeito do direito SUÍÇO. Luiiiiicsseeiceeremercenenererinsanaseo ererceeneeneneantenems 108

- 56 — Nome comercial. CarvaLHO DE MENDONÇA &

49 — Definição de sujeito. Pessoas naturais e jurí- Souponio Lerre. Doutrina de Jesrino e da lei
ÁiCAS. aereas
rei eee aereeaeia 100 brasileira... rreereni cer tererermeniaertacteceenro 109

XII
Do objeto do direito TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL
TÍTULO PRELIMINAR
50 — Definição de objeto. Quais os objetos de direito. ......... 101 DO DIREITO CIVIL EM GERAL

XIX $ 1 — Noção de direito civil


Da relação de direito

1 — Vários sentidos em que é tomado o direito. ........... 11


51 — Que é relação de direito. Distinção de Komer. W — Direito Civil em sentido objetivo. Direito
fato, Gozo e exercício dos direitos. «im 17
privado e suas divisões... mm

UI — Em sentido subjetivo... H2

IV — Estudo científico do direito civil... 2 CAPÍTULO H


DAS PESSOAS NATURAIS
$ 2 Objeto da parte geral

$ 5 - Noção de pessoa natural


Princípios sobre o sujeito e objeto do direito; fatos
jurídicos, matérias de aplicação geral. Parte espe- Definição de pessoa natural. Designação proposta
cial, POSSE. iii
rea essceerenaaaienro 3. por TEIXEIRA DE FREITAS ...ceseeeaeereeeereereereaeeas 19

$ 6- Início da personalidade nátural


LIVRO I- DAS PESSOAS
CAPÍTULO 1 1 - Doutrina do projeto primitivo do Código Ci-
DA PERSONALIDADE vil. Brasileiro. Sua justificação. Direito romano.
WiNDSCHEID. ....ieeeereeeeeeeeeeeenerereniaeraresaraentamam 120
8 3 — Ideia da personalidade 11 - Nascimento. Tempo de gestação. Sinais de
VIDA. recorrer nasais ieea aces 123
Comparação entre o eu psíquico e a personalidade Hi — Forma humana. .....erenarererrerrenenanenacanaaas 125
jurídica. A psicologia espiritualista e a experi- IV - Viabilidade. Saviany 6 WAECHTER,.....siiem 125
mental. Que coisa é personalidade, Ordem civil
política e internacional. O conceito jurídico e o 8 7- Do estado das pessoas
psicológico se não confundem... ls

1 -— Definição de estado. Direito romano. Direito


$4 - Da capacidade moderno. Três ordens de estados. .............i 126

H - Posse de estado. ....ieerereresererreeeeerena 18


Definição da capacidade. Capacidade de direito e de
, pinos . . cs R 3 10 — Dos relativamente incapazes
$8- Influência da nacionalidade sobre os direitos privados 8 !

Igualdade entre. nacionaismai e estrangeiros.


;
A Cons- 1 - Noção. Classes de relativamente incapazes. .......... 139
tituição Federal. Sua reforma 129 H — Os maiores de 16 anos. Atos e funções para
€ ú cil. € ' ÇÃ. rererererraraaaranarcanrrses
rasos +

que estão habilitados. ...........i 139

8 9- Dos absolutamente incapazes II — Mulher casada. Remissão ao direito da fami-


lia, Indicações bibliográficas e legislativas. ............. 141
x . V — Legislação comparada... 143
1 -— Noção. Classes de absolutamente incapazes. ........ 130 ! Legislaçã p
. . V — Pródigo. Discussão da incapacidade do pró-
— H -Onascituro............ eecereererenio
ana cenaaena rama nerenireiiaio 131 8
Í o, , i ista histórico, econômico,
HE — Os impúberes. Desenvolvimento mental, A digo sob o ponto de vista histórico, econômico,
. o iquiátri JurÍÁICO. ui. seereietereares 144
idade em face do direito penal... 132 psiquiátrico € Jurídico y
no . — Legislaçã ada. .eciiee perereca 147
IV — O direito romano e as legislações modernas. ........ 133 Vi — Legislação comparada
V
a
— Alienação mental, Estados transitórios de insa-
au — Índios. Legislaçã ituação. .......... 147
VII — Índios. Legislação reguladora da sua sÉuação
nidade mental. Lúcidos intervalos... 134 VII — O cego, o velho, o condenado « o falido. .........- 148
no a, — Legislaçã nparada. ....ieeseeteços 150
Vi — O direito romano distinguia os firiosi, os de- IX — Legislação comparada
mentes e Os mente-capit. Direito francês e ita-
liano 135 $ 11 — Da proteção que o direito concede «os incapazes

VII- ALexanDRrE ALvaRES sobre a incapacidade


A representação dos incapazes. Expedientes diversos. ........ 151
dos surdo-mudos. Opinião contrária de Nixa
RODRIGUES. ..ii eee 137
VHI- Incapacidade do surdo-mudo em direito ro- $ 42 - Da restituição in integrum
mano e nas legislações modernas. Projetos bra-
i SILEIFOS. . 138 Origem romana. As legislações modernas. Defini-
il
É ão. Ex ã ício. A roveita.
É IX — Do ausente. .....enta 138 ção. Extensão do benefício. A quem aproveita
Como pode ser pedido. Efeitos... 152
8 13 — Da maioridade
CAPÍTULO HI
1 -— Quando começa. Expostos. Legislação com- DAS PESSOAS JURÍDICAS
parada... eserecerereneaacrieeaneererncecrraceeererenaas 155

NH —- Efeito da maioridade. ........ii 156 $ 17 - Sobre a designação de pessoas jurídicas

8 14 - Da emancipação Divergência dos juristas sobre a natureza das pes-


soas jurídicas e sobre a designação mais conve-
1 - Desapareceu do direito pátrio, o suplemento niente. Os franceses e os belgas. Os alemães.
de idade e por quem. Efeitos... 157 Crítica das expressões usadas... 166
H - Em que consiste a emancipação. Seus efeitos. ......... 157
NI -- Direito romano e legislações modernas. .............. 158 $ 18 — Teoria sobre a pessoa jurídica

$ 15 - Fim da existência das pessoas. Comorientes. Ausentes 1 - Direito romano... errei 168

MI — Diferentes teorias. ..teaeenieaes 169


1 -—Morte. Morte civil. Religiosos... 159 HI — As pessoas jurídicas são ficções legais. Crítica
IT — Legislação comparada. ........cseee 160 desta LCOria. .iiiiseereerera
ea eeeeerrerearereereraniinem 170
HI -- Comorientes. Meios de recolher a época da IV “Teoria de Juerno É Bo.ze. O Visconde de Sesgra,
morte. Presunções. ear 16] Repercussão da doutrina de Jrerexa na França.
IV — Ausente. Regras para estabelecer a presunção Larg E VAREILLES -SOMMIBRES ....... cicero 17
de morte do ausente. .....steneins 163 V — Direito sem sujeito. Crítica desta teoria... 176
VI — A vontade como sujeito dos direitos. ...i........ 178
3 16 - Do registro civil VII — Teoria objetivista de Praxior. Sua crítica. ............ 178
VHI — Teoria organicista de Grrxe, EncEmanN, PERRAT,
1 - Vantagens do registro civil. Legislação pátria. ......... 163 SALENLLES € MICHOUD. ...ccreceeeassraseraiarrarariceraeneearess 181
H Direito romano e dos povos modernos. ................. 165 IX —- Como LacerDa De ALMEIDA explica a natu-
reza da pessoa jurídica. ......cectemerseeseaeiçes 182
8 214 — Início da personalidade jurídica

$ 19 — Conceito da pessoa jurídica — À União, os Estados c os Municípios. ................. 201


f — Às associações. As sociedades anônimas. So-

O homem na sociedade. Organização social. O Es- ciedades anônimas estrangeiras. Sociedades co-

tado. Outros centros de organização política. So- merciais. Sindicatos agrícolas e profissionais.
ciedade das Nações (nota). Conceito das asso- Fundações... eres irieaateras aires 201

ciações segundo EnDeManN, GIBRKE, FADDA € HI — Associações anteriores à lei de 10 de setem-


BENSA. ci ereentenaenrence
tra nnaeaeraninertatanao 185 bro de 1893... nes 204

8 20 — Classificação das pessoas jurídicas 3 22 — Capacidade das pessoas jurídicas, Sua responsabilidade

1 — Pessoas jurídicas de direito público... 190 — Doutrina errônea de alguns escritores. Dou-

Il - Pessoas jurídicas de direito privado. ............., 191] trina verdadeira... 205

TH - Se a Igreja é uma pessoa jurídica. Considera- H — Responsabilidade. .......oa 206


ções de ordem internacional. Na ordem privada, H — Responsabilidade das pessoas jurídicas de di-

+
fraciona-se em corporações, igrejas e irmandades. reito público. Opiniões divergentes. O Código
Rimas e Saviany. Opinião divergente de LacerDa Civil Brasileiro. Observações de Amaro CavaL-
DE ÁLMBIDA. ...iiciirrenaicenanreeraieeaaraareaaecaeen
traria 192 CANTI, ceesreeenaererenarmcenaseeenticearsenaaees
een saearieaaacaierteera 297
IV — Sociedades comerciais. Discussão da matéria.
Argumentos de CarvaLHoO DE MENDONÇA, cics 195 8 23 - Fim da personalidade jurídica

V - Pluralidade sucessiva de pessoas. Herança


jacente. ci iescererreereereneererares meeraerere arenosa 198 — Pessoas jurídicas de direito público... 213
H — Pessoas jurídicas de direito privado. Lei de 10
de setembro. O Código Civil. Associações per-
sonificadas. Sociedades comerciais € civis. ........... 213

NT -- Destino dos bens da pessoa jurídica extinta. ......... 215 ção de domicílio. Importância de domicílio no
direito. À que p pertence a sua determinação.
Ç ....... 222

8 24 — Das pessoas jurídicas estrangeiras


3 26 — Unidade, pluralidade e faita de domicílio

1 - Nacionalidade das pessoas jurídicas. Princk-


pios que vigoram no direito privado brasileiro. ....... 217 É admissível que uma pessoa seja domiciliada em

H - Medidas de política internacional e de precau- mais de um lugar. Doutrina francesa, inglesa é

ção do direito pátrio em relação às pessoas ju- norte-americana. Doutrina romana € do direito

rídicas estrangeiras. Opinião de CarLos pe Car- pátrio. Outras legislaçoes. Pessoas sem domi-

vazHo, da Faculdade de Direito de Berlim, de CH, CÍlio. eres ierercentantaeieeraio 225

Wozsre, Fiore FeDOZZI € QUÍTOS............ieos 218


HI — Necessidade, que têm as sociedades anônimas $ 27 — Domicílio voluntário e necessário

estrangeiras, de obter autorização do governo

para funcionarem no Brasil. Sociedades anôni- Definição de domicílio voluntário. Pode ser geral

mas que operam sobre seguros. Ainda que não e de eleição. Domicílio necessário. De origem

autorizadas a funcionar na República, podem e legal. Direito pátrio e estrangeiro. ..........ccs 226

demandar e ser demandadas perante os tribunais


brasileiros... eee erereneieeeees 220 8 28 — Domicilio das pessoas jurídicas

— A sede da administração ou direção é, normal-

CAPÍTULO IV mente, o domicílio das pessoas jurídicas de di-

DO DOMICÍLIO CIVIL
$ 25 -Noção de domicílio HU — Domicílio das pessoas jurídicas de direito pú-
bilico interno... errar 232

Domicílio político e civil. Definição. Análise da no-


Observação de Gierkr. Definição de bens cor-

LIVRO U—- DOS BENS PÓICOS. ceara 241

CAPÍTULO I $32- Dos imóveis

DOS BENS CONSIDERADOS EM SUA PRÓPRIA ENTIDADE


1 — A distinção dos bens em móveis e imóveis é

$ 29 - Noção de bens. Coisas. Putrimônio relativamente nova. Direito inglês... 243


WU - Definição de coisas imóveis. Classes de imó-

1 — Noção de bem na linguagem filosófica, econô- veis segundo o direito francês seguido por outras

mica e jurídica... 233 legislações. Sistema da enumeração. Sistema

Il — Coisa. Definição de Terxsma pe Freiras. Có- Terseira DE Freiras, KonLEr. Sistema do Códi-

digo Civil Alemão. Direito Inglês. ........ 234 go Civil Brasileiro... 244

HE — Conceito Jjuxídico de patrimônio. RaouL DE La JE — Plantações. Construções. Tesouro. Imobiliza-

Grasserig, FaDDA € Bensa, Unidade e plurali- ção dos móveis. O direito pátrio a respeito deste
dade de patrimônios. .........iinies 233 último ponto... 247
IV — Que direitos se incluem no patrimônio. ................ 238 IV — Enumeração dos imóveis. Apólices da dívi-
da pública. Opinião de Teixeira DE Frerras. Re-
8 30 — Clussificação dos bens BOUÇAas E Laraverre. Conclusão. Navios. Sua

hipoteca. .... irei 250

Modos diversos pelos quais se podem considerar


os bens para classificá-los. Classificação de $ 33 Prédios rústicos e urbanos
Komer. Direito inglês... 240
O que se entende por prédios rústicos e urbanos.
$ 31 — Bens corpóreos e incorpóreos Enumeração deles... 253

Definição romana. Opinião de Terxeira DE FREITAS.


CAPÍTULO E
DOS BENS CONSIDERADOS UNS EM RELAÇÃO
$ 34 - Dos móveis
AOS OUTROS

Definição de bens móveis. Por natureza e por de- .


8 38 — Coisas principais e acessórias
terminação da lei... teses eerereeneeeeeecee 253

Definição de coisa principal. Partes integrantes e


$ 35 — Dos bens fungíveis e consumíveis
acessórias, segundo o Código Civil Alemão.
Direito pátrio. ...eererererertareeena 262
1 - Definição de bens fungíveis. A fungibilidade

é própria dos móveis. Não depende exclusiva-


$ 39 — Dos frutos e produtos
mente da vontade das partes. ..........is 254
W - Definição de bens consumíveis. ..........cs 255
Definição de fruto. Naturais, industriais e civis. Ou-
HI -- Distinção entre bens consumíveis e bens fun-
tras distinções. Produtos. Exemplo de DernBurs. ......... 264
gÍVeiS. .i i rs ianeranereneraecererecreecanerrenterento 256

8 40 — Das benfeitorias
$ 36 — Coisas divisíveis e indivisíveis

Definição de benfeitoria. Classes de benefícios. A


Definição de coisas divisíveis. Indivisibilidade das
pintura, e escultura, a escritura... 266
coisas incorpóreas. Indivisibilidade. Econômica.
Casas. ice iaeaserenteeasanacasarenacantncaatios 257
CAPÍTULO HI
DOS BENS EM RELAÇÃO AS PESSOAS
8 37 — Coisas singulares e coletivas

8 41 — Dos bens públicos e particulares


Definição de coisas singulares. Podem ser simples
e compostas. Coisas coletivas. Universitas facti.
Distinção de bens públicos e particulares. Classes
Universitas juris. O projeto primitivo e o Código
Civil Brasileiro. ....ereeeemaceneaeeaeaar
streets 258
de bens públicos. De uso comum, ce uso espe- acrescidos, terrenos de marinha. Uso des praias.
cial, patrimoniais. ......iseeneaenis 268 Direito pátrio € estrangeiro. cera 279

$ 42 Dos bens da União S 45 — Dos bens do Estado

1 — A distribuição dos bens públicos entre a União 1 -- Enumeração dos bens dos Estados: patrimo-
e os Estados é matéria de direito constitucional e . niais, de uso especial e de uso comum... 281
administrativo. cereais 269 IH - Bens vagos. Legislação pátria a respeito. ..... 282
IL — Enumeraçãoa dos bens da União,
1 segundo as trêsA HI — Bens doq evento...
' '
aerea 284
º

categorias: a dos patrimoniais, a de uso especial e a IV — Terras devolutas. Territórios das fronteiras. .......... 284
de SO COMUM... seen 27%
8 46 — Das minas

8 43 - Dos terrenos de marinha


Direito anterior. Constituição republicana. Direito
É — O que são terrenos de marinha
e acrescidos. ......... 27 da União. ...isasssiieseneeereniriio
285
H — À quem pertencem. Opiniões divergentes. João

RamatHo, Ropriço Ocravio, GaLDINO LORÊTO,

contra Carios pe CarvaLHo, CarvaLHO DE MEN- CAPÍTULO IV


poxça e Eprrácio Pessoa, Dados históricos. Ar- INCOMERCIALIDADE DE CERTOS BENS
gumentos de Eprrácio Pessoa... 273

III — Margens dos rios navegáveis e igarapés. 278 $ 47 — Noção e espécies de coisas que estão fora do comércio
IV - Não há acessão de acrescidos... 279 |
Que coisas estão fora do comércio. O ar atmosférico.
8 44 — Praias As águas correntes. Templos. Disposição do

próprio corpo ou de uma parte dele. Alienação


Definição. Faixas de terra que criam o mar. Praia, do cadáver. ............ Cerrerencenieeseee
era serareraeaenreas 287
LIVRO HI DO NASCIMENTO E EXTINÇÃO
DOS DIREITOS tade não deve ser viciada. Vícios puramente psí-
quicos e vícios sociais. ......... in 295

CAPÍTULO 1
DOS FATORES DO DIREITO SUBJETIVO 851 - Do erro

$ 48 — Noção de fato e ato jurídico — Definição de erro, segundo Fuga. Opinião de


LAcERDA DE ALMEIDA. Erro essencial e acidental.

1 - Definição de fato jurídico. Atos jurídicos. Atos Doutrina de Pranto. Transmissão errônea da

ilícitos. Quadro dos fatos jurídicos... 289 vontade. Erro sobre a quantidade e sobre a qua-
H — Atos jurídicos e declarações da vontade. In- lidade... ieeeeerereererericareeaeracieraiaa 296
dicações exemplificativas de atos jurídicos. ............. 290 H — Requisitos do erro, segundo DERNBURG. ............... 298

HI - Modos de manifestação
da vontade. .....m 293
IV - Outros fatos criadores de direito... 293 8 52 - Do dolo -

3 49 — Requisitos para a validade dos atos jurídicos Definição de dolo. Dolo principal e incidente. Na

sua apreciação decide soberanamente o juiz.


Indicação dos requisitos para a validade dos atos Dolo de terceiro. Do representante. De ambas
jurídicos. Capacidade geral e especial. Incapa- as partes... enerrrererere
re aiarcaieaaes 299

cidade de uma das partes. Nas declarações de


vontade, atende-se mais à interição do que às pa- 8 53 — Da coação

lavras... are ra Nana er tac an acer oca s anna nene e nro rea nantes aanianasa 293

— Definição de coação moral. Requisitos. Su-

8 50 — dos vícios da vontade gestão hipnótica. ......... tiras 381


H — Elementos de apreciação da violência moral.

O agente deve estar na posse de sua razão. A von- Coação de terceiro... centenas 304
TE — A coação deve ter por fim a realização do ato,
para ser considerada vício da vontade, .... 304 $ 57- Do objeto do ato jurídico

IV — Fatos que não constituem coação... 305


Que condições se exigem do objeto de uma relação

$ 54 —- Da simulação de direito. ..renensrei313

O que se entende por simulação. Deve ser empre- 8 58 - Das condições

gada de má-fé para viciado ato. Há de ser ale-


gada por terceiro prejudicado ou pelo ministério 1 — Definição de condições. Espécies de condição. ......... 313

público. Reserva mental. ......... ii 306 - H - Condições fisicamente impossíveis. O projeto

de Código Civil Brasileiro a respeito. Impossi-


8 55 — Da fraude contra os credores bilidade parcial e relativa. Juridicamente impos-
síveis. Distinções de BARTIN.........iieees 316

Lo- Vacilação do significado da paiavra fraude. II —- Condições suspensivas e resolutivas. Efeito


Definição. Distinção entre fraude, doto e simu- retroativo das condições. Direito estrangeiro e

Fa (o (o 308 pátrio. Transmissão do direito eventual. Efeito


E - O patrimônio do devedor é a garantia comum retroativo da Condição, em relação a terceiros......... 318

dos credores. Ação pauliana. Requisitos para ser IV — Condições resolutivas. Maior extensão do e-
proposta esta ação. O Código Civil Brasileiro. feito retroativo. O projeto de Código Civil Bra-
Lição de Terxsira DE FREITAS. ,iciass 309 Sileiro, cerca cenecaceeneraaerareeanieantaes 319
TE - Direito comercial. 310 V — Impedimento malicioso da realização da con-
IV — Atos que se presumem de boa-fé... 31 dição e realização maliciosa. ................ Renee 320

8 56 — Da lesão 8 59 — Dos termos

Remissão e outras divisões do direito. Os projetos O que é termo. Prazo. Termo inicial e termo final.
de Código Civil, O Código Civil... 312 O tempo pode ser certo ou incerto. Termo e con-
emeaeeaanem
dição. O termo inicial suspende o exercício, mas HI - Formas intrinsecas e extrínsecas. São estas
não a aquisição do direito. Cômputo dos prazos, as verdadeiras formas. Essenciais, probantes.

Os termos nos atos de última vontade presume-se habilitantes. ..... oeste 328
estabelecidos em favor do herdeiro, e nos con- HI - Atos formais e não formais... 329
tratos em proveito do devedor, salvo exceções. IV — A regra locus regit aclum. ste 329
Atos jurídicos sem prazo... 321

8 63 — Da prova dos atos jurídicos


8 68 - Dos encargos
1 - Oqueé prova. Regras gerais da teoria das pro-
Definição de encargo. Como difere da condição. Atos vas. Prova do direito estrangeiro. ....... 330
a que anda mais ordinariamente unido. Inexecu- TT — Ao direito civil cabe determinar as espécies €
ção do encargo. .......cesisieeerereenerenererannenarararas 323 o valor das provas. Ao processual o modo de
constituí-las e produzí-las. .... lies 332
$ 61 - Da aquisição de direitos por outrem e para outrem

$ 64 — Meios de prova
— Os atos jurídicos podem ser celebrados por in-
termédio de outrem. Elxeceções. Personalização. 1 -- Prova preconstituída. Forma essencial e ne-
Representação legal e contratual. ...... 324 cessária para a prova do ato, João Monteiro E
H -— Estipulações em favor de terceiro. ............... 326 Castro contra TEIXEIRA DE FREITAS... 332
1 - Meios de prova reconhecidos pelo direito pátrio.
8 62 - Da forma dos atos jurídicos Não se inclui o juramento... Reeereneeneeases
W -O que é instrumento público. Instrumentos que
— O que é forma. Decadência do formalismo. A se equiparam aos públicos. O instrumento pú-
forma é valiosa garantia dos interesses. Cria- blico faz prova absoluta... eee 336
ção de solenidades novas. O casamento. Trans- IV — Escrito particular. Seu valor probante. .................. 337
missão da propriedade imóvel. ................ 326 V — Instrumento viciado em lugar substancial ou
suspeito. Língua dos instrumentos de contratos 8 66 — Crítica do regulamento 737
celebrados no Brasil... 338
VI - Prova do assentimento
ou da autorização. ............ 339 A crítica do regulamento 737 foi feita por LacERDA
VII Prova testemunhal. Regras do direito pátrio pr Atmitpa. Análise do art. 682 do regulamento
sobre essa prova. O Alienado, o menor, o pro- 737 em combinação com o art. 129 do Código

fissional, a mulher, o ascendente. Depoimento Comercial. Nutidades de pleno direito e depen-


de uma só testemunha. Contratos que se provam dente de rescisão... ircenaniermacereaaanies 347

por testemunhas...

VIII — Presunções. Legais e comuns. Absolutas e 8 67 — Atos nulos e anuláveis


telativas. crentes 340
1 Atos nulos. Nulidades de pleno direito. Quem
as pode alegar. Absolutas e relativas... 352

CAPÍTULO HI IH — Atos anuláveis. Por quem deve sere alegada


DAS NULIDADES DOS ATOS JURÍDICOS a nulidade dependente de rescisão... 353
HI - Ratificação dos atos anuláveis. Expressa ou
8 65 — Teoria das nulidades tácita. Os atos nulos não podem ser confirmados. ......... 354
IV — Nulidade da obrigação principal. Obrigações
— Vacilação da doutrina. Direito romano. Atos contraídas por menores entre 16 e 21 anos. Res-
nulos e anuláveis. Desarmonia de idéias entre tituição ao estado anterior... 355
os escritores franceses. Teoria de PLanioL. De

SOLON. is riitemeanee
ceia aenterneneeertea 342 8 68 — Nulidade do instrumento
K - Que é nulidade?É uma pena. Leis de ordem
pública. Proteção de interesses individuais. Pro- A nulidade do instrumento não acarreta a do ato.
jeto primitivo. Código Civil. Atos inexistentes. ....... 344 O instrumento público, sendo nulo, pode valer

como particular, e o particular pode valer como


título de dívida... 356
$ 74 - Dos atos ilícitos e da culpa

CAPÍTULO HI
É -— Noção de ato ilicito. Delitos civis segundo o
DO EXERCÍCIO DOS DIREITOS
direito romano. Quase delitos. Doutrina moderna.
Pontos de vista diferentes do direito civil e do
$ 69 — Do exercício dos direitos e de sua colisão com outros
penal. Menores, alienados e coagidos respondem

Exercício do direito e a sua utilização. Limitações,


pelo dano. Não assim os autores de crimes jus-

Colisões. ...... is eeanceeeeaeesreneereneneerecenanatiram 356 UfICÁVEIS. cs inereeecieeaeeaeeeratrs 363
W - Culpa. Contratual e aquiliana. Zn faciendo,
in imittendo, in contrahendo, in eligendo, in
8 70 - Da legitima defesa
vigilando, in abstracto e in concreto. Lata,

1 - Atividade jurídica de uns em frente da ativi- fevis, levissima. Projetos brasileiros. .......c 367

dade jurídica de outros. Defesa dos direitos pelo Hi - Abuso do direito... meauernarereeaeereioeers 369

poder público. Defesa particular. Direito romano. .........357


IH — A legítima defesa é uma faculdade. Em que 8 72 - Das ações

consiste. Preceitos do projeto primitivo. Requi-


1 — Ação. Duplo sentido da palavra. Opinião do
sitos da legítima defesa. Não há legítima defesa
Visconde de Suasra, Tuixeira DE Freiras, Pare-
na expulsão do esbulhador. Outros preceitos do
direito penal. Moderação na repulsa. Legítima cer da Comissão do Senado Brasileiro. Aprecia-

defesa dos direitos de terceiros. Ofensa de coisas ção da classificação do Visconde de Seabra. ............ 370

inanimadas ou de entes sem razão... 358 H -O interesse legítimo como condição do apelo

HI — A legitima defesa não é um ato jurídico, Le- ao juiz. Ações populares... 373

gitima defesa inconsciente... 361


IV - Auto-satisfação. ....eeeeeerecemiaanierearreminia 362 $ 73 — Da conservação dos direitos

V — Estado de necessidade. Seus requisitos. .............. 362


Meios assecuratórios da conservação do direito.
Casos em que é admissível o seu emprego. Re
$ 77 Da prescrição em geral
tenção. Arresto. Segilestro. Detenção pessoal.
Caução. Interpelação judicial... 374

1 — influência do tempo sobre as relações jurídi-

CAPÍTULO IV cas. Observações de KouLER € WiINDSCHEID. ....i 383

DA EXTINÇÃO DOS DIREITOS IH — Conceito da prescrição. A ação sob o ponto de


vista social. Inércia do titular do direito. Conso-

$ 74 - Modos pelos quais se extinguem os direitos. Da renúncia lidação de um estado contrário ao direito indi-

vidual. Argumentos de Pora E KoHtEr. A pres-


I — Os direitos perduram enquanto subsistem os crição é uma regra de ordem. de harmonia e de
seus elementos constitutivos. Vários modos de paz. Sua ação dissolvente sobre os diversos meios
Extinção. ......cis ice crecerinerareearererenacarenecacenenaneaeas 377 de defesa do direito. ER, 383

N- Renúncia. Expressa e tácita... 378 HE - Diferença essencial entre a prescrição e o usu-


capião. Posto que aos dois institutos dão as le-
$ 75 - Do perecimento do objeto gislações modernas. Posto que lhes deve ser as-
sinado. ..... eeeienes 386
1 — Extinção do direito pelo perecimento do objeto. 8 78 — Requisitos da prescrição
Quando se considera o objeto perecido. Conse-

giiências do perecimento. .......secenee 379 Negligência e decurso do tempo. A boa-fé é requi-


IH - Responsabilidade... eee 381 sito da prescrição. Legislação comparada. A pres-
crição é função do tempo... 388
8 76 — Dos prazos extintivos
$ 79 — Direitos imprescritíveis
Distinção entre prazos extintivos e prescrição. Prin-

cípio fundamental formulado por TH. Huc, Exem- Direitos que são emanações da personalidade. Bens
plificações. .........eseisereresereeeererssreeiranam 381. públicos. Ações de estado. Ações derivadas das
relações de família. Imóveis dotais. As facul- . É ventário. Atos constitutivos de mora. Reconhe-

dades não são direitos. Ação de divisão. .................. 390 cimento do direito... 398
If — Quem pode promover a interrupção. Credores

$ 80 - Do início da prescrição solidários. Devedores solidários. Falência do de-


vedor. Interrupção da prescrição em caso de dí-
Ações reais. Ações pessoais. Direitos condicionais vida afiançada. ......... criteria 401
e a termo. Influência da evicção. O credor pig-
noratício, o mandatário. Outras relações jurídi- $ 83 - Quem pode alegar a prescrição e contra quem se alega
cas semelhantes. Ações regressivas. A prescrição
corre contra O herdeiro. VACA NUS CUL N OL SANS OrU re nor asas assar na pad 392 1 Podem alegar a prescrição às pessoas naturais

e às jurídicas. O credor. Outros interessados. O


$ 81 - Das causas que impedem ou suspendem a prescrição herdeiro... eres rerereenterteereareaererertes 402
RB - Pode ser alegada contra qualquer pessoa. O
Quando se dá a suspensão da prescrição. Pessoas juiz não pode decretar ex officio a prescrição.
contra as quais não corre a prescrição. Direito Caso em que não pode esta ser alegada contra

romano. Códigos civis português e alemão. Os a massa falida. ........eereeanereneenerareantriaãs 403


compossuidores, o herdeiro a benefício de inven-
tário. os administradores legais. Credores so- $ 84 —- Da renúncia da prescrição
lidários. errar eee aa atarerrear anais 395

1 - Requisitos da renúncia da prescrição. Justifi-


$ 82 — Interrupção da prescrição cação deles. A renúncia não pode ser feita em
prejuízo de terceiro. Por devedor solidário ou
1 - Efeito da interrupção. Como difere da suspen- de obrigação indivisível. .......seees 404
. são, Interrupção natural e civil. Fatos que inter- I - Renúncia expressa e tácita. is de 405
rompem a prescrição. Citação pessoal. Protesto. HI — A prescrição pode ser alegada em qualquer
Apresentação do título de crédito em juízo de in- instância. ...ce eine eeareeeeearianerceanerreeererersmansas 406
3 68 — Prazo da prescrição. Prescrições diversas

8 85 - Dos efeitos da prescrição


1 — Prazos extintivos e prescrições de prazos re-

Extinção da ação. Efeito sobre o patrimônio. Outras duzidos. O art. 178 do Código Civil reuniu qua-

consequências. Se extingue o direito ou somente se todos os casos de prescrição. Indicação delas

os seus meios de defesa. Opinião de Komter. e das que se encontram esparsas pelo corpo do

Argumentos deduzidos da renúncia tácita. ......... 406 Código, segundo a ordem crescente dos prazos.
Prescrição instantânea. .......s sem Als

8 86 - Da prescrição das exceções


$ 89 — Prescrição do direito autoral

As exceções prescrevem com as ações. Exceções de

coisa julgada e de prescrição. Exceções tempo- À parte pessoal do direito autoral não prescreve.

rárias. Regras gerais. o 409 A parte real é direito temporário, Sua duração. ....... +25

$ 87- Prazos du prescrição. Prescrição trintenária $ 90 — Prescrição a favor do Estado e contra o Estado

1 — Prazo ordinário da prescrição das ações pes- 1 — Prescrição quinquenária. Contra quem não corre

soais. Pessoas propriamente ditas. /n rem scriptae. esta prescrição. ......cisiaerereeceneesreeersacao 426

Mistas. Hipotecária. Legislação comparada. ........... 410 HW - Prescrição de um ano. ...ereieeernai 427

il — Ações perpétuas e temporárias. Execução de Hã - Despachos aduaneiros... queres 428


sentença. Ações rescisórias... an IV - Dinheiros de ausentes. ...iiisitia +28

HI — Ações reais. Usucapião trintenária. ...... 413 V. - Prescrição de quarenta anos. De dez. Interrup-
IV — Deverá ser estabelecido um prazo único geral ção. Direito atual. .....eerererecrerenicareenites 429

para as ações reais e pessoais. Prestações perió- VI - Legislação comparada. Projetos brasileiros........... 430
VII- Os Estados federados e os Municípios. Dou-
trina do Supremo Tribunal Federal. O Código
: 9 INTRODUÇÃO
Í CIVIL ia rernireerraneaaarastranerenanenanaraceneeatenters 4 > 0

a
$ 91 - Da prescrição imemorial DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO

Função da prescrição imemorial no direito romano €


i. Não cabe, certamente, ao direito civil, simples
no canônico. Opiniões de Saviany € WiINDSCHEID. ramo da árvore jurídica, fornecer o conceito geral do direito.
Direito Moderno, Projetos de Código Civil. O Somente a filosofia jurídica é que o pode extrair, como síntese
Código Civil... eierraereenienereeeeraarenanas 4 > l
A final, do conjunto dos fatos, que constituem as disciplinas
particulares e a ciência geral do direito.
Por disciplinas particulares do direito, entendem-
se os diversos ramos do saber jurídico, distribuídos segundo
os vários aspectos, que o fenômeno do direito apresenta na
vida social: direito público, direito privado e as respectivas
subdivisões.
Por ciência geral do direito, pretendo significar,
com HERMANN Posr, O a exposição sistematizada de todos os
fenômenos da vida jurídica da humanidade e a determinação
de suas causas. E, como a vida jurídica, por um lado, se
manifesta sob a forma de leis e usos jurídicos, e, por outro
lado, é operação da consciência individual, a ciência geral do
direito é, ao mesmo tempo, sociológica e psicológica. A feição
sociológica é constituída pela histórica e pela legislação
comparada ou, antes, pela legislação comparada operando
no campo do passado e no presente. O

& Aligemeine Rechtswissenschafi, 1891, 81º


1 O Direito Comparado, desprendendo-se das limitações que o empeciam até a realização
do Congresso de Paris (1900), assumiu proporções cada dia maiores. Integrando currículos
nas Universidades de todo o mundo, proporciona ao estudioso e ao profissional a
oportunidade de ampliar os seus conhecimentos, e de alargar seus horizontes de pesquisa
pelos sistemas jurídicos contemporâneos. :
teoria Geral eo Direito Civil
Clóvis Bevilcqua

A afeição psíquica tem sido ainda muito pouco zagem do direito pelo estudo da organização política do
explorada de modo sistemático. Uma ou outra indagação, a Brasil, juntamente com o exame da fonte principal do direito
que não falta profundeza, tem sido feita, mas sem vista de
privado moderno, e com o direito civil pátrio, em sua parte
conjunto. Todavia é certo que os estudos de KogLER, na geral e na especial referente à família. Mais conforme ao
Alemanha, e de V. Micert, na Ttália, ” mostram que, da desenvolvimento lógico da idéias é a seriação proposta por
orientação psicológica dos estudos jurídicos, devemos esperar Joaquim PíMENTA, que faz preceder o estudo da economia
política ao do direito civil (Sociologia e direito, Recife,
a elucidação de muitos problemas e a remodelação de muitos
conceitos. Nas obras de JHERING há, nesse sentido, algumas 1928).
observações verdadeiramente preciosas.
Operando sobre essas bases, a filosofia do direito, 2. Não é preciso discutir agora as diferentes defi-
que nos da uma vista de conjunto sobre as várias manifesta- nições dadas ao direito por filósofos e juristas. & Seria ocioso.
ções do fenômeno jurídico, estuda as condições de seu apare-
cimento e evolução, e determina as relações existentes entre “A partir da reforma do ensino realizada em 1931, a “filosofia do direito” foi substituída
pela “Introdução à Ciência do Direito” de finalidade propedêntica. Posto não a considerem
ele e a vida humana em sociedade,“ firma o conceito do assim todos os professores, seu objetivo é proporcionar 20 iniciante nos estudos jurídicos
direito. uma visão de conjunto do Direito e suas divisões, bem como ministrar-lhe as noções
conceituais básicas. É
Havia, outrora no limiar dos cursos jurídicos do 3 Consultem-se sobre a noção do direito, entre outros: SyLvio Romero, Ensaios de filosofia
País, uma cadeira de filosofia do direito que o decreto nº do direito, 1895, com um apêndice de Gumprcinpo Bessa! Que é direito; ToBias BARRETO,
Estudos de Direito, Vol. VI das Obras completas; LaurinDo Lgão, Estudos de filosoba
16.782-A, de 13 de janeiro de 1925, art. 57, muito acertada- do direito, Recife, 1904; Farias Barro, À verdade como regra das ações, Belém, 1905;
mente, transferiu para o último ano. JuvENAaL LAMARTINE Aumaçuio Diniz. Mecanismo do direito. Bahia, 1906; lost Menpes, Ensaios de filosofia
do direito, S. Paulo, 1905; Acuiera, L'idée du droit en Allemagne, Paris; 1893; G.
sugerira, na Câmara dos Deputados, “? substituir aquele Carte, La vita dei diritto, 1890; E. Picazp, Le droit pur, Bruxelles, 1899; VaLvERDE,
ensino inicial pelo da enciclopédia jurídica, a fim de terem os Genesis del derecho, Valadolid, 1901; CogLioLo, Filosofia del diritto privato, Firenze,
1891; Koner, Einfuchrung in die Rechtewissenschafll, Leipzig, 1902: Korkounov,
estudantes noções gerais da ciência em cujas particularidades Théorie générale du droit, Paris, 1903. R. Sraymier, Wesen des Rechts und
iam penetrar. Mas o citado decreto preferiu iniciar a aprendi- Rechuswissenschaf?, Berlim, 1906; W ooLsgr, Political science, 1, págs. 1-137, WiDsciEmD,
Pandette, $8 37 6 37a e, em particular, as notas 3 do autor ao primeiro dos citados 88, e
b dos seustradutores italianos, PapDA e Bensa; Jnerino, Espiritu del derecho romano, IV,
nº 70, e Der Zweck im Recht, I, 2º ed., 1884, Leipzig; ScmiatareLa, Presupposti del
3 Vejarn-se de Miceire: Tl diritto quale fenomeno di credenza coletiva, na Rivista Italiana diritto scientifico, 2º ed., Palermo, 18853; Spescer, La justice, trad. Castelot, Paris, 1893;
«& Sociologia, 1905. págs. 501-522: Le fonte del diritto dal punto di vista psicosociale.
Geny, Science et technique en droit privs positive; Groreio,Det Vecerio, Il concetto del
Palermo. 1905. Merece igualmente ser mencionada a obra de Bexucer. Orientazione
diritto, Bologna, 1912; Ti concetto della natura e il principio del diritto, Torino, 1908;
pstcologica delf etica e delta fitosofia del diritto.
Queiroz Lima, Sociologia jurídica, Rio de Janeiro, 1922: Aborpro Pinto, Ensaios de,
No direito penal é que a contribuição da psicologia tem sido considerável. E preciso sociologia do direito, Rio de Janeiro, 1926; Pontes De MiranDa, Sistema de ciência
fazê-la penetrar em todo o dominia do direito, para que o possamos ver em sua integridade. positiva do direito, Rio de Janeiro, 1922; Demosue, Notions fondamentales du droit privé,
Veja-se o meu escrito -- Elementos psíquicos da evolução da propriedade, na Revista do Paris, 1911: €, O. Bunge, Le droit c'est la force, trad. de Desplanque, Paris, s.d.;
Inst. Da Ordem dos Advogados Brasileiros, tomo XVI págs. 5-11.
Darmsrarperrer, Recht und Rechtordnung, Berlim, 1925; Peoro Lessa, Filosofia do
Especialmente em Zweck im Recht, erster Bande, e Besitzwille, porém um pouco por direito, Rio de Janeiro, 1912; Arves Lima, Psicologia do direito, Fortaleza — Ceará, 1909;
toda a generalidade de seus admiráveis estudos. E. Beanuzimer, Probleme der Rechisphilosophie, Berlim, 1927, Dueurr, Droit
&) Criminologia e direito, Bahia, 1896, pág. 130.
constitutionnel, L, 2me. éd., nºs l a 13.
“4 Em projeto apresentado, em 1906, sobre a reorganização do estudo do direito.

46 47
Clóvis Bevilágquea Teoria Geral do Direito Civil

Como resultado de indagações anteriores, estabeleçamos que, faculdade concedida pela ordem jurídica ? ou a parte dos
sociologicamente, o direito é uma regra social obrigatória, bens da existência, que cabe a uma pessoa na sociedade
quer sob a forma de lei, quer soba de costume. É desse ponto- humana. “9
de-vista que JHERING O define: “complexo das condições Neste sentido é que JHERING considera o direito
existenciais da sociedade, coativamente asseguradas pelo um interesse protegido pela lei. 4º
poder público”. º Olhando-o por esse mesmo aspecto, disse
STAMMLER que o direito não é mais do que “o modo pelo qual
os homens realizam, em comum sua luta pela existência”.
O direito, regra social obrigatória, é o que se W
costuma chamar direito objetivo, expressão das necessidades LEI E SUAS ESPÉCIES
dos grupos sociais, sob a forma de preceitos coativos. Esta
regulamentação dos interesses humanos, segundo a ida'de
3. Lei, como se viu, é o direito objetivamente
justiça dominante no momento, constitui, quando considerada
considerado. Consequentemente é uma regra social obriga-
em seu conjunto, uma sistematização das energias sociais,
tória. A célebre definição de Montesquieu, “relação necessária
que os juristas alemães, com muita propriedade, denominam
que deriva da natureza das coisas” 2 não se aplica ao objeto
ordem jurídica, º o que importa dizer: justa proporção dos
que teve em vista.
interesses colidentes, ou antes, organização da vida em
Dentre as normas sociais, que dirigem o proce-
comum, pela proporcionada satisfação das necessidades e
dimento dos homens, a lei se distingue por ser uma ordem
pela orientação cultural dos impulsos.
geral (commune praeceptum) emanada de autoridade reco-
Psicologicamente, o direito é idéia, sentimento e
nhecida, e imposta coativamente à obediência de todos.
poder de ação. Como idéia e sentimento, estuda-o
Com estes caracteres, a lei, umas vezes, impõe-
particularmente a filosofia do direito. Como poder de ação
se como preceito rigoroso, submetendo ao seu império a
será aqui considerado.
vontade dos particulares, outras vezes, estabelece apenas, as
É o direito subjetivo que DERNBURG define uma
normas que têm de vigorar na ausência de declaração da
vontade dos interessados. No primeiro caso, temos leis de
(6 Zywech im Recht, [, pág. 511.
(O Wesen des Rechts, na Systematische Rechtswissenschaf?, Berlin, 1906, pág. NXXVIIL
3 Ordem jurídica, define K0 eLer, “é a regulamentação historicamente estabelecida, das 9) Pandette, trad, Cicata, Torino, 1906. Parte geral, 8 19 in fine. Komer também diz: +
relações humanas em frente aos bens e aos deveres da vida (Lehrbuch des buergerlichen a relação entre o indivíduo e um determinado circulo de bens da vida é o que se chama
Rechts, 1, 82). Outra definição equivalente do mesmo autor encontra-se na Einfuehrung direito subjetivo ( Op. Cit., 8 44)
in die Rechtswissenschaft, $ 1. Veja-se mais DarmstarDTER, Recht und Rechtorduung, II. 89 Pand. cit., Parte geral 8 39.
Sem qualquer influência sectária e sem a vaidade de ter encontrado fórmula definitiva “2 Espiritu del derecho romano IV, nº 70, pág. 365.
pode ser dada esta definição: “O direito é o princípio de adequação do homem à vida “2 Esprit des lois, liv. 1, cap. 3. Vejam-se a respeito: ROUSSET, Science nouvelle des
social” (CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil, vol. 1, nº lois, I, nota là pág. 210; PLANIOL, Traité de droit civil, 1, 136; e o meu livro Juristas
1) filósofos, págs. 52-54.

48 49
Clóvis Bevilágua teoria Geral do Direito Civil

ordem pública, leis rigorosamente obrigatórias, leis coativas;


Podemos definir leis de ordem pública as que,
no segundo, as leis são supletivas ou permissivas. O”
em um Estado, estabelecem os princípios, cuja manutenção
As leis da primeira classe atuam ora proibindo,
se considera indispensável à organização da vida social,
ora ordenando, dai a sua divisão em proibitivas e impera- segundo os preceitos do direito, !'” Cumpre, entretanto, distin-
tivas.“2 Diz Rousser “* que aquelas, as proibitivas,
se dirigem guir a ordem pública interna da internacional, porque leis há,
aoscidadãos em geral, e estas,
as imperativas, aos funcio- como as de estado e capacidade, que, sendo de ordem pública
nários. Se bem que, normalmente, assim seja, é certo entre- interna, são todavia pessoais, extraterritoriais, por não serem...
tanto, que pode o legislador proibir certos atos aos funcioná- de ordem pública internacional.!!*
rios e ordenar certos outros aos cidadãos. Como quer que
seja, não oferece importância prática a distinção das leis em
4, As leis, quanto ao seu objeto, podem sofrer
proibitivas e imperativas. as mesmas divisões estabelecidas, em geral, para o direito.
As leis supletivas apenas funcionam, quando a
E, assim serão: constitucionais, administrativas, penais, civis,
vontade individual deixa de manifestar-se; seu campo de ação comerciais.
é o reservado à autonomia da vontade dos particulares.
As de ordem pública, umas vezes, referem-se às
5. São substantivas, materiais, teóricas, ou adje-
bases econômicas ou políticas da vida social, como as de tivas, formais, processuais, segundo a sua natureza. Pela
organização da propriedade, e as constitucionais; outras
Constituição brasileira, art. 34, nº 22, compete, privativa-
vezes, são protetoras do individuo no grêmio social, como mente, ao Congresso Nacional, estabelecer as leis substantivas
as de capacidade; outras sancionam os direitos, quer do em matéria civil, comercial e criminal, assim como as proces-
indivíduo, quer da sociedade, como as penais e as processuais; suais referentes à justiça federal e ao Distrito Federal. As
ainda outras têm o caráter de polícia jurídica, sempre que processuais referentes à justiça local dos Estados são da
repelem as ofensas aos bons costumes; por fim uma classe
competência destes. O
existe, que assume a feição de ordem pública, em razão de se
derivar, necessariamente, da essência de um instituto jurídico
estabelecido, como a que impõem o dever de convivência
4% Vejam-se: o meu Direito Intemacional Privado, $ 16; LAURENT, Principes, 1, nºs
dos cônjuges, que é consequência imediata do casamento, 48-52; Cours élémentaire, 1, nº 17; PLINIOL, Traité nºs 272.273; DOUSSET. Science
segundo o compreende a cultura moral em nossos dias. 49 nouvelle, E, pág. 177, CHIRONT, Istituzioni, 1, $ 19, AUBREY, em Clunet, 1902, pág.
235; MARTINHO GARCEZ, Nulidades, págs. 14-17, DESPAGNEE, Droit it. Privé,
nº 07. .
Meu Direito internacional privado, $ 16.
“3 SAVIGNY, Droit romain, Í, 8 16; DERNBURS, Pand., 1, 8831 a 32; ENDEMANN,
* Duas observações cabem aqui, A primeira é que a distinção entre leis materiais ou
Eimfuehrung in das Studium des buergerlichen Gesetzbuch, I, 8 8; LAURENT, Cours
substantivas e formais ou adjetivas não tem mais aceitação geral, uma vez que as leis
élêmentaire, 1, nºs 15-18.
processuais fixadoras de conceitos são também materiais. A segunda é que à União
“9 D. 1,3 ft. 7: Legis virtus haec est: Imperare, Vetare, permiltere, punire (MODESTINO).
compete, nos termos da Constituição vigente, legislar sobre direito civil, comercial, penal,
5! Science nouvelle des lois, 1, nºs 42 a 49.
processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronántico, espacial e do trabalho (Emenda
“4 DERNBURG, Pand,, 8 31, quanto à última asserção.
Constitucional nº |, Art. 8º, nº XVII alínea “b”). :
50
51
Clóvis Bevilágua Teoria Geral do Direito Cívil

6. Quanto à extensão territorial da autoridade


bundava numa forma legislativa irregular, por meio da qual o
de que procedem, as leis se distinguem, no Brasil, em federais,
poder executivo, frequentemente, invadia a esfera do legis-
estaduais e municipais. As primeiras, quando substantivas, lativo e a do judiciário. Refiro-me aos avisos, entre os quais
aplicam-se em todo o País, e, quando adjetivas, ao processo
alguns se destacam, verdadeiramente luminosos pela doutrina
federal: as segundas e as terceiras limitam-se às divisões, a
que expõem, mas que, em geral, constituíam vegetação perni-
que correspondem.
ciosa por invasora e, não raro, desorientadora.
Com a República, as atribuições dos poderes
constitucionais se delimitaram melhor, e o poder executivo,
nizados, sãoo resoluções do poderlegislativo
|! com a sanção
afinal, deixou de ser o consultor dos diversos órgãos da
do, executivo (C(Const., arts. 36 e 37). O Umas vezes, apre-
autoridade pública. Apenas, por meio de avisos, ordens ou
sentam-se com a designação geral de leis propriamente ditas,
circulares, recomenda certas providências aos funcionários,
outras tomam o nome de decretos. As primeiras, segundo
se não é o caso de expedir regulamentos e instruções. 4º
esclarece o dec. nº3.191, de 7 de janeiro de 1899,são as,
resoluções-de-Congresso Nacional, que contém normas
8. A Constituição é a lei básica. da organização
gerais, disposições de natureza orgânica, outêm por-fim.criar
política. Nos governos presidenciais, essa preeminência da
direito-novo. As segundasconsagram
medidas de caráter
Constituição tem um caráter mais imperioso. Por isso, o poder
administrativo
55640), ou político, de interesse ou transitório
Si (arts.
judiciário é chamado a velar por sua inviolabilidade, decre-
tando o ineficácia dos atos do legislativo ou do executivo,
O poder executivo também expede decretos,
que infringirem os seus preceitos, €2
instruções e regulamentos para a fiel execução das leis.
Nos regimes federativos, como o nosso, a supre-
É faculdade que expressamente lhe confere, entre
macia cabe, necessariamente, às leis federais sobre as esta-
nós, a Constituição Federal, art. 48, nº 1, Assim, há decretos
duais. €»
legislativos e decretos executivos.
Estes atos do poder executivo devem desen-
volver-se dentro do círculo traçado pelo pensamento ex- 49) O dec. 3.191, de 7 de janeiro de 1899 proibe os avisos ministeriais interpretativos de
presso na lei. lei ou regulamento, cuja execução estiver exclusivamente a cargo do poder judiciário
(art. 49).
Nossa legislação do tempo da monarquia supera- Compete, ainda, ao Congresso Nacional elaborar as leis corplementares à Constituição,
aprovadas pela maioria absoluta dos votos das duas Casas — Senadoe Câmara dos.
Deputados (Constituição art. 50).
*> Emenda Constitucional de 1969, art. 46, nº TIL. e» IOÃO BARBALHO, Constituição, comentário aos arts. 59 e 60; SORIANO DE
2 Em casos de urgência ou de interesse público, o Presidente da República, desde que SOUZA, Direito público e constitucional, pãgs. 363 e seg; RUY BARBOSA, Atos
não haja aumento de despesas, poderá expedir decretos-lei sobre matéria relativa à inconstitucionais do congresso e do executivo, passim; AMARO CAVALCANTI, Regime
segurança nacional, finanças públicas, normas tributárias, criação de cargos públicos, e federativo, págs. 228-248.
fixação de vencimentos. Os decretos-lei são submetidos ao Congresso Nacional que os É NO controle da Constitucionalidade das leis e atos do Poder Público é exercido mediante
aprovará ou rejeitará, sem o poder de emendá-los (Constituição, art. 55 e parágrafo). o voto da maioria absoluta dos membros dos tribunais (Constituição, art. 116).
e» AMARO CAVALCANTI, Regime federativo, págs. 191 e seguintes,
52
53
Clóvis Beviláguea teoria Geral do Direito Civil

& É certo que elas devem girar em esferas inde- do indivíduo ou à garantia dos interesses da sociedade
pendentes, e, consequentemente, desde que a lei federal exor- politicamente organizada,
bitar e invadir o campo reservado à legislação dos Estados,
seus dispositivos são inconstitucionais e, por isso mesmo,
anuláveis por sentença judiciária. Mas, quando as necessi- 133

jess
Hai

dades lógicas ou vitais de um instituto exigem que a lei federal EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO
lhe firme a base e a orientação geral, a lei estadual deve sub-
meter-se e ceder-lhe o passo.
/A Constituição Federal deu, 18. A lei elaborada pelo poder legislativo,
no art. 72, vários exemplos dessa prorrogação de competência sancionada e promulgada pelo executivo, somente depois de
legislativa federal estabelecendo a gratuidade do casamento regularmente publicada é que se torna obrigatória.
civil (nº 4): pressupondo certos atos e incidentes do processo, No Brasil, a obrigatoriedade das leis, quando não
como o flagrante delito, a formação da culpa, a fiança, a nota fixem outro prazo, começará, no Distrito Federal, três dias
de culpa entregue em 24 horas ao preso e assinada por depois de oficialmente publicadas, quinze dias no Estado do
autoridade competente, com os nomes do acusador e das Rio de Janeiro, trinta dias nos Estados marítimos, e no de
testemunhas. “2 Minas Gerais, cem dias nos outros, compreendidas as circuns-
Além disso, das sentenças finais dos juízes crições não constituídas em Estado. É o que estatui o art. 2
estaduais, há no cível, o recurso extraordinário, quando elas da Introdução do Código Civil, que veio substituir o decreto
|
! forem contrárias à Constituição Federal ou a leis federais, nº 572, de 12 de julho de 1890 “, Nos países estrangeiros,
segundo o art. 60, 8 1º da Constituição reformada. “º
No crime, há o recurso da revisão em benefício
dos condenados (art. 81). O direito moderno considera em termos globais as “fontes de direito” elaborando teoria
que as conceitua como declarações volitivas, dotadas de poder jurígeno. Sob esse aspecto
8 Finalmente, as leis e atos dos governos dos equipara as leis (emanadas do poder competente), as sentenças (fundadas no poder
Estados podem ser anulados por tribunais federais, desde que jurisdicional), os negócios jurídicos (declarações de vontade emitidas por pessoas físicas
ou jurídicas). Todas são manifestações de vontade, dotadas do poder de criar direitos
se mostrem contrários à Constituição ou a leis federais subjetivos. Diferenciam-se, todavia pela maior ou menor extensão de sua aplicabilidade.
(Constituição, art. 60, 8 1º, letra b). Ontologicamente aproximam-se, enfeixando-se na designação genérica do “ato jurídico”
lato sensu, de maior abrangência do que a denominação estrita advinda do art. 81 do Código
Civil de 1916. A teoria que assim desenvolve a matéria imprime-lhe maior sistema,
9. No direito internacional privado as leis são coordenando todas as fontes de direito mum só conglomerado (Cf. A respeito: Los Deeurr. -
Traité de Droit Constitucionnel, vol. 1 38530 esegs.; Gasto Jkzs, Princípios Generales del
pessoais ou extraterritoriais, de ordem pública internacional Derecho Administrativo, vol. L, págs. 29 esegs.; BrerHg pe La GRESSAYvE et LABORDE-LACOSTE, .
ou territoriais, segundo se referem à proteção dos direitos Introduction Générale à FEtude du Droit nº” 207 e segs.: Serpa Lopes, Curso de Direito
Civil, vol. nº 18; axr. CarLo, H Contratto Plurilaterale associativo; Caio MáriIO DA SiLva
Perema, Instituições de Direito Civil, vol. L nº 9.
€º Lei de Introdução ao Código Civil, baixada com o decreto-lei nº 4.637, de 4 de setembro
de 1942, substituiu o sistoma de “prazo progressivo” pelo de “prazo único”, dispondo:
42) Veja-se o meu opúsculo Unidade do direito processual, páginas 17-18.
“Salva disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País quarenta e cinco dias
€9 O cabimento do recurso extraordinário vem definido no art. 119, nº III, da Constituição.
depois de oficialmente publicada”.
54 55
teoria Geral do Direito Ctvil
Clóvis Beviláquea

acrescenta o parágrafo único do artigo citado, a obrigatorie- Sem dúvida, as leis devem ser conhecidas, para
dade começará quatro meses depois de oficialmente publicada que melhor sejam observadas. Leges sacratissimae, quae
na Capital Federal. constrigunt homimim vitas, diz o Cód. 1, 14, 1.9. intelligi ab
omnibus debet, wt universi, praescripto earim manifestius,
H. Expirando o prazo determinado para velinhibita declinent, vel permissa secientur. Regra de ação,
a sua publicação, a lei impõe-se, obrigatoriamente, à obediên- a lei deve ser conhecida para que seja um móvel da vontade.
Mas, entre a conveniência de ser conhecida a lei e a presunção
minações sob pretexto de desconhecê-la. > de que ela é conhecida, a diferença é grande.
Não se trata, neste caso, de uma presunção, que
contrariaria, manifestamente, a verdade, de que todos conhe- i2. As leis, desde o momento em que se
cem a lei. Até os profissionais, muitas vezes, a ignoram, espe- tornam obrigatórias, pôem-se em conflito com as que, ante-
cialmente em países como outrora, o Brasil, que não a tem riormente, regulavam a matéria, de que elas se ocupam, regu-
codificada, onde muitas vezes disposições gerais e perma- lando-a por outro modo. E o conflito das leis no tempo, que
nentes se escondem nas subdivisões infinitas das leis anuais, se resolve pelo princípio da não retroatividade e pelas regras
de onde são arrancadas, com surpresa dos que lhe sentem os do direito intertemporal.
rigores. A lei é uma regra social imposta aos indivíduos. É à O princípio da não retroatividade das normas
vontade dos particulares que o legislador fala e não à sua legislativas, que tem sido um dos pontos mais obscurecidos
inteligência; e, se dirige a esta, é para alcançar a vontade. A lei pela discussão jurídica, “* afirma, simplesmente, não que a
exprime a necessidade, socialmente sentida, de que deter- lei se referirá, exclusivamente, aos atos futuros, o que
minadas ações se realizem, de certo modo. Essa norma de agir equivaleria apenas a mostrar o acordo existente entre a lógica
é imposta aos indivíduos, desde o momento em que o poder e a legislação, &? mas que as consequências dos atos
social a declara obrigatória e o individuo pratica o ato, a que realizados no domínio da lei anterior não devem ser atraídas
ela se refere. O para o império da lei nova, exceto se estiverem em oposição

3 Código Civil, art. 5, da Introdução; D. 22, fr. 9 (regula est, juris ignorantiam cuique
E Vejam-se Savionv, Traité de droit romain nºs 3835-386; MerLim, Répertoire, vb. effet
nocere); Cód. 1, 18, 1. 12; Código Civil da Áustria, art. 2; português, art, 9; espanhol,
retroatif, Hc, Commentaire du code civil, E nºs 88-92: Rousser, Science nouvelle des
art. 2; montenegrino, art. 772; chileno, art. 8; argentino, art. 20; da Luisiana, art. 7;
lois, L nºs 24 e segs.: PLaxioL, Traité, nºs 229-234: Ganra. Teoria della retrotivitã della
uruguaio, art. 2: mexicano, art. 22.
leggi; Curoxt, Istituzioni di diritto civile, 1 $$ 16 e 17, Wispscreip, Pandette, trad. —
Este princípio de direito universal é repetido pela lei de organização judiciária do cantão
Fada e Bessa, I, $ 32; Dernguro, Pandette, trad. Cicata, 88 43-44; Laveent, Principes,
de S. Gall, de 31 de maio de 1900, art. 97 (Annuaire législation étrangêre, vol. 30, pág.
1 nºs 141 e segs.; Komer, Lehrbuch des buergertichen Rechis, I, $$ 19-23; RIBAS,
398).
Direito civil, 2º ed., 1, pág. 226 e segs.; AxtuuR ORLANDO, Filocrítica, 1º ed., cap. V;
€3 Ateoria da “presunção” como à da “ficção”, que lhe corria paralela, os autores modernos
Fisiofilia processual; Porcuaz, Da retroatividade das leis.
objetam que o princípio da obrigatoriedade assenta no conceito da segurança jurídica e
E Artuur ORLANDO cita um crescido número de normas legislativas, que, no direito
na necessidade da convivência social (Ferrara, Trattato di Diritto Civile, vol. I, pág.
português e, especialmente, no governo do Marquês de Pombal, regularam fatos
N8; Barasst, Istituzioni di Diritto Civile, pág. 24; Cao Mario DA Siva Pereira,
anteriormente consumados ( Filocrítica, páginas 193-194).
Instituições de Direito civil, vol. 1, nº 23)

56 57
Clóvis Beviláguea teoria Geral do Direito Civil

manifesta aos princípios e regras estabelecidas pela nova id, Firmado, constitucionalmente, O prin-
ordem jurídica. cípio de não retroatividade, é preciso fixá-lo de modo mais
Os preceitos do direito intertemporal ou transi- preciso. Foi o que fez o Código Civil Brasileiro, art. 3 da
tório são regras estabelecidas pelo legislador ou criadas pela Introdução declarando: — 4 lei não prejudicará, em caso
ciência, para conciliar a aplicação da nova lei com as conse- algum, direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos e a coisa
quências da lei anterior. julgada. Assim, quando a Constituição declara que nenhuma
São dois aspectos do mesmo problema.
lei terá aspecto retroativo, ordena aos legisladores ordinários
que respeitem os direitos adquiridos, não perturbem os atos
13. O princípio da não retroatividade é,
já perfeitos e acabados, e deixem que coisa julgadear produza
antes de tudo, um preceito de política jurídica. O direito
existente deve ser respeitado tanto quanto a sua persistência os seus naturais efeitos. O
não sirva de embaraço aos fins culturais da sociedade, que a
Consideram-se direitos adquiridos, declara o
nova lei pretende satisfazer. Como pondera KoHLEr: 22 “toda Código Civil, no lugar citado, 8 1º, assim os direitos que o
a nossa cultura exige uma certa firmeza de relações, sem que seu titular, ou alguém, por ele, possa exercer, como aqueles
o que seríamos lançados nos braços da dissolução; todo o cujo começo de exercício tenha termo prefixo ou condição
nosso impulso, para estabelecer a ordem jurídica e nela viver, preestabelecida inalterável a arbítrio de outrem.
repousa na consideração de que as nossas criações jurídicas Reputa-se ato jurídico perfeito, continua a definir
têm de perdurar.” a Introdução, art. 3, 4 2º, o já consumado, segundo a lei
Por isso foi bem inspirado o legislador brasileiro, vigente ao tempo, em que se efetuou.
inscrevendo o princípio da não retroatividade na Constituição É chama-se coisa julgada, ou caso julgado, a
Federal. €? Toda lei ordinária, seja da União seja dos Estados, decisão judicial, de que já não caiba recurso.
tem de obedecer a esse preceito, sob pena de ser declarada Estas definições são suficientemente claras e
nula pelo poder judiciário. Em outros países, a não retroa- precisam o que se deve entender pela retroatividade das leis.
tividade é apenas uma regra de hermenêutica. Guia o juiz na Em rigor, tudo se reduz ao respeito assegurado aos direitos
aplicação da lei, mas não obriga o legislador, que pode, adquiridos; mas, como, no ato jurídico e na coisa julgada,
intencionalmente, prescrever que desapareça o direito : apresentam-se momentos distintos, aspectos particulares do
garantido pela lei anterior e submeter, às determinações da direito adquirido, foi de vantagem, para esclarecimento da
lei nova, consequências de atos realizados no domínio da lei doutrina, que se destacassem esses casos particulares e deles
anterior,

O Anova Lei de Introdução (Decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942), mantém-se,


89 Letwbuch, 1; 8 20. na sua redação atual, fiel à teoria subjetiva e proclama que a lei terá efeito imediato &
€% Art. 11: “E vedado aos Estados, como à União: 83. Prescrever leis retroativas.” A geral, respeitando contudo o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada
Constituição de 1824 dizia: a disposição da lei não terá efeito retroativo (art. 179. 83),
(art. 69).

58 59
Clóvis Beviláguea Teoria Geral do Direito Civil

se desse a justa noção. que se acham nas condições a que elas se referem. “*
Os escritores, opondo a idéia de direito adquirido e) As leis que extinguem uma instituição, apli-
à de expectativa de direito, como fizeram BLONDEAU E cam-se também, desde logo, sem atenuações. “?
DeMoLOMBE, Ou de interesse, como propuseram LAURENT E “f) As condições de validade, as formas dos atos e
TasorHLo Huc, ou de faculdade, como quer GaBBA, que os meios de prova dos atos jurídicos devem ser apreciados de
estudou particularmente esta matéria, nenhuma luz trouxeram acordo com a lei em vigor, no tempo em que eles se realizaram.
à questão, antes concorreram para obscurecê-la. g) As leis políticas, as de jurisdição, de compe-
O que se deve dizer é que o direito adquirido, de tência e processo regulam os atos que são do seu domínio,
ainda que iniciados sob o império da lei anterior. Por outras
que aqui se trata, é O direito incorporado ao patrimônio do
palavras: estabelecem uma ordem jurídica, que será inflexível
indivíduo; e que o princípio da não retroatividade é um prin-
se o legislador, por meio de disposições transitórias, não lhes
cípio de proteção individual. atenuar os efeitos. €?
h) Atenuações semelhantes aparecem ordinaria-
1a. De acordo com essas idéias, podem mente, nas leis penais, quando decretam penas mais brandas
ser estabelecidas as seguintes regras, que auxiliarão a resolver do que a anterior ou inocentam atos considerados, até então,
as dificuldades, que, por ventura, ofereçam os casos con- passíveis de pena. €»
cretos:
v
a) Os direitos realizados ou apenas dependentes

peei
4

de um prazo para que se possam exercer, não podem ser

pesi

Bs
pe
[|
Eg
Ee

>

»
2

Ó
À

2
ud ira

&
Q
a

S
prejudicados por uma lei, que lhes altere as condições de
existência.
b) O direito subordinado a uma condição não
alterável a arbítrio de terceiro, merece o mesmo respeito que
8 As leis relativas ao estado e à capacidade das pessoas são de ordem pública, e, por
o já efetuado. essa razão, o direito anterior lhes cede o passo, desde que clas começam a imperar, diante
delas curva-se o princípio da persistência do direito existente (Laurent. Principes, 1. nºs
c) Os direitos adquiridos, que as leis devem 164 e 173, Cumront, Istituzioni, 8 16; Huc. Commentaire, 1. nº 93).
respeitar, são vantagens individuais, ainda que ligadas ao Este princípio, às vozes. é apresentado sob uma forma mais geral, porém menos verdadeira:
— Não há direitos irrevogavelmente adquiridos contra as leis de ordem pública (Devençin.
exercício de funções públicas. Assim, o empregado vitalício na Revue de légistation, 1845; Código Civii Argentino. arm. 5; Caros DE CarvaLHo,
não pode ser privado de seus vencimentos por ter havido Direito Civil Brasileiro, art. 25).
2 São também leis de ordem pública, às quais se aplicam as considerações da nota
alteração, ou ainda extinção, do seu lugar. antecedente,
d) As leis relativas ao estado e à capacidade 6% Veja-se em PorcHar, Da retroatividade, nº 59, o princípio de irretroatividade em
relação às leis de direito público.
pessoais, desde que se tornam obrigatórias, aplicam-se aos 8%) Código Penal, art. 3º: o fato anterior será regido pela lei nova: a) se não for considerado
passível de pena; 4) se for punido com pena menos rigorosa.
60 61
Clóvis Bevilágue Teoria Geral do Direito Civil
x

e proteger os interesses dos indivíduos dentro da cada Estado, e à capacidade das pessoas, às relações de família e à trans-
porque são emanações de soberanias, que se acham em missão dos bens mortis causct.
contato com outras. Mas essa função comum da lei, dada a 4º) São leis territoriais as que se referem à organi-
existência das relações consideráveis dos indivíduos perten- zação da propriedade, as políticas, as penais, as processuais.
centes a nações diversas, adquire uma extensão maior. Por 5º) A aplicação extraterritorial das leis é impe-
outros termos, a existência da sociedade internacional dos dida, quando importa ofensa à ordem pública ou aos bons
indivíduos exige que as leis tenham, em certas circunstâncias, costumes do Estado, onde a sua ação se faz sentir.
uma função internacional, para regular as relações, que no 6º) Os direitos legitimamente adquiridos em um
meio dela se travam. país devem ser respeitados nos outros.
Esta matéria é estudada por uma ciência hoje 7º) A autonomia da vontade deve ter, nas relações
muito brilhante, o direito internacional privado, “» porém internacionais, o valor que lhe é assegurado no domínio nacional.
não é possível deixar de indicar aqui as suas noções mais 8º) A forma dos atos jurídicos é determinada pela
gerais, na parte em que os diversos sistemas jurídicos nacio- lei do lugar, onde eles se realizam, se a lei pessoal do agente se
nais se acham em face uns dos outros, para regular uma não opõe, e se o agente, podendo fazê-lo, não preferiu outra.
relação de direito.
Pondo de lado discussões, que ficariam melhor 17. A lei penal também se mostra eficaz
nos tratados especiais, podem os princípios essenciais desta ultraterritorialmente, quer quando, por meio da extradição,
matéria ser compendiados da forma seguinte: vai apanhar o delinquente no país estrangeiro, onde ele se foi
asilar, quer quando estabelece penas contra atos praticados
19 Aleiterá eficácia extraterritorial, sempre que no estrangeiro.
niacina

tiver por fim principal a proteção dos indivíduos. E o que se


chama /ei pessoal.
29 A lei terá eficácia, exclusivamente dentro do V
território do Estado que a decretou, se foi criada no intuito FONTES SUBSIDIÁRIAS DO DIREITO:
particular de garantir a organização social. É a Jei territorial.
3º) São leis pessoais as que se referem ao estado a) O COSTUME

18. A fonte Imediata do direito éa lei. Esta, -


32) Veja-se
$% Vota ceito internacional
o meu Direito inter ;
privado, Bahia,: 1906. Sem ter em vista
: apresentar
uma bibliografia, destaco, da vasta literatura deste ramo do direito: Savianr, Droit romain. porém, por mais que se alarguem as suas generalidades, por
VHL 88345-382; Fiore, Droit internacional privé, trad. CH. Axtorng; PiLter, Príncipes
de droit internacional privé; BAR, Internacionales Privat und Strafrecht, V aRBULES-
Sommires, Synthêse du droit international privé, Despaoner. Précis de droit m Código Penal, art. $: É também aplicável a lei penal ao nacional ou estrangeiro, que
international privé; ASSER et REVIER, Elements de droit international privé; ADE regressar ao Brasil, espontaneamente ou por extradição, tendo cometido fora do país os
Bustamente, Código de derecho internacional privado. crimes previstos nos capítulos I e Il do título I, do livro IL, capítulos I e IX do título TV.

62 63
Clóvis Beviláquea teoria Geral do Direito Civil

mais que se espiritualize, jamais poderá compreender a infinita caso à que ela se refere, pelo modo nela estabelecido.
variedade dos fenômenos sociais, que emergem da elaboração Esta forma jurídica tem provocado estudos
constante da vida e vêm pedir garantias ao direito. Desta demorados e aprofundados de jurisconsultos notabilissimos,
insuficiência da lei para dar expressão jurídica a todas as neces- porém, infelizmente, nem sempre com os resultados, que eram
sidades sociais, que a reclamam, para traduzir o matiz da de esperar, talvez porque ideias preconcebidas os desviassem
vida organizada em sociedade resulta, em primeiro lugar, que do alvo. S9
é forçoso manter, a seu lado, as fontes subsidiárias do direito,
que o revelem quando ela for omissa, e, em segundo lugar, 20. Os jurisconsultos romanos achavam
que é indispensável aplicar à lei os processos lógicos da que, na essência, esta fonte do direito se constituía, como a
analogia e da interpretação, para que os seus dispositivos lei, pela aprovação do povo. Há um fragmento de JULIANO
adquiram a necessária extensão e flexibilidade. (D. 1,3, fr. 32, 8 1) que é muito expressivo: Inveterara
consuetudo pro lege non immerito custoditur, et hoc est jus
19, A Ord. 3, 64, determinava que, em quod dicitur moribus constitutum. Nom cum ipsae leges milla
falta de leis regulando a matéria, se resolvessem os conflitos alia ex causanos teneant, quam quod judicio populi receptae
jurídicos pelos estudo da Corte ou costumes. Por estilos da sunt; merito et ea quae sine ullo scripto populus probavit
corte entendiam-se, especialmente, os da Casa da Suplicação, tenebunt omnes. E?
&» os quais, quando concretizados em assentos, tinham força Este consentimento do povo, ainda que tácito,
de lei, Tendo desaparecido esta forma da produção jurídica, em rigor não se dá na formação do costume, como doutri-
CS a primeira fonte subsidiária do direito pátrio é o costume. navam os jurisconsultos romanos. As responsa prudentium
Costume jurídico, ou direito consuetudinário, é (pareceres de furisconsultos), os edicta magistratum e a
a observação constante de uma norma jurídica não baseada aucioritas rerum perpetuo similiter judicatarum faziam parte
em lei escrita, do direito consuetudinário e não se dirá que nessas três
Destacam-se no costume dois elementos: o modalidades jurídicas interviesse o elemento popular. Se
exíerno, que é o uso e observância constante, e o interno que
é a opiínio necessilatis, a convicção de que anorma estabelecida 88 Sobre a teoria do costume jurídico, Isiam-se: Hermann Post, Grundlagem des Rechis,
funciona como lei, pela necessidade, que há, de regularizar o 86, Susan Moixe, cincien Droit, trad. Courcelie Seneuil, part. gen.: CogLioLo, Saggi
sopra Pevoluzione del divino privero, cap IN: Ronusr, Lebbuch des burg, Rechts, 1, 88
32-35: LauBero, Lo fonction du droit crvil comparé. E, págs. 103-804; Prenra. Das
Cu Loi de 19 de agosto de 1769. 8 1 BORGES CARNEIRO, Direito Civil ÀS Id Gewohnheitsrechi; SANIGNY, Droit romena, 1, 71-30; Wixpschem, Pandecias, 88 15 e
Cânipo Menves, Código Filipino, noia 4 ao biv. LH, tit. 04; pr; CânDiDO DE OLIVEIRA, 16, Derneura, Pandectas, 88 26-28; Boxt ante, Diritio romano, 87; ArriCO CAVAGLIERI,
Legislação comparada, 1, pág. 125. La consuetudine giuridica internazionale, Rinas, Direito civil, 2 ed., 1, págs. 130-
5 O Supremo Tribunal da organização judiciária monárquica, não existindo mais a 162; CanpiDo ve OLiveira, Legislação Comparada. Págs. 123-137, Opulenta bibliografia
Casa da Suplicação, tinha competência para tomar assentos destinados a firmar a indica LamBErT. Op. cit. págs. 119-121, nota 1. Bento bg Farta, nota 14 ao $ 6 dos
inteligência das leis civis, comerciais e criminais, quando ocorressem dúvidas na execução Elementos de Direito Romano de Mack vz apresenta igualmente copiosa bibliografia,
delas (decs. de 23 de outubro de 1875 e 10 de março ds 1876). O Supremo Tribunal €% Veja-se ainda D. 1,3 tr. 35, e Ulpiani fraginenta, I, 8 4: mores sunt tacitus consensus
Federal não tem essa atribuição. populi, longa consustudine inveteratus.

64 65
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Ctvil

entender por facitus consensus populi a conformidade da quanto a da escola histórica. “”


norma consuetudinária com o estado geral da consciência do
21, Mais exato e mais compreensível é
povo, de modo que o costume se não estabeleceria, se
contrariasse as crenças e a opinião dominante, se não estivesse dizer que o fundamento da força obrigatória do costume está
de harmonia, por um lado, com a concepção da vida aceita na conformidade reconhecida entre ele e as necessidades
pela maioria, e, por outro, com a convicção de que a solução sociais que regula.
achada era a mais conveniente, a doutrina romana exprime As duas formas principais do direito, o costume
uma verdade. Mas o pensamento dos grandes jurisconsultos e a lei, têm a mesma origem social; são solicitadas pela
não era, positivamente, este. Eles queriam que o fundamento necessidade de normalizar as relações da vida em sociedade.
do direito fosse a vontade do povo, quer se manifestasse Enquanto o desenvolvimento do Estado não cria um órgão
expressamente no voto pelo qual as leis eram aprovadas, quer para a função especial de revelar o direito (o poder legislativo),
tacitamente, pela instituição do costume. este vai se constituindo pela ação de órgãos diferentes, cujos
Pucura, Saviany e muitos outros €? sustentam produtos (atos, ordens, sentenças), consolidando-se e organi-
que o uso é simples meio de provar a existência do direito zando-se, formam o costume jurídico. Quando a divisão do
Biblioteca Valle Ferreira

costumeiro, que a força obrigatória dele está na convicção trabalho no organismo social já tem determinado a especia-
de que a norma usada é direito e mais que o costume é a lização do órgão destinado a decretar as leis, estas não expri-
revelação espontânea imediata da consciência jurídica do mem a vontade arbitrária dos legisladores, traduzem o estado
povo. E conhecida a comparação que ocorreu a SAvIGNY entre social, segundo ele se reflete na consciência do legislador
a espontaneidade da formação da língua e a da formação do ou, nos Estados democráticos, segundo o retrata a opinião
costume; mas, como demonstrou JHERING, O grande jurista dominante. Mas, ainda neste período, desde que a lei não
observou mal os fatos, a evolução, nos dois casos, faz-se por
reflete o estado social, por não ter acompanhado as suas modi-
modo diferente e o momento da luta, na afirmação do direito,
ficações, não compreende a totalidade do direito. Para átender
ficou lucidamente estabelecido, depois das eloquentes razões
às relações jurídicas, que se formam fora do quadro do direito
expostas.
escrito, é forçoso que outros órgãos funcionem como revela-
Geny, €? achando um tanto mística a idéia de
dores do direito, e assim, ao lado das leis dispersas ou codi-
consciência coletiva, como base fundamental e força criadora
ficadas, desenvolve-se o costume jurídico.
do direito, propõe que se veja, na própria natureza das coisas,
Este modo de compreender O direito consuetu-
a autoridade do costume como fonte do direito objetivo.
Evidentemente esta explicação é tão vaga e tão insuficiente dinário não estabelece diferença entre o costume jurídico

o38] W INDSCHEID, por exemplo, TroeL, Srosse,


q
Damx, Brig, BONFANTE. (0) Para a exposição e a crítica das diversas teorias sobre o costume, vejam-se, particular-
* Veja-se, em particular: Méthode dinterprétation et sources, nºs 109 e segs. da P ed, mente, além do belo estudo de GENY, na obra citada: Lameert, La fonction elx droit
vol. L A crítica da teoria da consciência coletiva, como criadora do costume, foi feita comparé, págs. 118 esegs., € A. CavasuEri, La consuetudina giuridica internazionale,
especialmente por ZITELMANN, págs. 29-36.

66 67
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

interno e o internacional, pois vê, em ambos, formações falou de inspiração; mas o douto jurisconsulto não pretende
jurídicas extralegais, realizadas por diferentes órgãos e significar que o sentimento jurídico (Rechitsgefiihl) seja uma
impondo-se ao respeito de todos, porque correspondem à faculdade inata no homem, pois isso contrariaria os ensina-
necessidade sentida de normalizar relações da vida social e mentos mais seguros da psicologia e a sua própria doutrina.
porque refletem a concepção do direito e o sentimento de A prática judiciária tem por outro ponto de
justiça dominantes. partida uma sentença, que teve a ventura de provocar imita-
ções. Para proferir o seu julgamento, o magistrado, diante de
22, KonLKEr diz “o direito costumeiro é uma lei deficiente, ou de um preceito legal, que o desen-
uma expressão da consciência do povo e, por isso mesmo, volvimento da cultura tornou antiquado, absurdo ou injusto,
uma formação social espontânea”. 2 Sem dúvida, o costume procurou, no acervo de idéias e sentimentos que a educação
é expressão da consciência coletiva, como também o é o e o comércio da vida depositaram no seu espirito, os ele-
direito escrito; mas não nos devemos iludir com essa esponta- mentos para formular a regra jurídica exigida pelo caso sujeito
neidade com que se constitui o direito extralegal. Ordina- à sua apreciação. Umas vezes ser-lhe-ão auxílio bastante os
riamente o costume se forma de um modo refletido, pela juris- preceitos da hermenêutica; outras vezes terá de remontar aos
prudência dos tribunais (autoritas rerum simiiliter judi- princípios gerais do direito, e até ao patrimônio mental e
catarum) e pela opinião dos escritores (responsa prudentiwm, emocional dominante no momento histórico e no grupo social,
opiínio doctorum). a que pertence. Proferida a sentença, calou no ânimo dos
A ação das sentenças na formação dos costumes interessados, provocou aplausos dos contemporâneos, porque
foi posta em evidencia pelos estudos de história comparativa correspondia à idéia e ao sentimento de justiça das pessoas
do direito, “2 que são também da predileção de KomLer. E é esclarecidas ou também do povo, e, assim lançou o germe de
ele mesmo que nos aponta a jurisprudência dos tribunais um direito novo, que se afirmará pela reprodução de outras
(Gerichisgebreauch) como a fonte principal do costume. “» sentenças, que seguirão a trilha aberta por força da imitação
Certamente parece adotar o pensamento de BartoLo quando e por preguiça mental, mas, principalmente, porque sentirão
afirma: actus judiciales inducunt consuetudinem, non quia Os juízes, que as proferiram, ser a decisão, que firmou prece-
judicium sit causa consuetudinis, sed quia ex illis actibus dente, a expressão do direito latente, funcionando como órgão
faciliter comprehenditur tacitus consensus populi; porquanto : legislativo o juiz, que o revelou. Assim se estabelece o cos-
fala em senso jurídico instintivo do juiz, como SUMNER MAINE tume, e a regularidade com que é observado mostra que,
como a lei, ele à a manifestação da mesma força, que organiza
“M Lehrbuch des b. Rechts, E $ 32, IV.
a sociedade e a dirige aos seus destinos.
“0 Sumner Mame, Ancien droit. Trad. Courcelle Seneuil, pág. 2; Hermann Post, Outra fonte do direito costumeiro é a doutrina
Grundiagen des Rechts, pág. 48; CosnoLo, Saggi sopra Vevoluzione del diritto, cap.
IV; E. Lambert, op. cit, págs. 208 e segs. Veja-se também o meu livro Criminologia e
dos escritores; e é de modo semelhante que ela o produz.
direito, no capítulo intitulado — Fórmula da evolução jurídica. Entre nós, esta fonte é abundante, porque é, antes, nos com-
63 Op. cit, $ 33.

68 69
Clóvis Bevilágqua Teoria Geral do Direito Civil

pêndios e tratados que se procura a regra jurídica, do que direito consuetudinário, mandando observá-lo, quando fosse .
nas leis difusas, que se têm vindo acumulando, por séculos, longamente usado e tal que por direito se devesse guardar.
em vasta coleção de dificil consulta. O escritor apresenta uma Alei de 18 de agosto de 1769, desenvolvendo e esclarecendo
interpretação da lei ou uma solução para um caso não previsto este ponto da legislação pátria, determinou quais os caracteres
na lei, e vê o seu pensamento, aceito pelos contemporâneos, que deve ter o costume jurídico, para ser guardado como
fixar-se na doutrina, que irá inspirar os julgamentos dos direito: “2 a) conformidade com a boa razão, que deve
tribunais. constituir o espírito das leis, b) não ser contrário a lei
Sem dúvida a doutrina e a jurisprudência podem alguma; c) ter mais de cem anos.
seguir falsa rota, e ou não transpõem o período de flutuação, Pelo segundo dos citados requisitos só se reco-
que é próprio do início de ambas, ou conseguem firmar nhece o costume interpretativo e o supletivo da lei, não o
princípios, que mais tarde se reconhecem falsos, e, nisto ainda, ab-rogatório. Todavia é bem certo que, nas relações de
o direito legal e o extralegal se parecem porque também a lei direito, prevalecem a justiça, a razão e a conveniência sobre
consagra, muitas vezes, determinações, que contrariam o quaisquer outras considerações. Tendo por si estes predi-
desenvolvimento natural da vida coletiva em alguma de suas camentos, o costume erigiu-se, muitas vezes, em direito,
manifestações. apesar da lei escrita, que deixava, então, de ser a expressão
Encontram ainda os costumes um elemento verdadeira da harmonia entre as necessidades do indivíduo e
formador na prática dos interessados. Para Geny é a fonte as da sociedade, que era órgão morto, sem função na vida
única. “» Não tem razão no que afirma, como tornou evidente social,
a crítica exaustiva de LAMBERT, mas é incontestável que não Assim é que, segundo, judiciosamente, observa
pode ser outra a origem de muitos costumes jurídicos. À RiBas, “o alvará de 30 de outubro de 1793, posterior à citada
comunhão de bens entre cônjuges, em algumas regiões de lei da boa razão, confirmou o costume introduzido no Brasil,
Portugal, estabeleceu-se como um uso geral, de modo que, em oposição à Ord. 3. 59, de valerem como escritura pública
mais tarde, quando o legislador deu forma legal ao instituto, os escritos e assinados particulares, e de se provarem, por
se referiu ao costume do reino. Ora, parece claro que tal testemunha, quaisquer contratos, sem distinção de pessoas e
emp

costume se não podia ter constituído nem pela prática quantias, à exceção dos que forem celebrados nas cidades,
see

judiciária, nem pela doutrina dos escritores, e que antes vilas ou arraiais, onde houver tabeliães, ou em distância tal
resultou de uma transformação lenta de outros regimes que se possa, comodamente, ir a eles e voltar no mesmo dia,
segundo as aplicações que deles iam fazendo os interessados. se a quantia exceder a dois mil cruzados em bens de raiz oua

23, A Ord. 3, 64, reconhecia a força do


4% 8 14. Vejam-se a respeito: Corrgia TELLES, Comentário crítico à lei da boa razão,
no Auxiliar jurídico de CânpeDo MenDES, páginas 476-478; Ras, Curso de direito
civil, 1. 2'ed., págs. 139-145; CAnpipo DE OLiveirA, Legislação comparada, págs. 123
“9 Op. cit, nº 9. e segs.; Pauta Baptista Hermenêutica juridica, 88 49-55.

70 Ti
Clóvis Bevilágue Teoria Geral do Direito Civil

três mil em imóveis.” €º práticas do comércio, para que tenham de ser observadas: 0)
Um outro exemplo poderia, até certo ponto, ser serem conformes aos sãos princípios da boa-fé e máximas
fornecido pela instituição do seguro de vida entre nós, contra comerciais e geralmente praticados entre os comerciantes do
a disposição formal do Código do Comércio, art. 685, nº lugar, onde se acharem estabelecidos; ») não serem contrárias
2.0 E o alvará de 4 de julho de 1789 reconheceu que o a alguma disposição do Código Comercial ou lei depois dele
desuso podia revogar a lei. publicada; c) ter mais de 50 anos.
O terceiro requisito estabelecido pela lei da boa Compete às Juntas Comerciais tomar assento
razão é de averiguação dificil. Como se há de determinar o sobre as práticas e usos comerciais do seu distrito (dec, nº
momento inicial do costume? E até contrário à noção dele a 596, de 19 de julho de 1890, art. 12, 8 6).
indicação desse momento, porque o costume começa a existir,
quando o ato se tem muitas vezes reproduzido. Melhor seria 25. Nos países de codificação, prevaleceu,
ter o legislador, atendendo aos contornos fugidios da idéia por algum tempo, a crença de que a lei, alcançando pela
de costume, mantido o /ongamente isado do código filipino, sistematização, a sua forma definitiva, se constituía em fonte
expressão que traduz bem a /onga comsuetudo e os diuturni exclusiva do direito civil, não restando, assim espaço para
mores do direito romano. desenvolver-se o costume. Na França e na Itália, prevaleceu
essa opinião apesar de que nos respectivos códigos se encon-
Zá, O direito comercial brasileiro também, tram alusões a costumes, mas essas referências, dizem, incor-
expressamente, reconhece a existência do costume jurídico, poram o costume à lei, e a força que ele adquire é justamente
ao qual alude o Código nos uts. 130, 131, nº 4, 234, 673, nº a que o legistador lhe insuflou,
3. O reg. 737, art. 2, declara que os usos comerciais são fontes Contra esse modo de pensar insurgiu-se GENY, €
subsidiárias da lei comercial, preferindo à lei civil nas questões tão claras razões exibiu em favor do seu parecer que uma
sociais e nos casos expressos no Código. E reg. 738, de 25 de corrente já se estabeleceu na doutrina, modificando o absolu-
nov. de 1850, arts. 25 e 26, estabelece que devem revestir as tismo da opinião contrária.
Em outros países, a codificação mostra-se tam-
bém hostil aos costumes. Assim é que o Código Civil da
“SM Curso. 1, 2º ed., pág. 141, nota 22. Quanto à ação ab-rogatória do costume, é também Áustria, art. 10, não admite senão os costumes aos quais se
este 0 parecer de BuvbaxTt, com quem se não mostra em desacordo PLANTOL. Trailé de
elroit civil, À, nº 241.
refira, expressamente, disposição que fora aceita, igualmente,
“É proibido o seguro: ... 2º Sobre a vida de alguma pessoa livre”. Por algum tempo, pelo primeiro projeto de Código Civil alemão, art. 2; mas
os seguros de vida ficaram sem regulamentação legal de espécie alguma, entre nós, não
obstante eram atos jurídicos reconhecidos, que iam alcançando a consagração das.
sentenças jurídicas. Afinal a lei lhes veio dar o seu reconhecimento, embora a princípio
ainda os não regulasse de modo integral (dee. nº 294, de 5 de set. de 1895, lei de 26 de 2 Bronpeau sur Vautorité de la loi, apud Geny, Méthode d'interprétation et sources,
dez. de 1900, art. 2, nº X, dec, nº 4,720, de 10) de dez. de 1901, dec. nº 3.072 de 12 de Lnº 10; Laurent, Cours élémentaire, Préface; Código Civil italiano, art. 5 das disposições
dez. de 1903). Hoje essa matéria tem seguro assento legal no Código Civil, artigos 1.471 preliminares; Cuirony, Istituzioni, I, 8 9.
e segs. 9 Méthode d'interprétation et sources, 1, nºs 109-110, 123-129.

72 73
Clóvis Beviláguea feoria Geral do Direito Civil

ER!
ER]au
a)
ct que não se encontra no Código em vigor. Em Portugal, o fizeram todos, exceto o Lshoço de TEIXEIRADE FREITAS que
Código Civil, art. 9, declara que o desuso não serve de escusa se não ocupa da matéria, declaração de que a ki somente se
a quem desobedecer à lei, o Código Civil espanhol, art. 5, revogaria por outra, “D referindo-se, porém. alguns deles à
consagra o mesmo princípio; o uruguaio, art. 9, acrescenta, função supletiva do costume.
quanto ao costume, o que estatuíra o da Áustria (la Eximiram-se de estabelecer quaisquer requisitos
constumbre no constituye derecho sino en los casos en que para que o costume tivesse força de lei, no que procederam
la ley se remite a elia); o mexicano, arts. 8 e 9, reproduz o acertadamente, porque, para caracterizar o direito consuetu-
disposto no espanhol contra o desuso e o costume contrário dinário, basta o seu conceito, e este é fornecido pela doutrina.
à lei; o argentino, art. 17, também não reconhece o costume, Assim, a doutrina consagrada nesses projetos, e
senão quando a lei a ele se refere. no Código Civil, é que o costume, com a sua esfera natu-
Em favor dessa tendência das legislações ralmente limitada, é uma fonte produtora do direito em todas
modernas hostis ao costume, pode alegar-se que ela é uma as fases do desenvolvimento deste, quer para completá-lo,
conseguência da necessidade de clareza e segurança, que faz quer para corrigi-lo, dando-lhe interpretação mais conforme
preferir a forma escrita da lei à meramente consuetudinária. às necessidades sociais; porém sua eficácia não pode ser tal
Mas forçoso é reconhecer que essa prevenção dos legisladores que possa revogar ou ab-rogar uma lei regularmente elaborada
não tem impedido, nem impedirá que o costume se constitua e publicada pelos poderes competentes. O legislador poderá,
interpretando a lei e preenchendo as suas lacunas. O que sem dúvida, estabelecer disposições perturbadoras da evo-
parece mais grave é que, ao lado da legislação codificada, se lução social, repelidas pelos órgãos da consciência nacional,
mantenha o costume derrogatório da lei; mas apesar de todos mas ou a revolta da opinião se fará, de modo violento, e a lei
os protestos dos códigos, GENY o admite, com a única limi- se não aplicará, ou se manifestará, pacificamente, e o legis-
tação de não prevalecer contra as leis, que consagram as bases
essenciais da civilização, as chamadas leis de ordem pública,
nem também as leis supletivas. “? No direito francês, que é GM FeLiçio pos Santos, Projeto, art. 4: A lei só pode ser revogada por outra lei. Art 5:
Não se considera revogada a lei com o seu destiso, com o uso em contrário ou por ter
silencioso quanto à função do costume, será admissível essa cessado a sua razão de ser. Nasuco, Projeto, título preliminar, art. 5: A lei só pode ser
opinião, porém, quando o legislador declara formalmente que revogada por outra lei, não sendo, por consequência, admissível contra ela: $ 1º Nem a
alegação do desuso; 5 2º Nem a suposição de ter cessado a sua razão. Art. 6: Todavia,
as leis somente por outras podem ser revogadas, ela fere de consideram-se tacitamente derrogadas as disposições da lei anterior, absolutamente
frente uma regra de direito positivo. incompatíveis da nova lei, Corto Roprictes, art. 9 da lei preliminar: Ema lei só pode
ser derrogada ou revogada por outra, mas a jurisprudência assentada É a praxe forense
podem suprir as suas lacunas na conformidade dos artigos 36-38. - No meu Projeto
revisto, art. 8 do título preliminar, manteve apenas a sua primeira parte: Uma lei só pode
ser pode ser derrogada ou revogada por outra. O Projeto aprovado pela Câmara dos
26. Os projetos de Código Civil Brasileiro Deputados, em abril de 1902, aceitou esta última fórmula, que passou para O Código
e outros, do
Civil, Introdução, art. 4. Entretanto, nos arts. 1.192, IX, 1.210, 1.215, 1.218
Código Civil, admite-se o costume supletivo, em matéria de locação de coisa e de serviço.
Também a eles aludem os arts. 588, $ 2 (sobre tapumes), 1.210 e 1,215. V. FeRREIRA
69 0p. cit, nº 128. Cogtno, Código Civil, 1, nºs 844 e 845,

74 75
Teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Beviláqua
canônico. Secularizado, porém, o direito pátrio, em todas as
lador tomará a imciativa da reforma. No estado atual de nossa
cultura, com o funcionamento regular dos poderes políticos, suas divisões e nos seus fundamentos, “> desapareceu essa
que servem de órgão à soberania, dados o contato direto
fonte, passando o direito canônico a ter apenas interesse
entre o povo e os seus representantes, e a influência sobre histórico. O seu influxo sobre a evolução do direito pátrio
estes da opinião pública, não se faz necessário dar ao costume foi considerável, como em todo o Ocidente, e a sua preponde-
a ação revogatória da lei escrita, e seria inconveniente que se rância sobre a lei escrita, em matérias, que envolviam pecado,
lha desse, porque desapareceriam, do aparelho jurídico, a foi tal que o legislador teve de tomar providências para
supremacia da lei e a certeza das prescrições legais, caracte- restabelecer o prestígio da lei. Nos últimos tempos, apenas o
rísticas das legislações mais perfeitas, vantagens inapreciáveis direito matrimonial lhe estava entregue, e desse último reduto
para o regular funcionamento da vida social. foi, afinal, desalojado pela reforma operada na vida constitu-
Todavia, se o legislador for imprevidente em cional do Brasil. Todavia a história do direito tem, no jus
desenvolver a legislação nacional de harmonia com as canonicum, um extenso objeto de estudo, porque nele estão
transformações econômicas, intelectuais e morais operadas as origens de institutos vigentes ou de transformações de
no país, casos excepcionais haverá em que, apesar da decla- institutos romanos acolhidos pelas legislações modernas.
ração peremptória da ineficácia ab-rogatória do costume, este
prevaleça contra legem, porque a desídia ou a incapacidade 28. Outra fonte subsidiária do direito. civil
do poder legislativo determinou um regresso parcial da socie- pátrio, segundo a Ord. 3, 64, era o direito romano que, para
dade à época, em que o costume exercia, em sua plenitude, a ser aplicável à solução das pendências jurídicas, devia mostrar-
função de revelar o direito, e porque as forças vivas da nação se conforme à boa razão. “> A lei de 18 de agosto de 1769,
se divorciam, nesse caso, das normas estabelecidas na lei $ 9, explicando o que se haveria de entender pela boa razão
escrita. jurídica, declarou que os preceitos do direito romano deviam
ser afastados: 1º quando se fundassem em superstição ou
costumes particulares do povo romano; 2º nas matérias polí-
VI ticas, econômicas, mercantis e marítimas, por serem mais
FONTES SUBSIDIÁRIAS DO DIREITO HOJE valiosas as regras a respeito estabelecidas pelas nações cristãs.
en

E estabeleceu, como princípio geral decisivo, que os mesmos


ESTANCADA:
preceitos do direito romano tinham somente valor, no direito
b) O DIREITO ROMANO E O DAS NAÇÕES civil pátrio, pelas regras de moral e equidade que contivessem.
MODERNAS As exclusões eram perfeitamente claras e mere-

27. Depois dos costumes, seguia-se, na 6% Constituição Federal, art. 72, 88 3-6, 28 8 29.
ordem das fontes subsidiárias do direito civil pátrio, o direito 63 As quais leis, imperiais, estatui a Ord. 3.64, in fine, mandamos somente guardar
pela boa razão, em que são fundadas.

76 7
Clóvis Beviláquea teoria Geral do Direito Civil

ciam aplausos; mas subsistia a flutuação do pensamento, 294. Com a sistematização do direito civil,
quanto à aplicabilidade da lei romana nos casos excluídos. porém, no Código em vigor, desde 1 de janeiro de 1917, 0
Por isso a lei de 28 de agosto de 1772 (Lstatutos da Univer- direito legal não tem fontes subsidiárias. O Código Civil é um
sidade de Coimbra) ofereceu o elemento de elucidação na organismo, um corpo de leis, em que se aglutinam as normas
regra seguinte: - São conformes à boa razêio eis leis romanas referentes ao direito privado comum. Desprendeu-se da legis-
aceitas pelo uso moderno. lação, de cuja evolução representa fase nova, e, para suprir as
Esta indicação, se teve a vantagem de obrigar o suas deficiências, estabelece os recursos da interpretação, da
jurista português, ou brasileiro, a estudar o direito estrangeiro, analogia, e dos princípios gerais do direito (Introdução, arts. 4
pelo quai tinha de aferir a boa razão das leis romanas, abrindo, a 7). O direito romano e as legislações dos povos cultos são
assim, como já o fizera a lei citada de 1769, uma larga porta às sempre, e cada vez mais, estudados para esclarecimento da lei
correntes jurídicas, dando franqueza e elasticidade às pátria, mas não para lhes suprir as lacunas, de modo direto,
instituições do direito nacional, impôs aos aplicadores do direito como acontecia antes da codificação, por força do que dispunha
um duro labor &? e deu ensanchas às incertezas da doutrina. o Código Filipino. Têm, hoje, valor doutrinário, semelhante
ao dos grandes mestres. Elucidam as questões, robustecem as
29. Assim, o direito das nações modernas inteligências na pesquisa do justo, e assimilados constituem,
ou quando preferiu ao direito romano, nas matérias políticas, com os princípios da ciência, elementos que entram na
econômicas, mercantis e marítimas, ou quando o corroborava, formação da consciência jurídica
era supletivo do direito civil pátrio. Além disso, a legislação
de minas tinha por subsídio, especialmente indicado, o direito
alemão. “> Ainda hoje, o direito processual da União tem as
suas lacunas preenchidas pelos estatutos dos povos cultos e
VE
especialmente os que regem as relações jurídicas na República
ANALOGIA — PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO
dos Estados Unidos da América do Norte, os casos de
commom law e equity. 499 30. A aplicação da lei aos casos ocor-
rentes é uma delicada operação de lógica jurídica. Se a lei é
omissa, o aplicador procura descobrir o pensamento jurídico
8H Veja-se o que diz Conrnta Taues, comentando a Isi da boa razão no duxiliar Jurídico,
pág. 459, 2º col.
% Alvará de 30 de janeiro de 1802, tit, 1º, 83. Sobre a legislação relerente, às minas “º Embora nos sistemas de “direito escrito”, como o nosso, à jurisprudência não se inscreva
consulte-se o livro de CaLoosras, 4s minas do Brasil e sua legislação, 3 vols. Veja-se entre as “fontes formais” de direito, ocorre uma notória tendência no sentido de prestigiar
adiante, o 8 46, os precedentes judiciários. Em matéria de declaração de constitucionalidade ou
&9 Dee, nº 848, de 1800. art. 387, 2º parte. inconstitucionalidade das leis, o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal tem efeito
SA partir do Congresso de Paris, realizado em 1900, em que se destacaram as figuras normativo, abstendo-se as suas Turmas de reapreciar a argitição quando, num ou noutro
exponenciais de 1.amperT, SaLentes E Demosue, o Direito Comparado adquiriu enorme impulso. sentido, já se tenha pronunciado o seu Pleno. Com o mesmo efeito, a inscrição na “Súmula
Sem assumir feições de “fonte formal de direito”, contribui todavia, ao lado da doutrina, para da Jurispradência Predominante” importa em atribuir 20s julgados efeito obrigatório,
a solução dos problemas ocorrentes, e influi grandemente na elaboração fegistativa. egitivalendo praticamente a invocação da “súmula” à de um preceito legal.

78 79
Clóvis Bevilágua teoria Geral do Direito Civil

pelo processo da analogia, “* que tanto se pode aplicar ao declarados em lei, procederão os julgadores de semelhante
direito escrito quanto ao consuetudinário. a semelhante . E no tit. 81, 8 2, do mesmo livro acrescenta: e
A função supletiva da analogia, para ampliar a isto que dito he em estes casos aqui especificados haverá
compreensão do direito, é reconhecida no direito romano, logar em quaesquer outros semelhantes em que a razão
onde se deparam indicações como a de JuLIANO: pareça ser egual.

Non possunt omnes articuli singillatim aut 31. Distinguem-se duas espécies de ana-
legibus, aut senatus-consultis comprehendi; sed cum logia: a legal e a jurídica. A primeira consiste na aplicação
in aliqua causa sententia eorum manifesta est, is qui da lei a casos por ela não regulados, mas nos quais há identi-
jurisdictioni praeest ad simila procedere atque ita jus dade de razão ou semelhança de motivo. “ Ubi cadem causa
dicere (D. 1,3 fr. 12). ibi jus statuendum; Ubi eadem est legis ratio eadem debet
ULriANO ensina também: nam, ut Pedius esse legis dispositio.
ait, quoties lege aliquid unum vel alterwm introductum A analogia jurídica colhe de um complexo jurídico
est, bona oecasio est coetera quae tendunt ad eandem os princípios que o dominam, e aplica-se a um caso onde há
utilitatem vel certe jurisdictione suppleri (D. 1, 3 fr. semelhança de motivo. É o mesmo processo lógico operando
13). sobre campo mais vasto e sobre mais variados elementos.
Em qualquer dos casos, porém, a inteligência do
O Código Civil da Áustria, art. 7, estatui: “Quando jurista procura revelar o direito latente, não se esforçando
um caso não de pode decidir pelas palavras nem pelo sentido por descobrir uma pretendida vontade do legislador, mas
natural da lei recorrer-se-á aos casos semelhantes, precisa- como belamente disse PauLA BAPTISTA, “na harmonia orgânica
mente, decididos pela lei e às razões de outras leis análogas. do direito positivo com o científico”,
$7 Por esse mesmo caminho seguiram o Código Civil italiano É também este o pensamento de KonLr, quando
e muitos outros. afirma que a analogia “consiste, principalmente, em extrair
As nossas Ordenações também não deixaram no de uma norma jurídica o princípio e, depois, desse princípio
esquecimento o auxílio poderoso da analogia. No livro 3, tít. tirar novas consequências e formar princípios novos”. €»
69, pr., estatuíam: porque não podem todos os casos ser A inteligência do intérprete, afeiçoada pela edu-
cação jurídica, mostrar-lhe-á, nos casos mais simples, como
(64 Cód. Civil. Introd., art. 7.
6% Laest sich eim Rechtsfall weder aus den Worten noch aus dem natuerlich Sinne eines
Gesetzes entscheiden, so muss auf aehnliche, in Gesetzen, bestimimt entschiedene Faelle, 2? Vejam-se ainda as Ords. 3, 25, 8 3 infine e 3, 69 pr. Nogueira CorLHo, Principios,
und auf die Gruends anderer damit verwandten Gesetzen Ruecksicht genommen werden. publicados por 7. pg rrEITAS. Regras de direito, pág., 267.
(68) Cód. Civil italiano, art. 3, 2º parte das disposições prefiminares; argentino, art. 16; 0) Winnscuein, Pand., 88 22 e 23, Dernsuro, Pand., 8 33; Paura Baprista,
mexicano, art. 20; peruano, art. 9; português, art. 16; uruguaio, art. 16; lei colombiana, Hermenêutica, 8 41, Cmron, Istituzioni di diritto civile, 8 11; Geny, Méthode
nº 153, de 1887, art. 8; Código geral dos bens para o principado de Montenegro, art. d'interpretation et sources, nº s 107-108; Ferrera Corno, Código Civil, I, nº 868.
781. 9 Lehrbuch des buergerlichen Rechts, 1, 8 42. V.

80 81
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

a leí, racionalmente, compreende hipóteses não especificadas profundidade adquire assim o direito, e exageradas, então,
em suas palavras (analogia legal), e, em casos mais compli- nos parecem as argiições daqueles que se revoltam contra a
cados, como a hipótese examinada se prende por vínculos inflexibilidade da les, que não lhe permite pôr-se em harmonia
lógicos a algum dos complexos sistemáticos de fenômenos com as novas necessidades sociais.
que o direito expressamente regula (analogia jurídica). A
deficiência se mostra, por exemplo, na aplicação, no funcio- 33. Algumas legislações estranhas indi-
namento de um direito real, os princípios reguladores do cam, expressamente, esse recurso aos princípios gerais do
direito de propriedade apresentam-se espontaneamente para direito, quando a analogia é inoperante. O Código Civil
preencher a lacuna. É o direito latente que se revela no austríaco eo português & falam de princípios de direito
momento oportuno; mas, para saber descobri-lo, é indispen- natural, e o montenegrino “ prefere apontar, ao juiz, a fonte
sável o senso jurídico, que é tanto mais seguro quanto melhor da egiiidade.
o intelecto sabe refletir as idéias, e o sensório afinado pelos As expressões: princípios gerais do direito,
sentimentos, que formam as bases da cultura do grupo social direito natural, espírito da lei, “ no sentido, em que, neste
e do momento histórico. caso, as empregam, e egiiidade , pretendem significar a mesma
coisa. Trata-se de indicar, como fontes supletivas do direito
32. Se o processo analógico deixa subsistir positivo, as regras mais gerais que constituem o fundamento
as falhas da legislação, se nem a lei nem o costume providen- mesmo da ciência e da arte do direito; não somente os
ciam para a hipótese, que se apresenta ao aplicador da lei, princípios, que dominam o direito nacional, “? como ainda o
cumpre recorrer aos princípios gerais do direito, “º com os conjunto dos preceitos essenciais, que servem de expressão
quais o jurista penetra em um campo mais dilatado, procura ao fenômeno jurídico.
apanhar as correntes diretoras do pensamento jurídico e cana-
lizá-las para onde a necessidade social mostra a insuficiência 34, Nos projetos do Código Civil Brasi-
do direito positivo. É, então, que o direito melhor se lhe deve
afigurar como a ars boni et aegui.
Supor que, em qualquer desses momentos, o juiz t% Código Civil italiano, art. 3, 2º parte, das disposições pretiminares, argentino, art.
16; uruguaio, am. 16; mexicano, art. 20; peruano, art. 9; lei colombiana, nº 153, de
deve procurar a vontade do legislador, é de todo injustificável, I887,art. 8.
6 Art. 7, 2º parte.
pois que ele vem, iluminado pela doutrina e estimulado pelas (6h Art, 16.

necessidades da vida, justamente fazer o que o legislador não “6% Art. 781.

soube ou não pôde requerer. 668 Cód, Civil, Introd. nº 7. PortaLIs, ponderara que o legislador estabelece as máximas
gerais do direito e que compete aos magistrados, penetrando o espirito geral das leis,
Vê-se que extensão infinita e que incomensurável dirigir-lhes a aplicação. Antes dele, a lei de 18 de agosto de 1799, & 14, declara que a boa
razão constituía o espírito das leis, boa razão que, no 89, explicara consistir nos princípios
gerais da ética, nas regras universais do direito das gentes.
7 CogLioco, Filosofia del diritto, pág. 137; FaDpa é Bensa, notas às Pandectas de
6) Cód. Civil, Introd., art. 7. WinDscrem, L págs. 124 e segs.

82 83
Clóvis Bevilágua teoria Geral do Direito Civil

leiro, também se encontram providências semelhantes.


quem declara esse pensamento, a interpretação se diz autên-
FELICIO DOS SANTOS, no art. 53 do seu Projeto, diz:
tica e se realiza por meio de outra lei. Se não os juízes ou
“Quando uma questão não puder ser decidida pela letra, motivos
quaisquer outras pessoas, que se propõem a descobrir os intui-
ou espírito da lei, ou por disposições em vigor no Brasil, que
tos da lei, a interpretação se diz doutrinal.
regulam casos análogos, deve o juiz recorrer aos princípios gerais
do direito natural, até haver providência legislativa.” Para penetrar o pensamento da lei e fazê-la
NaBuco dissera: “Quando uma questão não puder regular, de acordo com os fins da civilização, os fenômenos
ser decidida pela letra, motivos e espíritos da lei, ou por dispo- sociais, a que deve presidir, pode o intérprete recorrer aos
sições relativas aos casos análogos, devem os juízes recorrer elementos puramente verbais (interpretação gramatical) ou
aos princípios gerais do direito, até haver providência legis- ao raciocínio, à análise, à comparação, a todos os meios que
lativa” (art. 82). fornecem à ciência jurídica a exata compreensão do direito
No Projeto do Dr. CogLHo RODRIGUES, a idéia na mecânica social, a história da formação da lei e a evolução
toma a seguinte modalidade: “Aos casos omissos aplicam-se do direito (interpretação lógica). Sobretudo deve atender a
as disposições reguladoras dos casos análogos e, na falta que o direito é um organismo destinado a manter em equilíbrio
destas, os princípios que se deduzem do espírito da ler” (art. as forças da sociedade e, portanto, tem princípios gerais, a
38 da lei preliminar). Este dispositivo foi adotado, sem que os outros se subordinam (as permanências jurídicas, os
alteração, pelo Projeto primitivo, art. 13 da lei de introdução. preceitos constitucionais), e todas as suas regras devem ser
O Projeto da Câmara (art. 7 da lei preliminar), manteve-o, entre si harmônicos (inierpretação sistemática).
substituindo as últimas palavras por estas outras: princípios
gerais do direito: modificação esta que viera do Projeto 36. Diante da palavra da lei, acreditou-se,
revisto, por indicação do DR. LACERDA DE ALMEIDA, (8) por muito tempo, que o primeiro dever do intérprete era
descobrir a vontade do legistador,
8 com a q qual ainda se preo-

VE
INTERPRETAÇÃO DAS LEIS & des lois, trad. de c. DE saxpr et MarHer DE CHassar; BERRIAT-DE-S alnT-PRIX, Manuel de
logique judiciaire, Saviont, Droit romain, I, 88 32-41; Geny, Methode d'interprétation
et sources, Komer, Lehrbuch des buergerlichen Rechts, 1, 88 38-41. Nos diversos
35. Interpretar a lei é revelar o pensa- tratados de direito civil, há sempre um capítulo sobre as regras gerais da hermenêutica.
Entre nós, a obra acima citada de Pauta Baptista é um modelo de síntese dos princípios
mento, que anima as suas palavras. Se é o próprio legislador mais geralmente aceitos sobre a matória, e 0 tempo em que escreveu o douto professor,
Deve citar-se também Rimas, Curso de direito civil, 1, págs. 283-298 da segunda edição.
E mais: Epuarpo EspinoLa, Sistema de direito civil, 1, págs. 149 e segs.,: PauLO DE
Lacerva, Manual do Código Civil, 1, nºs 236-293; CarLos Mesivtano, Hermenêutica
(6) Atas dos trabalhos da comissão revisora do Projeto do Código Civil Brasileiro e aplicação do direito, Porto Alegre, 1925; Francisco Degui, L 'interpretazione deila
elaborado por CLóvis BeviLáqua, Rio, 190], pág. 9. legpe, Napoli, 1909; Darmsrazprer, Recht und Rechtordnung, Berlim, 1925; Pontes
(6) Pauta Baprista, Hermenêutica juridica; Domar, Teoria da interpretação das leis, pe MIRANDA, Sistema de ciência positiva do direito, 1, nºs 459-478; w. RoceE;
tradução acompanhada de notas, por Correia TetLes; Tumaur, Théorie de Vinterprétation Methodologische Vorstudien zu einer Kritik des Rechts, 1911,
84 85
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

cupa o ilustre Geny, “? mais talvez do que devera. se deixam influenciar pela doutrina, que florescera antes da
Esta concepção influi sobre o modo de realizar a codificação; mas BLONDEAU ergue o estandarte da autoridade
interpretação. Esforçando-se por descobrir o intuito do absoluta e exclusiva da lei, e nessas idéias comungam:
legislador, é natural que o intérprete não tente ultrapassar as LaurENT, fazendo apelo aos princípios, AuSRY et RAU, ainda
raias da exegese. Isso mesmo já deve parecer uma audácia a que desprezando a ordem do Código e sistematizado, cientifi-
codificadores, que, por terem sido instrumentos adequados camente o direito civil, BAUDRY-LACANTINERIE, VIGIÉ, e até
da evolução social, imaginavam ter submetido as energias Huc, e BEUDANT. O
culturais à direção de sua vontade. LaurENT, proclamando a superioridade dos prin-
Nos primeiros tempos do direito romano, a cípios, acha que estes se encontram, precisamente, no Código:
interpretação era puramente literal, porque, como diz JHERING “Os códigos nada deixam ao arbítrio do intérprete; este não
“VU “o apêgo à palavra é um desses fenômenos que, no direito tem por missão fazer o direito, que já está feito. Não há mais
como em outros ramos do saber, caracteriza a falta de incertezas; o direito está escrito em textos autênticos.”
madureza e de desenvolvimento intelectual.” Zn principio erat E com que rigor ele vibra golpes contra MERLIN
verbum. Na época da florescência do direito, predomina a por ser muito aferrado à tradição; contra TROPLONG, cujos
interpretação lógica. “2 Scire leges non hoc est verba earum erros reclamariam volumes, se fossem catalogados, porque
tenette sed vim ac potestatem (D. 1,3, fr. 17). E, libertando- TrorLonG, desprezando /'écorce des mots, se punha à procura
se do jugo da palavra, a jurisprudência vai organizando, em das grandes verdades da moral, contra DEMOLOMBE, que
um todo sistemático, as regras do direito. sacrifica os princípios aos fatos; contra MARCADÉ, que não
respeita, suficientemente, o Código, nem a tradição, nem os
37, Fenômeno semelhante reproduz-se na autores!
França, com a promulgação do Código Civil. No primeiro Mas, evidentemente, era preciso dar ao direito
momento, aparecem os chamados intérpretes do Código maior elasticidade, para que não fosse um entrave à evolução
Civil, que se alongam em comentários aos dispositivos da social, que, afinal, depois de alguma resistência, passaria por
lei, na qual se comprazem de reconhecer az mais aprimorada cima da lei assaz rígida, desorganizando a função normal das
sabedoria, ou clara na letra ou transparecendono espírito. fontes jurídicas dos tempos modernos. Percebeu-o, inteligen-
TouLLIER, DUVERGIER, DURANTON, TROPLONG ainda temente, um dos mais ilustres mestres da Faculdade de Paris,
Burnoir. Compreendendo que o direito oferece uma extensão
maior do que a dos textos, e que não é a lógica o único
Co Méthode cit. nº 98: Or, la loi n'est pas autre chose qu'une volonté émanant d'un
homme ou d'un groupe d'hommes et condenséz en une formule... Certes, jo n'entends
pas dire là que ['interpréte du droit doive écarter ces eléments de son horizon; mais j'affirme € A escola exegética que acabou por cingir-se à explicação, pura e simples dos textos do
guiei il ne peut et ne doit s'en servir que pour éelairer le diagnostic de la volonté du Código Napoleão, perdeu prestígio e entravou enormemente a evolução juridica na França,
legislateur desestimulando as pesquisas científicas. Foi contudo muito viva a reação, com SaLEI.LES
€ Espiritu dei derecho romano, II, pág. 147, e Geny à frente, como corifeus da moderna hermenêutica científica.
(3 Dennoure, Pandeite, trad, Cicala, |, 8 34. 8) Cours élémentaire de droit civil, 1, p. 9.

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Clóvis Bevilágua teoria Geral do Direito Civil

38, Na Alemanha, esta mesma corrente de


instrumento de que se deve servir o intérprete, ensina que “a
idéiasjá vinha, desde muito, fazendo o seu caminho. Expondo
ciência do direito deve dobrar-se às exigências da vída real, e
a solução que preconiza á a mais em harmonia com as os princípios da interpretação romana, dizia JusrinG: “Longe
necessidades e as tendências da sociedade, no meio da qual de constituir uma censura, honra à jurisprudência antiga ter
desenvolve as suas doutrinas.” “9 Esta orientação é seguida procurado adaptar a lei às necessidades da vida e ás exigências
por SALEILLES, que desenvolve o ponto-de-vista de BurNOIR; da época, em lugar de ater-se ao texto com uma submissão
por Geny, que dá um passo adiante e quer estabelecer o cega.” “% Certamente não pretendia, com essas palavras, dar
prestígio da livre indagação científica, “inspirando-se nos ao juiz um poder maior do que lhe atribui a sua função política,
resultados fornecidos por todas as disciplinas, que, analisando mas deixa ver o seu pensamento de que o intérprete deve
o mundo social, revelam, na sua estrutura íntima e nas suas adaptar a lei, na esfera de sua ação legítima, às necessidades
exigências profundas, o que se pode chamar a natureza da época.
positiva das coisas”; por LAMBERT, O profundo e erudito Dernsuro diz que “a tarefa da interpretação é
escritor do Droit civil comparé, e por muitos outros. tirar as consequências dos princípios fixados na lei, ainda
Esta feição nova da doutrina em França e as que não se tivessem apresentado à mente do legislador,
audácias crescentes da jurisprudência, mostram, de um lado, quando decretou a lei.” 5)
que as únicas idéias sobre interpretação já não satisfazem KomLEr mostra-se mais radical e, afastando a
mais hoje as exigências do momento; que a lei não é a fonte preocupação da intenção do legislador, vê na lei uma autono-
única do direito; e que a vida social reage incessantemente mia funciona! que exige, do intérprete, um preparo mental
sobre o direito. O extenso e sólido, para bem determiná-la. Vale a pena resumir
as suas Idéias.
“Interpretar, diz ele, é procurar o sentido e a signi-
8 Guttousro, Introduction ao livro póstumo de Burxoir, Propriété et contrat, pág.
XVII
ficação, não do que alguém disse, mas do que foi dito” É um
“5 Notion du droit positif à ta fin du XIX siécle, apud ALexanDrE Azvares, Nouvelle
conception des études juridiques, págs, 103-104, Méthode d'interpretation, Paria, 1899,
págs. 4537-472; vol. IEL págs. 74 e segs. Da 2º ed., nºs 155.176. como fonte de direito, cabo ao hermeneuta entendê-la u aplicá-la, tendo em vista a
9 Sobre a marcha das idéias jurídicas na França, a este respeito, veja-se: LAMBERT, sociedade organizada, cuja disciplina tem ela por objetivo estabelecer. Interpretar não é
Fonction du droit civil comparê, 1, vol. (1903), págs. 16-58; Gexy. op. Cit, nºs 8-10e pesquisar o que alguém disse, mas o que objetivamente está consignado na lei, como
37-50: Raout De La Grassusie. Evolution du droit, págs. 33 e segs.; SaLemues, Préfice produto das “orças vriadoras da sociedade, o atendendo às suas finallidades, bem como às
ao livro citado de Geny, e Révue internationale de l'enseignement, 1890, págs. 482 e exigências do bem comun” (Cf sobre a moderna hermenêutica: Pres Sexy, Miithodos
segs. (tomo NIX); ALexanDRE ALVARES, Op. cit. págs. 82 e segs.; RoL, L evolution du d'Imerprétation et Sources en Droit Privé Positifi Sazm rique ct Droit
divorce, págs. 9-62. Naturel, in Revue Trimestriello de Droit Civil, 1902, pág. 80; De Past, Traité Elémentaire
Sem os exageros da escola da “livre investigação científica (Freiesrecht), quea pretexto de Droit Civil, Tomo 1, nº6; Mazraul, MaAZEAUO ct MAZEAUD, Leçons de Droit Civil, vol.
de combater o excessivo subjetivismo do legislador, que caracterizava a hermênêutica
1, nº 102; Fermara, Traltato Di Diritto Civile, vol. 1, nº 5).
tradicional, sustentou a liberdade atribuída ao aplicador para trabalho criativo, é caiu no
extremo oposto do excessivo subjetivismo do juiz — a tendência moderma assinala-se (à Espiritu del derecho romano, UI, pás. 172,
numa posição mais correta e de maior valor científico. Ao intérprete cabe extrair da lei as 8 Pondectem, 8 33, infine: Die Interpretation hat die Aufgabe die Folgesaetze aus den
suas consegitências atuais, mesmo aquelas que não podiam ter sido presentes à mente do in; gesetz niedergelegten Gedanken zu zichen, auch wenns ste der Gesetzgeber selbst
legislador, no momento da elaboração da norma, Sem negar a supremacia da leí escrita beim Erlass des Gesetzes nicht durchdacht haben solite.

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

erro supor que o pensamento é escravo da verdade. A ex- à consciência do legislador, afirma, esclarecendo a primeira
pressão, que o traduz, nem sempre o expõe em toda a sua noção, que nos dera de interpretar: interpretar é escolher,
extensão e profundeza. Deve-se atender a que, em nosso dentre as muitas significações que a palavra oferecer, a justa
pensar, existe uma parte sociológica ao lado da individual. O e conveniente.
que pensamos não é somente trabalho nosso, é alguma coisa Assim, embora a intenção da lei seja um ponto
de infinito, por ser o produto da ideação de séculos e milênios, importante para o intérprete, o essencial é escolher, dentre
oferecendo uma tal conexão de idéias que próprio pensador os pensamentos possíveis da lei, o sentido mais racional, mas
não percebe. Não se tem atendido, convenientemente, à salutar e de efeito mais benéfico. Por isso mesmo, a lei admite
significação sociológica da lei, e ainda se supõe que, para a mais de uma interpretação no decurso do tempo. Supor que
formação da lei, apenas atua a vontade do legislador, quando há somente uma interpretação exata, desde que a lei é
se sabe que não é o indivíduo, mas sim o grupo social, que publicada até aos seus últimos instantes, é desconhecer o fim
faz a história, da lei, que não é um objeto de conhecimento, mas “um instru-
Mas as leis não se devem interpretar de acordo mento para se alcançarem os fins humanos, para fomentar a
com o pensamento e a vontade do legislador, e sim sociologj- cultura, conter os elementos anti-sociais e desenvolver as
camente como produções do grupo social de que o legislador energias da nação.” €) Em conclusão, na interpretação da
se fez órgão. 9 lei, deve atender-se, antes de tudo, ao que é razoável, depois
Estas idéias não são, na essência, divergentes das ás consequências sistemáticas, e, por fim, ao desenvolvimento
da escola francesa atual de Geny e SALEILLES, harmonizam- histórico da civilização.
se com o princípio, que afirma ser a lei mais sábia do que o
legistador, e com a doutrina pregada sobre a nova orientação 39, Para uma tal interpretação, os tra-
da hermenêutica por ALEXANDRE ALVARES, para quem o papel balhos preparatórios e a discussão parlamentar são destituídos
do intérprete consiste em auxiliar abertamente a evolução de valor, 2
dos institutos, no sentido para o qual os orientam os Neste ponto muitos mestres da hermenêutica
fenômenos sociais, pondo em harmonia com ela os novos moderna estão de acordo. Não que cheguem ao ponto de
casos que se apresentam. “)KoHLER, porém é mais preciso opinar, com o insigne KOnLER, que seria prudente não se
e, depois de mostrar que a necessidade da interpretação vem -publicarem esses trabalhos preparatórios, como, por exemplo,
do fato de que são as palavras, que revelam o pensamento da os Motivos do Código Civil alemão; mas todos reconhecem
lei, e de que esse pensamento somente em parte se apresenta que a crítica do notável jurista fere bem o alvo, em muitos

2) Lehrbuch, cit. 1, 838, pág. 123.


SB Lehrbuch, cit., 1, pág. 124. Muito interessantes são as observações de DARMSTAEDTER mu Op. cit, pág. 125.
a respeito da vontade do legislador, que, abstraindo-se de sutilezas metafísicas, se deve 83 Op. cit., pág. 127.
compreender como uma finalidade social criando a lei. 4 Op. cit., págs. 128-129.
€D Une nouvelle conception des études juridiques, pág. ITL. e» A chamada “interpretação histórica” é hoje destituída de valor científico.

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Clóvis Beviláçuia teoria Geral do Direito Civil

pontos, sobre os quais se exerce. comsegiiências, para que o aplicador, diante das exigências
KomLER entende que os trabalhos preparatórios dos fatos, possa deduzir, dessas generalidades, os preceitos
e a discussão parlamentar não têm a importância, que se lhes particulares, que se acomodem às circunstâncias.
tem dado, servem apenas para indicar as condições históricas Redigidas assim, as leis não se verão, fácil e fre-
do povo e os impulsos que determinaram a criação da lei, quentemente, contrariadas pela evolução social, sobretudo
como remédio para atender às necessidades do momento. se o intérprete compreender que, depois de publicadas, elas
Mas esse mesmo esclarecimento é útil ao intér- se desprenderam da vontade do legislador, que lhes fora
prete, como fazem notar Fanpa e Bensa. 62 E GENY acres- energias criadora, e passaram a ser um dos elementos da vida
centa: “os trabalhos preparatórios de uma lei não devem ser social sobre a qual reagem, mas da qual recebem constante
acolhidos como ilustração autorizada do texto e para sua influxo.
interpretação intrínseca, senão quando as idéias neles hauridas Assim o Intérprete, esclarecendo, iluminado, alar-
tenham sido expressas sem contradição notável, em condições gando o pensamento da lei, torna-se um fator de evolução
que permitam atribui-las à vontade coletiva, que engendra a jurídica. E certo que a sua ação é limitada pelo próprio édito
lei, e contanto que o texto desta não repugne a este comple- da lei, e se este se recusa a aceitar as modificações sociais, o
mento de explicação.” “9 Em dadas circunstâncias e para intérprete nada mais tem que fazer, senão esperar que 0
lucidação de certas ambigúidades, pode ser útil, ao Intérprete, legislador retome a sua empresa atrasada, e, enquanto esse
a consulta dos trabalhos preparatórios; mas a opinião hoje momento não chega, pedir à razão jurídica lhe revele a norma
mais autorizada é que lhe é preciso ser muito cauteloso ao a seguir. Para que a sua decisão traduza, de fato, o direito
invocar esse elemento ilustrativo dos intuitos da lei, porque, imanente às relações sociais, é necessário que o intérprete
em paga da luz escassa, que lhe possa fornecer, ameaça seja dotado de um critério seguro, de um senso jurídico
conduzi-lo, facilmente, a erros deploráveis. apurado e de um largo preparo intelectual, não somente nas
disciplinas propriamente jurídicas, mas ainda em todas as
40. Do que acaba de ser dito, vê-se que a ciências que se ocupam com o homem e com a sociedade,
ciência do direito sente hoje imperiosa necessidade de largueza desde a psicologia até a história, a economia e a sociologia.
e flexibilidade, diante da marcha acelerada e da expansão da A lei escrita e ainda a codificação, se restringem,
cultura, e, como a lei é morosa em suas transformações, vai não fazem desaparecer as outras fontes naturais do direito.
pedir á interpretação ou, melhor, á jurisprudência e à doutrina, Se este tem na lei a sua forma principal, continuará sempre a
um instrumento de adaptação constante à vida real. revelar-se, nas absolutas deficiências dela e do costume, pela -
As leis, como já ensinava PortaLis, devem apenas jurisprudência e pela doutrina, às quais compete extrair da
estabelecer as máximas gerais, os princípios fecundos em lei todas as suas consequências possíveis, e quando, apesar
dos seus esforços, a lei se mostra incapaz de dirigir o movi-
5 Nota às Pand. de WinDscrero, I, págs. 118-122. mento social, completá-la, descobrindo o direito, que está
9 Adéthode d'interprétation, págs. 2356-257, da |” ed. E 295, vol. 1, da 2º,

92 93
Clóvis Bevilágua teoria Geral do Direito Civil

0
no equilíbrio dos fenômenos sociais, porém ainda não deles respeitando o texto legal, deve dar-lhe o sentido mais con-
forme às exigências atuais
O

claramente desprendido.
“As injunções ainda que formais do legislador
a qumeme

2º) Quanto aos institutos parcialmente modifi-


não poderão deter a onda crescente da vida jurídica, diz muito cados, a interpretação deve seguir a nova tendência que neles
bem Lampert; “2 — Quando essas injunções chocam, muito se manifesta e que se revela, claramente, nos fatos. “9
(e

violentamente, o sentimento de equidade ou as exigências da 3% Se o instituto se transformou inteiramente,


utilidade geral, são condenadas a se tornar rapidamente letra as relações jurídicas devem ser interpretadas segundo a sua
morta ou a se deformar.” E o intérprete, muitas vezes, saberá, feição atual.
modificando o pensamento, que ditou essas injunções, abrir 4º) Se o instituto foi criado após o aparecimento
um sulco por onde a lei deslize conciliando as opiniões. de uma determinada lei ou de um código, não deve ser expli-
cado à luz de uma ou de outro, mas sim à luz dos princípios
41. As regras de interpretação, que nos contemporâneos. “2 Por esta forma, a aplicação da lei seguirá
ministram as fontes romanas e os bons autores “> conservam, a marcha dos fenômenos sociais, receberá, continuamente,
sem dúvida, incontestável utilidade, como condensações da vida e inspiração do meio ambiente, e poderá produzir a maior
experiência, mas o que é hoje essencial ao intérprete é apren- soma possível de energia jurídica,
der, como argutamente observa o egrégio ALEXANDRE ÁLVARES O Código Criminal de 1830, art. 60, mandava
9) “a descobrir o sentido em que se desenvolve a instituição.” comutar em açoites as penas de prisão, em que incorressem
Este emérito jurista, distinguindo os institutos em quatro os escravos. Em 1875, a Relação do Rio de Janeiro, acórdão
classes, segundo se mantiveram inalterados após a publicação de 6 de julho, declarara que a pena de prisão simples imposta
da lei, se modificaram parcialmente, se transformaram intei- a uma escrava que, por causa do sexo não deve sofrer a de
ramente ou apareceram depois da publicação da lei, estabelece galés, não é para ser comutada em açoites. Em 1885, no
recomendações e conselhos ao intérprete, que merecem ser Recife, o Dr. José Manoel de Freitas, prosseguindo nessa
recordados e se conformam com as idéias precedentemente ordem de idéias, considerou revogado, pelo espírito da lei de
expostas neste capítulo. 28 de setembro de 1871 e pela nova ordem de coisas o art.
19 Quanto aos institutos inalterados, deve o 60 do Código Criminal de 1830, e a sua sentença se mereceu
intérprete aplicar as regras jurídicas tais quais o legislador as os reparos de alguns chefes conservadores, conquistou os
ditou, e seguir o processo tradicional da interpretação, mas, aplausos dos espíritos de eleição e da generalidade dos
brasileiros, que não toleravam mais espetáculo tão bárbaro.
8) Droit civil comparé, I, pág. 40.
E) Vejam-se: Domas, Teoria da interpretação das leis, tradução e anotação de CORREIA
Tertes; PauLa Bapristá, Hermenêutica juridica, MaiHER DE CHassar, Traité 9) Seja-me permitido tirar de minhas recordações pessoais, um caso de aplicação desta
d'interprétation des lois, Brocuer, Étude sur les principes genéraux d'interprétation regra, aliás em direito criminal, onde a liberdade do interprete é muito restrita a bem da
des lois; e os outros citados à nota 68 segurança dos direitos.
9) Une neuvelle conception des études juridiques, pág. 172. OM Une nouvelle conception des études juridiques, págs. 172-175

94 95
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

43, Muitas vezes, as leis trazem em si o


af
princípio de seu desaparecimento do mundo jurídico, deter-

E aos 4
AS

CESSAÇÃO DE FEICACL minando que cessarão de ter eficácia numa determinada

prt

E
q f
época. Ás leis ânuas que regulam a receita e as despesas da
42, As leis perdem a sua eficácia por várias República, em cada exercício financeiro, são exemplo desta
causas. Em primeiro lugar, cumpre lembrar a revogação, que espécie. Estas leis ânuas, por isso que fixam os impostos,
pode ser expressa, quando o legislador declara que a lei deixa que os cidadãos têm de pagar num certo lapso de tempo, e
de ser aplicada, ou tácita, quando entre as disposições da lei traçam os limites da despesa pública, matéria de grande
anterior e as da posterior existe incompatibilidade. Lex ponderação, onde é preciso, em primeiro lugar, que a lei vá,
posterior derogat priori. pari pass, acompanhando o desenvolvimento da capacidade
A revogação pode ser geral, quando abrange a econômica do povo, e, em segundo que não dê margem ao
totalidade dos dispositivos, e toma o nome particular de abro- arbítrio da autoridade, são inalteráveis no decurso do ano
gação, ou parcial, quando apenas anula algumas determt- em que têm de vigorar. Entre nós isso se depreende claramente
nações da lei, e então, se diz que há derrogação. do que determina o art. 34, nº 1 da Constituição, que manda
Seria vantajoso que a nova lei indicasse especifi- orçar a receita € fixar a despesa federal amialmente.
cadamente.o que fica abolido na lei anterior, Evitar-se-iam, Outras leis são destinadasa atender uma circuns-
por esse modo, muitas obscuridades. Como, porém, é dificil tância anormal, a um estado transitório da sociedade, e desa-
determinar, em todas as hipóteses, a extensão da força contrá- parecem com as condições, que as fizeram nascer, ou porque
ria da nova lei, costumam os legisladores fazer apenas a decla- assim o ordene o legislador, o porque fique a lei sem objeto.
ração ociosa: ficam revogadas as disposições em contrário.
As leis anteriores, na parte em que não são, ex- 44, Convém indagar se a lei perde a sua
pressa ou tacitamente abolidas, mantêm-se em vigor pelo eficácia por ter desaparecido a sua razão de ser, por outras
princípio da comtimuiciade da sua eficácia, combinando-se, palavras, se é verdadeiro o princípio que costuma ser exposto
assim, nesta harmonia unificadora, o direito antigo e o na seguinte frase: ratione legis omnino cessante cessat lex
moderno. Sed et posteriores, leges ad priores pertinent, nisi ipsa.
contrarice sint, estatuio D, 1.3, fr 28. O Os códigos e os escritores modernos geralmente,
declaram que não, sendo esta circunstância apenas um motivo
para abolir-se a lei.
eu D. 50. 16
Ras, Direito
ft. 102; Ulpiani frag. 1,3: Lis Temxesga, Direito Civil, 1, págs, 39-40;
Civil, 1, págs, 244-245 da 2º ed. HBAcH, Furoguetion gén. à Vetude
A lição de RiBas é favorável ao princípio citado.
du droit, 8431 e 129; Hvc, Commentaire, 1, nº 47; Cumoni, [siituzioni, 820; DernBuRrS, “Nem sempre o legislador se apressa, diz ele, em acompanhar
Pandette, E, $ 30; Cânpino Menves, Auxiliar juridico, pág. 309, nº 3,
€ A solução do problema referente à revogação tácita encontra boa conotação informativa
as fases da sociedade, e em revogar as leis, que repugnam ao
na chamada regra da compatibilidade: a lei nova não revoga a velha, e com ela subsiste, - seu novo estado. Tornando-se assim impraticáveis, essas leis
quando os seus mandamentos são mutuamente compatíveis.

96 97
Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

caducam de per si.” “2 Mas se quer dizer que cessa a razão


da lei, quando desaparece o seu objeto, como se decretaram ANÁLISE DO DIREITO SUBJETIVO O
providências a respeito de uma guerra e esta já terminou,
temos uma das hipóteses previstas no número anterior. Se é 46. O direito subjetivamente considerado
éÊ
:
pelo desuso que se vem a verificar que cessou a razão de ser é um poder de ação assegurado pela ordem jurídica.
Í
da lei, voltamos à questão de saber se o desuso revoga a lei, Anatomicamente ele compreende um sujeito, um
assunto que já foi anteriormente considerado. º” Se existe objeto e a relação que os liga. Propriamente nesta relação é
antinomia entre a antiga lei e os preceitos da nova legislação, que está o direito, mas ela pressupõe os dois termos que se
o caso é de revogação tácita. Assim não há como destacar vinculam por sua interpretação.
este caso especial da cessação da obrigatoriedade da lei pelo Não há direito sem sujeito. Quando parece que
desaparecimento de seu motivo. ele se dispensa, como no caso do nascituro cujos interesses
se ressalvam, na realidade assim não é, porque o sujeito é
45. É princípio geralmente aceito que a lei elemento lógico da idéia de direito. A conclusão natural é
especial posterior não revoga a geral anterior; nem a geral
atribuir personalidade jurídica ao nascituro. Para fugir a esta
posterior revoga a especial anterior, se a ela não se refere
conclusão, que nada tem de chocante, que corresponde,
explícita ou implicitamente para revogá-la. Esta regra fora
exatamente, à realidade dos fatos, recorreram alguns autores
consignada nó primitivo Projeto de Código Civil Brasileiro,
a essa concepção abstrusa de direito sem sujeito.
9 porém, desapareceu no da Câmara. Como, entretanto,
Também não há direito sem objeto. Construir o
consigna uma exceção no princípio geral da revogação tácita
direito autoral, por exemplo, como sem objeto, por consistir
pela incompatibilidade das disposições, não era lícito afastá-
simplesmente em um poder, é não atender bem à doutrina do
la e o Código o consigna (Introdução, art. 4, 2º parte.) 96
objeto, pois esse poder é o bem atribuído ao portador do
direito numa determinada esfera da vida, sob a proteção da
3 Curso citado, 1, p. 142. ordem jurídica.
Sh Vejam-se os nºs 23 e 26 desta Introdução.
Ot Lei de introdução, art. 9.
9% Exceptio firmat regulam in casis non exceptis. Exceptio strictissimi juris. TEIXEIRA M Sobre o assunto deste $, vejam-se: Saviany, Droit romain, 1, 88 52-60; E. PICARD,
DE Freiras, Regras de direito, pág. 151; Saviany, Direito romano, & 37, nº 3; MERLIN, Le droit pur XNSHI-L; Les constances du droit, Paris, 1921, IH partie; Raour ce La
Repertoire, vb lois, Huc, Commentaire, 1, nº 47, PLantoL, Traité, 1, nº 204; EscuBaca, GrasseriE, Principes sociologigues du clroit civil, págs. 17-85, Komer, Lehrbuch. SS
introduction à I'étude du droit, 8 21). Vejam-se, contudo, as observações de RiBas, 44-47; Trabalhos da Comissão especial da Câmera dos Deputentos (Projeto de Código
Direito Civil, 1, pág, 247. Se entre a lei geral posterior e a especial anterior há contradição civil). HI, págs. 10-11; Saxcuez Romax, Derecho civil, 1. págs. 40-45: Rimas. Crrso de,
direta e manifesta, resolve-se o conflito pela revogação da lei anterior. direito civil brasileiro, tit. IV. Genser, System des deutschen Privatrechis, 8 33,
A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942) Korxouxoy, Théorie gênérale du croit, 8823 esegs.: PauLo Laceroa, Manual do Código
consigna o preceito, segundo o qual a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou Civil], nº4e segs.
especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a anterior (art. 2º, & 2º). $% Pronunciam-se pela possibilidade de um direito sem sujeito: WaxpscheiD, Pandecteis,
Aderindo à doutrina de Gassa, e contrariando a opinião de Graxturco, o 8 3º deste 8 4; Kogrren, ScuirMER é outros. Sustentain a opinião contrária: fugrino, KonLEa,
artigo estabelece que, salvo disposição especial em contrário, a lei revogada não se restaura Lehrbuch, 8 45; Einfuehrung, 8 3, 16; PicarD, Droit pur, SSXVHI
porter a lei revogadora perdido a vigência. Vale dizer, a revogação da lei revogadora não Vejam-se a extensa nota u de FaDpa E BEnsa ao $ 49 de Winpscuei e o $ 18, V, deste
ripristina a fei revogada. livro.

98 99
Clóvis Beviláguea Teoria Geral do Direito Civil

A esses três elementos essenciais, PICARD acres- ordem furídica assegura o poder de agir contido no direito.
centa o da proteção-coação, que é a tutela jurídica imanente Ordinariamente, esse poder é um gozo, uma vantagem do
a todo o direito. Quer isto dizer que todo o direito é provido sujeito, mas há direitos, que existem em favor de outrem.
de uma ação, que é, por assim dizer, o seu tegumento protetor, Os sujeitos dos direitos são as pessoas naturais e
a força que dele se desprende quando o violam ou ameaçam, jurídicas. “9 Todavia é certo que as idéias de pessoa e sujeito
de direito não têm a mesma extensão. A idéia de pessoa
47. Juerino, decompondo o direito, sob oferece dois aspectos, o ativo e o passivo. O sujeito do direito
um outro ponto-de-vista, descobre nele dois elementos, um
é a pessoa em sua posição ativa.
substancial, “que reside no fim prático do direito e consiste
no interesse, outro, formal, que é um meio de se alcançar A abstração que nos faz, na vida jurídica, destacar
esse fim, e consiste na proteção, na ação da justiça.” 20 o portador do direito, discriminando-o da relação e do objeto,
interesse não é puramente econômico; compreende também: foi levada ao exagero por aqueles que viram no título ao
a personalidade, a liberdade, a honra, os laços de família. É portador um sujeito do direito, independente da pessoa a quem
Nesta análise foi posto de lado o sujeito, por ser ele pertença ou em cuja posse se ache, assim como por aqueles
alguma coisa exterior ao direito. A relação, que equivale ao que pretenderam erigir o prédio em:sujeito ativo da servidão.
próprio direito, e o objeto, que o recebe, reúnem-se, consubs-
tanciam-se para tomar a feição de interesse.

48. Ainda considerando o direito por outro x


aspecto, podemos decompô-lo nas faculdades ou modalidades DO OBJETO DO DIREITO
de poder, que ele cria para o sujeito. Assim a propriedade
compreende a posse e as faculdades de usar, gozar, dispor. 50. O objeto do direito é o bem ou vanta-
gem, sobre que o sujeito exerce o poder conferido pela ordem
jurídica. Podem ser objeto do direito:
XI 1º Modos de ser da própria pessoa na vida real
DO SUJEITO DO DIREITO (a existência, a liberdade, a honra, etc.);

49, Sujeito do direito é o ser, a que a (1) Prcarp. Le droit pur, XL, acha possível tratar-se, na sociedade humana, o animal
desprovido de razão, como sujeito do direito, porque ele é objeto de medidas de
benevolência e proteção. Pela mesma razão, as árvores poderiam aspirar ao mesmo
beneficio. O absurdo é manifesto. V. Também Les constances du droit, Paris, 1921, pág.
6% Espiritu del derecho romano, IV, 8 70. RaouL DE La Grasserig, Principes
50. Em honra ao grande jurisconsulto belga, deve reconhecer-se que ele não é muito
sociologiques du droit civil, cap. V. Destaca, como elementos constitutivos dos direitos,
o sujeito, O objeto e a causa, que corresponde ao fato jurídico de Saviony, afirmativo, neste particular,
“º Concitiando os dois conceitos, que não são em verdade antagônicos, pode-se dizer que €9 Sujeito do direito é o homem, e em razão dele, e por causa dele, é que o direito se
constitui - omne its homimon causa constitutum est. Quando a ordem jurídica reconhece
o direito subjetivo é um poder da vontade, para satisfação de interesses humanos, em
personalidade às pessoas jurídicas, tem em vista a pessoa humana ou os interesses
conformidade com a norma jurídica (Rucomro e MaroL, Istituzioni di Diritto Privato,
vol, 1, 8 21; Ferrara, Trattato di Diritto Civile, vol. £, $ 68; Micnoup et TrorTaBas.
humanos. Por isto mesmo, as coisas inanimadas e os animais não podem ser sujeitos de
Théorie de la Personalité Morale, vol. 1, nº 4). direito.

100 101
Clóvis Beviláquea Teoria Geral do Direito Civil

2º As ações humanas; distinguem duas categorias de relações, umas atuando sobre


3º As coisas corpóreas, ou incorpóreas, entre objetos naturais, e outras ligando pessoas entre si, ““* as quais
estas últimas incluindo-se os produtos da inteligência. 4) podem denominar-se direitos de denominação e direitos que
impõem deveres diretos às outras pessoas.
Foi naturalmente tendo em vista esta diferença
“XII fundamental entre as relações de direito, que Teixera DE
DA RELAÇÃO DE DIREITO Frerras propôs distribuir toda a matéria do direito civil em
duas grandes classes: os direitos reais e os pessoais. “9 Efeti-
51. Relação de direito é o laço, que, sob a vamente o direito é uma expansão da personalidade, e essa
garantia da ordem jurídica, submete o objeto ao sujeito. Os expansão, que pressupõe sempre a ordem jurídica, ora se
romanos designaram-na pelo nome de jus, “2 como nós a realiza pela apropriação de causas da natureza, ora pelo relevo
denominamos direito. Não há utilidade em distinguir entre de algum de seus modos de ser ou qualidades, ora, finalmente,
os dois termos, como fez KomLer, “ para quem a relação pela restrição imposta à atividade jurídica de outrem.
de direito contém um elemento criador de novos direitos.
Assim, no seu modo de entender, a propriedade é um direito,
mas não se deve chamar relação de direito, porque os XIV
multíplices efeitos, que ela produz, não são mais atingidos CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS
pela ordem jurídica. O empréstimo a juros, porém, é uma
relação de direito, porque de si produz direito aos juros. S2. As classificações no direito, como em
A relação de direito somente se pode estabelecer todos os outros ramos do conhecimento, são operações
entre pessoas, ensinam muitos dos mais notáveis civilistas; lógicas impostas pela necessidade de ordem, que experimenta
“9 porém, melhor traduzem a verdade dos fatos os que o espírito humano, e contribuem, poderosamente, para a

00) Para Korgouxov (Théorie générale du droit, & 30) há quatro categorias de objetos 609 KomLsr, Einfuehrung in die Rechtswissenschaf?, 88629; Lehrbuch des b. Rechts,
do direito: 1º as forças pessoais do sujeito; 2º as forças da natureza; 3º as forças de 8 46; Dernsurs, Pandectas, 8 22; Rorx, System, 8 22; CHIRONI, Istituzioni, 8 22,
outrem; 4º as forças da sociedade, Enpemann, Binfuehrung, IL 83; Terxema ce Frerras, Consolidação das leis civis, introd.,
Em nenhuma circunstância pode o homem ser objeto de direito, o que não impede págs. LXS-LXXX.
disponha ele de partes de seu corpo para fins humanitários ou científicos bem como de Supor que todo direito se firma entre pessoas, se não se pretende apenas dizer que os
seu próprio cadáver, guardado o respeito aos direitos da personalidade. direítos somente na sociedade podem existir, que são todos eles, em úllima análise, a
SRD. 1, 1 ff. 12: Non nunquan jus etiam pro necessitudine dicimus, veluti est mihi jus expressão do valor social do indivíduo, é forçar os fatos a se acomodarem a teorias
cognationis vel adjinitatis. preestabelecidas, porquanto o poder assegurado pela ordem jurídica não atinge
(03) Lehrbuch, 8 47. simplesmente a ações humanas, concentra-se também em coisas da natureza,
6) Wixpscuep, Pandectas, $ 38, diz: “não de deve entender que a ordem jurídica to Podemos não aceitar a classificação proposta por TEIXEIRA DE Freiras, mas é
imponha uma sujeição à coisa sobre a qual concede um direito real”. “todos os direitos incontestável que ela tomou por base uma distinção, que tem as suas raizes nos próprios
se estabelecem entre pessoas e não entre pessoas e coisa”. No mesmo sentido se manifestam fundamentos do direito. Ainda recentemente reconhecia KomLer (Lehrbuch, $ 46) um
Bruns e Scrossmann. Entre nós Jost DE ALENCAR dissera: “o direito assenta sobre uma dualismo nas relações de direito, e dizia que esse dualismo atravessa todo o direito,
relação a esta exige, necessariamente, a dualidade humana” (Propriedade, pág. 31). devendo-se atribuir muitos erros da doutrina 20 seu desconhecimento.

102 103
Clóvis Beviláqua

clareza das idéias. No direito, elas são numerosas segundo a


base em que se apoiam, e diversificam de acordo com as

Direitos patrimoniais. Os quais.


idéias do classificador, 4º
Para termos, num relancear de vista, o quadro geral
do direito subjetivo é lícito classificá-lo, tomando por base o
objeto, ““ pelo modo seguinte: (veja quadro pág. 105).
meme pe!
53. Desta classificação se excluem as s
5
situações jurídicas. Não devemos confundi-las com os direi-

Direito das pessoas


2a

(jura personanan)
YA q

tos, pois são antes condições, pressupostos de sua existência.

jurídica)
a5g 28
2
ge
Komzer define-as “relações do sujeito jurídico para com os
E2 És A
5 = o

88 DE
bens da vida, que têm influência sobre a criação e o desenvol- E £25 o eR .

Diseito de ser nomeado para funções públicas não politicas


da ordem
& DO E
2 Es

Direitos do individuo à proteç; ão dos poderes de seu país


vimento do direito subjetivo”. “ 4 nacionalidade, o $ Ao 2 8 &
aRQ E & 45

Direito de eleger o ser eleito para funções politicas


parentesco, a afinidade, a filiação legítima ou natural, são

de ser resp: eitado na sua honra € dignidade


, 4 o Ea zo
Ro Sga ss
2a SE ES
Ló 285 RE

ireitos oriundos do da locaça ão de serviço,


situações jurídicas. A capacidade é a situação jurídica geral BRA GTO

sob a proteção

Direitos oriundos de outros contratos e


ireitos dos representantes dos Estados

contrato de sociedade, do mandato


da pessoa, os poderes de representação constituem a situação

À
Direitos oriundos do parentesco, das
Osuzto

Marcas de indústria e de comércio


ireitos fundamentais dos Estados
jurídica do representante, e, assim, noutros muitos casos, quer

autoral (feição pessoal)


Condição civil dos estrangeiros

etações entre o On; uges, etc.

Direito autoral (fei ção I cal)

Direito ao nome comercial


no direito material, quer no processo, podem ser postas em

Patentes de invenção
relevo posições jurídicas. (19

de liberdade

Nas suas utilidades


ou interesse

Na sua totalidade
atos unilaterais
Também não foram consideradas as faculdades,

Poder maritaí
à vida

Poder tutelar
Pátrio poder
porque, segundo já foi anteriormente observado, não cons-

Di ireito

Di ireito
Direito
D ireito
tituem direitos, mas sim modos, pelos quais o direito se mani-

Í te
So
tb
n (Bem

1
Í

1
5
festa, em dadas circunstâncias.

A
o
o Re q q
+ uv q y
& ani a E]
E: 5Bsss o
a ESSES Ê -2

Na ordem Internacional
54, Finalmente não foi incluído o direito

Na ordem político-civil
$8 sa88 E ga
5 4

ss S40AB

Na ordem política
ao nome civil, porque, apesar de especialmente destacado ER
39E
ASgo
não
U
Etú
g
3

Na ordem civil
DE é
SG QoBE ga. g

Incorpóreas
as Fono Da s
28 EBst gg 3q

Corpóreas
% ER
DE ES) ns “B
=s 232 E a =
0) Vejam-se em Les constances du elroit, IV parte, as diversas classificações de E. Sê
Sa RESSÊL
Q95sE Sae Ey
QoS
Picarp; Le droit pur, Li; e a livro de RaouL ve La Grasserig, Classification scientifigue
du droit.

|
(108) Veja-seo nº SO desta Introdução. Consulte-se Juzrino, Der Zweck im Recht, 1, p. 66

áções |
Modo de ser
das Pessoas
da ed. De 1864.
G0) Lehrbuch, 8 47.
(4) No citado livro de Komer, 88 49, 112, 1241-123 se indicam diferentes situações

Coisas
jurídicas. Vejam-se os 88 7 e 8 deste livro.

104
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

pelo Código Civil alemão, art. 12, não apresenta os caracteres usado, anteriormente, por outros, cuja escolha depende, em
de um verdadeiro direito. A melhor doutrina parece-me ser a grande parte, do arbítrio, que significa, muitas vezes, uma
de JHERING, que não descobre, no nome civil, uma base para homenagem, ou a designação de um paracleto.
a proteção jurídica. Seria absurdo, diz o grande jurisconsulto, A mulher condenada em ação de desquite é
que o portador de um nome pudesse impedir que outro o interdito o uso do nome de familia do marido; “> mas isso
tomasse para si. C! Todos os dias nascem pessoas que têm não quer dizer que este lhe retira um bem que pelo casamento
de ser designadas por um nome, ou uma combinação de lhe havia comunicado. Trata-se de, por esse modo, declarar
nomes, e não há razão suficiente para que se lhes imponha a a cessação da sociedade conjugal e, consequentemente, os
obrigação de criá-los sempre novos. E isto tanto se diz dos direitos e deveres correspondentes, a posição social, o crédito
nomes individuais quanto dos patronímicos. * e o respeito alcançados pelo casamento desaparecem, e a
Com este modo de pensar se conforma PLANIOL, mulher sabe, desde que se desquita, que deve contar somente
ensinando que o nome é a forma obrigatória da designação com a consideração granjeada pelos seus atos, se continua a
das pessoas, e que, se ele se transmite, não é porque seja usar do nome, que indica uma situação jurídica não corres-
uma propriedade, mas somente porque a lei quer tornar pondente à realidade, procede dolosamente, quer pretenda
notória a filiação. 1% iludir os outros, quer tencione injuriar o homem, de que se
Mas, se o filho de um Souza, como acontece entre acha judicialmente separada. O Código Penal bem capitula
nós, pode ser inscrito com o sobrenome de Melo, '% à argu- entre as contravenções este uso de nome suposto.
mentação perde o seu valor. As famílias têm o natural desejo Podem estar em jogo interesse de outra ordem,
de assegurar a sua continuidade no futuro, e, por isso, trans- e em favor deles intervém a tutela jurídica. JHERING figura o
mitem-se, de pais a filhos, os sobrenomes e, às vezes, os nomes caso de uma cantarina obscura, que toma o nome de uma
“individuais. Mas ninguém se julga autorizado a excluir cantora célebre. Não engana somente o público, compromete
qualquer pessoa do uso de um nome, que se sabe ter sido a reputação desta última. E a questão, neste caso, não é do
nome, e sim da reputação de quem licitamente o usa. Um
ED Actio injuriarum, traduia et annoté par O, pe MevLENAERE, Paris, 1888, pág. 162. cavalheiro de indústria inscreve-se no registro dos viajantes
Gesser, System des deutschen Privatrechts, 8 34, nota |, também não reconhece o direito com o nome de um homem célebre e desaparece depois. E
ao nome, porque o nome não é um bem de ordem privada.
Não obstante a controvérsia, o direito ao nome, classificado entre os direitos da - um embuste, que pode prejudicar a boa fama deste último, e
personalidade, encontra amparo entre os modemos civilistas, Nele destacam-se dois deve haver uma proteção civil contra semelhantes abusos.
aspectos: o público, como objeto de regulamentação e de registro; e o privado ou
individual, como poder reconhecido ao seu portador, incluída a faculdade de repressão “19 mas não importa isso no reconhecimento de um verdadeiro
dos abusos por parte de terceiros (cf. PLantor, RiperT et Bouaxcer, Traité Elémentaire, direito ao nome civil. Se o cavalheiro de indústria tivesse o
vol. 1, nº 525; Perrgau, Le Droit au Nom en Matiêre Civile, Cap. FI; Spencer V ampré, Do
Nome Civil, pág. 102; OR TMANN, Introduction, pág. 73).
mesmo nome que o homem célebre, e tirasse proveito lícito
WB Traité élêmentaire de droit civil, I, nº 380.
8) CarLOS DE CarvaLHO, Direito Civil, parte complementar; registro civil dos nascimentos,
casamentos e óbitos, art. 30. Confira-se com o art. 57 do Código Civil francês. Um) Código Civil, art. 324, Penal, art. 379, parágrafo único.
(3 Actio injuriarum. pág. 163.
106 107
Teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Beviláqua
personalidade, para considerá-lo um direito. A personalidade
dessa circunstância, poderia dizer-se que ele ofendera o direito não é um direito, é o complexo dos direitos atribuídos à
ao nome do seu homônimo? Evidentemente não. No entanto
pessoa, considerados em conjunto, constituindo uma unidade,
houvera abuso que poderia ser punido segundo as circuns-
mas antes em potencialidade, de que em atividade. Assim,
tâncias. Usar os artifícios para surpreender a boa-fé de outrem
não havendo um direito de personalidade, não haverá um
é ato criminoso como também o é usar de falsa qualidade,
direito ao nome civil.
falsos títulos para persuadir a existência de empresas, bens,
crédito, influência ou suposto poder, e, por esses meios,
56. O nome comercial já não é, simples-
induzir alguém a entrar em negócios, locupletando-se com a
mente, a designação da pessoa; tem outros caracteres e en-
jactura alheia. 019
volve interesses, principalmente de ordem econômica, a ele
intimamente vinculados. É a firma ou razão comercial do
55. No direito alemão, porém, por força
negociante e sociedade mercantis, é a denominação das socie-.
do art. 12 do Código Civil, é um direito absoluto da pessoa, dades anônimas, são os dísticos dos estabelecimentos. “!2
consistindo em um dos modos de ser desta e protegido contra Entre alguns comercialistas, vai prevalecendo a
qualquer ofensa. €?
opinião de que o nome comercial, apesar de alienável e
Na França, a doutrina e a jurisprudência é que
exclusivo, não constitui uma propriedade, porque, segundo
organizaram a teoria do nome e lhe deram o caráter de direito,
observa CARVALHO DE MENDONÇA, não tem valor patrimonial
pensando alguns que se trata de uma propriedade sui generis,
e, assim:
e outros opinando que o direito ao nome é um direito pessoal
a) não figura no ativo do balanço da casa
absoluto, como o de liberdade, (19
comercial;
O Código Civil suíço, arts. 29 e 30, também se b) não é suscetível de penhora em execução
ocupa com a proteção do nome, sob essa feição de direito
comercial;
pessoal absoluto. Mas, se entende, como alguns explicam, que
c) não entra na falência, nem os síndicos da massa
o nome é a manifestação da personalidade, a sua designação,
podem dele dispor;
a sua individualização, não vejo como destacá-lo da própria d) não pode constituir cota social;
e) não é objeto de reivindicação; 9
(15) Código Penal, art. 338, nºs S e 8.
CM Expeuasn, Hinfiehrung. |, 8 41; Derneura, Pandette. & 22. Estes autores nos
mostram, aliás, como a ciência e a praxe haviam já desenvolvido o pensamento, que o
Código Civil exarou em seu art. 12. O Projeto de Código Civil de 1965 referiu-se por expresso ao nome civil, e reconheceu-
SUS) Veja-se a exposição de PLantoL, Traité, 1, nºs 357-399, onde, com precisão, segurança o como direito. O Anteprojeto de 1972 reproduziu o conteúdo do de 1963, nesta parte.
eclareza, se destaca a evolução das idéias, em França, a respeito desta matéria. Vejam-se (39) Entro nós, este assunto foi objeto de duas excelentes monografias, uma de SoLipónio
igualmente; CarvaLnO DE MEnDonça, Do nome comercial, na Revista do Instituto da Leite, Do nome comercial e suas garantias, e qutra de CarvaLHO DE MENDONÇA, 2 que
Ordem dos Advogados, Rio de Janeiro, 1906, julho a setembro, nº 17; as notas de me referi na nota precedente. Além disso, foi também estudado proficientemente por
Meutexsere 40 livro de Juerino, detio injuriarum, pãgs., 168-170; e a bubliografia Bistro DE Faria no livro Marcas de fábricas e de comércio e nome comercial.
indicada no Código Civil comentado, 3º ed., págs, 194-195, Adde: PLanioL et RevERT, «2 Revista citada, nº 19; SoLipónio é do mesmo parecer, e Bento DE Faria, embora não
Traité pratique de droit civil français, nºs 96-136, onde a matéria é largamente exposta se pronuncie abertamente, parece inolinar-se para o mesmo lado.
e onde se encontra extensa bibliografia a respeito.
109
108
Clóvis Bevilaquea Teoria Geral do Direito Civil

E um direito pessoal absoluto.


JHERING, ao contrário, vê aí uma relação de
propriedade sobre coisa incorpórea, e com ele concorda PIA. TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL
“2 Esta doutrina está de acordo com a linguagem de nossas
leis que falam de propriedade da firma. “2 propriedade das TÍTULO PRELIMINAR
marcas de fábricas. DO DIREITO CIVIL EM GERAL
E, se considerarmos que não setrata de domínio,
mas sim de um direito sobre coisa incorpórea que esse modo gr
NOÇÃO DE DIREITO CIVIL
de dizer se apoia na grande autoridade do egrégio romanista.
Por outro lado, notando-se que o Código Comercial
Brasileiro, art. 306, e o decreto nº 916, de 24 de outubro de
1 —- O direito pode ser considerado como lei,
como poder garantido pela ordem jurídica, como ciência e
1890, art. 8, parágrafo único, admitem o empréstimo do nome,
forçoso é admitir que o destacam da pessoa e lhe dão atributos como arte. E esses vários sentidos da palavra refletem-se nas
de coisa, que não pode deixar de ser incorpórea. Mas, se
diversas divisões ou agrupamentos, em que se distribui a
esses dispositivos não aberram dos princípios, revelam uma matéria jurídica.
função do nome comercial, embaraçosa para a teoria, que o Assim, para definir-se o direito civil, cumpre
toma como direito pessoal absoluto. Digamos, pois, que esse encará-lo sob as diversas relações acima apontadas.
direito entra na categoria dos direitos intelectuais.
H — Direito civil, no sentido objetivo, é o
complexo de normas jurídicas relativas às pessoas, na sua
constituição geral e comum, nas suas relações recíprocas
de família e em face dos bens considerados em seu valor de
uso. No direito civil podem destacar-se diversos agrupa-
mentos de normas: o direito de família, o das coisas, o das
obrigações e o das sucessões, precedidos e dominados
“pelas normas de caráter mais geral, referentes às pessoas e às
coisas como concepções jurídicas, e aos fatos que determinam
a formação dos direitos na ordem civil, ou, finalmente, que,
se aplicam a mais de um dos agrupamentos especiais.
(2) Jnerino, dctio injuriarum, pág. 161; Prra, Diritio indusrtriale, pág. 200. Veja-se
também o estudo de MeTRoDIO M AraNHãO, Nome profissional, na Revista da Faculdade O direito civil é um ramo do direito privado; é,
de Direito do Recife, Vol, XXXII, págs. 249 a 2852.
(2 “4 propriedade da firma é imprescritível”, decreto nº 916, de 24 de out. De 1890.
(3) «A lei assegurará também a propriedade das marcas de fábricas” (Const. Fed. Art. No meu livro Em defesa do projeto de Código Civil Brasileiro, págs. 47-54, está
72,827). justificada a classificação das matérias do direito civil, na ordem aqui indicada.

Ho mi
Clóvis Beviláquea teoria Geral do Direito Civil

antes, o direito privado comum. Por direito privado entende- mais poderosos auxiliares dessa exposição.
se O que organiza o conjunto das relações, que constituem a Pode ser doutrinário ou teórico, mas sem transpor
vida social do homem considerado como indivíduo. Desse as raias do elementar ou comum. E pode, finalmente, ser
tronco, destacou-se o direito comercial, para regular as feito com intuitos práticos, tendo em atenção, exclusivamente,
relações especiais, que se originam da função econômica do a aplicação do direito positivo aos casos ocorrentes. Neste
comércio, o qual, por seu turno, começa a desprender de si último caso, o direito civil é uma arte, como a medicina, por
as normas particulares, que vão constituir o direito industrial. exemplo, em uma de suas especialidades.
Até onde irá esse fenômeno de desenvolvimento crescente
da matéria jurídica e formação de novos grupos autônomos,
é difícil dizer, mas sente-se que a energia não está esgotada. $ 2
O direito internacional privado é também um OBJETO DA PARTE GERAL
ramo do direito privado, mas destacou-se, antes, por projeção,
sendo o direito privado da sociedade internacional, do que A parte geral do direito civil, nos códigos e nos
por separação. tratados, é destinada a expor: 1º os princípios sobre o sujeito
e o objeto do direito, isto é, sobre as pessoas naturais e
HI — Em sentido subjetivo, direito civil, opõe- jurídicas e sobre as coisas; 2º a teoria dos fatos jurídicos, que
se a direito político, e corresponde a direito individual. são elementos propulsivos do direito; 3º as matérias de
Significa o poder de ação que a ordem jurídica assegura à aplicação geral a todas as categorias de relações jurídicas ou
generalidade dos indivíduos. Ordinariamente, não se emprega à maioria delas, como a prescrição; 4º tudo quanto não
a expressão direito civil, por parecer menos extensa do que a encontra espaço apropriado na parte especial.
locução direito individual. Para designar os direitos civis, é A parte especial considera as relações de direito
mais usual considerá-los em suas categorias diferentes, e, e os institutos jurídicos, que são complexos de normas, sobre
assim, falamos de um direito real, de um direito pessoal, de elas, “ apresentando-as em suas funções peculiares e
um direito hereditário, dos direitos do marido, da mulher, do agrupando-se em classes: direito da família, das coisas, das
filho, do pai, do tutor. obrigações, das sucessões.
Alguns escritores, como Somm, & incluem a
IV — O estudo do direito civil! pode ser feito
cientificamente, sempre que se tiver em vista determinar e DA propriedade é uma relação ds direito; as regras de direito referentes à propriedade
expor, sistematicamente, os fenômenos jurídicos articulam-se entre si, formam um todo, que é o instituto da propriedade. O casamento é
um ato jurídico, do qual se originam relações diversas entre cônjuges, o complexo das
compreendidos no círculo do direito civil. A história do regras jurídicas sobre o casamento e as relações que imediatamente dele procedem, é o
direito, a legislação comparada, a sociologia, a psicologia instituto do casamento. O mesmo podemos dizer do pátrio podes, da tutela, do divórcio.
Por outros termos, institutos jurídicos são as normas jurídicas reguladoras das instituições
experimental e a filosofia, quer geral, quer jurídica, serão os sociais, como diz DernBurs (Pandeite, 8 40).
O Na Systematische Rechtswissenschaf?, I, págs. 32-34.

12 13
Clóvis Bevilágua Teoria Geral do Direito Civil

proteção possessória na parte geral, porque a consideram


um fenômeno jurídico de natureza particular. Desde, porém,
que a compreendamos como um estado de fato LIVRO |
correspondente ao direito de propriedade, o seu posti é na
parte especial, ao lado dosa direitos reais. DAS PESSOAS

CAPÍTULO 1
DA PERSONALIDADE

83º
IDEIA DE PERSONALIDADE

Assim como os diversos estados de consciência


e de subconsciência (sensações, percepções, apetites, recorda-
ções, etc.), ligados entre si e unificados num encadeamento
de sucessão e coexistência, constituemo eu idêntico a si
mesmo, apesar da instabilidade dos fenômenos, também o
conjunto dos direitos atuais ou meramente possíveis, das
faculdades jurídicas atribuídas a um ser, constitui a
personalidade. O Pessoa é o ser a que se atribuem direitos e

& Os psicólogos espiritualistas consideravam a personalidade o conjunto dos caracteres


pelos quais a pessoa se distingue das coisas, € tais eram: a individualidade, a consciência
ea liberdade. Individualidade é a propriedade que tem q ser de manter-se idêntico a si
mesmo através do tempo, tendo uma certa espontaneidade. A psicologia experimental
combate essa concepção. ConDitLac e Stuart MELL, não viam no eu mais do que uma
coleção ou uma sucessão de estados da consciência; Fans chamou-o polipeiro de
sensações e imagens, e Lz Daxte declara essencialmente vã e falsa a idéia de
individualidade. :
Há certamente exagero nas conclusões deste último. A unidade do organismo roflete-so
naturalmente sobre a unidade do ex, E, se o organismo é um composto de aparelhos,
tecidos e células, esses elementos, acham-se ligados entre si e dominados pelo sistema
nervoso em sua dupla distribuição, o ganglionar eo cérebro-espinhal. Depois a memória
& A maioria dos escritores de direito civil assim a tem compreendido. Citem-se: ea consciência são dois fatores de unificação de valor incontestável. Finalmente as emoções
Wrsscnero, Pandectas; DernBur, Pandectas, Rorm, System; GerBER, System. Veja-se e as idéias não somente se associam, como produzem modificações e reações recíprocas,
também EnmunDo Las, Ensaio sobre a posse, na Revista Forense, Vol. Vile segs. das quais resulta, forçosamente, uma diferenciação no ex. Vejam-se sobre esta matéria;
O Código Civil alemão igualmente coloca a matéria da posse como anexa à propriedade. Spencer, Príncipes de psicologie, e Sera, Elem. di psicologia. ,

114 Hs
Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

obrigações. Personalidade é a aptidão reconhecida pela ordem modelada pela ordem jurídica.
jurídica a alguém para exercer direitos e contrair obrigações. Dai vem que alguns sistemas jurídicos não reco-
Na ordem política, toma ordinariamente, a feição de nhecem a personalidade civil de certos homens (escravos e
cidadania, que é a aptidão para exercer direitos políticos, e é estrangeiros, por exemplo, nas sociedades antigas): ou a uns
soberania, quando atribuída ao Estado, que, aliás, tem concedem maior soma de direitos do que a outros (diferenças
igualmente uma personalidade civil e outra internacional, ou entre patrícios e plebeus, distinções de castas, ou entre sec-
antes, a sua personalidade é uma figura de três faces: a política tários de certas religiões, etc.), ou fazem extinguir a perso-
(interna), a civil e a internacional. O nalidade civil, quando ainda perdura a psíquica (morte civil).
A personalidade jurídica tem por base a A essas restrições opõe-se a dilatação da idéia de persona-
personalidade psíquica, somente no sentido de que, sem esta lidade às corporações e aos bens em determinadas condições.
última, não se poderiao homem ter elevado até a concepção
da primeira. Mas o conceito jurídico e o psicológico não se
confundem. Certamente o indivíduo vê na sua personalidade $ 4
jurídica a projeção de sua personalidade psíquica ou, antes,
DA CAPACIDADE
um outro campo em que ela se afirma, dilatando-se e Cumpre distinguir a personalidade da capa-
adquirindo novas qualidades. Todavia, na personalidade cidade, que é a extensão dada aos poderes de ação contido: $
jurídica, intervém um elemento, do qual recebe a existência, na personalidade, ou, como define TEIXEIRA DE Frer TAS, “OQ
a forma, a extensão e a força ativa. Assim a personalidade modo de ser geral das pessoas.”
jurídica é mais do que um processo superior da atividade Podemos definir capacidade a aptidêão de alguém
psíquica; é uma criação social, exigida pela necessidade de para exercer por si os atos da vida civil. E o que muitos
pôr em movimento o aparelho jurídico, e que, portanto, é civilistas O denominam capacidade de fato, diversa da
capacidade de direito, que seria a aptidão para adquirir
Seja, porém, como for a idéia de personalidade é indispensável ao direito, porque o direito
se concebe como tuna organização da vida em que sob a égide tutelar de um poder mais €7 A ordem jurídica atribui personalidade aos entes morais, dotando-os, também, da
forte, se expandem as faculdades dos indivíduos & dos agrupamentos humanos, e essas aptidão para adquirir direitose contrair obrigações, como ainda imputando-lhes
faculdades asseguradas pela ordem jurídica são irradiações de um foco -- e personalidade. responsabilidades pelos atos praticados por seus agentese prepostos— tudo por causa ou
em razão dos homens.
Dispensa o direito dois elementos da antiga psicologia, a consciência e a liberdade, mas D Teixeira DE FREITAS, Esboço, arts. 21 € 22; Saxcuez Roms, Derecho civil espariol, 1.
não pode abrir mão da individualidade, não que a conceba como Vicror Cousrx ou págs, H6-118.
Jourrroy, mas compreendendo-a como uma associação elementos vários, persistindo no Os escritores alemães falam de uma capacidade de direito (Rechisfachigkeit) como ,
tempo, apesar das modificações sofridas por esses mesmos clementos. diferente da faculdade de agir (Geschaefisfuehigkeit): Enpemana, Einfuehrung, 1, 83
Sobre a personalidade jurídica, vejam-se o excelente estudo de ScniaTARELLA, NOS 21 e 24; DernBuro, Pandette, $ 49; Rory, System des deutschen Privatrechis, $ 60.
Persupposti del diritto scientífico, págs. 143-179, que no-la apresenta como uma colônia Esta distinção reproduz-se no Código Civil em vigor, arts. 1 e 104. Diz o primeiro: Die
de direitos, D' Aguano, La genese e Vevoluzione del diritto civile, págs. 141 e segs.; Rechtstachigkeit des Menschen begina mit der Vollendung der Geburt. Estatui o segundo
VacverpE, Instituciones cíviles, págs. 69 e seguintes, que incapazes de agir (geschaefisunfachig) são: o menor de sete anos; quem se acha em
estado de perturbação do espírito, que exclui a livre determinação; e o interdito por
€& Sendo a personalidade a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações enfermidade mental.
todo homem, independentemente da consciência e da vontade, é dotado dela. O recém- Mas a capacidade de direito confinde-se com a própria personalidade. Por isso, nas
nascido, o menor, o louco a tem. minhas Lições de legislação comparada, pus de lado esse dualismo da capacidade,

116 17
Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

direitos e exercê-los por si ou por outrem.


Na doutrina francesa, há uma distinção seme-
lhante entre o gozo e o exercício dos direitos. Gozo de um CAPÍTULO 1
direito é a aptidão legal de uma pessoa para se utilizar das DAS PESSOAS NATURAIS
vantagens reconhecidas ou sancionadas pela lei. Exercício
de um direito é realização efetiva do gozo. Gozar de um
direito é ser titular dele, exercê-loé extrair dele as vantagens
gs
NOÇÃO DE PESSOA NATURAL
que possa fornecer.
Assim a idéia de gozo corresponde à de capa-
Pessoa natural é o homem considerado como
cidade de direito; e a de exercício não corresponde à da
sujeito de direito e de obrigações.
capacidade de fato, mas a pressupõe. Esta antítese vai sendo
As idéias de homem e de pessoa natural não -
posta de lado pela doutrina, que prefere estabelecer a gradação
da atividade jurídica, indo da capacidade para o exercício. A coincidem em toda a sua extensão, por isso que pessoa natural
capacidade é a extensão concedida aos poderes de ação, em é o homem numa determinada atitude na sociedade civil.
que consiste a personalidade, o exercício é um momento A sociedade é o meio onde vive o homem; nesse
ulterior, em que a personalidade realiza, segundo a medida meio, ele desenvolve a sua atividade em direções diversas,
da capacidade, os poderes que a ordem jurídica lhe assegura. protegido sempre pela ordem jurídica e, portanto, podendo
& E como na capacidade há medida para a aquisição de agir como pessoa; mas o homem pode ser encarado sob várias
direitos, estabelecimento de obrigações, modificação e ex- relações estranhas ou indiferentes ao direito.
tinção de uns e outros, no exercício se devem refletir esses Não obstante, é, certo que, perante o direito
diversos modos da atividade jurídica. É certo que o exercício privado moderno, tendo desaparecido a instituição da
do direito é contrário à idéia de obrigação ou encargo, mas escravidão, todo o ser humano é pessoa.
quem contrai uma obrigação exerce uma faculdade e torna TeixEIRA DE FREITAS propôs que, em vez da
possível o exercício de direitos de outrem. locução pessoas naturais, se usasse, para designar o homem,
da expressão pessoa de existência visível, e o Código Civil
parecer que vejo confirmado por Kouter, Lehrbuch, $ 100, quando, após definir
personalidade como à aptidão para ser sujeito de direitos e de obrigações, acrescenta: argentino, arts. 31 e 32, aceitou a inovação. A denominação
sob este ponto-de-vista personalidade também se denomina faculdade de direito: mennt pessoas naturais, diz o egrégio civilista ” dá a entender que
man die Persoentichkeit. auch Rechtsfwchigkeit. Aliás era esse o sentir de Teixeira DE
Frxiras, Esboço, observação ao art. 22. não são naturais as outras pessoas no entanto essas outras
“! Como aptidão para adquirir direitos, a personalidade confinde-se com a capacidade pessoas são igualmente naturais, porque são idéias .
de direito. Esta não pode ser recusada ao indivíduo, sem despi-lo dos atributos da
personalidade. Capacidade de direito de gozo ou de aquisição distingue-se, portanto, da personificadas, e a idéia, produto do espírito, é tão natural
capacidade de fato, de exercício ou de ação, em que ao indivíduo pode ser assegurada a
faculdade de adquirir direitos, mas nem sempre poderá exercê-los por si só, senão por via
quanto o mesmo espírito, e este por sua vez tão natural quanto
de um órgão de representação. o corpo. À expressão pessoa física desnatura o homem,
O Huc, Commentaire, I, nº 219; Laurenr, Principes, L, nº 319; Cours, J, nº 56; PLantoL,
Traité, 1, nº 416. Entre os italianos, também se encontram estas mesmas idéias, com a
mesma tendência a modificarem-se,
Em defesa do projeto de Código Civil, págs. 425-429. 9 Esboço, observações ao art. 17.

118 119
Clóvis Beviláqua
em estado de gravidez. Nesse estado não era sequer submetida
continua TEIXEIRA DE FREITAS, pois não é somente o corpo,
a julgamento. 2 O direito penal mostra, assim, considerações
não é somente o animal que constitui o ente jurídico e sim o
pelo feto, isto é, por um ser humano ainda não desprendido
composto de alma e corpo. A de pessoas individuais, porque
das entranhas maternas. Por que não faria o mesmo o direito
há pessoas de existência ideal que não são coletivas.
civil? Não podia deixar de atender ao ser humano nessa fase
Parece-me, todavia, que a expressão pessoa
da existência, e a sua solicitude aparece em duas circunstâncias
natural é bem expressiva, porquanto mostra, em primeiro
principais, como passo a expor.
lugar, o indivíduo movendo-se na vida jurídica, tal como a
b) “A gravidez autoriza a posse em nome do
natureza O criou, ao passo que as outras pessoas já são
combinações ulteriores, formações sociais, abstrações, e, em ventre e a nomeação de um curador especial, sempre que
segundo lugar, alude à organização jurídica moderna, em que competir à pessoa por nascer algum direito”, dizia CARLOS
o indivíduo se destaca, nas relações de ordem privada, como DE CARVALHO, É reproduzindo em frase moderna, o antigo
elemento ativo da vida social. preceito das Ordenações. O Código Civil ocupa-se da espécie,
no art. 462, regulando-a, segundo os princípios, que o
orientam.
A curadoria do nascituro é instituto conhecido
86 em muitos outros sistemas legislativos. * Não se trata de
INÍCIO DA PERSONALIDADE NATURAL uma particularidade do poder pátrio. .
c) A pessoa por nascer considera-se já ter nascido,
1 A personalidade civil do ser humano começa quando se trata de seus cômodos, proclama o preceito romano
com a concepção, declarava o Projeto do Código Civil aceito pelas legislações modernas.
Brasileiro elaborado em 1899, sob a condição, acrescentava, Neste caso, alega-se, simplesmente, uma expec-
de nascer com vida. tativa de personalidade. 9 Mas, de duas uma: ou a personali-
Esta doutrina apoia-se em razões valiosas, e te,
por si autoridades egrégias.
As razões são as seguintes: B Código Criminal de 1830, art. 43: — “Na mulher prenhe não se executará a pena de
morte, nem mesmo ela será julgada, em caso de a merecer, senão quarenta dias após o
«) Desde a concepção o ser humano é protegido parto”.
pelo direito. A provocação do aborto é punida. “ Quando, Direito civil, art. 753; Ord. 3, 13. 8 7; Teixema ve Prerras, Consolidação das leis
civis. nota ao art. | cart. 199, ,
entre nós, havia a pena de morte, não era aplicada à mulher “ Código Civil austríaco, art. 274; alemão, 1912; francês, 393; italiano, 236; argentino.
64, Para o direito romano, veja-se o D. 27, 10, fi, 8. E 37,9,fr. 88 17e 18.
& Nasciturus pro jam nato habetur quum de ejus comodo agitur, é fórmula modema.
Conf. As citações feitas adiante no texto. Terxeira ve Freitas, Consolidação, art. |; CARLOS
Embora, no plano doutrinário, a denominação “pessoa natural” seja mais correta,
generalizou-se por tal modo a expressão “pessoa física”, que adquiriu foros de designação DE CarvaLHO, Direito civil, art. 74; Código Civil italiano, art. 724, 8 1, francês, 725, 81,
corrente. Na prática, como especialmente no plano fiscal, é esta a intitulação mais espanhol, 29 e 30; português, 6; alemão, 1.923; austríaco, 22; argentino, 63.
frequente. O Código Civil Brasileiro, art. 357, parágrafo único; de Zurich, art. 9; do Japão, art. 1;
t) Código Penal, arts. 300-302. Projeto Corno Ropricues, art. 3.

120 121
Clóvis Bevilágua Teoria Geral do Direito Civil

dade já existe e não se trata de expectativa, ou é apenas pos- diz com um trecho de Parixiano (D. 35, fr. 9, 81): partus
sível, e, aos direitos reservados para o nascituro, falta um nondum editus homo non recte fuisse dicitiur, e com ULPIANO
sujeito. Alguns civilistas não recuaram diante desta conclusão, (D.25,4, tr. 1,8 1): partum antequam edatur mulieris portio
e, não querendo atribuir personalidade ao ser humano ainda est, vel viscerum. Outras vezes é o mesmo PAULO que declare
(D, 1,5, fr. D: qui inutero est perinde ac si in rebus bumanis
na fase intra-uterina da existência, admitiram a possibilidade
de direitos sem sujeito. ” Querendo ser lógicos, romperam esset custoditiur, quotien de commodis ipsius queritur; ou é
com a lógica elementar do direito, a que no-lo apresenta como JULIANO que ensina (D. 1,5, dr. 26): qui in utero sunt in toto
uma relação entre um sujeito e um objeto, sob a proteção da pene jure civili intelliguntur in rerum natura esse.
ordem jurídica. Em face destes e de outros textos, conclui WiNDs-
d) É admissível o reconhecimento de filhos natu- CHEID que a doutrina romana é a seguinte: o feto no útero
materno ainda não é homem, porém, se nasce capaz de direito,
rais ainda por nascer.
Em todos esses casos, o direito penal e o civil a sua existência se computa desde a época na concepção, “2
Ora, se a existência se calcula desde a concepção, para atri-
tratam o nascituro como um ser humano com direito a vida,
buir-se, desde então, direito ao homem, é irrecusável que, a
no primeiro caso, como portador de direitos e como pos-
começar desse momento, ele é sujeito de relações jurídicas.
suidor, no segundo e no terceiro, como curatelado, ainda no
Apesar da lógica irrecusável, que sustenta esta
segundo, e, por fim, como capaz de um determinado estado.
opinião, é certo que a opinião contrária é a dominante O e
Estas considerações levaram alguns legisladores
por ela se declarou o Código Civil Brasileiro, art. 4:
a reconhecer, expressamente, a personalidade do nascituro, o 4 personalidade civil do homem começa do
9 e alguns autores “2 a afirmá-lo não obstante a corrente nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
contrária da opinião. concepção, os direitos do nascituro. O
O direito romano é vacilante. Umas vezes nos
IH - Qualquer que seja a opinião aceita sobre o
(0 Winpscneio, Pand, 8 49.
& Tengera De Freiras, Consolidação, nota ao art. 1; Perpião M aLHeros, Comentários
à lei de 2 de set, De 1847, quest. 14; meu Direito da familia, 8 69; Projeto de Código Si Pandectas, 852. Conf. Bonrante, Diriito romano, 812.
Civil, art. 363; OLiverra Fonseca, Observações sobre as emendas do Sr. Senador Rur “2 Código Civil alemão, art. 1; suiço, art. 31; do 7 apão, at. 1; português, art. 6; chileno.
Barsosa, pág. 46; PLaxioL, Traite, 1, nº 2.223. art 6; de Zurich, art. 9; mexicano, art. 11; espanho!, art. 29.
Código Civil argeniino, arl. 63, austriaco, 22; de Berna, art, 10: de Lucerna, 10; Citem-se, entre os autores que defendem esta última opinião: KômLer, LeArbuch, $$ 1H
Soleure, 13: Friburgo, 12; Valais, 9, O Código Civil suiço, art. 31, revogou esses é 151; este autor, aliás, é muito positivo, pois acha possível a construção de uma pessoa
dlispasitivos anteriores à unificação, e estabeleceu o princípio de que a personalidade jurídica para cuidar dos interesses do futuro menino é cujo órgão é o curador do nascituro,
começa com q nascimento ultimado da criança viva, acrescentando que essa personalidade de curta duração termina com o nascimento;
“O Tenma be Freiras, Consolidação, art. 1, Esboço, art. 221 e a nota luminosa que o Winpscksib, Pandectas, 8 52; DernBurs, Pandectas, 8 50, Envemann, Zinfuchrung, 8
justifica; Feuicio pos Saxros, Projeto, art. 77, Nasuco, Projeto, art. 13; CarLOS DE 23; VaLverDE, Instituciones, 88 38-40 e 49.
CarvatHo, Direito civil, art. 74; Código Civil argeniino, art. 63, e a respectiva nota; Sobre esse assunto, veja-se ainda a nota 408 de Bento DE FARIA ao 8 123 do Direito
Ruporr citado por Winpscueip, nota 5 20 $ 52; RaouL pe La Grasserie, Classification romano de MackELDEY,
scientifique du droit, pág. 15, PLanioL, Traite, I, nº 347, Estas idéias
já foram expostas “ Esta mesma doutrina ainda prevalece em nosso direito, reproduzida no Projeto de
nas minhas Lições de legislação comparada, 2 ed., XIV, eno Em defesa, pãgs. 56-59. Código Civil de 1965, e daí transposta para o Anteprojeto de 1972,

122 123
Clóvis Bevilágqua Teoria Geral do Direito Civil

início da personalidade do ser humano, o nascimento á fato circulação do sangue, e, desde então, o recém-nascido afirma
decisivo; no primeiro caso, porque confirma, se a criança a sua existência independente do organismo materno. “9
nascer viva, ou anula, se nascer morta, a personalidade Realizado o nascimento, pouco importa que, momentos
atribuída ao nascituro; no segundo caso, porque assinala o depois, venha a falecer o recém-nascido. A capacidade jurídica
momento inicial da vida jurídica do homem. está definitivamente, firmada com a vida, e, dado o faleci-
Para que o nascimento produza esse resultado, é mento, serão transmitidos a outrem os direitos adquiridos
necessário: 1º, que a criança seja de tempo; 2º, que tenha com o nascimento.
nascido com vída.
O tempo da gestação humana é de seis a dez
meses, para dar um produto capaz de viver. Este é o prazo HE O direito romano exigia ainda que o nascido
estabelecido pelo direito romano fundado na autoridade de tivesse forma humana, para que se lhe atribuísse capacidade
Hipócrates. “9 e que as legislações modernas aceitam com jurídica. Non sunt liberi qui contra formam humani generis,
ligeiras modificações. “> O ensino dos competentes corrobora converso more, procreantur, diz PAULO.
os dispositivos das legislações. 0% Apesar de que alguns códigos ainda façam
Estes prazos não podem ser fatais. Antes de 180 referência à forma humana, «? é certo que o direito moderno,
dias, poderá ser que a criança, auxiliada pela arte, consiga orientado pela fisiologia, não se mantém mais fiel à lição
resistir e afirmar a sua existência extra-uterina. Além dos romana, cujo erro foi reconhecido, e apenas toma em conside-
trezentos dias pode acaso prolongar-se a gestação, por mais ração as monstruosidades e anomalias orgânicas, para o efeito
algum tempo, sem que essa circunstância autorize a duvidar, de lhes restringir ou tirar a capacidade, segundo as circuns-
só por ela, de que a concepção se tenha dado no momento, tâncias.
em que o dizem os interessados. |
Para que a criança se repute nascida com vida, IV — Pensam alguns romanistas que a viabilidade
era também requisito exigido pelo direito romano, para
basta que, depois de separada das entranhas maternas, tenha
conceder ao recém-nascido a qualidade de pessoa. (º
respirado o ar atmosférico, o que é uma questão de fato a
SAVIGNY sustentou opinião contrária “9 e o seu modo de
provar-se. À penetração do ar nos pulmões determina a
ver prevaleceu por muito tempo na doutrina, refletindo-se nas
“» D.1,3,%. 12; D. 38. 16,13, 8 12. Dernnurs, Pandeitte, E 8 30.
“mu Código Civil Brasileiro, art. 338; francês, at. 312; italiano, 160; austriaco, 137 (7
“9 EnDEMANN, Binfuekrung, $ 29.
e 10 meses), alemão, 1.392 (181 e 302 dias); português, 101; de Zurich, G48e 649; do
& Código Civil do Peru, art. 4; português, LO; espanhol, 30; Projeto Cogtro RODRIGUES,
cantão dos Grisões, 37; peruano, 4e 5 (seis meses e 305 dias); mexicano, 290; espanho!,
art. 2. Vejam-se, a respeito deste assunto, HUC, Commentaire, “nº 33,e Anprés BELLO,
108; chileno, 76; argentino, 77; uruguaiano, 191; boliviano, 160; venezuelano, segundo
nota ao art. 76 do Projeto de Código Civil chileno.
R. pe La Grassemie, pág. 103; direito russo (180 e 306 dias), segundo Len, I, pág, 71, A penetração romana havia dado à cabeça (caput) a sede da personalidade,
5 Lirrré et Rosa, Dictionnaire de médecine, vb. Accouchement; LacassagrE, Précis Devemos aceitar essa concepção. E, assim, os xipófagos, tendo dois cérebros distintos,
de médecine judiciaire, ED. de 1886, PÁG. 513; AncioLO Emir Principi di medicina duas consciências, duas individualidades psíquicas, constituem duas pessoas.
legale, ed. De 1892, pág. 54; BrouarpeL, Le mariage, pégs. 175 e segs. Veja-se, no men “8 MaoxeLDey, Direito romano, & 123; DERNBURG, Pandeite, 8 50.
tivro Em defesa, a minha resposta à crítica de Nina Ropricuzs (págs. 360-370). “9 Direito romano, IX, 86 e apêndice 3º,

124 125
Teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Beviláquea

legislações. e? Todavia a teoria oposta encontrou adesões entre qualidades inerentes à pessoa.
legisladores civis de diversas nações CD e vai reconquistando o A teoria dos estados não tem mais hoje a impor-
terreno perdido. €) Não será conveniente que vingue esse tância, que teve entre os romanos, e obedece a outros princi-
ressurgir de uma doutrina, que par ecia morta, e se reflita nas pios. O estado era a qualidade particular, que determinava a
legislações modernas, porque é assaz perigosa. Nem a ciência capacidade. &
dispõe de meios infalíveis para assegurar que determinados Se o Indivíduo reunia os três estados de liberdade,
indivíduos, que, no momento presente, se consideram inaptos de cidade e de familia, gozava da capacidade plena. Se lhe
para viver, não obterão, da arte futura, os recursos necessários faltava algum desses estados, sofria uma restrição de capa-
para prolongar asua precária existência, nem o direito necessita cidade (capitis minutio), a qual seria máxima, importando a
de alguma coisa mais do que a vida, para dotar o indivíduo perda de todos os direitos, no caso de o indivíduo não ter
com a personalidade jurídica. liberdade, média, no caso de ser estrangeiro, e minima de
Por isso mesmo, deve presumir-se que a criança
não ser agnado de uma família. Estes três estados achavam-
de tempo nasceu viva. O aborto, porém, isto é, a expulsão
se, entre si, na seguinte relação: o de família dependia do de
do feto antes do tempo indicado como termo mínimo da
cidade e este do de liberdade, de modo que:o indivíduo neces-
gestação, em falta de provas convincentes, deve presumir-se
como não tendo dado lugar ao nascimento de um ser vivo. sitava de ser livre para ter direitos de cidade e de família, e
somente lhe eram assegurados os direitos ligadosà agnação,
se fosse romano.
$ 7º Não temos atualmente essa organização de
DO ESTADO DAS PESSOAS estados superordenados, no direito privado moderno, porque
todos os homens são livres, e porque a nacionalidade não
I- Estado das pessoas é o seu modo particular tem mais a influência decisiva, de outrora, sobre a aquisição
de existir. É uma situação jurídica resultante de certas e gozo dos direitos civis. Mas ainda se distinguem três ordens
de estados: o político, o de família e o físico.
“9 Código Civil chileno, art. 74; colombiano, 90: de Zurich, 8; argentino, 72, alemão, À.
Sob o ponto-de-vista político, a pessoa poderá
Veja-se a nota 409 de Bento DE Faria ao $ 123 de Maceeper, Adde: HUC, Commentaire;
Teixeira De Freiras, Esboço, nota ao art. 224; VaLvERDE, (nstituciones, sa.
en Código Civil francês, art. 175; italiano, 724, $ 2; da Latisiana, 917 e 948, : O PranioL, Traité, 1. nº 401, define estado “certas qualidades da pessoa, que a lei toma
e» Wazcarer havia combatido a doutrina de Saviany, no que lhe parecera excessiva e em consideração para ligar-lhes efeitos jurídicos”. E acrescenta que essas qualidades
sustentara que o aborto nem sempre era um parto prematuro terminado pela expulsão de devem ser inerentes às pessoas. mas não dependentes de sua profissão. PLantoL ot RIPERS.
um fito sem vida e mais que o parto prematuro, dando á tuz um ser vivo ou morto, não Fraitê pratique, |, nº 13.
determinava, sempre, o aparecimento de um sujeito de direitos. Modermamente esta Komer, Lehrbuch, 1, 8 121, inclui também as qualidades profissionais na idéia de estado.
questão tem sido muito debatida, mas, ao que parece, sem interesse prático. Veja-se a Assim, as qualidades de funcionário, comerciante, sacerdote, eto., são estados para o
nota 4 no $ 50 das Pandectas de DernBuRS.
civilista alemão, e não têm a mesma qualificação para o francês.
Segundo a doutrina legai brasileira, o início da personalidade assenta em dois fatos: o A doutrina de Pranto parece mais jurídica. Quando hoje falamos do estado civil em
nascimento e a vida, reunidos numa só fórmula — “nascimento com vida”, Ambos terão oposição a estado religioso, alude-se apenas à profissão, sem a ela se ligarem efeitos
de ser provados, se assim for mister, mas na generalidade dos casos fluem naturalmente jurídicos. Veja-se também CogtHo pa RocHa, Instituições de direito civil, 88 53-72.
sem necessidade de comprovação. 3 MackrLDEy, Direito romano, $ 124.

126 127
Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

ser nacional ou estrangeira. A prova da posse de estado resulta de um


Em relação à família, & os estados são: a) de conjunto de fatos que estabelecem a crença geral de que o
casado e de solteiro; b) de parente; c) de afim. 9 O indivíduo é realmente o que diz ser. Nomem, fama, traciatus
O estado de parente admite diversas antíteses: são os fatos que devem ser provados, isto é, deve a pessoa
pai efilho; irmão; tio e sobrinho, etc. Além disso, o parentesco ter o nome de designa o estado, ser geralmente conhecida
pode ser legítimo, natural e civil. A afinidade, por sua vez, como tal, e receber o tratamento correspondente.
determina diversas situações de direito à semelhança do
parentesco.
Quanto ao estado fisico, há que considerar a . 56
idade (maiores e menores), a integridade mental (sãos de INFLUÊNCIA DA NACIONALIDADE SOBRE OS
espírito, alienados) e o sexo. DIREITOS PRIVADOS

W — Ainda que o estado não seja mais do que No direito privado interno, é hoje limitadissima
uma situação jurídica, tem-se admitido que seja susceptível a influência da nacionalidade, por isso esta matéria foi trans-
de posse. ferida para o direito internacional privado onde é funda-
Possuir um estado é apresentar-se na vida social, mental.
tendo uma determinada situação jurídica; é gozar das O direito privado interno limita-se a estabelecer
vantagens e sofrer os incômodos correspondentes ao estado. a igualdade entre nacionais e estrangeiros, quanto à aquisição
Não há neste caso, uma aplicação rigorosa da e gozo dos direitos civis, e a estabelecer as restrições, que
idéia de posse. acaso parecerem necessárias.
O que se pretende significar é que merece No Brasil, a Constituição de 1891, reformada em
dispensa de provas diretas de lhe competir a situação jurídica, 1926, art. 72, assegura essa igualdade. “! No campo do direito
em que se apresenta, aquele que é aceito pela sociedade nessa
posição, e nela desenvolve a sua atividade jurídica. S As Ords. 4, 46, 8 2, falavam de pessoas que vivem “em pública voz a fama de marido
Aliás a posse de estado não se aplica senão às e mulher” e o dee. de 24 de janeiro de 1890, art. 53, admitia a posse de estado como
prova suficiente da existência do casamento, na falta de meios diretos. O Código Civil,
relações de família. O estado político e o físico escapam a art, 203, também se refere á posse do estado de casado.
essa possibilidade. Como atributos pessoais ligados à condição da pessoa na sociedade, o estado é
irrenunciável, inalienável, imprescritível, insuscetível de transação e indivisível Quer .
dizer: uma pessoa não pode perder o seu status; não pode aliená-lo nem sobre ele
transacionar. A unidade e individualidade significam que se não fragmenta, nem tolera
6) Teixeira De Freiras, Esboço, nota ao art. 26, pág. 32 do vol. I, acha que somente se que a mesma pessoa goze de um estado em relação a uns e de outro em relação a outros.
pode falar, modernamente, em estado de família, e que, em rigor, seria melhor deixar de ) Remeto o leitor para o meu Direito internacional privado, onde o assunto está exposto
lado expressões, que somente no direito antigo tinha aplicação. sob o ponto-de-vista da história do direito e da legislação comparada. V. também Pontes
O) PLantoL, Traité, L nº 410, Vira, Institutos jurídicos, Ceará 1925, págs. 239 e segs.
Nos países que admitem o divórcio, gera este o “estado de divorciado”. Em nosso P À Constituição assegura, a brasileiros e a estrangeiros residentes no país, a
direito, é de se considerar o “estado de desquitado”. inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança e à propriedade.

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Clóvis Beviláua teoria Geral do Direito Civil

civil propriamente dito, nenhuma existia antes da reforma de 39 Os surdos-mudos, que não puderem exprimir
1926; € no comercial, além da restrição estabelecida na a sua vontade. S
própria lei constitucional, art. 13, parágrafo único, º deve- 4º) Os ausentes declarados tais, por ato de juiz.
se recordar que o estrangeiro não pode ser corretor. “ Aliás 969)
esta exclusão procede do fato de se ter considerado a corre-
tagem ofício público. É 11 - Os menores de 16 anos são, pelo direito
pátrio, afastados da atividade jurídica. Seus interesses são
dirigidos por um representante legal, pai, mãe ou tutor, que,
89 em nome deles, realiza todos os atos da vida civil, sem que
DOS ABSOLUTAMENTE, INCAPAZES os mesmos intervenham. &
Atendendo o direito anterior à aptidão para
I — Absolutamente incapazes são aqueles que o procriar, estabelecia diferença entre os dois sexos. Não é
direito afasta, inteiramente, da atividade jurídica, pondo, ao porém, esta a base, que deve ser escolhida para determinar a
seu lado, alguém que os represente, e, em deles, exerça os incapacidade das pessoas, sob o ponto-de-vista da idade. É
atos da vida civil. ao desenvolvimento mental que se deve atender, porque a
19 Os menores de dezesseis anos, de ambos os pessoa é chamada a pôr em movimento o mecanismo jurídico,
sexos. pela ação de sua vontade, e o que cumpre examinar é se essa
2º) Os loucos de todo gênero. O vontade é manifestação de um espírito, sobre o qual já se
operou, de modo apreciável, a adaptação às condições do

a Ao art. 17 da Constituição, a reforma acrescentou: 43 minas e juzidas minerais


necessárias à segurança e defesa nacional e as terras onde existirem, não podem ser Alguns Projetos do Código Civil Brasileiro, inclinavam-se pela locução alienados de
transferidas a estrangeiros. toda espécie, que, se não é inatacá vel, tem por si boas razões. (Veja-se o que a respeito
A navegação de cabotagem será jeita por navios nacionais. diz Nixa Robriguzs, O alienado no direito civil, págs. 19-26), A assistência a alienados
69 Deo, nº 2.475, de 13 de março de 1897, art. 4; Código Comercial, art. 37, nº 1. Veja- acha-se regulada pelos decretos nº 1.132 de 22 de dezembro de 1903 a nº 5.125, de 1
se sobre os corretores a monografia de CarvaLHO DE MENDONÇA, publicada no Direito, de fevereiro de 1904.
vol. 97. $ Código Civil, art. 3, IH. Para o direito anterior: Ord, 4, 81, 85; CARLOS DE CARALHO,
Em particular, a de fundos públicos. Direito civil, mt. 9t.1, d.
Código Civil, art. 5, L. Para o direito anterior; Ord. 3, 29,8 1:3,41,$8.3,63,835:4, ) Código Civil, art. 5, IV. Para o direito anterior: Ord. 62. $ 38: 1, 90, pr: dee. nº
80, pr: 4, 83,86; T. ve Enerras, Consolidação, am. 23, CarLos DE CarvaLHoO, Direito 2.433 de 15 de junho de 1859, art. 20 e segs.: T. ce Freiras, Consolação, ART. 34.
Civil, art. 9t,1,b. CarLos pe Carvarno, Direito civil, art. 91, E Rimas. Direito crvil. TE. págs. 66-67.
Código Civil, art. 5, IE. Para o direito anterior: Ord, &, 8L,pr. e 38 Le 1.4, 103; 'F. ps € No direito moderno, não se coloca o ausente como incapaz. Declarada a ausência,
Frerras, Consolidação, arts. 29 e 30; Cartos DE CarvaLHO, Direito civil, art. 91, Je, As por sentença, nomeia-se curador ao ausente, pela necessidade de proteção aos seus
leis antigas usavam de uma variada sinonímia para designar os alienados. Furosos, interesses e defesa de seus direitos. Mas pelo fato de ser ausente não é pessoa incapaz.
mentecaptos, sandeus, dementes, desassisados, desmemoriados eram termos que O Anteprojeto de 1972 desloca os silvícolas da condição de incapazes relativamente, e
vinham, a miúdo, nas leis, quando se ocupavam de insanidade mentat. O Código Criminal os considera absolutamente incapazes, o que certamente não condiz com q estado de
de 1830 deu preferência à expressão loucos de todo o genero, a qual, depois disso, foi todos eles.
geralmente empregada. Não obstante nãa lhe faltaram criticas (Tonias Barreto, Menores $) Código Civil, art. 84, 145, L. Direito anterior: Ord. 3, 29,8 1,3, 41, $8:3,63,85;
e Loucos, ed. Do Rio de Janeiro, pág. 125). Freiras, Consolidação, art. 25; €, pa RecHa, Instituições, 8 308.

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Teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Beviláqua
e submetia-os à tutela, se não se achavam sob a autoridade
viver social, se essa vontade é dirigida por uma inteligência,
paterna. O direito civil francês e o italiano não estabeleceram
que tem consciência, mais ou menos firme, do meio que vive, divisão para a menoridade; o Código Civil português, art.
e à qual a educação, ainda que rudimentar, já forneceu meios
212, e o espanhol, art. 308, determinam que o tutelado maior
de perceber o alcance dos próprios atos. Por isso o critério
de 14 anos assista às deliberações do conselho de família e
da puberdade foi posto de lado pelo Código Civil.
seja ouvido, quando nessas reuniões se tratarem de negócios
Tomando o desenvolvimento mental por base de
de maior importância. O Código Civil alemão, art. 104,
graduação de capacidade, não há razão para distinguir-se
considera absolutamente incapaz de realizar negócios
entre os dois sexos. No direito civil, parece, que não é dilatar
jurídicos o menor de 7 anos, começando, então, a capacidade
muito o período da incapacidade absoluta, dar-lhe por termo
restrita, sistema que já fora adotado pelo Código dos bens
o décimo sexto ano de existência da pessoa, sem distinção
para o principado do Montenegro, art. 642. O Código Civil
de sexo. |
de Zurich, art. 10, fixava a idade de 16 anos para a aquisição
Nessa idade, o indivíduo já recebeu, no seio da
do discernimento; e o suíço, art. 15, elevou essa idade aos
família, certas noções essenciais, que lhe dão o critério moral
dezoito. O chileno, art. 26, e o colombiano, art. 34,
necessário para orientar-se na vida, e a educação intelectual
denominam infantes os menores de 7 anos, e impúberes o
já lhe deu luzes suficientes para dirigir a sua atividade jurídica,
varão menor de 14 e a mulher de 12. No argentino, art. 127,
sob a vigilância ou assistência da pessoa designada pelo direito
encontramos o sistema do Esboço e, em geral, dos Projetos
para auxiliá-lo e protegê-lo.
brasileiros: son menores impúberes los que aún non tuvieren
No direito penal, também o desenvolvimento
la edad de catorce afios cumplidos.
mental determina o período da existência em que o indivíduo
deve gozar da irresponsabilidade absoluta e a época em que
IV — Não é necessário dar uma definição rigorosa
deve ter uma responsabilidade relativa. O nosso Código Penal
de alienação mental em um livro jurídico. É suficiente que
marca, para esse efeito, as idades de 9 a 14 anos. Depois dos
tenhamos desse estado mental uma noção aproximada, pois
14 anos, há plena responsabilidade; mas a penalidade, em
o que importa ao jurista é a aptidão do indivíduo para dirigir-
consideração à idade, é diminuída até que o indivíduo alcance
se na vida e não a rigorosa determinação de uma entidade
os 17 anos, ou simplesmente atenuada desde esse momento
mórbida. 2
até os 21 anos. É

Hi - O direito romano considerava impúberes M Sobre este assunto, vejam-se: LecranD vu Saute, La folie devant les iribunaux;
os varões menores de 14 anos e as mulheres menores de 12, Lacassagng, Medicine judiciaire, 1886, págs. 128-151; JuLio ne Marros, Os alienados
nos tribunais, Nixa Ropriguzs, O alienado no direito civil brasileiro; Tostas BARRETO,
Menores e loucos; ALEXANDRE ALVARES, La incapacidad mental ente la medicina legal
y ante los principios de la legislación comparada, Cuiutérs, Les frontiêres de la folie;
9 Código Penal, arts. 27, 88 1 e 2; 30; 42, 8 11; 272. € 399, 8 2. Cabs, entretanto, aqui Expemann, Einfuehrung, 88 28-39; Keravar et Lagrésnis, dliénation mentale, na
observar que a isenção da responsabilidade penal não implica a da responsabilidade civil Grande encyelopédie,
(Código Penal, art. 34.) .
133
132
Clóvis Bevilaqua teoria Geral do Direito Civil

Alienados, ou loucos no sentido do Código Civil, grave, em patologia mental e em direito civil, a que suscitam
são “aqueles que, por organização cerebral incompleta, por os lúcidos intervalos. Em primeiro lugar, há que distinguir,
moléstia localizada no encéfalo, lesão somática ou vício de como já observara CeLso “” os períodos de tranquilidade
organização, não gozem de equilibrio mental e clareza de superficial (Inumbrata quies) dos períodos em que a razão
razão suficientes para se conduzirem socialmente nas várias se restabelece inteiramente (perfeciissima intervalla). Depois,
relações da vida” & ainda que, nos intervalos de lucidez plena, o indivíduo esteja
|“1
; É a insanidade mental permanente ou sequer em condições de dirigir a sua pessoa e os seus interesses,
duradoura, que acarreta a incapacidade absoluta do indivíduo, atos haverá que, por outras considerações, se lhe deveriam
ainda que seja descontínua, isto é, interrompido por intervalos de proibir. Assim é que, se apesar dessas remissões, subsiste a
lucidez. Mas não basta este requisito da duração; é ainda enfermidade, será imprudência permitir que o indivíduo cons-
necessário que determine grave alteração nas faculdades mentais. titua família e, sob os auspícios da lei, transfira à sua descen-
dência o germe psicopático. 4»
V-Osestados transitórios de capacidade mental Os lúcidos intervalos não se presumiam; deviam
ou de perturbação da inteligência viciam os atos praticados ser provados. (2 O Código Civil, porém, pô-los de parte.
durante eles. Os permanentes, porém, que não impedem ao
paciente de reger sua pessoa e seus bens, não exigem, igual- VI — O direito romano antigo distinguia os furiosi
mente, a intervenção enérgica da ordem jurídica, traduzindo- e os dementes ou mente-capti, distinção correspondente à
se pela incapacidade absoluta. “> loucura completa e à parcial ou monomania. “> O direito
A Ord. 4, 82, considerava as remissões do estado justiniâneo, porém, desprezou esse ponto-de-vista de forma
permanente da alienação para, com o regresso da razão, da enfermidade para atender, exclusivamente, á insanidade
conceder a capacidade civil ao indivíduo. É uma questão mental, em suas consequências jurídicas, declarando incapazes
os loucos e dando-lhes curadores. Durante os lucida
9 Direito da familia, $ 90.
intervalla recobravam a sua capacidade.
O) Nixa Roprisues, O alienado no direito civit, opina que se deviam destacar, na No direito francês, o alienado é submetido à inter-
legislação, os casos de ajasia e embriaguez habitual que não entram, facilmente, na
denominação geral de alienados de toda a espécie. Mas não tem razão.
dição, ainda que tenha intervalos de lucidez. Enquanto não é
“Atúsico, define DesprinE, citado por Nina Ropricues, é o doente que, gozando da | interdito, sua incapacidade de sanidade mental serão válidos.
integridade dos seus aparelhos fonéticos, auditivo e visual é, contudo, incapaz de exprimir
O seu pensamento e comunicar-se com os seus semelhantes pelos processos ordinários:
Dada a interdição a incapacidade é um estado de direito e
palavra articulada, leitura, escrita, audição”. Mas este doente é, perfeitamente, alienado:
permanece estranho aq meio social, com que se não pode comunicar. Haverá na patologia
mental interesse em destacar este caso; não, porém, no direito. E, se o afásico puder 9 D.41,2fr. 18,81.
escrever os seus pensamentos, terá corrigido, em parte ao menos, 0 seu defeito, e, se esse GU Nmsa Ropriaues, O alienado no direito civil, Pere, La famille névropathique.
modo de comunicação do pensamento se fizer de modo satisfatório, estará desclassificado 4% Rimas, Direito civil, IL, pág. 71; CarLOS DE CarvaLHo, Direito civil, art. 103,
do número dos alienados. 0 Aupierr, De la condition des fous et des prodigues en droit romain (Archives
Quanto à embriaguez habitual, seria perigoso erigi-la em causa de interdição, ainda com d'anthoropologie criminelle, 1892, 15 Nov.).
as limitações estabelecidas pelo Código Civil alemão, art. 6. 44 Dernauro. Pandette, 8 56.

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

não há que invocar remissões de lucidez. “> surdo-mudo sofrer de uma lesão central, em regra, não poderá
O Código Civil italiano regulou esta matéria nos receber educação; e satisfaz aos intuitos do direito, porque a
artigos 324 2 339; o português, nos arts. 314 e segs.; o alemão, inteligência normal se manifesta pela assimilação da instrução
nosarts. 6, nº 3, 1.896 a 1.909; o espanhol, nos artigos 213 a fornecida, e, ao indivíduo nessas condições, deve ser entregue
220; o argentino, nos arts. 54, 468 a 484; o urugualo, nos a direção de seus negócios; e, segundo lugar, o legislador,
arts. 385-403; o de Zurich, arts. 730 e 737; o chileno, arts.
com essa determinação, fomenta o derramamento da educa-
456 a 468. 49
ção entre os surdos-mudos.
“Se a surdo-mudez depende de perturbações
mentais, deve o indivíduo ser declarado incapaz por este E, em verdade, abstraído de outras considerações,
motivo e não pelo primeiro. Porém, se a surdo-mudez é devida como há de praticar por si os atos da vida civil, quem não
a causas locais ocorridas após o nascimento, as quais, segundo pode manifestar a sua vontade? Como há de fazer uma
a estatística, constituem a maioria dos casos, então o indivíduo doação, dar um testemunho, fazer um testamento, aceitar
não é incapaz de modo algum, e terá apenas a impossibilidade uma obrigação, se não pode fazer compreender?
de fato de celebrar atos e contratos, impossibilidade que pode
remover, autorizando alguém a representá-lo.” 4? VII - No direito romano o surdo-mudo era
Nina RODRIGUES, ao contrário, aplaude os incapaz de testar. 2 O Código Civil francês, art. 936, admite
legisladores, que destacam esta espécie de entre os casos de que o surdo-mudo, sabendo escrever, aceite por procurador
alienação mental. “º Parece que teve razão o egrégio médico- uma doação entre vivos; mas, se não souber escrever, a acei-
legista brasileiro, porque se a surdo-mudez congênita resulta, tação deve ser feita por um curador, nomeado para esse efeito,
em regra, de uma lesão dos centros nervosos, que determina segundo as regras estabelecidas no título da menoridade,
uma verdadeira alienação mental, e a surdo-mudez adquirida da tutela e da emancipação. Ainda que a disposição se refira
na infância é ordinariamente, consequência de lesão do a um ato jurídico determinado, oferece bases para uma cons-
aparelho auditivo, é certo que, algumas vezes assim não será. trução jurídica semelhante à que acabamos de ver que foi
Por outro lado, o critério da manifestação inteligível da adotada pelo direito pátrio. € O Código Civil alemão, art.
vontade tem um duplo efeito: em primeiro lugar, é prático, 828, equipara o surdo-mudo ao menor de 18 anos e maior de
simples, apreciável por qualquer pessoa, e corresponde perfei- - 7, quanto à responsabilidade civil pelos atos que causam dano
tamente, aos ensinamentos da patologia mental; porque, se o
a outrem. O austríaco, art. 275, manda pôr sob curatela o
surdo-mudo que é também mentecapto, e considera-o capaz:
“9 Código Civil, arts. 489-512; lei de 30 de junho de 1838, lei de 16 de março de 1293; se, na época legal da capacidade, se mostra apto para cuidar
PranioL, Treit'w, 1, nºs 2.898-2.908.
46 Veja-se para mais extensas informações, o meu Direito da familia, 891 DA 2º Ed.
“9 La incapacidad mental, pág. 26. Em seu apoio invoca Vincent. La capacité civile
9 Tas. 2, 12, 33; D. 28,1. 6,81.
des sourd-muets. Conf, PLantoL, Traité, nº 2.851.
20 Todavia não pensam assim Tu, Huc, Commentaire, VI, nºs 69, 286, 295, 305; e
88 O alienado no direito civil, pág. 35.
PrantoL, 1, nº 2.851.

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Clóvis Beviláguea teoria Geral do Direito Civil

de seus negócios. O Código Civil argentino, arts. 54 e 468-


484: o chileno, arts. 342 e 469 a 472; o uruguaio, arts. 385 à $10
403, e o espanhol, arts. 213-229 equiparam o surdo-mudo DOS RELATIVAMENTE INCAPAZES
não educado, ou que não sabe fazer-se compreender, ao alie-
nado. O português, arts. 337 a 339, coloca-se no ponto-de- i- Relativamente incapazes, são os que podem
vista do Código Civil austríaco e regula a tutela do surdo- praticar, por si, os atos da vida civil, que não lhes são vedados,
mudo, que não tem capacidade necessária para reger seus devendo praticar todos os mais, autorizados por outrem.
bens. O italiano, art. 340, estabelece para o surdo-mudo, assim São relativamente incapazes:
como para outros enfermos da mente, o instituto da inabi- 1 Os maiores de dezesseis anos e menores e
litação. vinte e um.
O Código Civil Brasileiro, art. 451, determina 2%) As mulheres casadas, enquanto subsistir a
que a interdição dos surdo-mudos deve fixar os limites da sociedade conjugal. 2
curatela, segundo o grau do seu desenvolvimento mental. 3º) Os pródigos. &
49 Os silvícolas. &
VII - Ausente, em direito civil, é aquela pessoa
cuja habilitação se ignora, ou de cuja existência se duvida, 1 — Os maiores de dezesseis, menores de 21 anos,
e cujos bens ficaram ao desamparo. 2 A curadoria dos já possuem um certo desenvolvimento mental, que vai
ausentes e as regras jurídicas aplicáveis para a determinação progressivamente aumentando com as anos e a experiência
da ausência são geralmente expostas no direito da família, da vida; por isso o direito, se lhes veda o exercício de grande
porque é na família que mais diretamente se fazem sentir os número de atos jurídicos, chama-os a intervir, pessoalmente,
interesses ligados às pessoas e aos bens dos incapazes, e nesses mesmos atos, & facilitando-lhes assim a compreensão
porque a curatela está em conexão com os desvelos que a
família é chamada a dispensar aos que necessitam deles por &) Código Civil, art. 6, L Para o direito anterior: Ord. 3, 41, $ 8: 4, 81; resolução de 31
enfermidade mental. O Código Civil alemão preferiu tratar de out, De 1831; T. ng Freiras, Consolidação, art. 8: CarLos DE CarvaLHo, Direito civil,
da ausência e da morte presumida na parte geral, artigos 13 à art. 91, E, a.
€) Código Civil. art. 6, EL Direito anterior: Dec. nº 181 do 24 de jan. De 1890, art. 56, 85
19, no que fot acompanhado pelo suíço, arts. 36 a 38, e pelo 2e3, cart. 94; Carços bg Carvactto, Direito civil, an, 9E, 1, b.
japonês, arts. 25 e 32, €? à incapacidade relativa da mulher casada Foi abolida peta Lernº 4.121, de27 de
agosto de 1962 (Estatuto da mulher casada).
Código Civil, art. 6, IH, Direito anterior: Ord. 4, 103, 86, 7e 8; CarLos pe Carvarho,
Direito civil, art. 91, [EL f
*) Código Civil, art. 6, IV.
$» Código Civil, art, 463, Direito da família, 893. 8) Código Civil, Arts. 84, 147, 155,384, 391, V e 426. Direito anterior: Ord. 3,41,5 8;
tem É aliás o sistema adotado agora entre os escritores alemães, como Derneura, Pandelte, “e sendo maior de quatorze anos, ou a fêmea de doze, será citado o mesmo menor e mais
851 e Enpemany, Einfiehrung, 8 42, mas que não foi seguido por GereEr, System des seu curador”... E sendo menor de quatorze anos, então será necessário aparecer ele menor
deutschen Privatrechts, Rorm, System d. d. Privatrechts, WinDschep, Pandectas, € em juízo e fazer seu procurador com autoridade do curador ou do juiz do feito”; dec, nº
outros, que escreveram antes do Código Civil. 3.084, de 5 de novembro de 1898, art. 4; CarLos pe Carvatko, Direito civil, art. 96;

138 139
teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Bevilágua
distinção de sexo; “!
de sua atitude na sociedade e a aquisição dos conhecimentos
73 A fazer depósitos nas Caixas Econômicas e
necessários para bem se conduzirem, quando tiverem inteira
retirá-los salvo oposição de seus representantes legais. 4?
responsabilidade de suas ações, e, ao mesmo tempo, lhes
faculta o exercício direto de muitas outras ações de caráter
HE — A incapacidade da mulher casada é uma
jurídico.
persistência do antigo direito, que tende a desaparecer, pois
Assim é que o maior de dezesseis anos está
não tem fundamento, nem na biologia nem na sociologia; e,
habilitado:
no Código Civil, por assim dizer, não existe. O
1º) A exercer empregos públicos para os quais O sexo, por si só, não é causa determinante de
não for exigida a maioridade; preceitos especiais no Código Civil. Desapareceram as poucas
2º) A desempenhar mandado extrajudicial; O restrições, que ainda se encontravam no direito civil pátrio,
3º) A fazer testamentos; E antes da codificação. Não podia ser tutora, salvo a avó, nem
49) A contrair matrimônio, se tiver atingido a testemunha em testamentos ordinários, podendo, aliás, ser
idade nupcial que é de 16 anos para mulher e 18 para o varão; nas disposições nuncupativas, e podendo testar. O Código
5º) A ser comerciante, tendo 18 anos e sendo Civil eliminou essas sobrevivências do antigo direito
autorizado pelo pai; € estabelecido a igualdade jurídica dos sexos. “ Apenas a
6º) A ser testemunha nos atos jurídicos, sem mulher casada sofre restrições na sua capacidade (artigo 242),
como consequência da sociedade conjugal, cuja direção é
confiada ao homem. Mas, por um lado, o marido também as
Freiras, Consolidação, ART. 26; João Montemo, Processo, 1, 8 35, enota 4; DuaRtE DE
AzeveDo, Controvérsias jurídicas, págs. 217-220; Como na Rocua, Instituições, 88 sofre; pois necessita da outorga uxoriana para alienar e gravar
3036 373; Laraverre, Direitos de família, $ 144, notas 1 e 2, à pág. 292 da 1º ed. E 8
152, não generaliza o princípio, que, realmente, foi estabelecido apenas para os órfãos e
servia de base para a distinção entre a tutela dos impúberese a curatela dos púberes, mas
a doutrina, buscando a razão da lei, generalizou, muito justamente, a regra, O que, afinal, tu Código Civil, art. 142, 1H e 1.830,1. Direito anterior: Ord, 3, 56, 8 6; reg. 737, am.
teve consagração legal. 177; Joxo Montero, Processo, 8 165; Seve & Navarro Processo, art. 614, $ 4; Bento
9 Podem ser empregados de fazenda os menores de 2.1 anos e maiores de 18 (dec. de 20 pE Faria, do art. Cit. do reg. 737. Nos casamentos de que trata o art, 37 do dee, nº 181 de
de nov. De 1850). A idade ds 18 anos é também a requerida para ser o indivíduo 1890, deviam ter 18 anos as testemunhas.
qualificado guarda nacional (lei de 19 de set, De 1850, art, 9, 8$ 1 e 2). 2 Dec. nº 9.337 de 2 de abril de 1887, art. 5.
M Código Civil, art. 1.298, Direito anterior: Ord. 3,9, 5: T. Frerras, Consolidação Efetivamente desapareceu, por força da Lei 4.121, de 27 de agosto de 1962 (Estatuto
das leis civis, art. 466,8 t e nota 3, art., 185, nota 1: RIBAS, Direito civil, II, nota 23 à da Mulher Casada), que, aliás, modificou diversos artigos do-Código Civil, promovendo
pág. 57; LOUREIRO. Direito civil, 8 240, RIBAS, Direito civil, 1], nota 23 à pág. 57; medidas tendentes a assegurar a igualdade jurídica dos cônjuges.
Loureiro, Direito civil, 8 240; meu Direito das obrigações, 8 F2L, 2) Não quero demorar-me na discussão deste ponto, aliás importantissimo, desociologia :
& Código Civil, art. 1.627. Ord, 4, 81, pr. e $ 4. OQ filho-família somente dos seus bens jurídica. Já sobre ele me extemnei no meu Direito da família, $ 29. e na discussão do
castrenses e quase castrenses podia dispor. Projeto de Código Civil Brasileiro (Trabalhos da Câmara dos Deputados, vol. TV, pág.
Código Civil, art. 183, XII. Direito anterior: Dec. nº 181 de 24 de jan. De 1890, art. 7, 113; Em defesa, págs. 93-96).
8 8. Estes menores, porém, não podem dispensar o consentimento de seus pais ou tutores Seja-me ainda permitido dar, nesta nota, outras indicações bibliográficas que, por vários
(cit, dec., art. 7, 87; Cód. Civil, art. 183, XD). motivos, interessam ao assunto. Em primeiro lugar. citarei a extensa e luminosa nota B
49 Código Comercial, art. 1, 8 3. Aliás o estabelecimento comercial, com economia de Fanpa E Bensa às Pandectas de WinpsceBiD, L, págs. 740-753, onde vêm discutidos
própria, determina a emancipação do menor. Código Civil, art. 9, parágrafo único, V. os vários aspectos jurídicos da questão, e apontada uma excelente bibliografia,

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Clóvis Beviláguea Teoria Geral do Direito Civil

de ônus reais os bens imóveis sejam do casal ou seus (art. não há, nessa circunstância, razão para se estabelecer a
235); para pleitear acerca desses bens, como autor ou réu; inferioridade de um deles. 4º»
para fazer doações não sendo remuneratórias ou módicas;
para prestar fiança (o mesmo artigo); por outro lado, a mulher IV — À incapacidade da mulher casada subsiste
casada como dirigente do lar, supõe-se autorizada a praticar em alguns sistemas jurídicos, atualmente em vigor, como o
os atos necessários ao exercício de suas funções domésticas francês, o português, o espanhol, o italiano, o holandês, e o
(art. 247) e para a segurança dos direitos, que a lei, especial- “argentino; já desapareceu de outros, que melhor traduzem o
mente, lhe confere, dispensa a autorização marital (art. 248).
Em 14 de novembro de 1899, a Câmara Criminal do Distrito Federal declara que a
Dentro das fronteiras tranquilas do direito civil, mulher diplomada em direito podia exercer a advocacia, votando contra essa decisão O
é lícito esperar, da reflexão e da justiça. A formação definitiva DR. Muniz Barrero. Pouco depois, a 14 de dezembro do mesmo ano. sendo relator o
DR. Muniz Barreto, a Câmara decidia em sentido contrário (Direito, vol, 81, págs,
de uma sociedade doméstica firmada em bases menos 420-438). Hoje estão dissipadas todas as dúvidas,
egoísticas do que a da autoridade, da supremacia. O afeto e Direito estrangeiro. Nos Estados Unidos da América do Norte, desde muito, o exercício
da advocacia está facultado às mulheres. Uma lei federal admite-as a advogar perante o
o respeito recíproco são elementos, que devem hoje prepon- Supremo Tribunal (Lem. Droit civil des Etats-Unis, págs. 11-14; Annuaire de tég.
derar na família, para dar-lhe uma constituição mais liberal, Étrang.. IX, pág. 798). Na Itália, a matéria tem sido longamente discutida. Fappa e
Brxsa não compreendem porque se lhes há de recusar esse direito (Joco citato, pág.
mais humana e, atualmente, mais sólida. Se os cônjuges são 750). Na Rússia, também a questão não fora resolvida de modo definitivo (Cruner, 1898,
chamados a exercer funções diferentes na vida da família, págs. 217-219), antes dos Códigos soviéticos. Estes, porém, colocaram a mulher em
perfeito estado de igualdade com o homem. Diz o art. 4 do Código Civil da Rússia
soviética; - O sexo, « nacionalidade, a religião e « origem não influem. de modo
- algum, sobre a extensão da capacidade. Na Prança, a lei de 1 de dezembro de 1900 pôs
Capacidade da mulher nos sistemas jurídicos primitivos: ILERMANN o termo à controvérsia.
Rechtswissenschafi, pág. 42: Eihnologissche Jurispradenz, E S8 42-72, HI, $ O trabalho das mitheres nas fábricas e a sua situação econômica têm preocupado os
Grundiagen des Rechts; PusteL pE CouLaxcEs, La cité antique, liv. IL, SumnER F AIXE, legistadores. Vejam-se a lot francesa de 15 de julho de 1893; a balga de 10 de fevereiro
Études sur Vancien droit, caps. Ha V, Darest Êtudes d'histoire du droit, passinr, de 1900, a sueca de 17 de outubro de 1900; a espanhola de 13 de março de 1900; a de
Letourngau, L évolution juridique, pãg. 26, 89, 193, 413, 433, 504; Jugring, Los indo- Massachusetts de 13 de junho de 1900; a da Pensilvânia de 29 de maio de 1901; a de
eiropeos, págs. 438 e segs; Martins Júnior, História geral do direito, págs. 23 e segs.: New» York, cap. 289, promulgada a 2 de abril de 1902.
Warxtacen, História geral, 3 ed. 1 pág. 75 e nota 1, de Capistrano pE AprIU, Revista Funções públicas, Merece atenção especial a lei de 19 de março de 1901, da Suécia e
do Instituto Histórico Brasileiro, 1842, pág. 168. Noruega, que estatus; Às mulheres, que preencherem as condições que a Constituição
Direito romano, Juzring, Espiritu del derecho romano, ll, págs. 200 e segs.; exige dos homens, podem ser nomeadas para as funções na medida que for
Développement du droit romain, págs. 44 e segs.; SaxcHez Roman, derecho civil, V. determinada por lei.
Págs. 135-140; Dernpurc, Pandette, 8 53, Mans. I, $ 13. 642) Além do que ficou exposto à nota antecedente, basta-me remeter o leitor para o meu
Vejam-se: quanto ao Ielleiano, o erudito estudo de BuLuões pe CarvarHo: O Velleiano e Direito da familia, $$ 27-30, onde o assunto foi encarado mais demoradamente como
a incapacidade civil da mulher, onde se elucida porque no direito romano a mulher era era de razão, porque é no direito da família, que sc estuda a influência do casamento
retida em condição jurídica inferior (Direito, vol. 85, págs. 28 e segs.) sobre a capacidade da mulher, Veja-se mais João Monteiro, Processo, 1.8 35, nota 7. O
Mulher advogada. Em direito pátrio, fot agitada esta questão, opinando uma comissão Projeto primitivo não incluía a mulher casada entre os incapazes
do Instituto da Ordem dos Advogados que não há lei proibindo a mulher de advogar e Ainda recentemente (1928), o Senado Federal não quis reconhecer a validade dos votos
que, importando essa proibição uma causa de incapacidade, somente poderia existir, das senhoras norte-rio-grandenses, legalmente alistadas como eleitoras, e o melhor
quando declarada em leí, Subscreveram os Srs. Barão de Lorito, Baprista PEREIRAE argumento, que encontrou, em apoio dessa resolução, foi a da falta de uma lei, que
BuLnões E CarvaLHo, (Direito, vol. 81, págs. 305-313); e, mais tarde, o Instituto deu- regulasse a matéria, pois, em face da Constituição a mulher tem os mesmos direitos de
lhe a aprovação. Opinião contrária foi sustentada pelo subprocurador do Distrito Federal cidadão ativo, que o homem usufrui. Por essa estranha doutrina, as cláusulas
em parecer de 9 de novembro de 1899 (Direito, vol. 81, págs. 314-330) e pelo DR. constitucionais não valem por si; são postulados doutrinários à espera de uma lei ordinária,
CarvaLHo Mourão (Direito, vol. 81, págs. 330-343), que lhes dá eficácia.

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

estado da consciência jurídica em nossos dias, como sejam o Mais tarde, o pretor estendeu o alcance da prodi-
alemão, o norueguês, o de alguns estados norte-americanos galidade, decretando a interdição como garantia, não mais
e o inglês. 4º simplesmente da família, mas do próprio indivíduo, e, assim
desapareceu a distinção entre os bens herdados da família e
V- Pródigo é aquele que, desordenadamente, os adquiridos pela atividade do proprietário, ou por testa-
gasia e destrói a sua fazenda, reduzindo-se à miséria por sua mento. Confirmada essa inovação do direito pretoriano, por
culpa. “2 Esta definição legal corresponde à que oferecem alguns rescritos de imperadores, adquiriu a interdição por
AuBRY et RAU, que se tornou clássica em direito civil: celui prodigalidade uma feição diversa da que oferecia primitiva-
qui, par déreglement d'espirit ou de moeurs, dissipe sa fortune mente; mas até por parte de imperadores surgiram protestos
en excessive et folles dépenses. O” contra este novo direito. LsÃo, o filósofó, por exemplo,
O problema da interdição dos pródigos oferece declara que não compreende a necessidade da interdição por
uma quádrupla face. “º Podemos encará-lo: a) sob o ponto- prodigalidade, e estatui que se atenda, exclusivamente, ao
de-vista histórico; b) pelo aspecto econômico; c) pelo psiquiá- ato: se for desarrazoado, não seja mantido; mas sejam válidos
trico; e d) pelo jurídico. e inatacáveis os que se mostrarem fundados na razão. 49
«) A história do direito nos diz que a interdição
Apesar disso, manteve-se a interdição dos pró-
por prodigalidade apareceu em uma época, em que havia uma
digos, até que a Constituição francesa do ano terceiro lhe
espécie de .compropriedade da família, na qual os herdeiros
deu golpe mortal. E, se, no Código Civil, as idéias romanas
de uma pessoa, ainda em vida desta, eram considerados seus
volvem à tona, é com limitações consideráveis, que conse-
condôminos: et vivo parente, domini existimantur. Nesse
guem insinuar-se no novo corpo de leis. O
tempo, a interdição só se referia aos bens, que o indivíduo,
por força da lei, herdava de seus parentes: quando tibi bona
Do direito romano passou para o português o
paterna evitaque nequitia tua disperdis, liberosqua tuos ad instituto da prodigalidade. A Ord. 4, 103, 8 6, dá a noção
egestatem perducis, ob eam rem tibi ea re comercio que dessa deficiência moral, que exige a providência da interdição.
interdico. E a fórmula que nos conservou PauLo, “? e que MELLO FREIRE explicou o pensamento da lei, restringindo a
transparece em Cícero : “9 male rem gerentibus paíriis bonis curatela aquele que desperdiçasse os seus bens sem fim e
interdici solet. como um louco, interpretação que se justifica por conside-
rações doutrinárias e pela inscrição do título 103, da Ord.
Do livro 4º: Dos curadores que se dêo aos pródigos e aos
Bt Vejam-se o meu Direito da familia, 8 28.
at Ord. 4, 103, 8 6; Direito du fumilia, 892.
“9 Cours de droit civil, 1, 8 138. “9 Const: KXXES.
49 Resumo aqui as ponderações que tive a honra de apresentar á digna Comissão Especial O Projeto de Código Civil de 1965 não inscreveu o pródigo entre os relativamente
da Câmara dos Deputados, na discussão do Projeto do Código Civil, em 1901 (Trabalhos, incapazes. O Anteprojeto de 1972 manteve a incapacidade. Posto defensáveis ambas as
IV, págs. 114-116). Vejam ainda meu livro Em defesa, págs. 61-63 e 169-170, posições, mais razoável será que se não conserve: se a prodigalidade é devida a enfermidade
7) Receptae sententiae, HI, 4, 87. Veja-setambém Dernsurs, Pundectas, 1, 8 57, nota 5. mental, a incapacidade tem nesta última o seu fundamento; caso contrário, não há por
“8 De senectute, 7, 22. que impor-se ao pródigo uma capitis deminutio em razão somente de seus gastos.

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Clóvis Bevilágua teorica Geral do Direito Civil

mentecapios. há justo motivo para feri-la com a interdição. Os alienados


Consequentemente, a interdição por prodigali- pródigos sejam interditos, porque são alienados; os pródigos
dade, que começara como uma garantia da conservação da de espírito lúcido e razão integra sejam responsáveis na sua
propriedade comum da família, desenvolveu-se até se trans- liberdade moral, sob color de proteger-lhes os bens, faz-se-
formar em curadoria por alienação mental. lhes gravissima ofensa ao direito de propriedade e à dignidade
b) A economia política deixa-nos perplexos humana, €%
porque, se uns, como Cauwks, afirmou que os pródigos são
inofensivos, porque aquilo, que dispendem, entra na circu- VI —- O Código Civil português arts. 340-352, 0
lação da riqueza social, outros opinam que eles são preju- chileno, arts. 442-455, o espanhol, arts. 221-227, e o suíço,
diciais ao desenvolvimento dessa mesma riqueza, por lhes artigos 370, 374, regulam a curadoria do pródigo; o francês,
faltar o elemento indispensável para que se acumule o cabedal arts. 513-515, e o italiano, arts. 339-342, não lhe retiram a
em suas mãos, e a sociedade só é rica sendo ricos os indi- administração dos bens, mas estabelecem providências para
víduos. 2 impedi-lo de ser prejudicial. O Código Civil alemão, artigo
c) À psiquiatria ensina que há certos sindromas 114, equipara o pródigo interdito ao menor, que já completou
degenerativos, que se manifestam pelos gastos imoderados, sete anos.
pelo desperdício da fazenda. É o que se denomina oniomania.
Estes sindromas degenerativos andam, geralmente, associados VIL- O decreto legislativo nº 5.484, de 27 de
a dois outros: a mania do jogo e a dispsomania ou vontade junho de 1928 criou uma legislação especial para os índios.
impulsiva para beber. €b Emancipou-os da tutela orfanológica (art. 1º). Distribuiu-os
d) O jurista, ouvindo o depoimento da história, em 4 classes: nômades, arranchados ou aldeiados; perten-
da economia política e da psiquiatria, atendendo à necessidade centes a povoações de indios; pertencentes a centros agrícolas
de respeitar o direito individual e a propriedade, sabendo, ou vivendo promiscuamente, com os civilizados. Aos da três
pela psicologia dos pedidos de interdição, que, muitas vezes, primeiras classes é permitido livremente dispor dos seus
eles abrigam a cobiça imoral de locupletar-se o impetrante haveres e designar os seus sucessores, em qualquer função.
com a fazenda do parente, ou o receio egoísta de ter de dar- Aos da quarta classe, os funcionários do Serviço de Proteção
lhe alimentos, deve afirmar: ou a prodigalidade é um caso aos Índios prestarão a assistência devida, nos termos do
manifesto de alienação mental, e não há necessidade de regulamento, que baixou com o decreto nº 9.214, de 15 de
destacá-la para constituir uma classe distinta de incapacidade, dezembro de 1911. Estão todos eles, quando não adaptados,
pois entra na regra comum; ou tal não é positivamente, e não sob tutela do Estado arts. 2 a 5 . São nulos os atos praticados
entre os índios das três primeiras categorias e indivíduos
€0 Cauwis é Bastiar representam essas duas doutrinas. Veja-se PLantoL, Traité, 1, nº
2.951, 3) O Projeto de Código Civil da Câmara manteve, com restrições, a curadoria dos
CM Nina RODRIGUES, Op. Cit, págs. 45-52. pródigos (art. 4635-467), e o instituto figura no Código Civil, art. 459 a 461,

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

competente ou seu a proteção da lei para os débeis de espírito, como dizem,


rep reszad
civili 7).ervOenção do inspetor
antesem(ara t. int
entos, facilitando as interdições corremos o risco de privar da admi-
nistração dos seus bens pessoais, que os poderiam, satisfa-
VEL —- Não foram contemplados entre os relativa- toriamente, Girigir, e favorecemos, muitas vezes, a ganância
mente incapazes nem o cego, nem o velho, nem o condenado, imoral de outras. Além disso, a lição de Tarpiku parece dar
nem o falido. apoio à prudência dos juristas. “A extrema velhice, diz ele,
O cego por direito pátrio, não sofre restrição se facilita e favorece as sugestões e as captações previstas na
alguma em sua capacidade civil. Apenas está impedido de lei e que a justiça poderá reconhecer, não acarreta, necessa-
realizar aqueles atos, que dependem da visão. & Nos casos riamente, a importância da vontade e a incapacidade de
de cegueira congênita, determinada por lesão cerebral, a realizar certos atos” &)
interdição será necessária, porque se trataria, então, de uma O condenado por sentença judicial não sofre
enfermidade mental. Quanto as disposições da última vontade limitações em sua capacidade civil. “9 O Código Penal, art.
somente pela forma pública as pode fazer (Código Civil, art. 55, determina que a pena de prisão celular, maior de seis
1.637). anos, importa em interdição; mas, definindo esta, refere-se
A senilidade também, se for um estado rigoro- apenas:
samente fisiológico, deve escapar a qualquer limitação da «) à suspensão de direitos políticos;
capacidade, e, se for um estado patológico, a demência senil, b) à perda de todo oficio eletivo, temporário ou
entrará na categoria da alienação mental. LEGRAND DU SAULLE vitalício, emprego público da Nação ou dos Estados e das
Cb fala de um estado intermédio em que o nível intelectual respectivas vantagens e vencimentos;
baixa, mas ainda não há demência. Todavia o legislador deve c) perda de todas as dignidades, condecorações
receiar-se de multiplicar os casos de incapacidade, para fechar e distinções honoriíficas;
a porta dos abusos. Se o interesse social e a justiça reclamam d) perda de todos os munus públicos.

€ Sobre os silvícolas, ver ainda: decreto-lei 736, de 6 de abril de 1936; decreto 18.652, Assim, o condenado não perde a sua capacidade
de 16 de outubro de 1942; 12.318, de 27 de abril de 1943; 17.684, de 26 de janeiro de
1945. A situação dos silvícolas foi desenvolvida e regulada na Lei 6.001, de 19 de
para realizar atos jurídicos no domínio do direito privado e,
dezembro de 1973 (Estatuto do Índio). portanto, não entra na classe dos incapazes. Mas, se a prisão
Em 1967 foi extinto o Serviço de Proteção aos Índios e criada a Fundação Nacional do durar mais de dois anos, perde a direção da sociedade
Índio (FUNAD.
doméstica (Código Civil, art. 251, Il). A suspensão dos
3 Direito anterior, O cego não podia ser testemunha de testamento (Ord. 4, 88, pr.) nem
geralmente nos atos jurídicos que se referirem à visão (Rizas, Direito civil, II, pág. 68); direitos políticos do condenado tem por base o art. 71, 8 1,
também estava impedido se ser tutor ou curador ('T. pe Freiras, Consolidação, nota 30, -
ao artigo 262). Podia, porém, fazer testamento em qualquer de suas formas (neu Direito
St Apud Na Roprisues, O Alienado, págs. 66-67,
das sucessões. 8 57); lei nº 2.878 de 23 de julho de 1889. Veja-se ainda E. Brsgr, na
€9 Ord, 4,75pre$1e2;T. Dz retras, Consolidação, art. 356; aviso de 14 de setembro
Grande encyclopédie, vb. Áveugie.
de 1886, Cartos pe CarvaLHo, Direito civil, art. 228, parágrafo único. O preso podia
9) Etude médico-légale sur les testaments, 1879, pág. 84; Nisa RoprIcuES, O alienado,
casar-se por procuração (dee. nº 181, de 24 de janeiro de 1890, art. 44; meu Direito da
págs. 57-68.
família, 8 17-A), como pode hoje pelo Código Civil, art. 201, parágrafo único.

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Clóvis Beviláeua Teoria Geral do Direito Civil

b, da Constituição Federal, que estatui: Os direitos do cidadão francês não faculta ao cego a facção ativa do testamento,
brasileiro só se suspendem: ... por condenação criminal, sob a forma cerrada (art. 978), e a doutrina rejeita-o como
enquanto durarem os seus efeitos. testemunha instrumentária em atos autênticos. O Código Civil
A incapacidade do falido é restrita, exclusiva- alemão, art. 1.910, autoriza a curatela do cego mediante seu
mente, aos interesses, direitos e obrigações da massa falida. consentimento. No Código Civil italiano, artigo 785, encon-
e» Não pode votar nem ser votado nas eleições da juntas tramos a vedação do testamento místico ao cego, a qual se
comerciais, nem exercer as funções de corretor, agente de reproduz no art. 1.765 do Código Civil português.
leilões, trapicheiro, intérprete de comércio, avaliador, perito O condenado é submetido à tutela, pelo Código
ou arbitrador em assuntos comerciais. Mas, em tudo o que de Zurich, art. 70, $3. O direito francês declara-o interdito
se não referir direta ou indiretamente aos interesses, direitos em certos casos, e assim o italiano. Outras legislações guar-
e obrigações da massa falida, lhe é garantida a capacidade dam silêncio a respeito, ou porque deixem o assunto entregue
civil. Assim continuará a exercer os direitos, que se contêm ao direito penal, ou porque não vejam na condenação judicial
no pátrio poder, na direção da sociedade doméstica, e nas uma causa de restrição da capacidade.
outras relações da família, O falido não é contemplado, pela maioria dos
Códigos, na classe dos incapazes. * Excluem-se muitos deles
IX — Um rápido olhar sobre as legislações, quanto do exercício da tutela, €? mas essa exclusão, assim como as
às pessoas, que acabam de ser consideradas. Em direito outras restrições à capacidade do devedor em estado de
romano, o cego não era reputado incapaz. Não lhe era vedado falência, não destrói o princípio. 6D
ser testemunha em testamento. Podia testar, nuncupativa-
mente ou por escrito, mas fazendo, neste caso, ler o seu testa-
mento perante às testemunhas e o tabelião. & O direito . gu
DA PROTEÇÃO QUE O DIREITO CONCEDE AOS
e Havia uma desarmonia entre o dec. nº 917, do 24 de outubro de 1890, art. 17, que
INCAPAZES
privava o falido dos direitos políticos, e o art. 71, da Constituição, que se não referia a
esse caso particular. A lei de 16 de agosto de 1902, art. 23, firmou a boa doutrina,
declarando que o falido ficará privado do exercício de seus direitos políticos, quando
A lei protege os incapazes, dando-lhes represen-
condenado por sentença criminal definitiva e sujeito às restrições estabelecidas nas tantes, que lhes supram a incapacidade, com amplitude maior
leis fiscais e aduaneiras. Xão é o falido. mas o sentenciado, que se despe dos direitos
políticos, doutrina 1. X. Cary mno ce MenDonça, Tratado de direito comercial brasileiro,
vol. VH, nº 435.
0% Sã Viana, Falência, nº 62.
28 CarvarHo cE Menponça, Tretado de direito comercial, VIE, nºs 429 2435; Em defesa,
$% Código Civil argentino, art. 398; chileno, 497. alemão, 1.781; uruguaio, 352, nº 7.
págs. 63 e 166-168; FeLicio pos Saxros, Comentário ao Projeto do Código Civil, 1,
8% Por ocasião de se discutir o Projeto de Código Civil, na Câmara dos.Deputados, o
pág. 83; SA Viana, Das falências nºs 62-64, que como CarvaLHo DE MENDONÇA, discute
proficientemente a matéria condensada nesta tese: “Sua capacidade (a do falido) é Conselheiro AnpraDE Fisugra lembrou a inclusão do falido entre os incapazes, mas à
completa, é só a necessidade de proteger os credores contra os atos pelos quais o devedor sua idéia não foi adotada (SÁ VIANA, op. cit., not. 46 55).
pode reduzir o patrimônio, ficando a massa resguardada de possível extravio e desharato, O Esboço, art. 42, 3º, Naguco, art. 10, nº 3, e Costso Roprisuss, art. 14, 8 4, incluemà
é que autoriza a restrição ao direito de alheiar e administrar os bens, pág. 222). falência entre as causas da incapacidade limitada. Em sentido contrário: FeLicIO DOS
CE) Inst. 2, 10,8 6; 12, 84; Cód. 5,34, 1,3,6,22,1,8. SANTOS, O Projeto primitivo, o revisto e o da Câmara.

150 151
teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Beviláqua

ou menor, segundo se trata de incapacidade absoluta ou guiu-a, expressamente. O suiço, o alemão, o argentino e o
mexicano deixaram de contemplá-la. O francês (arts. 1.305 e
relativa,
segs.), o italiano (arts. 1.303 e segs.) e o chileno (arts. 1.682
Além disso, vela para que seus bens sejam conser-
vados, impondo certas formalidades para alienação dos bens
e segs.) se mantiveram, modificaram-na mais ou menos conside-
ravelmente.
dos mesmos, confiando aos juizes o cuidado dos incapazes,
Restituição por inteiro era o benefício concedido
e estabelecendo a responsabilidade dos tutores e curadores,
aos menores e às pessoas, que se lhes equiparam, a fim de
a garantia da hipoteca legal, e, favor dos menores, o benefício
poderem anular quaisquer atos, válidos sob outros pontos-
macedoniano (Código Civil, art. 1.259).
A maioria desses vários modos de proteção legal de-vista, nos quais tivessem sido lesadas.
são considerados pela doutrina em relação ao pátrio poder, à O fundamento desta matéria, por direito pátrio,
tutela e à curatela, isto é, no direito de família; o macedoniano estava nas Ords. 3 e 41, e no direito romano, em tudo que
entra na teoria das obrigações. não fora modificado ou alterado pelas citadas ordenações ou
O direito penal também, como já foi indicado em leis posteriores.
parágrafo anterior, considera a incapacidade civil para o efeito Concedia-se a restituição em tódos os atos judiciais
da isenção ou minoração das penas. ou extrajudiciais, omissivos ou comissivos, contanto que
ocasionassem lesão ao menor, salvo se essa lesão proviesse de
caso fortuito. Não importava que o ato tivesse sido praticado
$12 com intervenção do tutor ou juiz (Ord. 3, 41,82). Se oato era
DA RESTITUIÇÃO IN INTEGRUM O nulo, como se o menor tivesse celebrado algum contrato sem
assistência ou autorização do tutor, se nas alienações não
Consagrada pelo direito romano, onde se fossem observadas as formalidades legais, permitia o direito
originou da necessidade de proteger os menores de vinte e que se acumulassem as ações de nulidade e restituição.
cinco anos de atos ruinosos, e sendo, após, estendida aos
pupilos em tutela (D. 4, 4, fr. 29, pr.) e às pessoas equiparadas 9 ALMEIDA OLIVEIRA, OP. Cit, págs. 223-226; C. Da Rocua, Instituições, 8 392.
O ArmeiDA OLIVEIRA, OP. Cit, págs, 182 e segs; €. Da Roca, Instituições, $ 382:
aos menores, & a restituição por inteiro viveu, algum tempo, Meio, Direito civil, lv. 2, tit. 13,89; T. ne Freiras, Consolidação, arts. 12-Id e 41.
nas legislações dos povos ocidentais, para ser, em seguida, Estes autores ainda acrescentam outros beneficiados, como 0 Estado, O municipio; as
igrejas, irmandades, estabelecimentos pios, etc. Segui-os, em parte, no meu Direito de
eliminada parcial ou completamente. famiiia, mas, depois, melhor refletindo, achei que a verdadeira doutrina era à que
O Código Civil português, arts. 38 e 297, extin- interpretava restritamente a Ord, 3,41, $ 4 porque a teoria do direito romano seria, para *
as condições sociais modernas, um embaraço ao desenvolvimento das relações jurídicas;
além disso, a lei de 10 de setembro de 1893, art. 14, aboliu expressamente a restituição
& Ainda que o Código Civil, art. 8, tenha extinguido o instituto da restituição in integrum, em favor das corporações. Ficou, portanto, este benefício restrito aos incapazes. CarLOS
é conservado este parágrafo pelo interesse histórico e doutrinário que o assunto encerra. pe CarvaLHO, Direito civil, art. 113, adotou este ultimo parecer: mas, no art. 173 contempla
Sobre a teoria romana da restituição, consultem-se: ALmeDa OLiverra, Restituição in a União como favorecida com esse privilégio. Sufragam a doutrina no texto adotada, as
integrum, primeira parte, e Winpscmzm, Pandectas, E, 88 114-120, com as notas de sentenças nºº 96 = 122 da jurisprudência do Supremo Tribunal, ano de 1895, Veja-se
Fanpa é Bensa, onde vem indicada uma extensa bibliografia. ainda Duarte DE Azevedo, págs. 111-114 das Controvérsias jurídicas.

152 153
Clóvis Bevilágua teoria Geral do Direito Civil

À restituição beneficiava: obrigado; 5º quaisquer menores, em relação aos esponsais e


19 todo menor, varão ou mulher, estivesse sob o pactos antenupciais, tendo-se efetuado o casamento.
pátrio poder ou sob tutela; Podia ser pedida a restituição, diretamente, por
2º) os alienados de toda espécie, os surdo-mudos ação, ou simples petição, ou em defesa, por meio de réplica,
incapazes e os pródigos interditos. exceção, embargos ou apelação.
Podia o beneficiado pelo recurso da restituição Concedida a restituição, voltavam as coisas ao
usar dele até 4 anos após o termo da menoridade ou estado anterior, devendo cada uma das partes repor o que
incapacidade. Porém, se pudesse alegar algum impedimento houvesse recebido da outra, com os rendimentos, € indenizar
legítimo, o tempo desse impedimento não era levado em conta as despesas necessárias e úteis. O
(Ord. 3, 41, $ 6). Dada a emancipação por casamento,
somente depois dos vinte e um anos corria ao quadriênio
(Ord. 1, 88, 8 28). $13
O direito de pedir a restituição transmitia-se ao DA MAIORIDADE
herdeiro do menor, contando-se para ele o quadriênio, ou a
parte que dele restasse, desde a aceitação da herança ou, se o I - Aos vinte e um anos completos termina a
sucessor era menor, desde que alcançara a maioridade. menoridade, e a pessoa, sendo integra de espírito, estará
Aproveitava igualmente, ao cônjuge, no regime da comunhão habilitada para todos os atos da vida civil.
e ao condômino ou sócio da coisa indivisa. Não aproveitava, Os expostos, desde que completassem vinte anos,
porém, ao fiador. eram considerados maiores. & O Código Civil, porém, não
A restituição era meio extraordinário de anular manteve esta exceção.
atos sob todas as outras revelações válidas, salvo quanto à A idade de vinte e um anos para termo da menori-
lesão. Nas partilhas, porém, indo além da sexta parte, era dade é a geralmente adotada nas legislações modernas.
meio ordinário de rescindi-las (Ord. 4, 96, 8 21).
Não podiam implorar o beneficio da restituição: (9 CogtHo DA RocHa, Op. cit, 8391,
1º o menor que maliciosamente se fingira maior na ocasião O Ord. 3, 41, pr; CorHo pa Rocua, op. cit., $ 390; ALmema OLIVEIRA, Op. cit, págs.
de praticar o ato contra o qual reclamara; 2º o que ratificasse 2531-253, Cantos DE CarsaLHO, Direito civil, art. 118,
o ato expressa ou tacitamente depois de maior; 3º o menor & Código Civil, art. 9. Direito anterior: Resolução de 31 de outubro de 1931; Taixera
vé Freiras, Consolidação, art. 8; Cartos ve CarvaLHo, Direito Civil, art. 93; meu Direito
comerciante e industrial pelas obrigações contraídas no da familia, S 76.
exercício de sua profissão; 4º o condenado por delito, ou 9 Reg. Nº 5.604, de 23 de abril de 1874, art. 33; Teixeira DE Freiras, Consolidação, am.
9; CarLOs pE CarvaLHO, Direito civil, art. 93; meu Direito da familia, 8 86.
outros atos ilícitos em relação ás indenizações a que fosse O Código Civil fancês, arts. 388 e 488; italiano, 323; português, 311; colombiano,
314; 3º, na Inglaterra (Scuirmester, Das burg, Recht Englands, 8 2). nos Estados
Unidos da América do Norte (W aires, American law, 8 11; Wuartos, Private int,
9 Corgo pa Rocna, Inst, 8 338. ALmeDA OLiverra (pág. 229) sustenta, ao contrário, Law, $ 113,3), Cód. Civil boliviano, art. 195 e 256, venezuelano (trad. de RaotuL pe LA
que o benefício aproveita ã0 fiador. Grasserig, pág. 110% peruano, 12.

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Clóvis Beviláqua teoria Gereil do Direito Civil

Todavia algumas encurtam *” esse espaço de tempo, outras o Depois de vinte e um anos, a idade ainda exerce
distendem. & modificações na capacidade civil. Assim é que a mulher maior
de cinguenta anos e o varão maior de sessenta não podem
E — A maioridade, conferindo ao indivíduo a ple- contrair casamento, senão sob o regime da separação de bens.
nitude de sua capacidade civil, dissolve os laços de subordi-
nação, a que ele estiver submetido, em razão da idade, como
o pátrio poder e a tutela É $ 14
A plena capacidade política é também conferida DA EMANCIPAÇÃO
aos 21 anos de idade (Constituição Federal, art. 70), ainda
que somente aos 35 anos possa o cidadão ser eleito senador, i- No direito pátrio, anterior à codificação civil,
presidente e vice-presidente da República (Constituição, havia o instituto do suplemento de idade, que podia ser
artigos 30 € 41,83,3).0 concedido ao varão de vinte anos e à mulher de dezoito, em
virtude do qual os menores ficavam, por ato do juiz, habili-
t) Na ilha de Malta, a época da maioridade é fixada aos 18 anos e assim na Rússia tados a reger a sua pessoa e bens, com restrições quanto à
soviética, Código Civil, art. 7; na Suíça, Código Civil, art. 14, eno Japão (Código Civil,
art. 3) aos 20 anos.
alienação de imóveis. Desapareceu com o Código Civil
9 O Código Crvil argentino estende a menoridade até aos 22 anos (art. 126); 0 espanhol, esse instituto.
art. 320, até tos 23: e 0 chileno, art. 3º, até aos 25 anos, Esta última idade é também
estabelecida na Dinamarca e na Bessarábia. Pelos 24 anos se pronuncia a lei da Finlândia:
e pela de 23, as leis da Austria-Hungria e da Holanda (F. Mever, Loi universelle sur te E — Emancipação é a aquisição da capacidade
change, pág. 16: meu Direito da familia, $ 76, nota 5).
9 Código Civil, art. 392. HH, c 442, 1. ds Ordenações filipinas marcavam a idade de 25 civil, antes da idade legal:
anos para a maioridade (3, 41). e alcançada essa idade não se extinguia o pátrio poder,
continuando o filho sob a autoridade paterna, se não estabelecia economia separada.
a) Por concessão do pai, ou, se for morto, da
Persistência do romanismo, Com a resolução de 31 de outubro de 1831, alterou-se esse mãe, no exercício do pátrio poder (Código Civil, art. 9, pará-
direito apesar da opinião de Terxemra pe Frerras (Consolidação, art. 202, 8 4), e LaraverTE
(Família, $ 119). Vejam-se: meu Direito de femilia, 8 76: Em defesa, págs. 229-335; grafo único, 1).
ORLANDO, nota aq art, |, E, do Código Comercial; Trigo nz Locrero, Direito Civil, $ b) Por sentença do juiz, se o menor estiver sob
91. Cartos pé CarvaLHO, Direito Civil, art. 93, 8 3 e 1.583, b; Direito, vols, 30, pág.
192, e 33, pág. 499; MaceDo Soares, nota b. ao 3 165 do processo orfanológico de tutela (Código, art. Cit., D.
Pergira DE CARVALHO.
Por direito romano antigo, os púberes estavam habilitados a exercer os diversos atos da
Em ambos estes casos, o menor deve ter dezoito
vida civil, se não se achavam sob o pátrio poder. Abriam-se exceções para certos atos e anos.
certas funções. Assim, para postular em juízo era preciso ter 17 anos; a mesma idade era
exigida para o senhor manwmnitir o escravo, sem autorização do juiz (nst., 1,6, 87); c) Pelo casamento (Código, art. Cit., ID).
somente aos 18 anos podia ser exercida a função de juiz (D. 42, 1 fr. 57). Mais tarde a d) Pelo exercício de função pública, estabele-
aetas legitima foi transferida para os 25 anos; mas, não obstante havê-la transposto, o
filho-familia permanecia sob o pátrio poder. (Consultem-se RIBAS, Direito civil, UI, cimento civil ou comercial com economia própria, e colação
págs. 46 e segs., e Dernsura, Pandeite, I, $ 53).
(9 No direito constitucional vigente (Emenda nº 1, de 17 de outubro de 1969), o cidadão
alista-se eleitor aos 18 anos (art. 147). Pode ser eleito deputado com vinte e um anos, & Código Civil nº 258, IL.
senador, presidente ou vice-presidente da República com trinta é cinco anos.
DoOrd. 3,42, pr.e 8 1, Teixeira De Frerras, Consolidação das leis civis, art. 10; CarLOS
No direito do trabalho, e para efeitos da legislação respectiva, o trabalhador é considerado
maior aos dezoito anos. DE CarvaLHo, Direito Civil, art, 97; meu Direito da familia, 8 86.
Na primeira edição deste livro, foi exposta a matéria em suas linhas essenciais.
156
157
teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Beviláguea

de grau científico em curso superior (art. Cit., nºs Il a V). | g15


FIM DA EXISTENCIA DAS PESSOAS —
“A emancipação é irrevogável. Se o pai emancipa
COMORIENTES —- AUSENTES
o filho, não pode mais submetê-lo ao seu poder paterno; se o
casamento se dissolve por morte do cônjuge, ou se sobrevem
E- A existência das pessoas naturais termina com
desquite; esses fatos não alteram a situação adquirida. E assim
a morte.
os outros, a que se refere o Código Civil, art. 9, parágrafo
único.
A morte civil não existe entre nós e desapareceu
das legislações modernas, salvo raras exceções.
WI - No direito romano, havia, a respeito da No direito romano, a capitis minutio maxima
matéria deste parágrafo as seguintes regras: O pai podia importava em aniquilamento da personalidade.
emancipar o filho, em qualquer idade, quer por declaração O condenado à morte incorria, a princípio, nessa
judicial, quer por meio de um rescrito do príncipe. O menor perda da personalidade, mas essa consequência da condena-
sob tutela, podia ser emancipado pelo príncipe, quando ção à pena última desapareceu no direito imperial.
completava dezoito anos, sendo mulher, ou vinte, sendo Entre nós as Ordenações declaravam os conde-
varão. O menor emancipado não podia alienar os seus bens nados à morte servos da pena e privados de todos os direitos.
de raiz, sem assistência de curador e homologação do juiz. & MELLO FREIRE julgou essa disposição antiquada e inexe-
No direito francês (Código Civil, arts. 476-478), quível; mas o seu discípulo CogLHO DA RocHa, pensa de modo
no italiano (arts. 310-322), e no uruguaio (arts. 280-283), a diverso, “ admitindo a morte civil por efeito da pena e da
emancipação resulta do casamento do menor ou de ato profissão de votos em ordens monásticas.
expresso do progenitor, sendo que, no primeiro caso, a Estas idéias, porém, não vingaram no Brasil,
emancipação é plena e no segundo confere uma capacidade apesar de ter o Código do Comércio, inadvertidamente, falado
limitada. na morte civil (art. 157), e o pensamento de MeLto FREIRE
O Código Civil argentino somente se refere à inspirou os legisladores brasileiros, para afastar das leis essa
emancipação pelo casamento (arts. 131-137). absurda ficção. É Particularmente com a legislação republi-
Pelo Código Civil alemão, arts. 3 a 5, o menor,
completando dezoito anos, pode ser declarado maior (fuer O Dernnuro, Panei, 830, 6,
& Nov, 22, cap. 8,
volljaehrig erklaert werden). 9 Ord. 4,81. 86.
O direito português conhece a emancipação pelo & bastituições nota C no tim do Ivol. Vejam-se também: Câxoio MexpEs, notas à Ord.
4,81,86,e Lis Trxeira, Direito civil, Itit. 1, 812; etit. IL $ 13; Lourero, Direito
casamento, e por ato do pai, ou da mãe, na falta deste, ou, na civil, 8 12,
falta de ambos, do conselho de família. A não ser por Terxera ce Freiras, Consolidação, nota6 ao art. 993; Maceno Soares, nota ao Tratado
dos Testamentos de Gouveia Pixro, cap. 10, $ 8; Besto pt Faria, nota 1699, ao art. 157,
casamento, a emancipação somente se aplica aos menores de nº 3, do Código do Comércio,
dezoito anos (Código Civil, arts. 304-310). Para conhecimento do estado da opinião, ao tempo do império, leia-se a nota 231 de
ORLANDO ao citado art. 157 do Código de Comércio, 3º ed.

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Clóvis Bevilágua Teoria Geral do Direito Civil

cana, que aboliu a pena de morte, a de galés e a de banimento, que subsistam numerosas incapacidades civis, por motivo de
& que separou a Igreja do Estado, e declarou que por motivo condenação penal, informa GLASSON que não existe mais a
de crença ou função religiosa, nenhum cidadão brasileiro morte civil, “2 ScnirMEISTER, porém, sustenta que, apesar da
poderá ser privado dos seus direitos civis e políticos, nem raridade do fato, ainda existe a civil death, em caso de
eximir-se do cumprimento de qualquer dever cívico, a morte banimento. “2 O direito inglês anterior conhecia a morte civil
civil é inadmissível. dos religiosos professos, mas essa classe já desapareceu. O
Os religiosos de ordens monásticas, companhias, Código Civil do Chile não aboliu a morte civil, “º? mas os
congregações ou comunidades de qualquer denominação, outros Códigos da América Latina a desconhecem. (9 assim
sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto, que importe como a Espanha “9 e Portugal.
a renúncia da liberdade individual, não podem ser eleitores
nem elegíveis para as funções públicas. & E os que alegarem HI — As vezes, morrem no mesmo desastre
motivo de crença religiosa, com o fim de se isentarem de diversas pessoas, e, como entre elas pode haver relações de
qualquer ônus, que as leis da República imponham aos direito, ou como, do fato da morte, pode resultar direito para
cidadãos, assim como os que aceitarem condecorações ou uma delas, há interesse em saber, se alguma sobreviveu à
títulos nobiliárquicos estrangeiros, perderão todos os direitos outra.
políticos. ? Os direitos civis permanecem, no entanto, A ciência tem meios de reconhecer, em certos
inalteráveis, porque não dependem do estado de cidade. casos, dentre os indivíduos, que pereceram no mesmo
desastre, qual faleceu em primeiro lugar. Há sinais de morte
EH —- A morte civil desapareceu em França, com a recente e de morte antiga. O cadáver se resfria, progressiva-
lei de 31 de maio de 1854. Todavia os condenados a penas mente, até que, ao se iniciarem os fenômenos químicos da -
perpétuas não podem dispor de seus bens por doação ou putrefação, readquire certo calor. Os músculos perdem a sua
testamento, nem ser por qualquer desses modos gratificados, contractibilidade e a rigidez cadavérica se manifesta dentro
salvo por alimentos. “2 Na Bélgica, a morte civil já muito de poucas horas após a morte, estendendo-se a todo o corpo,
antes fora abolida, pelo art. 13 da Constituição de 1831. Na depois de 24 horas, para em seguida diminuir pouco a pouco,
Itália, há resquícios da morte civil nas incapacidades conse- cessando depois de 36 ou 48 horas. São dados que podem
quentes à condenação ao ergástulo. “2 Na Inglaterra, ainda
“2 Droit et instituitions d'Angleterre, VI, pág. 139.
“3 Das buergerslische Recht Engiands auf Grundiage einer Kodification von EnwasD.
& Constituição, art. 72, 88 20 e 21. Jess, W.M. Gerpanr, FHoLosworte, R.W.Les, LC. Mues Kommentar von Gustay
O Constituição, art, 72, 887028. ScaiRMEISTER, 1, a0 8 3, p. 20.
9 Constituição, art. 70, 8 4. 43) Arts. 95 a 97. O Código chileno considera a morte civil como consegiiência da profissão
% Constituição, art. 72, 8 29. religiosa.
9 Constituição, art. 72, 8 29. 89 Código Civil colombiano, art. 97, Uriee e Cuampeaux, Derecho civil colombiano, 1,
dO PranioL, Traité, I, nºs 3582-355. nº 178.
“9 Código Penat, arts. 20, 31 4 35. 46% Vacvers Y VaLvERDE, fnstituciones civiles, pág. 101.

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Teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Bevilágua
A averbação:
declaração de ausência, devem constar de livros para esse
«) das sentenças, que decidirem a nulidade ou
fim destinados, e mediante os quais possam ser conhecidos e
anulação do casamento, o desquite e o restabelecimento da
autenticamente provados. Também o falecimento deve ser
tomado por termo.
sociedade conjugal;
As vantagens do registro civil são consideráveis, b) das sentenças que julgarem ilegítimos os filhos
quer para o Estado, quer para o indivíduo. O Estado tem nos concebidos na constância do casamento;
registros civis o movimento da sua população, no qual se pode c) dos casamentos de que resultar legitimação
basear para medidas administrativas, de polícia ou de política de filhos havidos ou concebidos anteriormente;
jurídica. O indivíduo tem um meio seguro de provar o seu d) dos atos judiciais ou extrajudiciais de reconhe-
estado, a sua situação jurídica, e essa mesma facilidade de prova cimento de filhos ilegítimos;
e) das escrituras de adoção, e doa atos que a dis-
é uma segurança para os que com ele contratarem. O
solverem.
O registro civil das pessoas naturais foi instituído,
Há, também, o registro civil das pessoas jurídicas
no Brasil, pela lei nº 1.829, de 9 de setembro de 1870, art. 2,
(Código Civil, art. 18; lei nº 4,827, de 7 de fevereiro de 1924,
regulamentado pelo dec. nº 5.604, de 25 de abril de 1874;
mas não tendo sido bem compreendidas as suas vantagens
art 3). O
pela população, foi restabelecido pela lei nº 3.316, de 11 de
E - Em Roma, o registro dos nascimentos foi
junho de 1887, art. 2, regulamentado pelo dec. nº 9.886, de
7 de março de 1888; e, na parte, relativa ao casamento, pelo
introduzido ao tempo do império. Marco AuréLIO confiou
dec. nº 181, de 24 de janeiro de 1890. esse serviço, na urbs, ao prefeito do aerarium, e, nas pro-
O Código Civil, art. 12, mandou inscrever no víncias, a magistrados municipais chamados tamularii. Nada
registro público: havia sobre registro de casamentos e óbitos. O
1º) Os nascimentos, casamentos e óbitos. Alguns Códigos Civis dedicam um capítulo a esta
2º) A emancipação por outorga do pai ou mãe, matéria, embora seja regulamentar. Assim fizeram o Código
ou por sentença do juiz (art. 9, parágrafo único, nº 1). Civil francês, art. 34 a 101; o italiano, 350 a 405; o português;
3º)A interdição dos loucos, dos surdo-mudos e
2.441 a 2.487; o chileno, 304 a 314; & o colombiano, 346 e
dos pródigos. 392 a 410; o uruguaio, 39 a 49, Outros, como o alemão e o
4º) A sentençca declaratória de ausência. japonês, não se ocupam do assunto.
A lei nº 4.827, de 7 de fevereiro de 1924, art. 1,
b), acrescenta:

OD PLantoL, Traité, 1, nºs 467-572, 9 Y PrraDELHO AzeveDo, Registros públicos, Rio de Janeiro 1924,
O registro civil das pessoas foi regido pelo Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de
Van Werrer, Direito civil, pág 5.
1939. Foi editado, para substituí-lo o Decreto-lei 1.000 de 21 de outubro de 1969, mas
& Acrescentem-se as leis chilenas sde 17 de julho e de 24 de outubro de 1884.
não entrou em vigor, revogado pela lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

164 165
Clóvis Beviláqua teoria Geral co Direito Civil

jurídicas, que me parece mais adequada, porque é no campo


do direito, e não no da moral, que esses entes exercem a sua
CAPÍTULO HI | atividade, ou melhor, porque é como sujeitos de direito que
DAS PESSOAS JURÍDICAS eles são considerados nos Códigos Civis, tendo assim todos
eles um aspecto jurídico muito notável senão preponderante.
$17 Quanto às outras denominações, já o egrégio
SOBRE A DESIGNAÇÃO DE PESSOAS JURÍDICAS SaviGNY € o ilustre TEixEIRA DE Frerras * mostraram que umas
são, absolutamente, inaceitáveis e outras não oferecem títulos
Ainda os juristas não se puseram de acordo sobre suficientes à preferência dos doutos.
a verdadeira natureza desta categoria de entes, que não são A expressão pessoas coletivas goza ainda das
indivíduos humanos, porém, exercem direitos e contraem simpatias de alguns escritores estimados; & mas, provavel-
obrigações. Como os homens individualmente considerados, mente, porque ainda não atenedram para a impropriedade do
são subjecta juris, termos subjetivos nas relações de direito; termo em casos numerosos e típicos. Perante o direito ro-
mas a que classe pertencer, sob que aspecto o direito os deve mano, como se há de dizer que as heranças jacentes são pes-
considerar, qual a construção jurídica apropriada a explicar- soas coletivas? Em face do direito moderno, certamente não
lhes a estrutura íntima e a finalidade? traduzíriamos bem a realidade das coisas, afirmando que as
Divergem consideravelmente os escritores no res- fundações são pessoas coletivas. Umas e outras são universi-
ponderem a estas interrogações, começando o dissídio pela tates bonorum, ainda que a administração desta última seja
variedade dos nomes, com que designam esse segundo gênero ordinariamente confiada a uma corporação.
de pessoas. Uns o denominam pessoas morais, preferem GinER DE Los Ríos defende a expressão pessoas
outros dizer pessoas civis, místicas, fictícias, abstratas, sociais que poderia merecer aceitação, se tivesse maior
intelectuais, de existência ideal, coletivas, universais, clareza e fosse mais precisa.
compostas, corpos morais, universidades de pessoas e de Por isso a preferência da ciência e da prática,
bens.
Os franceses € os belgas preferem a denominação O Saviany, Droit romain, 8 85 e segs.; Jugrino, Espiritu del derecho romano, IV, 871;
de pessoas civis ou morais “ e os alemães a de pessoas Winxescsztp. Pandette, º 37: ROTH, Systen, 871 e segs.; EnDEMANN, Einfiuehrung, 8 43
esegs.; MackeunEy, Direito romano, 88 121 e 147; Konsr, Lehrbuch des b. Rechts, 8
131 esegs; Rvo, Son, Buerg, Rechts (na Systematiche Rechiswissenschaf?), págs. 22
M Laurent, Principes, E nº 288 e segs; Droit civil international, nº” 100 e segs.; e segs; Brens, Ecx z Mirtes, Pandektenrecht, 8 17 (na Encyclopaedie der
Huc.Commentaire, I, nºs 202 e segs.; Lamé, Des personnes morales en droit Rechtswissenschafi), Derxeura, Panel, $ 59 e segs. ; Código Civil alemão, sec. 1º, tt. 2º
international privê (Clunei, 1907, págs. 277 e segs., onde se dão os motivos por que a da parte geral.
locução — pessoa moral, ainda merece ser considerada a melhor para significar o sujeito Savigny, Droit romain, loco citato, Terxema DE Freiras, Esboço, nota ao art. 17;
de direito, que não é o homem individual); Vaurmer, Átudes sur les personnes morales; D'Aguano, Genese e evoluzione del diritto civile, nº 58,
Micnovo, La notion de personalitê morale (Revue de droit public, 1899); V arEILLES 9 VaLvERDE, Instituciones civiles, 8 536 e segs. Um distinto moço, a propósito do meu
Sommitres, Les personnes morales, que aliás preferiria a designação pessoa fictícia (nº Projeto do Código Civil, também mostrou decídida preferência por esta expressão (“Jornal
332). do Comércio”, Rio de Janeiro, junho de 1900). :

166 167
Clóvis Bevilágua teoria Geral do Direito Civil

segundo se pode observar pelos livros de doutrina e pelos HE — Os modernos é que se têm preocupado com
Códigos Civis, vai se acentuando, cada vez mais, em favor explicar a natureza da pessoa jurídica, imaginando teorias,
da locução pessoas jurídicas, por ser mais expressiva e mais que se degladiam tanto mais facilmente quanto deixam em
exata. Assim, adotando-a, não fez outra coisa o Código Civil
geral alguma coisa a desejar, quando não chocam abertamente
Brasileiro, senão acompanhar a corrente mais forte do
a razão.

Re]
pensamento jurídico. É
Destacarei as seguintes:
19 A que considera as pessoas jurídicas simples
criações do Estado e, portanto, como ficções legais.
$18 |
TEORIAS SOBRE A PESSOA JURÍDICA 2º À que afirma ser este gênero de pessoas mera
aparência, excogitada para facilidade das relações, sendo o
1 — No direito romano, a personificação estendia- verdadeiro sujeito dos direitos, que se lhes atribuem, os
se ao Estado, ao principe, ao fisco, ao erário, aos municípios, indivíduos, que as compõem ou em benefício dos quais elas
às cidades, às heranças, aos colégios sacerdotais, ás sociedades foram criadas. à
e instituições pias; O mas, se esses entes vice personarum 3º) A que contorna a dificuldade, dizendo que,
fungebantur, eram designados por termos diversos como no caso das fundações, os bens não têm proprietário, os
corpora, universitates, collegia, e jamais pelo vocábulo direitos não tem sujeito. o
personae, é, naturalmente, porque os romanos mais se 4º A que considera a vontade como o sujeito
preocuparam com os resultados práticos obtidos pela dos direitos, tanto em relação aos indivíduos quanto às corpo-
personificação de agrupamentos de pessoas ou conjuntos de rações e às fundações.
coisas do que com o rigor lógico das construções jurídicas. 2 53 A que pretende ver, nas pessoas jurídicas,
simples manifestações de propriedade coletiva.
) Além dos autores citados à nota 2, devem ser invocados: Crimont, Istituzioni, 8 28;
Gianturco.Istituzioni, 8 7, letra B; Giorgi, Persone giurudiche: RIBAS, Direito civil 6º) A que enxerga, nas pessoas jurídicas (corpo-
brasileiro, 1, cap. Ia IV dotít, IV; CarLos pg CarvaLHO, Direito civil, art. 69; LACERDA rações, sociedades, fundações), substrata, reais como os que
DE ÁLMEDA, Das pessoas juridicas, Amaro CavaLcantt, Responsabilidade civil do
Estado, seção preliminar, Projeto, Nasuco, arts. 1 e 149-182; FeLicio vos SANTOS, arts. servem de base às pessoas naturais.
1352-170; Cogruo Ropricurs, arts. 13-44.
Adde: Código Civil chileno, arts. 34 e 3545-364; argentino, 30-50 (este código emprega 73 A que vê nas pessoas jurídicas verdadeiros
também a expressão — pessoa de existência ideal), espanhol, 35-39; colombiano, 73 e
633-652; uruguaio, 21, 2 parte; japonês, 33-84;
organismos sociais, dotados de alma e corpo, mas não incui
O Código Civil suíço, na lingua alemã, usa da expressão — juristischen Personen; da nessa categoria as coletividades, que, apenas aparentemente,
lingua italiana, persone juridiche; e na francesa, personnes morales (arts. 52 e segs).
€D Savionr, Joco citato; Marnz Droit romain, 88 107-111; Bonrante, Diritto romano, funcionam como pessoas jurídicas. €»
83 18-20; M acxerpzv, Direito romano, 147-149: DernBurs, Pand., 8 59-61; WinDscHaD,
Pand., 8 57; ED. Cuc, Les institucions juridiches des romains, II, págs. 173-178.
(2) Cicero, porém, no De ojfficiis, 1, 34, diz: Est igitur proprium munus magistratus a) Veja-se em EspixoLa, Sistema de direito civil, E, págs. 380 e segs., e em PLanioL et
intelligere se gerere personam civitatis: os magistrados devem compenetrar-se da idéia Rrexr, Traité, 1, nºs 67 e segs., a matéria tratada neste $, mas por outro modo exposta.
de que são a personificação da cidade. Consulte-se, ainda Ferrera CogHo, Código Civil, V, págs. 22-338.

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Clóvis Beviláquer teoria Geral do Direito Civil

Wi — A primeira das teorias indicadas gozou por pessoas jurídicas de um modo e de modo diverso as pessoas
longo tempo das simpatias gerais, a coberto de objeções. A naturais, porquanto estas somente gozam dos direitos, que a
personalidade natural, dizem, não é uma criação do direito, lei lhes garante.
este a recebe das mãos da natureza, já formada, e limita-se a A observação histórica esclarece muito bem esta
reconhecê-la. A personalidade jurídica, pelo contrário, matéria. Primitivamente, eram as tribos ou as nações as pro-
somente existe por determinação da lei e dentro dos limites prietárias do solo; em relação a elas, estabelecia-se o paren-
por esta fixados. & tesco e a responsabilidade criminal ou contratual; a eles cabiam
Contra esta asserção insurgiu-se o seguro critério as prerrogativas e a maior parte dos direitos, que estamos
jurídico de TeixEIRA DE Freiras. “Há nisto, exclama ele, uma habituados, a ver como emanações da personalidade indivi-
preocupação para alguns, porque supõem que não há reali- dual. Pouco a pouco é que o valor jurídico do indivíduo se
dade senão na matéria, ou só naquilo que se mostra acessível vai destacando da massa amorfa comum, da nebulosa jurídica,
à ação dos sentidos; e para outros, por causa das ficções do que se espraia por todo o círculo de organização social, a
direito romano, com as quais o pretor ia reformando o direito que ele pertence. Só então o homem, individualmente consi-
existente e atendendo às necessidades novas, simulando, derado, assume o posto mais nobre de portador de direito. &
porém, que o não alterava” & Não nos surpreendamos hoje, portanto, com a
Mas, como supor que o Estado é uma simples atribuição de direitos a certos circulos-de organização social;
ficção? E, se a lei é que erige essa ficção em pessoa, sendo a eles os possuiram e exerceram, quando os indivíduos não
lei a expressão da soberania do Estado, segue-se que a lei é a podiam fazê-lo, porque a exteriorização do direito pressu-
emanação, a consequência de uma ficção. Por outro lado, ou punha, da parte doa gente, uma provisão de força, de que
o Estado tinha uma existência real antes de se reconhecer somente as coletividades eram capazes.
como pessoa, enão é possível considerar fingida a sua personi-
ficação, ou não tinha existência real e não podia dotar-se IV — A segunda teoria foi sustentada por JHERING
com atributos jurídicos. e BoLZE. Ao primeiro é que devemos pedir que nô-la exponha
A verdade é que o reconhecimento das pessoas com a costumada lucidez de frase e a energia de pensamento,
jurídicas por parte do Estado, não é ato de criação, mas sim que é uma das particularidades de seu gênio.
de confirmação; nem no fato de conferi-lo trata o Estado as “Não, escreve ele; os verdadeiros sujeitos do
direito não são as pessoas jurídicas, e sim os indivíduos, que
B Savionr, Droit romain, 883; WinDscueip, Pandette, 8 40; Rota, System, 8 71; CEIRONI, as compõem; elas são apenas a forma especial mediante a
Istituzioni, 8 28; Laurent, Principes, 1, 8 289; Vaurteier, Personnes morales, RIBAS,
Direito civil, IL tit. FV, cap. IV.
Vasreixes-Sommibres também acha que as pessoas jurídicas são puras ficções, mas da
doutrina e não da lei. SemararELLA, | presupposti del diritto scientífico, pãg. 148; D'Aguano, Genese e
Esboço, nota ao art. 273. Vejam-se igualmente: VargiLEs-Sommibres, Personnes evoluzione del diritto civile, nº 63; Hermann Post, Grundiagen des Rechis, pág, 56, &
morales, nºs 35, 375-479; e Amaro CavaLcantt, Responsabilidade civil do Estado, sec. toda a obra Ethnologischen Jurisprudenz; a minha Legislação comparada, 1º 69, ea
Prelim., 8 2. minha Criminologia e direito, págs. 183 e segs.

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teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Bevilágua

qual estes manifestam suas relações jurídicas com o mundo com eles nada oferecem de comum. Estas idéias são: o
exterior, forma que não tem importância alguma para as interesse, parte nuclear do direito, e a sua repercussão dentro
relações jurídicas dos membros entre si. O direitos de cada de um círculo, mais ou menos estreito, de individuos.
um deles contra os outros ficam intactos, quanto à forma.” É Certamente o direito é um interesse que a lei
As fundações são uma forma muito mais protege, e esse interesse é uma irradiação da personalidade,
complicada da relação de que nos ocupamos. São, por si do sujeito do direito. Mas, pergunta-se, de quem será esse
mesmas, o objeto e o centro de gravidade de todas as rodas interesse nas corporações, nas sociedades, nas fundações?
jurídicas, que a fazem mover-se; porém o eixo de todo o seu Se fosse direta, imediatamente, dos indivíduos, poderiam estes
mecanismo está nas pessoas naturais, que são as que devem exercer, por si, Os direitos, que se atribuem a essas pessoas.
aproveitar-se dele. À personificação das fundações é, pois, a Suponha-se uma sociedade de fins ideais. Como
forma de um patrimônio apropriado aos interesses e aos fins admitir que os direitos e as obrigações da sociedade possam
de pessoas indeterminadas. Os destinatários das fundações ser de cada um de seus membros, de modo que possam eles,
são aqueles, em cujo favor foram criadas: — pobres, enfermos, individualmente, exercer os primeiros e se coagidos a cumprir
viúvas, órfãos. O as segundas? Se assim fosse, teríamos eliminado a idéia de
“A pessoa jurídica, por si mesma, não é a sociedade, porque esta supõe um todo composto de unidade,
destinatária dos direitos, que possui; destinárias desses direitos e, sobretudo, teríamos suprimido a idéia de personalidade
são as pessoas físicas, que se encontram, por assim dizer, por jurídica, porque esta, em realação às sociedades, supõe uma
trás delas. Essas pessoas físicas são os verdadeiros titulares universalidade, distinta dos elementos que a compõem.
dos direitos, e as pessoas jurídicas não fazem mais do que Universitas distat a singulis.
representá-las, pouco importando que se trate de um círculo Se, pois, não podem os membros da sociedade
determinado de indivíduos (universitates personarum) ou de exercer, por si, direitos, que competem, privativamente, à
um número indeterminado (universitates bonorum), por sociedade, não é lícito dizer que são eles os verdadeiros
exemplo, em um hospital, os enfermos, porque, pelo menos, sujeitos e a corporação uma aparência, um simples modo de
para o direito privado, a pessoa jurídica é, nesse caso, O ins- designá-los.
trumento destinado a corrigir a falta de determinação do O mesmo raciocínio pode aplicar-se às fundações.
sujeito.” Os pobres, os enfermos ou órfãos de um hospital, não podem
Esta teoria individualista confunde, ao meu ver, ser tidos como verdadeiros sujeitos de direitos, que o hospital
duas idéias distintas ou, pelo menos, que se devem distinguir exerce, ainda quando fosse lícito conferir-lhe uma ação para -
nos casos de personificação jurídica e ainda em outros, que obterem as vantagens, que o hospital é destinado a
proporcionar, pois que, além dessas vantagens, direitos outros
há, que se não poderiam conferir a essas pessoas naturais,
19 Espiritu del derecho romano, iv, 8 71,
OM Loco citato.
sem, ao mesmo tempo, destruir a instituição. Que seria dela,
O Op. cit, UI 8 46.
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Clóvis Bevilágquea teoria Geral do Direito Civil

por exemplo, se o direito de administrar o patrimônio, de relação ideal, quetem por princípio e fim, e por agente, unica-
manter a organização do estabelecimento, de cumprir as mente o homem... o Estado que é senão a reunião de indivíduos,
determinações estatutárias, fosse entregue ao arbítrio de cada a sociedade representada em seus agentes? As corporações e
um ou ainda de todos que, num momento dado, se achassem associações que são senão os mesmos indivíduos, unidos por
com direito de receber os benefícios da instituição? certo interesse? Os estabelecimentos de caridade e de
Essas pessoas têm, indubitavelmente, interesse instrução? Que há aí que possa dizer-se sujeito de direitos,
no desempenho das funções hospitalares, mas esse interesse senão os mesmos interessados na findação, representados pelos
não foi o elemento criador da fundação, aparece depois que gerentes dos mesmos estabelecimentos? “9
ela existe, depois que ela se vem oferecer para prestar uma Na Alemanha, pouca repercussão teve a doutrina
certa ordem de serviços. de JHERING, mas na França encontrou adesões e simpatias da
E a ação, a que há pouco aludia, contra quem parte de Lainé e de VAREILLES-SOMMIÉRES.
seria proposta? Contra o hospital? Mas, então, seria reconhe- Este último jurisconsulto acha as teorias imagina-
cer a personalidade da fundação. Contra a administração, das na França e na Alemanha “contrárias à observação e ao
diretamente? Mas, se esta não tem direitos próprios somente senso comum, exceto a de JnerING, onde brilha uma larga
pode aparecer nas relações jurídicas representando a fun- parte de verdade.” 4)
dação. Para ele, como para o excelso pensador alemão, os
É com o máximo respeito que levanto estas autores “tomaram por pessoa um meio engenhoso empregado
objeções à doutrina de um mestre, cujas opiniões têm sempre pelos antigos, e que é lícito empregar sempre, a fim de resumir,
valor extraordinário, porém, ainda que a sua opinião não seja, exatamente, e pintar, vivamente, as regras racionais, contratuais
neste caso, das que se poderiam chamar radicais, não me ou legais, que regem as pessoas verdadeiras em certas situações.”
parece que ofereça resultados práticos, em condições de com- “3 Acentuando o seu pensamento, define a pessoa jurídica —
pensar as deficiências da construção doutrinária. “uma pessoa fictícia, de origem puramente doutrinal e que,
Em conclusão, se é certo, como dizia Hermo- exclusivamente, por necessidade do pensamento e fa linguagem,
GENIANO, que hominum causa omne jus constitutum est, uma é considerada titular de direitos e de obrigações, que, na realidade,
coisa é afirmar que o direito é estabelecido para fins humanos pertencem a pessoas verdadeiras.” 0%
e outra é pretender que somente o homem individualmente
possa ser sujeito de direitos. O Novissima apostila, ComBra, 1859, aputel Amaro CavaLcanti, Responsabilidade
O eminente autor do Código Civil português O o civil do Estado, págs. 20-21. SEARA afirma, como o egrégio autor do Espírito do *
direito romano, que, num hospital, os sujeitos dos direitos são os doentes, únicos a
visconde de SEABRA, sem conhecer a doutrina de JHERING, quem os bens verdadeiramente pertencem.
chegou a resultados semelhantes, dizendo: “o direito é uma “ Persomnes morales, pág. 5. Veja-se ainda a mesma obra, páginas 132-135, onde se
expõe a doutrina de Junina.
1% Personnes morales, pág. 13.
& Fappa e Bessa, nota x às Pandectas de WiNDscHEID. Vol. I, pág. 715. 3 Op. cit, pág. 147. Varmttes-Sommiéres indica alguns autores que esposaram a
2. O texto refere-se ao de 1867, substituído pelo de 1966. doutrina. São eles: Du Macxy CHarmont é Diper Roussz (Op. cit, pág. 391).

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Cívil

Eliminar a pessoa jurídica, reputá-la apenas útil assunto “% não admitem semelhante construção, por con-
para “pintar e resumir, elegantemente, um estado de coisas, trariar, evidentemente, as regras fundamentais da lógica juri-
dando-lhe relêvo e cor, simplificando uma situação dica. O direito é uma relação, que não pode existir sem os
complicada,” (2 é desprezar a realidade, supondo prestar- dois termos: sujeito e objeto. -
lhe homenagem. E inútil repetir a argumentação, que opu- Uma opinião intermédia é a de JnerING, seguida
semos ao preclaro JHERING, mas não será de todo impertinência por FaDDA e Bensa, “2 Pensa o grande jurisconsulto que o
afirmar que o Estado não pode ser um simples vocábulo para sujeito é elemento indispensável de toda relação jurídica, mas
designar os indivíduos reunidos em um dado território, sob pode, temporariamente, faltar; existe sempre, mas basta que
uma determinada forma: basta considerá-lo em suas relações a sua existência seja certa no futuro. A existência atual é,
internacionais para ficar evidente a insuficiência e improbidade algumas vezes, dispensada. Foi a propósito desta questão
dessa concepção; que as corporações têm sua existência que ele imaginou a curiosa teoria do lado ativo e lado passivo,
própria, interesses seus, que podem ser contrários aos de efeitos ativos e efeitos passivos do direito. O fim ea razão
seus membros individualmente considerados; que, nas fun- do direito estão no seu titular, porque a sua existência tem
dações, o indivíduo, afirmando o seu direito de exigir do esta- por objetivo assegurar a este certas faculdades de disposição;
belecimento que lhe preste determinados serviços, ao mesmo eis o lado e os efeitos ativos do direito. Mas o direito se exte-
tempo, que outra pessoa existe obrigada a cumprir essa pres- rioriza, estabelecendo um vínculo entre o titular e uma coisa
tação e esta outra pessoa há de ser o estabelecimento repre- ou uma pessoa, vínculo que submete essa coisa ou pessoa
sentado por sua administração, e não esta, que o representa, aos fins do mesmo titular; eis o lado passivo do direito. Em
que tem os seus direitos prescritos no ato fundamental. 4 geral estes dois aspectos se apresentam simultaneamente,
porém, é possível que o lado passivo apareça, provisoria-
V — A teoria de que o direito, algumas vezes, mente, sem o ativo, ainda que na expectativa dele, subsistindo
não tem sujeito, vai tomando certo incremento na doutrina, o direito em consideração ao sujeito futuro.
embora encontre forte oposição da parte de escritores notabi- Apresentada com estas reservas, é a própria nega-
líssimos, e de imperiosas necessidades lógicas. WINDSCHEID, ção da estranha concepção. A relação não dispensa o sujeito,
Kozpren e BECKER acham que o patrimônio, em certas re- prepara-se para recebê-lo. Mas não vejo necessidade de seme-
lações, pode aparecer sem sujeito; KUNZE, ARNSDTS, DERNBURO, lhante concessão ao ilogismo; os fins práticos não a exigem.
Dusi e a grande maioria dos que se têm ocupado com o Suponha-se um patrimônio destinado ao estabelecimento de
uma fundação, que ainda não existe. Não existe de faro, mas .
existe de direito para o efeito da validade do legado e da
&9 Op. cit, pág, 225. Nas págs. 147 até 238, está propriamente concentrada a teoria de
VaREnLES-SOMMIBRES.
489 Vejam-se, em AMARO CavaLCANTI, Responsabilidade civil do Estado, págs. 32 à 33, 49 Veja-se a introdução deste livro, nº 46. PLanioL, acha que a doutrina do patrimônio
algumas ponderações críticas à doutrina, que suprime a personalidade jurídica em proveito sem sujeito é um absurdo (Traité, nº 1.905). Veja-se Amaro, Op. cit. págs. 36 e 37).
da pessoa natural. 47 Nota « às Pand. de Wrmscrem, 1, págs. 710 e segs,

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

conservação, administração e desenvolvimento do acervo de massas distintas, subtraídas ao regime da propriedade indivi-
bens. Tem aqui aplicação o preceito imaginado para caso dual. Por conseguinte essas pretendidas pessoas não o são,
diverso: nasciturus pro jam nato habetur cum de ejus ainda ficticiamente: são coisas.” 9
commodo agitur.
PLANIOL refere-se particularmente às corporações
Vi - A doutrina de ZrreLMANN e MEUREN, e estabelecimentos públicos, às sociedades privadas e às obras
segundo a qual a vontade, destacada das outras faculdades, pias, mostrando que, em cada uma dessas espécies, o que se
deve ser considerada o verdadeiro sujeito tanto dos direitos vê é uma propriedade coletiva, que, aliás, se não deve
atribuídos às pessoas naturais, quanto dos atribuídos às confundir com a indivisão ou condomínio, porque, neste caso,
pessoas jurídicas, nada explica, nada resolve; confere à cada co-proprietário tem uma parte no patrimônio comum e
vontade uma autonomia, que absolutamente ela não tem, e, conserva a sua autonomia, enquanto que, nos casos das
se não é isso, confunde um dos elementos criadores do direito pessoas civis, a propriedade é da coletividade, de todos juntos
(declarações de vontade) com o próprio sujeito, menbro da indefinidamente, não podendo a vontade de um sócio emba-
relação jurídica. “9? Condenada pela psicologia experimental, raçar a gestão feita de acordo com à organização dada à
não exige esta doutrina que o jurista despenda mais tempo propriedade coletiva (estatutos, compromisso, contrato).
em refutá-la. É o que se pode chamar teoria objetiva ou mate-
rialista. Embora, porém, o simpático civilista procure invocar,
VII — PLanioL, pensa que “a idéia da personali- em seu favor, Os juristas romanos que não chamaram os
dade fictícia é uma concepção simples, mas superficial, que collegiam corpora e universitates, de pessoas, dizendo apenas
oculta a nossos olhos a persistência, até o presente, da proprie- FLORENTINO que faziam as vezes de pessoa (personae vice
dade coletiva ao lado da propriedade indiviodual. Supõe-se, funguntur), embora descubra em LAURENT, BEQUET € HEUVE,
erroneamente, continua o sábio professor francês, que as traços da idéia que, pela primeira vez, ele expõe em toda a
sociedades modernas não têm mais de uma forma de sua nitidez, força é convir que as suas razões não convencem,
propriedade, a que todo mundo conhece, a propriedade de e que a sua concepção não apanha a figura das pessoas
um campo ou de uma casa pertencente a um particular E jurídicas em sua realidade.
uma idéia falsa!” Diz-nos ele: Não basta que um grupo associativo
esteja organizado, para que se lhe possa atribuir uma perso-
nalidade, é preciso que tenha um patrimônio, um domínio;
“Sob o nome de pessoas civis é necessário, pois, portanto, a pretendida personalidade é aqui sinônima de
compreender a existência de hers coletivos, em estado de massa de bens, a idéia de pessoa fictícia é inseparável da

8) Veja-se em Amaro CAVALCANTI, Responsabilidade civil do Estado, págs. 44-46, as 49 Traité, L nº 675. No Traité pratique de PLaxioL et Rrers, L nº 68, esta teoria é
objeções de MicHoun, Grorai E Ducurr contra a Willenstheorie. esposada pelos autores e sim atribuída, particularmente, ao primeiro.

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Clóvis Bevilágua teoria Geral do Direito Civil

propriedade coletiva. proposta por PLANIOL. E, além, desse defeito capital, um outro
É certo que dominou, por algum tempo, na apresenta, que também, por si só, seria suficiente para que a
doutrina, a suposição de que a posse de um patrimônio próprio rejeitássemos. Não vê, nas pessoas jurídicas, a face mais
era um dos pressupostos jurídicos da existência das pessoas elevada, que é o fim, a causa finalis, que determinou a sua
ideais; mas, à proporção que a inteligência foi penetrando criação. No Estado, descobre apenas a fazenda pública, e
mais fundo nesta modalidade do ser jurídico, que a ciência não o sistema de forças sociais organizadas para a realização
iluminando esta região outrora mal explorada, a noção se foi do direito e dos fins culturais da sociedade, que ele se destina
alargando, acentuando, desprendendo de preconceitos, emer- a assegurar, nas ordens monásticas, encara os campos, que
- gindo nítida em plena luz, e hoje é princípio assente que, se a os monges fazem cultivar e os prédios alugados, mas não os
pessoa jurídica é sempre capaz de adquirir um patrimônio, a intuitos religiosos, nos estabelecimentos pios, o principal é o
preexistência destes nem sempre é necessária para que ela patrimônio, e não o sentimento de caridade, que vai ao en-
se constitua. O patrimônio não é pressuposto conceitual de contro dos necessitados. Evidentemente, esta teoria conturba
sua existência. C) as noções e desnatura Os institutos.
Muitas sociedades científicas e literárias, assim
como outras de fins ideais, podem dispensar um patrimônio VIE — À teoria organicista DE GiERKE, En-
realizado, porque podem conseguir os seus fins, dispensando DEMANN, FERRAT, SALEILLES, MICHOUD e tantos outros (ainda
essa base econômica. Já não me quero referir às corporações que entre estes autores não haja unidade de istas, e ofereçam
de mendicantes, tão comuns outrora, mas suponha-se que apenas matizes de um pensamento fundamental), vê na pessoa
um grupo de dedicados amantes da instrução pública toma a jurídica um ser real, um verdadeiro organismo, tendo uma
seu cargo difundi-la pelos métodos mais aperfeiçoados, e, vontade, que não é, simplesmente, a soma das vontades dos
para dispor de melhores elementos de êxito, se constitui numa associados, nem o querer dos administradores. GIERKE,
associação regularmente organizada, com seus estatutos, onde exagera esta observação verdadeira e dota a pessoa jurídica
os fins sociais e as funções dos sócios sejam bem determi- de uma inteligência. ENDEMANN é mais comedido e, por isso
nadas. Que necessidade há de um patrimônio para que essa mesmo, vai trilhando o terreno firme da experiência e da razão.
associação possa obter personalidade jurídica? Nessas e em Todo direito, observa ele. Existe por causa do homem, porém,
outras sociedades, como as religiosas, o patrimônio é um - “as pessoas jurídicas apanham os interesses humanos em um
elemento secundário, e pode, conforme as hipóteses, ser sentido mais elevado, o sentido social. Elas não são criações
dispensável. arbitrárias, juridicamente subutilizadas; correspondem ao
Rui, consequentemente, pela base, a construção contrário, a uma necessidade geral e bem fundada das relações
da vida.” E acrescenta: “a necessidade de formar persona-
Op. cit, nº 676, texto e nota À. lidades coletivas é da própria natureza humana e essa neces-
Ch WixoscHem, Pand., 8 58, nota 1; Privatrecht, 8 49, nota 3, LACERDA DE ÁLMEIDA,
sidade somente se pode satisfazer quando o coletividade é
Pessoas jurídicas, 8 2.

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Clóvis Beviláguar teoria Geral do Direito Civil

recebida como sujeito de direito. Naturalmente isto se que exprimem realidade, discrimina as pessoas jurídicas
desenvolveu, primeiramente, com as associações pessoais propriamente ditas das que impropriamente assim são
(tomando por modelo a associação da família), passando em chamadas, e que são apenas abreviações, “por trás das quais
seguida às fundações” estão os indivíduos, verdadeiros titulares dos direitos, que a
FerraT entende que “o sujeito do direito na coletividade ostenta.” “9 É nas pessoas jurídicas propriamente
associação é o feixe de todas as vontades dos associados, ditas que distingue os dois elementos, o corpus e o animais.
reunidas em um todo harmônico e dirigidas para um mesmo “O corpus, que nas associações é, em regra, uma
fim,” idéia quejá havia sido anteriormente expressa, quase coletividade de mais ou menos vastas proporções, explica-
pelos mesmos termos por BorsteL. nos LACERDA DE ALMEIDA, nas fundações consta de uma pessoa
ou de um grupo limitado de pessoas, tantas quantas bastem
IX — Também organicista, porém com idéias para a respectiva administração” €9
divergentes, é LACERDA DE ÁLMEIDA, que tem uma teoria O animus é a idéia “que subjuga e arrasta,”
original, para explicar a natureza das pessoas jurídicas. tornando “o homem escravo de uma aspiração.” A impor-
Assim como no mundo orgânico se nos depara o tância desse elemento nas associações é intuitiva. “Por ele,
dualismo do espírito e da matéria, pensa o jurisconsulto essas coletividades surgem, vivem e se conservam; sem ele,
brasileiro que é possível descobrir na pessoa jurídica, seja nada são ou, melhor, não passam de corpos mortos, como o
uma associação ou uma fundação, o espírito e o organismo, organismo humano, donde desapareceu a vida” (7) Nas
“aidéia que busca órgãos, para manifestar-se, e órgãos, onde fundações, o animmus é a vontade do instituidor que se corpo-
a idéia se encarna ou busca realizar os seus destinos.” ” rífica nos órgãos, isto é, na administração dela; não móbil e
Esta concepção coloca em situação semelhante, modificável como nas associações, mas cristalizada e imóvel
no campo jurídico, os dois gêneros de sujeitos das relações em sua expressão verbal, como última vontade; não vivendo
de direito, o indivíduo e as pessoas jurídicas, e aproxima, sob no ânimo de cada um dos indivíduos como nas associações,
o ponto-de-vista da idéia e da função, as duas modalidades de que são representantes os que a dirigem e governam, mas
de pessoas jurídicas, as corporações e as fundações, nas quais morta para a vida atual e só tendo por órgãos os adminis-
ó princípio unificado, a energia orgânica e vital brota do tradores, nos quais se encarna.” (8)
pensamento inicial e finalístico.
Buscando analogias na teoria da linguagem, X — A teoria, que, em seguida, vai ser exposta,
distinguindo termos, que indicam simples conceitos, e termos, não diverge, na essência, da que foi indicada sob o nº VHL,

E Encemann, Einfuehrung, I, 8 43, nota 1.


E» Apud VarenLEs-Sommibres, Personnes morales, págs. 86 e segs., onde se expõem 5 Nota B no fim do volume,
igualmente as idéias de LamarzeLLE e Hauriou, no sentido desta doutrina, que vai E Op. cit. pág. 73.
conquistando as mais extensas simpatias. 7 Op. cit, págs. 51-54,
MN Pessoas jurídicas, pág. 48. 2% Op. cit, pág. 73.

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Teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Bevilágua
Umas e outras são igualmente reais; a distinção está em que
nem se opõe à que acaba de ser invocada, mas, tomando
umas são dotadas, naturalmente, de razão, ao passo que, às
ENDEMANN por guia principal, afasta umas idéias e concilia
outras, a racionalidade é parcialmente adquirida, mediante
outras, para melhor apanhar o que parece a realidade dos
um arranjo especial do homem, umas receberam o seu orga-
fatos.
Koner também contribuiu, consideravelmente, nismo da própria natureza, ao passo que as outras somente
conseguem a forma orgânica, porque as penetra a natureza
para que o pensamento jurídico se libertasse de certas suti-
humana.
lezas metafísicas e exageros doutrinários.
Resumirei a sua doutrina. Pessoa é um ser ao Assim, ao lado das pessoas corpóreas, estão as
qual se prendem direitos subjetivos de modo que a possam jurídicas. Explicava-se isto outrora, dizendo que estas últimas
acompanhar e seguir. A ordem jurídica poderia atribuir essa vestiam, ppor ficção, uma roupa de homem. Era um recurso
qualidade a qualquer ser, uma árvore ou um animal. Não o da teoria ainda imperfeita. Na realidade, a pessoa jurídica
faz, porque a ordem jurídica atribui a personalidade a um ser,
não é um homem fictício, porém uma pessoa real, criada
a fim de que ele, por meio do direito, se possa incorporar pela ordem jurídica. A noção de pessoa é mais extensa do
uma porção de bens, fruí-los e, assim, alcançar o seu completo que a de homem. CA
desenvolvimento. Como, porém, a idéia de gozo não é
essencial ao. direito subjetivo, surge uma outra razão pela
qual a ordem jurídica se exime de atribuir personalidade a $19
seres das espécies indicadas. O direito é alguma coisa de vivo, CONCEITO DA PESSOA JURÍDICA
que consiste em transformações constantes e que necessita
de renovações ininterruptas, pois que a natureza se envolve, O homem é um ser sociável, zoon politikon. A.
mudam as necessidades e, com estas, o direito. “Daí resulta sociedade é o seu meio necessário; fora dela não o podemos
que o sujeito do direito deve ser formado de modo que possa
€% Lehrbuch des buerg. Rechts. 1, 8 131; Einfiehrung in die Rechtwissenschaft, 8 8.
acompanhar as mutações do movimento, de modo que possa Veja-se ainda Som na Spstematische Rechswissenschaft, págs. 22-24. As necessidades
entrar nesse movimento de uma maneira correspondente- sempre crescentes das comunidades sociais exigem que se lhes atribua um patrimônio
independente. A forma jurídica desses bens de corpos sociais é a personalidade jurídica
mente racional, isto é, conforme às determinações do direito.” da comunidade. Tal a condensação de sua doutrina.
Por isso a ordem jurídica exige que os sujeitos de direito “ Sem se afastar da teoria realista, que enxerga na pessoa jurídica uma realidade criada
pela ordem constituída, o direito modemo a qualifica com a especificação de “realidade
sejam, ao menos em sua generalidade, capazes de agir racio- técnica”, mais adequada do que imputar-lhe uma “realidade objetiva”. Desta sorte, admite
nalmente. Na primeira linha, aparece o homem, que é um ser a sua personalidade sem qualquer artifício, como decorreria da própria ordem jurídica (cf.
a respeito da realidade da pessoa jurídica: PLantoL, Rex et BouLanoer, Traité Elémentaire,
dotado de razão, e, depois, os seres aos quais se pode fornecer vol. 1, nº 706; Caprranr, Introduction à 1'Etude du Droit Civil, pág. 170; Micmowp et
a razão humana pela anexação de órgãos.” Trotasas, La Théorie de la Personnalité Morale, vol. I, nº 31; Josseraxp, Cours de Droit
Civil, nºs 662 e segs.; Ogvrmann, Introduccion al Derecho Civil, $ 13; CoLa et CaprranT,
Assim, naturalmente, se constituem dois gêneros Cours de Droit Civil, vol. L nº 709; Cunta Goxçacves, Tratado de Direito Civil, vol. E,
de pessoas: às corpóreas ou físicas e as morais ou jurídicas. Tomo If, nº 118; Mazzau, MAzEawD et MazEAuD, Leçons de Droit Civil, vol. E, nº 594;
Cato Mario DA Siva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. L nº 54.

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

compreender. “ Encontram-se homens e até povos ateus, já existência dentro da esfera do direito. Esta existência do
tive ocasião de escrever, já mesmo religião sem deuses; Estado é real, solicitada pela própria natureza humana, não
ninguém concebe, porém, o homem fora da sociedade. Assim um simples produto da imaginação. Podemos, pois, com toda
como só podemos compreender os corpos com as suas a segurança, considerar o Estado a pessoa jurídica por exce-
propriedades, considerando-os no espaço, como seu meio lência.
próprio, do mesmo modo só podemos compreender o homem, Sua forma é a da corporação; é o círculo má-
com a sua natureza moral e intelectual, estudando-o na ximo da organização social, afirmando-se como sujeito do
sociedade.” direito. A sociedade internacional dos indivíduos e a sociedade
A sociedade organizada de modo a poder coagir dos Estados são organizações mais vastas do que o Estado,
o indivíduo e os grupos de indivíduos a submeterem a sua mas, pelo menos em nossos dias, não são mais do que um
atividade aos fins sociais, que são de ordem superior, eis o meio, onde se travam relações jurídicas e não corporações,
Estado. Sem ele, a sociedade não poderia tomar forma que afirmam, juridicamente, a sua existência como sujeito
definida e desenvolver-se. O Estado, pois, é mais do que uma dessas relações.
simples criação social; é a própria sociedade olhada pelo lado O Estado não é um todo compacto e inteiriço; é
da organização de suas forças coativas, segundo a expressão antes, um composto de centros diversos de organização, que
de JHeriNG. 2 lhe são subordinados. Os Fistados Federados, nas formas
Mas o Estado, forma jurídica da sociedade, para federativas de governo, as províncias, nas formas unitárias,
estabelecer a harmonia entre os indivíduos, impulsados pelas os municípios, e ainda outros círculos menores embora
solicitações de próprio egoísmo, destaca-se da massa geral movendo-se dentro de um organismo mais vasto, apresentam
desses indivíduos, como um ser de ordem mais elevada, no
qual se unificam e transformam as vontades individuais. Esse 9 Risas, Direito civil, IL, tit. 4, cap. V, $ 2; LacerDA DR ALMEIDA, Pessoas jurídicas, &8
ser de ordem diversa é a princípio, um organismo imperfeito, 4e 9. Outros concebem a personalidade do Estado como restrita ao fisco e, portanto,
entrando, sob o ponto-de-vista do direito privado, na classe do complexo de coisas
mal seguro, vacilante; mas, pouco a pouco, se consolida, suas personificadas (Wixoscuem. Pand., $ 57; nº 3); outros, como um estabelecimento de
funções se acentuam mais nitidamente, a visão de seus fins existência puramente ideal (Rorx, System, $ 71). A verdade é que o Estado se concebe
como uma corporação: é a nação politicamente organizada. E, se, nasrelações privadas,
Apresenta-se clara, e para realizá-los, ele se mune muitas vezes, se estabelece sinonímia entre União e Fazenda Nacional , essa metonímia
dos meios necessários, organiza o seu exército, a sua adminis- não tem por efeito alterar o conceito da personalidade civil do Estado. Conf CarvALHO DE
Menconça, Direito, vol. 87, págs. 3-9. .
tração, os seus instrumentos de preparo e execução das leis, &» Coma criação da Sociedade das Nações, pelo Pacto, que constitui a Primeira Parte do
exige serviços pessoais de seus membros, faz-se proprietário, Tratado de Versailles, concluído em 28 de junho de 1919, um organismo de maior extensão
do que os Estados se esboçou, & teria já produzido melhores resultados, apesar dos
trava relações com outros seres de igual categoria. Desenvol- inevitáveis defeitos originários, se a política militarista não lhes tivesse perturbado à
vendo a sua atividade nessas diversas direções, afirma a sua evolução. Como por que seja, a Socjedade das Nações é uma corporação internacional,
com órgãos adequados, por cuja consolidação fazemos votos os que sonhamos, para a
humanidade, o reinado da paz e da justiça. Dela se afastou o Brasil, para não ter a
O Criminologia e direito, pág. 160. responsabilidade dos desvios, que não poderia impedir, mas, não devemos desanimar de
O Zweck im Recht, 1, pág. 309 da 2º edição. futuro domínio dos bons princípios, que o direito internacional propagou,

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

força vital própria, que não se reflete somente na ordem sociedades civis e comerciais, assentando a doutrina o princípio
política, faz-se também sentir na ordem privada. de que devem ser considerados como pessoas jurídicas todos
Reconhecendo a vida autônoma dessas corpo- os agrupamentos de homens, que, reunidos para um fim cuja
rações políticas, não criamos nenhuma ficção, traduzimos, realização procuram, mostram ter vida própria, distinta da
na linguagem do direito, fatos da vida, que caem sob as vistas dos indivíduos que os compõem, e necessitando, para a
do observador comum. segurança dessa vida, de uma proteção particular do direitoO
Não é menos verdade afirmar, das coletividades Dentre as pessoas jurídicas, oferecem feição muito
constituídas na ordem privada, o que acabamos de reconhecer curiosa as fundações, que consistem em complexos de bens
como em
irrecusáve l relação às coletividades de ordem (universitates bonorum) dedicados à consecução de certos fins,
política. Assim como aquelas são pessoas jurídicas organizadas e para esse efeito, dotados de personalidade. O Esta forma de
de acordo com os princípios do direito público, são estas pessoa é um desenvolvimento de idéias romanas, soba ação de
sujeitas do direito que se movem dentro da órbita traçada direito canônico. No direito romano, os estabelecimentos pios
pelas leis de caráter privado. estavam inteiramente ligados a uma associação; o direito
As associações, diz, ENDEMANN, * são apenas canônico deu-lhes existência independente. O
uma segunda forma, pela qual se afirmam os interesses Foi, porém, no direito alemão que maior desen-
humanos, que não recebem plena satisfação com a simples volvimento doutrinário teve esta figura jurídica, destacando-
prossecução dos fins individuais; porém, conduzem também se O que a respeito escreveu O. GiErKE: A fundação, diz ele,
às coligações para a realização de fins comuns, ao agirem na é um organismo social independente, cuja alma é constituída
qualidade de membros de um todo mais elevado. Quanto mais pela vontade do instituidor, que perdura nela, e cujo corpo é
claramente o homem se reconhece como produto do seu formado pela associação incumbida da realização dessa
grupo social, tanto mais lucidamente se vê que as associações vontade. A vontade do instituidor corporifica-se em um
são também, na vida do direito, uma forma natural e necessária organismo institucional, que lhe serve de portador perpetua-
pela qual o próprio sujeito individual do direito provê aos mente vivo. &
seus interesses. Daí resulta que, com a associação, se forma
Esta concepção faz incluir as fundações na classe
um corpo social dotado de interesses próprios, o qual, do das associações, são associações de um caráter especial. *
mesmo modo que o indivíduo, deve ser, juridicamente, reco-
nhecido como existindo realmente, como dotado de atividade,
9 D'Aguaxo, Genese e evoluzione del diritto civile, pãg. 137, FaDDa e Bexza, nota x às
e não como um ser fictício. Panel, de Wisoscusm, val. E pág. 787; Enbexass, Einfiehrung, 1, 843; Gurre, Deutsches *
Privatrecht, 1, 8 58 esegs.; VavenDE, Instituciones, cit, págs 14] esegs.: Gioroi, Persone
Este modo de ver, conquistando, dia a dia, maior
giuridiche, Aves, Leis da Provedoria, nota 205; Lacerda DE OLiveiRa, Pessoas jurídicas,
número de prosélitos, faz com que se vá facilitando o 8 7; Amaro CavaLcantE, Responsabilidade civil do Estado, págs. 37 e segs.
reconhecimento da personalidade jurídica às diversas O Rom, System, 8 73; StoBsr, Privatrecht, 1, 8 62; ENDEMANN, vinfuehrug, E, 8 43;
minha Legislação comparada, lição KVIL
O ENDEMANN, Op. cit, 8 49, nota 2.
B Einfuchrung, 8 43, nota 1.
8 Op. cit, 878; Dernsurs, Pand., 8 62. Conf LacerDa, Pessoas jurídicas, $ 7, nota 8.

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

Corporações e fundações, dizem Fanna e BEnsa, são dois ordens: as de direito público e as de direito privado.
nomes hoje tradicionais, e também aceitáveis pela certeza de São pessoas jurídicas de Gireito público: 1º o
sua significação, mas, em substância, conduzem sempre a Estado, entre nós a União; 2º os diversos círculos menores
isto: — a uma associação de homens, realidade existente, como de organização política ou administrativa, como os Estados
titular dos direitos respectivos.” particulares ou federados, as províncias e os municípios SH
O sujeito do direito, nas fundações, é a idéia ou
fim que se prossegue, disseram Savicny, Pucura E MAvnz; C9 é 1 — São pessoas jurídicas de direito privado: 1º
o próprio patrimônio, afirmam outros, é uma associação, as sociedades civis de fins ideais ou econômicos; 2º as socie-
doutrinam GigRKE, REGELSBERGER e outros. €»? Esta última dades comerciais; 3º as fundações.
opinião vai tomando grande ascendente na doutrina, mas, se é Por sociedades entendem-se aqui os agrupa-
comum atribuir um patrimônio a uma pessoa jurídica já mentos de homens reunidos para um fim cuja realização
existente, e se, por outro lado, ordinariamente a fundação é procuram, tendo vida própria, distinta da dos individuos
administrada por uma corporação, a verdadeira idéia de que os compõem, compreendendo:
fundação é a de um patrimônio transfigurado pela idéia que o «) as associações ou corporações religiosas, como
põe ao serviço de um fim determinado. 9 E ainda aqui em ordens monásticas, ordens terceiras, irmandades, confrarias;
favor do homem que o direito é reconhecido e assegurado,
pois é para a realização de fins humanos, e dos mais nobres, (9 Veja-se: o Código Civil arts. 13 6 14; Cartos pe Carsango, Direito Civil, qts. 146
que existe esta categoria de pessoas. e 147; LacerDA BE Atmemna, Pessoas jurídicas, 88 D-13: Amaro CavALCANTE, OP. Cit,
págs. 66-68, EspixoLa, Sistema de direito civil, 1, págs. 403 e segs.
O Código Civil alemão distingue as pessoas jurídicas de direito público Quristische
Personen des oeffentlichen Rechts) das associações (Vereine) e das fundações
8 20 | (Stiftungen). Vejam-se os arts, 21-89. O Código Civil do cantão dos Grsiões, art. 87,
CLASSIFICAÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS havia, precedentemente, adotado classificação semelhante, mas distinguindo as pessoas
jurídicas de direito privado em corporações, associações é fundações. C orporação é
um conjunto de pessoas, que, apenas coletivamente, gozam de certos direitos é os exercem
por meio de uma vontade única. Associação é uma reunião de pessoas que têm direitos
1 — As pessoas jurídicas podem reduzir-se a duas próprios de usufruto ou de quotas-partes dos bens comuns.
O Código Civil do Japão, art. 34, refere-se às associações e aos agregados de bens.
É ociosa distinguir as associações das corporações. Corporações segundo define RiBas
“2 Citada nota x às Pard. de WispscueiD, vol. É. (Direito civil, II, pág. 125) são coletividades de pessoas naturais, que podem substituir
O Saviany. Op. Cit, $ 86; Mans, Op. cit. 1, 88 20-23. por outras, sem que se alterem as mesmas coletividades. Veja-se ainda T, Ds Frerras,
GH Koncer, Lehrbuch, $ 131. VH, acha que só em sentido translato se pode dizer que a Vocabulário jurídico, e Amaro CavsLcanti, Resp. civil do Estado, pág. 70. As associações
vontade do instituidor sobrevive incorporada na fundação; na realidade apenas perduram são, em rigor, agrupamentos de pessoas que visam a um fim ideal. Mas o termo tem
osresultados dela, Assim como no fonógrafo não se acha o cantor, sempre que a máquina grande elasticidade. Num e noutro caso, o princípio associativo é fundamental, por isso
funciona, reproduzindo a canção gravada no fonograma, também na findação não está é melhor darmos a ambos a designação de sociedade, ainda que sob a condição de definir
sempre animada a vontade do instituidor. 9 termo.
“2 O Código Civil no cantão dos Grisões, art. 87, definia fundação -- determinada massa & No direito positivo brasileiro, consideram-se ainda pessoas jurídicas de direito público
de bens, destinada a fim especial e tendo uma administração especial. E o Código suíço as autarquias, que são entidades dotadas de personalidade, provindas de descentralização
reproduz a mesma idéia no art. 80, dizendo que uma fundação se institui, destinando-se por serviço, para executar atividades típicas da Administração Pública (Decreto-lei nº
bens á consecução de um fim particular. 200, de 25 de janeiro de 1967).

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Clóvis Bevilágque Teoria Geral do Direito Civil

b) as associações fundadas para fins de benefi- Igreja é tratada como potência, como pessoa jurídica inter-
ciência, recreio, arte, literatura, ou ciência; nacional. &
c) as sociedades civis não incluídas nas ciasses É certo que alguns escritores têm negado a perso-
antecedentes, que revestirem a forma comercial; nalidade jurídica da Santa Fé; “) mas não podemos, logi-
cd) as. sociedades comerciais, anônimas, em co- camente, fazê-lo enquanto entre nós existir a nunciatura e
mandita, em nome coletivo e por outras, de responsabilidade junto ao papa mantivermos representantes diplomáticos
limitada; Na ordem privada, a Igreja católica, em vez de
e) os sindicatos agrícolas e profissionais. se apresentar em sua unidade, como a reunião de todos os
fiéis, para facilidade de seus próprios fins, fraciona-se em
HI — Algumas questões se apresentam a pro- coletividades, corporações, igrejas, irmandades. “Conquanto
pósito da enumeração das pessoas jurídicas, às quais é preciso os princípios da unidade de Deus, da fé e da comunhão cristã
atender Indaga-se, em primeiro lugar, se a Igreja é uma pessoa tendam a generalizar a idéia dessa pessoa jurídica, pondera
jurídica. RiBas, É as necessidades da vida prática forçaram a admitir
Desde o tempo de CONSTANTINO, as igrejas pu- sua pluralidade e a localizá-la, em todos Os templos cristãos.”
deram ser contempladas em testamento, e, portanto, gozaram Esta lição do civilista pátrio não é mais do que a reprodução
de capacidade jurídica. Mas cumpre hoje distinguir duas do que aprendera em Savicny, que não diz coisa diversa,
ordens de relações: a pública e a privada. concluindo também pela afirmação de que “foi mister adotar
Na ordem pública, visto como a Igreja católica a pluralidade de pessoas jurídicas para os bens da Igreja”
tem um chefe universalmente reconhecido, perante o qual Sob esta relação, a Igreja católica está colocada,
são enviados representantes diplomáticos, do qual se recebem, em face do direito brasileiro, na mesma situação em que outra
igualmente, embaixadores, um chefe que é tratado como qualquer seita, cujos crentes se reúnam em corporações ou
soberano, não há dúvida que oferece os caracteres de uma instituam fundações.
pessoa jurídica internacional, à semelhança de uma potência, LACERDA DE ALMEIDA considera a Igreja católica,
de um Estado estrangeiro. Sob este aspecto, a Igreja católica as dioceses, as paróquias, os cabidos, pessoas jurídicas de
apresenta-se com a denominação particular de Santa Sé, e direito público. ” Ainda que a sua explicação dê uma feição
acha-se numa posição excepcional, porque nenhuma outra
& Consultem-se: o meu Direito público internacional, 3 43; Boxrits, Droit international,
nºs 370-396: Pauciuis, Droit internenional, 1? 135: SA Ve. Agents diplomatigues. .
& Confira-se com CARLOS DE CarvALHO, Direito Civil, art. 132, que, aliás, apresenta uma pags. 92-99: Larayerre, Direito internacional, 8 4), CarLos E CarvaLto, Direito civil,
enumeração diversa; LACERDA DE ALMEIDA, Pessoas jurídicas, 889 e 18 a 23, que nega
art. 150; LacERDA DE ALMEiDA, 4 ereja e o Estado, Rio de Janeiro, 1924, 8 7.
a personalidade de algumas das entidades indicadas no texto; Amaro CAvALCANTI, |
Responsabilidade civil do Estado, págs. 69-73; Rimas, Direito civil, págs. 115 a 125. Grasso, Diritto internazionale, 8 7; BLuntscHLI, Droit int. Cod. art. 26.
Sobre as sociedades por quota, criadas pela Lei nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919, S Rimas, Direito civil, II, pág. 136.
veja-se: ViLEMOR AMARAL, Das sociedades limitadas, Rio de Janeiro, 1921; W aLDEMAR € Direito romano, 8 88.
Ferrera, Das sociedades por quotas, S. Paulo, 1925; NorEDINO ALvEs DA SILVA, D Pessoas jurtidicas, $ 14 e, em particular, a nota 6: 4 Igreja e o Estado, 88 I6e 17e
Sociedades-quotas-limitadas, Rio, 1927. nota €,

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

elevada ao assunto, não me parece convincente. Consiste a organizam, o Estado vê na Igreja católica, externamente,
teoria do douto jurisconsulto em considerar a Igreja e o uma vasta unidade dirigida pela Santa Fé, e, internamente,
Estado como seres submetidos às normas superiores do uma variedade de corporações e fundações colocadas, no
direito das associações; o direito constitucional do Estado e plano das outras corporações e fundações que o direito
os canônes da Igreja, leis internas, estatutos dessas grandes privado reconhece e protege.
associações.
Mas, afastado o direito internacional, que aqui IV — As sociedades comerciais e às civis de forma
nada tinha que ver, o direito público interno é a expressão comercial, excetuadas as anônimas, recusavam também alguns
jurídica da organização nacional como entidade política. autores a personalidade civil, questão hoje, legalmente
Organizando-se políticamente, o Estado é soberano. Todas resolvida pelo Código Civil Brasileiro, art. 16, II.
as entidades, que vivem dentro da esfera de sua organização, LACERDA DE ALMEIDA, coloca-a entre as pessoas
devem ser-lhes, necessariamente, subordinadas, ao menos sob jurídicas impropriamente tais, isto é, acha que são apenas um
certas relações, pois é inadmissível, perante a lógica e perante modo de expressão técnica, sendo os verdadeiros sujeitos de
os fatos, que dentro do Estado exista uma associação, que direito os indivíduos associados. Semelhante é o parecer
tenha poder jurídico igual ou superior a ele. Se a Igreja não de REYNALDO PorcHar, que, aceitando, em parte, a doutrina
pode ser subordinada ao Estado, é porque não vive dentro de VAREILLES-SOMMIÉRES, sustenta que faltam às sociedades
dele, sendo mais extensa e substancialmente diversa; se não comerciais, tirante as anônimas, os caracteres da pessoa
está submetida ao direito constitucional do Estado, não é jurídica, isto é, a distinção entre elas e as pessoas que as
possível considerá-la pessoa jurídica de direito interno. compõem, e a distinção dos respectivos patrimônios.
O que se diz da Igreja católica, em geral, deve, Mas eu vejo bem esses caracteres nas sociedades
por identidade de razão, ou por via de consequência, dizer- comerciais e civis de forma comercial. Realmente os
se das suas divisões locais, dioceses e paróquias, que serão membros de tais sociedades podem contrair obrigações fora
pessoas de direito público eclesiástico, mas, em frente do do circulo das relações da sociedade, e comparecer em juizo
direito secular, somente poderão aparecer como associações como autores e réus, por efeito dessas obrigações. Por seu
de caráter privado, se se organizarem segundo os preceitos lado, as sociedades realizam os atos próprios para os quais
do direito civil. Não sendo uma pessoa de direito público foram organizadas, propõem ações, são chamadas perante
interno, mas, sendo-o do externo, não se lhes pode recusar o a justiça civil. Quer isto dizer que funcionam como pessoas
exercício de direitos civis. Mas, por outro lado, também não jurídicas.
se pode recusar ao Estado soberano o direito de regular o É inegável que a personalização é menos intensa,
seu direito interno, segundo os conselhos da prudência, em algumas dessas sociedades, mas, se a responsabilidade
provendo à sua paz e conservação. Por isso, podendo
determinar o modo pelo qual as pessoas jurídicas internas se 8 Pessoas jurídicas, 8 26.
Direito, vol. 93, págs. 337:348.

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Teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Beviláqua

do sócio é subsidiária, aproximadamente como a do fiador,“ outra das objeções a que responde o emérito comercialista,
não se pode recusar personalidade a quem responde imediata mostrando que, se realmente a fortuna particular dos sócios
e diretamente.
concorre para o crédito da sociedade, também acontece que
CarvALHO DE MENDONÇA encara os diversos argu- sociedades em comandita gozam de grande crédito tendo um
mentos lembrados contra a personalidade das sociedades único sócio solidário sem fortuna pessoal.
comerciais, e mostra-lhes a improcedência. Os sócios são Se fosse rigorosamente verdadeira a observação
solidariamente responsáveis pelas dívidas da sociedade, feita pelos adversários da personaldade das sociedades comer-
alegam. Responde ele: essa responsabilidade é subsidiária, ciais, as sociedades anônimas não deviam inspirar confiança,
tendo eles, como fiadores, o benefício de ordem ou de porque não têm a sua responsabilidade garantida sudsidiaria-
excussão, o que põe em relevo a personalidade da sociedade, mente pelos acionistas.
pois ninguém pode ser fiador de si mesmo. A solidariedadeé Outras objeções menos valiosas ainda são igual-
uma garantia oferecida aos credores e, como diz GIoRgI, não mente refutadas, e a doutrina da personalidade jurídica das
anula o patrimônio e a dívida social, do mesmo modo que o sociedades comerciais, que, aliás, é dominante na ciência “D
concurso do fiador não faz desaparecer a pessoa do principal recebe mais um reforço de argumentação lógica.
responsável. Também nas associações, personificadas de As legislações modernas podem igualmente ser
acordo com a lei de 10 de setembro de 1893 (e hoje com o “invocadas em prol dessa doutrina. Citem-se, em relação às
Código Civil, art. 18, IV), é admissível a responsabilidade sociedades comerciais, a lei belga de 18 de maio de 1873,
subsidiária dos respectivos membros, sem por esse fato se art. 2, que expressamente, reconhece a individualidade jurídica
altere a personalidade da associação. dessas sociedades, distinta da dos associados, e o Código
Falindo a sociedade, os sócios solidários são Comercial espanhol, art. 116, que faz igual declaração. Na
arrastados à falência, insistem. Responde ele: A falência dos França, apesar do silêncio do Código, é esta a tradição. (2
sócios solidários, neste caso, não resulta, em rigor, da falência Na Itália também, apesar das objeções de MANARA, VIDARI €
da sociedade, e stm “da falta de cumprimento da obrigação, NavaRINI é também esta a opinião geralmente aceita. “”
que eles assumiram, de pagar solidariamente as obrigações
sociais.” “Tanto é assim que somente os que assumem respon- “4 Vejam-se entre nós, além de Menconça e de Bento DE Paria, já citados, CARLOS DE
sabilidade pessoal e solidária são os arrastados à falência.” CarvacHo, Direito civil, art. 152, letra e; Joxo Montero, Direito, vol. 30, pag, 499;
AMARO CavaLCANTE, Op. Cit., pág. 70; Divino, Cód, Comercial apud I,acERDA, pessoas
Quem entra em negócio com a sociedade, tem juridicas, 8 26, nota 7. ALrreDo RusseL, Curso de clireito comercial, I, nº 378, é omeu
em vista a pessoa dos sócios, o crédito particular deles. É Direito das obrigações, 8 163,
€ Lvon-Cagn et Rexauts, Traitê ele droit commercial, Il, nº 123; PLantoL, Traité, nºs
693 e 704; e os autores citados por CarvaLHo DE MENDONÇA, loco citato, Direito, vol. 94,

“9 Cód, Do com, art. 350: Os bens particulares do sócio não podem ser executados
pág. 45.
“3 Vejam-se a extensa e erudita nota U de Fanpa e Bexsa às Pandectas de WiINDSCHEID,
por dívidas da sociedade, senão depois de executados todos os bens sociais. Vejam-
1, págs. 802-811; Vivante, Diritto commercialle, IX, 8 2, e particularmente o art. 77,
se as observações de Bento DE FARIA a este artigo, e, mais CaryaLHo DE MENDONÇA, Tratado
última alínea do Código Comercial Italiano: le societã commerciale constituiscono,
de direito comercial, II, nºs 600-618, qu expõe a matéria com a sua competência
rispetto aí terzi, enti colletivi, distinti delle persone dei socii.
excepcional.

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

V — Na enumeração das pessoas jurídicas não LACERDA DE ALMEIDA contempla-a na classe das
foram consideradas a pluralidade sucessiva de pessoas, que pessoas impropriamente denominadas jurídicas, porque
exercem uma função pública e a que se referem alguns trata- considera herança jacente a herança antes da aceitação ou
distas, nem a herança jacente. sucessão sem dono atual. “2 Mas, uma vez que o alvará de 9
Da primeira espécie nada é necessário dizer, de novembro de 1754 estabelecera que a posse civil de cujus
porque as idéias modernas evidentemente não permitem que, se transmitia ao herdeiro, desde o momento da sua morte, e
no caso, enxerguemos um núcleo de direitos individuais. O que a propriedade pela sucessão era, desde logo, também
que há é somente atribuição de competência, fixação de limites transferida, não havia necessidade dessa construção jurídica.
da autoridade exercida em nome do Estado, e obrigações O citado alvará declara, no preâmbulo, que o seu
para com ele assumidas. Os funcionários agem em nome do intuito fora evitar que estranhos tomassem posse dos bens
Estado e não como pessoas independentes. deixados pelas pessoas falecidas e, depois, se abroquelassem
Quanto à herança jacente, também não se com interditos possessórios, quando os legítimos donos por
compadece com a organização moderna do direito hereditário, direito de herança os viessem reclamar. Supõe a propriedade
a doutrina que a contempla como patrimônio personificado transmitida e simultaneamente adquirida; providencia sobre
Já o nosso MELLO FREIRE “? qualificaria a personi- a posse, coincedendo-a justamente aos que considera proprie-
ficação da herança jacente como inútil, ociosa e derrisória, e tários, 9
RiBas recordava que o nosso direito não conhece a herança Se os herdeiros têm a posse, mas não a proprie-
jacente no sentido estrito, isto é, sem senhor. “> dade, desde o momento da morte do hereditando, pergunta-
Realmente a herança devolvida pertence ao se: - Quem é o proprietário desses bens? Supô-los sem dono,
herdeiro, desde o momento da morte do sucedente, de modo imaginar que há na hipótese, uma relação jurídica sem sujeito,
a não se abrir intervalo entre o desaparecimento do que é criar uma dificuldade onde os fenômenos se desenvolvem
transfere e o aparecimento do que recebe a herança. Pode coma máxima clareza, é desviar os olhos da realidade e volvê-
haver incerteza sobre qual o verdadeiro proprietário dos bens los para uma construção evidentemente forçada, até porque,
do acervo hereditário, mas não há dúvida de que ele exista. com ela, a posse dos bens da sucessão fica pertencendo aos
Será um parente, será um herdeiro testamentário e, na falta herdeiros, por determinação do alvará de 1754, e, sea proprie-
de qualquer deles, o Estado. Por isso a grande maioria dos - dade lhes não fosse, simultaneamente, reconhecida, havíamos
autores recusa a personalidade jurídica à herança jacente. “9 de admitir que possuíam por algum titulo qualquer menos

MN Pessoas jurídicas, pág. 191.


€) Instituições, liv. 3, tít. 6, 8 1º. 8 | Querendo evitar os incovenientes que resultam de tomarem posse dos bens das
“9 Direito civil, II, págs. 121 e segs. pessoas que falecem, por outras ordinariamente estranhas e a que não pertence a
46 Fappa e BEnsa, nota Y às Pand. de WinDscEEID, É, pag, 778; Rias, Direito civil, tit. propriedade deles ... diz o citado alvará,
TV, cap. V, 82, nº IV; Amaro CavaLcanti, Responsabilidade civil do Estado, pág. 73, Hoje não é mais possível a controvérsia em face do Código Civil, que declara, no art. 16,
que cita, em apoio. Seasra, Novissima apostila, pág. 130; Deenaura, Pandette, 8 63, 3. quais são as pessoas jurídicas de direito privado, e entre elas não menciona a herança
Contra: Winpscugio, 8 57; Teixeira pg Freiras, Esboço, artigo 278, 2º. jacente.

198 199
Clóvis Bevilaque teoria Geral do Direito Civil

pelo de proprietários, quando justamente é esse o subsiratum


2
jurídico de sua posse, segundo o alvará e a lógica.

pasá
Á em
O que nos diz o sentimento jurídico, o que nos INICIO DA PERSO A IDADE JURÍDICA

pes
afirma a lógica, e o que nos faz supor a lei é que a propriedade
e a posse se transmitem imediatamente aos herdeiros do de E — Às pessoas jurídicas de direito público, o
cujus, como hoje, está expresso no Código Civil, art. 1,572. Estado, entre nós a União, as suas divisões políticas e adminis-
Outros eram os princípios do direito romano, trativas como os Estados federados, as províncias e os muni-
quanto à transmissão da propriedade mortis causa. Por direito cípios, têm a sua organização regulada pelo direito público;
romano, somente em favor dos herdeiros seus e necessários sendo, porém, círculos de organização da vida social, consti-
havia a transmissão imediata da propriedade. 2 Nos outros tuem-se de acordo com as necessidades, obedecendo a formas
casos, o domínio das coisas da herança era adquirido pela diferentes. O Estado surge, espontaneamente, da elaboração
adição. da vida social quando afirma a sua existência em face dos
Cum heredes instituti sumuis, adita hereditate, outros. As suas divisões políticas começam a existir, desde
omnia quidem jura ad nos transeunt. ? A posse, porém, que são estabelecidas pelas leis constitucionais, e de acordo
não vinha com a simples adição, exigia manifestação especial com elas se organizam.
da atividade jurídica: possessio tamem nisi naturaliter
comprehensa ad nos non pertinet. €) 11 — As pessoas jurídicas de direito privado
E todavia, é parecer de DERNBURG que o direito somente podem considerar-se como tendo existência perante
romano apenas indicava a semelhançca entrea herança jacente o direito, quando dele recebem a forma e a consagração.
e a personalidade jurídica, e dessa aproximação não é lícito O Código Civil estabelece, como regra geral que
concluir identidade de natureza. “2 a existência das pessoas jurídicas de direito privado, começa,
Em direito pátrio, dúvida alguma pode haver. legalmente, com a inscrição dos seus contratos, atos
Não havendo solução de continuidade entre as relações constitutivos, estatutos ou compromisso, no seu registro
dominiais e possessórias, quando a morte determina a peculiar, regulado por lei especial, ou com a autorização ou
transmissão do patrimônio (Código Civil, art. 1,572), não aprovação do Governo, quando precisa (art. 18).
há o momento de parada e de espera, no qual se localize a Particularizando, dir-se-á de cada uma das cate-
personalidade da herança jacente, ou a construção do gorias ou grupos:
patrimônio sem sujeito. 19 As sociedades civis, religiosas, pias, morais,
científicas ou literárias, as associações de utilidade pública
adquirem a personalidade jurídica, inscrevendo os seus atos
0 Inst, 3. 1,83.
9) D. 41,2, 8 23.
DD. 41,2, 823. & A personalidade jurídica das entidades para-estatais tem nascimento nos termos das
3 Pandeite, 8 63, 3. respectivas leis criadoras.

200 201
Clóvis Bevilágua teoria Geral do Direito Civil

constitutivos no registro especial de titulos e documentos, assembléia-geral e nomeação da administração. > Os estatutos
criado pela lei nº 973, de 2 de janeiro de 1903, e, na falta, nos ou a escritura do contrato social devem ser publicados pela
cartórios e ofícios privativos do registro de imóveis (lei nº imprensa, sendo arquivado, no registro de hipotecas, um
4.827, de 7 de fevereiro de 1924, art. 1, Te 3 e 6). exemplar da folha em que se fizer essa publicação. “
As fundações inscrevem-se nesses mesmos Algumas sociedades anônimas dependem de
registros. autorização do Governo para se organizar. Tais são:
2º) As sociedades anônimas e em comandita por «) os bancos de circulação; b) os de crédito real;
ações, civis ou comerciais, adquirem a personalidade jurídica, c) os montepios e montes de socorro, as caixas econômicas
organizando-se de acordo com a lei que as regula. O O Elas e as sociedades de seguro; «) as que tiverem por objeto o
constituem-se por escritura pública ou por deliberação da comércio ou fornecimento de gêneros ou substâncias
assembléia-geral dos subscritores, mas não poderão entrar alimentares. & Também dependem de autorização do Governo
em função e praticar validamente ato algum, senão depois de para funcionar na República as sociedades anônimas
arquivados na Junta Comercial, ou no registro de títulos, estrangeiras e as sucursais ou caixas filiais. O €º
segundo for comercial ou civil a sociedade e, onde não houver 3º) As sociedades conerciasis em nome coletivo,
Junta ou registro de títulos, no registro de hipotecas da em comandita simples, de capital e indústria, e por quotas,
comarca: «),0 contrato ou os estatutos da sociedade; b) a personificam-se arquivando o contrato no registro do
lista nominativa dos subscritores, com a indicação do número comércio. &
de ações e entradas de cada um; c) a certidão de depósito da 4º) Os sindicatos agrícolas personificam-se desde
décima parte do capital subscrito; d) a ata de instalação da que depositem no cartório do registro de hipotecas do distrito
respectivo, dois exemplares dos estatutos, da ata de instalação
e da lista dos sócios, devendo o escrivão do registro enviar
O registro das pessoas jurídicas de direito privado regeu-se pelo Decreto nº 4.857, de
9 de novembro de 1939 (Regulamento dos Registros Públicos), para substituí-lo foi
duplicatas à Junta Comercial do Estao em que se organizarem
editada a Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, os sindicatos.
DO registro declarará:
I-- A denominação, os fins, c a sede da associação, ou fundação 59 Os sindicatos profissionais, de profissões
IX - O modo porque se administra e representa, ativa e passiva, judicia! e
extrajudicialmente.
9 Dec. cit. arts. 71, 72 e 79.
HI - Se os estatutos, o contrato, ou o compromisso são reformáveis no tocante à
administração e de que modo: 9 Dee, eit., art. 80.
“ Dec. cit, art, 46; ley de 2 de janeiro de 1903, art. 1.
IV -- Se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais,
& Dee. cil,, art, 47. Sobre as pessoas jurídicas de direito estrangeiro, veja-se O que vai”
V.. As condições de extinção da pessoa jurídica e o destino de seu patrimônio, neste caso
exposto no $ 24 deste livro e mais o meu Direito internacional privado, 8 30.
(Código Civil, art. 19). Estes preceitos correspondem aos da leinº 173, de 10 de setembro
3 à referência aos bancos deve ser extendida às instituições financeiras em geral.
de 1893, art, 2. O Cód. Do comércio, art. 301. E dec. nº 596 de 1890, art. 12, 8 4, que dá às Juntas
O Dec, nº 434, de 4 de julho de 1891. Comerciais competência para arquivar os contratos e distratos das sociedades mercantis.
“ Decreto-lei 2.627, de 26 de setembro de 1940, Em razão da crescente atividade das 6 Decs. Legislativos nº 979, de 6 de janeiro de 1903, art. 2, enº 1.637, de 5 de janeiro de
sociedades por ações, e do mercado de títulos, está em vias de elaboração (1975) nova lei 1907, art. 9. Am. 11. É permitida aos sindicatos a formação de uniões ou sindicatos
reguladora das sociedades anônimas. A S.A. é comercial, sempre. centrais com personalidade jurídica separada,

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Cívil

similares ou conexas, não agricolas, consideram-se personi-


ficados, desde que depositem, no cartório do registro de hipo- $22
tecas do distrito respectivo, três exemplares dos estatutos, CAPACIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS- SUA
da ata de instalação e da lista nominativa dos membros da RESPONSABILIDADE
diretoria, do conselho e de qualquer corpo encarregado da
nacionalidade, da idade e da residência, da profissão e da 1 — Muitos autores sustentavam outrora que as
qualidade de membro efetivo ou honorário. O oficial do pessoas jurídicas eram incapazes, quer por não poderem exer-
registro é obrigado e enviar, dentro de oito dias, um exemplar cer por si os atos da vida civil, quer por terem a sua atividade
à Junta Comercial do Estado respectivo e outro ao procurador jurídica limitada ao direito dos bens. Mas, ultimamente,
da República, & prevaleceu outra concepção, porque se reconheceu que as
As sociedades, cujo fim for imoral ou ilícito, entre pessoas naturais, que agem em nome das pessoas jurídicas,
as quais se incluem as secretas, não têm direito à personali- são órgãos seus, e ficou demonstrado que a esfera de ação
zação civil, 49 das pessoas jurídicas é mais ampla do que acreditavam os
mencionados escritores.
WX - É uma questão, que tem preocupado os Considerando somente as pessoas jurídicas de
nossos civilistas, a de saber se as associações de fins ideais já direito privado, é certo que lhes falecem os direitos de família
existentes no momento de entrar em execução a lei de 10 de e a facção testamentária ativa, mas não se lhes podem desco-
setembro de 1893 se achavam sujeitas à formalidade do nhecer:
registro, para que se lhes reconhecesse a personalidade jurí- 1º) Os direitos à vida, à boa reputação e à liber-
dica. A resposta negativa foi a geralmente dada: essas asso- dade, dentro do círculo de suas funções.
ciações já existiam, jé eram pessoas jurídicas, e a lei referia- 2º Os direitos patrimoniais. Sobre este ponto
se, expressamente, às associações que se fundaram, portanto
o registro somente era imposto às associações posteriores
D Saviony, Droit romain, 1, 8 90; Macxervev, Direito romano, 8 148; Mavxz, Droit
ao momento, em que a citada lei se tornou obrigatória. “2 O romain, 8 107, Laurent, Principes, I, nºs 287 e segs,
Código Civil já encontrou esse caso pacificado. 8) Amarc CavaLcaxti, Responsabilidade civil do Estado, págs. 80-86; LACERDA DE
Aveia, Pessoas jurídicas, 8 8; FeLICIO pos Santos, Projeto de Código Civil, art. 156
e comentário, Deensura, Pandetie. $ 63. Amaro CavaLCANTI enumera os seguintes direitos
que estão incluídos na primeira classe do texto: 1º para se apresentar, em seu próprio
none, aos poderes públicos, requerendo e sustentando quaisquer direitos e pretensões
2 Dec. nº 1.637, de 5 de janeiro de 1907, arts. 2 e 3. Só podem fazer parte dos corpos de legítimas, como fazem os indivíduos particulares; 2º para criar ou organizar por si sós, .
direção dos sindicatos, brasileiros natos ou naturalizados, com residência nó pais de ou associadas com outras pessoas físicas ou jurídicas, instituições de beneficiência,
mais de cinco anos e no gozo de todos os direitos civis. caridade, instrução, exercendo sobre elas a precisa fiscalização; 3º para coinfeccionar e
promulgar regniamentos dos seus serviços, impondo neles obrigações e penas aos seus
4% Código Penal, art. 382; CarLOS DE CarvaLHo, Direito civil, art. 133, 8823.
subordinados; 4º para exercer mandatos, por conta de terceiros; 5º ou bem assim, para
Gl) LACERDA DE ALMEIDA, Op. cit, $ 30; CARLOS DE CarvaHo, Direito civil, art, 169; aceitar e desempenhar outras funções análogas, de caráter manifestamente pessoal, como
Prupente pe Morars e FerrEIRA VIANNA, em artigos publicados no Jornal do Comércio, as de sócio, liquidante, síndico, árbitro é gestor de negócios alheios; 6º para deliberar e
em 1900; Amaro Cavatcanti, Responsabilidade civil do Estado, pág. 72. usar do direito de voto ao lado de indivíduos nos negócios, que lhes são concernentes.

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

não há divergência entre os autores um patrimônio embora personificado, possa ser considerado
3º 3 Direitos industriais, como privilégio de agente de um delito. Se for uma corporação, também não se
invenção e marcas, desde que a pessoa jurídica os explore pode afirmar que delingúiu, porque o crime pressupõe
como coisa sua. intenção de praticar o mal, intenção que lhe não pode ser
4º) Direito de serem nomeadas herdeiras ou atribuída em boa razão, porque ao criminoso faltam senti-
legatárias em testamento, e de, em alguns casos, recolherem, mentos de probidade e de justiça o que não é licito nem negar
por força da lei, o patrimônio de outras pessoas congêneres das pessoas jurídicas.
que se dissolvem. Como bem pondera VarEILLES-SOMMIÉRES, OS
membros de uma associação não têm que responder crimi-
If — À noção de capacidade prende-se a de nalmente, senão pelas infrações em que tomaram parte como
responsabilidade. autores ou cúmplices, e as medidas de rigor tomadas contra
A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de a coletividade não se devem considerar penas no sentido
| direito privado pelos atos de seus representantes, no exercício técnico da expressão. >
de suas funções e dentro dos limites da especialidade das A responsabilidade civil justifica-se, porque o
mesmas pessoas jurídicas, é princípio, hoje, definitivamente, dano causado exige satisfação, e desde que ele foi causado
inscrito no direito privado moderno. 2 pelo órgão legitimo de pessoa jurídica no exercício de suas
Alguns autores há que lhes atribuem também a funções, é a pessoa jurídica que deve a satisfação. Mas a
responsabilidade penal. Parece-me inadmissível esta responsabilidade penal pressupõe alguma coisa mais. do que
opinião. Um abuso criminoso da administração de uma o dano, pressupõe uma atividade criminosa determinada por
pessoas jurídica não lhe pode ser imputado. Se for uma uma vontade anti-social; e essa alguma coisa mais não se
fundação, porque repugna à própria natureza daa coisas que encontra nas pessoas jurídicas. O

HI - Assume importância mais considerável, na


LacerDa De ALMEIDA, Op. cit., 8 8; Amaro Cavacanti, Responsabilidade civil do
Estado. págs. 86-90; Winoscremm, Pand., $ 39; Pesto CortHo, Responsabilidade civil. doutrina e na prática, a responsabilidade das pessoas jurídicas
- págs. 147 e segs.; Bento DE Farta, Satisfação de dano consegiiente a acidente, na de direito público, pelos atos de seus agentes no exercício
Revista de Direito, vol. VI. Págs. 509 e segs., e o meu Em defesa, págs. 74-79, Contra:
Acórdão da Corte de Apelação do Distrito Federal, no Direito, vol. 72, págs. 215-237. “das respectivas funções.
O Código Civil fá-las responsáveis por culpa, quando exercem exploração industrial
(art. 1.522).
Quanto à responsabilidade contratual, todos
Além dos autores citados em a nota 3, podem-se invocar ainda: MicHouD et TROTABAS, aceitam, porque a administração pública se veria na impossibi- -
La Théorie de ia Personalité Morale, vol. 1, nº 266; Mazgaup et Mazeavo, Responsabilité
Civile, vol. IL nº 1979; Varemtes Sommibres, Les Personas Morales, nº 1.033; Trasuccar,
Instituzioni di Diritto Civile, págs. 108 e 200; Ensccesus, Kr» y Wozrr, Tratado de ) Les personnes morales, págs. 478-479, Vejam-se os arts. 244, 340 e 341, do Cód.
Derecho Civil. Parte general., vol. 1, 8 103 Henrica Lemmany, Derecho Civil, Parte Penal, e os 21, Il e 30 do Código Civil.
general (vol. 1), pág. 638; Caio Mario pa Sitva Pereira, Instituições de Direito Civil, 9 A responsabilidade penal dos administradores em gera! é definida, em caráter
vol. £, nº 57. excepcional, por leis especiais, tais como as que disciplinam o mercado de capitais, ou as
€) LacERDA DE ALMEIDA, Pessoa jurídica, 8 8. incorporações de edifícios coletivos, :

206 207
Clóvis Beviláque tecria Geral do Direito Civil

lidade de realizar contratos para obter os serviços de que a responsabilidade do Estado, ou de suas divisões políticas e
necessitasse, desde que não estivesse sujeita às obrigações administrativas dotadas de personalidade jurídica: 1º, que o
decorrentes desses atos. Ou o Estado exigiria esses serviços funcionário tenha agido no exercício de suas atribuições, pois
em nome da sua autoridade, e não havia que falar em contrato, fora desses limites ele deixa de ser funcionário e assume, por
ou pactuaria com os indivíduos, submetendo-se às normas seus atos, responsabilidade exclusivamente pessoal; 2º, que
comuns do direito privado. Não havia outro caminho a seguir. o ato danoso seja um mica uso no exercício de atribuições
E aqui o império da necessidade esclareceu a regra do direito. legítimas, pois, por excesso de poder da parte do representante
Quando, porém, se trata de saber se o Estado, a não responde o representante, e, por outro lado, o exato
província e o município, respondem pelos atos de seus cumprimento do dever legal do funcionário não pode causar
funcionários, no exercício da função de poder público, que dano, que deva ser ressarcido; 3º, que a lei não tenha, expres-
lhes é confiada, desaparece a harmonia dos pareceres, e a samente, isentado as pessoas jurídicas de direito público da
doutrina se obscurece com as sutilezas de uma dialética responsabilidade civil resultante do ato prejudicial de seu
inspirada nas presunções da política sem horizontes, que agente.
supõe poder arredar as impertinências do direito com um Alguns autores acham que é necessário distinguir
simples gesto de enfado. entre atos praticados jure gestionis e atos realizados jure
Tem-se procurado justificar a irresponsabilidade imperii, escapando estes, por seu caráter político, à explo-
do Estado por argumentos mais ou menos especiosos, porém ração dos tribunais.
a doutrina, que realiza a genuína expressão da justiça, é a
que afirma a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito que devem ser distribuidos por toda a comunidade os ônus & encargos do Estado. Se o
seu preposto causou um dano, não há indagar da culpa, nem verificar se o serviço público
público, pelos danos causados por seus funcionários no funcionou bem ou mal. Cabe indenizar. É a doutrina que vinga em nosso direito, amparada
exercício das respectivas funções, quando a lei não na disposição constitucional (Art. 107 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969), nestes
têrmos: “As pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus
estabeleceu a responsabilidade direta dos mesmos. & O funcionários, nessa qualidade. causarem a terceiros”. Não há. pois, apurar a origem do
Três requisitos são necessários para que se firme dano, mas tão somente a sua existência c autoria, Condenado a ressareir o prejuizo, cabe
ação regressiva contra o servidor, no caso de ter este procedido com dolo ou culpa, (art.
107 $ único). A bibliografia a respeito é amplíssima, podendo citar-se
exemplificativamente: Amaro Cavaccanti, Responsabilidade Civil do Estado, págs. 271
“9 Crront, Culpa contratucil, trad, Posapa, n. 228; Wixpscueip, Pand., 8 59; LACERDA
e segs.; Penro Lessa, Do Poder Judiciário, pág. 163; Aguiar Dyas, Da Responsabilidade
DE ALMEDA, Pessoas jurídicas, 8, Amaro CavaLcantt, Responsabilidade civil do Estado.
Civil, vol. HI, nº 210; Orozimmo Noxaza, Voto in Diário da Justiça de 2 de fevereiro de
nºs 61-62, 1, Direito, vol. 73, pãgs. 3372 515, e vol. 7, pág. 487 (Acórdãos do Supremo
1943, pág. 602; Mazeaso et Mazeavo, Responsabilité Crvite; vol. E nº 81; Caio Msrio
“Tribunal Federal), Pixro CogHo, Responsabilidade civil, pags. 204-206; o meu tivro
Em defesa, págs. 74-99; lei de introdução ao Código Civil alemão, art. 77. va Siva Pereira, Instituições de Direito Civil, vota. nº 116.
Três são as correntes doutrinárias sustentando a responsabilidade cívil do Estado, por “ Em defesa, p. 79. Vejam-se também os pareceres dos Dis. José Hvarxo, Ruy Barsosa
danos causados ao particular: da culpa do acidente administrativo e do risco integral. A e CoziHo RopRiGUES, anexos às Alegações finais apresentadas pelo DR. OLivetra EscorgL,
primeira pressupõe um procedimento culposo do agente, preposto ou representante da em ação de indenização proposta contra a Fazenda do Estado de S. Paulo, por causa do
pessoa juridica de direito público (tomada a expressão “representante” em sentido lato, empastelamento do Comércio de S.Paulo.
independentemente da investidura em poderes de representação regular). A segunda finda- S Grorgr, Persone giuridiche, HI, nº 102; Gansa, Questioni de diritto civile, págs. 124
se na irregularidade ou mau funcionamento do serviço público, independentemente de esegs.; SourBar, Responsabilitá, IX, nº 1.299 e segs.; Aquino E Castro, ditas dos trabalhos
apuração de sua causa, seja esta culposa ou não: basta a existência de uma falta anôrima da Comissão revisora do Projeto de Código Civil Brasileiro, elaborado pelo DR. CLovis
do serviço, para que o Estado seja responsável. A terceira, do risco integral, baseia-se em Bevi.aqua, págs. 96-101.

208 209
Clóvis Beviláquer teorica Crerel do Direito Civil

Mas essa distinção, exata em doutrina, e de valor de uma ato arbitrário ou de um abuso, é inverter os princípios
sob outros pontos-de-vista, nada importa para o efeito da do direito, em virtude dos quais deve indenizar o dano aquele
responsabilidade do Estado, pelos danos causados por seus que o causou (art. 69, 6, do Código Penal) é esquecer o que
funcionários aos particulares. O Se o dano existe, deve ser prescreve a Constituição Federal no art. 82.79
ressarcido; pedir satisfação exclusivamente ao funcionário Este voto, que não prevaleceu no seio da
seria, muitas vezes, irrisório e, de ordinário, insuficiente; se Comissão, foi depois adotado pela Câmara dos Deputados.
o funcionário representa o Estado, são deste os atos, que à) Entretanto, a Constituição, no artigo invocado, está bem
aquele praticar no exercício de suas atividades legais; se o longe de referir-se à matéria em debate. Como bem ponderou
Estado tem por função principal realizar o direito, não pode o Dr. AmPHILOPHIO, esse artigo refere-se aos delitos que
fugir aos seus preceitos, e estes impõem a satisfação do dano, praticarem os funcionários, por abuso ou omissão, €” delitos,
qualquer que seja o seu autor. Estas é que são as consi- que estão capitulados no Código Penal, especialmente, no
derações que se devem fazer, para pôr em foco a situação
capítulo das malversações, abusos e omissões dos funcio-
jurídica e aplicar-lhe o preceito de justiça adaptável. nários públicos,m arts. 207-238.
Entre nós, alegava-se também que o art. 82 da
Em nosso regime jurídico, os atos dos diversos
Constituição, mandando responsabilizar, estritamente, os
poderes políticos encontram natural corretivo na ação
funcionários públicos, pelos abusos e omissões em que incor-
restauradora do direito, que foi confiada ao judiciário, e desta
rerem no exercício de seus cargos, afastou a responsabilidade
norma se não podem eximir os atos do executivo, ainda que
da União.
Por ocasião de discutir-se o projeto do Código
emanem de sua faculdade superior de diretor dos interesses
nacionais. Por isso a lei nº 221, de 20 de novembro de 1894,
Civil, perante a Comissão nomeada pelo Governo, em 1900,
foi invocado este argumento. O Conselheiro AguinNo E CASTRO, art. 13, cometeu aos juízes e tribunais federais o processo e
depois de examinar as diversas doutrinas sobre este ponto de
dtas citadas, p. 101
direito, pronunciou-se pela distunção entre os atos praticados
8% 4 fórmula do Projeto primitivo, art. 42, era à seguinte: “As pessoas jurídicas de
pela administração pública jure imperii e os que resultam da direito público responderão pelos danos causados por seus representantes: — 1º Quando
função de gestor do patrimônio do Estado, para eximi-lo de estes obrarem no exercício da porção de poder público, que lhes é confiada, se a lei não
tiver determinado, para o caso, a simples responsabilidade pessoal do funcionário; — 2º
qualquer responsabilidade em relação aos primeiros e Quando, em nome delas, praticarem atos de direito privado, dentro dos limites de suas
Sujeitá-lo ao direito privado no que concerne aos atribuições”.
A que adotou a Câmara dos Deputados dizia assim: “As pessoas jurídicas de direito
segundos, concluiu fazendo suas as palavras de outro juiz: público só responderão pelos danos causados por seus representantes, quando estes, em
“responder o patrimônio da Nação pelos danos provenientes nome delas, praticarem atos de direito privado, dentro dos limites de suas atribuições”
(Projeto, art. 15).
Gi Atas citadas, p. 102.
O Código Civil restabeleceu a doutrina daquele 2rojetom dispondo no art. 15: As pessoas
A distinção dos atos iure gestonis e inris imperii é hoje superada. Considera-se apenas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes,
como uma fase na evolução do principio da responsabilidade civil do Estado. O que que, nessa qualidade, causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito,
prevalece, com visos de generalização crescente é a doutrina do “risco integral”, referida ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do
em nota anterior. dano,

210 211
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

julgamento das causas que se fundarem na lesão dos direitos


individuais, por atos ou decisões das autoridades $23
administrativas da União. Aliás esta ação especial, criada FIM DA PERSONALIDADE JURÍDICA
pela citada lei de 1894, apenas facilitou o restabelecimento
do direito, dadas as circunstâncias previstas pelo legislador. 1 —- As pessoas jurídicas de direito público
A ação ordinária fundada em ofensa aos direitos dos desaparecem por vários modos conhecidos do direito
particulares por atos da administração pública é uma internacional e constitucional, como sejam a anexação, a
consequência rigorosamente lógica do que estatui a incorporação e a dissolução de Estados ou municípios, fatos
Constituição no art. 60, letras b e f. estes, de todo, estranhos ao direito privado, em cujo plano
E no direito pátrio, segundo judiciosamente apenas tocam essas pessoas, enquanto se põem em relação
pondera AMARO CAVALCANTI, jamais se pôs em dúvida que o de direito com as pessoas de direito privado.
Estado e as outras pessoas jurídicas de direito público
estivessem submetidas ao direito comum, “quanto aos efeitos II — As pessoas jurídicas de direito privado
das suas relações com as pessoas de direito privao.” 42 A extinguem-se igualmente por modos diversos, todos eles
existência de um juízo privativo para todas as causas em que a sendo estabelecidos pelo direito privado ou interessando-o
Fazenda Nacionak fosse autora ou ré, e a organização, ainda por suas consequências.
que defeituosa, do contencioso administrativo, são provas de Quanto às sociedades, compreendendo, neste
que a administração pública se não julgava irresponsável. E, vocábulo as diferentes formas corporativas, dispõe o Código
se o contencioso administrativo tinha o vício fundamental ao Civil, art. 21: |
executivo funções próprias do judiciário, sobretudo em causa, Termina a existência da pessoa jurídica:
em que se debatiam irregularidades reais ou supostas de atos 19 Pela sua dissolução, deliberada entre os seus
seus, não é menos que era sempre um respiradouro aberto aos
membros, salvo o direito da minoria e terceiros.
reclamos da justiça. Foi, porém com a Constituição republicana
2º) Pela sua dissolução, quando a lei determine.
que, desprezados os moldes do direito constitucional francês,
3º) Pela sua dissolução, em virtude de ato do
e aceita a orientação norte-americana, se deu forma exata a
Governo, que lhe casse a autorização para funcionar, quando
esse princípio, colocando o direito dos indivíduos sob a
.a pessoa jurídica incorra em atos opostos aos seus fins, ou
proteção soberana da lei fundamental e sob a guarda imparcial
nocivos ao bem público. *
do poder judiciário. »
LacurDA DE ALMEIDA & faz, quanto ao segundo”

“2% Responsabilidade civil do Estado , wº* 86 e segs.


O Veja-se Laraverre, Direito internacional, $ 42.
“3 Sendo a análise minuciosa desta matéria mais própria de uma monografia, remeto o
Comp. Rorg, System, 1, $ 72; Saviany, Droit romain, $ 89; Camont, Istituzioni. 8 28;
leitor ao livro ds Amaro CavaLcantr, Responsabilidade civil do Estado, nºs 87 à 88,
Granturco, Istituzioni, $ 7, KomLer, Lehrbuch, I, 88 173-176. Para o direito anterior,
onde se indicam os casos mais notáveis de responsabilidade civif do Estado, segundo à
veja-se a leiu nº 173, de 10 de setembro de 1893, art. 10.
jurisprudência nacional, e nº 89-94 e onde se expõe a forma da intervenção judiciária
8) Pessoas jurídicas, 831.
para estabelecimento do direito lesado.

212 213
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

modo, uma distinção, para excluir dele as associações de sócios. “%


natureza perpétua ou de utilidade pública, mas, não só em As sociedades anônimas dissoivem-se:
face da doutrina, há boas razões para sustentar-se a opinião,
& como, diante de nossa lei, não é lícito aceitar o parecer do 19) Pelo consenso de todos os acionistas exarado
douto jurisconsulto. em instrumento público;
As sociedades comerciais e as civis que 2º) Por deliberação da assembléia-geral;
revestirem as formas comerciais extinguem-se, quando 3º) Pela falência, nos termos da lei nº 2,024, de
dissolvidas e liquidadas pelos modos declarados nas leis 17 de dezembro de 1908, art. 3;
respectivas: 4º) Pela terminação do prazo de sua duração;
1º) Expirado o prazo ajustado da sua duração; 5º) Pela redução do número dos sócios a menos
2º) Por mútuo consenso de todos os sócios; de sete; 2
3º) Por quebra da sociedade ou de qualquer dos 6º) Por ser retirada a autorização para funcionar,
SÓCIOS; sempre que esta autorização for necessária. &
49 Pela morte de um do sócios, salvo convenção
em contrário a respeito dos que sobreviveram; As fundações extinguem-se por modos seme-
59 Pela vontade de um dos sócios, sendo a Ihantes uns e outros não aos que pôem termo às associações.
sociedade celebrada por tempo indeterminado. -
Destaquemos:
Nestes casos, a sociedade continuará somente
19) A impossibilidade de manter-se;
para se ultimarem as negociações pendentes, procedendo-se
2º) O perigo à paz pública ou às instituições
à liquidação das ultimadas.
políticas dominantes no país;
Pode ainda ser dissolvidas judicialmente, antes
3º) Extinção do prazo estabelecido para a sua
do período marcado no contrato, a requerimento de um dos
existência.
SÓCIOS;
; 1º) Não sendo possível a continuação da socie-
HI — Dissolvida ou extinta qualquer associação
i A
Eri
dade, por não poder preencher o intuito oú fim social por . de fins ideais, e liquidado o seu passivo, determinava a lei de
esgotamento ou insuficiência do capital; 10 de setembro de 1893, art. 11, “o saldo será partilhado
2º) Por inabilidade de um dos sócios ou incapaci- entre os membros existentes ao tempo da dissolução, salvo
dade moral ou civil julgada por sentença; se os estatutos prescreverem ou a assembléia-geral houver
3% Por abuso, prevaricação, violação ou falta de
cumprimento das obrigações sociais ou fuga de algum dos
9 Cód, Comercial, art. 336.
9 Dec. nº 434, de 4 de julho de 1891, art. 148.
9 Wasvscnein, Pand, $ 61; Deangura, Pand., 8 64; Código Civil alemão, art. 41. % Dec. cit., art, 47.
5 Cód. Comercial, art. 335. ) Código Civil, art. 30,

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Clóvis Beviláquea teoria Geral do Direito Civil

resolvido, antes da dissolução, que o saldo seja transferido a Para as sociedades de fins econômicos prevalece
algum estabelecimento público, ou a outra associação nacio- a regra da divisão da patrimônio entre os sócios restantes ou
nal, que promova fins idênticos ou análogos.” seus herdeiros. “2
O Código Civil dispõe semelhantemente, porém,
determinando que, no caso de silêncio dos estatutos e falta
de deliberação dos sócios, se devolve o patrimônio social a 824
um estabelecimento municipal, estadual ou federal de fins DAS PESSOAS JURÍDICAS ESTRANGEIRAS
idênticos ou semelhantes, e não havendo no município, no
Estado, no Distrito Federal ou no Terriório do Acre, onde 1 - Disputam os autores se às pessoas jurídicas é
associação tivera a sua sede, estabelecimento nas condições lícito atribuir a qualidade de nacionais; mas além de ser uma
indicadas, o patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, necessidade prática essa atribuição, para se saber a que lei elas
do Distrito Federal ou da União (art. 22). , obedecem ao constituírem-se, não há motivo plausível para
Esta devolução ao fisco é combatida por todos os excluí-las das vantagens decorrentes da nacionalidade. &
que vêem nas associações religiosas uma feição jurídica diversa A nacionalidade das pessoas jurídicas de direito
da que assumem as leigas. Não discriminam, porém, os que privado, em geral, depende do lugar onde foi celebrado o ato
assim pensam, os intuitos essenciais da corporação e o ser da sua constituição, conservando-a, enquanto não mudarem
revestimento jurídico. A idéia que domina uma associação, de sede. & OQ ato de constituição da pessoa jurídica equivale
pode ser mais elevada do que a que serve de base a outra, mas ao nascimento da pessoa física, segundo observa FiorE, e foi
o direito, que lhes dá a forma conveniente, pode unificá-las sob os auspícios da lei dominante no lugar de sua constituição
sob esta relação. Não atendem, igualmente, a que o direito que ela afirmou a sua individualidade. Assim, uma fundação
pátrio é completamente leigo, e, portanto, não pode ter um ou uma corporação estabelecida no Rio de Janeiro, é brasileira
regime para as associações religiosas e outro para as que enquanto não transferir a sua sede para o estrangeiro. Essa
também prosseguem fins ideais, porém não religiosos. “” transferência, aliás, determinaria a sua extinção. *
O patrimônio das fundações dissolvidas, visto Quanto às sociedades, em particular, são estes
como não há sócios, para entre eles dividi-lo depois de ligui- os princípios, que vigoram em nosso direito. São nacionais:
dado o passivo terá o destino indicado no ato da instituição 19 As sociedades de pessoas constituídas no
ou nos estatutos. Na falta dessa indicação, será incorporado território da República;
em outras fundações, que se proponham a fins iguais ou
semelhantes (art. 30). “3 Código do Comércio, arts. 344-353; dec, nº 434 de 4 de julho sw 1891, arts. 148-
199, Código Civil, art. 23.
“% Aliás por outras razões ainda, se acham os autores em dissídio sobre qual o melhor O Veja-se o meu Direito internacional privado, 8 30.
destino a dar ao patrimônio das corporações dissolvidas. Vejam-se: Criont, Istituzioni, 3 CarLos DE CARVALHO, Direito civil, art. 160; Fiore. Droit international privé, I, 8
$ 28; GrantTuRCO, (stituzioni, $ 7; Fapa é Bensa nota o às Pand, de WixpscneiD, 1 305. '
Juenino, Esp, del d. rom., IV, nota 524. 3 Código Penal, art. 103; Despaoner, Droit international privê, nº 51, in fine.

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Clóvis Beviláque teoria Geral do Direito Civil

2º) As sociedades de pessoas compostas perturbações à ordem jurídica do pais.


exclusivamente de brasileiros, ainda que constituídas fora da CarLos Dz CarvaLHo negava às pessoas jurí-
República, se tiverem os seus contratos arquivadas no Brasil, dicas estrangeiras, de direito público, o direito de adquirirem
a firma inscrita no registro brasileiro, e a gerência confiada a imóveis no Brasil, e invocava, em seu apoio, a Constituição,
brasileiro; art. 72, 8 7, cart. 9, nº 2, que não lhe patrocinam o parecer.
3º) As sociedades de pessoas, estipuladas em país Achava o douto jurista que, estando a propriedade sujeita a
estrangeiro, porém, com estabelecimento no Brasil; impostos e sendo suscetível de desapropriação, essas duas
49 As sociedades anônimas ou em comandita por operações jurídicas são incompatíveis com a soberania do
ações constituídas em pais estrangeiro, se, obtida a Estado estrangeiro, que fosse proprietário de imóveis.
autorização para funcionarem na República, transferirem para Nenhuma razão lhe assistia neste modo de argumentar,
o território dela a sua sede, sendo brasileiros os diretores da porquanto a nação, quando exerce direitos civis, não reveste
empresa; , os seus atributos de soberaniam submete-se, como as outras
5º) As sociedades anônimas e em comandita por pessoas naturais ou jurídicas, às regras do direito civil. Já em
ações, legitimamente constituídas e estabelecidas no território seu tempo ensinava GRocIo que domínio e soberania são
da República. coisas distintas, e HeiNEcIo acrescentava que se o imperador
- À nacionalidade das pessoas naturais não influi não admitia que o papa exercesse império sobre a mínima
sobre a nacionalidade das pessoas jurídicas, que constituírem; parte do reino de Nápoles, admitia que eleaí tivesse domínio.
todavia, em alguns casos essa circunstância, como acaba de A questão tem sido debatida. A comissão
ser visto, é tomada em consideração pela lei pátria. Além consultiva da Faculdade de Direito de Berlim, declarou, sob
disso, exige o nosso direito, da sociedade de pessoas que consulta do governo da România, que o direito de propriedade
pretenda possuir navios com a bandeira nacional, que os seus dos Estados estrangeiros restringe-se em cada país, aos
sócios sejam em sua maioria brasileiros. & edificios de suas legações e às capelas destinadas ao culto,
parecendo temerário admitir que possam livremente adquirir
HW — A lei pátria reconhece as pessoas juridícas imóveis. &
estrangeiras, estabelece, porém, em certos casos, medidas Na Bélgica, assevera cH. WorstE que os Estados,
de política internacional e de precaução para que, do exercicio como pessoas morais políticas, podem possuir imóveis rurais
dos direitos que competirem a essas pessoas, não provenham e urbanos.
Possuem, em geral, os palácios de suas legações,
DLeinº 123, de 11 de nov. de 1892, art. 3 dec. nº 2.304, de 2 de julho de 1896, art. 5, 1, mas não existe nenhuma razão plausível para limitar sua
$2; lei nº 5.072, de 12 de dez. De 1903, art. 22; dec. nº 10.524, de 23 de outubro de
1913, nº 11.623, de 7 de julho de 1915, art, 286; dec. nº 15.788, de 8 de nov, de 1922,
arts. 3 e 5; Código do Comércio, art. 301, 2º al.; CarLOs DE CarvaLHO, Direito Civil, art. “9 Direito Civil, art. 131.
161; Bexto ve Faria, Cód, Comercial Brasileiro, página 360; CarvaLuo DE MENDONÇA, ? Gronus, De jure belli ac pacis, 2, 3, 8 4, nºs 1 e 2; Hensecie, in Hugo Grot, apud
Tratado de Direito Comercial, NI, nºs 622-524. Laraverre, Direito internacional, nota 3 ao $ 88.
8 Dec. nº 10,524, cit., art. 16. 8 Clunet, 1893, págs. 727-754.

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Clóvis Bevilácue Teoria Geral do Direito Civil

capacidade à propriedade desses palácios. º necessitam de autorização do Governo, para funcionar na


Também neste mesmo sentido manifestou-se República ou para nela estabelecer sucursais.
FiorE citado por FEDOzzI, que lhe adota o parecer, dando-lhe Os estatutos dessas companhias declararão o
feição mais liberal. O primeiro sustentara, no seu parecer sobre prazo máximo, nunca superior a dois anos, contados da data
a sucessão Zapra, que um Estado pode adquirir, por sucessão, da autorização, dentro dos quais terão elas de realizar, pelo
bens existentes no território de outro, podendo este apenas menos, dois terços de seu capital no país. As mesmas socie-
impor-lhe a obrigação de alienar os imóveis adquiridos, a fim dades ficam sujeitas, quanto aos atos praticados no Brasil, à
de prevenir os inconvenientes econômicos, que daí se possam lei brasileira e à jurisdição dos tribunais brasileiros, sem que
derivar, O segundo acha justo e conveniente que se conceda possam alegar qualquer exceção fundada em seus estatutos.
ao Estado estrangeiro a capacidade de adquirir, mediante Antes de entrar em função, deverão, sob pena de nulidade,
prévia autorização expressa da soberania territorial. “9 arquivar na Junta Comercial ou no registro hipotecário da
Ainda VareILLES-SoMMibRES CP declara não comarca, Os seus estatutos, a lista nominativa dos subscritores,
descobrir inconveniente no conceder-se ao Estado estrangeiro com indicação do número de ações e entradas de cada um e
a aquisição de imóveis. a certidão do depósito da décima parte do capital. São ainda
Entre nós, contrastando com a opinião de CarLOS obrigadas, sob a mesma cominação, a fazer, no Diário Oficial
DE CARVALHO acima citado, podem ser invocados os pareceres e nos jornais do termo, as publicações, que a lei exige das
de LACERDA DE ALMEIDA (2 e de Larayerre, O? que não se sociedades anônimas. 4%
atreceiam de reconhecer nos Estados estrangeiros, a capaci- À representação destas sociedades deverá ter
dade de exercer direitos civis, inclusive o de propriedade, plenos poderes para tratar e resolver todos os negócios.
com as cautelas, que a prudência aconselha, As companhias estrangeiras, que tiverem por
O Código Civil, entretanto, sofreu a influência objeto operações de seguro, estão submetidas aos preceitos
de CARLOS DE CARVALHO, € declara, no art. 20 da Introdução, do decreto nº 14.593, de 31 de dezembro de 1920.
que as pessoas jurídicas de direito público externo não podem Deverão solicitar autorização do Ministério da
adquirir no Brasil, propriedade imóvel, salvo os prédios Fazenda, instruindo a petição: 1º com documentos que
necessários para establecimento das legações ou consulados. provem a sua existência legal no país onde tiverem a sua
: sede; 2º com dois exemplares dos estatutos. Estes documentos
Wi - As sociedades anônimas estrangeiras deverão ser autenticados pelo representante diplomático ou
consular do Brasil. 4%
9 Clunet, 1893, pág. 1.124. == O Inspetor de Seguros interporá o seu parecer
“9 Frpozar, Gli enti colettivi, págs. 13 a 18; Frorg, Succesione Zappa, pág. 54.
€) La spnthêse du droit int. Privé, II, vº 735. No mesmo sentido LAINÉ, em Clunet,
“9 Dec, nº 434 de 4 de julho de 1891, art. 47; Código Civil, art. 20 da Introdução,
1893, pág, 273. quanto à necessidade da autorização do Governo Federal.
G%) Pessoas jurídicas, 811. 49 Dec. cit. de 13 de dezembro de 1920, art. 28. Os artigos 29 e seguintes estabelecem
“3 Direito Internacional, 8 88.
outras formalidades, que devem cumprir as companhias estrangeiras de seguro.
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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

sobre a pretensão da sociedade, opinando pela concessão ou Somente o domicílio civil temos que examinar
recusa da autorização. Antes de ser expedida a carta patente, neste momento.
deverá a companhia depositar duzentos contos em dinheiro Domicílio civil da pessoa natural é o lugar onde
ou apólices da dívida pública, nos cofres do Tesouro Federal ele, de modo definitivo, estabelece a sua residência e o centro
ou de suas delegacias nos Estados, se o autorizar o Ministério principal da sua atividade (Código Civil, arts. 31 € 32).
da Fazenda. Observa PLanior que as várias definições dos
A carta patente deverá ser registrada na Inspetoria modernos apenas conseguiram obscurecer uma idéia clara.
de Seguros e na Junta Comercial do Distrito Federal assim À crítica é justa em realção aos civilistas franceses que, sob a
como publicada no Diário Oficial. 19 influência do Código Napoleão, consideram o domicílio um
Ainda que não autorizadas para funcionar na vínculo abstrato, em vez de verem nele, simplesmente, a
República, estas sociedades, como quaisquer outras legitima- morada (dorms) da pessoa, o lugar onde se supõe que ela se
mente constituídas em seus países, podem demandar e, em acha para os efeitos do direito.
certos casos, ser demandadas perante os tribunais brasi- Os romanos deixaram-nos desta idéia uma tra-
leiros.“? dução perfeitamente exata dizendo: wbi quis larem rerumque
ac fortunarum suarum sumiman constitui. O PoripR reproduz
a mesma idéia, quando escreve: “é lugar onde uma pessoa
CAPÍTULO IV estabeleceu a sede principal de sua residência e de seus
DO DOMICÍLIO CIVIL negécios.” Para WinDscHm “o homem tem o seu domicílio
no lugar, que é o centro de suas relações e da sua atividade,
525 ainda que não se conserve constantemente nesse lugar” &
NOÇÃO DE DOMÍCILIO ENDEMANN oferece esta noção: “domicílio, no
sentido jurídico, é o lugar em que se acha o centro da vida
O domicílio pode ser político ou civil. O primeiro doméstica e das relações civis de uma pessoa.”
é o lugar, onde a pessoa exerce os seus direitos e responde Em todas estas definições, aliam-se duas idéias:
por suas obrigações de ordem política; e o segundo é o a de morada e a de centro de atividades; aquela referindo-se
distrito, onde se supõe localizada, para exercer certos direitos à família, ao lar, ao ponto, onde o homem se acolhe para a
e responder pelas obrigações de ordem privada. A primeira vida íntima e o repouso, esta acenando à vida externa, às
forma de domicilio falece às pessoas jurídicas; a segunda é relações sociais, ao desenvolvimento das faculdades de -
comum às duas grandes divisões
de pessoas. trabalho, que todo homem possui.

“9 Dec. cit., art, 35. D Traité, 1, nº 573.


“& Decisão do Supremo Tribunal Federal, Revista de Direito, V, pág. 319; sentença do 2 Cód. 10,39 e 7. Veja-se também o D. 50, 1 fr. 17, 8 13ef. 27,8 1,e30, 16 fr 203.
juiz federal, Dr. Antonio Pires DE ALBUQUERQUE. Jornal do Comércio, de 15 de janeiro 9 Pandette, 8 36.
de 1908. O Einfuehrung, & 40. Veja-se também Komer, Lehrbuch, 1, 8 104.

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

A noção de domicílio é de grande importância


no direito. No internacional privado, é ainda, para muitas 5 26
legislações, a lei do domicílio, que regula o estado e a UNIDADE, PLURALIDADE E FALTA DE
capacidade das pessoas. No privado interno, o domicílio DOMICÍLIO
determina: 1º a competência geral do juiz; 2º o lugar onde,
normalmente, o indivíduo tem de cumprir as suas obrigações; Ordinariamente, a pessoa tem somente um
3º o lugar onde se abre a sucessão de alguém; 4º e, domicílio, como tem somente um lar e um centro de atividade,
ordinariamente, a nacionalidade das pessoas jurídicas. & mas, se OS seus negócios e ocupações estiverem situados em
Domar entendia que a noção de domicílio lugares diferentes, ou se a sua residência fôr em lugar diverso
pertence ao direito público; outros, mais razoavelmente, a da sede de seus negócios e ocupações, é perfeitamente admis-
transportaram para o direito processual; porém, como o sível que tenha mais de um domicílio.
domicílio não é, simplesmente, atributivo da competência do A doutrina francesa, italiana, inglesa e norte-
juiz, ainda que se ache nas fronteiras entre as leis substantivas americana não admite a pluralidade de domícilio, “> mas tem
e as adjetivas, é conceito que deve ser firmado pelo direito de fazer muitas concepções que, afinal, cerceiam a base da
material. teoria aceita, pelo que se vai notando uma tendência no
A transferência voluntária do domicílio opera-se sentido de modificá-la. & o
pela mudança da residência acompanhada da intenção de É, porém, conforme à verdadeira noção de domi-
fixar-se a pessoa no lugar, para onde se mudou. Sem esta cílio e às necessidades da vida social reconhecer-se.que a
intenção, o domicílio continua a ser o mesmo (Código Civil, pessoa tenha mais de um domicílio, desde que o centro de
art. 34). Ausências temporárias não influem sobre a seus negócios é vário. Esta é a doutrina romana, É do direito
permanência do domicílio. O pátrio, 9 de grande número de autoridades & e de várias
legislações. O

& Consultem-se: EnDeMANN, Einfiehrung, 8 40, Cumont, Istituzioni, 8 40; Hvc, O Hvc. Commentaire, 1, nº 374; Cuiront, Istituzioni, 8 40: ScmirmeIstTER, Das
Commentaire, L, nº 366 e segs.; Laurent, Cours elémentaire, 1. nº 101 e 102; PLaxioL Buergerliche Recht Englands, I. $ 4, comm. 2: Wwarton, Private int. law, & 72.
et Rir, Traite pratique, 1, nº” 146-148; EspixoLa, Systema, L, págs. 3530-351; Pranto, Diz ScrMEIstER, Op, Cit, $4, comi. 5, que, para certos fins, pode uma pessoa ter um
Traité, 1, nº 577 e segs.; WixpscueiD, Pandeite. 836; SA Pereira, Questões de direito, domicílio na Escócia s outra na Inglaterra.
págs, 84 e segs. : SD,50, I,fis. 5,6. 8288 27,52; Saviony, Droit romain, 8 354.
Algumas vezes, o direito contenta-se com a simples residência, que é um estado de fato, “O Código Civil, art. 32. Para o direito anterior: de 15 de junho de 1859, art. 29: “A
sendo o domicílio uma situação jurídica. Para as formalidades preliminares do casamento, arrecadação pertence ao juiz do domicílio do defunto ou ausente. No caso de ter ele
por exemplo, o que o interessado tem de declarar é a sua residência (Dec. nº 181, de 24 mais de um domicilio ou não ter algum, a competência se regula pela prevenção da
de janeiro de 1890, arts. 1 e 5). Para que aos estrangeiros fique assegurada a arrecadação”, CorHo Da Rocwa, Instituições, $ 68; Risas, Direito civil, IE, pág. 106;
inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade,à liberdade, à segurança individual João Montero, Processo, 1. $ 38; PauLa Baprista, Prática, & dd.
e à propriedade, basta a sua residência na República (Const. Fed., art. 72, pr). S Winpscrem, Pandette, S 36; BNDEMANN, Einfuehrung, 1, 8 181; Dennsuro, Pand., 8
é É de se considerar, ainda, a mudança compulsória de domicílio, quando se dá por 46, Komer, Lerhbuch, 1, 8 104, VI.
imposição legal, como no caso do funcionário público transferido por necessidade de 9 Código Civil alemão, at. 7, Der Wolwsitz kann gleichzeilig an mefreren Oflen bestehen;
serviço. chileno, 67, uruguaio, 30; colombiano, 83. No mesmo sentido dispuseram os Projetos

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

Por outro lado, pessoas haverá, às quais se não centro de seus negócios. Pode ser geral, quando se refere à
possa designar um domicílio, por não terem um ponto central generalidade dos direitos e das obrigações da pessoa, ou de
de negócios nem residência habitual em alguma parte. Tal é eleição, quando estabelecido em contrato para a execução
o caso dos vagabundos e dos que empregam a vida em de certas obrigações. “2
viagens, deslocando-se continuamente, sem se fixar em parte É Para a aquisição do domicílio basta o fato da
alguma e sem ter um estabelecimento, ao qual se prendam as residência unido à intenção de aí fixar-se. Para os efeitos da
relações jurídicas que firmarem. Para esses valerá por domi- jurisdição, se a pessoa não tiver feito comunicação às munici-
cílio o lugar onde forem encontrados. 2 palidades de onde sai e para onde vai, presume-se essa vontade
A doutrina francesa quer que toda pessoa tenha da residência continua durante um ano ou da circunstância
um domicílio, mas, nos casos indicados, não é razoável atribui- de possuir a pessoa, no lugar, bens de raiz, estabelecimento
lo, arbitrariamente, a quem, evidentemente não o tem. O industrial ou cada de comércio, e de outro qualquer fato de
direito pátrio, É como o romano, ? sempre admitiu que al- que se induza a intenção de residir. O
Domicílio necessário é o que resulta de uma pres-
guém deixe de ter domicílio.
crição do direito. Pode ser de origem ou legal.
Domicílio de origem é o que à pessoa adquire ao
nascer: o filho tem o domicílio do pai, até que, tornando-se
827 capaz de dispor de sua pessoa e bens, constitua um outro. &
DOMICÍLIO VOLUNTÁRIO E NECESSÁRIO Domicílio legal é o lugar onde a lei presume que
o indivíduo reside permanentemente. Assim, o domicilio dos
Domicílio voluntário é o que a pessoa adquire
por ato seu, escolhendo o lugar de sua residência habitual e o BD Código Civil, ut. 42. Ord. 3,6, 8828 23,3, 11, 83; dec. nº 737, art. 62; dec. 169 A,
de 19 de janeiro de 1890, art. 22, D.5, 1 fr. 19, 8d: Cód. 2, 3, 1. 29, Código Civil
francês, at. HI: português, 46: argentino, 101; mexicano, 37, chileno, 69; colombiano,
FeLiciO DOS Santos, art. 125, CortHo Ropricues, 67; primitivo, 44, co da Câmara. 35. 83, uruguaio, 32; itutiano, 19: Esboço, 32; Nasuco, 134; Feuteo vos Santos, EE;
Em sentido oposto, adotando à unidade do domicílio: Código Civil fancês, italiano, Cogtno RopriGuEs, 81, primitivo, 38; da Câmara, 45.
argentino, arts. 93 e 94, e Esboço de Tuixema ve Frerras, art. 194. Nazuco, art. 120, O domicilio de eleição, sendo especial para uma categoria de atos, não prejudica o
declara que não há senão um domicílio geral, mas admite, em seguida, a possibilidade de geral, que subsiste, apesar dele, para as outras relações de direito, Deve resultar de una
se ter mais de um. cláusula e não de induções, mas tanto pode ser estabelecido no próprio instrumento do
Código Civil, art. 33; CogHo Da Rocka, frst., 568, escólio; Borges Carneiro, Direito contrato, quanto em outro de igual natureza (Iluc, Commentaire, À. nº 393). Em qualquer
civil, 8275, nº 8; Risas, Direito civil, IL, pág, 107, Peresra e Souza, Primeiras linhas do hipótese, é uma cláusula do contrato, e. como tal transmite-se com ele aos herdeiros dos
processo civil, nota 40; Pauta Baprista, Prática, 8 44: Sevg o Navarro, Prática, art. contratantes (Huc. /oe. Cit. : Cod Crvil pormgueês, art. 46, 2º parte). Vejam-se aínda João
185; Código Civil, português, art. 45, chileno, 63; uruguaio, Ol: colombiano, 84; Niontemo, Processo, 8 39, e Tenxema pg Freiras, Consolidação, art, 393.
Projeto Nasuco, art. 19; FeLicio pos Santos, 124; CorLHo Ropriaues, 79; primitivo, 3 Código Civil, art. 34, parágrafo único. Direito anterior: Ord. 2, 36, 1; dec. nº 848 de
45. H de out. 1890, art. 17; Carros DE CanvaLHo, Direito civil, art. 141.
9 Reg. De 15 de junho de 1859, art. 29. Q Esboço, art. 182: Código Civil argeniino, 89, CHamprau e Umes, Derecho civil
9.50, 1, fr 27, $ 2; dificite est sine domicilio esse quemquam, puto, autem, et hoc colombiano, 1, nº 159 e 160. No caso de divórcio, o domicílio do filho é o do cônjuge
procedere, si quis, domicilio relicto, naviget vel iter faciat ... nam hunc puto sine em cuja posse ele ficar, CarLos DE CarvaHo, Direito civil, art, 137. Quando a mãe
domicilio esse. exerce o pátrio poder, é pelo seu que se determina o domicílio do filho.

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

incapazes é o de seus representantes. º A mulher casada tem navio. 2


por domicílio e do seu marido, salvo se se achar judicialmente O lugar da prisão é o domicílio do preso em
separada ou se lhe competir a administração do casal. O Sendo cumprimento de sentença. “º
comerciante, terá domicílio próprio para os atos do seu comércio. Os escritores franceses ensinam que a prisão não
Os funcionários públicos consideram-se domici- determina alteração alguma no domicílio da pessoa, tendo
liados, onde exercem suas funções, se não forem temporárias, esse efeito somente o exílio. “? Nós não temos o exílio na
periódicas ou de simples comissão. º Em tal caso, adquire- sua forma rigorosa de banimentos; “2 temos somente o
se o domicílio pela posse do emprego. Sendo as funções destas desterro, como recurso de defesa e repressão, confiado ao
últimas categorias, o domicílio somente se considerará poder executivo, “2 ou como medida de polícia internacional
a que o governo pode recorrer, para afastar, do território
transferido, se o funcionário manifestar intenção de mudá-
nacional, um estrangeiro que comprometera a estabilidade
lo, fixando a sua residência definitivamente no lugar da função.
da ordem pública. “”
O domicílio do militar em serviço ativo é o lugar
Na Inglaterra e na América do Norte, a prisão e
onde o estiver prestando; ” o das pessoas com praça na
o desterro acarretam a mudança de domicílio, quando são
armada é o lugar de sua estação naval ou aquele onde fôr a perpétuos, porque, nos outros casos, “estão os condenados,
sede de seu emprego em terra. É constantemente, com os olhos fitos no horizonte, à espera de
: O domicílio dos oficiais e tripulantes da marinha voltar para os seus lares (Jooking constantly forward to their
mercante é o lugar onde estiver matriculado o respectivo returm to their home), e, emquanto perdura essa esperança,
deve subsistir o domicílio (1f nourish the hope pf returning,
& Código Civil art. 36: Cantos ve CarvaLHO. Direito civil art. 137.D. 27,2. I pref
5, 27,10 &. 7 pr; Esboço, art. 176, nº 1, Nasuco, 123 e 124 FeLício Dos Saxros, their domicile remains at their homes). 09
CozrLno Roprisues, 72 e 73; primitivo, 31; Código Civil francês, art. 108; italiano, 18;
português, 47 a 49, alemão 8 e Il, argentino, 90 nº 6; chileno, 72; uruguaio, 34; Por direito inglês, as pessoas que servem na armada ou no exército conservam o domicílio
boliviano, 53; colombiano, 88. que tinham, quando entraram para o serviço, ss o tinham em território britânico
9 Código Civil, art. 36, parágrafo único: Seve e Navarro, Prática, nota 283; D. 50.1 &. ESCHRMEIS 36). Semelhante é o direito norte-americano (Wieros, Private int. ley,
38,83; Cód. 12, 1,1, 13; Código Civil alemão, art. 10; argentino, 90 nº 9: chileno, Ti: $ 30). Por direito frances, os militares estaão quanto ao domicílio, sujeitos aos principios
colombiano, 87, português, 49; Esboço, 176, nº 1; Nasuco, 123: FeLictO pos Saxros, do direito comum (PLaxioL, Traité, E nº 611).
129; COELHO RODRGUES, 72; primitivo, 51; parágrafo único; atual, 39; PLaxiOL, 3 Código Civil, art. 39, Projetos brasileiros: de Naguco, 129, 2º parte; FELICIO DOS SAxTOS,
Traité nºs 595-601. 134. CorHo Ronrisuss, 74, 8 2; primitivo, 34; da Câmara, 32.
No direito inglês (Scmramster, $ 7 e comentários), a separação de fato não atribui “a Código Civil, art. 40. V.CogLuo pa Rocna, Inst., $68: Pauta Baruista, Prática, $ 34;
domicílio próprio à mather, e é duvidoso se tem esse efeito a separação por sentença : Save e Navarro, Prática, ut. 186, 8523; Código Civil português, art. 33, mexicano,
judicial. 34: Esboço, art. 176,nº3; Naguco, art. 130: PeLicio Dos Saxros, 135: Costro Roprioues,
& Código Civil, art. 37; CorLuo Da Rocna, Ínst. 8 68; PLaxtor, Traité, L nº 610 e 61: 76: primitivo, 55: da Câmara. 42.
Cód. Civil francês, arts. 106 e 107. argentino. 90,0º 1: mexicano, 28; montenegrino. O Código Civitargenino, mt. 93, estatui que a residência forçada por desterro ou prisão
928; Esboço; 176, nº 3, Nasuco, 127; ReLicio vos Santos, 191; Corto RopriguEs. 70: não altera o domicílio, se neste sse conserva a família ou o assento do principal
primitivo, 52. Pelo direito romano, o funcionário vitalício adquiria o domicítio fegal no . estabelecimento do preso ou desterrado.
lugar, onde exercia as suas funções (Cód. 10, 39, L 8), conservado, não obstante, o Ei Eluc, Commenteire, 1, nº 3753-379.
domicílio anterior (D. 1,9 fr. 11). Guardava silêncio o direito romano sobre o empregado “% Constituição Federal, art. 72, 8 20.
temporário (Van Werrer, Droit civil, p. 9). “ Constituição Federal, art. 80, $2.
€e% Código Civil, art. 33; Corno na Roca, Inst., 869: Pausa Bapmisra, Prática, 8 54; “i Constituição reformada, art. 72, $ 33. O Projeto de Código Penal de SA Pereira
Seve Navarro, Prática, art. 186, 8 1; D. 50, 1 23, 8 1; Código Civil alemão, art. 9; contém a pena do exílio local (art. 68 e segs.).
argentino, 90, nº 2: montenegrino, 958; português, 52; mexicano, 29. US WyartON, Private int. te, 3 34,

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

Alguns Códigos Civis, como o francês, art. 109, privado é o lugar onde estiver a sede da sua administração,
o português, 50. O mexicano, 33, o chileno, 73, o uruguaio, ou direção, se outro não fixarem os estatutos. Tendo a pessoa
35 eo colombiano, 89, estatuem que as pessoas empregadas jurídica diversos estabelecimentos, em lugares diferentes, cada
no serviço doméstico de outras aí têm o seu domicílio, se um deles será considerado domicílio para os negócios aí reali-
habitarem na casa de seus patrões. Parece, entretanto, que é zados. Se a sede da administração ou direção da pessoa
excusada disposição especial para esse caso, apesar do apoio jurídica se achar no estrangeiro, os estabelecimentos situados
alegado, aliás infundadamente, do direito romano. 49 no Brasil serão hevidos por domicílio, relativamente às
A situação do liberto, no direito romano, é diversa obrigações contraídas pelas respectivas agências.
da dos criados de servir e de outros operários de nossos dias, SAvIGNY faz notar que a noção de domicílio não
e os textos romanos invocados referem-se aos libertos. se aplica às pessoas jurídicas senão artificialmente, mas reco-
Dispõem também algumas legislações que o nhece que, não obstante, é necessário determiná-lo para reco-
domicílio, compulsoriamente imposto ao marido, no caso de nhecer-se a jurisdição, a que estão submetidos. O Esta deter-
cumprimento de pena, não é adquirido pela mulher nem pelos minação.continua o eminente jurisconsulto, é, às vezes, dificil,
filhos, que continuam a ter o domicílio do chefe da família quando se trata de empresas industrais, cuja exploração se
antes da condenação, cu o que lhes couber, segundo as regras não fixa em um lugar certo ou abrange grandes extensões,
gerais do direito. Se pela sentençea o marido perder a direção como uma estrada de ferro, uma companhia de navegação, a
do lar, ou o pai o poder páterno, compreende-se que assim construção de uma ponte sobre um rio, cujas margens corres-
seja; mas, não tendo a sentença esse efeito, não há motivo
pondem a jurisdições diferentes. Para solver esta dificuldade,
para tão irritante cominação. Se o marido estiver em cárcere,
imaginou SaviGNY que se poderia facultar ao juiz assinar um
por mais de dois anos, cabe à mulher a direção do lar (Código
domicílio à pessoa jurídica, se esta o não tivesse determinado
Civil, art. 251). À sentenã criminal, que imponha pena de
nos seus estatutos; mas a necessidade de segurança das rela-
prisão superior a dois anos, determina a suspensão do pátrio
ções não admite semelhante solução. Muito mais consentânea
poder (art. 394, parágrafo).
com as necessidades práticas e mais conforme à razão é a
que considera domicílio da pessoa jurídica a sede de sua
direção, ou administração, se outro não fôr designado nos
$2 8
DOMICÍLIO DAS PESSOAS JURÍDICAS : estatutos.

“4 Código Civil, art. 35, IV e $$ 3º e 4º. Tal era também a doutrina do direito anterior”
I- O domicílio das pessoas jurídicas de direito Leinº 173, de 10 de setembro de 1893, art. 3; Dec. nº 5.072, de 12 de dez. De 1903, art.
23, parágrafo único, Caros pr CarvaLHO, Direito civil, art. 163. loão Monteiro,
Processo, 1,8 38 e nota 7; Seve e Navarro, Prática, not. 279. Consultem-se: Esboço,
48 D.50,1f.6,$3.ef. 22, pr.
arts. 301-304; Nastco, 170, CortHo Roprigues, 73: Projeto primitivo. art. 50; da Câmara,
+» B ainda de se considerar o domicilio “geral” que centraliza todos os negócios e interesses
da pessoa; e o “especial” como sede jurídica para o implemento de determinada obrigação. 38, 88 1 e 2; Código Civil colombiano, art. 86; Código Civil português, art. 18, Hve,
Nesta categoria está o domicilio contratual ou de eleição, estipulado para a execução de Com., 1, vº 372; Scmemeister, $ 7 e com. L,
um contrato, atraindo a competência para as ações conseqitentes. Droit romain, 8 534.

230 231
Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

E — O domicílio das pessoas jurídicas de direito


público interno é determinado pelo Código Civil, art. 35: 1, TETO
LIVRO
da União, o Distrito Federal; II, dos Estados, as respectivas
capitais. DOS BENS

HI - Do Município, o lugar, onde funciona a sua


administração.
CAPÍTULO I
Quando o direito pleiteado se originar de fato
DOS BENS CONSIDERADOS EM SUA PRÓPRIA
ocorrido, ou de ato praticado, ou que deva produzir os seus ENTIDADE
efeitos fora do Distrito Federal, a União será demandada na
ação judicial, em que o fato ocorreu, ou onde tiver sua sede 829
a autoridade, de quem o ato emanou, ou este tenha de ser NOÇÃO DE BENS — COISAS — PATRIMÔNIO
executado (artigo citado, 8 1º).
1 Bem, na linguagem filosófica, é tudo quanto
corresponde à solicitação dos nossos desejos. Neste sentido
é que ULriano dizia: bona ex eo dicuntur quod beant, hoc est
beatus faciut. Para a economia política, o bem é aquilo que
concorre
- para satisfazer uma necessidade humana,
Na essência, a idéia é a mesma, porém,
a econo-
mia tem um campo mais limitado. Os nossos desejos íntimos,
as nossas aspirações puramente morais, as satisfações exclusi-
vamente estéticas ou intelectuais, realizam-se em domínio
estranho à economia política. Ainda que os bens econômicos
tenham um elemento individual, pois nele os indivíduos encon-
tram satisfações de necessidades suas, são sempre, como
ARISTÓTELES notara, exteriores ao sujeito, e, por outro lado,
“* são sempre bens sociais, porque o fenômeno econômico é
fenômeno social, ou, como diz ErreRTs, * entre os processos
sociológicos se acham os processos econômicos, cuja totali-
dade compõe a vida econômica.
Para o direito, o bem é uma utilidade, porém com

U Antagonismes économiques, trad, AnDLER, Paris, 1906, pág. 15,

233
Clóvis Beviláguea Teoria Geral do Direito Civil

a extensão maior do que a utilidade econômica, porque a Frerras, que tem hoje por si o apoio do Código Civil alemão.
economia gira dentro de um circulo determinado por estes No direito inglês, a palavra coisa é tomada, numa
três pontos: o trabalho, a terra e o valor; ao passo que o primeira acepção, como objeto material (p/yysicak thing); mas,
direito tem por objeto interesses, que se realizam dentro desse outras vezes, equivale a objeto do direito (subject-maiter of
círculo, e interesses outros, tanto do indivíduo quanto da a right) ou, ainda, aquilo que faz parte da propriedade de
família e da sociedade. alguém (proprietary right), este último é o sentido mais
Assim, no direito, há bens econômicos e bens usual.
que o não são. Os bens econômicos formam o nosso patri-
MoRIo E — Os bens constituem a parte positiva do patri-
mônio. Convém, portanto, deixar aqui, desde já, firmado o
Hi — A palavra coisa, ainda que, sob certas conceito jurídico de patrimônio.
relações, corresponda, na técnica jurídica, ao termo bem, Originariamente essa palavra designava os bens
todavia dele se disitngue. Há bens jurídicos, que não são da família; º hoje, porém, sua significação é mais lata, e,
coisas: a liberdade, a honra, a vida, por exemplo.E, embora o força é dizê-lo, ainda não muito precisa no estado atual da
vocábulo coisa seja, no domínio do direito, tomado em sentido ciência,
mais ou menos amplo podemos afirmar que designa, mais Parece melhor fundamentada a opinião dos que
particularmente, os bens que são, ou podem ser, objeto de o consideram o complexo das relações jurídicas de uma
direitos reais. Neste sentido dizemos direito das coisas, O pessoa, que tiverem valor econômico. O Assim, compreende-
Fenera DE Freitas define coisa “todo o objeto se no patrimônio tanto os elementos ativos quanto os passivos,
material susceptível de medida de valor” O Esta foi mais isto é, os direitos de ordem privada economicamente apre-
tarde a linguagem adotada pelo Código Civil alemão, artigo
90: coisas, na linguagem da lei, são somente os objetos 19 SqHIRMEISTER, OP. Cit. com. ao 536.
corpóreos. º E certo que, por este modo, simplificam-se 9 É a sucessão paterna. Em direito romano, primitivamente, a idéia de patrimônio era
traduzida por familia, como se vê ainda que das expressões femiliae erciscundae (actio)
noções fundamentais do direito, e precisa-se a significação e família pecuniaque. Maistarde foi usado o vocábulo bona (venditio bonorum, missio
termos essenciais, proveito que não é, por certo de valor in bona, bonorum possessio).
Ao tempo do império é que se vulgarizou entre os jurisconsultos a palavra patrimonizm
secundário; mas ainda se não produziu, na ciência, a reação, (G. Mar, Grande encyclopédie, vb. Patrimoine).
necessária para ser adotado o pensamento do nosso insigne 8 Confronte-se a definição dada com as seguintes: — ['ensemble'des droits et des charges
d'une personve apreciables en argent (PLaxior, Traité de droit civil, E, nº 747 - dl
complexo di rapporti giuridichi d'una pesonma avent vatore pcuniario (Faboa é Bexsa,
Tecnicamente, as coisas distinguem-se dos bens pela sua materialidade (Cód. Civil notas às Pandectas de W inpscmuiD, L p. 678); —1'ensemble des droits civils d'une personne
Alemão, art. 90). Mas o Código Civil Brasileiro não observou esta discriminação; com sur des objets constituant des bins (Atrrr et Ray, Cours de droit civil français, ES, 8
efeito, ora fala em “coisas corpóreas e incorpóreas” (art. 34), ora, sob a epígrafe genérica 573).
“direito das coisas” (Livro Il da Parte especial), alude a bens incorpóreos também. Vejam-se ainda Dernsuro, Pand., 88 22 e 67, Laraverta, Direito, vol. 85, pág. 368.
Esboço, art, 317 e 0 comentário explicativo, Braxcm é BONELLL, antes vêem no patrimômio um acervo de bens, dando, assim, ao
9 Sachen in Sinne des Gesetzes sind nur koerperliche Gegenstaende. Consultem-se a conceito, uma feição que, por um tado, excede aos limites do direito, e, por erroo, exclui
respeito: EnDemanx, Hinfirechrung, 1, $ 50; e Homer, Lehrbuch, 8 198. elementos que se devem classificar entre os patrimoniais.

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Teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Bevilágua
casos, o direito civil encara as relações econômico-jurídicas
ciável e as dívidas. O E a atividade econômica de uma pessoa,
de uma pessoa em seu conjunto e como unidade. *? E é uma
sob o seu aspecto jurídico, ou a projeção econômica civil.
idéia esclarecedora da posição jurídica da pessoa essa que
RaouL DE La GRASSERIE compreende-o como o
nos apresenta o patrimônio como um todo, como um aspecto
prolongamento da personalidade sobre as coisas. O e tal
da personalidade.
modo de ver é perfeitamente aceitável, se por essa imagem
Outra questão, que envolve o conceito ded patri-
se pretende significar a irradiação do agente do direito na
esfera dos bens.
mônio, é a de sabermos se ele pode ser múltiplo ou se há de,
necessariamente, corresponder um a cada pessoa.
Algumas vezes o patrimônio é concebido de um
A doutrina corrente adota a segunda solução, “º
modo mais restrito, não como a totalidade das relações
embora, excepcionalmente, se encontram casos em que o
jurídicas apreciáveis em dinheiro, mas como aquilo que resta
patrimônio sofra uma divisão, que é, antes, a necessidade
depois de solvidas as dívidas, quae deducio aere alieno
prática de impedir a junção de bens de procedência diversa.
supersunt, “9 ou como a soma dos bens concretizados em
Os casos apontados como excepcionais da uni-
direitos atualmente existentes.
dade do patrimônio em direito civil & são os de beneficio de
A maioria dos autores considera o patrimônio
inventário, da separação de bens concedida aos credores do
uma universalidade de direito, isto é, uma unidade abstrata,
falecido e da sucessão dos bens do ausente. “? Nesses casos
distinta dos elementos que a compõem. “» Contra esse modo
não há uma situação definitiva. Enquanto se apura, deducto
de ver insurgem-se Fanpa e Bensa, achando inútil e contrária
acre alieno, o que deve entrar para o patrimônio do sucessor,
à realidade essa abstração, que nos arrasta para o domínio
subsiste, não absorvido, o patrimônio do sucedendo, ainda
das ficções. Para eles essa universitas juris somente aparece
que ambos se achem dentro da esfera da atividade jurídica de
quando, para um fim determinado, a lei unifica os direitos e
uma pessoa. Interesses valiosos se interpõem, mantendo a
obrigações da pessoa, como no caso de sucessão hereditária
ou de falência. “>
Entretanto, é bem certo que, em muitos outros “3! Exemplos: o patrimônio das fundações, Cód. Civil, art. 27; o dos menores, art. 419,0
do doador (idem, art. 1.174).
UM Augar etRav, VI $$373€574. Wrspascheip, Pand., $ 42; PLantoL, Traité, 1, nº 478,
O Encemman, Einfiehrung in das Studium des B.G.B., 8 30, nota 10. 3º, Raotg pr La CrrasseRE, Op. cit, páginas 27-29.
O Classification scientifique du droit, pág. 17. “5 Pelo Código Civil, tofa herança é aceita a benefício de inventário, no sentido de que o
O Winpscueip, Pand., 8 42, e nota 2. Trata-se do que, em linguagem comum, se denomina herdeiro não responde ultravires hereditatis art. 1.587). A separação dos patrimônios
patrimônio líquido ou ativo. em benefício dos credores do hereditando está autorizada pelo art. 1.799. a sucessão
49 D. 50, 168 39,51. 0% 80 codem também diz: Proprie bona dici non posstnt provisória e a definitiva do ausente constam dos arts. 469 « segs.
qua plus incommodi quam commodi habent Us No direito comercial, há uma separação de patrimônio, quando o comerciante,
St Augry ot Ray, op. cit., 58 3573-583; Winpsceeim, Pand., 42; RaouL pe La GrassERIE,- declarado em falência, por sentença de tribunal estrangeiro, possui bens hipotecados no
op. cit. págs. 27-29. Dramaro, Grande encyelopédie, vb. -, Patrimoine aliou-se a esta Brasi!, ou tem contra si a ação ajuizada, que deva determinar penhora sobre bens sitos na
opinião o Código Civil Brasileiro, art. 57, por sugestão de LacERDA DE ALMEIDA (Atas, República, ou, finalmente, $, dono de um estabelecimento distinto e separado em nosso
pág. 62). O Código Civil alemão deixou de consignar preceitos sobre o patrimônio e, país (lei nº 2.024, de 17 de dezembro de 1908, arts. 161 e 162).
não se ocupando senão de coisas corpóreas, não podia considerá-lo entre as universidades São atenuações ao princípio da universalidade da falência, exigidas pelo relativo atraso
de direito. do direito positivo, que ainda ;:ão pôde traduzir a idéia de justiça em sua plenitude.
4 Notas às Pandectas de WispscuriD, L, págs. 667-672.
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236
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Clóvis Bevilágua teoria Geral do Direito Civil

distinção dos patrimônios, impedindo-lhes a natural unifi- reparação pecuniária, da qual resulte um aumento do patri-
cação. É mônio;
FaDDA e BENSA, em contrário, afirmam que esses b) Os direitos da família e os da autoridade, como
casos dados como excepcionais entram na regra comum, as relações pessoais entre cônjuges, entre pai e filhos, o pátrio
porque o patrimônio só se unifica para um fim determinado; poder, a tutela, etc.;
e, segundo o exigir essa finalidade, ter-se-ão dois ou mais c) Os direitos políticos e os chamados civis
patrimônios. 4? públicos.
Incluem-se no patrimônio:
IV— No patrimônio incluem-se todos os direitos 19 A posse;
e obrigações apreciáveis pecuniariamente. Excluem-se, 2º) Os direitos reais;
portanto: “9 3º) Os intelectuais, ?
«) Os direitos sobre a própria pessoa, os chamados 49 Os obrigacionais;
direitos individuais referentes à existência, à liberdade e à 5º) As relações econômicas do direito da família;
honra, ainda queo dano moral possa determinar uma 6º) AS ações oriundas desses direitos, as quais,
em verdade, não passam de aspectos dos mesmos. “2
BrEkKER diz que são patrimoniais todos os direitos
Com a designação de “patrimônios separados”, cogita-se às vezes de certos bens ou
conjuntos de bens, que em razão de interesses especiais. estão sujeitos a administração transmissíveis, porém, a transmissibilidade não coincide,
autônoma ou específica. Outras vezes, ocorre separação ou divisão no patrimônio de exatamente, com a patrimonialidade. Basta considerar que,
uma pessoa, tendo em vista os encargos que pesam sobre certos bens, ou a finalidade a
que se destinam (“Teoria d afetação”) € a tais acervos reserva-se a denominação muitas vezes, a propriedade de certos objetos é inalienável,
“patrimônio de afetação” (cl. De Pace, Iraité Elémentaire du Droit Civil, vol. V. Nºs como a dos imóveis dotais, que certos bens escapam à
585 e segs; PLanioL, RiPERT et BouLanger, Traité Elementaire, vol. [, nº 2,520).
“7 Opere citato, I, págs. 672-673.
“BD Wixpscarro, Pand., $$ 40 e 42; Mare, Droit romain, 1. 8d; Papa e Bessa, op. cit. GM Os direitos intelectuais compreendem: 9 autoral, a patente de invenção, a propriedade
págs. 673-675; Dernsuro, Panc., 8 22: R. De La Grassurig, Op. cii.. p. 26. Este antor das amostras e modelos, a da firma comercial, a das marcas de fábrica (Jurwna, detio
chama os direitos fundamentais da pessoa — soi concert. AusrY er Rav, não excluem do injuriarum, págs. 145 e 170), Parte dessa matéria está regulada, atualimente, pelo direito
patrimônio os direitos que a antiga escola do direito natural denominava (Cours, VI, & comercial, parte pelo direito civil. E, como é no campo do direito civil que me pretendo
573). manter, somente me ocupo aqui do direito autoral. A porção que entra no direito mercantil
A propósito de direito sobre a própria pessoa, agita-se a questão de saber se o indivíduo tende a desagregar-se para constituir o direito industrial, onde alguns querem também
pode dispor do próprio cadáver. Prende-se esta questão à do direito de disposição do entrassachar os direitos dos autores (Prix, Direito inudsiriale, introduzione).
próprio corpo, mas tem uma feição especial. O cadáver é coisa que está fora do comércio: No direito autoral, há uma parte econômica e real, ao lado de outra puramente pessoal,
não pode, portanto, ser objeto de contrato oneroso ou gratuito, nem de transmissão mortis que não entra no acervo do patrimônio, como o direito ao nome civil. Tudo quanto se
causa. prende, imediatamente, à honra do escritor ou do artista, ao seu renome, às sua qualidades”
INI

Alguns autores acham que o fim científico e humanitário das investigações anatômicas características, recebe proteção do direito, mas não tem por denominador comum à moeda,
ou quaisquer outras semelhantes, afastando o caráter de torpeza da alienação, devetorná- : subsiste apesar das alienações da parte real do direito, é inseparável da pessoa.
la permitida. Creio, porém, que não se pode tratar, na espécie, de alienação nem de (M Esta enumeração é feita diversamente pelos autores. Veja-se, por exemplo, RivAROLA,
transmissão de direitos. Todavia o cônjuge e os parentes chamados à sucessão podem Derecho civil argentino, 1, nº 60. Quanto ao direito hereditário, como argutamente explica
conformar-se com a vontade do falecido. :Vejam-se a respeito deste assunto FADDA é DeanBurs, Pasdette, 8 22 da trad. de CicaLa, não é uma parte constitutiva do patrimônio,
Brnsa, notas às Pand., de Winoscazin, |, págs. 625-627, e Hersitio DE Souza, Novos encara as relações jurídicas sob um outro ponto-de-vista, assinala a passagem do
direitos e velhos códigos, Recife, 1924, págs. 88 a 105. patrimônio do morto para os vivos.

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Clóvis Beviláqua feoriu Gerai do Direito Civil

penhora, como os ordenados, os instrumentos de trabalho infungíveis).


dos oficiais mecânicos, e outros, para se ver que não é verda- É uma classificação de cunho científico influen-
deira a afirmação. €» ciada pela economia política e pela sociologia em geral, por-
Patrimonial quer dizer apreciável em dinheiro, quanto põe em relevo os aspectos mais importantes em que
de valor pecuniário, mas nem tudo que representa uma utili- podem ser apreciados os bens em relação à terra, «o homem
dade econômica é permutável. e à sociedade. Do ponto-de-vista puramente jurídico, entre-
tanto, é preferível a classificação indicada em primeiro lugar,
porque aprecia as coisas justamente nas atitudes, em que elas
| $ 30 se acham como objetos de direito.
CLASSIFICAÇÃO DOS BENS A classificação do direito inglês, por obedecer a
moldes diferentes dos que adotou o direito civil moderno,
Os bens podem ser considerados: em sua própria desenvolvendo as noções recebidas do romano, merece que
individualidade; uns em relação aos outros; e em relação às o destaquemos.
pessoas, que deles se utilizam. As coisas, que compõem o patrimônio, segundo
Na primeira relação distinguem-se: 1º em corpó- o direito inglês, são reais e pessoais. As reais pressupõem
reos e incorpóreos; 2º em móveis e imóveis; 3º em fungíveis gozo perpétuo ou sequer vitalício e, ordinariamente, imobili-
“e infungíveis, 4º em consumíveis e não consumiveis; Sº em dade; mas, como o direito patrimonial que se prende a funções
divisíveis € indivisíveis, 6º em singulares e coletivos. vitalícias também é rea!, este último requisito não é essencial.
No segundo ponto-de-vista, são principais € As pessoais dividem-se em chattels reais e chattels pessoais.
acessórios. Os primeiros recaem sobre a terra ou sobre coisas imóveis
Por fim são bens públicos e particulares, e coisas (interest in land or immovable things), e podem ser corpóreos
que estão no comércio ou fora dele. ou incorpóreos. Os segundos recaem sobre coisas móveis e
Esta é a classificação, que foi adotada pelo também podem ser corpóreos ou incorpóreos. >
Código Civil Brasileiro, e tem por si a tradição. No Código
Civil apenas não aparece a primeira divisão, corpóreas e
incorpóreas, por falta de interesse prático. $31
KoHLER propõe-se a classificar as coisas corpó- PÓREOS E INCORPÓREOS
reas encarando-as: 1º, em sua relação para com a terra (móveis
e imóveis); 2º, em sua utilidade para o homem individualmente Os jurisconsultos romanos distinguiam as coisas
considerado (consumíveis e inconsumíveis, frutos e rendi-
mentos); 3º, na sua capacidade social de troca (fungíveis e
Lehrbuch, $ 201.
O ScmrmeistER, op.cit., com., aos +36 e 37; GLAssoN, Droit et institutions de VAnglaterre,
€D Veja-se 0 reg. 737, art. 329. VI 8 293.

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

em corpóreas e incorpóreas, segundo podiam ser ou não diz-nos GierkE, ” são os principais objetos do direito das coisas.
tocadas: Corporales haec sunt quae sui natura tangi possuni, Todavia o direito alemão tem estendido em larga escala o direito
veluti funds, homo, vestis, aurum, argentum, et denique alice real sobre coisas incorpóreas” ... “Certos direitos reais (usufruto
res innumerabiles. Incorporales autem sunt, quae tangi non e penhor) são possíveis sobre coisas incorpóreas.”
possunt, qualia sunt ea, quae in jure consistunt. O E, portanto, necessário destacar aqui as coisas
TerxEIRA DE FREITAS, mostrando a incoerência dos corpóreas e as incorpóreas.
romanos ao estabelecerem esta divisão, por isso que classifi- Bens corpóreos são os que ocupam lugar
caram o domínio entre as coisas corpóreas, tendo em vista o limitado no espaço. 9 Os bens incórporeos ou imateriais
objeto sobre que recai, ao passo que os outros direitos foram podem ser objeto de direitos não somente políticos, de que
classificados entre as coisas incorpóreas, acha que ela “con- não se ocupa este livro, mais ainda de direitos privados, como
funde todas as idéias e tem sido causa de uma perturbação a vida, a honra e a liberdade (nos aspectos em que as consi-
constante na inteligência e aplicação das leis civis, com os deram o direito privado), o nome comercial, a qualidade de
erros € injustiças que daí sempre dimanam”. O autor, etc. As ações humanas são também coisas incorpóreas.
É certo que as idéias romanas não se mostram No direito das obrigações, os objetos dos direitos são sempre
precisas nestra matéria; mas não deve ser isso motivo para ações humanas, isto é, coisas imateriais, ainda que, muitas
que seja repelida a distinção, que está na essência das coisas, vezes, tendam a materializar-se. No direito da família puro,
“e, portanto; há de trazer esclarecimento à compreensão das também o objeto das relações de direito são ações humanas
relações de direito. e não coisas. |
E inútil dizer que os direitos são coisas incor-
póreas, porque todos o são e porque a divisão, para ter
interesse jurídico, há de ser feita, não tendo em vista os 32
direitos, mas sim o objeto deles. E, então os objetos dos DOS IMOVEIS
direitos, alguns há que são corpóreos e outros que o não são.
E o que reconhece Teixeira DE Freitas, quando nos diz que 1 - A mais importante divisão das coisas é que as
os objetos susceptíveis de medida de valor, ainda que não distingue em móveis e imóveis, segundo a relação em que
sejam materiais, entrarão com os materiais na classe dos bens,
para formar o patrimônio das pessoas. 2 E, seo Código Civil 9 Encyclopaedie der Rechtswissenschajt fundada por Hortzennorks e dirigida, depois.
alemão incluiu em seus dispositivos somente as coisas corpó- por KonLer, Grundzuege des d, Privatrechts, por Gismey, $ 38: - Gegonstaende des
Sachenrechts sind zunacehst die Koerperlichen Sachen. Das deutsche Recht hat aber in
reas, não desapareceu, com isso, a noção de coisas incorpó- umfassendem Masse das Sachenrecht auf unkoerperliche erstreckt...Gewisse dingliche
Recite (Niessbrauch und Pflandrecht) sind auch an andereren unkoerpertiche Sachen
reas para o direito privado alemão. “As coisas corpóreas, moegtich,
Konter, também diz que os bens podem ser corpóreos ou incorpóreos (Lehrbuch, & 198),
O Go, finst., UE, 8$ 12-14: Znst. De Just. 1,2, pre $$ 1 c2: Pauio, no D.35,2.f. 1,87. ainda que estes últimos não entrem na esfera do Código civil.
& Esboço, comentário ao art. 317. Esta é a definição de Koncur, Lehrbuch, $ 198, que é proferível à de Guio. Nem todas
9 Arts. 319 e 320, Vejam-se também o Código Civil argentino, art. 2.312 e ZeBizareta, as coisas corpóreas são bens, Aquelas que escapam à esfera de ação do homem, como os
Derecho civil, Asssunción, 1900, IH. págs. 5 e segs. corpos celestes, não pertencem ao direito, não são bens, no sentido jurídico.

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Clóvis Bevilágqua Teoria Gerai do Direito Civil

elas se acham com a terra. Reputamos tão natural esta distinção, de garantias especiais certos direitos, tratou-os como bens
que nos parece estranho que não tivesse ocorrido aos homens, .imóveie. Desta extensão dada à noção da imobilidade,
desde que, pela primeira vez, tantaram classificar, juridicamente, resultou certa divergência na legislação e na doutrina, quanto
as coisas. No entanto, há regimes jurídicos que a desconhecem. ao modo de classificar os imóveis.
“ Nós somente conhecemos a distinção entre móveis e imóveis, O Código Civil francês, art. 517, distribui os
diz SUMNER MAINE, “ como relativamente moderna em Roma imóveis em três grupos: imóveis por natureza, por destino e
e na Europa. Foi o resultado de uma tentativa dos jurisconsultos pelo objeto a que ss aplicam. Uma quarta classe foi acres-
romanos para pôr de lado as velhas classificações históricas, centada pelo direito posterior: — a dos imóveis por determi-
classificando os bens, as propriedades e os objetos de gozo, nação de lei. O Código Civil italiano (arts. 407-415), o
segundo a sua própria natureza”. Efetivamente a distinção boliviano (arts. 267-275) o Projeto FeLicio Dos Santos (arts.
fundamental dos bens no direito romano antigo é a que os 174 e seguintes) e o do Dr. CogLHO RODRIGUES (arts. 83 e
distribui em res mancipi e nec mancipi. Segundo o valor 103-108) aderiram a este sistema, cumprindo notar, em honra
atribuído às coisas, a sua aquisição exigia ou não a solenidade dos autores brasileiros citados, que não cometeram o erro de
da mancipatio, e, por essa razão, as mais preciosas eram deno- classificar, entre os imóveis por natureza, as fábricas, os
minadas res mancipi. 9 moinhos e outros edifícios fixados sobre pilastras. O mesmo
Ainda hoje a divisão das coisas, no direito inglês,
elogio não se pode fazer às instruções de 1 de setembro de
como já ficou indicado, “ não atende tanto ao seu caráter de 1836, que não evitaram essa incorreção.
mobilidade ou imobilidade, quanto aos predicados da , Outras legislações adotaram o sistema da enume-
perpetuidade ou vitaliciedade. Ao direito germânico era de ração mais ou menos copiosa dos bens considerados imóveis.
todo estranha a divisão das coisas em móveis e imóveis. Assim procederam: o Código Civil do Peru (art. 456), o do
México (art. 68), o da Espanha (art. 334), e, até certo ponto,
TE — Chamam-se imóveis as coisas, que se não o do Uruguai (arts. 463-465), e o do Chile (arts. 568-S570).
podem transportar, sem destruição, de um para outro lugar. O Esboço de Terxeira DE Frerras (arts. 396-404),
Nestas condições se acham, originariamente o solo e suas seguido pelo Código Civil argentino (arts. 2.313-2.317)
partes integrantes, mas a ação do homem, incorporando 20 adotado no Paraguai, destaca três grupos de imóveis:por
solo objetos de várias espécies, segundo as necessidades da natureza, por acessão e por caráter representativo. A acessão
vida, ampliou a noção de imobilidade. Depois, para cercar poderá ser origina! ou acidental.
KonLER diz que as coisas imóveis são: 1º as
O Études sur Vancien droit et la coutume primitive, 1884, cap.X. classification des diversas porções da superfície da terra; 2º as que estão ligadas
biens.
à superficie da terra como partes integrantes dela, participando
O Susner Mane, loco cítuto; Ed. Cu, Institutions juridiques des romains, I págs. 80
e segs. de sua natureza e seguindo o seu destino jurídico; 3º as que
8 Veja-se o $ 30 deste livro, estão ligadas à superfície da terra e dela seriam partes
O Koncer, Lehrbuchi, L, 8 202.

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

integrantes, se isso não se opusesse um princípio de direito. “Art. 44. Consideram-se imóveis, para os efeitos
Contra esses diversos sistemas há objeções a legais:
opor. O francês é arbitrário; o da enumeração é insuficiente e º 1 - Os direitos reais sobre imóveis, inclusive o
incapaz de apanhar a variedade dos fenômenos, o de TEIXEIRA penhor agrícola e as ações que os asseguram.
pg FREITAS constitui uma classe de imóveis pelo caráter repre- HH — As apólices da dívida pública, oneradas com
sentativo, a dos instrumentos públicos transcritos no Registo a cláusula de inalienabilidade.
Conservatório, a qual não merece aceitação por contrariar a , E — O direito à sucessão aberta.”
natureza das coisas, e não ser exigida pela necessidade de
prestar maior segurança aos direitos. Por este sistema, os imóveis são distribuídos em
O Código Civil Brasileiro adotou um sistema três classes: 1º os imóveis por natureza (o solo) e por acessão
compósito, combinando idéias do Código Civil francês e idéias naturas (as plantações); 2º os imóveis por acessão física
É
í de TEIXEIRA DE Frerras, dando-lhes o desenvolvimento que artificial (as construções); 3º os imóveis por acessão inteleo-
!
comportam. O art. 43 assim declara: tual (os instrumentos aratórios em um estabelecimento
E
ilE “São bens imóveis: agrícola, as estátuas de um palácio); 4º os direitos e bens,
1- O solo com a sua superfície, os seus acessórios que a lei submete ao regime dos imóveis para maior garantia
e-adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos Antes, porém, de apresentar a enumeração dos
pendentes, o espaço aéreo e o subsolo. imóveis dessa classe, de acordo com o direito vigente, convém
H - Tudo quanto o homem incorporar, perma- fazer algumas observações sobre outros que se incluem nas
nentemente, ao solo, como a semente lançada à terra, os classes anteriores.
edifícios e construções, de modo que se não possa retirar
sem destruição, modificação, fratura ou dano. HI — As plantações são consideradas acessórios
Hi— Tudo quanto no imóvel o proprietário man- do sol, porque a ele aderem pela raiz. Ainda quando a raiz não
tiver, intencionalmeme, empregado na sua exploração indus- tenha brotado, porque se espera que venha dentro de pouco a
trial, aformoseamento, ou comodidade.” brotar, e porque a intenção do semeador é obter plantas, que
lhe valorizem os terrenos e produzam utilidades, a semente,
desde que é lançada na terra para germinar, é considerada incor-
& Lehirbuch, IL $ 202.
“6 Este sistema é o do Projeto primitivo. mas à fórmula por ele usada era a seguinte: Ar. porada ao solo. Mas as plantas postas em caixões e en vasos,
60. São bens imóveis: — 1º O solo e suas partes integrantes. sólidas ou fluídas, como a
sua superfície, 0 espaço aéreo, que se ergue acima dele. o subsolo, com as suas minas e por isso mesmo, a ser transportadas de uns para outros lugares,
objetos fósseis nele soterrados, e os frutos pendentes; — 2º Tudo quanto está não aderem ao solo, são coisas móveis.
permanentemente incorporado ao solo pela ação do homem, como as sementes depois de
lançadas na terra, os edificios e construções de qualquer natureza, cuja aderência solo
não seja provisória, e o que se acha fixado num imóvel de modo a não poder retirar-se O Projeto primitivo, art. 6]: Consideram-se imóveis para os efeitos legais: 1º Os direitos
dele, sem destruição ou fratura; — 3º Os objetos móveis que o proprietário. reais sobre imóveis, inclusive o penhor agrícola e as ações garantidoras desses direitos:
intencionalmente, coloca no imóvel como acessório permanente dele, seja para sua 2º As apólices nominativas da divida consolidada da Unial; 3º Os direitos à sucessão
exploração industrial, seja para seu embelezamento ou comodidade. aberta.

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Clóvis Bevilágqua teoria Geral do Direito Civil

As construções presas à terra por alicerces, pilas- e frutos, enquanto estão aderentes ao solo mas também todos
tras ou por outro modo, são incrementos dos terrenos, onde os que ou pelo destino ou pela aplicação, que se lhes dá,
se acham, e participam de sua natureza jurídica; mas, se se fazem parte integrante desses prédios, como são todos os
tratar de construções ligeiras e provisórias, apenas assentadas instrumentos de agricultura e utensílio das fábricas, enquanto
na superfície do solo, como barracas e armações de feiras, se acham unidos perpeluamente aos respectivos
não há como reputá-ias imóveis. & estabelecimentos. As instruções nº 143, de 4 de outubro de
Os tesouros, ainda que enterrados no subsolo, 1847, corroborando as anteriores, declararam que o gado
não podem ser, como são as minas e os fósseis, considerados vacum e cavalar do serviço de uma fuzenda fazia parte
partes integrantes dele, e, por essa razão, mantém a sua quali- integrante dela. O dec. 169 A de 19 de dezembro de 1890, art.
dade de bens móveis. 2, 88 1e 2, considerava acessórios dos imóveis agrícolas: «1)
Somente o proprietário ou seu representante pode os animais pertencentes às propriedades, que fossem
imobilizar os objetos móveis, que colocar no prédio para expecificados no contrato de hipoteca; 5) os instrumentos de
exploração industrial, embelezamento ou utilidade, dando- lavoura e utensílios da fábricas respectivas, aderentes ao solo.
lhes o caráter de imóveis por acessão intelectual ou por Não se falava, nessas instruções e no decreto, de
destino, segundo a terminologia do direitoi francês. ? O loca- imobilização para fins de embelezamento e comodidade, (9
-tário e o usufrutuário não têm essa faculdade, porque as suas mas a analogia, a doutrina dos escritores e o direito romano
relações jurídicas são de caráter transitório. Mas, se o loca- “» permitiam essa ampliação.
tário colocar esses objetos, em nome e por conta do proprie- Também não declarava o nosso direito anterior
tário, produz-se a acessão intelectual. O Código Civil argen- se a imobilização dos imóveis que integram um prédio era
tino, seguindo o Esboço, faculta ao usufrutuário o direito de faculdade privativa do proprietário, mas esta era a doutrina
imobilizar objetos móveis, destinando-os ao serviço, como- geralmente aceita, e o Código Civil a consagra. O que se
didade ou embelezamento do prédio, mas a generalidade dos exige é que sejam es objetos colocados no prédio de um
Códigos Civis considera esse direito privativo do proprietário. modo permanente, 4?
O direito pátrio não era muito explícito nesta
matéria. Em primeiro lugar, diziam as instruções de 1 de 4» A mesma observação deve fazer-se quanto ao disposto no reg. 737 de 25 de nov. de
setembro de 1836, art. 5º: “Por bens de raiz, para pagamento 1857, art. 331. 82.
BDIMITIT
da siza, entendem-se não só aqueles que o são segundo a sua 3 Veja-se RiBas, Direito civil, X, tit, IV. cpa VE $3.
natureza, como os prédios urbanos e rústicos, todas as árvores Deve acrescentar-se que os móveis mobilizados como acessórios, podem, em qualquer
tempo, ser mobilizados pelo proprietário e distraídos de seu destino, salvo direitos de
terceiros (Caroni, (stituzioni, $ 48 in fine). Mas uma separação momentânea não importa
8 Esboço, arts. 397 e 398, a perda do caráter de imóvel (Código Civil pátrio, art. 46; Huc, Comm., V,nº37 in fine;
O Código Civil francês, art. 5241, ituliuno, 413; espunhol, 334, nºs5 €6; mexicano, Código Civil alemão, art. 97 in fine). Assim também os materiais provisoriamente
684, nºs ViLe VHI, austriaco, 296; de Zurich, SO; argentino, 2.316. No direito romano, destacados de um prédio, para reparos ou melhoramentos, conservam a sua qualidade de
esistia o princípio de que o proprietário podia imobilizar os objetos destinados à exploração imóveis (Hlvc, cit., nº 40; ApeL ANDRADE, Comentário ao Código Civil português, pág.
ou serviço do prédio, mas sem a generalidade do direito moderno. 23),

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

3V — Consideram-se imóveis para os efeitos e Laraverre. 49


legais, em direito pátrio: a) o usufruto de bens imóveis; b) as À argumentação de TEIXEIRA DE FREITAS era que
servidões prediais; c) as ações que tendem à reivindicação de a Ord. 3, 47, pr. atribuía às rendas perpétuas a natureza de
imóveis; d) as apólices nominativas da dívida pública federal imóveis e, sendo as apólices da dívida pública rendas perpé-
pertencentes a menores e interditos, assim como as que tuas, estavam compreendidas nessa disposição. Contestavam
fizerem parte de dote estimado taxitionis causa. os outros essa argumentação, fundados em que a lei de 15 de
Muito se disputou entre nós, sobre se as apólices novembro de 1827, criando as apólices da divida pública e
da dívida pública se considerariam imóveis, para o efeito de fundando a Caixa de Amortização, nada estatuíra sobre a
serem cercadas de formalidades especiais na sua transmissão. imobilização desses títulos.
No ponto-de-vista econômico-jurídico, a distinção entre
Em novembro de 1881, foi declarado por aviso
móveis e imóveis está em que estes últimos apresentam um
nº 565 de 16 de novembro, que era indispensável licença do
caráter conservador muito pronunciado, com alienação mais
juiz de óriãos para a venda de apólices de menores, ainda
formalista e circulação mais demorada. Quando é necessário
quando emancipados por estarem casados ou por haverem
imprimir aos bens esses predicados, não lhes vindo eles de
sua própria natureza, nem da sua incorporação a imóveis, a obtido suplemento de idade, porquanto, dissera anteriormente
lei manda que, nas suas alienações, sejam tratados como se o aviso nº 164, de 13 de março de 1880, ao qual se refere o
fossem imóveis. A questão, portanto, reduzir-se-ia a saber de 1881: as apólices da dívida pública são equiparadas aos
se as apólices da divida pública se transmitiriam como se títulos de renda perpétua e, por isso, compreendidas na Ord.
fossem bens móveis, ou se estariam dependentes de forma- 3, 47, que atribui a tais rendas a natureza de imóveis, “P Era
lidades particulares, que lhes demorassem a circulação. a opinião de TEixEIRA DE Frerras, sufragada pelo Ministério
TEIXEIRA DE FREITAS, depois de ter sustentado que da Fazenda.
essas apólices eram móveis, na segunda edição de seu livro A lei nº 3,229 de 3 de setembro de 1884, art. 9,
clássico, a Consolidação clas leis civis, “” passou a defender determinou que “as apólices da dívida pública, que consti-
outra doutrina. tuíssem bens dotais, pecúlio e herança de menores e interditos,
Em sentido contrário, manifestaram-se ReBouçast* não poderiam, sem decreto judicial, devidamente motivado,
: ser transferidas por venda ou caução.” Igual exigência esta-
“3 Código Civil, art. 44. Direito anterior: Instruções de | de set, De 1836, art. 5; dec. nº beleceu o dec. nº 9.370 de 14 de fevereiro de 1885, art. 59.
9.370, de 1d de lev. 1885, art. 359; “Fox Frerras, Consolidação, arts. 43 e 47, Rimas, Estes dois atos legislativos assinalam uma outra fase de
Direito civil, tít. IV, cap. VI, 8 3; CarLos DE CarvaLHO, Direito civil, art. 177, 883 cd.
Este autor acrescenta outros bens à lista dos imóveis por disposição de leí, como a evolução das idéias, quanto às apólices da divida pública.
indenização do seguro, ou em caso de despropriação, mas não o posso seguir. À
subrogação, que nesse caso se dá, não altera a natureza móvel dos bens. Refere-se também
às embarcações, das quais me ocuparei em seguida. “9 Direitos de familia, nota I no Fim do volume.
“8 Art. 43 e nota respectiva. 4% Subscreveram o aviso nº 16d, de 1880. Arongo CELSO DE Assis FIQUEIREDO, SO nº 565
“3 Observações (ao art. 43 da Consolidação de Teixeira DE FREITAS). de 1881, Jose Axtonio SARAIVA.

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito CTyil

Deles se deduz que as apólices da dívida pública, em geral, 533


não se equiparam aos imóveis, ainda que sejam nominativas; PRÉDIOS RÚSTICOS E URBANOS
mas, se fossem dessa classe e pertencessem a menores, a
interditos e a órfãos emancipados por suplemento de idade Os imóveis, consistentes em terrenos cultivados
ou por casamento, ou se fizessem parte do dote da mulher ou não e em edificios, denominam-se prédios. O Estes são
casada sob regime dotal, estariam sujeitas, nas suas transfe- ruraisoUu rústicos € urbanos.
rências e caucionamentos, à formalidade da autorização do São prédios rurais: à) os terrenos situados fora
dos limites das cidades, vilas e povoações, sejam destinados
juiz, €9 à semelhança do que se exige para os imóveis. 4º
à agricultura, cultivados, incultos ou campos de criação; b)
Foi, afinal, essa a doutrina consagrada pelo Código Civil,
os edifícios situados fora desses mesmos limites e destinados
art. 44, TI. à morada de pessoas cu ao serviço de qualquer indústria; c)
Quanto aos navios, que alguns autores, induzidos as datas de terra e águas minerais. O
pelo reg. Nº 737, de 25 de novembro de 1850, art. 512, in São prédios urbanos: «) os terrenos situados dentro
fine, classificaram entre os imóveis, cumpre notar que aquele dos limites das cidades, vilas e povoações, ainda que não
regulamento se desviou abertamente do Código Comercial, edificados nem cultivados; b) os edifícios de qualquer
art. 478, onde se diz: “ainda que as embarcações sejam denominação que, dentro desses limites, se acharem fixados os
reputadas beris móveis, contudo nas vendas judiciais se solo de modo que não se possam deslocar sem destruição. *
guardarão as regras que as leis prescrevem para as arrema- | Pouco importam o gênero de construção e o
tações dos bens de raiz.” E nesse conflito, deve prevalecer o destino do prédio. Será urbano ou rural, segundo a sua
que prescreve o Código. 2 Assim opinava TEIXEIRA DE situação for dentro ou fora dos limites dados, pelas leis
Frerras: “Este artigo (o do Código) não altera a natureza de administrativas, às cidades, vilas ou povoações.
tais bens, manda simplesmente que, nas arrematações deles,
se observem as solenidades prescritas para as arrematações
$ 34
dos imóveis. € Pode hoje, porém, ser objeto de hipoteca.”
DOS MÓVEIS

88 Dec. nº 9,370, de 14 de fev. De 1885, art. 59, que consolidou o disposto nas ordens nº
Móveis são os bens que, sem deterioração na
565, de 16 de novembro de 1881, enº 164, de 13 de março de 1840, nos avisos de 27 de substância ou na forma, podem ser transportados de um
jan. De 1875 e 17 de março de 1877, na resolução de 31 de jau. De 1877 e na lei nº
3,229 de 3 de set, De 1884, art. 9,
“2% Veja-se o meu Direito da família, 88 50, 74 e 84. 8 Corresponde esta expressão xo praedium do direito romano, ou finds, em que, segundo
EM Suxa Costa, Direito comercial maritimo, vol. E, nº 66; Bexto DE Farta, Código Frorentino (D. 50, 16 fi 211) opme aedificium et omnis ager continetur. ULPIANO
comercial, nota 499 ao aritgo 478. chama praedia os edifícios urbanos.
Eu Consolidação. art. 49. 3 Instruções de 1 deset. De 1836, art. 7. Ras, Direito civil, tit. IV, cap. VÊ 83; Texama
€3 Código Civil, art. 825; e decs. Nº 13.788, de 8 de nov. de 1922 enº 15,809, de 11 de DE Ersiras, Consolidação, art, 51; CarLos pe CarvacHo, Direito civil, art. 178,8 1.
nov. do mesmo ano. O Instruções citadas, art. 6, e autores citados à nota anterior. ,

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Cívil

lugar para outro, por força própria ou estranha. E o que, Segundo a doutrina mais autorizada, a fungibili-
com outras palavras, diz o Código Civil, art. 47. No primeiro dade é própria dos móveis, porque somente neles pode ser
caso, dizem-se semoventes, que são os animais. No segundo, bem apreciada a equivalência dos substitutos, somente eles
são móveis propriamente ditos como: moedas, títulos da são as resquae in genero suo funccionem recipiunt per
divída pública e de divída particular, mercadorias, ações de solutionem. Esta foi a doutrina seguida pelo Código Civil
companhias, alfaias, objetos de uso, etc. Brasileiro e por vários Códigos Civis modernos. &
Uns e outros são móveis por natureza ou corpó- A fungibilidade não depende, exclusivamente, da
reos. Outros o são por força da lei, e são: «) os direitos e as vontade das pessoas, como erroneamente afirmam alguns
ações que se referem aos bens móveis e às obrigações; b) os escritores. Há coisas que podem ser exatamente substituídas
direitos autorais (Código Civil, art. 48). por outras do mesmo gênero, na qualidade e quantidade
Os materiais destinados a alguma construção queridas; são as que, segundo a linguagem dos romanos,
como tijolos, telhas, madeiras, enquanto não forem empre- numero, podere, mensurave constant. Estas são fungíveis
gados, conservam a sua qualidade de móveis e readquirem- independentemente da intenção. As que pão se determinam
na depois da demolição. por seu número, peso ou medida, não se podem substituir
com exatidão, e serão infungíveis, apesar da intenção das
partes. A fungibilidade é uma idéia de relação, é o resultado
g 35 da comparação entre duas coisas, que se consideram equiva-
DOS BENS FUNGÍVEIS E CONSUMÍVEIS lentes. O que pode a convenção é tornar infungíveis coisas,
que, naturalmente, são fungíveis, desde que determine por
1- São fungíveis os bens móveis, que podem ser sua individualidade coisas, que, mais comumente, se destinam,
substituídos por outros do mesmo gênero, qualidade e no comércio e na vida, a uma determinação genérica,
quantidade, e infungíveis os que, por consistirem em corpo
certo, nãos e prestam a esta substituição. “O Xi —- Bens consumíveis são os móveis que se
extinguem pelo uso normal, seja porque esse uso importe a
O Código Civil, art. 49. V.D, 19, 1 fr. 17,510: ea quae parata sunt u! imponantur
destruição de sua substância, seja porque são destinados à
non sunt aedificii. Código Civil francês, art. 332, italiano. 420: mexicano, 692. alienação. ? Entre os bens que us consumuntar, uns
argentino, 2.319,
tis Código Civil, art. 50. Consultem-se sobre este assunto: Saviaxv, Direito romano, &
268; Rorg, System, É, 878; Winpescuem, Pandectas, 8 141; EnDemaNN, Einfuehrung, 8 Q Argentino, art. 2.324 espanhol, 337, apesar de confundir consumíveis e fungiveis;
56; Derngurs Pandectas, 8 75; Cnmong, Istituziont, 8 46; Granturco, Istituzioni, 8 42; chileno, 573; alemão, 91: e uruguaio, 470, que incorre na censura Feita ao espanhol.
Avery et Ray, Cours, IX, $ 166; PLAniOL, Traité, 1, nº 789; Mavxz, Droit romain, $ LS. & Código Civil, art. 51. V. Rory, Spstein, |, S 76; Dernmurs, Pandectas, 8 74; WINDSCHSID.
Algumas vezes são chamadas fungiveis as coisas consumíveis, como se vê no Código Pandectas, $ 140; Graxturco, Istituzioni, $ 42, Ceironi, Istituzioni, $ 46; PLamoL,
Civil espanhoti, art. 337, justamente criticado por Sancms Roman, Derecho civil, HI, Traité, 1, nº 784; Código Civil austríaco, at. 301; argentino, 2.325; alemão, 92: Esboço.
pág. 495. artigos 354 e 353; FeLicionos Saxtos, 184; Projeto primitivo, art. 68.

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Clóvis Bevilágua Teoria CGerel do Direito Civil

consomem-se de fato, naturalmente, como os alimentos, 8 36


outros apenas juidicamente, como as mercadorias de um COISAS DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS O
armazém, que se destinam à alienação. Assim, como têm
lembrado os autores, há coisas que, segundo o destino, que Coisas divisíveis são as que se podem repartir
lhes derem, serão consumíveis ou inconsumíveis. Tais são, em porções reais e distintas, formando cada uma delas um
por exemplo, os livros, que, nas prateleiras de uma livraria, todo perfeito. No caso contrário, são indivisíveis. O Esta
serão consumíveis por se destinarem à alienação, e, nas definição ajusta-se bem às coisas corpóreas; mas o direito
estantes de uma biblioteca, serão inconsumíveis, porque aí estendeu a idéia de indivisibilidade às coisas incorpóreas, e
se acham para serem lidos e conservados. até as próprias relaçoes jurídicas. Assim é que as obrigações
podem ser divisíveis ou indivisíveis, segundo a natureza das
EH — A consumibilidade das coisas é uma quali- respectivas prestações. & Assim é ainda que a hipoteca é
dade que lhes é própria (consumo natural) ou porvém de seu indivisível por determinação da lei * e as servidões prediais
destino (consumo jurídico). A fungibilidade é o resultado da são consideradas como essencialmente indivisíveis em relação
comparação de uma coisa com outra. As duas idéias têm ao prédio serviente, O ainda que divisíveis-sob outras relações.
sido confundidas, porque, ordinariamente, as coisas consu- Também se consideram indivisíveis os bens, que
não se podem partir sem dano. Esta indivibilidade relativa e
míveis são fungíveis. Os cereais, o vinho, o óleo são natural-
econômica foi considerada pelas fontes romanas, que nos
mente consumíveis e, ao mesmo tempo, fungíveis; o dinheiro
falâm de coisas quae sine damno dividi possunt e de coisas
é fungível e juridicamente consumível. Mas, além de que a
quae sine iteritu dividi possunt. O As nossas Ordenações
fungibilidade e a consumibilidade são predicados diferentes,
aludiam a ela no liv. 4, tit, 96, 8 5, citando, entre as coisas
que se atribuem aos bens por motivos diversos, não se pode que não se podem repartir sem dano, o lagar e o moinho.
afirmar das coisas fungíveis que sejam sempre consumíveis, Realmente há coisas que existem, exclusivamente, quando
havendo ainda mais que notar esta circunstância: as coisas consideradas na sua integridade ou na sua unidade; perderiam
fungíveis são consideradas em seu gênero é imperecível; e as
coisas consumíveis são por definição perecíveis.
BP Vejam-se: Rota, Spsten, [8 77, Enpemanm, Einfuehrung. 8 53; Dernsuro, Pandecias,
Também procede a confusão de que o direito E76; Winpscnet, Pandectas, 8 146; Cumont, Istituzioni. 8 46; Mavwz, Droit romain, 8
romano, conhecendo a fenômeno da fungibilidade, & não teve, HG; Aumry et Ray, Conrs, ILS 169: Esboço, arts. 363-375: Código Civil exgentino,
artigo 2.326. É
no seu vocabulário técnico, um termo próprio com que o 3 Código Civil, art. 52.
& Meu Direito das obrigações, 8 22.
designar.
& Código Civil, art. 757. Dec. nº 169 A, de 19 de janeiro de 1890; art. 10; dec. nº 370,
de 2 de maio de 1890, art. 216.
& Código Civil, art. 707, Lavaverre, Direito das coisas, 8 116; Ure, Servidumbres, nº
18; Huc, Comm., IV nº 438; d. 8, 1, fr. 17.
9 D. 39, 26 fr, 2.
9D. 12,117 2,8123,fr 42,44,7f 1.82. 0D.6,1835,83.
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as suas propriedades, estariam destruídas, desapareceriam, sariamente, a mesma condição jurídica.” 2


se as fôssemos dividir. O lagar e o moinho estão neste caso, Podem ser simples, quando as suas partes se
como também outras instalações industriais aderentes ao solo acham ligadas pela própria natureza, como um cavalo, um
e constituindo um todo, as quais perdem a sua entidade e o árvore; ou compostas, quando as suas partes se acham ligadas
seu valor quando as dividem ou desintegram. pela indústria humana, como um edifício. 8)
Certos móveis são igualmente indivisíveis por esta Coisas coletivas (universitates rerum) são as que,
mesma consideração, como um quadro, um cavalo, um bri- sendo compostas de várias coisas singulares, se consideram
lhante. & em conjunto, formando um todo.
Ocorre aqui notar que as casas não se deviam Há universidades de fato (universitates facti) e
considerar divisíveis em sentido horizontal ou por planos universidades de direito (universitates juris). As primeiras
superpostos, ainda que seja admissível a divisão do uso delas são complexos de coisas corpóreas; as segundas, complexos
por andares. & como é lícito o direito por partes ideais sobre de coisas de direitos.
coisas indivisíveis ou ainda não divididas. O Esta matéria tem provocado tão demoradas
Finalmente, há coisas que são naturalmente dívi- discussões que é preciso cautela para não se desviar o espírito
síveis mas a lei ou a vontade das partes as considera indivisíveis. do estudioso. O Sem querer alongar-me neste debate, recor-
darei, apenas, que a questãoi versa não somente sobre a dis-
tinção das universidades de fato e de direito, quanto sobre os
$37 seus efeitos. Nasceu a distinção de universitas facti e
DAS COISAS SINGULARES E COLETIVAS universitas juris com os glossadores. Universidades de coisas,
como um rebanho, podem ser reivindicadas, ensinava BARTOLO;
Coisas singulares são as que se consideram em as de direito, como o pecúlio, não. Hasst e MUEHLENBRUCH
sua individualidade, distinta de quaisquer outras ou, como combateram a doutrina dos glossadores, achando que não ha
diz DERNBURG, aquelas “cujas partes componentes têm, neces- propriamente universitas juris, mas simples agregado de

& Dernsuro, Pandectas, & 76. & Pandectas, 1, 868: CouHo De Rocka, Instituições, $ 81, escólio Pompono, D. 41, 3,
9 Dernsuro, Pandectes, $ 76. O que se 8 no Código Civil frances, art. 664, e italiano, fi. 30. Pr. diz: tria autem genera sunt corporum: unum quod continetur uno spírito et
562, é contrário à tradição jurídica é à natureza das coisas, na parte em que permite a gragce vocatur ut homo. ligmun. lapis et similic,
divisão horizontal dos edificios. Vejam-se, entretanto, 0 fruité pratique de droit civil, de €& Rmas, op. cit: Dirnnuna, Panel, 1.568, os
PrantoL et Riperr, vol. UI. nºs 319 e segs., 0 nosso dec, nº 3,481, de 1928. “ Esboço, art. 361; RiBas, loco citato, Dernsurs, Pand., 8 68, fertitm, continua
2 A divisão dos edifícios por planos horizontais, que passou a ser admitida no direito Pomponio, no fragmento citado à nota 2, acima, quod ex distantibus constai, ut corpora
brasileiro com o Decreto 5.481, de 1928, acha-se disciplinada de maneira mais completa plura non soluta, sed uni nomini subjecta, veluti populus, legio, grex.
pala Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964, que simultaneamente cogita do condomínio O segundo gênero, a que se refere a jurisconsulto romano, corpus ex contingentibus
e da incorporação de edifícios coletivos. constituem unidades materiais, formadas da reunião de coisas distintas, como um edifi-
& Código Civil Brasileiro, art. 54, LVTeixema DE Freiras, Esboço, art, 360; Ripas, cio, tum navio,
Direito civil, tit. IV, cap. VI, CHtront, Istituzioni, 8 45; ROTH, System, 1, 8 80: ENDEMANN, «9 Vejam-se a nota de Faopa e Bexsa ao & 137 das Pandectas de W inoscHEID e anota 8
Einfuehrung, 8 30. ao 8 68 das Pandectas de Derneuro.

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teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Beviláquea
fim de mostrar a integridade de um conjunto de bens. O
coisas e direitos que, em certos casos, são considerados como patrimônio é o exemplo a dar-se do primeiro caso; aa herança,
unidade. os pecúlios, o dote, a massa falida são exemplos do segundo
TeixeIRA DE Frerras, seguindo o Código Civil
caso.
d' Áustria, destaca somente a universidade de fato. º c) Resuitando a universidade de direito de
AuBRY et RAU, ao contrário, consideram os agre- diversas razões e realizando-se para diversos fins, não se
gados de bens, que, formam un ensemble juridique, mas submete a regras uniformes.
afirmam que as coleções de objetos, que se acham reunidos Do que acaba de ser exposto, vê-se que, ainda
pelo proprietário para um fim determinado, como uma biblio- reduzida a matéria à sua maior simplicidade, não oferece
teca ou um rebanho, não constituem unidade jurídica, continu- contornos muito precisos, nem interesse prático relevante,
ando as coisas singulares a sê-lo, como se não achassem reuni- razão pela qual o Projeto primitivo não a contemplou,
das. O seguindo o exemplo da maioria dos Códigos Civis. O Código
Pondo de lado essas divergências, e atendendo Civil Brasileiro, art. 56, consigna a regra seguinte: “na
às relações, que realmente se formam na vida jurídica, podem coletividade, fica subrogado ao indivíduo o respectivo valor
afirmar-se os seguintes princípios: e vice-versa.” A dogmática outrora ensinava essa regra: res
a) À universitas facti, agregrado de coisas succedit in locum pretii et pretiwm in locum rei, querendo
“corpóreas, como o rebanho, o armazém, a biblioteca, existe com ela dizer que tudo quanto é adquirido pelas coisas
e aparece nas relações jurídicas, mas somente se pode reputar individuais que compõem a coletividade ou a elas se substitui,
unidade para o direito, quando, por considerações econô- pertence à universalidade. Porém, esse princípio, sustentavam
micas, a vontade, juridicamente manifestada, ou a lei, assim muitos, só se aplica às universalidades de direito que são
o determina. & objetos de sucessão universal; deles escapam as universali-
b) A universitas juris, unidade abstrata de coisas
dades de fato e as de direito, objeto de sucessão particular.
e direitos, aparece também na vida jurídica ou para o fim de “D E a opinião hoje dominante, depois das criticas de Hassk
unificar a irradiação da pessoa na esfera dos bens, ou para o E MUEHLENBRUCH, é hoje essa regra só em casos especiais
tem aaplicação, prevalecendo, ao contrário, o princípio de
“5 Esboço, $ 361; Código Civilç d' Áustria, art. 302: ein Inbegriff von mehreren que só em dadas relações, e de um modo sempre diverso, as
besonderen Sachen, die als eine :Sache angesehen und mit einem gemeinschafilichen
Nahmen bezeichnei cu werden pilegen. macht eine Gesammisache cats. und wird als
ein Ganzes betrachetet. 2 Exemplos de universalidade de direito da lei pátria, indicados por CARLOS DE O axvaiHo. .
O Cours de droit civil français, eme éd., II, S 162. Vejam-se ainda as divergências Direito civil, art. 191: 4) os bens de uma lirança; 5) os de cada uma das heranças de
apontadas por Faopa e Bensa, nota citada às Pandectas de WrwpscuEip. militar morto na guerra; c) a massa falida; os bens sociais e os individuais de cada sócio;
* Dernnurs, Pandectas, 8 68. Exemplo de uma universalidade de fato estabelecida por oativo que serve de garantia à emissão de obrigações ao portador ou debêntures. Destes
declaração de vontade: alguém deisa a outrem o usufruto de um rebanho ou de uma exemplos de CarLOS DE CarvaLHO, cumpre eliminar, hoje, o da letra 4, pois que o Código
fazenda com as suas pertenças. Exemplos de universidades de fato estabelecidas pela lei Civil não reconhece dus heranças para o militar morto na guerra,
pátria: os estabelecimentos rurais com os maquinisimos e gados a serviço deles, quando “O Dyrnsurs, Pandectas, 8 68.
arrematados, vendidos ou hipotecados juntamente com eles (Código Civil, art. 811; “BM Rigas, Direito civil, IX, tit. IV, cap. VI, 85.
CarLos DE CARVALHO, Direito civil, art. 192).
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Clóvis Bevilágquer teoria Geral do Direito Civil

universalidades constitutem unidades jurídicas. “ Aplicações direitos ligados à propriedade de um prédio, como as servidões,
especiais da regra do art. 56, encontraam-se, em matéria de são também consideradas partes integrantes do mesmo.
dote, no art. 293, parágrafo único, e, nos direitos reais de Acessórias são somente as coisas móveis que, não
garantia, quando a coisa perece ou é desapropriada (art. 762, sendo integrantes, servem para preencher o fim econômico da
881º e 29, coisa principal, estando ligadas a ela exteriormente, como as
máquinas e instrumentos de uma fábrica, o gado de uma
fazenda, os produtos agricolas destinados a manter a
CAPÍTULO HI exploração.
DOS BENS CONSIDERADOS UNS EM RELAÇÃO No direito pátrio, as noções não são idênticas.
ADS OUTROS Muitas das partes integrantes do direito alemão se incluem,
entre nós, na classe das acessórias, e estas tanto podem ser
$38 | móveis quanto imóveis.
COISAS PRINCIPAIS E ACESSÓRIAS As coisas podem ser natural, industrial e
civilmente acessórias:
São naturalmente acessórias:
Coisa principal é a que tem uma existência 19 As terras de aluvião, o leito abandonado do
própria, abstrata ou concreta, mas distinta de qualquer outra. rio e as ilhas que no mesmo se formam;
Acessória é aquela cuja existência supõe a da principal. O 29 Os frutos naturais e produtos, sejam
O Código Civil alemão distingue as partes orgânicos, sejam inorgânicos;
integrantes, dos acessórios. O Partes integrantes especiais 3) O espaço aéreo acima da superficie do solo;
de uma coisa são as que se não podem separar dela, sem que 49 O subsolo e as coisas que se acham nele sem
uma ou outra se destrua ou mude de essência. São partes dono conhecido. &
integrantes de um prédio as coisas incorporadas ao solo e, São industrialmente acessórias:
em particular, as construções e os produtos do mesmo solo. 1º) As construções feitas abaixo ou acima da
As sementes e as plantas constituem partes integrantes do superficie do solo e ao mesmo aderindo, de modo permanente;
solo, desde que são nele enterradas. As coisas que se inserem 2º) As benfeitorias;
no edifício para construí-lo são partes integrantes dele. Os 3º) As obras de aderência permanente, feitas
acima ou abaixo da superficie; &
49 Os frutos industriais.
“8% Denneuro, Pancdectas, nota 10 ao $ 68, vol IL. Veja-se, entretanto, AvBRy et RAU,
Cours, IS, 88 57d 9 575. Civilmente acessórias são:
3 Código Civil, art. 58; Projeto primitivo, ar. 71; Esboço, 368; PeLicio vos Saxros,
186; Cortmo RopricuEs, 88: atital, 64; Rorx, System, $ 81; Cuiront, Istituzioni, 8 53;
Mavnz, Droit romain, $ 118. MacreLDev, Direito romano, 8 159; CogLHo pa Rocua, & Código Civil, art. 60, Rimas, Direito civil, 1, tit. VI, $ 7. Projeto primitivo, arts. 74e 75.
Fnst., 8 82; Avery et Rau, Cours., E, 157. Código Civil, art. 61; RiBas, foco cituto, Projeto primitivo, art. 75 e 627-631; dec. nº
& Arts. 93-96, Consulte-se Enpemann, Einf., I $ 52, eU, 86. 169 A, de 19 de jansiro de 1890, art. 2. $ 2.

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Cívil

19) Os ônus reais, que gravarem o prédio; & Os frutos consumidos, porquejá não existem não
2 Os frutos civis. podem entrar no conceito de bens acessórios. Os pendentes,
O princípio, que domina esta matéria, é que, salvo percebidos e estantes pertencem ao proprietário, se, em
disposição em contrário, a coisa acessória segue o principal 9 virtude de uma causa jurídica, não deverem ser atribuídos a
outrem.
Alguns escritores distinguem os acréscimos
83 (incremenic), que sobrevêm à coisa por seu próprio desenvol-

no
DOS FRUTOS E PRODUTOS vimento, dos acessórios, que se lhe vêm juntar por fato
humano. Por isso, excluem os frutos de entre as coisas aces-
Frutos são as utilidades que a coisa periodica- sórias. Desta distinção o que se poderia concluir era que os
mente produz. Fructis est quidquid ex renasci et renasci solet. frutos naturais não se devem reputar acessórios, e sim acrés-
São as riquezas normalmente produzidas pelo capital. Distin- cimos, enquanto pendentes, porque nesse estado, fazem parte
guem-se em: à) naturais, quando resultam do desenvolvi- da coisa frugifera (fructus rei frugiferae pars ets), e coisas
mento próprio da força orgânica da coisa; b) industricis, se independentes, depois de separados. Más teríamos, por esse
devidos à intervenção do esforço humano; c) e civis, quando processo, destruído a teoria dos frutos, que os destaca ainda
são rendimentos tirados da utilização da coisa frugífera por pendentes pela raiz ou pelos ramos, para fazer deles objeto
outrem que não o proprietário, como as rendas, aluguéis, de relações jurídicas. O Além disso, é preciso atender a que a
foros e juros. palavra acessiic ora significa incremento da coisa que já se
Quanto ao seu estado, são: pendentes, enquanto possui, ora é rodo especial de adquirir.
unidos à coisa, que os produziu; percebidos ou colhidos Produto são as utilidades que se retiram da coisa,
depois de separados; estantes, se depois de separados ainda dimingindo-;h> a quantidade, porque não se reproduzem
existem armazenados ou acondicionados para a venda; perci- periodicamente, como as pedras e os metais, que se extraem
piendos, os que deviam ser, mas não foram percebidos, e das pedreiras e das minas. Quando a relação jurídica se esta-
consumidos, se já não existem mais. O belece em atenção à expioração de alguma pedreira ou mina,
e quando o usufruto se constitui sobre mina ou pedreira em
& Razas, loco citato;, CarLos pE CarvaLHO, Direito civil, art, 183.
5 Código Civil, art. 52; D. 34,2 fr. 19, 8 13: ut acessio cedat principali;
Ord. 4. 37,8
exploração, os produtos consideram-se frutos. & São, nesses
4,48,31,38,83,52, Mackecner, Direito romano, 8 159; Coguno na RocHa, dast.,& casos, produtos normais da coisa. De modo que os produtos,
2; Esboço, art. 369; Projeto primitivo, art. 72, Corto Ronrigues; 89; T. DE Fretras.
Regras de direito, pág. 13; acessórios segue a natureza do seu principal (accessorium
quando são utilidades provenientes de uma riqueza posta em-
sui principalis nattram sequitur). atividade econômica, seguem as naturezas dos frutos.
O CoguHo DA Roca, Inst., 8 83; Direito civil, IL, tit. IV, cap. VI & 7; Laraverte, Direito
das coisas, 8 99; Esboço, arts. 372-375; CarLos pe CarvaLHO, Direito civil; mt. 184,
3 O possuidor de boa-fé tem direito aos frutos pendentes até à contestação da lide (Código
dec. nº 370, de 2 de maio de 1890, art. 362; FeLicto pos Santos, Projeto arts. 189-192;
Civil, art. 511). Podem ser objetos de penhor agrícola as colheitas, ou em via de formação
Crmroni, Istituzioni, 8 53; Wrinpscre, Pandecias, 8 144; Dernsurc, Pandectas, 8 78;
(art. 781).
Avery et Rau, Cours, HI, 8 192, págs. 288-290, da 2º ed.
9D.7,1.9,8$2€3.
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Clóvis Bevilágua Teoria Geral do Direito Civil

A distinção, todavia, tem interesse jurídico, estava de boa-fé. As últimas podem ser levantadas, se o
porque somente na relação que acaba de ser considerada, o proprietário não as quiser pagar, contanto que assim não se
produto se submete aos preceitos estabelecidos para o fruto. cause dano ao bem.
DernBURG oferece um exemplo esclarecedor. Se uma floresta, O valor das benfeitorias determina-se pelo acrés-
arrendada para corte de madeiras, ou que faz parte de um cimo de utilidade ou de valor que deram à coisa; todavia, o
dote, fôr destruída por uma tempestade, “pertence aos frutos reivindicante pode optar entre o valor e o custo. º
somente o que corresponda ao produto anual, o resto é Pelo que se vê, as benfeitorias voluptuárias são
substância.” €) ou deixam de ser acessórios do bem, a que se juntam, segundo
as circunstâncias; e que as necessidades podem consistir em
meras despesas, que não apareçam exteriormente como aces-
$ 40 sórios.
DAS BENFEITORIAS Não se consideram benfeitorias os melhora-
mentos sobrevindos à coisa, sem a intervenção do proprie-
Benfeitorias são as obras que se fazem num tário, possuidor ou detentor. O
móvel ou num imóvel para conservá-lo ou melhorá-lo ou A pintura, em relação à tela, à escultura, em rela-
simplesmente embelezá-lo. ção ao mármore ou metal, a escritura ou qualquer trabalho
, * São necessárias as que têm por fim conservar o gráfico, em relação ao papel, pergaminho, pano, pedra, ma-
bem ou evitar a sua deterioração; úteis as que, sem ser deira, em que se acharem fixados, são benfeitorias, porque
necessárias à conservação da coisa, aumentam-lhe ou faci- aumentam o valor do objeto; mas de tal modo o fazem que
litam-lhe o uso; volupiuárias as que tornam mais agradável a deixam de ser, em face do direito, coisas acessórias para se
coisa sem aumentar-lhe o uso habitual ainda que sejam de tranformarem o direito romano em principais.
elevado valor. Em direito pátrio, não havia disposição a respeito
Às primeiras devem ser indenizadas pelo proprie- antes da codificação civil, e o direito romano apenas, das
tário, quando feitas por possuidor de boa-fé ou de má-fé, hipóteses aqui lembradas, apoiava a da pintura, que é conside-
vão sendo ladrão. As segundas devem sê-lo, se o possuidor rada principal em relação à tela, ? Quanto à escritura, pro-
nuncia-se expressamente em contrário; & mas em nossos dias,
Pandectas, 8 78, nota «,
Código Civil, art. 63, D. 50, 16 ft. 79; impensae necessarice sunt quae, si factae non
8 Código Civil. art. 319: Caros pu Carvatno, Direito civil, art. 186, parágrafo único. —
sint, res cut peritura, aut deterior fiuura sit, 8 1. Utiles impensas esse, Fuleinius ait
(9 Código Civil Brasileiro, art. 64, português, 303; Esboço, 904, nº 5; Fancio pos SANTOS,
quae meliorem dotem faciant, deterioren esse non sinant; ex quibus reditus mulieri
196; Corno Ropricues, 93; Proj. Primitivo, 76.
adquiratur. 82. Voluptuariae sunt quae specie duntaxat ornant, non enim fructum “ Código Civil Brasileiro, art. 63; argentino, 2.335; Projeto CogLHO RopRIGuES, art. 91:
augent; Ord. 3, 86; 5; 4, 97, 22; reg. Nº 737 de 25 de nov. de 1850, arts. S84 e 621; primitivo, 74; Coguno Da Rocka, fast. $ 420. o ,
Teixeira DE Freiras, Consolidação, art. 663 e a nota respectiva; CARLOS DE CARYALHO, O fast, 2, 1, 834, videtur melius esse tabulam picturae cedere; ridiculum est enim
Direito civil, art. 186; CorLHo DA Rocua, fast., 8 84; Código Civil português, arts. 499 picturam Apellis vel Parrhasii in accessione vilissimae tabulae cedere. o
e 500; argentino, 591 e 2.427; Esboço, 905; FeLicio DOS Sawros, 193-193; CortHo O Inst. 2.1, 8 33; Literae quoque, ticet aureae sint, perinde chartis, membranisque
Ropricues, 92: Proj. Primitivo, 75, cedunt; D. 41, 1.9.

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Clóvis Bevilágua Feoric Geraldo Direito Civil

ninguém dirá que, num livro, o papel seja o principal, numa respeitadas as leis e os regulamentos. São patrimoniais da
estátua, o bronze ou o mármora. Resolve-se a questão, nestes União, dos Estados e dos Municípios aqueles, sobre os quais
casos, pelo valor do objeto. essas entidades exercem direitos de proprietários, segundo
as prescrições legais. &
“a
Os bens públicos dominicais podem, por determi-
CA ULO UI nação de lei, converter-se em bens de uso comum ou especial. º
DOS BENS EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS O uso comum pode ser gratuito ou oneroso.
Os bens comuns, enquanto conservam esse
41
“4 caráter, são inalienáveis e repelem a usucapião; os de uso
BENS PÚBLICOS E PARTICULARES especial e os patrimoniais podem ser alienados, de conformi-
dade com as leis que os regulam.
Em relação às pessoas, a quem os bens perten-
cem, eles se dividem em públicos e particulares. O
Públicos são, entre nós, os que pertencem á 542 |
União, aos Estados ou aos Municípios; e particulares são DOS BENS DA UNIÃO
os que pertencem às outras pessoas jurídicas e às naturaisO
É "Os bens públicos, encarados do ponto-de-vista i- Não compete certamente ao direito civil fazer
de suc utilização, podem ser: de uso especial, de uso comum a distribuição dos bens públicos entre a União, os Estados e
e particularou dominiais. O os Municípios. E matéria da competência do direito constitu-
= São de uso especial os bens pertencentes à União, cional e administrativo. 9
aos Estados ou aos Municípios, aplicados ao serviço público No direito pátrio, esta doutrina se reforça com a
respectivo. São de uso comum os administrados pelos poderes influência da organização federativa. A Constituição Federal
públicos, e que podem ser utilizados por quaisquer pessoas, delimita os bens entre a União e os Estados; e as constituições
nta,

O Coxumo pa Rocua, Ínst., 8 420; Laraverre, Direito das coisas, 8 41; Código Civil
& Vejam-se as citações da nota anterior, e mais: Roprigo Ocravio, Do domínio da União
francês, ts. 5368-571, cujas regras, aliás, Tive, declara sem utilidade prática em nossos
e dos Estados, CarvaLHo DE MENDONÇA, Direito e legislação sobre melhoramento dos
dias (Conunentaire, EV. Nº 161); chileno, 639, portiguês, 2.302: italiano, 46G-471;
portos, no Direito, vol. 87, nºs 4 e segs.
alemão, 950, que considera a escrita, a gravura, O desenho, à pinturae a impressão,
Carros pg Carvarno, Direito civil, at. 197,S 3; Projeto primitivo, art. 80.
trabalhos que transformam a matéria-prima (especificação). & Código Civil, art. 69, Cantos pe CarvaLHo, Direito civil, art. 197,81.
“O regime dos bens públicos consta hoje do Decreto-lei 9.760, de 5 de setembro de & Código Civil, art. 67, Rimas, Direito civil, IN, tit. IV, cap. VI, 8 UU, que, sem razão,
1946. admite a prescrição imemorial para os bens comuns; Cogtno DA Roctta, $ 86; CarvaLHO
Código Civil, art. 63, P) jeto CorLHo Ropricues, art. 113; primitivo, art. 78; RiBas. DE MenDONÇA, À, c., nº 11; Tenaura ve Frerras, Consolidação, art. 1.322 e a nota 14.
Direito civil, JX, tit. IV. cap. VI $ 11; Cantos ve CarvaLho, Direito civil, art. 195. D Parecer da Comissão especial do Senado sobre o Projeto do Dr, Como Ropricuss,
Código Civil, art. 66, Projeto “Como Roprieves, art. 114; primitivo, 78. CarLOS DE em 1896; Trabalhos da Comissão Especial da Câmara, vol. IV, págs. 118-119; Gaorso
Carvauto adota a divisão em coisas de uso comum e patrimoniais. porém, a distinção Lortro, Trabalhos do Senado, Ni, pág. 39.
indicada apanha as modalidades das coisas públicas propriamente ditas mais exatamente. *) Decreto-lei 9,760, de 3 de setembro de 1946.

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

estaduais discriminam as fontes de renda e os patrimônios 49 Osterrenos devolutos, sitos no Distrito Federal,
dos respectivos Municípios. que não sejam, por qualquer título jurídico, do patrimônio do
Os códigos, que se modelaram pelo francês mesmo Distrito; &
ocuparam-se desta matéria com todas as minúcias, & 59 Os terrenos de marinha e acrescidos;
mas já o alemão seguiu rumo diverso, indo na 9 Os bens que foram do domínio da coroa; &
sua esteira o do Japão e o suíço. 7%) Os bens perdidos pelo criminoso condenado
pela justiça federal ou do Distrito Federal,
E —- São bens da União, pondo de lado as rendas, 8” Os bens do evento do Distrito Federal, os
que lhe atribui a Constituição: bens vagos que aparecerem em território não incorporado
a) Patrimoniais: aos Estados ou ao Distrito Federal, “2 e os que provierem de
19 A zona que lhe reservou o art. 3º da Consti- associações civis extintas, quando não houver uma similar a
tuição; & quem passem os bens, e a extinta houver funcionado em mais
2º) Asilhas que se formarem nos mares territoriais de um Estado. 4%)
ou nos rios federais; & b) De uso especial:
3) As estradas de ferro, telégrafos, fábricas, 1º) Os edificios públicos federais, os terrenos apli-
. oficinas e fazendas federais; O cados ao serviço de repartições ou estabelecimentos federais;
2º) As fortalezas, fortificações, construções mili-
& O Código Civil feances. aris. 5337-543; Faliano, 4253-435; português, 379.394, tares, navios de guerra e material de marinha; “2
espanhol, 388-345; argentino, 3339-3350; boliviano, 283-288: chileno. 5389-603:
uruguaio, 4283-438. 3º) A porção de território de que a União se apro-
O Vsgra Ferrera, (Lrabalhos cdlo Senado. UI, págs. 6-7) contesta que esta zona se deva
incluir entre os bens dominais da União. Mas não tem razão 0 eminente jurisconsulto.
priar para defesa das fronteiras, fortificações e construções
Enquanto não se der a essa porção, já hoje demarcada, do território nacional, a aplicação militares. 2
a que alude a Constituição, isto é, o estabelecimento da futura capital da República, será
bem dominial da União, não podendo, aliás, nesse meio tempo, ser utilizada de modo o) De uso conum:
que embarace esse fim decretado pela Magna Carta Brasileira. Se, porém, nessa zena 19 O mar territorial, golfos, baías, enseadas e
havia propriedades particulares, anteteriores à Constituição, terá a União de desapropriá-
las. Veja-se a minha resposta, nos citados Trabalhos, HI, pág. 61. portos;
& Roprigo Ocrávio, Domínio da União e dos Estados, nº 104, exclui as ilhas que se
formarem no litoral, porém, CarLOS DE CarvaLso, Direito civil, art. 215, J, CRopriuEs,
Projeto, ut. 116, 8 2, as incluem, por direito de acessão. Está claro que as ilhas já existentes 66) CarLOS DE CARVALHO, Op. Cit, art. 215, €.
e que fazem parte do território de um dos Estados da União, acham-se fora desta regra. O No 3 43 será considerada particularmente esta matéria, -
Quanto às ilhas formadas nós rios públicos, vejam-se as observações de Laraverte, Direito
8) CarLos DE CARVALHO, Op. Cit, am. 213, 11.
das coisas, 1, 839, nota 1. M. 1. CarvaLto DE MENDONÇA, Rios & águas correntes, nota
O Código Penal, art. 69; Carios 13 CaRvALHO, Op. cit, art. 215, .
492, enumera as ilhas pertencentes à União. As de Fernando de Noronha passaram para
UM CanLOS DE CARVALHO, Op. Cit, att. 215, >, é decreto nº 1.839, de 31 de dez. Do 1907,
a administração de Pernambuco pelo dee. nº 1.371, de 1 de fevereiro de 1891.
BS CarLos DE CarvaLHO, Direito civil, arts. 207 e 215, d. Entram estes bens na classe dos art. 1. Veja-se o $ 45, II, deste livro,
próprios nacionais, que abrangem ainda os prédios destinados ao serviço público federal, G9 Código Civil, art. 22.
fortalezas e navios de guerra, V. Adiante a letra b. 2º As estradas de ferro administradas Gt CarLOS DE CARVALHO, Op. Cit., att. 207.
pelo Estado ou por particulares, não sendo dentro de suas terras, são vias públicas (dec. (2 Constituição Federal, art. 64.
nº 1.930, de 26 do abril de 1857, art. 1) entendendo-se que os particulares têm apenas o «3 Roprico Ocrávio, op. cit, 88 4 e segs; Projeto, Costão Ropriaues, art. 117, 8 1;
direito de exploraação (Jive, Com, IV, nº 55). CarvacHO DE MENDONÇA, 1. cit, nº 10,

270 mm
Clóvis Bevilágua teoria Geral do Direito Civil

2º) As praias, O” preamar médio, para a parte do mar, ou dos rios navegáveis,
3º) Os rios navegáveis (assim como os rios de na sucr foz. São terrenos de aluvião onde existirem os de
mi nomear

que se fazem os navegáveis, sendo caudais e perenes) que marinha. 2


banhem mais de um Estado ou se estendam a território
estrangeiro; “> il - À primeira questão que se levanta, neste
4º) Os rios, lagos e lagoas que servem de limites assunto, é a de saber a que entidade pertencem esses bens.
entre a República e as nações vizinhas, “9 Baseados nos antecedentes e no art. 64 da Constituição,
59 As estradas e caminhos públicos, não sendo sustentaram João BaraBaLHo & e GaLDINO LortEDO “ que os
vias-férreas, que façam parte da viação federal. 4? terrenos de marinha, com as terras devolutas, tinham sido
entregues pela Constituição aos Estados ou deixados aos
municípios. É incontestável que esse parecer, especialmente
$43 em face da Constituição, tinha fundamento, que deveria
DOS TERRENOS DA MARINHA prevalecer, se outras considerações não sobreviessem, para
dar-lhe outro aspecto.
E - São terrenos de marinha todos os que, CarLOS DE CARVALHO inscrevera os terrenos de
banhados pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, em marinha e acrescidos entre os bens do patrimônio da União?
sua foz, vão até à distância de 33 metros para a parte das e a mesma opinião CarvaLHO DE MEnDONÇA É mas foi,
terras, contados desde o ponto, a que chegue o preamar incontestavelmente, depois das luminosas razões de Epitácio
médio. Pessoa, em 1904, O que a questão mudou de face, prevale-
terrenos acrescidos aos de marinha são os que,
cendo a opinião de que os terrenos de marinha são bens
natural ou artificialmente, se formam, além da linha do
dominais da União, constituindo como que uma extensa faixa

€% Rorigo Octavio, op. cit. $41; Ras, Diresto Civil, LL tit, IV. cap. VI $ 12; Carrao
nE MENDONÇA, É, cit., nº 9. Veja-se o 8 44 deste livro, & Dec. cit. de 1868, art. 1, $3. te; nº 1.114, de 27 de set. de 1860.
5 Ord. 2, 26, 8 8; Const. Fed., art. 34. 6; Ropriso Octávio, Op. cit, 88 46 e segs,; E Constituição, com. ao art. 6d. O Projeto de Constituição dos Drs. Werneck e PEsTANA
Caros np CarvaLHo, Direito Civil, art. 213; A. VaLLaDÃO, Rios públicos e particulares, declarava pertencerem aos Estados os terrenos da marinha.
$21, sustenta opinião contrária, mas, se pela Const., art. 34, nº 6, é o Congresso Federal & Trabalhos da Comissão especial do Senado, págs. 40-45. Do mesmo parecer mostra-
que tem de legislar sobre a navegação dos rios, que banhem mais de 47» Estado ou se se ALFREDO VaLtapão, Rios públicos e particulares, 8839 w 43.
estendem a território estrangeiro, se as questões de navegação nos rios e lagos do 2 Direito civil, am. 225. f. .
pais competem à justiça federal, Const., art. 60, letra g, é forçoso que o uso, que o povo & Os terrenos de marinha e Os interesses da União. dos Estados e des municipalidaes,
faça dos mesmos esteja sob a inspeção superior do poder federal, isto é, que eles sejam Direito, vol. 85, págs. 473-486.
bens nacionais de uso comum. O Terrenos de marinha, Razões finais do Procurador-Geral da República, e Resposta ao
dé Const. arts. 34, nº 6, e 60, letra g, CARLOS DE CARVALHO, Op. cit. art. 215, à, Projeto memorial dos Estados, Imprensa Nacional, 1904. No mesmo sentido ainda: Mitos,
Corno RopricuEs e atual nos artigos citados; A. VaLLaDÃO, Op. cit.. $ 22. Constituição do Brasil, 2? ed., pág. 336; Projeto revisto, art. 83, 8 3; CorLHo E Campos
“mn Projeto Cosmo Roprigurs, art. 117,83. e UsaLDixo LO AMaraL, cinces do Senado, 1892, vol. 4, págs. 121 e 124; RonriGo
() Instruções de 14 de dez. De 1832, art. 4; deo. nº 4.105, de 22 de fev. De 1868, art. 1, Octávio, que, na primeira edição do sen livro, adotara a opinião de que os terrenos de
81. O aviso nº 373, de 12 de julho de 1833 mandou fixar o preamar médio, tomando-se marinha pertencem aos Estados, na segunda, aceitou a orientação em sentido contrário
por base uma tunação. dada pelo Supremo Tribunal, em acórdão de 31 de janeiro de 1905. V. O nº 94.

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

territorial, que aperta, em um todo bem unido, os diversos competentes para aforar esses terrenos a particulares. Em
Estados da República e, ao mesmo tempo, mostra, pelo lado 1887, a lei de 20 de outubro, art. 8, nº 3, transferiu para as
do mar, que o contacto, entre o Brasil e as nações estrangeiras, municipalidades das províncias essa faculdade de aforar e de
se há de dar por intermédio da União. perceber asrendas correspondentes, Para o Município Neutro,
Antes de expor os argumentos de EpiTÁCIO essa já era a regra, desde a lei de 3 de outubro de 1834, srt.
Pessoa, convém fazer, num relance, a história desta página 37, 8 2; mas a citada lei de 1887 amphou os direitos da
do direito pátrio, segundo se reflete nos dispositivos das leis, municipalidade da capital do império, facultando-lhe também
para que melhor se apreenda a feição original que, por fim aforar os acrescidos. Mais tarde, por determinação do decreto
veio a tomar. legislativo nº 25, de 30 de dezembro de 1891, art. 1, foi
O direito romano desconhecia a espécie de bens, retirada das Câmaras municipais dos Estados a faculdade de
que entre nós tomou a denominação de terrenos de marinha dar em foro os aludidos terrenos, reassumindo o poder admi-
e acrescidos. Como veremos em seguida, as leis romanas nistrativo da União essa atribuição, que passou a exercer por
destacavam as praias, como coisas comuns a todos (ves intermédio das repartições da Fazenda. No Distrito Federal,
communes omnium), permitindo, aliás, que ali se fizessem porém, nada se alterou, e a sua municipalidade continuou no
construções, mas, além da praia, começavam as terras sem à gozo dos direitos que as leis anteriores lhe haviam conferido.
. particularização da faixa intermédia existente no direito pátrio. Note-se nesses atos legislativos e noutros ainda
No direito português, nada também se encontra que, por brevidade, foram omitidos, a vacilação própria de
de correspondente aos terrenos de marinha. A ordem régia um instituto, que se forma. A tendência final, porém, é no
de 1 de dezembro de 1726, a que se refere Ronrico Octávio,º sentido de dar aos terrenos de marinha o caráter de federais,
proíbe que alguém alargue, de um palmo, os seus dominios segundo se vê do decreto legislativo nº 25, de 30 de dezembro
para O mar, e edifique nas praias, mas, evidentemente, ainda de 1891, art. 1. E daleinº 141, de 26 de dezembro de 1900,
aí não está o que veio, mais tarde, a constituir esta forma dos avisos de 12 de julho, de 21 e de 29 de outubro de 1889
especial de bens públicos, a que se dá o nome de terrenos de e de 13 de agosto de 1894. O Supremo Tribunal Federal
marinha. trouxe o concurso do seu alto prestígio em favor dessa orien-
As primeiras concessões de aforamento de terre- tação, declarando que, “dado o atual regime político e admi-
nos de marinha foram feitas sob a direção do Ministério da - nistrativo, a concessão de marinha e acrescidos ficou restrita
Marinha. A lei de 15 de novembro de 1831, art. 51, 8 14, ao Governo Federal, que exerce soberanamente essa atri-
colocou a matéria sob a ação administrativa do Ministério da buição, tendo apenas em vista o interesse público.” 4
Fazenda, sendo, nas províncias, os respectivos presidentes Os argumentos de Errrácio Pessoa, em favor da
opinião dominante nos citados atos legislativos e na
& Op. cit, nº 89, que transcreve interessantes informações de Happock Loxo, Tombo
das terras municipais. Veja-se, ainda, Mapruca, Terrenos da marinha, 1, págs. 65e ) Aviso de 4 de julho de 1892.
segs. 4% Acórdão de 19 de maio de 1906, publicado no Direito, vol. 103, pág. 56.

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Clóvis Beviláquea Teoria Creral do Direito O vil

jurisprudência do Supremo Tribunal são, em resumo ligeiro, afirmar que aos Estados ou aos municípios passou o domínio
as seguintes. Não é exato que a lei de 1887 transferisse o dos terrenos de marinha. “* Esse artigo declara que as minas
domínio dos terrenos de marinha às municipalidades; e terras devolutas pertencem aos Estados em cujos territórios
transferiu-lhes somente o direito de aforá-los e de perceber estiverem situadas e que para o domínio dos mesmos passarão
as rendas provenientes dos respectivos aforamentos. “» “É os próprios nacionais, que não forem necessários ao serviço
o Governo autorizado a transferir às Câmaras municipais da União. Mas, nãos sendo os terrenos de marinha minas
das províncias, diz a citada lei, o direito de aforar osterrenos nem terras devolutas, nem próprios nacionais, não é possível
de marinha e acrescidos nos respectivos municípios, passando dar à citada disposição constitucional a inteligência, que se
a pertencer à receita das mesmas corporações a renda que pretende dar.
dai provier” Não disse o legislador que transferia a Quanto ao art. 65, nº 2, 49 pondera que de seus
propriedade, e, para maior elucidação do seu pensamento, termos não é possível tirar conclusão desfavorável aos seu
consultando-se o Relatório do Ministro da Fazenda por cuja parecer, e acrescenta que, continuando em vigor, enquanto
iniciativa se introduziu essa inovação em nosso direito, se não revogadas, as leis do antigo regime (Constituição, art.
verá que o que se pretenda era auxiliar os municípios, sem 83), e estabelecendo essas leis o domínio do Estado sobre os
despojar a nação. O Ministro achava que não se devia terrenos de marinha, forçoso é manter esse sistema, se não
conceder às províncias o produto dos laudêmios, porque, se provar que ele é contrário ao regime constitucional, pois
sendo o Estado o senhorio direto desses terrenos, e não lhe revogação expressa não houve. “Em que o direito da União
convindo perder essa qualidade, é preciso não dar motivo sobre o litoral do país atenta contra o governo republicano
para que possa, em tempo algum, ser disputada. E neste federativo e os princípios basilares desse regime? Será
sentido foi expedida a circular de 14 de dezembro de 1887, inconciliável com tal sistema que a União possua pequenas
para estabelecer o modo de executar a lei em questão. Ora, zonas de terra no território dos Estados? Seria um contra-
como conciliar o pagamento de laudêmios ao Estado com a senso afirmá-lo, quando o fato se observa nos Estados Unidos,
propriedade das municipalidades? que são o modelo do regime, encontra exemplo em mais de
Depois desses atos, mas antes de promulgada a um artigo de nossa própria Constituição.” 49
Constituição, intervieram as Instruções de 28 de dezembro “Depois, ainda pondera, entre os poderes priva-
de 1889 e 0 decreto nº 100-A, de 31 de dezembro do mesmo : tivos do Congresso Nacional, e conta o de regular o comércio
ano, que nada alteraraim ao que estava firmado pela anterior internacional, bem como os dos Estados entre si e com O
legislação. 62 Distrito Federal, alfandegar portos; criar ou suprimir entre-
O art. 64, da Constituição, de modo algum, pode postos; e resolver, defimtivamente, sobre os tratados e con-
ser entendido como pretendem os que nele se apóiam para
8% Op. cit. págs. 45-67
“b Terrenos de Marinha, Resposta, págs. 13 e seps. “0 Op. cit. págs. 68-86.
“4 Op. cit, págs. 26-44 859,0p. cit, pág. 74.

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

venções, que o Governo celebrar com as nações estrangeiras. EV —- Demarcados os terrenos de marinha e
Ora, é intuitivo que, para o exercício conveniente de tais entregues ao gozo dos enfiteutas, a linha que os separa da
atribuições, os poderes federais devem ter livre e exclusiva prais não se desloca, se as águas do mar se afastarem, desco-
jurisdição sobre o litoral do país. “9 brindo novas faixas de terras. Não se dá, em tal caso, acessão
Semelhantemente, reflexionara CARVALHO DE em favor dos foreiros aos quais é proibido fazer obras no
MENDONÇA: €? “A União estão afetos importantíssimos terreno que, natural ou artificialmente, se formar para o lado
serviços: a defesa marítima da costa, a navegação, o comércio do mar ou do rio navegável, e deles se utilizar com exclusão
internacional e interestadual, a conservação, os das outras pessoas, como se tivessem o domínio útil. C9
melhoramentos e fiscalização sanitária dos portos, o A razão, em que se apóia esta disposição do nosso
estabelecimento de alfândegas e a criação de entrepostos, — direito, declaram vários atos do poder executivo, firmados
e, para desempenho de todos eles, não pode ela dispensar os em parecer do Conselho de Estado, é que esses acréscimos,
terrenos de marinha, os quais, pela sua localização, se prestam assentando sobre o fundo do mar, devem ter a mesma natureza
vantajosamente aqueles misteres.” deste e ser, portanto, do domínio da nação. A enfituse dos
terrenos de marinha é concedida com exclusão do direito de
HI — Não são terrenos de marinha: acessão sobre os acrescidos.
1º) As margens dos rios navegáveis, que ficam
fora do alcance da maré;
2º) As margens dos igarapés e gamboas de água
doce ou salgada, sejam ou não sujeitas às marés, se estivessem
encravadas em terrenos particulares. A medição, neste caso,
deve, para determinar os terrenos de marinha, alcançar Praia, definem as Institutas, é o terreno que o
somente as embocaduras desses igarapés e gamboas, que mar cobre nas suas maiores enchentes. Est autem litus maris
estiverem à beira-mar ou nos rios navegáveis, onde chegue a quatenus hibernus fluctus maximus excurrit.
maré ordinariamente. Sº Partindo do mar para as terras, encontram-se duas
Nos rios navegáveis, os terrenos de marinha se faixas sucessivas de terrenos orlando o mar: 1º a que o fluxo
estendem até onde as águas forem salgadas de modo sensível, cobre o refluxo e descobre, e que é a praia; 2º a que começa
ou existirem depósitos marinhos ou outro fenômeno, que “da linha onde alcança o preamar médio: Esta deve estar
mostre, evidentemente, a ação do mar. €”
“9% Decisão da Fazenda, em 3 de fev. De 1852: aviso nº 379 de 7 de dez. De 1855:
Teixeira De Freiras, Consolidação, art. 32, 8 2; Rimas, Direito civil, NM, tít. IV, cap. VI, $
12, MH, Larverre, Direito das coisas. 8 147, nota 15; Roprico Ocrávio, Dom, Da
“o Op. cit, pág. 78.
União e dos Estados, 83 44 e 96; CarvaLio DE MENDONÇA, nO Direito, vol. 87, págs.
“?% Direito, vol. 35, pág. 476.
198-203.
tt Aviso nº 219 de 20 de agosto de 1835; dec. nº 4,105, de 23 de fev. de 1868, art. 1, 3$
O Inst, 2, 1, 8º3, Conf: D. 30, 16 fis. 96 e 112. A definição das Inst, feita para um povo
1,284; CarLOS DE CarvaLHO, Direito civil, art. 203, 8 2; CarvaLHO DE MENDONÇA, nO
do Mediterrâneo, onde não se observa o fenômeno das marés, ressente-se desta
Direito, vol. 85, pág. 474.
49 Dec. nº 4.105, de 22 de fev. De 1868, art, 1, $$ 4 e 5. circunstância, por isso vai traduzida com liberdade,

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

ordinariamente em seco, salvo na parte que, excedendo ao 2.340, nº 4, considera bens públicos do Estado las playas
preamar médio, pode ser coberta pelas marés mais altas, e del mar » de los rios navegables en cuanto su uso sec
compreende: «) os acrescidos, onde existirem; b) os terrenos necessario para la novegación. Código Civil chileno, arts.
de marinha. Assim, as praias, os terrenos de marinha e os 594 e 599, classifica as praias entre os bens nacionais, decla-
acrescidos distinguem-se claramente, por isso que as primeiras rando que ninguém pode sobre elas fazer construção sem
são parte do fundo do mar que diariamente se descobre com consentimento expresso da autoridade competente. 7/ lido
o refluxo, e os segundos e terceiros são terras propriamente del mare é colocado entre os bens do domínio público do
ditas, que, acidental e parcialmente, podem ser alagadas. Estado, pelo Código Civil italiano, art. 427.
Os romanos permitiam o uso das praias do mar a
todos os homens. Eram coisas comuns, e sobre elas qualquer
podia erguer cabanas para abrigo, e até construir casas, $ 45
tornando-se os donos das casas, senhores do solo, enquanto DOS BENS DO ESTADO
substiam as construções, com uma espécie de domínio
resolúvel, de modo que, destruída a casa, desaparecia o direito É — São bens dos Estados: :
sobre o solo. & a) Patrimoniais, além dos que constituírem o seu
Nosso direito não permite que se levantem domínio financeiro:
“construções sobre a praia sem autorização especial do poder 19) Os que pertenciam às antigas províncias;
Q o ” A . . 4 .

competente, e as construções autorizadas são de caráter pre- 2º) Asterras devolutas situadas nos seus respec-
cário, podendo, a todo tempo, o Governo exigir que se remo- tivos territórios,
vam, porque as praias são bens públicos de uso comum, inalie-
3º) Os bens vagos 2 e os de evento; O
náveis e consagrados, perpetuamente, à utlidade geral dos o . Po
49 As margens dos rios navegáveis e dos seus
habitantes do país ou considerados individualmente ou politi- afluentes caudais e perenes, destinadas ao uso público, se
camente organizadas em nação, e representados pelos poderes
por algum título legitimo não forem do domínio federal,
públicos. & municipal ou particular. & A zona marginal aplicada ao uso
No direito francês, les rivages de la mer são,
igualmente, bens públicos. & O Código Civil argentino, art.
D Constituição, art. 64.
BD. 1,8fr, 6: ln tantum, ut et sob domini constituantar qui ibi aedificant, sed quandiu Dee. nº 1.839, de 31 de dez. De 1907, art. 1º
aedificium manei: aitoquin aceificio dilapso, quasi jure postlimintii revertitur locus 8 Lei nº 586 de 6 do abril de 1850, art. 14,
in pristinam causam: et si aliits in codem loco aedlificaverit, ejus fiel. O Lei nº 1,507 de 26 deset. de 1867, art. 39, e dec. nº 4,105 de 22 de fev. De 1868, A
lei
& Ordem rógia de 10 de jan. De 1732; Rmas, Direito civil, À, tit. IV, cap. VE, $ 12; eo regulamento usam da expressão terrenos reservados para a servidão pública; todavia,
CarvaLito DE MENDONÇA, vO Direito, vol, 87, pág. 13. parecendo imprópria a aplicação do termo servidão, o texto não a manteve. Algumas
“O Código Civil, art. 538. Fala também este artigo dos terrenos de aluvião que se formam vezes são estes terrenos impropriamente chamados de marinha, naturalmente porque
a
nas bordas do mar (lais etretais del a mer) que correspondem aos nossos acrescidos, mas lei autorizou o Governo a concedê-los em lotes razoáveis na forma das disposições sobre
esses terrenos se tôm entendido que fazem parte do domínio privado do Estado (PLaxtoL, terrenos de marinha; mas a lei nº 3.644, de 31 de dezembro de 1918, art. 110,
tornou
Traité, nº 912). certo que essas margens seguem a condição das terras devolutas e pertencentes aos Estados.

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Clóvis Bevilágua teoria Geral do Direito Civil

público é de 15 metros e 4 decimetros contados do ponto senhor certo, entre os quais não se inclui o tesouro: os do
médio das enchentes ordinárias, e deve começar no ponto intestados que não deixarem parentes sucessíveis ou cônjuges;
onde termina do domínio marítimo. & Os acrescidos os dos que, deixando testamento, não tiverem herdeiros,
conquistados ao leito do rio público estadual pertencem ao porque os inscritos repudiaram a herança, e os legítimos, ou
Estado, desde que a margem esteja em seu domínio público. não existem ou também repudiaram; os das corporações ou
5%) Os terrenos dos extintos aldeiamentos de associações de fins não econômicos, que se extinguirem pela
índios; O perda de todos os membros sem ter dado destino aos seus
6º) As ilhas que se formarem nos rios públicos bens, não havendo, no Município, ou no Estado estabele-
estaduais; cimento de fins idênticos (Código Civil, arts. 22, parágrafo
7º) As estradas de ferro, telégrafos, fábricas, único e 1,594). O
oficinas e fazendas estaduais; A lei nº 221, de 20 de novembro de 1894, art.
8º) Os objetos perdidos pelo criminóso 32, Le II, considerava os bens vagos como parte do patrimônio
condenado pelas justiças estaduais. da União, e, no mesmo sentido, quanto às associações civis,
b) De uso especial: se pronunciou a lei nº 173, de 10 de setembro de 1893, art.
Os edifícios públicos estaduais , inclusive os que 12. Mas, quanto aos bens vagos por sucessão sem herdeiros,
forem cedidos pela União. Em virtude do disposto no art. diz, expressamente, o Código Civil, art. 1.594, como já
64, parágrafo único, da Constituição, e os terrenos aplicados determinara o decreto nº 1.839, de 31 de dezembro de 1907,
ao serviço de repartições e estabelecimentos estaduais. que entrarão para o patrimônio dos Estados, do Distrito
c) De uso comum: Federal ou da União, conforme o domicílio do de cujus.
1º) Os rios navegáveis e os de que se fazem os De nossa legisiação elaborada sem sistema e a
navegáveis, sendo caudais e perenes, desde que, tenham todo retalhos, resultavam, a cada momento, perplexidades como
o seu curso dentro do respectivo território; a que agora defrontamos. Sem dúvida o decreto de 1907 e,
2º) Os lagos e lagoas que tiverem suas margens depois, o Código Civil, seguiram, neste ponto, uma boa orien-
em terras públicas estaduais e ou forem navegáveis ou tação: os bens vagos devem ser das circunscrições territoriais,
entregues ao uso público. onde se acharem. No estado atual de nossa legislação deve-
se dizer que: à) os bens de heranças vagas distribuem-se
JE — Bens vagos são aqueles a que não é achado entre os Estados, o Distrito Federal e a União, segundo a

89 Dec. nº 4.103 de 22 de fev. De 1868. am. 1, SS des. & Ord. 2, 26, 8 17, dec. nº 2.433 de 15 de junho de 1859, art. 1, nº 1. CarLOS DE
9 Leinº 1.114, de 27 de set. de 1860, art. 11, 88; CarLOs DE CarvaLHO, Direito civil, art. CarvatHo, Direito civil, art. 2H, acrescenta, com Terxemra cr Frerras, Consolidação.
216, consolidando as leis nº 2.672, de 20 de outubro de 1875 enº 3.348 de 20 de outubro art. 52, $2 e notas 22 625, 00 vitado reg. Art. 11, nº 5, as embarcações que se perderem
de 1887, art. 8, nº 3, alínea terceira; Roprico Octávio, Op. cit, nº 73, O dec. legislativo ou derem á costa, e os seus carregamentos, sendo de inimigos ou corsários. Mas este caso
nº 3.484, de 27 de julho de 1928, art. 10, diz que o Governo federal promoverá a cessão de apreensão é condenado pelo direito moderno (Bunrscurr, Droit int. codifié, art. 668:
gratuita dessas terras ao domínio da União, para a localização de indios. Fiore, Droit int. codifie, am. 1.135, d).

282 283
Clóvis Beviláqua
teoria Geral do Direito Civil

regra estabelecida pelo Código Civil, art. 1.594; b) aqueles


que não têm dono conhecido devem seguir a mesma regra,
porque a distribuição estabelecida é conforme aos princípios
546
de direito e ao regime federativo; c) os que vagarem por
DAS MINAS
extinção de associações de fins não personificadas, sem que
se tenha resolvido sobre o destino do seu patrimônio, sem Pela legislação pátria anterior, as minas eram de
que existam associações congêneres, no Município ou no propriedade do Estado, “ que exercia assim um direito real
Estado, volvem à fazenda do Estado, do Distrito Federal ou sobre uma parte integrante do solo, um encravo realengo,
da União, por determinação especial da lei. como diz CaLÓcerAs. À Constituição republicana, porém,
restituiu à propriedade do solo a plenitude de sua extensão,
Ei - São bens do evento os semoventes que abrangendo o subsolo com as minas por ventura nele
aparecerem, não se sabendo a quem pertencem. encravadas. Às minas pertencem aos proprietários do solo,
proclamou a lei fundamental no seu art. 72, 8 17, alínea a,
IV — São terras devolutas Deste preceito resulta que as'minas são: à) do
1º) As que não se acharem aplicadas a algum uso dominio privado da União, se estiverem situadas em terras
público federal, estadual ou municipal, nem tampouco se públicas federais ou em leitos de rios federais; O b) dos
acharem no domínio particular por qualquer título legítimo; Estados, se em terras dos mesmos se acharem ou em leitos
29 Os terrenos dos antigos aldeiamentos de de rios estaduais, c)e dos particulares, quando aceesórios
índios. & ou partes integrantes do solo a eles pertencentes.
AS terras devolutas somente a título oneroso Cabe, entretanto, à União o direito de regular a
podem ser transferidas aos particulares, exceto nas fronteiras, exploração deste ramo de indústria, & não tornando o exer-
numa zona de dez léguas, onde podem ser concedidas cício do direito do proprietário dependendo de regulamenta-
gratuitamente, “! Este direito que pertencia outrora à nação, ções, como sustenta CaLÓGERAS, & mas podendo estabelecer
cabe hoje aos Estados, aos quais foram transferidas as terras
devolutas. Nas fronteiras, a União terá apenas as porções de
território, de que já se apropriou para a defesa do país ou de “9 Teixeira DE C astro, Consolidação, arts. 52, 8426 903; HerçuLaNo nt Souza BanDErA,
“ A propriedade das minas, Rio, 1885; CaLógimas, As minas do Bressil, Rio, 1905, IH,
que vier a necessitar para o mesmo fim. “? págs. 16-57, Rimas, Direito civil, Util. IV, cap. VI, $i.
Sobre as minas da propr) jedade da União legista o Congresso Federal (Const, art 34,
nº 295.
€& Leinº 601, de 18 de set. de 1850, art. 3; reg. Nº 1,318, de 30 de jan. De 1854, art. 22; $ Por este modo explica-se a referência que faz o art. 64 da Const. às minas dos Estados,
“f, De Fremas, Consolidação, att. 33, CarLOS DE CarvaLHO, Direito civil, art. 202; RoBErTO €& Constituição, art. 72, 8 17, segunda al: “As minas pertencem aos proprietários do
Octávio, Op. cit, 8 75. solo, salvas as limitações que forem estabelecidas por lei a bem da exploração das
) Lei nº 601, de 1850, art. À. mesmas.A Reforma da Constituição acrescentou que as minas e jazidas minerais
“o Constituição, art. 64. Sobre terras devolutas, veja-se MADRUGA, op. cit. págs. 37- necessárias à segurança e defesa nacionais, e as terras onde existirem não podem ser
64. transferidas a estrangeiros”,
As minas do Brasil, UI, pág. HO.
284
285
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

regras, que conciliem o direito individual com o interesse


CAPÍS TULO IV
público, problema que tem sido estudado com vivo empenho INCOMERCIALIDADE DE CERTOS BENS
entre nós, porém, que somente agora pôde ser,
convenientemente, disciplinado, com a lei nº 4.265, de 15 de
janeiro de 1921. NOÇÃO
a A
E ESPECIES DE COISAS QUE ESTÃO
Por ser matéria própria de legislação especial,a FORA DO COMÉRCIO
propriedade da minas não encontra aqui lugar indicado para
ser discutida; mas era conveniente mostrar a feição particular, Coisas que estão fora do comércio são aquelas
que assumia a incidência do direito de propriedade sobre este sobre as quais os particulares não podem exercer direito
objeto: principalmente havendo-se atendido à discriminação exclusivo ou que não podem alienar. Há, portanto, duas
dos bens entre o Estado é a União. OO : classes de coisas, que se acham fora do comércio: umas por
serem individualmente ianpropriáveis; outras porque o direito
as subtraià circulação.
A. primeira classe compreende ct) as coisas de
€& Não se destacaram, igualmente, os bens municipais dos estaduais, porque essa matéria
- é da competência do direito constitucional e administrativo dos Estados. Poderia ser
uso inexaurível como o ar, a luz e o mar alto; b) as coisas
contemplado o Distrito Pederal, mas já no correr deste capítulo se fizeram indicações públicas de uso comum, como os mares territoriais, os portos,
suficientes. Vojam-se entretanto C arcos py Carverho, Direito civil, art. 217, e Projeto as praias e as outras que foram indicadas nos $$ 42 e 45. A
do Código Civil (da Câmara), art. 74.
O regime das minas difere, atualmente, de maneira profunda, do texto da obra, Com o
segunda classe abrange as coisas individuais apreensíveis ou
Código de Minas, baixado com o Decreto nº 22.643, de 10 de julho de 1934, e legislação apropriáveis, que a lei declara inalienáveis, por considerações
subseqionte - Constituição Federal de 1934 (art. 118). Carta Constitucional de 1937 econômicas, de defesa social ou de proteção aos proprietários,
(art. 143), Constituição de 1946 (art. 152), Reforma Constitucional de 1967 (art. 161,
Emenda Constitucional nº | de 1969 (art. 168), Código da Mineração baixado com o
como os imóveis dotais e os dos incapazes, cuja alienação só
Decreto-lei nº 227, de 22 de fevereiro de 1967 e Decreto-lei nº 318, de 14 de março de em determinadas circunstâncias e mediante certas formalida-
1967 — o direito minerário pátrio é informado por principios bem diversos dos que des pode ser realizada.
vigoravam com o Código Civil de 1916, a que o texto original se reporta. As minas &
Quanto ao ar, é de notar-se que faz parte do
demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d'água, constituem propriedade distinta
da do solo, para efeito de exploração e aproveitamento industrial. Cabe ao Governo prédio, como já ficou anteriormente estabelecido, a coluna
Federal. por decreto expedido pelo Chefe do Poder Executivo, autorizar ou conceder a que sobre o mesmo se eleva, até a altura exigida pela usa
sua exploração ou aproveitamento, a cidadão brasileiro ou a pessoa juridica organizada utilização.
no Brasil. Au proprietário do solo é reconhecido tão-somente um diveito preferencial
para a exploração, com observância dos requisitos instituídos para sua obtenção. Os As águas correntes estão extra commercium,
concessionários submetem-se a permanente controle do órgão administrativo, de forma a quando fazem parte dos rios públicos. Os cursos d'água de
concifia o direito individual com os interesses nacionais. menor vulto entram na classe das coisas particulares, ainda
Cumpte, ainda, destacar, da legislação referente às riquezas do subsolo, o regime especial
monopolista das jazidas de petróleo e gazes naturais, cuja exploração é vedada ao que possam sofrer limitações legais ou até desapropriação
particufar, cabendo privativamente à União ou empresa pública por ela constituída.

286 287
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

por necessidade ou utilidade públicas.


Os templos católicos ou de outras seitas, devem
ser considerados, segundo as circunstâncias, ou fundações
ou bens, sejam de corporações, seja de particulares. O LIVRO UI
ENDEMANN refere-se ainda a coisas que estão DO NASCIMENTO
E EXTINÇÃO DOS
fora do comércio, por ser contra a moral a disposição delas. DIREITOS
Assim é que o homem tem a posse do próprio corpo, mas
não pode validamente dispor de uma parte dele, como no
caso de Shyilock, nem da própria vida. Pode, entretanto, CAPÍTULO 1
alienar aquilo que deixou de ser parte de seu organismo vivo, DOS FATORES DO DIREITO SUBJETIVO
como, por exemplo, os cabelos. A este propósito surge a
questão de saber se é lícita a alienação do próprio cadáver. Já . g 48
em parágrafo anterior se fez alusão a este debate, declarando- NOÇÃO DE FATO E ATO JURÍDICO
se, então, que o cadáver é coisa fora do comércio. &
1 — Segundo a definição clássica de Saviany, O
fatos jurídicos são os acontecimentos em virtude dos quais
as relações de direito nascem e se extinguem. Desses fatos,
uns são acontecimentos naturais, que produzem efeitos
jurídicos, como o nascimento e morte do homem, o decurso
do tempo, o desvio do curso de um rio; outros são ações
humanas, que influem sobre a criação, a modificação ou a.
O Sobre est: matéria, vejam-se: Agaries FUnior, parecer publicado no Direito, vol. 98, extinção dos direitos, ora atuam independentemente da
págs. 163 e segs.; Caros px CarvatHo, Direito civil, art. 198, parágrafo único; Luiz pE
Manda, na Revista de jurisprudência, vol. XI, 37-38, ALves, Leis da provedoria, &
vontade do agente, ora os seus efeitos resultam da vontade
522; Inst, 1, 2, 8 8; Lacerva DE ALMmeiDa, Acórdãos do S.T. Federal de 20 de março de por ele manifestada e garantida pela lei &
1895 e 13 de fevereiro de 1897.
3) Veja-se o $ 29. São as ações desta segunda categoria que cons-
Sobre a matéria do 5, consultem-se: Caros DE CarvALHO, Direito civil, am. 193; CorLHo “tituem os atos jurídicos, cuja característica está na combi-
Da Rocua, Lust. 5 76; Rebas, Direito civil, E, tt. IV. cap. VÊ S 9 Rom, System,$ 79,
Enpemans, Pinfuetring. 1 8530,e TS 3d Winpscuii. Pandectas. & 146; Dee RG.
Pandectas, 869; Cód. Civil argentino, at 2 2.337; de Zurich, art. 60: Esboço, arts. 383-
386; FeLicio pos Santos, 207-209; Corão Roprisves, 141; Projeto primitivo, art. 82. O Droit romain, 8 104.
da Câmara, ut. 753. O EnDEMANN, Einfuehrung, & 57, 1X; Derauro, Pandectas, 59; WinpscHetD, Pandectas.
€& Pelo Decreto-lei nº 23, de 30 de novembro de 1937, foi instituido o tombamento de $ 67; Soum, na Systematische Rechtswissenschaft, pág. 27; SancHEs Roman, Derecho
bens, móveis ou imóveis, cuja conservação seja de interesse público, por motivos artísticos, civil, 1H, págs. 527 e segs.; Trabalhos da Comissão especial da Câmara dos Deputados
hisóricos ou paisagísticos. Posto que não colocados fora de comércio, sua alienação é (Código Civil), HL, págs. 10-23, e IV. págs. 210-215; Esboço, comentário ao art. 431;
restrita, controlada pelo órgão competente (Departamento do Patrimônio Histórico e CarLOS DE CarvaLHO, Direito civil, arts. 218-222; EspinoLa, Manual do Código Civil.
Artístico Nacional - DPHAN). HH, nº 1 e segs.; Ferrera Coztno, VII, págs. 1 e segs. É

288 289
Clóvis Beviláqua :

SOB
nação harmônica do querer individual com o reconhecimento
' da sua eficácia por parte do direito positivo.

ouonp
sosrprmf
K - Entre as açõs humanas, que produzem efeitos

OL SUSI
pp
jurídicos, sem que o agente os tivesse, determinadamente, i
pretendido obter, ou sendo indiferente que os tivesse visado,
estão, de um tado, os atos ilícitos, omissivos ou comissivos, e,
de outro, certos atos a que se ligam consequências estabe-

;
lecidas pela lei independentemente da intenção, com que foram

ezoImeu ep
"oa
[eImeu mopio op no

seueuiny sogõe
somos sojuaurosjuooe
seurruny segõe
realizados, como, por exemplo, a mudança de domicílio,
Esta série de fatos pode ser, para maior clareza,
apresentada num quadro, como o seguinte, (veja pág. 291):

Na sistemática alemã, embora haja tendência a É


estabelecer-se distinção entre atos e declarações de vontade, |
geralmente as duas expressões se consideram equipolentes.º |
SavIGNY ensina: “Chama-se declaração de vontade a classe

a
a

Ojuoturosenr /
"oo sende sep)
sjusse op”

ogia: Ie
oduro; op osinsop'
os ootpumf ojos olho

osmo Op OIasop
ooTpunf ojtajo olno

sopeprmagus
oqusge
op 9pejnoa E opuoid

opSmAR

auou
apeiuoa ep opusdopur
de fatos jurídicos, que não somente são atos livres, mas ainda,
segundo a vontade do agente, têm por fim imediato criar ou
dissolver uma relação de direito.” € WiINDSCHEID, por seu
E lado, escreve: “Ato jurídico é uma declaração da vontade
individual, tendo em vista produzir um efeito jurídico.” O É
claro que a vontade individual só por si não tem força para
criar, modificar ou extinguir direitos; é preciso que ela se

|
manifeste segundo a ordem jurídica. É o que ficou,

so puni soje
SONO SOJE
OIpoHUOp Op opdexTr
"Mo opdpongnadso
anteriormente, afirmado, e fez sentir KonLEr, quando definiu
atos jurídicos “ações que pelo direito, são destinadas a influir

) EnDEMaNN, Einfiehrung, 1, 8 60; Dermuro, Pandectas, 88 79 e 91; Somm, na

|
Systematische Rechtswissenschaft, pág. 27; BarBE, Le code civil alemand, 8 11.

srexyeçam
SOAIA ISJUT
esnpo sILIOnI

STBISIUTI
soymyvig
sosoIsuo
É
gi
No mesmo sentido; Curront, /st., $$ 55-59; CogLHo pa Roca, Inst, 8 94; T. ne Freiras,
Hs Í Esboço, nota ao art, 437.
E Vejam-se mais: a monografia de Morsira Guimarães, «tos jurídicos, S.Paulo, 1926, e
ii
t pt
Saceites, De la declaration de volonté, Paris, 1901.
bb & Droit romain, 8 4.
| & Pandectas, 1, 8 69.

290
teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Bevilágua
HI — O meio mais comum de manifestar a vontade
na vida jurídica em virtude de sua natureza lógica” & As
para produzir efeitos jurídicos é a expressão verbal, a palavra
declarações de vontade são, como diz Soum, O “a força que
falada ou escrita. Mas esta poder ser substituída por outros
mantém o mundo das relações jurídicas de ordem privada
expedientes, como sinais, simbolos ou outras ações capazes
em movimento ininterrupto” O
de traduzir, claramente, a intenção do agente salvo quando a
São atos jurídicos, entre outros: os contratos,
lei exige uma declaração expressa ou uma determinada forma
inclusive os pactos antenupciais, o reconhecimento de filhos, de declaração.
a adoção, à autorização do pai para o filho comerciar, para
casar-se, para realizar outros atos jurídicos, a autorização IV — Como já ficou indicado, as declarações de
marital, a uxoriana, o testamento, a aceitação ou repúdio da vontade não são os únicos elementos capazes de produzir
herança. efeitos na vida jurídica. Produzem também esse resultado
O ato jurídico tem por fim, de acordo com a outros fatos e outras modalidade de ação humana. A idade,
ordem jurídica, criar, conservar, modificar ou extinguir as enfermidades, o parentesco, a vizinhança entre prédios
direitos. & Saviany julga desnecessário que se fale na originam relações de direito. Um rio deixa o álveo primitivo;
conservação dos direitos; º mas é inconstestável que, muitas forma-se uma ilha onde anteriormente as terras se achavam
vezes, a declaração da vontade se dirige exclusivamente a cobertas pelas águas; um tesouro é descoberto no subsolo da
manter, a conservar o direito existente, que, sem ela, poderia propriedade de alguém; são fatos naturais os primeiros; é um
ser prejudicado ou até extinguir-se, como no caso da interrup- acontecimento fortuito o último, mas de una e outros surgem
ção da prescrição, do protesto, da ressalva, da retenção, do direitos. A aquisição dos frutos pela separação, a das coisas
sequestro. móveis pela mistura ou pela especificação, assim como dos
móveis jurídicos e dos imóveis pelo usucapião não constituem
(9 Lebrbuch,1, 8216. Vejam-se também Exbemasx, Einfitehrung, À, 362,0 WinDsctein,
atos jurídicos. Também não o podem ser atos ilícitos, que,
Pand.. 869, nota | entretanto, originando obrigações para o agente, criam
O Systematische Rechiswissenschafl, pág. 27.
€ Na denominação “ato jurídico” compreendera-se todos os atos emanados de qualquer
direitos para os que por eles forem prejudicados.
pessoa física ou jurídica, dotados do poder jurígeno. Dentro no gênero “ato jurídico”
situa-se a espécie “negócio jurídico”, criado pela doutrina alemã (Rechtsgeschaft) definido
como um pressuposto de fato, querido ou posto em jogo pela vontade (Expccseus, KipP y
Wozer, Tratado, Parte General, vol. L, 8 136). Seus fundamentos e seus efeitos assentam $49
na vontade, quando emitida na conformidade da ordem legal, Embora o Código Civil de
916 senãotenha referido ao “negócio jurídico”, que veio a se inserir na nossa sistemática
REQUISITOS PARA A VALIDADE DOS ATOS
com o Projeto de Código de Obrigações de Caro Mario DA SiLva PEREIRA, à estrutura do JURÍDICOS
“ato jurídico! Ali contida, acompanha os lineamentos dos Rechtsgeschãfi do BGB.
€& Código Civil, art. 81. Totum jus consistit aut im adquirendo aut in conservando aut
in minuendo, disse ULeiano (D. 1,3, fr. 41; Código Civil argentino, art. 944; Feicio Para a validade dos atos jurídicos, exige-se:
pos Santos, Projeto, art. 21; CortHo Ropristes, Projeto, art. 232; Projeto primitivo,
art. 83.
capacidade do agente, manifestação da vontade, objeto lícito
9 Droit romain, $ 104, nota d.

292 293
!

Clóvis Bevilágua Teoria Geral do Direito Civil

est quam vox mens dicentis. Ra


e forma prescrita ou não proibida por lei.
já foi indicado
Quais as pessoas capazes em geral,
Além disso, os atos jurídicos estão submetidos
aos princípios gerais do justo e do honesto, e devem ser
em lugar competente. Aqui é preciso acrescentar que, além
da capacidade geral, exige-se a capacidade especial para o interpretados como atos praticados de boa fé.
negócio, de que se trata. Assim o maior casado é plenamente
capaz; porém, no direito pátrio, não tem capacidade para
alienar imóveis senão mediante autorização uxoriana ou $ 50
suprimento desta pelo juiz. O indigno de suceder nenhuma DOS VÍCIOS DA VONTADE
diminuição sofre na sua capacidade civil, mas não a tem para
herdar da pessoa, em relação à qual é considerado indigno, Se o ato jurídico é a cristalização de um deter-
pelo que não tem eficácia jurídica a declaração, que acaso minado movimento da vontade, é preciso ques esta, efetiva-
tenha feito de aceitar a herança.
mente, exista e funcione normalmente, para que se forme a
Todavia é certo que a incapacidade de uma das susbtância do ato. Portanto, se o agente não se acha na posse
partes, nos atos bilaterais, não pode ser invocada pela outra, de sua razão, por embriaguez completa, por alienação mental,
em seu proveito, salvo indivisibilidade do objeto do direito ou por deficiência de idade, o ato não pode subsistir juridica-
ou da obrigação comum. mente.
Nas declarações da vontade, atende-se mais à A vontade poderá existir, porém viciada por erro,
intenção do que às palavras, ” porque as palavras são simples- dolo ou coação, e esse vício transmite-se ao ato, do qual a
mente Os sinais que revelam a resolução tomada, e, se forem vontade é a essência. “Por outro lado, a vontade seria inope-
mal empregadas, por ignorância ou descuido, não manifestam rante na vida jurídica, se o direito não lhe assegurasse os
a vontade como esta existiu no momento de ser celebrado o efeitos; portanto, ainda que a operação voluntária se tenha
ato. É lícito, portanto, buscar a forma de volição em sua desenvolvido em sua normalidade psíquica, será, jurídica-
realidade, por trás da imperfeição dos simbolos. Potentior mente, viciada, desviando-se da boa fé e honestidade que a
devem guiar nas relações da vida, tiver por alvo prejudicar o
direito de alguém, ou fugir às prescrições da lei Por isso
Código Civil, art. 82, do comércio, arts, 129 e 191; reg., nº 737 de 25 de novembro de
1850, arts. 682 e 684: CarLOS DE CarvALHO, Direito civil, arts. 223 0224, D. 2, 14,fr.1
aqui se incluem também, na classe dos vícios da vontade, a
38$2e3,eft. 28pr.; 18, 1,fr. 8; Cód. Civil francês, art. 1.108; italiano, 1.104, chileno, simulação e a fraude contra os credores.
1.145. Fisboço. art. 30f; Fenicio Dos Santos, 217, CogtHo Ropricuzs, 287; Projeto
primitivo. 84, Derxeuro, Pand., 49%.
Os primeiros vícios aderem à vontade, penetram-
* Codigo Cívil, art. 83; Projeto CorLHo Rovríuss, art. 314; priminvo, 86. na, aparecem sob a forma de motivos, forçam a deliberação
& dg, 30. 16, FR. 219; In conventionibus contrahentium voluntatem potius quam verba
e estabelecem divergência entre a vontade manifestada e a
spectari placuit; 33, 10, fr. 7, 82; 34, 3, fr. 12: quotiens inactionibus aut in exceptionintis
ambigua oratio est, commodissimum est id accipí quo res de qua agitur valeat quam vontade real, ou não permitem que esta se forme.
pereat; CarLOS DE CarvaLHo, Direito civil, art. 284; Código Civil alemão, art. 133; federal Os segundos não são vícios puramente psíquicos,
suíço das obrigações, 16; italiano, 1.131; austríaco, 914; holandês, 1.378; espanhol,
1.281; chileno, 1.360; uruguaio, 1.272; francês; 1,156; Enpemanx, Binfuehrung, 1, 8 tendo consequências jurídicas; não estabelecem desarmonia
100, e particufarmente nota 11.

294 295
Clóvis Beviláquea teoria Geral do Direito Civil

entre o que se passa no recesso da alma e o que se exterioriza


Para que o erro seja considerado um princípio
em palavras ou fatos; são vícios sociais, que contaminam a
viciador da vontade, há de consistir numa opinião errada,
vontade e a tornam, juridicamente inoperante.
que tenha sido causa determinante dela num ato jurídico,
originando-se daí consequências não queridas pelo agente.“
O erro pode ser essencial ou acidental. O
851 essencial vicia o ato na sua substância. É a ele que tem aplica-
DO ERRO ção a frase romana: — nom videntur qui errant consentire.
Efetivamente o erro substancial domina, de tal modo, a
1 Os escritores têm definido erro por modos
diferentes. A noção, que nos oferece FUBINI satistaz plena- vontade que ela pode ser tida por não existente.
mente. Erro diz ele, é o estado da mente, que, por defeito do Erro substancial é o que recai sobre a natureza
conhecimento do verdadeiro estado das coisas, impede uma do ato, ou sobre o objeto principal da declaração, ou sobre
real manifestação da vontade. Particulariza-se, nesta algumas das qualidades essenciais deste, º ou ainda sobre as
definição, o erro nas declarações de vontade, e nisto consiste qualidades esenciais da pessoa, a quem se refere a declaração
o motivo da preferência, que aqui lhe é dada, Erro acidental é o que recai sobre as qualidades
LACERDA DE ALMEIDA afirma que o erro “não tem, secundárias do objeto ou sobre os motivos do ato, quando
em regra, influência alguma sobre a validade dos atos não são eles as causas determinantes da declaração da vontade.
jurídicos.” & Outras causas, que não o erro, determinam- Esta distinção antiga, que merece plena gpro-
lhes a nulidade. Algumas vezes será a ausência da vontade, vação de Fusint, “* foi repudiada por alguns escritores.
outras um fato anterior, ainda outras algum defeito de sole- PLanioL, por exemplo, distingue três graus de erro: 1º radical,
nidade, mas não o erro propriamente. Não me parece exata que destruindo a vontade, impede a formação do ato; 2º o de
essa observação, e, como em seguida de verá, o erro carac- gravidade média, que torna o ato simplesmente anulável; 3º
teriza-se, perfeitamente, como vício da vontade nos atos os erros leves, que são indiferentes aos olhos da lei mantendo-
jurídicos. se, apesar deles, a validade do ato. &

D La dottrina dell'errore, Torino, 1902, nº 4. Vejamese: Saviony, Droit romain, 8 115;


8 Pusess, La dottrina dalV'errore, nº 7.
WainoscnsiD, Pand., 1, 8 78; Enpemann, Einfuehrung, 1, 8 72. No meu Direito das
“9 Código Civil arts. 87 e 88; Direito das obrigações, 8 39: Corno na Rocna, Inst, $
obrigações, 8 39, adotei uma definição geral: Erro é toda non noção falsa sobre um
100: Carros De Carvano, Direito civil, art. 227, Derssura, Pandl, $ 102, EspixoLa,
objeto. '
Manual, HI, nº 52 e segs.; Ferreira Coztno, VIE págs. 271 e segs. Código Civil francês.
“1 A teoria do erro, a que faz alusão o texto, É o que consiste num descompasso entre a
art. LAIO; italiano, 1.108 e LIÃO; português, 636-662; espanhol, 1.263 é 1.266;
vontade declarada, e a que seria emitida, se o agente conhecesse as verdadeiras
mexicano, 1.296; argentino, 923-927; boliviano, 701; fed., suiço das obrigações, 23;
circunstâncias ou os verdadeiros pressupostos fáticos de sua emissão. Tal desconformidade
alemão, 9; chileno, 1,433 e 1.454; uruguaio, 871; montenegrino, 521; Esboço.
conduz à anulabitidade do negócio jurídico. Nosso direito não faz distinção relativamente
461, FeLicio pos Santos, 226; CorLHo Ropricuzs, 3162321; Projeto primitivo, 90 e91.
ao “erro obstativo” ou “erro impróprio”, que recai sobre a própria natureza jurídica do
O Op. cit, nº 68-71.
ato ou seu objeto, o qual, segundo a sistemática alemã (BGB, art. 119) implica na sua
O Traité, 1, nº 255 e 261. O prezado escritor reconhecea impossibilidade de determinar,
nulidade. :
de modo geral, a distinção entre os erros da segunda e os da terceira classe, o que diz
Obrigações, 8 52. bastante contra a classificação proposta.
296 297
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

Este último grau corresponde ao erro acidental, e não simplesmente sobre o nome ou sobre qualificações;
que não tem força para infirmar o contrato, mas, quanto aos 39 Referir-se ao próprio negócio e não a motivos
dois primeiros, somente o segundo seria vício da vontade. O não essencais. Falsa causa non nocet ... sed si conditionaliter
primeiro, impedindo a manifestação da vontade, torna enuntiata fuerit aliud juris est. “º “A falsa causa, diz O
impossível a formação do ato. :A questão afinal se reduz a Código Civil, art. 90, somente vicia o ato, quando é expressa
apreciar a extensão dos efeitos do erro, e parece mais prudente como razão determinante ou sob a forma de condição”:
manter a doutrina clássica, porquanto, se eu me enganei sobre 4º) Ser relevante, isto é, “de tal importância qie,
a natureza do ato, e doei, pensando emprestar, ou sobre o segundo a concepção geral da vida e a experiência, possa
objeto, vendendo a casa B, tencionando vender a casa €, e, admitir-se que o iludido não teria celebrado o negócio, se
depois de reconhecido o meu erro, guardo suco, O ato conhecesse a relação verdadeira.”
produz os seus efeitos naturais e a minha inação importa uma
ratificação, uma declaração retroativa da vontade. Se, porém,
não me quiser conformar com o estado de coisas criado pelo $52
erro, está em meu poder desfazê-lo. DO DOLO
A transmissão errônea da vontade por intermédio
de algum instrumento, pode ser arguida de erro, e, por isso, Dolo é o artifício ou expediente astucioso,
anulada nos mesmos casos em que o pode a declaração empregado para induzir alguém à prática de um ato jurídico,
direta. que o prejudica, aproveitando ao eutor do dolo ou à ter-
O erro sobre o valor do objeto, nas convenções, ceiro.? Dolom malum esse omnem calidatatem, fallaciam,
podia antes da codificação civil, dar motivo a serem rescin-
didas por lesão. O erro sobre as qualidades, pode motivar
“OM Inst, 2,20,831.
ações por vícios redibitórios. O texto somente se refere ao erro de fato, Não alude ao erre de direito, que se dá
quando a declaração de vontade é emitida no falso pressuposto da conformidade com a
ordem legal. Segundo os modermos, cabe invocar 0 error ixris, quando não tenha por
IL —- Em complemento da teoria do erro, convém escopo opor-se o agente ou recusar-se à aplicação da lei. Sobre o erro de direito, ck:
acrescentar, segundo a lição de Dernsuro, O que o erro Rosse et Mentua, Droit Civil Suisse, vol. 1, nº 44; EspinoLa, Tratado de Direito Civil
Brasileiro, vol. L, pág. 87, Senra LopEs, Lei de Introdução do Codigo Civil, vol. [, nº 38;
substancial deve apresentar os seguinte requisitos: Rucoiero c Maror, Istituziont di Diritto Privato, vol. 1. $ 27; Avery at Rav, Droit Civil.
19 Ser excusável; 2 vol IV. pág. 495; M azeavo, Maggavo et Mazravo, Leçons de Drott Crvil, vol. IE nº
emo À, Bora, Error de Hecho v Error de Derecho: Caio Manto pa Seiva Peron o
2º) Ser real, isto é, recair sobre obejto do contrato Enstituições de Direito Civil, vol. 1, nº 89.
Meu direito das obrigações, 360; Corto Da RocHa, Lnst., 8 101; LACERDA DE ALMEIDA,
Obrigações, 8 53; Martinho Garcez, Nulidades, cap. IV. 8 5; Savient, Droit romain, 8
9 Código Civil, art, 89; Juzrin, Jevres choisis, II, pág. 74, Código Civil alemão, art, 115; Wixpscrem, Pand., 8 78; Enpemanx, Einfuchrung, I, 8 73; Derneurs, Pand., 4
120; Projeto primitivo, art. 92. 104; Pormmr, Obrigações, 1, nº 31: Huc, Comm,, VI, nºs 35 e segs.: Crront, Culpa
9 Pandectas, 8 101. contratual, trad. Posada, cap. E; EspinoLa, Manual, LE, nºs 70 e segs.; FERREIRA CopLHO,
9 Dernsurs, Pandectas, 8 101. É a doutrina romana: Ignorantia emptori prodest quae VI págs. 207 e segs.; Esboço, arts. 467-473; FeLicio DOS SANTOS, 235; CogLHO RODRIGUES,
non in supinum hominem cadit (D. 18, 1, fr. 15. 83). 226 e 228; Projeto primitivo, 96 e 97.

298 299
teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Bevilágua
que pratica o dolo, por ele se obriga o representado a restituir
machinationem ad circumveniendum, fallendum, o proveito colhido, mas terá ação regressiva contra o
decipiendum alterum adhebitam. * representante doloso. A responsabilidade do representado
O dolo realiza-se por omissão ou comissão e é é puramente civil, se o ato do representante é criminoso; pelo
principal ou incidente. Dolo principal, dolus causam dans, é crime responde exclusivamente o delinquente. O dolo assume
o que foi a razão, o motivo determinante do ato. Nullatenus o caráter de crime, quando consiste no emprego de falso
contracturus si dolus defuisset. O dolo incidente dolus
nome, falsa qualidade, falsos títulos, ou qualquer ardil para
incidens, intervém, acidentalmente, no ato, que se realizaria persuadir a existência de empresas, bens, crédito, influência
sem ele. O primeiro torna o ato anulável, o segundo dá lugar ou poder suposto. &
apenas à indenização por perdas e danos. & O dolo não pode ser alegado para o efeito de
Na apreciação dos elementos do dolo, decide anular-se o ato ou fundar pedido de indenização, quando,
soberamente o juiz, segundo sua consciência; mas é preciso nos atos bilaterais, ambas as partes tiverem procedido
ter em vista que as afirmações inexatas do agente, para dolosamente.
dissimular os defeitos da coisa, que é objeto do ato, ou para
exagerar-lhe as qualidades, quando essas inexatidões podem,
facilmente, ser verificadas, não constituem dolo ou serão o $ 53
- que se tem chamado dolo tolerado. & DA COAÇÃO
O dolo é normalmente maquinação:
de um dos
agentes, mas poderá sê-lo de terceiro. Se aquele,a quem a I- Coação, no sentido em que aqui o vocábulo é
má fé aproveitar, conheceu o dolo do estranho, assume a empregado, é um estado de espírito, em que o agente,
responsabilidade do ato, que fica maculado por vício capaz perdendo a energia moral e a espontaneidade do quererm
de o anular, se o dolo for essencial, O Se é o representante realiza o ato, que lhe é exigido. É da coação moral que se
trata, da intimidação, da vis compulsiva.
VD. 4,3, 1,82.
& Meu Direito das obrigações, 3 60; CogtHo DA Rocua, Just. 8 100; LacERDA DE ALMEIDA, 9 Código Civil, art. 96. É uma aplicação da teoria da representaçã voluntária ou
Obrigações, 8 53; Garcez, Nulidades, cap. IV, 8 5; Pormer, Obrigações, nº 31 e 32. necessária, que foi consignada peloEsboço, artigo 481: CoztHo Ropricuzs, 332; Projeto
Desnpurs, Pand., 8 104, nota 11, diz que o dolo, como tal, em direito romano, não era erimitivo, 99. No Projeto da Câmara, por proposta do Cons. AxpraDE Figueira (Trabalhos
fundamento para ação de nulidade, quer fosse essencial, quer incidente, mas a opinião da Câmara, EV, págs. 149-130), dizi-se no art.98: “O dolo cometido pelo representante
preponderante no direito moderno é a que fica exposta no testo, com a distinção, que nele de uma das partes obriga a representado somente para responder este civilmente até à
se faz, e que foi indicada no Código Civil Brasileiro, arts. 92 e 93. concorrente quantia do proveito que teve”. Em rigor, é a mesma doutrina do texto, e a-
O) Caros pk CarvacHo, Direito civil, art. 230, 8 2; decisão da corte de cassação de emenda foi motivada, pelos termos muito vagos do Projeto revisto, art. 113. O Código
“Purim, em 25 de janeiro de 1887. Civil alemão, art, 116, determina que, “na medida em que os vícios da vontade influem
9 Esboço, art. 485; MartinHo GarcEZ, Nulidades, loco citato, Dernsurs, Pand., 8 104, sobre os atos jurídicos, toma-se em consideração a pessoa do representado. O nosso Código
3; decisão da corte de cassação de Turim, em 6 de abril de 1888. do Comércio, art. 162, obriga o mandatário a responder ao comitente pelas perdas e
9 Código Civil, art. 95. Meu Direito das obrigações, Pormer, Obrigações, nº 32; danos, que lhe causar, por dolo que haja praticado no exercício do mandato.
LACERDA DE ALMEIDA, Obrigações, 8 53; Dernaurs, Pand., 8 104; Código Civil argentino, Código Penal, art. 338, 8.
art. 935; federal suiço das obrigações, 28; alemão, 8 123; Esboço, 475-480, CorHo Código Cívil, art. 97.
Roprisues, 332; Projeto primitivo, 99.
301
300
Clóvis Bevilagqua tevria Geraldo Direito Civil

A coação física ou violência, vis absoluta, que que seria a anulabilidade do ato. Mas havia que ponderar
consiste no desenvolvimento da força, a quenão pode resistir sobre a expressão usada, sugestão hipnótica. Em primeiro
o paciente, tolhe, por completo, a liberdade, faz desaparecer lugar, trata-se da sugestão feita durante o sono, para durante
a vontade, e. consequentemente, não permite que o ato o mesmo ser praticado o ato? E evidente que, independen-
jurídico se forme. temente do elemento doloso, haverá, no caso, completa
A coação, para viciar a vontade, deve ser tal que privação da liberdade do agente, inconsciência, estado
inspire, ao paciente, receio fundado de dano iminente à sua mórbido, que tornará o ato absolutamente nulo, juridicamente
vontade, à sua família, ou aos seus bens, pelo menos igual ao inexistente. A sugestão hipnótica poderia ser também a que,
que possa resultar do ato, a que é coagido. ? incutida no cérebro do paciente durante o estado de sono,
É questão saber se a sugestão hipnótica dever viesse a se concretizar em ato no estado de vigília. Aparece
ser considerada coação ou dolo, quando aplicada para a obten- aqui, ao lado do dolo, a coação moral; mas igualmente é
ção de um ato jurídico. O Código Civil não destacou a espécie, possível dizer que o agente não dispõe ainda, neste caso, da
que vinha indicada no Projeto CorLHO RODRIGUES, art. 350, e sua vontade, para se considerar capaz de um ato jurídico.
no primitivo, art. 115; porque, a Comissão da Câmara, & Pode finalmente, a sugestão ser realizada em estado de vigília.
atendeu, na elaboração deste artigo, às ponderações do Dr. Que é possível conseguir com ela? Afirma-se que os
Nina Ronrigues. hipnotizadores obtêm, de indivíduos que lhes obedeçam às
No meu Lireito das obrigações, 8 62, liguei as injunções, ainda quando não tenham, precedentemente,
sugestões hipnóticas, nos atos jurídicos, ao dolo, por se atuado sobre eles. Mas dependerá essa transmissão da vontade
apresentarem, visivelmente, como artifícios fraudulentos para das condições psíquicas do paciente? Ora, distinguir todas
prejudicar alguém em proveito de outrem. Mas, por outro essas hipóteses, com as variedades, que elas comportam, seria
lado, têm elas uma feição de constrangimento moral, desde tarefa imprópria do Código Civil; não destacá-las, seria tornar
que nos coloquemos do lado do sugestionado, como não obscuro o intuito da lei; consequentementre foi aceito o alvitre
deixei de notar no livro citado, e por isso, acompanhando o de pôr de lado a questão do hipnotismo e das sugestões.
Dr. CogLHO RODRIGUES, destaquei-as no capítulo da coação. Como se trata de uma questão de fato a provar, dada a
As duas idéias são perfeitamente justificáveis e sugestão, será apreciada segundo as circunstâncias, e se dirá
produziriam, convertidas em artigo de lei, o mesmo efeito, que, nuns casos, o sugestionado foi um simples autômato, e
o ato é inexistente por incapacidade absoluta do agente, no
om Pere, 880, nota É Lacerpa ve Atmpiva, Obrigações, 8 54, Derneuro, momento de praticá-lo; noutros, que o hipnotizador abusou .
Pand. 8103; Código Civil argentino, art. 936. A coação é crime previsto pelo Código da sua ascendência, intimidando, violentando moralmente o
Penal, art. 362, quando feita a alguém, para obter-se dinheiro ou vantagens.
B Código Civil, art. 98; EspinoLa, Manual, HI. nºs 90 e segs.; ComHo DA Roca, Inst. 8 agente; noutros, finalmente, que preparou, maliciosamente
102; Savtont, Droit romain, 8 14; Wixpscnsro, Pand., 8 80; Dernsurs, Pand., $ 103;
os antecedentes do ato, para que este se realizasse em seu
Martino Crarcez, Nulidades, cap. IV, 8 4 meu Direito das obrigações, 861,
& Trabalhos. IV, págs, 133-134, e V, pág. 127. proveito.
90 Alienado no direito civil brasileiro, págs, 99-125.

302 303
Clovis Bevilágua Teoria Geral do Direito Cívil

E - Na apreciação da coação. ter-se-á em vista celebrado. “” Num tal estado de espirito, realmente, pode a
o sexo, a idade, a condição, o temperamento do paciente e pessoa ser levada a prometer aquilo que não pode,
quaisquer outras circunstâncias que lhe possam dar gravi- razoavelmente, fazer, comprometendo não somente os seus
dade9 interesses, como ainda os de outros. Assim, ou se deve aceitar
A coação pode ser exercida por terceiro. Se a o temperamento de Pormier ou a doutrina a que aderiu o
pessoa, a quem o ato aproveitar, tiver conhecimento da Projeto primitivo.
coação, responderá, solidariamente, com o autor das violência
moral, pelos prejuízos causados ao coagido. Se não tiver tido IV — Não se consideram coação:
conhecimento, anulado o ato, responderá perante ela, por a) O temor reverencial, não sendo acompanhado
perdas e danos, o terceiro que deu causa à anulação. de intimidação ou violência, nem assumindo a forma de uma
força moral irresistível. “) Por temor reverencial, entende-se
HI - A coação deve ter por fim a realização do o receio de desgostar o pai, a mãe ou outras pessoas, a quem
ato, para ser fundamento da sua anulação. Por isso o direito se deve obediência e respeito;
romano não considerava viciada a doação feita por alguém, b) A ameaça do exercício normal de um direito.)
que se achava acometido por ladrões, ou em outro perigo de Todavia, se o agente abusar da situação crítica da pessoa a
vida, âquele que o salvou. ” “Não obstante, pondera quem ameaça, a fim de extorqui-lhe vantagens excessivas, o
Pormier, se eu tivesse prometido uma soma excessiva, ato deve-se considerar viciado; (2
poderia requerer que a minha obrigação fosse reduzida à justa c) A ameaça de um mal impossível ou remoto,
recompensa do serviço, que me foi prestado” O Projeto ou evitá-lo, ou menor do que o resultante do ato; “3
primitivo, art. 121, propunha que se considerasse viciado e d) O temor vão, que procede da fraqueza de
ineficaz o contrato feito sob a ameaça de um perigo iminente ânimo do agente. 0%
de naufrágio, parada no mar, inundação, incêndio, operação
cirúrgica, pondo a existência em risco, salvo se fosse ratifi- & Projeto, CorLHo RODRIGUES, art. 319.
cado, depois de passado o perigo sob cuja iminência fora “9 Código Civil, art. 100; meu Direito das obrigações, 8 61; Como Da RocHa, Znst, $
102; Pormer, Obrigações, nº 27; MourLox, Répétitions écrits, 1. Nº 1.053; AuBRY et
Rav, Cours, 8343; Komer, Lehrbuch, 1, $233, IV: D. 23, 2, fr 2; Código Civil francês,
& Código Civil Brasileiro, art. 99: francês, 1.112, in fine; italiano, 1.112, in fine; att. 1.114; italiano, 1.114; espanhol, 1.267: argentino, 940; boliviano, 703; chileno,
espanhol, 1.267, 3º parte: argentino, 938; boliviano, 704, chileno, 1.456; wruguaio, 1.456, 2 parte, uruguaio, 1.247, 3º parte; peruano, 1.243; Esboço, art. 495, nº 3;
1.247, Pormer, Obrigações, nº 25, Garcez, Nulidades, cáp. IV. S 4, Esboço, am. 429. Fecicio Dos SaxtOs; Projeto primitivo, LT.
Frucio nos Saxtos, 233; Coco Ronricuzs, Projeto primitivo, 16. “8 Código Civil, art. 100; D. 4, 2, fts. 3 e 7; Portes, Obrigações, nº 26; meu Direito *
O Código Civil, art. 101; Porter, Obrigações, nº 24; meu Direito das obrigações,8 das obrigações, 861, Código federal suiço das obrigações.art. 30; alemão, 123; Esboço,
61,D.4,2,fis.9,881e 14, $3; Cód, Civil francês, aut. 1.111; italiano, 1.114; holandês, art. 493; FeLicio DOS SaxtOS, 234; Corão RopRIGUES, 352; Projeto primitivo, 116.
1.359; espanhol, 1.268; argentino, 941; boliviano, 703; fed, Suíço das obrigações, 29; É esta uma das portas abertas pata a teoria do abuso do direito: Ver adiante, o 8 7t, EL.
chileno, 1.457; uruguaio, 1.248; alemão, 123; Esboço, 497-499; Projeto primitivo. &% Cód. Federal suíço das obrigações, art. 100, 2º parte. Entre nós haveria, na hipótese,
:19-120, o recurso da lesão, mas o elemento coativo é manifesto, neste abuso do direito.
O D.4,2,8.9, 8 1, Deensuro, Pand., $ 103, d; Komer, Lebrbuch, 1, 8 233, IL 4) Esboço, art. 494; Pour, Obrigações, nº 23.
B Obrigações, nº 24. 49 Esboço, at. 495; Pormer, Obrigações, nº 25.

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Clóvis Bevilágua Teoria Geral do Direito Civil

Domina a matéria da simulação, a regra formu-


g 54 lada pelo direito romano: acta simulata veritatis substantiam
DA SIMULAÇÃO mutare non potest, º mas, para que a simulação se constitua
um vício do ato jurídico, há de ser empregada de má-fé, no
Diz-se que há simulação, quando o ato existe intuito de prejudicar alguém ou de fraudar a lei. & A simulação
apenas aparentemente, sob a forma, em que o agente faz entrar de boa-fé, sem prejuizo de terceiro nem ofensa à lei, é tole-
nas relações da vida. E umato fictício, que encobre e disfarça rada.
uma declaração real da vontade, ou que simula a existência Os terceiros prejudicados ou o representante do
de uma declaração que se não fez. É uma declaração ministério público, sendo a simulação em fraude à lei, é que
I
enganosa da vontade, visando a produzir efeito diverso do podem pedir a anulação do ato, não os próprios simuladores,
í
Í
í' ostensivamente indicado. porque ninguém pode alegar o próprio dolo, nemo auditur
Há simulação: turpitudinem suam allegans, e, na simulação, se o ato é
Í
'

1º) Quando o ato é realizado para não ter eficácia bilateral, ambas as partes são conhecedoras do artifício
ou para ser anulado em seguida. É a simulação absoluta, fraudulento; se é unilateral, o agente é também o autor do
porque o agente não tenciona realizar ato algum, nem o dolo.
aparente, nem qualquer outro. A reserva mental, que faz o agente de não querer
29 Quando o ato aparente encobrir outro de o que declara, não vicia o ato, se a pessoa, a quem o mesmo
natureza diversa. se dirige, ignora a sua intenção. |
3º) Quando não for verdadeira a data do instru-
mento comprobatório do ato.
4º) Quando pelo ato se constituírem ou transmi- (3 Cod, 4,22, 1,2.
tirem direitos a pessoas diversas daquelas a quem, realmente & Código Civil, art, 103; Camtos ve Carvacto, Direito civil, art. 231, parágrafo único;
Saeutes, Declaration de volonté, com. 2 ao art. 117 do Cód. Civil alemão, AscoLI,
se constituem ou transmitem. Donaziont, 1898, pág. 296; LacarDa DE ALMEIDA, Obrigações, S 55; BeLLEZA DOS SANTOS,
op. cit, Lu" 12; Cód. Civil argentino, at. 957, mexicano, 1.683; Esboço, 523; Acórdãos
da Relação de Minas Gerais, apud Bento DE Faria, Cód. Do com, art. 129, nº 4,
8) As fórmulas do Código Civil, art. 102, com outra redação, oferecem a mesma idéia, V. 3 LACERDA DE ÁLMEIDA, Op. cit, 8 55, mostra casos em que à própria lei pressupõe a
CarLOS DE CARVALHO, Direito civil, art. 231; Saviony, Droit romain, 8 135; WiNDSCHEID, simulação de boa-fé. .
Pand., 875, Desmsuro, Pane. 8 100; LacerDa DE ALMEIDA, Obrigações, $ 55; MartinHo “5 Código Civil, art. 104; Teixgira ve Frerras, Consolidação, art. 338, nota 17; Esboço,
Garcez, Nulicerdes, part. 1, tit, MI cap. IV. 8 5; meu Direito das obrigações, 8 62: arts. 326 e 527; Lacarna vs ALmena, Obrigações, 8 55, Cartos DE CarvaLHO, Direito »
EspinoLa, Manual, IX, nºs 108 esegs.; Vampré, Manual, 1, 860; J. BeLLEZA DOS SANTOS, civil, art. 230, 8 1; Bento ve Faria, nota ao art. 129, do Cód, Do Comércio; meu Direito
4 Simulação no direito civil, L, nºs 10-15, 45 e segs.; Cód. 4, 22, Is. 1 e 2; Código Civil das obrigações, 862; Projeto CosLHo Ropricuss, art. 336; primitivo, 103; Código Civil
argentino, arts. 953 e 956; alemão, 117; Esboço, arts, 521 e 522; CogiHo RODRIGUES, argentino, 959,
335; Projeto primitivo, 102. & Código Civil alemão, art. 116; Projeto primitivo, 105; SaLemtes, Déclaration de
A Ord. 4, 71, punia a simulação com anulação do ato, perda do objeto sobre que versasse, volonté, com. ao art. 116; WispscrsiD, Pand., 8 75. É um caso de simulação como
e degredo; o Código Penal não manteve esse rigor, mas bem pode a simulação, segundo pondera este notável pandetista. Veja-se também BrLLEzA DOS SANTOS, OP. Cit, 1, nº 14;
as circunstâncias, ser capitulada no art. 338, nºs 6 e 8. Manual, IH, nº 110,

306 307
Clóvis Bevilágua Teoria Geral do Direito Civil

Também não se confunde a fraude com a simu-


$ 55 lação maliciosa, porque, na simulação fraudulenta, as partes
DA FRAUDE CONTRA OS CREDORES realizam aparentemente um ato, que não tinham de praticar,
e, na fraude, o ato é verdadeiro, mas realizado para prejudicar
E- O vocábulo fraude trouxe do direito romano terceiro ou iludir disposição de lei. &
uma certa vacilação de significado, que passou para o direito Em resumo, no dolo há o elemento do erro: um
francês e o pátrio. Realmente os romanos, umas vezes, dos agentes é enganado; na simulação, há discrepância entre
designavam por fraus, qualquer ardil ou embuste empregado o ato real e o aparente, mas os agentes não se pretendem
no intuito de enganar; outras vezes, fraus equivalia à enganar; na fraude, não há engano, nem o ato se mascara
simulação, como na frase fraudem legi faceri. O Nosso com outro; há, simplesmente, o intuito de prejudicar terceiro,
Código do Comércio também emprega fraude como sinônima ou o Estado. Todavia é certo que, entre esses três vícios, há
de simulação, e CorLHO DA RocHa nô-la apresenta como um princípio de aproximação e analogia, que é a má-fé.
equivalente a dolo. & TEIXEIRA DE FREITAS, porém, acentuou
a distinção que se deve fazer entre os dois vocábulos, e fixou TI — O patrimônio do devedor é a garantia comum
a noção de fraude, & dos credores. & Mas essa garantia não é completa, porque,
. Fraude é o artifício malicioso para prejudicar conservando o devedor a faculdade de dispor de seus bens,
terceiro, de persona personam; mas aqui se trata, especial- pode diminuir a segurança da solução de suas obrigaçõe, e
mente, da fraude contra os credores. os credores, que não tiverem em seu favor garantia especial,
O que caracteriza a fraude são a má-fé e o ânimo
estão à mercê da boa-fé ou honestidade do devedor. Desde
de prejudicar terceiro. O primeiro elemento aproxima-se do que essa boa-fé desaparece, é necessário que o direito inter-
dolo e o segundo dele a distingue. O dolo praticado por um venha com um remédio capaz de assegurar, aos credores, a
dos agentes ou por terceiro, visa a induzir em erro o outro possibilidade de se pagarem com os bens, que a má-fé desviou
agente; na fraude não é nenhuma das partes que se pretende do fim de garantia geral a que estavam destinados. Esse
enganar, podem ambas estar de acordo. O dolo vicia o ato,
remédio é a ação pauliana, revocatória ou rescisória, pela
na sua formação, em virtude de erro, em que, intencionalmente qual o credor obtém a anulação do ato, que diminui a soma
se fez cair o agente; na fraude, o ato é, psicologicamente,
idos bens de seu devedor, para neles fazer execução, quando
perfeito; macula-o, porém, o intuito moral, fraus non in
outros não existam em quantidade suficiente para a satisfação
consilio sed in event. do débito.
Assim, para poder usar da ação pauliana, é neces-
() Veja-se ainda o D. 1,3, fr 9 (contra legem facit qui id facit quod lex prohibet; in
fraudem vero, qui, salvis verbis legis, sententiam ejus circumvenit) e fr. 30, V. BELIEZA
sário: 1º que o devedor não tenha outros bens, com que
pos Sanros, Simulação, [, nºs 18 a 20.
O Inst, 8 101.
) Tersera pe Freiras, Consolidação, nota 17 ao artigo 358; CarvaLHo DE MENDONÇA,
S Consolidação, nota ao art. 358.
Das falências, nº 360, Tratado, VII, nº 565.

308 309
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

satisfazer o seu débito, pois não é preciso mais para ficar Art. 107. Serão, igualmente, anuláveis os contratos
demonstrado o prejuízo do credor; 2º que tenha havido má- onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for
fé da parte do adquirente, a qual deverá ser provada, se o notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro
ato, que diminui o patrimônio do devedor insolvente, for a contraente.
título oneroso, e se presume juridicamente, se o ato for a Art. 108. Se o adquirente dos bens do devedor
título gratuito; 3º ainda que o ato seja a titulo oneroso, insolvente ainda não tiver pago o preço, e este for, aproxima-
presume-se a má-fé, quando a insolvência do devedor for damente, o corrente, desobrigar-se-á, depositando-o em juízo,
notória ou conhecida da pessoa, com quem contratou. com citação edital de todos os interessados.
Art. 109. A ação, nos casos dos arts. 106 e 107,
WIM - Consideram-se atos que diminuem o poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa,
patrimônio do devedor: as alienações, as remissões de dívidas, que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta,
o pagamento ou garantias de dívidas não vencidas, o repúdio ou terceiros adquirentes, que hajam procedido de má-fé.”
de herança, a negligência intencional na defesa de alguma Nestes artigos, acentua-se que somente o credor
demanda. A recusa de doação, porém, não importa diminuição quirografário pode ser atingido pelas dimihuições fraudulentas
do patrimônio; é uma simples omissão de adquirir, que pode, do patrimônio do devedor, porque os credores, cujos direitos
“aliás, fundat-sse em excelentes razões.“ se acham, especial e privilegiadamente, garantidos por uma
A este respeito dispõe o Código Civil: disposição especial de lei, não têm necessidade do recurso
“Art. 106, Os atos de transmissão gratuita de bens da ação pauliana. Nestas condições está o hipotecário. No
ou de remissão de dívida, quando os pratique o devedor já direito anterior, a lição de TEIXEIRA DE FrerrAS era que não
insolvente ou por eles reduzido à insolvência, poderão ser precisava deste recurso o que intentasse ação real, se durante
anulados pelos credores quirografários.como lesivos dos seus a lide o réu alheiava a coisa, e aquele a quem competissse
direitos. ação hipotecária. ” Tal continua a ser o direito em vigor.
Parágrafo único. Só os credores que já o eram Acrescenta-se que somente o credor que já o era
ao tempo desses atos, podem pleitear-lhes a anulação. ao tempo do ato lesivo pode pedir-lhe a anulação, princípio
também estabelecido pelo reg. 737, art. 694.
9 Código Civil francês, art. 2,092; PLaxioL, Traite, 1, nº 193, Huc, Com, VIE, nºd.
Projeto primitivo, ant. 1.68F. Excetuam-se os bens inalienáveis e não penhoráveis (Cartas
vg CarvaLHo, Direito civil, aut. 193: dec. nº 1.839. de 31 de dez. De 1907, art.3).
IV — Presumem-se de boa-fé e válidos os negó-
(9 T pe Freiras, Consolidação, art. 358; Doutrina das ações, 854; Esboço, 3528-540; cios ordinários indispensáveis à manutenção de estabeleci-
Pauia Baptista, Prática, 3 25; Fvc, Commentaire, VI, nº 215-233; Laurent, Principes,
XVI, nº 431 e segs., Cours, IL, nº 607 e segs.; Puguia, Del azione pauliana, G. Mat et
mento mercantil, agrícola ou industrial do devedor.
DramuarD, na Grande encyclopédie, vb. Fraude; D. 42, 8; 50, 17, ft. 134; Código O pagamento de dívida vencida, e os atos pelos
Civil francês, art. 1.167; português, 1.030; italiano, 1.235; espanhol, 1.291,nº3, 1.297
e 1.298; chileno, 2.468; argentino, 967 e segs.; boliviano, 758; mexicano, 1.683-1.689,
uruguaio, 1.270; Fecicio nos Santos, arts. 246-254; Cosmo Ropricuzs, 340 e segs.;
primitivo 106 e segs. Doutrina das ações, 8 54.

310
Teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Bevilágua
857
quais o devedor contrai novas dívidas, ainda que garantidas,
que a doutrina considerava também válidos, não foram
DO OBJETO DO ATO JURÍDICO
contemplados, antes foram repelidos pelo Código Civil.
Podem ser objeto dos atos jurídicos todas as
coisas corpóreas ou incorpóreaas, que podem ser objeto de
direito, e os próprios direitos. Desta proposição resulta que
556.
DA LESÃO não terá eficácia o ato jurídico cujo objeto:
1º) for contrário aos bons costumes e à ordem
pública; 2
A lesão não era vício, que pudesse aparecer em
qualquer ato jurídico; era própria dos contratos comutativos, 2º) for contrário à seriedade essencial à vida
como das partilhas e servia de base à rescisão dos atos
jurídica ou impossível; O
jurídicos dos menores. 39) estiver fora do comércio. &
Os últimos projetos de Código Civil Brasileiro Em relação aos contratos, exclui-se também a
somente aludiam à lesão nas partilhas, porque nesta domina sucessão da pessoa viva. *
a lei da mais plena igualdade entre os herdeiros, e o Código,
«afinal, eliminou, inteiramente, esse instituto. O
$ 58
“& Q instituto da lesão, que fora abandonado no regime jurídico do Código Civil de DAS CONDIÇÕES
1916, retoma à vigência na legislação subsegiiente, mas com características diversas.
Nas leis de repressão à economia popular (Decreto-lei 869, de 18 de novembro de 1938,
modificado pela Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951) foj estabelecida (art. 4º), a I - Condição é a determinação acessória, que
anulação do negócio jurídico quando uma das partes , aproveitando-se da necessidade,
inexperiência ou leviandade da outra, aufere um lucro patrimonial desarrazoado, ou
faz a eficácia da vontade declarada dependente de algum
exorbitante da normalidade.
Diversamente da lesão enorme, ou /aesio ultra dimidiwmn, do direito pré-codificado, que
se contentava com o requisito objetivo da venda de uma coisa por menos da metade do & Código Civil, arts. 82 e 145, IL, Com, art. 129, nº 2; D. 45, 1, fi. 26:Generaliter
seu valor, a modema tesão qualificada, tal como se regula no código alemão, no suíço novitmus turpes stipulationes nultius esse momenti; 45. 1, fr. 123: si flagitti faciendi vel
das obrigações, no soviético, no polonês das obrigações de 1934, no italiano de 1942, no facti causa concepta sit stipulatio, ab initio non valét, CarLos DE CarvaLHo, Direito civil
nosso Projeto de Código de Obrigações de 1965, no Anteprojeto de Código Civil de art. 233; Garcgz, Nulidades, part. L tít. II, cap. II, $ 3; Código Civil alemão, art. 138;
1972 — exige os seguintes requisitos: a) objetivo, situado na desigualdade evidente e SALLBILLES, Declaration de volonté, anotações ao cit. artigo, a propósito do qual discute a
anormal das prestações, quando uma das partes obtém lucro desproporcional à prestação teoria da causa, da qual trataremos no 8 66. .
que pagou ou prometeu, apúrado ao tempo do contrato; b) subjetivo, qualificado como 3 Código Civil, art. 145, Il; Inst. 3, 19,8 1; D. 50, 17,fr. 31: quod enim impossibile est
dolo de aproveitamento, configurado no fato de uma das partes aproveitar-se da nec pacto negue stipulatione potest comprehendi ut utile actionem factum efficere possit;
Código Civil alemão, art. 118; SaLeites, Déclaration de volonté, anotações a esseartigo.
inexperiência, teviandade, ou premente necessidade da outra parte, no momento de
contratar. Não reside este requisito no fato de uma das partes induzir a outra ao negócio &) Há exceções a este princípio, pois algumas das coisas, que estão fora do comércio por
jurídico lesivo, ou coagi-la. Basta que conscientemente se aproveite daquela situação de
determinação da lei, podem, em certos casos, constituir objeto de declarações da vontade.
Veja-se CarLOS DE CarvaLHO, Direito civil, art. 234.
inferioridade, ainda que momentâneamente, do lesado, e com este realize o negócio Cód. Civil, art. 1,089. Estas proibições fazem parte da teoria dos contratos, pelo que
desproporcionalmente vantajoso para si. De acordo com as leis em vigor, a consequência
pode ser encontrada no meu Direito das obrigações, 8 73. Vejami-se: CarLOS DE CarvALHO
é o desfazimento do ato. Mas, de lege ferenda, é conveniente o efeito alternativo: o Direito civil, arts. 234 € 235, e Martinno Garcez, Nulidades, partI, cap. É,83; DeMoGtE,
restabelecimento do equilíbrio das prestações, mediante complementação do valor justo;
Traité des obligations, II, nºº 849 e segs. , o
ou a rescisão do negócio jurídico lesivo.

312 313
Clóvis Beviláguea teoria Geral do Direito Civil

acontecimento futuro e incerto; ou, como diz o Código Civil, e) Possíveis e impossíveis, as primeiras são permi-
art. 114: é a cláusula, que subordina o efeito do ato jurídico tidas pela natureza ou pelo direito, de onde resulta ums subdi-
a evento futuro e incerto. visão da possibilidade em física e jurídica; as segundas são
As condições adaptam-se à generalidade dos contrárias às leis naturais ou civis.
negotia juris, mas alguns há que não podem ser clausuladas A Honestas e desonestas, ou contrárias aos bons
por condições, como sejam: a celebração de matrimônio, a costumes.
adoção, o reconhecimento de filho, a compensação, a acei- g) De presente, de pretérito ou de futuro.
tação e o repúdio da herança ou legado, a aceitação da testa- h) De fato ou de direito; as primeiras têm por
|I
í
E
mentária. 2 objeto um fato, ao qual se liga a declaração da vontade; as
|
í As condições podem ser: segundas são determinações do direito, que se relacionam
a) Potestativas ou casuais, segundo o aconteci- com um determinado negotium juris.
| mento,a que o negócio está subordinado depende ou não da 1) Expressas ou tácitas.
| vontade do titular do direito. Não são, em rigor, condições |) Úteis ou supérfluas, se operam o seu efeito ou
as potestivas, tem mais o caráter de encargos, de pedidos, de não.
recomendações e, às vezes, são perfeitamente inúteis. Se, k) Verdadeiras ou falsas.
.em parte, depender e em parte for independente da vontade D) Momentáneas ou sucessivas; as primeiras
de um dos agentes, a condição será mista de potestativa e realizam-se com o aparecimento de um fato momentâneo; as
casual, espécie a que o direito reconhece validade. segundas preenchem-se com uma série de fatos.
b) Positivas e negativas, segundo requerem uma m) Perplexas, contraditórias, frívolas, extrava-
certa modificação ou uma inalteração no estado das coisas. gantes, ineptas.
c) Necessárias ou voluntárias, conforme são ou n) Suspensivas e resolutivas, segundo tem por
não inerentes à própria natureza do ato. efeito suspender, temporariamente, a eficácia do ato, ou anulá-
d) Divisíveis ou indivisíveis. lo, se se realizar um determinado evento.
Algumas destas condições são chamadas impró-
) Saviany, Droit romain, 88 116-124; Winpscumib, Pand., $$ 86-95, EnDEMaNN.
prias, porque apresentam a forma, sem ter a essência de
Einfitehrung, 1, 8 76; Dernsuro, Pand,, 88 105-112; Huc, Comm., VE, nº 240-281; : condições. Tais são as necessárias, as conditiones juris, as in
Laurent, XVI, nº 32 e segs., Cours, 1, nº 645 e segs.; Cumont, Ist., 8 64, CorLHO DA
Rocua, Inst, 88 105 e 699; LaceRDA DE ALMuiDA, Obrigações, $ 34; Rimas, Curso, págs.
preteritum ou in praesens collatae,, as fisicamente impossíveis,
478-495; EspixoLa, Sistema, |, 494-300; VauprE, Manual, L $ 62; Armacuto Dixtz, as de não fazer uma coisa fisicamente impossível.*
Primeiros principios, 1, 8 40; Ausry et RAU,Cours, IV, 8 302; ALves Moreira,
Instituições, E, nº 179 e segs.; men Direito das obrigações, 8 18, e das Sucessões, 873;
Inst, 3, 15, 88 4e 6; Esboço, art. 567; FELICIO DOS Santos, 382; CorLHO RODRIGUES,
“) Dernsurs, Pand., 8 107. O Código Civil, arts. 11G6e 117 diz:"Não se considera condição
275; Projeto primitivo, 122; da Câmara, 119; CarLos DE CarvaLHo, Direito Civil, arts.
a cláusula, que não deriva, exclusivamente, da vontade das partes, mas decorre,
238 e segs.; Código Civil francês, arts. 1.168-1.184, italiano, LI37-AIT,
necessariamente, da natureza do direito a que acede”. No mesmo sentido: Esboço, arts.
(é Cód. Civil, arts. 375, 361 e 1.583; Dernguro, Pand., 105; D. 1, 7, fr, 34,
584 e 587, Fenicio nos Saxros, 392 e 394; CorLHO RODRIGUES, 278: Projeto primitivo,
& Dervaurg, Pand., 8 105.
124, ,
314 315
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

EE — As condições fisicamente impossíveis não dam o ato. “ Os romanos assimilavam as condições fisica-
são verdadeiras condições, porque não subordinam o ato juri- mente impossíveis às que o são juridicamente, porque não
dico a um acontecimento futuro e incerto. É Por isso, devem era admissível crer que devessem ser praticadas. Quae fact
reputar-se não escritas, e o negócio, a que eles aderem, puro lnedunt pietatem existimationem, verecundiam nostram, et (
e simples. Prevalecia, outrora, entre nós, como no direito ul generaliter dixerim) contra bonos mores fiunt: nec facere
romano, o princípio de que a condição impossível anulava os nos posse credendum est. ? De modo que, se tais condições
atos inter vivos e era reputada com não escrita nas disposições fossem apostas aos negócios entre vivos, lhes determinariam
de última vontade. É
a ineficácia, e, sendo aposts às disposições testamentárias,
Se a impossibilidade for parcial, o direito romano
seriam reputadas não escritas. Esta era a solução adotada no
a considerava semelhante à impossível, quasi impossibilis,
direito pátrio anterior ao Código Civil, e, com limitações, no
porém, BARTIN opina que se deve atender à vontade do
estrangeiro. (9
estipulante e tentar vencer a dificuldade. ? Por exemplo:
BarTIN distingue a condição juridicamente impos-
alguém institui outrem seu herdeiro, sob a condição de este
lhe erigir um túmulo dentro detrês dias. A ereção do túmulo, sível da ilícita e da contrária aos bons costumes. A primeira
que é a essência da vontade do testador, é possível, a quase não se pode executar, porque, consistindo em um ato jurídico,
impossibilidade está no espaço de tempo. À solução é este não se pode realizar senão de acordo com as prescrições
conceder ao herdeiro um prazo razoável para satisfazer a do direito. Exemplo: a condição de contrair casamento antes
condição. da puberdade. A ilícita pode executar-se, porque não consiste
Se a impossibilidade é relativa, isto é, somente num ato jurídico e sim num ato imoral. Exemplo: — Prometeis-
existe para a pessoa, a quem é imposta, deve ser tratada como me cem, se eu cometer um crime?
se fosse absoluta. A contrária aos bons costumes é ofensivca da
As condições juridicamente impossíveis invali- moral, à qual o direito socorre ferindo-a com a nulidade. “2
Estas distinções, porém, não oferecem interesse prático.
O Código Civil, art. 116; Saviony, Droit romain, 8 122; Et. Bartin, Théorie des Juridicamente impossíveis devemos considerar todas as
conditions, 1867, pág. 9; meu Direito das sucessões, nota | à pág. 266; Em defesa.
pág. 355. condições, que são contrárias á ordem jurídica e aos bons
(9 Cód. Civil, art. 116; meu Direito das obrigações, 8 19; Direito das sucessões, 8 73; costumes.
LACERDA DE ALMEIDA, Obrigações, $ 34, nota 2: Inst, 2, 14, 8 10; D. 44,7,fr. 1,$Slle
fr. 315 46, 1, fr 29; 45, 1, E. 137, 83. O direito estrangeiro moderno seguiu outra A condição de não fazer uma coisa impossível
orientação. Assim é que o Código Civil francês, art. 900, declara não escritas as condições
impossíveis nas disposições a título gratuito, quer entre vivos, quer testamentárias, mas
9 Cód, Civil, art. 116, Projeto primitivo, art. 124; Em defesa, págs. 3535-337, Era este o
estabelece, no art. 1.172, que tais condições anufam as convenções. O italiano, 849 é
sentir de Gouvela Pixto, Testamento, nota 125. As condições contrárias ao direito e à
1.160, dispõe semelhantemente. O Código Civil argentino anula todos os atos jurídicos
moral contêm em si um vício, que se propaga à declaração principal da vontade, e a
aos quais adere uma condição impossível (art. 530). DernBuro, distingue, quanto aos política jurídica aconselha que se destruam esses estímulos para a prática do mal.
atos entre vivos, as condições suspensivas, que anulam os atos, das resolutivas, que são
SD. 28, 7, fr 15.
ineficazes (Pand., 8 107). 9) Vejam-se as citações da nota 6.
OM Théorie des conditions, 1887, pãgs. 12-14 (1) "Préorie générale des conditions, págs. 15, 126 e 239.
316 317
Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

reputa-se inexistente. “> em que pende a condição, os frutos da coisa alienada perten-
cem ao alienante, porque a transmissão da propriedade
HI — As condições suspensivas e resolutivas têm somente se efetua com a tradição.
grande interesse nas relações jurídicas. Convém, por isso, O direito eventual transmite-se aos herdeiros do
acentuar alguns princípios. titular, salvo se esse direito se fundar em disposição testamen-
Se a eficácia de um ato jurídico depender de tária, instituição ou legado clausulado de condição suspensiva,
condição suspensiva, enquanto esta se não realizar, o direito porquanto, se, na pendência desta, falecer o legatário, a deixa
a que se refere o ato não se considera adquirido; “” é apenas caducará. 49
uma expectativa de direito, spes debitum iri. Todavia, é Em relação a terceiros, o implemento da condição
permitido ao titular do direito eventual exercer os atos assecu- não terá efeito retroativo: «) sobre bens fungíveis: b) nem
ratórios de seus interesses. (º sobre outros móveis adquiridos de boa-fé; c) nem sobre os
Realizada a condição suspensiva, o direito corpo- imóveis, se não contar do registro hipotecário a inscrição do
rifica-se e considera-se existente, desde o momento em que título, onde se acha consignada a condição. “9 com estas
se deveria constituir, se o não deferisse a condição, isto é, o restrições é que se deve entender o dispositivo do Projeto
dia da celebração do ato inter vivos ou do falecimento do atual do Código Civil, art. 122, onde se diz: — “Se alguém
testador. É o que se chama efeito retroativo das condições, dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e pendente
que algumas legislações consagram de um modo pleno esta fizer, quanto aquela, novas disposições, estas não terão
apanhando, assim, até os frutos da coisa, que é objeto da valor, realizada a condição, se com ela forem incompa-
relação jurídica, e a que outras impõem restrições. O» tíveis “09
A retroatividade da condição suspensiva não tem Se, pendente a condição, perecer a coisa alienada,
aplicação aos contratos reais, porque, somente depois da perece por conta do alienante, porque somente depois de
entrega do objeto sobre que versam se consideram conclui- realizada a condição se considera transferido o direito. O
dos.49
No direito pátrio, durante o espaço de tempo, IV — Se a eficácia de um ato jurídico estiver
subordinada a uma condição resolutiva, quer dizer que a
4% Jnst., 3,19, 8 11; Código Civil francês, 1.173; italiano, LIGA; espanhol, 1.116, 2º
parte; argentino, 332: boliviano, 765; chileno, 1.476; uruguaio, 1.385; peruano, 1.280: 2 Inst. 3,15, 8 4; Pormer, Obrigações, nº 220; D. 35, 1, ft. 59, pr: Cód. Civil frances
Projeto de Código Civil, primitivo. o art. 1.040, italiano, 853; alemão, 2.074; português, 1.739; espanhol, 759: mexicano,
um Cód. Civil art. 116; Inst, 3, 15, 8 4; Ex conditionali stipulatione tantum spes debitum 33 13; uruguaio, 955: chileno, 1.078; meu Direito das sucessões, 8 73,
iri, camque ipsam spem transmittimus; Esboço, art. 597; FeLicio pos Santos, 384; Projeto us Esboço, arts. 604 a 606; CarLos DE CarvALHO, Direito civil, art. 341, 83. Veja-se, em
primitivo. sentido diferente, LaceRDA DE ALMEIDA, Obrigações, & 34.
(18 Código Civil, art. 118; Cantos pe CarvaLHo, Direito Civil, art. 241, D. 36, 4,frs. 1, 9 Meu Direito das obrigações, 8 18; Winpscnim, Pand., 8 89; Curront, Inst., 8 36; D.
$$ 4e 13; LacERDA DE ALMEIDA, Obrigações, $ 34, Esboço, art. 600; FeLIcIO DOS SANTOS. 30,17.69, 8 1,35, 1, fr 105; Código 6, 43, 1,3, 83; Código Civil alemão, am. 16%; fed,
387; Projeto primitivo, 129; Cód, Civil francês, art. 1.180. Suiço das obrigações, 152, Pr.; Projeto primitivo, art. 130. ,
4%) Código Civil francês, art. 1.179; italiano, 1.170; argeniino, 543. PD. 18,6, fr. 8; Pormer, Obrigações, nº 219; LACERDA DE ALMEIDA, Obrigações, 834;
(6 LACERDA DE ALMEIDA, Obrigações, 8 34, que cita em seu apoio Accarias, IL nº 538. Cód. Civil francês, art. 1.182; italiano, 1.163. ,

318 319
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

relação de direito está formada, produzindo os seus efeitos, reputa-se não realizada a condição maliciosamente cumprida
pórém se extinguirá com a realização da condição. pela parte, que colhe proveito com o advento, “>
Também a condição resolutiva produz efeitos
retroativos e mais francos, mais positivos, mais enérgicos.
Os direitos reais instituídos sobre coisa alienada sob condição $59
resolutiva, desaparece, porque o domínio do alienante era DOS TERMOS
limitado pela cláusula resolutória,e ele não podia transferir
direitos mais latos do que tinha. Sobre esta matéria, estatuía termo é o dia no qual tem de começar ou de
o Projeto primitivo: Art, 754. “A resolução da propriedade extinguir-se a eficácia de um negócio jurídico. Prazo é o
retroagirá sempre ao dia, em que tiver sido adquirida, se não lapso de tempo decorrido entre a declaração da vontade e a
houver, na lei ou em atos jurídicos, disposição expressa em superveniência do termo.
contrário.” Art. 755. “Revogado o domínio com efeito retro- Os termos também, à semelhança das condições
ativo, enteendem-se revogados os direitos reais sobre ele podem retardar a eficácia do ato jurídico, ou extinguir o direito
concedidos, enquanto pendia a condição resolutória, e o pro- por ele criado. Denomina-se o primeiro termo inicial ou
prietário, em favor de quem se opera a resolução pode reivin- suspensivo (dies a quo, ex die), e o segundo termo final ou
“dicar o objeto do domínio, do poder de quem quer que o resolutivo (dies ad quem, ad diem). Diferem, porém, das
detenha” (Art. 756. “Resolvendo-se o domínio sem efeito condições, em que se referem a um acontecimento certo ou a
retroativo, O restituinte será considerado como proprietário um'tempo determinado.
perfeito, até o dia da resolução, subsistindo as alienações e O tempo pode ser cerio ou incerto.
os ônus reais sobre ele constituídos” “2 Resoluto jure dantis, E certo: 1º quando fixado para um determinado
resolvitur jus accepientis; resoluto jure concedentis, mês, dia ou ano; 2º quando fixado por um determinado lapso
resolvitur jus concessum. detempo.
E incerto: quando fixado em relação a um fato
V —Reputa-se realizada, para os efeitos jurídicos, futuro necessário. Pode ser incerta a data do acontecimento
a condição, cujo implemento for maliciosamente impedido necessário (dies incertus quando), ou incerta a sua realização
pela parte, em cujo detrimento ela se realizaria. Ao contrário, (dies incertus an). A primeira incerteza é relativa e a segunda
é absoluta, mas podem combinar-se.
eu Código Cívil, art. 119, D, 18,2, fr. 4, $ 3; Código Civil francês, 1.183; italiano, Cumpre distinguir o prazo ou termo, da condição, -
1.158, 2º parte; português, 680; «argentino, 353; uruguaio, 1.427; Projeto primitivo,
q art. 127; da Câmara, 124; LacerDa DE ALMEIDA, Obrigações, 8 34; meu Direito das
obrigações, 8 18. 3 Código Civil, art. 120; Projeto primitivo, 128; Cogtuo Ropricurs, 280; FeLicio DOS
“3 Cód. Civil, aris. 647 e 648; Ord. 2, 53; 8 25; Cantos DE CarvaLHO, Direito civil, art. Santos, 338; Esboço, 629, nº 3; D. 35, 1, frs. 24 e81;45,1,% 85, 87,50, 17, fr. 161;
ki
ti
242; D. 6, 1, fr. 41; Código Civil alemão, at. 161, 2º al; argentino, 2.668-2.670; Código Civil francês, art. 1.178; italiano, 1.169; português, 681; espanhol, 1.119;
Projeto primitivo, arts. 754 e 755. Diferentemente dispõe o Código Civil italiano, art. mexicano, 1.336; argentino, 337 e 538; boliviano, 779; fed. Suiço das obrigações,
1.Si1. 156; uruguaio, 1.420; alemão, 162.

320 321
Clóvis Beviláque Teoria Geral do Direito Civil

porque são diferentes muitas das consequências, que resultam sempre o seu meado. “
de um e da outra. Entende-se que há termo, sempre que o Sendo assinado termo de mês ou de ano, o mês
fato futuro, do qual depender a eficácia do negócio jurídico, se entenderá de trinta dias, e o ano, do dia seguinte ao em
for necessário, embora incerto quando; e condição, sempre que foi assinado até outros tantos dias do mesmo mês do ano
que o acontecimento futuro for incerto. seguinte,
O termo inicial suspende o exercicio, mas não a Sendo os termos estabelecidos per dias contínuos,
aquisição do direito. que já se deve considerar potencial- estes se contam por hora, e se estabelecidos por horas, estas
mente existente em nosso patrimônio (praesens obrigatio est, se contam de minuto a minuto.
in diem autem dilata solutio). Nos testamentos, o prazo se presume em favor
O titular de um direito dependente de prazo do herdeiro e nos contratos, em proveito do devedos, salvo,
inicial, pode exercer os atos assecuratórios que são permitidos quanto a esses, se do teor do instrumento, ou das circuns-
no caso de condição suspensiva; as disposições feitas, no tâncias, resultar que se estabelece a benefício do credor, ou
decurso do prazo, pelo proprietário anterior, resolver-se-ão de ambos os contraentes. É
com o advento do dia estabelecido para a sua extinção, se Os atos jurídicos inter vivos, a que não se estabe-
forem incompatíveis com o direito adquirido, cujo exercício lecem prazos, são exequíveis desde logo, salvo se a execução
o termo retardara. & tiver de ser feita em lugar diverso ou depender, necessa-
Salvo disposição em contrário, computam-se os riamente, de algum tempo para ser exeguível.
prazos excluindo o dia do seu início e incluindo o do
vencimentp, salvo se for feriado, porque neste caso, o prazo
se considera prorrogado até o seguinte dia útil. Dies a quo
$ 60
non computalur in termino; dies termini computatur in
DOS ENCARGOS
termino.
Encargo (modus) é a determinação acessória em
O décimo quinto dia de cada mês é considerado virtude da qual se restringe a vantagem criada pelo ato
Esboço, arts. 638 e 639; PLantoL, Tretité, IL, nº 291.
& Código Civil, art. 123; Jnst.,3, 15, 882e3;D.36,2. fis. 21 22:45,1,8.38, $ 16; & Código Civil, art. 125, 8 2, do Comércio, art. 358.
ff. 41,81 ef 46; Código Civil francês, art. 1.185; italiano, 1.182; argentino, 56; 9 Código Civil, art. 125.83: Ord. 3. 13 pr: CarLos ve CarvaLno, Direito civil, am, d9.
boliviano, 776; uruguaio, 1.433; ENDEMANN, Einfuehrung, 1, 8 79, PLamioL. Traité, 1, nº € Na forma do que preceitua a Lei 810, de 6 de setembro de 1949, os prazos ânuos
299, Crront, Estituzioni, $ 67, LACERDA DE ALMEIDA, Obrigações, 3 33: DernBuRa. Perl, computam-se de data a data, isto é, do dia do incicio ao dia e mês correspondente, do ano
1, S 114; Winxoscaem, Pand.. $ 96; meu Direito das obrigações, 8 19; Direito das seguinte,
sucessões, $ 74, Projeto primitivo, 131. Corno Ropricuas, 281: Esboço. 642. E Cód. Civil, art. 123, $ 4: Ord. 3,21, $ 22; Cartos te CarvatHo, Direito civil, ais. 52
9 Código Civil Brasiteiro, arts. 124 e 119; alemão, art. 163; Proleto primitivo, art. 132. e 53; Esboço, arts. 11-12; Projeto Cortno Ronrictzs, 282; primitivo, 134.
9 Cod. Civil, art. 126; D. 45, 1, fr. 41, 8 1, in fine, SO, 16, fr. 12, 8 1, 50, 17, fr. 17;
Contra: LaceRDA DE ALMEIDA, Obrigações, 8 33.
& Código Civil, art. 125; Ord. 3, 13, |; Código do Comércio, art. 133; CarLOS DE Código Civil fancês, art. 1.187; italiano, 1.173; espanhol, 1.127; mexicano, 1.360;
federal suiço das obrigações, 81, Diferente era o direito anterior, da Ord. 3, 35. E o
CarvaLHo, Direito civil, art, 55; Projeto Corno Roprisuzs, art. 282; primitivo, 133.
Código Comercial, art. 431, não se harmoniza bem com o Civil.
Quanto às letras, reputavam-se vencidas no dia antecedente, se o dia do vencimento
O Código Civil, art. 127; D. 45, 1,8 41, 8 1, inítio; 50, 17, fr. 14; in omnibus
fosse feriado por lei (Cód, do Comércio, art. 358); mas a lei nº 2.044 de 3] de dezembro
obligationibus, in quibus dies non ponitur, praesenti die debetur, Projeto CopLHO
de 1908. Art. 20 estabeleceu a regra do texto. Ropricuzs, art. 234; primitivo, 135.

322 323
3+
leoria Gercil do Direito Civil
Clóvis Beviláqua
indispensável a intervenção direta da pessoa, que adquire o
jurídico, estabelecendo o fim, a que deve ser aplicada a coisa
adquirida, ou impondo uma certa prestação. “ Difere o direito. Outrem poderá agir por ela. “Adquirem-se os direitos,
encargo da condição em ser coercitivo, mas pode ter a forma quer por ato do adquirente, ou por intermédio de outrern”,
de condição e, neste caso, valerá como tal, se essa for a diz o Código Civil Brasileiro, art. 74. Em geral, é certo que
vontade do estipulante. Na dúvida, se se trata de condição os atos jurídicos podem ser celebrados por intermédio de
ou encargo, supor-se-á de preferência que a modalidade do outrem; alguns, porém, são personalíssimos e não admitem
negócio jurídico é um encargo. delegação. Tal é, por exemplo, o testamento, que há de ser
Não haverá, propriamente, encargo, quando a uma declaração pessoalmente feita pelo testador. KonLER dá
modalidade visar, exclusivamente, a beneficiar a pessoa, que o nome de personificação à operção em virtude da qual uma
o tem de cumprir. pessoa age, eficazmente, dentro da esfera jurídica de outra,
Os encargos impossíveis regem-se pelos princi como que se revestindo com a sua personalidade, e distingue
pios, que regulam as condições impossíveis. a representação da assistência ou gerência fiduciária (Treuha-
Para garantia do cumprimento do encargo, enderschaft) que é uma representação incompleta.
podem os interessados pedir ao gravado que preste a neces-
A representação pode ser legal ou contratual. O
sária caução.
À primeira é a que a lei estabelece como no caso do pai, do
O modus anda, mais normalmente, ligado às
doações e disposições de última vontade, porém, muitas marido, do tutor, dos órgãos representativos das pessoas juri-
vezes, é posto em promessas de recompensas, concessões de dicas de direito público. A segunda é a que se funda numa
privilégio e outras declarações unilaterais da vontade. convenção, o mandato ou a comissão, podendo acontecer
À inexecução do encargo torna anulável a que seja um ato benéfico prestao sem autorização prévia,
liberalidade, ? cabendo a ação de nulidade ao estipulante ou como na gestão de negócios. 2
aos seus herdeiros.
O Lehrhuch, S 188.
O Código Civil de 1916 não estabeleceu regras disciplinares da representação como

. $ 61 instituto autônomo. Cuidou da representação convencional, ao se referir ao mandato. E

DA AQUISIÇÃO DE DIREITOS POR OUTREM E


deixou a matéria da representação legal dispersa nas regras atinentes aos casos específicos,
como no pátrio poder, tutela, curatela, ausência, Modermamente, procede-se de modo
PARA OUTREM diverso. Estabefecem-se normas relativas à representação em geral, aplicáveis a todos os
casos, E nas incidências especiais somente se cogita das disposições destinadas a cada
caso. No plano doutrinário, a orientação é adotada por numerosos escritores (Cf. Ruscisro
e Manor, Istituzioni di Diritto Privato, $ 28; Orr TMaANN, Introduccion al Derecho Civil, $
1 - Na conclusão dos negócios jurídicos não é 36; Engocerus, Ki» y Wocrr, Tratado de Derecho Civil, Parte General, vol, IL,8 166; .
Anpreas Von Tur, Derecho Civil, vol. HI, 2º parte, $ 84; Hersrice Legmann, Tratado de
(D Sobre o encargo vejam-se Saviany. Droit romain, $ 128; Ceront, Istituzioni, $ 68; Derecho Civil, Parte General, vol. £, 836; Caio Mario DA Siva Pereira, Instituições de
Dernpurs, Pand., 8 115; Cog.uo Da Rocua, Inst., 8 107; meu Direito das obrigações,8 Direito Civil, vol. [, nº 106). No plano legislativo, além de alguns códigos que assim
94; Direito das sucessões, 8 73; Esboço, 655-668; Projeto primitivo, art. 136: Código procedem, o Anteprojeto de Código de Obrigações de 1941, o meu Projeto de 1965, eo
Civil, art. 128; EspinoLa, Sistema, 1, p. 502 e 503; Vampré, Manual, E, $ 64; Rimas, Anteprojeto de Código Civil de 1972 adotaram essa técnica.
Curso, p ágs, 498-500; Wrxpscrem, Pand., IL, 88 97-100 e nota yy de Fanpa e Bensa. ) Vejam-se sobre a representação: KoHLer, Op. cit, 88 188-197; Wrnpscnein, Pand., 88
& Meu Direito das obrigações, $ 94; DERNBURG, Pand., 8 115; Código, 4, 6,1s.3 e 8;
73 e 74. Dernsurs, Pand., $ 117; PranioL, Traité, 1. nº 279-281.
53,1s.9€e22;8,54, Is. 1e3.

324 325
Clóvis Beviláquer teoria Geral do Direito Civil

Além dos casos de representação, há os de assis- culares, a expansão da autonomia da vontade e a consequente
tência ou auxílio, como o do mensageiro, quw comunica as abstenção do Estado, que se acantoa, de preferência, na sua
nossas relações, e o do mediador, que aproxima os contra- função de superintendente, pronto a intervir, quando é neces-
tantes e prepara o negócio. & sário restabelecer coativamente o equilíbrio dos interesses.
Todavia, como a forma é uma valiosa garantia
KH — Nas estipulações em favor de terceiros, o dos interesses, quer individuais, quer sociais, não poderá ser
estipulante convenciona com o promitente uma vantagem para eliminada do direito. O ritualismo excessivo, que impedia o
outrem, que é o beneficário. º É um caso notável da aquisição movimento dos negócios jurídicos, contrariando as necessi-
de direito para outrem, cuja espécie mais comum se encontra dades do progresso, que os requer rápidos; as palavras sacra-
nos seguros de vida. mentais, que não podem mais ter valor perante a cultura dos
nossos tempos; as solenidades absurdas e ineptas, por terem
desaparecido as razões, que as reclamaram, essas a ação
862 simplificadora da evolução jurídica eliminou; porém, manteve
DA FORMA DOS ATOS JURÍDICOS as formas necessárias à segurança dos negócios realizados
no domínio do direito, e, por um processo de remodelação
. T- Forma é o conjunto das solenidades, que se da vida jurídica, foi criando solenidades novas ou reforçando
devem observar para que a declaração de vontade tenha as já existentes para determinados atos. Dois exemplos bastam
eficácia jurídica. É o revestimento jurídico, que exterioriza para demonstrar a verdade desta observação. O casamento,
a declaração da vontade. É princípio aceito pelo direito no direito romano da última fase, dependia apenas do
moderno que as declarações de vontade não estão sujeitas a consenso dos nubentes; as solenidades, que acompanhavam
uma forma especial, senão quando a lei, expressamente, a o ato eram puramente costumeiras, a lei não as decretava; o
estabelece. O E até um dos resultados da evolução jurídica, escrito, que se lavrava dizia respeito à constituição do dote,
assinalado pela história e pela filosofia, a decadência do mas não à celebração do casamento. Para o direito moderno,
formalismo em correspondência com o revigoramento da o matrimônio é um ato soleníssimo, exigindo formalidades
energia jurídica imanente nos atos realizados pelos parti- preparatórias do ato e outras necessárias à sua celebração.
No direito anglo-americano, que se conservara, até certo
9 Código Civil, arts. 1.098 a 1.100. Meu Direito das obrigações, S 82,
ponto, estranho a esse movimento de apuro das solenidades
& Código Civil, art. 129; Espemans, Einfirehrung, S 65; MacreLDEv, Droit romain, & do casamento, já se manifestaram, ultimamente, tendências
165; Dernaurs, Pand., 893; WinpscmeiD, Pand., 8 72; PLanioL, Traite, 1. 8 266; Cemront,
Ist., 8 61; CozHo Da Rocxa, fnst, $ 95; Caros DE CarvaLHo, Direito civil, art. 249;
bem acentuadas de uma transformação. “2
“Terxeira DE Prerras, Consolidação, nota 26 ao art. 366; meu Direito das obrigações, 8
70; EspínoLa, Sistema, 1, págs. 450-453; Vampré, Monual |, 8 66; CoLin et CaprranT,
Cours, 1, 63 a 67; Código Civil argentino, art. 974; federal suíço das obrigações, 11; Es Até na Rússia soviética, a celebração do casamento obedece a certas normas. Realiza-
austríaco, 883; espanhol, 1,278; português, 686. se publicamente, em lugar destinado a esse fim, e são registrados (Código da Familia,
Um belo estudo sobre o formalismo é o de Jrerisc, Derecho romano, HI, 88 50-55. arts. 52 e 55).

326 327
Clóvis Bevilágue teoria Geral do Direito Civil

A transmissão da propriedade imóvei, que o As formas habilitantes, necessárias, como a


direito francês pretendera tornar efeito das convenções, teve autorização paterna, a marital, a uxoriana ou a do tutor, para
de ser submetida à solenidade da transcrição, e a marcha das que se complete a capacidade do agente, também não são
idéias é no sentido de dar os registros prediais uma formas no sentidom próprio do vocábulo.
organização perfeita, de modo a assinalar, com precisão e
segurança, todas as alterações da propriedade territorial no Hi —- Sob o ponto-de-vista da forma, os atos
país. podem ser formais, ou solenes, e não-formais. Estes últimos
O registro dos escritos particulares estabelecido, são também denominados consensuais, porém este designa-
entre nós, pelo decreto nº 79, de 26 de agosto de 1892, e

I
tivo melhor convém aos contratos, porque neles é que há
desenvolvido pela lei nº 973, de 2 de janeiro de 1903, assim concurso de vontades.
como pelo decreto executivo nº 4.775 de 16 de fevereiro de São atos formais, ou solenes, os que estão ads-
1903, é também sintoma desse movimento, impulsado pela tritos a uma determinada forma. O casamento, por exemplo,
necessidade crescente de segurança nas relações jurídicas, a deve ser celebrado segundo as prescrições do Código Civil;
que deram impulso o Código Civil, e a lei nº 4.827, de 7 de na hipoteca, na enfiteuse, nos pactos antenupciais, na compra
fevereiro de 1924. O e venda de bens de raiz, cujo valor exceder de um conto de
réis, e em outros atos, a escritura pública é a substância do
H - A divisão das formas em intrinsecas ou ato; O o testamento tem formas solenes, sem as quais não
viscerais, e extrínsecas, não é admissível, porque, pelas poderá valer. & Podem sere feitos por escrito particular todos
primeiras, designam-se os requisitos necessários da parte do os atos em que a escritura pública não for da sua substância.”
agente para a realização do ato jurídico, isto é, a sua capaci-
dade e a realidade da declaração constitutiva do ato, e esses IV — A forma dos atos não tem valor somente no
elementos não são formais, são substanciais. Assim, as verda- direito interno; nas relações de ordem privada da sociedade
deiras formas são as extrínsecas, isto é, as que se referem à internacional tem igualmente de ser apreciada, vigorando,
celebração propriamente do ato, ou são exigidas para a sua em geral, a regra Jocus regit actum, que deve ser compreen-
prova. No primeiro caso são formas essenciais, sem elas não dida como a consagração da eficácia internacional das leis
existe o ato, a lei as exige ad solemnitatem, para dar uma - referentes à forma dos atos, autênticos ou privados, solenes
modalidade particular ao ato. Destas é que se diz: forma dat
esse rei. No segundo caso, as formas são pedidas ad probar-
tionem tantum, não são essenciais, são meramente probantes. & Código Civil, art. 134, Direito anterior:Ord. 4, 19, pr.; dec. de 24 de jan. De 1890, art.
31; dec. 116 A de 19 de jan. De 1890, art. 4, 8 6; reg. Nº 370, de 2 de maio de 1890, art.
130; lei de 15 de set. de 1859, art. 11; meu Direito das obrigações, 8 71. T. ne Frerras,
9 O registro detítulos e documentos veio disciplinado no Regulamento Geral dos Registros
Consolidação, art. 367. Também é da substância do contrato a escritura pública, se as
Públicos, estabelecido no Decreto 4.857, de 9 de novembro de 1939, mantido no Decreto-
partes convencionarem dar-lhe essa forma (Código Civil, art. 133).
lei 1.000, de 21 de outubro de 1969 (que não chegou a vigorar) ena Lei 6.015, de 31 de 9 Código Civil, arts. 129, 135 e 136. Direito anterior: Ord. 4, 80 e 83.
dezembro de 1973.
9 Dec. nº 79, de 26 de agosto de 1892, art. 2.

328 329
Clóvis Beviláguer teoria Geral do Direito Civil

ou sem forma predeterminada. “ legais ou dos princípios do direito à espécie em litígio.


3) 4 prova deve ser concludente. É uma afir-
mação do bom-senso. Seria inútil provar os fatos, se deles
$63 | não resultasse um esclarecimento para o juiz, um apoio ao
DA PROVA DOS ATOS JURÍDICOS direito, que se deseja ver consagrado.
49 O ônus da prova incumbe a quem alega o
1 - Prova em linguagem jurídica, segundo a fato do qual o induz a existência de um direito. Ei incumbit
definição do Código Civil português, art. 2.404, é a demons- probatio qui dicit non qui negat. É
tração da verdade dos fatos alegados em juízo. Poderiamos 53 O juiz deve julgar pelo alegado e provado. &
antes dizer: é o conjunto dos meios empregados para demons- Secundum allegata et probata judex judicare debet.
trar, legalmente, a existência de um ato jurídico, ficando
Questionam os tratadistas sobre se é mais conveniente à
assim dentro dos limites do direito privado.
ordem jurídica limitar a ação do juiz à aplicação da lei, sem
A teoria das provas, que constitui um interessante
ponderar as provas ou permitir-lhe julgar segundo a sua con-
capítulo da lógica jurídica, estabelece regras gerais, que se
vicção íntima, independentemente das provas apresentadas,
aplicam a toda a ordem de fatos, que têm de ser provados em
direito: O ou, finalmente, deixar-lhe o critério da apreciação das provas,
I9 4 prova deve ser admissível, isto é, não
sem ir além delas. A discussão é ociosa, porque, geralmente,
proibida por lei e tendo valor jurídico para o caso em questão. concluem pelo último sistema, o da persuasão racional. ? O
Assim quando a lei declara que a escritura pública é da juiz julga pelas provas que lhe são apresentadas, mas tem o
substância do ato, a prova testemunhal ou outra qualquer é direito e o dever de examiná-las e pesá-las para extrair delas
inadmissível, não tem valor para demonstrar, juridicamente, a relativa verdade legal.
a existência da relação de direito. 69 O que se prova é o fato alegado, não o direito
2º) À prova deve ser pertinente. Quer isto dizer a aplicar, porque nisto consiste a função do juiz, órgão vivo
que ela deve ter por fim demonstrar fatos que se relacionem da lei, comojá o tem chamado. Todavia, se o direito aplicável
com a questão discutida e a aplicabilidade das prescrições for costumeiro, como repousa sobre o fato, que é a repetição
“constante de um certo modo de compreender determinada
9 Sobre o campo de aplicação do adágio locus regit actum, veja-se o meu Direno
relação de direito, é míster prová-lo. Também o direito
internacional privado, 88 34-36. estrangeiro deve ser provado, salvo se o juiz tiver dele
O Neves é Castro, Teoria das provas, 1880, nº 6, nota 2, critica a definição do Código
Civil português e apresenta outra: “o fato que a lei considera como causa do convencimento
do juiz acerca da verdade de um fato”, João Monteiro, Processo, HI, 8 122, define: B oro Monteiro, Processo, II, & 127; Neves s Castro. Provas, nºs 27,32; D. 22,3, frs.
prova é a soma dos meios produtores da certeza. Vejam-se ainda as definições de Br tME 2e 12; Nov. 18; Código Civil francês, art. 1.318; italiano, 1.312.
(Philosophie du droit, pág. 610), Meto Free, Jus civile, IV, 16, $1)e PauLA BAPTISTA, 9 Ord. 3, 66; João Montero, Processo, IX, 8 124,
(Prática, $ 134). João Monteiro, Processo, IE, 8 124; AtreLIANO DE GuUsMÃo, Processo, I, nota à pág.
O Drammaro, na Grande encyclopédie, vb. Preuve. 227, Pauta Baprisra, Teoria e prática do povo, 8 137.

330 331
Teoria Geral do Direito Ctvil
Clóvis Beviláguea
podem ser provados se puderem ser apresentados sob a forma
conhecimento, “ apesar da opinião de alguns autores, para
exigida pelo direito positivo. Outras vezes, a lei não impõe,
os quais a comunhão do direito entre os povos cultos impõe,
diretamente, a forma do ato, mas declara que somente pode
aos juízes locais, a tarefa incom portável de conhecer o direito
ser provado de um determinado modo.
estrangeiro. A mesma necessidade de prova está adstrito o
Em ambos os casos, a prova é preconstituida,
direito estadual ou municipal, quando aplicado fora das
porque a lei exige, indicando qual deva ser, e somente é
circunscrições territoriais para as quais foi promulgado.
possível que apareça se, previamente, antes de qualquer
H - A teoria das provas desenvolvem-se nas contestação, tiver sido constituída.
fronteiras entre o direito material e o processual, por isso há Assim, se a lei estatui que, num certo ato, a
interesse em traçar a linha que separa à parte que cabe a um escritura é da substância, e, em relação a certo outro, declara -
da que se acha nos domínios do outro. que somente por escritura ele se pode provar, é claro que o
Cabe ao direito civil determinar as provas dos ato há de submeter-se à forma escrita, para que tenha eficácia
atos jurídicos, indicar-lhes o valor legal e as condições de e prevaleça quando contestado.
sua admissibilidade, porque, nesses diversos momentos, as Colocando-se neste ponto-de-vista, declarava o
provas fazem corpo com a forma dos atos, orientam e limitam Projeto primitivo, art. 142: “Quando a lei exige para o ato
a atividade das pessoas na ordem jurídica. Ao direito um determinado meio de prova, entende-se que estabelece
processual pertence estabelecer os modos de constituí-las e uma forma especial para o mesmo.” Da mesma opinião se
de produzi-las em juizo. 2 mostrara o douto processualista JoÃo MONTEIRO, cuja
argumentação pode ser condensada nestas palavras:
“relativamente à solução do pleito, tanto faz dizer a lei que a
564 escritura é da substância do ato, como que só é necessária
MEIOS DE PROVA para a sua prova. Em uma palavra: a forma do ato,
judiciariamente, se confunde com a prova do mesmo ato.”
I- A lei, umas vezes, impõe certas formas “Assim, e em conclusão, ou a escritura pública é substancial,
obrigatórias aos atos. E óbvio que, nesses casos, somente e sem a respectiva produção não será vital a ação ou a defesa,
Ou é só exigida para a prova, e, sem ela, a conclusão será a
8 Código do Processo Civil = Comercial, para o Distrito Federal, art. 183; Ord. 3, 56. 88 mesma.” & No mesmo sentido, manifesta-se NEVES € CASTRO:
829; dee. nº 3.084, de 1898, art. 260; meu Direito internacional privado, 8 14, onde a “Tanto vale dizer que a escritura é da substância do ato, como.
matéria é discutida em face dos princípios e das legislações; João Monteiro, Processo,
HU, $ 126; Cantos ve CarvaLHo, Direito civil, att. 46; Esboço, at. 6; Código Civil
que é necessária para a prova do mesmo ato”
português, art. 2.406. No entanto, no Código Civil, não foi mantida a
9? João Montero, Processo, vol. E, 8 122; Unidade do direito, nº 43; MaTTIROLO,
Direito giudiziario civ. itali., 1, nº 16; João Menpes Junior, Revista de jurisprudência,
VL p. 208; Komer, Einfi In die Rechiswissenschaft, 8 70; FaDDa e Bensa, nota F às O Processo, E, 8 133,
Pand., de Winpscrem, vol. 1; meu Em defesa, pág. 44. Este assunto foi também debatido, O Teria das provas, nº 135,
por ocasião de se diseutir, na Câmara dos deputados, o Projeto de Código Civil,
333:
332
Clóvis Bevilágque teoria Geral do Direito Civil

citada disposição do Projeto primitivo, por se entender que agosto de 1892, de todo esvaiu-se com esse ato legislativo,
a distinção entre escritura para a existência e escritura para a cujo art. 2 assim se exprime: “As pessoas que podem passar
prova deve ser mantida. procuração do próprio punho, estão igualmente habilitadas
TEIXEIRA DE FREITAS, efetivamente, insistiu sobre para contrairem, por instrumento particular, feito e assinado
esta matéria, achando-a de grande relevância. “Quando o de seu punho, e com duas testemunhas, obrigações e compro-
legislador declara que um contrato não se pode fazer sem missos, qualquer que seja o valor da transação. Parágrafo
escritura pública, seu ponto-de-vista é o ato da celebração único. O disposto neste artigo não compreende os casos em
do contrato. Quando, porém, declara que o contrato não se que a escritura é da substância do contrato”
pode provar, senão por escritura pública, seu ponto-de-vista Ora, se quaisquer contratos, de qualquer valor
é outro, supõe já feito o contrato; e, tanto assim o supõe, que sejam, podem ser celebrados por escrito particular,
que o considera contestado e dependente da necessidade da contanto que não seja a escritura pública de sua substância,
prova. Como, pois, entender, neste segundo caso, que a falta não há mais contratos que, para a prova, necessitem da
de escritura pública induz a nulidade do contrato? Se, neste escritura pública, senão esses nos quais ela é da sua subs-
segundo caso, a escritura pública não é um elemento essencial tância. &
do contrato, como pode haver nulidade, sem ter havido O Código Civil, art. 135, reproduz o mesmo
preterição de elemento essencial? O fim do legislador, neste princípio, dando-lhe expressão mais precisa.
segundo caso, tendo sido simplesmente a forma do contrato,
é claro que tal fim se consegue, quando a parte obrigada Ii — Afastada esta questão, examinemos quais os
confessa o contrato.” O meios de prova reconhecidos pelo direito pátrio. São eles:
Detenhamo-nos sobre esta última afirmação. Será 19 Os instrumentos públicos;
verdade que, neste caso, seja sempre suficiente a confissão 2º Os instrumentos particulares, entre os quais
de um dos contraentes para se concluir pela existência do se incluem as cartas e os telegramas;
ato? Não, evidentemente, se a prova deve aparecer no 3º) Confissão;
momento da contestação, como supor que o devedor confessa 4º) Testemunhas;
a obrigação? 5º) Presunções;
No Código do Comércio, a distinção não aparece, 6º) Exames e vistorias;
usando o legislador da expressão só pode provar-se por 7º) Documentos públicos e particulares.
escrito, para declarar que o escrito é da substância do ato. Não se destaca o jurameento, entre os meios de
Qualquer, porém, que pudesse ser o interesse da prova, porque, sejain litem seja supletório, há nele a invocação
questão no direito pátrio anterior ao decreto nº 79, de 26 de de Deus, para ser testemunha do que se afirma, envolvendo

€) Nosta 26 ao art. 366 da Consolidação . Veja-se também CarLOS DE CarvaLHO, Direito O Meu Direito das obrigações, 8 72.
civil, art. 300. 8) Sobre meios de prova, merece leitura o Processo civil e comercial de Jorcg AMERICANO.

334 335
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

a declaração, de que se aceita o castigo do perjurio, como Outros instrumentos equiparam-se aos públicos, tais
ofensa à divindade o que é do domínio exclusivo da religião, como: os conhecimentos de mercadorias, concebidos nos termos
e se não coaduna com a laicidade do direito moderno. & dos arts. 585 a 587 do Código do Comércio, e os instrumentos
de contrato de dinheiro a risco ou câmbio marítimo, nos
TH — Em parágrafo único anterior já se disse termos do art. 633 do mesmo Código do Comércio.”
que atos devem ser feitos e, portanto provados por instru- O instrumento público faz prova absoluta, ainda
mentos públicos. Não há necessidade de voltar sobre esse em relação a terceiros, quanto à existência do ato jurídico a
assunto. aos fatos nele certificados pelo oficial público. &
Instrumentos públicos são os feitos, segundo as O vínculo de direito, é claro, só se refere aos
formalidades legais, por oficial público, em seu distrito e agentes e seus herdeiros. À parte dispositiva do instrumento
segundo as suas atribuições. contém a própria essência do ato e, portanto, obriga os
São instrumentos públicos: agentes; a enunciativa, que contém declarações acessórias,
1º) As escrituras lavradas por tabelião e os somente obriga e prova direitos, se têm relação direta, com a
traslados extraídos dos seus livros de notas; dispositiva. &
2º) Os atos judiciais;
39 As certidões tiradas dos autos pelos escrivães; IV — Os atos civis, que não devam ser, obrigato-
4º) Os atos autênticos passados em país estran- riamente celebrados por instrumento público, por não ser este
geiro, segundo as leis respectivas, e legalizados pelos cônsules de sua substância, provam-se de modo pleno, por escrito
brasileiros; particular feito e assinado do próprio punho do agente e
5º) As certidões extraídas dos livros das repar- subscrito por duas testemunhas. “” Estes instrumentos,
tições fiscais, do registro civil de nascimentos, casamentos e porém, só valem contra terceiro, depois de transcritos no
óbitos de dos outros registros públicos; registro de títulos, formalidade também necessária para a
6º) Os instrumentos guardados nos arquivos cessão de direitos. €º
públicos; O reconhecimento das firmas é função dos
7º) Os instrumentos de aprovação dos tabeliães, porém, a averbação dele, na Capital Federal, e onde
testamentos cerrados; houver ofício privativo, é da competência do oficial do
8º) As notas dos corretores, estando os seus livros registro especial de títulos, ao qual também compete o registro
regularmente escriturados;
99 Os protestos de letras. 2 Reg. 737, arts. 138, $ L,e 140,8 1; João Montero, Processo, IL 88 133 e 136; Save
& Navarro, Prática, art. 526.
9 João Monteiro, Processo, II,8 139; Seve e Navarro. Prática, art. 520.
O Veja-se a nota anterior.
Veja-se a Revista acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, ano XIII, págs. 34-
35. (19) Cód. Civil, art. 135.
9 860, HL (3 Cód. Civil, art. 135.

336 337
Clóvis Beviláua teoria Geral do Direito Civil

dos instrumentos particulares e outros papéis, para Vi — O assentimento ou autorização de alguém,


autenticidade, conservação e perpetuidade dos mesmos. “> necessário para validade de algum ato, deverá ser provado
As procurações de próprio punho devem ter as do mesmo modo que este. “”
firmas reconhecidas para valerem contra terceiros. “”
Às cartas e a correspondência particular não VEL - A prova testemunhal é das mais perigosas,
podem ser publicadas pelo destinatário, sem consentimento se bem que inevitável. C* Felizmente os seus perigos são
da pessoa, que as endereçou, salvo em defesa dos direitos do menos graves no direito civil do que no penal.
primeiro ou da segunda. 4º No direito privado brasileiro valem sobre a prova
testemunhal os seguintes preceitos:
V — Os instrumentos públicos ou particulares não «) Não podem ser testemunhas: os alienados; os
têm fé em juízo, se se acham cancelados, raspados, riscados menores de 16 anos; os cegos e os surdos quanto aos fatos
ou borrados em lugar substancial ou suspeito, salvo provando- da visão e da audição; os que têm interesse na causa entre os
se que o vício foi intencionalmente feito por quem tinha quais se hão de considerar o tutor e o inimigo capital; o des-
interesse na inutilização do documento. As entrelinhas ou cendente, o ascendente, o marido, a mulher; o parente consan-
emendas devem ser ressalvadas para não prejudicarem o gútneo na linha reta ou colateral até o 3º grau; o parente afim
documento. 4% da linha reta ou colateral até o grau indicado. 2
b) O profissional pode excusar-se a depor quanto
É Os instrumentos de contratos celebrados no
ao segredo que lhe fot confiado em virtude de sua profissão.”
Brasil devem ser escritos em português, para se possam ser
As pessoas que se acham neste caso são o advogado, o
apresentados em juízo e façam fé, salvo sendo estrangeiros
médico, a parteira, o padre, no exercicio do seu ministério.
todos os contratantes, mas, neste caso, deverão ser traduzidos.
c) a mulher pode ser testemunha em quaisquer
Também devem ser traduzidos os atos autênticos e os escritos
particulares passados em país estrangeiro que tiverem de fazer €% Conf, Cartos vE CarvarHo, Direito civil, arts. 268, letra £ e 1.473, 8 1; Projeto
prova em juizo, “9 primitivo, art. 143, da Câmara. 137,
US Koner, Binf. In die Rechtswissenschaft, S 70; Hlaxs Gros, Polizia giudiziaria, cap.
TH, b; João Montero, Processo, II, 8 172.
49 Cód. Civil, art. 142; Reg. 737, art. 177; Ord. 3, 56; 4, 853; Seve e Navarro, Prática,
art. 614; João Monteiro, Processo, 88 165 e 166; PauLa Baprista, Prática, $ 134. Os
“3 Lei nº 973, de 2 de jan. De 1903, art. 1, $ 2; decreto nº 4.775, de 16 de fev. De 1903. parentes em qualquer grau podem ser testemunhas de casamento (Código Civil, art.
am Código Civil, art. 1.289, 8 4. O direito anterior era algo diferente: Dec. de 23 de 193), Nos casamentos celebrados in artículo mortis, não deverão ser parentes em linha
agosto de 1892, art. 2, lei de:2 de janeiro de 1903, art. 1. $2, reg. De 16 de fevereiro de reta, nem, na colateral, ate'o 2º grau (art. 199, parágrafo único). Veja-se ainda, na Ord.
1093, art. 76. 3,58, 883 e 9, e em Sevg e Navarro, art. 616, a indicação de pessoas que, por falta de
Us Cód. Civil, art. 671, parágrafo único; Criminal, art. 191, Sobre os contratos celebrados boa fama, merecem pouco crédito, como os falsários, as meretrizes, os malfeitores.
por telegrama, leia-se LacERDA DE ALMEIDA, Obrigações, $ 61. Cm Cód. Civil, art. 14d; Neves e Castro, Teoria das provas, nº 269, Pereira e Souza,
Processo civil nota 477, CogLHO DA Rocua, Inst., 184, escólio;, João MONTEIRO, Processo,
4) Reg. 737, arts. 145 e 146; Joso Monteiro, Processo, H, 8 139; Seve é NavarRO,
8861, nota 20, e 166, nota 9; AcreLiaNo CourinHo, Segredo profissional na Revista da
Prática, arts. 516, 8 7, 525; CarLOS DE CarvaLHO, Direito civil, art. 307.
Faculdade de Direito de S. Paulo, vol. HE, "p. 36; D. 22, 5, ft. 25; Código Civil português,
49 Cód. Civil, art. 141; Reg. 737, art. 147. A tradução deverá ser feita por intérpretes
art. 2.511, 5; Projeto Cosmo Roprisuzs, art. 398; primitivo, 154,
oficiais, e, não os havendo, por intérprete nomeado pelo juiz a aprazimento das partes Vejam-se ainda o Código Penal, art. 192, e as observações de Maceno Soares e Bento DE
(Reg. Cit., art. 148) João Monteiro, Processo, 8 139).
PaRIA,

338 339
Clóvis Beviláquea
Teoria Geral do Direito Civil
atos. Eb
São presunções legais absolutas, diz o reg. 737,
d) Ainda que o ascendente não possa ser teste-
munha em causa do descendente, é lícito ouvir o ascendente, art. 185, os fatos ou atos que a lei, expressamente, estabelece
consangúíneo ou afim, sobre o nascimento ou óbito do filho.“ como verdade, ainda quen haja prova em contrário, como a
e) Em caso algum se considerará prova suficiente coisa julgada. Presunção legal condicional é o fato, continua
o depoimento de uma só testemunha, o citado reg., art. 186, ou o ato que a lei expressamente,
f) A prova testemunhal, fora dos casos exce- estabelece como verdade, enquanto não há prova em
tuados em lei, só é admissível nos contratos cujo valor não contrário. O efeito desta presunção é dispensar do ônus da
exceder de um conto de réis, “º e para os quais não for obriga- prova aquele que a tem em seu favor, ficando à parte contrária
tória a prova por escrito, público ou particular. o direito de destruí-la.
g) Qualquer que seja o valor do contrato, a prova João Monteiro combate a tecnologia do regula-
testemunhal é admissível como subsidiária ou complementar mento, que, aliás, é dos nossos praxistas em sua grande
da prova por escrito. ? maioria. Efetivamente o que a escola e o regulamento chamam
presunção absoluta, juris et jure, não é um meio de prova, é
VINI —- Presunções são induções que a lei ou o a forma escolhida pelo legislador para exprimir um conceito
juiz tira da reiteração de fatos conhecidos para estabelecer a jurídico.
verdade de fatos desconhecidos. Presunções comuns, outra definição do reg. 737,
As presunções são legais ou comuns (hominis). rt. 187, são aquelas que a lei não estabelece, mas se fundam
Às primeiras são criações da lei, e podem ser absolutas (juris Muito que ordinariamente acontece.
et de jure) ou relativas (juris tantum). Às presunções comuns são admissíveis nos mes-
mos casos em que o é a prova testemunhal, €% 9
“3 O Código Civil fez desaparecer a incapacidade que o direito anterior atribuía à mulher
para testemunhar em certos atos (Ord. 4, 80). Muitos sistemas jurídicos não admitiam a
mulher como testemunha nos atos jurídicos. Hoje essa exclusão desapareceu em muitos
deles, como o francês (lei de 7 de dez. De 1897, Código Civil, arts. 37 e 980), o de 3 Processo, 1, 8 175.
Genebra (lei de 5 de julho de 1897) e o da Noruega (ei de 3 de agosto de 1897). “8 Reg. 737, art. 188.
€n Cód. Civil, art, 143; Ord. 3,5,6, 8 1; Pereira é Souza, Processo civil, nota 477; Seve “+ Modernamente, os meios técnicos são utilizados como instrumentos probatórios:
é NAVARRO, Prática, art. 614, 8 6.
fotografia, película cinematográfica, vídeo-tape, reprodução magnética do som, além
CH Testis unus, testis nullus. Uma testemunha só não faz prova, mas tem valor, segundo
as circunstâncias, para completar outra prova. Nevesz Castro, Teoria das provas, nº das provas cientificas elaboradas por especialistas, como a perícia hematológica e outras
272; Joko Montero, Processo, II, S 168, que, entretanto, faz restr ições sensatas ao modalidades de exames. É evidente o valor probante de todos os processos técnicos.
brocardo canônico acima invocado; Código, 4,20, 1,9, 8 1; Código Civil português, Levando, entretanto, em consideração a possibilidade de impressões técnicas ou científicas,
art. 2.512. A Ord. 3, 32, considera meia prova, a de uma só testemunha que os deformem, cumpre sejam recebidos com toda prudência. Farão prova, dentro do .
8 Cód. Civil, art. 141; Reg. 737, art. 182; CARLOS DE CarvaLHO, Direito civil, art. campo de suas respectivas aplicações. Assim é que a reprodução da imagem e do som,
318,82. uma vez confirmadas pelo respectivo interessado, fazem prova plena. Mas, contestadas,
25) Código Civil, art. 141, parág. Único; Reg. 737, art. 183; CanLOs DE CarvatHo, Direito necessitam de confrontadas com os demais elementos probatórios, e, se confirmadas, ou
civil, art. 318, 83.
3) Joxo Monteiro, Processo, II, 8 174; Seve & Navarro, Prática, art. 641; JorcE se pericialmente forem escoimadas de dúvidas, têm valor probatório. As provas científicas
AMERICANO, adota a opinião dos que não consideram a presunção meio de prova; mas se valem, nos limites em que a ciência lhes reconheça os efeitos, A reprodução de documentos
pelas presunções podemos estabelecer a verdade, não há como desclassificá-las de entre (microfilmagem, xerocópis, fotocópia, etc.) dependem de autenticação notarial ou judicial,
os meios de prova. após conferência. Mas não suprem a falta do original, em se tratando de documento
abstrato (títulos cambiais ou outros suscetíveis de transferência por endosso).
340
341
Clóvis Bevilágua Teoria Geral do Direito Civil

direito e independentemente de rescisão e outros necessitavam


CAPÍTULO IE | de uma ação em justiça e de uma sentença para serem decla-
DAS NULIDADES DOS ATOS JURÍDICOS rados nulos.
Esta distinção manteve-se na doutrina até nossos
5

Ga
dias, mas não estão de acordo os escritores sobre quais os

AQ «o
TEORIA DA NULIDADES
atos que devam entrar nessas duas classes, nem por que
critério se hão de distribuir, nem sobre se essas duas categorias
I- A teoria das nulidades é ainda vacilante na
são suficientes para conter todos os atos, a que a ordem
doutrina, circunstância que aliada à falta de nitidez dos
jurídica recusa apoio.
dispositivos legais, à ausência de princípios diretores do
PLaniOL mostra a desarmonia de idéias que reina
pensamento em função legislativa, tem dado a este assunto
entre os escritores franceses D' ArgEnTRÉ, BOuHIER, GUYOT
um aspecto particularmente rebarbativo.
acentuavam a antítese entre atos nulos e anuláveis, mas as
No direito romano dos primeiros tempos, os fatos
idéias de Domar, que tentou a construção geral da teoria,
apresentavam-se com uma simplicidade absoluta. O ato foi
assim como as de PorHiEr, são insuficientes
praticado contra as prescrições da lei? É nulo, quer dizer,
AusRy et RaU, seguindo ZACHRIAE, apresentam
não tem existência legal. Ea quae lege fieri prohibentur si
mais uma ordem de atos ineficazes, a dos inexistentes, A
fuerint facta, non solo inutilia, sed pro infectis, etiam
proposta foi aceita, porém, a divergência se estabeleceu, desde
habentur, ainda se diz no direito imperial, ? Mas este rigor
logo, sobre a noção desses atos. CoLMET DE SANTERRE E
de lógica jurídica pareceu exclustvamente rígido, e, come-
DemotomBE confundem inexistente e nulo; LAURENT assimila
çaram os abrandamentos do direito pretoriano a criar distin-
nulo e anulável e denomina inexistentes os que são nulos de
ções, das quais resultava que uns atos eram nulos de pleno
pleno direito.
Depois da crítica, PLANIOL estabelece a sua dou-
O Saviony, Droit romain, 88 202 e 203; Winschem, Pand., 88 70, 82 e 83, EnDemana,
Einf., 8874275; Dernuves, Pand,, 1, 88 120-122; CHrom, Istituzioni, 1, 871; NÍOURLON, trina, que, realmente, ostenta, à primeira vista, a simplicidade
Répétitions écrits, 1, nºs 1.482-1.489; PraxioL, Traité, 1, nºs 307-330; LLaURENT, caracteristica da verdade, e tão clara se mostra que, mal se
Principes, 1, nºs 3526-646 e KV, nºs 450-466, XXI, nºs 391-392; Aupry et Ray, Cours,
i 837; Senses, Déciaration de volonte, págs. 251 e segs.; MarTiNHo Garcez, Nulidades expõe, logo é aceita pela inteligência, que pasma de não a
dos atos jurídicos, tt. 1; Laveroa ve ALmea, Obrigações. nota G, João Montero.
Processo civil, |, 88 69-78; SoLox, Nulidades, trad. publicada na Revista forense, de
ver geralmente adotada. Todavia esse primeiro clarão sofre
Belo Horizonte, a começar do 1º fase.; Pauta Baprista, Prática, $$ 78 a 81, da P ed.; intermitência no desdobramento da doutrina. Inexistente é o
Pruenta Bueno, Nulidades do processo; Besto DE Faria, Nulidades em matéria criminal,
Bucênio DE ToLeDo, Nilidades do processo civil e comercial, Souza Lima, Nulidades, ato que a lei não tem necessidade de anular, porque não
ALMEIDA OLIVEIRA, Lei das execuções, págs. 242 esegs.; RiBas, Curso, págs. 159 e segs.; chegou á existência, por outros termos, é o ato a que “falta
EspíncLa, Sistemas, , pág. 502; V ampré, Manual, 1, 88 80 a 826 109; Burnorr, Propriété
etcontrat, leçons 47 a 53; CoLin et Caprrant, Cours, 1, págs. 73 e segs., AmEIZAGA, De um elemento essencial à sua formação, de modo que não se
tas nulidades, Moreira Guimarães, Átos jurídicos. possa conceber a formação do ato na ausência desse
O Cód. 1, 14,1.5.

342 343
teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Beviláqua
doutrina que assegure o direito dos indivíduos e ofereça aos
elemento.” 2 O ato nulo de pleno direito é o que a lei declara juizes base para as suas decisões.
tal (nulidade expressa) ou cuja ineficácia decorre do seu Que é nulidade? £ q declaração legal de que a
espírito (nulidade tácita). Aqui se insinua alguma coisa de determinados atos jurídicos se não prendem os efeitos
vago que conturba a visão. Em geral os atos praticados contra ordinariamente produzidos pelos atos semelhantes. Como a
a lei proibitiva são nulos; mas as exceções são numerosas à pena, em relação ao crime, é a decretação da nulidade uma
ponto de invalidar a regra de direito, que se pretendesse erigir. reação do organismo social para manter ou restabelecer o
Também das disposições imperativas, resultam nulidades, equilibrio da ordem jurídica. Esta idéia assomou ao espírito
ainda que não igualmente frequentes, pois a lei, em lugar de de muitos dos que têm estudado esta matéria. “A nulidade
é
anular o ato praticado contra as suas disposições, pode constitui, relativamente aquele que violou a lei, a punição de
estabelecer uma pena. º A anulabilidade resulta dos vícios
íà
i
sua desobediência”, diz SoLon. “É uma verdadeira pena que
da vontade ou da incapacidade do agente. & consiste na privação dos direitos ou vantagens, que o ato
SoLon estabelece um número considerável de teria conferido se fosse conforme a ler, e que tira todos os
distinções, ainda que a sua tendência seja para reduzir os benefícios dele resultantes, para colocar 'as partes no estado
casos de nulidade: 1º) Nulidades de ordem pública e nulidades em que se achavam, quando foi feito o ato ilegal. — Restitutio
de direito privado; 2º) Nulidades de ordem pública ita facienda est ut unusquisque integrum jus suum recipiat "O
propriamente ditas e de ordem pública secundária; 3º) Esta reação opera-se de modo mais ou menos
Absolutas e relativas; 4º) De pleno direito e dependentes de violento, mais ou menos decisivo, segundo os interesses
ação; 5) Dependentes de ação de nulidade e dependentes de feridos pela ilegalidade do ato. Quando o ato ofende princípios
ação rescisória; 6º) Contínuas e não-contínuas. O básicos da ordem jurídica, princípios garantidores dos mais
elevados interesses da coletividade, é bem de ver que a reação
X - Não farei a crítica do sistema de SoLon, deve ser mais enérgica, a nulidade deve ser de pleno direito,
o ato é nulo. Quando os preceitos que o ato contraria são
porque, ao examinar em seguida, o nosso reg. 737, terei de
destinados mais particularmente a proteger os interesses das
considerá-la em seus pontos principais. Basta-me, por ora,
pessoas e estas se acham aparelhadas para se dirigirem nas
dizer que, aos próprios olhos do autor, o vício da nímia suti-
relações da vida social, ou porque tenham capacidade plena
leza se fez sentir, achando-se ele na obrigação de apresentar
ou porque já disponham de certo discernimento, que pesa no
desculpas. E é por uma doutrina precisa e clara, que ansiamos,
comércio jurídico, ou porque se acharam, no momento, -
O Traité. 1, nº 326. No meu Direito da familia, $ 24, expus, fundado no Cód. Civil
assistidas pelos recursos que o direito subministra aos inca-
alemão e em civilistas, uma classificação semelhante em relação ao casamento, pazes, a reação é atenuada pela vontade individual que se
considerando inexistentes os casamentos celebrados por quem não tivesse autoridade
legal para a presidência do ato. interpõe. O ato, neste caso, é apenas anulável.
O Traité, nºs 317 e 318.
5 Traité, nºs 321 4 323.
O Revista forense, vol. 1, pág. 18.
O Revista forense, vol. 1, págs. 95-100.

344 345
Clóvis Beviláquea teoria Geral do Direito Civil

Foi tomando estas idéias por norma que o Projeto primitivo introduzido uma reforma em nosso direito, relativa-
primitivo, art. 156, conseiderou suo o ato jurídico: mente à incapacidade da mulher casada; mas a sua ausência
1º) Quando o agente for absolutamente incapaz, em nada prejudicava a construção da teoria.
2º) Quando a lei probir ao agente o exercício do Além dos atos nulos e anuláveis, conhecia O
ato de que se trata; Projeto a classe dos inexistentes, que não se acham compreen-
3º) Quando for ilícito ou impossível o seu objeto didos na definição de nulidade. Certamente não podiam ser
principal; os que se achassem viciados por incapacidade absoluta ou
4º) Quando não revestir a forma especial que a por defeito substancial de forma, porque esses são atos nulos;
lei lhe tiver prescrito; também não podiam ser aqueles a que negava efeito, porque
5º) Quando for preterida alguma solenidade, que se achavam igualmente, incluídos na categoria dos nulos.
a lei considera essencial para a forma jurídica do ato; Eram os que não tinham sequer a aparência de um ato jurídico
6º) E sempre que a lei o declarar nulo ou lhe de seu gênero, por exemplo, um testamento feito a viva voz,
negar efeito. ainda sendo por ocasião de moléstia grave, ou efeito por carta
Pelo art. 159, é declarado amulcvel o ato jurídico: ao herdeiro, como o ato em que deve intervir o juiz ou outra
1º) Quando o agente for incapaz relativamente; autoridade pública, e esta não funcionou ou, em vez dela,
« 2º) Quando o ato entrar no círculo das restrições oficiou um particular.
impostas à capacidade da mulher casada; Compreende-se que a transição entre o ato nulo
3º) Quando a volição nele declarada se achar e o inexistente é suave, deslisa a mente de um para outro
viciada por erro, dolo, coação, simulação ou fraude. com que insensivelmente; não obstante é real, porque o
A incapacidade relativa, de que trata o nº 1º, tem primeiro sofre de um vício essencial, que o desorganize e
uma compreensão maior do que ordinariamente se atribui a desfaz; é um enfermo condenado à morte; o outro não tem
esta expressão. Assim, os atos praticados pelo marido, sem existência jurídica; será, quando muito, a sombra de um ato,
outorga da mulher, são anuláveis, quando essa formalidade é que se desvanece, desde que a consideremos de perto.
exigida, porque sem a intervenção de sua consorte, o marido
não pode (isto é, não tem capacidade jurídica) validamente,
| 5 66
para, praticar certos atos.
O Código Civil suprimiu o nº 2, por ter incluído
CRÍTICA DO REGULAMENTO 737
a mulher casada no número dos relativamente incapazes. Aliás
À crítica da teoria das nulidades, que se encontra
esse número justamente fora motivado, por ter o Projeto

8 O Código Civil, arts. 145 e 147, manteve essas disposições, salvo quanto ao nº 2.
Ainda que a teoria das nulidades seja hoje entre nós, a que se encontra no Código Civil,
Efetivamente é um caso que sofre exceções, como em matéria de casamento; mas eliminá-
lo inteiramente como se fez, não parece alvitre acertado, a não que o legislador tenha e não tmais a do regulamento 737, não perdeu a sua significação este $, pelos princípios,
cuidado de cominar a nulidade sempre que o caso se apresentar. que invoca.

346 347
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

no reg. 737, de 25 de novembro de 1850, foi feita de modo referir direta ou indiretamente aos interesses, direitos e obriga-
conciso, mas completo por LACERDA DE ALMEIDA. O Lei ções da massa falida.
merecedora de todos os encômios, esse regulamento, se aten- 2) Que recairem sobre objetos proibidos pela
dermos à cirscunstância do tempo, em que foi redigido, fei, ou cujo uso for manifestadamente ofensivo da sã moral
mostra-se pouco feliz no capítulo das nulidades, confundindo e bons costumes. Estes são e devem ser sulos de pleno direito.
noções e complicando de si perfeitamente claros. 39) Que não designaram a causa certa de que
Determina o citado regulamento, art. 682: “A deixa a obrigação. A teoria da causa, introduzida pelo direito
nulidade dos contratos só pode ser pronunciada: - francês, é falha e sem base mas, aceitando-a, será nulo o
$ 1º Quando a lei, expressamente, a declara; — 8 ato em que não for designada a causa certa de que deriva a
2º Quando for preterida alguma solenidade substancial para obrigação? Se respondêssemos afirmativamente, elminaria-
a existência do contrato e fim da lei.” mos, pela ineficácia, que lhe iriamos atribuir, grande número
Temos aí, aliás mal distintamente indicada, uma de atos da vida ordinária, e, em particular, as declarações
primeira divisão das nulidades: — as de fundo e as de forma. unilaterais da vontade.
Sobre esta segunda classe, nada há que observar; mas, quanto 4) Que forem convencidos de fraude, dolo ou
à primeira, é lícito interrogar: serão sempre nulos os atos simulação. Estes atos, no próprio sistema do Código, não
que a lei declara tais? são nulos, são apenas anuláveis.
A primeira remissão do regulamento é para o art. 59 Os contraidos por comerciantes, que vier a
129, do Código do Comércio, onde se diz: São mulos todos falir, deniro de quarenta dias anteriores à declaração da
os contratos comerciais: quebra. Esta espécie está, agora, regulada pela lei de 16 de
1º) Que forem celebrados entre pessoas inábeis agosto de 1902, arts. 34-38, que distingue entre atos nulos
para contratar. Em primeiro lugar, não são nulos todos os de pleno direito, independentemente de ação de nulidade,
atos praticados por incapazes. Os atos praticados pelos púbe- atos nulos em benefício da massa e atos anuláveis.
res, sem autorização dos seus pais ou tutores, são, simples- O art. 683 do reg. Distingue as nulidades de pleno
mente, anuláveis. Por outro lado, o Código usa da expressão direito das que dependem do rescisão. Desta enunciação
inábeis oara contratar. Compreender-se-á também nessa parece que se deveria concluir que os atos da primeira classe
expressão a classe dos proibidos do art. 20º? Não, eviden- -são declarados nulos independentemente de ação, quando
temente, porque, em regra, os atos praticados pelas pessoas, assim não é. Em matéria de falência à certo que os atos e
a que se refere o art. 2º do Código do Comércio, subsistem, operações de pagamento feitos pelo devedor depois da
apesar da proibição, sendo outra a sanção da lei. O próprio decretação do sequestro, ou da declaração da falência, são
falido, pode obrigar-se validamente em matéria, que não se
Vejam-se o meu Direito das obrigações, $ 56, e JustiniaNo DE SEA, Reforma ca
legislação cambial, págs. 29-31.
Obrigações, loco citato. Veja-se igualmente o vol. IV, páginas 273-274 dos Trabalhos Pu Estes artigos estão hoje, substituídos pelos arts. 55 e segs., da lei nº 2.044, de 17 de
da Comissão da Câmara dos Deputados (Código Civil), dezembro de 1908.

348 349
Clóvis Beviláquea feoria Geral do Direito Cjyil

do $ 2º é que deviam estar incluídos no $ 1º, em seguida às


nulos, independentemente de ação de nulidade, 2 mas,
suas palavras finais.
ordinariamente, a nulidade ou é declarada por sentença,
quando alegada por ação própria, ou é pronunciada pelo juiz, D-se milidade dependente de rescisão, quando
| | no cotnrato, válido em aparência, há preterição de
quando alegada em defesa. “
solenidades intrínsecas; tais SãO: OS contratos que, segundo
Continua o regulamento. Art. 684: São nulidades
o Código, são anuláveis (arts. 678 e 828); 2º os contratos em
de pleno direito:
$ 1º Aquelas que à lei formalmente pronuncia, que intervém dolo, simulação, fremde, violência, erro (arts.
129, 8 4, 220 e 677. 83 do Código). Se a preterição das
em razão da manifesta preterição de solenidade, visíveis pelo
solenidades intrínsecas determina nulidade dependente de
mesmo instrumento ou por prova literal (arts. 129, 88 1,2,3
rescisão,as preterições das formalidades extrinsecas, no
e 5; 677, 88 1,2, 4,6, 7, 8; 656, 827 e 828). Solenidade
instrumento não é, naturalmente, a sistema do regulamento, ocasionam nulidade de pleno
visível do próprio
capacidade das partes. Só excepcionalmente poderá ela direito. Mas a incapacidade das partes é nulidade intrínseca:
e como é, então, que o art. 684, 8 1, inclui a incapacidade
constar do próprio instrumento. No entanto, o regulamento
das partes entre as causas de nulidades de pleno direito?
refere-se ao art. 129, 8 1º, que trata dos incapazes. Essa
remissão é duplamente censurável. Em primeiro lugar, porque Finalmente, não é exato dizer que, nos atos
não é inteiramente exato, como já se viu, que os atos de
viciados por fraude, há preterição de formalidades intrínsecas.
qualquer incapaz sejam sempre nulos de pleno direito; em
A vontade dos agentes manifestou-se no ato de modo real e
perfeito. Foi por considerações sociais de outra ordem, foi
segundo, porque a incapacidade do agente não se manifesta
no instrumento, que dá forma ao negócio jurídico. | em defesa do interesse de terceiros, pela necessidade de
$2º Aquelas que, posto não expressas na lei, se contraminar a obra de má-fé, e dar à vida econômica à
subtendem por ser a solenidade que se preferiu substancial, segurança da moral, que o direito destacou os casos de fraude,
para «a existência do contrato e fim da lei; como se O nos quais o ato nenhum vício de forma ou de substância
oferece.
instrumento é feito por oficial público incompetente; sem
data e designação de lugar; sem subscrição das partes e Estas confusões do regulamento, como é natural,
testemunhas, não sendo lido às partes e testemunhas, antes refletiram-se na jurisprudência e na doutrina, conquistando
de assinado. toda a teoria das nulidades os foros de intrincada e fragosa.
Diz muito bem LACERDA DE ALMEIDA que as coisas E ainda continua a inconsistência, quando passa a estabelecer
aqui andaram trocadas. Efetivamente a falta da data ea da as distinções entre as nulidades de pleno direito e nulidades
assinatura das partes e das testemunhas é que são visíveis do dependentes de rescisão, pois os caracteres, que assinalam
próprio instrumento, e não a incapacidade delas.Os exemplos uma das espécies, podem existir nas outras. Por exemplo, a
nulidade dependente de rescisão deve ser pronunciada por
8 Lei nº 859, de 16 de agosto de 1902, art. 34. Veja-se o art. 55 da leí nº 2.044.
meio de ação competente: todavia, pode ser oposta em defesa,
Reg. 737, art, 866, 8 4.
350 351
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

em determinados casos, como veremos em seguida; e a 59 Os que a lei, taxativamente, declarar nulos
nulidade de pleno direito pode ser alegada e pronunciada ou sem efeito. “)
por meio de ação e defesa (art. 686). Estas nulidades podem ser alegadas por qualquer
A linha de separação não está traçada com a interessado, ou pelo Ministério Publico, quando lhe couber
nitidez e o vigor que seria para desejar em assunto de tanta intervir. Devem ser pronunciados pelo juiz, quando conhecer
importância. do ato ou dos seus efeitos, e as encontrar provadas, não lhe
Finalmente, o sistema do regulamento não pode sendo permitido supri-las ainda a requerimento da parte.
ser de aplicação geral. O casamento e o testamento obedecem E que essas nulidades são de ordem pública, e
a regras que se não adaptam aos preceitos estabelecidos no tiram todo o valor ao ato. Por isso, podem ser alegadas inde-
reg. 737, senão parcialmente. A nulidade de pleno direito no pedentemente de prova de prejuízo.
casamento não resulta de preterição de formalidades extrín- O Código Civil não distingue mais, como o
secas, e sim da violação de preceitos basilares da ordem moral regulamento nº 737, a nulidade de pleno direito em absoluta
e jurídica. A anubilidade não é somente consegiiência de vícios e relativa. Todas as nulidades de pleno direito atuam como
da vontade, alguns dos quais não têm aplicação à matéria; absolutas, podem ser alegadas por qualquer interessado e
resulta principalmente da necessidade de garantir a liberdade podem ser pronunciadas ex officio.
dos nubentes, o pleno conhecimento dos atos e das pessoas, Não podem ser confirmados. Se, com essa
que se vão unir perpetuamente, e a tranquilidade das famílias. intenção, for novamente celebrado o ato, de acordo com as
prescrições da lei, produzirá efeito, somente da data dessa
nova celebração.
$ 67
ATOS NULOS E ANULÁVEIS II - Atos anuláveis (dependentes de rescisão)
denominam-se os que se acham inquinados de um vício capaz
São atos nulos (depleno direito) os que, inqui- de lhes determinar a ineficácia, mas que poderá ser
nados por algum vício essencial, não podem ter eficácia eliminado, restabelecendo-se, assim, a normalidade do ato.
jurídica. Entram nesta classe:
Entram nesta classe, segundo o direito vigente: 19) Os atos viciados por erro, dolo, simulação,
1) Os praticados por pessoa absolutamente violência ou fraude, &
incapaz (Cód. Civil, art. 5). 2º) Os praticados por pessoas relativamente
2º) Aqueles cujo objeto for ilicito ou impossível. incapazes. &
3º) Os que não revestirem a forma prescrita na
lei (arts. 82 e 130). Código Civil, art. 145,
S Código Civil, art. 146,
4º) Os em que for preterida alguma solenidade, Código Civil, art. 147; reg. 737, arts. 685 e 686, 2º.
que a lei considere essencial para a sua validade. 9 Código Civil, art. 147; Veja-se o 8 10.

352 353
Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

Os atos anuláveis produzem efeito enquanto não conhecia o vício respectivo.


se anulam, A confirmação expressa ou tácita importa renún-
A nulidade relativa deve, ordinariamente, ser cia de todas as ações e exceções, porque, como dizem as
alegada, em ação competente, pelos agentes, seus sucessores regras de direito: o que uma vez se aprova não se deve depois
ou sub-rogados. Todavia esta nulidade pode ser oposta em reprovar, fe Bresso não se dá a quem tem renunciado o seu
defesa, sem dependência de ação direta rescisória: 1º pelas direito. 99
partes contratantes, sucessores sub-rogados; 2º pelo terceiro,
na parte em que o prejudica, e só relativamente a ele; 3º pele IV — A nulidade parcial de um ato não prejudica
exequente, na execução, e pelos credores no concurso de a parte válida reparável, nem a da obrigação principal importa
preferência, para impedirem o efeito de contratos simulados, a das acessórias, mas a destas não induz a da principal. 4)
fraudulentos e celebrados em fraude à execução. |
As obrigações contraídaa por menores de 16 e
Quando a nulidade dependente de rescisão ou
21 anos podem ser anuladas quando resultarem de ato por
relativa é oposta em defesa, a sentença não anula o contrato,
eles praticados sem autorização de seus legítimos
senão relativamente ao objeto de que se trata.
representantes ou sem assistência quer do curador ad litem,
« KEEL— Os atos anuláveis podem ser ratificados e a quer do curador especial, sempre que lei exigir a intervenção
ratificação retroage à data do ato salvo prejuizo de terceiro. deste. 42?
Ratificação expressa ou confirmação é um ato O menor entre 16 e 2] anos não pode invocar a
jurídico que tem por fim expungir, de outro ato, as nulidades excusa da idade para eximir-se de uma obrigação, se dolosa-
que o viciam. Deve conter a susbtância do ato e a declaração mente as declarou maior.
da vontade de ratificá-lo. O Não importa novação. Anulado o ato, voltem as coisas ao estado
Ratificação tácita é a que resulta da execução anterior à celebração do ato anulado. Não sendo possível
voluntária do ato. Importa igualmente confirmação a falta de serão as partes indenizadas de modo correspondente ao que
reclamação em tempo oportuno.
É escusada a confirmação expressa quando a Código Civil Brasileiro, art. 130; francês, art. 1.338; espanhol, 1308 e 1.311: alemão.
obrigação já tiver sido cumprida em parte pelo devedor que 144; japonês, 125: argemino, 1.063, chileno, 1.695; uruguaio, 1.544: Esboço, 81T;
Como Ropricuas, 363, $ 2; Projeto pimitivo, 163.
€% Código Civil, art. 151: Regras de direito, ed. Tetxema DE FRErraS, págs. 220 é 410,
CândiDO MENDES, elxiomas e brocardos, no Auxiliar jurídico. MarTINHO Q aRCEZ,
Código Civil, art. 157; reg. 737, art. 686,8 1, Nulidades, pág. 39; Ord.3, 37; 83; 72, 8 1: 86, 8 28; 4,44, 83;98,8 2; Esboço, art.
(6) Reg. 737, art. 686, 88 4, 1" al. e 5º, Código Civil, art. 1.555. 813; Corno Roprieues, 263, 8 2; Projeto primitivo, 163.
Código Civil, art. 148; reg. 737, art. 688; D. 4,4, fis. 3, 88 1 e 30; Código Civil &h Código Civil, art. 153; Saviony, Droit romain. 8 202; Projeto primitivo, art. 166.
argentino, att. 1.058; chileno, 1.684; uruguaio, 1.536; alemão, 144; espanhol, 1.310; 8% Código Civil, art, 154; Ord. 3, 41, 88 2,3,8e9; Manrinto Garcez, Nulidades, págs.
iaponês, 122; Esboço, 813 e 821; FeLicio Dos Santos, 268, Cosmo RopriGuES, 262; 90-95; Projeto CogLmo Ropricues, art. 365; primitivo, 167,
projeto primitivo, 160. 8 Código Civil Brasileiro, art. 155; chileno, art. 1.685; uruguaio, 1.537; Projeto CogHo
& Cádigo Civil, art. 149. Roprisurs, 368; primitivo, 168; da Câmara, 159,

354 355
teoria Gerai do Direito Civil
Clóvis Beviláqua
a a iu que ele oferece. No exercício do nosso direito, desde que
faltar à restituição completa ao estado anterior. *”
não transponhamos o círculo de ação, que ele nos traça,
devemos ser garantidos pela ordem jurídica. Há, entretanto,
$ 58 limitações, que essa mesma ordem impõe ao exercício do

Cas
NULIDADE DO INSTRUMENTO nosso direito, como sejam, por exemplo, as que são

a
estabelecidas para o direito de propriedade imóvel em atenção
A nulidade do instrumento não induz a nulidade às necessidades públicas, ou ao interesse dos vizinhos. As
ao ato, quando o mesmo instrumento não é da substância servidões devem ser utilizadas de modo a não prejudicar o
dele. Do instrumento deve constar que foi observada a forma prédio serviente nem o seu proprietário. &
que a lei exige para o ato. Muitas vezes coexistem direito de diferentes
O instrumento público, ainda que nulo, pode valer titulares recaindo sobre o mesmo objeto, de modo que o
como particular, se o ato puder ser realizado por essa forma, exercício de uns contraste com o dos outros. É a isso que se
e como princípio de prova por escrito, para os efeitos de chama colisão de direitos. Os direitos reais excluem-se,
direito. 2 quando da mesma espécie, e o conflito resolve-se pela priori-
O instrumento público ou particular, nulo pela dade. Os direitos de crédito não se excluem, mas a colisão se
falta de alguma solenidade, que a lei exige para constituir ato resolve pela prevenção, ou, no caso de concurso de credores,
especial, valerá como título de dívida. pelo rateio, atendidos os privilégios, cuja força se aprecia
pela sua natureza e não pela prioridade. Em certos casos,
prevalece o princípio: — melior est conditio possidentis.
CAPÍTULO UI
DO EXERCÍCIO DOS DIREITOS
8 70
$69 DA LEGÍTIMA DEFESA
DO EXERCÍCIO DOS DIREITOS E DE SUA
COLISÃO COM OUTROS 1 - O círculo da atividade jurídica, atribuído a
- cada individuo, e dentro do qual ele goza os bens da existência,
Exercício de um direito é a sua utilização
“9 isto
sob a proteção da ordem jurídica, é atingido pelo desenvolvi-
é, a realização do poder, que ele contêm, o gozo da vantagem
mento da atividade dos outros, mas como estes de podem
Us Código Civil, art. 138; CarLOS DE CarvaLHO, Direito civil, art. 283; Código Civil
achar em atitude agressiva ou violadora dos direitos alheios,
argentino, 1.052; chileno, 1.687-1.688; uruguaio, 1.539-1.340; alemão, 142; Esboço. é necessário que o direito se ache munido de meios de defesa,
7953-799; Projeto CogLno Ropriguss, 371; primitivo, 171.
O Código Civil, art. 152, parágrafo único. e possa repelir o ataque anti-social, que contra ele se desen-
9 Reg. 737, att. 691.
( Reg. 737, art. 692.
Dernsurs, Pane, 8 41.
(o Dernguro, Pand., 1, 8 41; Winpsceein, Pand., 8 121; Curons, Istituziont, 1, 8 82.

356 357
Clóvis Bevilágque teoria Geral do Direito Civil

volva. contra terceiros, na medida em que o permitir a paz pública”


No estado atual de nossa cultura, a defesa dos (sowiet die Friedensordmung es gestattel), &
direitos está entregue ao poder público, às autoridades A legitima defesa, sendo uma reação em defesa
constituídas, cuja intervenção se opera pelos modos
da paz pública, tem por pressuposto uma injustiça, e consiste
na repulsa dessa injustiça. Por isso, pode verificar-se não só
determinados ma organização do processo civil e criminal.
contra o autor da injúria, quanto contra os seus auxiliares
Jus publicum, sub tutela juris publici latet, diz o aforismo
de Bacon. Lex enim cavet civibus; magistratus legibus. ainda que de boa-fé. Ainda mais, pode atingir os instrumentos
Todavia, muitas vezes, a defesa pública seria ineficaz por de agressão e destruição ou apenas deteriorá-los, segundo
demorada e a injustiça se consumaria, se o titular do direito as necessidades da ocasião.
se não achasse habilitado a protegê-lo, usando das suas O Projeto primitivo dizia no art. 172: — “Não
próprias forças. constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa de
Os romanos reconheceram essa necessidade em um ataque presente e injusto movido contra o agente ou
várias passagens: Recte possident, aid defendendam contra terceiro.” E no art, 173: “Também não constitui ato
possessionem inculpatae tutelae moderatione illa tam vim ilícito a deterioração ou destruição de'uma coisa alheis, para
propulsare licet, diz o Cód. 8, 4, 1. 1; Nam jure hoc evenit ut afastar, do agente ou de outrem, um perigo iminente prove-
quod quisque ob tutelam corporis sui facerit, jure fecisse niente dela, Este procedimento será legitimo somente, se as
exisimetur, ensinara FLORENTINO, O E, Gaio insistia no circunstâncias o tornarem absolutamente necessário e se não
mesmo pensamento: nam adversus pericukun naturalis ratio
exceder os limites do indispensável para produzir o afasta-
permittit se defendere. Ainda outros fragmentos contêm a mento do perigo”
consagração do princípio da legítima defesa entre os quais At se indicam duas hipóteses. A primeira é a
seja lícito recordar um de ULriaNo: Vim vi repellere licere, defesa contra um ataque injusto e presente, o que supõe, da
Caius scripsit, idque jus natura comparatur. & parte do agressor, razão e conhecimento do mal. Consequen-
Tudo está em estabelecer limitação à defesa temente não há legítima defesa contra coisas ou animais
particular, para que não degenere em abuso. irracionais nem contra loucos, ? porque não se pode dizer,
do perigo, em que nos coloquem ou da ameaça, que nos
KH — A legitima defesa não é um direito, e sim, façam, que é uma injustiça, ou uma consciente perturbação
como observa KonLer, uma faculdade que emana da da paz pública. ,
personalidade. “Assim como a pessoa tem a faculdade de Assim, para ser legitima defesa de uma agressão
gozar o direito, tem igualmente a de defendê-lo e efetuá-lo
Lehrbuch, 1, 8 69, |.
9 Lehrbuch, 1, 869, V.
DD LLESI
9D.9,2, ft 4. (9 Veja-se o Código Civil, art. 160.
OD. 43, 16,8 1,827. O Komr, Lehrbuch, 1, 8 69, IL.

358 359
Clóvis Beviláquer Teoria Geral do Direito Civil

contra nós movida por alguém, é indispensável: deve entrar no conceito da legítima defesa do direito civil, e
19) Que seja injusta, isto é, que seja um ato é a da moderação na repulsa.
contrário ao direito, ofensivo da lei. Qui suo juro ulitur A legítima defesa, ainda se vê dos artigos trans-
neminem laedit. “2 Não é conforme à razão jurídica exercer critos do Projeto do Codigo Civil, não se verifica apenas em
um direito no intuito exclusivo de causar dano a outrem, diz
relação aos nossos direitos. Pode entenser-se também a
o Código Civil alemão, art. 226. Nós não temos uma
direitos de terceiros. Ainda que este caso demande a maior
disposição positiva semelhante, mas o mesmo pensamento
circunspecção, não é menos certo que é um dos modos pelos
se reflete na conhecida frase de CÍCERO: sumimum jus summa
quais se revela a solidariedade humana na esfera jurídica.
injuric, assim como na lei única do Cód. 10, 15, in fine:
Situação idêntica à da legitims defesa é a em que
unusquisque suis fruatur et non inhiet alienis.
nos coloca a ameaça de ofensa ou a ofensa atual praticada
2º) Que seja atual, e não uma apreensão do que
vai acontecer e muito menos o desforço de um mal já
por coisas inanimadas ou entes sem razão. Nós nos defen-
passado. demos do perigo, por uma reação natural e instintiva, que o
Não há legítima defesa em matéria possessória, direito sanciona; mas não há, neste caso, que indagar se a
no caso em que o desforço se realiza depois de consumado o agressão é injusta. Entretanto, a mesma regra fundamental
esbulho. É cêrto que o restabelecimento do estado anterior domina os dois casos, a justa medida da defesa, que não deve
deve ser feito incontinenti, ficando, aliás, ao arbítrio do juiz ir além do que é necessário para a mantença do direito em
julgar se a expulsão do esbulhador foi imediata ou não. “” sua integridade. |
Além disso, deve haver impossibilidade de
prevenir ou obstar a agressão ou de invocar a autoridade KI — À legítima defesa, sendo um dos modos
pública, com fundada esperança de obter-lhe o socorro. É pelos quais o direito se exerce, sendo, como já disse, uma
outra regra do direito penal, que tem inteira aplicação em faculdade, não contitui um ato jurídico. Desta proposição
matéria civil. Outros preceitos do direito penal são: 1º resulta que os incapazes também podem usar dela. Uma outra
emprego de meios adequados para evitar o mal e em consequência que alguns tiram é a de legitima defesa incons-
proporção da agressão; 2º ausência de provocação, que ciente. Por exemplo: eu mato alguém por ódio e vingança e,
ocasionasse a agressão: Estas prescrições adaptam-se melhor depois, venho a verificar que, se não o matasse naquela
aos casos de crimes; porém, uma idéia aí se contém, que ocasião, teria sido morto por le, que vinha à minha procura
para esse fim. CP Esta questão, porém, é estranha ao direito
89 Conf D. 50, 17,fr 151e43,29fr.3, 82. Como se verá adiante, 8 71, IL esta máxima
não deve ser tomada em sentido absoluto.
civil, por isso não há necessidade de me deter com ela,
) Código Penal, art. 34,
“9 Ord. 3, 78, 83; 4, 58, 8 2; Cantos DE CarvaLHO, Direito civil, art, 349, Veja-se
adiante o nº IV deste parágrafo.
CH) KOHLER, Lehrbuch, 1, 869, IV.
360 361
Clóvis Bevilágua teoria Gerel do Direito Cívil

IV — A defesa privada tem ainda outro aspecto. 87


E auto-satisfação, que consiste na realização, por nossa DOS ATOS ILÍCITOS E DA CULPA
própria força, de um estado que corresponde ao nosso direito.
“12 Exemplos deste caso nos oferecem as fontes romanas, 1 - O exercício regular do direito é a realização
mas, se aí são raros, ainda mais raros devem ser no direito de seu destino próprio. Ainda que alguém se julgue
moderno, que procura imprimir à tutela jurídica um cunho prejudicado com isso, nenhuma reparação lhe deve o titular
puramente social para afastar o arbítrio e conter os do direito, desde que se manteve dentro da ordem jurídica.
desregramentos do egoísmo. O desforço in continenti no caso Mas desde que alguém, por culpa ou dolo, ofender o direito
do esbulho é, antes, auto-satisfação do que auto-defesa, de outrem, rompe com a ordem jurídica, pratica um ato ilícito,
porque, quando se dá, a posse já estava perdida para o deve reparação. Ato ilícito é, portanto, o que preticado sem
esbulhado. Diferentemente, no caso da turbação, se eu repelir, direito, causa dano a outrem. “Aquele que, por ação ou
pela força, o ataque à minha posse, uso da minha faculdade omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
de legitima defesa, ponho o meu direito em exercício, ou causar prejuizo a outrem, fica obrigado a reparar o dano,”
desenvolvendo a sua energia defensiva. diz o Código Civil Brasileiro, art. 159,
À teoria dos atos ilícitos, que, reduzida aos seus
Ê YV- Finalmente, com a legitima defesa oferece próprios elementos, é clara e simples, tem recebido, das
analogias o estadi de necessidade, que consiste na ofensa do noções de ciipa e responsabilidade, com as quais tem íntima
direito alheio para evitar mal maior. E assunto de maior ligação, as obscuridades, filhas das sutilezas em que têm sido
interesse para o direito penal do que para o civil, porém, térteis os escritores. Tentarei aqui, em rápida exposição, firmar
pode neste refletir-se ou nele exclusivamente, desenvolver- a doutrina que me parece verdadeira, sem me emaranhar
se. Por exemplo: para salvar a minha vida ou a de outrem, nessas sutilezas insidiosas.
que se acha em perigo extremo, eu me aproprio do bem alheio. O direito romano considerava delitos civis certos
Para justificar esta violação do direito, é neces- atos precisamente indicados na lei, aos quais estava ligada
sário: 1º que as circunstâncias tornem absolutamente necessá- uma pena civil, que consistia em multa pagável ao ofendido.
rio o ato de violência; 2º que não exceda os limites do indis- Estes fatos eram o furto, o roubo, o dano e a injúria. & Como,
pensável para a remoção do perigo. > 4%
Corresponde este artigo 20 1.641 do Projeto primitivo, que somente deu o coriceito do
ato ilícito na parte especial, porque é um gênero de atos que só no direito das obrigações ”
3 Dernguro. Pandectas, $ 125. se deve apreciar como causa geradora delas.
43 Código Penal, art. 33. Veja-se sobre a noção de atos ilícitos: Esboço, arts. 822-828; Corto Ropricus, Projeto,
“s Código Civil, art. 160, parágrafo único. Sobre o assunto deste parágrafo, leiam-se, art. 268; Lacerda DE ALeiDa, Obrigações, $ 69; Wixpscneip, Pand., 8 101; ENDEMANS,
além de Konter e Deansurs, nos lugares citados: — Jrering, Espiritu del derecho romano, Einfuehrung, 1, 8 200; Hvc, Comm., VHI, nºs 402 e segs.; D.9,2. fis. 5, 881 e 27,8 15;
i, 88 11-14; João Monteiro, Processo, 1, nota 2 ao $ 3; João Visira, Código penal 19,5 frs. 17,832 e 23; Código Civil argentino, 1.066 e 1.067; alemão, 823; fed. Suiço
comentado, II, nºs 82-87; Fiorerm, Su la legitima difesa: Von Listz, Tratado de direito das obrigações, 41; japonês, 709; português, 2.361 e 2.362.
penal, trad. José Hicino, 1, 88 32-34; Bento DE Faria, Anotações aos arts. 32-35 do Q Inst. 4, 1; Bonman, Institutes, HI, nºs. 3.040 esegs.; BoxrantE, Dirito romano, 88173
esegs.; RD. Cuq, Institutions jur: des romains, II págs. 462 e segs.
Código Penal.

362 363
teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Beviláquea

porém, alguns atos eram igualmente prejudiciais a outrem, voluntários ou dolosos dos involuntários ou culposos, mantêm
ainda que não estivessem designados expressamente na lei, a a diferença entre os delitos e os quase-delitos, mas parece
evolução jurídica os equiparou aos primeiros, surgindo uma que não atendem bem ao ponto-de-vista do direito civil, e
classe de obrigações que nasciam, como de delitos, quasi ex lhe querem emprestar idéias, que somente no criminal encon-
delicto. Os fatos desta categoria eram de natureza vária; tram campo natura! de aplicação. O
alguns podiam ser capitulados entre os delitos. Assim, o juiz O direito penal vê, no crime, um elemento pertur-
que fazia sua a demanda, aquele de cujo sobrado era lançada bador do equilíbrio social, e contra ele reage no intuito de
alguma coisa, ofendendo o transeunte, ou que sobre a via restabelecer esse equilíbrio necessário à vida do organismo
pública suspendesse algum objeto cuja queda fosse perigosa, social; o direito civil vê, no ato ilícito, não mais um ataque à
o comandante do navio, o gerente da estalagem ou da cochei- organização da vida em sociedade, mas uma ofensa ao direito
ra, se algum dos seus empregados cometesse algum dolo ou privado, que é um interesse do indivíduo assegurado pela lei,
furto, respondiam por quase delito, quasi ex maleficio teneri e, não podendo restaurá-lo, procura compensá-lo, satisfa-
videtur. & zendo o dano causado.
Mais tarde a doutrina, principalmente a francesa, O direito penal vê, por trás do crime, o criminoso,
desenvolvendo essas idéias, chamou delito civil todo ato prati- e o considera um ente anti-social, queé preciso adaptar às
cado sem direito, com intenção de prejudicar e efetivamente condições da vida coletiva ou pô-lo em condições de não
causando dano; e reservou o nome de quase delito para o ato mais desenvolver a sua energia perversa em detrimento dos
que causasse dano, sem ter havido, da parte do agente, ânimo fins humanos, que a sociedade se propõe realizar; o direito
de prejudicar. º Destas definições, resulta que, em regra, os civil vê, por trás do ato ilícito, não simplesmente o agente,
crimes são delitos civis, porque são atos danosos praticados mas, principalmente, a vitima, e vem em socorro dela, a fim
com intenção maléfica. Todavia, a idéia de delito civil não de, tanto quanto lhe for permitido, restaurar o seu direito
corresponde extatamente, à de crime, porquanto há crimes violado, conseguindo, assim, o que poderiamos chamar a
que não constituem delito civil, por não determinarem eurritmia social refletida no equilíbrio dos patrimônios e das
prejuízo. Exemplo: — a tentativa de furto. E há delitos civis, relações pessoais, que se formam no círculo do direito
que não se capitulam na classe dos crimes. Exemplo: — o privado.
dolo comum, nos contratos,
Mas, não havendo, para os efeitos civis distinção &º A doutrina moderna sustenta 0 princípio da “unidade da culpa”, No crime, como cível, .
notável entre o delito e o quase-delito, fundiram-se as noções configura-se o procedimento culposo num erro de conduta, ou na infração de norma pré-
existente, imputável ao agente. Diversifica-se contudo a sua projeção: o delito criminal é
na denominação geral do ato ilícito. reprimído para restabelecimento do equílibrio social, rompido. O ilícito civil, importando
Alguns autores, é certo, distinguindo os atos em atentado a interesses particulares, gera o dever de ressarcimento à vítima (CÊ Aguiar
Dias, Da Responsabilidade Civil, vol. I, nº 5, Ruseiero e Marot, Instituztoni di Diritto
Privato, 8 186; Savarier, Responsabilité Civile, vol. É, nº 5; Ds Pace, Traité Elémentaire
O Inst, 4,3. de Droit Civil, vol IL, nº 939; Caio Mario Da Siva PEREIRA, Instituições de Direito Civil,
€ Pranior, Traité, LE, nºs 8351-858; Huc, Commentaire, VII, nº 404-406. volI, nº 113.

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

Estes dois pontos-de-vista diferentes fazem com Por que essa diferença de tratamento entre pes-
que, no direito criminal, procurêmos estabelecer a imputabi- soas igualmente expurgadas de responsabilidade criminal?
lidade, e, no direito civil, nos satisfaça o vínculo de causalidade Porque os primeiros praticaram o ato danoso sem direito, e
entre o agente e O prejuízo. os segundos foram levados a praticá-lo no exercício regular
O ato causou dano a alguém? E um ato ilícito, se de um direito. Os primeiros respondem por um ato ilícito; os
o agente o praticou sem direito, ou no exercício irregular de segundos não incorrerem em responsabilidade, porgue agiram
um direito, e sendo ato ilícito, dá lugar à satisfação do dano licitamente.
causado. O Código Civil, porém, tomou outra orientação,
Esta é a verdadeira doutrina que, felizmente, como consta da nota 7 acima.
encontra excelente apoio na lei pátria. O caso fortuito e a força maior excluem a obri-
Vejamos. Os menores de 14 anos, que obrarem gação de satisfazer o dano, salvo convenção em contrário,
sem discernimento, os alienados, os que na ocasião do delito culpa determinante do caso fortuito ou mora É Por que?
se acham em estado de completa perturbação dos sentidos, e Porque não existe vínculo de causalidade entre o agente e o
os violentados, são criminalmente irresponsáveis, & porque dano. :
são incapazes de dolo, não agem por impulso de uma vontade
anti-social, guiada por uma inteligência, que percebe o mal e W - O nexo causal entre o agente e o dano
“o aceita pata seus fins. Entretanto, estes indivíduos são constitui a culpa na opinião de muitos escritores, para os
civilmente responsáveis, isto é, são obrigados a indenizar o quais a responsabilidade pelo dano somente poderá dar-se,
prejuízo que causarem, seja por atos classificados crimes, quando houver alguma imprudência ou negligência, que se
seja por atos estranhos ao direito penal, pois que a isenção atribuir ao agente. Parece-me, porém, que essa noção de culpa
de responsabilidade criminal não implica a da responsabi- não é complemento indispensável ao conceito de responsabi-
lidade civil. O
lidade civil, como já ficou dito.
Os autores de crimes justificáveis, por serem
Com isso não fica banida do direito civil a idéia
praticados em estado de necessidade ou em legítima defesa,
de culpa. Culpa é a violação de um dever preexistente. Se
não eram obrigados pelo dano.
esse dever se funda num contrato, a culpa é contratual; se no
princípio geral do direito que manda respeitar o alheio, a
& Código Penal, art. 27.
*º Código Penal, art. 31. Conf. João Vinira, Cód. Pena! comentado, 1, nº 81, Maceno
culpa é extracontratual ou aquiliana.
Soares e BexTO DE Faria, anotações do artigo citado. O Projeto primitivo equiparara o A culpá aquiliana, compreendida na sua extensão
menor ao maior em relação às obrigações resultantes dos atos ilícitos (art. 169). O Código.
porém, somente se refere aos maiores de 16 anos (art. 156). V. Também o art. 1.524. atual, corresponde ao ato ilícito, o qual para determinar o
& Era doutrina corrente em nosso direito, e que se confirmava pela disposição do art. 31
desligar a isenção da responsabilidade criminal dos crimes justificáveis. Mas hoje, outra
dano dispensa o elemento subjetivo da negligência ou impru-
é a teoria legal, em face do art. 1.540, que nos casos de homicidio e lesão, obriga o
ofensor a reparar o dano, se não foi provocado. Também no exercício do direito de
necessidade houver destruição ou deterioração de coisa alheia, o dano se repara, saivo 8) CARLOS DE CARVALHO, Direito civil, art. 101, consolidando as Ord. 3, 45, 8 4,8 4,53,
culpa do dono (art. 1.519). $8$3e4.

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Clóvis Beviláquer teoria Geral do Direito Civil

dência. Pode ser posta de lado, se não obedecer ao critério um cuidado maior do que em outras. A responsabildiade do
objetivista acima indicado, que, aliás, de certo modo corres- comodatário, por exemplo, é mais forte do que a do mutuário.
ponde ao critério romano expresso na frase: in /ege Aquília Mas essas diversas situações autorizam a graduação da culpa
et levissima culpa venit. em três graus? Não, respondem DEMANGEAT, ÁCCARIAS €
Mas a culpa contratual é indispensável para a BoNIEAN, e a crítica feitaà doutrina de Porrirr tem encontrado
apreciação dos diferentes modos, pelos quais podem ser, nas aceitação entre os competentes, que se contentam com uma
relações convencionais, comprometidos os interesses dos divisão em dois graus: culpa leve e culpa grave. “9
contraentes. No Código Civil para o Brasil percebe-se uma
A culpa ocorrerá in faciendo ou in omitendo, graduação de culpa, no livro das obrigações; mas sem as
segundo constar de um ato positivo ou de um negativo: será desiganações clássicas, para que a apreciação pudesse ser
in contrahendo, se se verificar na formação do contrato: dir- feita segundo as circunstâncias do momento e a natureza do
se-á in eligendo, quando repousar na escolha da pessoa a negócio jurídico. “2 Também o conceito da culpa se é possível
quem se confia a realização do negotiwm juris, como no caso extrair de várias disposições, pareceu mais acertado não dá-
do mandato, e, se consistir na falta de atenção especial neces- lo em artigo especial.
sária em certas emergências, será in vigilando. Estas distin-
ções têm contribuído para o desvio da doutrina e o menos HE - O Código Civil, art. 160, 1, diz que não
que se pode dizer delas é que não têm interesse prático. constitui ato ilícito o praticado no exercício regular de um
Os romanos distinguiam os graus da culps, ainda direito reconhecido, e no art. 100, já declarara que o exercício
que a sua terminologia nãos seja satisfatória, e tenha dado normal, de um direito não se considera coação. Está nestas
insano trabalho os intérpretes. Dizem eles que a culpa se diz proposições o fundamento da teoria do abuso do direito, a
in abstracto ou in concreto, “segundo se toma por tipo de que já se tem feito alusão, neste livro, em mais de uma
comparação o mais diligente pai de família, isto é, um tipo passagem. Não há necessidade de repetir aqui as observações
abstrato, ou o próprio devedor, pessoa evidentemente con- feitas no Código Civil comentado, !, Observações 6 a 8 do
creta.” & Outra graduação é a que se expressa pelos epítetos art. 160. Para o que aí foi exposto remeto o leitor, Agora
lata, levis e levissima, muito divulgada, graças à autoridada basta afirmar que, para o nosso Código Civil, o abuso do
de Pormr. Culpa lata ou grave é a negligência, que se
confunde com o desleixo; culpa levis é a omissão dos 100 «q Na o da 4 : 1 as . ns
“2 Sobrea teoria da culpa, leiam-se: Caron), Le culpa en el derecho civil, trad. Posana:
cuidados, que ordinariamente presta um bom pai de família, Jupmino, De ter fute en droit privé, wad. Mecsenagre: Pexto Coruio, Responsabilidade O
civil, SaLemtes, Obligations, págs. 376 esegs.; PLanioL, Traité, IL, nºs 900 esegs.; Tessame.
culpa levissima é a de que não estão isentos até os homens Le fondement de la responsabilité: Dias va Siva, Estudos sobre a responsabilidade
cuidadosos. Estas distinções têm uma base na realidade das civilconexa com a criminal; LacerDA DE ALMEIDA, Obrigações, 8 38; DERNBURS, Pand,,
$ 86: Bonman, Insiitutes, IL, nºs 3.126-3.149, Gaston Mar, Droit romain, nº 190;
situações jurídicas, pois umas vezes se deve exigir do devedor Was, Pand., I, 8 101; PoLLock, The law oftorts. Veja-se a bibliografia por Fapa
e Bexsa, nota zz das Pund., WinDscHeiD, 1, vol,
9) Accarias, Droit romain, Il, nº 595. “th Vejam-se os arts. 956, 958, 962, 964, 1.251,1.266,1.300 e 1.337.

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Clóvis Bevilaquea teoria Geral do Direito Civil

direito é ato ilícito, que consiste no exercício irregular ou seu projeto de Codigo Civil português, mas não teve o apoio
anormal do direito, de modo a prejudicar alguém. dos doutos, pois a sua idéia foi rejeitada na revisão de seu
trabalho, “e a crítica que dele fez Teixtira DE FREITAS, nesta
parte, é irrespondível.
872. A mesma idéia reapareceu no Brasil, quando se
DAS AÇÕES discutiu, no Senado, o Projeto de Código Civildo DR. Coztno
Ropricues, em 1896. O parecer senatorial emitido sobre o
1 — Todo direito é provido de uma ação que o mencionado Projeto propugnava a inclusão da teoria das
assegura (Cód. Civil, art. 75); isto é, o titular de um direito ações no Código Civil, em substância, pelas razões seguintes:
deve ter a faculdade de invocar a intervenção da autoridade 1º As ações têm os mesmos caracteres que os direitos dos
pública, a fim de que esta faça cessar a violação de seu direito. quais emanam ou, antes, com os quais se confundem; 2º Sendo
Ação, na linguagem jurídica, oferece dois assim, é irrecusável a competência do Congresso Nacional
aspectos. É, no dizer de Cetront, “a força com que o direito para legislar sobre o direito das ações; 3º Se em um regime
se afirma contra o desconhecimento ou a violação da parte jurídico de unidade de legislação, como é Portugal, nenhuma
de outrem,” e é também o modo pelo qual se efetua essa anomalia há em que a parte teórica das ações constitua a
. reação do direito violado. parte geral do Código do Processo, em nosso regime de
“No primeiro sentido, é jus persequendi in judício, dualidade jurídica o perigo seria inevitável, o direito nacional
é o mesmo direito em atitude de defesa. A faculdade de reagir se desnaturarta, sob a ação absorvente múltima da jurispru-
contra o ataque estranho é um momento essencial do conceito dência e do direito processual dos Estados. &
do direito, como dizem FaDpA e BEnsa. ? Conseguentemente, O ilustre autor do Projeto conformou-se com
é um elemento constitutivo do direito subjetivo. essas idéias; mas não me parecem merecedoras de aplausos.
No segundo sentido, que é puramente formal, a À argumentação do parecer parte de uma base
ação é remedium juris, cuja teoria é um capitulo de direito falsa ou, antes, usa de uma sofisma de anfibologia, pois que a
processual. palavra ação, somente no sentido de elemento componente
O Visconde de SEABRA incluiu esta matéria em do direito subjetivo, se confunde com o próprio direito ou
dele se nãos separa; no sentido de remediwm juris já é outra
O Istituziont, $ 83. Veja-se ainda: PicarD, Le droit pur, S 33, Terena De Frerras,
coisa, é o modo pelo qual o titular defende o seu direito
Consolidação, nota 20 à pág. NKVIE, Nova apostília, págs. 68-69; GoLpsurr,
Pandectas, 8 77, CriCvENDA, vb. Azione, no Dizionario eli diritto privato di Sera oJa; apoiado pelo poder público. | .
João Monteiro, Processo civil, 88 128 13; Unidade do direito, págs. 82 e segs.; Direito
das ações, págs. 9-24; Winpscwi, Pand., 88 43-44; Pauta Baptista, Prática, $8283; . Vê-se que as idéias do Visconde de SEABRA
Mortara, Procedura civile,nºº 9 e segs. MAY NZ, Droit romain, 88 41 a 49: GiantiRco,
Istituzioni, 8 124; AtreLiaNo DE Gusmão, Processo, E, nºs LNXXVII e segs.; NUNES DA
Suva, Direito processual (parte geral), nº 35. 9 Dias Ferreira, Código Civil português, Coimbra, 1870-1876, 1, págs. VIL V pág. 225.
3 Nota 1 às Pand., de WinscreiD, 1, p. 680.
9 Apud Cogmo Ropricues, Projeto do Código Civil, Introdução, pág. 134, Foi relator
& Veja-se a Introdução deste livro, X
deste parecer o Dr GONÇALVES CHAVES.

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

calaram no espirito de quem redigiu o parecer. Mas o sistema sições, que se reuniram e coordenaram em classificação cuja
imaginado pelo famoso jurisconsulto, para a classificação das base era outra,
matérias do direito civil, tolerava esse desdobramento invassor E, finalmente, seja qual for o sistema classifica-
do direitc processual. Segundo ele, todo o direito tório adotado, são sempre verdadeiras as seguintes pondera-
determinador, necessariamente, há de “referir-se a quatro ções de Teixeira DE Frurras: “Cumpre que de plano confesse
pontos capitais que podem servir como pontos de triangulação a invasão e mutilação que cometera, transpondo, para O
no levantamento da carta jurídica, a saber: 1º Natureza do Código Civil, uma parte das disposições, que, genuinamente,
sujeito (capacidade); 2º Seus meios de vida (aquisição); 3º pertencem ao Código de Processo Civil, confundindo o direito
Fruição desses meios (propriedade); 4º Conservação (violação teórico com o direito prático, e as leis que BentHAM chamou
e defesa dos direitos). substantivas com as outras que apelida objetivas.”
Nesta última parte, entram, naturalmente, as “A ação, jus perseguendi, é faculdade comple-
mentar do direito, sem a qual o direito não existiria ou seria
ações como elementos de garantia e defesa dos direitos, e,
ilusóio; e, por isso disse Lripnrrz., com todo o critério, que
sendo uma parte do direito civil, deve comportar todo o
era superabundante o terceiro membro da tríplice divisão de
desenvolvimento do que se chama doutrina das ações.
Gaio, porquanto as ações nada mais são do que as consegiiên-
Mas, em primeiro lugar, o sistema do Visconde
cias dos direitos, que, por ocasião destes, devem ser explica-
de SEaBrA é falso, como demonstrou Teixeira DE FREITAS. das. Não se confunda, porém, a ação jts persequendi com a
Se, porventura, o grande jurisconsulto brasileiro se deixou
sanção do direito, nem com o meio ou forme do processo.
arrastar pelos impulsos de uma irritação insopitável, como Entre o direito abstrato, criado ou declarado pela lei e a
alegou o ilustre Ferrer, & a substância do que alegou é, não sanção do direito há um espaço imenso. Realizado o direito,
obstante, preciosa, e os golpes, que vibrou, vão certeiros ao quando impedido pela resistência, a ação medium perse-
alvo. Efetivamente uma classificação do ponto-de-vista do quendi, é o vinculo legitimo entre o direito e a sanção do
sujeito é inconsequente, porque o sujeito do direito é idêntico direito. O direito, a ação, o meio a forma da ação são três
nos diversos departamentos jurídicos; nas diversas situações, fatos que a análise distingue.” O
em que o portador de direitos se põe em atividade, pode
variar a razão de seus atos, mas a personalidade permanece HH — Assim, neste momento, apenas se estabele-
na sua identidade. O que varia são as relações de direito; cerão as noções essenciais, que acabam de ser recordadas, e
portanto, são elas que devem ser classificadas. a regra, que domina esta matéria: Parc propor ou contestar
Em segundo lugar, é absurdo transportar para uma ação, é necessário ter legítimo interesse, econômico e
uma classificação das relações jurídicas, um grupo de dispo- moral. O interesse moral só autoriza a ação, quando se referir

Reflexões sobre os sete primeiros títulos do livro único, parte primeira, do Código
Civil português, Coimbra, 1859, págs. 10 e t1, O Nove apostila, págs. 68-69,

372
Clóvis Beviláquea teoria Geral do Direito Civil

diretamente ao autor ou à sua família. assegurar-se para que O seu exercício não encontre obstá-
Esta última proposição afastas as ações popu- culos.*9
lares, que existiram, a princípio, no direito romano, sob duas Os meios assecuratórios da conservação dos
formas, populares públicas e populares privadas, visando direitos são , segundo a enumeração de CarLOs DE CARVALHO (O
ambas a defesa dos bens públicos. A primeira nascia de um 19 O protesto;
ato da autoridade ou de alguém agindo em nome do Estado; 2%) À reserva ou ressalva;
a segunda era intentada por qualquer pessoa. Mais tarde estas 39 A retenção;
duas formas se fundiram. 49 O arresto e o sequestro;
Com a organização política moderna, os atos que 5º) A detenção pessoal;
davam origem às ações populares passaram, em parte, a ser 6º) À caução;
classificados entre os puníveis pelos Códigos Penais e, em 7º) a interpelação judicial.
parte, a fazer objeto das leis de polícia e das posturas muni- Os casos em que o emprego desses meios é
cipais. admissível estão estabelecidos na lei. Assim, o protesto pode
ser feito, sempre que a pessoa julgar necessário para
conservação e ressalva do seu direito, * ou quando a lei o
| $73 determinar, como, no caso do art. 1.094, II, e 1.095, do Cód.
DA CONSERVAÇÃO DOS DIREITOS Proc. Civil, D. F, ou no rateio em concurso de credores,
para assegurar preferência, ou, para ressalvar direitos, no caso
O exercício do direito não é garantido somente de não ser aceita ou paga a letra (lei nº 2.044, de 31 de
pela ação, «=: é defesa jurídica, nem pela defesa privada. dezembro de 1908, arts. 28 a 33).
Ambas são reações contra ofensas atuais, e o direito necessita, A retenção é concedida àquele que fez benfei-
igualmente, de acautelar-se para emergências futuras, ou torias Úteis ou necessárias no bem alheio, que está em sua
posse, º e em alguns outros casos.
9 Código Civil Brasileiro, art. 76; Projeto primitivo, 175; João Monteiro, Processo, 1, Árresio é a apreensão judicial da coisa, sobre que
£20; Gianturco, Istituzioni, 8 124, Cód. Civil italiano, ast. 36; Goupsmira, Pandectas,
1 £ 90; MarriroLo, Diritto giudiziario, 1, 32; LaGaRMLLA, Las acciones en materia
se litiga, ou de bens suficientes para a segurança da dívida. É
civile, nºs 12-21, Cmironi, Lstituzioni, 8S 87-88; AcreLinxo DE Gusmão, Processo, nº
NVE .
4 Por ocasião de se discutir o Projeto de Código Civil na Câmara dos Deputados, defendeu OD Wixpsceein, Pand.. $ 1345; Curoxt, Istituzioni. LS 86.
o Conselheiro Figumira as ações populares, que o projeto extinguia. A sustentação da O Direito civil, art. 332; Corno pa Rocna, fest, 831.
doutrina do Projeto foi feita com apoio nas autoridades e na forma atual da organização 0 Cód. Do Proe, Civil e Comercial para o D. E, art. 433; Reg. 737, art, 390. Nos arts.
do poder público (Trabalhos da Câmara, vol. [V, págs. 221-222 e 278). Acrescente-se 391 e 392, o reg. Estabelece o modo de interpor os protestos. Veja-se também a
aos autores ai invocados, Dias Ferreira, Código Civil português, H, pág. 39. Veja-se, Consolidação das leis referentes à justiça federal, IL, parte, artigos 154-156; CânpiDo
entretanto, a nota o de Fappa e Bexsa, às Pand., de WinpscHeiD, I, págs. 681-687. Em DE OLiveira, Prática do Processo, IL, nº* 303 e seguintes.
matéria eleitoral nós não temos ação popular, e sim ação pública; apenas a denúncia & Código Civil, art. 316.
pede ser dada por cinco eleitores em um só petição (lei nº 1.269, de 15 de nov. 1904, art. 6 Pereira e Souza, Primeiras linhas do processo civil, ed. TEIXEIRA DE FREITAS, VOL. II,
137. pág. 81; CândiDO DE OLiveiRA FiHo, op: cit. IL nº * 204 e segs.

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teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Bevilágqua
expressa na convenção ou de termo estipulado com esse
O Cód. Do Proc. Civ. do D.F, art. 386, estabelece os casos
intuito ou de notificação extrajudicial,
em que tem lugar o arresto e são: 1º os expressos em lei, 2º
quando o devedor, sem domicilio certo, intenta ausentar-se
ou vender os bens, que possui, ou não paga a obrigação no
CAPITULO IV
tempó determinado; 3º quando o devedor domiciliado intenta
BA EXTINÇÃO DOS DIREITOS
ausentar-se, furtivamente, ou mudar de domicilio sem ciência
dos credores; quando entrando em estado de insolvência,
faltar aos seus pagamentos ou tentar alienar os bens que
874
possui; ou contrair dívidas extraordinárias; ou puser os bens
MODOS PELOS QUAIS SE EXTINGUEM OS
em nome de terceiro; ou cometendo outro artifício fraudulento DIREITOS
em prejuízo dos credores; 4º quando o devedor, possuidor
de bens de raiz, intenta aliená-los ou hipotecá-los, ou dá-los 1 - Depois de adquiridos, os direitos subsistem,
em anticrese, sem ficar com algum ou alguns equivalentes às como facetas do poliedro da personalidade, enquanto per-
duram os seus elementos constitutivos: sujeito, objeto e prote-
dívidas, livres e desembaraçados.
Segitestro é o depósito judicial da coisa lítigiosa, ção legal. Consequentemente extinguem-se pela ausência de
para garantia-do direito. Pode também ser convencional, feito algum desses elementos ou de todos.
em mão de alguém a aprazimento das partes. Desaparece a proteção legal, quando a instituição
A detenção pessoal, decretada, somente para é abolida ou quando o direito se acha privado da ação corres-
segurança de divida comercial, ? fora reintroduzida na justiça pondente (prescrição, perempção da ação). Desaparece à
federal pela lei nº 221, de 20 de novembro de 1894, art. 44, própria relação jurídica, quando o direito se exaure com o
parágrafo único; mas o Código Civil não a manteve. “2 exercício, ou é de duração limitada, ou o titular o renuncia.
A caução pode ser fidejussória ou real. Extingue-se o objeto com perecimento. Deixando de existir
A interpelação judicial tem por fim constituir o O sujeito, em regra, o direito se transmite hereditariamente,!”
devedor em mora, & quando esta não resulta de cláusula mas há direitos inerentes à pessoa, que desaparecem com
ela, sendo intransmissíveis por atos inter vivos e mortis cousa.
Quando se reúnem na mesma pessoa as qualidades de credor
8 Ord. 1.3.31pre$31e5:3,73,88203,4. 34,84; Consolidação das leis referentes e devedor, extingue-se o direito de crédito. Pode ocorrer a
à justiça federal, parte IL, arts. 133-135, Pode ser concedido como preparatório da ação
ou na pendência da lei. OU Cód. Do Proc. Civ. do D.F., art. 400, enumera os casos de
segiestro, na pendência da lide. V, Canpipo DE Otiverra Exmo, OP. CIT, nºs 204 e
DA transmissibilidade é normal nos direitos, porque eles existem para a fruição da
seguintes,
pessoa, € estão à disposição dela. Transmitem-se os direitos por atos entre vivos e por
O Dec. nº 763, de 19 de set. de 1890, art. 1, Vejam-se as anotações de Bento DE Faria ao
disposição de última vontade, A transmissão dos direitos é denominada pelo princípio:
art. 343 do reg. 737.
nemo plus jus ad alium transfere potest quam ipse habet; mas, em atenção à boa-fé,
tu) Veja esta matéria em Cânibo DE OLIVEIRA FILHO, Op. Cit, nº 230,
admite-se atenuações a esta regra. Isto, porém, é objeto da parte especial do direito
(9 Cód. do Comércio, art. 205. Veja-se Lacerda DE ÁLMEDA, Obrigações, $ 41, e, em
civil.
particular, as notas 13-45,

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Clóvis Bevilágua teoria Geral do Direito Civil

hipótese, quando aiguém sucede, ao seu credor ou ao seu dolo “ nem a prescrição ainda não consumada, “ nem os
devedor. Na compreensão, os créditos extinguem-se na alimentos futuros. O Também não se podem renunciar os
medida de seu valor. Também se um direito real desmembrado direitos fundamentais da pessoa, como a vida e a liberdade.
do domínio é adquirido pelo proprietário, dá-se a extinção Nem aqueles em que o interesse público é preponderante;
dele, como quando o usufrutuário adquire a nua propriedade assim, o marido não pode renunciar aos direitos de que lhe
do bem, que é objeto de usufruto (confusão), ou quando o investe a lei como chefe da sociedade conjugal; ? o devedor
prédio dominante e o serviente entram no domínio da mesma não pode renunciar ao direito de ser ouvido em juízo. “9
pessoa (confusão). Assim afirmam que não se podem renunciar os
Aqui se destacarão os modos gerais pelos quais direitos futuros, mas essa regra não é absoluta. Assim, nos
se extinguem os direitos e são: a renúncia, o perecimento do contratos de arrendamento, podem ser renunciados os casos
objeto, os prazos extintivos e a prescrição. fortuitos, ordinários e extraordinários, sólidos e insólitos.
Tal renúncia é inadmissível quando contraria um interesse de
EE - Remúncia é um ato jurídico pelo qual o titulor ordem pública.
de um direito dele se despoja. Pode referir-se ao direito de
propriedade, como na derelicção, ao direito de crédito, como
na remissão, .ao direito hereditário. Pode ser expressa ou SR
tácita. Mas deixar simplesmente de exercer um direito não DO PERECIMENTO DO OBJETO O
importa renunciá-lo; a renúncia deve deduzir-se de circuns-
tâncias que a pressupõem claramente. O | - O perecimento do objeto de um direito
Se a renúncia é designadamente feita em favor importa, necessariamente, a sua extinção, porque lhe falta
de alguém, assume o caráter de alienação. Mas o fato de ser um elemento essencial. Não se compreende um direito, que
à título oneroso não lhe tira o caráter de renúncia. é o poder de ação, sem objeto, que é o bem sobre o qual essa
Ainda que, em geral, os direitos possam ser ação se exerce, que é o que a determina e caracteriza. Esta
renunciáveis, & assim como são transmissíveis, alguns há que
escapam a esta generalização. Por direito romano, como por Código Civil alemão, art. 276; fed. Suiço das obrigações, 100; Dernurs, Pand. 1 $
direito pátrio, não é lícito renunciar uma sucessão ainda não 83, nota LI; EnpeManx, Einfuehrung, 1, & 58, HT. o

deferida, porque importa em pacto sucessório. “ Não é lícito


9 Cód. Civil, art. 161, ALmeiDa OLIVEIRA, Prescrição, pág. 185, Veja-se, em seguida, O
$ 84 deste livro, Também não pode ser renunciada a prescrição ainda que consumáda, se
igualmente renunciar o direito de anular o ato em razão de a renúncia é feita em fraude aos credores (CarLOS pr CarvaLHo, Direito civil, att.d& D.
O Código Civil, art. 404; Projeto primitivo, art. 474; Cód. Civil alemão, 1.614;
português, 149, chileno, 334; do Uruguai, 126; argentino, 334, ,
O Ord, 4, 5, 83; Dernsurs, Pand., 8 83. O CarLos pE CarvaLHO, Direito civil, art. 334,8 3,
O Ord. 3,72,8 1: 86, 828;4, 44, 85;98, 82. Regras de direito, ed. Teixeira DE Freiras, OT vg Freiras, Consolidação, nota 17 ao art, 88.
págs. 220 e 441. Renuntiare juri, vel favori suo, quilibet potest. CHampeAu e UriBe, 0% Ord. 4, 72.
Derecho cívil colombiano, À, nºs 76 a 83, UN CarLos DE CarvaLHo, Direito civil, 334, 8 1.
& Cód. Civil, art. 1.089; Cód. 6, 20,1,3; D. 38, 16, fr. 16 meu Direito das sucessões, 8 79. & Código Civil, art. 77; Projeto CopLHo RODRIGUES, arts, 210-213; primitivo, 176-179,

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Clóvis Beviláguea teoria Geral co Direito Cívil

regra, entretanto, sofre modificações como em seguida se No direito real, a perda total da coisa, sobre que
exporá. recai, extingue O direito, seja a propriedade, seja um
A coisa parece, quando se extingue, como quando desmembramento do domínio, como o usufruto ou a servidão
o animal morre ou o edifício desaba, Considera-se igualmente predial. “ Todavia é certo que, em certos casos, há sub-
perecida: rogação, e o direito apenas muda de objeto, não se extingue.
1º) Quando perde as suas qualidades essenciais Assim é que, perecendo o objeto dado em garantia de um
ou o seu valor econômico, como se o campo é invadido pelo débito, o preço da indenização do seguro, constituído em
mar 2 ou a coisa é transformada pela especificação. A perda favor desse mesmo objeto, será depositado para pagamento
do valor econômico também se dá, quando a coisa é posta do credor.
fora do comércio de modo permanente.
2º) Quando se confunde com outra, de modo que
EL — Se o perecimento da coisa resultar de fato
as duas se não possam distinguir, como no caso de confusão,
de outrem, este responderá por perdas e danos, salvo se
adjunção e mistura de móveis e no de avulsão de imóveis.
3º) Quando fica em lugar de onde não pode ser
destruiu o bem alheio em legítima defesa.
retirada, como se o meu brilhante cair-me das mãos no mar
alto, no momento em que eu me debruçar na amurada do
navio, que me transporta. 5 76
O perecimento da coisa, que é objeto de uma DOS PRAZOS EXTINTIVOS
realação jurídica, tem efeitos diversos, segundo se realiza no
domínio do direito obrigacional, ou no dos direitos reais. Não Cumpre distinguir a decadência ou caducidade
é este o momento de apreciá-los. Todavia algumas indicações dos direitos, determinada pela extinção dos prazos assinados
gerais não serão descabidas. à sua duração, da prescrição; porque as regras a que obedecem
No direito das obrigações, o perecimento da coisa os dois institutos são diferentes, embora entre ambos haja
devida extingue o vínculo obrigacional, se é certa e inviduali- consideráveis analogias.
zada e não pereceu por culpa do devedor. Se a coisa certa se À prescrição, como se verá em seguida, sus-
perdeu por culpa do devedor, este responderá pelo equiva- pende-se, interrompe-se, e é uma consequência da inércia do
tente, com perdas e danos. titular do direito; a decadência, ou caducidade, resulta sim-
plesmente, do decurso do tempo, porque o direito já nasce
& Código Civil, art. 77; Projero Corno Ropricuzs, arts. 210-213, primitivo, 176-179.
€) Código Civil, art. 78; D, 7, 4, f 23. A inundação temporária de um terreno não faz com esse destino de extinguir-se num lapso limitado de tempo
desaparecer q direito do proprietário. Cabe ao Direito das coisas expor as regras sobre a
especificação, 9 Código Civil, art. 520, 590, 739. Vejam-se ainda CUQ, Znst. Ju: romains, Il, pág.
8) As regras a que se submetem estes casos pertencem ao Direito das coisas, Veja-se o 252; Institutes, 1, nº 1.026; Huc, Commentaire, LV, nº 247.
Código Civil, arts. 541 a 543 e 615 a 617, o cod Civil, arts. 79, 80 e 160. Projeto Corto Ropricues, arts. 212 e 213; primitivo,
9 Código Civil, art. 865. e 179. É
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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

se dentro dele não for posto em atividade. “ A doutrina ainda


não é firme e clara neste domínio, porém, é fora de dúvida
que os melhores escritores assinalam as diferenças indicadas
e procuram destacar, dos fenômenos, as regras gerais, a que E — A influência do tempo sobre os direitos é
estão submetidos. considerável e variadíssima. O tempo, em que se formam os
O princípio fundamental da decadência foi, com atos jurídicos, vem à apreciação para determinar-se-lhes a
felicidade, formulado por Huc nos seguintes termos: “é a data e para saber-se que lei os rege; o termo nos atos jurídicos,
perda de uma faculdade, de um direito ou de uma ação, seja suspensivo ou resolutivo, é uma função do tempo, como
resultante unicamente da expiração de um termo extintivo, também é o prazo extintivo ou preclusivo; para determinar-
concedido pela lei para o exercício dessa ação, desse direito se a preferência dos direitos reais em colisão, atende-se à sua
ou dessa faculdade.” & | prioridade; as soluções dos débitos devem ser feitas no tempo
Os prazos estabelecidos para a contestação da determinado, não podendo, em regra, ser exigidas nem
legitimidade de um filho e para a anulação do casamento, realizadas antes; no usucapião, o tempo é elemento essencial
para a aquisição da propriedade. Ainda em muitas outras
são extintivos. Proposta a ação dentro do prazo, “subtrairá o
Se o caso fosse de prescrição, relações, o elemento do tempo é de grande valor. KOBLER
direito à ulterior decadência.”
estaria esta apenas interrompída. pôde dizer: “o tempo é o meio onde se realizam os aconteci-
mentos humanos, e uma atividade, continuada em uma certa
Os prazos de direito, isto é, os que a lei estabelece,
direção ou desviando-se de certa outra, não pode ser indife-
para que, dentro deles, seja exercido o direito, como no caso
rente ao direito; a regulamentação das relações opera-se de
de remissão de imóveis executados, são também extintivos.?
acordo com as circunstâncias e oa acontecimentos de um
Na perempção da instância ou da ação, há ainda uma deca- determinado tempo, vive neles e com eles se tece. Uma
dência do direito, de caráter semelhante.
separação subitânes do direito ambiente, uma fragmentação
da esfera jurídica, não é coisa necessária ao progresso; daí o
O Meu Em defesa, pág. 358. princípio: o que se manteve durante um certo tempo pode
3 Vejam-se: FHluc, Commentuire, SIV, nº 316; KonLer, Lehrbuch, 88 96 e 99; AUBRY
et RAU, Cours, 8 T71; FapDa e Bexsa, nota a a às Pand., de WinpscreiD, págs. 1.055 e
tornar-se direito.” Assim é para a criação dos costumes,
segs. ALmeIDA OLIVEIRA, Prescrição, parte primeira, cap. VI; Ferreira CogLHO, Código assim é para o usucapião e finalmente assim é para a prescrição
Civil. Knº 56 4 578 742; Vampré, Manual, I, 8 87; A. Como, De las obligaciones, 1,
(1928), nº 918: Praxtor, Traité, [k nºs 732 a 734 (détais préfix). O Código Civil alemão
foi elaborado. tendo-se om vista esta distinção, como se diz nos Motivos. À doutrina H — Prescrição é a perda da ação atribuída a
francesa sa italiana distinguem entre prescrição e decadência (dechéance, decadenza)
e a alemã, entre prescrição e temporalidade do direito (Rechtstemporalitaet) ou prazos
um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em
legais (gesetzliche Befristung). ApoLro Leox Gomes escreveu Prescrições e termos
legais, abrangendo o direito civil, o comercial e o processual, mas sem se preocupar com
esta construção doutrinária. Os intuitos desse livro precioso são puramente práticos. O Lehrbuch, 1, $ 81; IX. Coisa semelhante dissera WinpscheiD, Pandectas, 1, 8105: “O
3 Huc, Comm., XIV, nº 316. tempo é uma força que não se pode subtrair nenhum espírito humano; o que durou por
9 Fanpa e Bensa, às Pand., de WixpscHeID, I, pág. 1.062, in fine. muito tempo, só por essa razão, parece como alguma coisa de sólido e indestrutível”.
& Armepa OLIVEIRA, Prescrição, pág. 48. Veja-se ainda EnDEMANN, Einficehrung, 1, 890.

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Clóvis Beviláquer teoria Geral do Direito Cívil

consegtiência do não uso delas, durante um determinado da jurisprudência romana, consideraram um aspecto da
espaço de tempo. Não é o fato de não se exercer o direito prescrição, mas é cabível invocá-lo neste momento, porque
que lhe tira o vigor; nós podemos conservar inativos em nosso se aplica aos dois institutos.
patrimônio muitos direitos, por tempo indeterminado, O que PorHigr, depois de dar como fundamento da
o torna inválido é o não uso da sua propriedade defensiva, da prescrição a presunção de pagamento ou de perdão da dívida,
ação que o reveste e protege. A ação, considerada do ponto- achando talvez pouco satisfatória essa razão, penetra, mais
de-vista social, é o princípio tutelar, que a sociedade insere profundamente, na questão, e diz: “Por outro lado, o cuidado
em cada direito, e por meio do qual ela se interpõe entre o que um devedor deve ter de conservar as quitações dos
portador do direito e o seu ofensor, mas este tegumento pagamentos, que faz, não deve sser eterno; deve-se fixar um
protetor do direito se adeigaça e desfaz, quando, por longo tempo, findo o qual nãio deva mais ser obrigado a mostrá-
tempo, deixa de reagir contra os ataques vibrados sobre o la 6)
direito; é um órgão que se atrofia pelo desuso. Por este aspecto a prescrição apresenta uma fisio-
Têm, pois, razão os que veêm na inércia do titular nomia de paracleto da harmonia social, impedindo que se
uma das causas da prescrição, não porque seja esta uma pena consuma uma injustiça. KomLER também diz: “não se deve
imposta ac desleixo do titular do direito, como preceituavam fazer injustiça a ninguém; por um lado, não se deve exigir,
as nossas Ordenações & e era opinião de Porsisr, * mas, novamente, o que já foi pago, e, por outro, não se deve inopor-
porque essa inércia ou negligência permite que se realizem tunamente, desentranhar do passado uma dívida antiga,
e consolidem fatos contrários ao direito do negligente, e, porque, muito provavelmente, todos os documentos das
para destruií-los, teríamos de lançar a perturbação na vida transações parimoniais do devedor já foram postos fora; em
social, que já repousa trangiila sobre esses novos particular, é injusto amontoar sobre o patrimônio de outrem
fundamentos, ou já tem neles elementos de vida, de que se pretensões, que deviam ter sido apresentadas, periodicamente,
não pode despojar sem dilaceração, Sº diante dos rendimentos do mesmo, como, por exemplo, se
Esta idéia transparece em vários trechos do alguém exigisse de uma só vez, juros de vinte anos. É
direito romano, como, por exemplo, no D. 41,3, fr. 1: Bono São considerações, que emanam da idéia funda-
publico usucapio introdueta est, ne scilicet quarundam rerum mental acima exposta. A prescrição é uma regra de ordem,
diu et fere semper incerta dominia essent. Refere-se esse de harmonia e de paz, imposta pela necessidade de certeza
fragmento ao usucapião, que as noções, neste ponto obscuras, nas relações jurídicas: finis solicitudinis ac periculi litium,
exclamou Cícero. O Tolhe o impulso intempestivo do direito
BOrd. 4,79, pr: “ por a negligência, que a parto teve, de não demandar em tanto tempo
& Obrigações, IX, nº 644,
sua coisa ou dívida, hevemos por bem que seja prescrita a ação, que tinha para
demandar”. Contra desides homines et sui juris contemptores ediosae exceptiones Encyclopaedie der Rechtwissenschaf?, 1, págs. 8535-856. EnDEMANN, Einfiehrung, E,
oppositae sunt, diz a lei romana, Cód, 7, 40, const, 3. 890, diz: o que existe de fato não deve ser inquietado por uma pretensão meio esquecida:
B Obrigações, E, nº 644, 2. a prova da solução de um débito antiquado não há de ser exigida dos netos do devedor.
Gs Ver, no mesmo sentido, Carpenter, Manual do Código Civil, IV, nºº 14 e seguintes. 9 Pro Caecina, cap. 26.

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Clóvis Bevilágua teoria Geral do Direito Civil

negligente, para permitir que se expandam as forças sociais, dão muitas legislações.
que lhe vieram ocupar o lugar vago. E nem se pode alegar O Código Civil francês (arts. 2.219-2.281), o
que há nisso uma injustiça contra o titular do direito, porque, austríaco (1.451-1.052), o italiano (2.105-2.147), o ciileno
em primeiro lugar, ele teve tempo de fazer efetivo o seu (2.492-2.524), o argentino (3.497-4.043), o espanhol (1.930-
direito, e, por outro, é natural que o seu interesse, que ele foi 1.975) fizeram da teoria da prescrição o remate de suas
o primeiro a desprezar, sucumba diante do interesse mais disposições, porque, para eles, a extintiva e a aquisitiva
forte da paz social. obedecem aos mesmos princípios gerais, e funcionam,
A ação dissolvente do tempo, muitas vezes, se precisamente, como forças destruidoras de direitos, em dadas
exerce gradativamente, quando a relação de direito dispõe emergências e mediante certros requisitos. Também o Projeto
de mais de uma defesa jurídica. Assim, entre nós, aquele que do Dr. CorLHO RODRIGUES reuniu a usucapião e a prescrição,
sofre uma lesão em seus direitos, por ato da administração mas para colocá-las na parte geral, como dominadoras de
pública, dispõe de uma ação sumária, que prescreve dentro todas as relações jurídicas. O Código Civil do Japão (arts.
de um ano; entretanto, perdido esse meio mais enérgico de 144-174) adotou o mesmo sistema. Não é aceitável esse
defesa jurídica, ainda lhe resta a ação ordinária, que tem vida alvitre, porque a usucapião é instituto especial do direito das
mais longa. coisas, que nenhuma aplicação encontra nas outras divisões
Se o devedor pagar uma obrigação prescrita, não do direito civil.
tem direito de repetir, do credor, o que lhe deu em pagamento. O Código Civil português (arts. 505- 566). o do
Isto mostra quea prescrição atua, dissolventemente, sobre Uruguai (arts. 1.188-1.244), o do México (1.059-1.129)4 0
os órgãos de defesa do direito subjetivo e não sobre a parte Projeto FeLicio Dos SANTOS tratam da prescrição extintiva e
nuclear do interesse. da usucapião na parte relativa à aquisição da propriedade.
Os civilistas alemães, em sua maioria, tomaram
HI — A diferença essencial entre a prescrição e o outro rumo, passando a tratar da prescrição propriamente
usucapião, que não tinha sido assinalada pelos antigos dita ou extintiva (Verjaehrung), na parte geral, e da usucapião
jurisconsultos, e foi posta em evidência pela análise dos (Ersitzung), na parte relativa ao direito das coisas. 2 Essa
modernos, está em que a primeira é uma força extintiva da orientação foi a seguida pelo Código Civil alemão (arts. 149-
ação e de todos os recursos de defesa, de que o direito se
achava, originariamente, provido, e a segunda é uma força & Assim em: Rotu, System, [, 8 87, IE, 5 249: Enouman, Einfuehrung, 1, S8 90-93, é
criadora de direitos reais, em particular, da propriedade, que 1, $ 82; Wimpscnei, Pandectas, É, 88 105-113, e 11, 58 1735-183; Dersmure, Pandecias,
1 8$ 144-150; Komwea, Lehrbuch. des b. Rechts, 88 81-95; Encyclopaedie der
opera transformando a posse em direito. Da confusão dos Rechiswissenschaft, 1, págs. 585 e 613. Esta acurada distinção começa especialmente
dois institutos originaram-se desvios e erros da doutrina, que com Sawanr, Droit romain, 88 178 e segs. e 237 e segs. Entre os italianos citarei Crront,
Istituzioni, 88 105 e 138, ea magistrai nota de Fanpa e Bensa, às Pand., de Winpscuzmp,
os novos códigos e tratados vão eliminando. É também 1, págs. 1.072-1.082, que, aliás, sustenta a unidade conceitual das duas prescrições. Sobre
consequências dessa confusão o posto que aos dois institutos esse assunto, vejam-se os Trabalhos da Câmara dos deputados, sobre o projeto de Código
Civil, HI, págs. 13-19; e Carpenter, Manual do Código Civil, vol. TV, nºs 5 e seguintes.

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Teoria Gereil do Direito Civil
Clóvis Beviláqua

225 6937-947) e pelo brasileiro, arts. 161 e seguintes e 550 achavam que aquele preceito encontrava a sua razão de ser
a 553, 592 e 593, orientação que lhe veio do Projeto primitivo. na sequência das palavras do mesmo dispositivo (por ser não
dar ocasião de pecar, tendo o alheito indevidamente), e como
Desde que se atenda aos efeitos gerais, da
aleide 18 de agosto de 1869, 8 12, declarou, expressamente,
prescrição, que se aplica às ações, quer reais, quer pessoas,
quer às que se originam das convenções matrimoniais, quer que a suposição de pecado, como motivo das leis, se haverá
às que procedem do direito sucessório ter-se-á de reconhecer por não escrita, consideravam as Ords. Revogadas nesta
que o seu posto é na parte geral, onde ela aparecerá como parte. O Esta última opinião prevaleceu afinal; TEIXEIRA DE
um dos modos pelos quais se extinguem os direitos, ou, pelo Frerras pôde afirmar que, no foro brasileiro, a prescrição
menos, perdem as suas propriedades defensivas. O mesmo extintiva era alegada e atendida sem que alguém se
não é lícito dizer da usucapião, que tem eficácia especializada,
preocupasse com a boa-fé; º o Código do Comércio deu-lhe
e que, em face da melhor organização dos registros prediais, agasalho franco (art. 442), e assim o Civil, que não menciona
vai restringindo a sua ação sobre os imóveis.
esse requisito.
A legislação comparada apóia também esta
solução. É certo que o Código Civil português, art. 535,
) $78 . concede a prescrição ao devedor não inquietado, se estiver
de boa-fé, depois de vinte anos, e, independentemente desse
REQUISITOS DA PRESCRIÇÃO
requisito, depois de trinta. Os outros códigos não aludem à
Os requisitos da prescrição se reduzem a dois: a
boa-fé do devedor, &
negligência ou inação do titular do direito e o decurso do Do que ficou dito sobre o conceito da prescrição,
no $ anterior, conclui-se, forçosamente, que esse requisito
tempo.
Entre nós questionava-se sobre se também é nada tem com a prescrição que é uma função do tempo,
necessária a boa-fé, como na usucapião. O motivo da dúvida atuando dissolventemente, sobre as relações de direito, que
estava na Ord. 4, 79, pr., quando estatuía: - Porém, esta lei se conservam inativas diante dos ataques oriundos dos
não haverá lugar nos devedores que tiverem má-fé, porque & Corro Da Rocua, Inst. nota T.
estes tais não poderão prescrever em tempo algum. Grande “ Tenemra DE Freiras, Consolidação, nota ao art. 854. Vejam-se ainda, no sentido de
não ser a boa-fé requisito essencial da prescrição: ALmeiDa OLIVEIRA, Prescrição, pág.
número de civilistas reinícolas e pátrios, ? fundados nessa 373, CarLOS be CarvaLHO, Direito Civil, art. 963; e M.IC, MENDONÇA, Obrigações, n.
disposição do Código filipino, julgaram indispensável a boa- 420. Em direito romano, a boa-fé não era exigida, e o direito canônico apenas a requeria
em relação às coisas alheias possuídas injustamente (WinpscueiD, Land, $ 11).
fé, para que se pudesse consumar a prescrição. Outros, porém, Declara positivamente o Código Civil espanhol, art. 1.961: Las acciones prescriben
por ei mero lapso de tiempo fijado por ia ley. Por seu lado, diz o Código Civil francês,
art. 2.241: On peut prescrire contre son titre, en ce sens que I'on prescrit la tibération jue
Fon a contractée; o que o italiano, 2.118, 2º parte, traduz deste modo: Ciascuno puo
9 Laurent, Cours, IV, nº 615. Wrspscrem, Pand., $ 107, acrescenta a não satisfação do
prescrivere cantro il proprio titolo in questo senso, che si puô colia prescrizione conseguire
direito. V. CoLmo, Obligaciones, nº 919.
latiberazione dell “obrigazione. Vejam-se ainda o austríaco, 1.478; 0 suiço das obrigações,
O Meto FREIRE, Just., hv. 3, tít. 4. 8 8; Lis Teneosira, Direito civil, II, págs. 133-136;
127,0 argentino, 3.949 e 4,017.
Correia TeLLes, Doutrina das ações, 88 Tle 171.

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

interesses contrários. Na luta entre os interesses, os que não porque a determinação dele é de ordem pública. O estado
reagem, procurando manter-se, hão de ser suplantados. das pessoas tem, além disso um aspecto moral, que não pode
Na usucapião, a boa-fé tem uma função ser posto de lado, e que revela, mais claramente, a íntima
importante, porque dá aparência jurídica ao fato da possse e ligação, que existe entre ele e a organização jurídica da
purifica a aquisição do direito. Mas, na prescrição extintiva, sociedade.
o devedor não adquire um direito, embora lhe seja lucrativa Mas, se as ações relativas à determinação do
a prescrição; é o direito do credor que se torna impotente. estado das pessoas são imprescritíveis, os direitos patrimo-
níais, que dele decorrem estão sujeitos à prescrição.
Não importa que o estado de família possa
$79 | adquirir-se por posse diuturne (nome, fama e tratamento). O
DIREITOS IMPRESCRITÍVEIS ponto-de-vista é outro. Adquire-se o estado por usucapião,
mas não se perde por prescrição.
Não é mister falar aqui dos direitos, que emanam 4º) As ações, que se derivam das relações de
da soberania, ou que constituem funções públicas. Estamos família e tendem a exigir um fato ou uma omissão correspon-
no campo do direito privado. dente a um determinado estado familiar. º Exempios: a ação
Não estão sujeitos à prescrição nem à usucapião: para pedir alimentos persiste apesar de não se ter exercitado
19) Os direitos, que são emanações imediatas, por longo espaçõ de tempo; o marido pode revogar, em
ou modos de ser da personalidade, como os direitos de vida, qualquer tempo, a autorização dada à mulher para comerciar,
honra e liberdade; o direito de autor (parte pessoal), e o nome respeitados os direitos de terceiros.
ou firma comercial, 59 Os imóveis dotais estimados taxationis causa
2º) Os bens públicos de uso comum. & Referem-se alguns autores às coisas, que consis-
3º) As ações de estado, isto é, as que se destinam tem em simples faculdades (res merae facultatis), mas não é
a fazer reconhecida a situação jurídica da pessoa no Estado muito correto destacar esta classe entre as ações imprescri-
ou na família, por exemplo: como cidadão, pai, cônjuge ou tíveis por motivos óbvios. Em primeiro lugar, as faculdades
filho. 9 O estado da pessoa é a situação jurídica a eia atribuída não são direitos e sim manifestações, irradiações, conse-
pela ordem jurídica em determinadas circunstâncias, desde guências, aplicações de direitos e, enquanto subsistir o direito,
que se demonstre a existência dessas circunstâncias, é forçoso que serve de base à faculdade, ela se manterá; desaparecendo
que o estado correspondente seja reconhecido à pessoa, essa fonte, ela se extinguirá. Não são as faculdades formas -
especiais de direitos, são modos comuns de se manifestar a
9 Veja-se o 8 7.
2) Veja-se o 8 39.
3 Meu Direito da familia, 8 66; PanDa é Bensa, nota ií às Pand.. de WiINDscrEID, É, pág. & Código Civil alemão, art. 194, 2º parte.
1,083; Armeia OLiveira, Prescrição, pág. 375; Código Civil alemão, art. 194, 2º parte; & Armena OLvERA, Prescrição, pág. 124; Cód. 5, 12, 1, 30; Wnwscuemm, Pand., 1, 8
francês, 328; italiano, TT. 109, 2.

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Clóvis Beviláguea Teoria Geral do Direito Civil

expansão do poder, em que o direito consiste. Em segundo de ser exposto. No direito pessoal, distinguem-se as pres-
lugar, a prescrição, como ficou exposto no $ anterior, tações positivas das negativas. Se a obrigação se tem de
pressupõe a negligência do titular do direito mais a criação cumprir por um ato positivo do devedor (dare vel facere),
de uma situação social contrária e, na hipótese das faculdades desde o momento em que ele não o cumpriu violou o direito
não exercidas, não se pode alegar nem essa negligência nem do credor, e a prescrição se iniciou, isto é, um estado contrário
essa atividade oposta. O ao direito particular do credor começou a formar-se. Se a
Um dos casos desta espécie, que às vezes vem obrigação tem de cumprir-se por uma omissão (non facere)
destacado, como constituindo um tipo à parte, é a ação de a violação do direito se dá, quando o devedor pratica o ato
divisão, por ser possível enquanto existir o estado de contrário à inação, a que se tinha obrigado,
comunhão. O que se dá neste caso, como nos outros, é que, Aplicando este princípio aos direitos condicio-
prolongando-se, o estado de comunhão não cria uma situação nados, ver-se-á que a prescrição somente pode começar, a
nova oposta à divisão. Esta é um direito atribuído aos que respeito deles, depois do implemento da condição; da mesma
possuem bens indivisos; enquanto há indivisão, têm os forma, os direitos dependentes de termo somente com a
consortes o direito de pedir que ela cesse. realização deste podem começar a prescrever. O É o que
Como diz WINDSCHEID, a ação de divisão renasce estrabelece o Código Civil Brasileiro, art. 170: “Não corre
a cada momento. igualmente (a prescrição): 1º Pendendo condição suspensiva,
2º Não estando verncido o prazo. & mas acrescenta o Código.
3º Pendendo ação de evicção.”
| $ 80 É este um caso particular de direito condicional,
DO INÍCIO DA PRESCRIÇÃO por isso que o direito do adquirente fica dependente do
resultado da evicção, que atua, no caso, como um fato futuro
A prescrição das ações reais começa a correr do e incerto. Se o alienante, chamado à autoria, decair, o evicto
momento em que alguém perturba o direito, praticando atos perderá o objeto do seu direito; se vencer, volverá a coisa ao
constitutivos dele ou incompatíveis com a sua existência. Sem patrimônio do adquirente. Durante a contenda judiciária, a
dúvida, a prescrição nasce no momento em que o titular do relação jurídica sobre o objeto do litígio está em suspensão.
direito pode exercer a sua ação deixa de fazê-lo; O porém, O art. 168, IV, diz também que a prescrição não
no direito real, esse momento se fixa pelo modo que acaba corre “em favor do credor pignoratício, do mandatário, e,

“9 Fappa e Bensa, lugar citado, pág. 1.087. O WesoscrsiD, Pand., 8 107, ALmeDAa OLrvERRA, Prescrição, pág. 382; Cód. 7,39, 1, 7,
9 Pandectas, 1, 8 106. 88,45, 1,31; inítio, Cód. Civil francês, art. 2.257; italiano, 2.210; boliviano, 1.152.
OD Ord. 4, 79, pr.: “Se alguma pessoa for obrigada a outra por alguma coisa ou quantidade &) Semelhantemente: FrLicio Os Santos, Projeto, art. 1.391; Cortmo Ronricuzs, 238,
-.. poderá ser demandada até trinta anos, contados do dia, que essa coisa ou quantidade nº des.
haja de ser paga, em diante, DernBura, Pam, 8 146; Wixpscreim, Pand., 8 107; ALMEIDA “> Projeto CorLHo RoprisuRs, art. 233, nº 6; primitivo, 192, nº 6; Corno DA RocHa,
Orivera, Prescrição, pág. 382; Código C ivil alemão, art. 198. Inst., 8 457, Código Civil francês, art. 2.257; italiano, 2.120,

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Clóvis Bevilágua Teoria Geral do Direito Civil

em geral, das pessoas que lhes são equiparadas, contra o dupla obrigação de guardar o objeto depositado e entregá-
depositante, devedor, mandante e pessoas representadas ou lo, desde que for pedido, e este estado de espírito e de relação
seus herdeiros, quanto ao direito e obrigações relativas aos jurídica impede o início da prescrição.
bens confiados à sua guarda.” Disposição semelhante Nas ações regressivas, inicia-se a prescrição,
encontra-se em outros corpos de lei: & mas o motivo alegado quando se verificam os pagamentos, que as motivam, acres-
para a inclusão desta regra, a má-fé do prescribente, está centam alguns autores, a meu ver inutilmente, pois somente,
claramente mostrando que laboravam em equívoco os seus com esse pagamento é que nasce, para o solvente, o direito
autores; colocaram-se no ponto-de-vista da usucapião, de regresso.
esquecendo que desenvolviam a teoria da prescrição A prescrição iniciada contra uma pessoa continua
extintiva. Efetivamente, que é que se diz não prescreve? O a correr contra o seu herdeiro. ?
direito do proprietário devedor sobre a coisa empenhada,
depositada, ou o do mandante sobre a coisa entregue ao
mandatário? Se é disso que se trata, a matéria pertence à $81
teoria da usucapião. Mas, paga a dívida garantida pelo penhor, DAS CAUSAS QUE IMPEDEM OU SUSPENDEM A
posto o objeto do depósito à disposição do dono, e continuan- PRESCRIÇÃO
do em poder do ex-depositário, porque se há de dizer que
não prescreve a ação ded pedir a restituição do objeto empe- Suspensão da prescriçãoé a parada, que o
nhado ou depositado? direito estabelece, por considerações diversas, ao curso cela,
Enquanto não se extingue a obrigação, no caso ou O impedimento que opõe ao seu início.
do penhor, não é possível iniciar-se a prescrição, porque não Não corre a prescrição:
podia o devedor esigir o objeto empenhado. No caso do 1º) Entre cônjuges, na constância do matrimônio;
depósito, o depositante pode, a qualquer momento, exigir a 2º) Entre ascendentes e descendentes, durante o
restituição do objeto depositado, mas a prescrição somente pátrio poder;
depois de extinto o depósito começa a correr, porque, só 3º) Entre tutelados e curatelados e seus tutores
então, com a cessação do vínculo jurídico entre o depositante ou curadores, durante a tutela ou curatela.
e o depositário, é possível estabelecer-se um estado de fato
contrário ao direito do primeiro, só então se lhe pode atribuir € Armeina O Liveira, Prescrição, pág. 382.
negligência. Subsistindo o depósito, o depositante se acha na “O Código Civil, art. 163; da dustria, art, 1.439; alemão, 221; Projeto Cosmo RoDrisuEs 7
primitivo, 186.
() Corno pa Rocua, Inst., 8 457; ALMEIDA OLIVEIRA, Op. cit, págs. 136-143; Código
9 Código Civil francês, art. 2.236; iteuliano, 2.115; português, 510; mexicano, 1.070; Civil francês, aris. 2.252 e 2.253; italiano, 2.119; federal suíço das obrigações, 134,
Projeto FeLicio pos Santos, 1.343. nº 1-3; português, 5.151, nºº 1 e 2; alemão, 204; austriaco, 1.495; argentino, 3.966 e
3.969; chileno, 2.509; mexicano, 1.115, nº” I-HI O Código Civil do Japão, art. 159,
9 Esta disposição resultou de uma emenda do Sr. Conselheiro ANDRADE FIGUEIRA,
admite a prescrição nestes casos, mas não permite que se consuma antes da expiração de
CaRPENTER, afora as considerações do texto (op. cit, nm? 90).
seis meses, contados do momento em que cessam o pátrio poder e a tutela ou se dissolve
O Wipscuern, Pand., 8 107, nota 10; CozLHo DA RocHa, Inst., 8 457.
o casamento.
394 395
Teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Beviláqua
Pelo direito romano, a prescrição de três anos
Pelo direito romano, também não corria a pres-
não corria contra os menores interditos, 2 e a de trinta anos
crição entre filhos sob o pátrio poder e os pais, em relação
e mais somente não corria contra os impúberes. 9 O Código
aos bens adventícios, O mas corria entre cônjuges salvo o
Civil português, art. 549, não admite a prescrição entre os
direito de revogação, quando assumia o caráter de liberali-
menores ou dementes, enquanto não tiverem quem os repre-
dade. & Os bens dotais estavam isentos de prescrição.
sente ou administre os seus bens. No art. 550, estabelece o
As considerações, que determinam o impedimento
mesmo código que a prescrição só se completa contra o
do início ou curso da prescrição, nos casos que acabam de ser
menor, passado um ano depois de findo o impedimento da
apontados, entre cônjuges, entre progenitores e filhos-famílias
menoridade. O alemão, art. 206, determina que, se o incapaz
entre tutores ou curadores e pupilos ou curatelados, são de
se acha sem representante legal a prescrição só se consuma
ordem moral. As relações afetivas que devem existir entre essas
contra ele, seis meses depois de adquiria a capacidade plena
pessoas, a obrigação que umas têm de proteger as outras e
ou de estabelecida a representação.
velar por seus interesses, justificam o preceito legal que as
Estes dois códigos atenderam a ponderações
impede de liberar-se por prescrição. Acrescente-se a isso que
feitas por alguns autores, quanto ao impedimento da incapa-
a confiança, que deve reinar entre elas, daria a feição de abuso
cidade. Entendem esses escritores que, tendo os incapazes
reprovável a esse lucro de umas fundado na inação das outras.
os seus representantes, não há razão para colocá-los a salvo
Estas razões são, sem dúvida, mais valiosas do que
da prescrição, pois se esta os prejudicar, terão ação contra o
a invocação do brocardo — contra non valentem agere non currit
representante desidioso, para ressarcir o prejuizo. Mas,
praescriptio, que não teria aplicação a todas as hipóteses.
incontestavelmente, é melhor avisado o legislador que não
Também não corre prescrição:
expõe os absolutamente incapazes, que nenhuma intervenção
19 Contra os menores de 16 anos e outros
absolutamente incapazes (89); têm nos atos jurídicos praticados por seus pais ou tutores,
2º) Contra os ausentes do país, em serviço público; aos azares dessa indenização falível.
Além das pessoas acima indicadas, lembram
3º) Conira os que se acharem servindo na armada
alguns, ainda, os compossuidores, o herdeiro na herança aceita
ou no exército em tempo de guerra. &
a benefício de inventário, e aqueles cujos bens foram confiados
a administrador legal. Mas parece inútil examinar estas
B Cód. 7,40,1. 1.82. hipóteses Quanto aos compossuidores, não se compreende
BD Vax Werrr, Droit civil, pág. 297. como possam prescrever entre si, desde que cada um possui
9 Código Civil, art. 169, A Ord, 4, 79, 8 2, falava apenas dos menores de 14 anos sem
distinção de sexo, e o Código Comercial, art. 452, dos que servem na armada e no exército, somente uma parte ideal, possuindo todos conjuntamente cada
em tempo de guerra. Cortto pa Rocxa, acrescentava os ausentes a serviço do Estado. O
nº 1º pode invocar o apoio do brocardo contra non valentem agere nom currit
praescriptio e encontra semelhança nos Códigos Civis seguintes: francês, art. 2.252; (9 Cód. 7,35,1.3.
italiano, 2.120; argentino, 3.966; chileno, 2.509; e uruguaio, 1.217. V. os Projetos de t) Cód. 2, 41, 1. 5 combinado com Cód. 7,39, 1.3, 8 L,infine; Van Werter, Droit cívil,
FeLicio Dos Santos, art, 1.390, nº 4; Como Ronricuss, 238; primitivo, 192. Adde; M. pág. 297.
1. C. Menvonça, Obrigações, nº 431. V.
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396
Clóvis Beviláque Teoria Geral do Direito Civil

uma das partes do bem. A herança, enquanto não partilhada, se exercer por um ato do titular, fazendo, diretamente, cessar
acha-se na propriedade e posse comum dos herdeiros. A o estado de fato, praparatório ou formador da prescrição, ou
situação é, assim idêntica à anterior. O Quanto ao adminis- por uma intervenção da autoridade pública. Entendem alguns
tradror legal, postos de lado o pai, o autor e o curador, que que a prescrição extintiva não pode ser interrompida senão
já foram considerados, nenhum merece especial menção, rela- civilmente; mas não é bem fundada essa opinião, porque, nas
tivamente ao caso agora examinado. Os presidentes da ações que tendem a reaver a posse de uma coisa, o fato de
República ou dos Estados, os ministros, não se acham em ter sido o réu privado da mesma posse é uma interrupção. 2
situação de poderem alegar prescrição contra a fazenda Os fatos dos quais resulta a interrupção da
pública. prescrição são os seguintes:
A suspensão da prescrição em favor de um dos 19 Citação pessoal feita ao devedor, ainda que
credores solidários só aproveita aos outros, se o objeto da ordenada por juiz incompetente. &
Mas não tem o efeito de interromper a prescrição
obrigação for indivisível. &
a citação nula por vício de forma, por circundação ou
perempção da ação. º Para que a citação destrua a formação
do direito do prescribente, deve ser válida e acusada em juízo;
5 82 nula, desfaz-se por si, não inquieta o devedor, passa desper-
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO cebida na vida jurídica. A exceção, que se abre em favor da
citação feita por juiz incompetente, justifica-se, não só porque
1 — Pela interrupção da prescrição, inutiliza-se a inatéria de competência oferece dificuldades, que, às vezes,
a prescrição já começada. Difere da suspensão em que, embaraçam os próprios juízes, dando lugar a conflitos, e seria
nesta última, a prescrição continua o seu curso, logo que iníquo, nessas condições negar o efeito interruptivo da
desaparece o impedimento, e na interrupção o tempo anterior- prescrição a citações ordenadas por juízes incompetentes, &
mente decorrido fica perdido para o prescribente, ainda que, como, ainda, porque uma tal citação vai atingir o prescribente
em seu favor, se inicie nova prescrição, cujo lapso de tempo
se conta, desde que se ultima o ato interruptivo, se novamente
O Mavynz, Droit romain, 8 39,
volta à inação o titular do direito. 8 Cód, Civil, art. 172,1, Comercial, art. 453, 2º, conforme a melhor interpretação; M.I.C.
A interrupção diz-se natural ou civil, conforme cg Menponça, Obrigações. nº 434; Código Civil fencês, art. 2.246; italiano, 2.125,
pr.; argentino, 3.986, Este Código é mais radical, considerando interrompida a prescrição
pela citação nula por vício de forma. É também o parecer de dimeDa OLivEIRA, Prescrição,
pág. 163, nota 20, e de Pranto, Trair'r, 1, nº 1,322. No sentido do texto: Projeto CoBLHO
“ Em relação aos credores da herança, nada justificaria o favor que os isentasse da Ropriuss, art. 2421, 8 1; primitivo, art. 194, 1º. João Montero, Processo, II, nota 5,
prescrição. achava que somente à citação perante o juiz competente deve ligar-se efeito interruptivo
8 Código Civil Brasileiro, art. 171; italiano, art. 2.122; argentino, 3.981 63.982; Projeto da prescrição, poistal é a doutrina romana, Este ponto, porém, é controvertido (DERNBuRS,
Corgo Ropriauss, art. 241; primitivo, 193. Pand., 8 148, nota 6).
D ArmeDa OLivera, Prescrição, pág. 155; Carpenter, Manual, IV, nº 117 e segs.; 9 Código Civil, art. 175; CarLOs DE CarvaLHO, Direito Civil francês, art. 2.247, italiano,
EspixoLa, Sistema, I, págs. 423-424; CarvaLHO DE MENDONÇA, (M.L), Obrigações, E, nº 2.128; mexicano, 1.117, IX; boliviano, 1.543; Projeto CozLHo Roprists, 244; primitivo,
431, Vampré, Manual, I, 8 22; ALmacuto Drsiz, Primeiros princípios, I, 8 51; Numa DO 196.
Vacie, Da prescrição extintiva, 851. 9 PrantoL, Traité, 1, nº 1.521.

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Clóvis Bevilágua Teoria Geral do Direito Civil

de um modo mais direto do que a citação nula por vício de 11 — A interrupção pode ser promovida não só
forma. Se a citação contém vícios de forma, sana-os o pelo próprio titular do direito em via de prescrever, ou por
comparecimento do réu em juízo; portanto, a citação quem legalmente o represente, como por qualquer terceiro
defeituosa quanto à forma só não interrompe a prescrição do que tenha legítimo interesse, em que a prescrição se não
revel, porque não o atinge, pode até ser-lhe desconhecida, consume. 4
quando feita por edital ou ainda com hora certa, em dadas A interrupção da prescrição feita por um dos
circunstâncias. Feita por juiz incompetente, o réu comparece credores solidários aproveita aos outros. Quando um dos
para argúir a incompetência e neste simples fato estão os devedores solidários reconhece a obrigação, prejudica os seus
elementos contrários à permanência da prescrição. Se não se consortes. “2 E uma consegúência forçosa dos princípios da
admite este efeito interruptivo da citação, poderia acontecer solidariedade.
que o feito somente fosse anulado, em razão da incompe- Interrompida a prescrição relativamente ao
tência, na segunda instância, e, apesar de todo esse debate herdeiro de um dos devedores solidários, não obriga aos
judiciário, o titular do direito visse esvair-se a sua ação, outros herdeiros ou devedores, salvo se a obrigação for indi-
quando desenvolvia o maior esforço para fazê-la vingar, e visível. Para que se interrompa, neste caso, a prescrição, é
ter assegurado o seu direito. Seria uma extorsão legal.
preciso que o ato de interrupção seja notificação a todos os
2º) Protestos. É
herdeiros do devedor solidário, ou ao cabeça de casal, ou ao
3º) Apresentação do título de crédito em juizo
inventariante. O reconhecimento da dívida, para ter efeito
de inventário ou em concurso de credores.
interruptivo, deve ser feito por todos os herdeiros. 42.
49 Qualquer ato judicial que constitua em mora
No caso de ser interrompida a prescrição somente
o devedor. &
59 Qualquer ato inequívoco, ainda que extra-
em relação a um dos herdeiros do devedor solidário, a massa
judicial, que importe reconhecimento do direito por parte hereditária fica sujeita ao pagamento da quota não prescrita
do obrigado, como uma carta, a renovação da obrigação, do herdeiro que se confessa devedor, ou a quem foi notificado
um pedido de espera, o pagamento dos juros, a fiança.
89 Cód, Civil, art. 174; Projeto CogLHo Ropricuss, art. 243; primitivo, 195; M.LC. DE
9 Cód. Civil, art. 172, H; Comercial, art. 453, 3º; Projeto CorLuo RoprIGuES, art. 242, Menponça, Obrigações, nº 435.
8 1; primitivo, 194, 2º, Armena OLivera. Prescrição, pág. 169; M.LC. e MENDONÇA, . SM Cód, Civil, art. 176, $ 1º, Arg. Do Cód. com,, art. 454, 2º al; ALMEIDA OLIVEIRA,
Obrigações, nº 434, IX, T. e Freitas, Consolidação, art. 855, nota 3. Prescrição, pág. 173; meu Direito das obrigações, 8 24; M.LC, rE MENDONÇA,
O Cód, Civil, art. 172, 11; federal suíço das obrigações, art. 134, 2º, Projeto Cosino Obrigações, nº £33; Cód, 8, 40, 1, 3; Código Civil francês, art. 2.249, initio; italiano.
Ropricurs, atí. 242, 8 2: primitivo, art. 194, 3%, Wixoscneim, Pand., 8 108. 2.130. inítio, e 2.131, federal suiço das obrigações, 135; português, 534 = 558; argentino,
89 Cód. Civil, art. 172, IV) italiano, art. 2.125; Projeto Corno RoprIcuEs, art. 242, 8 3; 3.994; uruguaio, 1.214; boliviano, 1.545; Projeto Corno Ropricuss, 245; prímitivo,
primitivo, 194, 4º; M.LC, pe Menconça, Obrigações, nº 434, IV, 197.
9 Cód. Civil, art. 172; V. Terxeira De Freiras, Consolidação, art. 855, nota 3; CARLOS 42 Cód. Civil, art. 176, pr; Com, art. 454; Cartos pp CarvALHO, Direito civil, art. 984;
pE CarvaLHo, Direito civil, art. 982, d; MIC. pz Mendonça, Obrigações, nº 434, V; ALMEIDA OLIVEIRA, Op. cit. pág. 173, Cód, Civil francês, art 2.249, 2º parte; italiano,
Aveia OLIVERA, Prescrição, págs. 170-172; Winpscmein, Pand., $ 108; Cód. fed. Suiço 2.130, 2 e 3º partes; argentino, 3.995; uruguaio, 1.214, 2º; boliviano, 1.546 e 1,547;
das cbrigações, art. 154, 1º italiano, 2.119; francês, 2.248; Projeto CorLHo RODRIGUES, Feticio Dos Sastos, Projeto, art. 1.384, 2º parte; CorLHo RopricuEs, 245, 88 1 e 2;
art. 242, 8 4; primitivo, 194, 5º, primitivo, 198,

400 401
Clóvis Bevilágue Teoria Geral do Direito Civil

no ato da interrupção. “% de alegar a prescrição, ou a renúncia, achando-se insolvente


A declaração da falência do devedor interrompe no momento da renúncia ou da abstenção, porque, embora,
a prescrição; só a quitação ou a renúncia exonerará a massa em princípio, seja livre a cada um alegar ou não a defesa da
ou o falido. “2 A razão é que, com a declaração da falência, prescrição, neste caso, tal liberdade seria inadmissível. O deve-
desaparecem os dois fatores da prescrição: a negligência do dor fraudaria, assim, os interesses do credor; a prescrição
credor, pois que todos os credores se associam no concurso consumada importa em um aumento do patrimônio, e este
para a liquidação da massa falida; e a formação de um estado responde pelas obrigações da pessoa. 2º) Outros interessados,
contrário ao direito do mesmo credor, porque a declaração como sejam: o fiador e o garante. 2 3º) O herdeiro, se o de
de falência importa liquidação dos bens do falido para cujus não renunciou a prescrição. É claro que, por herdeiro,
pagamento dos credores, e, se intervém concordata, esta se entende quem é chamado a suceder uma pessoa já falecida,
equivale ao reconhecimento das dívidas. e não o que o é apenas presuntivamente.
A interrupção feita em relação ao devedor
principal ou o reconhecimento da dívida efetuado por ele, Hi — A prescrição pode ser alegada contra quais-
prejudica o fiador, mas a interrupção realizada para com este quer pessoas naturais ou jurídicas, desde que o direito seja
não prejudica o devedor principal. 4 prescritível. & As exceções numerosas, a que se referiam os
antigos escritores, não tinham fundamento em lei nem na boa
« lógica jurídica, O que o direito estatui realmente, e é conforme
583 . à equidade, é que fica salva, às pessoas legalmente privadas
QUEM PODE ALEGAR A PRESCRIÇÃO E da administração de seus bens, ação regressiva contra seus
CONTRA QUEM SE ALEGA representantes, quando a prescrição for devida à negligência
ou dolo dos mesmos. &
1 — Sendo a prescrição um instituto destinado a O princípio dominante, nesta relação, é que a
manter a paz pública, aproveita a todos. Podem, assim, ser prescrição pode ser oposta contra qualquer pessoa, relativa-
favorecidos por ela não só os capazes como os incapazes, as mente à qual haja interesse de fazê-lo. &
pessoas naturais como as jurídicas. Essas mesmas pessoas,
por si ou por seus representantes, podem alegar a prescrição.
“DCód Civil, art. 162; CarLOS DE CarvaLHO, Direito civil, artigo 441; ALMEIDA OLIVEIRA,
Podem alegá-la também: 1º) o credor, se abstém Op. cit, pág. 81-86; Código Civil francês, art. 2.225; italiano, 2.112; português, 309;
espanhol, 1937, argentino, 3.963; mexicano, 1.069; boliviano, L41&; Projeto FeLtcio
DOS Santos, 1,331; CosLHo RopRiGyes, 220: primitivo, 182.
3) Código Civil francês, art. 2.249, 3º parte; italiano, 2.130, 3º parte; Projeto FeLicIO Cód. Civil, art. Cit; ALmeDA OLiVERA, Op. cif., págs. 87-90; os Projetos e códigos
pos Santos, 1.384; CogLHo RopRIGUES, 246; primitivo, 199. citados à nota antecedente.
49) Lei nº 2.024, de 17 de dez. De 1908, art. 50, €) Vejam-se as citações da nota 1, e mais Código Civil, art. 163.
€3 Cód. Cívil, art. 176, 8 3; Cód. 8, 40, 1. 5; Código Civil francês, art. 2.250; italiano, Cód, Civil, art. 164; Van Werrer, Droit civil, pág, 302; Código Civil fencês, art.
2.132; português, 556; mexicano, 1.221; argentino, 3.997, uruguaio, 1.215; boliviano, 2.278; Projeto Costno RopriguEs, 223; primitivo, 185; atual, 168.
1.548; fed. suíço das obrigações, 155; Cormo Ropricues, 248; primitivo, 200. 9 Huc, Commentaire, XIV, nº 333,

402 403
Clóvis Bevilágua Teoria Geral do Direito Civil

Se o interessado não alegar a prescrição, natural- A. razão do primeiro requisito está em que a
mente é porque a ela renuncia e, portanto, o juiz não a pode prescrição é um instituto de ordem pública, não pode ser
decretar, ainda que por outros meios verifique a sua consu- afastado pela convenção dos particulares. Se fosse admissível
mação. O Invito non datur beneficium. a renúncia antecipada, seria, como diz Leon Gomes, uma
É admissível alegar prescrição contra a massa cláusuia comum em todos os contratos, e, por esse modo,
falida, quando em benefício dela for intentada ação, para estaria anulado o instituto. Depois de consumada a prescrição,
anular atos viciados por fraude de ambas as partes contra- o prescribente adquiriu um direito que pode livremente
tantes. O renunciar, se tiver capacidade para dispor de seus bens.
A renúncia não poderá, ser feita em prejuízo de
terceiro. Seriam com ela prejudicados os credores do
5 84 . prescribente. O seu fiador ou garante não necessita de opor-
DA RENÚNCIA DA PRESCRIÇÃO se à renúncia, porque a prescrição, extinguindo a dívida, eles
estão exonerados, e se o devedor, por ato seu, anula este
1 — A prescrição é renunciável, e a sua renúncia efeito resolutivo do tempo, não o anula em relação ao fiadorO
obedece aos princípios gerais da espécie, mas tendo regras Se a renúncia for feita por devedor solidário ou
que lhe são peculiares. co-devedor de obrigação indivisível, não pode ser oposta aos
Para que seja válida a renúncia da prescrição, outros, cuja condição não pode piorar por ato exclusivamente
exigem-se os seguintes requisitos: seu.
19) Que se dê depois de consumada a prescrição; HH — A renúncia da prescrição é uma declaração
2º Que não seja feita em prejuizo de terceiro; unilateral da vontade, que pode ser expressa ou tácita. A
3º) Que o renunciante esteja na livre adminis- expressa resulta de um ato positivo do prescribente, ao qual
tração de seus bens. não impõe a lei forma determinada, podendo ser feito por
escrito particular ou verbalmente, e admitindo a prova teste-
6 Cód. Civil, art. 166; ALMEIDA OLIVEIRA, Op. Cif., págs. 222-223; CARLOS DE CARVALHO, munhal. &
art 966; meu Direito das obrigações, 8 52; Van Werter, Droit civil, pág. 291; HUC,
Commentaire, XIV, nº329; Código Civil francês, att. 2.223, italiano, 2.109; português, A renúncia tácita resulta de um ato do
S15; argentino, 3.964; chileno, 2.493; suiço das obrigações, 142: japonês, 165; Projeto
Feucio Dos Santos, 1.321, pr.; CortHO Ropristes, 233; primitivo, 187. V, o meu Em
eefesa, págs. 3357-360, .
& Código Civil francês, art. 2.225; italiano, 2.212, federal suiço das obrigações, 159. .
O Leinº 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 56.
infine; argemino, 3,963; meu Direito das obrigações, 8 52, AmeDA OLIVEIRA, OP. Cit,
Cód. Civil, art. 161; Van Werrer, Droit civil, pág. 291, ALMEIDA OLIVEIRA, OP. Cil., pgs. págs. 213-214; Projeto primitivo, 182.
185 esegs.; CarLos DE CaryALHO, Direito civil, art. 441, Eve, Comin., SIV, nºº 319.328, . 3 Cód. Civil, art. 161. Vejam-se as citações da nota antecedente e o $ 81.
A. Leon Gomes, op. cit., pág. 93; Cód. Civil francês, arts. 2.220, 22226 2.225; italiano. & Cód. Civil, art. 161; ALMEIDA OLIVEIRA, Op. cit., págs.190 e segs.; meu Direito das
2.107,2.108€2.112; português, 508 e 509; espanhol, 1.935 e 1.937; argentino, 3,963 e obrigações, 8 53; A. Leon Gomes, op. cit., págs. 93-94; Vaw Werrer, Droit romain,
3.965; chileno, 2.494 -2.496; uruguaio, 1.163, 1.164 e 1.166; japonês, 146; fed. suiço pág. 291; Huc, Commentaire, SIV, nº 324; Código Civil francês, art. 2.221; espanhol,
das obirgações, 141; boliviano, 1.513 1.514; peruano, 527; FeLicio DOS Santos, Projeto, 1.935, 2º parte; chileno, 2.494; uruguaio, 1.163; mexicano, 1.067; Projeto FeLicio pos
1322-1,325; Coro RopriGuEs, 218; primitivo, 180; atual, 165.
Saxtos, 1.325; CorLHo RODRIGUES, 219: primitivo, 181; atual, 165.

404 405
teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Beviláqua
ca a fim de que possam melhor ser percebidos.
interessado, incompatível com a vontade de prevalecer
te a dívi A O efeito principal da prescrição é extinguir a ação
prescrição, como se paga integral ou parcialmen
ento po assecuratória do direito. Desse primeiro efeito decorrem
prescrita, sendo, neste último caso, feito o pagam
credor, se outras conseguências, como sejam: 1º) que se opera uma
conta da dívida inteira; se oferece garantias ao
ão alteração nos patrimônios respectivos do prescribente e do
pede indúcias para pagar, exige compensação, faz novaç
ento do direit o antigo titular do direito, o primeiro avantajando-se e o
ou realiza outro ato que importe o reconhecim
segundo sofrendo diminuição; 2º) que somente os interes-
do credor.
sados podem alegá-la, o juiz não tem direito de a suprir de
HI- A prescrição pode ser alegada em qualquer ofício; 3º) que pode ser renunciada; 4º) que, apresentada em
instância. O É certo que, finda a instrução da causa, já não qualquer estado da causa, faz decair o autor, porque a sua
tem mais cabimento a alegação dessa defesa, porque, nesse ação não tinha existência real; 5º) que, prescrito o direito
estado, somente resta ao juiz sentenciar, mas, enquanto não principal, com ele prescreve o acessório.
está encerrado o processo, seja na primeira, seja na segunda — Discutem os escritores sobre se a prescrição
instância, a prescrição pode ser invocada como defesa do extingue, simplesmente, a ação ou se penetra, mais profunda-
réu. Ainda na execução, é direito seu apresentá-la sob a forma mente, e vai alcançar o cerne da relação jurídica, ou, final-
de embargos. *: o mente, se, deixando a ação e o direito intactos, apenas lhes
Não sendo, porém, alegada, o juiz não a pode tolhe a eficácia, ) Ainda que puramente teórica e algo sutil
suprir de ofício, como ficou dito no 88 83, RH. não é destituída de interesse prático essa discussão, porque,
segundo a opinião aceita, se deduzirão princípios a aplicar
em várias situações.
$ 85 o Já ficou anteriormente indicada a opinião, que
DOS EFEITOS DA PRESCRIÇÃO me parece mais conforme a razão e a teoria geral do direito:
é a que vê na prescrição apenas a destruição do elemento
Os efeitos da prescrição já foram indicados nos defensivo do direito. E não há necessidade de distinguir os
parágrafos anteriores, mas é útil considerá-los em particular, direitos reais dos pessoais, para dizer que os primeiros se
esvaem com a prescrição e os segundos, por estarem providos
de um número indeterminado de ações, subsistem apesar da
9 Cód. Civil, art. 162; ALMEIDA OLIVEIRA, OP. Cit., págs. 177 e segs. Leon Cons op.
cit., pág. 94; Huc, Conmentaire, XIV, nº 332; Código Civil francês, art. 2.234; ita a prescrição. Em qualquer dos casos, a situação é a mesma,
2.10; uruguaio, 1.163; Projeto FeLicio DOS SANTOS, 1.329; CorLHo RopriGUES, ;
rimitivo, 183. | ] o
A Reg. 737, art. 577, 87, ALMEIDA OLIVEIRA, OP. Cif., PáB. 182.0 Cód. do Processo
1. ns MD Wiwpscneim, Pand., 1, 8 112 cas notas MA de FaDDa é Bexsa; Saviony, Droit romain.
e Comercial, para o D. E. Parece restringir este efeito da prescrição, nos a s.
: ai ne V, 88 245-251; Dernauro, Pand., 8 150; Komzr, Lehrbuch, 1, 8 84; Droit romain,
1.086, com as cláusulas — supervenientes à sentença eocorridos depois V,
HI, pág. 550; Som na Systematisch Rechiswissenschat, pág. 32; EnDEMaNN, Einf., 1,8 90,
o que não é admissível, V. os Códigos do Processo Civil, do Ceará, arts. -266,
HE, ALMEIDA OLIVEIRA, Op. Cif., págs. 225-226; Carpenter, Manual, XV, nº
1.268, e de Minas, arts. 1.400, 3º e 1,401, 2º que atendem 20 efeito da prescrição. 16.

406 407
Teoria Geral do Direito Civil
Clóvis Beviláqua

tratando-se de prescrição extintiva: o direito prescrito perde | 386


o seu tegumento protetor, a vontade do titular já não tem DA PRESCRIÇÃO DAS EXCEÇÕES
idoneidade para provocar a reação da ordem jurídica, do
poder público organizado, para lhe garantir o gozo jurídico o A prescritibilidade das exceções tem sido matéria
do bem. de insistente debate entre os escritores. CHIRONI ensina: “a
Deste mesmo parecer é o ilustre KoHLER, a quem execeção prescreve como a ação, e, como para esta, a pres-
peço a corroboração do que fica exposto, transcrevendo-lhe crição decorre do dia em que nasce, isto é, do dia em que é
as seguintes proposições: “A consequência da prescrição não intentada a ação que deve repelir” Este princípio é verda-
é a extinção do direito; em substância ela atinge somente à deiro e a idéia da imprescritibilidade, que a muitos parece
faculdade de exigir de outrem uma açãoi ou emissão incontestável, ? vem de que não atendem ao momento, em
que nasce a exceção, nem ao caráter dela, que é o de uma
(Anspruch). Não extingue, porém, essa faculdade em st, tira-
ação que se levanta contra outra, e se deixam influenciam
lhe o poder de reagir; e ainda não extingue, diretamente, esse
pelo antigo adágio, hoje repudiado pela melhor doutrina, ao
poder, e, sim, por meio de exceção; isto é, a prescrição
menos, com a feição que lhe dão: quae temporalia sunt ad
modifica a ação de modo que o devedor tem a faculdade de agendum, perpetua sunt ad excipiendum.
à repelir e declará-la incapaz de reação.” O A exceção de coisa julgada pode ser oposta,
Para prova de que o direito subsiste, apesar da qualquer que seja o tempo decorrido depois da sentença. Quer
prescrição, ainda que privado de um elemento essencial, ainda isto dizer que tal.exceção não prescreve? Não; quer dizer
que impotente, é que a prescrição, depois de consumada, que a idéia de prescrição nada tem a ver com esse meio de
pode ser tacitamente renunciada, e o direito readquire a sua defesa, que os elementos constitutivos da prescrição aqui não
vitalidade; é ainda que, se o pagamento da dívida for feito se reúnem.
depois da prescrita, é juridicamente válido, não tendo, em tal . O mesmo raciocínio pode ser aplicado em relação
caso, o solvente direto de repetí-lo, nem podendo o accipiente à exceção de prescrição. Há impossibilidade lógica de aplicar-
ser acusado de enriquecimento ilegítimo. lhe a noção de prescrição, e, por isso mesmo, não se pode
Se o direito estivesse extinto, outras seriam as dizer que seja ou deixe de ser prescritível. O
O que se deve dizer, quanto à prescritibilidade
soluções. A garantia real de uma dívida prescrita, não poderia
das exceções, é o seguinte:
ser considerada renúncia tácita: seria um ato nulo por falta
de objeto. O pagamento de uma dívida prescrita seria nulo
(D Istituzioni, 1, $ 109.
por indébito e autorizaria a repetição. (2 ral ,
HUC > Commentaire.
o M
> XIV, > nº 436 2 MC.
"
pr MENDONÇA,
A A ez
Obri g AÇÕES, a nº 438. E, ai l as,

J Laurent, Principes XXXI, nº 372; Joxo MontEIRO, Processo, II, nota 4 ao 8 109.
Fanpa e Bensa, nota pp às Pand., de WinDscweiD, 1, pág. 1.154.
2 Lehrbuch, 8 84.

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Clóvis Bevilágiua teoria Geral do Direito Civil

«) As que consistem em defesa direta, como a de podem ser intentadas contra terceiro possuidor, tais como a
coisa julgada e a de prescrição, são estranhas às regras da pauliana, a remissória da cláusula retro, a exibitória.
prescrição, por incompatibilidade lógica das idéias; & Também podem considerar-se pessoais as ordina-
b) As que se fundam num direito, desaparecem riamente denominadas mistas, communi dividundo, familiae
com a prescrição, que fere o mesmo direito; erciscundae e finium regundorum, porque se originam de
c) As que andam ligadas a uma ação, dependendo relações obrigacionais existentes entre os comunistas e se
de ser intentada a dita ação, estão sujeitas a prescrever, mas dirigem a determinadas pessoas. Tal é o parecer de Mavnz.
somente se considerem existentes e em condições de serem Precrevem em trinta anos:
invocadas; quando a ação é proposta. 19 As ações pessoais propriamente ditas;
2º) As in rem scriptae, salvo exceções;
3º) As mistas não prescrevem propriamente,
$87 . porque, enquanto existe o estado de comunhão, podem ser
PRAZO DA PRESCRIÇÃO: propostas, e, cessando este, não têm razão de ser. Todavia,
se o direito de alguns dos comunistas fot desconhecido, terá
A) PRESCRIÇÃO TRINTENÁRIA este o direito de exercer a sua ação durante trinta anos, 2
4º) A hipotecária e, em geral, as de garantia real,
I- O prazo ordinário da prescrição das ações quando for de trinta anos a prescrição da obrigação prin-
pessoais é de trinta anos. O cipal.“
Ações pessoais são as que tendem a exigir o O direito romano conhecia ações pessoais de
cumprimento de uma obrigação. Dizem-se pessoais propria- prescrição mais longa, por exemplo, a que fosse interrompida
mente ditas e in rem scriptae. Pertencem à primeira classe: por uma lide, e a de repetição de uma dívida de jogo; mas
as que se fundam em um contrato, sejam diretas, sejam também era de trinta anos o prazo ordinário. &?
contrárias, ou em uma declaração unilateral da vontade inter O Código Civil francês, art. 2.262, o italiano, art.
vivos; as que se originam de ato ilícito; e as de nulidade, em 2.135, o alemão, 195, o austríaco, 1.478, estabelecem também
geral. Pertencem à segunda classe as que, embora pessoais, o lapso de trinta anos para a prescrição ordinária, mas não
distinguem entre ações reais e pessoais, para conceder a umas
& Fapa e Bensa, loco citato. duração maior do que as outras. Pelo Código Civil português,
S Wixpscnem, Pandectas, $ 12,
9 Cód. Civil, art. 177; Ord. 4, 79; Teixeira DE Freiras, Consolidação, art, 853; CarLos
DE CARVALHO, Direito civil, art. 969; Correta TerLes, Doutrina das ações, 8 7; ALMEIDA O Duarte BE Azeveno, Controvérsias, pág. 407, Correia TeLtes, Dout. das ações, 8
OuivERA, Prescrição, pág. 389; Projeto Fericio Dos Santos, art. 1.338, O Projeto CorHo 113; Cód. 7, 40, 1.1, 8 1; Morato, Prescrição das ações divisórias.
Ropricuss, art. 249, e 0 primitivo, 201, estabeleciam o mesmo prazo geral para as ações & Dec. nº 169-A, de 19 de jan. De 1890, art. 11, 8 1º, T. pe Freitas, à Doutrina das
reais e para as pessoais; foi a Comissão Revisora do Governo que restabeleceu o princípio ações de Correia TeLtss, 8 76, nota 312.
do direito vigente. V. Carpenter, Manual, IV, nºº 182 e seguintes. (o) Cód. 7,38, 1.2; Van Werrer, Droit civil, pág. 300; Wanpscasip, Pand., & 110;
O A Lei 2.437, de 7 der março de 1935, reduziu o prazo a vinte anos. Dernsuro, Pand., 8 147; Bonrante, Istituzioni, 8 45.

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Clóvis Beviláqua teoria Geral do Direito Civil

art. 535, o lapso da prescrição liberatória é, em geral, de anos. Depois dessa época a sentença não é mais exequível. O
vinte anos, se o devedor está de boa-fé, e de trinta anos, se
não tem por si este requisito. Pelo Código Civil do Uruguai, HI — As ações reais extinguem-se nos prazos
art. 1.216, e do México, 1.091, a prescrição negativa das estabelecidos para o usucapião, pelo fundamento de que, se,
ações pessoais consuma-se em vinte anos, pelo argentino, nesses prazos, alguém adquiriu o direito, prescrita deve estar
4.023, o prazo é de vinte anos entre ausentes e de dez entre a ação do antigo titular para reavê-lo. Todavia, ações reais
presentes; o espanhol, art. 1.964, estabelece o prazo de quinze existem cujo prazo é também o de trinta anos. Já ficou
anos: o suíço das obrigações restinge-o, finalmente, a dez afirmado que assim será em relação à hipoteca e outras
(art. 127). garantias reais, se a obrigação, a que elas acedem, prescrever
em trinta anos. Acresce que, se o possuidor não puder alegar
IX - Além dos casos que acima foram indicados, boa-fé, como no caso de terem sido as coisas tiradas violenta-
acrescentava-se, antes da codificação o da ações perpetuadas mente ou furtadas por outrem, que não o possuidor, ou se
pela litiscontestação e o da execução de sentença judicial, não tiver justo título, ou se, finalmente, se tratar de bens de
As ações que duram trinta anos ou mais dizem- menores e interditos, o adquirente recorre ao usucapião
se perpétuas: as de duração menor consideram-se temporais, trintenário: O consequentemente a ação real do titular somente
mas era um dos efeitos da contestação da lide perpetuar a nesse tempo pode considerar-se extinta.
ação e, assim, as ações, ainda que de prazo curto, se,
intentadas, prosseguisse o processo delas até a contestação IV - Do que acaba de ser exposto, vê-se que
da lide, tornavam-se perpétuas, isto é, a prescrição começava seria mais conveniente submeter as ações pessoais e reais ao
a contar-se, desde quer fora sustado o processo, e somente
depois de trinta anos se considerava ultimada. 9 Correia Tetres, Doutrina das ações, nota 12, ad. de TErxERA De Freiras: PEREIRA E
O Código Civil, porém, não faz referência alguma Souza, ed. De T. pe Freiras, nota 710: Armena OLiveira, Prescrição, pág. 407, Gama,
Manual do advogado, VT, pág. 15, nota 14; João Montiiro, Processo, II, 8 256;
à litis contestatio e, portanto, desapareceu a perpetuação da Carpenter, Manual, IV, nº 31, Pensam alguns que, não tendo o Código Civil contemplado
ação, como consequência desse instituto. “» esse caso, a prescrição do juigado deve ser a mesma da ação. Melhor, porém, é a opinião
do texto, não somente porque não é da ação a propor, que se trata, e sim do julgado a
Aquele que tiver obtido sentença definitiva a seu executar, 0 que é coisa bem diferente; como, porque, tendo a recisória do julgado a
favor, poderá deixar de executá-la desde logo, e o seu direito , duração própria, também duração própria deve ter o direito de executar a sentença, por
uma simotria juridica irrecusável, E assim entenderam os doutos acima citados, antes é
de requerer essa execução somente se extingue passados trinta depois do Código Civil. A sentença não cria uma ação, senão que declara o direito provido
da ação, mas o direito de executar a sentença não é o direito, que a sentença declarou, e
sim o de efetivar o julgado, segundo as normas do processo.
O Ord 3,43,9,pr.e3, 18, 8 12; Tenma De Freiras, ad, 12 à Doutrina das ações de S Como pa Rocãa, 4 463. O Código Comercial, art. 450, depois de declarar que a
Coprsia TELLES, $ 10, Save é Navarro, Prática, art. 477; João Monteiro, 8116; Savienr, prescrição não corre a favor do depositário nem do credor pignoratício, estabelece o
Droit romain, 8242. Joso Monteiro, diz que a ação perpetuada perdura quarenta anos, prazo de trinta anos para que o sucessor de um ou de outro possa adquirir por prescrição,
mas a lição de Tetxeira DE Freiras é a verdadeira. | se tiver título legal e boa-fé. Trata-se de usucapião, mas como a ação real do proprietário
(54) Peoro Lessa, Perpetuação da ação em face do nosso direito na Revista Jurídica, se extingue, desde o momento em que se opera a aquisição do possuidor, é esse mais um
vol. XVIII, págs. 395 a 390. caso em que a ação real prescreve em trinta anos.

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

é houve erro, quanto à integridade física da mulher (arts. 218 à


mesmo prazo legal, como propunha o Projeto primitivo, 220). E prazo extintivo.
o pátrio em
preceito de muitas legislações, € é regra do direit
o
rande número de casos.
o Ei Caduca, em dez dias, o direito de apresentar
: Uma observação final, que deve ser feita é que
periódicas se conta do escusa para a aceitação da tutela, contados do dia da intimação
prazo da prescrição das prestações7 ao nomeado, ou da superveniência do motivo escusatório
vencimento de cada uma delas.
(art. 416). Prazo extintivo.

5 88 . IV — Prescreve, em quinze dias, contados da


PRAZOS DA PRESCRIÇÃO: tradição da coisa, a ação para haver o abatimento do preço
da coisa móvel, recebido com vício redibitório, ou para res-
B) PRESCRIÇÕES DIVERSAS “ cindir o contrato e reaver o preço pago, mais perdas e danos.

O art. 178, do Código Civil reuniu quase todos V— Caduca em vinte dias o direito do interessado
os casos de prescrições menores. Aqui vão eles indicados, e para provocar, judicialmente, o herdeiro a declarar se aceita
contemplados com os que haviam ficado pelo corpo do ou não, a herança, contado o prazo da abertura da sucessão
Código, sem repercussão no artigo, que a todos pretendia (art. 1.584). Prazo extintivo.
catalogar. Não discriminou o Código os casos de prazos
extintos. VI - Em trinta dies, caduca o direito do adqui-
rente do imóvel hipotecado, para notificar o seu contrato
1 Caduca, em três dias, o direito de preempção, aos credores hipotecários propondo a respectiva remissão
contados da data em que o comprador tiver afrontado o (art. 815). Prazo extintivo.
vendedor, se a coisa for móvel (art. 1.153).
VIE — Em trinta dias caduca o direito de pre-
IX — Prescreve, em dez dias, contados do casa- empção, contados da data em que o comprador tiver afron-
mento, a ação do marido para anular o matrimônio, em que tado o vendedor, se a coisa for imóvel (art. 1.153). Prazo
extintivo.
O Cód. lu
Civi art. 178, 83 10, VEJE, última
od. Civil, Có
al.; : Cód., . 6. CARLOS DE CARVALHO,
7,39, À. . 7,8 PRvALt
Direito civil, art. 969, 8 1; Winpscnein , Pand., 8 107; M.L.C. de Mendonça, Obrigações , VIE — Em dois meses caduca o direito do marido
nº 437; Cód. fed. suiço das obrigações, art. 131. o
lo com o Código para contestar a legitimidade do filho de sua mulher, contado
& Alterou-se, ou, antes, refundiu-se este parágrafo, para harmonizá-
Civil, que modificou, de modo consideráve l os prazos das prescrições , e, também, para o prazo do dia do nascimento, se o marido se achava presente
excluir as prescrições do dixeito comercial.
do grande mestre (arts. 338 e 344.) Prazo extintivo.
Para a prescrição das ações em matéria comercial, consulte-se o Tratado
1X. CarvaLno DE MenDONça, vol. VI, nº 1.754 e seguintes.

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Clóvis Beviláque teoria Geral do Direito Civil

IX — Em três meses caducam a) esse mesmo | São casos de prazos extintivos os que acabam
direito, se o marido se achava ausente, ou lhe ocultarem o de ser indicados sob as letras q, bec.
nascimento, contado o prazo da volta à casa conjugal, no
primeiro caso, e da data do conhecimento do fato, no segundo. AIV — d) Daquele que, em virtude de contrato
comutativo, recebeu coisa imóvel com vício redibitório, ou
X— b) A ação do pai, tutor ou curador, para para rescindir o contrato e haver o preço pago, mais perdas e
anular o casamento do filho, pupilo, ou curatelado, conraído danos, ou haver abatimento do mesmo preço; contado o prazo
sem o consentimento daqueles, nem suprimento pelo juiz; da transcrição do título. O Código neste lugar (art. 178, 85º
contado o prazo do dia em que tiverem ciência do casamento IV) diz que o prazo se conta da tradição da coisa imóvel,
(arts. 180, I, I, 183, XI, 209 e 213). Prazos extintivos. como dissera da móvel no $ 2º; mas, em relação aos imóveis:
a transcrição corresponde à tradição dos móveis. Em tigor
XI — Extinguem-se em seis meses as seguintes não há na sistemática do Código Civil, tradição de imóvel
ações: a) Do cônjuge coata para anular o casamento; contado com efeitos jurídicos para alienação dele. A tradição do imóvel
o prazo do dia, em que cessou a coação (aris. 183, IX e tem uma feição mais solene; é a transcrição.
209).
| KV —- e) Do hospedeiro, estalajadeiro ou fornece-
7 ” . . « .

XI - b) Do incapaz, dos seus representantes dor de víveres, destinados ao consumo, no próprio estabele-
legais ou herdeiros, para anular o casamento daquele, contado cimento, para haver o preço da hospedagem ou dos alimentos
o prazo do dia em que cessou a incapacidade, se é ele mesmo fornecidos; contado o prazo do último pagamento.
que propõe a ação; do casamento, se a propõem os represen-
tantes legais; e da morte, se os herdeiros (art. 212). XVI — f) Do dono da coisa móvel, perdida,
quando, não o conhecendo ou não o deparando o inventor,
XHI —- c) Do menor, dos seus representantes entregar o achado à autoridade competente, que ordenará
legais ou dos parentes designados no art. 190, para anular o que se venda a coisa, nos termos do art. 606, É um caso de
casamento da menor de dezesseis anos e do menor de dezoito, extinção do domínio, declarando-se a vacância do bem.
contado o prazo do dia, em que os menores perfizerem essa Conta-se o prazo do aviso do inventor à autoridade.
idade, se ação for por eles movida; e da daata do matrimônio,
quando o for por seus representantes legais ou pelos parentes | XVE - 9) Do condômino, a quem não se der -
acima referidos (arts. 213 a 216). º conhecimento da venda do imóvel comum, para haver a parte
vendida a estranho; contado o prazo da data da venda (art. 1.139).
(2) Cumpre notar que esses menores podem casar-se para evitar a imposição ou O
cumprimento de pena criminal (art. 214) e que, por defeito de idade, não se anula XVII — No lapso de um ano, prescrevem as
casamento de que resultou gravidez (art. 215).

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Clóvis Beviláque teoria Geral do Direito Civil

ações seguintes: «) do adotado, quando menor ou interdito, RXV — h) À dos professores, mestres ou repeti-
para desligar-se da adoção; contado o prazo do dia, em que dores de ciência, literatura ou arte, pelas lições, que derem,
cessar a menoridade ou a interdição (art. 373). pagáveis por períodos não excedentes a um mês; contado o
prazo do termo de cada período vencido.
XIX — ») Do doador para revogar a doação,
contado o prazo do dia, em que souber do fato, que o autoriza XXVI —- 7) A dos donos de casa de pensão, edu-
a revogá-la (arts. 1.181 e 1.187). cação, ou ensino, pelas prestações dos seus pensionistas,
alunos ou aprendizes; contado o prazo do vencimento de
XX — c) Do segurado contra o segurador, e vice- cada uma.
versa, se o fato, que autoriza a ação, se verificar no país;
contado o prazo do dia em que o interessado tiver conheci- XXVII- 7) A dos tabeliães e outros oficiais do
mento do mesmo fato. juízo, porteiros de auditório e escrivães, pelas custas dos atos,
que praticarem; contado o prazo das datas respectivas.
XXI —- d) Do filho, para desobrigar e reinvidicar
os imóveis de sua propriedade gravados ou alienados pela XXVII - 4) A dos médicos, cirurgiões, ou
pai fora dos casos expressamente legais; contado o prazo do farmacêuticos, por suas visitas, operações ou medicamentos;
dia, em que chegar à maioridade (arts. 386 e 388, 1). contado o prazo da data do último serviço prestado.
XXI - e) Dos herdeiros do filho, no caso do XXIX - /) A dos advogados, solicitadores,
número anterior, contando-se o prazo do dia do falecimento,
curadores, peritos e procuradores judiciais, para o pagamento
se o filho morreu menor (art. 388, II).
dos seus honorários; contado o prazo do vencimento do
contrato, da decisão final do processo, ou da revogação do
XXI — /) Do representante legal do filho, se,
mandato. O
durante a menoridade deste, cessar o pátrio poder, contando-
se o prazo da data, em que tiver cessado o pátrio poder (art.
KXX -m) A do proprietário do prédio desfalcado
388, ID).
contra o do aumentado pela avulsão, nos termos do art. 541;
contado o prazo do dia em que ela ocorreu.
XXIV — g) A da nulidade da partilha, correndo o
prazo da data em que a sentença da partilha passou em julgado
XXXI - 2) A dos-herdeiros do filho, para prova
(art. 1.805). É
da legitimidade da filiação, contado o prazo da data do
& Entendo que esta prescrição é da ação de partilha anulável, Se o art. 173 8 6, nº V, fala
O ALoi 4.215, de 27 de abril de 1963 (Estatuto da Ordem dos Advogados Brasileiros)
em nulidade da partilha, remete para o artigo 1.805, que é o que define a espécie, e este,
extendeu esse prazo para cinco anos (art. 100).
trata é de partilha anulável.

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Clóvis Beviláquea teoria Geral do Direito Civil

falecimento se houver morrido menor ou incapaz. contraida.

XXXII - 0) A da minoria vencida na modificação XXRVIE — c) A dos professores, mestres e


dos estatutos da fundação, para promover-lhe a nulidade (art. repetidores de ciência, literatura ou artes, cujos honorárioa
29). sejam estipulados em prestações correspondentes a períodos
maiores de um mês; contado o prazo do vencimento da última
XXXII — Caduca no termo de ano e dia o direito prestação.
do proprietário, para exigir que se desfaçam as janelas,
sa «das, terraço ou goteiras, em que consentiu, sobre o seu XXXIX — d) A dos engenheiros, arquitetos,
prédio; contado o prazo da conclusão da obra. Prazo extintivo agrimensores e estereômetras por seus honorários; contado
(art. 576). o prazo do termo dos seus trabalhos.

XXXIV - Prescreve em ano e dia, também, as “AL —- e) A do segurado contra o segurador e


ações possessórias sumárias, contado o prazo da turbação vice-versa, se o fato que a autoriza, se verifica fora do Brasil;
ou esbulho (art. 523). contado o prazo do dia em que desse fato soube o interessado.

XXXV — Em dois anos, caduca o direito de pedir XLi - 9 A do cônjuge, ou seus herdeiros
a declaração da nulidade do casamento contraído, perante necessários, para anular a doação feita pelo cônjuge adúltero
autoridade incompetente (art. 208). Prazo extintivo. ao seu cúmplice; contado o prazo da dissolução da sociedade
conjugal (art. 1.177).
XXXVI - Em dois anos, prescrevem: a) A ação
do cônjuge para anular o casamento nos casos dos arts. 219, XLII — g) A do marido, ou dos seus herdeiros,
nº 1, Ile II; contado o prazo da data da celebração do para anular os atos da mulher, praticados, sem o seu
casamento. & consentimento, ou sem o suprimento do juiz; contado o prazo
do dia, em que se dissolver a sociedade conjugal (arts. 252 e
XXXVII — 4) A dos credores por dívida inferior 315).
a cem mil réis, salvo as contempladas sob os nº XRIIE a
XXV; contado o prazo do vencimento, se estiver prefixado XLII — Prescreve em três anos a ação do.
esse momento, ou, no caso contrário, do dia, em que foi vendedor para resgatar o imóvel vendido; contado o prazo
do dia da escritura, quando se não fixou no contrato, prazo
menor (art. 1.141).
&) Este inciso (art. 178, & 7º, 1) acrescenta que, para os casamentos celebrados antes da
vigência do Código, o prazo se contaria da data, em que essa vigência começasse.
Desvirtuando o pensamento do Código, apareceram interpretações atingindo casamentos XLEV — Em quatro anos, contados da dissolução
celebrados dez e mais anos antes do Código, Hoje não há mais que atender a esses casos,

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

da sociedade conjugal: a) a ação da mulher para: 199 contado este: à) no caso de coação, do da em que ela cessar;
desobrigar, ou reinvidicar, os imóveis do casal, quando o b) no de erro, dolo, simulação ou fraude, do dia em que se
marido os gravou, ou alienou, sem outorga uxória, ou realiza o ato ou o contrato; c) quanto aos atos dos incapazes,
suprimento dela pelo juiz (arts. 235 e 237); 29) anular as do dia em que cessar a incapacidade. &
fianças prestadas e as doações feitas pelo marido, fora dos
casos legais (arts. nº II e IV, e 236); 3º) reaver do marido o L — Em cinco anos as ações seguintes: q) Para
dote (art. 300), ou os outros bens seus confiados à exigir prestações de pensões alimentícias.
administração marital (arts. 233, nº I, 263, nº Vil e XIX,
269, 289, nº 1, 300 e 311, nº HI). LI —- b) Para exigir prestações de rendas
temporárias ou vitalícias.
XLV — b) A dos herdeiros da mulher, nos casos
indicados no número anterior, quando ela faleceu sem propor LIL - c) Para cobrar juros, ou quaisquer outras
a que lhe competia; contado o prazo da data do falecimento prestações acessórias, pagáveis anualmente, ou em períodos
(arts. 239, 295, nº II, 300 e 311, nº AD. mais curtos.

XLVI — c) A da mulher, ou seus herdeiros, para LI — d) Para cobrar aluguéis de prédio rústico
desobrigar ou reinvidicar os bens dotais, alienados ou ou urbano.
gravados pelo marido; contado o prazo da dissolução da
sociedade comjugal (arts. 293 e 296). LIV — e) Dos serviçais, operários e jornaleiros,
para o pagamento dos seus salários.
XLVII - d) A do interessado em pleitear a
exclusão do herdeiro (arts. 1.595 e 1.586), ou provar a causa LV — ?) Contra a Fazenda federal, estadual ou
da sua deserdação (arts. 1.741 e 1.745), bem assim, a do municipal, devendo o prazo da prescrição correr da data ou
deserdado para a impugnar; contado o prazo da abertura da fato, do qual se origina a mesma ação.
sucessão. Os prazos XLVIIE a LII contam-se do dia em
que a prestação, juro aluguel ou salário for exigível.
XLVIEI —- e) A do filho reconhecido, quando
menor para impugnar o reconhecimento; contado o prazo do LVI — g) A ação civil por ofensa a direitos de
dia em que atingir a maioria, ou for emancipado (art. 362). autor, contado o prazo da data da contratação.

*% Entende CarpeNTER que as ações, à que se refere este dispositivo (art. 178, 89, V),
XLIX - 7) A anulatória ou rescisória dos abrange tanto os atos anuláveis, quanto os nulos, e tanto os contrátos quanto as declarações
contratos, para a qual não se tenha estabelecido prazo menor; unilaterais da vontade entre vivos. Opino, diversamente. (V. meu Código Civil com., E,
art. 146).

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Clóvis Bevilágua teoria Geral do Direito Civil

LVE —h) A rescisória da sentença.


5 89
LVEI- 7) A de responsabilizar o empreiteiro de PRESCRIÇÃO DO DIREITO AUTORAL
materiais e execução, pela solidez e segurança do trabalho
(art. 1.245). Merece ser tratado à parte o direito autoral pela
particularidade, com que se apresenta, em face da ação dissol-
LIX — Os autores falam, às vezes, de prescrição vente do tempo. Em primeiro lugar, há uma parte do direito
instaniânea. autoral, a mais intima, a que constitui atributo especial da
No direito francês, explicam a regra — en fait de pessoa, que não se pode perder por prescrição. Por mais longo
meubles, possession vaut titre. No direito pátrio e estrangeiro, que seja o decurso do tempo, um autor conserva a sua
invocam essa espécie para justificar a proteção concedida ao qualidade. ARISTÓTELES é sempre autor da Moral a Nicomaco;
possuidor de títulos ao portador, dispensado de justificar a Lucrécio, do De natura rerum; ALENCAR, do Guarani. Em
sua aquisição. ALMEIDA OLIVEIRA diz que prescreve imediata- segundo lugar, pelo simples decursdo do tempo, extingue-
mente, depois do recibo, o direito que tem o dono da merca-
se, simultaneamente, o direito e a ação, que o garante, não
doria transportada por condutores de gêneros e comissários
podendo acontecer, como em outras relações jurídicas, que
de transporte, para reclamar contra comissão de avalia
(Código Comercial, art. 109). | o direito, desprovido da ação, ainda seja capaz de subsistir, é
A expressão é aceitável como simples metáfora, revele a sua vida em dadas circunstâncias. E um direito tem-
e, assim, traduz, com energia, o pensamento, mas na termino- porário.
logia da ciência, no rigor da linguagem jurídica, é fora de O direito exclusivo de reproduzir ou autorizar a
dúvida que não há prescrição instantânea, “ porque a reprodução do trabalho literário, científico ou artístico, é reco-
prescrição supõe inação do titular do direito e o estabeleci- nhecido ao autor durante a vida, e passa aos seus herdeiros e
mento de um estado de coisas contrário ao exercicio deste, sucessores que dele gozarão durante sessenta anos.
situação que: não se apresenta em nenhum dos supostos casos Morrendo o autor, seus herdeiros ou sucessores,
de prescrição instantânea. a obra cai no domínio comum. O mesmo se dá decorrido o
Na apreciação do prazo da prescrição, é preciso
prazo de sessenta anos, após a morte do autor.
ter em vista o princípio de que, iniciada contra uma pessoa, Gozará dos direitos de autor o editor de dicio-
continua a prescrição a correr contra o seu herdeiro. nários, encicopédias, seletas, jornais e revistas, conservando,
entretanto, cada autor o seu direito sobre a sua produção.
“1 O Código do Processo Civil de 1973 (art. 495) reduziu à dois anos o prazo para
propor ação rescisória, contado do trânsito em julgado da decisão. Cabe o mesmo direito ao editor, se a obra é anônima ou pseu-
(9) Prantos, Traité, L, nº 1.201; Burnoir, Propriété et contrat, pág. 353. Um belo estudo dômina. O
sobre o brocardo citado, que é o art. 2.279 do Código Civil francês, nos dá Satenies,
Possessiton des meubles, especialmente págs. 67-98,
O aruena Ouivesra, Prescrição, pág, 435; Laraverrs, Direito das coisas, 872; MIC.
pg Menponça, Obrigações, nº 433; Código Civilda Áustria, 1.493: alemão, 221; Projeto
CosLHo Ropricuas, artigo 225; primitivo, 137.
* Código Civil, arts. 649 a 651.

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

Não corre a prescrição quinquenária do Estado:


$ 90 «) Contra os menores e interditos, nem contra
PRESCRIÇÃO A FAVOR DO ESTADO E todos os que não puderem requerer por si nem por outrem;
CONTRA O ESTADO b) Nem quando a demora for ocasionada por fato
darepartição à qual pertença fazer a liquidação da dívida, ou
1 - Entre nós, o Estado goza, quanto à prescrição efetuar o pagamento.
de duplo e pouco justificado privilégio. As suas dívidas Para segurança dos interessados, permite a lei
passivas têm o curto prazo de cinco anos para prescrever, que requeiram certificados da apresentação do requerimento
e as ativas são Imprescritíveis por força do disposto no art. e dos documentos, que o instruírem, com declaração do dia,
66, II, combinado com o art. 67. mês e ano. Por esse modo, não lhes prejudicará o tempo
A prescrição quinquenária a favor da Fazenda consumido pelas demoras e embaraços da repartição. É
Nacional refere-se a todo e qualquer direito, que alguém
alegue como credor dela. & Ainda depois de determinados HI - Há, entretanto, casos particulares de prescri-
os pagamentos e lançados em folha, as dívidas prescrevem ções que vão aqui indicados. Prescrevem em um ano:
por esse mesmo lapso de tempo, a contar da época em que «) As dívidas militares provenientes da venda de
podiam ser recebidas, se não for efetuado o pagamento no gêneros e de quaisquer fornecimentos a tropas, a contar da
prazo designado. & Se o pagamento tiver de ser feito por data do fornecimento ou contrato;
períodos, a prescrição se verificará para cada pagamento b) O direito ao produto líquido dos objetos
parcial, à medida que se forem completando os cinco anos. arrojados pelo mar às costas e margens dos rios e águas
O prazo começará a correr, desde a data de interiores da República, salvados ou achados, a contar da
publicação dos despachos ou das ordens definitivas para o data do depósito;
pagamento. & Para as letras emitidas pelo Tesouro, a c) O direito à indenização por danos ou faltas de
prescrição iniciará o seu curso da data do vencimento. mercadorias, a contar da data do dano ou verificação da falta;
d) O direito à reclamação por extravio ou avarias
& Cód. Civil, art. 178,8 10, VI, a que se referiu o nº LV, do 8 88. Lei de 30 de novembro de mercadorias, bagagens e encomendas confiadas às estradas
de 1841, art. 30; Dec. 857, de 12 de novembro ds 1851, art. 1; T. pe Freitas.
Consolidação, art. 870; CarLOS DE CarvaLHO, Direito civil, art. 987; AtMeDA OLIVEIRA, de ferro exploradas pela União, bem como por excesso de
Prescrição, pág. 448; M.LC. ng Menvonça, Obrigações, nº 437; “Consolidação das
leis da justiça federal, parte V, art. 175.
& Dec. nº 857, de 1851, arts, 2 e 3, Cita-se este decreto, porque o Código Civil lhe (3 Confira-se a alinea 4 com o Código Civil, art. 169. Decreto nº 857, de 1851, art. 7;
manteve a doutrina, no artigo citado (178, $ 10, VI). As disposições adiante citadas, dos Consolidação das leis da justiça federal, parte V, art. 179; Temesira DE FREITAS,
artigos 4a 8, devem considerar-se em vigor, por constituírem disposições especiais e de Consolidação, art. 877, CarLOs DE CarvaLHO, Direito civil, art, 990; ALMEIDA OLIVEIRA,
direito administrativo, a que não se referiu o Código Civil. Prescrição, pág. 452. Seria absurdo, diante da função e finalidade do Estado, considerar
O Cit. dec. de 18531, art. 4
revogadas pelo Cód. Civil essas garantias concedidas aos credores da Fazenda, que
9 Cit dec., art. 5.
ficariam à mercê do arbítrio da administração, ou de algum funcionário subaltemo.
É) Cit. dec, art. 6.
& Dec. nº 857, de 1851, art. 13; T. ve Frerras, Consolidação, art. 878; ALMEIDA OLIVEIRA,
6 Cit. deo., art. 8; CarLOS DE CarvaLHO, Direito civil, art. 989; Freiras, Consolidação,
art. 879, Prescrição, pág. 451, nota 13.

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

frete cobrado por qualquer motivo, contando-se o prazo do recolhido aos cofres federais prescreve em trinta anos.”
dia, em que findou a viagem ou o transporte, Não se consideram, porém, adquiridos pela União, os bens
e) O direito do remetente à propriedade da carta, recolhidos aos cofres públicos, enquanto foir porvável a
a contar do edital convidando a receber a correspondência e existência de credores contra quem não corre a prescrição.“?
valores caídos em refugo.
f) O direito ao produto líquido da venda das V— As dívidas ativas da União prescreviam em
encomendas confiadas ao correio, a contar do dia em que o quarenta anos, quando excedessem de 500$000, e, em dez
dito produto ficar à disposição de quem a ele tiver direito; anos, quando fossem desta quantia ou a ela inferiores. ”
g) À ação especial para a anulação dos atos e O prazo começava a corres desde o último dia
decisões de autoridades administrativas da União, lesivos de estabelecido para o pagamento. 4º
direitos individuais. Decorrido um ano, poderá a parte usar Interrompia-se a prescrição:
da ação ordinária. º a) Pela citação, penhora ou sequestro feito ao
devedor, para se haver o pagamento;
HI — O direito de reclamar por engano ou erro b) Por qualquer outro procedimento judicial ou
em despacho aduaneiro preescreve em dois meses, para a administrativo havido contra ele, para o mesmo fim;
pessoa que despachar a mercadoria, e, no fim de um ano, c) Pela concessão de espera ao devedor, admi-
para a Fazenda Federal, contando-se da data do pagamento tindo-o a pagar em prestações. (15)
dos impostos respectivos. Esta prescrição não compreende a Em face, porém, do art. 66, Hr, do Código Civil,
restituição dos direitos pagos em duplicata, a qual se rege combinado com o 67, sinto-me autorizado a dizer que as
pela prescrição quinquenária. “9 dívidas ativas da União e dos Estados, como bens públicos,
escapam à prescrição, porque tais bens somente perdem a
IV — O direito de reclamar o dinheiro de ausentes sua inalienabilidade por determinação expressa de lei.
Pensam outros que a prescrição das dívidas ativas
Pe) Lei nº369, de 18 de set. de 1845, art. 51; Consolidação das leis da justiça federal,
parte V, art. 185, a; CarLos DE CarvaLHO, Direito civil, art. 992, a; TEixEIRA DE FREITAS,
Consolidação, art. 880. Isto não se entende, observa Freiras, com os conhecimentos
passados pelos arsenais e outros estabelecimentos semelhantes. 5) e <) Consolidação — MB Leinº 628, de 17 de set. de 1851, art. 32; Consolidação das leis da justiça federal,
das leis des alfândegas, ams. 667 e 669; C. ne CarvaLHo, Direito civil, art. 992, b. d) parte V. art. 184; CarLos ng CarvatHo, Direito civil, art. 994. .
Dec. nº 2.234, de 31 de agosto de 1896, am. 98; dec. nº 2.417, de 28 de dez. De 1896, Gm Cantos be CarvatHo, Direito civil, art. 994, parágrafo único.
art. 82: Consolidação das leis da justiça federal, parte V, art. 183, c; C. pE CaRvALHO, «3 Dec. nº 857, de 1851, art. 9; T. ng Fretras, Consolidação, art. 881, Lei nº 3.396, de
Direito civil, art. 992, d. e) e f) Dec. nº 2.230, de 10 de fev. De 1890, art. 10,8 1,1538 24 denov. de 1888, art. 19; C. ve CarvaLHo, Direito civil, art. 998. O prazo de quarenta
154; Consolidação das leis da justiça federal, parte V, art. 185, d, e e período final; C. anos era o do direito romano (Derneurs, Pand., 8 147), e do antigo direito português (C.
DE CarvaLHo, Direito civil, art. 992, e. fe g; Reg. Aprovado pelo dec, nº 14.722, de 16 de
Da Rocua, Inst., 8 464),
março de 1921, art. 161, pr. Os valores encontrados em refugo não reclamados dentro de
cinco anos, serão considerados renda eventual da União (cit. reg. art. 161, $ 19. g)Lein?
49 Dee, nº 857, de 1851, art. 10; Consolidação das leis da justiça federal, paste V, art.
221, de 20 de nov. de 1894, art. 13; CarLOs DE CarvaLHO, Direito civil, art. 996. 182; €. pe CarvaLHo, Direito civil, art. 998, parágrafo único,
(9 Consolidação das leis das alfândegas, art. 666; CARLOS DE CARVALHO, Direito civil, 45 Dec. nº 857, de 1851, art. 11; CarLos DE CarvaLHo, Direito civil, art. 992; T. DE
art. 993. Freiras, Consolidação, art. 883.

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

da Umão e dos Estados obedece aos preceitos do direito duvidoso se essas pessoas jurídicas gozavam de tal vantagem
comum. do direito pátrio anterior. A razão de duvidar procedia de
que os privilégios não se devem discricionariamente ampliar,
VI — Os extensos privilégioa concedidos pelo e não havia lei alguma que estendesse o de que agora se trata,
direito pátrio ao Estado, em matéria de prescrição constituem aos Estados e aos Municípios. É certo que o aviso de 30 de
uma quase singularidade no direito civil moderno. Em direito agosto de 1866, assinado por ZacHAaRIAS DE GÓES supunha
francês, o Estado não tem esses privilégios. Aplica-se-lhe o que a fazenda provincial gozava das mesmas prerrogativas
direito comum, isto é, a prescrição trintenária e, em alguns reconhecidas por lei à Fazenda Nacional, mas os que, no
casos, as prescrições menores de um, dois e cinco anos. “9 O antigo e novo regime, trataram do assunto, ALMEIDA OLIVEIRA,
Código Civil italiano declara expressamente: Lo Stato pei T. pe Freitas e CARLOS DE CARVALHO, se referiram,
suoi beni patrimoniali e tutti i copri morali sono soggetti alla exclusivamente, à Fazenda Nacional.
prescripzione e possono opporla come i privati (art. 2.114). Por isso e porque os privilégios são odiosos, inter-
O português, art. 516, segue a mesma rota: “O Estado, as pretando-se sempre restritivamente, parece que firmou boa
câmaras municipais e quaisquer estabelecimentos públicos doutrina o Supremo Tribunal Federal, quando, em acórdão
ou pessoas morais, são considerados como particulares, de 10 de maio de 1905, declarou, quanto à prescrição quinque-
relativamente à prescrição dos bens e direitos susceptíveis nária, que ela somente aproveitava à Fazenda Nacional. º E
de dominio privado.” 4? o que se diz da quinquenário deve dizer-se da de quarenta
O Projeto FeLicio DOS Santos, art. 1.327, e do anos, para as dívidas ativas. Seria necessário que alguma lei
Dr. CogLHo RoDRIGUES, art. 222, e o primitivo, 184, haviam expressamente o dissesse, para que os Estados e os Munici-
adotado o mesmo sistema, porém, já no Projeto da Câmara, pios gozassem desses prazos excepcionais.
art. 182, 8 10, Y, se concede à União, aos Estados e aos Foi o que fez o Código Civil, no art. 178, 8 10,
Municípios o privilégio da prescrição qiinguenária de suas vI
dívidas passivas, quando a das dívidas ativas segue o curso
ordinário de trinta anos.
$91
VE — Pelo Código Civil Brasileiro, a prescrição DA PRESCRIÇÃO IMEMORIAL
quinquenária é concedida aos Estados e aos Municípios. Era
Resta dizer algumas palavras sobre a prescrição -
48) Código Civil, art. 2.227; L Etat, les établissements publies et connunes sont soumis
imemorial, que teria por efeito sancionar o exercício de
aux mêmes prescriptions que les particuliers et peuvent également les opposer, Huc, qualquer direito, ou dar feição jurídica a qualquer estado de
Comm., XIV, nºs 340 e 534.541; Burxorm, Proprióté et contrat, págs. 182-185.
“7 Vejam-se, ainda: o Código Civil do Peru, art. 535; 0 argentino, art. 3.951; 0 chileno,
aut. 2.497; 0 uruguaio, ast. 1.168. Leia-se também Dias Ferreira, Código Civil português
anotado, vol. 1, pág. 10. 8) Direito, vol. 97, pág. 272.

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Clóvis Beviláqua Teoria Geral do Direito Civil

fato. O direito romano, além da prescrição de longo e de decurso de tempo é tão longo que, na memória dos homens,
longuissimo tempo, conhecia a vetustas, com aplicação a não consta a existência de um estado de coisas diverso do
casos particulares. & O canônico, desenvolvendo essa idéia, que se apresenta aos olhos de todos, presume-se que a relação
considera a prescrição imemorial como um desenvolvimento de direito foi regularmente estabelecida e, por isso, ainda
da ordinária. & que não possa ser exibido o título, em que ela se funda, merece
Alguns acham que a prescrição imemorial tem a garantia da ordem jurídica. º
aplicação a quaiquer relaçoes jurídicas; entendem outros que Como dissolvente da relação de direito, pode
ela se restringe a certos direitos. Saviony por exemplo, apresentar-se um exemplo da imemorial no tesouro.
opinava que tal prescrição somente se aplicava a alguns O Código Civil Brasileiro não se ocupa com a
direitos de caráter público. & WinDscHeID não lhe acha razão, prescrição imemorial, e esta é a tendência dos novos códigos.
e diz que a condição essencial é manifestar-se imemorialmente FapDa e Bensa dizem, apoiados em GIANZANA, que O
o exercício de um direito, pois sem esse exercício, não é Código Civil italiano não reconhece esta fonte de direitos,
possível exalçar a estados jurídicos simples estados de fato. por isso que, regulando, cuidadosamente, a prescrição trinte-
A duração do lapso de tempo, neste caso é nária, proveu à necessidade de certeza a que atendia a
indeterminada. Deve, porém, exceder, à memória da geração, imemorial. Sem título e sem boa-fé, desde que haja posse
que vive no momento, o início do estado de coisas, a que se legítima, adquire-se o direito com o decurso de trinta anos,
refere a prescrição. que é mais fácil de provar do que a posse imemorial. Além
Além disso, não deve a geração atual ter recebido, disso, quer como modo de aquisição, quer como meio de
da que a precedeu, notícia em contrário. Cujus origo memo- extinguir direitos seria preciso uma base no direito positivo,
riam excessit, diz o D. 43, 20, fr. 3, 8 4. O decurso de quarenta que falta à imemorial.
anos pareceu, entretanto, suficiente a alguns. GiERKE, na crítica ao Projeto do Código Civil
O direito moderno não mantém os princípios alemão, mostrou, de modo irrecusável, que a prescrição
formulados para a sistematização da pescrição imemorial. imemorial, admissível em uma legislação imperfeita, não podia
Nem a considera um modo particular de adquirir direitos ter função em um sistema legislativo completo; mas
(usucapião), nem uma força extintiva de sua eficácia. Se o incompleto lhe parecia o Projeto de Código Civil alemão,
que só admitia a prescrição das ações e o usucapião dos
móveis. HARTMANN secundou os esforços de GiERKE, mas
O Savieny, Droit romain, LV, 88 195-201; Winpscnmo, Pand., 1, $ 113; Fappa e Bexsa,
nota ti às Pand.. de WinpscHEiD, 1, páginas 1.157-1167; EnDEMaNN, Enf. É, $ 90, nota 1;
Lis Teneira, Curso, IL, págs. 130-137; Deansura, Pand., 8 160; CogLHO DA Rocka,
Inst., 8 464; T. ne Freiras, Consolidação, art. 1.333 e nota. 9 Macxecpev, Direito romano, 8 297; Laraverre, Direito das coisas, 863; MIC. DE
OD.39,3,fr. 1,823,f.2, pre 88 1-8. Menponça. Obrigações, nº 436. Apesar do que diz Corão DA Rocua, Inst., 8 464,
Wrnscuem, Pandectas, 8 113, escólio, não pode a prescrição imemarial ser invocada a respeito das coisas imprescritíveis
“ Sob este aspecto, aparece a imemorial na Ord. 1, 62, 8 51. Leia-se a nota 15 ao art. pela lei, Por mais longo que seja o decurso do tempo, não produzirá usucapião dos bens
1.333 da Consolidação, TEIXEIRA DE FREITAS, públicos de uso comum. (Veja o 8 39 deste livro).
9 Pandectas, 8 113, nota 5; DernBuro. Pand., 8 160. O Nota às Pand., de WinpscweiD, À p. 1.165.

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Clóvis Beviláqua

prevaleceu o pensamento da primeira comissão segundo o


qual a prescrição imemorial, tendo importância no direito
público, era sem: valor no direito privado, tanto assim que
fora repelida dos Códigos Civis modernos, e contra ela se
manifestara o Congresso dos juristas alemães. Além disso, o
registro predial sistematizado, como estava na Alemanha, não
dava lugar a tal espécie de prescrição.
Deve considerar-se, portanto, um instituto inútil,
onde houver uma boa organização das relações de direito,
uma codificação civil completa.
No sistema do nosso Código Civil há, de um lado,
a prescrição trintenária, que extingue as ações de maior
longevidade, e, de outro, o usucapião extraordinário (art.
550). Não haveria função para a prescrição imemorial, que
aliás era, antes, modo de adquirir do que prescrição extintiva.
Se a ela se faz referência aqui é para acentuar um aspecto da
evolução do direito na espécie agora considerada.

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