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CONCELHO REGIONAL DO TRABALHO
1». REGIÃO

CODIGO CIVIL

DOS

ESTADOS 11D0S DO BRASIL

IV
OBRAS DO AUTOR

Codigo Civil commentado. Em 6 volumes.


Direito Civil (Theoria geral). 2.a edição, 1 vol. in-8.
Direito das obrigações. 1 vol.
Direito das successões. 1 vol.
Direito da família. 1 vol. in-8.0 de 653 pags.
Em defeza do projecto de Codigo Civil brasileiro. Livraria
Francisco Alves, Rio, 1906.
Estudos Jurídicos (Historia, Philosophia e Critica). 1 volume
in-8.0 de 300 pags.
Lições de legislação comparada, 2." edição. 1 vol.
Historia da Faculdade de direito do Recife, Livraria Francisco
Alves, Rio, 1927, 2 vols.
Criminologia e direito. 1 vol.
Juristas pbilosophos. 1 vol.
Direito internacional privado (Princípios elementares de). Rio
de Janeiro, 1934. 1 vol.
Direito publico internacional. 2 volumes.
Esboços e fragmentos de philosophia e literatura, 1 vol. in-8.0
de 295 pags.
Projet d'organisation d'une Cour permanente de Justice inter-
nationale, Rio, 1923.
Estudos de direito e economia política- 2/ ed., Rio de Janeiro,
1901, 1 vol. in-8.0.
Literatura e Direito (em collaboração com Amélia de Freitas
Revilaqua). 1 vol.
CONSELHO REGK
t* região

COD1GO CIVIL

DOS

ESTADOS UNIDOS DO BRASIL

COMMENTADO

POR

Cio vis Beviláqua

SEXTA EDIÇÃO

VOLUME I V

LIVRARIA FRANCISCO ALVES


166, Rua do Ouvidor, 166 — Rio db Janeiro
s. PAULO BELLO HORIZONTE
292, Rua Libero Badaró Rua Rio de Janeiro, 655
1943
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N? 361

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LIVRO i I I

Do direito das obrigações

TITULO I

Da modalidade das obrigações

CAPITULO I

Das obrigações
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SEOÇÃO I

Das obrigações de dar coisa certa p

Art. 863 — O credor de coisa certa nãoí;


pode ser obrigado a receber outra, ainda que mais
valiosa. CONSELHO R^GI .N'>l DO TRABaLH >
Ik REGIÃO
Direito anterior — Não existia fórmula expressa em lei.
Legislação comparada — D. 12, 1, fr. 2, § 1.°, in fine: aliud
pro alio, invito creãitore, solvi non potest; Codigo Civil francez,
art. 1.243; italiano, 1.245; austríaco, 1.413; venezuelano, 1.312;
e uruguayo, 1.458, pr.; peruano, 1.171.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 467; Coelho Rodrigues
520; Beviláqua, 1.00% ■, Revisto, 1.011.
Bibliographia —• Direito das obrigações, 4.a ed., §§ 1 e 2;
Espinola, Systema, II, ps. 1-43, e 160-164; Lacerda, Obrigações,
2.a ed., §§ 1.° e 18; M. I, Carvalho de Mendonça, Obrigações I,
ns. 1-14, e 45-54; S. Yampré, Manual, II, 128; José de Alencar,
A propriedade, caps. X e XI; Tito Fulgencio, Manual do Codigo
Civil, X, ns. 1 e segs.; J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado
de direito commercial, VI, parte primeira, ns. 254 e segs.; Db-
kogue, Traité des obligations, I, ns. Ia 10; Planiol, Traité,
I, ns. 755-759, II, ns. 174-178; Laurent, Cours, II, ns. 547-553;
Huc, Commentaire, VII, ns. 1, 2 e 91; VIII; ns. 30 e 31; Za-
chariae, Droit civil français,lll, §§ 524-531;; Saleilles, Théorie
6 CODIGO CIVIL

gen, ãe Volligation, ns. 1-4; Axjbry et Rau, Cours, IV, §§ 296


e segs.; Bufnoir, Propriété et contrai, lição XXX; Pothieb,
Obrigações, n. 145; Goãe Civil allemand, publié par le Comitê
de lég, étr., I, nota ao liv. II, e ao art. 241; Kohler, Lehrbuch,
II, §§ 4.° e segs.; Endemann, Lehrhuch, I. §§ 96 e 97; Dernburg,
Panã., II, §§ 1.° 5.° e 15-23; Windscheid, Pand., II,' 250-252; Sa-
vigNy, Le droit des obligations, I, §§ l.0 — 9.° Schirmeisteb e Pro-
choiynick, Das hxiergerliche Recht Englanãs, II Vorbemerkung;
R. Sohm, no System. Rechtswissenchaft, ps. 34-38; Gierke, na
Encyclopaedie de Kohler, I, ps. 521 e segs.; D'Aguano La ge-
nesi e Vevoluzione dei ãiritto civile, cap. XIII; Claps., Del con-
ceito ãelle obligazioni, nos Scritti giuridici em honra a Ciiironi,
I, ps. 49-64; Sanchez Roman, Derecho civil, IV, cap. I, ns. 1-15;
Chironi, Ist., II §§ 249-252; Coelho da Rocha, Inst., § 112;
Amaro Cavalcanti, Trabalhos da Gamara, II, ps. 158-164; Oli-
veira Fiqtjeredo, Trabalhos cit., III, ps. 117-122; Cuq, Insti-
tutions, II, ps. 319-322; Bonjean, Institutos, II, ns. 1.991-2.018;
Alves Moreira, Instituições de direito civil portuguez, II {Das
obrigações), ns. 1-29; Rivarola, Derecho civil argentino, I, nú-
meros 177 e segs.; A. Colmo, De las^obligaciones, ns. 1 a 6; A.
B. Erbázuriz, Derecho civil, 2 afio, caps. I e segs.; Planiol, Ripert
et P. Esmein, Droit civil français, VI, obligations, ns. 1 e segs.;
R. Salvat, Derecho civil argentino, {Obligaciones), ns. 8 e segs.;
e particularmente, ns. 307 e segs.

Observações — 1. — O direito das obrigações é o complexo


das relações de direito patrimonial, que têm por objecto factos
ou prestações de uma pessoa em proveito de outra. Abrange os
contractos, com as regras de sua formação e os seus effeitos; a
vontade unilateral; e os actos illicitos fontes geradoras de obri-
gações.
2. —• Obrigação é a relação transitória de direito, que nos
constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa economica-
mente apreciável, em proveito de alguém, que por acto nosso
ou de alguém comnosco juridicamente relacionado, ou em vir-
tude da lei, adquiriu o direito de exigir de nós essa acção ou
omissão. E' uma definição estensa pela necessidade de attender
a todos os elementos essenciaes, que entram no conceito de
obrigação.
E' uma relação transitória ãe direito, porque o devedor, cum-
prindo a obrigação, delia se liberta; o credor, recebendo que
DO DIKEITO DAS OBRIGAÇÕES 7
lhe é devido, seja por pagamento espontâneo, seja por execução
forçada, nenhum direito mais tem.
Que nos constrange. A obrigação é limitação á liberdade;
é direito contra uma pessoa.
A dar, fazer ou não fazer, Quaesquer que sejam as especies
e modalidades de obrigações, consistirão ellas sempre numa
actuação sobre^a vontade do devedor para dar alguma coisa, pra-
ticar algum acto, ou abster-se de o praticar.
Alguma coisa economicamente apreciável. Direito patrimo-
nial, a obrigação deve ter valor pecuniário. Ea enim in ohliga-
tione consistere, guae pecunia lui praestarique possunt. E' certo
que algumas vezes basta um interesse moral, ou de affeição para
dar conteúdo a uma obrigação. Mas, desde que a obrigação se
torna exigivel, ha de ter, por conceito e definição, um valor pa-
trimonial. Se o não tiver, a necessidade moral por ella creada
ou pertencerá a outra divisão do direito, ou pertencerá ao do-
mínio da ethica.
Em proveito de alguém. A obrigação é vinculo entre duas
pessoas: uma, em cujo patrimônio ella se reflecte como quan-
tidade negativa; e outra, no qual ella entra como quantidade
positiva, de augmento, ou, pelo menos, impediente de diminuição.
Que, por acto nosso, ou de alguém comnosco juridicamente
relacionado. As obrigações nascem: de uma declaração da von-
tade, ou de um acto illicito nosso, e, ainda, de actos de outrem
que nos represente, ou por cujos feitos sejamos, legalmente, res-
ponsáveis.
Ou em virtude da lei. A lei é uma das causas geradoras das
obrigações. E' delia que sé origina a responsabilidade pelos actos
illicitos. E fora da esphera dos direitos de credito, ha grande
numero de obrigações, que procedem directamente da lei, como
a de prestar alimentos, a de pagar impostos, e outras, ainda.
Adquiriu o direito de exigir de nós essa acção ou omissão.
A obrigação consiste, da parte do devedor, numa necessidade
moral de dar, fazer ou de deixar de fazer; e, da parte do credor,
no direito de exigir que o devedor execute a prestação.
3. — A definição romana é mais concisa: vinculum júris quo
necessitate adstringimur alicujus solv.endae rei (Inst., 3, 13, im.).
Mas a concisão sacrificou a clareza. Não se accentúa nessa pro-
posição a differença especifica, entre a obrigação no sentido
technico e qualquer dever exigivel em direito.
3. a. — A definição de Demogue, em sua excellente obra
exhaustiva, é a seguinte: "A obrigação é a situação jurídica, que
tem por fim uma acção ou abstenção de valor economico ou
moral, cuja realização devem certas pessoas assegurar" (vol. I,
8 CODIGO CIVIL

n. 7). Approxima-se, reconhece o autor, da que offerece o Co-


digo Civil allemão, art. 241.
4 — A obrigação tem, como idéa correlativa, o direito pes-
soal de credito. A pessoa, que tem o direito de credito, isto é,
o direito de exigir o cumprimento da obrigação, denomina-se
credor; a que está obrigada a cumpril-a denomina-se devedor.
São esses os sujeitos da relação obrigacional.
O conteúdo da obrigação é a prestação. Quer isto dizer
que a pessoa do devedor, como sujeito de direito, tem de pra-
ticar um acto ou uma abstenção; os seus bens não são directa
e immediatamente attingidos. OMigationum substancia non in
eo consistit, ut aliquod corpus nostrum aut servitutem nostrani
faciat, sed ut alium nobis obstringat ad dandum aliquiã, vel fa-
ciendum vel praestanãum, explicava o direito romano (D. 44, 7.,
fr. 3, pr.).
Do ponto de vista do objecto, ou da prestação, os vinculos
obrigacionaes são: de dar, de fazer, e de não fazer. As obriga-
ções das duas primeiras classes dizem-se positivas e as da ul-
tima negativas.
5- — Obrigação de dar é aquella cuja prestação consiste na
entrega de uma coisa movei ou immovel, para a constituição de
um direito real (venda, doação, etc.), a concessão do uso (em-
préstimo, locação, ou a restituição ao dono). Esta ultima especie
constitue, propriamente, a obrigação de restituir, de que tratarão
os arts. 869 e seguintes.
A coisa a entregar pode ser certa ou incerta.
Ainda que a obrigação seja de dar coisa certa, para a con-
stituição de j um direito real, este não se constitue, senão pela
tradição, se a coisa fôr movêl, ou pela transcripção se fôr im-
movel, segundo o systema adoptado pelo Codigo Civil, de accôrdo
com as exigências da melhor doutrina.
6. — Quando a coisa a entregar é certa, não pode o de-
vedor desobrigar-se offerecendo outra, ainda que mais valiosa,
porque não pôde mudar o objecto da prestação. Tal mudança
somente poderia resultar do accôrdo das vontades do credor e
do devedor. A circumstancia do maior valor não é attendivel, até
porque o ponto de vista do credor pôde ser outro.
A inversa, é, egualmente, verdadeira. O credor não pode
exigir coisa differente, ainda que menos valiosa.
Se essas substituições fossem perinittidas, a obrigação não
seria de dar coisa certa.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 9

Art. 864 — A obrigação de dar coisa certa


abrange-lbe os accessorios, posto não menciona-
dos, salvo se o contrario resultar do titulo, ou
das circumstancias do caso.

Direito anterior — Era doutrina acceita.


. Legislação comparada — Codigo Civil hespanhol, artigo
1.097; argentino, 575.
Vejam-se, também ainda que com referencia, somente, á
compra e venda, mas estabelecendo preceito de applicação geral:
o Codigo Civil francez, art. 1.615; o italiano, 1.471; o portuguez,
1.575; o uruguayo, 1.690; o chileno, 1.417; o boliviano, 1.034;
o venezuelano, 1.537; e o japonez, 575, 2.a al.
Projectos — Esboço, art. 890; Beviláqua, 1.009; Revisto,
1.012.

Observação -— Applica-se á relação obrigatória o principio


de que o accessorio segue o principal. Aliás, como o que se en-
trega é uma coisa corporea, é aos accessoriôs do bem, que o prin-
cipio se refere, por effeito do vinculo obrigacional.
Ainda que os accessorios tenham sido, momentaneamente, se-
parados para ser, em seguida, repostos na situação anterior,
acompanharão a coisa principal, que tem de ser entregue.
Exceptuam-se dois casos; o de expressa declaração do titulo,
no sentido de os excluir da entrega; e o da exclusão resultante
de circumstancias evidentes.
-coüsí-lh0

Art. 865 — Se, no caso do artigo antece-


dente, a coisa se perder, sem culpa do devedor,
antes da tradição, ou pendente a condição sus-
pensiva, fica resolvida a obrigação para ambas
as partes.
Se a perda resultar de culpa do devedor, re-
sponderá este pelo equivalente, mais as perdas
e damnos. ,

Direito anterior — Differente, se attendei mos ao disposto


na Orã., 4, 8, pr.; mas o art. 206 do Codigo do Commercio pa-
rece ter em vista a tradição.
10 CODIGO CIVIL
Legislação comparada — Semelhante: Codigo Civil argen-
tino, arts. 578 e 579; hespanhol, 1.460. Confira-se o artigo com
os seguintes: Codigo Civil francez, 1.138 e 1.302; italiano, 1.219,
2.1 parte, e 1.298; austríaco, 1.447; portuguez, 717 e 718; chileno,
1.550; boliviano, 729; uruguayo, 1.335; venezuelano, 1.825, 2.a
parte, e 1.366; mexicano, 1.430; japonez, 534.
A doutrina romana está exarada nas Inst., 3, 19, § 2.°;
3, 23, § 3.°; D: 45, 1, frs. 23 e 37; e no Cod., 4, 24, 1. 5; initio.
.Projectos Esboço, art. 903, ns. 1 e 4; Felicio dos Santos,
546; Coelho Rodrigues, 469; Beviláqua, 1.010 e l.Oll- Revisto
1.013.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 15, II; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, In. 55; Lacerda, Obrigações,
§ 85, Espinola, Systema, II, ps. 293-291); Coelho da Rocha, Inst.,
^ 121, Pothieb, Obrigações, ns. 142-144; Planiol, Traité nú-
meros 1.346-1.370; Huc, Commentaire, Vil, ns. 96-115, e VIII
ns. 180-186; Zachariae, Droit civil français, III, n. 576; Tito
Fulgencio, Manual, cit., X, ns. 50-69.

Observações — 1. — A decisão do artigo funda-se na dis-


tincção fundamental entre o juS in re, e o jus ad rem. Antes da
ti adição, o credor ainda não adquiriu a coisa; se esta perece,
quem a perde é o alienante, que ainda não deixou de ser pro-
prietário. Res suo domino perit. Tenha ou não existido essa
regra no direito antigo, ella não é menos a synthese de uma
observação verdadeira.
E, pois que o devedor, antes da tradição do movei ou da
transcripçâo do immovel, continha ser o proprietário: 1.°, fal-
liróio o devedor, antes de constituído o direito real, o credor
concorrerá com os outros na sua qualidade de titular de um
direito pessoal; 2.°, o credor, que ainda não é proprietário, não
pôde constituir sobre a coisa nenhum direito real em favor
de outrem; 3.°, se o devedor fôr desapossado da coisa, é elle quem
pôde usar a acção de reivindicação; 4.°, a obrigação de dar está
sujeita a prescripção extinctiva, como qualquer outra.
Perde-se a coisa, quando ella perece, nos termos do artigo
78, ou quando é posta fora do commercio.
Ia. — Perdida a coisa, sem culpa do devedor, antes da tra-
dição, manda o Codigo que se dissolva a obrigação para ambas
as partes; é a applicação da regra:, debitor rei certae ejus iteritu
liberatur.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 11
Mas se o preço já tiver sido pago, será restituido, pois, fal-
taria com a resolução da obrigação a justa causa do pagamento.
2. — Se, antes da tradição, a coisa se perder por culpa do
devedor, este responde pelo equivalente, com as perdas e damnos,
que por seu acto tiver soffrido o credor. Não é porque o credor
tivesse adquirido direito real sobre a coisa; mas porque o devedor
tinha obrigação de conserval-a, cuidadosamente, para entregal-a
ao credor. Infringindo essa obrigação, a lei o coage a resarcir
o damno causado, o mais completamente que fôr possivel.
3. — Se a coisa a entregar fôr incerta, cumpre que haja
determinação no genero e na quantidade, para que a prestação
tenha objectô. Se hçuver indeterminação no genero e na quan-
tidade o acto jurídico será nullo. Se a coisa incerta fôr deter-
minada pelo genero, não perecerá, porque o genero não perece
genera non pereunt. Antes de individualizada a coisa pela es-
colha do credor ou do devedor, conforme a este ou aquelle com-
petir fazel-a, não ha uma coisa, que se diga objecto da prestação,
que se possa, determinadamente, exigir ao devedor. Se alguma do
mesmo genero da promettida perecer, não é a devida, porque
ainda nenhuma, precisamente, o é.
Depois da escolha, a coisa individualiza-se, torna-se certa.

Art. 866 — Deteriorada a coisa, não sendo


o devedor culpado, poderá o credor resolver a
obrigação, ou acceitar a coisa, abatido ao sèu
preço o valor, que perdeu.

Direito anterior — Não havia disposição expressa.


Degislação comparada — Semelhante: Codigo Civil francez,
art. 1.182, 3.a al., hespanhol, 1.460, 2.a al; argentino, art. 580.
Differente; D. 18, 6, fr. 8, pr. in fine.
Projectos — Eshoço, art. 903, 3.°; Beviláqua, 1.012; Revisto,
art. 1.014.
Bibliographia — Direitos das obrigações, § 15, II; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, n. 55; Huc, Commentaire, VII,
n. 261; Pothier, Obrigações, I, n. 219; Tito Fulgencio, Manual
cit., X, ns. 70-73.

Observação — O credor não pôde ser obrigado a lecebei a


coisa com as deteriorações, que soffrer, entre o momento em que
12 CODIÜO CIVIL
se formou a obrigação e o em que ella se cumpre, com a entrega;
porque, como estatue o art. 863, elle não é obrigado a receber
outra coisa, e a deteriorada já não é idêntica a si mesma; e
porque a deterioração pôde ou ser tal que torne a coisa imprópria
para o fim, a que o credor a destinava, ou, pelo menos, a faça
menos valiosa. E seria injusto que a lei não attendesse a estas
considerações.

Art. 867 — Sendo culpado o devedor, po-


derá^ o credor exigir o equivalente, ou acceitar
a coisa no estado, em que se acha, com direito
a reclamar, em um ou em outro caso, indemni-
zação das perdas e damnos ,

Direito anterior — Conforme os principies geraes. Não


havia disposição de lei.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, artigo 581.
Veja-se, também, o francez, art. 1.138, in fine.
Projectos — Esboço, arts. 903, 4.°; Beviláqua, 1.013; Revisto,
art. 1.015.
Bibliographia — A do artigo anterior.

Observação — A má fé, com que o devedor procede, dete-


riorando a coisa para colher proveito ou causar damno ao credor,
cria-lhe a obrigação de pagar perdas e damnos, sem exoneral-o
da anteriormente contrahida de dar. Como, porém, a coisa devida
se açha damnificada, cabe ao credor o direito de escolher entre
o equivalente ou a coisa no estado, em que se acha.

Art. 868 — Até á tradição, pertence ao de-"


vedor a coisa, com os seus melhoramentos e ac-
crescidos, pelos quaes poderá exigir augmento
no preço. Se o credor não annuir, poderá o de-
vedor resolver a obrigação.
Paragrapho único. Também os fruetos per-
cebidos são do devedor, cabendo ao credor os
pendentes".
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 13

Direito anterior — A Orã., 4, 67, § 3.°, dava ao comprador


os fructos que a coisa certa produzisse, entre o momento da
convenção e o da entrega.
Legislação comparada — Semelhante: Codigo Civil argen-
tino, arts. 577, 582 e 583.
Differente; Codigo francez, art. 1.614, 2." al., italiano^
1.470, 2." al.; portuguez, 1.575; venezuelano, 1.536, 2.11 al.,; me-
xicano, 1.344.
Projectos — Esboço,' art. 903, 5.° e 6.°; Beviláqua, 1.014;
Revisto, 1.016.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 15, II; Pothieb,
Obrigações, § 145; Tito Fuegencio, Manual,-cit., X, ns. 78-80.

Observação — Faz o artigo natural applicação do principio,


reconhecido pelo Codigo, de que o direito real não resulta do
contracto, nem de outra fonte de obrigação. Necessita, quando
se constituir por acto-entre vivos, da tradição do movei ou da
transcripção do immovel. O art. 868 somente se refere á tra-
dição, porque, em sentido lato, essa palavra comprehende a tran-
scripção, que é uma tradição solemne.
Antes da tradição ou da transcripção, a coisa pertence, ainda
ao devedor; delle são, portanto os melhoramentos e accrescidos
ainda que não tenha com elles feito despezas, nem desenvolvido
esforço. Pela mesma razão, os fructos, que são novidades, in-
crementos da coisa, deveriam ser do devedor, se não houvesse
necessidade de fazer uma distincção imposta pela razão juridica.
Se o devedor os percebe procede legitimamente, porque usa do
que é seu, colhe utilidade da coisa que lhe pertence. Nada ha
que lhe oppôr. Se os não percebeu, fazem parte integrante da
coisa, e com ella serão entregues ao credor, que, então, os co-
lherá com o mesmo direito, porque será proprietário. Não terá,
porém, o devedor direito de exigir augmento de preço por elles,
porque os fructos são incrementos normaes, previstos e esperados
da coisa. Quando as partes se obrigaram, já sabiam da existência
de fructos em formação. Os outros accrescimos e melhoramentos,
a que se refere o artigo, resultam de factos imprevistos no mo-
mento da formação do vinculo obrigacional; por exemplo: uma
accessão natural, uma acquisição feita pelo devedor a titulo
oneroso ou gratuito.
Veja-se, no commentado l ao art. 60, o que são fructos pen
dentes e percebidos.
14 CODIGO CIVIL

869
. — Se a obrigação for de restituir
íoiga certa, e esta, sem culpa do devedor, se
perder antes da tradição, soffrerá o credor a
perda, e a obrigação se resolverá, salvos, porém,
a elle, os seus direitos até o dia da perda.

Direito anterior — Não havia dispositivo expresso; mas


o preceito se deduzia dos princípios geraes.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, artigo
584; portuguez, 719.
Drojectos Esboço, art. 904, 1.°; Beviláqua, art. 1.015; Re-
visto, art. 1.017.,
Bibliographia — Direito das obrigações, § 15^ IV; João
Luiz, Codigo Civil annotado ao art. 869; M. I. Carvalho de
Mendonça, Obrigações, n. 56; Amaro Cavalcanti, Parecer, nos
Trabalhos da Gamara, II, p. 164, observação ao art." 1.017 do
Projecto; Oliveira Figueiredo, Parecer, nos cit. Trabalhos, III,
pagina 121; Tito Fulgencio, Manual, cit., X, ns. 81-85.

Observação — A differença entre a obrigação de dar e a


de restituir coisa certa, está em que na primeira, o credor
recebe coisa, que não era sua, para sobre ella constituir direito
real ou simples uso, e, na segunda, o credor é o dono da coisa,
que se achava, por qualquer titulo (empréstimo, locação, depo-
sito, penhor), em poder do devedor, que a restitue. Sendo dif-
ferente a relação de direto, differentes deveriam ser as normas
que a regulassem. Se a coisa, que o devedor tem de restituir ao
dono, se perde antes da entrega, por caso fortuito ou força maior,
soffre o dono a perda (res suo domino perit), e a obrigação se
resolve por falta de objecto.
Ficam resalvados os direito do credor até o dia, em que
a coisa se perde. Se, por exemplo, a coisa estava alugada, o dono
perdel-a-á, se parecer, sem culpa do devedor, antes da restituição,
mas tem direito aos alugueis até o dia do accidente, que fez des-
apparecer o objecto da locação.
Se a perda é imputavel ao devedor, responde elle pelo equi-
valente e mais perdas e damnos, decide o artigo seguinte.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 15

Art. 870 — Se a coisa se perder por culpa


do devedor, vigorará o disposto no art. 865, 2/
parte.

Direito anterior — Não havia direito expresso; mas essa


era a doutrina.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, artigo 585;
portuguez, 719.
Projectos — Esboço, art. 904, 2.°, Beviláqua, 1.016; Re-
visto, 1.018.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 15; IV; Tito Fui.-
gencio, Manual, cit., ns. 86-87.

CONSELHO F < ! • - D0 TRA6AL,


# K RfcôlÂÔ
Art. 871 — Se a coisa restituivel se dete-
riorar, sem culpa do devedor, recebel-a-á, tal qual
se aclie, o credor, sem direito a indemnização;
se por culpa do devedor, observar-se-á o disposto
no art. 867.

Direito anterior — Principio acceito, mas não expresso


em lei.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino artigos
586 e 587.
Projectos — Esboço, art. 904, 3.° e 4.°; Beviláqua, 1.017;
Revisto, 1.019.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 15, IV, João
Luiz, Codigo Civil, ao mesmo artigo; Amaro Cavalcanti, Parecer
nos Trabalhos da Camara, II, p. 164; Tito Pülgencio, Manual cit.,
ns. 88-90.

Observações — 1. — A coisa pertence ao credor; o devedor


a tinha em seu poder, com obrigação de a restituir. Mas se occor-
rem deteriorações, sem culpa, ninguém por ellas responde; soffr.e
o dono o prejuízo. Não ha razão jurídica de especie alguma,
Que o autorize a pedir indemnização ao devedor, a quem nada
se pôde imputafr.
Se, porém, a deterioração pode ser attribuida ao devedor,
.responderá elle por seu acto prejudicial.
16 CODIGO CIVIL

2. — A ultima parte do artigo foi introduzida por suggestão


de Amaro Cavalcanti, acceita pela Gamara. O pensamento estava
implicito no dispositivo do Projecto primitivo, como no do Re-
visto; mas julgou-se necess.arÍQ tornal-o explicito.

Art. 872 — Se, no caso do art; 869, a coisa


tiver melhoramento ou augmento, sem despesa
ou trabalho do devedor, haverá o credor o me-
lhoramento, ou augmento sem pagar indemni-
zação.

Direito anterior — Não havia direito expresso; mas o prin-


cipio era reconhecido.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino arti-
go 588.
Projectos — Esho.ço, art. 904; Beviláqua, 1.018; Revisto,
1.020. A

Observação — Não se confunda ninguém com esta remissão


ao art. 869. Quer ella apenas dizer; se a obrigação fôr de resti-
tuir. Tudo mais, que nesse artigo se encontra, não tem relação
com o que agora se dispõe.
O melhoramento ou accrescimo da coisa aproveita, necessa-'
riamente, ao dono, porque não tendo concorrido para elles o de-
vedor, originam-se do crescimento proprio da coisa, dos fructos
por ella produzidos, ou de accessão natural.

Art. 873 — Se para o melhoramento, ou au-


gmento, empregou o devedor trabalho ou dispen-
dio, vigorará o estatuído nos arts. 516 a 519.
Paragrapho único. Quanto aos fructos per-
cebidos, observar-se-á o disposto nos arts. 510
a 513.

Direito anterior —Não havia dispositivo expresso; mas


vigoram os preceitos, a que allude o artigo.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 17
I/eglslação comparada —- Codigo Civil argentino artigos
589 e 590.
Projectos — Esboço, art. 904, 6.° e l.0]Beviláqua, 1.019 e
1.020; Revisto, 1.021.

Observações — 1. — Aquelle que tem de restituir coisa


alheia, que se encontra em sua posse, terá direito de ser in-
demnizado pelas bemfeitorias necessárias e úteis, se estiver de
bôa fé. Para tornar effectivo esse direito, poderá o devedor usar
do direito de retenção, ou da acção competente para coagir o
dono da coisa a indemnizal-o.
Quanto ás bemfeitorias volumptuarias, assiste-lhe, somente, o
direito de levantal-as, sem detrimento da coisa.
Se estiver de má fé, apenas poderá reclamar indemnização
pelas bemfeitorias necessárias, sem direito de retenção.
Havendo bemfeitorias e deteriorações, compensar-se-ão umas
com as outras.
Vejam-se os arts. 516 e 519 e os seus commentarios, no vo-
lume III desta obra.
2. — O possuidor de bôa fé tem direito aos fructos perce-
bidos, mas não aos pendentes, que deverá restituir, se os colher
depois de ter cessado a bôa fé. O possuidor de má fé responde
por todos os fructos, ainda pelos que deixou de perceber por
culpa sua. Tem, porém, direito ás despesas de producção, e
custeio. São essas as disposições dos arts. 511 e 513. O art.
512 declara que os fructos naturaes e industriaes reputam-se
"percebidos logo que são separados, e os civis, dia por dia.

SECÇÂO II

Das obrigações de dar coisa incerta

Art. 874 — A coisa incerta será indicada, ao


Menos, pelo genero e quantidade.

Direito anterior — Era doutrina seguida, mas não traduzida


artigo de lei.
Degislação comparada — Codigo Civil francez, artigo 1.129;
italiano, 1.117; argentino, 1.170; peruano, 1.251; boliviano 720;
mexicano, 1.825, 2.°; do Montenegro, 514; peruano, art. 1.178,
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 2
18 OODXGO CIVIL

Para o direito romano: D. 4^, 1, fr. 94: si de aliquo tritico


cogitaverit, id est, certi generis certae quantitatis, iã halyel>itur
pro expresso.
Projectos — Esboço, art. 893; Felicio dos Santos, 468;
Coelho Rodrigues, 522, Beviláqua, 1.021; Revisto, 1.022.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 15; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, n. 59; Espinola, Systema,
II, ps. 165-170; Lacerda, Obrigações, § 19; Saleiles, Théorie gé-
nérale de Vobligation, n. 11; Code Civil allemanã, publié par le
Comitê de lég. comp., notas ao art. 243; Kohler, Lehrbuch, I,
§ 17; Endemann, Lehrbuch, I, § 119; Dernburg, Panã. II, § 25;
Alves Moreira, Inst., II, n. 23; Rivarola, Derecho civil argen-
tino, I, ns. 198-202; Tito Fulgencio, Manual, cit., X, ns. 96-98;
R. Salvat, Derecho civil, argentino {Obligaciones), ns. 318 e segs.

Observações — 1. — Genero, em historia natural, é um


grupo de especies, que apresentam caracteres communs, mais
ou menos consideráveis. A espeúie é uma reunião mais limi-
tada de indivíduos semelhantes.- B porque os caracteres especi-
ficos, embora determinados, não são absolutamente fixos, dis-
tinguem-se variedades nas especies. Indivíduo é a unidade em
que se decompõe a especie.
A linguagem jurídica destoa dessas noções. O genero é um
conjuncto de seres semelhantes, e estes seres denominam-se es-
pecies.
Especie é a coisa que se não costuma dar por conta, peso
e medida, é o corpo certo, a coisa certa, individualizada, Species
singula corpora significai (D. 45, 1, fr. 54).
O Esboço procurou romper com esta linguagem imprópria;
denominou especie o que o direito romano considerava genero,
e deu o nome de coisa individualizada, ao que elle considerava
especie (nota ao art. 912). Essa nomenclatura, seguida pelo
Projecto primitivo, não foi acceita.
2. — A coisa, para poder ser objecto de uma prestação de
dar (obrigação genérica), deve ser, ao menos, indicada pelo
genero e pela quantidade. Por exemplo, duas arrobas de café,
quatro cavallos. O genero só por si não contém determinação suf-
ficiente. Se alguém promette dar assucar, sem, ao menos dizer
quantos kilos, nada prometteu (Nihil stipulatur). A coisa não
determinada nem determinavel, não pode ser objecto de obri-
gação. O acto jurídico sem objecto é nullo.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 19

Art. — 875 — Nas coisas determinadas pelo


genero e pela quantidade, a escolha pertence ao
devedor, se o contrario não resultar do titulo da
obrigação. Mas não poderá dar a coisa peior, nem
será obrigado a prestar a melhor.

Direito anterior — A Ord., 4, 78, § 7.°, prescrev a regra se-


melhante.
Legislação comparada — D. 30, fr. 37, pr., Le^ato genera-
liter relido ne optimus vel pessimus acdpiatur; Codigo Civil
francez, art. 1.246; italiano, 1.248; allemão, 243; hespanhol,
1.167; portuguez, 716, paragrapho único; argentino, 601 e 602;
venezuelano, 1.315; suisso, das obrigações, 71 (revisto); ja-
ponez, 401; peruano, 1.179.
Projectos —< Esboço, arts. 912, n. 2, e 913; Felicio dos San-
tos, 468; Coelho Rodrigues, 522] Beviláqua, 1.022; Revisto, 1.023.
Bibliographia —• Direito das obrigações, § 15, II; M. I. Car-
valho de Mendonça, Das obrigações, I, n. 59; Lacerda de Al-
meida, Obrigações, § 19; Huc, Gommentaire, VIII, ns. 37-41; Gode
Civil allemanã, publié par le Comitê de lég. étr., notas ao ar-
tigo 243; Windscheid, Pand., II, § 255, II; Tito Fulgencio,
Manual, cit., X, ns. 99-105.

Observações — 1. — Na obrigação de genero, a coisa está


indicada, apenas, pela classe mais ou menos restricta, a que per-
tence, não está individualizada. Ao prestal-a, porém, terá o de-
vedor de especializal-a. Cabe-lhe este direito, se o titulo da obri-
gação o não attribuir ao credor. A sua escolha, porém, deverá
recahir sobre uma coisa, que não seja a peior do genero decla-
rado no titulo; do mesmo modo, se a escolha couber ao credor,
não terá este a faculdade de exigir a melhor. Não sendo desi-
gnada a coisa no titulo, senão pelo genero, entende-se que é de-
vida uma de qualidade média, dentre as do mesmo genero.
2. — A escolha cabe ao devedor da obrigação de genero,
como na alternativa; mas as duas formas do vinculo obrigacional
não se confundem; porque, na alternativa, ha dois objectos a
escolher, e na generica, o objecto é um só, embora indeterminado.
Por isso mesmo, alguns autores preferem dizer que, na obrigação
alternativa, ha escolha, e, na generica, especialização, individua-
lização ou concentração.
20 CODIGO OIVIL

Art. 876 — Feita a escolha, vigorará o dis-


posto na secção anterior.

Direito anterior — Conforme, segundo a doutrina.


Degislação comparada — Codigo Civil argentino, arti-
go 603; allemão, 243; peruano, 1.181.
Projectos — Eshoço, art. 912, 3.°; Beviláqua, 1.023; Re-
visto, 1.024.
Bibliographia — A do artigo anterior.

Observação —' A individualização torna a coisa certa, faz


desapparecer a indeterminação objectiva da prestação. Por isso,
depois delia, a obrigação obedece á disciplina da obrigação de
dar coisa certa.
A individualização, em regra, se effectua pela entrega, como
ensina Jhebing, ou, como diz o Codigo Civil allemão, art. 243,
segunda parte, desde que o devedor fez tudo que, de seu lado, era
exigivel para a prestação {Hat der Schulãner das zur Leistung
einer solchen Sache seinerseits Erforderliche gethan). Quer isto
dizer que não basta separar a coisa para se considerar especia-
lizada, mas, também, não é indispensável a entrega effectiva,
para que o devedor se considere exonerado. Se offerecida a coisa,
o credor recusa ou cáe em móra, o devedor estará desobrigado.

Art. 877 — Antes da escolha, não poderá o


devedor allegar perda ou deterioração. da coisa,
ainda que por força maior ou caso fortuito.

Direito anterior — Tal era a doutrina.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, arti-
go 604; peruano, 1.180.
Projectos — Esboço, art. 915; Beviláqua, 1.024; Revisto,
1.025.
Bibliographia — A do art. 87E). Aãde; Teixeira de Freitas,
Consolidação, nota 36 ao art. 538, § 6.° Tito Fitloencio, Manual
cit., X, ns. 108-110.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 21

Observação — Antes da individualização, a coisa devida é


determinada pelo genero, e este não perece nem se deteriora.
Genus nunquam perit. O artigo diz: antes ãa escolha. Mas, se-
gundo já ficou observado, no commentario ao artigo anterior,
essa escolha só se entende effectuada, quando o devedor executa,
realmente, a obrigação, nada faltando para isso, senão o que
depender do credor. Consequentemente, não se exonera, alie-
nando que pereceu a coisa, que elle pretendia dar, ou que se
achava por elle separada para ser remettida ao credor, ou para
sei-lhe entregue logo que a exigisse. E' necessária a prestação da
coisa, ainda que se não torne effectiva por culpa do credor.
Quando a coisa é determinada entre duas ou mais do ge-
nero, é possível attender ao perecimento; mas a obrigação será
alternativa, que obedece a preceitos differentes dos que o Codigo
estabelece para a generical

CAPITULO II

Das obrigações de fazer

Art. 878 — Na obrigação de fazer, o credor


não é obrigado a acceitar de terceiro a prestação,
quando for convencionado que o devedor a faça
pessoalmente.

Direito anterior — Não havia disposição expressa, mas


a doutrina acceitava a regra do artigo, aliás com fundamento
no direito romano.
Degislação comparada — D. 46, 3, fr. 31; Codigo Civil fran-
cez, iart. 1.237; italiano, 1.239; suisso, das obrigações, 68 (re-
visto); hespanhol, 1.061; portuguez, 747, paragrapho único;
allemão, 267; chileno, 1.572, 2.a parte; argentino, 626 e 730; uru-
guayo, 1.452; peruano, 1.183; boliviano, 828; venezuelano, 1.305;
mexicano, 1.358; do Montenegro, 527.
Projectos — Esboço, arts. 950, 1.038 e 2.338; Felicio dos
Santos, 460, 2.a parte; Coelho Rodrigues, 514; Beviláqua, 1.025;
Revisto, 1.026.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 16; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, ns. 60-63; Espinola, Systema,
U. ps. 211-213; Lacerda, Obrigações, § 18; Büfnoir, Propriété
et contrai, ps. 510-512; Huc, Gommentaire, VIII, ns. 11 e 12; Sa-
vigny, Droit des obligations, I, § 28; Rosel, Droit civil suisse,
A. Colmo, Obligaciones, ns. 351 e segs.; Sanchez Eoman, De-
22 CODIGO CIVIL

recho civil, IV, ps. 88 e segs.; Tito Fulgencio Manual çit.,


X, ns. 111-115; R. Salvat, Derecho civil, arg. {Ohligaciones), ns.
514 e segs.

Observações — 1. — Não têm razão os que negam a distin-


cção entre as obrigações de dar e as de fazer. O conteúdo da
* obrigação não se confunde. Na obrigação de dar, a prestação con-
siste na entrega de uma coisa; na de fazer, o objecto da prestação
é um acto do devedor. Dahi resultam conseqüências diversas,
que se destacam nos quatro artigos deste capitulo.
Além disso, nos systemas, em que a transferencia de do-
minio não resulta da obrigação, como é o do nosso direfto, a
obrigação de dar perfaz-se com a tradição, que, objectivando a
prestação, transpõe as raias do direito obrigacioiial, e penetra
nas do direito real, condição que se não observa nas obrigações
de fazer.
2. _ As obrigações de fazer abrangem modalidades varias
de actos, sejam trabalhos manuaes, ou intellectuaes, sejam actos
que interessam ao credor, sem que possam classificai-se como
trabalho, porque o que nelles importa é o desenvolvimento
da actividade do devedor; são, sim, as vantagens, que trazem
ao credor, como quando alguém se obriga a prestar fiança a favoi
de outrem. O trabalho, neste caso, é insignificante; o valor do
facto nasce da possibilidade, que a fiança traz aõ afiançado, de
realizar a operação jurídica para a qual era exigida essa se-
gurança .
3. — Não é sempre necessário que o devedor cumpra, em
pessoa, o que prometteu fazer. O essencial é que o facto promet-
tido se execute pelo modo ajustado. Mas, se a pessoa do devedor
foi escolhida em attenção á sua aptidão especial, á sua conhecida
perícia profissional, á confiança, que soube inspirar na realização
de certos actos, deve o facto ser realizado, pessoalmente, pelo
devedor.
O Codigo diz: quando fôr convencionado que o devedor a
faça (a prestação) pessoalmente. Não se deve entender que é
indispensável uma declaração expressa nesse sentido. Bastará que
a intenção resulte das circumstancias. Por isso, o Projecto pri-
mitivo usou de outra fórmula: "o credor não é obrigado a accei-
tar a prestação por um estranho, quando tiver interesse, em que
seja realizada, pessoalmente, pelo devedor".
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 23

Art. 879 — Se a prestação do facto se im-


possibilitar, sem culpa do devedor, resolver-se-á
a obrigação; se por culpa do devedor, respon-
derá este pelas perdas e damnos.

Direito anterior —- Não havia dispositivo expresso; mas


a doutrina reconhecia o principio. Carlos de Carvalho, Direito
civil> art. 869, consagrava a regra contida na segunda parte do
artigo, fundado na Orei., 4, 70, pr., que manda estimar a obrigação
de facto, para o calculo da pena convencional.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, artigo
1.142; argentino, 627 e .628 ; allemão, 275' e 280 l.a al.; boliviano,
735; mexicano, 2.027. Compare-se com o portuguez, 711; chi-
leno, 1.555; e o uruguayo, 1.338, l.a al; peruano, 1.184 e 1.185.
Para o direito romano: D. 42, 1, fr. 13, § 1.°.
Projectos — Esboço, art. 951, 1.° e 2.°; Felicio cios Santos,
366; Coelho Roclrigiies, 470; Beviláqua, 1.026 e 1.027; Revis-
to, 1.027.
Bibliographia — Direito cias obrigações, § 16; Saleilles,
Obligation, ns. 23-27; Tito Fulgencio, Manual cit., X, ns. 116-123.

Observação —- A primeira parte do artigo é uma applicação


da regra impossibilium nulla obligatio, ou acl impossibilia nemo
tenetur. Neste caso, se o devedor recebeu alguma coisa, em razão
do acto, que se obriga a fazer, deverá restituil-a, pois cessou
a razão, pela qual lhe fôra dada. A obrigação desfaz-se para
ambas as partes.
A segunda parte condemna o devedor, que tornou a pres-
tação impossível por culpa sua. Em razão da culpa, pagará per-
das e damnos, nas quaes se resolvem sempre as obrigações de
fazer, que se não executam: in pecuniam numeratani conãemna-
tur, sicut evenit in omnibus facienãi obligationibus.

Art. 880 — Incorre, também, na obrigação


de indemnizar perdas e damnos o devedor, que
recusar a prestação a elle só imposta, ou só por
elle exequivel.

Direito anterior — Era doutrina acceita.


24 CODIGO CIVIL

Legislação comparada — Compare-se com o Codigo argen-


tino, art. 628 e o portuguez, 711. Os outros Codigos não accen-
tuaram a hypothese.
Projectos — Esboço, art. 951, 3.°; Coelho Rodrigues, 472;
Beviláqua, 1.028; Revisto, 1.028.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 16; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I. n. 65; Espinola, Systema,
II, ps. 211 e 212; Lacerda, Obrigações, § 18; Tito Fulgencio,
Manual cit., X, ns. 124 e 125.

Observação — Remo potest precise cogi aã factwm —' Remo


ad facienãum cogi potest. São duas fôrmas de expressar a mesma
verdade. A obrigação de fazer não pôde ser cumprida, violen-
tando-se a vontade do individuo, manu militari, a praticar o acto
promettido. Se elle se recusa a executar a prestação, que somente
por elle podia ser executada, não é licito forçal-o, nem seria,
muitas vezes, possível. A sua obrigação resolve-se, então, em
perdas e damnos.
Não quer isto dizer que a obrigação faciendi {vel non fa-
ciendi) seja alternativa, nem que o devedor possa impedir o pro-
seguimento da acção do credor, offerecendo pagar perdas e da-
mnos. Estas resultam da condemnação do réo ou da vontade do
credor. Da condemnação, porque o juiz imporá ao devedor a
execução do promettido ou pagamento de perdas e damnos. Da
vontade do credor, porque este poderá propor a opção entre o
cumprimento da obrigação ou perdas e damnos. Como observa
Teiíceira de Freitas, nota ao art. 952 do Esboço, "o pagamento
de perdas e interesse não é o cumprimento da obrigação, é o
único remedio possivel contra a falta do devedor".

Art. 881 — Se o facto puder ser executado


por terceiro, será livre ao credor mandal-o exe-
cutar á custa do devedor, havendo recusa ou
móra deste, ou pedir indemnização por perdas
e damnos.

Direito anterior — Era doutrina acceita.


Legislação comparada — Codigo Civil francez, artigo
1.444; italiano, 1.220; suisso, das obrigações, 97; hespanhol, 1.098,
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 25
portuguez, 712; chileno, 1.553; argentino, 630, uruguayo, 1.339;
boliviano, 737; venezuelano, 1.286, l.a parte; e mexicano, 2.027;
peruano, 1.187.
Confira-se com o japonez, art. 414, 2.a al.
Projectos — Esboço, art. 951, 4.°; Felicio dos Santos, 370;
Coelho Rodrigues, 472; Beviláqua, 1.029; Revisto, 1.029.
Bibliographia — M. I. Carvalho de Mendonça, Obrigações,
I» n. 66; Espinola, Systema, II, p. 212; Rossel, Droit civil suisse,
III, p. 130; Pothieb, Obrigações, I n. 157; Huc, Commentaire,
VII, ns. 138 e 139; Tito Pulgencio, Manual cit., X, ns. 126-128.

Observação — O art. 880 prevê a hypothese, em que o facto


somente pelo devedor pôde ser executado; o art. 881 regula o
caso, em que por outrem o possa egualmente ser, em que seja
indifferente a pessoa do executor da obra. Nesse ultimo caso,
o credor tem a opção: ou manda executar o facto á custa do de-
vedor, se este se recusa ou se constitue em mora, ou, dadas
as mesmas circumstancias, exige perdas e damnos.
O Codigo usa da expressão: será livre do credor mandal-o
executar. Dever-se-á entender que o possa fazer por autoridade
própria? Entendo que não. Seria uma fonte de abusos e uma
anarchia imprópria de uma legislação systematizada. O pensa-
mento da lei se esclarece, desde que a liberdade de escolha é
dada entre mandar executar o facto ou pedir indemnização. A
indemnização suppõe uma sentença, que a decrete. Assim tam-
bém deve ser ã execução da obra por terceiro á custa do devedor.
O Codigo confere ao credor uma opção para o pedido; mas
este deve ser feito ao Poder Judiciário, que condemnará o de-
vedor, segundo o pedido.
O Projecto primitivo, art. 1.029, dizia: "Se o facto puder ser
executado por outro, que não o devedor, o credor terá o direito
de exigir delle que o execute, sob a comminação de ficar autori-
zado a executal-o por si ou por terceiro, á custa do devedor, ou
de se resolver a obrigação em perdas e damnos". A fórmula
actual é do Projecto revisto, com ligeiro retoque na" redacção.

capitulo iii

Das obrigações de não fazer

Art. 882 — Extingue-se a obrigação de não


"fazer, desde que, sem culpa do devedor, se Ibe
26 CODIGO CIVIL

torne impossível abster-se do facto, que se obri-


gou a não praticar.

Direito anterior — Era doutrina acceita.


Legislação comparada — A do art. 878, Aããe\ argenti-
no, 632^ peruano, 1.188.
Projectos — Esboço, art. 954, 1.°. Felicio dos Santos, 366;
Coelho Rodrigues, 470; Bevüaqua, 1.030; Revisto, 1.030.
Bibliographia — Direito das obrigações § 17; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, n. 67; Espinola, Systema,
II, ps. 213-216; João Luiz Alves, Godigo Civil annotaão, ao
art. 882; Pothiek, Obrigações, n. 58; Huc, Commentaire, VII,
n. 140; Rivarola, Derecho civil argentino, I, n. 204; Colmo, Obli-
gaciones, ns. 363 e segs.; Tiro Fulgencio, Manual cit., X, nú-
meros 129-131; R. Salvat, Derecho civil, arg. {Obligaciones), ns.
5'47 e segs.

Observação — As obrigações de não fazer, obrigações nega-


tivas, consistentes em abstenções, são muito freqüentes. Appa-
recem, no direito das coisas, como restricções legaes e conven-
cionaes impostas ao direito de propriedade, como preceitos com-
minatorios, e, nos direitos de créditos, podem assumir diversas
modalidades. Espinola indica-as: 1.°, Abstenção pura e simples;
por exemplo: a de não abrir um estabelecimento commercial em
concorrência com outro, 2.°, Dever de abstenção combinado com
uma obrigação positiva, objecto de um contracto; exemplo: não
tocar piano no commodo alugado; não ter nelle animaes domés-
ticos. 3.°, Dever secundário de abstenção, consistente na omissão
de actos, que possam prejudicar a obrigação contrahida. Não é,
em rigor, uma obrigação especial. 4.°, Dever de tolerância, dever
de não crear obstáculo ao acto legitimo de outrem.
As duas primeiras classes é que têm real interesse.
Se a omissão se tornar impossível, sem que o devedor haja
concorrido para isso, ou se tiver sido coagido a executar o acto,
cuja abstenção promettera, extingue-se a obrigação para ambas
as partes, salvo o direito de exigir o credor aquillo que acaso
adeantou para facilitar o cumprimento da obrigação ou, ainda,
para constituil-a.

Art. 883 — Praticado pelo devedor o acto,


a cuja abstenção se obrigara, o credor pôde exi-
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 27

gir delle que o desfaça, sob pena de se desfazer


á sua custa, resarcindo o culpado perdas e
damnos.

Direito anterior — Era doutrina reconhecida e incorporada


no Direito civil, de Carlos de Carvalho, art. 869.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, arts. 1.143
e 1.145; italiano, 1.122; hespanhol, 1.099; argentino, 633 e 634;
chileno, 1.555; uruguayo, 1.338, 2.a parte, e 1.340; portuguez,
713; boliviano, 736; venezuelano, 1.286, 2.•', parte, e 1.288; me-
xicano, 2.028; japonez, 414, 3.a al.; peruano, 1.189.
Projectos — Esboço, art. 954, 3.° e 4.°; Felicio dos Santos,
369; Coelho Rodrigues, 471; Beviláqua, 1.031; Revisto, l.Ool.

Observação — A pessoa obrigada a se abster de um acto


se o praticar, viola a obrigação contrahida. Qui facit, quod facere
non ãebet non viãetur facere id, quod facere jussus est (D. 50,
17, fr. 121).
Realizado o acto, o credor pôde accionar o devedor para que
o destrua, sob a commissão de o destruir elle á custa do devedoi.
Em ambos os casos, o culpado responde por perdas e damnos.

CAPITULO IV

Das obrigações alternativas

Art. 884 — Nas obrigações alternativas, a


escolba cabe ao devedor, se outra coisa não se
estipulou.
§ 1.° Não pôde, porém, o devedor obrigar o
credor a receber parte em uma prestação e par-
te em outra.
§ 2.° Quando a obrigação for de prestações
annuaes, subtender-se-á, para o devedor, o di-
reito de exercer, cada anno, a opção.

Direito anterior — Não havia disposição legal a respeito,


mas Carlos de Carvalho a extrahiu de vários preceitos das
Ords. V. Direito civil, art. 890. ■
28 CODIGO CIVIL

Legislação comparada — Codigo Civil francez, arts. 1.190


e 1.191; italiano, 1.177 e 1.178; portuguez, 733; hespanhol, 1.131
e 1.132; austríaco, 906; allemão, 262 e 266; suisso, das obri-
gações, 72; argentino, 637, 639 e 640; chileno, 1.500; uruguayo,
1.350, 1.351 e 1.356; boliviano, 781 e 782; venezuelano, 1.244;
mexicano, 1.963; japonez, 406; do Montenegro, 528; peruano,
I.191 a 1.193.
Direito romano. D. 18, 1, fr. 25, pr., e 34, § 6.°; 19, 1, fr. 21,
§ 6.°; 31, fr. 27; 45. 1, frs. 112 e 138, § 1.°. E' porém, de notar
que, nos legados, a escolha cabia ao legatario (D. 30, pr. e 34,
paragrapho 14).
Projectos — Esboço, art. 957; Felicio dos Santos, 414-416;
Coelho Rodrigues, 420 e 421; Beviláqua, 1.032; Revisto, 1.032.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 26; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, ns. 68-82; Espinola, Systema,
II, ps. 220-231; Lacerda, Obrigações, § 20; Teixeira de Freitas,
Consolidação, nota (64) ao art. 564; Almachio Diniz, Obrigações,
n. 133; S. Vampré, Manual, II, § 130; Amaro Cavalcanti, nos
Trabalhos da Gamara, II, ps. 168-169; Coelho da Rocha, Inst.,
§ 144; Saleilles, De Vobligation, n. 9; Planiol, Traité, II, nú-
meros 738-740; Huo, Commentaire VII, ns. 290 e 291; Potiiier,
Obrigações, I, ns. 245-247; Laurent, Gours, II, ns. 702-705; Za-
chariae, Droit civil français, III, § 532; Aubry et Rau, Cours,
IV, § 300; Kohler, Lehrbuch, II, § 17; Endemann, Lehrbuch, I,
§ 118; Savigny, Droit des obligations, I, § 38; Windscheid, Pand.,
II, § 255; Dernburg, Pand., II, § 27; Chiboni, Ist. II, § 262;
Sanchez Roman, Derecho civil, IV, ns. 1-4, 70 e 72; Dias Fer-
reira, Codigo Civil portuguez, II, ao art. 733; Alves Moreira,
Instituições, II, n. 22; Rivarola, Derecho civil argentino, I, nu-
mero 205; Colmo, Obligaciones, ns. 380 e segs. Errazuriz,
X, ns. 137-142; R. Salvat, Derecho civil arg. (Obligaciones),
ns. 557 e segs.

Observação — As obrigações podem ser compostas, múltiplas


no seu objecto, ou simples. A multiplicidade das prestações, a
seu turno, será cumulativa ou alternativa, também chamada dis-
junctiva. Diz-se que a obrigação é alternativa, quando ha mais
de uma prestação a cumprir, e o devedor se exonera, satis-
fazendo uma dellas; porque, se ha mais de um objecto, somente
um delles tem de ser prestado: plures sunt res in obligatione, sed
una tantum in solutione.
E' uma obrigação indeterminada; por isso o credor não pode
pedir uma das prestações, se o titulo não lhe confere a escolha.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 29
O seu pedido ha de ser alternativo. Feita a escolha, concentra-se
a obrigação, especializa-se. A concentração não depende da accei-
taçâo da outra parte. E' o devedor que, ordinariamente, escolhe.
O exercício dessa faculdade é um acto unilateral, que produz
os seus effeitos desde que se manifesta, segundo ensina Jiiering.
O devedor não pôde obrigar o credor a receber parte em
uma prestarão e parte em outra, porque deve qualquer das pres-
tações, a que eleger, porém, não tem o arbítrio de as fragmentar.

Art. 885 — Se uma das duas prestações não


puder ser objecto de obrigação, ou se tornar
inexequivel, subsistirá o debito quanto á outra,

Uireito anterior — Não havia direito expresso; mas a la-


cuna era supprimida pelo direito romano.
e
Legislação comparada'— Codigo Civil francez, arts. 1.192
1.193; italiano, 1.179 e 1.180; hespanhol, 1.134; allemão, 265;
argentino, 639, l.a parte; chileno, 1.503; uruguayo, 1.352 e 1.353;
boliviano, 783 e 784; venezuelano, 1.245 e 1.246; mexicano,
1.965 e 1.966; japonez 410. Confira-se com o portuguez, 734;
Peruano, 1.195.
Direito romano; D. 45', 1, fr. 16, pr.; e fr. 105: 46, 3,
Ir- 95, pr.
Drojectos — Esboço, art. 958, ns. 7 e 8; Felicio dos San-
tos, 423 e 424; Coelho Rodrigues, 422 e 423; Beviláqua, 1.033;
Revisto, 1.033.

Observações — 1. — A concentração da obrigação, no caso


Pievisto pelo artigo, resulta dos factos, e não da vontade uni-
lateral daquelle a quem competia o direito de opção. Ambas as
prestações eram devidas, erant in obligatione. Eliminou-se uina
âellas, não ha mais escolha a fazer, só uma prestação é devida,
a obrigação torna-se pura e simples.
Pouco importa que a inexequibilidade seja conseqüência de
culpa do devedor, que tem o direito de escolher. Escolher uma
das prestações, tornando a outra inexequivel.
Se, porém, a alternativa esconde uma prestação illicita, sanc-
cbonada por clausula penal, a obrigação é nulla, observa Huc,
iCommentaire, VII, n. 292). Exemplo: alguém obriga-se a pres-
tar um falso juramento ou a pagar uma somma de dinheiro. Evi-
30 CODIGO CIVIL

dentemente a verdadeira obrigação é a illicita, de prestar o


juramento falso; a clausula penal está mal disfarçada na al-
ternativa.
Assim quando o Codigo diz que, se uma das prestações não
pôde ser objecto de obrigação, subsistirá o debito quanto á outra
afasta a idéa de prestação immoral, porque o objecto illicito an-
nulla o acto jurídico (arts. 82 e 145, n. II).
2. — Se a prestação offerecida, se tornar impossível ou
inexequivel, depois da móra do credor, tendo o devedor feito,
da sua parte, quanto Ibé, cumpria, nada mais deve. E' a solução
romana (D 45, í, fr. 105), que a razão jurídica approva. Se o
credor não foi pago, foi por culpa sua.

Art. 886 — Se, por culpa do devedor, não


se puder cumprir nenhuma das prestações, não
competindo ao credor a escolha, ficará aquelle
obrigado a pagar o valor da que por ultimo se
•impossibilitou, mais as perdas e damnos, que o
caso determinar.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.193,
2.a parte; italiano, 1.180, 3.a al.; hespanliol, 1.135; allemão, 265,
2.a parte: argentino, 639, 2.a parte uruguayo, 1.353, 3.a al.; bo-
liviano, 784; ultima parte; venezuelano, 1.246, 3.a al.; mexicano,
1.967; e japonez, 410, 2.a parte. O chileno, 1.504, 2.a parte, manda
pagar o valor da prestação que escolher, de entre as devidas,
aquelle que tiver o direito de opção. Ver ainda o portuguez, 735.
Direito romano: D. 46, 3, fr. 95, § 1.°.
Projectos — Esboço, art. 958, 3.°; Felicio cios Santos, 428;
Coelho Rodrigues, 423, § 2.°; Beviláqua, 1.034; Revisto, 1.034.

Observação — No caso agora previsto, a culpa do devedor


impossibilita qualquer das prestações entre as quaes elle tinha
de escolher uma para solver sua obrigação. E' justo que pague
o valor de uma dellas. O Codigo manda que seja o da ultima,
porque, com a impossibilidade das outras, já se dera a con-
centração sobre a restante.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 31
O que não parece justo é que, além desse valor, tenha mais
o devodor de pagar perdas e damnos. Perdas e damnos, se in-
correr em móra ou não executar a obrigação, é muito razoavel
que pague o devedor. Mas, na hypothese do artigo, supposto não
haja móra, o valor da coisa é a indemnização naturalmente de-
vida. O credor não tem jus a mais, por isso que o seu direito se
mantinha indeciso até á escolha do credor. O Projeçto primitivo
mandava o devedor pagar somente o valor da prestação, que se
tornava impossível por ultimo.
CONSELHO RLGIONAL DO TRABALHA
1*. REGIÃO
Art. 887 — Quando a escolha couber ao
credor, e uma das prestações se tornar impos-
sível por culpa do devedor, o credor terá direito
de exigir ou a prestação subsistente, ou o valor
da outra, com perdas e damnos,
Se, por culpa do devedor, ambas se tornarem
mexequiveis, poderá o credor creçlamar o valor
de qualquer das duas, além da indemnização
pelas perdas e damnos.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada Codigo Civil francez, art. 1.194:
italiano, 1.181; portuguez, 735; hespanhol, 1.136; argentino, 641;
chileno, 1.504, 2.a parte; uruguayo, 1.354; venezuelano, 1.247;
-boliviano, 785; e mexicano, 1.968 a 1.970; peruano, 1.195 e 1.196.
Projectos — Esboço, art. 958, 2.°; Felicio dos Santos, 424
e
425; Coelho Rodrigues, 424; Beviláqua, 1.035; Revisto, 1.035.

Observação — A culpa do devedor, não o deve eximir da


obrigação. Se não é mais possível solvel-as, segundo a escolha de
quem a pode fazer, o recurso é manter a escolha, quanto ao valor
das prestações, se nenhuma subsiste, ou entre a subsistente e o
valor da que desappareceu. Esta solução, porém, não accentuaria
hem o caracter culposo dq impossibilidade. Para punir a culpa,
accrescenta o artigo a nova prestação por perdas e damnos, aqui
mais justificada do que no caso do artigo antecedente, porque,
sendo a escolha do credor, elle já podia contar com a prestação
para os seus cálculos.
32 CODIGO CIVIL

Art. 888 — Se todas as prestações se tor-


nam impossíveis sem culpa do devedor, extin-
guir-se-á a obrigação.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano,


Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.195;
italiano, 1.182; argentino, 642; chileno, 1.504, l.a parte; uru-
guayo, 1.354; 4.°; boliviano, 786; venezuelano, 1.248; e mexi-
cano, 1.971. V. ainda o portuguez, 736.
Direito romano: D.* 45, 1, frs. 33, 37 e 105.
Projectos — Esboço, art. 104, 4.°; Felicio dos Santos, 426;
Coelho Rodrigues, 245; Beviláqua, 1.036; Revisto, 1.036.

Observação — A impossibilidade innocente extingue o vin-


culo obrigacional: nihil nobis ãebetur. Mas cumpre attender a
duas ponderações. A primeira é que o devedor não se ache em
móra, porque a mora é uma das modalidades da culpa. O direito
romano (45 1, fr. 105) e alguns Codigos modernos resalvam,
expressamente, o caso da móra. A segunda ponderação é que o
devedor libertado da obrigação, que se tornou impossivel,' não
poderá reter comsigo o que recebeu do credor por occasião do
vinculo. Ha de lh'o restituir.

CAPITULO Y

Das obrigações divisiveis e indivisíveis

Art. 889 — Ainda que a obrigação tenba por


objecto prestação divisivel, não pode o credor
ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar,
por partes, se assim não se ajustou.

Direito anterior — O mesmo ' preceito {Codigo Covimercial,


art. 431; Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 888, § 2.°).
Legislação comparada — Codigo Civil francez, arts. 1.220,
l.a al.; e 1.244, l.a al.; italiano, 1.204, 1." al.; austriaco, 1.415;
portuguez, 721; hespanhol, 1.149; argentino, 673; suisso, das
obrigações, 69; allemão, 266; uruguayo, 1\.(S78; venezuelano,
1.270; e boliviano, 809.
Direito romano: D. 12 1, fr. 21; 22, 1, fr. 41, § 1.°; Cod.
8, 43, 1. 9.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 33

Projectos —■ Esboço art. 975; Felicio dos Santos, 469;


Coelho Rodrigues, 447, pr., e 521; Beviláqua, 1.037; Revisto, 1.037.
Bibliographla — Direito das obrigações, § 22; Teixeira de
Freitas, Esboço, notas aos arts. 969 e segs.; M. I. Carvalho de
Mendonça, I, ns. 123 e segs.; Lacerda, Obrigações, §§ 24-30; Al-
machio Diniz, Direito das obrigações, ns. 136 e segs.; S. Vampré,
Manual, II, § 133; Tito Fulgencio, Manual cit., X, ns. 181 e
segs.; Coelho da Rocha, Inst., § 120 e nota E; Saleilles, De
1'obligation, ns. 130 e segs.; Planiol, Traité, II, ns. 815 e
segs.; Huc, Commentaire, VII, ns. 336 e segs.; Pothier, Obri-
gações, ns. 288 e segs.; Laurent, Cours ns. 749 e segs.; Aubry
et Rau, Cours, IV, §§ 301 e 319; Zaohariae, Droit civil fran-
çais, III, § 533; Endemann, Lehrbuch, I, § 120; Dernburg Pand.,
II, § 24; Windscheid, Pand., II, §§ 253, 299 e 300; Savigny,
Droit des obligations, §§ 29-36; Chironi, Ist., II, § 263; Alves
Moreira, Instituições, ns. 20 e 21; Amaro Cavalcanti, Parecer,
nos Trabalhos da Gamara, II, ps. 169-170; Rivarola, Derecho
civil argentino, I, ns. 208-211; Colmo, Obligaciones, ns. 451 e segs.
Planiol, Ripert et P. Esmein, Droit civil français, VII, n. 1.098
e
segs.; R. Salvat, op. cit., ns. 807 e segs.

Observações — 1. — São ãivisiveis as obrigações, cujas


prestações são susceptíveis de cumprimento parcial, e indivisíveis,
nçpiellas cujas prestações somente por inteiro podem ser cum-
pridas. E' a prestação, que, por seu objecto, imprime o caracter
de divisivel ou indivisível á obrigação. E' o que P^aulo já ensi-
nava: Et harum omnium (stipulationum) quaedam partium
Praestationem recipiunt, veluti cum decem dari stipulamur;
quaedam non recipiunt, ut in his quae natura ãivisionem non
udniittunt, veluti cum viam, iter, actum stipulamur/ quaedam
partis quidem dationem, natura recipiunt, sed nisi tota ãantwi
s
tipulationi satis non fit, veluti cum hominem generaliter sti-
Pulor, aut lancem aut quolibet vas (D. 45, 1, fr. 2, § 1.°) •
O conceito é simples e as normas legaes nenhuma obscui i-
dade particular offerecem. Foi Dumoxjlin e, por causa delle,
o Codigo Civil francez, arts. 1.217 e 1.218, que tornaram esta
niateria complicada.
A divisibilidade ou indivisibilidade das obrigações só tem
interesse jurídico, havendo pluralidade de credores ou deve-
dores; porque, se o credor é um só e um, também, o devedor, a
obrigação
e
é, em regra, indivisível, desde que, salvo a estipulação
ni contrario, nem o credor é obrigado a receber o pagamento
Por partes, nem o devedor a fazel-o.
3
Beviláqua — Codigo Civil —4.° vol.
34 CODIGO CIVIL

Havendo pluralidade de credores ou devedores, o interes-


se avulta; porque, se divisivel a obrigação, cada credor tem
direito a uma parte, como cada devedor responde por uma parte,
e, sendo indivisivel, cada credor pôde exigir o cumprimento
integral, e cada devedor responde pela totalidade; ou todos os
concredores exigem, simultaneamente, a soluçãp ou todos os con-
devedores a ella são sujeitos.
2. — As obrigações de dar são divisiveis: 1.°, quando o ob-
jecto da prestação é somma de dinheiro ou outra quantidade,
2.°, quando comprehendem um numero de coisas indeterminadas,
da mesma especie, egual ao numero dos concredores ou dos con-
devedores, ou submultiplo desse numero, como se a prestação
é de dar dez muares, a dez ou a cinco pessoas.
As obrigações de fazer são divisiveis, se as prestações forem
determinadas por quantidade ou duração de trabalho. As de não
fazer são diviziveis, quando o acto cuja abstenção se prometteu
pode ser executado por partes.
3. — São indivisíveis: as obrigações de dar coisas certas in-
fungiveis; as de fazer, cujas prestações não tiverem por objecto
factos determinados por quantidade ou duração de tempo; e as
de não fazer, quando o facto, cuja abstenção se prometteu não
pôde ser executado por partes. O Codigo Civil hespanhol, artigo
1.151, consagra estas noções. Teixeiea de Freitas considera as
obrigações de não fazer sempre indivisíveis. Savigny, porém,
acha possível a divisibilidade da obrigação de não fazer, e dá o
exemplo da obrigação de não demandar, que, transmittida aos
herdeiros, cada um sómente em relação á sua parte poderá violar.
M. I. Carvalho de Mendonça considera inapplicavel a esta es-
pecie de obrigações a distincção de divisiveis e indivisíveis.

Art. 890 — Havendo mais de um devedor,


ou mais de um credor, em obrigação divisivel,
esta presume-se dividida em tantas obrigações,
eguaes e distinctas, quantos os credores, ou de-
vedores .

Direito anterior — Doutrina acceita.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, arti-
gos 674 e 675; allemão, 420; austríaco, 888 e 889. Confira-se com
o chileno, 1.526; uruguayo, 1.379; francez, 1.220; italiano, 1.204;
mexicano, 1.985 e 1.986.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 35

Projectos Esdoço, art. 976; Beviláqua, 1.038; Revisto,


1.038.

Observação — Poderá a divida ter credores ou devedores


conjunctos, quer originariamente,1 quer por cessão, quer por he-
rança. A situação será, sempre, a mesma.
Da divisibilidade das prestações resulta que: 1.°, Cada um
dos credores só tem direito de exigir a sua parte no credito.
2.°, Cada um dos devedores, só tem que pagar a sua quota na di-
vida. 3.°, Se o devedor pagar a divida por inteiro a um dos
vários credores, não ficará desobrigado em relação aos outros.
4.°, O credor que, recusar receber a Aparte, que lhe pertence no
credito, por pretender o pagamento integral, poderá ser consti-
tuído em móra. 5.°, O credor ou devedor, que incorrer em falta,
responderá individualmente por ella. 6.°, A insolvencia de al-
gum dos devedores não augmentará a quota da divida .dos outros.
^•0. A suspensão da prescripção, especial a um dos devedores,
não aproveita aos outros (arts. 168 a 170). 8.°, a interrupção
da prescripção por um dos credores não aproveita aos outros;
operada contra um dos devedores não prejudica aos demais
(art. 176).

Art. 891 — Se, havendo dois ou mais deve-


dores, a prestação não for divisivel, cada uni
, será obrigado pela divida toda.
Paragrapho único. O devedor, que paga a
divida, subroga-se no direito do credor em re-
lação aos outros co-obrigados.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Degislação comparada — Codigo Civil francez, arts. 1.222,
1-223 e 1.251, 3.°; italiano, 1.026 e 1.253, 3.°; allemão, 431;
austríaco, 890, l.a parte; suisso, das obrigações, 70; chileno, 1.527
e 1.528; uruguayo, 1.384 e 1.385'; boliviano, 814; venezuelano,
1-272 e 1.321, 3.° japonez, 428 e 430; do Montenegro, 529 e 530;
o mexicano, 2.006.
Projectos — Esboço, art. 896, pr.; Felicio dos Santos, 437
6
438, § 3.o; (joelho Rodrigues, 450, Beviláqua, 1.039; Revis-
to, 1.039.
36 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — O paragrapho único deste artigo foi


introduzido pela Commissão da Gamara sob proposta do Dk. Ama-
ko Cavalcanti {Trabalhos, II, p. 169 e VI, p. 338); mas, segun-
do bem pondera o Senador João Luiz Alves, "sem necessidade,
porque o art. 985, n. III, prevê a mesma hypothese" {Godigo
Civil annotaão, comm. ao art. 981). E o logar proprio de assi-
gnalar que o pagamento pelo interessado opera a subrogação
legal é o capitulo da subrogação.
2. — Sendo a obrigação indivisivel, cada um dos devedores
responde pela totalidade, como se a obrigação fosse solidaria.
Todavia não ha identidade entre a obrigação solidaria e a indi-
visivel. O devedor solidário está obrigado pela totalidade da obri-
gação (in obligatione correali, totaliter ãebetur); se porém, a
obrigação é indivisivel, o devedor somente paga a totalidade, por
não ser possível a divisão; elle deve apenas uma parte {in obli-
gatione inãiviãua, totum ãebetur ex necessitae, sed non totaliter,
diz Dumoulin). A solidariedade é subjectiva, está nas pessoas,
em virtude da causa obligationis; a indivisibilidade é subjectiva-
objectiva, porque, se recáe sobre as pessoas, resulta do objecto da
prestação, que se não pôde dividir. A obrigação indivisivel não
perde o seu caracter, quando transmittida aos herdeiros do
credor; a solidaria perde (art. 901). Por outro lado, conver-
tendo-sé em perdas e damnos, a obrigação solidaria conserva a sua
natureza (art. 902), porque a solidariedade está no proprio vin-
culo, ao passo que a indivisivel não conserva a sua qualidade,
no mesmo caso de conversão, porque a indivisibilidade estava no
objecto da prestação, e este não é mais indivisivel. Além disso,
como se verá do artigo seguinte, o devedor tem o direito de pedir
caução de ratificação ao credor, a quem paga, quando sendo a
obrigação indivisivel, ha pluralidade de credores. Sendo a obri-
gação solidaria, não ha caução a pedir.
3. — O devedor demandado pelo credor de uma obrigação
indivisivel, não tem direito de pedir um prazo para se entender
com os seus consortes na divida, afim de firmar o seu direito
de regresso e subrogação, segundo prescrevem outros Codigos,
como o francez, art. 1.225; o italiano, 1.208; o chileno, 1.530, e
o venezuelano, 1.274; nem tão pouco lhe é dado exigir que o
credor reclame a prestação, conjunctamente, de todos os con-
devedores, como quer o Codigo Civil allemão, art. 432. Deman-
dado, o devedor paga a totalidade da divida, mas fica, de pleno
direito, subrogado no. direito do credor, para haver dos outros
condevedores a parte que lhes toca.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 37

Art. 892 — Se, a pluralidade for dos cre-


dores, poderá cada um destes exigir a divida in-
teira. Mas o devedor ou devedores se desobri-
garão, pagando:
I. A todos, conjunctamente.
II. A um, dando este caução de ratificação
dos outros credores.

Direito anterior — Matéria não regulada em lei.


Degislação comparada — Codigo Civil italiano, art. 1.207,
l-a parté; austríaco, 890, 2." parte; suisso, das obrigações, 70;
e venezuelano, 1.273. Confira-se com o allemão, 432; francez,
1-224: chileno, 1.257 e 1.258; argentino, 687, e do Montenegro,
529 e 530.
Direito romano: D. 10, 2, fr. 25, § 9.°; 16, 3, fr. 1, § 36, in
fine: sed si res sunt quae dividi non possunt, omnes del>eJ)it tra-
dere, satisdatione idônea a petitore ei praestanda in Tioc quod
supra ejus partem est; D.45, 1, fr. 2, § 2.°, in fine.
Drojectos — Eshòço, art. 986; Felicio dos Santos, 438, §§ 1."
e
2,°; Coelho Rodrigues, 451; Beviláqua, 1.040, Revisto, 1.040.

Observação — Sendo dois ou mais credores de obrigação


indivisivel, qualquer delles está autorizado a pedir o pagamento:
TOas o devedor pode reeusar-lh'o, se elle não der caução de que
os outros ratificarão o seu acto, porque não se desobriga, em
r
il?or, senão pagando a todos, conjunctamente, ou a um autori-
zado pelos outros.
A norma do Codigo allemão, art. 532, é que, não sendo o
Pagamento feito a todos os credores, conjunctamente, possa o
devedor requerer que ou se deposite o pagamento, por conta de
todos, ou se nomeie, judicialmente, um para receber em nome
tle todos.

Art. 893 — Se um só dos credores receber


a prestação uor inteiro, a cada um dos outros
assistirá o direito de exigir delle, em dinheiro,
a parte, que lhe caiba no total.
38 CODXGO CIVIL

Direito anterior — Conseqüência natural dos princípios


geraes.
Legislação comparada — Não lia disposição correspondente.
Confira-se todavia, com o art. 689 do Codigo Civil argentino.
Projectos — Este artigo não tem correspondente nos Pro-
jectos. E' devido á emenda do Dn. Amaro Cavalcanti, approvada
pela commissão da Gamara (Trabalhos, II, p. 169, e VI, p. 339).
Veja-se o Esboço, art. 989, que prescreve regras differentes.
Blbliographia —• Direito cias obrigações, § 22, in fine;. M. I.
Carvalho de Mendonça, Obrigações, I. n." 147; Maynz, Droit ro-
main, § 192, nota 26; Trro Fulgencio, Manual cit., X, ns. 215
e 216.

Observação — O Codigo prevê a hypothese, em que um dos


credores conjunctos recebe a prestação indivisível, sem que entre
os mesmos haja titulo regulador das próprias relações. E estatue
que, nesse caso, o credor deve pa^ar aos outros, em dinheiro, a
parte que lhes caiba. O objecto da prestação se não divide; é
por exemplo, um quadro. Determinado o valor do quadro, um
dos condominos, aquelle que o recebeu, compra aos outros as
partes respectivas.
As relações jurídicas poderão apresentar-se por outras fôr-
mas, e haverá então, que attender á causa da obrigação, e ás
relações dos interessados, que podem variar.

Art. 894 — Se um dos credores remittir a


divida, a obrigação não ficará extincta para com
os outros; mas estes só a poderão exigir descon-
tada a quota do credor remittente.
Paragraplio único. O mesmo se observará
no caso de transacção, novação, compensação,
ou confusão.
*
Direito anterior — Não havia disposição de lei.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.224;
italiano, 1.207; e venezuelano, 1.273. O Codigo Civil argentino,
art. 687, só permitte a remissão por accôrdo de todos os cre-
dores conjunctos. Assim, também o chileno, 1.532; e o japonez,
429; mas, não obstante, prevêem a hypothese da remissão por
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 39

um dos credores, e regulam-na, como os outros acima citados.


V. ainda peruano, que admitte a estincção total da divida pela
novação com um dos devedores (art. 1.204).
Projectos — Esboço, art. 986, 2.°; Coelho Rodrigues, 451,
Beviláqua, 1.041; Revisto, 1.041.
' Bibliographia — M. I. Carvalho de Mendonça, Obrigações,
I, n. 147; Salellles, De Vobligation, n. 132; Tito Fulgencio,
Manual cit., X, ns. 217 e segs.

Observações — 1. — JoÃo Luiz Alves acha que a redacção


do Projecto primitivo é mais expressiva (Ooãigo Civil annotado,
comm. ao art. 894). B' esta a referida disposição: "Se um dos
concredores remitte a divida, esta subsiste inteira; mas os outros
só podem exigir a prestação, indemnizando o devedor pela quota
do credor remittente". Parece, ao mesmo commentador, que a
expressão indemnizar não abrange, muito technicamente, o des-
conto. Teixeira de Freitas usa do termo abonar. Mas o pensa-
mento é o mesmo. A prestação é indivisiVel. E', supponha-se,
uma obrigação de dar. Um dos credores remitte a divida. Nem
por isso, o devedor fica desobrigado, porque o vinculo subsiste
em relação aos outros e a obrigação só por inteiro pôde cum-
prir-se. Mas não é licito deixar de attender á remissão do cre-
dor. Attendel-a, porém, não ê possível, na obrigação indivisível
se não indemnizando a parte correspondente ao credor remit-
tente. O desconto é que suppõe divida de quantidade, o que
importa dizer divisivel. O objecto da prestação é dar um cavallo.
De tres credores um remitte a divida. Os outros dois exigem o
pagamento, que só de um modo poderá fazer-se; entregando o
devedor o cavallo. Mas os credores se locupletariam com o alheio,
se não indemnizassem o devedor da parte correspondente ao
credor, que perdoou a divida.
2. __ como bem faz sentir Tito Fulgencio, nem sempre ha-
verá indemnização ou desconto a fazer. Se não ha vantagem na
remissão, nada ha que indemnizar. Se por exemplo, a obri-
gação é de obter certa servidão, e um dos credores perdoa^ a
divida, com isso nada lucraram os outros; por isso, nada têm
que descontar ou indemnizar.

Art. 895 — Perde a qualidade de indivisivel


a obrigação, que se resolver em perdas e damnos.
40 CODIGO CIVIL

§ 1.° Se, para esse effeito, houver culpa de


todos os devedores, responderão todos por partes
eguaes.
§ 2.° Se for de um só a culpa, ficarão exo-
nerados os outros, respondendo só esse pálas
perdas e damnos.
Direito anterior — Não havia preceito de lei regulando a
especie.
Legislação comparada — Quanto á primeira parte, o Co-
digo dos bens para o principado do Montenegro, art. 531. O
Codigo suisso, das obrigações, art. 80, da primeira edição, tam-
bém dispunha de modo semelhante; mas a revisão supprimiu
esse dispositivo. Confira-se com o hespanhol, 1.150; e o me-
xicano, 2.010.
Projectos — Esboço, art. 986, 1.° Beviláqua, art. 1.042;
Revisto, 1.042.
Bibliographia — Chironi, La culpa contratual, n. 171;
Salettxes, De Vobligation, 134 e 135; Aubry et Rau, Gours,
IV, § 301, 2.°; Tito Fxjlgencio, Manual cit., X, ns. 226 e segs.

Observação — Resolvem-se em perdas e damnos as obri-


gações de dar, quando a coisa se perde por culpa do devedor
(arts. 865 e 870), e as de fazer, quando se tornam inexequiveis,
pela mesma causa (arts. 879 e 880). No primeiro caso, o devedor
culposo responde, ainda, pelo equivalente. Mas, se o equivalente
fôr somma de dinheiro, a obrigação será, também nesta parte,
divisivel.
A responsabilidade originada da culpa é sempre pessoal;
por isso, quando todos os devedores são culpados, qualquer que
seja o vinculo existente entre elles, cada um responde por uma
parte egual á dos outros. Se um somente fôr culpado, exoneram-
se os outros.
CAPITULO YI
Das obrigações solidárias
SECÇÃO I
Disposições geraes
Art. 896 — A solidariedade não se presume;
resulta da lei ou da vontade das partes .
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 41

Paragraplio único. Ha solidariedade, quan-


do, na mesma obrigação, concorre mais de um
credor, ou mais de um devedor, cada um com
direito, ou obrigado á divida toda.

Direito anterior — Nenhuma disposição expressa. Havia,


porém, o subsidio do direito romano. Todavia, Careos de Car-
valho, Direito civil, art. 882, pr., consolidou preceito idêntico
ao do principio do nosso artigo.
Legislação comparada — D. 45, 2, frs. 2, 3, §§ 1.°, 6- o 8. ,
e 11, §§ 1.° e 2.°; Codigo Civil francez, arts. 1.197, 1.200 1.201 e
1.202; italiano, 1.184, 1.186, 1.187 e 1.188; suisso, das obri-
gações, 143 e 150; hespanhol, 1.137; argentino, 699-702; chileno,
1.511; uruguayo, 1.390-1.393; boliviano, 791-793; venezuelano,
1.250 e 1.252-1.254; mexicano, 1.988; do Montenegro, 566, 937
e 938.
Confira-se, ainda, com o allemão, arts. 421 e 428, e o por
tuguez, 752.
Projectos — Esboço, arts. 1.007-1.012; Felicio dos Santos,
441 e 442; Coelho Roãrigries, 427 e 430-432; Beviláqua, 1.042,
Revisto, 1.043.
Blbliographia — Direito das obrigações, § 24, Teixeira dl
Freitas, Consolidação, not. (31) ao art. 791; M. 1- Carvalho
de Mendonça, Obrigações, I, ns. 148 e segs.; Lacerda, Obrigações
§§ 7.0-ll; Almaohio Diniz, Obrigações, ns. 142 e segs-, S. Vam
pré, Manual, II, § 134; Coelho da Rocha, Inst., §§ 116 e 117,
Alves Moreira, Inst., II, ns. 14 e segs.; Saleilles, De l obli
gation, ns. 114 e seg.; Planiol, Traité, II, ns. 753 e segs., Huc,
Commentaire, VII, ns. 308 e segs.; Laijrent, Cours, II, ns. 720
e segs.; Pothier, Obrigações, I, ns. 258 e segs.; Zachartae, Droit
civil français, III, §§ 526 e segs.; Axtrry et Raxj, Cours, IV,
§§ 298 bis e ter; Kohler, Lehrbuch, II, §§ 55-57; Endemann,
Lehrbueh, I, §§ 154 e 155'; Dlrnbitrg, Pand., II, §§ 70-75; Wtnds-
ohetd, Pand, §§ 292-301; Savigny, Droit des obligations, I, §§ 26 e
27; Chironi, Ist., II, §§ 255-261; Colpa contrattuale, ns. 141-147;
Colpa extracontrattuale, ns. 453-472; Gianturco, Ist., § 65, San
chez Roman, Derecho civil, IV, cap. IV, ns. 23 e segs., Gode
Civil allemand, publiê par le Comitê de lég. étr. notas aos ar-
tigos 420 e 421; Rossel, Droit civil suisse, III, ps. 182 e segs.;
Amaro Cavalcanti, Trabalhos da Gamara, II, ps. 170-171, Rh a
rola, Derecho civil argentino, !, ns. 213 e segs., Colmo, Obliga
ciones, ns. 486 e segs.; Errazttrtz, Derecho civil, 2.°, pag. 82,
Tito Fulgencio, líanitaZ cit., X, hs. 233 e segs., J. X. Carvalho
42 CODIGO CIVIL

de Mendonça, Tratado de direito commercial, V, primeira parte,


ns. 271 e segs.; Planiol, Ripekt et Esmein, Droit civil français,
VII, ns. 1.059 e segs.; R. Salvat, op. cit., 877 e segs.

Observações — 1. — Obrigações solidárias "são aquellas que


se referem, completamente, sem partilha, a cada um dos deve-
dores, ou a cada um dos credores, individualmente". E' a de-
finição de Savigny, que corresponde á que o nosso Codigo Civil
apresenta no paragrapho único do art. 896.
Era excusada essa definição, como observa João Luiz Alves
{Codigo Civil annotado, art. 896), porque o systema do Codigo
era evitar definições directas, e não dal-as indirectas, senão
quando houvesse necessidade de afastar duvidas suscitadas pelas
controvérsias ou firmar uma regra especial.
A Gómmissão da Gamara acceitou-a de Amaro Cavalcanti
{Trabalhos da Camara, II, p,. 170, e VI, p. 340).
2. — A distincção doutrinaria, entre solidariedade perfeita,
ou correaliãade, e solidariedade simples ou imperfeita, ou se-
gundo a technica de Savigny, correalidade imprópria, unaeçhte
Gorrealitaet, não teve ingresso em nosso Codigo Civil, como não
teve no allemão. Diz-se que na correalidade ou solidariedade
perfeita, ha unidade de obrigação com pluralidade de sujeitos;
e na solidariedade simples ou imprópria, ha pluralidade de obri-
gações e unidade de execução.
A solidariedade apresenta-se com a pluralidade de credores
ou de devedores de uma obrigação única. A pluralidade de re-
lações subjectivas é unidade objectiva da prestação.
3. — A solidariedade não se presume, porque é uma ex-
cepção á regra geral de que nas obrigações, em que apparecem
muitos credores ou muitos devedores, cada um dos primeiros tem
direito a uma parte, e cada um dos segundos deve uma parte,
se os objectos daS prestações não são indivisíveis. E as ex-
cepções devem ser expressamente declaradas.
A solidariedade resulta da lei nos casos em que esta, para
maior garantia das relações jurídicas, a decreta, de modo ex-
presso, como: no caso de dois ou mais commodatarias simul-
tâneos de uma coisa (art. 1.255); no de pluralidade de mandante,
em relação ao mandatario (art. 1.314); no de fiança conjuncta-
mente prestada a um só debito, se os fiadores não se reservaram
o beneficio da divisão (art. 1.493); nas obrigações oriundas de
actos illicitos (art. 1.518, 2.a ai.); quando ha pluralidade de
testamenteiros, em relação ás contas da testamentaria, não tendo
elles funcções distinctas (art. 1.765).
43
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

O direito commercial estatue a responsabilidade so ' ^


para os socios da sociedade em nome collectivo (Co
mercial, art. 316), nas letras de cambio, quando ha mais ^
coobrigado (lei n. 2.044, de 31 de Dezembro de 1908, art. bu ,
nos casos: de muitos mandantes de um negocio commu
tigo 148), de fiança (art. 258); de sociedades de fac o ai . -
m fine); de commandita simples , /
(ait. oll), de narcena ma-
ritima (art. 485); dos fundadores de/ sociedades an
(Decreto n. 434, de 4 de Julho de 180, art. 89).

Art. 897 —- A obrigação solidaria pode ser


pura e simples, para um dos co-credores 011
devedores, e condicional ou a prazo para o ou

Direito anterior — Havia o subsidio do direlt0


que foi consolidado por Carros de Carvalho, Diiei o
ligo 882, §1.0. r f 1 16 § 2 o- e® ãuohus reis
Legislação comparada — Inst., á, xo, s • > ^u.
promittendi alius imre, alius in ãie vel sul) con i ■>
gari potest; D. 45, 2, frs. 7 e 9, § 2.°; Codigo Civil ran ,
tigo 1.201; italiano. 1.187; hespanhol, Ç140'.
boliviano, 792; chileno, 1.512; uruguayo, l.á9ü, Hn1iv1ano
1.252. Alguns destes Codigos (o francez, o italiano, o
e o venezuelano), á semelhança do direito romano,
o principio á solidariedade passiva.
Projectos - E^oço, art. 1.008; Fellcio ios Santos, 44..
Coelho Rodrigues, 441; Beviláqua, 1.013, Revisto,

Observações - 1. - Este artigo, por


collocado na secção de solidariedade activa, quando "A ^ ^ a
na consagrada ás disposições geraes. João Luiz I^ESeia pri.
mesma observaçáo. Este erro de collocação apparece, P
meira vez, na publicação do Projecto, feita pelo Sena
de 15 de Janeiro de 1919 fez a necessária correcçao.
2. _ A solidariedade é a unidade do
deante da pluralidade dos sujeitos da obiigação. ss
Porém, não desapparece, nem se altera, porque inter:enha' '
relação a um des sujeitos, certa modalidade accesson
dição ou de prazo, que não exista em relação a ou
44 CODIGO CIVIL

gação é uma só; a condição e o prazo são cláusulas addicionaes,


que lhe não attingem á essencia.
Da mesma fôrma, se variar o logar do pagamento, se um
dos devedores tiver de pagar no Rio de Janeiro e outro na For-
taleza, essa circumstancia não influe sobre a solidariedade.
Mais ainda, se um dos sujeitos da obrigação fôr incapaz,
nem por isso o vinculo solidário se decompõe em relação aos
outros (Huc, Gommentaire, VII, n. 308).

SECÇÃO II

Da solidariedade activa

Ari. 898 — Cada um dos credores solidários


tem direito a exigir do devedor o cumprimento
da prestação, por inteiro.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano,


que deu matéria para o art. 882, § 3.°, do Direito civil, de Carlos
de Carvalho .
Legislação comparada — D. 45, 2, fr. 2; Codigo Civil francez,
art. 1.197; italiano, 1.184; allemão, 428, 2.a parte; suisso, das
obrigações, 150, l.a ai.; portuguez, 750; argentino, 705, pr.; uru-
guayo, 1.396, 1.°; boliviano, 788; venezuelano, 1.250; mexicano,
I.989; do Montenegro, 1.290.
Projectos — Eshoço, art. 1.013; Coelho Rodrigues, 427; Be:
vilaqua, 1.044; Revisto, 1.045.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 24, II; M. I. Car-
valho de Mp^ndonça, Obrigações, I, ns. 154 e segs.; Lacerda,
Obrigações, § 9.°; Coelho da Rocha, Inst., § 118; Alves Mo-
reira, Inst., II, n. 15; Planiol, Traité, II, ns. 75'? e segs.; Huc,
Gommentaire, VII, ns. 298 e segs.. Aubry et Rau, Gours, IV,
§ 298, bis; Pothier, Obrigações, ns. 258-260; Laurert, Gours,
II, ns. 713 e segs.; Endemann, Lehrbuch, I, § 155; Windscheid,
Pand., II,, § 293; Dernburg, Pand., II, § 74; Chironi, Ist., II,
§ 256; Sanohez Roman, Derecho civil, IV, cap. IV, n. 23; Riva-
roíla, Derecho civil argentino, I, ns. 216; Colmo, Obligaciones,
ns. 492 e segs.; Errazuriz, Derecho civil, 2.°, p. 84; Tito Fux-
gercio, Manual cit., X, ns. 252 e segs.; Planiol, Ripert et Esmein,
cit, VH, ns. 1.060-1.063; B. Salvat, op. cit., ns. 988 e segs.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 45

Observações — 1. — A solidariedade ou correaliãaãe pôde


ser activa ou passiva. A solidariedade activa, de que trata o
art. 898, consiste na modalidade da obrigação, que autoriza cada
um dos credores a exigir o cumprimento da prestação por in-
teiro, .ainda que o objecto desta seja divisivel. Os concredores
são corréos stipulanãi ou creãenti.
Algunà autores vêem, nesse poder conferido a cada um dos
co-credores, uma forma de representação legal. Sem duvida, ha
uma relação semelhante á representação reciproca dos credores,
pois que, perante o devedor commum, cada credor o é pela tota
lidade da prestação. Mas, em muitos casos, desapparece a seme
lhança. A posição jurídica dos co-credores, é, antes, a conse
quencia da unidade juridicamente indecomponivel da obiigação,
do que um vinculo pessoal de mutua representação.
2. — A solidariedade activa é estabelecida em favor dos
credores conjunctos. Dahi resulta: 1.°, Que, se um delles con
stitue em mora o devedor, os effeitos aproveitam a todos, 2. , Que
us garantias concluídas por um dos credores com o devedoi
commum, em beneficio da obrigação solidaria, a todos aproveitam.
Mas, se o credor exigir o pagamento parcial, os outros podem
oppor-se, e, se o pagamento parcial tiver sido effectuado, os
outros podem reclamar perdas e damnos, se de facto, foi em pie
judicados pelo acto do consorte no credito. Sustentam alguns que
o devedor, por'seu lado, tem o direito de recusar o pagamento
parcial, porque isso importa numa alteração do vinculo obr i
gacional, para o que não tem poderes o credor dissociado dos
outros, ainda que a obrigação seja convencional. Nosso diieito,
porém, não autoriza esta opinião, ainda que somente se refiia
ao pagamento parcial ua solidariedade passiva (ait. 906) •
3. — Se um dos co-credores se tornar incapaz, essa cii
cuinstancia nenhuma influencia exerce sobre a solidai iedac e.
O incapaz continúa a ser credor solidário, muito embora o seu
direito seja exercido pela pessoa, que o representai.
4. — A interrupção effectuada por um dos credoies ah1
veita aos outros (art. 176, § 1.°); a suspensão, porém, é pessoa ,
só aproveitará aos outros credores, se fôr indivisível a obrigação
(art. 171).
5. — A solidariedade activa resulta sempre de convenção ou
de testamento não da lei (Planiol, Colmo), e, como e pouco
usada no direito civil, ha quem a julgue instituição moita, cuj
regras somente se expõem, por honra dos princípios. Mas se
existe e depende da vontade das partes, estas podem estabelece
segundo lhes convenha.
46 CODIGO CIVIL

Art. 899 — Emquanto algum dos credores


solidários não demandar o devedor commum, a
qualquer daquelles poderá este pagar.

Direito anterior — Não havia dispositivo legal.


Legislação comparada — Inst., 3, 16, § 1.° D. 45, 2, fr. 16;
Codigo Civil francez, 1.198, l.a parte; italiano, 1.185, l.a par-
te; hespanhol, 1.142; suisso, das obrigações, 150, 3.a ai.; por-
tuguez, 750; boliviano 789; venezuelano, 1.251; mexicano, 1.994;
do Montenegro, 564; peruano, 1.212.
O Codigo Civil allemão, art. 428, in fine, assegura ao de-
vedor o direito de pagar a qualquer dos concredores, ainda
depois de accionado por outro: Dies gilt auch dann, wenn einer
der Glauebiger bereits Klage auf die Leistung erhobem hat.
Projectos — Esboço, art. 1.013, 3.°; Felicio dos Santos, 444;
Coelho Rodrigues, 428; Beviláqua, 1.045; Revisto, 1.046.

Observação — Cada credor tem o direito de exigir a solução


do debito, e o devedor tem a faculdade de pagar a qualquer
delles. Mas, para o devedor accionado por um dos concredores,
éxtingue-se o direito de escolha, porque a demgnda judicial con-
centra, em um dos credores, o direito de exigir, e cria, para
o devedor, um vinculo directo em relação ao credor, que o ac-
ciona. E' o que se denomina principio da •prevenção. Esta é a
doutrina abraçada pelas legislações, acima citadas, com excepção
expressa da allemã.
Não desapparece, porém, o direito de escolha do devedor,
pelo simples facto da cobrança particular da divida. O Codigo
exige uma demanda, isto é, uma acção proposta, e o réu citado.
Se a instância se perimir, fica restabelecido o estado an-
terior, e readquire o devedor o seu direito de escolha.

Art. 900 — O pagamento feito a um dos cre-


dores solidários extingue, inteiramente, a divida.
Paragraplio único. O mesmo effeito resulta
da novação, da compensação e da remissão.

Direito anterior — Doutrina acceita.


47
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

liegislàção comparada — No sentido do aitigo. D.


fr. 2; acceptilatione unius tota solvitur oMigatio, 46, 2, fr. ,
§ 1-°; Codigo Civil poiduguez, arts. 750 e 751; hespanliol, 1. .
chileno, 1.513, 2.a parte; argentino, 706 e 707; uruguayo, 1.
4.0; mexicano, 1.990 e 1.991; peruano, 1.215.
Em sentido contrario: Codigo Civil francez, 1.198, 2. r ^
Nêanmoins la remisse qui n'este faite que par 1 un es ^rea
ciers solidaires, ne libère le débiteur que poui la par e
creancier; italiano 1.185, 2.a parte; boliviano, 789, m fine,
venezuelano, 1.185, 2.a parte. * - rln
O Codigo Civil allemão, art. 429, declara que a con usao
credito e da divida da parte de um dos credores solu anos,
tingue o vinculo a respeito dos outros; e também se re ^
dação em pagamento, á consignação, á compensação e a ,
são, de que tratara a respeito da solidariedade passiva
422 e 423). ,
Piojoctos - Esloço. art. 1.013, 4.-; FeJicio aos Santos. 445,
Coelho Rodrigues, 429; Beviláqua, 1.046; Revisto, 1. • ^
Bibliographia — Direito das obrigações, §
I. Carvalho de Mendonça, Obrigações, I. n- 160' '
Obrigações, § 9.°; Coelho da Rocha, Inst., § 118, escoio,
Moreira, Inst., II n. 15; Planiol, Traité, II, ns- 762 e '
leilles, De Vobligation, ns. 122-128; Huc, Gommen^re' ~ '
ns. 303-306; Laurent, Gours, II, ns. 715-718; Pothier, ri ,
I, n. 260; Aubry et Rau, Cours, IV, §, 298, Ms.; S^VIG^T'
ães obligation I, § 18; Windscheid, Panã., II, § 295; er -
Panã., II, § '74'; Chironi, Ist., II, n. 256; Colmo, 0d^g^egs !
ns. 501 a 507; Tito Fijlgenoio, Manual cit., X, ns. e ■'
J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comm
VI, primeira parte, ns. 276-280.

Observações — 1. — O principio do artigo consagra uma


conseqüência natural da solidariedade. Se qualquer os ^
tem o direito de exigir a prestação, o pagamento ei
delles solve, necessariamente a obrigação.
Quando o pagamento é directo e effectivo, todos concordam
que tenha esse effeito; mas surgem divergências qu
fôrmas indirectas do pagamento. Não ha razão su ^o16 ^
isso. Os modos de extinguir as obrigações devem ac u
mente. Se o credor tem o direito de exonerar o deve or' '
realmente, recebe o pagamento, deve tel-o, também, ^u
dôa, innova ou compensa. A solidariedade desna urar s
a solução contraria.
48 CODIGO CIVIL

2. — Discutem os escriptores sobre os effeitos da coisa jul-


gada em relação á solidariedade activa. Se é favorável, dizem,
deve aproveitar a todos, mas se é contraria não pôde prejudicar
os credores, que não figuraram na instância. Esta é a doutrina
do Codigo Civil allemão, art. 429, 3.a al., com referencia ao ar-
tigo 425. Na doutrina franceza, a controvérsia não está finda",
mas parece tender a favorecer a solução do direito germânico.
O Codigo Civil brasileiro não a enfrentou, directamente; mas,
se declara que cada um dos concredores tem o direito de exigir
a totalidade da divida, e se, no art. 910, prescreve que a acção
proposta pelo credor contra um dos devedores solidários não
o inhibe de accionar os outros, permitte que acceitemos a mesma
doutrina, quanto aos credores solidários. Se um decáe, os outros
não estão inhibidos de accionar o devedor.
Esta solução, que é a mais justa, desfere um golpe bem
profundo na theoria da mutua representação dos credores so-
lidários.
3. — Quanto aos effeitos da transacção, veja-se o art. 1.031,
§ 2.°; e quanto aos da confusão, o art. 1.051.

Art. 901 — Se fallecer um dos credores so-


lidários, deixando herdeiros, cada um destes só
terá direito a exigir e receber a quota do credito,
que corresponder ao seu quinhão hereditário,
salvo se a obrigação fôr indivisível.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano,


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 712;
mexicano, art. 1.993,
Projectos — Esboço, art. 1.013, 2.° (fonte); Felicio cios
Santos, art. 446; Beviláqua, 1.047; Revisto, 1.048.
Bibíiograplda — Pothieb, Obrigações, I, n. 324; Laxjbent,
Príncipes, XVI, n. 261; M. I. Carvalho de Mendonça, Obrigações,
I, n. 167; Colmo, Obligaciones, n. 499; Trro Fulgencio, Manual
cit., X, ns. 282 e segs.

Observação — Faz-se aqui applicação da regra; nomina here-


ditária pro parte inter hereães divisa sunt. Não quer isto dizer
que desappareça a solidariedade com o fallecimento de um dos
49
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

credores. Os outros credors conservam, intactos, os seus direitos


Apenas os herdeiros do fallecido não podem exigir a totalida t-
da divida, porque, não sendo esta indivisivel, se transmittiu po
Quotas partes.
Se o credor fallecido deixar, apenas um herdeiro, para
se transfere a totalidade do seu direito e, consequentemente, a
Kiudança de sujeito, em nada, altera a solidariedade. Pela me
íha razão, ainda quando sejam dois ou mais os herdeiros, se ag
r
em conjunctamente, podem, exigir a divida por inteiio. B assin:
acontecerá, naturalmente, antes da partilha.

Art. 902 — Convertendo-se a prestação em


perdas e damnos, subsiste a solidariedade, e em
proveito de todos os credores correm os juros
da móra.

Uireito anterior — Silencioso.


legislação comparada — Codigo Civil argentino, ait. ■
Projectos - Eshoço, art. 1.014, 1." e 2.°; Beviláqua, 1.048,
Revisto, 1.049.

Observações — 1. — A unidade da prestação não se a


com se transformar esta em perdas e damnos, porque esta ^
Próprios credores, é subjectiva, e não no objecto, como ac
na
obrigação indivisivel. _ tomno
2- — A móra resulta da inexecução da obrigação no
devido, nos termos dos art. 955 e 960 a 962. Assim com0 ^
quer dos credores pôde exigir a divida pôde constituir o ^
ern
ffióra. Da móra decorre a responsabilidade por P con_
damnos, que nas obrigações de pagamento em din eir '
sistem nos juros e custas. Os juros (e .as custas), .COn|amt)em
Sação accessoria, seguem a natureza da principal, sao
devidos solidariamente, a qualquer dos credores.

Art. 903 — O credor, que tiver remittido a


divida, ou recebido o pagamento, respon era ao
outros, pela parte, que llies caiba.
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol.
50 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Havia o subsidio da doutrina. Veja-se,


todavia, Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 883, pr.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 708;
uruguayo, 1.397; liespanbol, 1.143, 2.,l parte; portuguez, 751,
in fine; mexicano, 1.400 e 1.401; e allemão 430. Y., também, o
francez, art. 1.197; in fine; e o italiano, 1.184, in fine.
Projectos — Esboço, art. 1.015, remissivo ao art. 989; Fe-
licio dos Santos 445; Beviláqua 1.049; Revisto, 1.050.
Bibliographia — Obrigações, § 24, III; Carvalho de Mendon-
ça, Obrigações, I, n. 169; Lacerda, Obrigações, § 9.°, in fine;
Coelho da Rocha, Inst., § 116; Alves Moreira, Inst., II, nume-
ro lf); Saleili.es, De Vobligation, ns. 127 e 128; Savigny, Droit
des obligations, I, §§ 23 e 24; Colmo, Obligaciones, n. 509;
Tito Pulgencio, Manual cit., X, ns. 294 e segs.

Observação — Extincta a obrigação desapparece a solida-


riedade. Mas, se um só dos credores operou a extincção, têm os
outros recurso contra elle, segundo a natureza da obrigação.
Em direito) romano, depois de vacillações, prevaleceu a opi-
nião de que os credores solidários dispunham da acção pro socio,
da gestão de negocio e de mandato, para haver o seu quinhão
na prestação recebida. E', também, na essência, a doutrina do
nosso Codigo: o credor, que tiver recebido ou remettido, res-
ponderá aos outros pela parte que lhes caiba. Esta parte pode
variar, ser egual ou desegual; pode mesmo acontecer que algum
dos credores,não tenha direito a parte alguma, ou que seja o
principal interessado. Qualquer, porém, que seja a relação entre
os credores, a fórmula do Codigo respeita-a, concedendo o re-
curso.
O artigo fala em pagamento recebido e em remissão. Deve
entender-se que, na palavra pagamento, se incluem -os vários
modos de soiver a divida, como a novação, a compensação, a
transacção e a confusão.

SECÇÂO III

Da soSidariedade passiva

Art. 904 — O credor tem direito a exigir e


receber de um ou alguns dos devedores, parcial,
ou totalmente, a divida commum.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 51

No primeiro caso, codos os demais deve-


dores continuam obrigados, solidariamente, pelo
resto.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — Inst., 3 16, pr., e § 1.°; D. 45, 2,
frs. 2; 3, § 1.°, e 11, § 1.°; Cod., 8, 40, I. 3; Codigo Civil francez,
arts. ,1.200 e 1.203; italiano, 1.186 e 1.189; hespanhol, 1.144;
suisso, das obrigações^ 143 e 144; portuguez, 752; allemão, 421;
austríaco, 891; argentino, 705; chileno, 1.514; uruguayo, 1.398,
I.°; boliviano, 791; peruano, 1.293; venezuelano, 1.252 e 1.255;
mexicano, 1.989; japonez, 432.
Confira-se com o do Montenegro, arts. 557 e 560.
Projectos — Esboço, art. 1.016, 1.°; Felicio dos Santos, 447;
Coelho Rodrigues, 430; Beviláqua, 1.050; Revisto, 1.051.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 24, IV; Carvai.iio
de Mendonça, Obrigações, § 170; Lacerda, Obrigações, § 10; Al-
machio Diniz, Direito das obligações, § 42; S. Vamdré, Manual,
II, § 134, II; Coelho da Rocha, Inst., § 119; Alves Moreira,
Inst., II, 16 Saíehxbs, De Vobligation, ns. 114 e segs. Planiol,
Traité, II, ns. 766 e segs.; Laurent, Cours, II, ns. 720-723; Huc,
Commentaire, VII, ns. 308-315; Pothier, Obrigações, I, n. 261
e segs.; Kohler, Lehrbuch, II,, § 52; Endbmann, Lehrbuch, I,
§ 154; Aubry et Rau, Cours, IV, § 298, ter.; Windscheid, Pand.,
II,J>§§ 293 e segs.; Dernbürg, Pand., II, § 73; Chironi, Ist., II,
§ 257; Sanchez Roman, Derecho civil, IV, cap. IV, ns. 23 e
segs.; Rivarola, Derecho civil argentino, I, n. 217; Rossel, Droit
civil,suisse, III, ps. 183 e segs.; Colmo, Obligaciones, ns. 511 e
segs.; Trro Pulgencio, Manual cit., X, ns. 307 e segs.; Planiol,
Ripert et Esmein, op. cit., VII, ns. 1.064 e segs.

Observações — 1. — Havendo conjuncção solidaria de deve-


dores, o credor poderá pedir o cumprimento da obrigação a
qualquer dos co-devedores, sem que este possa invocar o bene-
ficium ãivisionisj porque cada um dos sujeitos passivos da
obrigação é devedor único da totalidade, perante o credor, ainda
que a obrigação seja divísivel. B' licito, porém, ao credor, accionar
pelo pagamento parcial. Se receber o pagamento parcial de algum
dos devedores, continuam os outros obrigados pelo resto. A razão
é que cada um deve tudo; mas, sendo a solidariedade instituída
em beneficio do credor, elle pode repartil-a pro raia, em relação
52 CODIGO CIVIL

a todos os devedores, ou em relação a um só, de modo que, se


este pagar a sua parte, aos outros cabe o pagamento do restante,
sem prejuízo da solidariedade, de que o credor os não exonerou.
Pode o credor exigir, particular ou judicialmente, de qual-
quer devedor, a solução da divida, e, depois, não cumprida a
obrigação, volver sobre os outros ou sobre aquelle que mais lhe
convier. Não é para acceitar-se a doutrina do Codigo Civil por-
tuguez (art. 753), em virtude da qual, o credor, que tiver de-
mandado alguns dos condevedores, somente possa proceder contra
os outros pelo que haja pedido, judicialmente, no caso de in-
solvencia. O facto de demandar não importa pagamento, nem
quebra de solidariedade.
Também não é acceitavel a opinião dos que sustentam que
a acção proposta contra todos os devedores, conjunctamente, im-
porta renuncia de solidariedade, pela divisão da divida. Em
theoria, essa opinião é incongruente com o conceito da solida-
riedade; e, em face do Codigo Civil brasileiro, é inadmissível.
2. — A Côrte de Appellação, do Districto Federal, decidiu,
em Camaras reunidas, que a acção intentada contra todos os co-
obrigados importa renuncia da solidariedade. Fundou-se em
Windsciieid, Lacekda de Almeida e M. I. C. Mendonça; mas
o art-. 904," do Codigo Civirl/nãó' lhe dá apoio, nem tão pouco o
principio da indivisibilidade da obrigação solidaria, e ainda o
outro principio de que a solidariedade é instituída em beneficio
do credor.

Art. 905 —Se morrer um dos devedores so-


lidários, deixando herdeiros, cada nm destes não
será obrigado a pagar senão a quota, que cor-
responder ao seu quinhão hereditário, salvo se
a obrigação for indivisivel; mas todos reunidos
serão considerados como um devedor solidário,
em relação aos demais devedores.

Direito anterior — O Codigo Commercial estatuía, em re-


lação á fiança, a responsabilidade dos herdeiros, dentro das for-
ças da herança, e Caiílos de Carvalho generalizou o principio,
fazendo-o comprehender todas as obrigações solidárias (Direito
civil, art. 887).
Legislação comparada — D. 46, 1, fr. 24, in fine: cum Tiereãe
non pro majore, quam hereditária parte mandati agi posse; Cod.,
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 53

3, 36, 1. 6; 8, 32, 1. 1: manifesti et induhitati júris est, ãefuncto


creclitore multis relicitis Jiereãihus, actionem quiãem personalem
inter eos lege tabularum dividi, pignus vero in solidum uni-
cuique teneri; Codigo Civil francez, art. 1.213; italiano, 1.198;
portuguez, 757; argentino, 712; chileno, 1.523; boliviano, 804;
venezuelano, 1.264; mexicano, 1.998; peruano, 1.217.
Confira-se com o peruano, art. 1.304.
Projectos — Esboço, art. 1.016; 3.°; Felicio dos Santos, 455;
Beviláqua, 1.051; Revisto, 1.052. E' deste Projecto a ultima
parte do artigo.

Observação — Este dispositivo está em simetria com o ar-


tigo 901. A solidariedade passiva, tal como a activa, não desappa-
rece com a morte de um dos co-devedores. Cada um dos her-
deiros destes, porém, considerado de per si, responde, somente,
pela quota correspondente ao seu quinhão hereditário. Em re-
lação a cada um delles divide-se a divida, se fôr divisivel. Reuni-
dos, sobre elles recáe a obrigação inteira porque representam
um dos devedores solidários.
CONSELHO REGIONAL DO THABALHj

K REGIÃO
Art. 906 — O pagamento parcial feito por
um dos devedores e a remissão por elle obtida
não aproveitam aos outros devedores, senão até
á concorrência da quantia paga, ou relevada.

Direito anterior — Não havia disposição de lei, e a doutrina


era vacillante.
Legislação comparada — Quanto ao pagamento parcial,
dispõem, no mesmo sentido do art. 906; Cod., 2, 3, 1. 18; Codigo
Civil francez, art. 1.210; italiano, 1.195; chileno, 1.516; argen-
tino, 705; uruguayo, 1.400; suisso, das obrigações, 147; 'boli-
viano, 801; venezuelano, 1.261; dq Montenegro, 560, 2.a parte.
Quanto á remissão, divergem as legislações. Por direito ro-
mano, a remissão convencional, feita a um dos condevedores,
só exonerava os outros, se estes tinham recurso contra o devedor
perdoado, e se o credor não reservava os seus direitos contra
elles; feita esta reserva, não podia cobrar dos outros, senão de-
duzindo a parte correspondente ao devedor perdoado. A acce-
ptilação importava exoneração integral da divida (Van Wkt-
ter, Droit civil, ps. 188 e 189; D. 45, 2, fr. 19; 46, 4, fr. 16 pr.).
54 CODIGO CIVIL

Por direito civil allemão, Codigo, art. 423, tudo depende da


vontade das partes; o mesmo se deduz do mexicano, art. 1.408.
O Codigo Civil francez, art. 1.285; o italiano, 1.281, e o vene-
zuelano, 1.349, estatuem que a remissão feita a um dos co-
devedores solidários aproveita aos outros, se o credor remittente
não reservar os seus direitos contra os outros. O japonez, ar^
tigo 437, declara que, feita a remissão em favor de um dos obri-
gados solidários, os outros ficam exonerados em relação á parte
que elle tinha na divida. O argentino, 707, considera extincta a
divida, nesse caso. O austriaco, 894, dispõe que o perdão pessoal
de um dos co-devedores não se estende aos outros.
Projectos — Eshoço, art. 1.016, 6.° (fonte); Beviláqua, 1.502;
Revisto, 1.053.

Observações — 1. — Os autores criticam a decisão do Codigo


Civil francez, que manda exonerar os co-obrigados solidários,
quando o credor, perdoando a um delles, não reserva, expressa^
mente, os seus direitos contra os restantes. O Codigo Civil bra-
sileiro seguiu outra orientação mais conforme aos principios. E'
direito do credor dividir a prestação, e receber uma parte delia
de um dos co-devedores; consequentemente é direito seu, egual-
mente, perdoar a esse devedor a parte que lhe corresponda.
Se, portanto, a remissão é pessoal, referindo-se a um. só dos de-
vedores, não pode aproveitar aos outros. Esta solução approxi-
ma-se da adoptada pelo Codigo Civil allemão, art. 423: o effeito
da remissão depende da vontade das partes.
Para que a todos aproveite a remissão feita a um dos co-
devedores, é'necessário que seja objectiva, da obrigação, e não
subjectiva, em beneficio pessoal do devedor, a quem é feita.
Differe, neste ponto, a solidariedade activa da passiva. Na
primeira, o perdão de um dos credores solidários 'exonera o de-
vedor, porque elle tem o poder de extinguir a divida, e, depois
responde perante os outros, de accôrdo com os respectivos di-
reitos. Na segunda, se o co-devedor solidário pagar a divida,
extingue-se para todos; mas a extineção por este modo feita é
objéctiva, da divida; não ê a mesma coisa que o perdão pessoal
de um dos devedores.
Como, porém, o favor concedido a um dos co-obrigados não
pode prejudicar os outros, é forçoso fazer a deducção da parte
correspondente á quantia relevada. Os outros devedores respon-
dem somente pelo resto.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 55

Consultem-se a respeito: M. I. Carvalho de Mendonça, Obri-


gações, I, n. 172; Saleilles, Dg Vohligation, n. 125; Huc, Gom-
mentaire, VIII, n. 138; Tito Fulgencio, Manual X, n. 328.
2. — Se, concedido o perdão, pessoalmente, a um dos co-
obrigados, algum dos outros fôr insolvente, o credor remittente
supporta, na parte correspondente ao devedor relevado, o des-
falque proveniente da insolvencia. E' a solução do Codigo Civil
japonez, art. 445. E' justa a solução, porque, dada a insolvencia
de um dos co-cíevedores, a sua parte na responsabilidade se di-
vide entre as outras (art. 913, in médio); o devedor perdoado
também terá a sua quota accrescida; mas, sendo dispensado de
pagar, o "accrescimo de divida em relação a elle fica compre-
liendido na remissão.

Art." 907 — Qualquer cláusula, condição ou


obrigação addicional estipulada entre um dos
devedores solidários e o credor, não poderá ag-
gravar a posição dos outros, sem consentimento
destes.

Direito anterior — Não havia disposição de lei a respeito.


Legislação comparada — Codigo Civil austríaco, art. 894;
suisso, das obrigações, 146; mexicano, 1.409; do Montenegro,
art. 559.
Projéctos — Esboço, art. 1.016 (fonte); Beviláqua, art. 1.053;
Revisto, 1.054.

Observação — As obrigações addicionaes, estipuladas por


um dos co-devedores, depois de firmada a solidariedade, é facto
pessoal seu, que somente a elle obriga. A clausula penal, por
exemplo, convencionada entre o credor e um dos co-devedores,
não obriga senão aquelle que lhe acceitou o encargo. Os outros
somente respondem pela obrigação principal.
Este artigo fornece-nos argumento contra a theoria do man-
dato reciproco entre os devedores solidários.
56 CODIGO CIVIL

Art. 908 — Iinpossibilitando-se a prestação


por culpa de um dos devedores solidários, sub-
siste, para todos, o encargo de pagar o equiva-
lente ; mas pelas perdas e damnos só responde o
culpado.

Direito anterior — Guardava silencio.


Ijegislação comparada — D. 45, 2, fr. 18; Codigo Civil
francez, art. 1.205; italiano, 1.191; portuguez, 755; allemão, 425;
argentino," 710 e 711; chileno, 1.251; uruguayo, 1.398, 7.°; bo-
liviano, 796; venezuelano, 1.257; mexicano, 1.997.
Confira-se com o hespanhol, art. 1.147.
Projectos — Eshoço, art. 1.017, 1.° e 2.° (fonte); Felicio dos
Santos, 448; Coelho Rodrigues, 435; Beviláqua, 1.054; Revisto,
1.055.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 24; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, n. 174; Lacerda, Obrigações,
§ 10; Aubry et Rau, Cours, IV, n. 298, ter., e nota 29; Saleil-
les, De Vobligation, n. 119; Huc, Gommentaire, VII ns. 317 e
318; Pothier, Obrigações, I, n. 273; Tito Fulgencio, Manual
cit., X, ns. 310 e segs.

Observação — A impossibilidade da prestação por caso for-


tuito exonera o devedor. Resolve-se a obrigação. Resultando a
impossibilidade da culpa do devedor, elle responde pelo equi-
valente e mais perdas e damnos. Havendo pluralidade de deve-
dores solidários, determina o Codigo Civil que a culpa de um
obrigue a todos os corréos ãebendi pelo equivalente, porque todos
são egualmente devedores da totalidade, totum et totaliter, e a
substituição pelo equivalente não lhes augmenta o encargo, não
lhes torna a obrigação mais pesada.
As perdas e damnos, porém, já são um accrescimo á obri-
gação estipulada. E' justo que recaiam, somente, sobre aquelle
que lhes deu causa.
Explicam alguns essa solução differente pela regra de que,
na obrigação solidaria, os devedores são mandatários uns dos
outros a d conservandum et perpetuandum non ad augendam obli-
gationem (Demoulin) .
Podemos, porém, dispensar a theoria do mandato para a
explicação, que, aliás, ella não dá muito satisfactoriamente. Na
obrigação solidaria, cada devedor responde pela execução. Se
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 57

um não a cumpre ou não pode cumpril-a, cada um dos outi os


está no dever de cumpril-a. As perdas e damnos, porém, são
uma pena civil resultante da culpa, que é pessoal.

Art. 909 — Todos os devedores respondem


pelos juros da mora, ainda que a acção te-
nha sido proposta somente contra um; mas o cul-
pado responde aos outros pela obrigação accres-
cida.

Direito anteriox* — Nada dispunha, e o subsidio do direito


romano era contrario á solução agora adoptada.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, ait. 1.207,
italiano, 1.192; argentino, 714; uruguayo, 1.398, 5.° e vene-
zuelano, 1.258.
No direito romano, encontram-se as duas regras seguintes.
D 22 1 fr 32 § 40' si duo rei promittendi sint, alterius mora
alteri nónmoceí'(Marciano) ; e D. 50, 17, ír. 173, § 2.°: V*m*m
sua mora nocet: quoã et in auohus reis promittendi ohservalur
(Paulo) .
Projectos — Eshoço, art. 1.017, 3.° (fonte); Goemo Rodrigues,
436; Beviláqua, 1.055; Revisto, 1.056.

Observações - 1. - A mora torna o devedor responsável


pelos prejuízos delia decorrentes (art. 956). Essa responsabi-
lidade não se estende aos co-devedores, não culpados, da obri-
gação principal; não podem separar-se delia, sem quebra da
dariedade, sem alteração da natureza do vinculo obrigacioi
São, por isso, devidos por todos, embora a mora seja de um so.
E' do principio da unidade da obrigação que decorre esta
conseqüência., Se todos são obrigados, poi egual, pelo CU1^P
mento da obrigação, a acção proposta contia um não cons
em mora somente o devedor demandado, mas todos, assim c ^
a prescripção interrompida contra um dos devedores so i
envolve os demais e os seus herdeiros (ait. 176, § 1- , • 1
2. - Pode acontecer, entretanto, que um dos devedores so-
lidários, seja obrigado a termo, ou sob condição, e o accion
seja um a favor de quem não haja uma dessasi clausu as
58 CODIGO CIVIL

sorias. Neste caso, o devedor, cujo termo se não venceu, ainda,


ou cuja obrigação ainda se acha dependente de clausula condi-
cional, não pôde responder pelos juros da móra, inexistente
com relação a elle. Somente depois de vencido o termo é que
a obrigação se torna exigivel para elle; somente depois do im-
plemento da condição é que a obrigação se torna efficaz Não
pôde haver móra antes de se tornar exigivel a obrigação.

Art. 910 — O credor, propondo acção contra


nm dos devedores solidários, não fica inMbido
de accionar os outros.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — Cod., 8, 41, 1. 28; Codigo Civil
francez, art. 1.204; italiano, 1.190; hespanhol, 1.114, 2.a parte;
chileno, 1.515; uruguayo, 1.398, 2.°; boliviano, 795; venezuelano,
1.255. Vejam-se ainda: o allemão, 421; portuguez, 753; argen-
tino, 705; do Montenegro, 560.
Projectos — Esboço, art. 1.017, 5.°; Coelho Rodrigues, 434;
Beviláqua, 1.056; Revisto, 1.057.
Bibliographia — V. a do art. 904.

Observação — Na correalidade passiva, o credor tem o di-


reito de exigir o cumprimento da obrigação de qualquer dos
corrêos dehendi. Se um não o. pôde satisfazer, o seu direito
mantém-se integro em* relação a todos e a qualquer dos outros.
Não é necessário que o devedor se mostre insolvente, nem ha
que distinguir entre exigência feita judicial ou extrajudicial-
mente. Basta que a* obrigação não seja cumprida. Veja-se o
artigo 904.

Art. 911 — O devedor demandado x>óde op-


pôr ao credor as exccpções, que lhe forem pes-
soaes, e as communs a todos; não lhe aprovei-
tando, porém, as pessoaes a outro co-devedor.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 59

liegislação comparada — D. 2, 14, fr. 21, § 5.°, e fr., 25, § l.u;


45, 2, fr. 10; Codigo Civil francez, art. 1.208; italiano, 1.193;
suisso, das obrigações, 145; hespanhol, 1.148; portuguez, 756;
argentino, 715; chileno, 1.520; uruguayo, 1.399; boliviano, 799;
venezuelano, 1.259; do Montenegro, 558. Veja-se, também, o al-
lemão, 422, 2.11 parte, e 425.
Projectos — Esboço, art. 1.017, 6.°; Felicio cios Santos, 450;
Coelho Rodrigues, 437; Beviláqua, 1.057; Revisto, 1.058.

Observações — 1. — As excepções, de que trata este artigo,


comprehendem, egualmente, quaesquer defezas directas e não
simplesmente as excepções no sentido technico do termo.
São excepções, ou meios de defeza communs a todos os de-
vedores, as que se fundam na própria obrigação, como sejam:
a falta de objecto, o objecto illicito, o vicio de consentimento
da parte de todos os devedores, a nullidade absoluta ou de pleno
direito. O pagamento por um dos devedores, a remissão, a con-
fusão e a prescripção têm o mesmo cai^acter de defeza commum
a todos os devedores. A remissão, se objectiva, destróe a pre-
tensão do credor; quando pessoal a üm dos devedores, apenas,
importa na diminuição correspondente da divida.
São excepções, ou meios de defeza pessoaes, as nullidades
relativas e o prazo estipulado em favor de um ou de alguns.
Somente aquelle devedor em cujo beneficio existe a excepção
pessoal pode invocal-a.
Consultem-se a respeito deste assumpto; Carvalho de Men-
donça, Obrigações, I, ns. 178 e 179; Planiol, Traité, II, ns
798-801; Huc, Gommentaire, YII, ns. 322 e 323 e Rossel, Droit
civil suisso, III, ps. 186-188; Colmo. Obligaciones, n. 517.
2. — Não é somente um direito, é também um devei c o
co-obrigado oppôr os meios communs de defeza, sob pena de
responder por perdas e damnos, perante os seus consortes na
divida. Esta decisão está expressa no Codigo suisso das ou
gações, art. 145, 2.* al. , (edição de 1911): "responde aos seus
co-obrigados, se não invoca as excepções communs a tocos
O fundamento delia é o principio mesmo da solidai iedac e, que
une os devedores em face do credor para o cumpnmen o
obrigação, ou para a contestação da mesma. Se,^ poi sei
pessoal, o devedor não pôde aggravar a situação dos o ,
muito menos lhe será licito sacrificar-lhes os interesses,
que o credor lucre aquillo, a que não tem direito. Neg igen e
doloso, deverá responder aos outros por sua omissão.
60 CODlGO CIVIL

O mesmo, porém, não acontece, quando a defeza lhe é pessoal,


porque os outros não terão por essa negligencia peiorada a sua
situação, nem sacrificado o seu direito. A obrigação subsiste.
3. — O art. 152 diz que as nullidades relativas só apro-
veitam aos que as allegarem, salvo o caso de solidariedade ou
indivisibilidade. Quer isto dizer que o devedor solidário, invo-
cando a nullidade relativa decretada em seu favor, defenderá o
interesse dos seus condevedores. Estes, porém, não estão auto-
rizados a invocar essa nullidade, que é pessoal ao devedor, em
beneficio de quem a lei a creou.

Art. 912 — O credor pôde renunciar a soli-


dariedade em favor de um, alguns, ou todos os
devedores.
Paragraplio único. Se o credor exonerar da
solidariedade um ou mais devedores, aos outros
só lhe ficará o direito de accionar, abatendo no
debito a parte correspondente ao devedores,
cuja obrigação remittiu (art. 914).

Direito anterior — Havia o subsidio da doutrina.


Legislação comparada — Codigo Civil francez, arts. 1.210
e 1.211; italiano, 1.195; argentino, 705, ultima parte; uruguayo,
Í.400; boliviano, 801; suisso, das obrigações, 147; e venezue-
lano, 1.261.
Direito romano: argumento da lei 18, Cod., 2 e 3.
Projectos — Esboço, art. 1.021; Coelho Rodrigues, 439 e
440; Beviláqua, 1.058; Revisto, 1.059.

Observação — Trata o artigo da renuncia da solidariedade e


não da renuncia da divida, em favor de um dos co-devedores,
que foi objecto do art. 906. A solução, aliás, é idêntica, porque
o seu fundamento é o mesmo. O credor não pode, por deliberação
sua, mudar as relações reciprocas dos devedores, nem melhorar
a condição de um em detrimento dos outros, Huc. {Commentaire,
VII, n. 327). Exonerando um dos devedores da solidariedade,
dividiu a obrigação em duas partes: uma pela qual responde o
devedor favorecido, e a outra a que se acham, solidariamente,
sujeitos os outros.
T>0 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 61

Alguns autores francezes acham que essa situação somente


é possível, quando o devedor se exonera da solidariedade, pagando
a sua parte na divida (Aubrv et Rau, Gours, IV, § 298, ter, 5.°;
Lauombiére, ao art. 1.210 do Cod. Civil francez). Mas, evi-
dentemente, forçam o sentido da lei, creando uma situação, que
não foi por ella prevista.

Art. 913 — O devedor, que satisfez a divida


por inteiro, tem direito a exigir, de cada um dos
co-devedores, a sua quota, dividindo-se, egual-
mente, por todos a do insolvente, se o houver.
Presumem-se eguaes, no debito, as partes de to-
dos os co-devedores.

Direito anterior — Era regra acceita, com fundamento na


doutrina e no Codigo Commercial, cujo dispositivo a respeito
de fiadores se generalizava (Carlos de Carvalho, direito civil,
art. 884, pr.).
Legislação comparada — Codigo Civil francez, arts. 1.213
e 1.214; italiano, 1.198 e 1.199; hespanhol, 1.145; portuguez,
754; allemão, 426; suisso, das obrigações, 148; argentino, 717,
com referencia ao art. 689; chileno, 1.523; austríaco, 896; uru-
guayo, 1.404; boliviano, 805; venezuelano, 1.264 e 1.265; mexi-
cano, 1.999; do Montenegro, 562; japonez, 442 e 444.
Para o direito romano: Inst., 3, 20, § 4.°; D. 46, 1, frs. 26,
36, 39 e 71; Codigo, 8, 40, 1. 2. A doutrina romana não firma,
de modo claro, o recurso do devedor, que tivesse pago, contra
os seus condevedores. A solução da questão depende das re-
lações existentes entre elles e não da solidariedade (Mayns,
Broit romain, II, § 271). O co-devedor, que pagava integralmente,
supportava sósinho, a parte do insolvente.
Projectos — Esboço, arts. 1.022 e 1.023 e 989; Coelho Ro- .
drigues, 443; Felicio dos Santos, 453; Beviláqua, 1.059; Revis-
to, 1.060.

Observações — 1. — Tanto monta o pagamento directo


quanto o indirecto. A remissão, sendo pessoal e exclusiva de
um dos devedores, é um pagamento parcial, que não habilita o
62 CODIGO CIVIL

devedor a pedir coisa alguma aos seus consortes. Sendo obje-


ctiva e geral, nenhum despende, nenhum tem que repetir.
2. — O Codigo refere-se ao pagamento por inteiro, porque
o pagamento parcial, não tendo o credor dividido a obrigação
em beneficio do solvente, hão o exonera;» elle continha, com os-
outros, sujeito ao resto do pagamento. E' quando a obrigação
se acha, de todo, solvida, que se vão apurar as relações. Antes
disso, mantém-se o vinculo, embora a prestação se tenha dimi-
nuído.
E' um caso de subrogação legal, o do pagamento feito por
um dos co-obrigados (art. 985, III).

Art. 914 — No caso de rateio, entre os co-


devedores, pela parte que, na obrigação, in-
cumbia ao insolvente (art. 913), contribuirão,
também, os exonerados da solidariedade pelo
credor (art. 912).

Direito anterior — Era doutrina corrente.


Iiegislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.215;
italiano, 1.200; hespanhol, 1.145 e 1.146; chileno, 1.522; uru-
guayo, 1.404; boliviano, 806; venezmelano, 1.266; japonez, 44'5.
Por direito romano, o credor solidário, que renunciava a
solidariedade, em favor de um dos devedores, conservava a sua
acção contra os outros, deduzida a parte paga pelo devedor des-
obrigado da solidariedade, ainda quando houvesse um ou mtiitos
co-devedores insolventes (Yan Wettek, Broit civil, ps. 176-177).
Projectos —1 Eshoço, art. 1.024; Beviláqua, 1.060; Revisto,
1.061.

Observações — 1. — O credor rompe o vinculo da soli-


dariedade em relação ao seu credito; não lhe é dado, porém,
exonerar o devedor da obrigação, que o vincula aos outros co-
devedores. Ninguém pode dispor do 'direito alheio; e é direito
dos co-devedores repartir, entre todos, a parte do insolvente.
2. — No direito francez havia controvérsia, entendendo
alguns, fundados na autoridade de Potiiiek, que o credor sup-
portava a força da divida, pela qual o devedor exonerado da
solidariedade seria obrigado, mas o nosso art. 914 não permitte
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 63

duvida, que se conseguira manter sob a pretensa obscuridade da


red. do art. 1.215 do Codigo Civil francez. Leia-se a nota 43 ao
§ 298 ter, do Cours, IV, de Aubky et Rau.

Art. 915 — Se a divida solidaria interessar,


exclusivamente, a um dos devedores, responderá,
este por toda ella para com aquelle que pagar.

Direito anterior — Carlos de Carvalho, Direito civil, ar-


tigo 884, §§ 1.° e 2.°, deduziu esse principio da lei de fallencias
e art. 260 do Codigo Commercíal.
Legislação comparada — Codigo civil francez, art. 1.216;
italiano, 1.201; chileno, 1.5'22, 2.a al.; uruguayo, 1.045; boliviano,
807; venezuelano, 1.267; mexicano, 2.000.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 454; Coelho Rodrigues,
444; Beviláqua, 1.061; Revisto, 1.062.

Observação — Pode a hypothese dar-se na fiança. Se um dos


fiadores paga a divida, o afiançado responde por toda a divida,
para com elle. Mas nem sempre será essa a situação na fiança,
porque os fiadores poderão estipular o beneficio da divisão (ar-
tigo 1.438) ou o limite da sua responsabilidade (art. 1.494).
A relação jurídica prevista pelo artigo pode, também, appa-
recer em caso que não seja de fiança, quando varias pessoas
se obrigam, conjuncta e solidariamente, para facilitar negocio
de uma só de entre ellas, sem que uma appareça como principal
devedora. Perante o credor, nenhuma particularidade offerece
o caso: todos os devedores respondem solidariamente. Entre os
devedores, porém, não se dá o rateio, porque somente a um delles
interessa a obrigação.

CAPITULO YII

Da clausula penai

Art. 916 — A clausula penal pode ser es-


tipulada, conjunctamente com a obrigação, ou
em acto posterior.
64 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Não continha a lei disposição correspon-


dente; mas a doutrina autorizava a pratica no sentido do que
estatue o artigo.
Legislação comparada — Cod. Civil peruano de 1936, art.
1.223.
Projectos — Esboço, art. 990, 2.a al.; Bevüaqua, 1.062; Re-
visto, 1.063.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 20; M. I. Cae- ,
valho de Mendonça, Obrigações, I, ns. 196 e segs.; Espinola,
Systema, II, ps. 253 e segs.; Lacerda, Obrigações, § 44 e nota F.
no fim do vol.; Almachio Diniz, Direito das obrigações, § 43;
S. Vampbé, Manual, II, § 135; Coelho da Rocha, Inst., 739; Sa-
leilles, De Vobligation, ns. 295 e 296; Planiol, Traité, II, nú-
meros 264-268; Huc, Commentaire, VII, ns. - 366-380; Pothier,
Obrigações, I, ns. 338-365; Aubby et R^vu, Cours, IV, § o09,
KoJTler, Lehrbuch, II, § 50, Endemann, Lelirbuch, .1, § 133;
Windscheid, Pand., II, §§ 285 e 286; Dernbuko, Panã., II, § 46;
Savigny, Obligations, § 80; Rossel, Droit civil suisse, III, pa-
ginaa 199-203; Colmo, Obligaciones, ns. 163 e segs.; Tito Ful-
genoio, Manual cit., X, ns. 339 e segs.; J. X. Carvalho de
Mendonça, Tratado de direito commercial, ns. 430 e segs.; Mu-
cio Continentino, Da clausula penal no direito brasileiro; De-
mogue, Effets des obligations, tome VI, do Traité général, ns.
443 e segs.; Planiol, Ripert et Esmein, Traité, VII, 866 e segs.;
R. Salvat, Derecho civil argentino (Obligaciones ns. 188 e segs.).

Observação — Clausula penal é um pacto accessorio, em que


se estipulam penas ou multas, contra aquelle que deixar de
cumprir o acto ou facto, a que se obrigou, ou, apenas, o retardar
Ainda que mais commum nos contractos, de onde o nome de
pena convencional, também é possível nos testamentos, para re-
forçar a obrigação do herdeiro, de pagar o legado. Por esta razão
o seu logar é, antes, na parte da theoria geral das obrigações
do que dos contractos.
E' uma obrigação accessoria. A sua nullidade não importa
a da. obrigação, a que accede; a desta, porém, acarreta a sua.
O fim da clausula penal é reforçar a obrigação, dando ao
credor um meio mais prompto de coagir o devedor a cumpril-a,
no tempo e pela forma devida. A sua utilidade é determinar,
previamente, as perdas e damnos, como se vê das Inst., 3,
15, § 7.°.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 65

Art. 917 — A clausula penal pode referir-se


á inexecução completa da obrigação, á de alguma
clausula especial, ou, simplesmente, á móra.

Direito anterior — Silente; mas liavia o subsidio do direito


romano, e o da doutrina.
Degislação comparada — Inst., 3, 15, § 7.°; D. 45, 1, fr. 71;
Cod., 2, 56, 1. 1, in médio; Codigo Civil francez, arts. 1.226 e
1.227; italiano, 1.209; suisso, das obrigações, 160; austríaco,
1.336; allemão, 339; argentino, 652; chileng, 1.535; uruguayo,
1.363; boliviano, 817; peruano, 1.225; venezuelano, 1.275, do
Montenegro, 533; mexicano, 1.840.
Projectos — Esboço, art. 990, 1." al.; Beviláqua, 1.063; Re-
visto, 1.064.
Bibliographia — A do artigo anterior.

Observação — Sendo um modo de actuar no animo do de-


vedor, para cumprir, com exactidão e pontualidade, a obrigação,
a clausula penal visará o ponto de maior interesse para o credor,
que a estipula. Por isso, em vez do cumprimento da obrigação,
pôde referir-se a um prejuízo especial, que o credor queira, mais
particularmente, evitar. Ordinariamente porém, a clausula penal,
seja o pagamento de uma somma de dinheiro, seja a execução
de certa prestação, seja a perda de alguma vantagem, é imposta
como ameaça ao devedor contra a inexecução, o cumprimento in-
completo ou a móra na solução da divida. A situação jurídica
varia nesses diversos casos, como estabelecem os artigos se-
guintes .

Art. 918 — Quando se estipular a clausula


penal para o caso de total inadimplemento da
obrigação, esta converter-se-á em alternativa, a
beneficio do credor.

Direito anterior — Principio acceito (Codigo Commercial,


art. 128; Teixeira de Freitas, Consolidação, nota (83) ao ar-
tigo 391).
Legislação comparada — Codigo Civil francez, arts. 1.228
e 1.229; italiano, 1.211 e 1.212; allemão, 430; suisso, das obri-
Bevilaqua — Codigo Civil —4.° vol. 5
66 CODIGO CIVIL

gações, 160, l.a al.; hespanhol, 1.153; portuguez, 676, § 1.°; argen-
tino, 658 e 659; chileno, 1.537 e 1.538; uruguayo, 1.367; peruano,
arg. do art. 1.225; boliviano, 819 e 820; venezuelano, 1.277 e 1.278;
mexicano, 1.846.
Para o direito romano, D. 19, 1, fr. 28; 44, 4, fr. 4, § 1.°.
O credor que preferisse o cumprimento da obrigação, podia re-
clamar perdas e damnos.
Projectos — Esboço, art. 994; Coelho Rodrigues, 453; Be-
viláqua, 1.065; Revisto, 1.065.

Observações — 1. — clausula penal é a prefixação das perdas


e damnos pela inexecução da obrigação ou pelo retardamento delia.
Aqui attende-se, particularmente, á inexecução, e o artigo de-
clara que, neste caso, a pena se converte em alternativa, a bene-
ficio do credor. Quer dizer que a este cabe o direito de escolher
entre a exigência da pena, ou da obrigação principal. Escolhida
a pena, desapparece a obrigação originária, e com ella o direito
de pedir perdas e damnos, que já se acham prefixados na pena.
Se o credor escolher o cumprimento da obrigação, e não puder
obtel-a, a pena funccionará como compensatória das perdas e
damnos.
Poderá, sem duvida, acontecer que a pena convencionada
seja inferior ao prejuizo realmente soffrido pelo credor. Pensam
alguns que, neste caso, a lei deve permittir-lhe reclamar, além
da pena, o restante do prejuizo. O systema do Codigo não
admitte, porém, essa cumulação da pena e de supplemento de
perdas e damnos, que tiraria á clausula penal uma de suas prin-
cipaes vantagens que é a prévia determinação das perdas e
damnos ,e a conseqüente simplificação do processo, dispensando
a liquidação. Tal cumulação somente se admittirá, quando, ex-
pressamente, estipulada.
2. — Estas considerações perderam a sua razão de ser
desde a publicação do decreto-lei n. 22.626 de 7 de Abril de
1933. O proprio art. 918 do Codigo Civil não subsiste.

Art. 919 — Quando se estipular a clausula


penal para o caso da móra, ou em segurança es-
pecial de outra clausula determinada, terá o
credor o arbitrio de exigir a satisfação da pena
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 67

comminada, juntamente com o desempenho da


obrigação principal.

Direito anterior — Era neste sentido o subsidio do direito


romano.
Legislação comparada — D. 2, 15, 16; Codigo Civil fran-
cez, art. 1.229, 2.a parte; italiano, 1.212, 2.a parte; suisso, das
obrigações, 160, 2.a alinea; allemão, 341; chileno, 1.537; argen-
tino, 695; venezuelano, 1.278, 2.a parte; peruano, 1.225.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 454; Beviláqua, 1.066;
Revisto, 1.066.

Observações — 1. — Quando a pena é imposta para o caso


de inexecução, considera-se a compensação preestabçleeida das
perdas e damnos, e não se pede junctamente com a obrigação;
uma prestação substitue a outra. Tendo isso em attenção, as
partes, naturalmente, graduam o valor da pena, segundo a func-
ção que ella tiver. Por isso mesmo, quando a pena tem por fim
punir a mora, ou a inexecução de alguma determinada clausula,
ha de ser menos pesada, e a lei permitte ao credor exigir a
satisfação delia, junctamente com o desempenho da obrigação
principal.
A clausula determinada, a que se refere o Codigo, neste ar-
tigo e no art. 917, pode variar consideravelmente. Um caso fre-
qüente será a inexecução no logar convencionado. O vicio da
coisa, objecto da prestação, poderá ser, também, visado pela clau-
sula penal.
1 a — O dec. n. 22.626, de 7 de Abril de 1933, arts. 8 e 9, al-
terou o conceito da clausula penal segundo o Codigo Civil e a
melhor doutrina. Veja a obs. 3 ao art. 920.
2. — O devedor não é responsável pela pena, se deixa d"
cumprir a obrigação em conseqüência de caso fortuito, ou de
força piaior (Codigo suisso, das obrigações;'art. 163, 2.a al.; por-
tuguez, 677; mexicano, 1.847; Dernburg, Panã., II, § 46; Huc,
Gommentaire, VII, n. 377; M. I. Carvalho de Mendonça, Obri-
gações. n. 209; Colmo, Obligaciones, n. 180). Esta isenção tanto
lhe aproveita, quando a pena é estipulada para a inexecução,
quanto se pune o retardamento; mas, incorrendo em mora, já
não pode invocar em seu beneficio o caso fortuito ou a força
maior (art. 957).
68 CODIGO CIVIL

Art: 920 — O valor da comminação imposta


na clausiüa penal não pôde exceder o da obri-
gação principal.

Direito anterior — Semelhante (Ord., 4, 70, pr., e § 2.", in-


fine; reg. n. 737, de 25 de Novembro de 1850, art. 431; Teixeira
de Freitas, Consolidação, art. 391, com o nota respectiva; Carlos
de Carvalho, Direito civil, art. 246.
Legislação comparada — Codigo Civil mexicano, art. 1.843.
Em sentido differente do estabelecido em nosso Codigo: o
Civil portuguez, art. 674; suisso, das obrigações, 163, l.a ai.;
allemão, 343; italiano, 1.230, 2." parte; e venezuelano, 1.296.
2.11 parte. O direito romano é vacillante: D. 45, 1, fr. 38, § 17:
Cod., 7, 4, 1. única.
Projectos — Este artigo é da iniciativa da Commissão do
Governo (Actas, p. 216). Projecto revisto, art. 1.067.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 20, III; Espinola,
Systema, II, p. 261; Carvalho de Mendonça, Obrigações, I, nu-
mero 206; Lacerda,1 Obrigações, § 44; Coelho da Rocha, Inst.,
§ 739; Dernburg, Panã., II, § 46, 4; Saleilles, De Vobligation,
p. 343, da 2.11 ed.; Goãe Civil allemand, publié par le Comitê de
lég. étrangére, II, ao art. 343; Kohler, Lehrbuch, II, § 50;
Colmo, Obligaciones, n. 174; Tito Fulgencio, Manual cit., X,
números 411 e segs.

Observações — 1. — O limite imposto á pena por este artigo


não se justifica. Nasceu da prevenção contra a usura, e é uma
restricção á liberdade das convenções, que mais perturba do que
tutela os legítimos interesses individuaes. A melhor doutrina,
neste assumpto, é de plena liberdade seguida pelo Codigo Civil
italiano, pelo portuguez e pelo venezuelano. O allemão, o suisso
e o peruano, 1.227, permittem a reducção da pena, quando ex-
cessiva; mas não a reduzem a uma taxa fixa. Sob o ponto de
vista social e equitativo, é uma excellente solução, e comprehen-
de-se que Saleilles, com os traductores do "Comitê de legislação
estrangeira em França, considere a disposição do art. 343 do
Codigo Civil allemão uma das mais inmportantes desse corpo de
leis. Mas deveria ser completada por um remedio, que impedisse
o arbítrio do juiz, que não tem aqui os mesmos pontos de fixação
que offerece o art. 924; a proporção entre a parte cumprida da
obrigação e a não executada. Além disso, a inexecução parcial.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 69

sempre será menos damnosa aos interesses do credor do que


a total.
2. — Como está prescripto neste artigo, cabe ao juiz, perante
o qual correr o pleito, reduzir a pena ao valor da obrigação, in-
dependentemente de solicitação da parte interessada. E' uma
disposição de ordem publica.
Ainda neste ponto, differe o nosso do systema allemão. Ali
a competência do juiz só se manifesta mediante arguição da parte.
3. — O dec. n. 22.626, de 7 de Abril de 1933 modificou
este artigo do Codigo Civil, estabelendo:
Art. 8.° As multas e cláusulas penaes, quando convencio-
nadas, reputam-se estabelecidas para attender a despesas judi-
ciaes e honorários de advogados, e não poderão ser exigidas,
quando não fôr intentada acção judicial para cobrança da res-
pectiva obrigação;
Art. 9.° Não é valida a clausula penal superior a 10 % do
valor da divida.

Art. 921 — Incorre, de pleno direito, o de-


vedor na clausula penal, desde que se vença o
prazo da obrigação, ou se o não lia, desde que
se constitua em mora.

Direito anterior — Não havia preceito de lei a respeito,


mas a melhor doutrina era no sentido do que dispõe o artigo.
Legislação comparada — Semelhante: Codigo Civil italiano,
art. 1.213; venezuelano, 1.279; argentino, 654 e 657. Vejam-se
também: francez, 1.230; allemão, 339; portuguez, 676, § 2.°; hes-
panhol, 1.152, 2.a parte; chileno, 1.537,, pr.; uruguayo, 1.368; do
Montenegro, 545 e 548.
Em direito romano, a primeira parte do artigo encontra cor-
respondente exacto no Cod., 8, 38, I. 12. Não era, porém, neces-
sário que o devedor fosse constituido em móra para incorrer
na pena, bastava a negligencia em cumprir a obrigação (D. 4,
8, fr. 21, § 12).
Projectos — Esboço, art. 992; Coelho Rodrigues, 445; Be-
vilaqua, 1.067; Revisto, 1.068.

Observação — O systema do Codigo, a respeito da móra, é


que, havendo prazo, o devedor incorre, de pleno direito, em móra,
70 CODIGO CIVIL

desde que deixou passar o termo, sem cumprir a obrigação. Dies


interpellat pro homine. Não havendo prazo, é necessária a in-
terpellação judicial (art. 955). Applica-se este mesmo principio
á pena.

Art. 922 — A nullidade da obrigação im-


porta a da cláusula penal.

Direito anterior — Idêntico (Orã., 4, 48 § 1.°; 4, 70, § 3.°; '


Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 392).
Ltegislação comparada — D. 45, 1, frs. 69 e 126, § 3.°; Co-
digo Civil francez, art. 1.227; italiano, 1.210; allemão, 344;
suisso, das obrigações, 163; portuguez, 673; hespanhol, 1.155;
argentino, 663; chileno, 1.536, l.a al.; uruguayo, 1.364; boliviano,
818; venezuelano, 1.276; mexicano, 1.841; peruano, ex. art. 1.226.
Projectds — Eshoço, art. 995; Coelho Rodrigues, 456; Be-
viláqua, 1.068; Revisto, 1.069.

Observações — 1. — A cíausula penal é obrigação acces-


soria; desapparece com a principal. Quum principalis causa non
consistit, né ea quidem, quae sequuntur locum habent (D. 50,
17, fr. 129, § 1.°).
A regra é absoluta. Ainda que as partes tenham conhecido
a inefficacia da obrigação estipulada, ficará sem effeito a cláu-
sula penal.
Se, porém, alguém promette por outrem, acceitando uma pena
para o caso de não ser cumprida a obrigação, valerá a pena,
ainda quando a obrigação principal se não realize, por falta de
consentimento daquelle, cujo acto ou facto se prometteu; porque
neste caso, ha duas obrigações distinctas: a do promettente, que
está perfeita e acabada, e,a daquelle, por quem elle prometteu.
E' a regra do Eshoço, art. 996, do Codigo Civil chileno, ar. 1.533,
do argentino, 664, e que é conforme ao principio: si quis velit
hoc (alteri stipulari) facere, poenam stipulari convenient, ut nisi
ita factum sicut est comprehensum, committatur, poenae stipu-
latio etiam ei cnjus nihil interest.
2. — Alguns Codigos fazem subsistir a pena, quando a obri-
gação principal não pôde exigir-se judicialmente, comtanto que
não seja reprovada por lei (argentino, art. 666; uruguayo, 1.365);
mas não é acceitavel esse desvio dos princípios.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 71

3. — A nullidade da clausula penal nenhuma influencia


exerce sobre á efficacia da obrigação, a que se adjectivou, por
isso mesmo que é obrigação accessoria.

Art. 923 — Resolvida a obrigação, não tendo


cnlpa o devedor, resolve-se a clausula penal.

Direito anterior — O mesmo; segundo a doutrina.


Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 677;
e argentino, 655.
Projectos — Esboço, art. 997; Beviláqua, 1.069; Revisto,
I.070.
.Bibliographia — Direito das obrigações, § 20, V; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, n. 209; Windscheid, Panã.,
II, § 285, 3; Rossel, Droit civil suisse, III, ps. 202-203; Colmo,
Obligaciones, n. 168; Tito Pulgencio, Manual cit., X, ns. 431 e
SeBl,ÍnteS
- CONSELHO RECIONAL DO TRABALH
K REGIÃO
Observação — A obrigação resolve-se, quando se torna ir-
realizavel, por caso fortuito ou força maior. Não sendo a im-
possibilidade imputavel ao devedor, nenhuma culpa elle tem, por
isso nada tem que prestar, nem a obrigação, nem a pena, em
que não incorreu, pois que esta é imposta contra a sua negli-
gencia ou falta.

Art. 924 — Quando se cumpre, em parte,


a obrigação, poderá o juiz reduzir, proporcional-
mente, a pena estipulada para o caso de mora,
ou de inadimplemento.

Direito anterior — A doutrina era nesse sentido.


Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.231;
italiano, 1.214; portuguez, 675; hespanhol, 1.154; argentino, 660;
chileno, 1.539; uruguayo, 1.370; venezuelano; 1.280; boliviano,
822; mexicano, 1.844 e 1.845. Vejam-se, também, o allemão, 343,
o suisso, das obrigações, 162, l.a al., e o peruano, 1.227.
Por direito romano, o juiz, em caso algum, podia modificar
a pena (D. 2, 11, fr. 9, § 1.°; 18, 1, fr. 47; Van Wetter, Droit
civil, p. 180; Windscheid, Panã., II, § 285, 2).
72 CODIGO CIVIL

Projectos — Esboço, art. 998; Coelho Rodrigues, 457; Be-


viláqua, 1.070; Revisto, 1.071.

Observações — 1. — Do principio de que a pena é a com-


pensação das perdas e damnos soffridos, resulta esta diminuição
proporcional, no caso de ter sido a obrigação cumprida, em
parte, salvo se outra coisa convenionaram os contrahentes, ou
determinou o estipulante.
Quando a pena se refira a uma clausula especial, é claro que,
se esta não se cumpre, embora cumpridas todas as outras, o de-
vedor incorre na obrigação de pagar a pena.
Mas se a execução parcial fôr inútil para o credor, o juiz
deixará de decretar a redução da pena.
2. — Pelo-systema agora estatuído (dec. n. 22-626, de 1933),
não tem mais razão de ser o que dispõe o Codigo Civil neste
artigo.

Art. 925 — Sendo indivisível a obrigação,


todos os devedores e seus herdeiros, caindo em
falta um delles, incorrerão na pena; mas esta só
se poderá demandar, integralmente, do culpado.
Cada,um dos outros só responde por sua quota.
Paragrapho único. Aos não culpados fica
reservada a acção regressiva contra o que deu
causa á applicação da pena.

Legislação comparada — D. 45, 1, fr. 2, § 5.°, e fr. 4, § 1.°;


2.a al.; uruguayo, 1.371; Venezuelano, 1.281; boliviano, 823; pe-
ruano, 1.229 e 1.230.
O Codigo Civil argentino, arts. 661 e 662, torna os condeve-
dores ou herdeiros obrigados pela totalidade da. pena, somente,
quando esta fôr indivisível ou solidaria, O mexicano, 1.848 a
1.849, faz os condevedores não culpados incorrer na pena in-
tegral, se notificados da contravenção, deixam de satisfazer a
divida.
Projectos — Esboço, art. 1.000; Coelho Rodrigues, 458; Be-
viláqua, 1.071; Revisto, 1.072.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 73

Observações — 1. — A contravenção de um só, quando a


obrigação é indivisível, determina a comminação da pena a to-
dos. Qualquer que seja a funcção da pena, quando a obrigação
indivizivel se converte na indemnização de prejuízos, torna-se
em regra, divisivel, porque a indemnização se fará, ordinaria-
mente, em dinheiro ou quantidade. Sendo divisivel a obriga-
ção de indemnizar, cada um dos co-devedores responde pela sua
quota, e, assim, cada um dos herdeiros.
Mas, se a pena fôr indivisível, se consistir na perda de uma
coisa determinada, indivisível, todos os co-obrigados a devem in-
tegralmente. O mesmo se dará, quando a pena fôr estipulada
com solidariedade. Por isso dizia o Projecto ijrimitivo que, em
regra, a pena só ao culpado podia ser pedida integralmente, re-
salvando o caso da indivisibilidade, e o da solidariedade. Pa-
receram essas resalvas ociosas a João Luiz Alves, Goãigo Civil
annotaclo, comm. ao art. 925; mas a omissão dellas é que po-
deria suscitar as duvidas, que elle imaginou, se a doutrina e a
jurisprudência não completarem o dispositivo.
2. —- O Codigo attende, somente, á indivisibilidade quando
muitos são os devedores. Pouco importa, realmente, o numero
dois credores. Todavia, o Codigo Civil uruguayo distingue os
casos, e determina que, havendo pluralidade simultânea de cre-
dores e devedores, somente o contraventor incorre na pena, e
esta se adjudica, somente, ao que soffreu o prejuízo (art. 1.372).
Não ha fundamento jurídico para essa distincção.

Art. 926 — Quando a obrigação fôr divi-


sivel, só incorre na pena o devedor, ou o her-
deiro do devedor, que a infringir, e proporcio-
nalmente á sua parte na obrigação.

Direito anterior — Prevalecia o direito romano.


Legislação comparada — D. 45, 1, fr. 4, § 1.°; Codigo Civil
francez, art. 1.233; italiano, 1.216; chileno, 1.540; muguayo,
1.373; venezuelano, 1.282; boliviano, 824.
Veja-se o art. 661.
Projectos — Esboço, art. 999; Coellio Rodrigues, 459; Be-
viláqua, 1.072; Revisto, 1.073.
74 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — A divisibilidade da obrigação persona-


liza a responsabilidade pela infracção. Somente o culpado incorre
na pena, e esta se lhe applica, proporcionalmente á sua quota,
porque o credor apenas em relação a essa parte foi prejudicado.
Pela parte restante continuam os outros devedores responsáveis,
como desde o começo, cada um por sua quota.
2. — Diversos Codigos accrescentam, que, se a obrigação fôr
indivisível solutione tantuvi, isto é, se, na intenção das partes,
o pagamento não pode ser feito parcialmente, embora a divida
por sua natureza seja divisivel, proceder-se-á como se fosse sub-
stancialmente indivisível, applicando-se a regra do art. 925.

Art. 927 — Para exigir a pena convencional,


não é necessário que o credor allegue prejuizo.
O devedor não pôde eximir-se de cumpril-a,
a pretexto de ser excessiva.

Direito anterior — Silente; mas a doutrina era no mesmo


sentido.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 95S;
suisso, das obrigações, 161, l.a parte, quanto á 1." parte do artigo;
chileno, 1.542, também, quanto á l.a parte. ■
Projectos — Esboço, art. 993 (fonte); Beviláqua, 1.073; Re-
visto, 1.074.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 20; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, n. 215; Saieilles, De Vobli-
gation, ns. 295 e 296; Tito Fulgencio, Manual, cit., X, n. 453
e segs.

Observações — 1. — A pena, na systematica do Codigo Civil,


era a prefixação das perdas e damnos. Não obstante, não era
necessário que o credor allegasse ter soffrido prejuizo para pe-
dil-a, nem podia o devedor defender-se de a prestar, provando que a
inexecução em nada fora damnosa ao credor. A razão desta
prescripção é tríplice: 1.°, As partes convencionaram a pena
para o caso da inexecução ou da mora; occorrido o facto previsto,
a pena se applica. A inexecução e a mora eqüivalem a con-
dições suspensivas, a que está subordinada a prestação da pena.
2.°, A pena é estabelecida, para evitar-se a discussão das perdas
e damnos; consequentemente, não ha que debater essa matéria.
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 75

As partes, préviamente, assentaram que a inexecução ou a mora


seria prejudicial. E' uma presumpção, que favorece o credor,
e que se nã-o destróe por allegações contrarias do devedor. 3.'%
Além de ser uma prefixação das pqrdas e damnos, a pena também
funcciona como força coercitiva, para coagir o devedor a cumprir
a sua promessa, e como reacção punitiva contra o delicto civil
da inexecução ou da mora. Sob esta relação é execusada a piova
do prejuízo.
2. — o Codigo Civil brasileiro não seguiu a lição do suisso
das obrigações e do allemão, que permittem ao devedor reclamar
contra a pena exorbitante. Mas fixou um limite além do qual
ella não pôde ir: não pôde exceder a obrigação principal, de-
creta o art. 920. Combinando-se os dois artigos, resalta o pensa-
mento da lei: o devedor não pôde eximir-se de cumprir a pena,
a pretexto de ser excessiva, e não se considera tal a que não
é mais valiosa nem mais pesada do que a obrigação principal,
porem, se exceder a esta, o devedor não será obrigado a pagar o
excesso.
Veja-se o art. 920.
3. — Quanto fica acima exposto era procedente em face
do systema adoptado pelo Codigo Civil. Hoje não mais prevalece,
porque o dec. n. 22.626, de 7 de Abril de 1933, limitou o valor
da pena convencional a 10% do valor da divida, e reputa-a esta-
belecida para attender a despesas judiciaes e honorários de
advogado (arts. 8 e 9), não para fixar perdas e damnos.
Para melhor conhecimento da modificação, que, nesta parte,
soffreu o direito, conservaram-se as observações acima.
TITULO II

Dos effeltos das obrigações

CAPITULO I

Disposições geraes

Art. 928 — A obrigação, não sendo perso-


nalíssima, opera, assim entre as partes, como
entre os seus herdeiros.

Direito anterior — Doutrina pacificamente fixada.


Legislação comparada — Não se encontram disposições idên-
ticas, porém, o pensamento apparece nos dispositivos seguintes:
Codigo Civil francez, arts. '724, 1.134 e 1.165; italiano, 1.130;
boliviano, 725 e 7^6; venezuelano, 1.198 e 1.202; uruguayo, 1.291
e 1.292; hespanhol, 1.091 e 1.093; salvo no Codigo Civil, peruano,
1.232;
Veja-se, também, o argentino, art. 498, sobre o que são obri-
gações inhenntes ás pessoas, terminologia correspondente á do
EsIjoço, art. 868.
Projectos — Esboço, art. 878; Coelho Rodrigues, 288; Be-
viláqua, 1.074; Revisto, 1.075.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 30; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, ns. 217 e 290; Lacerda, Obri-
gações, § 89; Salehxes, De Vobligation, ns. 14 e segs.; Planiol,
Traité, II, ns. 181 e segs.; Aubry et Rau, Cours, IV, § 346;
Colmo, Obligaciones, ns. 47 e segs.; J. X. Carvalho de Men-
donça, Tratado de direito commercial, VI, parte primeira, nú-
meros 454 e 455; Demogue, Traité des obligatíons, tomes VI e
VII {Effet des obligations); Planiol, Ripert et Esmein, Traité
de ãroit civil, VII, ns. 768 e segs.

Observações — 1. — As obrigações produzem effeitos, com-


mumente, entre o credor, o devedor, e seus successores; em
alguns casos, também os produzem em relação a terceiros.^
DOs EFFEITOS DAS OBKIGAÇÕES 77

Os effeitos das obrigações, entre credor e devedor, segundo


a lição de Teixeira de Freitas, no Esboço, arts. 879 e seguintes,
são necessários ou acciãentaes. Necessários são; 1.°, Attribuir
ao credor o direito de exigir, do devedor, o cumprimento da
obrigação, no tempo, no logar e pelo modo devidos. 2.°, Impor
ao devedor o cumprimento exacto da prestação, e dar-lhe o di-
reito de exigir a quitação da prestação cumprida. Accidentaes
são: 1.°, Da parte do credor, o direito de demandar o devedor
por acções pessoaes, se elle incorrer em culpa, 2.°, Da parte do
devedor, repellir as acções propostas pelo credor, provando que
a obrigação se acha extinçta ou modificada por alguma causa
legal.
O Codigo Civil brasileiro não distingue gráu de culpa. In-
correndo em culpa, o devedor responde por perdas e damnos,
que somente se exigem, quando o devedor se acha em móra.
O caso fortuito e a força maior isentam de responsabilidade,
salvo se outra coisa fôr convencionada; se resultarem de culpa
do devedor; se occorrerem, depois da móra.
2. — As obrigações transmittem-se, normalmente, aos succes-
sores. O Codigo fala somente de herdeiros, que são successores,
causa mortis, a titulo universal; mas ha também successores
por actos entre vivos, quando ha cessão do credito ou subro-
gação.
As obrigações, que não passam aos herdeiros, denominam-se
personalíssimas Dá-se-lhes esse nome para sigiíificar que não
passam das pessoas do credor e do devedor. Teixeira de Freitas
chama-as obrigações inherentes ás pessoas.
São obrigações personalíssimas: a de prestar alimentos (ar-
tigo 402); a de fazer, quando fôr convencionado, o cumprimento
pessoal (art. 878); a da venda a contento (art. 1.148); a de
preempção (art. 1.157); a do pacto de melhor comprador (ar-
tigo 1.158, paragrapho único); a que se origina da ingratidão
do donatário (art. 1.185); a do locador de serviço (art. 1.233);
a do mandato (art. 1.316 II); a de parceria agrícola (artigo
1.413).
O usufructo vitalício não se transmitte aos herdeiros, como
também não se transmittem os direitos de socio, salvo, neste ul-
timo caso, estipulação em contrario. São casos de direitos per-
sonalíssimos, inherentes ás pessoas dos titulares.
3. — Em relação a terceiro, as obrigações produzirão ef-
feito: em caso de fraude; por direito de preferencia, em con-
78 CODIGO CIVIL

curso creditorio; e quando se promette facto de outrem ou se


•estipula em beneficio de alguém.

Art. 929 — Aquelle que tiver promettldo


facto de terceiro responderá por perdas e
damnos, quando este o não executar.

Direito anterior — Nada dispunha, de modo geral.


Legislação comparada — Codigo Civil suisso, das obriga-
ções, art. 111, que foi a fonte do artigo; francez, 1.120; aus»
triaco, 880, da reforma de 1927; italiano, 1.129; venezuelano,
1.204.
Vejam-se, também, o chileno, art. 1.450, in fine, e 1.536,
2." al., e o hespanhol, 1.259.
Para o direito romano: D. 45, 1, fr. 38, pr., e § 2.°; Inst.,
3, 19, § 3.°.
Projectos — Beviláqua, art. 1.075; Revisto, 1.076.
Bibliographia — Direito cias obrigações, § 30; Cakvalho de
Mendonça, Obrigações, I, n. 221; Huo, Gommentaire, VII, nú-
meros 42-43; Pothier, Obrigações, I, ns. 5^5; Saleilles, De Vobli-
gation, ns. 245-248; Planiol, Traité, II, ns. 1.266-1.324; Rossel,
Droit civil suisse, III, ps. 144-146; Gallaix, La réforrlie clu Coãe
Civil autrichien, 1925, ps. 132-133.

Observação — Não se trata, neste artigo, da estipulaçãu em


favor de terceiro, que o Codigo Civil disciplina em outro logar
(arts. 1.098-1.100) . Nem o dispositivo agora examinado se alon-
ga das tradições romanas. O pensamento nelle contido é o mesmo
das Inst., 3, 19, § 3.°; Si quis alium ãaturum facturumve quid
spoponãerit, non obligabitur... Quod si effecturum se ut Titius
daret, spoponãerit, obligatur.
Realmente, ninguém pôde obrigar outrem a cumprir aquillo
que não prometteu, pessoalmente, se não recebeu a promessa de
quem se achava autorizado a fazel-a, como no caso do mandato.
Mas é licito comprometter-se alguém a obter acto ou facto de
outrem. Essa promessa, em sua essencia, é uma obrigação de
fazer, que, não sendo executada, resolve-se em perdas e damnos.
B, sob o ponto de vista da relação jurídica especial, que prepara,
é uma fiança. Aquelle que promette facto de terceiro é um
fiador, que assegura a prestação promettida.
DOs EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 79
E' possível prometter a execução de uma obrigação futura
ou já existente, a celebração de um contracto, a realização de
uma obra, o pagamento de uma somma de dinheiro.
Não basta prometter os bons officios em favor dos interesses
de alguém, para ipso facto, responsabilizar-se. E' necessário as-
sumir a obrigação de obter o facto, que interessa a outra parte
contractante.

CAPITULO II

Do pagamento

SECÇÃO I

De quem deve pagar

Art. 930 — Qualquer interessado na extin-


cção da divida pôde pagal-a, usando, se o credor
se oppuzer, dos meios conducentes á exoneração
do devedor.
Paragrapho único. Egual direito cabe ao
terceiro não interessado, se o fizer em nome e
por conta do devedor.

Direito anterior — O mesmo principio, mas não expresso


em lei. Compare-se com o art. 436 do Codigo Commercial.
Legislação comparada — Inst., 3, 29, pr., in meãio: nec
tamem interest quis solvat, utrum ipse qui ãebet, an alius pro
eo; liberatur enim et alio solvente, sive sciente ãebitore, sive
ignorante, vel invito, solutio fiat; D. 46, 3, frs. 17, 53 e 56;
Cod., 8, 43 1. 5; Codigo Civil francez, art. 1.236; italiano,
1.238; hespanhol, 1.158; portuguez, 747; argentino, 726-728; chi-
leno, 1.572; uruguayo, 1.450; peruano, 2.215 e 2.216; boliviano,
827; venezuelano, 1.304; mexicano, 2.065-2.068; do Montenegro,
611; japonez, 474. Veja-se, também, o allemão, 362, l.a al.; pe-
ruano, 1.235.
Projectos — Esboço, arts. 1.032-1.035; Felicio dos Santos,
458-459; Coelho Rodrigues, 593; Beviláqua, 1.077; Revisto. 1.078.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 32; Espinoea,
Systema, II, ps. 282-285; M. I. Carvaeho de Mendonça, Obri-
gações, I, ns. 222-227; Lacerda, Obrigações, § 72; Almachio
80 OODIGO CIVIL

Diniz. Obrigações, §§ 102 e 104; S. Vampbé, Manual, II, §§ 139


e segs.; Coelho da Rocha, Inst., §§ 142-144; Alves Moreira,
Inst., II, ns. 66-69; Planiol, Traité, 11, ns. 423-434; Huo, Gom-
mentaire, VIII, ns. 1-17; Laurent, Cours, III, ns. 1-5; Pothieií,
Obrigações, II, ns. 459 e segs.; Zachariae, Droit civil français,
III, §§ 547 e 557; Aubry et Rau, Cours, IV, §§ 315 e 316; Kohler.
Lehrbuch, II, §§ 68-70; Endemann, Lehrbuch, I, § 141; Wind-
soheid, Panei., II, §§ 341 e 342; Dernburg, Panã., II §§ 54 e 55;
Savigny, Obligations, I, § 31; Chironi, Ist., II, §§ 294 e 295;
Sanchez Roman, Derecho civil. IV, cap. XII; Rivarola, Derecho
civil argentino, I, ns. 221 e 222; Colmo, Obligaciones, ns. 544
e segs.; J. X. Carvalho de Mendonça, Direito commercial, VI,
primeira parte, ns. 456 e segs.; R. Salvat, op. cit. ns. 1.052
a 1.063.

Observações — 1. — As obrigações extinguem-se por vários


modos, que podem ser reduzidos aos seguintes: a) pagamento
directo ou execução voluntária da obrigação; b) pagamento in-
directo pela dação em pagamento, novação, compensação, trans-
acção, confusão, remissão; c) extineção sem pagamento: pela
prescripção; pela impossibilidade da execução, sem culpa do de-
vedor; pelo advento da condição ou do termo extinetivo; ã)
execução forçada, em virtude de sentença.
Pagamento é a execução voluntária da obrigação. Solutio
est praestatio ejus quoã est in obligatione. A palavra pagamento,
na linguagem commum, applica-se, mais particularmente, á pres-
tação em dinheiro; mas, na linguagem technica do direito, tem
maior amplitude, é a execução voluntária da obrigação. Vem
a palavra do latim pacare, porque era o modo de apasiguar o
credor.
Solução é também vocábulo usado em direito, para signi-
ficar cumprimento da obrigação, e por ser mais expressivo,
talvez merecesse preferencia; mas o Codigo não se quiz afastar
da terminologix geralmente adoptada, e preferiu usar, com os
outros, da palavra pagamento.
2. — Os requisitos essenciaes para a validade do pagamento
são; a existência do vinculo obrigatório; a intenção de solvel-o;
- cumprimento da prestação; a pessoa, que effectua o pagamento
(solvens); e a que o recebe (accipiens).
A matéria desta secção é a pessoa que deve effectuar o pa-
gamento. Essa pessoa deve ser qualquer interessado, diz o Co-
digo. Entre os interessados, está em primeiro lugar, o devedor.
DOS EPFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 81

que, pagando, cumpre a prestação, a que estava obrigado. Os


interessados podem sel-o por diversas razões. O Codigo Civil
francez, o italiano e outros indicam o co-obrigado e o fiador.
Ambos são devedores. Também é interessado o adquirente do
immovel hypotliecario. O mandatario, porém, não é interessado;
paga em nome do devedor.
Quem quer que seja o solvens, deve ter capacidade para
o acto jurídico do pagamento.
3. — Também pode pagar um terceiro não interessado,
porque o que domina,esta relação jurídica é o interesse do cre-
dor, que tem o direito de receber a prestação de quem quer
que a execute. Egualmente não o pode recusar, salvo nas obri-
gações de fazer, quando Se convenciona que o devedor a cumpra
em pessoa, e quando por ser o terceiro insolvente, não offerece
garantia para-o caso de evicção ou redhibição (Colmo).
O terceiro não interessado deve pagar em nome e por conta
do devedor, sem ter procuração. Será um gestor de negocios, ou
alguém que execute a prestação por philanthropia, por libe-
ralidade.

Art. 931 — O terceiro não interessado, que


paga a divida em seu proprio nome, tem direito
a reembolsar-se do que pagar; mas não se subro -
ga nos direitos do credor.
Paragrapbo único. Se pagar, antes de ven-
cida a divida, só terá direito ao reembolso, no
vencimento.

Direito anterior — O caso não fôra, especialmente, desta-


cado em lei. Veja-se, todavia, o Codigo Commercial, art. 436, pr.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.236,
in fine; italiano, 1.238, in fine; hespanhol, 1.256 in fine] ar-
gentino, 727 e 728; chileno, 1.573; uruguayo, 1.451; venezue-
lano, 1.304, in fine; boliviano 827, in fine.
O Codigo Civil portuguez, art. 747, desobriga o devedor de
pagar a quem solver a divida, sem o seu consentimento.
Projectos — Esboço, art. 1.073 (fonte); Coelho Rodrigues,
513; Bevilaqm, 1.018]'Revisto, 1.079.

Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol.


82 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — Prevê o artigo o caso do terceiro não


interessado, que effectua o pagamento no seu proprio nome.
Como não pratica uma liberalidade, e exonera o devedor, tem
direito a ser por este reembolsado. Mas em seu favor não se dá
subrogação nos direitos do credor, porque entre elle e o devedor
não existe nenhum vinculo obrigacional; pagou, porque quiz,
graciosamente, sem que interesse algum a isso o levasse, e não
o fez com o assentimento do devedor.
O Codigo refere-se ao terceiro, que paga em seu nome. E' for-
mula do Projecto revisto. No primitivo, como no Esboço, diz-se
o terceiro que pagar sem conhecimento cio devedor, prevendo o
caso de gestor de negocios. Mas este não paga no seu proprio
nome e a sua acção, para repetir o que pagou, é a de gestão.
A expressão abrangia também o caso, em que o terceiro não in-
teressado pagasse em seu proprio nome, no interesse do credor
ou de outrem. Para o reembolso terá o solvente, neste caso, a
acção de in rem verso. A formula do Codigo, porém, se fosse
interpretada rigorosamente, excluiria o gestor de negocios, que
paga em nome-do 'devedor,-mas não fica subrogado nos direitos
do credor ; ■ Áléín disso, será hypothese bem rara essa, em que o
terceiro não interessado, sem animo liberal, pague, em seu nome,
divida alheia.
Alguns autores dizem que o terceiro não interessado pôde
pagar, no interesse do credor, de outrem estranho á divida, e no
seu proprio. Esta ultima supposição é inadmissível, porque en-
volve uma contradicção nos termos. Se paga no seu interesse,
não pôde ser terceiro não interessado.
2. — Pagando a divida antes de vencida, o terceiro não in
teressado, pague em seu nome ou em nome do devedor, não
terá direito a reembolso senão no vencimento, pois não pôde
tornar peor a condição do devedor, que lhe não solicitou o ser-
viço, nem delle tinha necessidade, no momento.
3. — No direito cambial, o interveniente, que paga a letra
de cambio ou a nota promissória, embora seja executor de obri-
gação alheia, fica subrogado em todos os direitos daquelle cuja
firma foi por elle honrada (lei n. 2.044, de 31 de Dezembro
de 1908, art. 40, paragrapho unicoj.

Art. 932 — Oppondo-se o devedor, com


justo motivo, ao pagamento da sua divida por
outrem, se elle, não obstante, se effectuar, não
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 83

será o devedor obrigado a reembolsal-o, senão


até á importância, em que Ibe elle aproveite.

Direito anterior — O Codigo Commercial, art. 436, consi-


dera indébita e imcompetentemente feito o pagamento, quando o
devedor tinha interesse, em que se não fizesse, porque podia
illidir a acção do credor.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, ait. 728,
hespanhol, 1.158. Vejam-se, também: allemão, 267, 2.a al.; chi-
leno, 1.575; uruguayo, 1.450, in fine; mexicano, 2.068 e 2.071,
portuguez, 747; japonez, 474, 2.a al.
Projectos — Esboço, art. 1.036; Beviláqua, 1.079; Revisto,
1.080.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 32; Espinola,
Systema, II, p. 286 e notas 33 e 34; M. I. Carvalho de Men-
donça, Obrigações, I, n. 228; Huc, Commentaire, VIII, n. 7,
Colmo, Obligaciones, ns. 555 e 556; R. Salvat, op. cit., ns. 1.064
o 1.070. CONSELHO REGIONAL DO TRABALH '
la. REGIÃO

Observações — 1. — O direito romano permittia o paga-


mento feito contra a vontade do devedor: Liberatui enim et alio
solvente, sive sciente, sive ignorante ãebitoi e, vel invito eo
soluto fiat (Inst., 3, 29, pr., in médio), porque é licito a qual-
quer tornar melhor a condição do devedor, licere etiam igno-
rantis, invitique meliorem conditionem facere (D. 46, 3, fi. 5
O Codigo Civil não regeita esse modo de ver, ,mas declara que
o devedor não será obrigado a reembolsal-o, senão ate á impor-
tância, em que o pagamento lhe aproveite.
Effectivamente, pôde acontecer que o devedor tenha^ me
de illidir a acção do credor, ou por nullidade da obrigação, por
já se achar prescripta, ou por ter direito de compensai a sl
divida passiva com alguma activa, que tenha contra o cre oi.
Pôde egualmente, acontecer que a divida ainda não esteja v
cida, e o pagamento antecipado lhe seja desvantajoso. (-)ra'
solução pro invito, em taes condições, não pode obiigar o
vedor. O Codigo do Commercio declara inútil e ineficaz 0 P ^
mento. Attendendo, porém, a que o principal interesse o
vedor é exonerar-se da divida, o Codigo Civil permitte o 1
gamento pro invito, mas com a restrição de não^ obriga
devedor a mais do que lhe aproveita, pois também não lhe
licito enriquecer-se á custa alheia.
84 CODXGO CIVIL

2. — Poderá o credor recusar o pagamento, neste caso, de


opposição do devedor? Pensa JoÃo Luiz Alves que esta facul-
dade está implícita no art. 930, paragrapho único, e assim jus-
tifica a suppressã.o delia no Codigo. O Projecto primitivo ex-
primiu-a para significar que nos outros casos, o credor não podia
recusar o pagamento; a Commissão do Goveno, sem motivo, a
supprimiu, deixando á doutrina a tarefa de a repôr onde se
achava, pois o paragrapho único do art. 930 nenhum subsidio
poderá trazer. Affirma apenas que o terceiro não interessado tem
o direito de extinguir a divida, se o fizer em nome e por conta
do devedor. Mas seja o terceiro interessado ou não, solva em
seu proprio nome ou em nome do devedor, diz o art, 932 que
este se poderá oppôr. Quanto ao credor, apenas se sabe que não
poderá recusar o pagamento, em regra, pois que o terceiro tem
direito de effectual-o. Era necessário declarar em "que hypothese
a sua recusa não o constituiria em mora. Isso dizia o Projecto
primitivo, acompanhando o Esboço; isso dirá agora a doutrina,
supprimindo a lacuna do Codigo.
3. — Mas, se o devedor tiver conhecimento do pagamento
depois de effectuado? Se a tal pagamento elle tinha justo mo-
tivo para se oppòr, a solução é a mesma.

Art. 933 — Só valerá o pagamento, que im-


portar em transmissão da propriedade, quando
feito por quem possa alienar o objecto, em que
elle consistiu,
Paragrapho único. Se, porém, se der em pa-
gamento coisa fungivel, não se poderá mais re-
clamar do credor, que, de boa fé, a recebeu e
consumiu, ainda que o solvente não tivesse o di-
reito de alheal-a.

Direito anterior — Era acceito o principio com fundamento


no direito romano. Veja-se Coelho da Rocha, Zwsí., § 114.
Legislação comparada — D. 46, 3, frs. 14, § 8.°; 46, pr.; e
94, § 2.°, initio; Codigo Civil francez, art. 1.238; italiano, 1.240;
hespanhol, 1.160; argentino, 738; chileno, 1.575; uruguayo, 1.449;
boliviano, 829; venezuelano, 1.306.
DOS EFFEITOS DAS OBEIGAÇÕES 85

Projectós — Eshoço, art. 1.039; Felicio dos Santos, 461;


Coelho Rodrigues, 515; Beviláqua, 1.080; Revisto, 1.081.

Observações — 1. — Para ter validade, o pagamento, como


Qualquer acto jurídico, deve ser feito, por pessoa capaz. Pupillus
sine tutoris' autoritate nec solvere potest palam est, dizia Ul-
diano (D. 46, 3, fr. 14, § 8.°). Mas não basta a capacidade geral
para efectuar o pagamento, que importe em translação da pro-
priedade; é necessário, neste caso, o direito de alienar o objecto,
que se dá em pagamento. Assim, o terceiro não autorizado pelo
devedor e o proprio devedor incapaz não podem, validamente,
pagar, transferindo a prosperidade. Se o bem é inalienável, ou se
a sua alienação é prohibida ao devedor, não pôde ser objecto
de pagamento translativo do domínio.
2. — Se, porém, a coisa é fungível, isto é, das que se podem
substituir por outras da mesma especie, qualidade e quantidade
(art. 50), será valido o pagamento, ainda que o solvente seja
incapaz, ou não tenha direito de alheal-a, desde que o credoi
a receba, de bôa fé, quer dizer ignorandd a incapacidade, ou
suppondo recebel-a do dono.

SECÇÃO II

Daquelles a quem se deve pagar

Art. 934 — O pagamento deve ser feito ao


credor ou a quem, de direito, o representante, sob
pena de só valer depois de por elle ratificado, ou
tanto quanto reverter em seu proveito.

Direito anterior — Codigo Commercial, art. 429.


Legislação comparada — D. 46, 3, frs. 12, pr., e §§ 2.° e 4. ,
28 e 49; Codigo Civil francez, art. 1.239, italiano, 1.241; hes-
panhol, 1.162; portuguez, 748; allemão, 362; argentino, 731, chi-
leno, 1.576, l.a ai.; uruguayo, 1.453; peruano, 1.238; boliviano,
830; venezuelano, 1.307; mexicano, 2.073 e 2.074.
Projectos —- Eshoço, arts. 1.C40 e 1.042; Felicio dos Santos,
462 e 463; Coelho Rodrigues, 516; Beviláqua, 1.081.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 33; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, ns. 231-233; Lacerda Obu-
86 CODXGO CIVIL

gações, § 72; Coelho da Rocha, Inst., § 145; Alves Moreira,


Inst., II, n. 70; Planiol, Traité, II, ns. 435-440; Huc, Comvien-
taire, VIII, ns. 18-22; Pothier, Obrigações, ns. 465-469; Latjrext,
Cours, III, ns. 9 e 10; Zachariae, Droit civil français, III, § 547;
Aubry et Rau, Cours, IV, § 317; Colmo, Ohligaciones, ns. 568
e segs.; J. X. Carvalho de Mendonça Direito commercial, VI,
parte primeira" ns. 464 e segs. R4 Salvat, op. cit., ns. 1.096
parte primeira, ns. 464 e segs.; R. Salvat, op. cit., ns. 1.096.
e segs.

Observações — 1. — O pagamento deve ser feito; 1.°, ao


credor, isto é, á pessoa, em cujo favor existir a obrigação. 2.°, A
quem de direito o represente. Credor não é somente o primitivo,
aquelle a quem foi, originariamente, constituido o credito. E'
também o herdeiro, na proporção da sua quota hereditária; o
legatario; o cessionário; o subrogado nos direitos do credor. Se
a divida fôr solidaria ou indivisivel, qualquer dos concredores
está autorizado a recebel-a, nos termos dos art. 892 e seguintes,
e 898 e seguintes. Se a obrigação fôr ao portador, quem apre-
sentar o titulo é o credor; a esse pôde a divida ser legitima-
mente, paga, salvo quando por decreto judicial fôr considerado
illegitimo detentor (art. 1.509).
Os representantes do credor podem ser legaes, juãiciaes e
convencionaes. Legaes são os paes, os tutores e os curadores,
em relação aos menores, interdictos e ausentes, cujos bens admi-
nistram^ Judiciaes são os nomeados pelo juiz, como no caso de
seqüestro, o depositário judicial. Os convencionaes podem ter
mandato expresso ou tácito, geral ou especial para o recebimento
da divida. Entende-se que ha mandato tácito do credor, quando
a pessoa se apresenta ao devedor com o titulo, que lhe deve ser
entregue, ou com a quitação (art. 937).
Ia. — O mandato, para vender coisa movei, importa no
poder de receber o preço, desde que a coisa vendida esteja em
poder do mandatario e por elle seja entregue ao comprador,
nas vendas de immoveis, porém é necessário poder especial para
receber o preço. E' a lição de Aubry et Rau, Cours, nota 4 ao §
313, e de Laurent, Principes, XVII, n. 536, que se justifica pela
natureza do objecto vendido.
2. — Entre os representantes convencionaes expressamente
constituídos, merece especial menção a pessoa designada no ti-
tulo para receber o pagamento. E' o aãjectus solutionis causa
que é um cessionário do credito, constituido ab inttio e não um
DOS EíTEITOS DAS OBRIGAÇÕES

procurador commum, pois o seu poder não é revogavel, nem se


extingue com a morte do credor.
3. — O pagamento feito, a quem não seja o credor, o seu
representante, não tem valor; é como se não tivesse sido feito.
Quem -paga mal, paga duas vezes, diz o proloquio. Todavia, se
o credor ratificar o pagamento, este se torna valido, poique a
ratificação se equipara ao mandato, e importa na renuncia do di
reito de exigir o pagamento. Por outro lado, o pagamento ainda
que feito a terceiro não autorizado, se reverteu em pioveito, do
credor, exonera o devedor na medida desse proveito, porque o
credor já se acha desinteressado nesse tanto, e se locupletai ia
com a jactura alheia, se, de novo, recebesse o pagamento integi al.
4. — o pagamento deve ser feito a pessoa capaz de admi
nistrar os seus bens, pois que é um modo de extinguii diieito.
Peito a um incapaz, só valerá na medida, em que reverter em
utilidade delle (art. 936). Prevalece, aqui, a mesma razão de
direito, que não permitte o enriquecimento illicito.

Art. 935 — O pagamento feito,, de boa fé, ao


credor putativo é valido, ainda provando-se, de-
pois, que não era credor.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — D. 5, 3, fr. 31, § 5.°, Codigo Civil
francez, art. 1.240; italiano, 1.242; hespanhol, 1.164; argentino,
732; chileno, 1.576, 2.!l al.; uruguayo, 1.45'5; peruano, 1.233, bo
liviano, 813; venezuelano, 1.308; japonez, 478; mexicano, 2.07
Drojectos — Esboço, art. 1.042, 3.°, e 1.043; Coelho Rodrigues,
517; Beviláqua, 1.082; Revisto, 1.083. -
Bibliographia — Direito das obrigações, § 33, M. I. AR
valho de Mendonça, Obrigações, I, n. 235; Lacerda, Obrigações,
§ 72, nota 22, in fine; Uva, ,Comvientaire, VIII, ns. 23 e ,
1
Planiol, Traité, II, n. 441; Pothier, II n. 503; Colmo,
gaciones, n. 573; Aubry et Rau, Cours, IV, § 317.

Observações — 1. — Credor putativo é aquelle que, aos


olhos de todos, passa por ser o verdadeiro credoi, como o
deiro ou o legatario apparente. O pagamento a elle feito e
lido, se o solvente estava de bôa fé.
88 CODIGO CIVIL

João Luiz Alves prefere a expressão portador do titulo,


usada pelo Projecto primitivo. Os Codigos, em geral, falam de
possuidor do titulo. Realmente é necessário que o titulo se ache
em poder daquelle que se apresenta como credor, para que seja
efficaz o pagamento. Não basta a sua affirmação, ainda que
apparentemente verdadeira.
Não se trata aqui de títulos ao portador, nos quaes a simples
detenção delie autoriza o pagamento. A hypothese de que o ar-
tigo 935 se occupa é a dos títulos, que não se transmittem pela
simples tradição manual. Quando alguém se acha na posse de
um titulo desses, e o devedor, em bôa fé, o resgata, a solução o
exonera. O verdadeiro credor, porém, tem o direito de reclamar
o pagamento daquelle que indevidamente, o recebeu.
2. — E' valido o pagamnto feito ao cessionário, ainda due
a cessão seja posteriormente annullada. O cessionário é um ver-
dadeiro possuidor do titulo; emquanto não se declara insubsis-
tente a cessão, para todos os effeitos, é elle o credor. Se, porem,
o acto de cessão fôr declarado falso, não se considera possuidor
o falsario, apezar do que diz Laubent, Principes, XVII, n. 547.
Seria realmente injusto que soffresse o credor por crime de
terceiro. E' mais conforme a razão o parecer contrario de Huc
(Commentaire, VIII, n. 24), Aubby et Rau (Gours, IV, § 317)
e outros.
3. — Nas obrigações cambiaes rege o disposto na lei nu-
mero 2.044, de 31 de Dezembro de 1908, que, entre outros pre-
ceitos, dispõe: o possuidor é considerado o legitimo proprietário
da letra ao portador e da endossada em branco; o ultimo en-
dossatario é considerado legitimo proprietário da letra endossada
em preto; quem paga não está obrigado a verificar a authen-
ticidade dos endossos (arts. 39 e 40).

Art. 936 — Não vale, porém, o pagamento


scientemente feito ao credor incapaz de quitar,
se o devedor não provar que em beneficio delle,
effectivamente, reverteu.

Direito anterior— Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — D. 46, 3, fr. 15; Codigo Civil
francez, art. 1.241; italiano, 1.243; hespanhol, 1.663; argentino,
734 e 735; uruguayo, 1.456; chileno, 1.578, 1.°; peruano, 1,240;
boliviano, 832; venezuelano, 1.309.
89
DOS EFFEITOS das obrigações

Projectos — Esboço, art. 1.044, 1.°; Felicio dos Santos,


Beviláqua, 1.083; Revisto; 1.084.

Observações — 1. — O pagamento é um acto juridico,


Quem o recebe deve ser pessoa capaz. E', além disso, um
überatorio, e extinctivo de direito, que exige capacidade P en^
Peito a pessoa absolutamente incapaz, o pagamento é nu
pleno direito; feito a pessoa de incapacidade relativa, p
ser ratificado pelo representante do incapaz ou poi elle p P
cessando a incapacidade. ,
Esta nullidade é decretada em beneficio do incapaz, ^
prejuizo a lei quer evitar; mas, se o pagamento reverter em
neficio delle, feita a prova pelo devedor, cessa a xazão
lidade. Considera-se proveitoso o pagamento, quando apj
ua acquisição de immoveis, no pagamento de dividas ex
e
por outros modos semelhante, que consolidem, ou augm
o patrimônio do credor. ^
2. — E' condição, para a inefficacia do pagamen o ao
ter sido scientemente feito, isto é, saber o solvens qu 0Ar
pessoa incapaz. Se o devedor tinha razão suíficiente pai^nduzido
que tratava com pessoa capaz, ou se, dolosamente,
a crer que desapparecera a incapacidade existente, ^ oU
0
Pagamento desde que se prove o erro excusavel c o
o dólo do credor. , a
3. — O pagamento feito ao fallido, depois e P"^^ ^
sentença declaratoria da fallencia, é nullo de p eno
Que a incapacidade do fallido, para receber P^ai^®n^
cretada em beneficio dos credores (lei n. 5.7
zembro de 1929,. art. 44).

Art. 937 —- Considera-se autorizado a re


ceber o pagamento o portador da qui aça '
cepto se as circumstancias contrariarem
sumpção dahi resultante.

Direito anterior — Não havia disposição de lei a iesp^ ^


Legislação comparada — Codigo Civil allemao,
ponez, 480; peruano, 1.241. ' efi
Projectos — Beviláqua, art. 1.084, Revisto,
90 CODIGO CIVIL

Bibliographia — M. I. Carvalho de Mendonça, Obrigações,


I. n. 237; Endemann, Lehrbuch, I, §§ 81, II, 2, b, e 141, nota 19;
Coãe Civil ' allemanã, publié-por le Comitê le lég. étrangère, ao
art. 370; R. Salvat, op. cit., ns. 1.122 e segs.

Observação — A doutrina deste artigo foi inspirada pelo


Codigo Civil allemão, que a recebeu do Codigo Commercial, 296,
e a generalizou para as relações civis. Já estava, entretanto, em
nossos usos. O portador da quitação presume-se mandatario tá-
cito do credor, para receber o pagamento. Correm por conta do
credor os riscos, que possam provir de perda, extravio ou furto,
da parte do mensageiro.

Art. 938 — Se o devedor pagar ao credor,


apezar de intimado da penliora feita sobre o cre-
dito, ou da impugnação a elle opposta por ter-
ceiros, o pagamento não valerá contra estes, que
poderão constranger o devedor a pagar, de novo,
ficando-lhe entretanto, salvo o regresso contra
o credor.

Direito anterior — Semelhante: (Reg. n. 737, de 25 de No-


vembro de 1850, arts. 521-523).
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.242;
italiano, 1.244; hespanhol, 1.165; argentino, 736; chileno, 1.578;
uruguayo, 1.457; venezuelano, 1.310; boliviano, 833; mexicano,
2.077; peruano, 1.242.
Projectos — Esboço, art. 1.044, ns. 2 e 3; Coelho Rodrigues
519; Beviláqua, 1.085; Revisto, 1.087.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 33; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, n. 238; Lacerda, Obrigações,
§ 73; Planiol, Traité, II, ns. 482-499; Huc, Gommentaire, VIII,
ns. 27-29; Aubry et Rau, Cours IV, § 317, ps.' 256 a 258; R.
Salvat, op. cit., ns. 1.143 e segs.
91
DOS EFFEITOS DAS OBEIGAÇOES

Observações — 1. — Os bens do devedoi asseguram o p ^


gamento das suas dividas. Entre esses bens, acham-se os seus
créditos, que podem ser penhorados em execução movida con ra
titular delles. Effectuada a penhora sobre o credito, o ciedoi^
perde a faculdade de o receber, porque o exequente, pela con
demnação judicial, desligou, do patrimônio do executado, es
elemento, que entrará para o seu, ficando elle substituido nos
reitos do credor. Se o devedor notificado da penhora, frau a^os
direitos do exequente, este pôde constrangel-o a pagai
Nesta hypothese, como o credor recebeu illegitimamente, q -
não lhe era mais devido, terá de restituil-o ao devedor, q
tra elle tem direito regressivo.
2. — O caso de opposição é semelhante ao de Pentl_01^'^
credor do credor pôde oppôr-se, judicialmente, a que o
deste ultimo satisfaça, nas mãos do mesmo, a sua div
que a receba o oppoente, em pagamento do que lhe
Não era esse o preceito, que consagrava o Pr0^Ct0 . Tri.
art. 1.085, e foi eliminado na Camara a
bunal de Justiça do Maranhão, apoiado po „ a coi ) o ar-
{Trabalhos da Camara, vol. II, P- 35, e IH- P- igualmente,
tigo 1.085 do Projecto revisto, prescrevia. ' . nac.^0
o pagamento feito ao credor do credor, e auctonza a c
0U
judicial no caso de recusa". Era, como bem . mara-
chado, relator do Parecer do Superior ^una^^e Reaimente; o
nhense, innováção injustificável em nosso
pagamento ao credor do credor, fóra dos casos ce ^ ^ § 2.°),
Posição, eqüivale, como ensina Meilo Freire, (hv- , 1 • ^ nde
a um acto de gestão de negocios, p que impor approva o
da ratificação do credor. Sendo assim, se es e - n^0
pagamento, porque tenha em seu favor qualque^ ^
pôde ser valido, nem axonera a devedor. Foi oi . seria
signaçâo, porque o credor do credor recusa ° pa _ prejU(jicaão
maior violência aos direitos do credor, que po
pelo pagamento ao seu credor.
4.-0 credor de um titulo de credlet°' ^do^sob pena de
cionado, não pôde mais dar quitação ao ,.vida em cuja ga-
ficar obrigado a saldar, immediatamente, a i ' , 0 titulo
rantia prestou caução. O devedor, que, sciente responderá,
caucionado, acceitar quitação do credor c^I^sanao cauCÍonado
solidariamente com elle, por perdas e
(art. 795).
92 CODIGO CIVIL

O devedor, que paga ao cedente, depois de notificado ou


sciente da cessão, não fica exonerado da divida (arts. 1.069
e 964).

SECÇÃO III

Do objecto do pagamento e sua prova

Art. 939 — O devedor, que paga, tem direito


a quitação regular (art. 940), e pôde reter o pa-
gamento, emquanto lhe não for dada.

Direito anterior — Semelhante, segundo a doutrina e o Co-


digo Commercial, art. 434, pr.
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 368;
austríaco, 1.426; suisso, das obrigações, 8.8; do Montenegro, 613;
japonez, 486; mexicano, 2.088.
Projectos — Beviláqua, art. 1.086; Revisto, 1.088.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 44; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, n. 427; Lacerda, Obrigações,
§ 77; Coelho da Rocha, Insi., § 148; Alves Moreira, Inst., II,
n. 72; Windscheid, Pand, § 344; R. Salvat, op. cit., ns. 1.165

Observações — 1. — O pagamento prova-se por qualquer dos


modos reconhecidos em direito (arts. 136 e 141). Ainda quando
a escriptura publica é da substancia da obrigação, a prova de
que está solvida não exige mais do que a simples quitação pelo
punho do credor.
O direito de reter o pagamento, emquanto não se dá o re-
cibo, é garantia do devedor, com asento na bôa razão.
2. Se a divida se extinguir, totalmente, o credor deve
restituir ou inutilizar o titulo. O Projecto primitivo, seguindo a
lição do suisso das obrigações assim o declarava, para tornar
certo o direito do devedor a exigil-o. Supprimida esta. determi-
nação, a entrega do titulo não poderia ser exigida, coercitiva-
mente, e a sua recusa não autorizaria o devedor a reter o paga-
mento. Mas não foi essa a intenção dos collaboradores no Co-
digo, e sim, apenas, destacar a restituição do titulo para outro
artigo (942), restringindo o alcance do dispositivo.
93
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES

Art. 940 — A quitação designará o valor e


a
especie da divida quitada, o nome do devedor,
ou quem por este pagou, o tempo e logar do pa-
gamento, com a assignatura do credor, ou do
seu representante.

Direito anterior — Doutrina seguida (Coelho da Rocha,


§ 148), não obstante o disposto na Ord. 3, 59, pr., e § o. . Leia se
T. de Freitas, Consolidação, art. 824 com a respectiva nota
Legislação comparada — Codigo Civil austríaco, art. 1.42 ,
2a
- Parte.
Drojectos — Esboço, art. 1.101; Revisto, 1.089.

Art. 941 — Recusando o credor a quitação,


ou não a dando na devida fôrma (art. 940), P0 e
o devedor cital-o para esse fim, e ficará qni a o
pela sentença, que condemnar o credor.

Direito anterior — Doutrina seguida.


d
Legislação comparada — Nenhuma disposição co
ente nos Codigos citados nestes commentarios.
Drojectos — Esboço, art. 1.102; Revisto, 1.090.
Este artigo e o antecedente são devidos á co ' ~
Governo (Actas, p. 218). .
c Dibliographia — Lacerda, Obrigações § Oóex
ha, Inst., § 148; Correia Teixes, Digesto portliguez, ai

Art. 942 — Nos débitos, cuja quitação cou-


sista na devolução do titulo, perdic o es e'
derá o devedor exigir, retendo o P^?aI? '
11
declaração do credor, que inutilize o i
uiido.

Direito anterior — Havia a doutrina.


94 CO0IGO CIVIL

Legislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-


tigo 90; austríaco, 1.428; allemão, 371; do Montenegro, 614; ja-
ponez, 437.
Projectos — Beviláqua, art. 1.087; Keuisío, 1.091.

Observação — A restituição do titulo creditorio dar-se-á


sempre que o devedor o exigir, e o credor não tiver razão para o
deter. Assim, se no titulo figurarem outros devedores cujas obri-
gações ainda não se acharem solvidas, ou se o titulo lhe servir
de prova de outro direito, não será o credor obrigado a restituil-o
(M. I. Carvalho de Mendonça. Obrigações, I, n. 248). Por isso
o Projecto primitivo, art. 1.086, dizia que o devedor tem direito
á entrega ou inutilização do titulo, se a divida se extinguir, to-
talmente, isto é, se o documento somente se referir á obrigação
solvida, e esta se achar inteiramente extincta.
Se, nos casos em que o devedor tem direito á restituição
do titulo, por se achar integralmente paga a divida, o credor
allegar que o perdeu, o devedor tem o direito de exigir uma de-
claração de que fica sem valor o titulo, por se achar extincta a
obrigação, e de que o mesmo se nãu restitue, por não ser encon-
trado. Da mesma fôrma que, em relação ao recibo, tem o deve-
dor o direito de reter o pagamento, até que lhe seja passada
essa declaração.

Art. 943 — Quando o pagamento for em


quotas periódicas, a quitação da ultima estabe-
lece, até prova em contrario, a presumpção de
estarem solvidas as anteriores.

Direito anterior — Doutrina seguida.


Legislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigo 89, i.a al.; austríaco, 1.429; argentino, 746; uruguayo, 1.462;
mexicano, 2.089.
Vejam-se também; chileno, art. 1.570, e Cod., 10. 22, 1, 3.
Projectos — Esboço, art. 1.110; Felicio dos Santos, 475;
Coelho Rodrigues, 524; Beviláqua, 1.088; Revisto, 1.092.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 44; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, n. 249; Coelho da Rocha,
DOS EFFE1TOS DAS OBRIGAÇÕES
Inst., § 148j Rossel, Broit civil suisse, III, ps. 120-121, Wind
scheid, Pand., II, § 344, 3; Colmo, Ohligaciones, n. 580.

Observação — O pagamento da ultima prestação, sem re-


salva faz presumir o pagamento das anteriores, porque não e
natural que o credor receba aquella, ficando estas sem solução
A presumpção é em beneficio do devedor, ainda pelo motiio
Que elle é, de ordinário, a parte mais fraca, e de que a o
gação lhe restringe direitos, Plus favemus liberationibus Qua
Mligationibus. Esta presumpção não é, porém, júris et de jure,
admitte prova em contrario.

Art. 944 — Sendo a quitação do capital, sem


reserva dos juros, estes presumem-se pagos.

Direito anterior — O mesmo (Codigo Commeicial, art. 2 )


•, ^0CÍÍÇO5
Legislação.comparada — Cod., 4, 32, 1, 26, pi obng
francez, art. 1.908; italiano, 1.834; suisso, das ^ ' 1 '
austríaco, 1.427; venezuelano, 1.822; do Montenegro, 6 , •
mexicano, 2.090. ist0
Projectos — Esboço, art. 1.108; Beviláqua, 1.089,
1.093.
, jao ■ iíttc Commen-
Bibliographia — A do artigo anterior, Aãa , >
taire, XI, n. 199; Aubev et Raü, Cours, VI, nota

Observação — Dissentem os autores, quanto ao


Presumpção legal, pensando uns que é júris tantum contrario.
é júris et de jure, isto é, que não admitte pi ova e j^ão;
Atjbry et Rau, Laurent e Huo sustentam a seg . ira) que
Ouranton e Duvergieb, entre outros, preferem a P haver
lambem foi acceita no Direito das obrigações, § 3 , ^ (iue uão
motivo para o rigor da primeira. O credoi P0^61^ P„ tc) e
recebeu os juros. No direito francez, a opinião e francez
Er
tem apoio na ultima phrase do artigo o {jrasiieiro.
(eí en opére la libóration), que se não encon ia
96 CODIGO CIVIL

Art. 945 — A entrega do titulo ao devedor


firma a presumpção do pagamento.
§ 1.° Ficará, porém, sem effeito a quitação
assim operada, se o credor provar, dentro de ses-
senta dias, o não pagamento.
§ 2.° Não se permitte esta prova, quando se
der a quitação por escriptura publica.

Direito anterior — A disposição do principio do artigo era


consignada pela doutrina, e Carlos de Carvalho a consolidara
{Direito civil, art. 930, § 1.°). Quanto aos paragraphos, a Orã.
dispunha, semelhantemente, com respeito ao mutuo (4, 51, pr.,
§ 1.° in fine, e § 3.°) Os praxistas estenderam a excepção con-
stante do § 1.° do nosso artigo ao dóte e ao deposito.
Legislação comparada — Quanto ao principio do artigo:
D. 2, 14, fr. 2, § 1.°; Cod., 8, 43, 1. 15; Codigo Civil francez, ar-
tigos 1.282-1 .,284; italiano, 1.279; suisso das obrigações, 89, 3."
al.; hespanhol, 1.188 e 1.189; argentino, 878 e 879; chileno,
1.654; uruguayo, 1.518, n. 1, e 1.519; boliviano, 875 e 876;
venezuelano, 1.347; mexicano, 2.091.
Referem-se, em geral, estes Codigos. aos documentos parti-
culares; o suisso, porém, não distingue entre instrumentos pú-
blicos e particulares.
Projectos — Esboço, art. 1.111 (quanto ao principio do ar-
tigo); Felicio dos Santos, 518 (também); Coelho Rodrigues, 576
(egualmente); Beviláqua, 1.090 (do mesmo modo); Revisto,
1.094. E' deste Projecto a fórmula que passou para o Codigo, li
geiramente alterada a redacção {Actas, p. 218).
Bibliographia — Direito das obrigações, §§ 44 e 110; Tei-
xeira de Freitas, Consolidação, arts. 487-490; M. I. Carvalho de
Mendonça, Obrigações, I, n. 248; Contractos, I, n. 43; Cândido
Mendes, Codigo Philippino, notas ao liv. 4, tit. 51 pr.; Lacerda,
Obrigações, § 77; Coelho da Rocha, § 148; Planiol, Traité, II,
ns. 637-643; Huc, Commentaire, VIII, ns. 131-138; Pothier, Obri-
gações, II, ns. 572-577; Aubry et Rau, Cours, IV, § 323; Alves
Moreira, Inst., II, n. 99; Rossel, Droit civil suisse, p. 120; Bon-
jean, Institutes, II, ns. 2.621-2.625 e 3.659-3.660; Girard, Droit
romain, ps. 502-506.
97
DOS EFFEITOS DAS .OBRIGAÇÕES

Observações —- 1. — O principio do artigo estabelece uma


Presumpção júris tantum, em beneficio do devedor. O fundamento
desta presumpção é o seguinte: o titulo é a prova da existência
da obrigação; extincta esta, o credor o restitue ao devedom
consequentemente, se o titulo se acha nas mãos do devedoi,
porque o credor, satisfeito o debito, lh'o entregou. Gomo, entie
tanto, a entrega do titulo deve ser feita, voluntaiiamente, pe o
credor, no momento de receber o pagamento, e pode acontece
c
iue esse documento vá ter ás mãos do devedor por meios illici os
(violentos ou dolosos), tem o credor direito de piovai que o na
entregou, voluntariamente, que não foi solvida a obiigação.
Este seu direito extingue-se em sessenta dias. Ampliou, assim,
0
Codigo a execpção non numeratae pecuniae, que o diieito io
^ano e as Ordenações applicavam ao mutuo. Quanto ao dote
veja-se o art. 305.
No direito romano, também a exceptio non numeratae p
cuniae (de dinheiro não contado) se applicava ao mutuum, e, s
Sundo a forma recebida ao tempo de Justiniano, eia uma
concedida ao mutuário, que, tendo affirmado por esciipto o
cebimento do dinheiro emprestado, de facto nada lecebei a. >
Porém, seria iniqua a tua condemnação por este titu o, ^
a
excepçâo de não ter recebido (non numeratae pecuniae) ,
z
em as Institutas, 4, 13, § 2.°. Esta excepção durava dois anno ,
contados do dia do acto escripto. Aliás, o devedoi não ei a
gado a esperar a acção do credor; antes de expirado o pra
dois annos, podia agir, directamente, contra o credoi, para.
a
exoneração de uma obrigação sem fundamento (Co
d ■ 7). Tinha a seu favor uma condictio.
2. — Não distingue o Codigo, como o direito anteri , ^
0
titulo publico e o particular. Devemos concluir
uma ou de outra classe, a presumpção é a mesma, o ,
re
ce que houve intenção de manter a distincção gera me
ta, entre essas duas categorias de instrumentos. ra, lm
íPente, o que se pretendia dizer no § 2.°, Que e^ia s congtar
re
digido: "Não se presume esta prova quando a obngaç te
de escriptura publica". Como se acha escripto, na , ^
está deslocado segundo pondera Joio Luiz Alves, , .
° arti,», mas, a)nda, tica sem oWecto. Dl. o -^0 paragrapho.
Não se permitte esta prova"... Refere-se a accres-
gamento resultante da entrega do titulo ao deve or. „
centa: "quando a quitação fôr passada poi escnp U riite(
Mas, no caso previsto, não ha quitação escripta, ha, si
a
destituição do titulo.
. 7
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol.
98 CODIGO CIVIL

Parece-me claro que não se pretendeu affirmar que a quitação


por escriptura publica não admitte prova em contrario, salvo
nullidade do instrumento ou do acto, como entende João Luiz
Alves, procurando dar sentido ao dispositivo. E' verdadeira a
affirmação, mas seria estranho pol-a como paragrapho, isto é,
como proposição ligada ao principio do artigo.

Art. 946 — Presumem-se a cargo do devedor


as despezas com o pagamento e quitação. Se, po-
rém, o credôr mudar de domicilio ou morrer,
deixando herdeiros em logares diffcrentes, cor-
rerá por conta do credor a despesa accréscida.

Direito anterior — Era a doutrina.


Legislação comparada — D. 10, 4, fr. 11, § 1.°, in fine;
Codigo Civil francez, art. 1.248; italiano, 1.250; allemão, 369
(fonte); hespanhol, 1.168; chileno, 1.571; uruguayo, 1.467; ve-
nezuelano, 1.318; mexicano, 2.086; portuguez, 746.
O Codigo austriaco, foi reformado, em sentido differente, im-
pondo as despezas ãa quitação ao credor (art. 1.426; Gallaix,
La reforme ãu Cocle Civil autrichien, ps. 269-270).
Projectos — Felicio dos Santos, art. 479; Coelho Rodrigues,
528; Beviláqua, 1.091; Revisto, 1.095.

Observação — Refere-se o artigo ás despezas extrajudiciaes:


de transporte, pesagem, medida, contagem, e as necessárias para
a quitação. São despezas feitas em proveito do devedor. As ju-
diciaes correrão por conta daquelle que a ellas fôr condemnado.

Art. 947 — O pagamento em dinheiro, sem


determinação da especie, far-se-á em moeda cor-
rente, no logar do cumprimento da obrigação.
§ 1.° E', porém, licito ás partes estipular
que se effectue em certa e determinada especie
de moeda nacional ou estrangeira.
nOS EFFEITOS DAS OBEIGAÇÕEs 99

§ 2.° O devedor, no caso do paragraplio an-


tecedente, pode, entretanto, optar entre o paga-
mento na especie designada no titulo e o sen
equivalente em moeda corrente no logar da pres-
tação, ao cambio do dia do vencimento. Não
havendo cotação nesse dia, prevalecerá a imme-
diatamente anterior.
§ 3.° Quando o devedor incorrer em mora,
e o agio tiver variado, entre a data do vencimento
e a do pagamento, o credor pôde optar por um
delles, não se havendo estipulado cambio fixo.
§ 4.° Se a cotação variou, no mesmo dia, to-
mar-se-á por base' a média do mercado, nessa
data.

Direito anterior — Semelhante em parte — e em parte, dif-


ferente. Vejam-se Orã., 4, 21, § 1.°; Codigo Commercial, arts. 132,
195 e 431; Teixeira de Freitas, Consolidação, arts. 822 e 832;
Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 928.
Legislação comparada — Confira-se com o suisso das obri-
gações, art. 84; hespanhol, 1.170; allemão, 244 e 245; argentino,
619; portuguez, 723-725.
Projectos — Esboço, arts. 930-933; Felicio dos Santos,
472-484; Coelho Rodrigues, 525; Beviláqua, 1.092; Revisto, 1.096.
Bibliogràphia — Direito das obrigações, § 34, III; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, ns. 240-244; Lacerda, Obri-
gações, § 27; Alves Moreira, Inst., II, n. 32; Savigny, Droit des
obligationes, §§ 40-48; WindsOheid, Panã., II, § 226; Dernburg,
Panã., II, § 26; Planiol, Traité II, ns. 445-450; Aubry et Rau,
Cours, IV, § 318, 3.°.

Observações — 1. — Moeda corrente e a Qiie tem curso legal


no paiz. Pôde ser metallica ou em papel de curso forçado. Se o
bilhete de banco tem curso forçado no paiz, equipara-se ao papel
moeda do Estado.
Os papeis de credito publico, as apólices federaes, estaduaes
ou municipaes, não têm força liberatoria; o credor não é obii-
gado a recebel-as, se o não convencionou.
100 CODIOO CIVIL

2. — Ainda que o dinheiro seja o denominador commum de


todos os valores economicos, e a moeda corrente do paiz seja
a expressão do dinheiro, podem as partes estipular que o paga-
mento se effectue em certa e determinada especie de moeda: dez
contos de réis em moedas nacionaes de prata.
Se, em vez de determinar a moeda, o titulo determinar, ape-
nas o metal, fica livre ao devedor escolher a moeda, comtanto
que seja do metal estipulado e perfaça a somma devida.
2-a. — Cumpre notar que o dec. n. 21.316, de 25 de Abril de
1932, prohibiu as contas correntes em moeda estrangeira, nos
estabelecimentos bancários, e que o dec. n. £5.501, de 27 de No-
vembro de 1933, decíara nulla qualquer estipulação de paga-
mento em ouro, ou em determinada especie de moeda, ou por
qualquer meio tendente a recusar ou restringir, nos seus effeitos,
o curso forçado do mil réis papel (hoje cruzeiro).
Ficou, assim, alterado o art. 947* do Codigo Civil.
3. -í Não obstante haver uma especie de^moeda determinada
no titulo, pôde o devedor preferir o seu equivalente em moeda
corrente no logar da prestação, ao cambio do dia do vencimento.
Semelhante é a regra do Codigo Commercial, art. 431, segunda
parte: "Se a divida fôr de moeda metallica, na falta desta, o
pagamento pôde ser effectuado na moeda corrente no paiz, ao
cambio que correr no logar e dia do vencimento". E' o devedor,
que, não podendo encontrar a moeda estipulada, se exonera, pa-
gando em moeda corrente. O Codigo Civil na primeira edição,
conferia ao credor a faculdade de optar entre a moeda estipu-
lada e a corrente. A correcção da lei de 15 de Janeiro de 1919
harmonizou a lei civil com a commercial reconhecendo o valor
liberatorio da moeda corrente, e a sua equivalência a outra
qualquer, desde que se attenda á cotação do dia. í
4. — Cumpre, ainda, attender á figura de contracto de que
se origina a obrigação de pagar moedas. Se o contracto é mutuo,
e se estipulou que o pagamento se effectue nas mesmas especies
e quantidades, não ha que attender ás oscillações do cambio,
porque a obrigação é de dar corpo certo. (art. 1.25'8). Também
não haverá neste caso, opção da parte do devedor. Se este,
porém, provar que não encontra as moedas da especie estipu-
lada, exonerar-se-á pagando o equivalente em dinheiro do logar
da prestação.

Art. 948 — Nas indemnizações por acto illi-


cito, prevalecerá o valor mais favorável ao le-
sado .
íios EFFEITOS DAS' OBRIGAÇÕES 101

Direito anterior — Era doutrina ensinada (Lacerda, Ohri-


(Jações, § 23, apoiada em Gama, Guerreiro e Correia Teeles) •
Legislação comparada — Sem correspondência.
■ Projectos — Este artigo é da Commissão do Governo (Actas.
p. 219). Projecto 7-evisto, art. 1.097.

Observação — Diz o artigo que, no caso de variar a cotação


da moeda, que tiver de pagar o condemnado por facto ülicito,
prevalecerá o valor mais favorável ao lesado. Abre, assim, uma
excepção ao principio de que o cambio é, não havendo fixação
no titulo, o do dia do vencimento. No caso de móra, o credor
pôde optar pelo agio, que lhe convier, na medida do art. 947,
§ 3.°; no caso de facto illicito prevalece o mais favorável ao le-
sado. Em ambos os casos, ha culpa do devedor, e a lei lhe retira
os seus favores. Além disso, quando a divida é de indemnização
por facto illicito, o direito manda que a satisfação seja a mais
completa possível, e, na duvida, favorável ao credor.

Art. 949 — Se o pagamento se houver de


fazer por medida, ou peso, entender-se-á, no si-
lencio das partes, que acceitaram os do logar da
execução.

Direito anterior — Não havia disposição de lei a respeito.


Legislação comparada — Sem correspondência.
Projectos — Esboço, art. 1.053; Felicio cios Santos, 477;
Coelho Rodrigues, 527; Beviláqua, 1.093; Revisto, 1.098.

Observação — B' uma presumpção júris da vontade das


partes, que a lei suppre pelo modo indicado no artigo, fundando-
se em que é, precisamente, no logar da execução que se vae
medir ou pesar o objecto do pagamento. Se os interessados dei-
xaram de mencionar peso ou medida de sua escolha, é porque
acceitaram os que se lhes apresentariam, naturalmente, no logar
da execução.
O alqueire, por exemplo, varia, como medida de superfície
e de capacidade. No silencio das paides, prevalece o da locali-
dade, onde se cumpre a obrigação.
102 CODIGO CIVIL

SECÇÃO IV

Do iogar do pagamento

Art. 950 — Effectuar-se-á o pagamento no


domicilio do devedor, salvo se as parte conven-
cionarem diversamente, oú se o contrario dis-
pnzeram as circnmstancias, a natureza da obri-
gação. ou a lei.
Paragraplio único. Designados dous ou mais
logares, cabe ao credor, entre elles a escolha.

Direito anterior — Semelhante, quanto ao principio do ar-


tigo (Ord., 2, 52, § 3.°); Codigo Commercial, art. 430; Carlos de
Carvalho, Direito civil, art. 929). Quanto ao paragraplio único,
era omissa a lei.
Legislação comparada — D. 5, 1, fr. 38: ihi dari dehet uM
est; 13, 4, fr. 2, § 2.° non dehet, de tracto altero loco, experiri:
ne auferat loci utilitatem reo; eodem tit. fr. 9: Is qui certo loco
dare promittit, nullo alio loco, quam-in quo promisit, solvere in-
vito stipulatore potest; Codigo Civil francez, art. 1.247; italiano,
1.249; portuguez, 739 e 744; hespanhol, 1.171; argentino, 747-749;
chileno, 1.5'87-1.589; boliviano, 837; venezuelano, 1.316; austríaco,
905; suisso, das obrigações, 74; allemão, 269; uruguayo, 1.465;
mexicano, 2.082. Não ha identidade nas disposições invocadas.
Projectos — Esboço, arts.. 1.055-1.060; Felicio dos Santos,
478; Coelho Rodrigues, 523; Beviláqua, 1.094; Revisto, 1.099.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 35; Espxnola,
Systema, II, p. 303 e segs.; M. I. Carvalho de Mendonça, Obri-
gações, I, n. 251; Lacerda, Obrigações, § 32; Coelho da Rocha,
Inst., § 147; Huc, Commentaire, VIII, n. 42; Laurent, Cours,
III, ns. 24 e 25; Pothxer, Obrigações II, ns. 512 e 513; Aubry
et Rau, Cours, IV, § 319. J. X. Carvalho de Mendonça, Direito
commercial, VI, primeira parte, ns. 473-474; R. Salvat, op. cit.,
ns. 1.185 e segs.

Observação — A fórmula do Codigo abrange as differentes


hypotheses previstas pelo direito romano e pelas legislações mo-
dernas. Attende á vontade expx-essa das partes (se convencio-
DOS EFFErrOS DAS OBKIGAÇÕES 10S

naram), á presumida, ás cireumstancias, á natureza do contracto


e á lei. A vontade presumida faz prevalecer, ordinariamente, o
domicilio do devedor, ao tempo da execução. Em alguns casos, a
determinação do logar da prestação resulta das cireumstancias
ou da própria natureza das obrigações. As cireumstancias podem
variar consideravelmente, mas se dellas se inferir, claramente, o
logar do cumprimento da obrigação, deve entender-se que as par-
tes elegeram esse logar. A natureza da obrigação faz presumir:
que o logar do pagamento das prestações de dai ou restituir
corpo certo, sendo movei, é onde o. mesmo se achava no dia,
em que a obrigação foi contrahida: si guiãem certum coipus le
gatum sit... ibi praestaMtur, uU relictum est (Codigo Civil hes-
panhol, art. 1.171, 2.11 al.) ; portuguez, 714; que a prestação de
som ma de dinheiro, devia por acquisição do devedoi, se deve
satisfazer no logar da tradição do objecto adquirido, não sendo
o pagamento a prazos (Esboço, art. 1.060; Codigo Civil francez,
1.651; argentino, 749; Italiano, 1.508; venezuelano, 1.570; me-
xicano, 2.084).

Art. 951 — Se o pagamento consistir na tra-


dição de um immovel ou em prestações relativas
a immovel, far-se-á no logar, onde este se aclia.

Direito anterior —- Regra acceita, de modo geral, mas não


expressa em artigo de lei.
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 745;
austríaco, 905, in médio; mexicano, 2.083.
Projectos — Esboço, art. 1.058; Beviláqua, 1.005•, Revisto,
1.100.

Observações — 1. — Não distinguindo entre o cumprimento


da obrigação de dar immovel e a constituição de direito sobre
immovel, o Codigo estabelece a regra de que a tradição de um
immovel se opera no logar da situação. Aliás, usa o legislador de
uma expressão inadequada, tratando-se de immovel; "no logar
onde este se acha", como se se tratasse de coisa que muda de
posição.
A mesma regra applica-se ás prestações relativas a immo-
veis. E' um accrescimo da Comissão do Governo, que não me-
104 CODIGO CIVIL

rece applausos. Que são prestações relativas a immoveis? Re-


fere-se o artigo a qualquer prestação, inclusive os alugueis de
prédios? Parece que sim, pois que nenhuma distincção faz a lei.
Seria, porém, vexatória para as partes esta intelligencia. Para
comprehendermos o Codigo neste dispositivo, necessitamos de re-
correr ás suas fontes. O accrescimo, agora examinado, foi da ini-
ciativa de Lacerda de Almeida, e o seu livro, Obrigações, § 32,
onde, aliás, se não diz genericamente, prestações relativas a im-
moveis, como no Codigo, art. 951, e, sim, limitadamente, certas
prestações, resolve a duvida, explicando que se trata de serviços
em determinado terreno, de reparações de certo edifício, da lo-
cação de certo immovel, da tradição de uma servidão (nota 4).
Nenhuma duvida, quanto aos outros casos, mas parece excessivo
suppôr que o logar da prestação de aluguel de prédio seja, neces-
sariamente, o da situação do immovel. E' intuitivo que no logar
da situação do prédio é que elle estará alugado, ahi o locatário
se utiliza delle, e este deve ser o pensamento de Lacerda, e dos
autores a que elle se refere; o mesmo, porém, não se poderá
dizer do pagamento da renda, que as partes poderão ajustar que
se effectue, onde mais lhes convenha.
2. — Quanto ao logar do pagamento nas relações de direito
internacional privado, vejam-se os commentarios ao art. 13 da
Introducção.

secção y

Do tempo do pagamento

Art. 952 — Salvo disposição especial deste


Codigo, e não tendo sido ajustada época para o
pagamento, o credor pode exigil-a, immediãta-
mente.

Direito anterior — O Codigo Commercial, art. 137, dava dez


dias de espera. A Grã., 4, 50, § 1.°, concedia um prazo de dez
dias, para a restituição do mutuo.
Legislação comparada — Inst., 3, 15, § 2.°; pure... confestim
peti potest: quoã in ãiem stijmlemur, statim, quiãem ãebetur seã
peti primus quam ãies venerit, non potest; D. 45, 1, fr. 1, pr.:
Quotiens autem in obligationibus ãies non ponitur praesenti ãie
pecunia ãebetur, nisi locus aãjeetus spatium temporis inãucat quo
illo possit pervenire; Codigo suisso das obrigações, art. 7E); al-
DOS EFFEITOS DAS ODIUGAÇÕEs 105

lemão, 271, 1." al.; austríaco, 904, pr.; italiano, 1.173; venezuela-
no 1.239; japonez, 412, 3.a al. Compare-se ainda com o francez,
1.900 e 1.901; portuguez, 739 e 743; argentino, 750 e 751; uru-
guayo, 1.465; hespanhol, 1.128; mexicano, 2.080.
Projectos — Esboço, art. 1.064; Beviláqua, 1.096; Revisto,
i.ioi. r
Ilihliograpliia — Direito das obrigações, § 36; Espinoea,
Systema, II, p. 223 e segs.; M. I. Carvalho de Mendonça, Obri-
gações, I, ns. 252-254; Lacerda, Obrigações, § 33; Coelho da
Rocha, Inst., § 147; Endemann, Lelirbuch, I, § 135; Windscheid,
Pand., II, § 273; Dernburg, Pand., II, § 34; J. X. Carvalho de
Mendonça, Direito commercial, V, primeira parte ns. 475-477;
R. Salvat, op. cit., ns. 1.214 e segs.

Observações — 1. — A regra do artigo é que as obrigações


sem prazo são exeqüíveis immediatamente. Mas cumpre modi-
fical-a de accôrdo com o art. 127; salvo se a obrigação tiver de
ser feita em outro logar ou dependa de tempo. Se eu me obrigo
a dar coisa que está em logar distante, é intuitivo que a não
posso entregar immediatamente; se alieno bens futuros, não os
pode exigir, desde logo, o adquirente.
Além do prazo, também a condição suspensiva retarda o
cumprimento da obrigação, como se vê do artigo seguinte.
Algumas vezes, a lei determina a época do cumprimento da
obrigação, como, no caso de restituição do dóte (arts. 300 e 301).
Quando o cumprimento da obrigação depender de tempo, este
poderá ser marcado pelo juiz se as partes não se accordarem
a respeito.
2. — Não é esse o prazo de graça, concedido pelo Codigo
Civil francez, arts. 1.244. Não havia em nosso direito anterior
esse termo concedido humanitatis causa, salvo nas dividas do
Estado (Orã., 3, 37; dec. n. 736, de 20 de Novembro de 1850,
art. 2.°, § 9.°). E' o prazo do Codigo Commercial, art. 137, que
o Civil manda regular pela natureza da obrigação e pelas cir-
cumstancias.
Verdade ê que o Senado supprimiu, do Projecto, a parte,
que, no art. 952 do Codigo, se referia ao lapso de tempo, que
o juiz deverá fixar, no caso de duvida; mas subsiste o ait. 127,
que attenua o extremo rigor do art. 952.
Consulte-se, a Jurisprudência, de 15 de Fevereiro de 1913.
sobre este assumpto.
106 CODIGO CIVIL

Art. 953 — As obrigações condieioiiaes cum-


prem-se na data do implemento da condição, in-
cumbida ao credor a prova de (pie deste houve
sciencia o devedor.

Direito anterior — Era applicação dos princípios geralmente


reconhecidos.
Legislação comparada — D. 12, 1, frs. 37 e 39; Codigo Civil
francez, art. 1.181; hespanhol, 1.114; suisso, das obrigações, 151.
Projectos — Esboço, art. 1.069; Beviláqua, 1.097; Revisto,
1.102.

Observação — Vejam-se os arts. 114-122, onde se expõe a


theoria geral das condições.

Art. 954 — Ao credor assistirá o direito de


cobrar a divida, antes de vencido o prazo estipu-
lado no contracto, ou marcado neste Codigo:
I. Se, executado o devedor, se abrir con-
curso creditorio.
II. Se os bens, hypotliecados, empenhados,
ou dados em antichrese, forem penhorados em
execução por outro credor.
III. Se cessarem ou se tornarem insuffi-
cientes as garantias do debito, fidejussorias ou
reaes, e o devedor, intimado, se negar a refor-
çal-as.
Paragrapho único. Nos casos deste artigo,
se houver, no debito, solidariedade passiva (ar-
tigos 904-915), não se reputará vencido qugnto
aos outros devedores solventes.

Direito anterior — Quanto ao principio do artigo e os seus


números; Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 893; dec. nú-
meros 169 A, de 19 de Janeiro de 1890, art. 4.°, § 3.°; e lei n. 2.024,
de 17 de Dezembro de 1908, art. 26.
DOS EFFEÍfes DAS OBRIGAÇÕES 107

Legislação comparada — Vejam-se o Codigo Civil francez,


art. 1.188; italiano, 1.176; hespanhol, 1.129; argentino, 753 e
754 portuguez, 741; chileno, 1.496; boliviano, 778; venezuelano,
1.242; mexicano, 1.959 e 1.960.
Projectps — Esboço, arts. 1.077 e 1.078; Beviláqua, 1.098
e 1.099; Revisto, 1.103.

Observações — 1. — O prazo, nas obrigações, presume-se em


favor do devedor, se o contrario não resulta do teor do instru-
mento ou das circumstancias (art. 126). Consequentemente, em
regra, o devedor pode pagar antes de vencido o prazo, sem com-
tudo ter direito de repetir o que tiver pago, nem a desconto. Pen-
samento diverso insinuara-se no Projecto 7-evisto; mas desappa-
receu na discussão, e o Codigo diz somente que nos casos pre-
vistos no art. 954, ao credor assiste o direito de cobrar a divida,
antes do vencimento. Harmonizou, assim o dispositivo da parte
especial com o da parte geral (art. 126), e fez prevalecer o prin-
cipio de que, havendo prazo, o devedor poderá pagar antes delle,
se outra coisa não estiver estipulada, nem resultar das circum-
stancias, mas o credor não poderá exigir o cumprimento da obri-
gação, senão nos casos determinados, nos.ns. I a III do art. 954.
Outra é a regra do Codigo Commercial, art. 431; inüio: o credor
não é obrigado a receber o pagamento antes de vencida a divida.
2. — O credor, que, fora dos casos, em que a lei lh'o permitte,
demandar o devedor antes de vencida a divida, ficará obrigado
a esperar o tempo, que faltava para o vencimento, a descontar
os juros correspondentes, e a pagar as custas em dôbro (ar-
tigo 1.530).
3. — Sobre' a theoria do termo, vejam-se os arts. 123-127.
4. — A razão pela qual o credor não tem que esperar o termo
do vencimento da divida, quando se abre concurso creditorio (ar-
tigos 1.554 e segs.) é que este importa em execução geral do
devedor, cuja insufficiencia econômica se patenteia na execução,
que lhe mova algum dos seus credores. Dada essa insufficiencia
do activo, todos os credores se reúnem para apurar as preferen-
cias, acaso existentes, e dividir, entre si, o acervo dos bens do
insolvente.
5. — Para mais exacta comprehensâo dos ns. II e III do,
art. 954, vejam-se os arts. 808, § 1.°, 813 e 826, referentes á an-
tichrese e á hypotheca; e art. 762, que declara os casos, em
que a divida assegurada por garantia real se considera vencida,
antes do termo. Vejam-se mais as observações do art. 847.
108 CODIGO CIVIL

SECÇÃO VI

Da mora

Art. 955 — Considera-se em móra o devedor,


que não effectuar o pagamento, e o credor que
o não quizer receber no tempo, logar e forma
convencionados (art. 1.058).

Direito anterior — O mesmo (Carlos de Carvalho, Direito


civil, arts. 874 e 875).
Legislação comparada — Vide: Codigo suisso das obriga-
ções, arts. 81 e 102; allemão, 284 e 293; hespanhol, 1.100; pe-
ruano, 1.254.
Projectos — Esboço, art. 1.070; Beviláqua, 1.100•, Revisto,
1.104.
Bibliographia — Direito das. obrigações, § 53; Espinola,
Systevia, II, p. 459 e segs.; 490 e segs.; M. I. Carvalho de Men-,
donça, Obrigações, I, ns. 255-264; Lacerda, Obrigações, § 41;
AlmAchio Diniz, § 108; Tobias Barreto, Vários escripios, ps.
253 e 261; S. Vamdbé, Manual, II, § 147; Alves Moreira, Insti-
tuições, II, n. 39; Coelho da Rocha, Inst., §§ 127, 128 e nota G;
Amaro Cavalcante, nos Trabalhos da Gamara, II, p. 176; Sa-
LEiXLEs, De Vobligation, ns. 28, 29 e 38-41; Planiol, Traité, II,
ns. 271-276; Windschetd, Panei., 11, §§ 276 e 345; Dernburg,
Panã., II, §§ 40 e 43; Kohler, Lehrbuch, II, § 94; Endemann,
Lehrbuch, I §§ 137 e 139; Mommsen, Die Lehre von der Mora;
Souto, La mora dei creditore, caps. I e II; Chiront, Colpa con-
trattuale, ns. 322-341; Calvino, Lexicon juridièum, vb. Mora;-
Girard, Droit romain, paginas 648-649; Colmo, Obligaciones, ns.
90 e segs.; Sanchez Roman, Derecho civil, IV, p. 300 e segs.;
J. X. Carvalho de Mendonça, Direito commercial, VI, pri-
meira parte, ns. 411 e segs.; R. Salvat, op. cit., ns. 85 e segs.

Observações — 1. — Móra ê o retardamento na execução


da obrigação. Se por culpa do devedor, a móra se diz solvendi;
se por acto do credor, se denomina accipienãi.
Não é somente a consideração do tempo que entra no con-
ceito da móra. Subjectivamente, ella presuppões culpa do de-
vedor, ou é uma das fôrmas da culpa, porquanto ha violação de
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 109
um dever preexistente. Objectivamente, isto é, com respeito ao
cumprimento da obrigação, ha que attender, ainda, ao logar e á
torma de execução. Incorre em mora o devedor que não ef-
tectua o pagamento no tempo, ou o não realiza no logar estabe-
lecido; ou, ainda não cumpre a prestação pelo modo, a que está
o ligado. Da mesma forma, se o credor se recusa a receber o
pagamento no logar indicado no titulo da obrigação, pretendendo
que esta se execute em outro, ou se exige o pagamento por forma
mfferente da estatuída, incorrerá em móra, ainda quando se
ponha de lado a circumstancia do tempo, que, aliás, é essen-
cial ao conceito da móra.
Tal é o conceito que resulta do art. 955 do Codigo Civil.
2. são presüppostos * da móra ãeMtoris: existência de
divida positiva e liquida; vencimento delia; inexecução culposa*
e interpellação judicial, ou extra-judicial, quando a divida não
e a termo. Por divida positiva entenda-s^ obrigação certa.

liqtiZ0'^PreSUPPÕe:
e liquida,
a exist en
que o devedor esteja preparado. para
cia daeffectuar
divida positiva
o paga-
mento; e que se offerece para effectual-o. O' elemento da culpa
C 0nCe 0 m6ra 110
men rdaoff
e, da offerta
, regular
" do pagamento seguida
^ "-esulta,
da recusa,
exclusiva-
• • Em nosso direito, é ociosa a questão de saber se para
a mora do credor é necessária a offerta do devedor.
Nas palavras — o credor não o quizer receber (o paga-
mento) es tá o presupposto da offerta. Veja-se, entretanto em
acirro, La mora dei ereditore, ps. 19 e seguintes, a discussão da
matéria, segundo a doutrina dos escriptores.

. . 956 — Responde o devedor pelos pre-


Ruzos, a que a sua móra der causa (atr. 1.058) .
1 aragraplio único. Se a prestação, por cau-
sa, da móra, se tornar intitil ao credor, este po-
derá engeital-a, e exigir satisfação das perdas
e damnos.

Direito anterior — O principio do artigo contém semelhante


o que se acha consolidado no art. 876 do Direito civil de Car-
los de Carvalho. Não havia disposição correspondente ao pa-
r
agrapho único.
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 286
110 CODIGO CIVIL

Vejam-se, também, quanto ao principio do artigo: argentino,


art. 508; quanto ao paragraplio: suisso, das obrigações, 193,
2.a ai. Compare-se, ainda, com o francez, art. 1.146; italiano,
1.225; hespanhol, 1.101; portuguez, 711; boliviano, 739; vene-
zuelano, 1.291; peruano, 1.256.
Projectos — Beviláqua, art. 1.191; Revisto, 1.105. No pri-
meiro destes Projectos, o dispositivo fazia parte do capitudo re-
ferente ás conseqüências da inexecução das obrigações.
Blbliograplüa — Direito das obrigações, § 53; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigrações, I, ns. 265 e 266; Espinola,
Systema, II, ps. 476-480; LacIsrda, Obrigações, § 41; Salkilles,
De Vobligation, ns. 3b-33; Aubrv et Eiau, Cours, IV, § 308:
Winpscheid, Panã., II, § 280; Mojimsen, Lehre von der mora,
§§ 19 e sgs.; Dernburg, Pand., II, § 41; Endkmann, Lehrbuch,
I, § 138; Gode civil allemand, Publié par le Comitê de lég etr.,
ao art. 286; Coelho da Ro;ha, Inst., § 127.

Observações — 1. — Da móra solvendi resultam os effeitos


seguintes: responsabilidade pelos prejuízos, que o credor soffrer
com a tardança (art. 956, pr.); por se tornar inútil a prestação
(art. 956, paragrapho único); e pela impossibilidade da prestação
(art. 957).
Examinemos o primeiro caso. A móra do devedor é um
caso especial da inexecução. E' a inexecução no tempo deter-
minado, para o cumprimento da obrigação. Consequentemente,
ainda que, em seguida, a obrigação fosse cumprida, o retarda-
mento produziu damnos ao devedor. Esses damnos serão resar-
cidos, i segundo os prece-itos estabelecidos nos arts. 1.059-1.061.
2. — Para regeitar a prestação, deve provar o credor que
se lhe tornou inútil. Realmente pode a prestação ser de tal
ordem-que sim ente no momento estipulado convenha ao credor;
mas a prova dessa inutilidade deve ser feita por elle. Ser-lhe-á
dispensada qualquer prova, se do titulo da obrigação resultar
que ella deve ser cumprida, necessariamente, no dia marcado,
sob pena de ser rejeitada a prestação.

Art. 957 — O devedor em móra responde


pela impossibilidade da prestação, embora essa
impossibilidade resulte de caso fortuito, ou for-
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 111

ça maior, se estes oecorrerem durante o atrazo;


salvo se provar insenção de culpa ou que o damno
sobreviria, ainda quando a obrigação fosse op-
portunamente desempenhada (artigo 1.058).

Direito anterior — Não havia direito expresso, mas a dou-


trina era no sentido do artigo.
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 287;
autriaco, 965; suisso, das obrigações, 103. Vejam-se, ainda:
francez, 1.139, 1.145 e 1.302; italiano, 1.247 e 1.298; venezuelano,
1.314; peruano, 1.256.
Projectos — Beviláqua art. 1.192; Revisto, 1.106, que des-
locou o dispositivo do capitulo consagrado á inexecução.
Bibliographia — A do artigo anterior.

Observação — Se a prestação se tornar impossível, responde


o devedor em mora por perdas e damnos. E' a isso que a technica
jurídica denomina perpetuar a obrigação. Ohligatio per moram
ãebitoris perpetua fit (D. 22, 1, fr. 24, § 2.°). Quer dizer que,,
verificada a impossibilidade, depois da mora, o devedor não lica
exonerado, independentemente de culpa. Todos os riscos são por
conta do devedor em móra.
Entretanto, como a responsabilidade procede, precisamente,
da culpa, da qual a móra é uma das formas, o Codigo permitte
que o devedor seja ouvido para -provar que nenhuma responsa-
bilidade se lhe pode imputar, quanto á móra. Se não lhe cabe
culpa de móra, e a impossibilidade da prestação resulta de caso
fortuito ou força maior, a obrigação se resolve para. ambas as
partes. Egualmente se puder provar que o damno occoireiia,
ainda quando a obrigação fosse executada opportunamente, não
responderá por elle.
São duas attenuações ao rigor do principio, introduzidas pela
equidade. A primeira estatue que somente a móra culposa faz
o devedor responsável pela impossibilidade da prestação. A
segunda não permitte que o credor exija satisfação- poi damno
extranho á móra, por damno que, se sobreveio depois da mói a,
sobreviria, necessariamente, ainda quando não houvesse mora.
112 CODIGO CIVIL

Art. 958 — A mora do credor stibtrae o de-


vedor isento de dólo á responsabilidade pela con-
servação da coisa, obriga o cerdor a resarcir as
despesas empregadas em conserval-a, e sujeita-o
a recebel-a pela sua mais alta estimação, se o seu
valor oscilar entre o tempo do contracto e o do
pagamento.

Direito anterior — A lei não punha em relevo as conse-


qüências da móra do credor.
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, arts. 300 304.
Veja-se, também, o suisso das obrigações, arts. 92-95. Este
ultimo artigo completa a theoria da móra do credor, que fôra
considerada lacunosa no Codigo de 1881. Bis o seu dispositivo:
"Quando o objecto da obrigação não consiste na entrega de uma
coisa, o devedor pode, se o credor está em móra, rescindir o con-
tracto, na ocnformidade das disposições, que regem a móra do
devedor".
Para o direito romano: D. 22, fr. 1, fr. 17, § 3.°; 46, 3, fr. 72,
pr.; Cod., 4, 32, I. 2.
Projectos — Este artigo é da iniciativa da commissão do
"Governo: Aotas p. 220; Projecto revisto, art. 1.107.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 53; M. I. Cak-
valho de Mendonça, Obrigações, I, n. 266; Espinola, Systema,
II, ps. 491-494; Lacerda, Obrigações, § 41; Coelho da Rocha,
Inst., § 127; Saleilles, De Vobligation, ns. 42-46; Endemann,
Lehrbuch, I, § 140; Windscheid, Panã., II, § 346; Mommsen,
Lehre von der mora, §§ 30-33. Dernburg, Panã., .11, § 43; Code
Civil allemanã, publié par le Comitê de lég., étr., I, aos artigos
300-304; Rossel, Droit civil suisse, III, ps. 123-126; Scuto, La
■mora dei creditore, cai>. III; J. X. Carvalho de Mendonça, Di-
reito commercial, VI, primeira parte, ns. 420 e 421; R. Salvat,
op. cit., ns. 111 e segs.

Observações — 1. — Este artigo reproduz um trecho de


Lacerda, Obrigações, § 41, alterando a' referencia apenas á es-
timação, que o Codigo diz a mais alta, por acertada correcção
do Senador Ruy Barbosa.
2. — A móra do credor é o retardamento no recebimento
da prestação, como preceitúa o art. 955. Delia resultam, os se-
guintes effeitos. ' .
nOS EFFEITOS DAS ORRIGAÇÔES 113

1.° O devedor não responde pelos riscos da coisa, desde a


mora, se da sua parte não ha dólo.
2." As despesas, que o devedor fizer com a conservação da
coisa, correm por conta do credor, que as tem de resarcir. O
direito prussiano e o saxonio, antes da unificação trazida pelo
Codigo Civil allemão, eram mais rigorosos; obrigavam o credor
moroso pelos damnos acontecidos ao devedor, em conseqüência
ou por occasiâo da móra. Mas o Codigo Civil brasileiro, seguindo
doutrina do allemão, obriga-o, somente, a i pagar as despesas de
conservação, porque não associa á vióra accipiendi a idéa de
culpa. Se occorrer algum damno ao devedor, depois da móra do
credor, este não responderá por elle, se lhe não tiver dado
causa por acto seu.
3.° Se o valor do objecto da prestação oscillar entre o tempo
do contracto e o do pagamento, o devedor poderá escolher a mais
alta estimação.
4.° O devedor pode desobrigar-se, consignando o pagamento
(arts. 972 e segs).
3. — O Codigo Civil brasileiro refere-se á attenuação da res-
ponsabilidade do devedor, declarando que elle, somente responde
por seu dólo, após a móra do credor; mas não fala na cessação
dos juros, como faz o allemão, art. 301. Se a divida é productiva
de juros, cessam estes, desde a móra do credor. Todavia é tão ra-
cional esta isenção de juros durante a móra do credor que po-
demos concideral-a incorporada ao nosso direito, independente-
mente de disposição expressa. B' certo que, em relação a este
ponto, a opinião dos doutos é divergente. Assim é que Wind-
scheid {Panei., II, § 346, nota 7) acha que elles são devidos,
como fruetos da coisa, porque o devedor goza do capital. Mom-
msen, porém frisa, a differença entre os fruetos propriamente
ditos e os juros do capital, e faz sentir que não se devem co-
brar juros de uma quantia, que o devedor devia conservar á
disposição do credor, para entregar a qualquer momento. Aliás,
havendo consignação, cessam os juros (art. 796).
Veja-se em Scüto, op. cit., cap. III, § 2.°, o resumo das opi-
niões divergentes. Aliás, este autor entende que,, em direito ro-
mano, a cessação dos juros decorria do deposito e não da simples
móra, o que me parece contestável. V. o D. 22, 1, fr. 17, § 3.°.

Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol.


114 coorço civil

Art. 959 — Purga-se a móra:


I. Por parte do devedor, offerecendo este a
prestação, mais a importância dos prejuizos de-
correntes até o dia da offerta.
II. Por parte do credor, offerecendo-se este
a receber o pagamento, e sujeitando-se aos effei-
tos da móra até a mesma data.
III. Por parte de ambos, renunciando
aquelle que se julgar x)or ella prejudicado os di-
reitos, que da mesma lhe provierem.

Direito anterior — O n. I contém norma existente no direito


positivo anterior (Ord., 4, 39, § 2.° Cablos de Carvalho, Direito
civil, art. 878). Os outros dois números são desdobramentos da
doutrina, que a lei anterior desconhecia, salvo o subsidio do di
reito romano.
Legislação comparada — Nenhuma disposição sobre a emen-
da da móra, nos Codigos systematicamente confrontados neste li-
vro. Para o direito romano: D. 45, 1, frs. 73, § 2.°; 91, § 3.°; 18, 6,
fr. 17; 46, 3, frs. 72, §§ 1.° e 2.°.
Projectos — E' iniciativa da Commissão do Governo este
artigo que reproduz um trecho das Obrigações de Lacerda, § 41.
Projecto revisto, art. 1.108.
Bibliographla — M. I. Carvalho de Mendonça, Obrigações,
I, n. 267; Lacerda, Obrigações, § 41; João Monteiro, Applicações
do direito, XXXI; Windscheid, Pand, II, §§ 81 e 345; Mommsen,
Lehre von der mora, §§ 33-36; Deenburg, Pand., II, § 42; Ende-
mann, Lehrbuch, §§ 137, II, e 139, 5; Calvino, Lexicon juri-
dicum, vb. Purgare; J. X. Carvalho de Mendonça, Direito com'
mercial, VI, primeira parte, ns. 422-4231.

Observações — 1. — O direito romano antigo 'desconhecia


a emenda da móra ipurgatio vel emenãatio morae), que é uma
attenuação ao principio rigoroso da perpetuação da divida em
conseqüência da móra. Foi Celso que a introduziu, com funda-
mento da equidade. Gelsus adulescens scribit eum qui moram
fecit in solvendo Sticho quem promiserat, posse emendare eam
moram postea offerenão: esse ènim hanc quaestionem de bono
et aequo: in quo genere plerumque sub auctoritae júris scientiae
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 115

perniciose, iniquit, erratur. Paulo, que nos dá esta informação


(D. 45, 1, fr. 91, § 3.°), considera a doutrina plausível (sane
prodabilis Jiaec sententia est), e accrescenta que ella foi acceita
por Juxiano.
A doutrina, acceitando o principio, desenvolveu-o e applicou-o,
em seguida, á mora do credor, nos termos estabelecidos no an-
tigo 959 do Codigo Civil.
2. — Sendo um preceito de equidade a excusa da móra, pode
ser admittida em qualquer tempo opportuno, sem que com isso
se faça damno á outra parte. Ainda que esteja iniciada a acção
contra o devedor pôde este purgar a móra, isto é, pode ser rece-
bido a prestar o que lhe cumpria e mais os prejuízos que a móra
tiver causado. Dehitor moram purgare dicitur cum interpellaUir
aliquanão dare noluit postea tamen debitum offert, diz Calvino.
E' o que ensinam WiNDseHKin e Mommsen.

Art. 960 — O inadimplemento da obrigação,


positiva e liquida, no seu termo, constitue, de
pleno direito, em móra o devedor.
Não havendo prazo assignado, começa ella
desde a interpellação, notificação ou protesto.

Direito anterior — O Codigo Commercial (arts. 138 e 205)


exige a interpellação judicial, ainda quando ha prazo estipulado
para o cumprimento da obrigação. A Ord. 4, 50, § 1.°, estabelecia,
porém, quanto ao mutuo, a regra formulada no art.i960. A dou-
trina e a jurisprudência eram vacillantes. V. Carlos de Carva-
lho, Direito civil, art. 875.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, arts. 1.139
e 1.246; italiano, 1.223; allemão, 284; portuguez, 711; austríaco,
1.334; suisso, das obrigações, 102; venezuelano, 1.289; mexicano,
2.104, I e II.
Para o direito romano: D. 22, 1, fr. 32, initio; 50, 17 fr. 88.
Pròjectos — Esboço, art. 1.071; Coelho Rodrigues, 1.127;
Bevüaqua, 1.101; Revisto, 1.109. #
Bibliographia — Direito das obrigações, % 53; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, ns. 260-262, Espinola, 8ys-
tema, II, ps. 462-465; Lacerda, Obrigações, § 41; Coelho da Ro-
cha, Inst., § 128 e nota G.; Alves Moreira, Inst., II, 39;
Saleilles, De Vobligation, n. 28; Planiol, Traité, I, ns. 275 e
116 CODIGO CIVIL

276; Huc, Commentaire, VII ns. 116-120. Potiiier, Obrigações,


I. n. 114; Aubby et Rau, Cours, IV, § S^OS; Winosciieid, Panã.,
II, ns. 278 e 279; Debnbubg, Panei., II, § 40; Mommsen, Lehre
von der mora, §§ 5.0-7.0; Bndemann, Lehrbuch, l, § 137; Koiileb.
Lehrbuch, II, §• 94; Goãe Civil allemand, publié .par le Comitê
de lég. étr., ao art. 284; Gibard, Droit romain, p. 648; J. X.
Carvalho de Mendonça, Direito commercial, VI, primeira parte,
ns. 424-429.

Observações — 1. — O Codigo Civil estabelece, como regra,


que a estipulação do prazo para o vencimento da obrigação dis-
pensa qualquer acto do ci-edor para constituir o devedor em
móra. E' o que se denomina mora ex re, por applicação da regra
dies interpellat pro Jiomine.
Parece certo que essa regra lião exprime com exactidão a
doutrina romana da móra, como faz sentir Gibard, mas é um
preceito racional; e dessa qualidade lhe veio a fortuna. Se o de-
vedor acceitou um prazo para o cumprimento da obrigação, sabe
que no dia do termo tem de cumpril-a, e não é necessário que
lhe vá advertir o credor de que é chegado o momento de se
desobrigar.
E', porém, preciso que a divida seja positiva e liquida. Posi-
tiva quer dizer de dar ou de fazer. Êxclua-se a obrigação de não
fazer, de que se occupa o art. 961. Liquida é a obrigação certa,
cuja prestação é de coisa determinada. Ex ipsa pronunciatone
apparet quid, quale, quantum sit (D. 45, 1, fr. 74).
2. — Não havendo estipulação de prazo para o vencimento,
a móra começa com a interpellação, notificação ou protesto. E'
a móra ex persona. Mora fieri intelligitur non ex re, seã persona
iã est. si interpellatus opportuno loco non solverit, diz Mar-
ciano (D. 22, 1, fr. 32, pr.). Interpellação, segundo define o Co-
digo Civil portuguez, art. 711, § 1.°, é "o acto da intimação que o
credor faz ou manda fazer áquelle que está sujeito.-á obrigação,
para que a cumpra".
A interpellação pôde ser judicial, que resulta, ordinariamente,
da citação, ou extrajudicial. A interpellação extrajudicial não
tem fôrma solemne. Resulta de qualquer acto que torne certa a
exigência do pagamento por parte do credor, desde que seja feita
no tempo e no logar devidos, e possa ser provada. O convite an-
tecipado para o pagamento não produz móra, porque esta presup-
põe obrigação vencida, e, dá parte do credor direito de reclamar
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 117

o pagamento. Se a divida não é liquida, o devedor não se con-


sidera em móra.
O Esboço e o Projecto primitivo exigiam que a interpellação
fosse, sempre, judicial.
Pôde a interpellação ser feita pelo representante legal ou
convencional do credor, mas não pelo gestor de negocios (Dern-
bukg, § 40, 2).
3. — O Codigo, além da interpellação, considera a notifica-
ção e o protesto, como actos constitutivos da móra solventi. O
protesto não cria nem tira direito, mas, com a constituição da
móra, não ha direito novo para o credor, ha, simplesmente, a
positivação de um facto, que é a exigência do pagamento, no tem-
po e no logar devidos. O protesto prova esse facto.
'•Notificação, define João%Mendes, é a scientificação de um
preceito, para a pratica ou não pratica de um acto" {Curso de
direito judiciário, 1910, p. 254).
Por ella fica o devedor inteirado de que lhe é exigido o pa-
gamento .

Art. 961 — Nas obrigações negativas, o de-


vedor fica constituido em móra, desde o dia em
que executar o acto de que se devia abster.
i
Direito anterior -— Silencioso.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.145;
italiano, 1.221; porfuguez, 7J.3.
Projectos — Esboço, art. 1.072; Coelho Rodrigues, 1.218:
Beviláqua, 1.102; Revisto, 1.110.

Observação — Nas obrigações negativas, non faciendi, a


móra confunde-se com a inexecução. E' certo que, em qualquei
hypothese, não cumpre a obrigação o devedor, que a não satisfaz
no tempo marcado, ou quando o credor com direito lhe exige o
pagamento. Mas, sendo a obrigação de dar ou de fazer, é sempre
possivel distinguir o facto do hão cumprimento, da circumstan-
cia do tempo, em que a obrigação não foi cumprida, devendo sel-o.
Por isso, se não ha estipulação de prazo, é necessário-que o cre-
dor exija o pagamento, interpelle o devedor. Na obrigação ne-
gativa não ha interpellação. Praticado o acto de que o devedor
118 C0D1G0 CIVIL

se devia abster, já foi a obrigação infringida, e, desde esse mo-


mento, decorrem os effeitos da móra: a responsabilidade por
perdas e damnos.

Art. 962 — Nas obrigações provenientes de


delicto, considera-se o devedor em móra, desde
que o perpetrou.

Direito anterior — Não havia lei a respeito, mas o subsidio


do direito romano e da doutrina snppria essa lacuna.
legislação comparada — Não se encontram disposições se-
melhantes nos Codigos modernos citados neste livro. Para o
direito romano, vejam-se: D. 13, 1, fr. 8, 1.°, e Cod., 4, I. 7.
Projectos — Esboço, art. 1.073; Beviláqua, 1.103; Revisto,
1.111.
Bibliograpbia — M. I. Carvalho de Mendonça, Obrigações,
I, n. 258; Espinola, Systema, II, p. 469; Lacerda, Obrigações
§ 41, nota 3; Huo, Commentaire, VII n. 120; Coelho da Rocha,
Inst, § 128.

Observação — Nas obrigações provenientes de delicto, a


móra resulta de determinação da lei. Desde o momento em que
o acto delictuoso é commettido, os riscos da coisa devida correm
por conta do devedor. Semper enim moram fur facere videtur.

Art. 963 — Não havendo facto ou omissão


imputavel ao devedor, não incorre este em móra.

Direito anterior •— Semelhante, Carlos pe Carvalho, Direito


civil, arts. 877 e 1.001, § 4.
Legislação comparada — Código Civil allemão, art. 285.
Vejam-se, também, os Codigos seguintes: snisso, das obrigações,
artigo 103; francez, 1.147; italiano, 1.125; portuguez, 705; íies-
panhol 1.101; venezuelano, 1.291.
Para o direito romano: D. 45, 1, fr. 91, § 3.°.
Projectos — Beviláqua, art. 1.104; Revisto, 1.112.
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 113

Bibliographia -—• A do art. 955, e, em. particular: M. I. Car-


valho de Mendonça, Obrigações, I, n. 259; Laòerda, Obrigações,
§ 41; Planiol, Traité, II, n. 271; Saleilles, De Vobligation, n.
29; Winsdscheid, Panã., I, § 277; Gikard, Droit roviain, p. 649;
Chikonx, Culpa, § 325.

Observação -— A culpa é elemento conceituai da móra sol-


venãi que é um retardamento imputavel ao devedor, segundo a
melhor doutrina. Est enin móra, dizia Donellus, species ejus
culpae, per quem fit quo minus debítur praestet, quain ãebuit,
quavi culpam reteres 'ãefiniunt perpetuare obligatione. Se o
retardamento fôr determinado por caso fortuito ou força maior,
não ha móra no sentido technico da expressão.

SECQÃO YII

Do pagamento indevido

Art. 964 — Todo aquelle que recebeu o que


Ibe não era devido, fica obrigado a restituir.
A mesma obrigação incumbe ao que recebe
divida condicional, antes de cumprida a con-
dição .

Direito anterior — Sobre a matéria desta secção, o direito


positivo anterior era muito lacunoso. Carlos de Carvalho, Di-
reito civil, consolidou, apenas, os preceitos dos seus arts. 62,
§ 14, ç 911. Completavam-no a doutrina, o direito .romano e as
legislações estranhas.
Legislação comparada — Inst., 3, 27, § 6.° D. 12, 6, fr. 66,
12, 7, fr. 3; 25, 2, fr. 26; 50, 17, fr. 206: jure naturae equum est,
neminem cum altérius detrimento et injuria fieri locuj)letiorem,
Codigo Civil francez, arts. 1.235 e 1.376 italiano, 1.145 e 1.237;
allemão, 812; austríaco, 1.431 e 1.435; hespanhol, 1.895; suisso.
das obrigações, 62; portuguez, 758, pr.; argentino, 784 e /90,
n. I.0; boliviano, 960 e 961; peruano, 2.119, uruguayo, 1.312;
venezuelano, 1.211; japonez, 703 e 704.
Projectos — Esboço, arts. 1.029-1.030 e 3.481; Coelho Ro-
drigues, 512 e 1.190; Beviláqua, 1.113.
120 CODXüO CIVIL

Bibliographla — Direito das obrigações, § 41; M. I. Car-


valho de Mendonça, Obrigações, 1, ns. 268 e, segs.; Coelho da
Rocha, Inst., § 157; S. Vampké, Manual, II, § 151; Alves Mo-
reira, Inst., II, n. 73; Saleilles, De Vobligation, ns. 340 e segs.
Planiol, Traité, II, ns. 870 e segs.; Huc, Commentaire, VIII,
ns. 387 e segs. Girard, Droit romain, ps. 610 e segs.; Bonjean,
Institutes, II, ns. 2.972 e segs.; Laurent, Cours, III, ns. 337
e segs.; Zachariae, Droit civil français, III, § 623; Aubry et
Rau, Cours, VI, § 442; Endemann, Lehrbuçh, I, § 198; Dernbuiui,
Pand., II, §§ 138-143; Windscheid, Panã., II, §§ 421-429; Amaro
Calvacanti, Parecer, nos Trabalhos da Gamara, II, ps. 176-177;
Rossel, Droit civil suisse, III, ps. 100 e segs.; Fubini, La ãot-
trina dei errore, ns. 206 e segs.; CoLmo, Obligaciones, ns.
686 e segs.; Jorge Americano, Ensaio sobre o enriquecimento sem
causa; R. Salvat, op. clt., ns. 1.534 e segs.

Observações — 1. — O imgamento indevido é uma das fôr-


mas do enriquecimento illegitimo, contra o qual o direito ro-
mano armava o prejudicado de acções stricti júris, denominadas
conãictiones sine causa. Entre essas conãictiones havia a con-
dictio indebiti, o direito de exigir o que se pagasse indevida-
mente. Delia se occupa o Codigo Civil nesta secção.
O /systema seguido pelo Codigo Civil brasileiro é o mesmo
adoptado pelo austríaco, que trata do pagamento de uma divida
inexistente {Zahlung einer Nichtshuld), ao desenvolver a ma-
téria do pagamento das obrigações. O argentino e o portuguez
seguiram tâmbem esse methodo, que parece o mais razoavel para
as codificações como procurei mostrar no meu Direito das obri-
gações, § 41 e vejo confirmado na excellente monographia de
Jorge Americano, acima citada.
O Codigo Civil francez, o italiano, o hespanhol, o chileno, o
boliviano, o venezuelano e o japonez regulam a especie, entre os
quasi contractos. O suisso das obrigações destaca o inriqueci-
mento illicito entre as causas geradoras das obrigações, o al-
lemão considera-o relação de direito.
O Çodigo Civil Brasileiro não conhece uma doutrina dos
quasi contractos, nem considerou o enriquecimento illicito como
figura especial de obrigação, ou como causa geradora de obri-
gação, porque as suas diversas especies não se subordinam a
um principio unificador, segundo reconhece Endemann. Cada
uma das fôrmas por elle apresentada apparecerá em seu logar.
DOS EFFEITOS DAS OBE1GAÇÕES 121

O que retem o preço da coisa alheia, que vendeu, commette um


acto illicito, pelo qual tem de responder. O que recebe uma
doação com encargo e não cumpre, ou a recebe para um casa-
mento, que se não realiza, ou celebra um contracto para um
determinado fim, que se não verifica, restitue o objecto ou Ibe
paga o valor em conseqüência da condição resolutiva tacita, a
que estão subordinadas essas relãções de .direito. Não estão sem
providencia no Codigo, esses casos, como não estão todos os
outros possíveis. v
2. — Pagamento indevido é o que se faz sem uma obrigação,
que o justifique, ou porque o solvens se ache em erro, suppondo
estar obrigado, ou porque, tenha sido coagido a pagar o que não
devia. No primeiro caso, o erro é vicio, que torna annulavel o
acto jurídico do pagamento, e, annullado este, o accipiens res-
titue o que recebeu. No segundo, a falta de causa para o paga-
mento, cria para o accipiens a obrigação de restituir. Havendo
uma obrigação, embora não exigivel, como a que já prescreveu
e aquella cujo prazo ainda não se acha vencido, o pagamento
não se restitue. Nesses casos, não ha erro quanto á obrigação:
ella existe. Quanto a obrigação é condicional, antes do pre-
enchimento da condiçãe o vinculo se não estabelece, não ha obri
gação pôde se não realizar, e o pagamento antecipado resul-
taria sem causa.
Ha, pois, grande differença entre o prazo e a condição. O
prazo suppôe a obrigação já existente, apenas o seu cumprimento
é demorado por algum tempo, ordinariamente, em beneficio do
devedor. Se este cumpre a obrigação antes do termo, cumpre
uma obrigação existente, e suppõe-se que renunciou o beneficio
do prazo.
A obrigação condicional, porém, ainda não existe. Cumpiil-a
é dar o que não é devido.
3 — Ha, também, erro no pagamento e, consequentemente,
obrigação de restituir: 1.°; Quando na obrigação de dai coisa
certa, o devedor deu uma coisa por outra; 2.°; Quando a obii-
gação for divisivel, e o devedor pagar, por inteiro, a sua pai te e
a dos outros devedores conjunctos, sem solidariedade; 3.°, Quando
pagar o que já havia pago; 4.°; Quando cumprir obiigação nulla,
5.°; Quando pagar aquillo que não pertencia a quem lh'o alienou.

Art. 965 — Ao que voluntariamente pagou


o indevido incumbe a prova de tel-o feito por
erro.
122 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada, — D. 12, 6, fr. 1, § 1.°; Codigo Civil
hespànhol, art. 1.900; chileno, 2.298; suisso, das obrigações, 63.
Projectos — Beviláqua, art. 1.106; Revisto, 1.114.

Observações — 1. — O Codigo Civil conserva-se fiel á dou-


trina romana. E' o erro no pagamento a razão de ser da repetição
do que, voluntariamente, o devedor pagou, sem ser obrigado.
Nao quer dizer com isso que não haja um enriquecimento illi-
cito, nem que a falta de causa ou de fundamento da obrigação
seja insufficiente para justificar a repetição. O que se affirma é
que o erro tornando annullavel o pagamento, obriga o accipiens
a restituir. Si quis indeMtum ignorans solvit, per hanc actio-
nem repetere potest (D. 12, 6, fr. 1, § 1.°),
Mas o solvens deve provar o seu erro. Se pagou, voluntaria-
mente, o que sabia não dever, entende-se que faz uma liberali-
dade. Si sciens se non defere solvit, cessai repetitio. O direito
allemão e alguns escriptores modernos (Huc, Saleilles, Fubini)
sustentam que em tal caso, não se deve presuppôr intenção de
dar e, sim a existência de uma causa, que o solvente tinha in-
teresse em dissimular. Mas, se, realmente, ha uma causa licita,
isto é, se o solvens tinha, de facto, obrigação de pagar, não ha-
verá pagamento indevido.
2. — Se o pagamento não é voluntário, se o solvens pagou,
em conseqüência de uma condemnação judiciaria, o que não devia,
o seu recurso não é a condictio inã'el>itit mas a annullação da
sentença pelos meios legaes (Reg. n. 737, de 1850, art. 681).
Quando alguém paga, em virtude de intimação, imposto ille-
galmente creado ou inconstitucional, tem direito de pedir a resti-
tuição (Octavio Kelly, Jurisprudência federal, ns. 1.108 e segs.).
Neste caso, não ha erro do solvens, que pôde estar convencido de
que paga o que não deve; mas nem se lhe applica a presumpção
de que fez liberalidade, nem se pôde suppôr que dissimulou a
obrigação executada. A razão, pela qual aquelles que pagam im-
postos illegaes têm direito á restituição, é que tal imposto não
tem existência jurídica, e, consequentemente, o particular soffreu
uma extorsão. E' o acto illicito do Poder Publico que autoriza a
repetição.
DOS EFFKITOS DAS OBKIOAÇÕES 123

Art. 966 — Aos fructos, accessões, bemfei-


torias e deteriorações sobrevindas á coisa dada
em pagamento indevido, applica-se o disposto
nos arts. 510-519.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — D. 12, 6, frs. 7, 15, 26, § 2."; 65,
§ 5.°; 13, 1, fr. 8, § 2.'; Cod., 4, 5, I. 1, in fine; Codigo Civil
francez, arts. 1.378-1.381; italiano, 1.147 a 1.149; Iiespanhol,
1.897; e 1.898; portuguez, 758, § 2."; allemão, 818 e 819; suisso,
das obrigações, 64 e 65; argentino, 786; chileno, 2.300 e 2.301;
boliviano, 962 e 964; venezuelano, 1.213 e 1.216.
Projectos — Coelho Rodrigues, arts. 1.182 e 1.193; líeui-
laqua, 1.107; Revisto, 1.115.

Observação — O accipiente pode estar de .boa fé ou não.


No primeiro caso, quando o solvens reclamar a restituição, o
credor putativo será tratado como possuidor de bôa fé, com di
reito aos fructos e sem responsabilidade pelas deteriorações. No
segundo caso, responderá pelos fructos e pelas deteriorações,
desde o dia do recebimento. listando de bôa fé, tem direito de
reclamar indemnização pelas bemfeitorias necessárias e úteis, e
de levantar as voluptuarias. Estando de má fé, apenas terá di-
reito de ser resarcido pelás bemfeitorias necessárias.
Vejam-se os arts. 510 a 519, para maiores particularidades.
Tratando-se de somma de dinheiro, o accipiens, de má fé,
responde pelos juros.

Art. 967 — Se aquelle que, indevidamente,


recebeu um immovel o tiver alienado, deve assis-
tir o proprietário na réctdficação do registro,
nos termos do art. 860.

Direito anterior — Silencioso.


Legislação comparada — Sem correspondência.
Projectos — Beviláqua, art. 1.108; Rçvisto, 1.116.
124 OODIGO CIVIL

Observação — Prevê este artigo o caso, em que o solvente


reivindica o inimovel, nos termos do art. 968, paragrapho unico,
e obriga o accipiente a assistil-o na rectificação do registro.

Art. 968 — Se aquelle que, indevidamente,


recebeu um immovel, o tiver alienado em boa fé,
por titulo oneroso, responde, somente, pelo preço
recebido; mas se obrou de má fé, além do valor
do immovel, responde por todas as perdas e
damnos.
Paragrapho unico. Se o immovel se alheou
por titulo gratuito, ou se, alheando-se por titulo
oneroso, obrou de má fé o terceiro adquirente,
cabe ao que pagou por erro o direito de reivin-
dicação .

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano; mas


a doutrina era vacillante.
Legislação comparada — Confronte-se com o Codigo Civil
francez, art. 1.380; italiano, 1.149; portuguez, 758, § 1.°; hes-
panhol, 1.897 e 1.898; chileno, 2.302 e 2.303; argentino, 787 e.
788; boliviano, 964; venezuelano, 1.215.
Differente: Codigo Civil argentino, art. 787.
Para o direito romano; D. 12, 6, fr. 26, § 12.
Projectos — Este artigo é devido á Commissão da Gamara,
sob proposta do Sr. Amaro Cavalcanti, modificada pelo Sr. An-
drade Figueira (Trabalhos, VI, p. 343). Veja-se, também, o
Esboçoa+sirt. 3.488.

Observação — A doutrina do Codigo Civil brasileiro, neste


artigo, não me parece a mais justa. No meu Direito das obri-
gações, § 41, p. 159, da segunda edição, escrevi; "Havendo o
accipiente, de bôa fé, alienado o immovel, que lhe foi dado em
pagamento indevido, terá o solvente direito de reivindical-o do
poder de quem quer que o detenha. E' uma conseqüência rigorosa
dos princípios, porque a propriedade se não extinguiu com o es-
tabelecimento da obrigação putativa. Se o apoio do direito ro-
DOS EFFETTOS DAS OBRIGAÇÕES 125

mano não é franco a este modo de decidir, é somente porque


recorria elle a uma desnecessária ficção, suppondo que o credor
putativo adquiria a propriedade pela tradição errônea, embora
se tornasse devedor do recebido". Esta doutrina apoiava-se nas
autoridades do Codigo Civil argentino, do seu eminente codifica-
dor, Vklkz Saksfield, de Duranton, Gours de ãroit civil français,
XIII, n. 683, e Marcadé, no commentario ao Codigo Civil francez,
arts. 1.378 e seguintes. João Luiz Alves approva-a, perante os
princípios (annotaçâo ao art. 968). Mas a Gamara seguiu rumo
diverso, aliás, de acordo com outros civilistas.
Assim, para o direito civil pátrio em vigor, o solvente só
tem direito de reivindicar o immovel, se ainda se acha em, poder
do accipienté; se este o alienou gratuitamente; ou se, o tendo
alienado, a titulo oneroso, o terceiro adquirente estava de má fé.
V. Aubby et Rau, Gours, VI, § 442, 4.°.

Art. 969 —.Pica isento de restitiiir paga-


mento indevido aqnelle que, recebendo-o por
conta de divida verdadeira, inntilisou o titulo,
deixou prescrever a acção, ou abriu mão das ga-
rantias, que asseguravam seu direito; mas o que
pagou, dispõe de acção regressiva contra o ver-
dadeiro devedor e seu fiador.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — D. 12, 6, fr. 19, § 1.°; Codigo Civil
francez, art. 1.277, 2.!1 al.; italiano, 1.146, 2.a al.; hespanhol, 1.899;
argentino, 785; chileno, 2.295, 2.a al.; boliviano, 961; venezuela-
no, 1.212, 2.a al.. Dos Codigos citados, somente o espanhol se re-
fere á prescripção, que, entretanto, a doutrina também destaca
entre os casos, em que o accipiente ficará isento de restituir.
Projectos — Esboço, art. 3.483; Coelho Rodrigues, 1,194;
Beviláqua, 1.109; Revisto, 1.117.

Observações — 1. — Aquelle que, de bôa fé, recebe o paga-


mento de uma divida verdadeira, de quem se suppõe devedor,
não tem mais razão para conservar o seu titulo, nem as ga-
rantias do credito. E' justo que a lei o proteja contra o solvens,
126 CODIGO CIVIL

que, reconhecendo o seu engano, venha depois sobre elle com a


sua conãitio indeUti. Pela mesma razão, isto é, por se consi-
derar pago, não mais se preocupa o accipiens com a divida;
seria injusto que, em conseqüência de sua natural inactividade,
após o pagamento, viesse a perder o seu credito, prescripto.
Mas não fica o verdadeiro devedor desobrigado. Contra elle
tem acção regressiva o solvens, para reembolso do que pagou.
É' um terceiro não interessado, que paga a divida em seu proprio
nome (art. 931).
2. — E' digna de nota a evolução do direito no caso, a que ■
se refere este artigo. O Codigo Civil francez faz cessar a Obri-
gação de restituir, somente quando o credor supprime o seu ti-
tulo, em conseqüência do pagamento. O italiano accrescenta á
privação do titulo e das garantias. E o hespanhol, vindo por ul-
timo, toma também em consideração o facto de ter o accipiens
deixando prescrever a sua acção. O Codigo Civil brasileiro tomou
por modelo este ultimo, attenta a manifesta justiça de preceito.
3. — Suppõe a lei que o credor recebeu de bôa fé, não so-
mente por ser, realmente, credor, como .porque não teve con-
sciência do erro do solvens. Estando a accipiens de má fé, não
pôde invocar em seu beneficio a excepção, que ao principio da
restituição abre o art. 969.

Art. 970 — Não se pode repetir o que se


pagou para solver divida prescripta, ou cumprir
obrigação natural.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — D. 12, 6, fr. 19, pr.; Codigo Civil
francez, art. 1.235, 2.a parte; italiano, 1.237, 2.••, parte; allemão,
814, in fine; suisso, das obrigações, 63, 2.a al.; argentino, 971;
chileno, 2.296; boliviano, 826; venezuelano, 1.303, 2." al.
Projectos — Esboço art. 1.031; Coelho Rodrigues, 512;
Beviláqua, 1.110; Revisto, 1.118.

Observações — 1. — A prescripção não extingue o direito,


priva-o somente da acção; por isso o que recebe o pagamento da
divida prescripta não se locupleta com o alheio. Além disso, a
obrigação moral de pagar não desappareceu para o devedor. Em
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 127

consciência, elle se deve considerar tão obrigado como se o tempo


não tivesse amortecido o direito do seu credor.
2. —Denominam-se obrigações naturaes as que não conferem
direito de exigir o seu cumprimento, as desprovidas de acção,
como: as prescriptas, as de jogo e apostas, em geral, as que
consistem no cumprimento de um dever moral. No systema do
Codigo Civil brasileiro, não ha logar para as obrigações naturaes
do direito romano e da doutrina, que o desenvolveu. Assim as
obrigações contrahidas por pessoas civilmente incapazes (o menor,
a mulher casada) e as que provém de actos nullos por vicio da
forma se não consideram naturaes: juridicamente não têm vali-
dade. Se forem ratificadas as primeiras e se as . segundas rece-
berem a forma legal, terão efficacia; se permanecerem no estado
defeituoso, que apresentam, serão annullaveis as primeiras e nul-
las as segundas. Não ha em relação a ellas irretratabilidade de
pagamento.
Sobre este assumpto leiam-se; Direito das obrigações, § 41;
M. I. Carvalho de Mendonça, Obrigações I, ns. 31-34; João.
Monteiro, Processo civil, I, nota 3 no § 19; Rossel, Droit civil
suisse, III, p. 103; Code Civil allemanã, publié par le Comitê
de lég. étr., ao art. 814; Saleiixes,, De Vobligation, nota 2 ao
n. 342; Endemann, Lehrbuch, I, § 99. No sentido do direito
romano: Lacerda de Almeida, Obrigações, §§ 2.° a 4.°; Dernburo,
Pand., II, §§ 4.° e 5.°; Codigo Civil chileno, arts. 1.470-1.472.
O Projecto primitivo, seguindo o exemplo do Codigo suisso
das obrigações e do Civil allemão, substituirá as palavras — obri-
gação natural por dever moral; a Commissão do Governo pre-
feriu dizer obrigação natural, sem definir o conceito dessa fôr-
ma de obrigação. Mas, inquestionavelmente, não pode ella, no
systema do Codigo, ser coisa diversa da que ficou acima indicada.
Para evitar confusões, seria preferível não ter alterado um
modo de dizer, que estava mais de accôrdo com o pensamento
da lei.

Art. 971 —'Não terá direito á repetição


aqnelle que deu alguma coisa para' obter fim il-
licito, immoral ou prohibido por lei.
Direito anterior — Differente, segundo o direito romano.
Legislação comparada — Suisso, das obrigações, art. GO
(fonte); austríaco, 1.174; chileno, 1.468. Vejam-se, também: o
argentino, 792-795; o portuguez, 692; e o allemão, 817.
Para o direito romano: D. 12, 5, fr. 1, § 2.°, e fr. 3.
128 CODIGO CTVIL

Projectos — Beviláqua, art. 1.111 Revisto, 1.119.


Bibliographia — Direito cias obrigações, § 41, V; M. I. Car-
valho i>b Mendonça, Obrigações, I, n. 276. IV; Coelho da
Rocha, Inst., § 157; Huo, Commentaire, VIII, n. 392; Rossel,
Droit civil suisse, III, p. 105; Coãe Civil allemanã, publié par
le Comitê de lég. étr., ao art. 817; Saleiixes, De Vobligation,
n. 348; Gtrard, Droit romain, ps. 622-623.

Observações — 1. — O direito romano conhecia as con-


clictiones ob tnrpem vel injustam causam, em virtude das quaes
o accipiens estava obrigado a restituir o que recebera por causa
immoral: Quod si turpis causa accipientis fuerit, etiam res se-
cuta sit, repeti potest (D. 12, 5, fr. 1, § 2.°). No mesmo sentido
dispoz o Codigo Civil allemão. Mas o brasileiro, seguindo o
suisso, das obrigações, collocou-se em outro ponto de vista. O
que deu alguma coisa para obter um fim immoral não tem di-
reito a repetição; A immoralidade da acção priva o agente de
todo auxilio jurídico. Pôde a occipiente, ser connivente na tor-
peza-ou não; o direito recusa a conclictio ao que exerceu a cor-
rupção. E' um indivíduo que paga a outrem para obter delle
uma deshonestidade {causa futura inhonesta); o accipiens em-
bolsa a quantia e não pratica o acto; o Codigo Civil não vae
em soccorro do traãens, concedendo-lhe o direito de repetir, tal
como fazia o direito romano, quando havia - torpeza de ambas as
partes: ubi clantis et accipientis mutua twpião versatur, non
posse repeti clicimus (D. 12, 5, fr. 3).
Aliás, a doutrina do Codigo está de accordo com o prin-
cipio geralmente acceito, segundo o qual nemo auclitur propriam
turpituãinem allegans.
2. — O Codigo Civil da Áustria, art. 1.174 in médio, ac-
crescenta; "Quando, porém, para impedir uma acçã.o illicita, se
dá alguma coisa áquelle que a queria praticar, a restituição
pode ser reclamada". Essa solução é conforme o preceito do
nosso artigo.

CAPITULO III

Do pagamento por consignação

Art. 972 — Considera-se pagamento, e ex-


tingue a obrigação o deposito judicial da coisa
devida, nos casos e forma legaes.
DOS EFFEXTOS DAS OBRIGAÇÕES 129

Direito anterior —. O deposito judicial era fórnxa ' reconhe-


cida de1 pagamento (Reg. 737, de 25 de Novembro de 1850, ar-
tigo 393).
Degislação comparada — Cod., 4, 32, I. 19, 8, 43, I. 9, pr.;
Obsignatione totius ãebitae pecuniaè solemniter facta liberationem
contingere manifestum est; Codigo Civil francez, art. 1.257;
italiano, 1.259, l.a al.; allemão, 372; suisso, das obrigações, ar-
tigo 92; portuguez, 759; hespanbol, 1.176, l.a al.; argentino, 756;
chileno, 1.589 e 1.599; uruguayo, 1.481; peruano, 2.231 e 2.232;
boliviano, 842; venezuelano, 1.327; mexicano, 2.097.
Projectos — Esboço, art. 1.079; Felicio dos Santos, 496;
Beviláqua, 1.112; Revisto, 1.120.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 38; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, ns. 293 e segs. Laúerda,
Obrigações, § 74; Almachio Diniz, Obrigações, § 109; Coelho da
Rocha, Inst., §§ 150-151; Alves Moreira, Inst., II, ns. 74-76;
Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez, II, ao art. 756; Palettj.es,
De robligation, n. 50; Planiol, Traité, II, n. 475; Huc, Gom-
mentaire, VIII, ns. 85; Aubry et Rav, Gours, IV, § 322; En-
demann, Lehrbuch, I, § 143; Windscheid, Panã,, II, § 347;
Dernburg, Panã., II, § 61; Zachariae, Droit civil français, III,
§ 564; Souto, La mora dei creditore, cap. IV, §§ 3.° e 4.°; Chi-
roni, Ist., II, § 296; Sanchez Roman, Derecho civil, IV, cap. XII,
ns. 22 e 39; Rxvarola, Derecho civil argentino, I, ns. 228-231;
Colmo, Obligaciones, ns. 62 e segs.; Parecer da Faculdade do
Rio de Janeiro, Trabalhos da Gamara, II, p. 58; Amaro Caval-
üanti, Trabalhos cits., p. 177; Oliveira Figueredo, Trabalhos
cits., III, p. 139; J. X. Carvalho de Mendonça, Direito com-
mercial, VI, primeira parte, ns. 524 e segs.; R, Salvat, op. cit.,
ns. 1.312 e segs.

Observação — A consignação é um modo indirecto de li-


bertar-se o devedor da sua obrigação, que consiste no deposito
judicial da coisa devida. A fôrma pela qual se effectua a con-
signação é matéria processual; mas a substancia e os effeitos
do instituto são de direito civil.
A consignação é deposito judicial, concedido ao devedor para
o libertar do vinculo obrigacional. Differe do seqüestro que
também é deposito judicial, pelo fim, que é, na consignação, deso-
nerar o devedor, e pelo objecto, que, ainda na consignação, ê
a coisa devida, e no seqüestro, a coisa litigiosa.

Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol.


130 CODIGO CIVIL

Art . 973 — A consignação tem logar:


I. Se o credor, sem justa causa, recusar re-
ceber o pagamento, ou dar quitação na devida
forma.
II. Se o credor não for nem mandar receber
a coisa no logar, tempo e condições devidas.
III. Se o credor for desconhecido, estiver
declarado ausente, ou residir em logar incerto ou
de accesso perigoso ou dlfficil.
IY. Se occorrer duvida sobre quem deva,
legitimamente, receber o objecto do pagamento.
Y. Se pender litigio sobre o objecto do pa-
gamento .
VI. Se houver concurso de preferencia,
aberto contra o credor, ou se este fôr incapaz de
receber o pagamento.

Direito anterior — Vejam-se o Reg. n. 737, de 25 de No-


vembro, art. 393, e Carlos de Carvalho, Direito civil, artv. 935.
Legislação comparada — Codigo Civil alemão, art. 372;
austríaco, 1.425; portuguez, 759; hespanhol, 1.176; argentino,
757; chileno, 1.599; mexicano, 2.098 e 299; japonez, 494; pe-
ruano, 1.258.
Projectos — Esboço, art. 1.079; Felicio dos Santos, 496;
Coelho Rodrigues, 540; Bevilaua, 1.113; Revisto, 1.121.

Observações — 1. — A consignação é permittida ao devedor


de quantia como ao de coisa certa ou incerta. Apenas varia o
modo de effectuar a offerta de pagamento, segundo a natureza da
prestação. Também as coisas immoveis podem ser judicialmente
depositadas.
2. — Quando o titulo da divida estiver perdido e a quitação
consistir na sua devolução (art. 942). Pode o devedor consignar
o pagamento, se não obtém resalva do credor. Este caso está in-
cluído no n. I: se o credor recusa dar quitação na devida fôrma.
3. — Tratando-se de immovel,. cuja hypotheca se pretenda
remir, procedem as normas estabelecidas pelos arts. 815 e 816.
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 131

4. — Quando o credor é pessoa incapaz, o pagamento é feito


ao seu representante legal. E' na ausência de representante do
incapaz, que o devedor recorre á consignação.
5. — Havendo concurso de preferencia aberto contra o credor,
os bens deste, inclusive as dividas activas, estão sujeitas ao pa-
gamento dos seus credores, formando um acervo para ser distri-
buído segundo os títulos dos mesmos credores. Em tal hypothese,
o recurso á consignação é uma segurança para o devedor.
6. — O litígio sobre o objecto do pagamento, a que se refere
o n. V, entende-se entre o credor e o terceiro, que lhe dispute
a qualidade ou o direito, não entre o devedor e o credor.
7. — O condomino, a quem não fôr dado conhecimento da
venda da coisa commum, e quizer usar do seu direito de preferen-
cia, poderá depositar o preço, para haver a parte vendida a estra-
nhos, se o requerer no prazo de 6 mezes (art. 1.139).
8. — Vejam-se os casos do Reg. n. 737, art. 393, §§ 4.° e 5.°,
e art. 402, e a Consolidação das leis federaes, por Cândido de
Oliveira Filho, arts. 1.648 e 1.667. V. deste mesmo autor, na
Pratica civil, que acompanha o Codigo Civil, artigo por artigo,
com a jurisprudência relativa á consignação.

Art. 974 — Para que a consignação tenha


força de pagamento, será mister concorram, em
relação ás pessoas, ao objecto, modo e tempo,
todos os requisitos, sem os quaes não é valido o
pagamento.

Direito anterior — Principio reconhecido, mas não expresso


em lei. Veja-se, todavia, o Reg. n. 737, de 2 de Novembro de
1850, art. 397.
Legislação comparada — Cod., 8, 43, I, 9; Codigo Civil hes-
panhol, art. 1.177; argentino, 758; chileno, 1.600; uruguayo,
1.482 e 1.483; peruano, 2.232; boliviano, 849 e 850. Vejam-se,
também: francez, 1.258 e 1.259; italiano, 1.260 e 1.261; vene-
zuelano, 1.328 e 1.329.
Projectos — Esboço, art. 1.081; Beviláqua, 1.114; Revisto,
1.122.

Observações — 1. — A consignação, nos dois primeiros


casos do art. 873, deve ser ^precedida de offerta effectiva. Nos
132 CODIGO CIVIL

outros casos, pois que o credor é desconhecido ou é duvidoso


o seu direito, não ha necessidade dessa offerta, exigida para
tornar certa a mora do credor.
A oferta deve comprehender a prestação com os fructos de-
vidos. Não basta a promessa.
2. — Os requisitos necessários para a validade da consi-
gnação, quanto á pessoa do devedor, constam dos arts. 930-933;
quanto á pessoa do credor, dizem os arts. 934-938; e quanto ao
objecto, ao logar e ao tempo, preceituam os arts. 939 e seguintes.
E' ocioso reproduzir aqui essa matéria, a que, syntheticamente,
se refere o art. 974.

Art. 975 — Nos casos dos arts. 973, ns. I, II


e III, citar-se-á o credor, para vir ou mandar
receber, e no do mesmo artigo, n. IY, para pro-
var o seu direito.

Direito anterior — Pratica semelhante á estabelecida pelo


Reg. n. 737, de 25 de Novembro de ISEÍO, art. 394.
Legislação comparada — Vejam-se: o 'Codigo Civil portu-
guez, arts. 759, paragrapho único,'e 760; mexicano, 1.558-1.561
e 1.563; chileno, 1.602 e 1.603.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 451; Beviláqua, 1.115;
Revisto, 1.123.

Observações — 1. — Nos casos dos arts. 873, ns. I a IV, ha-


verá citação pessoal do credor conhecido e presente; por editaes,
do desconhecido, ausente ou que estiver em logar incerto ou de
accesso perigoso, e daquelle sobre o qual haja duvida (n. IV).
Nos casos dos ns. V e VI, também deve haver citação dos
litigantes e dos credores em concurso. Se o credor fôr pessoa
incapaz, que não tenha representante, o devedor pedirá que se
lh'o nomeie.
Não se referiu o Codigo ao caso em que o credor se recusa
a dar quitação na devida forma. E' claro, porém, que a cita-
ção do credor é indispensável nesse, como nos outros casos.
2. — A redação deste artigo tornou-se defeituosa, porque o
Projecto primitivo, como o de Coelho Rodrigues, somente se
referia aos casos dos ns. III e IV, para acentuar o objecto da
DOS EFFEITOS DAS OBKKJAÇÕES 133

citação. Em relação aos outros casos, o objeeto da citação era


manifesto. Mas accrescentando-se os ns. I e II, não havia razão
para excluirem-se os dois últimos. E, incluindo o primeiro, era
preciso attender ás hypotheses differentes por elle previstas.
3. — Entrou em duvida se o Codigo Civil, art. 975, havia
alterado o systema do Reg. n. 737, quanto ao processo da con-
signação, e alguns julgados foram pronunciados nesse sentido,
affirmando que o Codigo Civil exige citação prévia do credor
para vir ou mandar receber, no caso dos ns. I e II do art. 973,
para que a consignação tenha força de pagamento {Revista de
direito, vol. L, p. 262).
Não me parece bem fundada essa opinião. O art. 975 apenas
indica o objectô da citação para os casos, a que se refere; não
diz que essa citação precederá ao deposito. Além disso, a leitura
dos arts. 980 e 981 tiraria qualquer duvida que, por ventura
a redacção do art. 97f) fizesse nascer. O art. 980 diz; — "Se a
coisa devida fôr corpo certo, que deva ser entregue no mesmo
logar onde está, poderá o devedor citar o credor para vir ou
mandar recebel-a, sob pena de ser depositada". Se, neste caso, a
citação prévia, é faculdade concedida ao devedor, ê claro que, nos
casos communs, não haverá necessidade dessa ' citação. Se a ci-
tação prévia fosse necessária, em todos os casos, seria inútil
dizer o art. 980 que, se a coisa devida fôr corpo certo, poderá o
devedor usar dessa formalidade. Também quando a escolha da
coisa devida competir ao credor, será elle intimado para fazer
a escolha, sob pena de ser depositada a coisa, que o devedor es-
colher (art. 981). Nos dois casos dos art. 980 e 981, a citação
torna effectiva a mora do credor, e, no ultimo, fal-o perder a
faculdade da escolha. Comprehende-se a necessidade da citação
anteceder o deposito.
Nos outros casos, porém, seria formalidade inútil.
Leia-se, a este respeito, Joaquim Guimarães, Gojisignação e
despejo, ns. 17 e segs. Todavia o Codigo do Processo civil de
Minas Geraes, art. 454, mandava fazer a citação prévia, nos casos
dos ns. I, II e III do art. 973. Assim também outros, apesar das
justas ponderações de Pereira Braga {Revista de Direito, LXVIT,
p. 29 e segs).
4. — O Codigo Nacional de Processo, arts. 314 a 318, regu-
lando acções de consignação, considera a citação prévia como
necessária "nos casos previstos em lei para consignação, ou
deposito, com effeito de pagamento". Adoptou orientação diffe-
rente da que apresenta a observação 3 acima.
134 CODIGO CIVIL

Art. 976 — O deposito requerer-se-á no


logar do pagamento, cessando, tanto que se effe-
* ' ctue, para o depositante, os juros da divida e os
riscos, salvo se for julgado improcedente.

Direito anterior — Não havia disposição expressa idêntica,


mas dos arts. 395, 399 e 400 do Reg. n. 737, induzia-se regra se-
melhante .
Legislação comparada — Cod., 8, 43, I. 9: Seã ita ãemurti
oblaibo clebiti liberationem parit, si eo loco quo ãebetur solutio
fuerit celebrata; Codigo Civil francez, art. 1.258, 6.°; italiano,
1.260, 6.°; allemão, 374; chileno, 1.600; uruguayo, 1.482, 6.°; ve-
nezuelano, 1.328, 6.°; boliviano, 849, 6.°; japonez, 495; mexica-
no, 2.102.
Projectos — Esboço, art. 1.081; Felicio dos Santos, 497;
Coelho Rodrigues, 542; Beviláqua, 1.116; Revisto, 1.124.

Observação — A consignação é um modo de effectuar o pa-


gamento, e este deve ser feito no logar convencionado, e, na
falta de convenção a respeito, no domicilio do devedor, salvo se
outra coisa resultar das circumstancias, da natureza da obrigação
ou de preceito legal, segundo se vê dos arts., 950 e 951.
Effectuado o pagamento, cessam os juros da divida e os
riscos. Considera-se effectuado o pagamento com o deposito; mas,
se este fôr julgado improcedente, não haverá pagamento, e, con-
seguintemente, os juros da divida e os riscos se restabelecem,
como se não occorresse o incidente.

Art .977 — Emquanto o credor não declarar


que acceita o deposito, ou não o impugnar, po-
derá o devedor requerer o levantamento, pa-
gando as respectivas despesas e subsistindo a
obrigação para todas as conseqüências de di-
reito .

Direito anterior — Regra acceita.


Legislação comparada — Vejam-se: o Codigo Civil francez,
art. 1.261; italiano, 1.263; allemão, 376; suisso, das obrigações,
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 135

109; argentino, 761; chileno, 1.606; uruguayo, 1.485; portuguez,


762; venezuelano, 1.331; boliviano, 852; japonez, 496.
Projectos — Esboço, art. 1.804; Felicio dos Santos, 499:
Coelho Rodrigues, 543; Beviláqua, 1.117; Revisto, 1.125.

Observação — As legislações estrangeiras, em geral, auto-


rizam a retirada do deposito até á acceitação do credor ou á
sentença, que julga, definitivamente, a consignação. Nosso Co-
digo preferiu, porém, á época da sentença, a da contestação da
lide, em obediência aos princípios dominantes no direito pro-
cessual. Depois da litiscontestação real, ou presumida, não pode
o autor desistir da instâncias (Pereira e Souza, Primeiras linhas,
n. 383; Skve Navarro, Processo civil, art. 447, nota 713).
Da mesma forma, se, em vez de impugnar a consignação,
o credor acceitar o pagamento, já não pôde o devedor retirar o
deposito, porque, sendo o fim da consignação tornar effectivo
o pagamento, esse fim já está alcançado pela acceitação do
credor,, e não é admissível que o devedor possa rehaver do credor
aquillo que lhe pagou, a não ser que se dê um caso de conãictio
indebiti.

Art. 978 — Julgado procedente o deposito,


' o devedor já não poderá levantal-o, embora o
credor consinta, senão de" accôrdo com os outros
devedores e fiadores.

Direito anterior — Doutrina acceita.


Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.262;
italiano, 1.264; chileno, 1.607, pr.; argentino, 762; uruguayo,
1.486; venezuelano, 1.333, boliviano, 853. V., ainda, o portu-
guez, 763.
Projectos — Esboço, art. 1.082; Felicio dos Santos, 500;
Coelho Rodrigues, 544; Beviláqua, 1.118; Revisto, 1.126.

Observação — Julgado procedente o deposito por sentença


do juiz competente, a obrigação está extincta. Se, não obstante,
o credor consentir no levantamento do deposito pelo devedor,
136 CODIGO Civrt,

entende-se que entrou com elle em accôrdo, para conceder-lhe


essa vantagem. Emquanto a operação se passar entre os dois,
nada ha que oppôr; cada um regula os seus interesses como lhe
parece conveniente. Mas, se ha co-obrigados, é claro que, achan-
do-se também para elles extincta a obrigação, desde a data do
deposito, é necessário que manifestem a sua vontade de acceitar
a renovação do vinculo. Sem isso, embora o credor e o devedor
concordem no levantamento do deposito por este ultimo, tal se
não poderá fazer, sem acquiescencia dos co-obrigados, quer por
solidariedade, ou indivisibilidade da obrigação, quer por fiança.

Art. 979 — O credor, que, depois de contes-


tar a lide ou acceitar o deposito, acquiescer no
levantamento, perderá a preferencia e garantia,
que lhe competiam, com respeito á coisa consi-
gnada, ficando para logo desobrigados os co-dc-
vedores e fiadores, que não annuiram.

Direito anterior — Doutrina acceita.


Legislação comparada — Cod. 4, 32, I. 19; Codigo Civil por-
tuguez, art. 763; francez, 1.263; italiano, 1.265; hespanbol, 1.181;
argentino,. 763; chileno, 1.607; uruguayo, 1.487; boliviano, 854;
peruano, 1.272.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 500, Coelho Rodrigues,
545; Beviláqua, 1.119, Revisto,' 1.121.

Observação — O artigo anterior suppõe o' caso de já se


achar a consignação julgada procedente, e, por conseqüência, ex-
tincta a obrigação. O artigo 979 considera uma phase do processo
em andamento: ainda não foi proferida a sentença, mas a lide
já foi contestada ou o pagamento já foi acceito pelo credor. Então
já não pôde mais o devedor levantar o deposito (art. 977). Mas
o credor poderá consentir' nisso, desde que não haja prejuízo
para outros. Por isso, o seu direito de preferencia desapparece, e
os co-obrigados como os fiadores ficam, para logo, desobrigados,
se não annuiram.
V. o Reg. n. 737, art. 397.
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 137

Art. 980 — Se a coisa devida for corpo certo,


que deva ser entregue no mesmo logar, onde
está, poderá o devedor citar o credor para vir
ou mandar recebel-a, sob pena de ser depositada.

Direito anterior — Havia apenas o subsidio do direito ro-


mano e das leis estrangeiras.
Legislação comparada — D. 18, 6, fr. 4, § 2.°: ne infinitam
custodiam non ãebeat venãitor; Codigo Civil francez, art. 1.264
italiano, 1.266; argentino, 764; uruguayo, 1.488; venezuelano,
1.239; boliviano, 855.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 546; Beviláqua, 1.120;
Revisto, 1.128.

Observações 1. — Se a coisa devida, embora seja corpo


certo, não tiver de ser entregue no logar, onde se acha, não ne-
cessita o credor dessa intimação prévia. O credor está em mora,
e o devedor exonera-se consignando o pagamento.
Pode, realmente, acontecer que a coisa devida tenha de ser
entiegue em logar differente do domicilio do credor, e ê justo
que seja elle avisado de que o devedor está prompto a fazer o
pagamento. O Codigo, porém, apenas dá essa facilidade ao de-
vedor. Se é uma faculdade, poderá o devedor dispensar-se delia,
e iniciar, desde logo, á consignação. Os outros Codigos acima '
citados impõem, ao devedor de coisa certa, que deva ser entregue
no logar onde está, a obrigação de intimar o devedor a vir ou
mandar recebel-a. Sem essa formalidade preliminar, não pode
allegar móra do credor.
2. — Se a coisa certa estiver em logar differente daquelle
em que tenha de ser entregue, correm por conta do devedor as
despezas de transporte. Somente depois de achar-se a coisa no
logar, em que se ha de entregar, ê que se fará a intimação, ou
a consignação.

Art. 981 — Se a escolha cfa coisa indetermi-


nada competir ao credor, será elle citado para
este fim, sob a comminação de perder o direito,
e de ser depositada a coisa, que o devedor es-
colher. Feita a escolha pelo devedor, proceder-
se-á como no artigo antecedente.
138 CODIGO CIVIL

Direito anterior —1 Matéria não regulada em lei. Y. o Di-


reito ãas obrigações, § 38, in fine.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 766;
uruguayo, 1.489; peruano, 1,263.
Projectos — Beviláqua, art. 1.121; Revisto 1.129.
% '

Observação — A coisa indeterminada tem de se determinar


pela escolha do devedor ou do credor (art. 875). Feita a escolha,
torna-se ella determinada para a prestação (art. 876). Se a
escolha é do devedor, como é mais freqüente, nenhuma particula-
ridade haverá para a consignação. Esta se opera como em qual-
quer outro caso. Se, porém, pertencer ao credor o direito de
escolha, será elle citado para o exercer; e, não attendendo á ci-
tação, fará o devedor a eleição, e depositará, então, a coisa eleita,
que não poderá ser a peor do genero. Se a coisa, que assim se
tornou determinada, tiver de ser entregue no logar, em que se
achar, antes de consignal-a, o devedor poderá citar o credor, para
vir ou mandar receber. Não o querendo fazer, consignará a coisa,
desde que a tiver tornado certa pela escolha.

Art. 982 — As despesas com o deposito,


quando julgado procedente, correrão por conta
do credor, e, no caso contrario, por conta do de-
vedor .

Direito anterior — O mesmo (Reg. n. 737, de 25 de No-


vembro de 1850, arts. 399 e 400).
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.260;
italiano, 1.262; allemão, 381; o portuguez, 764; hespanhol, 1.179;
chileno, 1.604; venezuelano, 1.330; boliviano, 851; mexicano,
2.103.
Projectos — Esboço, art. 1.085; Felicio dos Santos, 501;
Coelho Rodrigues, 547; Beviláqua, 1.122; Revisto, 1.130.

Art. 983 — O devedor de obrigação litigiosa


cxouerar-se-á mediante consignação, mas, se pa-
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 139

gar a qualquer dos pretendidos credores, tendo


conhecimento do litígio, assumirá o risco do pa-
gamento .

Direito anterior — O primeiro membro do artigo corres-


pome ao que estatuem o Codigo Commercial, art. 437, e o Reg.
n
- 737' de 25 de Novembro de 1.850, art. 393, 3." O segundo ê
uma conseqüência do primeiro.
Legislação comparada - Yeja-se o Codigo suisso das obri-
gações, arts. 96 e 168.
Projectos — Beviláqua, art. 1.123; Revisto, 1.131.
Í
l, / ^OS;
n. dUJ,
aphÍa M
Rossel, "Droit" ^
CARVALH0 db
civil suisse, III, Mendonça,
pg. 208-209.Obrigações,

Observação - A obrigação aiz-se litiglosa, qnando ha en

T^ZTT: dlfterenteS SObre e,la


- 0
coSínaev "0 OI'portun^ » «^edor deve tazel-o po
elboTd VT
ch»D6 o direito ™0 tem
de 1"6reopliPT* autoridade para decidir a çuer
*1 riiir-írio
res eito
pessoas nnp
pessoas, que «o • ,
se julgam, egualmente,' autorizadas.
P qual litigar
Se pagar, não obstante o litígio, e vier a se decidir, afina'
que outro que nao o da sua escolha é o verdadeiro credor nã
tera valor o pagamento feito. Pagará, novamente, embora'cor
direito de pedir a restituição do que deu por erro

r
litigi0 entre — Se a divida
credores, que se
se vencer, pendendi
pretendam, mu
tuamente, excluir, poderá qualquer dellos re
querer a consignação.

f"01*0 !ntei'10r Nâo havia


disposição legal a respeito
COmpa, a<Ia Codigo
tigo lèt ' - «•'««> das obrigações, a.
Projectos — Beviláqua, art. 1.124; Revisto, 1.132.

an,p kseivmt-õos ^ artig0 comp]ie^a a providencia do


i ioi. Está, certamente,Egte
no interesse do devedor consignar o
140 CODIGO CIVIL

pagamento da divida legitima. Como, porém, elle pode pagar a


qualquer dos litigantes, embora correndo o risco de pagar mal,
o que acarretaria delongas e embaraços ao verdadeiro credor,
permitte a lei a qualquer dos credores requerer a consignação,
no momento de se vencer a divida.
Esta mesma providencia poderá ser utilizada pelos credores
em concurso.
2. — Os arts. 983 e 984 foram inspirados pelo-Codigo suisso
das obrigações, art. 188 da edição de 1881, e 168, da edição de
1911. Diz Rossel (III, p. 209) que, no Codigo suisso, essas dis-
posições são especiaes á matéria de cessão, não sendo permittido
applical-as, por extensão, a outros casos. Não é,. porém, assim
no direito civil pátrio, porque o nosso Codigo as incluiu no ca-
pitulo da consignação, generalizando-as. Nisto afastou-se do seu
modelo, que as reservou para o capitulo da cessão de credito.

CAPITULO IV

Do pagamento com subrogação

Art. 985 — A subrogação opera-se? de pleno


direito, em favor:
I. Do credor que paga a divida do devedor
commum ao credor, a quem competia direito de
preferencia.
II. Do adquirente do immovel bypotliecado,
que paga ao credor hypotliecario.
III. Do terceiro interessado, que paga a di-
vida, pela qual era ou podia ser obrigado, no
todo ou em parte.

Direito anterior — Esta matéria andava dispersa em vários


diplomas legislativos: Ord., 3, 92, e Codigo Commercial, art. 260,
quanto ao fiador; Codigo Commercial, art. 728, quanto ao segu-
rador, que paga o damno acontecido á coisa segurada; lei nu-
mero 2.044, de 31 de Dezembro de 1908, art. 140, paragrapho
único, quanto ao interveniente voluntário, que paga a letra de
cambio; dec. n. 169 A, de 19 de Janeiro de 1890, art. 13, em
favor do adquirente de immovel hypothecado, que paga ao credor
bypothecario.
141
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES

Legislação comparada — D. 19, 2, fr. 47, in fine, 20, o,


fr. 3, § l.o, 2o, 4, frs. 17 e 19; Cod., 8 18, I. 1, initio; Codxgo
Civil francez, art. 1.251; italiano, 1.253; hespanliol, 1.210,
gentino, 768; chileno, 1.610; uruguayo, 1.472; venezue ano,
1-321; boliviano, 842; mexicano, 2.058; japonez, 500.
ainda: suisso, das obrigações, 70, 110, 148 e 505, allemao,
281, 426 e 774; portuguez, 778 e 779; peruano, 1.269.
Projectos — Esdoço, art. 1.087; Felicio dos Santos,
Coelho_ Rodrigues,7 330;7 Beviláqua, ,1.125;
. - _Revisto,
e o q . 1.13
M I.• (JAR-
Bibliographia — Direito das obrigações, § ' obri-
valho de Mendonça, Obrigações, I, ns. 312 e segs., Lacekda,
, •
gaçoes, § 14; Almachio Diniz, Obrigações, s§ nn-
uu, oS vahbrl,
Manual, II, § 148; Coelho da Rocha, Inst., §§ 1^'1 '
Moreira, Inst., II, ns. 57 e segs.; Dias Ferreira, ^^
Portuguez, II, ao art. 747; Planxol, Traité, II, as.
Huc, Gommentaire, VIII, ns. 44 e segs.; Aubry et a , -
IV
, § 321, 3.°; Cmironi, Istí, II, § 267; Laurent Ri_'
"B. 32 e segs. Zachabiae, Vntt ^V1. colmo. OWi-
varola, Derecho civil argentino, I, ns. 232 e s > _ -
gaciones, „s. 646 e segs.; J. X. Oabvalho »
taão de direito commercial, VI, parte I, ns. 487 e seg
0
P- cit., ns. 1.338 e segs.

Observações — 1. — Subrogação é a transfercmna do ^


veitos do credor para aquelle que solveu a o ng ' mento
Prestou o necessário para solvel-a. A obrigação ^ ^ extincta
extingue-se; mas, em virtude da subrogação, a passa
para o credor originário, subsiste paia o 'a(jUelle Q,ue
a ter por credor, investido nas mesmas gaian
lhe pagou ou lhe permittiu pagar a divida. ^ ^ estabe-
Ha duas especies de subrogação: a lega, ^ (j.gpense. e a
lece, mas permitte que a vontade das paites ^
convencional, que as partes concordam em ciea1'
noa «a da segunda.
enumera os casos da primeira; e o 986, o allhroffação legal:
2.-0 Codigo estabelece tres casos commum ao
I. — Do credor que paga a divida - ^ ^ Credor be-
credor, a quem competia direito de preferenc ^ mas,
neficiado pela subrogação pôde ser chii ogiai) ia^ .to ger inferior
se tem direito de preferencia, deve esse c n ^ gegunda
ao do credor a quem paga. Tal é o caso (^0 ^r ge 0g cre-
hypotheca, que tenha remido a primeira (ai • ul3rogaçã0. Esta
ditos têm a mesma ou egual garantia, não ia
142 CODIGO CIVIL

presup-põe dois requisitos: 1.°, que o solvente seja credor do


devedor; 2.°, que o credito solvido tenha preferencia sobre o seu.
II. Do adquirente do immovel hypothecado, que paga ao
credor hypothecario. O art. 815 estabelece o modo pelo qual o
adquirente do immovel pôde remir a hypotheca. E o art.985,
II, lhe assegura as mesmas garantias dos credores hypothe-
carios. Por esse meio, fica elle garantido contra os outros cre-
dores não hypothecarios.
III. Do terceiro interessado, que paga a divida, pela qual
era ou podia ser ohrigado no todo, ou parte. Entram nesta
classe o devedor solidário, o co-devedor de obrigação indivisivel,
e o fiador (arts. 891, 913 e 1.495).

Art. 986 — A subrogação é convencional:


I. Quando o credor recebe o pagamento de
terceiro e, expressamente, llie transfere todos os
seus direitos.
II. Quando terceira pessoa empresta, ao de-
vedor, a quantia precisa para solver a divida,
sob a condição expressa de ficar o mutuante
subrogado nos direitos do credor satisfeito.

Direito anterior — Era doutrina acceita.


Legislação comparada — D. 20, 4, fr. 17. 46, 3, fr. 76;
Cod., 8, 19, Is. 1 e 2; 8, 43, 1. 5; Codigo Civil francez, art. 1.250:
italiano, 1.252; hespanhol, 1.211; portuguez, 780; argentino, 769
e 770; chileno, 1.611; uruguayo, 1.470 e 1.471; venezuelano, 1.320;
boliviano, 841; mexicano, 1.492 e 1.593; japonez, 499; pe-
ruano, 1.270.
Projectos — Eshoço, art. 1.088; Delicio dos Santos, 485 e
486; Coelho Rodrigues, 531; Beviláqua, 1.126; Revisto, 1.134.

Observações — 1. — No primeiro caso, ha subrogação do


credor, que corresponde ao beneficium cedendarum actionum dos
romanos. Deve ser expressa esta subrogação e independente de
acquiescencia do devedor. Resalta de um contracto entie o ter-
ceiro, que paga a divida, e o credor, que lhe transfere os seus
direitos. E' uma fôrma de cessão.
1
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES

2. — No segundo caso, ha subrogação do devedor, que, pa-


gando ao credor, com dinheiro de outrem, transfere pai a este os
direitos do primeiro. Independe da acquiescencia do credor, que,
uma vez pago, fica desinteressado. Deve ser expressa e resulta
õe um contracto entre o devedor e o terceiro mutuante. E a
subrogagão convencional por excellencia.
O Codigo refere-se exclusivamente, á pessoa, que empresta.
Não resulta subrogagão de outro contracto.
2- —■ Em ambos os casos, a subrogagão convencional deve
ser -reduzida a escripto publico ou particular, e admitte ie
stricgões nos poderes do subrogado.

Art. 987 — Na liypotliese do artigo ante-


cedente, n. I, vigorará o disposto quanto á ces
são de créditos (arts. 1.065 a 1.078).

direito anterior — Não havia disposição a respeito.


■Legislação comparada — Codigo Civil argentino, ait.
chileno, 1.611, in fine.
Pfojectos — Eshoço, art. 1.088; Beviláqua, 1.127, Be
1-135.

Observação — Entre a subrogagão e a cessão convencional


ãa differengas, que os autores apontam (Planiol, II, a.
Mt^,
iV1 . - tI. «n. lis*
- I. Carvalho de Mendonça, Ohngaçoes, 010, Lacerda,
Obrigações, § 14).
Com respeito á subrogagão do devedor, essas diffeie 6da
a
ccentuam-se bem; mas a subrogagão do credor é uma 011
cessão, com a simples diferrenga de ter por fundamen o
Lição da divida. Assim é que, no systema do Codigo m
leiro, não se tem que indagar se o subrogado pagou o
integralmente, a divida, se nenhuma reserva faz o creclor• do
ó, também, que o credor responde pela existência do
qnal recebeu o pagamento com sobrogagão.
Quando a subrogagão é do devedor, a relação jmi ^ ^
a
Pproxima da cessão, tem caracteres proprios. Se, a i
Pngn, apenas, em parte, o mutuante, em rigor, nao ^
exercer direitos e acções do credor, senão até á concui 1
somnia, que, realmente, desembolsou para desobrigai o
L injusto attribuir-lhe direito mais lato.
144 CODXGO CIVIL

Quanto á garantia da existência da divida, seria estranho


que se cogitasse delia nesta operação.

Art. 988 — A subrogação transfere, ao novo


credor, todos os direitos, acções, privilégios e ga-
rantias do primitivo, em relação á divida, contra
o devedor principal e os fiadores.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada —- D. 18, 4, ír. 23, pr.; Codigo Civil
portuguez, art. 781; hespanhol, 1.212; argentino, 711, pr.; chi-
leno, 1.612, l.a ai.; uruguayo, 1.437. Vejam-se também: francez,
arts. 1.249 e 1.2^2; italiano, 1.251 e 1.254; venezuelano, 1.319
e 1.323; peruano, 1.274.
Projectos — Esboço, art. 1.089; Felicio dos Santos, 488;
Coelho Rodrigues, 532; Beviláqua, 1.128; Revisto, 1.136.

Observação — E' o effeito da subrogação operar essa trans-


ferencia de direitos, acções, privilégios e garantias. Mas, na con-
vencional, como tudo depende da vontade das partes, é licito
que se restrinjam os direitos do subrogado.

Art. 989 — Na subrogação legal, o subro-


gado não poderá exercer os direitos e as acções
do credor, senão até á somma, que tiver desem-
bolsado para desobrigar o devedor.

Direito anterior — Nada dispunha.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 771,
§ 1.°; uruguayo, 1.473, 1.°. Não distinguem estes Codigos, a este
respeito, a subrogação legal da convencional.
Projectos — Beviláqua, art. 1.129; Revisto. 1.137.
Também esses Projectos se referiam ás, duas fôrmas da
subrogação. A Gamara é que restringiu o dispositivo á subi o*
gação legal.
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 145

Observação — Na discussão deste artigo, na Commissão ãa


Gamara, insisti para que o dispositivo comprehendesse a subro-
gação legal e a convencional doi devedor. A do credor seguiria,
como segue, as normas da cessão, que se lhe ajustarem {Tra-
halhos da Gamara, Y, p. 359). Não fui, porém, attendido, e vin-
gou a opinião contraria, prestigiado por Oliveira Figueiredo
(Trabalhos citados, p. 362), de que, na subrqgaçã-o convencional,
não se tem que attender á somma, que o subrogado tivej desem-
bolsado para desobrigar o devedor. Para obviar aos inconvenien-
tes deste dispositivo, cumpre que os devedores quando conven-
cionarem a subrogação com aquelles que lhes emprestarem di-
nheiro para solver as suas dividas, attendam a que, se não limi-
tarem os direitos do subrogado, sempre que o pagamento não
fôr total? transferem para o mutuante direitos de extensão egual
aos do credor originário, sem ter extincto os deste, senão em
parte.
Justificando o. Codigo o Senador João Luiz Alves observa
que a subrogação convencional se equipara á cessão, e, conse-
quentemente, não se devia limitar o direito do cessionário áquillo
que tivesse effectivamente desembolsado. Mas a equiparação so-
mente se refere á subrogação do credor, segundo se vê do artigo
987. Se abrangesse, também, a do devedor, seria inútil falar de
subrogação convencional. Bastaria remetter a matéria para o
capitulo da cessão.

Art. 990 — O credor originário, só em parte


reembolsado, terá preferencia ao subrogado, na
cobrança da divida restante, se os bens do de-
vedor não chegarem, para saldar, inteiramente,
o que a um e outro dever.

Direito anterior — A lei não previra o caso.


Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.252,
2.a parte; portuguez, 782; chileno, 1,612, 2.a al.; hespanhol, 1.213;
allemão, 268, in fine; uruguayo, 1.474; mexicano, 1.594.
Em sentido differente: italiano, art. 1.254, 2.a parte; argen-
tino, 772; japonez, 502; peruano, 1.273.
Projectos — Esboço, art. 1.090; Felicio dos Santos, 489,
(differente); Coelho Rodrigues, 533, (differente); Beviláqua,
1-130; Revisto, 1.138.

Beviláqua — Codigo Civil — 4.°. vol. 10


146 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — A disposição é perfeitamente justa:


mas não lhe têm sido poupadas as criticas. Querem alguns que,
no conflicto entre o credor originário e o subrogado, os dois
tenham eguaes direitos, doutrina que prevaleceu no Codigo Civil
italiano. Não têm razão os que assim pensam, sob o fundamento
de que o subrogado é um successor do credor, porque este, pelo
facto de receber uma parcella do seu credito, não se deve pre-
sumir, que lhe seja indifferente comprometter o resto. No dizer
de Huc, "conferindo certos poderes ao subrogado, para tornar
mais fácil o seu reembolso, não é para que esses poderes possam
ser invocados contra elle". (Commentaire, Ylll, n. 79). Nemo
contra se suhrogatur censetur. Vejam-se entretanto, as obser-
vações de Aubky et Rau, Cours. IV, § 321, 4.°, notas 89^ e 91.
2. — A hypothese prevista pelo artigo poderá verificar-se
na subrogação legal, e na convencional do devedor. Mas, se, nesta
ultima, o credor originário tem preferencia na cobrança da di-
vida restante, não é razoavel o artigo antecedente, quando exclue
esta forma da subrogação da sua regra limitativa. Ha uma certa
desharmonia entre o dispositivo que não limita os poderes do
subrogado á somma, que tiver desembolsado, e o que colloca
na situação inferior ao credor originário em concurso de prefe-
rencia com elle.
Quanto á subrogação do credor (art. 986, n. I) está fóra da
influencia do dispositivo analysado porque obedece ás regras da
cessão (art. 987);
3. — Havendo mais de um subrogado, não haverá preferen-
cia entre elles, ainda que as subrogações parciaes tenham sido
feitas em tempos differentes.

CAPITULO Y

Da imputação do pagamento

Art. 991 — A pessoa obrigada, por dois ou


mais débitos da mesma natureza, a um só credor,
tem o direito de indicar a qual delles offerece
pagamento, se todos forem liquidos e vencidos.
Sem consentimento do credor, não se fará
imputação do pagamento na divida illiquida, ou
não vencida.
DOS BFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 147

Direito anterior — Semelhante, segundo a doutrina e o Có-


digo Commercial, art. 433.
Legislação comparada — D. 46, 3, fr. 1; Cod., 8, 43 I. 1; Có-
digo Civil francez, art. 1.253; italiano, 1.255; suisso, das obri-
gações, 85; hespanhol, 1.172; portuguez, 728; allexnão, 366; ar-
gentino, 773 e 774; chileno, 1.596; uruguayo, 1.476; peruano,
1.264; boliviano, 844; venezuelano, 1.323; japonez, 488; 1." al.
Veja-se o austríaco, ar. 1.415.
Projectos — Esboço, art. 1.902 (fonte); Felicio cios Santos,
481; Coelho Rodrigues, 535; Beviláqua, 1.131; Revisto, 1.139.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 37; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, ns. 326 e segs.; Lacerda, Obri-
gações, § 76; Almachío Diniz, Obrigações, § 111; S. Vampré,
Manual, II, § 150; Coelho da FúoOha, Inst., § 149; Alves Mo-
reira, Inst., II, n. 71; Dias Ferreira, Codio Civil portuguez, II,
ao art. 728; Planiol, Traité, II, ns. 467 e segs.; Huc, Comvien-
taire, VIII, ns. 81 e segs.; Laurent, Gours, III ns. 28 e segs.;
Zachariae, Droit civil français, III, § 562; Aubry et Rau, Gours,
IV, 320; Code Civil allemanã, puhlié par le Comitê de lég. étr.;
I, ao art. 366; Endemann, Lehrbuch, I, § 141, III; Windscheid,
Pand., II, § 343; Dernburg, Panei., II, § 55, 4; Rivarola, Derecho
civil argentino, I, n. 234; Colmo, Obligaciones, ns. 675 e segs.;
Rossel, Droit civil suisse, III, ps. 118-120; Alejandro Pietri, hijo,
nota ao art. 1.324 do Godigo Civil venezuelano, de 1816; J. X.
Carvalho de Mendonça, Tratado, VI, parte I, ns. 484 e segs.;
R. Salvat, op. cit., ns. 1.282 e segs.

Observação — Imputação do pagamento é a operação, pela


qual o devedor de vários débitos da mesma natureza, a um só
credor, declara qual delles quer extinguir. E' preciso que haja
mais de uma divida, porque o credor não é obrigado a receber
pagamento parcial (889). Sendo a divida liquida e vencida, o
direito de escolha, pertence ao devedor, ou áquelle que paga por
elle. Possumus enim certam legem ãicere ei quod solvimus
(D. 46, 3, fr. 1).
Se o credor recusa acceitar a escolha do devedor, pode este
consignar o pagamento. Por seu lado, como ha mais de uma
divida vencida, pôde o credor constituir em móra o devedor em
relação áquella que não é solvida.
148 CODIGO CIVIL

Art. 992 — Não tendo o devedor declarado


em qual das dividas liquidas e vencidas quer
imputar o pagamento, se acceitar a quitação de
uma dellas, não terá direito a reclamar contra a
imputação feita pelo credor, salvo provando
liaver elle commettido violência ou dólo.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — God., 8, 43, I. 1, initio, cbn. com
o D. 46, 3, fr. 1, in fine; Codigo Civil francez, art. 1.255; ita-
liano, 1.257; hespanhol, 1.272, 2.a ai.; suisso, das obrigações, 86;
argentino, 775; uruguayo, 1.479; venezuelano, 1.325; boliviano,
846; japonez, 488, 2.a al.; peruano, 1.265.
Projectos.v-r- Esboço, art. 1.093; Coelho Rodrigues, art. 535;
2.a parte; Beviláqua, 1.132; Revisto, 1.140.

Observação — Se o devedor não usa do direito, que lhe


confere o artigo antecedente, de escolher a divida, que primeiro
deseja extinguir, entre as liquidas e vencidas, cabe ao credor
fazer a escolha. Como, porém, poderá usar de violência ou dólo
nessa imputação, o devedor tem o direito de impugnal-a, pro-
vando o vicio, que a invalida.

Art. 993 — Havendo capital e juros, o pa-


gamento imputar-se-á, primeiro, nos juros ven-
cidos, e, depois, no capital, salvo estipulação em
contrario, ou se o credor passar a quitação por
conta do capital. - ,

Direito anterior — Semelhante (Codigo Commercial, artigo


433, V).
Legislação comparada — Cod., 8, 43, I, 1, in fine; Codigo
Civil Francez, art. 1.254; italiano, 1.256; allemão, 376; hespa-
nhol, 1.173; argentino, 776; uruguayo, 1.477; venezuelano, 1.324;
peruano, 1.266; boliviano, 845; japonez, 491. Veja-se também,
o austríaco, art. 1.416.
nOS KFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 149

Projectos — Esboço, art. 1.094; Felicio dos Santos, 493;


Coelho Rodrigues, 5'ÒG-, Beviláqua, 1.133; Revisto, 1.141.

Observação — A lei presume, no silencio das partes, que


estas querem, primeiro, solver os juros da divida; mas, se o
credor passa quitação do capital, entende-se que concordou com
o devedor em amortizar a divida, e esperar o pagamento dos
juros.
Quando houver mais de uma divida vencendo juros, e o de-
vedor, puder, por serem ellas vencidas e líquidas, escolher,
qual deve ficar extincta, é claro que não se imputa nos juros
das outras dividas, o pagamento destinado a uma divida de-
terminada com os juros respectivos.
CONSELHO RlCI.Nau 00 TRABALHj
— K REGIÃO

Art. 994 — Se o devedor não fizer a indi-


cação do art. 991, e a quitação for omissa quanto
á imputação, esta se fará nas dividas liquidas e
vencidas em primeiro logar.
Se as dividas forem todas liquidas e ven-
cidas ao mesmo tempo, a imputação far-se-á na
mais onerosa.

Direito anterior — Semelhante (Codigo Gommercial, artigo


433, ns. I-III).
Legislação comparada — D. 46, 3, frs., 1-5, 7, 8 e 103; Co-
digo Civil francez, art. 1.256; italiano, 1.258; hespanhol, 1.174;
portuguez, 729; suisso, das obrigações, 87; aílemão, 366, 2.a parte;
argentino, 778; venezuelano, 1.326; peruano, 1.267; boliviano,
847; japonez, 489. Não ha uniformidade na legislação citada.
Projectos —«Esboço, art. 1.096; Felicio dos Santos, 495 e
2.445; Coelho Rodrigues, 538 e 539; Beviláqua, 1.134; Revisto,
1.142.

Observações — 1. — Na falta da imputação do devedor e


do credor, faz-se a imputação segundo a lei, que escolhe para
extinguir, em primeiro logar, as dividas liquidas já vencidas, e,
entre estas, as de vencimento mais antigo. Se a data do venci-
150 CODIGO CIVIL

mente fôr a mesma para essas dividas vencidas, a imputação se


fará na mais onerosa. Não havendo alguma que se possa consi-
derar mais onerosa, e sendo todas vencidas na mesma data, o
pagamento será rateado entre todas, proporcionalmente, segundo
a regra do Codigo Commercial, art. 433, 4.°.
2. _ por divida mais onerosa entende-se a que produz juros,
ou produz juros mais elevados, em relação á que nada produz
ou os produz" mais moderados. As dividas garantidas poi hypo-
theca ou outro direito real consideram-se mais onerosas do que
as que não têm esse ônus.

CAPITULO vi

Da dação em pagamento

Art. 995 — O credor pode consentir em re-


ceber coisa, que não seja dinheiro, em substi-
tuição da prestação que lhe era divida.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — Inst., 3, 29, pr. Tollitur autem
omnis obligatio... si quis, consentiente creditore, aliud pro alio
solverit; Codigo Civil allemão, art. 364; austríaco, 1.414; ar-
gentino, 779; uruguayo, 1.490. Vejam-se também; francez, ai-
tigo 2.038; italiano, l.*928; venezuelano, 1.912.
Projectos — Esboço, art. 1.115; Beviláqua, 1.135; Revisto,
I.143.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 40; M. I. Car-
valho de Mendonça, I, ns. 332 e segs.; Alves Moreira, Inst.,
II, ns. 85 e segs.; Saleilles, De Vobligacion, n. 48; Planiol,
Traité, II, ns. 549 e segs.; Windscheid, Pand., II, § 342; Dern-
buro, Pand., II, § 58; Endkmann, Lehrbuch, I, § 142; R. Salvat,
op. cit., ns. 1.474 e segs.

• Observação — Em principio, o devedor somente se desobriga


prestando a coisa ãeYiáa. Aliud pro alio invito creditore solvi
ndn potest, diz Paulo (D. 12, 1, fr. 2, § 1." in fine). Mas, se o
credor consente, a operação é possivel.
A datio in solutum pôde ter por objecto qualquer prestação,
que não seja em dinheiro: uma coisa movei ou immovel, a cessão
DOS EPFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 151

de um credito. Tudo depende da vontade, que têm as partes


de extinguir, definitivamente, a obrigação. Nisto se distingue
a datio in solutum da novação; extingue, definitivamente, a
obrigação, não a substitue por outra.

Art. 996 — Determinado o preço da coisa


dada em pagamento, as relações entre as partes
regular-se-ão pelas normas do contracto de com-
pra e venda.

Direito anterior — Semelhante (Teixeira de Freitas, Con-


solidação, nota (1) ao art. 510 e art. 595, § 4.°; Carlos de Car-
valho, Direito civil, art. 936).
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 780;
uruguayo, 1.491, 2.a parte; peruano, 1.276.
Prójectos — Esboço, art. 1.117; Beviláqua, 1.136; Revisto,

Observação — Por definição, a datio in solutum é uni con-


tracto liberatorio, em que o credor concorda em receber uma
coisa por outra, aliucl pro alio, não sendo dinheiro. Pagamento
por entrega de bens, chama-lhe Teixeirà de Freitas. Se fôr di-
nheiro a coisa dada em pagamento, ou se, não sendo dinheiro,
se lhe taxar o preço, a dação em pagamento é uma compra e
venda. Aliás, ainda nos outros casos, os dois actos têm muito
de semelhante. In sohitum ãare est venãere.

Art. 997 — Se for titulo de credito a coisa


dada em pagamento, a transferencia • importará
em cessão.

Direito anterior — Não havia dispositivo de lei a respeito.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 78'0;
uruguayo, 1.491, 1.* parte.
Projectos — Esboço, art. 1.118; Beviláqua, 1.137; Revisto,
1.145.
152 CJODIGO CIVIL

Observação — Desta equiparação entre a dação em paga-


mento e a cessão, resulta que a operação deve ser. notificada
ao devedor (art. 1.069), e que o solvente fica responsável pela
existência do credito (art. 1.073).

Art. 998 — Se o credor for eyicto da coisa


recebida em pagamento, restabelecer-se-á a obri-
gação primitiva, ficando sem effcito a quitação
dada.

Direito anterior — Nada dispunha.


Legislação comparada — Em sentido contrario: Codigo Ci-
vil argentino, art. 783; uruguayo, 1.493; e allemão, 365 (por ar-
gumento) .
Projectos — Esdoço, art. 1.119 (differente); Beviláqua,
1.138; Revisto, 1.146.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 40; João Luiz
Alves, Codigo Civil annotado, ao art. 998; M. I. C. de Men-
donça, Obrigações, I, n.339; Huc, Gommentaire, VIII, ns. 31;
PlanioL, Traité, II, n. £>55; Saleilles, De Vobligacion, n. 48:
Aocaeias, Précis de droit romain, II, n. 961; Gikaiíd, Droit ro-
main, pagina 689 e nota (6); Windscheio, Pand., II, § 342, nota
14; Code Civil allemanã, public par le Comitê le lég. étr., aos
artigos 364 e 365.

Observação — No direito romano, havia controvérsia, Mar-


ciano dizia: Si quis aliam rem pro alia volenti solverit, et evicta
fuerit res, manet pristina obligatio. Et si pro parte fuerit evicta,
tamen pro solido obligatio durat: nam non accepisset re in-
tegra creditar, nisi pro solido ejus fuerit (D. 46, 3, fr. 46, pr.).
Ulpiano, diversamente, entendia que a acção do credor era a
util ex empto, persistindo extincta a obrigação: imo utilis ex
empto accommodata est, quemaãmodum si pro soluto ei res data
fuerit, ut in quantitatem debiti et satisfiat, vel in quantuni ejus
intersit (D. 13, 7, fr. 24, pr.).
Decidiu-se o legislador brasileiro pela opinião de Marciano,
apesar das legislações e das autoridades em contrario. Realmente,
é mais razoavel e mais justa. Defendeu-a, com excellentes consi-
derações. M. I. Carvalho de Mendonça, de quem são as palavras
UÜS EFFEITOS 1)A8 OBRIGAÇÕES 153

seguintes: "Se a dação é uma fôrma de pagamento, não se çom-


prehende que este se possa fazer senão de modo a libertar o
devedor e satisfazer, plenamente, os interesses do credor. Ora,
se o que elle prestou não era, seu, não se pôde ver de que modo
elle possa sé exonerar. Por outro lado, se o credor pôde ser
ainda incommodado por terceiro, se aquillo que recebeu como
uma prestação, que lhe era divida, deixa de o ser de facto, a
que ficaria reduzido o seu direito creditorio?"

CAPITULO VII

Da novação

Art. 999 — Dá-se a novação:


I. Quando o devedor contrae com o credor
nova divida, para extinguir e substituir a an-
terior .
II. Quando novo devedor succede ao antigo,
ficando este quite com o credor.
III. Quando, em virtude de obrigação nova,
outro credor é substituido ao antigo, ficando o
devedor quite com este.

Direito anterior — Semelhante (Codigo Commercial, artigo


433; Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 949).
Legislação comparada — D. 46, 2 fr. 1, pr.: Novatio est
prioris ãeljiti in aliam ahligationcm transfusio atque translatio,
quum ex praeceãenti causa ita nova constituitur, ut prior peri-
matur. D. 46, 2, fr. 20; Inst., 3, 29, § 3.°, inttio; Codigo Civil
francez, art. 1.271; italiano, 1.267; suisso, das obrigações, ar-
tigo 142 da edição de 1881 (a edição de 1911 não enumera os-
varios modos pelos quaes se opera a novação); hespanhol, ar-
tigo 1.203; portuguez, 802; chileno, 1.631; uruguayo, 1.526;
peruano, 1.290 e 1.291; boliviano, 863; venezuelano, 1.335; me-
xicano, 2.213; japonez, 513-515. Vejam-se, também: allemão, art.
364 2.a al.; argentino, 815 e 817; do Montenegro, 622.
Projectos — Esl)oço, arts. 1.121, 1.139 e 1.147; Felicio dos
Santos, 502; Coelho Rodrigues, 548; Beviláqua, 1.139; Revisto,
1.147.
154 CODIQp CIVIL

Bibliographia — Direito das obrigações, § 46; M. I. Cak-


valho de Mendonça, Obrigações, I, ns. 340 e segs. Lacerda,
Obrigações, §§ 85-87; Teixeira de Freitas Consolidação, nota 54
ao art. 1.300; Almachio Diniz, Obrigações, § 113; S. Vampré,
Manual, II, § 152; Bento de Faria, nota ao art. 438, do Codigo
Commercial; Coelho da Rocha, Inst., §§ 160-162; Alves Moreira,
Inst., II, ns. 88 e segs. Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez,
II, aos arts. 802-814; Planiol, Traité, II, ns 556 e segs.; Huc,
Gommentaire,. VII, ns. 103 e segs.; Potiiier, Observações, II,
ns. 546 e segs.; Zachariae, Droxt civil français, III, §§ 556
e 566; Laurent, Cours, II, ns. 76 e segs.; Aubry et Rau, Cours,
IV, § 324; Endemann, Lehrbuch, I, § 142, li; Windsciikid, Pand.,
II, §| 353-355; Derndurg, Panã., II, § 59; Chironi, Ist., § 298;
Rivarola, Derecho civil argentino, I, ns. 214-244; Rossel, Droit
civil suisse, III, ps. 150-153; Colmo, Obligaciones, ns. 733 e se-
guintes; Errazuriz, Curso de derecho civil, ps. 153 e segs.; J.
X. Carvalho de Mendonça, Tratado do direito commercial, VI,
primeira parte, ns. 500 e segs.; R. Salvat, op. cit., ns. 1.629 e
ség.; Soriano DE Souza Neto, Da novação, 2.a ed.

Observações — 1. — Novação é a conversão de uma divida


em outra para estinguir a primeira. Embora muito haja perdido
da sua primitiva importância, e appareça, muito apagadamente,
nos Codigos mais recentes, como o suisso das obrigações e o
allemão, é, ainda, um meio liberatorio, que Tem caracteres pró-
prios e effeitos jurídicos apreciáveis.
A novação presuppões: 1.°, o accórdo das partes; 2.°, uma
obrigação valida anterior; 3.°, animo de novar, expresso ou clara-
mente deduzido dos termos da nova obrigação, porque, na falta
desta intenção, subsistem as duas obrigações, vindo a segunda
reforçar a primeira (art. 1.000); 4.°, validade da segunda
obrigação.
2. — Diz-se objectiva, quando se opera pela mudança do
objecto da prestação (art. 999, n. 1); e subjectiva, quando se
opera pela mudança do credor ou do devedor (art. 999, ns. II
e III). Ha muito, abandonou a sciencia a distincção entre no-
vação voluntária e necessária. Toda novação é voluntária. Dizia-
se que a litiscontestação e a sentença importavam em novação
necessária. Mas é um ponto de vista falso, que a doutrina des-
prezou .
DOS EFFEITOS DAS OBKIGAÇÕES 155

Art. 1.000 — Não havendo animo de novar,


a obrigação confirma, simplesmente, a primeira.

Direito anterior —= Prevalecia o direito romano.


Legislação comparada — D. 46, 2, fr. 2; Codigo Civil
francez, art. 1.273; italiano, 1.269; hespanhol, 1.204; portuguez,
803; suisso, das obrigações, 116; argentino, 812; chileno, 1.634;
uruguayo, 1.530; boliviano, 865; venezuelano, 1.337; mexicano,
2.215. V., ainda: allemão, art. 364.
Projectos — Esboço, art. 1.141; Felicio dos Santos, 507;
Coelho Rodrigues,- 550; Beviláqua, 1.140; Revisto, 1.148.

Observação — A novação não se presume. O animus no-


vandi, se não é expresso, deve resultar dos termos do acto, como
já ficou observado no commentario ao artigo antecedente. Assim,
a reforma do titulo, a prorogação do prazo para o pagamento,
a exigência de novas garantias têm, apenas, o effeito de roborar
a obrigação, sem noval-a.
A concordata não produz novação (lei n. 5.746 de 9 de
Dezembro de 1929, art. 114).

Art. 1.001 — A novação por substituição do


devedor pode ser effectuada independente de
consentimento deste.-

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — D. 46, 2, fr. 8, § 5.°; Codigo Civil
francez, art. 1.274; italiano, 1.270; portuguez, 804; hespanhol,
1.205; argentino, 815; chileno, 1.631, ultima parte; uruguayo,
1.526, ultima parte; venezuelano, 1.338; boliviano, 866, ja-
ponez, 514.
Projectos — Esboço, art. 1.151; Felicio dos Santos, 509;
Coelho Rodrigues, 552; Beviláqua, 1.141; Revisto, 1.149.

Observações — 1. — A novação subjectiva por substituição


do devedor pôde effectuar-se, independentemente de annuencia
156 CODIGO CIVIL

deste, porque ignorantis et inviti conãitio melior fieri putest


(D. 46, 3, fr. 53). E' a expromissio dos romanos.
Não haverá subrogação, porque, se o novo devedor ficasse
subrogado nos direitos do credor, a obrigação não estaria ex-
tincta. Vejam-se os arts. 930 e 935.
2. — Quando a substituição do devedor resulta de accôrdo
celebrado cbm elle, ha delegação, que se não deve confundir com
a novação, pois, como ensina Planiol (Traitó, II, n. 580), "é
uma convenção especial analoga ao mandato, que intervem entre
o delegante e o delegatario para realizar diversos effeitos juri-
dicos". Delegare est vice sua alium reum ãare creãitori, vel cui
jusserit (D. 46, 2, fr. 11). Veja-se o artigo seguinte. A novação
poderá resultar da delegação, mas não é conseqüência necessária,
pois que nem sempre a delegação tem em vista a extincção de
uma obrigação anterior.

Art. 1.002 —- Se o novo devedor for insol-


vente, não tem o credor, que o acceitou, acção
regresssiva contra o primeiro, salvo se este obteve
por má fé a substituição.

Direito anterior — Não havia disposição de lei; mas o sub-


sidio do direito romano suppria a lacuna.
Legislação comparada — D. 17, 1, fr. 45, § 7.°; Cod. 8, 42,
1. 3; Codigo Civil francez, art. 1.276; italiano, 1.272; portuguez,
805; hespanhol, 1.206; argentino, 816; chileno, 1.637; uruguayo,
1.532; venezuelano, 1.340; boliviano, 868.
Projectos 1— Esboço, art. 1.157; Felicio dos Santos, 510;
Coelho Rodrigues, 555; Bevilaqtia, 1.142; Revisto, 1.150.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 46; M. I. Caii-
vai.ho ue Mendonça, Obrigações, I, n. 347; Lacerda, Obrigações,
§ 85; Pi.ani.oi., Traitó, II, ns. 578-588; Huc, Gommentaire, VIII,
ns. 116-124; Aubby et Raij, Cours, IV, n. 324, 5.°.

Observação — Quando o devedor é substituído por outro,


sem o seu consentimento, porque este outro solveu o debito, sem
que elle soubesse ou quizesse {ignorans etiam et invitus), o
caso ó de expromissão; se houve accôrdo, o caso "é de delegàção
porque o primeiro devedor incumbe ao segundo pagar ao credor
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 157
a sua divida. Nem sempre a delegação importa novação; para
que esta se dê, necessário é que se extinga a obrigação pela qual
se achava ligado o primeiro devedor.
Esta extincção da divida presuppõe acquiescencia do credor,
pois o devedor delegante não se desonera, sem que o credor dele-
gatario fique ou se considere pago, pela obrigação assumida pelo
novo devedor, o delegado. Dada, porém, a acceitação do credor,
elle não tem mais acção contra o delegante, e sim, contra o de-
legado. O primeiro está livre, salvo se obteve, de má fé, a sub-
stituição.

Art. 1.003 — A novação extingue os acces-


sorios e garantias da divida, senrpre que não
houver estipulação em contrario.

. Direito anterior — Vejam-se o Codigo Commercial, art. 438,


2* al.; e lei n. 2.024, de 17 de Dezembro de 1908, art. 114.
Legislação comparada — D. 13, 7, fr. 11, § 1.°; 46, 2, fr. 18;
46, 3, fr. 43; Cod., 8, 27, I. única; Codigo Civil francez, arts. 1.278
e 1.279; italiano, 1.274 e 1.275; hespanhol, 1.207; portuguez,
807; chileno, 1.642; argentino, 803; uruguayo, 1.534 e 1.535;
venezuelano,, 1.342; boliviano, 870 e 871; mexicano, 2.220.
Projectos — Esboço, art. 1.124 (fonte); Felicio dos Santos,
512; Coelho Rodrigues, 556 e 557; Beviláqua, 1.143; Revisto,
1.151.

Observação — Novatione legitime facta, liherantur hypo-


thecae et pignus; usurae non currunt, ensinava Paiixo (D. 46,
2, fr. 18). A novação é um acto liberatorio; e, extinguindo-se a
obrigação principal, extinctas ficam as que se lhe ajuntam como
accessorjas.
Entre os accessorios da obrigação, acham-.se as excepções
do devedor, que somente poderão ser oppostas, se disserem res-
peito á segunda obrigação.
Sob o ponto de vista considerado neste artigo, é bem accen-
tuada a differença entre novação e subrogação (art. 985).

Art. 1.004 — Não aproveitará, com tudo, ao


credor resalvar a hypotheca, antichrese ou pe-
158 CODIGO CIVIL

nhor, se os bens dados em garantia pertencem a


terceiro, que não foi parte na novação.

Direito anterior — Havia a doutrina.


Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, ait. 807,
paragrapho único; chileno, 1.642, 2." ai.; argentino, 804; mexi-
cano, 2.221; japonez, 804; uruguayo, 1.536, 2." al.
Projectos — Eshoço, art. 1.125 (fonte); Beviláqua, 1.114;
Revisto, 1.152.

Art. 1.005 — Operada a novação entre o


credor e um dos devedores solidários, somente
sobre os bens do que contrahir a nova obrigação
subsistem as preferencias e garantias do credito
novado.
Paragrapho único. Os outros devedores so-
lidários ficam, por esse facto, exonerados.

Direito anterior — Codigo Commercial, art. 438, 2.n al.


Legislação comparada — D. 13, 7, fr, 11, § 1.°; 46, 2, fr. 31,
§ 1.°; Codigo Civil francez, arts. 1.280 e 1.281; italiano, 1.276
A 1.277, 1." al.; portuguez, 808 e 809; chileno, 1.643, 2.a al.,
1.645; uruguayo, 1.537, 3.a al., e 1.539; l.a al.; venezuelano, 1.344
e 1.345; l.a al.; boliviano, 872 e 873; mexicano, 2.222 e 2.223;
peruano, 1.287.
Projectos — Esòoço, art. 1.126 e 1.129; Felicio dos Santos,
513; Coelho Rodrigues, 558 e 559, pr.; Beviláqua, 1.145; Revisto,
1.153.

Observações — 1. — A novação extingue a divida anteiioi.


Os devedores solidários, que não figuram na operação, pela
qual a divida foi novada, são extranhos á divida nova e se
acham exonerados da primeira, que não mais existe.
2. — A concordata formada com algum socio solidário da
sociedade fallida exonera os outros socios solidários de qualquer
responsabilidade, cessando os effeitos da sua fallencia (lei nu
mero 5.746, de 9 de Dezembro de 1929, art. 114, paragrapho
DOS EPFEXTOS DAS OBRIGAÇÕES 159

único, conforme também dispunha a lei n. 2.024, de 17 de De-


zembro de 1908, art. 114, 2.11 parte).

Art. 1.006 — Importa exoneração do fiador


a novação feita, sem seu conseiíso, com o devedor
principal.

Direito anterior — Codigo Commercial, art. 438, 2.a ai.;


Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 949, § 2.°.
Legislação comparada — Cod., 8, 41, I. 4; Codigo Civil
francez, art. 1.281, 2.a e 3.a ais.; italiano, 1.277. 2.a e 3.a, rdtí.;
uruguayo, 1.539, 2.a al.; venezuelano, 1.345; boliviano, 873, in
médio.
Projectos — Esboço, art. 1.128 (fonte); Coelho Rodrigues,
559; Beviláqua, 1.146; Revisto, 1.154.

Observação — Extincta a obrigação principal com o acto


liberatorio da novação, extinguem-se as obrigações accessorias,
entre as quaes se acha a do fiador. Para que a fiança se trans-
porte para a nova divida é necessário que o fiador acceite a
nova situação. Se, porém, a obrigação novada for a da fiança,
subsiste inalterada a obrigação principal.

Art. 1.007 — Não se podem validar por no-


vação obrigações nnllas- ou extinctas.

Direito anterior — Principio acceito, mas não expresso


em lei. «
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, arts. 810
e 812; hespanhol, 1.208; argentino, 802; chileno, 1.630; uru-
guayo, 1.527 (refere-se á obrigação extincta, somente); mexi-'
cano, 2.217. V. D. 45, 1, fr. 91, § 6.°.
Projectos — Esboço, art. 1.136; Felicio dos Santos, 504 e
505; Beviláqua, 1.147; Revisto, 1.155.
160 CODIGO CIVIL

Observação — A novação presupõe uma obrigação anterior;


se esta é nulla, ou se já não existe por estar prescripta, ou por
outra razão, não pôde ser novada. A novação não teria objecto.
Se, porém, o vicio da nullidade recáe sobre a novação, a obri-
gação anterior nada soffre; contimia como dantes era.

Art. 1.008 — A obrigação simplesmente an-


mülavel pode ser confirmada pela novação.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada -—-D. 46, 2, fr. 1, § 1.°, in fine. Sem
correspondência nos Codigos modernos, salvo o peruano, art. 1.292.
Projectos — Esboço, art. 1.137 (fonte); Felicio dos Santos,
504; Beviláqua, 1.148; Revisto, 1.156.

Observações — 1. ■— A novação funcciona como ratificação,


neste caso. Quando a obrigação é, absolutamente, nulla, em di-
reito não existe, não ha possibilidade de ser confirmada, e, con-
sequentemente, de ser novada. Sendo, porém, annullavel, como o
vicio pode ser detergido pela confirmação, a lei admitte, que seja
novada, e que a novação importe ratificação, se fôr validamente
feita, e se fôr celebrada com sciencia dos motivos da annul-
labilidade.
2. — Pôde a obrigação natural ser novada? O direito romano
autoriza a resposta affirmativa: Illuã non interest qualís pro-
cessit obligatio: utrum naturalis, an civilis, an honorária-, et
utrum verbis an re, an consensu, qualiscumque igitur obligatio
sit, quae proecessit, novari verbis potest: dummodo sequens obli-
gatio aut civiliter teneat aut naturaliter: ut puta se pupillus
sine tutoris auctoritate promiserit.
Mas o que hoje se entende por obrigação natural, como já
foi observado no commentario do art. 970, outra coisa não pôde
ser senão o dever moral, quer dizer, um dever juridicamente não
exigivel, sem meios jurídicos de prevalecer. Se alguém no cum-
primento delle despender alguma coisa, seria immoral que o pu-
desse repetir, mas se o quizer novar já o não poderá fazer, por-
que a novação presuppõe uma obrigação anterior valida ou sus-
ceptível de ser validada. Os interessados poderão sim, obrigar-
se, civilmente, tendo em consideração o dever moral, que re-
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 161
conhecem; mas essa operação é a creação de um vinculo jurí-
dico originário, não é novação.

CAPITULO VIU

Da compensação

Art. 1.009 — Se duas pessoas forem, ao


mesmo tempo, credor e devedor uma da outra,
as duas obrigações extinguem-se, até onde se
compensarem.

Direito anterior — O mesmo (Ord., 4, 78, pr.; Codigo Com-


meicial art, 439; Teixeira de Freitas, Consolidação) art. 840;
Carlos de Carvalho, Direito civil, 943).
Legislação comparada — D. 16, 2, frs. 1 e 2; Codigo Civil
fiancez, art. 1.289; italiano, 1.285; allemão, 387; austríaco, 1.438;
hespanhol, 1.195; portuguez, 765, pr.; suisso, das obrigações, 120;
argentino, 818; chileno, 1.65'5; uruguayo, 1.497; venezuelano,
1.353; peruano, 1.294; boliviano, 882; mexicano, 2.185; japo-
nez, 505.
Projectos — Esboço, art. 1.158; Felicio dos Santos, 523;
Coelho Rodrigues, 561; Beviláqua, 1.149; Revisto, 1.157.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 47; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, ns. 352 e segs.; Lacerda, Obri-
gações, § 78; Almachio Diniz, Obrigações, § 114; S. Vampré,
Manual, II, §§ 154 e 155; Coelho da Rocha, Znsí., §§ 164-167;
Alves Moreira, Inst., II, ns. 77 e segs.; Saleilles, De Vobligation,
ns. 55 e segs.; Planiol, Traité, II, ns. 589 e segs.; Huc, Com-
mentaire, VIII, ns. 142 e segs.; Laurent, Cours, III, ns. 103 e
segs.; Zachariae, Droit civil français, III, § sto e segs.; Po-
thier, Obrigações, II, ns. 587 e segs.; Aubry et Rau, Cours, IV,
§§ 325 e segs.; Code Civil allemanã, publié par le Comitê de lég.
étr., aos arts. 387 e segs.; Endemann, Lehrbuch, I, § 144; Kohler.
Lehrbuch, I, §§ 64-67; Windscheid, Pand., II, §§ 348 e segs.;
Dernburg, Pand., II §§ 62-64; Chironi, Ist., II, § 297; Rivarola,
Derecho civil argentino, I, ns. 245 e segs.; Rossel, Droit civil
suisse, ps. 156 e segs.; Colmo, Obligaciones, ns. 773 e segs.;
Errazuriz, Derecho civil, II, ps. 169 e segs.; R. Salvat, op. cit.,
ns. 1.745 e segs.

Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 11


162 CODXGO CIVIL

Observação — Compensação é a extincção reciproca de obri-


gações até a concurrencia de seus respectivos valores, entre
pessoas que são devedoras uma da outra. Os artigos seguintes
estabelecem, de modo preciso, em que casos ella se pode dar, • e
como se opera. Diz-se legal, quando resulta dq, lei, independente-
mente da vontade das partes, e, ainda, quando uma das partes
se opponha. Não pôde, certamente, o juiz declaral-a de officio;
deve ser allegada; mas os seus effeitos retroagem á data em
que se verificou, segundo observa Teixeira de Freitas, Consoli-
dação, nota (2) ao art. 841. E' voluntária, ou convencional,
quando resulta de accôrdo das partes, e pode comprehender até
divida ainda não exigivel. Nesta especie não ha effeito retro-
activo; os seus effeitos remontam ao tempo do accôrdo com-
pensatório. Falam, também, alguns civilistas da compensação
reconvencional ou judicial, quando, opposta pelo réu no contes-
tação da lide, é, afinal, declarada pelo juiz (Lacerda, Cbrigações,
§ 81). Neste caso, a divida pôde não ser liquida, comtanto que
se liquide em juizo. O Codigo Civil não reconliece esta especie,
nem a conhecia o direito anterior (Carvalho de Mendonça, Obri-
gações, I, n. 370), porque não ha necessidade de indentificar a
compensação com a reconvenção, que tem sua individualidade
própria.

Art. 1.010 — A compensação effectua-se


entre dividas liquidas, vencidas e de coisas fun-
giveis.

Direito anterior — Semelhante (Orã., 4, 50, pr.; 4, 78, pr.,


e § 4.°; Codigo Commercial, art. 439).
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.291;
italiano, 1.287; austriaco, 1.438 e 1.439 hespanhol, 1.196 por-
tuguez, 765; argentino, 819 e 820; chileno, 1.656; uruguayo, 1.499
e 1.500; venezuelano, 1.355; peruano, 2.254; boliviano, 855'; do
Montenegro, 615; mexicano, 2.188; japonez, 505'. O allemão, 387,
não se refere á liquidez da obrigação; mas o art. 390 exclue da
compensação a divida contestada.
Quanto ao direito romano: Cod., 4, 31, ls. 4 e 14, § 1.°.
Projectos — Esboço, art. 1.160; Felicio dos Santos, 528:
Coelho Rodrigues, 563; Beviláqua, 1.150; Revisto, 1.158.
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 163

Observações — 1. — Divida liquida define o' Codigo Civil,


art. 1.533, é aquella que é certa, quanto á existência, e deter-
minada, quanto ao seu objecto. Nella se determinam, de modo
claro, a qualidade, a quantidade e a natureza do objecto devido.
Non multis avibagiius innodataf sed possit juãice facile exitum
sui praestare, diz Justiniano, na lei 14, § 1.°, Cod., liv. IV, tit, 31.
Se a divida liquida é certa quanto á sua existência, parece
que a divida contestada não se compensa. E' também esta a dou-
trina do Codigo Civil allemão, art. 390: "O credito contra o qual
existe excepção não pôde ser compensado". E' verdade que o
systema do Codigo Civil allemão differe do nosso. Ali a com-
pensação se opera por uma declaração da parte, aqui resulta
da lei, embora por allegação do interessado. Também é certo
que o Codigo Civil allemão deixa de parte o requisito da li-
quidez, contentando-se com o da exigibilidade. Mas, ainda assim,
não parece descabido invorcar-lhe a autoridade. E, se essa fal-
tasse ficaria a letra irrecusável da nossa lei: Considera-se li-
quida a obrigação certa, quanto á sua existência. Uma vez
contestada não é certa; pode entretanto, tornar-se certa pela
destruição das objeções, que a envolverem.
Veja-se, todavia, em , sentido contrario: M. I. Carvalho de
Mendonça, Obrigações, I, n. S^, e Lacerda de Almeida, Obri-
gações, § 79, nota 4.
K a. — Se, entretanto, observam Aubry et Rau, IV, § 326,
p. 374, aquelle que oppõe a divida contestada tem em seu poder
a prova da existência delia, a compensação é possivel, porque a
liquidez não depende do reconhecimento do devedor.
2. — As dividas compensaveis devem ser vencidas, isto é,
actualmente exigiveis. Este requisito da exigibilidade actual
exclue: as chamadas obrigações naturaes: as condicionaes, cuja
condição suspensiva ainda não se realizou; as de prazo, cujo
termo slispensivo não se venceu; e as contestadas.
3. — As dividas devem ser de coisas fungíveis; quer isto
dizer — da mesma especie. Não basta que as coisas, objecto
das prestações sejam fungiveis, das que se determinam por sua
especie e qualidade, e, por isso, podem substituir-se. Devem ser
fungiveis entre si. Attendendo a essa circumstancia, dizia o Pro-
jecto primitivo, art., 1.150, com o Codigo Civil francez, art. 1.291:
"coisas fungiveis da mesma especie". Dividas de" dinheiro com-
pensam-se com outras dividas de dinheiro; dividas de café de
determinada qualidade, compensam-se com outras da mesma qua-
164 CODIGO CIVIL

lidade. As coisas compensaveis devem ser da mesma qualidade


(V. o artigo seguinte).

Art. 1.011 — Embora sejam do mesmo gê-


nero as coisas fungíveis, objecto das duas pre-
stações, não se compensarão, verificando-se que
differem na qualidade, quando especificada no
contracto.

Direito anterior — Silente.


Legislação comparada — Sem correspondência. O Codigo
Civil portuguez, art. 765, enumera entre as dividas compensaveis:
3.°, as consistentes em somma de dinheiro, ou em coisas fungíveis
da mesma especie e qualidade. Quer isto dizer que as coisas fun-
gíveis devem sel-o entre si. A intenção do nosso art. 1.011 é
outra como se vê melhor da observação.
Projectos — Esboço, art. 1.164; Beviláqua, 1.152; Revisto,
1.159.

Observação — Este artigo esclarece a intelligencia do ca-


racter de fungibilidade reciproca, que devem ter as obrigações
compensaveis. As prestações devem ter por objecto coisas do
mesmo genero, e cumpre que, se no contracto se especificar a
qualidade de um dos objectos, delia não diffira a do outro. Se o
café, ou o assucar, a entregar fôr de typo determinado, não se
compensará a divida com outra referente á qualidade diversa
desses generos, porque, o credor dellas não receberá, precisa-
mente, o que lhe é devido.

Art. 1.012 — Não são compensaveis as pre-


stações de coisas incertas, quando a escolha per-
tence aos dois credores, ou a um delles, como
devedor de uma das obrigações e credor da
outra.

Direito anterior — Omisso.


DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 165
Legislação comparada — Sem correspondência. V., entre-
tanto, D. 16, 2, fr. 22.
Projectos — Esboço, art. 1.165; Beviláqua, 1.151; Revisto,
1.160. Era divergente a doutrina do Projecto primitivo Dizia
elle: "São, também, compensaveis as prestações de coisa inceiv
tas não fungíveis, quando a sua escolha pertencer aos dois cre-
dores, ou a uma das partes, como devedora de uma das obriga-
ções e como credora da outra". A Commissão do Governa in-
verteu a regra, tornando negativa a proposição affirmativa do
Projecto (Actas, p. 224), e o seu parecer acceito se transformou
no art. 1.012 do Codigo Civil.

Observação — Dizendo o Codigo, neste artigo, que não são


compensaveis as prestações de coisas incertas, quando a es-
colha pertence aos dois credores, permitte concluir, a contrario
sensu) que, se a escolha pertencer aos dois devedores, a com-
pensação é possível. Mas assim não é. A deve um cavallo; B
deve cem Mios de cacau. Essas prestações não são compensaveis,
porque não são de coisa fungíveis entre si. O encontro das
dividas em casos taes, .somente por accôrdo das partes poderá
dar-se. Mas, por força da lei, não é possível. A regra do artigo
parece, pois, ociosa e, até certo ponto, conturbadora das noções.
O que o Projecto primitivo quiz dizer foi que, ainda quando
as coisas são infungiveis, por não serem das que se podem sub-
stituir por outras da mesma especie, qualidade e quantidade, é
possível a compensação, se taes coisas infugiveis são incertas,
e a escolha deilas pertence aos dois credores. A deve a B uma
coisa incerta, não fungível, por exemplo um cavallo. B. deve a
A outra coisa incerta não fungível, por exemplo uma secretária.
Se a escolha cabe aos dois credores, queria o Projecto primitivo
que, dada a indeterminação dos créditos, os dois se pudessem
eliminar. Da mesma forma se eliminariam se A somente tivesse
a escolha, como devedor e como credor. A indeterminação eqüi-
valeria á fungibilidade.
Aliás, o disposto no Codigo foi tirado do Esboço.

Art. 1.013 — O devedor só pôde compensar


com o credor o que este lhe dever; mas o fiadór
166 CODXGO CIVIL

pôde compensar sua divida com a de seu credor


ao afiançado.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Degislação comparada — D. 16, 2, frs. 4 e 5; Codigo Civil
francez, art. 1.294, l.a ai.; italiano; 1.290; hespanhol, 1.197
suisso, das obrigações, 121; argentino, 829; uruguayo, 1.503;
venezuelano, 1.358; peruano, 1.297. Vejam-se ainda: o austríaco,
art. 1.441, e o chileno, 1.657, 2.a al.
Projectos — Esboço, art. 1.118; Felicio dos Santos, 533,
Coelho Rodrigues, 556; Beviláqua, 553; Revisto, 1.161.

Observação — A regra é que a compensação só é possivel


entre pessoas, que são entre si, reciprocamente, credor e de-
vedor. Por isso, as obrigações do mandante para com terceiros
não se compensam com as do mandatario para com os mesmos;
as dividas do 'tutor não se compensam com os créditos do tu-
telado. Abre-se uma excepção á regra, em beneficio do fiador,
que pôde compensar a sua divida com o credito do seu afian-
çado. E' que o fiador, embora estranho á divida do credor do
afiançado, é coobrigado na divida deste.
Esta compensação não retroage ao momento, em que as di-
vidas se tornam exigiveis; produz o seu effeito extinctivo da
data, em que o fiador a invoca (Carvalho de Mendonça, Obri-
gações, I, n. 357).
O devedor, porém, não pôde compensar a sua divida com
o que o seu credor deve ao seu fiador, porque: 1.°, a obrigação do
fiador não é principal e directa; 2.°, pela divida do afiançado
responde o fiador, mas pela deste não responde aquelle.

Art. 1.014 — Os prazos de favor, embora


consagrados pelo uso geral, não obstam a com-
pensação .

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — D. fô, 2, fr., 16, § 1.°: aliuã est enim,
ãiem obligationem non venisse: aliuã, humanitatis gratia tempus
indulgeri soluUonis; Codigo Civil francez, art. 1.292; italiano,
1.288; chileno, 1.657; venezuelano, 1.356; boliviano, 885.
DOS EFFEXTOS DAS OBRIGAÇÕES 167

Projectos — Coelho Rodrigues, art. 564; Beviláqua, 1.154;


Revisto, 1.162.

Observação — Prazos de favor são os concedidos, obse-


quiosamente, pelo credor. Se .o devedor, a quem foi concedida
uma dilação gratuita, uma espera obsequiosa, é credor, também,
do seu credor, não pode invocar a concessão, que, graciosamente,
lhe foi feita, para recusar o encontro da sua divida com o seu
credito.

Art. 1.015 — A differeiiça cie causa nas di-


vidas não impede a compensação, excepto;
I. Se uma provier de esbulho, furto ou
roubo.
II. Se uma se originar de commodato, de-
posito, ou alimentos.
III. Se uma for de coisa não susceptível de-
penhora.

Direito anterior — Semelhante, quanto aos ns. I e II (Tei-


xeira , de Freitas, Consolidação, art. 850; Carlos de Carvalho,
Direito civil, art. 947, letras a-e; Ord., 4, 78, §§ 1.°, 2.°, 3.° e 6.'';
Codigo Commercial, art. 440; Reg. n. 737, de 25 de Novembro
de 1950, art. 278).
Legislação comparada — D. 16, 3, frs. 25', § 1.°, e 26, § 1.°;
Cod., 4, 31, Is. 3, 8, 11 e 14, §§ 1.° e 2.°; Codigo Civil francez,
art. 1.293; italiano, 1.289; portuguez, 762, ns. 2-4; hespanhol,
1.200; suisso, das obrigações, 125; argentino, 824, 825 e 2.219;
chileno, 1.662; uruguayo, 1.509, 1.510 e 2.270; venezuelano,
1.357, l.0-3.0; peruano, 1.295; mexicano, 2.192, ns. II-IV; boli-
viano, 887; do Montenegro, 616; japonez, 509 e 510; allemão,
393 e 394.
Projectos — Esboço, arts. 1.168, pr., e 1.169, ns. 2-4; Fe-
licio dos Santos, 531; Coelho Rodrigues, 565; Beviláqua, 1.155;
Revisto, 1.163.
168 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — O que importa á compensação é que as


dividas sejam líquidas, vencidas e de coisas entre si fungíveis,
a causa ãehencli não interessa, excepto nos casos mencionados
nos ns. I e II deste artigo. O n. III não attende á causa da
obrigação e, sim, a uma qualidade do objecto da prestação.
2. — Quanto aos casos do n. I, esbulho, furto e roubo, é
intuitivo que a incompensabilidade procede de serem actos con-
trários ao direito, manifestamente injustos. Ainda que as dividas
tenham a mesma origem, não se compensam, nestes casos. O Cor
digo não manteve a regra do direito anterior, que permittia a
compensação, quando as dividas mencionadas eram da mesma
natureza.
Para o esbulhador, preceitua, especialmente, o Codigo (ar-
tigo 506) que elle deve restituir a coisa esbulhada, sem ser ouvido,
salvo se ao esbulhado, evidentemente, não pertencer o domínio
(art. 505). Spoliatus, ante onia, restituenclus.
3. — Em relação ao commodato e ao deposito, ha também,
razões de ordem moral, que impedem a sua compensação. São
dividas de fiança, que exigem um pagamento (a restituição)
immediato. Admittir a compensação, seria desnaturar a feição
própria desses contractos, demorar-lhes a acção. Todavia, a di-
vida de deposito se compensa com outra da mesma natureza,
determina o art. 1.273, in fine. Para o commodato, nada foi es-
tatuído, mas a razão de decidir é a mesma. Esta attenuação ad
rigor da regra da exclusão do encontro das dividas justifica-se
no caso de deposito, pela identidade da situação dos dois deve-
dores. E' certo que, nos casos de esbulho, furto e roubo, haveria,
egualmente, identidade; mas o depositante infiel não commette
a violência do esbulhador, nem pratica immoralidade tão mani-
festa e revoltante quanto o ladrão, pois ha casos em que está
autorizado a não restituir o objecto depositado: se o mesmo fôr
judicialmente embargado; se sobre elle pender execução notifi-
cada ao depositário; se este tiver motivo razoavel de suspeitar
que a coisa foi furtada ou roubada (art. 1.268).
4. — As dividas de alimento, pela sua natureza, não admittem
compensação. Destinam-se a manter a subsistência da pessoa,
que não tem recursos para viver, nem pode prover ás suas neces-
sidades por seu trabalho. Seria illogico solvel-as por outro modo
que não fosse dar ao alimentario o recurso de que necessita.
5. — Não são susceptíveis de penhora os bens mencionados
no art. 942 do Codigo de Processo Civil. A compensação suppõe
dividas da mesma natureza, de objectos fungíveis, e que possam
ser, judicialmente, cobradas. Se uma das dividas não está nessas
condições, a compensação é irrealizavel.
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 169

6. — A indemnização por accidente no trabalho também


não admitte compensação, porque eqüivale a divida de alimentos.

Art. 1.016 — Não pôde realizar-se a com-


pensação, havendo renuncia prévia de um dos
devedores.

Direito anterior — Além do subsidio do direito romano, a


these, como simples applicação de principies correntes, era ge-
ralmente acceita.
Legislação comparada — Codigo Civil italiano, art. 1.289;
suisso, das obrigações, 126; portuguez, 767, 1.°; venezuelano, 1.357,
4.°; mexicano, 2.192, 1.°.
Projectos — Esboço, art. 1.169, 1.°; Felicio dos Santos, 531,
1.°; Coelho Rodrigues. 565, § 4.° Beviláqua, 1.156; Revisto, 1.164.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 47, III; Lacerda,
Obrigações, § 82; Windscheid, Panã., II, § 350, /, e nota 29;
Debnbueg, Panã., II, § 63, II, 1.°; Rossel, Droit civil suisse,
III, ps. 165-166.

Observação — A renuncia da compensação deve ser, ordi-


nariamente, expressa, no systema do Codigo, salvo no caso do
art. 1.021. Exigindo renuncia prévia, o Codigo quer que seja
expressa. Todavia, o credor, demandado não oppõe a compen-
sação e se promptifica a pagar, é claro que renunciou, taci-
tamente.

Art. 1.017 — As dividas fiscaes da União,


dos Estados e dos Municipios também não podem
ser objecto de compensação, excepto nos casos
de encontro entre a administração e o devedor
autorizados nas leis e regulamentos da Fazenda.

Direito anterior — Semelhante (Teixeira de Freitas, Con-


solidação, arts. 850, § 4.°, 851, e 852; Carlos de Carvalho, Direito
civil, arts. 947, d; Ord.^ 4, 78, § 5.°).
170 CODIGO CIVIL

Legislaçãocomparada — D. 19, 14, fr. 46, § 5.°; Codigo


Civil allemão, art. 395; suisso, das obrigações, 125, 3.°; portuguez,
767, 5.°; argentino, 823; uruguayo, 1.5lll; venezuelano, 1.537,
ultima parte; mexicano, 2.192, VIU; peruano, 1.295, 3.°.
Projèctos — Esboço, art. 1.169, 5.°; Beviláqua, 1.157; Re-
visto, 1.165.

Observação — A prohibição da compensação refere-se, ex-


clusivamente, ás dividas fiscaes, os outros créditos são com-
pensaveis.

Art. 1.018 — Não haverá compensação,


quando credor e devedor, por mutuo accôrdo, a
excluírem.

Direito anterior — Não havia disposição expressa de lei;


mas o principio era acceito.
Legislação comparada — Sem correspondência exata. Ve-
jam-se, entretanto: o Codigo Civil portuguez, art. 771, e o me-
xicano, 1.581; peruano, 1.294, ultima parte.
Projèctos — Beviláqua, art. 1.158; Revisto, 1.164.

Observação — O direito á compensação é renunciavel como


reconhece o art. 1.016, que se refere á renuncia unilateral. Agora
se declara que ella pode ser objecto de accôrdo.

Art. 1.019 — Obrigando-se por terceiro,


uma pessoa não pôde compensar essa divida com
a que a credor delle lhe dever.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Confronte-se com o suisso, das
obrigações, art. 122; peruano, 1.296.
Projèctos — Beviláqua, art. 1.159; Revisto, 1.167.
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 171

Bibliographia — Saleilles, De Vohligation, n. 258; Rossel,


Droit civil suisse, III, p. 158; Endemann, Lehrhuch, I, § 110.

Observação — Tratava-se, no Projecto primitivo de esti-


pulações em favor de terceiro. Aquelle que se obriga em favor
de terceiro não se pôde eximir da sua obrigação, pretendendo
compensal-a com o que lhe deve o estipulante.
A linguagem do Codigo parece dizer coisa diversa. Mas, na
realidade, assim não deve ser. Impede a compensação entre as
dividas do credor e do devedor do terceiro. Mas o devedor do
terceiro é, precisamente, aquelle que assumiu obrigação em favor
delle, em contracto celebrado com outrem. E o credor deve ser
o do obrigado. Com outra intelligencia, o art. 1.019 reproduz
a matéria do art. 1.013, dispondo differentemente. A fonte deste
artigo foi o Codigo suisso das obrigações, e a razão do disposi-
tivo é que o que se obriga em favor de terceiro, não lhe paga
o que lhe prometteu, mas o que prometteu ao estipulante. E'
em virtude da obrigação contrahida com este que elle realiza
o pagamento a terceiro.

Art. 1.020 — O devedor solidário só pôde


compensar com o credor o q-ue este deve ao seu
co-obrigado, até ao equivalente da parte deste na
divida commum.

Direito anterior — Omisso.


liegislação comparada — No mesmo sentido: Codigo Civil
italiano, art. 1.290, 2.a ai.; argentino, 830; venezuelano, 1.358,
2.a al.
Em contrario: D. 45, 2, fr. 10; Codigo Civil francez, ar-
tigo 1.294; 3." al.; chileno, 1.657, ultima parte; uruguayo, 1.504;
mexicano, 2.200; boliviano, 888; allemão, 425; portuguez, 772,
Pr o j petos — Felicio cios Santos art. 567; Beviláqua, 1.160;
Revisto, 1.168.

Observação — O nosso artigo permitte a compensação entre


a obrigação do devedor solidário e o credito do seu co-obri-
172 CODIGO CIVIL

gado, apoiado nas opiniões de Domat, Aubry et Rau, Maroadé


e, Planiol. Este ultimo diz que a decisão do Codigo Civil francez,
que não permitte a compensação, "é contraria, não somente, ás
regras da solidariedade, mas também, e sobretudo, ás da com-
pensação, que, segundo a lei franceza, produz effeito de pleào
direito" {Traité, II, n. 801). Leiam-se ainda: Huc, Commen-
taire, VIII, n, 164; Laurent, Príncipes, XVII, n. 339; Lacerda,
Obrigações, § 78 b; JoÃo Luiz Alves, ao art. 1.020, e Alves
Moreira, Inst., II, n. 78; além dos citados Aubry et Rau, Cours,
IV, § 328, e Marbadé, Explication théorique et pratique ãu Cocle
Napoléon, ao art. 1.294 n. 837.

Art. 1.021 — O devedor, que, notificado,


nada oppõe á cessão, que o credor faz a terceiro,
dos seus direitos, não pôde oppôr ao cessionário
a compensação, que antes da cessão, teria podido
oppôr ao cedente. Se, porém, a cessão lhe não
tiver sido notificada, poderá oppôr ao cessioná-
rio compensação do credito, que antes tinha
contra o cedente.

Direito anterior — Doutrina acceita (Coelho da Rocha,


Inst., § 165; Lacerda, Obrigações, § 78).
Legislação comparada — Cod., 8, 42, I. 3; Codigo Civil
francez, art. 1.295; italiano, 1.291; portuguez, 773, 774 e 777;
hespanhol, 1.198; argentino, 826; chileno, 1.65'9; uruguayo,
1.505; venezuelano, 1.359; boliviano, 889; mexicano, 2.201 a 2.203.
Vejam-se, ainda: o austriaco, arts. 1.442 e 1.443, e o do
Montenegro, 618.
Projectos — Esboço, art. 1.180 (differente); Felicio dos
Santos, 535; Coelho Rodrigues, 568; Beviláqua, 1.161; Revisto,
1.169.

Observação — 1. — O devedor, que, notificado da cessão


nada oppõe no momento, entende-se ter renunciado o direito de
compensar a sua divida com o que lhe dever o cedente. Por
isso não é recebido a oppôr compensação ao cessionário. Não
havendo notificação, não é possivel tal renuncia.
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES m
Os créditos posteriores á cessão notificada, não se com-
pensam. Não ha reciprocidade entre elles. Também não se com-
pensam, pela mesma razão, os créditos do devedor cedido e dos
cessionários intermediários (Esboço, art. 1.1818).
2. — O Codigo suisso das obrigações, art. 169, 2.a parte,
dispõe: se o devedor possuía contra o cedente um credito ainda
não exigivel nessa época (a em que teve conhecimento da cessão)
pode invocar a compensação, contanto que o seu credito não
seja exigivel depois do credito cedido.
Outra é a doutrina do nosso artigo, semelhante á do Codigo
Civil portuguez, art. 1.295.

Art. 1.022 — Quando as duas dividas não


são pagaveis no mesmo logar, não se podem
compensar, sem deducção das despesas necessá-
rias á operação.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — D. 16, 2, fr. 15; Codigo Civil
francez, art. 1.296; italiano, 1.292; allemão, 391; hespanhol,
1.199; portuguez, 776; argentino, 821; chileno, 1.664 (refere-se
ás dividas de dinheiro, exclusivamente); uruguayo, 1,506; ve-
nezuelano, 1.360; peruano, 2.261; boliviano, 890; mexicano, 2.204;
japonez, 507.
Projectos —Felicio dos Santos, art. 537; Coelho Rodrigues,
569; Beviláqua, 1.162; Revisto, 1.170.

Observação — Na operação compensatória de duas obri-


gações exeqüíveis em logares differentes, deduzem-se as despesas
de transporte, e attende-se, tanto á differença entre uma e outra,
quanto á variação do cambio entre os logares do pagamento.

Art. 1.023 — Sendo a mesma pessoa obri-


gada por varias dividas compensaveis, serão ob-
servadas, no compensal-as, as regras estabeleci-
174 CODIGO CIVIL

das quanto á imputação de pagamento (ar-


tigos 991-994) .

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.297;
italiano, 1.293; portuguez, 770; allemão, 396; chileno, 1.663;
uruguayo, 1.507; venezuelano, 1.361; mexicano, 2.196; boliviano,
891; japonez, 512.
O direito romano deixava ao devedor a escolha da divida,
que quizesse, compensar (D. 16, 2, fr. 5).
Projectos — Eshoço, art. 1.174; Coelho Rodrigues, 570;
Beviláqua, 1.163; Revisto, 1.171.

Art. 1.024 — Não se admitte a compensação


em prejuízo de direito de terceiro. O devedor,
que se torne credor do seu credor, depois de pe-
nhorado o credito deste, não pôde oppôr, ao
exequente, a compensação, de que contra o pró-
prio credor disporia.

Direitoanterior — Havia o subsidio do direito romano,


e a doutrina (Coelho da Rocha, Inst., § 165).
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.298;
italiano, 1.294; - portuguez, 775; allemão, 392; argentino, 822;
uruguayo, 1.512;' venezuelano, 1.362; boliviano, 892; mexicano,
2.205.
Em direito romano, vigorava o mesmo principio (Van
Wetteb, Droit civil, p. 191).
Projectos — Esboço, art. 1.186; Felicio dos Santos, 539;
Coelho Rodrigues, 571; Beviláqua, 1.164; Revisto, 1.172.

Observações — 1. — A compensação é um modo de paga-


mento abreviado entre pessoas que são, entre si, reciprocamente,
credores e devedores. Esse modo de pagamento não pode preju-
dicar terceiros, extranhos á operação. E' res inter alios acta
São applicações deste principio as regras dos arts. 1.019 1.021
e 1.024, 2.° periodo.
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 175

2. — O Codigo accentua que não é compensavel o credito


obtido ou vencido depois da penhora pelo devedor executado.
Se o credito do devedor se tornar exigivel antes da penhora
esta não terá efficacia, porque as dividas, sendo liquidas e ho-
mogêneas, compensam-se ex vi legis. O exequente, neste caso,
terá apprehendido uma quantidade egual a zero, se a compen-
sação fôr total.
3. — Trata-se de penhora realizada por terceiro. Depois
delia, o devedor cuja divida é objecto da- penhora, já não pode
pagar ao seu credor: terá de pagar ao exequente (art. 938).
4. — Afora a excepção deste artigo a compensação é admis-
sível em qualquer estado do processo, na acção ou na execução.
A compensação opera-se por si, desde que se allega. Placuit icl
quoã invicem debetur, ipso jure compensare.
Leiam-se Huc, Commentaire YIII, n. 168; Aubry et Rau,
Cours, IV, § 326, e João Luiz Alves, Codigo Civil annotaão, ai'-
tigo, 1.024.
5. — Quanto á cessão, veja-se o art. 1.072, cuja solução dif-
fere da que adoptam os escriptores francezes em maioria. Dada
a fallencia, compensam-se as dividas vencidas até ao dia da
abertura delia, provenha o vencimento da própria sentença da
fallencia, ou da expiração do prazo contractual; exceptuam-se
os créditos fundados em títulos ao portador; os adquiridos ou
transferidos quando já conhecido o estado de insolvencia, se da
compensação resulta prejuízo para a massa; e os transferidos
por actos inter-vivos (lei n. 5.746, de 9 de Dezembro de 1929,
art 49)
- - CONSELHO w DO TRABALHO
K REGIÃO
CAPITULO IX

Da transacção

Art. 1.025 — E' licito aos interessados pre-


venirem, ou terminarem o litigio mediante con-
cessões mutuas.

Direito anterior — O mesmo (Orã., 3, 78, 1; Carlos de Car-


valho, Direito civil, art. 950).
Legislação comparada — D. 2, 15, fr. 1; Codigo Civil argen-
tino, art. 832; francez, 2.044, l.a parte; italiano, 1.764; austríaco,
1.380; allemão, 779; portuguez, 1.710; hespanhol, 1.809; chi-
176 CODIGO CIVIL

leno, 2.246; uruguayo, 2.147; venezuelano, 1.770; boliviano,


1.390; japonez, 695; mexicano, 2.944; peruano, 1.307.
Todos os Codigos citados, excepto o austríaco, o peruano, e
o argentino, classificam a transacçan entre os contractos.
Projectos — Esboço, art. 1.196; Felicio dos Santos, 2.455;
Coelho Rodrigues, 678; Beviláqua, 1.165; Revisto, 1.173.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 49; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, ns. 371 e segs.; Almachio
Diniz, Obrigações, § 115; S. Vampbé, Manual, II, 158 Coelho
da Rocha, Inst., ns. 774-778; Planiol, Traité, II, ns. 2.284 e
segs.; Huc, Commentaire, XII, ns. 273 e segs.; Laubent, Cours,
IV, ns. 217 e segs.; Baudry-Lacantinerie et Wahl, Du mandat,
du cautionnement, de la transaction, ns. 1.199 e segs.; Coãe Civil
allemanã, publié par le Comitê de lég. étr., II, aos arts. 779 e
seg. ; ZacIhabiae, Droit civil français, V, §§ 765" e segs.; Aubry
et Raü, Cours, VI § 418; Dernburg, Pand., II, § 109 Windscheid,
Panã., II §§ 413 e 414; Kohler, Lehrbuch, II § 120; Endemann,
Lehrbuch, I, § 193; Chironi, Ist., II, § 344; Rivarola, Derecho
civil argentino, I. ns. 251 e segs.; Dias Ferreira, Codigo Civil
portuguez, IV, notas aos arts. 1.711 e segs.; Colmo, Obliga-
ciones, ns. 811 e segs.; Affonso Fraga, Da transacção, S. Paulo,
1928; R. Salvat, op. cit., ns. 1.838 e segs.

Observações — 1. — Transacção é um acto jurídico, pelo


qual as partes, fazendo-se concessões reciprocas, extinguem obri-
gações litigiosas ou duvidosas. Presuppõe duvida ou litígio a
respeito da relação jurídica. Qui transigit quasi de re dúbia et
lite incerta neque finita transigit (D. 2, 15, fr. I.0). Como ob-
serva Kohxer, é duplo o seu fundamento economico: a trans-
formação de um estado jurídico inseguro em outro seguro; e
a obtenção desse resultado pela troca de prestação equivalente.
Esta reciprocidade é da sua essencia. Sem ella a transacção seria
uma liberalidade.
2. — Para o Codigo Civil, a transacção não é, propriamente,
um contracto. Ainda que a lição da maioria dos Codigos seja
em sentido contrario, o certo é que o momento preponderante
da transacção é o extinctivo de obrigação. Era a lição de Tei-
xeira de Freitas, seguida por Carlos de Carvalho, que encontra
apoio nos annotadores francezes do Codigo Civil allemão. Depois
de assignalarem que o Landrecht prussiano e o Codigo Civil
austríaco se occuparam da transacção entre os modos de ex-
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 177
tinguir obrigações, ponderam: "O Codigo allemão afastou-se
desses precedentes germânicos, que, theoricamente, apresentam,
incontestavelmente, vantagens sobre os outros".
3- Ha pessoas a quem a lei prohibe transigir: são em
geral, as que não podem alienar, porque na transacção ha re-
nuncia de direitos. Em particular, não podem transigir: 1.°, o
tutor, em relação aos negocios do pupillo (art. 427, IV); 2.°, o
curador, em relação aos do curatelado (art. 453 combinado com
o citado art. 427, IV); 3.°, o procurador sem poderes especiaes
(art. 1.295, § 1.°); 4.°, o incapaz. O tutor e o curador podem,
entretanto, ser autorizados pelo juiz a transigir.

Art. 1.026 — Sendo nulla qualquer das


cláusulas da transacção, nulla será esta.
Paragrapho único. Quando a transacção
versar sobre diversos direitos contestados, e não
prevalecer em relação a um, fica, não obstante,
valida relativamente aos outros.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 834;
uruguayo, 2.158; peruano, 1.316.
Projectos — Beviláqua, art. 1.166; Revisto, 1.174. E' deste
ultimo o accrescimo do paragrapho único.

Observação — A indivisibilidade é da essencia da trans-


acção. Ella deve formar um todo, abrangendo o negocio jurídico,
a que se refere, com os elementos, que a compõem, na sua tota-
lidade.
O paragrapho único do art. 1.026 parece contrariar essa
regra de que o principio do mesmo artigo proclama a natural
conseqüência: A nullidade de uma das cláusulas acarreta a nul-
lidade da operação. Para que assim não seja, é necessário que
a proposição do paragrapho* único tenha em vista transacções,
que abranjam direitos distinctos, não relacionados entre si. A
palavra diversos qualificando direitos deve, no paragrapho, equb
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 12
178 CODIGO CIVIL

valer a extranhos ou independentes reunidos apenas pelo acto


material da transacção,
V. Aitonso Praga, La Transacção, § 20. /

Art. 1.027 — A transacção interpreta-se re-


strictivamente. Por ella não se transmittem,
apenas se declaram ou reconhecem direitos.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil hespanhol, art. 1.815,
quanto á primeira parte; argentino, 835 e 836; uruguayo, 2.149
e 2.150. Vejam-se também: francez, arts. 2.048 e 2.049; ita-
liano, 1.768 e 1.769; austríaco, 1.389; venezuelano, 1.774 e 1.775;
boliviano, 1.395 e 1.396; mexicano, 2.961 e 2.962.
Projectos — Esboço, art. 1.200, l.a parte; Felicio dos Santos,
2.458; Coelho Rodrigues, 681, l.a parte; Beviláqua, 1.161 ] Re-
visto, 1.175.

Observações — 1. — A transacção importa renuncia de di-


reitos. Por isso, interpreta-se, restrictivamente. Não abrange
senão as questões, a que as partes se referem, explicitamente, ou
que sejam das mesmas conseqüências naturaes. Delia nasce uma
excepção, que, como a de coisa julgada, só aproveita a quem a
invoca, se a acção tem o mesmo objecto já resolvido pela trans-
acção; e somente pôde ser opposta, se o litigio se trava entre
as mesmas pessoas.
2. — A transacção não é acto acquisitivo de direitos.
E' meramente declaratorio ou recognitivo. Entende-se, por isso,
que a parte que transige, não adquire o objecto da transacção
da outra parte; que não é, portanto, succesora delia, que uma
não faz á outra cessão de direitos.
Deste caracter meramente declarativo da transacção, resul-
tam as seguintes conseqüências: 1.°, Nã-o serve a transacção de
titulo para o usocapião ordinário; 2.°, As partes não são obriga-
das a garantir, uma á outra, os direitos, que, uma á outia,
reconhecem.
Todavia é certo que a transacção pôde envolver uma remu-
neração compensatória. Uma das partes concorda em transigii
mediante o recebimento de certa somma ou de certo objecto.
*Ahi haverá, certamente, acquisição, mas evidentemente, não ori-
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 179

ginada da transacção, ainda que motivada por ella. O direito


sobre a somma ou sobre o objecto tem por fundamento um acto
translativo a titulo oneroso, que está envolvido na transacção,
porém que não é parte substancial delia.
Não é, porém, incontroversa a doutrina de que a transacção
é meramente declarativa de direitos. Leia-se a opinião contraria
em Hud, Commentaire, XII, ns. 322-324.
V. Affonso Fraga, Da Transacção, § 13.

Art. 1.028 — Se a transacção recair sobre


direitos contestados em juizo, far-se-á:
I. Por termo nos autos, assignado pelos
transigentes e homologado pelo juiz.
II. Por escriptura publica, nas obrigações,
em que a lei o exige, ou particular, nas em que
ella o admitte.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, artigos
837 e 838; uruguayo, 2.147, ultima parte. Vejam-se, também; o
francez, art. 2.044, 2.n parte; o portuguez, 1.712 e 1.713; o pe-.
ruano, 1.308; e o boliviano, 1.390, in fine.
O direito romano não exigia forma escripta para a trans-
acção (Cod., 2, 4, 1. 5).
Projectos — Esboço, art. 1.203; Beviláqua, 1.068; Revisto,
1.076.

Observações — 1. -— O Codigo admitte que a transacção se


faça por escripto particular, quando tem por objecto direitos já
contestados em juizo. Outro era o systema do Projecto primitivo,
que, teve por inspirador o Esboço, cujo art. 1.203, 1.° é do teôr
seguinte; "Se a transacção versar sobre direitos já litigiosos não
se a pôde fazer, pena de nullidade, senão por termo judicial
lavrado nos autos, em virtude de despacho do juiz da causa, e
assignado pelos transigentes e duas testemunhas; ou por escri-
ptura publica, que, depois, se junte aos autos, em virtude de des-
pacho do juiz. Antes da juncção da escriptura aos autos, a trans-
acção não se haverá por consummada".
180 CODIGO CIVIL

João Luiz Alves descobre neste systema uma contradicção


com os princípios exarados nos arts. 133, 134 e 1.029 do Codigo
(144, 145 e 1.169 do Projecto primitivo). Quando muito, poderia
dizer que a enumeração do art. 134 é incompleta, não destacando
a transacção referente a direitos já contestados em juizo; mas
contradicção, não. E quanto a ser completa a enumeração do ar-
tigo 134, veja-se o commelitario respectivo, no vol. I deste livro.
A transacção não é constitutiva nem translativa de direito, con-
sequentemente não está subordinada á regra do art. 134, n. II;
e o Codigo devia dizer que ella se faz por escriptura publica, ou
por instrumento particular, conforme os direitos litigiosos con-
cernirem a immoveis ou moveis, e não remetter o caso áquella
regra, sem applicação á especie, dizendo que se effectua por
instrumento publico, nas obrigações, em que a lei o exige, ou
particular, nas em que ella o admitte.
2. — A transacção, por ser meramente declaratoria de di-
reitos, não necessita de ser transcripta no registro de immoveis,
quando se referir a bens de raiz, quer se trate de direitos, já
contestados em juizo, quer as partes não tenham ainda recor-
rido aos tribunaes. Mas o Codigo, mandando celebral-a por ins-
trumento publico ou particular, segundo disser respeito a bens
de raiz ou não, cria certa duvida a respeito. Esta, porém, se
desfará pela consideração de que os direitos sobre immoveis, a
respeito dos quaes versar a transacção, já devem estar regis-
trados e ella, fazendo méra declaração do estado preexistente
das coisas, não terá objecto para transcripção. Todavia, se houver
transcripção contraria ao direito declarado pela transacção, de-
verá o interessado reclamar que se rectifique (art. 860, pr.).

Art. 1.029 — Não havendo ainda litígio, a


transacção realizar-se-á por aquelle dos modos
indicados no art. antecedente, n. II, que no caso
couber.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Veja-se a mesma rubrica do ar-
tigo anterior. Aãde mexicano, 2.945.
Projectos — Eshoço, art. 1.203; Beviláqua, 1.169; Revisto,
1.177.
DOS EFFEXTOS DÁS OBRIGAÇÕES 181
Observação — Applica-se a este artigo o reparo feito no
commentario n.» 1, ao artigo antecedente, quanto á necessidade
de instrumento publico, se a transacção tem por objecto direitos
sobre immoveis. A regra nasce do proprio art. 1.029, não é appli-
cação de outro preceito, como a linguagem do Codigo faz suppôr.

Art. 1.030 — A transacção produz, entre


as partes, o effeito de coisa julgada, e só se re-
scinde por dólo, violência, ou erro essencial,
quanto á pessoa ou coisa controversa.

Direito anterior — O mesmo (Orei., 3, 78, § 1.°; Carlos de


Carvalho, Direito civil, art. 952, pr.).
Legislação comparada — Cod., 2, 4, Is. 20 e 21; Codigo
Civil francez, arts. 2.052 e 2.053; italiano, 1.772 e 1.773; por-
tuguez, 1.718 e 1.719; hespanhol, 1.816 e 1.817; austriaco, 1.385':
argentino, 850 e 857; chileno, 2.453, 2.457 e 2.460; uruguayo,
2.161 e 2.162; venezuelano, 1.778 e 1.779; boliviano, 1.398 e
1.399; mexicano, 2.953. Veja-se, também, o allemão, art. 79.
Projectos — Esboço, arts. 1.204 e 1.206; Felicio dos Santos,
2.460 e 2.461; Coelho Rodrigues, 684 e 686; Beviláqua, 1.170;
Revisto, 1.178.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 49, IV; Planiol.
Traité, II, ns. 2.293 e 2.299-2.301; Huc, Gommentaire, XII,
ns. 219-321 e 325-335; Zachartae, Droit civil français, §§ 768 e
769; Baxjpry-Lacaktinerib et Wahl, Des contrats aléatoires, du
mandai, du cautionnement, de la transaction, ps. 1.242-1.258;
1.280-1.285; 1.290-1.293, bis; Laurent, Cours, IV, n. 231; Aubby
et Rau, Cours, VI, § 241; Affonso Pragxí., Da Transacção, § 19.

Observações — 1. — O Codigo Civil não diz, como outros,


que a transacção tem autoridade de coisa julgada. Diz apenas
que ella produz effeitos de coisa julgada. O Projecto primitivo
usava de outro modo de exprimir o effeito da transacção entre as
partes. "A transacção valida, eram os seus termos, extingue os
direitos e as obrigações sobre que versa, operando com força de
coisa definitivamente julgada". Era somente em respeito á ex-
tincção dos direitos que os effeitos da sentença e da transacção
se equiparavam. Realmente, não podiam ir além. Entre a trans-
182 CODIGO CIVIL

acção e a sentença ha muita differença, não só quanto ao acto


jurídico em si, mas, ainda, quanto aos respectivos effeitos. Bas-
tará lembrar: 1.°, Que a transacção é indivisível, não pode ser
annullada em parte, ao passo que a sentença admitte reforma
parcial; 2.° Que a transacção se resolve por inexecução das cláu-
sulas, o que não pôde acontecer com a sentença; 3.°, Que a sen-
tença produz hypotheca judiciaria (art. 824), e á transacção não
se pode attribuir essa virtude.
2. — Para que se possa allegar a exceptio litis per trans-
actionem finitae, é necessário que se reunam os tres elementos
constbuitivos da coisa julgada, isto é: identidade da cousa, ou
da relação de direito resolvida; identidade de causa, ou do funda-
mento do direito, que a pessôa allega (causa petenãi), e iden-
tidade de pessoas. V. o artigo seguinte.

Art. 1.031 — A transacção não aproveita


nem prejudica senão aos que nella intervie-
ram, ainda, que diga respeito a "coisa indivisivel.
§ 1.° Se for concluida entre o credor e o de-
vedor principal, desobrigará o fiador.
§ 2.° Se entre um dos credores solidários e
o devedor, extingue a obrigação deste para com
os outros credores.
§ 3.° Se entre um dos devedores solidários e
seu credor, extingue a divida em relação aos co-
devedores.

Direito anterior — O mesmo ainda que não formulado com


a mesma precisão (Carlos ue Carvalho, Direito civil, art. 952,
paragrapho único).
Legislação comparada — D. 2, 15 fr. 3; Cod., 7, 60 1, 2;
Codigo Civil argentino, arts. 851-853. Vejam-se também: o fran-
cez, art. 2.051; o chileno, 2.461; o mexicano, 3.164 e 3.168; o
boliviano, 1.397; o italiano, 1.771; o venezuelano, 1.777; o por-
tuguez, 1.716; e o uruguayo, 2.156 e 2.157.
Projectos — Esboço, arts. 2.207-2.209; Felicio dos Santos,
2.459; Coelho Rodrigues, 683; Beviláqua, 1.171; Revisto, 1.179.
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 183
Observações — 1. — Em relação ás pessoas, que não tomam
parte no acto, a transacção é res inter alios, e, consequente-
mente, nec proclest nec nocet. Somente uma das partes poderá
invocal-a como excepção peremptória, em pleitos com a outra.
E' a excepçáo litis per transactionem finitae, equivalente á de
coisa julgada.
Assim a transacção concluída por um dos herdeiros não
obriga o outro, ainda que verse sobre coisa indivisível.
A esse principio abrem-se excepções. São as que o artigo
enumera nos seus paragraphos: a primeira, como conseqüência
do principio de que, extincta a obrigação principal, extingue-se,
egualmente, a accessoria; as duas seguintes, como applicações
do principio da solidariedade.
2- — Sobre este ultimo ponto, e, em particular, sobre a
transacção concluída entre o credor e um dos devedores, soli-
dários, escreveu Alejandro Pietri Hijo extenso commentario
ao art. 1.777 do Coãigo Civil venezuelano de 1916. Entre nós,
a questão está resolvida pelo Codigo, mas nem por isso perdem
o seu natural interesse as dissertações doutrinárias, que o elu-
cidam. A conclusão, a que chega o illustrado jurisperito vene-
zuelano, é a consagrada em nosso Codigo: "Sendo a transacção
operação, que importa pagamento e remissão, é fora de duvida
que aproveita aos co-devedores solidários {El Codigo Civil de
1916, ps. 457-463).

Art. 1.032 — Dada a evicção da coisa re-


nunciada por um dos transigentes, ou por elle
transferida á outra parte, não revive a obrigação
extincta pela transacção, mas ao evicto cabe o
direito de reclamar perdas e damnos.
Paragrapbo único. Se um dos transigentes
adquirir, depois da transacção, novo direito so-
bre a coisa renunciada ou transferida, a tran-
sacção feita não o inhibirá de exercel-o.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Quanto ao principio somente dis-
põe, mas não no mesmo sentido, o Codigo Civil argentino, arti-
gos 853 e 855.
Para o direito romano: Cod., 2, 4, 1. 33.
184 CODIGO CIVIL

Quanto ao pai^agrapho único; argentino, art. 856. Vejam-se,


também: o francez, art. 2.050; o italiano, 1.770; o portuguez,
1.715; o chileno, 2.461; o boliviano, 1.397; o venezuelano, 1.716;
o uruguayo, 2.166; o mexicano, 2.954.
Projectos — Esboço, arts. 1.210-1.212; Coelho Rodrigues,
682; Beviláqua, 1.172 e 1.173; Revisto, 1.180.
Coelho Rodrigues não se occupa da matéria tratada no
principio do artigo; o Esboço, adopta, a respeito, solução diffe-
rente.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 49, V; M. I. Cak-
valho de Mendonça, Obrigações, I, n. 382; João Luiz Alves,
Codigo Civil annotaão, ao art. 1.173; Coelho da Rocha, Inst.,
§ 748; Codigo Civil argentino, art. 854, nota; Rivakola, Derecho
civil argentino, I, n. 257; Colmo, Obligaciones, n. 832; Baudry-
Lacantinerie et Wahl, Des contrats aléatoires, etc., n. 1.306;
Laubent, Príncipes, XXVIII, n. 396; Affonso Fraga, Da Transa-
cção, n. 84.

Observações — 1. — A matéria do art. 1.032, principio, tem


tido soluções divergentes, porque alguns consideram a transacção
um contracto e outros um acto meramente extinctivo de obri-
gações, uns lhe attribuem effeitos translativos, outros só lhes re-
conhecem o effeito declarativo. O Codigo Civil, brasileiro, para
o qual a transacção não é mais de que um modo de extinguir
obrigações, e para o qual esse acto é meramente declarativo, es-
tatue, muito logicamente, que a evicção lhe não destróe o effeito
extinctivo das obrigações duvidosas ou litigiosas. Era a solução
do direito romano.
O Codigo Civil argentino distingue entre a coisa renunciada
e a transferida. Em relação á primeira, a evicção nem annulla
a transacção nem dá fundamento á restituição do que por ella
foi recebido. Em relação á segunda, a transacção subsiste, apesar
da evicção, com o seu effeito extinctivo, mas o evicto tem di-
reito a ser indemnizado.
Teixeira de Freitas, no Esboço, declara nulla a transacção,
se soffrer evicção a coisa renunciada ou transferida por um dos
transigentes ao outro, que a ella se julgava com direito (ar-
tigo 1.212). Se, porém, a evicção recair sobre coisa transferida,
como retribuição do contracto, as obrigações não revivem, nem
haverá perdas e interesses, que indemnizar.
Em direito francez, é doutrina victoriosa a de que o transi-
gente não dá garantia pela evicção.
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 185

como retribuição do contracto, as obrigações não revivem, nem


haverá perdas e interesses, que indemnizar.
Em direito francez, é doutrina victoriosa a de que o transi-
gente não dá garantia pela evicção.
O Codigo Civil brasileiro acceitou essa doutrina, mas accres-
centou que o evicto tem direito á indemnização, porque a outra
parte nenhuma compensação, afinal, lhe deu pela renuncia dos
seus direitos. Sem essa indemnização, o evicto teria apenas
prejuízo e a outra parte somente vantagens bom a transacção,
quando é do conceito desta que as partes se façam mutuas con-
cessões.
2. — O Codigo refere-se á coisa renunciada ou transferida.
A respeito da renuncia, nenhuma questão pôde surgir. Na trans-
acção, a renuncia de uma das partes é o reconhecimento do di-
reito da outra. A transferencia, porém, exige explicação. Se a
transacção é meramente declarativa, dir-se-á, não ha que falar
em coisa transferida. Realmente assim é: porém um dos transi-
gentes pôde, em remuneração do accôrdo, transferir coisa sua
ao outro, o qual, mais tarde, venha a ser delia evicto. E' atten-
dendo a essa possibilidade que se fala em coisa transferida.
E' certo, entretanto, que o Esboço denomina transferencia
não somente a coisa dada em retribuição do accôrdo, como acaba
de ser dito, mas, ainda, a restituição ou entrega da coisa por um
dos transigentes ao outro, que a ella se julga com direito. Mas,
neste ultimo caso, não ha mais que renuncia.

Art. 1.033 — A transacção concernente a


obrigações resultantes de delicto não perime a
acção penal da justiça publica.

Direito anterior — Principio acceito, mas não expresso em


lei.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 2.046;
italiano, 1.176; portuguez, 1.777; hespanhol, 1.813; chileno, 2.249;
uruguayo, 2.153; argentino, 842; venezuelano, 1.772; boliviano,
1.393; mexicano, 2.947; do Montenegro, 473, 2.a al.; peruano, 1.310.
Para o direito romano: D. 47, 2, fr. 56, § 4.°, initio, e § 5.°:
Cod., 2, 4, 1. 18. Este ultimo dispositivo permitte transigir sobre
crime punido até com a pena de morte, não sendo adultério nem
falsidade: Transigere vel pacisci ãe crimine capitali, excepto
adultério, prohibitum non est: in aliis antem publicis criminibus,
186 CODIGO CIVIL
quae sanguinis poenani non ingerunt, transigere non licet, citra
falsi accusationem.
Projectos Esboço, art. 1.199, 1.°; Coelho Rodrigues, 679-
Revisto, 1.181.
Observação A transacção somente é permittida a respeita
de direitos patrimoniaes (art. 1.035). Era, pois, inútil declarar,
que ella não perime a acção penal da justiça publica.
E a transacção concernente a obrigações resultantes de de-
lictos impedirá a acção por queixa da parte offendida? Não, por
dois motivos: 1.°, porque a responsabilidade penal é independente
da civil (art. J 1.525); 2.°, porque as obrigações resultantes do
delicto, que podem ser objecto de transacção, presuppõe o reco-
nhecimento do delicto pelo poder competente. E essas obrigações
outras não podem ser senão de ordem patrimonial. Quaesquer
outras estão excluídas da transacção.
E' certo que o perdão do offendido extingue a acção nos
crimes, em que somente é licito o procedimento por queixa (Co-
digo Penal de 1940, art. 107). Ver sobre a matéria João Vieira,
Goãigo penal commentado, II, n. 196. Mas o perdão da offensa
não é transacção.

Art. 1.034 — E' admissível, na transacção,


a pena convencional.

Diielto anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — D. 2, 15, frs. 15 e 16; Codigo Civil
fiancez, ait. 2.047; italiano, 1.767; chileno, 2.463; uruguayo,
2.165'; venezuelano, 1.773; boliviano, 1.394.
Projectos — Esboço, art. 1.202; Felicio dos Santos, 2.457;
Coelho Rodrigues, 680; Beviláqua, 1.174; Revisto, 1.182.

Observações — 1. — Nos systemas, em que a transacção é


considerada fôrma especial de contracto, pareceria inútil uma
disposição como esta, porque é mera applicação do direito com-
mum. Nos systemas, porém, em que a transacção é simples
modo de extinguir obrigações, não é demais declarar que ella
admitte o reforço da clausula penal, porque esta não costuma
andar ligada aos modos de pagamento.
2. — Nesta, como em qualquer outra relação de direito, a
pena pôde ser estipulada para o caso de inexecução ou para o
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 1S7

<Ie móra. Os preceitos estabelecidos no capitulo da clausula penal


(arts. 916-872) são applicaveis no caso de transacção.
Y. Afb-onso, Fraga, Da Transacção, § 17 .

Art. 1.035 — Só quanto a direitos patrimo-


niaes de caracter privado se permitte a trans-
acção .

Direito anterior — Doutrina acceita.


Legislação comparada — Codigo Civil liespanhol, art. 1.814;
austríaco, 1.382 a 1.384; argentino, 842-848; uruguayo, 2.154 e
2.155; mexicano, 2.949; peruano, 1.315.
Projectos — Esboço, art. 1.199, ns. 1.° e 2.°; Beviláqua, 1.175;
Revisto, 1.183.

Observações — 1. — Não é licito transigir sobre questões


relativas ao estado das pessoas, legitimidade do matrimônio,
pátrio poder, relações pessoaes entre cônjuges, filiação. As van-
tagens, porém, oriundas dessas relações, desde que sejam de
ordem patrimonial, podem ser objecto de transacção.
2. — Discutia-se, no regimen anterior, se era permittido
transigir sobre alimentos futuros. O direito romano negava essa
permissão, quando os alimentos eram deixados por actos mortis
causa (D. 2, 15, fr. 8, pr., e § 2); Cum hi quibus alimenta re-
licta erant, facile transigerent contenti moãico prasenti, Divus
Marcus oratione in senatu recitata effecit ne aliter alimentorum
transactio rata esset quam si autore praetore jacta... Haec oratio
pertinet acl alimenta quae testamento vel coclicillo fuerit relida.
Os nossos civilistas acceitaram a doutrina romana, ora dando-lhe
uma feição absoluta, ora restringindo-a, porque o texto citado
permitte essa variedade de intelligencia. O Codigo, porém, não
estabelece restricção alguma dessa natureza. Sobre o direito de
pedir alimentos não é dado transigir, porque não é renunciavel
esse direito (art. 404); mas sobre as prestações de alimentos,
vencidas ou futuras, a transacção é possível.
Consultem-se: o Direito das obrigações, § 44, III; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, I, n. 375; Coelho da Rocha,
Inst., § 746; Pereira e Souza, Processo civil, nota 895; Telles
e Teixeira de Freitas, Doutrina das acções, § 99, e Duarte de
Azevedo, Controvérsias, ps. 231-235; Afeosso Fraga, Da Tran-
sacção, § 12.
188 CODIGO CIVIL

3- Também não podem ser objecto de trapsacção as coisas


inalienáveis ou que estejam fora do commercio. A pensão ali-
mentar não é penhoravel, porque se destina a manter a vida
da pessôa; mas aquelle, em favor de quem ella existe, pode
alienar o objecto da prestação.' Por isso, a renuncia gratuita
dos alimentos futuros não é permittida, mas ao capaz não se
nega o direito de transigir sobre os alimentos futuros. A trans-
acçâo não é renuncia gratuita.

Art. 1.036 — E' nulla a transacção a re-


speito de litígio decidido por sentença passada
em julgado, se delia não tinlia sciencia algum
dos transactores, ou quando, por titulo ulterior-
mente descoberto, se verificar que nenhum dei-
tes tinha direito sobre o objecto da transacção.
Direito anterior — Não havia dispositivo legal a respeito.
Legislação comparada — Ccdigo Civil francez, arts. 2.056
e 2.057; italiano, 1.176 e 1.177; hespanhol, 1.818 e 1.819; uru-
guayo, 2.163 e 2.164; venezuelano, 1.782 e 1.783; argentino, 859
e 860; mexicano, 2.957 e 2.95,8; japonez, 696; chileno, 2.455
e 2.45'9; allemão, 779, ultima parte. Não ha identidade nas dis-
posições desses Codigos.
Para o direito romano: D. 12, 6, fr. 23, § 1.°; e Cod., 2. 15,
ls. 19 e 29.
Projectos — Esboço, art. 1,204, 4.",' e 1.205; Felicio dos
Mantos, 2.462 (differente); Coelho Rodrigues, 689 a 691; Be-
vilaqua, 1.176; Revisto,' 1.1M.
O Pi ojecto primitivo não se referia á sentença passada em
julgado pelo motivo, que bem pressentiu João Luiz Alves: não
se pôde. admittir sentença passada em julgado sem conhecimento
das partes.

Observações — 1. — A questão sobre o apparecimento dos


títulos novos é diversamente solvida pelos Codigos, que ora fazem
distineção entre a transacção geral sobre todos os negocios, e
sobre objecto determinado (francez, italiano, venezuelano), ora
attendem á bôa e á má fé dos transactores (uruguayo, chi-
leno) . O Codigo Civil brasileiro não se prendeu a essas distin-
cções. O titulo ulteriormente descoberto annulla a transacção, se
se verificar que nenhum dos transactores tinha direito, porque
demonstra que a transacção não tinha objecto, que as partes
transigiram sobre direito alheio.
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 1S9
Se, porém, o novo titulo vier apenas corroborar o direito de
uma das partes, e o seu herdeiro ignorar a sentença judiciaria,
nenhuma influencia terá sobre o acto já perfeito e acabado.
2- Para que se dê a hypothese da nullidade da transacção
por já estar o litígio decidido por sentença passada em julgado,
imaginam òs autores que, depois de ter ganho o processo, morre
uma das partes, e o seu herdeiro, ignorado a sentença judiciaria,
transige com a parte adversa (Baudri-lacantxnerie et Wahl,
Des contrats aléatoires, n. 1.251). Ha erro substancial, que torna
inefficaz a transacção. O Codigo, porém, não a considera simples-
mente annullavel, e, sim, absolutamente nulla, porque, se foi ce-
lebrada por erro, não tinha objecto.
Sobre este assunpto, leiam-se João Monteiro, Processo, III,
§ 247, e Fraga, op. cit., § 9.
3. — Outros Codigos destacam os casos de erro que viciam
as transacções. O brasileiro considerou ocioso fazel-o, a não ser
no caso de sentença passada em julgado e de titulo ulteriormente
descoberto. Já pela declaração de que o acto se annullaria por
dólo, violência ou erro, mostrara que se lhe applicavam os pre-
ceitos do direito commum, quanto á rescisão. Era desnecessário
accrescentar mais extensas explicações. Os casos, que, segundo
os Codigos e os autores, annullam as transacções, são os se-
guintes:
1.°, As partes transigiram, tendo por base instrumentos abso-
lutamente nullos.
2.°, Transigiram, tendo por base instrumentos annullaveis,
considerados validos, e não fizeram expressa menção desse vicio
para o sanar.
3.°, Os instrumentos, sobre que se baseou a transacção, fo-
ram reconhecidos como falsos.
4.°, Estava terminado por sentença passada em julgado o li-
tígio, sobre que versou a transacção, e as partes ignoravam essa
circumstancia. Se a sentença ainda era susceptível de recurso,
a ignorância das partes não torna annullavel a transacção. Veja-
se o art. 1.036.
O erro de calculo não autoriza a rescisão. Apenas as partes
rectificarão a conta.

CAPITULO X
^ Do compromisso
Art. 1.037 — As pessoas capazes de cdn-
tractar poderão, em qualquer tempo, louvar-se,
190 CODXGO CIVIL

mediante compromisso escripto, em árbitros, que


lhes resolvam as pendências judiciaes ou extra-
judiciaes.

Direito anterior — Esta matéria achava-se regulada pelo de-


creto n. 3.960, de 26 de Julho de 1867.
Degislação comparada — Codigo do Processo Civil francez,
arts. 1.003 e segs.; italiano, 8 e segs.; portuguez, 44 e segs.;
allemão, 1.024 e segs.; civil hespanhol, 1.820 e 1.821; vene-
zuelano, 502 e segs.
Direito romano; D. 4, 8 (de receptis, qui arMtrum rece-
perunt, ut sententiam ãicant) •, Cod., 2, 5l6 (De receptis arMtris).
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 692; Beviláqua, 1.177;
Revisto, 1.185. O Projecto primitivo, distinguindo o que havia
no compromisso de substancial do que era matéria processual,
limitou-se a tres dispositivos.
Bibliographia — Teixeira de Freitas, Consolidação, nota 86
ao art. 394; Adoldho Cirne, Acções summarias, ps. 192-193; Espi-
nola, Codigo do Processo, II, arts. 849 e segs.; Armando Vidal,
Processo civil e commercial, arts. 907 e segs.; Ribas, Consolidação
do processo civil, arts. 871 e segs.; M. I. Carvalho de Mendonça,
Obrigações, I, ns. 386 e segs.; Mortara, Procedura civile, .111,
ns. 34 e sege.; Toro Melo i Reyes, Codigo de procedimento
civil, notas aos arts. 784 e segs.; Windscheid, Pand., II, §§ 415-417;
Chavegrin, vb. APbitre, na Grande encyclopéãie; Cesare Cagle
vb. Arbitri e Arbitrato, no Dizionario de diritto privato de Scia-
lo.ta e Blsati; Demogue, Les notions fonãamentales du droit,
parte III, cap. III.

Observações — 1. — Compromisso é o acto jurídico pelo qual


as partes, em vez de recorrerem ao poder judiciário, escolhem
juizes árbitros, para decidirem as suas questões. E' um instituto,
que se approxima da transacção, a cujos princípios se submette
(art. 1.048), embora delia se distinga sob pontos de vista essen-
ciaes. Seu fim é, também extinguir obrigações, o que obtém pela
sentença arbitrai. Compromissum ad similiãinem juãiciorum
redigitur: et ad. finiendas lites pertinet (D. 4, 8, fr. 1). Por-
isso, a sua collocação nos Codigos civis deve ser entre as regras
das obrigações, e, em particular, entre os modos de extinguil-as.
Mas os Codigos Civis devem limitar-se a estabelecer o insti-
tuto, e deixar ás leis de organização judiciaria e do processo as
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 191
condições do seu funccionamento e a sua ritualidade. Sob este
Tonto de vista, o nosso Codigo Civil contém algumas disposições,
que devera ter deixado a outros ramos do direito.
2. Muitas vezes, as partes incluem, nos seus contractos,
uma clausula, compromettendo-se a submetter as controvérsias,
que surgirem entre ellas, á decisão de arbitrios. E' a clausula com-
promissoria, que ainda não é o compromisso, mas a obrigação de
o celebrar. E' o pactum de compromütenão. Sobre esta clausula
consulte-se Mortara, Proceãura civile, III, ns. 76-101.
2 a. A clausula compromissoria, no direito pátrio, cria,
apenas uma obrigação de fazer. E' um pacto preliminar, cujo
objecto é a realização de um compromisso, em dada emergencia.
Como pacto de ordem privada, não torna incompetente o juiz na-
tural das partes, se, por ventura, a elle recorrem, não obstante a
clausula de compromittendo. E como obrigação de fazer, desde
que nemo potest precise cogi ad factum, não obriga ás partes ã
celebração do compromisso, embora o não celebral-o constitua
infracção do contracto, que dará logar á responsabilidade civil.
O direito italiano autoriza o juiz a nomear árbitros, se as
partes, desprezando a clausula compromissoria, deixam de fazei-o.
E o que determina o art. II do Codigo de Processo civil ita-
liano: "Quando em um contracto, ou depois, as partes se obri-
gam a comprometter as controvérsias, que delle possam sur-
gir, se os árbitros não são nomeados ou vierem a faltar, por
qualquer causa, todos, ou alguns, nomeal-o-á autoridade judi-
ciai ia, que seria competente para conhecer da controvérsia,
sempre que as partes não tiverem estipulado diversamente". Esta
solução tem Sido criticada, por desnaturar o compromisso; mas a
tendência do direito moderno é dar validade e efficacia á clau-
sula compromissoria; e, de tal modo está esta matéria interes-
sando o mundo juridico actual, que á Sociedade das Nações, já
foi apresentado um projecto relativo á uniformização do assum-
Pto, pela sub-commissão das causas de arbitramento, em 1922.
3. — O compromisso é, geralmente, apresentado como um
contracto, porque é um accôrdo de vontade; mas se, por um
accôrdo de vontades, se presuppõe como nos contractos a capaci-
dade das partes compromettentes, forma adequada e objecto licito,
é certo que differe dos contractos por vários aspectos. Não tem
outro fim senão instituir o juizo arbitrai, para, por meio delle,
extinguir obrigações. Não cria, não modifica, nem conserva di-
reitos; extingue obrigações, ou antes, tende a extinguil-as pelo
juizo arbitrai.
192 CODIGO CIVIL

4. — O Codigo de Processo Civil regula o Juizo arbitrai, no


titulo único, arts. 1.031 a 1.046.

Art. 1.038 — O compromisso é judicial ou


extrajudicial.
O primeiro pode celebrar-se por termo nos
autos, perante o juiz ou tribunal, por onde correr
a demanda; o segundo, por escriptura publica
ou particular, assignada pelas partes e duas tes-
temunhas .

Direito anterior — O mesmo (Dec. n. 3.900, de 26 de Junho


de 1867, arts. 5-7).
Projectos — Revisto, art. i.186.

Observação — Podem ser objecto do compromisso quaesquer


controvérsias juridicas, já se achem, ou não, submettidas ao
exame dos representantes do poder judiciário. No artigo anterior,
diz o Codigo Civil que o compromisso pôde celebrar-se em qual-
quer tempo; de onde se infere que, se a questão já estiver sub-
mettida aos tribunaes ordinários, o compromisso pode sustar o
proseguimento do processo, em qualquer instância. Neste caso,
porém, elle se ha de celebrar por termo nos autos perante o juiz,
ou tribunal, por onde correr a demanda. Assignal-o-ão as partes,
ou os seus representantes com poderes especiaes. Dispensam-se
as testemunhas, que somente são necessárias, quando o compro-
misso é celebrado por instrumento publico ou particular.

Art. 1.039 — O compromisso, além do obje-


cto do litígio a elle submettido, conterá os nomes,
sobrenomes e domicilio dos árbitros, bem como
os dos substitutos nomeados para os supprir, no
caso de falta ou impedimento.

Direito anterior —- O mesmo (Reg. n. 3.900 cit., art. 8.°).


Projectos — Coelho Rodrigues, art. 694; Revisto, 1.187.
DOS EFFKITOS DAS OBRIGAÇÕES 193
Observação — E' esta uma disposição méramente processual
Nao Podem ser juizes árbitros os que tenham interesse directo
na questão, porque ninguém pode ser juiz em causa própria, e
o interesse torna suspeito o julgador.
Os árbitros não são obrigados a acceitar o encargo, que as
partes lhes offerecem. Ainda depois de acceital-o, podem recusal-o,
se para tanto houver justo motivo; não havendo razão cabal dê
escusa, soffrerão a multa estabelecida na lei ou, na falta de
prescripção a respeito, responderão por perdas e dàmnos.
A escolha dos árbitros era, pelo Codigo Civil deixada, inteira-
mente, a vontade das partes. Não havia propriamente incapaci-
dade para servir de arbitro,. Tudo dependia do accôrdo e do
critério das partes. (Veja-se o artigo 1.043); mas o Codigo de
Processo Civil, art. 1.031, declara que não podem ser árbitros:
os incapazes, os analphabetos e os estrangeiros.
I odem ser recusados, depois de acceitos, sobrevindo causa
legal. Também podem ser recusados, se a causa preexistente era
ignorada no momento de se celebrar o compromisso.
O Codigo fala em árbitros,, no plural, porém nada impede
que as partes escolham um arbitro único.

Art. 1.040— O compromisso poderá tam-


bém declarar:
I . O prazo em que deve ser dada a decisão
arbitrai.
II. A condição de ser esta executada com
ou sem recurso para o tribunal superior.
III. A pena, a que, jaara com a outra parte,
fique obrigada aquella que recorrer da decisão,
nao obstante a clausula "sem recurso". Não ex-
cederá esta pena o terço do valor do pleito.
IV. A autorização, dada aos árbitros, para
julgarem por equidade, fóra das regras e fôr-
mas de direito.
\ . A autoridade, a elles dada para nomea-
rem terceiro arbitro, caso divirjam, se as par-
tes o não nomearam .
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 13
.194 CODIGO CIVIL

VI. Os honorários dos árbitros e a propor-


ção, em que serão pagos.

Direito anterior — O mesmo (Dec. n. 3.900, art. 10).


Projectos — Coelho Rodrigues, art. 695; Revisto, 1.188.

Observações — 1. — Outra disposição méramente processual.


No caso de não haver prazo estipulado pelas partes, prevale-
cerá o da lei, isto é, dois mezes, a contar da acceitação do encargo
(Dec. 3.900, de 26 de Junho de 1887, art. 23).
Expirando o prazo, sem que os árbitros se pronunciem, ex-
tingue-se o compromisso.
2. — O compromisso importa em renuncia da jurisdição or-
dinária para a decisão da controvérsia; esta renuncia, porém,
não tem significação absoluta, e as partes podem recorrer dos
juizes privados para o poder judiciário.
A sentença arbitrai não admitte outro recurso, senão o de
appellação nos casos do art. 1.046. Embargos e aggravos são re-
cursos incabiveis no juizo arbitrai, salvo estipulação em contrario
(art. 1.041).
3. — Os árbitros podem ser autorizados a decidir como com-
positores amigáveis sem se adstrigirem ás regras e ás fôrmas
de direito. Neste caso, terão elles por diretriz as normas da
equidade. Os seus poderes são mais amplos. Por isso mesmo, só
se consideram desprendidos dos rigores da lógica juridica e da
exacta applicação da lei ao caso por ella previsto, se lhes forem
concedidos poderes para julgar segundo lhes parecer equitativo
{de hono et aequo).
4. — O art. 9 do Decreto n. 22.626, de 7 de Abril de 1933,
que não permitte clausula penal de valor excedente a 10 % do
valor da divida, nãp tem applicação ao caso de compromisso
(Cod. Civil, Introd. art. 4).

Art. 1.041 — Os árbitros são juizes de facto


e de direito, não sendo sujeito o seu julgamento
a alçada ou recurso, excepto se o contrario con-
vencionarem as partes.
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES

Direito anterior — Semelhante (Dec n. 3.900, art. 46)


Projectos — Revisto, art. 1.189.

Observação — O Reg. n. 3.900, de 1867, dispunha, no art. 47,


que, se os árbitros tiverem poderes para julgar por equidade,
independentemente das regras e formas de direito, poderão pre-
scindir do processo, que elle estabelece. E tal é o systema que
resulta deste artigo do Codigo Civil,, que lhes dá o caracter de
juizes de facto e de direito, combinado com o n. IV do artigo
anterior.

Art. 1.042 — Se as partes não tiverem no-


meado o terceiro arbitro, nem Ibe autorizado a
nomeação pelos outros (art. 1.040, n. V), a di-
vergência entre os dois árbitros extinguirá o
compromisso.

Direito anterior — O mesmo (Dec. n. 3.900, arts 14 e 26


§ 1.°).
Projectos — Revisto, art. 1.190.

Observação — Prevê o art. 1.042 o caso commum de dois


árbitros, cuja divergência será resolvida por terceiro sobre
arbitro ou desempatador. Neste caso, realmente, o compromisso
nao terá solução, se, divergindo os dois árbitros, não se tiver
pi evidenciado para a intervenção de terceiro. A controvérsia con-
tinua no estado, em que se achava antes do compromisso, e este
não poderá dirimil-a.
E , porém, licito ás partes confiar o julgamento de seu des-
accôrdo a um só arbitro, segundo já ficou observado; consequen-
temente poderão, do mesmo modo, confiar o desempate a um
desempatador, escolhido depois de proferidos os laudos diver-
gentes .
196 CODIGO CIVIL

Art. 1.043 — Pôde ser arbitro, não lb'o ve-


dando a lei, quem quer que tenha a confiança
das partes.

Direito anterior O Dec. n. 3-,600, art. 15, estabelecia al-


gumas excepções a esta regra.
Projectos — Revisto, 1.191.

Observações — 1. — O Codigo não manteve as incapacidades


estabelecidas pelo dec. n. 3.600, que veio seguindo, sem discre-
pância, nos artigos antecedentes. Devemos concluir que teve a
intenção de as eliminar, deixando a matéria ao critério das partes,
cujo interesse as levará, naturalmente, a evitar a escolha de
pessoas, sem os requisitos necessários para servirem de juizes,
mantidas, entretanto, as incapacidades dos arts. 5.° e 6.°.
O Codigo do Processo, porém, como se disse, na observação
ao art. 1.039, declara quem não pode ser arbitro.
As diversas legislações fazem exclusões, como o citado de-
creto n. 3.600; porém, de ordinário, são mais sóbrias. Na Italia,
por exemplo, o art. 10 do Codigo do Processo, depois de declarar
que podem ser nomeados árbitros quaesquer nacionaes ou estran-
geiros {chiunque, citaãino o straniero), restringe a largueza do
dispositivo, exceptuando-se as mulheres, os menores, interdictos,
e aquelles que, excluídos da funcção de jurados por condemnação
penal, ainda não foram rehabilitados. O Codigo do Processo civil
allemão, art. 1.032, admitte a recusação das mulheres e dos me-
nores, dos surdos-mudos e das pessoas privadas de seus direitos
civis por effeito de condemnação. Na Áustria, não podem os ma-
gistrados ser nomeados árbitros. Na França, a lei não estabelece
incapacidades, para o exercício das funcções de arbitro, e o seu
silencio é causa de vivas controvérsias.
Quanto ás mulheres e aos menores, que exercem o com-
mercio. Mortara não vê razão para lhes vedar a funcção ar-
bitrai. As outras incapacidades têm sido, egualmente, objeçto da
critica de outros autores.
Entre nós, não se poderia manter a exclusão da mulher em
face dos princípios liberaes do Codigo Civil. E parece-me fóra
de duvida que nenhuma incapacidade pôde subsistir no silencio
do Codigo. Não ha incapacidades senão as que a lei pronuncia.
Para o Codigo não ha outras senão as dos arts. 5.° e 6.°.
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 197
E' certo que algumas leis processuaes dos Estados, como o
■oodigo da Bahia, o do Estado do Rio, o de Minas, consignam
algumas ou todas as incapãcidades do regulamento n. 3.600. A
matéria, porém, é de direito substantivo, e o Codigo Civil deixa
plena liberdade ás partes para escolherem os seus árbitros.
O Codigo do Processo civil e commercial do Distrito
Federal, embora mantivesse os dispositivos do regulamento de
1867, neste ponto delle se desviou, reproduzindo o preceito do
Codigo Civil (art. 731),

Art. 1.044 — Instituído, judicial ou extra-


judicialmente, o juizo arbitrai, nelle correrá o
pleito os seus termos, segundo o estabelecido nas
leis do processo.

Direito anterior— Semelhante (Dec. n. 3.900, art. 19),


Projectos — Revisto, art. 1.192.

Observação — Pelo que dispõe este artigo, o processo ar-


bitrai deve ter a marcha estabelecida nas leis adjectivas.
Surge porém, uma duvida. Estará sujeito aos termos do pro-
cesso o juizo arbitrai, em que os juizes se acham autorizados a
decidir de bono et oequo? Não, certamente, porque, como diz o
proprio Codigo, os árbitros, neste caso, julgarão fora das regras
e fôrmas de direito. Sobre esta matéria o Codigo do Processo
civil é claro e preciso.

Art. 1.045 — A sentença arbitrai só se


executará, depois de homologada, salvo se for
proferida por juiz de primeira ou segunda in-
stância, i como arbitro nomeado pelas partes.

Direito anterior — O mesmo (Dec. n. 3.900, arts. 59 e 60).


Projectos — Revisto, art. 1.193.
198 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — O laudo arbitrai deve ser datado e


assignado em commum pelos árbitros, se concordarem, e separa-
damente, se discordarem (Codigo de Processo, art. 1.038, VI).
Se discordarem, será a questão levada ao conhecimento do ter-
ceiro arbitro, indicado no compromisso ou eleito pelos dois pri-
meiros. O terceiro arbitro será, sempre, obrigado a conformar-se
com a opinião de um dos árbitros; podendo, todavia, se a decisão
versar sobre questões diversas, adotar, em parte, a opinião, de um
ou outro, sobre cada um dos pontos divergentes. O terceiro arbitro
conferenciará com os outros discordantes, que, para isso, serão no-
tificados, e somente decidirá por si, não se reunindo os árbitros
no pi izo marcado para a conferência (Decreto cit. art. 56). O
laudo resultará do que se vencer nas conferências e será assig-
nado por todos.
Ia — Os outros requesitos, exigido pelo Codigo de Processo,
art. 1.038, são: indicação das partes, indicação, summaria dos
motivos, a decisão e a data.
2. — O laudo deve ser notificado, e indicar, de modo pre-
ciso, a especie.
Segundo o Codigo de processo civil italiano, elle deve conter:
I o, A indicação do nome, cognome, domicilio ou residência das
partes; 2.°, As indicações do acto do compromisso; 3.°, Os motivos
de facto e de direito; 4.°, O dispositivo; 5.°, A indicação do dia,
mez, anno e logar, em que.fôr pronunciado; 6.°, A subscripção de
todos os árbitros. Recusando-se algum a subscrevel-o, farão os
outros mensão disso e a sentença produzirá effeito, desde que
seja subscripta pela maioria.
3. — A homologação imprime força e autoridade publica á
sentença arbitrai. E' necessária para a sua execução judicial. As
partes, porém, poderão cumpril-a, voluntariamente, desde que lhes
seja communicada. E é o que, ordinariamente, acontece.
Quando o arbitro único, ou o desempatador, fôr autoridade
judiciaria de primeira ou segunda instância, a sentença arbitrai
dispensará a homologação. Por disposição da lei, a autoridade
publica, de que se acha revestida a pessoa do julgador, se com-
munica ao acto de ordem privada, que ella realizou, ou no qual
tomou parte decisiva.

Art. 1.046 — Ainda que o compromisso con-


tenha a clausula "sem recurso" e pena conven-
cional contra a parte insubmissa, terá esta o di-
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 199

reito de recorrer para o tribunal superior, quer


no caso de nullidade ou extincção do compro-
misso, quer no de ter o arbitro excedido seus po-
deres.
Paragrapbo único. A este recurso, que será
regulado por lei processual, precederá o depo-
sito da importância da pena, ou prestação de fi-
ança idônea ao seu pagamento.

Direito anterior — O mesmo (Dec. n. 3.600, arts. ■ 62-65).


Projectos —• Coelho Rodrigues, árt. 697; Beviláqua, 1.179;
Revisto, 1.194.

Observações — 1. — Variam os systemas legislativos sobre


os recursos facultados ás partes contra a decisão arbitrai. Alguns
Codigos concedem appellações, para os tribunaes ordinários, como
o italiano e o francez; outros permittem appellar para novos ár-
bitros, como o austriaco; outros, combinam as duas possibilidades,
como o allemão.
O Codigo de Processo Civil, porém, estabelece, como regra o
direito de appellar da sentença, que homologa ou não, a decisão
arbitrai (art. 1.046). E os casos de nullidade são mais nume-
rosos (art. 1.045).
O Codigo- Civil brasileiro não permitte recurso para os tri-
bunaes ordinários, senão nos quatro casos seguintes:
1.°, Se o compromisso conceder a faculdade de appellar da
sentença arbitrai pata o Poder Judiciário.
2.«, Se o compromisso fôr nullo, ou annullavel.
3.°, Se a sentença fôr proferida depois de extincto o compro-
misso.
4.°, Se o arbitro exceder os seus poderes.
Ia. — Interposta appellação, em qualquer destas hypotheses,
ao tribunal aã quem só compete verificar se se realizou alguma
dellas, e, no caso de nenhuma se ter realizado, declarar apenas
isso mesmo. Não pôde corrigir quaesquer omissões por ventura
ha,vidas na sentença recorrida. (Acc. do Supremo Tribunal Fe-
deral, apuã Kelly, Jurisprudência, 3.° supplemento, n. 907).
2. — O compromisso é nullo ou annullavel, como qualquer
acto juridico (arts. 145 e 147). E como elle é a base da sen-
tença, a sua insubsistencia determina a inefficacia da decisão.
200 CODIGO CIVIL

2 a. — Ha quem entenda que, se o compromisso não contiver


a clausula — sem recurso —, será sempre possivel a appellação
para os tribunaes ordinários. Essa intelligencia não se harmo-
niza com a letra do Codigo, nem com a indole do juizo arbitrai,
que tem por fim permittir que as partes resolvam as suas pen-
dências por meio de juizes da sua escolha.
3- — Extingue-se o compromisso: 1.°, devergindo os árbi-
tros, não havendo as partes nomeado terceiro, nem autorizado a
sua escolha peles primeiros (art. 1.042), 2.°, Se algum dos ár-
bitros se escusar, e não houver substituto. 3.°, Fallecendo um dos
árbitros ou ficando impossibilitado de funccionar. 4.°, Expirando
o prazo para ser dada a decisão (art. 1.040, n. I). 5.°, Falle-
cendo alguma das partes, deixando herdeiros menores.
4. — O arbitro recebe os seus poderes do compromisso. O
que fizer dentro delles obriga as partes, que livremente conven-
cionaram acceitar a sua decisão. O que fizer além dos poderes,
que lhe forem conferidos, nenhum valor tem.

Art. 1.047 — O provimento do recurso im-


porta a anmülação da pena convencional.

Direito anterior — O mesmo (Dec. n. 3.900, art. 69).


Projectos — Coelho Rodrigues, art. 701; Revisto, 1.195.

Observação — O tribunal, para o qual recorrer a parte, que


se não conformar com a decisão dos árbitros, ou declarará que
não é caso de recurso, e, então, a parte recorrente será obri-
gada a pagar a pena convencionada; ou decidirá que é nulla a
sentença arbitrai. Neste ultimo caso, se já houver lide pendente,
cuja marcha se interrompeu, com o juizo arbitrai, os autos rever-
terão ao juizo ordinário para proseguir o pleito; se não houver
processo iniciado, ficarão as partes livres de propor as acções,
que entenderem competir-lhes.
Outra conseqüência da nullidade da sentença é a nullidade
da pena convencional, porque esta tem por fim reforçar a obriga-
ção de cumprir a sentença arbitrai, se fôr valida. A sentença
declarada nulla, ou annullada, não pôde ser cumprida.
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 201

Art. 1.048 — Ao compromisso se applicará,


quanto possível, o disposto acerca da transacção
(arts . 1.025 a 1.036).

Direito anterior — Não havia dispositivo correspondente.


Legislação comparada — Codigo Civil hespanhol, art. 1.821.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 704; Beviláqua, 1.178;
Revisto, 1.196.

Observações — 1. — Entre o compromisso e a transacção


ha semelhanças e differenças. Estas ultimas são fundamentaes
e devem ter*se em vista, para não se tirar, do dispositivo do Co-
digo, uma illação contraria aos seus intuitos, nem se confundirem
duas relações de direito muito diversas. O fim do compromisso
differe do da transacção. O fim do compromisso é instituir uma
jurisdição privada, em logar da ordinária, para a solução de uma
controvérsia jurídica; o fim da transacção é pôr termo a uma
controvérsia jurídica por accôrdo entre as próprias partes. O
modo de solver a controvérsia no compromisso é o juizo arbitrai,
alguns de cujos preceitos foram expostos neste capitulo, constando
outros das leis processuaes. O modo de solver a controvérsia na
transacção é o accôrdo directo das partes, mediante mutua con-
cessões.
Por isso mesmo o mandatario autorizado a transigir não o
está para firmar compromissos (art. 1.295, § 2,°).
2. — Ha, porém, uma semelhança essencial entre os dois
actos jurídicos, por isso que ambos se propõem a dirimir questões
de ordem jurídica, sem submettel-as á jurisdicção ordinária das
autoridades creadas para essa funcção, quer essas questões se-
jam ainda divergências debatidas, particularmente, entre as par-
tes, quer já se achem submettidas ao conhecimento do Poder
Judiciário.
Os princípios communs entre o compromisso e a transacção,
além do que acaba de ser dito, são os seguintes: ambos os actos
são indivisíveis (árt. 1.026); interpretam-se restricamente (ar-
tigo 1.027); são meramente declaratorios de direitos (art. 1.027);
approveitam e prejudicam, somente, aos que transigem ou se com-
promettem (art. 1.031); não perimem a acção penal da justiça
publica (art. 1.033); terão por objecto, exclusivamente, questões
patrimoniaes (art. 1.035).
202 CODIGO CIVIL

CAPITULO XI

Da Confusão

Art. 1.049 — Extingue-se a obrigação, desde


que na mesma pessoa se confundam as quali-
dades de credor e devedor.

Direito anterior — O mesmo (Carlos dk Carvalho, Direito


civil, art. 948, pr.).
Legislação comparada — D. 34, 3, fr. 21, § 1.°; 46, 3, fr. 107,
in fine; Codigo Civil francez, art. 1.300; italiano, 1.296; suisso;
das obrigações, 118; portuguez, 796; hespanhol, 1.192; argentino,
862; chileno, 1.665; uruguayo, 1.544; venezuelano, 1.364; peruano,
1.304; boliviano, 894; mexicano, 2.206; do Montenegro, 620;
japonez, 520.
Projectos — Esboço, art. 1.187; Felicio dos Santos, 541;
Coelho Rodrigues, 573; Beviláqua, 1.180; Revisto, 1.197.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 48; M. I. Car-
valho db Mendonça, Obrigações, I, ns. 395 e segs.; Lacerda, Obri-
gações, § 84; Alma Chio Diniz, Obrigações, § 117; S. Vampkê,
Manual, II, § 167; Coelho da Rocha, Inst., § 168; Alves Moreira,
Inst., II, ns. 94-96; Planiol, Traité, II, ns. 625-629; Huc, Commen-
taire, VIII, ns. 174-179; Pothier, Obrigações, II, ns. 605-607; Lau-
rent, Cours, III, ns. 127-130; Zachariae, Droit, civil français, III,
§ 575; Aubry et Rau, Cours, IV, § 330; WindsOheid, Panã., II,
§ 253; Chironi, Ist., II, § 300; Rivarola, Derecho civil argentino,
I, ns. 259-261; Endemann, Lehrbuch, I, § 149, 2; Dernburg, Panã.,
II, § 67; Colmo, Obligaciones, ns. 840 e segs.

Observação — Desde que a qualidade de credor e de devedor


concorrem na mesma pessoa, hão é mais possível o exercício do
direito de credito, porque não se concebe que a pessoa cobre a
divida de si mesma nem que a si mesma se pague.
A confusão pode resultar de herança, legado, cessão de cre-
dito, ou sociedade universal.
Com ella extinguem-se a divida principal e as garantias, que
lhe são accessorias.
O usufructuario da herança não confunde o seu debito para
com ella com o seu direito de usufructo, porque elle não é credor
DOS EFFEXTOS DAS OBRIGAÇÕES 203

da herança. Confunde, porém, os juros da sua divida, porque o


seu direito consiste em usufruir os rendimentos da herança.
Quando as qualidades de credor e devedor se fundem em
relação á divida accéssoria, não se extingue a divida principal.
Se, por exemplo, o fiador herdar o direito creditorio, pelo
qual se responsabiliza, deixa de ser fiador, mas a divida subsiste.
Da mesma fôrma, se o fiador se tornar devedor da obrigação
que afiança, extingue-se a garantia, mas não a divida principal.

1
Art. 1.050 — A confusão pôde yerificar-se
a respeito de toda a divida, ou só de parte delia.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — D. 46, 1, fr. 50; Codigo Civil ar-
gentino, art. 864; chileno, 1.667; uruguayo, 1.546; peruano, 1.305.
Projectos —• Eshoço, art. 1.192; Beviláqua, 1.181; Revisto,
198.

Observação — Quando o credor não recebe a totalidade da


divida, por não ser herdeiro único, do devedor, ou não lhe ter sido
a divida transferida, integralmente; quando o devedor não fôr
herdeiro único do credor; quando terceiro não fôr chamado sosi-
nho á successão do credor e do devedor, a confusão é parcial
(D. 46, 1, fr. 50).

Art. 1.051 — A confusão operada na pessoa


do credor ou devedor solidário só extingue a
obrigação até á concorrência da respectiva parte
no credito, ou na divida, subsistindo, quanto ao
mais, a solidariedade.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano,


e das legislações modernas.
Legislação comparada — D. 46, 1, fr. 71, pr. ; Codigo Civil
francez, arts. 1.209 e 1.301, in fine; italiano, 1.194 e 1.297, in-
fine; portuguez, 799; hespanhol, 1.194; chileno, 1.668; uruguayo,
CODIGO CIVIL
a
1.545, 2. parte; venezuelano, 1.365, ultima parte; peruano, 1.304;
boliviano, 800; japonez, 438; mexicano, 2.207.
Projectos — delicio cios Santos, arts. 451 e 543; Coelho Ro-
drigues, 438 e 576; Beviláqua, 1.182; Revisto, 1.199.

Observação Et puto... confusione oòligationis eximi per-


sonam diz a lei romana acima citada. Consequentemente, se ha
outras pessoas na relação, credores ou devedoras como no caso
de solidariedade, somente aquella, a "respeito da qual se operou a
confusão, colhe a vantagem decorrente; os outros continuam
unidos pelo vinculo da obrigação deduzida, naturalmente, a parte
correspondente ao consorte com o qual se operou a confusão.
Confusione potius eximitur persona quain extinguitur obligatio. O
effeito extinctivo da confusão é méramente subjectivo. Leiam-se
Windscheid, Panã., II, nota 9 ao § 295; e Huc, Commentaire,
VII, n. 223, e VIII, ns. 177 e 178.

Art. 1.052 — Cessando a confusão, para


logo se restabelece, com todos os seus accesso-
rios, a obrigação anterior.

Direito anterior — Carlos de Carvalho, Direito civil, ai-


tigo 948, paragrapho único, achou-se autorizado a consolidar este
preceito.
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 801;
argentino, 867; uruguayo, 1.548; suisso, das obrigações, 118,
2.a alinea; peruano, 1.306.
Projectos — Esboço, art. 1.195; Felicio dos Santos, 545;
Coelho Rodrigues, 577; Beviláqua, 1.183; Revisto, 1.200.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 48; Carvalho de
Mendonça, Obrigações, I, n. 406; Planiol, Traité, II, n. 629;
Huc, Commentaire, VIII, ns. 176, 177 e 179.

Observação — A confusão cessa, ou porque a causa de que


procede é transitória ou porque é uma relação jurídica inefficaz.
Exemplo do primeiro caso: o fiduciario é credor do de cujus;
mas. resolvido o seu direito, os bens passam ao fideicommis-

V ■
DOS EPFEXTOS DAS OBRIGAÇÕES 205
pario; desapparece a confusão, e restaura-se a divida, se não
estiver prescripta. Exemplo do segundo caso: o testamento, que
conferiu "ao devedor direitos hereditários é annullado. Houve
confusão apenas emquanto a nullidade não foi declaráda.
Se, porém, se trata de uma divida garantida por hypotheca
ou penhor, e aquella foi cancellada, ou este remido, é claro que
se não restauram as garantias reaes com o restabelecimento da
divida. O mesmo deve dizer-se da fiança.
Sustentam muitos autores, que, se o herdeiro aliena a he-
rança, depois de a ter acceito, desfaz-se a confusão, e renasce
a divida. Não me parece plausível. Em primeiro logar, a causa
determinante da confusão é, neste caso, de caracter permanente,
e o facto, a que se attribue a restauração do estado anterior,
não pôde ter effeito retroactivo. Depois não é admissível, que,
cedendo a herança, o herdeiro devedor pretenda conservar a sua
condição. E se o herdeiro é credor, alienou os bens depois de
satisfeito. A herança, entrando em seu patrimônio, operou a
confusão, extinguiu a divida, em ambas as hypotheses.

CAPITULO XII

De remissão das dividas

Art. 1.053 — A entrega voluntária do titulo


da obrigação, quando por escripto particular,
prova a desoneração do devedor e seus co-obri-
gados, se o credor for capaz de alienar, e o de-
vedor, capaz de adquirir.

Direito anterior — Era doutrina acceita. V. Carlos de


Carvalho, Direito civil, art. 930, § 1.°.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.282;
italiano, 1.279; hespanhol. 1.188; suisso, das obrigações, ultima
parte; argentino, 877; chileno, 1.654; uruguayo, 1.518, 1.°, 1.520
a 1.523; venezuelano, 1.347; boliviano, 87^; mexicano, 2.209.
Vejàm-se ainda: allemão art. 397: do Montenegro, 621; ja-
ponez, 519.
Para o direito romano: D. 2, 14, fr. 2, § 1.°: Si ãeMtori meo
reclãiderim cautionem, videtur inter nos convenisse ne peterem;
profuturamque ei conventionis exceptionem placuit; Cod., 8,
42, 1. 15.
206 CODIGO CIVIL

Projectos — Eshoço, arts. 1.111-1.113; Felicio cios Santos,


518; Coelho Rodrigues, 578; Beviláqua, 1.184; Revisto, 1.201.
Bibliographla —■ Direito das obrigações, § 45; M. I. Caik
valho de Mendonça, obrigações ns. 407 e segs. Lacebda, obri-
gações, § 90; ALmachio Diniz, Obrigações, n. 332; S. Yampré,
Manual, ÍJ, n. 168; Coelho da Rocha, Inst., § 163; Alves Moeeika,
Inst., II, ns. 97-100; Saleilles, De Vobligation ns. 71 e 72, 124 e
125; Planiol, Traité, II ns. 631-646; Huc Commentaire, VIII,
ns. 130-141; Pothiek, Obrigações, II, ns. 570 e segs.; Laxjeent,
Gours, III, ns. 91 e segs.; Zachaeiae, Droit civil français, III,
n. 569; Aubby et Rau, Gours, IV, n. 323; Bndemann, Lehrbuch,
II, § 149, 1; Windscheid, Panã., II, § 357; Deenbueg, Panã., II,
§§ 65 e 66; Ivohler, Lehrbuch, II, § 59; Chieoni, Ist., II, § 299;
Rivarola, Derecho civil argentino, I, ns. 265-268; Colmo, Obliga-
ciones, ns. 877 e segs.; R. Salvat, op. cit., ns. 1.993 e segs.

Observações — 1. — Remissão é a libertação graciosa da di-


vida. E' a renuncia, que faz o credor, de seus direitos credi-
torios, collocando-se na impossibilidade de exigir-lhes o cumpri-
mento. Para que a remissão séja efficaz é necessário que o
remittente seja capaz de alienar, porque a renuncia é uma aliena-
ção do direito. E' também necessário que o beneficiado por ella
seja capaz de adquirir.
Quando a obrigação se documenta por escriptò particular,
a restituição delle ao devedor prova o pagamento (art. 945). Con-
sequentemente, se o credor, voluntariamente, entrega ao seu de-
vedor, o titulo particular da divida, e este ultimo o acceita,
houve perdão da divida. E' a remissão tacita.
2. — Não é, porém, a entrega do titulo a única fôrma de re-
mittir a obrigação. Ella pôde resultar de um acto expresso, seja
inter vivos, seja mortis causa. E será esta a fôrma necessária,
quando o titulo da obrigação não fôr instrumento particular.

Art. 1.054 — A entrega do objecto empe-


nhado prova a renuncia do credor á garantia
real, mas nãó a extincção da divida.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


DOS EFFEXTOS DAS OBEIGAÇÕES 207
Legislação comparada — D. 2, 14, fr. 4: Postquam pignus
vero ãeUtori reãatur, si pecunia soluta non fuerit deMtum peti
posse dubium non est: nisi specialiter contrarium actum esse pro-
betur; Cod., VIII, 26, 1. 7; Codigo Civil francez, art. 1.286;
italiano, 1.280; chileno, 1.654; uruguayo, 1.522; venezuelano,
1.342; .peruano, 2.242; mexicano, 2.212; hespanhol, 1.191; por-
tuguez, 872.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 521; Coelho Rodrigues,
579; Beviláqua, 1.185; Revisto, 1.202.

Art. 1.055 — A remissão concedida a um


dos co-devedores extingue a divida na parte a
elle correspondente; de modo que, ainda reser-
vando o credor a solidariedade contra os outros,
já lhes não pôde cobrar o debito, sem deducção
da parte remettida.

Direito anterior — Não havia dispositivo de lei a respeito.


Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.295;
italiano, 1.281; venezuelano, 1.349; uruguayo, 1.521. Estes Có-
digos referem-se á remissão feita ao devedor solidário, e não
consagram doutrina uniforme. V. ainda o mexicano, 2.211.
Por direito romano, a remissão da divida em beneficio de
um dos devedores solidários aproveitava aos outros, quando havia
acceptilação; não assim, quando o perdão resultava de um con-
tracto (D. 46„ 4, fr. 16, pr.; 2, 14, frs. 21, §§ 5.° e 25; Codigo, 2,
3, 1. 18).
Veja-se ainda o que sob esta mesma rubrica foi exposto no
commentario ao art. 906.
Projectos — Esboço, arts. 1.222; e 1.225; Coelho Rodrigues,
£80 e 581; Beviláqua, 1.186; Revisto, 1.203. O Projecto primitivo
referia-se, exclusivamente, ao fiador, para completar a doutrina,
quanto ás garantias, já tendo considerado o penhor no artigo an-
tecedente. O caso da solidariedade passiva, fôra, anteriormente
previsto. Não havia razão para repetil-o, nem repetindo-o, para
esquecer a solidariedade activa e a indivisibilidade. Não foi feliz,
neste ponto, a emenda da commissão revisora.
208 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — O Codigo reproduz, neste artigo, o que


já dispuzera, quanto á solidariedade passiva, no art. 806. Era
ocioso fazej-o. Não accentuou, porém, de modo claro, o caso da re-
missão concedida ao fiador. E' verdade que elle é um co-obrigado,
mas um co-obrigado de natureza especial, que em seu favor pode
invocar o beneficio de ordem, e ao qual não se ajustam muito
bem as palavras do artigo: — a remissão... extingue a divida
na jjarte a elle correspondente.
Veja-se, nos arts. 894 e 900, o effeito da remissão concedida
na obrigação indivisivel, e por um dos credores solidários.
2. — O Codigo Civil allemão, art. 423, estabelece doutrina
differente. A remissão feita a um devedor solidário aproveita
aos outros, quando houve intenção de extinguir a divida em sua
totalidade, isto é, o effeito da remissão depende da vontade das
partes; não ha presumpção legal. V. Saleilles, ns. 124 e 125,
e Code Civil allemand, par le Comitê lég. étr., vol. I, ao ar-
tigo 423.

CAPITULO XIII

Das conseqüências da inexecução das obrigações

Ali. 1.056 — Não cumprindo a obrigação,


ou deixando de cumpril-a pelo modo e no tem-
po devidos, responde o devedor por perdas e
damnos.

Direito anterior — Principio reconhecido, mas não formu-


lado em artigo de lei.
Legislação comparada — D. 22, 1, frs. 21-23; Cod., 4, 24,
1. 15'; Codigo suisso das obrigações, 97 (fonte); francez, 1.147;
italiano, 1.218 e 1.22^; portuguez 705; hespanhol, 1.101; ar-
gentino, 511 e 512; venezuelano, 1.284 e 1.291; mexicano, 2.104,
pr.; japonez, 415.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 371; Coelho Rodrigues,
kl4; •, Beviláqua, 1.188; Revisto, 1.204.
Bibliograpbia — Direito das obrigações, § 53; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, ns. 446 e segs.; Espinola, Sys-
tema, II, ps. 342 e segs.; Lacerda, Obrigações, §§ 38-40; S. Vampré
Manuel, II, § 170; Hud, Gommentaire, VII, ns. 141 e segs.; Augry
et Rau, Gours, IV, § 308; Planiol, Traité, II, ns. 231 e segs.;
Chironi, Culpa contractual, ns. 247 e segs.; Borsahi, Sulla res-
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 209
ponsabilitá per inadimptimento delle obligazioni, no Archivo
giuriãico de 1889, e no Jahrbuch d. int. Vereinigung fuer vergl.
Rechtswissenschaft, V e VI, ps. 1.006 e segs.; Rossel, Droit civil
suisse, III, ps. 127 e segs.; Sanchez Roman, Derecho civil, IV,
cap. XIII; Dernburg, Pand., II §§ 36 e segs.; Saleilles, De
l obligation, ns. 14 e segs. e 312 e segs.; Alves Moreira, Inst.,
II, ns. 36 e segs.

Observações — 1. —• A obrigação é um vinculo, que adstringe


o devedor ao cumprimento do que lhe é imposto pela mesma obri-
gação. Esse cumprimento tem de ser realizado no tempo e pelo
modo devidos, sob pena de perdas e damnos, porque o não cum-
piimento da obrigação é um acto illicito, que causa prejuizo ao
credor.
Se a inexecuçâo é completa, mais extensa ha de ser a respon-
sabilidade; se a execução é, apenas, imperfeita, deve a responsa-
bilidade ser proporcional ao que falta para completar a execução.
Esta responsabilidade assenta, porem, na culpa do devedor,
que será apreciada no art. seguinte.
Se houve não inadimplemento da obrigação, mas retardamento
em cumpril-a, haverá mora, matéria já considerada nos artigo
955-963.
2- — Quando ainda não estão apurados os damnos, nos casos
previstos neste artigo, podem ser liquidados na execução. Acc. do
S. Tribunal Federal, n. 2.672, de 10 de Agosto de 1917 (Diário
Official, de 6 de Fevereiro de 1918).

Art. 1.057 — Nos contractos nnilateraes,


responde por simples culpa o contrahente, a
quem o contracto aproveite, e só por dólo aquelle
a quem não favoreça.
Nos contractos bilateraes, responde cada
uma das partes por culpa.

Direito anterior — Não havia direito escripto a respeito


desta matéria.
Legislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigo 113; argentino, 506 e 511. Vejam-se, também: allemão, 521;
chileno, 1.547; hespanhol, 1.102 e 1.103; e o mexicano, 2.106.
:
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 14

\
210 CODIGO CIVIL

Projectos — Felicio cios Santos ax-t. 372; Beviláqua, 1.189;


Revisto, 1.205. A fórmula deste ultimo Projecto foi a que preva-
leceu. O Projecto primitivo dizia, simplesmente: "A responsabi-
lidade do devedor será apreciada mais benevolamente quando se
tratar da liberalidade sua". E' o mesmo pensamento do Codigo
Civil allemão, art. 521; "O doador responde, somente, por seu
/
dólo ou negligencia grave".
Na Gamara, accrescentou-se a este artigo, a definição de
culpa, por indicação de Amaro Cavalcanti {Trabalhos da Ga-
mara, II, ps. 180-181), acceita a modificação por Oliveira Figuei-
redo (Trabalhos, cit., VI, p. 347). O Senado, porém, mandou sup-
primir essa definição, porque somente em casos muitos paxdicu-
lares o Codigo deveria dar definição directa.
Bibliographia — A do artigo antecedente. Aclãe: Iheoiia
geral ão direito civil, § 71; Ribas, Curso, ps., 511 e segs. da
quarta ed.; Coelh'o da Rocha, Inst., §§ 125, 126, e nota F. no
fim do volume; Planiol, Traité, II, ns. 901 e segs.; Jhering, De
la faute en clroit privé, trad. Mculenacre; WindgcIheid, Panã.,
II, § 265; Endemann, Lehrbuch, I, § 130; Luigi Abello, vb.
Colpa, no Dizzionario de Scialoja e Busati; Pinto Coelho, Res-
ponsabilidade civil; Dias da Silva, Estudos sobre a resp>onsabi-
liãade civil, connexa com a criminal; Demogue, Obligation, III,
ns. 1.223 e segs.
CONSELHO REGIONAL DO TRÁBAu,
K REGIÃO

Observações — 1. — Culpa, em sentido lato, é_tqda violtmio


de um dever iuridíco. Se é intencional, com animo de prejudicar,
~Toma~õ"nome "particular de dólo. Se, porém, não é praticada de má
fé, no intuito de prejudicar, ê culpa em sentido proprio e restricto.
Se seTeduz á falta do diligencia no cumprimento das obrigações
convencionaes. é culpa contractual. E' culpa aquiliana, quando
consiste iia vio 1 ação do dever, que todos têm, de respeitar o di-
reito alheio. A culpa aquiliana corresponde ao acto ilicito, no
sentido particular da expressão. E' da culpa contractual que
agora se trata.
Pode a culpa occorrer de vários modos: in fadendo, quando
resulta de um acto positivo: in omittendo, quando é praticada por
abstenção: in contrahendo, se se manifesta na celebração do con-
tracto; in eligendo, se consiste na escolha da pessoa a quem se
confia a pratica de um acto; in viligiando, se consiste na falta de
attenção necessária no desempenho do dever. São despidas de in-
teresse pratico essas distinções. Sex-virão, sómente, para indicar
a variabilidade das manifestações da culpa.
DOS EFFEIT08 DAS OBRIGAÇÕES 211
Considera-se a culpa in abstracto, quando se toma por typo
de comparação na observância do dever jurídico, "um diligente
pae de família", segundo a expressão consagrada; e in concreto,
quando se tem em vista o proprio indivíduo culpado.
2 ■ — O Codigo não estabelece a graduação da culpa,, lata, leve,
e levíssima, divulgada pela autoridade de Pothxer, mas comba-
tida pela maioria dos romanistas e civilistas. Não quer isto dizer
que, em algumas situações, a deligencia em respeitar o direito
não deve ser maior. Neste mesmo artigo, affirma-se que nos con-
tractos unilateraes, o contrahente, a quem o contracto aproveite,
responde por simples culpa, ao passo que responde somente por
dólo aquelle a quem o contracto não favorece. Na doação, por
exemplo, o doador somente responde por dólo, e o donatário por
culpa. O mesmo se dirá do commodante e do depositante.
Contractos unilateraes são aquelles que somente para uma
das paftes geram obrigações. Bilateraes ou synallagmativos são
aquelles de que nascem obrigações para ambas as partes. Nesta
ultima classe, cada contrahente responde por sua culpa. Assim
é, por exemplo, na compra e venda, na locação, na sociedade.

Art. 1.058 — O devedor não responde pelos


prejuízos residtantês dc dasoi fortuito, ou força
maior, se, expressamente, não se liouver por el-
les responsabilizado, excepto nos casos dos ar-
tigos 955, 956 e 957.
Paragrapbo único. O caso fortuito, ou de
força maior, verifica-se no facto necessário, cu-
jos effeitos não era possível evitar ou impedir.

Direito anterior — Semelhante, quanto ao principio do ar-


tigo (Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 1.001, § 4.°, 1.026 e
1.027). Não havia definição legal de caso fortuito e força maior.
Legislação comparada — D. 19, 2, fr. 25, § 6; Vis major
quam Graeci ©eoõ (3lav id est vim divinam appellant...; 50,
17, fr. 23, in fine: Casus... a nullo praestantur; Cod., 4, 24, 1, 6;
Quae fortuitis casibus accidunt, cum praevideri non potuerint...
nullo bonae fidei judicio praestantur; Codigo Civil hespanhol, ar-
tigo 1.105; francez, 1.148; italiano, 1.126; suisso das obrigações,
97, in fine; venezuelano, 1.292; do Montenegro, 931; portuguez,
705; mexicano, 2.111.
212 CODIGO CIVIL

Projectos — Esboço, arts. 832 e 833; Felicio dos Santos, 373;


Coelho Rodrigues, 466; Beviláqua, 1.190; Revisto, 1.206. A defi-
nição de casos fortuito e força maior é da Gamara dos Deputados,
por indicação de Amabo Cavalcanti {Trabalhos, VI, p. 347).
Blbliographia — M. I. Carvalho de Mendonça, Obrigações,
II, ns. 460-468; Espinola, Systema, II, ps. 357 e segs.; Lacerda,
Obrigações, § 36; Ribas, Curso, ps. 514 e segs. da quarta ed.;
Alves Moreira, Inst., II, n. 38; Planiol, Traité, II, ns. 243 e 245;
Huc, Commentaire, VII, ns. 143 e 144; Dãnjon, Droit maritime,
II, 717 a 717 ter; Aubry et Rau, Cours, § 300; Zaohariae, Droit
civil français, III, § 549; Pothier, Obrigações, I, 142; Chironi,
Culpa contractual, ns. 308-316; Calvinus, Lexicon, vb. Casus e
Tis major; R. Salvat, op. cit., ns. 142 e segs.

Observações — 1. — Conceitualmente o caso fortuito e a


força maior se distinguem. O primeiro, segundo a definição de
Huc, é "o accidente produzido por força physica inintelligente,
em condições, que não podiam ser prevista pelas partes". A se-
gunda é "o facto de terceiro, que creou, para a inexecução da
obrigação, um obstáculo, que a bôa vontade do devedor não
pôde vencer".
Não é, porém, a imprevisibilidade que deve, principalmente,
caracterizar o caso fortuito, e, sim, a inevitabiliãade. E, porque
a força maior também é inevitável, juridicamente, se assimilam
estas duas causas de irresponsabilidade. Uma secca extiaoidi-
naria, um incêndio, uma tempestade, uma inundação pioduzem
damnos inevitáveis. Um embargo da autoridade publica impede
a sabida do navio do porto, de onde ia partir, e esse impedimento
tem por conseqüência a impossibilidade de levar a carga ao porto
do destino. Os generos que se acham armazenados para ser en-
tregues ao comprador são requisitados por necessidade da guerra.
Nesses e em outros casos, é indifferente indagar se a impos-
sibilidade de o devedor cumprir a obrigação procede de força
maior ou de caso fortuito. Por isso, o Codigo Civil reuniu os dois
factos na mesma definição: o caso fortuito ou de força maior é o
facto necessário, cujos effeitos não era possivel evitar ou impedir.,
O essencial é, pois, que do facto resulte a impossibilidade,
em que se acha o devedor, de cumprir a obrigação. E assim é que
o illustre Chironi, observando que a lei italiana comprebende
no caso fortuito a força maior, depois de accentuar que, na força
DOS EFFEXTOS DAS OBRIGAÇÕES 213
maior a razão determinante da excusa é objectiva, ao passo que,
no caso fortuito, se attende á diligência do obrigado, desenvolve
a sua construcção sobre o caso fortuito, em sentido amplo, e des-
taca os dois elementos, que concorrem no seu conceito: a) Facto
estranho ao devedor, que não lhe é imputavel; b) Impossibilidade
de cumprir a obrigação.
2. — O efeito do caso fortuito e da força maior é isentar o
devedor da responsabilidade pelo não cumprimento da obrigação.
Este effeito, porém, pode ser mais ou menos extenso. Se a im-
possibilidade de cumprir a obrigação é completa, o devedor fica
inteiramente livre; a, obrigação se resolve. Se, porém, o impedi-
mento é parcial, o credor poderá obter, segundo a natureza e o
fim do contracto, o cumprimento do que lhe fôr util.
Pôde ainda acontecer que o caso fortuito ou de força maior
apenas retarde o cumprimento da obrigação. O effeito liberatorio
refere-se. então, exclusivamente, á móra.
3. — Ao devedor incumbe provar o caso fortuito ou força
maior, que allega. Não lhe aproveita a prova do facto, se teve
culpa na sua realização. O incêndio, por exemplo, é um facto que
poderá ser invocado como determinante da impossibilidade, em
que se acha o devedor de cumprir a sua obrigação. Mas, bem se
comprehende. quando quem o invoca não lhe deu causa, nem con-
correu para augmentar-lhe os effeitos. Também lhe não aproveita
a prova do facto, se delle não resulta a impossibilidade da pres-
tação .
4. — O caso fortuito e a força maior excusam o devedor de
responsabilidade pelos prejuízos; mas elle pôde, por clausula ex-
pressa, ter assumido essa responsabilidade.
No caso de móra, porém, o caso fortuito ou de força maior
não excusa, se aconteceu depois da móra, salvo se o devedor
provar que não teve culpa no atrazo da prestação, ou que o
damno occorreria, ainda quando a obrigação fosse desempenhada
opportunamente. E' a excepção que o art. 1.058 consigna com a
remissão aos arts. 955, 956 e 957. Aliás, a remissão devera li-
mitar-se ao ultimo dos artigos citados.

CAPITULO XIY

Das perdas e damnos

Art. 1.059 — Salvo as excepções previstas


neste Codigo, de modo expresso, as perdas e
214 CODIGO civrc

damnos devidos ao credor abrangem, além do


que elle effectivamente perdeu, o que razoavel-
mente deixou de lucrar.
Paragrapbo único. O devedor, porém, que
não pagou no tempo e forma devidos, só respon-
de pelos lucros, que foram ou podiam ser pre-
vistos na data da obrigação.

Direito anterior — Regras acceitas, mas não expressas em


lei.
Leçislação comparada — D. 46, 8, fr. 13, pr.; Si commissa
est stipulatio, in tantum competit, in quantum mea interfuit: iã
est, quantum, mihi abest, quantumque lucrari potui; Cod., 7, 47,
1. única; Codigo Civil francez, arts. 1.149 e 1.150; italiano, 1.227
e 1.228; hespanhol, 1.106 e 1.107, l.a parte; argentino, 519 e 520;
chileno, 1.556 e 1.558; uruguayo, 1.345 e 1.346, l.a parte; vene-
zuelano, 1.293 e 1.294. Vejam-se, também; allemão, 249, l.a parte;
austríaco, 1.323; portuguez, 706 e 707; japonez, 416.
Projectos — Esboço, arts. 829 e 830; Coelho Rodrigues,
1.233; Beviláqua, 1.194; Revisto, 1.207.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 53; M. I. Car-
valho oe Mendonça, Obrigações, II, ns. 470 e segs.; Espinola, Sys-
tema, II, ps. 498 e segs.; Lacerda, Obrigações, § 42; S. Vampré,
Manual, II, § 171; Almachio Diniz, Obrigações, ns. 333 e 334;
Coelho da Rocha, Inst., § 122; Alves Moreira, Inst., II, n. 41;
Planiol, Traité, II, ns. 231-294; Aübry et Ratj, Cours, IV, § 308;
Huc, Gommentaire, VII, ns. 145-166; Zachariae, Droit civil fran-
çais, III, §§ 546-550; Laurent, Cours, II, ns. 566-579; Chironi,
Culpa contractual, ns. 247 e segs.; Dernburg, Panã. II, §§ 44 e
45; Colmo, Obligaciones, ns. 88 e segs.; R. Salvat, op. cit.,
ns. 81 e segs.

Observações — 1. — Occupa-se o Codigo Civil, neste ca-


pitulo, das perdas e damnos, isto é, da indemnização imposta ao
devedor por não cumprir a sua obrigação, ou não cumpril-a no
tempo e pelo modo devidos (art. 1.056).
A indemnização comprehende o damno emergente e o lucro
cessante.
Damno, em sentido amplo, é toda diminuição dos bens jurí-
dicos da pessoa. Se recáe essa diminuição, directamente, sobre
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 215

o patrimônio, o damno é patrimonial; se fere o lado intimo da


personalidade (a vida, a honra, a liberdade), é moral.
E' do damno patrimonial, que aqui se trata, porque, nas re-
lações entre credor e devedor, o que se tem de regular é a ne-
cessidade de cumprir a obrigação, ou de satisfazer o prejuiizo
causado pelo não cumprimento. A obrigação, no sentido technico
do termo, é relação patrimonial, é conceito economico. A in-
demnização, que substitue o seu não cumprimento, somente se
refere ao patrimônio do credor.
Damno emergente é o que, effectivamente, se perdeu; é a
diminuição actual do patrimônio. Lucro cessante, é o que, ra-
zoavelmente, se deixou de lucrar; é a diminuição potencial do
patrimônio.
2. — Os lucros computados para a indemnização, por não
cumprimento da obrigação, segundo determina o paragrapho único
do artigo analysado, são os que foram ou podiam ser previstos na
data da obrigação. Pela tradição do nosso direito e pela melhor
doutrina, fazia-se uma distincção. Se o não cumprimento da obri-
gação fôra determinado por dólo, nos lucros cessantes se compre-
hendiam os não previstos na occasiâo do contracto, uma vez que
fossem directa e immediatamente decorrentes da inexecução. Se
não se pudesse imputar dólo ao devedor, então, os lucros ces-
santes seriam, somente, os previstos ou previsíveis no momento
de se contrahir o vinculo obrigacional. O Codigo manteve essa
doutrina.
3. — As perdas e damnos presuppõem culpa ou móra do de-
vedor. Nàs indemnizações pagas pelo segurador por occasiâo de
sinistros, não apparecem os presuppostos de culpa ou móra, por-
que a indemnizaçã.o, neste caso, é a prestação devida, e, nos
outros, é uma substituição da que deixou de ser cumprida pelo
modo e no tempo devidos.
4. — Neste capitulo estabelece o Codigo algumas regras para
a fixação das perdas e damnos, no processo da liquidação: a) O
devedor culposo ou moroso só responde pelos lucros, que foram
ou podiam ser previstos na data da obrigação (art. 1.059, para-
grapho único); &) Ainda que o devedor seja culpado de dólo,
não terá de indemnizar senão os prejuízos effectivos e os lucros,
que o credor deixou de perceber por effeito directo e immediato
da inexecução (art. 1.060); c) Nas obrigações de pagamento
em dinheiro, as perdas e damnos consistem nos juros da móra
e custas, sem prejuízo da pena convencional (art. 1.061).
Desappareceram outras regras indicadas pelos autores, em
relação ao direito anterior: o) A estimação das perdas e damnos
216 CODIGO CIVIL
não deve exceder ao duplo do valor da prestação originaria (Cod.,
7, 47, 1. única); &) As perdas e damnos dos bens rendosos re-
duzem-se aos fructos e rendimentos delles (Lacerda, Obrigações,
§ 42; Pothieb, Obrigações, n. 151).
Continúa, porém a prevalecer a norma de que a liquidação
das perdas e damnos consistes em reduzil-os a certa quantia de
dinheiro {jjecuniae existimatio).

Art. 1.060 — Ainda que a inexecnção re-


sulte de dólo do devedor, as perdas e damnos só
incluem os prejuizos effectivos e os lucros ces-
santes por effeito delia, directo e immediato.
Direito anterior — Tal era o subsidio do direito romano (Co-
digo, 7, 47, 1. única.
Legislação comparada — Codigo Civil Francez, art. 1.151;
italiano, 1.229; portuguez, 707; argentino, 521; venezuelano,
1.295; mexicano, 2.110. V., também, hespanhol, art. 1.107,
2.a parte; peruano, 1.323.
Projectos— Felieio dos Santos, art. 381; Coelho Rodrigues.
1.234; Beviláqua, 1.195; Revisto, 1,208.

Observação — Se a inexecução resulta de dólo do devedor,


não se attende á regra de previsão feita ou meramente possível
na data da obrigação (art. 1.059, paragrapho único), porque nâ-o
era licito prevêr o dólo. Neste caso, as perdas e damnos terão
maior amplitude, a reparação deverá ser a mais completa que
fôr possível. Mas, o Codigo não quer que esse preceito de equi-
dade se transforme, pelo abuso, em exigência, que a equidade não
possa approvar. Fixa um termo á indemnização, que não pôde
abranger senão as perdas effectivas e os lucros, que, em conse-
qüência directa e immediata da inexecução dolosa, o credor
deixou de realizar. Afasta-se o chamado damnum remotum. O
devedor, ainda que doloso, responde somente pelo que é conse-
qüência directa e immediata do seu dólo, o que é uma questão
de facto a verificar.

Art. 1.061 — As perdas e damnos, nas obri-


gações de pagamento em dinheiro, consistem nos
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 217

juros da móra e custas sem prejuízo da pena


convencional.

Direito anterior — Semelhante (Codigo Commercial, art. 249;


Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 876, paragrapho único).
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.153;
italiano, 1.231; hespanhol, 1.108; portuguez, 720; chileno, 1.559;
venezuelano, 1.297. Vejam-se também o allemão, arts. 288 e 289,
o suisso das obrigações, 119 e 121, e o peruano, 1.324.
Para o direito romano, nas obrigações de pagamento em di-
nheiro, as perdas e damnos resultantes da móra consistiam noa
juros usuaes, não excedentes a seis por cento (D. 22, 1, fr. 1, pr.;
combinado com al. 26, § 1.° in médio, do Cod., 4, 32). Se o credor
provasse que os seus prejuizos tinham sido, realmente, conside-
ráveis, podia obter indemnização maior (D. 13, 4, fr. 2, § 8.ü).
Projectos — Felicio dos Santos, art. 377; Coelho Rodrigues,
1.235; Beviláqua, 1.196' Revisto, 1.209.

Observações — 1. ■— Quando o pagamento consiste em di-


nheiro, a estimação do damno emergente da execução já se acha
préviamente estabelecida. Não ha que fazer a substituição em di-
nheiro da prestação devida. Falta avaliar os lucros cessantes. O
Codigo os determina pelos juros da móra e pelas custas.
Juros são fructos do capital. Se o devedor não paga a di-
vida em dinheiro no tempo devido, a lei manda contar-lhe os
juros dessa quantia, desde que se constituiu em móra. São os
juros moratorios. E nisto consiste a reparação do damno causado
pelo não cumprimento da divida de dinheiro.
Além dos juros moratorios, pagará o devedor as custas do
processo com a cobrança, como resultado da condemnação, porque
a sua impontualidade é que determina os gastos, a que o credor
é obrigado, por cobrar-lhe a divida judicialmente.
2. — O credor da divida de dinheiro não tem que provar
prejuízo, para exigir os juros moratorios. Se a lei não lhe dá
outra compensação, concede-lhe esta facilidade, que, aliás, re-
sulta, claramente, da natureza das coisas.
3. — Sem prejuízo da cláusula penal, diz o Codigo. Mas o
dec. 22.626 de 1933, art. 8, diz que as cláusulas penaes, quando
convencionadas, reputam-se estabelecidas para attender a des-
pesas judiciaes e honorários de advogados. Havendo clausula pe-
nal, portanto, não se incluirão as custas nas perdas e damnos.
218 CODIGO CIVIL.

CAPITULO XY

Dos juros legaes

Art. 1.062 — A taxa dos juros moratorios,


quando não convencionada (art. 1.262), será de
seis por cento ao ano .

Direito anterior — O mesmo (Codigo Commercial, art. 249;


lei de 24 de Outubro de 1832, art. 4.°; Carlos de Carvalho, Di-
reito civil, art. 876, paragrapho único).
Legislação comparada — Os juros legaes foram fixados, na
França, em 4 por cento, em matéria civil, e 5 por cento em ma-
téria commercial, (lei de 7 de Abril de 1909). Na Allemanha,
os juros legaes, moratorios, são de 4 por cento (Codigo Civil,
arts. 246 e 248); na Italia, de 5 por cento, em matéria civil, e 6,
em matéria commercial (Codigo Civil, art. 1.831); na Suissa,
de 5 por cento (Codigo das obrigações art. 73); na Áustria em
4 por cento, em matéria civil (Codigo Civil, arts. 955 e 1.333);
em Portugal, de 5 por cento (Codigo Civil, art. 1.640, paragrapho
único); na Hespanha, de 6 por cento (Codigo Civil, art. 1.108,
2.a parte); no Uruguay de 6 por cento (Codigo Civil, art. 1.207);
no Perú, de 5 por cento (Codigo Civil, art. 1.325); no México,
de 9 por cento (Codigo Civil, art. 2.395); na Venezuela, de 3 por
cento (Codigo Civil, art. 1.820). Na Argentina, a lei não fixa
a taxa legal dos juros (Codigo Civil, art. 622).
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.443; Beviláqua, 1.197;
Revisto, 1.211.
Bibliographia — Direito das obrigações, §§ 53 e 106; M. I.
Carvalho de Mendonça, Obrigações, I, ns. 487 e segs.; Teixeira
de Freitas, Consolidação, notas (21), ao art. 361, (22), ao ar-
tigo 362, e (23), ao art. 303; Lacerda, Obrigações, § 43; Planiol,
Traité, II, ns. 281-285; Huc, Gommentaire, VII, ns. 1^4 e segs.;
Aubry et Rau, Cours, IV, § 308; Colmo, Obligaciones, ns. 430 e
431; J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito com-
mercial, VI, parte I, ns. 335 e segs.; R. Salvat, op. cit., ns.
481 e segs.

Observação Os juros podem ser compensatórios, que são


os fructos do capital empregado, e moratorios, que são a in-
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 219

demnização pelo retardamento no pagamento da divida. Os com-


pensatórios são, ordinariamente, convenciones, isto é, estabele-
cidos por contracto; e os moratorios podem ser legaes, ou con-
yencionaes.
O Codigo permitte que as partes convencionem a taxa dos
juros moratorios; se porém, não a convencionarem, será ella de
seis por cento ao anno.
O Dec. n. 22.626, de 7 de Abril de 1933, art. 1, estatue: E'
vedado, e será punido, nos termos desta lei, estipular em quaes-
quer contrqctos taxas de juros superiores ao doloro da taxa legal.

Art. 1.063 — Serão também de seis por cen-


to ao anno os juros devidos por força de lei, ou
quando as partes os convencionarem sem taxa
estipulada.

Direito anterior — O mesmo (Lei de 24 de Outubro de 1832).


Projectos — Esboço, art. 2.222; Felicio dos Santos, 2.440;
Coelho Rodrigues, 1.058; Beviláqua, 1.198; Revisto, 1.212.

Observação — Não são somente os juros moratorios os que


têm a taxa fixa de 6 por cento; estão sujeitos á mesma taxa todos
os juros devidos por força de lei, quer esta ordene o pagamento
dos juros quer apenas suppra a omissão das partes, que pactua-
ram juros sem lhes fixar a taxa.
Sobre varias questões, que suggere esta matéria, a liberdade
das convenções, a usura, o anatocismo, veja-se o commentario ao
art. 1.262.
O Dec. n. 22.626, de 1933, art. 1, § 3.°, exige que os juros
sejam estipulados em escriptura publica ou particular; assim
não se fazendo, entende-se que as partes concordaram nos juros
de o % ao anno, a contar da data da propositura da respectiva
acção ou do protesto cambial.

Art. 1.064 — Ainda que se não allegue pre-


juizo, é obrigado o devedor aos juros da móra,
que se contarão, assim ás dividas em dinheiro,
como ás prestações de outra natureza, desde que
220 CODIGO CIVIL

lhes esteja fixado o valor pecuniário por sen-


tença judicial, arbitramento ou accôrdo entre as
partes.

Direito anterior — Era doutrina acceitâ.


Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.153,
2.a al.; italiano, 1.231, 2.', al.; venezuelano, 1.297, 2.a al. Estes
dispositivos referem-se á desnecessidade de provar prejuízo para
o pedido dos juros da móra.
Projectos — Beviláqua, art. 1.199; Revisto, 1.213. Estes Pro-
jectos limitavam-se a accentuar que os juros moratorios eram de-
vidos, independentemente de allegação de prejuízo por parte do
credor. A Gamara é que deu ao artigo a extensão, que elle tem no
Codigo; adoptando uma emenda additiva de Amabo Cavalcanti
(Trabalhos, VI, p. 349; Projectos da Gamara, art. 1.065).
Bibliographia — A do art. 1.063, e mais: Coelho da Rocha,
Inst., § 130; Amaro Cavalcanti, Trabalhos da Gamara, II, p. 183.

Observações 1.— O art. 1.064 estabelece dois princípios:


1.°, Os juros da móra são devidos, independentemente da alle-
gação de prejuízo; porque esse prejuízo resulta, necessariamente,
da demora culposa do devedor, que, sem direito, retem o alheio,
ou deixa de executar a prestação, com que o credor contava.
2.°, Os juros da móra são devidos, qualquer que seja a prestação
não cumprida. Se a divida é em. dinheiro, os juros moratorios
corram, desde que o devedor é constituído em móra, e se contam
sobre a quantia devida. Se a divida não fôr de dinheiro, os juros
da mói a se contam sobre o valor pecuniário, que se der ao objecto
da prestação, por sentença, arbitramento, ou accôrdo entre as
partes.
2. — Combine-se este artigo com o 1.536, § 2.°. Ali se diz que
os juros da móra se contam, nas obrigações illiquidas, desde
a citação inicial; aqui, o art. 1.064 estatue que os juros da móra
são devidos, tanto nas dividas em dinheiro, quanto nas pres-
tações de outra natureza; mas explica, neste ultimo caco, se
contam os juros de accôrdo com o valor pecuniário da prestação,
fixado por sentença judicial, arbitramento ou accôrdo das partes.
A locução desde que (lhes esteja fixado o valor pecuniário) não
indica o tempo da constituição da móra, e sim a determinação do
que é necessário para que se possam contar juros das prestações,
que não têm por objecto sommas de dinheiro.
TITULO III

Da cessão de credito

Art. 1.065 — O credor pôde ceder o seu cre-


dito, se a isso não se oppuzer a natureza da obri-
gação, a lei, ou a convenção com o devedor.

Direito anterior — Semelhante a norma, ainda que não de-


vidamente expresso o preceito (Carlos de Carvalho, Direito civil,
art. 914),
Legislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigo 164; allemãn, 398-400; portuguez, 785, pr. ; argentino, 1.434
e 1.444; mexicano, 2.029; do Montenegro, 603; japonez, 466.
Veja-se, também, o francez, art. 1.598.
Projectos — Esboço, arts. 2.177-2.187; Felicio dos Santos,
I.929; Coelho Rodrigues, 492; Beviláqua, 1.200; Revisto, 1.214.
Bibliographia — Direito das obrigações §§ 2.° e 138; M. I.
Carvalho de Mendonça, Obrigações II, ns. 496 e segs.; Lacerda,
Obrigações, § 13 e nota D, no fim do volume; J. X. Carvalho
de Mendonça, Tratado, VI, primeira parte, ns. 372 e segs.; Coelho
da Rocha, Inst., §§ 155 e 156; Alves Moreira, Inst., II, ns. 52
e segs.; Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez, II, aos arts. 785
e segs.; Saleilles, De Vobligation, ns. 74 e segs.; Planiol,
Traité, II, ns. 1.661 e segs.; Huc, Gommentaire, X, ns. 203 e
segs.; Laurent, Cours, III, ns. 788 e segs.; Zachariae, Droit
civil français, IV, §§ 690 e 691; Aubry et Raü, Cours, V, §§ 359
e 359 bis; Endemann, Lehrbuch, I, §§ 150 e 151; Windscheid,
Pand., II, §§ 329 e segs.; Dernburg, Pand., II, §§ 47 e segs.;
Code Civil allemanã, publié par le Comitê de lég. étr., I, aos
arts. 398 e segs.; Rossel, Droit civil suisse, III, ps. 204 e segs.;
Colmo, Obligaciones, ns. 1.025 e segs.; Errazuriz, Derecho civil,
II, ps. 418 e segs.; peruano, 1.456.

Observações — 1. — Cessão de credito é a transferencia, que


o credor faz, de seus direitos a outrem, Pôde ser a titulo oneroso
222 CODIGO CIVIL
ou gratuito. Chamam-lhe, algumas vezes, cessão activa, para dis-
tinguir da cessão passiva, a Schulãuehernahme dos allemães
(acceitação de divida), que, aliás, o nosso direito não regula, o
que não importa em condemnal-a. Carvalho de Mendonça (J.
X.), a ella se refere no seu Tratado, vol. VI, primeira parte,
ns. 387 a 390. O novo Codigo Civil do México consagra-lhe dis-
posições adequadas (arts. 2.051 e seguintes).
A cessão importa alienação do direito de credito. Nella in-
teivêm. o cedente, o credor, que transfere o seu direito; e o
cessionário, adquirente desse direito. O devedor, a quem se com-
munica o acto da ce-déncia, para que solva a divida nas mãos
do novo credor, não é parte na cessão.
E' um instituto relativamente moderno, estranho aos roma-
nos, para os quaes.a rigorosa personalidade do vinculo obrigacio-
nal não permittia transmissão dos direitos creditorios por acto
entre vivos. Hoje a doutrina está, definitivamente, formada, e
os modernos Codigos Civis, o allemão, o suisso das obrigações, e
o nosso, deram á transferencia dos créditos o seu logar proprio,
na pai te geral das obrigações, para accentuar a sua generalidade,
e fixaram os seus caracteres dominantes.
2. Em regrá, podem ceder-se todos os créditos, mas dessa
geneialidade se exceptuam: 1.°, Os direitos inherentes á pessoa
do titulo, como o de exigir alimentos por vinculo de sangue; o
de socio; as pensões e montepios da União; os vencimentos dos
funccionarios públicos. Estes últimos podem, todavia, consignar
parte, dos seus vencimentos a outrem; 2.°, Os créditos já penho-
rados (art. 1.077).
Não ha mais prohibição de ceder coisa litigiosa, nem aos
poderosos, categoria de pessoas, que a organização política das
democracias ignora.
2 a. ~ A locação de serviços, art. 1.232, também não é ces-
sivel. O respeito á personalidade humana, a necessidade de
afastar qualquer resquício de servidão, nesta relação jurídica,
assim o exijem.
2 b. — A lei n. 3.724, de 15 de Janeiro de 1919, art. 25, e o
regulamento approvado pelo Dec. n. 13.498, de 12 de Março do
mesmo anno, art. 27, declaram privilegiado o insusceptivel de
penhora o credito da victima de accidente no trabalho. Será,
porém cessivel?
A razão de duvidar vem de que a impenhorabilidade é, apenas,
uma fôrma particular da inalienabilidade, é a defesa do bem
contia a execução por dividas. Mas, se attendermos á natureza
e ao fim da indemnização por accidente no trabalho, a que ella
DA CESSÃO DE CREDITO 223

tem por fim, como os alimentos, as pensões e os montepios, as-


segurar a subsistência daquelle que se tornou incapaz de tra-
balhar, ou a da familia, que perder o seu arrimo em um infortúnio
do trabalho, devemos concluir pela incessibilidade.
2 c. — Dependendo uma cessão de direito, do pagamento de
prestações estipuladas em escriptura publica, não se considera
perfeita, desde que não foi paga uma dessas prestações (Acc. do
Supremo Tribunal, apud Kelly, Jurisprud. feã., 2.° suppl., n. 190).
3. ■—-A cessão de créditos pôde ser convencional, legal ou ju-
dicial. A primeira resulta da declaração da vontade das partes,
o cedente e o cessionário. Legal é a que se opera por força da lei
(art. 1.076). Judicial é o que occorre em virtude de sentença.
4. — Como acto de alienação, a cedencia presuppõe no ce-
dente capacidade de dispor dos proprios bens.
O Dec. n. 23.981, de 9 de Março de 1931, art. 12, determina
que, nos casos de subrogação convencional, ou de cessão, a re-
ducção da divida e a conseqüente indemnização não excedem á
importância desembolsada pelo credor subrogado ou cessionário
e respectivos juros.

Art. 1.066 — Salvo disposição em contrario,


na cessão de um credito se abrangem todos os
seus accessorios.

Direito anterior — Doutrina acceita com fundamento no di-


reito romano, que Carlos de Carvalho consolidou no seu Direito
civil, art. 919.
Legislação comparada — D. 18, 4, frs. 6 e 23; Codigo Civil
allemão, 401; suisso das obrigações, 170; francez, 1.692; ita-
liano, 1.541; portuguez, 793; hespanhol, 1.528; chileno, 1.908;
uruguayo, 1.761; venezuelano, 1.597; argentino, 1.428; mexi-
cano, 2.032; do Montenegro, 603, 2.a alinea, in fine.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.933; Coelho Rodrigues,
499; Beviláqua, 1.207; Revisto, 1.215.

Observação — Como qualquer outra alienação, a cedencia


de credito abrange o direito de exigir a prestação e os seus ac-
cessorios, entre os quaes se acham as garantias e os juros, salvo
se outra coisa resulta da convenção.
224 CODIGO CIVIL

Não se comprehendem, porém, na cessão, os direitos e ex-


cepções inherentes á pessoa do credor. Assiói, por exemplo, se
contra o credor não corre a prescripção, por se achar elle nas
condições previstas por algum dos números do art. 169, esse be-
neficio não se transfere ao cessionário. Se porém, é o cessio-
nário que se acha na situação beneficiada pela lei, cabe-lhe in-
vocal-a, em seu favor, desde o momento da transferencia.

Art. 1.067 — Não vale, em relação a tercei-


ros, a transmissão de um credito, se se não cele-
brar mediante instrumento publico, ou instru-
mento particular revestido das solemnidades
do art. 135 (art. 1.068).
Paragrapbo único. O cessionário de credito
bypotbecario tem, como o subrogado, o direito
de fazer inscrever a cessão á margem da ins-
cripção principal.

Direito anterior — Omisso, quanto ao principio do artigo, e


conforme, quanto ao paragrapho^fDec. n. 169-A, de 1890, art. 13,
pr.; Reg. n. 370, do mesmo anno, arts. 222-224).
Legislação comparada — Compare-se com o Codigo Civil
argentino, arts. 1.454 e 1.455; o suisso das obrigações, 165; o
francez, 1.690; o hespanhol, 1.526; o allemão, 403; e o mexi-
cano, 2.033.
Projectos —• Coelho Rodrigues, art. 493; Beviláqua, 1.201;
Revisto, 1.216. E' deste ultimo Projecto o paragrapho único.

Observação — A cessão não exige forma especial para valer


entre as partes; mas, para ter efficacia em relação a terceiros,
deve ser reduzida a escriptura publica, ou a instrumento par-
ticular, subscripto por duas testemunhas, e transcripto no re-
gistro, segundo preceitua o art. 135. Preenchidas essas formali-
dades, o credito se considera, definitiva e irrevogavelmente,
transferido, salvo aos credores do cedente o direito de annullar
a transferencia por vicio de fraude.
DA CESSÃO DE CREDITO 225
Nos contractos, em que a escriptura publica é substancial,
a cessão deve ser feita por escriptura publica. Assim é, por
exemplo, a cessão do credito hypothecario.

Art. 1.068 — A disposição do artigo antece-


dente, parte primeira, não se applica á transfe-
rencia de créditos, operada por lei ou sentença.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigo 166. Veja-se, também, o allemão, art. 412.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 494; Beviláqua, 1.202;
Revisto, 1.217.

Observações — 1. — Nos casos previstos por este artigo, a


transferencia do credito se opera, independentemente da vontade
do credor antecedente. A lei, ou a sentença, é o fundamento da
cessão. Mas o devedor deve tomar conhecimento de uma ou de
outra, para ser obrigado a fazer o pagamento ao cessionário.
2. —• Casos de cessão legal: a) Os de subrogação legal (ar-
tigo 985), pois que o subrogado adquire os direitos do credor
antecedente. V. contra J. X. C. de Mendonça, Tratado, VI, pri-
meira parte, n. 488. 6) Os de cessão dos accessorios, em con-
seqüência da cessão da divida principal (art. 1.066). Os autores
ainda referem outros casos de cessão legal, que não encontram
apoio no Codigo Civil: o da acção que tenha o devedor da coisa
perecida por caso fortuito, antes da entrega ao comprador; o do
locador que recebeu perdas e damnos do locatário, que não lhe
pôde restituir a coisa alugada; o do possuidor de bens heredi-
tários, quando, de bôa fé, não tenha mais em seu poder alguns
delles; e ainda outros, que se podem vêr em M. I. Carvalho de
Mendonça, Obrigações, II, n. 509; Lacerda, Obrigações, § 13,
nota 21; Huc, Commentaire, X, n. 313, Rossel, Droit civil
suisse, p. 207.
3. — Casos de cessão judicial: O de adjudicação do juizo
divisório; o de sentença condemnatoria, que suppre a declaração
da cessão de quem era obrigado a fazel-a; e o da assignação ao
credor de um credito do devedor (M. I. Carvalho de Mendonça,
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 15
226 CODIGO CIVIL

Obrigações, II, n. 510; Lacerda, Obrigações, § 13, nota 20; Tei-


xeira de Freitas, Consolidação, nota 57 ao art. 377, 3.a ed).

Art. 1.069 — A cessão de credito não vale,


em relação ao devedor, senão quando a este no-
tificada; mas, por notificado se tem o devedor,
que, em escripto publico, ou particular, se de-
clarou sciente da cessão feita.

Direito anterior — Não havia a exigência da notificação


para que a cessão valesse em relação ao devedor.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.690;
italiano, 1.539; f :português 789; argentino, 1.459; chileno, 1.902;
> . ■ i- -: i >í
uruguayo, 1.758; venezuelano, 1.595; mexicano, 2.038, 2.040 e
2.041; do Montenegro, 604, l.a al.; japonez, 467. Não ha unifor-
midade nas disposições referidas. Veja-se ainda o Codigo Civil
allemão, art. 407 e 410; peruano, 1.457.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.390; Beviláqua, 1.203;
Revisto, 1.218.

Observações — 1. — Em relação ao cedente e ao cessionário,


a cessão produz os seus effeitos, desde que é celebrada. Mas, em
relação ao devedor, não pode ella ter efficacia, senão depois que
este a conhece. Se assim não fosse, seria o devedor prejudicado;
porque, na ignorância de estar o credito transferido, poderia
pagar ao credor originário, e esse pagamento feito de bôa fé
seria considerado inoperante.
Ou o prejudicado seria o cessionário, se tal pagamento se con-
siderasse efficaz.
O conhecimento da cessão é feito ao devedor pela notificação,
que pôde ser judicial ou extra-judicial. Esta ultima não tem forma
estabelecida na lei, mas não basta a declaração verbal, pois ha
necessidade de fixar-se o tempo da cessão. Qualquer dos interes-
sados, o cedente ou o cessionário, pôde fazel-a.
Se o devedor é pessoa incapaz, a notificação deve ser feita
ao seu representante legal.
Se a obrigação fôr solidaria, devem ser notificados todos os
co-devedores.
DA CESSÃO DE CREDITO 227
Notificada a cessão, o devedor pôde oppôl-a ao proprio cedente.
2. — Ha créditos cuja transferencia dispensa a formalidade
da notificação, porque têm forma especial. Taes são: 1.°, Os tí-
tulos ao portador, que se transferem por simples tradição. 2.°, Os
títulos nominativos, que se transferem pela inscripção nos livros
do emissor. 3.°, Os títulos a ordem, que se transferem por en-
dosso.
3. A Côrte de Apellação do Districto Federal j Igou que,
se o cessionário exige, judicialmente, o pagamento da < ívida, e o
devedor não prova que a pagou ao cedente, em nada lhe apro-
veita a falta de notificação, porque pela citação inicial, teve
conhecimento da cessão, sendo isto o que a lei exige {Revista de
direito, vol. LXXI, p. 577).
Está perfeitamente de accôrdo-com o Codigo Civil essa decisão.

CONSFl HO R£GIONAL DO TRABALHO


Ia REGIÃO
Art. 1.070 — Occorrendo varias cessões do
mesmo credito, prevalece a que se completar com
a tradição do titulo do credito cedido.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Confira-se com o Codigo Civil
francez, art. 1.141; portuguez, 790; argentino, 1.466 e 1.470.
O Codigo suisso das obrigações, na sua primeira edição, mandava
que prevalecesse a cessão, que se baseasse no titulo mais antigo
(art. 186). Esse dispositivo, porém, desappareceu da edição
actual.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 495; Beviláqua, 1.204;
Revisto, 1.219.

Observação — A regra estabelecida pelo Codigo Civil é cen-


surada, porque introduz no direito das obrigações um principio
criado para a transferencia dos direito reaes. Mas elle tem por
si a facilidade da prova, e é o seguido na França e na Italia,
segundo attestam Huc e Giorgi.
Não ficam os cessionários esbulhados de seus direitos com
esta decisão. O que se acha na posse do titulo será o único ces-
sionário; porque, em relação a elle, a cessão se considera, legal-
mente, completa. Os outros, victimas da má fé, de que usou o
228 CODIGO CIVIL

cedente, terão contra elle acção para resarciar os prejuízos sef-


fridos.

Art. 1.071 — Fica desobrigado o devedor


que, antes de ter conhecimento da cessão, paga
ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de
uma cessão notificada, paga ao cessionário, que
lhe apresenta, com o titulo da cessão, o da obri-
gação cedida.

Direito anterior — Não dispunha a respeito.


Legislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigo 167; Civil francez, 1.691; italiano, 1.540; portuguez, 791;
hespanhol, 1.527; argentino, 1.468; venezuelano, 1.596; mexi-
cano, 2.039; do Montenegro, 604, l.a alinea. Vejam-se também:
o allemão, art. 407, l.a alinea, e o chileno, 1.905.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.931; Coelho Rodrigues,
496; Beviláqua, 1.205; Revisto, 1.120.

Observação — Antes de ter conhecimento da cessão, pela


notificação ou por outro modo, se o devedor paga ao cedente ou
em relação a elle extingue a obrigação, está exonerado, porque a
cessão era, para elle, inexistente, e o seu acto foi praticado de
bôa fé.
Se lhe constam varias cessões, é ao cessionário, que se acha
munido do titulo, que deve pagar, porque este é que adquiriu o
direito creditorio. Se não lhe forem communicadas as múltiplas
cessões, pagará bem ao cedente ou ao cessionário, que se lhe
apresentar exigindo solução. Se tiver conhecimento das cessões,
e nenhum dos cessionários exhibir o titulo, o pagamento se fará
por consignação.

Art. 1.072 — O devedor pôde oppôr, tanto


ao cessionário como ao cedente, as excepções, que
lhe competirem no momento, em que tiver co-
DA CESSÃO DE CREDITO 229

nhecimento da cessão; mas não pôde oppôr ao


cessionário de boa fé a simulação do cedente.

Direito anterior — Semelhante (Carlos de Carvalho, Di-


reito civil, art. 918).
Legislação comparada — Suisso das obrigações^ art. 169;
aliemão, 404; argentino, 1.469 e 1.474; do Montenegro, 605.
Veja-se, ainda, o japonez, art. 468.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 498; Beviláqua, 1.206;
Revisto, 1.221.

Observações — 1. — As excepções do devedor, quando se


refiram ao credito, permanecem as mesmas, antes e depois da
cessão. Se, por exemplo, a divida é annullavel por erro, dólo,
ou incapacidade relativa do agente, esses vicios adherem ao acto
jurídico, e tanto podem ser oppostos ao cedente quanto ao ces-
sionário. A cessão não exerce influencia purificadora. Nem o
cedido tem necessidade, de fazer qualquer declaração ao ces-
sionário no momento de lhe ser notificada a cessão.
As excepções pessoaes entre o devedor e o cedente não podem
ser oppostas ao cessionário.
2. Se a divida fôr simulada, o devedor connivente na má
fé, não pôde oppôr esse vicio ao cessionário, que se ache de bôa
fé. Se a simulação fôr innocente, não constituirá vicio (ar-
tigo 103).
2• Jurisprudência do Supremo Tribunal. O cessionário,
titular dos direitos cedidos, litiga em seu proprio nome e não
no do cedente, como succedia no direito romano, e fica sujeito á
competência, que lhe é peculiar, como parte liquidante (Kelly,
Manual da jurisprudência federal, 2.° suppl., n. 181).

Art. 1.073 — Na cessão por titulo oneroso, o


cedente, ainda que não se responsabilize, fica
responsável ao cessionário pela existência do cre-
dito, ao tempo em que lb'o cedeu. A mesma res-
ponsabilidade Ibe cabe, nas cessões por titulo
gratuito, se tiver procedido de má fé.
230 CODXGO CIVIL

Direito anterior — A lei era omissa, mas a lacuna era sup-


prida pela doutrina.
Degislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigo 171. Vejam-se, ainda: francez, art. 1.693; italiano, 1.542;
portuguez, 794; bespanhol, 1.529; argentino, 1.476, l.a parte, e
1.484; chileno, 1.907; uruguayo, 1.762 é 1.763; venezuelano,
1.599 e 1.600; mexicano, 2.042; do Montenegro, 607, l.a al.; pe-
ruano, 1.458.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.934; Coelho Ro-
drigues, 501, pr., e § 1.°; Beviláqua, 1.208; Revisto, 1.222.

Observações — 1. — O cedente responsabiliza-se pela exis-


tência do credito alienado a titulo oneroso, porque por elle re-
cebeu um equivalente. Commetteria enriquecimento illicito, se
recebesse pagamento por aquillo que não tinha existência real.
A sua garantia refere-se á existência do credto, no momento
da cessão. E a sua responsabilidade pôde verificar-se em tres
casos; 1.°, Cedeu um credito inexistente. A cessão é nulla por
falta de objecto, e o acto é, bem caracterizadamente, illicito.
2.°, Contra o credito cedido ha uma excepção, que o inutiliza,
como a de dólo ou de compensação. 3.°, O credito existe, mas
nãd em favor do cedente. O cedente alienou coisa alheia.
A responsabilidade abrange o credito e os seus accessorios,
como fiança, o penhor e a hypotheca. O cedente assegura a
existência dessas garantias, mas não a sua efficacia.
Ia. — O cessionário somente deve ir contra o cedente,
depois de ter agido contra o devedor; mas poderá tomar contra
elle medidas conservatórias, no curso da discussão (Aubry et
Rau, e Guilloijard ).
X — ge, por culpa sua, deixar o cessionário extinguir-se a
divida ou desapparecerem as garantias, cessa a responsabilidade
do cedente.
2. — As partes podem modificar essas responsabilidades,
seja restringindo-as seja reforçando-as. Assim é que o cedente
pôde estipular, na cessão onerosa, que não responde pela exis-
tência do credito. Neste caso, se o credito, realmente, não existir,
o cedente restitue o preço, mas não responde por perdas e damnos.
3. — Na cessão a titulo gratuito, o cedente faz uma liberali-
dade, é doador. Não responde senão por seu dólo.
DA CESSÃO DE CREDITO 231

Art. 1.074 —Salvo estipulação em contra-


rio, o cedente não responde pela solvência do
devedor.

Direito anterior — Semelhante (Carlos de Carvalho, Di-


reito civil, árt. 917, pr.).
Legislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigo 171, 2.a alinea; francez, 1.G94; italiano, 1.543; portuguez,
794, in fine; hespanhol, 1.529; argentino, 1.476, 2.a parte; chi-
leno, 1.907; uruguayo, 1.762 e 1.763; venezuelano, 1.599. V. me-
xicano, 2.044; do Montenegro, 607, 2.a alinea.
Projectos -—• Felicio dos Santos, art. 1.934; Coelho Ro-
drigues, 501, § 2.°; Beviláqua, 1.209; Revisto, 1.223.

Observação — O cedente a titulo oneroso responde pela


existência e legitimidade do credito, mas não pela capacidade
econômica do devedor. Praestat veritatem, non honitatem no-
minis. Poderá, porém, assumir, por convenção, esta responsabili-
dade. Se apenas assegura a solvência do devedor, entende-se
que se refere ao momento da cessão. E' admissível, porém, que
assegure a solvência futura.

Art. 1.075 — O cedente responsável ao ces-


cionario pela solvência do devedor, não respon-
de por mais do qne daqnelle recebeu, com os res-
pectivos juros; mas tem de resarcir-lbe as des-
pesas da cessão e as que o cessionário houver
feito com a-cobrança.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigo 173; francez, 1.690 e 1.694; italiano, 1.543; hespanhol, 1.529,
2.a al.; argentino, 1.477; chileno, 1.907, in fine; uruguayo, 1.762;
venezuelano, 1.599; do Montenegro, 608.
Projectos —• Coelho 'Rodrigues, art. 503; Beviláqua, 1.210;
Revisto, 1.224.
232 CODIGO CIVIL

Observação — Este dispositivo limita a responsabilidade do


cedente, quando, por convenção, assegura a solvência do devedor.
Elle tem de restituir o preço, e as perdas e damnos restringem-se
ás despesas com a cessão e com a cobrança improficua. Não
responde pelo valor nominal do credito.

Art. 1.076 — Quando a transferencia do cre-


dito se opera por força de lei, o credor originário
não responde pela realidade da divida, nem pela
solvência do devedor.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Este artigo correspondia ao 195
do Codigo suisso das obrigações, da primeira edição, e passou a
ser a segunda parte do art. 173, da segunda. Nos outros Có-
digos, não ha correspondência, salvo o peruano, 1.464.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 404; Beviláqua, 1.211;
Revisto, 1.225.

Observação — A cessão, neste caso, independe da vontade


do cedente, a lei a determina; não era possível exigir do cedente
que respondesse por um effeito jurídico, para o qual não con-
correu por deliberação própria, que procede directamente a lei.

Art. 1.077 — O credito, uma vez penhorado,


não pôde mais ser transferido pelo credor, que
tiver conhecimento da penhoramas o devedor,
que o pagar, não tendo notificação delia, fica
exonerado, subsistindo somente contra o credor
os direitos de terceiro.

Direito anterior — A lei era omissa, mas a doutrina ado-


ptava o mesmo preceito por applicação dos princípios reguladores
i 1 '•M
da penhora. * i A;
DA CESSÃO DE CREDITO 233

Legislação comparada — 0 Codigo suisso das obrigações,


que consagrava preceito idêntico em sua primeira edição, artigo
196, não o manteve na edição actual.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 505; Beviláqua, 1.212;
Revisto, 1.226.

Observação — A penhora vincula o credito ao pagamento


da divida do exequente. Desde que ella produz esse effeito, o
credito, como outro bem qualquer se torna indisponível. A cessão
delle seria feita em fraude á penhora.
O devedor notificado da penhora também não pôde mais
pagar a divida senão ao exequente, sob pena de pagar duas
vezes, salvo o seu direito de repetir o pagamento de quem in-
devidamente o recebeu. Se a penhora não lhe foi notificada, o
devedor paga, vallidamente, ao credor, porque procedeu de bôa
fé. O recurso do exequente será contra o que recebeu a divida
penhorada, tendo conhecimento da penhora.

Art. 1.078 — As disposições deste titulo ap-


plicam-se á cessão de outros direitos, para os
quaes não haja modo especial de transferencia.
r
h
Direito anterior — Omisso.
Legislação comparada — O Codigo Civil francez e os que o
tomaram por modelo deram ao capitulo da cessão uma inscripção
geral, que abrange todos os direitos: Da transferencia de créditos
e de outros direitos. O francez disse direitos incorporeos. Mas,
o italiano corrigiu a expressão, supprimindo o epitheto inadequa-
do, porque não ha direitos corporeos. O venezuelano seguiu o
exemplo italiano.
Vejam-se no suisso das obrigações, o art. 174; e no por-
tuguez, o art. 785.
A fonte do nosso artigo foi o Codigo Civil allemão, ai't. 413.
Dispõe, semelhantemente, o argentino, 1.438.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 508; Beviláqua, 1.213;
Revisto, 1.227.
234 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — O principio do artigo é que as regras


estabelecidas para a cessão de créditos se applicam á dos outros
direitos, reservados os preceitos daquelles, para os quaes haja
modo especial de transferencia, como os títulos ao portador, os
títulos á ordem, o credito hypothecario, aos quaes já se fez
referencia.
2. — Em regra, todos os direitos podem ser cedidos, sejam
condicionaes, eventuaes ou litigiosos. Mas ha direitos, que não
podem ser cedidos, como os de usufructo, uso, e habitação, os
inherentes á qualidade das pessoas nas relações de família, o de
revogar doação por motivo de ingratidão, o de preempção, o re-
sultante da venda a contento. V. João Luiz Alves, Cocligo Civil
annotaão, ao art. 1.065. Ainda os direitos de credito, inherentes
á pessoa do titular, como o de exigir alimentos jure sanguinis,
não podem ser objectos de cessão, segundo já foi observado
(art. 1.065).
3.° — Cessão é alienação; portanto, pôde de modo geral,
dizer-se que são incessiveis os direitos inalienáveis.
TITULO IY

Dos contractos

CAPITULO I

Disposições geraes

Art. 1.079 — A manifestação da vontade,


nos contractos, pôde ser tacita, quando a lei não
exigir que seja expressa.

Direito anterior — Doutrina açceita.


Legislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigo 1.°; portuguez, 648; argentino, 1.145; austríaco, 863; do Mon-
tenegro, 494, in fine. Em sentido differente, o mexicano, 1.287.
Projectos — Esboço, art. 1.838, Beviláqua, 1.214; Revisto,
1.228.
Bibliographla — Dirvito das obrigações, §§ 54-58; M. I. Car-
valho ue Mendonça, Tratado de direito commercial, VI, primeira
parte, ns. 534 e segs.; Esxunola, Systema, II, ps. 247 e segs.;
Almaohio Diniz, Obrigações, ns. 289 e segs.; A. Dionysio Gama,
Dos contractos por instrumento particular, ns. 1 e segs.; La-
cerda, Obrigação, §§ 50-65; S. Vampké, Manual, III, § 1.°; F.
Eug. Toledo, Contractos, cap. I; Coelho da Rocha, Inst. §§ 733
e segs.; Alves Moreira, Insi., II, ns. 191 e segs.; Saleilles,
De rObligation, ns. 137 e segs.; Dóclaration de volonté, ao ar-
tigo 125; Planiol, Traité, II, ns. 982 e segs.; Pothier, Obrigações,
I, ns. 4 e segs.; Bufnoir,'Propriéíé et contrai, lição XXXI; Latj-
rent, Cours, II, ns. 261 e segs.; Huc, Commentaire, VII, ns. 3 e
segs.; Zachariae, Droit civil français, § 610 e segs.; Demogxje,
De la classification cies sources cies obligations, nos Scritti giuri-
(Uci, dedicati a G. Chironi, Traité des obligations, I, ns. 22 e
segs., e II, ns. 913 e segs. Aubey et Rau, Cours, IV, § 340; Cocle
Civil allemancl, publié par ie Comitê de lég. êtr., ao art. 145;
236 CODIGO CIVIL

Endemann, Lehrbuch, 1, § 69; Kohleb, Lehrhuch, II, §§ 80 e


segs.; Dernbukg, Pand., II, §§ 7.° e segs.; Windscheid, Pand.,
II, §§ 305 e segs.; Chironi, Ist., II, §§ 283 e segs.; Rivakola
Derecho civil argentino, I, ns. 127 e segs.; Sanchez Boman, De-
recho civil, IV, cap. VII e segs.; F. Cosentini, La riforma
delia legislazione civille, parte segunda, cap. II; Rossel, Droit
civil suisse, III, ps. 25 e segs. Schibmeister und Pbochownick,
Buergerliche Recht Englanãs, II, §§ 182 e segs.; Ebkazubiz, De-
recho civil, II, ps. 274 e segs.; Planiol et Ripeet, VI, ns. 13 e
segs.

Observações — 1. — O Codigo Civil não nos offerece uma


definição de contracto; mas, tendo definido acto jurídico (art.
81), forneceu-nos os elementos precisos para fixar a noção
legal desta especie de actos jurídicos. Devemos definir contracto
o accôrdo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modi-
ficar ou extinguir direitos.
O direito romano distinguia o pacto do contracto. O primeiro
era a convenção desacompanhada da sancção da lei civil, o se-
gundo era a convenção, a que a lei havia dado forma e efficacia
jurídica. Esta distincção, que, no proprio direito romano, se ia
desfazendo, com os pactos pretorios, legítimos e adjectivos, pro-
vidos de sancção, desappareceu do direito moderno.
2. — Para a validade do contracto são necessárias as mesmas
condições subjectivas e objectivas exigidas para a validade dos
actos jurídicos entre vivos, em geral: capacidade das partes con-
tractantes; objecto licito; e fôrma prescripta ou não defesa em
lei (art. 82). A essas condições geraes se ajunta o requisito es-
pecial do contracto: o accôrdo, ou consentimento reciproco. A
causa, que alguns apontam como condição para a validade dos
contractos, e a que se refere o nosso Codigo Commercial, art.
129, § 3.°, não foi considerada pelo Codigo Civil, porque não repre-
senta elemento essencial do conceito de contracto.
2 a. — Sobrfe a theoria da causa nos contractos escreveram
exhaustivamente, entre os modernos: Demogue, no seu substan-
cioso Tratado das obrigações, vol. II, ns. 743 a 883 e Henby
Capitant, De la cause. Demogue reduz o estudo da causa ao da
utilidade social.
3. — O momento inicial da formação do contracto é a pro-
posta, pela qual uma das partes solicita a manifestação da von-
tade da outra. E' do encontro harmônico das vontades que surge
DOS EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 237

o contracto gerador de obrigações reciprocas, se é bilateral, ou


para uma só das partes, se é unilateral.
4. — O modo, pelo qual se manifestam as partes, não tem
fôrma rigorosa, em geral. Qualquer que seja a forma, o con-
tracto gera obrigações, salvo se a lei exige fôrma especial, ou
as partes convencionaram estabelecel-a. E' o que nos diz o ar-
tigo 1.079. A manifestação da vontade pôde ser tacita, quando
a lei não exige que seja expressa. A expressa poderá constar de
algum escripto, de palavra oral ou de gesto. Qualquer porém,
que seja o modo de manifestar a vontade, nos contractos, deve
ser inequivoco. O consentimento não se presume. E' tácito,
quando se induz, claramente, de actos, que não seriam praticados,
sem o animo de acceitar a situação creada pelo contracto.
Ha, porém contractos, que necessitam de forma especial,
Taes contractos dizem-se formaes ou solemnes, em oposição aos
consensuaes, que resultam de simples accôrdo das vontades, mani-
festado de qualquer modo. São contractos solemnes; o casamento;
os pactos antenupciaes; os constitutivos ou translativos de di-
reitos reaes sobre immoveis, cujo valor exceder a um conto
de réis; as alienações de immoveis de orpbãos que exigem basta
publica.
Quando a lei, para acautelar interesse de terceiros, ou por
outras considerações de ordem social, determina uma forma ex-
terna especial para os contractos, esta se consubstancia como o
elemento interno, anatômico, do contracto, applicando-se, então,
em todo o seu rigor a maxima — fôrma dat esse rei. Sem essa
fôrma legal, o contracto será nullo (art. 145, n. III).
Será também nullo, quando fôr preterida alguma solemni-
dade, que a lei considere essencial para a sua validade, muito
embora a fôrma adoptada seja a prescripta por lei (art. 145,
numero IV).
5. — Na formação dos contractos, ba modalidades parti-
culares, que a doutrina tem, modernamente, assignalado, porque
ba nellas modificações de elementos communs, constitutivos des-
ses actos: os contractos feitos em leilão, ou praça; os contractos
por eleição nas sociedades; os de adbesão, em que o proponente
offerece a realização do negocio e o acceitante adhere sem
discutil-o. Ver a respeito Demogue, Obligations, II, números
606 e segs.

Art. 1.080 — A proposta de contracto obri-


.ga o proponente, se o contrario não resultar dos
238 COOIGO CIVIL

termos delia, da natureza do negocio, ou das


circunmstancias do caso.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil aliemão, art. 145 i
(fonte); portuguez, 653; do Montengero, 469; japonez, 521. V.
mexicano, 1.084. Em sentido differente: Inst. 3, 23, pr.; Codigo
Civil argentino, 1.150.
Projectos — Beviláqua, art. 1.216; Revisto, 1.230.

Observações — 1. — A proposta é a manifestação da von-


tade de uma parte contractante, que solicita a vontade accorde
da outra parte, Ella só por si nãp gera o contracto, mas o in-
teresse social exige que seja seria, tenha estabilidade; por isso
o Codigo Civil declara que o proponente fica, em regra, obrigado
a mantel-a. Cessa essa obrigação, se dos proprios termos da pro-
posta, da natureza do negocio e das circumstancias isso mesmo
se infere.
O artigo seguinte apresenta os casos, em que resulta das cir-
cumstancias que a offerta deixa de obrigar. Todos elles presup-
põem estabelecido um prazo para a acceitação. Enquanto o mes-
mo não expirar, a proposta não pôde ser retirada.
A conseqüência desta doutrina é que o proponente, que retira
a sua offerta, nos casos em que não o pôde fazer, responde por
perdas e damnos.
2. — O caracter obrigatório da proposta é, hoje, universal-
mente reconhecido. Mas é preciso firmar quando ha realmente
proposta. Ha proposta quando ella se refere aos pontos essenciaes
do contracto, e o proponente não se reservou o direito de re-
tiral-a ao receber a acceitação, de modo que, dada a acceitação,
esteja formado o contracto.
3. — Vejam-se João Luiz Alves a este artigo, e o meu Di-
reito das obrigações, §§ 58 a 61.

Art. 1.081 — Deixa de ser obrigatória a pro-


posta :
I. Se, feita sem prazo, a uma pessoa pre-
sentè, não foi immediataôiente acceita.
1)03 EFFEITOS DAS OBRIGAÇÕES 239

Considera-se também presente a pessoa que


contracta por meio de telepbono.
II. Se, feita sem prazo, a pessoa ausente,
tiver decorrido tempo sufficiente para chegar
a resposta ao conhecimento do proponente.
III. Se, feita a pessoa ausente, não tiver
sido expedida a resposta dentro no prazo dado.
IV . Se, antes delia, ou simultaneamente,
chegar ao conhecimento da outra parte a retra-
ctação do proponente.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigos 3.", 4.°, 5.°, 1." ai.; e 9.°; allemão, 146-148. Vejam-se, também:
austríaco, art. 862; portuguez,-650-652; argentino, 1.151; japonez,
524; mexicano, 1.805 e 1.806; peruano, 1.330.
Projectos — Esboço, arts". 1.850 e 1.853; Beviláqua, 1.217;
Revisto, 1.231.

Observações — 1. — Depois de estabelecer, no artigo ante-


cedente, o principio geral da irrevogabilidade da proposta, de-
clara o Codigo as excepções a esse principio, que resultam das
circumstancias. Em primeiro logar, considera a proposta feita sem
prazo a pessoa presente, e estatue que tal proposta não obriga, se
não fôr acceita immediatamente. A acceitação poderá ser expressa
ou tacita, se a lei não vedar esta ultima forma; porém, deve
ser dada no momento. Se houver prazo, o pollicitante deve es-
perar que decorra.
2. — Na segunda alinea do n. I resolveu o Codigo uma
questão de grande interesse actual: se o contracto concluído por
telephone deve ser considerado inter praesentes, ou inter obsentes.
Pronunciou-se o legislador pátrio pela primeira hypothese, porque,
como argutamente demonstrou Gabra, o critério distinctivo do
contracto entre ausentes é o tempo que, necessariamente, medeia
entre a proposta e a acceitação. A circumstancia dos logares,
em que se acham os contrahentes, não tem interesse para a de-
terminação do momento, em que se fôrma o contracto. Se a
palavra de um é ouvida pelo outro contrahente, no mesmo acto,
consideram-se presentes, não obstante afastados um "do outro por
muitas léguas.
240 COOIGO CIVIL

Sobre esta matéria, leia-se: Gabra, Quistioni di ãireitto ci-


vile, II, ps. 156 e segs., da ed. de 1898. Contra: Vidari, Corso di
diritto commerciale, III, n. 1.916. Consulte-se Demogue, Otliga-
tions, II, n. 548.
3. — Entre ausentes ba, forçosamente, espaço de tempo entre
a proposta e a acceitação. Se o proponente estabeleceu prazo para
a espera da resposta, exgotado o prazo, sem que seja expedida
a resposta, elle se acha desligado da offerta. Se, porém, não esti-
pulou prazo, deve esperar o tempo necessário para lhe chegar a
resposta da pessoa, a quem se dirigiu. Essa resposta nem sempre
será expedida immediatamente depois de recebida a proposta.
Segundo as circumstancias e a natureza do negocio, haverá neces-
sidade de algum tempo, o mais limitado que razoavelmente fôr
possível, para que o solicitado reflicta, tome informações e re-
solva. E' o que se tem chamado prazo moral.
4. — Se o proponente arrependido da sua proposta delia
se retracta, e a sua retractação chega ao conhecimento do solici-
tado antes da proposta, ou ao mesmo tempo que ella, não ha pro-
posta feita. Consequentemente, não ha que applicar a este caso
o principio da irrevogabilidade da proposta. Supponha-se que
alguém offerece a outrem, por correspondência epistolar, um
determinado negocio; em seguida, reconhece a inconveniência
do seu acto, e telegrapha, dando por nulla a proposta. Se o des-
pacho telegraphico chegar antes da carta, ou simultaneamente,
não ha proposta a considerar.

Art. 1.082 — Se a acceitação, por circum-


stancia imprevista, chegar tarde ao conhecimen-
to do proponente, este communical-o-á, imme-
diatamente, ao acceitante, sob pena de responder
por perdas e damnos.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 149;
suisso, das obrigações, 5.°, 3.° al.; japonez, 522; peruano, 1.331.
Projectos — Beviláqua, art. 1.218; Revisto, 1.232.

Observação — Se a acceitação não é expedida em tempo util,


o proponente está desligado da sua proposta. Mas pôde acontecer
DA CESSÃO DE CEEDITO 241
que ella fosse expedida em tempo util e chegasse retardada ao
conhecimento do proponente. O acceitante supporia, muito legi-
timamente, que o contracto, estaria formado, e tomaria provi-
dencias nesse sentido. ET justo que o proponente, se se considera
desligado do negocio proposto, dê, immediatamente, conhecimento
do acontecido, ao acceitante. Se o não fizer, entende-se, que,
maliciosamente, procedeu, e responderá por perdas e damnos.
A acceitação tardiamente chegada ao conhecimento do pro-
ponente, para produzir o effeito deste artigo, deve ter sido ex-
pedida em tempo util, e de modo que, sem a circumstancia im-
prevista, que lhe retardou a transmissão, teria chegado, oppor-
tunamente, ao conhecimento do autor da proposta.
O Codigo suisso das obrigações, na sua edição actual, não
responsabiliza por perdas e damnos o proponente, que deixa de
communicar ao acceitante a chegada tardia de sua resposta.

Art. 1.083 — A acceitação fora do prazo, com


addições, restrieções, on modificações, importa-
rá nova proposta.

Direito anterior — Omisso. Veja-se, entretanto, o disposto no


Codigo Commercial, art. 127, que, declarando a acceitação condi-
cional obrigatória, desde que o primeiro proponente avisar que se
conforma com ella, ipso facto, a declarou nova proposta. O pre-
ceito do Codigo Civil, porém, além de mais amplo, tem outro
alcance.
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 150; por-
tuguez, 654; argentino, 1.152; japonez, 523 e 528.
Projectos — Esboço, art. 1.847; Beviláqua, 1.219; Revisto,
1.233.

Observação — A expressão prazo deve ser entendida em sen-


tido amplo, neste artigo, para abranger, os casos de prazo moral,
isto é, aquelles em que o pollicitante, pela distancia em que se
acha o solicitado, pelas circumstancias e pela natureza do ne-
gocio, deve esperar o tempo necessário á reflexão, que ha de
preceder á resposta, quando não haja prazo estipulado.
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 16
242 COMGO CIVIL

A acceitação com quaesquer modificações additivas ou re-


strictivas importa em recusa da proposta, como foi feita, e apre-
sentação de outra offerta.
Vejam-se as annotações de João Luiz Alves a este artigo.

Art. 1.084 — Se o negocio for daquelles, em


que se não costuma a acceitação expressa, ou o
proponente a tiver dispensado, reputar-se-á con-
cluido o contracto, não chegando a tempo a
recusa.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigo 6.°; allemão, 151, l.a alinea; peruano, 1.333.
Projectos — Bevüaqua, art. 1.220; Revisto, 1.234.

Observações — 1. — A acceitação pôde ser tacita, como de-


claração da vontade. Mas resulta de factos, que a presuppõem. Do
silencio do oblato não se pode concluir que tenha acceito a pro-
posta, senão nos casos, em que não ha costume de acceitar, de
modo expresso, ou em que o pollicitante dispensou a resposta á
sua offerta.
Exemplo do primeiro caso: Um industrial costuma remetter
os seus productos, annualmente, a um determinado comprador,
que, ao recebel-os, lança a operação em seus livros, e, no momento
opportuno, effectua o pagamento. Se não lhe convier mais ac-
ceitar esses productos ou alguns delles, deverá dar, sem tardança,
conhecimento da sua recusa ao remettente. Se o não fizer a
tempo, o negocio considerar-se-á concluído.
Exemplo do segundo caso: Alguém pede ao hoteleiro que
lhe reserve acomodações, declarando transportar-se, no dia im-
mediato, se não receber aviso em contrario. Não vindo a recusa
em tempo, o contracto estará concluído.
2. — Fora dessas circumstancias, não se poderá inferir accei-
tação do silencio desacompanhado de actos, que a presuppo-
nham, ainda que a proposta venha acompanhada de cláusulas
eomminatorias: considera-se acceito o objecto remettido, se não
fôr devolvido dentro de certo lapso de tempo. Tal expediente
DA CESSÃO DE CBEDITO 243
não tem base jurídica. O pollicitante não pode violentar a von-
tade daquelle a quem propõe a conclusão de um contracto. Con-
tracto é accordo de vontades.
3. Demogue, Ohligations, II, n. 555, corrobora a nossa pro-
posição a respeito do silencio, pondo, aliás, em relevo certas or-
denações da jurisprudência, determinada pela variedade dos casos.
V. também Planiol et Ripert, VI, ns. 105 e segs.

Art. 1. 085 — Considera-se inexistente a ac-


ceitação, se antes delia, ou com ella, chegar ao
proponente a retractação do acceitante.

Direito anterior — Omisso.


Ijegislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigo 9.°, ultima parte; peruano, 1.334. Veja-se, também, Codigo
Civil argentino, arts. 1.150 e 1.155.
Projectos — Esboço, art. 1.85'4, n. 4; Coelho Rodrigues, 308;
Beviláqua, 1.221; Revisto, 1.235.

Observação — E' este um preceito em symetria com o estabe


lecido no art. 1.081, n. IV. A declaração da vontade, que con-
tinha a acceitação, desfez-se, antes que o proponente pudesse tomar
qualquer deliberação no sentido da conclusão do contracto. E'
certo que o contracto se considera perfeito, desde que a acceitação
é expedida (art. 1.086); mas esta regra tem excepções, como de-
clara o mesmo artigo. Uma dellas é a consignada no art. 1.085,
em que a acceitação se apresenta ao proponente como declaração
de vontade já retractada. O contracto considera-se perfeito com
a expedição da resposta favorável; se, porém, não ha resposta
favorável porque a expedida foi opportunamente revogada, não
ha contracto. O momento, em que o contracto se fôrma é o em
que a acceitação é expedida; mas no presupposto de não ser
revogada antes de ella chegar ao proponente.

Art. 1.086 — Qs contractos por correspon-


dência epistolar, ou telegraphica, tornam-se per-
244 CODIGO CIVIL

feitos, desde que a acceitação é expedida, ex-


cepto:
I. No caso do artigo antecedente.
II. Se o proponente se houver compromet-
tido a esperar a resposta.
III. Se ella não chegar no prazo convencio-
nado.

Direito anterior — Semelhante (Codigo Commercial, art. 127).


Degislação comparada — Codigo Suisso das obrigações, ar-
tigo 10; argentino, 1.854; japonez, 526. Veja-se, também, o alle-
mão, art. 151; peruano, 1.335.
Em sentido differente: bespanhol, 1.262, 2." parte.
Projectos —• Esboço, arts. 1.839-1.841 (differente); Coelho
Rodrigues, art. 307 (differente); Beviláqua, 1.222; Revisto, 1.236.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 65; Em defeza,
ps. 131 a 133; M. I. Carvalho de Mendonça, Obrigações, II, nú-
meros 590-5'92; Espinola, Systema, II, rs. 632-694; Evceeda, Obri-
gações, § 58; Carlos de Carvalho, Conclusões, publicadas no
Diário Official, de 5 de Julho de 1894; Alcantara Machado, Do
momento da formação dos contractos por correspondência; Bento
de Faria, ao art. 127, do Codigo Commercial; Arthur Girault,
Des contrats par corresponãence; Valery, Des contrats par cor-
respondence; Demoghe, Obligations, II, ns. 572 a 577; Planiol,
Traité, II, ns. 1.024-1.028; Zachariae, Droit civil français, § 343;
Bufnoir, Propriété et contrai, ps. 468 e segs.; Dernburg, Pand.,
II, § 11; Windscheid, Pand., II, § 306; Gabba, Quistioni di direito
civile, ps. 156 e segs.; Planiol et jBipert, VI, ns. 15'5 e segs.

Observações — 1. — E' considerável o interesse de saber-se


em que momento se tem por concluido o contracto, porque, desde
então, as partes se acham vinculadas, e começa a convenção a
produzir os seus effeitos. Se o contracto é formado entre pre-
sentes, a conjuncção das vontades se opera no momento em que
o acceitante communica a sua vontade ao pollicitante. Como a
communicação do acceitante chega, immediatamente, ao conhe-
cimento do proponente, a doutrina a respeito é firme. Nos con-
tractos- entre ausentes, ou se prefaçam por cartas, por telegram-
mas, ou por mensageiros, ha um intervallo de tempo tractus
dos conxracItos 245
temporis, entre a manifestação da vontade do acceitante e o
conhecimento delia pelo proponente. E é natural a interrogação:
quando se opera, nesse caso, o concurso das vontades?
\ aiias respostas forem dadas. 1.°, O vinculo obrigacional
forma-se no momento, em que o pollicitante toma conhecimento
da acceitação. E a theoria da cognição ou da informação. 2.° O
contracto considera-se concluido, no momento em que o accei-
tante declara a sua vontade no sentido da proposta. Esta segunda
theoria, denominada na agnição ou declaração offerece duas moda-
lidades: a) A obrigação se estabelece no momento, em que o
acceitante formula a sua resposta,- isto é: escreve a missiva em
resposta, ou redige o despacho telegraphico. b) Não basta ter
formulado as sua resposta, é preciso tel-a expedido. Antes de
transmittir o seu assentimento, está no poder do acceitante reti-
ral-o. Esta subtheoria denomina-se da expedição, e é a do nosso
direito. Já o era do Codigo Commercial, e o Codigo Civil con-
servou-sedhe fiel. E', também, a do Codigo Civil suisso.
Alguns consideram a theoria da recepção modalidade da de-
claração. Pela theoria da recepção, o contracto está concluido no
momento, em que a resposta do acceitante chega ao poder do pro-
ponente. Parece mais razoavel dizer que esta é uma subtheoria
da cognição.
Ha também escriptores que distinguem os contractos unila-
teraes dos bilateraes, e dizem: Os primeiros fórmam-se, quando
a acceitação do devedor chega ao conhecimento do credor; os se-
gundos perfazem-se, para o proponente, com a acceitação, e para
o acceitante, quando a sua resposta chega ao conhecimento do
pi oponente. Não ha, porém fundamento para esta distincção, por-
que os contractos unilateraes não se formam, como os bilateraes,
sem o concurso das vontades. Supponha-se uma doação feita inter
obsentes. O donatário toma conhecimento delia ao abrir a sua
correspondência. Está firmado o contraçto, pretende a theoria
agora exposta. Mas, se elle ainda não adheriu á vontade do doador,
se elle ainda não se manifestou, não é licito affirmar que o con-
tiacto está fechado. Supponha-se um contracto de compra e
venda; fórma-se para o vendedor em um momento e para o com-
piador em outro. Evidentemente, não resolve a questão esta
complicada theoria.
A doutrina do Codigo Civil é a que melhor se ajusta
com as necessidades da vida e com a natureza das coizas. Poder-
se-á dizer que ella collide com o art. 1.085, que considera in-
existente a acceitação, se, antes delia ou com ella, chegar ao
proponente a retractação. Assim, porém, não é, porque, segundo
246 CODIGO CIVIL

já se observou, o art. 1.085 apenas colloca a acceitação transmit-


tida ao pollicitante, na mesma situação e submettida á mesma
regra da proposta remettida a pessoa, que se acha ausente (art.
1.081, n. 4). E quando se diz que com a expedição da resposta
está formado o vinculo obrigacional, tem-se em vista o accôrdo
das vontades, que é o elemento gerador dos contractos, e que,
effectivamente, se torna real, se objectiva, na occasião em que
o acceitante transmitte a sua resposta. Isto, porém, não im-
pede que o acceitante se retracte, se puder dispor de um meio
mais rápido de communicação do seu pensamento do que aquelle
de que S\ serviu para expedir a resposta. Não dispondo desse
recurso, o contracto estará perfeito, como estará perfeito, se o re-
curso exfe.tir, mas falhar no momento por qualquer circumstan-
cia; se, por exemplo, o acceitante revogar a acceitação por meio
do telegrapho, e o despacho, por defeito das installações, ou
por outro motivo, deixa de chegar, opportunamente, ao pol-
licitante .
A expedição fecha o contracto; mas ainda ha um período,
dentro do qual, em dada hypothese, é facultado ao acceitante
sustar-lhe o effeito.
3. — Uma segunda excepção ao systema adoptado estabe-
lece o Codigo Civil relativamente ao proponente, que se houver
compromettido a esperar pela resposta. E' uma derrogação do
principio pela vontade das partes, a qual, aliás, não é bem fun-
dada, porque, se o proponente se comprometteu a esperar pela
resposta por tempo indeterminado, mas o razoalvelmente neces-
sário para que esta lhe chegue, em nada modificou o direito
commum, porquanto, em regra, a proposta obriga ao proponente
(art. 1.080). Se estabeleceu prazo para lhe vir ás mãos a res-
posta, não se vê bem por que o contracto não se considere for-
mado, desde que q acceitação é expedida.
4. — Menos razoavel ainda é a excepção estabelecida no nu-
mero III do art. 1.086. Se ha prazo estipulado para a resposta,
o contracto se considera formado, desde o momento em que ella
foi expedida; tal é a regra do, art. 1.081, n. III. Se o prazo foi
estabelecido para a chegada da resposta, a hypothese vem a ser
a do n, II, que acaba de ser considerada. Evidentemente ha
confusão de idéas neste preceito introduzido, como o do n. II,
pelo Projecto revisto.
DOS CONXRAOTOS 247

Art. 1.087 — Reputar-se-á celebrado o con-


tracto no logar em que fôr proposto.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil liespanliol, art. 1.262,
2.a ai.; peruano, 1.336.
Projectos — Beviláqua, art. 1.223; Revisto, 1.237.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 66; Direito inter-
nacional privado, § 54; Fiour, Droit internacional privé, I, nú-
meros 123-127; Girault, Des contrats par corresponãence, pa-
ginas 115 e segs.; Savigny, Droit romain, VIII, § 272; Demogue,
Ohligatons, II, n. 580; Planiol et Ripert, VI, ns. 163 e segs.

Observação Apezar de ter adoptado, sob o ponto de vista


do tempo, a theoria da expedição da resposta, o Codigo Civil, a
respeito do logar, preferiu o da expedição da proposta, porque
esta é que suggere a formação do contracto. A determinação do
logar onde se considera concluso o contracto é de grande in-
teresse, no direito internacional privado, porque delia depende
a lei a ser applicada á relação jurídica. Todavia, ha contractos,
que, embora celebrados no estrageiro, se submettem á lei brasi-
leira. Vejam-se a Introãucção, art. 13, e o respectivo commen-
tario, no vol. I, desta obra.

Art. 1.088 — Quando o instrumento publico


for exigido como prova do contracto, qualquer
das partes pôde arrepender-se, antes, de o as-
signar, resarcindo á outra as perdas e damnos
resultantes do arrependimento, sem prejuízo do
estabelecido nos arts. 1.095 e 1.097.

Direito anterior — Semelhante quanto ao primeiro membro


do artigo (Orei., 4, 19, pr.; e § 1.°; Teixeira de Freitas, Consoli-
dação, art. 376). Omisso quanto ás perdas e damnos.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, arts. 1.185
a 1.189. Vejam-se, também, o suisso das obrigações, arts. 7,° e
22, e o peruano, 1.330.
248 CODIGO CIVIL

Projectos — Esboço, arts. 1.030-1.034; Beviláqua, 1.224; Re-


visto, 1.238.

Observações — 1. — Não é feliz a redacção deste artigo.


Diz: "Quando o instrumento publico fôr exigido como prova do
contracto", em vez de dizer; quando o instrumento publico fôr
da substancia do contracto. Aliás, não ha razão para restringir-se
este preceito ao instrumento publico. A lógica jurídica pediria
que se ampliasse a toda fôrma especial, como se lia no Pro-
jecto primitivo, porque o motivo de decidir é o mesmo.
2. — O instrumento publico é da essencia dos contractos
constitutivos ou translativos de direitos reaes sobre immoveis
de valor superior a um conto de réis; dos contractos ante-
nupciaes (art. 134) e das transacções, que tiverem por objecto
direitos reaes, nas condições acima indicadas. Emquanto não
fôr assignado o instrumento publico, as partes podem arrepender-
se, porque, sem essa fôrma, o acto não tem existência jurídica.
Se, porém, havia promessa dé lavrar a, escriptura, constante de
um contracto preliminar, o não cumprimento delia acarreta a
responsabilidade por perdas e damnos, como acontece em toda
obrigação de fazer não cumprida por culpa do devedor (art. 879).
3. — O artigo, depois de firmar a regra da responsabilidade
pela inexecuçâo da promessa, accrescenta: sem prejuízo do esta-
tuído nos arts. 1.095 a 1.097. Estes artigos referem-se ás arrhas
dadas para firmeza do contracto, porém, que podem co-existir
com o direito de arrependimento. Neste caso, ellas funccionam
como pena convencional, que a parte soffre por se arrepender
do contracto. Assim, convencionando as partes que lavrarão es-
criptura publica, e fazendo acompanhar de arrhas essa convenção,
perdel-as-á a que as tiver dado, se fôr a arrependida, e resti-
tuil-as-á em dobro a que as tiver recebido, se a arrependida fôr
ella (art. 1.095). Assignada a escriptura, se as arrhas forem
dadas em dinheiro, considerar-se-ão começo de pagamento; se
em outro genero, serão restituidas (art. 1.096).

Art. 1.089 — Não pôde ser objecto de con-


tracto a herança de pessoa viva.

Direito anterior — O mesmo (Teixeira de Freitas, Consoli-


dação,'art. 353). Desapparecera a excepção, que as Ords. faziam
DOS CONTEAOTOS 249
... I
em favor dos pactos renunciativos (de non succeãenão), quando
fossem jurados (Ord., 4, 70 § 3.°); porque se extinguira o tribunal
de desembargo do paço, autoridade competente para permittir
os contractos sob juramentos, e essa faculdade não foi concedida
a outro qualquer orgão do poder publico.
Legislação comparada — D. 29, 2, fr. 94; 38, 16, fr. 16; 39,
5, fr. 29, § 2.°; 45, 1, fr. 61; Cod., 2, 3, Is. 15 e 30; 5, 14, 1. 5;
6, 20, 1. 3; 8, 51, 1. 4; Codigo Civil portuguqz, arts. 1.556 e 2.042;
hespanhol, 1.271; argentino, 1.175; italiano, 1.118, 2.a al.; uru-
guayo, 1.285; venezuelano, 1.193, 2.a al. Vejam-se, também, o
francez, arts. 791, 1.082, 1.093, 1.130, 1.389 e 1.837; o austríaco,
602; o peruano, 1.338 e o chileno, 1.463.
Contra: allemão, arts. 2.274-2.302; suisso, 468, 494 e 636.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.859; Coelho Rodri-
gues, 280; Beviláqua, 1.228; Revisto, 1.239.
Bibliographia — Direito das successões, § 79; M. I. Car-
valho de Mendonça, Obrigações, II, n. 594; Tito Rosas, Pactos
successorios, na Revista Acadêmica, da Faculdade de Direito
do Recife, 1896; Cândido de Oliveira Filho, Pacto successorio
no direito brasileiro; Lafayette, Direitos de família, § 5.°, 4. e
nota IV; Coelho da Rocha, Inst., §§ 730 e 731, e nota H H no
fim do vol; Mazzoni, Successioni, I, n. 33; Cimbali, Nuova fase,
ps. 287 e 310; Aubry et Rait, Cours, IV, § 334, p. 539 e segs.
da 5.11 ed.; Demogue, Traité des obligations, II, ns. 849 e segs.;
Planiol et Ripert, VI, ns. 246 e 247.

Observações — 1. — O Codigo Civil, fiel á tx-adição do nosso


direito, condemna os pactos successorios. Realmente, a successão
pacticia offerece grandes inconvenientes; a) Determina o surto
de sentimentos immoraes, porque toma por base de suas com-
binações a morte da pessoa, de cuja successão se trata, sejam
os pactos acquisitivos (de succedendo), sejam renunciativos (de
non succedendo). Inutilis est, quia contra bonosmores est haec
stipulatio (D. 45, 1, fr. 61). b) Contraria o principio da liber-
dade essencial ás disposições de ultima, vontade, que devem ser
revogaveis, até o momento da morte do disponente.
2. — Duas excepções, entretanto, insinuaram-se, destruindo
a pureza do systema do Codigo: a) Nos contractos antenupciaes,
é licito aos cônjuges regularem a sua successão reciproca. Veja-se
a este respeito o volume II deste livro, observação 4, ao ar-
250 CODIGO CIVIL

tigo 257. h) Podem os paes. por acto entre vivos, partilhar os


seus bens com os filhos (art. 1.776).

Art. 1.090 — Os contractos benéficos inter-


pretar-se-ão estrictamente.

Direito anterior — Não havia preceito de lei, mas a dou-


trina era corrente.
Legislação comparada — Vejam-se: o Codigo Civil portuguez,
art. 685, 1.°; o hespanhol, 1.289; e o mexicano, 1.851 e segs.
Projectos — Coelho Rodrigues, arts. 353, 7, e 1.015'; Be-
viláqua, 1.229; Revisto, 1.240.

Observações — 1. — Dentre as regras de interpretação dos


contractos que os autores ensinam, o Codigo apenas destacou a
que consta do art. 1.090, além da regra geral do art. 85. Outx-a
foi a norma seguida pela maioria dos Codigos, como o francez,
arts. 1.156 a 1.164; o italiano, 1.131 a 1.139; o portuguez, 684
e 685; o hespanhol, 1.281 a 1.289; o chileno, i:560 a 1.566
o ■uruguayo, 1.291 a 1.296; e o mexicano, 1.324 e 1.325. O al-
lemão somente consagra uma disposição a esta matéria, a do
art. 157, que manda interpretar os contractos, segundo o exige
a bôa fé, em correlação com os usos admittidos nos negocios: "Fer-
traege sind so auszulegen, wie Treu unã Glauhen, mit Rueckr
sicht auf Verkerssitte es erforãen. O suisso das obrigações tam-
bém só dedica, á interpretação dos contractos, um artigo, que
corresponde ao 85 do nosso Codigo. O Commerciai brasileiro,
arts. 130 e 131, estabelece alguns preceitos.
2. — As regras de interpretação dos contractos, que Pothier
extrahiu do direito romano, são as seguintes:
1.a, Nas convenções, mais se deve indagar, qual foi a vontade
dos contrahentes, do que o sentido grammatical das palavras. In
conventionihus, contrahentium voluntatem potius quam verba
spectari placuit (D. 50, 16, fr. 219; Codigo Civil, art. 85; Com-
merciai, 130 e 131, II; Pothier, Obrigações, n. 91; M. I. Car-
valho de Mendonça, Contractos, X Introducção, p. 30).
2.a, Quando uma clausula é susceptível de dois sentidos, deve
entender-se naquelle em que pode ter effeito e não naquelle em
DOS CONTKAOrOS 251

que nenhum effeito possa ter. Quotietis stiprilationihus ambígua


oratio est commoãissimum est, iã, accipi. quo res, de qua agitur,
in tuto sit (D. 45, 1, fr. 80; Pothier, Obrigações, n. 92; M. I.
Carvalho de Mendonça, Contractos, Introducção, p. 31).
3.a, Quando, em um contracto, os termos admittem dois sen-
tidos, devem entender-se no que mais convenha á natureza do
contracto. Quotiens idem sermo duas sententias exprimit: ea po-
tissimum excipiatur, quae rei gerenãae aptior sit (D. 50, 17,
fr. 67; Pothier, n. 93; M. I. Carvalho de Mendonça, ps. 31 e 32).
4.a, Aquillo que é ambíguo interpreta-se segundo o uso do
paiz. Semper in stipulationibus et coeteris contractibus id sequi-
mur quod actum est; aut si nom pareat, quid actum est, erit,
consequens, ut id sequamur quod in regione, in qua actum est
frequentatur (D. 50, 17, fr. 34; Codigo Commercial, art. 131, IV;
Pgthíer, n. 94; M. I. Carvalho de Mendonça, p. 32).
5.a, As cláusulas de uso devem ser subentendidas. In con-
tractibus tacite veniunt ea quae suvt moris et consuetuãinis
(D. 21, 1, fr^ 31, 20; veja-se, também, D. 50, 17, fr. 114:
In obscuris inspici solet quod verisimilius est quod plerumque
fieri solet; Codigo Commercial, art. 133; Pothier, n. 95; M. I.
Carvalho de Mendonça, p. 32).
6.a, As cláusulas do mesmo instrumento devem interpretar-
se umas pelas outras. E' uma applicação, aos contractos, que é
lei, entre as partes, do principio de interpretação das leis ema-
nadas da autoridade publica: Incivile est, nisi tota lege perspecta,
una aliqua partícula ejus proposita, judicare, vel respondere
(D. 1, 4, fr. 24; Codigo Commercial, art. 131, II, Pothier, nu-
mero 96; M. I, Carvalho de Mendonça, p. 32).
7.a, Na duvida, a clausula deve interpretar-se contra o que
estipula e a favor do que se obriga. In stipulationibus, cum
quaeritur quid actum sit, verba contra stiimlatorem interpre-
tanda sit (D. 45, 1, fr. 38, § 18). Fere secundum promissorem
interpretamur (D. 45, 1, fr. 99, pr. in médio] Codigo Commer-
cial, art. 131, V; Pothier, n. 97; M. I. Carvalho de Mendonça,
p. 32).
8.a, Por mais geraes que sejam os termos, em que foi con-
cebida uma convenção, esta só comprehende as coisas sobre que
os contrahentes se propuzeram, segundo parece, tratar, e não
as de que não cogitaram. Iniquum est perimi pacto, id de quo
cogitatum non ãocetur (D. 2, 15, fr. 9, § 3.°, in fine; vejam-se
mais: os frs. 5 do mesmo titulo, e 27, pr., do tit. 14, liv. 2;
Pothier, n. 98; M. I. Carvalho de Mendonça, p. 33).
252 CODIGO CIVIL

9.% Quando o objecto da convenção é uma universalidade,


comprehendetti-se nella todas as coisas, que a compõem, inclu-
sive as de que as partes não tiveram conhecimento (Pothiek,
n. 99; M. I. Carvalho de Mendonça, p. 33).
10.", Quando, em um contracto, se exprime um caso, para a
explicação de certa obrigação, a respeito da qual poderia haver
duvida, se estaria nelle comprehendida, não se entende por isso
restricta a obrigação nos outros casos, que, por direito, se com-
prehendem nella. Quae ãubitationis tollenãa causa contractihus
inseruntur, jus commune non laedunt (D. 50, 17, fr. 81, e 17,
1, fr. 56, pr., in fine; Pothier, n. 100; M. I. Carvalho de Men-
donça, p. 33).
11.a, Uma clausula concebida no plural distribue-se, muitas
vezes, em diversas cláusulas singulares (Pothier, n. 101; M. I.
Carvalho de Mendonça, ps. 33-34).
12.a, O que está no fim de uma phrase, ordinariamente, se
refere a toda ella e não áquillo só, que a precede, immediata-
mente, comtanto que e^se final concorde em genero e numero
com a phrase toda (Pothier, n. 102; M. I. Carvalho de Men-
donça, p. 43).
Estas regras são syntheses, que exprimem a experiência
dos factos, e merecem acatamento pela razão, que as illumina;
são, porém, méramente doutrinárias, e não deveriam ser arti-
culadas na lei. Por isso o nosso Codigo, acertadamente, as deixou
para os livros de doutrina.
3. — Além de Pothier e Carvalho de Mendonça, acima ci-
tados, consultem-se: Aubry et Rau, Cours, IV, § 347; Huc, Gom-
mentaire, VII, ns. 155-177; Sanchez Boman, Derecho Civil, IV,
ps. 356 e segs.; e J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado, VI, pri-
meira parte, ns. 227 e segs.; Planiol et Ripert, VI, ns. 373-375.
4. — J. X. Carvalho de Mendonça observa que, além das
regras acima expostas, ha outras, geralmente admittidas.
"O interprete, diz elle, tem de esforçar-se por salvar da in-
validado o acto juridicoy ainda que se considerem não escriptas
algumas declarações accessorias". E' regra que encontra apoio no
art. 153 do Codigo Civil. "Não se deve suppôr que as partes
quizessem agir em vão, porém fazer alguma coisa de real" (Op.
cit., n. 237).

Art. 1.091 — A impossibilidade da presta-


ção não invalida o contracto, sendo relativa, ou
cessando antes de realizada a condição.
DOS CONTEACTOS 253
Dii oito anterior — Caelos de Caevalho, Direito civil, ar-
tigo 962, paragrapho imico.
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 308; me-
xicano, 1.304 e 1.305.
Projectos — Beviláqua, art. 1.230; Revisto, 1.241.

Observação A regra é que a impossibilidade da prestação


impede a formação do vinculo; occorrendo, depois, sem culpa do
devedor, extingue a obrigação, e, havendo culpa do devedor, res-
ponde este por perdas e damnos (art. 865, 869, 870, 879). Mas
se a impossibilidade é puramente relativa, não impede a formação
do vinculo obrigacional, que se entende existir para o caso de
se tornar possível a prestação. Por isso mesmo, é valido o con-
tracto concluído sob condição suspensiva, se, antes do implemento
da mesma, a prestação se torna possível.
Vejam-se: {Direito das obrigações, § 7.°; e Laceeda, Obri-
gações, § 88).

CAPITULO II

Dos contractos bilateraes

Art. 1.092 — Uos contractos bilateraes, ne-


nhum dos contrahentes, antes de comprida a sua
obrigação, pôde exigir o implemento da do outro.
Se, depois de concluido o contracto, sobre-
vier a uma das partes contractantes diminuição
em seu patrimônio, capaz de comprometter ou
tomar duvidosa a prestação, pela qual se obri-
gou, pôde a parte, a quem incumbe fazer pres-
tação em primeiro logar, recusar-se a esta, até
que a outra satisfaça a que lhe compete, ou dê
garantia bastante de satisfazel-a.
Paragrapbo único. A parte lesada pelo ina-
dimplemento pôde requerer a rescisão do con-
tracto com perdas e damnos.
254 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Estes princípios existiam no direito an-


terior, mas não se achavam expressos com a generalidade e a
precisão, que lhes deu o Codigo (Vejam-se: Codigo Commercial,
art. 198; Orã., 4, 5, § 2.°; 67, 5, §§ 2.° e 3.°; Carlos de Carvalho,
Direito civil, art. 873).
Degislação comparada — Vejam-se: Codigo Civil francez,.
arts. 1.184 e 1.613; italiano, 1.165 e 1.469; aliem"'o, 322 e 326;
portuguez, 709 e 1.574; argentino, 1.201; chileno, 1.552; hes-
panhol, 1.100 e 1.466; suisso das obrigações, 82 e 83; vene-
zuelano, 1.231 e l.S^õ; boliviano, 755; do Montenegro, 538;
japonez, 533; peruano, 1.342 e 1.343.
Projectos — Esboço, art. 1.955; Beviláqua, 1.231; Revisto,
I.242.
A segunda alinea é da Commissão da Gamara {Trabalhos,
VI, p. 379), que acceitou uma emenda additiva de Amaro Ca-
valcanti. O paragrapho único é do Projecto revisto.
Bibliographia — M. I. Carvalho de Mendonça, Obrigações,
II, ns. 637 e segs.; Espinola, Systema, II, ps. 566; Lacerda,
Obrigações, § 67; AlmacIhio Diniz, Obrigações, ns. 45 e segs.:
Aubey et Rau, Cours, IV, § 302; Huc, Gommentaire, VII, ns. 266
e segs.; Planiol, Traité, II, ns. 987 e segs. Windscheid, Panã.
II, § 321; Dernburg, Panã., II, §§ 19-21; Saleilles, De Vobliga-
tion, ns. 168 e segs.; Goãe Givil allemanã, publié par le Comitê
de lég. étr., aos arts. 320 a 327.

Observações — 1. — O contracto é, sempre, um acto bilateral,


porque presuppõe accôrdo de vontades; mas, por sua vez, pôde
ser bilateral ou unilateral, segundo ha, ou não, reciprocidade
de prestações. Esta reciprocidade de prestações é da essencia do
contractos bilateraes. Delia resulta a excepção non aãimpleti
contractus, em virtude da qual, se uma das partes, sem ter cum-
prido a sua prestação, exigir o cumprimento da outra, esta se
defende, allegando que não pode ser coagida, porque o outro con-
trahente também não cumpriu o promettido.
2. — E' ainda essa reciprocidade essencial aos contractos
bilateraes que serve de fundamento ao preceito contido na se-
gunda alinea do artigo: se sobrevier alteração no patrimônio de
um dos contractantes, capaz de comprometter ou tornar duvi-
dosa a prestação devida, a parte, a quem incumbe satisfazer o
contracto, em primeiro logar, pôde recusar-se a fazel-o, até que
a outra lhe dê garantias sufficientes ou cumpra a sua prestação.
DOS COjVTRACÍTOS 255
Em regra, aquelle que deve executar a sua prestação em
piimeiro logar, não pôde recusal-a, sem infringir o contracto.
Mas, se as condições econômicas da outra parte fazem, razoavel-
mente, suppor que a sua prestação ficará sem a correspondência
convencionada, a lei, vindo em seu auxilio, faculta-lhe os meios
de afastar o prejuízo, que o ameaça; dá-lhe o direito de reter
a sua prestação ou de exigir garantias da prestação da outra
parte.
^uma ^as partes não cumpre a obrigação contra-
hida para com a outra, poderá esta promover, em juizo, a re-
scisão do contracto. Cumpre, entretanto, attender a que, se a
prestação se tornou impossível, sem culpa do devedor, a obri-
gação-se resolve, quer se trate de obrigação dcmdi, 'quer de
obiigação faciencli; e, neste caso, não ha perdas e damnos a re-
clamar.
4. — O Codigo Civil brasileiro não deu á cláusula resolu-
tiva tacita, que se presuppõe em todo contracto synallagmatico,
o effeito legal de operar ipso jure, mas de accordo com a tra-
dição do direito pátrio, reconhece-lhe a existência, e permitte
que a parte a faça valer em juizo, segundo se vê do art. 119,
paragrapho único.
Se, poiém, as partes tornarem expressa no contracto a con-
dição resolutiva, ella operará por si, independentemente de inter-
pellação judiciaria.
5. Os autores fiancezes costumam distinguir os contractos
synallagmaticos em perfeitos e imperfeitos. Nestes últimos as
obrigações competem, normal e originariamente, a uma das par-
tes somente; mas, ex post facto, pode a outra parte, egual-
mente, contrahir obrigações. A condição resolutiva tactica não
se presuppõe nós contractos synallagmaticos imperfeitos. Hua,
Laueent e Barde não acceitam esta subdivisão, que, entretanto,
é defendida por Aubry et Rau.

Art. 1; 093 — O distracto faz-se pela mesma


forma que o contracto. Mas a quitação vale,
qualquer que seja a sua fôrma.
Direito anterior — Semelhante, quanto ao distracto; diffe-
rente, quanto á quitação.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 311; Beviláqua, 1.232;
Revisto, 1.243.
256 CODIGO CIVIL

Observações — 1. .— Distracto ê o accôrdo entre as partes


contractantes, afim de extinguirem o vinculo obrigacional es-
tabelecido pelo contracto. Segue, em tudo, as mesmas regras do
contracto, e se submette ás mesmas fôrmas. Assim, se o con-
tracto for redigido por escriptura publica, somente por escri-
ptura publica se ha de distractar. Tal era, também, a doutrina
do direito anterior (Teixeiba de Fkeitas, Consolidação, art. 370;
Ord., 3, 59, pr., e §§ 3.° e 11).
Sendo o distracto a dissolução do contracto, não se deve
confundir com o ãissenso ou mutuo dissenso. O primeiro é um
verdadeido contracto para dissolver outro; o segundo é des-
accôrdo.
2. — A quitação deve ser dada na fôrma estabelecida pelo
art. 940, mas não necessita de obedecer á fôrma do contracto,
a que se refira. Se o contracto foi celebrado por escriptura pu-
blica, a quitação poderá ser dada por escriptura particular. No
direito anterior prevalecia, a, principio, regra differente (Conso-
lidação das leis civis, art. 824), que depois se modificou, desde
que se admittiu que se pudessem contrahir obrigações de qual-
quer valor, por instrumento particular, não sendo a escriptura
publica da substancia do acto (Dec. n. 79, de 23 de Agosto
de 1892, art. 2.°). O Codigo, porém, deu maior largueza á qui-
tação, attribuindo-lhe efficacia plena, qualquer que seja a sua
fôrma, preceito que, aliás, se deve entender de accôrdo com os
arts. 940 e seguintes e não de um modo absoluto.

CAPITULO III

Das arrhas

Art. 1.094 — O signal, ou arrhas, dado por


um dos contractantes firma a presumpção de ac-
côrdo final, e torna obrigatório o contracto.

Direito anterior — A Ord., 4, 2, § 1.°, attribuia ás arrhas o


effeito de tornar licito o arrependimento; o Codigo Commercial,
porém, no art. 218, dispunha de modo semelhante ao por que
dispõe o Codigo Civil.
Legislação comparada — No sentido do artigo: allemão,
art. 336; suisso das obrigações, 158. Contra: francez, art. 1.590;
chileno, 1.803, e japonez, 557, que attribuem ás arrhas o effeito
DOS CONTKACTOS 257
de permittir o arrependimento. O Codigo Civil italiano, o por-
tuguez, o hespanhol e o venezuelano deixaram de lado esta
matéria. No Codigo Civil italiano, art. 1.217, a caparra tem ca-
racter de clausula penal; si considera come una cautela per
il risarcimento dei danni il caso d'inadempiemento delia con-
venzione. O mesmo se deve dizer do portuguez, art. 1.548; si
houver igual signal passado, a perda delle ou a sua restituição em
dobro valerá como compensação de perdas e damnos. No mesmo
sentido, o venezuelano, 1.233.
Por direito romano, as arrhas tinham- o duplo effeito de
confirmar o contracto e de permittir o arrependimento com a
perda das mesmas arrhas (Inst., 3, 23, pr., in fine; Cod., 4, 21,
1, 17, in fine).
Projectos — Esboço, arts. 1.910 1.912 e 1.915; Coelho Ro-
drigues, 460 (differente); Beviláqua, 1.223; Revisto, 1.244.
Bibliographia — Direito das .Obrigações, § 21; Teixeira de
Freitas, Consolidação, arts. 515-517 e notas; M. I. Carvalho de
Mendonça, Obrigações, II, ns. 654 e segs.; Lacerda, Obrigações,
§ 45; S. Vampré, Manual, III, § 7.Q; Coelho da Rooha, Inst.,
§ 740; Huc, Gommentaire, XI, n. 33; Planiol, Traité, II, nú-
meros 1.445-1.448; Saleilles, De Vobligation, n. 294; Aubry et
Rau, Cours, V, § 349, 2.°; Girard, Droit romain, ps. 543-545;
Windscheid, Pand., II, § 325; Derneurg, Panã., II, § 12; Code
Civil allemand, publié par le Comitê de lég. étr., aos arts. 336
e segs.; Colmo, Obligationes, n. 184.

Observações — 1. — A funcção principal das arrhas, no sys-


tema do Código Civil, é indicar que o contracto está, defini-
tivamente, concluído, e faz lei entre as partes (art. 1.094). As
arrhas são confirmatorias. Outras funcções ella ainda exerce,
indicadas em seguida, porém, são secundarias. Terminou, assim,
e antinomia existente nesta matéria, entre o direito commercial
//
e o civil.
2. — Convém não perder de vista que as arrhas, de que
trata o Codigo Civil, neste capitulo, são as dadas em signal de
estar definitivamente concluído o contracto {arrha in signum,
consensus interpositi data), e não as dadas em signal de que
os contrahentes se reservam a faculdade de se arrepender (arrha
quae ad jus poenitenãi pertinet), de que se encontra vestígio no
art. 1.095, e que são as do Codigo francez.

Beviláqua — Codigo Civil —4.° vol. 17


258 CODIGO CIVIL

Art. 1.095 — Podem, porém, as partes esti-


pular o direito de se arrepender, não obstante as
arrbas dadas. Em caso tal, se o arrependido for,
o que as deu, perdel-as-á em proveito do outro ^
se o que as recebeu, restituil-as-á em dobro.

Direito anterior — Disposição semelhante no Codigo Com-


mercial, art. 218, e na Orei., 4, 2 § 3.°. A faculdade de arrepender-
se era, no direito civil, anterior, a funeção capital das arrhas.
Degislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 336,
2." alínea. Vejam-se, também: o francez, art. 1.590: o portuguez,
1.548; o hespanhol, 1.454; o suisso das obrigações, 158, 3.a alinea,
e o argentino, 1.202, que dispõem sobre esta matéria, ainda que
outra seja a doutrina preferida.
Projectos — Eshoço, art. 1.914; Coelho Rodrigues, 461; Be-
vilaqua, 1.234; Revisto, 1.245.

Observações — 1. O Codigo admitte o direito de arrepen-


dimento em conjuncção com as arrhas, mas não como conse-
qüência dellas. Deve esse direito ser estipulado, de modo ex-
presso, e, neste caso, as arrhas funccionam como clausula penal
{arrhas poenitentialis). E, como a clausula penal importa deter-
minação prévia das perdas e damnos pelo não cumprimento das
obrigações, segue-se que se não podem accumular a perda das
arrhas por quem as deu, ou a sua restituição em dobro por
quem as recebeu, com a indemnização dos damnos resultantes
do inadimplemento.
2. — Ainda no caso deste artigo, as arrhas se distinguem
da clausula penal, de que se occupam os arts. 916 a 924, por
quanto: 1.°, De ordinário adherem a contractos preliminares,
pactos de contrahendo, ao passo que a clausula penal faz
parte de contractos definitivos; 2.°, A clausula penal tem por
fim assegurar a efectividade do contracto, e as arrhas, no caso
agora considerado, autorizam a dissolução do contracto, ou antes
permittem que se não forme o definitivo. ,

Art. 1.096 — Salvo estipulação em contra-


rio, as arrbas em dinheiro consideram-se princi-
DOS CONTRAdrOS 259

pio de pagamento. Fora esse caso, devem ser re-


stituidas quando o contracto for concluído ou
ficar desfeito.

Direito anterior — Codigo Commercial, art. 218.


Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 337;
argentino, 1.202. Em sentido contrario, o suisso das obrigações,
art. 158, 2.a alinea.
Projectos — Esboço, art. 1.916; Beviláqua, 1.235; Revisto,
1.246.

Observações — 1. — A fórmula do Codigo foi-lhe fornecida


pelo Projecto revisto. Não devera restringir a regra, que esta-
belece, ás arrhas em dinheiro. Em muitos outros casos, é pos-
sivel dar ao signal o mesmo destino. Se, para firmeza de um
contracto, a parte dá, antecipadamente, uma parte daquillo que
constitue o objecto do contracto, porque não se dirá que ha prin-
cipio de pagamento? Tudo depende da natureza da prestação,
como dizia o Projecto primitivo.
João Luiz Alves prestigia esta observação.
2. — A redacção deste artigo padece de uma obscuridade.
Preceitua-se a restituição das arrhas, quando o contracto fôr
concluído. Mas se as arrhas firmam a presumpção de que o
contracto se tornou obrigatório, como é que se hão de restituir
quando concluído? Contracto concluído é contracto celebrado.
A restituição do signal se faz, quando o contracto se executa
ou cumpre.

Art. 1.097 — Se o que deu arrlias, der causa


a se impossibilitar a prestação, ou a se rescindir
o contracto, perdel-as-á em beneficio do outro.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 338.
Projectos — Esboço, art. 1.912, 2.»; Coelho Rodrigues, 460;
Beviláqua, 1.236; Revisto, 1.247.
260 CODIGO CIVIL

Observação — Se o que occasiona a impossibilidade da pres-


tação ou a rescisão do contracto ê quem recebe as arrhas, não
diz o Codigo o que acontecerá. Applicar-se-á o principio geral
do art. 1.056; responderá o contrabente por perdas e damnos;
e restituirá as arrhas recebidas, porque o contracto estará des-
feito (art. 1.096). O Projecto primitivo mandava, neste caso,
restituir as arrhas em dobro, mantendo-lhes a funcção de cláu-
sula penal.

CAPITULO IV

Das estipulações em favor de terceiro

Art. 1.098 — O que estipula em favor de


terceiro joóde exigir o cumprimento da obri-
gação .
Paragrapbo único. Ao terceiro, em favor de
quem se estipulou a obrigação, também é per-
mittido exigil-a, ficando, todavia, sujeito ás con-
dições e normas do contracto, se a elle annuir,
e o estipulante o não innovar nos termos do
art. 1.100.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigo 112; ailemão, 328; uruguayo, 1.250; chileno, 1.449; ja-
ponez, 537; mexicano, 1.868; peruano, 1.345.
Em sentido differente: Codigo Civil francez, art. 1.121; ita-
liano, 1.128, 2.8 ai.; hespanhol, 1.527, 2.8 al., venezuelano, 1.203;
boliviano, 711.
Para o direito romano, vejam-se: Inst., 3, 19, § 4.°; D. 50,
17, fr. 73, § 4.°; Cod. 8, 55, Is. 3 e 4; 8, 65^, 1. 9, iri fine.
Projectos — Beviláqua, art. 1.237; Revisto, 1.248.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 82; M. I. Car-
. valho de Mendonça, Obrigações, ns. €66 e segs.; Espinola, Sys-
tema, II, ps. 663 e segs.; S. Vampré, Manual, III, § 6.°; Alves
Moreira, Obrigações, ns. 203 e segs.; Saleilles, De Vobligation,
ns. 245 e segs.; René Worms, De la volonté unilatérale comme
source d'obligations, ps. 98 e segs.; Planiol, Traité, II, ns. ,1.266
e segs.; Lambert, Du contrai en faveur de tiers; Champeau, La
DOS CONTRACtTOS 261
stipulation iwur autrui; Huc, Commentaire, YII, ns. 42 e segs.;
Aubey et Rau, Cours, IV, § 343, ter; Windscheid, Pand., II,
§ 316, ExdeMann, Lehrbuch, I, § 126; Code Civil allemand, pu-
blié par le Comitê de lég. étr., aos arts. 328 e segs.; Rossel,
Droit civil suísse, III, ps. 146-148; J. X. Carvalho de Mendonça,'
Tratado, VI, primeira parte, ns. 302 e segs.; Planiol et Ripert,
VI, ns. 352 e segs.

Observações 1. — Ha estipulação em favor de terceiro,


quando uma pessoa convenciona com outra certa vantagem em
beneficio de terceira, que não toma parte no contracto. O direito
i omano negava efficacia a estas estipulações, que eram consi-
deradas res inter alios. Prevalecia o principio geral, neque sti-
pulari, neque emere, vendere, contrahere, ut aliter suo nomine
recte agut possumus (D. 44, 7, fr. 11). Todavia, abrandamentos
foram introduzidos pelo desenvolvimento do direito, nas doações
sul) modo, e na restituição do dote a um estranho. O Codigo Civil
francez e outros tornaram possivel a estipulação em beneficio
de terceiro, quando condição de uma estipulação feita para o
proprio estipulante ou de uma doação. A doutrina e a jurispru-
dência, porém, deram maior largueza a esta fôrma de relação
jurídica, e, nos Codigos Civis mais recentes, ella apparece com
a firmeza de linhas e a amplitude de conceito, que havia mister.
2
- — Imaginaram-se diversos systemas, para fixar a natu-
reza jurídica da estipulação em favor de terceiro. A estipulação
a favor de terceiro é uma offerta, que, acceita pelo beneficiário,
o torna credor, dizem uns; é uma gestão de negocios, propõem
outros; é uma declaração unilateral da vontade, explicam ainda
outros.
O Codigo Civil brasileiro considera a estipulação em favor
de terceiro uma relação contractual sui generis, na qual a acção
para exigir o cumprimento da obrigação se transfere ao bene-
ficiário, sem aliás pei-del-a o estipulante. ET um caso de desper-
sonalização do vinculo obrigacional ou, antes, de relação con-
tractual dupla, tendo por ponto de conjuncção o promittente, que
contracta com o estipulante realizar uma prestação, que irá
cumprir nas mãos do benificiario.
3. — A estipulação em favor de terceiro é um poderoso
instrumento jurídico. O seu campo de applicação é muito ex-
tenso. Vemol-a, particularmente, na constituição de renda, quando
ha um terceiro beneficiado; nos seguros de vida; nas fundações;
262 CODIGO CIVIL

nas doações modaes; e em certos contractos celebrados com a


administração publica, nos quaes, muitas vezes, se encontram
cláusulas em favor dos habitantes de um logar, ou dos operários
da companhia emprezaria.

Art. 1.099 — Se ao terceiro, em favor de


quem se fez o contracto, se deixar o direito de
reclamar-lhe a execução, não poderá o estipu-
lante exonerar o devedor.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigo 112, ais. 2.a e 3.a; francez, 1.121, in fine; italiano, 1.128, in
fine; venezuelano, 1.203, in fine; peruano, 1.346.
Projectos — Beviláqua, art. 1.238; Revisto, 1.249.

Observação — Pelo systema do Codigo Civil, o cumprimento


da obrigação estipulada em favor do terceiro pode ser-exigida
pelo estipulante, e, em certos casos, pelo beneficiário.
Quando o beneficiário poderá exigir o cumprimento da obri-
gação? Quando assim o determinar uma clausula do contracto
ou esse direito resultar seja das circumstancias, seja, parti-
cularmente, do fim do contracto. E' o que dizia, o Projecto pri-
mitivo, art. 1.237, segunda parte, acompanhando do Codigo Civil
allemão, art. 328.
A annuencia do beneficiário não é necessária para a per-
feição do accôrdo, mas, se se der, o beneficiário, implicitamente,
acceita as condições e as normas da convenção.
Quando cabe ao beneficiário exigir o cumprimento da obri-
gação, já não tem o estipulante qualidade para exonerar o de-
vedor.
Todavia, o estipulante poderá, innovando a obrigação, sub-
stituir o terceiro por outro, se se tiver reservado esse direito.
Neste caso, ainda que tenha havido annuencia do beneficiário,
este perde os seus direitos, que eram precários, dependiam de
não usar o estipulante do seu direito de substituição.
DOS CONTKAOTOS 263

Art. 1.100 — O estipulante pôde reservar-


se o direito de substituir o terceiro designado no
contracto, independentemente da sua annueneia
e da do outro contrahente (art. 1.098, paragra-
plio único) .
Paragraplio único. Tal substituição pôde ser
feita por acto entre vivos ou por disposição de
ultima vontade.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 332; pe-
ruano, 1.347.
Projectos — Beviláqua, art. 1.239; Revisto, 1.25'0.

Observação — Se o estipulante, no contracto com o promit-


tente, estabeleceu, de modo expresso, o direito de substituir o
nome do terceiro designado no contracto, independentemente da
annueneia de um e de outro, a substituição se. opera por uma
declaração unilateral, que poderá ser feita por acto entre vivos
ou de ultima vontade. Neste ultimo caso, a somma, a que tem
direito o substituto, não é um legado, nem faz parte da suc-
cessão do estipulante. O beneficiário tem direito a ella em vir-
tude do contracto primitivo, ainda que a substituição se faça
por testamento.

CAPITULO Y

Dos vícios redhibitorios

Art. 1.101 — A coisa recebida em virtude


de contracto commutativo pôde ser enjeitada
por vicios ou defeitos occultos, que a tornem
imprópria ao uso, a que é destinada, ou lhe di-
minuam o valor.
Paragraplio único. E' applicavel a disposi-
ção deste artigo ás doações gravadas de encargo.
264 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Semelhante {Orã., 4, 17, §§ 8.° a 10.°;


Codigo Comercial, art. 20; Teixeira de Freitas, Consolidação,
artigos 424, 556 e 557; Carlos de Carvalho, Direito civil, arts.
(1.068 e 1.069). O direito escripto referia-se não somente á venda,
mas aos casos, em que se transpassasse o senhorio; e a doutrina
generalizava o preceito aos contractos onerosos.
Legislação comparada — D. 21, 1, fr. 1, § 8.°, e fr. 7; Codigo
Civil francez, art. 1.641; italiano, 1.498; hespanhol, 1.484; suisso
das obrigações, 197; allemão, 459; argentino, 2.164; chileno,
1.857 e 1.858; uruguayo, 1.718; venezuelano, 1.561; peruano,
1.429; mexicano, 2.142 e 2.144; boliviano, 1.057; do Montenegro,
232; austríaco, 922; peruano, 1.351 e 1.352.
Execpção feita do austriaco, do peruano e do argentino, que
estabelecem principio geral, os Codigos Civis, relacionam os vicios
rhedibitorios ao contracto de compra e venda. O portuguez, art.
1.582, declara que o vicio redhibitorio só , será causa de rescisão
do contracto de compra e venda, se envolver erro, que annulle o
consentimento.
Projectos — Eshoço, arts. 3.581 e segs.; Felicio dos Santos,
I.917 e 1.918; Coelho Rodrigues, 635; Beviláqua, 1.240 e 1.241;
Revisto, 1.251.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 68; M. I. Carva-
lho de Mendonça, Obrigações, II, ns. 692 e segs.; Teixeira de
Freitas, notas aos arts. 424, 556 e segs. S. Vampré, Manual, III,
§ 8.°; Coelho da Rocha, Inst., §§ 815-816; Windschid, Panei., II,
§ 393; Saleilles, De Vobligation, ns. 210 e segs.; Planiol, Traité,
II, ns. 1.520 e segs. Huc, Commentaire, X, ns. 142 e segs.;
Aübry et Ralt, Cours, Y. § 335, bis; Alves Moreira, Inst., II,
n. 199; Cunha Gonçalves. Da compra e venda, II, ns. 573-583.

Observações — 1. — Vicios redhibitorios são os defeitos


occultos, que tornam a coisa imprópria para o uso, a que é des-
tinada, ou que a fazem, de tal modo, frustranea que o contracto
se não teria realizado, se fossem conhecidos. A coisa assim de-
feituosa pode ser rejeitada, Reclhibere est facere ut rursus habeat
venditor quod habuerit... redhibito est appellata, quasi redditio
(D. 21, 1, fr. 21, pr.).
2. — A acção para rejeitar a coisa recebida e redhibir o
contracto {actio redhibitoria) tem applicação em todos os con-
tratos commutativos, isto é, nos contractos onerosos, em que ô
certa a extensão das prestações reciprocas dos contractantes, de
DOS CONTRAdTOS 265
modo que cada um delles pode, immediatamente, apreciar os
benefícios e as perdas resultantes do accôrdo (Planiol, II, nu-
mero 993).
As doações são contractos unilateraes, e benéficos, aos quaes
não convém a classificação de commutativos. Todavia, se a
doação é agravada de encargo, deve ser desclassificada de entre
o» contractos unilateraes, porque ao donatário é imposta, egual-
mente, a prestação, resultante do encargo. Por isso, o Codigo
adverte que se lhe applica a disposição deste artigo.
O Projecto primitivo também estendia o preceito ao dote,
que não é uma liberalidade pura, que é uma doação gravada
com encargo. A Commissão revisora do Governo supprimiu a
referencia do dóte, sem dar explicação do seu proceder. Também
não se refere o Codigo á doação remuneratoria, que não é pura
liberalidade, que é doação onerosa. Não se deve, porém, entender
que o Codigo excluiu a responsabilidade pelos vicios redhibitorios
nestes casos. Não houve alteração no direito, segundo o conso-
lidara a doutrina dos nossos melhores autores. O doador res-
ponde pela evicção: 1.°; quando a doação fôr remuneratoria:
2.°, quando fôr onerada por encargo; 3.°, quando fôr feita por
causa de casamento; 4.°; quando . convencionar a responsabi-
lidade (Teixeira de Freitas, nota 21 ao art. 424 da Consolidação).
3. — A acção redhibitoria prescreve em quinze dias con-
tados da tradição da coisa, se esta fôr movei (art. 178, § 2.°),
e, em seis mezes, se fôr immovel (artigo cit., § 5.°, n. IV). A
tradição do immovel é a transcripção.
4. — O Esdoço, art. 3.582, faz uma extensa enumeração de
vicios redhibitorios nos animaes cavallares e muares: a gôta
coral, gôta serena, em começo, o mormo, o laparão antes da
existência dos tumores, a fluxão periódica, a pulraoneira, a rou-
queira chronica, as rupturas ou quebraduras intermittentes, a
manqueira intermittente, o espadoamento ou abertura de peitos,
a birra, não havendo estragos nos dentes. O art. 3.583 destaca a
gôta coral, a tisica pulmonar, a queda do utero ou retenção das
parias, no gado vaccum. O art. 3.584 nomeia as bexigas, a mor-
rinha ou lepra e a congestão sobre o baço, para o gado lanigero.

Art. 1.102 — Salvo cláusula expressa no


contraeto, a ignorância de taes vicios pelo alie-
nante não o exime da responsabilidade (artigo
1.103).
266 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Tal era o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — D. 21, 1, fr. 1, § 2.°; Codigo Civil
francez, art. 1.643; italiano, 1.500; hespanhol, 1.485; venezue-
lano, 1.563; boliviano, 1.059; argentino, 2.173; suisso das obri-
gações, 197, ultima parte.
Projectos — Felicio cios Santos, art. 1.920; Coelho Ro-
drigues, 630; Beviláqua, 1.242; Revisto, 1.252.

Observação — A responsabilidade por vicios redhibitorios


não procede de culpa ou ma fé, e sim da própria natureza do con-
tracto commutativo, no qual devem as partes conhecer a exten-
são de suas vantagens e perdas. Pode, porém, o alienante eximir-
se da responsabilidade por clausula expressa, se não conhecia os
vivios, assim como o adquirente pode assumir o risco do vicio
occulto.

Art. 1.103 — Se o alienante conhecia o vi-


cio, ou o defeito, restituirá o que recebeu com
perdas e damnos; se o não conhecia, não somente
restituirá o valor recebido, mais as despesas do
contracto.

Direito anterior — Era doutrina deduzida da Ord., 4, 17, § S.".


Legislação comparada — Codigo Civil francez, arts. 1.645
e 1.646; italiano, 1.502 e 1.503; hespanhol, 1.486; argentino,
2.176; chileno, 1.861; uruguayo, 1.721; venezuelano, 1.565 e 1.566;
peruano, 1.355; mexicano, 2.145; boliviano, 1.061.
Por direito romano, se o alienante conhecia os vicios da
coisa alienada, restituia o preço e respondia por perdas e damnos
como prescreve o art. 1.103, primeira parte (Cod., 4, 58, 1. 1).
Se ignorava a existência dos defeitos, a sua responsabilidade
também comprehendia a restituição e as perdas e damnos, da
qual podia isentar-se restituindo o preço com os juros (D. 21, 1,
fr. 29, § 3.°, e fr. 31, pr.).
Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.924; Coelho Ro-
drigues, 634; Beviláqua, 1.243; Revisto, 1.253.
DOS CONTEAOTOS 267

Observação — O alienante de má fé tem responsabilidade


maior, cbmo é de justiça, do que aquelle que sem culpa aliena
coisa defeituosa. Dahi a regra do artigo, obrigando o alienante,
que conhecia o vicio, a restituir o que recebeu, com perdas e
damnos, e o que não conhecia, a restituir o que recebeu e a in-
demnizar as despesas, que oa dquirente fez com o contracto.

Art. 1.104 — A responsabilidade do alienan-


te subsiste ainda que a coisa pereça em poder
do alienatario, se perecer por vicio occulto, já
existente ao tempo da tradição.

Direito anterior — Omisso, A Orã. 4, 17, § 5.°, era appli-


cação restrica aos escravos. V. T. de Freitas, Consolidação, nota
ao art. 558.
Legislação comparada — Semelhante: Codigo Civil francez,
art. 1.647; italiano, 1.504; venezuelano, 1.567; boliviano, 1.062;
mexicano, 2.147. Em sentido differente: D. 19, 1, fr. 13, pr.;
21. 1, fr. 31, § 11, e fr. 47; hespanhol, 1.487 e 1.488; argentino,
2.178 e 2.179; chileno, 1.862; uruguayo, 1.723; suisso das obri-
gações, 207; peruano, 1.358.
Projectos — Esboço, art. 3.595; Felicio dos Santos, 1.026;
Coelho Rodrigues, 635; Beviláqua, 1.244; Revisto, 1.254.
Bibliographia — Huc, Commentaire, X, n. 153; GuxixotjAED,
Traité de Ia vente, I, n. 479; Laurent, Príncipes, XXIV, n. 306;
Aubky et Rau, Cours, V. § 355 bis.

Observação — A responsabilidade do alienante não poderia


desapparecer com o perecimento da coisa alienada, se tal se deu
em conseqüência do vicio. Se, porém, não obstante a existência
do vicio, o perecimento se deu por caso fortuitõ nenhuma res-
ponsabilidade tem o alienante.
Esta decisão é conforme aos principies. O adquirente, com
a tradição, tornou-se o dono da coisa; esta, portanto, pereceu
para elle, res perit domino. A causa do perecimento não se pode
attribuir ao alienante. E, se havia vicios, que não foram, oppor-
tunamente allegados, ou que difficilmente, se provariam, não ha
razão sufficiente para a elles attender. E mais firme ainda é
a solução dada, se a coisa perece por culpa do adquirente.
268 CODIGO CIVIL

Parece, realmente, perigosa a doutrina daquelles Codigos


que no caso previsto, dão ao adquirente o direito de Veclamar
o preço da coisa; com deducção do valor, que ella tinha no mo-
mento do seu perecimento, se o alienante estava de bôa fé, e
perdas e damnos, se de má fé.
Não procedem as criticas feitas ao Codigo Civil francez,
art. 1.647.

Art. 1.105 — Em vez de rejeitar a coisa,


redhibindo o contracto (art. 1.101), pôde o ad-
quirente reclamar abatimento no preço (art. 178,
§ 2.° e § 5.°, n. IV).

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — D. 44, 2, fr, 25, § 1.°. imíio; Codigo
Civil francez, art. 1.644; italiano, 1.501; allemão, 462; suisso
das obrigações, 205; hespanhol, 1.486; l.a al.; chileno, 1.857;
uruguayo, 1.720; venezuelano, 1.564; boliviano, 1.060; mexi-
cano, 2.144; peruano, 1.559; do Montenegro, 237, 1." al.
Projectos — Esboço, art 3.588; Coelho Rodrigues, 633; Be-
vilaqua, 1.245; Revisto, 1.255.

Observações — 1. — Em vez de acção redhibitoria, pode o


adquirente usar da cestimatoria ou quanti minoris, se assim
lhe convier, porque, embora defeituosa, a coisa adquirida possa,
ainda, lhe ser proveitosa. A diminuição do valor será verificada
por peritos.
2. — O adquirente não pôde intentar senão uma das duas
acções, qual escolher. Escolhida uma dellas, tendo decahido na que
elegeu, não poderá mais intentar a outra. Tal é a lição de Tei-
xeira de Freitas, Esboço, art. 3.589; M. I. Carvalho de Men-
donça, Obrigações-, I, n. 700; Aubry et Rait, Gours, Y, 3^5, bis,
que se acha consagrada no Codigo Civil argentino, art. 2.175. A
obrigação do alienante é alternativa e se concentra com a escolha
do adquirente. Diverge a solução do Codigo Civil allemão, ar-
tigo 465, que torna a escolha definitiva somente com a acquies-
cencia do alienante.
DOS CONTKAdTOS 269
3. A prescripção é a mesma para a acção redihibitoria e
para a de abatimento do preço (art. 178, § 2.° e § 5.°, n. IV).

Art. 1.106 — Se a coisa foi vendida, em bas-


ta publica, não cabe a acção redbibitoria, nem a
de pedir o abatimento no preço.

Direito anterior — Doutrina corrente (C. Rocha, Inst.,


§ 816, in fine, com fundamento no direito romano).
Legislação comparada — D. 21, 1, fr. 1, § 3.°: Illud sciendum
est. edictum hoc non pertinere ad venditiones fiscales: Codigo
Civil francez, art. 1.649; italiano, 1.506; chileno, 1.865; uru-
guayo, 1.725; boliviano, 1.063. V., também, o allemão, art. 461.
Nas vendas de bens dos menores, o direito romano admittia
a rescisão por vicio occulto (D. 21, fr. 1, § 5.0).
Projectos Esboço, art. 3.604, 2.°; Felicio dos Santos, 1.923
(differente); Coelho Rodrigues, 638; Beviláqua, 1.247; Revisto,
1.256; paragrapho único.

Observação — A solemnidade da basta publica, e o facto de


ser ella modo excepcional e, muitas vezes, forçado de alienar
justificam a exepção deste artigo.

CAPITULO VI

Da evicção

Art. 1.107 — Nos contractos onerosos, pelos


quaes se transfere o dominio, posse ou uso,
será obrigado o alienante a resguardar o adqui-
rente dos riscos da evicção, toda vez que se não
tenha excluido, expressamente, esta responsabi-
lidade .
Paragrapho único. As partes podem refor-
çar ou diminuir essa garantia.
270 CODIGO CIVIL

Direito anterior — A evicção era regulada por lei (Codigo


Commercial, arts. 214, 215 e 223; Ord., 3, 45, §§ 2.0-5.0), mas não
havia texto correspondente ao deste artigo.
Legislação comparada—D. 19, 1, fr. 11, § 18; 21, 2, fi'. 57, pr.;
Cod., 8, 45, 1. 6; Codigo Civil francez, arts. 1.626 e 1.627; ita-
liano, 1.482 e 1.483; allemão, 433 e 440; suisso, das obrigações,
192; portuguez, 1.046 e 1.055; hespanhol, 1.475 e 1.476; argen-
tino, 2.089, 2.090 e 2.098; chileno, 1.839 e 1.842; uruguayo,
1.697-1.699; venezuelano, 1.546 e 1.547; peruano, 1.370 e 1.371;
mexicano, 2.120-1.122; do Montenegro, 243 e 244; japonez, 561.
O Codigo Civil allemão (art. 443), declara nullo o pacto e non
lirestandu evictionc, quando o vendedor dissimule dolosamente
o vicio (wenn der Verkaufer den Mangel arglistig verschweigt).
Os Codigos Civis, francez, italiano, hespanhol, uruguayo, Yene-
zuelano, .chileno occupam-se desta matéria, quando regulam o
contracto de compra e venda. O portuguez, o peruano e o me-
xicano melhor a collocam entre os princípios geraes sobxe os
contractos. Este ultimo consagra também a regra do allemão:
es nulo todo pacto que exima al que enajena de responder por la
eviccion, siempre que hubiere mala fé de parte suya (axt. 2.222).
O argentino reserva-lhe espaço depois do articulado da compra e
venda e da renda vitalicia, antes do deposito, mutuo, commodato
e gestão dos negocios.
Projectos — Esboço, arts. 3.510 a 3.1)12; Felicio dos Santos,
I.895 e 1.898; Coelho Rodrigues, 618; Beviláqua, 1.248 e 1.249;
Revisto, 1.257. O Esboço abre um titulo especial para as obri-
gações derivadas de factos que não são actos, cujo pximeiro ca-
pitulo é consagrado á evicção.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 68, II; Teixeira
db Freitas, Consolidação, nota 75 e 76 aos arts. 575 e 576; M. I.
Carvalho de Mendonça, Obrigações, II, ns. 695 e segs.; S. Vam-
pbé, Manual, III, § 10; Coelho da RoOha, Inst., §§ 811 e segs.;
Saleilles, De Vobligation, ns. 198 e segs.; Planiol, Traité, II,
ns. 1.534 e segs.; Huc, Gommentaire, X, ns. 104 e segs.; Lau-
kent, Cours, III, ns. 721 e segs.; Zachariae, Droit civil français,
IV, § 685; Aubry et Rau, Cours, V, § 355; Girard, Droit romain,
ps! 554 e' segs.; Windscheid, Pand., II. § 391; Dernburg, Pand.,
II, § 99; Alves Moreira, Inst., II, n. 198; Cunha Gonçalves, Da
compra e venda, II, ns. 584 e segs.; Code Civil allemand, publxe
par le Comitê de lêg. étr., II, ao art. 443.
DOS CONTBAdTOS 271
Observações — 1. _ Evicção é a perda total ou parcial de
uma coisa, em virtude de sentença, que a attribue a outrem por
direito anterior ao contracto, de onde nascera a pretensão do
evicto.
O alienante responde pela evicção, em todos os contractos
onerosos em que se transfere o domínio, a posse ou uso. Entre
os contractos onerosos inclue-se a doação com encargo. Nos dotes
constituídos pelos paes da mulher, respondem os dotadores pela
evicção; os estranhos responderão somente, se tiverem procedido
de má fé, ou assumirem esta responsabilidade (art. 285).
2 A
- garantia pela evicção é obrigação que deriva dire-
ctamente, do contracto. Por isso independe de clausula expressa,
e opera de pleno direito.
3. — Equiparam-se a evicção: 1.°, O abandono da coisa, antes
da sentença judiciaria, quando o direito do reivindicante se
mostra evidente. 2.», O caso em que o adquirente accionado pelo
credor hypothecario, conservou o prédio, recorrendo ao direito
de remissão (art. 815).
Não ha evicção quando o usocapião, iniciado antes de ser
alienada a coisa, termina depois, porque está em poder do adqui-
rente interrompel-o.
4. — Além dos casos apontados no numero anterior, lembram
ainda os autores os seguintes, que se equiparam á evicção: a) o
em que o adquirente succumbe na acção proposta contra o de-
tentor da coisa adquirida; (i) o em que o adquirente, recebendo
a coisa a non domínio, succede mais tarde, por qualquer titulo
ao legitimo proprietário (Aubry et Raxj, Cours, V. § 355- Huc
X, § 104).

Art. 1.108 — Não obstante a clausula que


excluir a garantia contra a evicção (art. 1.107),
se esta se der, tem direito o evicto a recobrar o
preço, que pagou pela coisa evicta, se não soube
do risco da evicção, ou, delles informado, o não
assumiu.

Direito anterior — Doutrina seguida (Coelho da Rocha,


Inst., § 810). Mas o Codigo Commercial, art. 214, manda fazer
bôa a coisa vendida, ainda que no contracto se estipule que o
vendedor não fica sujeito a responsabilidade alguma.
272 CODIGO CIVIL

Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.629;


italiano, 1.484; hespanhol, 1.477; argentino, 2.100 e 2.101; uru-
guayo, 1.700 e 1.701; venezuelano, 1.549; boliviano, 1.046; me-
xicano, 2.123. Vejam-se, ainda, o suisso das obrigações, 192,
ais. 2.a e 3.a; e o peruano, 1.372.
Por direito romano, a clausula de não prestar evicção, ex-
cluía a responsabilidade pelo preço (D. 21, 2, fr. 68, pr.), salvo
má fé do alienante (D. 19, 1, fr. 6, § 9.°) ou se o adquirente co-
nhecia a causa da evicção, no momento de contractar (Cod., 8,
45, 1. 27, initio).
Projectos — Esboço, art. 3.514; Felicio dos Santos, 1.900 e
1.901 (differente); Coelho Rodrigues, 620; Beviláqua, 1.250;
Revisto, 1.258.

Observações — 1. — A garantia da transmissão do domínio,


da posse ou do uso, embora essencial aos contractos, que tenham
por fim essas operações, pôde ser renunciada pelo adquirente,
em clausula expressa, ou pode o alienante, por clausula expressa,
a recusar (clausula de non prestanãa evictione). Mas não
obstante a clausula exclusiva da responsabilidade pela evicção,
se esta se verificar, o alienante restituirá o preço, porque o con-
tracto se desfez, por falta de objecto. Sem essa restituição, o
alienante se locupletaria com o alheio, realizaria um enrique-
cimento illicito.
2. — Se, porém, prevendo a possibilidade de evicção, o adqui-
rente concordou em assumir-lhe os riscos, effectuou um contracto
aleatório, e nada terá de reclamar, se a coisa fôr evicta.
O mesmo se dirá da simples exclusão dos riscos da evicção,
se o alienante provar que o adquirente, no momento da cele-
bração do contracto, conhecia os riscos da evicção, e por isso
foi inserta a clausula destinada a afastar a responsabilidade.
Neste caso, a clausula, que subtrahir o alienante á obrigação de
garantir a transferencia do objecto sobre que versa o contracto,
importa em ter o adquirente acceito os riscos da operação.

Art. 1.109 — Salvo estipulação em contra-


rio, tem direito o evicto, além da restituição in-
tegral do preço, ou das quantias, que pagou:
DOS CONTRAOXOS *273

I. A' indemnizáção dos fructos, que tiver


sido obrigado a restituir.
II. A' das despesas dos contractos e dos
prejuizos, que, directamente, resultarem da
evicção.
III. A's custas judiciaes.
Direito anterior — Semelhante (Codigo Commercial, art. 215;
Orã., 3. 45, § 3.°; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 575:
Carlos, de Carvalho, Direito civil, 1.064.
Legislação comparada — D. 21, 2, fr. 70; Cod., 8, 45, 1. 23,
in fine; Codigo Civil francez, art. 1.630; italiano 1.486; suisso
das obrigações, 195; portuguez, 1.047; hespanhol, 1.478; chi-
leno, 1:847; uruguayo, 1.076; venezuelano, 1.550; argentino,
2.118 a 2.120; peruano, 1.374; boliviano, 1.047; mexicano, 2.126
e 2.130. Veja-se ainda, o do Montenegro, arts. 248 e 249.
Projectos — Esboço, arts. 3.588 e segs.; Felicio dos Santos,
1.902 e 1.903; Coelho Rodfignes, 621; Beviláqua, 1.251; Revisto,
1.259.

Observações — 1. — Determina este artigo a extensão da


garantia, que resulta do contracto, em caso de evicção, quando
a respeito nada se convencionou. Se as partes estipularam a ex-
clusão da responsabilidade pela evicção, preceitua o art, 1.108,
será restituido o preço, se ella se verificar. Se o adquirente as-
sumir todos os riscos, nada terá o alienante que indemnizar. Na
ausência de qualquer disposição convencional, a responsabilidade
pela evicção comprehende a restituição do preço e todos os pre-
juizos resultantes da evicção, segundo o estabelecido no ar-
tigo 1.109.
Nesta matéria, o direito civil moderno é mais preciso e mais
completo do que o romano, que responsabilizava o alienante por
perdas e damnos calculados pelo valor da coisa no momento da
evicção. O direito civil moderno impõe ao alienante duas obri-
gações; a de restituir o preço ou quantia recebida, e a de re-
parar o damno, directamente, causado pela evicção.
— Nenhuma duvida pôde haver mais, em face do Codigo
Civil, quanto ao pagamento dos juros da quantia que o alie-
nante restitue. Havia, no direito anterior, discrepância entre
o direito civil, que os dispensava (Ord. 3, 45, § 3.) e o com-
mercial, que os exigia (Codigo Commercial, art, 213). O dispo-
Bevilaqua — Codigo Civil —4.° vol. 18
274 CODIGO CIVIL

sitivo do Codigo Commercial suppria a omissão da legislação


pliilippina (Teixeira de Freitas, Consolidação, nota 75, ao ar-
tigo 575), mas alguns autores recusavam-se a acceitar este sup-
plemento (M. I. Carvalho de Mendonça, Obrigações, II, nota 29,
ao n.'710). Ordenando, porém, o Codigo Civil que o alienante
satisfaça os prejuizos, que, directamente, resultaram da evicção,
e determinando-se as perdas e damnos, nas obrigações de paga-
mento em dinheiro, pelos juros da móra e custas (art. 1.061),
desappareceu a razão da duvida.

Art. 1.110 — Subsiste para o alienante esta


obrigação, ainda que a coisa alienada esteja de-
teriorada, excepto havendo dólo do adquirente.

Direito anterior — Semelhante (Codigo Commercial, art. 215,


2.a al., l.a parte).
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.631;
italiano, 1.487; portuguez, 1.047, § 4.°; argentino, 1.681; uru-
guayo, 1.707, l.a parte; venezuelano, 1.551, 1." parte; boliviano,
1.048. Em sentido differente dispunha o mexicano, art. 1.504:
as deteriorações serão pagas por conta de quem as causou, mas
a edição de 1928 não manteve essa norma.
Por direito romano, o evicto apenas tinha direito ao valor
da coisa no momento da evicção, sem se attender ás deterio-
rações. Se o valor da coisa fosse então menor do que no mo-
mento do contracto, soffria o adquirente o prejuízo. Ergo, et si
minor ese cocpit, ãamnum emptoris erit (D. 21, 2, fr. 70, in
fine).
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 632; Beviláqua, 1.252;
Revisto, 1.260, cuja^ forma prevaleceu.

Observação — As deteriorações da coisa, ainda que devidas


á negligencia do adquirente, não influem sobre a restituição
do que o alienante houver de fazer, porque não é a elle que
volve a coisa alienada. Não se comprehende bem a hypothese
do dólo prevista pelo Codigo.
DOS CONTKACTOS 275

Art. 1,111 — Se o adquirente tiver auferido


vantagens das deteriorações, e não tiver sido
condemnado a indemnizal-as, o valor das vanta-
gens será deduzido da quantia, que llie houver
de dar o alienante.

Direito anterior — Semelhante (Codigo Commercial, art. 215,


2." al., in fine; Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 1.067, pr.).
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.632;
italiano, 1.488; chileno, 1.848; argentino, 2.120; uruguayo, 1.707,
2.a parte; venezuelano, 1.551, 2.a parte; portuguez, 1.047, 3.a.
Projectos — Esboço, art. 3.541, 3,a; Coelho Rodrigues, 623;
Beviláqua, 1.253; Revisto, 1.261.

Art. 1.112 — As bemfeitorias, necessárias


ou úteis, não abonadas ao que soffreu a evicção,
serão pagas pelo alienante.

Direito anterior — Differente. Apenas se attendia ao direito,


que tinha o adquirente, de reter a coisa, emquanto não fosse
indemnizado pelas bemfeitorias, que lhe augmentassem o valor
ao tempo da execução (Codigo" Commercial art. 216; Carlos
de Carvalho, Direito civil, art. 1.067, § 1.°).
Legislação comparada — Cod., 8, 45, 1. 9, in fine; Codigo
Civil francez, art. 1.634; italiano, 1.490 e 1.849, l.a al.; boli-
viano, 1.050; venezuelano, 1.553; chileno, 1.849; peruano, 1.378.
V. o portuguez, art. 1.047, 3.°.
Projectos — Esboço, art. 3.542, 2.a parte; Felicio dos Santos,
1.902, 3.a: Coelho Rodrigues, 624; Beviláqua, 1.254; Revisto, 1-26J.
conselho

Observação — O evicto é possuidor, e, nesta qualidade, tem


direito a ser indemnizado das bemfeitorias úteis e necessárias
(art. 516). Mas poderá acontecer que haja bemfeitorias úteis
realizadas depois de proposta a acção de reivindicação, as quaes
o reivindicante não indemnizará, porque o possuidor será, desde
então, considerado de má fé (art. 517). Por outro lado, o rei-
vindicante, obrigado a indemnizar, tem dereito a escolher entre
276 CODIGO CIVIL

o valor actual das bemfeitorias e o custo (art. 5X9). Pela diffe-


reíiça em prejuízo do adquirente responde o alienante.

Art. 1.113 — Se as bemfeitorias abonadas


ao que soffreu a evicção tiverem sido feitas pelo
alienante, o valor dellas será levado em conta
na restituição devida.

Direito anterior — Omisso.


Degislação comparada — Godigo Civil portuguez, art. 1.047,
§ 5.°; mexicano, 2.133.
Projectos — Esboço, art. 3.541; Coelho Rodrigues, 624; Be-
viláqua, 1.255; Revisto, 1.263.

Observação — As bemfeitorias, no cáso previsto pelo artigo,


são accrescimos ao valor da coisa realizados pelo alienante. Se o
adquirente, ao ser desapossado, recebeu indemnização por ellas, é
claro que já obteve uma parte do reembolso, a que tem direito,
e, consequentemente, só lhe cabe reclamar a parte restante.

Art. 1.114 — Se a evicção for parcial, mas


considerável, poderá o evicto optar entre a res-
cisão do contracto e a restituição da parte do
preço correspondente ao desfalque soffrido.-

Direito anterior — Preceito reconhecido como conseqüência


dos princípios.
Legislação comparada— D. 21, 2, fr. 1; Codigo Civil francez,
arts. 1.636 e 1.637; italiano, 1.492; portuguez, 1.049; hespanhol,
1.479; argentino, 2.125; uruguayo, 1.710; venezuelano, 1.55'5:
peruano, 1.380; boliviano, 1.052; mexicano, 2.134; do Monte-
negro, 249. Vejam-se, ainda; o suisso das obrigações, art. 196, e
o chileno, 1.852, 4.a al.
Projectos — Esboço, arts. 3.511 e 3.544; Felicio dos Santos.
1.906; Coelho Rodrigues, 625; Beviláqua, 1.256; Revisto, 1.264
DOS CONTRAOTOS 277

Observação — Dar-se-á evicção parcial por vários modos.


Assim, será, por exemplo: 1.°, Quando o adquirente for privado
de uma parte da coisa, ou de seus accessorios-; 2.°, Quando tiver
adquirido diversas coisas, formando conjuncto, e fôr privado de
alguma dellas; 3.% Quando o immovel fôr privado de alguma ser-
vidão activa, ou se reconhecer sujeito á servidão passiva.
Em qualquer desses casos, se a evicção fôr de tal impor-
tância, em relação ao todo, que o cohtracto se não teria reali-
zado entre o alienante e o adquirente, se este a tivesse previsto,
poderá o evicto proceder como .o que recebeu a coisa inquinada
de vicios redhibitorios, optando entre a rejeição da coisa ou o
abatimento do preço.
O adquirente que optar pela rescisão do contracto, devol-
verá a coisa no estado em que a recebeu.

Art. 1.115 — A importância do desfalque,


na liypothese do artigo antecedente, será calcula-
da em proporção do valor da coisa, ao tempo em
que se venceu.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — D. 21, 2, frs. 1, 13, 15 e 70, in fine;
Codigo Civil francez, art. 1.637; italiano, 1.493; argentino, 2.127;
chileno, 1.854; venezuelano, 1.556; boliviano, 1.053; do Monte-
negro, 249, 2.a al.
Projectos — Esboço, art. 2.246; Coelho Rodrigues, 626; Be-
viláqua, 1.257; Revisto, 1.265.

Observação — Quando a evicção é total, o alienante restitue


o preço, e indemniza os prejuízos do adquirente, segundo o que
prescreve o art. 1.109. Se é parcial, ou o contracto se rescinde,
ou o adquirente o mantém, pedindo, apenas, a restituição da
parte do preço correspondente ao desfalque. Este, porém, se
calcula pelo valor da coisa ao tempo da evicção, porque esse é
que foi, realmente, o prejuízo do adquirente. Pôde a coisa au-
gmentar ou diminuir de valor entre o momento da acquisição
e o da evicção. Se diminuir, receberá o evicto menos do que des-
pendeu, se augmentar receberá mais. Em qualquer dos casos,
como o alienante foi causa do prejuízo, por elle responde.
278 CODIGO CIVIL

Alguns autores acham que a indemnização deverá ser cal-


culada em proporção do preço, applicando-se á evicção parcial
o principio que regula a evicção total. Mas esse calculo com-
plicaria a restituição, e não tornaria a regra melhor nem sob
o ponto de vista da lógica nem sob o ponto de vista da justiça.
Quer na evicção total, quer na parcial, o que procura o direito
é resarcir o damno soffrido pelo evicto. E, na parcial, esse damno
é, precisamente, o que o evicto perdeu no momento da evicção.

Art. 1.116 — Para poder exercitar o direi-


to, que da evicção lhe resulta, o adquirente no-
tificará do litigio o alienante, quando e como
Ih 'o determinarem as leis do processo.

Direito anterior — O mesmo (Orã., 3, 44 e 45 Teixeira de


Freitas, Consolidação, 576; Carlos de Carvalho, Direito civil,
art. 1.064, § 1.°).
Deglslação comparada — No sentido do artigo, fazendo de-
pender a responsabilidade do alienante, no caso de evicção, da
notificação do litigio ou, antes, do chamamento á autoria: o Co-
digo Civil portuguez, art. l.Oál, § 4.°; o hespanhol, 1.481; o
chileno, 1.843; o argentino, 2.108 a 2.113; o uruguayo, 1.705,
1." parte; peruano, 1.375' e 1.376; o mexicano, 1.495, 2.124 e
2.140, Y. Excluem a responsabilidade, quando o alienante não
chamado á autoria prova que tinha defesa sufficiente para re-
pellir a acção do reivindicante; o Codigo Civil francez, art. 1.640;
o italiano, 1.497; o suisso das obrigações, 193, 3.a parte; e o ve-
nezuelano, 1.560. 7
Por direito romano, se o adquirente, podendo denunciar o
litigio ao alienante, não o fazia, e era vencido por deficiência
de defesa, entendia-se que procedera, dolosamente, e por isso
não podia reclamar indemnização: Si cum possit emptor au-
ctori ãenunciare, non denunciasset; iãemque victus fuisse, quo-
niam parum instructus esset'. hoc ipso videtur dólo fecisse et
ex stlpulatu agere non potest (D. 21, 2, 53, § 1.°). Veja-se, tam-
bém, o Cod., 8, 45, 1. 8.
Projectos — Eslyoço, art. 3.524, 6.°; Felicio dos Santos, 1.911,
Coelho Rodrigues, 630; Beviláqua, 1.259; Revisto, 1.266. Preva-
leceu a doutrina deste ultimo Projecto, extrahida de Teixeira
de f^gEiTAs, Consolidação, art. 576.
DOS CONTRAOTOS 279

Bibliographia — M. I. Carvalho de Mendonça, Obrigações,


II, ns. 714 e 715; Teixeira de Freitas e Correia Telles, Dou-
trina das acções, § 124; Paula Baptista, Processo, § 124; JoÃo
Monteiro, Processo, III, §§ 297-304; Planiol, Traité, II, nú-
meros 1.538-1.543; Huo, Commentaire, X, ns. 134-140; Aubry et
Rau, Cours, V, § 355, 2.°, in fine; Alves Moreira, Inst., II, nu-
mero 198.

Observações — 1. — A evicção é a perda da coisa em virtude


de sentença. Desde que é proposto o litigio, que tende a alcançar
a sentença reivindicatoria, a evicção está eminente. Cumpre ao
adquirente denunciar a lide ao alienante chamando-o, segundo
a linguagem do processo, á autoria, isto é, chamando-o a juizo,
para que defenda o direito á coisa que transferiu.
Esta matéria era tratada no regulamento n. 737, de 25 de
Novembro de 1850, arts. 111 a 117; e, hoje, pelo Codigo de pro-
cesso Civil, arts. 95 o seguintes.
2. — O chamamento á autoria é condição essencial para
que o alienante seja obrigado a prestar a evicção. Tal era a dou-
trina do nosso direito, que o Codigo Civil manteve. O Projecto
primitivo suggerira a idéa de preferir-se a doutrina franceza
que não torna obrigatório o chamamento á autoria, e faz cessai
a responsabilidade do alienante pela evicção, somente quando
este prova que teria meios sufficientes para repellir a reivin-
dicação, se lhe fosse denunciado o litigio. Apesar do apoio da
autoridade de João Monteiro, Processo, III, § 299, foi rejeitada
a tentativa de reforma.
3. — Dos termos rigorosos do art. 1.116, se deve concluir
que também se afasta a attenuação, que a doutrina introdu-
zira na regra tradicional, responsabilizando o alienante pela
evicção, ainda que não chamado á autoria, se o vencido prova a
inutilidade da defesa, deante da clareza do direito do vencedor.
Teixeira de Freitas adoptara esta attenuação no art. 3.527, 1. ,
do Esboço, e JoÃo Monteiro fazia votos por que se a tomasse em
consideração {loco citato). Consagrou-a o Codigo Civil argentino,
art. 2.111.
4 — q momento, em que se deve fazer o chamamento a
juizo, segundo o regulamento n. 737, de 25 de Novembro, ax-
tigo 113, era o da proposição da acção. A Orã., dava mais largueza
ao réo para denunciar a lide. Podia fazel-o, antes das provas.
Esta regra, porém, foi prejudicada pelo preceito do citado regula-
mento, que foi reproduzido no Dec. n. 848, de 1890, art. 151.
280 CODIGO CIVIL

5. — O chamado á autoria recebe a causa no estado em


que se acha, e neila prosegue, ficando o réu primitivo afastado
da lide. Assim estatuía o citado regulamento n. 737, arts. 115
e 116, que alterou as Ordenações, nâ parte em que estas con-
cediam ao reivindicante a faculdade de não acceitar a substi-
tuição do réo. Independentemente da vontade do reivindicante,
era licito ao chamado á autoria intervir como assistente ou como
procurador em causa própria. V. Codigo do Processo Civil,
art. 97.

Art. 1.117 — Não pôde o adquirente deman-


dar pela evicção.
I. Se foi privado da coisa, não pelos meios
judiciaes, mas por caso fortuito, força maior,
roubo ou furto.
II. Se sabia que a coisa era alheia ou liti-
giosa.

Direito anterior — O mesmo {Orei., 3, 45, §§ 4.° e 5.°; Tei-


xeira de Freitas, Consolidação, art. 577; Carlos de Carvalho,
Direito civil, art. 1.065).
JLegislação comparada — Quanto ao n. II; Codigo Civil
francez, art. 1.629; italiano, 1.485; argentino, 2.101 e 2.106;
hespanhol, 1.477; portuguez, 1.051, l.a e 2.a; uruguayo, 1.701;
venezuelano, 1.549; peruano, 1.378; 3.°.
Projectos — Esboço, arts. 3.522 e 3.527; Revisto, 1.267.
A commissão do governo extrahiu este artigo da Consolidação
de Teixeira de Freitas, art. 577 {Actas, p. 235).

Observação — O n. I do artigo exprime uma idéa contida no


conceito da evicção. A evicção suppõe o desapossamento da coisa
em virtude de sentença. Consequentemente, se o adquirente não
fôr delia privado pelos meios judiciaes não ha evicção. Ainda
quando a acção de reivindicação tenha sido proposta, se, durante
o curso delia, a coisa perecer por caso fortuito ou força maior,
não há evicção, e cessa a responsabilidade do alienante.
O n. II contém idéa já enunciada no art. 1.108. Se o adqui-
rente sabia que a coisa era alheia, procedeu de má fé, foi cum-
DOS CONTRAOTOS 281

plice num acto illicito; não poderá invocar o seu dólo para pedir
a protecção do direito. Se sabia que a coisa era litigiosa, foi
informado do risco, não lhe será surpresa a evicção, e terá
exonerado o alienante da responsabilidade pela segurança da
alienação. Todavia, terá direito á restituição do preço, se não
assumiu o risco da evicção.

CAPITULO YII

Dos contractos aleatórios

Art. 1.118 — Se o contracto for aleatório,


por dizer respeito a coisas futuras, cujo risco de
não virem a existir assuma o adquirente, terá
direito o alienante a todo o preço, desde que de
sua parte não tenha havido culpa, ainda -que
dellas não venha a existir, absolutamente nada.

Direito anterior — Omisso, embora a lei regulasse alguns


contractos aleatórios.
Legislação comparada — O Codigo Civil francez limita-se
a definir o que é contracto aleatório, art. 1.964, que, aliás já de-
finira, e melhor, no art. 1.104. Em seguida regula as especies.
Também se contentaram com offerecer a noção legal da especie:
o italiano, art. 1.102; o hespanhol, 1.790; o chileno, 1.441 e
2.258; o uruguayo, 1.250 e 2.167; o yenezuelano, 1.177; e o bo-
liviano, 1.322. O austriaco, artigos 1.267 a 1.269, á definição
accrescenta que, nestes contractos, não ha vicio de lesão (Bei
Glueksvertraegen findet das Rechtsmittel wegen Verkuerzung
ueber die Haelfte des Wertes nicht statt). O portuguez, arts. 1.537
a 1.543, define contracto aleatório, e estabelece algumas regras
a respeito. A sua definição é porém, inexacta. O mexicano em
sua edição vigente (1928), supprimiu as regras geraes, que con-
tinha a anterior (1883); no art. 2.309 dispoz sobre venda alea-
tória. O argentino, depois de ter, nos arts. 1.404 e segs., alludido
á venda aleatória, define o contracto aleatório no ar. 2.051. O
Codigo Civil allemãò, o suisso das obrigações, o do Montenegro
e o japonez não contêm disposição alguma geral sobre este ge-
nero de contractos, cujas especies, aliás, regulam nos logares
proprios, e assim o peruano.
282 CODIGO CIVIL

O direito romano desconhecia alguns dos contractos alea-


tórios como o de seguro, e mal esboçara outros.
Quanto á venda aleatória, estatuia o D. 18, 1, fr. 8, § 1.°:
Aliquanão tamem et sine re, venãitio intelligitur, veluti cum quasi
alea emitur: quoã fit, cum captus piscium, vel avium, vel mis-
silium emitur: emptio enim contrahitur, etiam si nihil inci-
derit: quia spei emptio est.
Projectos — Este capitulo não existia no Projecto primitivo,
nem no de Coelho Rodrigues. A Comissão revisora do Governo
intercalou no capitulo da compra e venda algumas disposições
sobre as vendas aleatórias {Actas, ps. 243 e 244; Projecto re-
visto, arts. 2.448 a 2.454), que extrahira do Eshoço, arts. 2.109
a 2.112. A Comissão da Gamara, por suggestão de Andrade
Figueira, resolveu collocal-as, no logar, onde agora se encontram
no Codigo Civil, por conterem disposições communs a diversos
contractos, e não ser a sua matéria especial á compra e venda
{Trabalhos, VI, p. 383). Felicio dos Santos tem um capitulo
sobre contractos aleatórios, mas apenas dois artigos são de ca-
i-acter geral, e não offerecem noção exacta do genero.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 132 M. I. Car-
valho de Mendonça, Tratado, VI, primeira parte, n. 540; Baudry-
Lacantinerie et Wai-ii, Des contrats aléatoires, ns 1 e segs.;
Guillouard, Des contrats aléatoires, ns. 1 e segs.; Planiol,
Traité, II, ns. 993-997; Huc, Commentaire, XI, ns. 295 e segs.;
Bufnoir, Propriété et contrai, ps. 459-461; Laurent, Príncipes,
XXVII, ns. 191 e segs.; Aubry et Ràu, Cours, IV, § 341, nota 5,
septies; Demogue, Traité des obligacions, II, n. 915; Planiol et
Rippert, VI, ns. 41 e 42.

Observações — 1. — Os contractos aleatórios formam uma


subdivisão dos onerosos. Distinguem-se dos commutativos, outra
classe dos onerosos, em que a estensão das prestações de uma
ou de ambas as partes não é certa, porque depende de aconteci-
mento dellas ignorado. Não se confundem porém, com os con-
dicionaes. No contracto sob condição suspensiva, a própria exis-
tência do contracto depende de um acontecimento futuro e in-
certo; no aleatório, o contracto está formado e perfeito; a incer-
teza recáe sobre a extensão dos lucros e das perdas dos contra-
ctantes, e não é essencial, que o acontecimento, que determina a
incerteza dos Jucros e das perdas, seja futuro, basta que seja igno-
rado das partes.
DOS CONTEAOTOS 283

2. — Ha contractos que são, por sua natureza, aleatórios,


como o de seguro, a constituição de renda vitalicia, o jogo e a
aposta. Outros serão aleatórios accidentalmente, porque têm por
objecto coisa incerta ou de valor incerto, como a compra do
peixe que vier no lanço do pescador (jactus retis).
3. — O interesse da distincçâo entre contractos commuta-
tivos e aleatórios, dizem os escriptores francezes, está em que
aquelles podem rescindir-se por lesão, e nestes não ba possi-
bilidade de se considerar lesada uma das partes. Tal interessa
não existe em nosso Codigo, que aboliu as regras sobre a lesão
nos contractos. Todavia subsiste o interesse. Em primeiro logar,
o art. 1.101 refere os vicios redhibitorios, exclusivamente, aos
contractos commutativos. Não ha, portanto, acção redhibitoria
para os contractos aleatórios. Depois as regras estabelecidas nos
arts. 1.118 a 1.121 somente se applicam aos contractos aleatórios.
4. — O Codigo Civil destaca duas cathegorias de contractos,
aleatórios: l.a. Os que dizem respeito a coisas futuras. Nesta
classe, o risco poderá referir-se á existência da coisa (art. 1.118),
ou á sua qualidade (art. 1.119). 2.% Os que dizem respeito a
coisas existentes expostas a risco, isto é, á possibilidade de de-
terioração ou perda.
5. — o risco, a incerteza das vantagens, a dependência da
sorte não excluem do contracto aleatório a bôa fé. Consequen-
temente, ainda que o accôrdo se refira a coisa futuras cujo
risco de não virem a existir assuma o adquirente, o alienante
responderá por sua culpa. Se, por culpa do alienante, a coisa
deixar de existir, não haverá risco, e o contracto será nullo.

Art. 1.119 — Se for aleatório, por serem ob-


jecto delle coisas futuras, tomando o adquirente
a si o risco de virem a existir em qualquer quan-
tidade, terá também direito o alienante a todo
o preço, desde que de sua parte não tiver con-
corrido culpa, ainda que a coisa venba a existir
em quantidade inferior á esperada.
Paragrapbo único. Mas se da coisa nada
vier a existir, alienação não baverá e o adqui-
rente restituirá o preço recebido.
284 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 1.405,
Projectos — Esboço, art. 2.110; Revisto, 1.321.

Observações — 1. — Na liypothese deste artigo, a alea con-


siste em qne a coisa futura pode ser em quantidade maior ou
menor. Se nada vier a existir, o contracto ficará sem objecto,
e por isso mesmo, se terá por inexistente.
2. Na paragrapho único se diz que o aclquirente restituirá
o preço recebido. Deverá dizer: o alienante.

Art. 1.120 — Se for aletorio, por se referir


a coisas existentes, mas expostas a risco assu-
mido pelo adquirente; terá egualmente, direito
o alienante a todo o preço, porto que a coisa já
não existisse, em parte ou de todo, no dia do
contracto.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 1.406
Projectos — Esboço, art. 2.111; Revisto, 1.322.

Observação — Posto que a coisa não existisse no dia do con-


tracto, este se acha concluído, e vale, porque o adquirente, co-
nhecendo o risco, o assumiu. Se a coisa se deteriora ou perece,
na pccasião, do contracto, ê por conta delle. Mas, bem se com-
prehende, se o alienante não sabia que a coisa deixara de existir
de todo, ou em parte; se sabia, o contracto é nullo, no primeiro
caso, por falta de objecto, e annullavel, no segundo, porque do-
losamente, o alienante contractou, affirmando a integridade de
uma coisa de cuja deterioração tinha conhecimento (arts. 1.121
e 94).
DOS CONTRACTOS 28Õ

Art. 1.121 — A alienação aleatória do arti-


go antecedente poderá ser annullada como do-
losa pelo prejudicado, se provar que o outro
contrahente nao ignorava a consummação do
risco, a que no contracto se considerava expos-
ta a coisa.

Direito anterior — Em relação aos seguros marítimos havia


o art. 677 do Codigo Commercial, ns. III e IX.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 1.407.
Projectos — Esboço, art. 2.112; Revisto, 1.323.
TITULO Y

Das varias especies de contractos

CAPITULO I

Da compra e venda

SUCÇÃO I

Disposições Gerais

Art. 1.122 — Pelo contracto de compra e


venda, um dos contralientes se obriga a trans-
ferir o dominio de certa coisa, e o outro, a pa-
gar-lhe certo preço em dinheiro.

Direito anterior — Semelhante (Orã., 4, 2, pr.; Codigo Com-


mercial, art. 191; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 511;
Carxos de Carvalho, Direito civil, art. 1.032).
liegislação comparada — Inst., 3, 23, pr., D. 18, 1, fr. 2,
§ 1.°; Sine pretio nulla venãitio est. Non autem pretii numeratio,
seã conventio perficit sine scriptis habitam venãitionem; Codigo
Civil francez, art. 1.582; italiano, 1.477; portuguez, 1.544; hes-
panhol, 1.445; austriaco, 1.053; allemão, 433; süisso, das olni
gações,' 784; argentino, 1.323; chileno, 1.793; uruguayo. 1.661;
venezuelano, 1.513; peruano, 1.383; boliviano, 1.003; mexicano,
2.258; japonez, 555.
Projectos — Esboço, art. 1.791; Felicio dos Santos, 2.024,
Coelho Rodrigues, 586; Beviláqua, 1.260; Revisto, 1.268.
Bibliographia — Direito das obrigações, §§ 130 e segs.; M. I.
Carvalho de Mendonça, Contractos, I, ns. 136 e segs.; J. X. Car-
valho de Mendonça, Tratado, VI, 2.n parte, ns. 591 e segs. Al-
machio Diniz, Obrigações, ns. 149-152; Dionysio Gama, Dos
contractos por instrumento particular, ns. 175 e segs.; S. Vampré,
Manual III, §§ 13 e segs.; João Luiz Alves, Codigo Civil anno-
tado, ao art. 1.122; Coeliiq da Rocha, Inst., § 804; Cunha Gon-
DOS CONTKAOTOS 287

■çalves, Da compra e vencia no direito commex'cial portuguez, I,


ns. 62 e segs.; Da compra e venda no direito commercial bra-
sileiro, ns. 5 e segs.; Dias Ferreira, Coãigo Civil portuguez, IV,
aos arts. 1.544 e 1.545; Planiol, Traité, II, ns. 1.410 e segs.;
Hud, Commentaire, X ns. 1 e segs.; Laurent, Courê, III, nú-
meros 676 e segs.; Zachariae, Droit civil français, IV, §§ 675 e
segs.; Aubry et Rav, Cours, V, §§ 349 e segs.; Kohler, Lehrhuch,
§§ 114 e 115; Endemann, Lehrduch, §§ 156 e segs.; Dernburg,
Pand., II, § 94; Windscheid, Panã., II, §§ 385 e segs.; Chironi,
Inst., II, §§ 319 e segs.; Sanchez Roman, Derecho civil, IV,
cap. XX; Rivarola, Derecho civil argentino, ns. 610 e segs.; Cocle
Civil allemancl, publié par le Comitê de lég. étr., ao art. 433;
Rossel, Droit civil suisse, III, ps. 223 e segs.; Schirheister, und
Peochowjstck, Das huergeliche Recht Englancls, II, ps. 277 e
segs.; Errazuriz, Derecho civil, II, ps. 350 e segs.

Observações — 1. — Compra e vencia é o contracto pelo qual


uma pessoa se obriga a transferir a outra o dominio de uma coisa
determinada, por certo preço em dinheiro ou em valor fiduciario
equivalente. E' uma definição calcada sobre o art. 1.122, cujos
elementos aproveita. A palavra coisa não é tomada em sua ac-
cepção generica, abrangendo as coisas materiaes e as immateriaes.
Dominio é a propriedade das> coisas corporaes. A alienação dos
outros direitos denomina-se, antes, cessão.
A compra e venda origina uma obrigação de dar; não opera
a translação do dominio, que, no systema do direito civil pátrio,
exige a tradição para as coisas moveis e a transcripção para as
immoveis. Mas ella é um titulo translativo, porque é fundamento
e razão jurídica da tradição ou da transcripção.
A compra e venda, como accentua o art. 1.122, não tem por
objecto a transmissão de uma coisa, mas, sim, de um direito:
o dominio. O direito romano contentava-se com a transferencia
da posse, vacuam possessionem traãere.
Ia. — Consideram-se elementos essenciaes do contracto de
compra e venda; o consentimento das partes, a coisa e o preço.
Esses elementos estão perfeitamente indicados na definição acima,
como no art. 1.122 do Codigo Civil e no art. 191 do Codigo
Commercial. O art. 1.126 declara-os essenciaes á perfeição do
contracto.
O consentimento, ha de referir-se á coisa, ao preço e ás con-
dições ou modalidades, a que se ache subordinado o acto jurídico.
288 CODIGO CIVIL

Quanto ás propostas de venda, vejam-se os arts. 1.080 e se-


guintes .
16 — A coisa vendida deve existir no momento da cele-
bração do contracto; mas pode ser coisa que se espera que venha
a existir. Nas vendas a termos, de que trata o regulamento appro-
vado pelo Dec. n. 14.737, de 23 de Março de 1921, e que consistem
na entrega da coisa vendida em determinado prazo, ha vendas de
coisas futuras, sem alea, cuja entrega fica espaçada para o tempo
convencionado. Veja-se também o Codigo Commercial, art. 192.
Ajustada a venda de uma safra calculada em certa quanti-
dade não está obrigado o productor a adquirir no mercado o que
faltar para attingir á previsão feita, se a reducção da producção
proveio de causas geraes, que attigirem a outros lavradores (Acc.
do Supremo Tribunal Federal, apuei Kelly, Jurisprudência
2.° Suplemento, n. 1.213).
Se ao tempo da conclusão do contracto, a coisa não existe
mais, a venda é nulla por falta de objecto. Vejam-se os arts. 863
e seguintes.
I C- — o preço consiste em somma de dinheiro ou valor
fiduciario, que lhe eqüivale. Se em vez de somma em dinheiro o
adquirente dá outro bem, haverá troca ou dação em pagamento,
operações jurídicas, que obedecem ás normas geraes da compra
e venda.
I (l4 — Nos processos contenciosos, a venda dos bens arres-
tados deve ser feita em praça publica, sob a presidência do juiz,
e de preferencia por meio de leiloeiro, como nos processos de
jurisdicção graciosa (Acc. do Supremo Tribunal, na Revista do
mesmo Tribunal, vol. LIV, ps. 50-51).
1 e. — Tratando-se de contracto de compra e venda para o
qual seja substancial a escriptura publica, o compromisso de
compra e venda deve ser feito por instrumento da mesma especie
(Acc. do Supremo Tribunal, na Revista citada, p. 334).
Não merece applausos a doutrina deste accordão. Somente
para os actos constitutivos ou translativos de direitos reaes
sobre immoveis de valor superior a um conto de réis, exige o
Codigo Civil, no art. 134. II, a escriptura publica. A promessa
de venda não é acto constitutivo ou translativo de direito real.
Promessa de venda é contracto preliminar, que apenas gera obri-
gação de fazer, para a qual diz o Codigo que é sufficiente o es-
cripto particular (art. 135). Espirito e letra do Codigo negam
apoio a essa decisão.
DOS CONXRAOTOS 289

1 /. — E' müla a escriptura de compra e venda lavrada ao


tempo, em que o immovel pertencia a outrem que não o vendedor,
e palas perdas e damnos da operação responde o falso alienante
(Acc. do Supremo Tribunal Federal, apuei Kelly, Jurisprupencia,
3.° Supplemento, n. 1.574).
2. — O Codigo Civil collocou o contracto de compra e venda
á frente de todas as relações obrigaciones, não somente pela sua
importância e freqüência, na vida social moderna, como, ainda,
por ser o contracto oneroso por excellencia.
2 a — O Dec. n. 23.636, de 4 de Dezembro de 1933, dispõe
sobre a compra e venda de ouro.
3 — Estabeleceu-se entre nós a compra e venda com reserva de
dominio, figura estranha em face dos principies, mas acceita
pelo uso e por lei (Codigo de Processo Civil, arts. 343 e 344)
e pela doutrina (Macabio de Lemos Picanço, Da compra e venda
com reserva de dominio).

Art. 1.123 — A fixação do preço pôde ser


deixada a arbitrio de terceiro, que os contractan-
tes logo designarem ou prometterem designar.
Se o terceiro não acceitar a incumbência, ficará
sem effeito o contracto, salvo quando accorda-
rem os contrabentes designar outra pessoa.

Direito anterior — Semelhante em parte {Orã., 4, 1, § 1.°;


Codigo Commercial, art. 194; Teixeira de Freitas, Consolidação,
arts. 546 e 548; Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 1.044).
Legislação comparada — Inst., 3, 23, § 1.°; D. 18, 1, fr. 7;
Codigo Civil francez, art. 1.592; italiano, 1.454, 2.a al.; hespanhol,
1.447; austríaco, 1.056; argentino, 1.349 e 1.350; chileno, 1.089;
uruguayo, 1.667; venezuelano, 1.520, 2.a al.; peruano 1.387; bo-
liviano, 1.012; mexicano, 2.251-2.253.
Projectos — Esboço, art. 2.002, l.a; Felicio dos Santos, 2.041
e 2.042, l.a; Coelho Rodrigues, 588; Beviláqua, 1.262; Revisto,
1.269.

Observações — 1. — O dispositivo do Codigo Civil, sendo


mais simples, tem maior largueza e respeita mais a liberdade das
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 19
290 CODIGO CIVIL

partes do que o direito anterior. Se o terceiro viesse a fallecer,


antes de fixar o preço da compra e : venda, o contracto estaria
desfeito. Não conservou a mesma regra o Codigo Civil; antes
facultando ás partes accordarem na designação de outra pessoa,
no caso de a primeira não acceitar a incumbência de determinar
o preço, aponta-lhes a solução para ó caso de morte do arbitrador.
A decisão do arbitrador é irrevogável.
2. — O Dec. n. 13.193, de 13 de Setembro de 1918, autorizou o
Commissariado da Alimentação Publica a fixar em tabella, o preço
dos generos de primeira necessidade, mas não lhe deu attribuição
de verificar a exactidão do peso de mercadorias vendidas a aprazi-
mento das partes (Acc. do Supremo Tribunal Federal, n. 3.817,
de 12 de Maio de 1923, Diário Official, 18 de Nov. de 1923).
O Commissariado da Alimentação Publica foi creado, ao tempo
da guerra com a Allemanha, pelo Dec. n. 13.069, de 12 de Junho
de 1918, baseando-se o Poder Executivo em autorização do Legis-
lativo, e Mand9dhe.,4..paííácteF, de i)rp(yhdçncia excepcional, exigida
por necessidade publica.
3. — Somente em caso de guerra, como lei de emergencia
ou suspensas as garantias constitucionaes, é permittida ou to-
lerada essa intervenção do poder publico, supressiva da liber-
dade de combinarem, razoavelmente as partes o preço dos objectos,
que uma procura e a outra offerece.

Art. 1.124 — Também se poderá deixar a


fixação do preço á taxa do mercado, ou da bolsa,
em certo e determinado dia e logar.
(
Direito anterior — O mesmo (Codigo Commercial, art. 193).
Legislação comparada — Codigo Civil italiano, art. 1.454,
ultima al.; portuguez^ 1.546; hespanhol, 1.448; argentino, 1.353;
peruano, 1.388; venezuelano, 1.520, ultima al.;-mexicano, 2.251.
Vejam-se, também; austríaco, 1.058, in fine; allemão, 453; suisso
das obrigações, 212; chileno, 1.808.
Projectos — Esloço, art. 2.002, 2.a e 3.a; Felicio cios Santos,
2.042, 2.a: Coelho Rodrigues, 1.428; Beviláqua, 1.263; Revisto,
1.270.
DOS CONXRACTOS 291
Observação — Se a cotação variar no mesmo dia, prevale-
cerá o termo médio, segundo a regra do art. 947, § 4.°, e do Codigo
Commercial, art. 193, in fine.

Art. 1.125 — Nullo é o contracto de compra


e venda, quando se deixa ao arbítrio ericlusivo
de uma das partes a taxação do preço.

Direito anterior — Semelhante {Orei., 4, 1, § 1.°).


Legislação comparada— D. 18, 1, fr. 35, § 1.°; 45, 1, fr. 17;
Codigo Civil hespanhol, art. 1.449; chileno, 1.809, 2." al.; me-
xicano, 2.254; argentino, 1.355.
Projectos — Esboço, art. 2.000, 2.a; Coelho Rodrigues, 590;
Beviláqua, 1.2^; Revisto. 1.211. iiyv ^
CONSELHO Ka.01 >ÍSML DO TRABouhü
K REGIÃO

Observação — E' nullo o contracto, no caso previsto pelo


art. 1.125, porque a parte, a quem se refere o arbitrio de fixar o
preço, poderia reduzil-o, a uma quantidade irrisória, e o preço
deixaria de ter a seriedade exigida pelo direito; ou, então, seria
esse modo de designar o preço o resultado de uma extorção, e o
contracto não existiria, por falta de accôrdo das vontades.

Art. 1.126 — A compra e venda, quando


pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, des-
de que as partes accordarem no objecto e no
preço.

Direito anterior — O mesmo (Orã., 4, 2, pr.; Codigo Com-


mercial, art. 191; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 511;
Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 1.032).
Legislação comparada — Inst., 3, 23, pr., initio; Codigo Civil
hespanhol, art. 1.450; uruguayo, 1.644; peruano, 1.383; mexi-
cano, 2.242; do Montenegro, 222, pr. Vejam-se, também; francez,
art. 1.5'83; italiano, 1.448; venezuelano, 1.514; boliano, 1.064.
Estes últimos Codigos accrescentam que desde que a venda se
292 CODIGO CIVIL

considera perfeita, pertence a coisa ao comprador, o que se não


dá no systema do nosso Codigo.
Projectos — Falido cios Santos, art. 2.025, (diffeiente),
Coelho Rodrigues, 591; Beviláqua, 1.265; Revisto, 1.272.

Observações — 1. — Res, pretium et consensus são os ele-


mentos constitutivos da compra e venda.
Se a venda é condicional ou a termo, soffrerá as alterações
trazidas por esses modificadores. A condição suspensiva tornará
a efficacia da compra e venda dependente da realização do evento,
a que estiver subordinado o contracto. A resolutiva extinguiiA
os effeitos do contracto, desde o seu advento.
2. _ Dos elementos constitutivos da compra e venda, o con-
senso é- commum aos outros contractos, que todos elles são ac-
côrdos da vontade para a producção de effeitos jurídicos. A coisa
deve ser própria do vendedor. Ainda que alguns autores admittam
a validade da venda de coisa alheia, fundando-se no direito ro-
mano, (D. 13, 1, fr. 28), e em pretensas necessidade do com-
mercio, o direito conforme a razão e a moral é que ninguém pôde
vender senão o que fôr propriedade sua ou a que tenha direito,
como se diz no Codigo Civil portuguez, art. 1.555, e o brasileiro
julgou inútil reaffirmar. O fundamento da evicção está, precisa-
mente, na inefficacia da venda a non domino. Se, porém, o ven-
dedor vier a adquirir a propriedade do bem, que alienou, o acto
se revalida; e, se decorrer o tempo necessário para usucapião,
o comprador adquire a propriedade. Yejam-se sobre este assumpto:
Direito das obrigações, § 132; Bonjean, Institutos, II, ti. 2.653,
Cunha Gonçalves, Da compra e venda, I, ns. 211-217; Vidaki,
Corso,, III, ns. 2.133-2.138; Huc, Gommentaire, X, n. 61.
Podem ser vendidas todas as coisas que estão no commercio,
e, ainda, as futuras. No direito commercial, é licito que, na venda
de um estabelecimento, se leve em conta a freguezia; para a ele-
vação do preço. No direito civil, porém, não ha venda de clientela.
3_ — Não podem ser vendidas nem cedidas.
a) As coisas cuja alienação foi prohibida por actos entre
vivos ou mortis causa, comtanto que não haja offensa a direito
de terceiro ou á lei.
b) As sociedades anonymas não podem negociar com as pro
prias acções". Nessa prohibição não se comprehendem as opera-
ções de resgate, reembolso, amortização ou compra, previstas em
lei (decreto-lei n. 2.627, de 26 de Setembro de 1940).
DOS CONTRACTOS 293
c) Substancias alimentícias alteradas ou falsificadas (Codigo
Penal, art. 272).
ã) Venenos e substancias medicamentosas, não sendo obser-
vadas as prescripções dos regulamentos sanitários,
e) Livros, estampas e estatuas obcenas.
/) As coisas declaradas nó art. 1.133.
3 a. — A lei n. 4.743, de 31 de Outubro de 1923, art. 5.°, pro-
hibe, sob pena de multa de 200|000 a 2;000$000, prisão cellular
por seis mezes a dois annos e perda do objecto, espôr á venda
livro, folheto, periódico, jornal, gravura, desenho, estampa, pin-
tura ou impresso de qualquer natureza que contenha offensa á
moral publica ou aos bons costumes. O Codigo Penal, art. 234
refere-se a esse crime, de ultrage ao pudor, mantendo a mqsma
penalidade.
4; — Preço é a somma em dinheiro, que o comprador se obriga
a pagar ao vendedor. Deve ser verdadeiro, real, certo determi-
nado pelas partes, por terceiro, ou pela referencia á cotação de
uma praça (arts. 1.123 e 1.124). Em vez de dinheiro, pode o
preço ser representado em valor fiduciario equivalente.
5. — A alienação de immoveis e de direitos reaes, cujo valor
exceder a um conto de réis, não se considera perfeita antes de
lavrada a escriptura publica (art. 134, n. II), porque, até então,
o contracto não está completo. O instrumento publico é da sua
substancia.

Art. 1.127 — Até ao momento da tradição,


os riscos da coisa correm por conta do vendedor
e os do preço por conta do comprador.
§ 1.° Todavia, os casos fortuitos, occorren-
tes no acto de contar, marcar, ou assignalar coi-
sas, que, commummente, se recebem, contando,
pesando, medindo ou assignalando, e que já ti-
verem sido postas á disposição do comprador,
correrão por conta deste,
§ 2.° Correrão, também, por conta do com-
prador os riscos das referidas coisas, se estiver
em móra de as receber, quando postas á sua dis-
posição no tempo, logar e pelo modo ajustados.
294 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Differente {Orei., 4, 2, pr., e § ^.0; Codigo


Commercial, art. 207). E', porém, de notar que o Codigo Com-
mercial, art. 206, principio, estabelece regra semelhante á do
principio do art. 1.127 do Codigo Civil.
Legislação comparada — Até o momento da tradição, os
riscos da coisa vendida são por conta do vendedor: Codigo Civil
allemão, art. 446; suisso das obrigações, 185. Os riscos são do
comprador: Inst., 3, 23, § 3.°: Cum autem emptio et venãitio con-
tracta sit... periculum rei venãitae statim ad emptorem perti-
net, tametsi adhuc ea res emptori tradita non sit; Codigo Civil
francez, art. 1.138; italiano, 1.125; portuguez, 714 e 717; vene-
zuelano, 1.200. Vejam-se, também, o hespanhol, art. 1.096, al. 3.».
e chileno, 1.820.
Quanto ás coisas que se vendem por conta, peso e medida,
vejam-se: o Codigo Civil francez, art. 1.585; o italiano, 1.450;
o hespanhol, 1.452; o chileno, 1.821; o venezuelano, 1.516, e o
mexicano, 2.82^.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.025 e 2.028; Coelho
Rodrigues, 593; Revisto, 1.273.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 136; Espinola,
Systema, II, ps. 371 e segs.; M. I. Carvalho de Mendonça, Con-
tractos, n. 153; Teixeira de Freitas, Consolidação, notas 31-36 ao
art. 538; Bonjean, Institutos, II, ns. 2.697-2.710; J. X. Carvalho
de Mendonça, Tratado, VI, 2.a parte, ns. 705 e segs.

Observações — 1. — Este artigo consagra bôa doutrina e


obedece á lógica do systema adoptado em nosso direito da qual
se afastava a lei civil anterior, e a que não é rigorosamente fiel
a commercial. Todavia é uma simples reproducção de idéas já
enunciadas, com maior amplitude nos arts. 865 a 868 e 957. Po-
deríamos, portanto, dispensal-o, e a sua inclusão talvez provenha
de inadvertencia da Commissão do Governo.
2. — Risco é o perigo, a que está sujeita a coisa, de perecer
ou se deteriorar por caso fortuito ou força maior. Até o momento
da tradição do movei ou da transcripção do immovel, pertence
a coisa ao vendedor. Correm por conta delle os riscos, porque cada
um supporta as perdas e degradações daquillo que lhe pertence:
O mesmo se diz do preço, porque elle entra na categoria das coisas
pertencentes ao comprador.
Pela mesma razão, os accrescimos da coisa, acontecidos antes
da tradição pertencem ao vendedor, que por elles poderá exigir
DOS CONTRACTOS 295

augmento de preço. Se o comprador não annuir, poderá o ven-


dedor desfazer o contracto (art. 868). Os fructos percebidos até
á tradição cabem ao vendedor e os pendentes ao comprador (ar-
tigo 868, paragrapho único).
3. — Occorrendo mora, na entrega ou no recebimento, ap-
plicam-se os preceitos dos arts. 956 e seguintes.
4. — Não trata o Codigo da venda per aversionem, por junto
ou a esmo, a que se referiram as Orã., 4, 8, § 6.°, e o Codigo
Commercial, art. 208, para declarar que o risco, nesse caso, corre
por conta do comprador, se o vendedor não o assumiu, de modo
expresso. E não tinha necessidade disso, porque, seja qual fôr o
modo de comprar, em bloco ou discriminadamente, a coisa, antes
da tradição, continúa a ser propriedade do vendedor.
5. — Todas as vezes que a coisa perecer antes da tradição,
já recebido o preço, este deve ser restituido, se, porém, o pere-
cimento occorrer depois da tradição, sem culpa do vendedor, tem
este direito ao preço, retendo-o, se já tiver recebido, e exigindo-o,
se ainda não tiver sido pago.
6. — Sobre os vicios redhibitorios e a evicção, vejam-se os
arts. 1.101 a 1.106 e 1.107 a 1.117.

Art. 1.128 — Se a coisa fôr expedida para


logar diverso, por ordem do comprador, por sua
!conta correrão os riscos, uma vez entregue a
quem haja de transportal-a, salvo se das instruc-
ções delle se afastar o vendedor.

Direito anterior — A lei não destacava este caso.


Degislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 447.
Projectos — Beviláqua, art. 1.266; Revisto, 1.274.

Observação — Não abre este artigo excepção á regra de que


os riscos antes da tradição correm por conta do vendedor. A ex-
pedição por ordem do comprador entregue a coisa a quem haja
de transportal-a, é tradição. O vendedor desapossa-se da coisa ven-
dida com entregal-a ao conductor.
A razão pela qual se destaca a especie, é porque o vendedor
se constitue mandatario para a expedição, e, nesta qualidade,
296 CODIGO CIVIX.

responderá pelos prejuízos sobrevindos, se se afastar das instru-


cções do dono do negocio, o comprador.

Art. 1.129 — Salvo claustila em contrario,


ficarão as despesas da escriptura a cargo do
comprador, e a cargo do vendedor as da tra-
dição.

Direito anterior — Semelhante (Codigo Commercial, art. 196).


Legislação comparada — Codigo Civil francez, arts. 1.5'93
e 1.608; italiano, 1.455 e 1.467; portuguez, 1.552 e 1.570; hes-
panhol, 1.455 e 1.465; suisso das obrigações, 188; allemão, 448
e 449; uruguayo, 1.673 e 1.695; venezuelano, 1.533; boliviano,
1.013 e 1.023; argentino, 1.415' 1.424, in fine. Vejam-se, ainda;
chileno, arts. 1.808 e 1.825; peruano, 1.399; mexicano, 2.263 e
2.285; japonez, 558.
Projectos — Esboço, arts. 2.023, 1.° e 2.044, 3.°; Felicio cios
Santos, 2.046; CoeZho Rodrigues, 607; Beviláqua, 1.267 e 1.268;
Revisto, 1.275.

Art. 1.130 — Não sendo a venda a credito,


o vendedor não é obrigado a entregar a coisa,
, antes de receber o preço.

Direito anterior — A Orã., 4, 5, § 1.°, mandava que, primeiro,


entregasse o vendedor a coisa vendida; mas, se o preço não era
pago, entendia-se que a entrega não fôra feita, segundo se infere
da Orã., 4, 7, pr., e Cândido Mendes, nota 1, á primeira Ord. citada.
Vejam-se, ainda a Orei. 4, 2, pr., e o Codigo Commercial art. 197.
Legislação comparada — D. 18, 1, fr. 19; 1, fr. 13, § 8.°.
venãitor enim, quasi pignus retinere potest eam rem, quam vendit;
Codigo Civil francez, art. 1.612; italiano, 1.469, l.a al.; portuguez,
1.574; hespanhol, 1.466; argentino, 1.418; chileno, 1.826; ais. 2.a
e 3.a; uruguayo, 1.688, ais. l.a e 3.a; venezuelano, 1.5'35; mexi-
cano, 2.286; boliviano, 1.031.
Projectos -— Felicio dos Santos,, art. 2.054; Coelho Rodri-
gues, 608; Beviláqua, 1.269; Revisto, 1.276.
DAS VARIAS ESPECXES DE CONTRACTOS 297

Observação — A fórmula do nosso Codigo afasta as duvidas,


que se têm creado sobre a natureza do direito, que assiste ao
vendedor, de reter a coisa, emquanto não recebe o preço. O di-
reito romano equiparava esse direito ao penhor, dava-lhe á feição
de direito real, e esse modo de ver é acceito por alguns civilistas
modernos. Esse direito é porém, simplesmente, a conseqüência
da obrigação, que a lei impõe ao comprador, de pagar o preço
da coisa immediatamente, se não lhe foi concedido algum prazo.

Art. 1.131 — Não obstante o prazo ajusta-


do para o pagamento, se, antes da tradição, o
comprador cair em insolvencia, poderá o vende-
dor sobrestar na entrega da coisa, até que o com-
prador llie dê caução de pagar no tempo ajus-
tado.

Direito anterior — Semelhante (Codigo Commercial, art. 198).


Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.613;
italiano, 1.469, 2.a al.; hespanhol, 1.467; chileno, 1.826, 4.a al.;
uruguayo, 1.688, 4.a al.; venezuelano, 1.355, 2.a al.; mexicano,
2.287; boliviano, 1.032.
Projectos — Felicio cios Santos, art. 2.057 (differente);
Coelho Rodrigues, 609; Beviláqua, 1.270; Revisto, 1.277.

Observação — Como contracto bilateral, a compra e venda


está sujeita ao preceito do art. 1.092, 2.a al.; do qual se fez agora
applicação, em beneficio do vendedor, porque elle é que concede
o prazo. Se, porém antes de pago o preço, sobrevier ao vendedor
diminuição em seu patrimônio, capaz de comprometter ou tornar
duvidosa a tradição da coisa, assiste ao vendedor direito corres-
pondente ao que se attribue ao comprador.

Art. 1.132 — Os ascendentes não podem ven-


der aos descendentes, sem que os outros des-
cendentes, expressamente, consintam.
298 CODIGO CIVIL

Direito anterior — 0 mesmo (Orã., 4, 12; Teixeira de Frei-


tas, Consolidação, art. 582, l.a; Carlos de Carvalho, Direito
civil, art. 1.039, a). O Consentimento, porém, podia ser tácito.
Legislação comparada —• Codigo Civil portuguez, art. 1.565.
Vejam-se, também: argentino, art. 1.359, e chileno, 1.796.
Projectos — Esboço, arts. 1.983, l.a e 1.986 (differente);
Felicio dos Santos, 2.049, 2.a (differente); Beviláqua, 1.271; Re-
visto, 1.278.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 131; Teixeira de
Freitas, Consolidação, notas 84, 88 e 89, aos arts. 582, 583 e 5'84;
Coelho da Rocíia, Inst, § 805; Caxdido Mendes, Codigo philip-
pino, 4, 12, (notas); Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez, IV,
ao art. 1.565'.

Observações — 1. — A razão desta prohibição é evitar que,


sob color de venda, se façam doações, prejudicando a egualdade
das legitimas.
2. — Pelo direito anterior, a melhor opinião sustentava que
o consentimento dos descendentes podia ser tácito (Teixeira de
Freitas, Consolidação, nota 84 ao art. 582), mas alguns autores
dissentiam do egregio mestre, acompanhando Coelho da Rocha
(Inst., § 805), e Cândido Mendes "(nota 1 á p. 792, 2.a col. do Co-
digo philippino). O Codigo desfez a duvida, exigindo o consenti-
mento expresso.
3. — Denegado o consentimento do descendente, não pode
haver recurso ao juiz para suppril-o, porque o Codigo não o dá.
A solução contraria, seguida no direito anterior, baseava-se no
modo porque a Orã., justificava o seu preceito, e se corroborava
com a decisão do Codigo Civil portuguez, art. 1.655, paragrapho
único.
4. — As vendas realizadas contra esta prohibição são nullas.
4 a. — Naturalmente são os descendentes, que promovem a
declaração da nullidade, porque é em beneficio da egualdade das
legitimas que a lei prescreve a nullidade das vendas. As doações
com encargos, porém, são permittidas porque são levadas á col-
lação. Também não haverá o vicio condemnado por este artigo,
quando o descendente comprar de terceiro o que este adquiriu do
ascendente.
5. — O que se diz da venda procede, egualmente, a respeito
da permuta desegual (art. 1.164, n. II), da dação em pagamento,
e de todos os contractos que tenham por fim fraudar as legitimas.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTEACTOS 299

Art. 1.133 — Não podem ser comprados,


ainda em hasta publica:
I. Pelos tutores, curadores, testamenteiros
e administradores, os bens confiados á sua guar-
da ou administração.
II. Pelos mandatários, os bens, de cuja
administração, ou alienação, estejam encarre-
gados .
III. Pelos empregados públicos, os bens da
União, dos Estados e dos Municípios, que esti-
verem sob a sua administração, directa ou in-
directa. A mesma disposição applica-se aos jui-
zes, arbitradores, ou peritos, que, de qualquer
modo, possam influir no acto ou no preço da
venda.
IV. Pelos juizes, empregados de fazenda,
secretários de tribunaes, escrivães e outros offi-
ciaes de justiça, os bens ou direitos, sobre que
se litigar em tribunal, juizo ou conselho, no lo-
gar onde esses funccionarios servirem, ou a que
se estender a sua autoridade.

Direito anterior — Semelhante, (Teixeira de Freitas, Con-


solidação, art. 585; Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 1.041;
Codigo Penal, arts. 232-234).
Legislação comparada — D. 18, 1, fr. 34, § 7.°, e fr. 46; Co-
digo Civil francez, arts. 1.596 e 1.597; italiano, 1.457 e 1.458;
portuguez, 1.562, hespanhol, 1.459; allemão, 456-458; argentino,
1.359 e 1.361; chileno, 1.797 a 1.800; uruguayo, 1.678; vene-
zuelano, 1.524; peruano, 1.397; mexicano, 2.276 e 2.280; boli-
viano, 1.015 e 1.016.
Projectos — Esboço, arts. 1.983 e 1.771; Felicio dos Santos,
2.049-2.051; Coelho Rodrigues, 5"99; Beviláqua, 1.273 e 1.274;
Revisto, 1.280.

^ Observações — 1. — Algumas legislações prohihem aos paes


comprar os bens dos filhos, que se acham sob o seu poder (ita-
300 CODIGO CIVIL

liano, argentino, uruguayo, venezuelano, mexicano, etc). O Es-


boQOl afastando-se do direito pátrio, seguiu essa mesma rota, no
que foi acompanhado pelo Projecto primitivo, art. 1.272, e pelo
Revisto, 1.279. Esta innovação foi combatida pela Commissão da
Faculdade de direito do Rio de Janeiro {Trabalhos, II, p. 58,
2.a col.), e, apesar do apoio que lhe deu o relator da Commis-
são da Gamara, o Sr. Tavares de Lyra {Trabalhos, III, p. 136,
l.a col.), foi regeitada, sob proposta do Sr. Andrade Figueira
{Trabalhos, VI, p. 380).
2. — As prohibições deste artigo têm um fundamento moi al
transparente: manter a insenção de animo naquelles, a quem se
confiam interesses alheios. A lei quer impedil-os de succumbir,
como diz Huc, á tentação de sacrificar o seu dever ao que consi-
derem seu interesse.
3 __ O Dec. n. 18.795, de 11 de Julho de 1929, art. 21,
prohibe aos corretores de mercadorias: n. 3.°. Adquirir para si,
ou para pessoa de sua familia, coisa cuja venda lhes tiver sido
incumbida, e vender a que lhes pertencer quando tenham ordem
de comprar ou vender coisa da mesma especie... 6.°, Effectuar,
em seu nome, operações de compra e venda de mercadorias paia
revender.

Atr. 1.134 — Esta proMbição comprebende


a venda ou cessão de credito, exceptio se fôr ou
entre coberdeiros, ou em pagamento de divida,
ou para garantia de bens já pertencentes a pes-
soas designadas no artigo anterior, n. IV.

Direito anterior — Omisso.


liegislação comparada — Vejam-se o Codigo Civil italiano,
art. 1.458, 2.a parte; o portuguez, 1.563; e o hespanhol, 1.459,
2.a parte; mexicano, 2.277.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 600; Beviláqua, 1.275;
Revisto, 1.281. O dispositivo do Codigo afasta-se dos artigos ci-
tados dos primeiros Projectos, e corresponde ao do ultimo.

Observação — Ha no edicto desta norma legal duas idéas.


A primeira é a de estender a prohitaição de comprar ás vendas ou
DAS VAEIAS ESPECIES DE CONTBACÍTOS 301
cessões de credito. A segunda, a de exceptuar da prohibição:
1.°, as vendas ou cessões entre os coherdeiros; 2.°, as cessões que
se fizeram em pagamento de divida; 3.°, as destinadas á garantia
de bens já pertencentes aos juizes e mais funccionarios designados
no artigo antecedente, n. IV. Nestes casos, não ha conflito entre
o dever e o interesse. Cessa o motivo da prohibição.

Art. 1.135 — Se a venda se realizar á vista


de amostras, entender-se-á que o vendedor as-
segura ter a coisa vendida as qualidades por
ellas apresentadas.

Direito anterior — Do art. 201 do Codigo Commercial tira-se.


por argumento, regra semelhante.
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 494;
suisso das obrigações, 222; peruano, 1.384.
Projectos — Beviláqua, art. 1.277; Revisto, 1.283.

Observações — 1. — Este modo de contractar é muito


commum no commercio (Vejam-se Vidaei, Corso, III, ns. 2.314-
2.324; J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado, VI, segunda parte
ns. 720-728; e Cunha Gonçalves, Compra e venda, I, ns. 421-434),
Mas no direito civil também encontra opportunidade de se reali-
zar. E, na reforma da legislação allemã, a matéria do nosso ar-
tigo desappareceu do Codigo Commercial, para ter entrada no
Civil.
2. — Por amostra entende-se aquillo que se apresenta em pe-
quena porção para indicar a qualidade da coisa, que se vae vender:
um retalho de panno, um pouco de liquido, um pedaço de madeira,
um objecto idêntico aos outros da sua classe.
A venda por amostra dá direito ao comprador de examinar
a coisa comprada, no acto de a receber, para recusal-a, se não
tiver as qualidades esperadas á vista da amostra. E' uma venda
condicional. Se as partes não tiverem estipulado prazo para a
verificação, entende-se que esta deverá ser feita em seguida, ao
recebimento, no tempo razoavelmente necessário para essa ope-
ração. Verificadas as qualidades ou extincto o prazo estabelecido
para a verificação, a venda se torna definitiva.
302 CODIGO CIVIL

No caso de surgir contestação, entre o vendedor e o com-


prador sobre a existência, na coisa, das qualidades, que a amostra
apresenta, decidirá o juiz, ouvindo peritos, se fôr preciso.

Art. 1.136 — Se, na venda de um immovel,


se estipular o preço por medida de extensão, ou
se determinar a respectiva area, e esta não cor-
responder, em qualquer dos casos, ás dimensões
dadas, o comprador terá o direito de exigir o
complemento da area, e, não sendo isso possivel,
o de reclamar a rescisão do contracto ou abati-
mento proporcional do preço. Não lhe cabe, po-
rém, esse direito, se o immovel foi vendido como
coisa certa e discriminada, tendo sido^ apenas
ennnciativa a referencia ás suas dimensões.
Paragrapho único. Presume-se que a refe-
rencia ás dimensões foi simplesmente ennncia-
tiva, quando a differença encontrada não exce-
der de 1/20 da extensão total enunciada.

Direito anterior — Não havia disposição de lei a respeito


e a doutrina não era pacifica.
Legislação comparada — Vejam-se os Codigos seguintes, al-
lemão, art. 468; portuguez, 1.576 e 1.577; hespanhol, 1.469-1.471;
francez, 1.617-1.623; italiano, 1.473-1.479; suisso das obrigações,
319; argentino, 1.345-1.348; chileno, 1.831-1.834; uruguayo, 1.691-
1.692; venezuelano, 1.538-1.543; boliviano, 1.036-1.041; mexicano,
2.290; V. o peruano, arts. 1.419 a 1.423.
Projectos — Coelho Rodrigues, arts. 611-614; Beviláqua,
1.278; Revisto, 1.284. A fórmula do Codigo resultou de emenda
do Senado.
Para o direito romano, veja-se o D. 11, 5, fr. 3, § 3.°; 18, 1,
fr. 40, § 2.°; 19, 1, fr. 4, § 1.°; fr. 38, pr.; 21, 1, fr. 1, § 1-
j/TliftXO
Bibliographia - Em ãefeza, ps. 137-138; Macedo Soares,
Medição e demarcação de terras, 3.a ed., ps. 409 e segs.; artigos
e pareceres de Pedro Lessa, João Monteiro e Campos Toledo, na
Gazeta Jurídica de São Paulo, annos de 1898 e 1899; Pedro Lessa,
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRAdlOS 303

Disertações e polemicas, ps. 281 e segs.; Peaniol, Traité, II,


ns. 1.515-1.519; Huc, Commentaire, X, ns. 92-100; Saleilles' De
l obligation, ns. 224 e segs.

Observações i. _ a quantidade garantida considera-se


uma qualidade do immovel, e, se ella não existe, a situação é a
mesma da coisa viciada, que pode ser regeitada pelo comprador,
se não preferir abatimento no preço.
Deste ponto de vista resulta que a regra do artigo não se
applica ás vendas em hasta publica, porque em taes vendas não
cabe acçâo redhibitoria, nem a de pedir abatimento no preço (ar-
tigo 1.106).
2. — E', ainda, conseqüência desta construcção jurídica a
regra seguinte: se, em vez de deficiência, houver excesso, nada
tem o adquirente que repôr, como indemnização, salvo se a isso
se obrigou. Nem o contracto se rescinde por esse motivo. Ao ven-
dedor não confere o direito acçâo para resolver a venda sob
tal fundamento, porque elle deve conhecer o que é seu, e se alienou
por um determinado preço as suas terras, ainda que ellas sejam
mais extensas do que declara, deve entender-se que alienou corpo
certo e não uma extensão superficial determinada. A declaração
da quantidade é garantida para o comprador, que não tem quali-
dade para conhecer o objecto comprado, e não para o dono que
o deve conhecer.
3. — O paragrapho único limita o direito de reclamar o com-
prador por deficiência nas dimensões do immovel. Se a diffe-
rença é um vigessimo da extensão total, entende-se que a venda
foi do corpo certo, tendo sido apenas enunciativa a referencia ás
suas dimensões. Tão pequena differença não deve autorizar uma
acção judiciaria.

Art. 1.137 — Em toda escriptura de trans-


ferencia de immoveis, serão transcriptas as cer-
tidões de se acharem elles quites com a Fazenda
Federal, Estadual e Municipal, de quaesquer
impostos, a que possam estar sujeitos.
Paragrapho único. A certidão negativa exo-
nera o immovel e isenta o adquirente de toda
responsabilidade.
304 CODIGO CIVIL

Direito anterior —■ Semelhante (Decs. n. 370, de 2 de Maio


de 1890, art.' 242; n. 2.800, de 19 de Janeiro de 189?, imposto
de transmissão da propriedade), arts. 72 e 73.
Projectos -— Este artigo é da iniciativa do Senado, emenda
n. 1.093.

Observação — O preceito do artigo é vantajoso, mas re-


produz matéria sobre a qual já providenciara o art. 677, para-
grapho único, e está mal collocado, na secção, porque intenompe
o natural desdobrar das idéas, que o Codigo ia seguindo. A ter
de incluir a i matéria do artigo no capitulo referente á compra
e venda, devera ser antes ou depois do art. 1.129, ou, então, no
fim da primeira secção.

Art. 1.138 — Nas coisas vendidas conjuncta-


meiíte, o defeito occulto de uma não autoriza a
rejeição de todas.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Vejam-se os Codigos Civis seguin-
tes, que consagram doutrina mais correcta: allemão, art. 469;
suisso das obrigações, 209; argentino, 2.177; hespanhol, 1.491 e
1.492; mexicano, 2.881 a 2.883.
Projectos — Esboço, art. 3.590, 2/; Beviláqua, 1.279; Re-
visto, 1.285. Foi este ultimo Projecto que deu ao artigo do Co-
digo a feição que apresenta.

Observações — 1. — A venda de varias coisas pôde ser feita


singular ou collectivamente. Dá-se o primeiro caso, quando entre
as coisas vendidas não ha um laço de união: alguém compra
objectos, de que precisa, num armarinho. A venda é collectiva,
quando as coisas vendidas constituem um todo: uma parelha de
cavallos, uma junta de bois, um par de botinas.
As coisas vendidas, singularmente, embora por um preço
global, são independentes entre si, e, por isso, o vicio de qualquer
dellas não se propaga ás outras. Se, porém, as coisas formam um
'todo, do qual não se podem destacar sem damno, é claro ue ha
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRAOTOS 305

contaminação do vicio. Essa distincção devera fazer o artiso-


tizeram-na o Moço e o J^ecío priniUvo, nos ,ogares con^
pendentes. Com a fóemu.a do Codigo podem pratica™ injusti I
que nao se comprehende as quizesse a lei.

C0 Íg0 SllÍSS0 daS obri ões


assim- Quando a^venda / é de varias coisas, ^S está redigido
simultaneamente, ou
í e um conjuncto de peças e algumas dellas sómente são defeituo-
sas a resiliçao será pedida sómente a respeito destas ultimas _
i odavia, se a coisa ou a peça defeituosa não se pode destacar'das
isentas de defeito, sem prejuízo notável para o comprador ou
para o vendedor, a resiliçao deve estender-se a todo o objecto da
vem a. — A resiliçao, que se refere a coisa principal, estende-se
aos accessorios, ainda que vendidos por preços distinetos; ao con-
iano, a resiliçao, que se refere aos accessorios, não se estende
as coisas principais".
CONSELHO KíGIOrm DO TRABALHO
K REGIÃO

Ait. 1.139 Não pôde um condomino em


coisa indivisível vender a sua parte a estranhos
.se outro consorte a quizer, tanto por tanto. O
condomino, a quem não se der conhecimento da
venda, poderá, depositando o preço, haver para
si a parte vendida a extranho, se o requerer no
prazo de seis mezes.

. íAragrapho único. Sendo muitos os condô-


minos preferirá o que tiver bemfeitorias, de
major valor, e, na falta de bemfeitorias, o de
quinhão maior, Se os quinhões forem eguaes, ha-
verão a parte vendida os comproprietarios, que
a quizerem, depositando, préviamente, o preço.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 1.566;
mexicano, 2.279.
Projectos — A Commissâo do Governo transladou este artigo
do Codigo Civil portuguez (Actas, p. 240).

Beviláqua — Codigo Civil — 4,° vol. 20


306 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — Coisa indivisível, define o Codigo (ar-


tigo 53), é, 1.°, a que não se pode partir sem alteração na sua
substancia; 2.°, a que se considera indivisível por lei ou vontade
das partes. O condomino de coisa dessa categoria não pôde vender
a sua parte a extranhos, se outro consorte a quizer, tanto por
tanto. O que o condomino pôde alienar é a parte ideal, que possue
na coisa commum. Parte ^xaterial não tem o comproprietario.
Mas se é uma parte ideal que o condomino pôde alienar,
por que esta exigência de ser a coisa indivisível? E' certo que na
fonte portugueza o mesmo se diz: "Não podem os comproprie-
tarios de coisa indivisível vender a extranlios a sua respectiva
parte, se o consorte a quizer tanto por tanto". Mas a verdade ô
que não se justifica a distincção, porque, seja a coisa commum
divisivel ou indivisível, no estado de communhão está indivisa.
Alem disso, o condomino é transitório (arts. 629 e 630). E, dando
o Codigo direito de preferencia ao condomino, quando a coisa é
indivisível, segue-se que não ha esse direito, quando a coisa fôr
divisivel inclusio unius exclusio alterius. Mas os inconvenientes,
que resultam de entrar um extranho na communhão, são os
mesmos, seja a coisa divisivel ou não.
Parece, portanto, que não foi feliz a emenda do Senado, res-
taurando o epitheto indivisível, que a Commissão do Governo
intencionalmente eliminara. Aliás, este artigo não se harmoniza,
facilmente, com o art. 633, que prohibe ao condomino, sem prévio
consenso dos outros, dar posse, uso ou gozo da propriedade a
extranhos. Melhor fôra não o ter ido buscar em um systema jurí-
dico differente, para crear difficuldades aos interessados. Real-
mente, se o condomino não pôde, sem prévio assentimento dos
outros, dar posse da propriedade a extranhos, é claro que não
pôde, sem essa condição, alienar a sua parte idéal. E se os con-
dôminos approvam essa alienação, não se podem dar as hypo-
theses previstas pelo art. 1.139.
2. O prazo de seis mezes, concedido para a opção do con-
domino, que não foi notificado da venda, é para a caducidade do
direito e não para a prescripção. E' um prazo extinctivo, cujo
curso não se interrompe.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTKAOTOS 307

secção ii

Das cláusulas especiaes á compra e venda

Da retrovenda

Art. 1.140 ~ O vendedor pôde reservar-se


o direito de recobrar, em certo prazo, o immovel,
que vendeu, restituindo o preço, mais as despe-
sas feitas pelo comprador.
Paragrapbo único. Além destas, reembolsa-
rá também, neste caso, o vendedor ao comprador
as empregadas em melborainentos do immovel,
até ao valor por esses melhoramentos accrescen-
tado á propriedade.

Direito anterior — A Ord., 4, 4, pr., não accentuava que o


pacto de retrovenda somente se applicava a immoveis; mas, na
epigraphe se referia a bem de raiz, assim como a Ord., 4, 67, 2.
Legislação comparada — D. 19, 5, fr. 12; Cod., 4, 54, is. 2
e 7; Codigo Civil francez, arts. 1.659 e 1.673, l." ai.; italiano
1.515 e 1.528, l.a al.; hespanhol, 1.507 e 1.518; argentino, 1.367
e 1.384; chileno, 1.881 e 1.883, 3.a al.; uruguayo, 1.748 e 1.753;
venezuelano, 1.576 e 1.587; peruano, 1.431; austríaco, 1.068 e
1-070, mexicano, 2.302. Destes Codigos, somente o austríaco e o
argentino restringem a retrovenda aos immoveis. Vejam-se o
allemão, arts. 497 e 500, e o japonez, 579. O portuguez, art. 1.587,
prohibe esta clausula. Na Bolívia foi o retracto convencional
abolido por lei de 15 de Setembro de 1887.
Projectos — Esboço, arts. 2.012 e 2-085; Felicio dos Santos,
2.062 e 2.064; Coelho Rodrigues, 648 e 660; Beviláqua, 1.281;
Revisto, 1.288.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 137, 4.a; M. I. Car-
valho de Mendonça^ Contractos, n. 151; S. Vampré, Jfàmual, III,
§ 20; Coelho da Rocha, Inst., § 822; Peaniol, Traih^ l i, nú-
meros 1.629-1.643; Huc, Commentaire, X, ns. 175-188; Laubent
Cours, FI, ns. 758-771; Zaohariae, Droit civil français, IV, § 688;
Auury et Rau, Cours, V. § 357; Code Civil allemand, publié par
308 CODIGO CtIVIIi

le Comitê lég. étr., ao art. 479; Windschexd, Pand., II, § 388;


Endemann, Lehrhuch, I, § 162; III; Chironi, Inst., II, § 327; Dias
Ferreira, Coãigo Civil portuguez, IV, aos arts. 1.586-1.588; Ri-
varoea, Derecho civil argentino, II, n. 631; Errazüriz, Derecho
civil, II, ps. 403 e segs. ,

Observações — 1. — As características do resgate conven-


cional, segundo o art. 1.140, são; l.a, que é uma venda sob con-
dição resoiutoria, como no direito romano; 2.a, que somente se
applica aos immoveis, cujas alienações, sujeitas ao registro pre-
dial, tornam conhecido de todos o pacto adjecto de retroemendo;
3.", que o immovel é restituido com os seus accrescimos e melhora-
mentos; 4.a, que o vendedor, exercendo o seu direito de resgate,
devolve ao comprador o preço recebido, reembolsando-lhe as des-
pesas feitas com o contracto, e com os melhoramentos úteis e
necessários.
E', portanto, para o comprador uma propriedade resoluvel, a
que adquire com esta clausula. Est distractus potius guam conm
tractus.
■ 2. — Sendo o comprador proprietário, embora resoluvel o seu
direito, adquire os fructos e rendimentos do prédio, até o momento
da remissão, e não responde pelas deteriorações se não forem,
dolosamente, feitas.
2a.— Oliveira Fonseca, Observações, condemna, como in-
adequada a expresêão retracto, para designar o resgate no con-
tracto de retrovenda (ps. 9-12). No mesmo sentido, xeja-se a
nota 1 ao § 357 do Cours de Aubry et Rau, vol. V.

Art . 1.141 — O prazo para o resgate, ou re-


tracto, não passará de tres annos, sob pena de
se reputar não escripto; presumindo-se estipu-
lado o máximo do tempo, quando as partes o
não determinarem.
Paragrapbo único. O prazo de retracto, ex-
presso ou presumido, prevalece ainda contra o
incapaz. Vencido o prazo, extingue-se o direito
ao retracto, e torna-se irretractavel a venda.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 309

Direito anterior — Não havia prazo determinado; a dou-


trina, porém limitava-o a trinta annos, porque decorrido esse
tempo, se extinguia, por prescripção, a acção para resgatar o
objecto.
Legislação comparada — Variam muito os Codigos quanto
á extensão do prazo legal do retracto. Pelo Codigo Civil allemão,
é de 30 annos para os immoveis e de 3 para os moveis (art. 503) ;
para o japonez, de 10, no máximo (art. 580); e assim para o
suisso, art. 683; para o hespanhol, o prazo será de 10 annos
quando expressamente estipulado; na falta de estipulação, ex-
tingue-se no fim de 4 annos (art. 1.508); para o francez (artigos
1.660 e 1.661); o italiano (arts. 1.516 e 1.517); e o venezuelano
(art. 1.577), é de 5 annos; para o chileno, (art. 1.855), de 4;
para o uruguayo, (art. 1.754); o argentino, (art. 1.381), de 3
annos; o peruano (art. 1.432) dois annos.
O direito romano permittia ás partes estipularem o prazo,
que lhes conviesse (Cod., 4, 54, 1, 2). Na falta de estipulação, o
prazo sómente no fim de trinta annos se extinguia por effeito da
prescripção (argumento da 1. 3, pr., do Cod. 7, 39).
Quanto ao paragrapho único: D. 20, 5, fr. 7, § 1.°; Codigo
Civil francez, art. 1.662; italiano, 1.518; hespanhol, 1.509; argen-
tino, 1.382; venezuelano, 1.579; mexicano, 2.904.
Projectos — Esboço, arts. 2.081 (3 annos) e 2.082; Felicio
dos Santos, 2.063 (4 annos); Coelho Rodrigues, 469 (5 annos,
para os immoveis e 6 mezes para os moveis, 650 e 651) ; Bevi-
láqua, 1.282 (5 annos) e 1.283; Revisto, 1.289 (3 annos).

Observações — 1. — A segurança das relações jurídicas e


da expansão econômica exige um prazo curto para a clausula
resolutoria da propriedade. O Codigo Civil brasileiro, que, atten-
dendo a essa razão poderosa, já excluirá da retrovenda os mo-
veis, adoptou, para esta modificação do dominio, o prazo mais
curto de quantos se encontravam nas legislações contemporâneas.
O Codigo Civil do Perú foi um pouco além: dois anos.
O prazo de tres annos é improrrogável, produz o seu effeito
desde que se extingue, independentemente de interpellação judi-
cial, e prevalece contra qualquer pessoa, ainda que incapaz. E'
licito ás partes estabelecer prazos menores.
2. —- Parece ocioso dizer o Codigo: e torna-se a venda irre-
tractavel) depois de ter declarado que se extingue o direito ao re-
310 CODIGO CIVIL

tracto. Se o vendedor não pôde mais retractar a venda, é claro


que esta se tornou irretractavel.
3. — Veja-se o art. 178, § 8.°,

Art. 1.142 — Na retrovenda, o vendedor


conserva a sua acção contra os terceiros adqui-
rentes da coisa retrovendida, ainda que elles não
conhecessem a cláusula de retracto.

Direitc anterior — Semelhante, embora não expresso em lei


o preceito.
Legislação comparada — Coãigo Civil francez, art. 1.664;
italiano, 1.520; allemão, 499; hespanhol, 1.510; argentino, 1.388;
venezuelano, 1.580; peruano, 1.433.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.067; Coelho Rodri-
gues, 652; Beviláqua, 1.284; Revisto, 1.290.

Observações — 1. — Não ha um direito real de retroemendo.


Não ha outros direitos reaes além dos enumerados no art.674.
Mas o comprador adquire uma propriedade sujeita a condição
resolutiva, que será transcripta no registro de immoveis, e aos
novos adquirentes não passará direito mais extenso do que o
transmittido ao primeiro. Nemo plus júris aã alium transferre
potest, quam ipse haheret (D. 50, 17, fr. 54).
Os adquirentes não se poderão chamar á ignorância, porque
a clausula resolutoria, constante do titulo, deve estar transcripta;
mas, ainda que assim não fosse, e a clausula do resgate fosse
ignorada do adquirente, nem por isso o vendedor ficaria inhibido
de exercer o seu direito de retracto, porque a venda originaria
tora condicional, e o effeito da condição somente com o expirar
do prazo se extinguiria.
2. — O que se diz das alienações voluntárias tem applicação
ás realizadas em execução promovidas contra o adquirente (Co-
digo Civil allemão, art. 499).

Art. 1.143 — Se duas ou mais pessoas tive-


rem direito ao retracto sobre a mesma coisa, e
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 311

só uma o exercer, poderá o comprador fazer inti-


mar as outras, para nelle accordarem.
§ 1.° Não havendo accordo entre os interes-
sados ou não querendo um delles entrar com a
importância integral do retracto, caducará o di-
reito de todos.
§ 2.° Se os differentes condominos do pré-
dio alheado o não retro venderam, conjuncta-
mente e no mesmo acto, poderá cada qual, de
per si, exercitar sobre o respectivo quinhão, o
seu direito de retracto, sem que o comprador
possa constranger os demais a resgatal-o por
inteiro.

Direito anterior — Não havia direito expresso; mas a dou-


trina previa a hypothese (Direito cias obrigações, § 137, 4.a:
Coelho da Rocha, Inst., § 823).
Legislação comparada — D. 18, 2, frs. 11, § 1.°, e 13, pr.,
initio; Codigo Civil francez, arts. 1.668-1.671; italiano, 1.523 a
1.526; hespanhol, (1.514 a 1.516; argentino, 1.387 e 1.389; ve-
nezuelano, 1.583 a 1.586. Vejam-se ainda: allemão, 502; uruguayo,
1.570; japonez, 584 e 585.
Projectos — Esboço, art. 2.087; Felicio dos Santos, 2.068;
Coelho Rodrigues, 654-658; Bevilaqtia, 1.285; Revisto, 1.291.

Observações — 1. — O principio do artigo apresenta um


caso de obrigação conjuncta, que, segundo as circumstancias, será
indivisível. Ha vários credores com o direito de recomprar ou
de resgatar o immovel alienado, e um devedor. Qualquer dos
credores poderá exigir a restituição do immovel; mas o devedor
está no direito de exigir ou que todos recebam o prédio, resti-
tuindo o preço com as indemnizações, ou que um só se apresente
com a totalidade da importância do resgate. Neste ultimo caso.
aquelle que exerce o direito de remissão, no séu nome e no dos
seus consortes, entender-se-á com estes para regular os respectivos
interesses.
O resgate será integral, quando estabelecido pelos condominos,
conjunctamente, no mesmo acto, ou quando nisto concordarem os
312 CODIGO CIVIL

interessados. Nos outros casos, será parcial. Cada um exercitará


o seu direito de remissão sobre o quinhão respectivo.
O Codigo Civil allemão não permitte o resgate parcial.
2- — O direito de resgate poderá competir a mais de uma
pessoa, quando o prédio fôr vendido, com a clausula retro, por
condominos, ou quando o vendedor transmittir o seu direito a
herdeiros. O direito de resgate é intransmissivel por acto inter-
vivos.

Da venda a contento

Art. 1.144 — A vencia a contento reputar-


se-á feita sob condição suspensiva, se no con-
tracto não se lhe tiver dado, expressamente, o
caracter de condição resolutiva.
Paragrapho único. Nesta especie de venda,
se classifica a dos generos, que se costumam
provar, medir, pesar ou experimentar, antes de
acceitos.

Direito anterior — Codigo Coramercial, art. 207, n. II.


Legislação comparada — Vejam-se: D. 19, 5, fr. 20, ? I.0;
Codigo Civil francez, art. 1.587 e 1.588; italiano, 1.453; allemão,
495; argentino, 1.365 e 1.377; suisso das obrigações, 223; vene-
zuelano, 1.519; hespanhol, 1.453; portuguez, 1.551; mexicano,
2.257; austríaco, 1.080 e 1.081.
Projectos — Esboço, arts. 2.011 e 2.075 (fonte); Felicio
cios Santos, 2.032; Beviláqua, 1.286; Revisto, 1.292. O paragrapho
único proveio de accrescimo da Commissão do Governo, modifi-
cada pelo Senado (emenda n. 1.103).
Bibliographia Direito cias obrigações, § 137, 2.a; M. I.
Carvalho de Mendonça, Contractos, I, n. 149; J. X. Carvalho
de Mendonça, Tratado, VI, 2." parte ns. 737-746; Coelho da Rocha,
Inst., § 824; Planiol, Traité, II, ns. 1.417-1.423; Huc, Commen-
taire, X, ns. 20-23; Windscheid, Panã., II, §387; Dernburg, Pand.,
I, § 108, e II, § 95; Kohler, Lehrbuch, II, § 119; Endemann,
Lehrbuch, I, § 162; Cunha Gonçalves, Da compra e venda, T,
ns. 397-420; Rossel, Droit civil suisse, ps. 276-278.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTBACTOS 313
Observações — 1. — Venda a contento {pactum ãisplicen-
tiae) é a que se conclue sob a condição de ficar desfeita, se
o comprador não se agradar da coisa vendida. Esta condição é,
normalmente, suspensiva, de onde resulta que a venda ainda não
está ultimada, e que, portanto, a tradição da coisa não importa
transferencia do dominio. As partes porém, poderão dar á con-
dição o caracter resolutivo, em virtude do qual a propriedade da
coisa vendida se transfere com a tradição, mas se extinguira,
quando o comprador, depois de experimentar a coisa, a devolver
por não lhe convir a sua acquição.
2. — Se as partes não tiverem pactuado coisa diversa, de-
pende, exclusivamente, do comprador, a declaração de que a coisa
é do seu agrado. O vendedor não tem direito de appellar para
o parecer de peritos, porque não se trata de determinar a hôa
qualidade da coisa vendida, mas de saber se agrada ao comprador.
A opinião pessoal deste ultimo é decisiva
,3. — O paragrapho único, á semelhança do que dispõe o Co-
digo Civil portuguez, art. 1.551, accrescenta que se consideram
vendidas com a clausula ad gustum os generos, que se costumam
provar, medir, pesar ou experimentar, antes de acceitos.
Esta regra refere-se, particularmente, aos generos alimentícios.
Mas tanto em relação a elles, quanto em relação a qualquer outra
coisa, a clausula a contento deve ser concordada entre as partes;
não se subentende.

Art. 1.145 — As obrigações do comprador,


que recebeu, sob condição suspensiva, a coisa
comprada, são as de mero commodatario, em-
quanto não manifeste acceital-a.

Direito anterior — Omisso.


Degislação comparada — Codigo Civil austríaco, art. 1.080,
de onde é tirada, a equiparação do comprador com a clausula a
contento ao commodatario (Der Kaeufer wird -warhrend der Pro-
bezeit ais ein Entlehner); argentino, 1.377; suisso das obrigações,
223, 2.11 al.
Projectos — Esboço, art. 2.076 (fonte directa); Felicio dos
Santos,, 2.034; Beviláqua, 1.287; Revisto, 1.293.
314 CODIGO CIVIL

Observação — Emguanto o comprador não declara que a


coisa lhe agrada, ella pertence ao vendedor. O comprador a possue,
como simples commodatario, isto é, recebe a coisa por empréstimo,
para experimentar se lhe agrada, conserva-a como se fôra sua
dando-lhe mesmo preferencia ás suas, em caso de perigo, e res-
ponde por perdas e damnos, quer resultem da sua negligencia,
quer da sua móra. Se fizer despezas com a conservação da coisa
nesse periodo, não terá que recobral-as do vendedor (arts. 1.250-
1.254), porque a coisa se acha no seu poder por seu interesse.

Art. 1.146 — Se o comprador não fizer de-


claração alguma dentro do prazo, repntar-se-á
perfeita a venda, quer seja snspensiva a condi-
ção, quer resolutiva; liavendo-se, no primeiro
caso, o pagamento do preço como expressão de
que acceita a coisa vendida.

Direito anterior — Semelhante (Ord., 4, 1, § 2.°, in fine). Po


art. 207, n. III, do Codigo Commercial, poder-se-ia inferir pre-
ceito differente, pois ahi se diz que a tradição real suppre a falta
do sabor nas coisas, que se devem gostar. Mas o ponto de vista
dessa disposição é o dos riscos antes da entrega, e, no caso de
que se occupa o Codigo Civil nesta secção, a coiga vendida se
suppõe entregue ao comprador para experimentar. A gustação do
Codigo Commercial tem alcance e intuito diversos.
Degislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigo 225; Civil allemão, 496; argentino, 1.378. Não ha identidade
absoluta nos dispositivos destes Codigos.
Projectos — Esboço, art. 2.077; Beviláqua, 1.288; Revisto,
1.294.

Observação — O prazo, dentro do qual o comprador deve


fazer a sua declaração de agrado ou desagrado, será estipulado no
contracto ou fixado judicialmente, a pedido do vendedor. Se, es-
gotado o prazo, o comprador se conserva silencioso, considera-se
perfeita a venda. Ha presumpção legal de acceitação. Se a con-
dição estipulada fôr snspensiva, a lei considera, definitivamente.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTEACÍTOS 315

concluida a venda, se o preço fôr pago, sem que o comprador faça


reserva alguma.

Art. 1.147 — Não havendo prazo estipulado


para a declaração do comprador, o vendedor
terá direito a intimal-o, judicialmente, para que
o faça em prazo improrogavel, sob pena de con-
siderar-se perfeita a venda.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 1.379;
suisso das obrigações, 224, 2.a parte; allemão, 496, in médio. O Co-
digo Civil austríaco estabelece um prazo de tres dias para as
coisas moveis, e de um anno para as immoveis, se o não tiverem
fixado as partes por convenção (art. 1.082). O direito romano
dava um prazo geral de sessenta dias, para que o comprador re-
dhibisse a coisa vendida com a clausula a contento, se as partes
não prefixassem tempo certo para a restituição. Mas era permit-
tida a convenção ut in perpetuum, veclhibitio fiai (D. 21, 1, fr. 31,
§ 22).
Projectos — Esboço, art. 2.079 (fonte); Felicio dos Santos,
2.033; Beviláqua, 1.289; Revisto, 1.295.

Observação — Para que a perfeição da compra nãó ficasse


entregue ao arbítrio do comptador, era necessário que a lei to-
masse uma providencia, ou fixando um prazo legal para a decisão
do comprador, ou autorizando o vendedor a intimal-o, judicial-
mente, para tomar a sua resolução sobre a conclusão do con-
tracto. O Codigo preferiu este segundo expediente, porque as cir-
cumstancias e a natureza cio objecto poderiam variar, considera-
velmente, e o prazo legal poderia, umas vezes, ser. insufficiente, e,
outras, excessivo.

Art. 1.148 — O direito resultante da venda


a contento é simplesmente pessoal.
316 OODIGO CIVIL

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Sem correspondência.
Projectos — Este artigo originou-se de proposta de Amabo
Cavalcanti á Commissão da Gamara (Trabalhos, VI p. 381).
Felicio dos Santos, art. 2.036 estabelece regra differente: o di-
reito de declarar o comprador se se contenta com a coisa vendida
passa aos seus herdeiros.

Observações — 1. — Com a dicção — simplesmente pessoal,


quer o Codigo significar que esta relação jurídica se não trans-
fere a outras pessoas, que não sejam os contractantes, seja por
acto inter vivos, seja por disposição de ultima vontade. No ar-
tigo 928 esta mesma idéa é traduzida pelo vocábulo personalíssimo,
sem duvida preferivel, porque toda obrigação é pessoal, é vinculo
entre pessoas, é jus aã rem.
2. Deste caracter do direito do comprador resulta a sua
extincção, se fallece o comprador, porque ao seu gosto individual
é que a coisa foi submettida. Mas, se fallecer o vendedor, antes
de manifestar-se a vontade do compraddr sobre a acceitação, sub-
siste o direito do comprador em relação aos successores do pri-
meiro .
Se o comprador alienar a coisa adquirida com o pacto ãis-
plicentiae, a venda considera-se perfeita. Entende-se que usou da
coisa como dono e nã-o como simples commodatario; e ao ter-
ceiro não passa o direito de devolvel-a se não agradar, porque o
acto da alienação implica declaração de agrado.

Da preempção ou preferencia

Art. 1.149 — A preempção, ou preferencia,


impõe ao comprador a obrigação de offerecer
ao vendedor a coisa, que aquelle vae vender, ou
dar em pagamento, para que este use de seu di-
reito de prelação na compra, tanto por tanto.

Direito anterior — Nada dispunha a respeito.


Legislação comparada — Codigo Civil austríaco, art. 1.072;
argentino, 1.368; allemão, 504; mexicano, 2.303; peruano, 1.435.
Projectos — Esboço, art. 2.014; Beviláqua, 1.290; Revisto,
1.296.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACttOS 317

Bibliographia — Direito das obrigações, § 137, 5.°; M. I. Car- .


valho de Mendonça, Contractos, I, n. 152; Kohler, Lehrbuch, II,
§ 118; Debnbubg, Panei., II; Bndemann, Lehrhuch, I, § 162, IV;
Bonjean, Institutes, II, ns. 2.678 e segs.

Observação — Sendo o direito de preferencia méramente


pessoal, não acompanha a coisa alienada. Se o comprador, ao
alienal-a, deixa de offerecel-a áquelle que lh'a vendeu, nem por
isso a venda é nulla. Apenas o primeiro vendedor tem acção para
exigir, do primeiro comprador, perdas é damnos pelo não cum-
primento da obrigação de offerecer-lh'a.

Art. 1.150 — A União, o Estado, ou o Mu-


nicipio offerecerá ao ex-proprietario o immovel
desapropriado, pelo preço por que o foi, caso não
tenha o destino, para que se desapropriou.

Direito anterior — Carlos de Carvalho, argumentando com


o fim da lei e com a jurisprudência do Supremo Tribunal, for-
mulou o art. 855 do seu Direito civil, dando ao desappropriado di-
reito de reivindicar o bem que não teve a applicação de utilidade
ou necessidade geral, em virtude da qual se operou a desapro-
priação.
Legislação comparada — Vejam-se a lei franceza de 3 de
Maio de 1841, art. 60; e a italiana, de 25 de Junho de 1865, ar-
tigo 60.
Projectos — Este artigo é accrescimo da Commissão do Go-
verno (Actas, p. 241); Projecto revisto, art. 1.297.
Bibliographia — Solidonio Leite, Desapropriação por utili-
dade publica n. 49; Viveiros de Castro, Direito administrativo,
n. LIV: Direito, vol. 67, p. 48, onde se encontra sobre esta ma-
téria, o accórdão do Supremo Tribunal Federal, de 30 de Março
de 1895.

Observações — 1. — O poder publico desapropria o bem do


patrimônio individual, em attenção a fins superiores, de neceesi-
318 CODIGO CIVIL

dade ou utilidade publica. Deve applical-o, precisamente, ao fim


pelo qual justificou a desapropriação. Se não se executam as.obras,
que exigiram a conversão da propriedade particular, reappaiece
o direito individual, Por isso, o Codigo Civil manda que a União,
o Estado, ou o Município, segundo o caso, offereça, ao ex-proprie-
tario, o immovel desapropriado, pelo preço da desapropriação, caso
não se executem as obras.
2. — Deste dispositivo podem ser tiradas as seguintes infe-
rencias;
a) A lei fala de immoveis, porque são elles o objecto mais
commum das desapropriações; porém os moveis desapropriados
devem estar sujeitos ao mesmo preceito.
b) O poder publico offerece a coisa desapropriada, ao ex-pio-
prietario. Este poderá não acceital-a, e a coisa permanecera no
patrimônio do desapropriante.
c) O ex-proprietario, por isso que perdeu o seu domínio, não
tem no direito de reivindicação, que, erroneamente, se lhe reco-
nhecia, outUora; mas, sim, o direito de preempção, aliás sob a
fôrma particular de não depender da alienação da coisa e, sim,
tão somente de não lhe ser dado o destino para que se desapro-
priou. O systema do Codigo é mais conforme ao rigor dos prin-
cípios.
d) Se a União, o Estado ou o município, não cumprir a sua
obrigação de offerecer o bem ao ex-proprietario, no caso previsto
pelo art. 1.150, incorrerá em perdas e damnos (art. 1.156). Aliás,
o ex-proprietario poderá tomar a iniciativa de fazer valer o seu
direito de prelação, se o bem não tiver o destino para o qual foi
desapropriado.
3. _ Sob o titulo de Retrocessão nas desapropriações por ne-
cessidade ou utilidade publica, escreveram os Drs. L. B. da
Gama Cerqueira e JoÃo da Gama Cerqueiba um estudo sobie o
direito do proprietário readquirir o bem desapropriado, a que não
foi dado o destino para que se desapropriou. E' monograplna, que
exhaure o assumpto. F. Whitaker, Desapropriação, também con-
sagra excellente capitulo á retrocessão.
4 o art. 10 do decreto-lei n. 3.365, de 21 de Julho de
1941 dispõe: "A desapropriação deverá efetivar-se mediante
acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco annos, con-
tados da data da expedição do respectivo decreto e, findos os
quaes, este caducará. Neste caso, somente decorrido um anno,
poderá ser o mesmo bem objecto de nova declaração .
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTEAtíTOS 319

Art. 1.151 — O vendedor pôde também exer-


cer o seu direito de prelação, intimando-o ao
comprador, quando lhe constar que este vae ven-
der a coisa.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Pelo direito allemão, Codigo Civil,
art. 505, este direito é sempre exercido pelo vendedor.
Projectos — Beviláqua, art. 1.291; Revisto, 1.298.

Observação — O comprador submettido á cláusula de pre-


empção é obrigado a offerecer ao vendedor a coisa, que vae ven-
der; por seu lado, o vendedor tem o direito, quando lhe constar
que a coisa vae ser vendida, de intimar ao comprador a sua pre-
ferencia. Esta intimação mostra que o vendedor está vigilante, e
poderá impedir á realização do negocio apenas projectado, com
intuito de sacrificar o seu direito.

Art. 1.152 — O direito de preempção não se


estende senão ás situações indicadas nos arts.
1.149 e 1.150, nem a outro direito real, que não
a propriedade.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 1.392;
austríaco, 1.078. Veja-se, também, o allemão, art. 512.
Projectos — Eshoço, art. 2.090; Beviláqua, 1.292; Revisto,
1.299.

Observação — Se o direito de preempção é convencional, só


se applica ao caso de venda ou de dação em pagamento, que eqüi-
vale a venda. Nas alienações forçadas por execução judicial ou
por desapropriação fundada em utilidade publica, e nas consti-
tuições de servidão, usofructo ou outros ônus reaes, não ha en-
sanchas para o exercício do direito de preferencia.
320 CODIGO CIVIL

Se a preempção resulta do que prescreve o art. 1.150 (pre-


empção legal), o vendedor só o pôde exercer, no caso de não ser o
bem applicado ao destino para que se desapropriou. Se apenas
uma parte do bem fôr utilizada, a União, o Estado, ou o Muni-
cipio, deve offerecer a parte restante ao ex-proprietario.

Art. 1.153 — O direito de preempção cadu-


cará, se a coisa fôr movei, não se exercendo nos
tres dias, e, se fôr immovel, não se exercendo
nos trinta subsequentes áquelle, em que o com-
prador tiver affrontado o vendedor.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil austriaco, art. 1.075
(vinte e quatro horas para os moveis e trinta dias para os im-
moveis); argentino, 1393 (tres dias para os moveis e dez para
os immoveis); alemão, 510, 2." parte (uma semana pata os
moveis e dois mezes para os immoveis); mexicano, 2.034-2.035.
V., ainda, o suisso, 681.
Projectos — Esboço, art. 2.091, 1.° e 2.°; Beviláqua, 1.293 e
1.294; Revisto, 1.300.

Observações — 1. — Na primeira edição do Codigo Civil,


escapara um erro typographico á revisão deste artigo. A palavra
final era devedor e não vendedor, como se lê agora.
2. — o comprador deve communicar o preço, que lhe offe-
recem. Emquanto não se der essa communicação, não começa a
correr o prazo. Este, porém, uma vez iniciado, não se interrompe,
nem suspende. O prazo é de caducidade de direito, não de pre-
scripção de acção.

Art. 1.154 — Quando o direito de preempção


fôr estipulado a favor de dois ou mais indivíduos
em commum, só poderá ser exercido em relação
á coisa no seu todo. Se alguma das pessoas, a
DAS VAEIAS ESPECIES DE CONTEACfrOS 321

quem elle toque, perder, ou não exercer o seu


direito, poderão as demais utilizal-o na forma
sobredita.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art 513
(fontç).
Projectos — Nenhum dos Projectos contém artigo corres-
pondente. Foi a Commissão da Gamara que o inseriu, por emenda,
que apresentou Amaro Cavalcante.

Observação — A disposição do art. 1.143, a respeito da re-


trovenda, differe da que se contém no artigo ora examinado. Não
ha sj-metria entre os dois artigos, como ha entre os arts. 502 e
513 do Codigo Civil allemão. Ao contrario, as providencias dif-
ferem consideravelmente. O direito de preferencia deve ser exer-
cido, conjunctamente, por todos os consortes, mas se um delles
o não quizer exercer, estão os outros livres para agir. Dado o
mesmo facto em relação ao resgate, caducará o direito de todos

Art. 1.155 — Aquelle que exerce a prefe-


rencia está, sob pena de a perder, obrigado a
pagar, em condições eguaes, o preço encontra-
do ou ajustado.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil austríaco, art. 1.077-
argentino, 1.393, 2.° e 3.° períodos; mexicano, 2.036. Veja-se,
também, o allemão, art. 505, 2.11 al.
Projectos — Esboço, art. 2.081, 3.° e 4.°; Beviláqua, 1.295;
Revisto, 1.301.

Observação — O direito de preempção consta do contracto.


Neste se dirá se o vendedor deve pagar o preço e satisfazer as
vantagens encontradas pelo comprador ou se estipulará preço
certo ou approximado, para a preferencia. A essas duas hypotheses
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 21
322 CODXGO CIVIL,

se refere o artigo nas palavras — o preço encontrado ou o ajus-


tado.
O exercício do direito de preferencia importa em um novo
contracto de venda, cujo preço ficou, préviamente, combinado,
embora não defenitivamente fixado, no primeiro.

Art. 1.156 — Responderá por perdas e da-


mnos o comprador, se ao vendedor não der scien-
cia do preço e das vantagens, que lhe offere-
cem pela coisa.

Direito anterior — Omisso.


Degislação comparada —- Codigo Civil austríaco, ait. 1.07J,
argentino, 1.894.
Projectos — Esboço, art. 2.092, 2.a; Beviláqua ,1.296, Re-
visto, 1.302. •

Observação :— O comprador responde por perdas e damnos,


por ter impedido o vendedor de exercer o seu direito de pre-
empção; mas a venda por elle realizada é valida.
A responsabilidade do comprador é a mesma, se, dolosamente,
fôr inexacto nas suas declarações ao vendedor, acerca do preço
e das vantagens encontradas, afim de afastal-o.

Art. 1.157 — O direito de preferencia não


se pôde ceder nem passa aos herdeiros.

Direito anterior — Omisso.


Degislação comparada — Codigo Civil austríaco, art. 1.074,
argentino, 1.396; mexicano, 2.038; peruano, 1.448. Veja-se, tam-
bém, o allemão, artigo 514.
Projectos — Esboço, art. 2.094; Beviláqua, 1.297; Revisto,
1.303.

Observação — Outro direito personalíssimo, como o de venda


a contento. Veja-se o commentario ao art. 1.148.
DAS VAEIAS ESPECIES DE CONTKAtíTOS 323

Do pacto de melhor comprador

Art. 1.158 — O contracto de compra e venda


pode ser feito com a clausula de se desfazer, se,
dentro em certo prazo, apparecer quem offereça
maior vantagem.
Paragraplio único. Não excederá de um
anno esse prazo, nem essa clausula vigorará se-
não entre os contractantes.

Direito anterior — A doutrina conhecia a especie, mas a lei


era omissa, salvo o subsidio do direito romano.
Legislação comparada — Não ha uniformidade nos disposi-
tivos. Vejam-se os seguintes; D. 18, 2, fr. 1; Codigo Civil aus-
tríaco, arts. 1.083 e 1.084; argentino, 1.369, 1.398 e 1.400; chileno,
1.886; uruguayo, 1.742, 1.743 e 1.746.
Projectos — Esboço, arts. 2.015, 2.097, 2.a al., e 2.104; Bevi-
láqua, 1.298; Revisto, 1.304. A parte final do paragrapho único
é acréscimo da Commissão da Gamara, mediante emenda de
Amaro Cavalcanti {Trabalhos, IV. p. 382).
Bibliographia — Direito das obrigações, § 137, l.a; M. I. Car-
valho de Mendonça, Contractos, I, n. 148; Coelho da Rocha, Inst.
§820; Windscheid, Pand., II, § 387, in fine, e nota 16; Dernbtjrg,
Pand., II, § 95, in fine; Bonjean, Institutes, II. ns. 2.674, 2.679
e 2.680.

Observações — 1. — Por maior vantagem, entende-se preço


mais elevado ou algum elemento, que traga beneficio ao vendedor,
como sejam garantias maiores, pagamento immediato, e seme-
lhantes .
Essas vantagens, porém, devem ser reaes. Não basta que o
vendedor lhes affirme a existência, cumpre que. effectivamente
existam, para que as denuncie ao comprador.
2. • Emquanto a venda não se desfaz, são do comprador os
fructos colhidos, sem que por elles tenha que indemnizar o
vendedor.
324 OODIGO Cd VIL

Art. 1.159 — O pacto de melhor comprador


vale por condição resolutiva, salvo convenção em
contrario.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 1.398.
Vejam-se, também, o austríaco, art. 1.083, in fine, e 1.084, initio.
Direito romano: D. 18, 2, fr. 2, pr.
Projectos — Esboço, art. 2.095; Beviláqua, 1.299; Revisto,
1.305.

Observação — Realizada a venda com a clausula de melhor


comprador, a coisa é entregue ao adquirente e o preço ajustado
é pago, se não foi concedido prazo para o pagamento. A venda
está concluída, e a condição a que está subordinada de se des-
fazer, se o vendedor encontrar offerta mais vantajosa, é reso-
lutiva. As partes,1 porém, poderão convencionar coisa diversa,
e considerar que o contracto sómente se reputará perfeito, se
dentro do prazo estipulado não apparecer melhor comprador.
Neste caso, a adãictio in ãiem será condição suspensiva.

Art. 1.160 — Esse pacto não pode existir nas


vendas de moveis. -

Direito anterior — Omisso,


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 400.
Projectos — Esboço, art. 2.097; Beviláqua, 1.300; Revisto,
1.306.

Observação — A coisa movei não se presta a ser objecto desta


modalidade de venda, porque se transfere com facilidade, passa
de mão em mão, sem que denuncie a clausula, a que se acha sub-
mettida. Os immoveis, porém, transferem-se de modo mais so-
lemne, a clausula constará de registro, e os interesses das partes
podem ficar mais resguardados.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTBACTOS 325

Art. 1.161 — O comprador prefere a quem


offerecer eguaes vantagens.

Direito anterior — Omisso; mas havia o subsidio do direito


romano.
Degislação comparada — D. 18, 2, frs. 6, § 1.; 7 a 9; Codigo
Givil argentino, art. 1.401. Veja-se, também, o austriaco, 1.085.
Projectos — Esboço, art. 2.098; Beviláqua, 1.301; Revisto,
1.307.

Observação — Para que se resolva a venda, é necessário que


appareça' offerta mais vantajosa, meliorem conditionem oblatam,
como diz Ulpiano. Se a nova offerta fôr inferior, não se realiza
a condição estabelecida. Outro alcance, porém, apresenta o artigo,
e é que, se o comprador fizer ao vendedor as mesmas vantagens,
que lhe são offerecidas, terá preferencia.

CONSELHO R1 C-1 )\éL DO TRABALHO


REGIÃO
Art. 1.162 — Se, dentro no prazo fixado, o
vendedor não acceitar proposta de maior vanta-
gem, a venda se reputará definitiva.

Direito anterior —• Omisso: mas o preceito é conseqüência


natural da clausula de melhor comprador.
Degislação comparada — Sem correspondência directa.
Projectos — Esboço, art. 2.089; Beviláqua, art. 1.302; Re-
visto, 1.308.

Observação — Seja a clausula resolutiva ou suspensiva, a


venda ficará definitiva, se a não utilizar o vendedor. Mas o dispo-
sitivo acima quer significar, ainda, que o prazo fixado não se sus-
pende, nem interrompe. O direito do vendedor caduca, eis que se
passa o tempo marcado, para que elle acceite proposta de melhor
vantagem.
Do pacto commíssorio

Art. 1.163 — Ajustado que se desfaça a ven-


da, não se pagando o preço até certo dia, poderá
326 CODIGO CIVIL

o vendedor, não pago, desfazer o contracto ou


pedir o preço.
Paragrapho único. Se, em dez dias de ven-
cido o prazo, o vendedor, em tal caso, não recla-
mar o preço, ficará de pleno direito desfeita a
venda.

Direito anterior — A Orã., 4, 5, § 3., regulava o pacto com-


missorio. Veja-se, também, Teixeira de Freitas, Consolidação, ar-
1
tigos 532 e 533.
Degis»iição comparada — D. 18, 3, fr. 4, §§ 2.° a 4.°, e fr. 7;
Codigo Civil chileno, arts. 1.877-1.880; uruguayo, 1.■737-1.741;
francez, 1.656; argentino, 1.374-1.376. Não dispõem, uniforme-
mente, as legislações citadas.
O Codigo Civil mexicano, arts. 3.312 a 3.315, regula o caso
de venda com reserva da propriedade, considerado o comprador,
emquanto não pago o preço, como simples locador. O peruano,
art. 1.426, trata da venda com reserva de propriedade, dando ao
juiz o direito de reduzir as vantagens do vendedor no caso de
não serem pagas todas as prestações, attendida a particularidade
da especie.
Projectos — Esboço, arts. 1.921 e 1.922; Revisto, 1.309. Este
artigo é devido, em parte, á Comissão do Governo (Actas, pa-
gina 242) e, em parte, á Gamara {Trabalhos, VI, p. 382).
Bibliographia — Direito das obrigações, § 137, 3.° M. I. Car-
valho de Mendonça, Contractos, I, n. 150; Coelho da Rocha, Inst.,
§ 821; Huc, Commentaire, X, ns. 168-172; Plakiol, Traité, II, nu-
mero 1.260; João Luiz Alves, Codigo Civil annotado, ao artigo
1.163; Bonjean, Institutes, II, ns. 2.677 e 2.679.

Observação —- O pacto commissorio não é mais do que uma


clausula resolutiva, que se subentende em todo contracto bilateral
(art. 1.092), porém, que o art. 1.163 regula, especialmente, em
relação á compra e venda, quando expresso, em proveito do ven-
dedor. Aliás modifica o systema do Codigo, dando, ao prazo
um supplemento de dez dias para que esse opere, de pleno di-
reito, a resolução da venda.
O direito decorrente da lei commissoria pôde ser exercido
pelos successores do vendedor contra os do comprador.
DAS VARIAS ESPECIES DE ÒONTRACTOS 327

CAPITULO II

Da troca

Art. 1.164 — Applicam-se á troca as dispo-


sições referentes á compra e venda, com as se-
guintes modificações;
I. Salvo disposição em contrario, cada um
dos contractantes pagará por metade as despe-
sas com o instrumento da troca.
II. E' nnlla a troca de valores deseguaes
entre ascendentes e descendentes, sem consen-
timento expresso dos outros descendentes.

Direito anterior — Semelhante (0r(?., 4, 12, e 4, 38, pr.;


Carlos de Carvalho, Direito civil, arts. 1.084-1.087). Veja-se,
também, Codigo Commercial, arts. 221-225.
Degislação comparada — Quanto ao principio do artigo:
D. 19, 4, fr. 1, § 2.°; e 19, 5, fr. 5, § 1.°; Cod., 4, 64, 1 2 (note-se,
entretanto que a permuta era, em direito romano, um contracto
real, ao passo que a compra e venda era consensual); Codigo
Civil francez, arts. 1.702 a 1.707; italiano, 1.549 a 1.555; allemão,
515; suisso das obrigações, 237; portuguez, 1.592 a 1.594; hes-
panhol, 1.538 a 1.5'41; argentino, 1.485 a 1.492; chileno, 1.897
a 1.900; uruguayo, 1.769 a 1.775; venezuelano, 1.602 a 1.607;
peruano, 1.465: boliviano, 1.123 e 1.128; mexicano, 2.331; ja-
ponez, 586.
Projectos — Eshoço, arts. 2.113-2.118; Felicio dos Santos,
2.084-2.087; Coelho Rodrigues, 671-677; Beviláqua, 1.303; Revisto,
1.234.
Bibliographia —t Direito das obrigações, § 128; M. I. Car-
valho de Mendonça. Üontractos, II, ns. 163-166; Teixeira de Frei-
tas, Consolidação, nota (1) ao art. 5'l0; Coelho da Rocha, Inst.,
§ 804; Hud. Commentaire, X, ns. 244-246; Planiol, Traité, II
ns. 1.716-1.720; Aijbry et Raxj, Cours, V, § 360; J. X. Carvalho
de Mendonça, Tratado, VI 2.a parte, ns. 809-810.

Observação — Troca é o contracto pelo qual as partes se


obrigam a dar uma coisa por outra, que não seja dinheiro. Como
328 CODIGO CÍIVIL

a venda, é o domínio das coisas que a permuta transfere. Como


a venda, é um contracto consensual, Como a venda, presuppõe
a garantia das coisas, que são objectos do contracto. Falta-lhe,
porém, o preço, que é o valor traduzido na sua medida commum,
a moeda. E dessa differença resultam as regras especiaes que o
nosso artigo estabelece.

CAPITULO III

Da doação

SECÇÃO I

Disposições geraes

Art. 1.165 — Considera-se doação o con-


tracto, em que nina pessoa, por liberalidade,
transfere do seu patrimônio bens ou vantagens
para o de outra, que os açceita.

Direito anterior — Não havia definição legal de doação.


Degislação comparada — D. 39, 5, fr. 29, pr.: donari viãetur
guoã nullo jure cogente conditur; fr. 19, § 2.°: non potest lide-
ralistas nolenti adquiri; 39, 6, fr. 35, § 1.°: donatio dieta est a dono
quasi dono ãatum; Codigo Civil francez, art. 894; italiano, 1.050;
austríaco, 938; allemão, 516, l.a; portuguez, 1.452; hespanhol,
618; argentino, 1.789; chileno, 1.386; uruguayo, 1.613; venezue-
lano, 1.127; suisso das obrigações, 239; peruano, 579 e 581; boli-
viano, 662; mexicano, 2.332; do Montenegro, 896; japonez, 549;
peruano, 1.466.
Projectos — Esboço, art. 2.119; Felicio dos Santos, 2.372;
Coelho Rodrigues, 990; Beviláqua, 1.304; Revisto, 1.325.
Bibliographia — Direito das obrigações § 87; M. I. Car-
valho de Mendonça, Contractos, I, ns. 1 e segs. Teixeira de
Freitas, Consolidação, nota (1) ao art. 411; Almachio Diniz,
Obrigações, ns. 168 e segs.; Dionysio Gama, Contractos, ns. 282
e segs.; S. Vampbé, Manual, III, §§ 27 e segs.; Coelho da Rocha,
Inst., §§ 750 e segs.; Planiol, Traité, III, ns. 2.499 e segs.; Huc,
Commentaire, VI, ns. 1 a 7; Laurent, Cours, II, ns. -202 e 203;
Zachariae, Droit civil français, III, ns. 415 e ségs.; Atjbry et Rau,
Cours, X, §§ 646, 675 e 676, XI §§ 701 a 709; Code Civil allemand,
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRAOTOS 329

publié par le Comitê de lêg. étr., II, ao art. 516; Deenburg, Panã.;
II, § 106; Kohxer, Lehrbuch, II, §§ 280 e segs.; Windscheid, Panã.,
II, § 365; Savigny, Droit romain, IV, §§ 142 e segs.; Jhering, Der
Zweck im RecM, I, ps. 276 e segs., da 2." ed.; Endemann, Lehr-
huch, §§ 164 e segs.; Tiro Preda, vb Donazione, no Dizzionario
de Sdialoja e Busxvm; Chironi, Ist., II, § 345; Ascoli, Delle
ãonazioni, §§ 1.0-12; Sanchez Roman, Dereçho civil, IY, cap.
XXII; Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez, III, ao art. 1.452;
Rivarola, Derecho civil argentino, II, ns. 734 e segs.; Fábio
Leal, Parecer, nos Tralalhos da Cantara, II, ps. 185 e segs.;
Teixeira de Sá, Parecer, nos Trabalhos cit., ps. 139 e segs.

Observações — 1. — Os Codigos, que seguiram a distribuição


das matérias do francez, collocaram a doação ao lado dos testa-
mentos, entre os vários modos de se adquirir' a propriedade.
Outros, porém, como o portuguez, o argentino, o allemão, o suisso
das obrigações, deram á doação o seu posto verdadeiro entre as
diversas figuras de contractos. O brasileiro seguiu esta corrente
mais conforme ás normas de uma bôa classificação, e destacou
a doação, logo em seguida á venda, por ser o contracto benefico
typo, em contraposição ao contracto oneroso por excellencia.
2. — O art. 1.165 nos offerece uma definição legal satisfa-
ctoria de doação. Abi se accentuam; o) a natureza contractual,
o que presuppõe capacidade do doador e objecto licito; b) o animo
liberal; c) a translação do direito, do patrimônio do doador para
o do donatário; d) a acceitação deste.
O Codigo desconhece a doação não acceita, ou cuja accei-
tação é presumida, ou em que o tabellião se substitue ao donatário,
como admittia o direito anterior, quando a liberalidade era pura
e simples.
O Codigo levanta, em geral, a incapacidade das pessoas, para
que possam acceitar doações puras (art. 1.170), e concede que
os paes acceitam em nome do nascituro (art. 1.169).
Nas doações feitas por causa de casamento, a acceitação re-
sulta do proprio enlace matrimonial, se não ha manifestação en^
contrario.
3. ge o doador fallecer antes da acceitação por parte do
donatário, resolve-se a doação, porque o contracto não chegou
a firmar-se. A solução contraria, não obstante a autoridade de
Demolombe, do Codigo Civil argentino, art. 1.795, e de João Luiz
Alves, parece dissonante dos principies.
330 CODIGO CIVIL

Se morrer o donatário antes de manifestar a sua vontade


de acceitar, também e pela mesma razão, caduca a liberalidade.
Com esta solução concordou o legislador argentino (Codigo Civil,
art. 1.796).
4. — O que caracteriza a doação é o animus donanãi: Ha
outi os contractos, como ella, gratuitos, mas em nenhum outro se
observa a intenção de praticar um acto de liberalidade, ou grati-
ficação espontânea. O animus donanãi não está na intenção de
enriquecer o donatário (Savigny), nem nos motivos finalisticos
do acto (Beckek) ; mas na liberalidade, elemento subjectivo pes-
soal do agente, ora beneficente, ora generosa, ora expressão de
estima ou apreço.
Todavia é certo que a doação importa, sempre, na dimi-
nuição do patrimônio do doador e conseqüente enriquecimento
do donatário. E' o elemento objectivo da doação. Assim, a renun-
cia da garantia hypothecaria ou fidejussoria, a prestação gratuita
de um serviço não constituem doação.
Também não é o acto, pelo qual alguém se despoja da sua
pi opriedade, ainda que outrem delia se apodere, sem estar em re-
lação com o demissionário.
6- As doações podiam ser, no direito romano, inter vivos
e mortis causa. Esta ultima era feita sob a condição de que o
doador não sobrevivesse ao donatário, ou indeterminadamente, ou
passado um certo acontecimento previsto. As legislações modernas
não repelliram todas a especie; algumas a conservaram. O direito
francez o italiano, e o hespanhol não se occuparam delia, embora
admittam a elausula da reversão em beneficio do doador. O novo
Codigo Civil mexicano, art. 2.339, remette a doação mortis causa
para o disposto sobre o testamento, admittindo-a, entretanto, entre
cônjuges, de accôrdo com o que dispõe nos arts. 232-234, isto é,
torna definitivas essas doações, somente depois da morte do
doador. O portuguez, art. 1.457, submette as doações que tenham
de produzir effeito por morte do doador, ás regras do testamento,
abrindo excepção para as que se fizerem em attenção a casamen-
to. O Codigo Civil brasileiro também seguiu esta orientação. Não
conhece a doação mortis causa> salvo se fôr propter nuptias
(art. 314); porém permitte que a coisa doada possa, mediante
elausula expressa, volver ao patrimônio do doador (art. 1.174).
A operação eliminatória foi muito fácil, porque a doação mortis
causa existia, entre nós, simplesmente, como persistência do
direito romano. Nenhuma lei a consagrava, de modo expresso.
DAS VARIAS ESPECIES DE COXTEACTOS 331

7. — Acordão das Camaras Reunidas da Côrte de Apellação


do Districto Federal, em Revista ão Supremo Tribunal, vol. LXII,
ps. 592-594: "Em face do nosso direito a doação causa-mortis só
pôde produzir effeito, revestindo a forma de legado ou testa-
mento". Esta decisão, que é conforme ao nosso direito, foi con-
firmada pelo Supremo Tribunal Federal (Revista citada vo-
lume LXIII, ps. 512 e 513).

Art. 1.166 — O doador pôde fixar prazo ao


donatário, para declarar se acceita, ou não, a li-
beralidade. Desde que o donatário, sciente do
prazo, não faça, dentro nelle, a declaração, en-
tender-se-á que acceitou, se a doação não for
sujeita a encargo.

Direito anterior —• Não havia disposição expressa.


Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 516, 2.a
parte.
Projectos — BevilaQua, art. 1.305; Revisto, 1.326.

Observações — 1. — A acceitação é elemento necessário á


doação, pois que é um contracto, embora de natureza benefica,
e, ordinariamente, unilateral. Não é, porém, necessário que a
acceitação seja expressa (art. 1.079). Um dos modos de acceitação
tacita é o estabelecido neste artigo; o doador fixa um prazo para,
dentro delle, o donatário declara se acceita a doação; se este
ultimo, sciente do prazo, se remette ao silencio, entende-se que
acceitou.
2. Esta acceitação, por inferencia, ou por falta de declara-
ção em contrario, só é admittida nas doações puras. Nas modaes
é indispensável a declaração expressa da acceitação. Do silencio
do donatário deve induzir-se, esgotado o prazo, a recusa, quando
a doação fôr acompanhada de encargo.

Art. 1.167 — A doação feita em contempla-


ção do merecimento do donatário não perde o
332 codigo cavn.

caracter de liberdade, como o não perde a


doação remuneratoria, ou a gravada, no exce-
dente ao valor dos serviços remunerados, ou ao
encargo imposto.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente.


Legislação comparada — Codigo Civil italiano, art. 1.051;
hespanhol, 619 e 622; austríaco, 940; venezuelano, 1.128. Vejam-se,
também: portuguez, art. 1.454, 3.° e 4.°, e 1.455; argentino, 1.822,
1.826 e 1.827; do Montenegro, 897 e 898.
Projectos — Esboço, art. 2.121; Felicio dos Santos, 2.378 a
2.380; Coellio Rodrigues, 991; Beviláqua, 1.306; Revisto, 1.327.

Observações — 1. — Distingue o Codigo, neste artigo, tres


especies de doação: a) a feita em contemplação do merecimento
de alguém; &) a remuneratoria; c) a gravada de encargo. Estas
duas ultimas tomam a denominação de onerosas. E taes, egual-
mente, se consideram os dotes e doações para casamento, nas
quaes o encargo ê manifesto.
2- Na doação feita em contemplação do merecimento de
alguém e na remuneratoria, a causa da liberalidade nã-o se escon-
de. Mas, na primeira essa causa é, apenas, a manifestação de um
sentimento individual, que nenhum alcance tem sobre a natureza
do acto. Na segunda, a causa é a intenção de recompensar serviços,
que podem ser estimados economicamente, porém, que não con-
stituem divida exigivel.
3. — O encargo é uma prestação imposta ao donatário. Na-
quillo em que a doação exceder ao encargo, haverá liberalidade:
emquanto houver equivalência, a doação será contracto oneroso.
O Codigo applica o mesmo principio ^ doação remuneratoria:
mas não é muito para applaudir-se a sua decisão, que, de certo
modo, desnatura o acto.
E' certo que a doação remuneratoria não está sujeita a re-
jeição por vicio redhibitorio, pois o art. 1.101, somente faz refe-
rencia ás gravadas com encargo. Mas não está insenta da respon-
sabilidade pela evicção na parte equivalente ao valor do serviço
remunerado.
DAS VARIAS ESPECXES DE OONTRACTOS ' 333

Art. 1.168 — A doação far-se-á por escriptu-


ra publica ou instrumento particular (art. 134) .
Paragrapbo único. A doação verbal será
valida, se, versando sobre bens moveis e de pe-
queno valor, se lhe seguir, in continenti, a tra-
dição .

Direito anterior — Differente. A escriptura publica era sub-


stancial nas doações, que devessem ser insinuadas, isto é, nas de
valor excedente a 360$000, sendo feitas por varão, e de 180|000,
sendo feitas por mulher (Orã., 4, 19, pr.; 4, 62, pr.; Teixeira
de Freitas, Consolidação, arts. 411 e 413; Carlos de Carvalho,
Direito Civil, art. 1.195). Quanto : os dons manuaes, Carlos de
Carvalho, op. cit., art. 1.209.
Liegislação comparada — O Codigo Civil francez, art. 931, o
italiano, 1.056, e o venezuelano, 1.133, exigem para a doação,
em todos os casos, instrumento publico. Pelo austríaco, art. 943,
é necessário um escripto, para que o donatário possa exigir o
cumprimento da obrigação. O allemão, 518, quer a promessa
de doação revestindo forma authentica, mas declara que, realizada
a promessa, remediado fica o defeito de forma. Semelhantemente
dispõe o japonez, 550. O suisso das obrigações pede fôrma escripta
para a promessa de doação; e, se o objecto do contracto fôr im-
movel, fôrma authentica (art. 243). A doação de coisas moveis,
pôde ser manual, a de immoveis ou de direitos reaes só se torna
perfeita com a inscripção no registro predial (art. 242). O ar-
gentino consagra os artigos 1.810 a 1.818 á forma das doações.
As de immoveis, as remuneratorias, as oneradas de encargos as
de um cônjuge a outro ou para depois de seu fallecimento e as de
prestações periódicas ou vitalicias, devem, sob pena de nullidade,
ser lavradas ante escrihano publico ou perante o juiz do logar e
duas testemunhas (art. 1.810). As de coisas moveis dispensam
acto escripto; perfazem-se com a tradição (art. 1.815), mas devêm
apresentar os caracteres essenciaes do contracto (1.816). O chi-
leno, art. 1.400, requer, para as doações de immoveis, escriptura
publica. E, em geral, não valem as doações de valor acima de
dois mil pesos, se não se insinuarem (1.401). O uruguayo, artigo
1.619, nega validade á doação de immoveis, que não conste de
escriptura publica. Para o peruano, art. 596, não é valida a
doação, que exceda de quinhentos pesos, se não fôr celebrada por
escriptura publica. Para o mexicano, as doações de coisas moveis
334 CODXGO CIVIL
podem fazer-se verbalmente (art. 2.342); mas, se excederem de
duzentos pesos, hão de autorgar-se por instrumento particular
e, por escriptura publica, se excederem de cinco mil pesos (ar-
tigos 2.343 e 2.344). As de immoveis fazem-se sempre, por es-
cripto publico, e não valem contra terceiro, sem o registro (artigo
2.345).
Projectos Esboço, art. 2.150; Coelho Rodrigues, 1.006;
Beviláqua, 1.308; Revisto, 1.329.

Observação As doações podem celebrar-se por tres formas


diversas:
a) Verbalmente, seguindo-se a tradição immediata, se os ob-
jectos doados forem moveis de pequeno valor. São as doações
manuaes, de uso freqüente na vida social.
b) Por escriptura particular, segundo o preceito do art. 135, se
o objecto doado fôr movei, ainda que de valor considerável, , ou
immovel avaliado em menos de um conto de réis.
c) Por esciiptura publica, se o objecto doado fôr immovel da
valor excedente a um conto de réis.
As doações de immoveis de qualquer valor devem ser tran-
scriptas no registro respectivo, como actos translativos da pro-
priedade.

Art. 1.169 — A doação feita ao nascituro


valerá, sendo acceita pelos paes.

Direito anterior — Omisso.


Degislação comparada — Codigo Civil italiano, art. 1.059,
4-*a a1-: hespanhol, 627; portuguez, 1.479; venezuelano, 1.137, al.
4. . Vejam-se ainda: francez, art. 906; chileno, 1.390; V. mexi-
cano, art. 2.357.
Projectos — Esboço, art. 2.126; Beviláqua, 1.309; Revisto
1.330.

Observações — 1. — o nascituro não tem, ainda, personali-


dade; não poderia acceitar a doação. Mas, desde a concepção, a
lei põe a salvo seus direitos (art. 4.°); por isso, considerando-o
DAS VARIAS ESPECIES DE OONTEACTOS 335
capaz de receber doação, confere ao pae, e, na falta deste, á mãe
qualidade para acceital-a, em seu nome.
Se, porém, a pessoa ainda não estiver concebida, não podem
os paes acceitar doação, que se lhe faça; salvo sob á forma de
fideicommisso convencional, somente admissível nos pactos ante-
nupciaes porque o fideicommisso no direito pátrio está classi-
ficadô como substituição hereditária (art. 1.733 e segs). V.
adiante o art. 1.174.
2. — A doação caducará, não obstante acceita, se o gratificado
nascer sem vida. E' conseqüência irrecusável do systema, que não
reconhece, francamente, a personalidade do nascituro. A accei-
tação pelos paes fôra, apenas, condicional, em attençâo á exis-
tência esperada.
Basta, entretanto, um instante de vida, para que a doação
se torne definitiva, e passe aos herdeiros do donatário.

Art. 1.170 — A's pessoas, que não puderem


eontractar, é facultado, não obstante, acceitar
doações puras.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente.


Legislação comparada — Codigo, Civil hespanhol, art. 626;
portuguez, 1.478. Vejam-se, também: francez, art. 935; italiano,
1.059; peruano, 1.468; e venezuelano, 1.137
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 992; Beviláqua, 1.310;
Revisto, 1.331.

Observações — 1. — Pessoas que não podem eontractar são


os menores de dezeseis annos, os loucos, os surdos mudos (ar-
tigo 5.°). A mulher casada, o maior de dezesseis annos e o prodigo
(art. 6.°) têm a sua capacidade limitada, mas não se lhes nega,
de modo absoluto, a faculdade de eontractar. Os selvicolas estão
submettidos a um regimen especial. Mas o pensamento do Codigo
é que todas essas pessoas, absoluta e relativamente incapazes,
podem acceitar doações puras. Como a doação pura é acto, que so-
mente vantagens pôde trazer ao beneficiado por ella, não ha ne-
cessidade da intervenção dos representantes legaes dessas pessoas
para a sua acceitação.
336 CODIGO CIVIL

Se a doação fôr gravada com encargo, ou sujeita a condição,


deve ser acceita com a intervenção do legitimo representante do
incapaz.
2. — A acceitação das doações puras pelas pessoas incapazes
de contractar, é, naturalmente, tacita. Por direito romano, D. 41,
1, fr. 11, dispensava-se a autoridade do tutor para adquirir; pu-
pillus quantum aã aãquirendum non inãiget tutoris autoritatem.
Isso, porque o tutor é dado ao menor para defendel-o, na sua
pessoa e bens, e a acquisição, por isso mesmo que é proveitosa ao
menor, dispensa a intervenção tutelar. O mesmo pensamento, levou
os legisladores modernos a considerar acceita a doação pura por
pessoas incapazes de contractar. A doação pura é acto essencial-
mente benefico, somente proveito leva ao donatário: entende-se
acceita, sem a intervenção do representante legal do donatário.
Assim é que o Codigo Civil hespanhol, art, 626, estatue: Las
personas que no pueden contratar no podrán aceptar donaciones
condicionales ú onerosas sin la intervención de sus legítimos
representantes. A contrario sensu, podem acceitar doações simples.
Disposição idêntica se encontra no Codigo Civil portuguez, que
accrescenta: "Porém as doações puras e simples, feitas a taes
pessoas, produzem effeito, independentemente de acceitação, em
tudo o que aproveitar aos donatários".
E este é o pensamento do nosso art. 1.170. A lei, facultando
a acceitação aos incapazes, relativamente a doações puras, quer
dizer que essas liberalidades produzem effeito, consideram-se ac-
ceitas, desde que o doador- as realiza. E' o poder social que se
manifesta na lei supprindo a incapacidade do donatário, tor-
nando perfeita a doação, não obstante a incapacidade do donatário,
e afastando, neste caso, a interferência do representante legal,
que somente apparecerá depois, como administrador do patri-
mônio do incapaz.

Art. 1.171 — A doação dos paes aos filhos


importa adeantamento da legitima.

Direito anterior — O mesmo (Ord., 4, 97).


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 1.805;
portuguez, 2.104. Vejam-se também: francez, art. 843; italiano,
991; e suisso, 527.
DAS VARIAS ESPECIES DE OONTRACTOS 337

Projectos — Coelho Rodrigues, art. 907; Beviláqua, 1.311;


Revisto, 1.332.

Art. 1.172 — A doação em forma de subven-


ção periódica ao beneficiado extingue-se, mor-
rendo o doador, salvo se este outra coisa dis-
puzer.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 520;
suisso das obrigações, 252; japonez, 552.
Projectos — Beviláqua, art. 1.312; Revisto, 1.333.

Observação — Este artigo foi inspirado pelo Codigo Civil


allemão, apesar de que, entre nós, era conhecida, e praticada essa
fôrma de doação, que é uma constituição de renda a titulo gra-
tuito. Determina o Codigo que, na falta de disposição em con-
trario, se considera vitalícia, em relação ao doador, o que vale
dizer que a obrigação não se transfere aos herdeiros.
Que se extingue com a morte do donatário era ocioso accres-
centar, pois que a subvenção é beneficio feito á pessoa designada,
herdeiros do beneficiado, que, neste caso, seriam donatários suc-
herdeiros do beneficiado, que, neste caso, seriam donatários sue
cessores.

Art. 1.173 —- A doação feita em contempla-


ção do casamento futuro com certa e determina-
da pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por
terceiro a um delles, a ambos ou aos filhos, que,
de futuro, houverem um do outro, não pôde ser
impugnada por falta de acceitação, e só ficará
sem effeito se o casamento não se realizar.

Direito anterior — Não havia texto expresso de lei, mas h


doutrina era a mesma, com apoio no direito romano e na tradição.
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 22
338 CODXGO OJVIL

liegislação comparada — Inst., 2, 7, § 3.°, initio; D. 23, 3,


fr. 21; Codigo Civil francez, arts. 1.082, 1.087 e 1.088; italiano,
1.062 e 1.068; hespanhol, 1.327-1.333; portuguez, 1.168, 1.169,
1.176 e 1.177.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.004; Beviláqua, 1.313;
Revisto, 1.334.

Observação — A doação feita em contemplação do casamento


obedece a regras especiaes: l.a, Entende-se subordinada á condição
suspensiva: se o casamento se realizar, si nuptiae fuerint secutae.
2.a Dispensa a formalidade da acceitação, que resulta, natural-
mente, da realização do casamento, 3.% Pode ser feita a pessoa de
existência meramente possivel, ainda não concebida: os filhos,
que, de futuro, vierem do casamento. 4.", Sendo feita pelos nu-
bentes não pôde exceder á metade dos bens do doador (art. 312).
^.a, Pôde ser feita para depois da morte do doador, e, neste caso,
aproveita aos filhos do donatário, ainda que este falleça antes do
doador (art. 314).
Vejam-se, ainda, os arts. 256 e 313.

Art. 1.174 — O doador pôde estipular que


os bens doados voltem ao seu patrimônio, se so-
breviver ao donatário.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente, mas


era admissível a clausula de reversão ao doador, que se suben-
tendia nas doações causa mortis. Confira-se com o art. 212 do
Direito civil, de Carlos de Carvalho.
liegislação comparada — Cod., 8, 55, 1. 2; Codigo Civil
francez, art. 951; portuguez, 1.473; hespanhol, 641; uruguayo,
1.628; argentino, 1.841 e 1.842; italiano, 1.071 e 1.072; vene-
zuelano, 1.148 e 1.149.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.375; Coelho Ro-
drigues, 1.007 (differente); Beviláqua, 1.314; Revisto, 1.335.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 94, III; Huc,-
Commentaire, VI, ns. 228-231; Planiol, Traité, III, ns. 2.615-
2.627; Zachabiae, Droit civil, français, III, n. 475; Ascoli, Dona-
DAS VARIAS ESPECIES DE OOATRACTOS 339
zioni, ps. 181-185; Tito Preda, vb. Donazione, no Dizzionario de
Scialoja e Busatti, ns. 67-70.

Observações — 1. — A reversão é uma clausula resolutiva,


usada pelo doador, que não deseja que os bens por elle doados
passem a outras mãos, além do donatário. Se o doador morre
antes do donatário, não se realiza a condição resolutiva, e a^oisa
doada incorpora-se, definitiva e irrevogavelmente, no patrimônio
do beneficiado.
2. — A reversão não se presume, deve ser expressa. O Codigo
Civil só a permitte em favor do proprio doador. Seria sua in-
tenção prohibil-a em beneficio de terceiro? As legislações estran-
geiras são restrictivas; só admittem a reversão em beneficio do
doador, em odio ás substituições fideicommissarias. O direito
pátrio reconhece e regula os fideicommissos até o segundo grau:
todavia, o fideicommisso ha de ser instituído por testamento;
consequentemente nã.o ha reversão em favor de terceiro. No caso
do art. 314, a doação aproveita aos filhos do donatário, e assim
no caso do art. 1.173. Vejam-se esses artigos.
3. — A reversão pôde dar-se, ou no caso de fallecer o dona-
tário antes do doador, ou no de premorrer, sem descendente. No
primeiro caso, a reversão se opera, logo que o donatário fallece.
No segundo, extingue-se a condição resolutiva, desde que morrer
o donatário deixando descendente.
Não faz referencia o Codigo Civil á reversão, se o doador
sobreviver ao donatário e aos seus descendentes. Houve intenção
de afastar esta hypothese pela raridade da sua verificação, e pelas
complicações, que suscita (Huc, Commentaire, n. 230; Planioe,
Traité, III, n. 2.620).
4. — O effeito da reversão é a devolução dos bens doados ao
patrimônio do doador. Resolve-se o domínio do donatário pelo
implemento da condição, e, com elle, se resolvem os direitos reaes
que, por ventura, haja concedido (art. 647).

Art. 1.175 — E' nulla a doação de todos os


bens, sem reserva de parte, ou renda sufficiente
para a subsistência do doador.
340 OODXQO CHVXL

Direito anterior — O mesmo {Orã., 4, 70, § 3.°; Teixeira de


Freitas, Consolidação, art. 425; Carios de Carvalho, Diveito civil,
art. 1.200),.
Legislação comparada — Codigo Civil uruguayo, art. 1.460;
hespanhol, 634; uruguayo, 1.625- boliviano, 671. Yejam-se, tam-
bém: allemão, art. 528; austriaco, 944; chileno, 1.408; francez,
943; italiano, 1.064; mexicano, 2.322.
Para o direito romano: Cod., 8, 54, 1. 35, § 4.°.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.010, § 1.°; Beviláqua,
1.315; Revisto, 1.336.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 92; Bonjean, Insti-
tutes, I, n. 1.158; Derneui^g, Panã., § 106, nota 7; Windscheid,
Pand., § 368; Savigny, Droit romain, IV, n. 159; Ascoli, Dona-
zioni, § 16.
CONSELHD—C1 ^í.l üü TRâOaUk
região
Observação — A doação de todos os bens é uma doação uni-
versal. Ainda que haja reserva de renda sufficiente para a sub-
sistência do credor, deve entender-se respeitado o direito dos
credores, sob pena de poderem estes annullar o acto, por tornar o
devedor insolvente (art. 106). Nemo liberalis nisi liberatus.
Evitar-se-â, porém,- a acção pauliana, se o donatário, com
acquiescencia dos credores, assumir a responsabilidade das di-
vidas do doador. Haverá, nesse caso, novação por mudança do
devedor. E, somente em tal hypothese, poderão os credores agir
contra o donatário, exigindo-lhe o pagamento das dividas do
doador.

Art. 1.176 — Nula é também a doação


quanto á parte, que exceder a de que o doador,
no momento da iberalidade, poderia dispor em
testamento.

Direito anterior — Nro havia disposição de lei a respeito.


E, quanto á doação inofficiosa, a estranho, que alguns autores
consideravam revogavel, por argumento tirado da lei, que asse-
gurava a integridade da legitima, dizia Teixeira de Freitas que
não via isso em lei alguma nossa, nem conhecia exemplo no fôro
(Consolidação, nota (14) ao art. 420). A doação inofficiosa aos
DAS VARIAS ESPECIES DE OONTKACTOS 341

descendentes estava sujeita á reducção. A Ord., 4, 65, § 2.°, refere-


se a doações entre cônjuges; não tem applicação ao caso deste
artigo.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 920;
italiano, 1.091; hespanhol, 636; argentino, 1.830-1.832; portuguez,
1.492; chileno, 1.425; uruguayo, 1.626, 1.® al.; venezuelano, 1.070;
austriaco, 951. Yejam-se, também, o peruano, art. 1.469; o me-
xicano, 2.348; e o allemão, 2.325-2.329.
Direito romano: Cod., 3, 29, Is. 7 e 9.
Projectos — Esboço, arts. 2.173-2.175; Coelho Rodrigues,
1.010, § 2.°; Beviláqua, 1.316; Revisto, 1.337.
Bibliographla — Direito das obrigações, § 90, I, e 97, VI;
Coelho da Rocha, Inst., § 253, escholio; Correia Telles e Tei-
xeira de Freitas, Doutrina das acções, § 141; Andrade Figueira,
nos Trabalhos da Gamara, VI, ps. 11-Í2; minha resposta, ibidem,
p. 55; Azevedo Marques, Direito, vol, 75, ps. 221-226; Winds-
cheid, Pand., II, §, 367, 4,, e III, § 586, nota 13; Ascoli, Donazioni.
§ 37; Dernburg, Pand., II, § 108, 4.°; Tito Preda, vb. Donazioni,
no Dizzionario de Scialoja e Busatti; Alejandro Pietri Hijo,
Codigo civil venezuelano, nota aos arts. 1.070 e 1.071, onde se
encontram os fundamentos pelos quaes o Dr. Arcaya obteve mo-
dificar os dispositivos do Codigo anterior.
CONSELHO RCCIONAL DO TRABALHO
1*. REGIÃO
Observações — 1. — O Codigo Civil brasileiro desviou-se,
quanto ás doações inofficiosas, do que estabeleceram as legisla-
ções estrangeiras. O argumento principal que se apresentava
contra a reducção das doações naquillo que excedessem ás legiti-
mas, era a insegurança das relações jurídicas, a falta de estabili-
dade do domínio. Realmente, se a doação transfere o bem ao dona-
tário, e este, como proprietário, pode dispor do que ê seu, será
uma subversão da vida jurídica remontar, quando se abrir a suc-
cessão do doador, ao momento em que se operou a doação para
reduzil-a á porção que a lei estabelece.
Attendendo a essa razão, o Codigo Civil venezuelano limita
o direito de reducção ás liberalidade feitas nos últimos dez
annos da vida do doador. O allemão também faz essa limitação
de dez annos, mas a acção do reservatario é contra o herdeiro.
O Codigo Civil brasileiro tomou caminho differente para des-
fazer a difficuldade, e adoptou uma providencia radical. A doação
inofficiosa é nulla no excesso da legitima; mas esse excesso se
342 CODIGO CttVIL

aprecia no momento da doação, como se o doador fallecesse nesse


mesmo dia. O doador sabe que não pode dar mais do que a me-
tade de seus bens, se tiver herdeiros necessários, se tiver des-
cendentes ou ascendentes; sabe que a parte excedente é nulla. O
donatário também não pôde allegar surpreza, se lhe impugnam
o excessivo da doação.
2. — O systema que avalia a porção disponível no momento
da abertura da successão, pecca por injusto. Realmente o doador
poderia ser rico, dar moderadamente, e depois empobrecer, por
qualquer razão estranha á sua liberdade. E não é razoável,
que os her leiros, que tiverem herança escassa, por um accidente
da vida, ei riqueçam á custa do donatário de muitos annos pas-
sados.
3. — A nullidade pode ser pedida pelas pessoas, que seriam
herdeiras do doador, se este fallecesse na data da doação, ou
que, realmente, o forem. Se a acção fôr proposta em vida do
doador pelas pessoas indicadas, os bens do excesso volverão ao
patrimônio do doador. Se fôr proposta depois de aberta a suc-
cessão, os bens repostos serão divididos entre os herdeiros neces-
sários, sem que possam allegar direito sobre elles os credores, por
que; 1.°, Quando a doação foi feita, não tinham os credores direito
de a revogar, per isso que não tornou o devedor insolvente. 2.°, O
privilegio da revogação é concedido aos herdeiros legitimarios.
3.°, Se os credores se pudessem cobrar por esses bens a revogação
seria inútil para os herdeiros.
4 — Esperar pela abertura da successão para saber quem é
herdeiro, parece occioso; porque, se se considera o vicio da inoffi-
ciosidade, como capaz de annullar a doação na parte excedente
ás legitimas dos herdeiros necessários, a ligitima não está, inso-
luvelmente, ligada á successão; considera-se existente, desde que
haja algum herdeiro necessário, embora a sua quantidade seja
indefinidamente variavel, emquanto não se abrir a sucessão.
Pelo systema do Codigo Civil, ha uma especie de communhão
familiar, que transparece em vários institutos e dispositivos. Um
destes últimos é o que o art. 1.176 consigna, em defeza das le-
gitimas, em vida.

Art. 1.177 — A doação do cônjuge adúltero


ao seu cúmplice pôde ser annullada pelo outro
cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até
DAS VAEIAS ESPECIES DE COXTRACXOS 343

dois amios depois de dissolvida a sociedade con-


jugai (arts. 178, § 7.0, .n. VI, e 248, n. IY).

Direito anterior — A mulher podia annullar a doação do


marido á barregã ou a qualquer outra mulher, com que o mesmo
tivesse carnal affeição [Orã., 4, 66; Teixeika de Freitas, Con-
solidação, at. 147; Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 1.483,
§ 2.°, 6).
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 1.480
(refere-se á doação do homem casado á sua concubina).
O Codigo Civil do México, art. 228, declara revogaveis as
doações antenupciaes, e as reputa revogadas por adultério ou
abandono injustificado do lar conjugai por parte do donatário,
quando o doador fôr o outro cônjuge.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.012; Beviláqua, 1.317;
Revisto, 1.338.

Observação — A disposição deste artigo é geral, abrange


ambos os cônjuges, o marido e a mulher, e não distingue re-
gimens de bens. Ainda que os cônjuges tenham patrimônios se-
parados, qualquer delles tem direito de annullar a doação, que
o outro fizer ao seu cúmplice em adultério.
Se o regimen do casamento fôr o da communhão, a mulher
poderá reivindicar o bem doado, ou por, outro modo transferido
á concubina. Sendo outro qualquer o regimen do casamento, a
reivindicação não é possível. Neste caso, a mulher terá o direito
de promover a annullação da iiberalidade.
Se, porem, a doação fôr feita pela mulher, o marido tem
apenas, o direito de pedir a anullação do acto, qualquer que
seja o regimen de bens. A razão da differença é que, tendo o ma-
rido a administração dos bens communs, poderá gratificar a sua
concubina com o que não lhe pertence, exclusivamente, e que,
talvez, tenha sido trazido ao casal pela mulher, a quem elle duas
vezes injuria com o seu reprovado procedimento.

Art. 1.178 — Salvo declaração em contrario,


a doação em commnm a mais de uma pessoa en-
tende-se distribuiria entre ellas por egual.
344 CODIGO CIVIL

Paragraplio imico. Se os donatários, em tal


caso, forem marido e mulher, subsistirá, na tota-
lidade, a doação para o cônjuge sobrevivo.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil hespanhol, art. 637;
peruano, 1.470. Quanto ao principio do artigo: portuguez, 1.467;
argentino, 1.798; e mexicano, 2.350.
Projectos — Felicio cios Santos, art. 2.283; Beviláqua, 1.318,
Revisto, 1.339.

Observação — O direito de accrescer, nos actos entre vivos,


não se presume, não resulta da disposição conjuncta, como nas
heranças e legados (art. 1.710). Deve ser expresso. Assim es-
tatue o Codigo Civil a respeito do usofructo (art. 740), da
doação (no artigo agora examinado), e da constituição de renda
(art. 1.429).
A excepção creada pelo paragraplio único acima attende á
situação especial dos cônjuges. São duas pessoas cujos interesses
se transfundem, reciprocamente; os beneficios, com que uma é
gratificada, estendem-se á outra. E, se o regimem em que vivem
é o da communhão, que é o da lei e o dos costumes, o que ura
adquire a ambos pertence.

Art. 1.179 — O doador não é obrigado a pa-


gar juros moratorios, nem é sujeito á evicção,
excepto no caso do art. 285.

Direito anterior — Semelhante, embora não expresso em lei


(Teixeira de Freitas, Consolidação, nota (21) ao art. 424; Carlos
de Carvalho, Direito civil, art. 1.208).
Legislação comparada — Quanto aos juros moratorios: Co-
digo Civil allemão, 522; uruguayo, 1.629; chileno, 1.422.
Quanto â evicção: D. 39, 5, fr. 18, § 3.°, pr.; Codigo Civil
italiano, art. 1.077; portuguez, 1.468; suisso das obrigações, 248;
uruguayo, 1.629; chileno, 1.422; venezuelano, 1.153; boliviano,
675; mexicano, 2.620.
DAS VARIAS ESPECIES DE OONTRACTOS 345

Projeetos — Esboço, arts. 2.160 e 2.161; Coelho Rodrigues,


1.013; Beviláqua, 1.319; Revisto, 1.340.

Observações — 1. — Sendo a doação uma liberalidade, um


acto desinteressado, não responde o doador pelos juros moratorios;
sendo um enriquecimento, que o donatário alcança sem des-
pender esforço nem despeza, não tem direito de reclamar juros.
Mas isto se entende, quando não ha dólo da parte do doador,
pois, segundo a regra do art. 1.057, nos contractos unilateraes,
respondem por dólo aquelles a quem os mesmos não favoreçam e
por simples culpa aquelles a quem aproveitem.
2. — Também não se obriga o doador pela evicção, por ser
esta responsabilidade própria dos contractos onerosos (art. 1.107).
Mas, se a doação é remuneratoria, gravada com encargo, feita
por causa de casamento, a garantia da evicção se impõe. Haverá
também essa responsabilidade se o doador a tomar sobre si, ou
se proceder dolosamente.
3. — Quanto aos vicios redhibitorios, prevalece o disposto no
art. 1.101, paragrapho único.

Art. 1.180 — O donatário é obrigado a cum-


prir os encargos da doação, caso forem a -bene-
ficio do doador, de terceiro, ou do interesse
geral.
Paragrapho único. Se desta ultima especie
for o encargo, o Ministério Publico poderá exi-
gir sua execução, depois da morte do doador, se
este não o tiver feito.

Direito anterior — A doação era revogavel, se o donatário


deixava dt cumprir qualquer promessa feita ao doador por motivo
da doação (Ord., 4, 63, § 5.°; Teixeira de Freitas, Consolidação.
art. 420).
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 525.
Vejam-se, também: o Codigo Civil francez, arts. 953 e 954; ita-
346 CODIGO CflVIL

liano, 1.051; hespanhol, 647; argentino, 1.826, 1.827 e 1.838;


chileno, 1.426.
Direito romano; Cod. 8, 54.
Projectos — Beviláqua art. 1.320; Revisto, 1.341.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 94; M. 1. Car-
valho de Mendonça, Contractos, I, n. 19; Planíol, Traité, III,
ns. 2.630-2.636; Huo, Commentaire, VI, ns. 236 a 240; Laübent,
Cours, II, ns. 282-284; Zachariae, Droit civil français, III § 476;
Codigo Civil allemand, publié par le Comitê de lég. étr., ao ar-
tigo 525; Windscheid, Pand., II § 368; Savigny, Droit romain,
IV, § 175; Kohler, Lehrbuch. II, § 109; Endemann, Lehrbuch,
I, § 164, II, 1.°; Ascoli, Donazioni, § 23; Tito Preda, vb. Dona-
zione, no Dizzionario de ScHaloja e Busati.

Observações — 1. — A doação com encargo {ãonatio sub


modo) é considerada onerosa, por que o encargo, sendo uma obri-
gação imposta ao donatário, transforma, dentro de certo limite,
o contracto unilateral, que é a doação, em contracto bilateral,
muito embora o encargo não seja um correspectivo da liberali-
dade. Mas apesar disso, o encargo não tira á doação o seu ca-
racter de liberdade, porque, ordinariamente, não traz vantagens
ao doador, e quando excepcionalmente as produza, sel-o-á em
proporção muito inferior ás que receber o donatário. Kohler
define o encargo (Auflage) "uma obrigação que se impõe ao
donatário, em connexão com a liberalidade, e que importa em
correspondente limitação da mesma liberalidade".
2. — A determinação juridica accessoria do encargo pode
ser feita em beneficio do proprio donatário, do doador, de ter-
ceiro, ou no interesse geral.
Se o encargo é imposto no beneficio do proprio donatário,
será apenas, uma recommendação confiada á lealdade e ao re-
conhecimento da pessoa, que recebe o beneficio. O Codigo não
o considera obrigação.
Nos outros casos é obrigação, cujo cumprimento poderá ser
exigido; a) Pelo doàdor, se o encargo fôr estipulado, em bene-
ficio delle, de terceiro, ou no interesse geral. &) Pelo terceiro
favorecido, pois terá o encargo a natureza de estipulação em
favor de terceiro, c) Pelo Ministério Publico, depois da morte
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 347

do doador, se o encargo, imposto, no interesse geral, ainda não


tiver sido executado. E' claro que a exigência do encargo pre-
suppõe o cumprimento da obrigação.
A inexecução do encargo dá origem a uma conãictio causa
data, causa non secuta.
3. — A acção do doador será para resolver o contracto em
virtude da condição resolutoria, em que se traduz o encargo,
quando estabelecido em seu favor. Resolvido o contracto, a coiga
doada será restituida ao doador.
A acção do terceiro e a do Ministério Publico dirigem.se ao
cumprimento do encargo, que é uma obrigação como outra qual-
quer. A mesma finalidade terá a acção do doador, quando não
fôr elle p beneficiado.

SECÇÃO II

Da revogação da doação

Art. 1.181 — Além dos casos commims a


todos os contractos, a doação também se revoga
por ingratidão do donatário.
Paragrapbo único. A doação onerosa poder-
se-á revogar por inexecução do encargo, desde
que o donatário incorrer em móra.

Direito anterior — Quanto ao principio do artigo: Orã., 4,


63, pr., e § 10. Quanto ao paragrapbo único: Ord., 4, 63, § 5.°;
Legislação comparada — Inst., 2, 7, § 2.°; Cod., 8, 56, 1. 10;
Codigo Civil argentino, arts. 1.848 a 1.858; chileno, 1.426 e 1.428;
uruguayo, 1.634, pr.
Accrescentam alguns Codigos outras causas revocatorias de
doações, além da ingratidão do donatário. O Civil francez, ar-
tigo 953, o italiano, 1.078, o venezuelano, 1.154, o boliviano,
676, mencionam a superveniencia de filho. O direito romano,
também assim dispunha, quando o donatário era liberto do
doador (Cod., 8, 56, 1. 8). O portuguez, art. 1.482, mexicano,
arts. 2.359 e 2.383, tendo este ultimo Codigo particularidades
dignas de nota: superveniencia de filho e inofficiosidade. O
hespanhol, 644 e 648: superveniencia de prole, e apparecimento
do filho, que se considerava morto. O allemão declara que são
motivos sufficientes para autorizar a revogação: a indigencia do
348 OODIGO CUVIL

doador, e a ingratidão grosseira do donatário (arts. 528-530). O


austríaco: indigencia; ingratidão; diminuição do patrimônio em
prejuizo do dever de prestar alimentos ou da legitima; fraude
aos credores; superveniencia de filhos (art. 947-954).
A ingratidão é causa revocatoria, que, em todas as legis-
lações citadas, apparece. O Codigo suisso das obrigações restringe
as revogações por essa causa ás promessas cie doação e ás doações
manuaes (arts. 249 e 250).
Quanto ao paragrapho único: Codigo Civil francez, art. 953;
italiano, 1078; argentino, 1.849 e 1.850; chileno, 1.426; uru-
guayo, 1.632; venezuelano, 1.154; boliviano, 676.
O peruano considera causa revocatoria das dações o reappa-
recimento do filho, a quem o julgava morto (art. 1.477), salvo
se o valor da coisa não excede á décima parte dos bens do doador
(art. 1.479). Também autorizaram as causas de indignidade para
succeder (art. 1.480); e se o donatário causa a morte do doador,
é nulla a doação (1.486).
Projectos — Esboço, art. 2.148, 3.°, prohibe a clausula re- ■
vocatoria da liberalidade por ingratidão do donatário, e, no artigo
2.149, declara que a doação não é revogavel por superveniencia
de filhos, salvo quando assim se tiver estipulado. Felicio cios
Santos, art. 2.387 (ingratidão): Coelho Rodrigues, 1.016 (in-
gratidão e superveniencia de filho); Beviláqua, 1.321 e 1.328;
Revisto, 1.342, 1.343 e 1.351 (ingratidão, inofficiosidade e su-
perveniencia de filhos).
Bibliographia — Direito das obrigações, § 97; M. I. Car-
valho de Mendonça, Contractos, I, n. 14: Teixeira de Freitas,
Consolidação, nota (13) ao art. 419; S. Vampré, Manual, lll,
§ 33; Coelho da EocIha, Inst., §§ 759 a 762; Planiol, Traité,
III, ns. 2.630-2.676; Huc, Commentaire, VI, ns. 235-259; Lau-
rent, Gours, II, ns. 282-299; Aubry et Rau, Cours, XI, § 707;
Zachariae, Droit civil français, III, §§ 483, 484 e 485; Coãe civil,
allemancl, publié par le Comitê de lég. étr., aos arts. 528-530;
Endemann, Lehrbuch, I, § 166; Kohler, Lehrbuch, II, § 108;
Windscheid, Panã., II, §§ 367 e 368; Dernburg, Pand., II, § 108;
Ascoli, Donazioni, §§ 31 e 32; 'Tito Preda, vb. Donazione, nú-
meros 79-85; Chironi, Ist., II, § 348; Rivarola, Derecho civil
argentino, II, ns. 752-755.

Observações — 1. — As doações revogam-se como os outros


contractos por inadimplemento das cláusulas, condições ou en-
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 349

cargos, e, ainda, por fraude aos credores. Annullam-se, quando


viciadas por incapacidade relativa do doador, erro, dólo, coação,
ou simulação. São nullas: a) Se o doador é absolutamente in-
capaz; b) Se o seu objeto fôr illicito ou impossível; c) Se não
constar de escriptura publica, ou particular, segundo o seu ob-
jecto e segundo a regra dos arts. 134 e 135. d) Se abrange todo
o patrimônio do doador; e) Na parte em que exceder a porção
disponível do doador; /) Se feita pelo cônjuge ao seu cúmplice.
Vejam-se os commentarios aos arts. 1.168, 1.169, 1.170, 1.175,
1.176 e 1.177.
2. — As doações gravadas de encargo podem ser revogadas
por inexecução deste, desde que o donatário incorra em móra.
A móra resulta da extincção do prazo ou, não havendo prazo, da
interpellação judicial. A móra no cumprimento do encargo auto-
riza o doador a reclamar a restituição do bem doado, segundo já
se observou no commentario ao artigo anterior. Mas não respon-
sabiliza o donatário por perdas e damnos, porque o encargo não
é um correspectivo da liberalidade; é, apenas, um accessorio, que
a modifica. A natureza do contracto explica esta differença entre
a doação sub modo e os outros contractos onerosos.

Art. 1.182 — Não se pôde renunciar, ante-


cipadamente, o direito de revogar a liberalidade,
por ingratidão do donatário.

Direito anterior — O mesmo (Ord., 4, 63, § 10; Teixeira de


Freitas, Consolidação, art. 390, § 3.°).
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 1.490;
hespanhol, 652; peruano, 1.481; mexicano, 2.306 e 2.372; al-
lemão, 533.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.392; Coelho Rodrigues,
1.017; Beviláqua, 1.222; Revisto, 1.345.

Observação — O Codigo Civil, como outras legislações, con-


sidera de ordem publica o direito de revogar doações por in-
gratidão do donatário. Não pôde, porém, a lei obrigar o doador a
exercel-o. Prohibe a renuncia, mas deixa ao interessado a liber-
dade de usar do seu direito de revogar, quando lhe parecer con-
veniente.
350 OODIGO CIVIX.

Art. 1.183 — Só se podem revogar por in-


gratidão as doações:
I. Se o donatário attenton contra a vida do
doador.
II. Se commetteu contra elle offensa phy-
sica.
III. Se o injuriou gravemente ou o ca-
lumniou.
IV. Se, podendo ministrar-lldos, recusou ao
doador os alimentos, de que este necessitava.

Direito anterior — Os tres primeiros casos constam da Orã.,


4, 63, §§ 1.°, 2.° e 4.°; e o ultimo era indicado pelos autores
(Coelho da Rocha, Inst., § 760), influenciados pelo direito es-
trangeiro, particularmente pelo francez.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 955; ita-
liano, 1.081 (actual 431); portuguez, 1.488; hespanhol, 648; argen-
tino, 1.858; mexicano, 2.370; venezuelano, 1.157. Vejam-se, também,
allemão, art. 530; austríaco, 948; chileno, 1.428; uruguayo, 1.634;
peruano, 1.480; boliviano, 678. Veja-se ainda, o Codigo suisso das
obrigações, arts. 249 e 250.
Para o direito romano: Cod., 8, 56, ls. 8 e 10. A recusa de
alimento não era contemplada como fôrma de ingratidão. Era-o,
porém a machinação contra os bens, idéa que passou para as
Ordenações portuguezas.
Projectos — Felído dos Sdntos, arts. 2.388 e 2.389; Coelho
Rodrigues, 1.019; Beviláqua, 1.323; Revisto, 1.346.

Observações — 1. — Attentaão contra a vida é dicção que


comprehende o homicídio e a tentativa. Mas presuppõe o dólo.
Consequentemente, o homicídio involuntário e o que resultar
de legitima defeza ficam excluídos. A falta de assistência em mo-
léstia grave, de que soffra o doador, não se considera attentado
contra a sua existência.
O Codigo não exige a condemnação penal: contenta-se com
o facto. Mas se, instaurado b processo criminal contra o dona-
tário, elle fôr absolvido, não haverá attentado.
2. — a offensa physica também não necessita de ser reco-
nhecida por acção penal, e ficará desclassificada de entre as
DAS VAEIAS ESPECIES DE CONTBACTOS 351

modalidades da ingratidão, se resultar da repulsa de uma ag-


gressão, ou se não fôr intencional.
3. — A injuria e a culumnia, são crimes definidos pelo Co-
digo Penal, (arts. 138-140); mas, ainda neste caso, o Codigo
Civil não exige a condemnação do donatário em processo cri-
minal.
4. — O dever de prestar alimentos, que a lei impõe ao dona-
tário présuppõe: 1.°, indigencia do doador; 2.°, falta dos parentes
a quem, segundo os arts. 397 e 398, incumbe essa obrigação, isto
é, os ascendentes, os descendentes e os irmãos. O dever destes é
mais imperioso por nascer do vinculo familiar, e ser a expressão
do affecto, que entre elles deve existir. Tal é a opinião mais
autorizada, e a que melhor se harmoniza com a organização da
vida social.
Por outro lado, os alimentos devidos pelo donatário hão de
estar em correspondência com a somma doada; não, certamente,
de um modo absoluto, mas tanto quanto fôr necessário para que
se não exija muito de quem apenas recebeu donativo de pequeno
valor.

Art., 1.184 — A revogação por qualquer


desses motivos pleitear-se-á dentro em um anuo,
a contar de quando chegue ao conhecimento do
doador o facto, que autorizar (art. 178, ^ 6.°,
n. I).

Direito anterior — A prescrição era a trintenária (Al-


meida Oliveira, Prescripção, p. 409 da primeira edição).
Legislação comparada — Cod., 9, 35, I. 5, in fine, e 7, in
médio; Codigo Civil francez art. 957, 1." parte; italiano, 1082,
l.a al.; allemão, 532, in médio; portuguez, 1.490, in fine; uru-
guayo, 1.635; peruano, 1.483 (60 dias); mexicano, 2.372, in fine;
boliviano, 680; hespanhol, 652, 2.a parte; venezuelano, 1.158.
O Codigo Civil austríaco, art. 1.487, dá o prazo de tres
annos; chileno, 1.430, o de quatro annos.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.395; Coelho Rodrigues,
1.430; Beviláqua, 1.324; Revisto, 1.347.
352 CODIGO CIVIL

Observação — O art. 178, § 6.°, n. I, ao qual se faz remissão


no fim deste artigo por sua vez contém remissão aos arts. 1.181
a 1.187. Ora nesses dispositivos se trata de dois casos de revoga-
bilidade da doação: por inexecução de encargo e por ingratidão.
A conseqüência forçada é que o prazo da prescrição comprebende
as duas especies.

Art. 1.185 — O direito, de que trata o ar-


tigo precedente, não se transmitte aos herdeiros
do doador, nem prejudica os do donatário. Mas
aquelles podem proseguir na acção iniciada pelo
doador, continuando-a contra os herdeiros do
donatário, se este fallecer, depois de contestada
a lide.
Direito anterior»— O mesmo {Orã., 4, 63, § 9.°; TEixEiBà. de
Freitas, Consolidação, art. 423; Carlos de Carvalho, Direito
civil, art. 1.206).
Legislação comparada — Semelhante: Codigo Civil francez,
art. 957, 2." parte; italiano, 1.082, 2." parte; portuguez, 1.491;
boliviano, 681; venezuelano, 1.158; uruguayo, 1.636; hespanhol,
O allemão, 530, 2.11 al., admitte a transmissibilidade desta
acção, quando o donatário, por acto intencional ou contrario ao
direito, foi causa da morte do doador, ou creou obstáculos á revo-
gação. O austriaco, 949, declara transmissivel. O argentino per-
mitte a revogação pelo doador e seus herdeiros, mas somente
contra o donatário, salvo quando iniciada em vida deste ultimo.
Vejam-se, ainda: chileno, 1.430 e 1.431; peruano, 1.482; me-
xicano, 2.373 e 2.374; hespanhol, 653; suisso das obrigações, 251.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.393 e 2.394; Coelho
Rodrigues, 1.020, 2.tt parte; Beviláqua, 1.325; Revisto, 1.348.

Observação — O Codigo Civil considera a acção para re-


vogar a liberalidade, por motivo de ingratidão, personalíssima;
do .doador contra o donatário. Para que se transmitia aos her-
deiros de um ou do outro, é necessário que tenha sido proposta
pelo primeiro contra o segundo, e, mais ainda, que tenha sido
contestada a lide.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 353

Sobre esta matéria variam muito as leis dos povos a que


se referem, ordinariamente, estes commentarios; mas ao sys-
tema do Codigo não se pódem recusar tres méritos: o da sim-
plicidade; o do respeito ao direito dos que não têm culpa no
acto, que autoriza a revogação; e o de impedir a acção contra
quem estava desprevenido para a defeza, que o donatário po-
deria invocar.

Art. 1.186 — A revogação por ingratidão


não prejudica os direitos adquiridos por tercei-
ro, nem obriga o donatário a restituir os fructos,
que percebeu antes de contestada a lide; mas
sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não
possa restituir em especie as coisas doadas, a
indemniza-las pelo meio termo do seu valor.

Direito anterior — Não havia texto; mas os autores ensi-


navam o que o artigo preceitua (Coelho da Rocha, Inst., § 760).
Legislação comparada — Cod., 8, 56, 1. 7; Codigo Civil
francez, art. 958; italiano, 1.088 e 1.089; hespanhol, 649 e 651;
argentino, 1.866 e 1.867; chileno, 1.429 e 1.432; portuguez,
1-484, 1.485 e 1.505; venezuelano, 1.164 e 1.165. Veja-se, também,
mexicano, 2.364.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.390 e 2.391; Coelho
Rodrigues, 1.022; Beviláqua, 1.326; Revisto, 1.349.

Observações — 1. — A revogação da liberalidade por ingra-


tidão resolve o domínio por causa superveniente. Subsistem os
direitos adquiridos por terceiros, antes da resolução (art. 648).
Quanto ao donatário, é possuidor de bôa fé, antes de con-
testada a lide. São delle" os fructos percebidos até então. Dessa
data por diante, se acha constituído em má fé, e responde por
todos os fructos colhidos, bem como pelos que, culposamente,
deixar de perceber.
2. —- Não se refere a lei ás bemfeitorias. Applicam-se os
princípios geraes, referentes aos melhoramentos e ás deterio-
rações (arts. 514-519).
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 23
354 CODIGO CIVIL

3. — Se não é mais possível a restituição em especie da


coisa doada, o donatário pagal-a-á pelo valor médio, isto é, pela
média do valor, que a coisa teve ou podia ter entre a data da
tradição ao donatário e da restituição.

Art. 1.187 — Não se revogam por ingra-


tidão :
I. As doações puramente remnneratorias.
II. As oneradas com encargo.
III. As que se fizerem em cumprimento de
obrigação natural.
IY. As feitas para determinado casamento.

Direito anterior — Não havia texto expresso, mas da Orei.,


4, 63, principio, tiravam os autores as conseqüências, que o Co-
digo reduziu aos quatro preceitos acima enumerados.
Degislação comparada — I. Codigo Civil chileno, art. 1.434;
italiano, 1.087; venezuelano, 1.163; boliviano, 683; argentino,
1.863; mexicano, 2.361, IV.
II. Argentino, art. 1.863.
III. Allemão, art. 534. ^
IV. Francez, art. 959; italiano, 1.087; portuguez, 1.483, 2.°;
venezuelano, 1.163; mexicano, 2.361, . II. \
Para o direito romano: D. 23, 3, fr. 69, § 6.°, com applicação
ao ultimo numero.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.397; Coelho Rodrigues,
1.023; Beviláqua, 1.327; Revisto, 1.350.

Observações — 1. — As doações mencionadas neste artigo


não são puras. São onerosas ou modificadas pelo fim ou pelo
encargo. Accentua-se, assim, a doutrina do Codigo: a revogação
por motivo de ingratidão só é possível a respeito das liberali-
dades puras.
Quanto ás remuneratorias, deve observar-se que, na parte
em que excederem ao valor dos serviços remunerados, podem
soffrer a revogação. O Codigo exceptua as puramente remune-
ratorias, querendo significar as exclusivamente remuneratorias.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 355
2. — A expressão, de que se serve o Codigo, no III —
em
cumprimento de obrigação natural, como já ficou observado
no commentario ao art. 970, é inadequada. O pensamento do
Codigo deve ser excluir da revogabilidade por ingratidão as
doações feitas em cumprimento de um dever moral, como o de
que trata o art. 1.548, e outras semelhantes.
3. — Na expressão doações para determinado casamento com-
prehende-se o dote.

CAPITULO IV

Da locação

SECÇÂO I

Da locação de coisas

Art. 1.188 — Na locação de coisas, uma das


partes se obriga a ceder á outra, por tempo de-
terminado, ou não, o uso e gozo de coisa não
fungiyel mediante certa retribuição.

Direito anterior — A noção desta figura de contracto não


constava de texto de lei civil; mas dos elementos esparsos ém
vários diplomas, Carlos de Carvalho extrahiu o art. 1.088 do
seu Direito civil. O Codigo Commercial, art. 226, define a locação
mercantil.
Legislação comparada — D. 19, 2, fr. 2; Codigo Civil fran-
cez, art. 1.709; italiano, 1.569; austríaco, 1.090; allemão, 535';
suisso das obrigações, 253; portuguez, 1.595; hespanhol, 1.543
e 1.545; mexicano, 2.398; venezuelano, 1.623; uruguayo, 1.777;
boliviano, 1.129; chileno, 1.916; peruano, 1.490; japonez, 601.
Projectos — Esboço, arts. 2.282 e 2.297; Felicio dos Santos,
2.089, Coelho Rodrigues, 706; Beviláqua, 1.329; Revisto, 1.352.
Blbliographia — Direito das obrigações, §§ 140-147; Tei-
xeira de Freitas, Consolidação, nota ao art. 650; Carvalho de
Mendonça, Contractos II, ns. 167 e segs.; Almachio Diniz, Di-
reito das obrigações, § 53; Dionysio Gama, Contractos por in-
strumento particular,, ns. 464 e segs. S. Vampré, Manual III.
§§ 34 e segs.; Fábio Leal, Parecer, nos Trabalhos da Gamara, II,
ps. 193 e segs.; Teixeira de SA, Parecer, nos Trabalhos cits., III,
356 CODIGO CIVIL

ps. 141 e segs.; Antonio Nogueira, Parecer, em 1913, ps. 168 e


segs.; do impresso da Gamara; Coelho da Rocha, Inst., §§ 830
e segs.; Planiol, Traité, II, n. 1.721 e segs.; Huc, Commentaire,
X, ns. 692 e segs.; Laurent, Cours, III, ns. 811 e segs.; Zaoha-
riae, Droü civil français, IV, §§ 697 e segs.; Baudr-y-Lacanti-
nekie et Wahl, Du contrai de louage, I, ns. 1 e segs.; Aubrt et
Rau, Cours V, §§ 361 e segs.; Code Civil allemand, publié par
le Comitê de lég. étr., II, ao art. 535; Windscheid, 'Pand., II,
§ 399; Dernburg, Panei., II, § 110; Kohler, Lehrbuch, II, § 122;
Endemann, Lehrduch, I, § 167; Chironi, Ist., II, §§ 330 e 331;
Sanchfz Roman, IV, cap. XXV; Dias Ferreira, Goãigo Civil
portuguez, aos arts. 1.595 e 1.596; Rivarola, Derecho civil, ar-
gentino, II, ns. 650 e segs.; Errázuriz, Derecho civil, II, ps. 435
e segs.; J. X. Carvalho de Mendonça, Direito commercial, VI,
2.a parte ns. 1.012 e segs.

Observações — 1. — Locação é o contracto pelo qual uma


das partes, mediante remuneração, que a outra paga, se compro-
mette a fornecer-lhe, durante certo lapso de tempo: ou o uso e
gozo de uma coisa infungiVel (locação de coisa); ou prestação
de um serviço (locação de serviço); ou a execução de algum
trabalho determinado (empreitada).
Estão ahi indicadas as tres modalidades capitães da locação,
e os caracteres geraes, que em todas ellas se encontram;
Cessão temperaria do uso e gozo, sem transferencia de pro-
priedade, de coisa não fungível, se a locação é de coisa; prestação
de serviço, se é locatio operarum; e execução de um trabalho
determinado, na locatio operis facienãi. A remuneração (merces)
é elemento de todas ellas; mas o nome varia: é aluguel ou
renda para a locação de uma coisa em geral; salario, soldada, or-
denado, honorários, para a locação de serviço; e preço para a
empreitada.
Na locação de coisa e, ordinariamente, na de serviço, a remu-
neração é proporcional ao tempo; na empreitada, é proporcional
á obra realizada.
Ia. — O preço da locação pode consistir em dinheiro ou
em bens de outra especie, como os frutos da coisa, ou qualquer
genero. Nisto differe da venda, cujo preço consiste em somma do
dinheiro; differe também em que o objecto da venda é a trans-
ferencia da propriedade e o da locação é a cessão do uso. Os
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 357
dois contractos, porém, muito se approximam um do outro, como
notam as Inst., 3, 24, pr.
2. — Pode ser objecto de locação qualquer coisa movei não
fungível, ou immovel, e até parte de um immovel. O uso da coisa
pode ser geral, como quando se aluga uma casa, ou limitado,
como quando se aluga um animal para passeio. A cessão do uso
de coisa fungível origina outra figura de contracto: o mutuo.
O objecto da locação pode modificar o contracto, porque
o seu uso varia. Por isso o Codigo Civil, depois de expôr os
princípios geraes, que se aplicam á locação de qualquer coisa,
abre sub-secções para especializar a locação de prédios urbanos
e rústicos..
3. — Para dar em locação uma coisa, não é necessário ser
proprietário delia, basta ser administrador. O proprio locatário,
se não lh'o foi prohibido poderá sublocar o objecto alugado ou
arrendado. Esta faculdade, porém, está restricta pelo Codigo ás
locações de prédios por tempo determinado (art. 1.201).
O condomino não poderá, alugar a coisa commum, porque
não tem nella senão uma parte ideal. A locação da coisa indivisa
•é resolvida pela maioria dos consortes (art. 635, § 1.°), e em
condições eguaes o condomino prefere ao estranho, se a quizer
alugar (art. 636).
4. — A locação pôde ser a prazo ou por tempo indetermi-
nado. Não ha duração maxima para a locação de coisa. Certa-
mente os longos prazos são embaraçosos para o movimento das
relações econômicas. O legislador pátrio não achou, porém, razão
sufficiente para limitar os prazos da locação, nem para lhes dar
o caracter de direito real, quando excederem de dez annos, como
faziam o direito romano e as Ordenações philippinas (3, 47),
neste ponto já revogadas, aliás, pelo alvará de 3 de Novembro
de 1757.
Alguns codigos estabelecem limites. O italiano, por exemplo,
não permitte locação de immovel por tempo, que exceda a trinta
annos (art. 1.571); e se o locador tem sobre a coisa poderes
dè simples administrador, não a poderá locar por prazo maior
de nove annos (art. 1.572). O mexicano fixa o prazo maior
de nove annos para os immoveis destinados á habitação, de
quinze para os destinados ao commercio; e de vinte para des-
tinados ao exercício de uma industria.
O legislador pátrio não achou conveniência em adoptar esse
systema restrictivo. Veja-se o art. 1.200.
358 CODXGO CIVIL

5. — A locação não pede fôrma especial; mas a segurança


das partes aconselha a redacção de um escripto, sempre que
houver fixação de prazo ou determinações particulares. O instru-
mento é meio de prova, mais precioso e de maior valor do que
os outros, mas o Codigo Civil brasileiro não prolübe, como o
francez, o uso da prova por testemunhas, nem o de qualquer
outra, observados os preceitos dos arts. 141 e 142.

Ar . 1.189 —- O locador é obrigado.


I. A entregar ao locatário a coisa alugada,
com suas pertenças, em estado de servir ao uso,
a que se destina, e a mantel-a nesse estado, pelo
tempo do contracto salvo clausula expressa em
contrario.
II. A garantir-lhe, durante o tempo do con-
tracto, o uso pacifico da coisa.

Direito anterior — Era doutrina geralmente seguida. O Co-


digo Commercial, art. 227, punha em relevo, somente, a obri-
gação de entregar a coisa alugada. Veja-se também, Carlos de
Carvalho, Direito civil, art. 1.104.
Legislação comparada — D. 19, 2, frs. 9, pr., e 15, §§ 1.° e 2.°;
Codigo Civil francez, arts. 1.719 e 1.720; italiano, 1.575 e 1.576;
austriaco, 1.096; portuguez, 1.606, ns. 1-4; hespanhol, 1.554;
argentino, 1.514 e 1.515; chileno, 1.924; uruguayo, 1.796; ve-
nezuelano, 1.629 e 1.630; boliviano, 1.138; mexicano, 2.412. Ve-
jam-se mais: o allemão, art. 536; o suisso das obrigações, 254; e o
do Montenegro, 271, 273 e 277.
Projeçtos — Esboço, art. 2.324, 1 a 6; Felicio dos Santos,
2.093; Coelho Rodrigues, 111-, Beviláqua, 1.330; Revisto, 1.353.

Observação — As obrigações do locador resumem-se na de


assegurar ao locatário o uso e gozo da coisa alugada, pois nisso
consiste a locação. Desdobrando esta idéa fundamental, declara o
art. 1,189 que o locador é obrigado.
I. A entregar a coisa alugada, com as suas pertenças. B o
deve fazer no tempo e pela forma convencionada.
DAS VAKIAS ESPECIES DE CONTEACTOS 359

II. A pôr a coisa em estado ãe servir ao uso, a que se des-


tina, salvo se convencionarem as partes que o locatário receba
a coisa no estado em que se achar, incumbindo-se elle das repa-
rações. O Codigo não presume a dispensa desta obrigação, como
não presume a das outras declaradas no artigo. Exige, para tal
dispensa, cláusula expressa. Nesta segunda obrigação, compre-
hende-se a de responder pelos vicios redhibitorios, a que se re-
fere o art. 1.191, in fine.
III. A manter a coisa em bom estado pelo tempo do con-
tracto. Nos alugueis de prédio, modifica-se esta obrigação, incum-
bindo o locatário as pequenas reparações de estragos, que não
provenham, naturalmente, do tempo ou do uso. São as reparações
locativas do direito francez.
IV. A garantir, durante o tempo do contracto, o uso paci-
fico da coisa. Esta obrigação decompõe-se em duas;
a) de abster-se o locador de qualquer acto, que possa per-
turbar o uso e gozo da coisa;
&) . de garantir o locatário contra perturbações de ter-
ceiro, obrigação a que o art. 1.191, prove, de modo particular.

Art. 1.190 — Se, durante a locação, se dete-


riorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a
este caberá pedir reducção proporcional do alu-
guer, ou rescindir o contracto, caso já não sirva
a coisa para o fim, a que se destinava.

Direito anterior — Não havia preceito de lei.


Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.722,
2.a parte; italiano, 1.578, 2.» parte; hespanhol, 1.556; suisso das
obrigações, 255; portuguez, 1.612; argentino, 1.521; chileno,
1.932; uruguayo, 1.805; venezuelano, 1.632.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.095; Coelho Ro-
drigues, 707 e 720; Beviláqua, 1.33,1; Revisto, 1.354. E' deste
ultimo Projecto a clausula final.

Observações — 1. — Não se refere o Codigo Civil brasileiro


á destruição total da coisa, porque esta resolve o contracto, res-
360 CODIGO CIVIL

pondendo por perdas e damnos o locatário, se a perda resultar


de culpa sua (art. 870).
2. ■— A clausula final do artigo deve ser entendida no sen-
tido de que o locador é obrigado a manter a coisa alugada em
estado de servir ao uso, a que se destina, e que, se não cumprir
essa obrigação, o locatário poderá rescindir o contracto. Fi'
questão de facto, que varia com os casos, saber se a coisa não
satisfaz ao uso, a que se destina.
Entendida assim, dir-se-á que é inútil a clausula. Mas se
lhe dermos outra intelligencia será um constrangimento para
o locador.
Esta disposição somente interessa aos locatários por tempo
determinado. Se a locação não tem prazo, o locatário poderá de-
volver a coisa alugada, quando não lhe convier mais conserval-a.
E, como, na hypothese, nenhuma culpa lhe cabe nas deteriora-
ções, por ellas não responde.

Art. 1.191 — O locador resguardará o loca-


tário dos embaraços e turbações de terceiros, que
tenham, ou pretendam ter direitos sobre a coisa
alugada, e responderá pelos seus vicios ou de-
feitos, anteriores á locação.

Direito anterior — Não havia texto expresso.


liegislação comparada — D. 19, 2, frs. 19, § 1.°; 34 e 55;
Codigo Civil francez, arts. 1.721, 1.725 e 7.726; italiano, 1.577,
1.581 e 1.582; hespanhol, 1.553 e 1.560; chileno, 1.930; ai'-
gentino, 1.525-1.529; uruguayo, 1.800-1.804; venezuelano, 1.635;
boliviano, 1.147; mexicano, 2.412; allemão, 537, 538 e 541; suisso
das obrigações, 258.
Projectos — Esboço, arts. 2.347 e 2.351; Coelho Rodrigues,
733; Beviláqua, 1.322; Revisto, 1.354. A fórmula do Codigo ori-
gina-se deste ultimo Projecto.

Observações — 1. — Este artigo é, como o antecedente, des-


dobramento de idéas contidas no art. 1.189. Accentua, em pri-
meiro logar, a obrigação do locador, de garantir o locatário contra
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTEACTOS 361

a evicção ou qualquer outra perturbação fundada em direito,


obrigação, que decorre de outra mais geral, a de assegurar, du-
rante o tempo da locação, o uso pacifico da coisa.
O locador não é, porém, obrigado a garantir o locatário
contra as vias de facto não fundadas em direito. Deante de
perturbações desta especie, o locatário defender-se-á pelos meios,
que a lei, directamente, lhe faculta. Não se prendem ellas á si-
tuação juridica transferida ao locatário pelo locador, são factos
estranhos a este, são actos illicitos de terceiros. Não pôde o
locador, portanto, responder por elles. Além disso, essas vias de
facto podem ser conseqüência de actos do proprio locador.
As violências que o locatário possa, por exemplo, soffrer
da autoridade militar, em tempo de guerra, serão casos de força
maior, pelos quaes não se responsabiliza o locador, como não se
responsabiliza pelas perturbações, que, no uso da coisa alugada,
occasionar algum accidente natural.
Vejam-se os arts. 1.107 a 1.117 sobre a evicção.
2 —■ Em segundo logar, assignala o artigo a responsabili-
dade do locador pelos vicios ou defeitos anteriores á locação.
E' matéria já considerada nos arts. 1.101 a 1.106, para os quaes
se remette o leitor.

Art. 1.192 — O locatário é obrigado:


I. A servir-se da coisa alugada para os usos
convencionados, ou presumidos, conforme a na-
tureza delia e as circumstancias, bem como a
tratal-a com o mesmo cuidado como se sua fosse.
II. A pagar, pontualmente, o aluguer nos
prazos ajustados, e, em falta de ajuste, segundo
o costume do logar.
III. A levar ao conhecimento do locador as
turbações de terceiros, que se pretendam fun-
dadas em direitos (art. 1.191).
IV. A restituir a coisa, finda a locação, no
estado em que a recebeu, salvas as deteriorações
naturais ao uso regular.
Direito anterior — Era doutrina corrente; mas não havia
preceito de lei destacando as obrigações do locatário.
362 OODIGO CIVIL

Legislação comparada — I e II: Inst., 3, 24, § 5.°; D. 19,


2, fr. 25, § 3.°; Cod., 4, 65, 1. 17, initio; Codigo Civil francez,
art. 1.728; italiano, 1.583; allemão, 535, 551 e 556; portuguez,
1.608, 1.° e 3.°; hespanhol, 1.555, 1.° e 2.°; argentino, 1.554 e 1.556;
suisso das obrigações, 261 e 262; chileno, 1.938, 1.939 e 1.942;
uruguayo, 1.811, ns. I.0 e 2.°; venezuelano, 1.636; boliviano, 1.143;
do Montenegro, 278 e 282, l.a ai.; mexicano, 2.425, I e III.
III. D. 19, 2, fr. 13, § 7.°; Cod., 3, 19, 1. 2; Codigo Civil alle-
mão, art. 545, l.a al., in fine; portuguez, 1.608, 4.°; hespanhol,
1.55'9; suisso das obrigações, 258, in médio; italiano, 1.587;
francez, 1.748; venezuelano, 1.640; chileno, 1.931; argentino,
1.530; mexicano, 2.425, I.
IV. Codigo Civil allemão, art. 556, l.a al.; portuguez, 1.608,
hespanhol, 1.561; francez, 1.730; italiano, 1.585; chileno,
1.497; venezuelano, 1.638; uruguayo, 1.827; boliviano, 1.144;
do Montenegro, 293.
Projectos — Esboço, art. 2.367; Felicio dos Santos, 2.101
e 2.103; Coelho Rodrigues, 724 e 726; Beviláqua, 1.333; Revisto,
1.356. O n. IV é da iniciativa da Commissão do Governo (Acías,
p. 248).

Observações — 1. — O locatário tem o direito de reter em-


quanto durar o contracto, o objecto locado, pagando o aluguel
ou renda nos prazos convencionados, afim de colher as utili-
dades, que teve em vista a locação. Se essas utilidades pão
estão especificadas no titulo do contracto, determinam-se pela
natureza da coisa, pelo costume, pelas circumstancias.
2. — O Codigo reconhece no locatário um possuidor (artigo
486), que tem por si as vantagens e a protecção concedida á
posse; a percepção dos frutos; a defesa pelos interdictos; a
indemnização pelas bemfeitorias. A precaridade do direito do
locatário não lhe prejudica a qualidade de possuidor directo.
3. — O art. 1.192 enumera as principaes obrigações do lo-
catário. O n. I estabelece a medida db uso, e o modo pelo qual
deve ser tratada a coisa alugada. Deve o locatário empregar, no
uso delia, o mesmo cuidado como se fosse sua. Entende-se que
o dono zela as suas coisas. Não servirá, porém, de escusa a
abusos o desleixo, com que trate o locatário as suas próprias
coisas. A sua responsabilidade abrange os actos praticados por
seus prepostos, pessoas de sua família e sublocatarios.
DAS VARIAS ESPEC1ES DE CONTRACTOS 363

4. — O pagamento do aluguel representa a indemnização


feita ao proprietário, pela cessão do uso, e pelas deteriorações
que este, lentamente, produz. E' elemento, tão essencial á locação,
quanto o preço á venda. Pode, porém, consistir em dinheiro ou
em fructos, conforme convencionarem as partes.
5. — E', também, da essencia da locação que o locatário res-
titua a coisa alugada, no fim do contracto, no estado em que
a recebeu, salvas as deteriorações naturaes precedentes de um
uso regular. Presume-se que a coisa alugada se achava em bom
estado, se do contracto não consta o contrario.

Art. 1.193 — Se o locatário empregar a


coisa em uso diverso do ajustado, ou do a que
se destina, ou se ella se damnificar por abuso
do locatário, poderá o locador, além de rescindir
o contracto, exigir perdas e damnos.
Paragraplio único. Havendo prazo estipu-
lado á duração do contracto, antes do venci-
mento não poderá o locador rebaver a coisa alu-
gada, senão resarcindo ao locatário as perdas e
damos resultantes nem o locatário devolvel-a
ao locador, senão pagando o aluguer, pelo tempo
que faltar.

Direito anterior — Semelhante, menos quanto ao arbitrio


conferido ao locador, no paragrapho único: Carlos de Carvalho,
Direito civil, arts. 1.107 e 1.110; Coãigo Commercial, art. 228.
Legislação comparada — Quanto ao principio do artigo;
D. 19, 2, fr. 11, § 1.°; Codigo Civil francez, art. 1.729 e 1.760;
italiano, 1.584; argentino, 1.559; chileno, 1.939, 2.a al.; uruguayo,
1.812 e 1.813; venezuelano, 1.637; suisso das obrigações, 261,
l.a e 2.a ais.; allemão, 550.
Quanto ao paragrapho único, compare-se com o allemão, 564;
e o suisso das obrigações, 267, que. todos tratam desta matéria
de modo differente. Veja-se, também, o Codigo, 4, 65, 1. 3.
Projectos — Esboço, arts. 2.375-2.377, 2.411 pr, e 2.457
e 2.458; Felicio dos Santos, 2.102 e 2.104; Coelho Rodrigues,
725; Beviláqua, 1.334 e 1.336; Revisto, 1.35.7 e 1.358. Foi a
364 OODIGO CIVIL

Comissão do Governo que permittiu ao locador rescindir o


contracto antes de findo o prazo, pagando perdas e damnos;
e foi a da Gamara que reuniu em um só artigo os dois pre-
ceitos que não têm entre si connexão lógica sufficiente para
constituirem um só edicto.

Observações — 1. — O principio do artigo estabelece sancção


para o preceito firmado no artigo precedente, n. I. O proprie-
tário pôde estipular que aluga a coisa para determinado fim,
ou excluir certas applicações possíveis. Por exemplo: aluga um
cavallo para passeio e não para conduzir carga; não quer que
na casa se estabeleça tavolagem ou alcoice. Se o locatário in-
fringir a estipulação, poderá o locador rescindir o contracto, e
exigir a indemnização dos prejuízos, que tenha soffrido por esse
facto.
As mesmas conseqüências resultam do mau trato, que o lo-
catário der á coisa alugada.
2. — Contém o paragrapho único uma attenuação ao effeito
da estipulação do prazo no contracto de locação. Antes de ex-
pirar o prazo, as partes podem, reconhecendo a sua inconve-
niência,. desistir delle; mas resarcindo as perdas e damnos, se
fôr o proprietário que exigir a coisa sem os motivos, a que se
refere o artigo antecedente, e pagando o aluguel pelo tempo
que faltar, se o desistente fôr o locatário.
Este dispositivo é mais favorável ao locador, porque, se o
locatário devolve a coisa alugada continua a ter os ônus do con-
tracto sem as vantagens, e se é o locador, embora responda por
perdas e damnos, rescinde, de facto, o contracto e fica livre para
convencionar outro, com quem lhe convier. Parece que a intenção
do legislador foi estabelecer egualdade entre as partes, mas o
effeito alcançado foi outro.
No direito pátrio anterior, também gozava o locador de
casas de certas prerogativas, que o collocavam em posição su-
perior á do inquillino apesar dê fixado um prazo para a duração
do aluguel. Se o locador necessitava da casa para a sua morada,
ou para a de seus filhos ou irmãos, podia despejar o locatário,
antes de findar o prazo (Ord., 4, 24, pr.). E' uma sobrevivência
attenuada desta disposição injusta, offensiva da inviolabilidade
dos contractos, que se encontra no paragrapho único do art. 1.193.
2. a. — Vejam-se as observações ao art. 1.210.
DAS VARIAS ESPBCIES DE CONTRACTOS 365

3. — A lei do inquilinato, dec. n. 4.403, de 22 de Dezembro


de 1921, restabelecera no sèu art. 11, o direito que, pelas Orde-
nações, tinha o proprietário de rehaver a casa alugada, quando
precisasse delia para a sua residência. Não mantivera, porém,
esse direito de distractar em beneficio da morada de filhos ou
irmãos.
Essa lei do inquilinato, como as que vieram, em seguida,
restringira o privilegio, por outro não exigia a condição estabe-
lecida no Codigo philippino, 4, 24, pr., quanto ao caso; a mudança
de situação ou das condições de vida, que a Orã., designa na ex-
pressão: alguns casos, que de novo lhe soõrevenham; e que
Carlos de Carvalho, art. 1.110, d, traduz por motivo novo e
imprevisto.
Essa lei do inquilino, como as que vieram, em seguida,
regular, num momento de desequilíbrio economico, as relações
entre senhorios e inquilinos, foi revogada pela lei n. 5.617, de.
28 de Dezembro de 1928.
3-a — O decreto-lei n. 5.169, de 20 de Agosto de 1943, art. 4
letra e, permittê o despejo, se a pessoa physica ou juridica ne-
cessitar do prédio para o seu proprio uso, de seu ascendente
ou descendente.
4. — Se o locador estipular que a locação se não romperá,
ainda no caso de ser alienado o prédio (art. 1.197), terá o ar-
bítrio de exigir a restituição, antes de findo o prazo estipulado?
Opino que não, porque essa clausula importa renuncia do direito
extraordinário conferido pelo art. 1.193, paragrapho único. As-
segurando o respeito ao arrendamento, até no caso de aliena-
ção da coisa arrendada, implicitamente o locador assegura esse
respeito, emquanto a coisa se achar em seu domínio; garan-
tindo que a coisa será alienada com o ônus do arrendamento,
dá segurança de que a não retirará arbitrariamente, da posse
, do locatário.
5. — Se, no contracto de locação, se estipular clausula penal
para o caso da infracção de qualquer das suas condições, valerá
a somma, determinada para a pena convencional, como indemni-
zação das perdas e damnos, a que se refere o paragrapho único
do art. 1.193? Não, porque a pena se refere a qualquer das
condições componentes do contracto, e não a este em seu todo.
A infracção de uma clausula não importa rompimento do con-
tracto, se assim não se estipula.
Se, porém, a clausula penal se referir ao rompimento do
contracto, será a prefixação das perdas e damnos para o caso
366 CODIGO CIVIL

previsto no art. 1.193, paragrapho único, porque ao celebrar o


contracto, tiveram as partes em mente, o exercicio da faculdade
concedida ao locador de rehaver a coisa alugada, resarcindo ao
locatário as perdas e damnos, e prefixaram, na pena, o quantum
da indemnizaçãn.
6. — Poderá a locação ser rescindida pelo funcionário pu-
blico, civil ou militar, nos casos de demissão, remoção, reducção
de vencimentos (dec. n. 19.573, de 4 de Janeiro de 1931).

Art. 1.194 — A locação por tempo determi-


nado cessa de pleno direito, findo o prazo esti-
pulado, independentemente de notificação ou
aviso.

Direito anterior — Nas locações de prédio, o senhorio devia


intimar o inquilino, trinta dias antes de findar o prazo, para
deixar o prédio ou renovar o arrendamento (Orã., 4, 23, § 1.°;
Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 666; Carlos de Carvalho,
Direito civil, art. 1.116). Nos outros casos, se o locatário, findo
o tempo da locação, não entregava a coisa alugada, era con-
demnado a restituil-a e a pagar a renda arbitrada pelo locador
depois da mora, além de responder pelos riscos ainda que prove-
nientes de caso fortuito (Orã. 4, 54, pr.; Teixeira de Freitas.
Consolidação, art. 662; Codigo Commercial, art. 230). E' matéria
do art. 1.196 adeante.
Legislação comparada — Cod., 4, 65, 1. 11; Codigo Civil
francez, art. 1.737; italiano, 1.591; hespanhol, 1.5'65; chileno,
1.954; allemâo, 564; venezuelano, 1.644; boliviano, 1.146 e 1.148;
mexicano, 2.284; argentino, 1.604, 1.°.
Projectos —• Coelho Rodrigues, 731 e 762; Beviláqua, 1.337;
Revisto, 1.359.

Observação — E' principio geral, .adoptado pelo Codigo Civi',


que o prazo final opera por si a resolução do acto, a que é
apposto. Não se desvia desta norma a locação. Por tempo de-
terminado, com este effeito, entende-se o que se acha fixado, de
modo preciso entre as partes. Quando a locação é feita pelo
tempo necessário a certo negocio, ou pelo que o uso estabelece, o
aviso é necessário, porque não ha determinação precisa de tempo,
e haverá a presumpção do artigo seguinte.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 367

Art. 1.195 — Se, findo o prazo, o locatário


continuar na posse da coisa alugada, sem oppo-
sição do locador, presumir-se-á prorogada a lo-
cação pelo mesmo aluguer, mas sem prazo de-
terminado .

Direito anterior — Não havia disposição geral correspon-


dente. Quanto ao aluguel de casas, vejam-se Teixeira de Freitas,
Consolidação art. 668, e Carlos de Carvalho, Direito civil, ar-
tigo 1.116.
Legislação comparada — D. 19, 2, fr. 13, § 11, e fr. 14;
Codigo Civil francez, art. 1.738 e 1.759; italiano, 1.5,92 e 1.610;
allemâo, 568; austríaco, 1.114; suisso, das obrigações, 268; por-
tuguez, 1.618; hespanhol, 1.566; argentino, 1.622; uruguayo,
1.790; venezuelano, 1.645; boliviano, 1.149; japonez, 619. Vejam-
se, também: o chileno, art. 1.956; e o mexicano, 2.485 e 2.486;
peruano, 1.532.
Projectos — Esboço, art. 2.459; Felicio dos Santos, 2.109
e 2.110; Coelho Rodrigues, 732, 748 e 763; Beviláqua, 1.338;
Revisto, 1.360.

Observações — 1. — No caso previsto pelo art. 1.195, não


ha reconducção tacita, no sentido de que o contracto continúa
nas mesmas condições, e por outro tempo egual ao que findou.
Ha, sim, prorogação do contracto pelo mesmo aluguel, sem prazo
determinado.
A questão da reconducção tacita, que remonta ao direito
romano provocou interminas discussões entre os autores; mas
a solução dada pelo Codigo Civil brasileiro desfaz as objeçções
levantadas e não pode ser accusada de arbitraria. Funda-se no
principio de que a vontade das partes se manifesta de modo
tácito, quando a lei não exige fôrma expressa. O locatário acha-se
aa posse da coisa locada. Findo o prazo, nella continúa; mani-
festa a intenção de querer a locação pelo aluguel estipulado.
A sua permanência é uma proposta. O locador consente nessa
permanência: acceita a proposta.
O prazo da locação é uma cláusula especial, que não se pôde
subentender nem presumir. Deve ser expressa, porque limita a
liberdade das duas partes, e dá fôrma particular ao contracto.
368 OOMGO CIVIL

Sobre esta matéria leiam-se: Baudry-Laoantinerie et Wahl,


Du contrai de louage, I. ns. 1.400-1.432; Huc^ Oommentaire, X,
ns. 334 e segs.; e a nota ao art. 1.622, do Codigo Civil ar-
gentino.
Ia. — O preceito deste artigo applica-se á locação de coisas
em geral. Na locação de prédios urbanos, vigorou, por algum
tempo, o estabelecido no art. 4.°, § 5.°, do dec. n. 4.403, de 22 de
Dezembro de 1921, que declarava prorogada, por outro tanto
tempo e nas mesmas condições, a locação a prazo certo, se,
com seis mezes de antecedência não fosse denunciada por qual-
quer das partes. No regimen do Codigo, toda locação a prazo
certo se extinge de pleno direito, com o advento do termo, e
somente pela continuação do locatário na posse da coisa, se
dará a prorogação sem tempo determinado.
2. — Dependendo a prorogação do aluguel da vontade das
partes, embora tacitamente manifestada, é claro que qualquer
facto de que resulte a falta de accordo impede a prorogação do
contracto. Se, por exemplo, o locador deu aviso ao locatário de
que necessitava do prédio, expirado o tempo do contracto; se o
locatário se demorou em deixar o prédio por circunstancias im-
periosas, e attendendo, a ellas, o locador não exigiu prompto des-
pejo, não haverá prorogação presumida.
3. — Considerando a locação prorogada, se, findo o prazo,
o locatário continúa na posse da coisa alugada, sem appòsição
do locador, pretenderá o Codigo que as garantias constituidas,
para o contracto, acompanhem a prorogação? Evidentemente, não
se as garantias forem prestadas por terceiros, porque não podem
as partes crear obrigação para que outro a cumpra, sem ser ou-
vido. Se a segurança é prestada pelo locatário, seja uma hypo-
theca, seja um penhor, também se não transfere á prorogação,
porque estava limitada ao prazo extincto, e com elle terminou.
As cauções devem ser renovadas.
4. — Se o contracto contém clausula conferindo ao locatário
o direito de continuar na.posse da coisa alugada, a reconducção
se considera expressa, pois que é applicação, pura e simples, do
contracto. Ainda quando a continuação dependa de concorrência,
por se estipular que o locatário será preferido a qualquer outro,
tanto por tanto, satisfeita a condição, o contracto será o anterior
expressamente prorogado.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 369

AH. 1.196 — Se, notificado o locatário, não


restituir a coisa, pagará, emquanto a tiver em
seu poder, o aluguer que o tocador arbitrar, e
responderá pelo damno, que ella venba a soffrer,
embora proveniente de caso fortuito.

Direito anterior — Assim preceitua o Codigo Commercial,


art. 230. Vejam-se, Carlos de Carvalho, Direito civil^ art. 1.177,
Legislação comparada — Vejam-se: o Codigo Civil allemão,
art. 557; o portuguez, 1.610 e 1.616; o argentino, 1.609; e o
uruguayo, 1.830.
Projectos — Felicio ãos Santos, art. 2.110; Coelho Ro-
drigues, 733 (differente); Beviláqua, 1.339; Revisto, 1.361.

Observações — 1. — Se o locatário tiver bemfeitorias úteis


e necessárias, na coisa alugada, poderá retel-as, emquanto não
fôr indemnizado, segundo o preceito do art. 1.119.
2. —-O Codigo não estabelece limite algum para os alugueis
arbitrados pelo locador, neste caso, porque esse preço elevado
é um meio de coagir o locatário a cumprir a sua obrigação de
restituir a coisa alugada, finda a locação. A continuação arbi-
traria do locatário na posse da coisa alugada, é um acto injusto,
uma acção abusiva, contra a qual a lei arma o locador deste
recurso extraordinário, além do commum da acção para lhe ser
restituido o que, sem direito, continúa em poder do locatário.
x 2-a. — Quanto a locação de prédios destinados a fins com-
merciaes ou industriaes, veja-se a nova legislação indicada na
obs. 3 do art. 1.210.
3. — O locatário, que não restitue a coisa alugada, findo
o prazo da locação, ou depois de receber a notificação do lo-
cador, está constituído em mora; por isso responde pelo damno,
que a mesma venha a soffrer, embora proveniente de caso forJ
tuito (art. 957).

Art. 1.197 — Se, durante a locação, fôr


alienada a coisa, não ficará a adquirente obri-
gado a respeitar o contracto, se nelle não fôr
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 24
370 CODIGO CIVIL

consignada a clausnla da sua vigência no caso


de alienação, e constar de registro publico.
Paragrapho único. Nas locações de im-
moveis não poderá, porém, despedir o locatário,
senão observados os prazos do art. 1.209.

Direito anterior — Differente. A Orã., 4, 9, pr., não estabe-


lecia a excepção constante da segunda parte do principio do
artigo. Vejam-se Teixeira de Freitas-, Consolidação, art. 655 e
656; Carlos de Carvalho, Direito civil, arts. 1.126 e 1.127.
Havia o preceito do paragrapho único, em relação aos prédios
urbanos, como se verá melhor no commentario ao art. 1.209,
sob esta mesma rubrica.
Legislação comparada — Semelhante; Codigo Civil francez,
art. 1.743; italiano, 1.597; portuguez, 1.619, 2.a parte; allemão,
571; argentino, 1.498; venezuelano, 1.650; boliviano, 1.152; uru-
guayo, 1.792; chileno, 1.962; mexicano, 2.495; do Montenegro,
290; austríaco, 1.120; peruano, 1.515.
Differente: Cod., 4, 65, 1. 9: Emptorem quiãem fundi necesse ■
non est stare colono, cui prior dominus locavit: nisi ea lege emit;
hespanhol, art. 1.571; suisso das obrigações, 259.
Projectos — Esboço, arts. 2.478, 3.° e 6.°; 2.479, 2.°; 2.481 e
2.499; Felicio dos Santos, 2.114; Coelho Rodrigues, 736; Bevi-
láqua, 1.340; Revisto, 1.362. A não ser Felicio dos Santos, os
Projectos mantinham o direito entre nós tradicional de ruptura
do arrendamento pela venda. Foi o Senado que alterou o dis-
positivo no sentido, que hoje apresenta (emenda n. 1.151).
Bibliographia — Direito das obrigações, § 144; M. I. Car-
valho de Mendonça, Contractos, II, n. 185; Teixeira de Freitas,
Consolidação, Introducção, ps. LXXX-LXXXIII; Teixeira de Sá,
Parecer, nos Trabalhos da Gamara, III, ps. 141 e 142; Discurso,
VI, ps. 46-48; Andrade Figueira, Trabalhos, cits., VI, p. 42; An-
tônio Nogueira, Parecer em 1913, Impresso, ps. 169-170; Phila-
delpho Azevedo, Registros públicos, ns. 110-112; Coelho da-
Rocha, Inst., § 840; Planiol, Traité, II, ns. 1. 762-1.766 e 1.795-
1.798; Huq, Commentaire, X, ns. 341-347; Zachariae, Droit
civil français, III, § 704 e nota 33; Troplong, Du contrai de
louage, I, n. 5, e II, n. 463; Baudry-Lacantinerie et Waiil, Du
contrai de louage,, I ns. 684-690 e 1.271-1.344; Aubey et Rau,
Cours, V, §§ 365, 3.°, e 369, B; Code Civil allemand, publié par
le Comitê de lég. étr., ao art. 571; Kohler, Lehrbuch, 11, § 124;
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTKACTOS 371
Evdemann, Lehrbuch, I, § 169, 4; Dernburg, Panei., II, § 111;
Windscheid, Panei., II, § 400, e nota 7; Jhering, Dei' Besitzwille,
ps. 435 e segs.; Chironj, Ist., II, § 334; E. S. Zeballos, La lo-
cacion crea um jus in re en favor dei locatário, in Revista ãe
elerecho, historia e letras, tomo LXII, ps. 132 e segs.

Observações — 1. — Resolve o Codigo, neste artigo, uma


questão muito debatida na doutrina, e de grande interesse pra-
tico. Estabelece, em principio, a regra de que a alienação rompe
a locação (venelage passe louage, Kauf Uricht Miethe).
E' o principio romano, que passara para o nosso direito.
Este principio soffria alguma attenuaçâo. O adquirente da
coisa alugada tinha de respeitar a locação firmada em contractos,
por tempo determinado.
I.0, Se a isso se tivesse obrigado, si ea lege .emit; porque
assumira a posição de locador por contracto expresso.
2.°, Se, depois de adquirir a propriedade da coisa, consentira
na conservação do locatário, recebendo os alugueis, ou entrando
com elle em relações de locador para locatário; porque acceitara,
ainda que de modo tácito, o contracto do senhorio anterior.
3.°, Se, tratando-se de immovel, este se achava hypothecado
ao cumprimento da locação, fixando-se em quantia certa o pre-
juízo do locatário, no caso de não ser respeitado o arrendamento.
4.°, As Ordenações admittiam uma outra excepção; se o lo-
catário se offerecesse a pagar ao comprador os prejuízos re-
sultantes da permanência da locação.
Destas attenuações subsistem, naturalmente, a primeira e a
terceira. A primeira, por ser uma obrigação livremente contra-
hida pelo adquirente. A terceira porque é a conseqüência do
direito real: o prédio foi adquirido com o ônus hypothecario,
que assegura o cumprimento do contracto.
As outras duas, a segunda e a quarta, não podem subsistir,
sem o apoio de uma disposição de lei. Se o adquirente recebe
os alugueis e entra em relações com o locatário como se fora
locador, entende-se que não acceitou o contracto anterior, porém
que consentiu no aluguel por tempo indeterminado. O contracto
anterior não o pôde obrigar, por ser de outrem.
O offerecimento do locatário para pagar perdas e damnos
também não obrigará o adquirente, se este o não acceitar. Accei-
372 CODIGO CIVIL

tando, ficará obrigado, porque terá celebrado contracto directo.


com o locatário. Obriga-se por força do contracto, não do méro
offerecimento do locatário.
2. —: Introduziu, porém, o Codigo direito novo, determinando
que o adquirente ficará obrigado a respeitar a locação, se, no
contracto celebrado entre o locatário e o alienante, se achar
consignada a clausula da vigência da locação no caso de ser
alienada a coisa alugada, comtanto que essa obrigação conste de
registro publico.
O preceito é geral; abrange moveis e immoveis. Por força
deste artigo, o registro imprime á locação uma efficacia, que
somente os direitos reaes possuem. Por isso Troplong, analy-
sando esta matéria em direito civil francez, onde se consagra
doutrina semelhante á do nosso Codigo Civil, não hesitou em
declarar que o aluguel de, coisa-era; assim, um direito real, que
o Codigo creamyem beneficio do locatário, pois que lhe dera
efficacia erga omnes e o consectario da seqüela. O nosso Tetxeika
oe Freitas deu-lhe razão, por que, no rigor dos principies, assim
é, realmente.
Sacrificou-se, porém, a lógica juridica por amor a motivos
de ordem pratica. Para dar estabilidade ás locações, imaginou-se
uma clausula subentendida, que obriga o adquirente a respeitar
o contracto celebrado com o alienante; e, assim, se justificou
a preeminencia do direito pessoal do locatário, em face do di-
reito real do adquirente, o que é desvio dos principies.
Aliás, a doutrina deste artigo se harmoniza mal com a do
art. 1.193, paragrapho único.
2 a. — Digo que a doutrina deste artigo se harmoniza mal
com a do art. 1.193, porque aquelle estabelece uma faculdade
excessiva e este uma restricção; mas da combinação dos dois
artigos resulta que aquella faculdade desapparece, quando o
locador acceita esta restricção. Tal é também o parecer de J.
X. Carvalho de Mendonça e Alfredo Bernardes. V. a abs. 4 ao
art. 1.193.
3. — Para que a locação seja respeitada, no caso de allie-
nação, é necessário: 1.°, Que tenha sido contractada com a clau-
sula de sua vigência, se a coisa vier a mudar de dono. Essa
clausula vale por uma restricção convencional da propriedade,
e transmitte-se com a coisa alugada. 2.°, Que essa restricção da
propriedade conste do registro publico. E' o registro que em-
presta ao direito pessoal, neste caso, attributos de direito real.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 373
O registro, a que se refere este artigo, é o de immoveis, se-
gundo declara o Dec. n. 4.827, de 7 de Fevereiro de 1924, art. 5.°,
&, II e decreto n. 4.857, de 9 de Novembro de 1939, art. 178, IX.
Este ultimo dispositivo manda inscrever no registro de immoveis
o contracto de locação de prédio, no qual tenha sido consignada
clausula de vigência, no caso de alienação dg, coisa locada.
São dignas" de estudo as ponderações que a este respeito
fez Philadelpho Azevedo Registros públicos, ps. 91 e seguintes.
4. — Quando o adquirente não ficar obrigado á locação por
ausência da clausula garantidora dos direitos do locatário, terá
este acção de indemnização contra o alienante.
õ. — Sobre a matéria do paragrapho único, veja-se o ar-
tigo 1.209.

CONSELHO REGIONAL DO TRABAÍM#


REGIÃO
Art. 1.198 — Morrendo o loeador, ou o lo-
catário, transfere-se aos seus herdeiros a locação
por tempo determinado.

Direito anterior — O mesmo (Ord., 4, 45, § 3.°; Teixeira de


Freitas, Consolidação, art. 652; Carlos de Carvalho, Direito
civil, art. 1.122).
Legislação comparada — D. 19, 2, frs. 19, § 8.°, e 60, § 1.°;
Cod., 4, 65, 1. 10; Codigo Civil francez, art. 1.742; italiano,
1-596; uruguayo, 1.783; venezuelano, 1.649; boliviano, 1.151.
Vejam-se, ainda: o allemão, 569; o suisso das obrigações, 270; e
o portuguez, 1.169.
Projectos — Esboço, art. 2.499, 1.° e 2.°; Felicio dos Santos,
2.111; Coelho Rodrigues, 736; Beviláqua, 1.341; Revisto, 1.363.

Observações — 1. — Cessará a locação pela morte de uma


das partes, se assim se tiver estipulado, ou se não tiver prazo
certo.
2. — A locação por tempo determinado não se resolve com
a fallencia do locador ou do locatário (lei n. 5.746, de 9 de De-
zembro de 1929, art. 47); nem pela incapacidade superveniente
do locador ou locatário; nem finalmente, pela cessação da in-
capacidade de um ou do outro. Extingue-se com a desapropriação.
374 CODIGO CIVIL

Vejam-se a respeito: Direito das Obrigações, § 146; Teixeira


de Freitas, Consolidação, nota 3, ao art. 652; J . X. Carvalho de
Mendonça, Tratado de direito coonmercial, VII, ns. 46Í3-465;
Bento de Faria, Das fallencias, nota 94, ao art. 47, da lei nu-
mero 2.024; Dionysio Gama, Contractos por instrumento parti-
cular, n. 484; Coelho da Rocha, Inst.; § 840.

Art. 1.199 — Não é licito ao locatário reter


a coisa alugada, excepto no caso de bemfeito-
rias necessárias, on no de bemfeitorias úteis, se
estas houverem sido feitas com expresso consen-
timento do locador.

Direito anterior — Havia certa ambigüidade no que dispu-


nham as Orãs., 4, 54, §§ 1.° e 3.°, e 4, 24, pr. Pela interpretação
de Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 663, o locatário podia
reter a coisa por bemfeitorias necessárias ou úteis, autorizadas
ou não pelo proprietário; salvo no caso em que tratando-se de
prédios: a) o inquilino deixasse de pagar os alugueis; b) damni-
ficasse o prédio ou delle se servisse para fins illicitos; c) o pré-
dio necessitasse de obras incompativeis com a conservação do
inquilino; d) o proprietário quizesse o prédio para sua moradia,
de seus filhos, ou irmãos (art. 669). Nestes casos, não se admittia,
a opposição suspensiva do inquilino por bemfeitoria, ainda que
autorizadas (art. 670). A praxe, no emtanto, modificara o rigof
dessa regra. A interpretação de Carlos de Carvalho é um tanto
differente( Direito civil, arts. 1.110 e 1.118).
Legislação comparada — Vejam-se as disposições seguintes,
nas quaes ha muitas variantes: Codigo Civil hespanhol, ar-
tigo 1.573; allemão, 547 e 556; austríaco, 1.097; portuguez,
1.614 e 1.615; argentino, 1.518, 1.535, 1.539-1.552 e 1.580; uru-
guayo, 1.807 a 1.809; chileno, 1.935-1.937; venezuelano, 1.656;
do Montenegro, 294; japonez, 608; peruano, 1.538 a 1.540.
Projectos — Esboço, arts. 2.352-2.366 e 2.452-2.456; Be-
viláqua, 1.343; Revisto, 1.365.

Observações — 1. — As bemfeitorias necessárias têm por


fim conservar a coisa ou impedir que se deteriore (art. 63,
i
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 375

§ 3.°). O proveito principal dellas é do senhorio, pois que con-


servam a coisa, não lhe augmentam as utilidades.
O locatário pode fazel-as independentemente de autorização
do locador, e, se este as não quizer pagar, concede a lei o direito
de retenção.
Não se considera bemfeitoria necessária a despeza com o sus-
tento do animal alugado, embora destinada á conservação delle,
porque é condição de sua utilização.
2. — As bemfeitorias úteis, augmentando ou facilitando o
uso da coisa, são de manifesto proveito para o locatário. En-
tende-se que, se elle as fez, sem consultar o senhorio, ou não
obstante a opinião contraria deste, é porque assim lh'o exigiam,
exclusivamente, os seus interesses. Nega-lhe, por isso, o Codigo
o direito de retenção. Não o priva, entretanto, do direito de re-
clamar a indemnização, porque o proprietário hão se pode en-
riquecer com o alheio.
A situação do lacatario é differente da de outros possuidores
aos quaes, em regra, se attribue o direito de retenção, emquanto
não são indemnizados pelas bemfeitorias úteis e necessárias (ar-
tigo 516, in fine). Aquelle que possue a titulo de proprietário
melhora a coisa, que suppõe sua. Não tem que pedir licença a
quem quer que seja, para assim fazer. O locatário usa de coisa
alheia; se nella quer fazer despesas méramente úteis, para au-
gmento das vantagens, que o uso lhe dá, é preciso que peça
autorização ao proprietário. Se o não faz, não poderá, depois,
reter a coisa sob fundamento de a ter beneficiado. O proveito
de utilidade é, primeiramente, seu.
3. — Sobre as bemfeitorias de mero recreio, o locatário
tem apenas o jus tolenãi, se o puder exercer sem damno da
coisa alugada.

Da locação de prédios

Art. 1.200 — A locação de prédios pôde ser


estipulada por qualquer prazo.

Direito anterior — Semelhante: mas sem texto que, exacta-


mente, correspondesse ao do art. acima. Vejam-se Carlos de
Carvalho, Direito civil, art. 1.093, e Teixeira de Freitas, Con-
solidação, art. 651.
Legislação comparada — As legislações propendem para li-
mitar o tempo da locação. O Codigo Civil italiano permitte o
376 CODIGO CIVIL

arrendamento até 30 annos, art. 1.571; o argentino, 1.505, e o


uruguayo, 1.782, até dez; o venezuelano prescreve o prazo geral
de quinze annos, mas permitte que os arrendamentos de casa
possam ser vitalícios e os de terrenos incultos se estendam até
cincoenta annos (art. 1.625); os que têm a simples administração
não podem arrendar por mais de dois annos (art. 1.626); o
allemão, 567, não limita a duração, mas faculta denuncia do
contracto depois de trinta annos; o japonez estabelece o prazo
de vinte annos (art. 604); mas se o arrendante é pessoa incapaz,
a duração variará de seis mezes para os moveis, até tres, cinco
e dez annos, para habitações, prédios rústicos e florestas (ar-
tigo 602).
O portuguez, art. 1.600, não estabelece limites. Veja-se a
Observação 4 ao art. 1.188. O peruano, art. 1.494 limita a dez
annos o arrendamento de bens do Estado ou de comprovações,
ou pessoas que não disponham de seus bens,
O direito romano dava ás locações de mais de dez annos o
caracter de direito real, orientação que passou ás Ordenações
philippinas (3, 47), depois alteradas pelo alvará de 3 de No-
vembro de 1757.
Projectos — O Esboço, arts. 2.293 e 2.294, estabelece limi-
tação de prazo para os arrendamentos dados por certas pessoas:
menores, maridos em relação aos bens das mulheres, curadores,
administradores. Para as outras pessoas não ha restricção de
tempo, art. 2.306, com tanto que a locação não seja perpetua,
art. 2.307; Felicio dos Santos, art. 2.105; Coelho Rodrigues, 709
e 711; Beviláqua, 1.344; Revisto, 1.367. Todos estes Projectos
limitavam a duração do arrendamento. A Gamara, porém, eli-
minou a claufeula limitativa.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 147; Teixeira de
Freitas, Consolidação, nota (2) ao art. 651; Cândido de Oliveira
Pilho, Lei do inquilinato. Nova lei do inquilinato; Almachio
Diniz, Das acções de despejo; D. Gama, Prédios; Perel Rangel,
Uma lei absurda; Azevedo Marques, Acções de despejo; Augusto
Vaz, Acção para cobrança de alugueis de casa, na Revista da Fa-
culdade do Recife, XV, ps. 147 e segs.; Baudry-Lacantinerie et
Wahi, Du contrai de louage, I, ns. 1.200 é segs.; Huc, Com-
mentaire, X, ms. 170-172; Planiol, Traitc, II, n. 1.783; Dias
Ferreira, Codigo Civil portuguez, IV, aos arts. 1.595 e 1.596.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTEACTOS 377

Observações — 1. — O Codigo não estabeleceu limite de


tempo, quer para as locações de coisa em geral; quer para os
arrendamentos de prédios. São, portanto, permittidos os arren-
damentos de longo prazo, ainda que dahi resultem graves in-
convenientes para a movimentação da riqueza predial, maxime
havendo a clausula da vigência da locação, no caso de ser alie-
nado o prédio (art. 1.197).
Todavia devemos ponderar que não são admissíveis arren-
damentos perpetues, porque, pela definição legal, a locação de
coisas deve ser temporária, seja o tempo determinado ou não
(art. 1.188).
Além disso, se a emphyteuse, que é relação jurídica de natu-
reza perpetua, pôde ser resgatada passados trinta annos depois
de constituida (art. 693), como poderia ser perpetua a locação,
que, por natureza, é temporária?
Mas, se não pôde ser perpetua, poderá a locação ter prazos
de cem, duzentos, mil annos? Parece que não, porque a duração
tão longa do contracto importaria em desnatural-o, tirando-lhe
a temporariedade, que lhe é essencial. Não quiz o Codigo es-
tabelecer, como seria conveniente, um limite máximo para a
duração dos arrendamentos, deixando ao interesse das partes
regular esse ponto. Creou, cora essa regra, além de embaraços
economicos, a possibilidade de explorações gananciosas, uma ob-
scuridade: se a locação deve ser temporária e se os prazos
muito longos desnaturam a locação, qual será o extremo até onde
poderão chegar os prazos de arrendamento ?
Penso que, se a emphyteuse pôde ser resgatavel em trinta
annos, os arrendamentos não poderão ser mais extensos. Todavia,
como a lei não o disse, e como as relações de direito não são
idênticas, força é reconhecer que o argumento não é decisivo.
Ha, entretanto, arrendamentos, que, por determinação de
leis especiaes, não podem ir além de certo máximo. As estradas
de ferro federaes, segundo o Dec. n. 2.413, de 28 de Dezembro
de 1896, art. 1.°, não se arrendam por mais de sessenta annos.
2. — A locação de prédios urbanos foi, durante sete annos,
regulada pelo dec. n. 4.403, de 22 de Dezembro de 1921, que
modificou muitos preceitos do Codigo Civil, como já se viu em
artigos anteriores.
Além desse decreto, havia o de emergencia para o Districto
Federal, dec. n. 4.624, de 2 de Dezembro de 1922, que sus-
pendeu, por dezoito mezes, a acção de despejo, salvo por falta
de pagamento do aluguel, por damno causado ao prédio, por sua
378 codigo civil

applicação a fins illicitos ou deshonestos, ou por necessitar o


locador do prédio para a sua própria residência. Este prazo de
dezoito mezes foi prorogado até 31 de Dezembro de 1924, pela
lei n. 4.793, de 7 de Janeiro de 1924, art. 18. E o de. n. 4.840,
de 22 de Julho de 1924, estendeu esse favor ás locações para
residência cujos contractos se vencessem no curso do anno
de 1924.

Essas leis, porém, foram revogadas pela de n. 5.617, de 28 de


Dezembro de 1924, que restabeleceu o império do Codigo Civil,
nesta matéria.
3- Ã defeza na acção de despejo, por falta de pagamento
de alugueis, somente pode consistir em embargos de bemfei-
torias ou de pagamento. A citação para a acção constitue, desde
logo, o devedor em mora. O deposito posteriormente feito não
illide o pedido, nem purga a mora (accórdão da Côrte de Appel-
lação do Distrito Federal, na Revista de direito, vol. LXXII,
p. 177).

Art. 1.201 — Não havendo estipulação ex-


pressa em contrario, o locatário, nas locações a
prazo fixo, poderá sublocar o prédio, no todo ou
em parte, antes ou depois de havel-o recebido,
e, bem assinp emprestal-o, continuando respon-
sável ao locador pela conservação do immovel e
solução do aluguer.
Paragrapho único. Pôde também ceder a lo-
cação, consentindo o locador.

Direito anterior A sublocação era admittida, mas não a


regulava a lei de modo expresso (Teixeira de Freitas, Conso-
lidação, nota (26) ao art. 671; Carlos de Carvalho, Direito civil,
art. 1.114.
Legislação comparada Cod., 4, 65, 1. 6,' Remo prohiljetur
rem quam conduxit fruendum alii locare: si nihil aliud convenit;
Codigo Civil francez, art. 1.717; italiano, 1.573; suisso das obri-
gações, 264; hespanhol, 1.550; argentino, 1.583 e 1.596; boli-
viano, 1.137; portuguez, 1.605; venezuelano, 1.627; austríaco,
1.098.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRAOTOS 379
A
O allemão, art. 459; o mexicano, 2.480-2.482; o chileno,
1.946; e o japonez, 612, exigem autorização do tocador para a
sublocação e a cessão. O uruguayo, art. 1.791, recusa a cessão
mas permitíe a sublocação.
Projectos — Esboço, art. 2.385; Felicio dos Santos, 2.094;
Coelho Rodrigues, 714; Beviláqua, 1.345; Revisto, 1.367.

Observações — 1. — Accentúa este artigo tres faculdades


concedidas ao locatário: a de sublocar o prédio, a de empres-
tal-o, e a de ceder a locação. As duas primeiras exerce-as, livre-
mente, se não ha estipulação em contrario;- para o exercício da
ultima necessita de consentimento do locador.
A razão desta differença está em que, sublocando ou empres-
tando o prédio, o locatário continúa obrigado pelo contracto,
que celebrou com o locador. A sublocação e o empréstimo en-
tendem-se modos de usar e gozar da coisa alugada. Se o con-
tracto não faz restricção, quanto a esses modos de usar, estão
elles incluídos na faculdade geral de uso e goso. O mesmo,
porem, não acontece com a cessão. Cedido o contracto, desappa-
rece a responsabilidade do cedente, que passa a ser pessoa es-
tranha ao contracto. Os direitos e os deveres do locatário trans-
portam-se para o cessionário, com o qual se tem de entender,
dahi por deante, o locador.
2. — A cessão do contracto de arrendamento encontraria
difficuldade no facto de importar em transferencia de obrigação,
por substituição do devedor. Mas o Codigo removeu o embaraço,
exigindo, para a validade da cessão, o consentimento do locador,
que implica, ao mesmo tempo, a exoneração do cedente e a
acceitação do novo locatário, o qual, por seu lado, adquire os
direitos do cedente contra o locador, a começar da data da cessão.
Sobre esta matéria, leiam-se: Baudry-Lacantinerie et Wahl,
Du contrai de louage, I, ns. 1.051-1.191; Huci, Commentaire, X,
ns. 181-185; Zacharxae, Droit civil français, IV, § 703, com as
notas de Massé e Vergé; Planiol, Traité, II, ns. 1.802-1.810;
Guilloüard, Du contrai de louage, I, ns. 310 e segs.; Atjbry et
Ratj, Cours, V, § 368.

Art. 1.202 — O sublocatario responde, sub-


sidiariamente, ao senhorio pela importância, que
380 CODIGO CÍVEL

dever ao sublocador, quando este for deman-


dado, e ainda pelos alugueres, que se vencerem
durante a lide.
§ 1.° Neste caso, notificada a acção ao sub-
locatario, se não declarar logo que adeantou
alugueres ao sublocador, presumir-se-ão fraudu-
lentos todos os recibos de pagamentos adean-
tadbs, salvo se constarem de escripto com data
autbenticada e certa.
^ § 2.° Salvo o caso deste artigo, nas dispo-
sições anteriores, a sublocação não estabelece
direitos nem obrigações entre o sublocatario e o
senhorio.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — D. 13, 7, fr. 11, § 5.°; Godigo Civil
francez, art. 1.753; italiano, 1.574; hespanhol, 1.551 e 1.552;
venezuelano, 1.628; boliviano, 1.157; argentino, 1.591-1.595: me-
xicano, 2.481-2.482. Não se mostram uniformes as leis citadas
no modo de regular a especie.
Projectos — Esboço, art. 2.400; Coelho Rodrigues, 715-716;
Beviláqua, 1.346 e 1.347; Revisto, 1.368-1.369.

Observações — 1. — A sublocação é um contracto entre o


locatário e o sublocatario. E' entre elles que gera direitos e obri-
gações, occupando o primeiro a posição de locador e o segundo
a de locatário. O contracto entre o locador e locatário não
obriga ao sublocador e ao sublocatario, senão quando na sub-
locação a elle se fizer referencia expressa.
Assim os direitos e as obrigações reciprocas do locador e
do locatário continuam as mesmas, como se não houvesse sub-
locação, e nenhuma obrigação directa contrae o locador para com
o sublocatario. Outra, porém, será a solução, quando o locador
consentir, expressamente, na substituição do locatário pelo sub-
locatario.
Não obstante ser a sublocação contracto, entre o locatário
e o sublocatario, todavia ficará este obrigado a pagar ao lo-
cador os alugueis, que aquelle deixar de pagar, até á quantia
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 381
(me elle mesmo dever. Opera-se, por determinação expressa da lei,
um transporte de credito em beneficio do credor.
A responsabilidade subsidiaria do sublocatario começa com
a notificação da cobrança judicial do lacador ao locatário. Desde
então, os alugueis, ainda devidos e os que se vencerem durante
a lide, devem ser pagos ao senhorio, e, se, o sublocatario tiver
feito pagamentos adeantados, deve declaral-o desde logo. As de-
clarações feitas depois presumem-se resultantes de concluio entre
o locatário e o sublocatario, para o fim de prejudicar o locador,
e, consequentemente, não tem valor, salvo se constarem de es-
cripto com data anterior á notificação, tornada authentica e
certa pelo registro.
2. — Pelos damnos, que o sublocatario causar no uso do
prédio, responde o locatário, salvo se o senhorio, consultado, tiver
consentido na sublocaçâo. E' solução que resulta do disposto no
§ 2.°. Entre o senhorio e o sublocatario não ha outros direitos
e obrigações, se não os que acima se mencionaram, relativos
aos alugueis vencidos e não pagos antes da demanda, e aos que
se vencerem durante a lide.
Sem duvida a sublocaçâo se entende feita com a condição
de ser o prédio utilizado dentro dos limites do contracto entre
o locador e o locatário, porque este não pode transferir, ao sub-
locatario, mais direitos do que tem. Mas, verificado o damno
por abuso do sublocatario, responde o locatário perante o senhorio,
embora perante elle responda o autor do damno.

Art. 1.203 — Rescindida, ou finda, a loca-


ção, resolvem-se as sublocações, salvo o direito
de indemnização, que possa competir ao sublo-
catario contra o sublocador.
Direito anterior — Principio reconhecido, mas não expresso
em lei.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 1.606;
allemão, 556, 3.a al.; peruano, 1.527.
Projectos — Esdoço, art. 2.521; Beviláqua, 1.348; Revisto,
1.370.
382 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — As sublocações fundam-se no direito,


que tem o locatário de usar do prédio; cessando o direito do
locatário, resolvem-se, por via de conseqüência, as locações por
elle feitas.
Se, porém, a locação findar por confusão, ou consolidação,
isto é, se o locatário adquirir a qualidade de dono, usofructuario
ou emphyteuta do prédio, não se extingue a sublocação, porque
não cessa o direito de uso do locatário, muda, apenas de forma,
adquirindo maior solidez.
2. — O sublocatario tem o direito de reter o prédio por
bemfeitorias necessárias, porque é possuidor de bôa fé, e a re-
tenção é meio compulsório de obter a indemnização. Pelas úteis,
como o locatário não podia autorizal-o a fazel-as, não terá sinão
o direito de reclamar indemnização, sem poder reter o prédio,
salvo se o senhorio lh'as autorizou.
Nestes dois casos, o exercicio do direito do sublocatario não
contraria o disposto no art. 1.202 § 2.°, porque não se trata de
relações creadas pela sublocação, e, sim, pelo fato da posse
e pela necessidade moral, em que se acha o senhorio, de não
se locupletar com o alheio.
Quaesquer outras indemnizações, a que tenha direito o sublo-
catario, é do sublocador que as deve reclamar.

Art. 1.204 — Durante a locação, o senhorio


não pôde mudar a forma nem o destino do pré-
dio alugado.
Direito anterior — Omisso.
Legislação comparada —- Arg. do D. 7, 8, fr. 23; Codigo
Civil francez, art. 1.723; italiano, 1.579; hespanhol, 1.557; ar-
gentino, 1.523; chileno, 1.928, l.a al.; uruguayo, 1.799, l.a ai.;
venezuelano, 1.633; ;mexicano, 2.414. V., também, allemão, 583.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.096; Coelho Ro-
drigues, 721; Beviláqua, 1.349; Revisto, 1.371.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 144; Coelho da
Rocha, Inst., § 834; Planiol, Traité, II, n. 1.738; Huc, Com-
mentaire, X, ns. 297-301; Baudry-Laciantinebie et Wahl, Du
contrat de louage, I, ns. "458-463; Laxjrent, Cottrs. III, n. 831; Za-
chauiae, Droit civil français, IV, § 701; Aubky et Rau, Cours,
V, § 366.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 383
Observação — Mudar a fôrma ou o destino do prédio im-
portaria em alterar as condições do contracto, o que não é admis-
sivel, senão mediante accordo das partes.
Por mudança de fôrma entendem-se todas as modificações,
que possam restringir o gozo do prédio. Por exemplo, erguer
construcções, fazer reparos, exceptuados os de que trata o artigo
seguinte, derrubar arvores; diminuir o espaço, o ar e a luz.
Por mudança de destino estende-se a applicação do prédio
a fim diverso do que elle tinha, quando foi alugado. Por exemplo;
do prédio destinado a ser habitado por famílias, não pôde ser
dada uma parte para installação de industrias insalubres, ou
para a pratica de actos immoraes.
A mudança da fôrma ou do destino do prédio é perturbação
do uso e gozo do locatário, que o autoriza a reclamar a rescisão
do contracto e indemnizaçâo por perdas e damnos, pois que o
locador infrige o contracto, e causa prejuízos ao locatário.

Art. 1.205 — Se o prédio necessitar de re-


parações urgentes, o locatário será obrigado a
consentil-as.
§ 1.° Se os reparos durarem mais de quinze
dias, poderá pedir abatimento proporcional no
aluguèr.
§ 2.° Se durarem mais de um mez, e tolhe-
rem o uso regular do prédio, poderá rescindir o
contracto.

Direito anterior — A doutrina preenchia a lacuna da lei.


Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.724;
italiano, 1.580; hespanhol, 1.558; suisso das obrigações 256;
argentino, 1.519: chileno, 1.928, ais. 2." e segs.; uruguayo, 1.799,
ais. 2.:i e segs.; venezuelano, 1.634; boliviano, 1.141;; mexicano,
2.412, III, 2.445 e 2.400. V. peruano, 1.513, 3 e 1,516.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.097 a 2.099; Coelho
Rodrigues, 722; Beviláqua, 1.350; Revisto, 1.372.
Bibliograpbia — Direito das obrigações, § 144; Coelho da
Rocha, Inst., § 834; Planxol, Traité, II, n. 1.739; Huc, Com-
mentaire, X ns. 302 e 303; Laurent, Cours, III, n. 830; Baudry-
Lacantinerie et Wahl, Du contrai de louage, I, ns. 464-479;
384 CODIGO CIVIL

ZachariAe, Droit civil français, IV, § 701, nota 10, de Massé


et Vergé.

Observações — 1. — O senhorio não pódè perturbar o gozo


do immovel cedido ao locatário. Eis o principio. Ha uma excepção
exigida pela necessidade de conservação do bem. O locatário,
ainda que isso lhe cause incommodo, tem de consentir nas re-
parações urgentes, que o prédio reclamar.
Consideram-se urgentes as reparações que, sendo necessárias,
não podem ser adiadas para depois de terminar a locação.
Ficam, assim, conciliados os interesses do locador e do loca-
tário. Mas, demorando-se os reparos, crescem os incommodos do
locatário. Attendendo a essa circumstancia, permitte-lhe o Co-
digo: a) pedir abatimento no aluguel, se o concerto durar mais
de quinze dias; &) ou rescindir o contracto, se, durando mais
de um mez, tolher o uso regular do prédio. Não basta a pro-
longação das obras para autorizar a rescisão é necessário, ainda,
que a perturbação, impeça o uso regular do prédio.
2. — O Dec. n. 4.403, de 22 de Dezembro de 1921, art. 2.°, em
vez de obras urgentes, falava de obras indispensáveis para a
conservação e segurança do prédio, verificada por vistoria ju-
dicial. Nesse caso, cessaria a locação, sem que houvesse neces-
sidade de aviso com tres mezes de antecedência. O aviso se
faria, desde que se verificasse, a necessidade das obras.
Não teria revogado a lei do inquilinato o art. 1.205 do Co-
digo Civil? Quanto ao § 1.° nenhuma duvida pode haver. Tra-
tando-se de reparos, que não impedissem o uso do prédio, embora
trouxessem incommodos ao locatário. Subsistia o dispositivo.
Quanto ao § 2.°, se as obras durassem mais de um mez, pareço
que eram dessas que a citada lei cogitava: indispensáveis á
conservação e segurança, do prédio. Então, deviam ser prece-
didas de vistoria, se as partes quizerem rescindir o contracto.
Está, porém, revogada a lei n. 4.403, de 1921, e restaurado,
em sua plenitude, o império do Codigo Civil, nesta matéria de
locação de prédios.

Art. 1.206 — Incumbirão âo locador, salvo


clausula expressa em contrario, todas as repa-
rações, de que o prédio necessitar.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 385

Paragrapho único. O locatário é obrigado a


fazer por sua conta, no prédio, as pequenas re-
parações de estragos, que não provenham, natu-
ralmente, do tempo ou do uso.

Direito anterior — Doutrina acceita, sem texto expresso.


Legislação comparada — Quanto ao principio do artigo
D. 19, 2, fr. 15, § 1.°; fr. 19, § 2.°; Paulo, Sentent., II, 18, 2:
Codigo Civil francez, art. 1.720, 2.i, parte; italiano, 1.576, 2.a par-
te; suisso daá obrigações, 263; argentino, 1.516; chileno, 1.927;
uruguayo, 1.798; venezuelano, 1.630, 2.a parte; do Montene-
gro, 273.
Quanto ao paragrapho único: francez, arts. 1.754 e 1.755;
italiano, 1.576, 2.a parte, 1.604 e 1.605; chileno, 1.927, 1.940 e
1.970; uruguayo, 1.818; do Montenegro, 273; peruano, 1.517, 5.°.
Veja-se, ainda, o hespanhol, art. 1.580, para a matéria do ar-
tigo, em geral.
Projectos — Esboço, art. 2.332; Coelho Rodrigues, 741;
Revisto, 1.373, quanto ao principio. O paragrapho único é da
Commissão da Gamara, que acceitou emenda de Fábio Leal {Tra-
balhos, VI, p. 449). O Projecto -primitivo não continha disposi-
tivo correspondente, porque nas obrigações geraes do locador já
consignara a de manter a coisa alugada em estado de servi^
para o uso, a que se destinasse (art. 1.330, 1.°).

Observações — 1. — O locador cede o uso da casa. Para


que o locatário a possa fruir nas condições, em que a acceitou,
é necessário que a casa se conserve no mesmo estado, em que se
achava, ao tenipo de ser contractada a locação. Incumbe, por
tanto, ao locador fazer as reparações, de que o prédio necessitar,
durante o contracto, se outra coisa não convencionou.
Esta obrigação refere-se aos concertos. O locatário não pode
exigir accrescimos, novas construcções, melhoramentos.
Se o locador não executa os concertos necessários, o locatário
por tempo determinado poderá fazel-os, quando indispensáveis, ou
rescindir a locação, pedindo indemnização. Se fizer os concertos,
não poderá alterar a fôrma do prédio. E, para indemnizar-se das
despesas feitas com as obras, terá o direito de reter o prédio, no
termo da locação. O de descontar as despesas nos alugueis não
lhe confere o Codigo; seria necessário accordo das partes. Veja-se
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 25
386 CODIGO CIVIL

Direito das obrigações, § 144, 2.a e nota 5. Em sentido diverso,


admittindo a retenção do preço do aluguel, para os reparos ne-
cessários. Codigo Civil argentino, art. 1.518; Coelho da Rooha,
Inst., § 834. Ensinam, Huc, Commentaire, X, n. 292, Laurent,
Príncipes, XXV, n. 112, e Baudby-Lacantinekie et Wahl, Du
contrai de lotiage, I, ns. 325-330, que é necessária a autorização
da justiça. Guillouard, Du contrát de louage, I, ns. 101, 106 ©
108, parece vacillar.
Em direito pátrio, não pode haver duvida; o caminho a
seguir é o da rescisão com perdas e damnos, ou o da realização
das obras indispensáveis, para serem pagas pelo locador, mas
sem direito de retenção de alugueis para esse effeito. A retenção
do prédio será permittida no termo do arrendamento, se o lo-
cador não satisfazer a sua obrigação.
Ia. — Esta era a solução, em face do Codigo; com a lei
n. 4.403, de 22 de Dezembro de 1921, se as obras a realizar
eram indispensáveis á conservação do prédio, reconhecida a sua
necessidade por vistoria, o contracto sem estipulaçâo escripta,
podia ser rescindido. O locatário não podia fazer obras no prédio,
para exigir o pagamento do senhorio salvo se este as autori-
zasse. ou se fossem obras contractadas, a que o locador estivesse
obrigado e se recusasse a executar.
2. —Ao locatário incumbem as pequenas reparações de es-
tragos, que não sejam a natural conseqüência do uso ou de tempo.
Alguns Codigos Civis, como o francez, e o italiano, desceram a
minúcias, indicando quaes sejam esse pequenos reparos ou des-
pesas locativas. Fábio Leal propoz alguma coisa nesse sentido,
explicando que eram reparações locativas, á conta do arrendatário;
a collocação de fechaduras, susbstituição de vidros quebrados, des-
obstrucção de canos e de esgotos. Mas essa indicação era apenas
exemplificativa {Trabalhos da Gamara, II, ps. 201-202), e, como
pouco esclarecessem as respectivas obrigações do locador e do lo-
catário, julgou mais acertado a Commissão limitar-se a uma in-
dicação generica {Trabalhos, cit, VI, p. 449).

Art. 1.207 — O locatário tem direito a exigir


do senhorio, quando este lhe entrega o prédio,
relação escripta do seu estado.

Direito anterior — Omisso.


DAS VARIAS ESPEC1ES DE CONTRACTOS 387

Legislação comparada — Compare-se com os Codigos Civis


seguintes: francez, arts. 1.730 e 1.731; italiano, 1.585 e 1.586;
hespanhol, 1.562; argentino, 1.615 e 1.616 .
Projectos — Eshoço, art. 2.451; Felicio dos Santos, 2.103;
Coelho Rodrigues, 726 e 727; Beviláqua, 1.351; Revisto, 1.374.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 145, 3.°; Coelho
da Rocha, Inst., § 837; Huo, Commentaire, X, ns. 312 e 313;
Baudry-Lacantinerib et Wahl, I, ns. 259 a 262 e 923-931; Aubry
et Rau, Cours, V, § 367.

Observação — O locatário tem de restituir o prédio, no fim


da locação, no estado em que recebeu, salvas as deteriorações
naturaes ao uso regular. Resalva a sua responsabilidade, exigindo
uma relação escripta do estado em que o prédio lhe é entregue.
Não o fazendo, entende-se que o recebeu em bom estado. E, se
ha accessorios no prédio, a relação escripta os enumera e descreve,
para tornar certo o que tem de ser restituido.
O Codigo confere ao locatário o direito de exigir essa relação
escripta, porque a vantagem maior é delle, que tem a respon-
sabilidade de restituir o que recebeu, e esse documento constitue
para elle uma garantia. Mas o senhorio terá, também, interesse
na descripção do estado do prédio, para fundamentar as recla-
mações, que tiver de fazer contra abusos ou extravios do lo-
catário .

Art. 1.208 — Responderá o locatário pelo


incêndio do prédio, se não provar caso fortuito
ou força maior, vicio de construcção ou propa-
gação de fogo originado em outro prédio.
Paragrapho único. Se o prédio tiver mais
de um inquilino, todos responderão pelo incên-
dio, inclusive o locador, se nele habitar, cada
um em proporção da parte que occupe, excepto
provando-se ter começado o incêndio na utiliza-
da por um só morador, que será, então, o único
responsável.
388 codigo civil

Direito anterior — Não havia disposição a respeito da ma-


téria deste artigo.
Legislação comparada — Direito romano: argumento do
D. 1, 15, fr. 3, § 1.°, in médio: Et quia plerumque incendia culpa
fiunt inhaMtantium aut fustihus castifat eos... Codigos Civis
modernos; francez, arts. 1.733 e 1.734; italiano, 1.589 e 1.590;
venezuelano, 1.623 e 1.643; mexicano, 2.435 e 2.439;, peruano,
I.518 e 1.519. O Codigo Civil argentino, art. 1.572, e o uru-
guayo, 1.825, não presumem a responsabilidade do inquilino.
Projectos — Esboço, art. 2.544 (differente); Coelho Ro-
drigues, 729 e 730; Beviláqua, 1.352; Revisto, 1.375. E' deste
ultimo Projecto o paragraho único.
Bibliographia — M. I. Carvalho de Mendonça, Contractos,
II, n. 179, Coelho da Rocha, Inst., § 842; Planiol, Traité II,
ns. 1.767-1782;. Huc, Gommentaire, X, ns. 314-329; Laueent,
Cours, III, ns 846 e 847; Zachaeiae, Droit çivil français, III,
§ 702, e notas 8-20; Baudry-Lacantineiue et Wahl, Díi contrai
de louage, ns. 972-032; Aubry et Rau, Cours, V. § 367.

Observações — 1. — A responsabilidade do inquilino, em


caso de incêndio, procede da sua obrigação de velar pela conser-
vação do prédio, e de o restituir nas condições, em que o recebeu.
Não ha nesta prescrição, como se tem pretendido, derogação do
direito commum. O incêndio damnifica o prédio; o inquilino
responde pelo damno, se não prova; 1.°, caso fortuito ou força
maior; 2.°, vicio de construção, a que se deva attribuir o in-
cêndio; 3.°, propagação do fogo originado em outro local. Isto
é: o inquilino é responsável pela damnificação do prédio, se não
provar que está isento de culpa. As indicaçãões ns. 2.° e 3.°
são modalidades da primeira. A presumpção da sua responsa-
bilidade é júris tantum; até prova em contrario. E para esta-
belecer a prova em contrario, outra coisa não tem que fazer,
senão demonstrar ausência de culpa.
2. — A responsabilidade do inquilino comprehende, no caso
de destruição do prédio, o valor deste e dos alugueis de que
foi privado o senhorio durante a reconstrucção. No caso de de-
terioração, o inquilino responde pelo valor dos concertos e pela
privação correspondente da renda.
A indemnização será sempre em dinheiro; não será o in-
quilino obrigado a reconstruir.
Pode esta responsabilidade ser afastada por convenção.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 389
3. — Se o prédio tiver mais de um inqquilino, todos respon-
derão pelo incêndio, na proporção da parte que occuparem. Ha,
neste caso, uma responsabilidade collectiva, mas não solidaria.
Cada um dos locatários responde, somente, por uma parcella da
indemnização correspondente á parte que occupar no prédio. Para
determinar a fracção do preço da indemnização, a que é obri-
gado cada inquilino, o Codigo Civil francez, de onde foi extrahido
o dispositivo, refere-se ao valor locativo. O nosso não menciona
o valor, e relaciona a indemnização, somente, á parte occupada.
Mas a idéa de valor não pôde ser posta de lado. Não é admis-
sível que se tenha em vista o espaço detido pelo inquilino, sem
attenção ao valor locativo dessa porção do prédio. Forçoso será
entender as palavras — em proporção ãa parte que occupe, como
significando em proporção do valor.
Se um dos habitantes do prédio é o proprietário, será elle,
para os effeitos da indemnização prescripta neste paragrapho,
tratado como qualquer inquilino.
4. — Cada inquilino, porém, não responde senão pela parte
que habita, como a indemnização não é devida senão pela parte
damnificada. Assim, se num prédio de diversos andares, o in-
cêndio se manifestar nos andares superiores, deixando intacto o
pavimento terreo, os locatários deste pavimento não têm que
contribuir.
Tendo-se o fogo manifestado na parte do prédio, em que elles
não habitam, é como se lavrasse noutro prédio. A presumpção de
culpa do habitante do andar terreo é inadmissível. A prova de que
o incêndio começou em outra habitação está feita. Assim tem
decedido a jurisprudência franceza; e a bôa razão lhe approva
a doutrina.
5. — O inquilino tem duas defezas: l.a, provar que o incêndio
começou na parte utilizada por outro morador. A redacção do
artigo é defeituosa. Quer dizer: provado que o incêndio começou
na habitação de algum de entre os inquilinos, porque, então, será
responsável aquelle ou aquelles que se presume terem occasionado
o incêndio por culpa ou dólo. Seria absurdo suppor que, iniciado
o incêndio em compartimento habitado por mais de um inquilino,
os outros moradores se devessem considerar sempre culpados.
2.a, Provar que - não podiam ter começado na sua habitação. O
Codigo não destaca este segundo caso, que se encontra no fran-
cez, no italiano, e no venezuelano; mas é claro que, se um dos
locatários provar que o incêndio não podia ter começado na sua
habitação, seria clamorosa injustiça condemnal-o a contribuir
390 CODIGO CIVIL

para a satisfação de um damno, que outros praticaram. O funda-


mento da responsabilidade collectiva dos inquilinos, em caso de
incêndio, assenta na difficuldade de estabelecer-se qual o verda-
deiro culpado.
João Luiz Alves apoia esta solução.
6. — O incêndio produzido por quem não seja habitante do
prédio, não sendo pessoa pela qual responda o inquilino, consi-
dera-se caso de força maior, relativamente á responsabilidade
deste.
7. — Se o incêndio é devido a vicio de construcção o in-
quilino, além de não responder por elle, tem o direito de pedir
reparação do damno que soffrer (Aubry et Rau, Cours, V, § 367,
nota 20 quarter).

Art. 1.209 — O locatário do prédio, notifi-


cado para entregal-o por não convir ao locador
continuar a locação de tempo indeterminado,
tem o prazo de um mez, para o desoccupar, se
for urbano, e, se rústico o de seis mezes (artigo
1.197, paragrapbo único).
Direito anterior — Quanto aos prédios urbanos, havia dis-
posição semelhante (Ord., 4, 23, § 1.°; Teixeira de Freitas, Con-
solidação, art. 666; Carlos de Carvalho, Direito civil, avt. 1.116).
Não assim em relação aos prédios rústicos. Todavia Carlos de
Carvalho, op. cit., art. 1.119, principio, diz que o locador era
obrigado a esperar pelo fim da colheita, sob pena de indemnizar
o inquilino.
Legislação comparada — Vejam-se os Codigos Civis seguin-
tes: francez, art. 1.736; italiano, 1.609; allemão, 565; aus-
triaco, 1.116; portuguez, 1.629, 2.a parte; suisso das obrigações,
276 e 290; chileno, 1.985; uruguayo, 1.787; venezuelano, 1.661;
japonez, 617; mexicano, 2.478.
Projectos — Beviláqua, art. 1.353; Revisto, 1.376.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 148; Planiol,
Traité, II, ns. 1.785 e 1.786; Huo, Gommentaire, X, ns. 330-333;
Baudry-Lacantinerie et Wahl, Du contrai de louage, I, ns. 1.200
e 1.239; Aubry et Rau, Cours, V, § 369.
DAS VARIAS ESPECIES DE COIÍTRACTOS 391

Observação — Este artigo fôra modificado pela lei n. 4.403,


de 22 de Dezembro de 1921, quanto aos prédios urbanos. O lo-
cador devia avisar o inquilino por petição dirigida ao juiz com-
petente com tres mezes, pelo menos, de antecedência.
O locatário por sua vez, teria de fazer o mesmo aviso, com
as mesmas formalidades e nas mesmas condições (art. I.0).
Para os prédios rústicos subsistia o prazo do Codigo, que é
de seis mezes, e que se faz sem interferência do poder judicial.
Está agora restabelecido o preceito do Codigo Civil.

Disposição especial aos prédios urbanos

Art. 1.210 — Não havendo estipulação em


contrario, o tempo da locação de prédio urbano
regular-se-á pelos usos locaes.

Direito anterior — Regra acceita sem preceito expresso.


Legislação comparada — Vejam-se: o Codigo Civil francez,
arts. 1.736 e 1.758; italiano, 1.609; hespanhol, 1.581; portuguez,
1.623; peruano, 1.497.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.107; Beviláqua, 1.364;
Revisto, 1.377.

Observações — 1. — Faz o artigo uma applicação da regra de


direito consignada no D. 50, 17, fr. 34; Semper in stipulationihus
et in cceteris contratibus iã sequimur, quoã actum est, aut si non
pareat, quiã actum est, erit consequens, ut iã sequamur, quoã in
regione, in qua actum est jrequentatur.
2. — Fôra substituído este dispositivo pelo da lei n. 4.403,
de 22 de Dezembro de 1921, art. I.0, § 1.°: O prazo da locação
era de um anno, que se considerava sempre prorogado por outro
tanto tempo, e nas mesmas condições do anterior, desde que
não houvesse aviso em contrario com tres mezes, pelo menos,
de antecedência. Está revogada essa norma.
3. — O dec. n. 24.130, de 20 de Abril de 1934, regulou as
condições e o processo de renovação dos contractos de loca-
ção de immoveis destinados a fins commerciaes ou industriaes.
Não havendo accordo entre as partes, esses arrendamentos
obedecem aos preceitos, do citado decreto, desde que o prazo
392 CODIGO CIVIL
seja, pelo menos, de cinco annos; e o arrendatário esteja ex-
plorando o mesmo ramo de commercio e industria pelo prazo
minimo, ininterrupto, de tres annos (art. 2, letras h e e).
Um anno ou seis mezes, no minimo, antes da terminação
do contracto, o locatário requererá ao juiz a citação do pro-
prietário para responder á acção de renovação do seu contracto
(arts. 4 e 5 pr.). São requesitos para o exercicio desse direito:
a) prova do exacto cumprimento do contracto; b) prova de es-
tarem pagos os impostos, taxas e emolumentos, cujo pagamento
caiba ao locatário e se refiram ao immovel arrendado; c) in-
dicação clara e precisa das condições offerecidas para a lo-
cação; d) indicação do fiador, quando houver; e) prova por do-
cumento authentico de que o fiador acceita, solidariamente,
a responsabilidade pelo cumprimento do contracto (art. 5).
Se o locador não acudir á citação, ou não offerecer con-
testação, sem justa causa, a proposta do inquilino será con-
siderada como acceita e o juiz assim o julgara por sentença
(art. 7).
A contestação do locador, além da defeza de direito, que
lhe possa caber, ficará adstricta, quanto á matéria de facto,
ao que determina o art. 8 do decreto citado, ao qual remetto
o leitor para mais completo conhecimento dessa innovação no
nosso direito, reclamada pelo commercio, por causa de abusos
dos locadores, que exigiam luvas extorsivas, para a renovação
dos arrendamentos.

Disposições especiaes aos prédios rústicos

Art. 1.211 — O locatário de prédio rnstico


utilizal-o-á no mister, a que se destina, de modo
que o não damnifique, sob pena de rescisão do
contracto e satisfação de perdas e damnos.

Direito anterior — Não havia direito expresso, mas tal era


o principio seguido.
Legislação comparada — Vejam-se: o Codigo Civil francez,
art. 1.766; o italiano; 1.615; o allemão, 583; o portuguez, 1.627;
o chileno, 1.979; o venezuelano, 1.636; e o do Montenegro, 298.
Projectos — Beviláqua, art. 1.355; Revisto, 1.378.
DAS V ABI AS ESPECIES DE CONTRACTOS 393

BiWiographia — Direito cias obrigações, § 149; Coelho da


Rocha, Inst., § 843; Baudry-Lagantinerie et Wahl, Du contrat
de louage, I, ns. 714-796; Chironi, Inst., II, § 336.
Observação — Este preceito já se acha contido, quanto ao
seu edicto e á sua sancgão, nos arts. 1.192, n. I, e 1.193, principio,
que são de applicação geral. Mas o legislador entendeu conve-
niente recommendal-o, especialmente, em relação ao aluguel de
prédios rústicos, no qual não somente a regra deve ser observada
mais attentamente, como tem maiores possibilidades de ser es-
quecida.

Art. 1.212 — A locação de prazo indefinido


presume-se contractada pelo tempo indispensá-
vel ao locatário para uma colheita.
Direito anterior — Omisso. Veja-se, entretanto, Carlos de
Carvalho, Direito civil, art. 1.119; Direito cias obrigações, § 149;
e Coelho da Rocha, Inst. § 844.
Legislação comparada — Vejam-se; Codigo Civil portuguez,
art. 1.628; francez, 1.774; italiano, 1.622; hespanhol, 1.577:
venezuelano, 1.674; do Montenegro, 305; suisso das obrigações,
290; allemão, 595; peruano, 1.496.
Projectos — Filicio dos Santos, art. 2.106; Coelho Ro-
drigues, 761; Beviláqua, 1.356; Revisto, 1.379.

Observações — 1. — Usa o Codigo, neste artigo, de uma


variante — prazo indefinido, para significar o que vem deno-
minando prazo indeterminado. Indeterminado se diz, porque não
ha dia fixo para o termo da locação. A colheita pode prolongar-se
mais ou menos.
2. — Este dispositivo estabelece um prazo legal, embora in-
determinado, a favor do locatário, que é quem tem interesse em
colher o que plantou, em aproveitar o producto do seu trabalho
com cultura ou o preparo das terras.
O locatário, aliás, não pôde ser despedido sem aviso prévio,
dado com seis mezes de antecedência (art. 1.209). Os dois pre-
ceitos devem ser combinados, de modo que, alugado um prédio
rústico sem prazo fixo, se ao locador não convier mais o con-
tracto, deverá dar aviso ao locatário, marcando-lhe o prazo de
394 CODIGO CIVIL
seis mezes para desoccupar o prédio; mas terá de esperar pelo
fim da colheita, se esta, sem culpa do locatário, não se concluir
dentro desse prazo.
3. Se o immovel alugado fôr applicado a varias culturas,
a colheita de maior duração é a que prevalece para a terminação
do contracto, porque não permitte a lei distinguir entre varias
colheitas, para dar preferencia a uma sobre outras. Todavia en-
sinam Huc, Güillouard, Baudry-Lacantinerie et Wahl, que, se
a parte do immovel applicada á colheita mais demorada fôr insi-
gnificante em relação á parte sujeita a outras culturas, deve
suppôr-se que os contractantes não tiveram em vista essa parte
minima.
4' O dec. n. 24.150, de 30 de Abril de 1934 também se
applica aos prédios rústicos.

Art. 1.213 — Na locação por tempo inde-


terminado, não querendo o locatário continua-la,
avisará o senhorio, seis mezes antes de a deixar.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparadia — Codigo Civil portuguez, art. 1.629,
l.a parte, V., também, o allemão, art. 595.
Projectos — Beviláqua, art. 1.357; Revisto, 1.380.

Observação — O inquilino de prédio urbano pôde, certa-


mente, deixal-o sem aviso prévio ao senhorio, que encontra, sem
difficuldade, outro locatário. Desappareceu a obrigação de dar
aviso com tres mezes de antecedência (lei n. 4.403, de 1921,
art. 1.°, § 1.°). O inquilino de prédio rústico está porém, obri-
gado a avisar o senhorio, porque não ha egual facilidade na
locação.
Veja-se o art. 1.209.

Art. 1.214 — Salvo ajuste em contrario,


nem a-esterilidade, nem o mallogro da colheita
por caso fortuito, autorizam o locatário a exigir
abate no aluguer.
DAS VARIAS ESPECIES DE COjVTRACTOS 395

Direito anterior — Differente {Orei., 4, 27, pr. e §§ 1.° e 2.°;


Teixeira de Freitas, Consolidação, arts. 657-660; Carlos de Car-
valho, art. 1.113).
Legislação comparada — Semelhante: Codigo Civil portu-
guez, art. 630 (fonte); argentino, 1.557;. chileno, 1.903, l.a parte;
uruguayo, 1.817, l.a parte; mexicano, 2.455; peruano, 1.533.
Differente: D. 19, 2, fr. 15, §§ 2.0-5.0 e 7.°; fr. 25, § 6.°; Codigo
Civil francez, arts. 1.769-1.773; italiano, 1.617-1.621; suisso das
obrigações, 287; hespanhol, 1.575; boliviano, 1.167-1.169; vene-
zuelano, 1.672; do Montenegro, 303; japonez, 609 e 610.
Projectos — Eshoço, art. 2.552; Felicio dos Santos, 2.112;
Coelho Rodrigues, 756760 (differente); Beviláqua, 1.358-1.362
(differente); Revisto, 1.381-1.384 (differente). O artigo do Co-
digo procede de emenda de Fábio Leal, acceita pela Commissão
da Camara (Trabalhos, VI, p. 449).

Observações — 1. — O direito anterior, como acima foi


declarado, estabelecia outras normas. Havendo perda total dos
fruetos pendentes, por caso insolito, ficava o locatário de prédio
frugifero desobrigado de pagar a renda do anno, em que sof-
fresse esse prejuizo. Se a perda fosse parcial, o arrendatário podia
desobrigar-se da renda, entregando os fruetos ao locador, reser-
vando para si as sementes. Se, depois de anno esteril, viesse anno
abundante, saldaria a falta daquelle com o produeto deste. A
perda resultante de acontecimentos ordinários, negligencia ou
impericia do arrendatário não o libertava de pagar a renda
estipulada.
O Projeeto primitivo mantinha esses preceitos, que a Camara
eliminou, estabelecendo direito novo. Para que o arrendatário
possa invocar esterilidade do sólo ou mallogro da colheita por
caso fortuito, como inundação, secca, e outros equivalentes, é
necessário que assim tenha estipulando no contracto.
Quanto a esterilidade do sólo, é bem de ver que não poderia,
senão excepcionalmente, servir de excusa ao locatário, porque
aquelle que arrenda um prédio deve conhecer-lhe as condições.
Se o toma para cultivar, será muito imprevidente, não se in-
formando da sua capacidade produetiva. E não poderá, mais
tarde, fugir aos resultados da sua negligencia.
Faz bem o Codigo em não lhe dar, neste caso, direito a abati-
mento do aluguel.
396 CODIGO CIVIL

Mas, se a colheita se perde por caso insolito, por uma inun-


dação, que submerge as plantações, por uma invasão de inimigo,
que se desencadeia, talando os campos, não é de equidade que se
force o arrendatário a pagar a renda. No rigor do direito, alguns
justificam a doutrina do Codigo. Aliás, em contrario, se pro-
nunciam autoridades das mais conspicuas. Mas, em face da equi-
dade, não se admittem duas opiniões.
2. — Justificando a doutrina do Codigo, escreveu Fábio Leal:
"O resultado feliz ou infeliz de cultura ao locatário pertence,
como pertence ao locatário de qualquer prédio urbano, destinado
a qualquer empreza ou especulação, explorada em prédio arren-
dado. Se a doutrina (a do nosso direito anterior) fosse justa e
razoável, não haveria motivo para ser paga a renda de um
prédio urbano, arrendado, por exemplo, para espectaculos pú-
blicos, se fosse coroada de insuccesso completo a empreza, por
motivo de revolução ou outro qualquer, que determinasse o de-
sastre; nem a de outro empregado em industria, que novas ta-
rifas ou novos tributos anniquillassem" {Trabalhos ãa Cornara,
II, ps. 196 e 197) .
Leiam-se a respeito: Huc, Commentaire, X, ns. 366-371; Bau-
dry-Lacantinerie et Wahl, Du contrai cie louage, 1, ns. 373-425;
Laurent, Príncipes, XXV, ns. 455-468; Zachariae, Droit civil
français, IV, § 706 e as notas de Massé et Vergé; . Aubry et
Rau, Cours, V, § 371.

Art. 1.215 — O locatário, que sáe, fran-


queará, ao que entra, o uso das aocomodações
necessárias a este para começar o trabalho; e,
reciprocamente, o locatário, que entra, facilitará,
ao que sáe, o uso do que lhe for mister para a
colheita, segundo o costume do logar.
Direito anterior — Omisso.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, arts.' 1.777
e 1.778; italiano, 1.625 e 1.626; hespanhol, 1.578; venezuelano,
1.676. Vejam-se, também, allemão, art. 593; suisso das obriga-
ções, 301; boliviano, 1.171; mexicano, 2.456 a 2.458; peruano,
1.510.
Projectos —'Coelho Rodrigues, arts. 704 e 765; Beviláqua,
1.363; Revisto, 1.385.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRAOTOS 397

Observação — Este artigo attende á circumstancia de que


o arrendamento, que começa, deve ter um período de preparo, que,
ordinariamente, para que a safra não seja tardia, coincide com o
tempo em que o arrendatário anterior ainda não ultimou os tra-
balhos de sua colheita e remoção de suas coisas. Esta situação
é ainda mais fácil de se dar, quando o arrendamento é feito para
terminar com a colheita.
Tal direito, aliás, depende do uso do logar da situarão do
immovel. E' o uso que determina também a extensão dos mesmos
direitos.

SECÇÃO II
Da locação de serviço
Art. 1.216 — Toda a especie de serviço ou
trabalho licito, material ou immaterial, pode ser
coutractada mediante retribuição.
Direito anterior — Não havia dispositivo semelhante, mas
a lei reconhecia, expressamente, a locação de serviço (Codigo
commercial, art. 226; Carlos de Carvalho, Direito civil, artigo
1.227).
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 611,
2." al.; austríaco, 1.151 e 1.163; suisso das obrigações, 319 e 320;
hespanhol, 1.544; argentino, 1.623; uruguayo, 1.831; venezuelano,
1.678; boliviano, 1.130; do Montenegro, 329; japonez, 623; fran-
cez, 1.710; italiano, 1.570.
O Codigo Civil do México (de 1928) remette o serviço do-
méstico, o de operários e o de aprendizes para a lei regulamentar
respectiva (art. 2.605), e destaca o serviço profissional, a respeito
do qual consagra os arts. 2.606 a 2.615.
Os arts. 1.11)1 a 1.163 do Codigo Civil da Áustria foram re-
modelados, no sentido da protecção social dos operários, e, te-
chnicamente, no sentido de destacar o contracto de serviços do
contracto de obras, que o Codigo de 1811 reunira sob a expressãn
Lohnvertrag, contracto de remuneração.
Projectos — Esboço, art. 2.692; Beviláqua, 1.364; Revisto,
1.386.
Bibliographia — Ponto de vista jurídico: Direito das obri-
gações, § 150; M. I. Carvalho de Mendonça, Contractos, II, nú-
meros 197-199; Gama, Contractos por instrumento particular,
ns. 516 e segs.; Almachio Diniz, Direito das obrigações, ns. 184
398 CODIGO CIVIL

e segs.; Evaristo de Moraes, Apontamentos de direito operário;


Henrique Coelho, O direito e o proletário; Fábio Leal, Parecer,
nos Trabalhos da Gamara, II, ps. 197 e segs.; Alfredo Pinto,
Trabalhos, cit. VI, ps. 43-45; S. Vampré, Manual, III, § 42;
Frota Braga, Estudos de economia política e direito adminis-
trativo, II, ps. 55 e segs.; Pedro Xisto, Fundamento e finalidade
economico-sociaes do direito civil; Aubry et Rau, Cours, V,
§§ 371 a 372 bis; Planiol, Traité, II, ns. 1.877 e seg. Baudry-
Lacantinerie et Wahl, Du contrai de louage, II, 1.632 e segs.;
Huc, Gommentaire, X, ns. 378 e segs.; Pascaud, Le Coãe Civil
et les reformes gu'il comporte, ps. 248 e segs.; Code Civil alie-
mand, publié par le Comitê de lég., étr., ao art. 611; Chironi, Ist,
II, § 339; Cimbali, Nuova fase dei ãiritto civile, ns. 230-234;
F. Cosentini, La riforma delia legislazione civile, Parte 11,
cap. III, §§ 4.° a 7.°; Gianturoo, L'individualismo e il socialismo
nel ãiritto contratuale; F. Puglia, II ãiritto nella vita econômica;
Kohler, Lehrbuch, II, §§ 130 e segs.; Endemann, Lehrbuch,
I, §§ 172 e segs.; Sohm, na Systematische Rechtsioissenchaft
ps. 46 e segs.; Der Dienstvertrag; Dernburg, Panã., II, § 112;
Windscheid, Pand., § 401; Lotmae, Der Arbeitsvertrag; Menger,
II ãiritto civile e il proletariato; Rivarola, Derecho civil, IV, ca-
pitulo XXV, ns. 20, 31-34 e 64; Rossel, Droit civil suisse, III,
ps. 362 e segs.; Schirmeisteb und Prochownick, Das buer-
gerliche Recht Englanãs, §§ 454 e segs.; Oliveira Ramos, Da
proteção legal do trabalho das mulheres e dos menores; Buys
de Barbos, Direito industrial e legislação do trabalho.
Ponto de visto economico: Estudos de direito e economia
política, I, estudo; Arão Reis, Economia política, cap. II, Na-
tureza, trabalho e capital; Viveiros de Castro, A questão social;
S. Mill, Political economy, I, ps. 419 e segs.; G. Schmolleu,
Economie Politique, II, §§ 113 e segs.; H. Geoeges, Progress and
poverty; La conãición dei trabajo, trad. Baldomero Argente;
Yves Güyot, La scienee économique, liv. IV; Hobson, Golã, price
and wages; Novicow, El problema de la miséria; em The annals
of the american Academy of political and social science: The re-
construction of economie theory (1912); Labor and ivages (1909).
Projectos — Esboço^ art. 2.692; Beviláqua, 1.364; Revisto,
1.386. Cabe aqui notar que o Projecto Coelho Rodrigues regula
varias especies de locação de serviço, na parte das Obrigações,
arts. 766 e segs., e o serviço doméstico no Direito da família,
arts. 2.352 e segs.
DAS VARIAS ESPECIES DE OONTRACTOS 399
Observações — 1. _ Sob a denominação generica de locação
de serviços (locatio operaram), comprehende o Codigo Civil uma
grande variedade de prestações de trabalho humano. E' o con-
tiacto pelo qual uma pessoa se obriga a prestar certos serviços
a uma outra, mediante remuneração. Comprehende varias es-
pecies: o trabalho dos operários urbanos e ruraes; dos artistas
mecânicos e liberaes; dos empregados do commercio, e dos pro-
fissionaes, como professores, médicos, advogados (abstrahindo do
mandato); a recovagem, a barcagem, a albergaria, e outras. Em
todos esses casos, ha locação de actividade, de trabalhos, de ser-
viço. Na empreitada ha, também, locação de serviço; mas de
uma fôrma particular que o Codigo, mantendo a tradição, des-
tacou em secção especial.
Os effeitos deste contracto determinam-se, em geral, pelas
normas reguladoras das obrigações de fazer.
2
• — O Projeto primitivo, tentara dar, em preceitos gené-
ricos bastante amplos, expressão ás necessidades communs das
varias relações jurídicas, em que o trabalho é a prestação de um
dos contractantes. Por isso foi synthetico, e não quiz distinguir
entre opera; Uherales e illiherales. As revisões successivas não
adoptaram a mesma orientação, e, dahi, resultou que esta secção
se mostre incompleta, anachronica e, technicamente, defeituosa.
Veja-se o que ponderei á Commissão da Gamara, nos Trabalhos:
VI, ps. 53-54.
Entre as supressões que soffreu o Projecto primitivo nesta
parte, algumas devem ser postas em relevo, porque eram cara-
cterísticas do seu systema.
"Art. 1.369 — Se, durante um lapso de tempo relativamente
curto, o devedor de serviços ficar impedido de prestal-os, sem
culpa sua por causa de moléstia ou por outra razão analoga, não
perde seu direito á percepção do salario.
Art. 1.370 — Se a prestação de serviços constitue uma re-
lação permanente, e o devedor vive em casa do credor, este deve
assistência e cuidados médicos, quando o seu serviçal emferma,
não se prolongando a moléstia por mais de oito dias.
Art. 1.381 — Nas minas, fabricas e officinas, não se admit-
tirão operários menores de quinze annos.
Art. 1.382 — Os operários de doze a dezeseis annos hão de-
verão ser obrigados a prestar serviços nas minas, fabricas e of-
ficinas, por mais de seis horas diarias.
Art. 1.383 — O credor de serviços deve providenciar para
que, por falta de hygiene ou de segurança nos logares da pres-
400 CODIGO CIVIL

tação do serviço ou nos dormitórios, quando fornecidos por


elle, não aconteça damno á saudô dos operários, sob pena de
responder por elle, segundo o estabelecido nos arts. 1.643, 1.669
e 1.670".
3. — Quanto ao trabalho de menores, nas officinas e fabricas
o Dec. n. 1.313, de 17 de Janeiro de 1891, estabeleceu algumas
regras salutares. Afastou das fabricas os menores de doze annos,
exceptuadas as de tecido, onde é possivel o aprendizado, desde
oito annos. Os varões menores de quatorze annos e as mulheres
menores de quinze não trabalharão mais de sete horas conse-
cutivas. Os aprendizes de oito a dez annos, nas fabricas de te-
cido não poderão trabalhar mais de tres horas por dia; os de
dez a doze, mais de quatro, não consecutivas. Os menores são
afastados dos misteres perigosos, prejudiciaes, ou que exijam es-
forços excessivos.
Sobre o trabalho dos menores são dignos de consulta The
annals of the american Acaãemy of political anel social science,
vols. de 1908: Child and social progress; 1909: The child worhers
of the nation; 1910. Child employiny industries; 1911; Uniform
child labor latos.
3 a. — Depois da lei n. 1.313, acima citada, appareceu o
Dec. n. 16.300, de 31 de Dezembro de 1923, regulamento do De-
partamento Nacional de Saúde Publica, no qual se encontram
algumas disposições a respeito de trabalhos de menores (artigos
351 a 355), não admittindo, nas fabricas, menores de 12 annos,
prohibindo o trabalho dos maiores de 12 e menores de 18 nas
fabricas de fumo e estabelecendo em seis horas o máximo de
tempo do trabalho diário.
Veio em seguida o Codigo de menores (Dec. n. 17.948 A, da
12 de Dezembro de 1927), que estatuiu disposições tutelares dos
menores, inclusive em relação ao trabalho.
A protecção do trabalho dos menores está, presentemente re-
gulada pelo decreto-lei n. 3.616, de 13 de Setembro de 1941, do
qual vão abaixo transcriptas as disposições, que mais interessam
á exposição, que está sendo feita.
Art. 1.° — O trabalho do menor de 18 annos reger-se-á por este
decreto-lei, excepto nos casos seguintes: a) nos serviços domés-
ticos, assim considerados os concernentes ás actividades normaes
da vida familiar; h) no serviço em officinas, em que trabalhem,
exclusivamente, pessoas da familia do menor e esteja este sob a
direção de pae, mãe ou tutor.
DAS VARIAS ESPECIBS DE CONTRACTOS 401
Paragrapho único. — Nas actividades ruraes, as dispositivos
do presente decreto-lei serão applicados naquilo, em que cou-
berem e de acordo com a regulamentação especial, que fôr expe-
dida, com exceção das actividades, que, pelo modo ou thecnica de
execução, tenham caracter industrial, ás quaes se aplica, desde
logo, o disposto neste decreto-lei.
Art. 2.° — E' prohibido o trabalho ao menor de 14 annos.
Paragrapho único. — Não estão comprehendidos nesta dispo-
sição os alumnos, ou internados nas instituições, que ministram,
exclusivamente, ensino profissional e nas de caracter beneficente
ou disciplinar, submetidas a fiscalização oficial.
Art. 3." — A duração do trabalho do menor regular-se-á pelas
disposições legaes relativas á duração do trabalho em geral, com
as restricções estabelecidas neste decreto-lei.
Art. 4.° — Quando o menor de dezoito annos fôr empregado
em mais de um estabelecimento, as horas de trabalho, em cada
um serão totalizadas.
Art. 5.° — Após cada periodo de trabalho effectivo, quer
continuo, quer dividido em dois turnos, haverá um intervalo
de repouso não inferior a onze horas.
Art. 6.° — E' vedado prorogar a duração normal do trabalho
dos menores de 18 annos, salvo, excepcionalmente: a) quando,
por motivo de força maior, que não possa ser impedido ou pre-
visto, o trabalho do menor fôr imprescindivel ao funcionamento
normal do estabelecimento; b) quando, em circumstancia par-
ticularmente grave, o interesse publico o exigir; c) quando se
tratar de prevenir a perda de matérias primas ou de substancias
perecíveis.
O art. 7.° prohibe o trabalho do menor de 18 annos em locaes,
que enumera em quadro especial, onde o trabalho é nocivo á
saúde do menor, assim como em serviços prejudiciaes á sua mo-
ralidade, declarados nas letras a. b, c, ã, e.
3 b. ~ O dec. n. 21.417, de 17 de Maio de 1932, regula a
condição do trabalho das mulheres nos estabelecimentos indus-
triaes e commerciaes.
Sobre o trabalho das mulheres ha duas convenções, appro-
vadas pela Conferência Geral da Organização do Trabalho, reu-
nida em Washington, em 1919, a que o Brasil adheriu.
4. — A locação de serviço dá origem a uma forma anormal
de contracto, o contracto collectivo, concordado entre patrões e
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 26
402 CODIGO CIVIL

syndicatos profissionaes, a fim de se fixarem os salarios, as horas


de trabalho e outras condições julgadas necessárias.
Os juristas não estão de accôrdo sobre a natureza do con-
tracto collectivo, que, afinal, não é senão o contracto de trabalho
ajustado entre uma pessoa jurídica, o syndicato, e o locatário do
serviço, o empregador. O syndicato estipula pelos operários, ou
se ha um syndicato de empregadores, os dois syndicatos con-
tractam. A jurisprudência franceza, a ingleza, a belga e a
norte-americana, reconhecem esta fôrma de contracto, que o Co- *
digo suisso das obrigações destaca em alguns de seus dispositivos
(art. 322 e 323). Vejam-se Ren/J Morei.,, Les conventions colle-
ctives de travail, na Révue trim. de droit civil, vol. XVIII, ps. 417
e segs.; e Demogue, Traité des obligations, II, n. 897. Na França,
esta matéria está, hoje, regulada pela lei de 25 de Março de 1919.
4 a. — No Brasil, a Constituição de 10 de Novembro de
1937, arts. 137 e 138 estabelece as bases do contracto Collectivo.
Sobre esta matéria, leiam-se: Araújo Castro, Justiça do traba-
lho, ps. 329 e segs.; Cesariano Júnior, Direito social brasileiro,
ns. 166 e 153; Xavier Lopes, A convenção collectiva do trabalho
e Oliveira Vianna, Problemas de direito comparativo.
5. — No serviço publico, ha, também, uma locação de ca-
racter especial, porque o funccionario, que presta o serviço, é
investido de uma parcella de autoridade publica. O cbjecto e a
natureza dessa relação de direito não cabem na esphera do di-
reito privado. Compete ao direito publico regulal-a. Todavia,
muitos de seus effeitos, se reflectem no direito privado. O di-
reito do funccionario aos vencimentos e á permanência no logar,
segundo os preceitos da lei respectiva correspondem ao direito,
que tem o locador de serviço a exigir a sua remuneração e cum-
primento do contracto. Os recursos, que a lei lhe faculta, para
a garantia dos seus direitos, por meio de acções contra o Estado,
não differem dos que o particular encontra para exigir do, con-
tractante o cumprimento das suas obrigações.
Leiam-se sobre este assumpto: Endemann, Dehrbuch, I,
§ 179; Laband, Droit public allemand, I, §§ 44 e segs.; Viveiros
de Castro, Estudos do direito publico, cap. XIV; Moniz Sodrz?.
Estatuto dos funcionários públicos; Almachio Diniz, Das acções
summarias especiaes e do direito ao emprego, cap. VI; Demogue,
Traité des obligations, I, n. 23; Mello Rocha, Petição inicial da
acção summaria dos juizes da Justiça local do Distrito Federal
contra a Fazenda Nacional, onde a matéria é explanada, profi-
cientemente.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 403
O decreto-lei n. 1.713, de 28 de Outubro de 1939, organizou
o estatuto dós funcionários públicos. Sobre este assumpto The-
mistocles Brandão: O funcionário publico e o seu estatuto.
5' a. — Imaginaram alguns uma figura especial de relação
juridica, a fim de accentuar a situação particular do funccio-
nario publico, e denominaram-na acto condição. Mas, segundo ob-
serva Demogue, Traité ães obligations, I, n. 23, a nomeação do
funccionario suppõe accordo de duas vontades, e, portanto, con-
tracto; todavia mais de que o contracto de direito commum,
porque esse acto é fortemente dominado pelas necessidades do ser-
viço, quer dizer, de ordens publica.
6. — A questqo da penhora dos salarios, entre nós, se achava
desde muito, resolvida pelo reg. n. 737, de 25 de Novembro de
1850, art. 529, §§ 2.° a 4.° Não podem ser penhorados, em abso-
luto, estatue o Codigo de Processo Civil, art. 942, VII: Os venci-
mentos dos magistrados, professores e funccionarios públicos, o
soldo e fardamentos dos militarês, os salarios e soldados em
geral, salvo para pagamento de alimentos á mulher ou aos
filhos, quando o executado houver sido condemnado a esta
prestação.
Os salarios do trabalhador ogricola gozem de privilegio. Pre-
ferem a qualquer outro credito, ainda hypothecario, a fim de
serem pagos pelo produucto da calheita, para a qual houverem
concorrido com o seu trabalho (Codigo Civil, art. 759, paragrapho
único).
O Codigo Civil, art. 1.569, enumera os privilégios geraes,
attendiveis no concurso de credores ; entre elles acha-se o de sa-
larios das pessoas de serviço doméstico. O decreto legislativo,
n. 5.746, de 9 de Dezembro de 1939, art. 91, e o decreto-lei n. 2.162,
de 1 de Maio de 1941, art. 5, também se referem ao privilegio
dos salarios. '"*•
7. — Outra questão social e juridicamente importante é a da
responsabilidade do locatário do serviço pelos accidentes de qqe
fôr victima o locador. As theorias para explicar esta responsa-
bilidade são varias; mas a que melhor se ajusta ao nosso senti-
mento é a que, pelo lado jurídico, refere a responsabilidade á
posse da machina ou outra qualquer coisa animada ou inanimada,
que ocasiona o damno; e, do lado social, á necessidade em que se
acha o Estado de intervir na defeza, dos mais fracos, daquelles
que são forçados, pelas condições de sua vida, a acceitar os pe-
rigos do trabalho. Esta ultima idéa justifica as leis de caracter
social, que põem o risco profissional a cargo do industrial. A pri-
404 CODIGO CIVIL

meira autoriza o juiz a condemnar o empresário a indemnizar o


operário, ou a sua família, pelo damno, que soffreu no exercício
do seu mister, pelo facto do trabalho, ou por occasião delle.
O Codigo Civil não resolveu esta questão ? Ficou reservada
para alguma lei especial, que determine as condições e a extensão
da responsabilidade profissional, attendendo aos generos de in-
dustria? O art. 15'9 protege o operário somente contra a negli-
gencia, a imprudência e o crimq do industrial?
Sem duvida, numa lei especial melhor se regulará a especie,
se organizará o processo, e se estabelecerão as garantias da in-
demnização, como se tem feito em diversos paizes; mas o''Codigo
Civil não deixou ao operário, ou á sua família, somente o recurso
de provar a culpa do industrial para reclamar o amparo, em caso
de invalidez ou morte acontecida em conseqüência do trabalho.
Como se expoz no commentario 5, ao art. 160 (vol. I), o
pensamento que domina a construcção jurídica do Codigo Civil,
em matéria de responsabilidade, "é que todo damno deve ser
reparado, independentemente de culpa ou dólo. Havendo culpa
ou dólo, tem-se o acto illicito, e o agente culpado ou doloso
responde pelo prejuízo causado. Não havendo culpa ou dólo, o
agente é, ainda assim, obrigado a indemnizar, salvo quando a
outrem se deve attribuir a culpa do acto damnoso. (Justiniano
DE SERPA) .
Transportando estas idéias para a matéria agora considerada,
não será difficil reconhecer que ellas se ajustam com a theoria
da responsabilidade do industrial em razão da posse das coisas,
que determinaram damno pessoal no trabalhador.
8. — Sobre a responsabilidade por acidente de trabalho con-
sultem-se: Planiol, Traité, II, ns. 1.905-1.906; Saleilles. Les
accidentes. ãu travail et la responsahilité civile; Théorie de Vodli-
gation, ns. 334-339; Tesseirb, Fondement de la responsabilité, pa-
ginas 70-127, 257-272 e 318-330; Baudry-Lacantinerie et Wahl,
Du contrat de louage, II, ns. 1.732 e segs.; P. Cosentini, La
riforma delia legislazione civile, ps. 347-351; Evaristo de Moraes,
Direito operário, ps. 39-46; The annals of American Academy:
Risks in modem industry (Julho de 1911); Buys de Barros, Di-
reito industrial e legislação do Trabalho.
As leis sobre accidente de trabalho partem, em geral, da
idéa do risco profissional. Yejam-se: as leis inglezas, de 6 de
Agosto de 1897; de 30 de Julho de 1900, e 17 de Agosto de 1901,
artigos 19-22; a franceza, de 9 de Abril de 1898; o Dec. italiano,
de 31 de Janeiro de 1904, que consolidou as leis sobre accidente
DAS VARIAS EBPECIES DE CONTBACTOS 405
de trabalho; as leis norueguezas, de 23 de Julho de 1894, e 6 de
Agosto de 1897; a dinamarqueza, de 7 de Janeiro de 1898; a hes-
panhola, de 30 de Janeiro de 1900; a belga, de 24 de Dezembro
de 1903, e a hollandeza, de 2 de Janeiro de 1901, modificada pela
de 15 de Julho de 1910.
Em 1904, o deputado Medeiros de Albuquerque apresentou,
ao Congresso Nacional, um projecto de lei sobre os accidentes oc-
corridos a operários no exercício de suas profissões.
9. — A este projecto seguiram-se outros, de Graccho Cardoso,
SÁ Freire, Altivo Arantes, Simeão Leal, Wenceslau Escobar
(1908), Adolpho Gordo (1915). Este ultimo projecto, depois de
ter sido approvado no Senado, foi modificado na Gamara, com a
collaboração de Maximiano de Figueiredo, Prudente de Moraes
e da Commissão Especial de Legislação Social, sendo relator
desta Andrade Bezerra. Veja-se Araújo Castro, Accidentes no
Trabalho, e Legislação Social, publicação da Gamara dos Depu-
tados, que faz parte dos Documentos parlamentares. O projecto
da Commissão Especial de Legislação Social foi convertido na
lei n. 3.724, de 15 de Janeiro de 1919, regulamentada pelo
Dec. 13.493, de 5 de Março de 1919, em cuja elaboração to-
maram parte Andrade Bezerra, Dulphe Pinheiro Machado,
Araújo Castro e Luiz Ferraz.
10 — A lei n. 3.724, de 15^ de Janeiro de 1919, art. I.0, define
qual seja o accidente no trabalho indemnizavel pelo industrial.
E' o produzido por causa súbita, violenta, externa e involuntária
no exercido do trabalho, determinando lesões corporaes ou per-
turbações funccionaes, que constituam a causa única da morte, ou
perda total, ou parcial, permanente ou temporária, da capacidade,
para o trabalho. E' este o caso typico. A lei porém, considera
egualmente, accidente no trabalho a moléstia contrahida, exclusi-
vamente, pelo exercido do trabalho, quando este fôr de natureza
a só por si causal-a, e desde que determine a morte do operário,
ou perda total ou parcial, permanente ou temporária da capacidade
para o trabalho. E' a moléstia profissional, da qual o regulamento
approvado pelo Dec. n. 13.498, de 12 de Março de 1919, destaca
algumas espeçies.
11- — O patrão não responde por casos d^ força maior, nem
de dólo do operário (lei cit., art. 2.°). Mas, se o dólo fôr do.patrão
ou de seus propostos, a responsabilidade será apurada segundo os
preceitos do direito commum, e a indemnização deverá ser inte-
gral (Aübry et Rau, Cours. V, § 372 bis).
406 CODIGO CIVIL

O caso fortuito não exclue a responsabilidade do patrão, por-


que é elle elemento do risco profissional. Nesta matéria faz-se
distincção entre o caso fortuito e o de força maior, dizem, alguns
autores. Aliás o que se deve dizer é que, se a causa determinante
do damno é da própria industria, ou da sua organização, não ex-
clue a responsabilidade; excluirá, se fôr estranha.
12. — São considerados operários, para o effeito de indemni-
zação, todos os indivíduos que trabalhem por conta de outrem
quer em estabelecimentos industriaes, quer nos trabalhos agríco-
las, em construções e em serviço de transporte (lei, art. 3.°).
13. — Em caso de morte, a indemnização consistirá em som-
ma egual ao salario de tres annos da victima, que será paga, de
uma só vez, á família (cabendo metade ao cônjuge sobrevivente
e metade aos herdeiros necessários) e mais cem mil réis para
despezas do enterramento-(art. 7.°). Se a victima deixar somente
cônjuge, ou somente herdeiro necessário, a indemnização será re-
duzida a uma somma egual ao salario de dois annos (art. 7.° § 2.°).
O cônjuge desquitado por culpa sua, ou voluntariamente separado,
não terá direito á indemnização: dado qualquer destes dois casos,
procede-se como se não houvesse cônjuge sobrevivente (art. 7."
§ 3.°). Não havendo cônjuge nem herdeiro necessário, a indemni-
zação será dada ás pessoas, a cuja subsistência provesse a victima,
reduzida, neste caso, ao salario de um anno.
A indemnização, em caso de incapacidade total e permanente,
será egual ao salario de tres annos, da victima, e será a ella
mesma entregue (art. 8.°). Se a incapacidade fôr total, mas tem-
porária, a indemnização será de metade do salario diário da vi-
ctima, até o máximo de um anno (art. 9.°). Sendo parcial e per-
manente a incapacidade, a indemnização, será de 5 a 6 % da
quella a que teria direito, se a incapacidade fosse total e perma-
mente, attendendo-se á incapacidade do operário e a outros ele-
mentos de ordem pessoal enumerados no Reg. 13.493, de 12 de
Março de 1919, art. 21 (art. 10).
Em caso de incapacidade parcial, temporária, a indemnização
será de metade da differença entre o salario, que o operário ven-
cia e o que vencer, em conseqüência da diminuição de sua capa-
cidade de trabalho (lei, art. 11).
Em todos os casos, o patrão é obrigado á prestação de soe-
corros médicos e pharmaceuticos, ou, sendo necessário, hospita-
lares, desde o momento do accidente (art. 13).
13 a — Foram, depois publicados o decreto n. 24.637, de 10 de
Julho de 1934, e os decretos leis, n. 2.282 de 6 de Junho de 1940;
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 407

n. 3.010, de 31 de Janeiro de 1941; e n. 3.695, de 8 de Outubro


do mesmo anno, que substituíram o decreto mencionado na obser-
vação acima. Consultem-se a respeito. Buys de Barros, Direito
industrial e legislação do trabalho, vol. II, cap. VIII, e Helvecio
Lopes e Gilberto Flores, Acciãentes do trabalho e moléstias pro-
fissionaes.
13 ã — A lei n. 5.354, de Dez. de 1927 declara inadmis-
síveis embargos de nullidade e infringentes do julgado aos accor-
dãos da Côrte de Appellação, proferidos em causas de accidente
no trabalho.
14. — O tratado de paz, assignado em Versailles, á 28 de
Junho de 1919 consagra a sua parte XIII á organização do IVa-
balho. O preâmbulo desta parte do tratado justifica a sua inclu-
são nelle, como complemento da Sociedade das Nações, que, para
realizar seu fim de estabelecer a paz universal, tem de fundal-a
na justiça social, e recommenda a fixação das horas de trabalho, a
garantia de um salario, que assegure convenientes condições de
existência ao trabalhador, protecção contra doenças graves ou
profissionaes, assim como contra os accidentes, a protecção das
creanças, dos adolescentes e das mulheres, as pensões de velhice
e invalidez, a defeza dos interesses dos trabalhadores empregados
no estrangeiro, a affirmação do principio da liberdade syndical,
a organização do ensino profissional e technico.
Os arts. 387 e seguintes do tratado estabelecem as linhas
geraes da Organização do trabalho, que comprehende; a) Uma
Conferência geral dos representantes dos seus membros; b) E
uma Repartição internacional do trabalho, sob a direcção de um
Conselho de administração.
Sobre o Estado actual do direito internacional operário, ê de
proveitosa leitura o que, com esse titulo, publicou o professor An-
drade Bezerra, no Diário do Congresso, de 7 de Dezembro de 1920.
15. — O Dec. n. 16.051, de 26 de Maio de 1923, promulgou a
convenção de Emigração e Trabalho assignado em Roma, entre o
Brasil e a Italia, a 8 de Outubro de 1921. (V. Diário Official, de
31 de Maio de 1923).
16. —'A Constituição de 10 de Novembro de 1937, como a
anterior, de 1934, estabeleceu, no seu art. 137 as bases da le-
gislação do trabalho: contracto collectivo, modalidade do salario,
repouso semanal, feriados, licença annual remunerada, indemni-
zação por cessação de serviço, não tendo o trabalhador dado
motivo, garantia da conservação do trabalhador, nas mudanças
de propriedade das emprezas do trabalho continuo, salario mini-
408 CODIGO CIVIL
mo, dia do trabalho de oito horas, retribuição do trabalho no-
cturno superior á do trabalho diurno, prohibição de trabalho a
menores de 14 annos, de trabalho nocturno a menores de 17, e,
em industrias insalubres a menores de 18 e a mulheres, assis-
tência medica e hygienica ao trabalhador e á gestante, assegu-
rando a esta, sem prejuízo do salario, um período de repouso,
antes e depois do parto, a instituição de seguros de velhice, in-
validez e de accidentes do trabalho.
17. — A lei n. 185 de 14 de Janeiro de 1936 definiu o salario
minimo e instituiu as Commissões incumbidas de fixal-o; e- o
dec-lei n. 399, de 30 de Abril de 1938, approvou o regulamento
dessa lei.

Art. 1.217 — No contracto de locação de ser-


viços, quando qualquer das partes não souber
ler, nem escrever, o instrumento poderá ser
escripto e assignado a rogo, subscrevendo-o,
neste caso, quatro testemunhas.

Direito anterior — Não havia disposição semelhante.


Legislação comparada — Sem correspondência.
Projectos — Este artigo e os seguintes, ate o de n. 1.235.
pi ovieram de emenda do deputado Alfredo Pinto, apresentada
á Commissão especial da Gamara (Trabalhos, VI, ps. 43-44). Disse
elle que nessa emenda substitutiva consignou idéas próprias e
consolidou disposições do Projecto em discussão, do substitutivo
de Fábio Leal e do Projecto Felicio dos Santos (Trabalho, VI, pa-
gina 45).
O Senado accrescentou alguns artigos á secção e eliminou
dispositivos. O actual artigo do Codigo é o paragrapho único do
ai t. 1.218, do Projecto da Gamara. O principio desappareceu na
revisão do Senado, por jSer a repetição do que preceitua o ar-
tigo 135.
Nos projectos anteriores, hão ha dispositivo correspondente
ao art. 1.217.

Observação — O art. 135 estabelece a fôrma commum do


instrumento particular, e o art. 136 accrescenta que, se elle não
DAS VAKIAS KSPECIES DE CONTKACTOS 409
foi especial do acto, como não é da locação poderá o mesmo
provar-se pelos meios que indica. O art. 1.217, porém, estabelece
uma outra fôrma de instrumento particular, especial para a lo-
cação de serviço, é o escripto e assignado por outrem, a rogo de
uma ou de ambas as partes contractantes, e subscripto por quatro
testemunhas. O pensamento do Codigo foi, reconhecendo a exten-
são do analphabetismo entre nós, facilitar o contracto escripto,
sem a intervenção do official publico. Para os effeitos do con-
tracto, a respeito de terceiros, é, porém, necéssaria transcripção
no registro de títulos.

Art . 1.218 — Não se tendo estipulado, nem


chegando a accordo as partes, fixar-se-á por
arbitramento a retribuição, segundo o costume
do logar, o tempo de serviço e a sua qualidade .

%
Direito anterior — Não havia disposição correspondente:
mas a Ord., 4, 29, pr., mandava applicar, na falta de contracto
expresso de serviço doméstico, o costume do logar, o tempo e a
qualidade do serviço.
Vejam-se: Teixeika de Freitas, Consolidação, art. 681; e
Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 1.229.
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, 1.374; ar-
gentino, 1.627; do Montenegro, 330. Vejam-se, também: o alle-
mão, art. 612, o suisso das obrigações, 330; peruano, 1.548. ■
Projectos — Esboço, art. 2.697, 2.* parte; Felicio dos Santos,
2.120; Beviláqua, 1.365; Revisto 1.387.

Observação — Excluem-se, por este artigo, outros meios de


prova, para dar preferencia, na falta de escripto ou de accôrdo,
ao arbitramento, no qual se attenderá ao costume do logar, ao
tempo e a qualidade do serviço. E', realmente, o meio mais ade-
quado de fixar o salario não ajustado entre as partes. Havendo
uma tarifa publica ou exposta aos trabalhadores, entende-se que
estes acceitaram as retribuições affixadas.
410 CODIGO CIVIL

Art. 1.219 — A retribuição pagar-se-á de-


pois de prestado o serviço, se, por convenção,
ou costume, não houver de ser adeantada ou
paga em prestação.

Direito anterior — Não regulava esta matéria.


Legislação comparada — Vejam-se: o Codigo Civil allemão,
art. 614; o suisso das obrigações, 333; o austríaco, 1.156; o do
Montenegro, 321; o japonez, 624; a lei franceza de 27 de De-
zembro de 1800; e o Cod., Civ. peruano, 1.547.
Projectos — Beviláqua, art. 1.367; Revisto, 1.389.

Art. 1.220 — A locação de serviço não se po-


derá convencionar por mais de quatro annos, em-
bora o contracto tenha por causa o pagamento
de divida do tocador, ou se destine á execução de
certa e determinada obra. Neste caso, decorridos
quatro annos, dar-se-á por findo o contracto,
ainda que não concluida a obra (art. 1.2§5).

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Não fixam prazos os Codigos. se-
guintes: Civil francez, art. 1.780; italiano, 1.628; hespanhol,
1.583; portuguez, 1.371; uruguayo, 1.836; mexicano, 2.435; boli-
viano, 1.181. O allemão, art. 624, não permitte contractos de ser-
viço por mais de cinco annos; o suisso das obrigações, 351, tolera-
os até dez annos; o venezuelano, 1.679, não quer que o tempo
exceda de seis mezes, se o trabalho é de jornaleiro ou obreiro.
Veja-se, ainda o chileno, art. 1.988. O peruano, art. 1.549, fixa
o prazo máximo de seis annos para os serviços proficionaes ou
de caracter technico e de tres para os serviços materiaes.
Projectos — Esboço, art. 2.714, 2.a al.; Felicio dos Santos,
2.122 (fonte); Coelho Rodrigues, 767; Beviláqua, 1.377; Revisto,
1.396.

Observação — O fundamento deste artigo é a inalienabili-


dade da liberdade humana. Uma obrigação de prestar serviço por
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 411
mais de quatro annos pareceu ao legislador escravização conven-
cional, ou o resultado de uma exploração do fraco pelo poderoso.
E, para melhor defender a liberdade, limitou-a.
A prescripção deste artigo é geral, abrange toda especie de
serviço, seja material, seja immaterial. Mas não impede que o
contracto, findo o prazo dos quatro annos, se renove por outro
tempo egual.
Ainda que o dispositivo tenha em vista proteger o locador,
qualquer das duas partes pôde dar por findo o contracto, decor-
ridos os quatro primeiros annos do prazo estipulado.

Art. 1.221 — Não havendo prazo estipulado,


nem se podendo inferir da natureza do contracto,
ou do costume do logar, qualquer das partes, a
seu arbitrio, mediante prévio aviso, pode rescin-
dir o contracto.
Paragrapho único. Dar-se-á o aviso:
I. Com antecedência de oito dias, se o sa-
lário se houver fixado por tempo de um mez,
ou mais.
II. Com antecipação de quatro dias, se o
salario se tiver ajustado por semana, ou quin-
zena.
III. De vespera, quando se tenha contracta-
do por menos de sete dias.

Direito anterior — Não havia regra correspondente.


Legislação comparada — Com orientação semelhante: Co-
digo Civil allemão, arts. 620-623; suisso das obrigações, 347-350;
japonez, 762; peruano, 1.550. Com outra orientação: francez,
art. 1.880, 2.a ai.; portuguez, 1.376; hespanhol, 1.584; venezue-
lano, 1.680; mexicano, 2.441-2.444.
Projectos — Esboço, art. 2.730; Felicio dos Santos, 2.123;
Beviláqua, 1.372 e 1.373; Revisto.
412 OODIGO CIVIL

Observações — 1. — A necessidade do aviso por parte do


locador e do locatário é uma garantia para os interesses de ambos,
Que a lei resguarda. A falta de aviso dará logar ao pagamento
de perdas e damnos, por inadimplemento de uma clausula legal
da obrigação.
2. — Veja-se o regulamento de serviços domésticos para o
Districto Federal, art. 22 (Dec. n. 16.107, de 30 de Julho de 1923)
3 O decreto-lei n. 4.037, de 19 de Janeiro de 1942, considera
de natureza social este artigo, podendo ser applicado pelos tri-
bunaes do trabalho.

Art. 1.222 — No contracto de locação de


serviços agrícolas, não havendo prazo estipula-
dò, presume-se o de um anno agrario, (pie ter-
mina com a colheita ou safra da principal cul-
tura pelo locatário explorada.

Direito anterior — Não havia disposição semelhante.


Legislação comparada — Veja-se o Codigo Civil portuguez,
art. 1.373.
Projectos — Appareceu este artigo no Projecto da Gamara,
art. 1.224, oriundo de emenda de Alfredo Pinto {Trabalhos da
Gamara, VI, p. 43).

Art. 1.223 — Não se conta no prazo do con-


tracto o tempò, em que o locador, por culpa sua,
deixou de servir.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Compare-se com o Codigo Civil
allemão, art. 616, e suisso das obrigações, 325, que asseguram o
direito ao salario, quando o trabalhador se acha justamente im-
pedido, por tempo relativamente curto, de executar o serviço con-
tractado.
Projectos — Felido cios Santos, art. 2.125. O Projecto pri-
mitivo, art. 1.369, seguiu a orientação dos dois Codigos acima ci-
tados; o Revisto, art. 1.391, mandava deduzir os salarios do tra-
DAS VAKTAS ESPECIES DE OONTRACTOS 413
balhador impedido por curto prazo, do fundo de beneficência
acaso existente, ou descontar em metade.

Observação — A contrario sensu, deve ser contado, no prazo


do contracto, o tempo, em que, sem culpa o locador deixou de
servir. Esta illação que aliás é, perfeitamente, justa, não pôde,
porem, ser tirada, de modo absoluto. Deve entender-se que as
curtas interrupções do trabalho por motivo de moléstia ou de
serviço publico, se contara no prazo, e que as longas autorizam
a sua rescisão.
Não se refere o Codigo ao salario; mas se o tempo, em que
o locador deixou de servir por culpa sua não se conta no prazo,
terá este de ser completado, sem accrescimo de salario. Se não
houver culpa, o salario deverá ser mantido, desde que o impe-
dimento não se prolongue.

Art. 1.224 — Não sendo o locador contra-


ctado para certo e determinado trabalho, enten-
der-se-á que se obrigou a todo e qualquer serviço
compatível com as suas forças e condições.

Direito anterior — Não havia disposição semelhante. A Ord.,


4, 31, § 12, declarava que, em geral, o escudeiro, o pagem, ou
qualquer outro serviçal, devia prestar-se a tudo que lhe man-
dasse o amo fazer.
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 1.375.
Projectos — Esboço, art. 2.179; Felicio dos Santos, 2.126;
Coelho Rodrigues, 2.358; Revisto, 1.406.

Art. 1.225 — O locador contractado por


tempo certo, ou por obra determinada, não se
pode ausentar, ou despedir, sem justa causa,
antes de preenchido o tempo, ou concluída a
obra (art. 1.220).
414 CODIGO CIVIL

Paragrapho xmico. Se se despedir sem justa


causa, terá direito á retribuição vencida, mas
responderá por perdas e damnos.

Direito anterior — A Ord. 4, 34, determinava que o criado,


que, sem justa causa, deixasse a companhia do amo, antes do
prazo convencionado, fosse compellido, judicialmente, a acabar
o tempo do serviço, sem vencimentos.
Degislação comparada — Codigo Civil portuguez, arts. 1.376
e 1.379. Confira-se com o venezuelano, 1.681; o chileno, 1.992; o
uruguayo, 1.839; o boliviano, 1.184 e o japónez, 628.
Projectos — Esboço, art. 2.728; Felicio dos Santos, 2.127 e
2.128; Coelho Rodrigues, 2.359; Revisto, 1.407 e 1.415.

Observação — O principio do artigo parece ocioso. Se ha


um prazo no contracto, é para ser observado, seja o contracto de
locação ou qualquer outro. Na locação de serviço, a particulari-
dade que existe, com respeito ao prazo; é que este pode exce-
der a quatro annos, segundo prescreve o art. 1.220.
O paragrapho único, aliás ocioso, terá applicaçâo normal com
certos locadores de serviço, cujo patrimônio possa responder
pela inexecução de seus contractos. Os locadores de serviço do-
méstico e os operários communs escaparão naturalmente, ao
preceito.

Art. 1.226 — São justas causas para dar o


tocador por findo o contracto:
I. Ter de exercer funções publicas, ou
desempenhar obrigações legaes, incompativeis
estas ou aquellas com a continuação do serviço.
II. Achar-se inhabilitado, por força maior,
para cumprir o contracto.
III. Exigir deite o locatário serviços supe-
riores ás suas forças, defesos por lei, contrários
aos bons costumes, ou alheios ao contracto.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRAOTOS 415

IY. Tratal-o o locatário com rigor excessivo,


ou não lhe dar a alimentação conveniente.
Y. Correr perigo manifesto de damno on
mal considerável.
VI. Não cumprir o locatário as obrigações
do contracto.
YII. Offendel-o o locatário, ou tentar of-
fendel-o na honra de pessoa de sua familia.
YIII. Morrer o locatário.

Direito anterior Nãó havia disposição de lei a respeito.


Coelho da Rocha, fundado no Codigo da Prússia indicava as
justas causas de rescisão do contracto de serviço doméstico, por
systema semelhante ao do Codigo Civil neste artigo (§ 859). Em
relação aos feitores, guarda-livros e caixeiros, ha, no Codigo Com-
mercial, o art. 83, que, em synthese, diz o sufficiente.
Legislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigos 352-354; portuguez, 1.377; chileno, 1.993. O primeiro Codigo
citado estabelece preceitos geraes em forma synthetica, e os
outros se referem ao serviço doméstico, exclusivamente. Veja-se
ainda, o venezuelano, arts. 1.683 e 1.684.
Projectos —• Esboço, art. 2.726; Felicio dos Santos, 2.129
Coelho Rodrigues, 2.360; Revisto, 1.408. E' do serviço doméstico
que se occupam estes Projectos, nos artigos citados.

Observações — 1. — Constituem este artigo e o de n. 1.229


os mais salientes defeitos desta secção, Intitula-se a secção —
da locação de serviço, inscripção que abrange todas as modalida-
des de trabalho, como faz certo o disposto no art. 1.216. No em-
tanto, o art. 1.226 prescreve regras que, evidentemente, não se
ajustam a toda a especie de locação de serviço.
Além disso, o casuísmo, mais do que em outras matérias, reve-
lará aqui os seus inconvenientes, por não poder abranger a infi-
nita variedade dos factos da vida.
2. — O Codigo suisso das obrigações colloca em pé de egual-
dade o que presta e o que recebe os serviços, e considera justos
motivos para resilição do contracto: "todas as circumstancias,
416 codigo civil

que, em razãe de moralidade ou em virtude de regras de bôa fé,


autorizem uma das partes a não mais exercer o contracto. O juiz
apreciará se existem esses motivos mas não considerará como
taes nem alguma enfermidade, que o empregado contraia sem cul-
pa, quando fôr de duração relativamente curta, nem o serviço
militar obrigatório" (art. 352). No caso de insolvencia do loca-
tário acrescenta que o empregado pôde rescindir o contracto
se não lhe são dadas as seguranças, que pedir para garantia do
seu salario (art. 354).
3. — As justas causas de que fala o art. 1.226 referem-se á
locação por tempo certo. Não havendo prazo estipulado, applica-se
a regra do art. 1.221.
O Dec. n. 16.107, de 30 de Junho de 1928, regulamentou a
locação dos serviços domésticos, para o Districto Federal, segundo
as bases da lei n. 4. 632, de 6 de Janeiro de 1923. No seu art. 20
reproduz este artigo do Codigo Civil, sem ás correções da lei
n. 3.725, de 15 de Janeiro de 1919.

Art. 1.227 — O locador poderá dar por fin-


do o contracto, em qualquer dos casos do artigo
antecedente, embora o contrario tenha conven-
cionado .
§ 1.° Despedindo-se por qualquer dos moti-
vos especificados no artigo antecedente, ns. I,
II, Y e VIII, terá direito o locador á remu-
neração vencida, semi, responsabilidade alguma
para com o locatário.
§ 2.° Despedindo-se por alguns dos motivos
designados nesse artigo, ns. III, IY, YI e YII
ou por falta do locatário, no caso do n. Y, assis-
tir-lhe-á direito a retribuição vencida e ao mais
do artigo subsequente.

Direito anterior — Não havia disposição de lei correspondente.


Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 1.378,
que se refere somente ao serviçal.
DAS VARIAS E8PECIES I>E CONTRACfTOS 417

IVojectos — Felicio dos Santos, arts. 2.130 e 2.131 (fonte).


Iiiste artigo é do Projecto da Gamara, art. 1.231.

Observações l. — o direito conferido ao locador, dé re-


scindir o contracto pelas causas mencionadas no art. 1.226, é de
ordem publica. Não pode ser renunciado. Por isso diz o Codigo
que prevalecerá, embora o contrario tenha convencionado.
2. — As causas mencionadas no § 1.» são estranhas ao loca-
tário. Isento de culpa, não tem que responder pelos prejuízos que
o locador soffra com a rescisão. Deve-lhe, porém, a remuneração
vencida.
Havendo falta do locatário, que acontecerá nos casos decla-
rados no § 2.°, responderá este pela execução do estipulado. E o
Codigo e ainda excessivamente benevolo, fazendo-o pagar somente
a metade da retribuição, que tocaria ao locador, até ao termo
legal do contracto.
Se, além da infracção do contracto, acontecer outro damno
ao locador, por esse damno responderá o locatário. Se, por exem-
plo, o locatário tiver commettido offensa á honra de pessoa da fa-
mília do locador, a sua responsabilidade será, pelo contracto, de
accordo com o determinado pelo art. 1.228, e pelo damno especial,
segundo o que preceituam os arts. 150 e 1.549.

Art. 1.228 — O locatário, que, sem justa


causa, despedir o locador, será obrigado a pagar-
Ibe, por inteiro, a retribuição vencida, e, por
metade a que lhe tocaria, de então ao termo
legal do contracto.

Direito anterior — O amo, que despedisse o creado, antes


de findo o prazo, devia pagar-lhe a soldada por inteiro (Ord.. 4,
34; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 685; Carlos de Car-
valho, Direito Civil, art. 1.231).
Legislação comparadia — Codigo Civil portuguez, art. 1.382.
Vejam-se, também: o venezuelano, art. 1.682; o chileno, 1.992 e o
boliviano, 1.183.
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 27
418 CODIGO CIVIL

Projectos — Esboço, art. 2.7,27; FcHcio dos Santos, 2.132


(fonte); Coelho Rodrigues, 2.363; Revisto, 1.412.

Observações — 1. — Este artigo não guarda syinetria com


o artigo 1.225, paragrapho único, e colloca o tocador de serviço
em situação inferior ao locatário. Se aquelle se despede sem
justa causa, antes do termo do contracto, responde por perdas
e damnos, que serão as que se apurarem. Se este despedir o
tocador, sem justa causa, terá de pagar, além de retribuição ven-
cida, apenas a metade do que deveria pagar, se executasse o con-
tracto. As perdas e damnos pela infracção do contracto ficam,
assim restrictás á metade do seu valor, ou menos.
2 — A legislação do trabalho, como lei especial, deve ser
attendida nas modificações, que introduziu nos dispositivos do
Codigo Civil, que valerão entretanto, suppletivamente, nesta
secção, quanto ao direito trabalhista.

Art. 1.229 — São justas causas para dar o


locatário por findo o contracto:
I. Força maior que o impossibilite de cum-
prir as suas obrigações.
II. Offendel-o o locador na bonra de pes-
soa de sua f amilia.
III. Enfermidade, ou qualquer outra cau-
sa, que torne o locador incapaz dos serviços con-
tractados.
IY. Yicios, ou mau procedimento do loca-
dor.
Y. Falta do locador á observância do con-
tracto .
YI. Impericia do locador no serviço con-
tractado.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente.


Veja-se, todavia, o Codigo Commercial, art. 84.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRAOTOS 419
Legislação comparada — Vejam-Be os Codigos Civis seguin-
tes: portuguez, art. 1.381; suisso das obrigações, 352 a 354; e-
venezuelano, 1.683 e 1.684.
Projectos — Esboço, art. 2.725; Felicio dos Santos, 2.133
(fonte); Coelho Rodrigues, 2.364; Revisto, 1.411.

Observações — 1: — Yejam-se as observações ao art. 1.226.


Estas causas de rescisão do contracto de locação de serviço não
se ajustam a todas as modalidades delle. Os damnos causados pelo
que presta o serviço ao que recebe não ficam resarcidos pela
ruptura do contracto. Segundo as circumstancias, devem ser to-
mados em conta, para a justa reparação.
2. — Veja-se o regulamento, de locação de serviços domésticos
(Dec. n. 16.167, de 30 de Julho de 1923), art. 13.

Art. 1.230 — Na locação agrícola, o loca-


tário é obrigado a dar ao locador attestado de
que o contracto está findo; e, no caso de recusa,
o juiz, a quem competir, deverá expedil-o, mul-
tando o recusante em cem a duzentos mil réis a
favor do locador.
Esta mesma obrigação subsiste, se o locatá-
rio, sem justa causa, dispensar os serviços do
locador, ou se este, por motivo justificado, der
por findo o contracto.
Todavia, se, em qualquer destas bypotbeses,
o locador estiver em debito, esta circumstancia
constará do attestado, ficando o novo locatário
responsável pelo devido pagamento.

Direito anterior — Não havia disposição homologa.


Legislação comparada — Sem correspondência nos Codigos
Civis confrontados. Veja-se, todavia, o Codigo Civil allemão', ar-
tigo 630.
420 OODIGO CIVIt,

Pro.jectos — Este artigo procede de emenda dò Senado (nu-


mero 1.186).

Observação — O attestado é necessário ao locador, para que


possa contractar os seus serviços com outro locatário agrícola, o
qual, para não ser increpado de alliciador (art. 1.235), está no
direito de exigir, assim como o seu antecessor, na obrigação de
dar. Como, porém, o locador agrícola, ordinariamente, não dispõe
de recursos sufficientes para occorrer ás despezas judiciaes, o
Codigo manda reverter em seu beneficio a multa, a que fôr con-
demnado o locatário recusante. Por esse modo, estando elle seguro
do seu direito, não poderá hesitar em recorrer aos tribunaes.

Art. 1.231 — O locatário poderá despedir o


locador por qualquer das causas especificadas no
art. 1.229, ainda que o contrario tenha conven-
cionado.
§ 1.° Se o locador for despedido por alguma
das causas ali particularizadas sob os ns. I, III
e Y, terá direito á retribuição vencida, sem res-
ponsabilidade alguma para com o locatário.
§ 2.° Se for despedido por algum dos fun-
damentos ali admittidos, sob os ns. II, IY e YI,
terá direito á retribuição vencida, respondendo,
porém, por perdas e damnos.

Direito anterior — Não havia dispositivo legal idêntico.


Legislação comparada — Sem correspondência.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.134 e 2.135 (fonte).
Projecto da Gamara, art. 1.234.

Observação — Este artigo confere ao locatário direito seme-


lhante ao que o art. 1.227 confere ao locador; e,. como elle, col-
loca este ultimo em condições inferior á do locatário.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRAdTOS 421

Art. 1.232 — Nem o locatário, ainda que


outra coisa tenlia contractado, poderá transferir
a outrem o direito aos serviços ajustados, nem o
tocador, sem aprazimento do locatário, dar sub-
stituto, que os preste.

Direito anterior — Não havia texto legal a respeito, o que


aliás, era indispensável.
Degislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 613;
japonez, 625.
Projectos — Esboço, art. 2.720; Felicio dos Santos, 2.136 e
2.137 (fonte) Projecto da Gamara, art. 1.235.

Observação — A primeira parte do artigo é uma applicação


do principio de que o direito de exigir a obrigação de fazer não
se transfere, porque assim o exige o respeito á liberdade humana.
O locador ficaria reduzido á condição servil, se o locatário pu-
desse ceder-lhe os serviços a outrem.
A segunda parte é uma applicação, pura e simples, do pre-
ceito consagrado no art. 878. O locador convencionou prestar o
serviço pessoalmente; não poderá dar substituto, sem aprazi-
mento do locatário.

Art. 1.233 — O contracto de locação de ser-


viço acaba com a morte do locador.

Direito anterior — A doutrina consagrava o mesmo prin-


cipio.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.795;
italiano, 1.642; portuguez, 1.385; argentino, 1.640; suisso das
obrigações, 355; venezuelano, 1.700; peruano, 1.531.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 2.367; Felicio dos San-
tos, 2^138 (fonte). Projectos da Gamara, 1.236.

Observação — O contracto de trabalho ê feito em attenção


ás condições pessoaes do locador, quer se trate de serviço, em
422 CODIGO C1VXX.

que são nécessarias aptidões particulares, quer de serviços conx-


muixs, que possam ser desempenhados por qualquer pessoa, por
quanto, ainda para estes, ha que se attender á probidade, á indole
do locador e a outras considerações pessoaes.

Art. 1.234 — Embora outra coisa haja esti-


pulado, não poderá o locatário cobrar ao locador
juros sobre as soldadas, que lhe adeaútar, nem
pelo tempo do contracto sobre divida alguma,,
que o locador esteja pagando com serviços.

Direito anterior — Nada-dispunha a respeito.


Legislação comparada — Sem correspondência.
Projectos — Feliciò dos Santos, art. 139 Projecto da Ga-
mara, art. 1.237.

Observação — Esta prohibição é um salutar preceito de


moral, a tutelar o locador de serviço contra abusos possiveis
de locatários inescrupulosos. Como bem observa Joio Luiz,
commentando esta prescripção, "os juros disfarçariam a exigência
de serviços, por um salario menor ou por um tempo maior".
O preceito prohibitorio deste artigo é de ordem publica. Não
pôde ser dèrogado'por ■convenção .: Seib este caracter, a provi-
dencia resultaria inútil.

Art. 1.235 — Aquelle que alliciar pessoas


obrigadas a outrem por locação de serviços agri-
colas, haja ou não instrumento desse contracto,
pagará em dobro ao locatário prejudicado a im-
portância, que ao locador, pelo - ajuste desfeito,
houvesse de caber, durante quatro annos.

Direito anterior — O Dec. n. 1.16-2, de 12 de Novembro de


1890, art. I.0, que alterou a redação dos arts. 205 e 206, do Codigo
Penal, dispunha sobre esta mesma matéria, comminando as penas
DAS VARIAS ESX^ECIES DE CONTRACTOS 423

de prisão celjular por um a tres mezes e de multa de 200$ a


500$, contra o crime de desvio de operários e trabalhadores de
estabelecimentos em que forem empregados.
Legislação comparada — Sem correspondência.
Projectos — Este artigo procede, directamente, do substi-
tutivo de Alfredo Pinto (Trabalhos, VI p. 44, 2.^ col.), e tomou,
no Projecto da Gamara, o n. 1.236.

Observação — A acção civil, que este artigo confere ao lo-


catário prejudicado pelo alliciamento, independe da criminal.
..l QQ T^ABALH
KR&GtAO
Art. 1.236 — A alienação do prédio agríco-
la, onde a locação dos serviços se opera, não im-
porta^ rescisão do contracto; salvo ao locador
opção entre continual-o com o adquirente da
propriedade, on com o locatário anterior.

Direito anterior ■—- Preceito desconhecido.


Legislação comparada — Sem correspondência.
Projectos — Este artigo originou-se de emenda do Senado,
sob o n. 1.195. Nenhum dos Projectos anteriores consagrava egual
preceito.
CONSELHO REGIONAL DO TRABALH
K REOIÀO
Observação —- E' esta uma disposição tutelar do trabalhador
agrícola, a quem se faculta o direito de permanecer no prédio,
a fim de terminar o seu contracto, não obstante haver o mesmo
passado a outro dono. E' a este que o Codigo, modificando o
direito commum, impõe a obrigação de acceitar o locador, se
este não preferir continuar o seu contracto com o locatário an-
terior. Ainda que este ultimo não tenha mais propriedade ou
estabelecimento agrícola onde collocar o trabalhador, que não
quizer continuar no prédio, nem por isso tem o direito de dar
o contracto por findo. Se o fizer, sujeitar-se-á ao disposto no ar-
tigo 1.228; além da retribuição vencida, pagará por metade o
salario correspondente ao tempo, que faltar para a conclusão do
contracto.
424 GODIGO CIVIL

SECÇÃO III

Da empreitada

Art. 1.237 — O empreiteiro de uma obra


pôde contribuir para ella, ou só com o seu tra-
balho, ou com elle e os materiaes.

Direito anterior — A matéria acha-se regulada pelo Codigo


Commercial, mas sem um dispositivo que corresponda, exactamen-
te, ao do artigo acima.
Legislação comparada — Inst. 3, 24, 4; D. 19, 2 fr. § 1.°;
Codigo Civil francez, art. 1.787á italiano, 1.634; portuguez, 1.396;
hespanhol, 1.588; suisso das obrigações, 350; argentino, 1.629;
uruguayo, 1.840; venezuelano, 1.691; boliviano, 1.192. Vejam-se
ainda; o allemão, art. 631; o austríaco, 1.165 e 1.666 da nova
edição; e o chileno, 1.996.
Projectos — Esboço, art. 2.745; Pelicio dos Santos, 2.153;
Coelho Rodrigues 776; Beviláqua, 1.388; Revisto, 1.432.
Bibllographia — Direito das obrigações, § 152; M. I. Car-
valho de Mendonça. Contractos n. 213; D. Gama, Contractos,
ns. 536 e segs.; Almachio Diniz, Obrigações, ns. 186 e segs.;
Bento de Farta, Codigo Commercial, aos arts. 231 e segs.; S. Vam-
pré, Manual, III, §§ 46 e segs.; Coelho da Rocha. Inst., §§ 852 e
853; Planiol, Traité, II, ns. 1.947 e segs.; Huc, Gommentaire, X,
ns. 413 e segs.; Laurent, Cours, III, ns. 894 e segs.; Zachariae,
Droit civil français, IV, § 710; Axjbrt et Rau, Cours, V, § 374:
Baüdey-Lacantinerie et Wahl, Du contrai de louage, II, ns.
3.862 e segs.; Code Civil allemanã, publié par le Comitê de lég.
êtr., aos arts. 631 e segs.; Kohler, Lehrbuch, II, §§ 135-142; Ende-
mann, Lehrbuch, I, § 174; Dernburg, Pand., II § 113; Windsoheid,
Fand., II, § 401; Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez, III, aos
artigos 1.396-1.398; Chironi, Ist., II,~ § 339; Rossel, Droit civil
suisse, III, ps. 407-423.

Observações — 1. — Empreitada é a locação de serviço, em


que o locador se obriga a fazer ou mandar fazer certa obra, me-
diante retribuição determinada ou proporcional ao trabalho exe-
cutado. E' a locatio operis. O Codigo Civil allemão destacou esta
especie de entre as locações, para dar-lhe forma independente,
DAS VAKIAS ESPEOIES DE CONTRACfTOS 425
sob a denominação de Werkvertrag (contracto de obra), distincto
do contracto de serviço (Dienstvertrag).
Sem duvida, ha differenças entre a locação de serviço e a
empreitada; e, porque as reconhece, o Codigo lhe reservou uma
secção especial. Mas o objecto do contracto é, afinal, o mesmo
serviço, o mesmo trabalho humano. A differença está primeira-
mente, no modo de remunerar o esforço do trabalhador, que, na
empreitada, attende á obra realizada, e, na locação commum, ao
tempo de serviço.
Esta distincção, porém, não é fundamental, porque ha locações
de serviços, em que se não attende ao tempo, como, por exemplo
a dos médicos, e a dos advogados. O que caracteriza a empreita-
da é o seu fim, que consiste na producção de uma obra material
ou certa porção delia; seja, por exemplo, a construcção de
um edifício, seja o preparo dos moveis, com que lhe guarnecer
uma das salas.
2. — A empreitada pôde realizar-se por dois modos: o em-
preiteiro contribue, somente, com o seu trabalho; ou com elle
e os materiaes. No primeiro caso, ha uma simples locação de ser-
viço, ainda que de forma especial; no segundo, intervem um
elemento novo, que sem destruir o caracter predominante do
contracto de serviço, approxima-o da compra e venda. Não é que
o contracto se torne uma compra e venda, como entendem alguns,
pois não tem por fim a alienação de coisa existente ou futura;
o seu fim é a creação de uma coisa pelo trabalho de alguém: o
proprio empreiteiro ou os seus operários. Certamente, esse pro-
ducto do trabalho vae ser alienado, o que torna a operação mixta;
porém o que é nella capital é a producção da obra, e não a sua
alienação.

Art. 1.238 — Quando o empreiteiro fornece


os materiaes, correm por sua conta os riscos, até
o momento da entrega da obra, a contento de
quem a encommendou, se este não estiver em
mora de receber. Estando, correrão os riscos,
por egual, contra as duas partes.

Direito anterior — Semelhante, quanto á primeira parte do


artigo e differente quanto á segunda (Codigo Commercíal, ar-
tigo 231; Carlos de Carvalho, Direito Givil, art. 1.242).
426 CODIGO CIVIL

1/égislação comparada —. Codigo Civil francez, art. 1.788;


italiano, 1.635; allemão, 644; portuguez, 1.397; liespanliol, 1.589;
chileno, 1.996; uruguayo, 1.842; boliviano, 1.193; venezuelano,
1.694; mexicano, 2.617; do Montenegro, 357. Estes Codigos não
consagram a divisão da responsabilidade no caso de mora de
quem encommenda a obra. Vejam-se o Codigo suisso das obri-
gações, art. 376, 2.a al., e o peruano, 1.553 e 1.557.
Projectos — Eshoço, art. 2.771; Felicio dos Santos, 2.154:
Coelho Rodrigues, 777; Beviláqua, 1.389; Revisto, 1.433.

Observações — 1. — E' o empreiteiro quem escolhe os ma-


teriaes e prepara a obra encommendada. Se ha defeitos nos ma-
teriaes ou na construcçâo, por elles deve responder. Sobrevindo
um accidente, que estrague ou destrua a obra, emquanto não
fôr entregue a contento de quem a encommendou, corre, também
por conta do empreiteiro o prejuizo, porque elle ainda não cum-
priu a sua obrigação, e é dono dos materiaes, até o momento da
acceitação por quem encommendou a obra.
Havendo mora no recebimento, os riscos são communs,
porque os materiaes continuam na propriedade do empreiteiro,
devem deteriorar-se ou perder-se por sua conta. Além disso, é
possivel que a deterioração, ou perda, seja conseqüência de im-
pericia, ou má fé do empreiteiro.
Por outro lado, aquelle que encommendou a obra, estando
em mora, incorreu em culpa. Se a obra ainda não é sua, por-
que elle ainda não declarou achal-a nas condições da encommen-
da, já o devia ter feito, e responde pela infracção do contracto.
A solução do Codigo attende, portanto; á situação especial
da empreitada. O empreiteiro é o dono dos materiaes, e para
elle devem estes se deteriorar ou perder, emquanto não se opera
a transferencia do domínio; mas empregou o seu trabalho, no
preparo da obra, para:satisfazer a encommenda, que lhe foi feita.
Como proprietário, soffre os riscos da coisa, como locador de
serviço, não os deve soffrer. Aquelle que encommenda a obra não
pode perder o que ainda não é seu, mas responde pela retribuição
do trabalho feito por sua encommenda.
Em rigor, as coisas assim se deveriam passar; o emprei-
teiro soffreria o prejuizo do material, e a outra parte o indem-
nizaria do serviço feito. Simplificando, porém, a situação, e
combinando as responsabilidades, o Codigo associou as duas par-
tes nos riscos.
DAS VARIAS K8PEC1ES DE CONTRACtrOS 427

2. — 0 empreiteiro, todavia, poderá evitar os riscos deposi-


tando a obra concluída por conta de quem a encommendou. Se
lhe negássemos este recurso, deixal-o-iamos á mercê de abusos,
de móras excessivas ou maliciosas. O Projecto Coelho Rodrigues
e a primitivo assim dispunham, expressamente. Ainda que, na
revisão, tenha desapparecido esse preceito complementar do sys-
tema, a sua justiça é irrecusável.

Art. 1.239 — Se o empreiteiro só forneceu a


mão de obra, todos os riscos, em que não tiver
culpa, correrão por conta do dono.
Direito anterior — Semelhante (Codigo Commercial, ar-
tigo 232, l.a parte).
Legislação comparada — D. 19, 2, fr. 62; Codigo Civil fran-
cez, art. 1.789; italiano, 1.636; portuguez, 1.398; uruguayo,
1.841, 1.° al.; venezuelano, 1.694, 2.a ai.; boliviano, 1.194 . Vejam-se
também; allemão, art. 644; suisso das obrigações, 376; e do
Montenegro, 257, 2.11 al.
Projectos — Esboço, art. 2.770; Felicio dos Santos, 2^155;
Coelho Rodrigues, 779; Beviláqua, 1.391; Revisto, 1.434.

Observação — No caso, que o artigo prevê, os materiaes são


de quem encommendou a obra; por isso, corre por conta do
mesmo a perda ou deterioração, desses objectos. O empreiteiro
é simples locador de serviço, quando trabalha com os materiaes
fornecidos pelo dono da obra. Mas, se a obra soffrer damno, por
culpa do locador de serviço, deste será a responsabilidade.

Art. 1.240 — Sendo á empreitada unicamen-


te de lavor (art. 1.239), se a coisa perecer antes
de entregue, sem mora do dono, nem 'culpa do
empreiteiro, este perderá também o salario, a
não provar que a perda resultou de defeito dos
materiaes, e que, em tempo, reclamara contra a
sua quantidade ou qualidade.
428 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Semelhante (Codigo Commercial, ar-


tigo 282; Carlos de Carvalho, Direito Civil, art. 1.241).
Legislação comparada — D. 19, 2, frs. § 5.° e 36 initio
combinado com o fr. 62; Codigo Civil francez, art. 1.790; ita-
liano, 1.637; hespanhol, 1.590; argentino, 1.630; uruguayo, 1.841.
2." parte; venezuelano, 1.695. Vejam-se, também; suisso das obri-
gações, 376; chileno, 2.000; portuguez, 1.398; do Montenegro,
1.398; 1.55'9.
Projectos — Esboço, art. 2.770; Felicio dos Santos, 2.156;
Coelho Rodrigues, 779; Beviláqua, 1.392; Revisto, 1.435.

Observação — Nenhuma das partes tem culpa no pereci-


mento da coisa; soffrem ambas o prejuízo. O dono perde o ma-
terial fornecido, e o empreiteiro, o seu trabalho.
Não é justa esta solução, como pareceu a alguns civilistas,
porque o dono da obra não a recebeu, não se utilizou do serviço
do empreiteiro. O ajuste era pagar o trabalho incorporado na
obra; esta desapparece antes de consummada; nada tem o em-
preiteiro que reclamar, salvo se a perda resultou de defeito do
material fornecido, porque, ha culpa da parte do dono da obra-
Mas o empreiteiro terá que provar esse defeito, e, mais ainda,
que reclamou contra sua quantidade e qualidade. Tendo acceito
o material defeituoso, sem reclamação, entende-se que o consi-
derou em condições de ser applicado proveitosamente, ou foi
negligente, ou revelou impericia.

Art. 1.241 — Se a obra constar de partes


distinctas, ou for das que se determinam por
medida, o empreiteiro terá direito a que também
se verifique por medida, ou segundo as partes
em que se dividir,
Paragrapho único. Tudo o que se pagou,
presume-se verificado.

Direito anterior — Não havia disposição semelhante. Com-


pare-se este artigo do Codigo Civil com o art. 237, do Commercial.
DAS VARIAS ESPEOIES DE CONTRACTOS 429
Legislação comparada — D. 19, 2, fr. 30, § 3.°, e fr. 51, § i."
in fine; Codigo Civil francez, art. 1.791; italiano, 1.638; hespa-
nhol 1.592; venezuelano, 1.696. Vejam-se, também: suisso das
obrigações, 372; argentino, 1.639; uruguayo, 1.846; allemão, 641;
mexicano, 2.630 e 2.631; peruano, 1.5'60.
Projectos — Esboço, art. 2782; Felicio dos Santos, 2.158;
Coelho Rodrigues, 781; Beviláqua, 1.393; Revisto, 1.436. ■

Observação — O contracto pode estatuir que o locatário


sómepte receberá a obra, quando definitivamente concluida. O
contracto se observará, e o empreiteiro assumirá a responsabi-
lidade pelos riscos, que occorrerem, até o momento da entrega.
Pode, porém, o contracto não conter clausula expressa nesse
sentido. A lei attribue, então ao empreiteiro o direito de en-
tregar a obra por parte concluida, se o todo se dividir em partes
distinctas, ou se a obra é da classe das que se determinam por
medida. O dono da obra, tenha ou não fornecido os-materiaes, é
obrigado, em qualquer desses casos, ao recebimento parcial.
E' uma attenuação do direito commum, em beneficio do em-
preiteiro. Outro favor é a presumpção, júris et de jure, de que
a obra paga está verificada. Era de facto, direito do dopo da
obra, verificar, antes de pagar, se a porção entregue estava em
condições de ser acceita. Se porém, effectua o pagamento, de-
clarou-se com ella satisfeito, haja ou não procedido á verificação.

Art. 1.242 — Concluída a obra, de accordo


com o ajuste, ou o costume do logar, o dono é
obrigado a recebel-a. Poderá, porém, enjeital-a,
se o empreiteiro se afastou das instrucções rece-
bidas e dos planos dados, ou das regras tecbni-
cas em trabalho de tal natureza.

Direito anterior — O mesmo (Código Commercial, art. 234;


Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 1.240).
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 640.
Vejam-se, também: argentino, art. 1.632, e suisso das obrigações,
368 e 369.
430 CODIGO CIVIL

Projectos — Eshoço, arts. 2.749 a 2.754; Beviláqua, 1.394;


Revisto, 1.437

Observações — 1. — O empreiteiro é obrigado a fazer a


obra segundo ajustou, ou, se não recebeu instrucções especiaes,
segundo o costume. Se conclue a encommenda conforme o ajuste
expresso, ou tácito, e a entrega em tempo, o dono é obrigado a
recebel-a e a pagar a remuneração devida. E' uma conseqüência
immediata do contracto.
Se aquelle que encommenda a obra se recusa a recebel-a, sem
justa causa, pode o empreiteiro deposital-a para o fim de evitar
sua participação nos riscos (art. 1.238, in fine), e exigir, ju-
dicialmente, a sua remuneração.
2. — O autor da encommenda pode rejeitar a obra: a) Se
o empreiteiro se afastou das instrucções recebidas ou dos planos
dados, não lhe aproveitando allegar que assim procedeu para
fazel-a melhor. &) Se, não havendo instruções ou plano, se afas-
tou das regras da arte ou do costume do logar, apresentando obra
defeituosa, c) Se empregou materiaes de má qualidade, ã) Se
não entregou a obra no tempo ajustado.
Os dois primeiros motivos são especiaes ao contracto de em-
preitada; o terceiro é proprio dos contractos commutativos (ar-
tigo 1.101), em cuja classe entra a empreitada; e o ultimo é
commum á qualquer obrigação estipulada com prazo certo.

Art. 1.243 — No caso do artigo antecedente,


segunda parte, pôde o que encommendou a obra,
em vez de enjeital-a, recebel-a com abatimento
no preço.

Direito anterior — O mesmo (Codigo Commercial, art. 234,


in fine; Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 1.240, in fine).
Legislação comparada — Vejam-se o Codigo Civil allemão,
art. 634, e o suisso das obrigações, 368, mas cujas fórmulas não
correspondem, exactamente, á da nossa lei.
Projectos — Beviláqua, art. 1.395'; Revisto, 1.448.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRAOTOS 431

Observação — Em vez de redhibir a obra, gue não foi feita


segundo as instruções dadas, ou de accordo com o plano esta-
belecido ou, na falta deste e daquellas, que não se conformou,
com as regras da tclmica, ou, ainda, com o costume do logar,
pode aquelle que a encommendou recebel-a com abatimento no
preço, se lhe convier, não obstante o desvio ou defeito. Por este
dispositivo,, completa-se a applicação da theoria dos vicios redhi-
bitorios ao contracto de empreitada.

Art. 1.244 — O empreiteiro é obrigado a pa-


gar os materiaes, que recebeu, se, por impericia,
os inutilizar.

Direito anterior — O mesmo (Codigo Commercial, art. 235;


Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 1.243).
Degislação comparada — D. 19, 2, fr. 9, § 5.°; Celsus etiam
imperitiam culpae aãnumerandam scripsit; 50, 17, fr. 132; im-
peritia culpae aãnumeratur; Codigo Civil chileno, art. 2.000,
2." al.; suisso das obrigações, 365, 2.!l al.; allemão, 644, l.« al.;
in fine, qúe exclue a responsabilidade do emprezario pela perda
ou deterioração fortuita da matéria fornecida pelo autor da en-
commenda.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.173; Bevilaquqa, 1.396;
Revisto, 1.439.

Observação — Cada qual responde por sua culpa, e a impe-


ricia é uma das fôrmas delia. O empreiteiro, recebendo os ma-
teriaes, que lhe confiou o autor da encommenda, deve conser-
val-os e empregal-os com o maior cuidado. A falta desse cuidado
acarreta-lhe responsabilidade. Por outro lado, recebendo os ma-
teriaes para a factura da obra, affirma o empreiteiro achar-se ha-
bilitado a manejal-os, com o necessário zelo, e segundo as regras
da sua arte. Se se mostra desleixado ou impepito, e, por essa
razão, inutiliza o que lhe foi entregue para o preparo da obra,
deve indemnizar o prejuízo causado.
432 CODIGO CIVIL

Art. 1.245 — Nos contraetos de empreita-


das de edifícios ou outras construcções conside-
ráveis, o empreiteiro de materiaes e execução
responderá, durante cinco annos, pela solidez o
segurança do trabalho, assim em razão dos ma-
teriaes, como do sólo, excepto, quanto a este, se
não o achando firme, preveniu, em tempo, o dono
da obra.

Direito anterior — Não havia dispositivo correspondente.


Entretanto Coelho da Rocha, Inst., § 852, fundando-se em Lo-
bão e no Codigo Civil Prancez, e M. I. Carvalho de Mendonça,
apoiado em ambos, adoptavam o principio.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.792;
italiano, 1.639; portuguez, 1.399; hespanhol, 1.591; uruguayo,
1.844; peruano, 1.5'56: venezuelano, 1.697; boliviano, 1.195; ja-
ponez, 638. Nos Codigos citados, o prazo da responsabilidade varia
entre cinco e dez annos.
Vejam ainda o Codigo Civil chileno, art. 2.003, e o ar-
gentino, 1.646. Este ultimo Codigo não estabelece prazo.
Direito romano: Cod. 8, 12, 1. 8, relativa ás obras publicas.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 782; Beviláqua, 1.397,
Revisto, 1.440.
Bibliographia — Planiol, Traité, II, ns. 1.959-971; Huc,
Covimentaire, X, ns. 422-428; BAtiDRY-LAOANTiNEUiE et Wahl, Du
contrai de louage, II, ns. 3.917-3.965. M. I. Carvalho de Men-
donça, Contraetos, II, n. 213, p. 108.

Observações -— 1. — Os edifícios e outras construcções con-


sideráveis, como pontes, reservatórios d'agua, estradas de ferro
não ievelam os seus vicios, desde logo. Abriu para elles o Codigo
uma excepção á regra de que cessa, com a acceitação da obra,
a responsabilidade do empreiteiro.
Não cabe porém, esta responsabilidade excepcional a qual-
quer empreiteiro e, sim, áquelle que fornece os materiaes e o
trabalho. Não é necessário que os materiaes sejam do empreiteiro,
e que elle trabalhe pessoalmente, na obra. Basta que tome sobre
si o encargo de dar a obra prompta, com os materiaes adqui-
ridos, onde os haja, mas não fornecidos pelo dono da obra.
DAS VARIAS E8PECIES DE CONTRAOTOS 433

Uma outra condição é ainda necessária: a construcção deve


ser feita de um todo, ainda que este pertença a um conjuncto
mais vasto.
2. — O empreiteiro responde pelos vicios dos materiaes e da
construcção, assim como pela firmeza do sólo, salvo, quanto a este
ultimo elemento, se preveniu, em tempo, o dono da obra dos
inconvenientes, que encontrou. Suppõe-se o sólo escolhido pelo
dono da obra. O constructor, perito na sua arte, deve con-
nhecer se o terreno supporta bem a obra, que lhe encommendam.
Se, por negligencia ou impericia, não aponta a imprestabilidade ,
do sólo, cabe-lhe a culpa da falta de solidez ou de segurança,
que a obra apresentar.
3. — O Projecto primitivo estabeleceu um prazo para a acção
do dono da obra. Entregue e acceita a obra, decorrem dois annos,
no termo dos quaes se manifestam os vicios e sobrevem a ruina.
Que prazo tem o dono da obra para responsabilizar o constructor?
Não diz o Codigo. Applica-se, consequentemente, o direito com-
mum? A acção durará trinta annos, contados do momento em
que se verificar a falta de solidez ou de segurança da obra*'
A opinião mais seguida na França, cujo Codigo é egualmente
silencioso a respeito, e, por isso mesmo, tem suscitado duvidas, é
que o prazo da responsabilidade para o empreiteiro é o mesmo
da acção do proprietário. A acção, por este systema, será pro-
posta dentro dos cinco annos, seguintes á acceitação da obra,
Como pondera Peaniol, este prazo pôde ser nullo, se o accidente
occorrer no ultimo dia do prazo da responsabilidade do em-
preiteiro.
Não tem bons fundamentos esta doutrina, embora seguida,
pela jurisprudência franceza. Mais jurídica é, sem duvida, a opi-
nião de Aulry et Rau, que manda applicar o direito commum
(Cours, V. § 374, nota 30), não obstante se terem elles, mais
tarde, inclinado pela doutrina victoriosa na jurisprudência.
4. — Os contractantes podem augmentar ou diminuir esse
prazo, que não é de ordem publica (Baxjdry, cit, n. 3.942; Atjury
et Rau, nota 30, cit, in fine; Guillourd II, 873).

Art. 1.246 — O architecto, ou constructor,


que, por empreitada, se incumbir de executar
uma obra, segundo plano acceito por quem a en-
commenda, não terá direito a exigir accresci-
Bevilaqua — Codigo Civil — 4.° vol. 28
434 CODIGO CIVIL

mo no preço, ainda opie o dos salarios, ou o do


material encareça, nem ainda que se altere ou
augmente, em relação á planta, a obra ajustada
salvo se se augmentou, ou alterou, por instrue-
ções escriptas do outro contractante e exhibidas
pelo empreiteiro.

Direito anterior — Principio semelhante deduz-se do pre-


scripto no Codigo Commercial art. 233, que o Direito civil de
Carlos de Carvalho consolidou no art. 1.239.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.793,
italiano, 1.640; portuguez, 1.401; liespanhol, 1.593; suisso das
obrigações, 373; argentino, 1.633; chileno, 2.003, 1.° e 2.°; uru-
guayo, 1.845; venezuelano, 1.698; mexicano, 2.626 e 2.627; do
Montenegro, 35'9. V. peruano, 1.563.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 783; Beviláqua, 1.398;
Revisto, 1.441.

Observação — Convencionado o preço, não seria admissível


modifical-o sob o fundamento de que tenha augmentado o preço
dos salarios ou dos materiaes, salvo casos, em que a situação
se tenha alterado, consideravelmente. Não ha nesta parte do dis-
positivo senão uma applicação do direito commum. Mas, se o
plano da obra fôr alterado ou modificado, o accrescimo deve ser
levado em conta, porque representa o objecto de um contracto
addicional. E' também, méra applicação do direito commum.
Onde ha idéa nova, preceito particular, é na exigência da prova
por escripto da modificação do contracto primitivo. Esta exigência
é uma garantia para o dono da obra, de quem o empreiteiro não
poderá reclamar remuneração, senão por aquillo que elle tiver,
realmente, encommendado.

Art. 1.247 — O dono da obra, que, fóra dos


casos estabelecidos nos ns. III, IV e Y, do ar-
tigo 1.229, rescindir o contracto, apesar de co-
meçada a sua execução, indemnizara ao emprei-
DAS VARIAS ESPECIES DE OONTUAOTOS 435

teiro das despezas e do trabalho feito, assim


como dos lucros, que este poderia ter, se con-
cluísse a obra.

Direito anterior — Semelhante (Codigo Commercial, ar-


tigo 236; Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 1.244).
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.794;
italiano, 1.641; portuguez, 1.402; hespanhol, 1.594; allemão, 649;
suisso das obrigações, 377; argentino, 1.638; venezuelano, 1.699;
mexicano, 2.635; do Montenegro, 355; japonez, 641.
Projectos — Esboço, art. 2.764; Felicio dos Santos, 2.162;
Coelho Rodrigues, 784; Beviláqua, 1.399; Revisto, 1.442. A fór-
mula do Codigo origina-se de emenda do Senado (n. 1.203).

Observações — 1. — Nos casos dos ns. III, IV e V, do ar-


tigo 1.229, o dono da obra pode rescindir o contracto, sem outra
responsabilidade, além de pagar a obra feita. Pareceria, por argu-
mento a contrario sensu, que, nos mencionados casos, o dono da
obra não responderia por coisa alguma; porém, seria locupletar-
se com o alheio, não pagar o trabalho que aproveitasse.
2. — Esta referencia ao art. 1.229 traz perplexidade ao inter-
prete. Mencionados tres dos seis casos desse artigo, devemos
suppôr que aos tres restantes se applique o preceito do art. 1.247?
Mas porque essa differença, quando todos esses casos são justos
motivos para serem dispensados os locadores de serviços? E,
ainda, porque agrupal-os por modo diverso do que se encontra
no artigo 1.231?
Ha somente uma explicação: as justas causas enumeradas
no art. 1.229 são estranhas ás empreitadas. Indicando algumas
dellas, não pretendeu o art. 1.247 submetter a empreitada áquelle
regimen, e, sim, apenas declarar que a rescisão da empreitada
pelo dono da obra lhe acarreta, em regra, a obrigação de inde-
mnizar o empreiteiro das despezas, do trabalho feito e dos lucros,
que poderia ter, se concluísse a obra; excepto se a rescisão fôr
determinada por força maior, que o impossibilite de cumprir
as suas obrigações, por não observar o empreiteiro o contracto,
ou por se mostrar imperito no serviço contractado.
2 a. — Tendo a lei n. 3.725 alterado a ordem dos casos refe-
ridos no art. 1.229, os ns. III, IV e V da edição actual do Codigo
são os seguintes: III, enfermidade ou qualquer outra causa que
436 CODIGO CIVIL

torne o locador incapaz dos serviços contractados; IV, vicios ou


máu procedimento do locador; Y, falta do locador á observância
do contracto. Para conservar-se o pensamento do Codigo as refe-
rencias deviam ser aos ns. I, V, e VI do art, 1.229, que corres-
pondem aos ns. III, IV e V, da primeira edição do Codigo. E' for-
çoso fazer essa correção, attendendo á qual não altero o que
acaba de ser dito no observação 2. A impericia do empreiteiro
(atual n. VI) e a força maior (atual n. I) não podem deixar
de autorizar a rescisão do contracto, com razão melhor do que a
enfermidade e o máu procedimento (ns. III e IV actuaes).
3. — O Projecto primitivo, art. 1.402, concedia aos operários
um direito semelhantq ao que o art. 759, paragrapho único do
Codigo, attribue ao trabalhador agrícola: aos officiaes empre-
gados na obra pelo empreiteiro era facultado embargar, para o
seu pagamento em atrazo, as quantias que o dono da obra ainda
devesse ao empreiteiro por conta da empreitada.

CAPITULO Y

Do empréstimo

SECÇÃO I

Do commodato

Art. 1.248 — O commodato é o empréstimo


gratuito de coisas não fungiveis. Perfaz-se com
a tradição do objecto.

Direito anterior — Ord., 4, 53, pr.; Teixeira de Freitas,


Consolidação, art. 478; Carlos de Carvalho, Direito civil, ar-
tigo 1.160.
Legislação comparada — Inst., 3, 14, § 2.°, Commoãata
autem res tunc proprie intelligitur, si nulla merceãe accepta vel
constituía res tibi utenãa data est; D. 13, 6, fr, 1, pr.; inter com-
modatum autem, et utendum datum Labeo quiãem ait tantum
interesse, quantum inter genus, est speciem; Codigo Civil francez,
art. 1.875 e 1.876; italiano, 1.805 e 1.806; allemão, 598; aus-
tríaco, 971; suisso das obrigações, 305; portuguez, 1.507 e 1.508;
hespanhol, 1.740; argentino, 2.255" e 2.256; chileno, 2.174; uru-
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRAdTOS 437
guayo, 2.216; venezuelano, 1.799; peruano, 1.587; boliviano, 1.239
e 1.249; mexicano, 2.497; do Montenegro, 876; japonez, 593.
Proj ctos — Esboço arts. 2.557-559; Felicio dos*'Santos,
2.414 e 2.416; Coelho Rodrigues, 1.028; Beviláqua, 1.404; i7e-
visto, 1.464.
Bibliographia —• Direito das obrigações, §§ 100-104; M. I.
Carvalho de Mendonça, Gontractos, I, ns. 44 e segs.; Almachio
Diniz, Obrigações, § 58; Dionysio Gama, Gontractos por instru-
mento particular, ns. 373 e segs.; S. Vampré, Manual, III § 49;
Coelho da Rocha, Inst. §§ 769-771; Planiol, Traité, II, ns. 2.047
e segs.; Huc, Gommentaire, XI, ns. 154-165; Laurent, Cours, IV,
ns. 50 e segs.; Zachariae, Droit civil français, IV, §§ 722-725;
Aubry et Rau, Cours, VI, §§ 391 a 393; Code Civil allemand,
publié par le Comitê de lég. étr., ao art. 598; Kohler, Lehrbuch,
II, § 113; Bndemann, Lehrbuch, I, § 183; Dernburg, Pand., II, §
90; Windscheid, Pand., II, §§ 374-375; Chironi, Culpa contractual,
números 157-161; Schirmeister und Prochownick, Das buerger
liche Recht Englands, §§ 436 e segs.

Observações — 1. — Sob a designação geral de empréstimo


comprehendem-se dois contractos, o commodato e o mutuo, o em-
préstimo de uso e o empréstimo de consumo, que têm de commum
a entrega do um objecto para ser utilizado e restituido, porém
que differem por muitos caracteres.
2. — Commodato é o contracto gratuito, pelo qual alguém
entrega a outrem alguma coisa infungivel, para que delia se
utilize, gratuitamente, e a restitua, depois: São requisitos do
commodato: 1.°, A gratuidade. A cessão onerosa do uso é locação.
2.°, A tradição da coisa, que tem de ser utilizada. O commodato
é contracto real, e o commodatario adquire a posse da coisa em-
prestada. A promessa de emprestar, o pacto de commodando não
constitue commodato. 3.°, A infungibilidade da coisa emprestada.
Quer isto dizer que, no commodato, a coisa é considerada em
especie, individualmente, e não em genero. No commodato pom-
pae vel estentationis causa a coisa consumivel recebe o caracter
de infungivel; é tomada como corpo certo, na sua indentidade; e
deve ser restituida a mesma. 4.°, A temporaridade. Veja o art.
1.250. 5.°, A restituição da coisa emprestada, por isso que não ha
transferencia da propriedade e, sim, do uso somente.
438 COMGO CIVIL

Art. 1.249 — Os tutores, furadores,, e, em


geral, todos os administradores de bens alheios
não poderão dar em commodato, sem autoriza-
ção especial, os bens confiados á sua guarda.

Direito anterior — Não havia texto expresso, mas era dou-


trina seguida {Direito das obrigações, § 102, in fine).
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.262;
mexicano, 2.499.
Projectos — Esboço, art. 2.563; Beviláqua, 1.405; Revisto,
1.465'.

Observações — 1. — Não podendo os administi adoi es de


bens alheios dispor, gratuitamente, desses bens, não podendo
exercer sobre elles senão actos, que aproveitem ao proprietário,
não lhes é facultado o direito de os dar em commodato.
2. — Em regra, o commodato de coisa alheia é nullo, mas
o locatário, a quem se não retirou a faculdade de sublocar, pôde
emprestar, gratuitamente e sob sua responsabilidade, a coisa in-
fungivel, em cuja posse se acha. O commodato, aliás, só dif-
fere da locação por ser contracto real e essencialmente gra-
tuito, assim como por ser limitado e pessoal o uso da coisa, que
lhe é objecto.

Art. 1.250 — Se o commodato não tiver


prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessá-
rio para o uso concedido; não podendo o com-
modante, salvo necessidade imprevista e urgen-
te, reconhecida pelo juiz, suspender,o uso e gozo
da coisa emprestada, antes de findo o prazo con-
vencional, ou o que se determine pelo uso outor-
gado .

Direito anterior — Semelhante (Ord., 4, 53, pr.; Caklos de


Carvalho, Direito civil, art. 1.162).
Legislação comparada — D. 13, frs. 5, pr. e 17, § 3.°, initlo;
Codigo Civil francez arts. 1.888 e 1.889; italiano, 1.815 e 1.816;
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRAdrOS 439

allemão, 604 e 605; portuguez, 1.511-1.513; hespanhol, 1.749 e


1.750; argentino, 2.271, 2.283 e 2.284; suisso das obrigações,.
309; austríaco, 973; uruguayo, 2.225, 2.233 e 2.234; venezuelano,
1.806; peruano, 1.592 2.° e 1.593; boliviano, 1.25'0 e 1.25Í; mexi-
cano, 2.512; japonez, 597.
Projectos — EsIíoço, art. 2.588; Fdicio dos Santos, 2.432,
Coelho Rodrigues, 1.037. No Projecto primitivo e no revisto, não
se encontra dispositivo semelhante; foi a Commissão da Camara
que, acceitando emenda de Fábio Leal (Trabalhos, IV, p. 425),
accrescentou este artigo ao Projecto do Governo.

Observação — O Codigo não admitte, como o austríaco, ar-


tigo 974, o argentino, 2.285, e o suisso das obrigações, 310, o
commodato a titulo precário, se/ não fôr estipulado, mas per-
mitte que o possa rescindir o commodante por necessidade im-
prevista e urgente, ainda que haja prazo estipulado. Não o fará,
porém, arbitrariamente, porque o juiz é chamado a reconhecer
se, realmente, existe a razão allegada pelo commodante para
exigir antes de tempo, a restituição da coisa emprestada.
Ainda com a mencionada garantia, Huo e Laurent consi-
deram esta faculdade injustificável, porque ella tende a incitar
o commodante a imaginar uma necessidade imprevista e urgente,
e a intervenção do juiz apenas consegue transformar em hostis
relações que começaram por ser fraternaes.
Foi attendendo a esses inconvenientes que o Projecto pri-
mitivo não consignou preceito correspondente ao art. 1.250 do
Codigo.

Art. 1.251 — O commodatario é obrigado a


conservar, como se sua própria fora, a coisa em-
prestada, não podendo nsal-a senão de accordo
com o contracto, ou a natureza delia, sob pena
de responder por perdas e damnos.

Direito anterior — Semelhante (Ord. 4, 53, §§ 2. e 4. , Car-


los de Carvalho, Direito civil arts. 1.162 e 1.164, I).
Legislação comparada — Inst. 3, 14, § 2.°, in médio; Codigo
Çivil francez, arts. 1.880 e 1.881; italiano, 1.808 e 1.809, por-
440 CODIGO CIVIL-

tuguez, 1.514; hespanhol, 1.744; austríaco, 972 e 978; argentino,


2.266-2.269; chileno, 2.177 e 2.178; uruguayo, 2.220 e 2.222;
venezuelano, 1.801 e 1.802, 1.°; peruano, 1.559, 1.° e 2.°; boliviano
1.243; mexicano, 2.502 a 2.504. Vejam-se ainda: allemão, ar-
tigos 599 e 603; suisso das obrigações, 306; e japonez, 549, 1." ai.
Projectos — Esboço, art. 2.571, 2.°, e 2.574; Felicio dos
Santos, 2.423; Coelho Rodrigues, 1.030 e 1.031; Beviláqua, 1.406;
Revisto, 1.466.

Observação — Deve o commodatario zelar a coisa empres-


tada como se sua própria fôra, diz o Codigo, para significar o
cuidado extremo, e não para sujeitar a coisa alheia ás vicissitu-
des de possíveis desleixos de perdulários. Aliás o commodata-
rio, como se vê do art. 1.253, deve ainda maior solicitude ao
objecto do commodato do que ás suas próprias coisas. I71 rebus
commoãatis talis ãilingentia praestanda est, qualem quisque ãi-
ligentissimus pater famílias, suis rebus adhibet (D. 13, 6, fr.
18, pr.).
Não responde, porém, pelo caso fortuito, se por elle se não
obrigou, se não está em mora, se nã© deu ao objecto emprestado
applicação differente daquella, a que era destinado (furtum usus),
ou se não verifica a hypothese prevista no art. 1.25'3.

Art. 1.252 -— O commodatario constituído


em móra, além de por ella responder, pagará o
aluguel da coisa durante o tempo do atrazo em
restituil-a.

Direito anterior — Semelhante (Ord. 4, 53, § 3.u; e 4, 54, pr.;


Carlos de Carvalho, Direito civil, arts. 1.164, II, b, e 1.165, pr.;
Teixeira de Freitas, Consolidação, arts. 502, 2.°, e 506).
Degislação comparada — Y. Codigo Civil francez, art. 1.881;
italiano, 1.809; peruano, 1.598; portuguez, 1.518; quanto á res-
ponsabilidade pela móra.
Projectos — Esboço, arts. 2.275 e 2.594; Beviláqua, 1.407;
Revisto, 1.467 e 1.468.
DAS VAKIAS ESPECIES DE CONTRACtTOS 441

Observação — O commodatario constituído em mora responde


pela deterioração ou perda da coisa emprestada, salvo se provar
que o damno aconteceria, ainda quando mora não houvesse (ar-
tigos 956 e 957). Esta obrigação ê de direito commum. Ò que
ha de particular no dispositivo do art. 1.252 é que o commo-
datario, que se atraza em restituir o objecto emprestado, fica
obrigado a pagar aluguel da coisa, desde o momento em que
se atrazou. Que aluguel? O que o dono da coisa arbitrar, se-
gundo a regra do art. 1.196.

Art. 1.253 — Se, correndo risco o objecto do


commodato, juntamente com outros do commo-
datario, antepuzer este a salvação dos seus,
abandonando o do commodante, responderá pelo
damno occorrido, ainda que se possa attribuir a
caso fortuito ou força maior.

Direito anterior — D. 13, 6, fr. 5, § 4.°, in fine:... nisi forte, .


cum possit res commoãatas salvas facere, suas praetulit; Codigo
Civil francez, art. 1.882; italiano, 1.810; portuguez, 1.516, para-
grapho único; argentino, 2.269; boliviano, .1.245; venezuelano,
1.802, S."; mexicano, 2.205; uruguayo, 2.222, 3."; peruano, 1.596.
Projectos — Esboço, art. 2.579, 1.° e 2.°; Felicio dos Santos,
1.802, 3."; mexicano, 2.205; uruguayo, 2.222, 3.°; peruano, 1.596.

Observação — Este dispositivo aceentua o grau de zelo a


que o commodatario é obrigado na conservação do objecto em-
prestado. Se, na alternativa de salvar o objecto emprestado e
outro, que lhe pertença, deu a este preferencia, suam praetulit,
fosse ainda de maior valor, ou se, prevendo o perigo, poz a
salvo o que era seu, abandonando o alheio, responde pelo damno
ocfcorrido, isto é, pagará o valor da coisa perdida, ainda que
por força maior.
442 COÜIGO CIVIL

Art. 1.254 — O conmiodatario não poderá


jámais recobrar do commodante as despezas fei-
tas com o uso e gozo da coisa emprestada.

Direito anterior — Differente. (Ord., 4, 54, § 1.°; Teixeika


de Fkeitas, Consolidação, art. 507; Carlos de Carvalho, Direito
civil, art. 1.165, § 1.°).
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 1.886;
italiano, 1.813; allemão, 601; austríaco, 981; portuguez, 1.519 e
1.521; suisso das obrigações, 307; venezuelano, 1.804; uruguayo,
2.232; boliviano, 1.248; japonez, 595; mexicano, 2.503; peruano,
1.595, 3.°.
O direito romano permittia que o commodatario cobrasse as
despezas de maior vulto (majores impensae), porém não as mó-
dicas (D. 13, 6, fr. 18, § 2.°). Nem autorizava a retenção, sob pre-
texto de divida (Cod. 4, 23, 1. 4).
Projectos — Esboço, arts. 2.582, § 2.°; e 2.584-2.586 (este
Projecto concede o direito de retenção pelas despezas extraordi-
nárias); Felieio dos Santos, 2.247 e 2.248; Revisto, 1.470. A fór-
mula actual proveio do Projecto da Gamara, art. 1.254.

Observação — As despezas de uso e gozo serão as úteis?


Neste caso, o commodatario poderá cobrar as de conservação.
Não, porém, as communs, como a alimentação do animal empres-
tado, e sim as extraordinárias, feitas em caso de urgência, quando
o commodante não podia ser avisado, opportunamente, para orde-
nal-as. E' a doutrina do Codigo suisso das obrigações, art. 307,
como já era do austríaco, 891, e não differe, essencialmente, da
que preceituava o direito romano.
O Codigo Civil allemão equipara, quanto ás despezas, o com-
modatario ao gestor de negocios, porque não ê obrigado pelas des-
pezas com a conservação da coisa.

Art. 1.255 — Se duas ou mais pessoas fo-


rem, simultaneamente, commodatarias de uma
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRAdTOS 443

coisa, ficarão, solidariamente, responsáveis para


com o commodante.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito i omano.


Legislação comparada — D. 13, 6, fr. 5, § 15; e fr. 21, § 1.°,
Codigo Civil francez art. 1.887; italiano, 1.814; hespanhol, 1.748,
portuguez, 1.520; suisso das obrigações, 308; argentino, 2.281,
chileno, 2.189; venezuelano, 1.805; uruguayo, 2.231; peruano,
1.612; boliviano, 1.249; mexicano, 2.510.

Observação — E' um caso de solidariedade estatuído por


lei para dar maior garantia ao direito do commodante. A solida-
riedade não se transmitte aos herdeiros dos commodatarios; po-
rém, como se trata, na hypothese, de um corpo certo, o proprie-
tário reivindical-o-á daquelle, em cujo poder se achar, sem ter
necessidade de accionar os outros (Huc, Commentaire, XI, nú-
meros 163, in fine).

SECÇÃO II

Do mutuo

Art. 1.256 — 0 mutuo é o empréstimo de


coisas fungiveis. O mutuário é obrigado a resti-
tuir ao mutuante o que delle recebeu em coisas
do mesmo genero, qualidade e quantidade.

Direito anterior —■ Disposições semelhantes, mas não idên-


ticas na Ord. 4, 50, pr. e 53, § 1.°; Teixeira de Freitas, Conso-
lidação, art. 479; Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 1.131.
Legislação comparada — Inst. 3, 14, pr.: Mutui autem datic
in iis rel)us consistit quae pondere, numero, mensurave constant;
D 12 1 fr 2, pr.; Mutuum ãamus recepturi nom eamãem
speciem quam ãeãimus {alioquim commoãatum ent, aut^ deposi-
tum) seã idem genus; Codigo Civil francez, art. 1.892, italiano,
1.819; allemão, 607; suisso das obrigações, 312; austríaco, 983;
portuguez, 1.5'07, 2." parte, e 1.524; hespanhol, 1.753; argentino,
2.240 e 2.241; chileno, 2.196; venezuelano, 1.809; uruguayo,
444 CODIGO CIVIL

2.197; peruano, 1.573; boliviano, 1.254; mexicano, 2.384; do


Montenegro, 876; japonez, 587.
Projectós — Esdoço, art. 2.206; Felicio dos Santos, 2.417;
Coelho Rodrigues, 1.041; Beviláqua, 1.410; Revisto, 1.472.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 105; M. I. Car-
valho de Mendonça, Gontractos, I, ns. 27 e segs.; Almachio Di-
niz, Obrigações, § 59; D. Gama, Gontractos por instrumento par-
ticular, ns. 388 e segs.; S. Vampbé, Manual, III, §§ 52 e segs.;
Coelho da Rocha, Inst., § 774; Planiol, Traité, II, ns. 2.060 e
segs.; Huc, Commentaire, XI, ns. 166 e segs.; Laxjrent, Cours,
IV, números 61 e segs.; Zachakiae, Droit civil français, IV, § 726;
Aubby et Rau, Gode Civil allemand, publié par le Comitê de lég.
étr., ao art. 607; Kohler, Lehrbuch, II, §§ 127 e 128; Endemann,
Lehrbuch, I, § 184; Wxndscheid, Pand., II § 370; Dernburq,
Pand., II, § 85; Chironi, Ist., II, § 354; Sanchez Roman, Derecho
civil, IV, cap, XXX; Rossel, Droit civil suisse, III, ps. 356 e
segs.; Sciiiemeister und Prochownxk, Das buergerliche Recht
Englands, §§ 441 e segs., com as respectivas notas; Ebrazubíz,
Derecho civil, II, ps. 600 e segs.

Observações — 1. — Mutuo é o contracto, pelo qual alguém


transfere a propxnedade da coisa fungivel a outrem, que se obriga
a lhe pagar coisa do mesmo genero, qualidade e quantidade.
E' um contracto real, só se perfaz com a entrega da coisa
mutuada. A promessa de emprestar ainda não é o. mutuo, em-
bora colioque o promittente na obrigação de satisfazer o promet-
tido (obrigação faciendi), ou responder por perdas e damnos.
Pôde ser gratuito ou oneroso. Em direito civil entende-se
que é gratuito, sempre que se não estipularem juros. Mas o mu-
tuante, que não restitue, no tempo devido, a coisa mutuada, in-
corre em mora, e fica obrigado aos juros moratorios.
2. — O mutuante deve ser proprietário daquillo que empres-
ta, pois que transfere o domínio (art. 1.257). Se alguém empres-
ta coisa alheia, o dono pôde exigir que o detentor lh'a restitua,
se ainda existir, ou agir contra o mutuante, no caso em que o
mutuário tenha, de bôa fé, consumido o objecto emprestado.
— O mutuo gratuito não assume grande importância na
vida social. E' um contracto benefico, um auxilio desinteressado.
Dos juros é que se originam graves questões econômicas.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTKAClTOS 445

Gratuito ou oneroso, porém, é um contracto, que tem cara-


cteres proprios. Não ha razão para • dizer-se que, em vez de ser
uma variedade de empréstimo, é antes, locação de coisas fun-
gíveis o mutuo oneroso. Na locação, cede-se, apenas, o uso; no
mutuo, transfere-se a propriedade. E esta só consideração cava
profunda differença entre as duas figuras do contracto.
4. — o objecto do mutuo é coisa fungível, mais commum-
mente o dinheiro. Neste caracter do objecto está a differença
entre o commodato e o mutuo, sendo de notar que uma coisa
naturalmente fungível poderá ser dada em commodato, desde
que se restitua a mesma, na sua identidade, ao passo que uma
coisa infungivel não pode ser dada em mutuo. Dar coisa não
fungível para receber outra é permuta.

Art. -1.257 — Este empréstimo transfere o


dominio da coisa emprestada ao mutuário, por
cuja, conta correm todos os riscos delia, desde a
tradição.

Direito anterior — Semelhante. (Ord., 4, 50 pr.; Teixeira


de Freitas, Consolidação, arís. 479 e 480; Carlos de Carvalho,
Direito civil, 1.131).
Legislação comparada — Inst., 3, 14, pr. e § 2.°, in médio:
D. 12, 1, fr. 2 § 2.°; Codigo Civil francez, art. 1.893; italiano,
1.820; portuguez, 1.523; argentino, 2.245; uruguayo, 2.198; vene-
zuelano, 1.810; peruano, 1.577; boliviano, 1.255; mexicano, 2.384.
Vejam-se, também: hespanhol, art. 1.753; austríaco, 983, chileno,
2.197; e suisso das obrigações, 312.
Projectos — Esboço, art. 2.209; Felicio dos Santos, 2.436;
Coelho Rodrigues, 1.402; Beviláqua, 1.411; Revisto, 1.472.

Observação — E' da essencia do mutuo a translação da


propriedade da coisa mutuada, desde a tradição, que perfaz o
contracto. Transferida a propriedade, é para o adquirente que
ella se deteriora ou perde. Res perit domino. Os riscos anterio-
res á tradição correm por conta do proprietário que promettera
446 CODIGO CIVIL

emprestar, ainda que essa promessa recáia sobre corpo certo. E' a
tradição que opera a transferencia da propriedade, e é somente
depois de adquirir a coisa emprestada que o mutuário pôde
soffrer-lhe a perda.

Art. 1.258 — No mutuo em moedas de oiro


e prata pôde convencionar-se que o pagamento
se effectue nas mesmas especies e quantidades,
qualquer que seja, ulteriormente, a oscillação
dos seus valores.

Direito anterior — Não havia dispositivo expresso, mas o


contracto era usado.
Legislação comparada — Codigo Civil italiano, art. 1.822,
l.a ai.; portuguez, 724; hespanhol, 1.170; venezuelano, 1.812
peruano, 1.817; austríaco, 789. Vejam-se, ainda: francez, artigos
1.895-1.897.
Differentemente dispõem o chileno, art. 2.199, e o suisso das
obrigações, 318.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.044; Beviláqua, 1.412;'
Revisto, 1.473.

Observações — 1. — A regra do art. 947 é que o pagamento


em dinheiro se fará em moeda corrente no logar do cumpri-
mento da obrigação. Esta regra applica-se ao mutuo. Mas a lei
permitte que o mutuo de moedas de ouro e prata seja estipulado
para que o pagamento se faça nas mesmas especies. Neste caso,
não se attende á variação de valor, que possam ter as moedas.
Se não existir mais, legalmente, a especie emprestada, far-
se-á o pagamento em moeda corrente (Codigo Civil portuguez,
art. 725').
2. — A prohibição de pagamento em ouro, ou em determi-
nada especie de moeda (dec. n. 23.501, de 27 de Novembro de
1933) não attinge ao caso agora previsto, desde que não se trate
de .recusar ou restringir o curso forçado do cruzeiro papel.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACfrOS 447

Art. 1.259 — O mutuo feito a.-pessôa me-


nor, sem prévia autorização daquelle sob cuja
guarda estiver, não pode ser rehavido nem do
mutuário, nem de seus fiadores, ou abonadores
(art. 1.502).

Direito anterior — Semelhante (Ord., 4, 50, § 2.°; Teixeira


de Freitas, Consolidação, art. 485; Carlos de Carvalho, Direito
civil, art. 1.139).
Legislação comparada — Inst., 4, 7, § 7.°; D. 14, 6, fr. 1;
Cod. 4, 28, 1. 1; Codigo Civil portuguez, art. 1.535; peruano 1.575.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.048; Bevilagua, 1.413,
Revisto, 1.477.
Bibliographia — Direito das obrigações, § 109; M. I. Car-
valho de Mendonça, Gontractos, I, n. 42; Coelho da Rocha, Inst.,
§ 778; Windscheid, Pand., II, § 373; Dernburg, Pand., II § 88;
Girard, Droit rornain, ps. 518-519; Bonjean, Institutes, II, nú-
meros 3.032 e 5; Cuq. Institutions, II, ps. 388-389.

Observação — O Codigo manteve o preceito do senatus-con-


sulto macedoniano, que o direito anterior recebera das leis ro-
manas. As Ordenações, como o direito romano, falavam de filhos-
familias, mas a doutrina ampliava a prohibição tutelar a todos
os menores, porque o fim da lei é impedir que os jovens inexpe-
rientes sejam arrastados para o vicio, e explorados por usura-
rios, que lhes facilitem empréstimos visando lucros excessivos.
Aliás não são somente os empréstimos a menores, que não
têm efficacia quando não autorizados por seus legitimos repre-
sentantes. De quaesquer obrigações se deve dizer o mesmo (ar-
tigo 154), No empréstimo, porém, ha um motivo ethico especial,
que justifica o rigor do dispositivo.
O empréstimo a menores entre os dezesseis e os desoito ou
vinte e um annos ê simplesmente annullavel; o mutuário poderá
ratifical-o, quando adquirir a plenitude da sua capacidade civil.
O pagamento, a esse tempo, importa ratificação. *
448 CODIGO CIVIL

Art. 1.260 — Cessa a disposição do artigo


antecedente :
I. Se a pessoa de cuja autorização necessi-
tava o mutuário, para contrahir o empréstimo,
o ratificar posteriormente.
II. Se o menor, estando ausente essa pessoa,
se viu obrigado a contrahir o empréstimo para
os seus alimentos habituaes.
III. Se o menor tiver bens da classe indi-
cada do art. 391, n. II. Mas, em tal caso, a
execução do credor não lhes poderá ultrapassar
as forças.

Direito anterior — Semelhante (Ord., 4, 50, §§ 2.° a 4."; Tei-


xeira de Freitas, Consolidação, arts. 485 e 486; Carlos de; Car-
valho, Direito civil, arts. 1.139, paragrapho único e 1.140).
Legislação comparada — Inst. 4, 7, § 8.°; D. 14, 6, fr. 7,
§§ 12 a 15; fr. 17; Cod. 4, 28, Is. 2, 4, 5' e 7; Codigo Civil portu-
guez, art. 1.536.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.049; Beviláqua, 1.414;
Revisto, 1.478.
Observações — 1. — As duas primeiras excepções á regra
do senatus-consulto macedoniano explicam-se por si. O vicio do
empréstimo ao menor procede da falta de autorização; e desap-
parecerá, desde que o acto fôr approvado, pois que não ha nulli-
dade absoluta. Se o empréstimo é feito para os alimentos habi-
tuaes do menor, estando ausente a pessoa, que o devera autori-
zar, cessa o motivo de suspeição contra o empréstimo; ha para
este uma causa justa. São gastos que a piedade paterna não re-
cusaria, como diz a lei romana; quos patris pietas non recusarei.
2. — A terceira excepção, porém, parece ociosa no systema
do Codigo Civil, porque, pelo exercício do emprego publico, o
menor se torna capaz (art. 9.°, paragrapho único n. III).
Veja-se o commentario do art. 391.
3. — Se o menor, dolosamente, occulta a sua edade, para
obter o empréstimo, não pode invocar o beneficio do artigo ante-
cedente (art. 155).
DAS VARIAS E8PECIES DE CONTRACfTOS 449

4. — Se aquelle que devia autorizar o menor a contrahir o


empréstimo, colher proveito com elle, assumirá a responsabilida-
de correspondente. Contra elle terá o mutuário uma conãictio.

Art. 1.261 — O mutuante pôde exigir ga-


rantia da restituição, se, antes do yencimento,
o mutuário soffrer notoria mudança na fortuna.

JMreito anterior —• Não havia texto expresso, mas a doutrina


reconhecia o principio {Direito das obrigações, § 108),
Legislação comparada — Codigo suisso das obrigações, ar-
tigo 316.

Observação — Este dispositivo nada mais ê do que uma


applicação do preceito geral contido no art. 1.092, 2.s alinea, que
domina todos os contractos bilateraes: "se, depois de concluído
o contracto, sobrevier a uma das partes contractantes diminuição
em seu patrimônio, capaz de comprometter ou tornar duvidosa
a prestação, pela qual se obrigou, pôde a parte, a quem incumbe
fazer prestação em primeiro logar, recusar-se a esta, até que a
outra satisfaça a que lhe compete, ou dê garantia bastante de
satisfazel-a". O mutuante já satisfez a sua prestação, mas a lei
o considera na situação do contractante, que a tem de prestar
em troca de outra correspondente.

Art. 1.262 — E' permittido, mas só por


dausula expressa, fixar juros ao empréstimo de
dinheiro, ou de outras coisas fungiyeis.
Esses juros podem fixar-se abaixo ou aci-
ma da taxa legal (art 1.062), com ou sem capi-
talização .

Direito anterior — Semelhante (Lei de 24 de Outubro de


1832; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 361; Carros de
Carvalho, Direito civil, art. 1.133).
Beviláqua — Codigo Civil — 4.° vol. 29
450 CODIGO CIVIL

Legislação comparada — Quanto a primeira aiinea: Codigo


Civil francez, arts. 1.905 e 1.907; italiano, 1.829 e 1.831; hespa-
nhol, 1.755; suisso das obrigações, 313; argentino, 2.248; chileno,
2.205; uruguayo, 2.205; venezuelano, 1.819 e 1.820; peruano,
1.583; boliviano, 1.270; mexicano, 2.393 e 2.397 (algo differente);
No direito civil allemão prevalece o mesmo principio, mas por
inducção. Yeja-se o art. 246.
Para o direito romano: Cod. 4, 32, Is. 1 e 21.
Quanto á segunda alinea: Ha divergência nas legislações.
O Codigo Civil italiano, art; 1.381, 3.a alinea, o uruguayo, 2.206,
o venezuelano, 1.820, 3.a alinea, e a lei belga de 5 de Maio de
1865, dão liberdade plena ás partes, para convencionarem a taxa
dos juros. O mexicano, 2.696, concede essa liberdade, mas-prohibe
o anatocismo, art. 2.397, como egualmente, o chileno 2.210.
Também o Codigo Civil allemão, art. 248, condemna os juros
accumulados, excepto para as caixas econômicas e instituições
de credito. No mesmo sentido, o suisso das obrigações, art. 314.
Na França, os juros convencionados não podem exceder de 5 %
em matéria civil (lei de 3 de Setembro de 1807, art. 1.°). Os
arts. 3.° e 5.°, da lei de 1807, foram modificados pela lei de 19 de
Dezembro de 1850. Em matéria de commercio, ha liberdade para
a taxa dos juros (lei de 12 de Janeiro de 1886).
Em direito romano, os juros convencionados não podiam ex-
ceder de oito por cento em matéria civil (Cod. 4, 32, l. 26,
§ 1.°, initio).
Projectos — Esboço, arts. 2.212, 2.219 e 2.223; Felicio dos
Santos, 2.240 e 2.241 (não admitte a estipulação de se contarem
juros de juros); Coelho Rodrigues, 1.056 e 1.058; Beviláqua,
I.416; Revisto, 1.480.
Bibliograplxia — Direito das obrigações, § 101; M. I. Car-
valho de Mendonça, Gontractos, I, ns. 31-38; Lacerda de Almeida,
Obrigações, § 43, e nota E. E.; Teixeira de Freitas, Consolidação
nota 21, ao art. 361; Bento de Faria, nota ao art. 253 do Codigo
Commercial; Orlando, nota ao mesmo artigo; Cândido Mendes,
nota ao Codigo philippino, liv. 4, tit. 67; João Cabral, Limitação
da usura; Coelho da Rocha, Inst., §§ 779 e 780; Ferreira Borges,
Diccionario juridico-commercial, vbs. Juros e usura; Planiol,
Traité, II, ns., 2.068-2.084; Huc, Commentaire, XI, ns. 180-200;
Laurent, Cours, IV, ns. 68-73; Zachariae, Droit civil français,
IV, §§ 728 e 729; Windscheid, Panã., II, § 371; Dbrnburq, Pand.,
II, §§ 87 e 89; Chironi, Ist., II, § 355; Sanchez Roman, Dere-
cho civil, IV, cap. XXX, ns. 9 e segs.; Colmo, Obligacionaes, n. 430.
DAS VARIAS ESPEC1ES DE CONTRAOTOS 451

Schmollek, Ecofiomie politique, III, ns. 182-202;^ Bentham, Dê-


fense de Vusure; Yves Guyot, Science économique, liv. III,
cap. Vil; Henry Gèorges, Progress and poverty liv. III, cap. III;
Oliveira Martins, Regime das riquezas, cap. V, § 2.°.

Observações — 1. — Os juros são os fructos dò capital em-


pregado. Representam a remuneração do uso do capital, o preço
do tempo, e o risco do reembolso. Dalii resulta Que são mais
elevados, onde ha maior procura de capital, e menor segurança
de reembolso; e são mais baixos, onde é menor a procura de ca-
pitães, e ha maior segurança no seu emprego, quer a segurança
provenha da ordem jurídica, de condições econômicas particula-
res, ou da própria operação realizada.
2. — Abusos de usurarios e preconceitos religiosos levaram,
muitas vezes, os legisladores a limitar a taxa dos juros, e a opi-
nião a condemnar a liberdade dos contractos feneratricios. A
própria expressão usura e os seus derivados assumiram uma
significação deprimente. Mas a sciencia econômica, apreciando
melhor a funcção do credito, e a natureza dos juros, reprova toda
a intervenção da1 lei para a regulamentação da taxa dos juros
convencionaes.
3. o Codigo Civil adoptou, francamente, essa orientação
liberal, que, aliás, já viera da lei de 24 de Outubro de 1832, que
traduz a influencia das idéas de Bentham, das quaes entendem
alguns que se desviou o Codigo Commercial art. 253, prohibindo
c anatocismo, ou capitalização dos juros. Teixeira de Freitas,
porém explicava as palavras do Codigo Commercial de modo a
ccncilial-as com a lei civil: "O art. 253, quando diz — é proMU-
do contar juros de juros — não reprova o anatocismo; veda,
unicamente, que se contem juros de juros, quando assim não se
tiver estipulado. A excepção desse art. 253 sobre accumuiações
de juros em contas correntes não ê propriamente uma excepção,
é o reconhecimento da estipulação de juros de juros, effeito im-
plícito do contracto de conta corrente".
Apesar, porém, da lição do sábio jurisconsulto ainda per-
sistiam duvidas, que o Codigo Civil dissipou, assentando, em
termos inequívocos, o principio da liberdade das convenções em
matéria de mutuo oneroso.
3 a. — dec. n. 22.626 de 7 de Abril de 1933, artigo 1.°
veda estipular, em quaesquer contractos, taxas de juros su-
452 COMGO CIVIL

periores ao dobro da taxa legal; fixava em 10 % ao anuo a taxa,


quando o contracto for garantido com liypotheca de prédio ur-
bano, | e em 8 % se a garantia fôr de hypotheca rural ou pe-
nhor agrícola.
No art. 4, esse decreto prohibiu contar juros de juros; mas
declara que essa prohibição não comprehende a accumulação de
juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de anno
a anno.
3 — O decreto-lei n. 182, de 5 de Janeiro de 1938, revogou
os §§ 1.° e 2.° do decreto n. 22.626 que vedavam estipulação de juros
superiores a 10% ao anno, se os contractos fossem garantidos com
hypothecas urbanas; a 8 %, se as hypothecas fossem ruraes ou
as garantias fossem de penhores agrícolas; e a 6 %, se as obri-
gações fossem contrahidas para financiamento de trabalhos agrí-
colas ou para compra de machinismos destinados á agricultura.
4. — Quando as partes convencionam juros, sçm determinar
a taxa, entende-se que accordaram em acceitar a taxa legal, de
seis por cento (art. 1.063).
5'. — O Dec. n. 12.437, de 11 de Abril de 1917, regulou a co-
brança do imposto sobre juros de créditos ou empréstimos ga-
rantidos por hypothecas convencionais ou antichrese, sobre juros
do obrigação ou ãehentures, e sobre dividendos das sociedades
anonymas e em commandita por acções.

Art. 1.263 — O mutuário, que pagar juros


não estipulados, não os poderá reliaver, nem
imputar no capital.

Direito anterior — Semelhante (Codigo Commercial, ar-


tigo 251).
Degislação comparada — D. 12, 6, fr. 26, pr.; Codigo Civil
francez, art. 1.906; italiano, 1.830; uruguayo, 2.209; venezuela-
no, 1.281; chileno, 2.208; argentino, 2.249; hespanhol, 1.756;
peruano, 1.583, 2.a parte.
Projectos — Esboço, art. 2.220; Felicio dos Santos, 2.244;
Coelho Rodrigues, 1.057; Beviláqua, 1.417; Revisto, 1.480, para-
grapho único.
DAS VARIAS ESPECIES DE CONTRACTOS 453

Observações — 1. — Em direito civil, os juros não se pre-


sumem; devem ser expressamente estipulados (art. 1.262). Por
isso mesmo, somente por escripto se pode provàr a estipulação
de juros. Todavia, se o mutuário pagar juros não contractados
expressamente, não os poderá repetir, nem imputar no capital.
Entende-se que houve convenção especial sobre esse ponto, e não
pagamento indevido. Seria levar muito longe a supposição de
ingenuidade do devedor, admittir que elle, por erro, pagasse
juros não devidos.
2. — o Codigo Commercial, art. 251, accrescenta que pode
ser repetido o que exceder da taxa legal. ^Procederá a mesma
regra em direito civil, porque o art. 1.063 declara que serão de
seis por cento os juros convencionados sem taxa estipulada?
Poder-se-á dizer com verdade: aquelle que paga juros, a que se
não obrigou por contracto expresso, acceita convenção de juros
sem taxa determinada?
Assim parece. A prescripção do artigo traduz outro pensa-
mento. Ninguém é obrigado a pagar juros, se os não estipulou;
mas se os pagar, entende-se que concordou em dar essa in-
demnização ao mutuante pelo uso do seu capital. Mas ha iden-
tidade entre esta situação e a daquelle que convenciona pagar
juros, sem fixar a taxa. Neste ultimo caso, os juros estão, ex-
pressamente contractados; no primeiro, tacitante, se acceita o
.ônus.
2 a. Devemos entretanto, considerar que é vedado esti-
pular juros superiores ao dobro da taxa legal (dec. n. 22.626,
de 1933, art. 1). Se é prohibido estipular, quem acceita deve
restituir, haja ou não contracto expresso.
3." Os escriptores francezes, ensinam que se é o herdeiro
do mutuante que paga juros não estipulados, poderá repetil-os,
porque, nesse caso, o erro é possível (Huq, Gonientaire, XI,
n. 181; Aubry et Raü, Cours, IV, § 396; Lautent, Príncipes,
XXVI, n. 523). A benevolência desta opinião não encontra apoio
na lei. O herdeiro representa a pessoa do devedor, é como se fòra
o proprio mutuário; se paga juros, que o contracto não impõe
de modo expresso, está, precisamente, na posição do devedor
originário. Não é mais fácil o erro de um do que do outro.
4. — ge, estipulada uma taxa de juros, o devedor, ou o seu
herdeiro, pagar taxa mais elevada, poderá repetir o excesso, pro-
vando que houve erro da sua parte.
454 GODIGO CIVIL

5. — O pagamento de juros não estipulados não constitue


titulo para que o credor exija os mesmos juros dahi por deante
(Zachariae, Droit civil français, § 728, nota 5).

Art., 1.264 — Não se tendo convencionado


expressamente, o prazo do mutuo será:
I. Até a próxima colheita, se o mutuo for
de productos agricolas,, assim para o consumo,
como para a semeadura.
II. De trinta dias, pelo menos, até prova
em contrario, se for de dinheiro.
III. Do espaço de tempo, que declarar o
mutuante, se for de qualquer outra coisa fun-
givel.

Direito anterior — Differente. Não havendo prazo expres-


samente convencionado, o mutuo não era exigivel, senão dez
dias depois de realizado; e, segundo as circumstancias, podia o
juiz conceder prazo maior (Ord. 4, 5'0, § 1.°; Teixeira de Freitas,
Consolidação, art. 483; Carlos de Carvalho, Direito civil, artigo
1.138, paragrapho único; Codigo Commercial, art. 137).
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, arts. 1.525-
1.528 (fonte).
A maioria das legislações dispõe de modo differente: Codigo,
Civil francez, art. 1.900; italiano, 1.826; allemão, 609; suisso,
das obrigações, 318; venezuelano, 1.816; chileno, 2.200, peruano,
1.578 (differente); uruguayo, 2.202; mexicano, 2.385 (differente).
Projectos — Este artigo é da Commissão da Camara, que
acceitou emenda de Fábio Leal ao art. 1.481, do Projecto re-
visto (Trabalhos, VI, p. 451). O Projecto primitivo deixava o
caso entregue ao preceito geral, expresso no artigo 1.096, para
todas as obrigações sem prazo fixado.

Observação — As regras consignadas nos dois primeiros nú-


meros são acceitaveis, como attenuações ao rigor do art. 952.
DAS VAKIAS ESPECIES DE CONTEACtOS 455

O empréstimo seria inútil, se pudesse ser exigido immedia-


tamente.
O preceito do n. III torna,precário o mutáo sem prazo certo.
Fica ao arbitrio do mutuante declarar quando lhe deve ser
pago aquillo que emprestou. João Luiz Alves offerece uma intci-
pretação, que torna o dispositivo menos rude e mais acceitavel;
"Isto quer dizer que o mutuante pode, em qualquer temm
fazer intimar o mutuário para a restituição da coisa equivalente
á emprestada em prazo que fixará, e que deve ser tal que, dentro
nelle, seja possivel a restituição. Fôra absurdo que o mutuante
tivesse o arbitrio de, logo em seguida ao mutuo sem prazo, exigir
o seu; pagamento, antes mesmo que o mutuário tivesse tido o
tempo necessário para o uso e gozo da coisa mutuada .
Para evitar o absurdo da interpretação literal, acceitamos a
explicação, que aliás, pode invocar em seu apoio o art. 127.

FIM no 4." VOLUME


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índice:

PARTE ESPECIAL

LIVRO III

DO DIREITO DAS ODRIGAÇÕES

TITULO I

DA MODALIDADE DAS OBRIGAÇÕES

Pag s.
Cap. I — Das obrigações 5
Secção I — Das obrigações de dar coisa
certa 5
Secção II — Das obrigações de dar coisa
incerta 17
CaPí jx _ Das obrigações de fazer 21
Cap. III — Das obrigações de não fazer 25
Cap. iy _ Das obrigações alternativas 27
Cap y _ Das obrigações divisiveis e indivisíveis 32
Cap. VI — Das obrigações solidárias 40
Secção I — Disposições geraes 40
Secção II — Da solidariedade activa 44
Secção III — Da solidariedade passiva ... 50
Cap. VII — Da clausula penal 63

TITULO II

DOS EFEEITOS DAS OBRIGAÇÕES

Cap. I — Disposições geraes 76


Cap. II — Do pagamento 79
Secção I — De quem deve pagar 79
458 ÍNDICE

Pags.
Secção II — Daquelles a quem se deve
pagar 85
Secção III — Do objecto do pagamento e
sua prova 92
Secção IV — Do logar do pagamento 102
Secção V — Do tempo do pagamento 104
Secção VI — Da mora 108
Secção VII —- Do pagamento indevido 119
Cap. III — Do pagamento por consignação 128
Cap. IV — Do pagamento com subrogação 140
Cap. V — Da imputação do pagamento 146
Cap. VI — Da dação em pagamento 150
Cap. VII — Da novação 153
Cap^ VIII — Da compensação 161
Cap. IX — Da transacção 175
Cap. X — Do compromisso 189
Cap. XI — Da confusão ..' 202
Cap. XII — Da remissão das dividas 205
Cap. XIII — Das conseqüências da inexecução das obri-
gações 208
Cap. XIV — Das perdas e damnos 213
Cap. XV — Dos juros legaes 218

TITULO III

Da cessão de credito 221

TITULO IV

DOS CONTRACTOS

Cap. I — Disposições geraes 235-


Cap. II — Dos contractos bilateraes 253
Cap. III — Das arrhas 256
Cap. IV — Das estipulações em favor de terceiro .... 260
Cap. V — Dos vicios redhibitorios 263
Cap. VI — Da evicção 269
Cap. VII — Dos contractos aleatórios 281
índice 459

TITULO V

DA8 VARIAS ESPECIES DE CONTRAOTOS


Pags.
Cap. I — Da compra e venda 286
Secção I — Disposições geraes 286
Secção II — Das cláusulas especiaes á com-
pra e venda 307
. Da retrovenda 307
Da venda a contento 312
Da preempção ou preferencia 317
Do pacto de melhor comprador 323
Do pacto commissorio 325
Cap. II — Da troca 327
Cap. III — Da doação 328
Secção I — Disposições geraes 328
Secção II — Da revogação da doação 347
Cap. IV — Da locação 355
Secção I — Da locação de coisas 355
Da locação de prédios 375
Disposição especial aos prédios urbanos .... 391
Disposições especiaes aos prédios rústicos .. 392
Secção II — Da locação de serviço 397
Secção III. — Da empreitada 424
Cap. V — Do empréstimo 436
Secção I — Do commodato 436
Secção II — Do mutuo 443

N." 3.380 — Officinas Graphicas da Livraria Francisco Alves


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