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Porto Alegre
2021
Copyright © 2021 by Ordem dos Advogados do Brasil
Todos os direitos reservados
Organizadoras:
Rosângela Maria Herzer dos Santos
Diretora-Geral da ESA/OAB/RS
Lúcia Quevedo
Delegada da ESA de S. Do Livramento
C759
Congresso Internacional de Direito, Gênero e Conexões - Aproximando Direito e
Justiça – Através de um olhar humanizado (1: 2019: Santana do
Livramento, RS)
Anais [ recurso eletrônica]/ 1º Congresso Internacional de Direito, Gênero
e Conexões – Aproximando Direito e Justiça, 11 de out. em Santana do
Livramento, RS. – Porto Alegre: OABRS, 2021. 156p.
ISBN: 978-65-88371-05-3
1. Direito – Gênero. 2.Violência de gênero no Brasil. 3. Congresso.
I. Título
347.156
DIRETORIA/GESTÃO 2019/2021
CONSELHO PEDAGÓGICO
CORREGEDORIA
Corregedores Adjuntos
Maria Ercília Hostyn Gralha,
Josana Rosolen Rivoli,
Regina Pereira Soares
OABPrev
COOABCred-RS
APRESENTAÇÃO
A iniciativa deste E-book nasceu após a seleção dos artigos apresentados durante o "I
Congresso Internacional de Direito, Gênero e Conexões", que dentre seus objetivos buscou
enaltecer a aproximação do Direito e Justiça, através de um olhar humanizado, e promover a
reflexão da temática escolhida considerando as realidades da região da fronteira do Brasil, com
painelistas brasileiros, e convidados da Argentina, Paraguai e Uruguai.
Foram meses de organização, trabalho, muito esforço para conseguir chegar no nosso
objetivo maior, realizar um Congresso Internacional que tratasse de assuntos tão relevantes
como foram tratados na nossa Fronteira. Digo isso porque nossa Região está a exatos 500km
da Capital Porto Alegre, local onde a ESA juntamente com Comissões da OAB Seccional
semanalmente realizava antes da pandemia grandes cursos e eventos, atualmente estes eventos
vêm sendo supridos com excelência pelos cursos e eventos no modo virtual.
diretamente da Argentina. Por fim o terceiro painel tratou sobre Direito Penal Informático:
Violência Contra a Mulher na internet nos países do Mercosul, e tivemos a oportunidade de
ouvir o Dr. Spencer Sydow trazendo a visão do Brasil, o Dr. Mario Spangenberg expondo suas
considerações quanto ao Uruguai e a Dra. Rocío Riquelme que fez seu contraponto desde sua
realidade Paraguaia.
Como o objetivo principal era trazer visões de distintos Países sobre um mesmo tema,
e buscar um olhar humanizado quanto a estas questões tão relevantes, o Congresso foi encerrado
com uma bela fala sistêmica da Dra. Ana Carolina Lisboa, que nos brindou com a palestra Visão
Sistêmica em relação à violência contra a Mulher.
Cabe a mim fazer das palavras da Dra. Rosângela as minhas quanto aos agradecimentos,
pois nenhum evento desta dimensão seria um sucesso como foi sem a colaboração de uma
grande equipe. Porém preciso agradecer imensamente às minhas colegas de Comissão da
Mulher Advogada de Santana do Livramento que deixaram de atender seus escritórios, famílias
para que tudo saísse perfeito. Da mesma forma agradeço ao nosso Presidente Dr. Glenio
Cardoso Lopes que sempre acreditou no trabalho da Comissão, nos dando todo apoio e toda a
sua confiança na realização deste Congresso.
PREFÁCIO
Honra-me sobremaneira prefaciar esta obra digital que reúne os trabalhos científicos
apresentados no I Congresso Internacional de Direito, gênero e conexões, por diversos motivos
e sentimentos mas, principalmente pela oportunidade de proporcionar o leitor a leitura de textos
produzidos por jovens pesquisadores jurídicos que debruçam seus estudos sobre temáticas
relevantes e pulsantes no mundo no que diz respeito a violência de gênero, desigualdades,
necessidades de atualização da visão da sociedade quanto a presença e atuação das Mulheres
na engrenagem social.
Esta obra deve ser consumida levando-se em conta a riqueza e diversidade das
contribuições ao nosso conhecimento, prestadas por cada autor.
Assim, é possível realizar a leitura de textos que abordam situações pontuais e muito bem
elaboradas dentro do universo da violência contra a mulher, e ainda ser provocado a analisar
aspectos culturais e a necessidade do aprimoramento de um sistema de coibição dos
feminicídios.
Estamos diante de uma coleção de trabalhos que foge da análise trivial da temática e
surpreende ao tratar da desigualdade de gênero no âmbito do trabalho rural, da violência
praticada no mundo virtual contra as mulheres, e de forma necessária no cenário atual, a
violência enfrentada pelas mulheres negras.
De maneira alguma escapa do escopo e análise dos nossos escritores um olhar crítico
formador de opiniões acerca do sistema normativo atual, a proficuidade destas medidas, as
imperfeições apontadas pelo desenvolvimento prático do sistema de proteção ao gênero.
Esta obra demonstra seu valor pela verticalização dos temas, pela abertura do horizonte
intelectual que proporciona e pela força representativa e emblemática que fornece ao ilustrar de
forma técnica e científica um trabalho extremamente bem-sucedido, e elaborado pelo grupo de
organizadoras do I Congresso Internacional de Direito, gênero e conexões.
Resumo: O direito protecional das mulheres foi ampliado nos últimos 30 anos em nosso país,
como por exemplo com a criação da Lei Maria da Penha é a inclusão do feminicídio como
agravante no crime de homicídio.
Contudo, o que está cada vez mais notável e em aumento de exposição na mídia é a violência
contra a mulher, da qual infelizmente na maioria dos casos, é envolta da morte da vítima,
resultante do seu âmbito de relações íntimas e em seu lar, e na maioria das vezes, pelo seu
companheiro.
Isto se deve ao fato de que a cultura que nos foi imposta é em sua grande parte machista, onde
os homens decidem e governam tudo, e esta ideia infelizmente é transmitida para a relação com
a mulher, onde seu companheiro deseja decidir as suas roupas, suas amizades, seus locais de
convívio social e até mesmo seu comportamento, e quando isso não é obedecido, surgem as
agressões.
Tais agressões são consideradas mascaradas, pois começam de modo sutil, onde geralmente
após acontecerem, o agressor se demonstra arrependido, a vítima se envolve nessa relação
abusiva, não vê a real gravidade da situação e não conta para ninguém o que está acontecendo.
Contudo, é que o agressor não muda, pelo contrário, e na maioria dos casos, aumenta o número
de agressões até resultar na morte da mulher.
INTRODUÇÃO
O Brasil vem demonstrando grandes avanços em relação aos direitos para as mulheres.
No século XX, e especialmente nas últimas décadas, as mulheres conquistaram o direito ao
voto, divórcio, uso de contraceptivos, educação, trabalho e equiparação salarial entre os
gêneros.
No âmbito jurídico protecional, em 1985 foi criado o Conselho Nacional dos Direitos
da Mulher, subordinado ao Ministério da Justiça, com intenção da eliminação da discriminação
e aumento da participação das mulheres na política, economia e cultura, em 2006 entrou em
vigor a Lei n° 11.340 (Maria da Penha), criando mecanismos para coibir a violência doméstica
e familiar contra a mulher e em 2015 foi criada a Lei n° 13.104, onde altera o art. 121 do
Decreto-Lei n° 2.848 de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância
1
Estudante do curso de Direito/ 5º semestre. Campus Universitário de Santana do Livramento. Urcamp.
2
Orientador. Professor do Campus Universitário de Santana do Livramento. Urcamp.
12
DESENVOLVIMENTO
Toda semana são expostas nas mídias e veículos de comunicação notícias sobre novos
casos de feminicídio, onde mulheres são mortas de forma extremamente violenta e com falta
de piedade. O que se repete nesses casos, geralmente, é que o autor do crime sempre é o mesmo,
o companheiro da vítima que não aceita o fim de um relacionamento repleto de agressões, e
num ato machista de possessividade e irracionalidade, envolvendo algumas vezes álcool ou
drogas, tira a vida da sua companheira.
No dia 15 de maio deste ano, foi divulgada nos jornais do Estado do Rio Grande do
Sul, e entre esses, no portal de notícias Gaúcha ZH 3(SCUR e MARTINS, 2019), que após um
ano de desaparecimento, o corpo de uma mulher é encontrado enterrado em sua própria casa na
cidade de Dom Pedrito, e o suspeito, no qual já se encontra preso, é o seu próprio companheiro.
Casos assim, infelizmente estão sendo comuns e cotidianos de serem relatados,
levando assim ao questionamento de por que mesmo com a criação de leis punitivas, homens
ainda insistem, com seu sentimento de posse e superioridade, em violentar e até mesmo
assassinar suas companheiras.
A Lei Maria da Penha 4(BRASIL, 2006) define entre outras, que são formas de violência
doméstica e familiar contra a mulher:
a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou
saúde corporal; a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe
cause dano emocional e diminuição da autoestima (...) ou que vise sua degradação; a
violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a
manter ou a participar de relação sexual não desejada (...); que a induza a
comercializar ou a utilizar (...) a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer
método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à
prostituição, (...) ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e
reprodutivos; a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que
3
(SCUR e MARTINS: 2019)
4
(BRASIL: 2006)
13
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Porém mesmo com esta ampla definição, a prevenção e o combate são difíceis, já que
esta é uma violência mascarada, onde começa com pequenos empurrões ou puxões de cabelo,
controles de ações e xingamentos e se desenvolve com tapas, socos, relações sexuais forçadas,
restrição de liberdade e controle de comunicação com o resto das pessoas.
Todavia entre essas ações existem boas práticas do agressor como a promessa de
mudança ou a entrega de presentes para se mostrar arrependido, o que após algum tempo,
sucede em agressões de maior grau de violência, alcançando a morte da mulher.
A vítima está tão envolvida e enganada, que não enxerga as atitudes violentas que lhe
são impostas, se ilude com as palavras e demonstrações de carinho após a agressão, se ilude de
que seu agressor irá mudar e não expõe para ninguém o que está acontecendo, o que gera uma
sensação de poder em seu agressor e fazendo com que as suas agressões sejam ocultadas e
aumentadas.
Essas situações são comuns e mais frequentes do que se possa imaginar, já que a vítima,
que pode ser uma colega de trabalho, de faculdade, um familiar ou uma vizinha, oculta as
agressões sofridas na ilusão de que elas não se repetiram, porém, infelizmente, na maioria dos
casos, elas só aumentam, chegando no final fatal, sua morte.
De acordo com o assunto, Carmen Hein de Campos, menciona no livro Feminicídio
#InvisibilidadeMata 5(in PRADO e SANEMATSU, 2017) que:
Medidas criminalizadoras servem mais para que após a conduta incorreta tenha sido
realizada, alguma providência seja tomada. Contudo é que evitar e educar a sociedade para que
a violência contra mulher não seja realizada, é mais racional do que punir após o crime ter sido
realizado, já que a cultura que nos é imposta é de que em briga de marido e mulher não se mete
a colher e que está tudo bem um casal viver em uma relação de constante violência.
5
(in PRADO e SANEMATSU : 2017)
14
É preciso entender definitivamente que, quando há violência contra uma mulher nas
relações conjugais não se trata de ‘crime passional’. “É uma expressão que temos que
afastar do nosso vocabulário, porque essa morte não decorre da paixão ou de um
conflito entre casais. Ela tem uma raiz estrutural e tem a ver com a desigualdade de
gênero. (p.16)
CONCLUSÃO
Levando em conta todos os fatos mencionados, é imprescindível que todos se
conscientizem de que é inaceitável que mesmo após tantos avanços sociais, o desrespeito e a
violência contra a mulher insistam em existir em milhares de casos, que a mulher aceite viver
15
BIBLIOGAFIA
SCUR, Noele e MARTINS, Cid. Após um ano desaparecida, corpo de mulher é encontrado
enterrado em casa. Disponível em:
<https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/05/corpo-de-mulher-e-encontrado-
enterrado-dentro-da-casa-do-ex-namorado-em-dom-pedrito-
cjvp3d0js04c101maqjmdl71y.html> Acesso em: 02 de junho de 2019.
Palavras-chave: Fiança policial. Lei dos juizados especiais criminais. Medidas protetivas de
urgência.
1
Especialista em Ciências Criminais e graduada pela Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS, Brasil.
Advogada e Servidora Pública. E-mail: caticonteratto@gmail.com.br.
2
Vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/RS, subsecção Passo Fundo. Possui pós-
doutoramento no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Rio Grande. Doutora pela Universidade
de Santa Cruz do Sul. Professora do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Direito da Universidade de Passo
Fundo PPGDireito UPF. Conselheira do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (COMDIM). Coordenadora
do Programa de Extensão universitária PROJUR Mulher e Diversidade. Membra do Conselho Editorial do
CONPEDI. Coordenadora do grupo de pesquisa Dimensões do Poder, Gênero e Diversidade do PPGDireito, Linha
de pesquisa Relações Sociais e Dimensões do Poder, com ênfase em ciências criminais, gênero, relações de poder,
diversidade e direitos humanos. Advogada. E-mail jfaria2@upf.br.
3
RESENDE, Gisele Lira; VASCONCELOS, Claudivina, Campos. Violência Doméstica: A Aplicabilidade e
Eficácia das Medidas Protetivas como Instrumento de Prevenção e Combate à Reincidência na Comarca de Barra
do Garças-MT. Revista Direito em Debate. Jan/jun, 2018. p. 119. Disponível em:
<https://doi.org/10.21527/2176-6622.2018.49.117-137>. Acesso em: 2019.
17
questões pelas quais o antigo movimento das mulheres batalhava ainda estão em aberto, que de
fato não ultrapassamos a montanha [...]”. Defendia que a luta pela reivindicação dos direitos
das mulheres deveria ser contínua e bem sucedida, para reconstruirmos a sociedade.4
A Lei Maria da Penha não possui caráter repressivo, mas sim visa à proteção e à
assistência à mulher em situação de violência. Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti, ao se
manifestar sobre o tema, sustenta que a Lei prevê mecanismos de prevenção, políticas públicas
de cunho educacional e de assistência às vítimas, e que sua criação não teve a intenção de punir
mais severamente os agressores dos delitos domésticos.5Essa Lei se diferencia pela criação de
medidas protetivas de urgência, que são medidas cautelares, instrumentos legais
disponibilizados para que a vítima recorra à justiça de forma rápida, por isso o caráter urgente,
e consiga providências que cessem de imediato as agressões, sejam elas de qualquer natureza.
Estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça no ano de 2017 demostrou que o
Poder Judiciário Brasileiro homologou 194.812 medidas em 2016, e 236.641 medidas em 2017,
um aumento de 21% no período. Apontou-se uma média diária de 648 medidas protetivas de
urgência no ano de 2017, ou seja, um caso de violência doméstica foi comunicado num período
inferior a três minutos. Ainda segundo a pesquisa, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
expediu a maior quantidade de medidas em números absolutos: cerca de 38.604.6
Diante da necessidade foi inserido na Lei Maria da Penha tipo penal específico para
punir a desobediência a decisões judiciais, que impõe medidas protetivas de urgência, o
chamado crime de descumprimento de medidas protetivas, criado pela Lei n. 13.641 de 03 de
abril de 2018.
A Egrégia Corte do Superior Tribunal de Justiça possuía orientação jurisprudencial de
que “[...] o descumprimento da decisão que impõe medida protetiva de urgência prevista na Lei
n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) é a decretação de prisão preventiva e não a imputação do
crime de desobediência [...]”7. O Tribunal possuía entendimento consolidado de que o
4
MORAES, Alana; BRANT, Maria A.C. . Silvia Federici: “Nossa luta não será bem sucedida a menos que
reconstruamos a sociedade”. SUR Revista internacional de Direitos Humanos. São Paulo, 2016. Disponível em:
<https://sur.conectas.org/nossa-luta-nao-sera-bem-sucedida-menos-quereconstruamossoc iedade/>. Acesso em:
03 ago. 2019.
5
CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência Doméstica: Análise da Lei “Maria da Penha”, nº
11340/06. 4. ed. Bahia: JusPodivm, 2012. p. 202.
6
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. O Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha. 2018.
Disponível em:<http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/06/2df3ba3e13e
95bf17e33a9c10e60a5a1.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2019.
7
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 305.442, Quinta Turma Criminal Distrito Federal, DF,
03 de mar. de 2015. Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 03 ago. 2019.
18
descumprimento não deveria ser imputado, mas que somente serviria de fundamentação para
prisão preventiva.
Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto8 afirmam que, diferentemente do
posicionamento adotado pela Egrégia Corte, uma segunda corrente defendia que a conduta do
agente que descumpria medida protetiva, configuraria o crime de descumprimento de medida
protetiva. Relatam que o Enunciado 27 do Fonavid (Fórum Nacional de Juízes de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher) se manifestou nesse sentido.
Alice Bianchini defende que a criminalização da conduta está em concordância com os
objetivos trazidos pela Lei Maria da Penha. Afirma que, “[...] agora, resta discutir se foi correta
a opção legislativa de criminalizar a conduta de descumprir medida protetiva de urgência e,
superando tal questão e entendendo correta, se a pena está adequada. [...]”.9Referido diploma
veio para preencher lacuna na Lei, em face da recorrente ocorrência de descumprimento de
medidas protetivas pelos agressores, fragilizando o propósito da Lei, qual seja, de proteção a
mulher vítima de violência. Antes mesmo do caráter repressivo, a Lei prevê a proteção e a
assistência à mulher, a fim de que cesse o mais rapidamente possível a violência sofrida por ela.
Com a edição da Lei n. 13.641, de 03 de abril de 2018, restou pacificada a discussão quanto à
tipificação da desobediência. Porém, a referida Lei trouxe como pena, para o descumprimento
de decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência, a de detenção, de três meses a
dois anos, e prevê que, na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá
conceder fiança. Essa questão vem dando margem a interpretações diversas.
De um lado, há quem defenda, como, por exemplo, Samantha Braga Pereira e Michele
Rocha Cortes Hazar, que, por ser a pena máxima cominada ao crime de descumprimento de
medidas protetivas a de dois anos, são aplicáveis os institutos despenalizadores da Lei n. 9.099,
de 26 de setembro 1995. Por outro lado, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto
sustentam ser inaplicáveis tais disposições à conduta.
Ainda, a nova Lei conferiu ao juiz a aplicação da fiança em caso de prisão em flagrante
do agente que descumprir ordem judicial de medidas protetivas. Esse fato também gerou
8
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha. Lei
11340/2006. Comentada artigo por artigo. Salvador: Editora JusPodivm, 2019. p. 228.
9
BIANCHINI, Alice. O novo tipo penal de descumprimento de medida protetiva previsto na Lei 13.641/2018.
Ago. 2018, p. 02. Disponível em: <https://professoraalice.jusbrasil.com.br /artigos/569740876/o-novo-tipo-penal-
de-descumprimento-de-medida-protetiva-previsto-na-lei1 3641-2018#_ftn4.> Acesso em: 29 ago. 2019.
19
discussões na doutrina, pois o artigo 32210 do Código de Processo Penal prevê que poderá ser
concedida fiança pela autoridade policial para as infrações cuja pena privativa de liberdade
máxima não seja superior a 4 anos, facultando a Lei a imposição de fiança somente pelo juiz,
devendo, nesse tempo, o acusado ser levado à prisão.
10
Artigo 322 do Código de Processo Penal: “A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de
infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Parágrafo único. Nos demais
casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas”.
11
PEREIRA, Samantha Braga; HAZAR, Michele Rocha Cortes. As controvérsias do crime de descumprimento
de medidas protetivas da Lei Maria da Penha. Revista de Direito Penal, Processual e Constituição. Porto Alegre.
v. 4, p. 81 – 9, jul/dez 2018, p. 89.
12
Artigo 69 da Lei 9099/95: “A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo
circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as
requisições dos exames periciais necessários. Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for
imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em
flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de
cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima”.
13
FURUCHO, Luan Alisson Seiji; MOROTTI, Juliana Midori. A nova lei de crime de descumprimento das
medidas protetivas: as repercussões trazidas à Lei Maria da Penha. III Colóquio Nacional de Estudos de Gênero
e História: Epistemologias Interdições e Justiças Sociais. jun. 2018, p. 6. Disponível em:
<http://www.seti.pr.gov.br> Acesso em: 08 ago. 2019.
20
14
PEREIRA, Samantha Braga; HAZAR, Michele Rocha Cortes. As controvérsias do crime de descumprimento
de medidas protetivas da Lei Maria da Penha. p. 86.
15
Artigo 41 Lei da 11340/06: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,
independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”.
16
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha. Lei
11340/2006. Comentada artigo por artigo. p. 229/230.
17
MARINHO, Mariana Dias. O crime de desobediência na Lei Maria da Penha. Jun. 2018, p.1 Disponível em:
<http://www.comunicacao.mppr.mp.br>. Acesso em: 29 jul. 2019.
21
que essas medidas fazem parte de todo um sistema de proteção estabelecido pela Lei Maria da
Penha, que busca dar efetividade aos direitos humanos e a devida proteção às mulheres.
Em uma análise de tipicidade, constata-se que o crime de descumprimento de medidas
protetivas possui como sujeito passivo a Administração Pública, portanto, devendo ser aplicada
a Lei dos Juizados Especiais Criminais, estando a previsão de imposição de fiança pelo juiz
inadequada e inconstitucional. Porém, não teria sentido a criação de tal tipificação penal se não
fosse para mudança na aplicação da concepção jurisprudencial criada pelos julgadores. Faz-se
necessária uma interpretação jurídico-penal dos fenômenos.
Em razão de o legislador prever que a aplicação da fiança será somente pelo juiz,
entende-se que é necessária uma análise sucinta de cada caso, pois o juiz pode aplicar medidas
diversas da prisão preventiva. O cárcere não é a solução mais adequada para a resolução do
conflito, podendo ser adotadas políticas de prevenção à violência, meios para atendimento
psicológico à vítima e ao agressor, amparo à mulher para se tornar menos vulnerável à
violência. Necessita-se de uma mudança de pensamento na sociedade, de que o gênero feminino
é inferior ao gênero masculino. Uma mudança cultural é um dos principais fatores para diminuir
os índices de violência.
18
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 70077814101, 4ª Câmara Criminal, Porto
Alegre, RS, 14 de junho de 2018. Disponível em:<http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em 02 ago. 2019.
22
19
LEITÃO JUNIOR, Joaquim Lopes; SILVA, Raphael Zanon da. A Lei nº 13.641/2018 e o novo crime de
desobediência de medidas protetivas. abr. 2018, p. 2. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br>.
Acesso em: 1º ago. 2019.
20
Artigo 324 do Código de Processo Penal: “Não será, igualmente, concedida fiança: I - aos que, no mesmo
processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das
obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código; II - em caso de prisão civil ou militar; III -
(revogado); IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312)”.
21
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha. Lei
11340/2006. Comentada artigo por artigo. p. 232.
23
ainda que em crimes de menor potencial ofensivo, como no caso analisado, em que, após
deferidas as medidas protetivas em favor da vítima, o acusado a procurou, descumprindo as
medidas impostas e a ameaçou de morte, por quatro vezes. Justifica-se que “[...] o objeto da
referida lei consiste na prevenção dos crimes de violência doméstica, que geralmente ocorrem
no seio familiar, sem a presença de testemunhas [...]”. No caso em análise, foi mantida a prisão
do agressor para assegurar a aplicação da lei penal e a execução das medidas protetivas de
urgência.22
Note-se que o delito tipificado no artigo 24-A, ao prever a possibilidade de prisão em
flagrante garante que, de imediato, aquele agressor devidamente intimado da decisão legal que
o proíbe de se aproximar ou manter contato com a vítima seja cerceado do direito à liberdade.
Isso para assegurar a eficácia do respeito e do atendimento que se deve à determinação judicial,
que objetiva garantir à mulher o direito de viver sem violência.
Como se observa, a nova lei não pacificou o tema relativo ao descumprimento de medida
protetiva por parte do agressor, não havendo entendimento pacífico quanto ao rito
procedimental a ser seguido.
A violação da previsão legal do artigo 24-A da Lei n. 13.641 de 03 de abril de 2018, não
rara vezes pode seguir-se da prática de novos crimes contra a mulher em situação de violência
doméstica e familiar, ou seja, o companheiro quando viola as medidas protetivas de forma
dolosa e ao mesmo tempo profere ameaças à ex-companheira.
A alteração legislativa é recente, havendo poucos julgados na jurisprudência de
aplicação do crime de descumprimento de medidas protetivas. Analisaram-se decisões dos
Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e do Espírito Santo, nas quais o artigo 24-A da Lei
n. 13.641 de 03 de abril de 2018 está sendo aplicado. Porém, alguns juízes “a quo” não estão
aplicando a nova Lei.
Na pesquisa de jurisprudência realizada, no período de 1º de janeiro de 2019 até 05 de
setembro do mesmo ano, foram analisados os pedidos de Habeas Corpus do agressor que teve
sua prisão em flagrante convertida em prisão preventiva. Também, observaram-se posições dos
Tribunais quanto a apelações propostas por réu condenado ao crime previsto no artigo 24-A da
Lei Maria da Penha. Foram analisadas quatorze decisões do Tribunal de Justiça do Espírito
22
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.70081845042, 3ª Câmara Criminal, Porto
Alegre, RS, 25 de julho de 2019. Disponível em:<http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 02 ago. 2019.
24
Santo e vinte e uma do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Os gráficos abaixo demostram
os resultados das decisões analisadas:
Gráfico 01. Resultado das decisões proferidas em pedidos de Habeas Corpus - RS
Denegado
Concedido
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Habeas Corpus
Denegado
Concedido
0 2 4 6 8 10 12 14
Habeas Corpus
Provida
Improvida
0 1 2 3 4 5 6
Apelação
Improvida
Provida
Apelação
23
ESPÍRITO SANTO. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 0015535-09.2019.8.08.0000, da Segunda Câmara
Criminal. Des. Fernando Zardini Antonio. Espírito Santo, 14 ago. 2019. Disponível em:
<http://aplicativos.tjes.jus.br>. Acesso em: 03 set. 2019.
26
24
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 70081842114, 3ª Câmara Criminal do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 25 de julho de 2019. Disponível em: <
https://www.tjrs.jus.br/site/busca-solr/index.html?aba=jurisprudencia>. Acesso em 08 ago. 2019.
25
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 70081553067, 2ª Câmara Criminal do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 27 de junho de 2019. Disponível em: <
https://www.tjrs.jus.br/site/busca-solr/index.html?aba=jurisprudencia>. Acesso em: 10 ago. 2019.
26
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Medidas Protetivas de Urgência n. 0005616-85.2018.8.08.0014,
3ª Vara Criminal de Colatina do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Colatina, ES, 19 de março de 2019.
Disponível em: <http://aplicativos.tjes.jus.br /consultaunificada/faces/pages/exibirDadosProcesso.xhtml>. Acesso
em: 08 ago. 2019.
27
GARCIA, Claudia Regina dos Santos Albuquerque. Estudos Atuais. Núcleo de Enfrentamento às Violências
de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres. Nov. 2018, p. 08. Disponível em:
27
CONSIDERAÇÕES FINAIS
tratamento desigual entre os sexos masculino e feminino não serão mais aceitas. O poder de
participação social das mulheres mostra-se necessário para garantir que possam estar cientes
sobre a luta pelos seus direitos, como a total igualdade entre os gêneros.
REFERÊNCIAS
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13.641/2018. Ago. 2018, p. 02. Disponível em: <https://professoraalice.jusbrasil.com.br
/artigos/569740876/o-novo-tipo-penal-de-descumprimento-de-medida-protetiva-previsto-na-lei1 3641-
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BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. O Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha.
2018. Disponível em:
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm>. Acesso em: 2019.
_______. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e
Criminais e dá outras providências. Disponível em:
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_______. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica
e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de
Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 2019.
_______. Lei n. 13.641, de 3 de abril de 2018. Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei
Maria da Penha), para tipificar o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência.
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29
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ago. 2019.
30
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Gonçalves da Silva Neto. Porto Alegre, 28 ago. 2019. Disponível em: <https://www.tjrs.jus.br>. Acesso
em: 1º set. 2019.
RIO GRANDE DO SUL. Habeas Corpus n.70081845042, 3ª Câmara Criminal. Relator: Des. Sérgio
Miguel Achutti Blattes. Porto Alegre, 25 julho 2019. Disponível em:<http://www.tjrs.jus.br>. Acesso
em: 02 ago. 2019.
RIO GRANDE DO SUL. Habeas Corpus n. 70077814101, 4ª Câmara Criminal. Des. Rogério Gesta
Leal. Porto Alegre, 14 junho 2018. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 02 ago. 2019.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Constitucionalidade n. 19. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=199827>. Acesso em: 2019.
31
Resumo: O presente trabalho busca debruçar-se sobre a conjuntura social, jurídica e estatal
encontrada pós advento da lei 13.104/15 que consolidou a qualificadora do feminicídio ao artigo
121 do Código Penal e permeou seu conteúdo normativo ao rol de crimes hediondos. Outrossim,
também faz-se mister investigar à luz dos dados disponíveis no Brasil, alocado nas produções
das instituições de pesquisas e autores relevantes para a explicação de conceitos, as possíveis
problemáticas que ainda assolam a apuração e elucidação desse tipo penal no cenário jurídico
brasileiro. Ademais, revela-se necessário uma abordagem racional com respaldo em evidências
que levem à guisa de uma conclusão que fomente um responsável debate público. Da mesma
forma, indaga-se se como estão operando os atores dos poderes públicos para o enfrentamento
da violência de gênero contida nas situações fáticas, que logo, desaguam na aplicação da já
supracitada qualificadora. A partir dessa abordagem, a pesquisa mostra-se alinhada a uma das
áreas temáticas disponíveis ao I Congresso Internacional De Direito, Gênero e Conexões. Seu
método têm cunho dedutivo e sua conclusão reside nos resultados presentes em dissertações de
mestrado, doutorado, doutrinas, legislação e estudos estatísticos recentes.
Palavras chave: Feminicídio. Direitos das mulheres. Direito penal. Violência de gênero
Abstract: This research aims to capture the legal, social and state-owned conjucture following
the law number 13.104/15 came to Brazil’s legislation, which included femicide to the 121
article of regarding the Criminal Code and adressed this normative to the list of heinous crimes.
Taking that into account, arrives the need to investigate trough the available data founded in
institutes of research’s productions and relevant authors to explain certain concepts, issues
envolving the apuration of this crime in Brazil’s juridical experience. Therefore, it becomes
fundamental to use a racional approach based on evidence that take us to a conclusion that
strengthen the public debate. At the same time, inquires how public agents are operating to fight
against gender violence that involves the feminicide norm’s application. Trough this
exploration, the research works aligned with the available topics of “I Congresso Internacional
De Direito, Gênero e Conexões”. This research relies on the deductive reasoning approach,
developed through master thesis, doctoral dissertations, books, legislation and recent research
data.
Keywords: Feminicide. Women’s rights. Criminal law. Gender violence.
INTRODUÇÃO
Se depreende ainda um conteúdo normativo encantatório, que apenas trabalha em vias
de um reconhecimento formal da problemática ou um imperativo contido nas sanções do tipo
penal que em sua qualificadora pode traçar uma melhor especificação da situação fática-
jurídica?
A igualdade material, portanto, deve ser visada à luz das contingencias que desaguam
no corpo social, para que assim se enseje um norte programático estatal que dê maior amparo
aos indivíduos em condições de fragilidade, trabalhado através das evidências disponíveis.
Dessa forma, o empreendimento pretende-se traçar a luz de dados e autores que
explanem conceitos significativos para essa construção, como se encontra a atual conjuntura
fática e jurídica da problemática em questão pós o advento da lei 13.104/15. Logo, é analisado
significância que a referida norma teve no ordenamento jurídico brasileiro.
Em suma, mostra-se válido o fomento à produção científica da temática, na medida em
que trata-se de fenômeno legal recente no Brasil, denotando certa urgência para sua elucidação,
tanto por sua realidade alarmante quanto à necessidade em empreender vias resolutivas em sua
abordagem.
Não há como aferir-se que o devido tratamento jurídico brasileiro à problemática aqui
trabalhada tenha se dado de forma repentina ou que tenha vindo à tona de forma abrupta, nem
há como compreender os marcos legais atuais sem mover-se pelas remontas históricas. Houve
paulatinamente reivindicação de direitos por parte das mulheres, desaguando em um conjunto
de documentos prescritos por órgãos internacionais com postura humanista pós-guerra, com
ênfase para a Organização das Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos.
(MARQUES, 2015, p. 110).
Dessa forma, remetendo-se ao cenário brasileiro, a luta para quebra de paradigma
incorreu no confronto de um Estado evasivo à maioria das reivindicações dos anos 60, para
outro de produção legislativa mais sólida. De maneira trabalhosa, durante os anos e perpassando
pelas delegacias especializadas na década de 1980, até a 2006, com a criação da Lei Maria da
Penha (nº 11.340), tivemos então, um dos mais significativos paradigmas jurídicos para o
combate à violência doméstica e familiar contra a mulher (CAMPOS, 2017, p. 10 apud Neto,
2017, pg. 22). Advento legal que ingressou no ordenamento jurídico brasileiro em 2006 após o
histórico de agressões sofridos pela Maria Da Penha, em que a OEA condenou o Estado
Brasileiro por negligencia, determinando a criação de uma lei que amparasse as vítimas de
33
agressões em âmbito doméstico (PIOVESAN; PIMENTEL, 2011, apud, MENEZES, 2018, pg.
67).
Nesse sentido, é significativo ressaltar a justificativa do ingresso da qualificadora no
ordenamento jurídico brasileiro, e da mesma forma, definir o conceito de feminicídio a luz dos
juízos aqui apresentados. Portanto, a especificação normativa da qualificadora mostra-se
imprescindível, como postula Santos (p. 94, 2018).
Termo contido na qualificadora que foi inicialmente utilizado entendido como uma
junção de elementos de “[..] base misógina, envolvendo ou se originando de maus tratos;
violência física, psicológica, sexual, econômica ou patrimonial que colocam as mulheres em
uma posição de risco e que podem culminar em sua morte violenta” (MIGUENS, pg. 19, 2018),
tendo sua primeira utilização na realização do International Tribunal on Crimes Against
Women, de 04 à 08 de março de 1976 na cidade de Bruxelas, na Bélgica, que reuniu mais de
duas mil mulheres provindas de 40 países diferentes. (MIGUENS, 2018, pg. 19). Já em sua via
legal, a qualificadora ingressa no ordenamento jurídico brasileiro contendo prescrição no
sentido de que incidirá, quando a conduta típica incorrer contra a mulher por razões da condição
de sexo feminino. A devida consideração se dará na medida em que no crime ocorre no âmbito
doméstico e familiar ou quando há um menosprezo ou discriminação à condição de mulher
(BRASIL, 2015).
Explanado breve resumo do conceito e sua origem, vale expor os dados disponíveis que
denotam a problemática. Assim, consoante com o estudo do 13º Anuário Brasileiro de
Segurança Pública, os feminicídios integram 29,6% dos homicídios dolosos de mulheres em
2018 e incorreu aumento dos casos do tipo penal desde o vigor da referida lei, em 62,7%. Assim,
revela-se também um crescimento de registros em 4% dos números absolutos, dos 1.151 casos
em 2017 para os 1.206 em 2018 (2019, pg. 109). Todavia, deve-se atentar que, como postula o
Atlas da Violência de 2019, organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e o
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que
O ponto principal é que não se sabe ao certo se o aumento dos registros de feminicídios
pelas polícias reflete efetivamente aumento no número de casos, ou diminuição da
subnotificação, uma vez que a Lei do Feminicídio (Lei no 13.104, de 09/03/2015) é
34
relativamente nova, de modo que pode haver processo de aprendizado em curso pelas
autoridades judiciárias. (p. 39)
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MIGUENS, Marcela Siqueira. Feminicídio: Uma Análise do Direito Penal Como Instrumento
de Proteção da Mulher Vítima de Violência. Tese (Doutorado em Direito Penal) Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, pg. 19. 2018.
SANTOS, Renata Bravo dos. Poder Patriarcal e Discurso Nos Feminicídios: A Importância
da Tipificação do Crime Como Medida de Rompimento Com o Ciclo Naturalizado de
Violências Contra as Mulheres. 168 f. (Mestrado em Direito) Faculdade de Direito de Vitória,
pg. 94, 2018.
Resumo: O artigo aborda a Lei Maria da Penha – Lei 11.340/2006, enquanto dispositivo
jurídico que visa regulamentar as relações de gênero como forma de prevenção, coibição e
punição às violências contra mulheres. Com base na vertente das teorias pós-estruturalistas,
empreende um estudo teórico que tem como objetivo analisar as contingências históricas em
que o discurso jurídico se torna legítimo na vida social e atua como tecnologia de governo das
populações e das relações de gênero, como a Lei Maria da Penha, que engendra regimes de
verdade que subjetivam “a mulher sujeito de direitos e vítima de violências”. Práticas
enunciativas que, por estarem aliadas no mesmo texto, reforçam a concepção e a posição da
mulher como submissa e frágil. Ao final, o estudo aponta a ambiguidade do saber-poder
instituído pelo discurso jurídico que ao mesmo tempo enuncia as mulheres como sujeitos de
direitos e pretende resguardá-las das violências, o que mostra a negligência por parte do Estado
Liberal na garantia da vida digna, pois às mulheres continuam ocupando de forma desigual as
estruturas sociais. A criação de mecanismos legais para combater as violências praticadas
contra as mulheres se faz necessária porque elas ainda são encaradas como sujeitos as sujeitados
aos domínios da vida social e cultural regida pelos padrões culturais machistas e o poder
patriarcal.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Esta pesquisa tem como foco a produção discursiva da enunciação “mulher sujeito de
direitos e vítima de violências” na Lei Maria da Penha – Lei 11.340/2006 e as relações de poder-
saber por ela engendradas que determinam um modo de ser e existir mulher na vida social.
1
Autora: Advogada; Graduada em Direito pela Universidade da Região da Campanha – URCAMP/Bagé; Pós-
graduanda em Processo Penal na Damásio Educacional, Mestranda em Ensino na Universidade Federal do Pampa
– UNIPAMPA/Bagé.
2
Coautora: Advogada; Graduada em Direito pela Universidade da Região da Campanha – URCAMP/Bagé; Pós-
graduanda em Ensino de Filosofia na Universidade Federal de Pelotas - UFPel.
ha – URCAMP/Bagé; Pós-graduanda em Ensino de Filosofia na Universidade Federal de Pelotas - UFPel.
3
Orientadora: Graduada em Estudos Sociais - Licenciatura Plena em História (1991), Especialista em Educação
(1995), Mestre em Educação (1999) e Doutora em Educação (2012) pela Universidade Federal de Pelotas.
Professora Adjunta da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA/Campus Bagé – RS), atuando na Área da
Educação nos Cursos de Graduação - Licenciaturas e na Pós-Graduação.
38
4
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Folha informativa - Violência contra as mulheres. Brasília: OMS,
2019. Acesso em: 27 de set. 2019. Disponível em:
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5669:folha-informativa-violencia-
contra-as-mulheres&Itemid=820.
5
FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2014, p. 33.
6
TEDESCHI, Sirley Lizott; PAVAN, Ruth. A produção do conhecimento em educação: o Pós-estruturalismo
como potência epistemológica. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 12, n. 3, p. 772-787, set./dez. 2017. p. 03.
Acesso em: 28 de set. 2019. Disponível em: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa.
39
existe nenhuma identidade preservada –, mas para analisar o que somos, enquanto enredados
pela vontade de verdade. Ainda, trata-se de uma pesquisa que busca liberar os saberes históricos
– razão, verdade, sujeito –, torná-los capazes, como diz Foucault, de oposição e de luta contra
a coerção de um discurso que se pretende unitário, formal, científico, verdadeiro.
7
FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas. Tradução de Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo
Jardim Morais. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2002, p. 07.
8
FOUCAULT, M. (idem, 2002, p. 17)
9
FOUCAULT, M (idem, 2002, p. 29)
40
as formas jurídicas presentes na sociedade grega na época. Bem como a análise metodológica
dos discursos como jogos estratégicos de ação e de reação, de pergunta e de resposta, de
dominação e de esquiva, como também de luta.
Para Foucault10, a primeira forma jurídica grega aparece em Ilíada, na parte em que
Homero descreve a disputa numa corrida de carruagens entre Menelau e Antíloco11. Assim
explica Foucault12, “Eis uma maneira singular de produzir a verdade, de estabelecer a verdade
jurídica: não se passa pela testemunha, mas por uma espécie de jogo, de prova, de desafio
lançado por um adversário ao outro”.
Já na Idade Média menciona que obter a verdade fazia-se com base no depoimento do
acusado. Não era propriamente a compatibilidade do depoimento com os fatos que o fazia valer,
mas sim o status social como títulos, testemunhos de notáveis. Nessa situação, prevalecia muito
mais a força de quem alegava, do que qualquer outra coisa. Sendo possível observar essas
formas jurídicas como existentes até hoje nos modernos tribunais: a testemunha e a prova.
Na terceira conferência, Foucault13 refere-se a história do processo, apresenta formas
jurídicas ao longo do tempo, percebe-se uma transição da justiça privada para uma justiça
pública. Nesse sentido, analisa a reelaboração da teoria do sujeito, a constituição histórica de
um sujeito do conhecimento através de um discurso tomado como um conjunto de estratégias
que fazem parte das práticas sociais.
Esse sistema de práticas jurídicas foi desaparecendo no final do século XII e no começo
do século XIII, em razão dos meios mais importantes para assegurar a circulação de bens ter se
tornado a guerra, a rapina e a ocupação. Assim, os detentores do poder quiseram comandar as
decisões judiciárias também ao seu favor14.
Para Foucault15, agora a justiça vai se impor do alto, pois os indivíduos não terão mais
o direito de resolver seus litígios, ao contrário, deverão submeter-se a um poder exterior a eles
que se impõe como poder judiciário e poder político. Aparece também a figura do procurador,
representante do soberano, do poder externo lesado pelo dano, e que substituirá a vítima como
10
FOUCAULT, M. (idem, 2002, p. 32-22)
11
A competição possui uma espécie de “juiz”, uma “testemunha”, uma pessoa que está à observar e depois dar seu
veredicto. Nessa competição, Menelau acusa Antíloco de ter trapaceado, sendo que assim Menelau põe seu
adversário à prova: Pede para que Antíloco, caso não tenha trapaceado, jure sua honestidade diante de Zeus, e que
esse o castigue se fizer um falso juramento. Diante da situação, Antíloco admite que trapaceou. Menelau consegue,
assim, sua “prova cabal”.
12
FOUCAULT, M. (idem, 2002, p. 32)
13
FOUCAULT, M. (idem, 2002, p. 53)
14
FOUCAULT, M. (idem, 2002, p. 62)
15
FOUCAULT, M. (idem, 2002, p. 64-66)
41
parte ofendida. A noção de crime e dano será substituída pela de infração e o soberano é não
somente a parte lesada, mas a que exige reparação.
Assim, foi toda essa transformação política que tornou não só possível, mas necessária
que o método de produção da verdade fosse substituído pelo inquérito (conjunto de atos e
diligências que tem por objetivo descobrir e apurar a verdade de fatos alegados ou acusações,
sindicância, etc.). Ou seja, o inquérito é uma determinada maneira do poder se exercer16.
Na quarta conferência, Foucault17 retrata as formas de práticas penais que caracterizam
a sociedade disciplinar e as relações de poder oriundas a essas práticas penais. Em outras
palavras, a reorganização do sistema judiciário e penal.
No final do século XVIII e início do século XIX houve uma reorganização do sistema
judiciário e penal em diversos países da Europa e do mundo. Os mecanismos penais já não se
importam mais com o fato criminoso, mas em controlar a conduta antes e após o delito18.
Para finalizar, Foucault19 inicia a última conferência abordando o nascimento das
ciências de exame que estão em relação com a formação e estabilização da sociedade capitalista,
dando continuidade a algumas noções desenvolvidas anteriormente, acerca do que ele
chamou sociedade disciplinar (panoptismo). Vejamos Foucault:20 “É uma forma de poder que
se exerce sobre os indivíduos em forma de vigilância individual e contínua, em forma de
controle e punição e recompensa e em forma de correção”.
Durante o século XIX21, outras formas de controle passaram a vigorar, além da força de
trabalho através de baixos salários frente a cargas horárias elevadas: o controle de como gastar
o tempo livre e as economias do operário.
As formas jurídicas que Foucault explica ao longo do texto contribuíram para o
entendimento de que a verdade jurídica é produto de um contexto histórico e social e, portanto,
não é algo universal e incontestável, tendo em vista que varia de acordo com o paradigma
vigente. Demonstra que toda relação social e produção da verdade está relacionada ao poder.
Assim, o direito enquanto resultado das relações sociais deixa de ser imparcial ou isento. Pois,
sendo o discurso jurídico fruto das práticas do poder, logo o contexto social influenciará na sua
produção.
16
FOUCAULT, M. (idem, 2002, p. 68-78)
17
FOUCAULT, M. (idem, 2002, p. 79)
18
FOUCAULT, M. (idem, 2002, p. 79-85)
19
FOUCAULT, M. (idem, 2002, p. 103)
20
FOUCAULT, M. (idem, 2002, p. 103)
21
FOUCAULT, M. (idem, 2002, p. 117)
42
Nesse contexto, o discurso da Lei Maria da Penha não pode ser considerado um
fenômeno isolado. Uma lei materializada linguisticamente num suporte não pode ser descrita e
nem apontada como um sistema autônomo, mas sim como um percurso de discursos, cujos
efeitos de sentido se produzem e reproduzem nos enunciados discursivos que emanam do saber
jurídico. Por isso, consideramos relevante discutir e problematizar a maneira como a Lei Maria
da Penha institui uma prática enunciativa acerca da “mulher” que, ao mesmo tempo, identifica-
as como “sujeito de direitos e vítima das violências”, o que acaba por estabelecer efeitos desse
discurso nas relações de gênero. Pode-se, então, dizer que, em toda sociedade, a produção e
circulação de discursos coloca a linguagem em funcionamento, engendrando relações de poder-
saber e regimes de verdade.
A Lei 11.340/06 é uma das práticas legislativas e jurídicas que age no processo
constitutivo de produção da “mulher como sujeito de direitos e vítima das violências” ocorridas
dentro dos lares e em outros espaços institucionais. Maria da Penha Maia Fernandes, cujo nome
é dado à Lei nº 11.340/20006, é um biofarmacêutica cearense e foi casada com o professor
universitário Marco Antonio Herredia Viveros. Em 1983, ela sofreu a primeira tentativa de
assassinato, quando levou um tiro nas costas enquanto dormia. Viveros foi encontrado na
cozinha, gritando por socorro, alegando que tinham sido atacados por assaltantes. Desta
primeira tentativa, Maria da Penha saiu paraplégica. A segunda tentativa de homicídio
aconteceu meses depois, quando Viveros empurrou Maria da Penha da cadeira de rodas e tentou
eletrocutá-la no chuveiro23.
Condenado em duas ocasiões, o réu não chegou a ser preso, o que gerou indignação na
vítima, que procurou auxílio de organismos internacionais, culminando com a condenação do
Estado Brasileiro, em 2001, pela Organização dos Estados Americanos (OEA), por negligência
e omissão em relação à violência doméstica, recomendando a tomada de providências a respeito
do caso. No mesmo relatório, foi recomendado que fossem tomadas medidas para evitar
acontecimentos semelhantes como, por exemplo, a criação de uma legislação específica para
coibir a violência doméstica e familiar perpetrada contra a mulher, além do pagamento de uma
indenização à Maria da Penha, pelo Estado24.
Dessa forma, o surgimento da Lei Maria da Penha só é possível porque temos um
somatório de acontecimentos. O caso da biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes soma
a muitos outros. E, apesar desse caso somar-se a milhares de outros da mesma natureza,
distingue-se deles porque Maria da Penha buscou órgãos internacionais para legitimar a
denúncia de violência contra a mulher.
O discurso da Lei Maria da Penha faz referências a padrões, regras e valores que
caracterizam modelos de conduta incertos na formação discursiva da violência doméstica e
familiar praticada contra a mulher25.
23
FERNANDES, Maria da Penha Maia. Sobrevivi... posso contar. 2. ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012,
s/p.
24
ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação penal especial. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 10.
25
MOURA, N. B. de. Relações de poder e modos de subjetivação: uma análise discursiva da Lei Maria da
Penha. Diálogo das Letras, Pau dos Ferros, v. 7, n. 1, p. 148-164, jan./abril 2018, p. 09.
44
Art. 1° Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e
familiar contra a mulher, nos termos do § 8° do art. 226 da Constituição Federal, da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do
Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de
violência doméstica e familiar (BRASIL, 2006).
Criada com o intuito de resguardar e amparar os direitos das mulheres, a lei prevê e
estabelece ações e mecanismos para coibir a violência, seja ela doméstica ou em casos em que
trabalhadoras são agredidas em seu ambiente de trabalho e familiar, quando envolvem pessoas
que tenha laços de parentesco, vínculos afetivos presentes ou passados ou que convivam na
mesma casa.
Neste sentido, pontua Moura27 que observa-se o exercício do poder disciplinar através
do discurso da Lei ao “coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”,
tornando os sujeitos objetos construídos e normalizados pelas relações de poder-saber, a partir
das tecnologias sociais baseadas no saber jurídico. Nesse ínterim, os enunciados “coibir” e
“prevenir” do intradiscurso constroem efeitos de sentido de ilusão de proteção do sujeito mulher
através da legislação e impedem a visão quanto aos elementos de dominação, embora sempre
haja resistência, já que a violência continua existindo.
Portanto, observa-se a formação discursiva jurídico-governamental impondo um
tratamento diferenciado ao sujeito mulher nos casos de violência doméstica e familiar. Por estar
presente uma formação discursiva do sujeito mulher como subjetivação de fragilidade, de
proteção especial, criadas pelo discurso social.
Ademais, vejamos:
26
BRASIL. Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília, DF, 8
ago. 2006. Seção 1, p. 1. Acesso em: 27 de set. 2019. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/L11340.htm.
27
MOURA, N. B. de. Relações de poder e modos de subjetivação: uma análise discursiva da Lei Maria da
Penha. Diálogo das Letras, Pau dos Ferros, v. 7, n. 1, p. 148-164, jan./abril 2018, p. 10.
45
para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento
moral, intelectual e social28.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(BRASIL, 1988)
Se a Constituição Federal, lei maior dentro do saber jurídico, assevera que “todos são
iguais perante a lei”, por que, em 2006, a necessidade de um texto infraconstitucional com o
mesmo discurso? Porque há a necessidade de um enunciado jurídico, um dispositivo de
segurança específico para o sujeito mulher? Esse tratamento retoma a fragilidade atribuída
historicamente a esse sujeito e constrói um efeito de sentido de reafirmação da desigualdade,
pois se há necessidade de garantir ao sujeito mulher o status de igualdade, o sujeito enunciador
acolhe que ela é desigual frente aos demais cidadãos, o que acaba por fixar e naturalizar a
posição de submissão que o sujeito “mulher vítima de violências” ocupa.
Não se trata de negar a necessidade da Lei frente a crescente situação de violências que
muitas mulheres estão expostas. Contudo, não basta coibir e punir os crimes sem que sejam
transformadas as culturas machistas e patriarcais que negam as possibilidades de as mulheres
decidirem suas próprias vidas, sem que sejam garantidas condições dignas de vida às mulheres,
como prevê a Lei:
28
BRASIL. Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília, DF, 8
ago. 2006. Seção 1, p. 1. Acesso em: 27 de set. 2019. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/L11340.htm.
29
MOURA, N. B. de. Relações de poder e modos de subjetivação: uma análise discursiva da Lei Maria da
Penha. Diálogo das Letras, Pau dos Ferros, v. 7, n. 1, p. 148-164, jan./abril 2018, p. 12.
46
30
BRASIL. Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília, DF, 8
ago. 2006. Seção 1, p. 1. Acesso em: 27 de set. 2019. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/L11340.htm.
31
BRASIL. Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília, DF, 8
ago. 2006. Seção 1, p. 1. Acesso em: 27 de set. 2019. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/L11340.htm.
32
MOURA, N. B. de. Relações de poder e modos de subjetivação: uma análise discursiva da Lei Maria da
Penha. Diálogo das Letras, Pau dos Ferros, v. 7, n. 1, p. 148-164, jan./abril 2018, p. 13.
33
MOURA, N. B. de. Relações de poder e modos de subjetivação: uma análise discursiva da Lei Maria da
Penha. Diálogo das Letras, Pau dos Ferros, v. 7, n. 1, p. 148-164, jan./abril 2018, p. 13.
47
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa forma, compreendemos a Lei Maria da Penha como uma tecnologia de governo
de vida, isto é, ela se insere em uma rede de práticas discursivas e não-discursivas que se
inscrevem num conjunto de discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões
regulamentares, leis, medidas administrativas, proposições filosóficas, morais, filantrópicas
etc34.
A Lei Maria da Penha é, então, uma tentativa de regulação dos sujeitos sob dois aspectos
importantes: um que se relaciona à possibilidade de intervenção na vida de cada um dos
governados, já que ela regula relações consideradas de âmbito privado (vida doméstica e
familiar) e outro que se refere à participação dos governados na sua elaboração. Em busca de
um controle sobre a relação conflituosa entre os sujeitos, o discurso da lei constrói efeitos de
sentido, produzindo modos de subjetivação do sujeito mulher marcados pelo sofrimento e
agressão, tentando redimir a presença da submissão feminina por meio de um discurso que
demonstra que a mulher foi, por muito tempo, um sujeito silenciado em muitos aspectos
sociais35.
O Estado assume posição de regular e garantir a proteção da mulher. Mas é preciso ir
além dessas criações de mecanismos institucionais e judiciais. Deve-se analisar a questão
discursiva e desnaturalizar o modo como a sociedade segue estabelecendo as relações de gênero
desiguais.
É preciso uma desubjetivação, no sentido de que não há um discurso capaz de definir a
mulher, seja como sujeito de direitos, seja como vítima de violências, não há uma mulher, são
mulheres que lutam, que resistem, mas que também, por muitas vezes, aceitam resignadas uma
posição que as impede de quebrar as amarras de uma vida precária, indigna.
O importante a ressaltar aqui é que, na perspectiva foucaultiana, as análises discursivas
pretendem colocar em evidência a imposição de sentidos, lutas pelo poder da palavra, num certo
foco específico de relações de poder; ora, essas lutas não são verticais somente, elas existem
lado a lado, por todos os lados, e não são linearmente compreensíveis ou compreendidas36.
34
FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Organização, introdução e revisão técnica de Roberto Machado. 6. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017, p. 138.
35
MOURA, N. B. de. Relações de poder e modos de subjetivação: uma análise discursiva da Lei Maria da
Penha. Diálogo das Letras, Pau dos Ferros, v. 7, n. 1, p. 148-164, jan./abril 2018, p. 15.
36
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Foucault revoluciona a pesquisa em educação? PERSPECTIVA,
Florianópolis, v. 21, n. 02, p. 371-389, jul./dez. 2003, p. 10.
48
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação penal especial. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
BRASIL. Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 8 ago. 2006. Seção 1, p. 1. Acesso em: 27 de set. 2019. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/L11340.htm.
FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2014.
37
LOURO, Guacira Lopes. Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. Pro-Posições, v 19. n. 2 –
maio/agos. 2008, p. 7.
49
MOURA, N. B. de. Relações de poder e modos de subjetivação: uma análise discursiva da Lei
Maria da Penha. Diálogo das Letras, Pau dos Ferros, v. 7, n. 1, p. 148-164, jan./abril 2018.
INTRODUÇÃO
Marco importante no combate à violência contra as mulheres foi esculpido no ano de
2006 com a edição da Lei Federal nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Ao
tratar dos atos abusivos contra as mulheres no âmbito familiar, a Lei Maria da Penha destaca o
importante papel jurisdicional do Estado na proteção à mulher, em combate as violações da
dignidade e dos Direitos Humanos das mulheres.
Durante o decorrer da história da humanidade a naturalização do processo violento das
relações sociais e familiares legitimou a violência contra a mulher, de forma que as situações
de violações dos direitos humanos para mulheres e consequente a vulnerabilidade feminina
tornaram-se características da sociedade atual, marcada por um regime social de natureza
patriarcal e sexista.
1
Doutorando em Educação, pela PUCRS, Mestre em Educação, pela PUCRS. Pedagogo, Neuropsicopedagogo e
Gestor de Serviços Jurídicos e Notariais. Graduando em Direito, pela IDEAU e Pós-graduando em Direito
Processual Civil, pela UNINTER. E-mail: lucasgoncalvesabad@gmail.com
2
Doutoranda em Diversidade Cultural e Inclusão Social pela Universidade FEEVALE. Bolsista de Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, Brasil. Mestra em Ciências Criminais pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS. Graduada em Direito pela Universidade da Região da
Campanha-URCAMP. Coordenadora da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero da Ordem dos Advogados do
Brasil, Subsecção Bagé/RS. Professora. Advogada
3
BEAUVOIR, S. O Segundo Sexo Vol 2: A Experiência Vivida, Difusão Europeia do Livro, 1967.
51
4
WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da Violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil. Brasília: FLASCO,
2015.
5
De acordo com Waiselfisz (2015, p.7), feminicídio é entendido como “o as agressões cometidas contra uma
pessoa do sexo feminino no âmbito familiar da vítima que, de forma intencional, causam lesões ou agravos à saúde
que levam a sua morte”.
6
Para o presente estudo, utilizar-se-á a definição de competências a partir de Fleury e Fleury (2006), os quais
destacam que “o conceito de competência é pensado como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes
que justificam um alto desempenho, na medida em que há também um pressuposto de que os melhores
desempenhos estão fundamentados na inteligência e na personalidade das pessoas” (FLEURY; FLEURY, 2006,
p. 28)
52
A violência contra a mulher e sua histórica dominação vem sendo rompida muito
lentamente no Brasil.
Ao analisarmos o contexto histórico, percebemos a opressão da mulher que desde os
primórdios foi explorada pelos colonizadores em terras brasileiras, praticando violações das
mais altas em corpos negros, índios e, de forma diversa, mas não menos opressiva, em corpos
brancos.
A família, a igreja e o modelo eurocentrista do padrão social mantiveram (e ainda
colaboram) para uma sociedade machista e patriarcal, estabelecendo protagonismo limitado ao
papel de mãe e esposa, como se a mulher não pudesse (ou não devesse) ter o mesmo ciclo de
ascensão do homem, ou que neste buscar sempre houvesse a necessidade da maternidade e
casamento como a comprovação do sucesso.
Para Teles7, que na sua obra traz um recorte histórico brasileiro e o movimento
feminista, resta evidente que os processos de subjugação e resistência no decorrer das etapas
históricas do Brasil, apontando a imutabilidade da condição de nenhum protagonismo feminino
no contexto social no Brasil colônia e império, porém na história não contada há diversos relatos
do quanto as mulheres foram cruciais na manutenção dos seus territórios em tempo de guerra,
no cultivo das fazendas, no trato com os escravizados e contribuíram de forma sobremaneira
para uma suposta libertação, condescendentes ou não com as verdadeiras intenções e busílis do
aspecto econômico e não moral da “libertação” dos escravos.
Independente das considerações necessárias de posicionamento dos autores sobre o
tema da escravização dos corpos negros e a utopia da democracia racial no Brasil 8, certo é que
as mulheres tiveram protagonismo na manutenção das suas casas, fazendas e na relação com os
escravizados, relações essas que em não poucos casos chegaram a ser de uma aderência maior
que a coisificação comum dos corpos negros daquela época.
Com o êxodo rural, a “urbanização” e o processo de industrialização no país, o papel da
mulher, embora culturalmente ainda dado à maternidade e cuidado da família foi se
7
TELES, Maria Amélia. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Braziliense, 1999.
8
FERNANDES, Florestan; BASTIDE, Roger. Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre aspectos
da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. 3ª ed. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1971.
53
modificando na medida em que viraram força de trabalho da família. O pai, chefe de família
que tudo coordenava na situação de família tradicional, se vê superado pelos filhos e até pelas
filhas no mercado de trabalho em virtude da situação geracional e vê na mulher uma mínima
independência na medida em que é a ponte do relacionamento nas relações de parentesco e
compadrio9, as quais foram importantes e fundantes nesse tempo.
A mulher começa a adquirir um tanto de liberdade e protagonismo com a força de
trabalho e com a procura da mão de obra das lidas domésticas para as camadas média superior
e altas das cidades e nos trabalhos artesanais como costura, conquistando um sentido jamais
experimentados nas sociedades tradicionais.10
As lutas feministas europeias ecoaram em nossas terras e com o acesso de raríssimas
mulheres no ensino superior, na imprensa e em outros lugares de poder jamais antes ocupados
fez eco ao início do movimento feminista no Brasil, o qual é o grande responsável pelas
conquistas que hoje temos e por toda a consciência dos desafios que ainda devemos enfrentar.
É das lutas das mulheres a resistência com a criação de movimentos anti-facistas, a
conquista do sufrágio feminino (apesar de nenhuma representatividade, contudo), resistindo
inclusive ao golpe militar de 64, seja pegando em armas ou mantendo o pensamento
progressista que norteou a luta das mulheres em toda a sua existência.
É de salientar que nenhuma luta política/ideológica foi capaz de contemplar o
protagonismo feminino, tanto que não havia espaço, por óbvio, no militarismo conservador e
ditatorial, tampouco nos meandros do comunismo, revelando esta interseccionalidade11 da
exclusão e dominação, vez que a luta de classes tampouco preocupava-se com as questões de
gênero, pelo menos não em seu bojo principal.
O ano de 1975 foi um divisor de águas e uma centelha que inflamou novamente a luta
das mulheres no Brasil através da promoção do Ano Internacional da Mulher pela Organização
das Nações Unidas - ONU. Os anos entre 1975 a 1985 restaram fixados como a Década das
Nações Unidas para a Mulher. Assim houve grande apelo internacional para a luta das mulheres
9
DURHAN, Eunice. A Caminho da Cidade. Editora Perspectiva S.A: São Paulo, 1973.
10
Por sociedades tradicionais utilizaremos aqui o conceito da Antropóloga Eunice Durhan, a qual define que a
organização do trabalho e a organização social vigentes nas sociedades tradicionais referem comunidades presas
à agricultura de subsistência, em de isolamento relativo, na qual se estabeleceram padrões culturais próprios.
Baseada na grande maioria em um grupo familiar representado pela família conjugal (homem-mulher-filhos), em
que a característica fundamental do grupo conjugal é a dominância paterna.
11
Para Carla Akotirene interseccionalidade é um conceito pensado como uma categoria teórica que focaliza
múltiplos sistemas de opressão, em particular, articulando raça, gênero e classe.
54
e o reconhecimento dos seus direitos, causando burburim também na imprensa brasileira com
a abertura da imprensa ao movimento feminista e a circulação do Jornal Nós Mulheres.12
Embora é sabido que o movimento feminista tem sua carga elitista nessa época pré-
redemocratização, até mesmo pelo acesso do conhecimento a poucas mulheres e pelas lutas se
darem muito em torno dos anseios das mulheres brancas, letradas, muitas lésbicas e
pertencentes a classes superiores, outros feminismos ganham força e destaque e atingem
inclusive as classes populares na luta por creches por exemplo, o que vai impulsionar e fazer
um movimento totalizante nas lutas e anseios das mulheres no Brasil, porque mesmo que
conservadas em si nos padrões hegemônicos da família, enquanto modelo eurocentrista de
família constituída por homem e mulher brancos, heteros, cisgênero e filhos nas mesmas
condições, nas quais a mulher se insere enquanto dona de casa, ainda nessa condição e no tempo
mais atual faz-se necessária a luta por direitos mínimos do Estado, sentimento muito maior se
analisarmos as mulheres trabalhadoras.
Nasce dessa época, mais propriamente da I Conferência Mundial sobre a mulher em
1975 a obrigação (pelo menos formal) dos Estados signatários o dever de desenvolverem
medidas legais e políticas públicas no sentido de igualdade de gênero e proteção da mulher.
Nesse contexto de surge a primeira modificação legislativa importante em relação à
mulher no campo do Direito de Família que foi a Lei do Divórcio, datada de 1977. Embora seu
tom conserve o machismo e replique o modelo patriarcal, corresponde a uma forma de
libertação da instituição do casamento, pelo menos na questão legal, já que para igreja segue
sendo eterno e indissolúvel até os dias presentes.
Sucederam-se no âmbito internacional importantes conferências no mesmo sentido, a
citar a II Conferência Mundial sobre a Mulher, em Compenhage, em 1980, a III Conferência
Mundial sobre a Mulher, em Nairóbi, no Quênia, em 1985, e a Conferência Mundial dos
Direitos Humanos, em Viena, em 1993, na qual se estabelece o marco formal, jurídico e
histórico em que a violência contra a mulher é reconhecida como violação dos direitos
humanos.
Entra ratificações parciais do texto e ressalvas atinentes a direito de família e outras
formas de conservadorismo, seguiu o Brasil negligenciando os preceitos construídos
internacionalmente desde 1975 e embora a Constituição de 1988 garanta a equidade esperada,
no aspecto material ela não veio e está a engatinhar até os dias atuais.
12
TELES, Maria Amélia. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Braziliense, 1999.
55
Violência doméstica é todo e qualquer tipo de violência que ocorra no meio familiar,
isto é, que habitam um ambiente em comum. Pode acontecer com pessoas que possuem laços
sanguíneos ou que são unidas de forma civil, como acontece com o casamento.
A violência contra a mulher é um fenômeno antigo que por muito tempo foi invisível
perante o nosso ordenamento jurídico, pois por muito tempo foi banalizado, muito pela cultura
da sociedade que era visivelmente patriarcal.
Em 2006 entrou em vigor a Lei nº 11.340, Lei Maria da Penha, a qual criou mecanismos
para combater a violência doméstica e familiar contra a mulher de maneira específica, trazendo
no texto legal o termo “violência de gênero”.
A Lei Maria dispõe sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher, penalizando
qualquer ação ou omissão baseada em discriminação de gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, no âmbito doméstico,
familiar e em qualquer relação íntima de afeto.
A Lei proporciona às vítimas atendimento policial preferencialmente feito pelo sexo
feminino, evitando o constrangimento em fazer a denúncia e relatar os fatos da violência na
presença de um homem. A autoridade policial poderá encaminhar a vítima para hospital,
fornecer transporte para ela e seus dependentes, e, se for o caso, acompanhá-la para a retirada
de seus pertences do local onde foi praticada a violência, além de informar os direitos garantidos
a ela nessa situação.
A lei ainda traz a garantia de que a vítima e as testemunhas da violência não tenham
contato com o agressor, garantindo também o direito de medidas protetivas de urgências, como
o encaminhamento à programas de proteção e atendimento da Delegacia da Mulher, o
afastamento do agressor do ambiente familiar, a proibição de frequentar determinados lugares
em comum com à agredida, restrição ou suspensão de visitas aos dependentes e prestação de
alimentos provisórios.
57
Adendos importantes foram trazidos nos anos de 2018 e 2019 à lei como o mecanismo
para punir àquele que descumpre as medidas protetivas de urgência com previsão de pena de
detenção de 03 (três) meses a 01 (um) ano, não excluindo a aplicação de outras sanções cabíveis,
além do imediato afastamento do lar do agressor verificada a existência de risco atual ou
iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar,
ou de seus dependentes, pela autoridade judicial, pelo delegado de polícia, ou pelo policial.
A lei Maria da Penha foi um passo significativo para assegurar as mulheres a integridade
física, psíquica, moral, sexual e patrimonial, possuindo caráter preventivo e punitivo.
Uma das principais mudanças promovidas pela Lei nº 11.340/06 com a edição da Lei
Maria da Penha é o tratamento jurídico dado às infrações praticadas no âmbito das relações
familiares. Uma das alterações produzidas por essa lei é a previsão da inaplicabilidade da Lei
nº 9.099/1995 nas infrações contra a mulher no âmbito doméstico. Dessa forma, os crimes e
contravenções penais praticadas no âmbito das relações familiares contra a mulher,
independentemente da pena em abstrato que lhes é cominada, não são mais de competência dos
Juizados Especiais Criminais. Isso significou reconhecer que a violência contra a mulher, seja
ela configurada pela prática de contravenção penal ou pela prática de crime, não pode ser tratada
como infração de menor potencial ofensivo.
É contraditório reconhecer a violência contra a mulher como infração de menor
potencial ofensivo, sendo que os tratados internacionais, inclusive ratificados pelo Brasil,
reconhecem tal violência como violação de direitos humanos. Essa violência afronta os direitos
humanos da mulher na medida em que viola a mulher nas esferas moral, psicológica, física,
sexual e, em alguns casos, também na patrimonial.
Em decorrência da inaplicabilidade da Lei nº 9.099/1995, as infrações que envolvem a
violência doméstica e familiar contra a mulher não podem mais ser investigadas por termo
circunstanciado, não incidindo mais nessas infrações o procedimento sumaríssimo. Além disso,
a lesão corporal contra a mulher no âmbito da violência doméstica, independentemente de sua
natureza, passou a ser de ação penal pública incondicionada. Isso porque, pelo Código Penal,
os crimes de lesão corporal seriam todos de ação penal pública incondicionada.
Entretanto, a Lei nº 9.099/1995 apresenta, em seu art. 88, a previsão de ação penal
pública condicionada à representação para as lesões leves e culposas. Assim, com a vigência
dessa lei, passou-se a entender, em nosso sistema jurídico que, as lesões leves e culposas seriam
de ação penal pública condicionada à representação e as lesões (dolosas) graves e gravíssimas
seriam de ação penal pública incondicionada. Todavia, como a Lei Maria da Penha afastou a
58
incidência da lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, voltou a vigorar para as infrações
cometidas contra a mulher no âmbito da violência doméstica a regra do Código Penal, ou seja,
todas as lesões corporais cometidas contra a mulher nas relações de família são de ação penal
pública incondicionada.
Outra alteração significativa incluída pela Lei nº 11.340/2006 foi a proibição da
substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito de prestação pecuniária
ou de outra natureza. Dessa forma, a Lei Maria Da Penha impossibilitou a substituição da pena
privativa de liberdade por prestação pecuniária de qualquer natureza. Tal proibição demonstra
grande avanço, eis que era corriqueira a aplicação dessa substituição da pena privativa de
liberdade pela imposição de pagamento de cestas básicas, como se fosse possível reparar a
dignidade da vítima meramente com uma prestação pecuniária e, na maioria dos casos, de valor
ínfimo.
A Lei Maria da Penha, ao retirar da competência dos Juizados Especiais Criminais, o
processamento e julgamento das infrações que envolvem violência doméstica contra a mulher,
criou os Juizados de Violência Doméstica familiar contra a Mulher, e, enquanto não estivessem
estruturados, a competência cível e criminal foi atribuída às varas criminais.
Por fim, destaca-se também a determinação de providências a serem adotas pelo Estado
no sentido de criação de políticas públicas visando à conscientização social, com foco em
medidas preventivas e em um modelo multidisciplinar no tratamento das vítimas de violência
doméstica. Essa previsão atende à exigência internacional prevista nos artigos 7º, 8º e 9º da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, que
instituem os deveres do Estado, enfatizando a necessidade da atuação Estatal, constituindo-se
um marco no combate à violência contra mulher no âmbito das relações familiares, impedindo
assim que tais infrações fossem tratadas como crimes de menor potencial.
Nada mais justo que a violência contra a mulher represente violação de direitos
humanos, contraditório é tratá-la meramente como infração de menor potencial ofensivo, e
trouxe inúmeros avanços, contudo, também há pontos a serem observados, como o fato de que
a lei estabeleceu os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, mas não
obrigou sua criação, não estipulou data nem período para a adequação das justiças estaduais e
federais à nova sistemática.
Contudo, de nada adianta o juiz impor o cumprimento de tal medida aos agressores, se
não há espaços que realizem esse tratamento e concretizem essa medida.
59
13
(FLEURY; FLEURY, 2006).
14
LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Porto Alegre: Artmed, 2003.
15
Ao definir a métis grega, Le Boterf (2003, p. 39) destaca que a métis traduz-se na capacidade de adaptar-se
permanentemente e modificar seus modos de agir e mover-se em função dos movimentos e dos contextos, e
“segundo a tradição grega, três tipos de homem devem saber encarnar essa inteligência prática e astuciosa: o piloto,
o médico e o sofista. Os três devem brilhar na arte de conjecturar (tekmairesthai), isto é, saber adivinhar e abrir
um caminho por meio de balizas, mantendo, ao mesmo tempo, os olhos fixados no objetivo a alcançar. Esse
60
vez que o profissional, seja ele da área que for deverá manter-se atento às modificações e
situações contextuais para então saber exatamente os momentos de agir.
Nesse contexto, enfrentando as situações de violência doméstica, deve então o magistrado
desenvolver e encontrar seu métis para lidar com as situações urgentes que clamam a
necessidade de uma atuação eficaz em situações de extrema violência e vulnerabilidade das
vítimas de violência doméstica.
Ainda, ao desenvolvimento de suas competências, deve o magistrado, partindo da teoria
do desenvolvimento de competências de Le Boterf (2003), mobilizar-se em um contexto, uma
vez que não apenas deve possuir os conhecimentos ou habilidades, mas detentor de ações
contextuais, de maneira a proporcionar maior efetividade na entrega da tutela jurisdicional à
vítima de violência doméstica.
A necessidade de instrumentalizar os saberes e as capacidades16 a partir de recursos que
dispõe (como as ferramentas legais e judiciais necessárias à finalidade da tutela requerida), faz
com que o magistrado possa utilizar-se de todos os recursos disponíveis, para analisar a situação
da autora, o contexto social em que vive e as situações que promovam e despertem o ato
violento, podendo então atuar com precisão em suas decisões.
A partir de então, utilizando dos recursos disponíveis na aplicabilidade da tutela legal
que dispõe, necessita ainda desenvolver a competência abrangida pelo saber combinar, de forma
que possa integrar saberes múltiplos não somente de sua formação, mas da equipe
multiprofissional disponível no judiciário a fim de dar o suporte à vítima de violência, sabendo
aplicar as técnicas disponíveis de ressocialização e reinserção da vítima na sociedade, de
maneira individual e característica de cada caso.
Portanto, considerando a subjetividade de cada sujeito e de cada caso concreto, em seus
diferentes contextos, ações e possibilidades de proteção e prevenção, deve ainda o magistrado
“saber transpor” não se limitando, enquanto profissional.
Segundo Le Boterf (2003) necessita o profissional abster-se “à execução idêntica de
tarefas únicas e repetitivas”, ou seja, isso pressupõe que “ele deve ter condições de resolver
problemas ou de enfrentar situações, e não um problema ou uma situação”, de forma a analisar
caso a caso as situações complexas que possam envolver todas as demandas que são postas ao
magistrado na sua atuação diária, demonstrando que quanto maior for o nível e a qualidade da
‘conhecimento oblíquo’, esse ‘saber conjectural’ convém tanto ao piloto, que segura o leme de direção, ao médico,
que ausculta sintomas proteiformes, como ao sofista, mergulhado no fervor da discussão”.
16
LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Porto Alegre: Artmed, 2003.
61
formalização frente aos casos concretos, aliadas ao aumento de sua capacidade de transpor às
situações diversas, mais competente desenvolver-se-á o profissional magistrado.
Sobre este aspecto, segundo Araken de Assis (2015), é conferido ao juízo a prática com
equidade de suas ações, de forma que:
Nesse sentido, a aprendizagem e o envolvimento com os casos que são colocados a sua
jurisdição devem ser ferramentas constantes no desenvolvimento dessas competências
requeridas ao magistrado na atividade jurisdicional de enfrentamento às causas envolvendo
vítimas de violências.
Ainda que a legislação e doutrina processualista reforcem a necessidade da atuação
imparcial do magistrado, “a equidistância representa uma característica fundamental da
intervenção de órgão estatal no conflito das partes”18. Entretanto, não se deve confundir a
imparcialidade do magistrado com a neutralidade, de forma que sua imparcialidade decorre de
normativa legal processual e tem o condão de garantir o andamento do processo de maneira a
tornar eficaz a tutela jurisdicional praticada pelo magistrado, enquanto a neutralidade quando
praticada pelo mesmo faz com que não pratique os saberes necessários ao exercício de suas
competências frente aos delicados casos envolvendo as vítimas de violência.
Como forma de proporcionar capacitação aos magistrados e servidores do judiciário
brasileiro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), promove anualmente, como ação
institucional, desde 2007, a Jornada de Trabalhos sobre a Lei Maria da Penha. De acordo com
o CNJ a Jornada tem auxiliado na implantação de varas especializadas e a capacitação de
magistrados e servidores, além de ter proporcionado a criação do Fórum Permanente de Juízes
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid)19.
Importante destacar que em setembro de 2018 foi atualizado o Manual de Rotinas e
Estruturação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, de forma que
17
ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro. Parte Geral: institutos fundamentais. Volume II. Tomo I. São
Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 928.
18
ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro. Parte Geral: institutos fundamentais. Volume II. Tomo I. São
Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 964.
19
Segundo o CNJ, o Fonavid tem o intuito de “conduzir permanente e profundo debate da magistratura a respeito
do tema, bem como incentivou a uniformização de procedimentos das varas especializadas em violência doméstica
e familiar contra a mulher”. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes-2-2/violencia-contra-a-
mulher/jornadas/
62
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O texto procurou trazer um relato histórico e social da luta dos direitos das mulheres no
Brasil, os mecanismos legislativos criados, sobretudo com a abordagem mais específica da Lei
Maria da Penha em os seus consecutivos legais.
20
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Manual de Rotinas e Estruturação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher. Brasília, CNJ, 2018. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2011/02/b3f18ac2f32a661bd02ca82c1afbe3bb.pdf . Acesso em: 30 set. 2019.
63
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro. Parte Geral: institutos fundamentais. Volume II.
Tomo I. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 928.
DURHAN, Eunice. A Caminho da Cidade. Editora Perspectiva S.A: São Paulo, 1973
TELES, Maria Amélia. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Braziliense, 1999.
Quélen Kopper1
Francine Nunes Ávila2
Nas sociedades rurais tradicionais3 que ainda resistem paradoxalmente nas sociedades
complexas hodiernas, a separação de gênero no âmbito da agricultura familiar separa um tipo
de trabalho específico para homens e outro para mulheres, hierarquizando-os, da mesma forma
como se hierarquizam os gêneros de modo geral, na medida em que a mão de obra e os frutos
do trabalho masculino recebem maior relevância, valor econômico e reconhecimento,
demarcando sobretudo no ambiente de agricultura familiar a desigualdade de gênero.
Essa afirmação é a priori compreendida e sustentada na simbologia do trabalho
doméstico destinado historicamente à mulher, atrelando o feminino como um estado biológico
e cultural de disponibilidade de servir ao outro, disponível e solícita, sem, contudo, exigir nada
em troca, pois nasceu para essa função dentro do contesto social da agricultura familiar hoje
vigente.
1
Possui graduação em Direito pela Universidade da Região da Campanha (1998) e especialização em Gestão
Pública. Atualmente é advogada - Escritório de Advocacia Kopper Paiva, Juíza leiga - Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul e professora da graduação e pós-graduação da Faculdade IDEAU, campus Bagé e
pós graduanda em Direito de Família pela Verbo Jurídico. Foi coordenadora do Observatório da Criminalidade
em Bagé e Advogada e mediadora no Núcleo de Justiça Comunitária, ambos são serviços prestados pela Prefeitura
Municipal de Bagé.
2
Doutoranda em Diversidade Cultural e Inclusão Social pela Universidade FEEVALE. Bolsista de Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, Brasil. Mestra em Ciências Criminais pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS. Graduada em Direito pela Universidade da Região da
Campanha-URCAMP. Coordenadora da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero da Ordem dos Advogados do
Brasil, Subsecção Bagé/RS. Professora. Advogada.
3
Por comunidades rurais tradicionais utilizaremos aqui o conceito da Antropóloga Eunice Durhan, a qual define
que a organização do trabalho e a organização social vigentes nas sociedades tradicionais rurais referem
comunidades presas à agricultura de subsistência, em de isolamento relativo, na qual se estabeleceram padrões
culturais próprios. Baseada na grande maioria em um grupo familiar representado pela família conjugal (homem-
mulher-filhos), em que a característica fundamental do grupo conjugal é a dominância paterna.
65
Essas relações de gênero também podem ser compreendidas por relações sociais e de
poder, ligado a identidade social a partir do nascimento, naturalizando os papeis do homem e
da mulher por uma falsa construção biográfica e social.
Embora sabe-se que a desigualdade de gênero não é um atributo apenas das mulheres
em situação rural, os ambientes tradicionais rurais têm em si uma forte estrutura patriarcal, com
restrito ou nenhum poder decisório na economia familiar, embora desenvolvam também
atividade na lavoura e grande parte do labor rural desenvolvido pelo homem do campo, além
da lida doméstica.
Apesar disso, no universo estudado da mulher rural que vive nas comunidades rurais
tradicionais em agricultura de subsistência esse feminino é visto como membro da família que
presta uma ajuda, mas não como a detentora de uma força de trabalho, uma trabalhadora rural,
uma profissional do campo.
A Constituição Federal de 1988 equiparou homens e mulheres em relação aos direitos
sociais, após muitas lutas encabeçadas por movimentos sociais femininos. Destaca-se que
anterior à citada constituição, mulheres não tinham direito à aposentadoria rural, somente
garantiam o benefício previdenciário de pensão por morte do seu esposo, o que atrelava a
necessidade de “libertação” apenas com a morte de um marido, ou seja, a conservação e
necessidade da instituição do casamento.
Quando se fala no trabalho e papel da mulher no universo da agricultura familiar de
subsistência na zona rural importante perceber dois principais eixos de questões. De um lado
temos a mulher na atividade doméstica, no cuidado com as crianças, na manutenção da casa, na
alimentação e em todos os afazeres que integram as necessidades internas da família e não
representam protagonismo na sociedade em que vive, apesar da importância para o grupo
familiar. De outro lado temos força laboral ativa da mulher na participação da colheita, lida
com animais de pequeno porte (porcos, galinhas, etc) e inclusive no tambo com vacas de leite,
manuseio de ferramentas.
Nas duas situações mencionadas se manifesta a invisibilização da mulher rural,
inclusive não sendo reconhecida a duplicidade de trabalho pelo grupo familiar, tampouco há
uma inserção e integração das mulheres nos processos produtivos da agricultura familiar e o
reconhecimento social em um espaço rural onde ainda se mostra presente a ideia de que a
mulher é um apêndice do homem, com menciona Simone de Beauvoir.
66
Observe a frequência com que a identidade nacional é marcada pelo gênero. No nosso
exemplo, as identidades nacionais produzidas são masculinas e estão ligadas a
concepções militaristas de masculinidade. As mulheres não fazem parte desse cenário,
embora existam, obviamente, outras posições nacionais e étnicas que acomodam as
mulheres (WOODWARD, 2005, p. 9).
Para Fraser (2001), deve ser desenvolvida uma teoria crítica de reconhecimento que
identifique uma defesa somente daquelas versões da política cultural da diferença que possam
ser combinadas coerentemente com a política social da igualdade a partir da relação traçada
entre redistribuição e reconhecimento, conceituando igualdade social e reconhecimento
cultural. Para iniciar, precisa se compreender a injustiça econômica informada por um
compromisso com a igualdade e a injustiça cultura ou simbólica.
Assim, para Fraser é preciso complementar o conceito de reconhecimento com o de
redistribuição, já para Honneth as questões de justiça distributiva seriam tratadas melhor no
quadro da Teoria do Reconhecimento, pontuando aqui uma discordância quanto aos conceitos
a partir das reflexões do processo subjetivo, no olhar de cada autor.
O que se tem majoritariamente na literatura é que a identidade está em construção, pois
constantemente a partir de mecanismos de reflexão subjetiva, alinhas se aos fenômenos que
ocorrem a partir da vivência e experiência dos sujeitos, nas suas relações sociais, econômica,
política e cultural.
Para os autores filiados à ideia de identidade elemento dinâmico, ancorado no processo
da vida social, está filhada a corrente chamada interacionismo simbólico.
Woodward, 2005, pontua que a construção da identidade está tanto no campo simbólico
quanto social. A luta para afirmar as diferentes identidades tem causas e consequências
materiais.
O social e o simbólico referem-se a dois processos diferentes, mas cada um deles é
necessário para a construção e a manutenção das identidades. A marcação simbólica
é o meio pelo qual damos sentido a práticas e a relações sociais, definindo, por
exemplo, quem é excluído e quem é incluído. E por meio da diferenciação social
que essas classificações da diferença são “vividas” nas relações sociais
(WOODWARD, 2005, p. 13)
Por fim, podemos dizer que as identidades são fluidas e cambiantes, variando quanto a
intensidade e a complexidade das dimensões envolvidas, uma identidade desenvolvida no setor
rural está imerso o ambiente natural e de saberes tradicionais.
A prática social cotidiana de uma comunidade rural é orientada por saberes tradicionais
que expressam diferentes culturas, em especial no campesinato onde muitas vezes há
reprodução de práticas de outras nacionalidades trazidas por imigrantes, juntamente com suas
crenças.
Os recursos naturais disponíveis no ambiente rural também são utilizados e manejados
de acordo com as práticas e saberes guiados por uma identidade étnica, influenciada pelo
processo histórico de colonização, ou seja, a identidade está relacionada ao ambiente natural e
a saberes tradicionais, em constante mudança já que executado em conjunto com suas relações
sociais.
Nesse sentido o reconhecimento social das atividades produtivas da mulher rural
perpassa pela (re) definição da identidade sócio profissional da mulher, que implica na análise
dos conceitos de reconhecimento e interpretação dos fenômenos sociais.
Na teoria de reconhecimento do Honneth (2003) o desrespeito por alguma das formas
de reconhecimento gera as lutas em diferentes dimensões da vida: no âmbito privado do amor,
nas relações jurídicas, e na esfera da solidariedade social.
As formas individuais das capacidades e formas sociais suscetíveis de fazer a transição
entre o reconhecimento de si e o reconhecimento mútuo perpassa pelas reivindicações coletivas
e são submetidas a apreciação e aprovação pública. Na questão da mulher rural,
tradicionalmente, desempenha suas atividades produtivas na unidade familiar, entretanto, a sua
identidade é construída, durante a história, como “dona de casa”, como atividade de reprodução
social para família e não como contribuição econômica, o que impossibilita seu reconhecimento
social como agente econômico.
69
Para Honneth (2003), o vínculo entre representações e práticas sociais se expressa pela
mediação simbólica, que resulta na configuração de uma identidade, que se atam laços sociais
em instauração.
Ainda, dentro da concepção de Honneth, toda análise de processo construção
indenitária, como no caso de gênero, mediante uma interação cotidiana, observa se a busca do
indivíduo pelo reconhecimento identificação e reconhecimento atestação.
Dir-se-á que há uma grande distância entre as identidades que implicam capacidades
pessoais e as identidades que dizem respeito à instauração do vínculo social. No
primeiro caso, tratava-se do reconhecimento-atestação. Ora, a identidade dos atores
sociais engajados em uma ação coletiva não se deixa expressar tão diretamente em
termos de reconhecimento-atestação, mesmo se leva em consideração a complexidade
das articulações induzidas pela diversidade das capacidades em jogo. Mas, por mais
próxima que "a prática da história" queira se manter da "história das práticas" -
segundo o título do artigo- manifesto de Bernard Lepetit, a reflexão sobre as
identidades coletivas não pode escapar a uma sofisticação de grau mais elevado que a
identidade-ipseidade dos sujeitos individuais da ação. ( HONNETH, 2003, p. 152).
No que tange aos desdobramentos do conceito de Axel Honneth feitos pela pensadora
americana Nancy Frase, que também comunga da ideia de que o reconhecimento das diferenças
são motivações para lutas de grupos que defendem a nacionalidade e etnicidade, assim, pode se
dizer que a identidade profissional das mulheres rurais pode ser alterada, deixando de estar
vinculada apenas ao lar a medida que se usam e tomam conhecimento dos conteúdos materiais
e simbólicos dos processos da vida social do trabalho, mudando sua condição dentro da unidade
de produção familiar a partir de suas lutas combinadas com política social de igualdade,
relacionada a redistribuição e reconhecimento cultural.
Por fim, pode se dizer que Nancy Fraser compartilha da ideia de Honneth, entretanto
em relação a imposição de todos os desejos dos sujeitos, pondera que o paradigma indenitário
de Honneth carece de critérios para garantir a auto realização, pois nem toda reivindicação pode
ser defendida, como concretização dos anseios extremistas, neonazistas e terroristas.
De acordo com Krischke, 2003, pg. 02, “Nancy Fraser (1999) e Axel Honneth (2003),
enfatizam a necessidade de agregarem-se políticas de reconhecimento sócio-político-cultural às
tradicionais políticas de redistribuição econômica”, as quais se verificou no contexto brasileiro
sobretudo no Governo Lula, com a implantação de políticas públicas de redistribuição sócio-
econômica e sócio-culturais e que se entrelaçam com reconhecimento entre as diferenças de
71
identidade, as quais parecem ter declinado abruptamente no atual momento político conservado
do país. Fraser, afirma que a justiça social acontece quando presente a redistribuição e o
reconhecimento, afirmando também que nenhum deles por sí só é o suficiente. Fraser crítica
Honneth em relação ao conceito de reconhecimento.
Para Krischke, 2003, pg. 08, Fraser aborda a questão da perspectiva de que o
“(...)reconhecimento é uma reparação à injustiça, e não a satisfação de uma necessidade
genérica (...) Assim, as formas de reconhecimento exigidas pela justiça em cada caso, dependem
das formas de não-reconhecimento que demandam reparação”. Nesse sentido, as políticas
públicas de reconhecimento e as de distribuição precisam ser complementares.
Outro aspecto importante a ser considerado é a questão da linguagem como símbolo
indenitário. Wookward, 2005, em seu texto “Identidade e diferença: uma introdução teórica e
conceitual”, relata uma situação de guerra em que enxerga identidades a partir da linguagem
simbólica, trabalhando o que é visto como sendo a mesma coisa e o que é visto como sendo
diferente em duas identidades, podemos trazer esta análise também para questão de gênero no
ambiente rural, as práticas de relação de poder que moldam uma cultura.
Na concepção de Wookward, 2005, pg. 17, a representação inclui as práticas de
significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos,
inclusive, sugerindo que esses sistemas simbólicos tornam possível aquilo que somos e aquilo
no qual podemos nos tornar.
Todas as práticas de significação que produzem significados envolvem relações de
poder, incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é excluído. A cultura
molda a identidade ao dar sentido à experiência e ao tornar possível optar, entre as
várias identidades possíveis, por um modo específico de subjetividade - tal como a da
feminilidade loira e distante ou a da masculinidade ativa, atrativa e sofisticada dos
anúncios do Walkman da Sony (DU GAY & HAEE et all, 1997, apud WOOKWARD,
2005).
Laclau argumenta que não existe mais uma única força, determinante e totalizante, tal
como a classe no paradigma marxista, que molde todas as relações sociais, mas, em
vez disso, uma multiplicidade de centros. Ele sugere não somente que a luta de classes
não é inevitável, mas que não é mais possível argumentar que a emancipação social
esteja nas mãos de uma única classe. Laclau argumenta que isso tem implicações
positivas porque esse deslocamento indica que há muitos e diferentes lugares a partir
dos quais novas identidades podem emergir e a partir dos quais novos sujeitos podem
se expressar (LACLAU, 1990: 40). As vantagens desse deslocamento da classe social
podem ser ilustradas pela relativa diminuição da importância das afiliações baseadas
na classe, tais como os sindicatos operários e o surgimento de outras arenas de conflito
social, tais como as baseadas no gênero, na “raça”, na etnia ou na sexualidade (apud,
WOODWARD, 2005, p. 29).
Woodward, deixa visível em seu texto que na vida moderna há uma diversidade de
posições que nos estão disponíveis - posições que podemos ocupar ou não, sendo difícil separar
identidades e estabelecer fronteiras entre elas, podendo estas identidades mudarem, quanto a
forma que representamos a nós mesmos, como homens, mulheres e trabalhadores. As nossas
experiências podem trazer fragmentações na nossa identidade aliada a mudanças no mercado
de trabalho e padrões de comportamento, ocasionando também um conflito de identidade diante
desta complexidade da vida moderna.
Os significados culturais sobre a sexualidade são produzidos por meio de sistemas
dominantes de representação, por exemplo, a mãe trabalhadora rural, tem sua escolha
constrangida pelos discursos dominantes do macho, ou seja, a forma como vivemos nossas
identidades sexuais é mediada pelos significados culturais sobre a sexualidade, em razão disso,
surge os novos movimentos sociais, que buscam políticas de identidade.
Estas políticas de identidade partem das diferenças, concentrada nas divisões de gênero,
que tem o poder distribuído de forma desigual, onde homens e mulheres estão em oposição de
poder.
Cixous sugere que as mulheres estão associadas com a natureza e não com a cultura,
com o “coração” e as emoções e não com a “cabeça” e a racionalidade. A tendência
para classificar o mundo em uma oposição entre princípios masculinos e femininos,
identificada por Cixous, está de acordo com as análises estruturalistas baseadas em
Saussure, as quais vêem o contraste como um princípio da estrutura linguística
(HALL, 1997a). Mas, enquanto para Saussure essas oposições binárias estão ligadas
à lógica subjacente de toda linguagem e de todo pensamento, para Cixous a força
psíquica dessa duradoura estrutura de pensamento deriva de uma rede histórica de
determinações culturais (WOOKWARD, 2005, p. 51).
A segunda posição centra-se nas estruturas sociais: aqui as mulheres são identificadas
com a arena privada da casa e das relações pessoais e os homens com a arena pública do
comércio, da produção e da política.
73
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente artigo tem como tema a violência doméstica e tem como delimitação a
análise do feminicídio e a sua repercussão na coibição da violência doméstica. Será divido em
três capítulos.
1
SCHMIDT, Beatriz Lagreca. Bacharel em Direito - URCAMP. Contato:bialagrecaschmidt@gmail.com
2
. Doutoranda em Direito - UNISINOS. Mestra em Direito - UNIJUÍ. Especialista em Educação Ambiental - UFSM.
Integrante do Comitê Gestor do Pacto Universitário dos Direitos Humanos da Universidade de Cruz Alta. Integrante
do Grupo de Pesquisa “Clínica de Direitos Humanos” - UFPR. Integrante do Grupo de Pesquisa Jurídica em
Cidadania, Democracia e Direitos Humanos - GPJUR. Integrante do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Práticas Sociais
- UNICRUZ. Docente no Curso de Direito e do Núcleo Comum da UNICRUZ e do Curso de Direito das Faculdades
Integradas Machados de Assis FEMA - Santa Rosa. Advogada. Conciliadora Judicial - TJ/RS. Contato:
dtgsjno@hotmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5993648671113115.
3
Advogado inscrito na OAB-RS sob número 107.919. Doutor em Diversidade Cultural e Inclusão Social - FEEVALE,
Novo Hamburgo. Mestre em Direito com concentração em Direitos Humanos - UNIJUÍ. Especialista em Docência no
Ensino Superior e em Advocacia Geral - UNICID, em Filosofia e Direitos Humanos - AVM Faculdade Integrada, em
Educação para os Direitos Humanos - FURG, em Gestão Pública - UFSM e em Educação Ambiental – UFSM, em
Direito Administrativo e Direito Penal e Processual Penal Militar pela AVM Faculdade Integrada. Bacharel em Direito
- URCAMP e licenciado em Direito, formação de professores para o nível técnico e tecnológico através do Programa
Especial de Graduação da - UFSM. Contato: camargojoao@hotmail.com
76
A origem da desigualdade de gênero no Brasil está na forma patriarcal com que era
organizada a sociedade, e esta é uma herança que vem desde os tempos da colonização4. O
homem sempre foi visto como o chefe da família, responsável pelo sustento e proteção da
casa, enquanto que a mulher tinha o papel de cuidar do lar, do marido e dos filhos. Em
verdade, a mulher era vista como um ser destinado unicamente à procriação e educação da
prole5.
4
BAUER, Gui. A violência contra a mulher e a desigualdade de gênero no Brasil, 2015. Disponível em:
<https://www.projetoredaçao.com.br/temas-de-redaçao/violencia-contra-a-mulher-o-feminicio-no-
brasil/violencia-contra-a-mulher-e-a-desigualdade-de-genero-no-brasil/15046>
5
ARAÚJO, Maria José de Azevedo. A violência como fruto da desigualdade de gênero, 2009. Disponível em:
<http://www.webartigos.com/artigos/a-violencia-como-fruto-da-desigualdade-de-genero/28535/>
77
6
MOSCHOVICK, Marilia. Machismo a opressão primeira, 2016. Disponivel em
<https://www.geledes.org.br/machismo-a-opressao-primeira/>
7
MARAFIGO, Gisele. Conquistas importantes das mulheres no Brasil ao longo da história, 2013. Disponível em:
<https://www.faneesp.edu.br/portal_ext/extensao1363286863.pdf>
8
GAUTÉRIO, Rosa Cristina Hood. História do sufrágio feminino no Brasil, 2013. Disponível em: <http://www.tre-
sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/revista-tecnica/edicoes/n-4-juldez-2013/integra/2013/11/historia-do-sufragio-
feminino-no-brasil/indexd45d.html?no_cache=1&cHash=90759d10fa3c817a43126ffb618767fd>
78
escolas para a formação de professores e muitas meninas da época viram nisso uma
oportunidade de estudar e tornar a magistratura uma profissão9.
Mesmo diante dessas conquistas, as mulheres que usufruíam dos direitos alcançados
eram vistas como rebeldes e como se não fossem exemplo a ser seguido.
Muitas mulheres seguiam vivendo submissas aos maridos, ainda somente dedicadas ao
lar e por muitas vezes sofrendo agressão por parte de seus companheiros. Aliás, esta é uma
violência que ultrapassa os anos e as gerações, a mulher apanhava de seu marido pelos diversos
e mais fúteis motivos. Bastava que ela não o agradasse, bastava fazer alguma coisa que do ponto
de vista do homem fosse errado, ou muitas vezes servia como “saco de pancadas” para que seu
marido descontasse nela todas as frustrações do seu dia a dia, quiçá, todas as frustrações da sua
vida.
Somente na década de 80 foram criados alguns centros de autodefesa para coibir a
violência contra a mulher. Nesta década foi instaurada a primeira Delegacia de Atendimento
Especializado à Mulher, no estado de São Paulo. Em 1988, 26 deputadas federais com a ajuda
de algumas feministas criaram uma mobilização chamada o “Lobby do batom”, onde juntas
obtiveram muitos avanços na Constituição Federal e garantiram a igualdade de direitos e
obrigações entre homens e mulheres perante a lei10.
A violência doméstica exercida pelos homens atinge as diferentes camadas sociais do
nosso país, impedindo o desenvolvimento psicossocial da mulher, o que interfere na vida de
uma família inteira. As questões de desigualdade de gênero se manifestam de diversas maneiras,
mas a mais cruel delas é através da violência baseada em discriminação e agressões físicas que
as mulheres sofrem diariamente dentro dos seus lares, afetando a sua qualidade de vida.
Desde pequenos temos que lidar com o entendimento de que homens e mulheres
possuem um papel distinto na sociedade, no entanto, a única coisa que efetivamente os
diferencia são as questões biológicas, que determina as características físicas. No entanto as
diferenças “sociais” são aquelas que foram impostas através da nossa cultura.
A desvalorização da mulher e do papel feminino é um fato muito persistente e começa
desde a educação dos indivíduos. Na maioria dos lares a educação mostra a figura do pai como
9
GAUTÉRIO, Rosa Cristina Hood. História do sufrágio feminino no Brasil, 2013. Disponível em: <http://www.tre-
sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/revista-tecnica/edicoes/n-4-juldez-2013/integra/2013/11/historia-do-sufragio-
feminino-no-brasil/indexd45d.html?no_cache=1&cHash=90759d10fa3c817a43126ffb618767fd>
10
MARAFIGO, Gisele. Conquistas importantes das mulheres no Brasil ao longo da história, 2013. Disponível em:
<https://www.faneesp.edu.br/portal_ext/extensao1363286863.pdf>
79
o porto seguro, demonstrando coragem e poder e isso faz com que a mãe seja apenas como
cuidadora do lar e da família, criando desde cedo aquela ideia do “sexo frágil”.
Atualmente a luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, em todos os
âmbitos da sociedade, traz à tona um problema que sempre existiu: o machismo que em pleno
século XXI encontra-se entranhado nos lares, na rua e no local de trabalho de todas as mulheres.
Quem é Maria da Penha? Será que todos os brasileiros conhecem a história da mulher
que é símbolo da luta no combate à violência doméstica no país? Maria da Penha Maia
Fernandes, cearense, farmacêutica, foi vítima de violência doméstica por 20 anos e foi vítima
de tentativa de homicídio por duas vezes cujo autor foi seu marido Marcos Viveiros, professor
universitário.
No ano de 1983, após o nascimento de suas três filhas, Maria da Penha levou um tiro
nas costas enquanto dormia e o autor, seu marido, deu a versão de que a casa teria sido invadida
por assaltantes. Após quatro meses internada em hospitais e depois de diversas cirurgias, ao
retornar para casa, Maria da Penha foi vítima de seu marido novamente, desta vez ele tentou
eletrocutá-la enquanto ela tomava banho.
Somente após esse segundo episódio é que houve indícios de que Marcos poderia
realmente ser o autor dos disparos que deixaram Maria da Penha paraplégica. Com autorização
judicial, ela conseguiu sair de casa sem que se configurasse abandono de lar e passou a travar
uma batalha pela justiça e para que seu agressor fosse punido.
Oito anos depois desses fatos, em 1991, Marcos foi condenado, mas mesmo assim
recebeu a liberdade. Inconformada, Maria da Penha escreveu um livro intitulado “Sobrevivi…
posso contar” onde relatava toada as agressões sofridas por ela e pelas filhas e através disso o
caso começou a ser reconhecido a nível mundial e passou-se a perceber o quanto o Brasil era
carente na questão de amparo e proteção às mulheres vítimas de violência doméstica.
Algumas ONG's encaminharam para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(OEA) uma petição contra o Estado brasileiro com relação à impunidade no caso de Maria da
Penha. Em 2001 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Brasil por
negligência, omissão e tolerância em relação os casos de violência doméstica.
Em 2002, quando faltava apenas seis meses para que o crime fosse prescrito, Marcos
foi condenado, no entanto, cumpriu apenas 2/3 de sua pena. Após ter seu sofrimento
reconhecido pelo mundo todo, finalmente, no ano de 2006, o Brasil reconheceu a necessidade
80
de criar uma lei que punisse severamente os agressores e que protegesse as mulheres da
violência sofrida dentro de suas próprias casas. A partir de então, criou-se a Lei nº 11.340/06.
A violência doméstica praticada contra a mulher é considerada violência de gênero e
por isso se diferencia das demais formas de violência. As condutas dos agressores normalmente
não são motivadas apenas por algum motivo pessoal, mas sim praticadas como uma forma de
expressar a hierarquização da mulher em relação ao homem, devendo ser subordinada a ele.
Ao analisar a vida da mulher que deu origem à lei que protege todas as outras mulheres
do Brasil, a única diferença é que Maria da Penha sobreviveu às agressões para poder contar a
história e fazer justiça. Infelizmente, para uma parte das mulheres que são vítimas de agressões
diariamente, a trajetória é mais difícil e não tem o mesmo final, pois muitas vezes sequer têm a
coragem de pedir ajuda11.
A Lei nº 11.340/06 evidenciou a resistência que existia na sociedade com relação à
aceitação da violência doméstica como crime de menor potencial ofensivo, o que reforçava
ainda mais a dominação do sistema patriarcal. A criação da Lei representou uma mudança na
arraigada impunidade e reconheceu a obrigação do Estado em garantir a segurança da mulher
tanto no ambiente público quanto no privado, enfrentando a violência doméstica, garantindo a
emancipação e autonomia da mulher12.
Dentre várias mudanças que a implementação da Lei Maria da Penha trouxe para nosso
ordenamento jurídico, as principais medidas são as seguintes:
11
SCNEIDER, Valéria Magalhães. A eficácia da Lei Maria da Penha no combate à violência doméstica, 2016.
Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/a-eficacia-da-lei-maria-da-penha/>
12
MORENO, Renan de Marchi. A Lei Maria da Penha incorporou o avanço legislativo internacional e se
transformou no principal instrumento legal de enfrentamento à violência contra mulher no Brasil, 2014. Disponível
em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8757/A-eficacia-da-Lei-Maria-da-Penha>
13
CORRÊA, Amanda e JAKUBOWSKI, Ana Paula. Lei Maria da Penha – Abrangência e Eficácia, 2017.
Disponível em: <http://correamanda.jusbrasil.com.br/artigos/328169928/lei-maria-da-penha-abrangencia-e-
eficácia>
81
A aprovação dessa Lei, sem dúvidas, foi um marco, pois hoje em dia muitas pessoas
sabem de sua existência e, principalmente, sabem com qual objetivo ela foi criada. No entanto,
são poucos os brasileiros que têm conhecimento do conteúdo da Lei. Nesse sentido, a
conscientização da população acontece na medida em que o Estado começa a adotar políticas
públicas para atender devidamente a mulher que é violentada.
Além de toda a preocupação em amparar a vítima de violência doméstica, o legislador
observou que as vítimas recorrem primeiramente às Delegacias de Polícia. Em razão disso
estabeleceu uma série de medidas a serem cumpridas pela polícia civil e militar nos casos de
violência doméstica. O artigo 11 da Lei Maria da Penha estabelece quais as providências devem
ser tomadas pelos policiais, dentre essas, o dever de proteger a vítima e seus familiares e
comunicar imediatamente o Ministério Público e Poder Judiciário, agilizando a adoção das
medidas protetivas. O referido artigo também estabelece que as mulheres devem ser informadas
dos serviços disponíveis, para que decidam sobre as medidas protetivas que podem requerer e
se irão ou não oferecer representação14.
No entanto, como se sabe, não é bem esse o atendimento que as mulheres recebem
quando chegam a uma delegacia. Muitas vezes sentem-se constrangidas pelo fato de que não
existem profissionais qualificados o suficiente para que forneçam segurança as vítimas. Ocorre
que, muitas vezes, ao chegar na delegacia a mulher se torna vítima mais uma vez do machismo
que está culturalmente entranhado na nossa sociedade.
A última pesquisa realizada pelo IPEA sobre a efetividade da Lei Maria da Penha foi em
março de 2015. Apesar da Lei não ter como foco o homicídio das mulheres, a pesquisa apontou
que a violência doméstica ocorre em ciclos, onde o grau de agressividade vai aumentando até
desencadear na morte das vítimas e 90% dos autores desses homicídios são familiares das
mulheres.
O IBGE apontou que 1,2 milhão de mulheres sofrem agressões no Brasil e as estimativas
feitas pelo IPEA revelaram que somente 52 mil ocorrências chegam ao conhecimento da polícia.
Após o advento da Lei 11.340/06 houve a diminuição de 10% na taxa de homicídios de
mulheres no Brasil.
Portanto, apesar de todo o avanço legislativo e das medidas de proteção à mulher
previstas na Lei Maria da Penha, ainda há um longo caminho a ser percorrido na busca de uma
conscientização maior sobre o papel da mulher na sociedade atual, bem como da relação
OLIVEIRA, Thalita Netto. Lei Maria da Penha e suas implicações na atualidade, 2011. Disponível em:
14
<http://www.unipac.br/site/bb/tcc/tcc-84ca9e5fa2b5db5ea3c8ac4e4a649841.pdf>
82
igualitária e de respeito que deve existir com relação ao homem. Os índices demonstrados acima
mostram que a Lei Maria da Penha, sozinha, não é capaz de resolver o problema da violência
contra mulher e em razão disso o legislador reconheceu a necessidade de criar uma lei que
punisse de forma ainda mais severa o agressor e em razão disso foi aprovada a lei 13.104/15,
intitulada a Lei do Feminicídio.
Conforme o que foi exposto no capítulo anterior, sabe-se que a Lei Maria da Penha foi
um grande avanço na punição de agressores de mulheres no âmbito doméstico. No entanto,
apesar de garantir medidas protetivas, a pena imposta a um autor de homicídio contra mulher
tinha o mesmo apenamento de homicídio simples, dependendo das condições em que se desse
o fato.
A publicação da Lei nº 13.104/15 alterou o Código Penal incluindo o feminicídio como
crime qualificado. O §2º-A do art. 121 acrescentou que o homicídio será qualificado se
praticado por “razões da condição de sexo feminino” que ocorrerá em duas hipóteses: violência
doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação à condição de mulher15.
O §7º do artigo 121 estabelece que a pena será aumentada de 1/3 até a metade se o delito
for praticado: a) durante a gravidez ou nos três meses posteriores ao parto; b) contra pessoa
menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência e c) na presença de ascendente ou
descendente da vítima.
Na América Latina o conceito de feminicidio era tido como o conjunto de violações aos
direitos humanos das mulheres que acontecem porque as condições históricas permitem a
ocorrência desse tipo de delito. Para Lagarde (2008), a omissão das autoridades em relação a
esses crimes torna o feminicídio um crime de Estado. Nesse sentido, a autora acredita que não
só o assassinato, mas também os suicídios dessas mulheres ocorrem em razão da omissão
estatal, pois essas mortes poderiam ser evitadas se os direitos da mulher fossem respeitados,
ocorrendo, então, o desrespeito das mulheres como gênero16.
15
GOMES Cláudia Albuquerque e BATISTA Mirela Fernandes. Feminicídio: paradigmas para analise da violência
de gênero com apontamentos à Lei Maria da Penha, 2016. Disponível em:
<http://www.unisul.br/wps/wcm/connect/57571c15-0bd8-498c-baca-599dde5e74cf/artigo_gtdir_claudia-
mirela_vii-spi.pdf?MOD=AJPERES>
16
LAGARDE, Marcela. El feminismo en mi vida: hitos, claves y topías. Ciudad de México: Inmujeres DF, 2012,
643p.
LOEPS, Maria Cardoso. Nenhuma vitória é permanente: uma análise dobre a violência contra as mulheres no Rio
Grande do Sul entre os anos de 2012 e 2015. Disponível em: <http://www.http://bancodeteses.capes.gov.br/>
83
A história do Brasil revela que muitas mulheres morrem nas mãos dos seus parceiros.
São vítimas de todas as idades, classes sociais e níveis de educação, e são assassinadas por
homens que são levados a cometer esses crimes pelos motivos mais fúteis possíveis, como a
intolerância ao ouvir um “não” vindo de uma mulher, ou pelo fim de um relacionamento, por
exemplo17.
A Central de Atendimento à Mulher, serviço criado em 2005 para auxiliar mulheres em
situação de violência, em 10 anos, realizou 4.823.140 atendimentos, foram, em média, 62.418
atendimentos por mês e 2.052 por dia18.
A violência contra as mulheres é a forma mais explícita do sexismo e tem como
consequência a dominação de gênero. A desigualdade, a discriminação e o controle dos homens
sobre as mulheres gera muita dor e sofrimento a essas vítimas e, em casos não muito raros,
resulta em morte. A misoginia, que é o ódio contra as mulheres, ocorre quando se acredita que
existe uma inferioridade natural das mulheres com relação aos homens, pensamento que,
infelizmente, ainda é muito comum hoje em dia19.
Em 2016, quase uma década após a implementação da Lei Maria da Penha, alguns
estudos apontaram certas fragilidades com relação a nova legislação. Uns dos principais
obstáculos são a falta de serviços especializados, as deficiências dos espaços já existentes e
problemas relativos às equipes de profissionais para atuar nessa área. A Lei Maria da Penha se
configura como uma legislação que atende a todas as recomendações das Nações Unidas para
proteger e promover os direitos das mulheres e, principalmente, o direito de viver sem ser vítima
de violência. No entanto, na prática, os esforços para combater as agressões ficam limitados
quando encontram a questão da responsabilização dos acusados e a fixação de um apenamento
justo, tendo em vista que as mulheres não são apenas vítimas da violência em si20.
Nesse passo, cumpre referir que o apenamento mais gravoso, quando se tratar de vítima
mulher, tem por escopo coibir a perpetuação da violência de gênero e, ao mesmo tempo,
prevenir futuros comportamentos agressivos, voltados contra a mulher. Uma vez que as medidas
17
FERNANDES, Valéria Diez Scaronce. Feminicídio: uma lei necessária?, 2015. Disponível em:
<http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/feminicidio-uma-lei-necessaria/15183>
18
BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Pacto nacional pelo enfrentamento
à violência contra as mulheres. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011. 70 p. Disponível em:
<http://www.spm.gov.br/sobre/publicacoes/publicacoes/2011/pacto-nacional>. Acesso em: abr. 2015.
19
LAGARDE, Marcela. El feminismo en mi vida: hitos, claves y topías. Ciudad de México: Inmujeres DF, 2012,
643p.
20
PASINATO, Wânia. Oito anos de Lei Maria da Penha. Entre avanços, obstáculos e desafios. Revista Estudos
Feministas, Florianópolis, v. 23, n. 2, maio 2015. Disponível em: Acesso em: 10 out. 2015.
84
previstas na Lei Maria da Penha mostraram-se insuficientes para reduzir o número de delitos
praticados contra o sexo feminino.
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Maria José de Azevedo. A violência como fruto da desigualdade de gênero, 2009.
Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/a-violencia-como-fruto-da-desigualdade-
de-genero/28535/.
GAUTÉRIO, Rosa Cristina Hood. História do sufrágio feminino no Brasil, 2013. Disponível
em: <http://www.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/revista-tecnica/edicoes/n-4-juldez-
2013/integra/2013/11/historia-do-sufragio-feminino-no-
brasil/indexd45d.html?no_cache=1&cHash=90759d10fa3c817a43126ffb618767fd>.
INSTITUTO Maria da Penha. Quem é Maria da Penha Maia Fernandes, 2012. Disponível em:
<https://www.compromissoeatitude.org.br/quem-e-maria-da-penha-maia-fernandes>.
OLIVEIRA, Thalita Netto. Lei Maria da Penha e suas implicações na atualidade, 2011.
Disponível em: <http://www.unipac.br/site/bb/tcc/tcc-
84ca9e5fa2b5db5ea3c8ac4e4a649841.pdf>
87
PASINATO, Wânia. Oito anos de Lei Maria da Penha. Entre avanços, obstáculos e desafios.
Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 23, n. 2, maio 2015. Disponível em: Acesso em:
10 out. 2015.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo apresentar um esboço a respeito dos crimes
informáticos e crimes de violência contra a mulher na contramão de trazer conhecimentos a
respeito dos resultados produzidos na realização dos dois. Ademais são citadas algumas
soluções para os casos por meio do Direito Penal informático de uma forma que possa abranger
os outros países mencionados buscando construir uma visão explicativa a respeito de um tema
tão sensível que ao mesmo tempo que comum, em uma tentativa de fazer com que o leitor possa
de forma eficiente compor seu próprio estudo sobre a temática, além da função de refletir sobre
seu comportamento na internet, pois ao compartilhar informações poderá estar praticando um
crime e é indispensável que o indivíduo tenha consciência dos seus atos, assim como o impacto
que este pode ter na vida da vítima.
Para a elaboração deste artigo utilizou-se o método descritivo, a consultar diversos
textos, outros artigos, acervos bibliográficos e veículos de informação internacionais, todavia
através de uma linguagem minimamente rebuscada para maior entendimento.
2. CRIMES INFORMÁTICOS
Observando o cenário atual, o fenômeno denominado globalização trouxe a informação
para todas as redes de comunicação de uma maneira muito mais rápida, é possível que um
acontecimento no Japão chegue no mesmo momento em que está ocorrendo. É perceptível que
a globalização trouxe às pessoas maiores facilidades, fazendo com que houvesse maior
interação entre culturas, idiomas, relações econômicas entre outras temáticas.
O maior dos efeitos da globalização desenrolou-se com o advento da internet, as redes
sociais online geram uma espécie de rede global como se todos os habitantes do planeta se
89
comunicassem conforme uma única comunidade. Porém os feitos sempre transportam lados
positivos e negativos, dessa maneira a internet também se transformou em um lugar para
atividades criminosas e ilegais.
Torna-se necessário entender o conceito de crime virtual para melhor entendimento e
aprofundamento do tema, por tanto conforme o procurador de justiça do Ministério Público do
Estado de São Paulo, Augusto Rossini:
O conceito de “delito informático” poderia ser talhado como aquela conduta típica e
ilícita, constitutiva de crime ou contravenção, dolosa ou culposa, comissiva ou
omissiva, praticada por pessoa física ou jurídica, com o uso da informática, em
ambiente de rede ou fora dele, e que ofenda, direta ou indiretamente, a segurança
informática, que tem por elementos a integridade, a disponibilidade e a
confidencialidade.
Cada vez mais a internet torna-se o espaço para o cometimento de atos ilícitos,
principalmente por ser um ambiente livre, surgem publicações de conteúdo ofensivos, roubos
de senhas bem como invasões às páginas e servidores em todo ciberespaço. Sendo assim o
Direito Penal teve que se atualizar junto com o desenvolvimento desses crimes para que as
pessoas pudessem recorrer à justiça e encontrar amparo em dispositivos legais. Segundo dados
do Superior Tribunal Federal (STF), grande parte dos magistrados brasileiros acreditam que
95% dos crimes eletrônicos se encontram no Código Penal por configurarem crimes comuns
com a ressalva de serem produzidos na internet, dessa forma torna-se perceptível a insuficiência
de leis em relação a delitos praticados no espaço cibernético.
Dados coletados pelo Ministério Público Federal (MPF) demonstram que mais de 366
casos virtuais foram registrados por dia em 2018, um aumento de 110% em relação a 2017, este
levantamento comprova a necessidade da criação de maiores mecanismos que protejam os
usuários e penas mais severas ligadas exclusivamente ao âmbito virtual.
Não são apenas os usuários da informática como grande grupo que são alvos de crimes
que acontecem diariamente e em grande escala, a comunidade feminina luta por seus direitos
há anos e também pela criação e efetivação de políticas públicas que promovam a igualdade de
gênero e valorização da mulher especialmente por meio da educação.
A violência contra a mulher, assim como outros preconceitos relacionados ao gênero
feminino estão por trás de uma cultura que está enraizada dentro da sociedade patriarcal desde
os primórdios. Para entender como a mulher é vista, é necessário apresentar a posição da mulher
90
através de uma linha do tempo onde estas iniciam com a principal função de gerar vidas,
passando a ser responsáveis por todas as tarefas domésticas e ainda por muito tempo são usadas
como moeda de troca entre famílias que enxergavam o casamento como um contrato financeiro,
todas essas e demais funções faziam parte também de uma influência religiosa em cima de uma
desigualdade e relação de poder vinculadas exclusivamente ao gênero masculino.
Assédio, exploração sexual, estupro, tortura, violência psicológica e agressões são
apenas alguns dos crimes praticados contra mulheres, e ainda um crime específico segundo o
Código Penal brasileiro, que se encontra no o Art. 1o da Lei nº13.104/2015 que prevê o
feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, artigo 4º, inciso l,
considera que há razões de condição de sexo feminino quando o crime resulta de violência
doméstica ou da discriminação de gênero e objetificação da mulher.
Ainda que contemporaneamente a mulher tenha conseguido se livrar de muitas amarras
ligadas as questões de gênero é evidente que o sistema ainda desestruturado faça com que os
números a respeito dos crimes vinculados estritamente contra a mulher continuem dia após dia.
Uma pesquisa realizada pelo jornal Folha de São Paulo ano passado (2018) apontou que eram
registrados mais de 606 casos de violência doméstica e 164 casos de estupro por dia no Brasil,
podendo o total de casos passar dos 500 mil por ano, sendo menos de 10% comunicados à
polícia.
Não obstante as mulheres ainda são vítimas da desigualdade gênero na esfera do
trabalho, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) as
trabalhadoras ganham em média 20,5% a menos que os homens e destas apenas 25,8% ocupam
cargos presidenciais ou de liderança e chegam a receber 52,7% a menos que eles.
Com a propagação da tecnologia bem como dos crimes cibernéticos, as redes sociais e
outros mecanismos de comunicação tornaram-se um espaço para aumentar a violência contra a
mulher. O ambiente virtual possui o papel de reproduzir e fortalecer as discriminações de
gênero, assim como fotos e vídeos de mulheres passam a ser postados acompanhados de
comentários pejorativos em relação a vítima.
O espaço virtual transformou-se em um novo lugar para ações de violência contra o
gênero feminino, muito dos casos tornam-se impossíveis de ser revertidos devido seu rápido
91
alcance e ainda os padrões rígidos e tradicionais da sociedade fazem com que as próprias
vítimas respondam por tais atos, distanciando a culpa dos verdadeiros responsáveis. Devido
essa situação, é cada vez mais comum que vítimas desses crimes cometam suicídio após
descobrirem mídias íntimas compartilhadas em redes sociais.
A pesquisadora e professora da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Marta
Rodriguez Machado, confirma:
Quando esse material vai para a internet, a mulher é culpada porque ela tem sua
sexualidade revelada – e há um julgamento natural da mulher que manifesta sua
sexualidade, por parte da nossa sociedade patriarcal. Muitas mulheres mudam de
cidade e até se suicidam.
Existem falhas nos tribunais brasileiros, mesmo assim há leis que permitem punir crimes
virtuais contra a mulher da seguinte forma: crimes cibernéticos relacionados a honra são
tratados pela responsabilidade civil e criminosa, no caso de cibercrimes contra as mulheres,
estas encontram amparo legal na Lei Maria da Penha (lei nº 11.340/2006) que prevê em seu
artigo 7º como violência psicológica:
6. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Relatora da ONU pede que Argentina proteja mulheres diante
de cultura machista. Disponível em:<https://nacoesunidas.org/relatora-da-onu-pede-argentina-
proteja-mulheres-diante-de-cultura-machista/>Acesso em: 02 out. 2019.
ONU MULHERES. Respostas à violência baseada em gênero no Cone Sul. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2016/12/30/internacional/1483055106_448456.html> Acesso
em: 02 out. 2019.
SCHIMIDT, Guilherme. Crimes Cibernéticos. Disponível em:
<https://gschmidtadv.jusbrasil.com.br/artigos/149726370/crimes-ciberneticos>Acesso em: 02
out. 2019.
95
INTRODUÇÃO
1Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, com pós-doutoramento em Direito pela
Universidade de Burgos - Espanha, com bolsa CAPES. Professora da Graduação e da Pós-Graduação Lato Sensu
em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito
- Mestrado e Doutorado da UNISC. Coordenadora do Grupo de Estudos Direito, Cidadania e Políticas Públicas do
PPGD da UNISC. Especialista em Direito Privado. Psicóloga com Especialização em Terapia Familiar. Membro
do Conselho Consultivo da Rede de Pesquisa em Direitos Humanos e Políticas Públicas. Membro do Núcleo de
Pesquisas Migrações Internacionais e Pesquisa na Região Sul do Brasil - MIPESUL. Integrante do Grupo de
Trabalho em Apoio a Refugiados e Imigrantes (GTARI/UNISC). Membro do Conselho Editorial de inúmeras
revistas qualificadas no Brasil e no exterior. Autora de livros e artigos em revistas especializadas. E-
mail:marlim@unisc.br
2
Mestranda em Direito com Bolsa Prosuc Capes Modalidade II na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) e
Bacharel em Direito pela Universidade da Região da Campanha (URCAMP), integrante do Grupo de Estudos
Direito, Cidadania e Políticas Públicas da UNISC. Endereço eletrônico: victoriapasquoto@hotmail.com. O
presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
96
3
BRASIL. Lei n° 3.071, de 1° de Janeiro de 1961. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm>. Acesso em: 25 set. 2019.
97
4
Idem.
5
(SAFFIOTI, Heleiet I. B. Violência de gênero no Brasil atual. In: Estudos Feministas. 2° sem. p. 443-461. 1994.
p. 443. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/viewFile/16177/14728>. Acesso em: 26
set. 2019.
6
STREY, Marlene Neves. Violência e gênero: um casamento que tem tudo para dar certo. In: GROSSI; Patrícia
Krieger (Org.). Violências e Gênero: coisas que a gente não gostaria de saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. p.
51.
98
Após esse recorte histórico, é importante mencionar que os estudos feministas quanto
as violências domésticas iniciaram nos anos 807, o atraso do país demonstra-se quando somente
no ano de 2006 foi reconhecido legislativamente o crime de violência doméstica contra a
mulher, pela lei Maria da Penha8, que representou um marco normativo nos direitos de mulheres
e um avanço no que toca a políticas públicas de gênero.
A violência contra as mulheres passou a ser objeto de discussão nos anos 80, entrando
na pauta das políticas públicas apenas nos anos 90. É importante ressaltar que os dados e as
estatísticas, demonstram apenas uma parcela da realidade do Brasil, considerando os casos que
não chegam as políticas públicas e que ainda não há total abrangência das pesquisas em todo o
território nacional.
A violência de gênero será abordada em suas diversas formas: violência psíquica,
violência física – intrafamiliar ou não – e a forma mais extrema de violência, a morte. A
complexidade da violência de gênero e sua existência nas diversas camadas e grupos sociais e
étnicos, bem como as inúmeras formas de extarnalização por vezes não são identificáveis pelas
políticas públicas. Um relacionamento abusivo, por exemplo, apesar de representar um tipo de
violência psíquica, ainda não está incluído nas pesquisas.
7
SANTOS, Cecília Macdowell; IZUMINO, Wânia Pasinato. Violência contra as Mulheres e Violência de Gênero:
Notas sobre Estudos Feministas no Brasil. In: EIAL - Estudios Interdisciplinarios de América Latina. jan/2005. p.
147.
8
BRASIL. Lei n° 11.340, de 7 de Agosto de 2006. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 27 set. 2019.
99
2018
2019
Total nos períodos
Violência
Violência Violência
doméstica e
psicológica física
familiar
2018 3.209 3.260 62.485
2019 0 1.105 35.769
Total nos períodos 3.209 4.365 98.254
9
BRASIL. Sistema Integrado de Atendimento À Mulher. Balanço anual: Ligue 180 recebe mais de 92 mil
denúncias de violações contra mulheres. 2019. Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/todas-as-
noticias/2019/agosto/balanco-anual-ligue-180-recebe-mais-de-92-mil-denuncias-de-violacoes-contra-mulheres>.
Acesso em 27 set. 2019.
100
uma tabela que demonstra os Boletins de Ocorrência realizados, cerca de 12% dos registros
foram por estupro, o que já expõe uma parte da violência de gênero.11
Já no mapa da violência do ano de 2012, há divisões claras de gênero e demonstra um
aumento significativo da violência entre os anos 1980 e 201012, muito influenciado pela Lei
Maria da Penha e pelas políticas públicas e mídias que iniciaram o trabalho de incentivar as
denúncias e o diálogo. A violência sempre existiu, só não era externalizada.
O mapa da violência mais recente (2015) já trata em seu título “Mapa da violência 2015:
homicídio de mulheres no Brasil”13, ressaltando de forma mais contundente e real os
homicídios, feminicídios e as causas das violências contra mulheres. Primeiramente, o
documento abre tópicos para esclarecer como foi realizada a pesquisa e aponta a Lei do
Feminicídio (Lei n. 13.104/2015) como mais um complemento à lei Maria da Penha, agindo
também como uma forma de garantia as mulheres.
A violência contra a mulher não é um fato novo. Pelo contrário, é tão antigo quanto a
humanidade. O que é novo, e muito recente, é a preocupação com a superação dessa
violência como condição necessária para a construção de nossa humanidade. E mais
novo ainda é a judicialização do problema, entendendo a judicialização como a
criminalização da violência contra as mulheres, não só pela letra das normas ou leis,
mas também, e fundamentalmente, pela consolidação de estruturas específicas,
mediante as quais o aparelho policial e/ou jurídico pode ser mobilizado para proteger
as vítimas e/ou punir os agressores.14
11
WAISELFISZ, Júlio Jacobo; ATHIAS, Gabriela. Mapa da violência de São Paulo. Brasília: 2005. Disponível
em: <https://mapadaviolencia.org.br/publicacoes/MapaSPaulo.pdf>. Acesso em: 28 set. 2019. p. 109.
12
WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da violência 2012: Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São
Paulo: 2011. Disponível em: <https://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_web.pdf>. Acesso em: 28 set.
2019. p.68.
13
WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da violência 2015: homicídios de mulheres no Brasil. Brasília: Flacso, 2015.
Disponível em: <https://mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf>. Acesso em: 28
set. 2019. p. 1.
14
WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da violência 2015: homicídios de mulheres no Brasil. Brasília: Flacso, 2015.
Disponível em: <https://mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf>. Acesso em: 28
set. 2019. p. 7.
15
BRASIL. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da Violência
2019. Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de
Segurança Pública. 2019. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/190605_atlas_da_violencia_2019.pd
f>. Acesso em: 29 set. 2019. p. 35.
101
Rio Grande do Norte com a mesma média. Já os menores índices concentram-se nos Estados
de São Paulo, com 2,2 vítimas para cada 100 mil, Distrito Federal (2,9) e Santa Catarina (3,1).16
Desta forma, o que se conclui diante dos números apresentados, é que apesar da criação
de leis, das centrais de ajuda e da conscientização social sobre os riscos do machismo, a
violência vem aumentando progressivamente. O Brasil ainda carece de políticas públicas e de
investimento prioritário para as questões de gênero, como também elaboração de palestras e
oficinas tratando do tema.
16
Idem.
17
BRASIL. Lei n° 13.104, de 9 de Março de 2015. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm>. Acesso em 30 set. 2019.
18
OMS. Estudio multipaís de la OMS sobre salud de la mujer y violencia doméstica: Primeros resultados sobre
prevalencia , eventos relativos a la salud y respuestas de las mujeres a dicha violencia. Suiza: 2005. Disponível
em: <https://assets-compromissoeatitude-
102
parte das agressões conjugais é formado um padrão de abuso reiterado “[...] e pode ter
consequências como dores pelo corpo, dificuldades para realizar tarefas cotidianas, depressão,
abortos e tentativas de suicídio”.19
La violencia ejercida contra la mujer tiene unas repercusiones mucho mayores que el
daño inmediato causado a la víctima. Tiene consecuencias devastadoras para las
mujeres que la experimentan, y un efecto traumático para los que la presencian, en
particular los niños. Representa algo vergonzoso para los Estados que no logran
evitarla y las sociedades que la toleran. La violencia ejercida contra la mujer
constituye una violación de los derechos humanos básicos que debe eliminarse
mediante la voluntad política y las actuaciones judiciales y civiles em todos los
sectores de la sociedad.20
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
STREY, Marlene Neves. Violência e gênero: um casamento que tem tudo para dar certo. In:
GROSSI; Patrícia Krieger (Org.). Violências e Gênero: coisas que a gente não gostaria de saber.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012.
WAISELFISZ, Júlio Jacobo; ATHIAS, Gabriela. Mapa da violência de São Paulo. Brasília:
2005. Disponível em: <https://mapadaviolencia.org.br/publicacoes/MapaSPaulo.pdf>. Acesso
em: 28 set. 2019.
WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da violência 2012: Os novos padrões da violência homicida
no Brasil. São Paulo: 2011. Disponível em:
<https://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_web.pdf>. Acesso em: 28 set. 2019.
Resumo: O presente artigo possui por objetivo discutir a noção do feminicídio enquanto uma
categoria da linguagem que denota a mortificação do corpo feminino e que conota uma
possibilidade de resistência frente as estruturas patriarcais da sociedade. Nos orientamos a partir
do método dialético por possibilitar a compreensão dos sujeitos, da cultura e da linguagem em
relação consequencial. Dessa forma, lançamos um olhar sobre a autorização da violência
masculina sobre o corpo e a existência feminina, resultando na sua completa aniquilação apenas
pela sua condição de gênero. Percebemos que a criação dessa categoria é fundamental por
permitir a categorização de uma tipologia penal específica que permite atuar na prevenção da
morte de mulheres e colaborar na luta pela autonomia do gênero feminino.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
1
Doutoranda em Memória Social e Patrimônio Cultural (UFPel). Mestra em Direito e Justiça Social (FURG).
Bacharela em Direito e História (FURG). Advogada regularmente inscrita junto a OAB/RS com o número 102.120.
Docente universitária da Faculdade Ideau de Bagé. E-mail para contato: naticenteno@gmail.com
2
Mestrando em Psicanálise Clínica e Cultura (UFRGS). Bacharel em Psicologia (FURG). Psicólogo clínico. E-
mail para contato: rodrigo.fds.t@gmail.com
3
BAPTISTA, Carla Viviane Bertoch. Homicídio passional – uma discussão entre crime privilegiado e qualificado.
Revista Brasileira de Ciências Criminais. Vol. 116, ano 2015, s/p.
106
dispositivo legal, tal argumento substanciou absolvições e permeiou o laço cultural, de modo a
se cosubstanciar no cotidiano e chegou a ser retratada na teledramaturgia em obras como
Gabriela, inspirada em livro homônimo de Jorge Amado, exibida no ano de 2012, por um canal
de televisão aberta e obras cinéfilas como Estomago, filme brasileiro de 2007, tais obras são
alegorias que nos fazem pensar como esses crimes se inscrevem no âmbito cultural brasileiro.
Vemos assim, que a mulher por muito tempo foi retratada como um objeto possuído por
um homem, essa construção social do que seria o local da mulher, qual o seu papel nossa
sociedade, se enraizou nos espaços privados e muitas vezes ampliou-se para o público. A
ruptura com o papel de submissão feminina começou a ser estabelecido através de tensões
sociais, que reivindicavam direitos e garantias as mulheres, das quais destacamos a luta pelo
direito ao voto traçadas no começo do século XX, as décadas seguintes foram marcadas pela
tentativa do ingresso no mercado formal de trabalho, o direito de divorciar-se do esposo
conquistado na segunda metade da década 70, a igualdade de gênero como um direito
constitucional assegurado em 1988 até a criação de uma legislação específica que visa proteger
a mulher no âmbito das relações domésticas, e objetiva resguardá-la dos mais variados tipos de
violências, que o caso da Lei Maria da Penha de 07 de agosto de 20064.
Para o presente escrito utilizamos uma abordagem metodológica dialética, por entender
que a mesma possibilita o diálogo com a realidade social concreta e viabiliza a reflexão sobre
um problema sem reduzi-lo as soluções simplistas. “Fica claro também que a dialética é
contrária a todo conhecimento rígido. Tudo é visto em constante mudança: sempre há algo que
nasce e se desenvolve e algo que se desagrega e se transforma” 5. Ao elaborarmos o texto
utilizamos os seguintes procedimentos técnicos: pesquisa bibliográfica e documental, ambas de
nível exploratório. Recorremos a tais recursos com a intenção de enriquecermos a problemática
abordada.
Dentro desse escrito analisaremos o feminicídio como uma categoria de análise que é
pensada através da construção cultural, o femicídio como um crime atroz que denuncia a
ineficiência do Estado brasileiro em tutelar o gênero feminino e a elaboração ou visibilização
de elementos que nos auxiliam a enfrentar a violência de gênero como um problema social.
4
BRASIL. Lei n. 11.340 de 07 de agosto de 2006. – Lei Maria da Penha. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/L11340.htm Acessado em setembro de 2019.
5
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 1989, p. 32.
107
6
Informação obtida via: https://nacoesunidas.org/onu-feminicidio-brasil-quinto-maior-mundo-diretrizes-
nacionais-buscam-solucao/ Acessado em setembro de 2019.
7
BRASIL Lei n. 13.140 de 09 de março de 2015 – Lei do Feminicídio. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm Acessado em setembro de 2019.
8
ZARBATTO, Jacqueline. Feminicídio. In: COLLING, Ana Maria; TEDESCHI, Losandro Antônio (org.).
Dicionário crítico de gênero. 2.ed. – Dourados, MS: Ed. Universidade Federal da Grande Dourados, 2019, p.
245.
9
ZARBATTO, Jacqueline. Feminicídio. In: COLLING, Ana Maria; TEDESCHI, Losandro Antônio (org.).
Dicionário crítico de gênero. 2.ed. – Dourados, MS: Ed. Universidade Federal da Grande Dourados, 2019, p.
245.
108
tipo de relação íntima, porém, há uma relação de confiança, como amigos e colegas de trabalho.
Tal diferenciação é fundamental para montagem dos dados estatísticos a posterior leitura dos
mesmos.
O corpo está no centro de toda relação de poder. Mas o corpo das mulheres é o centro,
de maneira imediata e especifica. Sua aparência, sua beleza, suas formas, suas roupas,
seus gestos, sua maneira de andar, de olhar, de falar e de rir (provocante, o riso não
cai bem às mullieres, prefere-se que elas fiquem com as lágrimas) são o objeto de uma
perpétua suspeita. Suspeita que visa o seu sexo, vulcão da terra. Enclausllrá-las seria
10
PERROT, Michele. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: EDUSC, 2005, p. 9.
11
O texto integral encontra-se disponível em: http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/2450
109
Percebemos, então, que a condição cultural do feminino está atrelada a uma dominação
masculina da integridade da mulher, ou seja, tanto seu corpo como seus modos de vida são
regulamentados pelo poder patriarcal. Esse diálogo sobre a acepção cultural onde o masculino
é dono do feminino por uma espécie de “direito divino” é fundamental para entendermos como
a história pode nos contar a maneira como a linguagem se estrutura de forma a subalternizar a
condição do gênero feminino. Não à toa, conforme o mito cristão de surgimento humano,
questão que é importante de ser pensada por nós, afinal, os valores cristãos se encontram nos
pilares da sociedade ocidental, Deus cria a mulher a partir da costela do homem, portanto, um
dos mitos mais fundamentais da formação das bases culturais do mundo ocidental é de uma
subalternidade natural da mulher em relação ao homem, da mulher como uma consequência
direta do corpo masculino, consequentemente, sem existência própria.
Portanto, apesar de todo o “avanço civilizatório”, não conseguiu-se ainda chegar a um
entendimento e uma produção de uma condição de igualdade ontológica entre homens e
mulheres, principalmente entre o corpo masculino e o corpo feminino. Fica claro para nós que
a
Dimensão maior da história das relações 'entre os sexos, a dominação dos homens
sobre as mulheres, relação de forças desiguais, expressa-se freqüentemente pela
violência. O processo de civilização a faz recuar sem aboli-la, tornando-a mais sutil e
mais simbólica. Subexistem, entretanto, grandes explosões de uma violência direta e
sem dissimulação, sempre pronta a ressurgir, com a tranqüila segurança do direito 'de
poder dispor livremente do corpo' do Outro, este corpo que lhe pertence 13.
Tal questão desloca o debate e nos faz pensar em uma espécie de subdivisão do processo
de violência, nunca hierarquizada, porém, colocada em perspectiva, pois há um refinamento
das estruturas de poder que vão ampliando os meios de dominação e os tornando cada vez mais
sutis, fazendo com que, inclusive, a formação subjetiva da mulher seja atrelada a essa estrutura
patriarcal, tendendo a naturalizá-la. Uma das principais perguntas que se interpõe nesse diálogo
é: o que faz um homem autorizar-se a destruir o corpo feminino ao seu bel prazer?
Não temos respostas prontas, mas elencamos alguns indícios teóricos que nos auxiliam
a rascunharmos respostas. No final do século XIX, na Áustria vitoriana, surgiam os primeiros
12
PERROT, Michele. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: EDUSC, 2005, p. 447.
13
PERROT, Michele. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: EDUSC, 2005, p. 454.
110
estudos psicanalíticos de Sigmund Freud. Seu primeiro trabalho publicado foi os “Estudos sobre
a Histeria”, que, basicamente, versava sobre casos clínicos de mulheres histéricas, em suma,
considerada loucas. Temos de largada um cenário bastante específico para o surgimento deste
trabalho, já que o tratamento regular da época para as histéricas era de internações em hospitais
como o famoso Salpetriére, dirigido por Charcot, onde métodos como banhos gelados, choques
elétricos, massagens, banhos de sol e, em último recurso, porém, muito comum, a retirada do
útero, como medida mais drástica e invasiva, mas que resguardava o resultado clínico esperado.
Histeria carrega na própria etimologia o útero, hístero em grego significa útero, ou seja,
a doença de uma loucura sem muito sentido só poderia ser feminina. Os sintomas variavam
muito, desde crises afásicas, sonambulismo, esquecimento, estado estupor, agressividade,
problemas relativos aos sentidos e se comunicar em idioma não comum. Pensar que este
problema é um problema feminino pela sua fraqueza e por um saber médico seria algo
demasiadamente pobre, porém, a condição da histeria nos diz em demasia sobre a posição da
cultura frente ao corpo feminino, pois, nela “É como se esses corpos nos falassem da patologia
e da violência escondidas ali na esquina, espreitando no horizonte da ‘femidade’ normal”14. Tal
tarefa, encampada por homens que dispõem de saber e de aparato imbuído de autoridade, é de
neutralização de qualquer ameaça que uma mulher impõe ao patriarcalismo.
Poderíamos remontar a Idade Média, para demonstrarmos como o corpo feminino, esse
corpo diferente do masculino sempre foi objeto de especulação. Curiosidade que na maioria das
vezes o submeteu a um local de subjulgação, ou seja, o diferente é subjulgado para assim ser
analisado e contido. Os corpos femininos sempre foram estudados, contenciados, afastados e
subjulgados, em virtude da diferença.
Freud15 percebe que estes métodos de “tratamento” e o encarceramento da histeria não
se ocupavam em absolutamente nada, eram duplamente ineficazes, pois não geraram melhoras
nas condições clínicas das mulheres e nem colaboravam para a emancipação social das mesmas.
É extremamente curioso que venhamos aqui mencionar o trabalho de um homem sobre
mulheres doentes, porém, é a paciente 0, Anna. O, de nome Bertha Pappenheim, que dá nome
ao método psicanalítico: a cura pela fala. Foi necessário ainda um homem encabeçar essa ideia,
porém, Bertha, no futuro, tornou-se uma assistente social de fundamental importância para os
temas feministas e da saúde da mulher. Ou seja, ao desencarcerar a loucura e ao negar o ímpeto
masculino de subjugar o corpo feminino, abre-se uma fenda na linguagem que torna possível
14
JAGGAR, Aalison, BORDO, Susan. Gênero, corpo e conhecimento. Rio de Janeiro, RJ: Rosados tempos 1997,
p. 27.
15
Ver mais na obra: FREUD, Sigmund. Estudos sobre a histeria. Rio de Janeiro, RJ: Editora Imago, 1995.
111
Problematizar as questões de gênero nos exige uma reflexão que se estende para além
do elemento específico do feminicídio, nos faz compreender toda rede complexa que vem sendo
construída para resguardar os direitos das mulheres. A elaboração do feminicídio como uma
qualificadora do homicídio é uma conquista importante, mas junto dela se faz necessário
destacarmos algumas ações positiva do Estado com a intuito de assegurar direitos e a vida das
mulheres.
Em junho de 1994, ocorreu a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar
a violência contra a mulher, “Convenção de Belém do Pará”17, texto produzido no âmbito da
Organização dos Estados Americanos (OEA) visa assegurar a proteção da condição do gênero,
tanto no âmbito público como privado. Pontou que violência não é apenas física, e observa a
violência sexual e psicológica como formas a ser combatida. Tutela direitos como a vida, a
integridade física, mental e moral, a liberdade e à segurança pessoal, não ser submetida à
16
ZARBATTO, Jacqueline. Feminicídio. In: COLLING, Ana Maria; TEDESCHI, Losandro Antônio (org.).
Dicionário crítico de gênero. 2.ed. – Dourados, MS: Ed. Universidade Federal da Grande Dourados, 2019, p.
248.
17
Texto convencional disponível em: http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm . Acessado
em setembro de 2019.
112
tortura, igualdade de proteção perante a lei, liberdade para participar da vida pública de seu
país, assim como para participar de assuntos políticos. Assegura as mulheres o direito de ser
valorizadas independentemente de padrões estereotipados, de comportamentos e hábitos
socioculturais. Além de assegurar esses direitos a Convenção de Belém do Pará dispõe que os
Estados devem adotar medidas legais para coibirem a violência contra a mulher. O Brasil só
internalizou o texto convencional em agosto de 1996, através do Decreto nº 1.973, o processo
de incorporação faz com que o texto convencional ingresse em nosso ordenamento jurídico.
Sendo um marco na perspectiva legal brasileira.
Passados dez anos, tivemos a aprovação da lei que tornou-se um marco para pensarmos
a proteção aos direitos das mulheres, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), remonta um
cenário de proteção ao gênero feminino nas relações domésticas e familiar. Esse dispositivo
legal inaugurou uma nova perspectiva nas relações sociais no Brasil, começou a deslocar o
problema da violência de gênero do âmbito interno, familiar para ser problematizado como uma
questão social. A visibilidade alcançada a partir da Lei Maria da Penha, proporcionou novos
espaços de construções sociais nos quais a violência de gênero começou a desnaturalizada e a
mulher enquanto sujeito que sofre a violência, começou a construir possibilidades narrativas
que a deslocam da condição de culpada.
Ainda no âmbito nacional, surge a tipificação do feminicídio, como uma das causas de
aumento nos crimes de assassinato quando o mesmo possuir motivação de gênero, ou seja,
quando há uma morte violenta e essa foi cometida por razões da condição feminina, em virtude
do gênero. Essa criação legislativa evidencia quando o Estado torna-se insuficiente em evitar a
morte das mulheres, essa qualificadora do tipo penal homicídio nos diz que há uma
circunstância especial nesse assassinato, demonstrando uma vida feminina foi ceifada em
virtude da sua condição de gênero. Por ser uma construção recente o feminicídio muitas vezes
ainda é subnotificado como uma qualificadora do homicídio, fator que dificulta a compilação
dos dados oficiais.
Nos oito primeiros meses de 2019 (janeiro a agosto) no Estado do Rio Grande do Sul
constam que 66 (sessenta e seis) feminicídios foram consumados e 233 (duzentos e trinta e três)
foram tentados, estatísticas muita próxima do mesmo período do ano anterior, que registrou 73
(setenta e três) consumados e 249 (duzentos e quarenta e nove) tentados. Pelos números é
possível verificarmos que houve uma redução em comparação com o ano anterior, conforme os
dados disponibilizados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul18.
18
Dados disponíveis em: https://ssp.rs.gov.br/indicadores-da-violencia-contra-a-mulher
113
Sobre os dados compete tecermos uma observação que os mesmos encontram-se organização
em nível estadual e especificado por tipologia, conseguimos acessar informações sobre os
munícipios do nosso estado, evidenciando que há uma atualização e uma preocupação do ente
estatal com os crimes envolvendo violência contra a mulher, o mesmo rigor é observado com
outras tipologias penais, fator que favorece a extração de dados estatísticos. Nacionalmente
vislumbramos a inexistência de índices nacionais, como uma base integrada de dados, fator que
dificulta um levantamento para problematizarmos tais questões. O que verificamos foram
variados estudos que indicavam no primeiro semestre do corrente ano um aumento significativo
no número de feminicídios. Atribuímos esse aumento ao discurso de intolerância e aniquilação
do outro que se tornou prática recorrente na sociedade brasileira, a impossibilidade da
construção de um diálogo inviabiliza a aproximação e a visibilidade do outro, fator que autoriza
a aniquilação do diferente e inviabiliza a construção de uma sociedade mais justa e igual.
A pauta da violência contra a mulher possuí um lugar de destaque na nossa sociedade,
e ocupa as discussões públicas nesse sentido inúmeras questões tocam a mesma e geram
preocupações ao pensarmos nos altos índices que nosso país ostenta. Questão crucial a ser
trazida para dentro dessa reflexão, um contexto social no qual a flexibilização da posse e do
porte de armas está sendo discutido, gera um aumento na circulação das mesmas e também uma
insegurança para mulheres. “Apenas em 2017, mais de 221 mil mulheres procuraram delegacias
de polícia para registrar episódios de agressão (lesão corporal dolosa) em decorrência de
violência doméstica”19, dados esses extraídos a partir dos registros, lembrando que quando
falamos de questões criminais ainda temos a cifra oculta, na qual estão incluídas todas as
mulheres que por vergonha ou outros motivos não denunciaram as situações que vivenciaram.
Ao pensar o feminicídio não podemos restringi-lo a uma qualificadora de um tipo penal,
é um fenômeno complexo, que parte de um recorte de gênero, tendo em vista que é o mesmo é
o assassinato de alguém em virtude da condição de gênero. Mas outros elementos estão
imbrucados como a questão racial e questão de classe20. Para termos um panorama mais amplo
seria necessário um observatório nacional com dados disponíveis, para assim conseguirmos
elaborar um diagnóstico desse problema social.
Outra questão importante, perpassa pela adoção de medidas que visem padronizar a
conduta dos agentes públicos no que tange tal delito. Nesse sentido, destacamos a iniciativa
realizada pelo Conselho Nacional de Justiça, que elaborou a Resolução nº 254 de 2018, que
criou a Política Judiciária Nacional de enfrentamento à violência contra as Mulheres pelo Poder
Judiciário, a qual visa a realização de mutirões para agilizar a tramitação das ações que
envolvam casos com violências contra a mulher. Além disso, estabeleceu a criação de
Coordenadorias estaduais da mulher em situação de violência doméstica e familiar, e através
delas, devem estabelecer parcerias entre entidades públicas e organizações não-
governamentais, e além deve realizar formação para os magistrados que atuarão nessa temática.
Visando estimular a qualificação sobre essas questões.
Destacamos a criação de um Modelo do Protocolo latino-americano de investigação das
mortes violentas de mulheres por razões de gênero (femicídio/feminicídio) documento
elaborado em 2014, pelo Escritório Regional para a América Central do Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos (OANUDH), o mesmo visa organizar e orientar a
práticas dos operadores da Justiça, para assim melhorar a investigação policial e até mesmo o
processamento judicial, o documento intui organizar as ações do Estado, para responder as
obrigações internacionais e nacionais assumidas pelo governo brasileiro para enfrentar o
feminicídio. Até setembro de 2018 apenas três estados brasileiros aderiram a esse protocolo:
Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Sul.
Essas iniciativas buscam elaborar novas práticas e possibilidades para os atuantes no
judiciário e no sistema de investigação policial, visando que os casos de feminicídios sejam
encaixados como tal, e não mais como subnotificações. Visando que haja por parte dos agentes
públicos uma uniformidade na condução desses delitos e oriente para a construção de uma
política pública, no âmbito judiciário e policial para padronizar, a ação nas situações extremas.
Além do estatuto jurídico que envolve inúmeras questões práticas da proteção à mulher,
temos nessa expansão da tipificação do feminicídio uma função fundamental que a da operação
de uma mudança no nível da linguagem. Assim como consideramos no começo do texto que a
dominação do feminino pelo masculino se estrutura na cultura por meio da linguagem, uma
revolução nesse aspecto passa obrigatoriamente pela mesma.
Jacques Lacan considera que o sujeito é uma consequência da linguagem e que a cultura
é formada pela mesma, ou seja, do ponto de vista estruturalista, toda a mudança que pretenda
romper com uma cadeia histórica de acontecimentos necessita ser iniciada pela linguagem. A
luta para que haja uma palavra que defina o assassinato feminino por sua condição parece ser
115
pouco, porém, ela abre uma fresta para que possamos reconhecer que existem mulheres que são
mortas apenas por serem mulheres, algo que há quarenta anos atrás não seria possível.
Giorgio Agamben, filósofo italiano, se debruça sobre a figura jurídica do Hommo Sacer
(homem, novamente) que seria aquela pessoa a quem seria impetrada essa condição e sua morte
não seria nem assassinato nem sacrifício. Tal fator torna esta vida eliminável sem que haja
consequências para quem pratica tal ato de violência. No caso do assassinato das mulheres,
ofertar uma categoria faz com que ela exista para além da realidade crua, possibilita que haja o
combate.
Ainda é fundamental comentarmos a possibilidade de um relativismo e da importância
de não cairmos nele. Existem muitos argumentos que dão conta de a categorização do
feminicídio seria desnecessária por já haver a categoria do homicídio, fora que dão conta de
perguntar quando ocorre o contrário, quando uma mulher mata um homem por ser homem. O
primeiro ponto a ser considerado é que sequer existem dados estatísticos suficientes que
justifiquem a tentativa de criação categórica de um “machicídio”. O outro fato é que deixar de
levar em conta a violência praticada por homens, mostradas nas estatísticas, contra as mulheres,
seria um erro tamanho.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAPTISTA, Carla Viviane Bertoch. Homicídio passional – uma discussão entre crime
privilegiado e qualificado. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Vol. 116, ano 2015.
BRASIL. Lei n. 11.340 de 07 de agosto de 2006. – Lei Maria da Penha. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/L11340.htm Acesso set. 2019.
FREUD, Sigmund. Estudos sobre a histeria. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1995.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1989.
IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas
da violência 2019. Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo: 2019, Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/190605_atlas_da_v
iolencia_2019.pdf Acesso set. 2019.
JAGGAR, Aalison, BORDO, Susan. Gênero, corpo e conhecimento. Rio de Janeiro, RJ:
Rosados tempos 1997.
Resumo: O presente artigo visa a realizar uma breve análise sobre o tráfico internacional de
mulheres para fins de exploração sexual no Brasil, expondo as dificuldades conceituais,
principalmente, quanto ao consentimento, buscando abordar o perfil das vítimas e aliciadores e
os fatores de vulnerabilidade, e, por fim, a importância e das políticas públicas para o
enfrentamento ao tráfico de mulheres para fins de exploração sexual, e sua a (in)eficácia.
Objetiva-se, dessa forma, analisar como ocorre o tráfico internacional de pessoas com a
finalidade de exploração sexual, partindo dos fatores originários do tráfico de mulheres; o perfil
do traficante e das vítimas e as principais formas de aliciamento e recrutamento, partindo do
problema da (in)eficácia das legislações protetivas internacionais e nacionais, como o Protocolo
de Palermo, a Constituição Federal e o Código Penal. A metodologia utilizada é a qualitativa
bibliográfica e, como método, o dedutivo.
Palavras-chave: Tráfico internacional de mulheres. Exploração sexual. Vulnerabilidade das
vítimas. (In)eficácia de políticas públicas. Brasil.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1
Graduada em Direito pela Universidade de Cruz Alta (RS). Contato: palomasantos530@hotmail.com
2
. Doutoranda em Direito - UNISINOS. Mestra em Direito - UNIJUÍ. Especialista em Educação Ambiental -
UFSM. Integrante do Comitê Gestor do Pacto Universitário dos Direitos Humanos da Universidade de Cruz Alta.
Integrante do Grupo de Pesquisa “Clínica de Direitos Humanos” - UFPR. Integrante do Grupo de Pesquisa Jurídica
em Cidadania, Democracia e Direitos Humanos - GPJUR. Integrante do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Práticas
Sociais - UNICRUZ. Docente no Curso de Direito e do Núcleo Comum da UNICRUZ e do Curso de Direito das
Faculdades Integradas Machados de Assis FEMA - Santa Rosa. Advogada. Conciliadora Judicial - TJ/RS. Contato:
dtgsjno@hotmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5993648671113115.
3
Advogado inscrito na OAB-RS sob número 107.919. Doutor em Diversidade Cultural e Inclusão Social -
FEEVALE, Novo Hamburgo. Mestre em Direito com concentração em Direitos Humanos - UNIJUÍ. Especialista
em Docência no Ensino Superior e em Advocacia Geral - UNICID, em Filosofia e Direitos Humanos - AVM
Faculdade Integrada, em Educação para os Direitos Humanos - FURG, em Gestão Pública - UFSM e em Educação
Ambiental – UFSM, em Direito Administrativo e Direito Penal e Processual Penal Militar pela AVM Faculdade
Integrada. Bacharel em Direito - URCAMP e licenciado em Direito, formação de professores para o nível técnico
e tecnológico através do Programa Especial de Graduação da - UFSM. Contato: camargojoao@hotmail.com
118
As mulheres, geralmente são oriundas de países e regiões mais pobres, onde há pouco
acesso à informação, e são das vítimas mais vulneráveis, embora existam outros propósitos para
o tráfico de pessoas, como a retirada de órgãos e trabalho análogo ao escravo. O estudo justifica-
se na medida em que o tráfico de mulheres, para fins de exploração sexual, demonstra-se como
um dos maiores expoentes desse crime e a necessidade de se discutir sobre medidas para o seu
enfrentamento.
O tráfico de pessoas é uma prática antiga, identificada em várias regiões do mundo, dentre elas,
no Brasil-Colônia, em que as principais vítimas eram mulheres, inicialmente, negras, pois, para
Rodrigues, “[...] dos séculos XVI a XIX, os senhores obrigavam as escravas negras a prostituir-se, com
os fluxos migratórios vieram ao País; as escravas brancas para serem exploradas sexualmente, porém a
escravidão é muito mais antiga que o tráfico de negros”4.
[...] a exploração sexual de mulheres não era um atividade nova durante o século XIX
e início do século XX, mas havia adquirido uma nova caracterização à medida que o
capitalismo e a expansão europeia haviam redesenhado o mundo e vida urbana,
provendo a internacionalização dos mercados e a expansão dos prazeres. Neste
contexto, a figura da mulher torna-se um objeto para exportação da Europa para um
novo Continente.5
Atualmente, esse crime se confunde com outras práticas criminosas e de violações aos
direitos humanos e não serve mais apenas à exploração de mão de obra escrava.
Alimenta também redes nacionais e transnacionais de exploração sexual comercial,
4
RODRIGUES, Thaís de Camargo. Tráfico Internacional de Pessoas Para Exploração Sexual. São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 55.
5
MENEZES, Lená Medeiros de. O tráfico internacional de mulheres no debut e fin-de-siecle. In: Discursos
sediciosos - crime, direito e sociedade. Ano 2, Nº. 4. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997, p. 171-178. p. 172.
6
MENEZES, Lená Medeiros de. O tráfico internacional de mulheres no debut e fin-de-siecle. In: Discursos
sediciosos - crime, direito e sociedade. Ano 2, Nº. 4. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997, p. 171-178.
119
Das causas do tráfico de mulheres para fins de exploração sexual, de acordo com Justo,
destacam-se duas:
No ano 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou um comitê intergovernamental
para tráfico transnacional de seres humanos, definido no Protocolo Adicional à Convenção das Nações
Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à
Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, conhecido como Protocolo de
7
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Tráfico de Pessoas: Lei 13.344/2016 Comentada por
Artigos. Salvador: Juspodvm, 2017.
8
JUSTO, Nathalia. Tráfico de Pessoas, valores e prostituição. Franca: Universidade Estadual Paulista Júlio De
Mesquita Filho, 2008, p. 29.
9
SANTOS, Boaventura de Sousa; GOMES, Conceição; DUARTE, Madalena; BAGANHA, Maria Ioannis.
Tráfico de mulheres em Portugal para fins de exploração sexual. Colecção Estudos de Gênero. Lisboa, 2008,
p. 17.
10
Ratificada pelo Brasil pelo Decreto Nº 2.740, de 20 de Agosto de 1998.
11
OEA. Organização dos Estados Americanos. Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de
Menores. Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/B-57.htm>. Acesso em: 12 Set. 2019,
s/p.
12
OEA. Organização dos Estados Americanos. Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de
Menores. Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/B-57.htm>. Acesso em: 12 Set. 2019,
s/p.
120
Palermo13.O Protocolo foi adotado pela Resolução da Assembleia-Geral nº. 55/25, em 15 de novembro
de 2000, passando a vigorar em 200314. O Protocolo afirma a importância de respeitar, plenamente, os
direitos humanos das vítimas envolvidas e a promoção, entre os Estados, de forma a atingir os objetivos
propostos, e define, no artigo 3º,o que significa a expressão tráfico de pessoas:
Na alínea “a” do artigo 3º, o Protocolo estabeleceu obrigações aos países signatários,
exigindo, entre outras, a criação de um arcabouço normativo e de políticas públicas de
prevenção e repressão ao tráfico internacional de seres humanos. Assim, o Protocolo de
Palermo é um importante tratado com fins de combater o tráfico internacional de mulheres ao
combater e prevenir as atividades de infratores que promovem a entrada ilegal de uma pessoa
em outro país.
Contudo, o tráfico de pessoas é a terceira fonte mais rentável de exploração de forma
Ilícita, ficando atrás apenas do tráfico de armas e o de drogas. Segundo a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), no ano de 2005 43% das vítimas eram subjugadas para
exploração sexual e 32% para trabalhos forçados, sendo que 25% eram submetidas a ambas.
No Brasil, o tráfico para fins sexuais é, predominantemente, de mulheres e adolescentes,
afrodescendentes, entre 15 e 25 anos.16
O Código Penal Brasileiro, no artigo 149-A, define o tráfico internacional de pessoas como
“agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave
ameaça, violência, coação, fraude ou abuso”17, com fins de, entre outros, exploração sexual, conforme
o inciso V. Esta redação passou a viger em 2016, incluída pela Lei nº. 13.344/201618 (Lei de Tráfico
13
ONU. Organização das Nações Unidas. Protocolo de Palermo. Disponível em: <http://sinus.org.br/2014/wp-
content/uploads/2013/11/OIT-Protocolo-de-Palermo.pdf>. Acesso em: 12 Set. 2019, s/p.
14
Ratificado pelo Brasil por intermédio do Decreto nº. 5.017, de 12 de março de 2004
15
Op. cit., p. 2-3.
16
OIT – Organização Internacional do Trabalho. (Org.) Tráfico de Pessoas para fins de Exploração Sexual.
Brasília: Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2005.
17
BRASIL. Decreto lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 12 Set. 2019.
18
Dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às
vítimas; altera a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código
de Processo Penal), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); e revoga dispositivos do
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).
121
Estudar o tráfico, em sua nova configuração, deve alinhar-se com a garantia de direitos
fundamentais das mulheres. Além de ser um dos crimes que vem crescendo no mundo, e por alvejar o
gênero feminino, quando exposto à vulnerabilidade, torna-se ainda mais perceptível.
Tratar sobre o tráfico de mulheres, e não de homens, deve-se a dados que demostram que a
mulher tem mais facilidade de ser traficada, tendo em vista os fatores de desigualdade financeira, por se
encontrarem em vulnerabilidade social, em situações de pobreza, pouca escolaridade. De acordo com a
Comissão Europeia:
Para Fischer e Marques (2001, p.3), a exclusão da mulher está, diretamente, vinculada com a
desigualdade de gênero:
19
“Art. 1º. [...] Parágrafo único. O enfrentamento ao tráfico de pessoas compreende a prevenção e a repressão
desse delito, bem como a atenção às suas vítimas.” BRASIL. Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-
2018/2016/Lei/L13344.htm#targetText=Disp%C3%B5e%20sobre%20preven%C3%A7%C3%A3o%20e%20rep
ress%C3%A3o,de%201940%20(C%C3%B3digo%20Penal).>. Acesso em: 12 Set. 2019, s/p.
20
COMISSÃO EUROPEIA. Tráfico de mulheres – a miséria por trás da fantasia: da pobreza à escravatura sexual
– uma estratégia Europeia global. MEMO/01/64. Comissão de Justiça e Assuntos Internos: Brussels, 2001, p. 2.
122
São diversas as razões e fatores o tráfico de pessoas decorre, como o gênero, as desigualdades
sociais, falta de oportunidades, e, especialmente, o tráfico de mulheres, é uma forma de lucro rentável e
cada vez maior, por serem, particularmente, mais vulneráveis do que os homens. Segundo dados do
Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, o perfil das vítimas é de:
No geral, as mulheres imigrantes, após chegarem ao destino, percebem que estão sendo
vítimas de tráfico de pessoas para prostituição, têm os documentos apreendidos e vivem como
objetos, sujeitando-se às formas desumanas de exploração, inclusive, com ameaças à família,
fatores que impedem, ou dificultam, substancialmente, que as mulheres resistam ou encontrem
formas de escapar do que lhes foi impingido.23
Os aliciadores integram organizações criminosas nacionais ou transnacionais, e tratam da saída
das vítimas do País, como passaporte, passagens, vistos, hospedagens. As promessas são de melhores
oportunidades em trabalhos, “com as mulheres, que representam o maior percentual do tráfico de
pessoas, ocorre, na maioria das vezes com trabalhos como modelos, garçonete entre outros”24, como
destacam Ramina e Raimundo.
21
FISCHER, Izaura Rufino; MARQUES, Fernanda. Gênero e Exclusão Social. N°. 113. Recife: Fundação
Joaquim Nabuco, 2001, p. 2.
22
UNODC - Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Conheça o perfil do tráfico de seres humanos
no Brasil. 2003. Disponível em: <http://www.unodc.org/brazil/press_release_2004-05-19.html>. Acesso em: 12
Set. 2019, p. 27.
23
LOURENÇO, Priscila Rodrigues; CALIARI, Fábio Rocha; SPAGNOL, Rosangela Paiva. Tráfico
internacional de pessoas para fins de exploração sexual á luz da legislação Brasileira. Barretos: Conic, 2013.
24
RAMINA, Larissa; RAIMUNDO, Louise. Tráfico internacional de mulheres para fins de exploração sexual:
Dificuldades conceituais, caracterização das vítimas e operacionalização. Revista Direitos Fundamentais &
Democracia, v. 14, n. 14.1, 2013. p. 162-180, p. 8.
25
RODRIGUES, Thaís de Camargo. Tráfico Internacional de Pessoas Para Exploração Sexual. São Paulo:
Saraiva, 2013.
123
de encaminhamento da mulher do aeroporto à cidade, do dinheiro a ser enviado para passagem e para
despistar as autoridades de imigração do país de destino”26.
Apenas ao chegarem ao destino, percebem que são vítimas de tráfico de pessoas para
prostituição. São mantidas sob forte vigilância, sem contato com familiares e ameaçadas para filhos e
familiares que deixaram. De acordo com Vasconcelos:
A exploração sexual constitui violação aos direitos humanos, no que interrompe direitos
fundamentais tais como: a liberdade de escolha, a obrigação de fazer algo contra sua vontade,
o abandono do lar entre outros. A ideia de submissão feminina frente à soberania patriarcal
mantém a desigualdade e a opressão, sofrida pelas mulheres, pelo que Dias afirma:
26
TERESI, Verônica Maria; HEALY, Claire. Guia de referência para a rede de enfrentamento ao tráfico de
pessoas no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Justiça, 2012, p. 70.
27
VASCONCELOS, Márcia. Manual de Capacitação sobre enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília:
Ministério da Justiça – Secretaria Nacional de Justiça, 2010, p. 115.
28
LOURENÇO, Priscila Rodrigues; CALIARI, Fábio Rocha; SPAGNOL, Rosangela Paiva. Tráfico
internacional de pessoas para fins de exploração sexual á luz da legislação Brasileira. Barretos: Conic, 2013,
p. 43.
29
ONU. Organização das Nações Unidas. Protocolo de Palermo. Disponível em: <http://sinus.org.br/2014/wp-
content/uploads/2013/11/OIT-Protocolo-de-Palermo.pdf>. Acesso em: 12 Set. 2019, p. 3.
124
sempre coube o espaço público, e a mulher foi confinada nos limites do lar, no cuidado
da família. Isso enseja a formação de dois mundos: um, de dominação, externo,
produtor; outro, de submissão, interno e reprodutor. A essa distinção estão associados
os papéis ideais de homens e mulheres: ele provendo a família, e ela cuidando do lar,
cada um desempenhando a sua função.30
30
DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre justiça e os crimes contra as mulheres. Porto Alegre: Livraria do
advogado, 2004, p. 56.
31
RODRIGUES, Thaís de Camargo. Tráfico Internacional de Pessoas Para Exploração Sexual. São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 55.
32
BRASIL. Mulheres são maioria das vítimas do tráfico de pessoas. 2017. Disponível em:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-09/mulheres-sao-maioria-das-vitimas-do-trafico-de-pessoas-
aponta-relatorio>. Acesso em: 12 Set. 2019.
125
melhoria de qualidade de vida, as mulheres passam a buscar trabalho e fonte de renda em outros
lugares.33Em 2010, UNODC apontou que a movimentação financeira, provocada pelo tráfico
de pessoas para fins de exploração sexual para a Europa, chega a 3 bilhões de dólares por ano,
levando a um aumento de 70.000 vítimas por ano.34Em dados de 17 de março de 2017, o
UNODC apontou que quase um terço do total das vítimas de tráfico de pessoas no mundo são
meninos e meninas, e que mulheres e meninas correspondem a 71% das vítimas do tráfico.35
Para a política de enfrentamento, no Brasil, foi criado o Decreto nº 7.901, de 4 de fevereiro de
2013, que instituiu a Coordenação Tripartite da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas e o Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – CONATRAP. No artigo 1º
constam os objetivos, dentre os quais: ampliar e aperfeiçoar instâncias e órgãos de enfrentamento ao
tráfico de pessoas, a prevenção e repressão do crime, a responsabilização dos, a atenção às vítimas e a
proteção de seus direitos; fomentar a cooperação entre órgãos; reduzir situações de vulnerabilidade;
capacitação dos envolvidos; disseminação de informações e sensibilização social.36
Dentre a sociedade civil organizada, há a Associação Brasileira de Defesa da Mulher
(ASBRAD), uma Organização Não Governamental (ONG), fundada em 1997 e estruturada por pessoas
capacitadas de diversas áreas, com a missão de “[...]acolher mulheres, crianças e adolescentes vítimas
de violência nas suas mais diversas modalidades”37, pautada na ética e transparência, em defesa da
proteção e direitos da mulher, criança e adolescente, oferecendo assistência e denunciando casos de
violência.38
33
UNODC. Global Reporton Trafficking in Persons. UNODC: Viena, 2017. Disponível em:
<https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/frontpage/2017/03/quase-um-terco-do-total-de-vitimas-de-trafico-de-
pessoas-no-mundo-sao-criancas-segundo-informacoes-do-relatorio-global-sobre-trafico-de-pessoas.html>
Acesso em: 12 Set. 2019.
34
UNODC. Global Reporton Trafficking in Persons. Viena: UNODC, 2010. Disponível em:
<https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/imprensa/discursos/2010/03-25-seminario-regional-sobre-trafico-de-
pessoas-e-exploracao-sexual.html> Acesso em: 12 Set. 2019.
35
Op. cit, 2017.
36
BRASIL. Diagnóstico Sobre Tráfico de Pessoas nas Áreas de Fronteira no Brasil. Secretaria Nacional de
Justiça do Ministério da Justiça/Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC): Brasília, 2013.
Disponível em: <http://www.unodc.org/brazil/press_release_2004-05-19.html>. Acesso em: 12 Set. 2019.
37
ASBRAD. Associação Brasileira de Defesa da Mulher. Nossa História. Disponível em:
<http://www.asbrad.com.br/index-1.html>. Acesso em: 12 Set. 2019.
38
De acordo com o artigo 2° do Estatuto da ASBRAD, a ONG tem a finalidade de: 1. Proteger e defender os
direitos da mulher, da família, da maternidade, da infância, da adolescência e da velhice; 2. Oferecer assistência
social, psicológica e jurídica, gratuitamente; 3. Combater e denunciar os casos de violência em todos os âmbitos
da convivência humana, em especial a exploração infanto-juvenil nas suas mais diversas modalidades,
empreendendo a busca da responsabilização e punição de quem as violenta, abusa ou explora; 4. Mobilizar a
sociedade para denunciar casos de qualquer natureza, inclusive representando os seus assistidos em juízo ou fora
deste; 5. Desenvolver programas de capacitação para geração de ocupação e renda para mulheres advindas de
famílias de baixa renda e/ou de risco social; 6. Prestar serviços assistenciais implementando atendimento direto a
adolescentes inseridos nas medidas sócio educativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
ASBRAD. Associação Brasileira de Defesa da Mulher. Estatuto ASBRAD. Disponível em:
<http://www.asbrad.com.br/estatutos.html >. Acesso em: 12 Set. 2019, p. 1.
126
Rodrigues destaca que a prevenção ao tráfico de pessoas é o meio mais eficiente para seu
enfrentamento, pois “[...] o objetivo é reduzir a vulnerabilidade de determinados grupos sociais ao tráfico
e fomentar o seu empoderamento, também efetuar políticas públicas para o combate a reais causas
estruturais do problema”40. No que diz a proteção das vítimas, é necessário que seja efetuado um
tratamento justo, seguro e não discriminatório, com proteção especial e acesso à justiça, evitando assim
que sejam retraficadas.41
As respostas institucionais para o enfrentamento do tráfico de mulheres seguem
caminhos distintos, mas já contam com leis integrais, políticas e ou planos nacionais de ação.
O Brasil demonstrou avanços importantes com os Planos de Ação e ao aprofundar o
mapeamento das principais rotas do tráfico, além de gerar espaços para a discussão do tema
com a sociedade civil, bem como, a articulação tripartite entre Secretaria de Políticas para
Mulheres da Presidência da República, o Ministério da Justiça, e a Secretaria de Direitos
Humanos.42
As dificuldades são percebidas na parcial eficácia em combater o tráfico de mulheres,
com inúmeras barreiras que ocultam essa prática, como silêncio das vítimas e dos familiares,
que, por vezes, recusam-se a denunciar ou testemunhar, inibindo a localização dos criminosos
39
LIBÓRIO, Renata Maria Coimbra; SOUSA, Sônia M. Gomes. A exploração sexual de crianças e adolescentes
no Brasil: reflexões teóricas, relatos de pesquisas e intervenções psicossociais. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2004, p. 275.
40
RODRIGUES, Thaís de Camargo. Tráfico Internacional de Pessoas Para Exploração Sexual. São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 157.
41
RODRIGUES, Thaís de Camargo. Tráfico Internacional de Pessoas Para Exploração Sexual. São Paulo:
Saraiva, 2013.
42
BRASIL. Diagnóstico Sobre Tráfico de Pessoas nas Áreas de Fronteira no Brasil. Secretaria Nacional de
Justiça do Ministério da Justiça/Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC): Brasília, 2013.
Disponível em: <http://www.unodc.org/brazil/press_release_2004-05-19.html>. Acesso em: 12 Set. 2019.
127
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
43
ANDERSON, Bridget; DAVIDSON, Julia O’Connell. Trafficking – A Demand Led Problem. Sweden: Save
The Children, 2002. Apud SANTOS, Boaventura de Sousa; GOMES, Conceição; DUARTE, Madalena;
BAGANHA, Maria Ioannis. Tráfico de mulheres em Portugal para fins de exploração sexual. Colecção Estudos
de Gênero. Lisboa, 2008, p. 24.
44
BRASIL. Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Disponível em:
<https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/redes-de-enfrentamento/nucleos-de-
enfrentamento>. Acesso em: 12 Set. 2019.
128
Estado buscar solucionar este problema por meio do combate às condições de vulnerabilidade,
bem como, uma posição na punição do delito e na defesa da vítima mais efetiva.
REFERÊNCIAS
_______. Mulheres são maioria das vítimas do tráfico de pessoas. 2017. Disponível em:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-09/mulheres-sao-maioria-das-vitimas-do-
trafico-de-pessoas-aponta-relatorio>. Acesso em: 12 Set. 2019.
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Tráfico de Pessoas: Lei 13.344/2016
Comentada por Artigos. Salvador: Juspodvm, 2017.
DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre justiça e os crimes contra as mulheres. Porto
Alegre: Livraria do advogado, 2004.
129
FISCHER, Izaura Rufino; MARQUES, Fernanda. Gênero e Exclusão Social. N°. 113. Recife:
Fundação Joaquim Nabuco, 2001.
MENEZES, Lená Medeiros de. O tráfico internacional de mulheres no debut e fin-de-siecle. In:
Discursos sediciosos - crime, direito e sociedade. Ano 2, Nº. 4. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1997, p. 171-178.
OEA. Organização dos Estados Americanos. Convenção Interamericana sobre Tráfico
Internacional de Menores. Disponível em:
<http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/B-57.htm>. Acesso em: 12 Set. 2019.
TERESI, Verônica Maria; HEALY, Claire. Guia de referência para a rede de enfrentamento
ao tráfico de pessoas no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Justiça,
2012.
UNODC - Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Conheça o perfil do tráfico
de seres humanos no Brasil. 2003. Disponível em:
<http://www.unodc.org/brazil/press_release_2004-05-19.html>. Acesso em: 12 Set. 2019.
130
Resumo: A pesquisa estuda criticamente as leis contra a violência de gênero, em especial a Lei
Maria da Penha, no que diz respeito à violência contra mulheres negras. Trata-se de estudo
baseado em informações e relatórios sobre a violência contra a mulher negra no Brasil e uso do
método hipotético-dedutivo e revisão bibliográfica. O trabalho é necessário para pensar como
as normas nem sempre contemplam as especificidades das diferentes mulheres, pensando o
próprio processo histórico colonialista de subjugação e invisibilidade das demandas que
interseccionam raça, classe e gênero. Assim, pergunta-se: Em que medida a Lei Maria da Penha
deixa de observar as especificidades das mulheres negras brasileiras? De que maneira os
estudos Decoloniais podem servir de aporte epistemológico para fomentar a crítica ao Direito?
Compreende-se que a adoção das teorias Decoloniais podem exercer um papel fundamental no
processo de potencialização dos direitos das mulheres negras e de luta contra a violência desse
grupo específico de mulheres, historicamente negligenciado pelo processo de colonialidade do
poder, do saber e do ser.
INTRODUÇÃO
Em agosto deste ano, a Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/2006, completou 13 anos. De
lá para cá, uma série de discussões acerca da violência de gênero foram pautadas no Brasil,
inclusive, novos marcos legais foram implementados no ordenamento jurídico brasileiro, como
é o caso do Feminicídio. Não obstante os avanços normativos na garantia formal de combate à
violência contra a mulher, algumas peculiaridades são invisibilizadas.
Os números são alarmantes. Mais da metade das mulheres assassinadas no Brasil são
negras, sendo desproporcional a taxa de crescimento de homicídios de mulheres negras em
relação a mulheres não negras. Diante desse cenário de violência sistêmica contra mulheres
pretas e pardas, problematizou-se a pesquisa da seguinte forma: Em que medida a Lei Maria da
Penha deixa de observar as especificidades das mulheres negras brasileiras? De que maneira os
estudos Decoloniais podem servir de aporte epistemológico para fomentar a crítica ao Direito?
Parte-se da hipótese de que a Lei Maria da Penha se presta a um público-alvo geral:
“mulheres”, olvidando-se da intersecção de raça, classe e gênero. Assim, objetiva-se
1
Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, bolsista CAPES. Mestra em Direito pela
Universidade Federal de Pelotas. Especialista em Direito do Trabalho e graduada em Direito pela Universidade
Franciscana. Advogada
132
compreender como os estudos Decoloniais podem vir a contribuir com a propagação das
denúncias elaboradas pelos movimentos sociais – em especial do movimento feminista negro-
e servir de crítica ao sistema jurídico hegemônico.
Desse modo, o estudo enquadra-se na linha de pesquisa “Maria da Penha: Políticas
Públicas e a aplicabilidade no combate à violência de gênero”, proposta pelo presente evento.
Através do método hipotético-dedutivo e revisão bibliográfica, o artigo foi organizado em três
diferentes momentos. Em primeiro lugar, pontuar os recentes avanços legais em prol da
proteção das mulheres no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo com o advento da Lei
Maria da Penha.
Em segundo lugar, será feito o recorte racial da temática, demonstrando, através de
pesquisas e estudos doutrinários, a importância de discutir o enfrentamento da violência de
gênero através da intersecção de raça, classe e gênero. Por fim, analisar a possibilidade de um
olhar crítico latino-americano do Direito, por meio dos estudos Decoloniais.
2
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em set. 2019.
3
BARATTA, Alessandro. O paradigma do gênero: a questão criminal à questão humana. In: CAMPOS, Carmen
Hein de (Org.). Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999. p. 61.
133
e ampara todo o sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Sua proteção é
requisito, condição e pressuposto para o pleno e livre exercício de direitos”4.
Nesse sentido, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), adotada pela Organização dos Estados
Americanos (OEA), no ano de 1994, afirmou que a violência contra a mulher constitui violação
aos Direitos Humanos, sendo manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre
homens e mulheres. Ainda nessa convenção, recorda-se a Declaração para a Erradicação da
Violência contra Mulheres, ponderando que a violência contra mulher permeia todos setores da
sociedade e afeta negativamente suas próprias bases. Definiu a violência contra mulheres como
“qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual
ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”5.
Tal Convenção foi primordial para impulsionar as discussões acerca da violência contra
a mulher, pautando as demandas de gênero. Ademais, contribuiu para que, no plano
infraconstitucional brasileiro, fosse elaborada a Lei nº 11.340/2006, a Lei Maria da Penha,
destinada ao combate da violência doméstica e familiar contra a mulher6.
A lei ficou conhecida por esse nome, em razão do paradigmático caso da bioquímica
nordestina Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica depois de ter sido agredida
diversas vezes e baleada, em 1983, pelo ex-marido, condenado somente em 2002, quando o
crime estava por prescrever e após decisão em Corte Internacional. Essa legislação, que neste
ano de 2019 completou 13 anos, possibilitou muitos avanços, especialmente políticas públicas
no enfrentamento à violência doméstica e familiar, no seio das Delegacias Especiais de
Atendimento às Mulheres7.
4
PIOVESAN, Flávia. Igualdade, diferença e direitos humanos. In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo
Wolfgang (Coord.) Direitos fundamentais e estado constitucional: estudos em homenagem a J.J. Gomes
Canotilho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 320.
5
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA).Convenção Interamericana para prevenir, punir
e erradicar a violência contra a mulher. Disponível em:
http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm. Acesso em set. 2019.
6
BRASIL. Lei Nº 11.340, DE 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso
em set. 2019.
7
ALMEIDA, Tânia Mara Campos de Almeida; PEREIRA, Bruna Cristina Jaquetto. Violência Doméstica e
Familiar contra mulheres pretas e pardas no Brasil: Reflexões pela ótica dos estudos feministas latino-americanos.
Crítica e Sociedade: revista de cultura política. v.2, n.2, Dossiê: Cultura e Política, dez. 2012. Disponível em:
file:///C:/Users/STI/Downloads/21941-Texto%20do%20artigo-82693-1-10-20130308%20(1).pdf. Acesso em set.
2019. p. 47-48.
134
8
BRASIL. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio,
e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm Acesso em set. 2019.
9
PIMENTEL, Silvia; PIOVESAN, Flávia. A Lei Maria da Penha na perspectiva da responsabilidade
internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 103.
135
30%, a de mulheres não negras subiu somente 4,5%. Diante desse alarmante cenário, o próprio
relatório conclui que a problemática é fruto da dificuldade de o Estado brasileiro em garantir a
universalidade de suas políticas públicas10.
Analisar a não universalidade das políticas públicas e legislativas, ou seja, pensar o
porquê uma parcela significativa de mulheres não é contemplada pelas previsões protetivas,
assim como, refletir o contexto da violência contra a mulher negra na contemporaneidade, é
revisitar a história racista e sexista do Brasil. O inegável passado colonial do país cunhou as
relações sociais que hoje são palpáveis.
Nesse sentido, a escravidão conferiu aos negros a representação de “[...] povos sem fé,
lei ou rei, descrição esta que os caracterizava a partir da noção de falta, basilar na construção
da imagem do negro como inferior em relação ao branco”11. Tal narrativa foi contada sob as
lentes europeias, sendo as invasões no solo latino-americano retratadas, na hegemônica história
contada pelos dominadores, como um favor aos denominados selvagens, que deveriam ser
civilizados em nome do “progresso” da nação.
De acordo com Boaventura de Sousa Santos, “O pensamento moderno ocidental é um
pensamento abissal”, que diz respeito à coexistência de dois lados da linha e para além dela há
apenas a inexistência, invisibilidade e ausência não-dialética12. “Em cada um dos dois grandes
domínios – a ciência e o direito – as divisões levadas a cabo pelas linhas globais são abissais
no sentido em que eliminam definitivamente quaisquer realidades que se encontrem do outro
lado da linha”13
Essa linha abissal, pôs a mulher branca como o marco zero, como reflexo geral da
categoria “mulher”. E, do outro lado, estão as mulheres não brancas, ocupantes de posições
subalternas socialmente. Esse entrelaçamento histórico de subjugação conferiu alguns estimas
para as mulheres negras. Lélia Gonzales denomina o racismo como a neurose cultural brasileira
que produz efeitos violentos sobre a mulher negra em particular. Com base nisso, propõe
observar a questão da mulher negra sobre a noção de mulata, doméstica e mãe preta14.
10
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA; FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA
PÚBLICA. Atlas da Violência 2019. Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo, 2019. p. 35-39.
11
STREVA, J. M.. Colonialidade do ser e Corporalidade: o racismo brasileiro por uma lente descolonial.
Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia, 2016. p. 27.
12
SOUSA SANTOS, Boaventura. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes.
In: SOUSA SANTOS, Boaventura; MENESES, Maria Paula G. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.
p. 24.
13
SOUSA SANTOS, Boaventura. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes.
In: SOUSA SANTOS, Boaventura; MENESES, Maria Paula G. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.
p. 26.
14
GONZALES, Lélia. RACISMO E SEXISMO NA CULTURA BRASILEIRA. In: Revista Ciências Sociais
Hoje, Anpocs, 1984. p. 224.
136
À mulher negra alguns postos foram atrelados, como cozinheira, faxineira, servente,
trocadora de ônibus ou prostituta. Isso está amplamente difundido nos meios de comunicação
em massa e imaginário popular. Atribui essas noções à perspectiva de consciência e de
memória. A primeira vinculada à alienação e ao esquecimento. A segunda ligada ao não-saber15.
Logo, invisibilizam-se as peculiaridades dessas mulheres negras, que são, justamente, as mais
vulnerabilizadas socialmente. Um passado que é esquecido, apesar de deixar marcas no
presente, tem suas feridas largadas à negligência e ao desconhecimento.
Ao analisar o lugar das mulheres negras no labor, é possível observar esse movimento
de afastamento das demandas das mulheres brancas, em especial pertencentes à elite, da
realidade das mulheres negras, exploradas e coisificadas nesse duro processo de escravidão.
Verifica-se através do estudo de Angela Davis, que às mulheres negras nunca foi conferido o
mito da fragilidade feminina, sendo que sua mão-de-obra escrava foi utilizada desde os
primórdios da moderna civilização. Apesar da autora tratar sobre o contexto norte-americano,
a realidade brasileira da época se assemelha à estadunidense nesse ponto: “O sistema escravista
definia o povo negro como propriedade. Já que as mulheres eram vistas, não menos do que
homens, como unidades de trabalho lucrativas, para os proprietários de escravos elas poderiam
ser desprovidas de gênero”16. Nessa mesma esteira,
15
GONZALES, Lélia. RACISMO E SEXISMO NA CULTURA BRASILEIRA. In: Revista Ciências Sociais
Hoje, Anpocs, 1984. p. 226-228..
16
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Traduzido por Heci Regina Cadiani. São Paulo: Boitempo, 2016. p.
17.
17
CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de
uma perspectiva de gênero. In: Racismos Contemporâneos, Rio de Janeiro:Takano Editores, 2003. p.2.
137
18
CRENSHAW, Kimberle W. A intersecionalidade entre na Discriminação de Raça e Gênero. In: VV.AA.
Cruzamento: raça e gênero. Brasília: Unifem, 2004. p. 13-14.
19
ALMEIDA, Tânia Mara Campos de Almeida; PEREIRA, Bruna Cristina Jaquetto. Violência Doméstica e
Familiar contra mulheres pretas e pardas no Brasil: Reflexões pela ótica dos estudos feministas latino-americanos.
Crítica e Sociedade: revista de cultura política. v.2, n.2, Dossiê: Cultura e Política, dez. 2012. Disponível em:
file:///C:/Users/STI/Downloads/21941-Texto%20do%20artigo-82693-1-10-20130308%20(1).pdf. Acesso em set.
2019. p.61.
20
PAOLI, Maria Célia. Movimentos Sociais, Cidadania, Espaço Público: Perspectiva brasileiras para os Anos 90.
Revista Ciência de Ciências Sociais. São Paulo, v. 33, p. 115-162, out. 1991. p. 131.
138
21
SILVEIRA, Héctor. El cuarto poder y la protección de lo común. Revista Crítica Penal y Poder, Universidad
de Barcelona. Barcelona, n. 12, p.1-33, mar. 2017. p.5.
22
BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Rev. Brasileira de Ciência Política, Brasília, n.
11, p. 89-117, ago. 2013. Disponível
em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010333522013000200004&lng=en&nrm=iso.
Acesso em out. 2019.
23
RESTREPO, Eduardo. ROJAS, Axel. Inflexión decolonial: fuentes, conceptos y cuestionamientos. Popayán,
Samava. 2010. p. 15.
24
MIGNOLO, Walter. Pensamento decolonial, desprendimiento y apertura. In.: MIGNOLO, Walter (org.). Habitar
la frontera: sentir y pensar la descolanialidad. Barcelona: CIDOB, 2015.
25
WALSH, Catherine. Interculturalidad y colonialidad del poder. Un pensamiento y posicionamiento “otro” desde
la diferencia colonial. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón (orgs). El giro decolonial.
Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre
Editores; Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia Universidad Javeriana,
139
A observação da violência contra a mulher negra no Brasil, tem intrínseca ligação com
a colonialidade. A subalternização das mulheres negras nos mais diversos âmbitos sociais,
também se reflete nas violências sofridas por essas mulheres. Mesmo que exista um arcabouço
legal de proteção e enfrentamento à violência em razão de gênero, elas são invisibilizadas nesse
processo de aplicação da lei, uma vez que estão no outro lado da linha abissal, tendo suas
peculiaridades silenciadas pelo Direito hegemônico, o que é demonstrado numericamente nas
pesquisas de coleta de dados.
Boaventura esclarece a necessidade de um pensamento alternativo de alternativas, um
pensamento pós-abissal26. Somente dessa forma que se teria a chance de contemplar um maior
número de diversidades na efetivação de Direitos e políticas públicas, sem o abismo social
maniqueísta.
Mignolo27, muito bem assevera que de nada adianta a teorização da Decolonidade se os
estudiosos não seguirem a vanguarda dos movimentos sociais. Dessa forma, não se
desconsideram os processos de resistência e denúncias articuladas pelos movimentos sociais
até então. Muito pelo contrário, deve-se alinhar essas experiências com as teorizações
inovadoras dessa nova episteme, oriunda da região marginal do globo, a fim de efetivar esse
modelo de compreensão do mundo.
Os movimentos sociais, desde o fim da década de 1980 e meados da década de 1990,
vêm ganhado força no país. Essas articulações sociais criaram o terreno para que fossem
elaborados novos paradigmas normativos. Todavia, muitas especificidades não são
contempladas por esse avanço, sendo os estudos Decoloniais uma teoria que pode vir a propiciar
o engajamento da doutrina com a prática insurgente dos movimentos sociais.
O desafio institucional apresenta-se em dois níveis. O primeiro, diz respeito aos
processos de mudança nos paradigmas disciplinares no campo jurídico de formação
universitária e profissional, que atinge as mentalidades, os valores e as ideias. O segundo
relaciona-se com a democratização das relações sociais de gênero no campo da atuação jurídica,
atingindo a constituição de uma vontade política28.
Os estudos Decoloniais são um movimento de busca por outras alternativas, que põem
em xeque as estruturas rigidamente sedimentadas do Direito. Trata-se de uma quebra de
paradigma, que destaca sujeitos e demandas historicamente silenciados, a fim de realizar uma
ruptura social, promovendo o Bem Viver na busca de soluções alternativas às mazelas
originadas pelo colonialismo.
CONCLUSÃO
28
BANDEIRA, Lourdes. Três décadas de resistência feminista contra o sexismo e a violência feminina no
Brasil: 1976 a 2006. Sociedade & Estado, Rio de Janeiro, 2009. p. 424.
141
Por isso a importância dos estudos Decoloniais. Tal epistemologia propõe-se a ouvir os
subalternizados e promover a busca por uma sociedade alternativa, outra. A fim de dispor de
mecanismos de enfrentamento e superação das marcas coloniais de poder, saber e ser presentes
na contemporaneidade.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Tânia Mara Campos de Almeida; PEREIRA, Bruna Cristina Jaquetto. Violência
Doméstica e Familiar contra mulheres pretas e pardas no Brasil: Reflexões pela ótica dos
estudos feministas latino-americanos. Crítica e Sociedade: revista de cultura política. v.2, n.2,
Dossiê: Cultura e Política, dez. 2012. Disponível em: file:///C:/Users/STI/Downloads/21941-
Texto%20do%20artigo-82693-1-10-20130308%20(1).pdf. Acesso em set. 2019.
_______. Lei Nº 11.340, DE 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal,
da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher;
dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera
o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em set. 2019.
______. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7
de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância
qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para
incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm Acesso em set.
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