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COORDENAÇÃO

Rosângela Maria Herzer dos Santos

Maria Cláudia Felten

Fabricio Fay

Tatiana Silva Corrêa

RELAÇÕES DE TRABALHO E A PANDEMIA DO


CORONAVÍRUS

Porto Alegre, 2021


Copyright © 2020by Ordem dos Advogados do Brasil

Todos os direitos reservados

Coordenadores

Rosângela Maria Herzer dos Santos


Diretora Geral da ESA/OAB/RS

Maria Cláudia Felten


Diretora de Cursos Permanentes ESA/ OAB/RS

Fabricio Fay
Presidente da CEAT/OAB/RS

Tatiana Silva Corrêa


Membro da CEAT/ OAB/RS

Capa:
Carlos Pivetta

R321

Relações de trabalho e a pandemia do coronavírus/Santos, Rosângela


Maria Herzer et.al (Coords).- Porto Alegre: OABRS/RS, 2021. p.243

ISBN: 978-65-88371-04-6

1. Direito do Trabalho. 2. Coronavírus. I.Título


CDU 34:331

Bibliotecária Jovita Cristina Garcia dos Santos – CRB 10/1517

O conteúdo é de exclusiva responsabilidade dos seus autores.

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COOABCred-RS

Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel


Vice-Presidente: Márcia Isabel Heinen
SUMÁRIO

PALAVRA DO PRESIDENTE – Ricardo Breier .................................................................. 8

PREFÁCIO – Maria Cláudia Felten e Rosângela Maria Herzer dos Santos ........................ 9

APRESENTAÇÃO – Fabrício Fay ....................................................................................... 10

01. PANDEMIA DA COVID-19, PROTEÇÃO DE DADOS E O COMPLIANCE


TRABALHISTA – André Jobim de Azevedo e Caroline Oliveira da Silva.......................... 12

02. QUANDO O TERRITÓRIO LABORAL SE IMBRICA AO DOMÉSTICO: UMA


ANÁLISE FEMINISTA SOBRE TRABALHO REPRODUTIVO E PANDEMIA –
Andressa Ribas Pereira e Dominique Assis Goulart .............................................................. 22

03. SENADO FEDERAL E CORONAVÍRUS: MEDIDAS NORMATIVAS ADOTADAS


NO AUXÍLIO DE EMPRESAS E TRABALHADORES AFETADOS PELA PANDEMIA
– Cesar Augusto Cavazzola Junior ......................................................................................... 37

04. A MATERNIDADE EM XEQUE COM A COVID-19 – Cindel Gabriele de Queiroz 55

05. TELETRABALHO: PASSADO, PRESENTE E FUTURO – Cleber Dalla Colletta .. 71

06. LIMITES DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR E OBRIGAÇÕES DO


EMPREGADO EM TELETRABALHO NO PERÍODO DE PANDEMIA DO
CORONAVÍRUS- Douglas Pereira de Matos....................................................................... 99

7. CONSTITUCIONALIDADE DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS927/936/ LEI Nº 14.020:


HÁ POSSIBILIDADE JURÍDICADA REDUÇÃO SALARIAL POR ACORDO
INDIVIDUAL FRENTE À PANDEMIA? – Eduardo Vinhas Fagundes ......................... 114

08. A REALIDADE DO TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO DIANTE DO


CONTEXTO ATUAL DE PANDEMIA DA COVID-19 – Giuseppe Bachini e Sandy
Barbosa .................................................................................................................................. 124

09. DIREITO DO TRABALHO E(M) CRISE: REPENSAR AS RESPOSTAS PARA UM


NOVO CENÁRIO A PARTIR DA PANDEMIA DE COVID-19 – Guilherme Wünsch e
Pedro Guilherme Beier Schneider ........................................................................................ 136
10. MEIO AMBIENTE, MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E A PANDEMIA DA
COVID-19: ANÁLISE DOS REFLEXOS AOS TRABALHADORES DA ÁREA DA
SAÚDE – José Tadeu Neves Xavier e Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha........ 157

11. A LEGITIMIDADE DO EMPREGADOR PARA EXIGIR EXAMES OU


VACINAÇÃO REFERENTES AO COVID-19 COMO REQUISITO PARA
CONTRATAÇÃO OU MANUTENÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO – Marcus
Gabriel Nunes Quintana ....................................................................................................... 178

12. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E AS TECNOLOGIAS DA COMUNICAÇÃO E


INFORMAÇÃO E OS GRUPOS DE TRABALHO DO WHATSAPP – Maria Cláudia
Felten ..................................................................................................................................... 191

13. A EVOLUÇÃO DO TELETRABALHO: E SEU PAPEL DE DESTAQUE DURANTE


A PANDEMIA DO COVID-19 – Thaís Ribas Francesqui ................................................ 213

14. O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: UMA ANÁLISE SOBRE OS


ASPECTOS PREJUDICIAS AO EMPREGADO – Thaís Vanessa dos Santos da Silva 227
8

PALAVRA DO PRESIDENTE

Em maio de 2020, assinei um artigo publicado em um dos jornais de maior circulação


do Rio Grande do Sul. “A vez e a hora da advocacia” foi veiculado no Jornal do Comércio.
Estávamos no início da pandemia do novo Coronavírus, e havia a previsão de um período de
muita instabilidade, sofrimento e necessidade de resiliência.
Na abertura deste trabalho, peço permissão para reproduzir o que escrevi há
praticamente um ano:
“É preciso ter claro que, por trás de cada número existe uma vida. Junto de cada
estatística, vem uma família. Os direitos fundamentais dos cidadãos estabelecidos pela
Constituição não podem ser violados. Estamos falando de saúde, educação, dignidade e direitos
do consumidor, apenas para citar algumas áreas.
Caso isso tenha ocorrido, a missão constitucional de restabelecer a normalidade cabe à
advocacia, que é a voz da cidadania. Nesse sentido, é preciso observar cada caso para que os
direitos estejam assegurados e as arbitrariedades não sejam cometidas, atropelando os preceitos
constitucionais. ”
Considero apropriado mencionar este artigo, por considerar seu alinhamento com a obra
“Relações de Trabalho e a pandemia do novo Coronavírus”. Não temos mais dúvidas de que
nossas rotinas foram impactadas pelo vírus. Basta revisarmos o que deixamos de fazer nos
últimos meses. Sabemos da força do inimigo invisível pelos familiares, amigos e conhecidos
que partiram cedo demais.
Mas o sol voltará a brilhar amanhã. Será necessário seguir vivendo.
Diante desse quadro, a advocacia mantém seu protagonismo. Mesmo com esse quadro
de instabilidade, não se pode considerar aceitável que conquistas de décadas passem a não
serem mais observadas. Pelo contrário, é neste momento que os direitos ganham ainda mais
relevância.
O trabalho representa a dignidade. O trabalho é o que movimenta este país, e suas
relações de são pilares de uma sociedade equilibrada, capaz de trazer segurança a todos os
envolvidos neste ambiente de convivência. Desta forma, construir soluções que possam
pacificar e dar tranquilidade para uma realidade atormentada pela pandemia se torna
fundamental em busca do bem comum.
Em nome da presidente da Escola Superior de Advocacia/RS (ESA/RS), Rosângela
Herzer dos Santos, parabenizo a todos os advogados e a todas as advogadas que contribuíram
com seus artigos para esta obra. Difundir e compartilhar o conhecimento são incentivados de
forma permanente pela OAB/RS. Ficamos contentes em poder contar com o talento de
valorosos representantes da nossa advocacia.
Boa leitura!

Ricardo Breier

Presidente da OAB/RS
9

PREFÁCIO
O E-Book Relações de Trabalho e a Pandemia do Coronavírus surgiu através da
convergência de ideias da Escola Superior de Advocacia da OAB/RS, da Comissão Especial da
Advocacia Trabalhista da OAB/RS e do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da ESA/RS.
O direto emergencial que nasceu e vem crescendo a cada dia na Pandemia do
Coronavírus merece nossa atenção e nada melhor que organizar uma coletânea de artigos sobre
o tema.
Com grande alegria e honra recebemos missões especiais no E-Book. Recebemos a
missão de ser organizadoras; de revisar os artigos que foram enviados e, principalmente, de
prefaciar a obra. Eis que aqui estamos!
O E-Book Relações de Trabalho e a Pandemia do Coronavírus reúne catorze artigos de
temas maravilhosos, cujos autores são colegas que admiramos muitos. Os artigos adentram as
questões relacionadas a Pandemia, bem como a temas novos que surgiram em meio a Pandemia.
Os ilustres autores estão de parabéns e o nosso muito obrigada por abraçarem o projeto
do E-Book e quererem fazer parte dele, escrevendo um artigo com tanto entusiasmo.
Assim, nossos parabéns vão para os autores André Jobim de Azevedo, Caroline Oliveira
da Silva, Andressa Ribas Pereira, Domenique Assis Goulart, Cesar Augusto Cavazzola Junior,
Cindel Gabriele de Queiroz, Cleber Dalla Colletta, Douglas Pereira de Matos, Eduardo Vinhas
Fagundes, Giuseppe Bachini, Sandy Barbosa, Guilherme Wünsch, Pedro Guilherme Beier
Schneider, José Tadeu Neves Xavier, Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha, Marcus
Gabriel Nunes Quintana, Thaís Ribas Francesqui e Thaís Vanessa dos Santos da Silva.
Queridos (as) leitores (as) desejamos uma ótima leitura!

Porto Alegre, 13 de março de 2021.

Maria Cláudia Felten Rosângela Maria Herzer dos Santos

Diretora de Cursos Permanentes ESA OABRS Diretora-Geral da ESA-OAB/RS


10

APRESENTAÇÃO
Em um ano marcado pela pandemia, onde o afastamento social se tornou a principal
medida de combate à propagação do Covid-19, o tão surrado, e, por muitos menosprezado,
direito do trabalho ganhou um papel protagonista na solução dos desafios do mundo do trabalho
e da economia. Nessa esteira, uma série de normativos surgem para tentar minimizar os
impactos que o vírus iria causar em nossa sociedade.
Nesse momento, tudo nos toma de assalto, não temos doutrina, não sabemos qual será
o entendimento dos tribunais, mergulhamos num mundo de incertezas onde as soluções não
podem ser medidas pelo que conhecemos até agora e novos desafios surgem a todo momento.
Sendo que novas transformações sem dimensão ainda estão por vir.
Nunca em nossas vidas vimos tantas mudanças em um período tão curto de tempo. A
pandemia alterou as nossas rotinas, vida social e forma de trabalho, deforma até então
inimagináveis, novas legislações fervilharam, atribuindo-se a lei o poder, ou talvez a esperança,
de salvar postos de trabalho e a economia.
Dentro desse cenário, os profissionais da área da saúde foram mais demandados que
nunca, com grandes sacrifícios à vida pessoal e emocional, estando submetidos a cargas de
trabalho exaustivas, sob o risco iminente e constante de contaminação, vivenciando
concretamente, e em larga escala o sofrimento pelas mortes e sequelas. Assim, o trabalho passa
a ser fator gerador de importante padecimento psíquico, trazendo um impacto imensurável à
saúde no ambiente de trabalho.
Com a pandemia novas modalidades de trabalho, que antes eram exceção, passaram a
sera regra, o teletrabalho ou home officecomeçou a ser amplamente utilizado, grandes estruturas
que abrigavam escritórios e empresas se tornaram da noite para o dia um peso desnecessário.
O trabalho “invadiu” o espaço privado das pessoas, hoje se divide a reunião por
videoconferência com os cuidados com os filhos e familiares. É cada vez mais comum, em meio
a uma importante reunião ou sustentação nos Tribunais, que escutemos o choro de um bebê, o
latido do cachorroe até mesmo um olhar furtivo de uma criança sobre o ombro do colaborador.
Nesse novo contexto tudo isso passou a ser “normal” e as formalidades foram mitigadas.
Presenciamos uma sucessão de Medidas Provisórias e Decretos, que trouxeram uma
série de dúvidas e incertezas, reduções de salário e trabalho, suspensão de contrato, etc. Uma
série de direitos adquiridos ao longo de décadas passaram a ser suspensos ou suprimidos. Os
limites do poder diretivo do empregador foram estendidos, gerando mais desequilíbrio na já
desigual relação de trabalho. Ao mesmo tempo em que as medidas de suspensão do contrato e
redução de salário aliviaram o peso para as empresas de um lado, reduziram o dinheiro que
circula no mercado.
Como se todo esse turbilhão de transformações não fosse suficiente, em meio à
tempestade, a Lei Geral de Proteção de Dados entra em vigor. Muitos, diriam que poderia ter
esperado o fim da pandemia, mas nunca nos utilizamos tanto dos recursos tecnológicos e da
internet, e nesse contexto a proteção dos dados dos trabalhadores e da sociedade é fundamental.
11

Dentro desse contexto, mais que apresentar respostas, a presente obra pretende trazer
questionamentos e elementos para reflexões, para vislumbrar possíveis diretrizes, pois os
parâmetros de normalidade ainda estão em desconstrução, sendo que as perguntas mudam a
cada momento, e as soluções estão longe de ser ideais, mas apenas as possíveis e temporárias,
diante dos desafios enfrentados.
A única certeza, é que precisamos de um mundo pautado pela ética e humanização nas
relações, onde cada vez mais valorizemos as necessidades sociais coletivas e atuações
institucional.

Fabrício Fay

Presidente da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB/RS


12

PANDEMIA DA COVID-19, PROTEÇÃO DE DADOS E O


COMPLIANCE TRABALHISTA

André Jobim de Azevedo1

Caroline Oliveira da Silva2

RESUMO

A pandemia da Covid-19 está sendo uma das maiores adversidades em escala global do
século XXI. Com isto o usa da tecnologia cada vez mais ganha importância no cotidiano, sob
influência do estado pandêmico e do distanciamento social. Não é diferente na esfera
trabalhista, a escolha do tema fundamenta-se pela necessidade imediata de desenvolvimento do
estudo e aplicação do regramento presenta na LGPD, mediante compliance trabalhista,
ferramenta que se responsabiliza pela adéqua ção de empresas a respeito do tratamento de dados
dos seus empregados. O artigo tem por objetivo o de conceituar, analisar, questionar e
compreender a questão da proteção e tratamento de dados dentro do âmbito trabalhista
impulsionados pelo uso da tecnologia no estado de caráter pandêmico atual. Para seu
desenvolvimento, esta pesquisa utilizará o método dedutivo tradicional, tendo como base
material de estudo a doutrina, a legislação brasileira e comparada no que se traduz o tema do
trabalho.

Palavras-chave: Lei Geral de Dados; Direito do Trabalho; Pandemia; Compliance.

1. PANDEMIA

A pandemia da Covid-19 transformou, inesperadamente, a vida rotineira de toda a


sociedade mundial, em todos os seus aspectos imagináveis ou não, devido ao surgimento e a
veloz propagação do vírus. Uma situação que encetou na China e países asiáticos, e que em
pouco tempo se espalhou pela Europa, Estados Unidos, entre outros continentes e países, até
chegar ao Brasil em 26 de fevereiro de 2020. Declarado seu reconhecimento e existência, pela

1
Advogado sócio de Faraco de Azevedo Advogados, OAB/RS nº 21.172. Professor universitário PUCRS desde
1990. Membro Ex-Presidente Fundador e Titular da Cadeira 89 da ABDT. Titular da Cadeira 02 da ASRDT.
Membro do Conselho Superior do Comitê de Arbitragem da OAB/RS. E-mail: andre@faracodeazevedo.com.br.
2
Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Bolsista de
Iniciação Científica em Direito pela PUCRS (PROBIC/FAPERGS). Afilhada acadêmica – IBDP (3ª Ed.).
Estagiária inscrita no quadro da OAB/RS nº 51E656. E-mail: c.oliveira2203@gmail.com.
13

Organização Mundial da Saúde (OMS)3, no dia 11 de março de 2020, como sendo a primeira
pandemia do Século XXI.

É um vírus cuja a transmissão se dá através de pequenas gotículas que partem do nariz


e boca, podendo ser depositadas em objetos e superfícies ao redor da pessoa contaminada, e
poderá contaminar outras pessoas se estas tocam em objeto ou superfície contaminada, ou com
a qual mantém contato físico e depois tocando seus olhos, nariz ou boca.

No período de inexistência da vacina, os protocolos adotados para conter a propagação


do vírus, foram o isolamento social e a quarentena dos indivíduos, com a finalidade de evitar
maior circulação de pessoas, e consequentemente do vírus. Esta condição acabou por afetar
diretamente a economia e a situação econômico-financeiras de todos os países que as adotaram,
pois, sendo um fenômeno inesperado, precisaram ser implementadas novas políticas de
estruturação e planejamento.

Neste ponto, surgiram novos questionamentos de como seguir os protocolos de saúde


pública estabelecidos e instituir “novas” relações de trabalho. Para isto, restou a adaptação de
empresas e seus empregados, em verdade em todas as relações produtivas e de trabalhos, em
todas as suas modalidades.A resposta nãofoi ou é simples, e na prática a adaptação ainda é uma
dificuldade a ser superada, levando em conta a abrupta situação de calamidade pública sanitária
mundial causada pelo vírus da Covid-19, encalçando a movimentação de adequação dos
sujeitos da relação de trabalho de forma reativa e urgente.

Os impactos da pandemia não restaram apenas em países em desenvolvimento, mas sim


para todos de globo tendo efeitos, ainda presentes, que abrangem todos os países que ainda
enfrentam a pandemia, desenvolvidos ou não. Segundo o diretor-geral da Organização
Internacional do Trabalho (OIT)4, Guy Ryder, a pandemia não configura apenas uma crise
global relacionada à saúde, mas também uma grande crise econômica e no mercado de trabalho.

2. LGPD

Em meio à pandemia, outro assunto necessariamente pautado é a questão da adaptação


das empresas para o cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A par

3
Organização Mundial da Saúde. Perguntas e respostas sobre coronavírus (COVID-19). Disponível em
<https://www.who.int/news-room/q-a-detail/q-a-coronaviruses>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.
4
OIT. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em
<https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_738780/lang--pt/index.htm> Acesso em 15 de fevereiro de 2021.
14

do que muitos especialistas tratam no sentido de que as empresas brasileiras não estão
preparadas para os cumprimentos das normas estabelecidas na lei, cabe salientar que, com o
advento do enfrentamento à pandemia do Covid-19, nunca se exigiu tanto de métodos/meios
tecnológicos para ampliar e desenvolver pesquisas e estudos sobre o vírus.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoas (LGPD) entrou em vigor no dia 18 de


setembro de 20205, disciplinando e promovendo a proteção e a transferência de dados pessoais
no Brasil, visando garantir pleno controle de cada indivíduo da população sobre suas
informações pessoais, requerendo o consentimento explícito para poder reunir e usar dos dados,
além de obrigar a oferta de opções para o usuário ter conhecimento, corrigir e/ou excluir esses
dados recolhidos6. O objetivo central da lei é zelar pelos dados pessoais dos indivíduos,
estabelecendo que nenhuma instituição utilize estes dados sem devida permissão. Trata-se dos
maiores valores deste século como têm sido observados por pesquisadores, e estudiosos, apenas
à guisa de exemple o Yuri Nocac Harari, em seus bestsellers, tão provocativos e de leitura
obrigatória.

Sob influência da regulamentação europeia, a General Data Protection Regulation,


(GDPR), a LGPD traz consigo possibilidades para o tratamento de dados pessoais, são elas: o
consentimento do indivíduo titular, para o cumprimento de encargo legal ou regulatório pelo
responsável pelo tratamento, pela administração pública para execução de políticas públicas,
para a realização de estudos, por órgão de pesquisa, que não necessitam a individualização do
indivíduo, para resguardar a vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiros, para a
tutela da saúde, desde que o procedimento seja realizado por profissionais da saúde ou por
entidades sanitárias, para a execução de um contrato ou procedimento preliminar a este, desde
que a parte que é titular quando a seu pedido, para fins em processos judiciais, administrativos
ou arbitrais e, para a proteção do crédito, consoante o Código de Defesa do Consumidor7.

Outro ponto característico relevante da LGPD versa sobre a responsabilidade civil,


pontuando que é o responsável obrigado a reparar dano patrimonial, moral, individual ou

5
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de dados Pessoais (LGPD). Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2018/Lei/L13709.htm>. Acesso em 15 de fevereiro
de 2021.
6
Agência Senado, Lei Geral de Proteção de Dados entra em vigor. Disponível em: <
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/09/18/lei-geral-de-protecao-de-dados-entra-em-vigor>
Acesso em 18 de fevereiro de 2021.
7
Ibid.
15

coletivo, que causar em virtude da atividade de tratamento de dados. Cabendo ao juiz a


possibilidade de inversão do ônus da prova a favorecer o titular dos dados quando julgar
plausível a alegação, quando a produção de provas se tornar excessivamente onerosa ou se
houver hipossuficiência para fins da mesma pelo titular.

A Lei Geral de Proteção de Dados não coíbe o uso de dados, mas estabelece um sistema
de normas e regras para o uso legal e adequado dos dados pessoais. Considerando a ampla e
vasta aceleração das tecnologias e que as empresas estão cada vez mais utilizando ferramentas
eletrônicas para o trabalho, em algum momento o cuidado e proteção dos dados utilizados e
tratados deveriam ser resguardado por legislação específica, e o foram pela LGPD. Neste
sentido, atualmente, cabe às empresas terem conhecimento da legislação e aplicarem suas
exigências e condicionantes ao cotidiano, sob pena da penalização na forma dalei e
indenizações, a fim de proteger da forma mais correta possível os direitos fundamentais à
intimidade, à vida privada, à honra e à liberdade das pessoas naturais que compõem o corpo
empresarial ou com ele se relacionam.

Com a implementação em caráter de urgência das normas regidas pela LGPD, muitas
empresas ainda não conseguiram se adequar, boa parte por consequência da pandemia que
afetou a tudo e a todos, principalmente no âmbito financeiro.

No cenário internacional, especificamente a GDPR, que passou a vigorar no dia 25 de


maio de 2018,influencia na implementação da LGPD, segundo relatório de janeiro de 2021 do
time de cibersergurança e proteção de dados do escritório de advocacia DLA Piper, a legislação
europeia de proteção de dados registrou um aumento de 19% das notificações de infrações
comparadas ao ano de 2019. Infrações essas que resultaram em multas no valor de 272,5
milhões de euros pelas autoridades de proteção de dados de países do continente europeu8.

Em janeiro de 2021 o Brasil passou por uma onda de vazamento de dados pessoais de
223 milhões de pessoas, relativos ao CPF dos indivíduos. Logo, no mês seguinte houve um
novo vazamento de dados de, aproximadamente, 100 milhões de pessoas, incluindo dados
bancários e números de telefones. Consoante este contexto, a Autoridade Nacional de Proteção

8
DLA PIPER’S CYBERSECURITY AND DATA PROTECTION TEAM. DLA Piper GDPR fines and data
breach survey: january 2021. DLA Piper, 2021. Disponível em:
<https://www.dlapiper.com/en/uk/insights/publications/2021/01/dla-piper-gdpr-fines-and-data-breach-survey-
2021/>. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.
16

de dados (ANPD), veio a público para informar que está apurando elementos e informações no
caso do vazamento de dados relacionados ao CPF dos brasileiros e que está tomando
providencias para análises e procedimentos devidos e, assim, promover a responsabilização e a
punição dos entes envolvidos9.

Consoante este cenário, como procederá a ANPD para responsabilizar os causadores do


dano se as sanções de natureza administrativa da LGPD que só passarão a viger a partir de
agosto de 2021, ex vi legis? Não há possibilidades de multas, até o mês de agosto, para os
responsáveis pelos vazamentos estrondosos de dados de milhões de brasileiros, diferentemente
de como já ocorre na Europa. A proteção de dados se tornou de extrema importância, ainda
mais no momento pandêmico pelo qual estamos passando, pode a autoridade brasileira
responsável pela proteção de dados fundamentar seus estudos e análises, a fim de criar um
adequado controle das violações e descumprimentos, a olhar para a experiência europeia. A
questão é a seguinte: o tempo de adaptação à norma é importante? É inegavelmente, mas não
deveria abrir margem para grandes vazamentos de dados pessoais sem a devida
responsabilização dos envolvidos.

3. COMPLIANCE TRABALHISTA

O Compliance é um termo originário do verbo “tocomply” que significa estar em


conformidade e constitui no ato de adequação às normas legais e regulamentares, partindo da
alta administração empresarial e a todos os envolvidos e relacionados atingindo. No âmbito
empresarial expressa a implementação de métodos e mecanismos a fim de garantir que a
empresa execute e realize todos as normas impostas e que, com isso, previna riscos, demandas
judiciais e possíveis sanções seja qual for o caráter, e sobretudo proteja a titularidade dos dados.

Após a entrada em vigor da lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), a busca por empresas
para a implementação do compliance nas suas instituições se acentuou. Atualmente as técnicas
de compliance se inserem em diversas áreas coorporativas, inclusive na esfera trabalhista, com
técnicas de avaliação de riscos e crises, auditorias e desenvolvimento de códigos de conduta e

9
ANPD está apurando no caso do vazamento de dados de mais de 220 milhões de pessoas. Disponível em:
<https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-esta-apurando-no-caso-do-vazamento-de-dados-de-mais-
de-220-milhoes-de-pessoas>. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.
17

regimentos internos, por exemplo, sempre visando a prevenção e manutenção empresarial


segura a fim de não gere reflexos e consequências danosas para a instituição. Segundo André
Cabbete Fábio10

O compliance é uma prática corporativa que pode ser tocada por um departamento
interno da empresa ou de forma terceirizada. Seu objetivo é analisar o funcionamento
da companhia e assegurar que suas condutas estejam de acordo com as regras
administrativas e legais, sejam essas regras externas (do país, Estado e cidade onde
ela atua) ou internas (da própria empresa).

Para que seja efetiva a utilização das técnicas do compliance no âmbito empresarial e
trabalhista, caberá, primeiramente, um estudo investigativo do histórico empresarial seguido da
implementação de práticas especificas e preventivas para determinada empresa. Como tratam
Daniel Sibille e Alexandre Serpa11

É muito importante que antes de se falar em avaliação de riscos, se conheça os


objetivos de sua empresa e do seu programa de compliance, pois este pilar é uma das
bases do sucesso do programa de compliance, uma vez que o código de conduta, as
políticas e os esforços de monitoramento deverão ser construídoscom base nos riscos
que forem identificados como relevantes durante esta fase de análise. A efetiva
condução de uma análise de riscos envolve uma fase de planejamento, entrevistas,
documentação e catalogação de dados, análise de dados e estabelecimento de medidas
de remediação necessárias.

O Compliance Trabalhista Empresarial tem por finalidade principal é a de garantir o


desenvolvimento da atividade econômica da empresa com observação dos direitos dos
empregados e outros tantos que igualmente participam das relações de trabalho indiretamente,
sendo uma ferramenta de gestão que possibilita identificar, prevenir e corrigir práticas que
possam violar o regulamento trabalhista. Para tal, é essencial o desenvolvimento de mecanismos
e procedimentos de prevenção e gerenciamento de crises, onde o compliance atue em dois
âmbitos: o da elaboração de políticas e sistemas internos a fim de observar à legislação e

10
FÁBIO, André Cabbete. O que é compliance. E por que as empresas brasileiras têm aderido à prática. Disponível
em <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/07/24/O-que-%C3%A9-compliance.-E-por-que-as-
empresas-brasileiras-t%C3%AAm-aderido-%C3%A0-pr%C3%A1tica>. Acesso em 15 fevereiro de 2021.
11
SIBILLE, Daniel; SERPA, Alexandre. Os pilares do programa de compliance. Disponível em
<http://conteudo.lecnews.com/ebook-pilares-do-programa-de-compliance>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.
18

jurisprudência laboral e vigilância adequada e efetiva do seu cumprimento, tanto interno quanto
externamente12.

Pode-se dizer que a LGPD trouxe consigo um novo mecanismo, o compliance, mais
especificamente, o relatório de impactos à proteção de dados pessoais (RIPD), que visa abarcar
toda “a descrição dos processos de tratamento de dados pessoais que possam gerar riscos às
liberdades civis e aos direitos fundamentais, bem como medidas, salvaguardas e mecanismos
de mitigação de risco13”, ferramenta na qual o objetivo central é o de minimizar riscos e evitar
crises na proteção de dados pessoais.

4. LGPD NA ESFERA TRABALHISTA

Na legislação que visa a proteção de dados (LGPD), não contempla dispositivo que se
refere nomeadamente à proteção destes dados pessoais no ambiente de trabalho, mas consoante
o artigo 1º da referida lei é nítido observar que resguarda os direitos de pessoas naturais, sejam
pessoas físicas ou jurídicas de direito privado ou público, e, portanto, alcançando a todos
envolvidos nas relações de trabalho, direta o indiretamente:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios
digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com
o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre
desenvolvimento da personalidade da pessoa natural 14.

Tendo em vista a conceituação de tratamento de dados, expresso no artigo 5º, X, da


LGPD (Lei 13.709/18), como sendo toda operação realizada, no qual se expõe a coleta,
produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição,
processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da

12
NOVELLI, Breno. Implementação de programa de compliance e seus impactos na área trabalhista. Disponível
em <https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/9732/Implementacao-de-programa-de-compliance-e-seus-
impactos-na-area-trabalhista>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.
13
CARLOTO, SELMA. Lei Geral de Proteção de Dados exige novo comportamento das empresas. Entrevista
concedida a FETPESP, Sou + Ônibus, SP. Ed. 23. novembro/dezembro.. 2019. p. 8-12. Disponível em <
http://setpesp.org.br/newsite/wp-content/uploads/2020/12/Souonibus_023.pdf> Acesso em 22 de fevereiro de
2021.
14
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de dados Pessoais (LGPD). Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2018/Lei/L13709.htm>. Acesso em 20 de fevereiro
de 2021.
19

informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração de dados pessoais


dos envolvidos.

Nas relações de trabalho, é verificado, regulamente e em todas fases da contratação, o


uso do tratamento de dados dos empregados e prestadores de serviço. Advém na fase pré-
contratual com a aquisição de currículos com dados de identificação do indivíduo; no decorrer
do contrato de trabalho com o registro de dados do empregado para cumprimento das
obrigações contratuais específicas e correlatas; E, posteriormente o término do contrato de
trabalho com o armazenamento de informações de antigos empregados para fins
previdenciários, por exemplo. Muitas vezes projetando-se para momento posterior à extinção
das relações, onde igualmente se aplica.

Não há que se questionar o impacto da pandemia do Covid-19 no âmbito da proteção de


dados pessoais. Neste sentido, é de se observar a importância da aplicação e implementação da
LGPD na esfera trabalhista, abordada nesse breve estudo, visando resguardar os direitos de
proteção dos dados pessoais dos empregados e parceiros, mas especialmente o empregado por
conta da subordinação jurídica que une as partes.

5. CONCLUSÃO

No cenário pandêmico atual e com o advento da tecnologia cada vez mais presente no
cotidiano da sociedade como um todo, a busca pela prevenção de riscos e o planejamento de
condutas em concordância com o regramento disposto, são imprescindivelmente necessários e
urgentes

A proteção de dados pessoais proveniente da LGPD exige uma nova concepção e


adaptação do movimento interno de empresas de diversos setores. Consoante isto, é de se
considerar o impacto da LGPD nas relações trabalhistas, utilizando da ferramenta compliance
a fim de prevenir riscos, demandas trabalhistas e a imposição de multas e outras sanções. Trata-
se de imperiosa necessidade o manejo adequado das novas regências e posturas sociais e
profissionais hoje bastante mais sancionáveis.

O processo de adequação à LGPD no âmbito trabalhista é de caráter emergencial, tendo


em vista que nas relações de trabalho, considerando que a coleta e tratamento de dados ocorrem
diária e permanentemente, especialmente durante a vigência do contrato de trabalho, mas não
20

só, pois tem aplicação antecedente e posterior ao vínculo. Resta configuradoque o empregado
é titular dos seus dados que são ou serão objeto de tratamento por um controlador, este sendo o
empregador a quem incumbe o legal uso e assegurar segurança jurídica aos envolvidos.

O compliance se dá através de preparo técnico e teórico, com palestras e treinamentos e


competente assessoria, para estabelecer todos os paramentos de adequação com o intuito de que
determinada empresa esteja em conformidade com o texto normativo da LGPD.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Agência Senado, Lei Geral de Proteção de Dados entra em vigor. Disponível em: <
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/09/18/lei-geral-de-protecao-de-dados-
entra-em-vigor> Acesso em 18 de fevereiro de 2021.

ALVES, Amauri Cesar; ESTRELA, Catarina Galvão. Consentimento do trabalhador para o


tratamento de seus dados pelo empregador: análise da subordinação jurídica, da higidez da
manifestação de vontade e da vulnerabilidade do trabalhador no contexto da LGPD. Síntese.
V. 31, n. 375, 2020. p. 25-39.

ANPD.Autoridade Nacional de Proteção de Dados. ANPD está apurando no caso do vazamento


de dados de mais de 220 milhões de pessoas. Disponível em: <https://www.gov.br/anpd/pt-
br/assuntos/noticias/anpd-esta-apurando-no-caso-do-vazamento-de-dados-de-mais-de-220-
milhoes-de-pessoas>. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.

AZEVEDO, A.J; GUNTHER, L. E; VILLATORE, M. A. Coronavírus no direito do trabalho.


Curitiba: Editora Juruá, 2020.

BELMONTE, A. A; MARTINEZ, L.; MARANHÃO, N. (Coord.) Direito do trabalho na crise


da Covid-19. Salvador: Editora JusPodivm, 2020.

BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de dados Pessoais
(LGPD). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2018/Lei/L13709.htm>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.

CALEGARI, Luiz Fernando. A influência da LGPD nas Relações de Trabalho: a necessidade


de as empresas se adequarem à nova legislação. Síntese. V. 31, n. 375, 2020. p. 21-24.

CARLOTO, SELMA. Lei Geral de Proteção de Dados exige novo comportamento das
empresas. Entrevista concedida a FETPESP, Sou + Ônibus, SP. Ed. 23. novembro/dezembro..
2019. p. 8-12. Disponível em < http://setpesp.org.br/newsite/wp-
content/uploads/2020/12/Souonibus_023.pdf> Acesso em 22 de fevereiro de 2021.

DLA PIPER’S CYBERSECURITY AND DATA PROTECTION TEAM. DLA Piper GDPR
fines and data breach survey: january 2021. DLA Piper, 2021. Disponível em:
21

<https://www.dlapiper.com/en/uk/insights/publications/2021/01/dla-piper-gdpr-fines-and-
data-breach-survey-2021/>. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.

FÁBIO, André Cabbete. O que é compliance. E por que as empresas brasileiras têm aderido à
prática. Disponível em <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/07/24/O-que-
%C3%A9-compliance.-E-por-que-as-empresas-brasileiras-t%C3%AAm-aderido-%C3%A0-
pr%C3%A1tica>. Acesso em 15 fevereiro de 2021.

NOVELLI, Breno. Implementação de programa de compliance e seus impactos na área


trabalhista. Disponível em
<https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/9732/Implementacao-de-programa-de-
compliance-e-seus-impactos-na-area-trabalhista>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.

OIT. Organização Internacional do Trabalho.Quase 25 milhões de empregos podem ser


perdidos em todo o mundo como resultado da COVID-19, diz OIT. Disponível em
<https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_738780/lang--pt/index.htm> Acesso em 15 de
fevereiro de 2021.

OMS. Organização Mundial da Saúde. Perguntas e respostas sobre coronavírus (COVID-19).


Disponível em <https://www.who.int/news-room/q-a-detail/q-a-coronaviruses>. Acesso em 15
de fevereiro de 2021.

SIBILLE, Daniel; SERPA, Alexandre. Os pilares do programa de compliance. Disponível em


<http://conteudo.lecnews.com/ebook-pilares-do-programa-de-compliance>. Acesso em 15 de
fevereiro de 2021.
22

QUANDO O TERRITÓRIO LABORAL SE IMBRICA AO DOMÉSTICO:


UMA ANÁLISE FEMINISTA SOBRE TRABALHO REPRODUTIVO E
PANDEMIA

Andressa Ribas Pereira1


Domenique Assis Goulart2

RESUMO

O presente artigo se propôs a analisar, ante a indissociablidade entre o ambiente laboral


e o doméstico posta no contexto pandêmico, de que maneiras a desigual divisão do trabalho
reprodutivo a partir do gênero vem influenciando na realização da jornada de trabalho produtivo
das trabalhadoras mulheres, cujos contratos de trabalho passaram a ser realizados em regime de
home office, devido ao necessário isolamento como estratégia sanitária diante da pandemia do
COVID-19. Para tanto, em um primeiro momento, a parte inicial deste artigo realiza uma breve
historicização da questão, contextualizando a naturalização da desigual divisão do trabalho a
partir do gênero. Após, o estudo é dirigido ao seu objeto privilegiado de análise, qual sejao
imbricamento do território laboral ao doméstico no contexto de isolamento. Por fim, por meio
de uma análise documental e jornalística, realiza-se um mapeamento dos impactos e das
consequências sociais à vida territorializada no espaço doméstico, a qual recoloca de maneira
aprofundada as divisões de trabalho a partir do gênero.
Palavras-chave: trabalho reprodutivo e produtivo. Gênero. pandemia.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Muitas mulheres têm relatado, por meios diversos, que se sentem sobrecarregadas e com
dificuldade de conciliar o serviço reprodutivo (trabalho doméstico mais cuidado de pessoas)
com teletrabalho ou home office, devido ao necessário isolamento como estratégia profilática
para frear a curva de contágio do COVID-19.3 Com o fechamento de creches e escolas, tem-se

1
Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela Fundação Escola da
Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul - FEMARGS (2018-2020). Bacharela em Ciências Jurídicas e
Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2017) e advogada trabalhista.
2
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (2019-2020). Bacharela em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (2019) e advogada. É sócia da Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos.
3
BENLLOCH, Cristina; BLOISE, Empar Aguado. Teletrabajo y conciliación: elestrés se cebaconlasmujeres. The
conversation, 29 de abril de 2020; DINIZ, Debora. Débora Diniz: “Mundo pós-pandemia terá valores feministas
no vocabulário comum”. SexualityPolicyWatch, 06 de abril de 2020.; KOVALCZUK, Amanda. O chamado da
pandemia de COVID-’9 a repensar a centralidade dos trabalhos de cuidado. Sul 21, 03 de maio de 2020.
23

observado um drástico aumento na já discrepante diferença no tempo gasto pelas mulheres mães
ou implicadas na vinculação intensiva da criação e cuidado de crianças, acumulando ainda
demandas de trabalhos de cuidados, domésticos e profissionais.4

Não se trata mais de dupla ou tripla jornada, como outrora, em que as mulheres
cumpriam sua jornada externa e, ao chegarem em casa, tinham de se responsabilizar por tarefas
como lavagem de roupa, limpeza do ambiente doméstico, preparo de alimentos e, claro, cuidado
de idosos e de crianças. Agora, com a quarentena, trata-se de uma inarredável indissociabilidade
entre a jornada de trabalho produtivo à jornada de trabalho reprodutivo 5, ao passo que ao
território doméstico se imbrica o laboral.

Diante de uma divisão de trabalho ditada socialmente pelas diferenças de gênero,6 a


nova territorialização justaposta de local de trabalho e espaço doméstico vem implicando na
exigência de que as mulheres exerçam as tarefas relativas a ambas demandas de modo
simultâneo. Cabe explicitar, de outro lado, que a questão não é causada, em absoluto, pela
COVID-19 em si mesma, tampouco por estratégias necessárias à contenção de sua difusão, mas
sim, que as circunstâncias sociais vêm radicalizando as brutas desigualdades a ela
preexistentes.7

4
BENLLOCH, Cristina; BLOISE, Empar Aguado. Teletrabajo y conciliación: elestrés se cebaconlasmujeres. The
conversation, 29 de abril de 2020.
5
Como elucida Amanda Kovalczuk (2020), “o termo reprodutivo não diz respeito exclusivamente à reprodução
da vida pela maternidade, mas sim à realização de tarefas que, pela teoria marxista, não foram reconhecidas como
essencialmente produtivas no sentido industrial e assalariado realizado por uma maioria masculina. O trabalho de
cuidado doméstico, que aqui trato como não remunerado ou de baixa remuneração, é parte da categoria de trabalho
reprodutivo”.
6
Historicamente, a terminologia com que o direito do trabalho e que os movimentos de mulheres utilizaram diz
respeito à “divisão sexual de trabalho”. Entretanto, o presente estudo parte de uma discussão das teorias de gênero,
porquanto as referências históricas sobre sexo atrelam-se mormente às primeiras ondas do feminismo, tendo, ao
longo do tempo, havido outras teorias explicativas que elaboraram análises que se amparam em outros esquemas.
Nesse sentido, Judith Butler (2017) elucida que a sua teoria propõe o caráter performativo do gênero, o que quer
dizer que “a cada um de nós é atribuído um gênero no nascimento, o que significa que somos nomeados por nossos
pais ou pelas instituições sociais de certas maneiras.” Ocorre que juntamente “a atribuição do gênero, um conjunto
de expectativas é transmitido: esta é uma menina, então ela vai, quando crescer, assumir o papel tradicional da
mulher na família e no trabalho; este é um menino, então ele assumirá uma posição previsível na sociedade como
homem.” Para sua teoria, a performatividade diz respeito não somente ao caráter de iterabilidade (repetição dessas
normas ao longo do tempo), mas também à possibilidade de subversão dessas normas, uma vez que “muitas
pessoas sofrem dificuldades com sua atribuição —são pessoas que não querem atender aquelas expectativas, e a
percepção que têm de si próprias difere da atribuição social que lhes foi dada.” Portanto, elucida-se que este
trabalho parte dessas perspectivas teóricas, e não daquelas que radicam na essencialidade da divisão social entre
homens e mulheres a partir do sexo biológico. (BUTLER, 2017).
7
Importante, nesse momento, reconhecer a imprescindibilidade da manutenção de medidas para conter a curva de
contágio do vírus, diante da letalidade que vem aplacando milhares de pessoas ao redor do mundo. Portanto,
quaisquer argumentos que se inclinem no sentido de que as problemáticas sociais causadas pelas situações de
24

Ciente disso, o presente trabalho é orientado política e teoricamente com bases


epistêmicas e metodológicas feministas, enquanto teoria de conhecimento que se situa
conceitualmente, questionando a falaciosa neutralidade científica, nos termos de Barbara
Risman. Assim, o percurso analítico aqui desenvolvido é comprometido com implicações da
teoria acadêmica feminista, visando: i) desafiar o status quo que desvaloriza mulheres, ii)
analisar e problematizar a desigualdade de gênero, e iii) rumar em direção à diminuição dessa
desigualdade.8

Para tanto, a fim de compreender as formas de organização social e de gênero que


determinam essa distribuição desigual do trabalho reprodutivo no contexto da pandemia, a parte
inicial deste artigo se destina a uma breve historicização da questão, desvelando por meio de
uma sucinta contextualização sociológica a naturalização desses esquemas generificados. Após,
o estudo é dirigido ao seu objeto privilegiado de análise, qual seja, a indissociabilidade entre o
ambiente laboral e doméstico no contexto pandêmico. Através de análise documental e
jornalística, utilizando-se também como aporte sociológico estudos empíricos, esta análise
busca realizar um mapeamento dos impactos e das consequências sociais à vida territorializada
no espaço doméstico.

1 BREVE DIGRESSÃO PARA COMPREENDERMOS OS FATOS DA


QUARENTENA: UMA HISTORICIZAÇÃO DA DESIGUAL DIVISÃO ENTRE
PÚBLICO E PRIVADO

A divisão de trabalho a partir do gênero não nasce no âmbito do mundo do trabalho,


mas sim é preexistente a ele. Os arquétipos de gênero formam o imaginário popular sobre o que
é ser mulher e o que é ser homem e, consequentemente, qual papel se espera que ambos
desempenhem em todas as esferas sociais, inclusive na do trabalho. Assim, a divisão do trabalho
a partir do gênero se constitui na própria organização social e na oneração dos sujeitos a partir
das expectativas e imposições de performances de gênero.

isolamento social constituam razão para que voltemos “à normalidade” são não apenas falaciosos, como também
dissimulam atos criminosos e flertam com posturas de higienização social e de distribuição desigual do luto,
jogando nos ombros da população a responsabilidade de que ela dê conta de si própria e mantenha a engenharia
econômica em pleno funcionamento, a despeito da descartabilidade de alguns milhares de corpos.
8
RISMAN, Barbara J. Methodological Implications of Feminist Scholarship. The American Sociologist, Vol. 24,
No. 3/4 (Fall - Winter, 1993).
25

Às mulheres foram atribuídas características como fragilidade, recato, predomínio do


emocional sobre o intelectual, vocação materna e submissão,9 relegando a elas, desta maneira,
a responsabilidade pelo trabalho doméstico, de cuidados e de reprodução de pessoas -aqui
nomeado de trabalho reprodutivo-, bem como negando a sua participação no mundo público do
trabalho ao confiná-las na esfera privada do lar. Gênero, desde tal abordagem, não significa
uma particularidade essencialista do que é ser mulher ou ser homem, mas diz respeito a
mecanismos generificantes que interpelam os sujeitos a cumprirem determinadas performances
ao longo de seu percurso de vida.

Olga de Oliveira explica que o fato de as mulheres serem socialmente atreladas à esfera
privada decorre da ausência de seu reconhecimento histórico como sujeitos titulares de direitos
civis e políticos. Isso pode ser depreendido pelo fato de que, desde as primeiras Declarações de
Direitos ocidentais, o homem foi adotado como um sujeito de direitos neutro, consagrando uma
igualdade formal e abstrata. Essa neutralidade implica na perspectiva do homem como o
parâmetro universal de direitos, excluindo a mulher da esfera pública ao lhe negar direitos
políticos e civis. Dessa forma, o homem sempre dispôs e até hoje dispõe do privilégio de poder
atuar tanto na esfera pública quanto na esfera privada.10

E é justamente essa dicotomia entre as performances masculinas e femininas


relacionadas respectivamente com os espaços público e privado que atrela as mulheres à
responsabilidade pelo cuidado do lar e da família, responsabilizando-as sobremaneira pelo
trabalho reprodutivo. Como aponta a filósofa Carla Rodrigues, esse confinamento “ao espaço
da casa em nome dos cuidados com a higiene, a saúde e a reprodução da vida, [...] significou
dupla invisibilidade dessas atividades: por serem realizadas no âmbito privado e por estarem a
cargo das mulheres.”11 De acordo com Laís Abramo, as imagens de gênero são parte
constitutiva de uma ordem social que inclui todas as dimensões da vida, para além do trabalho,

9
LAZZARIN, Helena Kugel. A (Des)Proteção ao Trabalho da Mulher: As Insuficiências Legais e o Tratamento
Igualitário no Brasil. Novas Edições Acadêmicas, 2017.
10
OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar de. Mulheres e trabalho: desigualdades e discriminações em razão de
gênero – o resgate do princípio da fraternidade como expressão da dignidade humana. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2016, p. 356.
11
RODRIGUES, Carla. Precisou uma pandemia para o trabalho doméstico sair da invisibilidade. Projeto
Colabora, 20 de abril de 2020.
26

atribuindo ao âmbito doméstico um valor social inferior ao da esfera pública, ao destituir-lhe


de qualquer valor econômico.12

A intelectual militante Silvia Federici vem reivindicando, desde a década de 70, salários
pelo trabalho doméstico, com fundamento em uma perspectiva política revolucionária
feminista, com duplo sentido de desnaturalizá-lo e de visibilizá-lo economicamente: “o simples
fato de querer salários para o trabalho doméstico já significa recusar esse trabalho como uma
expressão de nossa natureza, e, portanto, recusar precisamente o papel feminino que o capital
inventou para nós.”13Convém mencionar que atualmente estima-se que, “se fosse remunerado,
esse tipo de trabalho movimentaria no mínimo US$ 10,8 trilhões por ano, mais de três vezes o
valor da indústria de tecnologia do mundo.”14

Cumpre destacar que o próprio Estado assumiu circunstancialmente papéis essenciais


na responsabilização das mulheres pelo trabalho reprodutivo. Nesse sentido, vale lembrar
quanto ao contexto nacional que o artigo 233, inciso V, do Código Civil Brasileiro de 1916
dispunha que incumbia ao marido o provimento financeiro do lar, ao passo que o artigo 242,
inciso VII, da mesma norma, dispunha que a mulher casada só poderia trabalhar mediante a
autorização do marido. Não obstante, o parágrafo único do artigo 446 da Consolidação das Leis
Trabalhistas permitia tanto ao pai quanto ao marido pleitear a rescisão do contrato de trabalho
de sua filha/esposa caso a sua continuidade pudesse acarretar “ameaça aos vínculos da família”
ou “perigo manifesto às condições peculiares da mulher”.

Refletindo a sociedade patriarcal da época, o próprio ordenamento jurídico brasileiro


consagrava o ideal de que os homens deveriam ser responsáveis pelo sustento financeiro do lar,
ao passo que as mulheres deveriam ser responsáveis pelo cuidado do lar e da família, deixando
claro que elas só poderiam participar do mundo público do trabalho com a anuência dos homens
da sua família e caso o exercício profissional não trouxesse prejuízos à realização das tarefas
domésticas e de cuidado de pessoas, isto é, a responsabilização das mulheres pelo trabalho
reprodutivo advinha inclusive de dispositivos legais.

12
OIT BRASIL. Mulheres no trabalho: tendências 2016 - sumário. Genebra: OIT, 2016, p. 18-19.
13
FEDERICI, Silvia. Ponto Zero da Revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Trad.
Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2019, p. 46-47.
14
SAYURI, Juliana. Coronavírus: É preciso remunerar o trabalho doméstico e o de cuidado, defende economista.
The Intercept, 21 de abril de 2020.
27

Ainda que tais dispositivos legais tenham sido há muito tempo revogados15 e que tenha
sido reconhecido constitucionalmente o direito das mulheres de participarem do mundo de
trabalho em condições de igualdade, tal igualdade permanece no plano formal, não tendo se
efetivado materialmente, conforme demonstra uma simples análise de dados comparativos
referentes às condições de acesso, permanência e oportunidades no mercado de trabalho16 - em
todos esses quesitos, tem-se o prejuízo das trabalhadoras.

Com efeito, embora a mão de obra feminina tenha sido incorporada ao mercado de
trabalho e tenham as mulheres conquistado a participação nessa esfera pública, as trabalhadoras
continuam sendo responsabilizadas majoritária ou integralmente pelo exercício do trabalho
reprodutivo na esfera privada, ao passo que os trabalhadores homens ficam desonerados desta
tarefa. Assim, se às trabalhadoras mulheres compete o exercício do trabalho produtivo e
reprodutivo, ao passo que os trabalhadores podem optar em exercer só o primeiro, como
assegurar uma igualdade material entre ambos os gêneros na esfera pública do trabalho, se as
trabalhadoras já partem de uma sobrecarga na esfera privada? Portanto, não é à toa que,
conforme mencionado, todos os marcadores referentes à igualdade no mercado de trabalho
continuam demonstrando que o trabalho das mulheres é exercido em condições desiguais.

Insta destacar que a discussão acerca da distinção entre público e privado não é um
debate nada novo, a despeito de sua atualidade. Pelo contrário, essa divisão vem sendo
questionada pelos movimentos de mulheres desde a Segunda Onda Feminista, emergente nas
décadas de 60 e 70, na medida em que tal discricionária divisibilidade reflete nas condições
desiguais de distribuição de tarefas e performances sociais, implicando na distinção entre

15
Com efeito, o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/1962) alterou a redação do artigo 233 do Código Civil,
de modo que o pátrio poder familiar continuou a ser exercido pelo homem, mas com a colaboração da mulher. Não
obstante, a referida lei também alterou o artigo 6º do referido Código, devolvendo à mulher casada sua condição
de plena capacidade. Desta feita, revogou tacitamente, também parte do disposto no artigo 446 da Consolidação
das Leis do Trabalho, o qual permitia tanto ao marido quanto ao pai se oporem à realização do trabalho pela
mulher. Posteriormente, a Lei nº 7.855/89, compatibilizando a legislação ordinária com a Constituição Federal,
revogou expressamente a totalidade do artigo 446 da CLT.
16
Maria Luiza Pinheiro Coutinho pontua que, ainda que à trabalhadora mulher tenha sido reconhecida a igualdade
formal de participação no âmbito do trabalho, ainda assim o seu trabalho continua sendo exercido em condicoes
desiguais: “[...] persistem as brechas salariais, a sub-representação nas funções com responsabilidade de comando
e de maior qualificação técnica, e, mais, a presença das mulheres em ocupações precárias (trabalho doméstico,
terceirização). Observa-se, portanto, que persistem no mundo do trabalho as desigualdades entre homens e
mulheres. As relações de gênero continuam a provocar desvantagens às mulheres trabalhadoras em termos de
salários, ascensão funcional ou oportunidades de trabalho e, em muitas situações, a mulher é preterida em razão
de suas responsabilidades familiares. (Coutinho, 2003, pág. 42).
28

serviços produtivos e reprodutivos, em prejuízo das mulheres. As palavras de ordem “o pessoal


é político” inclusive foram elencadas como o slogan da bandeira da Segunda Onda Feminista,
ao articular a busca de emancipação das mulheres do mandato de que o lar seria o seu devido
lugar e a maternidade sua precípua função.

Ocorre, no entanto, que a atual indissociabilidade entre as esferas pública e privada, as


quais passam a se concretizar no mesmo espaço físico nas condições pandêmicas de isolamento
social, trazem novos elementos para essa discussão, expondo radicalmente a desigualdade da
divisão de trabalho imposta pelo gênero, em prejuízo das trabalhadoras mulheres. O
esmaecimento dos contornos que distinguem as diferenciações entre público e privado, dado o
fato de recaírem sobre o mesmo território em circunstâncias de quarentena, importa na urgente
necessidade de revisão da desigual distribuição do trabalho reprodutivo.

Posto esse breve panorama, cumpre investigar as dinâmicas através das quais a
responsabilização das mulheres pelo trabalho reprodutivo vem onerando sobremaneira as
mulheres no contexto da pandemia do COVID-19.

2 COVID-19 E TRABALHO REPRODUTIVO: A INDISSOCIABILIDADE ENTRE O


AMBIENTE LABORAL E DOMÉSTICO

Em que pese a extensa carga horária despendida pelas mulheres com o trabalho
reprodutivo, ele é historicamente invisibilizado, sequer sendo reconhecido socialmente como
trabalho - exceto quando realizado pelas trabalhadoras domésticas, de forma (mal) remunerada,
para terceiros-. Como elucida a antropóloga Débora Diniz, “as mulheres são responsáveis pela
economia do cuidado”. Dado o fato incontestável de que há uma “distribuição desigual do
cuidado”, como já demonstrado, emergindo um contexto pandêmico em que “trancamos as
pessoas em casa - ou presumimos que as pessoas têm casa e que ela é um espaço seguro - a
centralidade do cuidado para a vida social se amplifica.”17

No mesmo sentido, Amanda Kovalczukpontua que a pandemia do COVID-19 expõe a


essencialidade do trabalho reprodutivo. Quando muitos dos setores produtivos foram obrigados
a congelar as suas atividades, chamou-se a atenção para o setor que seria impossível parar: o

17
DINIZ, Debora. Débora Diniz: “Mundo pós-pandemia terá valores feministas no vocabulário comum”.
SexualityPolicyWatch, 06 de abril de 2020.
29

do trabalho reprodutivo.18Salienta-se que as greves internacionais feministas, travadas


principalmente nas datas do 8M, empenham esforços para desvelar exatamente a
imprescindibilidade deste trabalho, convocando as mulheres a um “paro” transversal que
abarque todas as atividades durante as lutas do Dia Internacional das Mulheres.19

Desde o início da quarentena, a sobrecarga das mulheres pelo trabalho reprodutivo vem
sendo radicalmente exposta, levando à necessidade de retomar antigas discussões que vêm
sendo realizadas há décadas pelos movimentos feministas. Desde uma perspectiva sociológica,
é possível depreender que, através dos dados do IBGE, no Brasil, as mulheres empregam,
consoante os dados censitários relativos a 2018, em média cerca de73% a mais de horas do que
os homens na realização de serviços domésticos e no cuidados de pessoas (18,1 horas semanais
realizadas por mulher contra 10,5 horas semanais realizadas por homens), em circunstâncias
consideradas outrora como “normais”. 20

Vale destacar, no entanto, que essa distribuição desigual não é um fenômeno isolado
dos países em desenvolvimento. A Organização Internacional do Trabalho constatou que,
mesmo nos países mais ricos, as mulheres seguem sendo responsáveis pelo trabalho
reprodutivo, realizando, em média, duas vezes e meia mais tarefas domésticas e de cuidados
que os homens. Assim, considerando o trabalho reprodutivo, a jornada de trabalho feminina se
estende de 73 a 33 minutos por dia, respetivamente nos países em desenvolvimento e nos países
desenvolvidos21.

Essa é a razão pela qual as mulheres se aposentam mais cedo, não custa lembrar.
Também é por este mesmo motivo que as mulheres, em geral, possuem menor tempo livre para
exercer função remunerada. Deste modo, quanto à jornada trabalhada fora de casa, tem-se que,
consoante os dados censitários relativos a 2018, em média, o homem trabalhava 42,7 horas,

18
KOVALCZUK, Amanda. O chamado da pandemia de COVID-’9 a repensar a centralidade dos trabalhos de
cuidado. Sul 21, 03 de maio de 2020.
19
GAGO, Verónica. La potencia feminista: eldeseo de cambiarlo todo. Ciudad Autónoma de Buenos Aires:
Tinta Limón, 2019.
20
IBGE. Estatísticas de Gênero Indicadores sociais das mulheres no Brasil. Estudos e Pesquisas - Informação
Demográfica e Socioeconômica n.38. 2019.p. 3.
21
OIT BRASIL. Mulheres no trabalho: tendências 2016 - sumário. Genebra: OIT, 2016, p. 07.
30

enquanto a mulher 37,9 horas, o que acarretava cerca de 4,8 horas a menos na jornada semanal
da mulher em 2018.22

Da mesma forma, é também por esta razão que as mulheres constituem a maior parte da
mão de obra em contratos de trabalho de tempo parcial. Levantamentos da Organização
Internacional do Trabalho denunciam que, apesar de as trabalhadoras mulheres representarem
menos de 40 por cento do emprego total, as mesmas constituem 57 por cento dos trabalhadores
em tempo parcial, evidenciando que a distribuição desigual do trabalho reprodutivo reduz o
número de horas que as mulheres têm disponível para o exercício do trabalho remunerado.23

Com efeito, a drástica diferença de tempo despendido com tarefas domésticas acima
mencionada se dá em condições que possam ser consideradas ordinárias, com as mulheres
conciliando trabalho formal externo a essa jornada de trabalho doméstico. Contudo, o contexto
posto pela pandemia ocasionada pela COVID-19 traz novos contornos a esse cenário, posto
que, em razão do isolamento adotado como medida de contenção epidêmica, o ambiente laboral
passa a ser indissociável do ambiente doméstico.

Se outrora poderia se considerar que as trabalhadoras mulheres estavam submetidas a


uma dupla jornada de trabalho, realizando o trabalho reprodutivo após o término da jornada do
trabalho produtivo, a necessidade de isolamento esfacela essa divisão de tempo e espaço, posto
que ao terem de realizar seu trabalho remunerado dentro de casa, as mulheres passam a ser
submetidas simultaneamente a ambas jornadas, elevando a outros patamares a sobrecarga física
e mental a que essas trabalhadoras estão submetidas.

Uma pesquisa sociológica espanhola sobre a conciliação de teletrabalho e


responsabilidades familiares durante a pandemia, realizada por um grupo de investigação da
Universidade de Valência através de entrevistas telefônicas, é pontual sobre a questão aqui
desenvolvida. Sua apresentação é assim formulada: “este é um olhar para a conciliação
‘hipotética’ da família e do trabalho quando os dois eventos se reúnem e acontecem no mesmo
espaço e tempo, em um cenário em que tudo se sobrepõe e se desfoca”. De acordo com
resultados preliminares, “algumas [das trabalhadoras] sentem que estão trabalhando o dia todo.
Muitas vezes, ter flexibilidade de horários se torna uma demonstração contínua e um exercício

22
IBGE. Estatísticas de Gênero Indicadores sociais das mulheres no Brasil. Estudos e Pesquisas - Informação
Demográfica e Socioeconômica n.38. 2019.p. 5.
23
Ibidem, p. 08.
31

de responsabilidade para com seus superiores”. As autoras do estudo indicam ainda que “muitas
delas estão trabalhando enquanto cuidam, e isso acontece durante todo o dia”,24o que confirma
o argumento central deste trabalho.

Vale ressaltar que as creches e escolas foram fechadas por conta da pandemia, de modo
que as trabalhadoras mães ou as que participam da criação de infantes agora se encontram com
as crianças em casa em tempo integral sob o seus cuidados. O estudo citado acima também
aponta que as atividades educativas das crianças são majoritariamente incumbidas às mães,
causando ansiedade e demasiado estresse25. Assim, resta evidenciada a situação de sobrecarga
física e emocional a que as trabalhadoras são assujeitadas em tempos de pandemia, na medida
em que “a urgência dos dilemas postos entre (...) demissão ou gestão familiar, são acentuados
pela responsabilização das mulheres pelo exercício do trabalho emocional ligados ao cuidado e
à administração do lar”.26

Ademais, muitas mulheres que trabalhavam informalmente têm se dedicado


exclusivamente ao cuidado de crianças e da casa, enquanto seus companheiros trabalham em
home office. Aquelas que são chefes de famílias monoparentais e contavam exclusivamente
com seus esforços cotidianos para prover suas famílias hoje se vêem desamparadas, o que
recoloca a imprescindibilidade de que o Estado dê acesso imediato à renda básica universal e
digna às mulheres trabalhadoras, em um país que cerca de 42% do contingente de
trabalhadores/as está relegado à informalidade, sendo que 53,8% é composto por mulheres.27

Importante destacar que essa separação entre homem-provedor e mulher-cuidadora


interfere diretamente no acesso da mulher ao mercado de trabalho, bem como nas condições de
oportunidades e permanência dentro dele. Sob este viés, Laís Abramo explica que essa
dicotomia faz com que a força de trabalho seja vista como secundária, posto que o acesso da
mulher ao mercado de trabalho só seria necessário na falta do homem provedor. Assim, o
mundo do trabalho não é considerado como fator importante para a formação da identidade

24
BENLLOCH, Cristina; BLOISE, Empar Aguado. Teletrabajo y conciliación: elestrés se cebaconlasmujeres. The
conversation, 29 de abril de 2020.
25
Ibidem.
26
GOULART, Domenique. Notas sobre uma leitura feminista da pandemia. Le Monde Diplomatique, 31 de
março de 2020.
27
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua - 4º trimestre 2019. IBGE,
2019.
32

feminina, tampouco constitui parte essencial do projeto de vida das mulheres, tal como ocorre
com os homens.28

Em virtude desse arquétipo formado no imaginário da população em geral e,


principalmente, de empregadores/as, a renda das trabalhadoras mulheres é vista como
complementar à dos homens. Isso faz com que elas sejam consideradas como mão de obra
menos comprometida, mais propensa a ter a carreira interrompida, posto que abandonariam o
emprego assim que não precisassem mais dele. Tal circunstância associada aos custos
decorrentes da maternidade acaba, portanto, por reduzir as oportunidades das mulheres de
ocuparem cargos de chefia, de obterem ascensão dentro da sua carreira, bem como explica os
salários reduzidos.

Em situação de quarentena, tal valorização inferior e complementar quanto ao trabalho


formal desenvolvido pelas mulheres faz com que muitas sejam impelidas a abdicar de seus
vínculos trabalhistas, dedicando-se exclusivamente ao cuidado de crianças e idosos e aos
afazeres domésticos. Não raras mulheres cujos companheiros continuam exercendo suas
atividades laborais por teletrabalho ou home office abrem mão de seu trabalho produtivo ou são
constrangidas a fazê-lo, a fim de que se responsabilizem pelos trabalhos reprodutivos.

Outrossim, o cenário imposto pela pandemia do coronavírus escancara também as


diferenças de classe e de raça existentes na dinâmica da realização do trabalho reprodutivo.
Com efeito, as mulheres de classe alta e média que antes podiam terceirizar o ônus do trabalho
reprodutivo para outras mulheres, sobretudo trabalhadoras negras,29 ficam, agora, obrigadas a
realizá-lo por conta própria, sentindo em seus próprios corpos a sobrecarga ocasionada pela
desigual distribuição do trabalho reprodutivo que até pouco tempo atrás era deslocada a outras
mulheres.

Nesse sentido, vale lembrar que a primeira vítima fatal do COVID-19 no estado do Rio
de Janeiro foi uma empregada doméstica negra de 62 anos, que mesmo após os seus
empregadores terem testado positivo para a doença, não foi dispensada de seus serviços,

28
ABRAMO, Laís. A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? São
Paulo, Universidade de São Paulo - USP, Tese de Doutorado, 2007.
29
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualizados até 2018, 63% dos trabalhadores domésticos
brasileiros são mulheres negras.
33

tampouco informada que seus patrões haviam contraído a doença.30 Ainda, conforme dados
expostos pelo Instituto Locomotiva, apenas 39% dos empregadores dispensaram os serviços
garantindo a remuneração de seus trabalhadores domésticos.31

Conforme precisamente pontuado por Carla Rodrigues, desde o momento em que a


Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou a necessidade de adoção do isolamento como
medida de contenção epidêmica, “ter uma casa, poder habitá-la e cuidar de si e da família
tornou-se necessidade para uma política de saúde bem-sucedida, demonstrando que o pessoal
também é político”, levando à necessidade de resgate desse velho slogan feminista, o qual se
originou justamente da necessidade de se demonstrar que toda mulher no mercado de trabalho
necessita de uma rede de apoio de cuidado e da família.32

Portanto, o contexto de isolamento gerado pela pandemia do coronavírus lançou luz não
só sobre a essencialidade do trabalho reprodutivo, mas também sobre a necessidade de se
resgatar as discussões sobre a divisão do trabalho reprodutivo, que há décadas vêm sendo
pautados pelos movimentos feministas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme exposto, a reivindicação dos movimentos de mulheres a uma divisão


igualitária do trabalho reprodutivo não é uma pauta atual, posto que vem sendo realizada desde
a Segunda Onda dos movimentos feministas. Contudo, é inegável que essa pauta foi
diretamente atualizada em razão da pandemia da COVID-19, quando, para frear a curva de
contágio da população, impôs-se a adoção do isolamento social.

Com efeito, a necessidade de isolamento físico imposta como estratégia de frear a


contágio pela COVID-19 implicou na fusão entre as esferas pública e privada, na medida em
que ambas passaram a se concretizar no mesmo espaço de tempo e de lugar. Essa fusão traz
dois pontos essenciais (e indissociáveis) a serem destacados: se por um lado foi exposta a
sobrecarga das trabalhadoras mulheres pela responsabilização da realização do trabalho

30
DINIZ, Debora. Patroas, empregadas e coronavírus. El País Brasil, 20 de março de 2020.
31
GUIMARÃES, Lígia. Coronavírus no Brasil: 39% dos patrões dispensaram diaristas sem pagamento durante
pandemia, aponta pesquisa. BBC News Brasil em São Paulo, 22 de abril de 2020.
32
RODRIGUES, Carla. Precisou uma pandemia para o trabalho doméstico sair da invisibilidade. Projeto
Colabora, 20 de abril de 2020.
34

reprodutivo e do produtivo, por outro lado também foi exposta (como nunca antes havia sido)
a essencialidade do trabalho reprodutivo à própria manutenção do sistema capitalista.

E não é só. Se no contexto prévio à quarentena, o trabalho reprodutivo ficava restrito à


esfera privada do lar, tais contornos restaram esmaecidos quando o trabalho produtivo passou
também a ser realizado no mesmo espaço e tempo, demonstrando aquilo que há muito tempo
vem sendo exposto pelos movimentos feministas: a responsabilidade das mulheres pelo
trabalho reprodutivo na esfera privada do lar interfere diretamente nas condições em que o seu
trabalho produtivo será realizado na esfera pública. Dessa forma, pode-se afirmar que o slogan
de que “o pessoal é político” foi atualizado, ganhando novo corpo.

Portanto, a necessidade de isolamento físico imposta pela COVID-19, diante da desigual


distribuição do trabalho a partir do gênero, atualiza e traz novos contornos a questões
historicamente questionadas pelos movimentos de mulheres, como a divisão entre público e
privado e a consequente responsabilização da mulher pelo trabalho reprodutivo, reposicionando
as palavras de ordem elencadas como o slogan da bandeira da Segunda Onda Feminista “o
pessoal é político”, ao demonstrar, mais uma vez, que enquanto o trabalho reprodutivo não for
igualmente distribuído, as mulheres não participarão do trabalho produtivo em condições
igualitárias.

REFERÊNCIAS

ABRAMO, Laís. A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho


secundária? São Paulo, Universidade de São Paulo - USP, Tese de Doutorado, 2007.
BENLLOCH, Cristina; BLOISE, Empar Aguado. Teletrabajo y conciliación: elestrés se
cebaconlasmujeres. The conversation, 29 de abril de 2020. Disponível em:
<https://theconversation.com/teletrabajo-y-conciliacion-el-estres-se-ceba-con-las-mujeres-
137023>.
BUTLER, Judith. Judith Butler escreve sobre sua teoria de gênero e o ataque sofrido no Brasil.
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<https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/11/1936103-judith-butler-escreve-sobre-o-
fantasma-do-genero-e-o-ataque-sofrido-no-brasil.shtml>.
COUTINHO, Maria Luiza Pinheiro. Discriminação no Trabalho: Mecanismos de Combate à
Discriminação e Promoção de Igualdade de Oportunidades. OIT Igualdade Racial, 2003.
DINIZ, Debora. Débora Diniz: “Mundo pós-pandemia terá valores feministas no vocabulário
comum”. SexualityPolicyWatch, 06 de abril de 2020. Disponível em:
35

<https://sxpolitics.org/ptbr/debora-diniz-mundo-pos-pandemia-tera-valores-feministas-no-
vocabulario-comum/10315>.
DINIZ, Debora. Patroas, empregadas e coronavírus. El País Brasil, 20 de março de 2020.
Disponível em: <https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-03-21/patroas-empregadas-e-
coronavirus.html>.
FEDERICI, Silvia. Ponto Zero da Revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista.
Trad. Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2019.
GAGO, Verónica. La potencia feminista: eldeseo de cambiarlo todo. Ciudad Autónoma de
Buenos Aires: Tinta Limón, 2019.
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Diplomatique, 31 de março de 2020. Disponível em: <https://diplomatique.org.br/notas-sobre-
uma-leitura-feminista-da-pandemia/>.
GUIMARÃES, Lígia. Coronavírus no Brasil: 39% dos patrões dispensaram diaristas sem
pagamento durante pandemia, aponta pesquisa. BBC News Brasil em São Paulo, 22 de abril de
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- Informação Demográfica e Socioeconômica n.38. 2019. Disponível em:
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36

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<https://theintercept.com/2020/04/21/coronavirus-entrevista-cuidado-saude-
economia/?fbclid=IwAR2g-
RfsqCEy07B33UJpTYch2xXF5equ2o5LxMYshimzR3Ve4iqQkYq5pKk>.
37

SENADO FEDERAL E CORONAVÍRUS: MEDIDAS NORMATIVAS


ADOTADAS NO AUXÍLIO DE EMPRESAS E TRABALHADORES
AFETADOS PELA PANDEMIA

Cesar Augusto Cavazzola Junior1

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo fazer uma síntese dos projetos votados no
Senado Federal para o combate à pandemia, iniciados a partir do mês de fevereiro de 2020. Este
trabalho relaciona apenas as medidas relacionadas direta ou indiretamente às relações de
trabalho, motivo pelo qual incentivos destinados às empresas estarão contidos nesta relação,
bem como os auxílios em geral. A proposta visa, tão-somente, enumerar as proposições, sem
qualquer análise crítica sobre as mesmas.

Palavras-chave: Pandemia – Senado Federal – Proposições legislativas

1. APRESENTAÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo fazer uma síntese dos projetos votados no
Senado Federal para o combate à pandemia. Muito embora outras instituições tenham
apresentado medidas próprias, limitam-se, nesta abordagem, os temas que foram de tramitaram
no Senado. As iniciativas iniciaram ainda no mês de fevereiro de 2020, quando foi aprovado o
PL 23/2020 (transformado na Lei 13.979, de 2020), que regulamentou as medidas de
emergência de saúde pública provocada pelo vírus, como isolamento, quarentena e fechamento
de portos, rodovias e aeroportos.

Ainda, este trabalho relaciona apenas as medidas relacionadas direta ou indiretamente


às relações de trabalho, motivo pelo qual incentivos destinados às empresas estarão contidos
nesta relação, bem como os auxílios em geral.

Em razão da necessidade de isolamento, a maioria dos textos foi aprovada em sessões


remotas, uma inovação do Senado para garantir a votação de medidas de combate à pandemia.

1
Advogado (OAB/RS 83.859). Mestre em Direito pela Unisinos. Membro da CSI – OAB/RS.Autor dos livros
“Manual de Direito Desportivo” (EDIPRO, 2014), “Bacamarte” (Giostri, 2016) e coautor de outras obras jurídicas.
38

Importante destacar que não se trata de uma abordagem crítica aos projetos aprovados.
Estará disposto, no geral, (a) o número do projeto, assunto e autoria, (b) a ementa, (c) a síntese
da proposta, (d) a data de aprovação no Senado e, por fim, (e) a situação das proposições.

2. AS PROPOSIÇÕES VOTADAS NO SENADO FEDERAL2

2.1. PL 4.108/2020

Iniciativa: Senador Jayme Campos (DEM/MT)

Assunto: Social - Educação.

Natureza: Norma Geral

Ementa: Altera as Leis nº 1.310, de 15 de janeiro de 1951, nº 6.932, de 7 de julho de


1981, nº 8.405, de 9 de janeiro de 1992, nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, nº 11.129, de 30
de junho de 2005, e nº 11.180, de 23 de setembro de 2005, para vedar o corte de bolsas de
estudos e auxílios nelas previstos nas condições que especifica.

Explicação da Ementa: Proíbe o corte de bolsas de estudo, pesquisa e docência,


durante calamidade pública.

Aprovação no Senado: 2/9/2020

Situação: Aguarda análise na Câmara dos Deputados.

2.2. MP 963/2020

Autoria: Presidência da República

Ementa: Abre crédito extraordinário, em favor de Operações Oficiais de Crédito, no


valor de R$ 5.000.000.000,00, para o fim que especifica.

Explicação da Ementa: Abre Crédito Extraordinário no valor de R$ 5.000.000.000,00


(cinco bilhões de reais) para o Financiamento da Infraestrutura Turística Nacional (Recursos
sob Supervisão do Fundo Geral de Turismo/FUNGETUR - Ministério do Turismo).

Aprovação na Câmara dos Deputados: 1/9/2020

2
Os projetos foram consultados no banco de dados do site do Senado Federal. Este trabalho foi atualizado até o
dia 09 de setembro de 2020.
39

Aprovação no Senado: 2/9/2020

Situação: Aguarda promulgação.

2.3. MP 959/2020

Autoria: Presidência da República

Ementa: Estabelece a operacionalização do pagamento do Benefício Emergencial de


Preservação do Emprego e da Renda e do benefício emergencial mensal de que trata a Medida
Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, e prorroga a vacatio legis da Lei nº 13.709, de 14 de
agosto de 2018, que estabelece a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD.

Explicação da Ementa: Dispensa de licitação a contratação da Caixa Econômica


Federal e do Banco do Brasil S.A. para a operacionalização do pagamento do Benefício
Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda e do benefício emergencial mensal de que
tratam os art. 5º e art. 18 da Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020. Permite que o
beneficiário receba os mencionados benefícios na instituição financeira em que possuir conta
poupança ou conta de depósito à vista, exceto conta-salário. Adia para 3 de maio de 2021 a
entrada em vigor de dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD.

Aprovação na Câmara dos Deputados: 25/8/2020

Aprovação no Senado: 26/8/2020 na forma de projeto de lei de conversão (PLV


34/2020)

Situação: Aguarda sanção

2.4. PL 2.424/2020

Iniciativa: Senador Eduardo Girão (PODEMOS/CE)

Nº na Câmara dos Deputados: PL 2424/2020

Norma Gerada: Lei nº 14.045 de 20/08/2020

Assunto: Econômico - Política econômica e sistema financeiro.

Natureza: Norma Geral


40

Ementa: Dispõe sobre a concessão de linha especial de crédito para profissionais


liberais, que atuem como pessoa física, durante o estado de calamidade pública reconhecido
pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

Explicação da Ementa: Determina ao Tesouro Nacional a disponibilização de linha de


crédito para pessoas físicas que sejam profissionais liberais, destinada a custear despesas de
capital de giro do tomador, a fim de mitigar os prejuízos econômicos decorrentes da pandemia
do novo coronavírus.

Aprovação no Senado: 28/5/2020

Aprovação na Câmara dos Deputados: 30/7/2020

Situação: Transformado na Lei 14.045, de 2020, com vetos.

2.5. MP 975/2020

Autoria: Presidência da República

Ementa: Institui o Programa Emergencial de Acesso a Crédito e altera a Lei nº 12.087,


de 11 de novembro de 2009, e a Lei nº 13.999, de 18 de maio de 2020.

Explicação da Ementa: Institui o Programa Emergencial de Acesso a Crédito, sob a


supervisão do Ministério da Economia, com o objetivo de facilitar o acesso a crédito por meio
da disponibilização de garantias e de preservar empresas de pequeno e de médio porte diante
dos impactos econômicos decorrentes da pandemia de coronavírus (covid-19), para a proteção
de empregos e da renda. Estabelece que o programa é destinado a empresas que tenham sede
ou estabelecimento no País e tenham auferido no ano-calendário de 2019 receita bruta superior
a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e inferior ou igual a R$ 300.000.000,00
(trezentos milhões de reais). Autoriza a União a aumentar em até R$ 20.000.000.000,00 (vinte
bilhões de reais) a sua participação no Fundo Garantidor para Investimentos - FGI, administrado
pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, exclusivamente para
a cobertura das operações contratadas no âmbito do Programa Emergencial de Acesso a Crédito.
Dispõe que os riscos de crédito assumidos no âmbito do Programa de que trata a Medida
Provisória por instituições financeiras autorizadas a operar pelo Banco Central do Brasil,
incluídas as cooperativas de crédito, serão garantidos direta ou indiretamente. Dispensa os
agentes financeiros de observarem, até 31 de dezembro de 2020, nas operações de crédito
41

contratadas no âmbito do Programa Emergencial de Acesso a Crédito, as condições que


enumera. Altera a Lei nº 12.087, de 11 de novembro de 2009, e a Lei nº 13.999, de 18 de maio
de 2020.

Aprovação na Câmara dos Deputados: 9/7/2020

Aprovação no Senado: 29/7/2020 na forma do Projeto de Lei de Conversão (PLV)


24/2020.

Situação: Transformada na Lei 14.042, de 2020, com vetos.

2.6. MP 944/2020

Autoria: Presidência da República

Ementa: Institui o Programa Emergencial de Suporte a Empregos.

Explicação da Ementa: Institui o Programa Emergencial de Suporte a Empregos,


destinado à realização de operações de crédito com empresários, sociedades empresárias e
sociedades cooperativas, excetuadas as sociedades de crédito, com a finalidade de pagamento
de folha salarial de seus empregados. Estabelece que o programa é destinado às pessoas com
receita bruta anual superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior
a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), calculada com base no exercício de 2019. Dispõe
que as linhas de crédito concedidas no âmbito do programa abrangerão a totalidade da folha de
pagamento do contratante, pelo período de dois meses, limitadas ao valor equivalente a até duas
vezes o salário-mínimo por empregado. Impõe às instituições financeiras participantes do
programa o dever de assegurar que os recursos sejam utilizados exclusivamente para o
processamento das folhas de pagamento dos contratantes. Fixa a taxa de juros, o prazo para o
pagamento e o prazo de carência para início do pagamento. Transfere da União para o BNDES
montante destinado à execução do Programa Emergencial de Suporte a Empregos. Estabelece
a competência do Banco Central do Brasil para fiscalizar o cumprimento, pelas instituições
financeiras participantes, das condições estabelecidas para as operações de crédito realizadas
no âmbito do programa.

Aprovação na Câmara dos Deputados: 30/6/2020


42

Aprovação no Senado: 15/7/2020, na forma do Projeto de Lei de Conversão (PLV)


20/2020, com alterações.

Aprovação final da Câmara: 29/7/2020, acatando as alterações sugeridas pelo Senado.

Situação: Transformada na Lei 14.043, de 2020, com vetos.

2.7. PL 2.824/2020

Iniciativa: Deputado Federal Felipe Carreras (PSB/PE)

Autoria: Câmara dos Deputados

Nº na Câmara dos Deputados: PL 2824/2020

Assunto: Social - Desporto e lazer.

Natureza: Norma Geral

Ementa: Dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor esportivo a serem


adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de
20 de março de 2020; e altera as Leis nºs 9.615, de 24 de março de 1998, e 13.756, de 12 de
dezembro de 2018.

Explicação da Ementa: Prevê ações emergenciais destinadas ao setor esportivo,


durante a calamidade pública da Covid-19, e disciplina a governança das entidades esportivas.
Dispõe sobre auxílio emergencial ao trabalhador do esporte, premiação aos atletas, linhas de
crédito, negociação de créditos da União, projetos com incentivo fiscal e critérios para a Bolsa-
Atleta.

Aprovação na Câmara dos Deputados: 16/7/2020

Aprovação no Senado: 13/8/2020, com alterações. Projeto retorna para análise da


Câmara dos Deputados.

2.8. MP 986/2020

Autoria: Presidência da República

Ementa: Estabelece a forma de repasse pela União dos valores a serem aplicados pelos
Poderes Executivos locais em ações emergenciais de apoio ao setor cultural durante o estado
43

de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e as


regras para a restituição ou a suplementação por meio de outras fontes próprias de recursos
pelos Estados, pelos Municípios ou pelo Distrito Federal.

Aprovação na Câmara dos Deputados: 20/7/2020

Aprovação no Senado: 22/7/2020, na forma do Projeto de Lei de Conversão (PLV)


27/2020.

Aprovação final na Câmara: 29/7/2020 (rejeitando as alterações sugeridas pelo


Senado).

Situação: Transformada na Lei 14.036, de 2020.

2.9. PL 3.716/2020

Iniciativa: Senador Dário Berger (MDB/SC)

Assunto: Social - Educação.

Natureza: Norma Geral

Ementa: Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes


e bases da educação nacional, para dispor sobre os processos de revalidação e de
reconhecimento de diplomas expedidos por instituições de educação superior estrangeiras.

Explicação da Ementa: Dispõe sobre os processos de revalidação ou reconhecimento


simplificados de diplomas expedidos por instituições estrangeiras de educação superior.

Aprovação no Senado: 6/8/2020

Situação: Decisão: Prejudicada; Destino: Ao arquivo.

2.10. PL 735/2020

Iniciativa: Deputado Federal EnioVerri (PT/PR)

Autoria: Câmara dos Deputados

Nº na Câmara dos Deputados: PL 735/2020

Norma Gerada: Lei nº 14.048 de 24/08/2020

Assunto: Econômico - Agricultura, pecuária e abastecimento.


44

Natureza: Norma Geral

Ementa: Dispõe sobre medidas emergenciais de amparo aos agricultores familiares do


Brasil para mitigar os impactos socioeconômicos da Covid–19; altera as Leis nºs 13.340, de 28
de setembro de 2016, e 13.606, de 9 de janeiro de 2018; e dá outras providências (Lei Assis
Carvalho).

Explicação da Ementa: Autoriza a União a pagar auxílio aos agricultores familiares


que não tenham recebido o auxílio emergencial. Institui o Fomento Emergencial de Inclusão
Produtiva Rural, destinado aos agricultores familiares em situação de pobreza e extrema
pobreza. Assegura o recebimento do Benefício Garantia-Safra aos agricultores familiares aptos
a recebê-lo durante o estado de calamidade pública. Autoriza a criação de linhas de crédito no
âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Institui o
Programa de Atendimento Emergencial à Agricultura Familiar, para apoiar a geração de renda
de agricultores familiares e incentivar a aquisição de produtos oriundos da agricultura familiar.
Autoriza, nos casos em que especifica, a prorrogação do vencimento de parcelas, a concessão
de rebates e descontos para liquidação e a repactuação de débitos de agricultores familiares.

Aprovação na Câmara dos Deputados: 20/7/2020

Aprovação no Senado: 5/8/2020

Situação: Transformada na Lei 14.048, de 2020, com vetos.

2.11. PLP 9/2020

Iniciativa: Deputado Federal Marco Bertaiolli (PSD/SP)

Autoria: Câmara dos Deputados

Nº na Câmara dos Deputados: PLP 9/2020

Assunto: Econômico - Tributação.

Natureza: Norma Geral

Ementa: Autoriza celebração de transação resolutiva de litígio para os créditos da


Fazenda Pública apurados na forma do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos
e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples
Nacional); e prorroga o prazo para enquadramento no Simples Nacional em todo o território
45

brasileiro, no ano de 2020, para microempresas e empresas de pequeno porte em início de


atividade.

Explicação da Ementa: Permite a transação de créditos do Simples Nacional.


Estabelece prazo para opção pelo Simples Nacional por empresas em início de atividade.

Aprovação na Câmara dos Deputados: 27/5/2020

Aprovação no Senado: 14/7/2020

Situação: Transformado na Lei Complementar 174, de 2020.

2.12. PL 2.906/2020

Iniciativa: Senador Dário Berger (MDB/SC)

Assunto: Social - Educação.

Natureza: Norma Geral

Ementa: Modifica o art. 7º da Lei nº 9.766, de 18 de dezembro de 1998, que altera a


legislação que rege o Salário-Educação e dá outras providências, para excluir a vedação de
destinação dos recursos do Salário-Educação para o pagamento de pessoal durante a vigência
do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 ou até 31/12/2020, o que for mais
longínquo.

Explicação da Ementa: Permite, em caráter excepcional, durante a vigência do estado


de calamidade decorrente da pandemia do coronavírus, a utilização dos recursos provenientes
do salário-educação para pagamento de pessoal.

Aprovação no Senado: 5/8/2020

Situação: Aguarda análise na Câmara dos Deputados.

2.13. MP 925/2020

Autoria: Presidência da República

Comissão: Comissão Mista da Medida Provisória nº 925, de 2020.

Ementa: Dispõe sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão
da pandemia da covid-19.
46

Explicação da Ementa: As medidas emergenciais incluem: a) prazo de até 12 meses


para devolução do valor de viagens compradas até 31 de dezembro de 2020 e canceladas em
razão do agravamento da referida epidemia, dando-se o reembolso por meio de crédito a ser
utilizado em até 12 meses, contados da data do voo contratado, isentando-se, ainda, os
consumidores das penalidades contratuais; e b) postergação para 18 de dezembro de 2020 do
prazo para os 22 aeroportos concedidos à iniciativa privada pagarem as contribuições fixa (valor
da concessão) e variável (calculada sobre a receita anual) com vencimento neste ano.

Aprovação na Câmara dos Deputados: 8/7/2020

Aprovação no Senado: 15/7/2020, na forma do Projeto de Lei de Conversão (PLV)


23/2020.

Situação: Transformada na Lei 14.034, de 2020.

2.14. PL 1.826/2020

Iniciativa: Deputado Federal Reginaldo Lopes (PT/MG)

Autoria: Câmara dos Deputados

Nº na Câmara dos Deputados: PL 1826/2020

Assunto: Social - Previdência social.

Natureza: Norma Geral

Ementa: Dispõe sobre compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais
e trabalhadores de saúde que, durante o período de emergência de saúde pública de importância
nacional decorrente da disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), por terem
trabalhado no atendimento direto a pacientes acometidos pela Covid-19, ou realizado visitas
domiciliares em determinado período de tempo, no caso de agentes comunitários de saúde ou
de combate a endemias, tornarem-se permanentemente incapacitados para o trabalho, ou ao seu
cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, em caso de
óbito; e altera a Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949.

Explicação da Ementa: Cria compensação financeira a ser paga, com recursos


oriundos do Tesouro Nacional, aos profissionais de saúde e agentes comunitários de saúde e
combate a endemias incapacitados de forma permanente para o trabalho em decorrência do
47

coronavírus, bem como aos seus dependentes, cônjuge e herdeiros, em caso de falecimento
decorrente do coronavírus. Dispensa o empregado de comprovação de doença por 7 dias,
durante o período de emergência em saúde pública decorrente do coronavírus.

Aprovação na Câmara: 21/5/2020

Aprovação no Senado: 7/7/2020, com alterações. Projeto retorna para análise da


Câmara dos Deputados.

Aprovação final na Câmara: 14/7/2020, acatando as emendas sugeridas pelo Senado.

Situação: Vetado integralmente pelo presidente da República.

2.15. MP 945/2020

Autoria: Presidência da República

Ementa: Dispõe sobre medidas temporárias em resposta à pandemia decorrente da


covid-19 no âmbito do setor portuário e sobre a cessão de pátios sob administração militar.

Explicação da Ementa: Dispõe sobre: a) medidas especiais em resposta à pandemia


decorrente da covid-19 com o objetivo de garantir a preservação das atividades portuárias,
consideradas essenciais; e b) a cessão de uso especial de pátios sob administração militar.
Estabelece as hipóteses em que o Órgão Gestor de Mão de Obra não poderá escalar trabalhador
portuário avulso (ocorrência de tosse seca, dor de garganta, ou dificuldade respiratória, entre
outras). Prevê, enquanto persistir o impedimento de escalação, o direito ao recebimento, pelo
trabalhador avulso, de indenização compensatória mensal no valor correspondente a cinquenta
por cento sobre a média mensal recebida (considerados os valores recebidos pelo trabalhador
por intermédio do Órgão Gestor de Mão de Obra entre 1º de outubro de 2019 e 31 de março de
2020). Proíbe a escalação presencial de trabalhadores portuários, instituindo a sua realização
por meio eletrônico. Autoriza a cessão de uso especial de pátios sob administração militar, a
título gratuito, às pessoas jurídicas prestadoras de serviço de transporte aéreo público,
nacionais, a título precário, durante o período do estado de calamidade pública decorrente da
pandemia da covid-19.

Aprovação na Câmara dos Deputados: 30/7/2020

Aprovação no Senado: 30/7/2020 na forma de projeto de lei de conversão (PLV


30/2020).
48

Situação: Transformada na Lei 14.047, de 2020, com veto.

2.16. MP 946/2020

Autoria: Presidência da República

Ementa: Extingue o Fundo PIS-Pasep, instituído pela Lei Complementar nº 26, de 11


de setembro de 1975, transfere o seu patrimônio para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço,
e dá outras providências.

Explicação da Ementa: Extingue, em 31 de maio de 2020, o Fundo PIS-Pasep, cujos


ativos e passivos ficam transferidos, na mesma data, ao FGTS. Disponibiliza aos titulares de
conta vinculada do FGTS, a partir de 15 de junho de 2020 e até 31 de dezembro de 2020, em
razão do enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo
nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional
decorrente da pandemia de coronavírus (covid-19), de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de
fevereiro de 2020, o saque de recursos até o limite de R$ 1.045,00 (mil e quarenta e cinco reais)
por trabalhador.

Aprovação na Câmara dos Deputados: 30/7/2020

Aprovação no Senado: 30/7/2020 na forma de projeto de lei de conversão (PLV


31/2020).

Situação: Aguarda sanção.

2.17. MP 936/2020

Autoria: Presidência da República

Ementa: Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e


dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade
pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência
de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), de que
trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dá outras providências.

Explicação da Ementa: Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego


e da Renda, com aplicação durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto
Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, com objetivos de: preservar o emprego e a renda;
49

garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais; e reduzir o impacto social


decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde
pública. Define como medidas do programa: o pagamento de Benefício Emergencial de
Preservação do Emprego e da Renda; a redução proporcional de jornada de trabalho e de
salários; e a suspensão temporária do contrato de trabalho. Reconhece a garantia provisória no
emprego ao empregado que receber o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da
Renda, em decorrência da redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão
temporária do contrato de trabalho. Prevê que as medidas de redução de jornada de trabalho e
de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho poderão ser celebradas por meio
de negociação coletiva. Estabelece as hipóteses em que as medidas do programa serão
implementadas por meio de acordo individual ou de negociação coletiva.

Aprovação na Câmara dos Deputados: 29/5/2020

Aprovação no Senado: 16/6/2020, na forma do Projeto de Lei de Conversão (PLV)


15/2020.

Situação: Transformada na Lei 14.020, de 2020, com veto parcial.

2.18. MP 932/2020

Autoria: Presidência da República

Ementa: Altera as alíquotas de contribuição aos serviços sociais autônomos que


especifica e dá outras providências.

Explicação da Ementa: Promove, até 30 de junho de 2020, a redução pela metade das
alíquotas das contribuições obrigatórias dos empregadores aos serviços sociais autônomos
(Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai, Serviço Social do Comércio – Sesc,
Serviço Social da Indústria – Sesi, Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio – Senac,
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – Senar, Serviço Nacional de Aprendizagem do
Cooperativismo – Sescoop, Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte – Senat, e
Serviço Social de Transporte – Sest). No que diz respeito ao Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), prevê que pelo menos 50% da contribuição devida deve
ser destinada ao Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe), que tem por objetivo
prover garantias complementares em operações de crédito junto a instituições financeiras
conveniadas.
50

Aprovação na Câmara dos Deputados: 16/6/2020

Aprovação no Senado: 23/6/2020, na forma do Projeto de Lei de Conversão (PLV)


17/2020.

Situação: Transformada na Lei 14.025, de 2020, com vetos.

2.19. PL 1.075/2020

Iniciativa: Deputada Federal Benedita da Silva (PT/RJ)

Autoria: Câmara dos Deputados

Nº na Câmara dos Deputados: PL 1075/2020

Norma Gerada: Lei nº 14.017 de 29/06/2020

Assunto: Social - Arte e cultura.

Natureza: Norma Geral

Ementa: Dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas
durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de
março de 2020; e dá outras providências.

Explicação da Ementa: Determina à União o repasse de três bilhões de reais aos


Estados, ao DF e aos Municípios para aplicação em ações emergenciais de apoio ao setor
cultural, inclusive custeio de renda emergencial mensal para os trabalhadores da cultura. Faculta
às instituições financeiras federais a criação de linhas de crédito especiais e a concessão de
condições especiais para renegociação de débitos. Prorroga os prazos para aplicação de
recursos, realização de atividades culturais e prestação de contas de projetos culturais já
aprovados pelo órgão responsável pela área de cultura. Incentiva a realização de atividades
culturais que possam ser transmitidas pela internet.

Aprovação na Câmara dos Deputados:26/5/2020

Aprovação no Senado: 4/6/2020

Situação: Transformado na Lei 14.017, de 2020.


51

2.20. PL 1.886/2020

Iniciativa: Senador Jorginho Mello (PL/SC)

Autoria: Senador Jorginho Mello (PL/SC)

Nº na Câmara dos Deputados: PL 1886/2020

Assunto: Social - Educação.

Natureza: Norma Geral

Ementa: Institui o Certificado de Recebíveis da Educação (CRE) - Emergencial - em


decorrência do estado de calamidade pública pela pandemia de COVID-19.

Explicação da Ementa: Cria e regulamenta título de crédito denominado "Certificado


de Recebíveis Educacionais", que contempla um direito creditório estabelecido entre estudantes
e/ou seus responsáveis e empresas e instituições de ensino superior relacionados à prestação de
serviços educacionais.

Aprovação no Senado: 20/5/2020

Situação: Em análise na Câmara dos Deputados.

2.21. PL 873/2020

Iniciativa: Senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP)

Nº na Câmara dos Deputados: PL 873/2020

Norma Gerada: Lei nº 13.998 de 14/05/2020

Assunto: Social - Assistência social.

Natureza: Norma Geral

Ementa: Altera a Lei n. 10.835/2004, para instituir a Renda Básica de Cidadania


Emergencial e ampliar benefícios aos inscritos no Programa Bolsa Família e aos cadastrados
no CadÚnico, em casos de epidemias e pandemias.

Explicação da Ementa: Institui a Renda Básica de Cidadania Emergencial, durante


epidemias. Expande o alcance do auxílio emergencial de R$ 600 a ser pago a trabalhadores
52

informais de baixa renda durante a pandemia de coronavírus e cria o Programa de Auxílio ao


Emprego, que autoriza o Poder Executivo a pagar parte dos salários de trabalhadores.

Aprovação na Câmara dos Deputados:16/4/2020

Aprovação no Senado: 22/4/2020

Situação: Transformado na Lei 13.998, de 2020.

2.22. PL 1.282/2020

Iniciativa: Senador Jorginho Mello (PL/SC)

Autoria: Senador Jorginho Mello (PL/SC)

Nº na Câmara dos Deputados: PL 1282/2020

Norma Gerada: Lei nº 13.999 de 18/05/2020

Assunto: Econômico - Indústria, comércio e serviço.

Natureza: Norma Geral

Ementa: Institui o Programa Nacional de Apoio as Microempresas e Empresas de


Pequeno Porte – PRONAMPE para o desenvolvimento e fortalecimento dos pequenos
negócios.

Aprovação no Senado: 7/4/2020

Aprovação na Câmara dos Deputados:22/4/2020, com alterações.

Aprovação final no Senado:24/4/2020

Situação: Transformado na Lei 13.999, de 2020.

2.23. PL 696/2020

Iniciativa: Deputada Federal Adriana Ventura (NOVO/SP)

Autoria: Câmara dos Deputados

Nº na Câmara dos Deputados: PL 696/2020

Norma Gerada: Lei nº 13.989 de 15/04/2020

Assunto: Social - Saúde.


53

Natureza: Norma Geral

Ementa: Dispõe sobre o uso da telemedicina (atendimento de pacientes a distância, por


meio de recursos tecnológicos) durante a crise causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2).

Aprovação na Câmara dos Deputados: 25/3/2020

Aprovação no Senado: 31/3/2020

Situação: Transformado na Lei 13.989, de 2020.

2.24. PL 702/2020

Iniciativa: Deputado Federal Alexandre Padilha (PT/SP)

Autoria: Câmara dos Deputados

Nº na Câmara dos Deputados: PL 702/2020

Assunto: Social - Trabalho e emprego.

Natureza: Norma Geral

Ementa: Acrescenta dispositivos à Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949, para, durante o


período da emergência de saúde pública decorrente da Covid-19, dispensar o empregado da
comprovação do motivo de quarentena, nos termos que especifica.

Explicação da Ementa: Dispensa o empregado de apresentar comprovação do motivo


de quarentena que lhe tenha sido imposta, durante a calamidade pública da Covid-19.

Aprovação na Câmara dos Deputados: 26/3/2020

Aprovação no Senado: 31/3/2020

Situação: Vetado pelo presidente da República.

2.25. PL 1.066/2020

Iniciativa: Deputado Federal Eduardo Barbosa (PSDB/MG)

Autoria: Câmara dos Deputados

Nº na Câmara dos Deputados: PL 9236/2017

Norma Gerada: Lei nº 13.982 de 02/04/2020


54

Assunto: Social - Assistência social.

Natureza: Norma Geral

Ementa: Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, para dispor sobre parâmetros
adicionais de caracterização da situação de vulnerabilidade social, para fins de elegibilidade ao
Benefício de Prestação Continuada (BPC), e estabelece medidas excepcionais de proteção
social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de
importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, a que se
refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

Explicação da Ementa: Altera critérios para concessão do BPC, determina a concessão


de auxílio emergencial de R$ 600 para trabalhadores informais de baixa renda por 3 meses e
dispõe sobre a proteção social durante a emergência de saúde pública da Covid-19.

Aprovação na Câmara dos Deputados: 26/3/2020

Aprovação no Senado: 31/3/2020

Situação: Transformado na Lei 13.982, de 2020.


55

A MATERNIDADE EM XEQUE COM A COVID-19

Cindel Gabriele de Queiroz1

RESUMO

O presente artigo adveio da ideia de trazer à bailao universo da maternidade em meio à


pandemia do Coronavírus. Com base no levantamento de dados ora colhidos, as mulheres
possuem diversas desigualdades quando se trata de carreira e filhos. Deste modo, procura-se
abordar os efeitos que a pandemia tem ocasionado na vida dessas mães e o impacto na sociedade
como um todo.

Palavras-chave: Maternidade, Carreira, Emprego, COVID-19

INTRODUÇÃO

Embora o mundo esteja globalizado, com altas tecnologias à disposição, tais como, as
plataformas digitais, ainda há certos temas em que parece que a sociedade não evoluiu tanto quanto faz
crer. Um exemplo disso é em relação à mulher e o mercado de trabalho.

Apesar do poder público e as entidades promoverem ações de conscientização da valorização


do trabalho da mulher, bem como enfrentamento das desigualdades salariais, entre outras ações, ainda
há uma discrepância significativa no que atinente às oportunidades entre homens e mulheres.

Um estudo2 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) concluiu que
as mulheres ganham menos do que os homens em todas as ocupações pesquisadas no ensaio, bem como
verificou-se que as trabalhadoras ganham, em média, 20.5%, a menos do que os trabalhadores do sexo
masculino no Brasil. Essa triste realidade é ainda pior quando a trabalhadora se torna mãe, haja vista
que existe certa barreira ao acesso aos empregos como se abordará no presente artigo.

1
Advogada, inscrita na OAB/RS 120.542. Pós Graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade
de Santa Cruz do Sul (UNISC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos da Universidade
Luterana do Brasil (Ulbra-Torres). E-mail: cindelgabriele@gmail.com
2
OLIVEIRA, Nielmar. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-03/pesquisa-do-
ibge-mostra-que-mulher-ganha-menos-em-todas
ocupacoes#:~:text=Um%20estudo%20feito%20pelo%20Instituto,que%20os%20homens%20no%20pa%C3%A
Ds.>Acesso em 13 ago de 2020.
56

BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PANDEMIA DA COVID-19

A pandemia ocasionada pelo coronavirus causador da doença COVID-19, teve início na


cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China no final do ano de 2019.
Em 30/01/2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou surto do novo coronavirus,
bem como constituiu como emergência de saúde pública de importância internacional (ESPII),
que por sua vez constituiu-se como mais alto nível de alerta da instituição, consoante
regulamento sanitário internacional3.

No Brasil, por meio do decreto legislativo nº 06/2020 foi reconhecido o Estado de


Calamidade Pública. De lá para cá muitos hábitos comuns tiveram que ser mudados, como um
simples chimarrão no parque da cidade, comemorações de aniversários, casamentos e
formaturas, bem como houve a necessidade de utilizar álcool em gel, máscaras e reduzir
drasticamente a aglomeração e circulação de pessoas. Em algumas cidades brasileiras houve a
decretação delockdown4 haja vista a necessidade de barrar a propagação do vírus mortal.

Na seara jus laboral, o governo brasileiro editou a medida provisória nº 927 que
disciplinava sobre o enfretamento do estado de calamidade pública. No bojo da medida havia
várias regras sobre direito do trabalho, em especial, a prevista no art. 4º e 5º que elencavam
sobre o teletrabalho.

Importante frisar que o teletrabalho não é novidade no país, tendo em vista estar
positivado no capítulo II-A da Consolidação das Leis do Trabalho. O que diferencia a medida
provisória da CLT é que em relação à primeira foi uma espécie de imposição do empregador
para com o empregado, já a última é uma vontade bilateral, haja vista que dispõe o art. 75-C, §
1º,do texto consolidado:“Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de
teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual”.

3
Organização Pan- Americana de Saúde. OPAS BRASIL. Disponível em
<https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875>
Acesso em 29 de jul de 2020.
4
TEIXEIRA, Lucas Borges. Lockdown: Como Funciona, O que é, Significado e Locais em Que Vale a
Medida. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/faq/lockdown-como-funciona-o-que-e-significado-e-
regras-em-sp-e-mais-cidades.htm>. Acesso em 18 ago de 2020.
57

Desta maneira, tentou o ente público contornar a situação vivenciada pela pandemia,
porém, tal medida provisória expirou e não foi votada pelo Congresso Nacional, sendo assim,
perdeu sua vigência e até o momento não houve publicação de decreto normatizando as ações
que foram realizadas com base na referida medida.

Boa parte das empresas adotou o regime de teletrabalho para com seus empregados,
notadamente aqueles previstos no grupo de risco5 como os diabéticos, hipertensos e idosos. Mas
não só o grupo de risco que ficou na sua residência, os empregados que tinham filhos pequenos
também tiveram que ser inseridos no rol de quem labora em casa.

No entanto, nem todo o trabalho, propriamente dito, pode ser realizado à distância. Desta
maneira, essa situação tem gerado um impasse perante o empregado e empregador. O consultor
legislativo do Senado Federal Eduardo Módena6, sugeriu que os trabalhadores que são
considerados primordiais e não tem com quem deixar os filhos -eis que as creches e escolas
estão fechadas há meses7enão se tem qualquer expectativa de retorno das aulas- negociem com
seus empregadores ou busquem com as entidades sindicais uma solução para este impasse. Na cidade
de São Paulo, a prefeitura orientou8 que durante a pandemia mulheres que tivessem filhos pequenos
permanecessem em regime de teletrabalho.

Em solo gaúcho, o juiz titular da 2ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul/RS, deferiu uma
decisão liminar9 garantindo que uma empregada dos Correios trabalhe de forma remota
enquanto as escolas de educação infantil não retornarem as aulas presenciais. A obreira possui
um filho autista de quatro anos de idade e o pai trabalha como motorista, assim o genitor não
consegue permanecer com o filho.

5
Grupo de Risco Coronavirus. Equipe Oncoguia. Disponível em:
<http://www.oncoguia.org.br/conteudo/grupos-de-risco/13468/1204/>. Acesso em 13 ago de 2020.
6
Trabalhadores sofrem com falta de creches em tempo de pandemia. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2020/06/trabalhadores-sofrem-com-falta-de-creches-em-tempo-
de-pandemia>. Acesso em 13 ago de 2020.
7
JUSTINO, Guilherme; Viesseri, Bruna. Indefinição sobre volta às aulas leva creches a fecharem em definitivo
no RS. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-emprego/noticia/2020/06/indefinicao-sobre-
volta-as-aulas-leva-creches-a-fecharem-em-definitivo-no-rs-ckbii9fza00om015n4bc96ucm.html>.Acesso em 13
ago de 2020.
8
Secretaria Especial de Comunicação. Prefeitura Orienta Mulheres com Filhos Pequenos a permanecerem
em teletrabalho durante pandemia. Disponível em: <www.capital.sp.gov.br/noticia/prefeitura-orienta-
mulheres-com-filhos-pequenos-a-permanecerem-em-teletrabalho-durante-pandemia>. Acesso em 30 jul de 2020.
9
MARCA, Maurício Machado. TRT 4ª- Notícias. Disponível em:
<https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/328151>.
58

Infelizmente, há casos em que o trabalho home office e crianças não foi bem visto pelos
empregadores. É o caso da norte-americana Dris Wallace, moradora de San Diego/Califórnia.
Dris foi despedida porque não conseguia manter os filhos em silêncio durante as reuniões online
com seu superior. Em sua conta na rede social Instagram, escreveu que os seus superiores
reclamavam do barulho dos seus dois filhos. Constou na publicação10:

Nos últimos 3 meses, trabalhei 24 horas em casa, assistindo minhas duas crianças. Eu
cumpri todos os prazos que eles me pediram, mesmo os irreais. A situação que eu
sofri nos últimos três meses está além de estressante. Como uma empresa que diz
entender e trabalhar de acordo com o cronograma dos pais faz completamente o
oposto em suas ações? Estou devastada. Demorei em dar um lanche ao meu filho
quando ele queria, porque meu chefe precisava que eu fizesse algo
imediatamente. E o que eu recebi em troca? Fui demitida! (sem negrito no
original)
Nenhuma mãe trabalhadora deve ser discriminada, especialmente durante esse
período por não conseguir manter meus filhos quietos em uma ligação comercial.
Estamos em tempos difíceis agora. Esta situação teria sido temporária. Nenhum de
meus clientes tiveram problemas com meus filhos. (sem negrito no original)

Assim, o cenário atual está bem delicado, caberá aos empregados, empregadores e os
sindicatos tentaram contornar essa circunstância. Todavia, aos trabalhadores no geral, mas em
especial, às trabalhadoras, que estão submetidas ao teletrabalho há outro problema a ser
enfrentado, qual seja: o da dupla jornada.

2 DESAFIOSDA MATERNIDADE
2.1 Dupla Jornada

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua-PNAD que investiga além


do trabalho por ocupação também outras maneiras de trabalho definidas pela 19ª Conferência
Internacional dos Estatísticos do Trabalho- CIET promovida pela Organização Internacional do
Trabalho- OIT, dentre elas, estão os afazeres domésticos, o cuidado de pessoas, o trabalho
voluntário e a produção do próprio consumo.11

Conforme demonstrou o estudo, o número de mulheres realizando atividades domésticas


é significadamente maior do que os homens, mais precisamente 14 pontos percentuais, no ano

10
Universa São Paulo. Mulher é demitida após chefes reclamarem de barulho dos filhos em reuniões.
Disponível em: <https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/07/06/mulher-e-demitida-apos-chefes-
reclamarem-de-barulho-dos-filhos-em-reunioes.htm?.>. Acesso em: 18 ago de 2020. .
11
Outras Formas de Trabalho 2018. Disponível em
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101650_informativo.pdf>. Acesso em: 17 ago de 2020.
59

de 2018. Contudo, esta discrepância já foi maior, pois no ano de 2016 a diferença era na casa
dos 17,0 pontos percentuais12.

Observa-se, outrossim, que as mulheres trabalham 7,5 horas a mais que os homens
devido à jornada suplementar em casa. No ano de 2015, a jornada total média das mulheres era
de 53,6h enquanto que a dos homens era de 46,10h. No que atine às tarefas não remuneradas, a
proporção se manteve quase inalterada no decorrer dos vinte anos. Deste modo, 90%do público
feminino declara que exerce atividades domésticas ao passo que o masculino é em torno de
50%13.

Flagrante, então, que as mulheres muito tempo antes da pandemia já trabalham muitas
horas há mais do que os homens, na medida em que tinham seus empregos e após, chegar em
casa, havia o cuidado com a casa e os filhos.

Em diversos lares brasileiros, as mulheres que estão trabalhando em casae ao mesmo


tempo cuidando dos filhos, estão com dificuldades em conciliar as duas tarefas, se tornando
verdadeiro um desafio. Uma reportagem14 veiculada no jornal El País evidenciou que as mães
estão tendo que fazer verdadeiros “malabarismos” para conseguir laborar e também auxiliar os
filhos. Constou na notícia:

Desde o início de maio, ela trabalha em casa, onde vive com a mãe e a filha, Manuela,
de seis anos. Diariamente, Gabriela interrompe o trabalho às 16h e retoma às 17h, em
acordo com a empresa, para poder acompanhar as aulas online de Manuela. No resto
do tempo, auxilia a filha nas lições de casa, ao mesmo tempo em que trabalha. “Está
sendo uma loucura conciliar tudo.” (sem negrito no original)
“Estou tendo que me dividir em mil”, diz a advogada Liliane Barbosa, 35, de
Fortaleza, outra capital que lidera casos de pandemia no Brasil. Retornando agora da
licença-maternidade, ela e o marido tiveram de contratar uma babá, que, por sua vez,
passou a dormir na casa da patroa, para evitar o uso do transporte público e assim não
expor a irmã, grávida, com quem vive. (sem negrito no original).
A arquiteta Fernanda tem pensado em negociar com a empresa onde trabalha, no ramo
da construção civil, para poder se dividir entre cuidar da filha, de dois anos, e
seguir trabalhando. A creche onde a criança está matriculada não tem previsão de
volta. Já seu trabalho nunca parou de fato. Acompanho obra, então parte do meu
trabalho é presencial, não tem jeito, diz Até consigo não ir todos os dias para a
obra, e às vezes também recorro à minha mãe para deixar a minha filha. (sem
negrito no original).

12
Ibidem.
13
VERDÉLIO, Andreia. Mulheres trabalham 7,5 horas a mais que homens devido à dupla jornada.
Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-03/mulheres-trabalham-75-horas-mais-que-
homens-devido-dupla-jornada>. Acesso em 13 ago de 2020.
14
ROSSI, Marina. Retomada econômica ignora mães que precisam ir ao trabalho e não terão escolas para
deixar os filhos. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-04/retomada-economica-ignora-maes-
que-precisam-ir-ao-trabalho-e-nao-terao-escolas-para-deixar-os-filhos.html>.Acesso em: 14 ago de 2020.
60

Ademais os dados têm evidenciado que antes do advento da pandemia um terço dos
profissionais nunca realizam home office, entre os principais motivos estavam: 33,91% em
decorrência da função, 32,62% o gestor, 14% política da empresa. Mesmo executando o
trabalho em casa cerca de 84,47% dos pais e das mães tinham algum auxílio seja escola ou
creche, o que representa 62% dos casos15.

Todavia, durante a pandemia do Coronavírus, o número de trabalhadores em suas


residências, alcançou a monta de 89%. Para o público masculino 50% considera fácil conciliar
filhos e carreira, enquanto que para o feminino apenas 33% 16.

A partir das informações colidas, nota-se a nítida discrepância entre as opiniões entre
homens e mulheres acerca da conciliação entre carreira e filhos. Pois, conforme percentuais
acima e, sobejamente, divulgado pela mídia, os afazeres domésticos estão preponderantemente
atrelados à parcela feminina.

Deste modo, a dupla jornada tem se tornado cada vez mais frequente nos núcleos
familiares e, se não bastasse isso, ainda há algumas escolas que estão utilizando as plataformas
digitais como o Google Meet para ministrar as aulas. Ou seja, além do seu trabalho
propriamente dito e dos serviços domésticos, as mães também têm sido professoras, o que por
fim está levando as mulheres ao seu limite psicológico.

Neste cenário, em vista da sobrecarga e também do futuro incerto da pandemia que abala
desde alicerces de trabalho à saúde, muitos casais têm pensado em adiar17 a gravidez.

2.2 Um peso, duas medidas com a parentalidade

No momento da admissão de um (a) empregado (a) o empregador não poderá exigir


algumas “condições” para contratação, por exemplo, estado civil ou outras informações
atinentes ao status familiar que o empregado possui.

15
Filippe, Marina. Aliar trabalho e filhos continua mais difícil para mulheres do que homens. Disponível
em: <https://exame.com/carreira/aliar-trabalho-e-filhos-continua-mais-dificil-para-mulheres-do-que-homens/>.
Acesso em 14 ago de 2020.
16
Ibidem.
17
SIMOURA, Jaciele. Casais Adiam o Sonho da Gravidez por Conta do Coronavírus. Disponível em:
<https://tribunaonline.com.br/casais-adiam-o-sonho-da-gravidez-por-conta-do-coronavirus>. Acesso em 14 ago
2020.
61

Nesta senda, importa dizer também que a empresa não poderá exigir atestado de
gravidez à empregada, sob pena de afrontar o art. 373-A, IV, da Consolidação das Leis do
Trabalho.18

Contudo, embora constitua prática proibida por ser considerada discriminatória o


empregador exigir determinada condição, infelizmente, quando se trata de mulher e mãe, isso
pode impactar negativamente na carreira.
19
Uma pesquisa realizada pela BBC News Brasil apontou que quando os homens
tornam-se pais este é premiado pelo empregador ao passo que a mãe é penalizada pela gravidez-
nascimento do bebê. O estudo teve como corolário a pesquisa realizada na Universidade de
Massachussetts intitulada como The Fatherhood bônus and the Motherhood Penalty20 (o bônus
da paternidade e o fardo da maternidade). Nesta pesquisa, foi verificado que os rendimentos
dos homens com a chegada de um filho aumentam em torno de 6%.

Em solo brasileiro, o desemprego é maior entre mulheres com filhos, pois há todo o
cuidado que uma criança exige e aliado, às vezes, pela falta de vagas em creches e escolas. No
levantamento realizado, os índices21 apontam que:

a) 38% das mulheres casadas que não trabalhavam relataram que havia intenção
de estar empregadas. Desse montante, praticamente a metade informaram que não
tinha com quem deixar os filhos e metade afirmava que não conseguia encontrar
emprego22;

b) No que atine às mães que não moravam com companheiro, 43% disseram que
estava sem emprego porque queriam, já 34% não conseguia encontrar emprego e por
fim 23% relatam não ter acesso à escola ou creche23.

Diversamente do que ocorrem com as mulheres, os homens afirmam que ao se tornarem


pais perceberam mudanças positivas perante seu empregador. Na dicção da pesquisadora24: “de

18
Exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na
admissão ou permanência no emprego. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del5452.htm>. Acesso em 14 ago de 2020.
19
MOTA, Camilla Veras. Por que ter Filhos Prejudica Mulheres e Favorece Pais no Mercado de Trabalho.
Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-40940621>Acesso em 19 ago de 2020.
20
The FatherhoodBonusAnd The MotherhoodPenalty: ParenthooodAnd The Gender Gap in Pay.
Disponível em:<https://www.thirdway.org/report/the-fatherhood-bonus-and-the-motherhood-penalty-
parenthood-and-the-gender-gap-in-
pay#:~:text=The%20effects%20of%20children%20on,men%20with%20and%20without%20children>.Acesso
em 19 ago de 2020.
21
Ibidem.
22
Ibidem.
23
Ibidem.
24
Ibidem.
62

forma geral, eles afirmam que a paternidade os fez mais responsáveis e que os patrões
perceberam e os recompensam por isso”. Para a mesma, a paternidade vem acompanhada de
um “bônus”, enquanto que a maternidade prejudica a ascensão salarial da mulher, portanto,
seria uma “penalidade”.

A realidade evidencia-se mais preocupante nas relações de trabalho quando as mães são
as principais responsáveis pelos filhos e os pais “têm a possibilidade de escolher ajudar suas
mulheres com esta responsabilidade quando se sentem inclinados a isso” 25.

No geral todas as mulheres-mães são atingidas, porém, na classe de renda baixa,


portanto, àquelas que não têm como contratar uma babáa discriminação é ainda pior. Segundo
apurou a pesquisadora26, as entrevistas de emprego são deveras mais hostis, haja vista que são
questionadas se possuem filhos, se a criança ficar doente com quem ela irá ficar, quem levará
ao médico, etc.

No ensaio27 promovido pelo Insper, intitulado “Como famílias de baixa renda em São
Paulo conciliam trabalho e família?”, 70% informaram que recebem alguma espécie de ajuda
de outras mulheres para cuidar dos filhos. Neste aspecto, pondera Madalozzo28 que“as mulheres
de alta renda contam com as de baixa renda e essas últimas, com as mães, avós, cunhadas,
irmãs. É uma rede completamente feminina”.

Nessa toada, o que acontece na prática é que as mulheres acabam perdendo ou


postergando seus postos de trabalho, ao passo que nos homens o efeito é oposto. O mercado de
trabalho entende que o homem ao se tornar pai tem a se dedicar mais ao trabalho, pois irá ter
custos com a família e também possui interesse em crescer dentro da empresa. Tornam-se mais
sérios, responsáveis e confiáveis, é o que foi apontado no estudo realizado pela Boston College
Center for Workand Family29.

25
Ibidem.
26
Ibidem.
27
Ibidem.
28
Ibidem.
29
Paternidade o que Muda na Carreia dos Homens que se Tornam Pais. Disponível em:
https://www.trendrecruitment.com/pt/blog/2019/05/paternidade-o-que-muda-na-carreira-dos-homens-que-se-
tornam-pais>. Acesso em 14 ago de 2020.
63

3 SER MÃE É “UM COMBO, UM PLUS, UM UPGRADE”

Há certo tempo foi veiculada na mídia nacional uma campanha publicitária30 em alusão
ao Dia das Mães, bem como está disponível no canal “temos que falar sobre isso” no sítio do
youtube. Na campanha conta-se a história de uma senhora em busca de uma recolocação no
mercado de trabalho.

Os entrevistadores questionavam a candidata no que ela se dedicou nos anos “vazios”


do seu currículo. Com ares de constrangimento, a mãe candidata respondia que quando ficou
grávida apenas se dedicou à prole. No vídeo, a personagem acaba passando por diversas
entrevistas e sempre os entrevistadores não a contratavam por possuir essa condição.

Porém, passado certo tempo ela acaba modificando sua “apresentação” no currículo.
Chegando a sua última entrevista é informada de que seu perfil é exatamente do quea empresa
estava precisando e, curioso, o entrevistador a indaga onde foi que ela desenvolveu essas
habilidades. Neste momento é iniciado o vídeo do que as mulheres-mães são capazes e que por
isso “se encaixariam na política da empresa”: assumir riscos, capacidade de esforço e sacrifício,
comunicação e oratória, gestão de recursos, capacidade motivacional, organização e
planejamento, perseverança e constância, trabalho em equipe e liderança.

Fazendo-se uma breve reflexão acerca da publicidade acima supramencionada, verifica-


se que ela é o retrato da vida de milhares de mulheres que lutam pela conciliação entre seu labor
e sua prole, pela igualdade e, principalmente, pela não discriminação em ser mãe. Pois, os
atributos desenvolvidos ao se tornar mãe, também podem ser inseridos na visão de uma
empresa.

Felizmente no Brasil há diversas entidades que promovem o empoderamento feminino,


como Filhos no Currículo e Movimento + Mulher 360, que procuram fomentar a divulgação de
temas relacionados às mulheres com empresas e a sociedade em geral.

30
Ser mãe é um plus. Canal Youtube do Temos que falar sobreisso. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=5170o6COLLg&t=5s. Acesso 14 ago de 2020.
64

A Filhos no Currículo tem o propósito de humanizar as relações de trabalho e


maternidade com o auxílio de projetos de impacto social. A entidade atua sobre três vieses, são
eles31:

a) Sensibilização e Fomento: palestra e workshops de sensibilização para colaboradores e


conscientização para lideranças, criação de pesquisas autorais de mercado;
b) Consultoria Estratégica: mapeamento da jornada de colaboradores com filhos a partir
de pesquisa, revisão de processos e políticas da companhia e estruturação de programas de
reonboarding e huting;
c) Programas Corporativos: programas corporativos desde a gestação [programação inicial
para gestantes] até o retorno ao trabalho [programa reset].
Neste interim, através da cartilha “6 medidas que Mudam o Jogo da Mulher no Mercado
de Trabalho” lançaram seis formas de ações32 a fim de acolher as mães no mercado laboral,
constituindo-se em:
1ª Trate homens e mulheres com isonomia: deste modo, o ambiente laboral deve ser
adequado tanto para pais e mães, haver equidade entre cargos e salários;
2ª Descontrua os vieses inconsistentes: desmitificar ideias sobre a mulher no mercado
de trabalho;
3ª Faça um diagnóstico interno: consiste em “radiografar” a empresa para que
sejamaveriguados os valores que estão sendo empregados;
4ª Envolva as lideranças e os homens: promover a conscientização dos colaboradores
dentro da instituição a fim de que seja proporcionado um ambiente de acolhimento e
impulsão a todos;
5ª Inspire-se nas melhores práticas: realizar uma pesquisa conhecendo as boas práticas
das outras entidades;
6ª Crie programas de acolhimento: criação de programas para reconhecer, acolher e
impulsionar profissionais com filhos.

Por sua vez, a empresa Danone com o condão de tornar-se mais inclusiva e diversa,
estabeleceu para 2020 como uma de suas prioridades globais as: atitudes inclusivas, equidade
de gênero e representatividade racional nos cargos de liderança. No Brasil, a companhia possui
47% dos seus quadros de gerência ocupados por mulheres, isso se deve aos resultados de várias
ações em prol da equidade de gênero33.

31
Cartilha 6 medidas que Mudam o Jogo da Mulher no Mercado de Trabalho. Disponível em:
<https://filhosnocurriculo.com.br/wpcontent/uploads/2020/07/CARTILHA_FINAL_ABPRH.pdf.>.Acesso em
17 de ago de 2020.
32
Ibidem.
33
Jornada de Parentalidade da Danone Incentiva a Carreira de Mulheres que Retornam da Licença-
Maternidade. Disponível em: <https://movimentomulher360.com.br/praticas/jornada-de-parentalidade-da-
danone-incentiva-a-carreira-de-mulheres-que-retornam-da-licenca-maternidade/.>Acesso em: 17 ago de 2020
65

Ademais, um estudo34 realizado entre a entidade Filhos no Currículo em parceria com o


Movimento + Mulher 360, concluíram, entre outros, que os filhos agregam no currículo, pois
98% dos entrevistados desenvolveram, durante a pandemia, alguma habilidade profissional em
decorrência do contato mais próximo com os filhos, os destaques são: paciência, tolerância,
priorização, empatia e criatividade.
Desse modo, é de suma importância que as empresas estejam engajadas para que seus
colaboradores possam exercer a parentalidade de forma plena, sobretudo, a maternidade, sem
receios de serem demitidos em razão do nascimento de um bebê. Não se pode olvidar, que os
primeiros meses de vida da criança são fundamentais para seu desenvolvimento tanto biológico
quanto social.
Assim, é de bom alvitre que os empregadores invistam nessa realidade para que todos
sejam beneficiados, podendo, por exemplo, ser criado um regulamento na empresa, a fim de
evitar atitudes discriminatórias, nos termos do art. 44435 da Consolidação das Leis do Trabalho.

4 CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE


DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER

A convenção epigrafada foi adotada através da Resolução nº 34/180 da Assembleia


Geral do ONU no ano de 1979. Ela tem como primado a obrigação de garantir a igualdade de
todos os direitos humanos entre homens e mulheres e é assinada por 189 Estados Membros e o
Brasil é um deles.

Calca-se por dois eixos centrais que visam à promoção e proteção dos direitos humanos
das mulheres, sendo eles a eliminação da discriminação e a promoção da igualdade.

A ideia de discriminação contra a mulher é apresentada de pronto já no art. 1º,


consistindo em toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto
ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher,
independentemente de seu estado civil, com base na igualdade de homem e mulher, dos direitos

34
Estudo Filhos no Currículo. Carreira e Filhos podem Caminhar Juntos. Disponível em:
<https://filhosnocurriculo.com.br/downloads/>.Acessoem 17 ago de 2020.
35
Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del5452.htm>. Acesso em 17 ago de 2020.
66

humanos e liberdades fundamentais nos campos politico, econômico, social, cultural e civil ou
em qualquer outro campo36.

A proteção contra a discriminação feminina é ampla37, eis que abrange atos de


discriminação direta que são àqueles que têm o núcleo de prejudicar ou anular direitos humanos
das mulheres, bem como discriminação indireta, que consiste em quaisquer atos que tenham
como resultado ou anulação de direitos.

Não obstante, pondera dizer que ações afirmativas não caracterizam discriminação
contra a mulher, pois possuem o condão de promover o processo da efetiva igualdade entre os
gêneros, consoante prevê o art. 4º38 da aludida Convenção.

De acordo com o art. 2ºda Convenção, os Estados-Partes devem seguir e adotar políticas
destinadas a eliminar a discriminação contra a mulher, comprometendo-se dessa forma em:

a) Consagrar se ainda não o tiverem feito, em suas constituições nacionais ou em outra


legislação apropriada o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por
lei outros meios apropriados a realização prática desse princípio;
b) Adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis
e que proíbam toda discriminação contra a mulher;
c) Estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com
os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras
instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação;
d) Abster-se de incorrer em todo ato ou prática de discriminação contra a mulher e
zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com esta
obrigação;
e) Tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher
praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa;
f) Adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar
ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a
mulher;
g) Derrogar todas as disposições penais nacionais que constituam discriminação
contra a mulher.

Dessa forma, visa à convenção assegurar direitos às mulheres, impondo aos Estados
Membros determinações para que as mulheres possam usufruir, em igualdade de condições,
seus direitos tanto políticos quanto civis, além dos sociais, econômicos e culturais. Mister dizer,

36
LÉPORE, Paulo; PRETI, Bruno Del. Manual de Direitos Humanos.Juspodivm, 2020.
37
Ibidem.
38
A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de
fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de
nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas
cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançado. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4377.htm. Acesso em 20 ago de 2020.
67

igualmente, que na forma do art. 15.239 a mulher tem capacidade jurídica idêntica ao homem e
as mesmas oportunidades para o exercício dessa capacidade.

Com intuito de monitorar os Estados Membros acerca dos direitos tutelados e os


progressos desenvolvidos, criou-se o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra
Mulher, que analisará os relatórios enviados pelos Estados sobre as medidas legislativas,
judiciárias e administrativas que adotaram, a fim de tornar efetivas as determinações da
Convenção40.

Verifica-se desse modo, a relevância do tema – igualdade da mulher- que é grande


importância para toda a sociedade. Assim, todos devem estar envolvidos para que haja a
promoção da igualdade da mulher perante todas as situações que ocorrerem, minimizando,
dessa forma, ao máximo a discriminação.

CONCLUSÃO

No presente estudo verifica-se que embora haja movimentos a fim de minimizar as


desigualdades entre homens e mulheres ainda há vários caminhos a serem percorridos. É preciso
que a sociedade no geral tenha consciência de que o trabalho doméstico não é “trabalho de
mulher” e sim de todos que residem na casa. Além disso, deve ser modificada a ideia de que
uma empregada mãe é um “potencial problema”, pois conforme estudado, as pessoas ao se
tornarem “ pais”, acabam incorporando outras habilidades em sua descrição, tais como: assumir
riscos, capacidade de esforço e sacrifício, comunicação e oratória, gestão de recursos,
capacidade motivacional, organização e planejamento, perseverança e constância, trabalho em
equipe e liderança.

Um filho não é e jamais será um inconveniente na vida das pessoas e sim uma bençoa.
Pois, estes seres pequenos possuem a capacidade de nos tornamos uma pessoa melhor.

39
Os Estados-Partes reconhecerão à mulher, em matérias civis, uma capacidade jurídica idêntica do homem e as
mesmas oportunidades para o exercício dessa capacidade. Em particular, reconhecerão à mulher iguais direitos
para firmar contratos e administrar bens e dispensar-lhe-ão um tratamento igual em todas as etapas do processo
nas cortes de justiça e nos tribunais. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4377.htm. Acesso em 20 ago de 2020.
40
LÉPORE, Paulo; PRETI, Bruno Del. Manual de Direitos Humanos.Juspodivm, 2020.
68

REFERÊNCIAS

Cartilha Home Office com Filhos. Disponível em: https://filhosnocurriculo.com.br/wp-


content/uploads/2020/08/HOME_OFFICE_COM_FILHOS-1.pdf>. Acesso 14 ago de 2020.

Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em 17 ago de 2020.

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4377.htm.>. Acesso em
20 ago de 2020.

De Universa, São Paulo. Mulher é demitida após chefes reclamaram de barulho dos filhos em
reuniões. Disponível em:
<https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/07/06/mulher-e-demitida-apos-
chefes-reclamarem-de-barulho-dos-filhos-em-reunioes.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em
20 ago de 2020.

Estudo Filhos no Currículo. Carreira e Filhos podem Caminhar Juntos. Disponível em:
<https://filhosnocurriculo.com.br/downloads/>.Acesso em 17 ago de 2020.

Exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou


gravidez, na admissão ou permanência no emprego. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em 14 ago de 2020.

Filippe, Marina. Aliar trabalho e filhos continua mais difícil para mulheres do que homens.
Disponível em:<https://exame.com/carreira/aliar-trabalho-e-filhos-continua-mais-dificil-para-
mulheres-do-que-homens/>. Acesso em 14 ago de 2020.

FILIPPE, Marina. Mulheres Contra a Crise. Disponível em: <https://exame.com/revista-


exame/mulheres-contra-a-crise/>. Acesso em 20 ago de 2020.

FRAGA, Lorena. Sobrecarga Atinge Mulheres Durante a Quarentena Deixando-as por Fio.
Disponível em:<https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/trabalho-e-
formacao/2020/04/26/interna-trabalhoeformacao-2019,848505/sobrecarga-atinge-mulheres-
durante-a-quarentena-deixando-as-por-um-fio.shtml>. Acesso em 14 ago de 2020.

Gênero e COVID-19 na América Latina e no Caribe: Dimensões de gênero na resposta.


Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2020/03/ONU-
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OLIVEIRA, Nielmar. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-


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ocupacoes#:~:text=Um%20estudo%20feito%20pelo%20Instituto,que%20os%20homens%20
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Paternidade o que Muda na Carreia dos Homens que se Tornam Pais. Disponível em:
<https://www.trendrecruitment.com/pt/blog/2019/05/paternidade-o-que-muda-na-carreira-
dos-homens-que-se-tornam-pais>. Acesso em 14 ago de 2020.

PINHEIRO, IURI. SILVA, Fabrício Lima. Manual do Compliance Trabalhista Teoria e


Prática. Salvador. Juspodivm, 2020.

ROSSI, Marina. Retomada econômica ignora mães que precisam ir ao trabalho e não terão
escolas para deixar os filhos. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-
04/retomada-economica-ignora-maes-que-precisam-ir-ao-trabalho-e-nao-terao-escolas-para-
deixar-os-filhos.html>. Acesso em: 14 ago de 2020.

Secretaria Especial de Comunicação. Prefeitura Orienta Mulheres com Filhos Pequenos a


permanecerem em teletrabalho durante pandemia. Disponível em:
<www.capital.sp.gov.br/noticia/prefeitura-orienta-mulheres-com-filhos-pequenos-a-
permanecerem-em-teletrabalho-durante-pandemia>. Acesso em 30 jul de 2020.
70

Ser mãe é um plus. Canal Youtube do Temos que falar sobre isso. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=5170o6COLLg&t=5s>. Acesso 14 ago de 2020.

SIMOURA, Jaciele. Casais Adiam o Sonho da Gravidez por Conta do Coronavírus. Disponível
em: <https://tribunaonline.com.br/casais-adiam-o-sonho-da-gravidez-por-conta-do-
coronavirus>. Acesso em 14 ago 2020.

TEIXEIRA, Lucas Borges. Lockdown: Como Funciona, O que é, Significado e Locais em Que
Vale a Medida. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/faq/lockdown-como-funciona-o-
que-e-significado-e-regras-em-sp-e-mais-cidades.htm>. Acesso em 18 ago de 2020.

The Fatherhood Bonus And The Motherhood Penalty: Parenthoood And The Gender Gap in
Pay. Disponível em:<https://www.thirdway.org/report/the-fatherhood-bonus-and-the-
motherhood-penalty-parenthood-and-the-gender-gap-in
pay#:~:text=The%20effects%20of%20children%20on,men%20with%20and%20without%20c
hildren>.Acesso em 19 ago de 2020.

Trabalhadores sofrem com falta de creches em tempo de pandemia. Disponível em:


<https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2020/06/trabalhadores-sofrem-com-falta-de-
creches-em-tempo-de-pandemia>. Acesso em 13 ago de 2020.
VERDÉLIO, Andreia.
71

TELETRABALHO: PASSADO, PRESENTE E FUTURO

Cleber Dalla Colletta 41

RESUMO
O presente artigo tem como objetivo tratar da evolução e problemática da adoção
do Teletrabalho no sistema jurídico brasileiro. A proposição traduz conceitos históricos e
definições atuais do instituto, para apresentar a legislação existente no Brasil sobre o tema.
Fato contínuo, analisar-se-á a legislação imposta em tempos de pandemia do COVID-19,
para apresentar o quadro de insegurança jurídica criado e a possibilidade de edição de
novas normas neste período delicado da história do Brasil.

Palavras-chave: Teletrabalho. Coronavírus. Projeto-lei. Medida Provisória.


Estado de Calamidade Pública.

INTRODUÇÃO

“Navegar é preciso”. Este era o lema da Escola de Navegação de Sagres,


responsável pela formação dos maiores navegadores do mundo na Idade Média, época das
grandes descobertas.

Talvez esse enunciado nunca tenha sido tão atual e necessário.

Durante muito tempo, navegar é o termo utilizado pelos usuários para definir a
circulação por meio da rede mundial de computadores ou mesmo o mundo das redes
sociais.

Diz-se isso, pois, em 11.03.2020, a Organização Mundial da Saúde – OMS declarou


o estado de pandemia mundial, causada por um inimigo invisível, que a cada dia ceifa
mais vidas, o vírus COVID-19.

A situação atual tem obrigado os seres humanos a se reinventarem, em suas


relações, em seus hábitos e, consequentemente, em suas vidas.

41
Advogado. Professor. Pós-graduado Lato Sensu em Direito Empresarial pela Universidade Candido Mendes –
UCAM/RJ. Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de Caxias do Sul – UCS/RS.Autor
e coautor de obras jurídicas. OAB/RS 57.847. e-mail: dallacolletta@uol.com.br.
72

Fato notório é que a pandemia do COVID-19 e seus protocolos de segurança veem


determinando o distanciamento social, afastando os próximos e, de certa forma,
aproximando os distantes, afinal “navegar é preciso” e, hoje, a vida digital é praticamente
uma necessidade.

Obviamente que as normas de distanciamento social tiveram como pano de fundo


um impacto nas relações de trabalho, eis que, o “mundo normal”, como vínhamos
concebendo, não seria mais o “mesmo normal”.

O “novo normal” é a tônica do momento: um “normal” que dentre outros hábitos,


impede muitos trabalhos como historicamente concebidos.

No entremeio dos meses de março e abril, quando a pandemia chega com força ao
Brasil, muitos estados enfrentaram o fechamento total de comércios e indústrias, como
forma de exercer a única forma eficaz de combate ao contágio: o afastamento das pessoas,
o isolamento social.

Nesse cenário, visando proteger a economia, o Governo Federal edita o Decreto


Legislativo nº 6, de 20.03.2020, que reconheceu a ocorrência do estado de calamidade
pública, passando a intervir na economia e, notadamente, nas relações de trabalho, através
da edição de Medidas Provisórias que buscavam a viabilidade da manutenção das
empresas e dos empregos.

Ainda que em caráter de crítica, deve se registrar a postura inicial da edição de uma
norma que possibilitava a suspensão dos contratos de trabalho e do pagamento de salários,
onde o Governo omitia-se impelindo a solução do problema social para a relação capital
X trabalho. Obviamente, que a norma sequer entrou em vigor, estranhamente sendo
revogada pelo Twitter do Presidente da República.

Instaurava-se o caos e o novo regime de insegurança jurídica.

Nesse contexto, foram publicadas as Medidas Provisórias nº 927, de 22.03.2020,


que dispunha sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade
pública e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
Coronavírus (COVID-19), e Medida Provisória nº 936, de 01.04.2020, que instituiu o
Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispôs sobre medidas
trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública.
73

No Art. 3º, da Medida Provisória nº 927, a sugestão da adoção do regime de


Teletrabalho surge como o principal modo de incremento e manutenção dos trabalhos,
deste “novo normal”.

O presente estudo envolve exatamente a análise do instituto do Teletrabalho.


Embora envolva matéria legislada desde 2011, através da Lei nº 12.551, com o
aperfeiçoamento dado pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467), o tema é por si só
magnífico, voltando com toda a força nessa realidade de pandemia, posto que, em muitas
atividades, trata-se de solução de manutenção da nova normalidade na relação capital x
emprego.

Especialistas referem que a adoção do trabalho à distância pode ser a tônica do


mundo moderno, havendo quem defenda que muitos postos de trabalho não retornarão ao
trabalho presencial, tanto que inúmeras empresas encerraram atividades de forma
presencial, rescindindo locações, vendendo imóveis, e encerrando as atividades em sedes
físicas, como costumeiramente eram concebidas.

O presente estudo envolve o conceito de Teletrabalho e a condição imposta por


uma atualidade de pandemia mundial, que determinou a adoção deste regime de trabalho
nas mais diversas atividades.

Inicialmente, buscar-se-á contextualizar o surgimento do instrumento no nosso


ordenamento, para, posteriormente, conceituar o instituto, bem como, apresentando as
vantagem e desvantagens da sua adoção.

No desenvolvimento, analisaremos a previsão legal do Teletrabalho e as


imposições preconizadas pela legislação provisória do período da pandemia.

Ao ensejo, traduzir-se-ão os efeitos da caducidade da Medida Provisória nº 927,


pela superveniência da Lei nº 14.020, de 06.07.2020, que não tratou de regular a matéria
do Teletrabalho, derrogando o texto legal. Outrossim, apresentando novo Projeto de Lei
que pretende promover severas alterações para o regime do Teletrabalho.
74

1. HISTÓRICO DO TELETRABALHO E A NECESSIDADE IMPOSTA PELA


PANDEMIA

O legislador brasileiro, na década de 40, sentiu a necessidade de coletar toda a


normatividade existente em defesa das relações de trabalho e compilar num texto que veio
a ser chamado de Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT.

O texto original previa a possibilidade do trabalho à distância, contudo,


obviamente, sem qualquer cogitação de se pensar na modalidade do Teletrabalho.

Diz-se isso, pois, a adoção do Teletrabalho implica na existência de meios


telemáticos de contato; o quê, na nossa realidade, passou a ser cogitado apenas em 1962,
quando os norte-americanos criaram a ARPA (Advanced Research Projects Adency), com
o intuito de criar um sistema de informações sem um computador central, ou seja, mesmo
que para fins bélicos, começava-se a gerar o embrião daquilo que, em 1990, viria a ser
chamado de “Internet.”

No Brasil, a Internet foi implantada comercialmente em 1995, justificando a


desnecessidade de se falar em Teletrabalho nas décadas anteriores.

De toda a sorte, o Direito sempre se amolda aos fatos sociais, ou seja,


necessariamente, com o advento da Internet, possibilitou-se o trabalho à distância, com o
uso de meios de comunicação, como comprova a primeiradecisão que consta no “site” do
TST, datada de 13.10.2004, com o termo Teletrabalho 42:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. NEGATIVA DE


PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. VÍNCULO DE EMPREGO. Nega-se
provimento a agravo de instrumento que visa liberar recurso despido dos
pressupostos de cabimento (AIRR-812235-02.2001.5.01.5555, 2ª Turma,
Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 12/11/2004).

Do corpo do Acórdão, extrai-se arrazoado do Ministro Renato de Lacerda Paiva:

Quanto aos elementos de configuração da relação de emprego, constantes do


artigo 3º Consolidado, cabe registrar que vem sendo tratados sob nova ótica a
partir das recentes medidas implantadas em prol da tão discutida flexibilização
das normas trabalhistas. Nessa linha, a hierarquia e fiscalização rígidas
centralizadas na pessoa do empregador, são mitigadas no que tange a novas
relações surgidas, dentre as quais, o chamado ‘teletrabalho’.

42
TST-AIRR-812235-02.2001.5.01.5555, Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, Data de Julgamento:
13/10/2004, 2ª Turma, Data de Publicação: DJ 12/11/2004. Disponível em:
https://jurisprudencia.tst.jus.br/#630a6cf9505b61fbe1a9a301410ebef4, Acesso em 20.08.2020.
75

A positivação daquilo que viria a ser chamado de Teletrabalho se deu apenas em


2011, com o advento da Lei nº 12.551, que, ao tratar do Trabalho à distância, p ossibilitou
a modalidade com “meios telemáticos e informatizados de comando”.

Adiante, em 2017, a Lei nº 13.467, denominada de Reforma Trabalhista, ocupou -


se de regular definitivamente o Teletrabalho, quando inseriu a previsão dos Art. 75 -A até
C, no texto da CLT.

Diante desse quadro de atualização legislativa, pesquisa realizada pelo Instituto


Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE apontavam que em 2018, em torno de 3,8
milhões de pessoas no Brasil já realizavam trabalhos em seu domicílio 43.

Com a chegada do ano de 2020 e a instituição do estado de calamidade pública,


pela pandemia mundial do COVID-19, o Governo Federal vê-se impelido a atuar de forma
direta e independente na economia, objetivando a proteção do trabalho e do emprego.

Nessa oportunidade, através da Medida Provisória nº 927, de 22.03.2020, dada a


necessidade do isolamento social (referido pela Organização Mundial da Saúde – OMS
como a forma mais eficaz de combate ao novo Corona Vírus) incentiva-se a adoção do
regime de Teletrabalho, considerando-se que, com isso, nas atividades em que fosse
viável, as pessoas poderiam manter seus trabalhos, movimentando a economia, mesmo
que distantes de seus postos de trabalho.

A adoção do regime de trabalho à distância, com meios telemáticos e


informatizados foi maciça, permitindo a manutenção de atividades laborais, ao passo que,
grande parte da indústria e do comércio suspendeu suas atividades.

No mesmo estudo retro mencionado, o IBGE apontou que o número de


trabalhadores remotos atingiu na última semana de junho de 2020, a casa de 8,6 milhões
de trabalhadores, portanto, mais do que o dobro dos trabalhadores apontados em 2018.

43
Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2020/07/teletrabalho-ganha-impulso-na-pandemia-
mas-regulacao-e-objeto-de-
controversia#:~:text=Teletrabalho%20ganha%20impulso%20na%20pandemia,objeto%20de%20controv%C3%
A9rsia%20%E2%80%94%20Senado%20Not%C3%ADcias&text=As%20cenas%20de%20pessoas%20trocando,
da%20pandemia%20da%20covid%2D19. Acesso em 20.08.2020.
76

A modalidade de trabalho à distância, denominada de Teletrabalho, mais do que


nunca, hoje, é uma realidade, merecendo todas as atenções e estudos, até porquê,
especialistas indicam que trata-se de realidade que veio para ficar, como observa o vice-
presidente de Serviços e Tecnologia da IBM, FRANK KOJA, no Seminário Virtual IBM
Ambiente digital: o futuro é agora?, realizado em 7 de julho pelo Estadão 44:

O distanciamento social corresponde a uma aproximação digital. A digitalização


já vinha sendo instituída, mas a pandemia obrigou a uma adaptação mais rápida,
principalmente no mundo financeiro e dos negócios. A pandemia nos provou
que o teletrabalho funciona, as plataformas estão funcionando. Quebramos
muitos paradigmas. Agora é ver o futuro, como manter isso.

2. CONCEITO E PREVISÃO LEGAL

A doutrina aponta como fonte das obrigações a lei, as declarações unilaterais de


vontade, os atos ilícitos e os negócios jurídicos. Negócios jurídicos, estes, que têm como
principal espécie o contrato, objeto específico do presente estudo, mais especificamente,
o contrato de trabalho à distância.

Ab initio, impõe-se registrar que diferentemente do tradicional contrato de


trabalho, debruçamo-nos sobre a modalidade de contrato de trabalho realizada fora da
sede da empresa, por força da previsão do Art. 6º, da CLT.

Na obra Direito do Trabalho de Emergência: Impactos da COVID-19 no Direito


do Trabalho45, os professores Antonio Umberto de Souza Júnior, Danilo Gonçalves
Gaspar, Fabiano Coelho Raphael Miziara trabalham o tema do trabalho à distância ou o
trabalho remoto e suas subespécies: o trabalho em domicílio (ou home office) e
Teletrabalho, explicando:

Desde já, é importante destacar que o trabalho a distância ou trabalho remoto é


um gênero que abrange o tradicional trabalho em domicílio (art. 6º, caput, da
CLT), “há tempos existente na vida social, sendo comum a certos segmentos

44
Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2020/07/teletrabalho-ganha-impulso-na-pandemia-
mas-regulacao-e-objeto-de-
controversia#:~:text=Teletrabalho%20ganha%20impulso%20na%20pandemia,objeto%20de%20controv%C3%
A9rsia%20%E2%80%94%20Senado%20Not%C3%ADcias&text=As%20cenas%20de%20pessoas%20trocando,
da%20pandemia%20da%20covid%2D19. Acesso em 20.08.2020.
45
JÚNIOR, Antonio Umberto de Souza, et al. Direito do trabalho de emergência: impactos da COVID-19 no
direito do trabalho. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. Pág. 68-69.
77

profissionais, como as costureiras, as cerzideiras, os trabalhadores no setor de


calçados, as doceiras etc.”, o novo trabalho em domicílio (ou home office), “à
base da informática, dos novos meios de comunicação e de equipamentos
convergentes” e o teletrabalho (artigos 75-A a 75-E da CLT), “ que pode se
jungir ao home office, mas pode também se concretizar em distintos locais de
utilização dos equipamentos eletrônicos hoje consagrados(informática, internet,
telefonia celular etc.)”.
Assim, podemos dizer que o teletrabalho é uma esp écie do gênero do trabalho
remoto (também chamado de trabalho a distância). Enquanto o trabalho remoto
ou a distância designará todo tipo de atividade laboral na qual o empregado
preste seus serviços espacialmente separado de seu empregador (pode ser em
sua residência, numa lanchonete ou mesmo numa casa de praia ou até em outro
país), o trabalho a domicílio, como o nome já revela, será aquele simplesmente
prestado na residência do empregado, e o teletrabalho designa o tipo de trabalho
remoto realizado “ com a utilização de tecnologia de informação e de
comunicação”, que, por sua natureza não se confunda com o trabalho externo
(CLT, ART. 75-B). O art. 4º trata tanto do trabalho remoto em geral, aí incluído
o teletrabalho, quanto exclusivamente deste em algumas de suas disposições.

Trata-se de um verdadeiro equívoco considerar o Teletrabalho como sinônimo de


home office, porquanto, o primeiro pode ser realizado em diversos locais além da própria
casa (home = lar), como lan houses, coworkings, etc., porém, sempre com comunicação
digital; o segundo, deve, necessariamente, ser realizado na casa do obreiro, contudo,
podendo ser desenvolvido sem o emprego de recursos telemáticos, como ocorre,
exemplificativamente, com costureiras e cerzideiras (na indústria de calç ados).

O professor José Afonso Dallegrave Neto 46, no texto intitulado “O Teletrabalho:


Importância, Conceito e Implicações Jurídicas” busca a origem etimológica do
Teletrabalho, definindo:

O prefixo grego ‘tele’ significa a distância. Teletrabalho é, pois, qualquer forma


de trabalho realizado à distância da empresa ou de uma de suas unidades de
produção

Nesse contexto, os advogados Guilherme Bettiato Bortolotto, Natasha Giacome e


Cleide Calgaro, no texto Teletrabalho e o Novo Ambiente do Trabalho Pós-Pandemia47,
tambémconceituam Teletrabalho como:

O teletrabalho é modalidade de trabalho a distância em que o avanço da


tecnologia permite o labor fora do estabelecimento do empregador, embora
mantendo o contato com este por meio de recursos eletrônicos e de info rmática,
principalmente o computador e a internet.

46
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. O Teletrabalho: importância, conceito e implicações jurídicas. Revista
eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 3, n. 33, p. 8-27, set. 2014.
47
BORTOLOTTO, Guilherme Bettiato. Et. Al. Teletrabalho e o Novo Ambiente do Trabalho Pós-Pandemia.
Revista Magister de Direito do Trabalho. São Paulo.Ed. 96. P. 27. Maio/jun de 2020.
78

Outra distinção necessária é que o trabalhador em regime de Teletrabalho não pode


e nem deve ser confundido com o trabalhador externo. Explica-se, muitos vendedores,
exemplificativamente, vendedores de bebidas, atuam com meios telemáticos (tablets,
smartphones) com comunicação direta e imediata com os empregadores (banco de dados),
visitando seus clientes, porém sem configurar o Teletrabalho.

A necessária diferenciação não se dá pelo emprego de tecnologia, mas sim pelo


trabalho em local diverso da sede física da empresa, com o uso dos meios telemáticos.

Em outra conceituação, Francisco Meton Marques de Lima e Francisco Péricles


Rodrigues Marques de Lima, na obra Reforma Trabalhista: Entenda Ponto por Ponto 48
registam: “Teletrabalho é uma forma de trabalho a distância, exercido mediante emprego
de recursos telemáticos em que o trabalhador sofre o controle patronal.”

Ao ensejo, conceito muito bem estruturado nos é dado pelo professor Maurício
Godinho Delgado, em seu Curso de Direito do Trabalho 49:

Trabalho no domicílio (Home Office) e Teletrabalho (novo inciso III do art. 62


da CLT) – Dentro da situação-tipo aventada pelo art. 62, 62, I, da CLT (labor
externo insuscetível de controle de jornada) podem se inserir três outras
possibilidades importantes, do ponto de visto do mundo laborativo:b.1) o
tradicional trabalho no domicílio, há tempos existente na vida social, sendo
comum a certos segmentos profissionais, como as costureiras, as cerzideiras, os
trabalhadores no setor de calçados, as doceiras etc.; b.2) o novo trabalho no
domicílio, chamado home-office, à base da informática, dos novos meios de
comunicação e de equipamentos elétricos e eletrônicos convergentes; b.3) o
teletrabalho, que pode se jungir ao home office, mas pode também se concretizar
em distintos locais de utilização dos equipamentos eletrônicos hoje consagrados
(informática, internet, telefonia celular etc.)

Sob pena de pecar pelo exagero, importa também traduzir a definição do


Teletrabalho dado pelos professores Gilberto Sturmer e Denise Fincato, no artigo
intitulado Teletrabalho e Covid-1950, para os quais:
No teletrabalho conjugam-se elementos que permitem identificar algo além do
mero trabalho fora dos estabelecimentos (sede física) do emprega dor. Tem-se a
presença obrigatória da tecnologia da comunicação e informação, quer como

48
LIMA, Fancisco Meton Marques de. Et al. Reforma Trabalhista: Entenda Ponto por Ponto. São Paulo: LTr,
2017. Pág. 45.
49
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho: Conforme a lei da reforma trabalhista e as
inovações normativas e jurisprudência posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019.
50
NEMER NETO. Alberto, et al. (coord). Direito do Trabalho e o Coronavírus; v.1. Porto Alegre: OAB Nacional/
LexMagister, 2020. P. 193.
79

ferramenta de trabalho, quer como mediadora da distância relacional, ou até


como próprio espaço (virtual) de trabalho.
Não pode, como visto, ser singelamente equiparado ao trabalho à distância e
tampouco, como se verá, ser igualado a trabalho em domicílio (home office),
constituindo-se, portanto, em figura sui generis.

Com efeito, em todas as tentativas de se conceituar o Teletrabalho observamos que


trata-se de modalidade do trabalho à distância, com a obrigatoriedade do emprego de
recursos tecnológicos de comunicação, em espaço físico diverso da sede da empresa
(porém, sem confundir com o trabalhador externo) onde o trabalhador presta serviços com
respeito aos pressupostos dos Art. 2º e 3º da CLT para o seu empregador.

3. VANTAGENS E DESVANTAGENSDA ADOÇÃO DO TELETRABALHO

Aspecto necessário de análise é se a adoção do regime de Teletrabalho envolve


vantagens ou prejuízos às partes.

Na obra Lei da Reforma: Comentada Artigo por Artigo 51, coordenada por Deusmar
José Rodrigues, apontam-se como vantagens: redução de custos, aumento da
competitividade, aumento da motivação, retenção de competências, flexibilidade
organizacional, maior imunidade as perturbações externas, melhoria na mobilidade
urbana, aumento da qualidade de vida, aumento da satisfação pessoal do empregado; por
outro lado, como desvantagens: isolamento social, questões relativas a higiene e segurança
do trabalho e dificuldades de comunicação.

Não obstante ao entendimento esposado, fato é que em uma realidade de pandemia,


onde o Teletrabalho passou a a ser altamente recomendado, o quê antes era visto como
desvantagem, hoje pode ser tratado como vantagem.

Exemplificativamente: antes da pandemia, a característica do Teletrabalho de


provocar o isolamento social era vista como uma desvantagem extrema, podendo,
inclusive, provocar doenças de cunho psicológico, porém, contrário senso, hodiernamente,
o “isolamento social”passou a ser o grande benefício para o trabalhador, que assim, estará,
em tese, protegido da pandemia.

51
RODRIGUES, Deusmar José. et al. Lei da Reforma Trabalhista Comentada Artigo por Artigo. Leme: JH
Mizuno, 2017. Pág. 94-95.
80

No caso, passou-se a compreender que a melhor medida de proteção contra o


COVID-19 é realmente o isolamento social, nos termos do propalado pela Organização
Mundial da Saúde – OMS52, isto é, o que antes era visto como uma desvantagem,
atualmente, passou a ser a maior vantagem da adoção do regime.

3.1. Vantagens

Inegavelmente, a adoção do regime de Teletrabalho pode e deve apresentar


vantagens e benefícios, seja para o empreendedor, seja para o obreiro.

Ab initio, há que se referir a redução dos custos, tratando de benefício mútuo,


porquanto, o empregador passa a ter economia com a redução de custos operacionais para
manter o empregado em sua sede, como o fornecimento de alimentação e vale transporte.
Por sua vez, o empregado experimenta a mesma economia, a qual vai desde a economia
básica com vestuário, até a exclusão de sua participação no pagamento desse vale
transporte, por exemplo.

Outra vantagem apontada a ambas as partes atua no campo motivacional, uma vez
que, o empregado pode se sentir valorizado pela confiança depositada pelo empregador,
acabando por melhorar seus níveis de produtividade.

A flexibilidade organizacional e de horários é vista como outra vantagem (alguns


apontam como desvantagem), posto que o obreiro passa a gerir o próprio tempo, sendo o
responsável pela finalização das tarefas no tempo que dispuser.

O isolamento social provocado pela adoção do trabalho nesse regime também


acaba por afastar a possibilidade de perturbações externas ao trabalho, contribuindo para
os níveis de produtividade.

Por último, o aumento do convívio familiar pode colaborar para uma melhor
qualidade de vida.

52
https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/03/30/oms-reforca-que-medidas-de-isolamento-social-sao-a-
melhor-alternativa-contra-o-coronavirus.ghtml. Acesso em 20.08.2020.
81

3.2. Desvantagens

Obviamente que da mesma forma que se visualizam vantagens, a adoção do regime


de Teletrabalho pode provocar desvantagens, de igual forma para ambas as partes.
Anteriormente apontou-se a redução de custos na sede da empresa, promovendo
benefícios para ambas as partes, todavia, podem surgir custos para a empresa, que deverá
qualificar o trabalhador, assim como, equipá-lo para o novo regime. Para o empregado da
mesma forma, afinal, embora o Art. 2º, da CLT imponha o risco do negócio ao
empregador, fato é que o custo de energia elétrica na residência tende a aumentar, sendo
despesa de difícil divisão, exemplificativamente.

A flexibilidade organizacional e de horários nem sempre será uma vantagem,


porquanto, a atual condição de sujeição do trabalhador ao regime do Art. 62, da CLT,
pode fazer com que o mesmo trabalhe por mais horas do que na sua jornada fixa, na sede
da empresa. Em tempos de pandemia, inúmeros professores vêm se manifestando que o
regime de videoconferência impõe muito mais horas de trabalho.

A ausência de comunicação imediata com o superior hierárquico, jungida a


ausência de colaboração entre empregados (forma horizontal ou vertical) também tende a
prejudicar o desenvolvimento dos trabalhos.

Outro conceito moderno que pode ser prejudicado pela adoção do Teletrabalho é a
desconexão, isto é, obrando em sua própria residência, se o empregado não possuir um
autocontrole sobre seus horários e as atividades, o mesmo por ter dificuldades em se
“desligar” do trabalho.

No entanto, pode-se se apontar como a maior desvantagem do labor no regime de


Teletrabalho (capaz de causar o maior número de prejuízos ao empreendedor) a
impossibilidade de conferência e fiscalização das condições de higiene e segurança do
trabalho, uma vez que, a norma legal mantém a responsabilidade do empregador por essas
condições e o mesmo possui dificuldades em fiscalizar, por exemplo, as condições de
ergonomia do trabalhador. A ausência de controle das normas de segurança pode provocar
doenças ocupacionais, com inúmeros prejuízos ao empregado (saúde) e empregador
(indenizações).
82

4. O TELETRABALHO NA CLT

De acordo com o asseverado alhures, a Lei nº 12.551/2011 alterou o Art. 6º, da


CLT, passando a prever a possibilidade do trabalho à distância com o uso de “meios
telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão”, num verdadeiro
embrião do que viria a ser regulado e tratado por Teletrabalho.
Nesse contexto, o Art. 6º e seu Parágrafo Único passaram a ter a seguinte redação:

Art. 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do


empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância,
desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e


supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais
e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

A previsão assim proposta, ao que se visualiza, seria suficiente para a proteção do


Teletrabalhador, não sendo demais dizer, como acima demonstrado que, em 2011 (quando
da alteração legislativa), já existiam, pelo menos, sete anos de jurisprudência enfrentada
pelo Tribunal Superior do Trabalho – TST.

Fato contínuo, em 2017, a propalada Reforma Trabalhista, através da Lei nº


13.467/2017, incluiu os Art. 75-A até E, no corpo da CLT, passando a regular de uma
forma um pouco mais específica as vicissitudes do Teletrabalho, inclusive, inserindo o
termo “Teletrabalho” de forma definitiva na nossa legislação.

Assim, o Art. 75-A, da CLT, passou a prever:

Art. 75-A. A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho


observará o disposto neste Capítulo.

Embora a lei não tenha a função precípua de conceituar os institutos, o Art. 75 -B,
da CLT, ao prever as condições de caracterização do regime de Teletrabalho, acabou por
definir o novel instituto:

Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços


preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de
tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se
constituam como trabalho externo.

O legislador teve o cuidado de exigir, para a caracterização do Teletrabalho que:


83

- O trabalho ocorresse preponderantemente fora das dependências da sede da


empresa, o que não implica, especificamente, em dizer na “residência do empregado”, ou
seja, o labor pode ser prestado em ambientes diversos, por exemplo: coworking e lan
houses.

Tal constatação reforça a ideia supra de que home office (tão utilizado em épocas
de pandemia) é modalidade (subespécie) de Teletrabalho e não sinônimo, como muitos
defendem.

- Outra exigência é que o trabalho e o controle se dêem pelo emprego de tecnologias


de informação e comunicação;

A utilização da Internet e, mais recentemente, das redes sociais, passou a ser o


elemento básico de configuração dos trabalhadores submetidos a esse regi me.

- Impossibilidade de confusão com o trabalho externo.

Nesse particular, o cuidado do legislador em não abrir demais o campo de


configuração, protegendo, inclusive, o ramo de atuação de vendedores e consultores
externos que podem sim trabalhar como “volantes” (em movimento), com o emprego de
recursos eletrônicos, sem configurar o Teletrabalho.

No Parágrafo Único, do Art. 75-A, o legislador permitiu a possibilidade de


comparecimento do trabalhador para algumas atividades (treinamentos, busca de novas
atividades, ou até mesmo o pagamento), sem desconfigurar o regime regulamentado:

Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a


realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no
estabelecimento não descaracteriza o regime de Teletrabalho.

Na previsão do Art. 75-C, da CLT, algumas condições que, abaixo


demonstraremos, foram flexibilizadas pela legislação incidente durante o agravamento da
pandemia:
Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar
expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades
que serão realizadas pelo empregado.

§ 1º. Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho


desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.
84

§ 2º. Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial


por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de
quinze dias, com correspondente registro em aditivo co ntratual.

A legislação trabalhista não exige qualquer solenidade para a configuração do


contrato de trabalho, por força do princípio da primazia da realidade, no entanto, o
legislador (certamente visando elidir possíveis problemas) criou requisitos solen es para a
adoção do Teletrabalho, isto é, deve se dar por contrato escrito, em acordo mútuo na
instituição (no retorno para o regime presencial não) e com prazo de transição.

Ainda, o retorno ao regime presencial por simples decisão do empregador produz


uma impropriedade, visto que, o contrato por natureza é um ato sinalagmático, consensual
e oneroso, que não admite alteração unilateral, como previsto na norma do Art. 468, da
CLT:

Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das


respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não
resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade
da cláusula infringente desta garantia.

Avançando na matéria, ao regular o tema, a Lei nº 13.467/2017, realizou previsões


adequando o tema ao Art. 2º, da CLT, ou seja, o empregador, obviamente, permanece com
o risco do negócio, sendo responsável pelas despesas sobrevinda ao obreiro:

Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição,


manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura
necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso
de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.

Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram


a remuneração do empregado.

Muito embora o texto supra não refira especificamente, as leituras em análise


conjunta com os Art. 2º (princípio da alteridade) e 9º, da CLT, conduzem para a conclusão
de que as despesas com o Teletrabalho devem ser suportadas pelo empregador.

Ainda, de uma forma repetitiva, o Parágrafo Único excluiu as despesas com o


Teletrabalho do seu possível caráter salarial, o que já era previsto no Art. 458, § 2º, I, da
CLT:
85

§ 2o Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário
as seguintes utilidades concedidas pelo empregador:

I - vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos empregados e


utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço;

O legislador infraconstitucional também se ocupou de regular a matéria da


responsabilidade sobre os riscos para as partes que adotem o regime de Teletrabalho:

Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e


ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de
trabalho.
Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade
comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.

Trata-se da matéria mais afeita a provocar problemas e prejuízos, afinal, de que


forma o empregador ira assegurar as condições de higiene e segurança do trabalho
(ergonomia, por exemplo), considerando que o gestor do espaço e do tempo é o próprio
empregado? De que forma irá ocorrer a fiscalização dessas condições, sem uma invasão à
intimidade e o ferimento ao Art. 5º, XI 53, da CF/88?

Vale registrar que, mesmo que o empregado assine termo de responsabilidade, o


sistema protetivo da ciência jus laboral determina a obrigatoriedade do empre gador de
assegurar e fiscalizar o ambiente saudável de trabalho, conforme Art. 7º, XXII 54, da CF/88
e o Art. 157, I 55, da CLT.

As normas relativas ao Teletrabalho podem ser flexibilizadas por acordos, ou


convenções coletivas, nos termos do Art. 611-A, da CLT

53
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...]
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo
em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; [...]
54
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: [...]
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; [...]
55
Art . 157 - Cabe às empresas:
I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;
II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar
acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;
III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;
IV - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.
86

Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm


prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
[...]
VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;

Por último, a Lei nº 13.467/2017 incluiu os trabalhadores do Teletrabalho no


regime dos empregados do Art. 62, da CLT, ou seja, em tese, dispensado o controle de
jornada e excluindo o direito de horas extras, intervalos e adicional noturno:

Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:


[...]
III - os empregados em regime de teletrabalho.

Ocorre que, na prática, por muitas vezes, o emprego de recursos eletrônicos ou


telemáticos é o próprio controle da jornada (empregado que tem que logar em sistema ou
banco de dados para trabalhar), isto é, descaracterizando todo o regime proposto.

A legislação trazida pela Lei nº 13.467/2017 desde a sua publicação vem sendo
objeto de críticas, inclusive, de resistência na aplicação pelo judiciário, sendo exemplos
disso, os Enunciados aprovados na 2ª Jornada de Estudos da ANAMATRA – Associação
Nacional dos Magistrados Trabalhistas 56, quem emprestaram interpretação restritiva e
protetiva aos seguintes temas:

70 TELETRABALHO: CUSTEIO DE EQUIPAMENTOS

O CONTRATO DE TRABALHO DEVE DISPOR SOBRE A ESTRUTURA E


SOBRE A FORMA DE REEMBOLSO DE DESPESAS DO TELETRABALHO,
MAS NÃO PODE TRANSFERIR PARA O EMPREGADO SEUS CUSTOS, QUE
DEVEM SER SUPORTADOS EXCLUSIVAMENTE PELO EMPREGADOR.
INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DOS ARTIGOS 75-D E 2º DA CLT À LUZ
DOS ARTIGOS 1º, IV, 5º, XIII E 170 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E
DO ARTIGO 21 DA CONVENÇÃO 155 DA OIT.
71 TELETRABALHO: HORAS EXTRAS

SÄO DEVIDAS HORAS EXTRAS EM REGIME DE TELETRABALHO,


ASSEGURADO EM QUALQUER CASO O DIREITO AO REPOUSO SEMANAL
REMUNERADO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 62, III E DO PARÁGRAFO
ÚNICO DO ART. 6º DA CLT CONFORME O ART. 7º, XIII E XV, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O ARTIGO 7º, "E", "G" E "H"
PROTOCOLO ADICIONAL À CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS
HUMANOS EM MATÉRIA DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E
CULTURAIS ("PROTOCOLO DE SAN SALVADOR"), PROMULGADO PELO
DECRETO 3.321, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1999, E A RECOMENDAÇÃO
116 DA OIT.

56
Fonte: https://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/25797-reforma-trabalhista-anamatra-divulga-integra-
dos-enunciados-aprovados-na-2-jornada. Acesso em 09.09.2020, 08h50min.
87

72 TELETRABALHO: RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR POR


DANOS

A MERA SUBSCRIÇÃO, PELO TRABALHADOR, DE TERMO DE


RESPONSABILIDADE EM QUE SE COMPROMETE A SEGUIR AS
INSTRUÇÕES FORNECIDAS PELO EMPREGADOR, PREVISTO NO ART. 75 -
E, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CLT, NÃO EXIME O EMPREGADOR DE
EVENTUAL RESPONSABILIDADE POR DANOS DECORRENTES DOS
RISCOS AMBIENTAIS DO TELETRABALHO. APLICAÇÃO DO ART. 7º, XXII
DA CONSTITUICAO C/C ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO
CIVIL.

5. O TELETRABALHO E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 927/2020

A chegada da pandemia ao nosso país, ensejando a edição do Decreto Legislativo


nº 6/2020, que reconheceu, para os fins do Art. 65, da Lei Complementar nº 101/2000, a
ocorrência do estado de calamidade pública, obrigou os governantes a adotarem uma série
de medidas emergências, em especial àquelas para a proteção do trabalho e do emprego.

Dentre essas normas, em 22.03.2020, foi publicada a Medida Provisória nº 927,


dispondo sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade
pública e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
Coronavírus (COVID-19).

A necessidade do isolamento social trouxe o Teletrabalho para um papel de


protagonismo no nosso sistema, afinal, o desenvolvimento de atividades em casa
(isolando-se socialmente), em tese, seria capaz de fazer com que as pessoas trabalhassem
em suas residências, afastando as aglomerações e mantendo a atividade empresarial em
pleno funcionamento.

Em razão disso, no Art. 3, da Medida Provisória nº 927/2020, em seu primeiro


inciso, o Teletrabalho é tratado como o principal meio de enfrentamento dos efeitos
econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego
e da renda:

Art. 3º Para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de


calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, poderão ser
adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas:
I - o teletrabalho; [...]
88

Havendo legislação adequada para a promoção do Teletrabalho desde 2011,


aperfeiçoada em 2017, qual o motivo para Medida Provisória nº 927/2020 trazer a previsão
de novas normas para o Teletrabalho?

A resposta é dada pelos professores Antonio Umberto de Souza Júnior, Danilo


Gonçalves Gaspar, Fabiano Coelho Raphael Miziara na obra retro mencionada Direito do
Trabalho de Emergência 57, ao mencionar:

Na Medida Provisória nº 927, é certo que o maior número de di spositivos se


volta a simplificar certas rotinas trabalhistas para agilizar a adoção de
mecanismos que deem ao empregador alternativas para a gestão de seu pessoal
diante da monumental crise. Abolição e redução de prazos, suspensão de certas
formalidades e postergação de recolhimentos de encargos sociais.

Nesse ínterim, no Capítulo II, da Medida Provisória nº 927, a adoção de um sistema


de Teletrabalho com a ampliação da flexibilização das normas da CLT, visa tornar o
Teletrabalho o protagonista da pandemia, com a responsabilidade de ser o mantenedor das
atividades, assegurando algo próximo da normalidade, o que muitos chamam de “novo
normal”.

A previsão inicial do Art. 4º, da Medida Provisória nº 927, possibilita ao


empreendedor que altere unilateralmente o contrato de trabalho para o Teletrabalho ou
vice e versa, expressamente excluindo a chancela sindical, como assegura a Constituição
Federal:

Art. 4º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o


empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para
o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e
determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da
existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o re gistro prévio da
alteração no contrato individual de trabalho.

No § 1º do mesmo artigo, uma excentricidade do legislador, posto que,


absolutamente desnecessário “definir” o que é o Teletrabalho, repetindo as disposições do
Art. 75-B.

57
JÚNIOR, Antonio Umberto de Souza, et al (coord.). Direito do Trabalho de Emergência: Impactos da COVID-
19 no Direito do Trabalho. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
89

Por sua vez, o § 2º, do Art. 4º, da Medida Provisória reduziu os prazos previstos
no Art. 75-C, §§ 1º e 2º, da CLT, para o exíguo prazo de 48 horas de comunicação, como
se disse, de forma unilateral:

§ 2º A alteração de que trata o caput será notificada ao empregado com


antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio
eletrônico.

Obviamente que a adoção da norma nesse sentido visava atender a urgência das
medidas, protegendo o empregador na sobrevida do seu negócio e protegendo o
empregado contra a extinção do seu emprego. Importa consignar que a parte final do § 3º
prevê a necessidade um documento escrito em 30 dias (ou seja, aqui podem começar os
problemas, afinal, e se o empregado negar-se a assinar o documento?).

O professo Homero Batista, em sua obra Legislação Trabalhista em Tempo de


Pandemia58 realizou vasta análise do poder diretivo do empregador e da
intransferibilidade do empregado, prevista no Art. 469, da CLT:

Se pensarmos no exercício regular do poder diretivo - ainda que em tempos


excepcionais – e se pensarmos nesse exemplo de transferência de localidade ou
de unidade do empregador, afigura-se cenário para a aplicação de justa causa
por descumprimento de ordem geral ou específica emanada do empregador, de
que trata o art. 482, h, da CLT, sob a nomenclatura respectivamente de
indisciplina e insubordinação. Em defesa do empregado, poderíamos pensar,
analogamente, nas 5 hipóteses de permissão à transferência, contempladas pelo
art. 469 da CLT, muito embora relacionadas a outro contexto históric o. Explica-
se. O princípio protetor que norteia o direito do trabalho inclui em seu bojo a
intransferibilidade, como premissa recorrente de que o empregado não será
obrigado a se movimentar durante o contrato, fora da base para a qual ele foi
originalmente contratado. No entanto, o art. 469 historicamente abriu tantas
exceções que há quem sustente que a regra é a transferibilidade, sendo
excepcional a intransferibilidade.

Fato contínuo, nos §§ 3º e 4º, do Art. 4º, da Medida Provisória nº 927/2020, o


legislador reproduziu a previsão do Art. 75-D, da CLT, isto é, necessariamente não há
previsão de que o empregador deva arcar com as despesas extraordinária pelo regime de
Teletrabalho, mas sim, de que tal fato será previsto em contrato escrito, o que fere o Ar t.
2º, da CLT, e já era criticado desde a edição da Lei nº 13.467/2017:

58
SILVA, Homero Batista Mateus da. Legislação Trabalhista em Tempos de Pandemia: Comentários às Medidas
Provisórias 927 e 936. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 30.
90

§ 3º As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção


ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura
necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho
a distância e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas
em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da
data da mudança do regime de trabalho.

O § 4º tornou uma possibilidade o que o Art. 2º, da CLT, trata por obrigatoriedade,
ao referir que o “empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e
pagar por serviços de infraestrutura”, porquanto, o empregado não deve suportar os
riscos do negócio:

§ 4º Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a


infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho
remoto ou do trabalho a distância:

I - o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime d e comodato e


pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza
salarial; ou

A exclusão dos valores ou despesas eventualmente concedidos da sua natureza


salarial novamente revela-se norma desnecessária, eis que, já havia previsão no Parágrafo
Único do Art. 75, da CLT.

Em se tratando de norma efetivamente protetiva, sobrevém o inciso II, do § 4º, do


Art. 4º, da Medida Provisória nº 927/2020, visto que, na impossibilidade do empregador
fornecer os meios de comunicação ou de trabalho, o computo do tempo como de atividade,
necessariamente, impõem a obrigação de pagamento de salários mesmo que não ocorra
labor:

II - na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato de que trata o


inciso I, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo
de trabalho à disposição do empregador.

Ao final do Art. 4º, novamente, visando assegurar a condição do empreendedor, o


§ 5º, excluiu o direito às horas extras, sobreaviso e adicional noturno, reiterando
implicitamente a inclusão dos empregados do Teletrabalho no Art. 62, da CLT:

§ 5º O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada


de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de
prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou
coletivo.
91

Trata-se de campo fértil para conflitos trabalhistas, afinal, como já mencionado,


muitos sistemas ou aplicativos de comunicação com a base de dados da empresa
possibilita o controle da jornada e, havendo esse controle, obviamente que o empregado
fará jus à direitos advindos da exacerbação da jornada de trabalho.

A última grande alteração causada pela Medida Provisória nº 927/2020 possibilitou


que os estagiários e os menores aprendizes pudessem obrar no regime de Tel etrabalho:

Art. 5º Fica permitida a adoção do regime de teletrabalho, trabalho remoto ou


trabalho a distância para estagiários e aprendizes, nos termos do disposto neste
Capítulo.

Historicamente tem se tratado os contratos-estudo ou de aprendizado como figuras


que impossibilitam a execução apenas dentro da sede física da empresa, afastando
inclusive, a inteligência do Art. 6º, da CLT, eis que, aludidos contratos demandam a
supervisão e ensino aos estagiários e aprendizes.

O professor Homero Batista 59, também considera viável o trabalho do aprendiz ou


estagiário, mesmo que à distância:

Colhido pelas exigências de isolamento social, o estagiário poderia ficar no pior


dos mundos, sem bolsa, sem ensino supervisionado e sem aulas. Neste sentido,
a lembrança de seu nome para o trabalho à distância parece mais uma deferência
do art. 5º da MP 927 do que propriamente uma solução para seus problemas.
Contanto que a empresa consiga manter algum tipo de interação com o
estagiário, inclusive com 1 tutor para cada grupo de 10 ou menos estagiários –
art. 9º, III, da L 11.788 – é viável imaginar o prosseguimento da supervisão à
distância. Algo mais fácil de falar do que de fazer, mas ainda assim viável.

Ao que parece, o texto da Medida Provisória nº 927/2020, ainda que de forma


provisória, corrige um descompasso das relações trabalhistas, afinal, mesmo que de forma
virtual, existem inúmeras formas de se manter o ensino e a conferência do aprendizado
(por exemplo, a videoconferência), razão pela qual, o exercício de estágios ou de trabalhos
de aprendizes em suas casas não impedem o aprendizado e a avaliação por seus superiores.

59
SILVA, Homero Batista Mateus da. Op. Cit. p. 38.
92

6. A CADUCIDADE DA MEDIDA PROVISÓRIA

As Medidas Provisórias, por expressa previsão da Constituição Federal, possui


prazo de 60 dias, renováveis por igual previsão.

Em tese, superado esse interregno, o Congresso Nacional deve transformar a


matéria em lei, ou mesmo, regulamentar os efeitos da extinção da norma provisória (o que
nem sempre ocorre).

A cessação dos efeitos da Medida Provisória nº 927/2020, no que pertine ao objeto


do estudo deste artigo, ocorrida em 19.07.2020, se deu pelo fato de que a edição da Lei nº
14.020/2020, não tratou especificamente das matérias relativas ao Teletrabalho.

A possiblidade de polêmica sobre os efeitos da Caducidade da Medida Provisória


nº 927/2020 para o Teletrabalho se dá em dois aspectos: se todos os empregados remetidos
para o regime de Teletrabalho se devem automaticamente retornar ao regime presencial?
Se os aprendizes e estagiários obrigatoriamente devem retornar ao regime presencial.

No que se refere ao primeiro aspecto os elementos podem ser suavizados pelo


cumprimento do previsto no Art. 4º, § 3º, da Medida Provisória nº 927/2020, visto que, a
redação de um termo aditivo ao contrato de trabalho no prazo de 30 dias certamente elidiu
esses efeitos.

Ainda, para o empregador menos diligente, parece que a aplicação do Art. 75 -C, §
2º, da CLT, soluciona o imbróglio:

§ 2º. Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial


por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de
quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.

No caso, com a aplicação dos efeitos da CLT, a exigência de mútuo acordo para
alteração do regime apenas se dá para o empregado passar para o regime de Teletrabalho,
o caminho inverso, demanda apenas a manifestação unilateral do empregador, com prazo
de 15 dias.

No que tange ao segundo aspecto, partilha-se da ideia de que o objetivo dos


contratos de aprendizes e estagiários é a orientação (ensino) e a conferência do
aprendizado, portanto, em sendo mantidas medidas adequadas para o aprendizado e a
93

supervisão desse aprendizado, o local onde são prestadas as atividades assume menor
relevância, podendo ser relativizado, ante o “novo normal”.

Vale registrar, ao término, que, em sendo indispensável a realização de atividade


presencial ou com presença física pelo menor aprendiz/estagiário, obviamente, o contrato
em regime de Teletrabalho não estará atingindo sua finalidade, tornando inexequível a
obrigação contratada, determinando o retorno à sede da empresa, ou mesmo à extinção da
contratualidade.

7. PROJETO DE LEI Nº 3.512/2020

Alvo de maior crítica deste estudo, é a possibilidade de se produzirem leis em


tempos de pandemia.

A experiência da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) ensinou que a edição


de normas de forma apressada acaba por gerar problemas que acabam assolando o
judiciário (exemplificativamente: observe-se a polêmica da TR – Taxa Referencia como
fator de atualização trabalhista e a suspensão das ações).

Não obstante a tudo isso, no dia 25.06.2020, através do SenadorFabiano Contarato,


restou protocolado o Projeto de Lei nº 3.512/2020, que visa atingir diretamente o labor
em Teletrabalho:

Ementa: Revoga o inciso III do art. 62, altera o art. 75-D e acrescenta o art. 75-
F ao Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para detalhar as obrigações
do empregador na realização do teletrabalho.

Na explicação da Ementa, o Projeto revela seu intuito:

Obriga o empregador a fornecer e manter os equipamentos e a infraestrutura


necessária e adequada à prestação do trabalho em regime de teletrabalho,
ressalvado o disposto em acordo coletivo, bem como a reembolsar o empregado
pelas despesas de energia elétrica, telefonia e internet. Torna os empregados em
regime de teletrabalho sujeitos às normas relativas à jornada de trabalho dos
trabalhadores em geral.

O Projeto, em si, promove basicamente duas alterações legislativas, com o poder


de alterar tudo o que se vivencia acerca do Teletrabalho, na doutrina e jurisprudência:
94

Art. 75-D. Para a realização do teletrabalho o empregadorserá obrigado a:

I – fornecer, em regime de comodato, e manter equipamentostecnológicos e


infraestrutura necessária e adequada à prestação dotrabalho, considerando a
segurança e o conforto ergonômico e dosórgãos visuais do empregado;

II - reembolsar o empregado pelas despesas de energiaelétrica, telefonia e de


uso da internet relacionadas à prestação dotrabalho.

§ 1º O fornecimento de equipamentos e de infraestrutur a quetrata o inciso I


poderá ser dispensado por acordo coletivo.

§ 2º As disposições relativas a este artigo serão previstas emcontrato ou termo


aditivo escrito.

§ 3º As utilidades mencionadas neste artigo não integram aremuneração do


empregado.” (NR)

“Art. 75-F. O controle da jornada de teletrabalho observará oart. 58, caput, e o


art. 59 desta Lei.” (NR)

Art. 2º Fica revogado o inciso III, do art. 62, do Decreto-Lei nº5.452, de 1º de


maio de 1943.

Assim, as alterações preveem expressamente que o empregador arque


integralmente com os custos do Teletrabalho e a inclusão do obreiro no regime de controle
de jornada, divergindo de tudo que fora legislado anterior e atualmente (art. 62, III, da
CLT).

Na contramão da Reforma Trabalhista, o Projeto de Lei nº 3.512/2020 privilegia o


princípio da proteção do trabalhador, tratando como como objetivo a ideia de combater
abusos dos empregadores e reconhecendo que o Teletrabalho vei definitivamente para se
consolidar em nosso “novo normal”:

Em decorrência da pandemia do novo coronavírus, essa formade trabalho


cresceu exponencialmente e especialistas indicam que mesmoapós a crise
muitas empresas continuarão adotando o teletrabalho.

Ocorre que os artigos 75-A a 75-E da CLT são insuficientespara evitar abusos
por parte do empregador. Nesse sentido, entendemos queo art. 75-D da CLT
merece detalhamento para obrigar o empregador afornecer a infraestrutura de
trabalho necessária à realização das atividades, levando em consideração a
saúde e a segurança do empregado, bem comoreembolsar o empregado pelas
despesas realizadas em função das atividades.

O controle de jornada por teletrabalho é assunto que mereceamplo debate, mas


deve-se colocar como pressuposto o fato de muitosempregados estarem
trabalhando além do horário previsto no contrato detrabalho, de forma que o art.
62, III, da CLT, incluído pela ReformaTrabalhista do ex-Presidente Michel
95

Temer, deve ser suprimido para evitarabusos por parte do empregador. Além
disso, horas extras trabalhadas devemser remuneradas, assim como ocorre no
trabalho presencial.

A crítica proposta à iniciativa não se revela contra o conteúdo, mas sim quanto ao
momento.Afinal, a lei sempre se adequa aos fatos sociais e não ao contrário, de forma que
alterar legislação durante uma pandemia, especulando-se o futuro, pode se tornar deveras
perigoso, em especial, para a segurança jurídica, tão afetada pela legislação provisória.

CONCLUSÃO

A temática do Teletrabalho foi eleita, como objeto deste estudo, não apenas pela
importância e franca disseminação nos últimos anos (notadamente meses), mas sim,
principalmente, por se tratar do principal meio de minorar os prejuízos causados pela
pandemia mundial do COVID-19, buscando uma normalidade no que se refere a
possibilidade de manutenção dos trabalhadores em atividade, porém, em suas residências.

A dificuldade na elaboração do presente estudo residiu na escassa produção


literária, bem como, na falta de confiabilidade das fontes disponíveis para a pesquisa.

Outra dificuldade, talvez a maior, a busca de esclarecimentos amparada em um


grave período de insegurança jurídica, onde normas são editadas em caráter provisório,
sem qualquer perspectiva de que, ao término da pandemia, venham a tornar -se normas
definitivas.

Como demonstrado, a previsão do embrião do viria a chamar-se Teletrabalho, em


nosso ordenamento, se deu, incialmente, pela jurisprudência (a partir de 2004), assim
como, pela edição da Lei nº 12.551/2011, que alterou o Art. 6º, da CLT.

O Teletrabalho, compreendido como uma forma de labor à distância, com o uso de


meios eletrônicos de comunicação, possuindo como uma das suas modalidades o home
office, especialmente nesse período de uma pandemia mundial de saúde, assume o papel
de protagonismo, dado ser meio eficaz de isolamento social.

Nesse ínterim, mesmo diante da existência de legislação específica na CLT, nossos


governantes optaram por editar normas provisórias, algumas necessárias, outras não, para
96

o combate ao estado de calamidade pública e com o fito de buscar a manutenção dos


empregos e dos negócios.

Inegavelmente, as determinações que influenciaram o tempo de alteração de regime


(reduzindo prazos), assim como, determinaram a unilateralidade da decisão sobre o
Teletrabalho justificam-se. De igual forma, a norma que determinou a impossibilidade de
fornecimento de tecnologia para a implantação do Teletrabalho como tempo à disposição,
ou ainda, a possibilidade de estagiários e menores aprendizes serem encaminhados o
Teletrabalho.

Todavia, a mesma necessidade, não se apura nas normas que simplesmente


repetiram os termos da CLT, visto que, absolutamente desnecessárias (contribuindo para
o quadro de insegurança jurídica), como a previsão de que os custos do Teletrabalho
devem ser previstos em contrato escrito, ou a responsabilidade do empregador por
eventual comodato.

Necessário destacar que o Ipea – Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada 60e a


Agência Brasil 61 divulgaram estudos comprovando o potencial de Teletrabalho do Brasil
na pandemia, registrando a estimativa de 30% da capacidade laboral dos países poderia
ser realizada em casa, bem como, que o Brasil, em junho de 2020, já havia atingido o
percentual de 25,7% das vagas desse potencial.

Com efeito, como defendido por economistas e analistas do mercado, jungido a


esses estudos estatísticos, não se pode ignorar que o Teletrabalho é uma realidade que
veio para ficar, sendo que, curiosidade, neste momento, surge sobre quantas vagas
retornaram ao trabalho convencional presencial?

Com a edição da Lei nº 14.020/2020, imaginava-se a convalidação das normas


sobre o Teletrabalho, não obstante, o que se apurou foi a caducidade das Medidas
Provisórias e, inclusive, dos artigos que regraram o Teletrabalho por 120 dias.

60
Fonte: https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/2020/06/potencial-de-teletrabalho-na-pandemia-
um-retrato-no-brasil-e-no-mundo/. Acesso em 27.08.2020, 20h09min.
61
Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2020/07/teletrabalho-ganha-impulso-na-pandemia-
mas-regulacao-e-objeto-de-
controversia#:~:text=Teletrabalho%20ganha%20impulso%20na%20pandemia,objeto%20de%20controv%C3%
A9rsia%20%E2%80%94%20Senado%20Not%C3%ADcias&text=As%20cenas%20de%20pessoas%20trocando,
da%20pandemia%20da%20covid%2D19. Acesso em 27.08.2020, 20h10min.
97

Ainda, que havendo a possibilidade de edição de normas que previssem o retorno


ao regime anterior, ou mesmo a manutenção do Teletrabalho, o legislador optou pela
manutenção da insegurança jurídica e silenciou; não respondeu questões simples, como:
os estagiários e menores aprendizes devem retornar ao regime presencial?

Avançando sobre o tema, reitera-se o dever de cautela com a legislação em tempos


de pandemia, porém, o Senado Federal resolve trabalhar o Projeto nº 3.512/2020,
alterando ainda mais as normas da CLT, o que, embora com o notório intuito de proteger
o trabalhador, apenas contribuirá para aumentar a insegurança jurídica estabelecida.

O presente estudo objetivou análise do Teletrabalho no passado, presente e futuro,


sendo que, algumas conclusões parecem lógicas:

- No plano econômico: o Teletrabalho surge por imposição da modernidade e


evolução dos meios de comunicação (passado); desenvolve-se pela necessidade gerada em
um quadro de pandemia, orientado pela necessidade de isolamento social (presente); e
tende a permanecer e desenvolver-se ainda mais, visto que, superada a pandemia,
inúmeros postos de trabalho ou serão extintos, ou não retornarão ao tradicional trabalho
presencial (futuro).

- No plano jurídico: em nosso ordenamento, o Teletrabalho surge na jurisprudência


e passa a constar da legislação em 2011 (passado); desenvolve-se, quase que passando a
obrigatoriedade em muitas profissões, amparado em uma legislação insegura e provisória
(presente); e certamente irá se desenvolver de forma insegura e, por vezes, atabalhoada,
através de projetos de leis “inovadoras”, como o existente no Congresso Nacional
hodiernamente (futuro).

Ao ensejo, retomando o lema da Escola de Navegação de Sagres, para a qual


“navegar é preciso”, em se tratando do tema do Teletrabalho, deve-se concluir que a
navegação pelos meios de comunicação, criando-se facilitadores da prestação do trabalho
é efetivamente o futuro, não obstante, o grande desafio do mundo pandêmico atual seja o
enfrentamento do mar de modernidades com a premente segurança jurídica.
98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COLLETTA, Cleber Dalla. Contratos Eletrônicos: Validade e Eficácia Probatória no


Atual Sistema Jurídico Brasileiro. 2003. 130 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, são Leopoldo, 2003.

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jurídicas. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v.
3, n. 33, p. 8-27, set. 2014.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho: Conforme a lei da reforma


trabalhista e as inovações normativas e jurisprudência posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019.

GOMES, Orlando. Contratos. 25.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

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Impactos da COVID-19 no Direito do Trabalho. São Paulo: Thomson Reuters Brasil,
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LIMA, Fancisco Meton Marques de. Et al. Reforma Trabalhista: Entenda Ponto por Ponto. São
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RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

RODRIGUES, Deusmar José. et al. Lei da Reforma Trabalhista Comentada Artigo por Artigo.
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SILVA, Homero Batista Mateus da. Legislação Trabalhista em Tempos de Pandemia:


Comentários às Medidas Provisórias 927 e 936. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil,
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ZWICKER, Igor de Oliveira. O teletrabalho e sua evolução na jurisprudência do Tribunal


Superior do Trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo
Horizonte, MG, v. 59, n. 90, p. 177-193, jul./dez. 2014. Edição comemorativa.
99

LIMITES DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR E OBRIGAÇÕES


DO EMPREGADO EM TELETRABALHO NO PERÍODO DE
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS

Douglas Pereira de Matos1

RESUMO
A relação de emprego em termos práticos e sua disposição contratual, em algumas
oportunidades, podem acarretar em descompassos. Entre esses temas de possíveis
descompassos está a não delimitação do poder diretivo do empregador e as obrigações do
empregado na relação de trabalho. Soma-se a essa relação a perda aparente da vigilância do
empregador quando da execução das atividades em regime de teletrabalho e a pandemia por
contaminação do vírus Covid-19 (Coronavírus). Por meio do método indutivo, o presente artigo
visa estabelecer os limites e obrigações das partes constantes em contrato de trabalho, sob a
temática do regime de teletrabalho em período de pandemia por Coronavírus, com objetivo de
sanear a aparente distorção na relação contratual vivenciada e mitigar riscos no caso de
excessos.
Palavras-chave: Poder diretivo – obrigações – teletrabalho – Coronavírus.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao contrário do contrato de natureza civilista, o contrato trabalhista tem suas normas


mínimas estabelecidas pela lei, em razão da evidente desigualdade econômica e ante a
inexistência da livre autonomia de vontade, a qual pressupõe igual patrimônio econômico das
partes. Igualmente, as regras são de ordem pública, cogentes e imperativas, motivo pela qual as
partes não podem de ela dispor, limitando-se a autonomia de vontade das partes.

Entre as diversas correntes doutrinárias sobre a natureza do contrato de trabalho, que


não será objeto de análise do presente artigo, analisa-se aquela que expressamente a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) adotou, qual seja, a teoria contratualista na qual
apregoa que a relação de emprego é contratual, conforme disciplinado no Título IV referente
ao “contrato de trabalho”.

1
Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Advogado trabalhista no Costa & Koenig Advogados Associados. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil
sob nº 88.951/RS. douglas.matos@costaekoenig.com.br
100

Tendo a CLT adotado a teoria contratualista, como se pode perceber pelo disposto no
art. 468 da Carta Consolidada2, o qual veda a alteração unilateral do contrato de trabalho em
prejuízo do empregado, a relação entre as partes deve obedecer aos limites estabelecidos em
objeto de contrato, desde que lícitos e em consonância com a legislação. Apenas a título de
exemplo, em paralelo ao tema em debate, a inobservância do objeto contratual é situação
ensejadora de reconhecimento de vínculo empregatício nos contratos de terceirização (Lei nº
13.429, de 31 de março de 2017).

E entre as modalidades de prestação de serviço, no caso do teletrabalho, a figura do


estabelecimento de um pacto é figura imperativa para validade da atividade, como será
desenvolvido em momento próprio do presente artigo.

Soma-se as questões iniciais a situação de calamidade pública por pandemia de


Coronavírus, atos de governo com a edição de Medidas Provisórias, leis e propositura de
novas normas, que alterou dispositivos legislativos trabalhistas, flexibilizou institutos e
adaptou-se ao já denominado direito do trabalho de emergência, termo criado pela própria
doutrina trabalhista para definir entendimentos e medidas em período de pandemia pelo
Coronavírus.

Com o estabelecimento da figura do contrato na legislação trabalhista e teletrabalho


em tempos de pandemia pelo Coronavírus se passa ao cerne do presente artigo e a busca pela
resposta ao questionamento: “com o uso em larga escala de tecnologias nas relações de
trabalho, em especial no teletrabalho, e em período de pandemia pelo Coronavírus, quais os
limites do poder diretivo do empregador e quais as obrigações do empregado na relação
contratual estabelecida? ”

Com relação à metodologia, foi utilizado o método indutivo, racionalizado pelas


técnicas da pesquisa bibliográfica e legislativa.

2
Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo
consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena
de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
101

2. OBRIGAÇÕES DAS PARTES INTEGRANTES DO CONTRATO DE TRABALHO

Como já estabelecido, o legislador trabalhista optou pela adoção da teoria do contrato,


disciplinada na Consolidação das Leis do Trabalho. Especificamente, o contrato individual de
trabalho é aquele acordo tácito ou expresso, correspondente a relação de emprego, como
conceitua o art. 442 da CLT3.

Nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho, especificamente no disposto no art.


2º da Norma Trabalhista4, tem-se que o empregador é aquele que dirige a prestação de
serviços, pois compete a ele assumir os riscos da atividade econômica explorada. Sendo esse
o agente que investe capital no empreendimento e direciona os rumos do negócio, é dele a
autoridade para dirigir na relação de emprego.

O poder de comando nasce a partir dessa coordenação, autorizando a modificar


algumas cláusulas contratuais dentro dos limites da lei, o consabido ius variandi do
empregador, conforme esclarecido nas linhas iniciais do presente artigo. A partir disso,
compete ao empregador determinar as condições de trabalho e dirigir a forma de prestação de
serviços estabelecidos em contrato individual de trabalho.

A partir desse controle, tem o empregador o direito de fiscalizar o correto


cumprimento do contrato de trabalho e consequente rotina de afazeres do empregado
contratado, bem como o poder disciplinar, nos casos de descumprimento contratual pelo
empregado no exercício das atividades desempenhadas, dentro dos limites insculpidos na
legislação trabalhista.

Por outro lado, tem o empregado contratado o dever de obediência ao empregador,


uma vez que existente a subordinação jurídica do empregado, conforme estabelece o art. 3º da
CLT5.

Nota-se que o fato de não existir a fiscalização física do empregador na execução das
atividades em regime de teletrabalho, ao empregado permanecem intactos os deveres

3
Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.
4
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade
econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
5
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador,
sob a dependência deste e mediante salário.
102

estabelecidos em contrato de trabalho, regras mínimas de civilidade e, principalmente, válidas


as disposições ensejadoras de rompimento contratual por parte do empregador, a denominada
justa causa para rescisão contratual pelo empregador, na forma do disposto no art. 482 da
CLT.

Em termos práticos e já de conhecimento, o empregado em regime deteletrabalho tem


o dever cumprir tarefas, dentro da jornada estabelecida pelo empregador, não pode livremente
dispor das atividades demandadas, como por exemplo: deixar de atender injustificadamente
ao empregador quando requerido, deixar de executar suas atividades em jornada de trabalho
pactuada, perfazendo atividades em plena madrugada, gerando descompasso com a equipe de
trabalho e prejuízo na entrega das atividades estabelecidas.

Exemplos como esses destacados, serão cada vez mais rotineiros e objeto de litígio,
quando não forem previamente e expressamente estabelecidos, não houver diálogo entre as
partes e, essencialmente, a boa-fé dos celebrantes.

Ainda que não seja objeto do presente estudo, importa destacar que o descumprimento
contratual na relação de emprego não decorre unicamente de uma das partes, podendo o
empregado romper com o contrato, caso esteja presente uma ou mais hipóteses de rescisão
indireta ao contrato de trabalho, na forma do art. 483 da CLT6.

Retornando-se a questão obrigacional, a lição da doutrina de Vólia Bomfim Cassar7 é


de grande interesse para o presente estudo, ao dispor sobre a distinção de ordens específicas e
ordens gerais. Para doutrinadora, “ordens específicas são aquelas dirigidas a um ou mais
empregados em especial para agirem em determinado sentido ou para cumprimento de uma

6
Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao
contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de
outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a
importância dos salários.
7
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho: de acordo com a reforma trabalhista Lei 13.467/2017. Rio
de Janeiro: Forense. 15 ed. 2018. p. 1097.
103

tarefa” e em relação as ordens gerais “são aquelas destinadas a todos os empregados da


empresa, em determinado ambiente”.

Como bem pode ser sintetizado, por meio do estabelecimento de duas essenciais
características do contrato de trabalho, Vólia Bomfim Cassar8 estabelece que no contrato, há
uma “alteridade, que se demonstra através da bilateralidade de atribuições, do caráter
sinalagmático do contrato” e prossegue ao discorrer sobre a segunda e essencial característica,
qual seja, a funcionalidade, “pois compõe interesses contrapostos, harmonizando os conflitos”
que pode ser compreendido pela dualidade salário versus trabalho; ou a dualidade interrupção do
contrato versus salário.

3. TELETRABALHO: LIMITES, OBRIGAÇÕES E NOVAS PROPOSIÇÕES


LEGISLATIVAS

O entendimento prévio das obrigações das partes integrantes do contrato de trabalho é


essencial para compreensão da figura do teletrabalho. Isso porque a disposição da figura do
teletrabalho na Carta Consolidada explicita a plena aptidão da subordinação jurídica nessa
modalidade de prestação de serviços mesmo com a utilização de meios telemáticos,
informatizados de comando, controle e supervisão, à domicilio ou não do empregado.

Ainda sobre a relação obrigação contratual, desponta com claridade a situação relativo
a (im)possibilidade de controle de jornada do empregado. Sabe-se que a legislação trabalhista
optou por incluir a figura do trabalhador em regime de teletrabalho na exceção prevista no art.
62 da CLT (que se refere a não aplicação, aos trabalhadores referidos nos incisos I, II e III
regras relativas a duração do trabalho).

De acordo com a interpretação pura da norma, o distanciamento da observação do


empregador e pleno controle da duração do trabalho, somado com a liberdade que o empregado
adquire em poder gerir o início e término da jornada justificaria a medida. No entendimento de
Maurício Godinho Delgado9 “a presunção jurídica lançada pelo art. 62, III, da CLT não se

8
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho: de acordo com a reforma trabalhista Lei 13.467/2017. Rio
de Janeiro: Forense. 15 ed. 2018. p. 519
9
DELGADO, Maurício Godinho; A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017.
São Paulo: LTr. 2 ed. 2018. p. 139.
104

mostra desarrazoada” uma vez que se trata de presunção relativa, a qual admite prova em
contrário. Discorda-se, respeitosamente, da posição de Maurício Godinho Delgado ao passo
que no regime de teletrabalho deve ser observado, assim como nos casos de trabalho externo, a
possibilidade ou não de controle efetivo do trabalho pelo empregador.

A relativa liberdade de gerenciamento, início ou término da jornada do empregado em


regime de teletrabalho deve ser vista com parcimônia a fim de não conceder “um cheque em
branco” e acarretar em desrespeito a saúde e integridade física/psíquica do próprio empregado
e, consequente, ao empregador com o custo pela perda da capacidade do empregado, da
reparação de eventual dano ou até mesmo solução de litígio proveniente dessa liberdade
(discussão acerca de hipotética doença ocupacional, dano existencial, horas extras...).

Sendo a jornada de trabalho insculpida na CLT uma norma de saúde, higiene e


segurança do trabalho, existindo possibilidade de controle da jornada pelo empregador, deve e
recomenda-se a implementação de mecanismos de controle da jornada de trabalho, embora a
legislação autorize em sentido diverso.

Importante colacionar entendimento de Maximiliano Carvalho e Luana Lacerda ao no


sentido de que “em se tratando de teletrabalho, cujas tarefas laborais são normalmente de caráter
intelectual, o produto do trabalho não tem seu valor normalmente medido pelo tempo
despendido na produção. Assim, a delimitação da jornada não é uma questão simples”10.

Passa-se a observar, em prática aplicada em larga escala, a adoção dessa modalidade de


prestação de serviços com o advento, infelizmente, da pandemia por Coronavírus (Covid-19)
no Brasil, especialmente a partir de março de 2020. Pensamentos, projetos, estudos de
implementação do teletrabalho em organizações que ainda dependiam de “amadurecimento”
seja técnico ou mesmo cultural passou a ser necessário para preservação do emprego,
manutenção do empreendimento do empregador e continuidade de toda uma sociedade.

Para atender os anseios da sociedade brasileira, o processo legislativo não se mostrava


o mais célere, nesse primeiro momento, restando imprescindível a tomada de ações
governamentais a fim de regular, flexibilizar e popularizar institutos.

10
FIGUEIREDO, Carlos Arthur (org.). (et al.); Reforma Trabalhista: novos rumos do direito do trabalho e do
direito processual do trabalho. São Paulo: LTr. 2018. p.146.
105

A Medida Provisória nº 927/2020 (MP 927/2020) editada pela Presidência da República


em 22 de março de 2020 que dispôs sobre diversas medidas trabalhistas para enfrentamento do
estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de
2020, teve sua vigência encerrada no dia 19 de julho de 2020, por meio de ato declaratório do
presidente da mesa do Congresso Nacional nº 92 de 2020.

Em que pese a perda de vigência, salutar se faz alguns relevantes destaques controversos
juridicamente que propiciaram a flexibilização, naquele período, mas essencialmente a
popularização do teletrabalho no cenário brasileiro.

Entre os destaques legislativos polêmicos, está o disposto no art. 4º, §5º da MP


927/2020:

§ 5º - O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de


trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão
ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.

Na interpretação do então vigente dispositivo havia flagrante inconstitucionalidade por


ofensa ao disposto no art. 7º, incisos XIII e XVI da Constituição Federal 11 ao passo que
desrespeitava a jornada máxima diária permitida em lei e pagamento pela atividade
extraordinária.

Ora, não se mostrava crível permitir ao empregador ter a liberdade de exigir do


empregado o trabalho além da jornada permitida diária e, mais do que isso, mesmo que o
trabalhador viesse a ser chamado por meio de aplicativos ou programas de comunicação fora
da jornada de trabalho normal, sabidamente equipamentos de trocas de mensagens entre
aparelhos celulares, isso não seria considerado tempo à disposição ou mesmo caracterizada a
existência de pagamento pela jornada extraordinária!

A disposição prevista na então Medida Provisória nº 927/2020, apenas a título


informativo, sabidamente não se originou de terras brasileiras, mas possui intrínseca influência

11
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: [...]
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a
compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; [...]
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;
106

no Código do Trabalho do Chile12 que assim dispõe ao tratar da não exigência de controle de
jornada para aqueles trabalhadores em regime de teletrabalho:

Art. 22. La duración de la jornada ordinaria de trabajo no excederá de cuarenta y


cinco horas semanales.
...
Asimismo, quedan excluidos de la limitación de jornada, los trabajadores
contratados para que presten sus servicios preferentemente fuera del lugar o sitio de
funcionamiento de la empresa, mediante la utilización de medios informáticos o de
telecomunicaciones.

Nota-se que tanto o disposto no art. 4º, §5º da MP 927/2020 quanto o disposto no art.
22 do Código de Trabalho do Chile fazem alusão a expressão “utilização de meios
informáticos e de telecomunicações” como forma excludente do controle de jornada por parte
do empregador.

Ainda sobre o então polêmico dispositivo, o mesmo revela outro importante aspecto
pertinente aos limites do poder diretivo do empregador e, igualmente, direito do empregado: o
direito à desconexão.

A conceituação do direito à desconexão apresentada por André Araújo Molina na obra


organizada por Ives Gandra da Silva Martins Filho13 vai de encontro ao dispositivo então
vigente na MP 927/2020:

o direito à desconexão garante aos trabalhadores a desvinculação plena do trabalho,


inclusive da possibilidade potencial de ser convocado a realizar assuas atividades. Em
termos práticos, o direito de não ser chamado pelo telefone, pelo e-mail ou aplicativos
de comunicadores instantâneos durante os momento sem que estiver fora do horário
de trabalho, incluindo-se os períodos de prestação de horas extras, regimes de
prontidão ou escalas de sobreaviso.

Em mesma linha, lecionam Lorena Vasconcelos Porto, Cláudio Jannotti da Rocha e


Luiza Baleeiro Coelho Souza14 no sentido de que sobre o teletrabalho:

é preciso pontuar que, apesar de ele estar envolto em um discurso de promover maior
qualidade de vida aos trabalhadores, por questões atreladas à mobilidade urbana,
proximidade familiar, redução aparente de custos, entre outras vantagens, a tecnologia
nesse ambiente é altamente nociva ao trabalhador.

12
CHILE.Código del Trabajo. Disponível em: https://www.dt.gob.cl/portal/1626/articles-95516_recurso_2.pdf.
Acesso em 09 set. 2020.
13 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (Org.); NAHAS, Thereza Christina (Org.). Revista de Direito do Trabalho. São
Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais. 2017. vol. 175. p. 75.
14 VASCONCELOS PORTO, Lorena; ROCHA, Cláudio Jannotti; SOUZA, Luiza Baleeiro Coelho. Revista Magister de

Direito do Trabalho. Porto Alegre: Magister. 2018. nº 85. p. 55.


107

Ocorre que o entendimento dos doutrinadores anteriores, como já referido em outras


linhas do presente artigo, não deve ser visto como algo a ser exorcizado, mas utilizado com
parcimônia pelo empregador e vigiado por todos a fim de evitar-se violações.
Outra posição relevante é a de Valdete Souto Severo e Almiro Eduardo de Almeida15,
ao passo que “o trabalho, objeto da relação de emprego, normalmente não se limita à simples
execução sucessiva de atos (repetitivos ou não), mas ao fato de uma pessoa se colocar à
disposição de outra, inserindo a sua atividade na dinâmica da atividade econômica de quem lhe
emprega”.

O discurso de João Leal Amado16 é aquele que melhor se assemelha ao compreendido


por esse artigo sobre a matéria, poder diretivo do empregador no âmbito do teletrabalho e o
direito à desconexão, pois segundo Amado a ideia central não está na concessão de um novo
direito (desconexão) mas “em disciplinar o comportamento invasivo da entidade empregadora,
em sublinhar que esta, em princípio, deverá abster-se de estabelecer conexão com o trabalhador
quando este se encontra a gozar o seu período de descanso”.

Prossegue João Leal Amado17 que, de certa forma, “falar num “direito à desconexão”
parece pressupor que a entidade empregadora teria, prima facie, um direito à conexão” o que
sabidamente não é, por força do impedimento legislativo constitucionalmente consagrado,
como já mencionado nas linhas anteriores do presente artigo.

Evidente que o período de pandemia do Coronavírus e a existência do direito do trabalho


de emergência fez eclodir iniciativas do Estado brasileiro, por meio de atos provisórios,
decretos, criações doutrinárias e, não seria diferente senão necessário, criações legislativas a
fim de conciliar a realidade fática, direito e anseio da sociedade.

Entre as iniciativas legislativas que vai ao encontro do tema em estudo no presente


artigo, qual seja, elucidar sobre os limites do poder diretivo do empregador e obrigações do
empregado em teletrabalho, importa selecionar o projeto de lei PL nº 3.512/202018 de autoria
do Senador Fabiano Contarato que visa revogar o inciso III do art. 62, alterar o art. 75-D e

15ALMEIDA, Almiro Eduardo de; SEVERO, Valdete Souto. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho.
Almiro Eduardo de Almeida. São Paulo: LTr, 2016.
16
AMADO, João Leal. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas: Escola Judicial
do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 58. p. 264.
17
Ibdem.
18
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8126494&ts=1596479447148&disposition=inline –
Acesso em 09 set. 2020.
108

acrescentar o art. 75-F ao Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para detalhar as


obrigações do empregador na realização do teletrabalho.

Entre as justificativas da proposta legislativa do Senador está que essa forma de trabalho
cresceu exponencialmente e há indicativo de que mesmo após a crise essa modalidade de
trabalho continuará a ser exercida.

Segundo o Senador19 “os artigos 75-A a 75-E da CLT são insuficientes para evitar
abusos por parte do empregador”, bem como “o art. 75-D da CLT merece detalhamento para
obrigar o empregador a fornecer a infraestrutura de trabalho necessária à realização das
atividades, levando em consideração a saúde e a segurança do empregado, bem como
reembolsar o empregado pelas despesas realizadas em função das atividades”.

Assim, é a proposta legislativa:

Art. 75-D. Para a realização do teletrabalho o empregador será obrigado a:


I – fornecer, em regime de comodato, e manter equipamentos tecnológicos e
infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho, considerando a
segurança e o conforto ergonômico e dos órgãos visuais do empregado;
II - reembolsar o empregado pelas despesas de energia elétrica, telefonia e de
uso da internet relacionadas à prestação do trabalho.
§ 1º O fornecimento de equipamentos e de infraestrutura que trata o inciso I
poderá ser dispensado por acordo coletivo.
§ 2º As disposições relativas a este artigo serão previstas em contrato ou termo
aditivo escrito.
§ 3º As utilidades mencionadas neste artigo não integram a remuneração do
empregado. ” (NR)
...
Art. 75-F. O controle da jornada de teletrabalho observará o art. 58, caput, e o art. 59
desta Lei. (NR).

Trata-se, em simples linhas, do Poder Legislativo estabelecendo limites no poder


diretivo do empregador ao disciplinar sobre o custeio dos equipamentos necessários a execução
das atividades pelo empregado, em homenagem ao instituto da não transferência do risco da
atividade econômica do empreendimento ao trabalhador, bem como da obrigatoriedade do
controle da jornada quando realizado sob modalidade de teletrabalho.

19
Ibdem.
109

Outra disposição legislativa de relevo é o Projeto de Lei do Senado nº 266, de 2017 de


autoria do Senador Romário20 o qual visa alterar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de
1974 para, entre outras medidas, dispor sobre o regime de teletrabalho diferenciado para o
empregado com deficiência; limitações do negociado sobre o legislado em relação à jornada de
trabalho e ao teletrabalho.

Especificamente ao tema tratado e proposta legislativa destacam-se as seguintes proposições:

Art. 75-F. O regime de teletrabalho só é aplicável ao empregado com deficiência que


comprovar, a partir da legislação vigente, a necessidade de contratação nessa
modalidade com anuência do empregado.
...
Art. 611-A.………………………………………………..
VII – teletrabalho, com limites objetivos de aferição de produtividade; regime de
sobreaviso e trabalho intermitente;

Entre as justificativas da alteração legislativa pelo Senador está a melhoria da prestação


do labor subordinado no país. As disposições propostas visam incluir e especificar a prestação
de teletrabalho para trabalhadores com deficiência, visando melhor inserir no mercado de
trabalho aqueles profissionais, bem como flexibilizar o ajuste entre empregado e empregador
sobre o teletrabalho, por intermédio de instrumentos coletivos, visando definir limites objetivos
de aferição de produtividade, indo ao encontro do tema proposto no presente artigo, qual seja,
a definição ou esclarecimento sobre os limites do poder diretivo do empregador e obrigação do
empregado.

Da proposição a respeito da necessidade ou mesmo flexibilização por meio de norma


coletiva, a iniciativa é de bom grado ao passo que estabelece, por intermédio da negociação
coletiva, mecanismo de melhor equidade no estabelecimento de disposições entre empregado e
empregador, dos limites e objetivos esperados nessa forma de trabalho.

Nota-se que o teletrabalho, na atual disposição prevista no art. 75-C da CLT, determina
que empregado e empregador estipularão, por escrito, mediante termo aditivo ao contrato de
trabalho, as atividades que serão realizadas pelo empregado.

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=6415209&ts=1593910374481&disposition=inline –
20

Acesso em 09 set. 2020.


110

Evidentemente, a norma atual não prevê a figura da negociação, pois confere ao


empregador quais atividades serão desempenhadas pelo empregado, inexistindo qualquer
limitação além das vedações legais, permitindo uma verdadeira novação ao contrato de
trabalho, pois não há no dispositivo a necessidade que o objeto anteriormente pactuado seja
respeitado, mas tão somente a especificação de quais “atividades que serão realizadas pelo
empregado”.

Dessa forma a pretensão legislativa de necessidade de negociação prévia, especialmente


em relação aos objetivos pretendidos e estabelecimento de aferição de produtividade são
salutares. Nessa toada, interessante constatar que a proposta do Senador vai ao encontro do já
mencionado nesse artigo, qual seja, a percepção de Maximiliano Carvalho e Luana Lacerda ao
referirem que no teletrabalho o produto final não tem seu valor normalmente medido pelo tempo
despedido na produção, o que será de grande relevo para conclusão do presente estudo.

3. CONCLUSÃO

Invariavelmente o período de pandemia do Coronavírus evidenciou chagas sociais em


muitas sociedades, revelou que a vida em comunidade e suas consequências possuem caráter
global, uma vez que algo praticado no oriente ou ocidente poderá afetar um ao outro em questão
de meses.

A pandemia também alterou vidas, rotinas e principalmente não se limitou a uma


evolução, mas uma revolução. A revolução, segundo o Dicionário Brasileiro da Língua
Portuguesa Michaelis21 trata-se, entre outros conceitos, de “transformação radical dos conceitos
artísticos, dos padrões culturais e dos paradigmas científicos dominantes em determinada
época”.

De fato, durante o período de constituição do presente artigo, ainda se está diante do


processo de revolução, com consequências previstas, porém com a certeza de que os
paradigmas foram e ainda serão modificados. Em simples paralelo exemplificativo, em outras
simples palavras, é como se a pandemia fosse um grande deslocamento de placas tectônicas as
quais modificam estruturas, alteram terrenos e horizontes.

MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. – https://michaelis.uol.com.br/moderno-


21

portugues/ - Acesso em 09/09/2020.


111

Mas invariavelmente também a pandemia alterou o rumo de muitas relações, entre elas,
as formas da prestação de serviços, especificamente, com a implementação em grande escala
do tão estudado teletrabalho. Como toda revolução, embora o teletrabalho aparenta ser, para
um leigo, apenas uma mudança física do local de prestação de serviços então exercidos na sede da
empregadora, é muito além dessa alteração.

A já superada subordinação do empregado ao empregador nessa forma de trabalho, dá


lugar para outros debates, tais como o objeto do presente estudo, qual seja, com o uso em larga
escala de tecnologias nas relações de trabalho, em especial no teletrabalho, e em período de
pandemia pelo Coronavírus, quais os limites do poder diretivo do empregador e quais as
obrigações do empregado na relação contratual estabelecida? Do que fora apresentado no
presente estudo, inúmeras variantes e condicionantes originam-se, pois, a relação de trabalho,
antes de tudo, é uma relação humana.

Partindo-se dessa premissa e da natural boa-fé entre as partes, a alteridade é a pedra


fundamental no estabelecimento de limites e obrigações na prestação de serviços sob
modalidade de teletrabalho em período de pandemia do Coronavírus. Isso porque, como
referido nas linhas iniciais da presente conclusão, a atividade globalizada e a velocidade dos
acontecimentos não acompanham conceitos, dogmas e tampouco legislações para regular os
anseios de determinada sociedade.

Nota-se, em específico no Brasil, que as medidas legislativas governamentais ocorreram


de forma célere, por meio da edição de Medidas Provisórias, porém direcionando a relação de
trabalho para uma zona cinzenta de quais são os direitos dos trabalhadores a serem suspensos
ou suprimidos em prol da manutenção da relação de emprego e da continuidade dos
empreendimentos econômicos.

Nesse sentir, os limites do poder diretivo do empregador tangenciaram momentos de


afronta à Constituição Federal, como no anteriormente mencionado dispositivo da Medida
Provisória nº 927/2020 que permitia ao empregador ter a liberdade de exigir do empregado o
trabalho além da jornada permitida diária e expressamente permitia que o trabalhador viesse a
ser chamado por meio de aplicativos ou programas de comunicação fora da jornada de trabalho
normal, sem que fosse considerado tempo à disposição do empregador.
112

Por outro lado, ao empregado as premissas basilares do dever de cumprimento das


ordens expedidas pelo empregador, mesmo fora do alcance das vistas do tomador, não afastou
as disposições previstas no art. 482 da CLT, uma vez que permanecem inalterada a
aplicabilidade de sanções disciplinares e rescisão contratual por justa causa de iniciativa do
empregador.

Como também destacado no presente estudo a relativa liberdade de gerenciamento,


início ou término da jornada do empregado em regime de teletrabalho não pode acarretar em
um “cheque em branco” ao ponto de acarretar em prejuízo a saúde e integridade física/psíquica
do próprio trabalhador e, consequentemente, maior custo ao empregador pela perda da
capacidade produtiva ou até mesmo risco de estabelecimento de passivo trabalhista de origem
ocupacional.

Uma das consequências do extremismo e descumprimento dos limites do poder diretivo


do empregador é a caracterização de violação ao direito à desconexão do empregado.

O instituto conceituado por André Araújo Molina exposto no presente estudo, no sentido
de garantir ao trabalhador a desvinculação plena do trabalho, e o contraponto exposto por João
Leal Amado no sentido de que, em verdade, deve-se disciplinar o comportamento invasivo da
entidade empregadora, em sublinhar que esta, em princípio, deverá abster-se de estabelecer
conexão com o trabalhador quando este se encontra a gozar o seu período de descanso, é o que
melhor se extrai desse tema que, embora realidade, tomará um dos protagonismos jurídicos nos
próximos anos, quando tratar-se de limites do poder diretivo do empregador.

Espera-se, por fim, que as iniciativas legislativas, como aquelas exemplificadas no


presente estudo tenham por caminho a ser seguido a proteção ao emprego, trabalhador,
manutenção e ampliação dos empreendimentos econômicos a fim de possibilitar a criação de
novos postos de trabalho e desenvolvimento da sociedade brasileira, sem perder de vista a
alteridade e boa-fé no estabelecimento de limites e obrigações do empregado em teletrabalho
no período de pandemia do Coronavírus.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Almiro Eduardo de; SEVERO, Valdete Souto. Direito à desconexão nas relações
sociais de trabalho. Almiro Eduardo de Almeida. São Paulo: LTr, 2016.
113

AMADO, João Leal. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas:
Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 58.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. [Consulta em 09 de setembro
de 2020]. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452. Consolidação das Leis do Trabalho. [Consulta em 09 de
setembro de 2020]. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del5452.htm>.

BRASIL. Medida Provisória nº 927/2020. Medidas trabalhistas para enfrentamento do estado


de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e
da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-
19). [Consulta em 09 de setembro de 2020]. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/Mpv/mpv927impressao.htm>.

BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 266/2017. [Consulta em 09 de setembro de 2020].


Disponível em:<https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=6415209&ts=1593910374481&disposition=inline>.

BRASIL. Projeto de Lei nº 3.512/2020. [Consulta em 09 de setembro de 2020]. Disponível


em:<https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=8126494&ts=1596479447148&disposition=inline>.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho: de acordo com a reforma trabalhista Lei
13.467/2017. Rio de Janeiro: Forense. 15 ed. 2018.

CHILE. Código del Trabajo. Disponível em: https://www.dt.gob.cl/portal/1626/articles-


95516_recurso_2.pdf. Acesso em 09 set. 2020.

DELGADO, Maurício Godinho; A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n.


13.467/2017. São Paulo: LTr. 2. ed. 2018.

FIGUEIREDO, Carlos Arthur (org.). (et al.); Reforma Trabalhista: novos rumos do direito do
trabalho e do direito processual do trabalho. São Paulo: LTr. 2018.

MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (Org.); NAHAS, Thereza Christina (Org.). Revista
de Direito do Trabalho. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais. 2017. vol. 175.

MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. [Consulta em 09 de setembro de


2020]. Disponível em:<https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues>.

VASCONCELOS PORTO, Lorena; ROCHA, Cláudio Jannotti; SOUZA, Luiza Baleeiro


Coelho. Revista Magister de Direito do Trabalho. Porto Alegre: Magister. 2018. nº 85.
114

CONSTITUCIONALIDADE DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS927/936/ LEI


Nº 14.020: HÁ POSSIBILIDADE JURÍDICADA REDUÇÃO SALARIAL
POR ACORDO INDIVIDUAL FRENTE À PANDEMIA?

Eduardo Vinhas Fagundes1

RESUMO

A presente investigação busca indagar a constitucionalidade das medidas provisórias nº


927 e 936 (a última posteriormente convertida na lei nº14.020/2020), visto que concederam
admissibilidade normativa à redução salarial e de jornada de trabalho por intermédio de acordo
individual, que a despeito de todos os mecanismos conjuntos previstos que asseguram a
reposição salarial e a manutenção do emprego, há ainda aparente afronta ao conteúdo material
consolidado na Constituição Federal. Dessa forma, houve questionamento das medidas
provisórias referidas em sede de controle de constitucionalidade, tendo o Supremo Tribunal
Federal não acatado tese no sentido de incompatibilidade entre a Lei Maior e a norma
infraconstitucional. Diante disso, estaria a corte Suprema decidindo conforme a Constituição?
É necessário confrontar a prática jurídica institucionalizada com o aporte teórico constitucional
construído pela doutrina, bem como vislumbrar se há validade hermenêutica nessas decisões
judiciais, realizando a partir desse ponto, um constrangimento epistemológico do imaginário
jurídico no âmbito dos tribunais. Outrossim, há evidente pertinência da problemática, já que as
relações de trabalho estão sendo impactadas significativamente em meio à uma situação de crise
sanitária, política e econômica. Portanto, os juízos que aqui serão apresentados conferem o
devido diálogo com a temática elencada para composição da 1ª edição do livro no formato E-
book, “Relações de Trabalho e a Pandemia do Coronavírus”.

Palavras-chave: Constitucionalidade. Relações de Trabalho. Coronavírus. Decisão


Judicial

INTRODUÇÃO

É consequência natural que em tempos de crise a lógica de operação estatal caminhe em


vias de uma maior intervenção, aos moldes de um Estado de bem-estar social, já que apenas a
tutela de direitos fundamentais de primeira geração, assentada em uma postura negativa, e
ênfase aos direitos individuais não é apresentada como suficiente frente à uma situação fática

1
Bacharel em Direito – URCAMP/Bagé, Pós-graduando em Direito Constitucional – ABDConst., Advogado.
Endereço eletrônico: eduardovinhasf96@outlook.com
115

em que os indivíduos de determinado corpo social necessitam de prestações positivas por parte
da máquina estatal. Com o advento de uma pandemia em escala global, é que se ergue no
domínio de diversos países, uma postura mais restritiva quanto à regulamentação da atividade
da sociedade civil, a partir de respostas normativas de isolamento social, principalmente.

A conjuntura citada também permeia os limites territoriais do Brasil no atual momento.


Dessa forma, houve por parte da Presidência da República, a edição de duas medidas
provisórias (927 e 936), respectivamente, de 6 de março e 1º de abril de 2020, que dispuseram
de medidas de regulamento das relações de trabalho no contexto de enfrentamento do estado de
calamidade pública, tendo a segunda sido convertida na Lei nº 14.020, de 6 de julho de
2020.2Ademais, a presente construção aqui engendrada busca lançar mão do aporte teórico
jurídico-constitucional. Logo, deve ser denotado o conteúdo que os princípios do direito do
trabalho e dos direitos sociais informam a fim de aferir se o agir estatal está em vias de
adequação com a Constituição em tais episódios, não deixando à parte uma análise da discussão
ensejada nas ADI’s 6363 e 6342, que promovem o controle concentrado de constitucionalidade
das medidas provisórias no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

Nesse ínterim, é mister estar alerta se há no imaginário político e inclusive, dos próprios
juristas, o intuito de corrigir o direito e seu repertório de regras e princípios por intermédio de
uma falsa ponderação dos segundos e de uma filosofia consequencialista pragmática, que é
alheia ao ordenamento jurídico enquanto sistema, e logo não pode ser relevante à decisão
judicial.Assim, aqui há preocupação de apontar se essa prática se perfectibiliza nos julgados ou
manifestações jurídicas dos atores do Direito. Expostas tais pretensões, vale ressaltar que a
relevância temática é demarcada, então, por sua relação com direitos fundamentais em jogo em
um cenário atípico, de proporções inéditas na vida humana, que já tem interrompido e afetado
existências.
I. DA ANÁLISE DECONSTITUCIONALIDADE DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS
927/936/LEI 14.020 E SUA RESOLUÇÃO À LUZ DA RESOLUÇÃO MENOS
GRAVOSA EM SEDE PRINCIPIOLÓGICA
Não há como afirmar que as atuais alterações legislativas sejam pontos de exceção na
estrutura jurídica trabalhista, pelo contrário, é um seguimento de uma lógica do direito que

2
TOSTES, Laura Ferreira Diamantino. O que Veio pra Ficar? O Direito do Trabalho e a Covid-19. 2020.
Disponível em: https://www.otempo.com.br/opiniao/artigos/o-que-veio-para-ficar-1.2358269. Acesso em 2 de
Set. de 2020.
116

busca a adequação das situações fáticas a um conteúdo do dever ser, contido no ideário daqueles
que detém o poder de participar do processo legislativo no momento da positivação das normas
no ordenamento, que logo recebe respostas hermenêuticas dos tribunais no âmago de sua prática
jurisprudencial.Assim, regras trabalhistas têm sido engendradas nos últimos anos, como aponta
João Grandino Rodas (2020), a partir de uma égide de política de flexibilização, sendo seus
exemplares legislativos

(i) a Lei 13.429/2017, que ampliou significativamente o âmbito da terceirização; e (ii)


a Lei 13.467/2017 (lei da reforma trabalhista), que implementou radicais
modificações no direito material e no direito processual do trabalho, atingindo,
inclusive, a representação sindical e modificando seu respectivo custeio. 3

Por conseguinte, as circunstâncias presentes desembocam de forma fértil para o


desencadeamento de mais processos semelhantes, ao passo que vivemos uma crise sanitária,
política e econômica de proporções críticas em escala mundial. Destarte, com o cenário
brasileiro de empregos vigentes, é denotado consoante dados produzidos pelo Cadastro Geral
de Empregados e Desempregados, ao longo do ano de 2020, saldo de -1.092.578 empregos,
decorrente de 7.821.801 admissões e de 8.914.379 desligamentos (com ajustes até julho de
2020).4Já no caso do Judiciário, a jurisdição trabalhista tem recepcionado lides relacionadas aos
efeitos proporcionados pela pandemia. O período de janeiro a maio de 2020, foram mais de 8,6
mil novas ações classificadas com o tema “Covid-19” confirmadas através do levantamento
realizado pelo TST.5Dessa forma, já há abordagem sintética conjectural suficiente para
adentrarmos nas vias de investigação dos aspectos constitucionais anunciados anteriormente.
Em 22 de março de 2020, foi editada pelo Governo Federal, a MP 927. Inclinada à flexibilizar
a legislação laboral no período de pandemia, a medida possibilitou, por exemplo, a transposição
do regime presencial em teletrabalho; a concessão de férias coletivas; antecipação de férias; 6

3
RODAS, João Grandino. Mudanças no Direito do Trabalho brasileiro em decorrência da Covid-19.
2020.Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-21/olhar-economico-mudancas-direito-trabalho-
decorrencia-covid-19 Acesso em 3 de setembro de 2020.
4
Ministério da Economia. Cadastro Geral de Empregados e Desempregados.2020. Disponível em:
http://pdet.mte.gov.br/images/Novo_CAGED/Jul2020/1-sumarioexecutivo.pdf Acesso em 3 de Set.
5
Tribunal Superior do Trabalho. TST atualiza número de ações relacionadas ao coronavírus na Justiça do
Trabalho em todo o Brasil. 2020.Disponível em: http://www.tst.jus.br/-/tst-atualiza-n%C3%BAmero-de-
a%C3%A7%C3%B5es-relacionadas-ao-coronav%C3%ADrus-na-justi%C3%A7a-do-trabalho-em-todo-o-brasil
Acesso em 4 de Set.
6
CERDEIRA, Eduardo de Oliveira, et al.Da possibilidade de transformação de um acordo individual de redução
de jornada e salário em acordo individual de suspensão do contrato de trabalho em meio a pandemia
ocasionada pelo covid-19. 2020.Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/328339/da-possibilidade-
117

sendo a disposição mais discutível, o acordo individual escrito celebrado por empregado e
empregador, com vistas à permanência do vínculo empregatício, tendo preponderância sobre
outras fontes normativas.

Embora expressado claramente que esses atos jurídicos devem se realizar sob os limites
da Constituição,7 nesse sentido, como explana Marco Aurélio Serau Junior, há afronte ao
conteúdo normativo contido na Lei Maior, pois há regras claras postas no artigo 7º, VI, XIII e
XIV, que não dão espaço para se cogitar tais alternâncias.

VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;


XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro
semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante
acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV – jornada de seis horas para o trabalho
realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
(BRASIL, 1988)8

O texto discorre no sentido de exigir negociação coletiva. Logo, mesmo se


considerarmos a situação de calamidade pública, isso não seria suficiente para tais
engendramentos em sede de positivação. Além disso, mais constatações feitas pelo mesmo
autor são de grande valia para o estudo aqui proposto. Segue a exposição direta de tais ideias:

Com efeito, esse cenário jurídico de exceção não permite afastar as disposições
constitucionais de regulação do trabalho. Até mesmo o estado de defesa e o estado de
sítio (tratados nos artigos 136 e seguintes da Constituição Federal) não é possível a
ruptura completa da ordem jurídica, pois nessas condições só será permitida a
flexibilização de certos direitos fundamentais (reunião, sigilos, etc) nos exatos e
restritos termos ali previstos, não se podendo ampliar a interpretação restritiva de
direitos fundamentais para mais do que literalmente previsto na Constituição. 9

Por conseguinte, foi ajuizada a ADI 6342 pelo Partido Democrático Trabalhista,
atacando determinados dispositivos da medida supracitada, porém sendo indeferida em poder
do relator Marco Aurélio, invocando o manto da liberdade do prestador de serviços, que “[...]
especialmente em época de crise, quando a fonte do próprio sustento sofre risco, há de ser
preservada, desde que não implique, como consta na cláusula final do artigo, a colocação em

de-transformacao-de-um-acordo-individual-de-reducao-de-jornada-e-salario-em-acordo-individual-de-
suspensao-do-contrato-de-trabalho-em-meio-a-pandemia-ocasionada-pelo-covid-19. Acesso em 5 de Setembro.
7
BRASIL. Medida Provisória 927. 2020. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/Mpv/mpv927.htm. Acesso em 5 de Set.
8
BRASIL.Constituição Federal. 1988. Disponível em;
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 5 de Set.
9
SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Medida Provisória 927 – Alterações Trabalhistas em Tempos de
Coronavírus #2 A Tentativa da introdução da negociação individual do contrato de trabalho. Disponível
em: http://genjuridico.com.br/2020/03/25/mp-297-contrato-de-trabalho-coronavirus/ Acesso em 5 de Set.
118

segundo plano de garantia constitucional. ”10 Destarte, me parece que a construção retórica do
Ministro reside em juízos pragmáticos alheios à contemplação adequada das prescrições
positivadas, que são imperativas e não podem tornar-se afastáveis diante de cálculos utilitários,
sob pena de ruptura do Estado Democrático de Direito. Paradigma que tem como fundamento
basilar a ideia de ruleoflaw, ou seja, um mecanismo de freios ao exercício do poder estatal, que
permeia a historiografia constitucional e ainda persiste enquanto lente de leitura mais adequada
para darmos condições de possibilidade a um ordenamento jurídico. Nessa perspectiva,
consoante valiosas constatações produzidas por Lênio Streck (2020)

Nestes mais de 30 anos da Constituição, ainda há um déficit considerável acerca do


verdadeiro papel do ruleoflaw. As faculdades de Direito colaboraram enormemente
para que o ensino do Direito viesse a ser substituído por péssimas teorias políticas do
poder. Resultado: na hora em que precisamos de resistência constitucional, o debate
é tomado por posições ideológicas, em que soçobra(ra)m as garantias constitucionais,
mormente no âmbito do processo penal. 11

Apontadas necessárias referências, cabe aqui ressaltar a proposição de uma dialética


acerca do objeto em discussão, isto é, quando há o intuito de trazer pensamento razoável que
trabalhe em vias de oposição com o que já foi apresentado para se obter uma construção mais
sólida. Dessa forma, vale discorrer a respeito da segunda medida provisória (936) e
consequentemente expor relevantes argumentos de análise, que já valem também para o cotejo
da medida anterior em certos aspectos, uma vez que as duas compartilham disposições
semelhantes.

Nesse sentido, a medida complementar 936 (convertida na lei 14.020, entrando em


vigor em 7 de julho de 2020), ingressou em 1º de abril ao ordenamento, instituindo o Programa
Emergencial de Manutenção do Emprego e da Rendaeassim como a primeira, dispôs sobre
medidas trabalhistas complementares para combate do estado de calamidade pública
reconhecido pelo decreto de 6 de março de 2020. 12A norma mantém as prescrições da medida
anterior e acaba acrescentando a redução proporcional do salário e a suspensão do contrato

10
MELLO, Marco Aurélio. Ação Direta de Inconstitucionalidade 6342. 2020. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6342liminar.pdf> Acesso em 6 de set. de 2020.
11
STRECK, Lenio Luiz. Uma Ode à Jurisdição Constitucional. 2020. Disponível em:
https://estadodaarte.estadao.com.br/streck-ode-jurisdicao-constitucional/. Acesso em 6 de Set.
12
CERDEIRA, Eduardo de Oliveira, et al.Op cit.
119

de trabalho. Destarte, tal positivação normativa provocou discussão ensejada em sede da


ADI 6363, que questionou sua constitucionalidade.

Assim, em entendimento percebido como afrontador ao artigo 7º, VI, da Constituição,


o relator, Ministro Ricardo Lewandowski, concedeu liminar monocrática expressando
decisão do STF ao deferir em parte a cautelar, para dar ao § 4º, do art. 11 da Medida
Provisória 936/20, interpretação conforme a Constituição. 13Em suma, o mesmo determinou
“ [...]que os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão
temporária de contrato de trabalho devem ser comunicados aos sindicatos de trabalhadores em
até 10 dias para que se manifestem sobre sua validade. [...]”14. Com efeito, temos ao menos a
presença dos sindicatos para chancelarem tais acordos, que nessas vias, a decisão se apresenta
compatível com pressupostos mínimos do que é preconizado constitucionalmente aos sindicatos
e há regramento específico para a admissibilidade das reduções frente aos acordos consoante o
poder econômico os trabalhadores:

Assim, apenas para operações envolvendo empregados com ganhos salariais até 3
(três) salários mínimos, bem como empregados ditos hiperssuficientes (art. 444,
par. único da CLT), seria possível a adesão ao sistema por acordo individual para
além do limite de 25% (vinte e cinco por cento). Para os demais casos, apenas por
meio de negociação coletiva será possível aderia às condições estabelecidas na
norma. (MIRANDA, 2020) 15

Entretanto, não há ainda garantia de que princípio da irredutibilidade salarial, esculpido


como direito fundamental, tenha sido respeitado. Esse deve ser contemplado conjuntamente a
outros princípios sedimentados no arcabouço constitucional, que sob o aporte teórico da
ponderação no caso concreto, pode forjar as condições de fechamento hermenêutico e respeito
a integridade do Direito. Nesse sentido, como explanado, a visualização de pelo menos um
conflito entre dois comandos normativos, no caso em tela, se dá a partir da necessidade de
redução salarial e da manutenção das relações de emprego. Outrossim, como revelar a
resposta correta para essa problemática? Efetivamente, devemos nos apoiar, para resolução
dessa fenomenologia jurídica, no aporte teórico do célebre Robert Alexy, como Renato Alves
Ribeiro Neto propôs na sua leitura da decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da
ADPF 132 e da ADI 4.277, que pode ser evidenciada nesses contornos

13
MIRANDA, Fernando Hugo R. A constitucionalidade da MP 936/20: A irredutibilidade salarial e a
alterabilidade contratual. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/323852/a-
constitucionalidade-da-mp-936-20-a-irredutibilidade-salarial-e-a-alterabilidade-contratual. Acesso em 6 de set.
14
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Julgamento de liminar que determina consulta a sindicato para
acordos de redução salarial continua nesta sexta (17). Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441544. Acesso em 6 de Set.
15
MIRANDA, Fernando Hugo R. op. cit.
120

A solução ótima é aquela que afeta em menor grau um dos princípios ao mesmo tempo
em que satisfaz em maior grau o outro, admitindo-se que os princípios colidentes têm
o mesmo peso abstrato [...] Se a máxima parcial da necessidade preza pela eliminação
do meio faticamente mais gravoso, a máxima parcial da ponderação em sentido estrito
faz o mesmo em relação aos meios juridicamente mais gravosos. (2015, p. 90)16

Aqui cabe apenas indicá-lo em linhas gerais para nortear a resolução da temática, já
que sua obra é de matriz robusta que exigiria um maior aprofundamento indo além das
proposições aqui ensejadas. Contudo, é possível lançar mão do que foi esboçado para inseri-
lo no campo do controle de constitucionalidade das normas debatidas. Nesse sentido, o meio
menos gravoso de entendimento da colisão de princípios seria o de adotar a permanência da
MP 936 e consequentemente da lei 14.020 no ordenamento, para aferir maior satisfação ao
princípio da continuidade da relação de emprego. Logo, o princípio da irredutibilidade dos
salários, nesse contexto, é menos atingido pois há uma série de medidas que resguardam a
reposição salarial ainda que não se respeite a reserva de convenção ou acordo coletivo. Estar
submetido a iminente ou real perda da continuidade laboral seria uma violação constitucional
de magnitude ímpar para os trabalhadores afetados, configurando assim, um dano em
proporções significativas para o bem jurídico tutelado.Como preconiza Maurício Godinho
Delgado, Ministro do TST,

À medida que se sabe que a grande maioria da população economicamente ativa, na


sociedade contemporânea ocidental (em particular em países como o Brasil),
constitui-se de pessoas que vivem apenas de seu trabalho, percebe-se a relevância do
presente princípio no Direito e sociedade atuais. (2019, p. 256)17

Outrossim, vale apenas ressaltar a existência de diálogo do caso em tela com outros
princípios como o da condição mais benéfica, inalterabilidade contratual lesiva e in dubio
prooperário que estão em jogo também, porém sua análise demandaria uma profundidade
investigativa maior.Ademais, é notório que o Alexy já reside no imaginário jurídico
brasileiro, mas o devido entendimento de sua obra mostra-se precário em alguns casos. Dessa
forma, por mais que ainda não consigamos alcançar de maneira inteligível uma racionalidade
a priori por meio das decisões judiciais, os postulados alexyanos dão segurança racional ao
direito fundamental à uma manifestação fundamentada por parte do Poder Judiciário.

16
RIBEIRO NETO, Renato Alves. A decisão do Supremo Tribunal Federal no Julgamento da ADPF 132 e
da ADI 4277 à luz da Teoria de Robert Alexy. Mestrado em Direito pela Universidade Federal de Minas
Gerais. p. 90. 2015
17
DELGADO, Mauricio Godinho.Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. p. 256.18. ed.— São Paulo: LTr,
2019.
121

Aponta Diego Brito Cardoso (2016, p. 153) que a grande valia da aplicação da
ponderação e do princípio da proporcionalidade é conferir alguma racionalidade à decisão
em sede jurisdicional, perfectibilizando qual direito acaba prevalecendo no caso concreto e
evitando assim, na medida do possível, solipsismos e discricionariedades judiciais. 18

CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, há de reconhecer um avançado aporte epistêmico na doutrina de Alexy


para cotejar os conflitos de direitos fundamentais aos casos concretos e difíceis. Assim como sustentar
que o seu quadro teórico exige uma maior investigação e as explorações aqui ensejadas apenas se
debruçam para o apresentá-lo como via de segurança racional. Dito isso, há de reconhecer a adequação
constitucional de manter tais institutos normativos discutidos com intuito de evitar violação mais
gravosa da principiologia trabalhista brasileira. Assegurando nesses moldes, o núcleo preponderante nas
relações de trabalho em meio a pandemia, que é sua continuidade e manutenção, visto que demissões
desencadeariam a fragilização de vários dispositivos contidos no bojo constitucional.

Todavia, devemos repudiar que as práticas supostamente ditas conformes à Lei Maior se
engendrem por meio de fatos não jurídicos, ou seja, tornar a decisão judicial um mero exercício de
filosofia moral à luz de consequencialismos. Então, é imprescindível a defenda da autonomia do direito
diante de juízos que pretendem corrigi-lo. Fenômenos que logo corroem o conceito de ruleoflaw e o
devido processo legal no arcabouço do Estado Democrático de Direito, confundindo a operação jurídica
com a política, economia, etc.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição Federal. 1988. Disponível em;


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 5 de Set.

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm. Acesso em 5 de
Set.

CARDOSO, Diego Brito. Colisão de Direitos Fundamentais, Ponderação e Proporcionalidade


na Visão de Robert Alexy in: Revista Constituição e Garantia de Direitos. p. 153. 2016.

18
CARDOSO, Diego Brito. Colisão de Direitos Fundamentais, Ponderação e Proporcionalidade na Visão de
Robert Alexy in Revista Constituição e Garantia de Direitos.p. 153. 2016.
122

CERDEIRA, Eduardo de Oliveira, et al. Da possibilidade de transformação de um acordo


individual de redução de jornada e salário em acordo individual de suspensão do contrato de
trabalho em meio a pandemia ocasionada pelo covid-19. 2020.Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/depeso/328339/da-possibilidade-de-transformacao-de-um-
acordo-individual-de-reducao-de-jornada-e-salario-em-acordo-individual-de-suspensao-do-
contrato-de-trabalho-em-meio-a-pandemia-ocasionada-pelo-covid-19. Acesso em 5 de
Setembro.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada


conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. p.
256.18. ed.— São Paulo: LTr, 2019.

MELLO, Marco Aurélio. Ação Direta de Inconstitucionalidade 6342. 2020. Disponível


em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6342liminar.pdf> Acesso
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Ministério da Economia. Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. 2020. Disponível


em: http://pdet.mte.gov.br/images/Novo_CAGED/Jul2020/1-sumarioexecutivo.pdf Acesso em
3 de Setembro.

MIRANDA, Fernando Hugo R. A constitucionalidade da MP 936/20: A irredutibilidade salarial


e a alterabilidade contratual. 2020. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/depeso/323852/a-constitucionalidade-da-mp-936-20-a-
irredutibilidade-salarial-e-a-alterabilidade-contratual. Acesso em 6 de setembro.

RIBEIRO NETO, Renato Alves. A decisão do Supremo Tribunal Federal no Julgamento da


ADPF 132 e da ADI 4277 à luz da Teoria de Robert Alexy. Mestrado em Direito pela
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RODAS, João Grandino. Mudanças no Direito do Trabalho brasileiro em decorrência da


Covid-19. 2020.Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-21/olhar-economico-
mudancas-direito-trabalho-decorrencia-covid-19 Acesso em 3 de set 2020.

SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Medida Provisória 927 – Alterações Trabalhistas em


Tempos de Coronavírus #2 A Tentativa da introdução da negociação individual do contrato de
trabalho. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2020/03/25/mp-297-contrato-de-trabalho-
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STRECK, Lênio Luiz. Uma Ode à Jurisdição Constitucional. 2020. Disponível em:
https://estadodaarte.estadao.com.br/streck-ode-jurisdicao-constitucional/. Acesso em 6 de Set.
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Julgamento de liminar que determina consulta a


sindicato para acordos de redução salarial continua nesta sexta (17). Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441544. Acesso em 6 de
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123

TOSTES, Laura Ferreira Diamantino. O que Veio pra Ficar? O Direito do Trabalho e a Covid-
19. 2020. Disponível em: https://www.otempo.com.br/opiniao/artigos/o-que-veio-para-ficar-
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Justiça do Trabalho em todo o Brasil. 2020.Disponível em: http://www.tst.jus.br/-/tst-atualiza-
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justi%C3%A7a-do-trabalho-em-todo-o-brasil Acesso em 4 de Set 2020.
124

A REALIDADE DO TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO


DIANTE DO CONTEXTO ATUAL DE PANDEMIA DA COVID-19

Giuseppe Bachini1
Sandy Barbosa2

RESUMO
O presente trabalho constitui-se em um estudo de caráter teórico, com uma abordagem
qualitativa, realizada por meio de revisão bibliográfica. Tendo como objetivo principal, analisar
e refletir sobre a categoria das trabalhadoras domésticas, no Brasil, onde sempre estiveram em
condições de vulnerabilidade e sem proteção, situação que se agrava ainda mais diante da crise
sanitária da covid-19 que vem sendo vivenciada pelo mundo. A posição das trabalhadoras
domésticas necessita cada vez mais de atenção e cuidado por parte da legislação e também da
coletividade. Em tempos de pandemia, estas mulheres seguem sendo responsáveis pelo cuidado
da residência e família de seus empregadores, se encontrando na linha de frente, e expondo a
sua saúde e de sua família. Por outro lado, muitas trabalhadoras que não possuem carteira
assinada ficam à mercê da própria sorte, sem trabalho e sem remuneração. Diante dessa
situação, se torna importante a discussão acerca do lugar ocupado por elas na sociedade, a
precarização dessas relações de trabalhos, bem como a essencialidade do trabalho delas para na
vida das pessoas. Ressalta-se que este artigo irá se limitar a tratar sobre o gênero feminino visto
o trabalho doméstico é majoritariamente ocupado por mulheres e também porque para que seja
possível desconstruir a ideia do trabalho doméstico como um atributo feminino, se faz
necessário, por primeiro, reconhecer os obstáculos enfrentados para emancipação das mulheres.
Os resultados deste estudo, encontram-se no decorrer deste trabalho.

Palavras-chave: Trabalho doméstico. Mulheres. Pandemia. Relações de Trabalho.


Vulnerabilidade

ABSTRACT

The present work consists of a theoretical study, with a qualitative approach, carried out
through bibliographic review. Having as main objective, to analyze and reflect on the category
of domestic workers, in Brazil, where they have always been in conditions of vulnerability and
without protection, a situation that worsens even more in the face of the health crisis of the
covid-19 that is being experienced by the world. The position of domestic workers increasingly
needs attention and care from the law and also from the community. In times of pandemic, these
women continue to be responsible for the care of their employers' homes and families, meeting
on the front lines, and exposing their health and that of their families. On the other hand, many

1
Professor de Direito no Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Sul-Riograndense
Mestre em Educação – IPB/ Portugal - Especialista em Direito Notarial e Registral e em Docência e Educação.
Advogado no Rio Grande do Sul – OAB/RS 114.386. E-mail giuseppebachini@hotmail.com
2
Advogada no Rio Grande do Sul – OAB/RS 107.885 – Especialista em Direito do Trabalho e Processo do
Trabalho. E-mail sandybarbosa_@hotmail.com
125

workers who do not have a formal contract are at the mercy of their own luck, without work
and without remuneration. In view of this situation, it is important to discuss the place they
occupy in society, the precariousness of these work relationships, as well as the essentiality of
their work in people's lives. It is noteworthy that this article will be limited to dealing with the
female gender since domestic work is mostly occupied by women and also because, in order to
deconstruct the idea of domestic work as a female attribute, it is necessary, first, to recognize
the obstacles faced for women's emancipation. The results of this study are found in the course
of this work.

Key words: Housework. Women. Pandemic. Work relationships. Vulnerability

1. INTRODUÇÃO

O ano de 2020 é sem dúvida, um ano diferente, e será sempre lembrado pela pandemia,
causada pelo Coronavírus - COVID-19. Segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS, uma
pandemia é a disseminação mundial de uma nova doença. É um termo usado com mais
frequência em referência à gripe e geralmente indica que uma epidemia se espalhou para dois
ou mais continentes com transmissão sustentada de pessoa para pessoa.

No Brasil a pandemia chegou no mês de fevereiro, e desde então vem afetando


diretamente a estrutura e o funcionamento da sociedade brasileira.Pela primeira vez na história
do país foi decretado estado de calamidade pública em âmbito nacional. Os impactos são nas
mais diversas áreas.Por consequência, a recessão econômica atingiu os empregos, causando a
precarização do trabalho, com enorme repercussão no Direito do Trabalho.

A pandemia atingiu a todos, chegando com surpresa, e mostrando o total despreparo,


seja da população, seja dos nossos governantes e/ou até mesmo das nossas normas. Na relação
do trabalho não foi diferente, houveram muitas mudanças, surgiram muitas dúvidas entre os
direitos e deveres do empregado e empregador. Nesse sentido, as ocupações no mercado de
trabalho mais atingidas pelos efeitos da pandemia foram o emprego doméstico, isto por que é
caracterizado pela ocupação destes postos pelas mulheres, com alto nível de informalidade,
baixa remuneração e uma total desproteção social e sindical.

Diante disso, montamos de forma fracionada no desenvolvimento deste artigo,


explicações para uma fácil compreensão do tema. Mostrando que para momentos de
dificuldades é inegável a importância do conhecimento do Direito do Trabalho e suas realidades
na prática da relação do trabalho.
126

2. O TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL

O trabalho doméstico é aquele de natureza não econômica, prestado à pessoa física ou


família, no âmbito residencial destas, exercido não somente no interior do local, com funções
de limpeza, cozinha, cuidado de crianças e idosos, mas também em atividades de jardinagem,
vigilância e motorista (CALSING e ALVARENGA; p.72.)

Para que seja possível tratar o tema em questão com a relevância que lhe é pertinente, é
imprescindível que se compreenda o período escravocrata como a origem do trabalho doméstico
e consequentemente sua condição de precarização, discriminação, invisibilidade e
desvalorização (SCHÜTZ; 2019).

As escravas mulheres negras e crianças normalmente realizavam o serviço na residência


de seus senhores, limpando as casas, cozinhando, faziam companhia as demais mulheres e, por
muitas vezes, ainda deveriam se submeter à relações sexuais pelos proprietários das fazendas
ou seus filhos (CALVET; 2013, p.1).

Assim, resta fácil perceber que o trabalho doméstico desde suas raízes fora ocupado por
mulheres em predominância sobre os homens, e esta divisão sexual do trabalho predomina até
os dias de hoje, apesar da grande evolução referente a emancipação feminina (CALVET;2013,
p.1).

Apesar da Lei complementar nº 150, de 1º de junho de 2015, que dispõe acerca do


contrato de trabalho doméstico, a falta de regularização e garantia de direitos está longe de ser
superada (DUARTE; 2020, p.3).

Mais de 70% das que desempenham nessa atividade estão na informalidade é o que
aponta os dados do IBGE sobre o perfil das trabalhadoras domésticas divulgados em 2018.
Ainda segundo o Instituto, desde outubro de 2015, quando passou a ser obrigatório o
recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), as domésticas sem carteira
assinada passaram de 4,2 milhões para 4,4 milhões (DUARTE; 2020, p.3).

Por todo esse contexto histórico é que se tornou mais difícil a transformação da visão
de exploração histórica e do posicionamento do princípio de que o Estado e o/a empregador
devem garantir os direitos trabalhistas no contrato doméstico, assim como o fazem com os
127

outros tipos de trabalho, assegurando um trabalho decente, tendo sido extremamente tardia a
regulamentação do trabalho doméstico no Brasil, e ainda não plenamente eficaz.

3. A REGULAMENTAÇÃO TARDIA

Em âmbito constitucional, somente em 2013 que houve menção específica à categoria


doméstica, com a Emenda 72, que alterou o parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal
e estendeu aos trabalhadores domésticos os mesmos direitos já conferidos aos trabalhadores
urbanos e rurais. Dentre eles, proteção do salário, segurança do trabalho, jornada máxima de
trabalho, horas extras, FGTS obrigatório, entre outros cuja regulamentação ocorreu em 2015,
com a Lei Complementar 150.

Antes disso, em 2011, foi definida a adoção de um instrumento internacional de proteção


ao trabalho doméstico na forma de Convenção, pela Organização Internacional do Trabalho,
que teve como vetor fundamental o princípio da dignidade da pessoa humana, e atentava:

O trabalho doméstico é um tema que apresenta grandes desafios do ponto de vista da


ação pública e da organização de atores sociais. Sua complexidade é colocada em
função de suas características peculiares, de seu papel na estruturação do mercado de
trabalho, bem como de seu entrelaçamento com aspectos fundamentais da organização
social e das desigualdades de gênero e raça, como a divisão sexual do trabalho e a
desvalorização do trabalho reprodutivo. Trabalhadoras/es domésticas/os sofrem
sistematicamente com o desrespeito aos direitos humanos e aos direitos fundamentais
no trabalho. As trabalhadoras/es domésticas/os seguem, portanto, sendo vítimas
frequentes de violação dos direitos humanos e dos direitos fundamentais no trabalho,
como o trabalho forçado, o trabalho infantil e a discriminação. O trabalho doméstico
é uma das atividades para as quais a noção de trabalho decentes tem especial
importância e, considerando as discriminações de gênero e raça envolvidas, tem
estreita relação com a questão mais ampla da igualdade de oportunidades e tratamento
no mundo do trabalho.

Este instrumento traz uma gama de direitos aos domésticos, visando garantir-lhes um
trabalho decente, igualando-os às demais relações de emprego. (FILHO e RIBEIRO, 2016, p.3).

Assim, é possível apontar que no Brasil, as conquistas trabalhistas mais relevantes


contraditoriamente não vieram com a Constituição Cidadã de 1988, mas somente após a EC
72/2013, regulamentada pela Lei Complementar 150/2015 (FILHO e RIBEIRO, 2016, p.3).

No entanto, impende salientar que essa última regulamentação não trouxe inovações,
somente deixou de tratar os empregados domésticos como subclasse, mesmo que apenas
formalmente.
128

Em 2017, houve a publicação da Lei 13.467/2017 que trouxe a reforma trabalhista, mas
não apresentou grandes alterações à categoria das domésticas uma vez que muitas das
novidades advindas da lei mencionada já estavam previstas na Lei Complementar 150/2015,
tais como jornada de trabalho 12x36, parcelamento de férias, não obrigatoriedade no pagamento
anual da contribuição sindical, possibilidade de redução do descanso diário para 30 minutos,
prestação de serviços como diarista de uma forma permanente em uma residência e a não
exigência de homologação de rescisão dos empregados domésticos com mais de 12 meses de
carteira assinada no sindicato de sua categoria (SOUTO, 2018).

Conforme explanado no tópico anterior, certamente o período marcado pela cultura de


exploração e segregação influenciou na demora de uma regulamentação mais homogênea,
quando comparada as demais legislações referentes a outras relações laborais. No entanto, a
partir das normas elencadas acima, verifica-se um grande avanço legislativo e jurídico para
esses trabalhadores que até então sofriam absurda lacuna nesse quesito (FILHO e RIBEIRO,
2016, p.24).

Porém, de todo modo, a cultura do servilismo ainda persiste. Em suas palavras:

Dados estatísticos atuais mostram que praticamente um terço da população desses


emprega dos ainda laboram sem a carteira assinada, evidenciando uma realidade com
forte herança de patrões acostumados ao servilismo dos seus subordinados. Estes, por
sua vez, ficam inertes ante o vínculo de dependência econômica e o laço de afetividade
que mantêm com seus empregadores, obstando a denúncia das ilegalidades que
sofrem no ambiente de trabalho. Acrescente-se a isso a falta de organização sindical
desses trabalhadores e a dificuldade de fiscalização in loco por parte dos agentes
fiscais (FILHO e RIBEIRO, 2016, p.24).

Além de tratar-se de uma regulamentação normativa tardia, inegável que há uma série
de dificuldades para a efetivação de direitos trabalhistas básicos no cotidiano. Conforme
apontamentos do DIEESE, as relações de trabalho desse segmento ainda se caracterizam por
serem precárias e instáveis, com parcelas importantes de trabalhadoras sujeitas a intensas e
desgastantes jornadas de trabalho, baixa remuneração e ausência de proteção da Previdência
Social (2019, p.1).

4. PERFIL, GÊNERO E RAÇA

A partir do que já foi explanado, resta claro que o trabalho doméstico trata-se de um resquício
colonial, vez que ocupado predominantemente por mulheres, de classe social baixa, e em sua maioria
129

negras, que historicamente foram - e ainda são -, invisibilizadas na sociedade (livro Olga pagina
134).

Nesse sentido, é possível perceber a nítida existência de um perfil específico para essa classe
trabalhadora, o qual está intrinsecamente ligado ao processo histórico e a discriminação racial.

Dessa forma, importa salientar que em se tratando de mulheres negras, quando se pensa em
acesso e valorização no mercado de trabalho, existem suas peculiaridades, sendo a questão da raça
uma variável que agrava ainda mais a sua vulnerabilidade, sendo impossível generalizar, sem
reconhecer estas especificidades e discuti-las.

Mircha e outras pensam que:

Por isso, é importante entender as articulações de gênero, classe e raça que estruturam as
realidades dessa ocupação. Uma das características do trabalho doméstico remunerado é o
elevado grau de informalidade, que conecta a atualidade da profissão com suas raízes
escravocratas. Isso ajuda, ainda, a explicar o desprestígio desse trabalho na esfera civil e
jurídica, ainda que haja avanços (2020, p.2).

De acordo com o DIEESE as crises econômicas que repercutem sobre o mercado de trabalho,
atingem as diferentes classes sociais, gêneros, raças e grupos ocupacionais de diferentes formas, e
tal fato ocorre justamente por ser a sociedade brasileira estruturada a partir de desigualdades
presentes nessas dimensões. Assim, as mulheres que ocupam esses grupos de minoria, sofrem as
conseqüências de maneira mais acentuada (DIEESE, 2020).

Lembrando ainda que além de realizarem os afazeres domésticos na residência de seus


empregadores, elas também são responsáveis pelo cuidado de sua família e de sua moradia,
enfrentando por longas e excessivas horas a jornada doméstica:

Em decorrência da sua boa condição socioeconômica, algumas mulheres conseguem


contratar a mão-de-obra de outras mulheres para assumirem esses serviços de cuidados. As
contratadas, em geral, são mulheres economicamente marginalizadas, que, por essa razão,
são também socialmente marginalizadas, situadas na base da pirâmide socioeconômica.
Essas mulheres acabam trabalhando de 18 a 20 horas por dia, cuidando primeiramente de
suas famílias e, depois, das famílias e necessidades das patroas. É isso que eu chamo de
subordinação estrutural, a confluência entre gênero, classe, globalização e raça
(CRENSHAW, 2004, p. 13-14).

Além disso, conforme estudos do DIEESE, outra característica importante das mulheres que
ocupam trabalhos domésticos, é que, majoritariamente, são mulheres em faixa etária mais avançada,
fato que contribui ainda mais quando se pensa em risco para os efeitos do coronavírus. Os estudiosos
esclarecem, no entanto, que este perfil é recente, porquanto na década de 1990 o contexto do trabalho
130

doméstico se dava como uma oportunidade de ingresso no mercado de trabalho, sobretudo para as
mulheres jovens (2020,p.9).

Também deve ser observada a natureza do serviço doméstico, o qual eleva sua posição de
vulnerabilidade diante do vírus.

Conforme Vieceli, Furno e Horn:

As transformações econômicas e sociais ocorridas a partir do final do século passado


impactaram fortemente no perfil das empregadas domésticas, ocasionando mudanças que
acompanharam a redução na importância relativa dessa ocupação para a inserção da mulher
no mercado de trabalho. Assim, no que se refere à configuração por raça/cor, revelou-se um
crescimento relativo das mulheres negras, aumentando seu viés de participação em relação
ao início dos anos 1990, ainda que tenha diminuído a importância desta atividade para a
população feminina negra ocupada. Em outras palavras, houve um aumento na participação
da mulher negra na estrutura do emprego doméstico, mas diminuiu a importância relativa
desse emprego como gerador de renda para as trabalhadoras negras.6 Esta mudança foi
acompanhada por um rápido envelhecimento das domésticas, o qual se deu em ritmo
superior ao da População Economicamente Ativa, com tendência ao desaparecimento da
ocupação na faixa abaixo de 24 anos e concentração na faixa acima de 40 anos. Em paralelo,
houve um aumento na participação das mulheres chefes de família e uma drástica redução
no grupo de “outras”, o qual reúne, sobretudo, as domésticas que moram no domicílio em
que trabalham. Por fim, ainda dentre as principais mudanças, o crescimento nos níveis de
escolaridade das empregadas resultou numa diminuição acentuada do contingente sem
qualquer nível de instrução formal ou apenas com ensino fundamental incompleto.

Ademais, estudos do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socieconômicos


destacam que embora as mulheres que laboram no emprego doméstico tenham escolaridade média
inferior à do contingente feminino ocupado, seu nível de instrução tem se elevado ao longo do tempo.
Em 2012, 26,8% dessas mulheres tinham nível médio completo ou superior incompleto; em 2018,
esse percentual se elevou para 36,0%. Mesmo com as constantes melhorias no nível de escolaridade,
a parcela de empregadas domésticas que tem apenas o nível fundamental incompleto ainda é
significativa, 32,9%. Ainda salientam que as trabalhadoras domésticas que possuem formalização e
carteira assinada têm nível de instrução um pouco mais elevado que o da média das empregadas
domésticas (2019,p.5).

Portanto, todas essas características tratadas acima que compõe um perfil específico para as
mulheres que ocupam essa atividade é capaz de demonstrar a existência de desigualdades sociais,
raciais, de gênero, que tem sua origem no período escravocrata e colonial.
131

5. DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO

Conforme já explanado anteriormente, a ideia de divisão sexual do trabalho que tem sua
origem lá no passado ainda persiste na estrutura societária brasileira, dessa forma é essencial
uma análise dessa divisão social e sexual para a compreensão do contexto no qual está inserida
a mulher marginalizada.

A quarentena tem sido o lugar de reaparecimento (também forçado) do papel tradicional


do gênero/sexo feminino. É certo que para muitas– mulheres – o trabalho doméstico não é um
episódio apenas da quarentena, mas esta possibilitou com que as pessoas passassem a pensar e
enxergar esse trabalho indispensável e invisível, no que se refere às relações de mercado. De
fato, nós, mulheres, estamos (como usem habilidades) vivenciando o trabalho doméstico sem
intermitência (DUARTE, 2020, p.1).

Nas palavras de Mircha e outras:

No Brasil, historicamente, os trabalhos domésticos são construídos e reforçados como


responsabilidade das mulheres, independentemente da sua situação social e de sua
posição na família. O emprego doméstico segue sendo uma ocupação tipicamente
feminina e absorve importante parcela das mulheres ocupadas. No quarto trimestre do
ano de 2019, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua Trimestral (PNADCT/IBGE), as mulheres representavam
92,4% de um universo de 6,3 milhões de profissionais do trabalho doméstico (razão
pela qual usamos o gênero feminino para nos referirmos a esse trabalho ao longo do
texto). Além disso, o peso desta ocupação no conjunto da força de trabalho feminina
representava cerca de 14% do total, correspondendo ao segundo grupo de atividade
mais frequente entre as mulheres que estavam no mercado de trabalho brasileiro
(2020, p.2).

Silvia Federice, em sua obra sobre o trabalho doméstico relata que ele não só tem sido
imposto às mulheres como também “foi transformado em um atributo natural da psique e da
personalidade femininas, uma necessidade interna, uma aspiração, supostamente vinda das
profundezas da nossa natureza feminina.” No entanto, esclarece que não existe nada natural
em ser dona de casa, tanto que são necessários pelo menos 20 anos de treinamentos por uma
mãe não remunerada para prepará-la para este papel.

Mircha e outras entendem que a importância do trabalho doméstico no Brasil não é uma
novidade, e citam artigo publicado por Cristina Bruschini e Maria Rosa Lombardi nos anos
2000, no qual elas articulam o trabalho doméstico remuneração e não remunerado por meio de
delegação entre mulheres e relatam que existem três posições: a das mulheres brancas e de
132

classes médias e altas, que delegam (total ou parcialmente) a execução do trabalho doméstico
às trabalhadoras domésticas e, em vista disso, dispõe de tempo para a inserção nas “boas
ocupações”, por outro lado, existem as mulheres negras, que ocupam trabalhos precários e
encarando a falta de condições e por fim, um terceiro sujeito, que é homem, ocupando um papel
oculto, exercendo sua irresponsabilidade privilegiada, ante a ausência de reorganização das
responsabilidades familiares entre homens e mulheres (Mircha e outras, 2020, p.2).

6. OS IMPACTOS DA COVID-19 NAS RELAÇÕES DE TRABALHO DOMÉSTICAS

Para o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, em razão


do contexto e pelo fato das relações de trabalho doméstico se darem no domicílio dos
empregadores, essa ocupação tem como realidade altos índices de informalidade, salários
baixos e ausência de proteção social e sindical. Tal fato acentua ainda mais os reflexos da
Covid-19 nessa categoria de trabalho, fazendo com que sejam uma das principais classes
atingidas pelo vírus (DIEESE, 2020, p.1).

Além dessas particularidades, a pandemia ainda acarretou em grandes mudanças no


modo como as pessoas realizam as atividades voltadas aos trabalhos reprodutivos, visto seu alto
nível de contágio, o qual exige isolamento das famílias em seus domicílios. Também, ocasionou
a suspensão das aulas, fazendo com que as crianças se mantenham em suas residências, e isso
resultou numa intensificação dos afazeres domésticos, sobrecarregando as mulheres que
trabalham como domésticas (DIEESE, 2020, p.1).

Para Pinheiro e outros, que apresentaram dados das primeiras mortes ocorridas em razão
do Covid-19, identificando a camada da população menos favorecidas como mais atingidas,
não é coincidência que o vírus tenha entrado no Brasil através dos grupos de renda alta, que
possuem recursos para viajarem para o exterior, e por outro lado, que as primeiras mortes
tenham sido de trabalhadores que ocupam posições precárias, pouco reconhecidas e valorizadas
e que prestam serviços relacionados aos cuidados aquela primeira parcela da população (2020,
p.7).

No que diz respeito à posição de vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas, é


possível perceber duas situações que trazem enorme prejuízo à elas, por ocasião da pandemia
do Coronavírus. A primeira delas que reflete o contexto das empregadas que seguiram
133

trabalhando mesmo em meio ao aos, e correndo risco de contágio ao se expor diariamente,


desde o momento em que se deslocam para o local de trabalho – grande maioria por meio de
transporte coletivo – até o contato com crianças e/ou idosos que cuidam, além de objetos
pessoais na residência que exercem atividades, bem como, no caso de muitas trabalhadoras que
necessitaram se manter por período indeterminado na casa de seus empregadores, sem retorno
diário (DIEESE, 2020, p.2).

De outra banda, houveram muitas demissões dentro destes meses de isolamento,


porquanto muitos empregadores, não tiveram condições de manter os contratos de trabalho em
vigor, por questões financeiras, e ainda, em muitas situações pelo medo de contaminação
(DIEESE, 2020, p.2).

Nesse sentido, Mircha e outras pensam que o distanciamento social, que foi praticado
para diminuir o contágio e proliferação do vírus, provocou no aumento considerável do trabalho
doméstico, vez que o cenário demandou uma nova rotina e com o maior tempo de permanência
dentro de casa resulta em mais refeições e necessidade de limpeza (2020, p.3).

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muito embora cada vez mais venha sendo superada a realidade das empregadas
domésticas brasileiras, se comparada com as últimas décadas - em questão de acesso ao
mercado de trabalho houve significativo aumento de formalização e ampliação de direitos – a
informalidade ainda é expressiva e preocupante, sobretudo em relação as trabalhadoras
domésticas negras (que contabilizam a maioria), com salários mais baixos e sofrendo situações
de desrespeito e discriminação, o que é evidenciado nas demandas judiciais trabalhistas. E nesta
longa história de exclusão e precariedade trabalhista, as empregadas domésticas são as que
maissofrem com os efeitos econômicos da pandemia.

A partir dessa reflexão impende ressaltar que o trabalho doméstico é fundamental para
a reprodução social e sustentabilidade humana, e devido a pandemia esse fato ficou ainda mais
evidente.

Diante disso, é indiscutível a importância de dar voz às reivindicações feministas para


que o trabalho doméstico seja respeitado e tratado de acordo com seu papel de essencialidade
134

na vida das pessoas, bem como se faz necessário ressaltar o papel de toda a sociedade no esforço
conjunto de conter a disseminação da doença (COVID-19), respeitando-se os direitos das
trabalhadoras e trabalhadores domésticos.

Posto isso, é notório que as discussões e alternativas trazidas por este artigo, visam dar
efetividade à proteção do emprego e renda, diante do estado de calamidade declarado no Brasil,
bem como garantir a total proteção das trabalhadoras domésticas.

PRINCIPAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Faculdade de Direito da Universidade de Brasília – Brasília-DF, 2014.

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Disponível em <ocplayer.com. br/1039655-Titulo- -cartilha-pec-das-domesticas-direitos-e-
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E.;MANDALOZZO, S. S. N. Trabalho doméstico: teoria e prática da Emenda Constitucional
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CRENSHAW, Kimberle W. A intersecionalidade entre na Discriminação de Raça e Gênero.


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135

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do Centro de Ciências Jurídicas daUniversidade Federal de Santa Catarina. SC, 2019.

SOUTO, P. A reforma trabalhista e a lei das domésticas. Disponível em:


<http://www.direitodomestico.com.br. Acesso em Setembro 2020.
136

DIREITO DO TRABALHO E(M) CRISE: REPENSAR AS RESPOSTAS


PARA UM NOVO CENÁRIO A PARTIR DA PANDEMIA DE COVID-19

Guilherme Wünsch1

Pedro Guilherme Beier Schneider2

RESUMO
O presente artigo tem como tema as transformações do mundo do trabalho. O âmbito
laboral tem encarado um complexo processo de mudanças, influenciado principalmente por
inovações tecnológicas e econômicas, suscitando o debate sobre inúmeras situações pertinentes
ao Direito do Trabalho, como, por exemplo, as novas formas de trabalho, teletrabalho e
inteligência artificial. Tal processo sofreu forte aceleração com a pandemia de Covid-19,
explicitando ou acirrando as questões que já se colocavam, o que demanda a formulação de
respostas por parte do juslaboralismo. Diante disso, em um olhar para o presente, mas também
para o futuro do trabalho, conclui-se pela necessidade de um exercício de adaptação do Direito
do Trabalho frente às novas realidades laborais, que forneça soluções adequadas aos problemas
que se apresentam e resgate a centralidade do ser humano.
Palavras-chave: Trabalho. Pandemia.Tecnologia. Futuro do Trabalho. Centralidade
humana.

1 INTRODUÇÃO

O período de complexas e profundas transformações pelo qual passa a sociedade,


comprovado a partir de um olhar para o dia a dia atual, tem implicado em câmbios de caráter
estrutural, os quais ocorrem em alta velocidade e remodelam concepções que, por muito tempo,
vigoraram e pareciam inalteráveis.

O mundo do trabalho, nesse sentido, é um dos principais focos de tais mudanças. São
incontáveis os aspectos que têm sido atingidos pela força do desenvolvimento econômico e
tecnológico, benéfica ou prejudicialmente, de modo que o cenário considerado tradicional se

1
Pós-Doutor em Direito pela PUCRS. Doutor em Direito pela UNISINOS. Chief Scientific Officer e Chief
Creative Officer do Instituto WorkAb. Professor do PPGD e da Graduação em Direito da UNISINOS. Titular da
Cadeira nº. 26 da ASRDT. Advogado (OAB/RS 76.863). E-mail: profguilherme.unisinos@yahoo.com.br
2
Bacharel em Direito pela Unisinos. Assistente Jurídico no Calisto Schneider Sociedade Individual de Advocacia.
E-mail: pedrosb_schneider@hotmail.com.
137

encontra em um processo gradual de perda de predomínio em relação às novas relações de


trabalho e formas de organização que se apresentam.

Esse contexto de metamorfoses que, portanto, já estava em curso, foi abruptamente


acelerado pela pandemia de COVID-19, expondo e agravando situações que já se faziam
presentes no mundo do trabalho. Novas formas de relações de trabalho, desemprego,
teletrabalho, utilização de ferramentas de automação e inteligência artificial, futuro do trabalho.
Tais pontos, assim como muitas outros, apesar de já serem alvo de debates e estudos, ganharam
ainda mais relevância no dia a dia do ambiente laboral, demandando a elaboração de soluções
por parte do Direito do Trabalho para as questões que eles despertam.

Nesse sentido, observado o cenário de transformações enfrentado pelo mundo do


trabalho e impulsionado pela pandemia global, o presente artigo pretende analisar como o
Direito do Trabalho pode se adaptar e, assim, oferecer respostas aos desafios que se apresentam.
A pesquisa é construída a partir do método fenomenológico-hermenêutico e possui matriz
teórica, sendo desenvolvida, fundamentalmente, por meio de revisão bibliográfica.

2 UM NOVO PRISMA PARA AS RELAÇÕES TRABALHISTAS PROVOCADO PELA


PANDEMIA DE COVID-19: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A
MANUTENÇÃO DE UM OLHAR SUSTENTÁVEL E ÉTICO PARA AS RELAÇÕES
DE TRABALHO

Pilares que sustentaram e fundamentaram o sistema laboral por muito tempo


experimentam, atualmente, provações que colocam em xeque sua validade em um ambiente
mais flexível, rápido, tecnológico e conectado, mas, sobretudo, diferente daquele observado
quando de sua elaboração. As ideias de trabalho e das relações de trabalho construídas a partir
da Revolução Industrial, e consolidadas até hoje, enfrentam o seu mais difícil desafio. O próprio
trabalhador mudou, e, junto a ele, os sentidos atribuídos ao trabalho e os objetivos nele
almejados. A sociedade atual, portanto, está em um momento de desconstrução de concepções
e ruptura de paradigmas.

Esse conjunto de transformações que já permeava o mundo do trabalho encontrou na


pandemia ocasionada pelo COVID-19 um significativo acelerador, na medida em que desnudou
(para aqueles que não os viam) ou reforçou muitos pontos que se inseriam nesse complexo de
mudanças em andamento e de alguma forma já possuíam relevância no âmbito laboral.
138

O caso da relação de emprego é paradigmático nesse debate. Tida como a relação de


trabalho “modelo” do sistema capitalista desde a Primeira Revolução Industrial, tal modalidade
tem ocupado, por muito tempo, um lugar de destaque, como o padrão a ser observado. Assim,
tendo a relação de emprego como parâmetro, a sociedade se organizou economicamente,
juridicamente e, até mesmo, socialmente.

No entanto, os tempos mudaram e o cenário, hoje, é outro. A relação de emprego,


considerada como aquela subordinada, pessoal, onerosa, não eventual e prestada por pessoa
física, nos termos da legislação3 e da doutrina brasileira,4 enfrenta grave crise, cuja motivação
decorre, especialmente, das políticas econômicas prevalentes. Não se deixa de lado, entretanto,
que também contribuem para esse cenário um certo descompasso daquela para com a
“liquidez”5 da sociedade e da vida contemporânea e a lógica de algumas das novas tecnologias
da informação e da comunicação introduzidas nos modos de produção e de serviços, como, por
exemplo, aquelas visualizadas em alguns aplicativos e plataformas digitais.

A partir disso, inúmeras novas relações de trabalho “atípicas” surgem no mercado de


trabalho, passando a disputar espaço com a até então “típica” e hegemônica relação de emprego.
Não se quer dizer que anteriormente não existiam outras relações de trabalho, mas é fato que,
nos últimos tempos, tem se visto um movimento criativo nessa direção, cuja intensidade e
expansividade é inédita na história do sistema capitalista moderno.

Apesar dessa situação, ou seja, do advento de inúmeras modalidades contratuais que


destoam da relação empregatícia, o principal concorrente desta última passou a ser o trabalho
informal, o qual se afigura como regra do mercado de trabalho, em uma perspectiva global.
Segundo dados constantes de recente estudo da Organização Internacional do Trabalho, 61%
da força de trabalho mundial consiste em trabalhadores informais.6

3
“Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador,
sob a dependência deste e mediante salário.” BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a
Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, DF: Presidência da República, 1943. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acesso em: 01 jun. 2020.
4
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho.16. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2017. p. 313.
5
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
6
INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. World employment and social outlook: trends 2020 international
labour office. Geneva: ILO, 2020. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---
dcomm/---publ/documents/publication/wcms_734455.pdf. Acesso em: 01 jun. 2020.
139

É certo que nessa estatística estão incluídas relações que preenchem todos os elementos
necessários à caracterização da relação de emprego, mas que, por alguma razão, especialmente
o movimento de precarização que visa a redução de custos, carecem de formalização. Por outro
lado, não se pode desprezar a existência de um grande número de trabalhadores que, de fato,
não se enquadram nos moldes da relação de emprego, ao mesmo tempo em que se observa um
movimento de redução da quantidade de pessoas que por ela estejam abarcadas.

Sobre essa tendência de reconfiguração do cenário laboral, observa Castells que “a


forma tradicional de trabalho com base em emprego de horário integral, projetos profissionais
bem delineados e um padrão de carreira ao longo da vida estão sendo extintos de forma lenta,
mas indiscutível.”7Não se defende aqui a ocorrência de um processo de extinção da relação de
emprego ou, ainda, de que se trata de um “fóssil vivo”,8 dada sua suposta incompatibilidade
com as dinâmicas da sociedade atual e futura. Isso porque não se pode desconsiderar a
importância que ela ainda possui, uma vez que a relação de emprego é a relação de trabalho por
excelência da economia capitalista, responsável por proporcionar melhores patamares de vida
e realização das próprias atividades para ambas as partes, gerando um efeito positivo para a
sociedade como um todo. Outro estudo promovido pela OIT é claro nesse sentido,
estabelecendo que os países mais desenvolvidos economicamente possuem as menores taxas
de informalidade, o que, por consectário lógico, indica um maior nível de relações de emprego
formais.9

Assim, tem-se instaurado um cenário de diversidade laboral, com relevantes traços


tecnológicos, onde várias formas de trabalho coexistirão e, que, possivelmente, acarretará uma
diminuição da existência de relações empregatícias, nos moldes atuais. O porvir aparenta
reservar um quadro preponderante de trabalho (tarefa/atividade) e remuneração, mas não
obrigatoriamente de emprego.10

7
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Paz e Terra, 2017. (A era da
informação: economia, sociedade e cultura, v. 1). p. 334.
8
TUPINAMBA, Carolina; CUNHA, Leonardo Stocker P. da. Relação de emprego (trabalho subordinado): um
fóssil vivo do Direito do Trabalho? In: Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 208, p. 143-163, dez. 2019.
Disponível em: http://bdjur.tjdft.jus.br/xmlui/handle/tjdft/45366. Acesso em: 01 jun. 2020.
9
INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. World employment and social outlook: trends 2020 international
labour office. Geneva: ILO, 2020. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---
dcomm/---publ/documents/publication/wcms_734455.pdf. Acesso em: 01 jun. 2020. p. 35.
10
PUPO, Amanda; POMPEU, Lauriberto. No futuro haverá trabalho, mas não necessariamente emprego.In:
Estadão Infográficos. [S. l.], [2020?]. Disponível em: https://infograficos.estadao.com.br/focas/planeje-sua-
vida/no-futuro-havera-trabalho-mas-nao-necessariamente-emprego. Acesso em: 01 jun. 2020.
140

Verifica-se que as novas formas de estrutura e organização da força de trabalho possuem


fortes diferenças para com aquela consolidada até então, consistente primordialmente no
emprego clássico. Essa nova roupagem, mais flexível, informal e tecnológica, no entanto,
implica em diversos problemas, tendo em vista que esses novos modelos de relações laborais,
assim como os trabalhadores informais, encontram-se à margem do ordenamento jurídico, de
modo que os sujeitos que delas participam não possuem qualquer resguardo protetivo.

A partir desse ponto é que se constata a existência de uma outra crise, que, por sua vez,
toca ao Direito do Trabalho como disciplina. Tal situação decorre de uma união de diversos
fatores, os quais vão além da crise da relação de emprego, principal eixo de desenvolvimento
do juslaboralismo, passando também pelo intenso processo de transformação do trabalho,
liderado pelo desenvolvimento econômico e tecnológico, e pelos movimentos realizados pela
ideologia político-econômica dominante para desconstruir o Direito do Trabalho.

Leandro Dorneles, da mesma forma, compreende pela ocorrência de uma crise do


sistema juslaboral, a qual tem ligação, dentre outras razões, com as transformações sociais,
políticas e econômicas verificadas entre o período de formação da disciplina e os dias de hoje.11
Segundo o autor, esse processo faz com que se origine um certo descompasso entre os pilares
teóricos que fundamentam a disciplina em relação a diversas vicissitudes enfrentadas nos dias
de hoje, observada a diferença de contexto de concepção daqueles e de concretização das
últimas, situação que obstaculiza a produção de resoluções adequadas, ocorrendo, assim, um
déficit entre demanda/resposta.12

Assim, pode-se dizer que o Direito do Trabalho enfrenta uma crise teórica e uma prática.
A crise teórica decorre justamente do enfraquecimento das bases e conceitos sobre os quais o
Direito do Trabalho se desenvolveu como disciplina jurídica autônoma, observado o
surgimento de outros elementos que se fortaleceram e hoje ocupam o seu lugar.A crise prática,
por sua vez, apresenta-se como uma consequência da crise teórica. Tal se dá em razão da
inaplicabilidade dos institutos existentes a muitas das situações verificadas atualmente,

11
DORNELES, Leandro do Amaral D. de. Teoria geral clássica do Direito do Trabalho e Sociedade Pós-Industrial:
faces de uma crise e perspectivas para superação.In: FINCATO, Denise; VIDALETTI, Leilane Piovesani (org.).
Novas tecnologias, processo e relações de trabalhoIII. Porto Alegre: Magister, 2019. p. 105.
12
DORNELES, Leandro do Amaral D. de. Teoria geral clássica do Direito do Trabalho e Sociedade Pós-Industrial:
faces de uma crise e perspectivas para superação.In: FINCATO, Denise; VIDALETTI, Leilane Piovesani (org.).
Novas tecnologias, processo e relações de trabalhoIII. Porto Alegre: Magister, 2019. p. 105.
141

motivada por sua inadequação às novas realidades, ou até mesmo pela completa inexistência de
qualquer normatização referente a elas. A dificuldade enfrentada pelo Direito do Trabalho no
sentido de adequar e renovar suas bases teóricas frente às novas necessidades, desemboca,
portanto, na dificuldade de oferecer respostas e soluções para novas questões.

Observada a grande relevância das transformações ocorridas no trabalho, impulsionadas


pela pandemia, bem como a generalização de seus efeitos, urge a efetivação de um movimento
que proporcione novos rumos ao Direito do Trabalho, aberto, abrangente e desvencilhado de
falsas retóricas, que comumente se fazem presentes no debate juslaboral, englobando esforços
de todos os atores interessados, sejam trabalhadores, empresários, representantes do Poder
Público ou estudiosos do tema.13

Muitos são os pontos sobre os quais se impõe a realização de um amplo e profundo


debate, visando sua adaptação aos novos tempos. Reinterpretar conceitos já existentes para
conferir-lhes um significado consentâneo com as novas realidades do ambiente laboral, bem
como formular novas ideias como modo de solucionar questões, surgem como algumas
possiblidades.

Dado o aumento da informalização das relações laborais, aliado ao surgimento de novas


formas de trabalho, cumpre debater um possível alargamento do objeto principal do Direito do
Trabalho, ou seja, para além da relação de emprego, deixando de lado a lógica maniqueísta do
“tudo ou nada” que governa a tutela protetiva, sujeita à caracterização do vínculo de
emprego.14Esse é um ponto de especial relevo nesse movimento adaptativo do Direito do
Trabalho, pois, conforme observado, o contingente de trabalhadores sem qualquer tipo de
proteção aumenta dia após dia, situação que os coloca em uma posição de completa insegurança
e ausência de amparo. A vulnerabilidade pela qual se caracterizam tais obreiros e a necessidade
de algum tipo de normatização que lhes garanta direitos e condições dignas já é perceptível em
cenários considerados “normais”, mas realmente salta aos olhos em um panorama de crise,
como o causado pela pandemia de COVID-19.

13
RODRIGUES, Matheus Vinícius Aguiar; BARBOSA, Cláudio de Azevedo. O futuro do Direito do Trabalho
do futuro. In: JOTA. [S. l.], 02 jul. 2019. Disponível em: http://www.granadeiro.adv.br/clipping/2019/07/02/o-
futuro-do-direito-do-trabalho-do-futuro. Acesso em: 01 jun. 2020.
14
AMBESI, Leonardo Jesús. Tecnología, relaciones laborales y derecho del trabajo: acerca de la tensión entre la
técnica y la persona. Estudios Socio-Jurídicos, Bogotá, v. 21, n. 11, p. 245-266, 2019. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/sociojuridicos/a.7280. Acesso em: 01 jun. 2020.
142

Essa camada social encara uma existência de completo afastamento das estruturas
protetivas, de modo que seus integrantes se encontram alijados de direitos laborais e outros
mecanismos que lhes forneçam qualquer segurança e dignidade no trabalho, o que os situa,
nesse momento, em uma encruzilhada entre a peste e a fome. Tal realidade é bem compreendida
por Ricardo Antunes que alerta a pré-existência dessa situação de precariedade e exclusão
enfrentada por esses trabalhadores, mas confirma seu agravamento pelo surto viral.15Veja-se
que mesmo as medidas estatais que buscaram de alguma forma propiciar meios de subsistência
a essa gama de trabalhadores durante a crise atual, tal qual o Auxílio Emergencial instituído
pelo Governo Federal, também demonstraram uma face excludente, uma vez que categorias
como os motoristas de aplicativos tiveram seu acesso ao benefício vetado pelo Presidente da
República.16

Na mesma linha, com as facilidades conferidas pelas tecnologias da informação e da


comunicação, faz-se imperiosaa discussão acerca de questões relativas ao local e ao tempo de
trabalho, dado que tais ferramentas permitem que muitos realizem seu labor de qualquer lugar
e a qualquer momento.17 Esse ponto se reveste de extrema importância em razão de tratar,
inclusive, de aspectos relacionados à própria saúde do trabalhador e que com o distanciamento
social imposto pela pandemia passou a fazer parte da realidade laboral de uma representativa
parcela de trabalhadores por meio do teletrabalho ou outras modalidades de trabalho remoto.O
direito à desconexão que já se afigurava como uma questão de necessário debate passa a deter
uma relevância ainda maior, observado que a vida pessoal e profissional de muitos indivíduos
se tornou completamente indissociável, com a transformação da própria casa em local de
trabalho e a impossibilidade de dela sair em virtude da imposição do isolamento.

O próprio Direito Coletivo do Trabalho entra em pauta. Com uma força de trabalho mais
complexa, heterogênea e fragmentada, visualiza-se uma tendência de individualização do

15
ANTUNES, Ricardo. O vilipêndio do coronavirus e o imperativo de reinventar o mundo. In: TOSTES, Anjuli;
FILHO, Hugo Melo. Quarentena: reflexões sobre a pandemia e depois. 1. ed. Bauru: Canal 6, 2020. p. 182, 184.
Disponível em: http://editorapraxis.com.br/quarentena/ebook_quarentena_1ed_2020.pdf. Acesso em: 01 jun.
2020.
16
BOLSONARO veta auxílio para motoristas de aplicativos e mais categorias. In: Congresso em Foco, 15 mai.
2020. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/bolsonaro-veta-auxilio-para-motoristas-de-
aplicativos-e-mais-categorias/> Acesso em: 09 set. 2020.
17
MOREIRA, Teresa Coelho. Algumas questões sobre o trabalho 4.0. In: MEDEIROS, Benizete Ramos de
(coord.). O Mundo do Trabalho em movimento e as recentes alterações legislativas: um olhar luso-
brasileiro.São Paulo: LTr, 2018. p.198.
143

trabalho, dificultando sobremaneira a capacidade dos sindicatos de aglutinar sujeitos e


interesses, bem como de representá-los. O próprio modelo de organização sindical brasileiro,
ligado historicamente ao controle estatal, e que conserva ainda nos dias atuais um aspecto
burocrático, a partir de institutos como a unicidade, contribui para esses problemas. 18Não se
pode esquecer, também, o duro golpe sofrido por essas entidades, no que diz respeito ao seu
financiamento, perpetrado pela Reforma Trabalhista.19

Diante dessa pequena exemplificação, já é possível dimensionar o tamanho do desafio a


ser enfrentado pelo Direito do Trabalho. O exercício de adaptação proposto constitui peça
fundamental da própria subsistência desse ramo jurídico, sob pena de uma grave perda de
importância e até mesmo aplicabilidade frente às novas realidades.

Não se sustenta aqui que toda a construção juslaboral desenvolvida nos últimos séculos
tenha perdido sua validade ou utilidade em razão das novas facetas do mundo do trabalho, pois
muitos de seus princípios e regras ainda são de grande valia. Reafirma-se, sim, que, a partir dela,
bem como de novos institutos, promova-se uma abertura e uma adequação do Direito do
Trabalho às novas relações laborais, preservando, assim, as funções protetiva e reguladora a ele
inerentes.20

O certo é que nesse movimento de adaptação a ser realizado pelo Direito do Trabalho,
o eixo central deve ser ocupado pelo ser humano trabalhador e sua dignidade. Todo o debate,
portanto, deve ter em conta formas de valorizá-lo e salvaguardá-lo, a medida em que a estrutura
jurídica laboral contribua para sua realização e melhoria de condições de vida e de trabalho.

Considerando como ponto de partida a premissa aqui defendida e desenvolvida, no


sentido de que a sociedade se encontra em um período de grandes transformações,
consequentemente há de se concluir que se trata de um momento de muitos desafios para
diversas áreas do conhecimento, especialmente para os ramos do saber que se ocupam do

18
DORNELES, Leandro do Amaral D. de. Teoria geral clássica do Direito do Trabalho e Sociedade Pós-Industrial:
faces de uma crise e perspectivas para superação.In: FINCATO, Denise; VIDALETTI, Leilane Piovesani (org.).
Novas tecnologias, processo e relações de trabalhoIII. Porto Alegre: Magister, 2019. p. 109-110.
19
DORNELES, Leandro do Amaral D. de. Teoria geral clássica do Direito do Trabalho e Sociedade Pós-Industrial:
faces de uma crise e perspectivas para superação.In: FINCATO, Denise; VIDALETTI, Leilane Piovesani (org.).
Novas tecnologias, processo e relações de trabalhoIII. Porto Alegre: Magister, 2019. p. 109-110.
20
FELICIANO, Guilherme Guimarães; PASQUALETO, Olívia de Quintana Figueiredo. (Re)descobrindo o
Direito do Trabalho: gig economy, uberização do trabalho e outras reflexões.In: JOTA. [S. l.], 06 mai. 2019.
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/juizo-de-valor/redescobrindo-o-direito-do-
trabalho-06052019. Acesso em: 01 jun. 2020.
144

trabalho, já que tal setor concentra um conjunto de modificações em grande número e


profundidade.

Esse cenário impõe uma união de esforços transdisciplinares que envolva justamente
essas matérias que, apesar de distintas, encontram no trabalho um ponto em comum. Esse
movimento é indispensável para que, a partir da compreensão das mudanças, sejam propostos
novos caminhos para o futuro do trabalho, englobando todos os atores interessados. Portanto,
trata-se também de um momento de oportunidades.

Para tanto, o Direito do Trabalho deve realizar uma análise introspectiva, verificando,
em sua estrutura, quais os pontos que são aplicáveis à realidade atual e aqueles outros em que
se deve promover uma adaptação, ou até mesmo criação, como forma de manter um arcabouço
jurídico-normativo adequado ao quadro laboral vigente. Propõe-se, nessa esteira, uma
flexibilização do Direito do Trabalho, nos moldes do que Plá Rodriguez chamou de
“flexibilização de adaptação”,21 ou seja, um ajuste dos dogmas juslaborais no sentido de
garantir direitos e incluir situações no marco regulatório e protetivo do Direito do Trabalho.

Dessa forma, pensando o futuro do trabalho, a ampliação do Direito do Trabalho pode se


operar, diante das questões exemplificativamente colocadas, com sua expansão em direção a
outras relações que não a empregatícia, alargando seu escopo de abrangência. Como já anotado,
relações de trabalho tidas como “atípicas” compõem importante parte do cenário laboral,
carecendo de uma maior atenção por parte do juslaboralismo. Tamanho é o avanço de tais relações
laborais que há quem sustente que, caso não haja um movimento nesse sentido, o direito
trabalhista corre riscos de ficar sem um sujeito jurídico para proteger.22

O que se sugere aqui é o espraiamento da lógica regulatória e protetiva do Direito do


Trabalho para outras relações nas quais se verifique um trabalhador que não possui os caracteres
de um empregado, mas, mesmo assim, ostente uma condição de hipossuficiência, o qual, hoje,
está totalmente desamparado legalmente. Esses sujeitos, que nem de longe são “empresários”
(ou “empreendedores”, para usar a palavra da moda), encontram-se em uma situação de
vulnerabilidade perante a outra parte, prestando suas atividades, por seu próprio esforço, sem

21
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. 3. ed. atual. São Paulo: LTr, 2000. p. 78.
22
TODOLÍ-SIGNES, Adrian. El contrato de trabajo en el s. XXI: la economía colaborativa, on-demand
economy, crowdsorcing, Uber economy y otras formas de descentralización productiva que atomizan el mercado
de trabajo. [S. l], 2015. Working Paper. Disponível em:
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2705402. Acesso em: 01 jun. 2020.
145

qualquer tipo de salvaguarda. Nesse sentido, se esses indivíduos “não encaixam na definição
legal de trabalhador não é porque não enfrentem a mesma realidade social, mas porque temos
uma legislação antiquada que não se amolda bem aos novos modelos de prestação de serviços”.
(tradução nossa). 23

Em um cenário em que há um grande contingente de trabalhadores nessa situação, não


se pode desconsiderar os significativos impactos sociais e econômicos de alijá-los do sistema
trabalhista e previdenciário.24 Isso porque tais efeitos não se limitam apenas a esses sujeitos,
uma vez que afetam empresas que mantêm uma força de trabalho regulamentada e que devem
competir com outras que se utilizam desses trabalhadores excluídos de qualquer
regulamentação, bem como, em última análise, ao próprio Estado, que deixa de arrecadar
valores consideráveis em virtude da não tributação.

Um quadro normativo específico deve ser formulado para esse novo paradigma
laboral, adequado às suas caraterísticas e sujeito à constante renovação, o qual estenda e
garanta direitos trabalhistas, de modo a fornecer um patamar mínimo de condições de
trabalho, dignidade e segurança para esses trabalhadores.

Outra importante questão a ser levantadadiz respeito ao direito coletivo e, mais


especificamente, à organização e representação desses trabalhadores, uma vez que a
fragmentação e a heterogeneidade dessa nova face da classe trabalhadora dificultam a criação
de instrumentos coletivos que possam de alguma forma uni-la e fortalecê-la no sentido de
buscar seus direitos. Na mesma medida, o enfraquecimento vivido atualmente pelos sindicatos,
seja pela destruição de sua arrecadação financeira ou pela falta de representação que muitos
trabalhadores sentem, também impõe prejuízos à luta coletiva.

Dessa forma, a extensão e o reconhecimento de direitos de associação e representação


a esses trabalhadores contribuiria para a construção de novas formas de organização coletiva e

23
“no encajan en la definición legal de trabajador no es porque no se enfrenten a la misma realidad social, sino
porque tenemos una legislación anticuada que no se amolda bien a los nuevos modelos de prestación de servicios”.
TODOLÍ-SIGNES, Adrian. El contrato de trabajo en el s. XXI: la economía colaborativa, on-demand economy,
crowdsorcing, Uber economy y otras formas de descentralización productiva que atomizan el mercado de trabajo.
[S. l], 2015. Working Paper. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2705402.
Acesso em: 01 jun. 2020.
24
FELICIANO, Guilherme Guimarães; PASQUALETO, Olívia de Quintana Figueiredo. (Re)descobrindo o
Direito do Trabalho: gig economy, uberização do trabalho e outras reflexões.In: JOTA. [S. l.], 06 mai. 2019.
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/juizo-de-valor/redescobrindo-o-direito-do-
trabalho-06052019. Acesso em: 01 jun. 2020.
146

para a oxigenação das instituições mais tradicionais, podendo haver aí um processo de


aproximação para com esses novos trabalhadores e suas respectivas organizações. Em um
panorama internacional, já é possível observar movimentos coletivos de trabalhadores, em
especial aqueles atuantes em plataformas e aplicativos digitais, por meio de greves, por
exemplo, objetivando melhores condições de trabalho.25 No Brasil, são verificados protestos,
assim como a criação de associações por parte desses trabalhadores, situações que ganharam
notoriedade e representatividade no cenário nacional durante a pandemia, com reinvindicações
por melhores condições de trabalho.2627

A negociação coletiva e o diálogo entre os trabalhadores, as empresas e o Estado se


apresenta como forma de garantir maior segurança jurídica para o desenvolvimento das
atividades econômicas, ao mesmo tempo em que constrói um ambiente laboral mais justo e
benéfico para todos, uma vez que confere garantias aos trabalhadores e fortalece sua
representação na busca por melhores condições, ao mesmo tempo em que promove o diálogo e
a composição entre eles, as empresas e o Estado, facilitando a negociação coletiva como forma
de garantir maior segurança jurídica para o desenvolvimento das atividades econômicas.

Deve-se ter em mente que tais situações e problemas, originados de transformações


sociais, econômicas e tecnológicas, sem prejuízo de outras não mencionadas, não são de simples
resolução, demandando, assim, soluções de caráter amplo e estrutural, sem conotações
imediatistas.28 Isso porque esse “novo mundo do trabalho” engendra um complexo emaranhado
de relações e fenômenos que estão em rápida e constante modificação, situação que acentuará
ainda mais no futuro e que deve ser considerada para a elaboração dos caminhos que o guiarão.

Urge a formulação de políticas públicas no sentido de promover uma implementação


orientada dos mecanismos de automação que proteja os trabalhadores e os postos de trabalho,

25
ORENSTEIN, José; CORSALETTE, Conrado. Por que os motoristas do Uber entraram em greve no mundo.
Nexo Jornal, [s. l.], 08 mai. 2019. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/podcast/2019/05/08/Por-que-
os-motoristas-do-Uber-entraram-em-greve-no-mundo. Acesso em: 01 jun. 2020.
26
PEREIRA, Felipe. Entregadores protestam contra redução de valor pago por aplicativos em SP. In: UOL. São
Paulo, 17 abr. 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-
noticias/redacao/2020/04/17/motoboys-de-sp-protestam-contra-baixos-pagamentos-de-aplicativos-de-
entrega.htm. Acesso em: 01 jun. 2020.
27
BARRETO, Marcelo Menna.Entregadores por aplicativos paralisam em todo o país. In: Extraclasse, 01 jul.
2020. Disponível em: <https://www.extraclasse.org.br/movimento/2020/07/entregadores-por-aplicativos-
paralisam-em-todo-o-pais/>Acesso em: 04 set. 2020.
28
FINCATO, Denise; CARPES, Ataliba. A 5ª revolução (industrial) e a volta à humanidade como elemento de
disrupção. Revista de Direito do Trabalho, [s. l.], v. 209/2020, p. 105-126, jan. 2020.
147

e, ao mesmo tempo, permita a utilização das ferramentas tecnológicas. Do mesmo modo, é


necessária a coordenação entre Estado e iniciativa privada na elaboração de políticas públicas
educacionais que proporcionem a (re)capacitação, principalmente tecnológica, dos
trabalhadores frente às novas exigências do mercado de trabalho. No ponto, sustenta Denise
Fincato que a qualificação continuada constitui ferramenta indispensável para que seja
garantida ao trabalhador uma condição de empregabilidade.29

A visão aqui exposta representa a tentativa de efetivação do direito de proteção em face


da automação, previsto pelo artigo 7º, inciso XXVII da CF,30 em uma interpretação que busca
encontrar medidas que preservem a dignidade do trabalhador e suas condições de trabalho (e
de trabalhar), bem como não incorra no erro de tentar frear a irrefreável evolução tecnológica,
construindo, assim, relação de equilíbrio entre esses dois polos.

Também dentro do contexto de proteção em relação ao futuro do trabalho, mas com um


raio de incidência ainda mais amplo, cogita-se a instituição de uma renda básica universal,
mecanismo defendido por diversos autores.31 Nas palavras de Philippe Van Parijs,32 “renda
básica é uma renda paga por uma comunidade política a todos os seus membros
individualmente, independentemente de sua situação financeira ou exigência de trabalho.”

Destaca-se que o Brasil dispõe de previsão legal sobre o tema, mais especificamente a
Lei nº 10.835/04,33 de autoria do então deputado Eduardo Suplicy, que estabelece um programa
chamado “Renda Básica de Cidadania”, mas que, no entanto, nunca foi posto em prática. Com

29
FINCATO, Denise Pires; SILVA, Cecília Alberto Coutinho. Automação, inteligência artificial e futuro da
advocacia: empregabilidade como um direito.In: Revista de Direito e as Novas Tecnologias, São Paulo, v. 2, n.
2, jan-mar. 2019.
30
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: [...] XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei; BRASIL. [Constituição (1988)].
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 01 jun. 2020.
31
HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 62-68; Piketty
defende, como forma de distribuição de renda e redução da desigualdade, a criação de um Imposto Mundial e
Progressivo sobre o Capital. Para mais, ver: PIKETTY, Thomas. O capital no século XII. Rio de Janeiro:
Intrínseca, 2014. p. 501-525; A proposta de Friedman consiste na instituição de um Imposto de Renda Negativo.
Para mais, ver: FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. Rio de Janeiro: LTC, 2014. E-book. p. 195.
Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-55-216-2709-
8/cfi/6/48!/4/14/6@0:38.1.Acesso em: 01 jun. 2020.
32
VAN PARIJS, Philippe. Renda básica: renda mínima garantida para o século XXI?. Estud. av., São Paulo, v.
14, n. 40, p. 179-210, dez. 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142000000300017&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 01 jun. 2020.
33
BRASIL. Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004. Institui a renda básica de cidadania e dá outras providências.
Brasília, DF: Presidência da República, 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2004/lei/l10.835.htm. Acesso em: 01 jun. 2020.
148

agravamento da pandemia de Coronavírus, foi instituído o benefício do Auxílio Emergencial,


programa de caráter semelhante a uma renda básica, o qual visa garantir a subsistência e a renda
de trabalhadores, principalmente informais, que foram afetados pela paralisação das atividades
econômicas.34A instituição de um programa de renda básica universal pode, a um só tempo,
contribuir para a solução de problemas ocasionados pelas transformações do mundo do
trabalho, como no caso dos postos de trabalhos perdidos em razão da automação, bem como do
próprio desemprego em um sentido mais amplo. O emprego de tal medida serviria, ainda, como
um atenuante da insegurança que é marca das novas relações de trabalho, especialmente no que
diz respeito à obtenção de renda. Ademais, atuaria como um forte combatente à crescente
desigualdade observada na sociedade, o que inclusive se verifica no Brasil como resultado do
Auxílio Emergencial.35

Esse último ponto é crucial em qualquer projeto de futuro. O que se vê hoje é um cenário
de exclusão de grandes camadas da sociedade em relação aos avanços promovidos pelo
desenvolvimento social, tecnológico, econômico.36 Ou seja, para além da desigualdade
socioeconômica historicamente reconhecida, deve-se considerar hoje a existência de uma
importante desigualdade de caráter tecnológico.

Não se pode negar os progressos constantemente obtidos em todas essas áreas, mas
deve-se levantar questões que se ponderam importantes sobre sua distribuição entre a
sociedade. Klaus Schwab coloca justamente a desigualdade e a distribuição das vantagens
oriundas das inovações tecnológicas como os principais desafios da 4ª Revolução Industrial.37

Diante desse quadro, é indispensável renovar o debate em torno da necessidade de


justiça social, ponto central de qualquer discussão acerca do trabalho, conforme se depreende

34
BRASIL. Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020. Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, para dispor
sobre parâmetros adicionais de caracterização da situação de vulnerabilidade social para fins de elegibilidade ao
benefício de prestação continuada (BPC), e estabelece medidas excepcionais de proteção social a serem adotadas
durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
coronavírus (Covid-19) responsável pelo surto de 2019, a que se refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
Brasília, DF: Presidência da República, 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/lei/l13982.htm> Acesso em: 09 set. 2020.
35
CASTANHO, William, RESENDE, Thiago. Auxílio emergencial impede que 23,5 milhões caiam na
pobreza. In: Folha de São Paulo, 15 ago. 2020. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/08/auxilio-emergencial-impede-que-235-milhoes-caiam-na-
pobreza.shtml> Acesso em: 05 set. 2020
36
FINCATO, Denise; CARPES, Ataliba. A 5ª revolução (industrial) e a volta à humanidade como elemento de
disrupção. Revista de Direito do Trabalho, [s. l.], v. 209/2020, p. 105-126, jan. 2020.
37
SCHWAB, Klaus. A quarta Revolução Industrial. São Paulo: Edipro, 2016.
149

da Declaração da Filadélfia, que estabelece os fins e os objetivos da OIT. 38Apresenta-se como


uma necessidade repensar os modelos sociais vigentes, dando-lhes um caráter mais
democrático, de modo que integrem essa legião de excluídos ao desenvolvimento tecnológico,
econômico e social, o que perpassa pela retomada de uma lógica permeada pelo objetivo de
justiça social, tão esquecido nesses tempos pela sociedade como um todo.

Tal conceito possui extrema relevânciano mundo do trabalho, fato que se estende, por
consequência lógica, ao Direito do Trabalho, o qual “tem se afirmado na História como uma
racional intervenção de justiça social, por meio da norma jurídica, no quadro genérico de toda
a sociedade e economia capitalista, sem inviabilizar o próprio avanço desse sistema
socioeconômico.”39A própria Constituição Federal indica que esse é o rumo a seguir, uma vez
que define, em seu artigo 170, que a ordem econômica deve se desenvolver de forma a
harmonizar a livre iniciativa com a valorização do trabalho, observando a justiça social. 40

Portanto, observados os desafios que se colocam em decorrência do complexo conjunto


de novos fenômenos e relações imposto pelo processo de metamorfoses pelo qual passa a
sociedade, cumpre aos atores interessados pensarem caminhos para um futuro do trabalho e do
Direito do Trabalho que tenham, como elemento central, o ser humano e sua dignidade e
estabeleçam, como fim último, a promoção da justiça social, congregando, de forma
equilibrada, a valorização e o progresso do trabalhador com o desenvolvimento tecnológico e
econômico.

3 CONCLUSÃO

O mundo do trabalho se encontrava em um período de grandes transformações mesmo


antes da ocorrência da pandemia de Covid-19, demandando por parte do juslaboralismo atenção
aos novos fenômenos, bem como soluções para as questões que já surgiam. Tendo isso em vista,

38
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Constituição da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e seu anexo (Declaração de Filadélfia). [Genebra]: OIT, [2020?]. Disponível em: Disponível em:
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-
brasilia/documents/genericdocument/wcms_336957.pdf. Acesso em: 01 jun. 2020.
39
DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os
caminhos de reconstrução. 3. ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 115.
40
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]”
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:
Presidência da República, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 01 jun. 2020.
150

e com a intensificação desse processo pelo surto viral, vive-se um momento chave, que
apresenta dificuldades, mas também oportunidades, de modo que os caminhos escolhidos hoje
podem definir o futuro da sociedade.

Não há dúvidas sobre qual rumo o Direito do Trabalho deve (re)tomar. Como já
afirmado, a disciplina em questão surgiu como forma de regular as relações entre capital e
trabalho, mas, também e indiscutivelmente, para estabelecer e promover direitos e garantias de
viés protetivo destinados aos sujeitos trabalhadores. Assim, o juslaboralismo se apresenta como
mecanismo de humanização do trabalho e do trabalhador, em reação ao cenário em que estes
se encontravam quando de seu advento, no qual eram tidos como mera mercadoria submetida
às leis do mercado.

Tais funções, no entanto, têm sofrido um desvirtuamento nos últimos tempos, com
especial atenção para a segunda, em razão de um movimento de apropriação do Direito do
Trabalho pelo poder econômico. Passou-se a um cenário onde o Direito do Trabalho torna-se
um instrumento da economia, o qual deveria, em primeiro lugar, satisfazer as necessidades do
mercado, a partir da obtenção de resultados e objetivos fundamentalmente econômicos, o que
implica em reconhecer, no trabalho e no trabalhador, um objeto para tal.41

Esse sentido atribuído ao juslaboralismo é, claramente, contrário àquele que originou


sua concepção. É inquestionável que o Direito, apesar de constituir uma ciência autônoma, não
é completamente alheio à economia e à política, havendo inter-relações entre esses âmbitos em
diversos pontos. Por outro lado, não é razoável que deles se torne refém. Lênio Streck é um dos
autores que há muito denuncia esse movimento que busca subjugar o Direito frente a outras
dimensões como a econômica e a política, retirando-lhe a autonomia que é marca do paradigma
constitucional vigente e própria do Estado Democrático de Direito, a partir da inserção de
regras, princípios e valores de caráter funcionalista e utilitarista que não são seus.42

41
MONTEIRO, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda: reflexões sobre o dumping social no
capitalismo globalizado. Revista de direito do trabalho, São Paulo, v. 42, n. 169, p. 209-232, maio/jun. 2016.
Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/93845. Acesso em: 01 jun. 2020.
42
STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica, Constituição e autonomia do Direito.Revista de Estudos
Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), São Leopoldo, v. 1, n. 1, p. 65-77, jan.-jun.
2009. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/RECHTD/article/view/5137. Acesso em: 01 jun. 2020.
151

O Direito do Trabalho, consoante tem se demonstrado, não escapa de tal fenômeno,


sofrendo um processo de corrupção identitária capitaneado pela economia.43 A carga axiológica
e principiológica que permeia esse ramo jurídico, pautada pela dignidade da pessoa humana,
igualdade e justiça, reconhece no sujeito trabalhador um fim em si mesmo, o que é incompatível
com critérios e teorias que transformem este último em um objeto para a consecução de fins
outros.44 A Declaração da Filadélfia, documento juslaboral mais importante sob uma
perspectiva global, é absoluta nesse sentido, ao declarar em seu artigo 1º que “o trabalho não é
uma mercadoria”.45

Esse espírito deve ser restabelecido e, com ele, a autonomia do Direito do Trabalho,
necessária para uma correta adaptação aos novos moldes do mundo do trabalho que respeite
sua gênese de regulador das relações laborais, mas, sobretudo, protetor do trabalhador e
promotor de sua dignidade.

Pensar primeiramente no ser humano não faz com se deixe de considerar aspectos
econômicos, sociais, tecnológicos e políticos. Todos esses pontos devem compor o debate
jurídico sobre o futuro do (Direito do) trabalho. No entanto, o que não se pode admitir é a
colocação da pessoa do trabalhador em um segundo plano, com um mero figurante do cenário
laboral,posição que não condiz com a centralidade que possui no sistema jurídico-
constitucional brasileiro.

Portanto, é imperioso que, nesse momento, a centralidade do ser humano, esquecida nos
últimos tempos, volte a ser a tônica do Direito do Trabalho. Denise Fincato projeta que a
próxima grande revolução industrial, ou seja, a 5ª delas, será, na verdade, humana, pautada por
um movimento de redescobrimento e valoração da condição humana, bem como de suas
capacidades de cognição, sentimento e sensibilidade.46

43
AMADO, João Leal. Perspectivas do direito do trabalho: um ramo em crise identitária? Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 47, p. 184, jul./dez. 2015. Disponível em:
https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/100764. Acesso em: 01 jun. 2020.
44
MONTEIRO, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda: reflexões sobre o dumping social no
capitalismo globalizado. Revista de direito do trabalho, São Paulo, v. 42, n. 169, p. 209-232, maio/jun. 2016.
Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/93845. Acesso em: 01 jun. 2020.
45
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Constituição da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e seu anexo (Declaração de Filadélfia). [Genebra]: OIT, [2020?]. Disponível em: Disponível em:
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-
brasilia/documents/genericdocument/wcms_336957.pdf. Acesso em: 01 jun. 2020.
46
FINCATO, Denise; CARPES, Ataliba. A 5ª revolução (industrial) e a volta à humanidade como elemento de
disrupção. Revista de Direito do Trabalho, [s. l.], v. 209/2020, p. 105-126, jan. 2020.
152

No cenário juslaboral, o processo de adaptação a ser realizado também deve ser


“humano”. Todos os exercícios de reconstrução, reinterpretação e ressignificação que vierem a
ser feitos devem ter como paradigma e objetivo a valorização e a dignidade da pessoa do
trabalhador, pois, como já dito, trata-se de fundamento do próprio Estado Democrático de
Direito.

As transformações ocorridas nas relações laborais em razão dos avanços tecnológicos,


econômicos e sociais, impõem que o Direito do Trabalho não permaneça estático e, portanto,
promova mudanças que o tornem mais adequado e preparado para responder às novas questões
que se apresentam, sob pena de enfrentar graves problemas de utilidade e aplicabilidade.
Todavia, isso não pode ser feito às custas da lógica humanista que o norteia ou, ainda, gerando
um abandono de sua razão de ser, finalidades e diretrizes, desenvolvidas historicamente. Como
bem ensina Plá Rodriguez, “deve continuar fiel a seus princípios, aplicando-os adequadamente
à época e às realidades efetivas que põem em cada momento.”47

Reforça-se que o período histórico no qual a sociedade se encontra, para além da


tragédia sanitária, engendra muitas e complexas mudanças, com especial profundidade em
relação ao mundo do trabalho, implicando em grandes dificuldades teóricas e práticas para o
Direito do Trabalho. Porém, ao mesmo tempo, pode (e deve) simbolizar um caminho de novas
oportunidades e possibilidades, que demonstre a importância da disciplina juslaboral como
instrumento humanístico indispensável para um desenvolvimento econômico e social justo e
equilibrado.

REFERÊNCIAS

AMADO, João Leal. Perspectivas do direito do trabalho: um ramo em crise identitária?. Revista
do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 47, p. 181-202, jul./dez. 2015.
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47
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para fins de elegibilidade ao benefício de prestação continuada (BPC), e estabelece medidas
excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da
emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-
19) responsável pelo surto de 2019, a que se refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
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157

MEIO AMBIENTE, MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E A


PANDEMIA DA COVID-19: ANÁLISE DOS REFLEXOS AOS
TRABALHADORES DA ÁREA DA SAÚDE

José Tadeu Neves Xavier1

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha2

RESUMO

O presente estudo parte da análise da pandemia de Covid-19, como consequência


antropogênica da degradação ambiental ao “lugar de encontro”, para avaliar alguns reflexos aos
trabalhadores da área da saúde. Os profissionais da área sanitária/médica estão trabalhando à
exaustão e estão sendo afetados, psicológica e fisicamente, pela pandemia. Ainda que direitos
e deveres fundamentais socioambientais são importantes balizadores do Estado Socioambiental
e Democrático de Direito e são a tônica para o equilíbrio ecológico para evitar o desastre
ambiental, as zoonoses estão se multiplicando porque, não raras vezes, estão atreladas ao
desequilíbrio ambiental. Não é diferente com a Covid-19, cujo vírus, SARS-Cov-2, emergiu de
um animal que infectou o ser humano e, consequentemente, foi o nascedouro da pandemia.
Palavras-Chave: Covid-19. Meio Ambiente do Trabalho. Área da Saúde.

INTRODUÇÃO

O aprimoramento tecnológico3 e a evolução da sociedade acabaram por desencadear


tanto a desigualdade social quanto o desequilíbrio ecológico. A falta de saneamento básico, o
desrespeito aos direitos sociais fundamentais, a pobreza, a desordem social4 e a desmoralização

1
Pós Doutor em Direito pela Universidade de Santiago de Compostela (USC/Espanha), Doutor e Mestre em
Direito pela UFRGS, Professor da Graduação da IMED-POA e da Graduação, Pós-Graduação e Mestrado da FMP,
Advogado da União, OAB/RS n. 32.229. E-mail: josetadeunevesxavier@gmail.com.
2
Pós Doutora em Direito pela PUCRS, Doutora em Direito pela PUCRS, Mestre em Direito pela PUCRS,
Especialista em Processo Civil pela PUCRS, Professora da Graduação em Direito da IMED/POA,
Advogada, OAB/RS n. 44.699. E-mail: m.milhoranza@hotmail.com.
3
Na visão de François Ost, a solução para o equilíbrio entre o mundo técnico-científico e a natureza seria um
contrato firmado entre o mundo social e o mundo sábio. (OST, François. O tempo do direito. Lisboa: Instituto
Piaget, 1990, p. 210).
4
Como centro de consumo, a cidade produz enormes quantidades de lixo que nem sempre são corretamente
descartadas e acabam gerando problemas ainda mais graves que o próprio lixo, sua deterioração e as crescentes
dificuldades de se encontrarem áreas apropriadas para descartá-lo. Os desequilíbrios climáticos, que produzem
tempestades cada vez mais violentas, tornam a vida nas cidades, especialmente nas metrópoles, muito mais
complicada. O asfalto que cobre as ruas para dar mais conforto aos motoristas, mais estabilidade aos veículos
automotores e impedem que as ruas se encham de poeira nos períodos de estiagem e de lama, nos períodos de
chuva, é o mesmo que impede a penetração da água e transforma os morros em cachoeiras e as ruas em corredeiras,
158

da democracia colaboram para a ocorrência de inúmeras agressões ao lugar de encontro. Em


verdade, a degradação ambiental é o resultado não apenas da falta de educação ambiental do
ser humano mas, também, é fruto da desigualdade5,6 social que, hodiernamente, assola a
humanidade. Não há como falar em equilíbrio ambiental enquanto os direitos básicos do
cidadão não são observados. Não há como falar em proteção ambiental enquanto as
desigualdades7 sociais8 não são reduzidas e amenizadas. O homem é o maior causador da
desigualdade e dos danos à natureza.9 A existência de agressões ao solo, ao ar e à água geram

as quais inundam casas e arrastam tudo o que há pela frente. É cada vez mais comum os citadinos se sentirem
amedrontados quando percebem a formação de chuva sobre suas cidades. Há ainda a poluição sonora, visual e a
poluição lançada por automóveis e fábricas que, aliada ao excesso de construções, fazem da cidade uma ilha de
calor em que as temperaturas têm alcançado níveis cada vez mais elevados. [...] Certamente, nem todas as
modificações que são produzidas nas cidades são negativas do ponto de vista socioambiental. O ajardinamento de
áreas degradadas, o reflorestamento de áreas centrais para a construção de parques, entre outras. No entanto, todas
as modificações causam impactos ambientais. (CASTRO, Sílvia Regina Barbosa de Castro; GAMA, Elce Marilia
Silva F.; SANTI, Márcia de Lourdes Domingos. Geografia: ensino fundamental. Belo Horizonte: Educacional,
2013, p. 24).
5 No tópico, Tiago Fensterseifer assevera que: “cada vez mais se reconhece a feição socioambiental das relações

sociais contemporâneas, marcadamente pela conexão entre a proteção do ambiente e os direitos sociais à luz do
princípio constitucional do desenvolvimento sustentável (art. 170, VI, da CF). A adoção do marco jurídico-
constitucional socioambiental resulta da convergência necessária da tutela dos direitos sociais e os direitos
ambientais num mesmo projeto jurídico-político para o desenvolvimento humano. O enfrentamento dos problemas
ambientais e a opção por um desenvolvimento sustentável passam necessariamente pela correção do quadro
alarmante de desigualdade social e da falta de acesso aos direitos sociais básicos, o que, diga-se de passagem,
também é causa potencializadora da degradação ambiental”. (FENSTERSEIFER, Tiago. A responsabilidade do
Estado pelos danos causados às pessoas atingidas pelos desastres ambientais associados às mudanças
climáticas: uma análise à luz dos deveres de proteção ambiental do Estado e da proibição de insuficiência na tutela
do direito fundamental ao ambiente. Disponível em:
www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/31/Documentos/12.pdf. Acesso em: 03 mai. 2020).
6 Sobre a desigualdade social, Adir Ubaldo Rech ensina que: “na realidade, há um pacto silencioso, histórico e

cultural de exclusão social aceito e praticado, mediante normas urbanísticas informais adotadas pela elite
dominante, que ignora determinadas classes sociais, que as afasta do seu convívio e que, ao mesmo tempo, busca
beneficiar a especulação imobiliária, impedindo que, nos planos diretores, sejam destinados de forma planejada
espaços economicamente mais acessíveis para os mais pobres”. (RECH, Adir Ubaldo. Cidades
socioambientalmente sustentáveis. In: BUTZKE, Alindo; RECH, Adir Ubaldo; GULLO, Maria Carolina (org.).
Direito, economia e meio ambiente: olhares de diversos pesquisadores. Caxias do Sul: Educs, 2012, pp. 10-11).
7 Consoante Carlos Alberto Molinaro, pensar a democracia implica a superação das desigualdades (materiais) e

por consequência a eliminação da exploração econômica, postulando pela paz social, fruto de um trabalho solidário
que afirme uma dimensão humana integral. Pensar a democracia da contemporaneidade exige necessariamente
pensar num regime constitucionalista. (MOLINARO, Carlos Alberto. Racionalidade ecológica e estado
socioambiental e democrático de direito. 2006. 200f. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p. 107).
8 Nesse mesmo sentido, traz-se o posicionamento de Ingo Sarlet e de Tiago Fensterseifer: O enfrentamento dos

problemas sociais e a opção por um desenvolvimento sustentável passam, portanto, necessariamente, pela correção
do quadro alarmante de desigualdade social e da falta de acesso de expressivas partes da população aos seus
direitos sociais básicos, o que, importa referir, é causa de degradação ambiental. (SARLET, Ingo Wolfgang;
FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações. In:
SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010, p. 15).
9 BUTZKE, Alindo; ZIEMBOWICZ, Giuliano; CERVI, Jacson Roberto. O direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado. Caxias do Sul: Educs, 2006, p. 29.


159

diversas formas de poluição que promovem a destruição de inúmeros ecossistemas. Em nome


do progresso industrial, o despejo de dejetos nas águas do planeta, o uso desmedido de
inseticidas nas lavouras e a poluição do ar estão, a passos largos, degradando a flora e a fauna.
Mesmo que novidades oriundas da inteligência artificial tragam conforto para o bem viver do
homem moderno, há que se observar qual o verdadeiro impacto do uso da nova tecnologia ao
meio ambiente.

Em verdade, o desrespeito ao meio ambiente, ao “lugar de encontro”10 em que tudo


interage e está interligado11, acarreta desastres que, não raras vezes, trazem flagelantes
consequências ao lugar de encontro. Nesse viés, emerge a crise sanitária mundial, causada por
uma pandemia, sem precedentes, oriunda da deterioração ambiental. A Covid-19 chega para
demonstrar que catástrofes são causadas pela malversação dos recursos naturais e pela
exploração desmedida da natureza.

Nesse ínterim, o estudo, ora apresentado, irá se utilizar dos métodos dedutivo e histórico
para fazer o diagnóstico de quais são as consequências jurídicas da pandemia aos que estão na
linha de frente do combate ao coronavírus: os trabalhadores da área médica/sanitária. Com esse
mister e com o intuito de analisar o meio ambiente do trabalho desses profissionais, passa-se a
enfrentar a cinca.

1 LUGAR DE ENCONTRO E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL

É cristalino que o crescimento da população mundial trará, inevitavelmente, o


esgotamento dos recursos naturais do Planeta. Conforme a Organização das Nações Unidas, em
apenas 30 anos, entre o ano de 1970 e o ano 2000, a população mundial aumentou de quatro
para seis bilhões de habitantes. Se a população continuar a aumentar nesse ritmo, estima-se que,
em 2050, a Terra terá cerca de nove bilhões de habitantes.

10
“[...] não estamos sós, neste ‘lugar de encontro’, onde somos o encontro; somos com o outro desde uma relação
de reconhecimento, respeito, reciprocidade e responsabilidade”. (MOLINARO, Carlos Alberto. Racionalidade
ecológica e estado socioambiental e democrático de direito. 2006. 200f. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p. 107).
11
MOLINARO, Carlos Alberto. Racionalidade ecológica e estado socioambiental e democrático de direito.
2006. 200f. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006,
p. 107.
160

O aumento da população mundial ocorreu pelo desencadeamento de vários fatores.


Com a evolução científica, houve a descoberta de novos remédios e a cura de doenças que, por
exemplo, na década de 40, eram consideradas fatais. Com o surgimento de melhores condições
de vida e centros de saúde disponíveis, a humanidade passou (e vem passando) por uma
alteração: um crescimento, sem precedentes, da população mundial. Com esse crescimento
colossal, resta a seguinte indagação: a má administração dos recursos naturais e a má interação
do homem com o meio ambiente podem desencadear catástrofes ambientais antropogênicas?
Estas indagações são inquietantes e preocupantes e são feitas para que se comece a reflexão.
Assim, a seguir, examinam-se algumas catástrofes ambientais causadas pela má interação do
homem com o lugar de encontro.

1.1 Breve escorço histórico sobre algumas catástrofes ambientais causadas pela má
interação do homem com o meio ambiente

No século XX, alguns fatos fizeram com que a humanidade, como um todo, começasse a refletir
acerca da má interação do homem com o meio em que vive. No final da década de 50, no Japão, que
passava por um rápido e eficaz processo de industrialização, apareceu o primeiro sinal alarmante da falta
de observância ecológica.12 Na Baía de Minamata, onde as pessoas viviam praticamente da pesca e se
alimentavam dos peixes que eram pescados no mar, foi observado o comportamento singular de felinos
que se alimentavam dos peixes frescos. Inicialmente, os felinos que comiam os peixes tinham ataques e
tremores. Logo após o início desses sintomas, a morte era inevitável. Posteriormente, foi nos seres
humanos que os efeitos da poluição desvelada se tornaram aparentes. As mulheres estavam dando à luz
a crianças com o cérebro deformado. Foi nesse contexto de total degradação ambiental da Baía de
Minamata que nasceu Tomiji Matsuda: cego e com o cérebro deformado. Quando examinado pelos
médicos, houve a suspeita de que Tomiji tinha sido envenenado por metais pesados. Os médicos
chamaram a doença de “Doença de Minamata” e continuaram a pesquisar melhor os sintomas de Tomiji.
Foi, então, que se realizou uma correlação entre a Doença de Minamata e os sintomas apresentados pelos
felinos, resultando na descoberta de que tanto os felinos quanto Tomiji foram afetados após a instalação
da fábrica Chisso Corporation que despejava os resíduos químicos no mar. Evidenciou-se, portanto, que
o lançamento dos detritos no mar causou a desoladora poluição - que afetou profundamente o equilíbrio
ecológico -, danos aos seres humanos e aos animais terrestres.

12
CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira. A questão ambiental: diversas abordagens.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, pp. 29-30.
161

De outra esteira, em matéria de má utilização do solo, o uso excessivo de agroquímicos dizimou


tanto animais quanto a flora. Os agroquímicos são classificados em bactericidas (destinam-se ao controle
de doenças causadas por bactérias); nematicidas (destinados ao controle de nematoides); herbicidas
(destinados ao controle do mato); fungicidas (destinados ao controle de doenças causadas por fungos);
os inseticidas (destinados ao controle dos insetos) e os acaricidas (destinados ao controle de ácaros). A
respeito do uso dos agrotóxicos no Brasil, “[...] até os anos 50, as atividades da agricultura estavam
direcionadas para geração de produtos (café e algodão, principalmente) para o autoconsumo da
população residente no meio rural e alguns poucos núcleos urbanos.”13

Destarte, com o crescimento da população urbana tornou-se imprescindível majorar o cultivo


agrícola para prover os centros urbanos. Tendo em vista esta necessidade de abastecimento dos centros
urbanos, o uso dos agrotóxicos passou a ser constante. Sem estudos de impacto ambiental tanto no solo
quanto nos aquíferos, a contaminação aconteceu de forma intensa: rios foram poluídos, houve a erosão
e a desertificação de solos, a extinção de espécies animais e, também, ocorreu a intoxicação e até a morte
de agricultores.14

Aliás, o uso de agroquímicos alcança os trabalhadores rurais que manejam, manipulam e


empregam os produtos na lavoura. A Organização Mundial de Saúde afere que ocorreram, em todo o
mundo, cerca de quatro milhões de casos de envenenamento intenso causados por exposição aos
agroquímicos. Desses quatro milhões de casos de envenenamento, 220 mil resultam em morte, sendo
que 70% dos casos registrados aconteceram em países em desenvolvimento.15 Indiscutivelmente, o
desenvolvimento é uma das causas da acelerada poluição ambiental e, em nome do desenvolvimento, o
lugar de encontro está, cada vez mais, se tornando um lugar de desencontro, um lugar em que inexiste
uma relação de reconhecimento, respeito, reciprocidade e responsabilidade tanto para com o outro
quanto para com a natureza.

É nesse contexto de desencontro biosociocultural que a exploração do petróleo traz graves


impactos ao meio ambiente. Uma das catástrofes ambientais de enorme repercussão mundial foi o
derramamento de petróleo, na Inglaterra, no final dos anos 60, com 170.000 toneladas de óleo
derramadas no Canal da Mancha. Esta catástrofe ocasionou a poluição de mais de 390 quilômetros de
costas e atingiu cerca de 350.000 toneladas de animais.

13
FERRARI, Antenor. Agrotóxico: a praga a dominação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986, p. 110.
14
FERRARI, Antenor. Agrotóxico: a praga a dominação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986, p. 111.
15
JEYARATNAM, J. Occupational health Issues in development countries. In: Public health impact of
pesticides used in agriculture. Geneva: OMS, 2000, p. 207.
162

Em 2010, ocorreu um gigantesco vazamento de óleo no Golfo do México, na plataforma da


Deepwater Horizon. Aproximadamente 4,9 milhões de galões de óleo foram derramados, ou seja, cerca
de 780 milhões de litros de óleo entre 20 de abril e 15 de julho de 2010. Quase três meses de
derramamento de óleo em águas profunda. Este acidente causou a morte, até o ano retrasado, de cerca
de seis mil tartarugas (de cinco espécies, todas ameaçadas de extinção), 26 mil mamíferos marinhos e
82 mil aves marinhas. Estes dados são extraoficiais e foram elaborados por cientistas que estudam as
consequências ambientais do acidente. Os dados em questão foram apresentados no VII Congresso
Brasileiro de Unidades de Conservação16 pelo biólogo Fabio Moretzsohn17. Ao proferir sua palestra, o
biólogo asseverou que os dados incluem somente os animais vertebrados. “Pouco se preocupam com os
invertebrados, plantas, algas e micróbios, que formam a base da cadeia alimentar, além das colônias de
corais de profundidade”.18 Informou, também, que é provável que jamais se descubra a extensão da área
afetada pelo derramamento em profundidade, já que pesquisas em áreas profundas são caras e difíceis.
Sobre os danos da fauna em profundidades elevadas, explica o biólogo que “ainda não se sabe bem os
danos causados à biota de água profunda. Há muitos estudos sendo feitos, mas os dados conclusivos
demorarão vários anos”.19 Ao final de sua palestra, Fábio Moretzsohn20 foi enfático ao afirmar que a
exploração do pré-sal brasileiro requer o desenvolvimento de um plano emergencial preventivo de
combate a possíveis acidentes, em águas profundas, para proteger os ecossistemas oceânicos e a
biodiversidade marinha.

De outra banda, também são gravíssimos os casos de poluição do ar causados pelo


arremessamento de resíduos nocivos na atmosfera. Em dezembro de 1984, a fábrica Union Carbide foi

16 O VII Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação ocorreu em Natal, Rio Grande do Norte, nos dias 23
a 27 de setembro de 2012. Resultados do Congresso podem ser consultados no site da Ecoagência. (LUIZA, Maria.
Vazamento no Golfo do México deixa marcas profundas na biodiversidade marinha. Ecoagência, 25 set. 2012.
Disponível em: http://www.ecoagencia.com.br/?open=noticias&id=VZlSXRVVONlYHZFTT1GdX
JFbKVVVB1TP. Acesso em: 23 ago. 2013).
17 Ph.D em Biodiversidade Marinha e cientista assistente de pesquisa do Harte Research Institute for Gulf of

Mexico Studies, vinculado à Texas A&M University, dos Estados Unidos.


18
Frases colhidas na palestra de Fabio Moretzohn, intitulada “Riscos à biodiversidade pela exploração de petróleo
em águas profundas e no pré-sal brasileiro”, ministrada em 25 set. 2012 no VII Congresso Brasileiro de Unidades
de Conservação ocorreu em Natal, Rio Grande do Norte, nos dias 23 a 27 de setembro de 2012. (LUIZA, Maria.
Vazamento no Golfo do México deixa marcas profundas na biodiversidade marinha. Ecoagência, 25 set. 2012.
Disponível em: http://www.ecoagencia.com.br/?open=noticias&id=VZlSXRVVON
lYHZFTT1GdXJFbKVVVB1TP. Acesso em: 23 ago. 2013).
19
LUIZA, Maria. Vazamento no Golfo do México deixa marcas profundas na biodiversidade marinha.
Ecoagência, 25 set. 2012. Disponível em: http://www.ecoagencia.com.br/?open=noticias&id=VZlSXRVVO
NlYHZFTT1GdXJFbKVVVB1TP. Acesso em: 23 ago. 2013.
20 Nesse sentido, assevera Fábio Moretzsohn que “o Brasil precisa ter planos desenvolvidos para a região, baseados

em pesquisas detalhadas sobre a geologia e ecologia local.” (LUIZA, Maria. Vazamento no Golfo do México deixa
marcas profundas na biodiversidade marinha. Ecoagência, 25 set. 2012. Disponível em:
http://www.ecoagencia.com.br/?open=noticias&id=VZlSXRVVONlYHZFTT1GdX JFbKVVVB1TP. Acesso
em: 23 ago. 2013).
163

a responsável pela contaminação de 40 quilômetros quadrados de gás tóxico em Bhopal, na Índia. Foram
afetadas, fatalmente, cerca de 10.000 pessoas. Outras 20.000 pessoas tiveram queimaduras e cegueiras.21

Uma das maiores ameaças para a vida terrestre é o risco de um acidente nuclear. Inúmeros
acidentes radioativos já aconteceram e suas consequências foram devastadoras. Resumidamente, os
acidentes radioativos de maior impacto, em ordem cronológica, na história da humanidade, foram os
seguintes22:

a) evasão de radioatividade da usina nuclear inglesa localizada Liverpool. Apenas em


1983 o governo britânico reconhece que cerca de trinta e nove pessoas morreram de câncer em
decorrência da radioatividade (1957);
b) uma vazão de radioatividade na usina russa de Tcheliabinski contagia cerca de 270
mil pessoas (setembro de 1957);
c) na antiga União Soviética, o aquecimento de um tanque para dejetos nucleares é a
origem de uma super explosão que libera compostos radioativos em uma área de 23 mil km²
causando um estrago nunca antes visto: pequenas comunidades, em uma área de 1.200 km²,
simplesmente desapareceram ao serem “torradas” pela radiação. Mais de 17.200 pessoas foram
evacuadas (dezembro de 1957);
d) nos Estados Unidos, três operadores morrem devido à exposição de alta radiação de
um reator nuclear (janeiro de 1961);
e) um problema de funcionamento do sistema de refrigeração de uma usina de Detroit,
nos Estados Unidos, causa o derretimento parcial do núcleo do reator (outubro de 1966);
f) o mau funcionamento do sistema de refrigeração utilizado num reator experimental
na Suíça, inunda de radioatividade a caverna subterrânea em que este se encontrava (janeiro de
1969);
g) um incêndio atinge uma usina nuclear no Alabama, Estados Unidos, incendiando os
controles elétrico. Com o incêndio, o volume de água de resfriamento do reator baixou a níveis
críticos (março de 1975);

21
CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira. A questão ambiental: diversas abordagens.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 200, p. 30.
22 Levantamento realizado pela redação do site ambiente Brasil. (AMBIENTE BRASIL. Principais acidentes

nucleares (até 1998). Disponível em: http://ambientes.ambientebrasil.com.br/energia/nuclear/principais_


acidentes_nucleares_(ate_1998).html. Acesso em: 23 mar. 2020).
164

h) a usina americana de Three Mile Island, na Pensilvânia, a perda de volume de água


de resfriamento do reator fez parte do núcleo do mesmo derreter. Foi um acidente sério (março
de 1979);
i) durante a Guerra das Malvinas o navio destróier britânico Sheffield afundou. De
acordo com o relatório da Agência Internacional de Energia Atômica, o navio continha armas
nucleares que nunca foram resgatadas (maio de 1982);
j) em Oklahoma, Estados Unidos, um cilindro de material nuclear queima após ter sido
aquecido (janeiro de 1986);
k) na antiga União Soviética, ocorre o maior acidente nuclear da história na usina de
Chernobyl. Um dos reatores explode espalhando uma nuvem radioativa de cem milhões de
curies cobrindo todo o centro-sul da Europa. Os malefícios desse sério acidente causaram
prejuízos ambientais, sociais e econômicos irreparáveis. Em abril de 1992, um comunicado
oficial do governo Ucraniano estimou que o número de mortes, devido à radiação, situava-se
entre 7 mil e 10 mil pessoas. Três anos depois, em abril de 1995, o Ministério da Saúde
Ucraniano informou que mais de 125 mil pessoas haviam morrido entre 1988 e 1994, vítimas
da radiação. Em 1996, a estimativa de mortes em razão do acidente, elaborada em conjunto pela
Ucrânia e a Bielorússia, já fora ajustada para 300 mil. O número total de pessoas contaminadas
é de cinco milhões, e a área inutilizada pela radiação era de cerca de 140 mil km². As
consequências desse acidente serão sentidas por muito tempo. Mulheres que estavam grávidas
e que foram submetidas à radiação, tiveram filhos deformados ou diagnosticados com câncer
de tireoide ao nascer. A primeira foto tirada da usina, após a explosão, foi tirada por Anatoliy
Rasskazov em 26 de abril de 1996. O fotógrafo explicou que a qualidade da foto foi afetada
após o contato do filme com as partículas radioativas do ar e falhas na máquina. Anatoliy
morreu de câncer, em virtude da exposição à radioatividade, em 2010 (abril de 1986).
l) os danos ao meio ambiente e à saúde humana foram imensuráveis. Crianças saudáveis
ficaram severamente deformadas pela exposição à radioatividade enquanto milhares de pessoas
desenvolveram câncer.
m) a violação de uma cápsula de césio-137, encontrada abandonada em um lixão por
sucateiros da cidade de Goiânia, no Brasil, mata 60 pessoas e contamina 6 mil pessoas
(setembro de 1987);
n) ocorre a vazão de material radioativo de uma central nuclear de Córdoba, Argentina
(junho de 1996);
165

o) o periódico americano San Francisco Examiner publica uma reportagem denunciando


que uma quantidade não especificada de plutônio vazou das ogivas nucleares a bordo de um
submarino russo, carregado com 32 ogivas, acidentado no Oceano Atlântico em 1986
(dezembro de 1996).
p) na cidade de Tokai, no Japão, houve uma explosão na usina de processamento de
combustível nuclear que contaminou 35 empregados com radioatividade (março de 1997);
q) em um depósito da Unidade de Processamento de Plutônio da Reserva Nuclear
Hanford, nos Estados Unidos, houve uma explosão que liberou radioatividade (maio de 1997);
r) um vazamento radioativo no Centro de Pesquisas de Arzamas, na Rússia, que produz
armas nucleares; feriu um funcionário (junho de 1997);
s) o reator nuclear da Usina de Angra 1, no Brasil, é desligado por defeito numa válvula
(julho de 1997);
t) em Tokaimura, no Japão, ocorreu um grave acidente em que duas pessoas morreram;
600 pessoas foram expostas à radiação e 320 mil pessoas foram evacuadas (1999).
u) no Japão, em Mihama, vapor não radioativo foi liberado por fissuras no encanamento
e causou a morte de cinco pessoas (2004).
v) em Tricastin, na França, durante um procedimento de manutenção em um dos
reatores, substâncias vazaram e contaminaram, de forma branda, uma centena de empregados
(2008).
x) após um terremoto e um grande tsunami, houve o vazamento radioativo em
Fukushima,23 no Japão, e a explosão de um reator que causou a morte de duas pessoas (2011).

23 Sustenta Délton Winter de Carvalho que: “assim como Chernobyl marca a entrada da Sociedade Contemporânea
na era do risco global, Fukushima parece estabelecer o início de uma nova era em que tais realidades são ainda
mais potencializadas para os eventos de colapso socioambientais (com causas naturais e humanas) de enorme
capacidade destrutiva para o meio ambiente, patrimônio e vidas humanas [...] O simbolismo de Fukushima vai
além daquele representado por Chernobyl. Isso ocorre em razão do acidente nuclear de Chernobyl ter sido um
acidente tecnológico (man-made disaster). Já Fukushima apresenta uma cadeia de fatores (terremoto seguido de
tsunami que, ao atingir o sistema de refrigeração dos reatores nucleares, provocou diversas explosões nucleares),
sinergeticamente combinados em feixes causais de impensável quantificação probalística e de consequências
catastróficas”. (CARVALHO, Délton Winter de. Por um direito dos desastres ambientais. In: STRECK, Lenio
Luiz; ROCHA Leonel Severo; ENGELMANN, Wilson (org.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica:
anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos – mestrado e doutorado. v. 9. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012, pp. 101-102).
166

O acidente de Fukushima é comparado ao acidente de Chernobyl24 pelos especialistas, pois a


radiação liberada é muito alta.

No que tange ao Brasil, além dos conhecidos desastres nas cidades mineiras de
Brumadinho e Mariana, ambos causados por irresponsabilidade de empresas que tinham o dever
de zelar pela conservação e preservação ambiental, danos à poluição atmosférica também são
visíveis. Por exemplo, em 25 de setembro de 2013, na cidade de São Francisco do Sul, em Santa
Catarina, uma nuvem de fumaça de coloração amarela, advinda de uma reação química de um
fertilizante à base de nitrato de amônia que explodiu dentro da fábrica, cobriu 10 quilômetros
de extensão e chegou a 500 metros de altura. A fumaça teve real impacto sobre animais, árvores,
rios, mangues e o solo que contornam São Francisco do Sul. A cidade vizinha, Itapoá, tem a
maior parte de seu território preservado com Mata Atlântica e manguezais. Na ligação entre
São Francisco do Sul e Itapoá, se localiza a Baía da Babitonga: ecossistema que abriga 75%
dos mangues de Santa Catarina.

Estudos iniciais25, elaborados por Sandra Medeiros, Therezinha Novais de Oliveira,


Virginia Barros e Marisa Domingos apontavam o que poderia acontecer com o solo, os rios, os
mangues, os animais, o mar e a vegetação da região afetada. Segundo as estudiosas, tendo em
vista o efeito corrosivo dos produtos que entraram em combustão e que formaram a nuvem
tóxica, a fuligem afetou as espécies da Mata Atlântica acarretando em dificuldades de
crescimento das plantas ou, até mesmo, o desaparecimento delas. Conforme as estudiosas, em
2014 foi difícil apontar o verdadeiro impacto ambiental, porque inexistiam estudos, no Brasil,
sobre os impactos de poluentes gasosos em florestas. Quanto ao sistema hídrico, tanto nos rios
quanto no mar, alguns peixes e microcrustáceos não resistiram aos efeitos da fumaça tóxica.
Destarte, o maior risco foi para o manguezal da Baía da Babitonga. Estima-se que o mangue,
ao ser atingido, teve cerca de 20 a 30 espécies de peixes comprometidas, como, por exemplo, o
peixe parati, que é a principal fonte de sustento dos pescadores artesanais da região.

24 Para Délton Winter de Carvalho e Fernanda Dalla Libera Damacena, “[...] enquanto Chernobyl tem uma matriz
industrial potencializada, comportando algum controle e decisões, o desastre de Fukushima torna extremamente
turva a distinção entre risco (passível de algum controle pelos processos de tomada de decisão pelos sistemas
sociais) e perigo (completamente alheio ao sistema social)”. (CARVALHO, Délton Winter de; DAMACENA,
Fernanda Dalla Libera. A intensificação dos desastres naturais, as mudanças climáticas e o papel do direito
ambiental. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 49, n.193, jan./mar. 2012, p. 23).
25 Por telefone, conversou-se com a Professora Sandra Medeiros que cedeu uma pequena entrevista explicando

todos os possíveis impactos da nuvem tóxica ao meio ambiente. 10 out. 2014.


167

Por outro lado, a “missão” do ser humano em destruir o meio ambiente se mostra tão
“criativa” que até animais que vivem em alto mar estão sendo afetados pelo descaso ao lugar
de encontro. No ano 2000, por exemplo, nas Ilhas Bahamas, dezesseis baleias e um golfinho
encalharam na praia e morreram após a Marinha Americana realizar testes com um sonar.
Comprovadamente, o sonar produz um volume de som de 235 decibéis, 85 decibéis a mais que
os gerados pela decolagem de um jato. “Pesquisadores do Instituto Earthwatch (EUA)
encontraram danos internos nos animais relacionados com a exposição a esse tipo de barulho
[...]”26. Os animais pesauisados tinham ouvidos com sangue, órgãos internos destruídos e
asfixia. Como os animais ficam desorientados pelo alto volume do som, acabam encalhando.

Sucintamente, esta foi uma breve análise de algumas das catástrofes ambientais mais
severas. É evidente que o dano ambiental antropogênico é o resultado da ganância e da falta de
respeito do homem com o meio onde vive. Em nome do desenvolvimento, o homem degrada a
natureza sem se importar com as consequências tanto para si quanto para o meio ambiente. É
cediço que as mazelas ambientais são ameaça à preservação da própria espécie humana. Com
a expansão do capitalismo, os recursos naturais foram explorados sem regras, pois o que se
queria era a produção de bens em massa, a baixo custo e sem qualquer preocupação com os
dejetos que sobram dessa produção. O consumismo desenfreado, a falta de local apropriado
para o lixo, a não utilização da reciclagem e a exploração de países subdesenvolvidos por
empresas multinacionais contribuíram, visivelmente, para os violentos ataques à natureza.

Tendo em vista a necessidade de proteger tanto a biodiversidade como dirimir as


desigualdades, uma série de programas e conferências de cunho ambiental, em nível
internacional, foram realizadas no século XX. Podemos citar, por exemplo, “O Homem e a
Biosfera”, promovida pela Unesco em 1971; a Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972; em 1979, a o debate sobre o clima do planeta foi
realizado na Primeira Conferência Mundial sobre o Clima. Este evento foi o berço do Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente e da Organização Meteorológica Mundial, entidades
a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento formada pela ONU em 1983, e
a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento conhecida como

26 TIRABOSCHI, Juliana. Deu a louca nos mares. IstoÉ, 21 jan. 2016. Disponível em:
http://www.istoe.com.br/reportagens/243442_DEU+A+LOUCA+NOS+MARES. Acesso em: 23 ago. 2020.
168

ECO-92. Todos esses eventos foram realizados ante o desequilíbrio ambiental em escala
mundial.

Por todo o exposto, verifica-se que as catástrofes ambientais, ora apresentadas, são
oriundas da má utilização dos recursos naturais e ocorrem devido ao antropocentrismo. A partir
do momento em que o homem domina a natureza e que a enxerga como mero recurso infinito
para satisfazer as suas necessidades de subsistência, há uma quebra paradigmática
holodimensional ao lugar de encontro. O homem, ao subjugar a natureza, se coloca em posição
de dominação e controle. Rompe, portanto, com a máxima do lugar de encontro: relação de
reciprocidade e respeito entre os que lá interagem.

2 DIREITO DOS DESASTRES E A COVID-19: DESASTRE NATURAL OU


DESASTRE ANTROPOGÊNICO?

O meio ambiente é direito fundamental da pessoa humana. É um direito primacial


intrinsicamente arraigado à realidade social, caracterizado pela sociedade de massa no qual o
crescimento desordenado e brutal deságua em tempos de globalização. É nesse contexto de
globalização que a tutela ambiental jurídica se manifesta como alternativa à proteção da
natureza. Nesse contexto, a tutela jurídica do meio ambiente emerge com a necessidade, cada
vez maior, de coibir a degradação ao lugar de encontro (para que este não se transforme em
lugar de desencontro) em que as ameaças ambientais se transformam em realidade, em um
horizonte no qual é perceptível a possibilidade da aniquilação da espécie humana. Seja como
for, é somente por meio do respeito ao ecossistema e à biodiversidade que se pode alcançar a
tão sonhada sustentabilidade. Em Terras Brasilis, afirma-se que a tutela ambiental decorre de
verdadeiro direito-dever consubstanciado em inúmeros princípios decorrentes, na sua maioria,
da amplitude do enxerto contido no artigo 225 da Constituição de 1988 27. Em que pese o

27 No tópico, afirma Carlos Alberto Molinaro que “o conjunto normativo ambiental está construído através de
proposições empíricas especialíssimas. No percurso de seu desvelamento e submetidas a racionalidade prática
essas proposições se incorporaram em uma série de princípios, ditos princípios ambientais que se positivaram e,
de modo não exaustivo, podem assim ordenar-se: princípio constitucional de proteção ambiental (CF/88, Art. 225);
princípio da legalidade (CF/88, Art. 5, II); princípio da supremacia do interesse público primário e princípio da
indisponibilidade do interesse público (CF/88, art. 225), temperado pela observância dos direitos fundamentais e
das normas programáticas a eles referidas; princípio da obrigatoriedade da proteção ambiental (idem); princípio
da prevenção e princípio da precaução (CF/88, 225, § 1, IV; Dec. Rio/1992); princípio da obrigatoriedade de
avaliação prévia de obras potencialmente gravosas (CF/88, 225; EIA, Rima); princípio da publicidade (CF/88,
169

arcabouço legislativo e principiológico protetivo, desastres ambientais antropogênicos,


infelizmente, ocorrem.

Nessa senda, exsurge o estudo acerca da Covid-19 e sua proliferação em mais de 170
países. Recentemente, entre 16 e 24 de fevereiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde
(OMS) elaborou um relatório, amparado pela pesquisa científica de profissionais oriundos da
China, Alemanha, Japão, Coreia do Sul, Nigéria, Rússia, Singapura, Estados Unidos e da
própria OMS, liderados pelos renomados Dr. Bruce Aylward (OMS) e Dr. Wannian Liang
(China) acerca da Covid-19. No referido relatório28, está descrito que os coronavírus são uma espécie
de zoonóticos, ou seja, uma espécie de vírus que é transmitida pelos animais aos seres humanos.
Conforme explana Délton Winter de Carvalho29,

Em 2016, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente alertou sobre
problemas ambientais globais emergentes, descrevendo um ‘aumento mundial no
surgimento de doenças e epidemias, particularmente de zoonoses.’ As doenças
zoonóticas são constantemente associadas a distúrbios ecológicos.

Se as doenças zoonóticas são associadas a distúrbios ecológicos é visível que foi a ação
humana, em desfavor do lugar de encontro, que trouxe à baila o vírus causador da Covid-19: o
SARS-Cov-2. Conforme o relatório da OMS, a partir de análises filogenéticas realizadas com

225; Res. 9 do Conama); princípio da reparabilidade do dano ambiental (CF/88, 225, § 3; L. 6938, art. 4, VII);
princípio da participação (Declaração Rio/92, princípio 10; CF/88, 225); princípio da informação (CF/88, 225;
216, § 2; L. 6938/81; Dec. 98161/89; L. 8078/90 [CDC]; Agenda 21, cap. 40; e as convenções sobre Diversidade
Biológica e Combate à Desertificação); princípio da função socioambiental da propriedade (CF/88, art. 5, XXIII,
170, III e 186, II); princípio do poluidor-pagador (CF/88, art. 225, § 3; Rio/92, princípio 16; L. 6938/81, art. 4; L.
9433/97); princípio da compensação (art. 8, L. 6938/81, atrib. Conama); princípio da responsabilidade (L. 9605/98,
crimes ambientais; L. 6938/81 art. 14, responsabilidade objetiva do degradador); princípio do desenvolvimento
sustentável (Declaração Rio/92, princípio 13, e Agenda 21); princípio da educação ambiental (CF/88, art. 1; e,
Agenda 21); princípio da cooperação internacional (Declaração Rio/92, princípio 2); princípio da soberania dos
Estados na política ambiental (Agenda 21); princípio da Prevenção de danos, aqui cabe uma distinção: princípio
da prevenção e princípio da precaução. A distinção está na natureza do risco, v.g., CF/88, art. 7.o XII prevê: “a
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Aplica-se o preceito
constitucional ao cuidado da prevenção ou precaução. Tudo está na natureza do risco. Sendo o núcleo duro na
prevenção, o perigo concreto; na precaução, o perigo abstrato. Em ambos os casos, o meio ambiente do trabalho
deverá contar com as condições necessárias para minimizá-lo, e contar o trabalhador com a proteção adequada,
mesmo a compensação argentária.” (MOLINARO, Carlos Alberto. Breves reflexões sobre os deveres
fundamentais socioambientais. Revista Novos Estudos Jurídicos - Eletrônica, v. 20, n. 3, set-dez 2015, p. 1000).
28
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Report of the WHO-China Joint Mission on Coronavirus Disease
2019 (COVID-19). Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/who-china-joint-
mission-on-covid-19-final-report.pdf. Acesso em: 03 mai. 2020.
29 CARVALHO, Délton Winter de. A natureza jurídica da Covid-19 como um desastre biológico. Revista

Consultor Jurídico, 13 abr. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-13/delton-winter-


natureza-juridica-covid-19-desastre-biologico2. Acesso em: 03 mai. 2020.
170

disponibilidade total de sequências do genoma, os morcegos parecem ser o nascedouro do vírus


SARS-Cov-2, mas o intermediário host (s) ainda não foi identificado. No entanto, três
importantes áreas de trabalho já estão em andamento na China para informar a compreensão da
origem zoonótica desse surto. Isso inclui investigações precoces de casos com início dos
sintomas em Wuhan, durante dezembro de 2019; amostragem ambiental do Huanan Wholesale
Seafood Market e outros mercados da área; a coleta de registros detalhados sobre a fonte e o
tipo de fauna vendidas no mercado de Huanan. Eis o mote fulcral a ser observado: animais
silvestres eram abatidos e comercializados como comida no Huanan Wholesale Seafood
Market. Animais maltratados, sujos, machucados, com sangue, pus e urina, eram empilhados
em gaiolas, sem higienização, e vendidos no local. Os mercados foram fechados em razão do
surto da doença. Entretanto, após Wuhan sair do confinamento social imposto pela quarentena,
o mercado retomou as suas atividades, de comércio de animais, na data de 08/04/2020.

3 ALGUNS IMPACTOS DA PANDEMIA DA COVID-19 NO QUE TANGE AOS


TRABALHADORES DA ÁREA SAÚDE E SUAS CONSEQUÊNCIAS AO MEIO AMBIENTE
LABORAL

O art. 3º, I, da Lei n. 6.938/81 definiu o meio ambiente como “o conjunto de condições,
leis, influências e interações de ordem física, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas.” Posteriormente, com base na Constituição Federal de 1988, passou-se a entender
também que o meio se divide em físico ou natural, cultural, artificial e trabalho. O meio físico
ou natural é constituído pela flora, fauna, solo, água, atmosfera etc., incluindo os ecossistemas
conforme preconiza o art. 225, §1º, I, VII da Constituição Federal. O meio ambiente cultural
constitui-se pelo patrimônio cultural, artístico, arqueológico, paisagístico, manifestações
culturais, populares etc. consoante dispõe o art. 215, §1º e § 2º da Constituição Federal.

Por sua vez, o meio ambiente artificial é o conjunto de edificações particulares ou


públicas, principalmente urbanas, consoante dizem os art. 182, art. 21, XX e art. 5º, XXIII da
Constituição Federal. Já o meio ambiente do trabalho é o conjunto de condições, existentes no
local de trabalho, relativos à qualidade de vida do trabalhador. Nessa senda, conforme o inciso
VIII, do art. 200, da Constituição Federal, o meio ambiente do trabalho pode ser conceituado
como “o conjunto de fatores físicos, climáticos ou qualquer outro que interligados, ou não, estão
presentes e envolvem o local de trabalho da pessoa”. Portanto, a proteção ao meio ambiente do
171

trabalho se dá a nível constitucional e ao abrigo do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana,


já que o trabalho é direito fundamental social previsto no art. 6º da Constituição da República.
Nessa esfera, os empregadores têm o claro dever jurídico para assegurar, tanto quanto possível,
a saúde, a segurança e o bem-estar dos seus trabalhadores.

Para identificarmos os impactos que a pandemia da covid-19 pode gerar em relação ao


meio ambiente do trabalho, dos profissionais da área da saúde, é importe, incialmente, destacar
a inevitável interface do Direito Ambiental com o Direito Sanitário, o que é colocado de forma
evidente na própria cláusula geral de tutela ambiental consagrada no art. 225 da Constituição
Federal30 ao dispor que

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A manutenção de um meio ambiente equilibrado é fundamental para a realização plena


do Direito à Saúde. Nesta linha, o art. 3º da Lei Orgânica da Saúde (Lei n. 8.080/90) consigna
que os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do país, tendo a saúde como
determinantes e condicionantes, entre outros, o meio ambiente. Logo, não há como deixar de
reconhecer a relação imediata entre a crise sanitária criada pela disseminação mundial do
coronavírus com a questão ambiental. Inclusive, o reflexo da pandemia, para os trabalhadores
da área médica/sanitária.

A pesquisa científica31 sobre o tema demonstra que os profissionais da área de saúde


têm três vezes mais chances de contrair o vírus do que a população em geral: a exposição ao
contágio é muito grande. No Brasil, cerca de 3,5 milhões de trabalhadores atuam no Sistema
Único de Saúde (SUS),32 distribuídos entre as 14 categorias profissionais da área da saúde que
constituem a linha de frente no combate e no tratamento da pandemia.

30
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 ago. 2020.
31
GOUMENOU, M., SARIGIANNIS, D., Tsatsakis, A., ANESTI, O., DOCEA, A. O., PETRAKIS, D., & CALIN,
D. COVID-19 in Northern Italy: an integrative overview of factors possibly influencing the sharp increase of the
outbreak. Molecular Medicine Reports, v. 22, n. 1, 2020, pp. 20-32.
32
BARROSO, Bárbara Iansã de Lima; SOUZA, Marina Batista Chaves Azevedo de; BREGALDA, Marília
Meyer; LANCMAN, Selma; COSTA, Victor Bernardes Barroso da. A saúde do trabalhador em tempos de
COVID-19: reflexões sobre saúde, segurança e terapia ocupacional. Revista Cadernos Brasileiros de Terapia
Ocupacional, v.28, n.3, São Carlos jul/set, 2020, Epub Sep 21, 2020.
172

Para a proteção de tantos trabalhadores da saúde no meio ambiente do trabalho, no


Brasil, existe verdadeiro arcabouço legislativo, formando por dezenas de portarias, decretos e
leis. Podemos citar, como exemplo, a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora (Portaria n. 1823/12), a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho
(Decreto n. 7.602/11) e as normas regulamentadoras, como a NR32, que trata especificamente
dos trabalhadores da saúde. A Política Nacional garante a organização da saúde do trabalhador,
por meio da Rede Nacional de Saúde do Trabalhador (Renast) e dos Centros de Referência de
Saúde do Trabalhador (Cerest) estaduais e municipais, esses a partir de um processo de
habilitação. Em momentos como o atual, a Agência Nacional de Vigilância em Saúde (Anvisa)
também publica protocolos e notas técnicas sobre o uso de equipamentos, de atendimentos e
adequação de áreas afetadas.33

Será que este arcabouço legislativo, na prática, tem o condão de realmente proteger o
profissional da saúde? Para responder a esta indagação, a primeira análise que se impõe é a
necessidade de reconhecimento da Covid-19 como doença relacionada ao meio ambiente do
trabalho - principalmente entre os profissionais que atuam na linha de frente de combate à
doença - na qualidade de acidente de trabalho quando a contaminação ocorre em razão da
atividade laboral. Nesse sentido, defende-se que, para a proteção dos trabalhadores infectados,
são indispensáveis à emissão de comunicação de acidente do trabalho (CAT), conforme
disciplinam os artigos 19 e 20 da Lei n. 8.213/91. De outra banda, em razão da contaminação
no meio ambiente laboral, defende-se o direito de afastamento acidentário.

Já a proteção do trabalhador dentro do meio ambiente laboral envolve aspectos como a


ampliação do número de leitos, a distribuição de EPIs e, principalmente, a relação adequada
entre o número de profissionais, o número de pacientes a serem atendidos, e as horas de trabalho
dentro da linha de frente. A instituição de protocolos de rotina, recomendados pela OMS para
controle da Covid-19, é essencial para a garantia de um meio ambiente laboral seguro. “Além
da oferta de equipamentos de proteção individual, devem ser adotadas medidas de
reorganização do processo de trabalho, visando minimizar o risco da infecção.” 34 Entretanto,

33
TAVARES, Viviane. Covid-19: a saúde dos que estão na linha de frente. Fiocruz, 13 abr. 2020. Disponível
em: https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-19-saude-dos-que-estao-na-linha-de-frente. Acesso em: 21 jan. 2021.
34
HELIOTERIO, Margarete Costa; LOPES, Fernanda Q. R. de Sousa; SOUSA, Camila Carvalho de; SOUZA,
Fernanda de Oliveira; PINHO, Paloma de Sousa; SOUSA, Flávia N. e Ferreira de; ARAÚJO, Tânia Maria de.
Covid-19: oor que a proteção de trabalhadores e trabalhadoras da saúde é prioritária no combate à pandemia?
173

começam a aparecer relatos dos trabalhadores dando conta de que se vivencia o pavor da
insuficiência dos equipamentos de proteção.

Pesquisas, publicações e reportagens diversas mostram relatos de profissionais da área


que descrevem as duras e as prolongadas jornadas de trabalho; a exaustão física e
mental; a falta de assistência por parte dos gestores e do sistema governamental
brasileiro; e a falta de equipamentos e dispositivos fundamentais para o diagnóstico e
o tratamento dos indivíduos com quadros clínicos suspeitos ou contaminados pelo
vírus (testes rápidos, respiradores, balões de oxigênio, entre outros).35

A par da falta de equipamentos de proteção, emerge a necessidade de analisar as

Angústias para tomar decisões difíceis no momento da triagem, com a dor de perder
colegas de trabalho e pacientes, com o risco de infecção tanto de si quanto de
familiares e com a impossibilidade de fazer a testagem rápida em larga escala devido
à inexistência de vacina e de tratamentos com eficácia cientificamente comprovada. 36

Portanto, a esfera psíquica dos trabalhadores também está sendo, e muito, afetada pela
pandemia. Um estudo desenvolvido por Kairo Silvestre Meneses Damasceno e Magno
Conceição das Merces37, do Departamento de Ciências da Vida da Universidade do Estado da
Bahia (Uneb), revela que

Os principais motivos que levam os profissionais de saúde ao sofrimento mental


durante a pandemia são: medo de ser demitido e perder seus meios de subsistência;
medo de ser infectado e ser colocado em isolamento, separando-se da família;
sobrecarga física e mental.

Com toda essa situação, exsurge a necessidade de um estudo sério, multidisciplinar,


envolvendo todas as áreas, onde se busquem dados estatísticos, acerca da real situação da
pandemia no nosso país. Para monitorar a expansão do vírus, é necessária a apresentação de
gráficos que contenham dados estratificados por sexo, faixa etária e região geográfica como

Revista Trabalho, Educação e Saúde, v.18, n.3, Rio de Janeiro, 2020, Epub July 31. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1981-77462020000300512&script=sci_arttext. Acesso em: 3 fev. 2021.
35
BARROSO, Bárbara Iansã de Lima; SOUZA, Marina Batista Chaves Azevedo de; BREGALDA, Marília
Meyer; LANCMAN, Selma; COSTA, Victor Bernardes Barroso da. A saúde do trabalhador em tempos de
COVID-19: reflexões sobre saúde, segurança e terapia ocupacional. Revista Cadernos Brasileiros de Terapia
Ocupacional, v.28, n.3, São Carlos jul/set, 2020, Epub Sep 21, 2020.
36
BARROSO, Bárbara Iansã de Lima; SOUZA, Marina Batista Chaves Azevedo de; BREGALDA, Marília
Meyer; LANCMAN, Selma; COSTA, Victor Bernardes Barroso da. A saúde do trabalhador em tempos de
COVID-19: reflexões sobre saúde, segurança e terapia ocupacional. Revista Cadernos Brasileiros de Terapia
Ocupacional, vol.28, n.3, São Carlos July/Sept, 2020, Epub Sep 21, 2020.
37
DAMASCENO, Kairo Silvestre Meneses; MERCES, Magno Conceição das. Covid-19 e a saúde mental dos
trabalhadores de saúde da atenção básica. Revista Enfermagem Brasil, v. 19, n. 4, 2020: suplemento COVID.
Disponível em: https://portalatlanticaeditora.com.br/index.php/enfermagembrasil/article/view/4381. Acesso em:
10 jan. 2021.
174

subsídios para orientar as medidas de controle e prevenção38, assim como para o planejamento
e alocação dos recursos necessários para operar os sistemas de saúde. Na publicação dessas
estatísticas, os microindicadores de morbidade deverão ser desagregados até o nível da
ocupação, permitindo, assim, avaliar onde e em que circunstâncias os indivíduos testados
positivos ou diagnosticados com a doença estavam trabalhando. Identificar os focos de
disseminação relacionados à primacial para monitorar as atividades de trabalho dos
profissionais da saúde.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo articulou uma análise inaugural sobre o Estado Socioambiental e


Democrático de Direito e a proteção ao meio ambiente como direito fundamental, propondo-se
uma visão da interação do homem com o “lugar de encontro” (com o ambiente, como bem
revelado retro), mostrando, em parte, os desastres ambientais ocasionados pelo mal agir do
humano. Sob a batuta do Estado Socioambiental e Democrático de Direito, demonstrou-se quais
as consequências da pandemia do coronavírus para questões relativas ao meio ambiente laboral,
em especial, aos trabalhadores da saúde que atuam na linha de frente ao combate da doença.
Nesse mister, observa-se que a ação antropogênica, calcada na ganância e no desenvolvimento,
trouxe o desequilíbrio socioambiental e, em apertada síntese, acarretou inúmeros desastres
ambientais em todo o planeta, dentre eles, a pandemia do coronavírus.

Relativamente à proliferação da pandemia causada pelo vírus SARS-Cov-2, o que se


viu, na prática, foi que a comercialização de animais silvestres, na cidade de Wuhan, na China,
acarretou, além da degradação ambiental, problemas sociais e sanitários, eis que foram
esquecidos os direitos fundamentais e basilares do Estado Socioambiental e Democrático de
Direito.

Especificamente às condições de trabalho dos profissonais mais expostos à pandemia,


alega-se a necessidade de reconhecimento da doença como doença ocupacional, dando aos

38
JACKSON FILHO, José Marçal; ASSUNÇÃO, Ada Ávila; ALGRANTIC, Eduardo; GARCIA, Eduardo Garcia;
SAITO, Cézar Akiyoshi; MAENO, Maria. A saúde do trabalhador e o enfrentamento da COVID-19. Revista
Brasileira de Saúde Ocupacional, v .45, 2020 (online).
175

trabalhadores infectados a proteção previdenciária necessária e a tranquilidade para sua


recuperação.

Nesse afã, a necessidade da proteção dos trabalhadores dos estabelecimentos de saúde


ganhou merecido destaque. O combate à pandemia exige ações e serviços de saúde com
profissionais, em quantidade e qualidade, adequados à demanda. Preservar a vida e a saúde dos
trabalhadores garantirá a oferta de cuidados em saúde à toda a população brasileira.

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mai. 2020.
178

A LEGITIMIDADE DO EMPREGADOR PARA EXIGIR EXAMES OU


VACINAÇÃO REFERENTES AO COVID-19 COMO REQUISITO PARA
CONTRATAÇÃO OU MANUTENÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Marcus Gabriel Nunes Quintana1

RESUMO

O presente artigo tem como pretensão analisar a legitimidade dos empregadores para
solicitar de seus empregados a realização de exames ou vacinas destinadas ao diagnóstico e
prevenção do covid-19 (sarscov 2), bem como, as providências que os empregadores poderão
adotar visando a persuasão de seus empregados a aderirem as políticas públicas de vacinação e
a possibilidade de exigência da realização de exames ou vacina como requisito para contratação
ou manutenção do vínculo empregatício. O Supremo Tribunal Federal, após analisar o art. 3º
da Lei 13.979/2020 declarou a constitucionalidade da obrigatoriedade da vacinação, entretanto
estabelecendo diferenciação vacinação obrigatória e forçada, pois a segunda se limita a
aplicação de mecanismo de coerção indireta. Entretanto seriam os empregadores também
legitimados para estabelecer tais critérios de coerção indireta no âmbito de suas empresas para
a realização de exames, vacinação entre outras medidas previstas na legislação como
obrigatórias, tal questionamento será o tema central do presente artigo. Temática que será
analisada desde o plano normativo que regulamentou a obrigatoriedade das medidas e as ações
que tramitaram no âmbito do supremo tribunal federal declarando sua constitucionalidade
legitimando a obrigatoriedade da realização de vacinas e exames. Bem como, propondo a
ponderação entre os direitos fundamentais liberdade individual, religiosa e de crença do
empregado que eventualmente o motive a não se vacinar e os direitos sociais a saúde e ao
ambiente de trabalho seguro, este último com uma dimensão dúplice de dever do empregador
e direito dos demais empregados.

Palavras-Chave: Vacinação Obrigatória; Constitucionalidade Lei 13.979/2020;


Direito à saúde no ambiente de trabalho.

INTRODUÇÃO

A proposta desse texto é desenvolver uma análise quanto a possibilidade e legitimidade


dos empregadores exigirem ao estabelecer novos vínculos empregatícios ou como c ritério para
a manutenção dos vínculos empregatícios já existentes. Que seus empregados ou aqueles que
desejam ingressar na empresa se submetam a realização de exames ou da vacinação contra o

1
Mestrando em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande FURG, Especialista em Processo
Civil pelo Centro Universitário Dom Bosco UniDomBosco, Graduado em Direito pela Universidade da Região da
Campanha URCAMP, Advogado OAB 119.141/RS E-mail: gabrielq678@gmail.com
179

covid-19 (sarscov 2) visando respectivamente o diagnóstico e a imunização contra o vírus


causador da pandemia que assola não só o Brasil como o mundo.

O Supremo Tribunal Federal nos autos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6586
e 6887 e do Recurso Extraordinário com Agravo 1267879, declarou a constitucionalidade da
obrigatoriedade da vacinação e realização de exames para covid-19 (sarscov 2), conforme
redação do art. 3º da Lei 13.979/2020.Inclusive a corte realizou interpretação do disposto legal
conforme a constituição, especificando a dimensão do termo “obrigatoriedade” o diferenciando
da realização forçada dos procedimentos. Tal diferenciação tem como base as formas de coação
permitidas. Enquanto a obrigatoriedade se limita a concessão aos entes federados disciplinarem
formas de coação indiretas como a restrição ao acesso a serviços, limitação de acesso a
determinados locais, multas, restrições de direitos. A aplicação forçada, inconstitucional, seria
a utilização de mecanismo diretos de coação caracterizados pelo uso da força.

Diante do paradigma legal, e da interpretação jurisprudencial da corte subsistem


questionamentos quanto a possibilidade da exigência e incidência dos parâmetros legais nas
relações privadas, em especial nas trabalhistas entre empregador e empregado, sendo
questionável a exigência pelo primeiro como critério obrigatório a realização de exames e
vacinação por parte do segundo. Para análise da norma incidente em tal relação, não basta
análise da lei 13.9779/2020, sendo necessária a contraposição e ponderação entre princípios
constitucionais conflitantes que podem respaldar hipóteses opostas sobre a legitimidade dos
empregadores obrigarem ou não seus empregados a realização de exames e vacinas contra o
covid-19 (sarscov 2). O empregador poderia suscitar que a exigência em caráter obrigatório da
realização de vacinas por parte dos empregados é um direito que possui em decorrência do seu
dever em propiciar um ambiente de trabalho seguro, bem como, os direitos fundamentais a
saúde e até mesmo a vida tanto sua como dos demais empregados que prestam serviço na
empresa, principalmente em funções cujo convívio social na sede da empresa é indispensável
a realização das atividades laborais. Por outro lado, o direito do empregado a não se vacinar ou
prestar exames laboratoriais visando a prevenção ao covid-19 (sarscov 2), igualmente encontra
fundamentos constitucionais respaldado no direito fundamental a liberdade religiosa, de
consciência e crença, além da sua integridade física e a consequente obrigatoriedade da retirada
de material genético, no caso da realização de exames, ou inserção de uma substância em seu
corpo, no caso da vacinação. Diante da colisão entre tais princípios constitucionais a solução
180

deverá ser posta com base no critério da ponderação proposto por Robert Alexy, visando a
máxima efetividade dos direitos fundamentais e o sacrifício mínimo do direito que não
prevalecer diante da colisão.

Relevante ainda suscitar o princípio da solidariedade, suscitado no âmbito do


constitucionalismo contemporâneo como basilar para relações sociais em países democráticos.
Considerado um direito fundamental de quarta geração, sob tal perspectiva todos os cidadãos
deveriam cooperar mutuamente para a solução pacífica e duradoura de conflitos e dirimir crises.
Tal princípio corroboraria a tese da obrigatoriedade da realização da vacinação e exames como
um dever não só moral como jurídico de cooperação com os demais integrantes da sociedade
realizando tanto exames quanto vacinação, assim que tais recursos sejam disponibilizados pelo
Estado.

1 LEGITIMIDADE PARA ESTIPULAÇÃO DE CRITÉRIOS VISANDO A


OBRIGATORIEDADE DA VACINAÇÃO SOB A PERSPECTIVA LEGAL E
CONSTITUCIONAL

A lei 13.979/20202 tem como objetivo disciplinar matérias relevantes referentes a saúde
pública no período de crise em decorrência da pandemia que teve início em 2019 e perdura até
o presente momento. Tendo em vista que saúde é uma das matérias cuja competência normativa
é concorrente de todos os entes federativos conforme a constituição “Art. 24. Compete à União,
aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XII - previdência social,
proteção e defesa da saúde;”3. Cabe a união estabelecer diretrizes gerais visando a promoção e
regulamentação da matéria enquanto os estados traçam as políticas públicas no âmbito regional
e os municípios no âmbito local. A lei 13.979/2020 em seu art. 3º ao disciplinar a
obrigatoriedade da realização de vacinas e exames contra o covid-19 (sarscov 2) preconiza esse
aspecto do sistema federativo. Estabelecendo tão somente diretrizes gerais como a possibilidade
da realização das seguintes medidas no período de pandemia em prol da saúde pública e da
prevenção e combate ao vírus:

2
BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência
de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm> Acesso em: 25fev.
2021.
3
BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República,
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm> Acesso em: 25fev. 2021.
181

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância


internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas
competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Lei nº
14.035, de 2020)
I - isolamento;
II - quarentena;
III - determinação de realização compulsória de:
a) exames médicos;
b) testes laboratoriais;
c) coleta de amostras clínicas;
d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou (Vide ADI nº 6586) (Vide ADI nº
6587)
e) tratamentos médicos específicos;

A lei não estabelece qualquer critério específico ou circunstância em que tais


obrigatoriedades serão aplicadas, bem como, as autoridades competentes para institui-las no
plano estadual ou municipal. Especificando tão somente que as autoridades (locais e regionais)
poderão adotar esses critérios e as respectivas limitações a direitos fundamentais que decorrem
de sua aplicabilidade conforme critérios de conveniência e oportunidade. Sendo necessária
regulamentação da matéria no âmbito local ou regional para traçar os casos de incidência e
aplicação das medidas sejam elas exames médicos ou vacinações. O dispositivo legal
aparentemente preconiza os direitos sociais a saúde pública manifestando a primazia do
interesse público em detrimento da autonomia individual e eventuais irresignações quanto a
realização de testes ou vacinação em decorrência da escusa de consciência fundada na liberdade
de consciência e crença.

A legitimidade concorrente para legislação prevista de forma ampla contemplando


diversas matérias entabuladas no art. 24 incluindo temas relativos à saúde pode ser considerada
“estrategicamente como mecanismo adequado para equilibrar o relacionamento federativo
mediante maior descentralização da faculdade de legislar.”4 Sendo o tema recentemente
apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, durante a pandemia, embora de forma genérica
visava esclarecer a qual ente federativo cabia gerir as políticas públicas necessárias ao combate
do covid-19 (sarscov 2). Tendo a corte constitucional se manifestado na ADI 6.3415 enfatizando

4
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:. in: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK
Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva: Almedina, 2013.p. 1464
5
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 6.341, Relator Ministro Ricardo Lewandowski Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf>. Acesso em: 25 fev. 20221
182

que as deliberações e a produção normativa referente a saúde pública é competência comum


dos diversos entes federados:

SAÚDE – CRISE – CORONAVÍRUS – MEDIDA PROVISÓRIA –


PROVIDÊNCIAS – LEGITIMAÇÃO CONCORRENTE. Surgem atendidos os
requisitos de urgência e necessidade, no que medida provisória dispõe sobre
providências no campo da saúde pública nacional, sem prejuízo da legitimação
concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Adequado mencionar que a constituição brasileira adota o sistema de competências


concorrentes não-cumulativas, ou seja, embora os diversos entes federativos tenham
competência legislativa quanto a matérias, está é distinta “reservando-se à União a edição de
normas gerais e aos poderes periféricos a suplementação de tais normas, seja detalhando-as pelo
acréscimo de pormenores (competência complementar), seja suprindo claros (competência
supletiva).” Estas últimas competências referidas exercidas pelos estado e municípios.

O dispositivo legal refere que as autoridades poderão adotar as seguintes medidas, sendo
assim interpretando a norma sob uma perspectiva administrativista em que autoridade seriam
as autoridades públicas ou adotando método hermenêutico restritivo. Não seria adequado
afirmar que o empregador tenha como prerrogativa exigir a vacinação ou realização de exames
como critério de contratação ou manutenção do vínculo empregatício.

Em especial se considerarmos que a matéria tratada na lei e interpretada a luz da


constituição pelo Supremo Tribunal Federal tem caráter obrigatório. Sendo assim, uma
manifestação do poder de império estatal caracterizado como “atividade que o Estado
desenvolvia enquanto “poder de comando”, isto é, via de autoridade”6 Assim, a obrigatoriedade
da vacinação caracteriza-se pela primazia do interesse público, em detrimento de direitos
fundamentais individuais como liberdade de crença e consciência, de alguns indivíduos. Seria
inadequado delegar ao empregador a faculdade de relativizar direitos fundamentais do
empregado, sem previsão legislativa expressa. Inclusive na decisão proferida no âmbito das
Ações diretas de inconstitucionalidade 65877 e 65868 o Supremo Tribunal Federal refere a

6
MELLO, Celso Antônio Bandeira de; Curso de Direito Administrativo, 27 Edição. — São Paulo: Malheiros.
2010. p. 776
7
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 6.587, Relator Ministro Ricardo Lewandowski Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf>. Acesso em: 25 fev. 20221
8
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 6.586, Relator Ministro Ricardo Lewandowski Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf>. Acesso em: 25 fev. 20221
183

necessidade de previsão legislativa expressa para incidência da obrigatoriedade, podendo a


norma ser proveniente de qualquer dos entes federativos:

O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação direta, para conferir
interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, III, d, da Lei nº 13.979/2020, nos
termos do voto do Relator e da seguinte tese de julgamento: “(I) A vacinação
compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do
usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais
compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à
frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes,
e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii)
venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e
contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos
fundamentais das pessoas, (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e
proporcionalidade e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (II)
tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela
União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas
esferas de competência”. Vencido, em parte, o Ministro Nunes Marques. Presidência
do Ministro Luiz Fux. Plenário, 17.12.2020 (Sessão realizada inteiramente por
videoconferência - Resolução 672/2020/STF).

A aplicação de qualquer das medias com caráter obrigatório está condicionada a


legislação prévia, regulamentando de forma específica os casos de incidência. Entretanto
atualmente no âmbito nacional, bem como, na unidade federativa do Rio Grande do Sul inexiste
norma regulamentando os casos de incidência. Sequer autoridades públicas, portanto poderiam
atuar de forma obrigatória realizando exames ou vacinando pessoas. Se tal faculdade não
contempla atualmente o poder público balizado pelo princípio da supremacia do interesse
público inimaginável cogitar que o empregador poderia realizar exigências nesse sentido, sem
respaldo legislativo.

Não obstante, incorreto afirmar que os empregadores estariam completamente


desprovidos do direito de exigir tais exames, pois como salientado trata-se de competência
concorrente as legislações estaduais e municipais, sendo assim havendo regulamentação nesses
entes federados concedendo a prerrogativa aos empregadores de determinados setores cuja
exposição ao vírus ou risco de contágio seja maximizado, em decorrência da atividade ser
correlata a área de saúde ou do ambiente de trabalho envolver atendimento com público, entre
outras situações o vírus possa ser propagado no ambiente de trabalho. Seria adequada a
exigência de exames ou vacinação pelo empregador se a legislação seja local seja nacional o
concedesse está prerrogativa.
184

Não havendo qualquer regulamentação da matéria, e entendendo os empregadores a


necessidade da proteção dos demais empregados, bem como, da própria atividade desenvolvida
na empresa que será prejudicada caso vários funcionários sejam contaminados e a proteção dos
consumidores de eventuais produtos e serviços.

Uma boa saída seria a formalização de acordos ou convenções coletivas no particular,


regulamentando a matéria, como muitos sindicatos e empresas já fizeram à época
dapandemia, para regular questões controvertidas, além de amplas campanhas
deconscientização pelo empregador.9

As convenções coletivas de trabalho, seriam um mecanismo legitimo para tal restrição


do direito fundamental a escusa de consciência e liberdade de crença de determinados
empregados, em que pese não sejam direitos trabalhistas propriamente ditos, para serem
relativizados por intermédio de convenção coletiva, mas estão intrinsecamente correlacionados
as atividades laborais e ao ambiente de trabalho. As convenções coletivas reconhecidas no
artigo 7, XXVI, da Constituição Federal10 e podem ser utilizadas para a limitação de direitos
empregatícios por meio de redução de salários e aumento de jornada, por exemplo. A convenção
coletiva iria exarar o posicionamento da maioria dos empregados de determinada classe que
visando o bem comum abdicariam dessa prerrogativa para se submeterem aos exames ou
vacinação obrigatórios. Cabe salientar que tais procedimentos não são unicamente uma
restrição a direitos, mas estão correlacionados a maximização da efetividade de direitos
fundamentais como a saúde e a segurança no ambiente de trabalho. Logo, por meio da
convenção coletiva os empregados e empregadores poderiam ponderar sobre quais direitos
fundamentais deveriam prevalecer e assim optarem ou não pela realização de exames e
vacinação de forma obrigatórias como critério para manutenção do vínculo empregatício ou
contratação. Estando estabelecido em convenção coletiva a exigência de exames ou vacinação
para a contratação não seria uma faculdade do empregador, mas um dever.

Além das normas fixadas pelo Estado por meio do Poder Legislativo, outras, oriundas
da autonomia privada coletiva, consubstanciadas em acordos e convenções coletivos
de trabalho, podem estabelecer direitos e obrigações aos atores contratuais, mesmo
contra suas vontades.Isto se dá pelo fato de que os instrumentos normativos advindos
do processo de negociação coletiva empregam-se erga ornnes nas respectivas
categorias; essa aplicação involuntária decorre da representação legai da categoria

9
GUBERT, Maria Beatriz Vieira da Silva. Sobre a obrigatoriedade da vacinação de empregados contra a Covid-
19. 2021. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-jan-21/maria-gubert-obrigatoriedade-
vacinacaoempregados> Acesso em: 25 fev. 2021
10
BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República,
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm> Acesso em: 25fev. 2021.
185

pelo sindicato, é prerrogativa dele, conforme se depreende da leitura do art. 513, a, da


CLT11

Nesse sentido também é o posicionamento de Boaventura que destaca a relevância de


“soluções democráticas assentes na democracia participativa no nível dos bairros e das
comunidades e na educação cívica orientada para a solidariedade e cooperação”12. As
negociações coletivas evocam esse aspecto democrático ao compartilhar o poder de decisão
quanto ao caráter obrigatório de exames ou vacinação quanto ao covid-19 (sarscov 2) entre os
empregadores e empregado que poderão estabelecer os melhores parâmetros e critérios para
exigência de tais práticas no âmbito de cada atividade específica.

Assim, tendo como base uma interpretação restritiva da lei 13.979/2020, bem como, da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal com relação a obrigatoriedade de vacinação e
realização de exames. A interpretação adequada é no sentido da necessidade de regulamentação
específica, no âmbito de qualquer ente federativo, concedendo o direito ao empregador de exigir
exames ou vacinação em caráter obrigatório, entretanto havendo omissão estatal a norma
poderá ser proveniente da autonomia privada em decorrência de convenções coletivas.

2 O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE E O DIREITO / DEVER A UM ÂMBIENTE


DE TRABALHO SEGURO E A PONDERAÇÃO ENTRE DIREITOS
FUNDAMENTAIS

O Princípio da solidariedade ganha especial relevância contemporaneamente em


decorrência da crise social, sanitária e de saúde pública causada em decorrência da pandemia
que assola o mundo em decorrência do covid-19 (sarscov 2). Importante salientar a dupla
dimensão do princípio da solidariedade que abrange tanto as relações internacionais
(solidariedade entre os diversos países) como no âmbito individual (solidariedade entre os
indivíduos que compõe o povo de uma nação). Os estados devem cooperar ao investir recursos
tanto no desenvolvimento de tecnológicas visando a confecção de vacinas e na logística para
sua distribuição. Enquanto os indivíduos devem cooperar de forma solidária mantendo
isolamento social e demais medidas profiláticas necessárias para a redução da propagação do
vírus. Pois as consequências de ações imprudentes terão certamente uma repercussão social,

11
HINZ, Henrique Macedo Direito coletivo do trabalho. São Paulo. Saraiva, 2005. p. 25
12
SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. 2020. p. 8
186

não é um mero problema de saúde individual, mas social inexoravelmente a pessoa que contrair
o vírus contaminará tantas outras com que se relaciona diariamente e até mesmo seu núcleo
familiar, portanto a cooperação ganha especial relevância no combate a essa doença.

O direito ou dever de solidariedade é considerado um direito fundamental de terceira


geração, estando correlacionado a diversos direitos sociais. No caso da pandemia a
solidariedade no âmbito individual caracteriza-se pela proteção do direito a saúde de terceiros
ao adotar as medidas profiláticas necessárias para a sua proteção e a dos demais. Cooperando
assim com a redução da propagação do vírus no decorrer do processo de imunização.

O direito ao desenvolvimento diz respeito tanto a Estados como a indivíduos, segundo


assevera o próprio Mbaya, o qual acrescenta que relativamente a indivíduos ele se
traduz numa pretensão ao trabalho, à saúde e à alimentação adequada. Admite que a
descoberta e a formulação de novos direitos são e serão sempre um processo sem fim,
de tal modo que quando “um sistema de direitos se faz conhecido e reconhecido,
abrem-se novas regiões da liberdade que devem ser exploradas”. Com base nessa
constatação, proclama o jurista a adequação e a propriedade de linguagem relativa ao
reconhecimento de três gerações de direitos fundados no princípio da solidariedade.13

A solidariedade entre os indivíduos e o estabelecimento de relações baseadas na


cooperação é a melhor forma de superarmos as adversidades causadas pela pandemia. Embora
o isolamento social seja necessário para conter a disseminação do vírus, sua aplicação tem
efeitos econômicos nocivos e é inviável por longos períodos. Sendo necessária a reabertura do
mercado de trabalho, mas nesse contexto deve ser posta como uma prioridade a cooperação
entre empregados e empregadores para a promoção de um ambiente de trabalho seguro.
Devendo os primeiros atender rigorosamente a todas as medidas profiláticas enquanto aos
segundos cabe o fornecimento dos equipamentos pessoais de proteção, necessários aos novos
tempos (Álcool gel 70%, mascara).

Contudo, embora uma quarentena temporária seja essencial para deter epidemias, o
isolamento prolongado conduzirá ao colapso econômico sem oferecer nenhuma
proteção real contra doenças infecciosas. Muito pelo contrário. O verdadeiro antídoto
para epidemias não é a segregação, mas a cooperação.14

As relações de trabalho estão intrinsecamente correlacionadas ao princípio da


solidariedade em tempos de pandemia, em especial em atividades econômicas cujo convício
social no ambiente de trabalho é indispensável para o exercício da atividade laboral. Sendo
assim, embora tenham que exercer sua atividade os empregados e empregadores devem

13
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15º edição. Belo Horizonte. Malheiros. 2004. p. 570.
14
HANARI, YuvalNoah. Na batalha contra o coronavírus, faltam líderes à humanidade. Tradução de Odorico
Leal. Companhia das letras. 2020.
187

colaborar mutuamente para propiciar um ambiente seguro para todos e assim garantir sua
segurança biológica e assegurar os direitos individuais a saúde, reduzindo o risco biológico de
contágio do coronavírus, e consequentemente tal solidariedade irradiará colaborando com toda
a sociedade.

Considerando que nenhuma das vacinas possui eficácia de 100%, bem como, não há
grupos que não podem receber a vacina como gestantes, crianças e pessoas que possuem
alergias aos componentes utilizados na confecção das vacinas, a vacinação torna-se uma
questão de saúde pública e impondo aqueles que podem vacinar-se o dever de solidariedade
para que atinjamos a “imunização do rebanho” protegendo assim toda a sociedade dessa
ameaça.

Assim, vacinar-se é uma questão de saúde pública para controle epidemiológico, pois,
considerando que a vacina em alguns casos não surte efeitos, bem como que há
determinados grupos que não podem ser vacinados em situações particulares
(crianças, idosos, grávidas ou imunodeprimidos dependendo de qual o imunizante), é
extremamente importante que todos aqueles que possam ser imunizados assim o
façam para garantir uma proteção coletiva (a tão falada imunidade de rebanho). 15

A legitimidade do empregador para a exigência da realização de exames ou vacinação


de forma obrigatória pelos seus empregados, embora não prevista em lei de forma específica
pode encontrar respaldo constitucional e legal em decorrência de uma interpretação extensiva
de deveres do empregador. Tais deveres possuem como contrapartida direitos ao controle para
sua efetividade. Assim o dever constitucional dos empregadores previsto no art. 7º XXII, da
Constituição federal “XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança;”16 teria como contrapartida e requisito de efetividade,
principalmente em tempos de pandemia a exigência por parte de seus empregados da realização
de exames e vacinação, como pressupostos para contratação ou manutenção do vínculo
empregatício. Assim o dever de promover um ambiente seguro pressupõe o direito de
fiscalização e controle dos aspectos referentes a segurança biológica.

15
LEITE, Jorge Batalha. A vacina e a relação de emprego: sobre a exigência de vacinação contra a Covid-19. 2021
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-jan-08/jorge-leite-vacina-relacao-emprego> Acesso em: 25
fev. 2021
16
BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República,
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm> Acesso em: 25fev. 2021.
188

No mesmo sentido o artigo 159, I, da CLT17 que impõe ao empregado “I - observar as


normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do
artigo anterior;” estipulando o dever ao empregado de cumprir com as normas de segurança e
medicina do trabalho, o que compreende a realização de exames e vacinação contra o covid-19,
pois tais medidas são necessárias para respectivamente conter a disseminação do vírus e
diagnóstico, e prevenção da contaminação. Embora não seja propriamente uma doença laboral
é incontestável o elevado risco de contágio no ambiente de trabalho dependendo da atividade,
o que com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade permitiria ao empregador
exigir a realização de tais exames de forma periódica ou a vacinação de seus empregados, assim
que o governo disponibilizar.

Não se trata apenas de um direito do empregador de impor sua vontade e controlar o


ambiente de trabalho e fiscalizar a segurança desta, igualmente está em risco os direitos a saúde,
integridade física e até mesmo a vida, considerando o percentual elevado de letalidade do vírus,
dos demais empregados. Sendo assim, diante da ponderação de interesses legitima a
obrigatoriedade de realização de exames e vacinação no âmbito das empresas como requisito
para contratação ou manutenção do vínculo empregatício. Pois tais direitos sociais devem
prevalecer aos direitos individuais de um empregado que suscite escusa de consciência para
não se vacinar ou realizar exames. Sendo assim, a obrigatoriedade da vacinação seria uma
manifestação da preponderância dos interesses públicos sobre os privados.

CONCLUSÃO

Declarada a constitucionalidade da obrigatoriedade da vacinação, realização de exames


entre outras medidas profiláticas visando a proteção contra o covid-19 (sarscov 2) pelo Supremo
Tribunal Federal, desde que a matéria seja devidamente regulamentada no âmbito estadual ou
municipal, subsiste o questionamento quanto a legitimidade dos particulares de imporem tais
critérios como requisitos obrigatórios em suas relações e contratos. Em especial em relações
como as trabalhistas que possuem caráter duradouro e em determinadas atividades pressupõe o
convívio social gerando risco de contágio.

17
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm> Acesso em: 25 fev. 2021
189

Ao exigir a realização de exames ou vacinação como pressuposto para contratação ou


manutenção do vínculo empregatício o empregador está adentrando a intimidade do empregado
e eventualmente colocando em risco direito fundamental a liberdade de consciência deste,
tornando a legitimidade questionável, entretanto tal relativização parecer ser razoável em
decorrência de caracterizar-se pela primazia de direitos da coletividade visando cumprir o seu
dever de garantir um ambiente de trabalho seguro que é um direito fundamental de todos os
demais empregados além de assegurar a está coletividade os direitos a saúde e integridade física
com máxima efetividade possível. Sendo assim diante do conflito de direitos e ponderando os
interesses deve-se preconizar o bem comum legitimando a exigência dos exames e vacinação.

Embora a mera ponderação possa levar a uma resposta positiva quanto a legitimidade
do empregador para exigir em caráter obrigatório a realização de exames e vacinação de seus
empregados. Há opções cuja legitimidade seria inquestionável, como a regulamentação
legislativa prevendo a possibilidade da exigência da realização de exames ou vacinas como
pressuposto para contratação ou manutenção do vínculo empregatício, norma que poderia
emanar de qualquer ente federado, em decorrência do caráter concorrente da competência
legislativa quanto a saúde pública. Ou ainda poderiam ser realizadas convenções coletivas com
os sindicatos de empregados de categorias específicas, cuja função pressupõe a aglomeração
nos locais de trabalho para traçar diretrizes de forma democrática e participativa
regulamentando com caráter vinculante para empregados e empregadores deveres recíprocos
quanto a realização de exames vacinação como requisitos de contratação e manutenção do
vínculo empregatício. Bem como outras diretrizes que possam propiciar um ambiente de
trabalho mais seguro e prevenir a contaminação pelo covid-19 (sarscov 2). Diferentemente da
ponderação realizada exclusivamente pelo empregador, a convenção coletiva possui caráter
normativo vinculante entre as partes, além de estar baseada em preceitos democráticos visando
o bem comum, podendo assegurar a proteção de toda uma categoria profissional em detrimento
de eventuais convicções pessoais de alguns trabalhadores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre:. in: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar F.;
SARLET, Ingo W.; STRECK Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São
Paulo: Saraiva: Almedina, 2013.
190

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15º edição. Belo Horizonte.


Malheiros. 2004. p. 570.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência


da República, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
Constituiçao.htm> Acesso em: 25 fev. 2021.

BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do


trabalho. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm >
Acesso em: 25 fev. 2021.

BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para


enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
coronavírus responsável pelo surto de 2019. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm> Acesso em:
25 fev. 2021.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 6.341, Relator Ministro Ricardo Lewandowski
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf>.
Acesso em: 25 fev. 20221

_______. Supremo Tribunal Federal. ADI 6.587, Relator Ministro Ricardo Lewandowski.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf>.
Acesso em: 25 fev. 20221

________. Supremo Tribunal Federal. ADI 6.586, Relator Ministro Ricardo Lewandowski .
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf>.
Acesso em: 25 fev. 20221

GUBERT, Maria Beatriz Vieira da Silva. Sobre a obrigatoriedade da vacinação de


empregados contra a Covid-19. 2021. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2021-jan-
21/maria-gubert-obrigatoriedade-vacinacaoempregados > Acesso em: 25 fev. 2021

HANARI, YuvalNoah. Na batalha contra o coronavírus, faltam líderes à humanidade.


Tradução de Odorico Leal. Companhia das letras. 2020.

HINZ, Henrique Macedo. Direito coletivo do trabalho. São Paulo. Saraiva, 2005.

LEITE, Jorge Batalha. A vacina e a relação de emprego: sobre a exigência de vacinação


contra a Covid-19. 2021 Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-jan-08/jorge-leite-
vacina-relacao-emprego > Acesso em: 25 fev. 2021.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de; Curso de Direito Administrativo. 27 Edição.São Paulo:
Malheiros. 2010.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. 2020.


191

OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E AS TECNOLOGIAS DA


COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO E OS GRUPOS DE TRABALHO
DO WHATSAPP

Maria Cláudia Felten1


RESUMO

As tecnologias da comunicação e informação revolucionam a vida das pessoas e estão


constantemente sendo reinventadas. A comunicação permite a conexão através de várias
tecnologias (celular, e-mail, whatsApp etc) e combinada com a tecnologia da informação
possibilita que a notícia circule o mundo e chegue instantaneamente a todos. Os contratos de
trabalho sempre tiveram estreita relação com as tecnologias, pois estas facilitam a comunicação
entre empregado e empregador. Uma nova ferramenta que vem revolucionado as relações de
emprego é o grupo de trabalho do WhatsApp, que pela ausência de regulamentação, invade a vida
privada do trabalhador, causando problemas no convívio familiar, na saúde e intimidade e
retirando o direito ao lazer, pois promove a hiperconexão do trabalhador com seu contrato de
trabalho.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Tecnologia da Comunicação. Tecnologia da


Informação.

ABSTRACT

Communication and information technologies revolutionize people's lives and are always
being reinvented. Communication allows the connection through various technologies (cell,
email, whatsApp etc) and this combined with information technology allows the news to circulate
the world and arrive instantly at all. Work contracts have always been closely related to the
technologies, since they facilitate communication between employee and employer. A new tool
that has revolutionized employment relations are WhatsApp working groups, which by the
absence of regulation, invade the worker's private life, causing problems in family life, health and
intimacy, withdrawing the right to leisure, as they promote the hyperconnection of the worker
with his work contract.

Keywords: Fundamental rights. Communication technology.Technology of information.

1
Doutora em Direito pela PUCRS. Mestre em Relações do Trabalho pela Universidade de Caxias do Sul – UCS.
Diretora de Cursos na Escola Superior da Advocacia – ESA OAB/RS. Coordenadora e Professora da Graduação na
IMED/Porto Alegre. Advogada. E-mail: mariaclaudia@feltenadvogados.com.br.
192

INTRODUÇÃO

A tecnologia sempre esteve presente na vida dos trabalhadores e das empresas, trazendo
mais benefícios do que malefícios. As tecnologias da comunicação e da informação cada dia
apresentam novas ferramentas, fazendo com que as leis não consigam acompanhar direitos que
podem ser violados, através do mau uso dessas.

O telefone celular é uma tecnologia que abrevia distâncias, tempo e permite que as
pessoas se comuniquem em qualquer lugar, a qualquer hora. Logo, é uma ferramenta que
incrementa as relações de trabalho, auxiliando no processo produtivo das empresas, de forma
mais ágil e mais barata.

Contudo, o telefone celular permite que o empregador contate o empregado mesmo após
a jornada de trabalho, pois o trabalhador hoje é um ser conectado ao mundo globalizado, é um
cibertrabalhador, que tem celular e internet, e faz uso deles sempre que lhe convém.

Uma nova ferramenta que veio facilitar ainda mais a comunicação via telefone celular é
WhatsApp, que logo permitiu que o empregador criasse a figura dos “grupos de trabalho do
WhatsApp”. O mau uso destes pelos empregadores causa a hiperconexão do trabalhador e viola
os direitos fundamentais à privacidade, ao lazer, ao repouso e à saúde, pois o empregado
permanece conectado com seu contrato de trabalho 24hs por dia, sábados, domingos e feriados.

A metodologia empregada no presente trabalho será a hipotético-dedutiva e a pesquisa


será tanto descritiva quanto explorativa.

1 AS TECNOLOGIAS DA COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO E OS CONTRATOS


INDIVIDUAIS DE TRABALHO

A tecnologia e os contratos individuais de trabalho sempre tiveram estreita relação, prova


é que as primeiras leis trabalhistas surgiram para regulamentar as consequências maléficas do
ingresso das máquinas nos meios ambientes de trabalho, na Revolução Industrial2. O embate da
máquina com a mão de obra humana é desleal, uma vez que aquela não reivindica, quando estraga
é substituída por outra sem que tenha que ser indenizada e, principalmente, não há limite de horas

2
A Revolução Industrial foi de 1930 a 1956.
193

para operar. Neste contexto, o surgimento nas fábricas causou desemprego, jornadas de trabalho
exaustivas e precariedade no ambiente laboral.

Primeiro, a tecnologia adentrou as indústrias, mas como o capitalismo é flexível e rápido,


está sempre em busca de novos horizontes que lhe gerem o lucro. Assim, a tecnologia chegou à
comunicação e à informação. Foi onde abreviou espaço e o uso efetivo do tempo. As eficiências
da velocidade foram conduzidas no contexto de um mercado livre que era pouco regulado e onde
o poder das forças de mercado era relativamente desenfreado e, portanto, imprevisível3.

Trata-se da Revolução Informacional, cujo trabalhador é o do conhecimento, que tem


como cenário o domínio da tecnologia da informação e a necessidade de aceleração das inovações
tecnológicas4.

O trabalho e a tecnologia são vidas que se entrecruzam. A tecnologia atrela-se ao trabalho


para facilitar e otimizar o fazer humano e, com isto, economizar tempo e esforço humano. Sem
dúvidas, é via tecnologia que os grandes saltos do desenvolvimento se processam. É observar as
grandes invenções (escrita, eletricidade, telefone) e verificar o que lhes sobreveio no campo do
trabalho. A evolução tecnológica traz consigo a necessidade e o implemento de novos processos
produtivos e a necessidade de mais especialização e/ou capacitação de parte dos trabalhadores 5.

Algumas tecnologias da comunicação, especialmente telefone celular, e-mail e


WhatsApp6, revolucionaram a vida da humanidade. Com o ingresso destas tecnologias, nunca as
pessoas se comunicaram tanto, mas também nunca o homem esteve tão só, distraído com as
novidades destas ferramentas. Elas encurtam distâncias na comunicação e no acesso a informação,
seja no âmbito profissional, econômico, social e pessoal.

3
HASSAN, Robert. The Information Society. Cambridge: Polity, 2008, p. 38 e 39.
4
FINCATO, Denise. Teletrabalho: uma análise juslaboral, p. 46. STURMER, Gilberto (Org.). Questões
controvertidas de Direito do Trabalho e outros estudos. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006.
5
FINCATO, Denise. Trabalho e tecnologia: reflexões, p. 9-12. FINCATO, Denise; MATTE, Maurício;
GUIMARÃES, Cíntia (Org.). Direito e tecnologia: reflexões sociojurídicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado
editora, 2014.
6
WhatsApp é um software utilizado para troca de mensagens de texto instantaneamente, vídeos, fotos e áudios,
através de uma conexão a internet. O Whatsapp foi lançado em 2009, pelo Yahoo, atualmente seu proprietário é o
Facebook. Sua sede é em Santa Clara, na Califórnia, Estados Unidos.
194

Com as facilidades de comunicação e circulação da informação, a economia se tornou


global, o que faz com que haja a necessidade de que o mercado de trabalho e a mão de obra sejam
globais7. Ou seja, o trabalhador precisa estar conectado com o mundo.
O ambiente virtual proporciona a interconexão, as comunidades e a inteligência coletiva.
Da primeira surgem os cruzamentos de pessoas e informações disponíveis na rede, da junção
dessas surge a noção de comunidade e através da troca de informações e saberes, cria-se uma
inteligência coletiva, formando-se uma espécie de motor tecnocultural auto-organizado. A
cibercultura surge da interação social, decorrente da massificação da informática ocorrida através
das redes telemáticas mundiais. O princípio fundamental da cibercultura é a liberação da palavra
que permite o consumo, produção e distribuição de informação8.

Os meios de comunicação geram um sentimento de liberdade individual, de que todo


cidadão é cidadão do mundo. Contudo, o que muitos acessam é a comunicação de massa, com
pouco nível cultural, que não apresenta um grande nível de intelectualidade9. O conteúdo do que
cada trabalhador acessa vai além do contrato de trabalho, mas certamente influenciará no seu
crescimento profissional.

Mas o certo é que as empresas encontraram um grande aliado nas tecnologias para
manterem-se permanentemente em contato com o seu empregado e exigirem que este esteja
sempre informado. Elas, pelo telefone celular e internet, obtêm esta conexão gratuitamente e de
forma instantânea lançam tudo que é tipo de informação.

Com as novas tecnologias da comunicação e informação, os assalariados poderão ter


invadida sua esfera individual e privada se não forem estabelecidos pactos que impeçam as chefias
da empresa de se converterem no vigilante de seu pequeno mundo10. É incontestável que hoje
todo trabalhador tem telefone celular, acesso a internet e faz uso das novas tecnologias com
facilidade. Ele é um cibertrabalhador.

7
CASTELLS, Manuel. La era de La información. La sociedad red, volume 1. 2ª edição. Madrid: Alianza Editorial,
2001, p. 313-314.
8
LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia. São Paulo: Paulus,
2010, p. 19 e 25.
9
BECKER, Maria Lúcia. Inclusão digital e cidadania: as possibilidades e as ilusões da “solução” tecnológica.
Ponta Grossa: editora UEPG, 2009, p. 139.
10
CEBRIÁN, Juan Luis. A rede. Tradução de Lauro Machado Coelho. Volume 59. São Paulo: Summus, 1999, p.
109.
195

1.1 O TRABALHADOR NO MUNDO INTERNAUTA: INTELECTUALIZADO OU


VULNERÁVEL

O artigo 3° da CLT ao dispor acerca do conceito de empregado, diz que ele é o


dependente (subordinado) do seu empregador. A alegada dependência deve ser relativizada, pois
desde a entrada em vigor da CLT transcorreram oitenta anos e as tecnologias da comunicação e
informação mudaram profundamente o perfil do trabalhador brasileiro, uma vez que ajudaram no
desenvolvimento da sua personalidade e autonomia. O empregado, contudo, segue sendo um
dependente econômico, na medida em que tem a necessidade de abrir mão de suas horas de lazer
para prestar serviços a alguém, porque, de algum modo, depende do salário para sua
sobrevivência.

Todavia, a subordinação jurídica recebeu novas acepções, pois com as tecnologias o


trabalhador passou a ser controlado de forma diferente e não ser mais dependente de que alguém
ensine o seu ofício. A prova é a redação do parágrafo único do artigo 6° da CLT 11: “Os meios
telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de
subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do
trabalho alheio.”

A dependência do empregado, pelo menos a jurídica, deve ser relativizada, uma vez que
a cibercultura permite que a personalidade do trabalhador se desenvolva de forma mais rápida e
autônoma. Ele se tornou um cidadão global, onde a informação não tem fronteiras. Com as
tecnologias da comunicação, o empregado desenvolveu sua capacidade cognitiva, de modo que o
empregador dá as ordens por e-mail, telefone, WhatsApp e mensagem eletrônica. Até porque
muitas vezes o trabalho é prestado fora da sede do empregador, num ambiente virtual que pode
ser até mesmo no domicílio do empregado.

O inconveniente destas transformações é a hiperconexão do empregado que pode


ocorrer, uma vez que os meios telemáticos e informatizados de comando ocorrem 24hs por dia
(envio de e-mail e mensagens). Sendo que, em alguns casos, o empregado é cobrado para que
esteja a par de todas as informações lançadas, no seu horário de trabalho ou não. Ou seja, está

11
Art. 6o,, caput. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no
domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de
emprego.
196

permanentemente conectado ao trabalho, pois quando inicia sua jornada já precisa ter
conhecimento do que foi lhe enviado por e-mail e WhatsApp.

Há quem defenda uma intervenção direta e indireta para garantir uma proteção
socioambiental, cultural e econômica, evitando as consequências negativas dos sistemas
tecnológicos hipertrofiados frente às sociedades12. Não há razão, porém, para impedir que o
empregador utilizasse estas ferramentas, pois tornam mais dinâmico o processo produtivo.
Incumbe ao Estado regulamentar o uso das novas ferramentas, para que direitos fundamentais do
trabalhador não sejam violados, sob pena de o Poder Judiciário trabalhista definir os limites desta
conexão.

Segundo Maurício Godinho Delgado, o parágrafo único do artigo 6º da CLT adéqua o


conceito jurídico de subordinação à nova realidade social, pois reconhece como meios de
fiscalização os meios telemáticos e informatizados, influenciando nos contratos de trabalho que
fazem uso das novas tecnologias. Foi relativizada a utilidade de fórmulas jurídicas restritivas de
direitos sociais e fundamentais, garantindo o caráter modernizante e progressista do Direito do
Trabalho13.

Portanto, incumbe ao trabalhador se intelectualizar, para que possa melhor se proteger


da vulnerabilidade a que possa ser submetido quando do uso das novas tecnologias da
comunicação e informação nos contratos de trabalho, pois podem surgir novas formas de restrição
de direito fundamentais.

1.2 A contratação dos grupos de trabalho do whatsapp

O WhatsApp tem revolucionado o mundo globalizado, por ser uma forma gratuita e
rápida de comunicação, através do telefone celular. É possível trocar mensagens de texto, vídeos,
fotos, etc., em fração de segundos.

O empregador encontrou no WhatsApp a ferramenta ideal para comunicar-se com seus


empregados, sem custo, quer durante a jornada de trabalho, quer não. Comumente os

12
MOLINARO, Carlos Alberto. RUARO, Regina. Acoplamento entre Internet e Sociedade - Coupling between
Intern et and Society. Revista da AGU, Brasília-DF, ano XIII, n. 40, p. 37-58, abr./jun. 2014, p. 39.
13
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTr, 2012, p.299.
197

empregadores criam os grupos de trabalho no Whatsapp, onde dezenas ou centenas de mensagens


são disparadas diariamente, inclusive aos domingos e feriados, 24 horas por dia.

As novas tecnologias de comunicação derrubam as barreiras temporais por conta da


instantaneidade, que permite o acompanhamento simultâneo dos acontecimentos, diálogos em
tempo real e diminuição em minutos ou até segundos de respostas. Na verdade, as pessoas
moldam a tecnologia para adaptá-las às suas necessidades14.

Nos grupos de trabalho do WhatsApp, o empregado é cobrado sobre o conhecimento do


conteúdo das mensagens, sendo que é possível ao empregador fiscalizar se o empregado está
visualizando as suas mensagens. Outro aspecto, é que há uma discriminação velada quando não
se participa das conversas do grupo ou quando se faz comentários que desagradam o empregador.

A tecnologia da informação e comunicação, quando conjugada ao trabalho nos padrões


do capitalismo a todo custo, ao invés de permitir ao ser humano a ampliação de sua gama de
conhecimentos e relacionamentos, leva à hiperconexão, modalidade neoescravista, que além de
gerar o adoecimento psíquico não por acaso tem redundado em condenações judiciais por danos
existenciais15.
A hiperconexão gera prejuízos à vida pessoal, ao seu convívio familiar e social e à saúde
mental do trabalhador, pois está sempre “conectado” ao seu contrato de trabalho.

1.2.1 A imprescindibilidade do consentimento

O contrato de trabalho é um acordo bilateral entre empregado e empregador. Portanto, é


uma relação jurídica que precisa ser consentida. Nesse ínterim, é preciso fazer duas distinções
quanto ao uso das tecnologias da comunicação e informação nos contratos de trabalho. Quando o
empregador fornece para o empregado e a utiliza dentro do horário de trabalho não há problema
e, a princípio, sequer precisaria do consentimento, uma vez que é ferramenta de trabalho.
Todavia, necessário se fazer a ponderação a respeito de ferramentas utilizadas fora do
horário de trabalho ou, pior, quando são utilizadas fora do horário e de forma coletiva. Os grupos

14
CASTELLS, Manuel. La era de La información. La sociedad red, p. 445-449.
15
FINCATO, Denise. MATTE, Mauricio. GUIMARÃES, Cíntia (Org.). Direito e Tecnologia: Reflexões
sociojurídicas, p. 15.
198

de trabalho do WhatsApp possuem características que chamam a atenção se confrontadas com as


regras e princípios de proteção do trabalhador, insculpidos na Constituição Federal.
Os grupos do WhatsApp são uma forma de comunicação coletiva adotada pelo
empregador que expõe todos os empregados; como é ferramenta de comunicação pressupõe que
deva ocorrer uma interação.
Logo, o empregado precisa consentir em participar do grupo e não, simplesmente, ser
adicionado a ele, que é como normalmente ocorre. O consentimento é fruto da democracia, em
que as pessoas têm o direito de participar ou não das redes e mídias sociais. Em razão da
importância do consentimento, tramita o Projeto de Lei n° 347/2016,16 que pretende alterar o
Marco Civil da Internet17 para incluir no artigo 11, a letra “a”, que prevê a necessidade de prévio
consentimento do usuário nos processos de cadastramento e envio de convites para participação
em redes e mídias sociais, bem como em seus respectivos grupos, páginas, comunidades e
similares.
Em relação ao uso do aparelho do telefone celular, o Poder Judiciário trabalhista gaúcho
tem condenado o empregador a pagar indenização pelo seu uso. A indenização somente não é
devida quando foi pago aluguel e houve ressarcimento das despesas pelo uso18. Portanto, o
empregador, além do consentimento, teria que pagar aluguel pelo aparelho, sem falar da questão
envolvendo o labor extraordinário.

1.3 O que é tempo à disposição?

O tempo de trabalho pode ser visto como um dos bens sociais mais fundamentais. O
trabalhar não é só o desincumbir-se de uma obrigação, mas também o exercício de um direito
fundamental, não podendo servir somente aos interesses do empregador, sem conexão com as
demais dimensões da vida do trabalhador e com a própria complexidade do trabalhar. O tempo

16
De autoria da Senadora Vanessa Graziottin.
17
Lei n° 12.965, de 23 de abril de 2014.
18
Recurso Ordinário n° 0021248.53.2014.5.04.0015, da 6ª Turma do TRT4, Redator Desembargador Raul Zoratto
Sanvicente, julgado em 24/06/2016. Recurso Ordinário n° 0001025.12.2014.5.04.0102, da 11ª Turma do TRT4,
Redatora Desembargadora Maria Helena Lisot, julgado em 04.02.2016. Recurso Ordinário n°
0000896.14.2012.5.04.0381, da 5ª Turma do TRT4, Redatora Desembargadora Berenice Messias Corrêa, julgado em
05.05.5016.
199

de trabalho nunca deixa de ser tempo de vida do trabalhador, a partir da integração da


corporalidade no processo de produção material e imaterial, em vários aspectos19.
A compreensão do tempo de trabalho como tempo à disposição do empregador tem dupla
limitação. De um lado, ela ratifica a separação entre tempo de trabalho e tempo de vida,
favorecendo a suspensão, durante o tempo de trabalho, do exercício do direito fundamental ao
conteúdo do próprio trabalho. O tempo em que o empregado cumpre a sua obrigação de
disponibilidade à organização produtiva deve também comportar a realização do direito
fundamental ao trabalho. De outro lado, a experiência de trabalho transborda em muito o tempo
físico considerado à disposição do empregador, pois a aquisição de competências de trabalho não
se conquista senão fazendo-se habitar pelo sofrimento que traz a experiência frente ao real, que
exige uma resposta no plano da subjetividade, a fim de tornar possível a realização da tarefa, que
toma inclusive os momentos de insônia e até mesmo os sonhos do trabalhador, convocando ainda
as pessoas que o circundam e o auxiliam na esfera privada a realizar essa elaboração subjetiva20.
Sem dúvida, o trabalho impõe questões no plano da subjetividade ao trabalhador, uma
vez que organiza sua vida pessoal de forma a priorizá-lo, seja em relação ao horário de dormir e
despertar, do que se alimenta, as notícias que lê, a forma como se veste, os cursos de qualificação
que busca. O trabalho proporciona o desenvolvimento profissional e crescimento pessoal do
indivíduo, por isso representa renúncias em relação à vida pessoal deste. Tudo é tempo de
trabalho, por isso o tempo à disposição deve ser limitado.
Logo, os grupos de trabalho do WhatsApp representam tempo à disposição do
empregador, seja no sentido de manter-se informado acerca do seu contrato de trabalho, seja no
sentido de contribuir com o seu trabalho, e podem significar violação a direitos fundamentais.

2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E OS GRUPOS DE TRABALHO DO WHATSAPP

Os grupos de trabalho do WhatsApp quando utilizados pelo empregador fora do horário


de trabalho atentam contra a dignidade da pessoa do trabalhador. A hiperconexão faz com que
este esteja permanentemente conectado ao contrato de trabalho, prejudicando a vida pessoal e o
convívio social e familiar. Dependendo do grau de responsabilidade que lhe é imputado nas

19
WANDELLI, Leonardo Vieira. O Direito Humano e Fundamental ao Trabalho: Fundamentação e
Exigibilidade. São Paulo: LTr, 2012, p. 324 e 325.
20
WANDELLI, Leonardo Vieira, p. 325.
200

conversas, deixa de organizar sua própria existência. Em outras palavras, o empregado deixa de
ser um cidadão do mundo e autônomo, pois fica refém do seu próprio telefone celular. Neste caso,
a violação da dignidade humana pressupõe a violação de direitos fundamentais.
A hiperconexão decorrente do uso dos grupos de trabalho do WhatsApp, após a jornada
de trabalho, viola os direitos fundamentais à privacidade, ao repouso, à saúde e ao lazer, inerentes
à dignidade do trabalhador. E poderá haver outros, em consequência da abertura material dos
catálogos de direitos fundamentais (art. 5°, § 2°, da CF). As tecnologias da comunicação e
informação constantemente apresentam novas ferramentas, que fazem surgir novas nuances de
direitos fundamentais, citando-se como exemplo o próprio WhatsApp, que existe há menos de
dez anos.
Durante o restante do tempo de trabalho fora da esfera de controle presencial ou à
distância do empregador, que não é mensurável e hoje é inteiramente ignorado pelo Direito do
Trabalho, há de se criarem formas de limitar (a eliminação é impossível, no capitalismo) a
apropriação indiscriminada e sem peias da subjetividade do trabalhador, que subsume inclusive
todo o tempo que é juridicamente considerado como tempo de descanso e lazer21.

2.1 Direito a privacidade: the right to be let alone

O artigo 5°, inciso X, da CF, dispõe sobre o direito fundamental à inviolabilidade da vida
privada, que assegura os direitos fundamentais à privacidade, intimidade e à inviolabilidade das
correspondências.

Samuel Warren e Louis Brandeis, sensíveis aos efeitos que o avanço tecnológico poderia
provocar na vida das pessoas teriam sido os primeiros a tratar da privacidade, através do artigo
“The right to privacy”, publicado na Harvard Law Review, em 1890. O direito à privacidade, ao
tempo de sua concepção, era marcado por um individualismo exagerado, que poderia ser
traduzido no right to be let alone22. A primeira ideia de privacidade é o direito a ser deixado
sozinho, em paz, tranquilo.

21
WANDELLI, Leonardo Vieira, p. 326.
22
DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 8-10.
201

Nos dias atuais, a privacidade não deixa de ser o direito de se estar só e de se ser deixado
só, no sentido de viver sem ser molestado pelo Estado e por terceiros no que toca aos aspectos da
vida pessoal e familiar23.

Ideia esta que é difundida até hoje quando se fala de privacidade, mas com as tecnologias
da comunicação e informação é difícil imaginar o right to be let alone. Nesta perspectiva, deve
ser lido e pensado juntamente com a dignidade da pessoa humana, de modo que é a pessoa quem
irá escolher o quanto sozinha e em paz quer ficar. O quanto deixará as novas tecnologias
adentrarem a sua vida íntima.

Para Regina Linden Ruaro, no ambiente laboral, o poder diretivo e o direito de


propriedade do empregador são colocados em confronto com aqueles, pois são direitos
indissociáveis da relação de trabalho. Desde essa perspectiva, os direitos fundamentais à
intimidade e à privacidade recebem uma leitura distinta quando se trata de relação de trabalho.
Há um conteúdo essencial de tais direitos que, em que pese não poderem ser afetados, são
matizados em certas circunstâncias24.

Nessa perspectiva, os grupos de trabalho do WhatsApp, quando utilizados após o término


da jornada de trabalho, ferem o direito à privacidade do trabalhador, pois adentram ao seu
domicílio, interferindo na sua vida pessoal e nas relações íntimas que mantém. Há uma violação
ao direito à privacidade, uma vez que se trata de uma opção do trabalhador ficar sozinho ou não,
após cumprir com seu horário de trabalho.

2.2 Do direito ao repouso x hiperconexão

A ideia de condições de trabalho pressupõe alguns elementos comuns à sua


configuração: local, jornada, descanso e salário25. No caso da hiperconexão causada pelos grupos
de trabalho do WhatsApp interessa-nos a jornada e o descanso.

23
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional,
4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 440-441.
24
RUARO, Regina Linden. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais à intimidade e à vida privada na
relação de emprego: o monitoramento do correio eletrônico pelo empregador, p. 227-228. SARLET, Ingo
Wolfgang (Org.). Direitos fundamentais, informática e comunicação: algumas aproximações. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2007.
25
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito contemporâneo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 476.
202

Se há trabalho, ele toma um tempo de quem vai prestá-lo, logo é impossível trabalhar
sem dedicar um tempo a esse trabalho. Esse tempo pode até ser determinado por mim, mas sempre
deverá existir, para que o trabalhador saiba o tempo que tem que destinar para o trabalho. O
trabalho é correlato ao descanso. Trabalha-se e se descansa. Assim, a atividade do empregado
pressupõe sempre períodos de descanso, maiores ou menores, porque há descansos diários
chamados intervalos, descansos semanais denominados repousos semanais. Essas figuras
integram os direitos das condições de trabalho porque é uma necessária pausa nas atividades de
alguém para recompor as energias e voltar em condições razoáveis a ovacioná-las novamente para
produção dos resultados exigidos pelo empregador26.
Desta forma, como o empregado tem um horário de trabalho a cumprir, seja na sede do
empregador, no seu domicilio ou em ambiente externo, tem o direito fundamental a repousar
também, por um tempo determinado. O Direito do Trabalho atento a este direito fundamental,
criou duas formas de repouso, a primeira que é o intervalo interjornada de no mínimo onze horas
entre uma jornada de trabalho e outra27 e o segundo que é o direito a no mínimo um repouso
semanal de 24 horas, preferencialmente aos domingos28. Os grupos de trabalho do WhatsApp
ignoram o direito fundamental ao repouso, uma vez que o trabalhador permanece conectado ao
contrato de trabalho através do telefone celular.
A conexão nos horários destinados ao repouso ocasiona a hiperconexão, a qual pode
ocasionar problemas de saúde ao trabalhador, em especial, as doenças psíquicas, como o stress,
depressão, síndrome do pânico. Afora isso, há o prejuízo no contexto familiar, pois não pode
dedicar-se a família, porque precisa dividir o tempo com o trabalho, ainda que esteja no período
de repouso.

2.3 Do direito à saúde

A saúde é um direito fundamental social, disposto no artigo 6° da CF,29 e pode ser


compreendida como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, garantido por
normas de ordem pública que dizem também respeito à qualidade de vida no trabalho. Desponta

26
NASCIMENTO, Amauri Mascaro, p. 480-481.
27
O artigo 66 da CLT dispõe sobre o intervalo interjornada.
28
Lei n° 605/1949 que dispõe acerca do repouso semanal remunerado.
29
Ainda o art. 196 da CF dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais
e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações
e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
203

daí o conceito de “trabalho digno” como aquele que permite melhor a expressão dos valores
intersubjetivos do trabalhador30.

Os grupos de trabalho do WhatsApp afetam a saúde do trabalhador diretamente, pois


como mencionado no item anterior, é indispensável que haja o tempo do trabalho e o tempo para
descanso. O corpo e a mente necessitam de descanso para que tenham e mantenham saúde. Os
grupos de trabalho do WhatsApp colocam em discussão, inclusive, o meio ambiente de trabalho,
uma vez que o trabalho ocorre em um telefone celular que é móvel, que acompanha o empregado
onde ele esteja.

O objetivo jurídico da proteção do meio ambiente do trabalho é a saúde e a segurança do


trabalhador, a fim de que este possa desfrutar uma vida com qualidade. Busca-se salvaguardar o
homem trabalhador das formas de degradação e poluição de vida. Num segundo momento, deve-
se observar que se valoriza o trabalho humano, porquanto este é direito social fundamentador da
ordem econômica e financeira e um dos fundamentos da República Federativa do Brasil31.

No que se refere às obrigações básicas do empregador em relação ao direito fundamental


à saúde do trabalhador, ele tem de praticar o direito à abstenção e à prestação, incluindo neste o
direito à prevenção32.

Quanto ao primeiro, tem o trabalhador o direito de abstenção do empregador quanto ao


fator tempo de trabalho: a) não exigência de prestação de horas extras habituais (art. 7º, XIII e
XIV, da CF); b) não exigência de labor nos intervalos intra e interjornadas; c) não exigência de
trabalho nos dias de repouso semanal e feriados, tampouco nos períodos de férias (art. 7º, XV e
XVII). E também direito à abstenção quanto ao fator saúde mental ou psíquica, sendo que o direito
de não agressão a essa saúde compreende: a) o não tratamento rigoroso, vexatório, quando das
ordens e fiscalização do serviço; b) e a não exigência de produtividade superior às forças físicas
e mentais do trabalhador. Quanto às prestações a que está obrigado o empregador, trata-se de um

30
JOSÉ FILHO, Wagson Lindolfo. Proteção ao trabalho em face da automação: fronteiras da inovação tecnológica.
Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 21, n. 4820, 11 set. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/35702>.
Acesso em: 27 nov. 2016.
31
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Meio ambiente do trabalho em face do direito ambiental brasileiro. Artigo
publicado no site do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente – NIMA, da PUCRIO. Disponível em
http://www.nima.puc-rio.br/aprodab/artigos/celso_antonio_pacheco_fiorillo.pdf, acesso em 29112016.
32
OLIVEIRA SILVA, José Antônio Ribeiro de. A saúde do trabalhador como um direito humano. Revista do
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n° 31, ano 2007, p. 131.
204

imenso caudal de normas, envolvendo: a) a obrigação de prevenção; b) e a obrigação de


reparação33.

O empregado está inserido na dinâmica empresarial, que faz uso irrestrito das tecnologias
da comunicação e informação. Todavia, duas questões devem ser observadas, o direito
fundamental à saúde do trabalhador, que transpassa a livre iniciativa do empregador, e o papel do
Estado, que deve garantir a proteção em face da automação, impondo limites ao uso desenfreado
de tecnologias.

2.4 Do direito ao lazer

O direito ao lazer34 não tem seu conteúdo definido pelo texto constitucional. Apesar
disso, a relação com diversas normas constitucionais de cunho protetivo permite que se infira uma
função essencialmente protetiva do direito ao lazer, no sentido de resguardar o aspecto mais lúdico
da vida humana, impondo ao poder público a obrigação de assegurar as condições que viabilizem
o acesso e o exercício de atividades de lazer pela população. O direito ao lazer retoma, assim, o
conteúdo de saúde como “estado de completo bem-estar físico, mental e social” (Organização
Mundial da Saúde), perpassando garantias específicas sobre a saúde dos trabalhadores, por
exemplo: repouso semanal, limitação de jornada de trabalho e justificando, por isso, que possa
integrar o conteúdo do mínimo existencial e da própria vida com dignidade, já que inerente à vida
com (alguma) qualidade35.
Como pode ser observado, o trabalhador tem o direito a repousar (descansar) para que
possa escolher qual o lazer que vai querer fazer uso, seja relacionado à cultura, desporto,
educação, etc. Quando o empregador descumpre com estes dois direitos fundamentais sociais,
está afetando a saúde do trabalhador e invadindo a sua esfera privada. Por consequência, o
empregado deixa de ter uma vida digna e o acesso ao mínimo existencial pode deixar de ocorrer,
pelo menos de forma plena.
As prestações abrangidas pelo mínimo existencial devem assegurar os recursos materiais
necessários para que o indivíduo leve uma vida saudável, além de propiciar e promover sua

33
OLIVEIRA SILVA, José Antônio Ribeiro de. A saúde do trabalhador como um direito humano, p. 131-132.
34
É um dos direitos fundamentais sociais elencados no artigo 6° da CF.
35
SARLET, Ingo Wolfgang, p. 548. CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo
Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz. Comentários a Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.
205

participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão


com os demais seres humanos36. O mínimo existencial deve garantir mais do que a mera
sobrevivência física dos indivíduos, afinal, a noção de uma vida condigna exige mais do que a
singela existência, demandando, também, condições que permitam o pleno desenvolvimento da
personalidade37.

2.5 Dos limites do poder diretivo do empregador x direitos fundamentais

O que permite que o empregador crie os grupos de trabalho do WhatsApp e adicione os


seus empregados, independentemente de consentimento, é o poder diretivo que advém do direito
de propriedade38 e da livre iniciativa39. Contudo, o poder diretivo encontra limites quando se
depara com direitos fundamentais do trabalhador, tais como a privacidade, o lazer, o repouso e a
saúde.
O poder diretivo localiza-se no artigo 2° da CLT que dispõe que o empregador é aquele
que dirige a prestação de serviços, pois é quem assume os riscos da atividade econômica. Este se
desmembra por diversas facetas, podendo ser encontrado sob várias denominações, como poder
de controle, poder de punição, poder de organização, poder hierárquico, entre outros. A palavra
poder denota a noção de comando, ordem, a qual somente existe quando houver a submissão e
aceitação da vontade por um pretenso subordinado40.
Outro aspecto em relação ao poder diretivo que se deve observar é que decorre do direito
de propriedade, resguardado no artigo 5°, XXII, da CF, pois é o dono dos meios de produção,
bem como é aquele que coordena o complexo de bens que envolvem a empresa41. O proprietário
de dar à coisa destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se, quando os

36
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de
1988, 8ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 70.
37
CORDEIRO, Karina da Silva. Direitos fundamentais sociais: dignidade da pessoa humana e mínimo
existencial, o papel do Poder Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 118.
38
É um direito fundamental disposto no artigo 5°, inciso XXII, da CF.
39
É um princípio constitucional que serve de fundamento do Estado Democrático de Direito (artigo 1°, inciso IV, da
CF) e da Ordem Econômica (artigo 170, caput, da CF).
40
HAINZENREDER JÚNIOR, Eugênio. O poder diretivo do empregador frente à intimidade e a à vida privada do
empregado na relação de emprego: conflitos decorrentes da utilização dos meios informáticos no trabalho, p. 64.
STURMER, Gilberto (Org.). Questões controvertidas de Direito do Trabalho e outros estudos. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2006.
41
HAINZENREDER JÚNIOR, Eugênio, p. 66.
206

bens são incorporados a uma exploração empresarial, em poder-dever do titular do controle de


dirigir a empresa para a realização dos interesses coletivos42.
Como bem ensinam Eugênio Facchini Neto e Fábio Siebeneichler de Andrade está
ultrapassada a ideia de direitos absolutos, vinculados ao arbítrio de seu titular, seja no direito
público, ou no direito privado. Os poderes do titular de um direito subjetivo estão condicionados
pela respectiva função, ao mesmo tempo em que se alarga a esfera dos direitos que não são
conferidos no interesse próprio, mas no interesse de outrem ou no interesse social (direito-função).
A concepção de que também o direito privado desempenha uma função social está ligada,
igualmente ao valor da solidariedade, conceito fundamental para o direito contemporâneo43.
Em razão destes primados, o empregador tem o direito de propriedade sobre o seu
negócio, mas deve cumprir com a função social de sua propriedade. Para Fábio Konder
Comparato, a função social da propriedade não indica as restrições ao uso e gozo dos bens
próprios. A noção de função significa um poder, mais especificamente, o poder de dar ao objeto
da propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo. O adjetivo social mostra que
esse objetivo corresponde ao interesse coletivo e não ao interesse próprio do proprietário; o que
não significa que não possa haver harmonização entre um e outro44.
Juntamente com o direito de propriedade do empregado há o princípio constitucional da
livre iniciativa que bem ensina Eros Roberto Grau, a livre iniciativa é um modo de expressão do
trabalho e, por isso mesmo, corolário da valorização do trabalho, do trabalho livre, em uma
sociedade livre e pluralista. A Constituição Federal coloca o valor social do trabalho lado a lado
com a livre iniciativa (artigos 1°, inciso IV, e 170, caput), no sentido de que o trabalho humano
seja valorizado pela livre iniciativa. A liberdade de iniciativa é um dos desdobramentos da
liberdade, mas ela não é um direito fundamental45.

Desta análise, conclui-se que o funcionamento dos grupos de trabalho do WhatsApp,


após o término da jornada de trabalho do empregado, coloca em conflito alguns direitos
fundamentais e princípios constitucionais. Em favor do empregador, há o direito fundamental de

42
COMPARATO, Fábio Konder. Função Social da propriedade dos bens de produção. In: Direito empresarial:
estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva: 1995, p. 34.
43
FACCHINI NETO, Eugênio. ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. A Funcionalização do Direito: A Empresa e
sua Função Social, p. 17. STEINDORFER, Fabriccio. MIZUTA, Alessandra (coord.). Limitações constitucionais
ao exercício da atividade econômica. Curitiba: Juruá, 2016.
44
COMPARATO, Fábio Konder, p. 32.
45
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 17ª edição. São Paulo: Malheiros, 2015, p.
203-205.
207

propriedade e o princípio constitucional da livre iniciativa e, em favor do empregado, os direitos


fundamentais da privacidade, lazer, saúde e repouso.

Por outro lado, não há como desprezar que o WhatsApp é uma ferramenta tecnológica
que revolucionou as relações jurídicas, abreviando distâncias e tempo e facilitando a
comunicação. Logo, os grupos de trabalho do WhatsApp aceleram o processo de produção e
desenvolvimento das empresas, o que beneficia os trabalhadores, que terão seus postos de
emprego mantidos e poderão crescer junto com o empregador. Por isso, a melhor forma de
resolver o conflito entre direitos fundamentais e princípios constitucionais é a ponderação de bens.

A ponderação de bens consiste num método destinado a atribuir pesos e elementos que
se entrelaçam, sem referências a pontos de vista materiais que orientem esse sopesamento. Fala-
se, aqui e acolá, em ponderação de bens, de valores, de princípios, de fins, de interesses. Por isso,
ela deve ser estruturada com a inserção de critérios, com os postulados da razoabilidade e de
proporcionalidade e direcionar a ponderação mediante utilização dos princípios constitucionais
fundamentais46. É necessário separar os elementos que são objeto de ponderação, a fim de que se
perceba quais os bens jurídicos, interesses e valores, que estão protegendo para, a partir disso,
utilizar a proporcionalidade para a verificação do que se vai preservar, sempre buscando a
realização máxima dos valores.

A proporcionalidade significa, sobremodo, que se está obrigado a sacrificar o mínimo


para preservar o máximo de direitos. Acarreta vedação de excessos e omissões47. A proibição de
excesso está presente em qualquer contexto em que um direito fundamental esteja sendo
restringido, pois a realização de uma regra ou princípio constitucional não pode conduzir à
restrição a um direito fundamental que lhe retire um mínimo de eficácia48. Por isso, a dupla face
do princípio da proporcionalidade vem sendo difundida, atuando como critério de controle de
legitimidade constitucional de medidas restritivas de direitos (do âmbito de proteção dos direitos
fundamentais) e de controle da omissão ou atuação insuficiente do Estado no cumprimento de
seus deveres de proteção49.

46
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 16ª edição. Porto
Alegre: Malheiros, 2015, p. 185.
47
FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito, 5ª edição. Porto Alegre: Malheiros, 2010, p. 224.
48
ÁVILA, Humberto, p. 188.
49
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional,
4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 217.
208

Portanto, utilizando o postulado da proporcionalidade há duas formas de se preservar ao


máximo o núcleo essencial dos direitos e princípios aqui protegidos, para que se atinja o fim
almejado. A primeira seria o Estado criar uma norma para regulamentar o uso dos grupos de
trabalho do WhatsApp após o término da jornada de trabalho, tal como criou a figura do
sobreaviso, por exemplo. Condicionar o uso dos grupos ao pagamento de horas extras é onerar
demais o empregador, vez que o trabalhador, via de regra, utiliza a ferramenta de WhatsApp de
qualquer modo.

A outra maneira é um ajuste por escrito entre empregado e empregador, delimitando o


horário de uso, de forma a limitar o prejuízo à privacidade, a saúde, lazer e repouso do empregado.
Também fixar a forma de remuneração deste trabalho extraordinário, que não necessariamente
precisaria ser com valores, mas com folgas, por exemplo. Tudo visando ao crescimento e
desenvolvimento de ambos, empregado e empregador, e não descartando o quanto as tecnologias
da comunicação e informação aperfeiçoam o mundo do trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As tecnologias da comunicação e da informação revolucionaram as vidas das pessoas e


das relações jurídicas e estão sempre surpreendendo, com novas ferramentas que surgem e cada
vez impressionam mais. Todos têm dificuldade de acompanhar as novidades, devido à constante
mutação, o que dirá o legislador em relação à regulamentação sobre o uso das novas ferramentas,
em especial, nos contratos de trabalho.

O sistema de produção adotado pela Constituição Federal é o capitalista e está


expressamente reconhecido no texto constitucional de que trata a Ordem Econômica (artigo 170).
O empregador é um empresário e, como tal, precisa estar atento as novidades tecnológicas, a fim
de produzir mais, angariar lucros e concorrer em situação de igualdade com as empresas
concorrentes, ainda mais numa economia globalizada.

Desta forma, a internet e o telefone celular foram inseridos como ferramentas de trabalho
tão logo chegaram ao mercado. E novos institutos surgiram, por exemplo, o sobreaviso, assim
como o poder de comando do empregador incluiu novas formas de controle, através dos meios
telemáticos e informatizados.
209

Em 2009, surge a ferramenta intitulada WhatsApp que através de um telefone celular


com internet as pessoas se comunicam de forma gratuita, instantânea e na hora que desejarem. O
empregador atento às novas tecnologias inseriu o WhatsApp na relação de emprego, o que só
beneficia a ambos os envolvidos, se for no horário de trabalho.

O WhatsApp também permite a criação de grupos, nos quais dezenas ou centenas de


pessoas participam e podem conversar, enviar arquivos e fotos de forma simultânea. Novamente
o empregador atento às tecnologias começou a adotar os grupos de trabalho do WhatsApp, onde
o trabalhador é inserido no grupo, muitas vezes sem consentir.

Os grupos de trabalho do WhatsApp apresentam algumas características que põem em


conflito normas trabalhistas. O empregado é facilmente discriminado no grupo, uma vez que o
empregador consegue visualizar quem lê suas mensagens, como também consegue controlar
quem interage no grupo. Trata-se da discriminação oculta, velada, repudiada no Direito do
Trabalho. Também o grupo permite que o empregador se comunique com seus empregados 24hs
por dia, sábados, domingos e feriados.

A ausência de regulamentação sobre o uso do WhatsApp e dos grupos de trabalho está


incorrendo no mau uso dessas ferramentas, pois o trabalhador permanece conectado ao seu
contrato de trabalho sempre, causando uma hiperconexão. O empregado tem sua vida pessoal
invadida pelas conversas, prejudicando o convívio familiar e social. Há uma subtração dos seus
direitos fundamentais ao repouso, lazer e privacidade. Sem falar na saúde, uma vez que o
ambiente de trabalho passa a ser o telefone celular, que está sempre acompanhando o trabalhador,
que fica sendo pressionado a ler e participar das conversas, por conta da discriminação que pode
sofrer.

Por outro lado, há de ser ressaltado que o trabalhador contemporâneo não é mais aquele
de quando foi aprovada a CLT, que era uma pessoa vulnerável, com pouco acesso à informação.
O trabalhador atual é um cibertrabalhador, que tem telefone celular e internet, que se considera
cidadão do mundo, afinal acompanha as notícias do mundo. Ele participa de redes sociais, se
comunica sem dificuldades, portanto é um ser mais intelectualizado e comunicativo. Claro que
há críticas sobre o que o trabalhador lê na internet, mas isso é outro aspecto, que não tira a
grandeza do que o celular e a internet proporcionaram aos assalariados.
210

Nesse contexto, precisa ser regulamentado o uso das novas ferramentas, observando o
direito de propriedade e a livre iniciativa do empregador. O Estado não pode intervir no negócio
do empregador e proibir o uso de tão grandiosa ferramenta, mas também não deve tolerar que o
empregado seja submetido à hiperconexão. São princípios constitucionais e direitos fundamentais
em conflito, em que a melhor solução é a ponderação.

É necessário ponderar os bens jurídicos, valores e interesses que se pretende proteger, a


fim de preservar ao máximo o núcleo essencial. Quando se fala de conflito de princípios e regras,
a melhor forma de solução é através da proporcionalidade, em que se sacrifica o mínimo para
preservar o máximo de direitos. Os excessos e omissões que podem resultar na solução dos
conflitos ficam vedados, pois é feita uma ponderação.

Incumbe ao Estado regulamentar, por fim, o bom uso dos grupos de trabalho do
WhatsApp pelo empregador. As entidades sindicais também poderiam exercer seu dever
constitucional e através da autonomia coletiva que gozam regulamentar o uso em suas normas
coletivas. Talvez seja o mais ideal, pois poderiam ouvir os envolvidos e tentar agregar ao máximo
seus interesses na hora de redigir a cláusula que regulamentaria a matéria. Independentemente de
quem for regulamentar a matéria, o certo é que o capital e o trabalho precisam andar juntos para
crescerem e se desenvolverem, não havendo razão para impedir o uso dos grupos do WhatsApp,
já que se trata uma excelente ferramenta de comunicação e informação.

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213

A EVOLUÇÃO DO TELETRABALHO: E SEU PAPEL DE DESTAQUE


DURANTE A PANDEMIA DO COVID-19

Thaís Ribas Francesqui1

RESUMO
O teletrabalho é resultado do avanço tecnológico, o qual trouxe diversas mudanças na
forma de viver, se relacionar, estudar e também de trabalhar.Na pandemia essa transformação
e dependência ficou clara, mas o questionamento é se as relações de trabalho seguirão nesta
forma de alta conectividade ou se de fato o trabalho necessita ser desenvolvido em coletividade
e nas dependências da empresa, ou se melhor alternativa é ser adotado a forma híbrida, a qual
oferece ambas modalidades em alternância. Com isso, o direito não pode ficar estagnado, pelo
contrário tem de acompanhar a transcendência da humanidade para poder apresentar normas
que assegurem os direitos dos trabalhadores e que não aja flexibilização de forma livre como
justificativa para amenizar ou evitar colapso econômico no país, pois não podea mão de obra
que ser assemelhadaà máquina, a qual pode ser facilmente substituída ou descartada, mas sim,
de seres humanos com limitações e singularidade. A evolução é inevitável, porém há a
possibilidade de decidir de como utilizá-la se em favor da proteção dos mais frágeis ou de uma
minoria detentora do poder. Assim, esta forma de trabalho que não era tão usual acabou sendo
uma necessidade, mas que pode vir a ser uma opção viável para empregado e empregador.
Palavras chave: Teletrabalho, pandemia, dignidade da pessoa humana, trabalho.

INTRODUÇÃO

O ano de 2020 iniciou com a notícia de um vírus nomeado como SARS-CoV-2 (Covid-
19), o qual iria modificar a rotina, modo de interação em sociedade e as inúmeras precauções
para evitar a disseminação e o contágio.
No Brasil houve inúmeros impactos para a população e em seu cotidiano, que passou a
higienizar constantemente as mãos e os objetos utilizados, havendo distanciamento entre as
pessoas e até mesmo o isolamento social, tento impacto principalmente na economia, a qual
estava sendo reestabelecida de crises anteriores, trazendo insegurança e medo, tanto pela saúde
quanto pelo seu sustento. E devido a esse denominado “novo normal” houve mudanças tanto

1
Advogada OAB/RS n° 105.722. Mestranda em Direito na Universidade de Passo Fundo (UPF). Especialista em
Direito do Trabalho e Processo do Trabalho (UNINTER). Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (UPF)
Integrante do Projeto de Pesquisa “Relações de Poder e o poder municipal no Estado brasileiro" (UPF). E-mail:
119314@upf.br
214

na vida pessoal quanto na profissional de todos, para minimizar as demissões e os impactos


econômicos das empresas a alternativa para em alguns setores foi a utilização do teletrabalho
ou trabalho remoto, o qual foi incentivado por meio da Medida Provisória nº 927 sendo uma
das alternativas encontradas para que as empresas não fechassem ou parassem por completo,
contudo, cabe salientar que não são todos os setores que essa possibilidade pode ser adotada
como forma de trabalho, pois necessitam que seja presencialmente .

Primeiramente, será analisado o princípio da Dignidade da Pessoa Humana que está


expressamente garantido na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual tem
o caráter de resguardar condições dignas a todos. Neste diapasão sua interpretação é voltada
aos trabalhadores e ao local onde desenvolvem suas funções, que tem de seguir certas
exigências para que possibilite a execução laboral de forma que seja visto e tratado como um
colaborador para o desenvolvimento da produção, e não como uma máquina ou peça, a qual
facilmente pode ser substituída por outra quando não atende mais o alto grau de exigência.

Após, é analisado breve evolução do teletrabalho no Brasil, primeiramente quando foi


instituída a Consolidação das Leis do Trabalho em 1943 onde não havia previsão de
desenvolver o trabalho no domicílio, e tão pouco que poderia ser através de internet, telefone
celular ou notebook, mas com as transformações tecnológicas a forma de trabalho também foi
evoluindo e se adequando as novas necessidades, com isso, as normas necessitaram trazer
garantias para esses trabalhadores, o qual iniciou no entendimento por meio do artigo 6º,
parágrafo único da CLT, o qual trouxe a percepção de que há subordinação nas relações de
trabalho à distância e que são supervisionados e/ou controlado através de meios telemáticos e
informáticos, após foi normatizado pela Lei nº 13.467/2017 que trouxe algumas alterações,
dentre elas a introdução os artigos 75-A a 75-E tratando sobre o teletrabalho.

Assim, passa-se a análise da utilização do teletrabalho durante calamidade pública


ocasionada pelo Convid-19 como forma de não interromper por completo o trabalho e evitar a
demissão milhões, para tanto foi desenvolvida a Medida Provisória nº 927 de 2020 em seu
artigo 3º inciso I, bem como o capítulo II dedicado as especificações de como seriam as regras
do teletrabalho durante a pandemia. Tendo algumas alterações em sua aplicação como forma
de incentivar os empregadores a adotarem esta modalidade. Contudo, esta mudança ocorreu de
forma abrupta, sem haver um preparo psíquico para trabalhar no domicílio, pois não são todos
os trabalhadores que conseguem desenvolver seu oficio desta forma, também não havia um
215

ambiente que atendesse as necessidades para o trabalho, tais como; mobilha adequada para
garantir a ergonomia, internet veloz que atendesse as exigências do trabalho, enfim, uma
situação onde empregado e empregador foram surpreendidos. Mas também trouxe novas
oportunidades de desenvolver o trabalho de forma mais telemática.

O presente trabalho foi desenvolvido através da pesquisa bibliográfica por meio de


livros, legislações, artigos e diretrizes governamentais, sendo o método dedutivo, o qual impõe-
se analisar este tema recorrente.

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O princípio da dignidade da pessoa humana está expressamente garantido nos


fundamentos da Constituição Federal de 1988 em seu art. 1º, III2, a qual foi elaborada após um
período de autoritarismo pela ditadura militar, e por tal motivo, houve uma maior ênfase nos
direitos fundamentais tendo como base algumas Constituições pós-guerra, tais como: a italiana
de 1947 e a Lei Fundamental da Alemanha de 1949. Esta última deixou de forma expressa a
previsão do referido princípio em sua Constituição3.

Para Piovesan, a dignidade da pessoa humana é concebida como fundamento dos


direitos humanos e tem seus precedentes históricos: no Direito Humanitário, na Liga das Nações
Unidas e a Organização Internacional do Trabalho, estes iniciaram no processo de
internacionalização dos referidos princípios4. Portanto, todo ser humano ao nascer tem por
direito à dignidade da pessoa humana, devendo o Estado e a comunidade como um todo, para
protegê-lo e resguarda-lo, principalmente na esfera jurídica.

O princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito jurídico e especificamente na


área do direito do trabalho está resguardado na Constituição Federal de 1988 no artigo 5º, XIII
5
onde trata dos direitos e garantias fundamentais, e na Consolidação das Leis do Trabalho, pois

2
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana
3
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais
na Perspectiva Constitucional. 10ª edição. Livraria do Advogado, 2009.p. 65-66.
4
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9ª edição. Saraiva, 2008. p.
111.
5
Artigo 5º- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
216

todo empregado tem direito a um trabalho digno ao que se refere o local onde exerce suas
atividades laborais quanto ao tratamento do empregador com o empregado6. Para Cleyson de
Moraes Mello e Thiago Moreia o direito do trabalho é pertencente a todos “[...] uma vez que
este é o meio pelo qual o trabalhador poderá prover subsistência de forma digna para si e para
os seus. Daí se pode verificar a estreita vinculação deste direito social com o princípio da
dignidade da pessoa humana.”7

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo XXIII, traz a
imprescindibilidade do direito do trabalho, para tanto, resguarda direitos essenciais que garanta
condições dignas para os trabalhadores, dentre os quais, “toda a pessoa tem direito ao trabalho,
à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra
o desemprego; todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual”8.
Para que desta forma, o trabalho seja desenvolvido preservando a igualdade, liberdade, proteção
e dignidade.

Apesar de haver proteção a essa garantia fundamental constitucional, são constantes as


denúncias de violação a esse princípio que garante aos trabalhadores condições dignas para
desenvolver seu oficio. Em virtude da crise econômica e o aumento de desempregados no país
houve certa flexibilização das normas trabalhistas para incentivar a contratação, e assim, a
economia retornar a se desenvolver. Contudo, deve-se questionar se a economia é
imprescindível ao ponto de reduzir direitos de trabalhadores, que seu sustento e de sua família
depende estritamente do salário, ao que se refere a esse assunto, Amartya Sen apresenta que,
“[...] Para boa parte da humanidade, a única dotação significativa é a força de trabalho. A
maioria das pessoas do mundo possui poucos recursos além da força de trabalho, que pode
apresentar um grau variado de qualificações e experiência. [...]9”. E, para não ser mais uma
dentre milhões de desempregados, acaba por aceitar as condições impostas por seu empregador.

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a
lei estabelecer;
6
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos
Fundamentais na Perspectiva Constitucional.p.88.
7
MELLO, Cleyson de Moraes. MOREIRA, Thiago. Direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana. Rio
de Janeiro: Freitas Bastos, 2015.p. 597.
8
Assembleia Geral das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 10 dezembro. 1948, em
Paris.Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por. Acesso em:
07/09/2020.
9
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia da Letras, 2000.
217

A sociedade capitalista tem o principal objetivo é adquirir bens materiais, que não são
somente para a sua subsistência, e para conseguir isso é através do trabalho, o qual sempre visa
à proteção do mais frágil da relação contratual que é o trabalhador. Dessa forma, o resguarda
de desigualdades provenientes de sua hipossuficiência e a superioridade do empregador que
detém o poder do capital. Referente a esta temática as obras de Karl Marx estão em constante
reinterpretação as questões do trabalho e do capitalismo, como pode ser analisado:

Neste contexto há a premissa de que, em tempos de superexploração do trabalho quem


não se submeter às regras impostas pelas relações desiguais incorre o risco de ser
substituído facilmente de suas funções, visto o volumoso exército de reserva. Esse
panorama evidencia a contradição existente nos novos contextos forjados pelas
transformações estruturais do capitalismo e as consequências destes nas relações
sociais contemporâneas.10

Com isso, Sarlet diz que “[..] a simples constatação da existência do emprego não é em
si a expressão de dignidade dessa pessoa trabalhadora [...]11”. Ou seja, nem sempre quando o
empregador respeita as normas trabalhistas que são protecionistas se está oportunizando
condições dignas de trabalho, e que após a reforma trabalhista houve flexibilização de certas
normas, se estará fazendo o trabalhador sentir-se membro de uma comunidade e sujeito de
direitos.

Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana está relacionado com o direito do


trabalho, pois há que resguardar condições dignas para o pleno exercício de seu ofício, seja no
âmbito no local da prestação do serviço, que pode ser nas dependências da empresa quanto na
residência.

A EVOLUÇÃO DO TELETRABALHO NO BRASIL

O teletrabalho antes das alterações ocorridas na Consolidação das Leis do Trabalho não
havia norma específica regulamentando sua forma e as regras a serem cumpridas pelo
empregado e empregador, o único dispositivo que tratou sobre esta temática, mesmo que de

10
AUGUSTIN, S. (Org.). Direito e marxismo. [recurso eletrônico]. Caxias do Sul: Educs, 2014. p. 105-128.
Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/. Acesso: 03/09/2020. p.103.
11
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos
Fundamentais na Perspectiva Constitucional.p.94.
218

forma superficial foi o artigo 6º em seu Parágrafo único12, o qual foi implementado pela Lei nº
12.551/2011, conforme interpreta Delgado (2019, p.1069) “Desse modo, o novo dispositivo da
CLT permite considerar subordinados profissionais que realizem trabalho a distância,
submetidos a meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão.”

A prestação de serviços no domicílio do trabalhador, dito como tradicional, vem sendo


desenvolvido há algum tempo, sendo utilizado no ramo da indústria têxtil, o qual é optado em
diversas regiões, tendo em vista a comodidade para desenvolver seu ofício em sua residência e
não necessita deslocar-se até as dependências da fábrica, tendo de enfrentar trânsito, conduções
superlotadas e despendendo de seu tempo para o trajeto entre sua residência até a empresa.
Referente a esse aspecto, a autora Iris Marion Young, traz sobre o assunto a seguinte
perspectiva:

Até agora, descrevi as condições habituais dos trabalhadores das fábricas têxteis. No
entanto, uma proporção significativa de pessoas que costuram as peças têxteis
trabalham em casa. Os empregadores geralmente preferem contratar pessoas que
trabalham em casa porque dessa forma eles não têm que pagar um local ou despesas
de infraestrutura, e não são legalmente responsáveis pelas condições de trabalho. Os
trabalhadores, especialmente as mulheres, muitas vezes preferem trabalhar em casa
do que na fábrica, mesmo que seja mal pago, porque permite evitar viagens longas e
tediosas, e ficar com seus filhos e manter aparências diante de seus maridos, que
fingem que suas mulheres não trabalham. No entanto, as pessoas que trabalham em
casa são muitas vezes os piores salários e se autoimpõe uma jornada mais longa.
(tradução da autora)13

Com isso, fica evidenciado que esta forma de trabalho sem regulamentação é prejudicial
ao trabalhador, que além da jornada de trabalho ser mais extensa, sua remuneração é menor e
que muitas vezes não necessita fornecer o instrumento de trabalho e tão pouco indenizar os
gastos com a infraestrutura, sendo assim, o ônus das despesas fica a cargo do trabalhador. Já a
forma de home-office ou o novo trabalho no domicilio é desenvolvido através da utilização de

12
Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio
do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para
fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
13
YOUNG, Iris Marion. Responsabilidad por la justicia. Traducción MimiagaBremón y RocFilellaEscolá.
Madrid: Morata, 2011.p.138.Original: “Hasta ahora he descrito las condiciones habituales de los trabajadores de
las fábricas textiles. Sin embargo, una proporción significativa de personas que unen las piezas textiles trabajan
desde su casa. Los empleadores a menudo prefieren contratar personas que trabajen en su domicilio porque de esta
manera notienen que pagar un local ni gastos de infraestructura, y no son legalmente responsables por las
condiciones laborales. Los trabajadores, en especial las mujeres, a menudo prefieren trabajar en casa que en la
fábrica, aunque esté peor pagado, porque les permite evitar viajes largos y tediosos, y quedarse con sus hijos y
guardar las apariencias ante sus maridos, quienes fingen que sus mujeres no trabajan. No obstante, las personas
que trabajan en su domicilio son a menudo las peor pagas y se auto imponen una jornada más larga.”
219

informática e equipamentos elétricos, neste ponto se assemelha ao teletrabalho, que utiliza


internet, celular e outros equipamentos que permitem exercer sua função em outros locais14,
ambos foram acrescentados por meio da Lei nº 13.467/2017 no inciso III do artigo 62 CLT.15
Em 2017 houve a denominada reforma trabalhista na Consolidação das Leis do Trabalho
- CLT através da Lei nº 13.467/2017, a qual regulamentou o teletrabalho em seus artigos 75-A
ao 75-E16 no Capítulo II-A, tal regulamentação trouxe maior segurança para sua aplicação e
resguardando a saúde e segurança do trabalhador, além de tais disposições sobre o fornecimento
dos equipamentos tecnológico, bem como a adequação do local onde o serviço será prestado
ou reembolso pelas despesas devem constar expressamente no contrato.17

Marcelo Rodrigues Prata traz pesquisa realizada pela SAP Consultoria em Recursos
Humanos, referente ao home office no ano de 2018 no Brasil, onde foram analisados por 315
empresas, das quais; 45% já haviam inserido o teletrabalho, 40% não o adotavam e 15%
consideravam sua utilização. Ainda, a referida pesquisa trouxe outros dados, os quais:

14
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. - 18. ed. - São Paulo: LTr, 2019.p.1068.
15
Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
III - os empregados em regime de teletrabalho.
16
Art. 75-A A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste
Capítulo.
Art.75-B Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do
empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que por sua natureza, não se
constituam como trabalho externo.
Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas
que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.
Art. 75-C A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato
individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.
§1º Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre
as partes, registrado em aditivo contratual.
§2º Poderá ser realizada a alteração entre regime de teletrabalho para o presencial por determinação do
empregador, garantido o prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo
contratual.
Art. 75-D As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos
equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como
ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.
Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.
Art. 75-E O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às preocupações
a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.
Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções
fornecidas pelo empregador.
17
MANNRICH, Nelson. A eficácia das medidas previstas nas medidas provisórias 927 e 936/2020 na crise da
Covid-19. In: BELMONTE, A. A.; CARREIRO, L.; FREDIANE, Y. X Congresso Internacional da ABNT:
crise econômica e social e o futuro do direito do trabalho. Anais do Congresso. São Paulo: Matrioska, 2020. p.
133-148.
220

Em relação ao objetivo que as empresas declararam ter com a adoção do home office,
70% delas responderam que buscavam com isso melhorar a vida dos colaboradores,
63% faziam isso pensando na mobilidade urbana (redução de veículos nas ruas,
tempos no trânsito, etc), 47% tem o home office como um benefício concedido para
os empregados, 47% o fazem buscando atração e retenção de talentos, 36% pretendem
com isso a redução de despesas com espaço físico e correlatas, 33% buscam no
teletrabalho um aumento na produtividade, 24% acreditam que esta modalidade reduz
o turnover e o absenteísmo, 19% objetivam colaborar com o meio ambiente reduzindo
congestionamentos e poluição na região. 18

Contudo, a desvantagem para o trabalhador adotar esta forma de trabalho é que seu gasto
com luz, internet tem grande aumento, por estar mais tempo em casa e acaba tendo que arcar
com ônus. Neste ponto acaba sendo muito lucrativo para empregador que deixar de ter gastos
com funcionário em sua empresa e também tem a incumbência de compensar os valores as
despesas decorrentes do teletralho. Desta forma, acaba por haver um impasse, pois o empregado
não deseja aderir a uma forma onde vai ter custos.

Portanto, a utilização desta forma de trabalho já estava inserida no cotidiano de algumas


empresas e trabalhadores19, e que foi adotada por inúmeros setores para dar seguimento aos
seus serviços, bem como, para não haver demissões de forma exponencial. E há a possibilidade
de tanto o empregador como o empregado optarem em continuar nesta modalidade.

TELETRABALHO E SUA UTILIZAÇÃO DURANTE A PANDEMIA

No dia 31 de dezembro de 2019 houve a notificação e notícia do primeiro paciente


diagnosticado com Covid-19 doença ocasionada pelo coronavírus SARS-CoV-2 na cidade de
Wuhan, localizado na província de Hubei, na República Popular da China. Com isso, após o
Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, o qual determinava estado de calamidade
pública reconhecido, e assim, estabeleceu regras que permitissem que empregadores e
empregados a desempenharem suas funções com segurança para que houvesse demissões em

18
ALGRANTI, Eduardo. TRIVELATO, Gilmar da Cunha. FILHO, José Marçal Jackson. Silva, Rogério Galvão
da. Benevides, Erika Alvim de Sá. Prevenção à Covid - 19: orientações para a preservação e controle da Covid -
19 nos locais de trabalho. São Paulo: Fundacentro, 2020. Disponível em 13/08/2020.
https://www.gov.br/fundacentro/pt-br/assuntos/noticias/noticias/2020/7/cartilha-da-fundacentro-traz-medidas-de-
prevencao-e-controle-da-covid-19. Acesso em: 10/09/2020.p.226.
19
O Brasil, pelas características de seu mercado de trabalho, possui, na média, um percentual de pessoas em
potencial de teletrabalho de cerca de 22,7%, que corresponde a 20,8 milhões de pessoas. Nota-se, então, que o
Distrito Federal apresenta o maior percentual de porcentual de teletrabalho (31,%) em torno de 450 mil pessoas.
O estado do Piauí é o que apresenta o menor percentual em teletrabalho (15,6%), ou seja, em torno de 192 mil
pessoas poderiam potencialmente estar em trabalho. Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/200608_nt_cc47_teletrabalho.PDF Acesso
em:20/09/2020.
221

20
grande escala. Para tanto, foi elaborado a Medida Provisória nº 927, de março de 2020 que
dentre as medidas orientadas está o teletrabalho, o qual foi atribuído no Capítulo II.

Dentre as possibilidades apresentadas, o artigo 4º caput traz a possibilidade de o


empregador alterar do trabalho presencial para o teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma
de trabalho a distância, podendo requerer o retorno a modalidade habitual, sem que seja
necessário a existência de acordo individual ou coletivo, sendo dispensável o aviso prévio da
modificação no contrato individual de trabalho. Contudo, o parágrafo 2º do referido artigo, fica
estabelecido que a alteração ou modificação retro mencionada deva ser notificada ao empregado
em no mínimo quarenta e oito horas de antecedência, seja por escrito ou por meio eletrônico.
Quanto aos equipamentos tecnológicos e infraestrutura 21necessária para execução do trabalho,
devendo ser firmado previamente em contrato escrito ou no prazo de trinta dias a contar da data
da mudança do regime de trabalho para determinar sobre o reembolso de gastos referentes ao
trabalho a distância ou em domicílio do empregado.

Tais medidas foram elaboradas para flexibilizar22 em alguns pontos para incentivar a
utilização do teletrabalho durante o decreto de calamidade pública em decorrência do Convid-
19, como forma de promover a manutenção dos trabalhos e evitar que milhões de brasileiros
fossem demitidos em meio a pandemia, em virtude desse medo de não ser mantido no emprego
pode fazer com que o empregado nesta forma de trabalho acabe por ter uma jornada laboral
extensa com poucas pausas para o descanso para poder produzir mais e ter maior efetividade.
Contudo, esse excesso de trabalho ou em condições não salubres pode desencadear vários
problemas de ergonômicos, que inviabilizem o trabalhador de continuar na sua função seja de
forma temporária ou em casos mais graves pode ser permanente, trazendo prejuízos tanto na
vida laboral quanto na vida pessoal, além de ocasionar problemas emocionais.

20
Cabe salientar que a referia Medida Provisória teve seu prazo de vigência encerrado no dia 19 de julho de 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Congresso/adc-92-mpv927.htm, Acesso em
14/09/2020
21
§ 4º Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e
adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância:
I -o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura,
que não caracterizarão verba de natureza salarial; ou
II - na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato de que trata o inciso I, o período da jornada normal
de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.
22
Sobre a flexibilização, François Ost traz que “Correspondendo aos imperativos económicos de <gestão em fluxo
tenso> e de adaptação imediata às contingências do mercado, uma nova <flexibilidade> do emprego traduz o
ajustamento reclamado pelo trabalhador aos constrangimentos da sua tarefa, como nas antigas formas de admissão
de pessoal.” (1999, p. 395)
222

Ao que se refere a multiplicidade de sensações que o trabalhador tem ao longo da


jornada no teletrabalho que foi inserida abruptamente devido ao distanciamento social instituído
pelas autoridades e aderida por várias empresas como forma de manter a prestação de serviços
aos colaboradores e consumidores. Assim, esta modalidade pode desencadear certo sofrimento
devido a inúmeras incertezas que acarretam esta situação tão peculiar e nova, contudo, este
sentimento pode ser transformado em algo produtivo, conforme demonstra a autora Soraya
Rodrigues Martins:

O sofrimento criativo está intimamente ligado ao prazer conquistado no trabalho pelo


exercício da inteligência astuciosa e da criatividade e pelo reconhecimento da
contribuição fundamental que ela representa à organização do trabalho. A
transformação ou ressignificação do sofrimento em prazer, a conquista de identidade
e a conquista da saúde dependem da qualidade dinâmica do reconhecimento e das
estratégias defensivas contra o sofrimento. O sofrimento, ao ser transformado em
prazer, inscreve a relação de trabalho como mediadora da realização de si mesmo
trazendo sua contribuição à construção da identidade. 23

O ser humano ao longo dos séculos desenvolveu a capacidade de se adequar e


transcender frente a novas realidades. Contudo, não há como seguir nesta situação por um longo
período, submetendo-se a uma situação que não lhe traga prazer em desempenhar, mesmo que
depois desfrute de momentos que compensem permanecer laborando nessas circunstâncias.
Para compreender melhor os efeitos ocasionados pelo teletrabalho na pandemia, foi firmado
acordo do IBGE e o Ministério da Saúde para desenvolver o PNAD Covid, o qual irá identificar
pessoas com os sintomas do vírus, mas também levantará dados sobre questões relacionadas ao
teletrabalho, tais como; quantidade de horas trabalhadas e realizar mapeamento da
informalidade, para assim ter real dimensão da situação24.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No último século podemos perceber a evolução da tecnologia e sua utilização no setor


laboral, e assim, o trabalhador viu a necessidade de se adequar para poder permanecer ativo no

23
MARTINS, Soraya Rodrigues. Clínica do Trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2012.p. 90.
24
GÓES, Geraldo Sandoval. MARTINS, Felipe dos Santos. NASCIMENTO, José Antonio Sena do. Potencial de
teletrabalho na pandemia: um retrato no Brasil e no mundo. Carta de Conjuntura número 47, 2º trimestre de
2020. IPEA. Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/200608_nt_cc47_teletrabalho.PDF. Acesso em:
20/09/2020.p.6.
223

mercado de trabalho. Contudo, dentro deste desenvolvimento é preciso que o Direito do


Trabalho também siga as mudanças da realidade laboral para poder garantir a proteção e a
dignidade dos trabalhadores, que são a parte mais fraca da relação laboral, e que conforme a
Organização Internacional do Trabalho em sua criação já trouxe que não deve haver a
mercantilização da mão de obra, para tanto, deve-se proteger o trabalhador e seus direitos.

A Consolidação das Leis do Trabalho foi criada em 1943, com isso, nesta época o
trabalho era desenvolvido de forma presencial e desenvolvida pelos meios disponíveis no
momento, mas havia alguns trabalhadores que tinham a possibilidade de trabalhar em seu
domicilio, como é o caso das costureiras da indústria têxtil, hoje esta modalidade é denominada
como home-office, com os avanços tecnológicos e da internet o trabalho foi sendo modificado
e se adequando a essa nova realidade, através do trabalho a distância e o teletrabalho, que por
anos havia discussão sobre uma das principais características da relação de emprego que é a
subordinação, para tanto, foi implementado o parágrafo único no artigo 6º que esta forma de
trabalho há subordinação, pois pode ser monitorado por meios telemáticos e informáticos de
comando. Contudo, ainda era necessário haver normas que abordassem as garantias e direitos
a esses trabalhadores, assim, por meio da Lei nº 13.467/2017 foi inserido o capítulo II-A do
artigo 75-A ao 75-E tratando sobre o teletrabalho e as garantias aos trabalhadores e os deveres
dos empregadores.

Desde sua regulamentação somente uma pequena parcela dos trabalhadores passou a
adotar esta forma de trabalho, porém, com o surto pandêmico ocasionado pelo SARS-CoV-2
ou também denominado como Covid-19, o qual rapidamente se propagou em todas regiões,
contaminando milhões e matando milhares, para adotar medidas efetivas ao combate ao vírus
e manter a economia estabilizada, foi determinado a ocorrência do estado de calamidade pública
através do Decreto Legislativo nº 6º de 2020, após foi editada a Medida Provisória nº 927 de
2020 dispondo sobre as medidas trabalhistas a serem utilizadas durante a pandemia, dentre elas
a orientação de ser adotado o teletrabalho com algumas flexibilizações para haver maior
inserção dos empregadores para assim evitar demissões em massa, contudo, esta transição deu-
se de forma abrupta, sem haver um tempo hábil para que tanto o empregador quanto o
empregado pudessem planejar a melhor forma para a transição da forma presencial para o
teletrabalho. Com isso, os trabalhadores em sua maioria não possuíam mobilhas, equipamentos
e internet adequados para execução de seu oficio, sendo necessário prever em contrato escrito
224

se o empregador iria fornecer tais materiais, bem como o reembolso dos gastos, além de poder
determinar o retorno ao presencial sem haver acordo individual ou coletivo, contudo, deve
notificar o empregado no prazo mínimo de quarenta e oito horas de antecedência.

O novo sempre causa estranheza e desconfiança, mas também pode surpreender tanto
de forma positiva quanto negativa, essa mudança repentina da forma de laborar pode ser
desnorteador, nesse sentido, há que ser realizado planejamento tanto do empregado quanto do
empregador, para analisar a viabilidade, os gastos, adaptação da mobilha para que seja
fornecido conforto e um meio ambiente do trabalho mesmo que em sua residência de forma que
atenda às necessidades e segurança, o qual se evite lesões ergonômicas ou acidentes de trabalho.

Ao que se refere a flexibilização das regras de forma temporária para o teletrabalho em


virtude do Covid-19 deve haver pesquisas e estudos dos órgão públicos, como é o caso do
acordo firmado entre o IBGE e o Ministério da Saúde para desenvolver o PNAD Covid para
analisar com maior precisão os impactos ocasionados pelo isolamento social para evitar o
contágio com o vírus e a inserção do trabalho em seu domicílio, além de ficar longas horas em
frente a telas conectado para produzir e atender todas as exigências tendo receio da demissão.
Mas talvez em outro contexto esta forma de trabalho seja benéfica ao trabalhador, que evita
passar longas horas no trânsito e assim possui mais tempo para fazer atividades que lhe tragam
prazer e também há vantagens para o empregador que não necessita de um local com grande
infraestrutura, pois o número de funcionários seria reduzido.

Diante do exposto, é visível que o direito do trabalho, bem como os outros ramos, tem
de se adequar as transformações, mas principalmente analisar as necessidades e assegurar os
direitos dos trabalhadores que são a parte mais fraca da relação, que havendo flexibilizações ao
critério dentre as partes pode gerar inúmeras situações onde quem acaba perdendo é o
trabalhador. Assim, mantendo as garantias fundamentais do passado, se adequando as
necessidades do presente e vislumbrando um futuro mais igualitário e justo.
225

REFERÊNCIAS

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Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/. Acesso: 03/09/2020.
227

O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: UMA ANÁLISE


SOBRE OS ASPECTOS PREJUDICIAS AO EMPREGADO

Thaís Vanessa dos Santos da Silva1

RESUMO
O presente estudo tem como objetivo elucidar os aspectos prejudiciais ao trabalhador
com aplicação da nova modalidade de contrato de trabalho que é o trabalho intermitente
trazido pela alteração da Consolidação das Leis do Trabalho pela Lein. 13.467/2017 e MP n.
808/2017. Para o desdobramento desse estudo, foram abordadas questões relacionadas ao
contrato de trabalho intermitente, descrevendo seu conceito, regulamentação, e aplicação no
Brasil e no mundo. Assim, através de estudo bibliográfico, realizou-se a análise das
controvérsias geradas com a inclusão dessa nova forma de relação de emprego.

Palavras-chave: Contrato intermitente. Reforma trabalhista. Empregado

1 INTRODUÇÃO

A Reforma Trabalhista, introduzida pela Lei 13.467/17, promulgada em 13 de julho


de 2017 e vigente a partir do dia 11 de novembro de 2017, trouxe diversas inovações no que
se refere às relações de trabalho no Brasil.
Entre elas, ressalta-se a regulamentação do contrato de trabalho intermitente, com
acréscimo do art. 452-A na CLT e seus parágrafos 1º ao 9º. Após alguns meses de sua
promulgação, a Lei nº 13.467/2017 teve seu conteúdo alterado, em diversos aspectos, pela
Medida Provisória (MP) nº 808 de 2017, que tinha como objetivo preencher algumas lacunas
da Reforma Trabalhista. No tocante ao trabalho intermitente, a referida Medida alterou o
referido artigo 452-A e incluiu os artigos 452-B a 452-H na CLT. No entanto, após os 120
dias encerrou a validade da MP, onde não ocorreu nenhuma votação para torná-la lei,
perdendo, assim, sua eficácia.
Entende-se como trabalho intermitente aquele no qual a prestação deserviços não é
contínua, não obstante com subordinação. O contrato de trabalho intermitente é um contrato
por tempo indeterminado e sem jornada determinada. Onde, podem ser alternados períodos

1
Possui graduação em Direito pela Faculdade CNEC Gravataí (2017). Especialização em Novo Direito do
Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2020). Atualmente é advogada atuante na
área trabalhista. OAB/RS 113.288, thaisvsantos94@gmail.
228

de prestação de serviços com períodos de inatividade, os quais podem ser de horas, dias ou
meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e doempregador.
No entanto, essa “nova” modalidade de contrato de trabalho, apresenta algumas
controvérsias. A chamada Reforma Trabalhista deixou importantes lacunas quanto a garantia
mínima d esalário mensal e a previsibilidade de quantida de mínima de dias de trabalho por
mês ou número de meses de trabalho por ano. Repassando ao empregado os riscos do
contrato, ferindo princípios como o da segurança jurídica e a proteção ao trabalhador. O art.
452-A da CLT só atende aos interesses dos empresários, e não dos trabalhadores.

Assim, faz-se necessário a elucidação da legislação acerca do trabalho intermitente,


introduzido pela Lei n° 13.467/2017, analisando o seu conceito, seus requisitos legais, a
forma de convocação do empregado para prestação dos serviços, a remuneração e as lacunas
deixadas pela referida Lei. Logo, o presente estudo se faz relevante por abordar efeitos
práticos gerados por essa nova modalidade de contrato de trabalho, e por se tratar de um
assunto ainda novo na realidade do trabalhador brasileiro.

2 O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE

2.1 Conceito e elementos constitutivos

A conceituação do trabalho intermitente foi introduzida à legislação trabalhista


através da promulgação da Lein°13.467 de 2017. O art.443,§3º da CLT prevê como
intermitente o contrato de trabalho em que aprestação de serviço, com subordinação, não é
de forma continuada, ou seja, a prestação do serviço é realizada em períodos alternados,
podendo ficar em inatividade por horas, dias ou meses, conforme estabelecerem as partes. No
entanto, de acordo com o parágrafo3º do art, 443, da CLT, essa modalidade não se estende
para os aeronautas, que são regidos por legislação própria, in verbis:

Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de


serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos
de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses,
independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto
para os aeronautas, regidos por legislação própria.

De acordo com Maurício Godinho, essa modalidade de contrato de trabalho, nos


termos que foi proposto pela Lei 3.467/2017, rompe com dois grandes direitos trabalhistas,
229

que compõem a estrutura central do nosso Direito do Trabalho, quais sejam, a noção de
duração do trabalho (e de jornada) e a noção de salário. 2

Depreende-se, então, que no trabalho intermitente existe a constituição de um vínculo


de emprego, no entanto, a remuneração do empregado depende do tempo em que é
efetivamente convocado para trabalhar, tendo em vista que nessa modalidade de relação de
trabalho o empregado é convocado conforme a demanda do empregador, consequentemente
sua remuneração é de acordo com as horas que efetivamente preste serviço. Por conseguinte,
o empregado fica à disposição do empregador na espera de uma convocação para o serviço.
E, se não acontecer, o trabalhador não receberá pelo tempo que ficou à espera. Causando,
assim, prejuízo na garantia mínima de remuneração para o empregado. Nesse sentido,
entende Mauricio Godinho:

A noção de duração de trabalho envolve o tempo de disponibilidade do empregado


em face de seu empregador, prestando serviços efetivos ou não (caput do art. 4Q
da CLT). A Lei n. 13.467/2017, entretanto, ladinamente, tenta criar conceito novo:
a realidade do tempo à disposição do empregador, porém sem os efeitos jurídicos
do tempo à disposição.3

Assim, entende-se que no trabalho intermitente o contrato de trabalho pode ser


acordado para serviços descontínuos e transitórios, com alternância de períodos de trabalho
e de inatividade. Ainda, a necessidade do serviço pode ser é imprevisível e pode variar de
tempos em tempos.4 Onde há vínculo de emprego, todavia a remuneração do trabalhador
depende do tempo em que é efetivamente convocado para trabalhar.

2.3 Requisitos

Quanto aos requisitos e características do contrato de trabalho intermitente, o artigo


452-A da CLT estabelece que o contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito
e conter especificamente o valor da hora de trabalho, não podendo este ser inferior ao valor
hora do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que
exerçam a mesma função em contrato intermitente ounão.

2
DELGADO, Mauricio Godinho. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n.
13.467/2017/Maurício Godinho Delgado, Gabriela Neves Delgado. - São Paulo: LTr, 2017. p. 154.
3
DELGADO, Mauricio Godinho. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n.
13.467/2017/Maurício Godinho Delgado, Gabriela Neves Delgado. - São Paulo: LTr, 2017. p.154.
4
CASSAR, Vólia Bomfim. Resumo de direito do trabalho/Vólia Bomfim Cassar. 6.ed., rev., atual. e ampl. – Rio
de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018. p.108.
230

Nas palavras de Volia Bomfim Cassar, a formalidade do contrato ser escrito é


imprescindível para avalidade d acláusula de intermitência,visto que não será regido pelo
contrato intermitente caso trabalhador seja contratado oralmente ou de tacitamente, onde o
tempo que fique à disposição será contado conforme o art. 4º da CLT, consequentemente,
será aplicada as demais regras daCLT.5

Quanto a especificidade do valor da hora do trabalho, Homero Batista Mateus da Silva


entende que: “ajuste à base do salário-hora, para que possa ser aferida com mais clareza a
comparação ao salário-mínimo e, sobretudo, ao salário pago pelos trabalhadores efetivos,
com carga integral, que atuam no mesmo estabelecimento”.6

No que se refere a convocação, o empregado será convocado pelo empregador por


qualquer meio de comunicação eficaz, para prestação de serviços, comunicando qual será a
jornada a ser cumprida (art. 452-A, §1º da CLT). Após o recebimento da convocação, o
empregado terá o prazo de um dia útil para responder a solicitação, que em caso de silêncio,
será caracterizada a recusa (art. 452-A, §2º da CLT). No caso em que houver a recusa não
será considerada a insubordinação, na forma do art. 452-A, §3º daCLT.

Assim, diferentemente das demais modalidades de contrato de trabalho, a recusa do


empregado emprestar o serviço significa insubordinação e pode até mesmo dar origem à
dispensa por justa causa, no trabalho intermitente, o empregado possuia liberdade de aceitar
ou recusar o chamado para o serviço. No entanto, a Lei não deixa claro quantos vezes o
trabalhador poderia recusar o serviço,visto que na prática o empregador escolheria quem não
recusasse. Nessa linha, os ensinamentos de Homero Batista:

Entende-se que a recusa é válida e não macula a subordinação jurídica inerente ao


contrato de trabalho (§3º), mas essa a firmação subverte décadas de entendimento
doutrinário, jurisprudencial e legal de que o empregado deve se submetera o poder
diretivo do empregador e não escolher quantas e quais atividades desempenhará;
esse talvez seja um dos dispositivos de maior estranhamento em toda a reforma
trabalhista de 2017 e não será surpresa se ele vier a ser contestado nos tribunais,
sob a alegação de que a figura é apenas uma maquiagem de um contrato de trabalho,
cuja essência não é um contrato de trabalho e não deveria servir de escudo para
práticas escusas, como a rotatividade de mão de obra barata ou a custo zero.7

5
CASSAR, Vólia Bomfim. Resumo de direito do trabalho / Vólia Bomfim Cassar. – 6. ed., rev., atual. e ampl.
– Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018. p. 108.
6
SILVA, Homero Batista. Comentários à Reforma Trabalhista. 2. ed. São Paulo: RT, 2017. P SILVA,
Homero Batista. Comentários à Reforma Trabalhista. 2. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 49.
7
SILVA, Homero Batista. Comentários à Reforma Trabalhista. 2. ed. São Paulo: RT, 2017. P SILVA,
Homero Batista. Comentários à Reforma Trabalhista. 2. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 50.
231

Após feita ou aceita a proposta de serviço, o § 4 do art. 452-A da CLT, prevê uma
penalidade de 50% da remuneração que seria devida em caso de descumprimento por
qualquer das partes. A multa deverá ser paga em 30 dias, e é admitido a compensação em
igual prazo. Cabe ressaltar que se trata de pagamento de uma multa de valor elevado para
empregados que estão submetidos a contratos com pagamentos já baixos. A MP nº 808/17
havia revogado integralmente o referido parágrafo, no entanto, perdeu eficácia como
anteriormente explicado.

Quanto ao pagamento, a lei da Reforma Trabalhista trouxe inovação, vez que o


empregado receberá imediatamente ao término de cada período de prestação de serviço a
remuneração, férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro salário
proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais (art. 452-A, §6º. CLT). O
recibo de pagamento "deverá conter a discriminação dosvalores pagos relativos a cada uma
das parcelas referidas no § 6º deste artigo" (art. 452-A, § 7º, CLT).

Ainda, o empregador deverá efetuar o recolhimento das contribuições previdenciárias


próprias do empregado e o depósito do FGTS, com base nos valores pagos no período mensal,
além de fornecer ao empregado o comprovante do cumprimento dessas obrigações (art. 452-
A, § 8º, CLT).

2.4 Requisitos introduzidos pela portaria MTB Nº 349 DE23/05/2018

A Medida Provisória nº808 de 2017 inseriu no art.452-A na CLT a necessidade de se


registrar acelebração do contrato na carteira de trabalho, ainda que previsto em acordo
coletivo de trabalho ou convenção coletiva, e a identificação, assinatura e domicílio das
partes; a estipulação do valor da hora ou do dia de trabalho, o local e o prazo para o pagamento
da remuneração. Todavia, a referida Medida não foi votada e perdeu sua validade no dia 23
de abril de 2018,voltando a vigorar, assim,ostermos da Lei 13.467/2017.
Considerando a lacuna deixada pela perda de validade da Medida Provisórian nº 808
de 2017, o Ministério do Trabalho (MTB) editou a Portaria nº 349, de 23 de maio de 2018,
publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 24/05/2018, seção 1, página 92, com objetivo
de estabelecer “regras voltadas à execução da Lei nº13.467, de 13 de julho de 2017, no âmbito
232

das competências normativas do Ministério do Trabalho”. No entanto, ao contrário da


Medida Provisória, a Portaria não detém força de lei.

Assim, a Portaria nº 349/2018 visou “regulamentar” os artigos que concernem ao


trabalhador autônomo (art. 1º, §§ 1º a 5º), contrato de trabalho intermitente (arts. 2º a 6º),
gorjeta (art. 7º) e a comissão de representantes dos empregados (art. 8º).

No tocante ao contrato intermitente, observa-se, que o texto da Portaria 349 do


Ministério do Trabalho é bem semelhante ao texto da Medida Provisória nº 808de 2017. Tal
como, a Portaria MTB 349/2018 determina que o contrato deva conter a identificação,
assinatura e domicílio ou sede das partes; o valor da hora ou do dia de trabalho; e o local e o
prazo para o pagamento da remuneração. Ressalta a Portaria que o valor da hora ou do dia de
trabalho não poderá ser inferior ao valor horário ou diário do salário mínimo, assegurada a
remuneração do trabalho noturno superior à do diurno.

Além disso, a Portaria MTB 349/2018 assegur a um valor horário ou diário não inferior
ao salário mínimo, mas permite que o trabalhador desta modalidade receba um valor superior
os demais trabalhadores que porventura prestem o mesmo serviço ao mesmo empregador,
independente da modalidade contratual que estabelece o vínculo empregatício.

Entre eles está a que permite contratar autônomos, com ou sem exclusividade. Para os
casos em que o trabalhador autônomo figure em um único trabalho, isso não caracteriza
vínculo de emprego. Também volta a ser permitido que o autônomo recuse atividades, sem
que isso seja considerado um descumprimento do contrato. Assim dispõe o caput e incisos
do art. 2º daportaria:

Art.2ºO contrato de trabalho intermitente será celebra do por escrito e registrado na


Carteira de Trabalho e Previdência Social, ainda que previsto em acordo coletivo de
trabalho ou convenção coletiva, e conterá: I - identificação, assinatura e domicílio
ou sede das partes; II - valor da hora ou do dia de trabalho, que não poderá ser inferior
ao valor horário ou diário do salário mínimo, nem inferior àquele devido aos demais
empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função, assegurada a
remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; e III - o local e o prazo para
o pagamento da remuneração.

Vê-se, dessa forma, que a Portaria nº 349/2018, visou esclarecer e complementar


questões da Lei nº 13.467/2017.
233

3 O CONTRATO INTERMITENTE EM OUTROSPAÍSES

O direito comparado se faz necessário, tendo em vista que comparar os institutos


jurídicos permite aprofundação quanto ao contrato intermitente da nossa realizada. Dito isso,
registra-se que quando se fala em contrato de trabalho intermitente, é preciso ter em mente
que não se trata de uma novidade brasileira,visto que já existe em outros países como
Alemanha, Inglaterra, Portugal, Itália, EUA e outros. Acontece que, nos países estrangeiros,
a legislação que prevê o trabalho intermitente trouxe, requisitos específicos para a sua
aplicação, como pactuação de jornada mínima, compensação pelo tempo à disposição com
pagamento de um valor menor e restrição de atividades.8

3.1 Alemanha

Na Alemanha, o trabalho intermitente “Arbeit Auf Abruf” foi introduzido em 1985, na


chamada Lei de Promoção ao Emprego, e conhecido como “trabalho a pedido”. Atualmente,
a principal norma sobre o trabalho intermitente é prevista no § 12 TzBfG (Teilzeit- und
Befristungsgesetz).
Entende-se como trabalho de plantão onde o trabalhador deve realizar seu trabalho de
acordo com a carga de trabalho variável na empresa, por exemplo senuma semana ele
trabalhar muitas horas, na semana seguinte menos e precisa trabalhar muitas horas na semana
seguinte, isto é, há uma variante extrema da flexibilidade do horário de trabalho. Destaca-se
que ninguém é forçado a trabalhador a tempo parcial, a menos que este tipo de trabalho está
no contrato de trabalho expressamente regulado. Sendo assim, na Alemanha, por meio de
acordo, é possível trabalhador e empregado restipulara duração semanal e quantidade de
horas diárias. No tocante à duração semanal, se ela não for estipulada será considerada como
acordada a jornada de 20 horas semanais. Frisa-se que até o final de 2018, esse tempo mínimo
semanal de trabalho era de dez horas. Assim, se a duração do horário de trabalho diário não
for fixa, o empregador deverá ter o desempenho no trabalhodo funcionário por pelo menos
três horas consecutivas.
Outrossim,o empregado só é obrigado a executar o trabalho se o empregador o

8
NACIF, Cynthia Mara Lacerda; SOUZA, Miriam Parreiras de. Reflexões sobre a aplicação do trabalho
intermitente no trabalho doméstico. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte,
MG, v. 64, n. 97, p. 251-268, jan./jun.2018.
234

informar do local de seu horário de trabalho com pelo menos quatro dias de antecedência.9
Ressalta-se que o trabalho intermitente acaba transferindo parte dos riscos do
negócio para o empregado, contrariando, assim o §615 do BGB (Código Civil da
Alemanha),onde dispõe que os riscos econômicos do negócio são do empregador.10 No
entanto, mesmo que com mais garantias que em outros países, depreende-se que com essa
modalidade de trabalho precariza as condições de vida do empregado fazendo as cortes
trabalhistas alemãs a estipularem outros limites normativos pela via jurisprudencial.
Dessa forma, verifica-se que houve aumento da produção e do lucro, com redução
ao desemprego, no entanto, em detrimento de uma significativa queda de renda da população,
aumento da pobreza e da parcela da população com baixos salários.11

3.2 Itália

Na Itália, a figura jurídica do contrato de trabalho intermitente, conhecida também


como contrato à chamada (“contrato de lavoro intermitente” ou “contrato di lavoro a
chiamata”), foi introduzida por meio do Decreto Legislativo nº 276, de 10 de setembro de
2003. Ocorreu mudanças recentes no instituto a partir da reforma trabalhista italiana de 2015,
o Jobs Acts.12
O principal objetivo do Lavorointermittente é a inclusão no mundo do trabalho
empregado (mercado formal) para segmentos vulneráveis como jovens em busca do primeiro
emprego (até 25 anos) e aposentados ou maiores de 55 anos, isto é, possui requisitos
subjetivos, consequentemente aumentando os números dos empregos formais na Itália.
Ainda, o objeto do contrato é a prestação de trabalho de forma descontínua ou intermitente,
o empregador precisa ser autorizado por meio de acordos ou convenções coletivas de trabalho
que estabeleçam em períodos pré- determinados de dias, meses ou ano. E se não houver
negociação coletiva, o cabimento do trabalho intermitente fica a cargo de ser regulamentado

9
Lei sobre trabalho a tempo parcial e contratos a prazo (direito a tempo parcial e temporário-TzBfG) § 12 trabalho
a pedido.
10
HENSCHE, Martin. Arbeit Auf Abruf.
Disponível em:
https://www.hensche.de/Arbeit_Abruf_Arbeit_auf_Abruf_Abrufarbeit.html. Acesso em: 16 de mar 2020.
11
BRAMANTE, Ivani. Contrato Intermitente: Ubertrabalho e Ultraflexiprecarização. Revista
CientíficaVirtualdaEscolaSuperiordeAdvocaciaNº25-Primavera2017.SãoPauloOAB/SP–p.09- 42.
12
Decreto Legislativo 81/2015
235

pelo Ministério doTrabalho.13

Verifica-se que na Itália, com exceção dos setores de turismo e entretenimento, é


autorizado que haja um contrato de trabalho intermitente com o mesmo empregador por um
período de até 400 dias de trabalho, todavia, caso esta quantidade seja extrapolada, o contrato
de trabalho intermitente converte-se em contrato por tempo indeterminado.14

Outro importante aspecto no contrato intermitente italiano, é o fato de que pode haver
uma cláusula em que o trabalhador se obriga responder o chamado do empregador. Sendo
assim, é devida uma compensação ao trabalhador pelo tempo à disposição. Ademais, se não
houver essa referida cláusula, o trabalhador pode recusar a chamada, onde não existirá
nenhuma quantia de compensação, apenas os valores do período trabalhado. Ainda, existe a
vedação da utilização da intermitência para substituir grevistas, no caso de empresas que
tenham realizado demissões em massa ou suspensão/redução da jornada de trabalho nos
últimos seis meses e no caso de empregadores que não tenham avaliação de risco em segurança
do trabalho. Frisa-se que o prazo para a convocação do trabalhador é de um dia útil. Diante do
exposto, verifica-se que em que pese haja uma maior proteção ao trabalhador, o contrato de
trabalho intermitente na Itália, possui várias restrições para sua adoção.15

3.3 Portugal

Em Portugal, o contrato de trabalho intermitente foi inserido pelo Código de Trabalho


de 2009, Lei nº 07 d 12 fevereiro de 2019.

De acordo o art.157 do Código do Trabalho português, o trabalho intermitente é


admitido “em empresa que exerça atividade com descontinuidade ou intensidade variável, as

13
FERNANDES, P. R. A figura do contrato de trabalho intermitente do PL nº 6.787 (reforma trabalhista) à
luz do direito comparado, 24 abril 2017. Disponívelem:
<http://ostrabalhistas.com.br/figura-do-contrato-de-trabalho-intermitente-do-pl-no-6-7872016-reforma-trabalhista-luz-
do-direito-comparado/>. Acesso em: 16 março de 2020.
14
CAMERA, Roberto. Dottrina Per il Lavoro: verifica delle giornate di Lavoro Intermittente. Disponível
em:<http://www.dottrinalavoro.it/contratti-c/lavoro-intermittente-c/dottrina-per-il-lavoro-sono- utili-le-
dimissioni-online>. Acesso em: 16 de março de2020.
15
FERNANDES, P. R. A figura do contrato de trabalho intermitente do PL nº 6.787 (reforma trabalhista)
à luz do direito comparado, 24 abril 2017. Disponível
em:
<http://ostrabalhistas.com.br/figura-do-contrato-de-trabalho-intermitente-do-pl-no-6-7872016-reforma-trabalhista-
luz-do-direito-comparado/>. Acesso em: 16 março de 2020.
236

partes podem acordar que a prestação seja intercalada por um ou mais períodos de
inatividade”. Além disso, o referido artigo dispõe que o contrato não pode ser celebrado em
regime de trabalho temporário ou a termo resolutivo. Vislumbra-se que como ocorre na Itália,
esse contrato é limitado a atividades empresariais caracterizadas pela descontinuidade ou
intensidade variável e são definidos limites de idade e duração para essecontrato.

Nesse sentido, João Leal Amado entende que “ao utilizar a disjuntiva descontinuidade
(interrupções) ou intensidade variável (flutuações), a lei oferece um recurso bastante vasto
para o recurso ao trabalho intermitente”. 16
O contrato de trabalho intermitente deve ter forma escrita e pode ser de duas espécies:
o trabalho alternado e o trabalho à chamada. No que tange ao trabalho alternado o art. 159º
do código português dispõe que: “as partes estabelecem a duração da prestação de trabalho,
de modo consecutivo ou interpolado, bem como o início e termo de cada período de
trabalho”,istoé, trata-se de uma espécie adequada às atividades em que se é possível prever e
programar as necessidades de trabalho, por exemplo uma fábrica de ovos de páscoa. Ainda,
o referido artigo ainda prevê que a prestação de trabalho referida no número anterior não pode
ser inferior a cincomeses a tempo completo, por ano, onde pelo menos três meses devem ser
consecutivos. Já a segunda hipótese, o trabalho à chamada, previsto na parte final do artigo
159º, do Código do Trabalho português, onde dispõe que o empregador deve convocar o
trabalhador com antecedência estabelecida entre as partes, a qual não pode ser inferior a vinte
dias. Nesse caso, o trabalhador fica sujeito à vontade e à necessidade do empregador, como
ocorre no Brasil.
Assim,o contrato intermitente para ser válido deve prever um período definido da
prestação de serviço, sendo consecutivo ou não. Ainda, o início e término de cada período de
trabalho, bem como estabelecer a antecedência com que o empregador deverá informar o
trabalhador.17
Um importante aspecto do contrato de trabalho intermitente português é que é que
impõe o pagamento de uma “compensação retributiva” pelo período de inatividade, que

16
AMADO, João Leal. Perspectivas do Direito do Trabalho: um ramo em crise identitária? Revista do
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. n. 47. Campinas:2015.
17
BRAMANTE, Ivani. Contrato Intermitente: Ubertrabalho e Ultraflexiprecarização. Revista
CientíficaVirtualdaEscolaSuperiordeAdvocaciaNº25-Primavera2017.SãoPauloOAB/SP–p.22.
237

corresponde a pelo menos 20% do que for pago normalmente ao trabalhador. E se houver
Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho, o valor a ser pago pode ser maior.18Assim
dispõeo artigo160º do Código do Trabalho de Portugal:

Artigo 160.º 1 - Durante o período de inatividade, o trabalhador pode exercer outra


atividade, devendo informar o empregador desse facto.
2 –Durante o período de inatividade, o trabalhador tem direito a compensação
retributiva, apagar pelo empregador com periodicidade igual à da retribuição, em
valor estabelecido em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou, na sua
falta, de 20 % da retribuiçãobase.
3 –Se o trabalhador exercer outra atividade durante o período de inatividade, o
montante da correspondente retribuição é deduzido à compensação retributiva
calculada de acordo com o número anterior.
4 - Os subsídios de férias e de Natal são calculados com base na média dos
valores de retribuições e compensações retributivas auferidas no súltimos 12 meses,
ou no período de duração do contrato se esta forinferior.
5 - Durante o período de inactividade, mantêm-se os direitos, deveres e garantias
das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho. 6 - Constitui
contraordenação grave a violação do disposto nos n.os 2 ou4.

Verifica-se que, durante o período de inatividade não há exclusividade, todavia,


durante tal período mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não
pressuponham a efetiva prestação de trabalho.

3.4 Estados Unidos e Reino Unido

Primeiramente, importa salientar que o sistema jurídico anglo-saxônico se caracteriza


por uma maior liberdade na contratação das relações de trabalho 19. O contrato intermitente
vem retratado no Just-in-time workers, just-in-time scheduling e zero-hour contracts.

Nos EUA, o contrato intermitente, “just-in-time scheduling”, trata-se de uma


modalidade precária de trabalho, onde o trabalhador presta serviços de pouca duração, com
conhecimento da escala com pouco tempo de antecedência, e com grandes oscilações nas horas
de trabalho. A maioria dos estabelecimentos que utilizam o trabalho intermitente nos Estados

18
LIMA, F.G.M.D. Trabalho intermitente, s/d. Disponívelem:<https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/pl-6787-16-reforma-
trabalhista/documentos/audiencias-publicas/luis-antonio-camargo-de-melo>. Acesso em: 16 de março 2020.
19
FERNANDES, P. R. A figura do contrato de trabalho intermitente do PL nº 6.787 (reforma trabalhista) à
luz do direito comparado, 24 abril 2017. Disponível
em:<http://ostrabalhistas.com.br/figura-do-contrato-de-trabalho-intermitente-do-pl-no-6-7872016-
reforma-trabalhista-luz-do-direito-comparado/>. Acesso em: 16 março de 2020.
238

Unidos são lojas e restaurantes, onde empregadores utilizam software que estabelece quantos
e quais empregados serão necessários no dia. Ainda, existe um movimento que visa diminuir
os impactos negativos, onde mesmo que não haja lei federal, em e San Francisco, Seattle e
Nova York há regulamentação e limites ao contrato intermitente. Oito estados e o distrito de
Columbia introduziram as designadas leis reporting-time pay que exigem aos empregadores o
pagamento de um valor mínimo aos empregados que trabalham em turnos calendarizados,
mesmo no caso de não lhes ser atribuído trabalho.20
Dessa forma, entende-se que o contrato intermitente vem sendo considerado negativo
para os empregados, visto que acabam se tornando reféns das empresas por estarem
disponíveis o dia todo e diversas vezes não serem nem chamados.
Já no Reino Unido, o trabalho intermitente ocorre por meio dos contratoszero
hora,“zero-hourcontracts”que se caracterizam pelo fato de que não há uma garantia do
número de horas a serem trabalhadas,21isto é, o empregado se compromete em se colocar à
disposição do empregador para trabalhar quando necessário, onde não existe garantia de
remuneração ou horas delabor.
Frisa-se que, o empregador não é obrigado a dar trabalho, o trabalhador não é obrigado
a trabalhar quando chamado. Ademais, a maioria dos empregados são menores de 25 e maiores
de 65 anos, com carga horária de 26 horas semanais. Entretanto, essa forma de trabalho gera
instabilidade financeira, uma vez que não são assegurados os direitos mínimos, gerando
22
grandes problemas. Por conta disso, o Governo Britânico no ano de 2014, proibiu o uso de
cláusulas de exclusividade nos contratos zero hora. E na Nova Zelândia, o contrato
intermitente foi banido, visto que não especifica o mínimo de horas, os dias e os horários
dotrabalho.23

20
BRAMANTE, Ivani. Contrato Intermitente: Ubertrabalho e Ultraflexiprecarização. Revista Científica
Virtual da Escola Superior de Advocacia Nº 25 - Primavera 2017. São Paulo OAB/SP.
21
FERNANDES, P. R. A figura do contrato de trabalho intermitente do PL nº 6.787 (reforma trabalhista)
à luz do direitocomparado, 24 abril 2017. Disponível
em:<http://ostrabalhistas.com.br/figura-do-contrato-de-trabalho-intermitente-do-pl-no-6-7872016-reforma-
trabalhista-luz-do-direito-comparado/>. Acesso em: 16 março de 2020.
22
FONTINELE, C. Trabalho Intermitente: breves comentários. Jusbrasil, 2017.
Disponívelem:<https://camilafontinele.jusbrasil.com.br/artigos/489161266/trabalho-intermitente>. Acesso em:
16 março 2020.
23
ROY, ELEANOR. Zero-hour contracts banned in New Zealand. Disponível
em:https://www.theguardian.com/world/2016/mar/11/zero-hour-contracts-banned-in-new-zealand. Acesso em:
16 de março 2020
239

4 ASPECTOS PREJUDICIAIS AO EMPREGADO

Considerando que essa nova modalidade de contrato de emprego visa atingir a parcela
dos trabalhadores que prestam serviços informalmente, a Reforma Trabalhista foi omissa em
diversos aspectos, apresentado diversos vícios. Como não sendo específica ao determinar em
quais relações de emprego poderá ser usado o contrato intermitente, permitindo a
regulamentação do chamado “bico”, e do contrato zero hora, precarizando as relações laborais.
Nesse sentido, no tange à precarização, se adentrarmos nas experiências dos países
que adotaram tal modelo, como explanado anteriormente, percebemos que o nosso protótipo
se baseia no “zero-hour contract” do direito inglês. A expressão “contrato de zero hora”,
onde a sua principal característica é que não há garantia de prestação de serviços e de
recebimento de salário.24 O fato de o trabalhador só receber remuneração quando convocado
pela empresa, fere princípios como da dignidade da pessoa humana. Sendo assim, no contrato
intermitente o trabalhador poderá receber nada durante um mês ou meses, ou auferir
25
remuneração inferior ao salário mínimo, ferindo o que dispões o art 7º, IV, da CF. Nas
palavras de Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado:

Igualmente a noção de salário sofre tentativa de desestruturação pela Lei da


Reforma Trabalhista: conceituado como a parcela contraprestativa devida e paga
pelo empregador a seu empregado em virtude da existência do contrato de trabalho,
a verba salarial pode ser por unidade de tempo (salário mensal fixo - o tipo mais
comum de salário), por unidade de obra (salário mensal variável, em face de certa
produção realizada pelo obreiro), ou por critério misto (denominado salário-tarefa,
que envolve as duas fórmulas de cálculo). Lidos, apressadamente e em sua
literalidade, os novos preceitos jurídicos parecem querer criar um contrato de
trabalho sem salário. Ou melhor: o salário poderá existir, ocasionalmente, se e
quando o trabalhador for convocado para o trabalho, urna vez que ele terá o seu
pagamento devido na estrita medida desse trabalhoocasional.26

Outro aspecto refere-se a ruptura do conceito de empregador, como aquele que assume
os riscos da atividade econômica, previsto no artigo 2º, caput, da CLT, visto que ao sujeitar a
prestação de serviços à existência de demanda, parte do risco transfere-se ao empregado.

24
HIGA, Flávio da Costa. Reforma trabalhista e contrato de trabalho intermitente. Consultor Jurídico,
opinião, 8 de junho de 2017. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-jun-08/flavio- higareforma-
trabalhista-contrato-trabalho-intermitente#_ ftn13>. Acesso em: 16 março 2020.
25
LEITE, C. H. B. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 697.
26
DELGADO, Mauricio Godinho. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n.
13.467/2017/Maurício Godinho Delgado, Gabriela Neves Delgado. - São Paulo: LTr, 2017. P. 154.
240

Depreende-se que, considerando que a intermitência se caracteriza por relação em que


há períodos de trabalho e inatividade, de descontinuidade e de intensidade variável da
atividade econômica, para o trabalhador a descontinuida de no trabalho representa a
instabilidade, não podendo planejar o seu futuro, visto que não saberá qual será a remuneração
mensal. E em que pese seja permitido trabalhar em outros horários, na prática é difícil, uma
vez que o trabalhador dificilmente irá conseguir assumir outro serviço quando estiver
disponível para responder os chamados do empregador.27

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos estudos realizados, é possível concluir que o contrato de trabalho


intermitente, nos moldes atuais, gera precarização do trabalho, visto que oferece a
possibilidade de haver contrato sem prestação de serviço e sem contraprestação pecuniária.
E considerando que não se trata de invenção brasileira, já que aparece sob outros nomes
e regras nos ordenamentos justrabalhistas de diversos países, diante do estudo do direito
comparado é possível visualizar um grau elevado da desproteção ao trabalhador no contrato
intermitente brasileiro.
Conclui-se que a regulamentação do trabalho intermitente ainda tem muitos aspectos a
serem discutidos e regulamentados, uma vez que supostamente foi criado para opor-se a
informalidade do trabalho no Brasil, legitimando o “bico”. Ainda, verifica-se que no contrato
intermitente brasileiro temos uma relação de emprego, por escrito, que se caracteriza pela
descontinuidade, com períodos alternados de atividade e inatividade, sendo este não
remunerado. Onde a prestação dos serviços depende da prévia convocação do empregador,
mas o empregado obrigado a aceitar. Em que pese possa manter vários vínculos intermitentes
simultâneos, na prática é difícil acontecer. E como não há obrigatoriedade de jornada mínima,
não qualquer garantia de remuneração mínima, gerando, assim, uma condição de profunda
insegurança, instabilidade e imprevisibilidade para o trabalhador brasileiro.
Assim, comparando com a realidade do contrato de trabalho intermitente em outros
países, setor na imprescindível que haja pagamento de uma compensação pelo período de

27
VEIGA, Aloysio Corrêa da. Reforma trabalhista e trabalho intermitente. Revista eletrônica [do] Tribunal
Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 8, n. 74, p. 15-26, dez. 2018/jan. 2019.Disponivel em:
https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/150672. Acesso em: 16 março 2020.
241

inatividade, como acontece na Itália e em Portugal, bem como estipulação de horas mínimas
a serem prestadas, como ocorre na Alemanha, em contraposição ao objetivo dos detentores do
capital no Brasil, que é minimizar o custo do trabalho em oposição da classe trabalhadora.
Com a flexibilização da legislação trabalhista na articulação contemporânea, essa classe
trabalhadora está vivenciando aprecarização do trabalho e da própriavida.

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