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Coordenadores

Ricardo Breier
Rosângela Maria Herzer dos Santos
Alexandre Torres Petry
Matheus Ayres Torres

EDUCAÇÃO JURÍDICA

Porto Alegre, 2020


Copyright © 2020 by Ordem dos Advogados do Brasil
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Coordenadores
Ricardo Breier – Presidente da OAB/RS
Rosângela Maria Herzer dos Santos – Diretora-Geral da ESA/OAB/RS
Alexandre Torres Petry – Diretor da Revista Eletrônica da ESA/OAB/RS
Matheus Ayres Torres – Presidente da CEJ/OAB/RS

Capa
Carlos Henrique Pivetta

26e
Educação Jurídica/Ricardo Breier, Rosângela Maria Herzer dos Santos,
et.al (Coord). – Porto Alegre: OAB/RS.2020. 232p.
ISBN: 978-65-88371-00-8
1. Educação Jurídica. 2. Advocacia. Título
CDU 34:378

Bibliotecária Jovita Cristina Garcia dos Santos – CRB 1517/10º

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ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL

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ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA

Diretora-Geral: Rosângela Maria Herzer dos Santos


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Diretor de Cursos Especiais: Ricardo Hermany
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Regina Pereira Soares

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Presidente: Jorge Luiz Dias Fara


Diretora Administrativa: Claudia Regina de Souza Bueno
Diretor Financeiro: Ricardo Ehrensperger Ramos
Diretor de Benefícios: Luiz Augusto Gonçalves de Gonçalves

COOABCred-RS

Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel


Vice-Presidente: Márcia Isabel Heinen
SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS – Matheus Ayres Torres – Presidente da CEJ/OAB/RS ................... 8


APRESENTAÇÃO – Rosângela Maria Herzer dos Santos – Diretor-Geral da ESA/RS .... 9
PREFÁCIO- Ricardo Breier –Presidente da OAB/RS ........................................................ 10
01A CONCILIAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO (COLETIVO)
E À CRENÇA (PERSONALÍSSIMO) À LUZ DA LEI Nº 13.796/19-Aathur Kuehl
Borges e Alessandra Mizuta de Brito .............................................................................. 11
02A IMPORTÂNCIA DAS ESCOLAS JURÍDICAS DE APERFEIÇOAMENTO PARA
A EDUCAÇÃO JURÍDICA BRASILEIRA – Alexandre Torres Petry ........................... 29
03EDUCAÇÃO JURÍDICA PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS DO JUDICIÁRIO:
COMO A ADVOCACIA PODE COEXISTIR E CONTRIBUIR COM A
AUTOCOMPOSIÇÃO – Ana Luiza Pessoa Pureur ........................................................ 45
04AS PRÁTICAS DE ENSINANÇA PARA A FORMAÇÃO DOS OPERADORES DO
DIREITO: UMA ALTERNATIVA SOCIOCONSTRUCIONISTA –Andréa Marta
Vasconcellos Ritter ............................................................................................................ 55
05CONSTRUTOS PARA A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE DE UMA
EDUCAÇÃO JURÍDICA INTERCULTURAL-Bruna Bastos e Rafael Santos de
Oliveira ............................................................................................................................... 69
06ENSINO JURÍDICO NO BRASIL – CONTEXTO ATUAL E ALTERNATIVAS DE
MODERNIZAÇÃO COM O USO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL – Cristina Dal
Sasso .................................................................................................................................... 81
07FORMAÇÃO PEDAGÓGICO-DIDÁTICA PARA O EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA
NOS CURSOS DE DIREITO – Giuseppe Bachini ........................................................... 93
08 ENSINO JURÍDICO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO: UMA ANÁLISE
CURRICULAR DAS FACULDADES DE DIREITO DO RIO GRANDE DO SUL –
Halandra Araújo Ferreira e Marcírio Barcello Gessinger .......................................... 110
09 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: AS ATIVIDADES E OS PROJETOS
EXECUTADOS PELO PROGRAMA BALCÃO DO TRABALHADOR- Laura Covatti
dos Santos e Maira Angélica Dal Conte Tonial ............................................................ 126
10 FORMAÇÃO HUMANA E EDUCAÇÃO JURÍDICA- REFLEXÕES A PARTIR DA
PERSPECTIVA HABERMASIANA – Marcio Renan Hamel ....................................... 139
11 LA ENSEÑANZA DEL DERECHO EN LA EDUCACIÓN SUPERIOR
ARGENTINA: EXPERIENCIAS DE LA CARRERA DE ABOGACÍA EN SU
DIMENSIÓN ÁULICAANTE LA MIGRACIÓN DE LA MODALIDADPRESENCIAL A
LA MODALIDAD A DISTANCIA POR LA EMERGENCIA SANITARIA – Mateo
Fusalba.............................................................................................................................. 152
12 AS NOVAS TECNOLOGIAS E O DIREITO: UMA REFLEXÃO ÀS DEMANDAS
DE UM NOVO PERFIL PROFISSIONAL NA FORMAÇÃO JURÍDICA – Rafael
Fonseca Ferreira e Pedro Dalla Vecchia Hamilton ...................................................... 168
13 RESSIGNIFICAÇÃO DO ENSINO JURÍDICO: (RE) ADEQUAÇÃO DO ENSINO E
DAS METODOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA – Simone Paula Vesoloski e
Luciano Alves do Santos ................................................................................................. 183
14 DO UNIVERSO INFANTOJUVENIL AO ENSINO SUPERIOR: UM ESTUDO À
LUZ DAS METODOLOGIAS ATIVAS SOBRE OS BENEFÍCIOS DO USO DE
RECURSOS LÚDICOS NA EDUCAÇÃO JURÍDICA BRASILEIRA –Tayna Silva
Cavalcante ........................................................................................................................ 196
15 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A NECESSIDADE FORMAÇÃO PEDAGÓGICA
DO DOCENTE DE ENSINO JURÍDICO NO BRASIL – William de Quadros da Silva
........................................................................................................................................... 217
8

AGRADECIMENTOS

O e-Book Educação Jurídica é mais uma obra inédita lançada pela OAB/RS, Escola
Superior da Advocacia (ESA) e Comissão de Educação Jurídica, e na qualidade de
Presidente dessa comissão, tenho muito orgulho de apresentá-lo à advocacia e a todos os
operadores do direito que se preocupam com o futuro da educação como um todo e, em
especial, a jurídica.

Assim, expresso minha gratidão a todos os autores e co-autores que se dedicaram,


pesquisaram e colaboraram para que essa coletânea de artigos possa servir de auxílio para
uma base forte e bom desenvolvimento do ensino e da educação jurídica, fortalecendo e
consolidando assim as bases da democracia, dos direitos humanos, do Estado de Direito e
da justiça social.

Juntamente com os trabalhos publicados, essa obra não seria possível sem o
empenho dos membros da Comissão de Educação Jurídica da OAB/RS e o incondicional
apoio da Diretoria da OAB e da ESA – Escola Superior da Advocacia nos trabalhos e
eventos realizado pela Comissão. Nesse sentido devo fazer um agradecimento especial ao
co-organizador do e-Book, Diretor da Revista Eletrônica da ESA e membro da CEJ,
Alexandre Torres Petry por todo o empenho e dedicação na concretização dessa obra.

Por fim, agradeço à minha esposa, professora e membro da CEJ, Monique Pereira,
por possibilitar a minha dedicação e tempo destinado à defesa da advocacia e à condução
dos trabalhos da Comissão. E ao meu filho, João Vicente, com quem aprendo todos os dias
o significado de viver uma vida plena.

Boa leitura a todos!

Matheus Ayres Torres - Presidente da Comissão de Educação Jurídica da OAB/RS


9

APRESENTAÇÃO

A Escola Superior da Advocacia tem a honra e a satisfação de oportunizar


juntamente com a Comissão de Educação Jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil,
Seccional do Rio Grande do Sul, o lançamento de do e-book “EDUCAÇÃO JURÍDICA”.

Nosso sentimento é de reconhecimento aos colegas que contribuíram com as


necessárias reflexões sobre a educação jurídica no Brasil, especialmente com o necessário
aperfeiçoamento de todos, salientando o direito constitucional de que a educação é direito
de todos, e na seara da educação jurídica o quanto ainda precisamos avançar, com bases
curriculares permanentemente atualizadas, a importância da formação didático-pedagógico
para o exercício da docência jurídica, bem como o olhar para além da preparação da
instauração da litigiosidade.

Como dirigente da Escola Superior da Advocacia da OABRS, escola que tem


dentre as suas finalidades tem a missão de proporcionar cursos, palestras, debates, estimulo
à pesquisa, incentivo ao lançamento de obras e atividades culturais, como sustentáculo para
a necessária atualização e constante formação humana e ética que tanto necessitamos para
o fortalecimento da advocacia.

O presente e-book contribui com o nosso necessário processo de continua


aprendizagem como seres essenciais à administração da justiça.

Rosângela Maria Herzer dos Santos - Diretora Geral da Escola Superior da Advocacia
da OABRS
10

PREFÁCIO

Qualidade sempre será um diferencial. Por mais que existam evoluções


tecnológicas, somente a qualificação de um profissional vai permitir que ele obtenha
destaque e exerça com competência seu trabalho.

A advocacia vem passando por transformações há alguns anos. A tecnologia tem


impactado as rotinas de advogados e advogadas. Temos situações positivas, cabe ressaltar.
Agora, nada será capaz de substituir um profissional preparado, dedicado e comprometido
com seu ofício.

Fico particularmente satisfeito e contente com a primeira edição do livro, no


formato E-book, “Educação Jurídica” sob a coordenação de Alexandre Torres Petry;
Matheus Ayres Torres; Ricardo Ferreira Breier e Rosângela Maria Herzer dos Santos. Esta
obra amplia horizontes e fornece conteúdos valiosos sobre a formação de docentes, a
relevância de escolas jurídicas e novos formatos e conteúdos do ensino, os impactos da
tecnologia na difusão do conhecimento e as análises aprofundadas de práticas que
começam a ganhar protagonismo no mundo jurídico.

A atualidade do E-book, que tem a preocupação de trazer textos inéditos e


alinhados com a realidade, se afirma pela diversidade dos artigos científicos, bem como as
surpreendentes abordagens de seus autores.

A Escola Superior de Advocacia, em conjunto com a Comissão de Educação


Jurídica da OAB/RS, reafirma seu compromisso e sua missão de, permanentemente,
oferecer capacitação e qualificação para a advocacia gaúcha. Esta obra comprova a
manutenção de um trabalho dedicado e propositivo da ESA. Parabéns aos organizadores e
aos autores dos artigos científicos inéditos.

Boa leitura.

Ricardo Breier – Presidente da OAB/RS


11

A CONCILIAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO


(COLETIVO) E À CRENÇA (PERSONALÍSSIMO) À LUZ DA LEI Nº 13.796/19

Aarthur Kuehl Borges1


Alessandra Mizuta de Brito2

Resumo: O presente artigo tem com objetivo analisar o conflito do direito à educação e do
direito à crença sob a ótica da escusa de consciência, que tem base no artigo 5º, inciso VIII,
da Carta Magna, quanto ao dia de guarda. Por meio de análise dos Tratados Internacionais,
realizou-se uma trajetória histórica da incorporação do direito de liberdade religiosa como
parte da norma jurídica e, com apoio da Constituição Federal, doutrina nacional eexame de
julgados da temática, traçou-se o debate para esclarecer se a inovação trazida pelaLei
13.796/2019, que preencheu a lacuna no inciso VIII do artigo 5º da Constituição Federal,
traz para o estudante a dura escolha entre receber a educação de forma integral, ou manter-
se fiel a sua crença.Ao final, embora tenha-se percebido que a inovação legislativa atenda
os anseios quanto a segurança jurídica para realização de atividades obrigatórias ou provas
em dias e horários alternativos, a privação da convivência com os pares nestes dias e
horários pode interferir no recebimento de todas as competências planejadas pela
Instituição ou curso, para a formação profissional completa.
Palavras-chave: Liberdade Religiosa. Direito à crença. Direito à educação. Dia de guarda.
Prestação alternativa.

INTRODUÇÃO
Previsto no artigo 205 da Constituição Federal de 1988, o Direito à Educação é um
“direito de todos e dever do Estado e da família”, devendo ser “promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade” (BRASIL, 1988) e faz parte dos direitos sociais,
pertencente, portanto, aos Direitos Fundamentais do tipo positivo ou prestacional.
É fundamental, porque é por meio da Educação que se promove o desenvolvimento
pleno do indivíduo, emancipando-o para o exercício da cidadania e o prepara para o
exercício profissional, possibilitando, inclusive, a sua elevação no estrato social.
Por sua elevada relevância na formação do cidadão e do profissional de qualidade, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei 9.394/1996), inclui entre os
requisitos para aprovação na educação básica (incluindo os níveis fundamental e médio), a
frequencia mínima de 75% do total de horas letivas (artigo 24, inciso VI). Para o âmbito da
Educação Superior, o § 3° do artigo 47estabelece que “é obrigatória a frequência de alunos

1
Bacharel em Direito (ULBRA). E-mail: borgesaarthur@gmail.com.
2
Doutora em Direito (PUCRS). Doutoranda em Educação (ULBRA). Mestre em Direito (UNICURITIBA).
Coordenadora do curso de Direito da Ulbra de São Jerônimo. Membro da CEJ/OABRS. Avaliadora Ad Hoc
do Basis (INEP/MEC). Advogada - OAB/RS 110.911B. E-mail: alessandra.mizuta@gmail.com.
12

e professores, salvo nos programas de educação a distância”. No ensino presencial, antes


da LDB de 1996, era exigida, para os alunos, a frequência mínima de 75% das aulas e
atividades programadas. Ao aprovar os estatutos e regimentos das Instituições de Educação
Superior, o Ministério da Educação tem exigido esse percentual mínimo, para atender ao
disposto no Parecer CES/CNE nº 282/2002, homologado pelo ministro da Educação.
Saliente-se que para a Educação Superior apenas excepcionalamente é possível
abonar faltas, estando as hipóteses previstos de forma expressa, podendo-se elencar os
seguintes casos: a) Alunos reservistas3, pelo Decreto-lei nº 715/1969, e b) Aluno com
representação na Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior – CONAES, nos
termos do art. 7º, § 5º4, da Lei nº 10.861/2004. Além destas hipóteses, existe ainda um
regime de tratamento especial de exercícios domiciliares, que são tratados como uma
forma de compensação das ausências, para portadores de afecções(estabelecido no
Decreto-lei nº 1044/1969, ainda em vigor) e para gestantes(Lei nº 6.202/1975).
Não há, além destes casos específicos, outra possibilidade pela qual o estudante da
Educação Superior de cursos presenciais possa ser dispensado do cumprimeito da
quantidade mínima de carga letiva. Portanto, percebe-se que a frequência às aulas e outras
atividades programadas é parte importante para obter êxito nesta etapa de formação.
Entretanto, deve-se considerar que existem segmentos religiosos que possuem a
crença de descanso no dia sagrado, como os Adventistas do Sétimo Dia, judeus, judeus
ortodoxos, muçulmanos, Batistas do Sétimo Dia, dentre outros.Do período entre o pôr do
sol de sexta-feira e o pôr do sol de sábado, dedicam-se a atividades espirituais, orações, de
amor ao próximo, sem atividades de interesse e ou lucro próprio, podendo-se utilizar com o
exemplo os Judeus que observam o Shabat(descanso, em uma tradução livre).
Eventuais atividades realizadas durante o dia de guarda e que se constituam como
requisitos obrigatórios para obtenção e ou conclusão da disciplina ou curso, poderiam
impossibilitar o êxito na formação acadêmica. Mencione-se como exemplo, uma disciplina
que tradicionalmente é ofertada nos sábados pela manhã e que faz parte do elenco de

3
Artigo 1°, § 4º Todo convocado matriculado em Órgão de Formação de Reserva que seja obrigado a faltar a
suas atividades civis, por fôrça de exercício ou manobras, ou reservista que seja chamado, para fins de
exercício de apresentação das reservas ou cerimônia cívica, do Dia do Reservista, terá suas faltas abonadas
para todos os efeitos. (grifo nosso)
4
§ 5º As instituições de educação superior deverão abonar as faltas do estudante que, em decorrência da
designação de que trata o inciso IV do caput deste artigo, tenha participado de reuniões da CONAES em
horário coincidente com as atividades acadêmicas. (grifo nosso)
13

matérias obrigatórias na matriz curricular, ou a Instituição que realiza sua solenidade de


colação de grau nas sextas, período da noite.
Em março de 2019 entrou em vigor a Lei 13.796/2019, que promoveu alteração na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, fixando o dever de prestações alternativas
à aplicação de provas e à frequência a aulas realizadas em dia de guarda religiosa, em
virtude de escusa de consciência.
Embora referida legislação tenha suprimido o problema quanto frequência para
aprovação para o acadêmico sabadista, persiste a necessidade de enfrentar o conflito entre
o direito à crença e o direito à educação, no tocante ao dia de guarda.
Este enfrentamento se justifica pelo problema que pode ser representado pela
seguinte pergunta: se a presença de 75% da carga das aulas e outras atividades são
consideradas essenciais para que a educação aconteça de forma adequada, ao receber uma
prestação alterativa, não estaria o sabadista abrindo mal da mesma qualidade da educação
recebida por aqueles que serão seus competidores no mercado de trabalho? Ou seja, não
estaria havendo um conflito entre o direito à educação e o direito à crença?
O método de abordagem adotado foi o hipotético-dedutivo, em que à luz das
construições doutrinárias e jurisprudencial se fará análise da lei 13.796/2019 para se
constatar se ela obriga o acadêmico sabadista a abrir mão de um direito fundamental ou
viabiliza a coexistência do direito à educação e à crença. Para o método de interpretação
foram utilizados oteleológico e axiológico já que se buscará os fins pretendidos pela
norma, explicando os valores que serão concretizados por sua aplicação.
Para tanto, o artigo partirá da análise do Direito à crença, sua origem e significado,
a importância dos credos para a sociedade e sua influência aos indivíduos, passando pelo
Direito à Educação na Constituição Federal de 1988, seguido por informações sobre a
origem e significado da guarda do sábado, pela análise da jurisprudência quanto a
possibilidade de não realizar atividades acadêmicas no dia de guarda no contexto da
educação e, por fim, o exame da lei 13.796/2019.

1 ORIGEM, SIGNIFICADO E TRATAMENTO LEGAL DODIREITO À CRENÇA

De acordo com Sarlet (2012), as liberdades de consciência e religiosa (esta última


abrangendo a liberade de crença e de culto), foi uma das primeiras liberdades asseguradas
nas declarações de direitos, também sendo uma das precursoras a alcançar o status de
direito humano e fundamental.
14

Podem ser apontados diferentes motivos pelos quais esta é uma das mais antigas
reinvidicações do indivíduo, como a sua afiliação à espiritualidade humana e o cunho
político por vezes a ela associado. Perseguições e atrocidades foram cometidas em nome
da religião, fazendo com que se tornasse urgente “a proteção das opiniões e cultos de
expressão religiosa, que guarda direta relação com aespiritualidade e o modo de conduzir a
vida dos indivíduos e mesmo de comunidades inteiras” (SARLET, 2012, p. 830).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é o primeiro documento
que se tem conhecimento que trouxe a pauta dos Direitos Humanos. Nela, a proteção a
liberdade de religião está prevista no artigo 18, da seguinte forma:

XVIII - Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e


religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a
liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo
culto e pela observância, em público ou em particular (ONU, 1948).

Sendo este o documento com a maior quantidade de países-membros como


signatários, está escrito em trinta artigos, em que prega a igualdade de direitos com fulcro
na justiça, igualdade e a paz mundial.
Depois deste, outros documentos trataram sobre a liberdade de consciência e
liberdade religiosa, com diferentes abrangências, podendo ser mencionados,
exemplificativamente, o Pacto Internacionaldos Direitos Civis e Políticos, de 1966, que
estabelece o direito de liberdade de pensamento, de consciência e de religião, definindo-os
como a possibilidade deter ou de adotar uma religião ou uma convicção da sua escolha
“bem como a liberdade de manifestar asua religião ou a sua convicção, individualmente ou
conjuntamente com outros, tanto em público comoem privado, pelo culto, cumprimento
dos ritos, as práticas e o ensino”. E vai além, ao estabelecer que “Ninguém será objeto
depressões que atentem à sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou uma convicção
da suaescolha”, garantindo a “liberdade dos pais e, em caso disso, dos tutores legais a
fazerem assegurar a educação religiosa e moral dos seus filhos e pupilos, em conformidade
com as suas próprias convicções” e prevendo como única possibilidade de limite a estes,
leis “que sejam necessárias à proteção de segurança, da ordem e da saúdepúblicas ou da
moral e das liberdades e direitos fundamentais de outrem”.
No âmbito do continente americano há a Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 1969, que ampara a prerrogativa de
liberdade religiosa no artigo 12:
15

Art. 12. Liberdade de Consciência e de Religião.


1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito
implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de
religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião
ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em
privado.
2. Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua
liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou
de crenças.
3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está
unicamente sujeita às limitações prescritas pela Lei e que sejam necessárias para
proteger a segurança, a ordem, a saúde ou moral públicas ou os direitos ou
liberdades das demais pessoas.
4. Os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos
recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias
convicções.

No mesmo sentido, podem ser mencionados o Pacto Internacional sobre Direitos


Civis e Políticos, reconhecido no ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto
592/92, em seu artigo 18, a Carta de Direitos Fundamentais da União Européia, de 2000,
em seu artigo 10, entre outros que conferem proteção à liberdade religiosa.
Em âmbito nacional, a liberdade religiosa está presente desde a Carta Imperial de
1824 e na Constituição Federal de 1988 é possível perceber a presença da espiritualidade
deste o seu preambulo, em que se declara que “sob a proteção de Deuspromulgamos a
Constituição da República Federativa do Brasil”.
É de se notar que não importa qual o país ou continente,significativo grupo de
pessoas que lá vivem acredita que alguém ou algo superioras protege.Dessa forma, apesar
da diversidade cultural e religiosa que abrange o território brasileiro, em sentido amplo e
sem pender para qualquer denominação religiosa, foi feita tal menção, sendo promulgada a
Carta Magna, com a seguinte redação em seu preâmbulo:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL,
1988).

O texto constitucional possui menções que asseguram o direito ao credo e de


consciência em três dispositivos entre os Direitos e Garantias Fundamentais:artigo 5º,
incisos VI (liberdade de consciência e crença), VII (assistência religiosa) e VIII (vedação
de privação de direitos por motivos de crença religiosa).
16

Também protegem estes mesmos direitos, o artigo 19 (veda o embaraço ao


funcionamento de estabelecimento de cultos religiosos ou igrejas), artigo 14, § 1º
(determina atribuição de serviço alternativo aos alistados no serviço militar que aleguem
imperativo de consciência), artigo 15, IV (veda cassação de direitos políticos, no caso de
recusa de cumprir obrigação imposta ou prestação alterativa, nos termos do 5º,
VIII), Artigo 210, § 1º (inclui o ensino religioso no horário normal das escolas públicas de
ensino fundamental, de matrícula facultativa), artigo 226, § 2º (confere efeito civil para o
casamento religioso).
Não obstante, o isolamento entre o Estado e a Religião é pressuposto para a plena
liberdade religiosa, que pode ser expressa ou decorrer de proclamação. O Brasil, assim
como muitos outros países, declara-se um Estado laico (art. 19/CF), ou seja, promove
oficialmente a separação entre Estado e Religião. O Estado não interfira nas religiões
instituídas em seu território, assim como as instituições religiosas não influenciem o
Estado no qual estão instaladas.
Entretanto, cabe esclarecer que por ser laico, não significa que o Estado é ateu ou
agnóstico. Assim como não elege uma religião oficial, também não se afilia à descrença
religiosa, tratando de forma igualitária os diferentes tipos de crença e a ausência dela.
No Estado laico, então, “não se proíbe o culto público nem se preclude a influência
das confissões religiosas na esfera pública. Antes se pretende, restringir o abuso privado
das instituições públicas” (MACHADO, 1996).
Para a plena liberdade religiosa, é necessária a separação entre Estado e Igreja,
onde se preconiza, ainda, uma igualdade entre crenças, indivíduos, perante o Estado.
Havendo algum tratamento desigual, perde-se a liberdade religiosa ampla.
Ao tratar sobre o elo transcendente do ser com o seu Criador, Paulo Freire ensina
que esta ligação não pode ser de dominação ou de domesticação, mas ao contrário disso,
deve ser de libertação. “Daí que a Religião — religare— que encarna este sentido
transcendental das relaçõesdo homem, jamais deva ser um instrumento de suaalienação”
(FREIRE, 1967, p. 40).
Justamente neste sentido é o dilema enfrentado por este artigo: o de encontrar uma
compatibilidade entre os direitos fundamentais à religião e à educação, assegurando uma
convivência pacífica, ou a sobreposição de um sobre o outro.
17

2 DIREITO À EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

O direito à educação é um direito público, garantido pela Constituição Federal,


encontra-se na galeria de direitos fundamentais, portanto baseia-se nos ideais de igualdade
na sociedade, independentemente de sua raça, origem, gênero, cor ou suas convicções
religiosas ou políticas idealizando o desenvolvimento individual.
Na mesma senda, o direito à educação deve alcançar a todos, sem distinção,
independente das condições pessoais e sociais de cada indivíduo, pretendendo igualdade
entre todos.
O fato de a educação ter se tornado um direito traduz a sua atual e nítida
importância para a melhora da dignidade da pessoa humana como um todo, e o
consciente exercício da cidadania na sociedade, o que ressalta ainda mais o dever
do Estado em fazer com que este direito seja plenamente exercido (BARBOSA
JÚNIOR, 2018).

O artigo 205 da Constituição Federal de 1988, firma que a educação é um direito de


todos e dever do Estado e da família, devendo sua promoção e incentivo com a
colaboraçãoda sociedade, buscando o pleno desenvolvimento da pessoa, tal qual seu
desenvolvimento e preparo para exercer a cidadania e qualificação para o mercado de
trabalho.
Embora a pretensão do artigo supracitado seja manter de forma igualitária o sistema
educativo brasileiro, é possível encontrar cidadãos com dificuldades de exercer esse direito
de forma plena, pois algumas instituições de ensino propõem atividades em dias e horários
incompatíveis para os sabadistas e que são exigências da instituição ou do curso para a sua
conclusão.
Na doutrina brasileira, toma-se como conceitode educaçãoa afirmação de Celso de
Mello:
[...] é mais compreensivo e abrangente que o da mera instrução. A educação
objetiva propiciar a formação necessária ao desenvolvimento das aptidões, das
potencialidades e da personalidade do educando. O processo educacional tem por
meta: a) qualificar o educando para o trabalho; e b) prepará-lo para o exercício
consciente da cidadania. O acesso à educação é uma das formas de realização
concreta do ideal democrático (MELLO, 2010)

Portanto, a qualidade do ensino deve ser analisada com base em alguns fatores de
maneira conjunta. Entre eles, deve haver isonomia nas condições de acesso e permanência
na escola, liberdade para aprender, ensinar, pesquisar e divulgar seu pensamento, a arte e o
saber, tanto como o pluralismo de ideias e suas concepções pedagógicas, assim como a
18

coexistência de instituições de ensino públicas e privadas, garantindo o padrão de


qualidade, elencados no artigo 206 da Constituição Federal.
O artigo 214 da Constituição Federal prevê que será estabelecido o Plano Nacional
de Educação, a cada 10 anos, com o fim de traçar metas, objetivos, diretrizes e estratégias
para o desenvolvimento do ensino em todos os seus níveis e modalidades, através de ações
do poder público para que estes conduzam a erradicação do analfabetismo, universalização
do atendimento escolar, melhoria da qualidade de ensino, formação para o trabalho,
promoção humanística, científica e tecnológica do país e o estabelecimento de metas de
aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto
(PIB).
Todas estas medidas buscam manter um sistema de educação satisfatório,
igualitário e gratuito (este último obrigatoriamente apenas para o ensino básico), e, no caso
de não ser alcançado, há a possibilidade deresponsabilizar a autoridade competente (art.
208, VII, §§ 1ºe 2º), com o não oferecimento do ensino público de qualidade, ou sua oferta
sendo insuficiente.

3 DA GUARDA DO SÁBADO – ORIGEM E SIGNIFICADO

No estudo em tela, há algumas denominações religiosas, em especial os Adventistas


do Sétimo dia, judeus, judeus ortodoxos, Batistas do Sétimo Dia, dentre outros, que
possuem um dia considerado sagrado, para exercício de sua crença, não realizando,
portanto, quaisquer atividades que lhe traga benefício próprio ou ganho pessoal e fazendo
deste tempo um espaço, voltado a adoração a Deus e práticas de filantropia aos seus
semelhantes, neste período que compreende desde o pôrdosol da sexta-feira, e o pôrdosol
de sábado.
Diversos segmentos religiosos cristãos possuem como base a Bíblia Sagrada, com
3,9 bilhões de cópias por todo o globo, se tornando o livro mais vendido do mundo, há
cerca de 50 anos(SARAIVA, 2018). Acredita-se que o autor da Bíblia é Deus, mas possui
40 escritores, inspirados por Ele que escreveram-na por um período de 1.600 anos dividida
em duas grandes subdivisões, Antigo e Novo Testamento, e que em nenhum momento,
seus textos se contradizem, sendo, portanto, um documento doutrinário relevante aos
cristãos, por isso referenciando nele as fundamentações sobre a criação e motivação da
santidade do dia de sábado. Ensina sobre isso Ellen White:
19

As revelações inspiradas foram então incorporadas no Livro Inspirado. Tal


trabalho prosseguiu durante o longo espaço de 1.600 anos — desde Moisés, o
historiador da criação e da Lei, até João, a quem coube registrar as mais sublimes
verdades do evangelho.
A Bíblia aponta a Deus como seu autor; no entanto, foi escrita por mãos
humanas e, no variado estilo de seus diferentes livros, apresenta as características
dos diversos escritores. As verdades reveladas são oferecidas por inspiração de
Deus (2 Timóteo 3:16); acham-se contudo, expressas em palavras de homens. O
Ser Infinito, por meio de Seu Santo Espírito, derramou luz no entendimento e
coração de Seus servos (WHITE, 2007)

Com base, portanto, na Bíblia Sagrada, versão Almeida Revista e Atualizada


(ARA), os adventistas, consideram que desde a criação, ficou estabelecido o dia de
descanso sagrado, quando Deus declara, em Gênesis 2:2-3:
E, havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera, descansou nesse
dia de toda a sua obra que tinha feito. E abençoou Deus o dia sétimo e o
santificou; porque nele descansou de toda a obra que, como Criador, fizera.
(BÍBLIA MISSIONÁRIA, 2018)

Constata-se que, pela crença da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD), desde a
criação do mundo já é instituído o sétimo dia (sábado) como dia de descanso. Este
entendimento foi incluído entre os 10 mandamentos5, mais especificamenteno quarto
mandamento, descrito em Êxodo 20:8
Lembra-te do dia de sábado, para o santificar.Seis dias trabalharás e farás toda a
tua obra.Mas o sétimo dia é o sábado doSenhor, teu Deus; não farás nenhum
trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua
serva, nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro;porque, em
seis dias, fez oSenhoros céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo
dia, descansou;por isso,oSenhorabençoou o dia de sábado e o santificou.
(BÍBLIA MISSIONÁRIA, 2018)

Esta mesma orientação é confirmada no Novo Testamento, na Bíblia, quando Jesus,


por Seu testemunho guardou o sábado, a saber, em Lucas 4:16 “Indo para Nazaré, onde
fora criado, entrou, num sábado, na sinagoga, segundo o Seu costume, e levantou-Se para
ler.” Assim como em Mateus 12:12 o próprio Jesus declara que “é lícito, nos sábados, fazer
o bem.” Entretanto, ficou registrado na história, através da Bíblia Sagrada de que Jesus
guardou o sábado.

5
Os Dez Mandamentos é a Lei que foi escrita ao povo de Israel pelo próprio dedo de Deus no Monte Sinai,
no livro de Êxodo, capítulo 20, que mais tarde foi ressaltado por Jesus que os mesmos podem ser divididos
em dois grandes grupos, os quatro primeiros mandamentos dispõe sobre o amor à Deus, enquanto os seis
últimos declaram sobre o amor ao próximo.
20

Jayme Weingartner Neto ressalta que o dia de guarda deve ser garantido sem
qualquer interferência estatal, pois é caracterizada como uma prerrogativa de foro íntimo
(WEINGARTNER NETO, 2007).
Émile Durkheim (1996), constata que a religião cumpre um papel social muito
importante com as suas cerimônias. E que ao crer em algo, a sociedade se sente completa,
e assim, aproxima os indivíduos, que compartilham esses sentimentos com seus
semelhantes, tornando-se mais íntimos.
A religião, desde a antiguidade, fez parte da vida do ser humano, já explorava esta
vertente Norberto Bobbio:

Se não estivéssemos convencidos da irresistível pluralidade das concepções


últimas, e se, ao contrário, estivéssemos convencidos de que asserções religiosas,
éticas e políticas são demonstráveis como teoremas, então os direitos à liberdade
religiosa ou à liberdade de pensamento político perderiam sua razão de ser, ou,
pelo menos, adquiririam um outro significado: seriam não o direito de ter a
própria religião pessoal ou de expressar o próprio pensamento político, mas sim
o direito de não ser dissuadido pela força de empreender a busca da única
verdade religiosa e do único bem político. (BOBBIO, 2004)

Após a “Santa Inquisição”, surgeaInternacionalReligiousLibertyAssociation, a mais


antiga entidade internacional organizada para defender e proteger a liberdade
religiosa,independente de dogma, doutrina ou liturgia, pois milita pelo direito de crer,
indiferente de seus conteúdos, assim como a liberdade de não ter nenhuma religião, sendo
de igual maneira respeitado pela sua escolha.

4 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA GUARDA


RELIGIOSA
Antes do advento da Lei 13.796/2019, as decisões acerca da prestação alternativa
do inciso VIII do artigo 5º da Carta Maior, ocorriam principalmente com base no princípio
da isonomia, aplicando-lhe diferentes interpretações, o que ocasionava ausência de
uniformidade decisória.
Já haviamleis de âmbito municipal e estadual que tratavam sobre a aplicação de
provas em concursos públicos e vestibulares. Porém, ainda não era o suficiente para
garantir segurança para os sabadistas.

O princípio da igualdade está em dispensar tratamento igual para situações


equivalentes. O grande problema reside no fato de os sabatistas não estarem em
condições equivalentes à dos outros candidatos. E a ausência de legislação que
defina isto, deixa o critério de avaliação e interpretação de caso a caso para o
magistrado. O que se verifica é um desastre do ponto de vista do princípio da
igualdade! Algumas decisões são favoráveis aos sabatistas e outra não, e, neste
21

caso sim, existe quebra do princípio da igualdade, já que pedidos em situações


equivalentes alcançam resultados diferentes(DORES, 2016).

Para que se tenha melhor compreensão acerca da incerteza jurídica a qual se


menciona, pode-se citar a ADI 3901, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, sob
relatoria do Ministro Edson Facchin, que questiona a constitucionalidade da Lei nº 6.140
de junho de 1998, do Estado do Pará,que dispõe sobre o horário das provas e concursos
públicos. De acordo com a lei, as provas e concursos passariam a ser realizados no horário
de 18h de sábado e às 18h do dia da sexta feira seguinte.
Neste mesmo sentido, há a Lei de nº 11.225 de novembro de 1999, do Estado de
Santa Catarina, que normatiza horários em que devem ocorrer os eventos educacionais e de
certames de concursos públicos e vestibulares, afastando, portanto, o período da guarda
sabática.Ainda há outros Estados da federação que aprovaram leis do mesmo teor,
Rondônia, Paraná e Ceará em se estabelece o mesmo horário e restrições as instituições de
ensino e bancas de concursos públicos.
No entanto, recentemente houve o julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade sob nº 3.714, proposta pela Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN), em face da Lei nº 12.142/2005 do Estado de
São Paulo, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, que tratou sobre os horários de
provas de concursos públicos e exames vestibulares, determinando que ocorram
preferencialmente “no período de domingo a sexta-feira, no horário compreendido entre
as 8h e as 18h”, da mesma forma que os exemplos supracitados. Foi arguido pela
requerente que a Lei impugnada estava violando a competência exclusiva da União de
legislar sobre as diretrizes e bases de educação (art. 22, XXIV/CF). Além disso, ataca e
invoca o não respeito a laicidade do Estado por prever condições especiais por motivos de
credo religioso.
Neste sentido, o relator, Ministro Alexandre de Moraes, esclareceu que o
entendimento da corte acerca do art. 22, XXIV/CF e o art. 24, IX da Constituição Federal é
de que se trata de competência concorrente entre União e Estados a disciplina de educação
e ensino, ao manter a vigência da Lei 12.142/2005 do Estado de São Paulo (MORAES,
2019).
No que tange às situações vivenciadas por estudantes que não atingiram a carga
horária mínima para aprovação, por escusa de consciência, as decisões proferidas pelo
22

poder judiciário não são uniformes e os argumentos são diversos diante dos casos
concretos, mantendo, via de regra, o poder discricionário dos magistrados envolvidos.
No Mandado de Segurança impetrado na comarca de São José no Estado de Santa
Catarina, em reexame necessário, foi decidido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de Santa Catarina, pelo Desembargador Carlos José Adilson, que as faltas lançadas durante
o período de descanso sagrado da impetrante, deveriam ser abonadas, constando da ementa
que:
Prevê a legislação estadual que, os estabelecimentos de ensino abonem as faltas
dos acadêmicos que, por crença religiosa, não possam frequentar as aulas
ministradas no período compreendido entre as 18 horas de sexta-feira e as 18
horas de sábado, sendo-lhes facultado o direito de realizar tarefas alternativas
parar suprir as faltas abonadas, dês que devidamente comprovado tratar-se o
aluno de membro de congregação religiosa que observa referidos rituais. (TJSC,
Reexame Necessário em Mandado de Segurança n. 2012.085114-3, de São José,
rel. Des. Carlos Adilson Silva, Terceira Câmara de Direito Público, j. 07-05-
2013).

Em seu voto, o relatormenciona que não se trata de mera justificativa de falta, mas
sim do dever de abono, já que a estudante se prontifica a realizar prestação alternativa de
atividades acadêmicas, em outro horário com o fim de ser aprovada na disciplina.
Em outro caso, foi deferida a participação de estudante no Exame Nacional do
Ensino Médio em dia compatível com o exercício da fé professada:

EMENTA: Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada. 2. Pedido


de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a
participação de estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)
em data alternativa ao Shabat 3. Alegação de inobservância ao direito
fundamental de liberdade religiosa e ao direito à educação. 4. Medida
acautelatória que configura grave lesão à ordem jurídico-administrativa. 5. Em
mero juízo de delibação, pode-se afirmar que a designação de data alternativa
para a realização dos exames não se revela em sintonia com o princípio da
isonomia, convolando-se em privilégio para um determinado grupo religioso 6.
Decisão da Presidência, proferida em sede de contracautela, sob a ótica dos
riscos que a tutela antecipada é capaz de acarretar à ordem pública 7. Pendência
de julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 391 e nº 3.714, nas
quais este Corte poderá analisar o tema com maior profundidade. 8. Agravo
Regimental conhecido e não provido.(STF. Agravo Regimental em Suspensão de
Tutela Antecipada n. 389 MG).

Por outro lado, decisões contrárias também foram proferidas. A exemplo do


Mandado de Segurança impetrado contra presidente da banca do certame para provimento
ao cargo de Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.Neste
caso,foi solicitada permissão para realização de uma das etapas da prova em horário que
não coincidisse com o dia de guarda. Na decisão, o Desembargador Relator Francesco
23

Conti argumentou no sentido que nos concursos públicos devem se manter de forma
inflexível quanto aos princípios da impessoalidade e da isonomia.

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. JUIZ DE DIREITO


SUBSTITUTO DO TJRS. MEMBRO DA IGREJA ADVENTISTA.
REALIZAÇÃO DE EXAME EM HORÁRIO DIVERSO. GUARDA DOS
SÁBADOS. ISONOMIA. A liberdade de crença, prevista na Constituição
Federal, não se sobrepõe à isonomia do certame e ao princípio da legalidade.
Assim, se o edital do certame marca a realização da prova subjetiva do concurso
em determinada data e horário, impossível garantir direito à realização do exame
em horário diverso para o candidato religioso. Precedentes.SEGURANÇA
DENEGADA.(TJRS. Mandado de Segurança n. 70078692415. Relator Des.
Francesco Conti, Segundo Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado, julgado
em 14-09-2018)

Também neste sentido, foi o julgamento do Mandado de Segurança impetrado em


desfavor da autoridade coatora, Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para
autorização para assistir as aulas e realizar provas em turno e horário diverso das sextas-
feiras à noite, ou abono de faltas.

ADMINISTRATIVO. RELIGIÃO. ABONO DE FALTAS E PRESTAÇÃO DE


PROVAS EM DIAS ALTERNATIVOS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA
ISONOMIA. INDEFERIMENTO 1. A liberdade religiosa assegurada pela
Constituição Federal não obriga o Estado - que é laico - a subordinar-se aos
preceitos de qualquer religião. Qualquer cidadão pode professar livremente
qualquer religião. A Constituição Federal e o Estado lhe garantem livremente o
exercício deste direito. Quando o cidadão, porém, lida com assuntos terrenos, às
regras próprias deve amoldar-se, e não o contrário. E nisso não há qualquer
ofensa à liberdade religiosa. 2. A permissão propugnada implicaria ofensa à
isonomia, porquanto os demais alunos se submetem ao plano da Universidade, a
qual teria que abrir exceção desarrazoada em prol daquele aluno de determinada
religião.(TRF4. AC 5049307-30.2017.4.04.7100. Relator Luís Alberto
D'azevedoAurvalle, 4ª Turma, julgado em 04/07/2018).

Mas o advento da Lei de nº 13.796/2019, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional, a expectativa é de que as incertezas quanto a possibilidade de
realização de atividades alterantivas, sejam minimizadas.

5A LEI Nº 13.796 DE 03 DE JANEIRO DE 2019

Publicada no Diário Oficial da União de 4 de janeiro de 2019, a Lei nº 13.796altera


Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, para fixar, em virtude de escusa
de consciência, prestações alternativas à aplicação de provas e à frequência a aulas
realizadas em dia de guarda religiosa, tornando possível garantir efetividade para o inciso
VIII do artigo 5º da Constituição Federal.
24

Bastante concisa, a referida lei acrescenta o artigo 7-A na LDB, com a seguinte
redação:
Art. 7º-A Ao aluno regularmente matriculado em instituição de ensino pública ou
privada, de qualquer nível, é assegurado, no exercício da liberdade de
consciência e de crença, o direito de, mediante prévio e motivado requerimento,
ausentar-se de prova ou de aula marcada para dia em que, segundo os preceitos
de sua religião, seja vedado o exercício de tais atividades, devendo-se-lhe
atribuir, a critério da instituição e sem custos para o aluno, uma das seguintes
prestações alternativas, nos termos do inciso VIII do caput do art. 5º da
Constituição Federal:
I - prova ou aula de reposição, conforme o caso, a ser realizada em data
alternativa, no turno de estudo do aluno ou em outro horário agendado com sua
anuência expressa;
II - trabalho escrito ou outra modalidade de atividade de pesquisa, com tema,
objetivo e data de entrega definidos pela instituição de ensino.
§ 1º A prestação alternativa deverá observar os parâmetros curriculares e o plano
de aula do dia da ausência do aluno.
§ 2º O cumprimento das formas de prestação alternativa de que trata este artigo
substituirá a obrigação original para todos os efeitos, inclusive regularização do
registro de frequência.

Importante observar que não se trata de uma terceira hipótese de abono de faltas
para a Educação Superior, ou mesmo uma possibilidade de abono de faltas para o ensino
básico. A lei determina a aplicação de prova ou aula de reposição, que será realizada em
data alternativa, em turno e horário agendado no qual o aluno possa comparecer e concorde
expressamente. Pode ser solicitado, trabalho escrito ou atividade de pesquisa, nos moldes
que a instituição solicitar.
A prestação alternativa deve observar os parâmetros convencionais, curriculares e o
plano de aula idêntico ao aplicado aos alunos presentes no dia de ausência do discente.
Esta prestação alternativa substituirá de forma integral a atividade principal e o aluno deve
ter acesso ao registro de frequência para regularização do controle de aula.
As instituições de ensino devem implementar de forma progressiva as providências
e adaptações para um funcionamento da melhor forma para o acadêmico e a instituição.
Embora tenha a legislação sanado a dúvida quanto a preservação da garantia da
liberdade religiosa, e portanto de credo e do direito de guardar o sábado, ela manteve
pairando no ar a dúvida quanto a igualdade de oportunidade de aprendizado, já que a
solução dada foi de realização de atividade alternativa para o aluno sabadista.
Ainda que exista a determinação de que se observe os parâmetros curriculares e o
conteúdo do dia para a atividade alterantiva, o fato é que a alternativa dada pode privar o
estudante da interação com seus pares e excluir a possibilidade de absorver todas as
competências pretendidas com a aplicação da tarefa original.
25

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que por um lado possa-se arguir que os cidadãos que vierem a usufruir do
disposto na Lei 13.796/19, estão sendo privilegiadas, e que isso ataca diretamente o
princípio da isonomia, deve-se ponderar outro lado da moeda.
Seria temerário cogitar a hipótese de privilegiode tal grupo, em detrimento da
coletividade, pois deve-se observar que não se configura um ganho simples, já quehá uma
contrapartida que se constitui na prestação alternativa. Esta é uma condicionante para que
sejam compensadas as ausências decorrentes do exercício da crença.
Contudo, conforme invocado logo no início da presente reflexão, percebe-se que
embora a inovação legislativa tenha garantido segurança jurídica quanto a possibilidade de
exercer a liberdade religiosa, inclusive para ausentar-se em atividades obrigatórias ou
provas inclusive no Ensino Superior, o fato é que aparentemente poderá o estudante estar
sendo privado de parte das competências que seus colegas estão tendo acesso.
Se por um lado o exercício da liberdade religiosa garanta o pertencimento a um
determinado grupo, garantido a possibilidade de desenvolver a espiritualidade de forma
próxima àqueles que compartilham das mesmas crenças, por outro, exclui o estudante do
convívio dos demais estudantes, em período regular de realização de atividades.
Mesmo a realização de prova em dia alternativo, que possa parecer uma tarefa
simples de ser reproduzida, merece ser revista com atenção pois existe uma dificuldade que
acompanha uma avaliação alternativa, que seria a ausência da atmosfera existente na
coletividade que desenvolve a mesma tarefa de maneira concomitante.
Portanto, ainda que se possa afirmar que inegáveis benefícios decorrem dessa
inovação, já o reconhecimento do direito afasta a insegurança jurídica, a solução
encontrada pode estar cobrando um preço alto na formação profissional do sabadista.
Espera-se que este não seja o fim da caminhada, que se continue debatendo acerca
de diferentes opções para preservar o direito de liberdade religiosa, mas que ao mesmo
tempo não os prive de receber a formação em sua plenitude.
26

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27

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WHITE, Ellen Gould. O Grande Conflito (Condensado).Tatuí, Casa Publicadora


Brasileira, 2007.
29

A IMPORTÂNCIA DAS ESCOLAS JURÍDICAS DE APERFEIÇOAMENTO PARA


A EDUCAÇÃO JURÍDICA BRASILEIRA

Alexandre Torres Petry1

Resumo: O presente artigo aborda a temática da educação jurídica com foco nas escolas
jurídicas de aperfeiçoamento, as quais se expandiram nas últimas décadas e adquiriram
grande relevância para a educação jurídica brasileira. Inicialmente, analisa-se o contexto
atual da educação jurídica, que é negativo. Após, estuda-se as escolas jurídicas de
aperfeiçoamento que são, pelo menos, 150 no Brasil, apontando-se a importância dessas
escolas para o fortalecimento do nível da cultura jurídica. Apresenta-se como possibilidade
de elevar o nível da educação jurídica a criação de uma Escola pelo Conselho Nacional de
Justiça, que poderia ser uma indutora de qualidade na educação ao estimular boas práticas,
atuar de forma conjunta com as faculdades e produzir densa pesquisa sobre os cursos
jurídicos e a educação que elas promovem. Ao final, conclui-se que a educação jurídica
precisa de transformações efetivas, sendo que as escolas de aperfeiçoamento são
importantes ferramentas para essas necessárias mudanças.

Palavras-chave:Educação jurídica. Escolas jurídicas de aperfeiçoamento. Ensino Superior.


Qualidade. Transformação.

1 INTRODUÇÃO
Inicialmente, esclarece-se que o termo ‘escolas jurídicas de aperfeiçoamento’ é
utilizado para se referir às escolas de aperfeiçoamento existentes em diversas instituições
naárea do Direito, como as Escolas Superiores de Aperfeiçoamento da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), as diversas escolas da Magistratura, do Ministério Público,
da Defensoria Pública, entre tantas outras. Optou-se por não denominá-las de Escolas de
Direito justamente porque essa expressão costuma ser utilizada pelas faculdades de Direito.
Entretanto, porque abordar esse tema se as referidas escolas possuem nichos de
atuação tão específicos? Qual o papel das escolas de aperfeiçoamento para a educação
jurídica? Essas questões são instigantes e perpassarão o presente artigo, que visa
justamente refletir sobre a educação jurídica brasileira, além de apresentar proposições
factíveis que possam ampliar o debate e contribuir para a necessária e desejada
transformação da educação jurídica e, consequentemente, do próprio sistema de justiça
brasileiro.
1
Doutor em Educação UFRGS. Mestre em Direito PUCRS. Especialista em Direito UFRGS. Membro da
Comissão de Educação Jurídica e da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB/RS. Diretor da
Revista Eletrônica da ESA-OAB/RS. Editor Executivo da área de Ciências Humanas da Revista Eletrônica
Científica da UERGS. Membro consultor da Comissão Nacional de Educação Jurídica da OAB. Professor e
Advogado.
30

2 O CONTEXTO DA EDUCAÇÃO JURÍDICA BRASILEIRA

A educação jurídica brasileira não vai bem. Aliás, nunca esteve bem.
Constantemente, utiliza-se a expressão “crise” para se referir ao contexto da educação
jurídica brasileira. Nesse sentido, cita-se Isadora Lazaretti e Giovanni Olsson (2019, p. 90):

A partir do presente estudo foi possível verificar que hoje, se instaura uma grave
crise na educação jurídica brasileira. Manifestada pelo elevado número de cursos
de graduação em Direito aprovados nos últimos anos, pelos índices preocupantes
apontados nas pesquisas quanto ao número cada vez mais crescente de
reprovados no Exame de Ordem, e, ainda, pela quantidade de profissionais
formados em Direito que estão desempregados ou que optaram por se inserir no
mercado de trabalho em área não-jurídica, a investigação dessa temática
apresenta-se relevante e incitante diante da trágica realidade que se verifica
atualmente no Brasil.

De fato, é incontroverso que existe um número gigantesco de faculdades de


Direito2, uma quantidade absurda de estudantes matriculados em cursos jurídicos3, que os
resultados doExame da OAB, que ocorrem três vezes anos ano, revelam taxas de
aprovação preocupantes4 e que considerável parcela dos bacharéis em Direito sequer
consegue se estabelecer no mercado profissional dentre dos diversos ramos jurídicos.
Portanto, os dados são estarrecedores e revelam um quadro muito preocupante, o qual
impacta diretamente na cidadania, já que são estes os operadores do Direito que atuarão na
administração da justiça.
Porém, a grande pergunta é: quando o ensino brasileiro não esteve em crise? Ou:
quando esteve bem a educação jurídica brasileira? Tenho sustentado5 que, a já tão usual
expressão “crise” da educação jurídica, não é uma crise em si, mas sim um projeto que já

2
De acordo com a última Sinopse Estatística da Educação Superior publicada pelo INEP, referente ao ano de
2018, existem 1.303 cursos de Direito no Brasil. Disponível em http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-
estatisticas-da-educacao-superior. Acesso em 08 jun. 2020. Entretanto, considerando a autorização de
abertura de novos cursos, processo que sequer foi interrompido durante a pandemia, acredita-se que o Brasil,
atualmente, já conte com mais de 1.500 faculdades de Direito.
3
A mesma publicação do INEP, Sinopse Estatística da Educação Superior, referente ao ano de 2018, aponta
863.101 matriculados em cursos de Direito num universo de 8.450.755 alunos matriculados na educação
superior, ou seja, os alunos de Direito representam 10,2% do total. Disponível em
http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior. Acesso em 08 jun. 2020.
4
Conforme a publicação “Exame da Ordem em Números, Vol. IV”, elaborado pela FGV, que analisa os
resultados do Exame da OAB entre 2010 e 2020, a taxa média de aprovação por prova é de apenas 18,7%,
destacando-se que há uma média de 126.999 inscritos por edição do Exame. Disponível em
https://examedeordem.oab.org.br/pdf/exame-de-ordem-em-numeros-IV.pdf. Acesso em 08 jun. 2020.
5
“Concorda-se com a doutrina que a educação jurídica precisa de mudanças, porém, não a partir da
constatação de uma crise como geralmente ocorre, mas sim a partir da constatação da inadequação da
educação jurídica para a realidade brasileira, problema que é histórico e constante.” (PETRY, 2019, p. 139)
31

dura quase 200 anos, ou seja, remonta ao ano de 1827 quando da criação dos primeiros
cursos jurídicos no Brasil.
Obviamente, as características dos cursos, assim como dos estudantes e da
sociedade, alteraram-se muito nesse período, não obstante, a característica em comum é
que essa educação nunca foi adequada e sequer contribuiu de forma efetiva para o
desenvolvimento da justiça no Brasil, país marcado por desigualdades.
Se antes o ensino foi marcado por um elitismo (acessível a poucos) e desconectado
da realidade (características que foram se atenuando ao longo da história, mas que
perduraram fortemente, pelo menos, até a década de 1980), atualmente, o país possui uma
expansão da rede de faculdades de direito (o que ocorreu, principalmente, pelo avanço das
faculdades privadas), as quais ficaram acessíveis, recentemente, a uma grande parte dos
alunos (tanto é que os estudantes de Direito representam a maior categoria de estudantes
dentre todos os cursos universitários, representando cerca de 10%), porém, com um ensino
marcado pela simplificação e pela reprodução de metodologias6, leis e ideias.
É claro que existem boas faculdades de Direito no Brasil, as quais são reconhecidas
nacionalmente e, até, internacionalmente7. Porém, são exceções diante deste quadro.
Crise remonta a algo passageiro, a qual tende a ser superada, inclusive, com a
possibilidade de se retomar a situação anterior. No entanto, será que todos os juristas que
alegama crise da educação jurídica brasileira gostariam que retomássemos alguma situação
anterior? Provavelmente, não. O que todos desejam são mudanças transformadoras na
educação jurídica brasileira, que signifiquem novos paradigmas e rumos diferentes.
Aliás, sobre a retórica da crise, ainda que não se referindo sobre a educação
jurídica, mas sim sobre a terrível situação da pandemia, manifestou-se Boaventura de
Sousa Santos (2020, p. 5) da seguinte forma:

6
E para que não se argumente que o curso de Direito é ‘tradicional’ e, por isso, não poderia ser inovado,
principalmente no que tange às metodologias de ensino e pesquisa, destaca-se o recente artigo de quatro
professoras que apontaram 80 ideias inovadoras e criativas para o ensino do Direito (GARRETSON;
KRAUSE-PHELAN; SIEGEL; THELEN, 2018, p. 33).
7
Destaca-se que as universidades brasileiras possuem pouco prestígio internacional e, consequentemente, as
faculdades de Direito brasileiras também. É difícil definir um ranking e estabelecer critérios de avaliação
universais para todas as instituições de ensino. Ainda assim, existem alguns rankings, sendo que, dentre eles,
cita-se, exemplificativamente, o QS World University Rankings, o qual em 2020, aponta como a melhor
universidade brasileira a USP, que está na posição 116 (atrás, por exemplo, da UBA da Argentina, que está
em 74, e da UNAM do México, que está em 103). A segunda melhor universidade brasileira é a UNICAMP,
que ocupa a posição 214. Disponível em https://www.topuniversities.com/university-rankings/world-
university-rankings/2020. Acesso em 08 jun. 2020.
32

Por um lado, a ideia de crise permanente é um oximoro, já que, no sentido


etimológico, a crise é, por natureza, excepcional e passageira, e constitui a
oportunidade para ser superada e dar origem a um melhor estado de coisas. Por
outro lado, quando a crise é passageira, ela deve ser explicada pelos factores que
a provocam. Mas quando se torna permanente, a crise transforma-se na causa
que explica tudo o resto. Por exemplo, a crise financeira permanente é utilizada
para explicar os cortes nas políticas sociais (saúde, educação, previdência social)
ou a degradação dos salários. E assim obsta a que se pergunte pelas verdadeiras
causas da crise. O objectivo da crisepermanente é não ser resolvida.

Logo, não pode existir uma crise permanente na educação jurídica, pois, se assim
for, ela não será resolvida. O que precisa ser admitido é que não vivemos uma crise (algo
temporário), mas sim uma realidade que sempre foi deficitária, problemática e com
consequências graves. De tal modo, a posição adotada é que não vivenciamos
propriamente uma crise, mas sim um contexto negativo, o qual teve peculiaridades ao
longo da sua trajetória, mas jamais deixou de ser negativo. Além disso, outra posição é que
esse contexto negativo não pode ser atribuído simplesmente ao elevado número de cursos
jurídicos, pois, mais educação não é algo negativo (ainda mais no caso do Brasil, que
possui taxas de concluintes de cursos superiores pífias se comparadas com outros países da
própria América Latina8). O grande problema é a qualidade da educação jurídica, a qual é
abaixo do aceitável.
O interessante é que, no que tange ao marco legal dos cursos jurídicos, possuímos
uma legislação que permite que as faculdades de Direito tenham cursos promissores e de
elevada qualidade. Aliás, o próprio Boaventura de Sousa Santos, ainda em 2011, ao se
referir sobre as diretrizes dos cursos de Direito, assim se posicionou (2011, p. 92):

A questão que fica em aberto, no entanto, é por que, apesar de todas essas
oportunidades, as escolas de direito no Brasil permanecem incapazes de dar o
salto necessário para um modelo educacional socialmente mais comprometido e
epistemologicamente mais sofisticado.

8
Considerando apenas pessoas entre 25 e 34 anos, segundo relatório de 2019 com dados referentes ao ano de
2018, somente 21% de brasileiros concluíram o ensino superior, enquanto no México 23%, Costa Risca 28%,
Colômbia 29%, Chile 34% e Argentina 40%. Os dados da pesquisa são da Education at a Glance (EAG), que
é uma publicação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que reúne
estatísticas educacionais do Brasil e mais de 40 países, no âmbito do Programa de Indicadores dos Sistemas
Educacionais (INES). É divulgada anualmente, com objetivo de oferecer uma visão geral dos sistemas
educacionais dos países participantes, possibilitando a comparação internacional. Publicação disponível no
site do INEP: http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/eag/documentos/2019/
EAG_2019_OCDE.pdf. Acesso em 08 jun. 2020.
33

Atualmente, o Brasil possui adequadas diretrizes curriculares9 para os seus cursos


de Direito, as quais foram estabelecidas pela Resolução CNE/CES nº 5 de 17 de dezembro
de 2018. No entanto, a simples implementação de diretrizes não é o suficiente para elevar o
nível da educação, pois, como referem Adriana Ancona de Faria e Stephane Lima (2019, p.
22) “o caráter inovador da resolução, assim sendo, depende, em ampla medida, de as
instituições desejarem implementá-las, o que já deveria ter acontecido desde a Resolução
de 2004, muito embora essa não tenha surtido o efeito esperado”.
Portanto, a situação da educação jurídica brasileira é alarmante, mas esse cenário é
atenuado em parte pelas diversas escolas jurídicas de aperfeiçoamento, as quais são
essenciais para a elevação do nível da cultura jurídica brasileira.

3 AS ESCOLAS JURÍDICAS DE APERFEIÇOAMENTO

As diversas escolas jurídicas de aperfeiçoamento, ou profissionalizantes, na área do


Direito, espalhadas por todo o Brasil, em linhas gerais, não surgiram para enfrentar o
problema da educação jurídica deficitária no Brasil, mas sim para aperfeiçoarem suas
respectivas classes de profissionais.
Isso porque, como refere Boaventura de Sousa Santos (2011, p. 95) “a formação da
faculdade é uma formação genérica, deve ser complementada com formações
especializadas”. É claro que aos bacharéis é permitida a complementação de seus estudos
em cursos de pós-graduação. No entanto, o requisito para atuar nas diversas profissões
jurídicas, geralmente, é ser bacharel em Direito e obter aprovação em provas, seja no
Exame da OAB para quem deseja a advocacia, seja em concursos públicos para as diversas
carreiras, como exemplificativamente, juiz, promotor, defensor público, procurador de
Estados e municípios, entre várias outras.
Considerando que as faculdadesentregam para o mercado bacharéis com formação
generalista, a formação específica para cada uma dessas carreiras acabou sendo atribuição
da própria classe já existente, surgindo assim diversas escolas de formação. São exemplos
mais conhecidos as escolas de advocacias e de juízes.

9
Com isso não se está afirmando que as diretrizes curriculares não são passíveis de críticas, até porque as
mesmas poderiam ser melhores. Entretanto, é inegável que as diretrizes foram aperfeiçoadas em relação às
anteriores e que trazem um adequado marco regulatório que permite e induz os cursos a elevarem a qualidade
da educação e de suas práticas.
34

Após a realização de pesquisa sobre a realidade dessas escolas, constatou-se que


existem, ao menos, 150 escolas de aperfeiçoamento na área do Direito no Brasil.
Apresenta-se a relação das principais redes das referidas escolas10 (as que mais apresentam
escolas):
- 27 Escolas de Advocacia estaduais e uma nacional vinculada à OAB;
- 27 Escolas estaduais de magistratura;
- 24 Escolas ligadas aos TRT’s e uma nacional ao TST;
- 19 Escolas Estaduais dos Ministérios Públicos;
- 18 Escolas de Defensorias Públicas Estaduais;
- 8 Escolas de Procuradorias Gerais dos Estados; e
- 5 Escolas dos TRF’s e 3 de Magistratura Federal (RS, SC e PR).

Além disso, no âmbito federal ainda existem as seguintes escolas: Escola da


Advocacia Geral da União (AGU), Escola Superior do Ministério Público da União
(ESMPU), Escola Superior da Defensoria Pública da União (ESDPU), Escola Nacional de
Delegados da Polícia Federal (EADELTA), Escola Judiciária Eleitoral (EJE) e a Escola
Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados da Justiça Militar da União
(ENAJUM).
Alguns municípios também possuem procuradorias com escolas, como é o caso,
por exemplo, da Procuradoria Geral do Município de Porto Alegre/RS que criou a Escola
Superior de Direito Municipal (ESDM)11.
Também existem escolas estaduais ligadas aos PROCON’s (como em São Paulo e
no Rio Grande do Sul), bem como a Escola Superior de Defesa do Consumidor (ligada à
SENACON/Ministério da Justiça e Segurança Pública).
Outras instituições não possuem escolas propriamente ditas (e, por isso, não foram
contabilizadas neste levantamento), porém, possuem centro de estudos, os quais se
assemelham em muito às escolas ora pesquisadas. Também existem instituições que se

10
A pesquisa realizada foi através de consulta pela internet, ou seja, buscou-se em cada uma das instituições
apontadas a referência à escola. Quando a escola era facilmente identificada, o dado foi contabilizado. Em
alguns casos, existia referência à escola, mas não se identificou, por exemplo, site institucional ou sede da
escola. Nestes casos, os dados não foram considerados. Logo, existe a possibilidade de escolas formais
existirem, mas não terem sido localizadas nessa pesquisa, a qual não visa definir o número exato de escolas
de aperfeiçoamento, mas apresentar uma noção de quantas escolas podemexistir.
11
Disponível em http://www.esdm.com.br. Acesso em 03 jun. 2020.
35

assemelham muito às escolas, mas apenas não possuem a terminologia “escola”, como é o
caso, por exemplo, da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP)12.
Deve-se registar que os governos também possuem escolas, ainda que estas tenham
um leque mais geral de cursos, mas é notável uma quantidade grande de cursos da área do
Direito (estas escolas não foram consideradas para a presente pesquisa, já que não possuem
o foco principal no Direito). Exemplo maior é a Escola Virtual.Gov do governo federal,
que é identificada como o “portal único de Governo para a oferta de capacitação a
distância”13.
Logo, apontar com precisão o número de escolas jurídicas de aperfeiçoamento é
tarefa muito difícil (seria necessário pesquisar em todos os municípios) e verificar com
cada instituição se de fato a escola existe, mas, pelos critérios utilizados, pode-se afirmar
com segurança que existem pelo menos 150 escolas deste tipo no Brasil. Se o nosso país é
usualmente indicado como o que mais possui faculdades de Direito, então, provavelmente,
também deve ser o que mais possui escolas de aperfeiçoamento, pois o número apontado é
impressionante.
Nitidamente, as escolas mais tradicionais e organizadas são as da magistratura,
seguidas pelas escolas de advocacia. Essas já possuem um histórico mais longo, bem como
estruturas mais robustas. Depois, aparecem as escolas ligadas aos Ministérios Públicos
estaduais, que estão presente na maioria dos Estados. As escolas de Defensoria Pública
também estão presentes em grande quantidade nos Estados, mas fica claro que o
surgimento destas escolas ainda é um fenômeno recente14. Já as Procuradorias de Justiça
dos Estados possuem poucas escolas, não obstante, também se constata que a tendência é
que mais escolas sejam criadas no âmbito das procuradorias15. Logo, o surgimento de
escolas de aperfeiçoamento não é um processo finalizado, pelo contrário, ainda está em
expansão, seja na abertura de escolas, seja nos investimentos para as mesmas.
O interessante é que essas escolas surgem, inicialmente, focadasem aperfeiçoar seus
profissionais, ou seja, são voltadas para uma categoria restrita, não sendo abertas ao
12
A AASP (https://www.aasp.org.br) assemelha-se muito às ESA’s, tanto é que atua em parceria com elas.
13
Disponível em https://www.escolavirtual.gov.br/. Acesso em 04 jun. 2020.
14
Nesse sentido, cita-se notícia da Defensoria Pública do Estado de Roraima, que está tentando criar a sua
escola, tanto é que traz a seguinte notícia no seu site: “Em Roraima Escola Superior da Defensoria pode virar
realidade em 2020”. Disponível em http://www.defensoria.rr.def.br/comunicação/noticias/2708-em-roraima-
escola-superior-da-defensoria-pode-virar-realidade-em-2020. Acesso em 02 jun. 2020.
15
Exemplificativamente, cita-se o caso da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul, a qual teve a
escola criada em recente Decreto de 02/08/2019 pelo Governador. Notícia de 05/08/2019 disponível em:
https://www.pge.rs.gov.br/governador-eduardo-leite-assina-decreto-que-cria-a-escola-superior-de-advocacia-
de-estado-da-pge-rs. Acesso em 02 jun. 2020.
36

público em geral. Numa segunda fase, muitas delas passam a realizar cursos preparatórios
paras suas carreiras, notadamente, as escolas de magistraturas. Numa última fase, a mais
recente, as escolas ampliam as suas atividades, passando a realizar cursos e eventos, os
quais, agora, também passam a ser destinados ao grande público. Também geram
publicações (como revistas e livros). É claro que nem todas possuem as mesmas
características, porém, ainda assim, essa tendência de expansão de atividades é
característica presente em praticamente todas as escolas de aperfeiçoamento na área do
Direito.
Existeaté exemplo de escola profissionalizante que não se limitou a fazer cursos de
formação para a sua classe (fase 1), cursos para concursos e eventos (fase 2) e cursos e
eventos para o público em geral (fase 3), tornando-se efetivamente faculdade de Direito,
como é o caso da FMP – Fundação Escola do Ministério Público do Rio Grande do Sul16,
curso que já se destaca no cenário nacional pela sua elevada qualidade e, inclusive, já
possui curso de Mestrado em Direito.
A fim de mostrar a relevância destas escolas, cabe analisar alguns exemplos.
No que tange à advocacia, a escola mais antiga é a Escola Superior de Advocacia
do Rio Grande do Sul (ESA/RS), a qual foi fundada em 1985 com o objetivo de coordenar
atividades culturais “através de cursos, estudos, seminários, congressos, publicações e
demais programações que visem à elevação do nível cultural dos advogados gaúchos”.17
Passados 35 anos da sua criação, a ESA/RS, de acordo com informações obtidas de seu site
institucional (http://www.esars.org.br), conta com oito salas de aulas e auditório com
capacidade para 350 pessoas (portanto, estrutura física superior a de muitas faculdades de
Direito) ofertando a todos os interessados (e não só advogados) o seguinte:

- Cursos e eventos;
- E-books (abrindo editais para submissão de artigos);
- Biblioteca física e virtual (permitindo empréstimos);
- Pós-graduação em parceria com duas instituições de ensino na área do Direito;
- Revista eletrônica (com edital permanente para submissão de artigos);

16
No site da FMP consta a seguinte mensagem institucional: “A Fundação Escola Superior do Ministério
Público (FMP) foi criada em 30 de novembro de 1983, por Promotores e Procuradores de Justiça do Estado.
É uma Instituição de ensino privado, especializada no ensino jurídico, por isso carrega o nome do Ministério
Público, órgão responsável pela defesa dos interesses da sociedade”. Disponível em
https://www.fmp.edu.br/a-fmp/. Acesso em 04 jun. 2020.
17
Conforme o site institucional da ESA/RS. Disponível em http://www.esars.org.br/historia. Acesso em 05
jun. 2020.
37

- Grupos de estudos em diversas áreas;


- Projetos culturais (como espaço para cinema e poemas);
- Projeto de lançamento de livros para diversos autores; e
- Canal no Youtube.

Apenas para demonstrar o alcance da ESA/RS, cita-se notícia veiculada no seu site,
com data de 30/03/2020, onde consta “OAB/RS registra, em menos de duas semanas, mais
de 12 mil inscritos em seus cursos EAD gratuitos para este período de quarentena”18. Ora,
ter cerca de mil inscritos por dia em cursos, comprova a alta demanda pelas atividades da
escola (principalmente, cursos e eventos) e o importante papel que a mesma desempenha.
Para ficar no exemplo do Rio Grande do Sul, outra escola que se destaca é a Escola
da AJURIS - Escola Superior da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul -, instituída
pela Associação dos Juízes do Estado do Rio Grande do Sul oficialmente no ano de 1980
(ainda que a sua história possa remontar ao ano de 1962, quando surgiu em Porto Alegre o
Curso de Preparação para a Judicatura, embrião da Escola Superior da Magistratura).19 A
Escola da AJURIS também oferece um leque grande de opções, conforme abaixo
resumido:

- Cursos preparatórios;
- Eventos diversos;
- Núcleos de estudos;
- Posto dos Juizados Especiais Cíveis;
- Biblioteca;
- Revista para publicação e artigos científicos; e
- Demais publicações (Caderno de literatura, Jornal, Clipping, Boletim Eletrônico,
Informativo Social e Cultural, Dicas Culturais e infantis e Anais de Congressos).

Ao analisar a “missão” e a visão” da Escola da AJURIS, fica nítido que o seu foco
não é apenas na formação dos servidores da sua área de atuação. Eis o que consta no seu
site institucional20:

18
Disponível em http://www.esars.org.br/noticias/oabrs-registra-em-menos-duas-semanas-mais-12-mil-
inscritos-seus-cursos-ead-gratuitos-para-este-perio/42644. Acesso em 05 jun. 2020.
19
Disponível em http://www.escoladaajuris.org.br/esm/institucional/escola-oficial. Acesso em 06 jun. 2020.
20
Disponível em http://www.escoladaajuris.org.br/esm/institucional/missao-visao-e-valores. Acesso em 06
jun. 2020.
38

Missão
Centro de preparação e aperfeiçoamento de magistrados e atores do Sistema de
Justiça, oferecendo profissionalização, ensino e pesquisa, de modo a alavancar a
inovação, a legitimação do Poder Judiciário e influenciar a agenda das questões
emergentes do direito e sociedade.
Visão
Constituir-se num centro de excelência e inquietação jurídico-humanista,
oferecendo cursos de pós-graduação, educação continuada e preparação
profissional, pesquisando e debatendo com a sociedade temas culturais
relevantes.

Portanto, estas escolas gaúchas permitem uma noção da pujança, alcance e


importância destas instituições, as quais mantêm uma forte estrutura dedicada ao
aperfeiçoamento na área de educação jurídica.
Em nível nacional, pode-se citar, exemplificativamente, a Escola Superior do
Ministério Público da União (ESMPU), a qual foi criada e 1998 pela Lei n. 9.628 e
oficialmente instalada em 14 de junho de 2000. O interessante da ESMPU é que, além das
atividades acadêmicas, como cursos, eventos e publicações, também traz um olhar para a
pesquisa, a extensão e a interação com a sociedade, o que poderia levar até uma
caracterização de uma nova fase das escolas (ao buscar o aprofundamento da pesquisa, a
extensão e a interação com a sociedade, ou seja, não apenas com pessoas ligadas à área do
Direito). Eis a descrição constante no seu site institucional21:

Atividades de Extensão - a extensão articula-se com o ensino e a pesquisa e


busca promover a interação entre a instituição e a sociedade, permitindo a troca
de saberes. Nesse sentido, a ESMPU realiza seminários, simpósios, colóquios e
congressos.
Pesquisas Científicas - um dos objetivos da Escola é fomentar projetos e
programas de pesquisa que abordem temas de relevante interesse do MPU. Esses
projetos incentivam a produção de conhecimento jurídico e a promoção da
interdisciplinaridade. Podem ser propostos por membros e servidores em
atividade, de forma individual ou coletiva. Algumas linhas são prioritárias, como
as direcionadas para a atividade-fim do Ministério Público e as que tenham como
escopo a descoberta de conhecimento capaz de proporcionar maior efetividade,
eficácia e eficiência jurídica em nosso País. [...]
Interação com a sociedade - a Escola busca contribuir para a promoção da ética e
da cidadania, a consolidação da democracia e a redução das desigualdades.
Visando a esse objetivo, firma acordos de cooperação com instituições parceiras;
promove atividades, como seminários e simpósios, franqueadas ao público
externo ao MPU; e busca divulgar em suas redes sociais (Facebook, Twitter,
YouTube, Flickr e Instagram) conteúdos de interesse público.

Nitidamente, as escolas jurídicas de aperfeiçoamento estão avançando na sua área


de atuação, produzindo ensino, pesquisa e extensão (aliás, os três eixos previstos no art.

21
Disponível em http://escola.mpu.mp.br/a-escola/institucional/atuacao. Acesso em 07 jun. 2020.
39

207 da Constituição Federal, o qual dispõe que as universidades obedecerão ao princípio


da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão), voltando-se cada vez mais, além
dos profissionais do seu ramo de atuação, para os demais juristas, estudantes, comunidade
acadêmica e sociedade.
As escolas de aperfeiçoamento não abandonaram sua vocação de focarem no
aperfeiçoamento dos profissionais de suas carreiras, porém, passaram a atender o grande
público em geral, em especial, muitos estudantes de Direito, até porque os mesmos
precisam22 e são incentivados a realizarem atividades fora de suas instituições.
Com a expansão das ferramentas de tecnologia23, o que se intensificou com a
recente pandemia do Covid-19, os cursos e eventos passaram a atingir um público ainda
maior, sendo, portanto, inegável a função complementar na formação jurídica destas
escolas.
Nesse cenário negativo da educação jurídica brasileira, onde entram anualmente no
mercado dezenas de milhares de bacharéis em Direito com uma formação superficial e
deficitária (o que é resultado de um nefasto processo de mercantilização da educação
jurídica), cabe às referidas escolas aperfeiçoar estes profissionais a fim de que os mesmos
tenham condições mínimas de exercerem suas atividades, papel que está se intensificando
na mesma medida que baixa o nível de qualidade dos cursos jurídicos.
Portanto, este ‘sistema’24 de escolas acaba sendo essencial para a administração da
justiça como um todo, pois acaba atuando com responsabilidade subsidiária, ou
complementar, na formação específica das mais diversas carreiras jurídicas.
Uma vez reconhecida a importância deste conjunto de escolas, uma questão que
surge é: até quando e como conseguirão essas escolas realizarem essa formação dado o
grau do déficit educacional dos bacharéis em Direito?

22
Os acadêmicos de Direito necessitam cumprir um percentual deatividades complementares, o qual é
estabelecido por cada instituição de ensino. Entretanto, há um mínimo a ser cumprido, conforme as atuais
Diretrizes Curriculares, estabelecidas pela Resolução CNE/CES nº 5 de 17 de dezembro de 2018, que
estipula no seu art. 13: “O curso de graduação terá até 20% de sua carga horária destinada às atividades
complementares e de prática jurídica.
23
Importante frisar que não se identifica nos avanços tecnológicos em si problemas para a educação jurídica,
até porque, como refere Paulo Freire (2018, p. 28) “humanismo e tecnologia não se excluem”.
24
Não há um sistema formal de escolas devidamente organizadas e em sintonia, ainda assim, utilizou-se a
expressão sistema para se referir a este conjunto de escolas que tem função e objetivos similares.
40

4 EM BUSCA DE QUALIDADE PARA A EDUCAÇÃO JURÍDICA

Não é o papel das escolas jurídicas de aperfeiçoamento substituírem as faculdades


de Direito. Entretanto, é inegável o protagonismo que as referidas escolas estão atingindo
e, com isso, acabam sendo indutoras de qualidade na educação jurídica.
Enquanto as faculdades vão se simplificando, tornando-se superficiais, perdendo
espaço na sociedade, inclusive, por não cumprirem a sua função25, o que tira a legitimidade
e reconhecimento das mesmas, as escolas jurídicas de aperfeiçoamentovão em rumo
inverso, ou seja, aumentam seu protagonismo, ampliam seu campo de atuação e, inclusive,
preenchem em parte o vácuo deixado pela educação jurídica tradicional das faculdades.
O mais lógico é um investimento pesado em verdadeiras e profundas
transformações na educação jurídica superior. Não obstante, as perspectivas não são boas
para a educação jurídica no Brasil, dada o aprofundamento do processo de mercantilização
no ensino superior brasileiro. Assim, um tanto distante dessa realidade, já que as escolas
jurídicas de aperfeiçoamento não têm como finalidade primordial o lucro, mas sim elevar o
nível cultural de suas respectivas classes, reconhecer importância desse ‘sistema’ e
valorizá-lo é medida salutar e que trará ganhos para a área do Direito.
Outra medida capaz de fortalecer substancialmente esse ‘sistema’ seria a criação de
uma Escola pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não para atuar como órgão de
regulação, até porque as faculdades de Direito estão ligadas ao Ministério de Educação,
mas sim para se portar como grande indutora nacional da elevação da qualidade jurídica.
Ora, o CNJ, que é uma recente26 e importante instituição, sendo que,conforme o seu
site institucional, apresenta-se como instituição que trabalha “no sentido de contribuir para
que a Justiça brasileira atue com moralidade, eficiência e efetividade, em benefício da
sociedade”. Aliás, no ícone “quem somos”, assim se apresenta o CNJ27:

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é uma instituição pública que visa


aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro, principalmente no que diz
respeito ao controle e à transparência administrativa e processual.

25
Segundo Renato Duro Dias (2020, p. 8), já considerando os desafios da pandemia do coronavírus e as
dificuldades que se apresentarão em decorrência deste lastimável momento, afirma que a educação jurídica
superior “tem pela frente um importante compromisso: produzir formação jurídica para a defesa e
consolidação da democracia brasileira, com vistas à eliminação das desigualdades e ampliação de acesso à
justiça”.
26
Possui apenas 15 anos e, portanto, trata-se de instituição muito recente quando comparada com as demais
instituições do Poder Judiciário brasileiro.
27
Disponível em https://www.cnj.jus.br/sobre-o-cnj/quem-somos/. Acesso em 07 jun. 2020.
41

Missão: desenvolver políticas judiciárias que promovam a efetividade e a


unidade do Poder Judiciário, orientadas para os valores de justiça e paz social.
Visão de futuro: ser reconhecido como órgão de excelência em planejamento
estratégico, governança e gestão judiciária, a impulsionar a efetividade da Justiça
brasileira.

O desempenho satisfatório do CNJ é primordial para a justiça brasileira. Porém,


sem atuar na base, ou seja, na educação, ainda que de forma indireta, será muito mais
difícil aperfeiçoar o sistema judiciário brasileiro, cumprir a sua missão e concretizar a sua
visão de futuro, pois sempre terá mais trabalho e dificuldades na medida que diminuir a
qualidade da formação dos bacharéis em Direito.
É verdade que o CNJ possui o CEAJUD - Centro de Formação e Aperfeiçoamento
de Servidores do Poder Judiciário –mas, como o próprio nome já aponta, o referido centroé
voltado para a formação dos profissionais da sua área de abrangência (logo, até por ser
recente, está na “fase 1” das escolas como antes apontado).
Porém, a criação de uma Escola pelo CNJ tem um potencial enorme, pois visando
efetivar ao final os mesmos pressupostosjá estabelecidos para o CNJ, poderia atuar de
forma indireta nos rumos da educação jurídica, atuando em cooperação com as faculdades
de Direito, uma vez que poderia influenciar (incentivar) a formação de professores,
estimular a pesquisa (com bolsas, projetos de pesquisa e premiação para destaques) e a
extensão, servindo de ‘ponte’ entre o sistema judiciário e as faculdades. Também poderia
ser um importante centro de pesquisas sobre a própria educação jurídica (até mesmo
instalando um observatório), assim como já faz, por exemplo, com o relatório anual Justiça
em Números28, o qual é importantíssimo para o Poder Judiciário brasileiro.
O que o CNJ busca fazer de forma direta pelo sistema judiciário brasileiro, através
de uma escola consolidada, também poderia fazer de forma indireta pela educação jurídica
brasileira, ou seja, poderia se portar como agrandeindutora da qualidade da educação
jurídica brasileira. São muitas as possibilidades dessa escola que, inclusive, poderia atuar
em conjunto com as demais escolas jurídicas de aperfeiçoamento.
Destaca-se que essa pretendida Escola do CNJ não serviria para substituir qualquer
curso de Direito, seja de nível de graduação ou pós-graduação, mas sim para atuar com os

28
Conforme informações disponíveis no site do CNJ, o referido relatório é a “principal fonte das estatísticas
oficiais do Poder Judiciário”, sendo que “anualmente, desde 2004, o Relatório Justiça em Números divulga a
realidade dos tribunais brasileiros, com muitos detalhamentos da estrutura e litigiosidade, além dos
indicadores e das análises essenciais para subsidiar a Gestão Judiciária brasileira.”. Disponível em
https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/. Acesso em 07 jun. 2020.
42

mesmos, buscando influenciá-los de forma positiva, permitindo a troca de saberes e,


principalmente, contribuindo para o avanço da educação jurídica brasileira, o que,
consequentemente, em última instância, serviria paraaprimorar toda a justiça brasileira,
justamente a sua visão de futuro. Sem um ‘braço educacional’, o CNJ terá dificuldades de
cumprir plenamente a sua função.
Ademais, outras ‘categorias’ da área do Direito perceberam isso e, diante da
fragilidade da educação jurídica, instalaram escolas que promovem a expansão da cultura
jurídica, não só para seus ‘associados’ ou profissionais, mas para todos aqueles envolvidos
e engajados com a justiça e o Direito. O CNJ deve trilhar o mesmo caminho.
Sabe-se que são tempos difíceis e que o CNJ já possui muitas atribuições.
Entretanto, se não forem adotadas medidas na busca de transformações na educação
jurídica, a situação da justiça brasileira ainda vai piorar. Pelo desenho institucional do
Brasil, cabe ao Poder Executivo, através do Ministério da Educação, autorizar, fiscalizar e
estabelecer as políticas públicas sobre a educação superior. Entretanto, nada impede que o
Poder Judiciário, através do CNJ, tente atuar de forma positiva, ou seja, de indutora na
qualidade da educação jurídica. Não existe qualquer amarra institucional nesse sentido.
Trata-se de uma possibilidade efetiva de mudança, sendo que todos os juristas e
educadores envolvidos com o Direito precisam pensar numa forma de mudar a realidade.
Aliás, nesse sentido, cita-se Paulo Freire (2018, p. 74):

Qualquer que seja o momento histórico em que esteja a sociedade, seja o do


viável ou do inviável histórico, o papel do trabalhador social que optou pela
mudança não pode ser outro senão o de atuar e refletir com os indivíduos com
quem trabalha para conscientizar-se junto com eles das reais dificuldades de sua
sociedade.

É importante diagnosticar como chegamos a esse ponto de decadência das


faculdades de Direito, as quais, em grande parte, fazem um desserviço para a sociedade e,
ao mesmo tempo, compreender a expansão das escolas jurídicas de aperfeiçoamento, as
quais têm assumindo relevante função na formação jurídica de milhares de profissionais da
área de Direito, até porque, como refere Paulo Freire (2018, p. 42) “temos de saber o que
fomos e o que somos, para saber o que seremos”.
Não se busca aqui a utopia de criar um sistema de educação jurídica perfeito, mas,
ao menos, tentar torná-lo melhor e com mais qualidade, pois acredita-se que isso
contribuirá para reduzir as injustiças alarmantes desse país, o que acaba por ser a missão de
43

todo e qualquer educador: transformar positivamente a realidade que o cerca. Nessa linha,
importante destacar os ensinamentos de Zygmunt Bauman (2011, p. 81):

A questão não é como fazer o rio da história retroceder, mas como lutar contra
sua poluição pela miséria humana, como canalizar seu fluxo para conquistar
umadistribuição mais equitativa dos benefícios por ele carregados.

Portanto, o compromisso com a qualidade na educação jurídica tem a


potencialidade de promover profundas transformações nos sistema de justiça brasileiro
como um todo, razão pela qual é positiva a atuação das escolas jurídicas de
aperfeiçoamento,que devem ser devidamente reconhecidas, estimuladas e, quiçá,
potencializadas, o que ocorreria em grande medida se o CNJ criasse uma escola que
visasse ser a indutora da qualidade da educação jurídica brasileira, atuando em conjunto
com as faculdades de Direito e demais escolas de aperfeiçoamento.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constata-se que a educação jurídica brasileira não é boa. Essa posição é


praticamente unânime. Porém, as causas dessa condição, o diagnóstico exato e as medidas
a serem adotadas para a transformação da realidade, geram muitas opiniões diversas.
Entretanto, é exatamente nesse contexto que se expandem as escolas jurídicas de
aperfeiçoamento, as quais buscam suprir, pelo menos em parte, as evidentes deficiências
dos bacharéis em Direto. Essas escolas nascem voltadas para a sua classe profissional, mas,
cada uma na sua velocidade e condições, transformam-se,ampliando sua atuação, abrindo
seu leque de possibilidades e, mesmo, seu público alvo. Com isso, preenchem parcialmente
lacunas (ou até mesmo vácuos) deixados pelos ensino deficitário do Direito nas faculdades,
bem como, em linhas gerais, pelo pouca ou quase inexistente pesquisa e extensão no
campo da educação jurídica.
Nesse sentido, desempenham as referidas escolas de aperfeiçoamento importante
papel para o sistema de justiça brasileiro, pois buscam elevar o nível da cultura jurídica dos
profissionais do Direito. Por isso, pode-se até mesmo avançar nesse campo, sendo que a
criação de uma Escola pelo CNJ funcionaria como importante vetor da qualidade
daeducação jurídica brasileira, considerando as atribuições do CNJ e a sua missão. A
Escola do CNJ teria o potencial de influenciar positivamente tanto o ensino, como a
pesquisa e a extenso na área do Direito, podendo adotar diversas medidas que visassem
44

estimular todos os cursos jurídicos (e até mesmo as escolas de aperfeiçoamento) a


elevarem o seu nível educacional, o que redundaria em ganhos em escala para a cidadania.
Portanto, constata-se que o cenário atual é preocupante. Porém, ao mesmo tempo,
fica a convicção de que alternativas existem, reconhecendo-se que as mesmas não são
fáceis, mas são possíveis. Oque inquieta é a desoladora realidade da educação jurídica no
Brasil, a qual precisa de novos paradigmas para atingir novos resultados.Sigamos
esperançosos nessa busca!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN, Zygmunt. A ética é possível num mundo de consumidores? Tradução


Alexandre Werneck. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

DIAS, Renato Duro. Educação jurídica brasileira em tempos de pandemia Título. Revista
Pedagogía Universitaria y Didáctica del Derecho, Santiago, v. 7, n. 1 p. 7-8, jan./jun.
2020.

FARIA, Adriana Ancona de; LIMA, Stephane Hilda Barbosa. As novas diretrizes
curriculares nacionais do curso de direito: processo de construção e inovações. In:
RODRIGUES, Horácio Wanderlei (Org.). Educação jurídica no século XXI: novas
diretrizes curriculares nacionais do curso de direito – limites e possibilidades.
Florianópolis: Habitus, 2019.

FREIRE, PAULO. Educação e mudança. 39 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018.

GARRETSON, Heather; KRAUSE-PHELAN, Tonya; SIEGEL, Jane; THELEN, Kara


Zech.El valor de la variedad en la enseñanza: una guía para professores. Academia. Revista
sobre enseñanza del Derecho, Buenos Aires, v.16, n.32 p. 33-71, jul./dez. 2018.

LAZARETTI, Isadora K.; OLSSON, Giovanni. A transformação da educação jurídica no


século XXI: a formação das competências profissionais dos operadores de direito. Revista
de Pesquisa e Educação Jurídica, Belém, v.5, n. 2, p. 72-94, jul./dez. 2019.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020.

________. Para uma revolução democrática da justiça. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

PETRY, Alexandre Torres. Ecologia de saberes jurídicos: educação jurídica reflexiva,


crítica e focada nos direitos humanos. Porto Alegre: Paixão, 2019.
45

EDUCAÇÃO JURÍDICA PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS DO JUDICIÁRIO:


COMO A ADVOCACIA PODE COEXISTIR E CONTRIBUIR COM A
AUTOCOMPOSIÇÃO

Ana Luiza Pessoa Pureur1

Resumo: Este texto se propõe a tratar, concisamente, acerca da educação jurídica sob a
ótica do advogado como entidade essencial à administração da justiça e discutir a respeito
da própria noção de justiça. São trazidos a este estudo alguns conceitos e entendimentos a
respeito dos métodos autocompositivos. O diálogo entre causídico e métodos adequados de
solução de conflitos é firmado a partir da revisão de bibliografia nacional, de publicações
periódicas e de teses acadêmicas.

Palavras chave: Educação. Advogado. Judiciário. Justiça. ADR.

1 INTRODUÇÃO

O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus


atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei, sendo defensor do Estado
Democrático de Direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social,
subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce,
nos termos do art. 133 da Constituição Federal de 1988 em conjunto com a redação do art.
2º do Código de Ética e Disciplina da OAB.
Tal conjunto de atribuições, todavia, no mais das vezes, pode nos limitar à ideia de
que a atuação do advogado se restringe à atuação em juízo – ou seja, dentro dos limites do
Judiciário. Porém, pensar em educação jurídica em 2020, época em que a única constante é
a disrupção, importa dilatarmos este olhar a fim de nos readequarmos às novas
perspectivas que eclodem. A função do advogado como regente e condutor da justiça
engloba repensarmos no que se fundamenta o conceito de justiça e de qual forma o
causídico molda sua atividade (e reafirma sua relevância) neste cenário ainda não
totalmente sedimentado.
É nesta conjuntura que despontam os chamados métodos adequados de solução de
conflitos, em especial a mediação, energicamente incentivada no Novo Código Civil.
Muito embora apenas nos dias atuais tal prática venha ganhando destaque na grande mídia,

1
Advogada, OAB/RS 84.505, bacharel em Direito pela PUCRS, pós-graduada em Direito do Estado pela
UFRGS, mediadora de conflitos formada pela CLIP e pós-graduada em Direito de Família e Mediação pela
FADERGS. alppureur@gmail.com
46

na rotina dos estudantes e dos operadores do Direito, fato é que mediação (e negociação)
não são mecanismos novos. Não estamos diante de um movimento inovador, uma vez que
a figura do mediador esteve sempre presente em nossas vidas, ainda que de forma não
institucionalizada.
Isto posto, este exíguo texto propõe-se a tecer algumas considerações acerca da
noção de acesso à justiça; da relevância da função educacional do advogado quanto à esta
compreensão; das práticas autocompositivas como elementos facilitadores de alcance da
justiça; e, por fim, do papel do causídico como peça chave para o sucesso destes
mecanismos a fim de que se alcance uma verdadeira revolução democrática da justiça.

2 SOBRE A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO JURÍDICA PARA UM (AMPLO)


ACESSO À JUSTIÇA

É de fácil e rápida constatação que a sociedade contemporânea é conflitiva e ávida


por justiça – justiça esta que é produzida por algum operador do direito (personificação do
justo) e, posteriormente, desaguada pela Corte em forma de imposição.
A formação deste cenário é decorrência lógica do programa apresentado pela
Modernidade, alicerçado nas noções de regulação e emancipação (SANTOS, 2007). Ou
seja, o rompimento com as sociedades pré-modernas veio junto com a promessa de tratar
todos os indivíduos como iguais, por princípios de justiça, exercidos através do monopólio
da produção e distribuição de direito pelo Estado. A consequência desta tomada da
violência legítima pelo Estado foi a criação de um sistema “diverso do religioso e do
sacrificial, denominado Sistema Judiciário” (SPENGLER, 2007, p. 386).
Assim sendo, dentro da noção liberal de liberdades e garantias individuais, o
Estado, inicialmente, dedicou sua atenção aos chamados direitos individuais. Num
segundo momento, decorrente do adensamento social, este mesmo Estado passou a
também cuidar dos chamados direitos sociais, intervindo mais profundamente na
coletividade. A partir do Estado Democrático de Direito, agregou-se um novo conteúdo de
direitos transindividuais e direitos coletivos e, da mesma forma, coube ao Judiciário
abarcar esta nova demanda (ABRÃO, 2016).
Sendo coerente com o modelo de organização política através do Estado e do
primado do Direito, o acesso à Justiça só será possível através do acesso ao Sistema
Judiciário (ABRÃO, 2016). Somente haverá justiça, portanto, dentro do Judiciário. Não
por acaso, odiscurso cotidiano trata justiça e Judiciário como sinônimos.
47

Ocorre, entretanto, que o Judiciário não consegue gerir a complexidade social. Os


moldes de sua composição e atuação não são capazes de conter todos os anseios da
sociedade. Inevitavelmente, a fissura entre a demanda exacerbada e a realidade limitada
resulta em crise2. E esta crise não se limita apenas ao colossal volume de processos
existentes. Existe colapso principalmente porque o Judiciário não tem a função de tratar
conflitos, mas sim de impor verticalmente uma solução desenhada a partir da análise da
tríade fato-valor-norma.
Neste momento, ainda que a intervenção do tribunal seja, sem dúvida, um momento
crucial na história de vida de um litígio, de forma alguma “esgota a compreensão [...] em
toda a sua riqueza e dimensão” (SANTOS; MARQUES; PEDROSO, 1995, p. 52). Ocorre
então que a crescente e complexa litigiosidade social faz com que o monopólio da
jurisdição deixe gradativamente de pertencer ao Estado (SPENGLER, 2007) e,
concomitantemente, as vias (ditas) alternativas, adequadas e não jurisdicionais de
composição dos conflitos, despontam como estratégias relevantes.
Nesta lógica, Fabiana Marion Spengler chamou a atenção para a existência de
instrumentos outros que não os compreendidos na lógica tradicional:

Paralelamente às formas jurisdicionais tradicionais, existem possibilidades não


jurisdicionais de tratamento de disputas, nas quais se atribui legalidade à
voz de um conciliador/mediador, que auxilia os conflitantes a compor o
litígio. Não se quer aqui negar o valor do Poder Judiciário, o que se
pretende é discutir uma outra maneira de tratamento dos conflitos,
buscando uma nova racionalidade de composição dos mesmos,
convencionada entre as partes litigantes - grifou-se (SPENGLER, F. M., 2007, p.
295).

Estes mecanismos não jurisdicionais de tratamento de disputas são conceitualmente


conhecidas por ADRs (do inglês Alternative Dispute Resolutions – Resolução Alternativa
de Conflitos, em tradução livre) ou MASCs (Métodos Adequados de Solução de
Conflitos). Os métodos adequados de resolução de controvérsias podem ser resumidos em
Mediação, Conciliação, Negociação e Arbitragem. Advocacia Colaborativa e Justiça
Restaurativa e se enquadram no conceito de Processos Colaborativos.
Uma vez apresentadas e compreendidas estas outras vias de tratamento de conflito,
podemos bem aceitar a conjectura de que “da mesma forma que se pode dizer que a
legalidade é, indubitavelmente, elemento importante do direito moderno, mas não sua

2
Neste sentido, ABRÃO, R. M. Z., 2009, p. 44: “A evolução dos direitos de individuais até os
transindividuais fez com as decisões e o raciocínio jurídicos tradicionais não mais alcançassem a
complexidade social, o que acaba contribuindo para a erosão da legitimidade dos tribunais”.
48

única e última fonte de legitimidade, [...] a concepção de acesso à justiça também não se
resume ao acesso aos tribunais” (ABRÃO, 2009, p. 152.)
No ano de 2003 o artigo Poderá o direito ser emancipatório?publicado por
Boaventura de Sousa Santos na Revista de Crítica de Ciências Sociais, discorreu sobre a
tênue linha de separação entre regulação e emancipação social e o papel do Direito nesta
(re)construção. Conforme salienta o autor, “este uso do direito vai, frequentemente, para
além do cânone jurídico modernista [e] recorre-se a formas de direito [...] que muitas vezes
não são reconhecidas como tal” (SANTOS, 2003, p. 63). A autocomposição, ainda que
muitas vezes referida como via alternativa, parece amoldar-se nesta linha de pensamento.
O questionamento contido no título é respondido com a proposta de uma revolução
democrática da justiça, por meio da valorização da diversidade jurídica.
Aprofundando este argumento lançado, Sousa Santos publicou o livro Para uma
revolução democrática da justiça no ano de 2008. Nesta obra o autor repensa as
concepções tradicionais e dominantes do direito e o surgimento de diversos movimentos e
organizações sociais por direitos mais justos, mais acessíveis e inteligíveis (SANTOS,
2007). Boaventura de Sousa Santos reafirma e aprofunda a proposição de que só será
possível promover um amplo e adequado acesso à justiça por meio de uma efetiva
revolução democrática da justiça. E esta nova institucionalidade proposta “põe em causa a
simetria liberal moderna em que todo o Estado é de direito e todo o direito é do Estado”
(SANTOS, 2007, p. 79).
Esta revolução, no caso, pressuporia alguns rompimentos. Em primeiro lugar, seria
necessário o rompimento com a cultura paternalista, que está por trás da lógica tradicional
de conflitos. Num segundo momento, deveríamos romper com a cultura positivista,
legalista e formalista, de modo a repensar se direito é apenas o que o Estado diz ser. Após,
exigira-se o rompimento com a cultura do monopólio da justiça por operadores iluminados
e, por fim, impor-se-ia o rompimento com a cultura do litígio que embrenha-se em todos os
campos que o Direito se faz presente.
Valendo-se do título de outro artigo do autor, a indagação latente é: em meio a
tantos meandros teóricos, acadêmicos e sociais, Poderá o direito ser emancipatório
(SANTOS,2003) para o indivíduo? Procura-se crer que sim, a depender, contudo, de como
esse Direito será manejado e, por que não? ensinado – principalmente pelo advogado.
49

O escritor português José Saramago, em seu ensaio Da Justiça à Democracia,


Passando pelos Sinos, exprimiu no termo “justiça pedestre” o ideal que se persegue com a
emancipação advinda da revolução democrática da justiça:

[...] o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente


justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores
de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e
viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um
lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira
quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exato e
rigoroso sinônimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à
felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma
justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os
determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a
emanação espontânea da própria sociedade em ação, uma justiça em que se
manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser
que a cada ser humano assiste- grifou-se (SARAMAGO, 2002).

Seguindo esta mesma linha de raciocínio, no Brasil, Rosa Maria Zaia Borges Abrão
trabalhou a mediação de conflitos como instrumento democrático de acesso à justiça em
dissertação de mestrado em Direito no ano de 2001 na Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (ABRÃO, 2001). Neste estudo, Abrão discute a mediação de conflitos como
instrumento de acesso à justiça e meio de emancipação dos cidadãos por meio da
reivindicação da resolução de suas próprias conflitivas.
No ano de 2009, na Universidade de São Paulo, a autora desenvolveu tese de
doutorado em filosofia em torno do conceito de phíliacomo critério de inteligibilidade da
mediação comunitária (ABRÃO,2009). O argumento levantado estrutura-se no sentido de
considerar insuficiente o modelo de jurisdição oferecido pelo Estado quando se analisa a
complexidade e a singularidade dos conflitos constitutivos das relações sociais, sendo a
mediação de conflitos potencial ferramenta de tratamento destes conflitos.
Fabiana Marion Spengler aponta para a mesma direção em sua tese de doutorado na
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, do ano de 2007, defendendo uma cultura diversa
no tratamento de conflitos (SPENGLER, 2007). O cerne da tese repousa na dualidade do
antagonismo e da possibilidade de harmonia, além do enfoque no tempo despendido na
análise jurisdicional dos processos submetidos ao Judiciário (enfocando especialmente o
art. 5º, LXXVIII3 da Constituição Federal).

3
Art. 5º, LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
50

Claro fica, portanto, a imprescindibilidade de refletir-se a respeito do modelo de


sociedade que se pretende assumir. Sendo chegada a hora de cessar-se o colonialismo
jurídico e construir uma prática ajustada à realidade social, é preciso repensar a forma de
atuação do advogado no tratamento de conflitos.
As convencionadas ADRs, entende-se, revestem-se de potencial para facilitar o
acesso à justiça e, ato contínuo, alavancar a revolução democrática da justiça idealizada
por Sousa Santos. ADRs são, em última análise, meios de o advogado auxiliar a sociedade
à acessar uma justiça pedestre.
Nesta mudança de paradigma, então, o advogado desempenha papel central. Em
primeiro lugar porque ADRs não são a resposta para todo e qualquer tipo de conflito. Não
se pode conceber, de forma alguma, o fim do Judiciário. Determinadas circunstâncias,
porém, podem demandar o trilhar de caminhos outros que não o tradicional.
Conforme já aventado, o Judiciário vive tempos de aguda crise, principalmente em
razão do número exponencialmente crescente de processos lá distribuídos diariamente.
Talvez se possa trabalhar no sentido de encaminhar para a máquina judiciária apenas
aquelas demandas que realmente necessitam de sua apreciação e cuidado, tais como os
direitos que não admitem transação. Para o restante, a experimentação de práticas
autocompositivas como a mediação e a conciliação pode resultar em respostas muito mais
adequadas aos anseios dos envolvidos e, consequentemente, desafogar os tribunais do país.
Em relação à mediação de conflitos propriamente dita, de outro turno, há de se
recordar que tal prática se fundamenta, dentre outros, no princípio da voluntariedade. Isso
significa que as pessoas em litígio somente participam da mediação seeenquanto quiserem.
Este princípio, porém, merece uma interpretação extensiva para que possamos
compreende-lo como uma voluntariedade informada. Ou seja, para que as pessoas aceitem
participar de uma sessão de mediação ou de conciliação, devem elas ter muito presente
quais são seus direitos e deveres em relação a questão, quais as opções que seu causídico
enxerga, quais são as propostas que podem ser feitas, quais os limites de sua
responsabilidade, quais as circunstâncias não amparadas pela lei, quais os riscos
envolvidos e muitas outras questões a depender da complexidade e particularidade de cada
caso. O profissional que poderá prestar amparo neste momento é o advogado. Trata-se de
uma nova forma de exercer a advocacia – uma soma, portanto, e não de uma exclusão.
O advogado, portanto, é peça-chave para uma revolução democrática da justiça, e
um dos espectros da educação jurídica passa pela noção de que é papel dele saber analisar
51

contextos e apresentar aos seus clientes as mais diversas opções de tratamento que um
conflito pode ter.
Em outras palavras, causídicos não devem perseguir justiça somente dentro do
perímetro de uma Corte. Cabe a eles educar e informar aqueles que o procuram que a
justiça pode igualmente existir no chão da vida, juntamente daqueles que de fato vivenciam
os conflitos. Assim como pertence a eles o início e o desenrolar da disputa, da mesma
forma a eles cabe conhecer (e conceber) a sua melhor resolução – desde que legalmente
amparadas pelo profissional devidamente habilitado.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O histórico de construção e amadurecimento das práticas de autocomposição teve


início no Brasil há mais de trinta anos, com os Conselhos de Conciliação e Arbitramento,
popularmente conhecidos por Juizados de Pequenas Causas, surgidos na cidade de Rio
Grande/RS, em 23 de julho de 1982 (JARDIM, 2003).
Em agosto de 2006, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou o projeto
Movimento pela Conciliação, cujo objetivo era o de contribuir para a efetiva pacificação de
conflitos, bem como para a modernização, rapidez e eficiência do Judiciário Brasileiro.
A partir daí, então, diversas recomendações foram editadas com vistas à levar a
efeito programas voltados para a solução consensual de conflitos. Notadamente, no ano de
2010 o CNJ instituiu um grupo especial de trabalho para realizar estudos e propostas de
ações com vistas à elaboração de uma política pública permanente de incentivo e
aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios, em especial pelos
métodos autocompositivos.Esse estudo foi consubstanciado pela edição da Resolução
125/10, que instituiu, no âmbito do Poder Judiciário, a Política Judiciária Nacional de
Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses. Por esse normativo, o CNJ atribuiu aos
órgãos judiciários a responsabilidade de oferecer mecanismos outros de soluções de
controvérsias adequados a sua natureza e peculiaridade, em especial os chamados meios
consensuais, como a mediação e a conciliação, além da prestação de atendimento e
orientação ao cidadão.
Esta impulsionada da mediação de conflitos ao patamar de política pública, com o
fito de promover e fortalecer o exercício da cidadania, promover a igualdade e a inclusão
social através de meios adequados de solução de litígios, constituiu um marco no histórico
da autocomposição no País. Nesse sentido, Fabiana Spengler e Luthyana de Oliveira
52

assinalam que “uma política pública de tratamento dos conflitos, utilizando-se de


mecanismos consensuais [...] contribui e muito para a mudança de paradigma de um
sistemade justiça voltado para o consenso e para a pacificação social” (OLIVEIRA;
SPENGLER, 2013). Em outras palavras, ressonando aquilo que se procurou demonstrar
nesta leitura, a mediação de conflitos enquanto política pública consagrou o método como
efetivo canal de concretização de acesso à justiça, sem se perder de vista o papel a ser
desempenhado pelo advogado como elemento educador, informativo e condutor do êxito
das práticas.
Muito embora no segmento final deste pequeno texto seja convencionalmente
esperado algumaconclusão, é preciso salientar que o que fora aqui discorrido importa
brevíssimas considerações introdutórias sobre um dos prismas da educação jurídica que se
julga valioso, de forma que os assuntos aqui explorados merecem maiores e melhores
aprofundamentos.
Em vista de todo o exposto, pretendeu-se demonstrar que educação jurídica pode
compreender o entendimento de que justiça não precisa estar necessariamente dentro do
Judiciário, mas que a atuação do advogado será sempre necessária para alcança-la.
Não devemos perder de vista o que o Código de Ética e Disciplina da OAB desde
há muito nos recorda, em seu art. 2º, VI, que são deveres do advogado estimular a
conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios.
Será apenas com uma educação jurídica para além das fronteiras do Judiciário que tal
preceito poderá ser plenamente alcançado e cumprido.

REFERÊNCIAS

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inteligibilidade da mediação comunitária. 2009. 215f. Tese (Doutorado em Filosofia do
Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

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172f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São
Leopoldo, 2001.

_________Institucionalização da Mediação no Brasil. Nova perspectiva de acesso à justiça


ou engessamento de um instrumento de empoderamento popular? Palestra proferida
noCiclo de Debates – UFRGS – GM – A Mediação no Novo Código de Processo Civil e na
Lei 13.140/15, 19 abr. 2016.
53

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55

AS PRÁTICAS DE ENSINANÇA PARA A FORMAÇÃO DOS OPERADORES


DO DIREITO: UMA ALTERNATIVA SOCIOCONSTRUCIONISTA

Andréa Marta Vasconcellos Ritter1

Resumo: O presente artigo traz a narrativa de experiências pessoais vivenciadas durante


30 anos de Ensino Jurídico Superior, realizadas com os alunos de instituições
particulares de ensino. Estudo descritivo, tipo relato de experiência. As atividades
didáticas de formação foram desenvolvidas com estudantes da graduação das
Faculdades de Direito, Administração e Ciências Contábeis, bem como com o curso de
Pós-Graduação, durante os anos de 1989 até 2019, em instituições de ensino,
localizadas nos municípios de São Leopoldo, Canoas, Gravataí e Porto Alegre no
Estado do Rio Grande do Sul. As experiências mostraram os tipos de professor e as
técnicas metodológicas educacionais adotadas para superar a tradição clássica do ensino
jurídico. A proposta de ensinança deve ser voltada para a formação global, capaz de
propiciar a construção e execução de capacidades profissionais de forma consciente e
crítica, comprometida com a formação profissional, pessoal, enfatizando a
responsabilidade individual e social. Constatou-se que o espaço educacional é espaço de
interação social, de articulação dos saberes em Direito com o cotidiano dos alunos,
futuros profissionais envolvidos. Tal experiência socioconstrucionista, contribuiu para a
construção e o aprimoramento do saber-fazer e do ensinar-fazer, enriquecendo a
formação dos operadores do Direito de forma ativa e crítica, capaz de integrar às
realidades das profissões jurídicas. Ao final sinaliza sobre necessidade e a importância
de diferentes tipos de professor e diversas práticas de ensino como mecanismos capazes
de integrar os discentes de Direito e Pós-Graduados à realidade das profissões jurídicas
e das áreas da administração e da contabilidade.
Palavras-Chave: ensino jurídico; tipos de professor; práticas de ensinança,
socioconstrucionismo.

1. INTRODUÇÃO

Quem é o professor? Professor é quem cuida da aprendizagem dos alunos, quem


se dedica de forma abrangente, contagiante, com sentido ético, técnico, com
habilidade de ensinador, que liberta e constrói com o aluno o processo de emancipação
para a vida. Professor não é quem singelamente dá aula, apenas repassando conteúdos
e aplicando provas, mas sim quem edifica o saber-fazer e o ensinar-fazer e tal
desenvolvimento em se tratando de ensino jurídico é de grande complexidade, tendo

1
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (PUC 1987) Advogada desde 1987 e sócia de Roque e
Vasconcellos Advogados Associados; Professora Universitária desde 1989; Bacharel em Relações
Internacionais (UNIRITTER 2016), Pós Graduação em Metodologia do Ensino Superior (UNISINOS
1991), em Direito Público e Privado (UNIRITTER) e em Estratégias e Estudos Internacionais (UFRGS
2018); Mestre em Direito das Relações Internacionais (UDE 2016).
56

em vista que o ensino das Faculdades de Direito ainda é do tipo clássico e, para os
alunos há grande resistência em contextualizar os conteúdos com os fatos da vida e
com o cotidiano jurídico que enfrentarão na prática profissional.
As disciplinas não são independentes, o ensino jurídico não é uma reprodução
em escala e mecânica e assim, mister considerar as experiências, vivências e as
responsabilidades sociais dos alunos que deverão construir suas habilidades e
capacidades com criticidade e de forma global.
As diferentes práticas pedagógicas, no contexto do Ensino Jurídico e do Direito,
devem ser uma realidade proporcionando uma nova vivência aos discentes,
contribuindo para a construção e aprimoramento do saber-fazer no tocante aos
processos de trabalho e enriquecendo o perfil e a formação dos egressos.
Nesta linha de atuação, o conhecimento vai sendo construído pelos alunos e o
professor, com a utilização de suas experiências e interações, em um sistema abertode
conhecimento, interdisciplinar, em instituição que se importe com o desenvolvimento
da pessoa como um todo e com o professor que não é simplesmente um treinador que
adestra alunos.
Necessário para tanto, entender que o espaço educacional é um instrumento para
as transformações que ocorrem no campo do Direito, da Administração e da
Contabilidade, fortalecendo as atividades e ações com rotina diária dos alunos que irão
ser desafiados a enfrentar e conviver com as adversidades e mazelas do mundo jurídico.
Após breve introdução é apresentada uma narrativa de experiência pessoal, que
recapitula experiências de magistério no ensino jurídico superior e norteia a forma de
construção dos significados em sala de aula universitária, de modo socioconstrucionista,
se constituindo em enriquecimento da união de teoria e prática, revelando a comunhão
entre a responsabilidade, com a entrega de habilidades e competências para a formação
dos operadores do Direito.
Importante para iniciar a (re)construir as práticas de ensinança e descrever o(s)
tipo(s) de professora que fui e ainda sou, salientar que em 1987 bacharelei em Ciências
Jurídicas e Sociais pela PUCRS e desde então sou advogada militante, generalista e o
exercício da advocacia sempre foi a base para as aulas no Ensino Superior –
Universitário e a seguir apresento cada um dos relatos experenciais.
57

2. UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DO SINOS – UNISINOS (1989/1997)

A primeira Universidade que me acolheu, em 1989, foi a UNISINOS na qual


iniciei a grande escalada de aprendizado do ensino jurídico que pretendo expor neste
artigo, tendo sido para mim, a realização de um sonho ser professora e agradeço ao Dr.
André Azambuja da Rocha ter me levado junto com ele para esta jornada de
aprendizado e ensino.
Naquele momento ingressaram na UNISINOS, 20 (vinte) professores, todos
advogados e advogadas, que formaram o chamado “time dos sonhos” e que se
destacaram pela tenra faixa etária, que era próxima à idade de nossos alunos e pela
grande vontade e vocação de serem professores. Alguns ministraram o Direito Penal,
outros o Direito Processual Civil, outros o Direito tributário e, a mim, coube neste
primeiro semestre, o Direito Administrativo para o Centro 04, que abrigava a Faculdade
de Direito e a disciplina de Legislação Aduaneira e Comércio Exterior para o Centro 05,
composto pelas Faculdades de Administração, Economia e Ciências Contábeis.
As turmas eram compostas de no máximo 60 (sessenta) alunos e a idade dos
alunos variava entre 16 (dezesseis) e 50 (cinquenta) anos, sendo que, os alunos que
exerciam atividade remunerada e os mais experientes estudavam, predominantemente,
no turno da noite.
A Universidade promovia a capacitação de professores, ministrando o Pós–
Graduação em Metodologia do Ensino Superior e, dentre gravações de nossas aulas,
aprendemos até a fazer lâminas de sacolas de supermercados para o retroprojetor.
Esta capacitação ocorreu no primeiro ano, mas havia a orientação de seguir a
Ementa da Disciplina e os programas, preparar e fazer os planos para cada uma das
aulas, o que sempre honrei para as aulas de cada disciplina e tal plano envolvia a forma
que seria dialógica, sendo que os recursos a serem utilizados, na prática, eram alterados
no momento da aula, conforme se apresentava o interesse da classe.
Naquela época, não havia computadores em sala de aula, internet, banda larga ou
os recursos tecnológicos que hoje estão à disposição e tais só foram proporcionados
pelas instituições, em meados do ano 2000.
Assimera disponibilizado o quadro de giz, o giz e, por vezes, alguns professores
conseguiam reservar o retroprojetor ou o laboratório, onde a Faculdade de Direito
realizava as audiências simuladas.
58

O ensino jurídico era o tradicional, dito clássico, com disciplinas fragmentadas e


estanques e baseado no uso da doutrina, jurisprudência e nos códigos jurídicos. Os
alunos sentavam em duplas e havia grande respeito pela pessoa do professor.
Ao iniciar a pergunta foi a seguinte: Sou professora de Direito, na Faculdade de
Direito e agora?
O primeiro pensamento foi o de não ser para os meus alunos, o tipo de professor
tradicional, que vários professores, desde o ensino fundamental, haviam sido comigo
mas, ao mesmo tempo, ser no ministério do magistério, o exemplo de vários outros que
me inspiraram e nesta seara pautei minhas aulas.
Na UNISINOS fui uma professora tipo mediadora, facilitadora do ensino
aprendizagem, conforme Furlani (1991), pois sempre busquei as experiências dos
alunos, o diálogo, a criatividade e o conhecimento, nunca deixando o aluno como
dependente ou sendo controlado pois, os alunos necessitam de autonomia, assim como,
o Direito, no dizer de Streck (2019) que também necessita de autonomia para não ser
predado por seus inimigos.
Em sala de aula tive a honra de contar com alunos que eram prefeitos,
vereadores, filhos de políticos, servidores públicos, policiais, empresários e vital foi a
experiência destes para o bom andamento da disciplina de Direito Administrativo.
Assim, realizamos trabalhos em grupos, seminários e atividades práticas que
serviam para trazer a vivência cotidiana dos alunos para ilustrar a matéria teórica, mas
também para compor a avaliação junto com a prova e esta era realizada em grupo e com
consulta, pois considero que o momento da prova é também um momento de aula, um
momento de aprendizagem e de interrelação entre professor e aluno, restando a
avaliação final como individual, o que traz para o professor a percepção de que o aluno
se apropriou dos conteúdos.
Importante era estimular os alunos, o domínio da matéria e, como advogada,
revelar a grandeza e o amor pelo exercício da advocacia, pelo magistério e a
importância da leitura e estudos para toda a vida, não apenas para a graduação, neste
sentido, Freire (1981, p.12) que trata sobre a importância do ato de ler e a compreensão
do contexto para a percepção crítica das relações entre o texto e o contexto.
No Centro 05, para as Faculdades de Administração, Economia e Ciências
Contábeis, a disciplina era a Legislação Aduaneira e Comércio Exterior, que envolvia as
atividades fazendárias, das aduanas, regimes de importação e exportação, impostos e
negócios, sendo os alunos empresários, bancários, técnicos em contabilidade e
59

auxiliares administrativos e muitos buscavam a área para trabalhar com o Mercosul e


com as Comissarías de Comércio Exterior.
A disciplina facilitava aulas no laboratório de importação e exportação, estudos
de caso e as visitas técnicas, com palestras, que foram realizadas em diversas empresas,
tais como, Recrusul, Banrisul Armazéns Gerais S.A. e no Porto de Rio Grande, sendo a
visita ao Museu Oceanográfico de Rio Grande, o ponto máximo do momento lúdico.
Importante para a formação de tais profissionais unir a teoria com a pratica e,
neste aspecto,saliente-se Rodrigues (1992), quando trata sobre o novo modo de fazer a
educação, evidenciando as atividades de pesquisa que são um dos elos da experiência
dos discentes.
Ao final das visitas técnicas e como parte da avaliação, os alunos entregavam
relatório e organizavam um seminário final e,num dos semestres, a atividade foi
interdisciplinar e integrativa, com os alunos da Faculdade de Direito, que simularam as
tarefas da Secretaria da Receita Federal e órgãos envolvidos na sistemática de
Importação e Exportação.
Ainda na UNISINOS, ministrei o Direito Constitucional para as turmas da
Faculdade de Direito e a tarefa foi desafiante e de grande responsabilidade, pois a
Constituição Federal de 1988 era recém-nascida e orientar os futuros bacharéis em
Direito na nova ordem do Estado Democrático de Direito, foi disruptivo e socio
construtivo, considerando as significações dos conceitos, direitos e garantias trazidos
pela Carta da República.
Até março de 1993, ministrei aulas na UNISINOS e, antes, em janeiro de 1993,
fui convidada para exercer o cargo de Assessora Jurídica da FAMURS, função que
muito contribuiu para o Ensino Jurídico, considerando que ministrava as disciplinas de
Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito Tributário e completava a
experiência, com a atividade de advogada, que continuava a ser a base para o magistério
jurídico.

3. UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL – ULBRA (1994/1996)

No segundo semestre de 1994, iniciei a disciplina de Direito Administrativo na


ULBRA, Campus Canoas, para a Faculdade de Direito, tendo as turmas no máximo 80
(oitenta) alunos e os mesmos recursos educacionais ofertados pela UNISINOS, isto é,
quadro de giz, giz, retroprojetor e recurso multimídia.
60

Mantinha a ULBRA, o método tradicional de ensino mas, como em turno


reverso laborava na FAMURS, consegui na Faculdade de Direito, unir o ensino superior
com as atividades desempenhadas pelos Municípios e, com o auxílio de um aluno que
trabalhava na UVERGS, traçamos um plano de aula prático, com benefícios para a
comunidade dos Municípios, neste sentido, importante Demo (2005, p.17) ao dispor que
a educação tem potencialidade de promover a habilidade de intervenção no destino das
pessoas e sociedades.
A atividade iniciou com uma pesquisa de campo, sendo os alunos divididos em
02 (dois) grupos, um deles simularia as funções do Poder Legislativo e o outro, as
funções do Poder Executivo, sendo os Municípios escolhidos pelos alunos, que
realizaram visitas, coleta de materiais e entrevistas estruturadas com as autoridades e a
comunidade.
A pesquisa foi do tipo estruturada e, após a tabulação dos resultados, os grupos
de alunos, confeccionaram Projetos de Lei, de autoria do Poder Executivo e do Poder
Legislativo, que continham temas de necessidades verificadas quando da coleta de
dados na Comunidade e nas entrevistas com as autoridades.
Os discentes estudaram as matérias sobre as competências e o processo
administrativo dentre outras e simularam a sessão legislativa para a discussão e
aprovação do projeto, com a presença de prefeitos e vereadores.
Cabe dizer, que além dos conteúdos pertinentes ao Direito Administrativo e
Constitucional, os alunos entregaram para os Municípios escolhidos, os projetos de lei
elaborados, para os Prefeitos e Vereadores, sendo vários adotados pelas respectivas
comunidades, absorvidos e transformados em Lei.
Nestas turmas, o estilo de professor foi o político construtivo, com liberação de
espaço para cada aluno exercer o seu papel, com suas características reflexivas,
desenvolvendo a igualdade e a autonomia dos alunos é visível.
Para este agir, a aprendizagem exige condições específicas, que são dispostas de
dentro para fora, como a pesquisa, a elaboração própria, o envolvimento, a avaliação, a
orientação e a relação pedagógica enestas circunstâncias, o tipo de professor político
construtivo, que exige do aluno o melhor desempenho viável de forma política e
construtiva.
Outra atividade de campo, que envolveu a teoria, pesquisa e prática era a
realizada de forma multidisciplinar pelos professores e alunos, junto ao Centro de
Desenvolvimento e Tecnologia – CDT da ULBRA, que obteve por licitação, um
61

contrato, cujo objeto era verificar quem eram, quais vínculos e onde estavam os Agentes
Públicos do Estado do Rio Grande do Sul.
Coube aos meus alunos o mapeamento da CEEE e a atividade de ensino, nível
de extensão, foi desempenhada por 02 anos, sendo principal a pesquisa que era realizada
“in locu” nos órgãos públicos, modalidade pesquisa de campo, que motivava a estudar,
mas com margem de intervenção, posto que, era um contrato assumido pela Instituição,
com regras de poder e competência diretas da Administração do Centro de
Desenvolvimento e Tecnologia da ULBRA.
Nesteintervalo, ainda na Universidade Luterana, fui designada para ser
professora das turmas de Direito Administrativo no Campus da ULBRA Gravataí, que
naquele momento, estava com o Campus em construção e as aulas estavam localizadas
na Escola Nossa Senhora dos Anjos.
As disciplinas ministradas eram o Direito Tributário e as Instituições de Direito,
para turmas de no máximo 25 (vinte e cinco) alunos, face à capacidade daquelas salas
de aula que serviam para as turmas de 4ª série e tinham pequenas mesas e cadeiras, além
de paredes com trabalhos das crianças e tal cenário, facilitou o estudo do Direito
Tributário onde dentre outros recursos e após a parte teórica, os alunos faziam jogos,
utilizavam materiais lúdicos e o laboratório de matemática da escola.
O ensino das Instituições de Direito, considerou as vivências e experiências dos
alunos e foi bastante “vivo”, sendo que para esta experiência educativa utilizei a
autoridade da legitimidade e não da legalidade, que surge através da competência e o
desempenho do professor deve estabelecer uma mediação democrática, através da
intersecção da liberdade e igualdade e tal é possível quando a disciplina traz as matérias
de Direito Civil, que trata sobre a vida humana.

4. SOCIEDADE EDUCACIONAL RITTER DOS REIS - RITTER (1995-


1999)

Deixei a ULBRA em 1996, mas em março de 1995, iniciei o ensino jurídico em


Canoas, na Sociedade Educacional Ritter dos Reis, com a disciplina Legislação
Aduaneira Comparada, para a Faculdade de Direito.
As turmas tinham mais de 25 (vinte e cinco) alunos, o ensino do tipo tradicional
e os mesmos recursos educacionais ofertados pelas outras Universidades. As turmas
eram de último ano e bastante atarefadas com o TCC, SAJUG e as festas de formatura e
62

neste ambiente, necessário integrar e responsabilizar os alunos em um projeto


acadêmico maior.
Optei por um trabalho interdisciplinar junto com os professores de Direito
Tributário que envolveu visitas técnicas guiadas, com palestras, em Santana do
Livramento, Rivera, Aeroporto Salgado Filho, Porto de Rio Grande e Banrisul
Armazéns Gerais S.A., sendo ao final realizado trabalho em grupo e entregue relatório
que representava parte da avaliação final.
Importante na RITTER foi a proposta pedagógica que trouxe uma práxis
educacional que permitisse a construção dos conhecimentos em ambiente diverso do
“exposição-quadro-giz” com acesso aos outros saberes e experiências diferenciadas para
os alunos da Faculdade de Direito.

5. ASSOCIAÇÃO SUL-RIO-GRANDENSE – FAPA (1998-2018)

Até abril de 1999 exerci atividades de professora na RITTER e em março de


1998 iniciei o magistério na FAPA, como professora das Faculdades de Administração
e Ciências Contábeis, com as disciplinas de Direito Administrativo, Direito Tributário,
Instituições de Direito, Direito Societário e Direito do Trabalho e Previdenciário, com
turmas que tiveram até 110 (cento e dez) alunos e a média era de 70 (setenta) alunos.
Com quase 10 (dez) anos de magistério superior, de ensino jurídico e várias
experiências educacionais bem sucedidas, nesta Instituição estava com 05 (cinco)
disciplinas jurídicas diversas e necessário, além do exercício da advocacia, foi manter a
atualização constante, além do Pós-Graduação em Direito Público e Privado e vários
cursos livres.
Apesar de ministrar disciplinas jurídicas, as turmas estavam locadas nas
Faculdades de Administração e Ciências Contábeis e tais alunos são diferentes em suas
competências e habilidades que devem ser respeitadas e de outro lado, desde a
UNISINOS, havia conhecido as peculiaridades e especificidades daqueles cursos.
Assim, necessário conhecer a dinâmica de cada turma, cada aluno, suas
experiências e vivências, pois quanto aos recursos de ensino, oferecia a FAPA, para o
ensino tradicional, inicialmente, o quadro de giz, giz, retroprojetor, data show,
videocassete e o DVD e as aulas seriam expositivas dialogadas, mas voltadas para a
construção do profissional administrador e contador como um todo, cada um recebendo
o enfoque jurídico que lhe dizia respeito.
63

Necessário proporcionar aos alunos a articulação entre a teoria e a prática e


evidenciar uma transposição didática baseada no Ensino Jurídico, porém oferecendo a
imagem realista sobre as profissões jurídicas, administrativas e contábeis.
Os alunos proporcionam possibilidade e desafios educacionais e o uso das
tecnologias da educação oferece alternativas e formação. Diferente das crianças e dos
jovens, não sou professor multimídia, mas aluna multimídia e o desafio foi constante
para o aprendizado dos sistemas Moodle, Siga, etc e o que denominava de recursos,
também são tecnologias educacionais.
Neste ponto, o laboratório de informática oferecia mais utilidades e qualidade
para as rotinas pedagógicas e o computador, a internet passaram a ser importantes
instrumentos de comunicação e de apoio pedagógico.
Somos ensinantes, professores que em situação de rotina acadêmica
estabelecemos uma relação de dependência com os envolvidos, somos facilitadores
mediadores e provocadores da construção do conhecimento e assim, construímos
coletivamente, com nossos alunos, as normas de bem viver para que essa construção de
novos saberes se dê de forma significativa.
Nas turmas de Direito Tributário, a partir de um tipo de prática pedagógica de
fazer ensinagem, as aulas eram dialogadas e envolviam matérias do cotidiano, filmes,
jogos lúdicos, cálculo de impostos, sem a leitura enfadonha do Código Tributário
Nacional, mas utilizando a organização do pensamento e a cognição que possibilitam as
diferentes maneiras de o indivíduo relacionar com a realidade que o rodeia e desde o
ingresso na sala de aula se realizava a avaliação.
Para as turmas de Instituições de Direito Privado, considerado o vasto conteúdo,
se optou pela dinâmica da contação de histórias, também utilizada pelas técnicas de
informação educacional. Tal prática favorece e reforça o desenvolvimento dos alunos no
campo da criatividade e criticidade.
Os Direitos Civil, Administrativo, Constitucional e Internacional Público ao ser
narrados eram um exercício de renovação das Ciências e da vida. A contação de história
era realizada pelo docente e pelos discentes, independente da idade e inclusive, nas
matérias jurídicas contribui com o desenvolvimento intelectual, desperta o interesse pela
leitura e estimula a ação, a imaginação do universo e dos personagens.
Conforme Rodrigues (2010) as histórias desenvolvem uma função de construção
de conhecimento social da realidade junto à formação de valores e conceitos.
64

Importante comentar, recomendar textos, compartilhar leituras e confrontar com ideias e


opiniões.
Tudo isso estabelece a identidade com os autores ou a distância, assume posição
crítica e a leitura contribui para a vida e o profissional dos alunos. A avaliação é
realizada desde a primeira contação de histórias e em cada debate de ideias, redação
dissertativa ou questionamentos.
Como se disse alhures, cada turma é diferente, tem dinâmica diferente e por isso
necessário aplicar metodologias diversas e assim, também ocorreu com a disciplina de
Direito Comercial e Societário, que após o advento do Código Civil de 2002, a
denominação foi alterada para Direito de Empresas.
Considerada a transformação, produtividade com equidade, os planos de aula
foram desenvolvidos, com a presença dos elementos produção, aprender, difusão do
conhecimento e qualidade dos recursos humanos que são centrais para a
competitividade e a equidade.
Assim, após os encontros dialogados que trouxeram os conteúdos conceituais da
disciplina e os personagens básico do Direito Empresarial, os alunos foram divididos
em grupos, pesquisaram e apresentaram os tipos societários, com os regimes tributários
possíveis. Após tal atividade foi escolhido o tipo da Sociedade Empresária LTDA, para
confeccionar o contrato social.
Além atividades prático-teóricas, a avaliação foi composta por um conjunto de
perguntas que envolveram o contrato e a formalidade de registro. Tal tarefa se revelou
bastante produtiva na prática e também interdisciplinar eis que na disciplina de
Marketing, com o professor Elimar Teixeira, os alunos não só registraram de direito as
empresas, como também apresentaram os produtos que haviam desenvolvidos como
objeto da empresa e algumas ainda estão em atividade.
A técnica acima narrada é trazida por Bigge (1977,p.319), quando descreve
como a aprendizagem está relacionada com o ensino no sentido de perceber o uso do
instrumento de um fato, O aluno percebe, compreende qualquer objeto, processo, ideia
ou fato como o mesmo pode ser utilizado para atingir determinado objetivo e as pessoas
que compreendem tem um objetivo e percebem as relações e o uso instrumental para a
vida profissional.
Nas turmas de Direito do Trabalho e Previdenciário, outra foi a prática docente,
com base na consciência na necessidade do trabalho no mercado de trabalho, nos
aspectos previdenciários e horizontes pertinentes aos temas.
65

Nesta direção, as Universidades, Faculdades e Escolas são lugares de formação


de profissionais, técnicos, de orientação vocacional, de formação de trabalhadores com
maior ou menor proximidade de ingresso no mercado de trabalho de seus alunos.
O aluno traz uma riqueza educacional da própria experiência de trabalho e com o
mundo do trabalho e a preparação técnica profissional do trabalhador é que é
incorporada como fim da ação educacional.
Então, a partir da experiência dos acadêmicos foi planejada e organizada a
práxis pedagógica que lhes possibilitou conhecer o sentido social do trabalho, as normas
de Direito Laboral, a organização do trabalho e a valorização do trabalho que produz
riquezas, sendo o trabalho e previdenciário incluído no mesmo processo, no mesmo
sentido social de produção e humanização.
Nesta seara, para ilustrar a realidade além da utilização das experiências para a
aplicação do conteúdo, também se utilizou de filmes e vídeos, que consolidam o
conteúdo, quando os alunos presenciam e interagem com as imagens, que vão além dos
livros e documentos jurídicos.
Entre 2009 e 2011, também na FAPA, ministrei disciplinas para o Pós–
Graduação em Controladoria e para o Pós – Graduação em Gestão Financeira e
Tributária, sendo as cadeiras encadeadas de forma interdisciplinar e assim, o conjunto
de disciplinas era o Direito e o Planejamento Tributário.
Neste nível e até porque a maioria dos discentes já havia sido meus alunos na
graduação, destinei os planos de aula e metodologias de ensino para a realização de
Tarefas Individuais Programadas – TIP, para o Direito Tributário e o estudo de caso
para a disciplina de Planejamento Tributário.
As TIPs utilizavam as atividades individuais e também, momentos
socializadores para favorecer o Network. Os alunos trabalhavam em seus próprios
ritmos, desenvolviam a atividade de acordo com suas habilidades, motivações e
aptidões, sendo que cada parte do conteúdo correspondia a uma atividade e o papel do
professor nesta sistemática de ensino é de organizar, orientar e avaliar.
A atividade da TIP são descritas por Koff e Pureza (1985,p.48), como um estudo
individual e após são realizadas discussões em pequenos grupos e as TIPs são
alternativas para o atendimento de diferentes indivíduos , ritmos de trabalho e estilo de
aprendizagem.
A disciplina de Planejamento Tributário teve como instrumento de divulgação e
difusão livros, revistas, sites, audiovisual, entrevistas e materiais provenientes da
66

televisão e do rádio e a metodologia utilizada foi o Estudo de Caso, que envolveu


empresas nacionais e internacionais que foram estudadas pelos alunos e após,
analisaram e minuciaram as melhores estratégias em termos de Planejamento Tributário,
bem como o seu processo, sendo os trabalhos que foram apresentados na forma de
trabalho final da disciplina e de conclusão de curso.
No início do segundo semestre de 2014, a FAPA foi adquirida pela Rede
LaureateInternationalUniversitiesLtda e com o tempo a FAPA constou como Filial de
UNIRITTER e os professores incorporados aos quadros laborais da UNIRITTER, sendo
interessante que neste processo, em termos empregatícios retornei, para o empregador
antes narrado, de 1995 até 1999.
A partir da sucessão da Instituição e até 2016, segui com as turmas da
Graduação, mas com o protocolo da estabilidade para a aposentadoria, algumas turmas
foram entregues para outros professores e desempenhei função de Coordenadora de
Extensão, promovendo Fóruns, Seminários, Palestras e Aulas Inaugurais e entre 2017 e
2018, atuei para o Curso de Direito da FAPA, a pedido da Pró-Reitoria da UNIRITTER,
promovendo e ministrando aulas para o Curso de Extensão Prático Teórico sobre os
Juizados Especiais Cíveis e Ação de Responsabilidade Civil.
Participaram alunos de todos os níveis do Direito que apresentaram petições
iniciais, promovendo todas as etapas do procedimento dos Juizados Especiais, inclusive
a realização de audiências simuladas de conciliação e de julgamento, que contou com a
participação de professores da Casa e convidados advogados, que atuaram como
clientes, conciliadores, julgadores e testemunhas.
Os alunos eram os patronos das ações e para tanto se utilizou as salas de aula,
auditório e o laboratório, sendo tal evento de grande importância para a prática
acadêmica dos alunos, eis que simularam a realidade dos Juizados Especiais e da Ação
de Responsabilidade Civil.
Os discentes vivenciaram o Direito e a advocacia na prática e a atividade
contribuiu para a construção e aprimoramento do saber-fazer do Direito no tocante ao
processo e procedimento, que inseriu os alunos em ambiente muito próximo ao que
estará após a conclusão do curso.
O grupo possuía um grande desafio, uma vez que as aulas ocorriam aos sábados
e durante a semana a comunicação era realizada via e-mail, meio pelo qual eram
enviados as peças processuais e montados os processos.
67

Além disso, eram alunos até o 5º nível da Faculdade de Direito que precisam
aprender, compreender e dialogar com os vários aspectos do direito material e
processual, bem como princípios da litigiosidade e conciliações, com necessidade de
desenvolver a pesquisa e a oratória.
A vivência propiciou aos alunos uma forma de trabalho, a partir das práticas
realizadas, no sentido de buscar caminhos para a atuação profissional e para esta
professora, significou o fechamento das atividades com o ensino jurídico na FAPA –
UNIRITTER.
Após 2019 dedico o nobre ministério do magistério ao Projeto Pescar, que é
abrigado pela OABRS, onde converso com os jovens aprendizes sobre a disciplina
deDireito do Trabalho e Departamento Pessoal, mas este voluntariado é uma outra
narrativa.

6. CONCLUSÕES

Após a exposição feita em linhas pretéritas, se torna indiscutível que os


operadores do Direito e as profissões jurídicas têm o condão de estar presentes nas
relações entre os sujeitos, nas pretensões, nos direitos e garantias individuais e coletivas,
nas obrigações e responsabilidades.
Enfim, são pessoas que atuam de modo responsável para promover a justiça e
encontrar a melhor solução para os litígios e relações.
Neste sentido, importante a narrativa das experiências educacionais socio
construtivas no contexto pedagógico, eis que, traz significados através do relato de
narrativas de sala de aula que reconhece alunos/professores como personagens ativos e
participativos do processo pedagógico.
O processo do conhecimento é proposto de forma coletiva, sem o poder ou a
autoridade do professor, sem um professor tradicional, mas sim um professor mediador,
informador, participativo, político e construtivo, que pressupõe as experiências e
vivências dos alunos.
Cria o professor oportunidades de aprendizagens, como se os alunos sempre
estivessem nas suas atividades profissionais, com proposta pedagógica que valoriza os
discentes como um todo, em ambiente que permite a troca de saberes, o ensinar-fazer e
o saber-fazer, com a realidade profissional, com a construção do conhecimento que
68

permite ler, compreender, criticar e contextualizar com as influências do meio em que


se vive.
Por fim, a narrativa revela que as vivências, experiências de sala de aula e fora
do ambiente “expositivo-quadro-giz” proporcionaram aos egressos cenários e caminhos
de atuação profissional, capazes de renovar o ensino jurídico, considerando a superação
das praticas tradicionais e fragmentadas do ensino de Direito, devendo a formação ser
baseada em habilidades e competências e ações afirmativas, com a teoria qualificando a
prática e a prática qualificando a teoria.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIGGE, Morris L., Teorias da aprendizagem para professores, São Paulo, EDU, Ed. da
Universidade de São Paulo, 1977.

BRASIL, Angelita Vargas (Org.). Armazém de idéias II: possibilidades e desafios


educacionais: compartilhando saberes. Porto Alegre, ASSERS, 2010.

DEMO, Pedro. Professor do Futuro e Reconstrução do Conhecimento. 3ª Ed. Editora


Vozes, 2005, Petrópolis.

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Paulo, Cortez, 1988.

FURLANI, Lúcia M. Teixeira, Autoridade do Professor- Meta, mito ou nada disso?3ª


Ed., V. 28, São Paulo, Cortez, 1991.

KOFF, E. D., PUREZA, V. L. L., Melhoria do Ensino, n.21, PADES/UFRGS, 1982.

RODRIGUES, Cesar Fernando Frozza. A importância do professor de história realizar


a sua dinâmica no ensino fundamental contando histórias. Porto Alegre, ASSERS,
2010.
RODRIGUES, Neidson, Por uma nova escola: o transitório e o permanente na
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VEYNE, Paul. Como se escreve a história e Foucault revoluciona a história.Brasilia:


UNB, 1998.

HTTPS://www.conjur.com.br/2019-jun-22/lenio-traca-modelos-professor-investigar-
epidemia-direito? acesso em 02 abril 2020.
69

CONSTRUTOS PARA A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE DE UMA


EDUCAÇÃO JURÍDICA INTERCULTURAL

Bruna Bastos1
Rafael Santos de Oliveira2

Resumo:O século XXI é marcado pela convergência de fenômenos importantes que


modificaram o modo como a educação é percebida. Nesse ponto, inclui-se a
globalização, a popularização da ferramenta da internet e, especialmente, das
tecnologias de informação e de comunicação, trazendo novos recortes para o ensino em
todos os níveis, e pensar a educação jurídica impõe considerar outras perspectivas
trazidas por essas modificações. Dessa forma, questiona-se: de que maneira a
construção de uma educação jurídica intercultural é condição para a efetividade da
dignidade da pessoa humana? Para responder ao problema de pesquisa, utiliza-se do
método de abordagem dedutivo e do método de procedimento tipológico, através de
revisões bibliográficas e documentais. O primeiro capítulo aborda as mudanças
tecnológicas educacionais que ocorreram desde a popularização da internet e das
tecnologias de informação e de comunicação, o que permite estudar, no segundo
capítulo, a teoria da ecologia dos saberes de Boaventura de Sousa Santos para pensar a
interculturalidade na educação jurídica e os possíveis reflexos na dignidade da pessoa
humana e outros direitos fundamentais derivados. Conclui-se, dessa forma, que a
educação jurídica voltada para a interculturalidade é elemento essencial para
compreender a diversidade como parte indissociável da sociedade contemporânea, bem
como para perceber a necessidade de respeito e de proteção às diferenças como
características que não significam inferioridade, mas novas possibilidades de
aprendizados, de questionamentos e medidas que busquem a proteção necessária à
dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave:Dignidade da pessoa humana. Ecologia dos saberes. Educação jurídica.


Interculturalidade. TIC.

INTRODUÇÃO

A contemporaneidade é marcada por um avanço considerável e extremamente


rápido das tecnologias, entre elas aquelas vinculadas à internet e que viabilizam maior
circulação de informação, de comunicação e de entretenimento através de um espaço
social que ignora fronteiras. O contato com pessoas, produtos e serviços do mundo
inteiro através da instantaneidade do ciberespaço possibilita novos questionamentos,

1
Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSM. Bolsista CAPES. Pós-
graduanda em Educação Transformadora pela PUCRS. Especialista em Direitos Humanos e Questão
Social pela PUCPR. Advogada (OAB/RS nº 114.500). Pesquisadora do CEPEDI/UFSM. E-mail:
bts.bru@gmail.com.
2
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor Associado I no Departamento
de Direito da Universidade Federal de Santa Maria, em regime de dedicação exclusiva e no Programa de
Pós-Graduação em Direito da UFSM. Coordenador do CEPEDI/UFSM. E-mail: rafael.oliveira@ufsm.br.
70

especialmente no tocante àqueles aspectos que, apesar de inseridos nessas mudanças,


mantiveram padrões modernos sem adaptarem-se às tecnologias.
Dessa forma, a educação jurídica deve ser percebida com elemento integrante
dessa realidade social essencialmente vinculada à globalização e à ferramenta da
internet, esta que foi responsável pelo surgimento de novas plataformas educacionais e
perspectivas de ensino vinculadas ao ciberespaço. A inserção do cidadão nesse espaço
social constituído de virtualidade modificou a maneira como a sociedade percebe o
processo educacional, ampliando as possibilidades de integração e, especialmente, de
acesso ao conhecimento através do uso consciente e efetivo dessas possibilidades de
integração.
Diante desse contexto essencial para a compreensão da educação jurídica em
tempos de sociedade em rede e de internet, é importante questionar-se: de que maneira a
construção de uma educação jurídica intercultural é condição para a efetividade da
dignidade da pessoa humana? Para responder ao problema de pesquisa, utiliza-se do
método de abordagem dedutivo, ou seja, parte-se de uma abordagem geral sobre a
educação jurídica no Brasil para, posteriormente, estreitar o estudo sob o viés da
possibilidade de se pensar uma ecologia dos saberes para o ensino do Direito na busca
da efetividade de direitos humanos fundamentais ligados à dignidade da pessoa humana.
O método de procedimento é o tipológico, tendo em vista que o presente
trabalho pretende estudar, ainda que brevemente, o ensino jurídico no Brasil, a fim de
verificar a viabilidade da utilização da teoria da ecologia de saberes, de Boaventura de
Sousa Santos, como modelo ideal para buscar uma educação intercultural3 que seja
capaz de trabalhar com a efetividadeda dignidade da pessoa humana. Para tanto, é
realizada uma revisão bibliográfica e documental de obras sobre o tema e que podem
auxiliar na reflexão sobre os assuntos abordados.
O primeiro capítulo é responsável, então, por verificar as novas possibilidades à
educação superior considerando o desenvolvimento da ferramenta da internet, bem
como as perspectivas de adaptação do ensino jurídico às novas tecnologias e
plataformas digitais de conteúdo educativo. A segunda seção, por sua vez, busca
3
O termo ‘interculturalidade’ é utilizado ao longo do presente trabalho em detrimento do vocábulo
‘multiculturalidade’. Isso porque a multiculturalidade, apesar de supor uma aceitação do heterogêneo e
admitir a diversidade de culturas (o que se demonstra essencial em qualquer cenário), sublinha uma
diferença de certa forma que frequentemente reforça a segregação (que é um problema latente no mundo
globalizado e não previsto pelo termo). A interculturalidade, por sua vez, remete à confrontação e ao
entrelaçamento, àquilo que sucede quando os grupos entram em relações de trocas, implicando que os
diferentes são o que são. Assim, a interculturalidade vai além de apenas reconhecer a diversidade cultural,
estimulando a interação entre as mais distintas identidades. (CANCLINI, 2015, p. 17)
71

verificar a crise contemporânea da educação voltada para o Direito e, explicando a


teoria da ecologia de saberes desenvolvida por Boaventura de Sousa Santos, entender se
a compreensão de uma educação intercultural é capaz de buscar a efetividade de direitos
humanos fundamentais ligados à dignidade da pessoa humana.

1A INTERNET COMO FERRAMENTA DE MODIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO


JURÍDICA

A globalização é um fenômeno pluridimensional que modificou o modo como as


pessoas se relacionam no mundo, introduzindo novas possibilidades econômicas,
políticas, sociais e culturais de quebra de fronteiras e de circulação de pessoas, produtos
e serviços. Atrelado a isso, é importante perceber que grande parte desses avanços a
nível mundial foi possibilitada pelo desenvolvimento da ferramenta da internet, que
trouxe perspectivas de conectividade entre o local e o global, e de trocas que ignoram
questões de soberania nacional e se articulam independente dos limites estatais.
(CASTELLS, 2003)
Essas mudanças viabilizaram a constituição de uma nova estrutura social
organizada em redes. Para Manuel Castells, uma sociedade em rede “é uma sociedade
cuja estrutura social é construída em torno de redes ativadas por tecnologias de
comunicação e de informação processadas digitalmente e baseadas na
microeletrônica”(2016, p. 70). Alguns autores, como Niall Ferguson, comentam que, na
verdade, a sociedade sempre se organizou em redes mais ou menos amplas e complexas,
mas é inegável que, graças à internet, essas teias de informação e de comunicação
tomaram novas proporções. (FERGUSON, 2018)
O surgimento dessa ferramenta, portanto,permitiu que a informação, a
publicidade e o entretenimento vencessem as fronteiras estatais, permitindo que as
tecnologias de informação e comunicação (TIC) se adaptassem à nova realidade e se
desenvolvessem para ampliar a mobilidade das pessoas e dos produtos e serviços no
ciberespaço. (CASTELLS, 2016).AsTICimpulsionarama conjuntura mundial
contemporânea, na qual as fronteiras geográficas foram extinguidas, as distâncias
comunicacionais reduziram-se e a sociedade foi unida, de forma forçada, em um fluxo
informacional e comunicacional que busca a redução das diferenças dentro das redes
(BAUMAN, 1999).
72

As TIC, nesse sentido, podem ser definidas como um “conjunto de dispositivos,


serviços e conhecimentos relacionados a uma determinada infraestrutura, composta por
computadores, softwares, sistemas de rede” (VELOSO, 2011, p. 49). Esses dispositivos
são capazes de efetuar a produção, o processamento e a distribuição de informações aos
usuários da internet, construindo o que Castells chama de horizontalidade
comunicacional, onde todos são capazes de serem receptores e fornecedores de
informação através da internet (CASTELLS, 2016).
Toda essa realidade convergiu para a criação de um novo espaço social, agora
virtual, construído nos domínios da internet e denominado ciberespaço. Esse novo
espaço acabou modificando as relações de dominação e como elas se articulam na
sociedade contemporânea, bem como trouxe outras perspectivas para os elementos
essenciais da vida em sociedade, como a cultura, a economia e a própria educação.
Nesse sentido, Jair de Souza Ramos comenta que

[...] o tipo de espaço social produzido na rede de computadores, smartphones


e tablets não guarda continuidade em relação a qualquer base geográfica
fundamental. [...] essa rede não é construída como apropriação de um espaço
físico como espaço social, como era predominantemente o caso antes, mas
sim como pura produção de um espaço social cuja materialidade é a
informação e seus modos de transmissão. Ainda que a informação esteja
presa à rede como um todo, ela está em mais de um lugar físico da rede [...],
de modo que servidores e seus terminais [...] são intercambiáveis e
substituíveis sem que a rede formada pela circulação de informações seja
colocada em xeque. Assim, temos uma continuidade inscrita na história de
produção de espaços sociais por meio de redes, mas, de outro, uma
descontinuidade devida ao fato de que o espaço construído por essa rede de
computadores é todo feito de informações. (RAMOS, 2015, p. 59)

Dessa forma, o ciberespaço contribuiu para a articulação de diversas redes já


existentes na sociedade global, como a circulação de pessoas, de objetos, de educação e
de poder, integrando os sujeitos que se constituem globalmente como atores capazes de
se conectar de forma instantânea. “Algumas redes – descritas por demasiadas vezes
“vastas” – são internacionais, enquanto outras são regionais”, mas de modo geral a
internet viabilizou alternativas para a articulação de todos os aspectos da vida em
sociedade (FERGUSON, 2018, p. 31), inclusive o educacional.
Nesse sentido, os alunos e os professores de todas as etapas de formação
educacional viram surgir diversas plataformas com o intuito de adaptar, ainda que
superficialmente, a educação às tecnologias de informação e de comunicação. O uso de
data show e outros recursos computacionais e tecnológicos ganharam espaço no ensino
73

presencial, enquanto a educação à distância foi ampliada, trazendo a possibilidade de


aulas online ao vivo ou gravadas anteriormente e disponibilizadas nessas plataformas de
conteúdo. As universidades viram a implementação de programas semelhantes ao
Moodle, que auxiliam na execução de atividades remotas, bem como implementaram os
portais do aluno e do professor para fins de consulta às mais diversas informações
referentes aos períodos letivos.
O contato entre professor e aluno também se modificou, tornando-se mais fácil e
rápido graças às TIC, e diversos discentes migraram para plataformas como o Youtube,
gerando conteúdo informativo e educacional de graça para alunos de todas as partes do
Brasil. No ano que o artigo é escrito, vive-se a realidade de pandemia da Covid-194 que
potencializou todas essas mudanças, considerando a impossibilidade de aulas
presenciais independente da espécie de instituição de ensino, fazendo com que as TIC
sejam utilizadas em maior escala e exigindo uma adaptação profunda tanto do sistema
educacional quanto dos agentes da educação.
A própria inteligência artificial contribui com o desenvolvimento de softwares e
de programas destinados à ampliação do conhecimento e ao acesso mais facilitado à
informação (teoricamente) de qualidade para que os alunos das mais diversas áreas do
conhecimento possam ter acesso a esse emaranhado de ideias para fins de contribuição
com o processo de ensino-aprendizagem. No caso da educação jurídica, as legislações
estão à distância de um click no celular ou no computador, bem como o acesso às
jurisprudências é viabilizado pelos portais dos tribunais.
Dessa forma, o ensino do Direito foi percebendo mudanças ao longo dos anos
em razão das pequenas adaptações realizadas em torno das novas tecnologias. Um
problema latente, contudo, é que essas plataformas não foram criadas, em grande parte,
para a educação propriamente dita, mas foram adaptadas para esse ambiente, o que
acaba por descaracterizar o ensino. Outro problema importante é que essa realidade
potencializou uma educação mecanizada, na qual as informações são cada vez mais
direcionadas para outros propósitos que não a ampliação do conhecimento pela reflexão.
(SANTOS, 2013)

4
A Covid-19 é uma doença causada pelo coronavírus, uma espécie de zoonóticos, ou seja, um vírus que é
transmitido de animais para pessoas. Os primeiros infectados foram diagnosticados na cidade de Wuhan,
na China, em dezembro de 2019, e a partir de então a doença começou a se propagar para o restante do
mundo, atingindo milhões de pessoas em todos os países. Em janeiro de 2020, a OMS declarou uma
Emergência de Preocupação Internacional e, em março, a Covid-19 foi considerada uma pandemia.
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2020)
74

Com efeito, neste ambiente resta pouco espaço para saberes e conhecimentos
não científicos, dotados de outras temporalidades e cujos padrões de
medições diferem daqueles usualmente aceitos pela racionalidade cognitivo-
instrumental, ligada diretamente ao princípio de mercado para o qual
individualismo e concorrência são centrais. (MOASSAB, 2008, p. 02)

Nessa esteira, considerando os problemas que também são enfrentados nessa


realidade de união da educação jurídica com as plataformas digitais veiculadas em razão
das tecnologias de informação e de comunicação, é importante discorrer sobre a atual
crise da educação e, posteriormente, estudar outras possibilidades para pensar o
processo de ensino-aprendizagem que busquem a efetividade de Direitos que são
essenciais para a manutenção da vida em sociedade.

2 A ECOLOGIA DOS SABERES E AS PERSPECTIVAS DE UMA EDUCAÇÃO


INTERCULTURAL

O capítulo anterior foi responsável por contextualizar as novas possibilidades da


educação jurídica em tempos de internet, ferramenta responsável por desenvolver um
novo espaço social online que é capaz de auxiliar a questão educacional, especialmente
no tocante ao ensino superior e jurídico. Apesar da percepção de que o ciberespaço pode
se tornar um local de desdobramentos negativos, é impossível não pensar nos avanços
positivos percebidos pelo desenvolvimento das TIC e da própria inteligência artificial,
conforme já mencionado.
Contudo, essas tecnologias facilitadoras e que proporcionaram plataformas
educacionais responsáveis por ampliar a rede de ensino superior e jurídico no Brasil não
podem se limitar a esse espectro. Isso porque a própria ideia de educação permite que se
pense o ensino para além de provas, ou seja, é o que dá sentido e possibilita
questionamentos e reflexões sobre o status quo social que, invariavelmente, afeta o
Direito. Isso significa dizer que a educação não pode ser desvinculada do contexto
social no qual está inserida, e isso ganha muita força quando se fala do ensino jurídico.
Os aspectos principais do Direito perpassam, invariavelmente, aspectos
econômicos, políticos, sociais e históricos de determinada sociedade, ainda que
legislações apareçam com uma certa defasagem temporal em relação aos
acontecimentos factuais. Mas é inevitável perceber que o mundo do Direito depende de
todos esses fatores, importantíssimos para a constituição legislativa e jurisprudencial,
mas também – e principalmente – para a construção dos cursos de graduação e de pós-
graduação inseridos nessa área do conhecimento.
75

Assim, imperioso reconhecer que o campo jurídico-educacional precisa formar


estudantes, pesquisadores e profissionais que estejam aptos a realizar questionamentos
sobre a realidade imposta em determinado período, bem como refletir sobre quais
mudanças são necessárias, inclusive para a própria concretização dos direitos humanos
fundamentais assegurados internacional e constitucionalmente. Contudo, percebe-se que
o ensino universitário vem passando por uma espécie de crise, porquanto o modelo
vigente na contemporaneidade não mais atende às necessidades dos alunos, dos
professores e da própria sociedade, tendo em vista que não acompanhou as mudanças
dessa última. (MORIN, 2007)
A organização do ensino superior, especialmente do ensino do Direito nas
faculdades e universidades, encontra problemas porque separa e fragmenta as áreas do
conhecimento e falha em promover aquilo que é complexo e interdisciplinar,
dispensando o estabelecimento de relações entre as disciplinas do mesmo curso. Muito
se perde nesse processo, que torna os profissionais e pesquisadores incapazes de
questionar aquele conhecimento e, também, de transitar em áreas afins ao Direito. Nesse
sentido, Edgar Morin comenta que

o pensamento que fragmenta e isola permite a especialistas e experts terem


grandes desempenhos em seus compartimentos e, assim, cooperar
eficazmente nos setores não complexos do conhecimento, especialmente
aqueles concernentes ao funcionamento das máquinas artificiais. A lógica a
que obedecem projeta sobre a sociedade e as relações humanas as restrições e
os mecanismos inumanos da máquina artificial com sua visão determinista,
mecanicista, quantitativa, formalista, que ignora, oculta e dissolve tudo o que
é subjetivo, afetivo, livre e criador. (MORIN, 2007, p. 18)

Isso significa dizer, ainda que brevemente, que o ensino jurídico precisa ser
modificado, para que o conhecimento do Direito possa privilegiar aspectos
interdisciplinares e interculturais em convergência com as potencialidades das
tecnologias de informação e de comunicação (TIC). Nesse sentido, Boaventura de
Sousa Santos percebe, em seus estudos, que a cultura ocidental, ligada diretamente à
individualidade, criou uma relação monocultural que, sistematicamente, desvaloriza as
políticas de ação afirmativa e não estimula a diversidade e a tolerância. (SANTOS,
2013)
A educação baseada no individualismo, característica latente da sociedade
ocidental contemporânea na qual o Brasil se insere, ignora os valores da comunidade e,
nesse processo, determina a inferioridade de determinadas culturas diversas que não
percebem a sociedade da mesma forma. Esse fenômeno faz com que sejam ignoradas
76

contribuições importantes de outras realidades culturais e potencializa situações de


injustiças e de preconceitos (SANTOS, 2013), inviabilizando uma educação
transformadora vinculada ao mundo do Direito e, também, a efetividade do direito à
dignidade da pessoa humana.
Assim, a proposta do presente trabalho é a apropriação, pela educação jurídica
brasileira, da teoria de Boaventura sobre a ecologia dos saberes, em detrimento das
monoculturas que dominam o ensino do Direito. Nesse ínterim, portanto, a monocultura
seria uma cultura em extensão e intensidade que se dedica a produzir um só produto
como sendo o único válido. É a crença de que uma ideia é a única apropriada para
aquele contexto, sendo a mais produtiva e devendo dar-se a ela toda a atenção,
descartando tudo aquilo que é diferente e, portanto, errado. (SANTOS, 2013)
Essa característica monocultural da sociedade contemporânea faz determinar que
só existe um saber válido, que é a ciência moderna, e que os outros saberes não
possuem valor algum; impõe o estabelecimento de hierarquias em detrimento de
diferenciações, as quais se naturalizam para que as diferenças sejam percebidas
verticalmente e não horizontalmente; o tempo é unidade para medir o progresso,
fazendo com que tudo que está atrás daquela direção única seja considerado atrasado;
determina uma escala dominante que faz com que o nacional e o global sejam
superiores ao local; e, por fim, coloca a produção em um ciclo determinado pelo
capitalismo. (TAMAYO, 2011)
Essa realidade cria linhas abissais que separam o mundo em pessoas
consideradas humanas e outras vistas como sub-humanas, o que justificaria ignorar
determinadas realidades porque a vida nessas zonas de sub-humanidade não é passível
de preocupação. Os sujeitos não são percebidos como detentores de direitos, o que
também explica a violação sistemática deles. É do outro lado da linha, do lado
descartado, que estão outras formas de conhecimento e de cultura que não são
contabilizadas por serem, supostamente, irrelevantes. (SANTOS, 2013)
Visualizar essa realidade traz a urgência de se pensar alternativas para combater
essas exclusões e essas violações, para que outras realidades sejam efetivamente
percebidas, estudadas e consideradas para fins de conhecimento igualmente válido. “Isto
significa reinstrumentalizaraprática universitária, ou seja, apreender novas maneiras de
construção de conhecimento,menos pautadas pelas medidas padronizadas pela
racionalidade cognitivo-instrumental” (MOASSAB, 2008, p. 03).
77

A educação transformadora, como eu próprio defini, é intercultural, não


ensina para provas, para repetição e manutenção do status quo, mas visa criar
o espírito crítico, fazer com que os estudantes apreciem a diversidade de
opiniões, que possam criticar e argumentar. A educação transformadora não
conhece o inimigo, é contra qualquer discurso de ódio, admite que todos os
conhecimentos são incompletos e está a buscar outros. (SANTOS, 2019, s.p.)

Dessa forma, Boaventura de Sousa Santos pensou em uma ecologia dos saberes
como resposta a essa realidade opressora e preconceituosa. Esse modelo reconhece que
existem outros conhecimentos e que eles podem ser utilizados para diferentes objetivos,
considerando que a ciência é incompleta. A educação precisa passar por uma tradução
direcionada à interculturalidade, ou seja, o processo de ensino-aprendizagem tem que
criar capacidades para a percepção de que existem outras culturas e que cada uma delas
pode contribuir de alguma forma para as outras. É a compreensão de que todos os
saberes e todas as culturas precisam do diálogo, precisam se perceber mutuamente para
gerar um ambiente global de aceitação do diferente e de proteção para com outras
formas de vida. (TAMAYO, 2011)
Assim, considerando a já mencionada crise do ensino jurídico, pensar
alternativas é essencial para a perpetuação de uma educação transformadora, que tem
como elemento condicionante a compreensão da interculturalidade. A educação baseada
na ecologia dos saberes, por apresentar um caráter intercultural, viabiliza a percepção de
que o status quo social é uma incubadora de preconceitos e processos de exclusão, o
que exige questionamentos contínuos do aluno, do professor e do futuro profissional
sobre como contribuir para a formação de uma sociedade mais justa. Essa ideia de
justiça perpassa, essencialmente, a efetividade de direitos humanos fundamentais,
porquanto condiz com a ausência de violações sistemáticas de direitos e de realidades
de exclusão, de opressão e de desprezo. Isso significa dizer que uma ecologia dos
saberes, baseada em uma educação intercultural, é condição para a efetividade de
direitos vinculados à dignidade.

CONCLUSÃO

Conforme estudado ao longo do presente trabalho, a internet é uma ferramenta


popularizada no presente século e que modificou, de forma essencial, a maneira com
que a informação, a comunicação e o entretenimento se articulam na vida em sociedade,
seja ela local, nacional, regional ou global. O novo espaço social possibilitado pelo
mundo virtual articulou pessoas, instituições e sistemas econômicos e políticos de todas
78

as partes do mundo, na contribuição para uma sociedade global interligada de maneira


instantânea.
A sociedade organizada em redes cada vez mais comunicáveis teve reflexos em
todos os aspectos sociais, inclusive na educação. Tanto o ensino jurídico como outras
áreas do conhecimento presenciaram o surgimento de plataformas educacionais online
que mobilizaram novas formas de educar pessoas e de democratizar o conhecimento,
bem como possibilitaram novas ferramentas para potencializar os processos de ensino-
aprendizagem. Contudo, foi percebido também que esses avanços não representaram
apenas aspectos positivos no que tange ao ensino do Direito.
Foi percebida a latente crise da educação jurídica no Brasil, especialmente no
tocante às questões referentes à interdisciplinaridade e à interculturalidade, o que tornou
possível visualizar a realidade de um ensino fragmentado e mecanizado. Isso significou
dizer que, de acordo com o autor-base desse trabalho, vive-se uma experiência de
monoculturas do saber, que descarta outras experiências por não serem consideradas
válidas para a sociedade ocidental contemporânea. Retirou-se, portanto, a capacidade de
questionamento dos alunos e dos professores, característica que é essencial para pensar
uma educação transformadora que, no jurídico, busque efetivar direitos humanos
fundamentais em zonas de exclusão social que vivenciam violações e opressões diárias.
A educação pode ser direcionada tanto para a submissão quanto para a
transformação, para a rebeldia ou para o conformismo. Se a educação falha, cria-se mais
conformismo, por isso o estado da arte de educar é problematizar, questionar e refletir o
contexto no qual aquele ensino está inserido. O conhecimento é o que permite a
mudança, e a educação jurídica não foge a esse pensamento, possuindo responsabilidade
especial porque visa assegurar direitos humanos fundamentais aos cidadãos nacionais,
regionais e globais, o que faz com que o ensino do Direito esteja intimamente ligado à
capacidade de perceber e resolver problemas complexos e sistêmicos.
Essa realidade traz à tona a necessidade de pensar uma educação vinculada à
interculturalidade, considerando a conexão entre o local e o global potencializada pela
internet. O Direito está inserido em um contexto de inúmeros saberes distintos, de
culturas e identidades diferentes e de grupos sociais com realidades muitas vezes
opostas, e a educação jurídica precisa preparar o profissional e/ou o pesquisador dessa
área para compreender que o princípio fundamental de uma educação transformadora é
o respeito às diferenças e a percepção de que a diferença em si não é condição de
inferioridade. As ecologias, trabalhadas nesse estudo, desenvolvem aceitação,
79

valorização do local e do global, tolerância, proteção para outras formas de vida e de


produção do conhecimento – por isso, é essencial para a efetividade da dignidade da
pessoa humana, em todos os seus desdobramentos.

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80

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VELOSO, Renato. Tecnologias da informação e comunicação: desafios e perspectivas.


São Paulo: Saraiva, 2011.
81

ENSINO JURÍDICO NO BRASIL – CONTEXTO ATUAL E ALTERNATIVAS


DE MODERNIZAÇÃO COM O USO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Cristina Dal Sasso1

Resumo: O presente trabalho aborda importância da adaptação das novas tecnologias


vindas da inteligência artificial com a atual realidade das mudanças que ocorreram na
sociedade desde os tempos remotos do direito no Brasil, desde a era Rui Barbosa até a
era moderna dos dias atuais. Com a consagração do artigo 205 da CF, encontramos
relacionado um conjunto de políticas públicas que representam a plena cidadania e sua
qualificação para o trabalho e, nesse ensejo, frise-se que a qualificação do trabalho do
advogado estará se adaptando às novas tecnologias como ferramentas não só de
trabalho, mas como também de aprendizagem.A metodologia consiste na compreensão
e reflexão teórica do que tínhamos nas academias nos primórdios do ensino jurídico,
com o que temos hoje em nível de ensino no contexto da sociedade atual.Procuramos
demonstrar que a vantagem a ser levada em consideração com o uso da inteligência
artificial no ensino jurídico seria que o aluno já compreenda com mais facilidade
questões básicas, como a ética e os direitos fundamentais. Isso ajudaria em muito a
postura dos jovens estudantes que, por ventura, já poderiam estar corrompidos
negativamente pela sociedade.No contexto atual da sociedade moderna o presente
estudo também visa a demonstrar que o uso da inteligência artificial está a serviço da
cidadania na medida em que proporciona o fortalecimento de uma educação jurídica
mais plena e mais forte. O atual contexto jurídico e político-social do País reforça
sobremaneira a relevância social e jurídica do presente estudo.

Palavras-Chave: Acesso. Direito. Educação jurídica. Modernização. Inteligência


artificial.

HISTÓRICO DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL

O ensino jurídico no Brasil data de 1828, criado por força da Carta Lei de 11 de
agosto de 1827, promulgada por D. Pedro I. Foi nessa época que surgiram os
principais juristas brasileiros da nossa história, tais como Rui Barbosa (1849-1923),
Tobias Barreto (1839-1889), Clóvis Beviláqua (1859-1944), Teixeira de Freitas (1816-
1883) e Pontes de Miranda (1893-1979).2

1
Membro da Comissão da Mulher Advogada da OAB/RS, Moderadora do Grupo de Estudos em Direito
Administrativo da Escola Superior da Advocacia – RS, Membro da Comissão de Direitos Humanos da
OAB/RS, Palestrante, Funcionária Pública de Carreira, Advogada da Brigada Militar, Pós-Graduada em
Direito Constitucional pela Fundação do Ministério Público, Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais
pela Uniritter
2
https://jus.com.br/artigos/59984/a-criacao-dos-cursos-juridicos-no-brasil-e-o-dia-do-advogado – acesso
em 08 de junho de 2020
82

Ocorre que, passados quase 200 anos, do início da criação dos cursos jurídicos
no Brasil, o país nunca presenciou uma crise no ensino como a que se tem desvendado
neste século XXI. De fato, a educação jurídica brasileira enfrenta uma grave crise de
conflitos acadêmicos, no sentido de que o Brasil ainda adota o velho discurso da teoria
versus prática como corolário dos debates sobre o ensino jurídico.3
A mencionada crise é cristalinamente vista diante de alguns fatores simples, tais
como os baixos índices de aprovação no Exame da Ordem (se se considerar o Exame
de Ordem Unificado, do II ao XIII, a média de aprovação é de apenas 17,5%), o
desinteresse dos alunos pelas aulas (magistrais em sua quase totalidade), a quantidade
de cursos de Direito que são reprovados em avaliações feitas pela Ordem dos
Advogados do Brasil, através da Comissão Nacional de Educação Jurídica, e ainda
pelas críticas constantes feitas por juristas, tanto no tangente à abordagem dogmático-
jurídica tradicional quanto à mudança paradigmática da filosofia da consciência para a
filosofia da linguagem, e ainda considerando o foco que se tem dado nos cursos de
ensino jurídico à preparação dos alunos para a realização de concursos públicos.4

“Os cursos jurídicos no Brasil possuem em sua quase totalidade uma grade
curricular arcaica (tradicional-ortodoxa), que apenas informa um conteúdo
muito mais voltado à parte teórica do que ao exercício prático e a formação
de profissionais completos. Ainda encontram-se nos dias atuais metodologias
de ensino arcaicas e desestimulantes (baseadas em aulas magistrais), que não
se adequam mais às inovações tecnológicas e a melhor forma de ensinar as
chamadas gerações Y e Z.”5

A evolução e desenvolvimento humano, nos fizeram chegar aos direitos de 4ª


geração, que envolve dentre outros direitos o direito a informação, que perpassa,
automaticamente pela Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC.
Surge o computador, a internet, Big Datas, busca por velocidades cada vez mais
ágeis de processamento, processadores quânticos, como o processador quântico lançado
recentemente pela google, e outros concorrentes que buscam a mesma tecnologia, como
IBM, Microsoft e tantas outras.
Nesse avanço tecnológico, passou-se a buscar soluções cada vez mais
avançadas, e as tecnologias desenvolvidas passaram a criar sistemas, computadores cada

3
https://www.conjur.com.br/2017-ago-19/campelo-filho-preciso-repensar-ensino-juridico-brasil – acesso
em 08 de junho de 2020
4
https://www.conjur.com.br/2017-ago-19/campelo-filho-preciso-repensar-ensino-juridico-brasil – acesso
em 08 de junho de 2020
5
https://alerochasoares.jusbrasil.com.br/artigos/796774117/como-as-faculdades-de-direito-tem-criado-
robos-da-dogmatica-juridica – acesso em 08 de junho de 2020
83

vez mais rápidos e potentes, chegando à última e mais avançada tecnologia atual a
inteligência artificial.
O que a inteligência artificial busca é reproduzir a atividade mental do homem
em tarefas como a compreensão da linguagem, a aprendizagem e o raciocínio. Essas
tarefas estão associadas à ciência da informação e à ciência cognitiva no padrão de
representação e nas atividades de processamento da informação, estabelecendo limites
nos modelos de construção da representação do conhecimento.6
A necessidade de velocidade na busca e consequentemente resposta da
informação, tem influenciado todos os setores da sociedade, escolas, empresas, pessoas,
de pequenos a grandes comércios, a vida em geral tem sido influenciada pela velocidade
da informação.
Nesse sentido, a elevada qualidade do ensino jurídico nacional tem sido um dos
principais desafios enfrentados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, instituição incumbida pela Lei n. 8.906/1994 de promover, com exclusividade, a
seleção e a disciplina dos profissionais da advocacia no País.7
O nosso País não deve ser conhecido como a República dos Bacharéis, mas sim
como a república do desenvolvimento e do conhecimento, para isso, a Comissão
Nacional de Educação Jurídica, vem trabalhando fortemente, não contra tudo e todos,
mas contra o uso indevido do Ensino Superior como moeda de troca política.
Diante desse cenário, a regulação da Educação Superior brasileira precisa ser
avaliada e reformulada de forma a permitir que realmente haja uma superação entre as
instituições que são precárias para que possam adquirir qualidade.
O Brasil possui hoje aproximadamente 1.259 cursos de graduação em Direito em
funcionamento, com a possibilidade de preenchimento de 200 mil vagas por ano. Esse
número crescente de cursos em Direito demonstra a fragilidade do sistema de regulação
do ensino superior. O que pode ser notado pelas palavras da secretária executiva do
Ministério da Educação (MEC), Maria Helena Guimarães de Castro, a 2ª pessoa na
linha de comando do Ministério da Educação, que afirmou “o sistema de avaliação do
ensino superior do Brasil é falho.”8

6
https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53827/inteligncia-artificial-aplicado-ao-direito -
acesso em 09 de junho de 2020.
7
https://www.oab.org.br/servicos/oabrecomenda – acesso em 09 de junho de 2020.
8
https://www.conjur.com.br/2018-jan-29/marisvaldo-amado-ensino-juridico-temos-nao-queremos -
acesso em 10 de junho de 2020.
84

Isso é nítido ao percebermos que temos cursos de Direito com uma precariedade
imensa, com bacharéis que não conseguem passar no Exame de Ordem da OAB, o
qual cobra minimamente 50% de acertos em uma prova de oitenta questões na primeira
fase e 60% de conhecimento na segunda fase para alcançar a tão sonhada carteira de
advogado.9
Os alunos buscam essencialmente a qualidade do Ensino preconizada nos
princípios constitucionais, porém, o MEC não prioriza essa garantia legal a partir do
momento em que permite a criação de cursos como o Tecnólogo em Serviços Jurídicos,
um curso, que, além de impossibilitar o exercício profissional, entra em rota de colisão
direta com os profissionais e bacharéis do mercado que atuam em diversas áreas
jurídicas.
Esse cenário precisa ser mudado e repensado realmente no futuro dos estudantes
do curso de direito do Brasil. O conhecimento é fundamental para o desenvolvimento
do país, bem como, a sua precarização seria a ruína da nação, uma vez que bons
advogados precisam de ensino jurídico de qualidade. Não exite mérito em ter “números
de primeiro mundo com uma qualidade de terceiro mundo”. Precisamos ter qualidade e
isso não está sendo atingido nos cursos de direito, tendo em vista os números que
mostram as estatísticas.
Temos hoje uma educação jurídica de impacto, gerada em favor de grandes
números. Contudo, não temos nesse panorama a visão futurista de uma provável
mudança na oferta dos cursos existentes, além de um estudo pormenorizado por parte do
órgão Ministerial sobre a forma de avaliação dessas Instituições de Ensino Superior.10
O atual cenário da educação nacional vem sofrendo mudanças constantes que em
nada tem favorecido a população brasileira. O Ministério da Educação tem trilhado um
caminho na contramão da qualidade do ensino superior. Diante disso, o que fica é a
incerteza da educação jurídica de qualidade e em razão disso, é necessário frear a
proliferação dos cursos jurídicos e demais cursos sem a avaliação da qualidade.11

9
https://www.conjur.com.br/2018-jan-29/marisvaldo-amado-ensino-juridico-temos-nao-queremos –
acesso em 10 de junho de 2020.
10
https://www.conjur.com.br/2018-jan-29/marisvaldo-amado-ensino-juridico-temos-nao-queremos –
acesso em 10 de junho de 2020.
11
http://www.sedep.com.br/artigos/ensino-juridico-que-temos-nao-e-a-educacao-juridica-que-queremos/ -
acesso em 10 de junho de 2020.
85

É PRECISO REPENSAR O ENSINO JURÍDICO NO BRASIL

Ainda existe no Brasil a ilusão de que há trabalho e emprego para todos os


advogados, independentemente do mérito da qualificação. Ledo engano, uma concepção
que só se concebe em um país que ainda não atingiu o nível de maturidade necessário
para compreender a importância de uma formação de base, dogmática e principiológica,
fundada em valores que têm o condão de penetrar no ser e efetivamente transformá-lo.
E o mercado de trabalho dos profissionais produtivos está repleto de desempregados
(mal) graduados.12
Nesse diapasão, não é difícil afirmar a necessidade de que o ensino jurídico
brasileiro necessita ser reformulado. Na hipótese, porém, o reformular não significa
encontrar um forma de apagar o que já existe, mas antes transformar. Reformular o
ensino jurídico é tratar do futuro do país, é preparar pessoas para a pós-modernidade,
para enfrentar os novos desafios que estão no dia a dia de uma sociedade cada vez
mais complexa e global.13

CONTEXTO ATUAL DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL

Entre janeiro e setembro de 2018, o Ministério da Educação autorizou a abertura


de 200 novos cursos de Direito no Brasil, com aproximadamente 28 mil vagas. De
acordo com o sistema E-MEC, outros 468 pedidos aguardam manifestação e análise, e
49 solicitações de cursos na modalidade à distância aguardam avaliação. Nesta última
modalidade ainda não existe nenhum curso autorizado pelo MEC no Brasil.14
O Paraná é o estado da Região Sul com mais cursos criados desde o começo do
ano. Foram autorizados 16 novos cursos, com a oferta de 1.740 vagas – o dobro dos
estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nestes estados foram criados 16 novos
cursos, oito em cada um. No cenário nacional, Minas Gerais é o estado com mais

12
https://alerochasoares.jusbrasil.com.br/artigos/796774117/como-as-faculdades-de-direito-tem-criado-
robos-da-dogmatica-juridica – acesso em 08 de junho de 2020.
13
https://www.conjur.com.br/2014-fev-16/entrevista-marinho-pinto-ex-presidente-ordem-advogados-
portugal – acesso em 08 de junho de 2020.
14
https://www.oabpr.org.br/forum-nacional-de-educacao-juridica-debate-abertura-desenfreada-de-novos-
cursos-de-direito-no-
pais/#:~:text=Entre%20janeiro%20e%20setembro%20de,modalidade%20%C3%A0%20dist%C3%A2nci
a%20aguardam%20avalia%C3%A7%C3%A3o. - acesso em 08 de junho de 2020.
86

cursos criados: 31 no total. Na sequência, estão os estados de São Paulo (27) e Bahia
(21). O Paraná ocupa a 4ª posição.15
Os números da criação desenfreada de cursos direito chamam a atenção e têm
sido foco de manifestações e pareceres emitidos pelo Conselho Federal da OAB.
“O CFOAB, a OAB Paraná e as demais seccionais iniciaram um combate contra
a abertura indiscriminada de cursos de graduação em Direito em todo o país. Chama a
atenção a precariedade dos cursos e a forma de avaliação: o MEC vem concedendo a
autorização desses cursos baseando-se apenas nos instrumentos de avaliação criados por
ele via INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)
e num padrão decisório estabelecido por ele, criando, assim, um direito líquido incerto
para as instituições”, frisa o advogado Tarcizo Roberto Nascimento, gerente de
assessoramento das Comissões do Conselho Federal da OAB.16

“O Conselho Federal vem emitindo pareceres contrários à abertura de cursos,


fundamentados em falhas extremamente graves, bem como na necessidade
social inserida na Instrução Normativa 01/2008.
(...)
“Existem localidades com menos de 20 mil habitantes, para uma oferta de um
curso de graduação de direito, sem nenhuma estrutura do judiciário capaz de
receber os futuros estudantes em estágios, e os egressos em profissões do
mundo jurídico, criando uma verdadeira farsa do ensino”, lembra. (Tarcizio
Roberto Nascimento)

A formação ofertada nas faculdades de Direito necessita urgentemente de


modernização. Afinal, a última atualização ocorreu há mais de 15 anos, por meio da Resolução
n. 9/2004 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior, que instituiu as
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito vigentes. A esse respeito,
o CFOAB, contando com os valorosos esforços de sua Comissão Nacional de Educação
Jurídica, presidida pelo Conselheiro Federal Marisvaldo Cortez Amado, conquistou importante
vitória em outubro de 2018. Trata-se da edição do Parecer CNE/CES n. 635/2018, que promove
a revisão da matriz curricular das graduações em Direito, a fim de corresponder às demandas
presentes da sociedade e da advocacia. Por essa razão, matérias imprescindíveis à realidade
jurídica contemporânea estavam ausentes da grade, a exemplo de Direito da Tecnologia da
Informação, Direito Ambiental e Mediação, Conciliação e Arbitragem.17

15
https://www.oabpr.org.br/forum-nacional-de-educacao-juridica-debate-abertura-desenfreada-de-novos-
cursos-de-direito-no-pais/ - acesso em 08 de junho de 2020.
16
https://www.oabpr.org.br/forum-nacional-de-educacao-juridica-debate-abertura-desenfreada-de-novos-
cursos-de-direito-no-pais/
17
https://www.oabpr.org.br/forum-nacional-de-educacao-juridica-debate-abertura-desenfreada-de-novos-
cursos-de-direito-no-pais/ acesso em 07 de junho de 2020.
87

Por outro lado, o ensino jurídico é vítima do processo de mercantilização da


educação. Em detrimento dos interesses dos cidadãos, que precisam de profissionais
qualificados para velar por seus direitos, são favorecidas as demandas de grupos
específicos, que, despreocupados com a qualidade da formação, promovem a abertura
indiscriminada de cursos na área. Como resultado, entre 1995 e 2018, esse número
elevou-se em inacreditáveis 539%, saltando de 235 para 1.502 no período de apenas 23
anos. Não por acaso, o Censo da Educação Superior aponta que, desde 2014, Direito é o
curso com o maior número de estudantes matriculados no País.18
O Conselho Federal da OAB tem atuado de maneira incansável junto às
autoridades competentes para impedir a continuidade dessa escalada. Paralelamente,
tem implementado diversas medidas destinadas a promover a qualidade da educação
jurídica brasileira, entre as quais se destaca o Exame de Ordem. Criado pela Lei n.
4.215/1963, esse instrumento tornou-se absolutamente relevante, sobretudo, a partir de
1994, quando a aprovação na prova passou a ser requisito para a inscrição como
advogado. Tendo sua constitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal em
2001, no âmbito do RE 603.583, o Exame exerce função imprescindível na salvaguarda
contra o estelionato educacional no País, garantindo que advogadas e advogados
possuam a capacitação esperada.19
Nesse contexto, também se insere o Selo OAB Recomenda, instituído em 2001 e
que, em 2018, chegou à sua sexta edição, na esteira dos dedicados trabalhos da
Comissão Especial para Elaboração do Selo OAB Recomenda – Gestão 2016/2019,
presidida pelo eminente Conselheiro Federal Felipe Sarmento Cordeiro, Secretário-
Geral do Conselho Federal.(grifei)20
Combinando dois critérios – o desempenho no Exame Nacional de Desempenho
dos Estudantes (ENADE/INEP) e o índice de aprovação no Exame de Ordem –,
representa um reconhecimento público da qualidade de graduações em Direito no
Brasil. Nesta edição, dos 1.212 cursos que atenderam às exigências para participar da
pesquisa, foram somente 161 os premiados com o Selo, evidenciando os efeitos
deletérios da referida abertura indiscriminada.21

18
https://www.oab.org.br/servicos/oabrecomenda – Acesso em 08 de junho de 2020.
19
https://www.oab.org.br/servicos/oabrecomenda – Acesso em 08 de junho de 2020.
20
https://www.oab.org.br/servicos/oabrecomenda – Acesso em 08 de junho de 2020.
21
https://www.oab.org.br/servicos/oabrecomenda – Acesso em 08 de junho de 2020.
88

“O Selo, por conseguinte, constitui um verdadeiro serviço público prestado à


sociedade pela OAB. É, acima de tudo, um manifesto em defesa da cidadania
brasileira, que será mais fortalecida na proporção em que mais capacitados
forem os profissionais encarregados de defender seus direitos. (Advogado e
Presidente Nacional da OAB, Gestão 2016-2019.)”

MODERNIZAÇÃO DO ENSINO JURIDICO NO BRASIL – ALTERNATIVAS –


O USO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

A Inteligência Artificial, citada apenas como IA (ou AI, de artificial intelligence)


é um avanço tecnológico que permite que sistemas simulem uma inteligência similar à
humana — indo além da programação de ordens específicas para tomar decisões de
forma autônoma, baseadas em padrões de enormes bancos de dados.22
A inteligência artificial no ensino do Direito será apenas o resultado da evolução
gradual das tecnologias da informática.

MOTIVOS PARA ADOTAR A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO ENSINO


JURÍDICO BRASILEIRO

A inteligência artificial é a tecnologia com maior potencial de transformar a


sociedade. Incontáveis são os seus benefícios e ainda indefinidos são todos os riscos que
ela pode causar. Fato é que nenhuma pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
escapará dos reflexos dessa inovação.
O ensino jurídico precisará ser atualizado. Cada vez mais o profissional que atua
na área jurídica será multidisciplinar. Advogados, juízes e demais operadores do Direito
precisarão conhecer as leis materiais e processuais, lógica de programação e as
inovações tecnológicas e, nessa conjuntura específica, o ensino jurídico é fundamental
para o futuro profissional estar adaptado a era moderna.23
Certo é que a aplicação da inteligência artificial no ensino do Direito, assim
como em qualquer outro segmento, é inevitável. A comunidade jurídica será
responsável por criar um ambiente propício à inovação, estabelecendo como padrão a
participação conjunta do homem e da máquina, superando, assim, os limites humanos.

22
https://tecnoblog.net/263808/o-que-e-inteligencia-artificial/ - Acesso em 10 de junho de 2020.
23
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/11274
/Ensino%20do%20direito%20em%20debate.pdf?sequence=1 – acesso em 08 de junho de 2020.
89

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL APLICADA AO ENSINO DO DIREITO - A SALA DE


AULA DO FUTURO

Repensar o ensino jurídico no Direito significa se adequar às novas ferramentas


tecnológicas para implantar um novo sistema de aprendizado tecnológico e mais eficaz
no ensino moderno, trazer aos alunos um novo método de aprendizado com a
inteligência artificial.
Aliar a inteligência artificial a outras tecnologias e ferramentas modernas, como
Big Data e a gramificação, pode reinventar o ambiente educacional. As salas de aulas se
tornarão inovadoras, sendo equipadas com câmeras e microfones que permitem a
identificação do nível de engajamento da classe. Os professores precisarão repensar
como podem aproveitar todo o potencial da inteligência artificial para otimizar seus
métodos de ensino e metodologias utilizadas para adaptar sua técnica pedagógica. Dessa
forma, eles poderão melhorar o aproveitamento das aulas, personalizando o ensino de
acordo com o perfil de seus estudantes.24
O uso efetivo de plataformas de inteligência artificial integradas à sala de aula
oferece ainda uma série de relatórios aos professores para que eles acompanhem sua
turma durante todo o ano letivo. Com esses dados em mãos, o docente pode identificar
se seus alunos estão próximos ou distantes dos objetivos previstos para aquele período.
A partir de suas análises, os professores conseguem propor novas trilhas de
aprendizagem, tanto para os estudantes que precisam de apoio, quanto para aqueles que
já demonstram domínio do assunto e podem enfrentar novos desafios.25
Para os alunos, as plataformas inteligência artificial podem ser um verdadeiro
parceiro de estudo que irá acompanhá-los na jornada escolar. Por meio de apps
inteligentes, eles podem se comunicar com o professor e a escola, o que torna o
processo de troca de informação mais ágil e eficiente. Os estudantes podem ainda
acessar a rede para assistir vídeo-aulas, conversar com tutores virtuais para tirar dúvidas
ou revisar algum conteúdo. Tudo passa a estar à disposição com maior facilidade, o que
poderá ampliar a exploração do conhecimento a níveis mais profundos. Por meio de
chatbots e outras aplicações de inteligência artificial, os alunos do ensino superior, por
exemplo, podem contar com consultorias sob demanda e serviços de planejamento para

24
https://blogbrasil.westcon.com/quais-os-impactos-da-inteligencia-artificial-na-
educacao#:~:text=Os%20professores%20precisar%C3%A3o%20repensar%20como,o%20perfil%20de%
20seus%20estudantes. - acesso em 06 de junho de 2020.
25
https://blogbrasil.westcon.com/quais-os-impactos-da-inteligencia-artificial-na-educacao – acesso em 09
de junho de 2020.
90

uma possível graduação. A inteligência artificial é capaz de resolver uma série de


tarefas administrativa, ajudando os estudantes até a buscarem oportunidades de carreira.
O futuro da educação já começou e está presente em diversas iniciativas de
instituições de ensino que saíram na frente e começaram a se adaptar a essas evoluções
tecnológicas. As plataformas de aprendizagem adaptativas podem auxiliar as escolas a
venceram barreiras importantes no ensino, como a grande diversidade de alunos em
uma mesma sala de aula.

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL IRÁ SUBSTITUIR OS FUTUROS


ADVOGADOS?

Esta é uma pergunta que surge em todas as áreas da economia nas quais a
inteligência artificial tem avançado. Mais do que uma dúvida, é, para muitos, um medo.
O temor de seu trabalho se tornar dispensável, desnecessário. Se você é um dos que têm
esse receio, fique tranquilo. O uso da inteligência artificial no Direito não vai acabar
com a profissão de advogado.26
Basta lembrar que esse sentimento não é novidade. Quando surgiram os
softwares jurídicos e até ferramentas mais básicas, como os programas de edição de
documentos e planilhas, muitos profissionais também ficaram temerosos.
E, como você já sabe, a função de advogado continua firme e forte. O Direito
não se trata apenas de análises frias e objetivas da lei. Há que se observar questões
éticas e interpretar a subjetividade de cada caso. Um raciocínio que as máquinas não são
capazes de conduzir.

CONCLUSÃO

Conforme inúmeros dados coletados, verifica-se que a educação jurídica no


Brasil passa por uma crise histórica emblemática. De um lado opera-se nas academias a
dogmática do ensino do antigo modo de ensino, ou seja, as aulas magistrais. De outro
lado a sociedade passa por mudanças tecnológicas inseridas na 4ª geração de direitos,
dentre os quais, a tecnologia da informação está inserida nesse rol.
Diante do paradoxo acima, verifica-se que urge uma necessidade proeminente de
o ensino jurídico adequar-se às novas tecnologias que encontram-se atualmente à

26
https://fia.com.br/blog/inteligencia-artificial-no-direito/ - acesso em 10 de junho de 2020.
91

disposição da sociedade e, nesse contexto, uma das alternativas que se aponta é o uso da
inteligência artificial dentro do âmbito do ensino jurídico.
A inteligência artificial busca reproduzir a atividade mental do homem em
tarefas como a compreensão da linguagem, a aprendizagem e o raciocínio. Essas tarefas
estão associadas à ciência da informação e à ciência cognitiva no padrão de
representação e nas atividades de processamento da informação, estabelecendo limites
nos modelos de construção da representação do conhecimento.27
O mundo moderno no qual estamos inseridos requer uma capacidade técnica de
ensino diferenciada daquelas em que vivenciamos, uma pedagogia que quase não se
modificou há mais de 200 anos da instituição de cursos jurídicos no Brasil.
A sala de aula não poderá ser mais a mesma a partir da era tecnológica e os
conteúdos, conforme o tempo passa, também devem se adaptar aos novos rumos que a
sociedade impõem. O uso de metodologias à distância, de aplicativos e outras formas
modernas de ensino deverão estar disponíveis para que os alunos consigam obter
sempre os melhores desempenhos acadêmicos.

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movimentos para criar um ensino mais personalizado, flexível, inclusivo e interativo
passam pela aplicação da inteligência artificial.10 de setembro| 2019 - disponível em:
https://novaescola.org.br/conteudo/18312/como-a-inteligencia-artificial-pode-colaborar-
com-sua-aula – acesso em 08 de junho de 2020

SOARES, Alexandre Augusto Rocha. Como as faculdades de direito têm criado robôs
da dogmática jurídica- disponível em:
https://alerochasoares.jusbrasil.com.br/artigos/796774117/como-as-faculdades-de-
direito-tem-criado-robos-da-dogmatica-juridica

Ensino do Direito em debate reflexões a partir do 1º seminário ensino jurídico e


formação docente ensino do direito em debate reflexões a partir do 1º seminário ensino
jurídico e formação docente José Garcez Ghirardie Marina Feferbaum– disponível em:
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/11274/ensino%20do%20di
reito%20em%20debate.pdf?Sequence=1 – acesso em 07 de junho de 2020

AMADO,Marisvaldo Cortez. Ensino jurídico que temos não é a educação jurídica que
queremos - disponível em: http://www.sedep.com.br/artigos/ensino-juridico-que-temos-
nao-e-a-educacao-juridica-que-queremos/ - acesso em 06 de junho de 2020

27
https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53827/inteligncia-artificial-aplicado-ao-direito –
acesso em 08 de junho de 2020.
92

Fórum nacional de educação jurídica debate abertura desenfreada de novos cursos de


direito no país escrito em: 24 de setembro de 2018 - disponível
em:https://www.oabpr.org.br/forum-nacional-de-educacao-juridica-debate-abertura-
desenfreada-de-novos-cursos-de-direito-no-
pais/#:~:text=entre%20janeiro%20e%20setembro%20de,modalidade%20%c3%a0%20d
ist%c3%a2ncia%20aguardam%20avalia%c3%a7%c3%a3o. - acesso em 07 de junho de
2020

Serviços / OAB recomenda – Claudio Lamachia - disponível em:


https://www.oab.org.br/servicos/oabrecomenda – acesso em 07 de junho de 2020.

Inteligência artificial aplicado ao direito – Rosyane Florisbella da Silva Alves -


disponível em: https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/53827/inteligncia-
artificial-aplicado-ao-direito – acesso em 08 de junho de 2020.

Inteligência artificial no direito: o que é e principais impactos - disponível em:


https://fia.com.br/blog/inteligencia-artificial-no-direito/ - acesso em 10 de junho de
2020
93

FORMAÇÃO PEDAGÓGICO-DIDÁTICA PARA O EXERCÍCIO DA


DOCÊNCIA NOS CURSOS DE DIREITO

Giuseppe Bachini1

Resumo: Este artigo tem como objetivo principal, refletir sobre a importância da
formação pedagógico-didática para o exercício da docência nas disciplinas dos cursos
de Direito, e para o êxito no processo de ensino e aprendizagem.Para tanto, serão
abordadas as principais características dos docentes do ensino jurídico e a metodologia
de ensino. A questão de investigação foi esta: Que linhas/temas pedagógico-didáticas
são importantes considerar em uma formação continuada de professores a lecionar nos
cursos de Direito? O presente trabalho constitui-se em um estudo de caráter teórico,
com uma abordagem qualitativa, realizada por meio de revisão bibliográfica e método
dedutivo. E teve como motivação de pesquisa minha experiência própria, pois, exerço a
função de docente no ensino superior, lecionando diariamente disciplinas do Direito. No
início do meu magistério, percebi as primeiras dificuldades na falta do conhecimento
pedagógico-didático. No presente trabalho, foi realizado uma pesquisa e reflexão sobre
os cursos de direito e seus professores, trabalhando nas necessidades de formação
pedagógico-didática para o exercício da docência, com foco no ensino superior em
especial na educação jurídica, para que no final pudéssemos propor uma ação de
formação, ainda que simples (apenas alguns temas a serem trabalhados em sessões de
formação ao longo do ano letivo), de forma a ajudar a superar essas carências.
Completamos o interesse da proposta com a planificação de uma ação de formação,
oferecendo aos docentes, com combinações de conceitos teóricos e metodologias
práticas utilizadas na educação jurídica do ensino superior. Os resultados deste estudo,
encontram-se no decorrer deste trabalho.

Palavras chave:Educação. Ensino Superior. Pedagógico-Didática. Direito

1. INTRODUÇÃO

Estamos no século XXI, e a profissão de professor é sem dúvida fundamentalna


vida dos seus alunos e não é diferente no ensino e aprendizagem, mesmo nos dias de
hoje, com toda a tecnologia existente e novas formas de aprendizagem e de organização
da sociedade, o professor ainda é elemento indispensável para a educação.
Ser um bom professor, saber o que é um bom professor, que características e
conhecimentos deve ter, como deve atuar, o que deve valorizar, a que deve daratenção,
etc. é o que busca qualquer docente. Todo professor tem a intenção de ser capaz de
construir conhecimento junto aos seus alunos.

1
Professor de Direito no Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Sul – Riograndense
Câmpus Visconde da Graça – CAVG - Mestre em Educação – IPB/ Portugal - Especialista em Direito
Notarial e Registral - Especialista em Docência e Educação - Advogado no Rio Grande do Sul – OAB/RS
114.386.
94

Com a globalização e o avanço das tecnologias na educação, ocorreram muitas


mudanças paraa profissão de professor, pois, para ensinar uma geração conectada e em
constantetransformação, deve-se buscar constantes atualizações e novas formas de
interação, que devem ser a principal preocupação de qualquer docente de qualquer
curso, em especial, no ensino superior jurídico. Isto porque,com as mudanças constantes
em nossa sociedade, o direito tem o dever de acompanhar estas mutações.
No ensino superior, os desafios estão presentes e para encarar estes obstáculos
devemos ter fortes preocupações relacionadas com a formação dos seus professores para
poderem “dialogar” com novas realidades da sala de aula, atuando como mediadores e
designers de aprendizagem.
No Brasil, dificilmente, a abordagem “formação de professores” se estende
àformação de professores na esfera de cursos superiores e em especial na educação
jurídica e, muito menos, à abordagem da formação pedagógico-didática, como se a
formação específica para o magistério, nesse nível, fosse algo supérfluo, menos exigente
ou, mesmo, desnecessário do que o conhecimento dos conteúdos. No entanto, uma das
críticas mais comuns, dirigida aos cursos de direito, diz respeito à didática dos
professores, ou melhor a falta dela. Relatos de que o docente domina o conteúdo, porém
não sabe como o “passar” aos alunos; de que não sabe como conduzir a aula; de que não
se importa com os seus alunos, que é distante e, por vezes, arrogante; ou, mesmo, de
que não se preocupa com a docência, priorizando seus trabalhos de pesquisa ou sua
profissão paralela, são tão frequentes que parecem fazer parte da “natureza” e da
“cultura” de qualquer instituição de ensino superior jurídico.
A crença de que para ser professor basta apenas conhecer a fundo determinado
conteúdo, ou, no caso específico dos cursos de direito, saber as normas e como elas se
aplicam, é cada vez mais questionável e menos aceitável para todos os intervenientes no
processo educativo e pela sociedade em geral. O conhecimento teórico e prático do
profissional não basta para ele lecionar sobre aquele conteúdo. Quando nós professores
estamos envolvidos, lecionando, conteúdos jurídicos, dizemos que, principalmente
quando se trata dos cursos de direito, a falta de conhecimento sobre a didática em seus
planos de estudo/planos de ensino são enormes. A diferença é assustadora entre um
professor que apenas sabe fazer, mesmo que bem, mas que ignora a necessidade (nem
sabe como) de envolver ativamente os seus alunos no processo de aprendizagem,
tornando-os (co)construtores de conhecimento, valorizando os seus conhecimentos
prévios e a utilidade do conhecimento adquirido no dia a dia, para que a aprendizagem
95

seja significativa e duradoura, e aquele que não o ignora (e sabe como). Na nossa
perspectiva, a formação pedagógico-didática pode (deve) ajudar nesse desígnio.

2. JUSTIFICATIVA DO ESTUDO, QUESTÃO DE INVESTIGAÇÃO E


OBJETIVO DO ESTUDO

Exerço a função de docente há mais de dez anos, lecionando, diariamente, em


diversos cursos do ensino superior, sempre disciplinas da educação jurídica. Comecei
sem ter qualquer formação especifica para a docência, apenas com o “notório saber” dos
conteúdos e com a prática obtida na minha carreira profissional de advogado, para a
qual tenho a formação acadêmica exigida. Acreditava que apenas com o conhecimento
da teoria e com o saber fazer da prática profissional jurídica, poderia ser um excelente
professor de Direito, no entanto, ao início do meu magistério, notei as primeiras
dificuldades por não ter conhecimento pedagógico-didático.
Percebia que a construção do conhecimento não se dava apenas pela teoria dos
conteúdos, e, como professor, tinha de ter planejamento e organização, além de dever
conhecer e dominar diferentes estratégias de ensino adequadas aos alunos, aos
conteúdos, aos contextos e aos materiais disponíveis, entre outros conhecimentos que só
adquiri quando fiz a formação docente. Esta formação foi por meio do Curso de Pós-
Graduação, no qual se habilitavam bacharéis para o trabalho de docência.
Observei, também, que não era só comigo que existiam estas dificuldades,
outros professores da minha área que não possuíam formação pedagógico-didática,
enfrentavam os mesmos problemas e dificuldades. Mesmo sendo ótimos profissionais
do direito, tendo um vasto conhecimento sobre as leis, o magistério, a “arte” de ensinar,
era algo novo e complicado, existiam muitos obstáculos para alcançarem o sucesso na
profissão de professor.
Assim, esta pesquisa tem a sua concepção definida a partir da minha própria
trajetória profissional, sendo reflexo da minha formação como professor. Ou seja, pode-
se dizer que a pesquisa se faz necessária devido à importância que conferimos ao tema
da formação pedagógico-didática para o ensino e a aprendizagem e ao incentivo que
queremos dar para a utilização de conhecimentos didáticos e, portanto, de formação
pedagógica, aos docentes da área jurídica, nomeadamente aqueles do ensino superior.
A Questão de Investigação deste estudo é: Que linhas/temas pedagógico-
didáticas são importantes considerar em uma formação continuada de professores a
lecionar nos cursos de Direito?
96

Tendo como objetivo geral do estudo a reflexão sobre a importância da


formação pedagógico-didática para o exercício da docência no ensino jurídico, nos
cursos de Direito.

3. CONTEXTO TEÓRICO DO ESTUDO

Este capítulo refere-se, tal como a designação que lhe foi atribuída sugere, à
apresentação dos fundamentos teóricos que orientam o estudo da investigação, na
perspectiva da formação pedagógico-didática dos docentes que lecionam educação
jurídica nos cursos de Direito.
Em primeiro lugar, a formação para a docência nos cursos superiores não é
muito destacada, principalmente para os que lecionam conteúdos programáticos na
educação jurídica, historicamente sendo vista como uma atividade menor,
desnecessária, ou, até mesmo, como uma perda de tempo. Acredita-se que “quem
souber fazer a intepretação das leis, sabe automaticamente ensinar Direito”, não
havendo preocupações mais profundas com a necessidade da preparação do professor.
Como não acreditamos nesta visão, de que apenas saber fazer é suficiente para ser
professor e porque consideramos o conhecimento pedagógico-didático como essencial
para ser professor de qualquer curso de Direito, referiremo-nos as
teorias/perspectivas/correntes da aprendizagem que evoluíram ao longo dos tempos,
desde o Behaviorismo ao Socioconstrutivismo - que sustentam/suportam diferentes
modelos de ensino-aprendizagem.

3.1. Behaviorismo

Esta passagem inicial alude a dois autores que são referência neste processo de
conhecimento, identificado, como Behaviorismo, o conhecimento condicionado,
conforme Pavlov (1927) e Skinner (1976).
Para o Behaviorismo, o conhecimento é um estado que pode ser alcançado
buscando alternativas e métodos. No Behaviorismo, pela visão de Pavlov (1927),
percebe-se a importância do estímulo para entender o comportamento humano.
Conhecimento Condicionado do sujeito a Estímulos - Respostas, em que Pavlov
promoveu experiências com cães; ao observar a salivação dos cães, quando recebiam a
comida, era o estimulo, já a resposta era a salivação, mas, ao estimular os cães com a
campainha antes de comerem, quando os cães já associavam à comida, salivavam. A
97

partir dessas experiências, Pavlov percebe a importância de proporcionar estímulos na


busca de observar e entender o comportamento humano, dessa banda, o estímulo deixa
de ser neutro e passa a ser “condicionado”.
Já para Skinner (1976), o indivíduo aprende pela observação, por estímulos que
surgem do meio, em que o sujeito, ao observar, pode analisar, fazer considerações e
evoluir de forma mecânica, por repetição. Ainda em relação a Skinner (1976), o
comportamento aparecerá pelo Condicionamento Operante que Skinner divide em dois:
o Reflexo e o Operante. O Reflexo refere-se à forma como o ser humano reage aos
estímulos do ambiente; o Operante implica uma resposta, o indivíduo opera sobre o
mundo.
Neste sentido, o professor Da Silva (2017), explica:

O Brasil aplicou a teoria de Skinner por muito tempo, teve grande


aplicabilidade no ensino tecnicista e em muitas escolas do ensino tradicional,
tais como as escolas técnicas e as escolas militares, as quais usaram como
base de seus regimes político-pedagógicos.

Depois do Behaviorismo, surgiu outra “escola do conhecimento; da


aprendizagem”, com novas ideias, que enfatizam a necessidade de os alunos refletirem
sobre suas ações, discutirem, formandoestruturas mentais para a compreensão do
conhecimento. Essa escola, sobre a qual discutiremos a seguir, neste artigo, chama-se
Cognitivismo.

3.2. Cognitivismo

Como citamos anteriormente, a correntede pensamento sobre a aprendizagem


posterior ao Behaviorismo foi o Cognitivismo. Este, teve dois principais referenciais
Ausubel e Piaget. Conforme o professor, Da Silva nos explica:
O Cognitivismo visa a estrutura mental, ou seja, o sujeito organiza
mentalmente, reflete, discute e constrói a sua estrutura cognitiva de
aprendizagem, diferentemente do Behaviorismo, que se posicionava pela
repetição e pela mecanização do conhecimento. (2017).

De acordo com Ausubel (1980) e Ausubel et al (1981), a aprendizagem precisa


ser feita de forma significativa, em que o aluno aprende o que lhe faz sentido, quando
consegue conciliar a nova aprendizagem com aquilo que já tem em convívio, ou que já
conhece, e em função do qual a mente cria e reorganiza as suas estruturas cognitivas. A
teoria de Aprendizagem Significativa de Ausubel (1980, 1981) refere-nos que há
aprendizagem quando uma informação nova chega e estaciona/estabelece-se na
98

estrutura cognitiva, relacionando-se com as ideias e com os conceitos já aí existentes.


Esta ideia pode definir um ensino por Transição-Receção. Para que isso aconteça de
forma clara e eficaz, o centro é o professor, o qual deve conduzir o processo de ensino
aprendizagem de forma transparente e precisa, afim de o aluno poder receber esta nova
informação e, assim, poder ligar aquilo que já conhece com aquilo que é novo, para
poder dar sentido às novas aprendizagens, relacionando-as. Ligando
dados/informações/conceitos pode-se construir uma estrutura cognitiva cada vez mais
complexa e elaborada, tornando a aprendizagem significativa e duradoura.
Outro referencial importante é Piaget (1964, 1983) e a sua teoria do
Desenvolvimento Cognitivo, a partir da qual ganham envergadura aos estágios de
desenvolvimento cognitivo na construção do conhecimento. Os estágios de
desenvolvimento são: Sensório-motor, Pré-operatório, Concreto e Formal. Para Piaget
(1964, 1983), é preciso respeitar essas etapas de amadurecimento dos alunos, os seus
estágios de desenvolvimento, garantindo que o aluno esteja “pronto” para a aquisição de
determinado conhecimento. Respeitando o processo, vai armazenando, mas também
(re)estruturando e adquirindo novas aprendizagens. Um dos focos dos estudos de Piaget
era saber como se originava a Estrutura Cognitiva do pensamento humano, observando
que a criança, ao interagir com o meio em que vive, usa dois processos simultâneos.
Assim, para Piaget (1964, 1983), quando se fala em Organização Interna, não se podem
esquecer os aspectos hereditários, pois só assim é possível formar as Estruturas
Cognitivas a partir da interação do sujeito com o ambiente. Quando se aborda a
Adaptação, entende-se que esta é fruto dessa interação e se apresenta por Assimilação e
Acomodação; a primeira se baseia em moldar os elementos presentes no meio, assim, o
sujeito pode absorvê-los; a segunda, em incorporá-los à sua estrutura.
Pode-se dizer que o cognitivismo tem a base no armazenamento de
conhecimentos, na contextualização em várias áreas desse mesmo conhecimento.
Segundo o cognitivismo, o aluno tem capacidade para planejar, refletir sobre
questões, (re)construir, em suma, desenvolver o conhecimento. Agora, vamos ilustrar
sobre outra escola do conhecimento: O construtivismo.

3.3. Construtivismo

O Construtivismo, em sua essência, coloca o indivíduo em participação, o qual


se coloca em interação com o meio e constrói seu conhecimento. Segundo a Professora
99

portuguesa Pires: “aquilo que o aluno já sabe é um fator crítico que afeta a
aprendizagem futura.” (2014).
Ainda de acordo com Pires, na perspectiva do Construtivismo (e dos
construtivistas): “[…] a aprendizagem deverá ser vista como um processo de
construção/reconstrução do conhecimento e o ensino como uma ação facilitadora desse
processo.” (2014).
O Construtivismo vai, assim, além da barreira do aluno como mero espectador,
derrubando-a e ressaltando a ideia de que, para aprender, o aluno deve envolver-se
ativamente no processo de aprendizagem. Um grande referencial do construtivismo é o
Bruner (1961) e sua teoria do Desenvolvimento Cognitivo.
De acordo com as ideias de Bruner (1961) e a teoria do Desenvolvimento
Cognitivo, o desenvolvimento processa-se passando por etapas ou Representações:
ativa, icónica e simbólica, cujo aluno é o foco da aprendizagem. Para Bruner (1961), os
alunos devem descobrir e construir o seu próprio conhecimento, mas, para isso, os
professores devem elaborar e construir os materiais apropriados e conduzir os alunos no
processo. Ou seja, os professores devem ser os mediadores, e os alunos devem interagir
entre si, construindo o conhecimento por descoberta, sempre colocando a importância
do professor como orientador. Agora, iremos abordar outra escola do conhecimento, o
Socioconstrutivismo de Vygotsky.

3.4. Socioconstrutivismo

De acordo com a professora Pires (2001):

Vygotsky aponta para a importância da Aprendizagem em Interação Social:


alunos aprenderem em interação com outros, assim, desenvolvendo-se. Para
Vygotsky, o desenvolvimento nunca está apenas relacionado às habilidades
que o indivíduo exibe, mas também àquelas que pode desenvolver em
cooperação com outros.
Ainda segundo Pires (2014):

...para Vygotsky, a influência biológica - hereditária - tem relevância na


formação do indivíduo; no início do seu desenvolvimento intelectual, após
essa fase, são as interações com o meio que passam a guiar o seu
pensamento. Vygotsky também formaliza o conceito de que a Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP) coloca o professor como grande
interveniente e mediador deste processo, conduzindo o educando com as
influências hereditárias e com o meio no qual está inserido. Para Vygotsky, a
ZDP é definida pela relação entre o Desenvolvimento Real do aluno,
presumido pela sua capacidade atual de resolver problemas sozinho. Ou seja,
o que já domina e o seu Desenvolvimento Potencial, “onde” este aluno
realmente pode chegar, até “onde” pode se desenvolver, aquilo que será
capaz de realizar quando orientado e apoiado por alguém mais capaz.
100

Percebesse com estas colocações que Vygostsky coloca o professor como grande
promotor, não só da aprendizagem, ao trabalhar o potencial real do aluno, como também
do desenvolvimento psicológico, no qual desenvolve o potencial cognitivo, fazendo
com que o aluno possa ir além do seu desenvolvimento real. O professor deve
aproveitar as experiências de vida do aluno, os seus interesses, as suas relações com o
meio, os seus conhecimentos, afim de o guiar e encorajar na busca de uma
aprendizagem mais elaborada e de nível superior.
Nos itens/parágrafos anteriores, ilustramos as principais “escolas” do
desenvolvimento e da aprendizagem e alguns dos seus principais referenciais, desde o
Behaviorismo, de Pavlov e Skiner, ao Cognitivismo, mais relacionado com Ausubel e
Piaget, como também o Construtivismo, de Bruner, e o Socioconstrutivismo de
Vygostsky. Com essas escolas do pensamento, observamos o quão é importante contar
com formação específica para a docência, integrando diversos componentes na vertente
pedagógica-didática, em que este trabalho possui seu foco, se torna fundamental.
Este componente pedagógica-didática, para cujo desenvolvimento a Formação
Continuada de Professores é de primordial importância, também será objeto de
referência no decorrer deste trabalho, nomeadamente no contexto do desenvolvimento
deste estudo.

4. FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES

No atual cenário educacional brasileiro, que muito se discute sobre o ensino e


aprendizagem, a expressão “Formação Continuada”, de forma geral, tem sido associada
à qualidade da educação e, do mesmo modo, à qualidade de ensino. Essa associação
acena para a complexidade desse processo, que requer atenção, estudo, planejamento,
execução, avaliação e perseverança.
O sucesso do exercício de uma prática pedagógico-didática de qualidade,
diretamente está relacionada à formação de profissionais alicerçada em fundamentação
teórica consistente, associada à continua articulação entre a teoria e a prática. Por meio
da Formação Continuada, os professores tornam-se mais capacitados para ponderar
sobre todos os aspectos pedagógicos e, para além deles, propor estratégias, com a
finalidade de sanar as dificuldades e instalar mudanças significativas na comunidade
escolar. Em harmonia com as concepções contemporâneas da Educação, a Formação
Continuada de professores busca promover mudanças nos indivíduos, de modo a
101

favorecer o desenvolvimento integral do homem na sociedade, por meio de uma visão


mais participativa, crítica e reflexiva, capacitando-o a utilizar seus conhecimentos em
prol da construção de uma sociedade mais justa e consciente.
Para o autor, conforme sua Dissertação de Mestrado em Educação (2019):

A formação continuada também não pode esquecer de contemplar a


importância entre a sociedade e o meio ambiente, numa visão sustentável,
para que os professores e, também, os alunos tenham uma formação global e
desenvolvam uma atitude de protagonismo em rede, em um mundo no qual
possam aprimorar olhares aguçados para suas próprias questões profissionais
futuras, incluindo uma visão de mundo e de meio ambiente mais justa e
pacificadora.

Sendo assim, sem nenhuma dúvida a Formação Continuada torna-se uma


ferramenta fundamental na formação e no desenvolvimento profissional dos
professores, capaz de contribuir para o aprimoramento do trabalho docente, fortalecendo
vínculos entre os professores e os saberes científico-pedagógicos. Também, favorece a
criação de novos ambientes de aprendizagem, que conduzem docentes e discentes em
direção a práticas pedagógicas capazes de resinificar a aprendizagem e habilitar os
estudantes a elaborar e desenvolver projetos que redimensionarão sua escolaridade e seu
papel na sociedade.
A formação de professores também tem como desafio a informação e a
preparação do docenteem utilizar, no seu dia a dia, as mais diversas tecnologias
educacionais, pois todos os equipamentos que podem oferecer uma aprendizagem
diferenciada para seus alunos é de extrema importância. Outro desafio, e não menor, é
como lidar com a articulação entre o trabalho teórico e o trabalho prático,
principalmente porque em sua grande maioria os professores saem das universidades
com o domínio do conteúdo teórico, mas com pouca base prática.

5. OS CURSOS DE DIREITO E SEUS PROFESSORES

O Direito é a ciência que cuida da aplicação e do cumprimento das normas jurídicas


de um país, para organizar e manter um bom relacionamento interpessoal entre a sociedade e
seus indivíduos.O curso de Direito está relacionado dentro das áreas da Ciências
Humanas. O objetivo do curso é estudar a aplicação das normas vigentes, regular as
pessoas, as empresas e as mais diversas relações entre elas perante à lei.
O Curso de Direito é formador para as atividades profissionais mais tradicionais
do mundo. Além da docência, existem duas opções de carreira para o profissional formado
102

no curso de Direito: a carreira jurídica ou a advocacia. A primeira como exemplos são os


Promotores de Justiça e os Juízes de Direito e a segunda os advogados, todos estes
obrigatoriamente necessitam obter inicialmente um diploma de bacharel em Direito.
Os cursos de Direito possui em sua grade curricular matérias teóricas e práticas
jurídicas, exigindo do aluno muita leitura e uma grande capacidade de concentração. Sendo
que nos anos iniciais do curso de Direito são ministradas matérias com conteúdos
essencialmente mais teóricos, e com o passar do tempo atividades práticas para exercitar as
características próprias das profissões jurídicas. Um ponto importante a salientar, é que em
nenhum momento os cursos de Direito tem a preocupação em formar o aluno um Professor.
Nenhuma disciplina de didática-pedagógica, ou assemelhado é trabalhado. Todo curso é
preocupado em formar o estudante de direito em um Bacharel em Direito, onde tem que
conhecer o mundo das normas vigentes.
No Brasil o Curso de Direito é de nível superior na modalidade de graduação de
bacharelado e tem como duração média 5 anos e mais de 3 mil horas aula. Como curiosidade
o Brasil é o país que mais tem cursos de Direito no mundo.
O Direito é um dos cursos mais antigos no país, eno corrente ano de 2020,
completam a expressiva marca de 193 anos,sendo que o primeiro curso de Direito no
Brasil foi criado na cidade de São Paulo, em 11 de agosto de 1827. Mesmo sendo um dos
mais antigos cursos,oDireito continua sendo um dos mais procurados e atraentes cursos
do ensino superior. Há diversos motivos para isso, na visão do Autor, o principal motivo
é o interesse dos acadêmicos de direito em compreender o universo das leis para
entender o sentido jurídico das coisas e lutar por um mundo mais justo.
Em que pese a marca positiva dos cursos de Direito, em relação a sua procura
pelos estudantes, também a cada ano que se passa destaca-se negativamente, pois, cada
vez mais tem a necessidade de se reestruturar e repensar o ensino superior em Direito.
Pois, nos últimos anos o que não faltaram foram críticas ao modelo de ensino jurídico.
Isso porque, não há a devida preocupação com a preparação do professor, com sua
atualização em métodos e técnicas educacionais refletindo no ensino dos alunos. Aceita-
se a simplória ideia de que o professor detém o “conhecimento das leis”, tendo por
missão transmiti-lo ao aluno, que, por sua vez, limita-se em absorver tais informações
de forma passiva.
Ainda hoje, nos perguntamos: O que preciso fazer para ser Professor de
Direito?O Professor de Direito,o que faz?Para ser professor de Direito é preciso ter
um título?
103

Para responder estas principais perguntas, vamos a legislação vigente: Os


requisitos básicos para o professor universitário sãoestabelecidos pela Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), que assim prescreve em seu artigo
52, in verbis:
Art. 52. As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos
quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de
domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por:
I – produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos
temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e
cultural, quanto regional e nacional;
II – um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de
mestrado ou doutorado;
III – um terço do corpo docente em regime de tempo integral. (g.n.).

Como podemos observar a referida norma, nos deixa claro a preferência por
professores com titulação acadêmica de pós-graduação stricto senso (mestrado ou
doutorado). Mas, ainda assim, a legislação deixa margem para ao menos dois terços do
quadro de docentes de uma universidade ser composta por profissionais que não tem
nenhuma pós-graduação ou seja, sem nenhuma especialização.
Nosso Ministério da Educação - MEC, permite que os colegiados das
universidades tenham autonomia para dentro dos recursos orçamentários disponíveis,
regularem a contratação e dispensa de professores, assim como definirem o plano de
carreira desses profissionais. Assim, é possível ingressar no ensino de nível superior na
condição de professor tendo apenas o diploma de graduação, sem ao menos ter uma
especialização. Entendemos que estas regras apresentam enorme margem para que o
atual cenário do ensino superior jurídico continue com os mesmos problemas.
Em nosso ordenamento jurídico brasileiro, não existe nenhuma norma que exija
formação específica para o exercício do magistério no ensino superior, permitindo, por
conseguinte, que a docência continue, de um modo geral, como a “segunda fonte de
renda” dos profissionais, principalmente na educação jurídica, e assim a profissão de
professor não sendo encarada e valorizada como realmente deveria.
Não diferente dos outros cursos de ensino superior no Brasil, os de Direito
também tem poucas exigências para selecionar seus docentes, talvez este seja o
principal motivo desta crise no ensino jurídico, tendo como reflexo altos índices de
reprovação em concursos na área jurídica, especialmente no exame da Ordem dos
Advogados do Brasil, que é o exame que avalia se os egressos dos cursos jurídicos
possuem o mínimo de conhecimento jurídico necessário para ingressarem no mercado
104

de trabalho.A metodologia do ensino jurídico hoje em sua maioria se resume-se ao


dogmatismo, à memorização de leis e a regras jurídicas.
Os Cursos de Direito, afinal, deveriam passar por grandes mudanças,
principalmente proporcionando aos seus atuais docentes e também futuros professores
informações e treinamentos sobre apedagogia e a didática, com o intuito de aprimorar
seus conhecimentos e diversificar suas habilidades nas metodologias pra exercer a
docência.

6. PROPOSTA DE AÇÃO DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA


PROFESSORES DE DIREITO

Na atual realidade das instituições de ensino superior no Brasil, com destaque


nos cursos de Direito, percebemos a falta de preocupação com os saberes dos
professores, sendo que estes não conseguem visualizar nem mesmo seu principal papel
dentro da profissão de docente.
O saber construído não é fácil, é algo que se desenvolve no tempo e no espaço
necessário. Os saberes dos professores pertencem apenas aos professores e, geralmente,
estão relacionados com cada um deles e com a identidade própria daqueles que
formularam o conhecimento. No entanto, o saber não é um objeto determinado apenas
só num ato ou fórmulas de conteúdos fechados entre si mesmos. Evidencia-se que o
saber é diverso e múltiplo, dá-se por meio de relações complexas e amplas entre o
docente e seus alunos, tanto nos processos de sínteses como nas construções. Os saberes
estão incluídos na relação do professor com o ambiente e a interpretação, o professor é o
mediador do conhecimento.
Hoje em dia, com tanta informação e tecnologia a disposição de todos, o
professor não pode apenas ter a função de transmitir conhecimentos aos alunos, ele deve
ser mediador da aprendizagem, necessita de métodos que vão além do domínio dos
conteúdos.
Ao propor Linhas Pedagógicas de formação, almeja-se comprometer todos os
intervenientes com o fortalecimento de uma cultura do valor do trabalho educativo,
superando o histórico de fragmentação, improviso e insuficiência de formação
pedagógico-didática, muito presente nas práticas de grande parte dos docentes do ensino
superior. No entanto, são grandes os desafios que os profissionais deste ensino
enfrentam no seu cotidiano de trabalho: manterem-se atualizados e desenvolverem
práticas pedagógicas inovadoras configuram-se como os principais.
105

Acreditamos que os professores de Direito, precisam muito da ajuda e


organização das universidades e faculdadesde Direito, para tornar realidade as práticas
de Formação Continuada, valorizando os espaços de trocas, de partilha, de discussão e
de reflexão coletiva. É nesse sentido que proponhamos a construção de processos de
formação continuada que atendam às expectativas dos professores sem formação
pedagógico-didática das Instituições de ensino de Direito, em busca da superação dos
desafios que envolvem o cotidiano de suas práticas, bem como a implantação dos seus
projetos, visando à qualidade do ensino superior e ao sucesso da aprendizagem dos
alunos.
O Plano de Formação da ação que propomos segue, de perto, a estrutura do
Programa de Formação feito pelo Autor em sua Dissertação de Mestrado em Educação,
pelo Instituto Politécnico de Bragança em Portugal(2019).
Buscamos, neste programa de formação, para além da estrutura, conhecimentos
de alguns dos temas, de índole pedagógico-didática. Assim, propomos:
1º - Sessões Plenárias, 6 sessões de 3 horas cada, envolvendo todos os
professores, a serem realizadas ao longo do ano, após o horário letivo;
2º - Sessões de Grupo, 6 sessões de 3 horas cada, envolvendo 4 a 5 professores -
associando professores da educação jurídica que lecionam em diferentes disciplinas no
curso de direito, a serem realizadas ao longo do ano, após o horário letivo (2 em cada
trimestre letivo);
3º - Sessões de Acompanhamento em sala de Aula, 3 sessões de 2/3 horas cada
(1/1,5 hora para assistir à aula e 1/1,5 hora para refletir sobre a mesma), a serem
realizadas ao longo do ano, uma em cada trimestre letivo.
Nas Sessões Plenárias, com todos os professores, entre outros temas que podem
surgir por sugestão dos professores, debatem-se aspectos como: Construtivismo -
importância de envolver ativamente o aluno no processo de aprendizagem e discussão
das principais ideias da teoria de Bruner, mas também de Piaget, Ausubel e Dewey;
Socioconstrutivismo - importância da aprendizagem em interação social, em grupos
heterogéneos e discussão das principais ideias da teoria de Vygotsky; Concessões
alternativas dos alunos e sua importância no processo de ensino/aprendizagem;
abordagem CTSA no Ensino do Direito, como exemplo de interdisciplinaridade;
aprendizagem cooperativa e principais métodos de aprendizagem cooperativa;
aprendizagem baseada na resolução de problemas e sua importância na
aprendizagem/desenvolvimento dos alunos; atividades práticas e sua importância no
106

processo de ensino/aprendizagem e construção de planos das atividades práticas;


Tecnologias da Informação e Comunicação e sua importância no ensino jurídico.
Nas Sessões de Grupo, em conjunto com os professores, pensa-se nas melhores
estratégias e materiais para implementar em sala de aula, em função dos conteúdos a
explorar. Ajuda-se os professores a planificar e orienta-se da melhor forma de explorar
as estratégias/materiais.
Nas Sessões de Acompanhamento em sala de Aula, reflete-se com o professor
sobre a aula, identificando, em conjunto, o que correu bem; o que correu menos bem; o
que é preciso melhorar; como fazer etc.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, apresentaremos as conclusões da investigação, relacionadas com


o problema de pesquisa, e o objetivo do estudo e, como resultado o Plano de uma Ação
de Formação Continuada para os professores dos Cursos de Direito.
Quanto a questão investigativa, Que linhas/temas pedagógico-didáticas são
importantes considerar em uma formação continuada de professores a lecionar nos
cursos de Direito?Percebemos através do nosso estudo, que nossa legislação vigente
permite que até dois terços dos docentes do ensino superior no Brasil, possa não ter uma
formação de Pós-Graduação stricto senso (mestrado ou doutorado). E além disso, não
há uma lei que exija uma formação pedagógico-didático para os que lecionam no ensino
superior. Como resultado desta falta de preocupação do nosso legislador, as maiores
críticas no ensino jurídico são as inseguranças e a falta de preparo para lecionar. Os
professores por não terem formação didático-pedagógica enfrentam muitos
desafios/obstáculos/constrangimentos na sua prática docente. Entre os mais descritos,
estão as dificuldades em aplicar metodologias ativas que envolvam os alunos para
encontrar a melhor estratégia ou a sequência mais correta da aula; em manter a atenção
e o interesse da turma pela disciplina; em lidar com alunos com dificuldades em
aprender, com aqueles que só conversam e têm desvios de atenção e com aqueles que só
querem um diploma.
Portanto, identificamos em nosso estudo, as seis principais Linhas Pedagógico-
Didáticas a considerar para a elaboração de uma Ação de Formação Continuada de
professores para os cursos de Direito:Planejamento; Metodologia, Técnica e Prática
Docente; Tecnologia Educacional; Interdisciplinaridade e Teorias da
Aprendizagem.
107

O objetivo desta investigação foi: refletir sobre a educação jurídica no ensino


superior, em especial nos cursos de direito e nos seus docentes, trabalhando sobre as
principais necessidades de formação pedagógico-didática para o exercício da docência
jurídica, para que no final pudéssemos propor uma ação de formação, de forma a ajudar
a superar essas carências.
Concretizamos esse objetivo, ainda que com um contributo modesto, dizendo
que, para nós, é fundamental, e que percebemos que muitos docentes/instituições
resistem e permanecem na dita zona de conforto, aplicando metodologias arcaicas e
falidas, pelo simples medo de tentar mudar.
A partir desta investigação, constatou-se que existe, realmente, uma lacuna na
formação dos professores relacionada com os conteúdos pedagógico-didáticos.
Percebeu-se que os professores sem formação pedagógica possuem mais dificuldades na
prática docente do que aqueles que a têm. No contexto desta investigação, concluiu-se
que existe um grande desafio para as instituições de ensino do Direito, no sentido de
oferecer Formação Continuada especifica, de índole pedagógico-didática, para os seus
docentes, em especial para aqueles cuja formação nunca a contemplou. Mas, acima de
tudo, existe o desafio de motivar os professores para realizarem formação pedagógica e
para a importância do pensar e do saber pedagógico em suas práticas docentes.

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108

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110

ENSINO JURÍDICO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO: UMA ANÁLISE


CURRICULAR DAS FACULDADES DE DIREITO DO RIO GRANDE DO SUL

Halandra Araújo Ferreira1


Marcírio Barcellos Gessinger2

Resumo: O artigo busca compreender como as Faculdades de Direito do Rio Grande do


Sul dispõem do Direito Previdenciário em seus currículos em razão da sua recente
adição como disciplina obrigatória do curso de Direito. Para isso, utilizou-se do método
de pesquisa por amostragem aleatória e, uma vez separados os cursos, examinou-se os
currículos através de critérios como carga horária e créditos. Igualmente, como marco
teórico, lançou-se mão da Teoria Marxista do Direito e da Teoria Marxista da
Assistência Social a fim de se interpretar os dados achados. O Direito Previdenciário,
mesmo que obrigatório, recebe pouca atenção das Faculdades pesquisadas,
principalmente quando compara-se a outras matérias. Em algumas, inclusive, à
disciplina em questão é atribuído caráter eletivo ou sequer é disponibilizada. Por fim,
chega-se à conclusão de que é um resultado esperado, principalmente quando se utiliza
do marco teórico referenciado para interpretar as informações levantadas.

Palavras-chave: Ensino jurídico; Direito Previdenciário; Análise curricular; Marxismo.

1 INTRODUÇÃO

Tendo em vista que o Direito Previdenciário tornou-se obrigatório nos cursos de


Direito somente em 2018 através da Resolução nº 5, de 17 de dezembro do Ministério
da Educação (2018); o trabalho objetiva compreender como a disciplina se situa nos
currículos das Faculdades de Direito do Rio Grande do Sul.
Para isso, analisou-se o currículo das Faculdades de Direito gaúchas a partir dos
seguintes quesitos: a) em qual semestre é lecionado?; b) possui quantos créditos?; c)
qual a carga horária? e d) qual o seu caráter? Obrigatório ou optativo?
Foi utilizado o método de pesquisa por amostragem aleatória simples, ou seja,
foram escolhidas algumas Faculdades por sorteio do total de Faculdades existentes no
Estado do Rio Grande do Sul. O número total de Faculdades de Direito é de trinta e

1
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e-mail:
halandra@outlook.com.
2
Graduando do décimo semestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, e-mail: marciriogessinger@yahoo.com.br.
111

cinco3, tendo sido examinados vinte e dois currículos, apontando, portanto, a um grau
de confiança de 90% com margem de erro de 10%4.
Após, buscou-se interpretar os dados encontrados através do marco teórico da
Teoria Marxista do Direito, auxiliada, igualmente, pela Teoria Marxista da Assistência
Social5, escolhidas em razão de sua capacidade de compreender as instituições jurídicas
e sociais dentro do processo econômico-social capitalista, contexto histórico em que se
busca desenvolver essa pesquisa.
Dessa forma, o artigo se estrutura em seis tópicos, contando o presente: 1)
Introdução; 2) Estado da arte jurisprudencial do Direito Previdenciário; 3) Exposição do
marco teórico; 4) O Direito Previdenciário nos currículos das Faculdades de Direito do
Rio Grande do Sul; 5) Interpretando os dados levantados à luz do marco teórico; e 6)
Conclusão.

2 ESTADO DA ARTE JURISPRUDENCIAL DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO

As normas que versam sobre o Direito Previdenciário brasileiro ostentam


regulamentação tanto no âmbito constitucional quanto na esfera infraconstitucional, por
meio de espécies normativas legais e infralegais (CASTRO, 2017). Contudo, devido ao
caráter predominantemente social e sensível incorporado à matéria, a legislação
previdenciária necessita do reforço da jurisprudência para solucionar os casos concretos
que surgem em razão do dinamismo das relações firmadas com os segurados da
previdência social.
À vista disso, um dos pontos principais que refletem na judicialização da matéria
previdenciária advém da ausência de interesse concreto do legislador pelo
aperfeiçoamento do regramento pátrio (IBRAHIM, 2009). Historicamente, verifica-se
que as reformas legislativas no âmbito da previdência não abrangem a universalidade de
direitos que compõem a seguridade social, bem como as reais necessidades que carece o

3
Informação disponível em: <https://www.altillo.com/pt/universidades/brasil/estado/riograndedosul.asp>.
Acesso em: 18 abr. 2020.
4
Cálculo feito com auxílio de calculadora de amostragem. Disponível em:
<https://pt.surveymonkey.com/mp/margin-of-error-
calculator/?program=7013A000000mweBQAQ&utm_bu=CR&utm_campaign=71700000064157500&ut
m_adgroup=58700005705973492&utm_content=39700052004881791&utm_medium=cpc&utm_source
=adwords&utm_term=p52004881791&utm_kxconfid=s4bvpi0ju&gclid=CjwKCAjwp-
X0BRAFEiwAheRui9Xavdmhe7C76JCAVmFV3A4_zU6bj4HFTBZg0oHrQ69eis1fCbCcdxoCWuQQA
vD_BwE>. Acesso em: 18 abr. 2020.
5
Sabe-se que a Assistência Social é um dos três pilares da Seguridade Social, sendo os outros dois a
Previdência e a Saúde (BAPTISTA; FILHO; REZENDE, 2015), mas o raciocínio desenvolvido dentro
dessa teoria contribui muito à reflexão marxista nos outros dois campos da Seguridade Social.
112

referido sistema, resultando em normas que apresentam sua limitação em favor de


políticas econômicas justificadas pela problemática forma de custeio da previdência
(BALERA, 1989).
Assim, a jurisprudência adquire papel importante no Direito Previdenciário, haja
vista que as lacunas legislativas remetem a questões jurídicas de efetivação de direitos.
Nesse sentido, tratar sobre temas que estão em debate nos tribunais superposição, é
tarefa essencial para promover reflexão no âmbito das faculdades gaúchas.
A título exemplificativo, o Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão
proferida no dia 18 de março de 2014, reconheceu a repercussão geral da matéria
previdenciária oriunda do Recurso Extraordinário nº 788.092, pendente de julgamento.
O Tema nº 709 versa sobre o afastamento compulsório do segurado de atividades com
exposição a agentes nocivos, como critério para fazer jus à concessão da Aposentadoria
Especial, benefício previsto no artigo 57 da Lei 8.213/1991 (SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, 2016).
A matéria traz à baila o direito constitucional ao livre exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão previsto nos arts. 5º, XIII e 7º, XXXIII da Constituição
Federal de 1988, assim como a vedação de critérios diferenciados para concessão de
benefícios do Regime Geral da Previdência Social, exceto nos casos em que envolvem
atividades com exposição à agentes nocivos, conforme preceitua o art. 201, §1º da
CF/88. A questão versa acerca da constitucionalidade do comando legal previsto na
legislação previdenciária que veda o retorno voluntário do segurado as funções
insalubres e cessa administrativamente o recebimento do benefício especial, regramento
disposto no artigo 57, §8º da Lei 8.213/1991 (STF, 2016).
Muitos interesses entram em embate com a conclusão do tema, tendo em vista
que o deferimento pode acarretar na saída de uma grande quantidade de trabalhadores-
beneficiários do mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, remete-se a questões de saúde
pública. Em que pese tenha ocorrido oportunidade para encerrar o debate que paira
sobre a questão, a EC 103/2019 não dispôs sobre o regramento presente no §8º do art.
57 da lei de benefícios da previdência social (BRASIL, 2019). Nessa direção, a ausência
de tratamento em lei por parte do legislador reformador evidencia, de certa forma, o
caráter delicado da questão, bem como seu descaso.
Outro destaque é o Tema nº 999 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que
aborda a possibilidade de aplicação da regra definitiva presente no art. 29, I e II da Lei
8.213/1991, no que diz respeito ao cálculo do salário de benefício, hipótese em que o
113

regramento transitório do art. 3º da Lei 9.876/1999 é desfavorável aos segurados que


ingressaram no sistema de previdência antes de 26.11.1999, data em que restou editada
a Lei 9.876/1999. O referido tema foi julgado favorável no âmbito do STJ, contudo,
pende de julgamento no STF (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2018b).
A discussão está relacionada à forma de elaboração do cálculo dos benefícios
previdenciários, tendo em vista que, de acordo com a artigo 3º da Lei 9.876/99, utiliza-
se a média das 80% maiores contribuições vertidas pelo segurado, sendo que o período
básico de cálculo engloba os salários de contribuição a partir de Julho de 1994, quando
na verdade deveria abarcar remunerações desde o início do período contributivo do
segurado, conforme preceitua o art. 29, I e II da Lei 8.213/91. Desta forma, a aplicação
da regra definitiva prevista no art. 29, I, da Lei 8.213/91, torna-se norma menos
favorável em razão do critério de cálculo proporcionar menor renda mensal ao
beneficiário (STJ, 2018b).
Ainda, no âmbito do STJ, há o Tema nº 995 que versa sobre a reafirmação da
data de entrada dos requerimentos previdenciários, julgado favorável recentemente. O
Tema definiu se o tempo de contribuição adquirido após o ajuizamento da ação pode ser
aproveitado, com o intuito de reafirmar a data de entrada do requerimento (DER) para o
momento em que o segurado implementar os requisitos legais necessários à concessão
do benefício pretendido. Assim, o Tema tratou sobre o momento processual para se
requerer a reafirmação da DER, bem como a aplicação do artigo 493 do CPC/15, o que
restou decidido que é possível a reafirmação da data de entrada do requerimento na
situação supracitada, devendo ser observada a causa de pedir na instância ordinária
(STJ, 2018a).
De acordo com o exposto, observa-se que a jurisprudência tem papel relevante
na aplicação do Direito Previdenciário. Portanto, a matéria previdenciária demonstra
que tem potencial para proporcionar aprendizado prático e aprofundamento teórico aos
alunos de graduação.

3 EXPOSIÇÃO DO MARCO TEÓRICO

A Seguridade Social, como prevista na Constituição Federal em seu art. 194


(BRASIL, 1988), é composta por três pilares: Saúde, Previdência e Assistência social.
Apesar de cada ramo ter uma finalidade diferente e agir segundo princípios próprios, o
114

fundamento da Seguridade Social no capitalismo é único, como explica Sônia Fleury


(1994, p. 45):
Os determinantes da intervenção estatal nas áreas sociais, considerados no
mais alto nível de abstração que decorrem das necessidades inerentes ao
processo de acumulação capitalista, podem ser identificados como: a
reprodução da força de trabalho e a circulação e consumo de mercadorias
pelos setores sociais.

Dentro da lógica capitalista, portanto, a Saúde tem o condão de reabilitar os


trabalhadores para que possam voltar o quanto antes a sua ocupação, garantindo a força
de trabalho e a manutenção do consumo. Por sua vez, a Previdência Social através de
seus benefícios e de suas pensões, mantém os pensionistas dentro do mercado de
consumo e os beneficiários, como, por exemplo, acidentados, consumindo enquanto não
se reabilitam ao mercado de trabalho (FLEURY, 1994).
A lógica é mais transparente no âmbito da Assistência Social. De acordo com a
Lei Orgânica da Assistência Social (BRASIL, 1993), o Benefício de Prestação
Continuada6 tem como requisito a miserabilidade do indivíduo, ou seja, para ser
atendido pela Assistência Social é necessário que a pessoa perceba renda ínfima e não
tenha condições de sustentar a si ou de serem sustentados pela sua família. Assim,
conforme explica Ivanete Boschetti (2016, p. 23):

Em contexto contemporâneo de crise do capital e ampliação do desemprego,


a assistência social (especialmente por meio de programas assistenciais de
renda mínima) passa a assegurar mais diretamente a reprodução da
superpopulação relativa latente e flutuante, ou seja, da força de trabalho que
nunca teve um trabalho ou que foi expulsa de relações de trabalho estáveis.

Diversas são as formas, pois, de se garantir níveis de integração no mercado


consumidor, seja pela reabilitação de acidentados ao mercado de trabalho, seja pela
distribuição de renda aos miseráveis, através da Seguridade Social. A importância da
manutenção de certo nível de consumo se deve ao fato de que um dos fatores cíclicos
das crises no capitalismo é a superprodução aliada ao subconsumo7; caracterizando-se,
dessa forma, a Seguridade Social em uma ferramenta anticrise (BOSCHETTI, 2016).

6
O Benefício de Prestação Continuada é o benefício mais importante, apesar de não implementado em
conformidade com o ideário constitucional, provido pela Assistência Social, atendendo mais de 4,5
milhões, independente de contribuição (STOPA, 2019).
7
Uma das possíveis interpretações das crises cíclicas do capitalismo é de que haveria um subconsumo de
bens de consumo originado pela compressão dos salários e dos padrões devidos, acarretando um
enfraquecimento da demanda ao passo que isso gera uma superprodução, visto que há uma necessidade
inerente ao capitalismo de manter a taxa de lucros em crescimento constante, principalmente em uma
sociedade do capital financeiro (CIPOLLA, 2012).
115

Não obstante a Seguridade Social ser constituída por essas três áreas, o Direito
Previdenciário ensinado nas Faculdades de Direito, como o próprio nome indica, se
atém mais à área da Previdência Social do que às demais, conforme se nota da súmula
da cadeira ministrada pela Faculdade de Direito da UFRGS:

Os direitos sociais. Fundamentos da Previdência Social. Fontes do Direito


Previdenciário. Princípios do Direito Previdenciário. Custeio da Seguridade
Social. Isenções das contribuições. Prescrição e decadência das contribuições
à Seguridade Social. Crimes contra a Previdência Social. Prestações da
Previdência Social. Benefícios em espécie. Tempo de contribuição. Ações
previdenciárias.8

Pachukanis explica que o Direito, dentro do capitalismo, é uma espécie de


relação social imbuída de certa dose de ideologia. Apesar do Direito se diferenciar do
Capital, a forma jurídica espelha a forma mercadoria, ou seja, a estrutura do Direito é
pensada de forma a atender as necessidades do Capital e, então, legitimá-las
(PACHUKANIS, 1988). Alysson Mascaro, quando elabora uma crítica marxista dos
Direitos Humanos, ao interpretar a visão de Pachukanis, lembra que:

A reprodução capitalista demanda estabilizações políticas e jurídicas


lastreadas em formas sociais necessárias e em quantidades razoáveis. Com
isso, justamente o movimento que garante o capital e seus detentores também
é o que garante ou nega a liberdade de expressão, os direitos sociais, as
liberdades associativas e políticas. No capitalismo, os núcleos da forma
jurídica e da forma política estatal constrangem, ainda que de modo variável
e incidental, a vasta quantidade dos direitos humanos. (MASCARO, 2017 p.
110).

Percebe-se, então, que o Direito serve, dentre outros possibilidades, para


legitimar a circulação do Capital em suas diversas formas. Dessa necessidade, surge
ponto indispensável da construção jurídica burguesa que é o sujeito de Direito
(MASCARO, 2017; PACHUKANIS, 1988). Sem essa categoria jurídica, seria
impossível estabelecer o conceito de relação jurídica que, por sua vez, pode consistir em
diversos atos ligados à circulação do Capital, como alienação e aquisição de
propriedade.
Não é todo ramo do Direito que vai lidar com essa questão de maneira direta,
como seria o caso do Direito Civil e do Direito Empresarial por exemplo. Há, pois,

8
Súmula da disciplina de Direito Previdenciário da Faculdade de Direito da UFRGS. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/ufrgs/ensino/graduacao/cursos/exibeCurso?cod_curso=310>. Acesso em: 24 abr.
2020.
116

áreas que tratam da matéria de maneira indireta, como seria o caso do Direito
Processual ao servir como regras procedimentais ao Estado para tutelar tais direitos
(GRILLO, 2017). Tendo isso mente, é possível pensar no Direito Previdenciário a partir
desses dois âmbitos: a) o Direito Previdenciário lida diretamente com circulação de
Capital, visto que versa sobre benefícios pecuniários a pessoas que, via de regra,
estariam fora do mercado de consumo sem tal auxílio; e b) o Direito Previdenciário lida
indiretamente com circulação de Capital, uma vez que trata de regras as quais servem de
baliza para que sejam deferidos (ou não) os benefícios previdenciários pelo Estado.
Seguindo essa lógica acerca do Direito Previdenciário sob um prisma marxista,
temos um sujeito de direito que busca uma relação jurídica com a Previdência Social a
fim de lhe ser deferido um benefício pecuniário ao serem cumpridos certos requisitos.
Isso é evidente quando se analisa a Lei nº 8.213/91 (BRASIL, 1991) e vemos que sua
estrutura segue o raciocínio: Capítulo I - Dos Beneficiários (quem pode ser
beneficiário?); Capítulo II - Das Prestações em Geral (quais são os benefícios, quais os
seus requisitos e quais os critérios de cálculo?); e Seção V do Capítulo II - Dos
Benefícios (explica os benefícios em espécie e os requisitos específicos). A título
exemplificativo, para que alguém lhe tenha concedido o auxílio doença, em linhas
gerais, é preciso que tenha feito doze contribuições mensais à Previdência Social e que
tenha ficado incapacitado para o seu trabalho por mais de quinze dias consecutivos e seu
salário-de-benefício será a média aritmética simples dos maiores salários-de-
contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo
(BRASIL, 1991).
Todavia, em razão do seu caráter autofágico e sua necessidade de contínua
expansão, o Capital preda na Previdência Social (e toda Seguridade Social) através das
contrarreformas que visam a sua privatização, conforme esclarece Thais Soares
Caramuru:

A contrarreforma dos regimes públicos de previdência, como o RGPS e os


regimes próprios dos servidores públicos civis, é um processo contínuo, que,
desde meados da década de 1990, tem como objeto a restrição das regras de
acesso e a redução da magnitude dos benefícios ofertados. Sua
funcionalidade ao capital pode ser atribuída a três movimentos: libera
recursos do fundo público para aplicação direta na reprodução do capital,
principalmente para pagamento de juros e amortizações da dívida pública;
amplia o tempo de trabalho e, com efeito, de subsunção ao capital, de amplos
setores da classe trabalhadora; impulsiona a adesão aos planos ofertados
pelas instituições da previdência privada (CARAMURU, 2019, p. 591).
117

Esse processo de contrarreformas vem acontecendo no Brasil desde a


Constituição Federal de 1988, inclusive nos governos Lula e Dilma, mostrando o papel
do Estado na acumulação de capital (GOULART; LACAZ; LOURENÇO, 2017).
Assim, a Previdência Social vem sendo atacada há muito e, por consequência, o Direito
Previdenciário, de certa maneira, também.

4 O DIREITO PREVIDENCIÁRIO NOS CURRÍCULOS DAS FACULDADES


DE DIREITO DO RIO GRANDE DO SUL

Em dezenove de dezembro de 2018, foi publicada no Diário Oficial da União a


Resolução nº 5 do Ministério da Educação, instituindo as diretrizes curriculares
nacionais do curso de graduação em Direito e dando outras providências. Foi disposto
no seu art. 5º, II, então, que o Direito Previdenciário seria disciplina obrigatória da
formação técnico-jurídica discente (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2018).
A Resolução nº 9, de vinte e nove de setembro de 2004, anterior à atual, não
considerava o Direito Previdenciário como disciplina obrigatória em nenhum dos três
eixos (formação fundamental, formação profissional e formação prática), conforme se
depreende da leitura de seu art. 5º, incisos I, II e III (CONSELHO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO, 2004). Ou seja, atribuiu-se à matéria importância que não lhe era
concedido, retirando-lhe o status de opcional (ou eletiva).
Essas resoluções versam sobre o mínimo do currículo das instituições de ensino,
sendo bastante amplas. Por exemplo, há um mínimo de disciplinas que devem ser
ofertadas, há um mínimo de horas a serem ministradas e assim por diante. Não se
estipula quantos créditos, qual a carga horária e em qual (is) semestre (s) será (ão)
conferido (s) à determinada cadeira, até porque isso iria de encontro à autonomia das
universidades, conforme art. 53 da Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996).
Dessa maneira, é necessário se perguntar como as Faculdades de Direito, nesse
caso as gaúchas, tratam do Direito Previdenciário em seus currículos, visto que cada
uma possui autonomia para decidir como confeccionará seu próprio currículo. Para isso,
foram analisados vinte e dois currículos9 de Faculdades de Direito gaúchas, levando em

9
Foram examinados os currículos disponíveis online, nos seguintes links:
1) PUCRS. Disponível em: <http://www.pucrs.br/direito/curso/bacharelado-em-direito/#curriculos>.
Acesso em: 25 mar. 2020.
2) UFRGS. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/ufrgs/ensino/graduacao/cursos/exibeCurso?cod_curso=310>. Acesso em: 25 mar.
2020.
118

conta os seguintes critérios: a) em qual semestre é lecionado?; b) possui quantos


créditos?; c) qual sua carga horária?; e d) qual o seu caráter? Podendo ser obrigatório ou
optativo. Assim, foram alcançados os seguintes resultados:

FACULDADE SEMESTRE CRÉDITOS HORAS CARÁTER

PUCRS 10 NÃO UTILIZA 30 OBRIGATÓRIO


UFRGS 10 2 30 OBRIGATÓRIO

UFPEL NÃO POSSUI X X X

UNIRITTER 10 4 66 OBRIGATÓRIO
FMP NÃO POSSUI X X X

UFSM 10 4 60 OBRIGATÓRIO

3) UFPEL. Disponível em: <https://institucional.ufpel.edu.br/cursos/cod/300>. Acesso em: 25 mar. 2020.


4) UNIRITTER. Disponível em: <https://www.uniritter.edu.br/graduacao/direito>. Acesso em: 25 mar.
2020.
5) FMP. Disponível em: <https://www.fmp.edu.br/wp-content/uploads/2018/06/matriz-curricular-para-
2016-1-OFICIAL-I.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2020.
6) UFSM. Disponível em: <https://www.ufsm.br/cursos/graduacao/santa-maria/direito/informacoes-do-
curriculo/curso/723/curriculo/102447>. Acesso em: 25 mar. 2020.
7) UNISINOS. Disponível em: <https://www.unisinos.br/vestibular/images/cursos/grades-
curriculares/GR14001-002-006.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2020.
8) IPA. Disponível em: <http://ipametodista.edu.br/direito/curriculo-do-curso/ingresso-no-1o-semestre/>.
Acesso em: 25 mar. 2020.
9) SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Disponível em: <http://www.saofranciscodeassis.edu.br/wp-
content/uploads/2019/11/direito.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2020.
10) FACULDADE DA SERRA GAÚCHA. Disponível em:
<https://fsg.edu.br/file/docs/Matriz%20Curricular%20Direito.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2020.
11) UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO. Disponível em:
<https://secure.upf.br/apps/academico/curriculo/index.php?curso=3610&curriculo=1>. Acesso em: 25
mar. 2020.
12) FACULDADE JOÃO PAULO II. Disponível em:
<https://www.faculdadejoaopaulo.edu.br/curso/index/6>. Acesso em: 25 mar. 2020.
13) URCAMP. Disponível em: <https://www.urcamp.tche.br/cursos/graduacao/direito>. Acesso em: 25
mar. 2020.
14) CESUCA. Disponível em: <https://cesuca.edu.br/file/docs/MatrizDireito.pdf>. Acesso em: 25 mar.
2020.
15) ULBRA. Disponível em: <http://ulbra-to.br/cursos/Direito/2011/02/05/Matriz-Curricular>. Acesso
em: 25 mar. 2020.
16) UNICRUZ. Disponível em: <https://home.unicruz.edu.br/estrutura-curricular-direito/>. Acesso em:
25 mar. 2020.
17) UNIJUÍ. Disponível em: <https://www.unijui.edu.br/estude/graduacao/cursos/direito-bacharelado>.
Acesso em: 25 mar. 2020.
18) UCPEL. Disponível em: <https://direito.ucpel.edu.br/sobre-o-curso/curriculo/>. Acesso em: 25 mar.
2020.
19) UNISC. Disponível em: <https://www.unisc.br/pt/cursos/todos-os-
cursos/graduacao/bacharelado/direito/disciplinas>. Acesso em: 25 mar. 2020.
20) FADISMA. Disponível em: <https://www.fadisma.com.br/ensino/graduacao/direito/curriculo/>.
Acesso em: 25 mar. 2020.
21) LA SALLE. Disponível em: <https://www.unilasalle.edu.br/vestibular/canoas/curso/graduacao-em-
direito-1>. Acesso em: 25 mar. 2020.
22) DOM BOSCO. Disponível em: <https://faculdadedombosco.net/curso/direito/>. Acesso em: 25 mar.
2020.
119

UNISINOS 9 ou 10 4 60 OPTATIVO

IPA 10 NÃO UTILIZA 40 OBRIGATÓRIO

SÃO FRANCISCO DE 10 4 64 OBRIGATÓRIO


ASSIS
FACULDADE DA 7 4 72 OBRIGATÓRIO
SERRA GAÚCHA

UNIVERSIDADE DE 10 4 60 OPTATIVO
PASSO FUNDO
FACULDADE JOÃO NÃO POSSUI X X X
PAULO II

URCAMP 5 NÃO UTILIZA 80 OBRIGATÓRIO


CESUCA 9 2 36 OBRIGATÓRIO

ULBRA NÃO POSSUI X X X

UNICRUZ 6 2 30 OBRIGATÓRIO
UNIJUI 10 4 60 OBRIGATÓRIO

UCPEL 5 NÃO UTILIZA 30 OBRIGATÓRIO

UNISC 8 NÃO UTILIZA 80 OBRIGATÓRIO

FADISMA NÃO POSSUI X X X

LASALLE NÃO POSSUI X X X

DOM BOSCO NÃO POSSUI X X X

Percebe-se que, apesar da autonomia das instituições de ensino, há uma


tendência disponibilizar o Direito Previdenciário somente no décimo semestre,
constituindo-se como cadeira única, ou seja, não existem as disciplinas de Direito
Previdenciário II ou Direito Previdenciário III. A explicação mais lógica de ser
oferecida no final do curso é de que as cadeiras de Direito do Trabalho são pré-
requisitos e essas, por sua vez, também são oferecidas do meio para o final da
graduação.
Igualmente, nota-se que a carga horária varia, majoritariamente, entre trinta e
sessenta horas, destacando-se a UNISC e a Faculdade da Serra Gaúcha. Para aquelas
faculdades que utilizam o esquema de créditos para suas cadeiras, tem-se que a maioria
atribui quatro créditos ao Direito Previdenciário, excetuando-se UFRGS, CESUCA e
UNICRUZ, com dois.
Ainda, é interessante apontar que, não obstante sua obrigatoriedade, conforme
apontado acima, o Direito Previdenciário não é obrigatório em todas as Faculdades de
Direito gaúchas aqui examinadas, sendo obrigatório em 59,0% das instituições de
120

ensino; optativo, 9,0%; e não oferecido, 32,0%. Desse modo, constata-se que 41,0% dos
cursos de Direito do Rio Grande do Sul analisados estão em desconformidade com a
Resolução nº 5/2018, que instituiu a obrigatoriedade da cadeira de Direito
Previdenciário na graduação do Direito.
Todavia, os resultados em abstratos não são capazes, per se, de demonstrar como
a matéria de Direito Previdenciário está inserida no currículo do Direito, limitando-se a
dados brutos. Comparando os resultados da disciplina estudada com outras, porém,
revela-se o panorama institucional no qual se insere o Direito Previdenciário,
especialmente vis-à-vis outras cadeiras.
Examinando, por exemplo, qual o tratamento concedido à cadeira de Direito
Empresarial na UFRGS, observa-se que há quatro módulos (Direito Empresarial I, II, III
e IV), sendo o último dois créditos e de trinta horas enquanto os demais, quatro créditos
e sessenta horas, totalizando quatorze créditos e 210 horas.
Por outro lado, na PUCRS, pesquisando sobre os mesmos quesitos supracitados,
mas usando de exemplo a disciplina de Direito Penal, constata-se, igualmente, quatro
módulos (Direito Penal I, II, III e IV), tendo todos uma carga horária de sessenta horas,
perfazendo um total de 240 horas.
Similarmente, analisando os critérios mencionados anteriormente, na UFPEL,
tem-se para Direito Civil cinco módulos (Direito Civil I, II, III, IV e V), cada um com
uma carga horária de 120 horas e possuindo quatro créditos, atingindo vinte créditos e
600 horas.
A carga horária, a quantidade de créditos e o semestre em que se oferece a
disciplina ficam a critério da instituição de ensino, devendo-se respeitar o mínimo
obrigatório, como se nota das resoluções acima e da Lei de Diretrizes e Base. Assim,
cada faculdade de Direito pode escolher como constrói o seu currículo e, a partir dos
dados levantados, pode-se concluir que, dentro do contexto curricular, todas
marginalizam o Direito Previdenciário ao passo que outras chegam a excluí-lo
totalmente. É importante se perguntar o motivo desse comportamento adotado pelas
instituições de ensino e é isso que se busca responder no próximo tópico à luz do marco
teórico apresentado.
121

5 INTERPRETANDO OS DADOS LEVANTADOS À LUZ DO MARCO


TEÓRICO

Como apontado ao longo do texto, a necessidade de expansão contínua do


Capital é necessária para a manutenção do capitalismo, não obstante a geração de crises
em razão disso. Dentro dessa lógica, as contrarreformas da Previdência são produtos
inevitáveis do sistema econômico.
As contrarreformas, em primeiro momento, implicam consequentemente em
uma menor relevância do Direito Previdenciário como ramo do Direito. Isso porque, ao
passo que a Previdência Social, que é pública, diminui e se torna menos atrativa, os
sistemas de Previdência Privada crescem (CARAMURU, 2019). Essa, por sua vez, tem
princípios próprios e é o Direito Privado que trata desses contratos (BRASIL, 1988).
A formação do curso de Direito é fortemente ligada ao mercado de trabalho, ou
seja, segue, de certa forma, a lógica de mercado (PEREIRA, 2019). Então, é possível
estabelecer uma conexão entre as contrarreformas da Previdência e uma diminuição da
importância do Direito Previdenciário, tanto por uma lógica de mercado quanto por uma
lógica ideológica.
Acontece que, conforme estabelecido pelo panorama jurisprudencial
apresentado, o Direito Previdenciário é complexo e, com as sucessivas reformas, se
torna ainda mais complexo. Grande exemplo disso é o direito intertemporal, ou seja,
estabelecer quais regras serão aplicadas ao caso concreto quando ocorre uma reforma.
Dessa maneira, aliado ao raso ensino jurídico previdenciário, a complexidade da
disciplina possivelmente pode instituir um corpo escasso de profissionais especializados
na área que, por seu turno, tende a monopolizar o mercado e a prática/teoria do Direito
Previdenciário.
A pouca importância curricular dada ao Direito Previdenciário segue, pois, a
lógica do Capital. Assim como a Previdência é um mecanismo anticrise, não obstante os
ataques que vem sofrendo; a disciplina tende a ser escanteada10 pelas Faculdades de
Direito em razão das exigências do mercado de trabalho. Por fim, em virtude desse
comportamento das faculdades, é plausível conceber um monopólio do mercado e da
prática/teoria do Direito Previdenciário.

10
Em certos casos, diretamente ignorada, visto que certas Faculdades de Direito oferecem a cadeira como
eletiva, isso quando oferecida.
122

6 CONCLUSÃO

Em 2018 foi determinado pelo Ministério da Educação e Cultura que o Direito


Previdenciário se tornaria disciplina obrigatória nos cursos de Direito. Por outro lado,
em 2020, nota-se que há algumas Faculdades de Direito no Rio Grande do Sul que
ignoraram essa determinação ao passo que as demais atribuem pequena carga horária e
de créditos e disponibilizam em etapa conclusiva do curso quando se compara a outras
matérias.
Quando se toma por ponto de partida a Teoria Marxista do Direito e a Teoria
Marxista da Assistência Social, entende-se que é um resultado a ser encontrado através
da pesquisa aqui elaborada. Não obstante a Seguridade Social como um todo11
funcionar como uma ferramenta anticrise, não se impede que a necessidade por
expansão do Capital, aprofundada pelo Neoliberalismo, lance ofensivas em forma de
contrarreforma as suas bases.
O Direito Previdenciário, disciplina que tem por objeto de estudo a Seguridade
Social, mais especificamente a Previdência Social, não escapa dessa lógica. Ao mesmo
tempo que é importante para regulamentar a Previdência Social e a resposta do Estado
às demandas previdenciárias, lhe é oferecido um tratamento deficiente em relação a
outras matérias como reflexo dos diversos ataques à Previdência Social em favor da
Previdência Privada, disciplina pelo Direito Civil, especialmente contratual.
Dessa maneira, o Direito Previdenciário, assim como a Previdência Social, sofre
ataques do Capital, mesmo que necessário para si, refletindo, em última instância, no
currículo oferecido pelas Faculdades de Direito. O Direito Previdenciário, então, não
deve ser estudado como uma ferramenta de emancipação social ou algo afim, mas como
instrumento essencial de regulação estatal.

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11
E isso inclui a Previdência Social.
123

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). Tema nº 995. Possibilidade de se


considerar o tempo de contribuição posterior ao ajuizamento da ação, reafirmando-se a
data de entrada do requerimento-DER- para o momento de implementação dos
requisitos necessários à concessão de benefício previdenciário: (i) aplicação do artigo
125

493 do CPC/2015 (artigo 462 do CPC/1973); (ii) delimitação do momento processual


oportuno para se requerer a reafirmação da DER, bem assim para apresentar provas ou
requerer a sua produção. Leading cases: Recurso Especial nº 1.727.069/SP; Recurso
Especial nº 1.727.064/SP; e Recurso Especial nº 1.727.063/SP. Relator: Ministro Mauro
Campbell Marques. Data de julgamento: 22 out. 2019. Data de afetação: 22 ago. 2018.
2018a. Disponível:
<http://www.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&ti
po_pesquisa=T&sg_classe=REsp&num_processo_classe=1727069>. Acesso em: 31
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______. Tema nº 999. Possibilidade de aplicação da regra definitiva prevista no art. 29,
I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do
que a regra de transição contida no art. 3º da Lei 9.876/1999, aos Segurados que
ingressaram no sistema antes de 26.11.1999 (data de edição da Lei 9.876/1999).
Leading cases: Recurso Especial nº 1.554.596/SC; e Recurso Especial nº 1.5962.03/PR.
Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Data de julgamento 11 dez. 2019. Data
de afetação: 05 nov. 2018. 2018b. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&ti
po_pesquisa=T&sg_classe=REsp&num_processo_classe=1554596>. Acesso em: 30
mai. 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Tema nº 709. Possibilidade de percepção


do benefício da aposentadoria especial na hipótese em que o segurado permanece no
exercício de atividades laborais nocivas à saúde. Leading case: Recurso Extraordinário
nº 791.961/PR. Relator: Ministro Dias Toffoli. Data de julgamento: ainda não julgado.
Data da afetação: 20 out. 2016. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?in
cidente=4518055&numeroProcesso=791961&classeProcesso=RE&numeroTema=709>
. Acesso em: 23 de maio de 2020.
126

EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: AS ATIVIDADES E OS PROJETOS


EXECUTADOS PELO PROGRAMA BALCÃO DO TRABALHADOR

Laura Covatti dos Santos1


Maira Angélica Dal Conte Tonial2

Resumo: O artigotem como objetivo analisaros resultados advindos da extensão


universitária, dando ênfase para as atividades desempenhadas pelo Balcão do
Trabalhador, Programa de Extensão da Faculdade de Direito da Universidade de Passo
Fundo. Sendo assim, utilizando do método hipotético-dedutivo e da revisão
bibliográfica, questiona-se: Quais mecanismos podem ser utilizados pelo Programa de
Extensão Balcão do Trabalhador para orientar os empregados e empregadores em suas
relações trabalhistas?Dividida em três capítulos a pesquisa busca: a) analisar as
complexidades da educação jurídica, bem como a importância de unir a extensão no
ensino universitário como um meio de produzir conhecimento; b) investigar as
perspectivas e a motivação da extensão na Universidade de Passo Fundo; c) definir as
ações e os projetos desempenhados pela equipe do Balcão do Trabalhador e os reflexos
do Programa para a comunidade, os alunos e a Universidade.A partir disso, a pesquisa
demonstrará que a extensão universitária possui uma função significativa para todos os
envolvidos, tendo em vista o aspecto social que essa prática revela.

Palavras-chave: Ensino Superior; Extensão; Programa de Extensão Balcão do


Trabalhador; Universidade de Passo Fundo/RS.

INTRODUÇÃO

A extensão se tornou reconhecida pelas Universidades como um meio de


transmissão de conhecimento, há qual permite uma maior aproximação einteração entre
os alunos eprofessores. Essa prática possibilita a criação de espaços para a comunidade
procurar auxílio quando possuir dúvidas ou algum problema consolidado, propiciando
um ambiente de atendimento seguro e transparente.
A Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo/RS, preocupa-se em
unir os pilares: conhecimento, extensão e pesquisa. A partir disso, o presente artigo tem
como objetivo analisar os resultados advindos da extensão universitária,

1
Advogada (OAB/RS 100.529). Mestra em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo/RS. Integrante do Programa de Extensão
Balcão do Trabalhador (Faculdade de Direito-UPF). Endereço eletrônico:
lauracovattidossantos@gmail.com
2
Advogada (OAB/RS 45621). Doutoranda em Ciência Jurídica Univalli/UPF. Mestre em Direito pela
Unisinos, Especialista em Direito Processual Civil e Processo do Trabalho. Docente de Graduação e Pós-
Graduação na Universidade de Passo Fundo-UPF/RS. Coordenadora do Programa de Extensão Balcão do
Trabalhador (Faculdade de Direito- UPF). Endereço eletrônico: mairatonial@upf.br
127

especialmenteacerca das ações e atividades desempenhadas pelo Programa de Extensão


Balcão do Trabalhador.
Nesse contexto, utilizando do método hipotético-dedutivo e da revisão
bibliográfica, questiona-se: Quais os mecanismos utilizados pelo Programa de Extensão
Balcão do Trabalhador para orientar os empregados e empregadores em suas relações
trabalhistas?
A pesquisa foi dividida em três capítulos, primeiramente, busca-se analisar as
complexidades da educação jurídica brasileira, bem como a importância de unir a
extensão no ensino universitário como uma forma de produzir conhecimento. Na
sequência, investiga as perspectivas e a motivação da extensão na Universidade de
Passo Fundo. Por fim, define as ações e os projetos desempenhados pela equipe do
Balcão do Trabalhador e os reflexos do Programa para a comunidade, os alunos e a
Universidade.
Além de disseminar saberes, compartilhar experiências e receber a
comunidade, o Programa de Extensão Balcão do Trabalhador incentiva a participação
dos alunos, promovendo o diálogo e a humanização nos atendimentos. Outro aspecto
interessante da extensão universitária se dá com a interdisciplinaridade, visto que além
do curso de Direito, existem outros cursos envolvidos em Programas que estão
conectados.

1 O EQUILÍBRIO ENTRE OS PILARES DA UNIVERSIDADE: O ENSINO, A


PESQUISA E A EXTENSÃO

Os preceitos acerca daeducação brasileira estão previstos constitucionalmente no


artigo 6º –reconhecida a educação como um direito social –, bem como em um capítulo
específico do artigo 205 a 214(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).Cumpre destacar, o
artigo 2073 faz menção às universidades,constituindo os seus pilares, quais sejam: o
ensino, a pesquisa e a extensão (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).
Nesse paradigma, “[...] o Brasil é um país que embora tivesse a concepção da
extensão como uma atividade dentro do escopo do tripé da universidade não tinha uma
resolução própria, [...] não tinha nunca recebido um documento público [...]”, a partir

3
Constituição Federal de 1988, artigo 207 - As universidades gozam de autonomia didático-científica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão.
§ 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei.
128

disso, foram identificados os projetos e as ações existentes, organizando e adequando as


ideias de acordo com a expectativa nacional (FACULDADE DE MEDICINA DE
PETRÓPOLIS, 2019).
Essa resolução foi elaborada depois de observado o cenário nacional e alguns
critérios, entre eles: a indispensabilidade da presença ativa dos alunos nas
atividades(FACULDADE DE MEDICINA DE PETRÓPOLIS, 2019). Sendo assim, foi
sancionada em dezembro de 2018, concedendo às universidades o prazo de 03 anos para
adotarem e se adequarem a essa prática inovadora (FACULDADE DE MEDICINA DE
PETRÓPOLIS, 2019).
A extensão introduz tanto o aluno quanto o docente na realidade local, pois ao
recepcionar a comunidade torna-se possível avaliar os principais desafios enfrentados
nos diversos âmbitos do conhecimento. No curso de Direito, por exemplo, a partir do
conteúdo ministrado pelos docentes em sala de aula, os alunos podem identificar
durante os atendimentos ao público quais são as dúvidas mais correntes e em quais
ramos do Direito se enquadram os conflitos.
Sendo assim, nota-se que a extensão tem o poder de romper com o
distanciamento entre a teoria e a prática, capacitando os alunos e despertando os seus
interesses. Um exemplo disso são os núcleos jurídicos, pelos quais os alunos
desenvolvem os saberes estando supervisionados pelos docentes.

A Universidade conserva, memoriza, integra e ritualiza uma herança cultural


de saberes, idéias e valores, porque ela se incumbe de reexaminá-la e
transmiti-la, o que acaba por ter um efeito regenerador. A Universidade gera
saberes, idéias e valores que, posteriormente, farão parte dessa mesma
herança. Por isso, ela é simultaneamente conservadora, regeneradora e
geradora. A Universidade tem uma missão e uma função transecular que vão
do passado ao futuro por intermédio do presente; tem uma missão
transnacional que conserva, porque dispõe de uma autonomia que a permite
efetuar esta missão [...] (MORIN, 2007, p. 15).

Na visão de Morin, as disciplinas ao serem estudadas separadamente criam


barreiras entre elas mesmas, significa dizer que “[...] se fecham e não se comunicam
umas com as outras. Os fenômenos são cada vez mais fragmentados, e não se consegue
conceber a sua unidade. É por isso que se diz cada vez mais ‘Façamos
interdisciplinaridade’ [...]” (MORIN, 2007, p.52, grifos do autor).
Nesse sentido, percebe-se a importância de estimular o contato entre os alunos e
os docentes dos diferentes cursos de uma universidade, de modo que, os projetos e
programas de extensão se complementem positivamente. Logo, o processo de extensão
129

proporciona um conjunto de fatores para todos os envolvidos, seja para o


desenvolvimento pessoal e profissional. Sob essa perspectiva, Morin assevera que:

O modo de pensamento ou de conhecimento fragmentado,


compartimentalizado, monodisciplinar, quantificador, nos conduz a uma
inteligência cega, na mesma medida em que a atividade humana normal,
empenhada em religar os conhecimentos, é sacrificada em prol da atitude não
menos normal de separar [...] (MORIN, 2015, p. 106).

Defendendo a necessidade de uma reforma na educação devido as


complexidades que o ensino vem sofrendo ano longo dos anos, Morin declara que “[...]
para ser portadora de uma verdadeira mudança de paradigma, a reforma deve ser
pensada não apenas no nível da universidade, mas desde o ensino fundamental [...]”
(MORIN, 2015, p. 120). Sob esse ângulo, o autor constrói o seu pensamento
estruturando as abordagens que realmente deveriam ser verificadas nos diferentes níveis
de ensino (MORIN, 2015, p. 120).
Quanto à universidade, Morin explica que a mesma deve seguir lado a lado com
a modernidade, reciprocamente uma adaptando-se à outra, isso porque, “[...] A
universidade é, antes de tudo, o lugar de transmissão e renovação do conjunto dos
saberes, das ideias, dos valores, da cultura [...]” (MORIN, 2015, p. 126).

[...] A partir do momento em que se pensa que esse é seu principal papel, ela
surge em sua dimensão transecular; ela traz em si uma herança cultural,
coletiva, que não é apenas a da nação, mas a da humanidade, ela é
transnacional. Trata-se de torna-la transdisciplinar. Para que isso aconteça,
seria necessário introduzir nela os princípios e os operadores da reforma do
pensamento [...]. São esses princípios e esses operadores que permitirão
religar as disciplinas por meio de uma relação orgânica, sistêmica, deixando
que elas se desenvolvam livremente (MORIN, 2015, p. 126-127).

Inclusive, a prática da extensão também permite a ligação entre as diversas áreas


das ciências, por isso, os projetos e programas podem dialogar mutuamente para
alcançar resultados positivos e satisfatórios. Sendo assim,“[...] a pesquisa e o ensino se
fortalecem com a presença extensionista” (FACULDADE DE MEDICINA DE
PETRÓPOLIS, 2019).
Com a atividade extensionista, os alunos de determinado curso conseguem trocar
experiências e conhecimentos com os grupos de outros cursos, fazendo acontecer a
interdisciplinaridade. De fato, muitas universidades têm se destacado no plano da
extensão, entre elas a Universidade de Passo Fundo/RS, a qual apresenta inúmeros
programas, entre eles os organizados e concretizados pela Faculdade de Direito.
130

2 A VALORIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE EXTENSÃO NA UNIVERSIDADE


DE PASSO FUNDO/RS

Num primeiro momento – antes de explanar sobre o Programa de Extensão


Balcão do Trabalhador, da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo/RS –,
importa discorrer, mesmo que resumidamente, acerca da história dessa instituição que
preza pelo conhecimento, pela pesquisa e pela Extensão.
Na cidade de Passo Fundo/RS, os ideais por uma educação direcionada para o
ensino superior tiveram o seu início na década de 1950, quando uma das mais
reconhecidas instituições do norte do Rio Grande do Sul começou a ser planejada (UPF,
2020b). Essa foi uma conquista da comunidade, a qual buscava meios para que os
jovens do município e da região conseguissem dar seguimento aos estudos (UPF,
2020b).

A criação da Sociedade Pró-Universidade de Passo Fundo (SPU), em 1950, e


do Consórcio Universitário Católico (CUC), em 1956, permitiu à região
iniciar a caminhada rumo ao ensino superior. A SPU teve como primeiro
presidente César Santos e foi a responsável, ainda em 1953, pela compra do
prédio então pertencente à família Barbieux, onde foi instalada a Faculdade
de Direito. A SPU também criou as faculdades de Odontologia, Agronomia,
Ciências Políticas e Economia e o Instituto de Belas Artes. Ainda em 1960, a
SPU comprou uma área de terra de Antônio Bittencourt de Azambuja para a
construção da Cidade Universitária, onde hoje está instalado o Campus I.
Dentre os objetivos do CUC, estava o de auxiliar na formação dos
professores que atuariam na região. Quando o Consórcio foi criado, o
idealizador Dom Claudio Colling anunciou ao conselho da SPU o surgimento
da entidade e da Faculdade de Filosofia. Na oportunidade, já se discutia a
possibilidade de integração à Universidade de Passo Fundo, cuja fundação já
estava sendo pensada. A Faculdade de Filosofia oferecia três cursos:
Filosofia, Pedagogia e Letras Anglo-Germânicas (UPF, 2020b).

Em 1967 nasceu a Fundação Universidade de Passo Fundo (FUUPF) e no ano


seguinte a Universidade de Passo Fundo (UPF, 2020b). Foi na data de 02 de abril de
1968 que “O decreto de reconhecimento da UPF foi assinado pelo presidente Arthur
Costa e Silva e pelo ministro da Educação Tarso Dutra, [...] O ato aconteceu no Palácio
Piratini em Porto Alegre, onde Dom Cláudio Colling falou em nome da comunidade
regional [...]” (UPF, 2020b).
A publicação no Diário Oficial da União aconteceu em 06 de junho de 1968,
data em que se comemora o aniversário da Instituição (UPF, 2020b). Nesse sentido, no
ano de 2020 a Universidade de Passo Fundo alcança os seus 52 anos, contando com
mais de 76 mil profissionais formados nos mais diversos cursos contemplados pela
instituição (UPF, 2020a).
131

A qualidade do ensino transmitido pela Universidade de Passo Fundo passou a


ser reconhecido nacionalmente e internacionalmente depois de avaliações realizadas,
seja pelo Ministério da Educação (MEC) ou por outros meios (UPF, 2020a). A partir
disso, percebe-se o seu desenvolvimento e crescimento positivo e satisfatório, sendo um
referencial de ensino superior no Estado do Rio Grande do Sul.
Entre os cursos de sucesso proporcionados pela Universidade de Passo Fundo
está a Faculdade de Direito, a qual “[...] tem mais de meio século de tradição e é uma
das unidades acadêmicas que deu origem à própria Universidade. Foi pioneira na área
de formação jurídica em uma cidade do interior, na região sul do Brasil [...]” (UPF,
2020c).

A qualidade curso de Direito da Universidade de Passo Fundo (UPF), que


possui 63 anos de história, foi reconhecida em nível nacional através do Selo
de Qualidade OAB Recomenda. A premiação está em sua quinta edição e
confere selo de qualidade às Instituições de Ensino Superior em Direito que
cooperam para melhorar a qualidade do ensino jurídico no Brasil (UPF,
2020a).

A Extensão4 está entre um dos pilares da Universidade de Passo Fundo (UPF,


2020a), sob esse aspecto, os Projetos e Programas de Extensão da Faculdade de Direito
foram pensados com o propósito de atender gratuitamente às demandas da comunidade,
de modo que, os conflitos envolvendo as variadas áreas do Direito possam ser
orientados e resolvidos pelos próprios estudantes (da graduação e pós-graduação), sob a
orientação e coordenação dos docentes.
As ações comunitárias são de suma importância para a formação do profissional,
isso porque, com a prática a Universidade prepara o estudante para que atue no mundo
do trabalho com ética (UPF, 2020c) e responsabilidade, demonstrando o conhecimento
adquirido. Além disso, para que esses atendimentos sejam realizados com qualidade, os
Programas de Extensão possuem o seu espaço próprio e material adequado, trazendo
segurança tanto para os alunos quanto para o cidadão que busca auxílio.

Esta interação direta constitui uma via de mão dupla para a difusão do
conhecimento e para a interação com as realidades e experiências da
comunidade, resultando em alternativas que contribuem com a melhoria da
qualidade de vida da população e também subsidiando o fazer acadêmico na
sua dinâmica de responder às demandas da sociedade, consolidando, assim, o
comprometimento da UPF com o desenvolvimento sustentável (UPF, 2020c).

4
“Uma das manifestações do caráter comunitário da Universidade se dá por meio da extensão que
aproxima as ações desenvolvidas na Instituição da comunidade à qual está inserida. Na UPF, são mais de
80 projetos e programas de extensão, além de museus Histórico, de Artes Visuais e Zoobotânico e
fomento a grupos artísticos” (UPF, 2020c).
132

Entre os Programas de Extensão da Universidade de Passo Fundo, destacam-se


os vinculados e prestados pela Faculdade de Direito, quais sejam: Assistência Judiciária
(Sajur), Posto do Juizado Especial Cível (há mais de 15 anos conveniado com o
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul), Balcão do Consumidor, Balcão do
Trabalhador, Projur Mulher e Diversidade, Mediajur e o Projeto de Acolhimento
Interinstitucional às Famílias (UPF, 2020d).
Ante o exposto, Sônia Regina Mendes dos Santos, doutora em educação e
Presidente do Fórum de Extensão Universitária das Instituições de Ensino Superior
Particulares, entende que os alunos são a principal motivação para o desenvolvimento
da Extensão (FACULDADE DE MEDICINA DE PETRÓPOLIS, 2019). Inclusive,
defende que a utilização do termo “ vivências práticas” minimiza o sentido da Extensão,
podendo ir além disso, pois fala-se em uma:

[...] experiência de construção de um trabalho social intenso com a sociedade,


a possibilidade dessa formação acontecer e do ponto de vista da sociedade ser
absorver é toda a experiência rica de conhecimento da universidade a
presença da universidade de um modo geral é nas comunidades na sociedade
é muito bem vista, acho que todo mundo aprecia tudo que a universidade é
capaz de construir em termos de transferência de conhecimento em termos de
fazer junto com aquela comunidade construção, a possibilidade de estar com
o universitário jovens e seus docentes pensando nos desafios dos vários
problemas que se têm. E ensinar pra mim no meu ponto de vista é fazer
extensão [...] perceber a extensão como uma possibilidade de conjugar ensino
e pesquisa na mesma experiência que seja ofertada para o aluno
(FACULDADE DE MEDICINA DE PETRÓPOLIS, 2019).

Quanto aos desafios da Extensão enfrentados pelos docentes de uma


Universidade Particular, principalmente em razão do acompanhamento dos alunos
nessas atividades, Sônia Regina Mendes dos Santos pontua que “[...] na essência fazer
extensão é pensar sobre ensinar é pensar sobre a expectativa de que você vai ensinar
mais e melhor” (FACULDADE DE MEDICINA DE PETRÓPOLIS, 2019).
Portanto, a Extensão Universitária propicia ao aluno uma função mais ativa e
participativa, visto que, a partir do conteúdo transmitido pelos docentes em sala de aula,
os alunos terão a oportunidade de colocar em prática tais ensinamentos. Em outras
palavras, a Extensão permite o compartilhamento de ideias, conhecimento e
experiências profissionais, fatores imprescindíveis para a formação de um futuro
profissional.
133

3 PROGRAMA DE EXTENSÃO BALCÃO DO TRABALHADOR: DO


SURGIMENTO ÀS ATIVIDADES DESEMPENHADAS

Na medida em que os Programas de Extensão da Faculdade de Direito da


Universidade de Passo Fundo/RS foram sendo criados e apresentados à comunidade a
procura passou a ser constante. Desde então, alunos e docentes trabalham juntos na
tentativa de solucionar as inúmeras demandas que estão condicionadas aos diferentes
ramos do Direito.
Até setembro de 2017 não existia um Programa de Extensão específico que
prestasse assistência a empregados e empregadores, orientando acerca da correta
iniciação, execução e finalização do contrato de trabalho. Assim, observada importância
de a comunidade encontrar um local5 próprio para receber informações a respeito das
relações trabalhistas, a Fundação Universidade de Passo Fundo juntamente com o
Projeto de Extensão Balcão do Trabalhador desenvolveuo Projeto.
A idealização e estruturação do Projeto foram de responsabilidade da atual
coordenadora, professora mestra Maira Angélica Dal Conte Tonial, a qual afirmou em
entrevista que “O Balcão do Trabalhador [...] surgiu como uma necessidade da
academia e da comunidade do esclarecimento de direitos e deveres para empregados e
empregadores [...]”(UPFTV, 2017).
Ante o exposto, cumpre ressaltar que a Lei nº 13.467 – também conhecida como
reforma trabalhista – começou a surtir efeitos no ano de 2017, justamente quando o
Programa de Extensão Balcão do Trabalhador deu início aos seus trabalhos. Nesse
primeiro momento de existência, muitas pessoas recorriam ao Balcão do Trabalhador
para compreender acerca das mudanças advindas com a nova legislação.
O Programa tem como alguns de seus objetivos principais estimular o respeito à
legislação trabalhista, bem como melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores,
conscientizando e informando empregados e empregadores sobre as normas do direito
do trabalho. Da mesma forma, busca-se proporcionar maior conhecimento sobre os
direitos e deveres no que tange às relações laborais, condicionando melhoria nas
condições de trabalho presentes e futuras.

5
Por intermédio de ações conjuntas entre alunos, professores e demais pessoas envolvidas com o
Programa de Extensão Balcão do Trabalhador, o atendimento passou a ser oferecido aos trabalhadores –
tanto à classe trabalhadora quanto ao setor empresarial – no Campus III da Universidade de Passo Fundo,
bem como na Agência SINE/FGTAS.
134

A equipe é formada por alunos da Graduação (bolsistas e voluntários), da Pós-


graduação e do Mestrado em Direito, os quais atendem os casos sob a supervisão da
coordenadora.Além de receber e orientar gratuitamente os cidadãos, o Balcão do
Trabalhador também se empenha em outras atividades, como por exemplo, a produção
científica.
Com relação a união da Extensão eda Pesquisa, a integrante do Programa, Laura
Covatti dos Santos, mestra em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de
Passo Fundo, refere que esse trabalho:

[...] se volta para a participação em palestras, em eventos e também na


produção de artigos e resumos expandidos. Alguns dos assuntos que estão em
pauta nesses projetos, nesses trabalhos que são desenvolvidos, é a questão do
papel da mulher no mercado de trabalho, com ênfase ainda na existência da
desigualdade salarial entre homem e mulher, também na inserção das novas
tecnologias da informação e comunicação no mercado de trabalho, de que
forma as novas tecnologias vão influenciar, vão impactar positiva ou
negativamente nas relações trabalhistas. (UPFTV, 2019).

Além das participações em eventos, apresentações e publicações de trabalhos, a


equipe do Balcão do Trabalhador pretende expandir o conhecimento aos cidadãos
acerca da legislação trabalhista a partir da elaboração de cartilhas educacionais. Alguns
materiais já estão sendo produzidos, afinal, “[...] compartilhar dados e informações
atualizadas sobre a área do Direito sinaliza uma forma de minimizar problemas sociais e
litígios” (SANTOS; TONIAL, 2019, p. 40).
A difusão de informações de forma gratuita por intermédio das cartilhas
educacionais pode auxiliar inúmeros empregados e empregadores, seja suprimindo suas
dúvidas, bem como evitando que direitos sejam violados. De acordo com Santos e
Tonial, “[...] a carência – na educação e no ensino – da transmissão de informações
acerca das disposições inseridas na legislação brasileira, de modo a esclarecer aos
cidadãos sobre os seus direitos e deveres” precisa ser sanada com
açõespositivas(SANTOS; TONIAL, 2019, p. 40).

[...] nota-se a relevância da elaboração e implementação de políticas públicas


educacionais direcionadas à disseminação de informações acerca dos direitos
e deveres dos cidadãos. A situação da educação no Brasil apresenta diversas
dificuldades, entre elas: a qualidade do ensino, os desafios dos professores
dentro da sala de aula, o reconhecimento dos profissionais da educação,
inclusive, a ausência da educação jurídica para contribuir com noções básicas
de Direito (SANTOS; TONIAL, 2019 p. 39).
135

Logo, percebe-se a preocupação da equipe do Programa em manter aintegração


da comunidade com a Universidade de Passo Fundo, de modo que seja possível atender
o público que necessita de apoio, garantindoa inclusão social6.Nesse contexto, o Balcão
do Trabalhador firmou parcerias com órgãos públicos, a fim de concretizar os seus
projetos – fala-se na troca mútua com o Ministério Público do Trabalho, com o Poder
Judiciário Trabalhista, com o SINE/FGTAS, dentre outros.
Cumpre salientar que a grande demanda do Balcão do Trabalhador em Passo
Fundo/RS incentivou que o Programa irradiasse para Soledade/RS e Lagoa
Vermelha/RS, levando para essas outras cidades as mesmas atividades e ações
desempenhadas em Passo Fundo.
O Programa de Extensão refletiu positivamente perante todos os envolvidos –
Universidade, Comunidade, Poder Público e demais Órgãos e Entidades –, isso fez com
que o ensino, a pesquisa e a extensão se direcionassem a análise, ao estudo e ao
reconhecimento de alguns segmentos da sociedade. Significa dizer que alguns projetos
foram formulados a fim de recepcionar e acolher públicos específicos, assim sendo,
serão elucidadas as principais características de alguns desses projetos que estão em
andamento, entre eles: Balcão nas Escolas, Trabalho do Preso e Trabalho dos
Imigrantes.
O Projeto Balcão nas Escolas trabalha diretamente com os alunos de algumas
escolas estaduais e municipais e acontece por meio de conversas com as crianças
(alunos), seus pais e seus professores, conscientizando os mesmos a respeito da
necessidade de erradicar o trabalho infantil. Ainda, constatando por denúncias a
existência de irregularidades, possibilita o envio de informações ao Ministério Público
do Trabalho, o qual passa a ter ciência das denúncias e procede com a investigação.
Com o Projeto do Preso, busca-se analisar o impacto do trabalho no modelo de
ressocialização preconizado pelas Associações de Proteção e Assistência ao Condenado
(APACs). Assim, a abordagem se dá sobre o início da execução penal e os regimes de
cumprimento da pena privativa de liberdade, bem como a relação existente entre o
encarceramento e a atividade laborativa. Por fim, são apresentados aos alunos o método
APAC com os seus 12 (doze) elementos, em especial o trabalho e a sua importância no
cumprimento da pena, ressocialização e resgate da dignidade da pessoa humana.

6
Para que pudesse atingir seu objetivo primordial – dar atendimento a comunidade –, o Programa de
Extensão Balcão do Trabalhador instalou-se no centro da cidade, em local amplo e acessível, com isso
pretende responder às demandas trabalhistas, em especial as que envolvam os menos favorecidos.
136

O Projeto voltado para os Imigrantes surgiu em razão do considerável número de


imigrantes que residemno município de Passo Fundo/RS, sendoconstatadaa dificuldade
de muitos se colocarem no mercado de trabalho.Por isso, objetiva-se prestar
informações básicas sobre as relações de emprego brasileira e sobre a Consolidação das
Leis Trabalhistas, prevenindo o abuso de direitos dos imigrantes.
Além dos citados acima, o Programa Balcão do Trabalhador também remete a
sua atenção a Projetos envolvendo outras temáticas, entre as quais: Pessoas com
Deficiência e o Mundo do Trabalho, o Trabalho do Idoso, Abril Verde (projeto de saúde
e segurança do trabalho), Trabalho da Mulher e Assédio Moral no ambiente laboral.
Portanto, o Programa de Extensão Balcão do Trabalhadorao prezar pela
dignidade da pessoa humana, acolhe todo e qualquer empregado e/ou empregador que
solicite auxílio, igualmente, fica à disposição para ajudar os sujeitos que se enquadram
nos projetos acima descritos a fim de ocuparemas vagas disponíveis no mercado de
trabalho.Partindo desse pressuposto, o atendimento humanizado e solidário integra um
dos objetivos da equipe, a qual incentiva a franqueza e o diálogotransparente para a
satisfação da demanda.

CONCLUSÃO

Com o modelo de Programa de Extensão Balcão do Trabalhadora a presente


pesquisa buscou demonstrar que o ensino, a pesquisa e a extensão sãoindissociáveis e
indispensáveis para o currículo de uma Universidade. A aprendizagem que transcende o
espaço da sala de aulaalém de aproximar os alunos da realidade social também instiga a
formação de profissionais comprometidos.
A comunidade de Passo Fundo e região, ao serem atendidas pelo presente
Programa de Extensão, conseguem perceber a importância dessa prática para a solução
das demandasque tenham como núcleo as relações de trabalho. Num primeiro momento,
de forma extrajudicial e com o apoio de docentes e alunos, busca-se prevenir e evitar
futuros litígio entre empregados e empregadores.
Os alunos, ao cumprirem as suas atividades, conseguem colocar em prática os
conhecimentos adquiridos dentro da sala de aula, propiciando um aperfeiçoamento
técnico necessário à sua complementação educacional. Além disso, com os
atendimentos à comunidade, conseguem desenvolver uma formação humanística
137

voltada para a dignidade da pessoa humana, atingindoum dos objetivos da instituição


promovedora do Programa.
Necessário destacar que a interdisciplinaridade dos projetosdesenvolvidos –
Balcão nas Escolas, Trabalho do Preso e Trabalho dos Imigrantes, entre outros – faze
com que o aluno do curso de Direito entre em contato com vários outros cursos da
Universidade de Passo Fundo,isso amplia a sua gama de conhecimentos, pois a
integração entre as ciências se consolida em prol de um objetivo comum.
O Programa de Extensão também permite que os alunos acompanhem os
docentes na execução de atividades, como por exemplo, na realização de audiências –
quando as demandas trabalhistas são judicializadas –, bem como nas reuniões com as
parcerias firmadas. Consequentemente, os alunos conseguem identificar as suas
habilidades e competências, surgindo opções de atuação no mercado de trabalho como
operadores do Direito.
Portanto, visualiza-se a prática da extensão no ensino universitário como um
fator determinante para a aquisição de habilidades profissionais, de modo que, essa
trajetória acadêmica diferenciada incentiva a necessária formação humanística a partir
das diversas situações que o mundo do trabalho revela.

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139

FORMAÇÃO HUMANA E EDUCAÇÃO JURÍDICA:


REFLEXÕES A PARTIR DA PERSPECTIVA HABERMASIANA

Marcio Renan Hamel1

Resumo: A presente pesquisa aborda o potencial pedagógico-crítico da teoria da ação


comunicativa de Habermas, para a educação jurídica e a formação humana do futuro
operador do Direito. O texto apresenta inicialmente uma análise da situação atual do ensino
superior, tendo em vista as mudanças impostas pelo mercado na educação, as quais
também refletem na relação pedagógica. Em segundo momento, trata de apresentar, de
forma analítica, pontos-chave da teoria da ação comunicativa a fim de fundamentar o seu
caráter positivo e contributivo para a ação pedagógica. Posteriormente, a pesquisa faz uma
análise do potencial pedagógico-crítico para a formação humana na perspectiva jurídica,
concluindo, ao final, no sentido de que a prática dialógica no processo de ensino-
aprendizagem é elemento-chave para uma pedagogia libertadora e não alienante, capaz de
formar sujeitos com pensar crítico e inovador.

Palavras-chave:ação comunicativa; educação jurídica; formação humana.

INTRODUÇÃO

Toda pesquisa e reflexão consequente acerca da educação jurídica implica o


envolvimento simultâneo de três áreas: a educação, a filosofia e o direito. A educação
enquanto processo necessário ao ser humano, afim de torna-lo um ser social, capaz de
conviver com outros sujeitos e, ao mesmo tempo, de oferecer suporte para o
desenvolvimento de certas habilidades para determinada área do saber, tornando-o um
profissional capacitado. A filosofia, por sua vez, enquanto área capaz de oferecer a
reflexão sobre o fundamento da relação pedagógica. O direito, como uma ciência social
aplicada, com conteúdo bem específico em relação às humanas, absorve em sua relação
pedagógica uma forma advinda do contexto educacional.
Nesse contexto, o modo pelo qual se pensa a relação entre filosofia e pedagogia irá
depender do conceito que se assume delas. Para pensar essa relação se torna necessário
encontrar um ponto comum entre filosofia e pedagogia, o que pode ser pensado a partir do
conceito de ação humana. Com isso, o conceito acerca de ação pedagógica pode ser

1
Pós-Doutor em Direito pela URI Santo Ângelo/RS. Doutor em Ciências Jurídicas e SociaispelaUff/RJ.
Mestre em Direito, Cidadania e Desenvolvimento pela Unijuí/RS. Graduado em Direito e Filosofia pela UPF.
Professor da Faculdade de Direitoedo PPGDireito pela UPF. Advogado - OAB/RS 55.559. E-mail:
marcio@upf.br.
140

refletido a partir de uma análise filosófica da ação humana, possibilitando a busca de novas
perspectivas da educação e, neste caso, em especial, à educação jurídica.
Quanto aos conceitos de ação humana e ação pedagógica, deve-se entender que a
pedagogia precisa se ocupar com o sentido e a finalidade da ação em suas dimensões
metodológicas e didática, o que exige dela uma atitude problematizadora e reflexiva, a qual
é conquistada por meio do seu diálogo com a filosofia. Desse diálogo, a pedagogia assume
uma tematização universalista do conceito de ação humana que é própria da filosofia. O
presente estudo analisará o conceito de ação humana, que é própria da filosofia, a partir da
racionalidade habermasiana, onde a ação humana é constituída pela linguagem em seu
sentido pragmático.
Para percorrer o caminho anunciado a presente pesquisa está dividida em três
seções: a) a primeira seção aborda a atualidade da educação superior, bem como busca
localizar as práticas pedagógicas da educação jurídica neste contexto; b) a segunda seção
trata da perspectiva da racionalidade habermasiana a partir da teoria da ação comunicativa
e sua contribuição para uma renovada perspectiva pedagógica; c) a terceira seção analisa as
contribuições da teoria da ação comunicativa para a formação humana na perspectiva,
então, da educação jurídica.
Por fim, cabe dizer que a metodologia no domínio filosófico não ocorre em
separado da própria atividade de pensamento. Por essa razão se diz que a questão do
método já significa uma questão de pensamento. Dessa forma, procedimento metódico de
tal análise caracteriza-se pelos seguintes momentos: análise e esclarecimento de conceitos;
identificação da ideia-chave; e argumentos; tentativa de resumo e reconstrução pessoal do
texto; como método de abordagem utiliza-se o hermenêutico-fenomenológico, no qual a
categoria epistemológica fundamental é a compreensão e a meta é a interpretação dos
fatos.

1 A ATUALIDADE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

A primeira preocupação a ser compartilhada reside no atual diagnóstico da


educação superior no Brasil. Este diagnóstico permite refletir sobre o presente e os rumos
da educação atual e a educação que se deseja. De forma geral, o curso de direito é tão
afetado pelos desdobramentos atuais da economia globalizante quanto as demais áreas do
saber. Por esse motivo, não é possível fazer quaisquer análises críticas do ensino jurídico
desacoplado do contexto do ensino superior, quer seja no mundo, quer seja no Brasil.
141

No entanto, a presente pesquisa está reflete, obrigatoriamente, o ensino jurídico no


Brasil, porquanto não desconsidera os reflexos causados internamente na universidade
brasileira decorrentes das novas formas de produção capitalistas, bem como da forte lógica
imposta pela economia de mercado global na educação superior.
Conforme explicam Cenci e Dalbosco (2014, p.314), a perda crescente de
autonomia do ensino superior e a sujeição progressiva do sistema educacional às
tendências tecnicistas da sociedade da sociedade de mercado global, estão gerando o
reducionismo na formação profissional, a qual se concentra cada vez mais no domínio
técnico especializado, não estimulando o convívio intercultural e, tampouco, o respeito de
pontos de vista diferentes.
Nesse contexto, pode-se dizer que a tendência tecnicista mercadológica como guia
do processo educacional coloca em risco iminente “uma formação não mais voltada à
democracia, compreendida como forma de vida humana mais apropriada às sociedades
plurais” (CENCI; DALBOSCO, 2014, p.314).
A ideia de ensino vendida pela economia de mercado globalizada oferece um saber
técnico e não necessita de nenhuma fundamentação, primando pelo imediatismo e
pragmatismo. Nesse sentido,

a produção estandardizada, característica dos modernos sistemas de produção em


massa, cede ao controle de qualidade e produção personalizada, à introdução de
fórmulas de desregulamentação que favorecem ajustes rápidos e flexíveis.
Introduzem-se novos conceitos de espaço e de tempo que começam a se refletir
no educativo, gerando uma profunda crise (crise de fundamento) com a qual
ainda não aprendemos a lidar (GOERGEN, 2005, p.73).

Segundo observa Goergen (2009, p.58), nos tempos atuais onde a celeridade das
mudanças deixou explícito e consciente o caráter histórico do devir humano, a formação
aparece como projeto individual e coletivo de natureza democrática e partilhada.
De acordo com a filósofa norte-americana Martha Nussbaum, a crise mundial da
educação é uma crise silenciosa, em que países e seus sistemas educacionais estão
descartando imprudentemente, competências indispensáveis para se manter viva a
democracia. Essas competências está ligada às humanidades: a capacidade de pensar
criticamente e a capacidade de imaginar, com simpatia, a situação em que o outro se
encontra (2015, p.08).
Eis segundo Nussbaum, o que se pode denominar de espírito das humanidades: “a
busca do raciocínio crítico, das ideias ousadas, da compreensão empática das diferentes
142

experiências humanas e da compreensão da complexidade do mundo em que vivemos”


(2015, p.09).
A formação enquanto educação geral humanística (Bildung) vem sendo achatada
pela ideia de formação de uma educação mais técnica (Ausbildung). Para Savater, o
principal problema da atualidade, no campo da educação, é o desaparecimento nos
programas de estudo, das humanidades, as quais vem sendo substituídas por especialidades
técnicas que irão mutilar as futuras gerações da visão histórica, literária e filosófica
imprescindível para o desenvolvimento completo da ideia de plena humanidade. Daí que a
questão merece ser considerada, pois “a reflexão sobre o ensino que queremos ou
rejeitamos nos obriga a meditar também sobre a qualidade da própria cultura em que nos
movemos hoje” (2005, p.112).
As faculdades que o humanismo pretende desenvolver são “a capacidade crítica de
análise, a curiosidade que não diz respeito a dogmas nem a ocultismos, o sentido de
raciocínio lógico, a sensibilidade para apreciar as mais elevadas realizações do espírito
humano, a visão de conjunto diante do problema do saber etc” (SAVATER, 2005, p. 114).
Nesse sentido, o refere que aprender a discutir, a refutar e a justificar o que se pensa é parte
indispensável de qualquer educação que aspire ao título de “humanista”.
Aliado a esses problemas de fundo mencionados, conforme aponta Cláudia Servilha
Monteiro (2004, p.195), nota-se em quase toda área de conhecimento uma disputa entre o
saber tradicional e o saber crítico. No Direito, o formalismo assume a função do saber
hegemônico, cujo nome recebido é dogmática jurídica. Assim, a cultura jurídica dogmática
nas academias brasileiras imprimiu determinados traços que ultrapassou a forma de
conceber o estatuto teórico do Direito, acabando por determinar a forma de entender,
pesquisar, pensar, praticar e ensinar os conteúdos determinados como jurídicos.
Segundo Monteiro (2004, p.226), o enfoque dogmático e formal sobre os temas
jurídicos produziu educadores com imensa dificuldade em operar com o humano em sala
de aula, cultivando até mesmo aversão pelas discussões mais amplas no espaço da classe,
havendo, inclusive, certa fobia pela vivência de caráter reflexivo dos alunos. Afirma,
ainda, Monteiro que

o uso e o abuso do recurso de estudo versicular dos códigos, tratados como as


Sagradas Escrituras, a exigência frequente, feita pelo docente aos alunos para
que arquive mentalmente os conteúdos didáticos como peças prontas e
indiscutíveis de aquisição intelectual, inviabilizam qualquer proposta de
transformação humanística e emancipatória dos estudantes (2004, p.226).
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Nesse sentido, necessita-se (re)pensar o conceito de formação a partir de uma


perspectiva pedagógica que ofereça condições ao educando e futuro bacharel em Direito de
pensar os problemas da sociedade de forma articulada entre a teoria e a prática. A ingênua
leitura ou simples repasse dos conteúdos dogmáticos não torna ninguém mais crítico e com
capacidade de articular com habilidade a previsão genérica e abstrata da norma jurídica a
contextos sociais totalmente adversos.
Por isso, precisa-se refletir sobre a formação humana no contexto da educação
jurídica. Formação, de acordo com Goergen (2019, p.32), significa “a arte de o sujeito se
constituir historicamente na consciente articulação entre a positividade do presente, as
carências do passado e as possibilidades do futuro”. Para tanto, a presente pesquisa aborda
a ideia ou o conceito de formação a partir da teoria da ação comunicativa de Jürgen
Habermas, considerando, principalmente aí, o conceito de ação humana, a partir de onde
defende-se o fundamento para uma pedagogia da ação comunicativa no ensino jurídico.

2 A FORMAÇÃO HUMANA NA PERSPECTIVA DA RACIONALIDADE


HABERMASIANA

Na Teoria da Ação Comunicativa, publicada originariamente no ano de 1981,


Habermas aborda ao longo da introdução o conceito de razão, o qual é discutido a partir de
uma perspectiva filosófico-sociológica. Habermas expõe neste texto quatro modelos de
ação, a saber: a) o teleológico; b) o normativo; c) o dramatúrgico e; d) do comunicativo, a
partir de onde se analisará o que o filósofo entende por ação. Nesse sentido, coloca-se duas
perguntas norteadoras: o que significa ação para Habermas e em que sentido esse conceito
habermasiano de ação pode se tornar produtivo para se pensar, de maneira específica, o
conceito de ação pedagógica. Essas duas questões permitem o nexo entre filosofia e
educação.
O conceito de ação para Habermas pode ser dividido em ação não linguística
(movimentos corporais) e ação linguística (ação teleológica, ação normativa, ação
dramatúrgica e ação comunicativa). Interessam para a presente pesquisa os modelos de
ações linguísticas, conforme já esclarecido.
No modelo de ação teleológica a linguagem é usada como meio para que o falante
alcance sua finalidade. Aqui o ponto principal é que o ouvinte é tomado como instrumento
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e a preocupação não é a busca pelo entendimento. A ação teleológica é orientada por uma
razão de tipo instrumental, por meio da qual ocorre uma instrumentalização da linguagem
(HABERMAS, 1992, p.137). Nota-se aqui uma relação meio-fim. Na ação teleológica, de
acordo com Habermas, há um comportamento de interesse, isto é, na comunicação com o
outro já penso como posso usá-lo para alcançar o fim proposto.
Na ação normativa, a linguagem é o meio que transmite valores culturais, sendo
entendida como meio de formação de consciência, em sentido limitado. Poderá ainda haver
predomínio de uma razão instrumental, mas também de uma razão comunicativa
(HABERMAS, 1992, p.137).
Na ação dramatúrgica a linguagem é um meio de autopreservação. Aqui também
poderá a linguagem ser entendida como meio de formação de consenso possuindo função
meramente expressiva. Pode estar presente tanto a razão instrumental como a razão
comunicativa (HABERMAS, 1992, p.137).
Por fim, na ação comunicativa há o predomínio da razão comunicativa. A busca
pelo entendimento é a condição de possibilidade da ação comunicativa. O entendimento é
tratado por Habermas como sinônimo de consenso, o qual deve ser conquistado
racionalmente, excluindo-se acordos tácitos, falsos e de aparências. O entendimento deverá
ser resultado de uma argumentação racional (HABERMAS, 1992, p.138).
Habermas (1992, p.138) adverte que os três primeiros modelos de ação, quais
sejam, a teleológica, a normativa e a dramatúrgica apresentam limites em sua
comunicação. Na ação teleológica a linguagem se expressa em relação ao seu próprio fim.
Na ação normativa o limite é de atualizar um acordo normativo existente. E no terceiro
modelo, da ação dramatúrgica, o limite é o de querer criar apenas uma imagem da pessoa.
No entanto, a única vantagem que esses modelos apresentam é de que todos procuram
levar em conta as formas de se expressar a linguagem.
Há que se deixar claro, ainda, que Habermas chama a atenção para o fato de que o
modelo da ação comunicativa possa apresentar o problema de que a linguagem possa ser
reduzida à conversação, isto é, sem interação, onde somente um agente fala e não assume a
postura de escuta.
Para Habermas o entendimento linguístico é o mecanismo de coordenação da ação,
considerando-se que para os indivíduos viverem em sociedade depende-se do
estabelecimento de acordos sociais. Portanto, o entendimento linguístico significa uma
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meta, um interesse de solidariedade que constitui a vida social, um acordo nas divergências
e contradições para que a convivência entre todos seja possível.
A ação é, segundo Habermas, manifestação linguística, uma vez que ela é a relação
do agente para com um mundo. Nesse sentido, é a relação do ser humano com algo além
dele. No conceito de ação deve estar presente um certo grau de autonomia, o que diferencia
a ação comunicativa de outros modelos de ação.
Os atos de fala formam a ação comunicativa numa tripla dimensão: por meio do
conteúdo proposicional, na medida em que oferece uma relação interpessoal e expressa a
intenção do falante. A ação comunicativa é uma concepção pragmática de linguagem, onde
os atos de entendimento não podem ser vistos somente como uma oração gramatical, mas
sim como uma ação reflexiva do falante com o mundo num sistema onde reúne os três
mundos (objetivo, social e subjetivo), sempre buscando o entendimento.
No conceito de ação comunicativa o indivíduo está relacionado com três mundos:
a) mundo objetivo: natureza (objeto), conhecimento e verdade; b) mundo social: sociedade
(normas), ética e direito; c) mundo subjetivo: personalidade (indivíduo), consciência e
sensibilidade.
Por meio da ação comunicativa falantes e ouvintes estabelecem relações entre si,
integrando os três mundos num sistema com pretensões de validez. Habermas sustenta a
tese de que se um falante quer se entender com um ouvinte sobre algo no mundo, ele
precisa assegurar que seu ato de fala seja inteligível, verdadeiro, correto e expressivo.
Nesse sentido, deve haver coerência entre o dizer teórico e a ação realizada, uma vez que
o ato de fala somente será válido e verdadeiro se não ocorrer contradição no dito e no
praticado.
Desde a década de 1960, em textos anteriores à Teoria da Ação Comunicativa,
Habermas questionou o projeto positivista da razão e sua maneira de postular a verdade e a
objetividade do conhecimento tão-somente em prol do método, escondendo-se, na razão
instrumental, a capacidade de se manipularem as regras formais. O Estado moderno busca
preservar o funcionamento da economia e, para tal, enfrenta dificuldades, tendo em vista
que procura sempre maximizar ou otimizar lucros por meio de uma posição econômica que
lhe seja favorável no mercado internacional, com ênfase ao atendimento do sistema
produtivo, chegando ao modelo esgotado do Estado de bem-estar social.
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Habermas busca que o Estado volte a ser espaço de integração social e não um
subsistema aliciado pelo sistema econômico, dirigido pelo princípio da acumulação do
capital.

3 ELEMENTOS PARA A FORMAÇÃO HUMANA NA PERSPECTIVA JURÍDICA

De acordo com Gomes, a política enquanto dimensão vital da sociedade, que


compunha a essência da Paidéia grega e do ideário de Bildung, encontra-se hoje reduzida à
sua dimensão sistêmico-administrativa (2018, p.91). Tal fato denota o esvaziamento da
esfera pública e o distanciamento da sociedade civil dos temas sociais e humanos.
Os subsistemas fechados em si mesmos, demonstram uma forte ameaça às formas
de socialização política, pois, esses acabam se distanciando dos reais problemas e
interesses da maioria da população, gerando na sociedade uma atitude passiva, e com
capacidade reduzida de pressão sobre as organizações sociais representativas (2018, p.98).
A teoria crítica da sociedade continua fornecendo elementos capazes de realizar a
crítica social contemporânea. O ideal de emancipação presente na tradição do pensamento
da Escola de Frankfurt é exemplo claro de que ainda há espaço para reflexões dessa
natureza. Nesse sentido,

a educação pode ajudar a desenvolver a consciência política dos cidadãos, como


o fortalecimento da capacidade administrativa e argumentativa das pessoas,
viabilizando, dessa forma, o debate público de discussão e de deliberação dos
interesses da sociedade civil, para o exercício democrático efetivo de uma
sociedade de direitos (GOMES, 2018, p.100).

Habermas observou que os reformadores do projeto de educação da Universidade


de Berlim atribuíram à filosofia uma força unificadora com referência a três aspectos que
atualmente poderiam ser chamados de tradição cultual, socialização e integração social: “A
ciência filosófica fundamental era, em primeiro lugar, de base enciclopédica e estava por
isso em condições de assegurar a unidade na diversidade das disciplinas científicas, bem
como a unidade da ciência com a arte e a crítica, por um lado, e o direito e a moral, por
outro lado. A filosofia apresentava-se como a forma de reflexão da cultua no seu todo”
(1993, p.116).
A tarefa dessa nova postura é de proporcionar uma relação professor-aluno crítica e
libertadora, desapegada dos paradigmas da filosofia da consciência, portanto, apta a
147

oferecer ao aluno um novo potencial reflexivo para o campo jurídico. Dentro dessa
perspectiva,

a filosofia não tem mais o poder que a tradição lhe atribuía de oferecer um
conhecimento totalizador, definitivo, salvacionista, nem tem a função profética
de prever um futuro e de esclarecer que condições devem ser criadas para que
esse futuro se realize. [...] A tarefa da filosofia atual consiste em delimitar uma
concepção mínima de racionalidade e de esclarecer as confusões que
determinadas concepções de conhecimento – inclusive dela própria – têm
provocado na humanidade. [...] cabe à filosofia trabalhar interativamente com os
outros campos do saber em, pelo menos, dois planos: na busca da compreensão
dos diferentes sentidos dos fazeres humanos e na busca de argumentos válidos
que validem as ações humanas. (MÜHL, 2003a, p. 69-70).

A partir de tais propostas, localiza-se o projeto habermasiano como próprio projeto


emancipatório libertador que, de acordo com Mühl, se traduz em um processo de
construção das próprias condições necessárias do entendimento em geral, dos sujeitos que
agem entre si de forma comunicativa. A prática pedagógica aliada ao procedimento
comunicativo permite a formação dos professores e alunos, traduzindo-se em uma
educação que efetiva o seu potencial de emancipação.
Essa nova perspectiva da relação pedagógica, estar-se-á atingindo a finalidade
emancipatória da teoria crítica, “que sempre foi a de restabelecer o poder crítico-libertador
da razão humana através do revigoramento do pensamento dialético nascido na
modernidade” (MÜHL, 2003b, p. 137).
De acordo com Goergen, o ponto nevrálgico de qualquer “filosofia da educação que
se ocupa da formação do homem contemporâneo, sobretudo, pelo fato de que, quanto mais
o indivíduo se julga autônomo e independente das relações sociais, mais ele se anula como
sujeito” (2009, p.51).
Nesse sentido, conforme observa Goergen, o ponto-chave da formação
contemporânea é fortalecer no espírito humano o sentido de abertura e a capacidade de
partilhar o desenvolvimento de estratégias comuns no intuito de melhorar as condições do
indivíduo e da sociedade,

O caminho para a formação moral em tempos secularizados, em que nem a


religião nem a tradição são argumentos suficientes, passa pelo convencimento
racional que, de um lado, se origina do contexto cuja vivência convence a
respeito de formas respeitosas e solidárias de convivência e, de outro lado, pela
argumentação, ou, em termos habermasianos, pela ação comunicativa na qual se
tematizam normas, valores e leis com o objetivo de validá-las criticamente de
modo que se tornem dignas da adesão de todos (GOERGEN, 2005, p.84).
148

Na perspectiva aqui defendida, o ideal de formação humana “passa a ser


compreendido como um processo aberto, cujo sentido é dado e permanentemente
reconstruído pela participação dialógica de todos os concernidos” (CENCI; DALBOSCO,
2014, p.331).
Na lição de Luis Alberto Warat (2004, p.362-363), uma nova didática jurídica
implica a implementação de técnicas e estratégias pedagógicas atualizadas, bem como um
reexame do que secularmente se vem denominando de “fenômeno jurídico”. Não pode
haver comunicação pedagogicamente eficiente se não se conhece as condições estruturais
em que o pensamento, a linguagem e a ação se produzem. Por isso, para a constituição de
uma teoria educacional de nível espistemológico, o principal esforço a realizar consiste em
ultrapassar de um conjunto de ciências humanas justapostas para uma compreensão do
homem em sua totalidade.
A educação em termos de uma epistemologia, como proposta por Warat, propõe
fundamentalmente o desenvolvimento de uma metodologia do aprender crítico, uma vez
que a consciência epistemológica exige a necessária correlação entre reflexão e práxis. A
pedagogia defendida por Warat é uma pedagogia comunicacional, cuja base
epistemológica da educação se fundamenta em um processo de intercomunicação entre
educador e educando, com acentuado papel da linguagem. Nesse sentido, e pedagogia
comunicacional guarda estreitas semelhanças com a pedagogia da ação comunicativa de
Habermas.
Concorda-se com a análise de Freitag (1994, p.30) ao afirmar que, a rigor, falta à
sociedade brasileira um ideal modelo pedagógico, como na Grécia Antiga ou na Europa
das Luzes, não há uma concepção de pedagogia de qualidade. Tal constatação se repete nas
faculdades de Direito, com raras exceções. Freitag argumenta que um dos principais
limites para a implementação de uma pedagogia de qualidade decorre do círculo vicioso
dos maus educadores que dificilmente desenvolverão “virtudes supremas” em seus
educandos.
Sob a perspectiva de uma “pedagogia da ação comunicativa”, a relação professor-
aluno aparece sob o horizonte da autoconstituição da humanidade enquanto humanidade
solidária e que implica o reconhecimento mútuo de sujeitos” (BOUFLEUER, 2001, p.86).
Formação aqui adquire a ideia de socialização dos sujeitos, de uma educação que fomente
o raciocínio crítico e, ao mesmo tempo, uma ação humanizadora, diferentemente de
pedagogias verticais, onde somente o professor fala, constata, conclui e “ensina” a letra fria
149

da lei, não se propondo, sequer, à atividade hermenêutica mediada juntamente com os


alunos, os quais são o motivo maior do se fazer professor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da presente pesquisa, pode-se apontar para algumas notas conclusivas.


Inicialmente, pode-se constatar que na atualidade a mercantilização da educação tem
afetado de forma profunda relação pedagógica educacional, onde as tendências tecnicistas
da sociedade da sociedade de mercado global, estão gerando o reducionismo na formação
profissional, a qual se concentra cada vez mais no domínio técnico especializado, não
estimulando o convívio intercultural e, tampouco, o respeito de pontos de vista diferentes.
Em segundo lugar, o dogmatismo já presente no ensino jurídico produziu
educadores com imensa dificuldade em operar com o humano em sala de aula, conforme
constata Monteiro, demonstrando pouca ou nenhuma habilidade para o fomento do debate
saudável acerca dos conteúdos jurídicos ministrados e sua necessária reflexão e crítica
pertinente ao contexto social. O dogmatismo jurídico se reforça ante o tecnicismo atual da
educação e aprimora o achatamento da formação humana no contexto da Padeia grega ou
da Bildung alemã. O pensar se reduz ao memorizar. O enfraquecimento do ensino das
humanidades nas faculdades de Direito terá como consequência o não-pensar. O não-
pensar o social, o não-pensar a pobreza, o não-pensar a diferença, o não-pensar o outro.
Daí a necessidade de estabelecer do ponto de vista da escolha da relação pedagógica, bem
como das políticas e diretrizes educacionais o limite da técnica, sob pena de se recair num
otimismo ingênuo, como consequência da ideia de que o ensino técnico e o
empreendedorismo irão salvar a sociedade das mazelas humanas.
A educação jurídica e a formação humana andam juntas e assumi-las é assumir uma
perspectiva pedagógica renovadora capaz de colocar o humano no centro das reflexões, ao
mesmo tempo em que deve ser apta a preparar o pensamento crítico voltado às perguntas e
não às respostas prontas. Desde a perspectiva hipotética da norma jurídica até o fato social
a ser resolvido há uma distância abissal, a qual somente será diminuída no momento da
aplicação da norma ao caso concreto se, e somente se, aquele que aplica o Direito estiver
disposto a dialogar, a perguntar sobre o caso e a perguntar sobre a norma.
Desde o ponto de vista da presente pesquisa, a perspectiva pedagógica discutida e
colocada a reflexão é a dada a partir da teoria da ação comunicativa, onde a prática
dialógica no processo de ensino-aprendizagem é elemento-chave para uma pedagogia
150

libertadora e não alienante. Na ação comunicativa os sujeitos assumem uma perspectiva


performativa de reconhecimento, superando-se a perspectiva objetivadora, onde os outros
aparecem enquanto objetos ou entes passíveis de manipulação. Nesse sentido, a
possibilidade de renovação das práticas da educação jurídica passa pela necessária reflexão
da formação humana, implicando, portanto, assumir uma relação pedagógica a partir de
onde se pode falar em uma filosofia da educação.

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LA ENSEÑANZA DEL DERECHO EN LA EDUCACIÓN SUPERIOR


ARGENTINA: EXPERIENCIAS DE LA CARRERA DE ABOGACÍA EN SU
DIMENSIÓN ÁULICAANTE LA MIGRACIÓN DE LA
MODALIDADPRESENCIAL A LA MODALIDAD A DISTANCIA POR LA
EMERGENCIA SANITARIA

MateoFusalba1

Resumen: El presentetrabajo pretende mostrar la experiencia de la Carrera de Abogacía


de la Universidad Maimónides, en su dimensión áulica, ante el cambio de la modalidad
presencial hacia la modalidad a distancia del dictado de clases, consecuencia de la
Emergencia Sanitaria generada por el COVID-19. Comenzamos por las normas que
regulan la educación superior en la Argentina, el régimen de títulos, las carreras de
interés público, y en especial la carrera de Abogacía. A continuación, analizamos las
acciones del gobierno vinculadas directa o indirectamente a la Educación Superior, las
acciones propias de la universidad y de la carrera, ante las transformaciones que ha
generado la migración forzosa del dictado de clases presencial al dictado de clases en
forma remota. Para finalizar, se propone una planificación deuna temática teórica
práctica en el aula de Derecho Procesal Laboral.

Palabras claves: Educacion Superior Argentina. Enseñanzadelderecho. Abogacia.


Practicaprofesional. Derecho laboral.

EDUCACION SUPERIOR EN LA ARGENTINA

La educación superior en la República Argentina se encuentra regulada


enlaLeydeEducaciónSuperior Nº 24.521 (enadelante LES), sancionada el 20 Julio de
1995 y promulgadaparcialmente el 7 Agosto de 1995.
La enseñanza superior universitária está a cargo del Sistema Universitario
Nacional, integrado por las universidades nacionales, universidades provinciales y
universidades privadas reconocidas por el Estado nacional y los institutos universitarios.
En tanto, el Art.27 de laLES,especifica que:
“las instituciones universitarias tienen por finalidad la generación y
comunicación de conocimientos del más alto nivel en un clima de libertad,
justicia y solidaridad, ofreciendo una formación cultural interdisciplinaria
dirigida a la integración del saber, así como una capacitación científica y
profesional específica para las distintas carreras que en ellas se cursen, para

1
Abogado. Contador Público Nacional. Profesor en Educación Media y Superior en la Disciplina de
laAbogacía.Docente e Investigador. SubDirectordel Departamento de DerechodelTrabajo de
laUniversidadMaimónides. Email: mateofusalba@gmail.com.
153

beneficio del hombre y de la sociedad a la que pertenezcan”.(Art. 27. Ley


24.521. Ley de Educación Superior, 1995)

REGIMEN DE TITULOS

El régimen de títulos se encuentra normado en la LES, entre los artículos 40 a 43


inclusive. Dentro del marco de la autonomía de las instituciones universitarias, una de
susatribuciones es el régimen de títulos, destacando:
- El otorgamiento de grados académicos y títulos habilitantes conforme a
las condiciones que se establecenenla LES;
- Revalidarlos títulos extranjeros(solo como atribución de las
universidades nacionales).
Por consiguiente, el régimen de títulos corresponde exclusivamente a las
instituciones universitarias, que pueden otorgar los títulos de:
- Grado o de Licenciado y títulos profesionales equivalentes;
- Magister;
- Doctor.
El reconocimiento oficial de los títulos que expidan las instituciones
universitarias será otorgado por el Ministerio de Educación.
Los títulos con reconocimiento oficial certificarán la formación académica
recibida y tendrán validez en todo el territorio argentino, habilitando para el ejercicio
profesional respectivo, sin perjuicio del poder de policía sobre las profesiones que
corresponde a las provincias.
Por lo que refiere al ejercicio de la Abogacía en el ámbito de Ciudad Autónoma
de Buenos Aires, la Ley 23.187 sancionada y promulgada en junio de 1985, enuncia los
requisitos para el ejercicio de la profesión de abogado, como así la creación del Colegio
Público de Abogados de la Capital Federal.
Son requisitos para el ejercicio de la profesión de abogado en jurisdicción de la
Capital Federal:
a) Poseer título habilitante expedido por autoridad competente.
b) Hallarse inscripto en la matrícula que llevará el Colegio Público de Abogados de la
Capital Federal que por esta ley se crea. (…);
c) No encontrarse incurso en las incompatibilidades o impedimentos (...).(Art. 2. Ley
23.187. Ley de Abogacía, 1985)
154

Retomando a lo específico sobre los títulos, los conocimientos y capacidades


que certifican, así como las actividades para las que tienen competencia sus poseedores,
serán fijados y dados a conocer por las instituciones universitarias, debiendo los
respectivos planes de estudio respetar la carga horaria mínima que para ello fije el
Ministerio de Educación, en acuerdo con el Consejo de Universidades.

CARRERAS DE INTERES PUBLICO

Según el ART.43 de la LES:


“Cuando se trate de títulos correspondientes a profesiones reguladas por el
Estado, cuyo ejercicio pudiera comprometer el interés público poniendo en
riesgo de modo directo la salud, la seguridad, los derechos, los bienes o la
formación de los habitantes, se requerirá que se respetenlossiguientes
requisitos:
a) Los planes de estudio deberán tener en cuenta los contenidos curriculares
básicos y los criterios sobre intensidad de la formación práctica que
establezca el Ministerio de Cultura y Educación, en acuerdo con el Consejo
de Universidades:
b) Las carreras respectivas deberán ser acreditadas periódicamente por la
Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria o por
entidades privadas constituidas con ese fin debidamente reconocidas”.(Art.
43. Ley 24.521. Ley de Educación Superior, 1995)

El Ministerio de Educacióndetermina con criterio restrictivo, en acuerdo con el


Consejo de Universidades, la nómina de tales títulos, así como las actividades
profesionales reservadas exclusivamente para ellos y la carga mínima horaria.
Dentro de esa nomina, se encuentra la carrera de ABOGACIA.
Antes de analizarsobre el tema de la carrera de abogacía en particular, tenemos
que mencionar a dos actores fundamentales en el proceso de acreditación de las carreras
del Art. 43 LES:
1) Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria (CONEAU);
2) Consejo de Universidades.
La Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación
Universitaria(CONEAU, 2020), es un organismo descentralizado que funciona en
jurisdicción del Ministerio de Educación de la Nación Argentina.
La CONEAU está integrada por doce miembros, todas personalidades de
reconocida jerarquía académica y científica,designados por el Poder Ejecutivo Nacional
a propuesta de los siguientes organismos: tres por el Consejo Interuniversitario
Nacional, uno por el Consejo de Rectores de Universidades Privadas, uno por la
Academia Nacional de Educación, tres por cada una de las Cámaras del Honorable
155

Congreso de la Nación, y uno por el Ministerio de Educación. Durarán en sus funciones


cuatro años, con sistema de renovación parcial.
Su misión institucional es asegurar y mejorar la calidad de las carreras e
instituciones universitarias que operan en el sistema universitario argentino por medio:
1) Actividades de evaluacióninstitucional,tanto proyectos de creación de instituciones
universitarias privadas, nacionales y provinciales como instituciones universitárias em
funcionamiento;
2) La acreditación de la calidad de la educación universitaria, de las carreras de grado a
que se refiere el artículo 43, así como las carreras de posgrado, cualquiera sea el ámbito
en que se desarrollen.
El Consejo de Universidades está presidido por el Ministro de Educación o por
quien este designe con categoría no inferior a Secretario, y está integrado por: 1) el
Comité Ejecutivo del Consejo Interuniversitario Nacional, 2) la Comisión Directiva del
Consejo de Rectores de Universidades Privadas, 3) un representante de cada Consejo
Regional de Planificación de la Educación Superior y 4) un representante del Consejo
Federal de Cultura y Educación.
Dentro de sus funciones, se pueden mencionar:
 Incentivar la cooperación entre las instituciones del sistema universitario.
 Ayudar a las universidades de todo el país (tanto públicas como privadas) en la toma
de decisiones que generen alta incidencia en la política educativa argentina.
 Fijar la nómina de carreras de interés público incluidas en el artículo 43 de la Ley de
Educación Superior N° 24.521: su carga horaria, los contenidos curriculares básicos
y los criterios de la intensidad de la formación práctica.
 Autorizar el dictado de carreras fuera de la región de la sede
principal.(ARGENTINA, 2020)

LA REGULACION DE LA CARRERA DE ABOGADO

Bajo la premisa que“(…) la deficiente formación de los Abogados compromete


el interés público poniendo en riesgo de modo directo los derechos y los bienes de los
habitantes (…)”(Resolución ME 3246/15, 2015), el Ministerio de Educación mediante
la Resolución 3246-E/2015 del 02/12/2015,declara incluido en la nómina del artículo 43
de la Ley N° 24.521 al título de ABOGADO.
156

Todo ello, previa conformidad del Consejo de Universidades por Acuerdo


Plenario N° 140 de fecha 20 de Octubre de 2015.
Como resultado de la mencionada Resolución, con fecha 08/09/2017,
elMinisterio de Educación mediante Resolución 3401-E/2017, aprueba los contenidos
curriculares básicos, la carga horaria mínima, los criterios de intensidad de la formación
práctica y los estándares para la acreditación de la carrera correspondiente al título de
ABOGADO, así como la nómina de actividades reservadas para quienes hayan obtenido
el respectivo título, consignados en los Anexos I, II, III, IV y V –respectivamente, que
acompañan a la Resolución.
A continuación, se destacan los puntos relevantes a modo de resumen de cada
Anexo mencionado(Anexo I a V. Resolución ME 3401/17, 2017)
Anexo I –Contenidos Curriculares Básicos.
Los contenidos curriculares abarcan información teórica, conceptual y práctica,
de acuerdo con el perfil establecido en este documento, dejando espacio para que cada
Institución elabore el propio.
Los contenidos básicos curriculares deben asegurar la adquisición de los
conocimientos, habilidades y actitudes que permitan un desempeño profesional idóneo.
La definición de los contenidos curriculares básicos que las carreras deberán
cubrirobligatoriamente, resultan esenciales para que el título de Abogado sea acreditado
y ala vez obtenga el reconocimiento oficial a efectos de obtener la validez nacional.
Los ejes temáticos que constituyen y atraviesan los contenidos curriculares
básicosdeben contemplar la formación en:
A. Jurídico político – histórico y sociológico.
B. Jurídico político económico.
C. Jurídico – filosófico.
D. Jurídico – argumentativo.
E. Formación complementaria en otras disciplinas.
Contenidos curriculares para la formación práctica
La necesidad del abordaje de las diferentes prácticas profesionales tales como las
que incorporan losMétodos Alternativos de Resolución de Conflictos, judicial, procesal,
el asesoramientojurídico y legislativo, la alfabetización jurídica, a través de:
 El reconocimiento de la cuestión jurídica.
 La identificación de la situación de hecho. Encuadre jurídico.
157

 La promoción de una actitud de conciencia, compromiso, responsabilidad socialy


una práctica jurídica orientada éticamente en todo el proceso de aprendizaje.
 La utilización de metodologías tales como: análisis de fallos, estudio técnico
decasos, simulación de situaciones de litigio, entre otras.
Anexo II – Carga Horaria Mínima.
El total de la carga horaria mínima es de 2600 horas.
 La formación general einterdisciplinaria debe tener un mínimo de 390 horas.
 La formación disciplinar unmínimo 1560 horas.
 La formación práctica profesional un mínimo de 260 horas.
 Las390horas restantes para completar el total de 2600 horas se deben distribuir entre
lasáreas antes mencionadas.
Anexo III - Criterios de Intensidad de la Formación Práctica.
Estas instancias de formación estarán destinadas a la adquisición de habilidades
yconocimientos metodológicos específicos de la práctica profesional de la Abogacía.
Los objetivos y características principales de estas prácticas son la vinculación
delmundo académico con el mundo profesional, a través de la integración de
losconocimientos teórico-prácticos, que garanticen el aprendizaje de los
contenidosprocedimentales y de las reglas de funcionamiento profesional.
Pueden ser desarrolladas a través de distintas instancias formativas:
1) a lo largo de las unidades curriculares de la formación disciplinar, general
einterdisciplinaria;
2) en un trayecto formativo específico, cuando el alumno esté en condiciones decontar
con los conocimientos que las posibilitan, incorporándose a proyectos os programas de
la propia unidad académica o de instituciones uorganizaciones en las que se
desempeñan profesionales de la disciplina en posicioneslaborales específicas, incluidas
las actividades de investigación.
En este sentido, la resolución ha fijado un mínimo de 260 horas de la carga
horaria, que sedesagrega —a solo título ejemplificativo— entre estas posibles
concreciones:
1) consultorios jurídicos;
2) seminarios de prácticas supervisadas;
3) pasantías supervisadas;
4) talleres de práctica profesional;
5) clínicas jurídicas;
158

6) prácticas profesionales supervisadas en convenio con diversas institucionespúblicas y


privadas;
7) Horas prácticas que formarán parte de las asignaturas en los respectivos programas y
que proporcionarán productos tales como:monografías, informes escritos,
observaciones, entrevistas, investigación, trabajos decampo.
Anexo IV –Estándares para la Acreditación.
Cuando una misma Universidad dicte la carrera de Abogacía en diversas sedes o
extensiones áulicas u otros ámbitos, debe asegurarse el cumplimiento de diversos
estándares englobados en cinco puntos(Anexo IV. Resolución ME 3401/17, 2017, pág.
13 a 16):
I. Contexto institucional
II. Formación y Plan de estudios
III. Cuerpo Académico
IV. Estudiantes y Graduados
V. Recursos e Infraestructura
Anexo V – Actividades Profesionales Reservadas.
Son actividades profesionales reservadas a quienes obtengan el referido título de
ABOGADO:
1) Prestar asistencia jurídica a toda persona física o jurídica que lo requiera,
cuandoestén involucradas decisiones de riesgo directo sobre personas o bienes, tanto en
sedejudicial como extrajudicial;
2) Patrocinar y representar a las partes (incluido el Estado en sus diversos niveles
yformas de organización) en procedimientos administrativos,
contravencionales,judiciales o arbitrales, sean voluntarios o contenciosos;
3) Ejercer la función jurisdiccional en sede judicial y administrativa;
4) Emitir dictámenes e informes jurídicos;
5) Realizar los procesos de sindicatura en sociedades.

LA ENSEÑANZA DEL DERECHO ANTE LA EMERGENCIA SANITARIA

Como resultado de la declaración por parte Organización Mundial de la Salud


(OMS) del brote del COVID-19 como pandemia, con fecha 11 de marzo de 2020 y la
constatación de la propagación de casos del COVID-19 en numerosos países de
diferentes continentes, llegando a nuestra región y a nuestro país, el Estado Nacional
159

Argentino ha realizado acciones, mencionando en orden cronológico las principales


medidas en lo tendiente a la afectación de la Educación Superior:
 12/03/2020. Emergencia Sanitaria. Decreto de Necesidad y Urgencia 260/2020 -
Coronavirus (COVID-19). Disposiciones. Amplía la emergencia pública en materia
sanitaria establecida por Ley N27.541, en virtud de la Pandemia declarada por la
Organización Mundial de la Salud(OMS) en relación con el coronavirus COVID-19,
por el plazo de UN (1) año a partir de la entrada en vigencia del presente decreto.
 14/03/2020.Ministerio de Educación. Resolución 104/2020. Recomendaciones a las
universidades, institutos universitarios y de educación superior de todas las
jurisdicciones para que adecuen las condiciones en que se desarrolla la actividad
académica presencial en el marco de la emergencia.
 15/03/2020. Ministerio de Educación.Resolución 108/2020.Suspensión de clases en
establecimientos educativos.
 19/03/2020 Aislamiento obligatorio. Decreto de Necesidad y Urgencia 297/2020.Se
dispuso la medida de “aislamiento social, preventivo y obligatorio”.
 03/04/2020. Secretaría de Políticas Universitarias. Resolución 12/2020.
Recomendación de la readecuación del calendario académico 2020 a las
Universidades Nacionales, Privadas e Institutos Universitarios.
En ese marco, tanto las universidades públicas como privadas tomaron sus
determinaciones. En lo que respecta a la Universidad Maimónides, donde soy Titular de
Cátedra, la política emanada desde el Consejo Superior Universitario se desarrollará
brevemente en el próximo punto.

DE LA EDUCACION PRESENCIAL A LA EDUCACION A DISTANCIA

El Consejo Superior Universitario de la Universidad Maimónides, ante las


resoluciones de los Ministerios de Salud y Educación de la Nación y al DNU 260/2020
de aislamiento preventivo social obligatorio, decidió suspender momentáneamente el
dictado de clases presenciales a partir del lunes 16 de marzo.
Con el objeto de no discontinuar el dictado de las clases y cumplir con el
calendario académico, se habilitó el uso exclusivo del campus virtual de la universidad
https://www.maimonidesvirtual.com.ar/ (MAIMONIDES VIRTUAL, 2020)
160

El campus posee el acceso a las aulas de cada una de las materias en las que el
Docente está designado y tiene a su disposición las siguientes utilidades, con sus
correspondientes instructivos:
a. Función para subir materiales incluyendo links de sitios externos al Aula Virtual,
siendo:
1. Permite insertar Bloques deTexto, Sitio de interés, Imágenes, Videos.
2. Adjuntar archivos de Material de estudio en formato imagen, video, ZIP, Word,
PDF, Web, Excel, PowerPoint, Video Streaming, Vínculos de Internet y Visor
PDF.
3. Evaluaciones y Recuperatorio.
4. Participar en el foro y Material del foro.
5. Acceso a la Videoconferencia y la sala de Aula Virtual vinculada a ZOOM.
b. Foro de comunicación con los alumnos
c. Mensajería interna del campus a través de la cual podrá enviar y recibir archivos
adjuntos.
d. Videoconferencia. Sala de Aula Virtual.
Cabe destacar que el campus virtual siempre fue un apoyo al dictado de clases
presenciales, siendo un complemento como recursodidáctico, perotomando hoy un
papel relevante en la cursada a distancia.
En relación con la organización ante el pasaje de la educación presencial a la
educación a distancia, la Universidad fortaleció el esquema de soporte al docente y al
alumno, cuyas áreas interactúan entre sí:
 Soporte Tecnológico;
 Soporte Académico;
 Articulación con el Sistema Institucional de Educación a Distancia (SIED).
Acerca de algunas de las acciones que se vienen desarrollando desde el SIED, en
vistas a la nueva modalidad a distancia, se pueden mencionar:
 Difusión y creación de los instructivos del uso del Campus Virtual, Aula Virtual y
ZOOM.
 Difusión sobre el Desarrollo de Buenas Prácticas de Educación a Distancia.
 Capacitación al equipo docente sobre:
• Propuestas de dictado de clases a distancia.
• Uso del Campus.
• Aula Virtual.
161

• Uso de Zoom para videoconferencias.


• Buenas prácticas recomendadas.
• Evaluación.
 Seguimiento y perfeccionamiento de las cuestiones generales de la educación a
distancia, mediante encuestas a estudiantes y docentes.
En el caso Biblioteca:
 Se puso a disposición la consulta del catálogo completo en el campus;
 se habilito la Biblioteca virtual;
 Se procedió a la compra de E-book, a pedido de las carreras;
 Se desarrollo un canal de consulta para docentes y alumnos, basadas en:
 Solicitud de libros y artículos de revistas científicas;
 Solicitud de búsquedas bibliográficas;
 Necesidades bibliográficas, en apoyo al dictado de las clases a distancia.
(MAIMONIDES, 2020)

Por otra parte, se modificó el Calendario Académico:

CALENDARIO ACADEMICO ORIGINAL EMERGENCIA

FINALIZACION DE LA CURSADA 26 de Junio 17 de Julio

EXAMENES FINALES 13 al 17 de Julio 27 al 31 de Julio

PRIMER LLAMADO

SEGUNDO LLAMADO 20 al 24 de Julio 3 al 7 deAgosto

Lo que refiere a las acciones propias de la Carrera de Abogacía, ante la


suspensión de las actividades presenciales: podemos esquematizar en los distintos
puntos:
a) Extensión y Vinculación con el medio:
 Se habilitó un ciclo de charlas virtuales interdisciplinarias.
 El Consultorio Jurídico, atiende sus consultas sin cargo a la comunidad,
ahora en forma virtual.
 El Instituto de Derecho Procesaly el Instituto Interdisciplinario de Derecho
Laboral, se reúnenen forma remota.
162

 El VI Encuentro Latinoamericano de Investigadores en Ciencias Jurídicas y


Económicas, que iba a realizarse en Mayo de 2020, fue postergado a
Noviembre próximo.
b) Formación Docente: Se continuó con la capacitación del “Programa de Formación
Continua”, en forma virtual.
c) Investigación: Se procedió acontinuar con las líneas de investigación de la Carrera,
restringidas a las posibilidades de las acciones que permite lo no presencial.
d) Reuniones de Docentes y de Departamentos: Se continuó con la agenda de
reuniones programadas, tanto de Docentes en general como así de cada uno de los
Departamentos de la Carrera.
e) Comisión de Seguimiento y Plan de estudios de la carrera: Sesionó en forma remota,
según su cronograma;
Sin perjuicio de las rápidas y buenas acciones enunciadas, el impacto del
COVID-19 en la vida cotidiana, tanto para el docente y el alumno, denota algunas
cuestiones a enumerar en las que se fueron trabajando:
 Cambios laborales, sociales y económicos de las personas en general;
 Trastornos en las condiciones laborales del docente, en lo que respecta a sus
elementos de trabajo (conexión a internet, lugar para impartir las clases en forma
remota, equipamiento informático, entre otros), como así el tiempo de trabajo
incurrido y la necesidad del derecho de desconexión digital docente.
 La reticencia del alumno al uso de los elementos de capacitación virtual;
 El problema de la conectividad de los alumnos (Consumo de Datos 4G, Internet por
fibra Óptica).

EDUCACION JURIDICAEN EL ESPACIO AULICO

A modo de ejemplo, llegamos a la actividad en el aula, hoy virtual. En el


siguiente apartado, se expondrá un modelo de planificación del desarrollo de un tema de
la materia, destacando los nuevos elementos que se incorporan con la modalidad a
distancia.
Planificación del desarrollo de un tema en el Aula Virtual
1. Sobre la Materia:
PRÁCTICA FORENSE IV “Procesal Laboral”
Código de la asignatura: C0542
163

Año Académico: 2020


Nivel: 5º año
Tipo: Obligatoria
Modalidad: Cuatrimestral
Área: Práctica Profesional
Carga Horaria total: 64 hs
2. Tema:
Mediación Laboral Obligatoria
3. Ubicación del tema en el programa de la materia:
UNIDAD 3 - PROCEDIMIENTO LABORAL EN CABA - ETAPA PREJUDICIAL
SERVICIO DE CONCILIACIÓN LABORAL OBLIGATORIO (SECLO)
 Consideraciones generales;
 Competencia territorial del SECLO;
 Acciones excluidas;
 Estructura organizacional;
 Servicios brindados por el SECLO;
 Celebración de audiencias y actuaciones administrativas mediante plataformas
virtuales (Resolución MT 344/20, 2020);
 Actuación Virtual del SECLO: Procedimiento de Conciliación Laboral Obligatoria y
Acuerdos Espontáneos. (Disposición DNSCOYPCP MT 290/20, 2020).
4. Objetivos:
 Que el alumno sea capaz de adquirir conocimientos de la dinámica de la profesión
en sus distintas fases y roles del abogado, particularmente en los actos judiciales y
extrajudiciales correspondientes al Derecho Laboral;
 Que el alumno sea capaz de aprender a investigar y buscar las soluciones prácticas a
la aplicación de normas procesales y de fondo;
 Que el alumno sea capaz de asimilar los conceptos básicos que le servirán, luego
para el ejercicio profesional;
 Que el alumno sea capaz de conocer la función de los diversos sujetos que
intervienen en la Mediación Laboral Obligatoria;
 Que el alumno sea capaz de ejercer la función jurisdiccional en sede administrativa;
 Que el alumno sea capaz de conocer todas las novedades sobre la Mediacióna
distancia.
164

5. Estrategias de enseñanza:

En las clases teóricas se trabajará sobre la base de las técnicas que se mencionan
a continuación:
 Exposición magistral dialogada.
 Presentación de interrogantes.
 Puesta en común y debate en clase.
 Interrogatorios didácticos.
 Otras técnicas a criterio del profesor.

En lo que respecta a la clase práctica, se plantea el estudio de un caso, con


elementos generados en el trabajo de la clase anterior (Intercambio telegráfico).
Se utilizará la técnica del "role playing”, generando una simulación de
mediación laboral.
SIMULACION DE UNA AUDIENCIA VIRTUAL DE CONCILIACION LABORAL.
- Parte Actora: Trabajador y su patrocinio letrado.
- Parte Demandada: Empleador y su patrocinio letrado.
- Conciliador.
6. Recursos didácticos, materiales y bibliografía
Recursos: Aula virtual. Foro. Materiales. Plataforma ZOOM.
Previamente incluidos en el AULA VIRTUAL:
 Guía de trabajos prácticos de la Materia.
 Bibliografía obligatoria.
 Bibliografía optativa.
7. Presupuesto de tiempo:
Dos clases: Teoría: 1 hora y 30 minutos. Práctica:1hora.
Una clase teórica de 1.30hs, segmentada en 3 sesiones en la Plataforma Zoomde 30
minutos cada una.
Una clase de Práctica de 1 hora, segmentada en 2 sesiones de 30 minutosmediante el
uso delaSala del Aula Virtual del Campus,simulando primera y segunda audiencia
laboral respectivamente.
8. Evaluación:
La evaluación se basa en:
a) Contenidos Actitudinales en la clase teórica:
165

 Participación en clase.
 Respeto por el pensamiento del compañero.
b) Contenidos Actitudinales en la Actividad Práctica:
 Sentido de colaboración.
 El aporte individual al trabajo colectivo.
 La actitud positiva hacia sus compañeros y al docente.
c) Consignas para responder por el alumno en el foro de Aula Virtual.

CONCLUSION

Para finalizar, tal vez sea tiempo de plantear interrogantes más que improvisar
respuestas.
En gran medida, la enseñanza del derecho debe garantizar que el futuro
profesional sea capaz de reconfigurar relaciones muy variadas y adaptarse a situaciones
y roles diversos. Además, debe ser capaz de lidiar con imaginación en momentos
críticos y hacerlo con valentía y empatía.
Sabemos que no asistimos a un proceso planificado de educación a distancia,
sino que experimentamos una educación en el contexto de la emergencia sanitaria,
forzada ante el COVID19. Tal situación,modifica sustancialmente la rutina diaria en
nuestros hogares.
Nuevamente, las nuevas condiciones nos exigen volver apensarlos conceptos
básicos de la enseñanza: que es el aprendizaje, como planificar, en que formas debemos
evaluar, entre otros aspectos del tema. Este es nuestro desafío, como formadores de la
Educación Superior.

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https://www.maimonides.edu/
168

AS NOVAS TECNOLOGIAS E O DIREITO: UMA REFLEXÃO ÀS


DEMANDAS DE UM NOVO PERFIL PROFISSIONAL NA FORMAÇÃO
JURÍDICA

Rafael Fonseca Ferreira1


Pedro Dalla Vecchia Hamilton2

Resumo: O presente artigo consiste num trabalho ensaístico de pesquisa bibliográfica


que parte do referencial teórico da Crítica Hermenêutica do Direito. O tema abordado é
o da aplicação de novas tecnologias ao trabalho jurídico como um ponto a ser discutido
em conjunto com o ensino jurídico. Assim que a problemática de pesquisa é suscitada
pela seguinte pergunta: a aplicação de novas tecnologias ao trabalho jurídico deve
compelir o ensino jurídico a uma adaptação? O objetivo geral é demonstrar que a
aplicação de novas tecnologias ao direito é um tema que deve ser tratado a partir da
teoria do direito e diz respeito à hermenêutica jurídica. Especificamente, na primeira
seção é feita uma introdução ao tema das novas tecnologias, em especial a respeito da
inteligência artificial, a fim de possibilitar uma compreensão inicial sobre tema; e na
segunda seção é discutido como as novas possibilidades que interpelam os juristas
podem ser abordadas com ênfases diferentes; para responder à pergunta de partida na
conclusão. A aplicação de instrumentos, métodos e ferramentas de trabalho temo
potencial de substituir o trabalho humano em tarefas que anteriormente exigiriam um
ser humano interpretando textos, especialmente quando se trata da utilização de
inteligência artificial, embora as principais problemáticas jurídicas persistam a despeito
de ganhos de eficiência quantitativa. Sendo assim, existem novas compreensões e
competências a serem desenvolvidas no âmbito do ensino jurídico, junto da tarefa de
formar juristas com senso crítico, capazes de oferecer soluções a problemas jurídicos.

Palavras-chave: Direito brasileiro; Ensino jurídico; Hermenêutica jurídica; Novas


tecnologias.

INTRODUÇÃO
A proposta deste texto é abordar o tema da aplicação de novas tecnologias ao
direito, que designa efetivamente múltiplas possibilidades de alteração no modo de
trabalhar em torno de problemáticas jurídicas, no processo judicial ou fora dele. Trata-se
assunto de interesse do universo dos profissionais que atuam a partir de uma
qualificação educacional jurídica, que é trabalhada primordialmente no ensino jurídico,
este termo utilizado para designar o trabalho realizado nas instituições de ensino
superior para formação de profissionais da convencionalmente denominada prática
jurídica – da advocacia, da magistratura, e quaisquer funções se que se queira

1
Pós-Doutor, Doutor e Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professor da
Graduação e do Mestrado da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e da Universidade FEEVALE.
Advogado OAB/RS 50.202. e-mail: rafaelferreira@furg.br
2
Mestrando em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Bacharel em
Direito pela FURG. Advogado OAB/RS 115.929. e-mail: pedrodvh@gmail.com
169

mencionar – e profissionais pesquisadores, ambas as categorias interdependentes e


envolvidas, em última instância, com a resolução de problemas jurídicos.
No caso deste texto, propõe-se a seguinte pergunta de partida como
problemática: a aplicação de novas tecnologias ao trabalho jurídico deve compelir o
ensino jurídico a uma adaptação? Assim que o objetivo geral é demonstrar que a
aplicação de novas tecnologias ao direito é um tema que deve ser tratado a partir da
teoria do direito. Especificamente, será feito na primeira seção uma introdução ao tema
das novas tecnologias, em especial a respeito da inteligência artificial, a fim de
possibilitar uma compreensão inicial sobre tema; e na segunda seção será discutido
como as novas possibilidades que interpelam os juristas podem ser abordadas com
ênfases diferentes; para responder à pergunta de partida na conclusão.
Assim que há um intento de provocar aqueles envolvidos na prática e no ensino
jurídico a pensar a responsabilidade do jurista frente àquilo que se propõe,
especialmente vindo de outras áreas do conhecimento, para a operacionalidade do
direito. Trata-se de trabalho ensaístico, com emprego de pesquisa bibliográfica, com
compromisso de coerência com o referencial teórico da Crítica Hermenêutica do Direito
(STRECK, 2017, p. 69), que é fundamentada na hermenêutica filosófica de Gadamer
(2000), e que indica uma postura de defesa da autonomia do direito no âmbito do
Constitucionalismo Contemporâneo. Nesse sentido, parte-se do pressuposto de que a
teoria do direito deve atender à necessidade de superação da discricionariedade na
aplicação do direito, num contexto de criação democrática do direito consubstanciada
no processo eleitoral e processo legislativo, primordialmente.

1 NOVAS TECNOLOGIAS E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: UMA ANÁLISE


DA SUBSTITUIÇÃO DO TRABALHO HUMANO NAS TAREFAS JURÍDICAS

Todo profissional que se ocupa da aplicação do direito necessita constituir-se


como pessoa capaz de propor soluções para problemas jurídicos, de modo que a
formação de um jurista implica, no mínimo, na sua introdução à institucionalidade do
direito, a uma linguagem própria do direito e a raciocínios jurídicos, e que o jurista deve
ser informado pela teoria do direito e pela dogmática. É possível aprofundar esta
afirmação e dizer que para a boa aplicação do direito, é responsabilidade do jurista estar
informado por boa teoria, assim compreendida não como uma corrente de pensamento
específica dotada de absolutismo, mas como uma sistematização do conhecimento que
se possa chamar sofisticada, que está presente numa comunidade onde há pluralidade de
170

pensamento. De maneira recíproca, o ato de pensar o direito é acompanhado da


responsabilidade de informar a prática jurídica ou operacionalidade do direito.
Afirma-se aqui uma diferença entre teoria jurídica e prática jurídica sem dizer
que se encontram cindidas (STRECK, 2017, p. 380), do que decorre que é de grande
importância o esforço de fazer teoria do direito para que se possa constituir o direito
como ganho civilizacional. Indo além e considerando a posição de destaque à qual foi
alçado o direito no paradigma do Constitucionalismo Contemporâneo (STRECK, 2017,
p. 67), pode-se dizer que a importância da teoria do direito está estendida até os
problemas de realização da democracia (STRECK, 2017, p. 111) numa sociedade na
qual, não raro, o direito é chamado a resolver os problemas da comunidade política3.
Para possibilitar uma discussão pertinente à educação jurídica, nesta primeira
seção serão apresentados alguns conceitos importantes para tratar da aplicação de novas
tecnologias ao direito, ou ao trabalho de qualidade jurídica. À medida que se anuncia a
viabilidade de automatizar procedimentos referentes ao trabalho jurídico utilizando
tecnologia de processamento de dados (PAULA JR., 2018, p. 140 e ss.), vislumbra-se a
possibilidade de ganhos de eficiência, no sentido de cumprimento de tarefas com menor
dispêndio de tempo de trabalho humano e de capital, tanto nos serviços jurídicos do
setor público quanto do setor privado. A aplicação de tecnologia com esta espécie de
ganho, maior em relação aos instrumentos disponíveis anteriormente, é uma constante
na história recente. No entanto, a discussão a respeito de novas tecnologias – termo que
indica a relatividade do tema – se faz relevante pela natureza das tarefas que se pretende
automatizar no âmbito jurídico, as quais anteriormente exigiriam um ser humano
interpretando textos, como é o caso da classificação dos recursos extraordinários por
tema de repercussão geral, o que já é feito por agentes computacionais no âmbito do
projeto VICTOR do Supremo Tribunal Federal (SILVA, 2018 e BRAZ, 2019). Trata-se,
portanto, de possíveis e efetivas transformações no modo como o trabalho é realizado
no âmbito das relações jurídicas, em especial a litigância judicial e serviços de
assessoria e consultoria – onde atuam profissionais que passam por formação no ensino
jurídico. Assim que se coloca a seguinte pergunta como problemática: a aplicação de
novas tecnologias ao trabalho jurídico deve compelir o ensino jurídico a uma

3
Esta afirmação se fundamenta, sobretudo, no elevado grau de repercussão do controle de
constitucionalidade na atual conjuntura do direito brasileiro, em especial no âmbito do Supremo Tribunal
Federal (STF), processo decisório que se sobrepõe à deliberação política legislativa em reiteradas
oportunidades, ora com fundamentos jurídicos, ora esvaziando os critérios jurídicos da decisão (BELLO
et. al., 2019, p. 1784).
171

adaptação? A partir desta pergunta podemos tratar simultaneamente da alteração na


forma de trabalhar e de hermenêutica jurídica, tema que precisa ser abordado levando a
sério os critérios jurídicos para a resolução de problemas jurídicos, em outras palavras,
atribuindo valor à teoria do direito no que diz respeito ao próprio direito.
Conforme referido, interessa falar em novas tecnologias na medida em que há
capacidade para substituição de trabalho humano de modo diferente que ocorreu nos
avanços tecnológicos passados. Isto nos leva a delimitar a discussão na contribuição da
inteligência artificial para a criação de novas tecnologias ou instrumentos e, como parte
da proposta, introduzir de forma sintética o tema da inteligência artificial. Conceituar o
termo “inteligência artificial” é uma tarefa complexa, considerando que designa a
aplicação de conhecimento científico e tecnológico para a finalidade de criar agentes
que desempenham determinadas tarefas. Perguntar pelo ser da inteligência artificial leva
a discussões profundas sobre o tema. É por esse fato que Stuart J. Russel e Peter Norvig
(2010, p. 2), ao perguntarem o que é a inteligência artificial, apresentam diferentes
conceitos, contidos em quatro abordagens diferenciadas4. A evolução histórica do
campo da inteligência artificial deu origem às diferentes abordagens que estabeleceram
objetivos diferentes, como elaborar máquinas que sejam capazes de pensar e agir como
seres humanos, de pensar e agir de modo racional, e de realizar tarefas que sejam
atribuídas convencionalmente à inteligência humana. As diferentes abordagens, nas suas
diferenças, complementam-se no escopo mais amplo de avanço deste campo científico,
sendo que a pesquisa em torno da inteligência artificial é dependente de contribuições
vindas de campos do conhecimento como a Filosofia, Matemática, Economia,
Neurociência, Psicologia, Engenharia Computacional, Linguística e outros. Para
consecução do objetivo deste trabalho adota-se o conceito de inteligência artificial como
o campo do conhecimento que busca a construção de um agente computacional
racional, que seja capaz de “operar autonomamente, perceber o seu ambiente, persistir
por um período prolongado de tempo, adaptar-se à mudança, e criar e buscar objetivos”,
sendo que o agente racional (RUSSEL e NORVIG, 2010. p. 4) é aquele que “age no

4
Stuart J. Russel e Peter Norvig distinguem as abordagens dadas à inteligência artificial de acordo com a
ênfase ou objetivo das respectivas tradições científicas que se ocupam da IA. Assim, expõem a ênfase no
pensar humano (thinkinghumanly), pensar racional (thinkingrationally), agir humano (actinghumanly) e
agir racional (actingrationally). Cada abordagem representa uma combinação do interesse entre os
seguintes atributos da inteligência artificial: processos de raciocínio (thought processes andreasoning),
comportamento (behavior), fidelidade à performance humana (fidelitytohuman performance) e
performance ideal ou racionalidade (rationality)(Russel e Norvig, 2010. p. 02.).
172

sentido de atingir o melhor resultado ou, quando há incerteza, o melhor resultado que se
pode esperar”5.
Há conhecimentos científicos e tecnológicos que estão ligados ao
desenvolvimento da inteligência artificial. Um destes é o algoritmo, que contribui de
modo importantíssimo para o funcionamento da computação. Thomas H. Cormen
(2009, p. 5) define a função dos algoritmos na computação como “qualquer
procedimento computacional bem definido que toma determinado valor, ou conjunto de
valores como entrada (input) e produz um valor, ou conjunto de valores, como saída
(output)”6. Alternativamente, Pedro Domingos explica o funcionamento dos algoritmos
de outro modo.

Um algoritmo é uma sequência de instruções que informa ao computador o


que ele deve fazer. Os computadores são compostos por bilhões de
minúsculas chaves chamadas transistores, e os algoritmos ligam e desligam
essas chaves bilhões de vezes por segundo. O algoritmo mais simples é: gire
a chave. O estado de um transistor contém um único bit de informação: um,
se o transistor estiver ativado, e zero, se estiver desativado (DOMINGOS,
2017, p. 08).

Outro conceito importante é o de machinelearning ou aprendizado de máquina.


Segundo Pedro Domingos, “[o]s algoritmos de aprendizado – também conhecidos como
aprendizes – são aqueles que criam outros algoritmos. Com o machinelearning, os
computadores escrevem seus próprios programas, logo não precisamos mais fazê-
lo”(2017, p. 29). Os agentes computacionais podem coletar informações de acordo com
a sua experiência, para modificar ou aumentar o seu conhecimento relativo ao ambiente
no qual se encontram. Esta capacidade confere autonomia aos agentes computacionais,
porque estes passam a não mais depender do conhecimento prévio provido pelo
programador – também agregam conhecimento baseado no seu funcionamento
(RUSSEL e NORVIG, 2010, p. 39). Um agente aprende se melhora a sua performance
em tarefas futuras depois de fazer observações a respeito do ambiente (RUSSEL e
NORVIG, 2010, p. 693). Para resolução de determinados problemas, a relevância da

5
“An agent is just something that acts (agent comes from the Latin agere, to do). Of course, computer
programs do something, but computer agents are expected to do more: operate autonomously, perceive
their environment, persist over a prolonged time period, adapt to change, and create and pursue goals. A
rational agent is one that acts so as to achieve the best outcome or, when there is uncertainty, the best
expected outcome”(Russel e Norvig, 2010. p. 4).
6
“Informally, an algorithm is any well-defined computational procedure that takes some value, or set of
values, and as input and produces some value, or set of values, as output. An algorithm is thus a sequence
of computational steps that transform the input into the output. We can also view an algorithm as a tool
for solving a well-specified computational problem. The statement of the problem specifies in general
terms the desired input/output relationship.” (Cormen et. al., 2009. p. 5).
173

utilização do machinelearning está imbricada com o aumento da disponibilidade de


dados na sociedade humana no século XXI. A vasta utilização de programas
computacionais, numa grande variedade de dispositivos gera a possibilidade de coleta
de dados em quantidade muito significativa, suficiente para alavancar o aprendizado de
máquina por meio dos algoritmos. Eis um exemplo nesse sentido: “um algoritmo
medíocre com cem milhões de palavras de dados supera a performance do melhor
algoritmo conhecido com um milhão de palavras”(RUSSEL e NORVIG, 2010, p. 28).
Pode-se pensar especificamente nas decisões judiciais e demais documentos gerados
diariamente no âmbito do Poder Judiciário, que consistem em informação que pode ser
provida aos algoritmos aprendizes com diversas finalidades.A possibilidade de criar
agentes que cumprem tarefas com a mesma complexidade que os seres humanos,
igualando ou superando o seu desempenho, atinge as mais variadas atividades
humanas– a advocacia, a prestação jurisdicional e o processo judicial como um todo não
são exceção (ALARIE et. al, 2019, 2017).
Perguntar pela aplicação da inteligência artificial no direito remete a conceitos e
questionamentos mais amplos referentes ao campo da inteligência artificial. Em artigo
publicado há quase duas décadas, Cass R. Sunstein (2001, p. 4) perguntou se a
inteligência artificial poderia fazer raciocínios jurídicos (legal reasoning),
estabelecendo que estes são raciocínios analógicos. Afirmou que existiam duas
reinvindicações (claims) para o uso da inteligência artificial no raciocínio jurídico: uma
forte e uma fraca. A reivindicação do uso forte supõe que as máquinas existentes
possuem a capacidade de realizar raciocínios jurídicos; a reinvindicação do uso fraco
consiste na aplicação da inteligência artificial a tarefas periféricas ao raciocínio jurídico,
o que não requer a capacidade de fazê-lo. Sunstein afirma que se deve aceitar o uso
fraco da IA e rejeitar o uso forte da IA, porque o último se baseia numa acepção
equivocada do que é o raciocínio jurídico. Sua abordagem ocorre a partir de uma
compreensão do Direito no sistema jurídico estadunidense e a resposta à pergunta inicial
foi no sentido de que programas computacionais ainda não tinham a capacidade de fazer
raciocínio jurídico (SUNSTEIN, 2001, p. 5).
A abordagem de Cass R. Sunstein dependeu de uma pergunta relativa à
inteligência artificial no estado em que se encontrava há mais de dezoito anos e de uma
especificação do raciocínio jurídico a ser feito no sistema jurídico estadunidense. Deu
uma resposta temporáriaao problema: o seu “ainda não” se refere a um desenvolvimento
em curso, cujas possibilidades futuras são desconhecidas. Para o presente trabalho, é
174

inevitável compartilhar da incerteza quanto às possibilidades futuras e a pergunta pela


capacidade da inteligência artificial fazer raciocínio jurídico se mantém tão relevante
quanto era, ou mais ainda.
Pela tradição canadense do Direito, Benjamin Alarie (2019, p. 2) pergunta
quanto da atividade da advocacia pode ser automatizada, no seu estudo para afirmação
de como a IA vai afetar a prática do Direito. Na sua concepção de litigância como uma
forma de barganhar que se faz à sombra do poder jurisdicional, na qual o prognóstico a
respeito da decisão judicial favorável significa poder de negociação, o autor afirma que
o machinelearningtem aplicabilidade como instrumento que prevê o teor das decisões
judiciais com um grau de objetividade mais alto que qualquer advogado (2019, p. 2). A
aplicação das informações das decisões judiciais e – como se trata de uma tradição de
common law – precedentes aos algoritmos como input serve à finalidade de prever a
decisão judicial futura em cada caso (2019, p. 3). Além da previsão de decisões, a
inteligência artificial pode ser empregada para aumento da eficiência de atividades
periféricas da advocacia, como organização de bases de dados de jurisprudência e de
bases de dados de cada escritório de advocacia, pesquisa de documentos muito mais
acurada que as já difundidas pesquisas por palavras-chave, entre outras funções. A IA
pode ser empregada tanto como um instrumento da atuação da advocacia no serviço aos
clientes e na atuação judicial, como pode fazer parte do próprio sistema de justiça como
forma de suporte às funções institucionais.
A partir destas e de outras possibilidades científicas e tecnológicas, vislumbra-se
a substituição do trabalho humano por agentes computacionais, e isto é especialmente
importante para a hermenêutica jurídica na medida em que se aplicam estes
procedimentos automatizados de processamento de dados a processos interpretativos,
provocando uma assimilação pela linguagem compartilhada dos juristas – teoria do
direito, dogmática – a respeito do seu próprio objeto de trabalho, a qual é estimulada de
forma determinante no ensino jurídico, como nos cabe discutir na próxima seção.

2 DIFERENTES ABORDAGENS DAS NOVAS TECNOLOGIAS: A (AINDA)


NECESSÁRIA FORMAÇÃO TEÓRICO-CRÍTICA DOS JURISTAS

A aplicação de novas tecnologias com potencial transformador da inteligência


artificial interpela o modo de fazer o direito no Brasil de diversos modos.
Invariavelmente é uma questão de técnica, atingida por pesquisa científica aplicada aos
175

procedimentos sem os quais se reconhece ou se garante direitos aos cidadãos. Por outro
lado, o desenvolvimento de instrumentos, métodos, soluções e inovações tem um
incentivo comercial. A aplicação do conhecimento científico será melhor recompensada
em termos de capital na medida em que seja capaz de se tornar necessária para uma
grande quantidade de situações concretas, identificar e atender necessidades – em outras
palavras, quanto mais tiver inserção de mercado.
Especialmente no que diz respeito à aplicação nas instituições públicas, há aqui
uma aplicação de instrumentos na sua capacidade política: a jurisdição e a
administração da justiça são de interesse público e são subordinadas às disposições
legislativas. O modo como se organiza a justiça é uma questão que deve estar sobre
controle político democrático, logo, sua condução não é constituída por fatalidades, mas
por decisões políticas. A aplicação de um instrumento nos procedimentos judiciais não
se justifica pela inovação em si. De modo muito próximo com a questão política, trata-
se do tema numa capacidade administrativa ou gerencial: mais específica que a função
legislativa do Estado, a administração da justiça também dispõe de um grau de
discricionariedade a respeito dos rumos da coisa pública. Do mesmo modo, a iniciativa
privada da advocacia se encontra compelida a conhecer e incorporar novos modos de
trabalhar. Em ambos os casos, é um ganho de eficiência que justificará estas mudanças,
de modo que há uma racionalidade econômica a guiar as decisões políticas e gerenciais.
Nesse ponto deve ser feita uma distinção entre o grau de comprometimento que a
aplicação de novas tecnologias acarreta de acordo com a perspectiva dos atores do
processo. A forma como a advocacia e os atores na condição de partes buscam meios de
aumento de eficiência – por exemplo, a análise de dados do histórico das decisões
judiciais para fundamentar a tomada de decisão no patrocínio da parte (NUNES, 2020)
– tem a finalidade de prover resultados, como sucesso das demandas em seu favor.
Consequentemente, os pedidos podem ser improcedentes dentro do exercício do direito
ao acesso à justiça e do direito à ampla defesa. Em contrapartida, o emprego da
inteligência artificial como instrumento da prestação jurisdicional deve estar submetido
a critérios mais estritos, porque a decisão judicial é a resposta final do Estado a um
pleito. As decisões judiciais devem ser respostas adequadas à Constituição e à
legislação vigente, de modo que está submetida a limites legislativo-jurídicos, portanto,
aquilo que é automatizado no trabalho procedimental da administração pública se torna
uma imposição às partes que postulam decisão judicial, não mais constituindo uma
176

questão de escolha estratégica – daí a importância diferenciada das decisões no âmbito


administrativo público.
Noutra capacidade, incorporar novos métodos e instrumentos é uma questão
jurídica. Especificando o ponto, processo é direito. Processo é garantia constitucional
do indivíduo em face da jurisdição (RAATZ, 2019, p. 2), de modo que os
procedimentos são garantias no nosso sistema processual. Logo, o modo como
acontecem os procedimentos interessa às partes e, em última instância, interessa como
instituição social, no sentido de que é necessário levar a sério os critérios jurídicos pelos
quais algo é ou deixa de ser; os critérios jurídicos pelos quais se chega a uma decisão
judicial e não se chega a outra. Aqui se encontra o ponto de principal interesse para a
presente argumentação: aplicação de novas tecnologias no trabalho jurídico é uma
questão de hermenêutica jurídica e, consequentemente, uma questão de ensino jurídico.
Em outros termos, se se aplica um procedimento automatizado ao processo, deve ser
possível explicar o seu resultado e deve ser possível retificá-lo se necessário, por uma
questão de direito à fundamentação das decisões judiciais7.
Se as empresas desenvolvedoras têm interesse comercial; se os gestores públicos
e privados se ocupam de projetos de implementação (ou não); se os economistas e
outros profissionais são capazes de calcular ganhos de eficiência em potencial; quem se
ocupa de enquadrar as propostas de inovação em termos de direito? Esta é uma tarefa
que cabe aos juristas. Tratar de hermenêutica jurídica é uma tarefa dos juristas, e é
tarefa do ensino jurídico formá-los para tal. Vislumbra-se substituição do trabalho
humano em tarefas interpretativas que anteriormente exigiriam um trabalhador com
ensino superior – vide classificação na repercussão geral (TOLEDO, 2018). Na teoria
(e, sempre junto, na prática) do direito, há muito que os juristas se deparam com a
indeterminabilidade do direito, que se deve à indeterminabilidade da própria linguagem,
e com a compreensão teórica da jurisdição que, num paradigma democrático, está
subordinada ao direito legislado. Na história das ideias jurídicas, já foi buscada a
realização do direito a partir da supremacia do texto normativo, entendido em termos
objetivistas e metafísicos, já foi invocada a subjetividade do magistrado como
fundamento do direito (STRECK, 2014, p. 338), assim como a proposição de métodos
interpretativos como fundamento de verdade na decisão judicial. Cabe ao jurista
interpor os questionamentos que importam para a realização não-arbitrária –

7
Vide Constituição Federal, art. 93, inciso IX.
177

democrática – do direito: esta aplicação tecnológica é capaz de contribuir para que se


tenha respostas adequadas à Constituição?
Esta reafirmação de importância da hermenêutica jurídica é feita a partir de um
referencial teórico comprometido com o grau mínimo de autonomia que o direito
adquire no contexto do ordenamento jurídico sob a Constituição Federal de 19888. Caso
se entenda que a jurisdição tem autoridade para suplantar a legislação no seu ato
interpretativo, estabelece-se uma autorização para a discricionariedade, permitindo que
os critérios jurídicos para decidir no caso concreto sejam suplantados por critérios de
outra ordem; por fundamentos morais, éticos, políticos, ideológicos, filosóficos,
religiosos, obedientes a uma racionalidade da ciência econômica ou de outra qualidade,
mesmo que sejam contrários às normas jurídicas e à Constituição. Nesta hipótese é que
se fala em direito suplantado por não-direito. Bem entendido que reivindicar autonomia
do direito não significa reivindicar o jurídico como instância isolada da sociedade. O
direito não é um fim em si mesmo e a Constituição não é uma categoria fundante da
política (STRECK, 2017, p. 377), de modo que motivações morais, políticas,
econômicas e assim por diante influenciam o que temos por direito e o direito influencia
as demais formas de racionalidade.
O que é necessário garantir numa sociedade democrática, com aplicação de
critérios jurídicos para resolução de problemas jurídicos, é a realização do direito criado
democraticamente. Se se estabelece um sistema eleitoral e um processo legislativo, é
para que seus resultados sejam observados como critérios no âmbito da postulação
judicial de direitos. Embora se trate de afirmações básicas a respeito do ordenamento
brasileiro, é exatamente esta dinâmica da democrática que fica sabotada pela
discricionariedade da jurisdição, quando esta se manifesta. Colocado este ponto, a busca
da superação da discricionariedade no direito não implica que se negue a subjetividade
do intérprete julgador. Este estará sempre acompanhado de suas pré compreensões
(morais, éticas e assim por diante), estando consciente da sua história efetual ou não
(GADAMER, 2000, p. 144). É certo, também, que a Constituição, a legislação e a
dogmática não são capazes de antecipar todas as respostas possíveis – somos

8
“Por fim, insisto: pós-positivismo, não positivismo, Constitucionalismo Contemporâneo e democracia
pressupõem que o Direito possui um elevado grau de autonomia. Isso significa que questões políticas e
morais devem ser debatidas à saciedade nos meios políticos de decisão e que – no âmbito (autônomo) do
Direito – só se podem desconsiderar as decisões políticas tomadas em contraste com o sistema de
garantias construído pela CRFB de 1988. E é exatamente este o plus do Estado Democrático de Direito: a
diminuição do espaço de discricionariedade da política pela Constituição fortalece materialmente os
limites entre Direito, política e moral”(STRECK, 2017, p. 553).
178

interpelados pela indeterminabilidade do direito como manifestação da


indeterminabilidade da própria linguagem. No entanto, estes fatos não são permissões
para que se rompa, por exercício da jurisdição, com o processo democrático pelo qual se
institucionalizam decisões políticas nas normas jurídicas. Estas são problemáticas
fundamentais no âmbito do direito.
Trata-se de afirmar o direito como um ganho civilizacional. No momento
histórico do Constitucionalismo Contemporâneo, questões políticas foram retiradas da
esfera de decisão política para serem reconhecidas como direitos, incluindo obrigações
de prestação positiva por parte do Estado para a consecução de objetivos, consagrando
uma concepção de direito como possibilidade de transformação do status quo, o
chamado plus do Estado Democrático de Direito (MORAIS e STRECK, 2001, p. 94).
Nesse contexto, compreendendo a norma como a interpretação do texto normativo –
logo, não está o direito colado ao texto, tampouco desvinculado desse – surge a
possibilidade de superação do modelo de regras do positivismo, instituídos os princípios
com força normativa que introduzem o mundo prático no direito9. Assim que se pode
afirmar não somente que o direito tem um grau mínimo de autonomia, mas também que
no Constitucionalismo Contemporâneo o direito tem elevado grau de autonomia em
comparação com outras conjunturas. Esta espécie de questão de ordem jurídica
continuará a nos interpelar, por mais eficientes que sejam os métodos de trabalho.

CONCLUSÃO

Pode-se afirmar que o ensino jurídico deve passar por uma adaptação como
resposta às novas possibilidades tecnológicas porque existe a necessidade de que os
egressos do curso de direito sejam capazes de compreender conceitos e executar tarefas
que são pressupostos para a realização do trabalho jurídico, como é o caso do processo

9
“A partir disso, há que se ter claro que os princípios são deontológicos e ‘governam’ a Constituição, o
regime e a ordem jurídica. Não são (os princípios) apenas a lei, mas o Direito em toda a sua extensão,
substancialidade, plenitude e abrangência. Os princípios medem-se normativamente, e a importância vital
que assumem para os ordenamentos jurídicos torna-se cada vez mais evidente, sobretudo se lhes
examinarmos a função e a presença no corpo das Constituições contemporâneas, onde aparecem como os
pontos de mais alto destaque e prestígio com que fundamentar na Hermenêutica dos tribunais a
legitimidade dos preceitos da ordem constitucional, Relevante, nesse sentido, contestar a tese de Alexy,
para quem os princípios são mandados de otimização. Tal circunstância enfraquece a força normativa dos
princípios, que são, pois, deontológicos, normas jurídicas com ampla força normativa. Mais do que isto,
princípios são a institucionalização do mundo prático no direito. Os princípios constitucionais são o modo
de superação do modelo das regras do positivismo (lato sensu). Por isso, o Constitucionalismo
Contemporâneo resgata a “realidade perdida”, trazendo para dentro do direito os conflitos sociais e todos
os demais elementos que não faziam parte, até então, das ‘preocupações do positivismo’” (STRECK,
2014, p. 346).
179

eletrônico, que substituiu uma infraestrutura que até pouco tempo continha
procedimentos majoritariamente dependentes de trâmites com documentos de papel,
sendo que o trabalho jurídico se torna cada vez mais dependente de instrumentos e
aplicações do conhecimento científico, os quais estão de certa forma alienados daquilo
que constitui uma formação jurídica. Indo além, os egressos devem ser capazes de
identificar instrumentos e métodos que possibilitem oferecer serviços mais eficientes
num cenário de concorrência, como por exemplo, o da advocacia.
O ponto que fica como consideração final desta argumentação, no entanto, é que
o ensino jurídico é um cenário adequado para capacitar juristas para compreender a
aplicação de novas tecnologias numa capacidade jurídica, teórica e hermenêutica,
sendo a questão primordial a compreensão de problemas jurídicos a partir de critérios
jurídicos, enquanto as outras abordagens a respeito dos instrumentos do trabalho
jurídico são colocadas por uma perspectiva externa, com finalidades próprias, como o
ganho comercial, e desvinculada das problemáticas principais a respeito do direito, das
quais neste momento de Constitucionalismo Contemporâneo pode-se destacar a questão
da superação da discricionariedade objetivista e subjetivista.
Trazer a discussão para o ponto da autonomia do direito não significa rejeitar
novas possibilidades de antemão, ou afirmar a priori que sua aplicação é rejeitável ou
antijurídica. De fato, os instrumentos de que se falou até o momento têm potencial de
melhorar o trabalho e serviços jurídicos, com ganhos para os próprios profissionais e
como melhora de instituições sociais, que se tornariam mais eficientes, inclusive a
jurisdição. O que se afirma é que o ensino jurídico deve ser capaz de formar
profissionais com senso crítico em relação àquilo que se coloca como método de
trabalho, instrumento ou tecnologia com ganho de eficiência, a partir de critérios
jurídicos. O jurista deve ser capaz de identificar, por exemplo, quando a aplicação de
um procedimento em nome da celeridade e da eficiência representa a quebra de uma
garantia processual constitucional. Esta capacidade questionadora, de senso crítico, é
inerente ao que se espera da advocacia, e deve ser aplicada às possibilidades
tecnológicas – um advogado deve ser capaz de exigir fundamentação dos procedimentos
e decisões num processo judicial, exigir uma prestação de contas a respeito do que se
fala a respeito do direito.
Neste ponto, encontra-se as críticas já feitas há algum tempo a respeito do ensino
jurídico, que inclusive partem de uma compreensão a respeito do senso comum teórico
dos juristas (WARAT, 1982). A teoria crítica direcionada às instituições jurídicas e à
180

operacionalidade do direito no Brasil inclui um bom ensino jurídico como um fator de


aumento da qualidade da prática profissional e como um ganho civilizatório para a
sociedade em geral. Em específico, a crítica que interessa aqui é no sentido de que os
estudantes de direito têm sido expostos a maneiras simplificadas de estudo da teoria do
direito, com grande diminuição de utilização de livros e aumento do uso de resumos e
textos simplificados até a desfiguração (FÜRST, 2019). O ensino jurídico somente pode
ser capaz de estimular o senso crítico na medida em que a teoria do direto continue a
povoar os planos de ensino, onde se aprenda a lidar com referenciais teóricos
aprofundados, dentro da diversidade e liberdade de pensamento, e onde se coloque a
teoria do direito ao lado das outras formas de racionalidade das ciências humanas, não
simplesmente predado por cálculos de eficiência e por fundamentos que eliminem a
capacidade das instituições sociais brasileiras de fazer acontecer o direito
democraticamente construído. A resposta adequada à Constituição deve ser entendida
como um requisito, um pressuposto de ser dizer que um procedimento ou uma decisão
são eficientes.
Ainda neste contexto, o cenário do Brasil é de grande número de cursos, com
grande número de novos bacharéis em direito por ano, e a maior eficiência das
aplicações tecnológicas ao direito indica uma potencial diminuição na demanda por
força de trabalho humana para tarefas jurídicas. Logo, não basta ao egresso do curso de
direito ser um realizador de tarefas instrumentais, porque o seu emprego nestas tarefas
se torna redundante e substituível, mais ainda do que se mostrava no passado.
Evidentemente, este é um problema não exclusivo do trabalho jurídico. De qualquer
forma, o modo como se atribui valor ao trabalho jurídico é algo que deve estar presente
na formação acadêmica.
Em síntese, o ensino jurídico deve se adaptar às novas competências que um
profissional do direito precisará ter desenvolvido para valorizar o seu trabalho no
contexto da substituição do trabalho humano, ao mesmo tempo em que a necessidade de
genuína formação teórica para tratar de problemas jurídicos continua relevante para a
constituição de senso crítico, especialmente para que haja juristas capazes de suscitar as
problemáticas jurídicas onde o direito for reduzido a uma questão de eficiência
quantitativa, de modo que as críticas mais antigas a respeito do senso comum teórico
dos juristas e da simplificação do ensino se mantém pertinentes.
181

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183

RESSIGNIFICAÇÃO DO ENSINO JURÍDICO: (RE) ADEQUAÇÃO DO


ENSINO E DAS METODOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA

Simone Paula Vesoloski1


Luciano Alves dos Santos2

Resumo: A pesquisa teve como objetivo analisar a importância da qualificação do


ensino jurídico a partir da evolução, da reestruturação da grade curricular e da
metodologia dos cursos de Direito. O método utilizado foi o indutivo, analítico-
descritivo, com técnica de pesquisa bibliográfica. Primeiramente, se buscou retratar
suscintamente aevolução do ensino jurídico no Brasil, em seguida, averiguou-se o papel
e a importância do docente como educador e facilitador do ensino. Com vista nas
mudanças atuais, percebeu-se a necessidade de analisar a (re)adequação das
universidades frente a pandemia que assola o país. Tais considerações demonstram
mudança de postura em vista à nova realidade, pois, o modo de transmitir conhecimento
deve ser permanente, intensificado e de qualidade, e o uso de tecnologias perfectibiliza
um novo modo de ensinar e aprender, resignifica o papel protagonista do docente e do
aluno como principais atores propulsores e impulsionadores do conhecimento.

Palavras-chave: Ensino jurídico. Grade curricular. Docente. Facilitador do ensino.

INTRODUÇÃO

O ensino jurídico no decorrer dos anos passou por poucas adequações e


restruturações na grade curricular e na metodologia utilizada em si, que continua
seguindo padrões impostos. Contudo, as últimas alterações propiciaram uma elevação
do ensino jurídico, resignificando o modo de ensinar, aproximando a teoria em relaçãoa
prática.
Para garantir um ensino jurídico de qualidade, o papel do professor, de ensinar e
transmitir conhecimento é fundamental, dentro da sociedade e da academia, entretanto,
é importante frisar que sua atuação se modificou e está pautada na reciprocidade em
ensinar e aprender, devendo não ser mero transmissor de conteúdo, mas sim facilitador,
dotado de capacidade para ensinar, aprender e dialogar. Fazendo com que o ambiente de
aprendizagem seja um local participativo, reflexivo, argumentativo, que perfectibilize a
evolução intelectual e conexão da teoria com a prática, estreitando laços do mundo
fático e do mundo jurídico.

1
Graduanda do 9º semestre, Curso de Direito – Uri Campus de Erechim, E-mail:
simonels17@hotmail.com.
2
Mestre em Direito, Especialista em Direito Processual, Docente Orientador, Professor da URI – Campus
de Erechim, E-mail: lucianoa@uricer.edu.br.
184

A atual pandemia mudou o mundo de forma drástica e afastou a rotina, dando


espaço para as salas de aula virtuais, haja vista a impossibilidade de aglomeração de
pessoas em ambientes fechados. O uso das tecnologias nunca foi tão intenso quanto nos
últimos meses, e o modo de fazer o ensino e transmitir o conhecimento ganhou um novo
formato e um novo espaço.
Em vista dessa nova adoção de postura, as tecnologias se tornaram aliadas para
garantir que as aulas das universidades pudessem continuar. Todavia, é interessante
ressaltar que o uso das variadas tecnologias tem se mostrado como uma ótima
ferramenta capaz de estreitar fronteiras, aproximar pessoas e profissionais, com o
compromisso de disseminar conhecimento entre alunos, docentes, instituições e
profissionais das mais diversificadas áreas do Direito.

1 A EVOLUÇÃO E A PERSONIFICAÇÃO DO ENSINO JURÍDICO

De acordo com Rodrigues (2002), os primeiros cursos de Direito no Brasil


(denominados Academias de Direito) foram criados em 1828 em apenas duas cidades.
O primeiro, em março, foi instalado no Convento São Francisco na cidade de São Paulo,
já o segundo curso foi inaugurado na cidade de Olinda, no Mosteiro de São Bento. No
ano de 1854 passaram a ser denominados como Faculdades de Direito e o curso de
Olinda foi transferido para Recife.
Nesse sentido, Rodrigues (2002) pontua que os cursos de Direito daquela época
foram criados, mantidos e controlados pelo governo central. Importante mencionar que
esse controle abrangia uma série de requisitos, como controle de recursos, do currículo,
da própria metodologia de ensino, controle na nomeação do diretor e das definições dos
programas de ensino. Levavam em conta o jusnaturalismo como a doutrina dominante e
ainda presavam por elites econômicas com o propósito delas formarem seus filhos
nesses cursos de Direito para ocuparem cargos importantes nas carreiras políticas e
administrativas dos país.
Percebe-se de modo geral que os primeiros cursos de Direito tinham requisitos
que eram seguidos de modo absoluto, sem questionamentos. Sendo assim, a mudança e
a inovação dos cursos de Direito vieram com o tempo.
Nesta senda, Rodrigues (2002) ressalta que com a República surge um marco
importante
185

a possibilidade da criação das faculdades livres, instituições particulares que


podiam funcionar regularmente, sob a supervisão do governo, gozando de
todos os privilégios e garantias das faculdades públicas federais, inclusive o
direito de conferir grau acadêmico após o cumprimento, pelo aluno e pela
instituição, das exigências contidas nos estatutos (provas e aprovações). Isso
elevou razoavelmente o número de cursos gerando, dessa forma, maiores
possibilidades de acesso da classe média ao ensino superior. Elas surgiram
em vários pontos do país. (RODRIGUES, 2002, p. 19-20).

Como bem pontua Ferreira (2004), os primeiros cursos de Direito foram


marcados por um ensino jurídico com uma grade curricular fechada e inflexível, porém,
apesar da proclamação da república e com o passar dos anos, o profissional do Direito,
ainda se submetia às concepções ideológicas do Estado, com viés ultrapassado e um
pensamento antiquado.
Com o passar dos anos é perceptível como o ensino jurídico foi passando por
transformações, procurando dar maior ênfase em um ensino pautado na
profissionalização, buscando abranger não somente a classe alta, mas propiciar que a
classe média também pudesse ter acesso ao ensino do Direito.
Desse modo, de acordo com Rodrigues (2002), essas primeiras mutações foram
significativas, contanto que em 1972 o Conselho Nacional de Educação (CNE)
introduziu um novo currículo para os cursos de Direito através da Resolução
003,porém, vale ressaltar que essas mudanças não surtiram os efeitos e resultados
práticos esperados, pois continuava desvinculado da realidade social.
Nesse período existia muita discussão e muitos problemas relacionados ao
currículo dos cursos de Direito. Em vista da ampliação das universidades e do acesso
ser mais facilitado era urgentemente necessário reavaliar e mudar o currículo existente.
Desse modo, entre 1972 até os dias atuais existe uma procura expressiva pelos
cursos de Direito. Com essa aceleração e toda a problemática existente que envolvia a
adequação do currículo, Rodrigues (2002) enfatiza que na década de 80, o Ministério da
Educação (MEC) criou a Comissão de Especialistas de Ensino de Direito (CEED), com
a prerrogativa e a finalidade de apresentar uma nova proposta de currículo.
Propostas de modificação sobreiam com o intuito de adaptar a realidade e ajustar
a grade curricular, que por anos se manteve intacta. A primeira proposta apresentada foi
pela CEED, porém
a proposta apresentada ao CNE nunca foi implantada. Já na década de 90 foi
vez do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) criar
uma Comissão de Ensino Jurídico (CEJ), encarregada de diagnosticar a
situação desse ensino no país e de apresentar propostas de solução, o que foi
efetivado com grande repercussão. Seguiu-se a ela a convocação, pelo MEC,
de nova Comissão de Especialistas. Dessa vez a proposta apresentada teve
186

melhor sorte e foi aprovada, sendo suas diretrizes tornadas obrigatórias já a


partir de 1996, através da Portaria MEC nº 1886/94. (RODRIGUES, 2002, p.
22).

Para tanto, Ferreira (2004) destaca que a Resolução 003 do CEF vigorou até
criarem a Portaria nº 1.886 no ano de 1994. O advento dessa nova normativa permitiu
pela primeira vez, desde 1827, que o ensino jurídico passasse por uma flexibilização da
grade curricular, se ajustando às reais necessidades locais, regionais e do mercado de
trabalho. Importante ressaltar que essa Portaria buscou readequar os currículos dos
cursos de Direito a uma realidade social conectada com a globalização e com a
tecnologia.
Ano após ano, o ensino jurídico passa por reforma, contudo, mudanças se
tornam sempre o centro de discussão e análise das consequências práticas e efetivas que
trará para a sociedade bem como para os operadores e para os estudantes do Direito. O
mundo contemporâneo é multifacetado e a realidade jurídica se aprimora e se molda dia
a dia, demonstrando a necessidade de uma formação prática muito mais efetiva e ampla.
Para Rodrigues (2002), o currículo do curso de Direito deve conectar disciplinas
com atividades a fim de possibilitar uma visão ampla e integrada do aparato jurídico,
vinculado com uma formação profissional pautada nas necessidades sociais e voltada
para o mercado de trabalho, além do mais, os cursos de Direito devem possuir um
quadro de docentes qualificados e preparados para integrar o ensino com a pesquisa e a
extensão. Dessa forma, é necessário ter professores que desenvolvam o senso crítico dos
alunos, proporcionando um ensino interdisciplinar que vincule teoria com a prática.
Nesse sentido, Ferreira (2004) certifica e destaca a importância de ter um
currículo assertivo, com conhecimento e conteúdo específico voltado para as exigências
do século XXI, tempos atuais que exigem um novo perfil com habilidades
multifacetadas e transdisciplinar.
Com o intuito de sondar a qualidade do ensino jurídico nos cursos de Direito,
Boaventura e Almeida (2017) mencionam a importante criação do Exame Nacional de
Desempenho dos Estudantes (ENADE) que se deu através da Lei nº 10.861/2004.
Apesar de uma ferramenta expressiva e balizadora, os autores pontuam que os
resultados obtidos ainda sinalizam a necessidade de mudanças e novas diretrizes
precisam ser delineadas, apontando como alternativa a reforma do ensino jurídico e a
maneira de ensinar.
187

2 PAPEL TRANSDISCIPLINAR DO DOCENTE COMO EDUCADOR NO


ENSINO JURÍDICO

Diante das grandes exigências do MEC, Boaventura e Almeida (2017)


mencionam que o docente tem um papel importante, no qual visa transmitir o máximo
de conhecimento/conteúdo contido no plano de ensino de cada disciplina. Diante desse
cenário, o docente está frente a duas possibilidades, a primeira, aprofundar os conteúdos
queconsideram relevantes, correndo o risco de não cumprir o plano de ensino ou, como
segunda possibilidade, ministraras aulas conforme o cronograma de ensino, fazendo de
modo superficial, não aprofundando o conteúdo e nem problematizando e refletindo
sobre os temas abordados, deixando ao livre interesse do discente buscar mais
conhecimento extraclasse.
Nessa última visão, cumpre salientar que esse tipo de ensino não garante um
aprendizado assertivo, adequado e nem se sustenta na contemporaneidade. Hoje, o
ensino jurídico deve estar pautado em formar pessoas e profissionais críticos, reflexivos,
inovadores, detentores de uma capacidade multifacetada e que tenham um olhar humano
voltado para a realidade social. O estudantede Direito deve ter o senso de percepção
direcionadoà atuação profissional, além de desempenhar um papel ativo dentro da sala
de aula, abandonar a ideia de passividade, onde o professor apenas fala e o aluno ouve,
devehaver uma ruptura desse formato, adotando-se a forma dialógica, para juntos
construírem o conhecimento, refletirem, problematizarem, sanarem dúvidas,
pesquisarem, devendo essa interação ser constante.
A partir de uma nova realidade, Ventura (2004) ressalta a importância da teoria e
da prática serem complementares e interligadas, jamais pautadas na rivalidade ou
contradição. Ainda existe certa resistência e pouca receptividade por vários professores
e alunos,do emprego de novas metodologias em sala de aula. Sabe-se que muitos
docentes exercem outras funções e, muitas vezes, não dispõem de tempo adequado para
o preparo de aulas. Nesse sentido, a autora ressalta que:

Profissionalizar-se como professor exige, entre outras tarefas, o acesso a um


acervo bibliográfico e a participação num debate bastante diferente daqueles
que são necessários ao habitual desempenho de suas tarefas cotidianas.
(VENTURA, 2004, p. 11).

Nessemister, o papel do docente ligado à educação é vasto e vai além da


transmissão de conhecimento intelectual, ele deve ter um saber técnico, prático e rápida
aprendizagem de novas tecnologias. Por mais que a falta de tempo seja um limitador, é
188

necessário adequar-se e além do mais, imprescindível que a sua formação esteja em


constante evolução e alerta para as mudanças contemporâneas. O docentedeve ser um
facilitador, saber ensinar, aprender e dialogar.
Em razão do professorter outras profissões cumuladas com a função de ensinar,
Ventura (2004, p. 17) destaca que:

É preciso despertar a consciência do duplo papel do advogado/docente (ou


magistrado/docente, procurador/docente etc.), e desenvolver as aptidões que
permitam honrar a posição pedagógica da qual esse indivíduo desfruta. Em
outras palavras, o poder do docente, o uso da tribuna privilegiada de onde
dissemina ideias e concepções deve ser visto como um poder dever.

Por contar com o privilégio de uma experiência profissional nas mais variadas
áreas jurídicas, acredita-se que aliar a vida prática aos conhecimentos teóricos, acaba
sendo de grande valia, gerando ganhos não somente para a área acadêmica, bem como
para a sociedade, pois o que se aprende em sala de aula hoje, amanhã estará refletindo
no contexto social, através da atuação dos novos profissionais formados, semestre após
semestre.
Nesse diapasão, para Souza (2015) a experiência do docente é significativa para
tornar a vivência jurídica mais palpável aos discentes, todavia, não substitui o
conhecimento pedagógico, pois trazer a experiência para a sala de aula, dependendo de
como ela é exposta, podem tornarem-se meros relatos ou contação de história. Se essa
vida prática for transmitida à luz de objetivos pedagógicos, farão diferença no processo
de ensino e aprendizagem.
Desse modo, Boaventura e Almeida (2017) frisam a necessidade de ressignificar
o ensino jurídico como alternativa de proporcionar ao discente uma aprendizagem
integrada.
Segundo Moraes e Torre (2004) a aprendizagem integrada esta pautada no
processo de evolução, transformação, no qual existe uma construção de novos
significados das coisas ao nosso redor e do mundo em si, essa ressignificação muda as
atitudes e valores das pessoas, espraiando mudanças na vida do ser humano, nas
relações sociais, impactando no modo de pensar, agir, sentir e atuar. Para os autores
mencionados, é a partir da mudança de postura e da adoção de um ensino aberto,
interativo e adaptativo que será possível perfectibilizar a aprendizagem integrada como
uma ferramenta relevante e transformadora.
189

Para se adequar as mudanças contemporâneas, uma falha crucial apontada por


Ventura (2004) está na qualificação dos docentes, pois são raros os que buscam
titulação específica em educação e raros são os cursos de pós-graduação que oferecem
uma ação pedagógica inovadora. A autora ressalta que essa inovação metodológica não
é apenas uma urgência, mas é um ponto positivo de profissionalização, e, essa
profissionalização faz parte de uma premissa de transformação estrutural que cada
professor deve primar como parte de sua evolução pessoal.
O papel do docente é importantíssimo para que se coloque em prática um
método de ensino inovador, capaz de instigar o discente asair da zona de conforto e ser
um agente participativo, reflexivo e questionador. O discente também deve ter a
consciência dessa importância, dessa troca de conhecimento, dessa inversão de papel,
onde o conhecimento é construído de forma recíproca.
Freire (1996) em seu grande estudo pautado no conhecimento, na pedagogia
crítica, destaca que ensinar não esta ligado apenas na transferência de conhecimento,
mas, esta relacionado na criação de possibilidades para garantir a produção e construção
constante desse conhecimento.
Assim, Moraes (2007) acredita que o docente deve ter um olhar transdisciplinar
que visa questionar-se constantemente e refletir sobre as metodologias e ações
desenvolvidas, para que a partir dessa percepção, potencialize e construa o
conhecimento e o método de ensino. Essa visão e compreensão leva o docente a
reconhecer à dinâmica do ambiente de ensino, adaptar mudanças com processos
autoformadores e interagir com o discente. Esse reconhecimento é fundamental, pois
orienta o docente na qualificação dos processos formadores adotados e do seu trabalho
profissional.

3 O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM: ADEQUAÇÃO DAS


METODOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA

O ano de 2020 iniciou em várias partes do mundo de modo diferente, e este


cenário rapidamente foi ganhando um formato nada animador em todo o planeta. O
surgimento do COVID-19, conhecido como coronavírus3 mudou a rotina e o modo de

3
TELESSAÚDE DE SÃO PAULO (2020). Caracteriza o coronarívus como uma pandemia, que se
reproduz em uma escala de gravidade, é o pior dos cenários. Ela acontece quando uma epidemia se
estende a níveis mundiais, ou seja, se espalha por diversas regiões do planeta. Em 2009, a gripe A (ou
gripe suína) passou de uma epidemia para uma pandemia quando a Organização Mundial da Saúde
190

se relacionar das pessoas. Essa mudança teve e continua tendo reflexos em todos os
segmentos, seja economia, importação, educação, etc. Com a evolução do coronavírus,
governo federal, estaduais e municipais adotaram medidas de prevenção, o isolamento e
a quarentena4 começaram a fazer parte da rotina das pessoas. A disseminação do
coronavírus fezcom que fosse decretado estado de calamidade pública5, modificando a
rotina de trabalho das pessoas, das escolas, universidades, a vida como um todo já não é
a mesma. Aglomerações de pessoas devem ser evitadas. A principal instrução de
segurança, sempre que possível, é ficar em casa em meio à pandemia do novo
coronavírus.
Em relação as universidades, que somam grande número de pessoas dentro de
uma sala de aula, Lima (2020) ressalta uma importante medida adotada pelo MEC para
amenizar os prejuízos decorrentes pela pandemia do coronavírus. O MEC autorizou a
substituição das disciplinas presenciais em universidades propiciando o ensino a
distância com a utilização de tecnologias de informação e comunicação nos cursos que
estão em andamento. Esta respectiva medida foi publicada no Diário Oficial da União
(DOU) no dia 18 de março do presente ano. A possibilidade de manter o ensino a
distância na grade presencial das universidades objetiva assegurar a rotina dos estudos e
não causar prejuízos aos discentes.
Importante salientar, a publicação da Portaria MEC nº 343, de 17 de março de
2020que autorizou a suspensão das aulas presenciais num período de 30 dias, com a
possibilidade de prorrogação devendo ser avaliada pelo Ministério da Saúde e órgãos de
saúde estadual, municipal e distrital. Após esta Portaria, houve alteração desta, por meio
da Portaria MEC nº 345, de 19 de março de 2020. A Portaria MEC nº 395, de 15 de
abril de 2020, alterou a primeira portaria, prorrogando o prazo previstopor mais 30 dias.
A última portaria ministerial em vigor é a Portaria MEC nº 473, de 12 de maio de 2020,

(OMS) começou a registrar casos nos seis continentes do mundo. E em 11 de março de 2020 o COVID-
19 também passou de epidemia para uma pandemia.
4
BRASIL, LEI nº 13.979/2020, Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I - isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte,
mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a
propagação do coronavírus; eII - quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de
contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de
transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a
propagação do coronavírus.
5
DECRETO LEGISLATIVO Nº 6, DE 2020. Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº
101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do
Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020.
191

no qual prorroga o prazo da Portaria MEC nº 343, por mais 30 dias, ou seja, até 14 de
junho de 2020 as aulas seguem suspensas.
Em vista desta suspensão, Estrella e Lima (2020) mencionam que muitas são as
preocupações durante a pandemia do coronavírus. E pautada nessa preocupação, o
Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou no dia 28 de abril, diretrizes para
orientar tanto escolas de educação básica bem como as instituições de ensino superior,
quanto ao procedimento das atividades não presenciais a fim de serem computadas
como hora/aula. Pensando em soluções, o CNE elencou várias atividades/alternativas
que podem ser utilizadas, como exemplo, vídeo-aulas, plataformas virtuais, redes
sociais, programas de televisão ou rádio, material didático impresso, podendo ser
entregue aos pais ou a responsáveis.
A partir de então, todas as instituições de ensino foram se ajustando e se
mobilizando para criar alternativas de enfrentamento ao coronavírus. Estratégias de
educação à distância foram delineadas para garantir e manter as atividades letivas em
plena pandemia.
Segundo Kochhann (2020), a alternativa de enfrentamento da pandemia, do
distanciamento e isolamento social para não paralisar o ensino nas universidades se
baseia no uso das tecnologias educacionais, pois traduzem em novas maneiras de
ensinar e manter contato à distância. Essa nova realidade requer que as universidades se
reinventem, além da mudança de postura e proatividade por parte dos alunos.
O Instituto Semesp frisa que a mudança do presencial para as aulas on-line se
torna mais facilitada para quem fazia o uso, possui expertise e estrutura para essa
modalidade, contudo, traz grandes desafios para as instituições que não usavam ou que
tenham poucas experiências.
Na visão de Quintella (2020) as aulas remotas para o ensino jurídico podem ser
um prenúncio de um futuro inovador e integrado, elencando ainda, que o uso das
tecnologias não deve suprirapenas a necessidade atual, mas devem criar raízes
eamplificar maior interação, pois rompe fronteiras geográficas, os alunos podem
participar de eventos de outras instituições, professores podem trazer outros professores
e palestrantes para contribuir com o conhecimento e enriquecer o debate numa sala de
aula virtual. Além do mais, o ambiente virtual deve ser visto com bons olhos, pois
possibilita um ambiente proveitoso para o estudo, não há ruídos de conversas paralelas
entre outros benefícios. O ensino jurídico deveria se apossar das ferramentas e fazer o
192

uso contínuo do ambiente virtual, pois a ideia do ensino remoto é andar a par com o
ensino presencial pós pandemia, essa ligação agrega muito para o aprendizado do aluno.
É perceptível que a rotina acadêmica ganhou um novo formato nos últimos
meses, sendo assim, é necessária a readequação tanto de docentes como dos alunos. Em
resposta ao cenário atual, o uso da tecnologia a fim de proporcionar salas de aula
virtual, conferências, seminários, webinários e demais eventos virtuais vem crescendo
dia após dia, isso gera mudança de postura, oportuniza e eleva a transmissão de
conhecimento num patamar nunca visto, potencializando o processo de aprendizagem
como um todo, em esfera ampla.
Silva (2020) ressalta que o uso das tecnologias é um meio de enfrentamento para
diminuir distâncias físicas e minimizar os impactos da ausência das aulas presenciais,
contudo, além do uso que não deve ser meramente replicado, deve haver interação do
docente com os alunos a fim de promover debates e troca de opiniões. Cabe ao docente
manter um elo de ligação e motivação para que os alunos interagem, e quanto mais
frequente e de qualidade for essa interação de professor versus alunos, maior será a
aprendizagem e a motivação dos alunos. Importante enfatizar que na modalidade
virtual, no ensino à distância (EAD ou síncrono) o aluno está no centro do processo
educativo, enquanto o docente funciona como um mediador e motivador desse processo,
devendo potencializar os alunos para mudança de comportamento, despertando
proatividade e responsabilidade. Ademais, o autor ainda pontua que o ensino, a
educação pode ser à distância física, mas as tecnologias estão para aproximar e dar
continuidade ao conhecimento, que com certeza continua sendo a esperança e a
motivação de todos.
Nessa linha, Santos Jr e Monteiro (2020) destacam que as ferramentas
tecnológicas são um meio e não um fim para corroborar com a transmissão de
conhecimento, elas sozinhas não conseguem chegar aos objetivos pedagógicos
esperados. Por essa razão, é imprescindível que o docente compreenda o seu papel
diante do processo educacional, o aluno se readeque a nova realidade e da própria
instituição seja corresponsável por estimular e garantir um ensino de qualidade e
permanente. Desse modo, todo o processo dessa integração e uso das tecnologias
precisa garantir a participação de todos, de modo contínuo, igualitário para não gerar
exclusão educacional ou ruptura do contato com o meio acadêmico.
Assim, mostra-se necessário o engajamento do docente e do aluno na nova
forma de se transmitir conhecimento, fazer o ensino acontecer e toda a troca de saberes,
193

repensandoo modo de ensinar e aprender, refletindo o modo de como esta


perfectibilizando o conhecimento, tendo e recebendo feedback, estes são pontos
relevantes que devem primar o ensino jurídico bem como qualquer outro ensino em
tempos de pandemia, tempos que é preciso reinventar e manter ativo o modo de ensinar
e aprender.

CONCLUSÃO

Em vista da contextualização do ensino jurídico frente a nova realidade, a


contemporaneidade vivenciada pela pandemia, requer ruptura de um cenário,de certo
modo consolidado e que seguia relativamente um padrão estabelecido, para dar espaço a
uma readequação e (r)evolução no modo de ensinar e aprender. Essa modificação exige
de cada protagonista, seja do aluno, do docente e da própria instituição mantenedora de
ensino, uma postura inovadora e mais ativa, capaz de replanejar e perpetuar um ensino
de qualidade independente da situação.
Nesse contexto, é possível que o atual cenário (período de quarentena), possa
fazer com que certos tabus sejam quebrados em relação à educação jurídica, bem como
seja nela inserida, mais práticas pedagógicas ativas, pois muitos professores buscaram
aprender novas metodologias pedagógicas, inclusive por faltar, muitas vezes, ao
professor do ensino jurídico, mais traquejo pedagógico. Tal é dito, em virtude de que é
possível constatar poucas oportunidades de estudo e análise de técnicas pedagógicas na
formação do profissional que ensina Direito.
Por fim, esse momento especial que passa a humanidade, trouxe à tona várias
situações que estavam encobertas pelo “manto da normalidade”, tirando os profissionais
de todas as áreas da zona de conforto, fazendo com que muitos, em verdade, a
ampliassem, passando a dominar novas técnicas pedagógicas, fundamentais ao
ensino/aprendizagem atual, mostrando a capacidade latente de adaptação do profissional
docente do Direito.

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196

DO UNIVERSO INFANTOJUVENIL AO ENSINO SUPERIOR: UM ESTUDO À


LUZ DAS METODOLOGIAS ATIVAS SOBRE OS BENEFÍCIOS DO USO DE
RECURSOS LÚDICOS NA EDUCAÇÃO JURÍDICA BRASILEIRA

Tayna Silva Cavalcante1

Resumo: O presente estudo, por meio do método Zetético, da técnica da revisão


bibliográfica e do flerte com pesquisas decoloniais, almeja demonstrarquais são os
benefícios do uso de recursos lúdicos na educaçãojurídica brasileira à luz das
metodologias ativas. Eis que, da leitura apurada da resolução de n° 05, exarada pelo
CNE/CNS, em 17 de dezembro de 2018, que institui as diretrizes curriculares nacionais
do curso de graduação em Direito, identificou-se que a formação dos acadêmicos deve
estar cada vez mais ancorada em diferentes saberes, na interdisciplinaridade, bem
comono ostensivo diálogo entre pesquisa e extensão, para alcançar uma resposta,
julgou-se imprescindível analisar a origem do curso de Direito no Brasil, em seguida
tecer apontamentos a despeito do formato de ensino prussiano, posteriormente elucidar
o que sejam metodologias ativas e recursos lúdicos, por fim, com escopo na densa
literatura jurídico-educacional contemporânea, exemplificar propostas educacionais
realizadas em diferentes estados da federação, os quais demonstram como ferramentas
didáticas comumente adotadas no ensino infantil, uma vez adaptadas às necessidades do
público alvo do ensino superior, podem propiciar ambientações acadêmicas mais
atrativas, criativas ere(construtivas), tornando-se, por sua vez, fortes aliadas no processo
de desenvolvimento de um saber iuris eminentemente nacional.

Palavras Chave: Educação Jurídica Brasileira. Recursos Lúdicos. Metodologias Ativas.

1 INTRODUÇÃO

Diante o cenário hodierno gerenciado pelo pensamento neoliberal e pela


economia capitalista,em termos educacionais Cavalcante (2017) explica que uma
controversa sacralização de um ensino código de barras vem se legitimando no Brasil,
ou seja, priorizam-se sem o mínimo pudorquantidades, metas, porcentagens,
rendimentos, em detrimento do saber crítico, humanístico, democrático e emancipador.
Destarte, com escopo nas ponderações de Reginaldo; Mustafa e Neto (2020), conclui-se
que o aumento vertiginoso da oferta de cursos de bacharelado em Direito nas últimas
décadas reflete bem essa lógica mercadológica e perversa. Não que a democratização
“seja um mal em si mesmo” (VERONESE, 2020, p. 20), mas sim a “banalização do
conhecimento jurídico” (VERONESE, 2020, p. 20), quiçá sua carnavalização.

1
Advogada, OAB/PA 29.954, pesquisadora, especialista em Direito Penal e Criminologia (ESMAC).
Bacharela em Direito pela Escola Superior Madre Celeste/PA (2017), ligante da Liga Acadêmica
Jurídico-Criminal- LAJUC (2020). E-mail: tainaesmac@gmail.com.
197

(SANTOS, 2011, apud CAVALCANTE, 2017, p. 42), por sua vez, discorre que a mídia
tem um papel crucial na manutenção do crescente mercado de diplomas, quando “[...]
coloca em pauta a quantidade de brasileiros que ingressam no ensino superior, sem o
devido questionamento sobre quantos deles se graduam ou conseguem um emprego
formal em sua área”.
Igualmente, da leitura de Amaral Filho (2018, p. 10) infere-se que nem as
publicações de textos científicos escaparam desse contexto fluído e ancorado no fetiche
à efemeridade, devido não ser mais preciso“[...] escrever ansiando por possíveis
leitores, capazes de julgar o modo pelo qual nos inserimos no mundo do pensamento,
visto que, na academia, basta que escrevamos para o Lattes”, salvo para aqueles que
ainda estão comprometidos com a educação, a pesquisa e o progresso social substancial
e não meramente forma. Talvez, sejam esses uns dos motivos pelos quais em pleno
século XXI, o questionável culto à prova de múltipla escolha, à sabatina, ao
questionário, à leitura de cansativos e longos textos, isso quando não se tratam de
parcos “manuais receitas de bolo” (PINHO, 2016, p. 2), continuem sendo
majoritariamente adotados por muitas instituições de ensino.
Pois, ao contrário do que é apregoado pelos mais tradicionalistas e
conservadores por si só tais estratégias educacionais não garantem “por quanto tempo à
aprendizagem será retida” (KHAN, 2013 p. 65), assim como não revelam o que
“estamos na verdade conseguindo quando damos as notas [...]” (KHAN, 2013, p. 67) e
muito menos convencem do “que realmente as provas provam [...]” (KHAN, 2013, p.
65), se é que conseguem provar algo. Já que sob o olhar de (BOURDIEU; PASSERON,
2009, p. 21), os exames só propiciam a justificação da “exclusão” e manutenção do
“status”.
Deste modo, construir e buscar meios de implantar estratégias didático-
pedagógicas que possibilitem ir de encontro ao limbo de estudos jurídicos mecanizados
vigentes (CAVALCANTE; REIS NETTO, 2015), possibilitará dinamizar, facilitar e
oxigenar a execução do complexo processo de ensino-aprendizagem.Sem contar na
possibilidade de descortinar a “ligação estreita entre a escola e o sistema produtivo – e a
‘neutralidade’ - reprodução dos valores nacionais assente na meritocracia (ideologia do
dom)” (BOURDIEU; PASSERON, 2009, p. 4), que se retroalimenta por meio da
difusão do “produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação
instantânea, resultados que não exijam tantos esforços prolongados [...]” (BAUMAN, p.
198

18, 2004).O que para Caovilla; Boita e Balbinot (2018) permite o recrudescimento de
práticas coloniais.
Nesta esteira, lutar pela libertação do saber iuris pátrio, que já se encontra
sufocado pelas areias movediças da “mediocridade” (PINHO, 2016, p. 2) se faz
necessário, considerando que cotidianamente os anseios empresariais não medem
esforços para apresentar soluções mágicas para os problemas da educação nacional, sob
a falsa “modéstia de está contribuído para o nosso belo quadro social”(CAVALCANTE,
2017, p. 25), em uma velada substituição entre a formação do “[...] cidadão pelo cliente
ou consumidor” (DOTTA, 2017, p. 56).A propósito,apreende-se das análises
de(SANTOS, 2011) que a educação, notadamente a prestada no ensino superior está
cada vez mais se tornando um joguete dos anseios da economia globalizada, o que
consequentemente vai reverberar no descrédito pela educação pública e no
agigantamento da crise de legitimidade enfrentada pelas Universidades.
Nessa vereda, sabendo-se que a arte serve há tempos como um instrumento
dedenúncia (REIS NETTO, 2019), entende-se que uma das alternativas para atingir o
grau esperado de protagonização do acadêmico de Direito brasileiro e daprópria
materialização das disposições da resolução de n° 05, exarada pelo CNE/CNS, em 17 de
dezembro de 2018,que institui as diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação
em Direito, ocorrerá com areal ofertado acesso a saberes que vão além dos
proporcionados pelas disciplinas de cunho dogmático,tendo em vista que “sensibilizar”
(CAVALCANTE; REIS NETTO, 2015, p. 70), em muitos casos é“mais eficiente do
que abstrair um problema imaginário” (CAVALCANTE; REIS NETTO, 2015, p. 70).
Além do mais, tal atitude de longe seria um meio de negar a tradição muito
menos àessencialidade dos estudos dogmáticos, mas sim uma forma de desenvolver
habilidades e competências que visem preparar profissionais aptos a refletir desde os
semestres propedêuticos sobre as vicissitudes da realidade que os cercam e
queespecialmente os incitem a assumir uma postura de enfrentamento em face à
instrumentalização e mercantilizaçãodo Direito.Isto posto, veio a lume o interesse por
investigar quais riquezas metodológicas os recursos lúdicos poderiam ofertar neste
intento.
Eis que, os problemas advindos da implantação do modelo de ensino português a
partir do século XIX (modelo Coimbrão), pautado no irrefutável saber lusitano dos
lentes (nome dado aos primeiros professores do curso de Direito no Brasil), no uso
exacerbado do “juridiquês” (CAVALCANTE; REIS NETTO, 2020, p. 348), no
199

aprisionamento aos conteúdo dos códigos e decretos imperiais, dentre outros aspectos
culminaram em sérios entraves epistemológicos sentidos até hoje, não só em relação à
qualidade da formação dos juristas, mas também na própria ideia que se tem acerca da
Ciência do Direito. Mediante o exposto,o presente estudo questionou quais são os
benefícios do uso de recursos lúdicos na educação jurídica brasileira, para alcançar uma
resposta “de modo consistente e defensável” (QUEIROZ, 2017, p. 17), julgou-se
imprescindível analisar a origem do curso de Direito no Brasil, em seguida tecer
apontamentos a despeito do formato de ensino prussiano, posteriormente dar ênfase à
elucidação do que sejam metodologias ativas e recursos lúdicos. Por fim, com escopo na
densa literatura jurídico-educacional contemporânea, exemplificar propostas
educacionais realizadas em diferentes estados da federação, as quais demonstram como
ferramentas didáticas comumente adotadas no ensino infantil, uma vez adaptadas às
necessidades do público alvo do ensino superior, podem propiciar ambientações
acadêmicas mais atrativas, criativas e re(construtivas), tornando-se, por sua vez, fortes
aliadas no processo de desenvolvimento de um saber iuris eminentemente nacional.
A metodologia da pesquisa perfez-se do uso do método Zetético e datécnica da
revisão bibliográfica. Cabe enfatizar quedevido o eixo central do debate está calcado na
necessidade de criticamente demonstrar a importância dos recursos lúdicos como sendo
uma ferramenta pedagógica que possibilita reavivar a vontade e o prazer de aprender o
Direito, “[...] considerando a importância de educar para múltiplas sabedorias,
criatividades expressivas e reflexivas [...]” (CAOVILLA; BOITA; BALBINOT, 2018,
p. 566), a fim de serem alcançadas benéficas transformações sociais, flerta com estudos
e abordagens decoloniais.

2 UMA ODISSEIA EPISTEMOLÓGICA IDEALIZADA PARA O NOVO


CONTINENTE OU A IMPLANTAÇÃO DE MAIS UM RECURSO DE
DOMINAÇÃO SIMBÓLICA?: UMA ANÁLISE JURÍDICO-PEDAGÓGICA DO
DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO CURSO DE DIREITO NO BRASIL

Os registros históricos apontam que muitos dos obstáculos epistemológicos, em


termos educacionais, vivenciados em pleno século XXI, pelas academias de Direito
brasileiras, surgiram desde a fundação do curso (Decreto-lei 1.036–A de 11 de agosto
1827, assinado por Dom Pedro I). Especialmente porque não houve o cuidado de
desenhar um formato de curso que se preocupasse com as multifacetadas demandas e
200

organizações sociais existentes há anos nas terras tupiniquins. Em outros termos, tem-
se que o modelo de ensino lusitano (Coimbrão), impregnado de ideários eurocêntricos,
uma vez, implantado no país recém-independente aumentou ainda mais asilhas “[...]de
letrados num mar de analfabetos” (CARVALHO, 1980 apud ROZEK; SANTIN, 2013.
p. 264).
Sob o ponto de vista decolonial, Caovila, Boitai e Balbinot (2018, p. 568)
aduzem que o monopólio do “poder, do ser e do saber”, deixou marcas indeléveis em
todo o processo de desenvolvimento da cultura iuris pátria. Ratificando o
posicionamento dos autores, Cavalcante e Reis Netto (2020), pormenorizam que na
época imperial o foco central dos cursos localizados em Olinda e São Paulo era
contribuir para o aumento do número de servidores públicos, pois os órgãos do novo
governo precisavam ter suas vagas preenchidas por profissionais habilitados, dando
ensejo ao movimento conhecido como Bacharelismo. Desta feita, questões de ordem
pedagógica foram relegadas para um segundo plano. Dessarte, da República Velha
(1889-1930) até a promulgação da Constituição Federal de 1988, em virtude das
alterações curriculares e de ordem política, mudanças no modo de ver a práxis do
ensino do Direito tornaram-se mais evidentes. Até porque o público alvo do curso
mudou (VERBICARO; SIMÕES; HOMCI, 2020, p. 254).
Posto que, ocultivo centenário da crença, a qual um excelente jurista seria
aquele que soubesse o inteiro teor das leis, dos códigos, que dominasse a arte de
decorar, passou a cair por terra. A mais disto, tem-se que manter uma educação
jurídica alimentada “em peças de uma retórica vazia articulada para enfrentar
formalidades regulatórias” (VERBICARO; SIMÕES; HOMCI, 2020, p. 276) e nos
pilares abaixo descritos, só fará com queos discentes sejam meros fantoches dos
anseios da economia globalizada,vejamos:

1º) educação bancária; 2º) manutenção da ordem social, mesmo que


injusta; 3º) professores despreparados (sem formação pedagógica);
(grifo nosso) 4º) ensino colonizado; 5º) ensino e avaliação baseados na
memorização (grifo nosso); 6º) pesquisa (ou não pesquisa) baseada na
reprodução (grifo nosso); 7º) ensino distanciado dos problemas sociais
(grifo nosso); 8º) ensino e cultura jurídica ainda centralizados na
propriedade; 9º) falta de interdisciplinaridade; 10º) ensino focado
majoritariamente nas leis, independentemente do seu teor (dos valores
adotados) (PETRY, 2017, p. 77).

De outra banda, denunciar as impropriedades metodológicas perpetradas é o


primeiro passona árdua busca por alternativas didáticas e pedagógicas hábeis a
201

proporcionar um futuro mais democrático, participativo e que oferte espaços nos mais
diferentes setores da sociedadeparaas minorias, já que é desolador ver que em pleno
século XXI, ainda persiste uma contraproducente e colonial forma de ensinar o Direito.

2.1Decifra-me ou eu te reprovo: breves apontamentos acerca do modelo prussiano


de ensino e seus reflexos na hodierna crise da qualidade do ensino do direito no
Brasil

Khan (2013, p. 56) aduz que o modelo de ensino prussiano iniciou-se na Prússia,
por volta do século XVIII, sendo esquematizado por Johann GottliebFichte, com o fito
de “[...] não produzir pensadores independentes, mas extrair cidadãos leais e
complacentes, que aprenderiam o valor de se submeter à autoridade dos pais, dos
professores, da Igreja e, em última instância, do rei”. Nesse diapasão,os reflexos
nefastos advindos da simbólica e controversa “estrutura física com mesas e cadeiras
perfiladas, engessadas individualmente, mantendo cada aluno no seu espaço [...]”
(SOUZA; SALGADO, 2019, p. 9),o qual “resulta na promoção dos corpos adestrados”
(FOUCAULT, 1999 apud, SOUZA; SALGADO, 2019, p. 9), mais cedo ou mais tarde
desaguaram na seara jurídica, não à toa, o tema passou a sercada vez mais destacado em
eventos acadêmicos, periódicos, palestras etc.Pois que, o contexto de economia
capitalista contemporâneo independentemente do nível escolar ou área do
conhecimento,“os alunos são transformados em produtos ou mercadorias” (SILVA,
2005, p. 106), com isso “são categorizados apenas em termos de certas características
que os estudantes ideais devem ter: interesse, disciplina, capacidade, inteligência”
(SILVA, 2005, p. 106).Fazendo do “discente, sonhador e idealista” o “algemado
docente de amanhã” (CAVALCANTE;REIS NETTO, 2015, p. 69). Em um círculo
vicioso de alienação e perda da subjetividade.
À vista disto, Verbicaro, Simões e Homci (2020, p. 254) declinam que é vital “a
compreensão de que os cursos universitários não são uma realidade neutra ou regida por
uma inevitabilidade curricular que cabe apenas ser transferidas para os alunos”. Nesse
passo, Khan (2013) responsavelmente rechaça a padronização de transmissão e
obtenção do conhecimento apregoado pelo modelo prussiano, sem eclipsar que até certo
ponto consegue-se perceber o desenvolvimento de habilidades e competências nos
estudantes, não obstante sua base metodológica e epistêmica sernocivamente alienante.
202

Na contramão desse padrão educativo, as metodologias ativas propõem um


projeto pedagógico promissor,decolonial e de auto resgate, em virtude de ao longo da
trajetória escolar/acadêmica as pessoas serem propositalmente condicionadas a
esquecer[...]que a partilha dos saberes pode nos elevar à compreensão alheia e
transformação do altero, do diferente, em algo comum ou próximo, e, nessa qualidade,
aceitável ou, até mesmo, amável (REIS, NETTO, 2019, p, 49). Visto que, “os modelos
totalizantes de pensamento e ação não conseguem dar conta de bens preciosíssimos: a
individualidade e o direito à diferença, que passam pela ideia de alteridade, tolerância e
convivência harmônica [...]” (VERBICARO; SIMÕES; HOMCI, 2020, p. 256).

2.2 Como superar as crônicas de uma não aprendizagem anunciada? Um adendo


sobre asmetodologias ativas

Oliveira (2016, p. 12) comenta que “O ser humano nasce potencialmente


inclinado a aprender, necessitando de estímulos externos e internos (motivação,
necessidade)”, em virtude disto:
Os objetivos da aprendizagem são classificados em: domínio cognitivo
(ligados a conhecimentos, informações ou capacidades intelectuais); domínio
afetivo, (relacionados a sentimentos, emoções, gostos ou atitudes); domínio
psicomotor (que ressaltam o uso e a coordenação dos músculos)
(OLIVEIRA, 2016, p 12).

Compartilhando deste entendimento, Bastos (2006) esclarece que o método ativo


está voltado para o reconhecimento de que as inúmeras potencialidades humanas só
serão alcançadas, a partir do momento em que o velho adágio, o qual o professor é o
único detentor do conhecimento e o aluno um mero receptáculo de ideias prontas for
superado, pois protagonizar o educando é a bússola que levará ao início de uma jornada
educacional,

[...] que estimula a autoaprendizagem e facilita a educação continuada porque


desperta a curiosidade do aluno e, ao mesmo tempo, oferece meios para que
possa desenvolver capacidade de análise de situações com ênfase nas
condições loco-regionais e apresentar soluções em consonância com o perfil
psicossocial da comunidade na qual está inserido (BASTOS, 2006, p. 10).

Enaltecendo o anteriormente dito, Cavalcante e Reis Netto, (2020, p. 355),


afirmam que “se apresenta como uma alternativa viável e de baixo custo na promoção
de um novo formato de ensino, na medida em que redefinem os papéis do professor, do
aluno, da escola, da universidade e da própria aprendizagem”. Tendo em vista, que o
203

estudante deixa de ser um elemento passivo no complexo processo de ensino-


aprendizagem e resgata o seu papel de protagonista. A título de exemplo, cita-se a aula
invertida, o ensino híbrido, grupos operativos, aprendizagem baseada em problemas e a
gamificação.
Deste modo, ao reconhecer que cada “[...] saber deve ser respeitado e
considerado como importante parte do conhecimento científico, numa dialética
(parecida, aliás, com as várias ideias propagadas de “democracia”) [...]” (REIS NETTO,
2019, p. 48), faz cair o véu da mediocridade, do individualismo e da cega e destrutível
competição, contrariando veementemente o modelo de ensino prussiano de cunho
manifestamente colonial.Contudo, conclui-se de Souza e Salvador (2019, p. 13), que
paraas metodologias ativas terem o condão de redesenhar as relações
escolares/acadêmicas e não se reduzirem a meras expectativas de um futuro menos
impiedoso para com à subjetividade humana:

O ambiente físico das salas de aula e da escola como um todo também


precisa ser redesenhado dentro dessa concepção mais ativa, mais
centrada no aluno. As salas de aula podem ser mais multifuncionais, que
combinem facilmente atividades de grupo, de plenário e individuais
(grifo nosso). Os ambientes precisam estar conectados em redes sem fio,
para o uso de tecnologias móveis, o que implica ter uma banda larga que
suporte conexões simultâneas necessárias (MORAN, 2015, apud SOUZA;
SALVADOR, 2019, p. 13).

Em razãoda “[...] falsa sensação de que ao ministrar aulas pelo viés lúdico, o real
sentido da educação se perde na propagação de atividades aleatórias sem vínculo com
os conteúdos escolares” (SOUZA; SALVADOR, 2019, p. 13). Nesse sentido, como
recurso visual e didático que visafacilitar o entendimento dos princípios norteadores das
metodologias ativas, colacionou-se o esquema abaixo, leiamos.

Figura 01 – Ciclos de metodologia ativa

Fonte: (DIESEL; BALDEZ; MARTINS, 2017, p. 273).


204

2.3 Do universo infatojuvenil às academias de direito: desmistificando os recursos


lúdicos
A pedagoga Silva (2016, p. 4) expõe que “O processo de aprendizagem do ser
humano envolve vários fatores ligados à afetividade, emoção, cognição, social, motor,
cultural, entre outros”. Por consequência, “A utilização do lúdico na educação pode ser
uma estratégia a mais para promover situações de aprendizagem onde é possível por
meio da brincadeira beneficiar o educando” (SILVA, 2016, p. 4). A autora alega ainda
que lúdico é uma palavra de origem latina (ludus), que significa brincar, de acordo com
as investigações de Covos et al (2018, p. 66) os jogos lúdicos “surgiram no século XVI
nos países da Grécia e Roma, com o objetivo de ensinar letras”. Ressalta-se que o
universo dos recursos lúdicos no âmbito da educação não se resume ao ato de brincar,
pois vislumbra desenvolver a leitura, interpretação, reflexão, interação social,
aprendizagem, fala, dentre outros aspectos relacionados à psicomotricidade (SILVA,
2016).
Outrossim, Souza e Salvador (2019, p. 12) exemplificam que “atividades ou
vivências que estimulam a imaginação e a criatividade por intermédio de danças,
músicas, vídeos, teatralização, poemas e jogos [...] (grifo nosso), podem ser
consideradas potencialmente lúdicas.” Ou seja, são elementos de obtenção da execução
das propostas inovadoras perquiridas pelas metodologias ativas. No ensino superior
tem-se mostrado como uma estratégia pedagógica promissora no enfrentamento de
situações de dispersão e baixo rendimento acadêmico, na medida em que interfere
criativamente na rotina e na ambientação escolar, que na ótica de (BORDIEU;
PASSERON, 2009, p. 14) “[...] é necessariamente rotinizada, homogeneizada e
ritualizada.”.
Imperioso se faz explicar que muitos docentes relutam em adotar em suas aulas
métodos de ensino-aprendizagem diferentes dos tradicionais (COVOS et al, 2018, p.
63). Esta conduta hostil pode ser facilmente compreendida porque o “corpo professoral
tende a reproduzir do mesmo modo que lhe transmitiram e desta forma o sistema de
ensino realiza-se plenamente através da auto reprodução” (BOURDIEU; PASSERON,
2009, p. 14).
Logo, romper este obstáculo é algo urgente, primeiro porque um número
significativo de pessoas adultas está se matriculando nos cursos de graduação em
Direito, o que, por sua vez, vai demandar dos docentes e das instituições a incessante
busca por implementar didáticas e métodos avaliativos alternativos. Visto que, são
205

pessoas que em sua maioria trabalham, possuem filhos de pouca idade, os quais
requerem cuidados redobrados, assim como dispõem de um tempo exíguo, para se
dedicarem às atividades escolares e/ou acadêmicas, comumente matriculam-se nos
turnos da noite, às vezes não conseguem acompanhar os primeiros minutos de aula, ou
quando conseguem estão fadigados e sonolentos, em decorrência da labuta diária.
Robustecendo esta visão Cavalcante e Reis Netto, (2015) justificam:

Pode parecer algo trivial. Porém, sem uma correta condução ao longo do
processo de apreensão do conhecimento jurídico, é natural que nossos
cursos produzam os tão aclamados ‘operadores do direito’, quando, em
verdade, nossa sociedade (nitidamente em crise de valores e instituições)
necessita de ‘realizadores ou transformadores’ da ciência jurídica (grifo
nosso) (CAVALCANTE; REIS NETTO, 2015, p 69).

Segundo, que fazer com que o momento de sala de aula seja realmente produtivo
tornou-se muito mais difícil, já que os professores têm que disputar a atenção dos
estudantes todos os dias, pois “fora a influência direta do uso de métodos de ensino
superados” (CAVALCANTE; REIS NETTO, 2020, p. 358), acrescenta-se que “o
comportamento desatento por parte dos alunos e/ou universitários está associado à
dispersão causada pelo uso de celulares, tablets, laptops, videogames, acesso a redes
sociais e afins” (CAVALCANTE; REIS NETTO, 2020, p. 358), durante o horário de
aula.Por esse prisma, em apertada síntese com fulcro nas colocações de Oliveira (2010),
sinalizam-se quais seriam as riquezas educacionais que podem vir a ser alcançadas com
o adequado uso dos recursos lúdicos:

O lúdico dentro do processo educativo pode construir-se numa atividade


muito rica, na medida em que professores e alunos interagem construindo
conhecimentos e socializando-se, podendo atuar na escola, de forma a
promover a interdisciplinaridade, entre as disciplinas para introduzir seus
conceitos, assim, haveria um incentivo à aprendizagem de determinado
conteúdo(OLIVEIRA, 2010, 18-19).

Aliado a isto, com arrimo nas sábias palavras de Lyra Filho (1982), defende-se
que insistir anacronicamente em propugnar o ato de“Aprender o que é Direito nas
‘obras da ideologia dominante só poderia, evidentemente, servir para um dos dois fins:
ou beijar o chicote com que apanhamos ou vibrá-lo no lombo dos mais pobres, como
nos mande qualquer ditadura” (LYRA FILHO, 1982, p. 14). Neste cotejo, “[...]
reacender a chama da educação jurídica como instrumento de mudança, sobretudo, pela
reaproximação dos principais sujeitos deste processo, o docente e o discente [...]”
206

(CAVALCANTE; REIS NETTO, 2015, p 70), com o passar dos anos certamente “[...]
deterá efeitos cruciais à solução da plurissignificativa crise que enfrentamos no
momento[...]” (CAVALCANTE; REIS NETTO, 2015, p 70).

3 METODOLOGIA DA PESQUISA
3.1 O método zetético

Reconhecer a existência e a riqueza epistemológica de saberes que não sejam os


hegemônicos é sem dúvida um ato de bom senso e honestidade intelectual. Em razão
disto, sabendo-se quenão é do dia para noite que um pesquisador conseguirá sair da sua
zona de conforto e passará a enxergar a realidade que o cerca com outras lentes, tem-se
que o esforço cotidiano por utilizar métodos científicos que auxiliem na superação da
“[...] soberba, belicosidade e a ganância [...]” (REISNETTO, 2019, p, 50), apresenta-se
como um vagaroso e oportuno caminho a ser trilhado rumo aoconhecimento, em
detrimento dos confins da ignorância e do preconceito.
Nesta linha de raciocínio, adotou-se no presente estudo jurídico-pedagógico o
método Zetético, haja vista que a Ciência do Direito necessita ser estudada e “trabalhada
num novo processo de evolução” (REIS NETTO, 2019, p, 50), ou seja, sob o viés de
uma “evolução como forma de reconstrução da própria noção humanidade” (REIS
NETTO, 2019, p, 50). Já que, reconstruir “conhecimento para desfazer os males do
próprio conhecimento.” (DEMO, 2004, p. 46), nunca se fez tão necessário na história da
cultura jurídica nacional.
Para maiores esclarecimentos, Abbagnano (2007, p. 1013) fala que Zetética é
uma palavra que vem do “grego Çr|xr|TiKóç; e do latim. Zetetic", perfeitamente
entendida como um ato "investigativo ou inquisitivo”. Ferraz Júnior (2003) acrescenta
que esse método almeja elucidar, estudar e interpretar o direito ou determinado
fenômeno jurídico, de uma forma mais flexível, multifacetada e interdisciplinar.
Coadunando às ponderações do autor Adaid (2016, p. 2) cita que “[...] o Direito
dogmático é fixo e fechado, devendo ser aceito como é. Enquanto o Direito Zetético é
mais aberto e flexível, sendo constantemente alvo de questionamento”. Dito de outro
modo, sua forma de análise perpassa pela valorização e reconhecimento dos
conhecimentos teóricos e práticos de outras áreas do conhecimento a exemplo da
Filosofia, História, Antropologia, Pedagogia, Psicologia, Sociologia, Economia, dentre
outras.
207

Salgado (2011, não paginado) enaltece a explanação alhures


pormenorizandoque, embora sejam imprescindíveis “[...] as disciplinas tidas como
zetéticas têm tido pouco espaço na reflexão do ensino de direito, uma vez que são
tratadas por muitos juristas pejorativamente como ‘perfumarias jurídicas’”. Daí a
preocupação desta pesquisadora em colaborar na desmistificaçãode tal acepção
equivocada. Até porque nossa práxis a mais de um século é de precipuamente ensinar o
texto frio das leis, no entanto as leis se não forem adequadamente estudadas,
interpretadas e aplicadas ao caso concreto provocarão as mais dantescas consequências
sociais.
Sem perder de vista que “Um trabalho científico deve refletir as melhores
convicções científicas do pesquisador” (QUEIROZ, 2017, p. 13). Uma vez que, “[...] A
ciência não produz a si mesma, e qualquer teoria sobre como ela é feita é interligada
com proposições deontológicas sobre como cientistas devem se portar ao fazê-la”
(QUEIROZ, 2017, p. 13).Logo, infere-se que desencastelar a educação jurídica pátria
dos grilhões da dogmática é vital. “Dado que a divisão interna entre as disciplinas
dogmáticas e zetéticas revela uma esquizofrenia dos estudos de direito na atualidade,
que levam a falta de parâmetros para a pesquisa” (SALGADO, 2011, não paginado).
Em vista do exposto,e sabendo que o estudo tem um cunho crítico e reflexivo, o
aporte teórico escolhido para ser a espinha dorsal da pesquisa ora delineada adveio da
Pedagogia, vez que foi a área do conhecimento que se apresentou como a mais
adequada a auxiliar na obtenção da resposta da pergunta problema ventilada na
introdução do artigo, qual seja: quais os benefícios do uso de recursos lúdicos na
educação jurídica brasileira. Posto que,“Crê-se que a arte, há muito, vinha denunciando
o que a própria ciência se negava a ver: que a soberba científica disfarçava sua própria
potencialidade de manipulação para interesses apartados do bem estar humano e do
progresso” (REIS NETTO, 2019, p. 26).

3.2 Da técnica adotada

Segundo pondera (QUEIROZ, 2017, p. 2) “A Metodologia da Pesquisa em


Direito (MPD) é um campo de estudos amplos, que abriga diferentes correntes sobre
métodos e técnicas variados de pesquisa”. Neste estudo, utilizou-se a técnica da revisão
bibliográfica, devido ao fato de ter permitidootimizar o tempo necessário para a
realização da consulta e comparação dos escritos que versam sobre a problemática aqui
208

trabalhada. Nesse turno, Marconi e Lakatos (2003, p. 174) explicam que "Técnica é um
conjunto de preceitos ou processos de que se serve uma ciência ou arte [...]".
Finaliza-se este tópico da metodologia da pesquisa esmiuçando que osubstrato
teórico do artigo ora delineado emergiu da leitura de artigos científicos, livros e
monografias que abordam temas relacionados à educação, pedagogia, ensino-jurídico,
metodologias ativas, e recursos lúdicos.Tendo no exemplo de casos empíricos a
materialização das conclusões obtidas conjuntamente com o referencial teórico. Em
total coerência com o esquema de investigação científica de Veronese (2017, p, 11), o
qual relata que quando a inquietude do pesquisador é entender “Como é aplicado o
direito pelos atores sociais”(VERONESE, 2017, p, 11), o “Foco de análise / Dados a
serem coletados”, (VERONESE, 2017, p, 11), vai luzir de “estudos empíricos”
(VERONESE, 2017, p, 11).

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES:EXEMPLOS EMPÍRICOS DO USO DE


RECURSOS LÚDICOS NAS ACADEMIAS DE DIREITO BRASILEIRAS

Não é novidade que “[...] a comunidade jurídica é pouco heterogênea, e o


Direito cuida de problemas práticos nos quais há interesses e ideologias rivais em jogo
[...]” (QUEIROZ, 2017,13). Para, além disso, dos estudos criminológicos de
(CAVALCANTE, 2019, p. 12), uma vez lidos sob as lentes do saber pedagógico,
retém-se que as práticas de dominação simbólicas, as quais culminam na legitimação
do “aparentar ser sobrepujando cinicamente o ser”, associadas ao mantra da
competição como elemento propulsor de obtenção de um lugar ao sol, favorecem a
existência de um formato de ensino plástico, colonial, opressor e que adoece as
pessoas, haja vista, serem programadas desde a tenra idade, para hostilizar o diferente,
o desafiador, ou seja, vivências e saberes não hegemônicos. Indo de encontro a essa
ambientação linear e obtusa, emerge os métodos ativos, tendo nos recursos lúdicos
notáveis aliados.
Neste desiderato, cita-se a lúdica iniciativa ocorrida na Escola Superior Madre
Celeste – ESMAC, localizada no munícipio de Ananindeua/PA, sob idealização do
professor Marcos Bahia Begot, responsável por ministrar a disciplina Processo Penal,
no curso de especialização em Direito Penal e Criminologia, posto que, ao adequar os
seus conhecimentos práticos e teóricos adquiridos durante a sua formação em Direito e
em Artes Cênicas, preocupou-se em tornar mais real o debate a despeito da fraude
209

processual, tergiversação, corrupção, tráfico de influência, falsidade documental,


ideológica, atos de improbidade e faltas éticas.
Para tanto, organizou os alunos em duplas, em seguida solicitou que cada um
dos integrantes escolhesse um pedaço de papel, que no verso constava o personagem
que deveria ser representado. Enquanto isso, os demais podiam fazer apontamentos,
conflitar as atitudes das personagens com o texto legal e no final esclarecer se havia
ética, motivação idônea ou até mesmo alguma causa de antijuridicidade. Enriquecendo
assim, o primeiro tempo de aula, em que houve a leitura de textos de lei, doutrinas,
bem como a feitura de peças processuais à luz de um caso hipotético regido sobre a lei
de drogas. Materializando, por sua, vez, as metas insculpidas na resolução n° 05/2018
CNE/CNS (atualmente regula os cursos de Direito no Brasil), além dos apontamentos
de (COVOS, et al, 2008), acerca de como visualizar recursos lúdicos na prática,
vejamos:

[...] uso de E-books, IPADs e Tablets, com ênfase no imagético e na


velocidade competitiva para domínio de conteúdos e leitura dinâmica; -
charadas para discussão em sala de aula, que promoverão o espírito da
descoberta, do detetive que existe em cada um de nós; - quebra-
cabeças, que representarão um desafio e determinação até conclusão da
montagem, da totalidade; - uso de figuras infantis, que despertam
sentimentos, associações da primeira infância, vivências e fatores
culturais associados ao habitat de origem; - teatralização, a qual
valorizará a espontaneidade, a interação e a imitação; - jogos de
mímica, que provocaram risos, rapidez de raciocínio e busca das
informações pela memória; - campeonatos, que lembrarão o espírito da
competição e privilégio para os detentores de maior quantidade de
informações; - dinâmicas em grupo, que propiciarão o espírito da
verdadeira integração, troca de experiências e liberdade de opinião
(COVOS, et al, 2008, p. 71) (grifo nosso).

Verbicaro (2018, p. 129) no Centro Universitário do Estado do Pará -


CESUPA, por exemplo, desenvolveu com os seus discentes das disciplinas Introdução
ao Estudo do Direito I e II, atividades avaliativas em grupo, também sob o prisma das
artes cênicas, além de incluir a sétima arte (cinemas), programas televisivos e
cuidadosas adaptações literárias (os três porquinhos e Alice no país das maravilhas), as
quais foram alicerçadas em conhecimentos própriosda dogmática jurídica, porém não
se limitando a eles, eis que direcionou os trabalhos, para despertarem muito além do
que os estudos legis podem proporcionar, destacando-se o reconhecimento do valor do
trabalho “em equipe, compromisso ético, criatividade, inovação, interação entre teoria
210

e prática, capacidade de comunicação e estímulo à pesquisa”, gerando um rendimento


acadêmico mais denso, participativo e crítico.
Chaves (2018, p. 120) na Faculdade Estácio – Castanhal (PA) criou um
concurso de paródias entre seus alunos da disciplina Direito do Trabalho II, que por
sinal já teve duas edições, com direito à premiação, para os três primeiros
classificados, em síntese o concurso se consiste em organizar os alunos em grupos, que
variam de seis a oito pessoas, posteriormente são repassadas as informações
necessárias à plena realização da missão de criar uma paródia, com base em temas
atinentes ao Direito do Trabalho, possibilitando, por conseguinte, uma visão mais
holística, decolonial e criativa, no que se referem às singularidades existentes dentro
relações trabalhistas, “[...]portanto, o professor, se vê condicionado a cumprir o
conteúdo básico e ao mesmo tempo transformar suas aulas em encontros mais
dinâmicos [...]”.
Souza,(et al, 2018, p. 161) no Centro Superior de Ensino do Amapá não mediram
esforços para ousar da criatividade ao organizarem seus alunos do terceiro semestre do
curso de Direito em grupos, para confeccionarem portfólios, cujos temas eram
“propriedade privada, a redução das desigualdades regionais e sociais, defesa do
consumidor, direito do idoso, previdência social, saúde”, dentre outros. Após,
finalizados foram compartilhados com a sociedade durante a semana acadêmica, os
autores destacam que um dos principais pontos positivos da iniciativa foi propiciar “a
união de instrumentos avaliativos das disciplinas em um únicotrabalho, haja vista que
na ausência de um trabalho interdisciplinar cada professor iria realizar um trabalho
diferente com a turma[...]” (SOUZA,et .al2018, p. 169).
Por fim, Pinto (et al 2020) na Faculdade Alencarina de Sobral (FAL), no Ceará,
adotaram no primeiro semestre do curso de Bacharelado em Direito, como recurso
didático-pedagógico lúdico histórias em quadrinhos, a fim de potencializar a análise e
reflexão a despeito das teorias apregoadas por Platão, Hans Kelsen, Miguel Reale,
Pontes de Miranda, Immanuel Kant, entre outros. Deste modo, equipes foram formadas
e “cada grupo ficou responsável por apresentar através de histórias em quadrinhos
conceptualizações de Direito.”(PINTO, et al 2020, p. 162).O que mais chama atenção é
o comprometimento com o compartilhamento dos saberes adquiridos pelos discentes ao
longo da experiência, pois “[...] conseguiram produzir um material didático que será
utilizado pelas turmas nos semestres seguintes.” (PINTO, et al 2020, p. 162).
211

À guisa de uma conclusão, percebe-se que pensar em alternativas para tornar o


ensino do Direito “mais humanizado interventivo, a exemplo de investimento em
grupos/projetos de pesquisa, desde a Graduação” (CAVALCANTE; REIS NETTO,
2018, p. 43), resulta em experiências acadêmicas inovadoras, divertidas, atrativas e
especialmente científicas, já que é imprescindível o corpo docente, assim como os
organizadores terem conhecimentos técnicos e metodológicos para elaborar as propostas
contra hegemônicas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história do desenvolvimento do formato de educação que foi originalmente


implantado no Brasil (jesuítico) até chegar a sua atual configuração é marcada por
avanços e retrocesso, além disso, demonstra que atrair, motivar (CINTRA, 2018, p. 1) e
principalmente manter a atenção dos estudantes quer seja no ambiente de sala de aula,
quer seja ao longo do desenvolvimento das atividades extraclasse nunca foi uma tarefa
fácil. Todavia, [...] podemos retirar uma (entre várias) lições: é relevante que mudemos
nossa forma de produzir saberes, já que realidades não são vividas externamente às
experiências daqueles que as vivem [...] (REIS, NETTO, 2019, p, 50).
Além disso, sabendo-se que a educação é uma das áreas do conhecimento que
mais vem enfrentando os desafios e problemáticas oriundas dos avanços técnico-
científicos, da economia capitalista volátil e guiada pela efemeridade, redesenhar os
bolorentos modelos que guarnecem o tradicional processo de ensino-aprendizagem do
Direito é algo urgente. Eis que, “Educar é preciso. E embora saibamos como bem
afirma Assis Brasil, que ‘o homem que se apresenta com uma novidade torna-se logo
um ser odiado a todos os rotineiros’” (CAVALCANTE; REIS NETTO, 2015, p. 70).

[...] tomamos por bem enfrentar o conformismo, que reduz o cidadão a


um interessante produto no mercado (grifo nosso), no sentido de lembrar
que o direito de hoje, uma vez comprometido com a sociedade, pode ser
tornar o real representante da dignidade da pessoa humana de amanhã (grifo
nosso) (CAVALCANTE; REIS NETTO, 2015, p. 70).

Tendo em vista que a crise do ensino jurídico brasileiro “[...] manifesta um


problema que assola o ensino superior como um todo, e que somente a partir de uma
reestruturação de toda a base educacional brasileira é que as reais mudanças começarão
a surgir” (CAVALCANTE, 2017, p. 56-57). Afinal, “Para o funcionamento apropriado
212

das metodologias ativas, é necessário que a classe docente esteja preparada para criar,
adaptar, moldar e reinventar modelos de ensino que permitam o diálogo entre teoria e
prática” (ROCHA; MAGALHÃES, 2020, p. 280-281), bem como as estruturas
organizacionais das instituições de ensino quer sejam públicas, quer sejam privadas. Por
fim, encerra-se esta pesquisa com a plena consciência de que todos os objetivos gerais e
específicos, mais a pergunta problema formulada no tópico introdutório foram
cientificamente e pedagogicamente demonstrados. Graças aos referenciais teóricose
metodológicos cuidadosamente adotados.
Ademais, espera-se que as provocações ventiladas possam propiciar o desejo
científico de outros pesquisadores sobre o tema, pois é fato notório que [...] à
construção de um legítimo direito nacional,não meramente antropofágico, mas
verdadeiramente vinculado às várias realidade e potencialidades de nosso Brasil
(grifo nosso)(CAVALCANTE; REIS NETTO, 2015, p. 70), caminha a passos lentos,
mas sem dúvidas poder identificar notadamente pela arte a existência de um problema
tão complexo como este(a crise da educação jurídica brasileira), sem sombra de
dúvidasé o início para a obtenção de respostas e legados pedagógicos que o supere.

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217

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A NECESSIDADE FORMAÇÃO


PEDAGÓGICA DO DOCENTE DE ENSINO JURÍDICO NO BRASIL

William de Quadros da Silva1

Resumo: O presente artigo pretende trabalhar com um tema ainda pouco explorado na
área da educação jurídica: a (ausência de) formação pedagógica dos professores de
Direito no Brasil. No primeiro item, faz-se um breve apanhado do papel a ser
desempenhado pelas universidades na sociedade contemporânea, eis que não mais se
sustenta o modelo clássico, ainda vigente, de que as instituições de ensino superior são
simples locais de difusão de saber, sem uma finalidade social e orientadas pelas
demandas estatais. A seguir, passa-se ao estudo da necessidade de formação pedagógica
do professor universitário, pois não basta ser um profissional de destaque em sua área
técnica, mas sim que seja respeitado o professor como um profissional da área da
Educação, exigindo um preparo específico ao desempenho desse mister. Por fim, são
feitas algumas considerações sobre a necessidade de se formular um prática de ensino
do Direito pautada pelo saber pedagógico, isto é, uma “pedagogização” da educação
jurídica tradicional, capaz atingir seus objetivos: formar profissionais aptos a exercer o
seu oficio, com excelência, diante das demandas e complexidades inerentes ao mundo
atual, distintas do cenário tradicional. A técnica de pesquisa empregadas foi,
unicamente, a revisão bibliográfica sobre a temática.

Palavras-chave: Ensino superior. Educação jurídica. Pedagogia universitária.

INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende trabalhar com um tema ainda pouco explorado na


área da educação jurídica: a (ausência de) formação pedagógica dos professores de
Direito no Brasil. Os porquês da importância desta formação complementar para que
seja possível se obter a excelência nesta profissão para que os objetivos possam ser
alcançados.
No primeiro item, faz-se um breve apanhado do papel a ser desempenhado pelas
universidades na sociedade contemporânea, eis que não mais se sustenta o modelo
clássico, ainda vigente, de que as instituições de ensino superior são simples locais de
difusão de saber, sem uma finalidade social e orientadas pelas demandas estatais.
A seguir, passa-se ao estudo da necessidade de formação pedagógica do
professor universitário, pois não basta ser um profissional de destaque em sua área

1
Advogado – OAB/RS: 84.803 - Mestre em Ciências Criminais (PUCRS) - Especialista em Docência
Superior (PUCRS) - E-mail: william.quadros.silva@outlook.com
218

técnica, mas sim que seja respeitado o professor como um profissional da área da
Educação, exigindo um preparo específico ao desempenho desse mister.
Por fim, são feitas algumas considerações sobre a necessidade de se formular
uma prática de ensino do Direito pautada pelo saber pedagógico, isto é, uma
“pedagogização” da educação jurídica tradicional, capaz atingir seus objetivos: formar
profissionais aptos a exercer o seu oficio, com excelência, diante das demandas e
complexidades inerentes ao mundo atual, distintas do cenário tradicional.
A técnica de pesquisa empregada foi a revisão bibliográfica sobre a temática.

1O PAPEL DA UNIVERSIDADE NA CONTEMPORANEIDADE

É imprescindível que, em um artigo sobre educação no Ensino Superior, não se


façam considerações sobre a própria universidade e seu lugar na sociedade do século
XXI (CUNHA, 1998, p. 17), pois o modo de se refletir acerca das práticas docentes está
diretamente relacionado com o conceito que se possui das instituições de ensino
superior e como elas se veem.
Muitas das causas para a qualidade da educação jurídica superior brasileira
podem ser compreendidas quando se conhece o histórico do desenvolvimento da
implantação dos cursos de Direito no país (SILVA, 2017).
Ao se ter em mente a tríplice missão das universidades, como locais de ensino,
pesquisa (produção de novo conhecimento) e extensão comunitária, acaba-se por ter que
se repensar os modelos epistemológicos para a concretização desses fins(CUNHA,
1998, p. 19), especialmente porque cada uma dessas missões não é isolada uma da
outra; todas se inter-relacionam entre si. Porém, no entendimento de Cunha (1998, p.
22), tais problemas não seriam de ordem, pedagógica, mas política, em virtude do papel
instrumental das universidades na estrutura de poder das comunidades nas quais estão
inseridas.
Na atualidade não se faz tão próprio falar em modelos positivistas de promoção
do conhecimento, ainda que fortemente presente nas salas de aula, porém, a discussão
ainda é necessária porque não é possível se dissociar epistemologia e didática,
especialmente no ensino superior (CUNHA, 1998, p. 21).
O importante não seria a qualidade da formação, do produto ofertado, mas sim
sua conclusão; mais alunos, mais somas, o que possibilita um futuro investimento no
local a médio e longo prazo. Aqui, vige a ideia já exposta anteriormente: como lidar
219

com um ensino superior de massas? (BERCHEM; PRIGOGINE, 1990, p. 10). Não se


deve menosprezar a questão, tendo em vista a discussão a respeito da natureza do ensino
superior: direito e/ou bem público x mercadoria (DIAS, 2002, p. 33). Em pleno século
XXI, é preciso se atribuir uma soma monetária para que algo possa ser significativo,
como direitos e/ou valores, como o conhecimento (VOGT, 2003, p. 83).
Mas esse é apenas um aspecto da missão da universidade hoje: a formação
profissional, cujas considerações são muitas. Não podemos nos esquecer de qual seja
sua característica principal, isto é, um local de saber científico (BERCHEM;
PRIGOGINE, 1990, p. 14), que deva em um segundo momento, se integrar à cultura do
lugar onde ela estiver sediada.Contudo, não existe um consenso acerca do papel das
universidades no seio comunitário, eis que cada um dos modelos tradicionalmente
conhecidos (alemão, francês ou norte-americano) possui uma finalidade distinta, focada
em objetivos diversos.
As universidades são locais de preservação, desenvolvimento e transmissão de
conhecimentos e valores humanos (BERCHEM; PRIGOGINE, 1990, p. 26), finalidade
das primeiras instituições, há quase mil anos, eis que esse saber era, em sua maioria, um
conhecimento que mesclava Humanidades e um pouco de Exatas (CHARLE; VERGER,
1996, p. 13). Portanto, no caso do Direito, espera-se que os alunos, ao se formarem,
possuam ou sejam capazes de refletir sobre a sua cultura, sua sociedade, sobre si e sua
relação para com os demais, pois tomou contato com outros valores estranhos a si. E
essa transmissão de valores é fundamental quando, segundo Berchem e Prigogine
(1990, 35), estamos vivendo uma crise dos valores e da cultura ocidentais.
Essa visão de universidade se perdeu no século XXI. Atualmente, as
universidades se resumem e lugares de repasse unilateral de conhecimentos
compartimentados e não de troca de saberes entre pessoas e profissionais variados.
Perdeu-se a multidisciplinaridade universitária original, em prol de um ensino
profissionalizante.
Ao longo da história do desenvolvimento das universidades, que originalmente
possuíam um viés mais acadêmico, embora de financiamento religioso, a partir da
transição da Idade Média para a Idade Moderna, os Estados passaram a investir em sua
proliferação, como forma de concretizar políticas públicas e em prol do próprio Estado,
que necessitaria de cidadãos cultos e letrados para dar suporte à nova forma de
organização política (CHARLE; VERGER, 24-25).
220

No Brasil, as faculdades de Direito, além de se destinarem à formação de


profissionais para ocuparem os cargos públicos do Império, também tinham a missão de
manter a estrutura social vigente, seguindo-se a linha dita “jusnatural”. Os juristas não
possuiriam formação humanística transformadora, mas sim meramente curricular.
Somente quando do advento da República e uma nova forma de concepção social e do
Estado esse quadro sofreu alterações (RODRIGUES, 2004).
O modelo clássico ortodoxo, conservador de ensino universitário começou a se
transformar com mais força após a Revolução Francesa. A título de exemplo, o
denominado “modelo universitário alemão”, ou “universidade humboldtiana” é fruto de
um pensamento que visava à pesquisa e à inovação, ao invés da formação de mão-de-
obra qualificada ou politicamente útil (CHARLE; VERGER, 1996, p. 71).
O modelo alemão foi a principal influência na expansão, criação,
desenvolvimento e reforma do ensino universitário europeu (CHARLE; VERGER,
1996, p. 93). Mas, o modelo humboldtiano começou a sofrer críticas quando seu
paradigma também foi tensionado, eis que, originalmente, uma pequena parcela da
população possuía o perfil de Hulboldt, ou seja, pessoas com prévio saber humano que,
em geral, limitavam-se a nobres. Quando as classes baixas começaram a ingressar no
ensino superior, este modelo foi obrigado a se adaptar a nova realidade do corpo
dicente, vindo a formar técnicos e não acadêmicos (CHARLE; VERGER, 1996, p. 108).
Não apenas o modelo foi obrigado a mudar, mas também os quadros docentes, cujo
cenário assemelha-se muito ao Brasil: a proletarização do ensino superior (CHARLE;
VERGER, 1996, p. 109). Porém, na França, manteve-se o modelo de formação de
futuros funcionários públicos qualificados, eis que a seleção se dava mediante concurso
público (CHARLE; VERGER, 1996, p. 72-73), tal como ocorre no país. Este é o
denominado modelo napoleônico de universidade, que visa o Estado e não o saber
(CHARLE; VERGER, 1996, p. 76-77).
No Brasil, embora não seja explícita, adotou-se o modelo francês de ensino
universitário, cujo objetivo era a formação de mão-de-obra qualificada para atender à
demanda estatal. Atualmente, essa não é a posição oficial do Estado, contudo, o ensino
instrumental do Direito é uma forte característica da educação jurídica brasileira que
ainda persiste, apesar dos esforços do governo em sentido oposto (FINCATO, 2001, p.
194).
Entretanto, nenhum desses modelos de ensino superior europeus estava
preparados para a sociedade de massas que caracterizou o século XX. Foi preciso
221

estabelecer um novo paradigma de ensino, alinhado às novas demandas sociais, bem


como à complexidade da sociedade. E esse paradigma veio com o modelo norte-
americano de universidade, capaz de conciliar o francês com o alemão e adaptar a sua
realidade: recepcionar e formar uma mão-de-obra, de origem da classe média, que
atenda aos interesses do mercado privado e público, suficientemente qualificada e
educada (CHARLE; VERGER, 1996, p. 24-25).
Este novo paradigma universitário, para ter sucesso, demanda um professor
capaz de compreender e concretizar esses objetivos.

2 O PROFESSOR COMO PROFISSIONAL REFLEXIVO DA EDUCAÇÃO

A profissionalização da atividade docente é um tema que tem sido


constantemente fruto de inúmeros debates nas mais diversas áreas (CONTRERAS,
2012, p. 35), tendo em vista as mudanças socioeconômicas advindas com a Revolução
Industrial no século XVIII, sendo a principal delas a origem do proletariado. E o cerne
destas discussões é a tese de que os professores, ao invés de serem considerados como
genuínos profissionais, tal como outras categorias, teriam sido reduzidos a uma
subclasse ocupacional; uma classe operária (CONTRERAS, 2012, p. 37). Aqui, não irá
se debater todos os vieses deste assunto, mas sim se limitar a uma das características
comumente exigidas de uma atividade profissional: o saber técnico-profissional de um
professor universitário.
Outra consideração diz respeito à avaliação dos resultados concretos das
atividades ditas profissionais, eis que, por possuírem o conhecimento técnico exclusivo,
eles estão além das expectativas. No caso dos professores, seriam docentes sem a
capacidade de ensinar, já que não estariam sendo considerados elementos do fato
concreto, em oposição à demasiada abstração do conhecimento técnico (TARDIF, 202,
p. 251).
Retornando-se às características de uma atividade considerada profissional, José
Contreras(2012) se utiliza da teoria dos traços, citando algumas conclusões de Skoop,
Enguita e Hoyle (CONTRERAS, 2012, p. 62-63). E em todas as listas, dois itens são
comuns: conhecimento técnico e autonomia. São essas duas características, no entender
desta monografia, fundamentais ao êxito da docência universitária e que vão ao
encontro de um ensino construtivista.
222

Como citado por Contreras acima, conhecimento técnico é sinônimo de destreza,


que é exigida do profissional quando se depara com situações incomuns ao exercício
cotidiano ordinário de sua ocupação. Esse conhecimento não pode ser fruto exclusivo da
experiência, já que é a partir de uma base teórica que o profissional poderá solucionar
problemas novos. Esse saber é obtido em um curso universitário (TARDIF, 2020, p.
247).
Semelhantes conclusões são as de Marcos Masetto, ao sustentar o perfil do
professor universitário exigido ao século XXI. De todas as esmiuçadas características
preceituadas pelo autor, iremos nos focar naquela relacionadas às questões pedagógicas.
O docente universitário deve possuir o domínio técnico-acadêmico, sendo este um pré-
requisito pacífico, mas é o domínio pedagógico o mais sensível (MASETTO, 2003, p.
27), cujos fatores são múltiplos, tais como a concepção de sua desnecessidade, ideia
essa que será retomada por outros autores neste capítulo.
Contudo, ser profissional em algo não é um juízo de valor subjetivo, mas sim
pautado por critérios objetivos. O professor universitário pode se considerar um
profissional da educação superior jurídica, mas, se analisado detalhadamente, possui ele
todos os requisitos?
O objetivo da docência é o ensino, portanto, o professor deve se preocupar com
a forma como seus alunos aprendem, bem como conhecer os pressupostos teóricos e
fáticos do processo de aprendizagem. Ensinar é um ofício, uma tarefa na qual se pode
exigir resultados, logo, o professor precisa saber ser eficiente em sua atividade, pois é
um profissional nela (MASETTO, 2003, p. 27-28). Aqui, é visível a importância do
conhecimento de teorias epistemológicas acima ventiladas.
Embora de caráter mais administrativo-institucional, a concepção e
administração do currículo (isto é, do conteúdo) são importantes como preceito
pedagógico, pois além dos fundamentos já expostos por Contreras acima, auxiliar o
docente em sua atividade concreta de ensino de sua disciplina, pois sabe o que já fora
ministrado em semestres anteriores, bem como saberá o que será lecionado mais
adiante, facilitando a aprendizagem de modo global de um curso universitário
(MASETTO, 2003, p. 28), fora os aspectos de cooperação docente, ainda que haja
resistência hoje. O currículo deve ser dinâmico, por isso, a imprescindível participação
dos professores em sua elaboração.
223

A questão curricular é um problema real no Direito. Embora ele possua uma


forte carga normativa por parte do Ministério da Educação, as universidades podem
adequar sua grade consoante sua conveniência, desde que atendem às regras do MEC.
A reflexão acerca da relação aluno-professor é uma crítica direta ao modelo
convencional de ensino empirista (ou tipo A). O papel do docente é de orientação e não
de pura e completa instrução, estabelecendo uma relação de troca e companheirismo
para com os alunos nesse processo que é o aprender (MASETTO, 2003, p. 30). Aqui,
estamos diante do docente tipo C, segundo a classificação de Joseph Axelrod (1972)2.
O quarto aspecto a ser objeto de ponderação é inerente ao domínio pedagógico e
à busca de eficiência, pois a tecnologia educacional diz respeito à utilização, pelo
professor, de qualquer técnica, seja tecnológica ou pessoal, útil ao conteúdo e à turma a
sua frente, pondo em xeque a era do “cuspe e giz” e as aulas expositivas. Existem outros
recursos pedagógicos que podem e devem ser de conhecimento e aplicação docente,
pois não existe uma única e infalível técnica de ensinagem eficaz para todo e qualquer
caso (MASETTO, 2003, p. 30-31).
E, tendo o docente esse saber técnico, poderá ele ser um profissional e poder
fazer uso de suas prerrogativas, dentre elas, a autonomia. Sendo autônomo, o professor
não irá estar limitado a concepções prévias e rígidas de métodos de ensino universais,
mas sim livre para escolher as melhores técnicas de ensinagem mais apropriadas ao
contexto concreto, consoante à turma que estará diante de si e, principalmente, o
conteúdo a ser ministrado (TARDIF, 2002, p. 248). Não existe uma “fórmula mágica”
para o magistério, contudo, elas devem sempre levar em consideração os elementos
mencionados (CONTRERAS, 2012, p. 83).
A competência profissional vai ao encontro do conhecimento técnico e da
destreza antes visto, porém, além, quando vista sob o prisma educativo, principalmente
se somadas aos outros dois requisitos, devendo-se analisar o cenário em sua totalidade
(CONTREAS, 2012, p. 92). Para ser um professor, não basta ensinar, mas sim ser um
pedagogo (TARDIF, 2002, p. 117), ofício dominado por muito poucos no ensino
superior.

2
Em artigo escrito há mais de quatro décadas, o então professor norte-americano Joseph Axelrod (1972),
pesquisando o perfil dos docentes universitários dos cursos de Humanidades na Universidade da
Califórnia, chegou à conclusão de que haveria 5 (cinco) estilos de ensino, os quais classificou em: 1) o
instrutor (tipo A); 2) o professor que se concentra no conteúdo (tipo B); 3) o professor que se concentra
na instrução (tipo C); 4) o professor que se concentra o intelecto (tipo D); 5) o professor que se concentra
na pessoa (tipo E). Segundo ele, esses tipos poderiam ser separados em 3 (três) grupos: professores que se
focam no conteúdo, na matéria; professores que se focam nos alunos e um meio-termo.
224

Mas, se o professor é um profissional da educação, como avaliar seu trabalho,


seu produto, o resultado de seus esforços? (TARDIF, 2002, p. 125)
Se, nas palavras de Contreras(2012, p. 149), a reflexão é uma atividade do bom
professor, o que constitui um agir reflexivo produtivo? A pergunta é relevante, diante da
disseminação do termo, mas sem a concretude respectiva. A questão é importante para
ser utilizada sem a profundidade merecida.
A tendência atual acerca do papel do professor universitário é o de desenvolver
profissionais reflexivos, consoante as palavras de LinleyCornish(2015, p. 51-52), cuja
principal base epistemológica do local onde leciona é o construtivismo, visando ao
“fomento da aprendizagem centrada no aluno e fornecer estratégias baseadas em
evidências para promover essa aprendizagem”. Mas o que são “professores reflexivos” e
por que a importância de seu desenvolvimento no século XXI?
A exigência de reflexão dos professores pode ser em relação a seu conteúdo ou
as suas práticas docentes, eis que não haveria uma sólida distinção entre os campos. Um
determinado conteúdo não precisa ser lecionado da mesma forma.
Conforme o pensamento de Cornish, (2015, p. 52) espera-se que os professores
continuamente reflitam sobre suas práticas docentes (passadas e futuras), assim como a
aprendizagem de seus alunos. No entanto, não se trata de um processo simples, de mero
pensar, mas sim uma postura séria e objetiva, que envolve a identificação de eventuais
problemas e aspetos que espera melhorar e/ou corrigir em suas aulas, com a devida
interpretação e avaliação, traçando planos e metas para atingir esses objetivos e, por
fim, pondo em prática esse planejamento (CORNISH, 2015, p. 53). Logo, pode-se
perceber que se trata de um custoso procedimento com rara adesão, tanto das
instituições de ensino quanto do próprio corpo docente, que deveriam atuar
conjuntamente.
Acerca da reflexão propriamente dita, são interessantes os elementos que a
compõe: “reflexão” e “prática”. Por meio da “reflexão”, espera-se que professores
possam concluir quais são os pontos a serem corrigidos e/ou melhorados, com o
respectivo suporte pedagógico. E, por meio da “prática”, caberá aos docentes encontrar
meios de concretizar essas conclusões, através de um método construtivista, para que
essas respostas puramente teóricas e abstratas possam ser aplicadas no dia a dia do
ensino, no qual há um professor, uma disciplina e uma turma concreta (CORNISH,
2015, p. 54).
225

Todo esse processo tem um objetivo: a constante busca de excelência na relação


ensino-aprendizagem (CUNHA, 1998, p. 10). E, com base em um modelo construtivista
de ensino, espera-se que o professor: possua domínio de sua área técnico-científica;
possua domínio de competências pedagógicas, para poder ensinar a diferentes turmas
esse conhecimento técnico, pautando-se por um vínculo mais estreito entre professor-
aluno, sendo esse um elemento importante no estabelecimento das estratégias do
magistério, nos moldes da teoria construtivista. E sem nunca se esquecer da contínua
reflexão da eficácia dessas estratégias (CORNISH, 2015, p. 60), pois elas variam ao
longo do tempo.
E, por ser a reflexão uma prática epistemológica, nas palavras de
MaurivanRamos(2008, p. 32-33), fica mais evidente sua importância na prática docente
cotidiana, não podendo ser uma atividade isolada e esporádica, mas inerente e essencial
à própria atividade docente, especialmente em nível superior. Assim, parece que as
ainda atuais práticas pedagógicas, especialmente no ensino superior, carecem dessa
reflexão, pois, “para novas doenças, não bastam os velhos remédios”.
Esta é mais uma ilustração das conclusões de Tardif(2002, p. 249), quando
defende que os professores universitários não podem se ater a práticas tradicionais, mas
também que precisa se manter em constante autocrítica, em busca de atualização e
aperfeiçoamento, adequando aos novos ambientes.

3 DA “PEDAGOGIZAÇÃO” DO ENSINO JURÍDICO

Uma das muitas e mais repetidas causas da crise do ensino jurídico no Brasil é a
perpetuidade dos modelos de ensino empiristas, nos quais o formando não aprende
Direito, mas sim um único modo de pensar e reproduzir uma ideologia e que vai de
encontro às exigências do ramo do saber escolhido como profissão.
Segundo as ideias de Bloom (1983), o professor teria a missão de ensinar algo ao
estudante, respeitando-se seu ritmo de aprendizagem e auxiliando-o quando tiver
dificuldades em avançar em sua escala, eis que o objetivo final é o de que o estudante
possua autonomia acadêmica para aprender, não necessitando da “bengala” do
professor. O aluno seria capaz de construir sua própria aprendizagem, consoante seus
saberes e experiências prévias, dentro de um planejamento individual. Em outras
palavras, na linha do autor, o aluno limita-se ao conhecimento, com compreensão rasa e
ainda menor capacidade de aplicação para além dos exemplos de sala de aula. São
226

poucos aqueles que desenvolvem as habilidades de análise, síntese e avaliação plenas e


que se espera de um profissional jurídico.
Denise Fincato defende uma formação interdisciplinar da formação do professor
de Direito, pois ele próprio é complexo, sua realidade não é possível de ser isolada em
disciplinas (FINCATO, 2001, p. 125). Um dos exemplos mais imperiosos dessa
interdisciplinaridade diz respeito justamente a esteartigo: a comunicação entre Direito e
Pedagogia, ou, como bem ensinar Ciências Jurídicas e Sociais? Resposta: mediante uma
didática jurídica, adequada a esse objeto específico. Logo, é de se refletir, à luz das
premissas pedagógicas, o ensino jurídico (FINCATO, 2001, p. 127-128).
Precisa-se hoje, então, de um processo de “pedagogização” do Direito, uma nova
disciplina acadêmica, com método e objetos próprios (FINCATO, 2001, p. 160-161).
Mas no que consistiria e quais seriam os passos desse método?Talvez essas dúvidas
justifiquem a rara bibliografia existente a respeito do tema.
Logo, é importante se conhecer as especificidades do magistério jurídico e as
habilidades, competências e ferramentas à disposição do docente e como utilizá-las de
forma construtivista.
Na visão de Roberto Aguiar (2009, 161), são muitas as exigências formais e
materiais para que alguém se candidate e se considere um docente jurídico. Deve o
futuro, ou atual, profissional possuir inconteste domínio acadêmico e técnico de sua área
do saber, como já escrevemos no capítulo anterior, mas, principalmente, “saber o que
fazer com ele”, ou seja, manter uma relação harmônica com seus estudantes, saindo de
sua “zona de conforto” e assumindo seu papel ativo na condução do processo de ensino
dos alunos.
O vasto domínio acadêmico e a notoriedade técnica puderam ser facilmente
averiguados dentre os professores pesquisados. Todos eles possuem doutorado, alguns
pós-doutorado. A maioria deles leciona na pós-graduação. Alguns são conhecidos
mundialmente pelo seu viés acadêmico, enquanto que outros são extremamente
respeitados pelos seus pares profissionais, como advogados “de primeiríssima linha”.
Portanto, esses critérios foram atingidos, restando as ponderações pedagógicas.
Prossegue o Roberto Aguiar sustentando que o professor do século XXI precisa
se libertar do passado afim de que seus alunos sejam capazes de pensar o novo diante de
novas situações, mas sem deixar de lado as bases teóricas fundamentais, buscando uma
resposta justa ao caso concreto (2009, p. 162-163).
227

Nessa linha, podemos expor algumas reflexões de Álvaro Melo Filho (2000) e
que resumem o agir, dentro de sala de aula, da grande maioria das faculdades de Direito,
seja na graduação ou pós-graduação.
Primeiramente, o autor propunha o termo “juspedagogia”, como a técnica para
se ensinar direito o Direito. Depois, centra-se ele na problemática das aulas
essencialmente magistrais, sem interação com o aluno, que não podem se resumir ao
responder dos questionamentos; quer-se um diálogo. Para ele, apenas uma aula
expositiva seria capaz de atender à demanda de se ensinar turmas com mais de 50
(cinquenta) alunos, sem distinção entre eles e apta a “vencer” o conteúdo. E, neste tipo
de aula, não há espaço para o desenvolvimento intelectual do aluno, nos passos de
Bloom (1983). Um único livro-texto é eleito, não havendo contraposição de ideias ou
sequer críticas ao pensamento do doutrinador escolhido pelo professor. O estudante
simplesmente memoriza um único pensamento jurídico, nos exatos limites do conteúdo
que lhe é apresentado (MELLO FILHO, 2000, p. 38-39).
Para o Álvaro Filho (2000, p. 41), o ideal seria substituir o excesso de aulas
expositivas por aulas dialogadas que, como o próprio nome sugere, seriam aulas em que
professor e aluno “conversam” sobre o conteúdo, sem uma clara relação de autoridade
entre eles. Aqui, nas palavras do autor, esse tipo de aula “permite que o enriquecimento
mútuo onde até o professor ‘corre o risco’ de aprender e os alunos passam a pensar o
Direito por si mesmos”. E, consoante visto, isso é, manifestamente, uma das premissas
da teoria construtivista. Mas seria possível em uma classe com dezenas de alunos? Sim,
pois a pesquisa empírica mostrou sua viabilidade.
Outra constatação diz respeito à necessidade de qualificação da atividade
docente. Consoante exposto anteriormente, o professor deve ser um profissional da
educação, não bastando ser um renomado profissional da área jurídica. Neste caso, o
docente amador limita-se a técnicas de ensino pré-dadas e sem capacidade de alteração
ou adaptação ao caso concreto, mantendo-se o círculo vicioso (MELLO FILHO, 2000,
p. 42).
No artigo aqui em comento, Juspedagogia: como ensinar direito o Direito,
Álvaro Melo Filho faz uma lista de 23 sugestões de soluções e questões a serem objeto
de reflexão e enfrentamento no âmbito da educação jurídica. Citamos aquelas que
consideramos mais pertinentes e que teriam um resultado mais útil a curto prazo,
conforme algumas das conclusões feitas após a análise dos dados empíricos coletados
(entrevistas e observação).
228

Desenvolvimento da capacidade de um raciocínio jurídico e autonomia


intelectual (a); desenvolvimento de um espírito crítico e questionador dos alunos, onde a
pergunta é mais importante do que a resposta (b); fim da exclusividade da aula
expositiva, com o uso de outros instrumentos e técnicas de ensinagem (e); superação
das ideias doutrinárias e jurisprudenciais tradicionais e ditas “consagradas” (l);
aproximação da teoria para com a prática (m); dar-se liberdade aos alunos para
aprenderem conforme suas preferências individuais (n); o conteúdo deve visar à solução
de problemas reais e não os exemplos dos livros (s); espaço para debate de temas atuais
da respectiva disciplina (t); espaço para pluralidade de pensamentos, ideias e raciocínios
jurídicos, e não apenas os “corretos” do professor (x) (MELLO FILHO, 2000, p. 43-48).
Nereu Giacomolli (2014), em seu artigo já citado, faz referência a 16 (dezesseis)
práticas que poderiam ser observadas no sentido de incrementar a educação jurídica.
Muitas delas vão ao encontro do aqui já defendido, portanto, serão expostas as novas: 1)
compartilhamento de responsabilidades entre aluno e professor; 3) utilização de novas
tecnologias, além do “cuspe e giz”, dentro e fora da sala de aula, como meio de
comunicação entre alunos e professores; 5) integração entre graduação e pós-graduação;
6) autoavaliação recíproca, com comprometimento por resultados; 10) prosseguimento
da interação para além do final do semestre; 11) superação da verticalidade da relação
aluno-professor; 12) reconhecimento da desigualdade cognitiva entre aluno-professor e
aluno-aluno; 16) preocupação com o desenvolvimento do aluno como cidadão.
Em outra obra, Metodologia do ensino jurídico, Álvaro Melo Filho (1979, p. 39)
disserta sobre quais seriam os objetivos principais da educação jurídica: a)
desenvolvimento do raciocínio jurídico e b) preparação para a vida profissional. Esses
dois temas estão estreitamente relacionados.
O raciocínio jurídico é muito semelhante às habilidades que se espera
desenvolver consoante a taxonomia de Bloom (1983), mas relacionadas ao Direito, tais
como conhecer conceitos e leis; empregar corretamente a terminologia jurídica;
identificar, interpretar e associar diferentes institutos jurídicos; aplicar princípios,
normas e outras normas abstratas; resolver problemas jurídicos reais; poder dar
interpretação diversa institutos jurídicos etc (MELO FILHO, 1979, p. 39). Mas, para
que isso seja possível, é preciso se dar liberdade de pensamento ao aluno.Essa
capacidade de raciocínio é fundamental para futura utilização na carreira jurídica
escolhida, cujas demandas e responsabilidades são distintas, ainda que o Direito seja um
só (ou deveria ser).
229

Sendo o Direito uma ciência dinâmica, o papel das faculdades de Ciências


Jurídicas e Sociais deveria ser o de produção e difusão de novo saber jurídico adequado
ao tempo contemporâneo, ou seja, sem estar “preso” ao passado, mas sem desconsiderar
seus fundamentos teóricos (FERREIRA SOBINHO, 2000, p. 53). Mas, como atingir
esse objetivo mediante aulas que prezam pelo respeito exacerbado ao convencional e ao
tradicional, com chancela dos professores?
Uma lição enfática dada por José Wilson Ferreira Sobrinho (2000, 68) é a de
que, mesmo a aula expositiva, deve ser como base o tripé: lei, doutrina e jurisprudência.
O aluno precisa conhecer a lei positiva, assim como as interpretações teóricas dos
juristas e as práticas dos magistrados. Um diálogo entre diferentes fontes do saber
jurídico.E é justamente essa interdisciplinaridade que faz com que seja possível vencer
uma tensão comum à vida acadêmica universitária: teoria versus prática; sala de aula
versus realidade (MORAES, 2008, p. 121).
Soma-se a este quadro o próprio Direito que, diferentemente dos saberes naturais
ou exatos, não tem como objeto uma realidade imutável e estática, mas sim uma
realidade humana, social, volúvel e imprevisível por essência, pois, como já foi
afirmado anteriormente, no Direito não se busca o ser, mas sim o dever-ser. O ser é a
realidade, o ambiente fora da sala de aula, o conhecimento cotidiano, ao passo que o
dever-ser é o objetivo, a meta a ser alcançada, rumo ao ideal de Justiça que se quer
concretizar. E, no ensino de Direito, especialmente, essa tensão é um elemento essencial
de seu magistério.
Contudo, são importantes as lições de Horácio Rodrigues e Eliane Junqueira
(2002, p. 53), quando alertam que não basta uma mudança curricular, ou seja, um
ensino pautado pela interdisciplinaridade, se a forma como tais disciplinas são idênticas
ao modelo adotado até então. É preciso uma nova forma de ensinar o conteúdo em si,
devendo a mudança ser interna ao objeto.Conforme defenderam os autores citados, a
interdisciplinaridade deve ocorrer, ser visível e ser observada pelos próprios professores
ao lecionarem suas disciplinas.
Mas, como bem alertado por Bercheme Prigogine (1990, 21), é preciso se ter
cuidado com um ensino dito interdisciplinar, sob pena do resultado ficar muito aquém
dos objetivos originais, fora as consequências danosas ao aluno.
230

CONCLUSÃO

Muitas são as explicações para a crise do ensino jurídico, assim como existem
várias soluções para resolver esse problema, contudo, é preciso se fazer um correto
diagnóstico para que se possa identificar as suas raízes e se construir um plano que não
trate apenas do hoje, mas sim que possa servir às demandas futuras também.
Hoje, as universidades não são meros centros de difusão de um saber técnico,
como outrora, quando elas foram criadas séculos atrás. As instituições de ensino
superior possuem uma finalidade social, bem como atendem a interesses
mercadológicos e governamentais, por isso, a literatura, em geral, discrimina os
modelos de ensino universitário em três tipos: alemão, francês e norte-americano. Cada
qual possui raízes históricas e objetivos distintos. O modelo brasileiro está mais
próximo do francês, pois sua finalidade, especialmente no âmbito jurídico, é atender à
demanda da formação de técnicos em Direito que possam atuar para o Estado brasileiro
e preencher as suas vagas.
O professor universitário precisa ser um verdadeiro profissional da educação
para que possa bem exercer o seu mister diante de todas essas demandas sociais,
estatais, além daqueles próprias da sala de aula, isto é: ensinar (bem) e formar um
profissional capaz de exercer o seu ofício depois de formado, com propriedade e
autonomia. O bom professor também precisa ter a humildade de se policiar
constantemente a respeito do sucesso de suas práticas didáticas, adaptando-as às
necessidades cotidianas, sempre mutáveis.
O professor de Direito não pode estar alheio a isso tudo, pois, especialmente, o
seu conhecimento técnico é extremamente variante: a norma jurídica. Ela não se fixa no
texto legal, envolvendo também uma série de fatores legais e extralegais quando da sua
aplicação, o que faz com que o Direito não seja uma Ciência estática, como outras. É
preciso uma forma específica e apropriada de se ensinar Direito que leve em conta as
suas peculiaridades como ramo do saber científico. Por isso, a necessidade da
aproximação do ensino de Direito (tradicional) para com a Pedagogia.
Entretanto, ainda é forte a resistência a essa formação complementar, o que
apenas faz com que crise do ensino jurídico, já reconhecida, apenas se perpetue.
231

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