Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
UniSEB
Ano II - Nº 2 - Outubro 2012
ISSN 2317-2681
CONSELHO EDITORIAL
CHAIM ZAHER
M. Reitor – UniSEB
REGINALDO ARTHUS
Vice-Reitor – UniSEB
ROMUALDO GAMA
Coordenador de Operações Acadêmicas - UniSEB
Editor Responsável
Prof. Reginaldo Arthus
Rua Abrahão Issa Halack, nº 980
Bairro Ribeirânia, Ribeirão Preto-SP
CEP 14096-160
* Opiniões expressas pelos autores em seus trabalhos, artigos e entrevistas não refletem, necessariamente,
a opinião do Instituto de Ensino Superior COC, do Sistema COC de Educação e Comunicação, de seus
mantenedores, diretores, coordenadores, docentes, discentes e membros do Conselho Editorial.
Por terem ampla liberdade de opinião e de crítica, cabe aos colaboradores da Revista Jurídica UniSEB a
responsabilidade pelas ideias e pelos conceitos emitidos em seus trabalhos.
** Não serão devidos direitos autorais ou qualquer remuneração pela publicação dos trabalhos na Revista Jurídica
UniSEB. O autor receberá gratuitamente um exemplar da Revista (versão impressa) em cujo número seu
trabalho tenha sido publicado.
R281
Revista Jurídica / UniSEB. Ano 2. n.2 (out. 2012) -.- Ribeirão Preto,
SP: UNICOC, 2011.
CDD 340
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
MÁRIO FROTA1
Generalidades
1. Âmbito de aplicação
Os direitos do consumidor, em Portugal, desfrutam de cobertura
constitucional: têm, com efeito, assento no Texto Fundamental no título dos
direitos económicos, sociais e culturais – com maior precisão, no artigo 60.
O valor reforçado de tais direitos exprime-se em múltiplos domínios do
ordenamento.
A disciplina das garantias das coisas móveis objecto de contratos de
consumo, na caracterização que do fenómeno se fará, releva, porém, de uma
iniciativa legislativa européia. Na submissão aos Tratados da União a que os
Estados-membros, como é o caso de Portugal, se adscrevem.
Com a chancela do Parlamento Europeu e do, ao tempo, Conselho de
Ministros, editou-se uma directiva minimalista - a Directiva 99/44/CE, de 25
de Maio - que estabelece um patamar de direitos no que tange à garantia das
coisas móveis objecto de contratos de consumo.
O que permitira, aliás, que os Estados-membros oferecessem aos seus
nacionais um regime mais protectivo. Como sucedeu, de resto, em Portugal,
em determinados segmentos, na esteira do que se consagrara na sua LDC - Lei
de Defesa do Consumidor -, a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho de 1996.
A LG - Lei das Garantias (DL 67/2003, de 8 de Abril, republicada pelo
DL 84/2008, de 21 de Maio, que introduz alterações de tomo) -, que provê à
transposição da directiva para o ordenamento jurídico nacional, restringe-se
às relações jurídicas de consumo.
Por relações jurídicas de consumo se entende: “o acto (em geral, um
contrato) pelo qual o consumidor obtém de um profissional um produto ou serviço que
visa a satisfazer uma necessidade pessoal ou familiar”.
Profissional é o vendedor, fornecedor de produtos, é o prestador de
serviços, é a entidade financeira que desenvolve actividades no domínio das
instituições de crédito e das sociedades financeiras2.
1
Professor da Faculté de Droit / Université de Paris XII (1991/2006). Fundador e primeiro presidente da
AIDC – Associação Internacional de Direito do Consumo. Presidente da apDC – sociedade portuguesa
de Direito do Consumo, Coimbra. Director do CEDC - Centro de Estudos de Direito do Consumo de
Coimbra. Director da RPDC – Revista Portuguesa de Direito do Consumo, Coimbra. Presidente do
Conselho Director da Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, Curitiba-PR.
2
A LG define agora vendedor, na alínea c) do seu artigo 1.º-B, como: “c) … qualquer pessoa singular ou
colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional”.
16 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
sem mais, as regras aplicáveis são as que decorrem, entre outras, dos artigos
913 e ss do Código Civil.
Se as relações se enquadrarem no domínio mercantil ou empresarial,
o regime aplicável é a dos artigos 463 e ss do Código Comercial5 e,
subsidiariamente, o do Código Civil - artigos 913 e ss.
Se tratar de relações jurídicas de consumo, aplicável é o DL 67/2003, de
8 de Abril (republicado, após modificações pontuais, pelo DL 84/2008, de 21
de Maio).
8
Em Portugal, o preâmbulo do DL 67/2003, de 8 de Abril, acautela o ponto, ao asseverar: “Preocupação
central que se procurou ter sempre em vista foi a de evitar que a transposição da directiva pudesse ter
como consequência a diminuição do nível de protecção já hoje reconhecido entre nós ao consumidor.
Assim, as soluções actualmente previstas na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, mantêm-se, designadamente o
conjunto de direitos reconhecidos ao comprador em caso de existência de defeitos na coisa.”
9
O art.º 4.º, no seu n.º 1.º, diz: “Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor
tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução
adequada do preço ou à resolução do contrato”. E, no n.º 3, prescreve: “A expressão «sem encargos»,
utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o
contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material.”
10
Se um telemóvel tem a garantia de 2 anos – a garantia terá de se exprimir integralmente: a bateria não
pode ter, por exemplo, uma simples garantia de 6 meses.
11
Cfr. o acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Maio de 2002 (Ana Maria BOULAROUT) que, no quadro
da lei antiga (Lei de Defesa do Consumidor vigente, ao tempo, neste particular), estabelece a doutrina
segundo a qual: “I- O comprador de veículo usado tem sempre direito, imperativamente, à garantia de um
ano quanto ao bom estado e bom funcionamento do veículo, sendo que, aquele, conjuntamente com o
vendedor, poderão estabelecer um regime mais favorável mas o que não podem é restringir o limite imposto
20 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Garantias Voluntárias
1. Em que consistem
O diploma que rege em um tal domínio define a garantia voluntária
como segue13:
S. STINJS15 conceitua a:
por lei nem afastá-lo. II- Desta sorte o consumidor a quem tenha sido vendido um veículo automóvel usado
defeituoso poderá exigir a redução do preço ou até a resolução do contrato independentemente de culpa
do vendedor salvo se este o houver informado previamente – antes da celebração do contrato – sendo
irrelevantes quaisquer declarações do comprador a renunciar à mesma por nulidade de tal renúncia. III- A
“idade” do veículo não poderá constituir sem mais, qualquer óbice à operância das exigências técnicas
para a venda a não ser que os eventuais defeitos dela decorrentes tenham sido previamente assinalados.
IV- Mesmo que a reparação do veículo seja eventualmente superior ao seu custo, sibi imputet, pois é
sobre o vendedor que impende uma especial atenção, atenta a actividade comercial desenvolvida, de
verificar a qualidade dos bens vendidos de forma a não lograr as expectativas de quem os adquire nem
ficar prejudicado pois tal dever de verificação tem um duplo objectivo.“
12
O n.º 2 do art.º 5.º da LG prescreve: “Tratando-se de coisa móvel usada, o prazo previsto no número
anterior pode ser reduzido a um ano, por acordo das partes”. Ponto é que o acordo conste de documento
particular. Não pode a garantia de usado ser imposta unilateralmente pelo operador económico. O facto
implica acordo, aquiescência, manifestação de vontade nesse sentido.
13
Cfr. alínea g) do artigo 1.º do DL 67/2003, de 8 de Abril (modificado pelo DL 84/2008, de 21 de Maio,
como se assinalou).
14
A LDC – Lei de Defesa do Consumidor – estatui no nº 5 do seu artigo 7º: “As informações concretas
e objectivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado bem, serviço ou direito consideram-
se integradas no conteúdo dos contratos que se venham a celebrar após a sua emissão, tendo-se por
não escritas as cláusulas contratuais em contrário.”
15
In “Les garanties contractuelles et les actions recursoires dans la Directive sur la vente au
consommateur”, Santiago de Compostela, 2004, p. 1.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 21
2. Forma
A garantia voluntária obedece à forma: terá de constar de documento
particular, ou de qualquer outro suporte duradouro a que o consumidor haja
acesso, se acaso se tratar de compra e venda à distância, por meio de contrato
digital, telemático ou electrónico.
Em lugar, porém, de se considerar ferida de nulidade a garantia que
não revista a forma legal prescrita, o que só favoreceria o fornecedor relapso,
a lei dispõe imperativamente que:
- a preterição da forma legal prescrita não afecta a validade da garantia,
podendo o consumidor continuar a invocá-la e a exigir a sua aplicação;
- as mensagens de publicidade que se lhe refiram vinculam
16
Cfr. o considerandum 21 que estabelece: “Considerando que, quanto a determinadas categorias de
bens, é prática corrente os vendedores e os produtores oferecerem garantias contra qualquer defeito que
possa manifestar-se durante determinado prazo; que esta prática pode estimular a concorrência; que,
constituindo embora práticas comerciais legítimas, essas garantias não devem induzir os consumidores
em erro; que, para assegurar este objectivo, as garantias devem conter determinadas informações,
incluindo uma declaração de que a garantia não afecta os direitos legais dos consumidores.”
17
Cfr. art.º 6.º.
22 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
3. Conteúdo
Do instrumento em que se plasma a garantia voluntária, deverão
18
Cfr. o diploma em epígrafe que reza o que segue: “1- Na venda de automóveis ligeiros de passageiros
e motociclos usados é obrigatória a prestação das seguintes informações: a) Matrícula; b) Preço; c)
Ano de construção, conforme o respectivo livrete;d) Data de matrícula, conforme o respectivo livrete; e)
Registos anteriores de propriedade e seu número, conforme o respectivo título; f) Garantia de fábrica:
prazo de garantia e quilómetros, ou qualquer outra garantia dada pelo fabricante, cuja validade ainda
não tenha expirado; g) Garantia de usado: prazo ou quilómetros, ou outra garantia que o vendedor
conceda. 2 - Na venda de ciclomotores usados é obrigatória a prestação das informações previstas
nas alíneas a) a d) e f) e g) do número anterior. 3 - Exceptua-se do disposto nos números anteriores a
venda feita directamente pelo proprietário indicado no título de registo de propriedade ou, no caso dos
ciclomotores, no certificado de matrícula, quando actue fora do exercício do comércio. 4 - As informações
previstas nos n.ºs 1 e 2 constarão obrigatoriamente de documento escrito, assinado pelo vendedor ou
intermediário, que será afixado no veículo, de modo visível, de forma a permitir uma fácil leitura pelo
interessado, sendo o respectivo duplicado entregue ao comprador no momento da compra e venda.”
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 23
19
Contra, cfr. S. STINJS, op. cit., p. 5.
24 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
1 - (Revogado)
2 - A declaração de garantia deve ser entregue ao consumidor por
escrito ou em qualquer outro suporte duradouro a que aquele tenha
acesso.
3 - A garantia, que deve ser redigida de forma clara e concisa na
língua portuguesa, contém obrigatoriamente as seguintes menções:
a) Declaração de que o consumidor goza dos direitos previstos no
presente decreto-lei, e na demais legislação aplicável, e de que tais
direitos não são afectados pela garantia;
b) A informação sobre o carácter gratuito ou oneroso da garantia
e, neste último caso, a indicação dos encargos a suportar pelo
consumidor;
c) Os benefícios atribuídos ao consumidor por meio do exercício da
garantia, bem como as condições para a atribuição destes benefícios,
incluindo a enumeração de todos os encargos, nomeadamente
aqueles relativos às despesas de transporte, de mão-de-obra e de
material, e ainda os prazos e a forma de exercício da mesma;
d) Duração e âmbito espacial da garantia;
e) Firma ou nome e endereço postal, ou, se for o caso, electrónico,
do autor da garantia que pode ser utilizado para o exercício desta.
4 - Salvo declaração em contrário, os direitos resultantes da garantia
transmitem-se para o adquirente da coisa.
5 - A violação do disposto nos n.os 2 e 3 do presente artigo não afecta
a validade da garantia, podendo o consumidor continuar a invocá-
la e a exigir a sua aplicação.
4. Em conclusão
A garantia voluntária (convencional ou contratual e unilateral) não pode
conferir ao consumidor menos direitos do que os que se consignam na garantia legal.
Viola a Lei das Condições Gerais dos Contratos a exigência segundo
a qual a garantia só vigora se ao documento em que a própria garantia se
plasma se anexar o comprovativo da compra ou documento correspondente
- Lei das Condições Gerais dos Contratos (DL 446/85, de 25 de Setembro):
alínea o) do nº 1 do artigo 22, que comina com nulidade, por força do artigo
12, uma tal cláusula aposta em contrato singular.
Não é o fornecedor que, a seu bel talante, escolhe os remédios: tal direito
é do consumidor. E tal não pode ser precluído ou vedado por disposição
unilateral do fornecedor.
A Lei das Garantias não estabelece uma progressão hierárquica nos
remédios para a não-conformidade da coisa com o contrato: ao consumidor
cabe escolher a que melhor serve os seus interesses negociais, sem prejuízo
da invocação pelo fornecedor do abuso de direito, se o titular do direito – o
consumidor – exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos
bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito de que se trata - Lei
das Garantias nos Contratos de Consumo (DL 67/2003, de 8 de Abril): artigo
4º, nº 5; Código Civil – artigo 334.
A garantia legal é imperativa e os direitos do consumidor não poderão
ser defraudados.
Daí que se reconduza a oferta aos termos definidos na lei, como se tem
por curial, podendo invocar-se perante o fornecedor (final).
A garantia deve ser redigida de forma clara e concisa em língua
portuguesa, no que nos toca22.
pessoa singular ou pessoa colectiva, a violação do disposto no n.º 3 do artigo 9.º 2 - A negligência e a
tentativa são puníveis sendo os limites mínimo e máximo das coimas aplicáveis reduzidos a metade.”
22
Cfr. LG – Lei das Garantias – n.º 3 proémio do artigo 9.º. Cfr. ainda a LDC – alínea a) do n.º 2
do artigo 9.º, a saber: “A redacção clara e precisa, em caracteres facilmente legíveis, das cláusulas
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 29
24
Cfr. o art.º 5.º - A que, no seu 3, prescreve: “Caso o consumidor tenha efectuado a denúncia da
desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo
4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo
de três anos a contar desta mesma data.”
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 31
3. A acção directa
Situação diversa é a que a LG ora contempla no que se refere à faculdade
de poder ser actuada directamente a responsabilidade do produtor, em lugar
da do fornecedor que se acha na ponta terminal da cadeia da produção ao
consumo e que, foi, afinal, quem negociou com o consumidor.
Trata-se da denominada acção directa, de resto já permitida no direito
português no particular da actuação da responsabilidade do produtor por
produtos defeituosos27, em decorrência do que prescreve, aliás, a Directiva
(CEE) 85/374, de 25 de Julho de 1985, do Conselho das Comunidades
Económicas Europeias.
A acção directa restringe-se, porém, a dois dos remédios mais ténues,
a saber:
- reparação
- substituição.
Dela se excluem a resolução do contrato e a redução adequada do preço da
coisa.
27
Cfr. o DL 383/89, de 6 de Novembro – art.º 1.º.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 33
28
Cfr. Código Civil – art.º 512: “1. A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela
prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por
si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles. 2. A obrigação não deixa de ser
solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias,
ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles; igual diversidade se pode verificar
quanto à obrigação do devedor relativamente a cada um dos credores solidários.”
34 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
29
Confira, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2010 (relator João
Camilo), que define o que segue: “I. Os prazos de caducidade previstos no art.º 917 do Código Civil
para a acção de anulação de venda de coisa defeituosa aplicam-se aos demais meios de reacção
do comprador contra aquela venda: reparação/substituição da coisa, redução do preço, resolução do
contrato ou indemnização. II. Prevendo a Directiva Comunitária n.º 1999/44/CE, de 25-05-1999, que os
meios de defesa do comprador–consumidor de coisa defeituosa ali previstos: reparação/substituição da
coisa, redução do preço e [resolução], não possam caducar antes de decorridos dois anos da entrega
da coisa em causa, não respeitou tal norma o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8/4, que declarando proceder
à transposição da Directiva, manteve o prazo de seis meses para a caducidade daqueles direitos que
já constava quer da Lei de Defesa do Consumidor – Lei n.º 24/96 de 31/7 - quer do art.º 917 do Código
Civil. III. As Directivas Comunitárias têm aplicação directa na ordem jurídica interna – mesmo entre
particulares, ou seja, têm efeito horizontal -, mesmo que não transpostas ou transpostas em termos que
as violem, desde que haja decorrido o prazo para a sua transposição e sejam suficientemente claras
e precisas, se mostrem incondicionais e não estejam dependentes da adopção de ulteriores medidas
complementares por parte dos Estados- membros.”
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 35
Resumo
O presente estudo tem como objetivo analisar as implicações da inação do agente público
quanto ao exercício de funções inerentes a seu munus público.
Introdução
Atualmente muito se discute sobre os efeitos da inércia do administrador,
ou seja, sobre a prevaricação do agente público na tomada de providência que
lhe era obrigatória e peculiar ao exercício de suas funções.
Evidente que toda ação contrária à moralidade administrativa, esteja
ela ou não descrita no mandamento do art. 37 da CF, mesmo que não tenha
causado dano patrimonial ao erário, pode caracterizar ato de improbidade, ex
vi do tipificado no artigo 11, “caput”, e inciso I, da Lei n. 8.429/92.
Com efeito, estando a conduta do agente público inserida em algum
dos dispositivos da Lei. 8.429/92, mesmo que não tenha representado efetivo
dano ao erário, aplicável à espécie o disposto no artigo 21, inciso I, da Lei
8.429/92, que estabelece:
apesar de ser por demais difícil, por vezes deixa rastro documental, o que, sem
dúvida, serve de base para a imputação de improbidade.
Para o não agir, pouco importa a natureza do interesse ou sentimento
pessoal, nem o seu conteúdo: amizade, medo, conivência, proteção dos
envolvidos, dividendos políticos, chantagem, temor reverencial, instrumento
para troca e tráfico de influências, juízos pessoais. Será sempre prevaricação.
O funcionário público tem a responsabilidade mais agravada quanto mais
estiver em posição hierárquica de relevo, sobretudo dos altos escalões.
A prova da prevaricação, que costumeiramente é difícil, em alguns
casos, conforme acima exposto, pode ficar estreme de dúvida a respeito da sua
improbidade, uma vez que demonstrada por documentos, gravações, escutas,
vídeos e pela própria confissão do agente.
O homem de espírito público, voltado ao interesse coletivo, deve ter a
capacidade de fazer com que as pessoas que convivam com ele experimentem
a felicidade, não devendo, pois, pensar, egoisticamente, na sua própria
felicidade, preterindo a dos demais, sejam amigos, inimigos ou indiferentes.
Não se pode incorrer, vale destacar, no equívoco da prática de olhar
para os outros com reprovação, quando era de seu interesse, praticando,
contudo, conduta idêntica a do reprovado, do tipo “faça o que eu digo, não
faça o que eu faço”. É como se dissesse: quero ética, mas para os outros, posto
que o seu interesse, para ser alcançado, foi buscado a qualquer preço, até
mesmo relegando a moral, que, por tal razão, continua a ser cobrada só dos
outros, daqueles que não são próximos ou com os quais não guardam relação
de reciprocidade e interesse.
Enfim, não podemos aceitar a prática paradoxal adotada, que preceitua
que, para os outros, vale o “doa a quem doer”, mas para os aliados, um dos
seus, não é bem assim, é relativo, é perfeitamente compreensível. A conduta,
para os inimigos, é a de cobrança, enquanto que, para os aliados, haveria
sempre uma explicação, um motivo justificável ou, não havendo nenhuma
motivação mendaz, saem com o famoso “não tenho nada a ver com isso” ou
“temos assuntos mais importantes a serem tratados”.
Ao longo da história a exigência da moral somente para os outros é
uma constante, transmudando quase todas as comunidades já estudadas,
sendo corriqueiro, mas não normal, taxar os fatos de acordo com as posições e
sentimentos pessoais e ideológicos. Poucos são os indivíduos que tem a retidão
de defender o inimigo de uma injustiça ou mesmo repudiar o amigo quando
pratica um ato leviano, assim como fazia o ilustrado Max Weber, embora seja
esse o nosso dever como seres humanos dotados de inteligência e guiados
pelos preceitos éticos.
Tais pessoas tratam os amigos do inimigo como inimigos, mesmo que
não as conheçam, assim como tratam até verdadeiros marginais, criminosos
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 49
conflito entre o bem particular e o bem comum, o que existe é uma oposição
entre o interesse privado e o bem comum, que, ao contrário do primeiro, seria
afeto a todos ou, ao menos, a maioria.
Interesse público, desta forma, seria a relação entre a sociedade e o
bem comum por ela perseguido, que deve ser buscado através daqueles que,
na comunidade, têm autoridade, ou seja, governantes e administradores
públicos, sendo, portanto, obrigação daqueles que exercem cargos ou funções
de mando, consubstanciando-se a omissão em grave violação dos deveres
inerentes ao exercício de poder ou mando.
Há uma hierarquia entre os bens, tendo o bem comum primazia sobre
o bem particular, posto que o interesse coletivo deve preponderar sobre
o interesse de um único indivíduo ou de seu grupo restrito, assim o bem
particular de um indivíduo (ou de um pequeno grupo de privilegiados) não
pode ser buscado em detrimento do bem comum da sociedade.
É certo que cada indivíduo do conjunto do agrupamento social deve
cooperar para a realização do bem comum, vendo na sua consecução, o bem
próprio. Cabe, no entanto, ao governante ou administrador público, numa
sociedade politicamente organizada, promover o bem comum, externando,
através de suas ações e comandos, o interesse público. A não implementação
de políticas públicas e condutas que busquem a finalidade do bem comum,
acarreta, inexoravelmente, na deterioração da sociedade em aspectos
fundamentais de sua existência, causando desagregação comunitária, perda
de credibilidade dos gestores, bem como o sentimento de injustiça e frustração.
manifesta, quando as razões invocadas para o ato não suportarem uma análise
crítica da razoabilidade e proporcionalidade, tarefa que pode levar a conclusão
de desvio de finalidade, máxime quando confrontado com os princípios
constitucionais, não sendo proporcional e muito menos razoável.
A Lei 8.429/92 se aplica, por evidente, a todos os agentes públicos que,
enquadrados como sujeitos ativos, praticarem qualquer das condutas típicas
previstas na legislação em detrimento direto ou indireto dos sujeitos passivos.
Para que a sanção seja aplicada, desta forma, é bastante que ocorra indevida
utilização de poderes públicos e lesão ao dever de probidade administrativa.
Os preceitos (tipos) sancionadores da Lei de Improbidade, vale registrar,
são abertos, compondo-se de elementos normativos semanticamente vagos.
Trata-se, desta forma, de típicas normas em branco, que se complementam
por outras normas oriundas de legislações específicas, como, “verbi gratia”
é o Estatuto dos Funcionários Públicos, Regulamentos Profissionais, a Lei
Orgânica, a Lei de Diretrizes e Bases, o Regimento Interno, As normas de
segurança de categoria profissional etc.
Destaca-se, desta forma, a natureza aberta e permeável das normas
sancionadoras de improbidade constantes da Lei 8429/92, que tem o condão
de facilitar o trabalho dos operadores do Direito. Assim, ao jurista se reserva
o socorro a instrumentos capazes de acompanhar a veloz dinâmica da
improbidade. O legislador, com as previsões contidas na lei em referência,
com a adoção de princípios jurídicos que empregam termos e noções vagos
e elásticos, abriu espaço amplo para a hermenêutica e consequente atuação
dos juristas, permitindo aos intérpretes o exercício, facultando-lhes espaços
para adequar os comandos normativos a dinâmica dos fatos sociais, ou seja,
a realidade social, de modo a propiciar efetividade a Justiça. Desse modo, o
legislador, ao invés de tentar prever todos os comportamentos ilícitos possíveis,
estipulou normas elásticas, com permissão de extensão interpretativa, o que,
apesar de afrontar a bisonha cultura positivista, é extremamente benéfica para
a finalidade que se propõe, ou seja, coibir atos contrários à razão, ao bom
senso, ao dever de honestidade e lealdade institucional.
O ‘patrimônio público’, objeto de proteção da Lei 8.429/92, por tal
padrão interpretativo, não se reduz ao patrimônio material das entidades
públicas, mas alcança, também, o patrimônio moral dessas entidades e da
própria sociedade. Os servidores públicos, nesse sentido, estão inseridos
nessa noção de “patrimônio público”, porquanto estão integrados à idéia
de patrimônio da coletividade, do público, da sociedade, tendo-se em
consideração o direcionamento dos serviços por eles prestados e a vinculação
das suas atividades, assim como dos seus comandantes, ao primado da lei e
da honestidade.
Assim, independentemente de lesão ao erário, com uma nova definição
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 53
(...) as sanções podem ser aplicadas mesmo que não ocorra dano ao
patrimônio econômico. É exatamente o que ocorre ou pode ocorrer
com os atos de improbidade previstos no artigo 11, por atentado
aos princípio da Administração Pública. A autoridade pode , por
exemplo, praticar ato visando fim proibido em lei ou diverso
daquele previsto na regra de competência (inciso I do art. 11); esse
ato pode não resultar em qualquer prejuízo para o patrimônio
público, mas ainda assim constituir ato de improbidade, porque
fere o patrimônio moral da instituição, que abrange as idéias de
honestidade, boa-fé, lealdade, imparcialidade(...).
Conclusão
Por tudo que ficou exposto, o desatendimento da finalidade preconizada
em lei por parte do administrador, bem como a ausência de ação por parte
daquele que estava incumbido de tomá-la, por imposição do interesse
público, geram infringência da Lei de Improbidade, submetendo os infratores
as rigorosas sanções cominadas no diploma legal em exame, posto que se
adéquam ao tipo discriminado: “Retardar ou deixar de pratica indevidamente ato
de ofício” (art. 11, II, da Lei de Improbidade Administrativa).
A finalidade da existência da separação de poderes e da teoria dos
freios e contrapesos, como é de conhecimento geral, é a de propiciar que os
poderes (funções) atuem legitimamente, em colaboração, uns fiscalizando as
condutas dos outros, de modo a permitir o equilíbrio e a ponderação entre
todas as atuações funcionais.
Dentro desses deveres esta, dentre outras, o poder de requisição de
informações dos órgãos administrativos. Não pode o homem público de bem,
em afronta o que se espera de uma Autoridade Pública, prostrar-se de modo
conveniente e conivente com as práticas abusivas e reconhecidamente ilegais
dos membros de outro Poder ou Função.
Toda prática administrativa, que viola uma determinação legal
torna-se, ipso iure, ilegal, gerando por parte da autoridade responsável pela
fiscalização desse sistema, o dever de reprimi-la. Assim, evidente que quando
o agente público não usa das prerrogativas que lhe são inerentes ao propósito
de defender os interesses da coletividade, omitindo-se na prática de atos
obrigatórios em decorrência da legislação, poderá ocorrer o enquadramento
direto no inciso II do art. 11, da Lei de Improbidade, cuja extensão do ato pode
caracterizar também a conduta prevista no art. 319 do Código Penal, assunto
bem explicitado por Marcelo Figueiredo, no seguinte texto:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAETANO, Marcelo. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo. Rio de
Janeiro: Forense, 1977.
DELGADO, José Augusto. Reflexões sobre o ordenamento jurídico Administrativo.
Revista trimestral de Jurisprudência dos Estados, v. 19.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 819. ed. São Paulo:
Atlas, 2005.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006.
FREYESLEBEN, Márcio Luiz Chila. A Improbidade Administrativa. Comentários
à Lei nº 8.429/92. nº 17. Ministério Público de Minas Gerais: JUS, Ano XXIV.
GARCIA, Émerson; e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 3.
ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.
GORDILLO, Augustín. Introdución al Derecho Administrativo. Buenos Aires:
Abeledo-Perrot, 1966.
HAURIOU, Maurice. Précis de Droit Administratif et Doitr Public. 8. ed. Paris:
Recueil Sirey, 1914.
LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: RT,
1.982.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32. ed. São Paulo
Malheiros, 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Civil Pública, Mandado de
Injunção, “Habeas Data”. 13. ed. São Paulo: RT.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança e ação popular. 9. ed. 1983.
PINTO, Francisco Bilac Moreira. Enriquecimento ilícito no exercício de cargos
públicos. Rio de Janeiro: Forense.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo
Malheiros, 2006.
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
62 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: REFLEXÕES
SOBRE A SUA EFICÁCIA E APLICABILIDADE
Resumo
O presente ensaio busca analisar questões relativas à efetivação do direito fundamental à saúde.
Para tanto, em um primeiro momento realizamos uma abordagem abrangente, acerca dos
direitos fundamentais, historicamente considerados. Em um segundo momento, realizou-se
uma análise das dificuldades encontradas ao estudar a aplicabilidade do direito fundamental à
saúde, tendo em vista suas características normativas de cunho eminentemente programático.
Introdução
Os direitos fundamentais são tema de extrema importância, tendo sido,
cada vez mais, objeto de relevantes estudos, no campo da doutrina nacional
e, principalmente, internacional. Atualmente, praticamente inexiste país que
não tenha reconhecido ao menos um núcleo de direitos fundamentais, o que é
demonstrado pela história da humanidade e do reconhecimento dos direitos
humanos.
A partir disso é que surge o interesse na elaboração de um ensaio
relacionado a este assunto. Cumpre, no entanto, considerar a amplitude do
tema, e, desse modo delimitar o assunto a ser tratado.
Nosso objetivo neste texto é abordar algumas questões referentes à
constitucionalização dos direitos fundamentais bem como à sua aplicabilidade
e para tanto vamos trabalhar com o direito à saúde. Sabe-se que o direito à
saúde, consagrado nos arts. 6.º e 196 da Constituição da República Federativa
do Brasil, é norma instituidora de direito fundamental, decorrente dos
princípios maiores do direito à vida (art. 5 º. Caput) e da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III). Necessita-se, todavia, saber como é e como deve ser a
aplicabilidade destas normas.
Para tanto, realizou-se um estudo acerca da natureza destas normas
constitucionais, de modo a estabelecer características pertinentes a elas. Ao
verificar que o direito à saúde se trata de um princípio constitucional, e, por
isso, nos remete à idéia de um estado de coisas a ser atingido, notamos a
dificuldade de saber quais as condutas necessárias para que se possa atingir
tal estado almejado. Mais, a quem cumpre realizar tais condutas? Certamente
a obrigação é, principalmente, do Poder Público, incluindo, desse modo, todas
1
Doutorando em Sociologia pela Universidade de Coimbra; Mestre em Sociologia pela Universidade
de Coimbra (2012); especialista em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(2009); Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (2004). Advogado inscrito na OAB/RS. E-mail: fernnandesmichel@hotmail.com.
64 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Considerações Finais
Frente ao exposto, vê-se que o direito fundamental à saúde, além de ser
um direito social de cunho prestacional positivado em nossa Constituição sob
a forma de princípio programático, é também um direito subjetivo individual,
de aplicabilidade imediata e de eficácia plena.
Ao refletirmos acerca do problema da efetivação do direito fundamental
à saúde, podemos ainda observar atitudes necessárias para que se atinja tal
objetivo, a serem realizadas pelo Poder Público, em todas as suas esferas.
O Poder Legislativo, ao criar leis infraconstitucionais para assuntos
pontuais procura adequar tais leis aos princípios constitucionais norteadores do
nosso sistema. O Poder Executivo tem o dever de promover políticas públicas
objetivando a promoção da saúde a toda a população. No entanto, quando
algum cidadão não se sente contemplado com o serviço que é oferecido pela
Administração Pública, resta a ele buscar tutela perante o Poder Judiciário,
que tem a tarefa de, além de analisar a constitucionalidade das normas criadas
pelo legislador, verificar se a Administração está a cumprir seu dever de
promover a saúde à população de modo adequado com o prescrito na Carta
Magna.
O direito fundamental à saúde, por certo, engloba muito mais do que se
viu aqui, sendo nossa pretensão tão somente destacar alguns pontos teóricos
dos quais se podem aprofundar para a análise a partir do estudo de casos
concretos, tanto no que tange à elaboração de leis infraconstitucionais como à
sua aplicação e interpretação pelos Tribunais Superiores.
Em se tratando da busca pela efetividade do direito à saúde, a
responsabilidade é de todos os Poderes Públicos, dentro, por óbvio, de suas
respectivas esferas de atribuições e competência, e este ensaio procurou
72 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Alexy, R. (1997). Teoria de Los Derechos Fundamentales. (E. G. Valdés, Trad.)
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales.
Ávila, H. B. (2004). Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. São Paulo: Malheiros.
Bonavides, P. (1988). Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Malheiros.
Engelmann, W. (2001). Crítica ao Positivismo Jurídico: princípios, regras e o conceito
de direito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris.
Esser, J. (1961). Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho
privado. Barcelona: Bosch.
Freitas, J. (2004). A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Malheiros.
Sarlet, I. W. (2004). A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria
do Advogado.
Silva, J. A. (1999). Aplicabilidade das Normas Constitucionais (3ª ed.). São Paulo:
Malheiros.
A CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS APÓS A EC 15/96:
UMA ANÁLISE EM BUSCA DA EFETIVIDADE DO
TEXTO CONSTITUCIONAL
Introdução
A criação de municípios, atualmente, é assunto que encontra-se em
evidência no Direito da terra brasilis. Isto por que, após a edição da emenda
constitucional 15/96, a competência para criação, fusão, incorporação e
desmembramento de municípios passou a depender de Lei Complementar
Federal, ainda não editada.
Contudo, muitos municípios foram criados às margens do texto
constitucional, sendo preciso inclusive à edição da Emenda Constitucional
57/08 convalidando os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento
de municípios ocorridos após a emenda constitucional 15/96 até o dia 31 de
dezembro do ano de 2006.
Hodiernamente, diante da inércia do Congresso Nacional em não
elaborar a Lei Complementar Federal, percebe-se que diversos municípios
continuam sendo criados às margens do artigo 18, §4º da Constituição da
República Federativa do Brasil.
Nesse sentido, o artigo em tela tem o escopo de demonstrar a luz
da filosofia do Direito que a criação de novos municípios após a edição da
emenda constitucional 15/96 é possível, ainda que sem a Lei Complementar
Federal regulamentando o artigo 18, §4º, da CRFB e mesmo posterior a emenda
1
Advogado. Graduado em Direito pelo UNISEB. Graduado em Matemática pela UEMG. Email:
alxpires@hotmail.com.
74 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
constitucional 57/08. Para tanto, foi analisada a lei 2.264/2010 que criou o
município de Extrema de Rondônia.
Sobeje dizer, que o artigo foi articulado em três tópicos: Em primeiro
momento uma análise filosófica em torno das teorias positivista e pós-
positivista, responsáveis para dar sustentação aos argumentos apresentados
em sede de conclusão. Por sua vez, em segundo momento foi priorizada uma
análise de um caso concreto, permitindo pelo método indutivo, concluir no
sentido da possibilidade de realizar o controle incidental da norma paradigma
de confronto antes de analisar o pleito principal. Por fim, foi perquirida a
criação de novos municípios no cenário nacional, dando ênfase à criação do
município de Extrema de Rondônia.
deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesses das partes, para
assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-
se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm adotando.”
(MENDES, p. 71).
Diante deste cenário e por uma interpretação analógica, não há que
se ouvidar que a declaração de inconstitucionalidade da norma paradigma
de confronto pode produzir, pelas mesmas razões da objetivação do Recurso
Extraordinário, efeitos erga omnes.
Por sua vez, no que se refere aos efeitos ex tunc, merecido dizer que
a declaração de inconstitucionalidade por omissão com redução de texto
da norma paradigma de confronto poderia ter no, in casu, os seus efeitos
modulados, tomando por base o artigo 27 da lei 9868/99, ao ponto de conceder
os mesmos 18 (dezoito meses) para que o Congresso Nacional venha elaborar
a Lei Complementar Federal sob pena de conceder efeitos ex tunc à decisão.
A referida modulação, neste caso, poderia facilmente ser cominada com
o artigo 12-H, § 1º da própria lei, afastando assim qualquer receio de ofensa
ao princípio da separação dos poderes. Neste caso, ao adotar a declaração de
inconstitucionalidade por omissão com redução de texto sem pronúncia de
nulidade seria possível a suspensão do processo no pleito principal.
Explica-se: suspenderia a ação direta de inconstitucionalidade com o
objetivo de declarar a lei baiana inconstitucional pelo prazo de 24 (vinte e
quatro) meses, que seria o tempo razoável dado ao Congresso Nacional para
a elaboração da Lei Complementar Federal regulando o artigo 18 § 4º da
CRFB e para que o Estado da Bahia e o município se adéque aos dispositivos
regulamentados na lei complementar.
Contudo, caso o Congresso Nacional não elabore a lei no prazo
dado aplicar-se-ia efeitos ex tunc a declaração de inconstitucionalidade
incidental (análise da norma paradigma de confronto), passando o município
imediatamente a figurar em estado de constitucionalidade, ou seja, em
harmonia ao texto constitucional. Por sua vez, caso o Congresso Nacional
regulamentasse a omissão, teria o Estado e o Município o prazo de 6 (seis)
meses para se adequar ao regramento contido na Lei Complementar Federal.
Importante dizer, que na decisão incidente, seria necessário que o
Supremo Tribunal Federal fixasse parâmetros para a elaboração da norma
complementar, isto porque, evitaria que a norma elaborada pelo Poder
Legislativo criasse obstáculos para a adequação da lei estadual baiana à
Lei Complementar Federal. Por consequência, a aplicação de decisão nessa
natureza evitaria o “atalhamento Constitucional” por parte do Congresso
Nacional, como ocorreu com a edição da EC 57/08.
Ademais, é importante frisar que a solução apresentada nada mais
representa que uma interpretação do processo constitucional à luz dos
82 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
2
Nesse sentido: ADI 2381-1/RS, ADI 1.616/PE , ADI 3.660/MS e ADI 2.1 01/MS.
86 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
adequada e eficaz.
Ora, como já frisado, conceder uma prestação jurisdicional que preze
a efetividade do texto Constitucional, como é o caso de decidir uma omissão
legislativa impondo efeito concretista, não ofusca o princípio constitucional
da separação dos poderes. Muito pelo contrário. O disposto no artigo 2º da
Constituição da República estabelece que “são Poderes da União, independentes
e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, infere-se que
cada um possui função específica, considerando a sua independência. Do
mesmo modo, o próprio texto Constitucional introduz a estrutura de controle
mútuo entre os Poderes objetivando o estabelecimento de equilíbrio entre o
Poder Legislativo, Executivo e Judiciário.
Assim, não há espaço para a inefetividade da Carta cidadã de 1988,
como ainda acabamos vendo no in casu. Para se ter uma idéia, consultando
o sitio eletrônico do Supremo Tribunal Federal em julgamentos de Mandado
de Injunção e ações diretas de inconstitucionalidade ocorrido até o ano de
2009, percebe-se uma grande quantidade de matérias que ainda encontra-se
omissas.
Percebe-se neste cenário, a inefetividade das decisões por consequência
da inércia do Poder Legislativo. Nessa linha de discussão, mostra-se de maneira
evidente que o Poder Judiciário não pode continuar às margens de decisões
efetivas. Até mesmo porque, existe a partir da exegese do nosso ordenamento
jurídico a possibilidade de sanar a questão. Ora, a criação de novos municípios
é possível, diante das circunstâncias, ainda que sem lei Complementar Federal.
Isso se justifica, por algumas razões: Primeiro, pois recorrendo a
Ronald Dworkin, o direito não pode ser visto na base do “tudo ou nada”.
Nesse sentido, é preciso realizar uma ponderação de valores que alicerça a
criação de municípios em face à inércia do Poder Legislativo. Nessa análise,
certamente será possível perceber que os motivos que balizam a criação
de novos municípios são mais relevantes do que a tentativa clara do Poder
Legislativo em não regulamentar a questão.
Segundo, pois tomando por base o tridimensionalismo jurídico de
Miguel Reale ordenamento jurídico decorre da relação fato, valor e norma.
E neste caso, a valoração seria no sentido da efetividade da norma, razão
pela qual a norma esculpida no art. 18 §4º da CRFB não esta em consonância
ao escopo da promulgação da Constituição da República, qual seja; o de
efetividade.
Terceiro, pois a possibilidade de criação de novos municípios, ainda
que sem Lei Complementar Federal não causará nenhum prejuízo para
a organização administrativa da Federação. Se assim não fosse, não teria o
Poder Constituinte Originário pretendido a priori que a criação de municípios
ficasse na competência dos Estados.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 87
Conclusão
Conforme foi possível verificar na pesquisa, a questão dos municípios
criados sem a observância do artigo 18, § 4º da Constituição da República
permanece hodiernamente incerta, em razão da ineficácia prática da
decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em sede da ação direta de
inconstitucionalidade - ADI 2240.
Destarte, verifica-se que a Lei Complementar Federal não foi editada
pelo Congresso Nacional dentro do prazo concedido pelo Supremo Tribunal
Federal. Ao contrário, foi elaborado pelo Poder Legislativo a Emenda
Constitucional 57/08 que convalidou os atos de criação, fusão, incorporação e
desmembramento dos municípios sem a Lei Complementar Federal.
Contudo, não paira qualquer dúvida de que a Emenda Constitucional
57/08 deve ser declarada inconstitucional com pronúncia de nulidade, efeitos
ex tunc, uma vez que o nosso ordenamento jurídico não permite a figura
da constitucionalidade superveniente. Além disso, em sede de decisão de
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, ISAAC. A Interpretação do Direito. Disponível em: http://www.
isaacribeiro.com.br/2009/11/23/a. Acesso em 10/05/2012.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília.
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Diário
Oficial, Brasília.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1964. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1946. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília.
BAHIA. Lei Estadual 7.619/1996 que dispõe sobre a criação do município de Luis
Eduardo Magalhães. Diário Oficial do Estado da Bahia.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 91
Edição, 2010.
TELLES JR, Goffred. Introdução a ciência do direito. (Apostilas) Fasc. 2, 3, 4 e 5,
1972.
94 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
DIREITO PENAL DO INIMIGO E A LEI DE CRIMES
HEDIONDOS NO BRASIL
Direitos Humanos:
Histórico
Manifestações filosóficas sobre os direitos humanos precederam o
embasamento jurídico. As antigas civilizações visavam à proteção humana
através de uma leitura religiosa, com influência do humanismo ocidental
e oriental. O reconhecimento da igualdade entre os homens e a elaboração
de direitos abrangentes aos que pertencem à mesma espécie remonta a
Antiguidade Clássica. Neste período, na Grécia, o ser humano foi foco no que
diz respeito ao discurso filosófico, quando as explicações deixaram de ter bases
mitológicas, caminhando para o segmento antropológico. Como exemplo, a
peça “Antígona” de Aristóteles formulada na Grécia Antiga apresenta a ideia
de direitos superiores e intrínsecos ao ser humano. Surge então a doutrina do
jus naturalismo, defendendo certos direitos básicos à condição humana, acima
das leis positivas.
Mais adiante, pressões populares contra violação de leis e costumes
conquistaram direitos pela Carta Magna, assinada pelo Rei João da Inglaterra,
em 1215. No período do feudalismo, o direito divino regulava a política e a
sociedade, sendo os indivíduos subordinados à vontade do soberano, cujo
poder absoluto era expressão da vontade de Deus.
A diversidade político-ideológica molda diferentes conceitos de Direitos
Humanos. As diferentes culturas e organizações sociais existentes no mundo
definem as diretrizes dos estudos neste campo. As três grandes concepções
são a idealista – defende que os direitos humanos são inerentes à natureza do
homem e não dependem de reconhecimento pelo Estado; positivista – acredita
que os direitos devem ser reconhecidos pela ordem jurídica estatal, através de
1
Discente na Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais.
96 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Proteção Internacional
O século XIX foi marcado pelo reconhecimento dos Direitos Humanos
no panorama interno dos Estados, em sua carta constitucional, garantindo
à população, direitos coletivos. A Constituição de cada país teria a função
de regulamentação interna das garantias sociais e suas formas de aplicação.
Durante o século XX, estes direitos passaram a se inserir no panorama
internacional, devido à legitimidade destes interesses diante de conflitos
internos de um Estado. Esforços foram realizados para que fossem criadas
comunidades organizadas supranacionais que estariam acima da soberania
estatal e a fim de evitar genocídios e violações aos Direitos Humanos.
Neste sentido, a legislação internacional apresentava vasta
regulamentação para atos de afronta aos Direitos Humanos, iniciando uma
fase de exigência da aplicação desta proteção. De acordo com Bobbio (apud
PIOVESAN, 2011, p. 129), devemos proteger estes direitos na fase atual, uma
vez que o processo histórico auxiliou na sua fundamentação completa e na
visualização dos indivíduos como sujeitos de direitos internacionais.
Para tornar viável a proteção supranacional dos direitos, foi necessária a
organização, em primeiro plano, do Direito Humanitário, da Liga das Nações
e da Organização Internacional do Trabalho. Estes grupos foram criados com
a finalidade de regular a soberania estatal por meio de Tratados e Convenções
internacionais, os quais, uma vez assinados por diferentes países, obrigavam
seus signatários a manter um padrão de tratamento diante de seus cidadãos.
Contudo, apenas com o fim da Segunda Guerra Mundial, a proteção
internacional dos Direitos Humanos recebeu a devida atenção, materializada
pela Carta das Nações Unidas, assinada em 1945, e suas instituições, bem como
da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, a qual apresenta
força de lei vinculada a Carta da ONU. Acredita-se que uma base sólida teria
98 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
A repressão penal:
A Inquisição
No período entre o século XIII e século XVIII a Igreja Católica dizimou
milhões de pessoas que discordavam de seus dogmas com o auxílio do
Tribunal do Santo Ofício, o qual foi criado para perseguir, torturar e condenar
à morte aqueles que praticassem atos de bruxaria, heresia ou por seguirem
religião diversa do catolicismo. O Tribunal não permitia qualquer defesa
do acusado e não informava o motivo da condenação. O inimigo da Igreja
deveria ser eliminado diante da ameaça ao poderio soberano do catolicismo.
Neste momento da Idade Média nomes como o de Galileu Galilei estão entre
os perseguidos e personagens como Giordano Bruno e Joana D’Arc foram
mortos.
Ocorreu também a censura e queima de diversos livros de ideais
contrários aos impostos pela Igreja. A lista é conhecida como “Index Librorum
Prohibitorum”.
A Revolução Francesa
A França do século XVIII enfrentava graves problemas socioeconômicos
devido ao exaustivo sustendo da nobreza e clero financiado pelo Estado,
além da participação na guerra de independência dos Estados Unidos. A
Revolução teve inicio diante das insatisfações da população camponesa,
intensamente explorada por rotinas exaustivas de trabalho e elevadas taxas
de impostos para financiar o luxo ostentado pelas classes superiores. Diante
da revolta camponesa, a classe burguesa assumiu o controle para realização
das modificações.
Para que houvesse a derrubada do Regime Absolutista e a aprovação
da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, muito sangue
foi derramado em nome da liberdade, igualdade e fraternidade. Uma das
passagens mais violentas da história, inclusive momento em que foi criada
a guilhotina, a Revolução Francesa foi marcada pela intolerância, prisões
arbitrarias e extermínio sumário.
O Nazismo
A Alemanha encontra-se em profunda crise com o termino da Primeira
Guerra Mundial e, nesta ocasião, Adolf Hitler se propôs a recuperar o orgulho
alemão. Seu ideal político defendia a hegemonia ariana e a união “num só povo,
num só império, num só líder”. Deveria ser eliminada qualquer outra raça, além
dos homossexuais. Para executar suas ordens, foram organizadas as Seções de
Assalto, as Seções de Segurança e a Gestapo. Os inimigos perseguidos neste
regime foram os judeus, os negros, os comunistas, as Testemunhas de Jeová e os
homossexuais. Dizimados pelas formas mais cruéis já documentadas na história.
100 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
2010, p. 476)
Como consequência do contrato, é responsabilidade do Estado zelar
pela segurança social, justificando a aplicação da pena ao inimigo como
medida de segurança, sem amparo das garantias processuais penais ou de
Direitos Humanos, pois não se submete ao Estado de Direito aquele que o
ameaça.
A custódia penal reservada ao inimigo pretende evitar o cometimento
de delito futuro, de modo preventivo visualizando a reincidência. Esta
antecipação e oriunda da aplicação da pena de acordo com o autor, e não com
o ato ilícito praticado, ou seja, de acordo com a culpabilidade.
O advento da globalização
A nova ordem econômica instituída pela hegemonia capitalista valoriza
a produção industrial e as trocas comerciais, sendo que a pressão neoliberal
para que os Estados cortem os gastos com políticas sociais pôs fim ao Estado
de bem-estar social. O desmantelamento do amparo social aliado ao acúmulo
de riqueza nas mãos de poucos criou uma nova divisão mundial em Primeiro
e Terceiro Mundo. Houve a intensificação da desigualdade e exclusão social,
bem como da criminalidade, nas áreas periféricas.
Como reação a invisibilidade social, novos delitos surgiram, como
o crime organizado, e a reação imediata estatal é de criar mais normas
penais com a falsa ideia de reduzir a criminalidade. Considera-se também
a inconstitucionalidade desta atividade legislativa penal, visto que as penas
prevêem rígidas punições, inclusive a incriminação de atos preparatórios,
atuando em contradição com o sistema jurídico democrático. O fracasso do
fomento legislativo faz necessária a retomada de teorias ultrapassadas para
explicar a atividade criminosa crescente, assim como a teoria do Contrato
Social, a qual fundamenta a existência de um Estado absoluto.
De acordo com Silva Sánchez (2002), o Direito Penal do Inimigo é uma
medida de extrema necessidade adotada diante da ineficiência do Direito
Penal, que visa antecipar a pena. Os institutos legais, como o Processo Penal,
são ignorados para que o inimigo seja eliminado, mas este procedimento torna
a segurança jurídica instável pela restrição de diversos direitos, entre eles os
Direitos Humanos.
não prevê nenhuma espécie de pena, apenas determina que sejam de caráter
“inafiançáveis, insuscetíveis de graça ou anistia” ao tratar de crimes hediondos.
No mesmo sentido, a Lei n. 9.714 de 1998, ao regular a sistemática de penas
alternativas, não fez referencia aos tipos de delitos, de modo a restringi-los.
Desse modo, determinar o encarceramento considerando apenas a
natureza do crime, sem análise dos fatos específicos ou suas circunstancias, é
inconstitucional, visto que não se aplicaram as garantias da proporcionalidade,
individualização da pena e desconsideram a dignidade da pessoa humana
(JESUS, 2001, p. 29).
O instituto do livramento condicional extraordinário foi criado pela
referida Lei em seu art. 5º e inseriu o inciso V ao art. 83 do Código Penal.
Poderá ser aplicado após o cumprimento de mais de dois terços da pena,
apenas se não houver reincidência nos crimes de natureza hedionda. A
vedação ao livramento condicional ordinário é mais indicio do caráter severo
e desumano da Lei de Crimes Hediondos, sendo expressão do Direito Penal
do Inimigo. Apesar de considerar o principio de individualização da pena, o
cumprimento de mais de dois terços da pena em regime fechado configura
afronta a dignidade, sendo, neste aspecto, inconstitucional (VEIGA, 2003,
online).
A progressão de regimes
A primeira mudança na rigidez da progressão de regimes para crimes
hediondos ocorreu com a Lei n. 9.455 de 1997, conhecida como lei de tortura,
por permitir a progressão nos casos de crimes dessa natureza. No ano de 2005,
o STF decidiu pela inconstitucionalidade da Lei de crimes hediondos, em seu
§ 1º do art. 2º, em decisão proferida em 23/02/2006, rel. Min. Marco Aurélio
(HC 82.959).
No entanto, a decisão proferida não teria efeito erga omnes devido ao
reconhecimento da inconstitucionalidade em um caso concreto especifico.
Entende-se que, diante das liminares anteriormente concedidas pelo STF,
deve ser reconhecido o efeito erga omnes e vinculante. Fredie Didier Júnior
utiliza a expressão “transformações do recurso extraordinário” ao tratar do
tratamento abstrato do controle difuso de constitucionalidade. (DIDIER apud
GOMES, 2006).
Os requisitos para generalizar a decisão proferida foram preenchidos,
pois a decisão foi do Pleno do STF, a discussão envolveu a lei de crimes
hediondos e não apenas o caso concreto, além da discussão dos efeitos para
permitir maior abrangência da decisão preferida (GOMES, 2006, online).
Com a decisão, os apenados por crime hediondos têm direito à análise da
progressão de regimes. Porém, a inconstitucionalidade foi reconhecida com
o efeito ex nunc, ou seja, não retroage às condenações anteriores à decisão de
104 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Análise social:
A origem da violência
A desestruturação do Estado de bem-estar social intensificou a
exclusão social, principalmente nos países subdesenvolvidos, gerando bolsões
de pobreza. Os cortes nos gastos públicos atingiram programas de cunho
assistencial, como saúde e educação pública. Sem o devido amparo estatal,
as classes menos abastadas vivem à margem das relações empregatícias
sólidas, sem garantias para uma vida digna e estável. Dessa forma, houve
o aumento da criminalidade organizada, financeira, terrorismo e tráfico de
armas e pessoas, por exemplo, gerando tipos penais que afetam outros países
(ALENCAR, 2010, p. 8).
A atitude estatal diante do quadro de aumento da criminalidade revela
o caráter de Estado de Policia, com forte atuação punitiva. Busca-se nas
penas rígidas, em especial na privativa de liberdade, a solução para a questão
de segurança pública. Não há uma visão completa do sistema punitivo e
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 105
O sistema carcerário
O Direito Penal é instrumento estatal de combate à criminalidade,
devendo zelar pelas garantias constitucionais e pelo principio da legalidade
formal e material, submetendo-se sempre ao que determina o ordenamento
jurídico (TOLEDO, 2007, p.105). No entanto, a intervenção penal deve ocorrer
quando estritamente necessária e deve estar aliada a uma política social.
A pena é pautada pelo principio da igualdade formal e material e tem
o escopo de recuperar, reeducar e reinserir na sociedade o indivíduo que
comete ilícito penal, apresentando função social, política e jurídica. Estes são
os objetivos que apresentam claro caráter formal normativo, inexistindo a
aplicabilidade concreta nos sistemas carcerários brasileiros.
As penitenciárias são ambientes de insegurança jurídica e desrespeito
a dignidade da pessoa humana, que atuam no sentido de manutenção das
desigualdades econômico-sociais no âmbito jurídico pelo sistema penal. Como
instrumento de atividade estatal, o sistema penal promove a desigualdade
com a legitimação do Estado, pois as práticas judiciárias tendem a separar,
diferenciar, e não de promoção de igualdade penal (FACURI, 2007, p. 331).
A exclusão cotidiana dos negros e pobres na sociedade se perpetua
em um sistema carcerário ineficaz, que não cumpre sua função social e que
se traduz como consequência do aparato judiciário injusto, cujas sentenças
muitas vezes penalizam inocentes pela falha do devido processo legal. Esta
atuação remonta à ciência penal lombrosiana do século XIX, estigmatizando
o marginalizado e dando tratamento diverso de acordo com sua classe social.
106 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Conclusão
A sociedade pós-industrial tem exigido cada vez mais segurança,
tanto pública quanto privada, o que interfere na garantia de liberdade, pois,
na visão distorcida de muitos, o cerceamento da liberdade é necessário para
uma melhor segurança (SANTOS, 2009, P. 77). Sem questionar as causas para
a marginalidade e criminalidade, apenas buscam no Direito Penal formas
desumanas e cruéis de conquistarem a sensação (falsa) de segurança, como
esta ciência jurídica fosse de pedagogia social. No mesmo sentido, a aplicação
das normas penais passa a se distanciar das garantias constitucionais e
processuais previstas para qualquer infrator.
O Direito Penal do Inimigo está inserido neste contexto de repressão
à criminalidade desconsiderando o individuo como sujeito de direitos com
respaldo na teoria contratualista dos séculos XVI ao XVIII. Totalmente em
descompasso com o Estado Democrático de Direito e com o princípio da
legalidade, a atuação do sistema judiciário de diferenciar indivíduos de
acordo com a personalidade criminal apenas prejudica a sociedade e o aparato
estatal, pois não há preocupação com as causas da violência e criminalidade,
que tende a aumentar diante do tratamento marginalizado perpetuado pelo
sistema processual e sistema carcerário.
O Direito Penal deve retomar seus devidos fins de reeducação do
apenado e sua posterior reinserção na sociedade, aliado aos princípios
de proporcionalidade e humanidade garantidos pela Carta Maior. Deve
desvincular-se de teorias arcaicas e estigmatizantes, passando a se comprometer
com as garantias democráticas e humanitárias do século XXI.
Embora alguns crimes provoquem repulsa pela sociedade, não se
deve diferenciar o tratamento dos infratores de acordo com a personalidade
criminosa, pois parte-se do principio que a dignidade da pessoa humana está
acima do sistema normativo penal e deve ser observado nas fases judiciais e
de cumprimento da pena.
Apenas a preocupação solidaria com as classes marginalizadas pode
conter a criminalidade de modo a evitar que os indivíduos pratiquem atos
delituosos. O Direito Penal deve ser utilizado como ferramenta de pacificação
social a serviço de todos os cidadãos e não meio de perpetuar dos estigmas da
opressão e intensificar a marginalização.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALENCAR, Antônia Elúcia. A inaplicabilidade do Direito Penal do Inimigo
diante da principiologia constitucional democrática. Revista dos Tribunais, São
Paulo, ano 99, v. 895, p. 471-498, maio 2010.
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário
de política. 11. ed. Brasília, DF: Ed. UnB, 1998. 2 v.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 107
BORGES, Paulo César Corrêa. Direito penal democrático. 5. ed. Franca: Lemos
& Cruz, 2005.
FACURI, Renata Utuni. O papel da mídia diante da desigualdade penal. In:
BORGES,Paulo César Corrêa. (Coord.). O principio da igualdade na perspectiva
penal: temas atuais. São Paulo: Ed. UNESP, 2007.
GOMES, Luiz Flávio. STF admite progressão de regime nos crimes hediondos.
Jus Navigandi, Teresina, ano11, n. 1003, 31 mar. 2006. Disponível em: <http://
jus.com.br/revista/texto/8181>. Acesso em: 11 nov. 2012.
JESUS, Damásio E. de. Temas de direito criminal. São Paulo: Saraiva, 2001. (2ª
série).
JESUS, Damásio E. de. Direito penal do inimigo: breves considerações. Jus
Navigandi, Teresina, ano13, n. 1653, 10 jan. 2008. Disponível em: <http://jus.
com.br/revista/texto/10836>. Acesso em: 5 out. 2012.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. A expansão do direito penal: Aspectos da política
criminal nas sociedades pós-industriais. Tradução de Luiz Otavio de Oliveira
Rocha. São Paulo: RT, 2002. (Ciências criminais no século XXI).
SANTOS, Admaldo Cesário dos. Direito penal do inimigo e culpa jurídico-penal. O
problema da responsabilidade pelo livre-arbitrio. Porto Alegre: Nuria Fabris,
2009.
SANTOS, Juarez Cirino dos. O Direito penal do inimigo: ou o discurso do direito
penal desigual. Instituto de Criminologia e Política Criminal. Disponível
em:<http://www.cirino.com.br/artigos/jcs/Direito%20penal%20do%20
inimigo.pdf>. Acesso em: 14 out. 2012.
TOLEDO, Ana Claudia Sonego de. Função da pena no estado democrático de
direito. In: BORGES, Paulo César Corrêa. (Coord.) O principio da igualdade na
perspectiva penal: temas atuais. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
VEIGA, Marcio Gai. Lei de Crimes Hediondos: uma abordagem crítica. Jus
Navigandi, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: <http://jus.com.
br/revista/texto/3637>. Acesso em: 21 nov. 2012.
108 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
DIRETO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS –
CASO SOMÁLIA E A TUTELA UNIVERSAL DOS
DIREITOS HUMANOS
Introdução
A “busca da felicidade”, presente na Declaração da Virgínia de 1776 e
repetida na Declaração de Independência dos Estados Unidos, é a razão de ser
dos direitos humanos. A idéia de liberdade e igualdade dos seres humanos
é reafirmada e reforçada na Revolução Francesa. As declarações de direitos
norte-americana e francesa corresponderam ao reconhecimento do indivíduo
como titular de direitos, embora o exercício dos direitos individuais requeira
uma isonomia social (COMPARATO, 2005).
A história da rede internacional de tutela dos direitos humanos é recente
na sociedade internacional. Somente no último século foi criada a primeira
organização internacional visando o reconhecimento da universalidade dos
direitos humanos. A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948
estabelece que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos
(RAO, 1999). A internacionalização dos direitos humanos iniciou-se na segunda
1 Bacharel em Direito pela Unisebcoc, formada em Ciências Farmacêuticas pala Universidade de São
Paulo, Mestre em fármacos e medicamentos, Especialista em Saúde Pública pela Fundação Educacional
de Fernandópolis e Manipulação Alopáticapa pela Associação dos Farmacêuticos Magistrais de São
Paulo. Atualmente atua como servidora pública na Farmácia Popular do Brasil de Bonfim Paulista.
Email: rita_andreolli@hotmail.com.
110 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Direitos Humanos
O ser humano tem duas formas de se apresentar frente ao direito:
“direito que se tem” e “direito que se gostaria de ter”. Quanto ao primeiro
caso, fala-se em direito positivado, direito já estabelecido dentro da sociedade
em que se vive; quanto ao direito que se gostaria de ter, fala-se em buscar
legitimidade para alcançar o que se pretende. Daí o surgimento da dúvida
sobre o quê e quais são os direitos do homem. Já se compreende como direitos
do homem> “aqueles que pertencem ou deveriam pertencer a todos os homens, ou
dos quais nenhum homem pode ser despojado”. A comunidade internacional tem,
atualmente, o dever de fornecer garantias capazes de validarem os direitos
humanos, além de aperfeiçoá-los continuamente para que não enrijeçam
diante das mudanças contemporâneas de um mundo globalizado, tornando-
se letra morta (BOBBIO, 1990).
Por isso, Bobbio (1990) afirma ser mais importante proteger os direitos
do homem do que fundamentá-los, proclamá-los. Assim, atividades de
promoção, controle e garantia são fundamentais para tais objetivos, além de
se ter em mente que o progresso técnico e científico deve ser acompanhado de
progresso moral, caso contrário, poderíamos abolir a escravidão pessoal, mas
manteríamos escravos toda uma nação subjugada pelo poder econômico e
político de outra melhor sucedida. Uma das razões que permite a afirmação e
propagação dos direitos humanos é a tolerância que teve seu principal teórico
John Locke, quando afirmou que a verdade não precisa de violência para ser
ouvida pelo espírito dos homens e não se pode ensiná-la pela lei (BOBBIO,
1990).
Os novos processos produtivos, o comércio transnacional e a frugalidade
dos capitais financeiros, não apenas afetam negativamente a efetividade
da democracia, como também comprometem as instituições jurídicas em
assegurar a liberdade e preservar as garantias fundamentais. Com isso, os
Estados enfraquecidos, sejam por questões econômicas, políticas ou sociais
não conseguem proteger seus direitos essenciais (AMARAL, 1999). Apesar das
profundas diferenças culturais, sociais e políticas existentes entre os povos,
a DUDH apresentou consenso quanto à matéria de proteção aos direitos
humanos, pois estes independem de posições culturais, evolutivas ou político-
partidárias. Portanto, mesmo num mundo divido, como no pós-guerra ou
durante a guerra fria, ou mundo socialista versus capitalista e, por fim, países
com pronunciado desenvolvimento frente outros cujo desenvolvimento nem
mesmo se instalou, é possível ter uma linguagem única, universal com relação
aos direitos humanos (AMARAL, 1999).
O Caso Somália
A Somália localiza-se na África Oriental, a leste da Etiópia, fazendo
114 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
fronteira também com Quênia, Djibuti, Golfo de Aden, Iêmen e Oceano Índico.
Tem área total de 637.657 Km2 em terreno característico de planície, cujos
recursos naturais são praticamente inexplorados, tais como,:urânio, petróleo,
minérios de ferro, estanho, bauxita, cobre, assim como reservas naturais de
gesso, gás natural e sal. Cultiva apenas 1,64% de suas terras aproveitáveis
(dados de 2005). Seu clima é predominantemente desértico com monções
em diferentes épocas do ano. O constante, descontrolado e desenfreado
desmatamento faz com que se tenha erosão do solo e desertificação, As guerras
civis incessantes, os interesses políticos e particulares de alguns governantes
locais e a própria tolerância mundial frente à violação dos direitos humanos
propiciam a fuga maciça de pessoas para os chamados campos de refugiados
onde nos depararemos com uma nova situação de violação dos direitos
humanos, pois apesar da ajuda de organismos internacionais, as mortes
suplantam os nascimentos e a fome e desesperança superam os sonhos de
voltarem ao seu território e às suas tradições (Disponível em INFOPEDIA
acessado em 21/01/2012).
A falta de saneamento básico, a escassez de água “per capita”, o grau
acentuado de desnutrição quando chegam ao campo, além da própria condição
de refugiado, com seus temores, angústias e incertezas, faz com que as doenças
se alastrem com rapidez assombrosa, de modo que os recém-chegados devem
ser imediatamente vacinados e avaliados quanto ao grau de desnutrição que
apresentam para, somente após essa prévia avaliação, serem encaminhados
para a aquisição de uma cesta básica que deverá durar por 21 dias. Mais de 970
mil somalis vivem como refugiados em países vizinhos estando distribuídos
entre o Quênia, Iêmen e Etiópia e, quando se fala em campo de refugiado de
Dadaab, estende-se a problemática para todos os demais campos existentes
nesses outros países.
O desinteresse internacional foi tamanho frente à morte anunciada
de 1,5 milhão de somalis por inanição, que o próprio Secretário Geral da
ONU denunciou publicamente, em julho de 1992, a inação da organização
com acusações aos componentes do Conselho de Segurança de estarem mais
interessados na guerra da Bósnia, fingindo não ver o que acontecia na Somália.
O definitivo envolvimento da comunidade internacional deu-se após a vitória
de Bill Clinton para as eleições presidenciais dos EUA, quando o presidente
Bush aproveitou para engrandecer sua imagem perante a sociedade mundial,
no tempo que lhe restava na presidência, e defender a participação dos EUA
na Somália (PUC-RIO, 2012).
Em fevereiro deste ano Dadaab, maior campo de refugiados somali e
maior do mundo, completou 20 anos de existência e, contrário do que se possa
pensar, continua crescendo, pois quando de sua instalação, pelo ACNUR,
pensou-se em receber 90.000 refugiados, embora acolha, atualmente, cerca
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 115
político, econômico, quanto social, seja pela guerra civil instalada nesse país
a décadas, seja pela seca que assolou o que restava de esperança alimentícia
e de sobrevivência para o povo somali. Quando um povo se depara com
situações de total desprovimento para sua própria sobrevivência e a de seus
descendentes, acaba por se submeter a diversas situações tão deploráveis
quanto à miséria em que já se encontra, como no caso do povo somali que
buscou no campo de refugiados a chance de, efetivamente, não sucumbir às
vicissitudes da vida.
Muitas vezes, o que pode parecer ajuda, nada mais foi que interesse
intrínseco dos países envolvidos nas chamadas ações humanitárias para,
em verdade, escamotear os desejos políticos e econômicos desses países.
Embora seja inegável a postura humanitária dos países dispostos a atuarem
favoravelmente, com a aquiescência da ONU, para reverter a fome e a miséria
do povo somali, esquecem-se de que este mesmo povo, ainda que vitimizado,
tem suas tradições, anseios e cultura próprios, que indubitavelmente deveriam
ser respeitados.
A condição de refugiado a que se vê sujeito o indivíduo obrigado a
abandonar sua pátria, já traz em si, a violação de direito humano essencial e,
decorrente disso, mereceu a atenção do mundo que não suportava mais assistir
as atrocidades que ocorriam no chifre da África, cobrando da comunidade
internacional o cumprimento de seus objetivos enquanto guardiões da paz
e da ordem. E, por esse clamor é que as primeiras ajudas alcançaram o povo
somali, mas longe de serem efetivas ou eficazes, pois os refugiados apenas têm
sido mantidos vivos (alguns, aliás), mas não são reconhecidos no país onde se
refugiam, não têm direito a trabalho, não habitam com decência e higiene,
não têm trânsito livre, nem mesmo entre os campos e apenas simbolizam a
degradação dos direitos humanos.
A intolerância das pessoas em todo o mundo que repudiam tudo o que
acontece na Somália se contrapõe à tolerância da comunidade internacional
em definitiva e eficazmente dar cabo à situação imposta naquele Estado,
em nome da soberania que garantiria independência de ação dentro de seu
território. Mas, como estudado, não há que se falar em soberania quando se
afronta direitos humanos. Um povo refugiado, aliás na terceira geração dentro
dos campos de Dadaab, não tem como expressar seus anseios, opiniões,
necessidades, pois nem cidadão o é. Apenas existe pela misericórdia de quem
os mantêm vivos, ainda que não na condição de humanos, mas como uma
espécie sem nome, sem endereço, sem tradição e doente.
Em um mundo contemporâneo, onde já se fala em direitos de quarta
dimensão, ainda se vê povos afastados, não apenas das invenções técnico-
científicas, mas também do suprimento básico para a sobrevivência. A ação
internacional que deveria estar embasada numa política de compromisso com
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 117
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL Junior; Alberto do; PERRONE, Cláudia Perroni. O cinqüentenário da
declaração universal dos direitos humanos. São Paulo: Editora Edusp, 1999.
AMARAL Junior, Alberto. Introdução ao direito internacional público. Editora
Atlas, 2008.
BIILL, Juliana de Castro. A intervenção humanitária no conflito da Somália.
Monografia apresentada em Brasília, 2006.
BERRY, Hoy Leonard, Essentials of geography and development; concepts and
processes. 2005. Disponível em: http://www.brasilescola.com/geografia/
somalia.htm Acessado em 15/05/2012
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 3ª ed. São Paulo, 1990.
CALCAGNO, Ana Paula Pena. Disponível em: www.rkladvocacia.com/
arquivos/artigos/art_srt_arquivo20080731144634.pdf. Acessado em
12.03.2012
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2005.
DIREITOS Humanos e Violência (Vídeo) – Curso EaD - ministrado por
Elizabete Novaes e Marisley Soares – UNISEB Interativo- em 06/08/2012
Kant apud QUINTANELA, Paulo. Fundamentação da metafísica dos costumes. In:
Os Pensadores – Kant. São Paulo: Abril Cultural, rundlegung zur metaphysik
der Sitten.
MACHADO NETO, A. L. Sociologia jurídica. 6ºed. São Paulo: Saraiva, 1987
MAGRIS, Cláudio. La storia non é finita – ética, política e laicita. Milano (Itália):
Garzanti, 2006.
Mc. LAREN, Peter. Multiculturalismo crítico. Editora Cortez, 2ª ed., 1999.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7º
ed. São Paulo: Saraiva, 1995
PUC – Rio. A Intervenção Humanitária na Somália. Certificação Digital nº
0114302/CA. Acessado em 22/06/2012.
118 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
RAO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 5ºed. Revista dos Tribunais, 1999.
REZEK, J. F. Direito internacional público. 9º ed. Saraiva, 2002.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Uma concepção multicultural de direitos humanos.
Revista Lua Nova, v. 39, 2005.
SANTOS, Vilson Ribeiro. Revista eletrônica print by FUNRE. http://www.
funrei.br/revistas/filosofia - O homem e sua circunstância – acessado em
22/04/2012.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
SOMALIA.In Infopedia (Em linha).Porto:Porto Editora, 2003-2012. Disponível
em: :http://www.infopedia.pt/$somalia. Acessado em 21.01.2012
TRINDADE, Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto
Alegre: Editora Fabris, 2003.
O PROBLEMA DO JUSTO NA ANTIGUIDADE
DA HÉLADE: OS APORTES EPISTEMOLÓGICOS
DA FILOSOFIA E DA LITERATURA DA PAIDEIA
GREGA
Introdução
Qualquer discussão sobre os conceitos relativos à ideia de justiça deve
ser feita dentro da esfera de um modus vivendi que indique não apenas as chaves
de interpretação, mas também o contexto existencial de sua especulação.
Somos tributários da herança filosófica grega e um de seus mais importantes
atributos está em transcender a aceitação acrítica da vida convencional: buscar
e identificar condições para uma existência racionalmente significativa, plena
de sentido e em harmonia com o mundo que nos circunda.
Essa tarefa não é fácil. Passaram-se séculos e o homem ainda se debruça
sobre ela. Várias soluções – algumas mais duradouras que as outras, mas
todas limitadas no tempo histórico – foram apresentadas. Independentemente
da solução proposta, a questão da justiça sempre tem um lugar proeminente,
porque o homem não quer apenas viver, mas viver bem: “os homens sempre
atuam tendo em vista o que lhes parece bom” (ARISTÓTELES, 2005: 1252 a).
Foi na Grécia, entre os séculos V e III a.C., que a questão da justiça
aflorou pela primeira vez. Mas como os gregos puderam compreender e
1
Bacharel e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Pós-
graduando em filosofia e história da educação (UNICAMP). Pesquisador do grupo Paideia (UNICAMP)
e professor da Escola do Pensamento em Filosofia do Direito do Instituto Internacional de Ciências
Sociais (IICS). Juiz de Direito Titular da 2ª Vara Cível da Comarca de Sumaré. Articulista da Escola
Paulista da Magistratura. Membro da Associação Paulista de Magistrados.
120 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
2
Reale (1993:628) destaca que “em primeiro lugar, devemos reconhecer que em Roma já se fundava
uma autônoma ciência do direito. O Direito não é cultivado apenas por moralistas, por filósofos,
teólogos ou sacerdotes. Já surge a figura do jurisconsulto, que tem consciência do objeto próprio de
sua indagação, e, aos poucos, se converte em um especialista ou profissional de uma nova Ciência ou
Arte, cultivando a justiça em seu sentido prático, como voluntas, e não como um dos aspectos teóricos
da sabedoria. O Direito Romano é, efetivamente, uma criação nova, que pressupõe em quem cultiva a
convicção de que a experiência humana, por ele estudada, se subordina a categorias próprias, sendo
suscetível de ordenação em um todo unitário, sistêmico e coerente. (...) Por outro lado, sabemos que
os romanos não foram grandes apaixonados pelos estudos filosóficos, como os gregos, dos quais
herdaram a especulação para a justiça, nem pelos pressupostos gerais da vida jurídica, atraídos de
preferência pelo plano da atividade prática”.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 121
3
“Para os pensadores gregos, a fonte do direito é o nomos, que se traduz geralmente por lei. A noção,
desconhecida nos poemas homéricos, aparece em Hesíodo (século VII a. C.). Píndaro (século V a.
C.) dirá que “a lei é a rainha de todas as coisas”. Um autor posterior, o Pseudo-Demóstenes, dá uma
definição: “Os nomói são uma coisa comum, regulada, idêntica para todos, querendo o justo, o belo, o
útil; chama-se nomos o que é erigido em disposição geral, uniforme e igual para todos. O nomos
é sobretudo o meio de limitar o poder da autoridade, porque a liberdade política consiste em não
ter que obedecer senão à lei. Mas a lei é humana e laica; já não tem nada de religioso, de divino”
(GILISSEN, 1988:75-76) (grifos nossos).
4
A tragicidade marca a vida de Antígona, do nascimento à morte: Em “Édipo Rei”, Édipo tem em conta
o terrível dilema de identidade de seus filhos com Jocasta, sua mãe biológica. Antígona é, ao mesmo
tempo, sua irmã e filha. As regras não escritas de parentesco e atribuição de identidade haviam sido
infringidas e todos os efeitos da hybris grega recairiam sobre sua família mais cedo ou mais tarde.
124 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
A peça inicia com o diálogo entre Ismênia e sua irmã, Antígona, a qual
não aceita a determinação de seu tio Creonte e, em segredo, planeja sepultar
seu irmão. Antígona sente-se atrelada a um dever normativo que transcende
sua posição de súdita do tio. Ismênia, invocando os horrores já sofridos pela
família, apela que Antígona respeite o decreto real.
Antígona permanece firme em seu intento e libera a irmã de auxiliá-
la, porque o dilema que sofre é pessoal: um dilema que antagoniza dois
conjuntos de obrigações e leis. Por um lado, vê-se adstrita às leis divinas que
prescrevem o sepultamento do irmão; por outro, a lei tebana (ou o decreto de
Creonte) determina a deixá-lo insepulto. Ismênia também reconhece o conflito
de normas, quando resolve não desafiar o rei por não se sentir “forte o bastante
para ir contra o poder do Estado” 5.
Antígona parte para sepultar o irmão, resignada com a punição que a
aguarda, uma morte honrosa para uma existência digna, pois, para ela, seria
melhor assim do que continuar a viver sem um sentido, decorrente de sua
incapacidade de agir contra o edito de Creonte. Depois de um sepultamento
simbólico, algum tempo depois, ela é descoberta e confessa o que fez.
Questionada por Creonte sobre seus atos, ela declara que não aceitava o
decreto e acreditava ter feito o que era certo.
5
Antígona, Prólogo, 78-79.
6
Antígona, 1º, II, 449-464.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 125
7
Antígona, 2º, III, 661-676.
8
Hervada (2008: 264-265) afirma que: “a lei não é estabelecida para pessoas singulares – físicas ou
morais – mas para a generalidade delas. Nessa afirmação estão envolvidas duas questões: uma, a
oposição à existência de privilégios, que seriam contrários ao princípio de igualdade que vigora em
nossas comunidades políticas (...). A marca da generalidade da lei já foi destacada (...) por Ulpiano: ‘Iura
non in singulas personas, sed generaliter constituuntur’. Os direitos não se estabelecem levando em
conta os indivíduos, e sim em geral. Com mais exatidão, Papiniano classificou a lei como praeceptum
commune, como um preceito comum (...). Ao ser direcionada para a comunidade, a lei é norma comum
ou geral, no sentido de compreender por si só quantos casos iguais ou semelhantes foram produzidos
na comunidade, porquanto ficam englobados no fato hipotético da lei que abrange uma generalidade
de casos; por isso, o fato hipotético da lei não poder ser singular, mas deve ser redigido com aquele
grau de abstração suficiente para compreender uma multiplicidade de casos concretos”. Silva Pereira
(2011:53) assinala a permanência como outra característica da lei, pois: “é próprio da lei a duração, a
extensão no tempo (...) toda lei, como elaboração humana, é contingente. Nasce, vive e morre, como
o homem que a concebe. Pode ter existência mais ou menos longa, pode destinar-se a regular uma
situação que perdure mais ou menos extensamente, pode ter vigência indeterminada (...). Mas não se
pode destinar a uma única aplicação”.
126 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
voltada para a reflexão sobre a justiça – o diálogo que adquiriu um nome impróprio de “República” –
mas também foi o ponto de partida que orientou toda sua reflexão filosófica, cujo ato inaugural está na
indignação perante uma injustiça que marcou sua juventude. Ao assistir à condenação de Sócrates, que
era, em sua opinião, ‘o mais justo dos homens de meu tempo’ (Platão, Carta VII), sua vida tomou um
novo rumo: a busca de uma reflexão a partir da qual fosse possível encontrar o significado teórico e a
aplicação prática do conceito de justiça: significado teórico no sentido de encontrar o conteúdo da ideia
de justiça, mas também significado prático, no sentido de encontrar um modo pelo qual fosse possível
uma nova ordem política que restituísse a justiça às sociedades humanas. Platão não foi o primeiro,
entre os gregos antigos, a procurar entender o significado da justiça. Foi, sem dúvida, um dos que mais
intensamente investigaram o tema e, principalmente, um dos primeiros cujos textos tiveram a sorte de
serem conservados para a leitura das gerações futuras. Mais ainda: sua obra sobre justiça se tornou
referência para tudo quanto, depois dele, foi escrito sobre o tema. Se a morte de Sócrates ensinou a
Platão de que modo a vida humana está vinculada ao conceito de justiça, a vida lhe ensinou que não é
possível à condição humana viver sem uma reflexão inerente à prática da justiça” (FABBRINI, 2007: 17).
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 129
Aristóteles
Entra em cena Aristóteles. O Estagirita herdou o legado platônico e
continuou na busca do saber sobre a ordem na alma e na polis, mas a submeteu a
partir de outro método, a fim de vencer as vicissitudes subjacentes na resposta
platônica. E suas ideias não só marcariam sua época, mas seus influxos
constituiriam um imponente substrato do pensamento moral ocidental até os
dias atuais.
Aristóteles logo notou a principal aporia no ideário platônico: a
separação (chorismós) entre mundo inteligível e mundo sensível, cuja relação
era fundada pela correspondência das coisas às ideias. Sob o ângulo da polis,
tal cisão demandava o conhecimento das ideias por via da reminiscência
(anamnese), o que provocava um choque radical com o senso comum, segundo
o qual o acesso ao saber era fruto do embate entre as opiniões dos cidadãos.
Como efeito, as relações entre o governante-filósofo e a polis seriam
um tanto dissonantes, aporia essa que, segundo Thomsen (1990:225-236),
permanece insuperável no pensamento platônico. Rejeitando o chorismós e
introduzindo as ideias nas realidades sensíveis, ou seja, descendo com as ideias
do mundo inteligível ao mundo sensível – as formas da matéria – Aristóteles
abriu uma nova senda para a ontologia.
Sob o ângulo do sujeito na relação de conhecimento com o objeto, o
homem é visto como um ser capaz de conhecer a natureza das coisas, isto
é, a verdade intrínseca de cada uma delas. Do ponto de vista do objeto, as
realidades sensíveis, em virtude da forma nelas subjacentes, são naturalmente
130 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
10
Metafísica, L. II 1, 993 b 19-23.
11
Da Alma, L. I 3, 407 a 23-25.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 131
12
Ética a Nicômaco L. I 3, 1095 a 5-6; L. II 2, 1103 b 26-30; L. X 10, 1179 a 35-b 2.
13
A prudência é tratada ex professo no livro VI da “Ética a Nicômaco”, que trata das virtudes dianoéticas,
e no capítulo 34 do Livro I da Magna Moralia. Segundo Pierre Aubenque, “a tradição moral do Ocidente
pouco reteve da definição aristotélica de prudência. Enquanto as definições estóicas de phronêsis como
‘ciência das coisas a fazer e a não fazer’ ou ‘ciência dos bens e dos males, assim como das coisas
indiferentes’, facilmente se impuseram à posteridade, a definição dada por Aristóteles no livro VI da
Ética Nicomaquéia apresenta um caráter demasiado elaborado ou, se se prefere, demasiado técnico
para poder conhecer a mesma fortuna. Ali, a prudência é definida como uma ‘disposição prática
acompanhada de regra verdadeira concernente ao que é bom ou mau para o homem (L. VI, 5, 1140
b 20 e 1140 b 5)” (AUBENQUE, 2003: 59-60).
132 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
o fato de que o ‘quê’ do qual ela parte é-lhe fornecido pelo ethos da
polis, ethos que, por via da educação e da disciplina, tornou-se çthos
ou caráter do indivíduo que age bem. Assim, o ponto de partida da
investigação filosófica ‘ética’ é o mesmo a partir do qual tem início
o raciocínio prático do phrónimos.
14
Essa antinomia foi expressa por Aristóteles em “Ética a Nicômaco” (L. V, 7, 1134 b 18-23 e 24-28):
“O justo vivido na comunidade política (politikon dikaíon), ou é por natureza, ou é por lei. É justo por
natureza (fysikon dikaíon), o que tem validade em toda parte e ninguém está em condições de o aceitar
ou rejeitar. O justo legal (nomikón dikaíon) é indiferente se, no princípio, admite diversos modos de
formulação, mas, uma vez estabelecido seu conteúdo, ordena-se como tal e não é mais indiferente
(...) Alguns pensam que a justiça é só por convenção, porque o que é por natureza é imutável e tem o
mesmo poder em toda parte – por exemplo, o fogo que arde aqui e na Pérsia - , por outro lado, veem a
justiça sempre a alterar-se”. Em “A Retórica” (L. I, 1368 b-1377), Aristóteles retoma, com outro enfoque,
a mesma antinomia.
134 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
ainda que, naquela época, não existisse uma palavra própria para mencioná-
la, porque o conceito fundia-se, essencial e intuitivamente, na noção universal
de justo: como o fogo que arde na Grécia e na Pérsia.
Conclusão
O problema do justo é uma herança da antiguidade grega, cuja sociedade
era dominada pelo pensamento de que existência humana se baseia numa lei
natural, precedente, universal e de validade perene. As palavras de Antígona,
diante de um inquisitivo Creonte, no seio de uma obra de literatura, de que
existem leis não escritas e imutáveis, que não são nem de ontem, nem de hoje,
mas têm uma origem imemorial, é um sinal inequívoco da consciência desse
problema.
Em que pese a particular posição dos sofistas, pensamos que a
afirmação de Antígona define magistralmente o modo de sentir a tradição
da Hélade quanto ao problema da justiça, cujos influxos, mais tarde, não só
repercutiriam, mas influenciaram decisivamente a análise do mesmo problema
pelos jurisconsultos romanos, pelos padres da Patrística e, alguns séculos mais
tarde, pelos filósofos da Escolástica.
No pensamento contemporâneo, a tradição grega, ao lado do legado do
Direito Romano, pensamos, poderia ser um virtuoso e fecundo caminho para a
inquisição do problema da justiça nos dias atuais. O aporte epistemológico do
justo natural serviria de firme ponto de apoio axiológico para a sustentação do
edifício do Direito, porque as outras vias de compreensão do mesmo problema
estão chegando ao limite da inoperância.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABBÀ. G. História Crítica da Filosofia Moral. São Paulo: Instituto Brasileiro de
Filosofia e Ciência Ramon Llull, 2011.
ARISTÓTELES. A Política. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 2005.
________ Da alma. Lisboa: Almedina, 2001.
________ Ética a Nicômaco. São Paulo: Atlas, 2009.
________ Metafísica. Bauru: Edipro, 2005.
AUBENQUE, P. A Prudência em Aristóteles. São Paulo: Paulus, 2003.
FERREIRA DA CUNHA, P. Direito Natural, Justiça e Política. Coimbra: Coimbra
Editora, 2005.
GILISSEN, J. Introdução Histórica do Direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1988.
HERVADA, J. Lições Propedêuticas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins
Fontes, 2008.
JAEGER, W. Paideia, a Formação do Homem Grego. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
MORRISON, W. Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 135
1
Estudante de Direito do 11º Período na Universidade Federal Fluminense, ex-bolsista de iniciação
científica da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), orientada pelo
professor Gustavo Sampaio Telles Ferreira.
138 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
2
As normas recepcionadas ganham sempre um novo fundamento de validade, no caso a nova
Constituição, e, em determinados casos, podem ganhar uma nova natureza jurídica. Por exemplo, a Lei
Complementar nº. 40/85 foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com a natureza jurídica de
lei ordinária. Dá-se a este fenômeno o nome de “descomplementarização”.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 139
3
Vide Barroso, Luís Roberto, 2009, p. 157.
140 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
4
FERRARI, Sérgio, 2003, p.122-123, faz uma interessante observação acerca dos momentos históricos
em que o poder de auto-organização foi efetivamente exercido pelos Estados Membros: somente em
três períodos históricos a capacidade de autoconstituição foi de fato exercida no Brasil, quais sejam, de
1891 a 1930, de 1947 a 1964 e desde a promulgação da Constituição de 1988. Conclui ele que dos 110
anos de República, mais de 37 decorreram sem constituições estaduais. Este dado serve para nos fazer
refletir acerca da autonomia dos Estados Membros no desenrolar do nosso federalismo.
5
Segundo o voto do Relator Ministro Ricardo Lewandowski, no Recurso Extraordinário 577.025,
Plenário, DJE 06.03.2009.
142 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Modalidades
O Poder Constituinte Decorrente, que é o poder de organização dos
Estados Federados, possui duas modalidades: Poder Constituinte Decorrente
Inicial ou Institucionalizador e Poder Constituinte Decorrente de Reforma
Estadual ou de Segundo Grau. Estas duas modalidades se diferenciam pela
finalidade na qual se destinam. O Poder Constituinte Decorrente Inicial possui
como finalidade instituir, criar a Constituição Estadual, enquanto o Poder
Constituinte Decorrente de Segundo Grau se destina a modificar, reformar,
total ou parcialmente, a Constituição Estadual.
Note que, diferente do Poder Constituinte Originário e Derivado,
não há hierarquia entre o Poder Constituinte Decorrente Institucionalizador
e o Poder Constituinte Decorrente de Segundo Grau, pois ambos estão
localizados dentro do Poder Constituinte Decorrente, possuindo, ambos,
como fundamento de validade, a Constituição Federal.
Características
São características básicas de qualquer modalidade de Poder Constituinte
Decorrente: a derivação, a subordinação, a limitação e o condicionamento. A
derivação decorre do fato das modalidades do Poder Constituinte dos Estados
Membros resultarem do Poder Constituinte Originário, tendo nele o seu
fundamento de validade. Sendo, por isto, um poder instituído ou poder de
direito.
Segundo Guilherme Peña de Moraes,
8
Para uma visão crítica acerca do princípio da supremacia da constituição estadual, vide FERRARI,
Sérgio, 2003, pp.207-219.
146 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
a impetração de ação interventiva, nos termos no art. 36, III, CF. Os princípios
constitucionais estabelecidos são, nas palavras de mencionado doutrinador,
aqueles que:
9
Em seu livro, José Afonso da Silva, 2005, p.613-617, colhe vários exemplos no texto constitucional
federal de aplicação dos princípios constitucionais estabelecidos.
10
Em posição oposta: José Afonso da Silva entende que estes princípios teriam sido praticamente
eliminados pela CF/88, de forma a prestigiar o nosso federalismo, restando apenas à regra do art. 93,
V. SILVA, José Afonso, 2005, p.611-612.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 147
11
Vide: TJRJ, Processo nº 1999.007.00024, Relator Desembargador Sylvio Capanema de Souza, J.
16.08.1999, DORJ 28.08.1999.
148 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
12
Acerca do nosso federalismo vide: RAMOS, Dircêo Torrecillas, 2000.
150 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
13
Por exemplo, o art. 22, I da Constituição Brasileira em vigor, que dispõe: “Art. 22. Compete
privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral,
agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (...)”, demonstra uma tendência
bastante centralizadora da União Federal para dispor acerca de matérias jurídicas, deixando
a competência constituinte decorrente dos Estados Federados reservada poucas áreas do
Direito.
Neste sentido: ADI 3.251, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento 18-6-2007, Plenário, DJ de 19-10-2007;
14
ADI 2.257, Rel. Min. Eros Grau, julgamento 6-4-2005, Plenário, DJ de 26-8-2005; ADI 3.055, Rel.
Min. Carlos Velloso, julgamento 24-11-2005, Plenário, DJ de 3-2-2006; ADI 3.148, Rel. Min. Celso de
Mello, julgamento em 13-12-2006, Plenário, DJ de 28-9-2007; ADI 2.690, Rel. Min. Gilmar Mendes,
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 151
Conclusão
A teoria do Poder Constituinte consiste na divisão entre o poder
constituinte e os poderes constituídos, sendo o primeiro o poder de gerar uma
nova Constituição Federal enquanto o segundo se caracteriza e subdivide em os
poderes de modificar formal ou informalmente a Constituição e, na Federação,
os poderes de criar e alterar as constituições dos Estados Federados. Com o
advento da Constituição Federal de 1988, os Estados-Membros passaram a
autonomamente se organizarem, criando e alterando as suas constituições, de
forma a exercer o poder constituinte decorrente nas suas duas vertentes.
No entanto, pelas peculiaridades da teoria do Poder Constituinte
Decorrente, os Estados-Membros sofrem limitações na sua autonomia
federativa para a criação e modificação das matérias constitucionais. Estas
limitações são decorrentes dos princípios constitucionais sensíveis, dos
princípios constitucionais estabelecidos e dos princípios constitucionais
extensíveis, especialmente pela aplicação desmoderada do princípio da
simetria.
julgamento em 7-6-2006, Plenário, DJ de 7-6-2006; ADI 3.098, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento
em 24-11-2005, Plenário, DJ de 10-3-2006.
15
Ver: ADI 425/TO, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Julgamento: 04/09/2002, Órgão Julgador:
Tribunal Pleno, Publicação DJ 19-12-2003; ADI 3295/AM, Rel. Min. CEZAR PELUSO,
Julgamento: 30/06/2011, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, PUBLIC 05-08-2011; ADI 1353/RN,
Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Julgamento: 20/03/2003, Órgão Julgador: Tribunal
Pleno, Publicação DJ 16-05-2003; ADI 102/RO, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA,
Julgamento: 08/08/2002, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 29-11-2002; RE
396970 AgR/SP, Relator(a): Min. EROS GRAU, Julgamento: 15/09/2009, Órgão Julgador:
Segunda Turma, Publicação DJe-191; ADI 2417/SP, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA;
Julgamento: 03/09/2003, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 05-12-2003.
152 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. A Constituição do Estado Federal e das
Unidades Federadas. Revista de Informação Legislativa nº 95, jul/set.1987.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Artigo: “A competência legislativa
concorrente no Brasil: a participação restrita dos Estados”. Disponível em:
http://www.anima-opet.com.br/primeira_edicao/artigo_Jose_Alfredo_de_
Oliveira_Baracho_Junior_a_competencia.pdf (Acesso em: 10/01/2013).
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São
Paulo: Saraiva, 2009.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Medidas Provisórias. 3ª edição. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010.
FERRARI, Sérgio. Constituição Estadual e Federação. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 153
1
Bacharel pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-
CAMPINAS) em 1979, advogado inscrito na OAB/SP sob o n.º 59.298. Foi Diretor-Tesoureiro da Ordem
dos Advogados do Brasil em Campinas. Foi Presidente e Fundador da Associação dos Advogados
Trabalhistas de Campinas. Foi Diretor Regional da CAASP (Caixa de Assistência aos Advogados de
São Paulo). É Professor de Direito do Trabalho da Pós Graduação da Faculdade de Direito Metrocamp
e da Escola Superior de Advocacia. É professor de Prática de Direito do Trabalho na Graduação da
Faculdade de Direito da Policamp. É professor de Ética Profissional das Faculdades de Campinas
(FACAMP). Integrante da Banca Examinadora de Concursos para Ingresso na Magistratura do Trabalho
da 15ª Região (Campinas). É Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo
e profere palestras em Congressos e Seminários. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do
Trabalho pela Escola Paulista de Direito Social. É Presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas
de Campinas-AATC (2008-2010).
2
Conforme determina o art. 769 da CLT: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte
subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas
deste Título” (BRASIL, 1943).
156 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Ademais, considerando-se, principalmente, os princípios
caracterizadores desse ramo particular de Direito Privado, os quais apelam
para a necessidade de se corrigir as nítidas desigualdades reais entre
empregador e empregado no âmbito de uma relação jurídica laboral, e ainda,
a natureza alimentar que prevalece em muitas ações da Justiça do Trabalho,
resta-nos inevitável afirmar o quanto o esse artigo do CPC favorece aquelas
práticas inadmissíveis de empresas que se tornam devedoras de verbas
trabalhistas. Nesse sentido, cabe recordar que uma das justificativas ao
Projeto de Lei que deu origem a Lei nº. 12.440/2011, a qual pretende imprimir
maior garantia à efetividade dos Direitos Sociais previstos na Constituição
Federal e na legislação ordinária trabalhista, era reduzir a elevada taxa de
congestionamento da execução na Justiça do Trabalho, naquele ano na ordem
de 69% (sessenta e nove por cento). Em outras palavras, de cada 100 novas
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 157
3
Define a Constituição Federal brasileira: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além
de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) VI - irredutibilidade do salário, salvo o
disposto em convenção ou acordo coletivo”. (BRASIL, 1988)
158 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Por outro lado, entendem alguns juristas que a adoção de tal sistema
informatizado de cobrança pode se constituir como um flagrante ato de ataque
a segurança jurídica dos meios empresariais, isto porque, na prática, cabe ao
devedor, quando pretendendo impugnar os cálculos da Reclamação, garantir
a execução mediante, por exemplo, a nomeação de bens à penhora (Art. 882
da CLT). Esta nomeação, porém, deve sempre observar ordem preferencial
estabelecida no art. 665 do Código de Processo Civil. Nesses casos pode
ocorrer, muitas vezes, a recusa por parte do credor em relação à nomeação
de bem feita pelo devedor, uma vez que prefere aquele o pagamento feito em
dinheiro que se encontra em contas de bancos em nome deste último. Essas
contas, no âmbito do Direito do Trabalho, quase sempre são as contas onde
5
Os dados são referentes até o mês de agosto de 2012. Disponível em http://www.bcb.gov.br/?bcjud.
Acessado em abril de 2012.
160 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
qual definimo-los até como norma jurídica. Por conta desta teorização, estes
princípios referidos ganham positividade e vinculatividade, ou seja, obrigam
as partes e geram efeitos sobre os comportamentos públicos ou privados.
Portanto, não há que se negar ao princípio constitucional a sua natureza de
norma, ou mais especificamente, de lei de preceito jurídico, ainda que composta
com características estruturais e funcionais bem diferentes das outras normas.
Nas palavras sábias de Francisco Alberto M. P. Giordani:
Em síntese, enquanto a lei pode ser vista como produção que atende
ao interesse do homem, ou dos homens que compõe a classe dominante, o
princípio pode ser visto como produção que atende a natureza humana.
Considerações Finais
Diante de todo o exposto, consideramos a inovação trazida pela
introdução das ferramentas de penhora “on line” como uma das mais efetivas
possibilidades de satisfação e sucesso da execução processual, fato que se
justifica na sua capacidade de tornar real o direito anteriormente reconhecido
na sentença, e não apenas uma mera expectativa de direito como ocorrem nos
chamados processos “ganha mais não leva”. Apesar das críticas que ainda
pairam sobre esta possibilidade, é perfeitamente possível ao Poder Judiciário
em toda a sua organização corrigir as eventuais distorções, tal como o excesso
de bloqueios, de modo a prevalecer nos processos de execução apenas os
resultados mais eficazes, aqueles cujo benefício atende, sem sombra de
dúvidas, os princípios da justiça e da celeridade.
Mais do que isto, podemos considerar essa modalidade de penhora
eletrônica ainda que polêmica, não só uma possibilidade de execução de títulos
judiciais, mas também uma alternativa viável e efetiva para a execução dos
títulos extra-judiciais, ampliando, assim, o alcance de suas potencialidades sem
prejuízo, como já defendido, dos princípios constitucionais do contraditório e
da ampla defesa. Ademais, cumpre observar, sempre, que além do respeito
aos princípios trazidos pela Carta Magna que a penhora realizada sobre os
vencimentos, subsídios, soldos salariais entre outras naturezas de verbas
(previsão do art. 649, IV do Código de Processo Civil) não devem ser
162 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
vez, terá os seus bens “atacados” pela execução judicial, forma de execução
que ainda não se equivale, por exemplo, as possibilidades de prisão civil que
existem no Direito de Família, ou seja, uma execução de dívida mais prejudicial
ainda aquela que sofre o devedor da Justiça do Trabalho.
Outro ponto que chama a atenção no surgimento e desenvolvimento
da penhora “on line” no âmbito da Justiça Laboral corresponde ao fato
desta ser fruto de iniciativas administrativas, cuidadosamente negociadas e
executadas pelo Poder Judiciário e pelo Banco do Brasil. Não houve, portanto,
um comando legal determinante para a sua criação, situação esta que revela
o quanto tem sido importante para este ramo do judiciário a conjugação de
esforços para encontrar soluções mais racionais aos problemas que deixam os
processos trabalhistas reféns do Direito Positivo.
Por fim, podemos considerar que o instituto da penhora “on line” tem se
constituído, de antemão, como um novo paradigma jurídico a orientar as regras
e procedimentos atinentes ao processo de execução de verbas trabalhistas, hoje
necessitados de uma atualização e de uma reformulação face às novidades
eletrônicas e, mais ainda, econômicas vividas pela sociedade contemporânea.
Não obstante, mostra-se perceptível também a eficiência gerada a satisfação
de verbas salariais devidas a inúmeros trabalhadores deste território, na
maioria dos casos descontentes e sem esperança de ter o seu direito realmente
garantido pelo Poder Judiciário.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei nº 5.452, de 1º de Maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do
Trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 de Ago. 1943.
BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 de Jan. 1973.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo. Ed. Ltr.
7ª ed. 2008.
GIORDANI, Francisco Alberto M. P. O Princípio da proporcionalidade e a penhora
de salários – Algumas outras considerações. Revista LTr, Volume 71, nº. 02,
Fevereiro de 2007.
_______________. O Princípio da proporcionalidade e a penhora de salários – novas
ponderações (água mole em pedra dura, tanto bate até que fura...). Revista LTr,
Volume 72, nº. 02, Fevereiro de 2008.
ou pensões impenhoráveis (Portugal), assim como o limite de 20% do salário que exceder o valor
necessário ao sustento do alimentante (Argentina).
164 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
O JUÍZO SINTÉTICO A PRIORI COMO CONDIÇÃO
CIENTÍFICA DA METAFÍSICA EM IMMANUEL
KANT: OS LIMITES DA RAZÃO REGULADORA
REGINALDO ARTHUS1
Resumo
O presente artigo trata de compreender a problemática da Metafísica, exposta por Immanuel
Kant, em sua “Crítica da Razão Pura”, concebendo-a no âmbito dos juízos
sintéticos a priori, e confrontando-a como possibilidade de vir a ser reconhecida como uma
ciência de conhecimento seguro e não especulativo. Procuramos caracterizar os principais
matizes e distinções, desenvolvidos por Kant, em sua caminhada para fundamentar o ponto
de partida do conhecimento sensível, que tanto o inquietou em sua tentativa de transpor a
Metafísica como Ciência, na busca por um conhecimento certo e seguro para aquela. Seu
compromisso com a Metafísica levou-o a fundar o Criticismo como síntese entre o Racionalismo
e o Empirismo, através da arquitetura, por ele desenvolvida, dos juízos sintéticos a priori.
Introdução
Immanuel Kant (1724 - 1804) representa, através de sua produção
filosófica, o acabamento da Teoria Clássica do Conhecimento, constituindo-se
na grande síntese entre o conhecimento moderno anterior (que emerge dos
crepúsculos da idade média), baseado no racionalismo e no empirismo, e a
fonte do conhecimento contemporâneo, em base crítica, tendo influenciado
muitos pensadores.
Nesse artigo de revisão bibliográfica, abordaremos sua obra principal,
Crítica da Razão Pura (1781), fruto de longos 12 anos de estudos, investigações
e reflexões, tendo sido escrita em cerca de 5 meses. Sobre seus escritos
fundamentais, Kant dizia que sua revolução consistiu, no campo da filosofia
do conhecimento, tal qual a revolução que Copérnico realizou na Ciência,
deslocando a noção de movimento da Terra, concebendo o heliocentrismo em
substituição ao geocentrismo2.
Desenvolvimento
Antes de Copérnico entendia-se que a Terra encontrava-se como
um ponto fixo e que os astros constituintes do sistema solar orbitavam em
seu redor (geocentrismo – a Terra como centro de referência). A partir de
Copérnico, esse ponto fixo é deslocado, é a Terra que passa a girar em torno do
1
Bacharel em ciências Econômicas, Licenciado em Filosofia, Mestre em Economia Social e do Trabalho
pelo instituto de Economia da UNICAMP e Doutor em Filosofia e História da Educação pela Faculdade
de Educação da UNICAMP. Participa do grupo de pesquisa institucionalizado que investiga as políticas
educacionais para o ensino superior no Grupo Paidéia/FE-UNICAMP. Atualmente é Professor do Centro
Universitário UniSEB de Ribeirão Preto, atuando ainda como Vice –Reitor.
2
A respeito da temática da física copernicana ver Koyré, A.(2010) – Do Mundo Fechado ao
Universo Infinito – Capítulos 1 e 2 – pp. 9 a 53.
166 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Esta solução sintética de Kant foi por ele construída através de sua dupla
crítica ao racionalismo e ao empirismo. Kant aceita o conhecimento a priori
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 169
metafísica.
Segundo ele, do ponto de vista epistemológico, há algo de comum
entre filosofia e ciência: a razão. Além disso, o que permitiu o caminho seguro
da ciência também deverá permitir à Metafísica que assim também o seja,
transpondo a ciência para a filosofia. Ele propõe a transposição da ciência para
a metafísica através de uma inversão/revolução (como Copérnico) à concepção
tradicional de conhecimento: se até agora supôs-se que todo conhecimento
teria de se regular pelos objetos, a partir de agora os objetos é que devem se
regular pelo nosso conhecimento. Para Kant, a situação pretérita, na qual o
pólo objeto do conhecimento é que era determinante no processo cognitivo,
impediu que a Metafísica se assentasse como ciência.
O progresso da Metafísica como ciência somente poderá ser alcançado
no caminho da adequação do objeto à mente humana, ao sujeito cognoscente,
ou seja, através da mudança do ponto fixo de referência (para o sujeito) e da
adoção do apriorismo, já que esse é o único que é universal e necessário: se a
intuição tivesse que se realizar pela natureza dos objetos, não haveria como se
atingir o a priori, mas ao contrário, o objeto que se regularia pela natureza de
nossa faculdade de intuição (a priori). Isso porque o conhecimento a posteriori
é sempre particular e contingente.
Segundo Kant, os esquemas a priori são a regulação das experiências e a
ciência caminha munida desse conhecimento a priori. O sujeito tem um papel
ativo, pois a idéia pertence ao ser. O objetivo fiel da ciência não é demonstrar
a realidade ao objeto, mas anunciar os esquemas a priori construídos pelo
sujeito. As experiências são realizadas não para se conhecer a essência dos seus
objetos, mas sim suas constantes (repetições) e, assim, tendo como finalidade
construir leis, que se encontram formuladas a priori na razão humana. As
coisas não falam por si, elas são percebidas a partir de certos referenciais
formulados a priori. Os significados não são dados (entregues) prontos.
Assim, o ponto central da revolução kantiana é o de que o conhecimento
da natureza só é possível a partir daquilo mesmo que nós produzimos a priori
na razão. Mas como Kant transpõe tal raciocínio para a Metafísica? Inicialmente
ele afirma que até então:
investigações dos fenômenos. Mas qual a ciência que estuda esses “objetos”
sublimes? É, a Metafísica e segundo Kant, ela seria dogmática, porque não faz
um exame prévio sobre sua capacidade humana de conhecer objetos que estão
além da experiência. Como seria possível conhecê-los? Kant afirma, ainda,
que quando se está acima da esfera da experiência, se está seguro de não ser
contestado pela própria experiência. Ele criticará essa Metafísica tradicional,
dogmática, dizendo que nessa, o conhecimento não evolui e nem avança, pois
esta Metafísica não distingue juízo analítico de juízo sintético.
Para ele, o juízo é a relação entre sujeito e predicado. Juízo, portanto,
é diferente de conceito (que explica o que é a coisa em si). Para ele, os juízos
analíticos prescindem da experiência e os juízos sintéticos são obtidos na
experiência, sendo os juízos que apresentam objetividade.
Ele inova ao criar os juízos sintéticos a priori (quando só se conhecia
os juízos sintéticos a posteriori). Os juízos sintéticos a priori são os juízos
de ampliação (fazem o conhecimento avançar) e são também universais e
necessários. No raciocínio kantiano, essa é uma questão importante: descobrir
como esses conhecimentos são possíveis, retirando a Metafísica de seu sono
dogmático, dotando-a de avanços em sua capacidade de conhecimento. Para
Kant, todas as ciências estão envolvidas com juízos sintéticos a priori.
Como a Metafísica adotará os juízos sintéticos a priori? Ou seja, como
a metafísica é possível como ciência, sabendo-se que o objeto de estudo da
Metafísica é a própria razão? Há que se debruçar e compreender como a razão
atinge os juízos sintéticos a priori.
Quais são a próprias possibilidades da razão? Trata-se de realizar um
exame crítico da razão, discernindo o que a razão pode fazer e o que é incapaz
de fazer, para saber o quanto podemos confiar nela. Para Kant a razão não
percebe senão aquilo que ela mesma produz segundo seu próprio projeto.
Ele afirma que a Matemática e a Física desenvolveram-se com base
em juízos sintéticos a priori, enquanto a Metafísica paralisou-se baseada em
juízos analíticos; ou seja, os juízos analíticos se limitam a descrever conceitos e
analisar conteúdos, não trazendo qualquer elemento novo (nenhum predicado
novo que se ligue ao sujeito); enquanto os juízos sintéticos, ao contrário, são
juízos que adicionam novos predicados ao sujeito.
Os juízos analíticos são a priori e os juízos sintéticos, originários da
experiência, são considerados a posteriori. Kant cria uma terceira classe de
juízos: os juízos sintéticos a priori. Eles são universais e necessários tais quais
as características encontradas nos juízos analíticos, mas, além disso, permitem
ampliar os conhecimentos. Mas seriam eles possíveis no campo da Metafísica?
O caminho se inicia com a compreensão do significado das formas a
priori do espírito, enquanto faculdade de conhecimento. Essas formas a priori
são os quadros universais e necessários através dos quais o espírito humano
180 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Considerações finais
O problema a que Kant se dedicou foi verificar a possibilidade de
assegurar garantias científicas para o conhecimento Metafísico através
da aplicação, a essa última, dos juízos sintéticos a priori, característicos da
Ciência. Para tanto, ele analisa as categorias envolvidas em ambas as formas
de conhecimento. Contudo, segundo Kant, as categorias de conhecimento
tornam entendimento constitutivo, uma vez que é ele quem dá forma ás
experiências. Como tais categorias são preenchidas com os conteúdos das
intuições sensíveis, a razão tem uma função simplesmente reguladora: suas
idéias organizam e orientam o caminho do pensamento para o absoluto, mas
nunca conseguem atingi-lo. Para Kant, então, isso torna a Metafísica uma
ilusão inevitável, pois podemos formular e pensar a alma, a liberdade, Deus,
o mundo, entre outros, mas nunca poderemos alcançá-los e nem conhecê-los,
não sendo possível, portanto, aplicar os juízos sintéticos a priori na Metafísica,
assim como se faz nas Ciências.
Como alternativa ao filósofo, restará o campo da Moral, no âmbito
da razão prática, portanto fora do campo da Crítica da Razão Pura, para se
ancorar a compreensão da Metafísica. Por fim, concluímos, com Kant, que os
juízos sintéticos a priori não asseguram cientificidade à Metafísica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAYGIL, Howard. Dicionário KANT. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores,
2000.
CRC CLARETIANO. Filosofia Moderna I e II. Batatais/SP: Centro Universitário
Claretiano. Caderno de Referência de Conteúdo, 2010.
JERPHAGNON, L. História das Grandes Filosofias. São Paulo/SP: Livraria
Martins Fontes Editora Ltda. Capítulo 12, pp. 213-224, 1992.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. In Coleção “Os Pensadores”, São
Paulo: Nova Cultural, 2005.
MARÍAS, J. História da Filosofia. São Paulo/SP: Martins Fontes Editora. 1ª.
Edição, Capítulo III – A formação da época moderna, pp. 311-322, 2004.
MORENTE, M. G. Lições Preliminares de Filosofia. São Paulo/SP: Editora Mestre
182 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Introdução
A importância científica do tema se mostra clara, na medida em que a
legislação constitucional e infra-constitucional exigem certame público para
a admissão de empregados em empresas públicas e sociedades de economia
mista, tudo com o objetivo de evitar fraudes ou apadrinhamentos de pessoas,
desafiando o princípio da impessoalidade da administração pública, contudo,
negam a tais empregados o direito a terem conhecimento dos motivos que
ensejaram sua demissão.
Não obstante o Colendo Tribunal Superior do Trabalho ter editado
a Súmula nº. 390 de sua jurisprudência negando direito à estabilidade no
emprego, contudo, deixou de apreciar a questão aqui discutida, no sentido de
necessidade de justificar-se a demissão de empregado público concursado. A
oportunidade do presente trabalho se mostra pertinente em face da existência
de inúmeros julgados contrariando a jurisprudência sumulada e a criação de
situações constrangedoras em empresas públicas e sociedades de economia
mista que, por interesses de poderosos, se preterem empregados em detrimento
de outros com merecimento duvidoso. Sendo assim, mostra-se oportuno
1
Bacharel pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-
CAMPINAS) em 1986, advogado inscrito na OAB/SP sob o n.º 92.611. Foi Coordenador do Exame
da Ordem (OAB) em Campinas. Integrante da Banca Examinadora de Concursos para Ingresso na
Magistratura do Trabalho da 15ª Região (Campinas). É Professor de Direito e Processo do Trabalho da
Escola Superior de Advocacia, Examinador do Exame de Ordem da Ordem dos Advogados do Brasil.
Foi Diretor-Tesoureiro da Associação dos Advogados Trabalhistas de Campinas. Participa e profere
palestras em Congressos e Seminários. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho
pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É membro suplente do Conselho Fiscal da Associação dos
Advogados Trabalhistas de Campinas-AATC (2008-2010).
184 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
O artigo 173, § 1.º, II, (na redação dada pela Emenda Constitucional
n.º 19/98), impõe a sujeição às normas trabalhistas aos empregados
das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas
subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou
comercialização de bens ou de prestação de serviços. No entanto,
a própria Constituição, no capítulo concernente à Administração
Pública (art. 37), derroga parcialmente a legislação trabalhista, ao
dispor normas que se aplicam a todos os servidores da Administração
Pública Direta ou Indireta, merecendo realce: a exigência de
concurso público para ingresso; proibição de acumulação de
cargos, empregos e funções (com as exceções previstas na própria
Constituição) (Di Pietro, 2005, p. 403).
Conclusão
Do quanto foi abordado e exposto é possível chegar-se a algumas
conclusões:
- As sociedades de economia mista e as empresas públicas são reguladas
por normas de direito público e de direito privado, sujeitando-se aos princípios
que regem a Administração Pública;
- A contratação de empregados públicos por tais entes da Administração
Pública se dá através de contrato individual de trabalho regulado pela
Consolidação das Leis do Trabalho e deve ser feita mediante concurso público,
salvo as exceções previstas em lei;
- Apesar de a contratação desses empregados públicos ser feita através
de concurso público, ou seja, em respeito aos princípios reguladores da
administração pública, isto não lhes assegura a estabilidade no emprego,
porém, a sua demissão deve sempre ser motivada, mesmo quando não se dê
por dispensa por justa causa;
- A Súmula 390 do Tribunal Superior do Trabalho não esgotou a
discussão acerca dos empregados públicos, eis que somente abordou a questão
da estabilidade;
- Os princípios da motivação e da impessoalidade dão apoio para
justificar a necessidade do administrador público de motivar a demissão sem
justa causa de empregado público;
- A ausência de oferecimento dos motivos, por parte do administrador
público, para a demissão do empregado público torna o ato demissional nulo
de pleno direito, de tal sorte que não surte seus efeitos no mundo jurídico;
- Essa nulidade do ato administrativo pode ser feita mediante processo
judicial perante a Justiça do Trabalho, a qual possui o controle jurisdicional;
- A nulidade do ato administrativo demissional implica na ausência
de seus efeitos no mundo jurídico e logo traz a conclusão no sentido de ser
possível e necessário o retorno do empregado público ao emprego e função
habitual, retornando a situação contratual ao status quo ante.
Longe de pretender esgotar o assunto, o presente artigo visa renovar
e reacender a discussão acerca da questão central da demissão sem justa
causa dos empregados públicos. A Justiça do Trabalho, através da edição da
Súmula nº. 390 do TST, açodou-se e de forma equivocada somente declarou
a inexistência de estabilidade ao empregado público, olvidando-se que o
ato administrativo deve ser cercado de requisitos essenciais, sem os quais
198 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
sua nulidade é irretorquível. Essa precipitação fez com que a maioria dos
julgados indefira a reintegração ou retorno do empregado público ao trabalho
pela justificativa simplista de inexistência de estabilidade, deixando de
analisar se o ato demissional encontra-se válido e eficaz, possibilitando ao
administrador público um poder discricionário sem os limites impostos pela
Constituição Federal. Repita-se que, talvez pelo assoberbamento do Poder
Judiciário Trabalhista, notadamente pela ampliação de sua competência
material, não tenha sido possível aos Magistrados atualizarem-se acerca dos
princípios que regem a Administração Pública e suas conseqüências para com
os administrados, por vezes confundindo estabilidade com manutenção do
contrato de trabalho por ausência de ato administrativo válido e eficaz para
sua rescisão.
É chegado o momento de promover-se a redução do poder discricionário
do administrador público, não lhe permitindo promover perseguições ou
favorecimentos sob o argumento de poder discricionário, principalmente
quando se está em jogo o futuro de um trabalhador que prestou concurso
público sem quaisquer favorecimentos e foi admitido como empregado
público, cabendo-lhe e sendo-lhe garantido o direito a ter conhecimento
quanto aos motivos que, porventura, redundaram em sua demissão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo, 22.ª
edição, São Paulo, Malheiros Editores, 2007.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho, São Paulo, LTr
editora, 2005.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo, 22.ª edição, São Paulo,
Celso Bastos Editor, 2002.
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 31.ª edição,
São Paulo, Saraiva, 2006.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 5.ª edição, São
Paulo, LTr editora, 2006.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 18.ª edição, São Paulo,
Editora Atlas, 2005.
FREITAS, Ney José de. Dispensa de Empregado Público & Princípio da Motivação,
Editora Juruá, 2005.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho, 4.ª
edição, São Paulo, LTr, 2006.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, 22ª edição, São Paulo, Editora
Atlas, 2006.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho, 27ª edição,
São Paulo, LTr Editora, 2005.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 199
Introdução
O Direito pode ser entendido como uma instituição ou conhecimento
criado pelo homem e, como tal, guarda intrínseca relação ao modo de produção
material dos grupos sociais. Portanto, em toda etapa da história dos homens, o
Direito pode ser entendido como um mecanismo de legitimação e controle das
relações de produção dominantes, no constante processo de desenvolvimento
das forças produtivas.
O Direito do Trabalho, tal como aprendemos nas atividades acadêmicas,
na sua forma legal e institucional, surge no seio da sociedade moderna. Por
sociedade moderna entendemos a sociedade burguesa, em suas determinações
históricas e sociológicas. Este período de consolidação da modernidade definiu-
se como o momento de organização social decorrente da união estrutural entre
o desenvolvimento das forças produtivas e a original legitimação das relações
de produção e suas consequentes relações sociais. Dizemos também que a
sociedade moderna é a sociedade do trabalho, tendo em vista as significações
jurídicas e filosóficas desprendidas sobre essa condição humana e social
fundamental. Todas as sociedades modernas buscaram ajustar o processo
de desenvolvimento das forças produtivas a adequados mecanismos de
legitimação e controle das relações de produção hegemônicas.
A trajetória histórica da organização econômica, social e jurídica do
Brasil não foi diferente. Ocorre, entretanto, que ela revela uma desafiadora
1
Advogado. Professor Universitário da Faculdade de Direito do Centro Universitário UniSEB. Especialista
em Direitos Humanos e Democracia pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal).
Mestre em Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo pela Faculdade de Sociologia
da Universidade de Coimbra (Portugal). Coordenador Acadêmico do Centro Judiciário de Solução de
Conflitos e Cidadania – CEJUSC/UniSEB de Ribeirão Preto-SP. Email: cesar.nunes@uniseb.com.br.
202 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Na prática, as greves passaram a ser ilegais, sendo que até os
funcionários públicos estavam proibidos de pararem o serviço. O reflexo da
medida satisfez os planos do Governo, enquanto em 1962 haviam ocorrido
154 greves em 1966 esse número não passou de 15. Mesmo o controle salarial,
retratado na política de arrocho dos valores, extrapolou o plano de atuação
do Governo que somente atingia empresas públicas e atingiu o mercado de
mão-de-obra, sendo certo que a Lei nº 4.725, de julho de 1965, causava arrocho
salarial no setor privado. Evaldo Vieira (VIEIRA, 1985, p. 19) acrescenta:
Por fim, o autor ainda acrescenta que no ano de 1977, a Lei nº 6.514
alterou o Capítulo V, Título II da CLT, que tratava sobre Segurança e Medicina
do Trabalho, a partir de uma enorme regulamentação do tema, e o Decreto-Lei
nº 1.535 foi criado para dar novas regras sobre as férias.
nos países mais pobres. Conforme descreve Vinci de Moraes (MORAES, 1998,
p. 504):
2
SÚMULA nº 331 do TST - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo
diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019,
de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de
emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II,
da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei
nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados
ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação
direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a
responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive
quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das
empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da
relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de
21.06.1993).
212 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Considerações Finais
Por fim, questão que se põe aos autores e pesquisadores nesse momento,
por consequência da crise econômica do modelo econômico capitalista, é a
seguinte: qual seria o futuro das relações de trabalho e do direito do trabalho?
Para um grupo de teóricos os esforços devem se concentrar na elaboração
de uma legislação de proteção aos direitos sociais, que mantenha uma tutela
mínima indispensável para a relação de emprego, tendo em vista as medidas
flexíveis que retiram dos trabalhadores os seus direitos. Nesse sentido as
considerações de Otávio Pinto e Silva (SILVA, 2007, p. 153):
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Ricardo; SILVA, Maria Aparecida Moraes (Orgs.). O Avesso do
Trabalho. São Paulo: Editora Expressão Popular. 2004.
ANTUNES, Ricardo. A Desertificação Neoliberal no Brasil (Collor, FHC e Lula).
Campinas-SP: Editora Autores Associados, 2ª Ed, 2005.
BRASIL. Lei nº 5.452, de 1º de Maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis
do Trabalho. Diário Oficial da União. Brasília-DF, 9 de Ago. 1943.
GENRO, Tarso. Constituição Social e Direitos Efetivos. in Vários autores. Direitos
Sociais na Constituição de 1988: uma análise crítica 20 anos depois. São Paulo:
Editora LTr., 2008.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 29ª
Edição, 2012.
MORAES, Vince de. Caminhos das Civilizações: História Integrada Geral e Brasil.
São Paulo: Editora Atual. 1998.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria
geral do direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 19º Edição, 2004.
OLIVEIRA, Francisco de. A Economia Brasileira: crítica à razão Dualista.
Petrópolis-RJ: Ed. Vozes Ltda., 6ª Edição, 1988.
SILVA, Otávio Pinto. A Função do Direito do Trabalho no Mundo Atual. in
CORREIA, M. O. G. (Org.). Curso de Direito do Trabalho – Vol. 1: Teoria Geral do
Direito do Trabalho. São Paulo: Editora LTr., 2007.
VIEIRA, Evaldo. A República Brasileira: 1964-1984. São Paulo: Editora Moderna,
5ª Ed. 1985.
214 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES: OS
DESAFIOS E POTENCIALIDADES PARA A
EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE DAS
MULHERES
BEATRIZ RIGOLETO CAMPOY1
Resumo
O presente estudo situa-se no campo temático dos Direitos Humanos das Mulheres e
relaciona-se com o debate acerca do direito à saúde, mais especificamente, dos desafios e
potencialidades das políticas públicas para a igualdade sexual na área da saúde. Partindo do
pressuposto de que as relações entre os sexos desenvolvem-se de maneira desigual, procura-se
compreender como esta relação de poder traduz-se nas políticas públicas para a saúde e de que
forma é possível efetivar a igualdade no acesso ao direito à saúde.
Introdução
Embora as mulheres sejam detentoras do direito à saúde, como todo
ser humano, algumas questões devem ser levantadas. Em primeiro lugar,
pode se considerar que homens e mulheres comungam do mesmo padrão de
saúde? Defenderei que não, uma vez que homens e mulheres não possuem
as mesmas características biológicas e sociais. Em segundo lugar, se não
possuem as mesmas características biossociais, tais diferenças são levadas em
conta tanto na área científica quanto para o desenvolvimento de políticas de
saúde? Neste ponto também defenderei que não, ou quando o são, isso ocorre
de forma discriminatória pelo fato do masculino ser reconhecido como padrão
referencial em relação ao feminino.
Importa observar, ainda, como o não reconhecimento das diferenças
entre os sexos relacionadas aos padrões de saúde traduz-se em desigualdades
discriminatórias, bem como quais são os mecanismos existentes para
combater tais desigualdades? Para isso, utilizarei conceitos referencias sobre a
temática proposta além de alguns documentos, nomeadamente relatórios da
Organização Mundial da Saúde - OMS e do Governo de Portugal.
Na primeira parte do texto buscarei compreender a questão do
tratamento desigual entre homens e mulheres e de que forma o reconhecimento
destas desigualdades como um problema estrutural pelo movimento feminista
desencadeou o surgimento do Feminismo de Estado. Em seguida, serão
abordadas as três principais estratégias de intervenção das políticas públicas
1
Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente/
SP, Especialista em Direitos Humanos e Democracia pela Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra (Portugal), Mestre em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
(Portugal). Email: beatriz.rigo25@gmail.com.
216 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
2
Artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 219
3
Faz-se aqui uma divisão tradicional entre sexo e gênero.
220 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Considerações Finais
A temática proposta no presente artigo teve como objetivo compreender
quais os principais obstáculos relativos ao acesso efetivo das mulheres ao seu
direito à saúde, bem como qual o papel das políticas públicas para a igualdade
sexual neste contexto. Destacam-se assim dois obstáculos; o primeiro, relativo
224 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Alonso, Alba. A introdução da interseccionalidade em Portugal: Repensar as políticas
de igualdade(s). Revista Crítica de Ciências Sociais, 90, p. 25-43. 2010.
Aquino, Estela M. Gênero e Saúde: Perfil e tendências da produção científica no
Brasil. Revista de Saúde Pública, 40, p.121-132. 2006.
Astelarra, Judith. Estado y políticas de género. in Vinte años de políticas de igualdad.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 225
Introdução
No plano do direito internacional diversos diplomas normativos
consagram o direito à vida e à saúde como direitos humanos fundamentais,
destacando-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, o
Pacto Internacional dos Direitos Civil e Políticos de 1966, o Pacto Internacional
dos Direitos Culturais e Sociais de 1966, a Convenção Americana de Direitos
Humanos ou Pacto de San José da Costa Rica, assim como a Declaração
Americana de Direitos e Deveres do Homem de 1948.
O presente artigo busca traçar as diretrizes normativas da tutela da
saúde do trabalhador no ordenamento jurídico brasileiro, tomando-se por
vetor sua natureza de direito fundamental cuja proteção jurídica se reconhece
como universal a partir do plano das normas dos sistemas internacionais de
proteção dos direitos humanos.
1
Procurador-Seccional da Fazenda Nacional em Ribeirão Preto-SP. Mestre e Doutorando
em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Especialista
em Direito Público pela Universidade de Brasília-UnB. Especialista em Direito Processual
Civil pelo Instituto de Ensino Superior COC. Pós-graduação em Administração Pública pela
Fundação Getúlio Vargas - FGV-SP. Professor na Pós-graduação em Direito da Fundação
Armando Álvares Penteado – FAAP. Professor na Faculdade de Direito do Centro Universitário
UniSEB-Ribeirão Preto-SP. Formação complementar: Corso di Specializzazione en Diritto
Italiano pela Università degli studi di Modena i Reggio Emilia – Facoltà di Giurisprudenza -
Modena - Itália; e Las relaciones laborales en Europa en la actual situación de crisis económica
- Departament de Dret Mercantil, Dret del Treball i de la Seguretat Social pela Univesitat de
Barcelona – Espanha.
228 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
2
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro primeiro, Tomo I. Trad. Regis Barbosa e
Flávio R. Kothe. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1983, p. 211.
3
HABERMAS, Jürgen. Sobre a constituição da Europa. Um ensaio. Trad. Denílson Luis Werle, Luiz
Repa e Rurion Melo. São Paulo: Editora UNESP, 2012, p. 17-18.
4
LAFER, Celso. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). In MAGNOLI, Demétrio
(organizador). História da Paz. São Paulo: Editora Contexto, 2008, p. 297 a 329.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 229
o que se extrai da parte inicial do seu artigo XXV, segundo o qual: “Todo ser
humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde
e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços
sociais indispensáveis...” (ONU, 1948).
Em correspondência à proteção internacional deferida pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos, o art. 6º da Constituição Federal brasileira,
promulgada em 1988, determina que a saúde é um direito social, havendo
tratamento específico do direito à saúde em outros dispositivos do texto
constitucional, como nos artigos 196 a 200, que tratam especificamente sobre
o direito social à saúde e o sistema único de saúde, bem como no art. 225 que
trata da proteção do meio ambiente equilibrado essencial à sadia qualidade
de vida.
Importa destacar que a saúde é um bem tutelado a partir do plano
constitucional em sua dimensão coletiva ou metaindividual, como direito social
que ultrapassa os limites do direito subjetivo individualmente considerado,
classificando-se como interesse difuso, cuja relação de proteção se estabelece
entre a saúde humana como bem da vida difuso e a coletividade como sujeito5.
Nesse sentido, o art. 196 da Constituição Federal afirma que a saúde
é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção
e recuperação. Desse modo, o texto constitucional reconhece como titular do
direito à saúde todo ser humano, toda a coletividade, e determina que o Estado
implemente políticas sociais e econômicas para sua proteção, promoção e
recuperação.
O direito à saúde também é referenciado na Constituição Federal em
compasso com a proteção deferida ao meio ambiente, eis que seu artigo 225
determina que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, de modo que se impõe
ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações. Dessa forma a sadia qualidade de vida é bem
tutelado constitucionalmente também pela proteção ambiental.
O texto constitucional também defere especial proteção à saúde do ser
humano na condição de trabalhador, seja ao tutelar a sadia qualidade de vida
pela proteção ambiental, a qual envolve o meio ambiente natural, cultural,
artificial e do trabalho6, seja ao determinar o patamar mínimo de direitos
trabalhistas no seu art. 7º. Dentre o rol de direitos trabalhistas albergados no
art. 7º da Constituição Federal identificam-se normas de proteção da saúde
5
OLIVEIRA, Franciso Antônio de. Ação civil pública - enfoques trabalhistas - doutrina,
jurisprudência, legislação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 30.
6
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental no
Brasil. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 53 e ss.
230 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
7
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. A força vinculante das Normas Regulamentadoras do
Ministério do Trabalho e Emprego (NRs do MTE) e o Anexo II da NR-17. Rio de Janeiro:
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, nº 48, 2010, p. 119-120.
232 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
8
RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 9ª ed. Curitiba: Juruá Editora,
2009. p. 463.
236 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
13
CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário.
8. ed. Florianópolis: Editora Conceito, 2007, p. 448.
14
RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis da Previdência Social.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 395
238 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
doenças ocupacionais, as quais são classificadas pelo art. 20, da Lei 8.213/91,
em entidades mórbidas como doenças do trabalho e doenças profissionais. A
doença profissional é aquela produzida ou desencadeada pelo exercício do
trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação
elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
De seu turno, a doença do trabalho é aquela adquirida ou desencadeada
em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se
relacione diretamente. A legislação previdenciária citada não considera como
doença do trabalho a doença degenerativa, a inerente a grupo etário, a que não
produza incapacidade laborativa, tampouco a doença endêmica adquirida por
segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação
de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza
do trabalho.
Por fim, os acidentes de trabalho equiparados encontram-se
relacionados no art. 21 da Lei 8.213/91. Nessa classe de acidentes encontram-
se: o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja
contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da
sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica
para a sua recuperação; o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário
do trabalho, em consequência de ato de agressão, sabotagem ou terrorismo
praticado por terceiro ou companheiro de trabalho, ofensa física intencional,
inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho, ato de
imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro
de trabalho, ato de pessoa privada do uso da razão, desabamento, inundação,
incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior; a doença
proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua
atividade; o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário
de trabalho na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade
da empresa, na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe
evitar prejuízo ou proporcionar proveito, em viagem a serviço da empresa,
inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos
para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de
locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado, e no
percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer
que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.
Dentre o rol de situações seguradas pela Previdência Social estão as
incapacidades decorrentes dos acidentes do trabalho. O Seguro Social, por
meio do Regime Geral da Previdência Social, defere ao trabalhador segurado
que se incapacite total ou parcialmente, definitiva ou provisoriamente, em
decorrência de acidentes do trabalho os benéficos previdenciários de natureza
acidentária auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, auxílio-acidente,
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 239
16
MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador - responsabilidades
legais, dano material, dano moral, dano estético. São Paulo: LTr, 2004, p. 76.
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 241
17
A aposentadoria especial é concedida ao segurado do Regime Geral da Previdência Social
que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade
física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme disposto em lei.
18
“O uso extrafiscal do tributo significa o alcance de fins distintos dos meramente arrecadatórios
mediante o exercício das competências tributárias (poder de criar e alterar tributos) outorgadas
pela Constituição Federal às pessoas políticas União, Estados-membros, Distrito Federal e
Municípios. Neste sentido, será possível através do exercício das competências (poderes
limitados, prerrogativas) tributárias outorgadas às pessoas jurídicas de direito público
mencionadas, atingir objetivos relevantes de natureza social, econômica e até mesmo
política.” In: BERTI, Flavio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba:
Juruá, 2003, p. 34.
19
SCHOEURI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 54 e ss.
242 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
22
MELO, Raimundo Simão de. Op.cit., p. 224-226.
23
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Nexo técnico epidemiológico e seus efeitos sobre a
ação trabalhista indenizatória. Belo Horizonte: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da
3ª Região, v. 46, n. 76, p.143-153, jul./dez. 2007, p. 149.
244 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Considerações finais
Em conclusão, verifica-se que o direito à saúde do trabalhador
encontra-se tutelado pelo ordenamento jurídico brasileiro, consoante vetores
universalizantes de proteção aos direitos humanos no plano internacional,
sendo que a ordem jurídica interna dispõe dos diversos mecanismos e diretrizes
legais analisados que orientam a observância pelos tomadores de serviços das
normas sobre saúde e segurança no trabalho com vistas à garantia da sadia
qualidade de vida no meio ambiente laboral atrelada ao reconhecimento do
direito à vida e da dignidade da pessoa na qualidade de trabalhador.
Como alerta, com espeque em Hans Joas pode-se concluir que o direito à
saúde do trabalhador tutelado no ordenamento jurídico interno e internacional,
caracterizado no quadro dos direitos humanos de viés universalizante, somente
será bem sucedido como fruto da estabilização das conquistas alcançadas no
processo de sacralização da pessoa se tiverem suporte das instituições e da
sociedade civil e forem defendidos argumentativamente e se amalgamarem
nas práticas da vida cotidiana24.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2ª rev., 1999.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito
Previdenciário. 8. ed. Florianópolis: Editora Conceito, 2007.
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. A força vinculante das Normas
Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego (NRs do MTE) e o Anexo
II da NR-17. Rio de Janeiro: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª
Região, nº 48, 2010.
______, José Affonso. Nexo técnico epidemiológico e seus efeitos sobre a ação
trabalhista indenizatória. Belo Horizonte: Revista do Tribunal Regional do
Trabalho da 3ª Região, v. 46, n. 76, p.143-153, jul./dez. 2007.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de
direito ambiental no Brasil. São Paulo: Max Limonad, 1999.
HABERMAS, Jürgen. Sobre a constituição da Europa. Um ensaio. Trad. Denílson
Luis Werle, Luiz Repa e Rurion Melo. São Paulo: Editora UNESP, 2012.
JOAS, Hans. A sacralidade da pessoa - nova genealogia dos direitos humanos. São
Paulo: Editora Unesp, 2012.
LAFER, Celso. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). In
MAGNOLI, Demétrio (organizador). História da Paz. São Paulo: Editora
JOAS, Hans. A sacralidade da pessoa - nova genealogia dos direitos humanos. São Paulo:
24
Contexto, 2008.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro primeiro, Tomo I.
Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1983.
MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador
-responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético. São Paulo: LTr,
2004.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012.
OLIVEIRA, Franciso Antônio de. Ação civil pública - enfoques trabalhistas -
doutrina, jurisprudência, legislação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2004.
RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis da Previdência
Social. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981.
______, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 9ª ed. Curitiba: Juruá
Editora, 2009.
SCHOEURI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica.
Rio de Janeiro: Forense, 2005.
246 Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB
Revista Jurídica Centro Universitário UniSEB 247
Os artigos devem ter até 30 laudas e ser redigidos Os artigos assinados são de responsabilidade
conforme os padrões da Associação Brasileira de exclusiva do(s) autor(es).
Normas Técnicas – ABNT (NBR6023/NBR10520/
NBR14724). Devem ser precedidos de resumo. Avaliação dos artigos
Textos mais extensos, acima do limite estabelecido, A avaliação dos artigos é de responsabilidade do
podem ser publicados, a critério, justificado, do Conselho Editorial da Revista Jurídica UniSEB.
Conselho Editorial da Revista Jurídica UniSEB. O referido Conselho, após a análise do conteúdo
do texto enviado para avaliação (de acordo com
As resenhas, por sua vez, devem conter no máximo o processo Blind Peer Review), poderá propor
10 laudas, também de acordo com as normas da modificações para a sua adaptação à política
ABNT, acima mencionadas. Devem conter um título editorial da Revista. Os autores serão informados
e não precisam ser precedidas de resumo. por e-mail sobre o andamento da avaliação e a
possibilidade de publicação.
Formatação
Os textos enviados ao Conselho Editorial da Revista * Opiniões expressas pelos autores em seus trabalhos,
Jurídica UniSEB devem respeitar as regras abaixo: artigos e entrevistas não refletem, necessariamente,
a opinião do Instituto de Ensino Superior COC, do
Folha: A4 Sistema COC de Educação e Comunicação, de seus
Editor de texto: Word for Windows 6.0 ou superior mantenedores, diretores, coordenadores, docentes,
Margens esquerda, direita, superior e inferior: 2,0 discentes e membros do Conselho Editorial. Por
cm. terem ampla liberdade de opinião e de crítica, cabe
Fonte: Arial aos colaboradores da Revista Jurídica UniSEB a
Tamanho da Fonte: 12 responsabilidade pelas ideias e pelos conceitos
Espaçamentos anterior e posterior do parágrafo: 0 emitidos em seus trabalhos. Não serão devidos
cm. direitos autorais ou qualquer remuneração pela
Espaçamento entre linhas: 1,0 (simples) publicação dos trabalhos na Revista Jurídica
Tabulação do parágrafo: 3,0 cm. UniSEB. O autor receberá gratuitamente um
Estilo do parágrafo: justificado. exemplar da Revista (versão impressa) em cujo
número seu trabalho tenha sido publicado.
A primeira página do artigo deve conter:
a) título, com palavras maiúsculas, em negrito;
b) nome(s) completo(s) do(s) autor(es),
qualificação(ões), cargo(s), intituição(ões) à(s)
qual(is) pertence(m);
c) resumo em português (se possível, também
em inglês) com no mínimo 100 e no máximo 150
palavras.
d) cinco palavras-chave, em português (e inglês, se
o resumo for também realizado na referida língua);