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ISSN 2237-2318

LINGUAGEM ACADÊMICA
Dossiê: Linguagem, Direito e Acesso à Justiça

v. 13, n. 3, jul./dez. 2023


LINGUAGEM ACADÊMICA
Dossiê: Linguagem, Direito e Acesso à Justiça

Revista Científica do Claretiano – Centro Universitário


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Periodicidade: semestral
Número de páginas: 138 páginas
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Os artigos são de inteira responsabilidade de seus autores.


ISSN 2237-2318

LINGUAGEM ACADÊMICA
Dossiê: Linguagem, Direito e Acesso à Justiça

Revista Científica do Claretiano – Centro Universitário

jul./dez.
Linguagem Acadêmica Batatais v. 13 n. 3 p. 1-138
2023
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Linguagem acadêmica: dossiê linguagem, Direito e acesso à justiça : revista


científica do Claretiano – Centro Universitário – v.13, n.3, jul./dez. 2023) -. – Batatais,
SP : Claretiano, 2023.
138 p.

Semestral.
ISSN: 2237-2318

1. Educação - Periódicos. I. Linguagem acadêmica : revista científica do Claretiano


- Centro Universitário.

CDD 370

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necessariamente a opinião do Claretiano – Centro Universitário, do Conselho Editorial ou da
Coordenadoria Geral de Pesquisa e Iniciação Científica.
Sumário / Contents

Editorial / Editor’s note

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL PAPER

Hermenêutica: ponderações sobre a hermenêutica jurídica e a


filosófica
Hermeneutics: ponderations on the legal and philosophical
hermeneutics

A qualidade no ensino jurídico: rompendo o tecnicismo, o


dogmatismo jurídico e a verticalização curricular
Quality in legal education: breaking out of techniques, legal dogmatism
and curricular verticalization

Interesse processual e o acesso à Justiça: a exigência de prévio


requerimento extrajudicial antes da propositura de demandas
judiciais
Procedural interest and access to justice: the requirement of a previous
extrajudicial request before filing lawsuits

Teoria das incapacidades à luz do Estatuto da Pessoa com


Deficiência
Theory of disabilities in the light of Statute on Person with Disability

A função social da propriedade e da empresa no Direito Civil


The social function of property and business in Civil Law
Direito Canônico: a nulidade matrimonial para a Igreja Católica
Apostólica Romana
Canon Law: matrimonial nullity for the Roman Catholic Church

Política Editorial / Editorial Policy


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Editorial / Editor’s note

Prezado Leitor,

Nesta edição da Revista, o dossiê temático Linguagem,


Direito e Acesso à Justiça promove o debate sobre as práticas
jurídicas, bem como o uso da linguagem em interesse da promoção
da Justiça. O sistema jurídico, enquanto área específica de atuação
e tal qual quaisquer outras áreas, possui uma linguagem que lhe é
própria, adequada àquilo que corresponde ao seu escopo de atuação
e remetendo, conceitualmente e metodologicamente, ao campo
do Direito e das suas mais diversas ramificações. Assim, são de
suma importância a compreensão e análise sistemática de um ponto
de vista hermenêutico, ressaltando os caminhos interpretativos
percorridos pelo operador do Direito.

Os artigos relacionados também propõem análises de temas


mais específicos que vão ao encontro do amparo a grupos sociais
mais específicos e da afirmação da Justiça, no intuito de promover
amplo debate das demandas abarcadas pelo Direito; incluem,
ainda, a preocupação com a busca de qualidade do próprio ensino
jurídico, fundamento indelével para que a Justiça alcance o seu
lastro salutar e perseverante dentro da sociedade, tendo em vista o
Estado Democrático de Direito.

Excelente leitura!

Everton Luís Sanches, editor

Revista Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 13, n. 3, p. 7, jul./dez. 2023


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Hermenêutica: ponderações sobre a


hermenêutica jurídica e a filosófica

José Rodrigues ARIMATÉA1 

Resumo: No presente artigo de revisão bibliográfica, procuramos oferecer


algumas contribuições sobre a hermenêutica filosófica, em um primeiro
momento, e, em um segundo momento, uma breve abordagem da hermenêutica
jurídica. O foco delineado é a preocupação com a hermenêutica jurídica e as
ponderações das quais se pode deduzir a norma jurídica. Concluímos que a
norma jurídica, apesar de ser prescritiva, está sujeita ao curso do tempo, razão
pela qual, às vezes até de forma imperceptível, sofre modificações no seu sentido.
É necessário saber se aquilo que o legislador queria resolver ainda existe. Se
existente, qual é o seu sentido e alcance atual. Por isso, no círculo hermenêutico
jurídico, o conhecimento da parte é indispensável ao conhecimento do todo e o
todo é indispensável ao conhecimento da parte.

Palavras-chave: Hermenêutica. Hermenêutica Jurídica. Hermenêutica Filosófica.


Direito.

José Rodrigues Arimatéa. Mestre em Direito Público pela Universidade de Franca (UNIFRAN).
1

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC). Docente no Curso de
Direito do Claretiano – Centro Universitário. Juiz titular do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
E-mail: josearimatea@claretiano.edu.br.

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Hermeneutics: ponderations on the legal and


philosophical hermeneutics

José Rodrigues ARIMATÉA

Abstract: In the present literature review article we seek to offer some


contributions on philosophical hermeneutics, in a first moment, and, in a second
moment, a brief approach to legal hermeneutics. The focus outlined is the concern
with legal hermeneutics and the ponderations from which the legal norm can be
deduced. We conclude that the legal rule, despite being prescriptive, is subject
to the course of time, which is why, sometimes even imperceptibly, it undergoes
changes in its meaning. It is necessary to know if what the legislator wanted to
solve still exists. If it exists, what is its current meaning and scope. That is why,
in the legal hermeneutic circle, the knowledge of the part is indispensable to the
knowledge of the whole, and the whole is indispensable to the knowledge of the
part.

Keywords: Hermeneutics.  Legal  Hermeneutics.  Philosophical Hermeneutics.


Right.

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1.  INTRODUÇÃO

A hermenêutica é uma ciência intimamente ligada à


linguagem, pois como Platão dizia, por intermédio de Sócrates, os
nomes não representam na plenitude as substâncias da realidade.
Há de ser lembrado que o nome decorre da expressão grega
nomoi, que são regras de origem divina que regem os nomes, as
normas e os números. As regras divinas são expressas pela teoria
da linguagem e, como visto, esta é imprecisa, pois é composta de
símbolos e signos codificados. Por isso, Foucault (1966, p. 44)
definiu a hermenêutica como a:
Teoria, ciência da interpretação dos signos, do seu valor
simbólico. Chamemos de hermenêutica o conjunto de
saberes e técnicas que permitem fazer falar os signos e
descobrir seu sentido2 .
Ao se falar em Teoria da Linguagem (Semiologia), não se
pode olvidar que Theo nada mais é que o olho divino presente
na linguagem abstrata. Então, a Teoria da Linguagem já traz em
si mesma a ideia da divindade, acrescida da ideia de um estudo
específico, de modo a se formar um conhecimento específico. Não
é, pois, obra do acaso que a hermenêutica esteja, na origem, ligada
à interpretação dos textos bíblicos.
A hermenêutica filosófica está umbilicalmente ligada à teoria
do conhecimento, pois visa interpretar os conceitos do homem sobre
o “ser”, de modo que, por vezes, é vista como arte, como ciência,
como técnica ou como prática. Qualquer que seja o ponto de vista
adotado, nota-se o seu ajuste ao hermeneuta (sujeito), ao nome dado
ao objeto (nominalismo) ou ao próprio objeto em si (realismo).
No período ontológico da filosofia antiga, notadamente com
Platão e Aristóteles, a hermenêutica se ocupou do objeto em si,
dando origem ao realismo (SILVA, [s.d.]) platônico e aristotélico, o
que perdurou por toda a filosofia patrística e, em parte, na filosofia
escolástica. É relevante notar que nessa fase não se discutia se o
conhecimento estava no sujeito ou no objeto, mas a preocupação
filosófica era nítida com o objeto.
2
Théorie, science de l’interprétation des signes, de leur valeur symbolique. Appelons herméneutique
l’ensemble des connaissances et des techniques qui permettent de faire parler les signes et de découvrir
leur sens.

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Com o fim da Idade Média, já na Idade Moderna, o


conhecimento se desloca do objeto (realismo) para o sujeito
(individualismo) e, com a Reforma Protestante e do caráter
não confessional e não eclesiástico desse movimento, surge a
necessidade da interpretação individual dos textos bíblicos, até
então feita pelos clérigos católicos. A hermenêutica adquire, então,
um caráter secular e filosófico, desgarrando-se da hermenêutica
teológica. É neste contexto que surge Friedrich Daniel Ernst
Schleiermacher que se tornou referência no estudo da hermenêutica
(REALE; ANTISERE, 2007).

2.  A HERMENÊUTICA

A hermenêutica como arte, embora esta tenda à universalidade,


tradicionalmente, melhor se ajusta à interpretação bíblica, pois esta
sempre teve um caráter esotérico (PALMER, 1969) e iniciático,
notadamente na antiguidade, dependendo de conhecimento de
símbolos linguísticos que já não são correntes nos dias atuais.
Como exemplo, é possível relacionar o pitagorismo, com a Ordem
dos Cavaleiros de Cristo e o Livro de Gênesis. A ordem de cavalaria
mencionada tinha como símbolo uma cruz dentro de um quadrado
e este, naquele momento, era o símbolo da Terra. De outro lado, o
Livro de Gênesis (Cap. 2, versículo 9), fala das árvores colocadas
por Deus no Paraíso, ou seja, a árvore da vida e a árvore do
conhecimento, relatando que elas foram criadas na Terra. Ora, se
foram criadas na Terra e o símbolo desta é um quadrado, então é
possível dizer que a raiz da árvore do conhecimento é quadrada, ou
seja, o conhecimento começa com a raiz quadrada. Isso é nada
mais, nada menos que o teorema de Pitágoras. Note-se que aqui não
se leva em consideração os aspectos psicológicos do sujeito, mas
sim o objeto do seu estudo. É o realismo hermenêutico.
A hermenêutica como Ciência, por óbvio, se desgarra
da filosofia, adotando métodos próprios e característicos de
cada Ciência. É o caso, por exemplo, da Ciência do Direito e da
Hermenêutica Jurídica. A Hermenêutica Jurídica visa descobrir o
alcance e o sentido das normas jurídicas (MAXIMILIANO, 1999),
pois estas são promulgadas em determinado momento, mas para

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vigência no futuro. Então, é necessária a interpretação literal do


texto, examinar o momento histórico no qual foi promulgado e
entrar no aspecto psicológico do Legislador, para descobrir qual
a sua intenção, quando promulgada aquela norma. Há, pois, um
método a ser observado, o que é característica da Ciência.
A hermenêutica como técnica pode ser contraposto à zetética,
pois a técnica, como tal, visa à solução de problemas específicos,
ou seja, é a hermenêutica como tecnologia e não como mera
especulação. Então, como técnica, ela empresta seu concurso
na interpretação de textos escritos nas mais diversas linguagens
(gráfica, anagráfica, criptográfica, estreptográfica etc.). É o caso,
por exemplo, da interpretação dos antigos textos egípcios. Aqui se
faz necessário examinar o texto, o autor do texto e o ambiente em
que ele foi produzido, para se obter um sentido razoável. Há uma
antiga fórmula egípcia que, dependendo do método, a consequência
da sua interpretação será diversa. Estou me referindo à fórmula
INRI. Para os cristãos católicos ela tem um sentido e, para o mundo
científico, ela se traduz para o latim em: Ignus Natura Renovatur
Integra, ou seja, o fogo renova a natureza por inteiro, o que traduz
o fogo de Heráclito de Éfeso. Então, a hermenêutica, como técnica,
terá seu resultado interpretativo dependente do sujeito hermeneuta
e do momento em que isso ocorre.
A hermenêutica como prática liga-se ao mundo dos
fenômenos, razão pela qual recebeu atenção específica de Hans-
Georg Gadamer (2017) e de Martins Heidegger, sem, no entanto,
confundi-la com o fenômeno. Para que se conheça o fenômeno, é
necessário conhecer o ambiente em que foi produzido, o aspecto
psicológico do sujeito que o produziu e o aspecto psicológico do
seu intérprete. É uma prática e uma necessidade da vida em todo e
qualquer ambiente intelectual. Não se perca de vista que Heidegger
via sua própria filosofia como hermenêutica (PALMER, 1969).
Isso não é isolado, pois Schleiermacher (2015, p.15) dizia que:
A concepção preliminar de hermenêutica, [...], como arte
da compreensão correta do discurso de um outro, traz já
uma delimitação e uma generalização, na medida em que
circunscreve o objeto ao domínio da linguagem falada ou
escrita e, por outro lado, deixa de lado todas as divisões
tradicionais dos discursos

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Enfim, a hermenêutica pode ser conceituada como a arte, já


que esta é delimitada, como ciência, que é um conhecimento técnico
ou a experiência, que é a prática específica da interpretação da
linguagem, buscando conhecer o seu alcance e sentido no momento
em que foi emitida e suas consequências futuras.

3.  A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA

A hermenêutica filosófica teve o seu impulso em razão da


necessidade de compreender a obscuridade dos textos clássicos
produzidos pelos Pensadores do passado. Dizia Schleiermacher
(2015, p. 15):
[...] a maioria das atividades que compõem a vida
humana suportam uma gradação tríplice em relação à
maneira como elas são executadas: uma, o é de modo
inteiramente mecânico e sem espírito; outra, se apoia
em uma riqueza de experiências e observações e,
finalmente, outra que, no sentido literal da palavra, o é
segundo as regras da disciplina. Entre estas me parece
incluir-se também a interpretação, desde que subsuma
sob esta expressão toda compreensão de discurso
estranho. A primeira e mais elementar encontramos não
apenas cotidianamente no mercado público e na rua,
mas também em muitos círculos sociais onde se trocam
modos de falar sobre assuntos comuns, tal como que
o falante quase sempre sabe com certeza o que o seu
interlocutor responderá, e a fala é apanhada e devolvida
como uma bola.
São aquelas riquezas de experiências e observações que o
hermeneuta tenta descobrir, pois elas vão além do sentido literal da
palavra.  É a perplexidade diante da impenetrabilidade dos textos
clássicos, escritos em linguagem oracular, que impulsionaram a
hermenêutica. A propósito Burnet (2006, p. 152) advertia que:
O estilo de Heráclito é hermético e, em época posterior,
granjeou-lhe o apelido de ‘o obscuro’. Ora, os fragmentos
sobre o deus délfico e sobre a Sibilia (frag. 11 e 12)
parecem mostrar que ele tinha consciência de escrever em
estilo oracular, e temos de nos indagar por que o fez. Em
primeiro lugar, esse era o estilo da época.

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Se o estilo era propositalmente obscuro, tornar-se-ia


necessária uma ou várias ferramentas adequadas a descobrir o seu
sentido e alcance, apresentando-se, então, a hermenêutica.
A ferramenta hermenêutica, de natureza intelectual: “É a
compreensão em geral da estrutura de interpretação que caracteriza
o conhecimento enquanto tal” (REALE; ANTISERE, 2007, p. 5). 
Nessa linha, a hermenêutica filosófica tem características de
arte, de ciência, de técnica e de prática, pairando, como gênero,
sobre suas espécies (existencialista, espiritualista, realista etc.), até
porque não visa um saber teórico pelo simples saber, mas sim com
uma finalidade prática. 
Do contexto filosófico para o contexto do direito, a
hermenêutica deu apenas um passo, pois Platão (2021), logo
na abertura do seu diálogo As Leis, valendo-se da figura de um
ateniense e de Clínias, já aborda o Direito: 
O ateniense: A quem atribuis, estrangeiro, a autoria de
vossas disposições legais?
Clínias: A um deus, estrangeiro, com toda a certeza,
Nós cretenses chamamos de Zeus o nosso legislador,
enquanto na Lacedemônia, onde nosso amigo aqui tem seu
domicílio, afirmam – acredito – ser Apolo o deles. Não é
assim, Megilo? (PLATÃO, 1999, p. 67).
Note-se que aqui já se coloca o primeiro problema
hermenêutico, ou seja, saber quem é o seu deus legislador, pois o
direito é um produto cultural de origem controlada. Os positivistas
do Iluminismo deram uma solução, alçando o Estado ao lugar desse
Deus, mas isso é, ainda hoje, questionado, especialmente pelos
juristas do sistema de commom law.
O problema da hermenêutica, como se pode ver, já não se
resume a interpretar literalmente textos jurídicos.

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4.  A HERMENÊUTICA JURÍDICA

A hermenêutica jurídica é anunciada por Platão (2021), no


diálogo Crátilo, quando Sócrates faz uma série de indagações a
Hermógenes:
Então, ó excelente homem, não deve também o legislador
saber como incorporar nos sons e nas sílabas o nome
adequado, por natureza, a cada objeto? Não deverá
ele produzir e fornecer todos seus nomes com o olhar
fixo no nome ele mesmo, no nome ideal, se quiser ser
um fornecedor competente de nomes? E se diferentes
legisladores não incorporam o nome adequado nas mesmas
sílabas, não devemos por isso esquecer esse nome ideal; de
fato, diferentes ferreiros não incorporam a forma (ideia)
no mesmo ferro, ainda que estejam produzindo o mesmo
instrumento para a mesma finalidade, mas enquanto
reproduzirem a mesma forma (ideia), embora esteja
presente num ferro diferente, ainda assim o instrumento
estará correto, não importa se foi produzido aqui ou entre
os bárbaros, não é? (PLATÃO, 2021, p. 47).
Pelo que se nota, não há dúvida de que a busca de sentido é
pela ideia do legislador, ou seja, identificar a ideia do legislador,
ainda que as sílabas de uma mesma palavra estejam trocadas.
Não se perca de vista que a ideia é o átomo do conhecimento. A
linguagem jurídica veicula conhecimento e, como é de resto toda
a linguagem moral, é prescritiva, o que implica na indagação da
racio legis daquela prescrição, mas não é nada fácil distinguir entre
afirmações e comandos, como lembra Hare (1996, p. 7):
É difícil negar que há uma diferença entre afirmações e
comandos; mas é muito mais difícil dizer precisamente
qual é a diferença. Não é meramente de forma gramatical,
pois e tivéssemos de estudar uma língua recentemente
descoberta seríamos capazes de identificar as formas
gramaticais usadas para exprimir afirmações e comandos,
respectivamente, e denominaríamos essas formas de
indicativo e imperativo (se a língua fosse construída
de tal forma que essa distinção fosse útil). A distinção
encontra-se entre os significados que as diferentes formas
gramaticais expressam. Ambas são empregadas para falar
sobre um assunto, mas são empregadas para falar dele de

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maneiras diferentes. As duas sentenças, ‘Você vai fechar


a porta’ e ‘Feche a porta’, falam sobre você fechar a porta
no futuro imediato, mas o que elas dizem sobre isso é bem
diferente. 
A ratio, enquanto razão ou raciocínio, nada mais é que
um nível da teoria do conhecimento, imediatamente inferior ao
discurso, que se projeta no campo da linguagem. No Direito, como
ciência moral, a linguagem é prescritiva.
A busca do sentido da linguagem prescritiva vai além do critério
lógico e semântico, exigindo a incursão no mundo psicológico
e histórico do legislador. Portanto, a busca da ratio legis exige
ferramentas intelectuais especializadas e, ainda assim, chegar-se-á
a conclusões ou discursos diferentes, ainda que fundados na mesma
ideia. Essas ferramentas constituem-se no método hermenêutico, o
que ainda assim não é suficiente para uma correta compreensão da
linguagem jurídica. É como dizia Paul Ricoeur (1969, p. 9):
Dar um método à compreensão, é, além disso, permanecer
nos pressupostos do conhecimento objetivo e nos
preconceitos da teoria kantiana do conhecimento. Portanto,
é preciso sair deliberadamente do círculo encantado da
problemática do sujeito e do objeto, e interrogarmo-nos
sobre o ser. Mas, para interrogarmo-nos sobre o ser que
é o ‘aí’ de todo o ser, sobre o Dasein, isto é, sobre este ser
que existe no modo de compreender o ser. Compreender já
não é, então, um modo de conhecimento, mas um modo de
ser, o modo deste ser que existe ao compreender.
O círculo encantado, ao qual se refere Ricoeur, é o círculo
hermenêutico, enquanto que o ser é o fenômeno jurídico onde
ele ocorre. Não há nada de novo nisso, pois o fenômeno jurídico
está sujeito ao tempo e ao movimento, desde a criação da Teoria
das Quatro Causas por Aristóteles, não bastando ir ao local do
fenômeno jurídico para compreender as suas diversas faces. A
solução, ainda que contestada, é a correta aplicação do círculo
hermenêutico (o quê, quem, quando, como, porquê, onde). Aliás,
são estas as informações necessárias para o conhecimento judicial
de qualquer fato jurídico, o que torna o conhecimento do círculo
hermenêutico indispensável ao jurista. Por isso, dizia Kelsen (1987,
p. 363): “Quando o Direito é aplicado por um órgão jurídico, este

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precisa fixar o sentido das normas que vai aplicar, tem de interpretar
estas normas”.
A norma jurídica tem uma fase estática e uma fase dinâmica.
Nessa fase dinâmica, como aponta Lima e Lima (2019, p. 189):
A primeira função é de conferir a lógica jurídica à regra,
contribuir para a definição e conformação jurídica da
regra. Conferindo a substância lógica da regra, o princípio
a situa na morada própria que o sistema a ela reserva.
O “ser aí” jurídico é aquele ser que se coloca diante do jurista
e só resta a ele se valer do círculo encantado da hermenêutica.
Ao ser colocado diante do jurista, não lhe resta outra opção senão
procurar pelo seu sentido e alcance. Eis, pois, o fundamento da
lição de Carlos Maximiliano (1999), quando afirma que interpretar:
[...] é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo,
atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um
pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de
uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo
o que na mesma se contém (MAXIMILIANO, 1999, p. 9). 
Interpretar a lei é descobrir qual o seu verdadeiro sentido,
alcance e significado no meio social.
Para tanto, não se pode descuidar dos métodos hermenêuticos,
quais sejam, a gramática, a lógica, a história, os sistemas em que
se encontra inserida a norma, o contexto social (teleológico) e a
comparação (analogia).  
Gramática, como é cediço, depende da língua, que pode ser
geral ou específica. A língua geral é de natureza filosófica e tem
elementos comuns a todos os povos, enquanto que a língua especial
é própria de cada povo e nela estão contidas as regras gramaticais.
A compreensão do sentido gramatical é o primeiro que se apresenta
ao hermeneuta. 
A lógica, conquanto desprezada em função da sua aspereza,
não deixa de ser singular em importância. É como dizia Ferrara
(2003, p. 35):
A interpretação lógica assenta-se em um ambiente mais
alto e utiliza meios finos de indagação, pois remonta ao
espírito da disposição, inferindo-o dos fatores racionais

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que a inspiraram, da gênese histórica que a prende a leis


anteriores, da conexão que a enlaça às outras normas e de
todo o sistema. É da ponderação destes diversos fatores
que se deduz o valor da norma jurídica.
Todo ordenamento jurídico tem a pretensão de ser completo,
encontrando nele mesmo as formas de preenchimento das lacunas
eventualmente encontradas. Por isso, a interpretação sistêmica ou
sistemática é importante. O sentido da norma pode ser encontrado
no sentido de todo o sistema, pois o elemento não tem sentido
diverso do sentido do conjunto.
A finalidade da norma, ou interpretação teleológica, nos leva à
causa final de Aristóteles, pois esta causa, quando sujeita ao tempo,
se traduz na finalidade. Se a paz social é o fim de toda norma, ainda
que o tempo transcorra, essa finalidade existirá. Caberá, portanto,
ao intérprete encontrá-la.
Por fim, a comparação. A interpretação comparativa, de forma
analógica, tem larga aplicação no sistema jurídico de common law,
pois nele se busca um caso passado, semelhante ao caso presente,
para neste utilizar a mesma razão jurídica. Isso porque a: 
[...] pessoa que raciocina não conhece ao certo a extensão
de algum termo – isto é, não sabe ao que ele se refere –
que tem consequências jurídicas no caso a ser considerado
(WEINREB, 2008, p. 2). 
Por isso, a interpretação comparativa, ou analógica, não é só
em relação a outras normas, mas também em relação a outros casos.
A jurisprudência, nada mais é que a aplicação de uma mesma razão
jurídica em casos semelhantes.
A lei inova no ordenamento jurídico, mas há quem entenda
que sua finalidade nada mais é que a sedimentação do costume.
Nessa linha, não haveria como considerar o Estado como fonte do
Direito. É o que pensa Radbruch (1999, p. 2), quando afirma que
“[...] a lei somente poderá apor seu selo às regras que o costume
desenvolveu”. Outros entendem que a lei jurídica deve fazer, nada
mais, que positivar as leis decorrentes da natureza (direito natural),
o que nos faz retornar ao pensamento platônico já abordado. É o
posicionamento de Rigaux (2000, p. 102), quando leciona que: 

Revista Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 13, n. 3, p. 9-21, jul./dez. 2023


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[...] o ideal do sábio é obedecer à lei, tanto as da cidade


quanto as da natureza, mas as primeiras só merecem sua
obediência se são conformes às segundas. 
Conciliar estas duas obediências não é uma tarefa fácil
e muito menos superficial. Por isso, não há aqui a pretensão de
esgotar o complexo e espinhoso tema, mas sim de oferecer estímulo
à sua pesquisa e fixação no campo do Direito.  

5.   CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Interpretar um texto qualquer é uma tarefa quase automática


e esperada em todas as línguas. Porém, interpretar textos
especializados é uma tarefa das mais árduas, pois não envolve
somente os elementos lógicos da língua. Há os elementos
psicológicos do autor e do intérprete.
A norma jurídica, apesar de ser prescritiva, está sujeita ao
curso do tempo, razão pela qual, às vezes até de forma imperceptível,
sofre modificações no seu sentido. É necessário saber se aquilo que
o legislador queria resolver ainda existe. Se existente, qual é o seu
sentido e alcance atual.
Por isso, no círculo hermenêutico jurídico, o conhecimento
da parte é indispensável ao conhecimento do todo e o todo é
indispensável ao conhecimento da parte. Então, teríamos que
examinar, em profundidade todos os conceitos do ordenamento
jurídico, afetos a um determinado instituto sob análise, o que não é
tarefa fácil e muito menos superficial.
Aqui, apenas procuramos oferecer algumas contribuições
sobre a hermenêutica filosófica, em um primeiro momento, e, em
um segundo momento, uma breve abordagem da hermenêutica
jurídica. 

REFERÊNCIAS

FERRARA, F. Como aplicar e interpretar as leis. Tradução de Joaquim Campos


de Miranda. Belo Horizonte: Líder, 2003.

Revista Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 13, n. 3, p. 9-21, jul./dez. 2023


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FOUCAULT, M. Les Mots et les choses. Paris: Gallimard, 1966.

GADAMER, H. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica


filosófica. Petrópolis: Vozes, 2017.

HARE, H. M. A linguagem da moral. Tradução de Eduardo Pereira e Ferreira.


São Paulo: Martins Fontes, 1996.

KELSEN, H. Teoria pura do Direito. 2. ed. Tradução de João Baptista Machado.


São Paulo: Martins Fontes, 1987.

LIMA, F. A.; LIMA, A. M. S. Hermenêutica tributária.  Jales: Elos, 2019.

MAXIMILIANO, C. Hermenêutica e aplicação do Direito. 18. ed. Rio de


Janeiro: Forense, 1999.

PALMER, R. E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1969.

PLATÃO. Diálogos VI: Crátilo. Tradução de Edson Bini. São Paulo: EDIPRO,
2021.

RADBRUCH, G. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Martins Fontes,


1999.

REALE, G.; ANTISERE, D. História da filosofia: do Romantismo ao


Empiriocriticismo. Tradução de Ivo Storniolo. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2007.
v. 5.

RICOEUR, P. O conflito das interpretações. Tradução de M. F. Sá Correia.


Porto: Res, 1969. 

RIGAUX, F. A lei dos juízes. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

SILVA, P. R. Hermenêutica: Platão, Aristóteles e Idade Média. Batatais: SCP,


[s.d.].

WEINREB, L. L. A razão jurídica. Tradução de Bruno Costa Simões. São Paulo:


Martins Fontes, 2008.

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A qualidade no ensino jurídico:


rompendo o tecnicismo, o dogmatismo jurídico
e a verticalização curricular

Paulo Henrique Miotto DONADELI1

Resumo: O presente estudo busca refletir sobre a definição da qualidade


de ensino, como caminho para o rompimento do esgotado ensino jurídico
tradicional dogmático, altamente especializado e tecnicista. A qualidade do
ensino passa pela construção de um conteúdo programático que dialoga com
os temas interdisciplinares e transversais. O trabalho defende a ideia de uma
revisão curricular nos Cursos de Direito, com o objetivo de construir um ensino
jurídico emancipatório, baseado no conhecimento crítico e reflexivo e voltado
para a formação de um profissional ético, consciente de sua responsabilidade
social e capaz de enfrentar as complexidades, os riscos e os paradoxos da
sociedade contemporânea. O estudo adota o método descritivo bibliográfico para
a construção do referencial teórico.

Palavras-chave: Ensino Dogmático. Projeto Pedagógico. Estrutura Curricular.


Qualidade do Ensino Jurídico. Transversalidade.

1
Paulo Henrique Miotto Donadeli. Pós-Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).
Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Mestre
em Direito pela Universidade de Franca (UNIFRAN). Bacharel em Direito pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Docente do Curso de Direito do Claretiano – Centro
Universitário de Batatais e da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) de Passos. E-mail:
paulodonadeli@claretiano.edu.br.

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24 ISSN 2237-2318

Quality in legal education: breaking out of


techniques, legal dogmatism and curricular
verticalization

Paulo Henrique Miotto DONADELI

Abstract: The present study seeks to reflect on the definition of teaching quality,
as a way to break the exhausted traditional dogmatic, highly specialized and
technical legal teaching. The quality of teaching goes through the construction
of a programmatic content that dialogues with interdisciplinary and transversal
themes. The work defends the idea of ​​a curricular revision in Law Courses, with
the objective of building an emancipatory legal education, based on critical and
reflective knowledge and aimed at the formation of an ethical professional,
aware of his social responsibility and capable of facing the complexities,
risks and paradoxes of contemporary society. The study adopts the descriptive
bibliographic method for the construction of the theoretical framework.

Keywords: Dogmatic Teaching. Pedagogical Project. Curricular Structure.


Quality of Legal Education. Transversality.

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ISSN 2237-2318 25

1.  INTRODUÇÃO

O país vivenciou uma expansão do ensino jurídico nas últimas


décadas, com a instalação de novos Cursos de Direito. Entre 1995
e 2018, o número de Cursos de Direito no Brasil teve um aumento
exponencial de 539%, saltando de 235 para 1.502 cursos em
funcionamento. Em média, foram 51 novos cursos a cada ano, o
que não se verifica em lugar nenhum do mundo. Desde 2014, o
Curso de Direito é o que concentra a maior quantidade de alunos
matriculados no país (INEP, 2019).
Por ser um curso que necessita de poucos investimentos e
tem grande procura de interessados, verificou-se um processo de
mercantilização do ensino, pela rentabilidade financeira que o
curso oferece às Instituições de Ensino Superior. Dessa forma, é
perceptível que esse crescimento aconteceu na forma quantitativa,
aumentando-se os cursos e as vagas, mas o crescimento qualitativo
não se deu na mesma proporção (LEISTER; TREVISAM, 2013).
A profissão do Advogado é considerada pela Constituição
Federal de 1988 como condição indispensável à administração
da justiça e um dos pilares de sustentação do Estado Democrático
de Direito, responsáveis pela promoção da tutela dos direitos e
garantias fundamentais. A Lei Federal nº 8.906 de 1994 estabeleceu
que o advogado, no seu ministério privado, presta serviço público
e exerce função social (BRASIL, 1994). Desta forma, a sociedade
espera que a advocacia seja exercida por profissionais capacitados e
aptos a utilizarem do processo jurídico como instrumento a serviço
de todos, pautados na sensibilidade para solucionar os conflitos de
modo justo, ético e equilibrado.
A falta de qualidade do ensino jurídico compromete a formação
dos operadores do Direito, contribui para o desmerecimento das
profissões jurídicas, põe em risco o fortalecimento da cidadania e
até mesmo a concretização da Justiça. Assim, há uma necessidade
de pensar no estabelecimento de um padrão mínimo de qualidade
na formação dos profissionais do Direito, visando sempre a
construção de um ensino emancipatório, crítico e reflexivo, que
corresponda aos interesses atuais de uma sociedade complexa,

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dinâmica e globalizada, que tem vivenciado um processo acelerado


de mudanças tecnológicas, econômicas e culturais (LEISTER;
TREVISAM, 2013).
Portanto, não basta um profissional que conheça a legislação,
mas que tenha uma visão filosófica, histórica, política, econômica
e sociológica de mundo, que pense além dos Códigos e dos
Processos Judiciais, e que seja imbuído de um olhar humanitário
compromissado com a proteção dos valores sociais da liberdade, da
igualdade e da dignidade, e com a promoção do desenvolvimento
socioeconômico e o bem-estar de toda a sociedade.
O presente artigo tem como objetivo discutir a necessidade
de estabelecer novos padrões pedagógicos na busca da qualidade
de ensino jurídico, rompendo o ensino tradicional baseado na
dogmática, no tecnicismo e na verticalização da matriz curricular,
com conteúdos compartimentados e especialistas, dando ênfase no
pressuposto do fortalecimento pedagógico da transdisciplinaridade
e interdisciplinaridade no currículo jurídico, com a finalidade
de buscar o enfrentamento conjunto dos problemas que vivem a
sociedade atual e que reclamam do Direito uma solução viável,
dentro da perspectiva da garantia dos direitos fundamentais, do
desenvolvimento humano, da democracia e harmonia social.

O tradicional ensino jurídico: prevalência do ensino dogmático


e tecnicista e da estrutura verticalizada nas matrizes curricu-
lares

O modelo tecnicista do ensino superior ganhou força a partir


da década de 1960, por meio de uma reforma curricular universitária,
instituída pela Lei nº 5540/68 (BRASIL, 1968). Essa reforma
estava ligada ao discurso da necessidade de formar profissionais
e mão de obra qualificada para colaborar no desenvolvimento
econômico e industrial do país, associadas às transformações
políticas autoritárias, que teve profundos reflexos na condução
da educação brasileira, implantando um ensino sem o viés crítico
(COSTA; ROCHA, 2014).

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A reforma visava implantar uma progressiva racionalização


e especialização do ensino superior, eliminando o conceito
“humanista” de formação cultural. Em verdade, a estratégia foi
utilizar esse modelo mais como instrumento de controle político
ideológico da vida acadêmica do que propriamente como uma
renovação do ensino e da pesquisa (FARIA; CAMPILONGO,
1991).
O ensino tecnicista foi pautado pela ideia da neutralidade da
ciência, exigindo uma atuação objetiva e distante do professor, que
funciona como um mediador do saber, um transmissor do conteúdo
científico, sem qualquer questionamento ou provocações, não lhe
dando o poder de influenciar seus alunos a desenvolverem críticas,
opiniões e posicionamentos divergentes (CUNHA, 2007). Como
consequências dessas reformas, às instituições de ensino superior
assumiram um papel pragmático e utilitarista, concentrando-
se exclusivamente na formação de quadros técnicos e gerenciais
necessários as exigências do mercado.
Seguindo esse modelo, os Cursos de Direito passaram a
inserir um elevado número de disciplinas dogmáticas, com a
redução dos conteúdos de formação geral (COSTA; ROCHA,
2014). A formação jurídica passou a consistir em repetir lições de
manuais, dos códigos comentados e ementas das jurisprudências.
Isso, levou a um fortalecimento do positivismo jurídico, resultando
na prevalência da técnica sobre a teoria, com a preocupação de
formar profissionais para atuar nas carreiras jurídicas.
Dessa forma, a vinculação entre ensino jurídico e
“humanismo” restou cada vez mais fragilizada. Caberia
às universidades o papel de transmitir conhecimentos
focados no “saber fazer”. [...] Nessa perspectiva, o produto
dessa estrutura educativa era a formação de profissionais
reprodutores de saberes, e não agentes capazes de
transformar o status quo vigente (COSTA; ROCHA, 2014,
p. 7, destaque dos autores).
Essa tendência de especialização das áreas do saber, ainda
permanece enraizada no ensino do Direito, resistindo nos Projetos
Pedagógicos e nas práticas educativas, o que consideramos como

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modelo tradicional de ensino. Com isso, a formação do bacharel


torna-se um processo de:
[...] acumulação progressiva de informações, limitando-se
o aprendizado a uma reprodução de teorias que parecem
desvinculadas da prática (embora não o sejam), ao lado de
esquemas prontos de especialidade duvidosa (FERRAZ
JÚNIOR, 1979, p. 70).
A reflexão sobre a incapacidade de compatibilizar as
dimensões informativas e crítica do ensino jurídico se põe como
um grande dilema a ser resolvido.
A crise pode ser conceituada como a incapacidade do
ensino do direito de se adaptar às novas condições de
produção e aplicação das normas, considerando os cânones
conceituais e hermenêuticos de um tipo de ensino que tem
suas origens na tradição coimbrã do século XIX. O Direito
não foi capaz de adaptar-se à nova realidade da sociedade
brasileira, que se modificara radicalmente no período
compreendido entre as décadas de 1940 e 1990 (FREITAS
FILHO, 2013, p. 72).
O mundo mudou, mas o ensino jurídico em grande parte não
acompanhou a essas mudanças.
Ocorreram transformações importantes no campo da
economia e da geopolítica internacional que redundaram
na falência do modelo de direito concebido no século
XIX para dar resposta aos conflitos apresentados a seus
operadores. Podemos dizer que, a partir da segunda metade
do século XX, vêm ocorrendo mudanças avassaladoras
no campo da economia que acabam por fazer com que o
paradigma da cultura jurídica veiculado nas faculdades de
direito e praticado na forma de uma cultura de aplicação
do direito tenha se tornado insuficiente para responder
às demandas da sociedade por soluções satisfatórias dos
conflitos existentes (FREITAS FILHO, 2013, p. 76).
A grande maioria das discussões que se propõe a pensar um
novo ensino jurídico ainda não foram suficientes para modificar
a cultura do pensamento jurídico, que valoriza o conhecimento
técnico, voltado para as provas de concurso público, como caminho
a ser alcançado por todos, como condição do sucesso profissional.

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O programa curricular verticalizado não consegue


fazer um entrelaçamento entre as disciplinas de caráter de
formação fundamental com as disciplinas informativas. A
compartimentalização do conhecimento pode ser observada por
meio da organização de conteúdo dentro de disciplinas, em que
normalmente os conteúdos ministrados são os índices de manuais
ou dos códigos legais existentes (COSTA; ROCHA, 2014).
A postura excessivamente pragmática tem desvalorizado a
teoria.
As teorias perderam seu status, ou melhor, elas servem
quando importam, sem um sentido de sistema, de coerência.
São manipuladas conforme os interesses, os efeitos. O que
importa é o que funciona: opera. O saber do professor,
como aquele que poderia transmitir “sabedorias”, perde-
se em favor dos que demonstram diretamente o que fazer
nos casos. As referências teóricas se diluem no contexto de
aplicações eficientes. Há um deslocamento da legitimidade
dos grandes teóricos para os “resolvedores de problemas
específicos”. Antes havia uma teoria que gerava uma
consequência, ou seja, decidia-se conforme um sistema
(ROSA, 2015, p. 211).
Esse ensino dogmático jurídico reduz o Direito ao estudo da
lei, desvinculado dos seus fundamentados sociológicos, políticos,
filosóficos, econômicos e culturais.
A característica básica é a predominância do estudo do
direito positivo, sendo o direito válido apenas o direito
estatal, o que redunda na noção de que o direito é uno e
monolítico. Do ponto de vista hermenêutico, a noção de
subsunção dedutivista acaba por privilegiar a ideia de um
sentido literal da norma ao qual o aplicador deverá se ater
para realizar a aplicação adequada do comando normativo
ao caso. Ao aplicador da norma é apenas reservada uma
função mecânica e sem criatividade. Características como
a predominância da visão da legalidade e da validade como
conceitos privilegiados, o trato das disciplinas de forma
estanque, a não interdisciplinaridade e a desconsideração
da política na influência da criação da norma fazem do
ator jurídico um aplicador acrítico e não questionador do
Direito e das normas (FREITAS FILHO, 2013, p. 74).

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Tradicionalmente, o ensino do Direito trata as disciplinas


propedêuticas sem maior preocupação de articulação com a
dogmática, muitas vezes em uma clara hierarquização de saberes,
priorizando os conteúdos dogmáticos. Esse conhecimento dogmático
de supremacia do legalismo fundamenta-se no pressuposto “[...] de
que o utilitário e funcional é mais importante do que a capacidade
de compreender profundamente a realidade, dominando-a e
transformando-a” (LEISTER; TREVISAN, 2013, p. 51).
A dogmática é importante e deve ser ensinada, os manuais são
ferramentas úteis no processo de ensino, mas tudo deve ser visto
com um olhar crítico e sem comodismos. O problema não é utilizar
estas ferramentas, mas sim, como ensinar e aprender a partir delas.
Verifica-se uma falha estrutural no processo educacional frente
àquilo que deveria ser sua meta primordial: desenvolver o senso
crítico e o pensar autônomo (MARQUES NETO, 2001).
As ciências jurídicas dogmáticas estão mais preocupadas
com a resolução de problemas práticos, do que sobre uma análise
completa do seu objeto para a busca de um conhecimento real sobre
ele. Deste modo, Ciência Dogmática do Direito não tem a pretensão
de se aprofundar na compreensão total do conflito a ser resolvido,
bastando um conhecimento que permita extrair da realidade uma
decisão adequada às normas existentes, pacificando socialmente o
conflito. Essa solução nem sempre consegue enxergar as verdadeiras
raízes do problema (FERREIRA, 2009).
Esse modelo de ensino dogmático baseado na pretensão de
esgotamento de leis e Códigos limita a formação jurídica.
Com esse dogmatismo, os cursos jurídicos têm formado
profissionais incapazes de perceber a dimensão real
dos problemas com os quais terão de lidar (ALMEIDA;
SOUZA; CAMARGO, 2013, p. 21).
Muitos professores transmitem seu saber técnico, sem
interligar sua disciplina com os demais eixos, principalmente com os
conteúdos propedêuticos de formação. Há uma profunda resistência
dos próprios professores em alterar metodologias de ensino, uma
vez que foram formados pela velha tradição do ensino dogmática,
colaborando por reproduzir esse modelo focado exclusivamente

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no conteúdo de códigos (HUPFFER, 2008). Muitos desprezam


os conhecimentos das disciplinas propedêuticas e desvalorizam a
importância de um estudo na compreensão do sistema jurídico. É
preciso que os docentes do Direito se preocupem em firmar um
diálogo aberto e consistente entre as disciplinas, não somente as
comuns, da mesma área, mas em relação a todas as componentes da
matriz curricular (NICOLESCU, 2005).
A impossibilidade de o aluno decidir os rumos a seguir
dentro do seu percurso educativo é prejudicial à sua formação.
Muitas Instituições de Ensino não ofertam a possibilidade do aluno
estabelecer suas prioridades no processo de aprendizagem, impondo
uma matriz pronta e acabada, obrigando a cursar as disciplinas
previamente estabelecidas, principalmente, para conter despesas,
pois a manutenção de uma matriz curricular extensa aumenta os
custos do ensino, preferindo o seu enxugamento, obedecendo à
óptica da mercantilização do ensino.
Outro grave problema é falta da regionalidade da matriz
curricular. O movimento atual de compra de instituições de ensino
por grandes corporações, formando os conglomerados educacionais,
tem imposto à padronização curricular. Quando se cria um curso
superior em determinada localidade, espera-se que este curso atenda
as demandas locais, tendo uma identidade própria que o diferencia
dos demais. Um currículo não se resume a um rol de conteúdos
que serve a qualquer realidade, situação ou público. Uma matriz
curricular de caráter nacional impede que as especificidades sejam
respeitadas, o que prejudica a formação profissional voltada para
o atendimento das expectativas sociais onde o curso está inserido.
A necessidade de rever este modelo está perceptível no número
de alunos que procuram cursos extracurriculares, presenciais e via
internet, principalmente em fase da realização do Exame da Ordem
dos Advogados do Brasil, para reverem ou até mesmo aprenderem
o conteúdo cobrado na avaliação. Tanto é verdade, que o mercado
desse tipo de oferta de cursos preparatórios para exames e concursos
tem crescido vertiginosamente no país, em decorrência do grande
público que procura este tipo de serviço. A grande maioria dos
graduados não consegue obter a aprovação no Exame Nacional da

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Ordem dos Advogados do Brasil, que é condição mínima para o


exercício da profissão de Advogado. Isto mostra a defasagem de
qualidade de ensino dos Cursos de Direito.
O baixíssimo desempenho dos egressos dos cursos de
Direito no citado exame é prova incontestável da qualidade
ínfima do ensino jurídico brasileiro, esse resultado
diminuto representa a falta de investimentos do próprio
poder público na formação básica dos jovens brasileiros
que almejam alcançar as carreiras jurídicas, e a situação
vai ficando ainda pior pela intensa proliferação dos cursos
de Direito (AMADO, 2019, p. 20).
É consenso que o modelo educativo tradicionalmente utilizado
está obsoleto e esgotado. É preciso pensar em novas formas de
ensinar. O presente trabalho parte do pressuposto que é preciso
romper o dogmatismo, mas é preciso ousar, ir além, buscar novos
parâmetros de ensino e abordagem do conteúdo, repensando a matriz
curricular e as ementas das disciplinas a partir de um pensamento
estruturado na interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, que
permite uma nova visão do Direito dentro da complexidade social.

2.  A QUALIDADE DO ENSINO JURÍDICO

O padrão de qualidade, em qualquer forma ou grau de ensino,


é aquele que possibilita ao educando: sua formação integral e
seu pleno desenvolvimento enquanto ser humano, em todos seus
aspectos intelectuais, morais e sociais; o seu preparo para exercício
consciente da cidadania, que compreende a consciência de seus
direitos civis, sociais, econômicos e políticos; e a sua qualificação
profissional para o mercado de trabalho, com os conhecimentos
técnicos adequados, para que possa garantir sua sobrevivência e
contribuir para o desenvolvimento da sociedade (MOTTA, 1997).
Acrescenta-se, ao ensino de qualidade a capacidade de oferecer o
desenvolvimento do espírito crítico, o combate aos preconceitos,
cultivando a tolerância e desejo à liberdade e trabalhando com
a formação de mentalidades fundamentadas nos valores da
solidariedade, da justiça, da observância da lei e do respeito ao
próximo (MOTTA, 1997).

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O Ensino Superior precisa ir além da preparação para o


trabalho. Nesse sentido, o art. 43 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – Lei nº 9394/96 (BRASIL, 1996), prescreveu
as finalidades do Ensino Superior: estimular o espírito científico
e o pensamento reflexivo do acadêmico; incentivar o trabalho
de pesquisa científica, visando o desenvolvimento da ciência
e da tecnologia, da criação e difusão da cultura, bem como,
possibilitando o conhecimento dos problemas do mundo presente,
em particular, os nacionais e regionais; promover a divulgação
dos conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem
patrimônio da humanidade, e comunicar o saber através do ensino,
de publicações ou de outras formas de comunicação; suscitar o
desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional;
realizar a extensão aberta à participação da população, prestando
serviço especializado à comunidade e estabelecendo com esta uma
relação de reciprocidade (BRASIL, 1996).
O Ensino Superior não pode mais viver alheio ao mundo que
o circunda, mas é necessário construir o próprio conhecimento,
para solucionar as questões que afligem a sociedade, pois os
conhecimentos importados e simplesmente transmitidos geram
acadêmicos divorciados da realidade onde estão inseridos,
condicionando-os a meros receptores de informações.
O ensino jurídico de qualidade envolve um conjunto de ações
integradas de caráter material, humano e pedagógico. Na busca
pelo padrão de qualidade é preciso: à contratação e manutenção de
professores qualificados; boas instalações nas instituições de ensino,
laboratórios informatizados e biblioteca atualizada; limite máximo
adequado de alunos por salas de aulas; capacitação permanente
do corpo docente e técnico; projeto pedagógico estruturado e
condizente com as necessidades regionais e locais; objetivos e
perfil dos egressos bem definidos; currículo voltado à formação
técnica e a difusão dos valores humanos; desenvolvimento da
responsabilidade social dos estudantes; entre outros.
Para a construção de um ensino de qualidade é preciso a
colaboração da instituição de ensino, do corpo docente, do corpo
discente, dos organismos estatais de educação e da sociedade,

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assumindo o compromisso de efetivar uma educação que transcende


a perspectiva do mercado de trabalho e que esteja vinculada a visão
dos valores humanos e da responsabilidade social.
O Ministério da Educação, no processo de discussão das
diretrizes curriculares dos cursos de graduação, buscou superar a
noção de curso “conteudista”, que durante anos marcou a estrutura
pedagógica do ensino superior no Brasil, tratando os educandos
com as mesmas fórmulas e currículos, em um modelo padronizado
de ensino. As novas diretrizes reconheceram o esgotamento do
ensino tecnicista e dogmático. Além do necessário conhecimento
da lei, o Curso de Direito deve trabalhar muitas outras habilidades,
ir além da memorização e da reprodução do que existe, focando na
criatividade de refletir sobre outras soluções viáveis, dentro de um
contexto em que o aluno se coloque como agente do conhecimento.
A Resolução nº 09/2004 (BRASIL, 2004), ao estabelecer as
Diretrizes Curriculares para os Cursos de Direito, no artigo 2º, § 1º,
IV, estabeleceu a exigência que o Projeto Pedagógico contemplasse
as formas de realização da interdisciplinaridade. Em seu artigo
3º exigiu a necessidade de o Curso de Direito garantir no perfil
do graduando uma formação geral, humanística e axiológica,
para o desenvolvimento da capacidade de análise, interpretação e
valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura
reflexiva e crítica, visando uma
[...] aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao
exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e
do desenvolvimento da cidadania (BRASIL, 2004, [n.p.]).
E acrescentou, no artigo 5º, inciso I, a necessidade de
estabelecer uma relação
[...] do Direito com outras áreas do saber, abrangendo
dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais
sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética,
Filosofia, História, Psicologia e Sociologia (BRASIL,
2004, [n.p.]).
Seguindo as orientações legais, o projeto pedagógico
dos Cursos Jurídicos deve preocupar em ofertar uma formação
humanística, como feição plural e capacidade de contextualização

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das questões jurídicas no cenário regional, nacional e internacional.


A matriz curricular deve ser pensada para contemplar disciplinas
que se relacionam com o desenvolvimento da formação geral do
aluno, abrangendo aspectos éticos e humanitários na aplicação do
Direito, para dar corpo à consolidação de uma formação embasada
e norteada pela defesa dos Direitos Humanos, pela responsabilidade
do desenvolvimento sustentável e pela promoção da igualdade
étnico-racial, com fundamento no princípio da dignidade humana.
O ensino jurídico para formar bacharéis capacitados,
precisa ser mais do que um ensino de leis, precisa ser na
verdade: um ensino voltado para a reflexão dos problemas
sociais que impedem na prática a efetivação dos direitos;
um ensino preocupado com a criação e divulgação de
novos conhecimentos culturais, científicos e técnicos
que constituem o patrimônio da comunidade; um ensino
atento aos valores morais e éticos que sobrepõe aos
interesses individuais e do lucro; e um ensino que prepare
o acadêmico para ser um profissional competente, sério,
responsável e acima de tudo justo. É isso que se espera
dos Cursos Jurídicos e é isso que se pretende discutir neste
artigo (DONADELI, 2011, p. 1).
Os acadêmicos de Direito devem ser estimulados a pesquisar,
a criar o conhecimento jurídico e a difundi-lo dentro da comunidade,
colaborando para solucionar as questões que afligem o Direito e
que precisam de respostas urgentes para fazer valer o princípio da
justiça.
O Direito é uma ciência social, feito pela sociedade e para
a sociedade, devendo interagir com essa. O acadêmico
precisa ter uma formação sociológica, para entender as
finalidades do direito e para interpretar a norma de acordo
com interesses sociais, de forma a alcançar uma efetiva e
correta aplicabilidade da norma. O Direito é uma área do
conhecimento humano carregada de valores, pois o Direito
existe para fazer justiça. O conceito e a extensão de justiça
se encontram na filosofia, e portanto, é necessário que o
acadêmico tenha uma carga de conhecimentos filosóficos
para pensar, refletir, criticar e buscar as melhores soluções
para os conflitos de interesse que existem na sociedade. O
Direito é aplicado na vida das pessoas e, portanto, precisa
ser interpretado de acordo com a realidade, os costumes e
tradições do povo, para que não perca a efetividade social.

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É necessário que o ensino contemple uma formação ampla


de mundo, dando uma visão flexível da realidade, para que
o intérprete possa adaptar as modificações da sociedade,
tornando o direito sempre atual. Conhecer o homem e a
cultura humana é imprescindível para completar a formação
jurídica, por meio de conhecimentos da antropologia e da
psicologia forense (DONADELI, 2011, p. 2).

A interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade é o caminho


que faz a conexão do Direito com as disciplinas propedêuticas, como
a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia, a História, a Filosofia e a
Ciência Política. “Essas disciplinas servem não só para informar os
juristas, mas, principalmente, para formá-los” (FERRAZ JÚNIOR,
1979, p. 24). As disciplinas como História, Sociologia, Filosofia,
Literatura e Economia, permitem aos estudantes ter uma visão mais
ampla dos problemas jurídicos, possibilitando análises mais críticas
e especulativas da nossa sociedade, fazendo questionamentos
em profundidade do problema. É preciso integrar o processo de
ensino e aprendizagem, sem hierarquizações entre as disciplinas
de formação e as disciplinas jurídicas. O grande desafio do um
ensino jurídico é fazer “[...] que ao mesmo tempo, que dialogue
com a crítica não perca de vista o caráter operacional do discurso
jurídico” (ROSA, 2015, p. 213).
A interdisciplinaridade trabalha a relação entre as diferentes
disciplinas de uma mesma área de conhecimento, preservando nelas
autonomia e as peculiaridades, mas articulando os conhecimentos
para uma compreensão ampla dos fenômenos, de forma a estabelecer
conexões entre elas. A Transdisciplinaridade atravessa as fronteiras
epistemológicas de cada ciência, praticando o diálogo dos saberes,
envolvendo conteúdos que vão além das disciplinas, isto é, de temas
que são comuns a todas as áreas do conhecimento.
A adoção de um ensino jurídico baseado na
Interdisciplinaridade e na Transdisciplinaridade permite uma nova
percepção epistemológica, superando uma abordagem de cunho
essencialmente dogmático e promovendo a formação de egressos
inteiramente capazes de recepcionar, com maior habilidade e
compreensão, os fenômenos sociais, culturais e políticos da

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sociedade. É oferecer muito mais do que os conteúdos mínimos


obrigatórios, por meio de uma ação institucional estruturante e
contínua no processo formativo, capaz de dialogar com os novos
desafios profissionais e de superar os espaços concentradamente
conservadores, socialmente injustos ou irrelevantes no exercício da
profissão.
A interdisciplinaridade faz uma crítica a especialização e a
fragmentação do ensino, visando à superação do saber disciplinar
tradicional e o fortalecimento do saber crítico e reflexivo,
permitindo pensar um problema sobre diferentes pontos de vista,
rompendo os compartimentos disciplinares, integrando as diferentes
áreas do conhecimento, por meio da cooperação, do diálogo e
do planejamento comum, implicando no compartilhamento de
métodos entre as disciplinas, sem perder sua identidade e suas
peculiaridades.
O paradigma positivista terminou por tornar o ensino
jurídico unidisciplinar, resumido à ordem jurídica vigente,
sem qualquer incursão reflexiva no campo de outros
conhecimentos. Foi justamente na tentativa de amenizar
tal quadro que a Portaria 1.886/94 e, posteriormente, a
Resolução 09/2004 estabeleceram em suas diretrizes
curriculares várias disciplinas, que tem o objetivo de
inserir o estudo do Direito num campo mais amplo,
buscando a contribuição da Filosofia, da Sociologia, da
Ciência Política, da economia, dentre outras. A partir
do diálogo entre essas ciências e o Direito é que se
almeja inserir no ensino jurídico a interdisciplinaridade
(FRANCISCHETTO, 2011, p. 31).
A transversalidade na prática educativa é a possibilidade
de construir uma relação entre conhecimentos teoricamente
sistematizados e as questões da realidade vivenciada pela
sociedade no seu cotidiano, de modo a permitir que os estudantes
consigam vislumbrar a teoria no mundo prático. A transversalidade
possibilita o rompimento da estrutura tradicional e conservadora
do conhecimento cartesiano, descontextualizado e valorizador do
conteúdo, transpondo a ideia de que o docente é fonte da informação
e o aluno é um receptáculo do conhecimento transmitido. Com
a transdisciplinaridade é possível sair de um bloco de conteúdo,

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38 ISSN 2237-2318

passar por todos os conteúdos curriculares dentro da área de


formação, e retornar ao ponto inicial, numa perspectiva circular,
para resolver uma questão numa visão ampliada e multifacetada,
não restrita ao olhar de uma única disciplina, mas influenciada
por outras dimensões do saber, o que favorece uma solução mais
eficaz aos problemas colocados pelas complexidades da sociedade
contemporânea (RANDOM, 2002).
A Transdisciplinaridade não pretende ser uma hiper ciência
ou uma ciência das ciências. No entanto, há a defesa da
existência de uma unidade da ciência que ocorre pela
comunicação e articulação entre a pluralidade de campos
de pesquisa, estabelecendo uma verdadeira teia, na qual
cada disciplina mantém sua autonomia, mas participa de
uma unidade maior que representa o sistema complexo.
Todas as disciplinas que almejam realizar uma pesquisa
transdisciplinar, devem contextualizar-se neste sistema
articulador das áreas do conhecimento, no qual, em última
instância, todas as áreas do conhecimento se comunicam-se
─ direta ou indiretamente ─ com todas as demais. Somente
assim opera-se a transcendência do reducionismo, abrindo
uma ponte para o método transdisciplinar (WIVIURKA,
2010, p. 5105).
Os concursos públicos já estão incluindo conteúdos mais
humanísticos ou de disciplinas do ciclo geral de formação, como
filosofia e direitos humanos, o que tem representado um avanço
para uma nova formatação do ensino jurídico.
A Resolução n° 75 do Conselho Nacional de Justiça, em seu
anexo VI, passa a exigir dos magistrados conhecimentos
sobre Sociologia do Direito, Psicologia Judiciária, Ética,
Filosofia do Direito, Teoria Geral do Direito e da Política,
disciplinas essenciais para a compreensão do fenômeno
jurídico. A referida resolução não fala sobre comunicação
destas disciplinas, porém, considerando que o objetivo
delas é a formação humanística (título do anexo) é
implícito que girem em torno deste eixo, assumindo um
viés multidisciplinar. A transição de um paradigma para
outro, ou seja, da ótica disciplinar atual do Direito para
a transdisciplinar, repercutira em novos horizontes para
a pesquisa e ensino das ciências jurídicas (WIVIURKA,
2010, p. 5115).

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ISSN 2237-2318 39

Após o processo de unificação do Exame de Ordem, ocorreu


uma preocupação em reformular a dinâmica e a estrutura da
avaliação, diversificando o conteúdo tradicional, inserindo novas
áreas do Direito, inclusive com destaque a Filosofia do Direito.
Mas, as matrizes curriculares tradicionais existentes na maioria
dos cursos de Direito, continuam fundamentadas na fragmentação
disciplinar, com suas dezenas de disciplinas sem pontos de conexão.
A plena eficácia da Resolução CNE/CES n°9 não pode
se dar pelo estudo isolado, mesmo que verticalizando,
das várias disciplinas fundamentais. É imprescindível
organizá-las evidenciando suas interações recíprocas,
identificando as finalidades comuns de tais disciplinas
para a formação humanística dos juristas (WIVIURKA,
2010, p. 5115).
É preciso enfrentar o problema da qualidade dos Cursos de
Direito na perspectiva de novas concepções, onde o conhecimento
se faça a partir do todo, e não de forma estanque, compartimentada
e fragmentada. O ensino jurídico não pode se tornar uma simples
leitura de códigos, leis, tratados, mas é preciso pensar num currículo
mais aberto (LEISTER; TREVISAN, 2013).

3.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um ensino jurídico de qualidade deve estar fundamentado


no comprometimento com a formação de profissionais com o
domínio do raciocínio jurídico, aliado a um senso ético, pautado
num conhecimento integrado com as mudanças sociais, políticas,
culturais e tecnológicas de uma sociedade global. Portanto, deve-
se trabalhar uma perspectiva voltada à visão de que o estudo da
legislação é indispensável, mais não suficiente e limitador do
Direito.
Além da preocupação técnico-científica, é preciso levar
em conta os expressivos direcionamentos e tendências sociais, o
compartilhamento dos avanços e do desenvolvimento econômico,
a inclusão de segmentos sociais, à defesa do meio ambiente e da
memória cultural, o compromisso com o bem público e com a
sociedade democrática e plural e o respeito pela diferença e pela

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solidariedade, estendendo a produção do saber aos interesses


sociais mais amplos e aprimorando o ensino para contribuir com
as necessidades da comunidade. É preciso ultrapassar os muros
das ciências jurídicas tradicionais e dogmáticas, a partir de um
espectro interdisciplinar e transdisciplinar, focada na realidade
social.
O currículo e os planos de ensino precisam dialogar entre
as diversas áreas afins, de maneira integrada, mediante o estudo
de temas comuns, sem perder as especificidades de cada área,
mas aproveitando-se do conhecimento acumulado, que é fruto
do estudo contínuo. O ensino das ciências jurídicas necessita de
um currículo completo e emancipatório preocupado com uma
formação ética e humanitária, devendo buscar a interação das
disciplinas com a realidade, superando a fragmentação do ensino,
para uma formação integral do aluno, com plenas condições de
enfrentar os complexos problemas da sociedade.
É preciso uma matriz menos verticalizada e mais integrada
e propedêutica, integrando os conteúdos das disciplinas
profissionalizantes, teóricas e práticas. Somente assim, os
estudantes do Direito terão condições de responder às demandas
sociais em plena transformação. Os saberes propedêuticos dentro
de uma abordagem transdisciplinar permitem reconectar os
conhecimentos e observar os fenômenos de forma ampla, levando
em conta os fatores sociais, econômicos, políticos, culturais,
colocando-se como o caminho para novos tempos na busca de um
ensino jurídico de qualidade.
O estudo defende que para ocorrer essa mudança é preciso
um compromisso amplo de todos os envolvidos no processo
educativo. Não basta a mudança legislativa, das normas e portarias
que regulam os cursos superiores, não basta mudar os Projetos
Pedagógicos dos Cursos, não basta o discurso nas academias,
não basta eleger a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade
como novos modelos pedagógicos, não basta reformular a matriz
curricular quebrando a verticalidade disciplinar, não basta
criar ementas integradas, é preciso uma mudança cultural na
forma de conduzir o processo de ensino e aprendizagem. Para

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isso, é necessário, antes de tudo, preparar o docente para lidar


no cotidiano com essas novas práticas pedagógicas. O docente
especialista em determinado assunto não é mais suficiente para
enfrentar a complexidade da docência (OLIVEIRA, 2010).
O nosso pensamento não é contrário totalmente ao ensino
dogmático e ao uso dos manuais de Direito. A dogmática é um
importante instrumento de estudo e de análise das questões
jurídicas e oferece subsídios relevantes para as reflexões no campo
do Direito, no entanto não pode ser a única forma segura de se
compreender o Direito, como algo inquestionável e capaz de apontar
todas as soluções aos conflitos sociais (FRANCISCHETTO,
2011). Apenas, entende-se que o simples domínio da dogmática
por um estudante de Direito não é o suficiente para que ele possa
tomar uma decisão adequada e correta no caso concreto.
A fórmula de ensino jurídico tradicionalmente dogmático
e das estruturas curriculares verticalizadas não mais atendem às
expectativas de uma educação de qualidade, crítica e reflexiva,
não conseguindo corresponder aos anseios de uma sociedade
dinâmica, globalizada, inovadora e complexa, que busca soluções
para os novos problemas e questões que surgem a cada momento.
O ensino jurídico precisa romper a departamentalização do
conhecimento. O modelo pensado na década de 60 se esgotou e a
preferência pela formação técnica em detrimento de uma formação
mais humanista não tem mais espaço. Os projetos pedagógicos
e as matrizes curriculares precisam rever o excesso de conteúdos
dogmáticos e pensar em estratégias de ampliação das disciplinas
propedêuticas ampliando o diálogo interdisciplinar e transversal
entre elas e as disciplinas técnicas, pautando a análise e o estudo
pela visão crítica e reflexiva acerca do Direito.

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Interesse processual e o acesso à Justiça:


a exigência de prévio requerimento
extrajudicial antes da propositura
de demandas judiciais

Paulo Fernando AMARO1


Luís Gustavo Santos LAZZARINI2

Resumo: O presente estudo discorre sobre um assunto relevante atualmente


no que diz respeito ao interesse processual e o acesso à Justiça, levando em
consideração que, num contexto de grande litigiosidade, o Poder Judiciário deve
ser a última forma de solução de conflitos. A pesquisa também busca compreender
como a solução administrativa eficiente pode evitar o conflito 3judicial. Nesta
linha, o trabalho propõe uma releitura do acesso à Justiça, demonstrando a
importância do prévio requerimento extrajudicial como uma exigência para a
postulação em juízo em situações específicas, considerando que não se trata de
exigência absoluta, sendo facultado ao juízo analisar a real necessidade de pedido
anterior na via administrativa. Por fim, o trabalho constata que é importante
uma eficiência mínima na esfera administrativa, por meio da qual o sistema
extrajudicial precisa funcionar de forma a recepcionar e apresentar soluções em
tempo razoável para os reclames dos jurisdicionados, não apresentando assim
um óbice inconstitucional para acesso à Justiça.

Palavras-chave: Acesso à Justiça. Interesse Processual. Prévio Requerimento


Administrativo. Solução Extrajudicial.

1
Paulo Fernando Amaro. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Central Paulista. Advogado.
E-mail: pfamaro.adv@gmail.com.
2
Luís Gustavo Santos Lazzarini. Doutor e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP). Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” (UNESP). Docente do curso de graduação em Direito no Claretiano – Centro
Universitário de Rio Claro e UNICEP São Carlos. Advogado. E-mail: lgslazzarini@gmail.com.

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Procedural interest and access to justice:


the requirement of a previous extrajudicial
request before filing lawsuits

Paulo Fernando AMARO


Luís Gustavo Santos LAZZARINI

Abstract: This study discusses a currently relevant subject with regard to


procedural interest and access to justice, taking into account that, in a context of
great litigation, the Judiciary should be the last form of conflict resolution. The
research also seeks to understand how the efficient administrative solution can
avoid the judicial conflict. In this line, the work proposes a re-reading of access
to Justice, demonstrating the importance of the previous extrajudicial request as
a requirement for the postulation in court in specific situations, considering that
it is not an absolute requirement, being allowed to the court to analyze the real
need to previous request in the administrative route. Finally, the work finds that a
minimum efficiency in the administrative sphere is important, through which the
extrajudicial system needs to function in order to receive and present solutions
in a reasonable time for the claims of the jurisdictional, thus not presenting an
unconstitutional obstacle to access to the Justice.

Keywords: Access to Justice. Procedural Interest. Prior Administrative


Requirement. Out-of-court Solution.

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1.  INTRODUÇÃO

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXV,


determina que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito; também o CPC/2015, em seu artigo
3º, caput, dispõe que não se excluirá da apreciação jurisdicional
ameaça ou lesão a direito.
Contudo, em determinadas situações, discute-se se existe a
possibilidade de ser caracterizada lesão ou ameaça de direito, sem
que tenha havido um prévio requerimento administrativo para a
solução do conflito. Em outras palavras, questiona-se se a exigência
de prévio requerimento administrativo como condicionante legítima
para o acesso ao Judiciário estaria violando o art. 5º, XXXV, da CF
e o art. 3º, caput, do CPC.
Neste trabalho, que tem como base o interesse processual e o
acesso à Justiça, mais especificamente no que tange à exigência de
prévio requerimento administrativo como condição para o exercício
do direito de ação (interesse de agir – necessidade) perante o
Judiciário, serão abordados os principais aspectos relacionados à
exigência de prévio requerimento administrativo como condição
necessária para o acesso à Justiça, fundamentando-se na premissa
de que a jurisdição deve ser a última forma de solução de conflitos,
entendendo que a existência de conflito de interesses no âmbito do
direito material faz surgir o interesse processual para aquele que
não conseguiu satisfazer consensualmente seu direito.
Assim, o trabalho abordará o interesse de agir como condição
para propositura de demandas judiciais e verificar as situações em
que o prévio requerimento não viola o princípio do acesso à Justiça
previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da CF e no artigo 3º, caput do
CPC.
Dessa forma, convém fazer uma análise da estruturação
dos sistemas extrajudiciais em relação à capacidade de oferecer
respostas rápidas e com qualidade. Nesse sentido, o trabalho
procura identificar situações em que seria interessante a exigência
de prévio requerimento administrativo, sob pena de erigir mais um
obstáculo ao acesso à Justiça.

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Será aplicado o método indutivo, partindo da observação de


precedentes de diversos Tribunais Superiores em relação à exigência
de prévio requerimento administrativo em algumas situações para
se ter acesso ao Poder Judiciário, levando a uma proposição mais
geral e, consequentemente, uma releitura do princípio do acesso à
Justiça.

Interesse processual: aspectos conceituais

O interesse de agir é um requisito processual objetivo


extrínseco positivo, sendo assim, deve existir para que a instauração
do processo se dê validamente, e, por conseguinte, faltando o
interesse de agir, o pedido não será examinado. Dessa forma,
faremos uma breve análise a partir dos pressupostos processuais e,
em seguida, falaremos sobre o que é pertinente para o trabalho, o
interesse processual (interesse de agir).
Devido às divergências doutrinárias quanto ao interesse
processual (interesse de agir) serem uma das condições da ação
ou um pressuposto processual, será adotada uma linha mais
contemporânea com base no conceito de Fredie Didier Jr., para
quem os “[...] pressupostos processuais são todos os elementos
de existência, os requisitos de validade e as condições de eficácia
do procedimento, que é ato-complexo de formação sucessiva”.
(DIDIER JR., 2019, p. 368, grifo nosso). A doutrina costuma referir-
se aos pressupostos de existência e aos requisitos de validade,
deixando de lado os fatores de eficácia.
Sobre o assunto, a terminologia necessita de correção técnica.
Um pressuposto é aquilo que antecede ao ato e é um elemento
essencial para a existência jurídica da ação. Os requisitos regem a
estrutura dos atos jurídicos e influenciam a sua validade. Portanto, é
mais técnico falar sobre requisitos de validade do que “pressupostos
de validade”.
Sendo assim,
o processo é um feixe de relações jurídicas, do ponto de
vista da eficácia, e um procedimento, do ponto de vista
da existência. Como em toda relação jurídica, impõe-se a

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coexistência de elementos subjetivos (sujeitos) e objetivos


(fato jurídico e objeto) (DIDIER JR., 2019, p. 369).
Os sujeitos principais do processo são as partes (autor e
réu) e o Estado-juiz. Para que o processo exista, basta que
alguém postule perante um órgão que esteja investido de
jurisdição: a existência de um autor (sujeito que pratique
o ato inaugural, que tenha personalidade judiciária) e de
um órgão investido de jurisdição completa o elemento
subjetivo do processo. O processo existe sem réu; para ele,
porém, só terá eficácia, somente poderá produzir alguma
consequência jurídica, se for validamente citado (art. 312
do CPC).
Os elementos objetivos de uma relação jurídica são o fato
jurídico e o objeto. O fato jurídico que instaura a relação
jurídica processual é o ato inaugural (ato postulatório
que introduz o objeto litigioso do processo) de alguém
com personalidade judiciária perante órgão investido de
jurisdição, conforme prevê o art. 312 do CPC. O objeto
litigioso do processo é o objeto da prestação jurisdicional
solicitada nesse ato, normalmente designado de demanda.
Preenchidos esses elementos, o processo existe (DIDIER
JR., 2019, p. 369).
Em consonância com Didier Jr. (2019), uma vez que o
processo existe, é possível discutir a admissibilidade (validade) de
todo o procedimento (ato jurídico complexo) ou, mais precisamente,
de cada ato jurídico ali praticado. No entanto, a validade da relação
jurídica processual não pode ser contestada: relação jurídica é o
efeito de um fato jurídico, existe ou não existe; apenas os atos
jurídicos podem ser inválidos, como já foi dito – no entanto, pode-
se questionar a validade do procedimento, que é um ato jurídico
complexo que toma forma sucessivamente.
Então, surgem os requisitos de validade do processo. Como
todo ato jurídico, um procedimento tem requisitos para sua validade:
deve ser respeitada a forma do ato, assim como os sujeitos (juízes
e partes) devem ser capazes. Os requisitos processuais extrínsecos
podem ser negativos e positivos (interesse de agir).
O CPC atual não mais se vale da categoria “condição da
ação” como gênero, de que são espécies a legitimidade ad causam e
o interesse de agir (DIDIER JÚNIOR, 2019, p. 403). Ele menciona

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a legitimidade e a falta de interesse processual ao enumerar as


hipóteses de resolução do processo sem resolução do mérito, no
inciso VI do art. 485 (Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:
VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual).
Sendo assim, o estudo desses requisitos processuais passa a
ser feito em conjunto com os demais pressupostos processuais, onde
a legitimidade ad causam é hipótese de admissibilidade subjetiva
relacionada às partes e ao interesse de agir (estudo do presente
trabalho), um requisito objetivo extrínseco positivo.
O art. 17 do CPC disciplina que “[...] para postular em juízo
é necessário ter interesse e legitimidade”. Em seu art. 485, VI, o
CPC preconiza que não haverá resolução de mérito quando “[...]
verificar a ausência de legitimidade ou interesse processual”.
Nesse sentido, nos ensina Fredie Didier Jr. (2019, p. 404):
Interesse e legitimidade são exigidos para qualquer
postulação em juízo, não apenas para a propositura da
demanda ou apresentação da respectiva defesa.
Também se exigem o interesse e a legitimidade para
recorrer, arguir impedimento ou suspeição do juiz, chamar
ao processo, suscitar os incidentes processuais (conflito
de competência, incidente de resolução de demandas
repetitivas etc.) etc.
A redação do enunciado também ajuda a compreender a
dinamicidade das posições processuais. O sujeito pode ter
legitimidade para um ato e não a ter para o outro; pode não
ter interesse para algo e tê-lo para outra coisa; pode não
ter, originariamente, legitimidade e, tempos depois, essa
legitimidade ser adquirida – o mesmo pode ocorrer com o
interesse de agir. As posições processuais são dinâmicas.
Sobre a noção de legitimidade ad causam, para Didier Jr.
(2019), a legitimidade para agir (ad causam petendi ou ad agendum)
é um requisito de admissibilidade examinado no elemento subjetivo
da demanda: os sujeitos. Não é suficiente para a parte atender aos
“pressupostos processuais” subjetivos para atuar regularmente ao
juízo. Além disso, os sujeitos da demanda devem estar em uma
posição jurídica específica que os autorize a conduzir o processo
em que a relação jurídica de direito material seja debatida em juízo.

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Além do interesse e da legitimidade, é necessário que a


parte preencha os demais requisitos processuais subjetivos, como
a capacidade processual e postulatória, e também os requisitos
processuais objetivos, intrínsecos e extrínsecos negativos.
O interesse processual, por sua vez, é compreendido pela
necessidade e a utilidade da tutela jurisdicional. De acordo com
Fredie Didier Jr. (2019, p. 422):
Há quem acrescente, ainda, uma terceira dimensão: a
‘adequação do remédio judicial ou procedimento’ como
elemento necessário à configuração do interesse de agir.
Não se adota essa posição, pois procedimento é dado
estranho à análise da demanda e, ademais, eventual
equívoco na escolha do procedimento é sempre sanável,
o que não é possível nos casos de falta de utilidade ou de
necessidade.
Pelo fato de o interesse de agir ser um requisito objetivo
extrínseco positivo, ele necessariamente deve existir para que o
processo seja válido; desse modo, o pedido não será analisado se
ele não estiver presente.
É possível ter interesse sobre diversos bens da vida, assim
como podemos ter interesse na tutela jurisdicional. Enfim, o
interesse se concretiza na vontade de quem pede. Desse modo, “[...]
não há como indagar, em abstrato, se há ou não interesse de agir,
pois ele sempre estará relacionado a uma determinada demanda
judicial” (DIDIER JR., 2019, p. 422).
Desse modo, preceitua Fredie Didier Jr. (2019, p. 423):
O conceito de interesse de agir é um conceito jurídico
fundamental, e não jurídico-positivo, ‘exatamente porque
não decorre de um específico ordenamento jurídico, não
variando de acordo com as definições empregadas por
cada sistema normativo, sendo, ao contrário, uniforme e
constante em todos os ordenamentos. Se sua inobservância
acarretará a extinção do processo sem ou com julgamento
de mérito, é problema que, realmente, será disciplinado por
cada ordenamento jurídico. Só que tal problema se insere
no âmbito dos efeitos, das consequências, dos consectários
da ausência do interesse de agir, não dizendo respeito ao

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seu conceito’. Trata-se de conceito formulado pela ciência


jurídica processual.
Cabe distinguir, antes de examinar os aspectos do interesse
de agir, o interesse substancial do interesse processual.
O interesse processual ‘se distingue do interesse
substancial, para cuja proteção se intenta a ação, da
mesma maneira como se distinguem os dois direitos
correspondentes: o substancial que se afirma pertencer ao
autor e o processual que se exerce para a tutela do primeiro.
Interesse de agir é, por isso, um interesse processual,
secundário e instrumental com relação ao interesse
substancial primário; tem por objeto o provimento que
se pede ao juiz como meio para obter a satisfação de um
interesse primário lesado pelo comportamento da parte
contrária, ou, mais genericamente, pela situação de fato
objetivamente existente’.
Sempre que o processo puder propiciar ao demandante o
resultado favorável pretendido, dizemos que há utilidade, isto
é, sempre que o processo puder resultar em algum proveito ao
demandante. Nesse ponto, explica Renato Montans de Sá (2022,
p. 349):
A utilidade será aferida sempre que o provimento
jurisdicional puder, in concreto, conceder ao autor um
resultado que lhe seja útil. Não se pode ir ao Poder Judiciário
para resolver rusgas pessoais ou questões particulares que
não possuírem utilidade prática. Por se tratar o interesse de
agir do núcleo fundamental do direito de ação (Dinamarco)
somente será lícito buscar o judiciário se este tiver aptidão
de responder ao pedido formulado.

Assim, a providência jurisdicional reputa-se útil na medida


em que, “[...] por sua natureza, verdadeiramente se revele – sempre
em tese – apta a tutelar, de maneira tão completa quanto possível, a
situação jurídica do requerente” (DIDIER JR., 2019, p. 423). Nesse
sentido, o legislador brasileiro admite haver interesse-utilidade na
pretensão processual à simples declaração, mesmo quando já for
possível o ajuizamento de ação condenatória.

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O interesse processual e o requerimento prévio ao ajuizamento


de demandas judiciais

Há situações específicas em que os tribunais vêm exigindo o


prévio requerimento administrativo para propositura de ações perante
o Judiciário, como condicionante legítima para demonstração do
interesse processual. Para tanto, serão apresentados alguns casos
paradigmáticos.

A exigência de prévio requerimento nas cobranças de seguro


obrigatório (DPVAT) junto à Seguradora Líder

Em tema de cobrança de seguro obrigatório (DPVAT), há


precedente do STF no sentido de que só se é possível afirmar a
existência de interesse processual (necessidade) a partir da negativa
ou demora na apreciação de pedidos formulados previamente, antes
do ingresso em juízo, junto à Seguradora Líder (Resolução CNSP
n° 154/2006 e Portaria CNSP n° 2.797/07).
Em relação ao tema, ​a Quarta Turma do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) reafirmou que é necessário requerimento
administrativo prévio para configurar o interesse de agir na ação
de cobrança do seguro DPVAT. Entretanto, para o colegiado, essa
exigência não é absoluta, sendo facultado ao juiz analisar a real
necessidade de pedido anterior na via administrativa. No julgamento
do recurso, foram discriminadas algumas considerações:
O seguro DPVAT é regido por norma específica – Lei
nº 6.194/74 – na qual explicitada a possibilidade de
que o pagamento da indenização pode ser conferido
administrativamente, desde que cumpridos os requisitos
especificados na lei, motivo pelo qual a ameaça ou lesão
a direito aptas a ensejar a necessidade de manifestação
judiciária do Estado se caracterizam, em demandas de
cobrança do seguro DPVAT, salvo exceções particulares
averiguadas no caso concreto, após o prévio requerimento
administrativo, consoante aplicação analógica do
entendimento firmado pelo STF no RE 631.240, julgado
em repercussão geral (RESP. n. 1.987.853/PB, 2022, p. 2).

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O tribunal adotou uma interpretação analógica do


Recurso Extraordinário 631.240, no qual o STF, decidindo em
questão previdenciária, reconheceu a possibilidade de o juiz
do caso motivadamente afastar a necessidade de prévio pedido
administrativo se a medida for excessivamente onerosa para o
titular do direito. Para o relator, ministro Marco Buzzi:
A ameaça ou lesão a direito aptas a ensejar a necessidade
de manifestação judiciária do Estado acerca de
determinado conflito não podem ficar adstritas, sempre e
apenas se realizado o prévio requerimento administrativo,
notadamente quando a situação efetivamente vivenciada
denota, por si só, existir inegável motivação para o ingresso
em juízo dado o caráter controvertido do pleito formulado
(RESP. n. 1.987.853/PB, 2022, p. 25).
A ação de cobrança do seguro DPVAT teve sua origem e,
consequentemente, foi ajuizada em 2012, a qual foi extinta por
ilegitimidade ativa, tendo sido novamente proposta em 2015, em
virtude de acidente ocorrido em 2011, o qual resultou em invalidez
total e permanente do humorista Francisco Jozenilton Veloso, mais
conhecido como Shaolin, tendo falecido em 2016. De acordo com
os autos, a seguradora responsável pela indenização foi condenada,
na primeira instância, a pagar R$ 13,5 mil aos sucessores da vítima.
Entretanto, a decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça da
Paraíba (TJPB), tendo este acolhido a alegação da seguradora de
falta de interesse de agir por parte do autor, em virtude da ausência
de requerimento administrativo prévio, conforme precedentes
do STF nos Recursos Extraordinários 839.314 e 824.704. Tendo
ficado decidido nesses julgamentos que, “[...] para a existência
da pretensão resistida e para a configuração da necessidade de
intervenção jurisdicional, é imprescindível o prévio requerimento
administrativo” (STJ, 2022, [n.p.]).
Em seu voto, o Sr. Ministro Marco Buzzi lembrou que o STF
não tratou especificamente do tema DPVAT no RE 631.240, mas
a utilização analógica da compreensão estabelecida pelo tribunal
para demandas de cunho não previdenciário tem sido frequente no
STJ, que entende pela necessidade do requerimento administrativo
prévio, salvo exceções particulares averiguadas no caso concreto.
Entretanto, o ministro salientou que as interpretações analógicas no

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Judiciário não podem negar o efetivo direito da parte, notadamente


quando não há jurisprudência sedimentada sobre a questão, sendo,
ainda, inviável aplicar a compreensão de hoje para casos ocorridos
no passado, sob pena de aniquilar direitos nascidos em momento
no qual não havia requisitos para a formulação das pretensões em
juízo (STJ, 2022, n.p.).
No caso analisado, o magistrado observou que houve,
conforme definido pelos autores, a recusa e a resistência imotivadas
da seguradora em conceder o benefício a alguém que se encontrava
absolutamente incapaz após um acidente que, inclusive, provocou
sua morte poucos anos depois. “Verifica-se que a seguradora, desde
a citação, posiciona-se de maneira desfavorável ao pagamento da
indenização do seguro DPVAT, seja reputando ausentes documentos
que considera necessários ao deferimento do pleito, seja afirmando
que a morte do humorista não teve nexo de causalidade com o
acidente ocorrido em 2011”, concluiu o ministro (STJ, 2022, n.p.).

A exigência de prévio requerimento administrativo nas causas


previdenciárias

O STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 631.240,


com repercussão geral reconhecida (tema 350), considerou que
a exigência do prévio requerimento administrativo em causas
previdenciárias – antes de o segurado recorrer à Justiça para a
concessão de benefício previdenciário – não fere a garantia de
livre acesso ao Judiciário, prevista no artigo 5º, inciso XXXV, da
Constituição Federal, pois, sem pedido administrativo anterior, não
fica caracterizada lesão ou ameaça de direito.
O que foi discutido nesse recurso foi a constitucionalidade
da exigência de prévio requerimento administrativo como condição
para propositura de ações judiciais previdenciárias. Tal exigência
é comumente formulada a título de comprovação do interesse em
agir.
Sobre esse entendimento, esclarece Fredie Didier Jr. (2019,
p. 425):

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O STF entendeu que é necessário o prévio requerimento


administrativo antes de o segurado recorrer à justiça para
a concessão de benefício previdenciário. Sem esse prévio
requerimento, faltaria interesse de agir. Se o requerimento
administrativo for negado, total ou parcialmente, bem como
quando não for apreciado pelo INSS no prazo de quarenta
e cinco dias, poderá o segurado propor a ação perante o
Judiciário. O STF não exige o esgotamento administrativo
da controvérsia, mas exige o prévio requerimento, nos
termos do voto do relator; Min. Roberto Barroso: “Negado
o benefício, não há impedimento ao segurado para que
ingresse no Judiciário antes que eventual recurso seja
examinado pela autarquia”. O STF, contudo, considerou
não haver necessidade de formulação de requerimento
administrativo prévio para que o segurado ingresse
judicialmente com pedidos de revisão de benefícios, a
não ser nos casos em que seja necessária a apreciação
de matéria de fato. Acrescentou ainda que a exigência
de requerimento prévio também não se aplica nos casos
em que a posição do INSS seja notoriamente contrária ao
direito postulado.
O ministro Roberto Barroso, no julgamento do Recurso
Extraordinário 631.240, ao pronunciar seu voto, considerou que:
É muito importante não confundir – como às vezes faz a
jurisprudência – a exigência de prévio requerimento com o
exaurimento das vias administrativas. A regra do art. 153,
§ 4º, da Constituição anterior (na redação dada pela EC nº
7/1977), que autorizava a lei a exigir o exaurimento das vias
administrativas como condição para ingresso em juízo, não
foi reproduzida pela Constituição de 1988. Esta a razão pela
qual foram editadas a Súmula 213/TFR (“O exaurimento da
via administrativa não é condição para a propositura de ação
de natureza previdenciária”), a Súmula 89/STJ (“A ação
acidentária prescinde do exaurimento da via administrativa”)
e a Súmula 9/TRF3 (“Em matéria previdenciária, torna-se
desnecessário o prévio exaurimento da via administrativa,
como condição de ajuizamento da ação”). Esclareça-se,
porém, que o requisito do prévio requerimento se satisfaz
com a mera postulação administrativa do benefício, perante
a primeira instância com atribuição para conhecê-lo,
enquanto o exaurimento significa a efetiva utilização de
todos os recursos administrativos cabíveis (RE 631240 /
MG, 2014, p. 16).

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Segundo Pinho (2022), o STJ decidiu que, para a propositura


de ação judicial de concessão de benefícios previdenciários,
deve ser dispensado o requerimento administrativo anterior,
excepcionalmente, quando: i) o INSS se recusar a aceitar; ou (ii)
houver resistência à concessão de benefícios previdenciários,
caracterizados por: a) notória oposição da autoridade previdenciária
à posição jurídica aderida pelo segurado; ou (b) exceda a duração
razoável dos processos administrativos.
Ainda nesse sentido, sobre o posicionamento do tribunal,
esclareceu Pinho (2022) que o requerimento ser exigido de maneira
prévia não deve ser confundido com o esgotamento das vias
administrativas, nem prevalecendo quando for evidente, e de forma
reiterada, contrariamente à postulação do segurado, o entendimento
adotado pela Autarquia.
Considerou-se, no julgamento do RE 631240 / MG, não haver
de aguardar a apreciação de prévio requerimento administrativo
para que o segurado ingresse judicialmente: a) com pedidos de
revisão de benefícios (a não ser nos casos em que seja necessária
a apreciação de matéria de fato); b) com pedidos em que a posição
do INSS seja notoriamente contrária ao direito postulado (como é
o caso das aposentadorias por idade rural com base exclusivamente
em prova oral, nos termos da súmula 149 do STJ); e c) com pedidos
em que, apresentado o requerimento administrativo, não haja
resposta do INSS em prazo razoável (fixado em 90 dias).
Embora a repercussão geral suprarreferida se refira a benefícios
previdenciários/assistenciais/acidentários, o entendimento tem sido
estendido para outros quadrantes, aplicando-se a ratio do precedente
para exigir prévio requerimento administrativo em uma infinidade
de outros temas.

Exibição de documentos bancários como medida preparatória a


fim de instruir a ação principal

Esse mesmo entendimento também tem sido aplicado aos


pedidos de exibição de documentos em geral, inclusive em sede
de relações de consumo regidas pelo CDC. O STJ decidiu, em

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sede de recursos repetitivos (art. 543-C do CPC/1973) (art. 1.036


do CPC/2015), que a exigência de requerimento prévio junto
aos bancos é indispensável para aquilatar o interesse processual/
necessidade no pedido de exibição de documentos, não implicando
violação do princípio do acesso à Justiça.
Sobre essa decisão, expomos o pensamento de Fredie Didier
Jr. (2019, p. 425, destaques do autor):
A 2ª Seção do STJ, ao apreciar; de acordo com
procedimento de recursos repetitivos, o Resp n. 1.349.453-
MS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. em 10.12.2014,
Dje 2.2.2015, decidiu ‘a propositura de ação cautelar de
exibição de documentos bancários ( cópias e segunda via
de documentos) é cabível como medida preparatória a
fim de instruir a ação principal, bastando a demonstração
da existência de relação jurídica entre as partes, a
comprovação de prévio pedido à instituição financeira não
atendido em prazo razoável e o pagamento do custo do
serviço conforme previsão contratual e normatização da
autoridade monetária’.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec, no
RESP n. 1.349.453/MS, manifestou seu posicionamento:
No sentido de considerar presente o interesse de agir da
parte que propõe ação cautelar de exibição de documentos.
Informa que os bancos dificultam ao máximo a entrega
dos extratos bancários na proximidade do esgotamento
do prazo prescricional para propositura da ação de
cobrança. Defende estar presente o interesse de agir para
a propositura da ação cautelar de exibição de documentos,
‘pois a necessidade de buscar o Judiciário se deu pela
recusa da instituição financeira na entrega dos extratos
e a utilidade é a provável utilização de tais extratos para
instrução de futura ação de cobrança’ (RESP n. 1.349.453/
MS, 2014, p. 6).
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre
Subprocurador-Geral da República Dr. Antônio Carlos Pessoa Lins,
opinou pelo “[...] provimento do recurso especial representativo de
controvérsia, para que se reconheça o interesse de agir da recorrente
que pleiteou a exibição de extratos bancários mediante medida
cautelar, com a aplicação do mesmo preceito aos casos repetitivos”
(RESP n. 1.349.453/MS, 2014, p. 6).

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Ao final, o STJ fixou como tese que a propositura de ação


de exibição de documentos bancários (cópias e segundas vias de
documentos) é cabível como medida preparatória a fim de instruir
eventual ação principal, bastando a demonstração de relação jurídica
entre as partes, a comprovação de prévio pedido à instituição
financeira não atendido em prazo razoável, e o pagamento do
custo do serviço conforme previsão contratual e normatização da
autoridade monetária.

Aspectos controvertidos sobre a exigência do prévio


requerimento administrativo anterior à propositura da
demanda judicial

A partir da necessidade de racionalização do acesso à


Justiça e a consequente contenção de gastos que seriam gerados
por demandas judiciais, o sistema judiciário brasileiro cada vez
mais está prestigiando mecanismos de soluções extrajudiciais de
conflitos, sejam eles os contenciosos administrativos, serviços de
atendimento ao consumidor e também plataformas virtuais que
se utilizam de ferramentas para a recepção e possível solução das
reclamações apresentadas.
Entre esses meios alternativos de soluções de conflito
extrajudiciais destaca-se o PROCON, que é um órgão que atua na
proteção e defesa dos direitos e interesses dos consumidores.
De acordo com Almeida (2022), em se tratando de acesso
às vias administrativas, merece destaque a atuação dos PROCONs
e Agências Reguladoras, cada vez mais lembrados pelos
consumidores, pois o serviço de atendimento tem se especializado
de maneira a atender e consolidar a prevenção e a reparação de
danos, ocorridas nas relações jurídicas consumeristas.
De acordo com Allan Cantalice de Oliveira (2012, [n.p.]):
A importância do PROCON em auxiliar o consumidor na
busca de seus direitos, uma vez amparados na lei, fazendo a
intermediação com as empresas fornecedoras de produtos
e serviços, realizando a conciliação entre as partes, tem
crescido na medida em que “desafoga” o Poder Judiciário,

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eliminando de forma consensual os processos que antes


seriam resolvidos pela Justiça e que demandariam maior
custo e tempo, tanto para as partes litigantes quanto ao
Estado, ente provedor.
Desta forma, estes litígios que antes eram resolvidos
após anos de tramitação de ações judiciais, passaram a
ser resolvidos em apenas alguns meses e, na maioria das
vezes, com um grau de satisfação maior ao consumidor.
Este fenômeno da desjudicialização de conflitos
consumeristas tem contribuído para aliviar a estrutura
judiciária brasileira, tão dilatada pelas inúmeras lides
já impetradas, sendo este imenso volume de demandas
judiciais, em parte, causa da morosidade e consequente
ineficácia da prestação jurisdicional.
Nesse sentido, o PROCON tem um papel de extrema
importância na solução dos conflitos de maneira plena, rápida e
eficaz, e as partes são incentivadas a comporem seus litígios fora da
alçada estatal da jurisdição, evitando o acesso generalizado e, por
vezes, infundado, assim, retirando da esfera de competências dos
tribunais procedimentos de menor complexidade, salvaguardando
o caráter essencial da função jurisdicional (OLIVEIRA, 2012, n.p.).
Nesse sentido, analisaremos, a seguir, alguns desses métodos
de soluções de conflitos extrajudiciais, como a plataforma
consumidor.gov.br, no sentido de apresentarem uma qualidade
mínima de eficiência que possa demandar ao reclamante uma
solução satisfatória, consequentemente, evitando uma futura
demanda perante o Judiciário.

Grau mínimo de eficiência das esferas administrativas

Pensando em uma releitura do princípio do acesso à Justiça,


em que o prévio requerimento seria uma condicionante para
a postulação em juízo, o mínimo que devemos esperar é que as
esferas administrativas ofereçam um grau mínimo de eficiência no
sentido de oferecer ao demandante uma expectativa real de solução
de seu problema de maneira satisfatória.
Nesse sentido e de acordo com a análise de Fernando da
Fonseca Gajardoni (2020, p. 8):

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Evidentemente, a releitura do princípio do acesso à Justiça,


com exigência de prévio requerimento extrajudicial como
condição para a postulação em juízo, pressupõe um grau
de eficiência mínima da instância administrativa. Tanto a
administração pública quanto as empresas privadas devem
conceber meios eficientes e julgamentos pautados nas reais
expectativas jurídicas das partes, solucionando as questões
favoravelmente ao demandante todas as vezes que puder
identificar que este possui significativas chances de ter seu
pedido acolhido caso, no futuro, valha-se do Judiciário.
Analisando essa condicionante, o que podemos extrair é que
só faz sentido essa exigência se o demandante puder obter, através
dos sistemas extrajudiciais de solução de conflitos, a recepção de
sua reclamação e a obtenção de uma resposta em tempo razoável.
Ainda sobre o tema nos esclarece Fernando da Fonseca
Gajardoni (2020, p. 8):
Colocando em outros termos, só faz sentido condicionar
o acesso ao Judiciário mediante demonstração de que
houve prévia tentativa de se solucionar extrajudicialmente
a questão se – e somente se –, o sistema extrajudicial de
recepção e solução dos conflitos tenha capacidade de
processar a reclamação e atendê-la em tempo razoável, com
respostas aos reclamantes que, além de breves, possam, no
mais das vezes, atendê-los de maneira satisfatória (algo
que deve ser constantemente auditado pelas autoridades
públicas, inclusive Judiciárias).
No mais, o que não pode ocorrer é que, dessa maneira,
a exigência desse prévio requerimento venha se tornar não uma
solução, mas sim um obstáculo ao acesso à Justiça.
Nesse mesmo pensamento também se manifesta Fernando da
Fonseca Gajardoni (2020, p. 8):
Em sendo o sistema extrajudicial de solução do conflito
lento, burocrático, de difícil acesso/manejo, ou incapaz de
dar respostas em tempo razoável ou acolher o reclamo dos
jurisdicionados nos casos em que ele efetivamente tenha
razão, aí sim a exigência da prévia tentativa extrajudicial de
solução do conflito seria óbice inconstitucional ao acesso
à Justiça, não sendo minimamente razoável submeter a

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parte a cumprir essa etapa vazia do procedimento só para


demandar perante o Poder Judiciário.
Nesses termos, o que podemos esperar dessas instâncias
administrativas é que elas ofereçam um grau mínimo de eficiência
para que o demandante possa extrair delas, além da recepção de
suas reclamações, uma expectativa de obtenção de resposta em
tempo razoável e de maneira satisfatória, não apresentando, assim,
um óbice ao acesso ao Judiciário.

A plataforma consumidor.gov.br

De maneira introdutória, abordaremos um pouco o mecanismo


“on-line dispute resolution (ODR)”.
Sobre esse assunto, contextualiza Watkins (2022), a
consequente revolução tecnológica realçou a necessidade de
se criarem novos sistemas de resolução de disputas, os quais se
adequam às novas espécies de conflitos que dela surgem. Essa mesma
revolução tecnológica, que se propagou e tornou mais complicada a
litigiosidade, teve responsabilidade em conceber novas ferramentas
que em muito podem colaborar com a efetiva resolução de disputas.
Destacam-se entre essas ferramentas os métodos de comunicação
on-line, que são rápidos, baratos e acessíveis a todo tempo e em
qualquer lugar, e a inteligência artificial, que pode ser empregada
ao processo das mais variadas formas e tem o potencial de modificar
toda a condução do sistema de solução de conflitos.
Assim, para Watkins (2022), o desenvolvimento tecnológico
oferece soluções para problemas que os métodos tradicionais de
resoluções de conflitos já não supriam, destacando-se a ODR, que
possibilita a solução de uma imensa quantidade de casos, de maneira
que proporcione rapidez, facilidade, economia e consequente
efetividade. O processo permite a utilização de instrumentos
capazes de aproveitar a atuação tecnológica, no intuito de otimizar
a prestação da jurisdição, de forma a torná-la mais eficiente e
adequada, a qual se tem experimentado nos tempos atuais.
Enfim, a ODR desempenha um papel transformador na
resolução de disputas, apta a dar um novo significado ao conceito de

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interesse de agir, incrementando o modelo de “Justiça Multiportas”,


de modo a realizar um redimensionamento da utilização do
Judiciário, atuando ao lado do processo, auxiliando em questões
que não são tratadas com eficiência pelo modelo tradicional.
Assim, deve-se estar atento às alternativas que a tecnologia em
geral pode oferecer, especialmente a ODR, para aperfeiçoamento e
transformação do sistema de resolução de disputas.
Pensando na solução de disputas extrajudicialmente e on-line,
a plataforma consumidor.gov.br vem ganhando visibilidade, e, a
seguir, analisaremos mais essa ferramenta de soluções de conflitos
de maneira extrajudicial.
De acordo com a explicação de Fernando da Fonseca
Gajardoni (2020, p. 9):
Trata-se de plataforma digital que permite a interlocução
direta entre consumidores e fornecedores (inclusive da
administração federal), via internet, para solução de
conflitos de consumo, evitando, assim, o ajuizamento de
ações perante o Judiciário (especialmente JECs e JEFs).
Monitorada pela Secretaria Nacional do Consumidor
(Senacon), Ministério da Justiça, Procons, Defensorias,
Ministérios Públicos e, também, por toda a sociedade, a
ferramenta permite que as reclamações dos consumidores
sejam encaminhadas diretamente a entidades previamente
cadastradas no sistema (inclusive as do poder público
federal), que têm o prazo de 10 (dez) dias para apresentar
uma resposta à postulação administrativa.
Ainda mais sobre o tema discorre Gajardoni (2020),
considerando a possibilidade de melhorar a plataforma e expandir
seu alcance para outras empresas e órgãos administrativos. Parece
correto entender, com base na proposta aqui apresentada, que
o exercício do direito de ação perante o Poder Judiciário esteja
condicionado a tentativas prévias de resolução de conflitos por
meio da referida plataforma, desde que sejam fornecedores/órgãos
previamente cadastrados no sistema e possuam histórico razoável
de solução de controvérsias extrajudiciais por meio dela.
Desse modo, estando a empresa cadastrada na plataforma e
podendo por ali ocorrer a tentativa de solução pela via administrativa,

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o interessado somente poderia ingressar com uma ação perante o


judiciário depois de ter tentado a solução extrajudicial com o uso
da plataforma consumidor.gov.br.
Nesse sentido, nos esclarece Fernando da Fonseca Gajardoni
(2020, p. 10):
Assim, ajuizada diretamente ação judicial sem que a parte,
nos casos em que isso seja possível e recomendável, tenha
tentado extrajudicialmente a solução do conflito, deve o
Judiciário, com base nos artigos 3º e 6º do CPC (dever de
autocomposição e cooperação), suspender o feito (e não
indeferir a inicial) para que seja, então, feita a postulação
pela via administrativa própria pelo autor. Com a notícia de
que não houve reconhecimento ou transação extrajudicial
com o demandado, o processo terá seguimento, mesma
solução a ser adotada se, eventualmente, a resposta à
reclamação do jurisdicionado não for dada em prazo
razoável (estimado pelo juiz). Caso, contudo, venha a
notícia de que as partes se entenderam extrajudicialmente
por transação ou reconhecimento jurídico do pedido, não
há mais interesse/necessidade da prestação jurisdicional,
pelo que feito prematuramente proposto será extinto, sem
análise, nos termos do art. 485, VI, do CPC.
Ainda mais sobre o tema, explica Gajardoni (2020) que, como é
o caso de ações previdenciárias, exibitórias e etc., esse entendimento
deve ser mitigado, permitindo casos excepcionais em que o acesso
à Justiça seja direto, como quando: a) se nenhuma resposta for
recebida em um prazo razoável (10 dias, conforme previsto pela
plataforma, ou outro prazo estimado pelo juiz); b) as demandas
dos consumidores não forem atendidas pelos fornecedores/órgãos
cadastrados de prontidão; c) da necessidade de tutela de urgência,
não sendo possível aguardar resolução extrajudicial.
Em se tratando da tentativa de solução pela plataforma
consumidor.gov.br e não alcançado o sucesso almejado,
complementa Fernando da Fonseca Gajardoni (2020, p. 11):
De se considerar, ainda, que uma vez tentada a solução
extrajudicial do conflito pela plataforma consumidor.
gov.br ou afim (SACs, etc.), e não havendo sucesso
na pretensão administrativamente esboçada: a) fica
dispensada a audiência de conciliação do art. 334 do CPC

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ou do rito sumaríssimo da Lei 9.099/95, até como forma


de acelerar o tramitar do processo judicial e desincentivar
comportamento ímprobo de fornecedores/órgãos da
administração (que podem ver na prévia exigência do uso
da plataforma salvaguarda para postergar a prestação da
tutela jurisdicional); e b) o comportamento do reclamado
(apenas nos casos de não atender pretensões legítimas e
razoáveis dos que acessam o sistema extrajudicial de
solução dos conflitos), à luz da boa-fé processual (art. 5º
do CPC), deve ser considerado pelo juiz no momento da
fixação dos valores devidos ao reclamante em juízo, seja
no aspecto da litigância ímproba quando ocorrente (arts.
77 e 80 do CPC), seja no próprio arbitramento dos valores
devidos pelo dispêndio de tempo do jurisdicionado com a
prévia tentativa de solução extrajudicial do conflito (dano
marginal).
Segundo dados da própria plataforma, atualmente, 80% das
reclamações registradas no consumidor.gov.br são solucionadas
pelas empresas, que respondem às demandas dos consumidores em
um prazo médio de 7 dias.
Por se tratar de um serviço provido e mantido pelo Estado,
com ênfase na interatividade entre consumidores e fornecedores
para redução de conflitos de consumo, a participação de empresas no
consumidor.gov.br só é permitida àqueles que aderem formalmente
ao serviço, mediante assinatura de termo no qual se comprometem
em conhecer, analisar e investir todos os esforços disponíveis para
a solução dos problemas apresentados. O consumidor, por sua vez,
deve se identificar adequadamente e comprometer-se a apresentar
todos os dados e informações relativas à reclamação relatada
(BRASIL, 2022).
A Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça
é a responsável pela gestão, disponibilização e manutenção do
consumidor.gov.br, bem como pela articulação com demais órgãos
e entidades do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, que,
por meio de cooperação técnica, apoiam e atuam na consecução dos
objetivos do serviço (BRASIL, 2022).

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2.  CONCLUSÃO

Conforme exposição dos fatos realizados no decorrer do


trabalho, podemos deduzir que, sem tentativa de solução pela via
administrativa, não há conflito e, por conseguinte, interesse de
agir nessas situações. Nesse sentido, podemos observar que se
trata de uma releitura do princípio do acesso à Justiça, levando em
consideração que o Judiciário deve ser a última forma de solução
de conflitos.
O que se tem observado é que, havendo meios de se tentar a
solução do conflito de forma extrajudicial, o prévio requerimento
administrativo deve ser uma condicionante para o acesso ao
Judiciário; o próprio CPC/2015 traz um estímulo aos meios
extrajudiciais de solução de conflitos – em seu art. 3º, § 3º, podemos
afirmar que, como regra, nenhum conflito deve ser enfrentado
pelo Poder Judiciário antes que as partes possam tentar resolvê-lo
consensualmente.
Nesse sentido, diversos precedentes de Tribunais Superiores
vêm debatendo o assunto, como no julgamento da constitucionalidade
da exigência de prévio requerimento administrativo como condição
para propositura de ações judiciais previdenciárias, para as ações
de cobrança do seguro DPVAT e para os pedidos de exibição de
documentos em geral, inclusive em sede de relações de consumo
regidas pelo CDC. Nesses casos, prevaleceu o entendimento
de que a exigência de requerimento prévio é indispensável para
aquilatar o interesse processual/necessidade no pedido de exibição
de documentos, não implicando violação do princípio do acesso à
Justiça.
Sendo possível a apresentação de prévio requerimento
administrativo por mecanismos formais de recepção e justa
apreciação, em tempo razoável, de reclamações, devemos
estar atentos também às alternativas que a tecnologia em geral
pode oferecer, especialmente a ODR, para aperfeiçoamento e
transformação do sistema de resolução de disputas, como é o
caso da plataforma consumidor.gov.br. Tal requerimento deve ser

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considerado como condição para o exercício do direito de ação


(interesse processual – necessidade) perante o Judiciário.
O sistema extrajudicial deve funcionar de forma a recepcionar
e apresentar soluções em tempo razoável para os reclames dos
jurisdicionados, não apresentando um óbice inconstitucional para
acesso à Justiça.
Desse modo, é necessária a releitura do princípio do acesso
à Justiça para afirmar que, dentro de certos parâmetros, e desde
que isso seja possível sem maiores dificuldades, não violam o art.
5º, XXXV, da CF e o art. 3º, caput, do CPC, a exigência de prévio
requerimento extrajudicial antes da propositura de ações perante o
Judiciário.

REFERÊNCIAS

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São Paulo: Saraiva, 2022.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília:


Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 abr. 2022.

BRASIL. Consumidor.gov.br. Homepage. Disponível em: https://www.


consumidor.gov.br/pages/principal/?1662823160175. Acesso em: 4 set. de 2022.

BRASIL. É facultado ao juiz analisar a necessidade de prévio pedido


administrativo para a cobrança judicial do DPVAT. STJ, Brasília, 19 jul. 2022.
Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/
Noticias/19072022-E-facultado-ao-juiz-analisar-a-necessidade-de-previo-
pedido-administrativo-para-a-cobranca-judicial-do-DPVAT.aspx. Acesso em: 4
set. 2022.

BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo


Civil. Brasília: Presidência da República, [1973]. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm. Acesso em: 12 abr. 2022.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.


Brasília: Presidência da República, [2015]. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 12 abr. 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 631.240 Minas


Gerais. Recurso Extraordinário, Repercussão Geral, Prévio Requerimento

Revista Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 13, n. 3, p. 45-69, jul./dez. 2023


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Administrativo e Interesse em Agir. Recorrente: Instituto Nacional do Seguro


Social – INSS. Recorrido: Marlene de Araújo Santos. Relator: Min. Roberto
Barroso. Data do julgamento: 3 set. 2014. Disponível em: https://redir.stf.jus.
br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7168938. Acesso em: 4 set.
2022.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Quarta turma). Recurso Especial nº


1.987.853 – PB (2021/0380717-0). Ação de cobrança do seguro DPVAT, acidente
ocorrido no ano de 2011, tendo a vítima restado absolutamente incapacitada
para os atos da vida civil, falecimento no curso da demanda, tribunal de origem
que reputou prescrita a pretensão e ausente o interesse de agir para a ação, ante
a falta de requerimento administrativo, irresignação dos sucessores/herdeiros,
reclamo provido. Recorrente: Francisco Jozenilton Veloso, sucessão: Maria
Laudiceia dos Santos, Lucas Henrique Veloso, Gabriela dos Santos Victório.
Recorrido: Seguradora Líder do Consórcio do Seguro DPVAT SA. Relator: Min.
Marco Buzzi. Data do julgamento: 14 jun. 2022. Disponível em: https://scon.
stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202103807170&dt_
publicacao=20/06/2022. Acesso em: 4 set. 2022.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Segunda Seção). Recurso Especial


nº 1.349.453 – MS (2012/0218955-5). Processo Civil, Recurso Especial
Representativo De Controvérsia, ART. 543-C Do CPC, expurgos inflacionários
em caderneta de poupança, exibição de extratos bancários, ação cautelar de
exibição de documentos, interesse de agir, pedido prévio à instituição financeira
e pagamento do custo do serviço, necessidade. Recorrente: Maria Elza Salina
Gonçalves. Recorrido: Caixa Econômica Federal. Relator: Min. Luis Felipe
Salomão. Data do julgamento: 10 dez. 2014. Disponível em: https://bd.tjmg.
jus.br/jspui/bitstream/tjmg/7693/1/STJ%20REsp%201349453%20Recurso%20
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Revista Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 13, n. 3, p. 45-69, jul./dez. 2023


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Teoria das incapacidades à luz


do Estatuto da Pessoa com Deficiência

Edwirges Elaine RODRIGUES1

Resumo: O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº. 13.146/2015), também


conhecido como Lei Brasileira de Inclusão, tem suscitado o debate entre os
civilistas e sofrido críticas severas, especialmente pelas mudanças que operou no
regime das incapacidades e no instituto da curatela, sem considerar a instituição do
mecanismo da tomada de decisão apoiada. Tais modificações buscam a harmonia
entre o ordenamento jurídico brasileiro e os princípios e diretrizes da Convenção
Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (Convenção de Nova
York), ratificada pelo Brasil, com eficácia de emenda constitucional. Assim, a
Convenção de Nova York atribuí uma presunção de plena capacidade à pessoa
com deficiência, além de prezar pela sua inclusão e sua efetiva participação na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Diante disso, o
presente trabalho busca, através do método dedutivo, realizar uma revisão da
bibliografia especializada relativa aos direitos das pessoas com deficiência no
âmbito do Direito Civil Constitucional e da Convenção Internacional das Nações
Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Palavras-chave: Estatuto da Pessoa com Deficiência. Convenção de Nova York.


Teoria das Incapacidades. Capacidade. Tomada de Decisão Apoiada.

1
Edwirges Elaine Rodrigues. Doutora em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP).
Mestra em Direito pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Especialista em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” (UNESP). Membro do Grupo de Estudos em Direito, Justiça e Desenvolvimento
(GEDED) do Claretiano – Centro Universitário. Docente do Claretiano – Centro Universitário. E-mail:
edwirgesrodrigues@claretiano.edu.br.

Revista Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 13, n. 3, p. 71-96, jul./dez. 2023


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Theory of disabilities in the light of Statute


on Person with Disability

Edwirges Elaine RODRIGUES

Abstract: The Statute on Person with Disability (Law Nº. 13.146 / 2015), also
known as the Brazilian Inclusion Law, has aroused debate among civilist jurists
and has suffered severe criticism, especially due to the changes it has made to the
disabilities and curatorship institutes, without considering the establishment of
the supported decision-making mechanism. These modifications seek harmony
between the Brazilian legal system and the principles and guidelines of the
International Convention on the Rights of Persons with Disabilities (New York
Convention), ratified by Brazil, with constitutional amendment efficiency. Thus,
the New York Convention attributes a presumption of full capacity to persons
with disabilities, and values ​​their inclusion and effective participation in society
on an equal basis with others. Given this, the present work seeks, through
the deductive method, to review the specialized bibliography on the rights of
persons with disabilities under Constitutional Civil Law and the United Nations
International Convention on the Rights of Persons with Disabilities.

Keywords: Statute on Person With Disability. New York Convention. Theory of


Disabilities. Capacity. Supported Decision-making.

Revista Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 13, n. 3, p. 71-96, jul./dez. 2023


ISSN 2237-2318 73

1.  INTRODUÇÃO

Objetiva-se, com este trabalho, abordar o novo conceito de


pessoa com deficiência diante da entrada em vigor, no Brasil, do
Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei nº. 13.146/2015 (BRASIL,
2015), resultado da aprovação da Convenção Internacional de
Direitos das Pessoas com Deficiência, em 13 de dezembro de 2006,
pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, e as
consequências desses novos paradigmas na teoria das incapacidades.
Toda a análise feita em relação ao Estatuto teve por base o
postulado da dignidade da pessoa humana, pois, se o Direito busca
regular a vida em sociedade e, ainda, estabelecer normas justas para
esse convívio, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser
o norte, a bússola. Partindo desse pressuposto, o que se anseia é
que a pessoa com deficiência não fique à margem da sociedade,
mas, sim, incluída, devendo ser assegurada a ela a possibilidade de
exercício de seus direitos.
Desse modo, o Estatuto, almejando enaltecer o princípio
da igualdade e garantir a concretização da dignidade das pessoas
com deficiência, alterou os artigos 3º e 4º do Código Civil (2002),
provocando mudanças na teoria das incapacidades, normas
que se referem às pessoas absoluta e relativamente incapazes,
respectivamente.
Com as alterações provocadas pela Lei Brasileira de Inclusão
(BRASIL, 2015), as pessoas com deficiência passaram a ser
consideradas, em regra, plenamente capazes para os atos da vida
civil, visando a sua total inclusão social. De tal modo, substitui-
se o binômio dignidade-vulnerabilidade pelo binômio dignidade-
liberdade da pessoa com deficiência.
Assim, perante a relevante inversão da carga probatória, a
incapacidade relativa ocorrerá de modo excepcional e amplamente
fundamentado. Logo, o Estatuto da Pessoa com Deficiência
(BRASIL, 2015) abranda, mas não extingue, a teoria das
incapacidades da legislação civilista.

Revista Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 13, n. 3, p. 71-96, jul./dez. 2023


74 ISSN 2237-2318

As pessoas com deficiência, que sofrem limitações na


autodeterminação, mas se mostram aptas a se fazer compreender,
mesmo que de modo precário, são consideradas plenamente
capazes. Diante disso, não serão submetidas à curatela, mas poderão
se beneficiar da aplicação da Tomada de Decisão Apoiada, instituto
criado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015),
em cumprimento às diretrizes da Convenção de Nova York.
Diante disso, busca-se, através do método de pesquisa
dedutivo, realizar uma revisão da bibliografia especializada relativa
aos direitos das pessoas com deficiência no âmbito do Direito Civil
Constitucional e da Convenção Internacional das Nações Unidas
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (e seu Protocolo
Facultativo) (2006).

2.  A CONVENÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES


UNIDAS SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA

Impossível discorrer sobre os direitos das pessoas com


deficiência sem falar em direitos humanos. Esses, são a busca
incessante de superar limitações. Nesse contexto, a Organização
das Nações Unidas (ONU) mostra-se instituto indispensável para a
proteção aos direitos humanos, através da elaboração de Convenções
Internacionais, voltadas à defesa de grupos vulneráveis.
Entre as Convenções Internacionais existentes, pode-se
mencionar a Convenção sobre a eliminação de todas as formas
de discriminação racial (1965), a Convenção sobre a eliminação
de todas as formas de discriminação contra a mulher (1979), a
Convenção sobre os direitos da criança (1989), a Convenção sobre
a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e dos
membros de suas famílias (1990), dentre inúmeras outras (SALES;
SARLET, 2020).
As alterações trazidas pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência têm por base a Convenção sobre Direitos das Pessoas
com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, também chamada de

Revista Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 13, n. 3, p. 71-96, jul./dez. 2023


ISSN 2237-2318 75

Convenção de Nova York, posto que assinada em 30 de março de


2007, na cidade de Nova York nos Estados Unidos.
A referida Convenção e seu Protocolo Facultativo foram
ratificados pelo Congresso Nacional Brasileiro por meio do Decreto
Legislativo nº. 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade com
o disposto no parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal
(CF), ou seja, essa Convenção possui força normativa equivalente à
Emenda Constitucional (EC); e promulgada pelo Decreto nº. 6.949,
de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no plano
interno (ROSENVALD, 2015).
A Convenção de Nova York foi elaborada ao longo de quatro
anos e contou com a participação de 192 países membros da
Organização das Nações Unidas e de centenas de representantes
da sociedade civil, sendo que, em 13 de dezembro de 2006, foi
aprovado o texto final desse tratado internacional.
O propósito da Convenção, conforme seu artigo 1º, é
promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de
todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as
pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade
inerente.
Ainda traz no bojo de seu artigo 3º os seus princípios gerais,
sendo eles: a) o respeito pela dignidade inerente, a autonomia
individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e
a independência das pessoas; b) a não-discriminação; c) a plena
e efetiva participação e inclusão na sociedade; d) o respeito pela
diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como
parte da diversidade humana e da humanidade; e) a igualdade de
oportunidades; f) a acessibilidade; g) a igualdade entre o homem e
a mulher; h) o respeito pelo desenvolvimento das capacidades das
crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência
de preservar sua identidade (BRASIL, 2009).
Além disso, a Convenção determina que todas as pessoas
são iguais sem qualquer espécie de discriminação. Afirma também
que os países signatários deverão proibir quaisquer formas de
discriminação baseadas na deficiência, devendo-se adotar medidas
de proteção legal e garantir a inclusão social delas no âmbito da

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sociedade, sempre com igualdade de oportunidades, identificando


e eliminando obstáculos e barreiras à acessibilidade (BRASIL,
2009).
Investido dessas determinações, em julho de 2015, foi
promulgada a Lei nº. 13.146, denominada de Estatuto da Pessoa com
Deficiência, objetivando a concretização das ideias de igualdade,
de dignidade, de tolerância, de cidadania e de liberdade, de modo a
tornar efetiva a inclusão das pessoas com deficiência em todos os
âmbitos da vida nacional (SALES; SARLET, 2020).

3.  ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA:


LEI Nº. 13.146/2015

Mesmo com a ratificação pelo Congresso Nacional brasileiro


por meio do Decreto Legislativo nº. 186, de 9 de julho de 2008,
e promulgação pelo Decreto nº. 6.949, de 25 de agosto de 2009,
apenas no ano de 2015 (no dia 6 de julho) foi publicada a Lei nº.
13.146, instituindo a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência, denominada Estatuto da Pessoa com Deficiência. O
Estatuto, conforme dispõe o seu artigo 127, entrou em vigor apenas
no dia 2 de janeiro de 2016, em decorrência da vacatio legis de 180
dias (RODRIGUES, 2019).
A referida lei sistematizou, em um único instrumento legal,
temas que estavam presentes em outras legislações, decretos e
portarias. Além disso, também alterou algumas leis existentes,
buscando harmonizá-las às diretrizes e aos princípios da Convenção
de Nova York. No mais, o Estatuto trouxe inovações e reflexos na
legislação civilista, procurando, ao longo de mais de cem artigos,
assegurar e promover o exercício dos direitos e das liberdades
fundamentais da pessoa com deficiência, visando a sua inclusão
social e a sua cidadania, conforme texto do seu primeiro artigo:
Art. 1º. É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência),
destinada a assegurar e a promover, em condições de
igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades
fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua
inclusão social e cidadania (BRASIL, 2015, [n.p.]).

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A inclusão passa pela proteção de direitos fundamentais como


o direito à vida; à habilitação e reabilitação; à saúde; à moradia;
ao trabalho (tanto no âmbito da habilitação profissional, como da
sua inclusão no mercado de trabalho); direito à assistência social;
à previdência social; direito à cultura, ao esporte, ao turismo e
ao lazer; direito ao transporte e à mobilidade; e, ainda, direito à
informação e à participação na vida pública e política, dentre outros.
Contudo, a inclusão não é apenas no âmbito dos direitos
fundamentais, posto que a Lei nº. 13.146 (BRASIL, 2015)
estabelece normas relativas ao acesso à justiça, ao reconhecimento
igual perante a lei e, ainda, estipula e define crimes e infrações
administrativas.
Tendo por base a Convenção de Nova York, o Estatuto
da Pessoa com Deficiência busca, por meio das inovações, a
concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto
no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, e tido como
fundamento da República Federativa do Brasil para a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária (TEPEDINO; OLIVA, 2020).
Diante disso, o indivíduo, elemento subjetivo primordial e
neutro do Direito Civil codificado, cedeu lugar, no cenário das
relações de Direito Privado, à pessoa humana, para cuja promoção
se volta a ordem jurídica como um todo (TEPEDINO, 2008).

4.  PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O PRINCÍPIO DA


DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A dignidade da pessoa humana é considerada fundamento


central da personalização do Direito Civil, que elevou a valorização
do ser humano em prol do patrimônio; assegurando autonomia à
pessoa, passando a ser um agente capaz de tomar decisões sobre a
sua vida.
Nesse aspecto, o Direito Civil Constitucional assume a
posição de destaque no âmbito normativo, aproximando relações
particulares às disposições constitucionais, buscando-se um novo

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modo de elaborar e interpretar as normas privadas aos preceitos


normativos fundamentais da Constituição Federal.
Luiz Edson Fachin (2014) demonstra os grandes desafios do
Direito Privado contemporâneo e, em constante interação com a
Constituição Federal, expõe que são tendências atuais do Direito
Civil brasileiro:
[...] a incidência da Constituição nos diversos âmbitos das
relações entre particulares, mormente nos contratos, nas
propriedades e nas famílias, à luz de comandos inafastáveis
de proteção à pessoa; há, nada obstante, criativas tensões
entre a aplicação de regras (e princípios) constitucionais e
o ordenamento privado codificado; como há, sob o sistema
constitucional, concepções filosóficas, o Estado liberal
patrocinou o agasalho privilegiado da racionalidade
codificadora das relações interprivadas; a ordem pública
pode limitar a autonomia ou o autorregulamento dos
interesses privados, sob a vigilância das garantias
fundamentais; os Códigos Civis são reinterpretados pelas
Constituições do Estado Social de Direito (FACHIN, 2014,
p. 10-11).
A perspectiva pela qual era entendida a deficiência da pessoa
e, ainda, as causas de sua existência, influenciam diretamente a sua
aceitação e participação no âmbito da sociedade.
Nesse sentido, Flávia Piovesan (2010) delimita quatro
estágios na construção dos direitos humanos da pessoa com
deficiência. Assim, passa-se de um estágio de total intolerância
em que tais pessoas eram consideradas impuras como castigo
dos deuses (eliminação das crianças deficientes em Esparta); a
um segundo estágio de invisibilidade, separadas da sociedade (os
relatos bíblicos dando conta dos leprosos vivendo às escondidas).
Já um terceiro estágio foi o do assistencialismo, com os avanços
médicos e as várias tentativas de cura das limitações. E o estágio
atual, tendo como parâmetro a proteção dos direitos humanos e a
inclusão da pessoa com deficiência na sociedade. Aqui, busca-se
a mudança da mentalidade da sociedade para poder lidar com as
diferenças, reflexo do princípio da dignidade da pessoa humana, na
busca da igualdade material entre as pessoas.

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Dessa feita, não é possível distanciar a pessoa com deficiência


do princípio da dignidade da pessoa humana. Quando se fala
em dignidade humana e, sobretudo, buscando a superação das
desigualdades deve-se atentar que a expressão “todos são iguais”,
prevista no caput, do artigo 5º da Constituição Federal, não passa
de retórica, posto que são nítidas as diferenças entre as pessoas.
Mas é sabido que é da natureza da lei tratar de situações diferentes,
conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Melo (2000, p. 12-
13), ao tratar do princípio jurídico da igualdade:
O princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme
às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o próprio
da lei, sua função precípua, reside exata e precisamente em
dispensar tratamentos desiguais. Isto é, as normas legais
nada mais fazem que discriminar situações, à moda que
as pessoas compreendidas em umas ou em outras vêm a
ser colhidas por regimes diferentes. Donde, a algumas
são deferidos determinados direitos e obrigações que não
assistem a outras, por abrigadas em diversa categoria,
regulada por diferente plexo de obrigações e direitos.
Isso ocorre porque a mera igualdade formal de limites
negativos, ao abster-se de discriminar, não produz efeitos concretos
na sociedade. Foi necessário avançar para atingir a materialidade do
princípio da igualdade. A igualdade real exige normas com caráter
transformador que visem a realização da dignidade humana.
Ingo Sarlet (2008) ensina que a dignidade humana possui
caráter positivo e negativo. Se pelo prisma negativo existe a
obrigação de não se violar a dignidade da pessoa, em seu prisma
positivo ou prestacional incumbe ao Estado promover a efetivação
de existência digna para todos.
É neste contexto que o Estatuto da Pessoa com Deficiência
procura assegurar a igualdade e dignidade da pessoa com deficiência.
Mas quem é a pessoa com deficiência abordada pela Lei Brasileira
de Inclusão?
De acordo com o art. 2º da referida legislação:
Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma

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ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e


efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas (BRASIL, 2015, [n.p.]).
Desse modo, o Estatuto, de forma clara, não trata apenas da
pessoa com deficiência mental, mas abarca, ainda, aquelas que tem
impedimento relacionado ao aspecto físico, intelectual e sensorial.
O impedimento que a pessoa com deficiência possui, porém, deve
ter longo prazo de duração.
Por sua vez, o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa,
Caldas Aulete (AULETE, 2019, não paginado), define “longo” como:
“[...] que dura ou demora muito; duradouro, demorado.”. Assim,
impedimentos passageiros não caracterizam a deficiência.
Além disso, o Estatuto afirma que a deficiência só estará
caracterizada se o impedimento, em contato com alguma barreira,
puder obstruir a participação plena e efetiva da pessoa na sociedade.
Entretanto, a qual barreira a legislação se refere?
O significado de “barreira” foi elencado pelo artigo 3º, inciso
IV, do mesmo dispositivo legal:
Barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou
comportamento que limite ou impeça a participação social
da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de
seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento
e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação,
à compreensão, à circulação com segurança, entre outros,
classificadas em:
a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos
espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso
coletivo;
b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios
públicos e privados;
c) barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e
meios de transportes;
d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer
entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que
dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de
mensagens e de informações por intermédio de sistemas
de comunicação e de tecnologia da informação;

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e) barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos


que impeçam ou prejudiquem a participação social da
pessoa com deficiência em igualdade de condições e
oportunidades com as demais pessoas;
f) barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o
acesso da pessoa com deficiência às tecnologias (BRASIL,
2015, [n.p.]).
Ainda de acordo com o artigo 2º, do Estatuto, a deficiência
e a barreira devem obstruir a participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições da pessoa com deficiência
com os demais membros da sociedade, ou seja, a deficiência precisa
ocasionar uma desigualdade, elemento essencial a aplicação do
princípio da igualdade.
Assim, a Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015), em
seu artigo 4º, assegura a toda pessoa com deficiência o direito à
igualdade de oportunidades com as demais pessoas, além de vetar
qualquer espécie de discriminação.
No mais, a pessoa, independentemente da sua deficiência, é
reconhecida e deve ser protegida em razão da sua capacidade de
autodeterminação, em maior ou menor grau (SALES; SARLET,
2020).

5.  A TEORIA DAS INCAPACIDADES E O ESTATUTO


DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015),


almejando assegurar o princípio da igualdade e garantir a
concretização da dignidade da pessoa humana, conforme disposição
do artigo 114, provocou a alteração dos artigos 3º e 4º do Código
Civil, trazendo mudanças na teoria das incapacidades, normas que
se referem às pessoas absolutamente incapazes e relativamente
incapazes, respectivamente.
Partindo do entendimento de que a personalidade jurídica é a
aptidão para se assumir direitos e contrair deveres na ordem jurídica,
a capacidade vem a ser a medida da personalidade (AZEVEDO;
NICOLAU, 2007). Sendo assim, o artigo 1º do Código Civil

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(BRASIL, 2002) estabelece que: “Toda pessoa é capaz de direitos e


deveres na ordem civil”, fazendo menção, dessa forma, à chamada
capacidade de direito.
Vale ressaltar que, adquirida a personalidade jurídica, todo
ser humano é detentor da capacidade de direito ou de gozo; mas
nem todas as pessoas possuem a capacidade de fato ou de exercício,
ou seja, nem todos podem exercer pessoalmente os seus direitos.
Nesse contexto, a incapacidade jurídica é a falta de aptidão
para os atos da vida civil. Refere-se, portanto, à incapacidade de
fato ou de exercício, abordada pelos artigos 3º e 4º do Código Civil
(BRASIL, 2002).
Com a alteração provocada pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência (BRASIL, 2015) nos dispositivos referidos, pode-se
afirmar que, no sistema jurídico privado pátrio, não existe pessoa,
com dezesseis anos ou mais, que seja considerada absolutamente
incapaz.
A partir de então, para a aferição da incapacidade absoluta
utiliza-se apenas o critério etário. Todas as outras situações que antes
eram consideradas incapacidades civis absolutas foram excluídas,
mantendo-se apenas como absolutamente incapazes os menores
impúberes, ou seja, com menos de dezesseis anos de idade.2 Dessa
feita, não se reputam incapazes aqueles que por enfermidade ou
deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a
prática dos atos da vida civil como anteriormente previa o inciso II,
do artigo 3º.
A manutenção dos menores impúberes na condição de
incapacidade jurídica absoluta justifica-se pelo fato de que o ser
humano precisa, durante a sua fase inicial de desenvolvimento,
de quem o proteja, defenda e administre seus bens, pois ainda não
atingiu o discernimento para distinguir o que pode ou não pode fazer
no âmbito privado. Assim, os menores de dezesseis anos devem ser
representados por seus pais, considerados os tutores naturais, ou, na
falta deles, por tutores nomeados – através da tutela testamentária,
2
O art. 3º, do Código Civil (antes da alteração pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência) estabelecia que
eram absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de dezesseis
anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para
a prática desses atos; e III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

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legítima ou dativa (FUJITA, 2003) – que passam a ocupar lugar


jurídico deixado pelo vazio da autoridade parental; conforme redação
do artigo 1.728, do Código Civil (BRASIL, 2002), que afirma
que os filhos menores são postos em tutela. Consequentemente, a
eventual prática de atos por absolutamente incapazes, sem a devida
representação, pode acarretar a nulidade absoluta do negócio jurídico
celebrado, conforme artigo 166, inciso I, do Código Civil (BRASIL,
2002).
Com as alterações trazidas pela Lei Brasileira de Inclusão, as
pessoas com deficiência são consideradas, em regra, plenamente
capazes para os atos da vida civil, buscando a sua total inclusão
social. Assim, substitui-se o binômio dignidade-vulnerabilidade pelo
binômio dignidade-liberdade da pessoa com deficiência (TARTUCE,
2015).
No mais, diante da relevante inversão da carga probatória,
a incapacidade ocorrerá de modo excepcional e amplamente
justificado. Logo, o Estatuto da Pessoa com Deficiência abranda,
mas não extingue, a teoria das incapacidades da legislação civilista.
Portanto, se a deficiência se caracteriza pelo fato de a pessoa não
conseguir se autodeterminar, o ordenamento lhe atribuirá proteção
maior do que aquela concedida a uma pessoa com deficiência, mas
considerada capaz (ROSENVALD, 2015). Assim, serão tidas como
relativamente incapazes diante de alguma barreira que os impeça
de participar plena e efetivamente da sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas.
Com as profundas alterações provocadas pela Lei nº. 13.146
(BRASIL, 2015), o artigo 4º, do Código Civil, recebeu a seguinte
redação:
Art. 4º. São incapazes, relativamente a certos atos ou à
maneira de os exercer:
I- os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II- os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III- aqueles que, por causa transitória ou permanente, não
puderem exprimir sua vontade;
IV- os pródigos (BRASIL, 2002).

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Verifica-se a supressão do rol dos relativamente incapazes, as


pessoas com deficiência mental e discernimento reduzido, além dos
excepcionais, sem desenvolvimento mental completo, constantes
dos incisos II e III3 da redação original, revogados pelo Estatuto.
De modo correto, o legislador elencou a incapacidade no
conjunto de circunstâncias que demonstrem a impossibilidade real
e duradoura da pessoa querer e entender, sem que o ser humano,
em toda sua grandeza, seja restringido ao âmbito clínico de um
impedimento psíquico ou intelectual (ROSENVALD, 2015).
A capacidade não mais reside nas características da pessoa,
mas sim, nas circunstâncias em que ela está envolvida, e por algum
motivo a impeça de confirmar ou expressar sua vontade. Já, a
impossibilidade não deve ser vista como qualquer dificuldade ou
complexidade, mas como um impedimento de caráter absoluto. Por
fim, o impedimento em exprimir a vontade, importa em situação de
ausência de consciência do que se passa ao redor, sendo necessária
a indicação de um curador para exercer a assistência.

Interdição versus curatela

Antes das alterações provocadas pelo Estatuto da Pessoa


com Deficiência, para que fosse declarada a incapacidade absoluta
das pessoas que constavam do inciso II, artigo 3º, do Código Civil
(redação original) – ou seja, aqueles que tivessem enfermidade
ou deficiência mental, de caráter duradouro e permanente, e que
não estivessem em condições de administrar seus bens e praticar
atos jurídicos de qualquer natureza – era necessário o processo
de interdição de natureza constitutiva (AZEVEDO, 2003) e cuja
sentença deveria ser registrada no Registro Civil da Comarca,
atualmente, com previsão entre os artigos 747 a 758, do Código de
Processo Civil de 2015.

3
O art. 4º, do Código Civil (antes da alteração pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência) previa que
são incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I- os maiores de dezesseis anos
e menores de dezoito anos; II- os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência
mental, tenham o discernimento reduzido; III- os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV- os pródigos.

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Com a entrada em vigor do Estatuto não há mais possibilidade


dessa interdição absoluta, posto que as pessoas mencionadas no
revogado inciso, hoje, são plenamente capazes (ABREU, 2020).
Se presente eventual incapacidade (barreira que obstrua a plena
e efetiva participação em igualdade de condições na sociedade)
estarão sujeitas à curatela parcial.
Além disso, conforme a Lei Brasileira de Inclusão, não se
pode mais falar em interdição, mas, sim, em um processo que
institui a curatela. Porém, o Novo Código de Processo Civil, em
decorrência do atropelamento legislativo ocasionado, além de tratar
do processo de interdição, revogou alguns dispositivos do Estatuto
(RODRIGUES, 2019).
Mas, independente desse conflito temporal de normas,
vale lembrar que a proteção somente será aplicada à pessoa com
deficiência quando estritamente necessária e, ainda, não deverá
ser um impedimento para que a pessoa aja por conta própria, em
situações que assim permitirem, e se, eventualmente, incidir em
equívocos, deverá ser responsabilizada, conforme caso a caso
(ROSENVALD, 2015).
Assim, a impossibilidade de autogoverno poderá acarretar a
incapacidade relativa, após intenso ônus argumentativo por parte
de quem requer a curatela. Ao final do processo será designado um
curador que deverá assistir a pessoa com deficiência de forma a
garantir os seus interesses de ordem patrimonial.
Nesse sentido, a curatela, em regra, se restringirá à prática dos
atos patrimoniais, devendo-se preservar, na medida do possível, o
autogoverno para a condução das situações existenciais, conforme
dispõe o artigo 85, do Estatuto da Pessoa com Deficiência: “A
curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de
natureza patrimonial e negocial” (BRASIL, 2015).
Dessa forma, a curatela não alcança os atos relacionados
ao direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à
privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto; posto que
relacionados ao aspecto existencial da pessoa com deficiência,
conforme dispõem os artigos 6º e 85, §1º do Estatuto (BRASIL,
2015).

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Ressalta-se que, a decisão do legislador em manter o instituto


da “interdição”, hoje apropriadamente denominado de “curatela”,
mostrou-se adequada. Assim, será mantida a proteção àqueles que
se encontrarem impossibilitados de exprimir sua vontade, bem
como a preservação do princípio da proteção jurídica. Desse modo,
a pessoa curatelada não consumará isoladamente atos puramente
econômicos, pois a realização de negócios jurídicos exigirá a
atuação substitutiva ou integrativa do curador, sob risco de tornar as
negociações anuláveis, conforme art. 171, I, CC (XAVIER, 2020).
No mais, por uma questão ética, a Lei Brasileira de Inclusão
agrupou todos aqueles que não podem se autogovernar para a
categoria da incapacidade relativa em consonância com o princípio
da dignidade da pessoa humana, que não se mostra compatível
com uma abstrata homogeneização de seres humanos em um grupo
despersonalizado de absolutamente incapazes.
Contudo, a modificação legislativa não alterará o cenário
fático vivenciado por inúmeras pessoas que se encontram alheias
à realidade, e são, inevitavelmente, substituídas pelo curador na
atuação cotidiana. Assim sendo, não é correto afirmar que não
existirá a representação dessas pessoas relativamente incapazes,
a contrário disso, a representação desses prossegue intacta,
apenas deslocando-se da incapacidade absoluta para a relativa
(ROSENVALD, 2015).
De acordo com os ensinamentos de Nelson Rosenvald (2015,
p. 749),
[...] conforme a concretude do caso, o projeto terapêutico
individual se desdobrará em três possibilidades: a) o
curador será um representante para todos os atos; b) o
curador será um representante para alguns atos e assistente
para outros; c) o curador será sempre um assistente.
Os poderes conferidos ao curador, se de substituição ou
integração, serão definidos pela sentença de interdição, que não
mais poderá se basear em fórmulas genéricas, mas sim justificada
por uma forte carga argumentativa e comprobatória, através de
avaliação interdisciplinar realizada por profissionais psicólogos,
assistentes sociais, enfermeiros e terapeutas ocupacionais.

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Ademais, buscando a concretização dos direitos à família e à


convivência familiar assegurados à pessoa com deficiência, a Lei
Brasileira de Inclusão inseriu, na legislação civilista, o instituto
da curatela compartilhada. Assim, de acordo com o artigo 1.775-
A do Código Civil (BRASIL, 2002): “Na nomeação de curador
para a pessoa com deficiência, o juiz poderá estabelecer curatela
compartilhada a mais de uma pessoa”.
Dessa feita, a curatela conjunta permitirá que o momento
de decretação da supressão da capacidade não represente um
rompimento na relação entre o curatelado e um dos seus genitores
ou outra pessoa da família, fato que, infelizmente, ocorre quando
o dever de cuidado é conferido a apenas uma pessoa, seja cônjuge,
genitor ou outro familiar. De tal modo, a curatela conjunta somente
poderá ser rejeitada por razões justificáveis (ROSENVALD, 2015).

6.  TOMADA DE DECISÃO APOIADA

No tocante às pessoas com deficiência que sofrem limitações


na autodeterminação, mas mostram-se aptas a se fazer compreender,
mesmo que de modo precário, o caminho não será o binômio
incapacidade relativa/curatela. Para tais situações, pode-se buscar
a aplicação da Tomada de Decisão Apoiada (TDA) prevista no
artigo 1.783-A e seus 11 parágrafos. Com a alteração, o Título IV
do Código Civil (Do Direito de Família) passa a ter na sua redação
três institutos: “Da Tutela, da Curatela e da Tomada de Decisão
Apoiada” (BRASIL, 2002).
Esse último se trata do instituto pelo qual a pessoa com
deficiência tem o apoio de duas pessoas idôneas; pessoas que tenham
vínculos e confiança, para que possam lhe auxiliar nas decisões da
vida, tudo para que exerça sua capacidade em plenitude.
Consiste na aplicação do artigo 12.3 da Convenção de Nova
York: “[...] os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para
prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitam
no exercício de sua capacidade legal” (BRASIL, 2009).

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O termo de decisão apoiada necessita de homologação


judicial, que acontecerá após as oitivas do Ministério Público, dos
apoiadores e da pessoa que receberá o apoio, a fim de se verificar
se o termo reflete as suas necessidades e interesses. A equipe
multidisciplinar deverá subsidiar as autoridades na averiguação dos
aspectos técnicos. O termo de apoio também deverá constar prazo
de vigência, assunção de compromisso dos apoiadores e os limites
desses. Além disso, a pessoa apoiada pode, a qualquer tempo,
solicitar o término do acordo (ALMEIDA; SILVA; OLIVEIRA
FILHO, 2016).
Assim, o legislador impediu a constituição da Tomada
de Decisão Apoiada de forma extrajudicial, situação contrária
às diretrizes da Convenção de Nova York, que procura exaltar e
promover a autonomia da pessoa com deficiência. Isso porque,
ao condicionar a TDA a um procedimento judicial, a lei impede
que os titulares dos interesses ali mencionados possam livremente
negociá-los, sem a atividade integrativa do juiz (MENEZES, 2020).
Frisa-se, ainda, que a Tomada de Decisão Apoiada por
escritura pública não deixaria a pessoa a ser apoiada desprovida de
atenção, haja vista que os atos celebrados na presença de notário
ou tabelião são bem observados quanto à manifestação da vontade
e a documentação apresentada, conforme artigo 215, §1º, II e IV,
do Código Civil. Dessa feita, o notário não lavrará a escritura,
deixando de formalizar o negócio jurídico, quando identificar que a
manifestação volitiva não figura presente (MENEZES, 2020).
Destaca-se que a decisão sobre a adoção do instituto da
Tomada de Decisão Apoiada, conforme artigo 84, § 2º,4 do Estatuto
da Pessoa com Deficiência, é uma faculdade, e se coloca de forma
intermediária entre os extremos das pessoas sem qualquer tipo de
deficiência e aquelas pessoas com deficiência e impossibilitadas
de expressão, que serão consideradas relativamente incapazes e
ficarão sob curatela (MENEZES, 2020).

4
Art. 84, EPD: A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal
em igualdade de condições com as demais pessoas. [...] § 2o É facultado à pessoa com deficiência a
adoção de processo de tomada de decisão apoiada.

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Assim, a diferença entre a Tomada de Decisão Apoiada e a


Curatela encontra-se na autonomia dada à pessoa no primeiro caso,
resguardando a liberdade e dignidade da pessoa com deficiência,
pois será o apoiado quem de fato participará e deliberará sobre a
sua vida, mesmo que coadjuvado pelos apoiadores. Tanto que a
legitimidade para os institutos é diversa.
Pela redação do artigo 747, do Novo Código de Processo
Civil (BRASIL, 2002):
A interdição pode ser promovida: pelo cônjuge ou
companheiro; pelos parentes ou tutores; pelo representante
da entidade em que se encontra abrigado o interditando; e
pelo Ministério Público.
De outro lado, a Tomada de Decisão Apoiada é, segundo
o artigo 1.783-A, § 2º, Código Civil (BRASIL, 2002), requerida
pela “[...] pessoa a ser apoiada”. Há mudança clara de paradigma
e de autonomia, posto a legitimidade ativa passar para a pessoa
com deficiência de forma exclusiva. Percebe-se que os apoiadores
não lhe são impostos pelo magistrado, mas são escolhidos de
livre e espontânea vontade, pelo apoiado (EHRHARDT JÚNIOR;
BATISTA, 2020).
Desse modo, o instituto da Tomada de Decisão Apoiada é de
fato bem mais elástico do que a curatela, haja vista que incentiva a
capacidade de agir e a autodeterminação da pessoa com deficiência
que se beneficia do apoio, sem que enfrente o estigma social da
curatela, considerada medida extremamente invasiva, pois restringe
indiscriminadamente os desejos e anseios vitais do curatelado.
Por fim, o § 11, artigo 1.783-A, do Código Civil, estabelece
que se aplique à Tomada de Decisão Apoiada, no que couber, as
disposições referentes à prestação de contas na curatela.

7.  PROJETO DE LEI DO SENADO Nº. 757/2015

Antes mesmo da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa


com Deficiência, que aconteceu no dia 2 de janeiro de 2016, foi
proposto, pelos senadores Antônio Carlos Valadares e Paulo Paim,
o Projeto de Lei (PL) nº. 757 de dezembro 2015, com o objetivo

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de alterar, sensivelmente, a Lei Brasileira de Inclusão e o Código


Civil, inclusive com a retomada da incapacidade absoluta de
pessoas maiores de idade.
No tocante à classificação das incapacidades, os senadores
propuseram novos textos para os artigos 3º e 4º do Código Civil
(BRASIL, 2002, [N.P.]), que poderiam receber a seguinte redação:
Art. 3º, CC: [...] II- os que, por qualquer motivo, não tiverem
o necessário discernimento para a prática desses atos.
Art. 4º, CC: [...] II - os ébrios habituais, os viciados
em tóxicos e os que, por qualquer causa, tenham o
discernimento severamente reduzido; III - (revogado); [...].
Assim, o texto original do presente projeto de lei atendeu
às críticas mais conservadoras e representou uma ameaça de
retrocesso nas conquistas dos direitos das pessoas com deficiência
(MENEZES, 2018).
Entretanto, ao passar pela Comissão de Constituição e Justiça
e Cidadania (CCJ), o projeto foi considerado, pela relatora senadora
Lídice da Mata, como contrário à Convenção de Nova York, que
estatui que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal
em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os
aspectos da vida.
No mais, a senadora asseverou que as alterações promovidas
pelo Estatuto não decorreram de mera opção legislativa, mas
da imprescindibilidade do estrito cumprimento do disposto na
Convenção de Nova York, em face do seu caráter de norma
constitucional (BRASIL, 2018).
Diante disso, foi proposto novo texto substitutivo, já aprovado,
que reformulou totalmente o PL nº. 757 (BRASIL, 2015). Conforme
essa nova proposta, a teoria das incapacidades permanece com as
devidas alterações provocadas pela Lei Brasileira de Inclusão.
Além disso, buscando pôr um fim nas discussões acerca
da inapropriada assistência da pessoa que não exprime a sua
vontade (artigo 4º, III), o Código Civil (BRASIL, 2002) outorgará
poderes de representação ao curador do relativamente incapaz do

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referido dispositivo, o qual terá a sua potencial vontade levada em


consideração:
Art. 4º, § 3º, CC: A curatela das pessoas referidas no inciso
III do caput deste artigo outorga ao curador o poder de
representação e os atos por ele praticados, nessa qualidade,
devem ter como parâmetro a potencial vontade da pessoa
representada.
No tocante à Tomada de Decisão Apoiada, o novo texto do PL
também propõe mudanças significativas no instituto, começando
pela obrigatoriedade do registro público do termo de apoio
homologado judicialmente, assim como ocorre com a curatela:
Art. 9º, CC - Serão registrados em registro público: [...]
III – a curatela e a tomada de decisão apoiada, bem como
seus respectivos limites; (BRASIL, 2002, [N.P.]).
Além disso, também haverá a obrigatoriedade da contra-
assinatura dos dois apoiadores escolhidos pela pessoa a ser apoiada,
ao passo que o negócio jurídico celebrado com a inobservância dos
termos da tomada de decisão apoiada será passível de anulabilidade:
Art. 1.783-A, §5º, CC - Nos atos abrangidos no termo
de tomada de decisão apoiada é obrigatória a contra-
assinatura dos apoiadores, a qual é hábil para demonstrar
o fornecimento de elementos e informações necessários ao
exercício da capacidade pela pessoa com deficiência.
Art. 171, CC – É anulável o negócio jurídico: [...]
III – por inobservância dos termos da tomada de decisão
apoiada, homologada judicialmente e averbada em cartório
(BRASIL, 2002, [N.P.]).
Embora essa versão substitutiva seja melhor que a anterior,
persiste inapropriada aos propósitos da Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, principalmente
quanto às alterações que propõe para a Tomada de Decisão Apoiada,
retirando a autonomia da pessoa com deficiência plenamente capaz
(MENEZES, 2018).
Dando continuidade à tramitação no Congresso Nacional, o
PL foi encaminhado à Câmara dos Deputados, recebeu uma nova
numeração (PL nº. 11.091/2018) e, ao passar pela Comissão de

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Constituição Justiça e Cidadania (CCJC), o então relator, deputado


Luiz Flávio Gomes, também propôs uma emenda que consiste em
uma nova alteração da teoria das incapacidades:
Art. 3º, CC: São absolutamente incapazes de exercer os
atos da vida civil: I [...];
II – os que não tenham qualquer discernimento para a
prática desses atos, conforme decisão judicial que leve em
conta a avaliação biopsicossocial;
III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem
exprimir sua vontade (BRASIL, 2002).
Além disso, foi requerida a revogação do inciso III do artigo
4º do Código Civil (BRASIL, 2002), ou seja, conforme a proposta,
teremos pessoas com deficiência consideradas plenamente capazes
(regra) e absolutamente incapazes, e não mais relativamente
incapazes.

8.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Feitas as observações sobre as mudanças impostas pela


Convenção de Nova York e trazidas pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência na teoria das incapacidades, o que se observa é o
enaltecimento da dignidade-liberdade da pessoa com deficiência,
abandonando a dignidade-vulnerabilidade.
Assim, é indiscutível o avanço normativo que a nova
legislação significa para a nação brasileira. São normas inclusivas
e garantidoras de tratamento isonômico às pessoas com deficiência,
mas, ao mesmo tempo, também são libertadoras, pois rompem
a barreira da incapacidade, muitas vezes imposta a quem tem
condições de manifestar a sua vontade e ser o protagonista da sua
existência.
Nesse diapasão, como advento do Estatuto, as pessoas com
deficiência são consideradas, em regra, plenamente capazes,
ao passo que a incapacidade será apenas relativa e em situações
excepcionais. Portanto, se presente eventual incapacidade (barreira
que obstrua a plena e efetiva participação em igualdade de condições
na sociedade), estarão sujeitas à curatela parcial, restrita à prática

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dos atos patrimoniais, devendo-se preservar, na medida do possível,


o autogoverno para a condução das situações existenciais.
Além disso, a inclusão da pessoa com deficiência não exclui a
sua proteção, pois também foi criada uma verdadeira rede de apoio
a essa pessoa capaz com deficiência, garantindo a efetivação de sua
dignidade por meio de sua autonomia.
Destarte, a Tomada de Decisão Apoiada representa
importante instrumento para o exercício da autonomia da pessoa
com deficiência, sem que essa tenha sua vontade substituída por
um terceiro nomeado contra sua vontade. Ao contrário disso, o
instituto preserva o direito de escolha da pessoa não só no que diz
respeito à nomeação dos apoiadores, que são pessoas de confiança
do apoiado, como também das próprias decisões a serem tomadas.
Dessa feita, a aprovação da Lei Brasileira de Inclusão
representa grandes avanços nas conquistas dos direitos das pessoas
com deficiência, em especial, no tocante à chamada teoria das
incapacidades, que se mostra em consonância com as diretrizes e
com os princípios defendidos pela Convenção Internacional de Nova
York, ratificada pelo Brasil, com status de emenda constitucional.

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Revista Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 13, n. 3, p. 71-96, jul./dez. 2023


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A função social da propriedade


e da empresa no Direito Civil

Carlos Henrique SOLIMANI1


Jovano Ramos BELOTI2
Maria Vitória Aparecida OLIVEIRA3

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo o estudo da Função Social


da Propriedade e da Empresa no Direito Civil. Será tratado acerca do Direito
Constitucional à propriedade e os deveres constitucionais do proprietário da
mesma forma também será tratado acerca dos Direitos e deveres da empresa
dentro da legislação brasileira quais são suas funções sociais e como a propriedade
e a empresa podem reduzir as desigualdades sociais históricas. Utilizando-se do
método dedutivo e análise de bibliografia específica, a proposta do artigo é a
realização de uma revisão bibliográfica e conceitual acerca do tema. Procurar-
se-á centralizar a discussão no aspecto de direitos e deveres e os efeitos da
globalização com relação às desigualdades sociais.

Palavras-chave: Propriedade Privada. Empresa. Função Social. Globalização.


Desigualdades Sociais.

1
Carlos Henrique Solimani. Doutorando em Estudos Globais pela Universidade Aberta de Lisboa-
Portugal. Mestre em Direitos Coletivos e Cidadania pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP).
Especialista em Direitos das Obrigações com Ênfase em Direito do Trabalho pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Bacharel em Direito pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Docente do Claretiano – Centro Universitário de Batatais.
E-mail: carlossolimani@claretiano.edu.br.
2
Jovano Ramos Beloti. Licenciado em Letras (Português/Inglês) pelo Claretiano – Centro Universitário.
Bacharelando em Direito pelo Claretiano – Centro Universitário de Batatais. E-mail: jovanobeloti@
yahoo.com.br.
3
Maria Vitória Aparecida Oliveira. Bacharelanda em Direito pelo Claretiano – Centro Universitário
de Batatais. E-mail: mariaavitoria1818@gmail.com.

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The social function of property


and business in Civil Law

Carlos Henrique SOLIMANI


Jovano Ramos BELOTI
Maria Vitória Aparecida OLIVEIRA

Abstract: This work aims to study the Social Function of Property and the
Company in Civil Law. It will be treated about the Constitutional Right to
property and the constitutional duties of the owner in the same way it will also
be treated about the Rights and duties of the company within the Brazilian
legislation, what are its social functions and how the property and the company
can reduce historical social inequalities. Using the deductive method and analysis
of specific bibliography, the purpose of the article is to carry out a bibliographic
and conceptual review on the subject. An attempt will be made to centralize the
discussion on the aspect of rights and duties and the effects of globalization in
relation to social inequalities.

Keywords: Private Property. Company. Social Function. Globalization. Social


Inequalities.

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1.  INTRODUÇÃO

A humanidade já passou por diversos sistemas jurídicos e


políticos, desenvolvendo e transformando seus sistemas, segundo
as necessidades, costumes e hábitos de cada momento. Desde
tempos remotos, o homem se depara com uma ideia, muitas vezes
percebida como inata: o conceito de propriedade privada.
Desse modo, deve-se entender as diversas faces da propriedade
durante a história para que se compreenda os fundamentos e as
razões desse conceito está tão fortemente ligado ao homem a ponto
de ser parte constituinte das estruturas sociais. Toda estrutura de
sociedade que conhecemos tem raízes no direito de propriedade.
Sem a propriedade, o homem torna-se escravo da vontade arbitrária
de um Estado. Assim, falaremos primeiramente sobre o que é
Propriedade e o que é Empresa conforme a Constituição Federal de
1988 (BRASIL, 1988) e o Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002).
Além disso, será exposto acerca da desapropriação por
interesse social, trata-se das desapropriações de imóveis urbanos
que deverão ser feitas com prévia e justa indenização em dinheiro,
conforme os casos previstos por interesse social no Art. 2°
(BRASIL, 1988), que trataremos mais a frente e na Constituição
Federal (BRASIL, 1988, [n.p.]):
Art. 5°; XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou
por interesse social, mediante justa e prévia indenização em
dinheiro, ressalvada os casos previstos nesta Constituição.
Outrossim, será tratado a respeito da globalização e seus
efeitos com relação às desigualdades sociais. Será abordado dentro
da legislação brasileira quais são suas funções sociais e como a
propriedade e a empresa podem reduzir as desigualdades sociais
históricas, como as desigualdades causadas pela Lei 601 de 18
de setembro de 1850, que impediu o acesso de ex-escravos e
imigrantes europeus pobres de terem suas próprias terras, causando
uma grande desigualdade social que ainda hoje existe em nosso
país (AGÊNCIA SENADO, 2020).

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100 ISSN 2237-2318

2.  A PROPRIEDADE PRIVADA

Conforme Cretella Júnior (1995, p. 169):


Propriedade é o direito ou faculdade que liga o homem a
uma coisa, direito que possibilita ao seu titular extrair da
coisa toda utilidade que esta lhe possa proporcionar.
O direito à propriedade já existia no Direito Romano. Ainda
conforme o mesmo autor: “[...] no mundo romano, a propriedade
situava-se no centro do sistema, girando ao redor toda a ordem
jurídica e econômica” (CRETELLA JÚNIOR, 1995, p. 169,
destaque nosso).
De acordo com Biondo (2006, [n.p.]):
A obtenção de bens sempre foi para o homem sinônimo
de segurança e progresso pessoal e a propriedade desses
bens sempre foi assegurada pelo Estado, a princípio de
maneira individual, plena e absoluta, a exemplo do código
de Napoleão, do código civil Alemão e do próprio Código
Civil Brasileiro de 1916. Ressalte-se que, a intervenção do
estado no direito de propriedade poderia se dar somente
em casos excepcionalíssimos, mediante uma motivação
e pagamento ao proprietário do bem de justa e prévia
indenização em caso de expropriação. O desenvolvimento
da economia e da sociedade dessa época girava em torno
do direito sagrado e inviolável de propriedade.
O Direito à propriedade existe nos Estados Democráticos,
diferindo de alguns Estados Comunistas, como por exemplo a Coréia
do Norte, em que não existe propriedade privada, todas a propriedades
pertencem ao Estado. A nova Constituição da República de Cuba
(Contituición de La República de Cuba) de 2019, embora não renuncie
ao Socialismo ou Comunismo, já assegura o direito à propriedade
privada, porém, com grande intervenção do Estado, conforme seu
artigo 29 (CUBA, 2019, p. 4, tradução nossa, destaque nosso):
Art. 29. A propriedade privada da terra é regulada por um
regime especial. É proibido o arrendamento mercantil,
parceria e empréstimos hipotecários para pessoas físicas.
A alienação onerosa ou alienação deste ativo só pode ser
efetuada após cumprimento dos requisitos estabelecidos na
lei e sem prejuízo do direito de preferência do Estado à sua

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ISSN 2237-2318 101

aquisição mediante o pagamento do seu justo preço. As


transmissões não onerosas de propriedade ou direitos de uso
e gozo deste imóvel são efetuadas com a prévia autorização
da autoridade competente e de acordo com o disposto na lei.
Conforme Sereno (2016), o Liberalismo, doutrina idealizada
por John Locke, possuía uma visão de que no Estado o direito à
propriedade era absoluto e o proprietário teria ampla liberdade para
utilizar seus bens, porém sem a preocupação com o social e sem
intervenção do Estado. Por essa característica abstencionista, o
Estado Liberal evoluiu para Estado Social.
Com essa evolução, o Estado passa a interferir para garantir
o bom uso da propriedade privada com o intuito de que ela atenda
sua função social e as desigualdades sejam diminuídas.

3.  A GLOBALIZAÇÃO E SEUS REFLEXOS NAS DESI-


GUALDADES SOCIAIS

No contexto de um mundo globalizado, observa-se que as


desigualdades sociais têm aumentado. Na atualidade, o mundo todo
depende de produtos fabricados em países diversos. A guerra entre
Rússia e Ucrânia reflete no agronegócio brasileiro visto que se
dependia do fertilizante produzido na Rússia (BBC NEWS BRASIL,
2022) para produzir alimentos. Observa-se também neste ano a crise
internacional do petróleo afetar o mundo todo com os altos preços
dos combustíveis, pois o petróleo é um produto com preço regulado
pelo Mercado Internacional. Nisso vemos o Neoliberalismo, tendo
o Estado o mínimo controle da economia nesse caso. Esses produtos
subindo de preço afetam principalmente os mais pobres causando
diminuição do poder de compra e agravando ainda mais o problema
da desigualdade social4.
4
“Confira as principais características do neoliberalismo: Pouca intervenção do governo no mercado
de trabalho; A política de privatização de empresas estatais, ou seja, a privatização de todos os setores
da economia nacional; Desregulamentação do sistema financeiro; Transferência de serviços públicos
ao setor privado; Redução dos encargos e direitos sociais como um todo; A abertura da economia para
a entrada de empresas multinacionais; Defesa dos princípios econômicos do capitalismo e também
ênfase na globalização. Consequências do neoliberalismo: Desigualdade social; Desemprego;
Economia instável; Salários baixos; fluxo de capital invertido; Dependência do capital internacional
(principalmente nos países mais pobres e menos desenvolvidos); Tremenda liberação financeira”
(MENDES, 2019, [n.p.]).

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Libâneo e Oliveira (1998, p. 606) expõem que:


As transformações gerais da sociedade atual apontam
a inevitabilidade de compreender o país no contexto da
globalização, da revolução tecnológica e da ideologia do
livre mercado (neoliberalismo). A globalização é uma
tendência internacional do capitalismo que, juntamente
com o projeto neoliberal, impõe aos países periféricos a
economia de mercado global sem restrições, a competição
ilimitada e a minimização do Estado na área econômica e
social.
Na citação acima, os autores apontam a globalização e o
neoliberalismo como sendo prejudiciais aos países mais pobres.
Santos (2001, p. 19) expõe a globalização como uma fábrica
de perversidades quando destaca que:
De fato, para a grande maior parte da humanidade a
globalização está se impondo como uma fábrica de
perversidades. O desemprego crescente torna-se crônico.
A pobreza aumenta e as classes médias perdem em
qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome
e o desabrigo se generalizam em todos os continentes.
Entende-se, portanto, que a globalização aumenta a
desigualdade social no mundo todo, principalmente nos países mais
pobres.

4.  A PROPRIEDADE PRIVADA E O DIREITO CIVIL


BRASILEIRO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,


em seu Art. 5º, incisos XXII e XXIII diz que: “[...] é garantido o
direito de propriedade”; e que “[...] a propriedade atenderá a sua
função social” (BRASIL, 1988, [n.p.], destaque nosso).
O referido artigo consagra, entre outras garantias e direitos
fundamentais, o direito à propriedade, imediatamente depois dos
direitos à liberdade pessoal.
A carta constitucional de 1988 segue as orientações da
Declaração Universal de Direitos Humanos (UNICEF, 1948, [n.p.])

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que em seu Art. 17 estabelece que todo “[...] ser humano tem direito
à propriedade, só ou em sociedade com outros. Ninguém será
arbitrariamente privado de sua propriedade”.
Ainda, conforme Velázquez (2004, p. 40, grifos do autor):
“A propriedade privada do ponto de vista institucional é um dos
fundamentos que dá sustentação ao nosso ordenamento social
jurídico (Art.170, II CF)”.
Para Norberto Bobbio (1992, p. 5 apud STUDER; OLIVEIRA,
2006, p. 60):
[...] os direitos do homem, por mais fundamentais que
sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas
circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de
novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de
modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez
por todas.
Além da Constituição, o instituto da propriedade também é
tratado no Código Civil de 2002, no Art. 1.225, inciso I, como um
“direito real” (BRASIL, 2002).
Dentre os conceitos de propriedade citados por Flávio Tartuce
(2022) destaca-se o conceito de Clóvis Beviláqua (2003, p. 127
apud TARTUCE, 2022, p. 935), segundo o qual, “[...] a propriedade
é o poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens da vida
física e moral”.
Conforme Solimani e Simão Filho (2017, p. 1009),
No Código Civil, conforme previsão do § 1º do art.
1.228, o direito de propriedade deve ser exercido em
consonância com as suas finalidades econômicas e sociais
e de modo que sejam preservados, de conformidade com
o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e
artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas,
constando ainda no art. 421 que a liberdade de contratar
será exercida em razão e nos limites da função social do
contrato. O princípio da função social da propriedade
recebe tratamento nas disposições transitórias, no
parágrafo único do art. 2.035, em que está previsto que
nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos
de ordem pública, tais como os estabelecidos por esse

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Código para assegurar a função social da propriedade e


dos contratos.
Entre os direitos fundamentais, a propriedade está inserida
no rol do artigo 5º, inciso XVII da Constituição Federal de 1988
(BRASIL, 1988) e nos artigos 1.225 a 1.313 do Código Civil
(BRASIL, 2002). Destaca-se o artigo 1.228 do Código Civil
(BRASIL, 2002, [n.p.]):
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar
e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem
quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em
consonância com as suas finalidades econômicas e sociais
e de modo que sejam preservados, de conformidade com
o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e
artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário
qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela
intenção de prejudicar outrem.
§ 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos
de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou
interesse social, bem como no de requisição, em caso de
perigo público iminente.
§ 4º O proprietário também pode ser privado da coisa
se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na
posse ininterrupta e de boa fé, por mais de cinco anos, de
considerável número de pessoas, e estas nela houverem
realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços
considerados pelo juiz de interesse social e econômico
relevante.
Apesar de o Código Civil (BRASIL, 2002) e a Carta Magna
brasileira (BRASIL, 1988) deixar claro que o direito de propriedade
é um direito fundamental, o seu exercício sofre as limitações
impostas pela lei, mormente aqueles em destaque no artigo 1.228 e
seus parágrafos, citados anteriormente de modo textual. Destarte, o
direito de propriedade deve observar a sua função social e ainda deve
ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e
sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o

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estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o


equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águas.

5.  A EMPRESA

Conforme Sérgio Fragoso (2011, [n.p.], destaque do autor),


“O  principal objetivo de uma empresa  é produzir com poucos
custos obtendo o maior lucro possível, ou seja, o principal objetivo
da empresa  é gerar lucros”. Ela exerce atividade econômica de
produção ou distribuição de bens e serviços, como diz o art. 986
do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002). Podem ser, industriais,
comerciais e prestadoras de serviços.
O Código Civil Italiano (ITÁLIA, 1942), sob influência da
Teoria da Empresa, tal como o Código Civil Brasileiro (BRASIL,
2002), não conceitua a empresa, mas sim o empresário, que é quem
desenvolve atividade econômica, exercida profissionalmente para
a produção ou a circulação de bens e serviços. Além disso, um
aspecto importante para a caracterização da atividade empresária
é a presença ou não da exploração do trabalho alheio. Assim, por
dedução, a empresa é a atividade do empresário.
Outrossim, o art. 966 do Código Civil (BRASIL, 2002, [n.p.])
define quem é empresário:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo
Único. Não se considera empresário quem exerce profissão
intelectual, de natureza científica, literária ou artística,
ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores,
salvo se o exercício da profissão constituir elemento de
empresa.
Ademais, temos como exemplo de empresa pública federal os
Correios e a Caixa Econômica Federal. Como exemplo de empresa
pública estadual, temos a TV Cultura e Municipal como exemplo a
extinta Ceterp (Companhia Telefônica de Ribeirão Preto).

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Também podem ser de capital misto, como é o caso da


Petrobrás, que possui ações disponíveis na Bolsa de Valores e as
autarquias, como é o caso da Faculdade de Direito de Franca, que
embora pertença à Prefeitura de Franca, possui autonomia financeira
e administrativa para desenvolver suas atividades educacionais.

6.  A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A função social da propriedade passou a fazer parte do direito


positivado, ou seja, do direito escrito em 1919 com a promulgação
da Constituição Alemã de Weimar, e após a queda do nazismo,
volta a aparecer na Constituição alemã em 1949 quando diz em seu
Art.14, alínea 2ª: “A propriedade obriga. Seu uso deve, ao mesmo
tempo, servir o interesse da coletividade” (SOLIMANI; SIMÃO
FILHO, 2017, p. 1008).
No Brasil, a função social da propriedade está descrita
na Constituição Federal de 1988, Art. 5º, inciso XXIII: “[...] a
propriedade atenderá a sua função social” (BRASIL, 1988, [n.p.]).
O nosso Código Civil de 2002, no Art. 2.035, parágrafo único
(BRASIL, 2002, [n.p.], destaque nosso), estabelece que: “Nenhuma
convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública,
tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a
função social da propriedade e dos contratos”.
A propriedade, além de ser um direito previsto na Constituição,
também possui seus deveres sociais, pois se o cidadão possui uma
propriedade, é importante também que ela cumpra sua função
social, que é produzir, no caso de uma propriedade rural, os frutos
da agricultura e da pecuária, além de gerar empregos. Entendendo
que todo homem tem direito ao trabalho, uma das funções sociais
da propriedade é de empregar, dar condições de trabalho para que a
terra possa produzir suas riquezas beneficiando toda a nação.
Quando a propriedade não cumpre sua função que é produzir,
o Art. 184 da Constituição (BRASIL, 1988) prevê que essas terras
podem ser desapropriadas para fins de reforma agrária:

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Art. 184 Compete à União desapropriar por interesse


social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que
não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia
e justa indenização em títulos da dívida agrária, com
cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo
de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e
cuja utilização será definida em lei (BRASIL, 1988, [n.p.]).
A Constituição (BRASIL, 1988, [n.p.]) protege alguns tipos
de propriedade no artigo 185:
Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de
reforma agrária:
I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em
lei, desde que seu proprietário não possua outra;
II - a propriedade produtiva.
Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à
propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento
dos requisitos relativos a sua função social.
Portanto, o pequeno e médio proprietário tem também
proteção constitucional.
O Art. 186 da nossa Constituição (BRASIL, 1988) estabelece
os requisitos a serem cumpridos pelo proprietário rural para que se
cumpra a função social:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade
rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus
de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis
e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações
de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários
e dos trabalhadores (BRASIL, 1988, [n.p.]).
No Brasil colonial, vemos já que todos aqueles que recebiam
posses de terras através das sesmarias, eram obrigados a produzir,
portanto essa função social não é uma novidade mas sim um

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costume que foi positivado. Nisso, vemos historicamente a função


social da propriedade.
Studer e Oliveira (2006, p. 54) citam essas funções:
As sesmarias consistiam em uma cessão do domínio
da terra, aos particulares, mediante o cumprimento de
algumas obrigações, como o cultivo de determinados
produtos, criação de animais etc.
Nesse contexto histórico, vemos a função social da
propriedade já naquela época.
No direito brasileiro, a primeira menção constitucional acerca
da função social da propriedade aparece na Constituição de 1934.
Depois disso, aparece em todas as demais Constituições que se
seguiram.
Tanajura (1912 apud STUDER; OLIVEIRA, 2006, p. 61)
salienta que:
Todo indivíduo tem a obrigação de cumprir na sociedade
uma função social, em razão direta do lugar que nela
ocupa. Por conseguinte, o possuidor de riqueza, pelo fato
de possuí-la, pode realizar certo trabalho que somente
ele pode cumprir. Só ele pode aumentar a riqueza geral
e assegurar a satisfação das necessidades gerais, ao fazer
valer o capital que possui. Está, pois, obrigado socialmente
a cumprir esta tarefa, e só no caso de que a cumpra, será
socialmente protegido. A propriedade não é um direito
subjetivo do proprietário. É a função do possuidor da
riqueza
Portanto, o possuidor de riquezas tem a obrigação de produzir
mais riquezas para o bem-estar social de todos.
Studer e Oliveira (2006, p. 62, destaque nosso) enfatizam:
A ordem econômica embora alicerçada em valores de
natureza capitalista prioriza o trabalho humano e a
iniciativa privada, fundamentos da nossa República, tendo
como consequência a proteção econômica à propriedade
privada e, ainda, à função social da propriedade, e por
meio da intervenção estatal ao domínio econômico, devem
ser assegurados os direitos econômicos, em prol de uma
existência digna a todos. Pinto Ferreira coloca que o

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sistema capitalista e o socialista são os sistemas atualmente


responsáveis pela estruturação da ordem econômica. O
último baseando-se na propriedade coletiva dos meios de
produção e o primeiro orientado pela propriedade privada
de bens de produção, livre concorrência e iniciativa
privada.
Em segunda análise, cabe elencar, que o entendimento de
que cada homem, como indivíduo, possui direitos inalienáveis,
ou direitos naturais que nascerem antes que qualquer sociedade
política, até que esses direitos fossem considerados “fundamentais”,
a sociedade teve que se adaptar às novas mudanças que ocorriam na
época. Assim, junto com a evolução da sociedade, surgiram novas
exigências dessa mesma sociedade, a fim de tutelar os bens que
considerava prioridade, e com essas exigências, nasceram novos
direitos.
Além de que, o alicerce desses direitos e a sua efetiva proteção
estão garantidos pelas Constituições democráticas modernas, nas
quais se observa o:
[...] crescimento das ideologias sociais-democratas que
têm como característica comum a limitação do direito
de propriedade, vinculando-a ao cumprimento de sua
função social (VARELLA, 1998, p. 216, destaque nosso).
Assim, todo indivíduo tem a obrigação de cumprir na
sociedade uma função social, em razão direta do lugar que nela
ocupa. Por conseguinte, conforme a Constituição da República
Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), a propriedade tem seu
alicerce nela disciplinada em diversos artigos. No que concebe à
propriedade privada, a previu como direito individual, vinculando-a
ao cumprimento de sua função social:
Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade,
nos termos seguintes: ... XXII - é garantido o direito de
propriedade. XXIII - a propriedade atenderá à sua função
social. O princípio da função social da propriedade, como
atributo incidente no conteúdo da propriedade em geral,
faz-se presente em qualquer das acepções existentes

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e juridicamente reconhecidas (autoral, urbana, rural,


pública, agrícola, industrial etc.) (BRASIL, 1988, [n.p.]).
Dessa maneira, o direito de propriedade não deverá ser visto
de forma isolada, mas sistemático, correlacionado com os demais
princípios jurídicos, especialmente os constitucionais, ampliando-
se a sua interpretação e aplicação. Por isso, expõe Habermas que,
paralelo aos interesses individuais e da expansão econômica, existe
uma terceira fonte da integração social, que seria a solidariedade
e a orientação do bem comum. Essa concepção, apesar de ser
extremamente subjetiva, vem devagar e profundamente modificando
o pensar e o agir do mundo jurídico, tanto na fase de criação, como
na aplicação e interpretação da lei, onde a transformação social
exige, cada vez mais, que assegurem os direitos relativos ao bem
comum, em detrimento dos direitos privados.

7.  DESAPROPRIAÇÃO

Os limites concretos do livre arbítrio no uso da propriedade


estão estabelecidos, segundo o Código Civil (BRASIL, 2002),
pela comodidade ou utilidade que tais atos possam trazer a seu
proprietário e, mesmo nessa situação, há de se respeitar os limites
impostos pelo ordenamento legal. Um exemplo dos limites impostos
pela lei reflete-se no § 3° do Art. 1.228 (BRASIL, 2002), quando
determina as condições em que o proprietário pode ser privado da
coisa. Pela Constituição (BRASIL, 1988, [n.p.]) “[...] foi criada
uma nova espécie, a desapropriação por interesse social”.
O Art. 5°; XXIV da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988,
[n.p.]) declara:
Art. 5°; XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou
por interesse social, mediante justa e prévia indenização em
dinheiro, ressalvada os casos previstos nesta Constituição.
A desapropriação por interesse social, nos termos da Lei
4.132/62 (BRASIL, 1962), com a alteração do Art. 31 da Lei
6.513/77 (BRASIL, 1977), justifica-se para promover a justa
distribuição da propriedade ou condicionar seu uso ao bem-estar

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social, conforme Art. 19 (BRASIL, 1977). Os casos previstos por


interesse social estão no Art. 2° (BRASIL, 1962, [n.p.]):
Art. 2°. I - aproveitamento de todo o bem improdutivo ou
explorado sem correspondência com as necessidades de
habitação, trabalho e consumo dos centros de população a
que deve ou possa suprir por seu destino econômico;
II - instalação ou intensificação das culturas nas áreas em
cuja exploração não se obedece a plano de zoneamento
agrícola (vetado);
III - o estabelecimento e a manutenção de colônias ou
cooperativas de povoamento e trabalho agrícola;
IV - a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde,
com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham
construído sua habitação, formando núcleos residenciais
de mais de dez famílias;
V - a construção de casas populares;
VI - as terras e águas suscetíveis de valorização
extraordinária, pela conclusão de obras e serviços
públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte,
eletrificação, armazenamento de águas e irrigação, no caso
em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas;
VIl - a proteção do solo e preservação de cursos e
mananciais de água e de reservas florestais;
VIlI - a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas
características, sejam apropriados ao desenvolvimento de
atividades turísticas.
O Art. 182, § 3° (BRASIL, 1988) trata das desapropriações
de imóveis urbanos que deverão ser feitas com prévia e justa
indenização em dinheiro.

8.  A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

A priori, quando não há intervenção do Estado na atividade


empresarial, ela deixa de lado o humanismo, e o homem passa
a ser tratado como um objeto. Em uma empresa o homem perde
sua identidade, passando a ser conhecido apenas pelo número da
matrícula.

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Os valores humanos são deixados de lado e o homem passa


a ser uma simples peça de reposição descartável. É o ser humano
sendo tratado como um objeto pelo próprio homem. A empresa em
si, visa o lucro.
Na visão de Adam Smith (1983), o Estado deve deixar que
a economia tenha a liberdade de se autorregular, não interferindo
na atividade empresarial, a chamada “mão invisível”, porém,
como já dissemos, sem a intervenção do Estado, os direitos sociais
do trabalhador serão deixados de lado. Por esse motivo, faz-se
necessária a intervenção do Estado, para garantir que a função
social da empresa seja garantida, e os trabalhadores sejam tratados
de maneira mais humana.
Por esse motivo, a Constituição Federal de 1988, Art. 170,
caput e inciso III (BRASIL, 1988) fala acerca da finalidade da
ordem econômica, visando proteger a dignidade da pessoa humana
e a valorização do trabalho:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização
do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios; [...]
III - função social da propriedade (BRASIL, 1988, [n.p.],
grifos nossos).
De acordo com Lopes (2006, p. 280 apud SOLIMANI;
SIMÃO FILHO, 2017, p. 1016), “[...] a função social da empresa
tem como finalidade fundamental condicionar a atividade
empresarial à realização da justiça social”, para que se diminuam
as desigualdades sociais, que é o objetivo do regime democrático e
republicano brasileiro
[...] o de fomentar o progresso para uma sociedade
menos desigual, condicionando o acesso à propriedade,
ao seu uso, gozo e fruição, à abertura e ampliação de
oportunidades a todos os brasileiros (LOPES, 2006, p. 281
apud SOLIMANI; SIMÃO FILHO, 2017, p. 1017).
Ademais, a função social da empresa deve estar afetando os
desígnios constantes na legislação constitucional brasileira para
conceder através do capitalismo humanista uma condição digna
à sociedade e ao ambiente envolto à empresa. Afinal, a empresa

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como instrumento de criação de valor não atua isoladamente e


não está desvinculada de suas responsabilidades sociais com seus
empregados, fornecedores, consumidores, a comunidade onde está
inserido, o meio ambiente em que se instalou, enfim, em todas as
estruturas que se interpenetram na busca dos fins sociais a que se
propõe a empresa. E é justamente essa função social que fundamenta
a tutela e a proteção do direito. O ato é juridicamente válido na
medida em que cumpre sua função social. A Constituição vigente
brasileira enfatiza esse viés social, ao consagrar como princípios
fundamentais da República o da solidariedade, o da justiça social
e o da promoção da pessoa humana, principalmente no que tange
à empresa, no estudo de sua função social o artigo principal é o
parágrafo único do art. 116 (BRASIL, 1988) que assim dispõem:
Art. 116. O acionista controlador deve usar o poder com o
fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir
sua função social, e tem deveres e responsabilidades
para com os demais acionistas da empresa, os que nela
trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos
direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender
(BRASIL, 1988, [n.p.]).

9.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa procurou trazer à discussão a situação


histórica de direito à propriedade e a função social da propriedade
e da empresa à luz do Direito Civil Brasileiro, que tem a função de
diminuir as desigualdades sociais bem como a de produzir riquezas
para o bem de todos.
Falamos também acerca da globalização e seus efeitos no
tocante às desigualdades sociais.
Como vimos, o direito à propriedade vem sempre
acompanhado da obrigação, que é trabalhar a propriedade para
que ela não se torne improdutiva. A função social da propriedade e
da empresa é fazer com que os ricos sejam menos poderosos e os
pobres menos sofredores.
Além disso, diante dos fatos supracitados, cabe ressaltar
que os limites internos consistem em obrigações de utilizar a

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propriedade, ou seja, ela deveria ser produtiva economicamente,


em nosso ordenamento jurídico, tem a definição intimamente ligada
à função social, e um dos direitos basilares do ser humano. No
Código Civil atual, de 2002, o artigo 1.228 (BRASIL, 2022) trata
dessa definição, dando à propriedade as facilidades ali descritas: 
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar
e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem
quer que injustamente a possua ou detenha (BRASIL,
2002, [n.p.]). 
Por último, conclui-se que a função social da empresa,
diversamente da função social da propriedade, não é expressamente
citada pela Carta Constitucional, ainda que seja tradicionalmente
identificada e reconhecida pelo inteiro ordenamento jurídico
enquanto resultado de um conjunto de normas principalmente
constitucionais.

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA SENADO. Há 170 anos, Lei de Terras oficializou opção do Brasil


pelos latifúndios. 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/
especiais/arquivo-s/ha-170-anos-lei-de-terras-desprezou-camponeses-e-
oficializou-apoio-do-brasil-aos-latifundios. Acesso em: 22 nov. 2022.

BBC NEWS BRASIL. Guerra na Ucrânia: por que o Brasil depende tanto dos
fertilizantes da Rússia? São Paulo, 03 mar. 2022. Disponível em https://www.
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Direito Canônico: a nulidade matrimonial


para a Igreja Católica Apostólica Romana

José Rodrigues ARIMATÉA1


Isadora Crivelenti ARANTES2

Resumo: No artigo científico a seguir será explorado o tema “Direito Canônico:


A Nulidade Matrimonial para a Igreja Católica Apostólica Romana”. O tema é
de extrema importância principalmente entre os próprios católicos que, muitas
vezes, desconhecem as normas de sua própria igreja. A nulidade matrimonial,
quando não compreendida corretamente, abre espaços para muitas interpretações
distorcidas. Com esse intuito, o artigo foi escrito para levar a informação
exata às pessoas que possuem interesse pelo tema, e, assim, se aprofundarem, de
fato, no que é o Sacramento do Matrimônio e todas as questões que o envolvem.

Palavras-chave: Direito Canônico, Nulidade Matrimonial, Igreja Católica,


Sacramento e Matrimônio.

1
José Rodrigues Arimatéa. Mestre em Direito Público pela Universidade de Franca (UNIFRAN).
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC). Docente no Curso de
Direito do Claretiano – Centro Universitário. Juiz titular do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
E-mail: josearimatea@claretiano.edu.br.
2
Isadora Crivelenti Arantes. Bacharelanda em Direito pelo Claretiano – Centro Universitário de
Batatais. E-mail: isadoracrivelenti406@gmail.com.

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Canon Law: matrimonial nullity


for the Roman Catholic Church

José Rodrigues ARIMATÉA


Isadora Crivelenti ARANTES

Abstract: The following scientific article will explore the topic “Canon Law:
Matrimonial Nullity for the Roman Catholic Church”. The issue is extremely
important, especially among Catholics themselves, who are often unaware of the
norms of their own church. Matrimonial nullity, when not understood correctly,
opens spaces for many distorted interpretations. For this purpose, the article was
written to bring exact information to people who have an interest in the subject,
and, thus, deepen themselves, in fact, in what is the Sacrament of Marriage and
all the questions that involve it.

Keywords: Canon Law, Matrimonial Nullity, Catholic Church, Sacrament e


Marriage.

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1.  INTRODUÇÃO

No presente artigo entenderemos, de maneira específica


e aprofundada, a respeito da nulidade matrimonial para a Igreja
Católica. A constatação da nulidade ocorre quando é comprovado
que não houve o sacramento do matrimônio, ou seja, quando
o Tribunal Eclesiástico, que é o tribunal de Direito Canônico,
entende que mesmo havendo a cerimônia, por algum dos motivos
que veremos adiante, o sacramento não foi concedido ao casal.
É de suma importância enfatizar que existe uma grande
diferença entre anulação e nulidade, e que ambas não podem ser
confundidas. Anulação é o ato de anular algo que existiu, como, por
exemplo, a questão de uma prova que, por algum motivo, é anulada.
A nulidade, por outro lado, é a constatação de que algo nunca
existiu, ou seja, em nenhum momento houve aquela determinada
situação.
Assim, como é o caso da nulidade matrimonial, o casamento,
no ponto de vista religioso, nunca aconteceu e aquelas pessoas,
de fato, nunca foram casadas para a Igreja Católica. Logo, ambas
poderão, caso queiram, se casar novamente, pois, religiosamente
falando, nunca deixaram de ser solteiras. Como veremos adiante,
diversos motivos podem levar à nulidade de um casamento, e cada
um deles é analisado de uma forma específica.

2.  SACRAMENTOS

Para que seja possível compreender o assunto da nulidade


matrimonial, é preciso entender o que é um sacramento, qual
o seu significado e a forma como ele é concedido a alguém. A
Igreja Católica possui sete sacramentos, sendo eles, o Batismo, a
Confirmação, a Eucaristia, a Penitência, a Unção dos Enfermos, a
Ordem e, por fim, o Matrimônio.
Segundo o especialista Gleidson Carvalho (2020) o termo
sacramentum significava, inicialmente, o juramento militar feito
pelos legionários romanos, pois um jovem que quisesse se tornar um
soldado romano deveria fazer um juramento que servia como forma

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de iniciar a carreira no militarismo, marcando um compromisso


de que seria fiel e entregaria a própria vida, se necessário. Assim,
o termo se refere tanto a um juramento jurídico quanto a um
juramento sagrado.
Carvalho também aponta que, de acordo com o catecismo
da Igreja, a palavra sacramentum vem do latim e significa algo
que santifica, deriva do grego mysterion, ou seja, algo secreto e
misterioso.
Logo, o termo “sacramento” foi o escolhido pela Igreja
em latim eclesiástico para traduzir a palavra mysterion, fazendo
referência ao fato de ser algo sagrado e íntimo ao mesmo tempo.
O parágrafo 1131 do Catecismo da Igreja Católica apresenta
a seguinte definição sobre o que significa o sacramento: “Os
sacramentos são sinais eficazes da graça, instituídos por Cristo
e confiados à Igreja, pelos quais nos é dada a vida divina”
(RATZINGER, 1992, p. 363). Isso significa que os sacramentos
são meios pelos quais um cristão se aproxima da divindade de Deus
e vive uma vida em maior comunhão com ele.
De acordo com o especialista Gleidson Carvalho (2020),
o sacramento inclui alguns elementos que não podem ser
desvinculados dele, por exemplo, a noção de ser algo sensível, isso
significa que é percebido pelo homem através de seus sentidos (a
água do batismo, o pão e o vinho da Eucaristia, entre outros). Por
outro lado, é um sinal que vem de uma realidade divina, ou seja,
não faz parte da realidade humana, pois não é percebido no mundo
racional.
Desse modo, um sacramento, quando atribuído a uma pessoa,
não pode ser desfeito, isso significa que não existe retirada ou
cancelamento de um sacramento. Assim, ou ele nunca existiu, ou,
uma vez concedido a alguém, torna-se permanente com aquela
pessoa, sendo dessa forma para os sete sacramentos existentes na
Igreja.
Gleidson (2020) também coloca que é interessante nos
atentarmos ao fato de que todo sacramento é composto por matéria
e por forma. A matéria é, por exemplo, o óleo, o sal, a água e o

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vinho, enquanto que a forma são as palavras pronunciadas que


tornam aquele sacramento válido como por exemplo, “[…] eu os
declaro marido e mulher”, “[…] eu te batizo em nome do Pai”
e “[…] eu te absolvo em nome do Pai”.
Todos esses elementos são símbolos sacramentais que
possuem um significado e tornam sagradas todas as ações realizadas.

3.  O SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO

Para o Direito Canônico, o matrimônio é definido como um


sacramento que cria uma aliança eterna entre o homem e a mulher,
de forma livre e verdadeira, com o objetivo de constituir uma
família, educando seus filhos de acordo com as leis de Deus.
O casal deve viver junto uma vida inspirada nos mandamentos
da Igreja e visando a eternidade.
O casamento civil funciona como uma espécie de contrato
entre duas pessoas que serve para marcar uma união perante a lei.
Esse contrato pode ser desfeito a partir de um divórcio sem nenhum
impedimento, envolvendo partilha de bens e outras questões
relacionadas ao casal. O casamento civil não possui nenhum
vínculo religioso, mas apenas serve para formalizar uma união
entre pessoas que querem estar juntas.
O matrimônio para o Direito Canônico funciona de uma
forma completamente diferente. Ainda que para se casar na Igreja
o casal precise, necessariamente, se casar no cartório civil, os
meios religiosos são diferentes e exigem muito mais compromissos
morais de ambos. A seguir, entenderemos melhor quais são essas
exigências.
Para que um casamento religioso católico ocorra, ambas as
pessoas precisam ter o sacramento do Crisma, e, consequentemente,
o Batismo e a Primeira Eucaristia. As regras no Direito Canônico
são mais rígidas, pois muitas atitudes não são permitidas, e as
mesmas podem ser impedimentos para que um casal se case na
Igreja Católica.

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O Cân. 1065 § 1. do Código de Direito Canônico (CONCÍLIO


VATICANO II, 1983, p. 216) coloca que:
Os católicos, que ainda não receberam o sacramento da
confirmação, recebam-no antes de serem admitidos ao
matrimônio, se isto for possível fazer sem grave incômodo.
Mais adiante, no § 2. afirma que:
Para que o sacramento do matrimônio seja recebido com
fruto, recomenda-se insistentemente aos noivos que se
aproximem dos sacramentos da Penitência e da Santíssima
Eucaristia (CONCÍLIO VATICANO II, 1983, p. 216).
Além das exigências para que uma pessoa possa se casar de
acordo com as leis da Santa Igreja, existem elementos que impedem
uma pessoa de receber o sacramento do matrimônio. Por exemplo,
quando uma pessoa já foi anteriormente casada na Igreja Católica e
não teve sua nulidade aprovada, ela não poderá se casar novamente,
porém, entenderemos melhor sobre isso mais adiante.
O sacramento matrimonial, assim como todos os outros, é
eterno e só pode ser findado com a morte de uma das pessoas.
Logo, se é dado esse sacramento a um casal e o mesmo faz diante
do sacerdote o compromisso de ser fiel e permanecer junto até a
morte, ambos nunca poderão se separar. Ainda que seja realizado o
divórcio, para o Direito Canônico essas pessoas continuarão sendo
casadas, pois receberam uma aliança que não pode ser rompida.
É interessante observarmos que se um casal que recebeu
o sacramento matrimonial se divorciar, para a Igreja eles não
poderão se casar novamente, pois, ainda que separados fisicamente,
continua existindo o sacramento concedido a ambos. Assim, uma
pessoa que possui uma segunda união não poderá, por exemplo,
receber a Eucaristia, porque se encontra no pecado de adultério,
que é o mesmo que traição ou infidelidade com aquele que se casou.
O Cân. 1085 § 1. e § 2. (CONCÍLIO VATICANO II, 1983, p.
219) diz que:
Tenta invalidamente contrair o matrimônio quem está
ligado pelo vínculo de matrimônio anterior, mesmo que
este matrimônio não tenha sido consumado. Ainda que
o matrimônio anterior tenha sido nulo ou dissolvido por

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qualquer causa, nãoé lícito contrair outro, antes que conste


legitimamente e com certeza a nulidade ou a dissolução
do primeiro.
Em suma, existem diversas explicações dadas pelo Código de
Direito Canônico que justificam a proibição e as exigências para que
um casamento seja válido. Em comparação com outras vocações, a
Igreja prega que cada ser humano, com sua individualidade, possui
uma vocação específica que é dada por Deus para cumprir com sua
missão no mundo.
As vocações são várias e cada uma delas exige algo daquele
que a escolher. A vocação matrimonial é para os que são chamados
a se casarem, a vocação religiosa é para os que são chamados a
virarem padres, freiras etc., vivendo completamente para a Deus,
a vocação celibatária é para os que são chamados a viverem
sem um cônjuge, podendo ser religiosos ou mesmo leigos que
decidem por não se casarem, entre diversas outras vocações.
Por conseguinte, uma pessoa que recebe a missão de viver
uma vocação, não viverá a outra, pois não é essa sua escolha.
Assim, é inválida a tentativa de contrair o matrimônio por parte de
pessoas que possuem um compromisso com instituições religiosas
que façam voto de castidade e que não permitem o casamento de
seus vocacionados.
O Cân. 1087 (CONCÍLIO VATICANO II, 1983, p. 220) coloca
que: “Tentam invalidamente o matrimônio os que receberam ordens
sagradas”. Assim como, o Cân. 1088 (CONCÍLIO VATICANO II,
1983, p. 220) diz: “Tentam invalidamente o matrimônio os que
estão ligados por voto público perpétuo de castidade num instituto
religioso”. No entanto, para que possa receber o sacramento do
matrimônio, essa pessoa terá de renunciar à posição que estiver
ocupando para que possa livremente optar por se casar na igreja.
Dessa forma, é possível compreender o que significa o
sacramento matrimonial para a Igreja Católica, bem como algumas
das inúmeras ressalvas para que um casamento ocorra. Com essa
base, é possível mais adiante entendermos as formas que podem
levar um matrimônio a ser considerado nulo e constatar a dissolução
do mesmo pelo Direito Canônico.

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É de suma importância que, para haver a nulidade matrimonial,


se entenda primeiramente o que significa o matrimônio e as
diferenças existentes entre um casamento civil e um casamento
religioso católico. Pois, enquanto o casamento civil funciona como
um contrato entre duas partes, o casamento religioso funciona
como uma aliança, ou seja, algo muito mais profundo e que envolve
crenças muito específicas para aqueles que se consideram católicos.

4.  A NULIDADE MATRIMONIAL

Após compreendermos especificamente o que é o sacramento


matrimonial, podemos, finalmente, entender do que se trata a
nulidade do matrimônio a as causas que podem levar à constatação
de que um matrimônio não ocorreu. Conforme apresenta o livro
“Casamentos que nunca deveriam ter existido: uma solução
pastoral (HORTAL, 1987), a nulidade matrimonial é quando um
casamento é declarado nulo pela Igreja Católica, ou seja, quando
é comprovado após o casamento que o mesmo não ocorreu e não
existiu o sacramento entre o casal.
É importante relembrarmos que a igreja não anula nenhum
casamento, logo se o casamento foi válido ele não poderá ser
desmanchado por nenhum motivo. O papel do Tribunal Eclesiástico
é investigar e constatar se o casamento referente ao processo de
dissolução, de fato, não existiu, ou se mesmo que o casal tenha se
divorciado o matrimônio foi válido para o Direito Canônico.
Exemplificando de forma mais prática, o professor Felipe
Aquino explica no vídeo “Causas da Nulidade Matrimonial”
(2021) alguns motivos que podem levar à nulidade que, de
acordo com o capítulo IV do Código de Direito Canônico
(CONCÍLIO VATICANO II, 1983), podem ser os impedimentos de
consentimento, como:
1° Falta de capacidade para consentir: a pessoa deve possuir
totais condições para consentir com o matrimônio, entendendo
todos os compromissos que estará assumindo.

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2° Ignorância: a pessoa deverá ter todo o conhecimento do


que é um casamento e entender todas as exigências que essa aliança
trará, para que o matrimônio seja válido.
3° Erro: a pessoa que tiver plena noção de suas
responsabilidades matrimoniais e ainda assim optar por não as
obedecer não recebeu, de fato, o sacramento. Também não será
válido o casamento em que uma pessoa enganar e mentir para a
outra com o intuito de esconder informações sobre si.
4° Simulação: se uma pessoa responder algo ao sacerdote
fazendo um juramento que sabe que não cumprirá, o matrimônio
não será válido.
5° Violência ou medo: não será válido o casamento em que
houver imposição de violência ou medo de uma pessoa sobre a
outra, casando-se por ameaça ou chantagem de outrem.
6° Condição não cumprida: nos casos em que uma pessoa
descobrir somente após o casamento que seu cônjuge mentiu ou a
enganou com informações de matéria grave, o casamento será nulo.
Esses motivos exemplificados ferem a primeira pergunta feita
pelo sacerdote aos noivos durante a celebração do casamento,
a qual diz: “[…] é de livre e espontânea vontade que vocês
estão se casando?”. Pois, com a falta de consentimento, não é
possível escolher livre e conscientemente pelo matrimônio naquele
momento.
Existem, ainda, os impedimentos dirimentes que se iniciam
no Cân. 1067 (CONCÍLIO VATICANO II, 1983) e representam
outros motivos que tornam um casamento nulo, sendo eles:
1° Idade: não será válido o matrimônio em que uma das partes
não tiver a idade suficiente para consentir com o sacramento. De
acordo com o Cân. 1083, a idade é de catorze anos para mulheres e
dezesseis anos para homens, salvo casos em que houver a permissão
do bispo. Porém, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) exige dois anos a mais para cada uma das partes, sendo
dezesseis anos para as mulheres e dezoito para os homens.

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2° Impotência: nos casos em que a medicina comprovar que


uma das partes não possui condições físicas para consumar um ato
sexual, o casamento não será válido, pois fere uma das principais
características da relação matrimonial.
3° Vínculo: aquele que ainda estiver vinculado a um
matrimônio anterior sem a certeza de que o mesmo foi nulo, não
poderá se casar novamente na Igreja Católica, sob pena de nulidade.
4° Disparidade de culto: não será consumado o casamento
entre um católico e uma pessoa não batizada se a parte católica não
pedir a dispensa do impedimento, sendo essa concedida pelo bispo
nos casos permitidos.
5° Ordem sacra: uma pessoa que possuir ordenação sacerdotal
não poderá se casar, se assim o fizer, o matrimônio será nulo para
a Igreja.
6° Profissão religiosa perpétua: nos casos em que a pessoa
tiver feito um voto perpétuo de castidade diante de uma organização
religiosa, a mesma não poderá se casar sem pedir a dispensa de tal
ato.
7° Rapto: não será válido o matrimônio em que uma das
partes for forçada e obrigada a se casar.
8° Crime: os que matarem uma pessoa com a intenção de
se casarem com seu cônjuge não poderão realizar esse casamento
perante a Igreja.
9° Consanguinidade: não há sacramento matrimonial para
pessoas que possuírem laços sanguíneos na linha vertical, sendo
pai e filha, avô e neta, entre outros. Na linha horizontal será
proibido o casamento entre pessoas que possuírem parentesco até o
quarto grau, como tio e sobrinha, primos e irmãos.
10° Afinidade: na linha vertical não haverá matrimônio entre
o marido e as consanguíneas da esposa e vise e versa. Na linha
horizontal não haverá impedimentos, ou seja, um viúvo poderá se
casar com a irmã de sua falecida esposa.
11° Honestidade pública: quem viver uma união ilegítima
não poderá se casar com os filhos ou os pais de seu companheiro.

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12° Parentesco legal por adoção: é vedado o casamento entre


o adotante e o adotado, bem como com os parentes mais próximos
do outro.
De acordo com o Cân. 1108 (CONCÍLIO VATICANO II,
1983), referente à forma de celebração do matrimônio, é necessário
que para um matrimônio ser válido ele, obrigatoriamente, seja feito
perante um ordinário local ou um pároco, além da presença de duas
testemunhas, conhecidas popularmente como padrinhos. O pároco
em alguns casos específicos poderá atribuir essa função para outra
pessoa, como o diácono e em raras exceções para leigos.

5.  CONCLUSÕES

Após termos compreendido os casos garantidos pelo Direito


Canônico que tornam um matrimônio inválido ou nulo, é necessário
se explicar como funciona o processo para constatar a nulidade
matrimonial. Assim, concluiremos o papel exercido pelo Tribunal
Eclesiástico na questão discutida no presente artigo.
O primeiro passo para se buscar a nulidade é enviar ao
Tribunal uma petição (ou Libelo) requerendo essa constatação. Não
é necessário que ambas as pessoas entrem com o pedido, porém
as duas partes serão chamadas para depor perante os juízes. Cada
Tribunal possui um presidente que representa os bispos da região
no julgamento, o processo é geralmente julgado por três juízes,
podendo um deles ser leigo. Para não ocorrer empate, a decisão
será feita pelos dois que votarem de forma igual.
Como explica o Professor Felipe Aquino (2011) em seu artigo,
a parte interessada precisará dar entrada no pedido no Tribunal da
cidade em que se casou ou onde reside seu cônjuge, porém poderá
pedir que o processo seja aceito na cidade em que ela reside. A
mesma precisará juntar o máximo de provas e documentações
possíveis, bem como apresentar as testemunhas e seus respectivos
contatos para darem sua versão dos fatos.
Ambas as partes serão entrevistadas separadamente e deverão
contar toda a história do matrimônio, como foi o período do namoro,

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a cerimônia, como era a vida do casal e suas crenças no tempo em


que se casaram. Após isso, o presidente do Tribunal nomeará os três
juízes responsáveis pelo caso, e será decidido por ele se o caso deve
ou não ser analisado. Caso seja afirmativo, o processo começará e
será dividido em três partes, a fase de investigação, discussão e a
sentença.
Durante essas fases haverão diversas entrevistas, o Tribunal
irá escutar a parte requerente e caso a outra parte queira ser ouvida
também será entrevistada, caso apenas uma das partes queira
prestar depoimento, o processo corre normalmente. Após isso,
serão ouvidas as testemunhas, a defesa, e serão investigados todos
os documentos e provas.
No julgamento, há a figura do defensor do vínculo que será o
responsável por defender o matrimônio das partes. Em alguns casos,
o defensor pode optar por não se opor ao processo de nulidade,
sendo geralmente em casos mais graves. Existe também a figura
do promotor, que defenderá a igreja e pouco atuará na questão da
nulidade.
No Tribunal Eclesiástico, existe também o “notário”, que é
o responsável por formular e assinar todos os documentos que
envolvam o processo. Por último, é composto pelos “advogados”
que irão defender e orientar uma das partes, e os “procuradores”
que irão representar uma das partes, sendo melhor que ambas as
funções sejam realizadas pela mesma pessoa.
O Tribunal, no início do processo, irá apresentar para as
partes uma lista de advogados que podem representá-las, porém
caso a parte deseje a nomeação de alguém em específico ela poderá
apresentar, desde que seja uma pessoa especialista em Direito
Canônico. Após isso, finalizado o processo e dada a sentença, o
Direito Canônico exige a avaliação em pelo menos dois Tribunais
diferentes.
Com a aprovação da nulidade em Primeira Instância, será
encaminhado no prazo de vinte dias para o segundo Tribunal
e julgado novamente em Segunda Instância. Caso o pedido
seja negado no primeiro Tribunal, as partes poderão requerer o

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julgamento novamente em outro, fazendo uma apelação por escrito


em até quinze dias, sempre acompanhadas de um advogado.
Contudo, como foi analisado, o processo de nulidade é longo
e requer a presença e o trabalho de muitas pessoas. Por isso, existe
um custo entorno dele que poderá ser diminuído se conversado com
o Tribunal responsável pelo processo. O Papa Francisco, visando
facilitar o acesso dos católicos aos Tribunais, permitiu que alguns
casos mais fáceis fossem julgados pelos próprios Tribunais das
Arquidioceses, sem a necessidade de serem enviados ao Vaticano.
Desse modo, o processo de nulidade matrimonial é tratado de
forma muito responsável pelo Tribunal Eclesiástico, baseando-se
sempre no Código de Direito Canônico e nos princípios da Igreja
Católica. A sentença dada pelo Tribunal será sempre com o objetivo
de obedecer às leis canônicas e praticar a justiça imparcialmente.

REFERÊNCIAS

AQUINO, F. Como dar entrada em um processo de nulidade matrimonial.


Formação Canção Nova, 2011. Disponível em: https://formacao.cancaonova.
com/familia/nulidade/como-dar-entrada-em-um-processo-de-nulidade-
matrimonial/. Acesso em: 22 nov. 2022.

CARVALHO, G. Você sabe qual é a origem do termo “sacramentos”? Formação


Canção Nova, 2020. Disponível em: https://formacao.cancaonova.com/series/
sete-sacramentos/voce-sabe- qual-e-origem-termo-sacramentos/. Acesso em: 22
nov. 2022.

CAUSAS de nulidade matrimonial. [S.l.: s.n.], 2021. 1 vídeo (31min08). Disponível


em: https://www.youtube.com/watch?v=2emQ1C7rucs. Acesso em: 22 nov. 2022.

CONCÍLIO VATICANO II. Código de Direito Canônico. Roma: Editora Loyola,


1983.

HORTAL, J. Casamentos que nunca deveriam ter existido: uma solução pastoral.
São Paulo: Loyola, 1987.

RATZINGER, J. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 1992.

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Política Editorial / Editorial Policy


A Revista Linguagem Acadêmica é uma publicação
digital semestral do Claretiano – Centro Universitário, des­tinada à
divulgação científica dos cursos, bem como de pesquisas e projetos
co­munitários.
Tem como objetivo principal publicar trabalhos que possam
contribuir com o debate acerca de temas variados do ensino
acadêmico.
A Revista Linguagem Acadêmica destina-se à publicação de
trabalhos inéditos que apresentem resultados de pesquisa histórica
ou de investigação bibliográfica originais, visando agregar e
associar à produção escrita a produção fotográfica, vídeo ou áudio,
sendo submetidos no formato de: artigos, ensaios, relatos de caso,
resumos estendidos, traduções ou resenhas.
Serão considerados apenas os textos que não estejam sendo
submetidos a outra publicação.
As línguas aceitas para publicação são o português, o inglês
e o espanhol.

Análise dos trabalhos

A análise dos trabalhos é realizada da seguinte forma:


a)  Inicialmente, os editores avaliam o texto, que pode ser
desqualificado se não estiver de acordo com as normas da
ABNT, apresentar problemas na formatação ou tiver reda-
ção inadequada (problemas de coesão e coerência).
b)  Em uma segunda etapa, os textos selecionados serão en-
viados a dois membros do conselho editorial, que avaliarão
as suas qualidades de escrita e conteúdo. Dois pareceres
negativos desqualificam o trabalho e, havendo discordân-
cia, o parecer de um terceiro membro é solicitado.

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c)  Conflito de interesse: no caso da identificação de conflito


de interesse da parte dos revisores, o editor encaminhará o
manuscrito a outro revisor ad hoc.
d)  O autor será comunicado do recebimento do seu trabalho
no prazo de até 8 dias; e da avaliação do seu trabalho em
até 90 dias.
e)  O ato de envio de um original para a Revista Linguagem
Acadêmica implica, auto­maticamente, a cessão dos direi-
tos autorais a ele referentes, devendo esta ser consultada
em caso de republicação. A responsabilidade pelo con-
teúdo veiculado pelos textos é inteiramente dos autores,
isentando-se a Instituição de responder legalmente por
qualquer problema a eles vinculado. Ademais, a Revista
não se responsabilizará por textos já publicados em ou­tros
periódicos. A publicação de artigos não é remunerada.
f)  Cabe ao autor conseguir as devidas autorizações de uso
de imagens/fotogra­fias com direito autoral protegido, de
modo que estas sejam encaminhadas, quando necessário,
juntamente com o trabalho para a avaliação. Também é
do autor a responsabi­lidade jurídica sobre uso indevido de
imagens/fotografias.
g)  Pesquisas envolvendo seres vivos: o trabalho deve ser
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição
em que o trabalho foi realizado e cumprir os princípios
éticos contidos na resolução 196/96. Na parte “Metodo-
logia”, é preci­so constituir o último parágrafo com clara
afirmação desse cumprimento.

Publicação

A Revista Linguagem Acadêmica aceitará trabalhos para


publicação nas seguintes categorias:
1)  Artigo científico de professores, pesquisadores ou estu-
dantes: mínimo de 8 e máximo de 15 páginas.

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2)  Relatos de caso ou experiência: devem conter uma abor-


dagem crítica do even­to relatado; mínimo de 5 e máximo
de 8 páginas.
3)  Traduções de artigos e trabalhos em outro idioma, desde
que devidamente au­torizadas pelo autor original e com-
provadas por meio de documento oficial im­presso; míni-
mo de 8 e máximo de 15 páginas.
4)  Resumos estendidos de trabalhos apresentados em even-
tos científicos ou de te­ses e dissertações; mínimo de 5 e
máximo de 8 páginas.
5)  Ensaios: mínimo de 5 e máximo de 8 páginas.
6)  Resenhas: devem conter todos os dados da obra (edito-
ra, ano de publicação, cidade etc.) e estar acompanhadas
de imagem da capa da obra; mínimo de 5 e máximo de 8
páginas.

Submissão de trabalhos

1)  Os trabalhos deverão ser enviados:


a)  Em dois arquivos, via e-mail (attachment), em formato
“.doc” (Word for Windows). Em um dos arquivos, na pri-
meira página do trabalho, deverá constar apenas o título,
sem os nomes dos autores. O segundo arquivo deverá se-
guir o padrão descrito no item 2, incluindo os nomes dos
autores.
b)  Em caráter de revisão profissional.
c)  No máximo com 5 autores.
d)  Com Termo de Responsabilidade devidamente assinado,
escaneado de forma legível e enviado para o e-mail: <re-
vlinguagem@claretiano.edu.br>. Em caso de dois ou mais
autores é necessário que cada autor envie um Termo de
Responsabilidade.

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2)  O trabalho deve incluir:


a)  O título em língua portuguesa, em Times New Roman, cor-
po 16, negrito, inicial maiúscula, alinhado à esquerda, es-
paçamento entrelinhas de 1,5.
b)  O(s) nome(s) do(s) autor(es) em corpo 12, inicial maiús-
cula, espaçamento entrelinhas de 1,5, alinhado à direita
com o último sobrenome em letra maiúscula. Os dados de
sua(s) procedência(s) em nota de rodapé, corpo 8, inicial
maiúscula, espaçamento simples e justificado – a apre-
sentação acadêmica do(s) autor(es) com titulação na se-
quência da “maior” para a “menor”, filiação institucional,
e-mail e telefones para contato. Observação: os telefones
não serão disponibilizados ao público.
c)  A expressão “Resumo” em negrito seguida do respectivo
resumo em língua portugue­sa (entre 100 e 150 palavras),
normal, corpo 10, inicial maiúscula, espaçamento simples,
justificado. Sugere-se que, no resumo de artigos de pes-
quisa, seja especificada a orientação metodológica.
d)  A expressão “Palavras-chave” em negrito seguida de 3 até
5 palavras-chave em língua portuguesa, no singular, corpo
10, inicial maiúscula, espaçamento simples, justificado,
normal.
e)  Na lauda seguinte o título em língua inglesa, em Times
New Roman, corpo 16, negrito, inicial maiúscula, alinhado
à esquerda, espaçamento entrelinhas de 1,5.
f)  O(s) nome(s) do(s) autor(es) em corpo 12, inicial maiúscu-
la, espaçamento entrelinhas de 1,5, alinhado à direita com
o último sobrenome em letra maiúscula. Sem os dados de
sua(s) procedência(s).
g)  A expressão “Abstract” em negrito seguida do respecti-
vo resumo em língua inglesa (entre 100 e 150 palavras),
normal, corpo 10, inicial maiúscula, espaçamento simples,
justificado.

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h)  A expressão “Keywords” em negrito seguida de 3 até 5


palavras-chave em língua inglesa, no singular, corpo 10,
inicial maiúscula, espaçamento simples, justificado, nor-
mal.
i)  O conteúdo textual do trabalho.
j)  Os vídeos, as fotos ou áudios são opcionais. Todo o mate-
rial de mídia digital deve ser testado antes do envio e não
ultrapassar 5 minutos de exibição.

Formatação do trabalho

1)  Em Times New Roman, corpo 12, inicial maiúscula, justi-


ficado, parágrafo de 1 cm, espaçamento entrelinhas de 1,5.
2)  Para citações longas, usar corpo 10, entrelinhas simples,
recuo de 3 cm à esquerda, espaço antes e depois do texto.
Citações curtas, até 3 linhas, devem ser colocadas no in-
terior do texto e entre aspas, no mesmo tamanho de fonte
do texto (12).
3)  Tabelas, quadros, gráficos, ilustrações, fotos e anexos
devem vir no interior do texto com respectivas legendas.
Para anexos com textos já publicados, deve-se incluir re-
ferência bibliográfica.
4)  As referências no corpo do texto devem ser apresentadas
entre parênteses, com o nome do autor em letra maiúscula
seguido da data, separados por vírgula e espaço e contendo
o respectivo número da(s) página(s), quando for o caso.
Exemplo: (FERNANDES, 1994, p. 74). A norma utiliza-
da para a padronização das referências é a da ABNT em
vigência.
5)  As seções do texto devem ser numeradas, a começar de 1
(na introdução), corpo 12, negrito, digitadas em letra mai-
úscula, justificado, espaçamento entrelinhas de 1,5; sub-
títulos não devem ser numerados, digitados com inicial
maiúscula, corpo 12, negrito, justificado, espaçamento
entrelinhas de 1,5; subtópicos não devem ser numerados,

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digitados com inicial maiúscula, corpo 12, itálico, justifi-


cado, espaçamento entrelinhas de 1,5.
6)  As notas de rodapé devem estar numeradas e destinam-se
a explicações com­plementares, não devendo ser utilizadas
para referências bibliográficas. Formatadas em corpo 8,
inicial maiúscula, espaçamento simples, justificado.
7)  As referências bibliográficas devem vir em ordem alfabé-
tica no final do artigo, conforme a ABNT.
8)  As expressões estrangeiras devem vir em itálico.

Modelos de Referências Bibliográficas – Padrão ABNT

Livro no todo
PONTES, Benedito Rodrigues. Planejamento, recrutamento e seleção de
pessoal. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005.

Capítulos de Livros
BUCII, Eugênio; KEHL, Maria Rita. Videologias: ensaios sobre televisão.
In: KEHL, Maria Rita. O espetáculo como meio de subjetivação. São Paulo:
Boitempo, 2004. cap. 1, p. 42-62.

Livro em meio eletrônico


ASSIS, Joaquim Maria Machado de. A mão e a luva. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1994. Dis­ponível em: <http://machado.mec.gov.br/imagens/stories/pdf/
romance/ marm02.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2011.

Periódico no todo
GESTÃO EMPRESARIAL: Revista Científica do Curso de Administração da
Unisul. Tubarão: Unisul, 2002.

Artigos em periódicos
SCHUELTER, Cibele Cristiane. Trabalho voluntário e extensão universitária.
Episteme, Tubarão, v. 9, n. 26/27, p. 217-236, mar./out. 2002.

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Artigos de periódico em meio eletrônico


PIZZORNO, Ana Cláudia Philippi et al. Metodologia utilizada pela bibliote­
ca universitária da UNISUL para registro de dados bibliográficos, utilizando o
formato MARC 21. Revista ACB, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 143-158, jan./
jun. 2007. Disponível em: <http://www.acbsc.org.br/revista/ojs/viewarticle.
php?id=209&layout=abstract>. Acesso em: 14 dez. 2007.

Artigos de publicação relativos a eventos


PASCHOALE, C. Alice no país da geologia e o que ela encontrou lá. In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 33. 1984. Rio de Janeiro.
Anais... Rio de Janeiro, SBG, 1984. v. 11, p. 5242-5249.

Jornal
ALVES, Márcio Miranda. Venda da indústria cai pelo quarto mês. Diário Cata­
rinense, Florianópolis, 7 dez. 2005. Economia, p. 13-14.

Site
XAVIER, Anderson. Depressão: será que eu tenho? Disponível em: <http://
www.psicologiaaplicada.com.br/depressao-tristeza-desanimo.htm>. Acesso em:
25 nov. 2007.

Verbete
TURQUESA. In: GRANDE enciclopédia barsa. São Paulo: Barsa Planeta
Internacional, 2005. p. 215.

Evento
CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA MECÂNICA, 14, 1997,
Bauru. Anais... Bauru: UNESP, 1997.

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