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ano 13 – n. 23 | mar. 2023/ago.

2023
Belo Horizonte | p. 1-300 | ISSN 2238-8508 | DOI RFDFE.v13.i23
R. Fórum Dir. Fin. e Econômico – RFDFE

Revista Fórum de Direito


FINANCEIRO E ECONÔMICO

RFDFE
REVISTA FÓRUM DE DIREITO FINANCEIRO E ECONÔMICO – RFDFE

IDFin INSTITUTO
DE DIREITO
FINANCEIRO

A Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico – RFDFE apresenta produções científicas de duas importantes áreas do
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Estado e exceção econômica na
periferia: acumulação primitiva e
outras formas de expropriação do
comum

Thiago Lemos Possas


Doutor em Direito Econômico pela USP. Professor Universitário. Registro ORCID®: https://
orcid.org/0000-0003-4070-7126. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4826879440503710.

Resumo: O artigo busca demonstrar a permanência do quadro de exceção econômica na periferia do


capitalismo, bem como a instrumentalização de Estado e direito para a legitimação da expropriação
do “comum”. Tenta-se compreender, destarte, a atualidade de conceitos como o da “acumulação
primitiva”, da “subsunção formal” e da “subsunção real”, como instrumentos analíticos apropriados
para a crítica da expropriação das riquezas sociais, do aprofundamento da condição periférica de países
como o Brasil, e de como a forma jurídica e a forma política são funcionais a este projeto de “pilhagem”
que se situa no âmago da “racionalidade neoliberal” (Dardot; Laval). As discussões empreendidas não
manifestam adesão automática aos autores utilizados, mas buscam construir o argumento a partir de
um diálogo crítico com textos de Antonio Negri, Michael Hardt, Laura Nader, Ugo Mattei e, no Brasil,
principalmente, Leda Paulani, Paulo Arantes, Gilberto Bercovici e Francisco de Oliveira. O método
escolhido é o materialismo dialético, que foi aplicado ao levantamento bibliográfico e à amarração dos
conceitos direcionados à crítica da exceção econômica contemporânea. A usurpação do comum é um
fenômeno global, mas que tem maior incidência fora do centro capitalista, o que justifica o enfoque
dado ao Brasil como locus da observação do fenômeno.
Palavras-chave: Exceção econômica. Estado de Direito. Acumulação primitiva. Comum.
Sumário: Introdução – 1 Da acumulação primitiva contemporânea – 2 Outras formas de expropriação
do comum – 3 A exceção econômica brasileira: a permanência da pilhagem – Considerações finais –
Referências

Introdução
a) Itinerário
Este texto tem como objetivo demonstrar a existência de um quadro crônico de
exceção econômica em países periféricos, especialmente no Brasil, que a fraqueza
do Estado de direito e ausência de um Estado Social satisfatório só fizeram agravar.

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O argumento parte da retomada do conceito de “acumulação primitiva”,


cunhado pioneiramente por Marx e retomado por diversos autores contemporâneos,
como tentativa de explicação de parte da ação configuradora da exceção econômica
permanente em países vulneráveis. Aplicado originalmente para a compreensão do
processo de formação da sociabilidade capitalista, tal conceito ganha centralidade
a partir da constatação de que a atividade de expropriação direta de riquezas
comuns não cessou desde então. E ganha vulto na configuração capitalista atual,
com o avanço incessante e cada vez mais voraz do poder econômico sobre o que
pertence a todos.
A categoria do “comum” ajuda a realçar a pilhagem denunciada, o caráter social
das riquezas usurpadas e o prejuízo que esse processo causa em sociabilidades
que se pretendem cada vez mais democratizadas e cujos Estados deveriam atuar
tão somente buscando os objetivos juridicamente estabelecidos.
A incongruência entre a ideia de um Estado de Direito, limitado juridicamente e
adjetivado como democrático, com a proeminência da soberania popular na definição
do comum, e os procedimentos em voga de aprofundamento das condições de
carência e subdesenvolvimento é patente. Mas isso nunca impediu a expropriação
denunciada.
Estado e direito, de fato, acabam por respaldar o cenário perverso de
exceção permanente, instrumentalizando a “acumulação primitiva” mesmo na
contemporaneidade. Ao chancelar tal quadro a partir da legalidade, os Estados de
Direito contemporâneos apenas confirmam a hipótese de que a convivência entre
normalidade e exceção foi naturalizada, e que o subdesenvolvimento figura como
a condição permanente da exceção econômica.

b) Enfoque metodológico
Neste sentido, o presente artigo tenta demonstrar o argumento apresentado a
partir de uma abordagem interdisciplinar, com a utilização de conceitos consagrados
pela economia, mas sem perder do horizonte o papel do fenômeno jurídico no
processo de edificação e manutenção do estado de exceção econômico.
Segue-se, neste ponto, a constatação realizada, entre outros, por Carlos
Rivera-Lugo, para quem o neoliberalismo desvelou completamente a “centralidade
da economia política para o direito”: “desde o final do século passado, foi-se
desbancando empiricamente toda pretensão, ideologicamente sustentada, de
separação entre economia política e direito, ou seja, de relativa autonomia ou
independência do direito e do Estado frente à economia política”. Neste contexto,
segundo o autor, houve recrudescimento da sujeição “do direito pela nova razão
econômica”, que tem como lógica primordial “a autorregulação do capital e a

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Estado e exceção econômica na periferia: acumulação primitiva e outras formas de expropriação do comum

subsunção da vida sob as tendências excludentes de sua lex mercatoria e da


forma valor que a estrutura”. O neoliberalismo, destarte, representou uma ofensiva
implacável contra os direitos humanos e contra a relativa redistribuição promovida
pelos Estados de Bem-Estar Social e pelo socialismo real no correr do século XX
(RIVERA-LUGO, 2019, p. 33-40).
Deste modo, dada a incursão conceitual no âmbito da economia, faz-se
necessário um sucinto comentário metodológico para tornar mais claro o enfoque
adotado. Ou seja, há de se demarcar brevemente qual visão de “economia política”
seria apropriada à construção argumentativa buscada. Adota-se, portanto, a
concepção clássica da economia política que buscou ultrapassar a perspectiva de
uma disciplina especializada, com objeto específico e restrita à análise isolada do
“econômico”. Cabia à economia política, em vez disso, a busca pela compreensão
do todo das relações sociais que surgiam à época (crise do Antigo Regime) com a
consolidação do regime capitalista que generalizou a forma-mercadoria para todos
os âmbitos da vida social (NETTO, BRAZ, 2011, p. 27).
Da economia política clássica, de cariz liberal, advém a postura totalizante,
que quer compreender a trama das relações sociais em toda a sua complexidade,
sem a redução do objeto analisado a ponto de desfigurá-lo, o que leva necessaria-
mente à sua incompreensão, às visões reducionistas e excessivamente analíticas
tão comumente apresentadas como as únicas detentoras do necessário rigor
metodológico.
Ocorre que a esse pensamento econômico clássico (liberal) foi patentemente
insuficiente para a empreitada assumida de início, concebendo as categorias socioe-
conômicas como instituições naturais, com marcante influência do jusnaturalismo
moderno e do pensamento político liberal, também dele tributário, expressando,
a bem da verdade, o ideário da classe revolucionária do período que se insurgia
com ferocidade contra os resquícios medievais ainda presentes na sociedade
moderna. Adam Smith e David Ricardo, dois grandes bastiões da economia política
clássica, foram ferrenhos defensores da ordem social burguesa que se estabelecia,
deixando de lado o pendor mudancista da análise do Antigo Regime e adotando
tom laudatório diante da civilização burguesa em processo de consolidação. A
postura excessivamente adesista levou à perda da potencialidade de compreensão
do todo social que era essencial aos economistas clássicos, o que deu ensejo
à incompreensão de elementos novos que surgiram no âmago do próprio projeto
de modernidade burguês, como desdobramento da sociabilidade capitalista que
passou a vigorar nos países mais desenvolvidos economicamente. Em síntese, da
“economia política”, reflexo dos ideais revolucionários oitocentistas, passou-se a
uma “economia” conservadora vigorante na segunda metade do século 19, esta
excessivamente especializada, distante das preocupações sociais e históricas

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daquela, com a excessiva pretensão de tecnicismo e cientificismo, mas mantendo


a naturalização das instituições econômicas e servindo à legitimação do projeto
burguês que já se convertera, à época, em projeto de manutenção da sociedade
erigida a partir de seus ideais (NETTO, BRAZ, 2011, p. 28-33; cf. AVELÃS NUNES,
2007, p. 11; AVELÃS NUNES, 2006, p. 5-14).
Parte-se, portanto, da concepção de que a economia política não é um
“paradigma autônomo”, não representa um horizonte unívoco, havendo diversas
economias políticas. Vale ressaltar, ainda, a imprescindibilidade da interdisci-
plinaridade da mesma, resultando os empreendimentos teóricos dela advindos
da necessária conexão entre diversos elementos sociais (e seus respectivos
“saberes”), sem a qual não seria possível a compreensão da totalidade social. A
despeito da mencionada pluralidade, há quem aponte como elemento comum a
atitude crítica diante das correntes hegemônicas da “economia”, com seu pretenso
purismo, individualismo e distanciamento diante da perspectiva sócio-histórica, o
que a coloca na posição conservadora do status quo econômico, em contraste com
a perspectiva de mudança social (em diversos sentidos e intensidades) advinda
da Economia Política crítica. Ou seja, o que a economia intenta, vale repetir, é a
consideração dos aspectos econômicos dentro de um processo histórico em aberto,
de interpretação histórica, portanto, considerando que as ideias econômicas são
produtos culturais situadas no tempo e no espaço, sem as naturalizações tão
comumente divulgadas contemporaneamente (AVELÃS-NUNES, 2007, p. 11-13).
Isso justifica a opção metodológica pela “economia política” contra o pensamento
liberal clássico e avessa à racionalidade neoliberal.
Para superar a economia política clássica foi necessário situar as categorias
analisadas no processo histórico, apartando-as da naturalização presente nos
economistas clássicos, com o uso de um novo método (crítico-dialético) conhecido
como “materialismo histórico”. “A anatomia da sociedade civil”, diz Marx, “deve ser
procurada na economia política” cujo método teórico deverá levar em conta que o
objeto em observação, a própria sociedade, “esteja constantemente presente no
espírito como dado primeiro”. Essa mudança de paradigma teórico foi de fundamental
importância para a “desfetichização” da realidade econômica e suas implicações
sociais, propiciando o entendimento científico não naturalizado e não reificado
das categorias socioeconômicas analisadas (PAULANI, 2000, p. 111-122; NETTO;
BRAZ, 2011, p. 33-36; MARX, 2010, p. 3-8, 246-258).
E esta é a concepção metodológica a nortear o presente texto, a partir da
interdisciplinaridade entre economia e direito, buscando situar o direito e a política
(Estado) como formas inseridas no todo da sociabilidade capitalista, ausente a
fetichização do fenômeno jurídico que o coloca em posição desproporcional, a figurar

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Estado e exceção econômica na periferia: acumulação primitiva e outras formas de expropriação do comum

na sociedade como elemento neutro de justiça, e a partir da crítica da reificação1 do


direito e do Estado, estruturadores da sociabilidade mercantil, formando o substrato
institucional da dominação.

1 Da acumulação primitiva contemporânea


O conceito econômico central para o argumento a ser desenvolvido é o da
“acumulação primitiva”. Adiante será ressaltada a insuficiência, para a crítica do
capitalismo contemporâneo, do uso deste conceito desacompanhado de outras
formas de expropriação. Mas, por ora, preceder-se-á à tratativa teórica do conceito,
tal como pioneiramente cunhado por Marx, bem como alguns dos desenvolvimentos
hodiernos que lhe foram dados.
Negri e Hardt destacam que pensadores críticos ao neoliberalismo apontam
a acumulação capitalista contemporânea como cada vez mais externa ao processo
de produção, assumindo a forma de expropriação do comum, revelando-se por
meio da predação da riqueza pública e da riqueza produzida em comum, ambas
transfiguradas em propriedade privada, compreendendo a privatização de serviços
públicos, estruturas públicas de bem-estar social e de produção, bem como a
expropriação dos recursos naturais comuns, como petróleo, metais preciosos,
diamantes e etc., numa espécie de continuação da “pilhagem” exercida durante
séculos de domínio colonial. Volta à tona, neste contexto, a discussão sobre o
conceito de “acumulação primitiva”, usado originalmente por Marx na compreensão
na acumulação pré-capitalista (e essencial para a edificação desta nova forma de
sociabilidade) por meio da expropriação direta da riqueza humana, social e natural,
como no tráfico de escravos e a extração dos metais preciosos nos domínios
coloniais, bem como todo o processo de expropriação ocorrido no período dos
grandes “cercamentos”, no período pré-Revolução Industrial (NEGRI; HARDT, 2016,
p. 160-161; 2018, p. 241-242; HARDT, 2010a, p. 136; HARDT, 2010b, p. 21).
Paulo Arantes também ressalta a atualidade do conceito marxista para a
análise do capitalismo contemporâneo:

De uns tempos para cá, justamente a propósito dos novos “cerca-


mentos” com os quais se parecem cada vez mais as privatizações
da última onda capitalista vencedora, se debate para saber se a as-
sim chamada Acumulação Primitiva deve ser entendida num sentido

1
Reificação, que pode ser assim definida: “The act (or result of the act) of transforming human properties,
relations and actions into properties, relations and actions of man-produced things which have become
independente (and which are imagined as originally independent) of man and overn his life. Also transformation
of human beings into thing-like beings which do not behave in a human way but according to the laws of the
thing-world. Reification is a “special case of ALIENATION, its most radical and widespread form characteristic
of modern capitalist society” (PETROVIC, 1991, p. 463).

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puramente histórico ou como um processo contínuo. A viagem re-


donda do capitalismo de acesso vem a ser este retorno da Acumu-
lação Primitiva. Não seria assim descabido identificar neste círculo
a dinâmica subjacente do Novo Imperialismo. As desregulações de
hoje emendam na pirataria de ontem, uma guerra humanitária numa
guerra justa colonial etc. Juntos enfim numa mesma linhagem, corsá-
rios do Rei e “compadres” em projetos de Nation-Building; senhores
tribais da guerra, condottieri high tech e prepostos encarregados de
gerir governos em territórios ocupados etc. (ARANTES, 2007, p. 171).

Roman Rodolsky, interpretando o conceito marxiano, destaca que as condições


para o “devir” do capital deverão ser explicadas fora do processo de produção
capitalista. Para o autor, “o modo de produção capitalista pressupõe uma série de
perturbações históricas, pelas quais se destroem as diversas formas que ainda
mantinham vinculados o produtor e os meios de produção”. Esse processo passa
pela dissolução do vínculo do produtor com a terra, com os instrumentos utilizados
em seu trabalho, bem como da situação em que ele ainda possui os meios de
consumo necessários para viver como produtor e durante a produção. A conversão
dos comerciantes e endinheirados em capitalistas na alvorada da modernidade não
se deu por meio da riqueza em dinheiro, propriamente, mas pressupondo o processo
de separação entre o trabalhador e os meios de produção. A riqueza monetária
passou a figurar como intermediária das condições objetivas de vida apenas após
certa maturação do processo histórico narrado. Só depois da aludida separação
é que se tornou possível a “acumulação primitiva” das condições produtivas. O
autor ressalta que a dissolução das relações dos produtores com os meios de
produção é que gerou grandes contingentes de trabalhadores livres, despossuídos
e necessitados da venda de suas forças de trabalho. Desse modo, a acumulação
primitiva foi processo fundamental, e não lateral ou secundário, para a formação do
modo de produção capitalista que, antes de se estabelecer, teve como importante
evento o desfazimento da relação entre produtores e meios de produção, e tendo
a “acumulação primitiva” como “elemento constituinte da relação capitalista”
(RODOLSKY, 2001, p. 227, 231-232, 234).
É isso que Marx argumenta nos Grundrisse, principalmente, quando aponta
que dois pressupostos do trabalho assalariado e, portanto, condições históricas
do capital, seriam “o trabalho livre e a troca desse trabalho livre por dinheiro a fim
de reproduzir e valorizar o dinheiro, a fim de ser consumido pelo dinheiro não como
valor de uso para a fruição, mas como valor de uso para o dinheiro”, bem como a
“separação do trabalho livre das condições objetivas de sua realização – do meio
de trabalho e do material de trabalho”. O que se desfaz, portanto, é a “unidade
natural do trabalho com seus pressupostos objetivos”, que garantia ao trabalhador
relacionar-se “consigo mesmo como proprietário, como senhor das condições de

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sua realidade”. Seja por meio da pequena propriedade livre, seja da propriedade
comunitária, o indivíduo se relaciona com os demais como coproprietário ou
proprietários independentes, não como trabalhadores, mas como membros de uma
comunidade em que trabalham e cujo trabalho teria como finalidade não a criação
de valor, mas a conservação do indivíduo, de sua família e da comunidade como
um todo (MARX, 2011, p. 388).
Nesse contexto, a propriedade da terra e a agricultura constituem a base da
economia que tem como finalidade a produção de valores de uso, e se volta para a
reprodução do indivíduo inserido (e sendo base) na comunidade. Indivíduo este que
se relaciona com as condições objetivas do trabalho como sendo “suas próprias
condições; relaciona-se a elas como a natureza inorgânica de sua subjetividade, em
que esta realiza a si própria; a principal condição objetiva do trabalho não aparece,
ela própria, como produto do trabalho, mas está dada como natureza”. Essas
“formas em que o trabalhador é proprietário, ou em que o proprietário trabalha” é que
serão dissolvidas pelo processo histórico de formação da sociabilidade capitalista:
“dissolução do comportamento em relação à terra – território – como condição natural
da produção, com a qual ele se relaciona como sua própria existência inorgânica;
como laboratório de suas formas e domínio de sua vontade”; “dissolução das
relações em que ele figura como proprietário do instrumento”, propriedade essa
que “presume uma forma particular do desenvolvimento do trabalho manufatureiro
como trabalho artesanal”, em que o “trabalho é ainda metade artístico, metade
fim em si mesmo”; e ainda a dissolução das relações em que os trabalhadores
ainda fazem parte diretamente das condições objetivas de produção, já que, para
o capital, o trabalhador deixa de sê-lo, figurando apenas por meio do trabalho (“o
capital não se apropria do trabalhador, mas do seu trabalho – não diretamente, mas
pela mediação da troca”). Em síntese, segundo Marx, temos aí os pressupostos
históricos que levaram ao “trabalho livre” confrontado com “as condições objetivas
da produção como a sua não propriedade, como propriedade alheia, como valor
existente por si mesmo, como capital” (MARX, 2011, p. 397, 408-409).
Marx lembra que, assim como a acumulação do capital depende do mais-valor
e o mais-valor da produção capitalista, esta necessita de grande quantidade de
força de trabalho e de capital por parte dos produtores de mercadorias, de modo
que se deve supor a existência de uma “acumulação primitiva” que antecede a
acumulação capitalista, figurando aquela como ponto de partida desta. A acumulação
primitiva representaria o “pecado original econômico” que nos revela como alguns
poucos acumularam riquezas enquanto para a grande maioria só restou vender a
própria força de trabalho, boa parte numa pobreza irremediável, enquanto cresce
exponencialmente a riqueza dos poucos que nem trabalhar precisam. Métodos
nada idílicos foram utilizados para esta acumulação: a conquista, a dominação,

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o assassinato e demais formas de violência. Mas para a economia política


clássica, dirá Marx, figuraram como os únicos meios de enriquecimento o direito
e o trabalho. Mas, na verdade, o processo de criação da sociabilidade capitalista
é da separação entre trabalhador e os meios de produção, processo este que
transforma em capital os meios produtivos e de subsistência, bem como faz dos
produtores diretos trabalhadores assalariados. Foi exatamente a dissolução da
estrutura do feudalismo e a “liberação” do trabalhador da terra, da servidão e das
corporações de ofício, que possibilitou sua conversão em trabalhador “livre” que
leva a sua mercadoria (força de trabalho) ao mercado, já que a eles não resta mais
nada (MARX, 2017, p. 485-488).
Marx aponta a expropriação da terra pertencente à população rural como
destacado exemplo do processo de acumulação primitiva. Principalmente entre o
último terço do século XV e as primeiras décadas do 16, na Inglaterra, houve o
lançamento de vasto contingente de camponeses no mercado de trabalho a partir
da dissolução dos séquitos feudais, com a expulsão dos trabalhadores das terras
em que viviam e detinham títulos jurídicos feudais, do mesmo modo que foram-lhes
usurpadas as terras comunais. O aumento da manufatura de lã e, consequentemente,
de seu preço no mercado, foi a motivação imediata da referida expulsão, com o
objetivo de transformar as terras de plantio em pastagens de ovelhas. A Reforma
Protestante foi outro evento que deu impulso significativo à expropriação violenta da
população, uma vez que a Igreja era proprietária de vastas parcelas de terra em solo
inglês. Com a supressão dos monastérios, muitos dos que neles moravam foram
lançados no proletariado. Parte do dízimo garantida aos camponeses pobres foi
confiscada. Do mesmo modo, a yeomanry, uma classe composta por camponeses
independentes que era mais numerosa que a classe dos arrendatários, havia
desaparecido na metade do século 18, bem como o resquício final da propriedade
comunal dos lavradores (MARX, 2017, p. 488-495).
Com a Revolução Gloriosa, no fim do século XVII (1689), “os extratores de
mais-valor, tanto proprietários fundiários como capitalistas” chegaram ao poder.
Houve, então, um aumento exponencial da expropriação de bens estatais, seja por
meio da venda de terras por preços ínfimos, seja por usurpação direta e anexação
ao domínio privado, tudo isso sem a menor preocupação com as leis. Toda essa
operação contou com o apoio da burguesia que tinha interesse em “transformar
o solo em artigo puramente comercial, ampliar a superfície da grande exploração
agrícola, aumentar a oferta de proletários absolutamente livres provenientes do
campo etc.”. Mas também houve usurpação respaldada pelas leis, posteriormente,
como nas Bills for Inclosures of Commons, ou a “forma parlamentar do roubo”,
ou seja, o Legislativo viabilizou a expropriação popular passando suas terras para
o domínio privado. A conhecida política de “cercamentos” gerou uma crescente

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Estado e exceção econômica na periferia: acumulação primitiva e outras formas de expropriação do comum

pauperização do povo que ficava agora à mercê da contratação por salários aviltantes
e da assistência oficial dos pobres, para que não morressem de fome. Estes foram
alguns dos “métodos idílicos da acumulação primitiva. Tais métodos conquistaram
o campo para a agricultura capitalista, incorporaram o solo ao capital e criaram
para a indústria urbana a oferta necessária de um proletariado inteiramente livre”
(MARX, 2017, p. 495-804).
Ben Fine e Alfredo Saad Filho (2021, p. 87-89) também ressaltam o papel do
poder público neste processo de acumulação primitiva. Segundo os autores, “essas
transformações necessitavam do poder do Estado, sem o qual o processo violento –
e violentamente resistido – de acumulação originária não poderia ter avançado”.
A intervenção do poder público, representando os interesses burgueses, ocorreu
em duas frentes: na expropriação do campesinato de suas terras individuais ou
comunais, por meio dos cercamentos, reprimindo violentamente as resistências ao
processo, e forjando pela força um grande contingente de trabalhadores sem-terra;
e, por outro lado, com a criação de legislações e aparatos de seguridade social,
como a Lei dos Pobres de 1834, voltadas à disciplina e imposição de árdua rotina
de trabalhos aos camponeses expropriados. Foi exatamente “o impacto combinado
dessas transformações, ao longo de várias décadas, [que] transformou a maioria
dos camponeses em trabalhadores assalariados, criando a fonte potencial de
mais-valor absoluto”.
Diversos autores contemporâneos buscam aplicar o conceito de acumulação
primitiva para a atualidade do processo de acumulação capitalista. Um desses
destacados autores, David Harvey, destaca que, contemporaneamente, o neolibe-
ralismo teve como principal proeza, “redistribuir, em vez de criar, riqueza e renda”,
fenômeno por ele nomeado como “acumulação por espoliação” que representa a
continuidade das práticas de acumulação primitiva, teorizadas por Marx, que tiveram
lugar no período de ascensão do capitalismo, conforme descrito anteriormente.
Harvey indica a privatização da terra, a expulsão de camponesas pelo uso da força,
a transformação em propriedades comuns, coletivas, estatais etc. em propriedades
privadas e a supressão dos direitos aos bens comuns, bem como a supressão
de formas alternativas de produção, a apropriação neocolonial e imperialista de
ativos, inclusive recursos naturais, a exacerbação das dívidas nacionais e o uso
do sistema creditício como meio devastador de acumulação por espoliação, e tudo
isso com o primordial apoio dos Estados Nacionais e seus aparatos jurídicos e de
violência (HARVEY, 2008, p. 171-172).
Harvey aponta quatro principais características para a acumulação por
espoliação contemporânea. A primeira delas, a mercadificação e privatização de
bens públicos com o intuito de abrir novas frentes, antes distantes da lógica do
lucro, para a acumulação privada. Recursos naturais como água, utilidades públicas

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Thiago Lemos Possas

como os transportes e as telecomunicações, benefícios sociais como a habitação


social, educação, saúde, seguridade social, e mesmo instituições públicas como
universidades, instituições de pesquisa e presídios foram em alguma medida
privatizados em prol da acumulação do capital. Bens comuns ambientais globais são
tratados como mercadorias e amplamente degradados, bem como formas culturais,
com suas histórias e construções intelectuais, espoliadas de suas comunidades e
tratadas também como mercadorias (HARVEY, 2008, p. 172-173).
A segunda característica da acumulação por espoliação é a da “financiali-
zação” especulativa e predatória que vem crescendo desde a década de 1980. O
sistema financeiro desregulamentado tornou-se central para a redistribuição via
especulação, fraude e corrupção. O sistema financeiro atual tem sua natureza
marcada pelas fraudes corporativas, pela espoliação de ativos (como fundos de
pensão, por exemplo) e endividamento inaudito de nações que perdem capacidade
e autonomia de ação para servirem aos credores internacionais. A centralidade das
bolsas de valores mundo afora levou a manipulações de mercado que concentraram
ainda mais as riquezas nas mãos de poucos especuladores. Além disso, há de se
destacar os ataques especulativos perpetrados por grandes instituições do capital
financeiro como elemento fundamental da acumulação por espoliação (HARVEY, 2008,
p. 173-174).
Outra forma de manifestação desta espoliação contemporânea é a “adminis-
tração e manipulação de crises”. Segundo Harvey, “a criação, a administração e a
manipulação de crises no cenário mundial evoluíram para uma sofisticada arte de
redistribuição deliberada de riqueza de países pobres para países ricos”. Os países
ricos “orquestram” e administram crises como forma de redistribuir ativos. Estas
crises perfazem a transferência de propriedade para quem detém poder econômico
e condições de criar crédito. O autor faz analogia desta situação de crise controlada
com a criação deliberada de desemprego que, a partir da geração do excedente
de trabalho, favorece uma maior acumulação de capital. Nesse contexto, Estado
e instituições nacionais assumem a incumbência de controlar as crises para que
estas não degringolem num colapso geral ou gerem revoltas populares mais agudas,
permitindo que a acumulação por espoliação ocorra sem maiores perturbações
(HARVEY, 2008, p. 174-176).
Por fim, Harvey aponta as redistribuições via Estado que passa a figurar, sob
hegemonia neoliberal, como ator principal das políticas redistributivas da espoliação,
“revertendo o fluxo que vai das classes altas para as baixas”, principalmente a
partir da promoção das privatizações do patrimônio público e dos cortes dos gastos
públicos para o âmbito social. E mesmo em países “desenvolvidos”, destaca
Harvey, que contam com maior resistência à acumulação por espoliação, o Estado
neoliberal assume destacado papel de repressão ativa a movimentos de oposição,

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Estado e exceção econômica na periferia: acumulação primitiva e outras formas de expropriação do comum

ou mesmo por meio da marginalização e criminalização da ação de movimentos


sociais, como ocorre com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)
no Brasil (HARVEY, 2008, p. 176-178).
Ugo Mattei e Laura Nader também destacam o papel do Estado e do direito
no processo de legitimação do que eles denominam de “pilhagem”. Para os autores,
“o Direito tem sido usado para justificar, administrar e sancionar a conquista e
a pilhagem ocidentais, o que tem resultado em imensas disparidades globais”,
havendo um “uso imperial” do “Estado de Direito [que] está por trás de práticas
extremamente insatisfatórias de justiça distributiva” (MATTEI; NADER, 2013, p. 1-2).
Os autores lembram que, no período colonial, o recém-formado Estado-Nação
necessitava, com urgência, de obtenção de riquezas para financiamento de sua
estrutura centralizada de governo, o que se viabilizou através dos metais preciosos,
especiarias e do uso intensivo de mão de obra escravizada, pavimentando o caminho
para o desenvolvimento industrial das economias centrais. A pilhagem colonial,
portanto, “engloba uma série de práticas, desde a captura e o comércio de escravos
até a extração de ouro e de recursos em longínquas ‘terras de ninguém, práticas
essas que não foram consideradas ilegais pelo Direito interno e internacional”
(MATTEI; NADER, 2013, p. 35, 36).
Mattei e Nader veem certo padrão de continuidade na passagem à era
pós-colonial: “podemos considerar superficial essa descontinuidade entre um
passado de violação e pilhagem implacáveis (colonialismo) e a legalidade atual que,
na esfera internacional e em tese, respeita os direitos e a independência de todos
os povos do mundo”. Se o direito, nas relações de dominação colonial, “sanciona
um modelo de subjugação das populações carentes de força pelas que são fortes”,
com o movimento de descolonização houve o abandono formal da subjugação legal,
o que não significou o abandono da dominação, mas a mudança nos padrões
usados para sua continuidade, inclusive com protagonismo do Estado de Direito.
No período pós-colonial, o “Direito transformou-se em uma mercadoria tecnológica,
em um mecanismo que podia ser providenciado por agências de desenvolvimento
internacional ou empresas privadas”. O neoliberalismo impôs, assim, uma versão
de Estado de Direito que viabilizava, em vez de confrontar, o “modelo empresarial
de atividade econômica”, “favorecendo a transferência fácil de recursos naturais, a
preços irrisórios, da propriedade pública para os ricos oligarcas” e delegando aos
tecnocratas a atividade de “criação de legitimidade” para o processo de expropriação
de riquezas (MATTEI; NADER, 2013, p. 37, 38, 44, 52).
Ou seja, se historicamente o processo de colonização impulsionou o capita-
lismo ocidental a partir da “pilhagem extrativa”, que gerou gravíssimos e duradouros
problemas sociais, o “capitalismo empresarial moderno” confere centralidade ao
direito como forma de viabilizar as remessas de lucros e o direcionamento dos

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recursos para o centro do capitalismo. O Estado de Direito, ainda segundo Mattei


e Nader, nunca serviu à contraposição a este processo, sendo fundamental para
a cristalização desta discrepância entre centro e periferia do capitalismo, de modo
que “as elites dominantes na Europa e nos Estados Unidos impuseram, e ainda
impõem, os custos sociais de seu próprio desenvolvimento aos povos mais fracos,
internamente e no exterior, e o Estado de Direito, com eficácia e elegância, atende
aos interesses dessa prática” (MATTEI; NADER, 2013, p. 349-350).
A extração do petróleo no Equador pela empresa Texaco e os consequentes
danos ambientais causados representam exemplo claro do papel do direito diante
da pilhagem. Quando não a legitima ou instrumentaliza, mostra impotência em
sua face reativa:

o custo estimado da ação corretiva dos danos ecológicos produzidos


pela Texaco no Equador, durante o processo de pilhagem de petróleo,
é superior a 5 bilhões de dólares. Essa quantia equivale à metade da
dívida externa do país. A questão, ainda que só levemos em conta
uma minúscula fração do valor da pilhagem histórica nesse país an-
dino tão brutalmente explorado, coloca-se naturalmente: quem deve
dinheiro a quem? Contudo, os tribunais locais estão mal preparados
para forçar as empresas a compensar o dano ecológico, enquanto as
instituições financeiras internacionais atormentam os governos para
que paguem o serviço da dívida. Portanto, a elevação das instituições
reativas ao papel de concepção única de Estado de Direito é uma es-
tratégia para permitir a pilhagem corporativa, solapando as próprias
características do sistema jurídico, capaz de enfrentar os efeitos noci-
vos, em vez de estabelecê-las segundo um modelo ao mesmo tempo
eficiente e socialmente justo (MATTEI; NADER, 2013, p. 379).

Por fim, ainda a este respeito, Sandro Mezzadra também insiste na atualidade
do conceito de “acumulação primitiva”, mas vai além. Ele ressalta que esse processo
atual de expropriação não se aplica exclusivamente ao “Sul”, atingindo o espaço
global do capitalismo contemporâneo. Ganha relevância a questão da mobilidade
da força de trabalho e a exploração da mão de obra móvel e imigrante como formas
centrais de trabalho, além do “cercamento” a variadas formas do “comum”, como
da água, da terra, do conhecimento e até mesmo do material genético (MEZZADRA,
2011, p. 303).
Mas, ressalta Mezzadra, na mesma linha de Negri e Hardt, que o “comum”,
além de envolver os elementos citados como água, serviços públicos e o direito de
propriedade intelectual, se relaciona diretamente com o próprio sentido político e
filosófico de “comunidade”. Ou seja, o comum, noutros termos, não compreende
apenas o dado e existente, mas também algo que se produz, algo construído
coletivamente que capacita este mesmo sujeito social, no processo de sua própria
constituição, de solapar as bases da exploração e reinventar condições comuns

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Estado e exceção econômica na periferia: acumulação primitiva e outras formas de expropriação do comum

de produção estruturadas a partir de uma síntese entre liberdade e igualdade


(MEZZADRA, 2011, p. 317-319).
Deste modo, a acumulação primitiva ganha destaque novamente nos
processos de dominação e, consequentemente, nas análises críticas da sociabilidade
capitalista atual. Ocorre que a usurpação privada da riqueza socialmente produzida
não se dá apenas a partir deste tipo de “pilhagem”, que conta com o necessário
apoio dos Estados de Direito contemporâneos. A expropriação realizada no processo
do trabalho continua sendo a principal forma de exploração capitalista.

2 Outras formas de expropriação do comum


É exatamente por ganhar proeminência a acumulação por meio da expropriação
do comum, atualmente, que a acumulação primitiva voltou a ser instrumento funda-
mental de análise. Mas essa leitura procedida por autores críticos ao neoliberalismo
não seria suficiente para dar conta de todo o processo de expropriação levado a cabo
contemporaneamente. A despeito de ser pertinente e revelar uma das facetas do
processo de expropriação do comum, remanesce outra forma de extração diretamente
ligada ao processo produtivo, qual seja, a produtividade do trabalho vivo. O que
Negri e Hardt ressaltam aqui é a insuficiência das narrativas críticas mencionadas
que se satisfazem “com relatos do neoliberalismo que postulam a acumulação
capitalista mera ou basicamente como expropriação de riqueza existente”, pois
o capital é, essencialmente, “um sistema produtivo que gera riqueza através da
força de trabalho que emprega e explora”. Negri e Hardt apontam esta outra forma
de “expropriação do comum, centrada na exploração do trabalho biopolítico” como
“mais adequada para efetuar uma investigação marxiana da composição orgânica
do capital”, e apontam o conceito de “subsunção formal” como mais apropriado
que o da acumulação primitiva, pois aquele enfoca as transformações ocorridas
no processo produtivo, mostrando “diferenças e descontinuidades geográficas e
temporais”. A subsunção formal ocorre a partir da absorção de práticas de trabalho
pré-existentes, não capitalistas, no processo capitalista de produção, operando a
mudança apenas formal delas, e retribuindo o trabalho a partir do pagamento do
salário ao trabalhador. Estas práticas “tradicionais” são aniquiladas em determinado
momento e dão lugar a novas práticas mais adequadas ao capitalismo, muitas
vezes por meio da inserção de novas tecnologias, determinando, deste modo, a
passagem da “subsunção formal para a subsunção real do trabalho sob o capital”,
num modo de produção efetivamente capitalista (NEGRI; HARDT, 2016, p. 160-161;
2018, p. 242-246; 2010, p. 275-277).

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Marx (1978, p. 51) assim definiu a subsunção formal do trabalho ao capital:

O processo de trabalho converte-se em instrumento do processo de


valorização, do processo de autovalorização do capital – da fabrica-
ção de mais-valia. O processo de trabalho é subsumido ao capital (é
seu próprio), e o capitalista se enquadra nele como dirigente, condu-
tor; para este, é ao mesmo tempo, de imediato, um processo de ex-
ploração de trabalho alheio. É isso a que denomino subsunção formal
do trabalho ao capital. É a forma geral de todo processo capitalista
de produção; mas é ao mesmo tempo uma forma particular, a par do
modo de produção especificamente capitalista, desenvolvido, já que
a última inclui a primeira, mas a primeira não inclui necessariamente
a segunda.

A subsunção formal ainda não ocorreu quando o capital exerce função apenas
episódica, subordinada ao processo de produção, como no “capital usurário” que
adianta aos produtores as matérias-primas e instrumentos necessários ao trabalho,
por meio de empréstimos com juros extorsivos, tomando do produtor trabalho
excedente, ou mesmo por meio do capital comercial que faz encomendas aos
produtores diretos, realiza adiantamentos e depois vende os produtos no mercado.
Em ambos os exemplos trazidos por Marx, o produtor permanece como vendedor
de suas mercadorias e como usuário de seu próprio trabalho. Se anteriormente
ao processo de produção as pessoas se “defrontavam como possuidores de
mercadorias e mantinham entre si unicamente uma relação monetária”, inseridos
no processo produtivo os agentes passam a personificar os fatores centrais ao
processo, “o capitalista, como ‘capital’; o produtor direto, como ‘trabalho’, e sua
relação está determinada pelo trabalho como simples fator do capital que se
autovaloriza” (MARX, 1978, p. 51-54):

O essencial na subsunção formal é o seguinte: 1) a relação puramen-


te monetária entre o que se apropria do trabalho excedente e o que o
fornece; na medida em que surge a subordinação, esta deriva do con-
teúdo determinado da venda, não de uma subordinação, precedente
à mesma, por força da qual o produtor – devido a circunstâncias po-
líticas etc. – estivesse situado em outra relação do que a monetária
(relação entre possuidor de mercadoria e possuidor de mercadoria)
em relação ao explorador de seu trabalho. É somente na condição de
possuidor das condições de trabalho que, nesse caso, o comprador
faz com que o vendedor caia sob sua dependência econômica; não
existe qualquer relação política, fixada socialmente, de superioridade
e subordinação. 2) o que é inerente à primeira relação – pois caso
contrário o operário não teria que vender sua capacidade de traba-
lho – é que suas condições objetivas de trabalho (meios de produ-
ção) e condições subjetivas de trabalho (meios de subsistência) se
lhe defrontam como capital, monopolizadas pelo comprador de sua
capacidade de trabalho. Quanto mais plenamente se lhe defrontam

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Estado e exceção econômica na periferia: acumulação primitiva e outras formas de expropriação do comum

tais condições de trabalho como propriedade alheia, tanto mais ple-


namente se estabelece como formal a relação entre o capital e o
trabalho assalariado, o que vale dizer: dá-se a subsunção formal do
trabalho ao capital, condição e premissa da subsunção real (MARX,
1978, p. 56-57).

Coisa diversa é quando se constitui o modo de produção especificamente


capitalista, com sua produção em larga escala, e que revoluciona a relação entre
os agentes da produção, bem como o tipo de trabalho e a modalidade real do
processo de trabalho. Para Marx, portanto, a junção de fatores como o trabalho
socializado (coletivizado), a divisão do trabalho na fábrica, o uso intensivo de
maquinário, a incorporação da tecnologia no processo, bem como a elevação
exponencial da escala produtiva, faz com que se consolide a “força produtiva do
capital”, não mais como força produtiva do trabalho, dos operários individual ou
coletivamente considerados. Se a mais-valia absoluta pode ser apontada como
“expressão material da subsunção formal do trabalho ao capital, a produção da
mais-valia relativa pode ser considerada como a de subsunção real do trabalho no
capital” (MARX, 1978, p. 55-56).
Para Marx, a partir de um mínimo de capital, o capitalista deixa de ser
“trabalhador” e direciona suas atenções à direção do processo de trabalho e da venda
de mercadorias. A subsunção real só ocorrerá, no entanto, a partir da inserção de
consideráveis quantidades de capital no processo produtivo, com a transformação
do comerciante em capitalista industrial ou a constituição de capitalistas industriais
de maior porte. Com a subsunção real do trabalho ao capital tem-se a “revolução
total (que prossegue e se repete continuamente) no próprio modo de produção, na
produtividade do trabalho e na relação entre o capitalista e o operário”, e que se
espraia por todos os ramos produtivos ainda na fase da subsunção formal: “a fiação
mecanizada leva à mecanização da tecelagem; a fiação mecanizada na indústria
algodoeira, à fiação mecanizada na indústria algodoeira, à fiação mecanizada da
lã, do linho, da seda etc.”. A “produção pela produção”, ou a produção como fim
em si mesmo, já ocorre quando da subsunção formal, com o estabelecimento da
mais-valia e do valor de troca como elementos fundamentais da produção, mas
será apenas na subsunção real que se dará a sua realização adequada, figurando
“o produtor real como simples meio de produção” e a “riqueza material como fim
em si mesmo”, “em contradição com o indivíduo humano e às expensas deste”
(MARX, 1978, p. 58, p. 66-69).
Negri e Hardt defendem que o conceito de subsunção formal permitiria
compreender o domínio capitalista em sua pluralidade, incorporando diversas
relações produtivas do passado e, ao mesmo tempo, variadas formas de resistência
a esse mesmo domínio, de modo que todas as transições (e não há linearidade

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aqui) – acumulação primitiva, subsunção formal, subsunção real, mais-valia absoluta


e mais-valia relativa – engendrariam novas organizações sociais de exploração, mas
também novas formas de luta social contra a expropriação. A subsunção formal,
por exemplo, não se esgota com a passagem à subsunção real: “(...) vê-las juntas,
lado a lado, copresentes na sociedade contemporânea, de fato deveria revelar como
a subsunção real, em vez de hegemônica, é atravessada por diferenças criadas e
recriadas no interior do sistema capitalista” (NEGRI; HARDT, 2018, p. 243-245).
A opção dos autores pela retomada de conceitos como o da acumulação
primitiva e das subsunções formal e real seriam relevantes para que a análise
contemple a expropriação do comum em suas diversas facetas, tanto em relação
aos recursos naturais quanto à captura dos processos de cooperação e sociabilidade
coletivamente engendrados.
Negri e Hardt definem o “comum” como compreendendo “as várias formas de
riqueza social e natural que compartilhamos, acessamos ou gerimos conjuntamente”.
Ele se divide, portanto, em duas categorias,2 os recursos naturais ou matérias-primas
que representam a “riqueza da Terra e seus ecossistemas”, a “riqueza comum
do mundo material – o ar, a água, os frutos e todas as dádivas da natureza”, que
os clássicos consideravam como “herança da humanidade como um todo, a ser
compartilhada por todos”, bem como a “riqueza social que resulta de circuitos de
cooperação, indo desde produtos culturais até saberes tradicionais, desde territórios
urbanos até saberes científicos”, “os resultados da produção social que são
necessários para a interação social e para mais produção, como conhecimentos, as
imagens, os códigos, a informação, os afetos e assim por diante” (NEGRI; HARDT,
2016, p. 8-11; 2018, p. XX, 225).
Os autores sintetizam as diferentes manifestações do comum, de maneira
preliminar, em cinco grandes vertentes: a terra e seus ecossistemas seriam comuns,
pois afetam a todos quando danos são causados; as formas de riqueza imateriais
como as ideias, imagens e produtos culturais os mais diversos tenderiam para o
comum; as mercadorias materiais obtidas a partir do trabalho social cooperativo
também devem ser abertas ao uso comum, bem como às decisões e ao planejamento
democraticamente estabelecidos; os territórios sociais metropolitanos e rurais,
advindos de interações e cooperações sociais, devem ser geridos em comum;
e, por último, “as instituições sociais e os serviços voltados à saúde, educação,

2
“On the one hand, for climate change movements and ecological movements more generally, the common
refers primarily to the earth and its ecosystems, including the atmosphere, the oceans and rivers, and the
forests, as well as all the forms of life that interact with them. Anticapitalist social movements, on the other
hand, generally understand the common in terms of the products of human labor and creativity that we
share, such as ideas, knowledges, images, codes, affects, social relationships, and the like. These common
goods are becoming increasingly central in capitalist production — a fact that has a series of important
consequences for e)orts to maintain or reform the capitalist system as well as projects to resist or overthrow
it” (HARDT, 2010b, p. 17-18).

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habitação e bem-estar social precisam ser transformados de modo a serem usados


em benefício de todos e submetidos a tomadas democráticas de decisão”. Os
direitos do comum, assim, se situariam como um tertius entre público e privado,
não se confundindo com os direitos sociais historicamente consagrados. Estes,
segundo os autores, seriam direitos estáticos, enquanto o comum é produtivo e
não apenas voltado à regulação das relações sociais, mas edificador de novas
instituições do “estar-junto”. Enquanto os direitos sociais se situam no direito
público estatal, e inclusive são transfigurados pelo neoliberalismo para como parte
dos mecanismos de biopoder, “o comum constrói uma sociedade de relações
democráticas e cooperativas geridas desde baixo”, e “emerge como multidão, isto
é, como as capacidades dos sujeitos de reunir suas singularidades em instituições
produtoras de riqueza e liberdade” (NEGRI; HARDT, 2018, p. 133-135).
Haveria, então, duas concepções do comum a partir de duas perspectivas
diversas: uma leitura “relativamente inerte e tradicional” voltada aos recursos
naturais, em geral, sendo o comum concebido como “dádiva da natureza disponível
para a humanidade, incluindo a terra fértil para ser cultivada e os frutos da terra”; e
outra leitura, esta dinâmica, que abarca não apenas o que o trabalho produz, mas
também os meios a serem usados na produção, ou seja, “este comum é não só
a terra que compartilhamos como também as linguagens que criamos, as práticas
sociais que estabelecemos, os modos de sociabilidade que definem nossas relações
e assim por diante”. É sobre esta forma “artificial” do comum, situada na interseção
entre natureza e cultura, que incidirá a exploração do trabalho biopolítico para a
realização da expropriação (NEGRI; HARDT, 2016, p. 162-164; 2018, p. 245-246;
HARDT, 2010a, p. 137-138).
É neste ponto, ainda segundo Hardt e Negri, que se deve retroceder ao
conceito de marxista de alienação, pois a “produção biopolítica efetivamente
apresenta de maneira renovada as características da alienação do trabalho”. Isso
ocorre na medida em que, em relação ao trabalho cognitivo, o “capital aliena do
trabalhador não só o produto do trabalho como o próprio processo de trabalho”. O
capital, além disso, que na grande indústria seria responsável pela organização do
processo do trabalho e da cooperação entre trabalhadores arregimentados e reunidos
na fábrica, não mais age na organização da cooperação entre trabalhadores na
produção biopolítica, ao menos não com o mesmo protagonismo, como o “regente
de orquestra” imaginado por Marx. No trabalho cognitivo e afetivo, a cooperação
é autonomamente produzida, sendo que “o meios intelectuais, comunicativos e
afetivos da cooperação geralmente são criados nos próprios encontros produtivos
e não podem ser dirigidos de fora”, o que de forma alguma indica um arrefecimento
no processo de exploração do trabalho, mas que o “capital expropria cooperação
como elemento central de exploração da força de trabalho biopolítica”, de modo que

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“a exploração biopolítica envolve a expropriação do comum no nível da produção


social e da prática social” (NEGRI; HARDT, 2016, p. 162-164; 2018, p. 245-246;
HARDT, 2010a, p.137-138).
Um breve e necessário apontamento metodológico: vê-se, claramente,
a opção de Hardt e Negri pela junção entre a perspectiva marxista e a leitura
biopolítica,3 ou a “fenomenologia dos corpos”, principalmente sustentada na obra
de Michel Foucault. Os teóricos das décadas de 1950 e 1960, dirão os autores,
“reconhecem a necessidade não só de desenvolver uma crítica filosófica da tradição
marxista mas de alicerça-la numa experiência militante, usando os escalpelos
para revelar, através de leituras da fábrica e das lutas sociais, a nova anatomia
dos corpos coletivos”, ampliando a análise para o enquadramento de toda a vida
social, passando das reivindicações trabalhistas para reivindicações sociais em
toda sua amplitude. E é “essa imersão no ser concreto e determinado [que] é a
grande força da fenomenologia do século XX, que corresponde à transformação do
marxismo anteriormente assinalada, da crítica da propriedade para a crítica dos
corpos”. Quanto à objeção de que Foucault traiu o marxismo quando defendeu sua
teoria do poder sem um lugar central demarcado e transcendente, mas exercido
na forma de micropoderes em práticas e regimes disciplinares dos corpos,4 Negri
e Hardt entendem que há, na verdade, uma continuidade em relação a algumas
“intuições que o jovem Marx não tinha como apreender completamente a respeito
da necessidade de retomar a crítica da propriedade, juntamente com as estruturas
transcendentais da sociedade capitalista, para a fenomenologia dos corpos” (NEGRI;
HARDT, 2016, p. 41; p. 44, 46-47; p. 54; 2018, p. 113).
Para os autores, portanto, “Foucault adota muitos disfarces – larvatus prodeo –
em sua relação com marxismo, mas essa relação ainda assim é profunda”. Sua
obra deve ser situada nas tensões políticas dos anos 1970 e “seu trabalho seguiu
a expansão do antagonismo social das fábricas à ampla esfera social e analisou
as novas formas de subjetivação das lutas”, sendo este ponto em que sua obra
vai “além” de Marx para os autores. A fenomenologia dos corpos, portanto, teria
como axiomas o fato de que “os corpos são os componentes constitutivos da trama
política do poder”, e de que, desse modo, é exatamente no terreno político que

3
“This form of production should be understood as biopolitical insofar as what is being produced is ultimately
social relations and forms of life. In this context traditional economic divisions between production and
reproduction tend to fade away. Forms of life are simultaneously produced and reproduced” (HARDT, 2010b,
p. 19).
4
Para Foucault, o poder “doit être analysé comme quelque chose qui circule, ou plutôt comme quelque chose
qui ne fonctionne qu’en chaîne. Il n’est jamais localisé ici ou là, il n’est jamais entre les mains de certains,
il n’est jamais approprié comme une richesse ou un bien. Le pouvoir fonctionne.”. O poder, desta forma,
transitaria entre os indivíduos: “C’est-à-dire que l’individu n’est pas le vis-à-vis du pouvoir ; il en est, je
crois, l’un des effets premiers. L’individu est un effet du pouvoir et il est en même temps, dans la mesure
même où il en est un effet, le relais : le pouvoir transite par l’individu qu’il a constitué” (FOUCAULT, 1997,
p. 26-27).

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Estado e exceção econômica na periferia: acumulação primitiva e outras formas de expropriação do comum

os corpos resistem. Ademais, eles “precisam resistir para existir”, o que revela a
ambiguidade da biopolítica não vista apenas sob o prisma da dominação, sendo
que “a história é determinada pelos antagonismos e resistências biopolíticos ao
biopoder”, de modo que “a resistência corpórea produz subjetividade, não de uma
forma isolada ou independente, mas na complexa dinâmica com as resistências
de outros corpos”, sendo de suma relevância a “produção de subjetividade através
da resistência e da luta”, figurando a biopolítica como o “supremo antídoto ao
fundamentalismo, pois recusa a imposição de um valor ou estrutura transcendente,
espiritual, não deixando que os corpos sejam eclipsados e insistindo, pelo contrário,
em seu poder” (NEGRI; HARDT, 2016, p. 41, 44, 46-47, 54; 2018, p. 113).
Ao retomar os conceitos de subsunção formal e real em um contexto biopolítico,
Negri e Hardt querem enfatizar que o “capital subsume não só o trabalho mas a
sociedade como um todo, ou, ainda, a própria vida social, já que a vida é ao mesmo
tempo o que é posto para trabalhar na produção biopolítica e o que é produzido”.
Ocorre que a relação entre a vida social produtiva e o capital não é mais orgânica
tal qual entendia Marx, pois o capital é externo ao processo produtivo, de modo
que a força de trabalho (biopolítica) é cada vez mais marcada pela autonomia, o
que não a exime de ser parasitada pelo capital, de fora, através da disciplina e dos
mecanismos de espoliação (NEGRI; HARDT, 2016, p. 165).
Em perspectiva crítica à de Negri e Hardt, na vertente marxista, Eleutério
Prado e José Paulo Guedes Pinto (2014, p. 71) também identificam relevantes
mudanças no processo produtivo, mormente nos países centrais do capitalismo,
com a flexibilização do regime rígido do taylorismo, atendendo às necessidades
advindas do “trabalho imaterial”:

Com a crise do capitalismo nos anos 70, contornar a rigidez do modo


taylorista de organização da produção tornou-se uma necessidade.
O novo modo de produção nasceu e se espraiou principalmente nos
países centrais para responder aos desafios trazidos pelo próprio
desenvolvimento do capitalismo. Ele atende principalmente às ne-
cessidades das atividades e empresas que operam com base em
“trabalho imaterial”, que produzem “serviços” e que concorrem, prin-
cipalmente, por meio de constantes inovações tecnológicas e merca-
dológicas, reais ou simplesmente aparentes.

Ou autores ressaltam que, nesse novo modo de produção “pós-taylorista”,


como chamado comumente, “a coerção predominantemente externa sobre o
trabalhador, característica de todo o período da grande indústria, é substituída por
uma coerção enfaticamente interna”. Substitui-se, portanto, a coerção por meio de
um rígido arranjo burocrático que enquadra a ação do trabalhador, por um modelo
em “que ele atue como um colaborador aparentemente voluntário, como alguém

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Thiago Lemos Possas

que ‘veste a camisa’ da empresa”. Na empresa neoliberal, portanto, o trabalhador


deve figurar como “empresário de si mesmo”, como “proprietário de seu capital
humano”. É a generalização da forma-empresa e da racionalidade neoliberal da
competição, de que falam Dardot e Laval, citados pelos autores (PRADO; PINTO,
2014, p. 71-72).
Dardot e Laval defendem a tese de que o Neoliberalismo não é apenas
uma ideologia ou política econômica, mas figura fundamentalmente como uma
racionalidade que tende a estruturar e organizar não só as ações governamentais,
mas também conduzir os próprios governados. É a racionalidade hoje dominante,
não figurando como um eufemismo para que se evite a palavra “capitalismo”, mas
como a razão do capitalismo contemporâneo, assumido como norma geral da vida.
Os autores definem o neoliberalismo, desse modo, como “l’ensemble des discours,
des pratiques, des dispositifs qui déterminent um nouveau mode de gouvernement
des hommes selon le principe universel de la concurrence”. A racionalidade
neoliberal produz o sujeito que se conduzirá como uma entidade em competição
que deverá maximizar os seus resultados, se expondo aos riscos e assumindo as
responsabilidades. Em suma, o “governo de si” na era do neoliberalismo tem a
“empresa” como nome (DARDOT; LAVAL, 2009).
Nesse contexto de dominação da racionalidade neoliberal e de trabalho
imaterial, segundo Prado e Pinto, “a forma de subsunção típica da grande indústria,
que predominou no século XIX e grande parte do século XX, está cada vez mais
restrita às empresas capitalistas tradicionais”, que empregam mão de obra menos
qualificada e produção mais homogênea de mercadorias, e, “em sua substituição,
está se desenvolvendo o modo de produção da pós-grande indústria, o qual se
caracteriza, sobretudo, pela subsunção intelectual do trabalho ao capital”. Nesse
modo novo de produção, “a nova subsunção do trabalho ao capital toma forma por
meio do planejamento de uma ordem concorrencial aparentemente espontânea,
em que a liberdade – ou seja, a liberdade negativa que o mercado torna possível e
permite – é rigorosamente administrada.” (PRADO; PINTO, 2014, p. 72).
Reitera-se, por fim, que não há que se fazer a opção entre os dois conceitos,
da acumulação primitiva e da subsunção (formal/real), mas utilizá-los conjuntamente.
Entende-se que haveria pertinência da retomada da crítica do contemporâneo a
partir do conceito da acumulação primitiva, já que esta persiste na história, mesmo
em países de capitalismo avançado, e é ainda mais pertinente para a análise dos
processos de expropriação do comum realizados em países como o Brasil, em que
arcaico e moderno convivem na mesma quadra.
Neste ponto, a discussão será contextualizada na realidade brasileira, pródiga,
infelizmente, em elementos de expropriação da riqueza social e da produção pelo

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Estado e exceção econômica na periferia: acumulação primitiva e outras formas de expropriação do comum

trabalho. O neoliberalismo trouxe novas estratégias para a dominação e recrudesceu


o avanço do capital sobre as diversas formas do comum narradas anteriormente.

3 A exceção econômica brasileira: a permanência da


pilhagem
Para William E. Scheuerman, observa-se considerável aumento do escopo
dos poderes econômicos emergenciais desde o século 19 até os dias atuais.
Se inicialmente estes poderes figuravam como meros suplementos aos poderes
emergenciais dos tempos de guerra, a regulação econômica por meio de poderes
excepcionais, mormente manejados pelo Executivo, representam agora uma
característica permanente das democracias liberais. Esses poderes de emergência
seriam instrumentos fundamentais para a aplicação das controversas políticas
econômicas neoliberais em países subdesenvolvidos, justificados como aptos ao
enfrentamento das instabilidades econômicas que, hodiernamente, são situadas
no espectro da exceção econômica. Ocorre que são poderes discricionários
generosamente ofertados aos governantes e frequentemente definidos de maneira
precária em seus limites. Demais disso, o Poder Judiciário desses países não
consegue conter satisfatoriamente a ação econômica dos governos dentro dos
padrões normativos estabelecidos (SCHEUERMAN, 2000).
A grande questão que se coloca é de fundo econômico, evidentemente, fazendo
com que os mecanismos excepcionais instrumentalizem política e juridicamente
a ação discricionária do Estado em prol de uma pretensa estabilidade econômica
que, na verdade, figura como fetiche do real objetivo a ser escamoteado, que é a
imposição do amargo receituário neoliberal em democracias ainda frágeis e com
um passivo social gigantesco:

Moreover, the scenario is exacerbated by the existence of significant


present day international and domestic pressures on political leaders
in the new democracies to pursue neoliberal policies destined to ge-
nerate economic discomfort among substantial segments of the po-
pulace. Needless to say, policies of this type hardly make it easy for
fledgling democracies to develop a reservoir of democratic legitimacy.
Continued dependence on emergency economic power, by means of
which executive discretion is maximized, and meaningful public deba-
te minimized, seems to provide a short-term political solution for lea-
ders seeking to pursue painful or unpopular policies (SCHEUERMAN,
2000).

A exceção econômica, sempre presente (e normalizada) na história brasileira,


também pode ser identificada em países centrais. Para Scheuerman (2000), “rich
and powerful states (the United States, Great Britain) have made ample use of the

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Thiago Lemos Possas

legal paraphernalia of the economic state of emergency, as have poor and relatively
weak states (Bolivia, Peru, Uruguay)”. Slavoj Zizek (2010a, p. 86-87) também
identifica, mesmo em países tidos como desenvolvidos, o ingresso em uma espécie
de estado de exceção econômica permanente:

One thing is clear: after decades of the welfare state, when cutbacks
were relatively limited and came with the promise that things would
soon return to normal, we are now entering a period in which a kind of
economic state of emergency is becoming permanent: turning into a
constant, a way of life. It brings with it the threat of far more savage
austerity measures, cuts in benefits, diminishing health and educa-
tion services and more precarious employment.

Ocorre que, na Europa, em virtude de uma maior universalização dos direitos


fundamentais, podem-se observar medidas de exceção advindas do legislativo,
enquanto “nos países de capitalismo tardio e periférico, como na maior parte da
América Latina, há um Estado de exceção permanente (de fato), que convive com
um Estado de direito permanente (formal)”. Nesses países não haveria necessidade
de normatizar a exceção, dada sua existência fática nas tradições com o respaldo
muitas vezes inclusive do Poder Judiciário (SERRANO, 2016, p. 27; p. 108). Ou
seja, a exceção como regra, ou como “paradigma de governo” (AGAMBEN, 2004),
sempre esteve presente na realidade da periferia do sistema capitalista. Em países
como o Brasil, a perda do comum para interesses privados sempre foi elemento
central de uma pretensa busca pelo crescimento econômico, muitas vezes em
direção patentemente contrária aos objetivos constitucionalmente estabelecidos,
mas o direito nunca figurou como óbice a este tipo de expropriação.
Carlos Brandão (2010, 39-69) aponta a permanência das acumulações
primitivas no Brasil, que “estariam baseadas na apropriabilidade privada extensiva/
intensiva do território, na retenção especulativa da terra-propriedade e do dinheiro e
na hegemonia da órbita da circulação no amplo espaço nacional”. O autor sintetiza
a história brasileira a partir da consideração de que todas as “heterogeneidades
estruturais e as diversidades produtiva, urbana, social e ambiental estiveram
subordinadas à lógica econômica da valorização fácil e rápida, isto é, de natureza
imediatista, rentista e patrimonialista”. A partir dos anos 1990, com a adoção do
neoliberalismo, “exacerba-se o loteamento/privatização do Estado como locus de
luta de setores procurando escapar à retração/estagnação”, além da promoção da
“privatização do patrimônio público (telecomunicações, energia elétrica, bancos,
ferrovias, rodovias, mineração etc.) sem qualquer orientação estratégica”, fazendo
com que o país ingressasse no “processo de integração subordinada na mundialização
financeirizada, promovendo o ajuste passivo e a modernização defensiva e a não
diversificação do aparelho produtivo”. Aprofundou-se, a partir dos anos 1990, “a

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Estado e exceção econômica na periferia: acumulação primitiva e outras formas de expropriação do comum

transnacionalização do aparelho produtivo localizado no país e a perda de importância


de elos decisivos das cadeias produtivas mais dinâmicas”.
Brandão (2010, p. 69) ressalta a persistência e evolução deste quadro, na
medida em que “as estruturas socioeconômicas de exploração e marginalização
continuaram a se fortalecer, a superexploração do trabalho e a destruição ambiental
persistiram e se sofisticaram”. E, em síntese conclusiva, afirma:

O processo de valorização, sob o amparo do Estado, de uma pluralida-


de de capitais mercantis variados e dispersivos se deu em contexto
comandado macro e microeconomicamente pela hegemonia política
de formas mercantis, patrimonialistas, financeirizadas e rentistas. A
ação pública não logrou promover a acumulação reprodutiva, como
nas experiências históricas dos capitalismos desenvolvidos. Apenas
fomentou e sancionou recorrentemente um gigantesco processo de
valorização mercantil-patrimonial. É neste sentido que poder-se-ia su-
por que o Brasil se configura com um enorme complexo de promoção
mercantil-patrimonial-rentista, um sofisticado aparelho mercantil com
massas de riqueza em busca de entesouramento e circulação por
circuitos de valorização fundados em diversas modalidades de acu-
mulação primitiva, na extensividade e na expansão territorial predató-
ria ao longo da enorme plataforma territorial-econômica operativa da
circulação e valorização das diversas frações dos capitais nacionais
e internacionais.

Leda Paulani também cita a retomada operada por autores como David Harvey
do conceito de “acumulação primitiva de capital”, a partir da defesa de que tal tipo
de expropriação estaria presente nos dias atuais de forma intensa. Tais processos,
segundo pensadores críticos da atualidade, que marcaram o período inicial do
capitalismo e que “envolvem fraude, roubo e todo tipo de violência”, exacerbam-se em
períodos de crises econômicas: “o resgate desses expedientes violentos minoraria
as consequências da sobreacumulação, visto que desbravaria ‘territórios’ para a
acumulação de capital antes fora de seu alcance”. O presente seria, na expressão
consagrada por Harvey, uma época de “acumulação por espoliação”, a partir da
junção entre o poder do capital e o poder estatal, que sempre se faz presente,
seja diretamente, seja por conivência ou omissão. Paulani (2008, p. 120-121) cita
alguns exemplos desse processo: “os ataques especulativos a moedas de países
fracos, o crescimento da importância dos títulos da dívida pública em todos os
países e as privatizações, que se generalizaram”.
Caso paradigmático disso, segundo a autora, seria o processo de privatização
iniciado no Brasil nos anos 1990, processo esse que abriu “à acumulação privada
suculentos espaços de acumulação”, muitas vezes regado a dinheiro público via
BNDES emprestado aos compradores das estatais a juros subsidiados e a preços
subavaliados pelo Estado. Outro caso emblemático seria o ataque ao sistema

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previdenciário brasileiro. Por meio das sucessivas “reformas” previdenciárias,


“o Estado abriu imediatamente à acumulação privada todo o imenso território da
previdência”. Nestes (e noutros) casos, vê-se a “gestão neoliberal do Estado”, sendo
o aparato público tratado como negócio, mas obtendo resultado contrário ao do setor
privado, já que em vez de acúmulo de recursos e reprodução do “capital público”,
o que se tem é a dilapidação do Estado, sua desestruturação e a diminuição em
sua capacidade de intervenção na realidade (PAULANI, 2008, p. 121-122, 133).
Paulani destaca que a questão previdenciária era vista como entrave para
que o país ingressasse no processo de mundialização financeira. Em um sistema
previdenciário de “regime de repartição simples, caracterizado pela solidariedade
intergeracional e pela posição do Estado como seu principal ator”, a análise era
de que havia um peso excessivo para o orçamento público, da mesma forma que
se gerava uma “privação” de mercado amplo e rentável para o setor privado, num
sistema praticamente monopolizado pelo poder público (PAULANI, 2008, p. 121-
122, 133). Entende-se, dessa forma, a motivação e mesmo a intensiva pressão
dos meios de comunicação para a aprovação das reformas previdenciárias nos
últimos anos. Foram três diferentes reformas, em três diferentes governos, todas
em detrimento dos direitos sociais e em prol da dilapidação dos recursos públicos
em favor do capital.
Outro autor a retomar o uso do conceito em comento é Francisco de Oliveira
(1998a, p. 20), que destaca a associação entre recursos públicos e a formação
do capitalismo, funcionando (aqueles) “quase como uma ‘acumulação primitiva’”,

desde o casamento dos tesouros reais ou imperiais com banqueiros


e mercadores na expansão colonial até a despossessão das terras
dos índios para cedê-las às grandes ferrovias particulares nos Esta-
dos Unidos, a privatização de bens e propriedades da Igreja desde
Henrique VIII até a Revolução Francesa; e, do outro lado, as diver-
sas medidas de caráter caritativo para populações pobres, de que as
“Poors Houses” são bem o exemplo no caso inglês.

Na atualidade, segundo Oliveira, a relação do fundo público5 com a reprodução


do capital e da força de trabalho passou por uma “revolução copernicana”, já que
“o fundo público é agora um ex-ante das condições de reprodução de cada capital
particular e das condições de vida, em lugar de seu caráter ex-post, típico do

5
“Ora, o desenvolvimento do Welfare State é justamente a revolução nas condições de distribuição e consumo,
do lado da força de trabalho, e das condições de circulação, do lado do capital. Os gastos sociais públicos
mudaram as condições da distribuição dentro de uma relação social de produção que parecia ter permanecido
a mesma; o fundo público como financiador, articulador e “capital em geral” mudou as condições da circulação
de capitais, Estas transformações penetram agora a esfera da produção pela via da reposição do capital e
da força de trabalho, transformados nas outras esferas” (OLIVEIRA, 1998a, p. 37).

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Estado e exceção econômica na periferia: acumulação primitiva e outras formas de expropriação do comum

capitalismo concorrencial. Ele é a referência pressuposta principal, que no jargão de


hoje sinaliza as possibilidades da reprodução”. Destarte, a “formação da taxa de lucro
passa pelo fundo público, o que o torna um componente estrutural insubstituível”.
Do lado do trabalho, até a década de 1980, houve incremento do salário indireto
que gerou disponibilidade do salário direto para o consumo, alavancando o mercado
de consumo de bens duráveis, em especial, e que “funcionaram, na verdade,
como antimercadorias sociais, pois sua finalidade não é a de gerar lucros, nem
mediante sua ação dá-se a extração da mais-valia”, havendo, então, “uma tendência
à desmercantilização6 da força de trabalho pelo fato de que os componentes de
sua reprodução representados pelo salário indireto são antimercadorias sociais”.
O autor não quis afirmar, com isso, que o Estado Social era neutro, aquinhoando
igualmente as classes em disputa, mas que o Estado estaria “muito longe de
repetir apenas o Estado ‘comitê executivo da burguesia’ da concepção original de
Marx, explorada a fundo por Lênin. Trata-se, agora, na verdade, de um Estado que
Poulantzas7 chamou de ‘condensação das lutas de classe’” (OLIVEIRA, 1998a, p.
21-23; p. 29; p. 38).
Ocorre que, atualmente, o gasto público deste Estado de Bem-Estar direcionado
aos trabalhadores é responsabilizado pela crise fiscal do Estado, numa crítica
marcadamente ideológica, já que é mais associada “à produção de bens sociais
públicos” e menos à presença do fundo público na reprodução do capital (OLIVEIRA,
1998a, p. 30):

Trata-se de uma verdadeira regressão, pois o que é tentado é a ma-


nutenção do fundo público como pressuposto apenas para o capital:
não se trata, como o discurso da direita pretende difundir, de reduzir
o Estado em todas as arenas, mas apenas naquelas onde a institu-
cionalização da alteridade se opõe a uma progressão do tipo “mal infi-
nito” do capital. E típico da reação thatcherista e reaganiana o ataque
aos gastos sociais públicos que intervém na nova determinação das
relações sociais de produção, enquanto o fundo público aprofunda
seu lugar como pressuposto do capital; veja-se a irredutibilidade da
dívida pública nos grandes países capitalistas, financiando as frentes
de ponta da terceira revolução industrial (OLIVEIRA, 1998a, p. 44).

6
Sobre o processo de desmercadorização do trabalho a partir do direito, cf. ESPING-ANDERSEN, 1990,
p. 21-23.
7
Para Poulantzas (2013, p. 212), em trecho emblemático: “Les luttes populaires sont inscrites dans la
matérialité institutionnelle de l’État, même si elles ne s’y épuisent pas, matérialité qui porte la trace de ces
luttes sourdes et multiformes. Les luttes politiques qui portent sur l’État ne sont pas, pas plus que toute
lutte face aux appareils de pouvoir plus généralement, en position d’extériorité face à l’État, mais relèvent de
sa configuration stratégique: l’État, comme c’est le cas pour tout dispositif de pouvoir, est la condensation
matérielle d’un rapport.”

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Se do lado do trabalho o neoliberalismo espoliador propõe, em lugar do


Estado de Bem-Estar Social, a formação de um Estado assistencialista, “tentando
destruir a relação do fundo público com a estrutura de salários, a correção das
desigualdades e dos bolsões de pobreza – que nos EUA já são imensos – será
deixada à caridade pública ou a uma ação estatal evasiva e eventual”, do lado
do capital nada muda, pois a desconstrução do aparato estatal se dá apenas em
relação à “função do fundo público como antivalor”. Ou seja, a proposta neoliberal
é a da “destruição da regulação institucional com a supressão das alteridades entre
os sujeitos sócio-econômico-políticos” (OLIVEIRA, 1998a, p. 44).
A expropriação neoliberal, por meio das privatizações8 e cortes no orçamento
social, não é acompanhada por simétrica restrição em relação ao suporte público
dado à reprodução capitalista. Erige-se o Estado de Mal-Estar Social para os
trabalhadores, enquanto fatia nababesca do fundo público continua a alimentar a
produção capitalista e, consequentemente, o déficit público dos países:

A privatização que ocorre na Inglaterra e a reprivatização ocorrida na


França durante o predomínio da direita, não são equivalentes à des-
montagem do suporte do fundo público à acumulação de capital; pois
essa relação estrutural não pode ser desfeita, à condição de com-
pleta anulação da possibilidade de reprodução ampliada do capital.
Não se retirou o fundo público como fundo geral para pesquisa e de-
senvolvimento tecnológico; não se retirou o Estado como comprador
quase oligopsônico da indústria armamentista; sequer se retiraram
os andaimes da relação do fundo público com a estrutura de rendas
e salários. Apesar de toda a retórica, as políticas thatcherista e rea-
ganiana continuam a seguir os passos, de forma tatibitate, de uma
política keynesiana em sentido amplo. Quase toda a política fiscal,
e mais ainda, a política monetária, não se libertou daquela ampla
moldagem. Que o digam a persistência dos enormes déficits da eco-
nomia norte-americana (OLIVEIRA, 1998a, p. 44).

O caso brasileiro, para Oliveira, teve como uma de suas singularidades


exatamente a ocorrência de uma “revolução produtiva sem revolução burguesa” e,
acrescenta-se, sem Estado de Bem-Estar Social digno do nome, tendo o “caráter
‘produtivo’ do atraso como condômino da expansão capitalista” brasileira. Aqui, vale
ressaltar, nunca houve um direcionamento do fundo público para a vultosa “questão
social” como nos países do centro do capitalismo (OLIVEIRA, 2003, p. 131-132).

8
Na periferia do capitalismo as privatizações figuram como subterfúgio questionável de atração de investimentos:
“Neste ponto é que se inscrevem as reformas dos Estados e sobretudo os processos de privatização, o
caminho que se impôs ás periferias que procuram atrair investimentos produtivos ainda quando o argumento
utilizado seja de natureza fiscal. E isto porque enredado em dívidas impagáveis e crescentes os Estados
periféricos, nesta novíssima forma de dependência, perdem qualquer espaço para políticas ativas de
desenvolvimento” (FIORI, 1995, p. 225).

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A evolução do capitalismo brasileiro, para Francisco de Oliveira, se deu de


maneira truncada, contraditória, combinando elementos diversificados que fariam
com que o processo de desenvolvimento fosse emblematicamente representado
pela figura do “ornitorrinco”: um país altamente urbanizado, com poucas formas de
trabalho no campo e forte agronegócio; um país que completou a segunda revolução
industrial e avança vagarosamente pela terceira revolução, ligada à tecnologia
(“a molecular-digital ou informática”); um diversificado setor de serviços para as
camadas de alta renda, convivendo com estrutura extremamente primitiva de serviços
voltada para o consumo dos estratos mais pobres; um sistema financeiro que, a
despeito de ainda atrofiado, é responsável por abocanhar considerável parcela do
PIB, mesmo em comparação com países centrais do capitalismo, o que se tornou
possível pela financeirização das economias capitalistas, bem como pela elevação
da dívida interna brasileira, tendo como contrapartida, ao revés, o oferecimento
de baixo percentual de créditos bancários também em relação ao PIB (OLIVEIRA,
2003, p. 132-133).
A criatura caracterizada anteriormente – “um animal cuja ‘evolução’ seguiu
todos os passos da família! Como primata, ele já é quase Homo sapiens” – é
marcada por uma altíssima dívida externa que levou a uma situação de subordinação
financeira que inviabiliza a “evolução” do sistema econômico nacional. Demais
disso, “hoje, o ornitorrinco perdeu a capacidade de escolha, de ‘seleção’, e por
isso é uma evolução truncada”, marcada pela dependência tecnológica externa.
Oliveira ressalta, ainda, que diferentemente do progresso técnico da Segunda
Revolução Industrial que permitia operar por rupturas, “saltar à frente”, mesmo
que ausente prévia acumulação científica, por envolver um conhecimento difuso e
universal, o atual conhecimento técnico-científico não está totalmente à disposição
já que, também ele, se submete à lógica mercantil, o que faz com que as patentes
entravem o desenvolvimento dos países sem proeminência no desenvolvimento
técnico-científico (OLIVEIRA, 2003, p. 133-134, 138).
Uma criatura dependente financeira e tecnologicamente, marcada pela
precarização e informalização do trabalho, que proporcionam níveis absurdos de
exploração, e que representa uma das sociedades mais desiguais e injustas do
mundo, a despeito de altos índices de crescimento econômicos em longos períodos
de sua história. Para quem não mais há abertura para desbravar soberanamente
a terceira Revolução Industrial, “restam apenas as ‘acumulações primitivas’, tais
como as privatizações propiciaram: mas agora com o domínio do capital financeiro,
elas são apenas transferências de patrimônio, não são, propriamente falando,
acumulação”. Submetendo tudo ao processo de financeirização que o “privará
exatamente de redistribuir a renda e criar um novo mercado que sentaria as bases
para a acumulação digital-molecular. O ornitorrinco capitalista é uma acumulação

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Thiago Lemos Possas

truncada e uma sociedade desigualitária sem remissão” (OLIVEIRA, 2003, p. 142,


143, 150).
Em trecho de triste atualidade, Francisco de Oliveira (1998b, p. 209)
exemplifica o enfraquecimento do Estado brasileiro/latino-americano em seu papel
regulatório, ficando a reboque dos países capitalistas desenvolvidos, associando-o
à ocorrência de uma espécie de acumulação primitiva desapiedada na Amazônia:

Em toda a Amazônia, espécie de integração latino-americana às es-


paldas da vontade dos governos, para citar um só exemplo, as forças
desatadas pelas políticas ditas integracionistas do Estado desenvol-
vimentista metamorfosearam-se numa acumulação primitiva predató-
ria e desapiedada: tráfico de toda espécie, contrabando, depredação
ambiental, pilhagem da biodiversidade, reatualização do genocídio da
Conquista estão a mostrar que as criaturas já são mais poderosas
do que o criador.

Desse modo, o subdesenvolvimento figuraria como “a forma da exceção


permanente do sistema capitalista na sua periferia”, uma “exceção sobre os
oprimidos”. Para o sociólogo, o fortalecimento da organização dos trabalhadores
poderia fazer frente aos altos níveis de exploração propiciados pelo baixo custo
da força de trabalho, do mesmo modo que uma “reforma agrária poderia liquidar
tanto com a fonte fornecedora do ‘exército de reserva’ das cidades quanto o poder
patrimonialista”. Ocorre que não houve apoio da burguesia nacional a este “projeto
emancipador”, que restou derrotado pelo golpe militar de 1964 (OLIVEIRA, 2003,
p. 131-132).
Dalmo Dallari há tempos já apontava que “a busca da liberdade e igualdade
não se coloca hoje como uma luta contra os abusos do poder político, mas sim
como um trabalho de contenção dos abusos do poder econômico”, e que o grande
desafio colocado na formação de uma constituição seria exatamente o de “conseguir
disciplinar o poder econômico, para que ele não impeça a construção de uma
ordem social em que todos os seres humanos sejam livres e iguais”. O aumento
exponencial da ingerência do poder econômico sobre o político não encontrou ainda
fórmula jurídica eficaz para seu enfrentamento. Várias constituições sociais, como
a do México de 1917 e a de Weimar de 1919 trouxeram mecanismos inovadores
e relevantes relacionados à proteção dos trabalhadores, a funcionalização da
propriedade privada, a reforma agrária, a possibilidade de coletivização de empresas
privadas aptas à socialização e etc. Mas remanesce o desafio constituinte de
“encontrar fórmula adequada para disciplinar o poder econômico, contendo-o dentro
de limites jurídicos e impedindo que ele seja utilizado para satisfazer as ambições e
o egoísmo de alguns à custa da infelicidade de muitos” (DALLARI, 1984, p. 81-84).

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Estado e exceção econômica na periferia: acumulação primitiva e outras formas de expropriação do comum

Além disso, e denotando a sofisticação dos mecanismos de ingerência do


poder econômico sobre a esfera pública, Giberto Bercovici (2008, p. 46, 327) defende
a tese de que, “no decorrer do século XX, a distinção entre estado de exceção e
normalidade deixou de ser absoluta, com a inutilidade dos meios tradicionais de
exceção diante da exceção econômica”, havendo mesmo uma “banalização do estado
de exceção”, em que “formalmente vigoram os princípios democráticos, mas, na
prática, são constantemente suspensos ou violados”. Se instrumentos excepcionais
eram historicamente associados à garantia do Estado ou, posteriormente, à defesa
da Constituição, Bercovici entende que a função primordial da exceção, hoje, é a
garantia do próprio sistema capitalista.
Bercovici (2003, p. 145) entende que a periferia do sistema capitalista,
diferentemente de seu centro, vive um “estado de exceção econômico permanente”,
imperando um decisionismo de emergência direcionado à salvação dos mercados
em convivência com os poderes constitucionais, e estando o Estado subordinado
à lógica do mercado, em detrimento da influência da soberania popular, de modo
que “a razão de mercado passa a ser a nova razão de Estado”.
O processo de globalização capitalista faz com que a periferia seja ainda
mais atingida, “perdendo sua margem de manobra e convivendo com crescentes
ameaças à sua própria unidade nacional, com o risco de transformação da democracia
política em mero simulacro eleitoral”. Consequentemente, além da permanente crise
econômica interna, países da periferia sofrem mais com os efeitos das instabilidades
econômicas internacionais, restando pouco poder aos Estados soberanos diante
da ingerência de instituições internacionais como o Fundo Monetário Internacional
e a Organização Mundial do Comércio, que pressionam pela adesão inconteste
às políticas neoliberais perpetuadoras da dependência. A globalização elevou a
instabilidade econômica e, consequentemente, os poderes de exceção para debelar
as crises econômicas são usados frequentemente, dando ensejo à permanecia da
exceção econômica (BERCOVICI, 2003, p. 147-149).
Bercovici aponta que “o processo de mundialização econômica está
causando a redução dos espaços políticos, substituindo a razão política pela
técnica”, havendo uma tentativa de destituição da soberania popular em prol de
“estruturas de governance”, apresentadas como entidades neutras, independentes
e, portanto, mais aptas ao tratamento das questões econômicas. Essa estrutura
de governance é “formada por atores técnico-burocráticos sem responsabilidade
política e fora do controle democrático, cujo objetivo é excluir as decisões econômicas
do debate político”. Sendo a ingovernabilidade, característica dos regimes liberais
contemporâneos, responsabilidade direta do excesso de democracia, nada melhor
que entregar os assuntos técnicos para organizações neutras apartadas da vontade
popular (BERCOVICI, 2017, p. 157).

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O neoliberalismo, desse modo, “buscou implementar um Estado pautado e


condicionado pelo mercado, ou seja, com a economia de mercado determinando
as decisões políticas e jurídicas, relativizando a autoridade governamental”. Ainda
segundo Bercovici, a evolução da exceção no século 20 “vai da violência aberta,
como o fascismo, à sutil e recente elaboração de uma constituição desvinculada do
Estado e do poder constituinte do povo [Constituição da Europa], mas instituidora
e garantidora da ordem do mercado”. Chegou-se a uma indistinção entre exceção e
normalidade, “com a inutilidade dos meios tradicionais de exceção diante da exceção
econômica. A ditadura constitucional deixou de ser temporária para se tornar a
estrutura permanente de governo para enfrentar crises” (BERCOVICI, 2017, p. 160).
Francisco de Oliveira (1998c, p. 202) também recorre à aproximação entre
neoliberalismo e as formações políticas mais autocráticas, mormente em países
como o Brasil, apesar de também estar presente na realidade do capitalismo
central, quando o “neoliberalismo renuncia à universalização e ultrapassa sorratei-
ramente – contraditoriamente, como nos advertiram os frankfurtianos – a soleira
do totalitarismo”. E prossegue:

Esse processo, que é evidente no capitalismo desenvolvido, embora


sua ultrapassagem seja mais complicada, na periferia assume aber-
tamente a cara totalitária. No Brasil de hoje, ele significa o desmante-
lamento do campo de significados criado pelo contraditório processo
da “revolução passiva”, encurralada nas duas últimas décadas pelos
novos recursos políticos criados pelas classes dominadas, Toda vez
que os direitos são transformados em “custo Brasil”, que a estabili-
dade do funcionalismo, antes um requisito para a construção de um
Estado moderno, é transformada em explicação para a dilapidação
financeira do Estado, que direitos humanos, que incluem julgamen-
tos e tratamento iguais para todos os cidadãos, incluindo-se os que
cometem crimes, são transformados em causação da violência e da
barbárie, o que está em jogo é a exclusão.

Oliveira (1998b, p. 208-209) afirma, noutro texto, mas no mesmo sentido,


que “o neoliberalismo entre nós apresenta-se como o caldeamento de arraigadas
sociabilidades autoritárias na formação de nossas sociedades – paródia da
democracia na América – com os processos de globalização”. Aqui e alhures,
o processo de globalização neoliberal seria marcado por processos de “nova
direitização, neoconservadorismo, racismo físico e cultural, intensa transformação
dos sujeitos sociais, desemprego, que, no fundo expressam uma radical exasperação
dos limites da mercadoria”, entronizando uma “crise da modernidade que volta a
tangenciar os limites do totalitarismo, numa espécie de Auschwitz sem chaminés
de crematórios”.

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Estado e exceção econômica na periferia: acumulação primitiva e outras formas de expropriação do comum

Nesse contexto, as democracias contemporâneas figurariam como “pastiches”


dos regimes ditatoriais, pois enquanto as ditaduras “engendraram as crises
das dívidas externas, na perseguição de integrarem-se desesperadamente, os
primeiros [democracias], herdando tais condições desfavoráveis, tentam apagar os
últimos vestígios de independência e autonomia, numa espécie de busca da cura
pelo veneno”. E arremata: “os regimes democráticos na América Latina estão se
transformando em totalitários, por via das mesmas instituições que processam a
democracia” (OLIVEIRA, 1998b, p. 209, 210).
Verifica-se o abandono de políticas (mesmo que meramente assistencialistas)
de enfrentamento da exclusão social, exclusão esta que seria a faceta econômica
do neoliberalismo presente no Brasil, renúncia esta que estaria ligada à desistência
da elite brasileira de qualquer integração de parte da população, seja através da
cidadania, seja através da produção, dando-se ensejo a um “verdadeiro apartheid
entre classes, entre os dominantes e os dominados”, que transformaria a própria
leitura dos direitos sociais e conquistas civilizatórias, tidos todos como entraves ao
desenvolvimento econômico e fatores geradores exatamente das vulnerabilidades
denunciadas (OLIVEIRA, 1998b, p. 215, 216).
Francisco de Oliveira (1998b, p. 221) conclui, reiterando a aproximação entre
a democracia atual e autoritarismo (“totalitarismo”):

A sombria desconfiança da teoria crítica de que o nazifascismo foi


uma perversão gestada no espectro de virtualidades do liberalismo
aparece, no Brasil e na América Latina, cinquenta anos depois da der-
rota do totalitarismo, como uma aterradora plausibilidade da hipóte-
se. Talvez resida aqui o primeiro resultado promissor da globalização:
as tendências de metamorfose das democracias em totalitarismos
estão unificando o campo dos problemas em escala mundial; sere-
mos, daqui por diante, “contemporâneos e coetâneos”.

Nesse mesmo sentido é a análise de Paulo Arantes, que afirma que “se
fosse possível e desejável resumir numa única fórmula o atual estado do mundo,
de minha parte não pensaria duas vezes: estado de sítio”. Os regimes militares
periféricos foram “substituídos com vantagem pela ditadura dos mercados”, para
o autor, e “golpes de estado hoje em dia são politicamente incorretos, já uma
crise cambial pode pôr nos trilhos maus pensamentos sobre alternância no poder”.
Arantes (2007, p. 149; 2014, p. 326-327), dialogando com obra de Leda Paulani,
destaca a exigência de um estado de emergência econômica permanente para que
o Brasil se transformasse de país periférico industrializado em mera plataforma
de valorização financeira.
Sintoma disso é o acelerado processo de desindustrialização pelo qual o
país tem passado há anos e, por outro lado, as infindáveis “reformas” impostas

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Thiago Lemos Possas

pelo capital que enfraquecem o aparato intervencionista do já combalido Estado


brasileiro, ao mesmo tempo em que vulnerabiliza (ainda mais) a classe trabalhadora
e a estrutura sindical nacional. É essencial a este esforço a transformação do
Estado brasileiro em “Estado-guardião da renda mínima do capital e, sobretudo, da
posse do aparelho político de acesso, gestão e açambarcamento de recursos num
universo discricionário de monopólios, privilégios e compadrios”. Desse modo, ainda
segundo Arantes (2014, p. 326-327), “estamos diante de uma máquina infernal
de produção de hierarquias e extorsões em todos os recantos de uma sociedade
congenitamente regida pelo nexo da violência econômica – agora subsunção total
do trabalho ao capital”.

Considerações finais
Vê-se, desse modo, que a configuração dos regimes políticos contemporâneos
está maculada pelo decisionismo de mercado, de que fala Bercovici. A exceção
econômica é permanente na periferia do sistema capitalista e figura como essencial
na estruturação e manutenção de suas instituições. Pensar o direito e o Estado
no Brasil passa por situá-los no contexto do subdesenvolvimento econômico e da
pilhagem de suas riquezas sociais. A “exceção sobre os oprimidos”, denunciada
por Francisco de Oliveira, chegou aqui nas embarcações dos colonizadores e se
manteve como elemento estruturante da sociabilidade brasileira.
A atualidade da “acumulação primitiva” é sintoma claro da permanência da
expropriação do comum mesmo sob Estados de Direito formalizados há tempos e
sob um constitucionalismo democrático. Os recursos naturais da periferia continuam
sendo saqueados com o auxílio e a legitimação dos Estados, em detrimento da
vontade popular. Ao dispor do comum, o Estado vende/cede o que não lhe pertence,
já que as riquezas coletivas pertencem ao povo e não a grupos políticos de ocasião.
Não bastasse a privatização da riqueza comum, o Estado se aproxima cada
vez mais de seu antigo perfil, oitocentista, já que paralelamente à desconstrução
dos Direitos Sociais e da estrutura dos Estados de Bem-Estar (em países em
que eles se estabeleceram) há o endurecimento de sua atuação punitiva, para a
manutenção da ordem do processo de dominação. O Estado passa cada vez mais
a agir como fiador da espoliação do comum pelo capital privado, como uma espécie
de organizador da exceção econômica, dando-lhe ares de legitimidade.
A recente reação negativa do mercado à retomada de políticas assistenciais
de combate à miséria no Brasil, num quadro de aumento exponencial da insegurança
alimentar, é emblemático do presente momento em que os recursos estatais só
podem ser direcionados para aplacar a fome do poder econômico. A austeridade, que
mata a população vulnerável e sucateia os serviços e as políticas públicas, é venerada
pelo mercado, entidade que ganhou o posto de soberano na contemporaneidade,

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Estado e exceção econômica na periferia: acumulação primitiva e outras formas de expropriação do comum

mas o uso do fundo público para realizar minimamente programas constitucionais,


materializar direitos sociais, algo muito distante de qualquer ruptura com a sociabili-
dade capitalista, é execrado como sendo desperdício de recursos públicos, gastança
desnecessária que deveria ser drenada para pagamento dos juros exorbitantes que
inviabilizam qualquer sistema social digno do nome.
O passivo social é secular, mas o início de sua reversão se dá, necessa-
riamente, pelo poder popular. Não há alternativa que não seja a da intensificação
da democracia. A soberania deve voltar a ser do povo. Caberá, a partir daí, à
população soberana barrar e reverter ao menos parte da pilhagem sofrida. E que o
“comum” seja gerido efetivamente pela população, já que ele não pertence a grupo
político algum. Não há facilidades nesse percurso de ruptura com a pilhagem, mas
o primeiro passo é a busca efetiva do controle democrático do comum. A reação
dos oprimidos, a verdadeira exceção de que fala Walter Benjamin (1968, p. 257),
começa pela assunção da soberania popular sobre o comum.

Recebido em: 27.04.2023.


Aprovado em: 27.04.2023.

State and economic exception in the periphery: Primitive accumulation and other forms of expropriation
of the common
Abstract: The article seeks to demonstrate the permanence of the framework of economic exception
on the periphery of capitalism, as well as the instrumentalization of State and Law to legitimize the
expropriation of the “common”. It tries to understand, therefore, the actuality of concepts such as
“primitive accumulation”, “formal subsumption” and “real subsumption” as appropriate analytical tools
for criticizing the expropriation of social wealth, the deepening of the peripheral condition of countries
like Brazil, and how the legal form and the political form are functional to this project of “plundering”
that is located at the core of “neoliberal rationality” (Dardot; Laval). The discussions undertaken do
not manifest automatic adherence to the authors used, but seek to build the argument presented from
a critical dialogue with texts by Antonio Negri, Michael Hardt, Laura Nader, Ugo Mattei and, in Brazil,
mainly, Leda Paulani, Paulo Arantes, Gilberto Bercovici and Francisco de Oliveira. The chosen method
is dialectical materialism, which was applied to the bibliographic survey and to the tying of concepts
directed to the critique of the contemporary economic exception. The usurpation of the commons is a
global phenomenon, but one that evidently has a greater incidence outside the capitalist center. This
justifies the focus given to Brazil as a locus for observing the phenomenon.
Keywords: Economic exception. Rule of law. Primitive accumulation. Common.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2018 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

POSSAS, Thiago Lemos. Estado e exceção econômica na periferia: acumulação


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Financeiro e Econômico – RFDFE, Belo Horizonte, ano 13, n. 23, p. 223-258,
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