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Organizadores

Alexandre Elman Chwartzmann


Gustavo Bahuschewskyj Corrêa
Maurício Brum Esteves
Rosângela Maria Herzer dos Santos

Autores

Adriana Carvalho Pinto Vieira Lilian Hanel Lang


Adriano M. G. Bedin Liz Beatriz Sass
Clarissa Melo Indalêncio Maurício Brum Esteves
Daniele Weber S. Leal Paula Lourenço Madeira
Eduardo Henrique Hamel Rafael Krás Borges Verardi
Geovana Bacim Raphael Vieira Medeiros
Gustavo Wentz Raquel Von Hohendorff
Julio Cesar Zilli Vanessa Pereira Oliveira Soares
Kelly Lissandra Bruch Wilson Engelmann
Letícia S. Arrosi

CADERNOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL -


Coletânea de artigos apresentados no XVIII CICLO DE
PROPRIEDADE INTELECTUAL e I CONGRESSO NACIONAL DE
PROPRIEDADE INTELECTUAL

Porto Alegre
OABRS
2019
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Membros da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB/RS

Presidente Membros
Andre de Oliveira Schenini Moreira Alexandre Elman Chwartzmann
Alberto Fett
Vice-presidente Carlos Ignacio Schmitt Sant'anna
Maurício Brum Esteves Claudia Denise Gimenez
Cesar Alexandre Leão Barcellos
Secretária Felipe Octaviano Delgado Busnello
Sheila da Silva Peixoto Felipe Pierozan
Gustavo Bahuschewskyj Correa
Kelly Lissandra Bruch
Luiz Gonzaga Silva Adolfo
Maria Cristina Gomes da Silva d'Ornellas
Milton Lucidio Leão Barcellos
Rafael Krás Borges Verardi
Rodrigo Azevedo Pereira

Organizadores
Alexandre Elman Chwartzmann
Gustavo Bahuschewskyj Corrêa
Maurício Brum Esteves
Rosângela Maria Herzer dos Santos

Capa
Carlos Pivetta

C129
Cadernos de Propriedade Intelectual - Coletânea de artigos apresentados no XVIII Ciclo de
Propriedade Intelectual e I Congresso Nacional de Propriedade Intelectual. Alexandre
Elman Chwartzmann. et.al – (Organizador). Porto Alegre: OAB/RS. 2019. 206p.
ISBN: 978-85-62896-16-3

1. Propriedade Intelectual 2. Direitos Autorais Legislação I. Brasil II Título.


CDU: 347.77
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Regina Pereira Soares

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Presidente: Jorge Luiz Dias Fara


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COOABCred-RS

Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel


Vice-Presidente: Márcia Heinen
PREFÁCIO

Estamos devidamente inseridos numa revolução tecnológica, que afeta desde relações
humanas até os mais diferentes de relações profissionais e de trabalho. Mudanças seguem
ocorrendo rapidamente. É nesse ambiente frenético que o Direito vai se posicionando e, muitas
vezes, atuando como mediador ou definidor de parâmetros.
Nesse sentido, debates, estudos, discussões, troca de informações e conhecimento são
fundamentais para atualizar os operadores do Direito. A realização do I Congresso Nacional de
Propriedade Intelectual e o XVIII Ciclo de Propriedade Intelectual, em novembro de 2018,
numa parceria da OAB/RS com a Comissão Especial de Propriedade Intelectual (CEPI),
juntamente com a Escola Superior de Advocacia da OAB/RS (ESA/RS), é um exemplo desta
realidade.
No encontro realizado no TecnoPUCRS, em Porto Alegre, houve debates de extrema
relevância, envolvendo direitos de autor, propriedade industrial, tecnologia da informação e
direitos culturais. Cabe destacar que a riqueza de uma nação não é formada somente pelos bens
materiais, mas também por sua riqueza e seu patrimônio intelectual. Até porque, marcas valem
muito mais do que os terrenos, prédios e bens que elas possuem.
Essas mudanças aceleradas que estamos vivenciando são acompanhadas e monitoradas
pela OAB/RS. Enquanto a sociedade busca se adaptar a novas ferramentas e tecnologias, é
imprescindível que direitos e garantias sejam respeitados.
Em nome da atual Diretora-Geral da ESA/RS, Rosângela Maria Herzer dos Santos, e do
Ex-Presidente da CEPI, Gustavo Bahuschewskyj Corrêa, registro meus cumprimentos pela
realização do evento e pela produção do e-book. Somos entusiastas dessas práticas de registro
e difusão dos conhecimentos, que seguirão recebendo incentivo e reconhecimento da direção
da OAB/RS.
Ricardo Breier
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil/RS
APRESENTAÇÃO

Com satisfação, que a Escola Superior de Advocacia da OAB/RS, em conjunto com


Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OABR/RS, disponibiliza a obra
“CADERNOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL - Coletânea de artigos apresentados no
XVIII CICLO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL e I CONGRESSO NACIONAL DE
PROPRIEDADE INTELECTUAL”, em novembro de 2018, na Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e organizado por Alexandre Elman Chwartzmann,
Gustavo Bahuschewskyj Corrêa e Maurício Brum Esteves, Membros da Comissão Especial de
Propriedade Intelectual da OABR/RS. A obra contempla com onze artigos, abrange autores,
alunos, professores, pesquisadores e especialistas em propriedade intelectual.

Boa Leitura!!

Rosângela Maria Herzer dos Santos


Diretora-Geral da Escola Superior de Advocacia da OAB/RS
SUMÁRIO

TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA E INTERFACE COM A LEI DE DEFESA DA


CONCORRÊNCIA – Adriano M. G. Bedin .......................................................................... 9

DIREITOS DO AUTOR, MÚSICA E TECNOLOGIA: REFLEXÃO JURÍDICA SOBRE


SUA CONCILIAÇÃO – Clarissa Melo Indalêncio, Adriana Carvalho Pinto Vieira, Julio
Cesar Zilli e Kelly Lisandra Bruch ................................................................................. ...27

DIREITO AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO: PROPRIEDADE INTELECTUAL


E CONHECIMENTOS COLETIVOS – Geovana Bacim .................................................. 43

OS DIREITOS AUTORAIS NA SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO: UM CONFLITO


ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS – Gustavo Wentz, Eduardo Henrique Hamel e
Lilian Hanel Lang ................................................................................................................... 59

O COPYRIGHT E A PIRATARIA NA INDÚSTRIA DA MODA: FALHA DE


MERCADO OU IMPULSO À INOVAÇÃO- Letícia Soster Arrosi ................................. 76

SOFTWARE LIVRE NA SOCIEDADE EM REDE: EM BUSCA DE UM REGIME


JURÍDICO ADEQUADO – Maurício Brum Esteves e Liz Beatriz Sass .......................... 93

O PROJETO THE NEXT REMBRANDT E OS REFLEXOS NOS DIREITOS


AUTORAIS – Paula Lourenço ............................................................................................ 113

O CONFLITO ENTRE SINAIS DISTINTIVOS EMPRESARIAIS E A TUTELA DA


CONCORRÊNCIA – Rafael Krás Borges Verardi ........................................................... 124

VALE DOS VINHEDOS: O VINHO COMO EXPRESSÃO DE CULTURA- Raphael


Vieria Medeiros..................................................................................................................... 156

CRITÉRIOS OBSERVADOS NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS ENTRE REGISTRO DE


MARCAS E NOMES EMPRESARIAIS IDÊNTICOS E/OU SEMELHANTES – Vanessa
Pereira Oliveira Soares ........................................................................................................ 169

A NANOREVOLUÇÃO E NANOPATENTES? SEUS IMPACTOS NO SISTEMA


INTERNACIONAL DE PATENTES E USO DO DIÁLOGO ENTRE AS FONTES DO
DIREITO – Wilson Engelmann, Daniele Weber S. Leal e Raquel Von Hohendorff .... 188
9

INTRODUÇÃO

No final dos anos 90, início dos anos 2000, surgia na Ordem dos Advogados do Brasil
Seccional Rio Grande do Sul a primeira comissão a tratar da temática da propriedade Intelectual
no âmbito da OAB. Agora, já tendo adentrado na maioridade, a Comissão Especial de
Propriedade Intelectual (CEPI) tem a alegria de lançar a presente publicação intitulada
Cadernos de Propriedade Intelectual, obra coletiva criada a partir dos artigos apresentados no
XVIII Ciclo de Propriedade Intelectual e I Congresso Nacional de Propriedade Intelectual e que
conta com o apoio da Escola Superior de Advocacia – ESA-OAB/RS. É mais uma contribuição
da CEPI para a comunidade jurídica, na esteira da Cartilha de Propriedade Intelectual lançada
em 2015.
Trata-se de obra composta por dezenove autores(as) que abordam os mais variados
temas da propriedade intelectual, demonstrando a riqueza e diversidade do assunto. Entre eles
podemos citar aspectos de propriedade intelectual e o meio ambiente, o universo do
entretenimento, a questão dos softwares, as indicações geográficas, etc. Todos temas atuais e
relevantes. São artigos de qualidade que serão referenciais tanto para os colegas que atuam
quanto aqueles que pretendem se especializar na matéria.
É inegável o interesse social e a importância da propriedade intelectual para o
desenvolvimento econômico e tecnológico do País. Ocorre, porém, que ainda existe um grande
desconhecimento da matéria e suas potencialidades. Mesmo no âmbito jurídico ainda há muito
trabalho a realizar. Com esses desafios em mente, a CEPI vem, com a participação ativa dos
seus membros, atuando de forma abnegada para promover o conhecimento acerca das criações
intelectuais. Ao longo desses anos, diversas iniciativa foram realizadas, como projetos de
sensibilização das universidades para a criação de disciplinas nos mais variados cursos afetos
ao tema; apoio na criação de Câmara especializada no Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul; participação em consultas públicas; apoios em demandas da casa; realização de
Ciclos de Palestras que rodaram todo interior do Estado; entre outros. É um trabalho coletivo,
com o apoio da OAB/RS, em prol dos advogados e da sociedade como um todo.
Esperamos que façam bom proveito dos artigos que seguem, se inspirem e no ajudem a
construir um país com a cultura da propriedade intelectual, valorizando o trabalho criativo e
conscientes dos direitos que possuem.

Gustavo Bahuschewskyj Corrêa


Ex-Presidente da Comissão Especial de Propriedade Intelectual
10

TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA E INTERFACE COM A LEI DE DEFESA DA


CONCORRÊNCIA

TECHNOLOGY TRANSFER AND THE INTERFACE WITH ANTITRUST LAW

Adriano M. G. Bedin1

Resumo: Esse artigo objetiva propiciar uma visão sobre os contratos de transferência de
tecnologia, bem como analisar sua interface com a lei de defesa da concorrência e discorrer
sobre as várias práticas anticoncorrenciais que podem ser perpetradas na transferência de
tecnologia.

Palavras-Chave: Contratos. Transferência de tecnologia. Defesa da concorrência.

Abstract: This article aims to provide a view on technology transfer contracts, as well as to
analyze its interface with the antitrust law and to discuss the various anticompetitive practices
that may be perpetrated in the transfer of technology.

Keywords: Technology transfer contracts. Anti trust Law.

1 INTRODUÇÃO

Na sociedade atual é extremamente disseminada e aceita a relação entre inovação e


desenvolvimento econômico. Entre as várias formas de inovação, reveste-se de grande
importância a inovação tecnológica, a qual normalmente está associada a direitos de
propriedade intelectual. Estes direitos podem ser objeto de negócios jurídicos e, como muitas
vezes é economicamente mais interessante adquirir tecnologia do que desenvolvê-la, contratos
de transferência de tecnologia são utilizados para a difusão destes conhecimentos. De um ponto
de vista econômico, considera-se que estes contratos proporcionam eficiência alocativa, ao
fazer que a tecnologia seja transferida de quem menos a valoriza para quem mais a valoriza e
que tem melhores condições de colocá-la no mercado. Entretanto, a transferência de tecnologia
pode também estar relacionada a práticas que potencialmente podem prejudicar a livre iniciativa
e a livre concorrência em um determinado mercado relevante. Tais práticas podem sujeitar o
negócio realizado ao escrutínio dos órgãos de defesa da concorrência, o que justifica a

1 Advogado, Agente da Propriedade Industrial e Mestrando em Direito de Empresa e Negócios.


11

realização de uma análise da interface entre os contratos de transferência de tecnologia e o


direito concorrencial.

2 A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

A tecnologia pode ser obtida ao adquirir equipamentos com a mesma incorporada, por
desenvolvimento próprio ou por contratos de transferência de tecnologia. Neste tipo de contrato,
uma pessoa física ou jurídica se obriga a transferir conhecimentos especiais que detém sobre
processos industriais de fabricação, produtos, técnicas, experiências e práticas, em contrapartida
ao pagamento de royalties2. Existem várias vantagens para ambas as partes. Por conta de uma
tecnologia superior, o adquirente assume uma posição mais competitiva no mercado, atrai nova
clientela e pode incrementar seu próprio programa de desenvolvimento, já o concedente, além de
receber royalties, pode utilizar-se de aperfeiçoamento realizados pelo adquirente, entra em
mercados sem riscos e obtém rendimentos novos com uma tecnologia já explorada.3 Deve-se
ainda destacar que o custo para a criação de tecnologia própria, de maneira geral, é maior do que
o valor para obtenção da mesma de quem já a domina.4
Quando nos referimos a contratos de transferência de tecnologia, na realidade estamos
nos referindo a uma multiplicidade de contratos que tem como objeto a transferência de
conhecimentos técnicos de diferentes naturezas. João Marcelo de Lima Assafim divide a
tecnologia em três níveis: um primeiro de tecnologia menor - composto por conhecimentos que
são a expressão das habilidades e experiências de seu criador – que não reúnem os requisitos
necessários para receber uma proteção jurídica própria; um segundo – constituído por
conhecimentos e informações que proporcionam vantagens competitivas sem apresentar um grau
de criatividade intrínseco - já merecedores de um determinado grau de proteção pelo ordenamento
jurídico, e; um terceiro – formado por conhecimentos e informações que satisfazem requisitos
mínimos para merecer uma tutela jurídica específica – capazes de proporcionar um direito de
exclusividade de exploração ao seu criador5. Os conhecimentos do primeiro grupo estão
disponíveis para qualquer interessado e podem ser livremente aproveitados6. Os do segundo
grupo têm valor econômico agregado e são usualmente mantidos em sigilo por seu criador,
encontrando proteção como segredo de indústria e nas regras gerais de repressão a concorrência

2
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. São Paulo: Saraiva, 2002.p.3.
3ASSAFIM, João Marcelo de Lima. A transferência de tecnologia no Brasil: aspectos contratuais e
concorrenciais da propriedade industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010. p.26.
4
DINIZ, op.cit., p.4.
5
ASSAFIM, op.cit., p.3.
6
ASSAFIM, loc.cit.
12

desleal7. Por fim, o terceiro grupo compreende conhecimentos amparados pela propriedade
intelectual.
Os conhecimentos protegidos por segredo de indústria podem ser transferidos através
de um contrato de fornecimento de tecnologia. Este é o nome pelo qual é conhecido no Brasil o
contrato de “know-how”, que objetiva a aquisição de técnicas e conhecimentos não protegidos
pela propriedade industrial8. Este tipo de contrato compreende obrigações de dar (plantas, blue
prints, listagens, etc.) e obrigações de fazer (transmitir experiências, técnicas e conhecimentos
práticos)9. O bem negociado neste tipo de contrato é constituído por conhecimentos
confidenciais de caráter tecnológico, em que a perda do caráter sigiloso implicaria na falta de
amparo legal para a proteção das informações10. É o caráter secreto das informações que atrai
as normas repressoras da concorrência desleal e, ainda, que gera o valor econômico para as
empresas, pois a posição competitiva que proporcionam depende de serem mantidas fora do
conhecimento público11.
Os conhecimentos protegidos por um direito de exclusiva são passíveis de transferência
por meio de contratos de licenciamento de uso e exploração. O contrato de licença de patente
[ou de desenho industrial] permite a exploração econômica da patente [ou do desenho] por
terceiro, sendo admissível que recaia tanto sobre a solicitação de patente como sobre a patente
já concedida12. O contrato de licença de uso de programas de computador autoriza o licenciado
a utilizar o programa nas condições estipuladas, nos moldes da legislação do direito autoral,
enquanto no contrato de transferência de tecnologia propriamente dito o autor disponibiliza
informações técnicas do programa em si13. Por fim, o contrato de licença sobre topografia de
circuitos integrados confere ao licenciado o direito, exclusivo ou não, de explorar uma
topografia e de excluir terceiro, sem seu consentimento, de reproduzir dita topografia
protegida14.

7
ASSAFIM, João Marcelo de Lima. A transferência de tecnologia no Brasil: aspectos contratuais e
concorrenciais da propriedade industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010. p.200.
8
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. São Paulo: Saraiva, 2002.p.18.
9
BARBOSA, Denis Borges. O contrato de know how. 2002. Disponível em
<http://denisbarbosa.addr.com/paginas/home/pi_tipos_knowhow.html> Acesso em 23 de julho de 2016.p.3
10
FEKETE, Elisabeth Kasznar. O regime jurídico do segredo de indústria e comércio no direito brasileiro.
Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.224.
11
ASSAFIM, op.cit.,p.200.
12
Ibidem. p.157.
13
Ibidem.p.231.
14
ASSAFIM, João Marcelo de Lima. A transferência de tecnologia no Brasil: aspectos contratuais e
concorrenciais da propriedade industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010. p.235.
13

3 INTERFACE COM O DIREITO DE PROTEÇÃO DA CONCORRÊNCIA

A propriedade sobre bens intelectuais tem como característica intrínseca a exclusão de


terceiros em relação à matéria protegida, o que gera uma aparente oposição ao direito de defesa
da concorrência (antitruste), já que este tutela a livre concorrência no mercado. Esta aparente
contradição pode levar a conclusão de que estes ramos do direito se contrapõem, entretanto,
hoje em dia se considera que o direito da propriedade intelectual e o direito antitruste são
instrumentos complementares de promoção da inovação e da concorrência15. Existe uma
convergência de propósitos, uma vez que os direitos de exclusividade propiciados pela
propriedade intelectual estimulam a inovação e também a concorrência, já que as empresas
necessitam investir em qualidade e inovação para se diferenciar de seus concorrentes e obter
parcelas maiores do mercado16. Por esta perspectiva, um direito de exclusividade sobre
determinada tecnologia é um estímulo aos concorrentes para desenvolverem tecnologias
substitutas. Por outro lado, a extensão dos limites dos direitos de propriedade intelectual é
limitada por este mesma função de fomentar a concorrência, do que decorre que a titularidade
de um direito de propriedade intelectual não coloca ninguém em uma posição absoluta, imune
a qualquer restrição no exercício desse direito17.

É incontroverso que situações de tensão entre a propriedade intelectual e o direito de


defesa da concorrência ocorrem frequentemente e devem ser enfrentadas. Tanto é assim que o
Acordo TRIPS – que estabelece padrões mínimos de proteção de propriedade intelectual para
os países que pertencem a Organização Mundial do Comércio (OMC) – autoriza que os países
membros tomem as medidas necessárias para evitar abusos de direito de propriedade intelectual
e práticas que restrinjam de maneira injustificada o comércio ou prejudiquem a transferência
de tecnologia18. Trata-se de uma permissão para incorporação nas legislações nacionais de
mecanismos aptos para enfrentar o problema.

15
LILLA, Paulo Eduardo. Propriedade Intelectual e Direito de Concorrência: uma abordagem sob a perspectiva
do Acordo TRIPS. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p.147.
16 Ibidem.p.64
17
GRAU-KUNTZ, Karin. O desenho industrial como instrumento de controle econômico do mercado
secundário de peças de reposição de automóveis: uma análise crítica a recente decisão da Secretaria de Direito
Econômico (SDE). Revista Eletrônica do IBPI – Edição Especial. 2013. p.32.Disponível em:
http://ibpieuropa.org/book/326 >. Acesso em: 12 dez. 2016.
18
BRASIL. Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Promulga a Ata Final que Incorpora os Resultados
da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT. Disponível em <
http://www.inpi.gov.br/legislacao-1/27-trips-portugues1.pdf/view>. Acesso em 09 dez. 2016. Artigo 8.2.
14

Em consonância com o TRIPS, a lei de defesa da concorrência brasileira considera


infração da ordem econômica exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade
industrial, intelectual, tecnologia ou marca19 e, assim, atua como controle externo, impedindo
que os agentes econômicos abusem de direitos de propriedade industrial com fins
anticoncorrenciais20. O abuso de um direito ocorre quando este é exercido excedendo
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social. Neste caso particular,
ocorre abuso quando o titular tenta exercer controle fora das formas de exploração normais dos
bens intangíveis21. O problema é distinguir uma prática concorrencial normal e uma prática
abusiva, principalmente considerando que provocar prejuízos aos concorrentes é inerente à
própria concorrência.

Para fornecer um panorama geral das possíveis práticas anticoncorrenciais que podem
ocorrer em contratos de transferência de tecnologia, é útil recorrer ao direito comparado. Um
bom ponto de partida é iniciar com os “Nine No-Nos”, uma lista de cláusulas publicada pelo
Departamento de Justiça dos Estados Unidos em 1970 que, se incluídas em contratos de
transferência de tecnologia, seriam consideradas ilícitos per se22. “A regra per se determina
que, uma vez configuradas certas práticas, o ato poderá ser julgado como ilegal sem a
necessidade de aprofundamento da investigação”23. Em outras palavras, a mera inclusão da
cláusula já seria considerada ilegal e não seria necessária qualquer outra análise subsequente.

As cláusulas proibidas eram: cobrar royalties não relacionados de forma razoável com
as vendas dos produtos patenteados; restrições ao comércio do licenciado fora do âmbito das
patentes; exigir do licenciado a compra de material não patenteado do licenciante; pacotes de
licenças obrigatórias; exigir do licenciado a cessão ao licenciante de patentes emitidas após o
acordo de licenciamento ser executado; poder de veto do licenciado sobre concessões de novas
licenças; restrições nas vendas de produtos não patenteados por meio de um processo

19
BRASIL. Lei nº 12529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência;
dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm>. Acesso em 09 dez. 2016. art 36.
20
LILLA, Paulo Eduardo. Propriedade Intelectual e Direito de Concorrência: uma abordagem sob a perspectiva
do Acordo TRIPS. São Paulo: Quartier Latin. 2014, p.57-58.
21
RODRIGUES JR, Edson Beas. Abuso no exercício de direito da propriedade intelectual e as contribuições do
caso ANFAPE. Revista da ABPI nº 140, p.40, jan/fev de 2016.
22
LILLA, op.cit. p.136.
23
GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito antitruste. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p.83.
15

patenteado; restrições pós-venda na revenda; e a fixação de preços mínimos de revenda dos


produtos patenteados24.

No decorrer dos anos 80 e 90 do século passado, os órgãos de defesa da concorrência


dos Estados Unidos revisaram sua posição, deixando de considerar muitas dessas práticas como
ilícitos per se e passando a analisá-las caso a caso, à luz da “regra da razão” 25. “Pela regra da
razão, somente são consideradas ilegais as práticas que restringem a concorrência de forma não
razoável” 26
. Esta regra afasta a ilicitude ao fazer com que não se configure o suporte fático
necessário para a incidência do dispositivo pertinente da legislação antitruste27. Em última
análise, isto significa que uma prática que efetivamente restrinja a concorrência pode ser
permitida se o bem-estar econômico geral criado pela operação for positivo. Assim, a regra da
razão compreende uma ponderação entre os efeitos pró-competitivos do contrato e os efeitos
anticoncorrenciais, sendo a operação autorizada se os primeiros superarem os segundos.

De forma coerente com o novo entendimento, em 1995 o Governo Americano lançou


novas Diretrizes Antitruste para o Licenciamento de Propriedade Intelectual. Estas diretrizes
tinham três princípios fundamentais: (i) um reconhecimento expresso de que em geral contratos
de licenciamento têm natureza pró-competitividade; (ii) uma rejeição clara a qualquer
presunção de que a propriedade intelectual proporcionaria necessariamente poder de mercado
a seu titular, e; (iii) um endosso a validade de aplicar à propriedade intelectual a mesma
abordagem antitruste adotada para outras formas de propriedade28. Como as diretrizes partem
do pressuposto que normalmente o licenciamento apresenta ganhos de eficiência, há a
necessidade de analisar as operações sob a regra da razão e, ainda, o abandono da presunção
que a propriedade intelectual gera poder de mercado significa que a avaliação de restrições
impostas pelo licenciamento requer uma análise das circunstâncias do mercado para determinar
os efeitos anticompetitivos29.

Existem várias cláusulas restritivas que podem ser incluídas em contratos de


transferência de tecnologia, algumas delas ainda são tratadas como ilícitos per se, tanto nos

24
GILBERT, Richard; SHAPIRO, Carl. Antitrust Issues in the Licensing of Intellectual Property:
The Nine No-No's Meet the Nineties. Brooking Papers: Microeconomics 1997. p.284-285.Disponível em: <
http://faculty.haas.berkeley.edu/shapiro/ninenono.pdf>. Acesso em 11 dez 2016.
25
Ibidem.p. 286.
26
FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 8ª ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015. p.197.
27
Ibidem p.199.
28
GILBERT, Richard; SHAPIRO, Carl. Antitrust Issues in the Licensing of Intellectual Property:
The Nine No-No's Meet the Nineties. Brooking Papers: Microeconomics 1997. p. 287.
29
GILBERT; SHAPIRO. loc.cit.
16

Estados Unidos como na Europa. As diretrizes americanas tratam como ilícitos per se a fixação
pura de preços, restrições de produção, divisão de mercado entre competidores horizontais,
fixação de preços de revenda e alguns boicotes de grupos. Para determinar se a uma restrição
deste tipo será aplicada a regra per se ou a regra da razão, é feita uma avaliação se pode ser
esperado que a restrição contribua para uma integração de aumento de eficiência da atividade
econômica, se isto for provável será utilizada a regra da razão, em caso contrário aplica-se a
regra per se30. De modo similar, a Europa trabalha com as restrições hard-core, empregando
diferentes tratamentos se a relação é horizontal (concorrentes diretos) ou vertical (diferentes
níveis da cadeia produtiva). Em relações horizontais são restrições proibidas: a fixação de
preços para o licenciado na venda do produto para terceiros; limitações recíprocas de produção;
alocação ou divisão de mercados; restrições ao licenciado de explorar sua própria tecnologia ou
de realizar atividades de pesquisa e desenvolvimento. Em relações verticais proíbe-se: fixação
de preços mínimos de revenda; restrição dos territórios ou dos consumidores para os quais o
licenciado pode vender de forma passiva; restrição de vendas ativas ou passivas aos usuários
finais por um licenciado que é membro de um sistema de distribuição seletiva31.

De maneira geral, as Diretrizes Americanas se preocupam com acordos que prejudicam


a competição entre empresas que seriam efetivas ou potenciais concorrentes na ausência de dito
acordo32. Por esta perspectiva, competição intratecnologia não é uma competição que ocorreria
na ausência da licença e as restrições acima explicadas não são a princípio consideradas
anticompetitivas quando aplicadas a licenciados da mesma tecnologia33, ou seja, o foco está na
competição intertecnologia (entre tecnologias concorrentes). As Diretrizes e Regulamento da
Comunidade Europeia são mais rígidos ao analisar estas restrições, levando em consideração o
impacto do acordo no mercado intratecnologia e intertecnologia34. Ao comparar os princípios
de antitruste dos Estados Unidos e Europa, Richard J. Gilbert afirma que as restrições
intratecnologia são um incentivo para o titular da tecnologia licenciar a mesma amplamente e
que, na ausência dessas cláusulas restritivas, não se pode assumir que as tecnologias serão
licenciadas e que haverá investimentos complementares35. Gilbert ainda enfatiza que, de acordo

30
Ibidem. p.16.
31
LILLA, Paulo Eduardo. Propriedade Intelectual e Direito de Concorrência: uma abordagem sob a perspectiva
do Acordo TRIPS. São Paulo: Quartier Latin. 2014. p.156.
32
Ibidem. p.7.
33
GILBERT,Richard J. Converging Doctrines? US and EU Antitrust Policy for the Licensing of Intellectual
Property (february 2004). University of California, Berkeley, Competition Policy Working Paper nº CPC04-44.
p.3.Disponível em: < https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=527762>. Acesso em: 11 dez 2016.
34
Ibidem. p.4.
35
Ibidem. p.6.
17

com as diretrizes americanas, a análise das cláusulas restritivas compreende aferir se podem ser
justificadas diante de alternativas menos restritivas, verificando se são “razoavelmente
necessárias”, enquanto na análise da Comissão Europeia as cláusulas devem ser “objetivamente
necessárias”, adotando novamente um critério mais rígido36.

4 CLÁUSULAS QUE PODEM TER EFEITOS ANTICONCORRENCIAIS

A primeira restrição importante que pode estar presente em um contrato de transferência


de tecnologia é a exclusividade. Os contratos de licenciamento podem ser firmados com
exclusividade, ou seja, apenas o licenciado poderá explorar a tecnologia, excluindo inclusive o
próprio licenciante e impedindo que este conceda licenças para outros37. Esta exclusividade
pode ser restrita a um determinado território, ou pode se referir apenas a determinados
consumidores, ou pode estar restrita a um determinado campo de aplicação tecnológico38. Estas
restrições podem ser pró-competitivas: ao permitir que o licenciante explore a propriedade
intelectual da forma mais eficiente possível e, ainda, ao protegê-lo da competição em nichos de
mercado que deseje manter para si, enquanto no outro extremo, protege o licenciado da
competição de outros licenciados e do próprio licenciante, propiciando incentivos para investir
na comercialização e distribuição de produtos com a tecnologia licenciada e desenvolver novas
aplicações para a mesma39. Entretanto, tais restrições podem levantar preocupações
anticoncorrenciais se bloquearem o acesso a tecnologias concorrentes, impedirem o
desenvolvimento pelo licenciado de tecnologias próprias, ou facilitarem alocação de mercado
ou fixação de preços de qualquer produto ou serviço do licenciado40.

Um contrato de transferência de tecnologia pode incluir cláusulas de não concorrência


que impedem o licenciado de licenciar, vender, usar ou distribuir tecnologias concorrentes 41.
Este tipo de cláusula gera preocupações para as autoridades de defesa da concorrência, na
medida em que podem afetar a concorrência intertecnologias e fechar o mercado a terceiros

36
Ibidem. p.8.
37
US DEPARTMENT OF JUSTICE AND FEDERAL TRADE COMISSION. Antitrust Guidelines for the
Licensing of Intellectual Property. 1995. Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/antitrust-guidelines-
licensing-intellectual-property>. Acesso em 09 dez.2016. p.19.
38
LILLA, Paulo Eduardo. Propriedade Intelectual e Direito de Concorrência: uma abordagem sob a perspectiva
do Acordo TRIPS. São Paulo: Quartier Latin. 2014. p.166.
39
US DEPARTMENT OF JUSTICE AND FEDERAL TRADE COMISSION. Antitrust Guidelines for the
Licensing of Intellectual Property. 1995. Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/antitrust-guidelines-
licensing-intellectual-property>. Acesso em 09 dez.2016. p.5.
40
Ibidem. p.6.
41 Ibidem. p.28..
18

detentores de tecnologias alternativas ou substitutas, bem como aumentar os custos dos


concorrentes ao impedir o acesso a insumos de produção e distribuição detidos pelos
licenciados42. Por outro lado, estas restrições podem ter efeitos pró-competitivos, encorajando
os licenciados a desenvolver e comercializar a tecnologia licenciada ou aplicações
especializadas de dita tecnologia, aumentando os incentivos do licenciante para desenvolver ou
aperfeiçoar a tecnologia, ou de outro modo aumentando a concorrência e a produção no
mercado relevante43. Por este motivo, estas restrições são analisadas à luz da regra da razão nos
Estados Unidos, sendo considerado o grau de fechamento do mercado relevante, a duração do
contrato, a concentração do mercado, a dificuldade de entrada no mercado e os efeitos na oferta
e na demanda ocasionados por mudanças de preço no mercado relevante44. Na Europa também
se aplica a regra da razão para analisar restrições deste tipo, porém, não se admite que as
restrições limitem direta ou indiretamente atividades de pesquisa e desenvolvimento45.

Uma cláusula de retrolicenciamento cria uma obrigação para o licenciado de estender


ao licenciante direitos de uso sobre melhoramentos realizados sobre a tecnologia licenciada,
podendo ter efeitos positivos se for sem exclusividade, ao proporcionar meios para ambas as
partes compartilharem risco, recompensar o licenciante por possibilitar inovações adicionais
baseadas em sua tecnologia, promover inovações subsequentes e licenciamento dessas
inovações46. É lógico supor que a possibilidade de aproveitar-se de aperfeiçoamento realizados
pelo licenciado pode ser um poderoso incentivo para licenciar uma tecnologia. Uma cláusula de
retrolicenciamento encontra justificativa ao assegurar que o licenciante não seja impedido de
competir por lhe ser negado acesso a melhoramentos realizados sobre a sua própria tecnologia,
entretanto, esta cláusula não pode prever o licenciamento com exclusividade dos
aperfeiçoamentos para o titular da tecnologia original – excluindo da exploração o seu criador e
impedindo que a licencie para terceiros – já que isto reduziria os incentivos para o licenciado
realizar atividades de pesquisa e desenvolvimento e limitaria a competição em mercados de
inovação47. Importante ainda ressaltar que “[...] cláusulas de grantback com exclusividade podem

42
LILLA, Paulo Eduardo. Propriedade Intelectual e Direito de Concorrência: uma abordagem sob a perspectiva
do Acordo TRIPS. São Paulo: Quartier Latin. 2014. p.170.
43
US DEPARTMENT OF JUSTICE AND FEDERAL TRADE COMISSION. op.cit. p.27.
44
Ibidem,p.27.
45
LILLA, Paulo Eduardo. Propriedade Intelectual e Direito de Concorrência: uma abordagem sob a perspectiva
do Acordo TRIPS. São Paulo: Quartier Latin. 2014. p.174.
46
US DEPARTMENT OF JUSTICE AND FEDERAL TRADE COMISSION. Antitrust Guidelines for the
Licensing of Intellectual Property. 1995. Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/antitrust-guidelines-
licensing-intellectual-property>. Acesso em 09 dez.2016. p.30.
47
Ibidem.p.30.
19

estender de forma indevida o poder de mercado do licenciante, permitindo-lhe controlar e


acumular todas as melhorias e aprimoramentos desenvolvidos por seus licenciados [...]”48.

Cláusulas de não impugnação são previsões contratuais que impedem os licenciados de


questionar a validade dos direitos de propriedade intelectual objeto do licenciamento e não são
bem vistas pelo direito antitruste, uma vez que podem dissimular a invalidade e permitir a
manutenção de direitos de propriedade intelectual que deveriam estar em domínio público,
prejudicando não só a concorrência como o próprio processo de inovação49. Não há justificativa
para aceitar cláusulas contratuais que proporcionam a manutenção de uma exclusividade
concedida sem as condições mínimas que a justificam. Além disso, ao licenciar um direito de
propriedade intelectual de questionável validade, o licenciante outorga ao licenciado um título
cuja exclusividade pode a qualquer momento ser desafiada por qualquer pessoa com legítimo
interesse para instaurar processo administrativo de nulidade ou propor ação de nulidade de
patente50. Impedir quem está em melhor posição para avaliar as condições de fundo da
propriedade intelectual de impugnar o objeto do licenciamento, quando todos os demais são
legitimados para tanto, não faz sentido.

Uma prática que levanta um alerta em contratos de transferência de tecnologia é a venda


casada, que “[...] pode ser definida como a obrigação pela qual o licenciante condiciona o
licenciamento de um direito de propriedade intelectual ou tecnologia à aquisição de um produto
ou serviço pelo licenciado”51. O caso clássico é o da Motion Picture Patents Co. de Thomas
Edison, empresa de que detinha uma tecnologia inovadora de projeção de filmes e incluiu nos
contratos de licenciamento dos projetores uma cláusula que condicionava a licença ao uso
somente de filmes obtidos com a MPPC52. O problema é que em certas circunstâncias este é
um meio para o agente econômico estender poder de um mercado primário para um mercado
secundário53, quando há uma relação de complementaridade entre estes mercados, como:
impressoras e cartuchos; barbeadores manuais e lâminas; cafeteiras e filtros de café; automóveis

48
LILLA, op.cit. p.185.
49
Ibidem. pp.186,187.
50
PROVEDEL, Letícia. Adjudicação e nulidade de patente. In: BARBOSA, Denis Borges.(org.). Reivindicando
a criação usurpada. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010.p.60.
51
LILLA, Paulo Eduardo. Propriedade Intelectual e Direito de Concorrência: uma abordagem sob a perspectiva
do Acordo TRIPS. São Paulo: Quartier Latin. 2014. p.174.
52
HOVENKAMP, Herbert. IP and Antitrust Policy: A Brief Historical Overview. University of Iowa Legal
Studies Research Paper Number 05-31.December, 2005. p.12-13. Disponível em: <
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=869417>. Acesso em 20 nov. 2016.
53
SILVA, Alberto Luís Camelier da. Desenho Industrial: abuso de direito no mercado de reposição. São Paulo:
Saraiva. 2014. p.94.
20

e peças de reposição; aspiradores e sacos de pó, entre inúmeros outros54. Esta extensão de poder
de mercado de um mercado para outro é explicada pela doutrina da alavancagem, que presume
que uma empresa com monopólio em um mercado sempre terá incentivos para estender este
monopólio para o mercado de um produto complementar, a fim de poder cobrar preços de
monopólio em ambos os mercados e aumentar seus lucros55. Esta teoria considera que uma
empresa com poder de monopólio em um mercado pode usar a alavancagem proporcionada por
este poder para impedir vendas em um segundo mercado e monopolizá-lo56. Nos dias atuais a
venda casada é analisada à luz da regra da razão, pois, apesar de poder resultar em efeitos
anticompetitivos, pode também estar associada a eficiências e efeitos pró-competivivos (que
devem ser sopesados), sendo o acordo questionado se o vendedor tem poder de mercado no
produto vinculante, o arranjo provoca efeitos adversos na concorrência do mercado relevante
do produto vinculado e as justificativas de eficiências não superam os efeitos
anticoncorrenciais57. Podemos citar alguns exemplos de eficiências econômicas que podem
estar relacionadas a vendas casadas, como a redução dos custos de produção, de custos de
transação e de custos informação para os consumidores, bem como proporcionar maior
conveniência e variedade para os mesmos58.

Se o produto ou serviço vinculado for também protegido por um direito de propriedade


intelectual na realidade trata-se de um pacote de licenças e não de uma licença casada59. Um
pacote de licenças tem como objeto o licenciamento de múltiplos itens de propriedade
intelectual em uma única licença ou em um grupo de licenças relacionadas, sendo que ditos
pacotes podem estar relacionados a aumentos de eficiência quando múltiplas licenças são
necessárias para utilizar um único item de propriedade intelectual60. Em outras palavras, estes

54
GRAU-KUNTZ, Karin. O desenho industrial como instrumento de controle econômico do mercado
secundário de peças de reposição de automóveis: uma análise crítica a recente decisão da Secretaria de Direito
Econômico (SDE). Revista Eletrônica do IBPI – Edição Especial. 2013. p.2. Disponível em:
http://ibpieuropa.org/book/326 >. Acesso em 11 dez. 2016
55
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Chicago Approach. University of Chicago Law Review: Vol. 72: Iss. 1, Article 5. 2005. p.76. Disponível em:
<http://chicagounbound.uchicago.edu/uclrev/vol72/iss1/5>. Acesso em: 11 dez. 2016.
56
WHINSTON, Michael D. Tying, Foreclose and Exclusion. The American Economic Review. 1990. p.838.
Disponível em: < http://www.haas.berkeley.edu/Courses/Spring2000/BA269D/Whinston90.pdf>. Acesso em: 13
nov. 2016.
57
US DEPARTMENT OF JUSTICE AND FEDERAL TRADE COMISSION. Antitrust Guidelines for the
Licensing of Intellectual Property. 1995. Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/antitrust-guidelines-
licensing-intellectual-property>. Acesso em 09 dez.2016. p.26.
58
AHLBORN, Christian; EVANS, David S.; PADILLA, A. Jorge. The antitrust economics of tying: a farewell to
per se illegality. Antitrust Bulletin 2003. p.3. Disponível em: <
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=381940>. Acesso em 11 dez. 2016.
59
LILLA, Paulo Eduardo. Propriedade Intelectual e Direito de Concorrência: uma abordagem sob a perspectiva
do Acordo TRIPS. São Paulo: Quartier Latin. 2014. p.174.
60
US DEPARTMENT OF JUSTICE AND FEDERAL TRADE COMISSION. op.cit. p.27.
21

pacotes de licenças podem ser eficientes quando para fabricar um único produto é necessário
licenciar uma multiplicidade de tecnologias relacionadas ao mesmo, tal como um smartphone,
uma vez que a negociação de todas as tecnologias em conjunto reduz os custos de transação 61.
Quando múltiplas empresas controlam patentes que são necessárias para fabricar determinado
produto, o preço total é superior ao que seria cobrado se estes direitos pertencessem e fossem
negociados com um único titular e, ainda, os lucros individuais de cada titular são menores em
presença das patentes complementares dos demais, o que torna interessante se juntarem e criarem
um pacote de licenças, compartilhamento de patentes ou licença cruzada62. As licenças cruzadas
e os compartilhamentos de patentes são semelhantes aos pacotes de licenças, no sentido de que
são acordos entre dois ou mais titulares de direitos de propriedade intelectual diferentes para
licenciar estes direitos entre si ou para terceiros63.

As licenças cruzadas são arranjos contratuais pelos quais dois titulares de patente
concedem licenças recíprocas de suas respectivas tecnologias, de modo que cada parte pode
utilizar a patente da outra64. Sob o pálio dessas licenças cada empresa pode projetar e fabricar
seus produtos sem o medo de infringir as patentes do outro65. Em determinados setores, como o
de semicondutores, grandes empresas buscam obter patentes mais para estar em melhor posição
para negociar estas licenças cruzadas do que para utilizá-las contra terceiros66. Este tipo de licença
é considerado pró-concorrencial se integrar tecnologias complementares, reduzir custos de
transação, eliminar bloqueios de patentes e evitar custosos litígios por contrafação67. No outro
extremo, o direito anticoncorrencial as considera nocivas quando forem utilizadas para a fixação
pura de preços ou para divisão de mercado. Além disso, quando as partes envolvidas mantém
entre si um relacionamento horizontal, as autoridades antitruste verificarão se não é efeito do

61
LILLA, op.cit. p.176.
62
SHAPIRO, Carl. Navigating the Patent Thicket: Cross Licenses, Patent Pools, and Standard Setting. In:
Innovation Policy and the Economy, Volume 1. MIT Press. 2001. p.119. Disponível em: <
http://www.nber.org/chapters/c10778.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2016.
63
US DEPARTMENT OF JUSTICE AND FEDERAL TRADE COMISSION. Antitrust Guidelines for the
Licensing of Intellectual Property. 1995. Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/antitrust-guidelines-
licensing-intellectual-property>. Acesso em 09 dez.2016. p.28.
64
LILLA, Paulo Eduardo. Propriedade Intelectual e Direito de Concorrência: uma abordagem sob a perspectiva
do Acordo TRIPS. São Paulo: Quartier Latin. 2014. p.190.
65
SHAPIRO, Carl. Technology cross-licensing practices: FTC v. INTEL. In: KWOKA Jr, John E.; LAWRENCE,
J. White. The Antitrust Revolution. New York: Oxford University Press. 2003. p.356.
66
HALL, Bronwyn H.; ZIEDONIS, Rosemarie Ham. The Patent Paradox Revisited: An Empirical Study of
Patenting in the Us Semiconductor Industry, 1979-95. RAND Journal of Economics. p.12. Disponível em: <
https://www.nuffield.ox.ac.uk/economics/papers/2000/w16/hzmay2000.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2016.
67
US DEPARTMENT OF JUSTICE AND FEDERAL TRADE COMISSION. op.cit.p.28.
22

contrato diminuir a competição que ocorreria entre entidades que seriam concorrentes reais ou
potenciais no mercado relevante na ausência da licença cruzada68.

O compartilhamento de patentes é um negócio jurídico pelo qual uma multiplicidade de


detentores de patentes pode realizar a exploração conjunta desses direitos de propriedade
industrial e formam um pacote de licenças a ser ofertado para terceiros interessados69. Em
mercados muito fragmentados, tal como o de biotecnologia, tecnologia da informação e
telecomunicações, um único produto final pode envolver centenas de patentes que teriam que
ser licenciadas. Os custos de transação para encontrar todos os titulares dos direitos de
propriedade intelectual e negociar individualmente com cada um podem ser tão altos que
simplesmente inviabilizariam o negócio, o que justifica a negociação conjunta destas
tecnologias, porém, os contratos devem incluir as seguintes salvaguardas: limitação do portfólio
de patentes apenas aquelas que são essenciais para obter o produto (e que por definição não
concorrem entre si); as patentes do portfólio serem claramente identificadas e poderem ser
licenciadas individualmente por seus respectivos titulares; emissão de licenças não exclusivas
a nível mundial; responsabilidade do licenciado por royalties condicionada ao uso real das
patentes; liberdade aos licenciados para desenvolver e utilizar tecnologias alternativas;
obrigação dos licenciados de conceder retrolicenças não exclusivas e não discriminatórias sobre
patentes que são essenciais para cumprir com a tecnologia70.

Neste contexto é importante citar o conceito de patentes dependentes, que são patentes
que se sobrepõe, isto é, em que a exploração de qualquer delas é impossível sem infringir as
demais71. Como a introdução de um novo produto no mercado geralmente envolve o
desenvolvimento de várias tecnologias complementares distintas, tais como partes componentes
e processos de fabricação72, isto pode representar um obstáculo. Em teoria, uma empresa pode
simplesmente inventar em torno (invent around) de tecnologias detidas por terceiros e evitar
potenciais problemas, o que pode ser vantajoso dependendo do tempo, viabilidade e custos de

68
US DEPARTMENT OF JUSTICE AND FEDERAL TRADE COMISSION.loc.cit.
69
LILLA, Paulo Eduardo. Propriedade Intelectual e Direito de Concorrência: uma abordagem sob a perspectiva
do Acordo TRIPS. São Paulo: Quartier Latin. 2014. p.192.
70
GILBERT, Richard J. Antitrust for Patent Pools: A Century of Policy Evolution. Stanford Technology Law
Review 3. 2004. p.1.Disponível em: < https://journals.law.stanford.edu/sites/default/files/stanford-technology-
law-review/online/gilbert-patent-pools.pdf>. Acesso em 12 dez. 2016.
71
LILLA, op.cit. p.190.
72
FERSHTMAN, Chaim; KAMIEN, Morton. Cross Licensing of Complementary Technologies. Kellogg
Graduate School of Manegement. Discussion Paper nº 866. Jan. 1990. p.1. Disponível em: <
http://www.kellogg.northwestern.edu/research/math/papers/866.pdf > . Acesso em 12 dez. 2016.
23

contratação ex ante73. Entretanto, muitas vezes uma empresa que poderia facilmente criar
alternativas para tecnologias complementares nos estágios iniciais do desenvolvimento de
produtos novos, o que a colocaria em uma posição de negociação favorável para licenciar direitos
de propriedade industrial pré-existentes, estaria em uma posição de negociação muito mais fraca
ao descobrir a existência da patente depois de incorporar a tecnologia em projetos ou processos
que são dispendiosos ou difíceis de reimplantar, já que neste ponto a invenção representa um ativo
altamente específico74. Setores estratégicos - como a indústria de semicondutores, biotecnologia,
software e internet – são particularmente sensíveis ao risco de bloqueio de novos produtos que
infringem inadvertidamente patentes publicadas depois de terem sido projetados, risco este que é
especialmente pronunciado em indústrias em que a escolha de padrões técnicos é uma parte
essencial para trazer um novo produto ao mercado, como as indústrias de telecomunicações e
computação75. De acordo com Shapiro, licenças cruzadas e compartilhamento de patentes são
dois métodos efetivos para superar uma rede de direitos de propriedade industrial que impeça a
comercialização de uma tecnologia, mas o autor ressalva que ambos envolvem custos de
transação, inclusive decorrentes da hostilidade histórica do direito antitruste com acordos entre
concorrentes em relação horizontal76.

5 CONCLUSÃO

O direito de propriedade intelectual e o direito de defesa da concorrência são


instrumentos complementares para incentivar a inovação tecnológica e o desenvolvimento
econômico. Apesar de compartilharem este objetivo, os direitos de exclusão da propriedade
intelectual podem ser utilizados para efetivamente limitar ou mesmo eliminar a livre
concorrência ou a livre iniciativa em determinado mercado relevante. Nesse sentido, um
contrato de transferência de tecnologia pode ser um terreno fértil para que agentes econômicos
com posição dominante em determinado mercado relevante abusem de seus direitos de

73
ZIEDONIS, Rosemarie Ham. Fragmented Markets for Technology and the Patent Acquisition Strategies of
Firms, Management Science 50, nº6, jun. 2004. p. 806. Disponível em: <
http://business.illinois.edu/josephm/BA549_Fall%202014/Session%204/4_Ziedonis%20(2004).pdf>. Acesso em:
12 dez. 2016.
74
ZIEDONIS, Rosemarie Ham. Fragmented Markets for Technology and the Patent Acquisition Strategies of
Firms, Management Science 50, nº6, jun. 2004. p. 806. Disponível em: <
http://business.illinois.edu/josephm/BA549_Fall%202014/Session%204/4_Ziedonis%20(2004).pdf>. Acesso em:
12 dez. 2016.
75
SHAPIRO, Carl. Navigating the Patent Thicket: Cross Licenses, Patent Pools, and Standard Setting. In:
Innovation Policy and the Economy, Volume 1. MIT Press. 2001. p.119. Disponível em: <
http://www.nber.org/chapters/c10778.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2016.
76
SHAPIRO, loc.cit.
24

propriedade intelectual e da posição dominante que detém para impingir restrições à


concorrência.
Devido ao fato da experiência de defesa da concorrência nacional ser relativamente
recente, a análise da jurisprudência estrangeira em ordenamentos em que a mesma está muito
mais consolidada, pode fornecer não somente um panorama das práticas anticoncorrenciais
mais comuns, como critérios objetivos para analisar e valorar estes ilícitos, determinando se as
restrições impostas são justificáveis ou se o Estado deve intervir na esfera privada dos agentes
econômicos para proteger a concorrência, a livre iniciativa e o consumidor.

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DIREITOS DO AUTOR, MÚSICA E TECNOLOGIA: REFLEXÃO JURÍDICA


SOBRE SUA CONCILIAÇÃO

AUTHOR'S RIGHTS, MUSIC AND TECHNOLOGY: LEGAL REFLECTION ON


YOUR RECONCILIATION

Clarissa Melo Indalêncio1


Adriana Carvalho Pinto Vieira2
Julio Cesar Zilli3
Kelly Lissandra Bruch4

Resumo: A origem de novos instrumentos de tecnologia se pôs como um enorme desafio


a ser encarado pelos meios de comunicação. O fácil e rápido acesso à amplitude de
conteúdos proporcionada aos usuários pelo ambiente virtual, permitindo o alcance e o
armazenamento de um número bastante extenso de todo e qualquer tipo de obra ou
criação, vem rebelando as possibilidades de reprodução das obras protegidas por direitos
autorais, e deste modo, gerando inquietação no campo jurídico. O presente estudo cuida
da natureza jurídica do direito de autor de músicas no Brasil. Analisa-se o mercado de
música não vendida e os efeitos da tecnologia na sua distribuição. Propõe-se a rediscussão
da Lei nº 9.610/1998 que trata da matéria. Utilizou-se o método de pesquisa dedutivo, em
pesquisa teórica e qualitativa, com emprego de material bibliográfico e documental legal.
O constante desenvolvimento dos meios de comunicação deixa evidente o grau de
importância que os meios modernos de interação efetuam sobre a convivência entre os
indivíduos e os impactos econômicos.

Palavras-Chave: Direitos do autor. Música. Tecnologia.

Abstract: The origin of new technology tools began as a challenge to be faced by the
media. The quick and easy access to the breadth of content offered to users through the
virtual environment, allowing the scope and storage of a very large number of any type
of work or creation, is rebelling playback possibilities of works protected by copyright,
and thus generating unrest in the legal field. This study takes care of the legal nature of
copyright music in Brazil. It analyzes the music market not sold and the effects of
technology in its distribution. It is proposed to re-discussion of Law No. 9,610 / 1998
dealing with the matter. We used the method of deductive research in theoretical and
qualitative research, with the use of library materials and legal documents. The constant
development of the media makes clear the degree of importance that modern means of
interaction perform on the coexistence of individuals and economic impacts.

Keywords: Author's rights. Music. Technology.

1 UNESC, Email: cacah_melo_@hotmail.com


2
PPGAD/UNESP; INCT/PPED/UFRJ. Email: dricpvieira@gmail.com,
3
UNESC, Email: zilli42@hotmail.com
4
CEPAN/UFRGS, Email: kellybruch@gmail.com
28

1 INTRODUÇÃO

A origem de novos instrumentos de tecnologia se pôs como um enorme desafio a ser


encarado pelos meios de comunicação. O fácil e rápido acesso à amplitude de conteúdos
proporcionada aos usuários pelo ambiente virtual, permitindo o alcance e o armazenamento de
um número bastante extenso de todo e qualquer tipo de obra ou criação, vem rebelando as
possibilidades de reprodução das obras protegidas por direitos autorais, e deste modo, gerando
inquietação no campo jurídico.
Neste estudo se busca analisar os conflitos de interesses no Direito Autoral no
concernente à esfera musical na atualidade, observando a Lei nº 9.610/1998, pertencente
ao ordenamento jurídico brasileiro, bem como irrefreável desenvolvimento tecnológico,
sobretudo, da internet.
Averigua-se a natureza jurídica do Direito Autoral, considerando os direitos
morais e patrimoniais. Demonstra-se a realidade sobre o comércio musical no Brasil, e
revela-se os problemas para a resolução de litígios e proteção dos direitos do autor que,
devido ao rápido avanço dos meios virtuais de distribuição, tornaram a Lei de Direitos
Autorais falha e omissa ao se tratar dos fatos atuais.

2 NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS DO AUTOR DE MÚSICAS

O Direito Autoral encontra-se regulado pela Lei n° 9.610 de 1998, e busca garantir
ao autor o direito sobre suas obras e criações. Ao criador reserva o direito personalíssimo
e exclusivo de reprodução ou publicação, ou mesmo licenciar ou ceder seu conteúdo.
Moraes (2004, p.38) expõe a relevância dos direitos do autor:
O Direito Autoral é do autor e para o autor, que é o horizonte em relação ao
qual tudo deve ser pensado. Assim como “o sábado foi feito para o homem e
não o homem para o sábado”, o Direito Autoral existe em função do autor, e
não o contrário.

Numa perspectiva dualista, aqui adotada, divide-se em direito moral e direito


patrimonial. O primeiro é responsável por garantir a autoria da obra intelectual ao criador,
direito este personalíssimo, inalienável e irrenunciável. Assegura-se que o autor terá
direito de reconhecer a obra como sua e preservá-la da maneira que esta fora
originalmente criada ou até mesmo modificá-la antes ou depois de publicada
(KISCHELEWSKI, 2014).
Em relação ao direito patrimonial, associado ao proveito econômico que a obra
pode trazer ao autor, atribui o direito exclusivo de usar, fruir e dispor de sua criação. Com
29

isto, pode o autor permitir que terceiros reproduzam e usem de sua obra, seja de maneira
total ou parcial, para sempre ou por tempo determinado; escolher o local e se haverá custo
para tal reprodução; e ainda, receber o valor de no mínimo 5% sobre o aumento do preço
da revenda (MENEZES, 2007). Assegura-se a viabilidade legal da exploração econômica
da obra por parte do autor, obtendo por meio dela seu proveito pecuniário.
Quando a criação possuir apenas um criador, após seu falecimento, o direito
patrimonial se desloca aos seus herdeiros, perdurando por setenta anos, a serem contados
a partir do dia 1º de janeiro do ano subsequente ao seu óbito. Nas obras em que houver
co-autoria e em sendo indivisíveis, o prazo se inicia a partir da morte do último co-autor.
Ainda em relação aos direitos morais e patrimoniais, Duarte e Pereira (2009, p.
10) esclarecem:
O direito de autor tem por objetivo assegurar ao criador uma participação
financeira e outra moral, no que diz respeito ao uso da obra que criou (isso,
quando não se tratar de uma autorização gratuita). Vale salientar que as obras
é que são protegidas e não os autores. Portanto, é desta forma que eles se
tornam favorecidos dessa proteção. Para tanto, o surgimento do direito de autor
se deu com a criação da obra intelectual, dado que não se pode falar de direito
de autor sem a existência de uma obra. O direito de autor protege as formas de
expressão das ideias e não as ideias, propriamente ditas. É necessário que elas
tomem um corpo físico, expresso mediante um livro, um desenho, um filme ou
etc.

No direito autoral, também se regula os direitos de artistas que venham a


interpretar ou executar as obras, as quais podem ser, por exemplo, músicos, dançarinos,
atores, cantores, entre outros; que são designados como direitos conexos aos de autor,
conforme estipulado no artigo 1º da Lei n° 9.610/1998. (BRASIL, 2016).
O direito autoral, conforme Silva Junior (2006), vem sendo considerado como sui
generis, especial e peculiar, evoluindo dos direitos de personalidade individuais,
expressão clara de sua pisque.
Para Carlos Alberto Bittar (2008, p.20), os direitos autorais:
[s]ão direitos de cunho intelectual, que realizam a defesa dos vínculos, tanto
pessoais, quanto patrimoniais do autor, com sua obra, de índole própria, ou sui
generis, a justificar a regência específica que recebem nos ordenamentos
jurídicos do mundo atual.

A música é uma das mais antigas e mais populares entre as artes, está presente em
diferentes ramos comerciais e civis, que fazem uso desta buscando maior conforto aos
seus clientes, bem como atraí-los, entre outras diversas aplicações, integrando forma de
expressão artística que constitui o patrimônio cultural de toda a população (DIAS, 2000).
A música é instrumento de linguagem, de expressão e comunicação. Guerreiros Junior
(2005, p. 03) apresenta:
30

A música é parte integrante da vida do homem e até dos animais e das plantas.
O apelo musical estimula e comove. Em quase todos os momentos
significativos da história humana, em reuniões tribais ou familiares, e mais
tarde em encontros políticos, militares ou religiosos a música tem servido
como agente catalisador de emoções e iniciativas. Com música se faz a guerra
e se decreta a paz, coroam-se monarcas, depõem-se tiranos, evocam-se
prazeres e martírios. Uma simples melodia traz a tona os mais recônditos
sentimentos, resgata imagens perdidas, une e afasta pessoas, forma ideologias,
celebra conquistas, homenageia os mortos e entretém a sociedade. É uma arte
abstrata, mas influi de forma irresistível em todos os corações e mentes. É a
companheira inseparável do homem, malgrado e desdenhosa sentença de
Napoleão que a classificou como o mais tolerável dos ruídos.

Compreende-se por obra ou composição musical todo gênero de combinações de


sons, ora composições, as quais englobam tanto melodia, quanto melodia e letra em
justaposição, que possa ser executada ou interpretada por instrumentos musicais ou pela
voz humana e, assim, caracterizada como obra artística protegida pela Lei de Direitos
Autorais (COSTA, 1998). Rege o artigo 7º, em seu inciso V, da Lei nº 9.610/98 (BRASIL,
2016):
Art. 7º. São obras intelectuais protegidas as criações de espírito, expressas por
qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível,
conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
[...]
V – as composições musicais, tenham ou não letra.

Para que se reconheça uma composição musical, faz-se necessária a presença de


melodia, harmonia e ritmo (BENNET, 1986). Para Chaves (1987), melodia é o envio de
quantia indeterminada de sons sucessivamente, sons esses que se encaixam um após o
outros. Harmonia é decorrente do envio simultâneo de várias melodias. Já o ritmo é a
relação decorrente entre o espaço de tempo de cada som de uma melodia. Assim, a obra
constituída apenas por harmonia, melodia e ritmo, considera-se música; enquanto que,
quando existirem todos estes elementos, acrescidos de título e letra, designa-se como obra
lítero-musical; e, quando fixada em suporte, recebe o nome de fonograma.
Independentemente da discriminação, toda e qualquer tipo de música recebe proteção da
lei brasileira.

3 O MERCADO DA MÚSICA NÃO VENDIDA E A TECNOLOGIA

A cada cd vendido, parte deste valor implica direitos autorais aos músicos e
intérpretes. A cada faixa vendida em lojas online, serviços iTunes ou GooglePlay, por
exemplo, também são devidos direitos autorais aos músicos e intérpretes. Nesses casos,
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é relativamente simples quantificar a venda e calcular os royalties dos detentores dos


direitos autorais.
Entretanto, quanto se passa à publicação em rádios FM e eventos a complexidade
de verificação e a necessidade de fiscalização aumentam consideravelmente.
Cabe ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) arrecadar e
distribuir valores, referentes às execuções públicas de obras musicais.
Para que se faça possível o recebimento dos direitos autorais de execução pública
aos titulares e artistas, é indispensável que o artista se encontre associado a uma das
associações que integram o ECAD, hoje no total de nove. O titular tem o dever de registrar
seu repertório junto a sua respectiva associação e mantê-lo atualizado; a obra musical
deve ser executada de modo público; deve haver o pagamento da remuneração autoral
por estabelecimentos, rádios ou shows que executarem as músicas e, por fim, a execução
pública da obra musical deve ser captada pelo ECAD ou informada no roteiro musical
(ECAD, 2016a).
A distribuição de valores é feita conforme regulamento próprio de arrecadação
que divide em classes o grau de importância da música conforme o local ou a finalidade
de uso, sendo indispensável, necessária ou secundária, bem como a frequência deste uso,
em eventual ou permanente, e se é apresentada ao vivo ou de maneira mecânica, com ou
sem dança (ECAD, 2016b). Observa-se o alcance de relevância da execução de música
para a atividade; o tipo de atividade do usuário; a forma de utilização da obra (mecânica
ou ao vivo); uma quantia percentual sobre a receita bruta nos casos de venda de ingressos,
pagamento de couvert ou outro tipo de coleta de valores como permissão para se possa
entrar no estabelecimento; entre outros. Na sequência, define-se quantia autoral a ser paga
pelo usuário (ECAD, 2016b). Conforme o entendimento do ECAD (2016b), é
considerado usuário de música:
Usuários de música são pessoas físicas ou jurídicas, que utilizam música
publicamente, sendo eles: Promotores de eventos e audições públicas (shows
em geral, circo etc), cinemas e similares, emissoras de radiodifusão (rádios e
televisões de sinal aberto), emissoras de televisão por assinatura, boates,
clubes, lojas comerciais, micaretas, trios, desfiles de escola de samba,
estabelecimentos industriais, hotéis e motéis, supermercados, restaurantes,
bares, botequins, shoppings centers, aeronaves, navios, trens, ônibus, salões de
beleza, escritórios, consultórios e clínicas, pessoas físicas ou jurídicas que
disponibilizem músicas na internet, academias de ginástica, empresas
prestadoras de serviço de espera telefônica.

Como se depreende, o universo é bem amplo. Em geral, cerca de 76% dos valores
vão para os músicos, 7% para as associações e o restante para administração do ECAD
(ECAD, 2016a).
32

Dos valores que vão aos músicos, segundo o ECAD (2016a), há uma distribuição
percentual por decisão na assembleia geral do órgão:
Do montante a ser distribuído, 2/3 são direcionados aos compositores,
adaptadores, versionistas e editoras, que são os titulares de direitos de autor, e
1/3 para os intérpretes, produtores fonográficos/gravadoras e músicos
executantes, classificados como titulares de direitos conexos. O valor total
correspondente ao conexo será rateado, cabendo 41,70% para intérpretes,
41,70% para os produtores fonográficos/gravadoras e 16,60% para os músicos
executantes. Vale ressaltar que é de responsabilidade do produtor fonográfico
informar à sua associação, no momento do cadastro do fonograma, se houve
ou não participação de músico executante na gravação.

Apresenta-se na tabela abaixo, os valores arrecadados e distribuídos no período


de 2010 a 2014:
Tabela 1: Resultados de arrecadação ECAD

Ano Valor Arrecadado Valor Distribuído

2010 R$ 432.953.853,00 R$ 346.465.496,88

2011 R$ 540.526.597,00 R$ 411.775.388,13

2012 R$ 624.638.884,00 R$ 470.226.912,50

2013 R$ 1.190.083.620,00 R$ 804.194.836,76

2014 R$ 1.219.931.315,00 R$ 902.906.548,67

Fonte: elaboração a partir de dados do ECAD

Na área da música, a tecnologia apresentou várias soluções, que hoje, talvez,


sejam o desafio da indústria fonográfica. Partindo-se do vinil, perpassando pelo cd,
encontra-se hoje a música na mídia sem suporte. Compram-se faixas em lojas online.
Escutam-se músicas na nuvem, no etéreo, no não-físico. A internet ampliou o acesso e
dificultou a fiscalização.
Do ponto de vista legal, no que concerne à reprodução e à distribuição da obra,
pouco importa o meio usado. Conforme a lei de direitos autorais (BRASIL, 2016):
Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, considera-se:
[...]
VI - Reprodução - a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária,
artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível,
incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios
eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido.
[...]
IV - Distribuição - a colocação à disposição do público do original ou cópia de
obras literárias, artísticas ou científica, interpretações ou execuções fixadas e
fonogramas, mediante à venda, locação ou qualquer outra forma de
transferência de propriedade ou posse.
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No meio digital, é possível que a música seja distribuída ou reproduzida por


simulcasting e do streaming. Segundo Jalil (2004), “simulcasting é a transmissão
simultânea inalterada de emissões de rádio e televisão aberta, ou via cabo, através da
Internet”, isto é, a emissora transmite sua programação tradicional em dois serviços ao
mesmo tempo, seja ele televisivo ou via rádio, juntamente com a rede. No tocante ao
streaming, este é o termo em inglês empregado para designar a disponibilização de
músicas via internet, onde é possível montar sua própria sequência musical sem
armazená-la na memória do computador, permitindo que o usuário reproduza conteúdos
protegidos por direitos autorais sem violar os mesmos. Em ambas as situações, não há
download permanente da música no dispositivo eletrônico. Então, no ambiente doméstico
ou privativo, dispensa-se a autorização do autor para a execução da música, uma vez que
se assemelha ao rádio convencional, no qual a emissora se responsabiliza pelo pagamento
dos direitos autorais.
Porém, no caso do download no formato MP3 ou equivalente, exige-se a licença
prévia e expressa dos titulares de direitos autorais, conforme o artigo 29, inciso VII da lei
de direitos autorais (BRASIL, 2016):
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da
obra, por quaisquer modalidades, tais como:
[...]
VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra
ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar
a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar
previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que
o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em
pagamento pelo usuário.

Com efeito, quando um site vende músicas ou CDs via internet, consiste em
distribuição eletrônica e, por conseguinte, recaem os direitos patrimoniais. Este meio de
vendagem é utilizado por gravadoras a fim de se restabelecerem mediante os impactos
provenientes das novas tecnologias. De outro modo, também caracteriza a distribuição
eletrônica quando o consumidor faz um download da música ou de disco diretamente para
seu gravador de CD ou para a memória de seu computador, escolhendo quais faixas
pretende baixar e, desta forma, criar seus próprios CDs ou listas de reprodução,
procedimento este de fácil acesso após a invenção do formato MP3 (JALIL, 2004).
Inclusive, músicos independentes, buscando ascensão, distribuem suas produções de
maneira gratuita no formato digital (ASSIS, 2009).
Também como forma de distribuição, existem as redes de compartilhamento de
arquivos peer-to-peer (P2P). Sobre o assunto, define Moraes (2012):
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Peer-to-peer (tradução literal do inglês de "par-a-par" ou "entre pares";


tradução livre: ponto a ponto; sigla: P2P) consiste num conjunto de
computadores que comunicam entre si de forma descentralizada, isto é, sem a
necessidade de um nó ou nós centrais responsáveis por gerir as ligações entre
eles. Este tipo de rede não assenta por isso na arquitetura tradicional de cliente-
servidor em que tipicamente os clientes efetuam pedidos a um servidor central
e este responde aos pedidos dos clientes. Numa rede P2P todos os elementos
são conhecidos como nós, que acumulam as funções de cliente (efetuando
pedidos a outros nós) e de servidor (respondendo a pedidos de outros nós).

Surgiram os softwares de compartilhamento Napster, Kazza, Emule para uso


nesse sistema (MUNIZ, 2011). Milhares de arquivos torrentes, muitas vezes com coleções
completas de artistas, são distribuídos e acessados facilmente, sem qualquer fiscalização.
Tais mecanismos não são necessariamente pirataria. A legalidade do arquivo a ser
transferido depende de quem o distribui, possui ou não tal direito.
Pontua-se que a expansão desenfreada de tais tecnologias virtuais propiciou o
armazenamento de dados, bem como a manipulação de informações digitais,
desencadeando no uso destes meios não só de maneira benéfica e em conformidade com
a lei, mas também a exploração descarada e indecorosa, tipificada como delito, resultando
em violação do direito autoral alheio, dentro do ambiente virtual.

4 A NECESSIDADE DE REDISCUSSÃO DA LEI DE DIREITOS AUTORAIS

Diante do cenário de expressivo avanço tecnológico, verifica-se que a lei de


direitos autorais apresenta falhas em alguns pontos, que ensejam análises que propõe
reformas e outras que pretendem substituí-la.
Os argumentos principais são a considerada lacuna frente à tecnologia e a atuação
do ECAD. Ambos levam a discussões no âmbito judiciário, trazendo instabilidade ao
direito autoral.

Dispõe Varella (2010):


Quando uma lei deixa de dar conta dos anseios da população por cultura e
conhecimento. Quando essa mesma lei condena práticas cotidianas e legítimas
dos cidadãos na busca de seus direitos. Quando uma lei está em completo
descompasso com a sociedade em que é aplicada. Nesse caso, não é a
sociedade quem está errada, mas a lei. É o caso da lei 9.610/98, a LDA (lei de
direito autoral) brasileira.

A lei de direitos autorais não previu a velocidade ou as consequências resultantes


da escalada digital. A legislação atual remete ao mundo analógico, no qual é
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imprescindível a existência de suporte físico para a obra intelectual. Deste modo, a


primeira corrente que será citada defende a necessidade de reforma da lei, para que possa
proteger o autor de maneira mais efetiva e, ao mesmo tempo, cumprir sua função pública
de fornecer meios para a democratização da cultura, visto que a lei vigente encontra-se
repleta de falhas e insuficiências (CARBONI, 2008). As transformações decorrentes da
evolução eletrônica afetam o autor em seu ponto mais crítico, surgindo assim conflitos
entre o direito individual do criador da obra, que visa proteger sua criação, e o interesse
coletivo, que busca pelo acesso à cultura, bem como ao desenvolvimento econômico e
tecnológico.
Como apresentado, no artigo 5°, inciso XXVII da Constituição, garante-se ao
autor que sua música apenas será utilizada mediante prévio consentimento deste ou do
titular da obra. E, também na Constituição se garante o direito à cultura e ao lazer.
Contrapostos, verifica-se o choque de interesses conforme esclarece Cabral (2003, p.73):
Manter o equilíbrio entre duas situações aparentemente antagônicas é uma
construção jurídica de porte invejável. De um lado temos a natureza peculiar
do direito autoral como propriedade específica, única e diferenciada. De outro
lado temos o direito de acesso livre – que a humanidade se arroga – a essas
obras. Num sentido geral – e quase utópico – elas deveriam ser colocadas à
disposição de todos, indistintamente.

Ou seja, de um lado estão os autores que defendem seus direitos pessoais com a
finalidade de buscar proteção sobre a exploração econômica de sua música, e do outro,
os consumidores de conteúdo, que visa à liberdade de conhecimento (CARBONI, 2008).
Também, as normas atuais deixam o autor totalmente vulnerável por não haver
previsões específicas de como deve ser feito o recolhimento e a distribuição dos direitos
autorais quanto à execução pública e a venda das obras, além de também não dispor sobre
a tão necessária fiscalização dos órgãos responsáveis por tais atos (permitindo assim, a
livre atuação do ECAD) e, assim, fazendo com que o autor não saiba exatamente o que
lhe é devido. Na avaliação de Abrão (2008, p.36), sobre a Lei 9.610/1998, destaca-se :
O grande saldo desses dez anos, de fato, ficou por conta do que a lei não disse,
do que ela não regulou: o interesse público existente nos direitos autorais, o
acesso da sociedade ao conhecimento, à informação, à cultura daquilo que a
lei considera protegido, isto é, do que se permite o uso público somente após
autorização dos titulares. [...] O abuso dos titulares de direitos na fixação dos
preços e na política de distribuição dos bens culturais protegidos por direitos
autorais fomentou novas discussões dos parâmetros sobre os quais se assentam
a matéria, em relação ao que ninguém se atrevia há anos. [...] Enquanto a nova
lei proíbe a cópia privada de obra protegida, a mídia digital facilita-a com um
simples toque de dedo. [...] No varejo das disposições da lei vigente, ainda nos
debatemos com alguns dispositivos de péssima presença, como o inacreditável
inciso VIII do art. 46, que em sua primeira parte libera o uso público de
36

alguns trechos e obras, e, na segunda, abre oportunidade para fechá-la


com tranca.

Pela lei, o ECAD dispõe de livre atuação, uma vez que não existe nenhum artigo em lei
que versa sobre sua fiscalização ou até mesmo sobre possível criação de um órgão estatal
responsável por supervisioná-lo, fazendo com que este aja conforme seus próprios critérios, e
então, contribuindo para um crescimento desenfreado, além de arrecadações e distribuições
duvidosas.
Ascensão (1997, p.624) já reconhecia a necessidade de intervenção estatal nas entidades
de gestão coletiva no Brasil:
As entidades de gestão vêm-se assim revestidas indiretamente de poderes de
autoridade. Tudo isto teria de ter como contrapartida uma demarcação muito
efetiva do estatuto dessas entidades, em que se estabelecesse quais as
responsabilidades que lhes caberiam. Mas, como veremos a seguir, caiu-se no
Brasil numa situação de vazio legal. Esta situação é tanto mais surpreendente
quanto é certo que nas ordens jurídicas estrangeiras que são tomadas como
modelos se multiplicam as providências que disciplinam as entidades de
gestão. Mesmo um relatório de 1989 da OMPI sobre “Gestão coletiva dos
direitos de autor e dos direitos vizinhos”, apesar de obviamente se destinar a
traduzir os interesses das entidades de gestão, não deixa de propugnar uma
série de providências ou meios de disciplina dessas entidades.

Defende-se, a partir daí, o retorno à condição prévio à Lei nº 9.610/1998, quando


havia a regulamentação do Estado no tocante à gestão coletiva de direitos autorais,
controlando, assim, a atividade do ECAD.
Negreiros (2012) destaca que no atual mecanismo do ECAD, grupos econômicos
se apoderaram do sistema de gestão coletiva, como o fizeram no período Lei nº
5.988/1973. Foi por interesse deles que no sistema do ECAD manteve-se a ausência de
método para mediação de preços, a inexistência de controle estatal para fiscalizar sua
funcionalidade, bem como a sua harmonia com os direitos fundamentais (como, por
exemplo, o acesso à cultura), privilegia este tipo de interesse. Este método introduzido
pelo ECAD progrediu com base em condutas suspeitas, resultando em inúmeras críticas
e opiniões opostas. Negreiros (2012) aduz:
Qualquer endosso a modelo tão injusto torna-se, assim, repugnante. É triste
que ainda haja quem creia, ou reproduza o papo-furado de que o ECAD teria
sido “criado pelos músicos”, e não por uma lei federal que buscou sem sucesso
organizar a disputa entre as muitas e perdulárias sociedades que o integram.
Bobagem ainda maior afirma que “músicos o controlam”, afastando os editores
multinacionais do debate e sustentando a falsa premissa de que, ao lidar com
direitos privados, não se deve permitir que o Estado se intrometa, como se nos
demais países, que regulam de perto a sua gestão coletiva, tais direitos tivessem
outra natureza, ou sua gestão coletiva tivesse por isso pior desempenho. Dito
isso, números do ECAD que parecem permanecer ignorados tornam-se
especialmente significativos: em 2001, distribuiu-se 90,12% dos recursos para
obras nacionais, e 9,88% para obras internacionais; em 2004 esta proporção
mudou para 81,49% e 18,51%; em 2008, 73% e 27%; em 2009, 69% e 31%.
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Ou seja, em menos de 10 anos o ECAD triplicou as remessas de divisas para o


exterior. Com gastos de 67 milhões por ano (47 em pessoal). Esse ECAD, se
um dia foi orgulho da classe, é hoje uma catástrofe em eficiência, eficácia e
efetividade.

Diante disso, é concebível perceber que o interesse econômico e político possuem


força considerável no que se refere à Lei de Direitos Autorais, capaz até de se sobressair
às garantias do autor. Os grupos econômicos se sobrepõem aos dos autores, titulares de
direitos autorais.
Em audiência pública no Supremo Tribunal Federal, a superintendente do ECAD,
Glória Braga, defendeu a gestão única do ECAD, contrariando o disposto na Lei nº
12.853/2013, ainda não regulamentado pelo Ministério da Cultura (LEE, 2014). Buscou
também a suspensão do efeito da referida lei perante o STF, argumentando que envolver
a tutela do Estado desrespeita os princípios constitucionais de liberdade de associação e
de iniciativa, direito de propriedade e de privacidade do autor, discordando da
personalização de “interesse público” ao exercício prestado por estes escritórios.
O tema já foi decidido pelo STF em 2003, na Ação Direita de
Inconstitucionalidade 2054/DF:
ADI 2054 / DF - DISTRITO FEDERAL - AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO -
Relator(a) p/ Acórdão: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento:
02/04/2003 Órgão Julgador: Tribunal Pleno - DJ 17-10-2003 PP-00013
EMENT VOL-02128-01 PP-00097 RTJ VOL-00191-01 PP-00078 Parte(s)
REQTE. : PARTIDO SOCIAL TRABALHISTA - PST ADVDOS. : NELSON
CÂMARA E OUTROS ADVDO. : ANTÔNIO CÉSAR BUENO MARRA
REQDO. : PRESIDENTE DA REPÚBLICA REQDO. : CONGRESSO
NACIONAL EMENTA: I. Liberdade de associação. 1. Liberdade negativa de
associação: sua existência, nos textos constitucionais anteriores, como
corolário da liberdade positiva de associação e seu alcance e inteligência, na
Constituição, quando se cuide de entidade destinada a viabilizar a gestão
coletiva de arrecadação e distribuição de direitos autorais e conexos, cuja
forma e organização se remeteram à lei. 2. Direitos autorais e conexos: sistema
de gestão coletiva de arrecadação e distribuição por meio do ECAD (L
9610/98, art. 99), sem ofensa do art. 5º, XVII e XX, da Constituição, cuja
aplicação, na esfera dos direitos autorais e conexos, hão de conciliar-se com o
disposto no art. 5º, XXVIII, b, da própria Lei Fundamental. 3.Liberdade de
associação: garantia constitucional de duvidosa extensão às pessoas jurídicas.
II. Ação direta de inconstitucionalidade: não a inviabiliza que à lei anterior,
pré-constitucional, se pudesse atribuir a mesma incompatibilidade com a
Constituição, se a lei nova, parcialmente questionada, expressamente a
revogou por dispositivo não impugnado. III. Ação direta de
inconstitucionalidade: legitimação de partido político não afetada pela perda
superveniente de sua representação parlamentar, quando já iniciado o
julgamento.

Desta forma, resta claro o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que


defende a não caracterização do Escritório Central como órgão monopolizador, como
38

forma de resguardar o interesse da coletividade, mesmo que seu exercício ocorra de


maneira una.
Outra falha é a fenda existente na lei por não prever normas que versem
efetivamente sobre a proteção do autor quanto às obras copiadas por meio da tecnologia.
É sabido que a internet é um ótimo recurso para a divulgação de obras, porém, as fraudes
e piratarias foram alavancadas mediante tal avanço. Não existe ainda um método eficaz
de fiscalização, permitindo que qualquer indivíduo faça inúmeras cópias das criações,
podendo escolher livremente se as comercializa ou não, pois sabe que não será punido ou
até mesmo descoberto (CARBONI, 2008).
Igualmente, a lei já nasceu ultrapassada em alguns aspectos, especialmente em
função de novas técnicas de distribuição e comunicação da obra criativa ao público em
geral.
Santiago (2003) complementa, apontando outras inconsistências e omissões,
como o uso da palavra “emissão” (de obras ou fonogramas por meio da radiodifusão
hertziana) e “transmissão” (de obras ou fonogramas por fios, cabos, fibras óticas ou
procedimentos análogos) como se sinônimos fossem, as quais satisfazem a diferentes
direitos exclusivos descritos pela Convenção de Berna; a troca do termo “obra em
colaboração” por “obra em co-autoria” que não gera nenhuma mudança na prática e serve
apenas para dificultar o estudo comparado, visto que apenas a lei brasileira utiliza essa
nomenclatura; a falta de esclarecimento sobre o que a Lei considera “público”, em
contraposição à definição de “privado”, posto que não deixa claro o que é configurado
como público para fins de uso das obras e o que constitui uso privado para os efeitos que
lhe são próprios; a supressão dos artigos 104 e 105 referentes ao ressarcimento pela cópia
privada de obras em suportes materiais virgens, e assim por diante.
Diante dos fatos, pode ser verificado diversas dificuldades para implantar um
sistema justo e adequado, que incorpore a maior parte dos interesses, em razão das
evidências de que o interesse privado prevalece ao público. A ausência de simplicidade
no texto da lei resulta na falta de compreensão de seus direitos por parte de uma grande
parcela dos autores, contribuindo assim para sua vulnerabilidade mediante os interesses
econômicos de terceiros. Percebe-se, desta forma, que desde a concepção dos direitos
autorais, estes apresentam adversidades, carregando consigo desde o início a difícil
convivência entre autores e editores.
39

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O constante desenvolvimento dos meios de comunicação deixa evidente o grau de


importância que os meios modernos de interação efetuam sobre a convivência entre os
indivíduos e os impactos econômicos.
Já no âmbito do Direito Autoral, ao discutir sobre um amparo efetivo de obras
autorais em relação ao seu uso legal, é indispensável abordar ainda sobre o dever sobre o
monitoramento de cópias, posto que o ambiente virtual possibilita fácil alcance às obras
das quais a Lei nº 9.610/1998 visa a limitar. Dentre as circunstâncias derivadas do meio
eletrônico, a de maior relevância se trata da simplicidade na transferência e comércio de
arquivos, afrontando a lei vigente.
Desta forma, a chave da questão se encontra em afrontar a estrutura da proteção
autoral, balanceando-a aos interesses da coletividade, e encontrando equilíbrio entre os
direitos de autor e o direito do livre acesso à cultura. Para isto, uma das possíveis soluções
seria a elaboração e o aperfeiçoamento de softwares capazes de gerir o controle de cópias
musicais, em busca de seus respectivos rendimentos, e, ainda, o abatimento nos valores
de CDs e DVDs, estimulando novamente a compra de obras musicais disponíveis em
meio físico, contribuindo também para a redução da pirataria.
Isto porque, impedir em sua totalidade a disponibilização de obras musicais na
rede seria um claro retrocesso em matéria de desenvolvimento tecnológico. Ademais,
diversos artistas descobriram o ambiente virtual como meio de popularidade e de
propagação de suas obras. Como se não bastasse, a independência do artista juntamente
com a ampla gama de possibilidades e mecanismos disponíveis no mundo analógico,
propiciam a vasta criação de materiais originais ou adaptados.
Por outro lado, indiscutível se faz a necessidade de se debater sobre a legislação
autoral, em especial no tocante a gestão coletiva de direitos autorais. Diversos impasses
seriam resolvidos simplesmente com a instituição de um sistema ou programa que
permitisse ao autor fiscalizar o uso de suas obras, em conjunto com a transparência quanto
à arrecadação e distribuição dos valores auferidos. Não obstante, a norma brasileira de
Direitos Autorais precisa ainda dispor de maior clareza quanto à diferenciação entre as
exceções, em que não se impõe o direito de autor, e limitações, as quais o afastam gratuita
ou onerosamente.
40

Em vista disso, ao indagarmos se é a lei ou a sociedade quem deve passar por


melhorias, é possível perceber que é fundamental a harmonia entre o interesse do autor e
o direito fundamental da população ao acesso à cultura.
Destarte, mediante tais exemplos e os demais já antes expostos, é notória a
necessidade de modernização da lei em vigor, contudo, os conflitos de interesses
existentes dificultam que tal fato seja posto em prática por não se conformarem com uma
mesma solução. A propagação desenfreada da rede não descansa, deixando os autores
cada vez mais propensos a maiores prejuízos, pois inúmeras são as transformações
desencadeadas via Internet, as quais possibilitam cada vez mais o fácil acesso às obras.
Assim, é de extrema importância dar atenção à urgência de amparo tanto ao
ambiente de direitos autorais, que clamam pelo respeito às obras, junto com o direito
individual de expressão e de liberdade em ocupar seu lugar próprio.

REFERÊNCIAS

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vista/reforma-da-lei-de-direito-autoral-e-urgente-para-a-sociedade/>. Acesso em: 05 fev.
2016.
43

DIREITO AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO: PROPRIEDADE


INTELECTUAL E CONHECIMENTOS COLETIVOS
Geovana Bacim1

Resumo: O direito ambiental pode ser compreendido como integrador através do


conceito de meio ambiente equilibrado amplo, como princípio constitucional, que
atravessa âmbitos natural, artificial, cultural e do trabalho. Parte-se do princípio de que a
inclusão da proteção, enquanto patrimônio cultural, de obras artísticas e literárias entre os
incisos elencados no art. 216 da Constituição Federal abre possibilidade aos direitos de
autor serem condicionados a promoção e proteção pela comunidade e pelo Poder Público.
A cultura assume formas diversas, transmite ao patrimônio cultural a variedade de
expressões, através dos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das
expressões culturais, nos termos do Capítulo III, art. 4º, item 1, da Convenção sobre a
Proteção da Diversidade das Expressões Culturais de 2005. Assim, meio ambiente
equilibrado é também a proteção dos direitos do autor. Entretanto, a legislação não é clara
quanto a reprodução das criações coletivas. Nesse sentido, as criações indígenas,
reproduzidas sem o devido escopo de proteção, em especial quando aplicados a indústria,
não resguardam os direitos dos efetivos criadores. O direito ao meio ambiente equilibrado
para as futuras gerações com garantia de reprodução dos conhecimentos tradicionais e a
segurança da manutenção da identidade desses grupos é questão pertinente a forma como
a propriedade intelectual pode assegurar tal direito fundamental. Através deste viés
agregador do direito ambiental, investiga-se uma maneira de proteção aos direitos de
criação de grupos, por exemplo, indígenas, para a defesa de propriedade intelectual como
garantia a um meio ambiente cultural equilibrado.

Palavras-Chave: Propriedade intelectual. Conhecimentos coletivos. Direito


Constitucional e Ambiental.

1 INTRODUÇÃO
O direito ao meio ambiente equilibrado não significa, exclusivamente, que a
natureza esteja alinhada com o desenvolvimento humano. Representa uma gama de
princípios e de direitos positivados, em um rol não exaustivo e que se complementam.
Para tanto, necessária uma leitura sistêmica e abrangente da Constituição Federal de 1988.
Com a aceitação de que o desenvolvimento sustentável é uma rede pela qual passam todos
os direitos que reconhecem a dignidade da pessoa e, assim, pressupõe condições de
segurança sobre, inclusive, as criações de cunho intelectual, consoante art. 225 da

1
Advogada regularmente inscrita na OAB/RS sob o nº 87.901. Graduada em Direito pela Universidade de
Caxias do Sul e especialista em Direito Constitucional pela Anhanguera-Uniderp LFG. Servidora pública
do Município de Caxias do Sul por cinco anos, possui conhecimento de organização pública. Como
advogada, atua em diversas áreas e atualmente desenvolve estudos nas áreas de Direito Ambiental, Direito
da Moda, Propriedade Intelectual e Direitos Coletivos Femininos.
44

Constituição Federal2 (CF) combinado com art. 5º, incisos XXIII3 e XXIX4 do mesmo
diploma. Tem-se que é resguardada a propriedade, desde que atendida sua função social
e que a interação do homem com o meio natural se dá a partir de sua bagagem cultural
(CUNHA, 2004, p. 40). Nessa leitura, percebe-se que há uma lacuna com relação as
criações coletivas tidas como culturais, já que o direito de autor resguarda somente um
criador.
As criações artísticas ou expressões culturais de grupos indígenas não tem um
respaldo claro na legislação brasileira, uma vez que grafismos são intrínsecos às tradições
e tem tratamento de domínio público, sem qualquer garantia de que sejam referenciadas
com o desenvolvimento dessas tribos e suas expressões mais genuínas. Ademais, há
grande presença da tradição oral, detendo poucos registros escritos e documentados dessa
cultura, desenvolvida ao longo da existência desses povos, que constrói também nossa
identidade como pátria.
Se, por um lado, não há referências na legislação e na literatura para proteção
dessas criações, por outro, eminente é a possibilidade de apropriação desse conhecimento
e transformação em produtos, possíveis de geração de riquezas. Se, na modernidade e na
sociedade de consumo tudo vira negócio, as tradições são passíveis de venda. Dessa
maneira, há uma unidade dialética entre natureza e cultura já que toda formação cultural
é inseparável da natureza, com base na qual se desenvolve (DERANI, 1997, p. 68).
Quando a indústria usa dos conhecimentos de grupos tradicionais para reprodução
de desenhos e estampas, necessário lembrar-se da importância e transmissão dos
grafismos indígenas, que são produto de um grupo determinado, mas não fechado e
limitado, e representam, não só a expressão propriamente, mas também carregam o
desenvolvimento e a história de um povo. A preservação é um substantivo vinculado ao
verbo preservar, indicativa de ação que visa a garantir a integridade e a perenidade de
algo (MARCHESAN, 2007, p. 55).
As garantias de reprodução e a possibilidade de transmissão desses direitos às
futuras gerações não tendo respaldo na legislação, que protege somente o autor, pode ter

2 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
3
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
4
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem
como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos
distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;
45

estendida sua interpretação ao direito ambiental. Portanto, busca-se criar vínculo entre os
direitos de propriedade intelectual e o direito ambiental, afim de proteger as expressões
culturais como sustentação dos conhecimentos de cada grupo e garantir a transmissão
desses saberes e as possibilidades de reprodução pela indústria, que os monetiza, como
produto final apropriando-se da representação de um povo, gerando riqueza através dessa
propriedade.

2 DA INTEGRAÇÃO DIREITO AMBIENTAL E PROPRIEDADE


INTELECTUAL

Com base constitucional, o direito ambiental é mantenedor dos direitos culturais


e do patrimônio histórico, assim como dos direitos coletivos dos grupos indígenas.
Portanto, assegurar direitos da propriedade intelectual, quando da reprodução na indústria
com vista às próximas gerações, como afirmação de um meio ambiente cultural
equilibrado, é imprescindível, tanto para a garantia constitucional dos povos que a criaram
como para a distribuição de renda advinda dessa apropriação como a garantia ao direito
de propriedade.
O direito da propriedade intelectual significa a tutela sobre criações, obras e
produções do intelecto humano. No Brasil, as expressões culturais podem ser protegidas
por duas dimensões distintas (a) por meio de medidas que visam a preservação,
salvaguarda e valorização da diversidade das expressões culturais; e (b) por meio do
direito autoral (ADOLFO, 2012, p. 138). Com relação aos direitos autorais e propriedade
intelectual, a proteção é exclusiva e individual, ou seja, do autor, suas participações
individuais em obras coletivas e resguarda o mercado de obras intelectuais, da mesma
maneira. As relações que envolvem negócios entre autores e aqueles que comercializam
as obras são ajustadas nos termos das leis gerais que tratam dos assuntos, como lei
10.196/01, 9.610/98 e 9.279/96 e a proteção do patrimônio cultural imaterial, estabelecido
pela Constituição e pelo Decreto 3.551/00, estão de acordo com a Declaração Universal
sobre a Diversidade Cultural (2001), a convenção para a Salvaguarda do Patrimônio
Cultural (2003) e a Convenção para a Proteção e Promoção da Diversidade das
Expressões Culturais (2005) (ADOLFO, 2012, p. 144). O objetivo geral do sistema de
proteção autoral, entretanto, deixa de lado o reconhecimento dos direitos coletivos, pois
o foco da tutela jurídica é o direito individual, conforme a ainda vigente Convenção de
Berna de 1886.
46

A referida convenção protege o direito que o autor dispõe de sobre suas expressões
artísticas, já que são extensões de sua personalidade. A cultura é uma característica
essencial à humanidade e a diversidade cultural constitui patrimônio comum a ser
valorizado, merecendo ser cultivado em benefício de todos.
A Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões
Culturais de 2005, assegura multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos
e sociedades encontram sua expressão5. Em seu texto, leva em conta a importância da
vitalidade das culturas, incluindo as pessoas que pertencem a minorias e povos indígenas.
Resguarda, de igual forma, como se manifestam tais grupos em sua liberdade de criar,
difundir e distribuir as suas expressões culturais tradicionais, bem como de ter acesso a
elas, de modo a favorecer o seu próprio desenvolvimento.
Os direitos de propriedade intelectual têm sua existência justificada pelo interesse
público de: a) reconhecer os autores e inventores pelas suas criações; e de b) estimular
que os mesmos produzam novos produtos e informações para a sociedade. Veronica
Torri, afirma que o objetivo da propriedade intelectual é, na medida do razoável, proteger
o monopólio de seu criador e promover o progresso científico e das artes aplicadas
(TORRI, 2011, p. 37).
Objetiva-se, por consequência, um ciclo contínuo de inovação que trará
conhecimentos e tecnologias que beneficiarão a sociedade e, ainda, o desenvolvimento
econômico (SHERWOOD, 1992, p. 46). Entretanto, as obras intelectuais que possuem
uma dimensão coletiva a legislação autoral pouco reconhece e protege. Não há previsão
de resguardo aos direitos dos grupos que desenvolvem ou mantém obras coletivas, mesmo
sendo afirmada a necessidade de criações de cunho intelectual para o desenvolvimento
econômico e social.
Há a aproximação e vinculação do Direito da Propriedade Intelectual e do Direito
Ambiental quando se propõe a existência de um meio ambiente intelectual e cultural.
Instrumentos do Direito Ambiental são utilizados para aprimorar a tutela jurídica da
propriedade intelectual, uma vez que é de interesse público, tanto manter o meio ambiente

5
III. Definições Artigo 4 – Definições - Para os fins da presente Convenção, fica entendido que:
"Diversidade cultural" refere-se à multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos e sociedades
encontram sua expressão. Tais expressões são transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades. A
diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece e se
transmite o patrimônio cultural da humanidade mediante a variedade das expressões culturais, mas também
através dos diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões culturais,
quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados.
47

em equilíbrio quanto o desenvolvimento econômico e sustentável através da contínua


criação de melhorias para a vida.
O Direito Ambiental é um direito sistematizador, que faz a articulação da
legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram o
ambiente, buscando evitar o isolamento dos temas ambientais (MACHADO, 2008, p. 54-
55). É o ramo do direito que consegue salvaguardar os direitos intrínsecos a vida,
portanto, resguarda os direitos fundamentais, entre eles o de propriedade intelectual.
Logo, tal qual no Direito Ambiental, deve existir no Direito de Propriedade
Intelectual dinâmica própria relacionada à interação dos seres humanos com os
conhecimentos, informações e criações produzidas no ecossistema social. A
sustentabilidade desse ambiente cultural relacionar-se-á, portanto, com a produção e
disseminação de conhecimentos (ROCHA, 2018). Para ambos, é dispensado tratamento
constitucional e são direitos difusos da coletividade – patrimônio cultural e meio
ambiente. Podem ser entendidos como direitos públicos subjetivos, oponíveis contra o
Estado, que tem obrigação de assegurar a sua execução e que os cidadãos devem ter
acesso. Ainda, nos dois casos há a expressa previsão de participação da sociedade na
proteção, ficando caracterizada uma responsabilidade da própria sociedade em relação
aos mesmos, tanto como mantenedora quanto garantidora para as próximas gerações
desses direitos.
Assim, se tem explícita a conexão entre o Direito Ambiental e o Direito da
Propriedade Intelectual, sendo um necessário ao outro como expressão dos direitos
fundamentais e como imprescindível a manutenção de um ambiente cultural equilibrado.

3 DO DIREITO AMBIENTAL COMO PROTETOR DE DIREITOS COLETIVOS


E DA AUTORIA DE GRUPOS

Os recursos naturais e as dinâmicas dos ecossistemas são elementos essenciais ao


desenvolvimento social, especialmente para a economia moderna e deve ser motivo de
preocupação na preservação do meio ambiente entendido de forma ampla. O meio
ambiente que deve ser globalizante, abrangente de toda a Natureza original e artificial,
bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a
flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e
arqueológico (SILVA, 2002, p.20).
48

Um dos possíveis conceitos de meio ambiente é o do art. 3º, inciso I da Lei


6.938/31: “o conjunto de condições leis, influências e interações de ordem física, química
e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Entende-se que
meio ambiente é todo conjunto de condições onde pode se desenvolver a vida, assim, o
direito ambiental tem na tutela dessas condições a sua razão de existir. Afim de a
propriedade intelectual ser garantidora de instrumentos para que as criações culturais
continuem a acontecer e ser também garantidora dessa proteção ao autor, Direito
Ambiental funciona basilar ao desenvolvimento humano, como protetor desses
princípios.
Se para o Direito Ambiental a utilização racional é aquela que permite a
preservação e recuperação natural do ambiente, a utilização racional da Propriedade
Intelectual será aquela onde a exclusividade e o controle privado são atribuídos na medida
adequada para que haja um máximo de produção social de bens intelectuais e o retorno
dos mesmos ao patrimônio comum (ROCHA, 2018).
Por Meio Ambiente Cultural se entende o patrimônio artístico, paisagístico,
arqueológico, histórico e turístico, nos termos da Constituição Federal, tutelado
especificamente pelo artigo 216 da Constituição Federal brasileira. O Constituinte acabou
mesclando, no contexto da ordem social, assuntos que a ela não pertenciam, tais como o
meio ambiente, a ciência e a tecnologia, sendo, portanto, os direitos culturais
manifestações dos direitos sociais (SILVA, 2002, p.705).
Hoje, toda produção cultural dos grupos indígenas não tem resguardo além do
registro como patrimônio imaterial perante ao IPHAN. Daniel Munduruku, presidente da
ONG Instituto Indígena Brasileiro da Propriedade Intelectual (Inbrapi) afirma: “a lei
reconhece apenas o autor individual, que fez uma obra e tem direitos sobre ela. O que é
coletivo é considerado de domínio público. Queremos que a lei reconheça essa produção
como sendo de uma comunidade” (IWASSO, 2018).
Para tanto, importa entender que, em sua maioria, os grupos indígenas transmitem
seus conhecimentos de geração para geração de formal oral, mantendo dentro dos grupos
os conhecimentos e métodos de produções artísticas. É totalmente cultural e fluida essa
transmissão de saberes, já que não há definição de um único detentor desse conhecimento.
Todos os pertencentes ao grupo colaboram e são conhecedores/transmissores dessas
práticas. Entretanto, mesmo com essa liquidez de aprendizado, não se autoriza a
comercialização dessas artes para terceiros a fim de auferirem lucros.
49

O direito autoral restringe e simplifica a um método, a uma formalidade, não


encontrada nesses grupos. As dificuldades de enquadramento das criações de povos
indígenas e comunidades tradicionais no sistema do direito autoral também decorrem do
fato de não haver na legislação autoral brasileira a possibilidade de um “direito autoral
coletivo” (ADOLFO, 2012, p. 146). Nesse contexto, propriedade intelectual coletiva
poderia ser reconhecida como qualquer expressão, transmitida de entre as gerações desses
grupos, seja através de danças, músicas, narrativas, grafismos, artesanatos ou todo o
conhecimento no uso de plantas e ervas. Se por um lado é interessante e saudável que o
mundo saiba da existência de pessoas com cultura tão diversificada, por outro, a garantia
de segurança desses conhecimentos tão peculiares ficam à mercê da sorte.
Entende-se que somente em um ambiente que suporte o desenvolvimento da
cultura e garanta os direitos a propriedade intelectual se terá o reconhecimento dos
direitos desses povos. Quando se pensa em futuras gerações, os direitos garantidos devem
ser esses que temos hoje somados aqueles que vierem a ser necessários para subsidiar a
vida nos anos que virão. Há que se considerar que nos termos da legislação vigente, Lei.
9.610/98, o inciso IV, do art. 24, determina que os sucessores poderão defender a
integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de
qualquer forma, posam prejudica-la ou atingir o autor em sua reputação ou honra.
(ADOLFO, 2014, p. 88). A forma como são tratados os direitos autorais não alcança a
vastidão das expressões culturais.

4 DA PROPRIEDADE E DOS DIREITOS INDÍGENAS

São reconhecidos pela Constituição Federal, em seu art. 2166, como patrimônio
cultural os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira. Ora, se são tratados como bens culturais quaisquer

6
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-
culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico.
50

expressões dos grupos formadores da identidade nacional, imperiosa é a garantia de


continuidade e manutenção da criação dessa cultura, da mesma maneira que é necessária
a garantia de que tais grupos possam repassar essa cultura às próximas gerações.
As expressões culturais dos povos indígenas consubstanciam obras intelectuais
vivas e dinâmicas, que representam um universo criativo heterogêneo, fluido e
compartilhado, em que seus agentes vão construindo o conhecimento por meio dos
diálogos e embates de seu próprio contexto cultural. E a importância do livre trânsito e
compartilhamento de repertórios, expressões, sentidos, conhecimentos, adaptações e
versões torna ainda mais complexas as suas relações com a propriedade intelectual e as
possibilidades jurídicas de proteção (FARIA, 2012, p. 38).
Neste século, acompanhamos a edição de leis que protejam grupos indígenas da
exploração indeliberada de seus recursos. Exemplo é o Decreto nº 6.040 de fevereiro de
2007 que Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais. Consoante art. 3º, são Povos e Comunidades Tradicionais:
grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas
próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como
condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. O rol é
exemplificativo, mas pode-se desprender da definição de conhecimento tradicional e de
comunidade que há a inclusão taxativa das populações indígenas.
Nos termos do art. 7º, II da MP 2186-16/2011, afirma que conhecimento
tradicional consiste na informação ou prática individual ou coletiva de comunidade
indígena ou de comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio
genético. Assim sendo, comunidade tradicional é a comunidade indígena ou a
comunidade local.
A Constituição de 1988 faz referência aos índios das seguintes maneiras: “grupos
indígenas” (art. 231, § 5º, CF), “índios” (art. 231, § 1º e 2º, “populações indígenas” (art.
22, XI e 129, V, CF), “comunidades e organizações indígenas” (art. 232). Luciano Mariz
Maia sugere que a não utilização da expressão “povos indígenas” na Constituição não foi
sem propósitos, pois a expressão “povos” aparece no direito internacional, sempre
vinculado ao direito político que estes têm à autodeterminação, e ao estabelecimento de
um governo próprio e soberano (MAIA, 1993, p. 56).
“A ideia não é impedir a divulgação, mas dar aos índios um controle sobre o uso
que é feito dela", explica Marcos Terena, (IWASSO, 2018), articulador da Inbrapi sobre
51

povos indígenas das Nações Unidas quando se refere a proteção à propriedade intelectual
e comercialização de produtos extraídos em decorrência desse saber.
A transformação desses saberes e desse legado em mercadoria cerceia a plena
formação do indivíduo que será talhado de acordo com o molde de mercado, como agente
invisível e fator preponderante no atual estágio do capitalismo. O patrimônio é a prova
evidente da existência com o passado e alimenta no ser humano uma sensação
reconfortante de continuidade no tempo e de identificação com uma determinada tradição.
Dessa maneira, suprimindo ou deturpando esse legado, haverá uma solução de
continuidade geracional, constituindo uma lacuna de consequências incalculáveis para a
formação da pessoa e para a sua plenitude existencial (MARCHESAN, 2007, p. 70).
O registro de uma marca garante ao titular uma proteção sobre os interesses morais
e materiais decorrentes da sua propriedade intelectual, o registro de bens culturais de
natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro não trata disso (FARIA,
2012, p. 120). A portaria nº 177 da Funai, regulamenta a entrada em terras indígenas de
pessoas interessada em negócios sobre direitos autorais e de imagem indígenas,
reconhecendo que o gozo desses direitos independe de qualquer medida da própria Funai,
facultando a sua participação nas negociações de contratos para atender aos indígenas. O
que se percebe: a arte indígena não é reconhecida como de potencial valoração
econômica. Ainda, a portaria estabelece que os direitos autorais dos povos indígenas
podem ser morais e patrimoniais, individuais e coletivos, reafirma a inalienabilidade,
irrenunciabilidade e autonomia dos direitos morais (FARIA, 2012, p. 76) em que pese
não tratar disso claramente. É histórico e enraizado em nosso desenvolvimento: o que é
de produção dos índios é de todos, sem qualquer cuidado para com os grupos que
desenvolveram e que esses símbolos representam uma vivência de sobrevivência
histórica.

5 DA PROPRIEDADE INTELECUTAL COMO EXPRESSÃO DE


RECONHECIMENTO

A noção de Propriedade Intelectual como um capítulo do Direito, altissimamente


internacionalizado, compreendendo o campo da Propriedade Industrial, dos direitos
autorais e outros direitos sobre bens imateriais de vários gêneros (BARBOSA, 2003, p.5),
redunda que é um direito com amplo impacto social, por ser possível de exercício por
qualquer um, mas completamente nebuloso, por ser tão complexo, e, por vezes demorada
52

a tutela efetiva. A manutenção e transmissão dos saberes culturais indígenas é feita de


maneira coletiva, sendo que todos do grupo/tribo são responsáveis por essa manutenção
do conhecimento. Assim, todos e qualquer um podem, com a vivência e conhecimento
aprendido, reproduzir o que seus ancestrais faziam, mesmo sem saber quem inventou ou
como se chegou naquele modelo que representa uma identidade.
As regras brasileiras de proteção do patrimônio cultural imaterial, estabelecidas
pela Constituição Federal e pelo Decreto 3.551/00, estão de acordo com as três principais
cartas internacionais da UNESCO a respeito do assunto: a Declaração Universal sobre a
Diversidade Cultural (2001); a Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural
Imaterial (2003); e a Convenção para a Proteção e Promoção da Diversidade das
Expressões Culturais (2005) (ADOLFO, 2014, p.141). Os direitos coletivos são os
direitos que ultrapassam a pessoa e o âmbito estritamente individual. Expressam-se, em
nossa legislação, basicamente, direitos sociais. E tem aplicação também através do
Código de Defesa do Consumidor (CDC). No art. 81, do CDC, há três tipos possíveis de
defesa coletiva: de interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Os direitos difusos são, dessa maneira, aqueles que possuem a mais ampla
transindividualidade real. Além disso, têm como características a indeterminação dos
sujeitos titulares – unidos por um vínculo meramente de fato -, a indivisibilidade ampla,
a indisponibilidade, a intensa conflituosidade, a ressarcibilidade indireta - o quantum
debeatur vai para um fundo (BENJAMIN, 1995, p.84).
São exemplos de direitos difusos a proteção da comunidade indígena, da criança
e do adolescente, das pessoas portadoras de deficiência; o direito de todos não serem
expostos à propaganda enganosa e abusiva; a pretensão a um meio ambiente hígido, sadio
e preservado para as presentes e futuras gerações; a destruição, pela famigerada indústria
edilícia, do patrimônio artístico, estético, histórico turístico e paisagístico (LENZA, 2003,
P.93-94) e outros possíveis de integrar tal rol não exaustivo.
A autoria indígena é coletiva, não sendo possível individualizar o autor. O suporte
é intangível, a exemplo da pintura corporal e, ainda, a arte indígena pouco se altera ao
longo do tempo, pois há a preservação da identidade transmitida entre gerações. Assim,
as poucas modificações não se inserem no conceito de originalidade que a Lei de Direitos
Autorais fez estabelecer (CONRADO, 2018). A lei supõe que toda criação indígena, ou
de qualquer grupo, não deve ser encarada como obra de arte e sim como mera transmissão
de conhecimento. Portanto, se pertencente a grupos indígenas e, consequentemente ao
domínio público, não é possível de valoração econômica.
53

Entretanto, os conhecimentos das populações tradicionais têm sido objeto de


pesquisa e tem ajudado no desenvolvimento de novas soluções para as indústrias.
Todavia, mesmo frente a relevância deste conhecimento para o desenvolvimento de
produtos comerciais, dificilmente os benefícios gerados a partir da exploração econômica
são compartilhados com essas comunidades.
A Convenção sobre Diversidade Biológica estabeleceu um marco na alteração
deste quadro ao reconhecer que os conhecimentos tradicionais são relevantes à
conservação da biodiversidade. Imperioso recordar que houve e ainda há a destruição da
cultura e história dos povos indígenas desde a chegada das caravelas para exploração e
colonização do Brasil.
A Constituição Federal de 1988 prevê que haja condições de manutenção e
prevenção de um meio ambiente equilibrado para a presente e futuras gerações. Para
tanto, se faz necessário proteger os conhecimentos tradicionais, assegurando um ambiente
cultural digno para a sua produção e reprodução, ou seja, não basta registrar os
conhecimentos, é necessário garantir às comunidades indígenas o acesso ao seu espaço
de território e à biodiversidade, para essa possibilidade de manutenção de sua cultura.

6 DO USO SEM AUTORIA – VALORAÇÃO DO CULTURAL

Entretanto, na iminência de a indústria faturar grandes valores com a exploração


desse conhecimento cultural, houve um retorno da atenção para estes povos. Pensando-
se na economia e na possibilidade de comércio dessas criações artísticas, uma das
características dos direitos patrimoniais é sua capacidade de serem cedidos a terceiros.
Ao autor é facultada a cedência de seus direitos patrimoniais em favor de terceiro, em
caráter gratuito ou oneroso, desde que identificado o autor.
Cada ano reduz o tempo de uso de bens, o obsoleto chega mais rápido, em especial
quando se fala de tecnologias e coleções de moda, marcas com produções imensas fora
do país para dar conta da demanda de consumo. A legislação não consegue acompanhar
as mudanças e tampouco criar vínculos para proteger aqueles que utilizam da criatividade
como âmago de trabalho.
Nos encontramos em um momento de ruptura das maneiras de encarar a
economia. Muito fala-se de indústria da criação e economia criativa como novos
horizontes ao desenvolvimento. Procura-se uma integração entre as várias áreas do
conhecimento e se tem bons frutos desse desenvolvimento de maneira holística para
54

termos uma visão do macro, vendo o todo, deixando de lado o individual, rompendo com
a barreira criada no século passado.
Em que pese as criações coletivas terem respaldo de proteção na legislação, não é
eficaz quando da divisão dos lucros ou reconhecimento dos grupos, já que se entende que
o direito da criação fica vinculado somente a um autor e não a um grupo. Tem-se por
escopo, a busca das garantias de propriedade intelectual quando da reprodução de
grafismos, uma vez que a moda busca formas da natureza como expressão primordial de
seus negócios.
As dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas de reconhecimento de suas
obras como valorativas tendem a piorar quando da reprodução em massa dos grafismos
para estampas de peças de roupas. Uma proteção nesses termos ainda é inexistente no
país. Significaria uma lei que para além da segurança jurídica do usuário de expressões
culturais indígenas, uma proteção que faculte aos povos indígenas a possibilidade de dizer
não à apropriação, ao uso indevido ou à adaptação inadequada ou vexatória de suas
expressões (FARIA, 2012, p. 131).
O setor têxtil tem números expressivos na indústria brasileira. Conforme dados de
2017 divulgados pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e da Confecção 7 o
faturamento da cadeia Têxtil e de Confecção foi de US$ 45 bilhões, investimentos no
setor US$ 1.900 milhões, produção média têxtil 1,7 milhão de toneladas. Ainda, segundo
dados da mesma associação, temos a última cadeia têxtil completa do ocidente, o que
significa que temos desde a produção das fibras, como plantação de algodão, até os
desfiles de moda, passando por fiações, tecelagens, beneficiadoras, confecções e forte
varejo.
Moda é expressão não verbal e que através dela se reconhecem os membros de
determinada parcela consumidora. Quando se consome moda, não se busca,
exclusivamente o produto, mas também a imagem que ele vende. Assim, as estampas das
roupas representam também um modo de vida. Se por um lado a proteção das criações é
imprescindível para o reconhecimento de um grupo, por outro, o grupo que consome essa
produção depois de manufaturada em nada contribui para o desenvolvimento do primeiro.
Antes pelo contrário, se falando em grupos indígenas, a reprodução não autorizada de
grafismos gera conflito de identidade e apropriação cultural.
Além disso, os valores que movimentam o setor da moda em momento algum são
revertidos para os criadores dessas estampas. O objetivo da propriedade intelectual é, na

7
Disponível em: <http://www.abit.org.br/cont/perfil-do-setor>. Acesso em: 16 set. 2018.
55

medida do razoável, proteger o monopólio de seu criador e promover o progresso


científico e das artes aplicadas e continuar assegurando que o ganho econômico do criador
não decorre da primeira venda, mas sim do direito de reproduzir em série o produto
original em regime de exclusividade (TORRI, 2011, p. 37). Dessa maneira, não há
qualquer respeito ao trabalho intelectual desenvolvido de forma coletiva e tampouco a
proteção e remuneração por essas criações. A preocupação com a sustentabilidade
aumenta na mesma proporção para o desenvolvimento adequado do ambiente, consumo
e manejo para descarte.
A função social não é a negação do direito subjetivo a propriedade provada, ao
contrário, a função social trata de uma “formulação contemporânea de legitimação do
título que encerra a dominialidade” (BITTAR, 2005, p. 38). O cumprimento da função
social dos direitos autorais tem como objetivo principal a limitação da utilização dos bens
intelectuais pelo titular, em razão de um interesse coletivo da sociedade (TORRI, 2011,
p. 37). Ora, se é de interesse da coletividade o uso desses direitos, quando é uma
coletividade responsável pela criação, tais direitos deixam de protegidos.
Assim, a função social dos direitos autorais deve pautar-se por princípios claros,
que permitam um delineamento justo entre o permitido e o proibido em termos de
utilização das obras autorais, ao mesmo tempo em que o acesso às obras artísticas é
imprescindível ao desenvolvimento e à própria civilização, é necessário assegurar aos
autores remuneração justa e estímulo à sua criação intelectual (BITTAR, 2005, p. 38). A
proteção pelo viés da propriedade intelectual contribui para transformar expressões
culturais indígenas em insumo e mercadoria. Essa é a essência dos direitos de propriedade
intelectual (FARIA, 2012, p. 127). Portanto, é preciso que o sistema do direito autoral
reconheça a pluralidade de autorais dos diversos grupos e sociedade, tendo por base o
conceito de diversidade cultural estabelecido pela Convenção sobre a Proteção e
Promoção da Diversidade das Expressões Culturais de 2005 e o pluralismo jurídico de
povos indígenas previsto na Constituição.
A proteção ambiental passa pela ininterrupta tensão com o direito de propriedade,
o qual está sempre decalcado aos valores materiais e imateriais nos quais se expressam
os bens naturais, artificiais e culturais que compõe a visão holística de meio ambiente
(MARCHESAN, 2007, p. 139). Entretanto, mesmo com a temática de sustentabilidade
muito ainda tem que se percorrer para garantir que haja essa efetiva implantação de um
direito ambiental cultural equilibrado a fim de que seja viável a proteção das atividades
multiculturais como expressão de grupos que criam e se representam por arte.
56

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos de propriedade intelectual não alcançam os autores não nominados em


um grupo e, necessariamente, precisam de um aproveitamento econômico, em vista de
historicamente, esse direito ser uma maneira de controle de uso de produções
personalíssimas. As expressões indígenas não têm proteção clara em nosso ordenamento
jurídico. Por este motivo, há necessidade de buscar no direito ambiental meios efetivos
para que um meio ambiente cultural equilibrado represente também os direitos coletivos
indígenas quando da reprodução de seus grafismos pela indústria.
A legislação disponível, entretanto, não é eficaz, não protege minimamente os
criadores e ainda, movimenta um grande vulto de dinheiro, muitas vezes de maneira
pouco sustentável e muito poluente. Se vê que há uma grande lacuna quanto a criação de
instrumentos de proteção ao direito autoral e a propriedade intelectual de grupos, já que
não há como identificar um único autor. Se entende que a problemática está em definir o
sujeito de direito, mais do que a própria cultura a ser protegida. A construção de uma
cultura, bem como de uma personalidade, pressupõe acúmulo e esse requer um legado
apropriável pelo sujeito (MARCHESAN, 2007, p. 69).
Tem-se que o sistema de propriedade intelectual não reconhecendo a pluralidade
de autores, por um lado deixa de criar mecanismos de manutenção dessas expressões, e
por outro, permite a reprodução e geração de riqueza para aqueles que não são autores de
fato, somente detém a forma de exploração. No entanto, se tem a possibilidade de
enfrentamento consoante o art. 216 da Constituição Federal, que na identificação dos
valores associados ao bem cultural justificam sua proteção, lançando a noção de
patrimônio cultural para dentro de uma perspectiva ambiental. O tema, por ser complexo,
não se encerra, sendo necessária a integração dos diversos ramos do direito a fim de tentar
encontrar uma solução para toda a problemática já instalada.
57

REFERÊNCIAS

ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva; WACHOWICZ, Marcos. Direito da propriedade


intelectual: estudos em homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes. Curitiba: Juruá,
2014.
BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003.

BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o processo civil


clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do
consumidor. In: MILARÉ, Édis (coord.). Ação civil pública – Lei 7.347/85:
reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1995.

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

CONRADO, Marcelo. O arco sem flecha: arte indígena, direitos autorais e inclusão
cultural. Disponível em:<
http://anpap.org.br/anais/2015/comites/chtca/marcelo_conrado.pdf>. Acesso em: 07 set.
2018.

CUNHA, Danilo Fontanele Sampaio. Patrimônio cultural: proteção legal e


constitucional. Rio de Janeiro: Letra Legal, 2004.

DERANI. Cristiane. Direito Ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997.

FARIA, Victor Lúcio Pimenta de. A proteção jurídica de expressões culturais de povos
indígenas na indústria cultural. Organização da coleção Lia Calabre. São Paulo: Itaú
Cultural : Iluminuras, 2012.

IWASSO, Simone. ONG luta pela propriedade intelectual indígena. Disponível em:
http://www.abfit.org.br/noticias/outros-anos/antes-de-2012/10-ong-luta-pela-
propriedade-intelectual-ind%C3%ADgena. Acesso em: 12 set. 2018.

LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2003.

MAIA, Luciano Mariz. Comunidades e Organizações Indígenas, Natureza Jurídica,


Legitimidade Processual e outros Aspectos Jurídicos, in SANTILLI, Juliana (coord),
Direitos Indígenas e a Constituição, Porto Alegre: Núcleo de Direitos Indígenas e
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1993.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 16ª. ed. Malheiros:
São Paulo. 2008.

MARCHESAN, Ana Maria Moreira. A tutela do patrimônio cultural sob o enfoque do


Direito Ambiental. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2007.
58

ROCHA, Afonso de Paula Pinheiro. Propriedade intelectual e ambientalismo cultural.


Disponível em: <
http://www.academia.edu/3487142/PROPRIEDADE_INTELECTUAL_E_AMBIENT
ALISMO_CULTURAL_INTELLECTUAL_PROPERTY_AND_CULTURAL_ENVIR
ONMENTALISM>. Acesso em: 15 set.2018.

SHERWOOD, Robert M. Propriedade Intelectual e Desenvolvimento Econômico. São


Paulo: EdUsp. 1992.

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 2002.

TORRI, Veronica. Gestão Coletiva de Direitos Autorais e a Defesa da Concorrência.


Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011.
59

OS DIREITOS AUTORAIS NA SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO:


UM CONFLITO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Gustavo Wentz1
Eduardo Henrique Hamel2
Lilian Hanel Lang3

Resumo: Cada vez mais, os direitos autorais devem estar no centro das preocupações do
mundo jurídico. Isto porque, as novas tecnologias advindas da sociedade informacional,
tendem a relativizar as proteções (sejam elas de cunho moral ou patrimonial) conferidas
pela própria constituição ao criador da obra intelectual, em nome de outros tantos
princípios constitucionais, igualmente fundamentais e socialmente difusos. Desta forma,
a análise da matéria deve sim perpassar por um processo de atualização e adequação, mas
também, pela formação de uma consciência social, quanto à importância da matéria, tanto
para o autor, quanto para a sociedade.

Palavras-Chave: Direitos Autorais; Sociedade Informacional; Direitos Fundamentais.

1 INTRODUÇÃO

Os direitos autorais (sejam eles de caráter moral ou patrimonial) vêm sofrendo


constantes ataques decorrentes da popularização dos meios eletrônicos de comunicação e
de propagação do conhecimento. Porém, o surgimento e popularização da internet não
pode servir de álibi para que estes verdadeiros direitos fundamentais dos criadores
intelectuais sejam desrespeitados. Mais do que isto, é necessário que sejam reforçadas as
suas bases, especialmente pela atualização da legislação pertinente, ofertando parâmetros
que, por um lado, protejam os titulares dos direitos autorais, mas, que pelo outro, não se

1
Coordenador e Professor do Curso de Direito de Faculdade IDEAU – Getúlio Vargas. Mestre em Direito,
Democracia e Sustentabilidade pela Faculdade Meridional – IMED. Beneficiário de Taxa de Mestrado do
Programa de Suporte a Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares (PROSUP) da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Especialista em Direito Civil e Processo Civil
pela Universidade de Passo Fundo - UPF. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de
Passo Fundo – UPF. E-mail: gustavowentz@hotmail.com; gustavowentz@ideau.com.br. Telefone: (54)
3341-6600.
2
Mestre em Direito, Democracia e Sustentabilidade pela Faculdade Meridional - IMED. Docente do Curso
de Direito da Faculdade IDEAU/Getúlio Vargas-RS. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela
Universidade de Passo Fundo – UPF. E-mail: eduardohamel@ideau.com.br. Telefone: (54) 3341-6600.
3
Mestre em História Pela Universidade de Passo Fundo. Pós-graduada em Direito do Trabalho
Contemporâneo e a Seguridade Social pela Universidade de Passo Fundo. Pós-graduada em Gestão Pública
pela Universidade Federal de Santa Maria. Pós-Graduada em Gestão Pública das Organizações de Saúde
pela Universidade Federal de Santa Maria. Graduada em Direito pela Universidade Regional do Alto
Uruguai e das Missões – Campus Erechim. Docente do Curso de Direito da Faculdade IDEAU/Getúlio
Vargas-RS. Email: lilianlang@ideau.com.br Telefone: (54) 3341-6600.
60

consubstancie em barreiras intransponíveis para a troca de conhecimentos, que


verdadeiramente é uma das principais facetas desta nova sociedade conectada.
Desta forma, restam duas questões centrais a serem respondidas: está-se,
efetivamente, diante de um conflito de direitos fundamentais? E, mais do que isto, a
legislação nacional está apta a resolver este conflito? Para responder a estas duas
perguntas, faz-se necessária a análise, em primeiro momento, dos direitos autorais
enquanto categoria jurídica tutelada, para então promover a contraposição destes
conceitos aos princípios norteadores da sociedade de informação. E, ao final, estabelecer
o cotejo entre os direitos fundamentais envolvidos.
Para desenvolver a presente pesquisa, foi escolhido o método dedutivo, partindo
de uma premissa geral (direitos autorais) para então buscar a sua sustentação a partir de
premissas menores, tais como os direitos patrimoniais e morais envolvidos e a sociedade
de informação. Já a técnica utilizada foi a da pesquisa bibliográfica, e da formulação de
conceitos operacionais.

2 DIREITOS AUTORAIS

Antes de tudo, é importante que fique claro que o presente trabalho tende a analisar
tão somente os direitos autorais, enquanto direitos ligados aos autores, e não a propriedade
intelectual como um todo.
Os direitos autorais são regulamentados no Brasil pela Lei Federal nº. 9.610/98, e
buscam proteger os direitos dos autores e todos os demais direitos que lhe são conexos
(direitos dos artistas, intérpretes, executantes e produtores, por exemplo). Desta forma, a
utilização do verbo no plural ‘direitos autorais’ tem função de fazer referência tanto aos
direitos do autor propriamente dito, quanto a todos os seus demais direitos conexos.
(AFONSO, 2009, p. 11)
Posto este primordial esclarecimento, já é possível afirmar que os direitos autorais
garantem ao criador a devida proteção da sua criação intelectual em relação a terceiros,
que não podem utilizar destas criações sem a devida autorização do autor, bem como,
fornecem a garantia de que o autor irá receber os proveitos financeiros, advindos da sua
comercialização. (REIS; TOLOTTI, 2009a, p. 66)
61

Tais direitos autorais, encontram-se elencados também no texto da Constituição


Federal, especificamente nos incisos XXVII e XXVVIII do artigo 5º4, ou seja, elencados
dentro do rol dos Direitos Fundamentais, o que destaca a sua importância. Ao reconhecer
a proteção dos direitos autorais, Afonso afirma que: “É por isso que, segundo o preceito
constitucional, nenhuma pessoa pode utilizar, publicar ou reproduzir uma obra intelectual
sem ter o consentimento do autor.” (2009, p. 10)
A caracterização destes direitos e a sua utilização na defesa dos interesses dos
autores, parece de fácil compreensão, porém, carregam consigo uma natureza dúplice, o
que os tornam muito complexos. De um lado temos a sua natureza moral, ligado aos
direitos de natureza pessoal do autor em relação a sua criação, e, de outro lado, temos os
seus aspectos materiais, verdadeiros direitos reais de propriedade sobre a criação, e que
garantem ao autor a obtenção de lucros a partir das suas criações.
Ao destacar está natureza dúplice dos direitos autorais, Poli (2008, p.6) destaca
que o aspecto pessoal, que tem natureza extrapatrimonial, vincula o autor à sua obra,
enquanto o aspecto material, que por sua vez tem natureza patrimonial, autoriza a sua
exploração comercial. Assim, o aspecto pessoal surge para proteger a personalidade do
autor enquanto o aspecto material pretende a proteção do bem jurídico imaterial.
Como antes mencionado, os direitos autorais são protegidos pela Lei nº 9.610/98
(Lei Ordinária), que reconhece e protege os direitos do autor, tanto em seu aspecto
patrimonial, equiparando a sua proteção a dos direitos reais de propriedade, quanto em
seu aspecto moral, surgindo a proteção a partir da sua mera materialização
(exteriorização), ou seja, não depende de registro, isto porque, a sua forma materializada
é que possibilita a transmissão do conhecimento para as futuras gerações. (KNIES, 2009,
p. 188)
Neste mesmo sentido, Afonso diz que é “Uma tendência de quase unanimidade
universal outorgar a proteção às obras intelectuais pelo simples fato de sua criação, sem

4 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras,
transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas,
inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos
criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;
62

a necessidade de cumprimento de nenhuma outra formalidade de maneira que o registro


da obra tem um caráter declaratório” (2009, p. 21)
Assim, não restam dúvidas quanto à proteção legal aos direitos autorais, mas, para
que seja possível a compressão quanto ao tema, especialmente quanto às implicações pelo
uso na internet, faz-se necessária divisão dos estudos, caracterizando e individualizando
o conteúdo em relação aos aspectos morais e patrimoniais.

2.1 Direitos Morais

Estes direitos morais que detém o autor sobre a sua obra se originam no
reconhecimento de que a obra é efetivamente uma extensão da personalidade de seu
criador, gerando um poderoso vinculo pessoal entre ‘criador e criatura’, o qual não pode
ser quebrado por simples regras de direito material. (AFONSO, 2009, p. 35). Já Poli, ao
manifestar-se sobre esta categoria de direitos, afirma que: “Os direitos da personalidade
são: extrapatrimoniais, absolutos, indisponíveis, imprescritíveis, impenhoráveis,
necessários, vitalícios, essenciais, genéricos e preeminentes.” (2008, p. 30)
A legislação brasileira reconhece a proteção dos direitos morais do autor nos
artigos 24 a 27 da Lei 9.610/98. O Artigo 245 elenca uma série de direitos morais que o
autor detém sobre a sua obra, deixando clara a preocupação do legislador em não apenas
garantir ao autor o reconhecimento do seu trabalho, como também, um direito de
propriedade moral continuo sobre o fruto do seu trabalho intelectual. Por sua vez, os
artigos 25 e 26, reconhecem, respectivamente, o direito moral do diretor de obra
audiovisual, e a proteção dos direitos morais do arquiteto sobre o seu trabalho técnico.6

5
Art. 24. São direitos morais do autor:
I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor,
na utilização de sua obra;
III - o de conservar a obra inédita;
IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de
qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a
circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;
VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de
outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua
memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será
indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.
§ 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.
§ 2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público.
§ 3º Nos casos dos incisos V e VI, ressalvam-se as prévias indenizações a terceiros, quando couberem.
6
Art. 25. Cabe exclusivamente ao diretor o exercício dos direitos morais sobre a obra audiovisual.
63

Por fim, temos o artigo 277, que dispõem quanto à inalienabilidade e a


irrenunciabilidade dos direitos morais do autor sob a sua obra, característica peculiar e
que impede que outros tomem para si tais direitos morais. Tal fato é indispensável para o
entendimento destes direitos, especialmente no contexto da sociedade de informação, que
veremos adiante, uma vez que os tornam absolutos e imponíveis contra todos. Tais
características demonstram a especialidade de tais direitos, até mesmo, quando
contrastados a outros direitos fundamentais.
Poli afirma que o direito moral do autor “surge da necessidade de se proteger a
personalidade do autor exteriorizada com a obra. Assim, sob uma visão pluralista, eles
podem ser relacionados como direitos da personalidade expressamente protegidos na
Lei.” (2008, p. 30)
Desta forma, pode-se afirmar que os direitos morais são aqueles direitos de
reconhecimento, devidos ao autor da obra intelectual. Não tratam-se de direitos de
proveito econômico (os quais serão vistos adiante), mas sim, de direitos personalíssimos,
inalienáveis e irreunciáveis, protegidos tanto pela norma constitucional, quanto pela
norma especial ordinária.

2.2 Direitos Patrimoniais

Se, os direitos morais são àqueles direitos de reconhecimento, os direitos


econômicos são aqueles ligados diretamente ao proveito financeiro do Autor sobre a sua
criação. “São os direitos que decorrem da utilização econômica da obra intelectual e da
sua comunicação pública, tanto pelo próprio autor como por aqueles por ele autorizados.”
(AFONSO, 2009, p. 39)

Estes direitos econômicos, também estão regulamentados pela Lei nº 9.610/98,


em seus artigos 28 a 45, estabelecendo critérios de proteção, de autorização de uso e de
reprodução das obras, bem como, fixando o lapso temporal pelo qual o autor e seus
sucessores poderão obter tais proveitos econômicos. Dentre estes artigos, destaca-se a
redação dos artigos 28 e 29, que reconhecem não apenas a exclusividade dos proveitos

Art. 26. O autor poderá repudiar a autoria de projeto arquitetônico alterado sem o seu consentimento durante
a execução ou após a conclusão da construção.
Parágrafo único. O proprietário da construção responde pelos danos que causar ao autor sempre que, após
o repúdio, der como sendo daquele a autoria do projeto repudiado.
7
Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis.
64

econômicos do autor pela sua criação, mas também, as formas de autorização para que
terceiros possam utilizar a sua criação.8
Por sua vez o 379 afirma que a compra de um original ou exemplar da obra não
transfere ao adquirente os proveitos econômicos dela decorrentes. Ou seja, ao adquirir o
exemplar de um livro, por exemplo, o seu adquirente não se sub-roga nos direitos de autor,
o que lhe impede de tirar tantas cópias integrais quanto entender possíveis e comercializá-
las, como se sua criação fosse.
Já artigos 41 e 4210, estabelecem o prazo de proteção a estes direitos patrimoniais,
afirmando serem, atualmente, de setenta anos contados do dia 1º de janeiro do ano
subsequente ao falecimento do autor, ou, tratando-se de mais de um autor, do dia 1º de
janeiro do ano subsequente ao falecimento do ultimo autor, com exceção aos direitos
sobre obras audiovisuais e fotográficas, cujo prazo de setenta anos flui a partir da sua

8
Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades,
tais como:
I - a reprodução parcial ou integral;
II - a edição;
III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;
IV - a tradução para qualquer idioma;
V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;
VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou
exploração da obra;
VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer
outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo
e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou
produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;
VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:
a) representação, recitação ou declamação;
b) execução musical;
c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos;
d) radiodifusão sonora ou televisiva;
e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva;
f) sonorização ambiental;
g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado;
h) emprego de satélites artificiais;
i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação
similares que venham a ser adotados;
j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas;
IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas
de arquivamento do gênero;
X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.
9
Art. 37. A aquisição do original de uma obra, ou de exemplar, não confere ao adquirente qualquer dos
direitos patrimoniais do autor, salvo convenção em contrário entre as partes e os casos previstos nesta Lei.
10
Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano
subsequente ao de seu falecimento, obedecida à ordem sucessória da lei civil.
Parágrafo único. Aplica-se às obras póstumas o prazo de proteção a que alude o caput deste artigo.
Art. 42. Quando a obra literária, artística ou científica realizada em co-autoria for indivisível, o prazo
previsto no artigo anterior será contado da morte do último dos co-autores sobreviventes.
Parágrafo único. Acrescer-se-ão aos dos sobreviventes os direitos do co-autor que falecer sem sucessores.
65

divulgação e não do falecimento do autor 11, reconhecendo que os proveitos econômicos


são propriedades dos autores durante toda a sua vida, e são transmitidos, aos seus
herdeiros, respeitadas as regras de sucessão hereditária, momento ao qual passam a ser
temporalmente limitados.
Caracteristicamente, os direitos patrimoniais diferem dos direitos morais do autor,
por serem transmissíveis e terem a sua duração limitada no tempo. Pode o autor exercer
e exigir os direitos patrimoniais diretamente, ou por intermédio de uma sociedade de
gestão coletiva (como o caso do ECAD, para a execução pública de obras musicais).
(AFONSO, 2009, p. 40)

3 OS DIREITOS AUTORAIS E SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A


NECESSIDADE DE REAVALIAÇÃO, READEQUAÇÃO E DE NOVA
PROTEÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS

Sem dúvida, vive-se uma nova era, a qual sucedeu ao Estado Contemporâneo,
caracterizado por um novo estilo de pensar, de agir e de se comunicar e que eleva o
conhecimento a um novo patamar, que constitui agora o centro do poder. (PINTO;
PSCHEIDT, 2016)

Ao mesmo, em tempo que surgem as novas tecnologias, ocorre à revolução do


modo de pensar, que se propaga de acordo com a capacidade de transmitir
informações, determinando sua eficiência. Atualmente, o processo de
integração mundial para troca de informações está completo, devido aos
mecanismos de comunicação instantânea, como a internet. Precisa-se, por isso,
cada vez mais da tutela jurídica, que deve ser aplicada adequadamente para
que se mantenha o equilíbrio, evitando o conflito de interesses, que prejudica
uns e locupleta outros. O direito autoral atua justamente nessa linha de conflito.
Uma obra é uma criação de uma propriedade – prevista na Carta Magna, no rol
dos direitos fundamentais. De outro lado, está o direito da sociedade, de acesso
à informação e à cultura, que também são direitos constitucionais, que
precisam se manter em equilíbrio. (KNIES, 2009, p. 190)

A cada inovação tecnológica, o direito é chamado a adaptar-se, especialmente para


proteger os direitos autorais, uma vez que a sua regulamentação vem de dispositivos
legais já há muitos anos consolidados (e por que não dizer, defasados). Antigamente, a
tutela dos direitos autorais estava mais preocupada com a difusão do conhecimento, o
desenvolvimento dos ideais e o reconhecimento social dos autores, atualmente, em
decorrência do desenvolvimento de novas relações entre criador e criatura (especialmente

11
Art. 44. O prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre obras audiovisuais e fotográficas será de
setenta anos, a contar de 1° de janeiro do ano subsequente ao de sua divulgação.
66

de cunho econômico), estes direitos passam a ser vistos como um produto de alto valor
agregado, o que exige uma regulamentação cada vez mais eficaz e protetora. (REIS,
TOLOTTI, 2009b, p. 212)
E não só isto, a popularização de programas e aplicativos que permitem a edição
das obras protegidas, acabam, muitas vezes, por ferir o próprio direito moral dos autores,
que veem as suas obras indevidamente modificadas e publicadas fora do seu contexto
original, causando não só o desconforto do autor em relação a modificação, mas também,
uma leitura equivocada para àquela parte da população que virá a conhecê-la apenas a
partir desta modificação indevida, o que também, por via reflexa, causará prejuízos
financeiros (aspecto material do direito autoral) ao criador intelectual.

3.1 A Sociedade Informacional, a Internet e os Direitos Autorais

Os avanços tecnológicos recentes (iniciados ainda na década de 90 e acelerados


com o surgimento e a popularização da internet), deram forma a um novo modelo de
sociedade, denominada de sociedade informacional, a qual tem a informação e o
conhecimento como bens de valor imensurável e indispensáveis para o desenvolvimento
econômico, tecnológico e cultural. (PIRES; ARAUJO, 2009, p. 216)
Mas, se por um lado, esta sociedade informacional trouxe importante
desenvolvimento para as sociedades, facilitando a comunicação e a troca de informação,
por outro, facilitou também a propagação de cópias não autorizadas de obras intelectuais
protegidas. Até poucas décadas atrás, era inimaginável que qualquer pessoa poderia
imprimir um livro, ou mesmo, fazer uma cópia de uma música. Tais atividades eram
restritas às gráficas e aos estúdios musicais e dependiam de um alto investimento na
compra de sofisticados equipamentos. Neste sentido, afirmam Reis e Tolotti, afirmando:

Foi-se o tempo em que os direitos do autor de uma obra de cunho intelectual,


seja ela literária, artística ou científica, poderiam ser considerados direitos
absolutos. Possuía, antes, o autor, a garantia de proteção total de sua obra e a
certeza do consequente retorno financeiro proporcionado pela mesma. Quando
muito, poderia haver algumas cópias não autorizadas, mas nada
significativamente prejudicial às suas expectativas de retorno financeiro e de
proteção da integridade moral, mas previstas em lei. (2009b, p. 211)

A rede mundial de computadores (internet) tem sido o maior catalisador de


invenções e propagador do conhecimento, porém, muitas vezes o tem feito atropelando e
desrespeitando as leis de proteção dos direitos autorais. Isto porque a internet caracteriza-
67

se, justamente, pela rapidez com propaga dados, informações e arquivos de todos os
gêneros, sem observar se os direitos dos autores destes estão sendo respeitados. (REIS;
TOLOTTI, 2009b, p. 211)

Assim, o regime das proteções técnicas, o das licenças de utilização e o da


proteção antineutralização tornam quase obsoleta a proteção pelo direito de
autor quando essa tutela é aplicada ao ambiente digital: o titular da obra ou da
prestação empresarial protegida tende a usar, doravante, o direito dos contratos
e o regime da responsabilidade civil para o efeito de permitir a utilização ou o
“consumo” da sua obra ou prestação. Atenta a enorme facilidade e frequência
de reprodução não autorizada de obras e à sua “distribuição digital”, o titular
dos direitos de exploração econômica tenderá a mobilizar um acervo de
proteções técnicas e de medidas antineutralização em vez das medidas
repressivas decorrentes da titularidade do direito patrimonial de autor e dos
aspectos também patrimoniais dos direitos conexos. Mas isso extravasa as
preocupações do regime jurídico estrito do direito de autor. (MARQUES,
2011, p. 39)

Importante salientar que os artigos 46, 47 e 48 da Lei 9.610/9812, elencam quais


as formas de utilização de obras protegidas que não geram ofensas aos direitos dos

12
Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
I - a reprodução:
a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos,
com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;
b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;
c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo
proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus
herdeiros;
d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a
reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer
suporte para esses destinatários;
II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por
este, sem intuito de lucro;
III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer
obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o
nome do autor e a origem da obra;
IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua
publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;
V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão
em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses
estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;
VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins
exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;
VII - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou
administrativa;
VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza,
ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal
da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo
injustificado aos legítimos interesses dos autores.
Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem
lhe implicarem descrédito.
Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente,
por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais
68

autores. Ou seja, traz taxativamente os casos onde a norma é ‘flexibilizada’, e, portanto


permite a utilização de obras protegidas, mesmo sem o consentimento do seu ator.
Neste momento é fundamental a análise do II do artigo 46, que, contrariando o
texto da lei que o precedeu (Lei 5.998/73), que autorizava a realização de cópia integral
da obra, desde que atendidos os requisitos legalmente previstos, a nova lei passou a
permitir apenas a reprodução de pequenos trechos e para uso pessoal. Esta
regulamentação veio em resposta à popularização das maquinas de fotocópias, que, diante
do seu baixo custo e do fácil acesso, impunham grandes prejuízos aos autores e demais
setores afins, que igualmente lucram com a reprodução, distribuição e venda de obras
protegidas. (REIS; TOLOTTI, 2009b, p. 214)
Tal consideração é importante para que seja possível compreender que os direitos
patrimoniais do autor não sofrem qualquer tipo de limitação, a não serem aquelas
previstas taxativamente na legislação. E mais, pode o autor negociá-los, fracioná-los ou
mesmo limitar a sua validade temporal ou espacial, tudo em decorrência das suas
necessidades e interesses, mas nunca por imposição de terceiros. (AFONSO, 2009, p. 39)
Já quanto os direitos morais, não existe qualquer tipo de norma que os
‘flexibilize’, isto diante das suas características essenciais (direito personalíssimos,
inalienáveis e irrenunciáveis), não podendo, desta forma, os direitos morais serem
simplesmente desrespeitados, sob pífias alegações de necessidade de circulação do
conhecimento e da cultura.

3.2 Direitos autorais fundamentais (privados) X direitos fundamentais de acesso


à informação e ao conhecimento (direitos públicos)

Conforme antes mencionado, os direitos autorais são garantias constitucionais


quanto à propriedade e aos efeitos (morais e patrimoniais) do autor em relação a sua
criação, carregando consigo uma série de proteções. “Os direitos fundamentais,
entendidos como direitos inerentes à pessoa humana, trazem consigo os atributos de
irrenunciabilidade, imprescritibilidade, historicidade e inalienabilidade, [...]”. (EPPLE;
PIRES, 2009, p. 191)
Neste contexto, ao serem respeitados os direitos dos autores, resta favorecida e
estimulada à atividade criadora humana, que é fundamental para a criação e propagação
dos conhecimentos. Por outro ladro, tem-se a sociedade ávida por estes conhecimentos
que também os exigem a partir de princípios constitucionais, surgindo ai um conflito de
interesses constitucionalmente protegidos. (AFONSO, 2009, p. 11)
69

O Direito Autoral é respeitado dentro do Estado de Direito estando elencado


entre os Direitos Fundamentais do cidadão e igualmente reconhecido na
Declaração dos Direitos do Homem no rol dos Direitos Humanos. Por outro
lado, a liberdade de acesso à informação é direito fundamental no Estado
brasileiro e, como tal, também é reconhecido na Declaração Universal dos
Direitos Humanos. (WACHOWICZ; WINTER, 2007, p. 2493)

Aqueles que defendem a ‘flexibilização’ dos direitos autorais, em favor de uma


circulação mais livre e ágil do conhecimento, o fazem embasado na doutrina denominada
de ‘primeira venda’, defendendo a ideia de que ao vender a sua obra (seja ela original ou
suas cópias), o autor não poderá mais se opor a circulação da mesma, impondo limitações
ao direito de exclusividade de distribuição. Esta limitação também é chamada de exaustão
de direitos, fundamentada no intercâmbio cultural e na livre circulação das obras.
(AFONSO, 2009, p. 46)
Outros, ainda defendem a limitação dos direito do autor afirmando que surgem a
partir do reconhecimento dos interesses dos usuários em utilizar, com certas regras, obras
protegidas sem autorização do autor, surgidos a partir do reconhecimento de vários
direitos fundamentais dos usuários, da promoção da livre circulação da informação e da
difusão do conhecimento. O fazem embasado em conceitos abertos tais como interesses
legítimos ou interesses públicos, que podem variar em decorrência de interesses ou da
política nacional, o que inviabiliza a construção de uma teoria internacional, minimanete
abrangente. (AFONSO, 2009, p.54)
Ao posicionar-se quanto a limitação dos direitos autorais diante de outros direitos
constitucionais da sociedade, Marques afirma que:

O que significa que, embora os direitos de propriedade intelectual (pelo menos


o direito de autor e o direito de patente) possam constituir direitos
fundamentais de natureza análoga ou, inclusivamente, direitos constitucionais
fundamentais, creio que o reconhecimento ou a constituição dessas situações
jurídicas subjetivas devem ser havidas como exceções à regra. E a regra é a
liberdade, a liberdade de iniciativa econômica privada; a liberdade de
referência; a liberdade de citação, etc. No mínimo, parece razoável sustentar
que há outros valores e interesses provindos de um idêntico estalão (o valor da
liberdade de expressão e de comunicação, o interesse em limitar as prestações
de outrem, o valor da sã e leal concorrência). (2011, p. 29)

Assim, todos aqueles que defendem uma relativização dos direitos do autor sobre
a sua obra, o fazem tendo como ponto de partida a própria liberdade do cidadão. Mais do
que isto, embasam o seu dizeres nos princípios delimitadores da própria sociedade
informacional. “Com efeito, esta situação confronta com o princípio da liberdade da
informação que é inerente à própria existência de uma Sociedade Informacional, além de
70

desrespeitar o interesse público dos usuários […].” (WACHOWICZ; WINTER, 2007, p.


2496)
Mas, como já referenciado, o artigo 46 da Lei 9.610/98, trata de forma expressa
das limitações e exceções aplicáveis aos direitos autorais, tratando especialmente de
limitações aos direitos econômicos do autor. Neste sentido, o seu inciso II, suprime do
ordenamento jurídico brasileiro, a possibilidade da cópia privada de obra protegida, ao
passo que proíbe a realização da cópia integral, autorizando tão somente a obtenção de
uma única cópia, de pequeno trecho e para uso privado. Tal regra de vedação a cópia
privada é encontrada tão somente na legislação Brasileira (AFONSO, 2009, p. 57).
Esta limitação, ao que aparenta, escancara o ideal legislativo de proteção aos
direitos autorais. Surgido, certamente, em decorrência das criações tecnológicas que
facilitaram a obtenção de cópias. Esta limitação foi uma eficaz (pelo menos na teoria)
resposta as criações tecnológicas que poderiam vir a relativizar os direitos autorais. Por
outro lado, podemos entender que tal restrição legal, surge a partir da força política que
grandes grupos econômicos, que exploram economicamente as obras protegidas pelos
direitos autorais, têm perante o Congresso Nacional.
É importante frisar novamente que a legislação nacional trata de ‘flexibilização’
apenas dos direitos econômicos, mas jamais permite qualquer tipo de exceção aos direitos
morais do autor sobre a sua criação, isto porque, tais direitos são personalíssimos,
inalienáveis e intransmissíveis, o que os coloca em um patamar de absoluta proteção em
relação a quaisquer outros direitos fundamentais colidentes.
Tudo isto torna ainda mais evidente o secular conflito entre o autor e a sociedade.
A sociedade informacional tratou de criar novos conflitos, opondo, de um lado, a
sociedade e o seu direito de acesso a informação, e, de outro lado, o autor e o seu direito
a receber o devido retorno financeiro, decorrente da utilização dos intelectuais de sua
criação. (PIRES; ARAÚJO, 2009, p. 217)
Também contrapõem a sociedade e o interesse do Autor em ver a sua obra
higidamente protegida, sem modificações ou utilizações que a desmoralize ou a retirem
do seu contexto de criação. Isto porque as ferramentas tecnológicas atuais permitem a
manipulação de textos, áudios e até mesmo vídeos, os quais são disseminados na rede
mundial de computadores, muitas vezes depondo contra a própria obra ou história do
autor. Ainda, comumente, trechos de escritos, áudios e vídeos, são isolados de seu
contexto e reproduzidos, fazendo com a obra não seja compreendida e o seu autor seja
estigmatizado.
71

Talvez, este último caso seja o mais latente na sociedade atual. Isto porque, cada
vez mais, a sociedade tornou-se refém do conteúdo pronto, resumido e entregue na “time
line” da rede social. Não é mais necessário conhecer toda a obra de um autor para entendê-
la, basta que se busque na internet fragmentos, resumos, comentários e a partir daí, retirar
as suas próprias conclusões. Este sim é um verdadeiro desrespeito aos direitos
personalíssimos dos autores, decorrente do desenvolvimento das liberdades pregadas no
âmago da sociedade informacional.
Ou seja, o mesmo artigo 5º da Constituição Federal regulamenta os dois direitos
postos em discussão. Por um lado, consagra os direitos autorais, concedendo ao criador
os direitos exclusivos de utilização, publicação, reprodução, fiscalização e de obtenção
de ganhos econômicos sobre a sua obra, mas, por outro lado, consagra também os direitos
de acesso a informação, à cultura e à educação, conforme previsão dos artigos 5º XIV13 e
20514, ambos da Constituição Federal. (PIRES; ARAÚJO, 2009, p. 217/218)
Mas o questionamento que fica é como resolver o conflito entre estes direitos
constitucionalmente garantidos? As regras da lei da colisão deixam claro que não há
hierarquia entre princípios constitucionais, devendo todos eles serem tratados com o
mesmo peso. E assim sendo, deve o caso concreto fornecer os indícios suficientes para
realização do devido sopesamento, única forma verdadeiramente constitucional de
verificar a prevalência de um princípio em relação a outro. (EPPLE; PIRES, 2009, p. 196)
Para os doutrinadores, defensores de uma prevalência dos direitos fundamentais à
cultura, à educação e à informação, em relação aos direitos fundamentais do autor, a
resposta estaria na limitação deste segundo, imposta pelos requisitos básicos da função
social da propriedade, aplicável, especialmente, em relação à existência de um dever de
promoção do desenvolvimento econômico, cultural e tecnológico. Ou seja, na balança do
sopesamento, a função social da propriedade pesaria contra os direitos autorais. (EPPLE;
PIRES, 2009, p. 196)
Já para os defensores da prevalência dos direitos autorais em relação aos demais,
o argumento seria legalista, ou seja, que a lei prevê apenas poucas regras de exceção, não

13
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao
exercício profissional;
[…]
14
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com
a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
72

podendo qualquer outro princípio vir a criar novas limitações. Também o fazem
embasados na essencialidade dos direitos morais do autor sobre a sua criação, o que o
torna oponível contra todos, gozando de um patamar de superioridade pelo próprio
reconhecimento constitucional da matéria.

3.3 A necessidade de readequação legislativa

Pelo que foi exposto até o momento, resta claro que um dos maiores desafios para
a defesa dos direitos autorais está justamente nos avanços tecnológicos, que criaram uma
série de novas ferramentas de utilização das obras protegidas. Neste contexto, o direito é
chamado a responder a um grande desafio, o de adaptar as suas normas, por meio da
edição de leis modernas e atualizadas, que sejam capazes de garantir a devida proteção
aos direitos autorais, garantindo a proteção do exercício dos direitos inerentes aos autores,
sejam eles materiais ou imateriais. (AFONSO, 2009, p. 9)
Mas, o contrário também é verdadeiro. A Lei n º 9.610/98, foi criada ainda antes
da popularização da internet, sendo que não previu (e também nem poderia) uma
categoria especial de proteção aos usuários da rede mundial de computadores que, pro
um motivo ou outro, realizam o dawnload de parte de obar protegida. Neste caso, e se
analisada tão somente a referida Lei, estariam eles cometendo crime de igual importância
e relevância daqueles que “pirateiam” conteúdos protegidos em grande escala. Esta severa
contradição é destacada por Pires e Araujo, quando afirma que:

Sob o prisma dos usuários da internet e das novas tecnologias, com a lei 9.610
de 1998, há uma supressão da maioria de seus direitos enquanto usuários de
obras intelectuais. Assim, se um consumidor adquire um CD em uma loja e o
copia na íntegra ou apenas uma música para o seu MP3 Player, ou ainda se o
usuário da internet realiza o dawnload de uma música ou de um filme para o
seu computador, ele estará transgredindo a lei de direitos autorais, tendo em
vista que a lei não permite a cópia integral das obras intelectuais, permitindo
tão somente a cópia de pequenos trechos para uso privado do copista. Há,
portanto, uma contradição muito forte entre o texto da lei e a realidade das
práticas tecnológicas existentes. (2009, p. 220)

Neste contexto, é indispensável que se encontre um caminho minimamente claro,


que conduza a resolução deste conflito. Nesta senda, é importante a leitura da proposição
de Afonso, quando diz que:

O ponto ideal de relacionamento e equilíbrio entre o autor, o editor/produtor e


os usuários de obras intelectuais, deve ser buscado por meio da norma jurídica
73

que regula os direitos autorais, sempre levando em conta o estágio de


desenvolvimento econômico, social e cultural do país. (2009, p. 11)

Desta forma, sopesando as razões dos dois lados envolvidos, bem como, os
aspectos do desenvolvimento econômico, cultural e social de cada país, será possível a
adequação da legislação, de forma que não privilegie a tutela dos direitos, ou melhor, dos
interesses daqueles que detém a liderança tecnológica e das indústrias culturais, o que só
reforçaria o sistema de exclusão (real ou potencial) e dificultaria a disseminação do
conhecimento em nível global. (MARQUES, 2011, p. 48)

4 CONCLUSÃO

Verdadeiramente há um conflito entre direitos fundamentais protegidos. De um


lado, tem-se um direito fundamental privado (direitos do autor) que pugna pelo
reconhecimento e proteção dos direitos (morais e materiais) enquanto criador de obra
intelectual e, de outro, tem-se um direito fundamental coletivo, que está no centro desta
nova sociedade informacional.
O embate entre estes dois direitos fundamentais não produzirá, necessariamente,
ganhadores, mas, certamente produzirá perdedores. Isto porque o reconhecimento da
prevalência de um direito fundamental sobre o outro, gerará efeitos sociais negativos.
Caso privilegiado os direitos autorais, a sociedade pagará um preço caro pelo acesso ao
conhecimento e a informação (contrariando os preceitos da sociedade informacional).
Mas, por outro, caso privilegiado os direitos fundamentais da sociedade de acesso à
informação e ao conhecimento, a produção intelectual sairá desprestigiada, fazendo com
que muitos autores deixem de publicar as suas obras, o que, de igual sorte, trará efeitos
sociais negativos, especialmente quanto ao avanço do conhecimento e da informação.
Em verdade, o direito, enquanto sistema que necessariamente se retroalimenta da
própria evolução social, terá de regulamentar a matéria, apresentando aos usuários da
internet novos direitos e limitações, espelhado, primeiramente, na defesa dos interesses e
dos direitos dos autores, mas de forma a não impedir a circulação do conhecimento. Um
sistema que possa, com certa agilidade, retirar de circulação o conteúdo que desrespeite
os direitos autorais já seria um bom começo.
Porém, mesmo o direito sendo ágil em regulamentar, e o próprio Poder Judiciário
hábil em punir aqueles que porventura venham a prejudicar os direitos dos autores, jamais
74

será possível a criação de um sistema de vigilância continuo e eficaz, isto diante da


imensidão da “surf web”, sem falar da famigerada “deep web”.
Neste contexto, a recontextualização social também será importante, surgida a
partir de um entendimento social de que o desrespeito aos direitos autorais trará prejuízos
também a própria sociedade e não somente ao autor, conforme antes referido. O direito
pode vir a criar (e deve criar) ferramentas punitivas eficazes, mas o conflito entre direitos
fundamentais somente será resolvido pela conscientização da sociedade quanto a
importância da proteção dos direitos autorais.

REFERÊNCIAS

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76

O COPYRIGHT E A PIRATARIA NA INDÚSTRIA DA MODA:


FALHA DE MERCADO OU IMPULSO À INOVAÇÃO?

Letícia Soster Arrosi1

Resumo: O artigo analisa através do método dedutivo-dialético e comparativo a tutela do


Direito autoral na indústria da moda e quais as ilicitudes mais comuns nesta esfera, pela
ótica da análise econômica do Direito, com o objetivo de explicar o paradoxo da prática
da pirataria que impulsiona a inovação e também a falha de mercado que incentiva as
falsificações, por meio da doutrina americana e dos copyrights.
Palavras-Chave: copyright, autoral, pirataria

1 INTRODUÇÃO

A moda está atrelada à inovação e advém do impulso social de substituir o velho


pelo novo, de romper padrões e paradigmas, é evolução nos conceitos e expressão do
espírito individual e coletivo da sociedade. A moda é efêmera e seus artigos combatem a
si mesmos. A moda pouco ou nada tem de utilitarista, porque a criação das tendências e
consequentemente os modelos mais novos não afastam a pura e simples utilidade dos
anteriores. Para Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 2007, p. 354-357), a moda é um meio pelo
qual as pessoas distinguem-se, e tem por base o gosto dos indivíduos, o que pode ser
determinado pela classe social a qual o sujeito está inserido. Bourdieu (BOURDIEU,
2007, p. 354-357) afirma que o gosto surge por meio de experiências e valores oriundos
das rotinas criadas pela profissão, grau de instrução e condição financeira. Em outras
palavras, Zakia (ZAKIA, 2018, p. 239-251) afirma que a moda serve como uma
ferramenta de diferenciação entre classes, um indivíduo pode ser identificado como de tal
classe por possuir determinado artigo de moda, e por isso as classes mais baixas buscam
copiar ou almejam adquirir as marcas da moda, a fim de pertencer ao status social a ela
atrelado. Em estudo empírico realizado por Nascimento et al (NASCIMENTO, et al,
2018, p. 323-347), foi constatado que “através de práticas de consumo de bens posicionais
ou hedônicos, indivíduos podem alterar sua sensação de poder e ao mesmo tempo alterar

1 Doutoranda em Direito Comercial com ênfase em Propriedade Intelectual pela USP. Mestra em Direito
Privado com ênfase em Direito Civil e Empresarial e Especialista em Processo Civil pela UFRGS.
Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS. Advogada atuante por mais de dez anos na
resolução de litígios, pesquisas e consultas sobre litígios comerciais de Direito Civil, Propriedade
Intelectual e Análise Econômica do Direito.
77

a sua identidade (self)”. Conforme menciona Zakia (ZAKIA, 2018, p. 239-251), na


indústria da moda, “através de uma lógica econômica simples, quanto mais pessoas
tiverem acesso a tal objeto, menor valor este terá, então será substituído para que outro
possa aí atribuir nova noção de status”.
Schumpeter (SCHUMPETER, 1997, p. 69-83) afirma que são as inovações que
iniciam as mudanças econômicas, fazendo com que os consumidores adquiram novas
necessidades, e não ao contrário: as pessoas não sentem necessidade de algo que não
sabem que existe. É por meio das novas criações que os consumidores são “ensinados a
querer coisas novas ou coisas que diferem em um aspecto ou outro daquelas que tinham
o hábito de usar”, o que gera desenvolvimento econômico por impulsionar o consumo e
consequentemente a criatividade e o mercado (SCHUMPETER, 1997, p. 69-83). A
criatividade dá ensejo à inovação, e então a economia é estimulada. Giacchetta e Santos,
na mesma linha de raciocínio de Schumpeter, afirmam que é através da propriedade
intelectual que as estratégias concorrenciais dos agentes econômicos são protegidas e
reguladas, impulsionando o mercado ao passo que cada qual irá investir em pesquisa e
inovação a fim de atingir a fatia de mercado desejada (GIACCHETTA; SANTOS, 2018,
p. 25-51). É justamente dessa forma que trabalha a moda, principalmente através da
propriedade intelectual.

No mercado da moda, “bem antes de serem usadas as vestimentas ficam obsoletas.


A indústria tem interesse em provocar a obsolescência vivendo um ritmo frenético de
inovação” (MACKAAY, ROUSSEAU, 2015, p. 350).E para mantê-lo, existe um grau de
tolerância à cópia, chamada de inspiração (MACKAAY; ROUSSEAU, 2015, p. 348-350;
RAUSTIALA; SPRIGMAN, 2006, p. 1687; ESTEVES, 2013), a qual é diferenciada da
cópia através da análise da originalidade da criação, o que será explicado ao longo deste
trabalho.

Segundo Rosina, a propriedade intelectual é o “guarda-chuva” jurídico que abarca


a propriedade industrial e os direitos autorais (ROSINA, 2014, p. 106-117). A
propriedade intelectual é esfera jurídica onde determinados direitos são atribuídos ao
titular por certo período de tempo (MACKAAY; ROUSSEAU, 2015, p. 295). Quanto ao
ramo da propriedade intelectual, Echeverría e Knoll explicam que, tanto no âmbito
nacional quanto internacional, o Direito não é apenas o conjunto de regras reguladoras
dos interesses, dos valores e dos caminhos para a resolução dos conflitos e para o
mercado, mas também as questões desprovidas de um regime internacional unificado,
78

como é o caso da proteção da criatividade e suas formas de apresentação. Por isso, o


Direito da propriedade intelectual abrange, além dosDireitos de autor, as patentes
industriais, as marcas e as concessões de licenças, dentre outros temas relacionados
(ECHEVERRÍA; KNOLL, 2015, p. 10), os quais não serão abordados neste artigo. Carlos
Bittar divide os bens protegidos pela propriedade intelectual em dois segmentos: aqueles
os quais possuem caráter estético e aqueles os quais têm cunho utilitário. As obras
estéticas estão sob o pálio do Direito autoral e as utilitárias, do Direito de Propriedade
Industrial. Este trabalho irá versar sobre as formas de proteção das criações de moda
através do Direito Autoral, cuja lei específica é a lei de direitos autorais, de nº 9.610/98.

Foi a partir da criação da imprensa que surgiram os primeiros Direitos autorais,


dados pelos monarcas aos editores dos jornais “para fins de exploração econômica das
obras por determinado tempo, conferidos por dez anos”. Foi também no século XVIII,
em 1710, que, por ato da Rainha Ana (Copyright Act), na Inglaterra, por causa da
inexistência de regras e pelo fato de terem surgido bens imateriais os quais necessitavam
de tutela, surgiu a primeira regulamentação acerca dos Direitos autorais, a qual previa o
impulsionamento da cultura por meio da preservação dos interesses do autor, tanto morais
quanto patrimoniais (ABRÃO, 2002, p. 29; BITTAR; 2015), cuja forma de tutela na
fashionlawserá explicada na primeira parte deste trabalho.

Afirmam Giacchetta e Santos que “o desenvolvimento da economia há muito


tempo tem sido atrelado à capacidade da indústria de agregar valor aos bens produzidos
para, posteriormente, revendê-los no mercado (GIACHETTA; SANTOS, 2018, p. 25-
51)”. A indústria da moda produz bens tangíveis, como por exemplo roupas, acessórios,
perfumes e cosméticos, cuja intangibilidade oriunda da criatividade, da cultura e do
talento, quais sejam, as tendências e as marcas, lhes agregam valor econômico. A
intangibilidade geralmente advém das figuras criativas da companhia (ARAÚJO, 2018,
p. 131-154), as quais podem, ou não, serem aquelas cujo nome é dado à marca. Elas são
as responsáveis “pelas características criativas específicas que, pelas lentes do mercado,
conferirão, ou não, determinado valor à marca, chamada de identidade criativa”. E é por
isso que as companhias de moda buscam investir em inovação por meio da criatividade
(CURY, 2018, p. 105-127), cuja lógica econômica e a existência de um paradoxo de
impulsionamento de mercado serão explicados na segunda parte do artigo.
79

2 O DIREITO AUTORAL NA FASHION LAW

Para entender como o Direito autoral se insere na indústria da moda é necessário


analisar os conceitos e como se dá a proteção das criações (1.1.), e a aplicabilidade da
dupla proteção aos produtos (1.2.) a fim de que se possa depois explicar como ocorre o
impulso à inovação e a falha de mercado oriundos da pirataria.

2.1 O direito autoral como instrumento de tutela

O Direito autoral faz parte do Direito civil e sua tutela não depende de nenhuma
formalidade administrativa. A duração da proteção é longa e o uso da obra não é
obrigatório. O requisito principal é a originalidade da obra, a qual só passa a existir para
o ordenamento jurídico e o mercado quando for exposta ou publicada. As ilicitudes que
permeiam o Direito autoral residem na esfera administrativa, civil e penal. São várias as
sanções, que podem ser contratuais ou extracontratuais. Segundo Newton Silveira, o
princípio básico do Direito autoral é a ampla proteção, ou seja, garantia e defesa,
dependendo do que o lesado escolher ou precisar (SILVEIRA, 2014).

Os Direitos autorais são relacionados ao criador da obra intelectual e à própria


criação. Abrangem a esfera moral do autor, a qual está atrelada ao próprio senso criativo
e à personalidade do indivíduo, sempre expressos na obra, e a esfera patrimonial, referente
ao uso da criação para fins econômicos, que do mesmo modo é exclusiva de seu criador.
O direito moral do autor surge do ato da criação, e o direito patrimonial a partir da
publicação ou da exibição da obra criada (ABRÃO, 2002, p. 29; BITTAR;
2015,SKIBINSKI, 2017, p. 54-67). As obras intelectuais estéticas protegidas pelo Direito
autoral abrangem as áreas da literatura, das artes e das ciências. Segundo Pedrozo, nos
dias de hoje, uma peça a ser protegida pelos direitos autorais pode ser útil, ter
funcionalidade, desde que seja também estética (PEDROZO, 2015, p.17-30). Portanto, a
tutela por meio do Direito autoral exige primeiroesteticidade do objeto.

As criações da moda são as que estão presentes no âmbito das artes, quais sejam,
os desenhos (o design), que podem figurar nas estampas, nas embalagens e nas próprias
formas das roupas; e as fotografias, as quais não serãoobjeto deste trabalho. Abrão
conceitua o desenho como “um traço delineado com a mão do artista, que lhe imprimirá
um outro traço, o da sua personalidade, sendo uma forma de representação do universo
80

por meio de sinais” (ABRÃO, 2002, p. 29; BITTAR, 2015) na visão e na expressão
daquele que o cria. No caso do mercado da moda, o design é aplicado industrialmente a
fim de gerar lucro através dos produtos aos quais está atrelado, mesmo que seja uma
criação exclusiva. Newton Silveira afirma que, para um desenho voltado à aplicação
industrial ser protegido pela lei de direitos do autor, deve ter valor artístico, ou seja,
“caráter expressivo” (SILVEIRA, 2014).

Os requisitos para uma obra ser protegida pela lei de direitos autorais, segundo
Abrão, é estar dentro do prazo de proteção legal, ser original e exposta por qualquer meio
ou suporte (ABRÃO, 2002, p. 29; BITTAR; 2015; PEDROZO, 2015,p.17-30). O
requisito mais controverso para uma obra ser protegida pela lei de Direitos autorais é a
originalidade. Mackaay e Rousseau afirmam que a linha de pensamento francesa
considera a originalidade das obras a marca da personalidade do autor. Para os franceses,
pouco importa a qualidade artística da criação nem o grau de novidade, mas,
primordialmente, o que vale é “a ideia de que a criação não deve resultar de cópia.”
(MACKAAY; ROUSSEAU, 2015, p. 325). Quanto ao requisito da originalidade, afirma
Bittar que para uma obra ser protegida pelo direito autoral ela precisa ter apenas alguns
traços próprios da personalidade do autor (BITTAR; 2015, p.06). Para Rocha, nas obras
artísticas a originalidade tem por fator determinante a execução pessoal do criador, o que
quer dizer que deve ter a marca da personalidade dele (ROCHA, 2003).

Newton Silveira explica que, quando um produto já existe, mas alguém porventura
inventa uma nova função para ele, não haverá proteção pela lei autoral, apenas pela
propriedade industrial se preencher os requisitos da legislação (SILVEIRA, 2014), porque
não haverá originalidade artística na nova funcionalidade para aquela coisa. Abrão chama
a atenção: não se deve confundir obra original com obra originária. A obra originária é
aquela que dá ensejo a outras adaptadas, como um livro que dá origem a um filme
(ROCHA, 2003). Nesse caso, ambas obras são originais (tanto o livro quanto o filme),
mesmo que versem sobre a mesma história, porque terão originalidade por causa das
expressões criativas de seus autores. Na indústria da moda, é possível comparar o conceito
de Rocha com a inspiração: uma criação pode dar ensejo à outra adaptada, que também
será considerada original desde que tenha o espírito do criador que na outra se inspirou.
Quando um produto tiver originalidade suficiente para ser tutelado pela lei dos Direitos
autorais, não é necessário qualquer registro, a obra é protegidaassim que concretizada
(SILVEIRA, 2014). Por essa razão, segundo Manoel Santos, planos ou esboços não são
81

passíveis de proteção, ou seja, no caso dos estilistas, por exemplo, apenas a obra final é
considerada protegida pelo ordenamento (SANTOS, 2013, p.10). Esta questão é o
cumprimento do requisito de a obra ter sido exposta por qualquer meio ou suporte.

Analisando a legislação do copyright americano, Scruggs afirma que para auferir


se uma peça pode ou não ser tutelada pelo Direito autoral estadunidense, é realizado um
“teste de separabilidade (SCRUGGS, 2007; ROSINA, 2014, p. 106-117)2”. Neste teste
são separados os elementos úteis dos artísticos do objeto, a fim de verificar o quão
artística é a obra como um todo. Segundo Scruggs, por meio deste teste é possível chegar
à conclusão de que a maioria dos desenhos de moda são majoritariamente utilitários, razão
pela qual não merecem proteção por meio docopyright. Pela lógica do teste, uma imagem
estampada pode ser fisicamente separada dos aspectos úteis e, portanto, pode ser
protegida por direitos autorais (SCRUGGS, 2007).

A proteção se dá em razão do “interesse cultural que se deposita sobre a obra de


espírito” e as criações de moda para desfiles de marcas renomadas geralmente detém a
inspiração e personalidade de seus criadores (ROSINA, 2014, p. 106-117; BITTAR,
2015; PEDROZO, 2015; p.17-30, SKIBINSKI, 2017, p. 54-67). A partir destes conceitos,
é possível concluir que os looks criados para os desfiles também podem ser considerados
obras a serem protegidas pelocopyright, porque além de muitos elementos deles não terem
utilidade de vestuário, tais criações possuem o caráter expressivo dos seus criadores. Por
outro lado, Kaway afirma que nos Estados Unidos é muito difícil um designer ter interesse
na proteção de suas criações por meio do copyright em razão de ser um longo processo,
que não acompanha o dinamismo do mercado da moda (KAWAY, 2005).3 Exceções
admissíveis seriam uma pintura ou uma imagem retratada em um artigo de vestuário o
qual o criador pretende imortalizar. Empresas como Hermès eBurberry já buscaram
registrar os designs de seus produtos mais famosos, como por exemplo a bolsa Kelly,
consagrada pelo fato de a atriz Gracie Kelly tê-la usado na capa de uma revista (OMPI,
2005, p.794).

2
Scruggs exemplifica o teste de separabilidade através do caso Mazer v. Stein. Nesse caso, Mazer estava
litigando com Stein pelo direito de obter proteção por meio do copyright de luminárias que estavam sendo
fabricadas com estatuetas de figuras humanas nas bases para as lâmpadas. Por meio do teste de
separabilidade, foi auferido que o elemento artístico era a estatueta de e o elemento útil a lâmpada. A
estatueta artística poderia simplesmente ser destacada da lâmpada acima dela, de modo que a Corte
considerou o objeto passível de proteção. Tradução livre.
3
A questão do desinteresse dos designers americanos pela proteção por meio do copyright pelo fato de o
processo não acompanhar o dinamismo da indústria da moda está mencionada em ambos artigos.
82

O art. 11, parágrafo único, e art. 5.º, inciso VIII, h, da lei de direitos autorais
determina a possibilidade de a pessoa jurídica ser titular de direitos autorais por meio de
criação de obra intelectual ou pela transferência dos direitos referentes a ela. A criação de
autoria de pessoa jurídica pode ocorrer de duas formas: A empresa pode apenas
encomendar a criação, sugerindo ou não um tema. Neste caso, segundo Bittar, os direitos
morais da criação sempre pertencerão à pessoa física do criador e os patrimoniais serão
dispostos de acordo com o contrato do autor com a empresa. A segunda forma é quando
a obra criativa se dá por meio de direção de preposto da empresa, o que ocorre
frequentemente nas companhias de moda através da direção do trabalho do designer
contratado a fim de que siga o estilo da marca, ou seja, o funcionário ou prestador de
serviços apenas realiza a operação, o trabalho mecânico da obra, as diretrizes criativas
são dadas pela pessoa jurídica. Neste caso os direitos morais pertencerão à empresa e
também ao autor, e os patrimoniais, assim como na encomenda da obra, pertencerão a
quem estiver determinado no contrato (BITTAR, 2015). Na medida em que a arte começa
a fazer parte da cadeia de produção de mercadorias, as criações começam a adentrar na
esfera da propriedade industrial, razão pela qual podem ser duplamente protegidas contra
a pirataria, consoante será analisado no próximo sub-capítulo.

2.2 O caráter industrial da arte na moda

Afirmam Silveira e Bittar que, como o mercado da moda é extremamente


sofisticado, existe a possibilidade de as criações serem protegidas tanto pela lei de
Direitos autorais quanto pela lei de propriedade industrial. É o caso das obras de arte
aplicada. Nestas obras, além de estarem presentes os requisitos da propriedade industrial,
há elementos que podem ser considerados obra autoral, o que está presente, como
exemplifica Bittar, “na estampagem, na embalagem de produtos, com uso de bonecos ou
figuras estéticas” (SILVEIRA, 2014; BITTAR, 2015). Segundo Chaves, o direito
brasileiro protege duplamente a obra de arte aplicada (KAWAY, 2012), cujos requisitos
são, além daqueles os quais a LPI determina, “ter algum valor artístico para que possa
gozar da proteção do direito de autor”. Chaves menciona que quem procura a dupla
proteção necessita de maior eficácia “do que gozaria à sombra da lei sobre a propriedade
artística” (CHAVES, p. 65-74). Consoante Silveira, para uma obra ser considerada
passível de proteção pela lei de direitos autorais basta que tenha caráter expressivo ligado
83

à forma, o que dará valor artístico à criação. Não importa se estão também presentes os
requisitos para que seja considerada propriedade industrial (SILVEIRA, 2014).
Consoante Rocha, antes de ser analisado o requisito da originalidade para a
proteção pelo Direito autoral da obra de arte aplicada, é necessário a criação ser artística.
“E estas, para o serem, pressupõem que seja criada no espectador uma qualquer emoção
estética, seja de agrado, ou de desagrado (ROCHA, 2003)”.Santos afirma que a dupla
proteção ocorre com o desenho industrial por causa dele ser, consoante art. 95 da LPI,
forma plástica ornamental. Santos menciona que a dupla proteção pode causar conflitos
porque a lei de direitos autorais e a LPI têm divergências quanto à extensão da tutela,
prazos de exclusividade e requisitos para incidência (SANTOS, 2013), mas não é o que
ocorre, segundo Pedrozo: os requisitos do desenho industrial e consequentemente a dupla
proteção servem para ampliar e complementar a proteção do criador (PEDROZO, 2015,
p.17-30). .
Analisando o contexto brasileiro, Pedrozo e Fernandes destacam que, conforme o
entendimento proferido no Superior Tribunal de Justiça, "estilos, métodos ou técnicas não
são objetos de proteção intelectual" (FERNANDES; PEDROZO, 2015, p. 389 – 405), de
modo que "o estilo, isto é, a tendência, não é protegida por direito autoral"
(FERNANDES; PEDROZO, 2015, p. 389 – 405). Dessa forma, a proteção por direito do
autor é conferida nos casos em que se comprove que "o que havia era mais do que uma
simples tendência no ramo da moda, era a evidência de traços de criatividade e
originalidade nos objetos dos litígios" (FERNANDES; PEDROZO, 2015, p. 389 – 405).
Segundo afirmam Bruch e Oliveira, a proteção por meio da lei de direitos autorais
não existe registro formal da criação (art. 18 da LDA), o que torna este tipo de tutela mais
acessível (BRUCH; OLIVEIRA, 2018, p. 1-29). Giacchetta e Santos afirmam ser a
proteção dada pelo direito autoral também menos burocrática, pois não depende de
registro prévio no INPI e tem prazo maior do que a da LPI. Mas, como simplifica Chaves,
e explicam Giacchetta e Santos, “o fato de o direito autoral não possuir necessidade de
registro constitutivo faz com que seu poder de coerção para fazer cessar eventuais
violações seja menor comparado ao da proteção dada pela LPI”(CHAVES, p. 65-74,
GIACCHETTA; SANTOS, 2018, p. 25-51).,uma vez que o registro, no órgão estatal, por
si só é prova constitutiva do direito adquirido perante a criação (SKIBINSKI, 2017, p.
54-67), “já a validade do Direito autoral sobre determinada obra está fortemente
relacionada ao reconhecimento espontâneo por parte de terceiros, caso contrário será
necessário recorrer ao Poder Judiciário para obtê-lo”, o que não ocorre na proteção pela
84

LPI porque já foi chancelado por órgão estatal, o INPI. De fato, a propriedade intelectual
sempre será alvo de ilicitudes no mundo todo, sendo que a forma como são coibidas
influencia o mercado e a economia, consoante será explicado no próximo capítulo.

3 A LÓGICA ECONÔMICA DA PROTEÇÃO INTELECTUAL

É importante entender como ocorrem as ilicitudes relacionadas à arte no âmbito


da moda e consequentemente aos Direitos autoras (2.1.), e qual a relação com o
copyrightamericano, o paradoxo da pirataria e a falha de mercado (2.2.) a fim de se
verificar qual a equação necessária para que a indústria e a inovação continuem
crescendo.

3.1 A pirataria no mercado da moda

As normas acerca das medidas cíveis e administrativas referentes às violações aos


direitos autorais estão na lei de direitos autorais e as penais estão em seu âmbito
pertinente, que não será objeto destapesquisa. Bittar afirma que dependendo da esfera de
violação, haverá também legislação mais específica, como por exemplo nos regulamentos
dos meios de comunicação. As violações obrigacionais, possessórias e morais são
também legisladas pelas normas de Direito privado, como por exemplo o código civil.
Segundo Bittar, tais normas dão o necessário suporte técnico jurídico para os casos que
surgiram ao longo do tempo no Brasil (BITTAR; 2015).

Santos elenca como principais delitos do Direito autoral o plágio e a contrafação


(SANTOS, 2013), também chamados popularmente de pirataria. O conceito original da
palavra “pirataria” se refere à atividade exercida pelos piratas, delinquentes que
abordavam embarcações em alto-mar para saquear riquezas. Naspalavrasde Furi-Perry,
“pirates are not just on the high seas - they are also part of high fashion” (FURI-PERRY,
2014, p.242).Hoje pirataria significa falsificação (CARVALHO, 2005, p. 51 - 88)4.

4
Consoante Carvalho, “segundo o dicionário Silveira Bueno, pirataria é: “roubo; vandalismo; extorsão;
cópia indevida de programas de informática, fitas de vídeo ou som, etc; levar vida de pirata” (Silveira
Bueno, 1996, p. 507). Quanto à definição de pirata, encontra no mesmo dicionário os seguintes termos:
ladrão, gatuno, sujeito audacioso, espertalhão, malandro, indivíduo que comete pirataria, que não respeita
os direitos de autoria ou de reprodução que vigoram sobre determinadas obras ou produtos (literários,
musicais, de informática e outros), seja produzindo ou utilizando cópias ilegais dessas obras ou produtos.
Dessa forma, pode-se afirmar que a pirataria consiste na violação de direitos autorais. Portanto, todo aquele
que copiar, comercializar ou usar produtos pirateados é considerado um pirata”.
85

Segundo Furi-Perry, pirataria é um termo genérico usado para designar as ilicitudes


relacionadas aos direitos autorais causadas através de falsificação (FURI-PERRY,
2014p.242).Kaway conceitua pirataria como “violação a direitos autorais ou design”
(KAWAY, 2012). A pirataria comprovadamente causa problemas sociais como o
desemprego, a sonegação de impostos e o aumento do crime organizado (HEEMSTEDE;,
ORSOVAY, 2018, p. 171-183; CASTRO, 2015)5 e é muito presente na indústria da moda,
sendo uma das principais ilicitudes.

Santos conceitua o plágio como “a imitação servil ou fraudulenta de obra alheia”,


onde o infrator “apresenta como sua a obra alheia” (SANTOS, 2013). Barbosa conceitua
imitação servil como a cópia de criação a qual ocorre sem qualquer investimento
intelectual daquele que copia.(BARBOSA, 2003, p. 325). Há casos de plágio em que a
cópia é integral e outros nos quais existe a tentativa de disfarçar a ilicitude. Para
caracterizar o plágio é necessário identificar os elementos originais da criação, a fim de
que se possa saber qual o patrimônio que foi atacado (SANTOS, 2013), o moral ou o
patrimonial, ou ambos. No plágio geralmente os elementos pessoais da imaginação do
criador são copiados, razão pela qual fere a esfera dos danos morais do autor da obra.

Carlos Bittar conceitua a contrafação como “a publicação ou reprodução abusivas


de obra alheia.”(BITTAR; 2015). Kaway, em conceito simples, definiu a contrafação no
setor industrial como “toda forma ilegal de reprodução, idêntica ou quase idêntica, de
produtos ou sinais protegidos por direitos da propriedade intelectual” (KAWAY, 2012).
Diferente do plágio, onde a ilicitude reside na usurpação da obra, na contrafação há o uso
de toda ou parte da obra sem o consentimento do autor. Também configura contrafação a
adaptação, tradução ou modificação de uma obra sem o consentimento do autor. Bittar
explica que quando a contrafação é identificada, é comum que o poder judiciário ordene
que as mercadorias usadas indevidamente sejam apreendidas para que a ilicitude seja
coibida. No que tange à ilicitudes oriundas de descumprimento de qualquer obrigação
contratual, é possível que o próprio autor da obra cometa alguma ilicitude ao descumprir
alguma obrigação do contrato, o que depende de análise caso a caso (BITTAR; 2015).

5
A Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomercio-RJ), elaborou um estudo
intitulado Pirataria no Brasil: radiografia do Consumo, o qual apura o impacto dos problemas sociais
causados pela pirataria. Nesse sentido, menciona Plácido que PLÁCIDO, “De acordo com dados fornecidos
pela Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro, aproximadamente dezessete milhões de
brasileiros compraram roupas e acessórios falsificados, somente no ano de 2010. O produto falsificado,
além de prejudicar o próprio consumidor, por geralmente se tratar de item com qualidade inferior e sem
garantia, lesa toda a economia brasileira.”
86

Para auferir uma ilicitude de plágio ou contrafação, Santos explica que existe o
“teste de semelhanças” que é um método de comparação a fim de verificar se há ilicitudes
diante do nível de semelhança entre as obras: É usada uma obra “paradigma” e outra
“objeto de comparação”. “Os laudos periciais geralmente apresentam um quadro
comparativo com a identificação dos elementos semelhantes.” Segundo Santos, o teste
“aplica critérios quantitativos (extensão das semelhanças) e qualitativos (importância das
semelhanças)”. Apesar de no Direito de autor ser mais difícil surgirem criações idênticas,
Santos coloca como excludente de ilicitude quando o autor da segunda obra “nunca teve
acesso nem foi influenciado pela original”, o que hoje somente é possível argumentar se
for uma obra inédita, uma vez que com os avanços tecnológicos o acesso à informação
faz com que qualquer obra previamente publicada possa ser acessível (SANTOS, 2013;
BITELLI, 2006, p. 340-361).

Existe também a possibilidade de a violação ao direito autoral configurar


concorrência desleal sem que a ilicitude se enquadre em plágio ou contrafação. É o caso
das obras intelectuais estéticas aplicadas na indústria e comércio (BITTAR, 2015), cujas
regras estão na LPI, as quais no âmbito da moda são geralmente aplicadas no vestuário
ou cosméticos, como por exemplo estampas, joias e perfumes.

Tanto a contrafação quanto o plágio estão intrinsecamente ligados à


desvalorização do esforço mental daquele que cria e ao menosprezo acerca dapessoa do
autor da obra, com o intuito de lhe tirar além da propriedade intelectual, o seu valor
individual como autor e detentor de direitos intelectuais. Sendo a obra intelectual parte
da personalidade do autor ou apenas uma coisa, um bem imaterial, quem pratica as
violações a esses direitos age de má-fé e de forma oportunista, ilicitamente, o que afeta o
mercado e a economia, consoante será analisado a seguir.

3.2 A lógica econômica da pirataria: o paradoxo e a falha de mercado

Bittar menciona que com o avanço tecnológico aumentou e facilitou a prática das
cópias sem autorização, o que causa um desestímulo econômico para as criações
(BITTAR; 2015). Nos Estados Unidos, explica Scruggs, de acordo com a câmara de
comércio americana, a comercialização de mercadorias oriundas de violações aos direitos
autorais envolve de US$ 200 a US$ 250 bilhões por ano, e prejudica cerca de 750.000
empregos. No entanto, aumentar a proteção por meio do copyright (os direitos autorais
americanos), segundo o autor, não fará com que estes números sejam zerados porque as
87

contrafações e imitações envolvem também elementos regulados pelo trademark(o que


pode ser comparado ao direito de propriedade industrial no Brasil), que é tutelado
(SCRUGGS, 2007; FISCHER, 2008).
Pela lógica econômica de Landes ePosner, o custo da pirataria diminui ao passo
que o rigor da lei contra a ilicitude aumenta. Em um certo nível, as cópias são lícitas,
como por exemplo, o consumidor que copia a criação para uso próprio sem fins lucrativos
ou então um designer que incorpora o trabalho de outro na sua própria criação
(inspiração). No entanto, ao passo que o esforço de quem que copia diminui, o que
consequentemente reduz seus custos de transação e gera lucro, está configurada a
“carona” (free-riding) no trabalho alheio. Explicam os autores que há um ponto que
ocorre uma “curva”: na medida que a demanda pelas falsificações diminui, o custo da
pirataria tende a aumentar, o que é suprido por meio de cópias de outros trabalhos. Se os
custos de transação do free-rider forem baixos, a tendência é que novas criações
diminuam, inibidas pelas caronas, que tendem a aumentar. Portanto, afirmam Landes e
Posner que certa proteção contra as falsificações é necessária para que as cópias sejam
coibidas a ponto de os custos dos investimentos em inovação possam ser compensados
até gerar lucro ao criador (LANDES, POSNER, 2003, p. 69-327). Nesse sentido, Mackey
afirma que por isso existem designers americanos que entendem que merecem mais
proteção, igualando seus trabalhos às esculturas e fotografias, pois os investimentos para
as suas criações são os mesmos. Segundo Mackey, os Estados Unidos deveriam ter uma
legislação mais rigorosa quanto à proteção das criações de moda para incentivar mais as
criações neste mercado, pela mesma lógica econômica de Landes e Posner (MACKEY,
2002, p. 368-396).
Barbosa identifica a necessidade de existência de uma legislação de propriedade
intelectual mais rigorosa como forma de controle da concorrência desleal como uma falha
de mercado, porque “em um regime econômico as forças de mercado atuariam livremente
e, pela eterna e onipotente mão do mercado, haveria a distribuição natural dos recursos e
proveitos”. Nesse sentido, se o custo da criação alto e o free-ridingmais acessível, “o
mercado é insuficiente para garantir um fluxo de investimento”, o que causa diminuição
do lucro oriundo das inovações. Portanto, pela teoria do Market failure, há uma
perversidade: a ilicitude (cópias e concorrência desleal) acaba sendo premiada e a
criatividade prejudicada, o que causa estagnação social e econômica (BARBOSA, 2003,
p. 171-74).
88

Há um termo utilizado dentro da indústria da moda para designar a cópia entre


as empresas, o chamado knocking off, o qual designa determinados fabricantes os quais
copiam os produtos do outro, comercializando o que se denomina um “knockoffproduct”.
Segundo Jimenez e Kolsun, há três tipos de knock off: um legal e outros dois ilegais. O
tipo legal é a cópia de produtos considerados básicos, que não estão protegidos pela
propriedade intelectual, por exemplo, qualquer peça de vestuário em que o produto é
apenas funcional e não possui nenhum elemento criativo em sua composição. Os tipos
ilegais de knocking off são aqueles os quais infringem de alguma forma os direitos de
propriedade do criador, por exemplo quando ocorre a cópia de determinado elemento
patenteado ou uma estampa considerada obra artística. Nesse caso, um designer pode
pensar estar apenas se inspirando na criação do outro, mas, na verdade, está infringindo
direitos de propriedade intelectual do concorrente (JIMENEZ; KOLSUN, 2016, p. 10;
KAWAY, 2012).6 Marshall relata que empresas mal intencionadas enviamrepresentantes
para os desfiles de moda e redcarpets a fim de tirarem fotografias para copiar as
tendências, as quais são enviadas a fábricas na China para reprodução em massa
(MARSHALL, 2007, p. 205-331).
As falsificações muitas vezes são feitas na tentativa de enganar o consumidor, mas
em outras, o próprio consumidor compra o produto sabendo ser falsificado, por preço
muito inferior ao original (FISCHER, 2008). Esta última situação geralmente é causada
pelo desejo de possuir um bem posicional, a fim de parecer ou sentir-se pertencer à classe
daqueles a qual são direcionados porque quem adquire produtos luxuosos sabe distinguir
as falsificações e as imitações e não as compra, o que, segundo Landes e Posner, é uma
auto-regulação do mercado oriunda da baixa qualidade das falsificações (LANDES,
POSNER, 2003, p. 69-327; FISCHER, 2008). Mackaay e Rousseau explicam: “na medida
que o número de cópias aumenta, o conjunto da concepção perde valor, e os
consumidores, para se distinguirem, buscam uma nova criação, que a indústria
voluntariamente oferece” (MACKAAY; ROUSSEAU, 2015, p. 349).
Raustiala e Springman dizem que este impulsionamento justifica a alta tolerância
às cópias de design neste mercado. As cópias de design fazem com que a moda adquira
certa coerência, o que ajuda a criar e acelerar as novas tendências . Para Raustiala e

6
Kaway explica os knockoffs da seguinte forma: “dois casos menos graves, porém constantes no setor da
moda: as réplicas e os similares. As réplicas (“knock-offs”) são peças produzidas para deliberadamente
imitar a original, na marca e no design, porém não são comercializadas como originais. Os similares (“look-
alikes”), que apesar de serem produzidos para imitar o original, não possuem aparência suficientemente
similar a ponto de serem considerados contrafações.”
89

Springman, o paradoxo está no fato de a pirataria impulsionar o mercado por meio do


incentivo à criação de novas tendências (RAUSTIALA; SPRIGMAN, 2006, p. 1687),
apesar de reconhecerem que a pirataria pode causar danos a determinados criadores.
Recentemente o mundo ficou chocado ao saber que a Burberry destruiu mais de vinte e
oito milhões de libras em mercadorias com o objetivo de manter a exclusividade e a
reputação da marca7. Tal pratica é comum no mercado de luxo o que, principalmente
nosdias de hoje, é bastante controverso diante da crise econômica mundial que nos assola.

4 CONCLUSÃO

A crescente e constante expansão do setor da moda demonstra a relevância desse


ramo para a economia do país. Naturalmente, suas demandas passam a importar para o
conjunto social, de modo que o Direito não deve ficar inerte a esse movimento da vida
comercial. Os reflexos dessa indústria interessam a todos: ao consumidor, às empresas,
ao governo. O fato de a indústria da moda apresentar peculiaridades próprias justifica o
desenvolvimento desse ramo jurídico.
O Direito autoral geralmente estará presente na moda onde ocorrem os
investimentos em produção voltada para a arte, mais especificamente os desenhos das
estampas e da roupa em si. Nesse sentido, se o design elaborado apresentar os requisitos
necessários, consoante estudado, poderá ser passível de proteção pela lei especial. Em
razão da aplicabilidade industrial das criações de moda, é possível proteger duplamente
alguns artigos de moda, no entanto, tal proteção se dá mais em relação às marcas,
protegidas pela lei de propriedade industrial no Brasil e pelo trademark americano, e não
às obras produzidas. O copyright dos Estados Unidos compara-se ao Direito autoral
brasileiro, o que universaliza a discussão acerca da lógica econômica da proteção

7
Segundo o jornal Inglês The Guardian, “A Burberry destruiu mais de £ 28 milhões de seus produtos de
moda e cosméticos em 2017 para se proteger contra a falsificação. Acredita-se que os varejistas de luxo
destruam produtos não vendidos para proteger sua propriedade intelectual e o valor da marca. Em outras
palavras, eles fazem isso para evitar que seus produtos sejam vendidos a preços baixos no mercado de
produtos falsificados ou que acabem no mercado cinza com varejistas não oficiais, mas legais, que ficam
de fora dos canais de distribuição aprovados pela marca. De acordo com o último relatório anual da
Burberry, e relatórios da Business of Fashion, a marca trabalha com "incineradores especializados que são
capazes de aproveitar a energia do processo". John Peace, presidente da marca, disse que a destruição de
mercadorias "não é algo que fazemos de bom grado". A empresa também afirmou que tomou o cuidado de
minimizar a quantidade de excesso de estoque que produz e está buscando maneiras de reduzir e "reavaliar"
as sobras. Em novembro de 2017, surgiram produtos não vendidos da H & M sendo queimados no lugar de
carvão na Suécia. A informação recebida é que muitas marcas preferem queimar itens da temporada passada
do que arriscar prejudicar a marca vendendo-os a um preço reduzido, mas poucas admitem isso.” Tradução
livre. https://www.theguardian.com/fashion/2018/jul/20/why-does-burberry-destroy-its-products-q-and-a,
acesso em 26/08/2018. Sobre a agressividade de medidas para proteção da marca.
90

legislativa às ilicitudes que ocorrem no mercado no que tange às criações referentes aos
artigos de moda.

As relações no âmbito da fashionlawsão muito dinâmicas, uma vez ser este um


mercado sazonal, muito versátil e volúvel, baseado em diversos conceitos, dependentes
dos contextos onde os mercados consumidores estão inseridos.Pelo estudo realizado,
chega-se à conclusão que as formas de proteção das criações de moda devem ser
escolhidas de acordo com a perenidade que o criador pretende dar à criação. As cópias
fazem parte da indústria e impulsionam a inovação, até certo ponto, ao passo que quando
o custo da criação torna-se mais alto do que praticar a ilicitude, existe uma falha de
mercado, que prejudica a economia e a sociedade, tanto é que verificou-se que o nível de
proteção regula os investimentos do mercado.

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maio/junho, 2017.
93

SOFTWARE LIVRE NA SOCIEDADE EM REDE: EM BUSCA DE UM REGIME


JURÍDICO ADEQUADO

FREE SOFTWARE IN THE NETWORK SOCIETY: IN SEARCH OF AN


ADEQUATE LEGAL REGIME

Maurício Brum Esteves1


Liz Beatriz Sass2

Resumo: Em que pese, no Brasil, os programas de computador sejam protegidos, de


forma geral, como obras literárias, ou seja, por Direito de Autor, de acordo com o artigo
7º, XII, da Lei 9.610/98, e regulamentação especial pela Lei de Software (Lei nº
9.609/98), o sistema jurídico pátrio é absolutamente omisso quanto às peculiaridades
que envolvem as atividades de desenvolvimento e distribuição dos Softwares de
natureza “Livre”. Visando a suprir esse lapso normativo, a presente investigação
pretende responder o seguinte questionamento: qual deve ser o regime jurídico
aplicável às atividades de desenvolvimento e distribuição de software livre no Brasil?
Desse modo, utilizando-se de pesquisa bibliográfica e documental, o presente artigo
traça uma análise sobre o Software Livre - enquanto objeto de proteção pelo Direito -,
a fim de identificar o regime jurídico adequado às suas atividades de desenvolvimento
e distribuição, considerando, ainda, a realidade da hodierna “Sociedade em Rede” e os
compromissos políticos assumidos pelo Estado brasileiro na Constituição de 1988. A
partir disso, verifica-se que as atividades de desenvolvimento e disponibilização de
Software Livre não se encaixam nas relações jurídicas tradicionais, razão pela qual o
regime jurídico adequado irá demandar um rompimento do Direito com o paradigma
clássico de ciência, e um progressivo abandono de suas estruturas estáticas adeptas à
jurisprudência dos conceitos e ao fetiche dos Códigos Oitocentistas. A adequação
necessária, portanto, será na própria estrutura do Direito enquanto sistema.
Palavras-Chave: Software Livre. Direito Autoral. Sociedade em Rede.

Abstract: However, in Brazil, computer programs are generally protected as literary


works, that is, by copyright, in accordance with Article 7, XII, of Law 9.610 / 98, and
special regulations by Law (Law No. 9,609 / 98), the Brazilian legal system is
absolutely silent on the peculiarities that involve the development and distribution
activities of "Free" software. Aiming at filling this normative gap, the present research

1
É Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (em andamento).
Possui Especialização em Direito da Propriedade Intelectual pela Faculdade de Desenvolvimento do Rio
Grande do Sul – FADERGS (2013). Advogado. Atua como membro da Comissão Especial da Propriedade
Intelectual da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio Grande do Sul – CEPI/OAB-RS.
2
É Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (2016), com estágio de
Doutoramento na Universidade de Alicante (Espanha) pelo PDSE da CAPES. Possui Mestrado em Direito
Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2006) e Especialização em Direito Empresarial pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2005). É professora efetiva do Departamento de
Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, na área de Direito Empresarial. Atua como
pesquisadora do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial - GEDAI, vinculado à Universidade
Federal do Paraná, e é líder do Grupo de Estudo e Pesquisa de Direito Empresarial da UFSC -
GEPDE/UFSC.
94

proposes to analyze Free Software - as an object of protection by Law - in order to


identify the legal regime appropriate to its development and distribution activities,
considering also the reality of "Network Society" and the political commitments
assumed by the Brazilian State in the 1988 Democratic Constitution. After the
comparison with the civilian doctrine that promoted the criticism that led Civil Law
to the necessary repersonalization, it was concluded that the activities of Development
and availability of Free Software do not fit into traditional legal relationships, which
is why the appropriate legal regime will demand a break with the classic paradigm of
science and a progressive abandonment of its static structures adept to the
jurisprudence of concepts and the fetish of eighteenth codes. The necessary
adjustment, therefore, will be in the very structure of Law as a system.

Keywords: Free Software. Intellectual property. Network Society.

1 INTRODUÇÃO

Como o próprio título e a delimitação do tema denunciam, a problemática do


presente estudo envolve uma questão nova, complexa, em constante mutação,3 e com
reflexos diretos na epistemologia atinente ao arcabouço jurídico que regulamenta os
programas de computador, principalmente aqueles de natureza “Livre”.4

Em que pese, no Brasil, os programas de computador sejam protegidos, de forma


geral, como obras literárias, ou seja, por Direito de Autor, de acordo com o artigo 7º, XII,
da Lei 9.610/98, e regulamentação especial pela Lei de Software, o sistema jurídico pátrio
é absolutamente omisso quanto às peculiaridades que envolvem as atividades de
desenvolvimento e distribuição de software livre. Prova do exposto, foi a necessária
“importação” da Licença Geral Pública do GNU5 (GNU General Public License),6 criada

3
Nesse sentido, cumpre transcrever os ensinamentos de Ronaldo Lemos: “Escrever sobre tecnologia é como duelar com o
tempo: desde o começo já se sabe quem vai rir por último. Por isso mesmo é um desafio fascinante. Quando alguém se debruça
sobre qualquer questão tecnológica do presente, faz isso correndo o risco de que o próprio objeto de reflexão fique obsoleto
(ou deixe de existir ou acabe “fora de moda”) em curto espaço de tempo” LEMOS, Ronaldo. Futuros
possíveis: mídia, cultura, sociedade, direitos. Porto Alegre: Sulina, 2012. Apresentação, s/n.
4
De acordo com a Free Software Foundation: “Um programa é software livre se os usuários possuem as
quatro liberdades essenciais: - A liberdade de executar o programa como você desejar, para qualquer
propósito (liberdade 0). - A liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo às suas
necessidades (liberdade 1). Para tanto, acesso ao código-fonte é um pré-requisito. - A liberdade de
redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao próximo (liberdade 2). - A liberdade de distribuir
cópias de suas versões modificadas a outros (liberdade 3). Desta forma, você pode dar a toda comunidade
a chance de beneficiar de suas mudanças. Para tanto, acesso ao código-fonte é um pré-requisito.” FREE
SOFTWARE FOUNDATION. A Definição de Software Livre. Disponível em
<https://www.gnu.org/philosophy/free-sw.html>. Acesso em 30 Set.2015.
5
FREE Software Foundation. What is GNU?. Disponível em <hhttps://www.gnu.org/>. Acesso em 30
Set. 2015.
6
BRASIL Licença Creative Commons GNU GPL [Brasil]. Disponível em:
<http://www.softwarelivre.gov.br/Licencas/LicencaCcGplBr/view>. Acesso em 27 de setembro de 2015.
95

e idealizada pela Free Software Foundation (FSF) com foco, entretanto, aos padrões do
Direito Norte Americano.

Ocorre que, a priori, alguns aspectos desta Licença Geral Pública, que são validas
frente ao Direito Norte Americano, poderiam ser considerados inválidos frente ao direito
pátrio, como é o caso das cláusulas de isenção de garantias e responsabilidades (limitation
of liability and disclaimer of warranties clauses), e.g., gerando a indesejável insegurança
jurídica aos diversos negócios que têm surgido na hodierna economia híbrida.

Destarte, cediço da relevância econômica e social do Software Livre, e visando a


suprir esse lapso normativo, a presente investigação tem por objetivo analisar o Software
Livre - enquanto objeto de proteção pelo Direito -, a fim de identificar o regime jurídico
adequado às suas atividades de desenvolvimento e distribuição, considerando, ainda, a
realidade da hodierna Sociedade em Rede7 e os compromissos políticos assumidos pelo
Estado brasileiro na Constituição Democrática de 1988.

Ao final, pretende-se ver respondidas as seguintes questões: qual deve ser o


regime jurídico aplicável às atividades de desenvolvimento e distribuição de software
livre no Brasil? Quais devem ser as características deste regime jurídico para que ele seja
adequado à realidade da hodierna Sociedade em Rede e aos compromissos da
Constituição Democrática de 1988 com a promoção do Estado Democrático e da
Dignidade da Pessoa Humana.

Nesse intuito, a partir de pesquisa bibliográfica e documental, o presente artigo


desenvolve-se em três tópicos. O primeiro tópico apresenta o quadro normativo existente
sobre o tema no Brasil e demonstra a inexistência de um regime jurídico próprio para o
software livre no contexto brasileiro. O segundo tópico arrola os motivos pelos quais
torna-se necessário discutir e aprofundar o estudo acerca de um regime jurídico adequado
para o software livre para, no terceiro tópico, oferecer um panorama quanto aos horizontes
normativos possíveis no que tange à problemática abordada pela pesquisa.

7
A propósito, vide: CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação: economia,
sociedade e cultura v.1. São Paulo. Paz e Terra, 2013.
96

2 DA INEXISTÊNCIA DE UM REGIME JURÍDICO PRÓPRIO PARA A


PROTEÇÃO DO SOFTWARE LIVRE NO BRASIL

A tese central que embasa o presente estudo é no sentido de que inexiste um


instrumento jurídico próprio - ou ao menos de um regime jurídico adequado - para
regulamentar as atividades de desenvolvimento e distribuição de Software Livre no
Brasil, que, progressivamente, têm ganhado importância e relevância na economia
híbrida gestada pela Sociedade em Rede.8

Inicialmente, conquanto, cumpre contextualizar que programa de computador ou


software é a “expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural
ou codificada”.9 Por linguagem natural depreende-se aquela acessível ao homem;
enquanto que linguagem codificada, como aquela que “permite a um determinado
programador desenhar instruções lógicas para um computador sobre aquilo que ele deverá
executar”,10 normalmente constituído por “um conjunto de 0 (zeros) e 1 (uns) na maioria
das vezes impenetrável para o entendimento humano ordinariamente”.11

Ressalte-se, ainda, que muito embora o produto final do programa de computador


possa vir a ser objeto de proteção por diferentes institutos em Direito da Propriedade
Intelectual,12 o cerne da ideia de proteção concedida através do artigo 7º, XII, da Lei

8
A respeito da sociedade em rede, cumpre trazer os ensinamentos de Manuel Castells: “Uma rede é um
conjunto de nós interconectados. A formação de redes é uma prática humana muito antiga, mas as redes
ganharam vida nova em nossos tempos transformando-se em redes de informação energizadas pela Internet.
As redes têm vantagens extraordinárias como ferramentas de organização em virtude de sua flexibilidade e
adaptabilidade inerentes, características essenciais para se sobreviver e prosperar num ambiente em rápida
mutação. É por isso que as redes estão proliferando em todos os domínios da economia e da sociedade,
desbancando corporações verticalmente organizadas e burocracias centralizadas e superando-as em
desempenho”. CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a
sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. p. 7.
9
"Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem
natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas
automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados
em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.” BRASIL. Lei
9.609, 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de
computador, sua comercialização no País, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9609.htm>. Acesso em 27 Ago. 2017.
10
FALCÃO, Joaquim et al. Estudo Sobre o Software Livre comissionado pelo instituto nacional da
tecnologia da informação (ITI). Escola de Direito FGV: Rio de Janeiro: 2005. Disponível em:
<http://www.softwarelivre.gov.br/documentos-oficiais/estudo-sobre-o-software-livre>. Acesso em 07 Out.
2015.
11
FALCÃO, Joaquim et al. Estudo Sobre o Software Livre comissionado pelo instituto nacional da
tecnologia da informação (ITI). Escola de Direito FGV: Rio de Janeiro: 2005. Disponível em:
<http://www.softwarelivre.gov.br/documentos-oficiais/estudo-sobre-o-software-livre>. Acesso em 07 Out.
2015.
12
Neste tocando, importante considerar que o nome/título do programa pode ser objeto de proteção pelo
Direito Macário; eventuais personagens ou figuras públicas (atores, esportistas, etc.) podem ser detentores
97

9.610/98,13 e das previsões especiais da Lei de Software,14 dizem respeito,


exclusivamente, à informação nele contida. Ou seja, é o “conjunto organizado de
instruções” em linguagem codificada (Código Fonte/Objeto15) o objeto de proteção, na
condição de “programa de computador”, como consta na Lei Autoral e na Lei de
Software.16

Na condição de Obra Literária, portanto, cabe ao criador do Software o direito


exclusivo de utilizar, fruir e dispor de sua obra,17 ou mais precisamente, de seu Código
Fonte, dependendo de sua prévia autorização quaisquer modalidades de utilização, como
por exemplo: reprodução,18 edição,19 distribuição,20 etc.

É recente, entretanto, o ânimo de proteção ao Software, e ao consequente


enclausuramento de seu Código Fonte, sob o manto da exclusividade do Direito de Autor.
Se, atualmente, a rentabilidade do Software e a expansão da pirataria têm movido a grande

de direitos de imagem; e a própria embalagem, se caso de software de prateleira, pode ser objeto de proteção
por Desenho Industrial.
13
“Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas
em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: (...) XII - os
programas de computador;”. BRASIL. Lei 9.610, 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a
legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em 27 Ago. 2017.
14
BRASIL. Lei 9.609, 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de
programa de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9609.htm>. Acesso em 27 Ago. 2017.
15
“A distinção entre Código-Fonte e Código Objeto perpassa o espaço da presente problematização, e não
constitui-se elemento essencial para o entendimento. Todavia, merece o registro de que a distinção
elementar entre ambos reside no fato de que o Código-Fonte é aquele criado em um editor de textos,
contendo os comandos da linguagem de programação, enquanto que o Código-Objeto é aquele criado pela
conversão do código-fonte em linguagem de máquina. Para fins do presente pré-projeto, os termos serão
utilizados como sinônimos”. PINHO, Márcio Sarroglia. Programação C/C++. PUCRS. Disponível em
<http://www.inf.pucrs.br/~pinho/LaproI/ConceitosBasicos/ConceitosBasicos.htm>. Acesso em 30 Set.
2015.
16
A propósito, vale a transcrição de Denis Barbosa: “Assim é que a idéia de fazer um computador PC tocar
o Hino Nacional Brasileiro é expressa no conjunto de instruções (em linguagem natural): tocar (3a oitava)
dó/semínima, fá/colcheia pontuada, mi/semicolcheia, fá/colcheia pontuada, sol/colcheia, lá/colcheia
pontuada (etc.); codificada em BASIC: PLAY o3 t122 c,f8.,e16,f8.,g16,a8.(etc.). Segundo a lei, ambas
expressões serão dignas de proteção, assim como sua versão em assembly ou em código objeto.”
BARBOSA, Denis Borges. A proteção do software, 2001, p. 3. Disponível em:
<http://denisbarbosa.addr.com/77.DOC>. Acesso em: 30 Set. 2015.
17
Art. 28, da Lei nº 9.610/98. BRASIL. Lei 9.610, 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida
a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em 27 Ago. 2017.
18
Art. 29, I, da Lei nº 9.610/98. BRASIL. Lei 9.610, 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida
a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em 27 Ago. 2017.
19
Art. 29, II, da Lei nº 9.610/98. BRASIL. Lei 9.610, 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida
a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em 27 Ago. 2017.
20
Art. 29, VI e VII, da Lei nº 9.610/98. BRASIL. Lei 9.610, 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e
consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em 27 Ago. 2017.
98

indústria a pleitear cada vez mais proteção - inclusive através do Direito da Propriedade
Industrial -, em sua origem, em meados dos anos de 1970, a abertura do Código (Fonte)
permanecia sendo a regra na computação.21 Justamente para fazer “frente” à tendência de
fechamento dos Códigos Fontes de programas de computador, através do Copyright22, foi
que Richard Stallman encabeçou, em 1984,23 a criação da Free Software Foundation
(FSF24) e a noção de Copyleft,25 para devolver à Sociedade a liberdade de executar, copiar,
distribuir, estudar e melhorar o Software. Desde então, um programa de computador é
considerado Software Livre se os usuários possuem as quatro liberdades essenciais -
executar, copiar, distribuir, estudar, mudar e melhorar o software. Trata-se, portanto, de
uma questão de liberdade, e não de preço.26

O principal projeto da Free Software Foundation foi a criação de um sistema


operacional, que viria a ser batizado como “GNU”.27 Mantendo o nome do projeto,
posteriormente ao desenvolvimento final do sistema operacional, foi ele batizado de
Linux – em homenagem ao seu criador, Linus Benedict Torvalds - dando origem ao
primeiro sistema operacional em Software Livre, atualmente, conhecido: o GNU/Linux.

Para garantir que o GNU/Linux permanecesse “livre”, criou-se um instrumento


jurídico, chamado de GNU GPL (GNU General Public License ou Licença Pública do
GNU), apoiado por inúmeras pessoas e órgãos públicos e privados. Atualmente,
inclusive, o Governo Federal da República Federativa do Brasil é um dos incentivadores
do projeto, hospedando em portal oficial do Governo Federal as versões, em língua
portuguesa, da GNU GPL (Licença Pública do GNU),28 na qual restam definidos os

21
FALCÃO, Joaquim et al. Estudo Sobre o Software Livre comissionado pelo instituto nacional da
tecnologia da informação (ITI). Escola de Direito FGV: Rio de Janeiro: 2005. Disponível em:
<http://www.softwarelivre.gov.br/documentos-oficiais/estudo-sobre-o-software-livre>. Acesso em 07 Out.
2015.
22
Termo em Inglês equivalente ao sentido de Direito Autoral, no Brasil.
23
A propósito da história da evolução da noção de copyleft e do software livre, vide: CASTELLS, Manuel.
A Galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar,
2003. p. 17.
24
Acerca da FSF: “The Free Software Foundation (FSF) is a nonprofit with a worldwide mission to promote
computer user freedom and to defend the rights of all free software users”. Tradução livre: “A Free Software
Foundation (FSF) é uma organização sem fins lucrativos com a missão, em todo o mundo, de promover a
liberdade do usuário do computador e defender os direitos de todos os usuários de software livre” FREE
Software Foundation. About. Disponível em: <www.fsf.org>. Acesso em 27 Ago. 2017.
25
STALLMAN, Richard. What is Copyleft? Disponível em <http://www.gnu.org/copyleft/>. Acesso em
30 Set. 2015.
26
FREE Software Foundation. A Definição de Software Livre. Disponível em
<https://www.gnu.org/philosophy/free-sw.html>. Acesso em 30 Set.2015.
27
FREE Software Foundation. What is GNU?. Disponível em <hhttps://www.gnu.org/>. Acesso em 30
Set. 2015.
28
BRASIL Licença Creative Commons GNU GPL [Brasil]. Disponível em:
<http://www.softwarelivre.gov.br/Licencas/LicencaCcGplBr/view>. Acesso em 27 de setembro de 2015.
99

conceitos essenciais de um Software Livre, bem como os direitos e obrigações daqueles


que o distribuem e o utilizam.

Com base neste instrumento, diversas empresas têm se lançado no mercado de


Software Livre, através de modelos de negócios variados,29 que Lawrence Lessig
denomina de Economia Híbrida,30 e estão explorando produtos e serviços voltados para
o mercado do Software Livre. Entretanto, conforme busca-se demonstrar, inexiste no
sistema jurídico brasileiro qualquer instrumento legal próprio ou regime adequado que
traga segurança jurídica para este mercado e para as pessoas que estão submetidas a ele.

No Brasil, em que pese os programas de computador sejam protegidos, de forma


geral, como obras literárias pelo Direito de Autor, o sistema jurídico pátrio é
absolutamente omisso quanto às peculiaridades que envolvem as atividades de
desenvolvimento e distribuição de Software Livre. Prova do exposto, foi a necessária
“importação” da Licença Geral Pública do GNU (GNU General Public License), criada
e idealizada pela Free Software Foundation (FSF31) com foco, entretanto, aos padrões do
Direito Norte Americano.

29
A proposito, cumpre trazer à lume Gonzaga Adolfo: “Há basicamente quatro modelos de negócio que
envolvem software livre: (i) distribuição do software open source, acompanhado da posterior venda de
suporte ao mesmo (como usualmente mencionado nos Estados Unidos, ‘distribua a receita e depois abra
um restaurante’), ou ainda adaptação do open source conforme a necessidade do cliente; (ii) conquista de
mercado, pela qual determinado software é distribuído na forma open source , para a posterior venda de
outros produtos vinculados a ele; (iii) incorporação do software open source junto com a venda de
hardware, barateando custos de licença e o preço final do equipamento como um todo; e (iv) oferecimento
de produtos acessórios ao software open source, como cursos, livros, treinamento, desenvolvimento etc.”.
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Obras privadas, benefícios coletivos: a dimensão pública do direito
autoral na sociedade da informação. UNISINOS. Tese. 09 Ago. 2006. p. 238.
<http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/2472>. Acesso em 04 Out. 2015.
30
Segundo Lawrence Lessig, a Internet é a geração da economia híbrida, por excelência. Todos os negócios
advindos com a Internet – o software livre, principalmente - tornar-se-ão híbridos. Acerca do conceito de
economia híbrida, cumpre a transcrição: “Commercial economies build value with money at their core.
Sharing economies build value, ignoring money. Both are critical to life both online and offline. Both will
flourish more as Internet technology develops. But between these two economies, there is an increasingly
important third economy: one that builds upon both the sharing and commercial economies, one that adds
value to each. This third type – the hybrid – will dominate the architecture for commerce on the Web. It
will also radically change de way sharing economies function”. Tradução livre: “As economias comerciais
criam valor com o dinheiro no seu núcleo. Economias do compartilhamento criam valor ignorando o
dinheiro. Ambas são importantes para a vida online e offline. Ambas florescerão mais à medida que a
tecnologia da Internet se desenvolver. Mas entre essas duas economias há uma terceira economia cada vez
mais importante: uma que se baseia tanto na economia compartilhada como nas economias comerciais, que
agrega valor a cada uma. Este terceiro tipo - a economia híbrida - dominará a arquitetura para o comércio
na Web. Também mudará radicalmente a função de compartilhamento de economias”. (tradução nossa).
LESSIG, Lawrence. Remix: making art and commerce thrive in the Hybrid Economy. The Penguin
Press: New York. 2008. p. 177LESSIG, Lawrence. Remix: making art and commerce thrive in the
Hybrid Economy. The Penguin Press: New York. 2008. p. 178.
31
Acerca da FSF: “The Free Software Foundation (FSF) is a nonprofit with a worldwide mission to promote
computer user freedom and to defend the rights of all free software users”. Tradução livre: “A Free Software
Foundation (FSF) é uma organização sem fins lucrativos com a missão, em todo o mundo, de promover a
100

Ocorre que alguns aspectos desta licença geral pública, a priori, poderiam ser
considerados inválidos frente ao direito pátrio. Assim, e.g., as cláusulas de isenção de
garantia32 e responsabilidade33 do desenvolvedor, consideradas válidas frente ao direito
Norte Americano, de acordo o UCC §2-316,34 poderiam ser questionadas como cláusulas
abusivas no Brasil, considerando que o consumidor goza de proteção constitucional, na
condição de Direito Fundamental (Art. 5º, XXXII, da CRFB), e que o sistema
infraconstitucional de Proteção ao Consumidor está embasado no princípio da
vulnerabilidade.35

No cenário pátrio, portanto, disposições contratuais que visam a exonerar o


fornecedor de dar as garantias legais ou excluir/limitar sua responsabilidade poderiam ser
consideradas cláusulas abusivas, segundo o artigo 51, I, do Código de Defesa do
Consumidor, tornando nulas, via de consequência, as cláusulas de isenção de garantias e
responsabilidades (limitation of liability and disclaimer of warranties clauses), conforme

liberdade do usuário do computador e defender os direitos de todos os usuários de software livre”. FREE
Software Foundation. About. Disponível em: <www.fsf.org>. Acesso em 27 Ago. 2017.
32
Cláusula de isenção de garantias na versão traduzida para o português do GNU GPL: “11. COMO O
PROGRAMA É LICENCIADO SEM CUSTO, NÃO HÁ NENHUMA GARANTIA PARA O
PROGRAMA, NO LIMITE PERMITIDO PELA LEI APLICÁVEL. EXCETO QUANDO DE OUTRA
FORMA ESTABELECIDO POR ESCRITO, OS TITULARES DOS DIREITOS AUTORAIS E/OU
OUTRAS PARTES, FORNECEM O PROGRAMA "NO ESTADO EM QUE SE ENCONTRA", SEM
NENHUMA GARANTIA DE QUALQUER TIPO, TANTO EXPRESSA COMO IMPLÍCITA,
INCLUINDO, DENTRE OUTRAS, AS GARANTIAS IMPLÍCITAS DE COMERCIABILIDADE E
ADEQUAÇÃO A UMA FINALIDADE ESPECÍFICA. O RISCO INTEGRAL QUANTO À
QUALIDADE E DESEMPENHO DO PROGRAMA É ASSUMIDO POR VOCÊ. CASO O PROGRAMA
CONTENHA DEFEITOS, VOCÊ ARCARÁ COM OS CUSTOS DE TODOS OS SERVIÇOS, REPAROS
OU CORREÇÕES NECESSÁRIAS. GOVERNO FEDERAL”(Sic). BRASIL Licença Creative
Commons GNU GPL [Brasil]. Disponível em:
<http://www.softwarelivre.gov.br/Licencas/LicencaCcGplBr/view>. Acesso em 27 de setembro de 2015.
33
Cláusula de isenção de responsabilidade na versão traduzida para o português do GNU GPL: “12. EM
NENHUMA CIRCUNSTÂNCIA, A MENOS QUE EXIGIDO PELA LEI APLICÁVEL OU ACORDADO
POR ESCRITO, QUALQUER TITULAR DE DIREITOS AUTORAIS OU QUALQUER OUTRA PARTE
QUE POSSA MODIFICAR E/OU REDISTRIBUIR O PROGRAMA, CONFORME PERMITIDO
ACIMA, SERÁ RESPONSÁVEL PARA COM VOCÊ POR DANOS, INCLUINDO ENTRE OUTROS,
QUAISQUER DANOS GERAIS, ESPECIAIS, FORTUITOS OU EMERGENTES, ADVINDOS DO USO
OU IMPOSSIBILIDADE DE USO DO PROGRAMA (INCLUINDO, ENTRE OUTROS, PERDAS DE
DADOS OU DADOS SENDO GERADOS DE FORMA IMPRECISA, PERDAS SOFRIDAS POR VOCÊ
OU TERCEIROS OU A IMPOSSIBILIDADE DO PROGRAMA DE OPERAR COM QUAISQUER
OUTROS PROGRAMAS), MESMO QUE ESSE TITULAR, OU OUTRA PARTE, TENHA SIDO
ALERTADA SOBRE A POSSIBILIDADE DE OCORRÊNCIA DESSES DANOS.” (Sic). BRASIL
Licença Creative Commons GNU GPL [Brasil]. Disponível em:
<http://www.softwarelivre.gov.br/Licencas/LicencaCcGplBr/view>. Acesso em 27 de setembro de 2015.
34
ESTADOS Unidos da América. UCC - Uniform Commercial Code (UCC/2002) §2º-316. Exclusion
or Moditification of Warranties. Disponível em <https://www.law.cornell.edu/ucc/2/2-316>. Acesso em 15
Nov. 2016.
35
MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 62.
101

consta na Licença Pública do GNU, seja através do reconhecimento da distribuição de


software livre como uma relação de consumo, ou na categoria de equiparação36 (arts. 17
e 29, do CDC).

Do exemplo acima, denota-se que a ausência de um instrumento jurídico próprio


- ou ao menos de um regime jurídico adequado - para regulamentar as atividades de
desenvolvimento e distribuição de software livre no Brasil pode causar enorme
insegurança jurídica, razão pela qual a busca de um regime jurídico adequado é um mister.

3 EM BUSCA DE UM REGIME JURÍDICO ADEQUADO

Para além de atender ao problema jurídico imediato da inexistência de um regime


jurídico próprio e adequado para o Software Livre, no Brasil, o presente estudo também
se lança com o ânimo de galgar avanços na própria epistemologia jurídica e no
entendimento do Direito enquanto sistema aberto e axiologicamente hierarquizado.

A propósito, conforme se extrai na ampla crítica daqueles juristas que


encabeçaram a marca da repersonalização37 do direito privado (Luiz Edson Fachin,
Ricardo Aronne e Gustavo Tepedino, e.g.), as limitações epistemológicas presentes no
discurso jurídico - hoje vigente, inclusive - dão cabo de uma herança de um Direito
Privado Clássico, cujo projeto, proveniente de um setor restrito da população, “coerente
com a feição dos códigos do século XIX ”,38 não se coaduna com o hodierno projeto
constitucional do Brasil, pois “outro é o horizonte contemporâneo”.39

Portanto, é preciso “uma ruptura material, de compromissos, com relação à


proposição tradicional do Direito Civil”,40 a fim de atender às adequações exigidas pela

36
A respeito da condição de consumidor-equiparado, cumpre trazer os ensinamentos de Cláudia Lima
Marques: “Em virtude do disposto no art. 29 do CDC, assim como foi interpretado pela jurisprudência, o
legislador brasileiro, para proteger os interesses econômicos dos consumidores, concedeu um novo e
poderoso instrumento (as ações autorizadas pelo CDC e sua ética de boa-fé nas relações negociais) para
que os ‘consumidores-equiparados’ (na maioria, também empresários) combatam as práticas comerciais
abusivas que os lesam diretamente e que, mediatamente, prejudicam os outros consumidores e a harmonia
do mercado”. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. 4ed. Rev., atual. E ampl. São Paulo: RT, 2002.
37
“Migrando o patrimônio para a periferia, deixando ao homem em sua antropomórfica dimensão
intersubjetiva, o centro dos interesses protetivos do sistema jurídico, a propriedade e suas manifestações
passam a guardar um papel instrumental”. ARONNE, Ricardo. Razão & caos no discurso jurídico e
outros ensaios de direito civil-constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 45.
38
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 25.
39
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 25.
40
ESTEVES, Maurício Brum. Sistema, Complexidade e Vida Nua: Sobre as Impossibilidades de um
Direito Disciplinar. Artigo extraído de Monografia. PUCRS. 2010. Disponível em
102

atual Sociedade em Rede, quais sejam: “estruturas abertas capazes de expandir de forma
ilimitada, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja,
desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação”.41 Isso porque, “uma
estrutura social com base em redes é um sistema aberto altamente dinâmico suscetível de
inovação sem ameaças ao seu equilíbrio”.42

Merece registro, que não bastasse representar objeto novo43 para o Direito e para
a Sociedade, o Software Livre é dotado de uma “realidade tão complexa”,44 que
justificaria, por si só, a relevância econômica e social, e a pertinência da busca por um
regime jurídico próprio e adequado.

No âmbito econômico, a relevância do objeto de estudo é nítida. Vê-se que, no


longínquo ano de 2003, a indústria do software já gerava receitas brutas anuais em valores
superiores a $300 bi (trezentos bilhões de dólares), conforme estimativa das Nações
Unidas, em estudo realizado naquele mesmo ano, denominado “E-Commerce and
Development Report 2003”.45 Neste percentual, estima-se estar inserida boa parcela de
Softwares Livres, tendo em vista que - de acordo com este mesmo estudo - em média
40% (quarenta por cento) das empresas Norte Americanas, Alemãs e Britânicas e 65%
(sessenta e cinco) das empresas Japonesas, e.g., já em 2003 utilizavam alguma
configuração de Software Livre, na forma GNU/Linux.46 Neste mesmo sentido, Manuel
Castells lembra que “em 2001, mais de 60% dos servidores da www no mundo estavam
rodando com Apache, que é um programa de servidor de fonte aberta desenvolvido por

<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2011_1/mauricio_esteves.p
df.> Acessado em 18 Nov. 2015.
41
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura v.1.
tradução Roneide Venancio Majer. São Paulo. Paz e Terra, 2013. p. 566.
42
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura v.1.
tradução Roneide Venancio Majer. São Paulo. Paz e Terra, 2013. p. 566.
43
BARBOSA, Denis Borges. A proteção do software, 2001, p. 3. Disponível em:
<http://denisbarbosa.addr.com/77.DOC>. Acesso em: 30 Set. 2015.
44
Merece ênfase a opinião de Gonzaga Adolfo, para quem: “O denominado ‘Software Livre’ é uma
realidade tão complexa que já justificaria uma tese à parte”. ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Obras
privadas, benefícios coletivos: a dimensão pública do direito autoral na sociedade da informação.
UNISINOS. Tese. 09 Ago. 2006. p. 238. <http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/2472>.
Acesso em 04 Out. 2015.
45
UNITED Nations. E-Commerce and Development Report 2003, Chapter 4: Free and open-source
software: Implications for ICT policy and development. New York and Geneva, 2003,
UNCTAD/SIDTE/ECB/2003/1. Disponível em <http://unctad.org/en/docs/ecdr2003ch4_en.pdf>. Acesso
em 07 Out. 2015.
46
UNITED Nations. E-Commerce and Development Report 2003, Chapter 4: Free and open-source
software: Implications for ICT policy and development. New York and Geneva, 2003,
UNCTAD/SIDTE/ECB/2003/1. Disponível em <http://unctad.org/en/docs/ecdr2003ch4_en.pdf>. Acesso
em 07 Out. 2015.
103

uma rede cooperativa de programadores do UNIX”.47

No aspecto social, indiscutivelmente, tratar da temática do Software Livre é ir ao


encontro das necessidades dos países em desenvolvimento,48 como o Brasil, no que tange
a conhecimento, tecnologia e educação.

Merece destaque, nesse sentido, referir que os direitos de propriedade intelectual,


mesmo que implicitamente, estão embasados, em sua gênese, nos princípios gerais do
liberalismo econômico e de Estado.49 Ocorre que, no caso dos países em
desenvolvimento, como o Brasil, o liberalismo exacerbado de mercado pode vir de
encontro as suas pretensões, pois, conforme é cediço, não existe igualdade de
oportunidades entre economias desiguais.50

47
CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade.
Rio de Janeiro: Zahar, 2003. p. 17.
48
A propósito: “Most importantly, in particular for developing countries, FOSS allows today’s and
tomorrow’s experts and information technology (IT) leaders to acquire skills and advance their knowledge
rapidly. Its technological opposite, closed-source or proprietary software, may not support the information
and communication technology (ICT) development process as well because it requires a significant upfront
investment in license fees for installation and upgrades; it is not always adaptable to local concerns; and its
exclusive or even dominant use may not adequately support the local development of the expert knowledge
and skills needed to fully embrace the information economy. While proprietary software has its place and
role, Governments should consider their policy position on FOSS in the context of their over all agenda and
their ambitions of bridging the digital divide and using ICT for increased, improved trade and
development”. Tradução livre: “Mais importante ainda, em particular para os países em desenvolvimento,
o FOSS permite que especialistas de hoje e de amanhã e líderes da tecnologia da informação (TI) adquiram
habilidades e desenvolvam seus conhecimentos rapidamente. O paradigma tecnológico oposto, de código
fechado ou de software proprietário, pode não suportar o processo de desenvolvimento de tecnologias de
informação e comunicação (TIC), bem como requer um investimento inicial significativo nas taxas de
licença para instalação e atualizações; não é sempre adaptável às preocupações locais; e o seu uso exclusivo
ou mesmo dominante pode não apoiar adequadamente o desenvolvimento local dos conhecimentos
especializados e as habilidades necessárias para abraçar plenamente a economia da informação. Embora o
software proprietário tenha seu lugar e seu papel, os governos devem considerar a posição política no FOSS
no contexto de sua agenda e suas ambições de colmatar a divisão digital e usar as TIC para aumentar o
comércio e o desenvolvimento”. (Tradução nossa). UNITED Nations. E-Commerce and Development
Report 2003, Chapter 4: Free and open-source software: Implications for ICT policy and
development. New York and Geneva, 2003, UNCTAD/SIDTE/ECB/2003/1. Disponível em
<http://unctad.org/en/docs/ecdr2003ch4_en.pdf>. Acesso em 07 Out. 2015.
49
“Se os primeiros tratados de Direito Internacional sobre Propriedade Industrial, como a Convenção da
União de Paris (1883) é importante exemplo, surgiram no contexto da aurora da Modernidade, da
Revolução Industrial e do estopim da “Era dos Impérios” (HOBSBAWM, 2011), perdurando até os
derradeiros momentos que denunciam a falência dos ideais Modernos, o “Crash da Bolsa”, em 1929, e as
Duas Grandes Guerras, o Acordo TRIPS, que marca o desenvolvimento da Propriedade Intelectual no
século XX que possui em seu “DNA” os valores do livre-mercado e do liberalismo político e econômico.”
ESTEVES, Maurício Brum. Por uma análise genealógica dos princípios de direito internacional na
propriedade industrial: a adequação do regramento internacional aos países em desenvolvimento.
Revista Novatio Iuris. v.6 n.1 (2014), p. 89-115, Fadergs, Porto Alegre, 2014. Pg. 101.
50
“Mormente no caso dos países em desenvolvimento, o liberalismo exacerbado de mercado pode não vir
ao encontro das suas pretensões. E, de fato, analisando a questão, percebe-se que o sistema é desequilibrado
e não contempla plenamente os interesses dos países em desenvolvimento, especialmente aqueles mais
pobres exatamente pelo fato de que se atua, como pano de fundo, a teoria da livre concorrência e da
igualdade entre os Estados que, conforme é cediço, não existe entre economias desiguais.” ESTEVES,
Maurício Brum. Por uma análise genealógica dos princípios de direito internacional na propriedade
104

Em nível epistemológico, é possível notar que este paradigma econômico-social


está enraizado nas próprias estruturas do direito autoral, e dialoga de forma direta com a
questão atinente ao Software Livre.

Conforme explica Ronaldo Lemos, “um dos principais problemas do direito


autoral ‘clássico’ é que ele funciona como um grande ‘não’!”.51 Em outras palavras, “se
alguém pretende utilizar aquela obra, tem que pedir autorização prévia a seu autor ou
detentor de direitos”.52 Como consequência disso, portanto, “os custos de transação
envolvidos na obtenção dessa autorização prévia restringem de forma brutal a quantidade
de cultura que uma determinada sociedade tem disponível para acesso em um
determinado tempo”.53

Destarte, em face da sua natureza colaborativa - na maioria das vezes gratuita - o


Software Livre representa um importante fator de desenvolvimento e geração de
conhecimento livre e comum a toda sociedade,54 indo, certamente, ao encontro do
programa político da Constituição brasileira de 1988 na promoção de um Estado
Democrático com paradigma privilegiado na Pessoa Humana.5556

Todavia, em que pese o Software, mormente aquele de natureza Livre, represente


um dos nichos de mercado com maior expansão e importância econômica nos últimos

industrial: a adequação do regramento internacional aos países em desenvolvimento. Revista Novatio


Iuris. v.6 n.1 (2014), p. 89-115, Fadergs, Porto Alegre, 2014. Pg. 108.
51
Lemos, Ronaldo. Direito, tecnologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. p. 83.
52
Lemos, Ronaldo. Direito, tecnologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. p. 83.
53
Lemos, Ronaldo. Direito, tecnologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. p. 83.
54
A respeito: “Do ponto de vista social, o software livre constrói um patrimônio comum de toda sociedade
na forma de conhecimento. Esse patrimônio comum permite, por exemplo, que o conhecimento seja
assimilado de forma muito mais fácil pelos agentes sociais. Com isso, a possibilidade de inovação torna-se
acessível a todos e não apenas àqueles que controlam privadamente determinado rol de conhecimento”.
FALCÃO, Joaquim et al. Estudo Sobre o Software Livre comissionado pelo instituto nacional da
tecnologia da informação (ITI). Escola de Direito FGV: Rio de Janeiro: 2005. Disponível em:
<http://www.softwarelivre.gov.br/documentos-oficiais/estudo-sobre-o-software-livre>. Acesso em 07 Out.
2015.
55
“A dignidade da pessoa humana constitui cláusula geral, reveladora das estruturas e da dogmática do
direito civil brasileiro. Opera funcionalização das situações jurídicas patrimoniais às existenciais,
realizando assim processo de verdadeira inclusão social, com a ascensão à realidade normativa de interesses
coletivos, direitos da personalidade e renovadas situações jurídicas existenciais, desprovidas de
titularidades patrimoniais, independentemente destas ou mesmo em detrimento destas". TEPEDINO,
Gustavo. Temas de direito civil – Tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 342.
56
"(...) o princípio da dignidade da pessoa humana, expressamente enunciado pelo art. 1º, inc. III, da nossa
CF, além de constituir o valor unificador de todos os direitos fundamentais, que, na verdade, são uma
concretização daquele princípio, também cumpre função legitimatória do reconhecimento de direitos
fundamentais implícitos, decorrentes ou previstos em tratados internacionais, revelando, de tal sorte, sua
íntima relação com o art. 5º, §2º, de nossa Lei Fundamental.". SARLET. Ingo Wolfgang. A eficácia dos
Direitos Fundamentais: um a teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional.
10ed. rev. atual. e apl.; 2. tir. - Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 95.
105

tempos, assim como ser dotado de enorme relevância social, principalmente para os
países em desenvolvimento, as investigações acadêmicas, ao menos no cenário jurídico
pátrio, não têm acompanhando às necessidades da vida concreta. Prova do exposto, é que
para além das tradicionais soluções – Licença Geral Pública do GNU, para Software
Livre, e os “Creative Commons”,57 para obras intelectuais, em geral – pouco se avançou
na última década, acerca dos aspectos jurídicos que envolvem os modelos híbridos e
colaborativos, que nascem com a Sociedade em Rede.

Obviamente, o ânimo do presente trabalho não é desenvolver, neste curto espaço


de interlocução, uma teoria sobre o Software Livre, capaz de alimentar suas necessidades
normativas ainda não satisfeitas. Entretanto, pretende-se, ao menos, operar a denúncia, e
alinhar algumas hipóteses para futuro desenvolvimento.

4 HORIZONTES NORMATIVOS PARA O SOFTWARE LIVRE

Cediço da inquestionável importância do software livre na promoção dos valores


constitucionais insertos na Carta Magna de 1988, bem como da precariedade do regime
jurídico disponível, no Brasil, para tutelar as relações jurídicas envolvendo o Software
Livre, parte-se, agora, na tentativa de alinhamento de alguns horizontes normativos
possíveis, na forma de hipóteses, com o intuito de problematizar – e sem a pretensão de
esgotar o assunto.

4.1 Regime Jurídico (A)

A primeira hipótese é que o regime jurídico aplicável para o Software Livre possa
vir, em parte, do Código de Defesa do Consumidor (CDC),58 da Lei de Software (LS) 59

57
“Qual o estatuto jurídico dessa nova forma de produção? Ou ainda, como pode o direito dar fundamento
a ela? Uma das respostas a esta questão é a criação do modelo colaborativo Creative Commons. Iniciativa
concebida pelo Prof. Lawrence Lessig e atualmente sediada na Universidade de Standford, o Creative
Commons tem por objetivo desenvolver licenças públicas, isto é, licenças jurídicas que possam ser utilizada
por qualquer indivíduo ou entendida, para que seus trabalhos sejam disponibilizados na forma de modelos
abertos”. Lemos, Ronaldo. Direito, tecnologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. p. 82/83.
58
BRASIL. Lei 8.078, 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em 27
Ago. 2017.
59
BRASIL. Lei 9.609, 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de
programa de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9609.htm>. Acesso em 27 Ago. 2017.
106

e/ou da Lei de Direitos Autorais (LDA),60 e sua adequação a partir de uma interpretação
sistemática e constitucional das mencionadas Leis, em cotejo, ainda, com as quatro
liberdades obrigatórias de qualquer software livre.61

De certa forma, trata-se da hipótese, hoje, vigente no sistema jurídico brasileiro,


no qual o Software Livre ocupa uma posição hibrida entre a propriedade intelectual, a
legislação extravagante e alguns instrumentos jurídicos alienígenas.

4.2 Regime Jurídico (B)

Em se tratando da Licença Geral Pública GNU, são inaplicáveis as Leis


mencionadas no Regime Jurídico (A), mas é aplicável o Código Civil (CC).62 Com efeito,
esse segunda hipótese de Regime Jurídico é no sentido de que a Licença Geral Pública
GNU pode ser classificada como sendo um contrato benéfico, atípico e unilateral,
governado, por via de consequência, pelos requisitos do artigo 392 do Código Civil
Brasileiro.63

É atípico, pois não possui previsão expressa no texto do Código Civil. Benéfico e
unilateral, pois, a priori, apenas uma das partes obtém benefício, o usuário.64 Desta forma,
salvo hipótese de culpa ou dolo, deve prevalecer a autonomia da vontade dos contratantes,
sendo válidas as cláusulas de isenção de garantias e responsabilidade, bem como qualquer
disposição contratual semelhante, desde que atendida a função social dos contratos, e
obviamente, as quatro liberdades obrigatórias de qualquer software livre.

60
BRASIL. Lei 9.610, 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos
autorais e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em 27 Ago. 2017.
61
Repisa-se as quatro liberdades essenciais: “- A liberdade de executar o programa como você desejar, para
qualquer propósito (liberdade 0). - A liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo às suas
necessidades (liberdade 1). Para tanto, acesso ao código-fonte é um pré-requisito. - A liberdade de
redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao próximo (liberdade 2). - A liberdade de distribuir
cópias de suas versões modificadas a outros (liberdade 3). Desta forma, você pode dar a toda comunidade
a chance de beneficiar de suas mudanças. Para tanto, acesso ao código-fonte é um pré-requisito.” FREE
Software Foundation. A Definição de Software Livre. Disponível em
<https://www.gnu.org/philosophy/free-sw.html>. Acesso em 30 Set.2015.
62
BRASIL. Lei 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 27 Ago. 2017.
63
FALCÃO, Joaquim et al. Estudo Sobre o Software Livre comissionado pelo instituto nacional da
tecnologia da informação (ITI). Escola de Direito FGV: Rio de Janeiro: 2005. Disponível em:
<http://www.softwarelivre.gov.br/documentos-oficiais/estudo-sobre-o-software-livre>. Acesso em 07 Out.
2015.
64
“Contrato benéfico é o negócio jurídico em que apenas uma das partes obtém uma vantagem. Como regra
geral, o benefício deve ser um sacrifício.” GOMES, Orlando. Contratos, 20.a edição. Rio de Janeiro:
Forense, 2000 p. 73.
107

Essa posição, aliás, é defendida no estudo encabeçado por Joaquim Falcão, da


Escola de Direito FVG,65 e transparece representar uma lúcida opção para o
enquadramento do Software Livre no Direito brasileiro, mantendo a integralidade das
cláusulas e previsões de seu Contrato Público de Licenciamento alienígena (GNU GPL).

Entretanto, a solução em tela permanece carente de representar uma genuína


opção à própria proteção conferida pela Propriedade Intelectual que, conforme
demonstrado, dialoga mais com noção de software proprietário do que de Software Livre.

4.3 Regime Jurídico (C)

Com efeito, a hipótese que se desvela mais adequada é no sentido de que a


disponibilização de Software Livre não se encaixa nas relações jurídicas tradicionais,66
razão pela qual são inaplicáveis as Leis mencionadas no Regime Jurídico (A) e (B),
principalmente o Código de Defesa do Consumidor, em se tratando de distribuição de
Software Livre.

Frise-se, neste sentido, que dadas algumas peculiaridades, a priori, os sujeitos


desta relação são indeterminados, não podendo, desta forma, a disponibilização de
Software Livre ser considerado um negócio jurídico bilateral, passível de ser trada pela
tradicional teoria da relação jurídica.

Com efeito, trata-se - o Software Livre - de um projeto essencialmente


colaborativo (em rede), em que cada usuário que estuda e implementa melhorias em sua
versão do Software (Livre), passa a ser titular de Direitos Autorais de sua versão do
programa de computador. E, dada a natureza do Software Livre, todas as suas versões
retornam ao mercado igualmente livres, o que permite que este mesmo programa possa
ser constantemente estudado, modificado e redistribuído por outros usuários.

65
A propósito: FALCÃO, Joaquim et al. Estudo Sobre o Software Livre comissionado pelo instituto
nacional da tecnologia da informação (ITI). Escola de Direito FGV: Rio de Janeiro: 2005. Disponível
em: <http://www.softwarelivre.gov.br/documentos-oficiais/estudo-sobre-o-software-livre>. Acesso em 07
Out. 2015.
66
Neste sentido, os ensinamentos de Luiz Edson Fachin: “No sistema clássico, a primazia é colocar acima
do que se verifica concretamente a previsão do modelo de relação jurídica. Para evitar que isso turbasse a
compreensão da relação jurídica abstratamente considerada, o que interessa é um paradigma abstrato, que
recolhe a realidade e faz com que a relevância jurídica dos dados se amoldem a essa ordem previamente
estabelecida. É nisso que se visualizam os elementos básicos que integram a relação jurídica, o sujeito, o
objeto, o fato jurídico constitutivo e, por último, a chamada garantia”. FACHIN, Luiz Edson. Teoria
Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 92
108

Nesta corrente de “colaboração”, portanto, diluem-se as figuras jurídicas do


licenciante e licenciado, fornecedor e consumidor, comprador e vendedor, etc., tornando,
quiçá, impossível o enquadramento desta relação de “fornecimento/distribuição” e
aquisição de Software Livre dentro de uma “relação jurídica” (tradicional) tutelável pelos
institutos jurídicos tradicionais, como o Direito Autoral67 e o Direito do Consumidor68,
e.g.

Destarte, essa hipótese de Regime Jurídico é no sentido de que o Direito precisa


repensar suas próprias estruturas, a fim de garantir a tutela jurídica adequada nas relações
envolvendo a distribuição e aquisição de Software Livre, no Brasil, não sendo aplicável,
por via de consequência, as Leis mencionadas na hipótese de Regime Jurídico (A) e (B),
principalmente o Código de Defesa do Consumidor.

Assim, nesta hipótese de Regime Jurídico a sociedade em rede irá demandar um


rompimento do Direito com o paradigma clássico de ciência, e um progressivo abandono
de suas estruturas estáticas adeptos à jurisprudência dos conceitos e ao fetiche dos
Códigos Oitocentistas. A adequação necessária, portanto, será na própria estrutura do
Direito enquanto sistema.

5 EPÍLOGO – FECHAMENTO EM ABERTO

O presente estudo se propôs a investigar as transformações causadas pela


“Sociedade em Rede” no direito, mormente aquele da propriedade intelectual, a fim de
buscar o regime jurídico aplicável e adequado – à sociedade e à Constituição – para as
atividades de desenvolvimento e disponibilização de software livre, no Brasil.

Conforme pode se constatar, inexiste no Brasil um instrumento jurídico próprio -

67
A proposito: “Sua inovação é tão significativa que é considerado uma das raras circunstâncias em que as
estruturas do Direito Autoral foram confrontadas a partir de uma perspectiva de transformação, oriunda da
percepção das limitações inerentes ao regime tradicional quanto ao desenvolvimento do software”.
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Obras privadas, benefícios coletivos: a dimensão pública do direito
autoral na sociedade da informação. UNISINOS. Tese. 09 Ago. 2006. p. 238.
<http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/2472>. Acesso em 04 Out. 2015.
68
A propósito: “A GNU GPL surge também como fenômeno econômico, em que os modos de produção
e criação intelectual tornam-se includentes e colaborativos. Não se trata de uma relação consumerista, em
que existe um fornece dor e um consumidor, cada um com papéis jurídicos distintos. No software livre,
as figuras do consumidor e do fornecedor são mescladas. O consumidor de hoje é potencialmente o
fornecedor de amanhã.” FALCÃO, Joaquim et al. Estudo Sobre o Software Livre comissionado pelo
instituto nacional da tecnologia da informação (ITI). Escola de Direito FGV: Rio de Janeiro: 2005.
Disponível em: <http://www.softwarelivre.gov.br/documentos-oficiais/estudo-sobre-o-software-livre>.
Acesso em 07 Out. 2015.
109

ou ao menos de um regime jurídico adequado - para regulamentar as atividades de


desenvolvimento e distribuição de Software Livre.

Em que pese o Software Livre representar um significativo mercado, além de um


importante fator de desenvolvimento e geração de conhecimento livre e comum a toda
sociedade - ao encontro, portanto, do programa político da Constituição brasileira de 1988
na promoção de um Estado Democrático com paradigma privilegiado na Pessoa Humana
- a ausência de um instrumento jurídico próprio - ou ao menos de um regime jurídico
adequado - para regulamentar as atividades de desenvolvimento e distribuição de
Software Livre no Brasil pode causar enorme insegurança jurídica.

Cumpre repisar, que alguns aspectos da licença geral pública para o software livre
poderiam ser considerados inválidos frente ao direito pátrio. As cláusulas de isenção de
garantia e responsabilidade do desenvolvedor, consideradas válidas frente ao direito
Norte Americano, de acordo o UCC §2-316, poderiam, sim, ser questionadas como
cláusulas abusivas no Brasil, considerando que o consumidor goza de proteção
constitucional, na condição de Direito Fundamental (Art. 5º, XXXII, da CRFB), e que o
sistema infraconstitucional de Proteção ao Consumidor está embasado no princípio da
vulnerabilidade.

No cenário pátrio, portanto, duas das principais disposições da licença geral


pública para o Software Livre (limitation of liability and disclaimer of warranties clauses)
poderiam ser consideradas nulas, eis que disposições contratuais que visam a exonerar o
fornecedor de dar as garantias legais ou excluir/limitar sua responsabilidade são
consideradas cláusulas abusivas, segundo o artigo 51, I, do Código de Defesa do
Consumidor, seja com o reconhecimento da distribuição de software livre como uma
relação de consumo, ou na categoria de equiparação (arts. 17 e 29, do CDC).

Destarte, cediço da inquestionável importância do software livre na promoção dos


valores constitucionais insertos na Carta Magna de 1988, bem como da precariedade do
regime jurídico brasileiro disponível para tutelar as relações jurídicas envolvendo o
software livre, passa a ser um mister o alinhamento de alguns horizontes normativos
possíveis para o Software Livre no Brasil.

Certamente, a criação de uma Lei específica adequada, instituindo um regime


jurídico próprio para regulamentar o software livre no Brasil, atenuaria o problema que
embasa esta investigação – de segurança jurídica. Não seria suficiente, entretanto.
110

Conforme demonstrado, nas relações envolvendo Software Livre, diluem-se as


figuras jurídicas do licenciante e licenciado, fornecedor e consumidor, comprador e
vendedor, etc., tornando, quiçá, impossível o enquadramento destas relações de
“fornecimento/distribuição” e aquisição de software livre dentro de uma “relação
jurídica” (tradicional) tutelável pelos institutos jurídicos tradicionais, como o Direito
Autoral e o Direito do Consumidor.

A hipótese mais provável - já que não se tem a pretensão de esgotar o assunto,


mas de encerrar em aberto -, portanto, de Regime Jurídico é no sentido de que o Direito
precisa repensar suas próprias estruturas a fim de garantir a tutela jurídica adequada nas
relações envolvendo a distribuição e aquisição de Software Livre no Brasil. A sociedade
em rede demanda um rompimento do Direito com o paradigma clássico de ciência, e um
progressivo abandono de suas estruturas estáticas adeptos à jurisprudência dos conceitos
e ao fetiche dos Códigos Oitocentistas.

A adequação necessária, e o horizonte normativo adequado, portanto, encontram-


se na própria (ruptura da) estrutura do Direito enquanto sistema.

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113

O PROJETO THE NEXT REMBRANDT E OS REFLEXOS NOS DIREITOS


AUTORAIS

Paula Lourenço Madeira1

Resumo: O presente artigo se propõe a uma breve análise dos reflexos nos direitos
autorais, face a ciência das inteligências artificias que crescem de forma vertiginosa todos
os dias, não podendo a Lei permanecer estagnada respeitando paradigmas ultrapassados
e deixando acontecer confusão e desentendimento, sem esquecer que a essência do direito
autoral é incentivar a criação. De maneira específica, busca suscitar a problemática da
identificação do autor da obra, em casos de criação de novas obras artísticas de forma
autônoma pela inteligência artificial e seus reflexos sociais, econômicos e jurídicos.
Palavras-Chave: inteligência artificial. Direitos autorais.

1 INTRODUÇÃO

Os direitos autorais se exteriorizam através de leis criadas para garantir a


circulação e veiculação da produção cultural. Tais direitos visam proteger duas bases que
consubstanciam os direitos autorais, que são: os direitos patrimoniais e os direitos morais.

Os direitos morais de autor, são os vínculos perenes que unem o criador à sua
obra, para a realização da defesa de sua personalidade. Tais direitos nascem com a criação
da obra, podendo ser manifestados com a simples materialização, ou seja, com sua
inserção na ordem fática, produzindo efeitos por toda a sua existência, mesmo com a
morte do criador, fluindo o direito do ato criativo. (DIAS, 2002).

Tais direitos consistem em faculdades positivas – exercício pelo autor – e


negativas – respeito pela coletividade – desde o direito de inédito até o direito de
arrependimento. Os principais direitos de autor compreendidos nestas classificações são,
além dos citados, os de paternidade (ligar o nome à obra), nominação (dar nome à obra),
integridade (alterar a obra), retirada de circulação e outros (fazer correções ou emendas,
acabar a obra). (BITTAR, 1999).

Logo, os aspectos em tela se resumem no direito ao respeito, tanto à personalidade


do autor, como à intangibilidade da obra, oponível erga omnes, e que, no fundo,

1
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Pós-graduada
em Direto Empresarial – ênfase na Advocacia Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul - PUCRS. Pós-graduanda em Propriedade Intelectual pela Universidade Candido Mendes.
E-mail: paulalourencomadeira@gmail.com.
114

sintetizam os objetivos centrais do Direito de Autor, operando a sujeição passiva da


coletividade a seus ditames

Já os direitos patrimoniais, são destinados a reservar ao autor vantagens


econômicas derivadas da exploração da obra, ou seja, são aqueles referentes à utilização
econômica da obra, por todos os progressos técnicos possíveis. Consistem em um
conjunto de prerrogativas de cunho pecuniário que, nascidas também com a criação da
obra, manifestam-se, em concreto, com a sua comunicação ao público. Tais direitos
decorrem da exclusividade outorgada ao autor para a exploração econômica da obra,
constituindo monopólio, submetendo à sua vontade qualquer modalidade possível.
(DIAS, 2002).

Assim sendo, impõe-se a prévia consulta ao autor para qualquer uso econômico
da obra, que só será legitimado mediante sua autorização expressa. Isto porque os
vínculos que mantêm o autor unido à obra, mesmo depois de comunicada sobre qualquer
forma, tem o direito de interferir em qualquer outra modalidade não contratada ou surgida
com a evolução tecnológica.

Em suma, o primeiro está ligado a titularidade que pode ser transferida a qualquer
terceiro, seja pessoa física ou jurídica. Os direitos patrimoniais estão intimamente
relacionados com a questão pecuniária/econômica, visam fomentar o mercado. São esses
direitos que em tese garantem aos artistas e divulgadores instrumentos para recuperar o
capital investido. Noutro giro os direitos morais dizem respeito a autoria da obra, o autor
é o criador. Os direitos morais são intransferíveis e irrenunciáveis, ainda que os direitos
econômicos sejam transferidos, o autor continuará a ser o autor da obra para sempre.

Ocorre que, a tecnologia que acompanha a vida contemporânea tornou a defesa


pelos direitos autorais uma tarefa mais árdua, principalmente no tocante aos critérios para
reconhecimento da autoria de uma obra e nos direitos autorais morais dali decorrentes.

Assim, na atual era tecnológica que vivemos, a lei que vislumbra a proteção do
autor não é mais totalmente eficaz, deixando nascer a problemática de se reconhecer quem
é o autor e há quem pertencem os direitos morais de autor nos casos como de obras
oriundas de criação por parte da Inteligência Artificial.
115

2 O PROJETO THE NEXT REMBRANDT

Rembrandt Harmenszoon van Rijn, foi um pintor e gravador holandês nascido no


dia 15 de julho de 1606 em Leida, República Unida dos Países Baixos. As suas
contribuições à arte surgiram em um período denominado pelos historiadores de "Século
de Ouro dos Países Baixos", no qual a influência política, a ciência, o comércio e a cultura
holandesa — particularmente a pintura — atingiram seu ápice. Tendo alcançado sucesso
na juventude como um pintor de retratos, seus últimos anos foram marcados por uma
tragédia pessoal e dificuldades financeiras. (FRAZÃO, 2018).

No entanto, as suas gravuras e pinturas foram populares em toda a sua vida e sua
reputação como artista manteve-se elevada, e por vinte anos ele ensinou quase todos os
importantes pintores holandeses. Os maiores triunfos criativos de Rembrandt são
exemplificados especialmente nos retratos de seus contemporâneos, autorretratos e
ilustrações de cenas da Bíblia. (FRAZÃO, 2018).

É geralmente considerado um dos maiores nomes da história da arte europeia e o


mais importante da história holandesa. É considerado, por alguns, como o maior pintor
de todos os tempos, e sua grandiosidade ficou marcada por gerações, sendo suas pinturas
valiosas e objeto de cobiça por muitas pessoas ao redor do mundo.

O desejo do mundo da arte, da existência de mais obras de Rembrandt, se


concretizou em meados de 2016, quase quatro séculos depois de sua morte, que ocorreu
no dia 4 de outubro de 1669, com o surgimento do projeto intitulado “The Next
Rembrandt" (O próximo Rembrandt) proposto pela empresa de publicidade holandesa J.
Walter Thompson, que teve como objetivo produzir uma obra “original” de Rembrandt.
(THE NEXT REMBRANDT,2016).

Ou seja, depois 347 anos do falecimento do artista, essa iniciativa buscou


identificar qual seria o código genético de seu trabalho. A colaboração entre ING,
Microsoft, TU Delft, Mauritshuis e Rembrandthuis, que durou dezoito meses, analisou
pixel a pixel o conteúdo do trabalho de Rembrandt, utilizando modernos scanners 3D e
definindo o que seria mais representativo na sua técnica.

Ao final, o programa deveria ser capaz de imprimir um quadro emulando até


mesmo a espessura do relevo resultante das pinceladas desse representante único do
barroco do século XVII nos países baixos.
116

O primeiro passo do trabalho foi digitalizar em alta resolução 346 pinturas de


Rembrandt, determinando assim o sujeito preferido do artista holandês: Retrato de um
homem caucasiano com barba, na faixa dos 30/40 anos de idade, com roupas escuras,
gola, usando um chapéu e olhando para a direita. (MERIGO, 2016).

Após isso, uma tecnologia de identificação facial gerou um algoritmo, baseado


nos padrões geométricos mais comuns utilizados por Rembrandt. Ao todo, 168.263
fragmentos de pinturas foram analisados para preservar ao máximo as proporções e
ângulos do artista.

A pintura final – criada por computador – foi feita com uma impressora 3D, para
imitar o mapa de calor, textura e espessura das camadas que um autêntico Rembrandt
teria. O resultado impressiona. Se disposto em um museu, certamente o público
reconheceria o quadro como um autêntico Rembrandt. (IDG NEWS, 2016).

O projeto The Next Rembrandt é um caso que ilustra a verdadeira revolução


digital que estamos vivenciando. Tal revolução coloca em xeque diversos conceitos
consolidados e gera novos desafios e questionamentos para todas as áreas do
conhecimento humano, incluindo o direito e principalmente o direito autoral.

Nesse contexto, a criação de obras de artes por meio de inteligência artificial é


cada vez mais recorrente e gera uma instigante questão: a quem pertencem os direitos
autorais que recaem sobre essas novas criações artísticas?

3 A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E O DIREITO AUTORAL

O uso do computador para a concepção de obras protegidas por direitos autorais


não é algo novo. Há anos, artistas utilizam software para esboçar, criar, retocar e finalizar
suas obras. Livros são escritos no Word, projetos de arquitetura são criados com o
AutoCAD e fotografias são editadas por meio do Photoshop.
Nesses casos, não há discussão sobre o papel desempenhado pela tecnologia: o de
mero instrumento utilizado para conceber a obra e fixá-la em um suporte tangível. Do
mesmo modo, não se questiona a quem pertencem os direitos autorais das obras
concebidas com o auxílio desses programas. (OLIVEIRA, 2018). Naturalmente, os
direitos pertencem ao usuário do software, isto é, àquele que manuseou as ferramentas
disponibilizadas pelo programa.
117

A criação de obras artísticas por inteligência artificial, por sua vez, pode ir muito
além da mera fixação da obra do artista. Quando o artista fizer uso da inteligência artificial
unicamente como instrumento, sob a ótica dos direitos autorais, aplicar-se-á o
consolidado entendimento que vem sendo aplicado em relação aos programas comuns.

A grande discussão inaugurada pela inteligência artificial, no entanto, se dá


quando a concepção e fixação do trabalho acontece de forma automática e independente
de intervenção humana.

Isso porque, no ordenamento jurídico brasileiro, nos termos do artigo 11 da Lei


de Direitos Autorais, Lei n. 9.610/98, define autor, para fins de direitos morais, como a
pessoa física criadora da obra, prevendo poucas exceções que atribuem autoria as pessoas
jurídicas. Há, em verdade, uma grande celeuma a respeito da autoria ser atribuída à pessoa
jurídica, mas o avanço da Inteligência Artificial vem trazendo à tona novos desafios.

Some-se a esse entendimento o disposto do art. 7º da LDA sob o qual são passíveis
de proteção sob o Direito Autoral “criações de espírito, expressas por qualquer meio ou
fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no
futuro” e já temos uma problemática no que se refere ao termo “criações do espírito”
utilizado, o que condicionaria a proteção de uma obra intelectual a uma relação com um
agente dotado de um espírito.

Ou seja, não basta que o responsável por aquela obra seja dotado de inteligência,
é necessário que aquela obra seja uma criação do espírito daquele autor. A relação entre
o pensamento e o espírito tem por base um argumento de natureza teológica, sob o qual
o pensamento permite ao ser humano a tomada de decisões que irão, de certa maneira,
influenciar a maneira como o espírito, a alma, será julgada após o momento da morte.
(SCHIRRU, 2016).

Assim, pode-se afirmar, de plano, que a atual legislação pátria não possibilita que
direitos autorais sejam atribuídos os computadores/robôs.

Então, a quem atribuir a autoria do novo quadro de Rembrandt? Quem é o autor


da pintura produzida por um computador e uma impressora 3D, com os exatos traços do
pintor?

Os questionamentos acima não afastam outro ponto importante: a relação do


espírito com o pensamento criativo as vezes pode ser considerada como uma questão de
118

perspectiva. Ou seja, Davies (2011) dá o exemplo dos ateus: se um ateu não acredita que
possui uma alma, um espírito, as suas criações não deveriam ser consideradas como
passíveis de proteção autoral, equivalendo-se a uma obra gerada por um ser inanimado,
como o computador?

Para gerar mais discussões sobre o tema, Davies (2011) propõe ainda uma situação
onde seriam comparadas obras geradas por um clone humano e um agente de inteligência
artificial: ambos seriam criações artificiais, dotadas de inteligência e material biológico,
portanto, o tratamento dado às produções intelectuais de um clone seria o mesmo dado às
produções geradas por um computador?

É bem verdade que a questão do espírito e da alma é algo complexo e que, por si
só, permite a realização de um estudo apenas sob os aspectos teológicos e antropológicos,
haja vista que enquanto a concepção cristã é que seres inanimados não possuem alma,
religiões orientais, por sua vez, entendem que seres inanimados como árvores e
cachoeiras possuem espírito. (SCHIRRU, 2016).

Portanto, em uma primeira interpretação, superficial e literal, uma obra intelectual


gerada por um ser inanimado, sem espírito, mas dotado de Inteligência Artificial, como
seria o caso de programas de computador, robôs e demais agentes de inteligência
artificial, não mereceria proteção sob o regime autoral.

Essas são perguntas atuais, que existem e que as respostas não são simples à luz
da nossa legislação. Nos exemplos citados, a quem pertencem aos direitos autorais dessas
obras caso elas fossem produzidas no Brasil? Seriam protegidas pela atual Lei de Direitos
Autorais (LDA)?

Conforme já exposto o Brasil define autor – direitos morais – como pessoa física.
Neste sentido os computadores/robôs não se enquadrariam como autores. Porém por trás
de toda forma de inteligência artificial há uma programação executada por humanos. Esta
conclusão superficial traz uma falsa certeza de que há respostas rápidas e simples às
indagações.

Poderia ser a autoria do criador do código do programa, do operador do programa


ou algo do gênero.

Falsa certeza, sim, pois desaba através de uma simples analise perfunctória do
problema e da evolução da IA – inteligência artificial – esta pode se desenvolver e
119

ultrapassar as instruções originais e, consequentemente, produzir novas obras, como de


fato ocorreu no projeto The Next Rembrandt.

Nota-se que no caso supramencionado o autor do código original, deixa de ter


controle sobre as ações e a produção elaboradas pela inteligência artificial. Se a obra não
for resultado da ação original não se pode entender que o programador por exemplo é o
autor da obra.

Esse cenário gera o argumento de que obras criadas por inteligência artificial de
forma automática e sem intervenção humana, já nasceriam em domínio público.

Tal proposição, no entanto, parece inadequada, pois isso representaria um


desestímulo ao desenvolvimento de novas tecnologias de inteligência artificial,
notadamente no meio artístico. (MOSCA, 2018).

Afinal, qual seria o interesse de entidades investirem na área se, ao final, elas não
tivessem quaisquer direitos sobre o resultado gerado pelo programa de inteligência
artificial?

Da mesma forma, tal proteção pode ser particularmente relevante para alguns
setores da economia. Exemplo prático disso, são startups do setor de entretenimento que
já estão usando inteligência artificial para criar músicas, cujos direitos de reprodução são
cedidos para empresas das áreas de audiovisual e videogames. (OLIVEIRA, 2018).

Desse modo, países que prezam pela proteção a direitos de propriedade intelectual
não podem ignorar essa nova realidade e deixar de regular a matéria. Nesse sentido, como
regular os direitos autorais relativos a essas criações?

Embora a legislação brasileira não possua dispositivo específico e as discussões


práticas sobre o tema ainda sejam incipientes, a experiência estrangeira possui alguns
interessantes exemplos do possível tratamento a ser dado à matéria.

O Copyright, Designs and Patents Act (CDPA) do Reino Unido estabelece, a título
exemplificativo, na sua sessão 9(3) que “nos casos de criação de trabalhos literários,
dramáticos, musicais ou artísticos por computadores, o autor será a pessoa que fez os
arranjos necessários para a criação da obra em questão”.

Em complementação, a sessão 178 do CDPA determina que “são consideradas


obras criadas por computadores, aquelas criadas em circunstâncias em que não há um
autor humano”.
120

Como se vê, o CDPA atribui os direitos autorais sobre obras criadas por
inteligência artificial ao sujeito que possibilita a criação da obra pelo computador. No
caso citado no início desse artigo, nos parece claro que, sob esse sistema, os direitos
autorais sobre a obra seriam atribuídos ao grupo que viabilizou a criação do The Next
Rembrandt.

No entanto, tal sistemática ainda deixa margem para dúvidas, já que a


determinação de quem é a pessoa que viabilizou a criação da obra pela inteligência
artificial só poderá ser feita no caso concreto. (OLIVEIRA, 2018).

Afinal, não necessariamente é o usuário final da inteligência artificial quem


possibilita a criação da obra, a qual, em alguns casos, pode se limitar ao mero
acionamento de um botão. Nesse caso, o autor da obra parece ser quem programou e
alimentou o sistema com o conteúdo que, uma vez processado, possibilitou a criação da
obra artística.

Contudo, não se pode negar a possibilidade de que, os herdeiros de Rembrandt,


reivindiquem a obra que fora criada em exatos moldes daqueles em que o verdadeiro
Rembrandt criaria. Tal questão se torna de maior relevância se pensarmos que, a criação
da obra só fora possível com base nas características do artista, é ela somente se tornou
cobiçada, desejável, relevante para o mundo da arte e lucrativa por se vincular ao nome
do pintor.

Desse modo, não resta dúvidas de que a legislação brasileira precisará se adaptar,
de modo a garantir a proteção de obras concebidas por inteligência artificial, o que pode
ser feito mediante modificação da atual Lei de Direitos Autorais ou por meio da criação
de um direito sui generis, tratado por legislação específica.

Nesse mister, o legislador deverá atuar com cuidado e editar normas que permitam
a clara identificação do titular dos direitos autorais sobre as obras, mitigando conflitos e
proporcionando segurança jurídica em uma área que será extremamente relevante nas
próximas décadas.
121

4 CONCLUSÃO

Como foi visto acima, a questão da inteligência artificial, quando tratada no


âmbito do direito autoral é por demais complexa e tem gerado mais perguntas do que
respostas. Tal problemática é algo esperado, haja vista a dinamicidade de tal tecnologia e
o recente surgimento dessas questões.
Portanto, antes de ingressar em um estudo aprofundado sobre tais questões, nada
mais natural que problematizá-las da maneira mais completa possível, razão pela qual a
conclusão do presente artigo se dedicará a sintetizar algumas questões relevantes no que
se refere ao estudo da inteligência artificial no âmbito do direito autoral:

1. Como se daria a interpretação e aplicação de conceitos como “Obra”, “Autor”


e “Titular” nos casos envolvendo tecnologias de inteligência artificial?

2. De maneira mais especifica, como ficariam tais questões conceituais nas


seguintes hipóteses:

1. em sistemas de aprendizado não monitorado ou de algoritmos de programação


genética, onde o código pode ter sido alterado de maneira integral daquele primeiro
código programado pelo técnico ou poderá ser fruto de uma criação por um algoritmo de
inteligência artificial?

2. em algoritmos ou softwares desenvolvidos por uma pluralidade de agentes,


como é o caso dos softwares livres ou modelos colaborativos?

3. no caso de um agente de inteligência artificial que desenvolve a partir do seu


aprendizado e da reunião de informações fornecidas por outros agentes de inteligência
artificial ao redor do mundo (por exemplo, por meio de recursos como o RoboEarth),
desenvolvidos por outras empresas?

As respostas à tais questionamentos só se fizeram necessárias recentemente, com


a evolução das tecnologias no setor das Tecnologias de Informação e Comunicação e na
Robótica e são de natureza complexa, haja vista que a nossa legislação, ao contrário de
outras legislações alienígenas, não esta preparada para lidar com esse tipo de situação.

Portanto, cada vez mais se fazem necessários estudos sobre o tratamento a ser
concedido pelos direitos autorais às questões da inteligência artificial, bem como
reflexões acerca da necessidade de um diploma legal que esteja atualizado com os últimos
122

desenvolvimentos das tecnologias de inteligência artificial, pois a cada momento essas


tecnologias estão impactando no dia-a-dia e nas mais diversas áreas da convivência social,
como: trabalho, segurança, relacionamentos, estudo, consumo, entre outros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_______. Os Direitos da Personalidade. 3 ed. rev e atual. Rio de Janeiro, Forense


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_______. Direito do Autor. 4 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro, Forense universitária,
2003.

BRASIL. Lei nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação


sobre direitos autorais e dá outras providências. In: Diário Oficial da República Federativa
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123

RODRIGUEZ-CANO, Rodrigo Bercovitz (coord.). Manual de Propiedad Intelectual.


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SANDINI, Fillipi Rodrigues; ARAUJO, Guilherme Silva. Direitos Autorais: quem é o


autor em obra oriunda de Inteligência Artificial? Disponível em:
https://blog.sajadv.com.br/direitos-autorais-inteligencia-artificial/. Acesso em:
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SCHIRRU, Carlos. A Inteligência Artificial e o Direito Autoral: primeiras reflexões e


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VEGA, José Antonio Vega. Protección de la Propiedad Intelectual. Madrid: Editorial


Reus, 2002.
124

O CONFLITO ENTRE SINAIS DISTINTIVOS EMPRESARIAIS E A TUTELA


DA CONCORRÊNCIA

Rafael Krás Borges Verardi1

RESUMO: O presente artigo pretende contribuir para um melhor entendimento acerca


dos diversos sinais distintivos empresariais - nome empresarial, título de estabelecimento
e marcas - de modo a conceitua-los e, posteriormente, analisar casos em que tais sinais
apresentem conflitos entre diferentes titulares e a tutela concorrencial afeta ao tema. Para
isso, analisou-se a extensão territorial e material da proteção concedida a cada signo
distintivo, através de estudo da legislação pertinente e a posição doutrinária brasileira.
Em sequência, verificou-se hipóteses de colisão entre nomes empresariais; marcas; e
nome empresarial ou título de estabelecimento e marcas, através do estudo de precedentes
do Superior Tribunal de Justiça. Por fim, traz uma singela sugestão de aprimoramento e
integração sistêmica entre os órgãos registradores dos signos distintivos no Brasil, de
modo a evitar-se a insegurança jurídica que impera neste sentido.

PALAVRAS-CHAVE: Nome Empresarial. Título de Estabelecimento. Marcas.


Concorrência.

1 INTRODUÇÃO

Em virtude do aumento da concorrência no ambiente empresarial, especialmente


em decorrência da disseminação da informação e da oferta através dos meios eletrônicos,
percebe-se uma importância cada vez maior do registro da marca no conceito dos
(pequenos e médios) empresários brasileiros, preocupados em proteger seus ativos
intangíveis e evitar imitações e utilizações parasitárias por seus concorrentes.
Nos dias atuais, o sucesso de uma empresa, muitas vezes de atuação regionalizada,
é facilmente percebido por qualquer pessoa, em qualquer lugar do país, em virtude da
exposição com que as marcas possuem no âmbito eletrônico, especialmente pela internet
e redes sociais.

Desta forma, multiplicam-se os casos de utilização parasitária de marcas de


terceiros e conflitos entre sinais distintivos empresarias (especialmente nomes
empresariais, títulos de estabelecimento e marcas) de diferentes titulares em todo o

1
Membro da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB/RS.
125

território nacional, muitas vezes aproveitando-se das lacunas jurídicas referentes ao


sistema de registro e da extensão da proteção destes sinais, bem como da insegurança
jurídica em relação ao tema verificada em julgamentos controversos pelo Poder
Judiciário.

A temática envolvendo o conflito entre signos distintivos empresariais não é nova;


porém, diante de tantos conflitos, percebe-se uma ausência de pacificação doutrinária e
jurisprudencial acerca do tema, o que muitas vezes acarreta em decisões conflitantes
exaradas pelos Tribunais pátrios.

Muitas vezes, somente após a concessão de um registro de marca - ou seja, após


a formalização e atribuição definitiva da propriedade - é que o conflito se estabelece e,
normalmente, tais imbróglios acabam sendo levados à apreciação do Judiciário.

Ocorre que, diante de qualquer tutela que venha a ser deferida, é provável que a
decisão será prejudicial para alguma das partes envolvidas, que deverá abandonar sua
marca ou seu nome empresarial em detrimento de outro titular. Tal medida, por óbvio,
pode acarretar imensos prejuízos financeiros e é de extrema importância para o
desenvolvimento econômico do país.

Tendo em vista o conflito de normas constitucionais e infraconstitucionais que se


apresentam no problema em tela, questiona-se como encontrar a melhor composição entre
o direito ao nome empresarial e título de estabelecimento, frente ao direito marcário,
especialmente no que concerne à extensão territorial do privilégio de exclusividade
concedido a cada um destes registros.

É complexo e extremamente subjetivo sopesar o conflito destes direitos entre


empresas sediadas em diferentes territórios, vez que sua área de atuação muitas vezes é
restrita àquele local.

O presente artigo, portanto, tentará traçar um panorama sobre a constituição e


natureza jurídica de cada um destes direitos e, através da análise doutrinária e
jurisprudencial, tentar definir a melhor solução para os casos de conflitos entre os signos
distintivos empresariais.
126

2 OS PRINCIPAIS SINAIS DISTINTIVOS EMPRESARIAIS

Os sinais distintivos empresariais possuem sua proteção e regulamentação


decorrentes de normas constitucionais e infraconstitucionais, em especial do Código Civil
e da Lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – “LPI”), bem como das Instruções
Normativas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e Departamento de
Registro Empresarial e Integração (DREI).

Ainda, a proteção da Propriedade Intelectual no país decorre de diversos tratados


internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção da União de Paris (CUP)
e o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao
Comércio (TRIPS).

Como leciona Newton Silveira2, os sinais identificadores modernos remontam ao


período da Revolução Francesa, momento em que surgiu a necessidade de identificação
de origem dos produtos, para “evitar que os mais afoitos se servissem do conceito dos
produtos alheios para inculcar aos seus”. Assim, surgem as marcas – de fábrica,
primeiramente; depois as de comércio – e, modernamente, com a especialização da
proteção aos sinais identificadores, as marcas de serviço, o título de estabelecimento e a
insígnia, a proteção ao nome comercial e aos sinais e frases usados na publicidade.

A Constituição Federal3 dispõe em seu artigo 5o, inciso XXIX, elevando à direito
fundamental, “a proteção à propriedade das marcas, aos nomes empresariais e a outros
signos distintivos”. Nota-se, portanto, que a nível constitucional, a proteção da
propriedade sobre a marca e ao nome empresarial e título de estabelecimento encontram-
se equiparados, garantindo o constituinte igual proteção a todos os signos.

Neste sentido, Denis Borges Barbosa4 afirma que há interesse público no direito
marcário, com o fim precípuo de proteção ao consumidor:

O interesse do público é o de reconhecer e valorar uma marca em uso e de seu


conhecimento. O interesse constitucional nas marcas é o de proteger o
investimento em imagem empresarial, mas sem abandonar, e antes prestigiar,
o interesse reverso, que é o da proteção do consumidor. Assim, aquele que se
submete ao registro, e usa continuamente o signo registrado, pode adquirir do
seu público o respeito ao investimento que fez, com a responsabilidade de

2
SILVEIRA, Newton. Propriedade intelectual: propriedade industrial, direito de autor, software, cultivares,
nome empresarial, abuso de patentes. Barueri, SP: Manole, 2014, p.13
3
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
4
BARBOSA, Denis Borges. Direito de Precedência ao Registro de Marcas. 2005, p. 10. Disponível em:
http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/precedencia.pdf Acesso em: 28 de janeiro de
2017.
127

quem se assegura que tal investimento não é passageiro, irresponsável ou


descuidado.

Há, desta maneira, um interesse geral em que uma marca seja registrada.
Ainda, sustenta o doutrinador que “para o caso das marcas, a cláusula
constitucional finalística vincula a propriedade ao seu uso social – o que representa um
compromisso necessário com a utilidade (uso do direito), com a veracidade e licitude,
sem falar de seus pressupostos de aquisição: a distinguibilidade e a chamada novidade
relativa”5.

Tem-se, portanto, que existe uma tensão entre a finalidade constitucional dos
direitos de propriedade industrial, com os princípios da função social da propriedade e,
ainda, a questão da liberdade concorrencial:

Parece assim, assente que as marcas sejam, no âmbito constitucional brasileiro,


uma das formas de propriedade que, na entretela da Carta, constituem um topos
de equilíbrio específico entre interesses juridicamente relevantes, dotados
esses da natureza de princípios.6
Definida a função constitucional dos direitos sobre os sinais distintivos
empresariais, Daniel Adensohn de Souza7 conceitua-os como:

[...]quaisquer combinações de palavras e/ou figuras utilizadas no exercício da


atividade empresarial para identificar o próprio empresário ou sociedade
empresária (nome empresarial), o estabelecimento empresarial (título de
estabelecimento e insígnias), os produtos e serviços (marcas), a propaganda
(os sinais ou expressões de propaganda) e os endereços na internet (nomes de
domínio).

Conclui-se que a utilização dos sinais distintivos empresariais pressupõe, então,


uma finalidade social, tanto à própria empresa, quanto ao consumidor final dos produtos
e/ou serviços identificados pelos signos distintivos.

Assim, tais pressupostos precisam ser sopesados quando há conflito entre sinais
distintivos de diferentes titulares, o que tentará se destrinchar adiante.

5 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003,
p. 133.
6
BARBOSA, Denis Borges. Nota sobre a categoria constitucional da “propriedade das marcas”, 2005, p.
9. Disponível em: http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/notamarca2.pdf Acesso
em: 27 de janeiro de 2017.
7
SOUZA, Daniel Adensohn de. Proteção do nome de empresa no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 43.
128

2.1 Nome Empresarial

Nome empresarial é o nome adotado para o exercício de atividade empresarial,


dividindo-se entre duas espécies – firma e denominação.

Em nível infraconstitucional, o nome empresarial encontra-se previsto no artigo


1.155 do Código Civil8, bem como nos artigos 33 e 34 da Lei 8.934/949:

Art. 1.155. Considera-se nome empresarial a firma ou a denominação adotada,


de conformidade com este Capítulo, para o exercício de empresa.
Parágrafo único. Equipara-se ao nome empresarial, para os efeitos da
proteção da lei, a denominação das sociedades simples, associações e
fundações.
Art. 33. A proteção ao nome empresarial decorre automaticamente do
arquivamento dos atos constitutivos de firma individual e de sociedades, ou de
suas alterações.
Art. 34. O nome empresarial obedecerá aos princípios da veracidade e da
novidade.

Já o artigo 1.166 do Código Civil dispõe que “a inscrição do empresário, ou dos


atos constitutivos das pessoas jurídicas, ou as respectivas averbações, no registro próprio,
asseguram o uso exclusivo do nome nos limites do respectivo Estado”. Tal proteção
poderá ser estendida a todo o território nacional, caso o nome empresarial seja registrado
na forma de lei especial (nos termos do parágrafo único do artigo mencionado).

Nota-se que, de acordo com o art. 1.163 do Código Civil, é requisito para a
inscrição do nome empresarial a novidade em relação aos outros efetuados no mesmo
registro (Junta Comercial). Não trata a lei, portanto, da novidade do nome empresarial em
relação às marcas já registradas.

Assim, quando o Contrato/Estatuto Social é depositado perante o Registro Público


de Empresas Mercantis e Atividades Afins, realizado por meio da Junta Comercial, esta
analisa (ou deveria analisar) tão somente a colidência do nome empresarial com outros
nomes empresariais depositados em seu próprio registro; não há uma pesquisa frente ao
banco de dados do INPI, criando-se a possibilidade de um registro de nome empresarial
que reproduza a marca de terceiro, já registrada ou em processo de registro, no mesmo
ramo de atividade.

8
BRASIL. Lei nº. 10.406/2002, Código Civil Brasileiro.
9
BRASIL. Lei 8.934/94. Dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins e dá
outras providências.
129

A Convenção da União de Paris (CUP)10, cuja primeira edição foi redigida em


1883 e originalmente assinada pelo Brasil, tendo sido promulgada através do Decreto nº
635, de 21 de agosto de 1992 (aderindo à Revisão de Estocolmo de 1967), ratificada pelo
Decreto nº 1.263/94, dispõe acerca da proteção ao nome empresarial que deve ser
despendida por seus Estados-Membros:

Art. 8o – O nome comercial será protegido em todos os países da União sem


obrigações de depósito ou de registro, quer faça ou não parte de uma marca de
fábrica ou de comércio.

Ressaltam-se dois pontos do dispositivo da CUP citado: o emprego da expressão


"nome comercial" e a desobrigação de depósito ou registro para a efetiva proteção nos
países membros da União. Para Daniel Adensohn Souza11, "a proteção do nome comercial
estrangeiro, reivindicada pelo art. 8º da CUP, será aquela que a lei brasileira concede aos
nomes de empresas nacionais".

Expostas as previsões legais acerca do nome empresarial, cumpre analisar sua


natureza e função. Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho12, “se a marca identifica, direta
ou indiretamente, os produtos e serviços, o nome empresarial irá identificar o sujeito de
direito que os fornece ao mercado”.

Desta forma, é o sinal que identifica e distingue a pessoa - física ou jurídica - que
exerce a atividade empresarial, configurando-se como direito de personalidade (ou
identidade) da mesma. Karin Grau-Kuntz13 ensina que sem denominação, não há
personalidade jurídica; razão pela qual uma sociedade de fato (irregular), não possui
personalidade jurídica. Ou seja: "o direito ao nome das pessoas jurídicas é um dos direitos
decorrentes da personalidade jurídica".

A doutrinadora, contudo, faz a distinção da natureza entre o nome adotado para


exprimir a identidade do empresário como sujeito de direitos e obrigações, quando este
nome também é utilizado para exprimir o exercício da atividade empresarial:

Tal distinção é importante. O nome das pessoas, sejam elas naturais ou


jurídicas, enquanto meio de expressão da identidade, constitui um dos direitos
da personalidade (direito de ser identificado como pessoa) e, por isso, é direito
absoluto, imprescritível e inalienável. Uma vez que o empresário é a pessoa

10 Convenção da União de Paris, de 1883. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/legislacao-1/cup.pdf >.


Acesso em: 11 de fevereiro de 2017.
11
SOUZA, Daniel Adensohn de. Op. cit, p. 117.
12
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1. São Paulo: Saraiva, 2012, p.240.
13
GRAU-KUNTZ, Karin. Do nome das pessoas jurídicas. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 20.
130

física ou jurídica que exerce atividade econômica, o mesmo será dito em


relação ao nome por ele adotado para exprimir a sua identidade. Outra é a
natureza do sinal adotado para designar o exercício da empresa. Neste caso, o
sinal agrega um valor econômico e, portanto, a natureza da sua proteção é
concorrencial.
[...]
Enquanto a pessoa natural ou jurídica deve e pode adotar um nome que
exprima sua identidade, a pessoa natural ou jurídica que exerce atividade
concorrencial pode valer-se deste mesmo sinal ou adotar um outro sinal
qualquer para designar-se no exercício da empresa. Enquanto o sinal que se
refere ao conteúdo identidade é um "sinal de identidade", um dever-direito, o
sinal que se refere ao exercício da empresa é um "sinal de trabalho", um
direito.14 (grifo do autor).

Newton Silveira15 entende que “por sua natureza, o nome empresarial é direito
exclusivo absoluto, não limitado ao ramo de atividade, de modo que, ao menos quanto às
denominações, não podem coexistir no território nacional duas idênticas”. O doutrinador
faz, contudo, a diferenciação entre o nome empresarial subjetivo e nome empresarial
objetivo:

Na primeira hipótese, temos o nome empresarial subjetivo, definido no art. 2º


do Decreto n. 916, de 1890 ("Firma ou razão comercial é o nome sob o qual o
comerciante ou sociedade exerce o comércio e assina-se nos atos a ele
referentes"), a que se devem acrescentar as denominações das sociedades
limitadas e por ações, tais como constam do contrato ou do estatuto e no
registro do comércio. Sob esse aspecto, o nome empresarial constitui obrigação
do empresário, e seu uso de forma incorreta pode ocasionar a responsabilidade
solidária dos sócios, a que, normalmente, não estariam obrigados.
Diferentemente, o nome empresarial objetivo constitui direito exclusivo de seu
titular, podendo ser formado não só pelo nome empresarial subjetivo (firma ou
denominação social) como por outros nomes ou sinais pelos quais o público
identifique o empresário, independentemente de registro, tal como preceitua o
artigo 8 da Convenção de Paris. Nesse sentido, equiparam-se ao nome
empresarial as denominações das sociedades civis e das fundações.
Neste mesmo sentido, Gama Cerqueira16 já discorria acerta desta diferenciação:

[...]o nome do comerciante individual, as firmas e denominações ligam-se


estreitamente à pessoa do comerciante, como o nome civil à personalidade de
quem o usa. No mundo dos negócios e nas relações com terceiros exercem,
precipuamente, a função de designar o sujeito de direito. É a função subjetiva
do nome.
Sob outro aspecto, porém, as firmas sociais e as denominações das sociedades
anônimas, a firma ou a denominação das sociedades por quotas, como a firma
do comerciante singular, exercem função objetiva, que caracteriza,
individualiza e distingue a atividade do comerciante ou industrial, pessoa física
ou jurídica, no campo da competência comercial. Nessa função, mais
importante sob o nosso ponto de vista, as firmas e denominações entram no

14
Ibid, p. 25-27.
15
SILVEIRA, Newton. op. cit., p. 19.
16
CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial, Volume I - Da Propriedade Industrial
e do Objeto dos Direitos, 3ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p. 326.
131

domínio da propriedade industrial e ficam sujeitas a regime especial e a


princípios diversos, gozando, ao mesmo tempo, da extensa proteção das leis e
princípios que disciplinam a concorrência comercial. (grifo do autor)

Conclui-se, portanto, que há uma dualidade na função do nome empresarial, de


acordo com o emprego dado pelo empresário: a proteção de um direito de personalidade
e identificação do empresário (nome empresarial subjetivo); e a proteção de seu "sinal de
trabalho" (expressão cunhada por Grau-Kuntz), utilizado para o exercício da atividade
empresarial, de caráter concorrencial (nome empresarial objetivo).

Devemos analisar, assim, a extensão territorial da proteção conferida ao nome


empresarial, de acordo com essa dualidade.

Conforme Denis Borges Barbosa17, “a Constituição não prescreve que a proteção


seja em forma de propriedade, mas permite, e efetivamente ocorre, uma exclusividade
territorial limitada ao estado do registro (ou, por aplicação direta da CUP art. 8o,
nacional)”.

A posição de Daniel Adensohn de Souza18, acerca dos efeitos do registro do nome


empresarial, vai de encontro à proteção Estadual mencionada no Código Civil, trazendo
uma interpretação calcada no direito concorrencial:

[...] a proteção não será, a priori, internacional, nacional, estadual ou municipal.


Não há um limite territorial preestabelecido. O que determinará o âmbito
geográfico de proteção é a relação efetiva de concorrência, variando com a
distintividade do nome e o grau de conhecimento deste pelo público consumidor.

O autor conclui seu raciocínio, então, no sentido de que a extensão da proteção


concedida ao nome empresarial não é pré-definida, cabendo ao juiz aferir a presença de
relação de concorrência no caso concreto:

Temos, portanto, que o nome comercial, haja vista sua função econômico-
concorrencial, tem sua proteção estendida para todo o território em que haja potencial
concorrência, não havendo, dessarte, limitação territorial preestabelecida, cabendo ao
juiz, no caso concreto, aferir a presença da relação de concorrência. Essa relação de

17
BARBOSA, Denis Borges. Tratado da Propriedade Intelectual, Tomo I. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010, p. 411.
18
SOUZA, Daniel Adensohn de. Op. Cit., p. 155.
132

concorrência, vale dizer, ao passo que fixa o âmbito territorial de proteção, delimita a
extensão da proteção à atividade desenvolvida, ou seja, do campo concorrencial.19

Este entendimento acerca da extensão da proteção concedida ao nome empresarial


vai ao encontro da distinção entre nome empresarial subjetivo e objetivo preconizada por
Newton Silveira e outros doutrinadores, posto que este defende20 que o nome empresarial
subjetivo, regulado pelo Código Civil, de natureza de direito de personalidade e de caráter
registral, possui proteção restrita ao território da unidade da Federação ao qual está
registrado, não sujeito ao princípio da especialidade, mas ao da territorialidade; enquanto
o nome empresarial objetivo, de caráter concorrencial, possui proteção estendida ao
âmbito geográfico da efetiva concorrência, sem limitação territorial específica, tutelado
pelo artigo 8 da Convenção de Paris e pelo art. 195, V, da Lei 9.279/96.

Percebe-se, desta forma, em análise preliminar, que a doutrina especializada não


possui um consenso quanto à natureza jurídica do nome empresarial e, muito menos,
quanto à extensão de sua proteção – tanto material, quanto territorial.

Ainda mais complexo o tema se torna, quando se inserem os demais sinais


distintivos (especialmente as marcas) na discussão.

Conforme Gabriel Francisco Leonardos21, em virtude de ter se tornado corriqueiro


o registro do nome empresarial como marca, passando a gozar da proteção típica destas
somadas à proteção específica do registro perante a Junta Comercial, muitas vezes se
recorre tão somente à proteção marcária, tendo em vista ser seu objeto mais abrangente.

Igual pensamento comunga Fábio Ulhoa Coelho22, para quem “hoje em dia, o
nome empresarial não cumpre mais a função mercadológica do passado. Foi substituído,
na função, pela marca”. Ora, se a marca passou a ser o signo distintivo que, de fato,
distingue um concorrente de outro, o nome empresarial passou a ser uma mera
formalidade no ato do registro do empresário? O doutrinador explica que o nome de
identificação do sujeito que explora a atividade econômica ainda goza de proteção
jurídica pelo motivo de ainda representar a reputação do empresário entre fornecedores e
financiadores, sendo mais importante no meio empresarial, do que no meio de consumo.

19
Ibid., p. 156.
20
SILVEIRA, Newton. Op. cit., p. 19, nota de rodapé nº 1, e p. 99.
21
LEONARDOS, Gabriel Francisco. A proteção ao nome empresarial, in JABUR, Wilson Pinheiro;
SANTOS, Manoel J. Pereira dos (Coords.). Propriedade Intelectual: sinais distintivos e tutela judicial e
administrativa. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 135.
22
COELHO, Fábio Ulhoa. Op. Cit. pp. 240-1.
133

Daniel Adensohn de Souza registra que a confusão pode ocorrer quando

o empresário, ao usar o nome empresarial no âmbito de suas atividades


empresariais, ou seja, no campo da concorrência (transmutando-o a nome
comercial), normalmente não o utiliza integralmente; abrevia-o ou adota
somente o elemento nuclear, diferenciador, principalmente em se tratando de
denominações, o que acaba por transmutá-lo em marca ou título de
estabelecimento. Todavia, o nome empresarial remanesce e goza de proteção
própria, assim como a marca e o título de estabelecimento que possa
constituir.23

De fato, os conflitos envolvendo nome empresarial, título de estabelecimento e


marcas, via de regra, giram em torno de uma expressão nuclear comum - e não em relação
à firma ou denominação completa. É a utilização da expressão nuclear de um nome
empresarial (geralmente a denominação fantasiosa) como marca ou título de
estabelecimento que gera o conflito com terceiros.

Retorna-se, assim, ao conceito de nome empresarial subjetivo e objetivo: o


primeiro protege a identidade do empresário; enquanto o segundo protege o "sinal de
trabalho", ou o exercício da atividade empresarial, cuja proteção é meramente
concorrencial, de modo a distinguir o titular de seu concorrente no âmbito das atividades
econômicas.

Assim, conforme Newton Silveira24, sendo o nome empresarial objetivo regulado


pelas normas repressoras da concorrência desleal insculpidas no art. 195 da Lei de
Propriedade Industrial (juntamente com a marca de fato, o título de estabelecimento, a
insígnia e as expressões de propaganda), referem-se ao estabelecimento (conjunto de
bens, materiais e imateriais, com valor patrimonial e disponíveis) - e não estão alojados
no estabelecimento. Sendo tutelados pelas normas da concorrência, que regulam a
empresa como atividade, caracterizam-se como direitos relativos.

Para o presente estudo, parece-nos mais importante o enfoque ao nome


empresarial objetivo, posto que este é o que acaba por conflitar com os demais sinais
distintivos, no âmbito concorrencial de distinção entre um titular e seus concorrentes,
vinculado à atividade de seu titular (e não quanto à pessoa do titular).

23
SOUZA, Daniel Adensohn de. Op. cit, p. 59.
24
SILVEIRA, Newton. Op. cit., p. 114.
134

2.2 Título de Estabelecimento

O título de estabelecimento identifica e distingue o estabelecimento comercial,


sendo este o "conjunto de bens, materiais e imateriais, com valor patrimonial e
disponíveis"25. Também chamado de "nome fantasia" ou "nome de fachada", é o nome
com o qual a sociedade empresária se apresenta no mercado, perante o público
consumidor, normalmente aposto no local de comércio.

Fábio Ulhoa Coelho26 define o título de estabelecimento como "a designação que
o empresário empresta ao local onde desenvolve sua atividade", sendo que não
necessariamente precisa coincidir com o nome empresarial ou a marca.

É, de certa forma, espécie do gênero nome comercial e, da mesma forma, possui


proteção independente de registro (que sequer existe, frisa-se), através das regras de
direito concorrencial. Na acepção de Karin Grau-Kuntz, já discorrida no capítulo relativo
aos nomes empresariais, configura-se como tipo de "sinal de trabalho", dentro do conceito
de nome empresarial objetivo e, da mesma forma que o nome empresarial, é comumente
registrado como marca, de modo a conferir maior proteção e abrangência territorial.

Denis Borges Barbosa27, de forma didática, assim distingue a marca, título de


estabelecimento e nome empresarial:

Numa expressão do tipo “X é o melhor sabão”, “X” é a marca; em “No bar Y,


a melhor cachaça”, “Y” é o título do estabelecimento; em “A Tutaméia S.A. é
honesta” ou “A Tutaméia é uma sociedade (ou empresa) honesta”, trata-se de
nome comercial, mais precisamente, no caso, de denominação social. A
insígnia é a expressão figurativa do título de estabelecimento, e segue
integralmente seu regime.
Fábio Ulhoa Coelho28, por sua vez, também discorre acerca da proteção do título
de estabelecimento meramente por regras concorrenciais:

Quando o título de estabelecimento, contudo, apresenta expressão lingüística


diversa da da marca - e não se encontra registrado também como marca no
INPI -, o empresário somente poderá impedir que alguém o imite ou reproduza,
com base na repressão à concorrência desleal. A lei tipifica como crime desta
natureza o uso indevido de título de estabelecimento (LPI, art. 195, V), do que
decorre também a responsabilidade civil do infrator, pelos danos decorrentes
do desvio de clientela (LPI, art. 209). Como, por outro lado, não existe
atualmente registro do título de estabelecimento - ele existiu, no Brasil, entre

25
Idem.
26
COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit., p. 248.
27
BARBOSA, Denis Borges. Signos de todo Gênero - Títulos de Estabelecimento. Disponível em:
<http://denisbarbosa.addr.com/paginas/home/pi_tipos_signos.html#titulos>. Acesso em: 29 de janeiro de
2017.
28
COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit, p. 248.
135

1934 e 1967, e produzia efeitos restritos ao âmbito do município -, a prova da


anterioridade, no uso do sinal distintivo, pode ser feita por testemunhas ou
documentos de qualquer gênero.

Tem-se, portanto, que para muitos doutrinadores a extensão da proteção do título


do estabelecimento é local (seja municipal ou estendida na medida da concorrência
efetiva).

Novamente, percebe-se que, diante de um conflito, a falta de legislação específica


para dirimir tais questões torna a resolução interpretativa e trabalhosa, normalmente
guinando para a análise concorrencial que, por sua natureza, possui um caráter subjetivo.

2.3 Marcas

A Lei 9.279/96, em seus artigos 122 e 123, define que marcas são os sinais
distintivos visualmente perceptíveis, utilizados para identificar produtos ou serviços.

Em definição mais aprofundada, Newton Silveira29 define a marca como "todo


nome ou sinal hábil para ser aposto a uma mercadoria ou um produto, ou para indicar
determinada prestação de serviço e estabelecer a identificação entre o consumidor ou
usuário e a mercadoria, produto ou serviço". Para o doutrinador, "a natureza da marca
decorre de sua finalidade" que, ao cabo, é identificar o produto ou serviço:

A marca evolui da assinatura do produtor aposta ao produto, ou de um sinal de


propriedade aposto às mercadorias em trânsito ou depositadas em armazéns, a
um sinal que vai atuar diante dos consumidores para identificar uma
procedência constante de determinado produto, mercadoria ou serviço,
oferecidos em concorrência com outros de procedência diversa. A marca
pressupõe a existência, ao menos potencial, de produtos idênticos ou similares
oferecidos no mesmo mercado, sendo, pois, um instrumento de concorrência,
não de monopólio.30

Tem-se, portanto, que a marca serve para identificar a procedência e diferenciar


um produto ou serviço de um titular de outro, perante o público consumidor, muitas vezes
se sobressaindo ao nome do fabricante ou comerciante:

Há inúmeros produtos e artigos que se tornam conhecidos exclusivamente pela


marca que trazem, ignorando-se o próprio nome do fabricante ou do vendedor.
O consumidor sabe que o produto tal é o que tem as qualidades que prefere, é
diferente dos outros similares, pouco importando conhecer-lhe a origem. Se
encontra, em outros produtos do mesmo gênero, a marca que conhece, prefere-

29
SILVEIRA, Newton. Op. cit., p. 114.
30
Ibid, pp. 20-21.
136

os aos demais. A marca e o produto já conhecidos recomendam os novos


artigos. [...]A marca individualiza o produto, identifica-o, distingue-o dos
outros similares, não pela sua origem, mas pelo próprio emblema ou pela
designação que a constitui. É, pois, um sinal de identificação, cuja função
econômica é importantíssima.31

No Brasil, as marcas são registradas perante o Instituto Nacional da Propriedade


Industrial (INPI), cuja natureza jurídica é de autarquia federal. O registro de uma marca
pode se dar na forma nominativa (onde se protege tão somente a expressão nominativa,
sem vinculação com qualquer elemento figurativo); figurativa (onde se protege tão
somente um elemento figurativo utilizado como marca); mista (onde se protege um
elemento nominativo associado a um elemento figurativo); ou tridimensional (onde se
protege a forma tridimensional de um produto que, por sua distintividade e notoriedade
acerca de sua origem, tornou-se propriamente uma marca).

Percebe-se, assim, que os diferentes tipos de registro permitidos resultam em


diferentes proteções de uma mesma marca em suas diversas formas de apresentação. E
esta proteção, nos termos do art. 129 da LPI, significa o direito de uso exclusivo da marca,
pelo titular, em todo o território nacional.

O direito de exclusiva transcende a questão concorrencial territorial, posto que ao


se obter o registro da marca, o titular poderá opor-se ao seu uso por terceiros em qualquer
local do território nacional, ainda que não haja uma efetiva concorrência verificada entre
as partes.

A proteção concedida à marca registrada, entretanto, será restrita ao ramo


mercadológico - classe de produto ou serviço - ao qual o registro está adstrito, por força
do princípio da especialidade (também chamado de princípio da especificidade).

De acordo com o princípio da especialidade, a proteção concedida a uma marca


registrada fica restrita ao ramo de atividade para a qual o registro foi concedido. Desta
maneira, uma mesma marca pode ser utilizada por diferentes titulares para identificar
produtos ou serviços diversos, que não mantenham uma relação mercadológica entre si,
sem que haja qualquer risco de confusão.

31
CERQUEIRA, João da Gama. Op. cit., p. 242.
137

Como exemplo, podemos citar a marca "VEJA", que identifica tanto a revista,
quanto o produto de limpeza ou o calçado; todos de titulares diferentes e sem que causem
confusão ao consumidor.

Denis Borges Barbosa32 assim discorre sobre referido princípio:

Vale lembrar que um dos princípios básicos do sistema marcário é o da


especialidade da proteção: a exclusividade de um signo se esgota nas fronteiras
do gênero de atividades que ele designa. Assim se radica a marca registrada na
concorrência: é nos seus limites que a propriedade se constrói. Voltando ao
exemplo já suscitado, "Stradivarius", para aviões, não infringe a mesma marca,
para clarinetes: não há possibilidade de engano do consumidor, ao ver
anunciado um avião, associá-lo ao instrumento musical.
Se a atividade de vender aviões é distinta da de comercializar clarinetes, a de
vender camisas (numa boutique) não o é da de vender sapatos (nos padrões de
comercialização da década de 2000). A marca "Megaron" não poderia, a partir
de tal critério, ser usada simultaneamente para distinguir camisas e sapatos,
salvo se o quiser registrar um mesmo titular para ambas as categorias de bens.

Exceção ao princípio da especialidade, bem como à necessidade de registro para


a proteção, são as marcas de alto renome (art. 125) e notoriamente conhecidas (art. 126).

Marca de alto renome é aquela que, por ser tão famosa em um país, possui
proteção especial em todos os ramos de atividade (vale dizer, em todas as classes de
registro). Este tipo de marca, contudo, precisa ser reconhecida como tal pelo órgão
registral (no Brasil, o INPI), para então gozar desta proteção especial. A marca de alto
renome, portanto, é exceção ao princípio da especialidade, posto que possui proteção
especial estendida a todos os ramos de atividade. As marcas de alto renome vigentes no
Brasil (até dezembro de 2016) podem ser consultadas junto ao INPI33.

A marca notoriamente conhecida, de outra banda, é aquela que é de conhecimento


notório dentro de um ramo de atividade específico; vale dizer, aquela marca que os demais
titulares daquele ramo mercadológico evidentemente não poderiam alegar desconhecer.
Esta marca sequer necessita de registro no país para que seja protegida, podendo o INPI
indeferir, de ofício, pedidos de outros titulares que a reproduzam ou imitem, no todo ou
em parte.

32
BARBOSA, Denis Borges. Proteção das Marcas Uma Perspectiva Semiológica. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007, p. 197.
33
INSTITUTO Nacional da Propriedade Industrial. Marcas de Alto Renome em vigência. Disponível em:
<http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/marcas/arquivos/inpi-marcas_-marcas-de-alto-renome-em-
vigencia_-13-12-2016_padrao.pdf>. Acesso em 11 de fevereiro de 2017.
138

O regime que vigora no Brasil é o atributivo de direito, no qual a propriedade da


marca se adquire pelo registro validamente expedido (conforme art. 129 da LPI),
obedecendo-se ao princípio first to file - o primeiro utente que levar a marca a registro
terá a propriedade sobre esta marca.

A exceção ao first to file é o direito de precedência, insculpido no §1º, do art. 129


da LPI:

Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido,


conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo
em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de
certificação o disposto nos arts. 147 e 148.
§ 1º Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País,
há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou
certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de
precedência ao registro.

O direito de precedência, contudo, pressupõe a boa-fé do precedente e que a


anterioridade do uso se dê no país, não servindo a anterioridade de uso no exterior
(quando a marca não for notoriamente conhecida).

A temática do direito de precedência não é de simples aplicação e gera enorme


insegurança jurídica (quando tratada entre titulares de boa-fé), posto que há grande
discussão acerca do momento para que se alegue referido direito, com entendimentos
divergentes entre o INPI e o Poder Judiciário.

3 O CONFLITO ENTRE SINAIS DISTINTIVOS E A TUTELA DA


CONCORRÊNCIA

Feita a análise inicial que conceitua os principais sinais distintivos empresariais -


nome empresarial, título de estabelecimento e marca - passamos a analisar as hipóteses
de colidência destes sinais entre titulares diversos.

De modo a facilitar o estudo, dividimos esta análise entre as três ocorrências mais
comuns levadas ao Poder Judiciário: nome empresarial x nome empresarial; marca x
marca; e nome empresarial e/ou título de estabelecimento x marca.
139

3.1 Nome empresarial x nome empresarial

Verificamos que o nome empresarial possui uma dupla natureza: a subjetiva,


relativa à identificação do empresário, denominada "sinal de identidade"; e a objetiva,
relativa ao "sinal de trabalho", ligado à atividade empresarial.

Ainda, que a proteção da natureza subjetiva está adstrita ao território da federação


onde registrada a empresa; enquanto a proteção da natureza objetiva é extensiva à efetiva
área de concorrência da atividade empresarial.

Ocorre que, com as facilidades trazidas pelos meios de comunicação digital atuais
e a proliferação do e-commerce, a atividade da empresa, ainda que apenas registrada em
um Estado, pode ser facilmente prestada em âmbito nacional. Tal fato, por certo, é um
complicador para a análise concorrencial de colidências entre sinais distintivos, uma vez
que a "área de concorrência", nestes casos, poderia ser considerada simplesmente como
o território de toda a federação, através da oferta de bens de consumo e serviços pela
internet.

Karin Grau-Kuntz34 já enfrentava o problema em 1998, época em que os meios


digitais e o e-commerce ainda não eram desenvolvidos como atualmente, bem como não
estava em vigor o Código Civil atual (que, conforme já demonstrado, sedimentou a
proteção territorial adstrita ao Estado de registro da empresa):

Já a segunda hipótese deve ser analisada mediante critérios concorrenciais,


envolvendo o elemento clientela, prestígio, localização da empresa, etc. Aqui,
a proteção ao nome comercial é, por sua natureza concorrencial, relativa.
Não se pode negar que a linha divisórioa entre estes dois conteúdos é bastante
tênue e que, se na teoria é possível tomar cada um deles como objeto de análise
isolada, na prática é tarefa das mais árduas separar um conteúdo do outro.
Considerando, assim, o nome comercial como um todo, duas hipóteses de
colidência se deixam vislumbrar:
a) há risco de erro quanto à identidade e não há relação concorrencial entre as
empresas. Neste caso estaremos diante de um problema restrito à identidade
dos sujeitos de direito e obrigações, objeto de um direito absoluto (direito à
identidade), ou seja, válido em todo território nacional.
b) há risco de erro quanto à identidade e há risco de confusão sob o aspecto
concorrencial. Neste caso haverá concorrência de tutelas jurídicas e, uma vez
que em relação aos seus limites a proteção à identidade é mais abrangente do
que a proteção concorrencial, aquela conterá esta. Daí dizermos que o nome
comercial, mesmo quando há relação concorrencial, é direito absoluto,
extensível a todo território nacional. Os fatores "ramo de atividade" e
"localização" apresentam-se como um agravante na apuração da colidência.

34
GRAU-KUNTZ, Karin. Op. cit., pp. 71-2.
140

Nos filiamos ao entendimento da doutrinadora, porém com a ressalva de que a


proteção, quando não decorrente de concorrência direta entre dois titulares sediados em
Estados diferentes, não será automaticamente nacional; mas sujeita a uma análise de
efetiva concorrência entre tais titulares.

Para os fins deste estudo, nos ateremos à colidência entre denominações


fantasiosas, posto que mais comuns e recorrentes. Não analisaremos, portanto, os
conflitos envolvendo as firmas, razões sociais ou denominações não fantasiosas
(aquelas que contém o patronímico).

A Instrução Normativa nº 15/201335 do Departamento de Registro Empresarial e


Integração (DREI) dispõe em seu artigo 6º que "observado o princípio da novidade, não
poderão coexistir, na mesma unidade federativa, dois nomes empresariais idênticos ou
semelhantes". Em seu artigo 8º, elenca os critérios para análise de identidade e
semelhança dos nomes empresariais e, no artigo 9º, enumera as excludentes de
exclusividade.

Percebe-se que o DREI se limita a considerar a semelhança entre expressões


quando forem foneticamente idênticas - "homofonia", deixando de lado outros tipos de
imitações mais elaboradas, o que não se verifica, por exemplo, quando da análise pelo
INPI para o deferimento de registro de marca em relação às anterioridades porventura
encontradas pelo examinador.

Neste diapasão, cumpre-nos analisar alguns arestos afetos ao tema, de modo a


verificar-se o entendimento jurisprudencial acerca da proteção ao nome empresarial.

Um famoso paradigma acerca do conflito entre nomes empresariais semelhantes


é o imbróglio entre as empresas Odebrecht S.A. (ramo de construção civil) e Odebrecht
Comércio e Indústria de Café Ltda. (ramo de comércio e indústria de café). Em 2005, o
Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento ao julgar o EDcl nos EDcl no AgRg
no Recurso Especial Nº 653.609 - RJ (2004/0049319-0), da 4ª Turma, de relatoria do Min.
Jorge Scartezzini, cujos trechos reproduz-se (grifo nosso):

[...]

35
BRASIL. Instrução Normativa DREI nº 15, de 5 de dezembro de 2013, publicado no D.O.U. de 06 de
dezembro de 2013.
141

4. A proteção legal da denominação de sociedades empresárias, consistente


na proibição de registro de nomes iguais ou análogos a outros anteriormente
inscritos, restringe-se ao território do Estado em que localizada a Junta
Comercial encarregada do arquivamento dos atos constitutivos da pessoa
jurídica.
5. Não se há falar em extensão da proteção legal conferida às denominações de
sociedades empresárias nacionais a todo o território pátrio, com fulcro na
Convencao da União de Paris, porquanto, conforme interpretação sistemática,
nos moldes da lei nacional, mesmo a tutela do nome comercial estrangeiro
somente ocorre em âmbito nacional mediante registro complementar nas
Juntas Comerciais de todos os Estados-membros.[...]

Verifica-se que em 2005 o STJ confirmou a extensão territorial da proteção ao


nome empresarial adstrita ao Estado em que localizada a Junta Comercial que arquivou
os atos constitutivos da pessoa jurídica.

Em 2010, novamente o Superior Tribunal manifesta-se acerca da colidência entre


nomes empresariais, desta vez ao que parece aplicando o princípio da especialidade
(próprio do regime marcário) para analisar o caso (grifo nosso):

DIREITO EMPRESARIAL. PROTEÇÃO AO NOME COMERCIAL.


CONFLITO. NOME COMERCIAL E MARCA. MATÉRIA SUSCITADA
NOS EMBARGOS INFRINGENTES. COLIDÊNCIA ENTRE NOMES
EMPRESARIAIS. REGISTRO ANTERIOR. USO EXCLUSIVO DO
NOME. ÁREAS DE ATIVIDADES DISTINTAS. AUSÊNCIA DE
CONFUSÃO, PREJUÍZO OU VANTAGEM INDEVIDA NO SEU
EMPREGO. PROTEÇÃO RESTRITA AO ÂMBITO DE ATIVIDADE
DA EMPRESA. RECURSO IMPROVIDO.
1. Conflito entre nome comercial e marca, a teor do art. 59 da Lei n. 5.772/71.
Interpretação.
2. Colidência entre nomes empresariais. Proteção ao nome comercial.
Finalidade: identificar o empresário individual ou a sociedade empresária,
tutelar a clientela, o crédito empresarial e, ainda os consumidores contra
indesejáveis equívocos.
3. Utilização de um vocábulo idêntico - FIORELLA - na formação dos dois
nomes empresariais - FIORELLA PRODUTOS TÊXTEIS LTDA e
PRODUTOS FIORELLA LTDA. Ausência de emprego indevido, tendo em
vista as premissas estabelecidas pela Corte de origem ao analisar colidência:
a) ausência de possibilidade de confusão entre os consumidores; b) atuação
empresarial em atividades diversas e inconfundíveis.
4. Tutela do nome comercial entendida de modo relativo. O registro mais
antigo gera a proteção no ramo de atuação da empresa que o detém, mas
não impede a utilização de nome em segmento diverso, sobretudo quando
não se verifica qualquer confusão, prejuízo ou vantagem indevida no seu
emprego.
5. Recurso a que se nega provimento.
(REsp 262.643/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA,
julgado em 09/03/2010, DJe 17/03/2010)
142

Denota-se do voto do Relator do caso supracitado que foi realizada uma análise
com base na questão concorrencial existente entre as empresas:

Com efeito, ao se defender o nome comercial, busca-se impedir a concorrência


desleal, pois a utilização de homônimos possibilita o desvio de clientela,
ocasionando a obtenção de vantagem indevida no ambiente concorrencial e, de
outra maneira, a imposição de prejuízos financeiros aos demais agentes
econômicos. [...]
Desse modo, não obstante a existência de registro anterior da recorrente, este
não tem a capacidade de elidir de forma absoluta o uso da expressão
FIORELLA, visto que, na hipótese dos autos, não se vislumbra infringência às
finalidades ensejadoras da proteção ao nome empresarial, porquanto as
atividades econômicas das empresas se dão em campos distintos. Some-se a
isso, a utilização da palavra TÊXTEIS no nome da recorrente, circunstância a
manifestar distinção entre as espécies e a obstar eventual confusão, como bem
asseverou o Tribunal de origem.

Finalmente, em 2016, tem-se o julgamento do Agravo Interno no Recurso


Especial nº 1280061/SP, de relatoria do Ministro Raul Araújo, onde as empresas
HIDROTOPO CONSULTORIA E PROJETOS LTDA. (RJ) e HIDROTOP
CONSTRUÇÕES E LEVANTAMENTOS LTDA. (SP) discutiam acerca da colidência
entre suas denominações sociais. O julgado manteve o entendimento da limitação da
proteção do nome empresarial ao Estado de arquivamento dos atos constitutivos:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROTEÇÃO AO


NOME EMPRESARIAL. CIRCUNSCRIÇÃO À UNIDADE DA
FEDERAÇÃO EM QUE REALIZADO O REGISTRO. CONFLITO
ENTRE MARCA E NOME EMPRESARIAL. ANTERIORIDADE DO
REGISTRO DO NOME. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ.
AGRAVO IMPROVIDO.
1. A proteção do nome empresarial está circunscrita à unidade da
federação de jurisdição da Junta Comercial em que registrados os atos
constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo território
nacional caso haja pedido complementar de arquivamento nas demais
Juntas Comerciais. Precedentes.
2. Registrados os nomes comerciais das partes em diferentes estados da
federação, sem pedido de proteção em todo o território nacional, não há
falar em abstenção de uso, ainda que o registro da agravante seja anterior.
3. No que se refere ao conflito entre a marca registrada no INPI pela
agravante e o nome comercial da agravada, registrado em 1992, verifica-se
que o registro do nome comercial daquela antecede em muito o da marca.
Veja-se que somente no ano 2000 foi feito o registro da marca no INPI.
Nesse sentido, não há como obstar o uso do nome empresarial, já consolidado,
pela agravada.
4. A alteração da conclusão do acórdão recorrido no sentido de que a
anterioridade do registro da ora agravada perante a JUCESP é evidente
demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, o que
encontra óbice na Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça.
5. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no REsp 1280061/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA
TURMA, julgado em 01/09/2016, DJe 15/09/2016) (grifo nosso)
143

Verifica-se que dos julgados colacionados acima, aparentemente não há uma


análise aprofundada da questão concorrencial entre os titulares, preferindo o STJ analisar
tão somente o limite territorial da proteção concedida ao nome empresarial, sem de fato
verificar a natureza objetiva deste sinal, expressão de sua atividade empresarial.

Do caso entre as empresas HIDROTOPO CONSULTORIA E PROJETOS LTDA.


(RJ) e HIDROTOP CONSTRUÇÕES E LEVANTAMENTOS LTDA. (SP), não se
verifica um risco de confusão acerca da identidade das empresas, vez que seus nomes
empresariais não são idênticos em sua integralidade (apesar da expressão nuclear bastante
similar - HIDROTOPO x HIDROTOP); mas não se verificou se há concorrência direta
entre as atividades prestadas por ambas, bem como a abrangência territorial desta
concorrência.

O que se conclui, portanto, é que tanto a doutrina, quanto a jurisprudência, não


possuem um consenso acerca do real limite da proteção do nome empresarial, tanto em
seu aspecto territorial, quanto concorrencial. Alia-se a tal conclusão o fato de que os
conflitos normalmente envolvem a colidência concomitante de mais de um sinal
distintivo, o que dificulta e supõe maior atenção na análise de cada caso concreto.

Em nossa opinião, não há porque impedir a convivência pacífica entre duas


empresas com a mesma expressão nuclear em sua denominação, quando não há efetiva
concorrência entre elas. Como exemplo, tomemos duas empresas que atuam em um
mesmo ramo de atividade (fabricação e venda de móveis sob medida), sendo uma situada
no Rio Grande do Sul (empresa "A") e outra no Acre (empresa "B") e que não exerçam
qualquer concorrência entre si (cada empresa vende seus produtos dentro de seu Estado,
de forma física e presencial). Nesse caso, não há efetiva concorrência e, portanto, não há
porque impedir sua convivência pacífica.

Todavia, tomando-se o mesmo exemplo acima, caso a empresa "A", mesmo


sediada no Rio Grande do Sul, exerça essa atividade em todo o Brasil, vendendo seus
móveis pelo seu sítio eletrônico (e-commerce) e realizando a entrega e montagem em
qualquer lugar do país, estar-se-á diante de efetiva concorrência entre ambas as empresas
(empresa "A" comercializando móveis no Acre através de seu e-commerce; e empresa
"B" de modo físico no mesmo Estado do Acre), o que acarretará na necessidade de serem
analisados a fundo os elementos de colidência entre as duas empresas, entre eles i) a
questão cronológica da constituição dos nomes empresariais; ii) se a expressão nuclear é
simples, vulgar ou de uso comum naquele ramo ou se goza de distintividade; e iii) se há
144

efetiva possibilidade de confusão ao consumidor dentro da área de concorrência entre


ambas empresas.

Assim, somente com esta análise subjetiva do caso concreto, poder-se-á chegar a
um julgamento minimamente justo.

2.2 Marca x marca

A análise de colidências entre marcas, via de regra, é tarefa mais fácil, tendo em
vista a aplicação dos princípios da territorialidade e especialidade, os quais definem de
forma objetiva a extensão e objeto da proteção marcária.

Conforme já discorrido no capítulo específico, estes princípios norteiam o direito


marcário e deverão ser observados no caso concreto.

Assim, pelo princípio da territorialidade, a proteção à marca se dá em todo


território nacional, mediante o registro do sinal perante o INPI. Desta forma, não podem
coexistir, em todo território nacional, duas marcas iguais ou semelhantes, desde que
utilizadas em um mesmo ramo de atividade (princípio da especialidade) e cuja
convivência no mercado não acarrete risco de erro, dúvida ou confusão ao consumidor, o
que se depreende do inciso XIX do art. 124 da LPI:

Art. 124. Não são registráveis como marca:


(...)
XIX - reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo,
de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço
idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com
marca alheia;

Ademais, há a necessidade de se observar se as marcas colidentes não possuem


em seu núcleo expressões de uso comum, vulgar, corriqueiro ou descritivo do produto
e/ou serviço identificado na classe específica em que registradas, o que também não lhes
confere o direito de exclusividade sobre o termo em si, mas apenas sobre o conjunto
marcário (para os casos de marcas mistas), conforme a proibição expressa do art. 124, VI,
da LPI:
145

Art. 124. Não são registráveis como marca:


(...)
VI - sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente
descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou
aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou
serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de
produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente
forma distintiva;

Neste sentido, citamos jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região


(grifou-se):

PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DESCABIMENTO.


LEI DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. AÇÃO NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA. I - O
fato de terem as marcas o mesmo radical - "Delta" não implica, por si só,
que haja colidência entre elas, mesmo porque vários produtos possuem
este radical. II - Descabe tutela antecipada para suspender os efeitos de
registro de marca, quanto não se mostre evidente a ilegalidade do ato
administrativo, mesmo porque no processo de registro há ampla oportunidade
de impugnação pelos interessados. Falta, no caso, sobretudo o requisito de
prova inequívoca da colidência das marcas. II - Agravo de instrumento
improvido.” (TRF 2ª Região, AG 61688, DJ 21-06-2001, Relator Juiz Cruz
Netto)

O presente estudo não analisará os ditames para se apurar se uma marca é igual,
semelhante ou imita outra. Assim, para os fins das análises dos conflitos, presumir-se-á
que as marcas já tenham sido analisadas e que há, efetivamente, a colidência dos sinais
em debate.

Diante de controvérsia que envolva a colidência de marcas iguais ou semelhantes,


que atuam no mesmo ramo mercadológico, bastará a simples análise do quesito temporal
da anterioridade para que se defina o direito do titular, primeiro utente, a manter seu
registro.

Citamos como exemplo o julgamento do Recurso Especial nº 1188105⁄RJ, de


relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 05⁄03⁄2013, acerca da disputa entre
as marcas "CHEE.TOS" e "CHEESE.KI.TOS", ambas utilizadas para assinalar
"salgadinhos snacks". Em virtude do evidente risco de confusão ao consumidor (que, no
caso em tela, ainda foi considerado "hipervulnerável" pelo relator, pois se trata de
mercado consumidor infantil), foi anulado o registro da segunda marca, posto que sua
grafia e fonética evidentemente imitam a primeira:
146

(...)
3. No caso, a recorrente tem registro de marca que, apesar da conclusão
da Corte de origem de que evoca ao termo comum anglo-saxão "cheese"
(queijo), é incontroverso que ambas assinalam salgadinhos "snacks",
exploram o mesmo mercado consumidor e têm grafia e pronúncia
bastante assemelhadas - hábeis a propiciar confusão ou associação entre
as marcas no mercado consumidor.
(...)
5. A possibilidade de confusão ou associação entre as marcas fica nítida no
caso, pois, como é notório e as próprias embalagens dos produtos da
marca "CHEE.TOS" e "CHEESE.KI.TOS" reproduzidas no corpo do
acórdão recorrido demonstram, o público consumidor alvo do produto
assinalado pelas marcas titularizadas pelas sociedades empresárias em
litígio são as crianças, que têm inegável maior vulnerabilidade, por isso
denominadas pela doutrina - o que encontra supedâneo na inteligência do
37, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor - como consumidores
hipervulneráveis.
6. O registro da marca "CHEESE.KI.TOS" violou o artigo 124, XIX, da
Lei da Propriedade Industrial e não atende aos objetivos da Política
Nacional de Relações de Consumo, consoante disposto no artigo 4º, incisos I,
III e VI, do Código de Defesa do Consumidor, sendo de rigor a sua anulação.
7. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1188105⁄RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 05⁄03⁄2013, DJe 12⁄04⁄2013) (grifou-se)

De outra banda, nem sempre é evidente a relação mercadológica de produtos ou


serviços inseridos em classes marcárias diversas, o que pressupõe a necessidade de uma
análise mais aprofundada para se apurar a "afinidade de mercados" e a uma correta
aplicação do princípio da especialidade para o deslinde do feito.

Precedente recente acerca do tema se deu no julgamento do Recurso Especial nº


1340933/SP, da Terceira Turma, de Relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino,
ao analisar a colidência das marcas "TIC TAC" - uma para identificar "bolachas
recheadas" e outra para "balas" (grifou-se):

RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. PROPRIEDADE


INDUSTRIAL. DIREITO MARCÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO
CPC. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 124, XIX, DA LEI N. 9.279/96.
IMPOSSIBILIDADE DE REGISTRO DE MARCA IDÊNTICA À OUTRA
JÁ REGISTRADA PARA PRODUTO AFIM. TIC TAC (BOLACHA
RECHEADA) CONSTITUI REPRODUÇÃO DA MARCA TIC TAC
(BALA). PRODUTOS QUE GUARDAM RELAÇÃO DE AFINIDADE.
INDEFERIMENTO DO REGISTRO QUE DEVE SER MANTIDO.
1. Pretensão da autora de anular o ato do INPI que indeferiu o registro da marca
TIC TAC para a distinção de biscoitos recheados.
2. Marca nominativa que configura reprodução de marca já registrada, TIC
TAC, distintiva de bala.
3. Produtos que guardam relação de afinidade, pois se inserem no mesmo
nicho comercial, visando a um público consumidor semelhante e
utilizando os mesmo canais de comercialização.
4. Aplicação do princípio da especialidade que não deve se ater de forma
mecânica à Classificação Internacional de Produtos e Serviços, podendo
147

extrapolar os limites de uma classe sempre que, pela relação de afinidade dos
produtos, houver possibilidade de se gerar dúvida no consumidor.
5. Caso concreto em que a concessão do registro pleiteado pela autora
ensejaria, no consumidor, uma provável e inverídica associação dos biscoitos
recheados com as pastilhas TIC TAC comercializadas pelas rés.
6. Indeferimento do registro que deve ser mantido, à luz do art.
124, XIX, da Lei n. 9.279/96.
7. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS.
(REsp 1340933/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 17/03/2015)

Percebe-se que no julgamento em tela, que reverteu a decisão do Tribunal a quo,


o princípio da especialidade foi perfeitamente analisado e aplicado, uma vez que, em que
pese os produtos assinalados pelas marcas em tela - "bolachas" na (antiga) classe nacional
32.10 e 32.20; e "balas/pastilhas" na (antiga) classe nacional 33.10 e 33.20 - sejam
efetivamente distintos, tratam-se de mercados absolutamente afins, conforme
brilhantemente observado pelo Min. Sanseverino em seu voto, do qual transcrevemos o
seguinte trecho:

No caso em comento, a afinidade existente entre o produto comercializado


pelas recorrentes - pastilhas comestíveis - e aquele fabricado pela recorrida -
biscoitos recheados - resulta na impossibilidade de registro do mesmo signo,
sob pena de se causar dúvida no mercado consumidor.
O risco, na hipótese, não é de confusão de produtos, já que ninguém
compraria biscoitos pensando tratar-se de balas.
O risco refere-se, em verdade, à associação das marcas.
Com efeito, é perfeitamente razoável supor que o consumidor das
pastilhas TIC TAC, ao se deparar com os biscoitos TIC TAC, imaginará
que provêm do mesmo fabricante.
Assim, a identificação do produto com uma marca já registrada, ainda que
pertencente a outra classe, pode ser interpretada, em uma hipótese como a
presente, como uma expansão da linha de produtos do fabricante.

Percebe-se, portanto, que o princípio da especialidade foi corretamente sopesado


no caso em tela, de modo a se analisar a fundo o mercado em que os produtos assinalados
pelas marcas colidentes de fato atuam, chegando-se à conclusão de que não se pode
permitir a coexistência de marcas idênticas ou semelhantes quando estes mercados forem
afins, justamente para proteger o consumidor final contra da confusão entre as marcas, de
modo que não troque uma pela outra pensando se tratar da mesma empresa fabricante.
148

2.3 Nome empresarial e/ou título de estabelecimento x Marca

A análise do conflito entre nome empresarial e/ou título de estabelecimento com


marca é, em nossa opinião, a mais difícil e subjetiva a ser realizada, posto que envolve
diferentes proteções legais concedidas a cada signo.

Neste diapasão, é a partir da proibição contida no art. 124, inciso V, da Lei


9.279/96 que surge a controvérsia:

V - reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de


título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar
confusão ou associação com estes sinais distintivos;

Percebe-se que existe extrema insegurança jurídica no momento do registro da


marca perante o INPI, pois a LPI é expressa ao proibir a reprodução ou imitação de
elemento característico ou diferenciador do nome empresarial ou título de
estabelecimento de terceiros; enquanto o Código Civil assegura o direito de uso exclusivo
de tais signos nos limites do território do Estado em que registrada a empresa.

O INPI possui sua base de dados própria, na qual estão insertos todos os registros
(e pedidos de registro) de marcas feitos perante aquela autarquia federal, disponíveis para
consulta a todo e qualquer cidadão através de seu portal na internet; todavia, não há
qualquer integração desta base de dados com as bases de dados das Juntas Comerciais de
cada Estado da federação, que sequer são unificados, a nível nacional, pelo Departamento
de Registro Empresarial e Integração (DREI).

Na prática, isto acarreta na insegurança jurídica mencionada, vez que não se


poderia exigir que o depositante, antes de efetuar o depósito de seu pedido de registro de
marca, realize uma extensa pesquisa de anterioridade de nomes empresariais (e muito
menos de títulos de estabelecimento, que sequer carece de registro formal para sua
utilização), em todas as 27 Juntas Comerciais do país, individualmente, para evitar
qualquer reprodução de elemento de nome empresarial de terceiro; e se o ramo de
atividade desta empresa coincide com o mercado que a marca visa a proteger.

Percebe-se, portanto, que na prática a análise das colidências entre signos


distintivos deve ser feita sempre caso a caso, quando da resolução judicial do conflito e
observadas a tutela da concorrência e a proteção ao consumidor.
149

Neste sentido, importa colacionar a ementa do julgado do Superior Tribunal de


Justiça, de relatoria da Minª. Nancy Andrighi, a qual enfrenta a colidência aqui tratada
(marca x nome empresarial), que balizou o entendimento da Corte Superior acerca dos
parâmetros a serem observados quando deste tipo conflito (grifou-se):

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MANDADO DE SEGURANÇA.


RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE CANCELAMENTO DE DECISÃO
ADMINISTRATIVA QUE ACOLHEU REGISTRO DE MARCA.
REPRODUÇÃO DE PARTE DO NOME DE EMPRESA REGISTRADO
ANTERIORMENTE. LIMITAÇÃO GEOGRÁFICA À PROTEÇÃO DO
NOME EMPRESARIAL. ART. 124, V, DA LEI 9.279/96. VIOLAÇÃO.
OCORRÊNCIA. COTEJO ANALÍTICO. NÃO REALIZADO. SIMILITUDE
FÁTICA. AUSÊNCIA.
1. Apesar de as formas de proteção ao uso das marcas e do nome de
empresa serem diversas, a dupla finalidade que está por trás dessa tutela
é a mesma: proteger a marca ou o nome da empresa contra usurpação e
evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do
produto.
2. A nova Lei de Propriedade Industrial, ao deixar de lado a linguagem
parcimoniosa do art. 65, V, da Lei 5.772/71 - corresponde na lei anterior ao
inciso V, do art. 124 da LPI -, marca acentuado avanço, concedendo à colisão
entre nome comercial e marca o mesmo tratamento conferido à verificação de
colidência entre marcas, em atenção ao princípio constitucional da liberdade
concorrencial, que impõe a lealdade nas relações de concorrência.
3. A proteção de denominações ou de nomes civis encontra-se prevista como
tópico da legislação marcária (art. 65, V e XII, da Lei nº 5.772/71), pelo que o
exame de eventual colidência não pode ser dirimido exclusivamente com base
no critério da anterioridade, subordinando-se, ao revés, em atenção à
interpretação sistemática, aos preceitos legais condizentes à reprodução ou
imitação de marcas, é dizer, aos arts. 59 e 65, XVII, da Lei nº 5.772/71,
consagradores do princípio da especificidade. Precedentes.
4. Disso decorre que, para a aferição de eventual colidência entre denominação
e marca, não se pode restringir-se à análise do critério da anterioridade, mas
deve também se levar em consideração os dois princípios básicos do direito
marcário nacional: (i) o princípio da territorialidade, ligado ao âmbito
geográfico de proteção; e (ii) o princípio da especificidade, segundo o qual a
proteção da marca, salvo quando declarada pelo INPI de "alto renome" (ou
"notória", segundo o art. 67 da Lei 5.772/71), está diretamente vinculada ao
tipo de produto ou serviço, como corolário da necessidade de se evitar erro,
dúvida ou confusão entre os usuários.
5. Atualmente a proteção ao nome comercial se circunscreve à unidade
federativa de jurisdição da Junta Comercial em que registrados os atos
constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo território nacional se
for feito pedido complementar de arquivamento nas demais Juntas Comerciais.
Precedentes.
6. A interpretação do art. 124, V, da LPI que melhor compatibiliza os
institutos da marca e do nome comercial é no sentido de que, para que a
reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciado de
nome empresarial de terceiros constitua óbice ao registro de marca - que
possui proteção nacional -, necessário, nessa ordem: (i) que a proteção ao
nome empresarial não goze somente de tutela restrita a alguns Estados,
mas detenha a exclusividade sobre o uso do nome em todo o território
nacional e (ii) que a reprodução ou imitação seja "suscetível de causar
confusão ou associação com estes sinais distintivos". Não sendo essa,
150

incontestavelmente, a hipótese dos autos, possível a convivência entre o


nome empresarial e a marca, cuja colidência foi suscitada.
7. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico
entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas.
8. Recurso especial provido, para restabelecer a sentença proferida pelo juízo
do primeiro grau de jurisdição, que denegou a segurança.
(REsp 1204488/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 02/03/2011)

O entendimento exarado pela Ministra Nancy Andrighi, em nossa percepção, vai


de encontro ao entendimento de que a proteção territorial do nome empresarial e/ou título
de estabelecimento deve ser estendida ao âmbito da efetiva concorrência, vez que
preceitua que para se sobrepor ao registro da marca, o nome empresarial deveria ter sua
proteção estendida a todo o território nacional (através do registro individual em cada
Junta Comercial).

O que se extrai deste julgamento, portanto, é que o titular do nome empresarial


não terá o direito de anular ou impedir o registro da marca quando não cumprir os dois
requisitos (proteção estendida nacionalmente e reprodução ou imitação suscetível de
causar confusão ou associação); ao mesmo tempo, o titular da marca não terá o direito de
impedir o uso do nome empresarial dentro do âmbito estadual da proteção (quando este
for anterior ao registro da marca, frisa-se), possibilitando a convivência pacífica entre os
dois signos.

Denis Borges Barbosa36, ao analisar se o título de estabelecimento não registrado


obstaria incondicionalmente o registro de marca contrastante, conclui que tal suposição
não seria razoável, sugerindo a seguinte leitura:

Em primeiro lugar, não deixando que a pretensão obstativa exceda os limites


da efetiva proteção concorrencial. Um número importante de decisões nas
quais se consagrou o título contra a marca aponta que a lide surge em
contexto local, nas lindes da real concorrência, em que o concorrente desleal
procurou legitimar sua ilicitude pelo pedido de registro. Neste contexto, a
proteção não demasia os pressupostos constitucionais.
Em segundo lugar, prestigiando o sistema no qual se vincule o direito
de obstar ao exercício sincero e leal de direito próprio, através de pretensão já
exercida na forma do art. 158 § 2º do CPI/96.
Em terceiro lugar, que se exija ao título obstador pelo menos os mesmos
requisitos da precedência: boa fé; que o título seja usados no território
nacional; uso por seis meses, uso para distinguir ou certificar produto
ou serviço idêntico, semelhante ou afim.
Em quarto lugar, que a pretensão se funde em exercício prudente e honesto da
atividade empresarial, sem abandono ou renúncia, e com a diligência

36
BARBOSA, Denis Borges. Nota sobre títulos de estabelecimento. Disponível em:
<http://denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/nota_titulos_estabelecimento.pdf>. Acesso em:
11 de fevereiro de 2017, pp. 18-20.
151

normal e esperada de um agente econômico na demanda pela proteção


marcária correspondente.
Por último, se a pretensão marcaria obstada for pública e conhecida, ou, no
dizer do art. 124, XXII, “marca que o requerente evidentemente não poderia
desconhecer em razão de sua atividade”, que não se prestigie o ato de
“postergar o exercício de um direito por largo lapso de tempo e com
isso propiciar investimentos patrimoniais ou mesmo moral na expectativa do
não exercício do mesmo direito em outra oportunidade (suppressio)”.
Sem tais requisitos, entendo que a pretensão obstativa de registro fundada em
título de estabelecimento é contra direito.

Neste sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região julgou, em 2015, o


conflito entre a marca "Tortaria Brasil" (de titularidade de J. ARMELIN & CIA. LTDA.)
e o nome empresarial da empresa TORTARIA INDUSTRIA E COMERCIO DE
ALIMENTOS LTDA - EPP, sendo ambas empresas sediadas no Estado do Rio Grande
do Sul:

ADMINISTRATIVO. REGISTRO DE MARCA. INPI. ART. 124 DA LEI N.


9.279/96. DIREITO DE PRECEDÊNCIA. PREVALÊNCIA DO REGISTRO
MAIS ANTIGO. 1. Segundo o art. 124 da Lei n. 9.279/96, que regula direitos
e obrigações relativos à propriedade industrial, não são registráveis como
marca: V - reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador
de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de
causar confusão ou associação com estes sinais distintivos. 2. Em que pese a
empresa ré, ora apelante, tenha obtido o registro da marca "Tortaria do
Brasil" junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em
05/11/2007, quando solicitou tal registro a parte autora já estava
utilizando a denominação social "Tortaria", devidamente registrada na
Junta Comercial do Estado do Rio Grande do Sul desde sua constituição,
em 1995. Portanto, foi levado a registro, como marca, nome de empresa
de terceiro, em clara violação ao disposto no art. 124, V, acima transcrito.
(TRF4, AC 5043134-29.2013.404.7100, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão
Salise Monteiro Sanchotene, juntado aos autos em 27/02/2015) (grifou-se)

Em que pese a autora da ação, detentora do nome empresarial e título de


estabelecimento, não tenha levado a expressão "Tortaria" a registro como marca perante
o INPI, teve o provido seu pedido de anulação dos registros da marca "Tortaria Brasil"
de titularidade da ré. Neste caso, foi comprovado que: a) há evidente colidência da
expressão "Tortaria" entre os dois titulares; b) o ramo de atividade de ambas as empresas
é idêntico (comércio de alimentos); e c) o âmbito geográfico da concorrência é restrito ao
Estado do Rio Grande do Sul.

Neste precedente, foi realizada uma correta análise concorrencial necessária ao


tema, concluindo-se pela anulação dos registros marcários posteriores que, por certo,
poderiam causar confusão ao público consumidor em virtude da efetiva concorrência
existente entre as empresas litigantes, decorrente da mesma localização geográfica.
152

Denota-se, portanto, que não há uma uniformização jurisprudencial acerca do


tema, sendo necessária uma análise caso a caso para que se chegue a uma resolução ao
impasse existente, decorrente da colidência de sinais distintivos empresariais.

3 CONCLUSÃO

Diante do cotejo entre a posição doutrinária e jurisprudencial, concluímos que o


tema relativo aos conflitos entre os sinais distintivos empresariais ainda suscita muita
dúvida e gera insegurança jurídica no meio empresarial, especialmente em virtude da falta
de clareza e objetividade na regulamentação da matéria, bem como a confusão conceitual
perpetrado pelo próprio Poder Judiciário quando instado a analisar tais conflitos.
A diferenciação entre os órgãos governamentais de registro dos signos distintivos
empresariais também possui papel fundamental nesta dificuldade, vez que não há
integração sistêmica entre o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (para registro
das marcas) e o Departamento de Registro Empresarial e Integração (para o registro do
nome empresarial e nome fantasia/título de estabelecimento), o que acaba por gerar
conflitos que poderiam, em sua maioria, ser evitados através de prévias pesquisas de
anterioridades para avaliar a colidência entre marcas e nomes empresariais.

Além da questão relativa à anterioridade (quesito cronológico), percebe-se que os


casos de colidência levados ao Poder Judiciário carecem de uma análise mais aprofundada
da efetiva concorrência havida entre os titulares dos sinais distintivos. Esta análise, como
visto, poderia ser a balizadora para a solução de controvérsias, especialmente aquelas
onde há atuação empresarial propagada pelos meios digitais (e-commerce).

Extrai-se dos julgados colacionados neste estudo que o registro marcário, a priori,
possui uma proteção mais forte e predominante sobre os demais signos distintivos,
especialmente quando se tratam de empresas sediadas em diferentes Estados da
Federação; todavia, o Superior Tribunal de Justiça possui uma tendência ao entendimento
da convivência pacífica entre signos quando não se verifica qualquer concorrência efetiva
entre os titulares.

Soma-se a isso o fato da marca, nos dias de hoje, assumir um papel de maior
importância na atividade empresarial, suplantando a importância do próprio nome
empresarial perante o público consumidor final que, invariavelmente, (re)conhece o
153

fabricante de certo produto simplesmente pela marca do produto (e não por seu nome
empresarial).

Outro exemplo que bem ilustra a importância da marca sobre o nome empresarial
é o sistema de franquias, onde o consumidor final tão somente reconhece o título de
estabelecimento e as marcas dos produtos e serviços ofertados, sendo o nome empresarial
do franqueado absolutamente irrelevante e, quase sempre, ignorado e desconhecido
daquele consumidor que, ao cabo, apenas conhece a marca e nela confia.

Há que se ter em mente que, quando se trata de um conflito gerado por atos
originários de boa-fé (ou, para ser mais específico, quando se trata de uma simples
coincidência no uso de signos distintivos iguais ou semelhantes), invariavelmente uma
das partes sairá vencida no embate, o que por certo gerará grande prejuízo econômico e à
imagem daquela empresa instada a abster-se de utilizar um signo distintivo pelo qual
ganhou reconhecimento junto a seu mercado consumidor.

Seria de extrema importância, portanto, investir-se em sistemas informáticos


integrados, de modo a reduzir a burocracia e aumentar a segurança jurídica do
empresariado, de modo que se possa, previamente, traçar um panorama acerca da
disponibilidade de signos distintivos, conferindo maior segurança jurídica àquele que vai
abrir uma nova empresa ou utilizar uma nova marca para identificar um produto ou
serviço.

Tal medida atenderia, inclusive, aos preceitos constitucionais de garantia do


desenvolvimento nacional (art. 3º, II da Constituição Federal) e o interesse social e o
desenvolvimento tecnológico e econômico do país (art. 5º, XXIX), vez que acarretariam
em menor burocracia e custos operacionais e de investimento ao empresário, concedendo-
lhe as ferramentas necessárias para evitar conflitos com sinais distintivos de terceiros.
154

REFERÊNCIAS

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de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

__________. Direito de Precedência ao Registro de Marcas, 2005. Disponível em:


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Acesso em: 28 de janeiro de 2017.

__________. Nota sobre a categoria constitucional da “propriedade das marcas”,


2005. Disponível em:
<http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/notamarca2.pdf>.
Acesso em: 28 de janeiro de 2017.

__________. Nota sobre títulos de estabelecimento. Disponível em:


<http://denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/nota_titulos_estabelecimento.p
df>. Acesso em: 11 de fevereiro de 2017.

__________. Signos de todo Gênero - Títulos de Estabelecimento. Disponível em:


<http://denisbarbosa.addr.com/paginas/home/pi_tipos_signos.html#titulos>. Acesso
em: 29 de janeiro de 2017.

__________. Tratado da Propriedade Intelectual, Tomo I. Rio de Janeiro: Lumen


Juris, 2010.

__________. Uma introdução à Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris,


2003.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

__________. Instrução Normativa DREI nº 15, de 5 de dezembro de 2013, publicado


no D.O.U. de 06 de dezembro de 2013.

__________. Lei 8.934, de 18 de novembro de 1994. Dispõe sobre o Registro Público


de Empresas Mercantis e Atividades Afins e dá outras providências.

__________. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos


à propriedade industrial, Brasília, DF, 15 mai. 1996.

__________. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário


Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial, Volume I - Da


Propriedade Industrial e do Objeto dos Direitos, 3ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2012.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1. São Paulo: Saraiva,
2012.

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<http://www.inpi.gov.br/legislacao-1/cup.pdf >. Acesso em: 11 de fevereiro de 2017.
155

GRAU-KUNTZ, Karin. Do nome das pessoas jurídicas. São Paulo: Malheiros Editores,
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Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/marcas/arquivos/inpi-marcas_-
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LEONARDOS, Gabriel Francisco. A proteção ao nome empresarial, in JABUR,


Wilson Pinheiro; SANTOS, Manoel J. Pereira dos (Coords.). Propriedade Intelectual:
sinais distintivos e tutela judicial e administrativa. São Paulo: Saraiva, 2007.

SILVEIRA, Newton. Propriedade intelectual: propriedade industrial, direito de


autor, software, cultivares, nome empresarial, abuso de patentes. Barueri, SP:
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SOUZA, Daniel Adensohn de. Proteção do nome de empresa no Brasil. São Paulo:
Saraiva, 2013.
156

VALE DOS VINHEDOS: O VINHO COMO EXPRESSÃO DE CULTURA

Raphael Vieira Medeiros1

Resumo: A produção de vinho na Serra Gaúcha inicialmente era para o consumo familiar,
mas com o tempo ganhou espaço no comércio e a exigëncia de um refinamento na sua
produção. Com isso, a qualidade dos vinhos da região, em especial do Vale dos Vinhedos,
com o uso de saberes e técnicas de cultivo foi se aperfeiçoando ao longo dos anos, mas
sempre mantendo a essência histórica de cada família. Acrescido a isso, há a legislação
vigente que mantém protegida a parte comercial via Instituto Nacional de Propriedade
Industrial. Mas, qual é a forma de proteção dada aos elementos culturais que fazem parte
da tradicional elaboração dos vinhos do Vale dos Vinhedos? Na busca dessa resposta é
que este artigo visa demonstrar, por meio da história da colonização italiana na região da
serra gaúcha, até sua obtenção da Denominação de Origem, que há um elemento formador
de tradição e cultura do vinho. Para sua identificação se faz necessário buscar na
bibliografia a história da colonização italiana na região, bem como aprofundar os
conceitos essenciais para o desenvolvimento da pesquisa, tais como cultura e tradição.
Mas foi na análise da legislação protetiva comercial e cultural vigente que já se encontrou
alguns elementos de proteção para a tradição e a cultura do Vale dos Vinhedos. Portanto,
o caminho começa a se delinear para demonstrar que tradição e cultura do vinho são
elementos essenciais na transmissão de saberes e valores para construção de uma
identidade do vinho.

Palavras Chaves: Vinho; Cultura; Vale dos Vinhedos.

1 INTRODUÇÃO

A chegada dos imigrantes italianos com intuito de povoamento na região da


Serra Gaúcha no século XIX foi o marco de formação dos Vale dos Vinhedos. De início,
uma agricultura de subsistência que foi perdendo espaço para o cultivo dos vinhedos (Dal
Pizzol, 2016). A paisagem da região foi se transformando com a vitivinicultura, tornando-
se hoje de uma singularidade única. Toda essa transformação da paisagem andou junto
com a transmissão das tradições e dos saberes do cultivo da uva dos que inicialmente ali
estavam para as novas gerações.

A relação do imigrante italiano com a uva vai além de um processo histórico,


pois a mesma desencadeou um sentimento de pertencer a algum lugar, criando certa
identidade cultural destas pessoas que vieram para o sul do Brasil com intuito de melhorar

1Advogado. Graduado em Direito e Especialista em Direito do trabalho e previdenciário, pelo Centro


Universitário Ritter dos Reis, UniRITTER.
157

suas vidas. Essa cultura do vinho, na Região do Vale dos Vinhedos, foi um dos elementos
essenciais para a mesma fosse beneficiada pelas concessões das Indicações Geográficas
e dos seus produtos.

O conceito de Indicação Geográfica pode variar, porém pode se dizer que existe
um marco da proteção na legislação internacional, que foi o Acordo de Madri
(ONU1981), em seguida a Convenção da União de Paris (ONU, 1883) e posteriormente
o Acordo de Lisboa (ONU, 1958). Na legislação brasileira, as Indicações Geográficas
estão substanciadas na Lei 9.279 de 14 de maio de 1996, Lei de Propriedade Industrial
(Brasil, 1996). Cabe ressaltar que no Brasil a Indicação Geográfica pode ser dividida em
dois procedimentos de registro distintos, o primeiro é a Indicação de Procedência (IP) e
o segundo é a Denominação de Origem (DO). Outro ponto importante é que além de
elementos objetivos que diferenciam as formas registro, há elementos que envolvem uma
subjetividade na diferenciação dos procedimentos (Rocha Filho, 2013).

Este artigo, portanto, tem como objetivo relacionar as Indicações Geográficas,


em especial do Vale dos Vinhedos com os elementos culturais.

2 A HISTÓRIA DA VITIVINICULTURA NA REGIÃO DO VALE DOS


VINHEDOS

No início do século XIX, a região da Serra Gaúcha, considerada como


despovoada, era coberta pela floresta de araucária onde habitavam indígenas e animais
selvagens. Havia uma necessidade do Governo Imperial em povoar aquela região,
incluindo a mesma no conjunto de lugares para onde se destinavam os imigrantes italianos
que vieram, principalmente, para atender a necessidade de mão de obra nos cafezais de
São Paulo, mas também com um objetivo implícito de branqueamento da população
brasileira (Falcade 2011). A forma que o governo Imperial materializou essa necessidade
foi através da Lei n° 601, de 1850, denominada Lei de Terras. Assim dispunha o
preâmbulo da referida Lei:

Dispõe sobre as terras devolutas no Império, e acerca das que são possuídas
por titulo de sesmaria sem preenchimento das condições legais. bem como por
simples titulo de posse mansa e pacifica; e determina que, medidas e
demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a titulo oneroso, assim para
empresas particulares, como para o estabelecimento de colonias de nacionaes
e de extrangeiros, autorizado o Governo a promover a colonisação extrangeira
na forma que se declara. (Brasil,1850)
158

A Lei de Terras estabeleceu um marco na regulamentação das terras devolutas


do Império, bem como uma relação jurídica de Registro de Terras no Brasil, (Valduga
2011).
A lei determinava a proibição de aquisição de terras devolutas a título gratuito,
com exceção das terras que faziam limites com países vizinhos. Assim dispunha no seu
artigo primeiro:
Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que
não seja o de compra.
Exceptuam-se as terras situadas nos limites do Imperio com paizes estrangeiros
em uma zona de 10 leguas, as quaes poderão ser concedidas gratuitamente.
(Brasil, 1850)

Além de regulamentar a aquisição de terras a fim de promover a colonização


estrangeira, a lei buscou definir o que seriam terras devolutas no seu artigo terceiro e
parágrafos seguintes:
Art. 3º São terras devolutas:
§ 1º As que não se acharem applicadas a algum uso publico nacional,
provincial, ou municipal.
§ 2º As que não se acharem no dominio particular por qualquer titulo legitimo,
nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou
Provincial, não incursas em commisso por falta do cumprimento das condições
de medição, confirmação e cultura. (Brasil, 1850).
§ 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do
Governo, que, apezar de incursas em commisso, forem revalidadas por esta
Lei.
§ 4º As que não se acharem occupadas por posses, que, apezar de não se
fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta Lei. (Brasil, 1850)

A regulamentação da aquisição de terras como propósito de colonização foi um


fator crucial para vinda dos imigrantes italianos. Nessa época, a Itália atravessava uma
forte crise econômica decorrente do processo de unificação nacional, fato esse que
favoreceu a saída organizada de italianos do país. Mas foi somente no ano de 1875 que a
grande leva de famílias italianas começou a chegar à região, vindos de diversos lugares
da Itália, principalmente da região de Veneto, Lombardo e Trento. Esse grande período
de imigração italiana perdurou até 1894, quando o governo brasileiro cessou a concessão
de bilhetes transoceânicos gratuitos. Como dito anteriormente, a região já era habitada
por indígenas que viviam na floresta onde predominavam araucárias além da presença de
animais selvagens. Ao adquirir um lote de terras, o imigrante recebia um conjunto de
sementes e algumas ferramentas agrícolas, tais como machado, facão curvo, enxada e
picareta. Apenas uma pequena parte da terra era desmatada para o cultivo de subsistência.

Os lotes iniciais de terra tinham dimensões de até 63 hectares, tamanho este que
fugia do padrão em que o agricultor italiano estava acostumado, ou seja, com as pequenas
propriedades rurais da Itália. As dimensões das terras causavam uma certa dificuldade
159

devido ao isolamento das famílias. Não havia condições de acesso, fato que dificultava
as condições de circulação através de caminhos rudimentares ou em forma de picadas
(Dal Pizzol, 2014).

Inicialmente a agricultura desenvolvida na região era de subsistência, ou seja, o


plantio era para suprir as necessidades básicas das famílias que ali estavam. O cultivo era
baseado no plantio de batata, feijão, trigo e milho, sendo estes dois últimos cereais
importantes para as construções dos moinhos. Além desses alimentos havia uma produção
de salames, queijos, banha e vinho. Aos poucos aquilo que era para consumo próprio,
começou a ter um excedente que passou a ser comercializado na região (Falcade, 2011).

Dentre esses alimentos, o milho e o vinho acabaram tendo um maior destaque na


produção tanto para consumo próprio quanto para comercialização. O milho se tornou o
principal alimento da região, por ser consumido como polenta, ingrediente principal da
dieta alimentar do imigrante italiano; já o vinho, além de ser destinado para o consumo
próprio, passou a ser o principal produto comercializado (Valduga, 2011).

As videiras trazidas da Itália pelos imigrantes não se adaptaram às características


naturais da região, portanto, inicialmente as famílias italianas não puderam ter esse
produto em suas mesas. O vinho sempre foi um elemento que fez parte da vida do italiano,
e a falta da bebida causava uma certa comoção aos imigrantes. Somente em 1876 é que
Tommaso Radaelli, um imigrante italiano, descobriu que as famílias alemãs, os Ruschel,
já cultivavam uvas americanas da casta Isabel que eram mais resistentes às condições de
solo, temperatura, umidade e insolação. Nessa ocasião, Jocab Ruschel forneceu os
primeiros bacelos de videiras a Tommaso, que tratou logo de cultivá-los. Esse
acontecimento embrionário foi essencial para o despertar da vitivinicultura na Serra
Gaúcha, que logo se expandiu para toda a região ( Dal Pizzol, 2014,).

Os imigrantes italianos dessa época, em sua grande maioria, vieram do norte da


Itália, região tradicionalmente ligada ao vinho, desta forma quando vieram ao Brasil,
trouxeram consigo toda a tradição e a cultura da vitivinicultura.

As videiras, inicialmente, construídas na forma Pérgola Trentina, foram


transformando a paisagem local. Ao longo dos anos, os imigrantes italianos foram
cultivando outras castas americanas de uvas, até 1886, momento no qual foram
importadas viníferas europeias, iniciando assim um novo movimento de cultivo de uvas.
(Dal Pizzol, 2016).
160

A vitivinicultura da região da colonização italiana pode ser dividida em quatro


momentos, conforme (Falcalde, 2011, p.76):

Quadro 1 – Evolução da vitivinicultura na região de colonização italiana no


Rio Grande do Sul
1875-1920 Policultura, elaboração de vinhos nas unidades domésticas
1930-1960 Monocultura da videira comercial
1970-1990 Especialização da vitivinicultura, elaboração de vinhos finos.
1900- hoje Aumento das pequenas vinícolas, da tecnicização e adoção das indicações geo gráficas

Fonte: FALCADE, 2011

Nota-se que ao analisar os períodos históricos, há uma nítida evolução na


vitivinicultura, que inicia com a elaboração de vinhos para o consumo familiar e que
chega até a produção de vinhos finos, culminando com o uso de novas tecnologias e com
as indicações geográficas.

Todo esse processo se iniciou com a chegada dos imigrantes italianos, por essa
razão a colonização da região não pode ser apenas vista como uma simples forma de
ocupação de terras no território brasileiro. Esse processo envolveu questões de cunho
emocional, pois o que foi dado a essas famílias que vieram para o Vale dos Vinhedos, foi
oportunidade de melhorar suas vidas. Para isso tiveram que deixar o seu país para
construir uma nova ligação com esta terra para onde trouxeram todos os seus saberes e
suas tradições.

3 VINHO, CULTURA E PROTEÇÃO

O vinho sempre foi elemento cultural na tradição da cultura italiana, não sendo
diferente para os colonizadores da região do Vale dos Vinhedos. Segundo Manfio (2016),
boa parte das vinícolas familiares ainda se utiliza das técnicas dos seus antepassados, ou
seja, da tradição do fazer o vinho que é transmitida por gerações.
Essa tradição de transmissão de saberes relacionada à cultura agrícola e familiar
constituída através de um processo histórico gera novas identidades ao agricultor. A
construção da identidade liga o agricultor à terra, pois ela envolve sentimento de
esperança e de oportunidade. Os imigrantes italianos tiveram na terra a oportunidade de
reconstrução de suas vidas e a preservação de suas tradições e cultura
161

No ordenamento jurídico brasileiro há uma destaque constitucional para


preservação e proteção das manifestações culturais e dos participantes do processo
civilizatório, assim dispõe o art. 215º e parágrafo primeiro da Constituição Federal (CF):

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais.
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e
afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional.(Brasil, 1988)

Já o art. 216º e parágrafo primeiro da Constituição Federal, destacam que as ações,


a identidade e a memória dos grupos formadores da sociedade brasileira constituem
patrimônio cultural e devem ser protegidas, assim dispõe:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores
da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e
protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento
e preservação(Brasil,1988).

Constata-se que a colonização italiana fez parte do processo de construção da


sociedade brasileira e que também foi um grupo formador na sociedade rio-grandense.
Quanto a isso não há dúvida alguma, mas a questão que surge é referente à vitivinicultura
mais precisamente ao vinho, ou seja, como se poderá proteger essa manifestação cultural
dos descendentes dos imigrantes italianos que se materializa e que se expressa no vinho,
enquanto produto destinado aos cultos religiosos, ao consumo familiar e ao comércio?

Antes de mais nada, há que se frisar a importância de buscar uma definição para
o termo cultura. Na Grécia antiga a cultura era processo de refinamento, entretanto as
artes, ofícios e trabalhos manuais não faziam parte do conceito. A cultura do vinho vai
além de uma manifestação folclórica, que por sua vez é menos abrangente, pois está mais
voltada a crenças, lendas e contos populares. (Rocha Filho, 2017).

Segundo Manfio (2016), termo cultura tem uma definição mais abrangente, pois
a mesma é a manifestação dos valores, do modo de vida dos sentimentos que são
transmitidos ao longo dos anos, já para Claval (1999, p. 63), a cultura é:
162

[...] a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos conhecimentos
e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas e, em outra
escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte. A cultura é herança
transmitida de uma geração a outra.

De certa forma, a cultura pode ser caracterizada com uma materialização do


conhecimento transmitido, de um saber de determinada pessoa ou do povo. Ressaltando
que essa materialização não precisa ser propriamente física.

No Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é a


entidade autárquica responsável pela preservação do patrimônio cultural brasileiro. O
decreto-lei nº 25 de 1937 é o marco legal que organiza a proteção do patrimônio histórico
e artístico nacional, (Rocha Filho, 2017).

No referido decreto-lei em seu artigo primeiro, apresenta uma definição precisa


do que constitui Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, assim dispõe:

Art. 1º Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens


móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse
público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer
por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou
artístico. (Brasil,1937)

Nos parágrafos primeiro e segundo, nota-se a necessidade de inscrição nos Livros


do Tombo a fim de que o bem possa ser protegido. Outro fato em destaque é o de abranger
a proteção a sítios e a paisagens, mesmo aqueles com interação humana.

§ 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte


integrante do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos
separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o
art. 4º desta lei.
§ 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também
sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e
paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que
tenham sido dotados pelo natureza ou agenciados pelo indústria
humana.(Brasil, 1937)

Muito embora, houvesse esses marcos protetivos, havia uma necessidade em


proteger o Patrimônio Cultural imaterial e o Brasil através do decreto n° 5753/2006.
(Brasil,2006) promulgou a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural
Imaterial, celebrada pela UNESCO e adotada em Paris, em 17 de outubro de 2003.
163

A convenção busca definir o que se entende por patrimônio cultural imaterial e


Assim dispõe o artigo segundo da Convenção:

Entende-se por "patrimônio cultural imaterial" as práticas, representações,


expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos,
artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os
grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de
seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de
geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos
em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história,
gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para
promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. Para os
fins da presente Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio cultural
imaterial que seja compatível com os instrumentos internacionais de direitos
humanos existentes e com os imperativos de respeito mútuo entre
comunidades, grupos e indivíduos, e do desenvolvimento
sustentável.(UNESCO,2003):

Analisando os dispositivos legais, percebe-se que a tradição e a cultura da


vitivinicultura no Vale dos Vinhedos, compreende muito mais do que uma simples
elaboração de vinho, uma vez que a transmissão dos saberes é um patrimônio cultural
imaterial que deve ser preservado e protegido.
Sabe-se ainda que não há uma proteção a todo esse patrimônio cultural, entretanto
os elementos da cultura do vinho na região uma outra forma de proteção se desenvolver.

4 A FAMA E NOTORIEDADE DO VINHO DA REGIÃO DO VALE DOS


VINHEDOS

A região da serra gaúcha conhecida como Vale dos Vinhedos é o encontro de três
municípios Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul. A região é composta por
pequenas propriedades rurais com uma variabilidade de vinícolas, tanto do porte familiar
quanto industrial.
Os elementos naturais, com paisagens únicas, junto com a tradição cultural
histórica da imigração italiana foram determinantes para apresentar uma nova identidade
ao vinho gaúcho com suas Indicações Geográficas.
A ideia da Indicação Geográfica tem a sua origem na antiguidade, o famoso
Panteon na Antiga Roma foi construído pelo mármore proveniente de Carrara (Maiorki,
Dallabrida, 2015), já o primeiro Grand Cru que se tem notícia foi o vinho de Falerno,
lembrando que aos prenomes dos filósofos da Grécia antiga eram adicionados os nomes
de suas cidades natal (Rocha. 2017, p.55). Todos esses eram conhecidos e relacionados
por terem uma localidade única de procedência.
164

Durante o século XIX, em detrimento do processo de industrialização mundial e


da globalização, houve a necessidade de regulamentação dos inventos industriais bem
como a proveniência dos produtos.
A Convenção da União de Paris foi assinada em 20 de março de 1883, sendo este
o ato precursor de proteção das invenções, desenhos e modelos industriais, e que definiu
as sanções contra a concorrência desleal. Desta forma, passou a proteger de uma forma
indireta os nomes de origem, porém insuficiente para garantir uma proteção mais eficiente
às Indicações Geográficas. Esta lacuna jurídica da convenção sobre as proteções das
Indicações Geográficas conduziram a realização de mais tratados na tentativa de uma
melhor regulamentação (Reis,2015).
Somente em 1891, foi regulamentada a condenação e a repressão às indicações de
precedências falsas. Tal dispositivo veio através do Acordo de Madri, que foi o primeiro
tratado internacional a abordar o tema de uma maneira mais significativa (BRUCH,
2008).
Havia, portanto, uma necessidade de uma regulamentação mais específica sobre
o tema no sistema internacional. Foi então que em 1958, firmou-se o Acordo de Lisboa,
que instituiu o procedimento para um registro internacional das Indicações Geográficas,
e que além conceder aos nomes geográficos uma proteção especial, referenciou a apelação
de origem como figura autônoma no direito industrial (Reis,2015).
Já na legislação brasileira, o termo Indicação Geográfica (IG) não apresenta uma
definição específica e sim um desdobramento em mais dois termos, que são Indicação de
Procedência (IP) e Denominação de Origem(DO). A Lei da Propriedade Industrial n°
9.279 de 14 de maio de 1996 – LPI/96, nos artigos 176, 177 e 178

Art. 176. Constitui Indicação Geográfica a Indicação de Procedência ou a


Denominação de Origem.
Art. 177. Considera-se Indicação de Procedência o nome geográfico de país,
cidade, região ou localidade de seu território, que se tenha tornado conhecido
como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou
de prestação de determinado serviço.
Art. 178. Considera-se Denominação de Origem o nome geográfico de país,
cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço
cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao
meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos (BRASIL, 1996).

Nos dispositivos anteriores que diferenciam IP de DO, nota-se que no primeiro, o


nome geográfico de uma cidade ou região tornou-se conhecido pela fabricação ou
produção de um determinado produto ou serviço, enquanto que na segunda definição esse
165

produto se tornou único, pois as características do meio geográfico e de seus fatores


naturais e humanos foram essenciais para a elaboração do mesmo.
A região do Vale dos Vinhedos, por sua vez, vinha se destacando na elaboração
de seus vinhos, tanto que foi a primeira região do Brasil a ser agraciada com a Indicação
de Procedência para seus vinhos finos. O pedido de reconhecimento geográfico foi
protocolado junto ao INPI no ano 2000 e sua concessão ocorreu em 2002. Pode-se dizer,
muito embora a concessão da IP já fosse importante conquista para a região, que havia a
necessidade de uma complementação, qual só poderia vir através da concessão da
Denominação de Origem. Em 2010 foi encaminhado junto ao INPI o pedido de registro
da DO e em setembro de 2012 foi dada a concessão.

As certificações nas quais o Vale dos Vinhedos foi agraciado resultaram em fama
e notoriedade aos seus produtos. A obtenção da DO para Região do Vale dos Vinhedos
(Mapa 1) foi de extrema importância, pois conforme BRUCH (2008), a certificação
envolve basicamente dois tipos de valores, um deles, de fator econômico uma vez que o
produto elaborado nessa região agrega um valor monetário, e outro, é o valor do
reconhecimento de um produto elaborado em lugar marcado pela tradição histórica e
cultural.

Mapa 1 - Localização do Vale dos Vinhedos

Fonte: EMBRAPA Uva e Vinho,2010


166

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cultura do vinho realmente enraizou-se na região do Vale dos Vinhedos. A


chegada das famílias de imigrantes italianos no final do século XIX foi o ponto de partida
para toda essa tradição. Vieram de uma Itália fragilizada por um processo de unificação
e ao chegarem à serra gaúcha, até então um lugar desconhecido, como proprietários de
suas terras, na busca da oportunidade de mudar e dar um novo valor a suas vidas.

Ao trabalharem na terra puderam reproduzir seus costumes e sua história, de um


início com uma agricultura para sobreviver, ou seja, de subsistência para depois prosperar
com pequenos comércios.

A ligação com a terra viria se intensificar ainda mais, quando um alemão passou
mudas de videiras de casta americana a um imigrante italiano que passeava nas encostas
de serra. No retorno à serra levava uma nova esperança em suas mãos: poder cultivar a
uva e passar a notícia aos demais agricultores italianos.

O poder cultivar a uva trouxe novo sentimento aos imigrantes, com a oportunidade
começar nessa nova terra, a produção de vinhos. A vitivinicultora sempre foi enraizada à
cultura italiana, ainda mais que parte significativa dessas famílias eram do norte da Itália,
região tradicionalmente ligada ao vinho.

O vinho começou a fazer parte da mesa dessas famílias italianas. De início para o
consumo próprio e após, com a diversificação das videiras, com a venda do excedente
para o comércio. No fazer vinho cada família pode transmitir sua história e o saber de
seus antepassados, com técnicas próprias e únicas, e assim transmiti-las às novas
gerações.

A conservação dessa cultura vitivinícola com um aprimoramento técnico e uma


harmonização com os elementos geográficos tornaram a Região do Vale dos Vinhedos
única. A produção de vinhos e de vinhos finos logo preponderou sobre os demais
segmentos agrícolas.

A qualidade dos vinhos se intensificou passar dos anos, e uma certificação se


tornou necessária para proteger e respaldar a origem e a qualidade desses produtos.

Através do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) é que essa


certificação foi possível se concretizar, primeiramente com a Indicação de Procedência e
167

mais tarde, de uma forma mais completa, com a Denominação de Origem. Ressalva-se
que esta última só se tornou possível, pois todos os elementos, históricos e culturais da
região foram considerados como essenciais para sua concessão.

O vinho da Região do Vale dos Vinhedos deve ser visto além de um simples
produto, pois ali naquela garrafa, encontram anos de uma história de conquistas, de
saberes, de identidade cultural que devem ser preservadas e protegidas como um
patrimônio cultural brasileiro.

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0601-1850.htm. Acesso em: 06/09/2018.

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em:
06/09/2018.

______. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direito e obrigações relativos à


propriedade industrial. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L
9279.htm. Acesso em: 06/09/2018

______ DECRETO Nº 5.753, DE 12 DE ABRIL DE 2006. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5753.htm. Acesso
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como símbolo das indicações de procedência de vinhos das regiões Vale dos
168

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UFRGS/PPGGea, 2011.
169

CRITÉRIOS OBSERVADOS NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS ENTRE


REGISTRO DE MARCAS E NOMES EMPRESARIAIS
IDÊNTICOS E/OU SEMELHANTES

Vanessa Pereira Oliveira Soares1

Resumo: O presente artigo pretende estabelecer a diferenciação entre a proteção do nome


empresarial efetivado através do arquivamento do contrato social perante a Junta
Comercial e o registro da marca efetivado mediante pedido de depósito junto ao Instituto
Nacional de Propriedade Industrial; responder qual a abrangência da proteção conferida
ao nome empresarial e a marca; identificar a existência de marcas e nomes empresariais
idênticos e/ou semelhantes e apontar, mediante análise de jurisprudência, quais os
critérios utilizados para resolução de um conflito entre ambos.

Palavras-chaves: nome empresarial – marca – conflito

1 INTRODUÇÃO

Diuturnamente, dentro da rotina de um escritório de advocacia empresarial, é


possível visualizar a confusão existente entre os empresários no que diz respeito aos
conceitos de nome empresarial e marca, isso porque, a maior parte deles, acredita que
apenas realizando a reserva do nome empresarial e arquivamento do contrato social
perante a Junta Comercial estará tutelado para fazer uso exclusivo do nome como bem
entender.
De fato, o registro do nome empresarial mediante o arquivamento do contrato
social na Junta garante a exclusividade de uso do nome que identifica a empresa e/ou o
empresário, entretanto, esta proteção se limita à unidade federativa onde o registro foi
efetivado. Para que se tenha tal exclusividade na seara nacional, deverá o empresário
requerer a extensão da proteção do nome perante as Juntas Comerciais dos demais
estados.
Contudo, o registro do nome empresarial não garante a exclusividade de uso da
marca, ainda que esta faça parte do primeiro.
Enquanto o nome empresarial identifica a empresa, o empresário e como eles se

1
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis – Uniritter; Advogada; Pós Graduada em
Direito Empresarial pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural – IDC; Pós Graduada em Direito de
Propriedade Intelectual pela Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul - FADERGS;
Coordenadora da área de Propriedade Intelectual da Cesar Peres Advocacia Empresarial; e-mail:
vanessa.oliveira@cesarperes.com.br; telefone: (051) 9 9297 3966.
170

apresentam, o registro da marca identifica o produto ou serviço, possui abrangência


nacional e é efetuado mediante pedido de registro junto ao Instituto Nacional de
Propriedade Industrial. Sua concessão garante ao titular a exclusividade de uso da marca
na classe em que a mesma for concedida, ou seja, para determinado tipo de produto ou
serviço, salvo em se tratando de marca de alto renome, o que garantirá a exclusividade de
uso em todas as classes existentes, diferentemente do registro do nome empresarial que
garante a exclusividade de uso tal qual ele se apresenta, no ramo de atividade e nos limites
do território em que foi concedido.
Ocorre que, apesar da nítida diferença existente entre os institutos, há casos de
empresas que registram como marca expressão que faça parte de um nome empresarial,
bem como empresas que registram nomes empresariais contendo expressão registrada
como marca.
Isso acontece porque não inexiste no Brasil um sistema que possibilite a
integração entre o Departamento de Registro Nacional e Integração (DREI) e o Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI) de forma a permitir a busca de anterioridades
e consequentemente impedir o registro de nomes empresariais e marcas idênticas.
Resta então aos tribunais estabelecer critérios para resolução dos conflitos
travados entre as empresas que buscam a prioridade de uso de uma marca ou nome
empresarial.
Assim, o presente artigo pretende estabelecer a diferenciação entre os dois
institutos, identificar, através de decisões judiciais a existência de marcas e nomes
empresariais idênticos e/ou semelhantes e por fim analisar os critérios observados pelos
juízes para solução de conflitos entre eles.

2 DA PROTEÇÃO CONFERIDA AO NOME EMPRESARIAL

Até 1967 o nome empresarial era denominado nome comercial. Com o advento
do Decreto Lei 254/1967, está terminologia foi substituída por “nome de empresa”,
estabelecendo o seguinte conceito para o instituto:

Art. 90. Constitui nome de emprêsa (sic) a firma ou denominação adotada por
pessoa física ou jurídica e pela qual é designada, no exercício de suas
atividades industriais, comerciais, extrativas, agrícolas ou de prestação de
serviços.

O mesmo código ainda previa a exclusividade de uso do nome de empresa no


171

estado onde esta tivesse sede, privilégio adquirido mediante arquivamento dos atos
constitutivos no Registro de Comércio local, com a possibilidade de extensão da proteção
à totalidade do território nacional mediante registro no Departamento Nacional de
Propriedade Industrial.
Já o artigo 166 do Decreto Lei 1.005/1969 excluiu a proteção do nome de empresa
perante o Departamento Nacional da Propriedade Industrial, dispondo que a proteção ao
nome empresarial seria adquirida mediante arquivamento dos atos constitutivos da
sociedade no Registro do Comércio ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.
Muitos anos antes, em 1887, a lei vigente (Lei 3.346 de 14.10.1887) já regulava
os registros de nome empresarial e marca sendo que os pedidos de registro de marca eram
realizados na Junta ou Inspetoria da sede do estabelecimento.
Segundo João da Gama Cerqueira, o nome empresarial aplica-se ao empresário
individual e à sociedade empresária, ou seja, às pessoas físicas ou jurídicas que exercem
a empresa, isto é, atividade econômica organizada de produção e distribuição de bens e
serviços para o mercado. É nome de pessoa e não de estabelecimento2.
Ao se dedicar a qualquer tipo de atividade seja ela comercial ou industrial, a
pessoa física ou jurídica necessita adotar um nome sob o qual passa a exercer suas
atividades e a assinar nos atos a ela referentes3.
Para falar de nome empresarial, Gladston Mamede4, assim refere:

A cada pessoa corresponde um nome, regra que alcança mesmo as pessoas


jurídicas. O nome é um direito próprio da personalidade, dando identidade e
individualidade à pessoa, elementos vitais no âmbito do mercado, sendo certo
serem preferidas as empresas que têm bom nome na praça, sendo difícil
encontrar quem esteja disposto a negociar com alguém que esteja com nome
sujo. O nome de uma sociedade pode ter duas formas: (1) firma social, também
chamada razão social ou (2) denominação.

A firma ou razão social é formada pelo nome civil do empresário ou dos sócios
da empresa. Tem esse nome, pois transparece, ao menos em parte, o corpo societário.
O empresário individual deverá adotar como firma individual seu nome civil,
expressando a razão empresarial. Em se tratando de sociedade, igualmente a razão social
deverá estar expressa refletindo a real formação societária, composta do nome de um ou
mais sócios responsáveis pela empresa, sendo obrigatório constar o sobrenome. Se um

2
CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. Atualizado por Newton Silveira e
Denis Borges Barbosa. Volume I. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2012. p. 318.
3
CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. Atualizado por Newton Silveira e
Denis Borges Barbosa. Volume I. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2012. p.325.
4
MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial.5ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 51.
172

dos sócios vem a falecer, a razão social deverá ser modificada5. Em se tratando de
sociedade que contenha mais de um sócio, poderá adotar o nome e sobrenome de um
deles como razão social seguido da expressão “e Companhia” ou “& Cia” e ainda o nome
e sobrenome de todos ou mesmo somente o sobrenome de todos6.
A razão social tem uso obrigatório nas sociedades em que os sócios respondam
com o próprio patrimônio pelas dívidas da pessoa jurídica7. A sociedade limitada, apesar
da inexistência de responsabilidade subsidiária dos sócios também poderá fazer uso da
razão social, entretanto, respeitando ao principio da veracidade, será necessário fazer
constar a expressão limitada ou sua abreviatura8 e na falta, os administradores da
sociedade e os sócios cujos nomes constem na razão social responderão pelas obrigações
sociais9.
Diferentemente da razão social, a denominação social não se submete ao princípio
da veracidade, mas ao da novidade. Isso porque a denominação social poderá fazer
constar no nome empresarial qualquer expressão relacionada ao objeto da sociedade10,
desde que não imite, nem se pareça com denominação social já registrada, causando
confusão. Desta forma temos que: o empresário individual utilizará a firma individual11;
a sociedade limitada poderá fazer uso de firma (razão social) ou denominação social12; a
sociedade cooperativa usará denominação social13; a sociedade anônima usará
denominação social14 e a sociedade em comandita por ações usará firma (razão social) ou
denominação designativa de seu objeto social15.
Ainda, não se pode confundir nome empresarial e título de estabelecimento. O
nome identifica o empresário (firma individual) ou a sociedade (firma ou denominação
social). O título do estabelecimento é como o estabelecimento é chamado, o nome que
consta de sua fachada, também conhecido como nome fantasia. Desta forma, à título de
exemplo, José Soares (firma individual) ou Arroz e Feijão Restaurante Ltda.
(denominação social) poderão ser o nome empresarial do Rango do Bolinha (título do
estabelecimento). Poderá o título do estabelecimento fazer parte da denominação social,

5
Lei 10.406/2002, Artigo 1.165.
6
Lei 10.406/2002, Artigos 1.157 e 1.158, parágrafo primeiro.
7
Lei 10.406/2002, Artigo 1.157.
8
Lei 10.406/2002, Artigo 1.158.
9
Lei 10.406/2002, Artigo 1.158, parágrafo terceiro.
10
Lei 10.406/2002, Artigo 1.158, parágrafo segundo.
11
Lei 10.406/2002, Artigo 1.156.
12
Lei 10.406/2002, Artigo 1.158.
13
Lei 10.406/2002, Artigo 1.159.
14
Lei 10.406/2002, Artigo 1.160.
15
Lei 10.406/2002, Artigo 1.161.
173

mas como se vê do exemplo, não há uma obrigatoriedade.


O nome empresarial identifica o empresário ou a sociedade e buscando evitar a
confusão entre concorrentes, deve ser ele distinto dos demais existentes16. Se o
empresário constatar a identidade entre seu nome empresarial e outro já registrado, deverá
acrescentar designação que o distinga17. Assim, se, por exemplo, José busca o registro de
sua firma José Soares, mas constata a existência de firma idêntica já registrada, deverá
designá-lo de forma a distinguir do existente e não causar confusão: J. Soares ou José
Soares Sapateiro.
A Lei 8.934/1994 dispõe sobre o registro público de empresas mercantis e
atividades afins. Seu artigo 33 determina que a proteção do nome empresarial se dê
automaticamente com o arquivamento dos atos constitutivos de firma individual e de
sociedades ou suas alterações perante a junta comercial, sendo que o nome empresarial
deverá obedecer aos princípios da veracidade e novidade18.
Segundo entendimento da Ministra Nancy Andrighi proferido no julgamento do
Recurso Especial nº 989.105 do Paraná, de acordo com o princípio da veracidade, o nome
empresarial não poderá conter nenhuma informação falsa quanto à espécie de sociedade
que constitui a pessoa jurídica, quanto aos sócios que a compõem e quanto aos seus
administradores. Essa autenticidade é a peça essencial para a manutenção e segurança das
relações mercantis19.
Já o princípio da novidade para Nancy consiste na proibição de um registro de
nome empresarial idêntico ou semelhante a outro já registrado. Objetiva garantir
segurança às relações mercantis, ao permitir que demais empresários e consumidores
identifiquem quem desempenha determinada atividade empresarial, a avaliação do
conceito, da reputação e da responsabilidade da empresa, assim como preservar a clientela
e a confiança creditícia adquiridas no decorrer do exercício profissional e habitual da
atividade mercantil20.
A Lei 8.934/1994 ainda dispõe que o empresário ou empresa que não realizar o
arquivamento de quaisquer documentos no período de dez anos consecutivos, deverá
comunicar à Junta sobre o interesse de se manter em funcionamento, pois, se assim não

16
Lei 10.406/2002, Artigo 1.163.
17
Lei 10.406/2002, Artigo 1.163, parágrafo único.
18
Lei 8.934/1994, artigo 34.
19
Recurso Especial Nº 989.105/PR, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ministra Nancy
Andrighi, julgado em 08/09/2009.
20
Recurso Especial Nº 989.105/PR, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ministra Nancy
Andrighi, julgado em 08/09/2009.
174

proceder, considerar-se-á inativa, procedendo a Junta o cancelamento do registro e a


perda automática da proteção do nome empresarial21.

Tal como prevê o artigo 60 da Lei 8.934/1994, o artigo 1º da IN nº 5 do DREI dispõe:

Art. 1º O empresário individual, a empresa individual de responsabilidade


Ltda. – Eireli, a sociedade Empresária e a cooperativa, que não procederem a
qualquer arquivamento no período de 10 anos, contados da data do último
arquivamento, deverão comunicar à Junta Comercial que desejam manter-se
em funcionamento, sob pena de serem considerados inativos, promovendo o
cancelamento do registro, com a perda automática da proteção do seu nome
empresarial.

O Decreto 1.800/1996 vem para regulamentar a Lei 8.934/1994 e, além das


disposições contidas na norma regulamentada através dos artigos 48 e 61, prevê que a
proteção do nome empresarial circunscreve-se à unidade federativa de jurisdição da Junta
Comercial onde o contrato social ou suas alterações tenham sido arquivadas22, podendo
ainda, ser estendida a outras unidades da federação23, observada instrução normativa do
Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC)24. Referido Decreto ainda
dispõe que não poderá haver colidência por identidade ou semelhança do nome
empresarial com outro já protegido25. Os critérios para identificar a existência de
identidade entre os nomes empresariais serão fixados pelas instruções normativas do
Departamento Nacional de Registro do Comércio26, atual Departamento de Registro
Empresarial e Integração.
A Instrução Normativa nº 5 do DREI prevê as formas de identificar a existência
de identidade entre os nomes empresariais. Uma delas está prevista no parágrafo único
do artigo 5º que refere que, constatada a colidência de nome empresarial a qualquer tempo
com o empresário individual, empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI,
sociedade empresária e cooperativa que não tenham procedido qualquer arquivamento
nos últimos dez anos, a Junta Comercial iniciará, de imediato, o processo de cancelamento
com a perda automática da proteção do nome empresarial, não caracterizando a extinção
da empresa. Assim, o empresário ou a empresa que teve seus registros cancelados,

21
Lei 8.934/1994, artigo 60 e parágrafo primeiro.
22
Decreto 1.800/1996, artigo 61, parágrafo primeiro.
23
Decreto 1.800/1996, artigo 61, parágrafo segundo.
24
O Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC) foi redenominado Departamento de
Registro Empresarial e Integração (DREI) e deslocado para a Secretaria Especial da Micro e Pequena
Empresa (SEMPE) a quem foram transferidas parcialmente as competências que vinham sendo exercidas
pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
25
Decreto 1.800/1996, artigo 62, parágrafo segundo.
26
Decreto 1.800/1996, artigo 62, parágrafo terceiro.
175

poderão pedir reativação obedecidos os mesmos procedimentos requeridos para a


constituição, devendo, entretanto, alterar o nome empresarial. Para tanto, a Junta manterá
o NIRE originalmente concedido27.
Em 2002, com o advento da Lei 10.406 que instituiu o Código Civil, a expressão
nome de empresa foi substituída por nome empresarial passando também a ser tutelado
por esta norma. O nome empresarial teve então sua natureza jurídica definida como
direito de personalidade28. Já no artigo 45 do código restou previsto que a existência legal
das pessoas jurídicas de direito privado se dá com a inscrição de seus atos constitutivos
no respectivo registro, bem como suas respectivas alterações.
A mesma lei conceitua o nome empresarial como a firma ou a denominação
adotada para o exercício da empresa29 e ainda determina que a inscrição do empresário
individual ou dos atos constitutivos da sociedade no registro próprio, asseguram o uso
exclusivo do nome nos limites do Estado30.
O parágrafo único do artigo 1.166 já previa a possibilidade de extensão da
proteção do nome empresarial à todo o território nacional na forma da lei especial, que
vem a ser as instruções normativas do Departamento de Registro Empresarial e Integração
(DREI) de números 15 e 20.
A Instrução Normativa nº 15 do DREI prevê que a proteção ao nome empresarial
se dará ainda através de abertura de filial em outra unidade federativa, ou, em havendo o
interesse pela proteção em todo o território nacional, pelo arquivamento de pedido
específico instruído com certidão simplificada da Junta Comercial da unidade federativa
onde estiver localizada a sede da empresa interessada31.
A própria Lei de Propriedade Industrial 9.279/1996 protege o instituto do nome
empresarial quando refere não serem registrados como marca a reprodução ou imitação
de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de
empresa suscetível de causar confusão ou associação entre os sinais distintivos32.
Sobre este inciso, o Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade
Intelectual ao comentá-lo informa que a lei dá à comparação entre nome comercial e
marca o mesmo tratamento aplicável à verificação de conflito entre marcas. E

27
Instrução Normativa nº 5 do DREI, artigo 6º, Parágrafos primeiro e segundo.
28
Lei 10.406/2002, Artigo 55.
29
Lei 10.406/2002, Artigo 1.155.
30
Lei 10.406/2002, Artigo 1.166.
31
Instruções Normativas nº 15 e 20 do DREI, artigos 11, parágrafos primeiro e segundo e artigo 2º,
parágrafo segundo, alínea “a”, respectivamente.
32
Lei 9.279/1996, artigo 124, inciso V.
176

complementa: Oportuno, aqui, igualmente, o acréscimo do conceito de associação, a


evitar que se tire proveito econômico parasitário do prestigio de nome comercial
alheio33.
Igualmente, o Código Civil através do artigo 1.167, faculta ao prejudicado que, a
qualquer tempo, ingresse com ação buscando anular a inscrição de nome empresarial
efetivada com violação à lei.

3 DO REGISTRO DE MARCA

Desde a Antiguidade, sinais e símbolos aplicados em produtos eram utilizados


para indicar a procedência das mercadorias. Contudo, somente no século XIX foram
estabelecidas as primeiras legislações sobre o assunto. O uso de sinais e marcas em
produtos foi sendo disseminado em todo o mundo, passando a marca a ser interpretada
como requisito básico para comercialização de um produto, tanto que, alguns produtos
passaram a ser identificados pela marca que levavam, tais como a Gillete para lâmina de
barbear, Xerox para fotocópia e Bombril para palha de aço, entre outros34.
A marca possui a ação de marcar, é o sinal que distingue um produto de outro ou
um serviço do outro, ou ainda o produto do serviço.
Segundo Gabriel Di Blasi, “a marca é um sinal que permite distinguir produtos
industriais, artigos comerciais e serviços profissionais de outros do mesmo gênero, de
mesma atividade, semelhantes ou afins de origem diversa. É para o seu titular o meio
eficaz para constituição de uma clientela. Para o consumidor representa a orientação para
a compra de um bem, levando em conta fatores de proveniência ou condições de
qualidade e desempenho” 35.
Segundo entende José Carlos Tinoco Soares, “a marca é tudo que tem o condão
de assinalar e distinguir os produtos e/ou serviços, e, não obstante a nossa lei vigente
restrinja-a aos sinais visualmente perceptíveis, não se pode olvidar a existência em muitos
países das marcas sonoras e olfativas” 36.
Segundo informa o autor, o primeiro Decreto a tratar sobre marcas foi o

33
IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual. Comentários à Lei de
Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2005. p. 210
34
DI BLASI, Gabriel. A Propriedade Industrial: Os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais
e transferência de tecnologia. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010. p. 291.
35
DI BLASI, Gabriel. A Propriedade Industrial: Os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais
e transferência de tecnologia. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010. p. 292.
36
SOARES, José Carlos Tinoco. Marca vs Nome Comercial: Conflitos. São Paulo: Editora Jurídica
Brasileira, 2000. p. 14.
177

2.682/1875 que estabelecia que a marca pudesse consistir no nome do fabricante ou


negociante sob uma forma distintiva, no da firma ou razão social ou qualquer outra
denominação, que pudesse distinguir os produtos de fábrica ou objetos de comércio37.
Soares ainda refere que em 1963, durante o Congresso de Berlim, a Associação
Internacional de Proteção à Propriedade Industrial aprovou resolução na qual constou
conceito bastante amplo sobre marca:
“Marca é o sinal capaz de distinguir os produtos ou serviços de uma pessoa ou
de um grupo de pessoas. O caráter distintivo da marca, em respeito às
mercadorias ou serviços designados por ela, cresce em razão da natureza do
sinal ou do uso que tenha sido feito por ele. Os seguintes são sinais capazes de
constituir marcas sob a única condição de que eles são distintivos ou tenham
se tornado distintivos dos produtos ou dos serviços que designam: 1) palavras
ou coleções de palavras, inventadas ou não, incluindo títulos de diários ou de
publicações periódicas, os títulos de trabalhos coletivos, os slogans (frases ou
expressões de propaganda); 2) letras; 3) números; 4) desenhos, incluindo por
exemplo assinatura, retratos, ilustrações, figuras, insígnias; emblemas e
monogramas; 5) nomes próprios, incluindo sobrenomes (nomes de família e/ou
patronímicos), apelidos e pseudônimos bem como as partes características
(elemento preponderante) ou abreviações de nomes comerciais; 6) o formato
ou qualquer outra forma de apresentação dos produtos ou de suas embalagens
sob a condição de que não sejam exclusivamente funcionais em sua natureza;
combinação de cores com sinais; 8) combinação de cores, e 9) a combinação
de todos os sinais acima enumerados” 38.

Na obra Tratado de Propriedade Industrial, do mesmo autor, ele afirma:

Sendo a marca distinta, especial e inconfundível, atestará a origem e a


procedência dos produtos identificando toda uma indústria, todo um comércio
ou toda uma prestação de serviços, fazendo com que esse sinal se torne um
elemento valioso que se consubstancia num patrimônio inestimável 39.

Denis Borges Barbosa afirma que “marca é o sinal visualmente representado, que
é configurado com o fim específico de distinguir a origem dos produtos e serviços” 40.
Dentre as diversas funções da marca está, do ponto de vista privado, a de
proporcionar ao seu proprietário o direito de, administrativa ou judicialmente agir contra
seu uso indevido ou não autorizado por terceiro, configurando a concorrência desleal e
do ponto de vista público, a atuação no plano comercial, na defesa do consumidor a fim
de evitar confusão. Com o tempo, ela agrega a seu significado elementos para a aferição

37
SOARES, José Carlos Tinoco. Marca vs Nome Comercial: Conflitos. São Paulo: Editora Jurídica
Brasileira, 2000. p. 14.
38
SOARES, José Carlos Tinoco. Marca vs Nome Comercial: Conflitos. São Paulo: Editora Jurídica
Brasileira, 2000. p. 15/16.
39
SOARES, José Carlos Tinoco. Tratado de Propriedade Industrial. Ed. Resenha Tributária, 1988, São
Paulo, V.I. p. 101.
40
BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003, p. 87.
178

da origem do produto e do serviço prestado.


Em 1994, o Decreto 1355 internalizou no Brasil a Ata Final que Incorpora os
Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT sobre
aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio, conhecido
como TRIPS. Em seu artigo 15 ele prevê:

“1. Qualquer sinal, ou combinação de sinais, capaz de distinguir bens e


serviços de um empreendimento daqueles de outro empreendimento, poderá
constituir uma marca. Estes sinais, em particular palavras, inclusive nomes
próprios, letras, numerais, elementos figurativos e combinação de cores, bem
como qualquer combinação desses sinais, serão registráveis como marcas.
Quando os sinais não forem intrinsecamente capazes de distinguir os bens e
serviços pertinentes, os Membros poderão condicionar a possibilidade do
registro ao caráter distintivo que tenham adquirido pelo seu uso. Os Membros
poderão exigir, como condição para registro, que os sinais sejam visualmente
perceptíveis”.

A marca tem proteção constitucional prevista no artigo 5º, inciso XXIX, da


Constituição Federal:
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio
temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à
propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos,
tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico
do País.

A Lei 9279/1996 (LPI) regula as marcas através dos dispositivos contidos do


artigo 125 a 175 e 189 a 190. Ela restringiu através do artigo 122, como sendo suscetíveis
ao registro de marca tão somente os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não
compreendidos nas proibições legais, previstas no artigo 124 da mesma lei.
O registro de marca é adquirido mediante procedimento administrativo perante o
Instituto Nacional de Propriedade Industrial, garantindo ao titular o direito de uso
exclusivo da mesma perante o território nacional.
A forma distintiva, preconizada pelo artigo supra referido se refere à apresentação
da marca com a imperiosa estilização gráfica, seja ela ilustrada, desenhada ou qualquer
outro elemento que a diferencie das demais.
Há que se destacar que nem sempre a forma distintiva garante a exclusividade do
elemento verbal, isso porque, pode a marca ser dotada do que chamamos de expressão de
uso comum. Pode-se requerer, por exemplo, o pedido da marca “BOA” escrita de uma
forma estilizada ou acompanhada de um desenho, para atuação em determinado ramo
mercadológico e a marca ser deferida. O titular terá a exclusividade de uso daquela marca
tal qual ela foi deferida, na classificação escolhida. Outra pessoa ou empresa igualmente
poderá requerer o registro da mesma marca “BOA” com grafia e logotipia diversa e com
179

mesma classificação e possivelmente também será deferida. Entretanto, se requeremos o


registro da marca “BOA” tal qual ele é escrito, este será indeferido, por se tratar de uma
expressão de uso comum, a qual nenhuma pessoa deterá a exclusividade.
O artigo 124 da LPI refere 23 incisos com proibições sobre o que não é registrável
como marca. Relacionado ao presente trabalho, destacam-se os incisos V, que refere não
ser registrável como marca a reprodução ou imitação de elemento característico ou
diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa suscetível de causar
confusão; inciso XIX que refere não ser registrável a reprodução ou imitação no todo ou
em parte ainda que com acréscimo de marca alheia registrada para distinguir produto ou
serviço idêntico ou semelhante, suscetível de causar confusão e o inciso XXIII que
destaca o sinal que imite ou reproduza marca que o requerente evidentemente não poderia
desconhecer em razão da sua atividade.
A legislação observa o sistema atributivo para obtenção do registro de propriedade
da marca, considerando-o como elemento constitutivo do direito de propriedade, ou seja,
os direitos inerentes às marcas surgem a partir de seu registro e não a partir de seu uso 41.
A propriedade da marca garante ao seu titular o direito de uso exclusivo, em todo
o território nacional (princípio da territorialidade) na classe em que for concedida
(princípio da especificidade).
Entretanto, aquele que de boa fé utilizava a marca idêntica ou semelhante à de
terceiro, para distinguir produto ou serviço idêntico há pelo menos seis meses, pelo direito
de precedência terá direito de continuar usando42, devendo, no entanto, alegar tal direito
na ocasião do prazo de oposição do registro da marca de terceiro.
O titular do registro e mesmo o depositante da marca, que possui a expectativa de
direito sobre o registro além de zelar por sua integridade poderá ceder o registro ou pedido
e ainda licenciar o uso da marca43.
Diferentemente das patentes e desenhos industriais, a marca não possui prazo
limitado para sua utilização. Segundo dispõe o artigo 133 da Lei 9.279/96, o registro da
marca vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data de concessão do registro,
prorrogável por iguais e sucessivos períodos.
O fato de uma pessoa jurídica possuir determinada denominação social não
assegura o uso livre da expressão contida na denominação, que poderá ser registrada

41
Lei 9279/96, art. 129.
42
Lei 9279/96, art. 129, parágrafo primeiro.
43
Lei 9279/96, art. 130.
180

como marca por um terceiro.


Evidencia-se que, em nosso ordenamento jurídico, os princípios e normas
existentes fazem com que tenha maior efetividade a proteção às marcas, regulando seu
registro e a concorrência entre as sociedades empresárias. Assim, resumidamente, a marca
é tutelada pela proteção com abrangência nacional, necessitando de prévio registro
perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, que protege seu titular de atos de
concorrência desleal praticados por terceiros. A marca aparece como um dos sinais
distintivos da sociedade para agregar valor, podendo ser considerada parte do ativo
financeiro da empresa.

3 DA CONFUSÃO ENTRE OS CONCEITOS DE NOME EMPRESARIAL E


MARCA E OS CRITÉRIOS UTILIZADOS PELA JURISPRUDÊNCIA PARA
SOLUÇÃO DE CONFLITO ENTRE AMBOS OS INSTITUTOS

A confusão entre nome empresarial e marca se dá desde os tempos primórdios,


pois a legislação, em sua maioria, trazia formas de proteção aos dois institutos, sempre os
relacionando. Marca e nome empresarial são de suma importância para o exercício da
atividade empresarial, tendo cada um deles uma tutela diferenciada, tornando mais fácil
a confusão entre eles.
Consoante antes referido, o Decreto Lei 254/1967, previa a exclusividade de uso
do nome de empresa no estado onde esta tivesse sede, com a possibilidade de extensão
da proteção à totalidade do território nacional mediante registro no departamento de
proteção à propriedade industrial.
Com o advento do Decreto Lei 1.005/1969, a proteção do nome de empresa
perante o Departamento Nacional da Propriedade Industrial, foi excluída, passando a
proteção ao nome empresarial a ser adquirida mediante arquivamento dos atos
constitutivos da sociedade no Registro do Comércio ou no Registro Civil das Pessoas
Jurídicas44.
Conforme consta do Decreto 3.346, em 1887 os pedidos de registro de marca se
davam perante a Junta ou Inspetoria Comercial da cidade onde o estabelecimento tivesse

44
Decreto Lei 1.005/1969, artigo 166.
181

sua sede45.
José Carlos Tinoco Soares, em sua obra Marcas vs. Nome Comercial Conflitos46,
refere que o Código Penal sancionado pelo Decreto 847/1890 já trazia em seu texto a
repressão da concorrência desleal através do artigo 353, que considerava violação à marca
a reprodução de marca devidamente registrada e publicada e ainda o uso de nome ou
firma comercial pertencente à terceiro.
O mesmo autor refere que em 1904, através da Lei 1.236 o nome empresarial
poderia ser suscetível de registro como marca desde que revestido de forma distintiva e
nessas condições o registro apenas do elemento verbal não era permitido. O artigo 8º
determinava que “era proibido o registro de marca que contivesse nome comercial ou
firma social de que legitimamente não poderia usar o requerente”47.
Segundo Soares48, o registro do nome comercial como marca, perante o
Departamento Nacional da Propriedade Industrial, para fins de proteção em todo o
território nacional, não supria o arquivamento dos atos constitutivos das empresas perante
as Juntas Comerciais. Tanto é que para o competente registro do nome comercial como
marca no DNPI havia a necessidade de comprovação da existência legal da empresa
mediante a apresentação de certidão ou extrato do contrato social. Por outro lado, quando
o nome comercial contivesse expressão fantasia, a sua proteção somente seria efetivada
se houvesse a devida comprovação de que o interessado possuía sua marca devidamente
registrada.
O Decreto 7.903/1945 instituiu o primeiro Código de Propriedade Industrial e
estabelecia tanto a proteção às marcas quanto ao nome empresarial. Como se vê, os dois
institutos sempre estiveram relacionados.
A Constituição Federal de 1988, através do artigo 5º, inciso XXIX, também não
deixou de proteger os institutos, equiparando-os quanto à natureza jurídica como direito
de propriedade:
“A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para
sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das
marcas, aos nomes de empresas e a ouros signos distintivos, tendo em vista o

45
Decreto 3.346/1887, artigo 4º.
46
SOARES, José Carlos Tinoco. Marca vs Nome Comercial: Conflitos. São Paulo: Editora Jurídica
Brasileira, 2000. p.15.
47
SOARES, José Carlos Tinoco. Marca vs Nome Comercial: Conflitos. São Paulo: Editora Jurídica
Brasileira, 2000. p.15.p. 18.
48
SOARES, José Carlos Tinoco. Marca vs Nome Comercial: Conflitos. São Paulo: Editora Jurídica
Brasileira, 2000. p.15.p. 19.
182

interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país”.

Sobre a colidência entre nome empresarial e marca Fábio Ulhoa Coelho assim se
manifesta:
“[...] a jurisprudência tem normalmente prestigiado a tutela da marca, em
detrimento da do nome empresarial, mesmo quando o registro deste é anterior.
Exige-se, contudo, em função do principio da especificidade, que o titular da
marca e do nome colidentes operem no mesmo segmento de mercado (salvo se
a marca for de alto renome, quando o empresário goza de proteção em todos
os segmentos)” 49.

Assim, embora a marca e nome empresarial sejam elementos individualizadores


da empresa, jamais podemos confundi-los. Segundo Fábio Ulhoa Coelho:
“O nome empresarial e a marca se reportam a diferentes objetos semânticos. O
primeiro identifica o sujeito de direito (o empresário, pessoa física ou jurídica),
enquanto a marca identifica, direta ou indiretamente, produtos ou serviços” 50.

Ao analisar a existência de colidência, confusão ou associação entre nome


empresarial o Manual de Marcas prevê que serão observados os seguintes aspectos51:

a) Se o elemento integrante do título de estabelecimento ou de nome de


empresa é distintivo;
b) Se o sinal sob análise atende às condições de distintividade, liceidade e
veracidade;
c) Se a semelhança entre os conjuntos em questão é capaz de gerar confusão
ou associação indevida;
d) Se as atividades exercidas pela empresa impugnante possuem afinidade
mercadológica com os produtos e/ou serviços que o sinal marcário visa
assinalar; e
e) Se o registro do nome empresarial é anterior ao depósito/registro da
marca.

Já houve menção de que a proteção ao nome empresarial em princípio se restringe


à unidade federativa de jurisdição da junta comercial na qual foram arquivados os atos
constitutivos da empresa, salvo se for efetivado pedido complementar de extensão da
proteção nas juntas comerciais dos outros estados.
Ainda que haja a proteção contida no artigo 124, inciso V da Lei de Propriedade
Industrial (Lei 9.279/96) que prevê não serem registráveis como marcas os nomes
empresariais, a maior parte das pessoas, física ou jurídica, que pretenda o registro de uma
marca, não efetiva a busca de anterioridade de um nome empresarial perante a Junta,

49
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo. Saraiva. 2010. Volume 1. Página 188.
50
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo. Saraiva. 1998. Volume 1. Página 175.
51
Manual de Marcas do INPI. Instituído pela Resolução INPI/PR nº 177/2017; 2ª Edição, 2017, item 5.11.7.
183

quando muito, a existência de marcas colidentes anteriores perante o INPI.


Há uma decisão do STJ52 de 22/02/2011 no sentido de que a existência do nome
empresarial não obsta o registro de marca, salvo se a empresa detentora do nome requereu
a extensão da proteção do nome perante todo o território nacional; e desde que, a
reprodução do nome empresarial seja suscetível de causar confusão entre os signos.
Ademais, não há uma comunicação entre o sistema de busca de anterioridade para
marcas do INPI e o sistema de registro das Juntas Comerciais, o que muitas vezes resta
por prejudicar as empresas, que viram alvo de ações de abstenção de uso de marca ou
mesmo obrigam-se a conviver, por exemplo, com uma concorrente de boa fé53 que fazia
uso anterior da marca há pelo menos seis meses.
Desta forma, o mais prudente antes de requerer a proteção de um nome
empresarial e um registro de marca aleatoriamente, é primeiro realizar uma pesquisa
prévia do nome empresarial e caso esteja disponível, realizar sua reserva através da Rede
Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios
(REDESIM), criada pela Lei 11.598/2007, ou do “Módulo Integrador” comparecendo
pessoalmente na Junta Comercial, ou pela internet. É importante que se faça constar já no
nome empresarial a expressão a qual se pretende a proteção futura como marca.
Concomitantemente ao registro do nome empresarial, é importante que se proceda
igualmente uma busca junto ao site do INPI54 a fim de verificar a existência de registros
anteriores de marcas colidentes com a qual pretende proteger evitando então, futuro litígio
com detentor de titularidade de marca protegida anteriormente. Verificada a
disponibilidade do nome empresarial e da marca, proceder-se-ão o arquivamento dos atos
constitutivos perante a Junta Comercial com a respectiva proteção do nome e o pedido de
registro da marca perante o INPI.
Enquanto a abrangência da proteção do nome empresarial se limita ao território
estadual, registro da marca garante a exclusividade de uso em todo o território nacional.
Ainda que uma empresa possua o registro do nome empresarial anterior a um
registro de marca, em regra, o registro da marca prevalecerá sobre o primeiro por garantir
a exclusividade de uso em todo o território nacional.
No caso concreto, cabe ainda analisar, se o detentor do nome empresarial requereu
a extensão da proteção do nome empresarial nas juntas dos demais estados; se o mesmo

52
Recurso Especial Nº 1.204.488/RS, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ministra
Nancy Andrighi, julgado em 22/02/2011.
53
Lei 9.279/1996, Artigo 129, parágrafo primeiro.
54
http://www.inpi.gov.br/portal/
184

fazia o uso do nome de boa fé há pelo menos seis meses da data da prioridade ou depósito;
eventual colidência no ramo de atuação das partes e ainda possibilidade concreta de
causar desvio de clientela e/ou confusão ao público consumidor.
Segundo entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça
proferido no julgamento do Recurso Especial 1.204.488/RS55, para aferir a colidência
entre um nome empresarial e uma marca, não basta se ater ao critério da anterioridade do
registro, devendo ser levado em consideração dois princípios do direito das marcas, quais
sejam, o Princípio da Territorialidade que se refere ao âmbito geográfico de proteção
conferida pelo registro; e o Princípio da Especificidade que refere que a marca está
diretamente ligada ao tipo de produto ou serviço para o qual ela foi registrada mediante
classificação, com exceção das de alto renome que serão protegidas em todos os ramos
de atividade56.
No caso julgado através do RESP 262.643/SP de 09/03/201057, por exemplo, uma
empresa detinha o nome comercial FIORELLA PRODUTOS TÊXTEIS LTDA. e o
registro da marca FIORELLA, expressão idêntica e anterior ao nome empresarial
PRODUTOS FIORELLA LTDA., de outra empresa. Pretendia, então, que esta segunda
se abstivesse de utilizar a expressão pela proteção posterior e diante da exclusividade da
primeira. Entretanto, a Terceira Turma entendeu pela inexistência de emprego indevido
da expressão e consignou ser irrelevante a anterioridade do registro para dirimir o
conflito, por entender que a similitude das denominações não gera confusão entre os
consumidores, especialmente por serem distintas e inconfundíveis as áreas de atividade
das empresas. E complementou:

“A tutela do nome comercial deve ser entendida de modo relativo, como bem
observou a Corte a quo, pois o registro mais antigo gera a proteção no ramo de
atuação da empresa que o detém, mas não impede a utilização do nome em
segmento diverso, sobretudo quando não se verifica qualquer confusão,
prejuízo ou vantagem indevida no seu emprego” 58.

Para que haja violação ao artigo 129 da Lei de Propriedade Industrial e seja
configurada a reprodução ou imitação de marca previamente registrada, a Terceira Turma

55
Recurso Especial Nº 1.204.488/RS, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Ministra
Nancy Andrighi, julgado em 22/02/2011.
56
Lei 9.279/96, artigo 125.
57
Recurso Especial Nº 262.643/SP, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Vasco Della
Giustina, julgado em 09/03/2010.
58
Recurso Especial Nº 262.643/SP, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Vasco Della
Giustina, julgado em 09/03/2010.
185

do STJ em 08/09/200959 entendeu ser necessário que exista risco de dúvida, erro ou
confusão no mercado entre os produtos ou serviços do mesmo ramo.
No caso específico objeto de julgamento, em que se discutia a identidade entre
duas marcas e nomes empresariais, a Terceira Turma entendeu que apesar da semelhança
nos vocábulos “Arábia” e “Areibian”, não há similitude significativa a ponto de levar o
público consumidor a erro ou confusão, pois há diferença tanto na grafia dos termos
quanto na fonética das palavras. O próprio logotipo de ambas as marcas se diferem.
Assim, os ministros daquela turma entenderam que as marcas não são capazes de causar
confusão ou induzirem os consumidores em erro.
Caso bastante comentado foi o que envolveu o nome empresarial da reconhecida
sociedade empresária GANG COMÉRCIO DE VESTUÁRIO LTDA. que impetrou
mandado de segurança contra o INPI, fundamentado no artigo 124, incisos III e V da Lei
9.279/9660, tendo em vista o referido órgão ter deferido o registro da marca “STREET
CRIME GANG”, depositada em 19/09/1999 na classe 25.10, correspondente à artigos de
vestuário. A empresa alegou que atua desde 27/04/1976 no Rio Grande do Sul com o
nome empresarial GANG COMÉRCIO DE VESTUÁRIO LTDA., tendo tornado a
expressão “Gang” facilmente identificada e com potencial de comercialização no ramo
de vestuário, expandindo-se para Santa Catarina e Paraná. Entretanto, a empresa possui a
proteção do nome empresarial requerida tão somente no Rio Grande do Sul, sem ter
requerido a extensão da proteção às demais unidades federativas. Assim, a Relatora
Ministra Nancy Andrighi expressou o seguinte entendimento no julgamento do Recurso
Especial 1.204.488/RS61:

“Entendo que a interpretação do art. 124, V, da LPI que melhor compatibiliza


os institutos da marca e do nome comercial é no sentido de que, para a
reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciado de nome
empresarial de terceiros constitua óbice ao registro de marca – que possui
proteção nacional -, é necessário, nessa ordem (i) que a proteção ao nome
empresarial não goze somente de tutela restrita a alguns estados, mas detenha
a exclusividade sobre o uso do nome em todo o território nacional; e (ii) que a

59
Recurso Especial Nº 989.105/PR, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Ministra Nancy
Andrighi, julgado em 08/09/2009.
60
Art. 124. Não são registráveis como marca:
[...]
III - expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda
a honra ou imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou idéia e
sentimento dignos de respeito e veneração;
[...]
V - reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou
nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos;
61
Recurso Especial Nº 1.204.488/RS, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ministra
Nancy Andrighi, julgado em 22/02/2011.
186

reprodução ou imitação seja “suscetível de causar confusão ou associação com


estes sinais distintivos.
Deste modo, conclui-se que, à frente do risco de ocorrência de associação de
ideias ou confusão no mercado, o artigo 124, V da LPI exige que a proteção
do nome empresarial a ser tutelado tenha proteção nacional. Não sendo essa,
incontestavelmente, a hipótese dos autos, é possível, assim, a convivência entre
o nome empresarial GANG COMÉRCIO DO VESTUÁRIO e a marca
STREET CRIME GANG”.

Em outro julgado do STJ62, a empresa MULTIMED DISTRIBUIDORA DE


MEDICAMENTOS LTDA. constituída em 18/12/1987 perante a Junta Comercial de
Blumenau/SC reclama o restabelecimento de seu registro da marca MULTIMED sob o
argumento da anterioridade de uso da marca e o direito de precedência sobre a empresa
MULTICLINICA SERVIÇOS DE SAÚDE LTDA., sediada no Rio Grande do Sul,
também titular da marca MULTIMED depositada perante o INPI em 1992 e concedida
em 1994.
A Quarta Turma então firmou entendimento no sentido de que, eventual
colidência entre nome empresarial e marca não é resolvido tão somente a ótica do
principio da anterioridade do registro, devendo ser levado em conta ainda os princípios
da territorialidade e da especificidade das marcas. Para que a reprodução ou nome
empresarial de terceiro constitua óbice a registro de marca à luz do principio da
territorialidade, faz-se necessário que a proteção ao nome empresarial não goze de tutela
restrita a um estado, mas detenha a exclusividade sobre o uso no território nacional.
Assim, tendo em vista que os serviços identificados por ambas as marcas
guardavam afinidade mercadológica podendo causar confusão aos consumidores,
inviável admitir a coexistência de ambas, além do que, possuíam identidade fonética e
escrita quanto ao elemento nominativo.
Em decisão proferida perante a Primeira Câmara de Direito Comercial do Tribunal
de Justiça de Santa Catarina, datada de 28/04/2011, nos autos do agravo de instrumento
nº 2010.035246-7, ao analisar o conflito entre marca e nome empresarial idênticos,
entendeu que a coexistência de marca e nome empresarial idênticos em setores também
idênticos é inviável quando capaz de confundir ao consumidor. Estes requisitos em
conjunto, impedem a continuidade de designação idêntica à marca de uma empresa e
nome empresarial de outra. Assim, no conflito, a marca prevaleceu, afinal tem a proteção
em âmbito nacional, enquanto o nome empresarial restringe-se ao estado da respectiva
Junta Comercial, salvo quando há extensão de proteção do nome às demais unidades

62
Recurso Especial Nº 1.184.867/SC, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ministro Luis
Felipe Salomão, julgado em 15/05/2014.
187

federativas.
Apesar do entendimento fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça, no sentido de que não bastaria se ater tão somente a anterioridade, mas também
os princípios da territorialidade e especificidade das marcas, o Tribunal de Justiça de
Minas Gerais63 desconsiderou tal decisão ao considerar que diante da existência de
conflito ou impossibilidade de coexistência entre marca e nome empresarial, deverá ser
aplicado o princípio da anterioridade, isto é, deverá prevalecer o registro efetivado em
data anterior.
No caso, as empresas são da mesma família e atuam no mesmo ramo. A empresa
Freoli Distribuidora de Óleos Ltda. arquivou seus atos constitutivos na Junta Comercial
em 06/11/1996, enquanto a empresa Freole Indústria e Comércio de Essências Ltda. ME
se inscreveu na Junta Comercial em 28/01/2005, tendo requerido o registro da marca
perante o INPI em janeiro de 2006. Assim, os Desembargadores decidiram que,
demonstrado o registro da marca em data posterior ao registro da empresa Freoli
Distribuidora de Óleos Ltda. na Junta Comercial, deverá prevalecer o registro do nome
empresarial.
O caso ora exposto apresenta-se de forma no mínimo curiosa, pois os argumentos
utilizados vão de encontro aos entendimentos já expostos pelo STJ anos antes. Muito
acima da anterioridade está o princípio da boa-fé que deveria ter sido considerado nessa
decisão em se tratando da mesma família. Ao que parece, após um desentendimento entre
os membros da mesma família, parte permaneceu com a empresa original, tendo a outra
parte registrado uma nova empresa. Entretanto, ao invés de se utilizarem de um nome
empresarial original, propositalmente registraram a empresa com nome semelhante. Não
bastasse isso, requereram o registro da marca perante o INPI.
O artigo 124, inciso XXIII da LPI refere não serem registráveis como marca sinal que
imite ou reproduza, no todo ou em parte, marca que o requerente evidentemente não
poderia desconhecer em razão da sua atividade, se a marca se destinar a distinguir produto
ou serviço idêntico suscetível de causar confusão ou associação com a outra. Assim, no
presente julgado, para fim de argumentar a prevalência do nome empresarial, deveria ter
sido levada em consideração, primordialmente a má-fé daquela parte da família que
registrou posteriormente nome e marca semelhantes.

63
Agravo de Instrumento Nº 1.0024.12.247454-7/001, 11ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, Relator: Rogério Coutinho, julgado em 20/11/2013.
188

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Da leitura do presente artigo, pode-se observar que a legislação anterior à


atualmente vigente quase sempre ao abordar a proteção ao nome empresarial, abordava
concomitantemente a proteção às marcas, sendo que inicialmente as marcas eram
registradas nas Juntas de Comércio e o nome empresarial no Departamento Nacional de
Propriedade Industrial. É possível então, que a confusão entre ambos tenha nascido daí.
Contudo, é possível afirmar que os dois não se confundem, pois enquanto o nome
empresarial identifica a empresa ou o empresário, com proteção restrita à unidade
federativa de jurisdição da junta comercial na qual foram arquivados os atos constitutivos
da empresa, a marca identifica os produtos e serviços por ela produzidos, tem o registro
efetivado perante o INPI e garante a proteção com abrangência nacional.
Ocorre que algumas empresas acabam tendo parte de seus nomes empresariais
registradas como marca ou suas marcas registradas como nome empresarial por terceiros.
Isso acontece porque inexiste um sistema interligado entre as Juntas Comerciais e o INPI
capaz de ao identificar colidência capaz de confundir o consumidor, indeferir um dos
registros.
Assim, para o fim de evitar eventual conflito entre um nome comercial e uma
marca, o ideal é que o empresário efetive consulta prévia tanto na Junta Comercial quanto
no INPI, a fim de verificar a disponibilidade da expressão pretendida e viabilidade de
deferimento do registro de ambos.

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Agravo de Instrumento Nº 1.0024.12.247454-7/001, 11ª Câmara Cível, Tribunal de


Justiça de Minas Gerais, Relator: Rogério Coutinho, julgado em 20/11/2013.

Agravo de Instrumento Nº 1.0024.11.059446-2/002, 13ª Câmara Cível, Tribunal de


Justiça de Minas Gerais, Relator: Alberto Henrique, julgado em 30/01/2014.

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189

Agravo de Instrumento Nº 2010.035246-70, Primeira Câmara de Direito Comercial,


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Agravo de Instrumento Nº 2008.062755-6, Terceira Câmara de Direito Comercial,


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Apelação Cível Nº 2012.039470-8, Quinta Câmara de Direito Comercial, Tribunal de


Justiça de Santa Catarina, Relator: Guilherme Nunes Born, 25/09/2013.

Apelação Cível Nº 89836620098260650, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial,


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191

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192

A NANOREVOLUÇÃO E NANOPATENTES? SEUS IMPACTOS NO SISTEMA


INTERNACIONAL DE PATENTES E USO DO DIÁLOGO ENTRE AS FONTES
DO DIREITO

Wilson Engelmann1
Daniele Weber S. Leal2
Raquel Von Hohendorff3

Resumo: O avanço das nanotecnologias traz o risco, mas também a promessa de avanço
tecnológico. Surgem novas demandas e crescem as patentes nesta escala. Necessário,
portanto, a adoção de regulação adequada para este sistema. Vislumbra-se a necessária
flexibilização no sistema e regulação das nanos, viabilizada através do Diálogo entre as
Fontes do Direito. Sob quais condições as nanotecnologias inserem-se na
internacionalização do sistema de patentes? Em busca por respostas aptas a esta nova
realidade, adequado seria uma regulação atualizada e apta para auxiliar nas novas
demandas nanotecnológicas e no sistema de patentes, através do Diálogo entre as Fontes
do Direito.
Palavras-chave: Nanotecnologias; risco; internacionalização do sistema de patentes;
flexibilização; regulação; Diálogo entre as fontes do Direito.

1 INTRODUÇÃO

Presencia-se desde o início do século XXI a evolução da era nanotecnológica, a


qual traz consigo a produção e manipulação de matéria em escala nano, equivalente a
bilionésima parte de um metro. No mercado é possível encontrar uma gama de novos
produtos, desde o uso doméstico (como televisores, celulares, geladeiras) até industrial,
como na indústria aeronáutica, bélica, dentre tantos outros.

1 Pós-doutor pela Universidade de Santiago de Compostela (Espanha). Doutor e Mestre em Direito Público
pelo Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da Universidade do Vale do Rio dos
Sinos – UNISINOS/RS/Brasil; Professor deste mesmo Programa das atividades: “Transformações Jurídicas
das Relações Privadas” (Mestrado) e “Os Desafios das Transformações Contemporâneas do Direito
Privado” (Doutorado); Coordenador Executivo do Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos
Negócios da Unisinos; Líder do Grupo de Pesquisa JUSNANO (CNPq); Bolsista de Produtividade em
Pesquisa do CNPq. E-mail: wengelmann@unisinos.br
2
Doutoranda e Mestra em Direito Público pelo Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e
Doutorado) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS/RS/Brasil, vinculada à Linha de
Pesquisa “Sociedade, Novos Direitos e Transnacionalização”; Integrante do Grupo de Pesquisa
JUSNANO(CNPq); Especialista em Direito Público pelo Instituto de Educação RS (LFG). Graduada na
Unisinos. Professora da FACCAT -Faculdades Integradas de Taquara-RS, nas disciplinas Metodologia da
Pesquisa, Bioética e Biodireito e Ética Profissional; Advogada. Email: weber.daniele@yahoo.com.br
3
Doutora e Mestre em Direito Público Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS/RS/Brasil, vinculada à Linha de Pesquisa “Sociedade,
Novos Direitos e Transnacionalização”; Integrante do Grupo de Pesquisa JUSNANO(CNPq); Professora
do mesmo PPG e graduação Unisinos. Delegada ESA-SL. Advogada. Email: vetraq@gmail.com
193

O mais instigante sobre os estudos das nanotecnologias e meio ambiente é que se


desconhecem os possíveis riscos que elas podem gerar, e ainda, pouco (ou quase nada)
existe em termos de regulação jurídica dessa matéria, principalmente no Brasil. Contudo,
mesmo observado o contexto de incertezas, é latente o crescimento da produção industrial
em nano escala, o que traz como consequência o aumento de pedidos e concessão de
patentes destas novas tecnologias. Por outro lado, a propriedade intelectual vem trazendo
novos desafios à internacionalização do sistema de patentes, atentando para as demandas
das novas tecnologias, bem como reforçando a diferente adoção de políticas entre países
industrializados e em desenvolvimento, com o intuito de lidar com o fomento de inovação
e proteção das patentes.

Conforme leciona Vicente de Paulo Barreto, e possível aplicar no contexto das


nanotecnologias e patentes, é que se torna clara a insuficiência do modelo jurídico
clássico, onde teria a lei respostas para os problemas sociais enfrentados e ainda se
verifica a necessidade da construção de uma ordem jurídica que responda às novas
demandas da sociedade tecnocientífica. A realidade contemporânea esvaziou as
pretensões da racionalidade utilitarista do direito, como se demonstra claramente no
modelo positivista mais radical (BARRETO, 2013, p. 349). Desta maneira, é possível
indagar em que medida as nanotecnologias se inserem no contexto da propriedade
intelectual e internacionalização do sistema de patentes, e ainda demonstrar a necessária
flexibilização das normas para prestar respostas adequadas à nova complexidade imposta
na era nano. Este artigo busca atingir os seguintes objetivos: abordar a inserção das
nanotecnologias no cenário atual, como espécie de inovação, ainda apresentando o
cenário de avanço e risco; verificar o contexto das patentes com nanotecnologia e o
movimento de internacionalização do sistema de patentes, demonstrando a viabilidade de
alcançar respostas aptas à complexidade adotando-se do verdadeiro diálogo entre as
fontes do Direito. Aliado à metodologia fenomenológica-hermenêutica, utilizar-se-á a
pesquisa bibliográfica, buscando realizar a revisão das publicações em livros, artigos
científicos e sítios oficiais da internet. Para tanto, necessário que se parta de um prévio
conhecimento acerca das nanotecnologias, suas aplicações, benefícios e o risco; ademais,
explicar-se-á sobre a internacionalização do sistema de patentes, a atual conjuntura das
nanotecnologias e patentes, demonstrando a necessária flexibilização do padrão
positivista e legalista da propriedade intelectual, para, posteriormente, fomentar a
regulação com o diálogo entre as Fontes do Direito, prestando respostas adequadas às
demandas complexas da sociedade.
194

Portanto, o problema que se pretende enfrentar neste artigo, poderá ser assim
circunscrito: sob quais condições as nanotecnologias estão inseridas no contexto atual da
sociedade e do sistema internacional de patentes? A legislação atual é suficiente para
prestar suporte adequado a estas novas demandas? Não seria necessária uma
flexibilização do sistema jurídico? Baseado na incerteza e busca por respostas jurídicas
aptas a esta nova realidade, necessária a imposição de uma reformulação do paradigma
positivista, possibilitado o Diálogo entre as Fontes do Direito, no intuito de viabilizar
marcos regulatórios mais flexíveis no sistema internacional de patentes e para as
nanotecnologias.

2 DESVELANDO A ERA NANOTECNOLÓGICA: INSERÇÃO DAS “NANOS”


NA VIDA HUMANA E A AUSÊNCIA DE REGULAÇÃO

Observa-se desde o início do século XXI a utilização cada vez maior das
nanotecnologias, as quais se inserem no contexto de inovações, o que por consequência
gera uma série de novas demandas da sociedade. Tal escala de tecnologia equivale à
bilionésima parte de um metro, aproximadamente dez vezes o tamanho de um átomo
individual. A sua conceituação dispõe de uma terminologia imprecisa, inexistindo
definições padronizadas internacionalmente (ENGELMANN; BORGES; GOMES, 2014,
p.106). A nanotecnologia consolidou uma dinâmica de rápido desenvolvimento e aplicação
diversificada em virtualmente todos os setores econômicos e não configura uma promessa
ou uma ficção futurista: ela já é uma realidade observada em inúmeros produtos
comercializados por diferentes setores. Dados recentes da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OECD) indicavam que o mercado de produtos
nanotecnológicos movimentava cerca de US$ 350 bilhões (em 2014) e ainda para 2015,
estimava-se que esse valor seria superior a US$ 1trilhão (MCTI, 2014, p. 03).
Encontram-se nos mais variados setores da vida cotidiana. Esta tecnologia em
ultrapequena escala encontra-se no mercado, sendo amplamente consumidas, como nos
protetores solares, telefones celulares, medicamentos, cosméticos, medicamentos
veterinários, entre outros. Inclusive esse amplo rol é aberto devido ao processo contínuo de
desenvolvimento das nanotecnologias (HOHENDORFF, 2015, p. 09.).
Contudo, apesar da constante presença e aplicação desta nova tecnologia, as
“nanos” não vêm acompanhadas de certeza científica sobre seus efeitos na vida humana e
195

meio ambiente. Ademais, não há qualquer regulação específica, o que preocupa os


pesquisados, uma vez que se pode constatar através de estudos a potencialidade de risco.
A regulação e a regulamentação do uso, da pesquisa, do desenvolvimento e da
inovação (P,D&I) em nanotecnologia passaram para o topo da agenda tanto dos governos
como da comunidade científica e tecnológica, uma vez que a insegurança jurídica é um dos
principais fatores de represamento dos investimentos em novas tecnologias. Várias
organizações internacionais vêm mantendo discussões, fóruns e reuniões para o
estabelecimento de definições de nanomateriais e de métodos de caracterização e de
avaliação da sua segurança. Entretanto, até o momento, não existe um Marco Regulatório
específico para o tema, sendo os produtos registrados em diferentes países, incluindo o
Brasil, pelas suas respectivas Agências Reguladoras, em análises caso-a-caso (MCTI, 2014,
p. 03). O debate e avanço das nanotecnologias, tanto no que tange aos riscos quanto à
necessidade de regulação faz-se presente em nível mundial, como se observará a seguir.
No cenário europeu, a Alemanha apresenta-se em destaque, quase um passo adiante
no que tange às regulações e nanotecnologias. Através de diversos organismos federais, já
houve publicação de diversos protocolos de avaliação das nanotecnologias e meio
ambiente, com o intuito de expor medidas acautelatórias, fazendo jus ao Princípios da
Precaução (ACTION PLAN NANOTECHNOLOGY 2020, 2016). No panorama nacional,
verifica-se o estudo realizado em 2015, através do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA) - onde debateram as Megatendências mundiais para 2030, com os atuais
questionamentos sobre o que as entidades e personalidades mundiais pensam sobre o
mundo – verificou-se o crescimento dos investimentos e aplicação no campo da
nanotecnologia e biotecnologia (IPEA, 2015, p. 175).
No mesmo sentido, nos Estados Unidos encontram-se diversas agências
regulatórias que desenvolvem programas com as nanotecnologias, como a NIOSH, agência
de proteção em saúde ocupacional, a qual identificou 10 tópicos críticos, para orientar na
resolução de lacunas e fornecer recomendações sobre as aplicações e implicações dos
nanomateriais nos ambientes de trabalho, dentre os quais pode-se citar a) toxicologia e dose
interna, b) avaliação de risco, c) epidemiologia e vigilância, d)controles de Engenharia e
EPI, e) métodos de medida, f) avaliação da exposição, g)segurança contra incêndio e
explosão, h)recomendações e orientações, i)comunicação e informação, e j)aplicações
(NIOSH, 2016).
Cabe destacar o acontecimento nos Estados Unidos, em 24 de março de 2015, onde
a Agência (americana) de Proteção Ambiental (EPA) concordou em regular o nanomaterial
196

de prata como um novo pesticida, resultado de uma ação judicial movida pelo Centro de
Segurança Alimentar (Center for Food Safety, que é uma organização nacional americana
de interesse público e defesa ambiental, sem fins lucrativos, trabalhando para proteger a
saúde humana e o meio ambiente, reduzir o uso de tecnologias de produção de alimentos
nocivos e à promoção de formas orgânicas e de agricultura sustentável) (EPA, 2016).
Desta maneira, latente a discussão sobre as nanotecnologias, bem como a inserção
destes novos produtos na sociedade, que já os vem consumindo ou empregando no dia-a-
dia, desconsiderando a ausência de regulação, bem como desconhecendo sobre seus
(possíveis) riscos. A nanotecnologia apresenta assim uma ambivalência, de um lado a
promessa benéfica de avanços na medicina e melhoria de desempenho dos produtos (dentre
tantos outros benefícios), e no sentido contrário, a potencialidade de riscos.
Ainda, de encontro a tantas promessas, verifica-se o potencial risco, como no estudo
apresentado nos EUA, o qual afirma existir comprovações de que nanopartículas presentes
em produtos causam danos ao meio ambiente. O estudo, conduzido pela Dra. Cyndee
Gruden, focou apenas um tipo de nanopartícula - as nanopartículas de dióxido de titânio
(TiO2) - que está sendo utilizado em cosméticos e outros produtos de beleza pessoal, na
criação de janelas autolimpantes e em produtos bactericidas. Na pesquisa, ao usar a
bactéria Escherichia coli (E. coli) como cobaia, descobriu-se a grande redução na
sobrevivência do microorganismo em amostras expostas às concentrações mínimas das
nanopartículas de titânio por períodos de menos de uma hora (INOVAÇÃO
TECNOLÓGICA, 2016). A morte da bactéria deu-se por que as nanopartículas danificam
a membrana externa dos micróbios. Fica nítida aqui a justificada preocupação a respeito
destes materiais.

Ainda, em outros trabalhos restou demonstrado que da indústria de nanotecnologia,


como nanomateriais à base de carbono, são fortes candidatos a contaminar ambientes
aquáticos, pois sua produção e eliminação têm crescido exponencialmente em poucos anos,
sem que se tenha estudos conclusivos sobre a sua efetiva interação com o meio ambiente.
Recente estudo demonstrou que o fulereno C60 diminuiu a viabilidade das células e
prejudicou a detoxificação de enzimas, evidenciando interações toxicológicas (FERREIRA
et al, 2014, p. 78). Assim sendo, inegável que como qualquer nova tecnologia, as “nanos”
também apresentam essa ambiguidade, tendo de um lado a promessa de avanços
benéficos em diversas áreas da ciência, e de outro, a presença de (futuros) danos ao meio
ambiente e vida humana.
197

Portanto, a nanotecnologia apresenta características particulares, que originam


novas demandas na sociedade, diante desta nova complexidade. É uma ciência
transdisciplinar, e de difícil explicação pelo fato desta fazer parte das ciências da
complexidade, ou seja, é uma ciência não pura como a física, a química e a matemática,
mas, sim, uma ciência heterogênea, e em seu bojo há a combinação de muitas disciplinas.
Assim, poderá haver em único produto feito com esta ciência, traços de engenharia
usando química, física, biologia, matemática, dentre outras novas ciências. E a partir desta
caracterização pode-se aferir a particularidade que envolve esta tecnologia, e em razão
disto também existe a inconsistência para conceituar e a definir. Diante da era
nanotecnológica, apresentando uma nova realidade, é possível visualizar a ampliação do
desenvolvimento de patentes com esta tecnologia. Da mesma maneira, o ponto nevrálgico
é de que forma, com a legislação tão desatualizada de propriedade intelectual, o direito
daria conta da complexidade dos novos produtos com emprego de nanotecnologia,
fomentando a inovação e ao mesmo tempo protegendo as patentes, não deixando de lado
a segurança da vida humana avalizando esta nova produção.

Torna-se clara a insuficiência do modelo jurídico clássico, onde teria a lei respostas
para os problemas sociais enfrentados e ainda se verifica a necessidade da construção de
uma ordem jurídica que responda às novas demandas da sociedade tecnocientífica.
Primeiramente deve-se observar a conjuntura das patentes em produtos nano, qual
seu crescimento e evolução, correlacionando com os países que a registram, fomentando-
a. É o que se passará a expor.

3 O CENÁRIO DAS PATENTES NANOTECNOLÓGICAS NO MUNDO: UMA


CRESCENTE REALIDADE

Com tecnologia de ponta empregada em escala nano, utilizando-se do que há de


mais moderno (e que igualmente dispende investimentos voluptuosos), observa-se o
aumento de produção nesta área, e tendo em vista que estes novos produtos e sistemas
auferem um lucro enorme às empresas que os desenvolvem, obviamente elas procurarão
a proteção das patentes para essas novidades.

Possível apontar, portanto, baseando-se no relatório recente da NPD


(NanotechnologyProductsDatabase), as estatísticas mais recentes de patentes com
nanotecnologia registrados na United StatesPatentandTrademark Office (USPTO) e na
EuropeanPatent Office (EPO), com os números de patentes protegidas e o respectivo país.
198

Primeiro, tomando como fonte a United States Patent and Trademark Office
(USTPO, 2017), verificam-se os seguintes números (limitando-se aos 10 primeiros da lista)
(NPDa, 2017), com sua respectiva evolução desde 2013. Destaque para os Estados Unidos,
que por óbvio possui avanço tecnológico muito maior que países em desenvolvimento (o
que demonstra a estatística):
Figura 1 – Nanotechnology Patents in USPTO

Na União Europeia, pelos dados da EPO (2018), observa-se este panorama sobre
as nanotecnologias (NPDb, 2018):
Figura 2

No Brasil, possível constatar um crescimento menos expressivo, mas com sua


importância, dadas as circunstâncias diferentes de um país em desenvolvimento (ao
199

contrário das maiores potências mundiais). Tomando por base os registros de 1991 a
2010, a situação que se apresentava era a seguinte (SANTANA, ALENCAR,
FERREIRA, 2013, p. 349):

Fonte: SANTANA, ALENCAR, FERREIRA, 2013

Já pelo relatório do INPI, afere-se a diversidade de produtos patenteados no Brasil,


dentre nanomateriais (com diversas aplicações), medicina/biotecnologia, cosméticos,
ambiente/energia, agricultura, têxtil, medição/Sensores, eletrônica e pesquisas espaciais.

No que tange à tipologia dos pedidos nacionais, esta é a conjuntura (INPI 2016):
Figura 3

FONTE: INPI, 2016


200

O impacto potencial da nanotecnologia na sociedade suscita debates sobre seus


aspectos éticos, legais e sociais. Muitas das questões debatidas sobre as nanotecnologias
não são novas nem exclusivas desta área de tecnologia. No entanto, ao contrário de outras
tecnologias emergentes do passado, a nanotecnologia tem o potencial de mudar
profundamente não só o nosso padrão de vida e economia mundial, como o conceito de
humanidade (SANTANA, ALENCAR, FERREIRA, 2013, p. 350).

Contudo, verifica-se o problema de uma legislação desatualizada para a


propriedade intelectual, mais precisamente sobre as patentes, o que certamente dificulta
o desenvolvimento das nanos se o movimento de regulação não for flexibilizado.
Observa-se que uma legislação estática e fechada não poderá acompanhar o movimento
dinâmico destes produtos. Somente através de diálogo entre outras normas, que dão conta
desta complexidade, realizando a verdadeira transdisciplinaridade, vislumbrar-se-á uma
alternativa para proteção destas invenções, com a efetiva proteção da patente, fornecendo
uma regulação atualizada e apta.

3.1 O acompanhamento da era nanotecnológica no movimento de


internacionalização do sistema de patentes (flexibilização?) E da propriedade
intelectual: o diálogo entre as fontes

Verifica-se na atualidade o movimento de internacionalização do sistema de


patentes, promovida pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO, 2017)
já no ano de 2001, onde se baseiam na proposta de um sistema de propriedade intelectual
mais dinâmico, principalmente quando tange às patentes, com o intuito de fomentar a
inovação tecnológica, possibilitando introduzir no mercado mais e melhores produtos, e
por fim, ainda promovendo a transferência de tecnologia (CORREA, 2007, p. 19).
Observa-se uma nova mudança durante o século XX, onde se dá ênfase a um sistema
centrado no fomento do investimento requerido para produzir e explorar as invenções
(CORREA, 2007, p. 22).

Na proposta deste movimento, é viável que a internacionalização de patentes seja


adaptável ao dinâmico fluxo das nanotecnologias, uma vez que para acompanhar tal
complexidade e novas demandas, somente uma regulação repaginada e mais flexível
poderá dar conta deste cenário, principalmente em se tratando de patentes.
Contextualizando a origem do fundamento legal, observa-se que o sistema internacional
201

de propriedade intelectual vem sendo construído principalmente com base nos seguintes
marcos legais: (i) a CUP – Convenção da União de Paris (1883); (ii) a Convenção da
União de Berna (CUB)- de 1886; (iii) O Acordo TRIPS (1994); e (iv) os TLCs(tratados
de livre comércio)regionais e bilaterais (CHAVES et al, 2007,p. 259).

Em 1893, a CUP e a CUB fundiram seus escritórios para criar o Escritório


Unificado Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual (BIRPI). Em 1970, o
BIRPIdeu origem à Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), sediada em
Genebra, Suíça.A OMPI é uma agência da Organização dasNações Unidas (ONU)
responsável pela administração de diversos acordos internacionais relacionados à
propriedade intelectual. Inicialmente ela tinha como objetivos promover, em nível
mundial, a proteção da propriedade intelectual e dar apoio administrativo às uniões
intergovernamentais estabelecidas por acordos internacionais. Embora tenha perdido
espaço, após acriação de OMC, a OMPI lida com os aspectos práticos da expansão do
sistema internacional de propriedade intelectual (CHAVES et al, 2007, p. 258).

Contemporaneamente, as nanotecnologias vêm trazendo novas demandas ao


âmbito da propriedade intelectual. O acelerado desenvolvimento das Nanociências e das
Nanotecnologias e as expectativas de exploração comercial dos seus produtos têm
contribuído para a crescenteimportância da obtenção dos direitos de propriedade
intelectual. Invenções no campo da Nanotecnologia comportam características técnicas
específicas, as quais devem ser compreendidas pelos gestores de propriedade intelectual
de instituições acadêmicas e empresas e pelo agente de propriedade industrial –
responsável pela redação do pedido de patente. Essas invenções impõem também
problemas específicos aos escritórios oficiais responsáveis pela concessão de direitos de
patentes- no caso do Brasil, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (CHAMAS,
2016, p. 5).

Tendo em vista que as legislações nacionais (e internacionais) sobre o tema não


podem formar compartimentos estanques, sob pena de comprometimento do comércio
internacional, é necessário que haja instrumentos que as compatibilize. Paraa consecução
desse objetivo, os tratados firmados por Estados e organizaçõesregionais compõem o
denominado sistema internacional de patentes (OTHON, 2007, p. 16).

Entretanto, é questionada a harmonização em âmbito internacional proposta pela


OMPI, se será efetiva, dadas as circunstâncias e impactos da inovação, e ante as
diferenças envolvendo os países industrializados e em desenvolvimento. Tal conjuntura
202

de assimetria é a tela apresentada nas estatísticas anteriormente expostas, que se


demonstram na quantidade de patentes já registradas de produtos com nano de países
industrializados e dos demais.

Realizando este questionamento, Correa discorre:

Apesar de esses objetivos serem válidos e deverem ser bem acolhidos, surgem
dúvidas sobre a possibilidade de se alcançar uma maior harmonização do
sistema de patentes num momento em que existem crescentes preocupações
sobre o seu funcionamento e seu impacto sobre a concorrência e a inovação,
especialmente no âmbito das novas tecnologias. Nesse contexto, surgem
questionamentos por parte dos países em desenvolvimento, dada a profunda
assimetria existente na distribuição das atividades de inovação no contexto
internacional e no uso do sistema de patentes (CORREA, 2007, p. 19).

Outra característica importante desta conjuntura é que as mudanças no sistema de


patentes e demais componentes do sistema de propriedade intelectual ganharam impulso
através do incremento nos custos de P&D, ante a redução do ciclo de vida útil e
globalização.Contudo, a criação e difusão de novas tecnologias – aqui viabilizando a
relação com as nanotecnologias, que dispendem um grande esforço e voluptuosos
investimentos – é que se ressaltam com papel de destaque na configuração do sistema de
patentes conforme funciona na atualidade (CORREA, 2007, p. 20).

Diante a necessária reformulação do sistema de propriedade intelectual, dando


ênfase às patentes, observou-se o debate e alterações nas regulações, a fim de dar conta
da complexidade imposta pelas novas tecnologias. É o que Correa dispõe:

A absorção, pelo sistema de patentes, dessas novas tecnologias deu lugar a


importantes debates e exigiu alterações consideráveis sob o aspecto legislativo
e administrativo, assim como a capacidade no sistema judicial para tratar de
assuntos técnicos complexos (CORREA, 2007, p. 22).

Por fim, ganha importância no sistema de patentes a questão dos critérios, e a


necessária flexibilização, presente tanto nas nanotecnologias quanto nos países em
desenvolvimento na adoção de políticas de PI. Quando se fala em nanotecnologias então,
maior a problemática, tendo em vista que estes novos mecanismos e propriedades podem
ser muito difíceis de delimitar no contexto de definição de patentes.

Entretanto, ocorre que a adoção destes critérios também pode sofrer variações, o
que dependerá da política de cada países, observando-se a realidade diversa entre os
países em desenvolvimento e industrializados. E neste ponto que se fala em flexibilização,
203

pois os países menos avançados podem preferir adotar critérios mais exigentes de
novidade e atividade inventiva, fomentando a concorrência.

Face as especificidades desta nova tecnologia e as patentes, verifica-se ainda a


preocupação dos critérios a serem adotados (mais liberais ou cautelosos) para que a
reivindicação não seja muito ampla, sob pena de inibir o mercado. Assim, propõe
Chamas:

Outro fator a ser considerado no patenteamento da Nanotecnologia, é o escopo


das reivindicações contidas no documento de patente. Patentes que contêm
reivindicações muito amplas (broadclaims) podem constituir elemento
inibidor no mercado. Tal fenômeno ocorreu durante as décadas de 80 e 90 com
as patentes biotecnológicas com reflexos ainda fortes nos dias atuais. Algumas
patentes abarcam um campo demasiadamente amplo, fornecendo um
monopólio poderoso a um só titular. Diversas empresas temem se sentir
excluídas do mercado em função da concessão de patentes contendo
reivindicações de grande amplitude. Eleva-se, a cada ano, o número de ações
judiciais que questionam a validade de muitas dessas patentes. Aumentam-se
os custos de entrada no mercado e as incertezas relacionadas aos novos
investimentos. Assim, no Brasil e no mundo, qual será a tendência de
concessão de patentes em termos de escopo de proteção para a
Nanotecnologia? As políticas de exame de patentes adotarão posições mais
cautelosas ou liberais?(CHAMAS, 2007, p. 6)

Ademais, deve-se aprofundar a discussão destas particularidades, como no sentido


de que até certo ponto, a patente é compartilhada com outras tecnologias emergentes, as
reivindicações são excessivamente amplas e pode ocorrer risco de permitir que os
detentores bloqueiem enormes áreas de tecnologia. Neste contexto, há também uma
percepção de riscode sobreposição das patentes. No que diz no respeito às condições
gerais de patenteabilidade, a questão pode surgir se a reprodução de um produto
conhecido ou estrutura em uma escala atômica satisfaz os requisitos de novidade ou
atividade inventiva. Por fim, uma questão relacionada com a anterior diz respeito à
questão de saber se os direitos de uma patente concedida a um produto sem especificação
do tamanho do produto poderiam ser considerados violados pela invenção da
nanotecnologia correspondente ou formar a base para o pedido de royalties do inventor
(TOMIOKA; LOURENÇO; FACÓ, 2010).

Portanto, fica claro que as nanotecnologias estão inseridas no contexto da


internacionalização do sistema de patentes, acompanhando o movimento de flexibilização
(ou não) adotada pela política de cada país. Observa-se tambéma flexibilização dos
critérios para alcance de patenteabilidade, principalmente em relação à proteção de
204

desenvolvimentos menores e comuns que podem ser utilizados de maneira eficaz, para
servir de obstáculos à concorrência e restringir inovação (CORREA, 2007, p. 54). Tal
flexibilização é necessária para dar conta da assimetria apresentada entre os países
desenvolvidos e os em desenvolvimento. Da mesma forma, essa adaptação cabe às
nanotecnologias, de maneira que leis fechadas e estanques não fornecerão respostas às
demandas jurídicas apresentadas, principalmente na proteção das patentes. De outra
banda, a internacionalização de patentes (e maior harmonização) deve se valer de uma
avaliação sobre o desenvolvimento, a fim de verificar se a flexibilização de políticas de
PI está compatível com cada país (tendo em vista a assimetria).

A partir da flexibilização dos critérios de patentes, observando cada país a sua


realidade, tendo em vista a assimetria entre Estados, é que será viabilizado o fomento da
inovação. Neste passo as nanotecnologias se relacionam, buscando uma certa adaptação
de normas de propriedade intelectual para alcançar resposta adequada, poisem virtude das
especificidades e complexidades dos “nanoprodutos”, não será possível através de lei ou
diretriz estanque, sob pena de impossibilitar seu desenvolvimento. Para prestar respostas
aptas às patentes em nano, apresenta-se o Diálogo entre as Fontes do Direito como
alternativa.

Somente com um movimento contínuo da revisão das leis de propriedade


intelectual, mais precisamente de patentes, viabilizará a adequação das nanotecnologias
nesta seara, sob pena de atravancar o progresso desta nova tecnologia. Cabe salientar a
iniciativa brasileira de proposta de revisão da legislação em patentes, com o fito de
fomentar a competitividade nacional (BRASIL, 2013).

Dito isto, vislumbra-se o início da revisão dos postulados tradicionais,


principalmente da propriedade intelectual, com o intuito de dar conta da nova realidade.
Nesta senda, Engelmann (2011, p. 25) leciona:

Destacar como as pesquisas e os produtos em escala nano poderão ser


exemplo de inovação tecnológica, que exigirá a revisão dos postulados
estruturais tradicionais que sustentam o Direito, especialmente o Direito da
Propriedade Intelectual: o positivismo legalista, abrindo-se o conjunto
normativo para a validação de todas as fontes do Direito, promovendo um
diálogo capaz de construir as respostas jurídicas adequadas aos novos direitos
e deveres gerados pela manipulação de átomos e moléculas na bilionésima
parte de um metro, isto é, o nanômetro.
205

Observa-se que a nanotecnologia inserida na seara da propriedade intelectual,


enquadra-se no conceito de inovação, que muitas vezes é estranho à linguagem jurídica,
pois normalmente está instalada em pressupostos tradicionais e resistentes ao novo. Neste
sentido a inovação, assentada numa base transdisciplinar de formação de conhecimento,
a qual dá abertura a outras áreas de conhecimento, é o fundamento para a adequação das
nanos e o direito, possibilitando o compartilhamento entre outras áreas da ciência
(ENGELMANN 2011, p. 33). Viabiliza-se, assim, o diálogo entre as fontes do direito.

Portanto, para que se possa operar a inovação do Direito, torna-se necessária a


abertura do jurídico à estrutura metodológica transdisciplinar, reconhecendo-
se expressamente que o Direito não está sozinho no mundo, necessitando de
outras áreas do conhecimento para gerar respostas jurídicas adequadas aos
tempos das novas (nano)tecnologias (ENGELMANN, 2011, p. 33).

No contexto de novas demandas nanotecnológicas, a fim de prestar respostas


adequadas para suas patentes e seus desdobramentos, necessário enfrentar o antigo
paradigma positivista, buscando uma flexibilização das normas fechadas, principalmente
no âmbito da propriedade intelectual, garantindo o diálogo com outras áreas do
conhecimento. É o que propõe a doutrina de Engelmann:

Assim, será possível colocar o direito na rota da construção de uma sociedade


onde o ser humano e o meio ambiente efetivamente sejam protegidos, por meio
de um conjunto normativo moderno, flexível e em condições de viabilizar a
comunicação do Direito nacional com a sua face internacional e vice-versa,
cada vez mais importante, especialmente no caso da construção dos marcos
regulatórios para as nanotecnologias. Para esse empreendimento, será de muita
valia o “diálogo entre as Fontes do Direito”, onde a disposição hierárquica e
verticalizada, ao estilo da pirâmide de Hans Kelsen, será substituída pelo
cenário onde todas as fontes do Direito passarão a ser dispostas
horizontalmente, sem hierarquia, com o papel central assegurado à
Constituição, responsável pelo filtro de constitucionalidade das respostas
jurídicas construídas. Portanto, a Constituição passará a ocupar o lugar central
na condução do diálogo entre todas as Fontes do Direito. Com essa
modificação, o Direito passará a ser representado pela pluralidade de
manifestações do jurídico, descentralizando-se a sua produção, não mais
focada no Estado e no Poder Legislativo, mas movimentado pela atividade
criativa e criadora dos juristas. Isso será fundamental para se assegurar uma
nova abordagem e contextualização dos direitos de propriedade intelectual
(ENGELMANN, 2011, p. 36).

Em outras palavras:
Ademais, o ingresso dos princípios no cenário do diálogo entre as fontes do
direito é decisivo para tal mudança, o que assim proporcionam uma
reconstrução dos contornos do “direito subjetivo”. É preciso de categorias que
forneçam o caráter dinâmico e de gênese de direitos a partir de expressões
206

vagas, que assumam e possibilitem novas posições [...]O Direito deverá ser
visto além do texto legal, irradiando a possibilidades de construção do jurídico
num cenário plural e flexível, norteados pelos princípios lastreados a partir do
ser humano, que se materializam nos direitos (dos) humanos – no plano
internacional – e nos direitos fundamentais e na dignidade humana, no plano
interno (ENGELMANN, 2014, p.356).

Como o tema da propriedade intelectual ainda está muito preso ao texto legal, urge
que se caminhe para o diálogo entre as Fontes do Direito, de maneira que esta
remodelação ocorrerá pela substituição do paradigma positivista legalista ainda muito
delimitado (ENGELMANN, 2011, p. 38). Por fim, a propriedade intelectual não poderá
ser um entrave para os espaços projetados nas novas tecnologias, cabendo a imediata
revisão e realinhamento dos marcos normativos aplicáveis, que não podem ficar à mercê
de aprovação legislativa.

Ingressa aqui a possibilidade de se trabalhar a propriedade intelectual para


além do texto da lei, abrindo-a para o diálogo entre todas as Fontes do Dirieto,
como caminhos para a construção de respostas jurídicas adequadas. É preciso
encontrar um ponto de equilíbrio que possa preservar o direito subjetivo do
criador, o acesso ao conhecimento e o favorecimento da inovação, por meio de
uma eficiência dinâmica, a ser alcançada por um conjunto normativo aberto e
flexível[...] No tocante às patentes, é preciso observar duas dimensões: a) a
duração, ou seja, a apropriabilidade: “o monopólio remunera o inventor e onera
o comprador, o tempo de vida ótimo busca o equilíbrio entre o incentivo à
criatividade e o desestímulo à disseminação”; b) amplitude: qual o limite entre
uma invenção e outra para fins de caracterização da violação? A patente à
descoberta pioneira se estende para as aplicações? Para essas questões, é
preciso observar: patentes amplas incentivam a pesquisa fundamental, e as
patentes restritas incentivam o desenvolvimento (ENGELMANN, 2011, p.
40).

Por conta disso, o diálogo ou estrutura de diversas áreas e ciências, promoverá a


inter-relação entre os atores envolvidos na geração de um novo modelo de inovação,
lastreado na produção científica, mas com foco de sustentação no Estado e no resultado
da produção industrial. A perspectiva do diálogo entre as fontes do direito são
mecanismos adequados para a produção de respostas jurídicas, fomentando-se a
pluralidade de verdades. Portanto, impõe-se lidar com a pluralidade interconectada das
fontes, em caminhos imprecisos e inseguros, com novas feições de direito subjetivos,
construídas a partir do conteúdo envolvido entre os sujeitos à luz dos princípios
constitucionais. Ainda, este conjunto será permeado pelas diversas áreas de conhecimento
– incluindo o Direito. Conforme acima ventilado, um grande número de normativas já
são encontradas em nano, produzidas por várias agências e órgãos internacionais, como
207

a National Institute for Health (NIH) dos Estados Unidos, National Science
Foudation(NSF), ISO, OECD, British Standars Institution (BSI), na união europeia a
Comissão Europeia e Parlamento Europeu, European Medicines Agency, Co-nanomet,
European Agency for Safety and Health at work, dentre outras. Essas diretrizes,
avaliações de risco e recomendações poderão ser aproveitadas para a geração de um
marco normativo interno (ENGELMANN, 2015, p.116).

Por derradeiro, nesse sentido, não há como rejeitar a ideia de uma flexibilização
dos critérios e normativas das patentes com nano (utilizando-se de outras fontes mais
atuais e adequadas para novas demandas e direitos), a fim de possibilitar respostas aptas
para o enfrentamento das complexidades nelas inseridas. O retorno do Direito à
sociedade, de forma suficiente e adequada, prestando suporte às novas demandas das
nanotecnologias e patentes, será dialogando com todas as fontes possíveis do Direito,
buscando em outras diretrizes fundamentos aptos para dar conta desta nova realidade.
Para tal empreendimento, requer-se uma maior flexibilização do sistema legal de
propriedade intelectual, e ainda se busca a superação do paradigma positivista fechado.

4 CONCLUSÃO

Presencia-se uma sociedade pós-moderna, com novos anseios e necessidades.


Uma sociedade complexa que vivencia a era nanotecnológica, que pode oferecer
extraordinárias promessas de benefícios e grandes avanços (sendo que alguns benefícios
já são realidade, desfrutados pelos consumidores, como por exemplo, no caso de
nanomateriais eficientes e mais leves, e protetores solares mais eficazes). De outra
maneira, o desenvolvimento da era nanotecnológica traz uma série de novas demandas ao
Direito, bem como o aumento de patentes nessa área. A propriedade intelectual passa pelo
movimento da Internacionalização do sistema de patentes, buscando métodos mais
eficientes e dinâmicos para concessão, com a finalidade de dar conta dos avanços das
novas tecnologias e fomentar a inovação. Dito isto, verifica-se a necessária flexibilização
dos critérios entre os países industrializados e os países em desenvolvimento, na tentativa
de solucionar a assimetria entre eles. Contudo, a harmonização que se busca não será
efetiva, pois deixará de fora os países em menor avanço. Inserindo-se neste contexto de
inovação, aparecem as nanotecnologias, que apresentam propriedades particulares, onde
a própria definição é aberta, o que dificulta na formulação de critérios para concessão (e
registro) de patentes e sua abrangência. Observando as particularidades da era nano,
208

somente a flexibilização das normas e legislações da propriedade intelectual possibilitará


o alcance de respostas aptas para auxiliar nas demandas dela oriundas.

Tendo em vista que se presencia uma série de novos direitos e demandas


originárias da complexidade da era nanotecnológica, inseridas no âmbito da
internacionalização do sistema de patentes, o Direito acaba tendo de responder à
demandas antes sequer imaginadas, o que na conjuntura atual encontrada, não está apta a
dar suporte. Desta forma, busca-se a abertura do sistema jurídico positivista, superando o
paradigma normativo fechado, para viabilizar o Diálogo entre as Fontes do Direito,
utilizando-se de todas as diretrizes e regulações diversas existentes, como da OECD,
Niosh, NIH, ISO, dentre tantas outras, e ainda tratados, Convenções, buscando uma
resposta adequada para estas questões.

Verifica-se que a flexibilização está presente tanto no movimento da


Internacionalização do sistema de patentes (na adoção de políticas de PI), quanto nas
questões das nanotecnologias e regulação, bem como ainda esta nova tecnologia interage
e insere-se na seara das patentes, dado o largo desenvolvimento industrial e
concessão/registro de patentes com ela. Portanto, com a finalidade de prestar respostas
aptas para a complexidade das patentes e nano, busca-se o Diálogo entre as fontes do
Direito, onde todas as fontes estejam colocadas de maneira vertical, reformulando a base
legislativa e superando o paradigma positivista. Encontrando um equilíbrio onde se
proteja o direito do criado e o acesso ao conhecimento, favorecendo a inovação. Por outro
lado, a transdisciplinaridade e troca de conhecimentos em todas as áreas da ciência,
favorecerão a adoção de medidas e normais atualizadas para dar conta dos novos desafios
da era nanotecnológica, bem como na resolução de critérios das patentes. Através do
diálogo entre as fontes verifica-se o reforço no pluralismo de verdades, lidando com a
pluralidade interconectada das fontes, em caminhos imprecisos, com novas feições de
direito subjetivos. O Direito na era nanotecnológica, com reflexos no sistema de patentes,
deve ser visto além do texto legal, expandindo possibilidades de construção do jurídico
num contexto flexível, pois como doutrina Engelmann, “é o momento da criatividade
para o Direito por meio da valorização da multidimensionalidade” (ENGELMANN,
2014, p. 356).
209

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