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DIREITOS HUMANOS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Caminhos para a educação

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José André da Costa
Paulo César Carbonari
Francisca Izabel da Silva Bueno
Márcia Carbonari
Organizadores/as

Virgínia Feix
Marcos Rodrigues da Silva
Joselina da Silva
Amauri Mendes Pereira
Márcia Carbonari
Edson Borges
Leandro Gaspar Scalabrin
Paulo César Carbonari
Ari Antônio dos Reis
José André da Costa
Mara Rúbia Bispo Orth
Nilva Rosin
João Alberto Wohlfart

DIREITOS HUMANOS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Caminhos para a educação

Passo Fundo
Berthier
2012

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© 2012 - Secretaria de Direitos Humanos

Produção
Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF)
Esta cartilha foi produzida no âmbito do projeto Educação Popular em Direitos Humanos
(Convênio nº 750325/2010 SDH/PR)
Coordenação Geral do Projeto: Márcia Carbonari

Parceria
Associação Cultural de Mulheres Negras de Passo Fundo (ACMUN)
Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE)

Apoio
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

Organização
José André da Costa (IFIBE/CDHPF)
Paulo César Carbonari (IFIBE/CDHPF)
Francisca Izabel da Silva Bueno (ACMUN)
Márcia Carbonari (CDHPF)

Editoração
Edição: Berthier
Projeto gráfico e Normatização: Diego Ecker
Diagramação: Rafael Hoffmann
Impressão e Acabamento: Gráfica Berthier

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
Pedidos para:
Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF)
Rua Senador Pinheiro, 350
99070-220 – PASSO FUNDO – RS
E-mail: cdhpf@cdhpf.org.br – Fone: (54) 3313 2305

D598 Direitos humanos e relações étnico-raciais : caminhos


para a educação / organizadores José André da Costa
... [et al.]. – Passo Fundo : Berthier, 2012.
100 p. : il. ; 29,7 cm.

ISBN 978-85-7912-098-5

Esta cartilha foi produzida no âmbito do projeto


Educação Popular em Direitos Humanos, com parceria da
Associação Cultural de Mulheres Negras de Passo Fundo,
Instituto Superior de Filosofia Berthier e apoio da Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República.

1. Direitos humanos. 2. Educação popular. 3. Passo


Fundo (RS) – Educação. 4. Relações étnicas. 5. Educação
multicultural. 6. Negros – Direitos fundamentais. I. Costa,
José André da, coord.

CDU: 342.7

Bibliotecária responsável Schirlei T. da Silva Vaz - CRB 10/1364

2012
Esta publicação é financiada com fundo público.
Distribuição Gratuita. Proibida a venda.
O conteúdo da publicação pode ser reproduzido para uso não-comercial por organizações da sociedade civil
e por instituições públicas desde que haja autorização das instituições promotoras, parceiras e apoiadoras.

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SUMÁRIO

Apresentação / 7

Sobre a urgência da educação para a igualdade


nas relações étnico-raciais / 9

Cultura, direitos humanos e relações étnico-raciais / 15

Algumas reflexões sobre o racismo na sociedade brasileira / 27

A Lei nº 10.639/2003 e a insustentável leveza


do pós-racismo na educação e na sociedade / 33

Gênero e raça na perspectiva da redistribuição e do reconhecimento / 41

O imperativo das ações afirmativas no Brasil / 47

Percebam, que o território não tem cor, ele é colorido, ele é multicolor... / 53

Educação, direitos humanos e sujeito de direitos / 57

Educação, religiosidade e relações étnico-raciais / 63

Diálogos sobre religiosidade, direitos humanos


e literatura no espaço prisional / 69

Reaprendendo com os afro-descendentes brasileiros / 73

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Arte e direitos humanos:
educação das relações étnico-raciais / 77

Senhor e escravo e as questões étnico-raciais / 81

Sugestões pedagógicas / 87

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APRESENTAÇÃO

O Caderno Direitos Humanos e Relações O exercício de aproximação da edu-


Étnico-Raciais: Caminhos para a Educação cação em direitos humanos e a educação
reúne reflexões de educadores e educado- das relações étnico-raciais é profundamente
ras que atuaram no Curso que tratou de oportuno, primeiro, porque, trata-se da pro-
aproximar a educação em direitos humanos moção do direito humano à igualdade, por
e a educação das relações étnico-raciais. um lado, é à não discriminação, por outro;
O Curso foi promovido pela Comissão de segundo, porque a educação em direitos
Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF) humanos se insere no conjunto das iniciati-
em parceria com a Associação Cultural de vas educativas, entre as quais a educação
Mulheres Negras de Passo Fundo (ACMUN) das relações étnico-raciais, como forma de
e o Instituto Superior de Filosofia Berthier promover os direitos humanos nos processos
(IFIBE) e contou com apoio da Secretaria educativos diversos; terceiro, porque as
de Direitos Humanos da Presidência da exigências assumidas pelos compromissos
República. de políticas caminham no sentido de efeti-
Os textos que compõem esta obra cole- var ações para a implementação do previs-
tiva pretendem ser paradidáticos. Seu enfo- to na Lei nº 10.639/2003 e as Diretrizes
que está na educação em direitos humanos emanadas a partir dela pelo Conselho Na-
e na educação das relações étnico-raciais. cional de Educação, assim como o previs-
A sistematização de saberes e práticas que to no Programa Nacional de Direitos Hu-
estabelecem relação entre direitos humanos, manos (PNDH-3) e no Plano Nacional de
educação popular e luta pelo direito huma- Educação em Direitos Humanos (PNEDH) e
no à igualdade e diversidade visa servir de também as diretrizes recentemente emana-
referência para a continuidade do trabalho das pelo Conselho Nacional de Educação
político organizativo e a atuação das lide- para a implantação da educação em direi-
ranças sociais e que atuam na educação tos humanos em todo o País. Assim, esta pu-
básica. blicação dá uma contribuição no sentido de
aproximar duas estratégias de ação educa-

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tiva que são complementares e que somente Desejamos que este material alcance
fazem sentido se estiverem profundamente sua finalidade traduzindo-se em ações edu-
articuladas. cativas capazes de produzir transformações
A obra se destina a lideranças populares no cotidiano da vida das crianças, dos ado-
e educadores da educação básica como sub- lescentes e dos jovens, enfim, com todas as
sídio para a promoção de ações educativas pessoas com as quais forem realizadas.
e de organização popular. Por isso conta O que aqui é oferecido faz sentido se for
com vários textos elaborados com o intui- transforado em práticas de vivência dos di-
to de subsidiar a reflexão criativa dos/as reitos humanos em relações étnico-raciais
educadores/as a fim de que traduzam seu não discriminatórias e promotoras da igual-
conteúdo em novas práticas pedagógicas dade na diversidade.
nos espaços onde atuam. Também contém
uma lista de referências de materiais de Passo Fundo, abril de 2012.
subsídio didático que poderão facilmente
ser acessados pelos/as educadores/as de
forma a, desta maneira, contar com apoios José André da Costa
concretos para o desenvolvimento de ações Paulo César Carbonari
educativas em direitos humanos e que se- Francisca Izabel da Silva Bueno
jam capazes de promover a igualdade das Márcia Carbonari
relações étnico-raciais sempre com profun-
do respeito à diversidade.

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SOBRE A URGÊNCIA DA
EDUCAÇÃO PARA A IGUALDADE NAS
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Virgínia Feix*

A afirmação moderna do indivíduo como de turbulência que geraria os processos de


sujeito universal de direitos valeu-se da ausên- transformação social. As lutas dos trabalha-
cia de reconhecimento da diversidade social dores promoveram a alteração do modelo
e, portanto, de um sujeito contextualizado, liberal de Estado, exigindo a sua interven-
histórico, com necessidades específicas. Isso ção em favor dos setores estatisticamente
se deu para sustentar o mito liberal de que revelados como desfavorecidos, marginali-
por sermos todos racionais, somos todos zados do processo de desenvolvimento so-
livres e iguais, o que possibilitou a idea- cial e econômico.
lização de um Estado neutro e não inter- Neste período, o pensamento de Sigmund
ventor. Assim, na dicotomia estado-público Freud contribuiu para sustentar as necessida-
e mercado-privado, sob o manto da legali- des de mudança. A descoberta do incons-
dade possibilitou-se que este último fosse o ciente, como uma terceira dimensão do ser
campo da estruturação e consolidação da humano, antes reduzido apenas a corpo e
condição de desigualdade e acumulação mente, foi determinante para reconhecer a
de privilégios. singularidade de cada pessoa e a exigência
O século XX iniciou pela oposição à
de um olhar específico do Estado e das polí-
subordinação do trabalho ao capital e da
ticas públicas para um sujeito em concreto,
sociedade ao indivíduo, indicando a gran-
dotado de necessidades específicas. Também
* Mestre em Direito Público, especialista em Socio-
este pensamento forjou a necessidade de pro-
logia Jurídica e Direitos Humanos, com formação teção da dignidade humana, ampliação da
em Direito Internacional dos Direitos Humanos concepção do que são direitos humanos e
pelas universidades americanas de Columbia e quem são os seus titulares.
Rutgers; professora de Direito, coordenadora da
É, então, na segunda metade do século
Cátedra de Direitos Humanos do Centro Universi-
tário Metodista do IPA; fundadora e ex-coordena- XX que se fortalecem as bandeiras dos seg-
dora da THEMIS; ex-coordenadora nacional do mentos específicos e excluídos do processo
CLADEM/BR Comitê Latino Americano e do Cari- de desenvolvimento econômico então vigente:
be para Defesa dos Direitos da Mulher.

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as mulheres, crianças e adolescentes, idosos, dos países com renda per capita similar à bra-
minorias étnico-raciais, os homossexuais, as sileira, onde a pobreza fica em torno de 10%
pessoas com necessidades especiais, entre da população.2
outros. A partir da criação da ONU (Orga- Contudo, sobre a realidade brasileira
nização das Nações Unidas) e da promul- é preciso destacar que a pobreza tem cor.
gação da Declaração Universal de Direitos Os dados resultantes das pesquisas revelam
Humanos, estrutura-se um sistema interna- que de cada R$ 4,00 de rendimento produ-
cional de proteção aos direitos humanos, zido no Brasil, R$ 3,00 são recebidos por
fundado em um acordo universal sobre um pessoas brancas. Os brancos detêm 74%
da renda nacional. O homem branco recebe
padrão de tratamento e de respeito ao ser
50%, a mulher branca, 24,1%, o homem
humano.
negro, 17,7%, a mulher negra, 8,1%.
Paralelamente, as pesquisas e os estu-
Entre os 10% mais pobres (que detém
dos acadêmicos levaram a novas formula-
1,2% da renda) 60,9% são negros e 39,1%
ções quanto às causas geradoras das desi- são brancos. Entre os 10% mais ricos, com
gualdades nas sociedades. 49,2% da renda, 82,2% são brancos e
Neste contexto, as categorias “gênero” e 1,5% são negros. A análise desconsiderou
“direitos humanos” começam a ser utilizadas a situação indígena e amarelos porque so-
como ferramentas de análise das relações so- mados são menos de 1% da população. Os
ciais, indicando como a hierarquização das negros são 49%.
diferenças, fundadas em valores culturais, Todos os outros indicadores sociais:
revelam-se no seio de uma sociedade, ge- expectativa de vida, desemprego, alfabeti-
rando desigualdades (SCOTT, 1995). Estas zação, nível de escolaridade, água, ilumi-
semeiam terreno fértil para o surgimento da nação, esgoto, etc. colocam os negros em
violência e todas as formas de discrimina- situação pelo menos duas vezes inferior a
ção, em todas as esferas de participação da dos brancos brasileiros.
vida em sociedade, principalmente quando Conforme o economista Amartya Sen
a pessoa é mulher, pertence a uma minoria (2000), igualdade é pré-condição para o
étnico-racial (como os negros no Brasil),1 e desenvolvimento econômico e social de uma
a uma classe social desfavorecida. 2 Situação social do Brasil: POPULAÇÃO: Brasil tem
Dados divulgados pelo Programa das 169.799.170 habitantes. Fonte: IBGE – Censo
2000. RENDA PER CAPITA: A renda per capita
Nações Unidas para o Desenvolvimento
do brasileiro em 2001 foi de R$ 6.873,00. Fonte:
(PNUD) no Relatório do Desenvolvimento Hu- IBGE CONCENTRAÇÃO RENDA: 10% mais ricos
mano revelam que o Brasil encontra-se entre o detém 46,8% da renda, enquanto 20% dos mais
terço mais rico dos países do mundo. Ocorre pobres detém apenas 3,6%. Fonte: World Bank-
-World Development Report e IBGE-Pesquisa Nacio-
que, contraditoriamente, o grau de pobreza
nal por Amostra de Domicílio. ÍNDICE DE DESEN-
no Brasil, que atinge cerca de 30% da popu- VOLVIMENTO HUMANO (IDH): Brasil: 75º lugar
lação, é significativamente superior à média entre 182 países. ESCOLARIDADE :16,29 milhões
de brasileiros acima de 15 anos que não conse-
guem ler nem escrever; um terço dos domicílios bra-
1 A expressão minorias é utilizada no sentido de sileiros é comandado por um analfabeto funcional
representar grupos ou setores vulneráveis da po- (alguém que sabe ler e escrever, mas não conse-
pulação, ou seja, com dificuldade de acesso e gue compreender um texto). No Nordeste, eles são
exercício dos direitos fundamentais. Não tem, ne- 54,4%; no Sul, 25,6%. Em todo o país, ainda há
cessariamente, uma conotação numérica ou de 8 milhões de famílias comandadas por pessoas to-
ordem de grandeza. talmente analfabetas. Fonte: IBGE - Censo 2000.

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nação. Partindo do suposto de que não há e poder público), o compromisso com um


desenvolvimento sem liberdade, os agentes mesmo projeto de sociedade; fundado na
sociais precisam de igualdade de oportuni- dignidade humana e na participação no
dades e tratamento igual pelo Estado, duas processo decisório sobre o desenvolvimen-
condições para que possam viver livres de to, por todas as pessoas nele implicadas.
discriminações e reconhecidos como iguais Neste contexto, levando ainda em con-
por parte do conjunto da sociedade. São es- sideração que o Brasil é o segundo país
tas também as condições para participação negro do mundo, antecedido apenas pela
nos processos decisórios, hoje reconhecida Nigéria, podemos afirmar que grande parte
como requisito para o desenvolvimento; in- da tarefa dos educadores em direitos huma-
clusive pelas agências multilaterais de finan- nos no Brasil é representada pela necessi-
ciamento para o desenvolvimento, como dade de educar para a igualdade nas rela-
Banco Mundial e Banco Interamericano de ções étnico-raciais.
Desenvolvimento (BID). Tal participação não A partir da redemocratização da socie-
pode ser viabilizada sem democracia e, por- dade e do Estado brasileiro, a realidade
tanto, sem respeito aos direitos humanos. estrutural comprovada pelos dados acima
A obra do economista indiano Amartya
colacionados, passou a exigir o enfrenta-
Sen é um novo paradigma para se pensar o
mento do mito da democracia racial.
desenvolvimento centrado não mais nas fór-
A organização e mobilização do mo-
mulas de crescimento econômico, mas no
vimento negro tomou proporções visíveis
ser humano, considerado como seu principal
para o governo e para o conjunto da socie-
agente. O IDH (Índice de Desenvolvimento Hu-
dade quando da preparação da participa-
mano) foi por ele criado, na década de 90.
ção brasileira na Conferência Internacional
Ao contrário de índices de desenvolvimento
sobre o Racismo, a Discriminação Racial,
anteriores, em que se mensurava apenas o
a Xenofobia e a Discriminação Correlata,
produto interno bruto e a riqueza acumulada,
que ocorreu em Durban, África do Sul, em
Sen incluiu a lógica da qualidade de vida
2001. Era um momento especialmente fa-
(educação, saúde, renda) como elemento
vorável para arrancar da inércia o “gigan-
fundamental para compreensão do desenvol-
te pela própria natureza” e comprometer
vimento. Este dado desmascara economias
representantes do Estado brasileiro com
como a brasileira, que possui um dos Produ-
os compromissos internacionalmente assu-
tos Internos Brutos mais elevados do mundo,
midos desde a ratificação da Convenção
em contraste com um IDHs bastante baixo.
para Eliminação de Todas as Formas de
Educar em direitos humanos é formar
Discriminação Racial, em 1968.
cidadãos e cidadãs para a realização de
um novo modelo de desenvolvimento em Instrumentalizados pelo marco legal na-
todas as regiões do Brasil, promovendo a cional, as organizações do movimento ne-
igualdade (de gênero, raça e etnia, classe gro passaram a utilizar o direito como ins-
social, entre outras diferenças) e os valores trumento de transformação social. Algumas
de respeito à pessoa e à natureza. É educar das Leis utilizadas devem ser mencionadas
uma nova geração de cidadãos e cidadãs a título de informação.
para implementação dos artigos 1º e 3º da A lei 7.716/89 que regula o artigo
Constituição Federal, que impõem a toda a 50. da Constituição Federal e institui o Cri-
comunidade política (pessoas e segmentos me de Racismo e a Lei 10.639/2003 Obri-
organizados da sociedade civil, empresas gatoriedade de inclusão História da Arte e

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da Cultura Afro-Brasileira no currículo esco- mativos que devem ser cumpridos pelas ins-
lar das escolas públicas e particulares de tituições de ensino superior. Tais requisitos
educação básica. são referentes às diretrizes curriculares na-
O Parecer 03/2204, de 2004 que apro- cionais e deverão ser respondidos através
va o projeto de resolução das diretrizes cur- da seguinte questão: a educação das Rela-
riculares nacionais para educação das rela- ções Étnico-Raciais, bem como o tratamento
ções étnico-raciais e para o ensino de história de questões e temáticas que dizem respeito
e cultura Afro-brasileira e Africana. aos afrodescendentes estão inclusas nas dis-
A Resolução 01 de 2004 do Conselho ciplinas e atividades curriculares do curso?
Nacional de Educação institui as diretrizes Certamente a resposta positiva às no-
curriculares nacionais para educação das vas exigências da educação nacional co-
relações étnico-raciais e para o ensino de bra o enfrentamento do desafio de educar
história e cultura Afro-brasileira e Africana, para igualdade das relações étnico-raciais,
diz o seguinte: a partir de um grande processo de alfabe-
tização política em relação a conceitos que
Art. 2° As Diretrizes Curriculares Na-
afetam a vida, as relações sociais e o aces-
cionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de Histó- so à justiça do povo negro no Brasil de hoje.
ria e Cultura Afro-Brasileira e Africanas Conforme Gomes e Munanga (2006) será
constituem-se de orientações, princípios que sabemos sobre o que estamos falando
e fundamentos para o planejamento, quando ouvimos, falamos ou refletimos so-
execução e avaliação da Educação,
bre conceitos como racismo,3 etnocentrismo,4
e têm por meta, promover a educação
de cidadãos atuantes e conscientes no
seio da sociedade multicultural e plu-
riétnica do Brasil, buscando relações
étnico-sociais positivas, rumo à cons-
trução de nação democrática. 3 RACISMO: É um comportamento, uma ação resul-
§ 1° A Educação das Relações Étnico- tante da aversão, por vezes do ódio, em relação
-Raciais tem por objetivo a divulgação a pessoas que possuem um pertencimento racial
e produção de conhecimentos, bem observável por meio de sinais, tais como cor da
como de atitudes, posturas e valores pele, tipo de cabelo, formato do olho, etc. Ele é
que eduquem cidadãos quanto à plu- resultado da crença de que existem raças ou tipos
ralidade étnico-racial, tornando-os ca- humanos superiores e inferiores, a qual se tenta
pazes de interagir e de negociar obje- impor como verdade Exemplo disso são as teorias
tivos comuns, que garantam, a todos, raciais que serviram para justificar a escravidão, o
respeito aos direitos legais e valoriza- nazismo, a exclusão dos negros e a discriminação
ção de identidade, na busca da conso- racial (GOMES; MUNANGA, 2006, p. 179-180).
4 ETNOCENTRISMO: Acredita que os valores pró-
lidação da democracia brasileira.
prios de uma sociedade ou cultura particular de-
vam ser considerados como universais, válidos
Segundo recente Instrução do Ministério para todas as outras. Diferencia-se do racismo.
da Educação, através do Instituto Nacional O etnocêntrico acredita que seus valores e cultura
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio são os mais corretos, melhores e isso lhe é sufi-
ciente. Não alimenta necessariamente o desejo de
Teixeira (INEP), Sistema Nacional de Avalia-
aniquilar e destruir o ouro, mas, sim, de evitá-lo ou
ção da Educação Superior (Sinaes), datado até mesmo transformá-lo ou convertê-lo, pois car-
de dezembro de 2011, que orienta Avalia- rega a idéia da recusa da diferença e cultiva sen-
ção dos Cursos de Graduação presencial e timento de desconfiança em relação ao outro visto
como diferente, estranho ou até como inimigo em
à distância; existem requisitos legais e nor-
potencial (GOMES; MUNANGA, 2006, p. 181).

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preconceito racial,5 discriminação racial6 e racista, apontamos a recente vitória repre-


ações afirmativas7? sentada pelo reconhecimento da constitucio-
Ao final, considerando a não ignorada nalidade das cotas raciais nas universidades,
auto-imagem idílica e atrasada que afasta pelo Supremo Tribunal Federal, em abril de
a maioria esmagadora da população de re- 2012, como um marco da transformação
fletir e questionar sua consciência e prática das instituições e dos corações dos brasi-
leiros. E, assim, com mais amplitude ainda,
5 PRECONCEITO RACIAL: É um julgamento negati- apontamos as Ações Afirmativas, em geral,
vo e prévio que os membros de uma raça ou etnia,
de um grupo, de uma religião ou mesmo indiví-
como instrumento político-jurídico para im-
duos, constroem em relação ao outro. Esse julga- plementação do projeto constitucional de
mento prévio apresenta como característica a in- justiça social e democracia e progressiva
flexibilidade, pois tende a ser mantido a qualquer recuperação do déficit na promoção do
custo, sem levar em conta os fatos que o contestam
acesso aos bens e riquezas produzidos so-
(GOMES; MUNANGA, 2006, p. 181-182).
6 DISCRIMINAÇÃO RACIAL: A palavra discriminar
cialmente, pela população afro-brasileira.
significa distinguir, diferenciar, discernir. A dis-
criminação racial pode ser considerada como a
prática do racismo e a efetivação do preconcei- Referências bibliográficas
to (GOMES; MUNANGA, 2006, p. 184). Con-
ceito (conforme Convenção Internacional sobre
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Eliminação de Todas as Formas de Discrimina-
ção Racial ratificada pelo Brasil em 1968) “é
Constitucional. 20. ed. São Paulo: Malheiros,
qualquer distinção, exclusão, restrição ou prefe- 2007.
rência baseada na raça, cor, descendência ou
BRASIL. CNEDH. Plano Nacional de
origem nacional ou étnica que tenha o propósito
Educação em Direitos Humanos. Disponível
ou o efeito de anular ou prejudicar o reconheci-
mento, gozo ou exercício em pé de igualdade de em: <www.mj.gov.br>.
direitos humanos e liberdades fundamentais nos
BRASIL. Constituição. Brasília: Senado
campos político, econômico, social, cultural ou
Federal, 1988.
em qualquer outro campo da vida pública”.
7 AÇÕES AFIRMATIVAS: “Consistem em políticas GOMES, Nilma Lino; KABENGELE,
públicas (e também privadas) voltadas à concre- Munanga. O negro no Brasil de Hoje.
tização do princípio constitucional da igualdade
São Paulo: Global, 2006.
material e à neutralização dos efeitos da discri-
minação racial, de gênero, de idade, de origem INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
nacional e de compleição física” (Joaquim B. ESTATÍSTICA. Site. Disponível em: <www.
Barbosa Gomes). Tem como objetivo destinar ibge.gov.br>
tratamento diferencial (temporário) a um grupo
historicamente discriminado, isto é, um tratamento PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos
preferencial e favorável, de sorte a colocá-los em humanos. São Paulo: Max Limonad, 1998.
um nível de competição similar ao daqueles que,
ao longo dos tempos, se beneficiaram de sua PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS
exclusão. As COTAS RACIAIS são uma modali- PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO.
dade de Ação Afirmativa. Existem outras: Siste- Disponível em: <www.pnud.org.br>.
mas de bônus e incentivos fiscais; Imposição de
condições nos contratos de licitação; Programas SADER, Emir. Contexto histórico e edu-
de orientação sexual de jovens; Programas de cação em direitos humanos no Brasil: da
amparo à terceira idade; Sistemas de preferência ditadura à atualidade. In: GODOY SILVEIRA,
em locais públicos e privados para deficientes fí- M. Educação em direitos humanos: funda-
sicos, idosos, gestantes, etc.; Reserva de quotas à mentos teórico-metodológicos. João Pessoa:
grupos minoritários nas universidades, cargos e UFPB, 2007.
funções públicas, etc.

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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos


direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2003.
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de
análise histórica. Educação e Realidade.
p. 71-99, jul./dez. 1995.
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento
como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
VIOLA, Sólon. Direitos humanos no Brasil:
abrindo portas sob neblina. In: GODOY
SILVEIRA, M. Educação em direitos humanos:
fundamentos teórico-metodológicos. João
Pessoa: UFPB, 2007.

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CULTURA, DIREITOS HUMANOS E
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Marcos Rodrigues da Silva*

Neste ensaio não pretendemos contra- ça no progresso e na razão, pelo desafio à


por os conceitos de epistemologia ou teoria tradição e à autoridade e pelo incentivo à
do conhecimento como a crítica, estudo ou liberdade de pensamento.
tratado do conhecimento da ciência, ou ain- • Paradigma cristão – modelo de expli-
da, o estudo filosófico da origem, natureza cação da escravidão vigente nos séculos XV
e limites do conhecimento. Nem mesmo, e XVI, na Europa, que afirmava que as di-
ser signatários dos registros, que remetem ferenças entre senhores e escravos eram de-
vidas ao fato dos últimos terem sido vítimas
a origem da “epistemologia” em Platão ao
de uma maldição imputada ao seu ancestral,
tratar o conhecimento como “crença verda-
Cam. Por serem descendentes de Cam, que
deira e justificada”.
cometeu o pecado de ver seu pai Noé nu e
Quando procuramos, ao longo da his-
embriagado, foi condenado à servidão per-
tória vivida pelo povo negro na diáspora
pétua.
afro-brasileira, deparamos com uma agen- • Até o século XVIII, predominava o pa-
da de acontecimentos que é significativo radigma monogenista de interpretação das
para este inicio de leitura. Vejamos: diferenças entre os homens. Com Jean-Jac-
• Teremos a influência marcante do Ilu- ques Rousseau (1712-1778), temos a afirma-
minismo – movimento social e filosófico com- ção da igualdade natural entre os homens e
preendido entre o período da Revolução criação do mito do “bom selvagem”, ideia
Inglesa (1688) e da Revolução Francesa segundo a qual os povos “selvagens” são na-
(1789) que se caracterizava pela confian- turalmente bons, não corrompidos pela vida
em sociedade. Predomina a crença na per-
* Doutorando em Ciências da Religião – PUC/SP.
fectibilidade humana, capacidade que os ho-
Mestre em Teologia – FNSA/SP. Professor da
FURB (Blumenau) e UNIASSELVI (Brusque). Coor- mens têm de progredir de um estágio menos
denador da Comissão de Teologia Negra da Ecu- avançado a um mais avançado.
menical Association of Third World Theologians – • Diferentes estágios em que se encon-
EATWOT e Membro do Grupo de Pesquisa Ethos,
Alteridade e Desenvolvimento – GPEAD/FURB. travam no seu processo evolutivo.

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• A partir do século XVIII, os compor- 1992; STEIMBERG, 2001), tem servido tan-
tamentos humanos deixaram de ter uma ex- to para encorajar assimilação, como para
plicação teológica para adquirirem uma ex- propor diálogo aberto entre culturas.
plicação científica: – Racismo científico – os Devemos considerar a reflexão da Prof.
tipos são permanentes e cada um se adapta Dra. Petronilha Beatriz
a determinada região da terra. A miscige-
nação causaria a esterilidade e a degene- A nação brasileira se projetou branca
ração. Os indivíduos pertencentes a um conforme mostram proposições e ar-
gumentos de Romero (1943) e Vianna
determinado tipo racial mostrariam um an-
(1938); por isto, explica Seyffert (2002,
tagonismo inato em relação a indivíduos p. 37), a migração européia teve entre
de outros tipos: – 1. subdivisão de uma es- seus objetivos “o clareamento da popu-
pécie sexual com todos os atributos das es- lação (que também significa ocidentali-
pécies, exceto pelo isolamento reprodutivo zação), supondo-se que, num processo
ser parcial; – 2. Espécie – desenvolvida ou histórico de mestiçagem fossem prevale-
cer as características da ‘raça branca’”
em desenvolvimento, população reproduti- (SILVA, 1993, 2002; 2004).
vamente isolada, geneticamente distinta; –
3. Tipo – pessoa ou coisa que representa Nossa premissa parte de um olhar re-
as qualidades características de uma clas-
flexivo à ciência e tecnologia a partir das
se; um espécime representativo; – 4. Na
contribuições, que advém de histórias vivi-
década de 30 do século XX, o conceito
das pelo povo africano e na diáspora afri-
de tipo racial foi substituído pelo de popu-
cana no Brasil, na sua forma particular de
lação, que em vez de ser estudada tipolo-
ser, saber e estar em meio às adversidades
gicamente, era estatisticamente estudada.
milenares, recolhendo de sua aljava saberes
Neste momento, observa-se a recusa ao
a lhes abrir caminhos, transpor barreiras,
conceito de raça e às suas referências ao
perscrutar horizontes e (re)criar sempre de
fenótipo e uma maior ênfase é dada ao
novo, céus e terras em movimentos de con-
conceito de cultura.
vergência para e na esteira de suas crenças.
A problemática da diversidade no Brasil,
embora apareça nas discussões educacionais Mas, Petronilha nos adverte que:
nos anos 1990, é antiga, acompanha a his-
A sociedade brasileira sempre foi mul-
tória de lutas por inserção cidadã na socie- ticultural, desde os 1500, data que se
dade, empreendidas por indígenas, negros, convencionou indicar como de início da
sem-terra, empobrecidos, outros marginali- organização social e política em que vi-
zados pela sociedade (SILVA, 1993, 2002; vemos. Esteve sempre formada por gru-
2004). pos étnico-raciais distintos, com cultura,
língua e organização social peculiares,
O Brasil, como outras sociedades oci- como é o caso dos povos indígenas
dentais se descobre multicultural quando que por aqui viviam quando da che-
os oprimidos, que alguns designam como gada dos portugueses e de outros po-
“minorias inúteis”, reagem. O multiculturalis- vos vindos da Europa (SILVA, 1993,
2002; 2004).
mo seja como movimento artístico, seja como
ações políticas nas ruas (GONÇALVES; SILVA,
No bojo desta travessia temos um le-
2006) surge como reação contra a ideologia
gado de conhecimentos e habilidades que
da assimilação (DEEKKER; LEMMER, 1993);
está presente no ser do homem e da mulher
muito mais tarde chega ao pensamento e ini- africano, como reafirma Silva: “Também os
ciativas educacionais (GONÇALVES; SILVA, escravizados, trazidos compulsoriamente
2006). E como bem o mostram (WINTER, para cá, provinham de diferentes nações

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e culturas africanas conhecidas por pen- ram a descendência dessa grande parcela
samentos, tecnologias, conhecimentos, in- que representa a africanidade brasileira?
clusive acadêmicos, valiosos para toda a Onde localizar meus ancestrais, parentes ou
humanidade” (SILVA, 1993, 2002; 2004). linhagem e descendência que vêm fortale-
Mas, também recorda Silva, cendo as práticas desses grupos na forma-
ção da sociedade brasileira? Ao pensar a
No entanto, esta diversidade não foi e formação da africanidade brasileira, faz-se
hoje o é, com muita dificuldade, acei- necessário considerar também as análises
ta. Fala-se e pensa-se como se a reali- de estudiosos africanos e brasileiros, assim
dade fosse meramente uma construção
intelectual; como se as desigualdades
como de outros (OLIVER, 1994; GIORDANI,
e discriminações, malgrado as denún- 1993), sobre a historicidade socioeconômi-
cias e reivindicações de ações e movi- ca e cultural do continente africano, que hoje
mentos sociais não passassem de mera se encontra numa conjuntura marcada pela
insatisfação de descontentes (SILVA, obscuridade, em um cenário globalizado. Tal
1993, 2002; 2004).
realidade é conseqüência de três grandes e
violentos conflitos, que extrapolaram sécu-
A ascendência e a descendência afri- los: o tráfico negreiro (séculos XV-XVIII); a
canas estão presentes de forma expressiva colonização europeia (séculos XVI-XIX); e o
na vida da população brasileira. Esse fator processo de independência dos Estados afri-
é um dos que tornam o Brasil o segundo canos (meados do século XX).
maior país do mundo com representação Para melhor compreensão do fenômeno
populacional negra, ficando atrás somente tráfico negreiro e de seu significado para as
da Nigéria. São aproximadamente 60 mi- populações africanas submetidas à diáspo-
lhões de brasileiros que possuem uma rela- ra, assim como para aquelas que ficaram
ção de parentesco com a África. no continente, consideramos imprescindí-
Diante da diversidade pluricultural pre- vel o reconhecimento de como era a África
sente no continente africano, podemos inda- antes do século XV, quando da chegada
gar: quais as origens culturais que influencia- dos primeiros europeus.

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De onde viemos? A história da com- trional.Sete dessas cidades eram habitadas


posição dos grupos populacionais que for- sobretudo por haússas e sete outras eram
mam a parte ocidental da África é impor- constituídas por vizinhos próximos 28 Re-
tante no reconhecimento e na valorização flexos da diáspora africana no Brasil dos
das comunidades afro-brasileiras. haússas. A maior parte delas surgiu pouco
Conhecer a história dos grandes reina- depois do ano 100 d.C. como pequenos
dos africanos é fundamental para entender povoados, cada um rodeado por uma pa-
a origem e a força desse povo, tanto lá, liçada defensiva. Essas povoações com o
como aqui, na diáspora negra. Convenien- tempo ascenderam a fortes cidades que do-
te se faz conhecer a arte, os ritos, os mitos, minavam os campos circundantes.
as línguas, as características geográficas Esses são ambientes que merecem uma
e econômicas. Enfim, as relações que edi- atenção pontual pelo fato de serem espa-
ficam a cultura de cada reino são elemen- ços territoriais onde estão as raízes étnicas.
tos indispensáveis para a compreensão e o O Reino do Mali (séculos XII-XIV) é outro
resgate da identidade do povo africano. importante local reconhecido por sua rique-
Em particular, no reconhecimento da cultu- za e pela exuberante corte imperial, que
ra africana na diáspora em solo brasileiro. manifestava sua pompa com ouro, camelos
Do leste ao oeste do grande continente e lindas mulheres. Os limites do Reino Mali
africano destacam-se, no século X, os gran- compreendiam uma vasta região de explo-
des reinos e suas cidades-Estados, fundados ração de salinas (Taghasa) ao sul do Saara,
pelas mãos de grandes chefes, que pos- interligada com as minas de ouro no ex-
suíam habilidades na arte de ferreiros, ou tremo sul da savana, ou seja, na região
na caça, e eram reconhecidos como hábeis setentrional da zona florestal. Na região
guerreiros. Esse é o caso do Reino do Congo, oeste, estende-se até o Atlântico e, a leste,
considerado um dos maiores Estados afri- alcança as usinas de mineração de cobre
canos ao sul do Saara. Entre o Kwango e (Takeda). Outra característica desse Reino
o Atlântico, na parte do litoral situada en- Mali é sua tradição islâmica, que estimula-
tre o estuário do Congo e o Benguela, ao va o espírito de conquista sobre os peque-
Sul, e no interior do território, há toda uma nos circunvizinhos.
proliferação de pequenas hegemonias: ao O povo negro do Níger atual, ou do
Norte do estuário, o Loango, o Kakongo, Império Songhay (séc. XV-XVI), destaca-se
o Ngoyo; ao Sul, o Mbata, o Mbamba, o na arte da pesca, na habilidade no cultivo
Mpemba, o Nsundi, o Mpangu e o Sonyo; da agricultura de subsistência e no pasto-
ao Sul do rio Kwanza, o Ndongo, cujo so- reio. Sua lógica de vida estava estreitamen-
berano era o Ngolo (origem do nome por- te ligada aos rios que cortavam suas terras,
tuguês de Angola). E no centro de tudo isto, que possibilitavam ligações estreitas com o
o reino (se é que se pode empregar este ter- mundo árabe e com os princípios das tradi-
mo) do Congo (GIORDANI, 1993, p. 101). ções religiosas islamizadas.
Segundo Davidson (apud GIORDANI, Suas terras coletaram um tradicional
1993, p. 111), a origem dos estados dos acervo literário. Nesses séculos, na cida-
haússas (séculos VII-X) é a seguinte: Entre de de Tombuctu, havia uma grande biblio-
Kanem-Bornu e Songhai ficavam as cida- teca, onde se realizavam pesquisas sobre
des-Estados do povo haússa, onde é hoje a textos dos mais longínquos territórios do
parte central e ocidental da Nigéria seten- Oriente, bem como sobre produções lite-

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rárias dos sábios e filósofos da África. Po- la a Namíbia. Então, no século XV, chega-
rém, esse acervo foi queimado numa das ram os xosos e, em seguida, os bexuanos,
guerras santas do Islã. pondos, swasi, basutos. A relação desses
O povo iorubá, com presença marcan- povos com o mundo árabe se estabeleceu
te na região do Nordeste brasileiro, contri- numa rota de comércio forte e constante,
buiu no processo da conscientização políti- nas terras férteis do sudeste subsaariano,
ca, na estruturação de um novo modelo de ou, ainda, nas proximidades do lago do
sociedade e na permanência das religiões Tchad. Destacam-se como uma população
tradicionais africanas. Ao buscar as origens guardiã de uma riqueza econômica vin-
desse povo na África, vamos saber que: culada à exploração do ouro, à caça de
O povo dos yorubas é o único povo elefantes (marfim) e à arte dos ferreiros.
negro que tendeu espontaneamente para O termo “banto” aplica-se a uma civi-
aglomerar-se em grandes cidades, o único lização que conserva a sua unidade e foi
cuja realização política teve uma base ur- desenvolvida por povos de raça negra. O
bana. Ibadan é a primeira grande cidade radical “ntu”, comum a muitas línguas ban-
negra do continente. to, significa “homem, pessoas humanas”.
O prefixo “ba” forma o plural da palavra
Discute-se a origem dos iorubas. Certo
“Muntu” (pessoa). Portanto, “Banto” signifi-
é que constituem uma mistura de diferentes
ca seres humanos, pessoas, homens, povo
grupos e que alguns dos seus antepassados
(ALTUNA, 1985, p. 17).
viviam, sem dúvida, na terra dos iorubas,
Desse modo, podemos perceber que as
uma região florestal vasta e fértil a Oeste
heranças dos povos africanos, na diáspo-
do Baixo Níger. Durante a mui remota Ida-
ra, têm alguns valores significativos:
de da Pedra, parece que muitas vagas de
– são povos que têm história; possuem
emigrantes do Norte tenham chegado à
um processo de reflexão filosófica que ace-
savana, depois à floresta, entre os séculos
na para uma compreensão e identidade de
VI e XIII, entre as populações que viviam a homem, mulher, visão de mundo e de so-
Oeste do Baixo Níger, às quais trouxeram ciedade;
técnicas e concepções tomadas ao Sudão – há uma diversidade de práticas e
ou à África branca. Assim se criou o povo conteúdos no campo da religião de pro-
ioruba, inicialmente em torno da cidade de funda riqueza teológica;
Ifé, posteriormente na nova capital, Oyo – e, é um ambiente rico de projetos co-
(GIORDANI, 1993, p. 114). munitários que vieram contribuir na organi-
Os relatos históricos confirmam que a zação da resistência dos africanos no Brasil;
base da ascendência africana está locali- na formação dos quilombos, por exemplo.
zada no Sul do Brasil, região que possui
estreitas relações com as populações afri-
canas da grande nação Banto. Povo Banto, O tráfico negreiro: o negro é “peça”
cabe salientar, não se trata de uma desig- na Empresa Colonial, e hoje
nação apenas lingüística dos integrantes denominamos “trabalho escravo”,
das centenas de grupos étnicos liderados “assalariado rural” ou “bóias-frias”
pelo povo Xona. Desde o século II loca-
lizavam-se na grande floresta equatorial Um fator relevante nesse momento foi
ao longo dos afluentes do Rio Congo e, o apoio do papa Nicolau V, com a publi-
abaixo dela, numa faixa que vai de Ango- cação da bula Romanus Pontifex, assinada

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em 8 de janeiro de 1455, que outorgava que favorecem a prática arbitrária do aprisio-


poderes de captura dos negros africanos namento e transporte de escravos para o Bra-
aos navegantes portugueses, tendo como sil. Em 1522, o papa dá a D. João II o direito
missão retirá-los da servidão perpétua, ba- ao padroado, concedendo assim amplos po-
tizá-los e integrá-los nos modelos de socie- deres ao rei para arrebanhar o maior número
dade adotados pelo novos colonizadores. possível de “novos crentes” à fé católica.
O fato de a bula Romanus Pontifex con- Desse modo, estava fortalecendo o em-
siderar os povos africanos sujeitos à servidão preendimento de exploração da economia
perpétua revela a confluência de interesses nativa e o crescimento territorial da Coroa
entre a Igreja e a Coroa portuguesa. Para (HOONAERT, 1977b, p. 163) explicam
os colonizadores, orientados pelo espírito da que o Direito de padroado dos reis de Por-
catequese cristã de “salvar almas”, esses po- tugal só pode ser entendido dentro de todo
vos africanos, com seus costumes e maneiras o contexto da história medieval. Na realida-
diversas de praticar sua experiência de fé no de, não se trata de uma usurpação dos mo-
criador e em suas divindades localizadas nos narcas portugueses de atribuições religiosas
fenômenos da natureza, deveriam ser oprimi- da Igreja, mas de uma forma típica de com-
dos, através da condenação imediata.8 promisso entre a Igreja de Roma e o gover-
Os líderes da Corte do reino português, no de Portugal. O padroado conferia aos
ao aplicarem a mesma avaliação, não ti- monarcas lusitanos o direito de cobrança e
nham em suas análises uma perspectiva administração dos dízimos eclesiásticos, ou
que fosse, de fato, levar uma mensagem seja, a taxa de contribuição dos fiéis para a
nova, como propõe o anúncio do Evan- Igreja, vigente desde as mais remotas épo-
gelho. Seus interesses estavam profunda- cas. Os documentos históricos que chega-
mente desvinculados do conteúdo essencial ram até nossos dias confirmam os atos de
da religião, mas era uma estratégia sempre atrocidade e violência praticados contra os
útil mantê-los em comum acordo com os in- escravos, quando da saída do território afri-
teresses econômicos e de dominação, rela- cano, durante a longa travessia marítima,
tivamente aos povos descobertos. até a chegada à terra do cativeiro.
A atitude de abençoar os navegadores O que podemos concluir é que todo
era uma declaração de aprovação à práti- esse processo de deslocamento das popu-
ca de proselitismo, que consistia na violação lações africanas para o território brasileiro
das experiências religiosas do povo africano tem interesses econômicos e geopolíticos
com a implantação da exigência da fé e da precisos. Isto é, acontece visando aos in-
prática religiosa do povo invasor, ou seja, do teresses de proporcionar aos “conquista-
catolicismo romano. No desenrolar dessas in- dores” o pleno domínio das terras “des-
vestidas por terras africanas, a Coroa cria leis cobertas”, num primeiro momento. Outro
interesse é buscar, num processo de espo-
8 “Os cristãos-novos participaram entusiasticamente
deste projeto. Apesar da proibição régia, chega-
liação voraz, utilizar toda mão de obra
ram ao Oriente pela Rota do Cabo e por terra, possível para alcançar riquezas e domínio
pelo velho caminho dos Bálcãs e da Ásia Menor. sobre essas terras.9
Os cristãos-novos estiveram na primeira linha da
colonização do Brasil. Estabeleceram-se em Luan- 9 “Nos anos de 1526-1550, antes do deslanche do
da, São Tomé, Cabo Verde e Rios Guiné. Nos mea- tráfico para o Brasil, saía da Guiné Bissau e da Se-
dos do século XVI, segundo Duarte Gomes Solis, negâmbia uma média de mil cativos por ano. Ci-
o Conselho e Estado discutiram mesmo em proje- fra representando 49% dos indivíduos deportados
to que abria amplamente as portas do Brasil aos do Continente Negro. Da África Central vinham
cristãos-novos que viessem povoar o território sob outros 34% enquanto 13% eram provenientes do
a direção do infante D. Luís” (COELHO, 1980). Golfo da Guiné” (ALENCASTRO, 2000, p. 48).

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O regime do padroado pode ser expli- Século XXI caminhos a


cado deste modo: primeiro é oriundo do sé- serem percorridos
culo IV, com a implementação da Era Cons-
tantiniana e a ascensão do cristianismo como As informações que nos oferece o Cen-
religião hegemônica; segundo, os cristãos, so do IBGE 2010 indica que é possível re-
além da liberdade de culto, ganham a prote- duzir as diferenças entre negros e brancos
ção e os privilégios imperiais. O clero goza e o Brasil vem logrando algum êxito, embo-
de isenção do serviço militar, do privilégio do ra limitado, nesse campo.
foro e outras tantas regalias; enfim, o padroa- Quase não há mais diferenças entre
do é a forma pela qual o governo português negros e brancos no que tange o acesso
exercerá sua função de “protetor” sobre a à educação pré-escolar, e até mesmo as
Igreja Católica, a religião oficial e única nas diferenças em termos de taxa líquida de
terras sob seu domínio. Através da encíclica matrícula vêm caindo para os dois ciclos
Romanus Pontifex, os reis portugueses obtêm do nível fundamental. O hiato salarial caiu
o título de grãos-mestres da Ordem de Cristo, quase 5 pontos percentuais nos últimos dez
que os faz dominadores políticos e religiosos anos. Parte dessa queda foi na discrimina-
das colônias e terras conquistadas.10 ção praticada no mercado de trabalho, e
parte dela foi fruto da redução no hiato
educacional. O resultado final é o fato de a
renda domiciliar ter aumentado mais entre
negros que entre brancos, bem como de o
índice de pobreza ter caído mais entre ne-
gros que entre brancos.
No entanto, as diferenças ainda são
demasiadamente grandes. Negros ainda
saem do sistema educacional com um ano
e meio de educação a menos que brancos,
ganham apenas 53% do que ganham os
brancos, e têm o dobro da chance de vi-
ver na pobreza. Quando o governo federal
enuncia que pretende realmente construir
uma democracia racial neste País, serão
necessárias ações mais enérgicas que as
praticadas até agora.

PRETOS E PARDOS SÃO MAIORIA


EM 56,8% DOS MUNICÍPIOS BRASI-
LEIROS

RIO. O número de municípios onde os


Regiões afetadas pelo domicílios tinham maioria de pretos e
comércio atlântico de escravos: pardos aumentou 7,6 pontos percen-
sécs. XVI a XVIII tuais, entre 2000 e 2010, ao passar
de 49,2% para 56,8%. A constata-
ção faz parte do Mapa da População
10 Ver HOONAERT, 1977a; HOONAERT, 1991;
Preta & Parda no Brasil segundo os
AZZI, 1987; BETHELL, 1997.

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Indicadores do Censo de 2010, divul- – disse o economista. De acordo com


gado nesta segunda-feira. Em 1.021 ci- o levantamento de 2010, São Paulo é
dades (18,3% do total), pretos e pardos a cidade com maior número de pretos
eram mais de 75% da população. O es- e pardos em todo o país, com cerca
tudo foi elaborado pelo Laboratório de de 4,2 milhões, seguido do Rio de Ja-
Análises Econômicas, Sociais e Estatís- neiro (cerca de 3 milhões) e Salvador
ticas das Relações Raciais (Laeser), da (cerca de 2,7 milhões). Se forem consi-
Universidade Federal do Rio de Janeiro derados apenas negros, Salvador lide-
(UFRJ). O percentual de pessoas que ra o ranking com 743,7 mil, seguida
se declararam pretas passou de 6,2% de São Paulo (736 mil) e do Rio (724
para 7,6% em uma década. O aumen- mil). No Norte e no Nordeste, respec-
to foi maior entre as que se declara- tivamente, 97,1% e 96,1% dos municí-
ram pardas, de 38,5% para 43,1% pios eram formados por maioria preta
no mesmo período. Em 2010, aproxi- e parda. No Centro-Oeste, esse per-
madamente 91 milhões de pessoas se centual chegava a 75,5%, no Sudeste,
classificaram como brancas, 15 mi- a 37,1% e, no Sul, a apenas 2,3%.
lhões como pretas, 82 milhões como Cunhataí, em Santa Catarina, é a úni-
pardas, 2 milhões como amarelas e ca cidade brasileira sem a presença
817 mil como indígenas. O coorde- de pessoas que se declararam pretas.
nador da pesquisa, Marcelo Paixão, (O Globo, 14/11/2011)11
acredita que os indicadores com base
no Censo 2010 foram influenciados
pelo processo de valorização da pre- As políticas que estabelecem a intera-
sença afrodescendente na sociedade ção entre pessoas ou grupos de diferentes
brasileira e pela adoção das políticas identidades culturais propiciam a inovação
afirmativas. – Esses dados demonstram e a criatividade favorecidas pelos intercâm-
não só uma mudança demográfica,
bios entre as culturas plurais. O acesso ao
mas também política, social e cultural,
porque expressa uma nova forma de desenvolvimento intelectual, afetivo, moral
visibilidade da população negra brasi- e espiritual amplia as possibilidades de
leira ao estimular que as pessoas assu- crescimento econômico e as fontes de de-
mam sua cor de pele de uma maneira senvolvimento social e cultural.
mais aberta. O censo, elaborado pelo
Reconhecer os direitos culturais de ex-
Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
tatística (IBGE) a cada dez anos, intro- pressar e difundir a língua materna, respei-
duziu, em 2010, a pergunta sobre cor tar a identidade cultural e exercer as pró-
ou raça para todos os domicílios e não prias práticas culturais devem ser direitos
mais por amostra, como era feito an- universais. A circulação de conhecimentos
teriormente. Segundo Marcelo Paixão,
a comparação dessa informação com
científicos e de ideias com palavras e ima-
dados futuros do IBGE, como a Pesqui- gens deve ser garantida a todos os grupos
sa Nacional por Amostra de Domicí- étnico-raciais. Diz o documento: “A liber-
lios (Pnad) do ano que vem e o Censo dade de expressão, o pluralismo dos meios
de 2020, será muito útil para traçar de comunicação, o multilinguismo, a igual-
um perfil mais fiel da população. – O
interessante para 2020 é verificar se
dade de acesso às expressões artísticas,
esse percentual da população preta e ao conhecimento científico e tecnológico
parda no Brasil vai continuar aumen- – inclusive em formato digital – e a possi-
tando. Porque é claro que tem também bilidade, para todas as culturas, de estar
uma população que não é negra. O
ideal é que as bases de dados expres- 11 Leia mais sobre esse assunto em <http://oglo-
sem melhor o perfil da população bra- bo.globo.com/pais/pretos-pardos-sao-maioria
sileira, que corresponda à realidade -em-568-dos-municipios-brasileiros-3237918>.

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presentes nos meios de expressão e de di- cas; pensar criticamente nos seus direitos e
fusão, são garantias da diversidade cultu- deveres como trabalhador; onde o mito e a
ral” (UNESCO, 2002, p. 4) religião são formas simbólicas repassadas
O diálogo entre as culturas é a fonte na oralidade de seus sacerdotes e sacerdo-
da criatividade. As políticas culturais devem tisas.
assegurar a difusão das culturas diversifica- Podemos identificar neste agir/intera-
das. Para tanto, o documento recomenda gindo coletivamente um ser no estar de um
que a cooperação e a solidariedade inter- saber que se faz sabor pelo exercício do e
nacionais assegurem aos países em desen- no transitar em e com o outro, em um per-
volvimento o intercâmbio de bens culturais manente gestar/parir, para e com o nós,
em escala mundial. onde “Eu sou, porque Somos”.
Esta premissa/ação traz em seu bojo
uma responsabilidade ética promotora de
Saber em sabor – saber em africano: ações, que alimentam qualitativamente re-
desafios e contribuições para o lações de interdependência em comunhão
século XXI e autonomia entre os seres humanos, para
com o planeta e o cosmos como elemento
Os caminhos dos saberes/conhecimen- fundamental para uma sociedade, que se
tos epistemológicos na diáspora africana percebe requerida para pensar, saber ser
são vários, mas o objeto de chegada é con- e estar comprometida com a vida para e
vergente – o homem, a mulher – a família com todos.
negra que, em comunidade e em conjunto Todo compromisso decorre e/ou incor-
com toda a humanidade, é protagonista de re em uma ética, que segundo Morin, é ex-
vários elementos capazes de gerar a iden- plicada ou iluminada por uma fé que leva
tidade de um conhecimento e, nas suas tra- os seres humanos a se responsabilizar e
dições religiosas de ancestralidades, pode agir em favor de outro e/ou de uma causa.
ser reconhecida pela produção de si com a Para este autor, ela não é necessariamente
intencionalidade de vivificar o outro/a, a uma fé no sentido tradicional (PENA-VEGA,
comunidade: “Eu sou, porque Somos”, em 2001). Seu entendimento aproxima-se mais
uma ação considerada transversal a todas da definição que lhe é dada por Fowler
(1992), ou seja, o modo em que uma pes-
as competências e expressa pela capacida-
soa ou um grupo penetra no campo de for-
de de crítica, reflexão e mudança ativa em
ça da vida; o modo de encontrarem coe-
si mesmo e nas suas práticas.
rência nas múltiplas forças e relações que
Neste contexto se incorpora a atitude
constituem suas vidas e lhes dão sentido.
de interagir com os indivíduos, os grupos,
Poder-se-ia aqui dizer que fé é o conjunto
as coletividades, a população; respeitar os
de relações de confiança/desconfiança, que
valores, culturas e individualidade; procu-
sustentam a teia da vida do ser humano. En-
rar alternativas face às situações adversas;
quanto ser inconcluso, ele se percebe ligado
buscar a decisão da coletividade para a
àquilo que de forma consciente/inconscien-
solução ou encaminhamento de problemas
te, no dizer de Tillich (1996), o impulsiona
identificados; levar em conta a pertinência,
para frente. Por isso, Morin, fala em “fé na
a oportunidade e a precisão das ações que
fraternidade”, “fé no amor”, “fé na comuni-
realiza; valorizar a equipe de trabalho em
dade”, por exemplo; no entanto, elas não
prol da organização e eficácia das práti-

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são o fundamento12 da ética, mas sua fon- va de compromisso com o ser humano num
te de energia, aquilo que a alimenta. Esta contexto de vida planetária. Formar para
fé pode ser implícita, não sendo formulada uma responsabilidade ética além da téc-
pelo ator ou pelo autor dos atos, ou pode nica e interesses de um grupo restrito é o
ser claramente percebida pelas mesmas vias grande desafio e exigência para a ciência
(PENA-VEGA, 2001). e a tecnologia na atualidade. É um compro-
Freire comenta em uma de suas obras misso que desaloja, desafia, move e dá um
que não se sente à vontade ao falar de sua outro “rosto” à prática e reflexão cientifico-
fé, pelo menos não tanto quanto de sua -tecnológica, em detrimento dos resultados
opção política, utopia e sonhos pedagógi- sociais e planetários como, por exemplo,
cos. Entretanto, faz questão de registrar a podemos constatar no relato do autor des-
importância basilar de sua fé na luta pela conhecido dos campos de Auschwitz.
superação da realidade opressora e pela Um fazer e saber científico e tecnológi-
construção de uma sociedade menos feia, co para e com responsabilidade ética além
menos malvada e mais humana. “Todos os da técnica, voltados e disponíveis a uma
argumentos a favor da legitimidade de mi- coletividade, tendo como pressupostos a
nha luta por uma sociedade mais genteficada construção de mundos melhores e possíveis,
têm, na minha fé, sua fundamentação profun- passa indubitavelmente, entre outros pontos,
da. Minha fé me sustenta, estimula, desafia”, pelo testemunho ético de seus sujeitos. Para
afirma o autor (FREIRE, 1995, p. 85). Freire (2000), o ensino e a aprendizagem
O compromisso ético consiste na ca- dos conhecimentos são importantes, quanto
pacidade de estabelecer conexão entre os o testemunho ético ao empregá-los. A tes-
atos, omissões e resultados finais das ações situra entre estes detém a capacidade de
e reflexões empreendidas, numa perspecti- revelar a coerência entre o pensar, o saber,
o ser, o dizer e o fazer, que identificam as
12 Na filosofia, fundamento entendido como Grund, marcas do ser e do estar registradas nas
requer essencialmente que este seja Universal (vá- histórias dos sujeitos, que a (re)constroem
lido em todo lugar e em todo tempo) e Necessário em contínuo.
(que não pode ser diferente do que é, é aquilo Uma atitude crítica que devemos ter
que é). Trata-se de pensar a causalidade primei-
quando nos indagamos sobre a diversida-
ra de tudo e o seu modo de ser. Quando falamos
em princípio causal, Aristóteles é o pensador da
de no currículo das escolas brasileiras e
justificação de uma causa primeira, denomina- como a diversidade é tratada em diferentes
da de Primeiro Motor Imóvel, ou seja, “Causa espaços sociais e nos movimentos sociais.
Incausada Causante”, causa de tudo sem ser O diagnóstico que deparamos, costumeira-
causado, movente sem se mover, e criador de mente, aborda a construção histórica, cul-
tudo sem nunca ter sido criado, portanto, funda-
mento e pressuposto de tudo e de todas as coisas
tural e social das diferenças, a concepção
possíveis de existirem. O Primeiro Motor Imóvel de educação e o olhar pedagógico da di-
de Aristóteles recebe o nome de Deus, na Ida- versidade nas práticas educativas. Indaga
de Média com Tomás de Aquino. O fundamento o que se entende por diversidade e que di-
prescinde da temporalidade e da contingenciali- versidade deve ser contemplada no currícu-
dade, pode ser experienciado, mas não se reduz
lo das escolas e nas políticas de currículo.
a ela, transcende-a. O fundamento é causa sui
de tudo, é o Ser que faz tudo ser. Nada está fora
ou para além dele, é absolutidade e onipresença
completa. Por tudo isso, fundamento não se res-
tringe a quaisquer conceitos, mas os pressupõe
(ABBAGNANO, 1998).

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Referencias bibliográficas HOONAERT, E. [et al.]. História da Igreja


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VIANNA, F. J. de Oliveira. Evolução do
povo brasileiro. São Paulo: Nacional, 1938.
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STEIMBERG, Shirley R. (Org.). Multi/in-
tercultural conversations. New York: Peter
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ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O RACISMO
NA SOCIEDADE BRASILEIRA

Joselina da Silva*

Raça é um conceito fluido e transformante, embora historicamente Raça e racismos: questões do cotidiano
específico, de modo que seu significado é fruto de teorias, interesses,
discursos sociais da época em questão
Partindo do que nos é sugerido pela
MARINEZ-ECHAZÁBAL, 1996, p. 107
epígrafe, onde se ressalta a capacidade
de transformação do conceito e idéias de
raça, iniciaremos pelo relato de três breves
Neste texto pretendemos apresentar uma
histórias/estórias.13
breve abordagem sobre as teorias raciais
A primeira delas refere-se à Ingrid, jovem
concebidas na Europa e nos EUA no século
filha de pai negro nigeriano e mãe branca
XIX. Focalizaremos, também, os escritos al-
alemã. Sua infância e adolescência foram
guns dos nossos tradicionais analistas das
vividas na Alemanha. Integrou grupos de
relações raciais, passando pela corrente cul-
mulheres negras no país, sempre portadora
turalista e chegando aos estudos UNESCO.
de longo cabelo no estilo rastafári. De certa
Mais adiante, faremos alusão aos estudos
feita, visitar pai – já com outra família – no
sobre as desigualdades e nortearemos al-
continente africano. Num determinado dia
guns aspectos da Conferência da ONU, na
ela saiu da Europa como uma mulher ne-
África do Sul, em 2001. Estas são reflexões
gra e foi recebida, na África, como a filha
introdutórias (e não exaustivas) que deverão
branca.
ser aprofundados por quem desejar se in-
Nossa segunda ilustração é sobre o
teirar do fenômeno das relações raciais no
Sr. Roberto Silva, bem sucedido industrial
país.
branco do sudeste do país. Por sua condi-
ção racial, social e regional teve sempre
todas as portas abertas, no Brasil. De certa
feita, decidiu-se ir de férias a Miami. Em-

* Doutora em Ciências Sociais (UERJ), professora 13 Embora os nomes e locais tenham sido preser-
da Universidade Federal do Ceará (UFC), coorde- vados, todas são histórias acontecidas com pes-
nadora do N’BLAC. soas reais.

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barcou em São Paulo numa noite, como ho- sendo uma delas a que afirmava que os
mem branco e foi recebido, pela manhã, dolicocéfalos louros (crânios menores) es-
como latino. tariam diminuindo (BANTON, 1977). Nos
Já Luana de Souza é uma jovem estu- dias atuais ainda temos, estruturadas nes-
dante negra nascida e residente em Porto ta teoria, nas piadas discriminatórias que
Alegre. Ela decidiu estudar no RJ. De des- chamam os nordestinos de cabeça chata.
ta feita, foi com amigos à orla da cidade, Já nos Estados Unidos, teve lugar o Darwi-
à noite. No caminho de regresso, já sozi- nismo Social – que se fez presente até pelo
nha, foi assediada e chamada de mulata. menos, a Primeira Guerra Mundial – que
Algum tempo depois, ao ir ao Ceará é de- se afirmava que o progresso humano é um
nominada de morena por uns e de baiana, resultado da luta e da competição entre ra-
pela maioria. ças, na qual sobreviveriam os “mais aptos”
Estas três alegorias abordam a fluidez (os brancos) e os “inferiores” (os não-bran-
dos olhares e, por conseguinte dos concei- cos) certamente desapareceriam (SEYFERT,
tos, em relação à raça. É desde lugar que 1996).
desejamos então iniciar nossas reflexões
Uma nova abordagem sobre raça e cul-
sobre raça, racimos suas construções. Vol-
tura ocorre nas primeiras três décadas do
taremos a estas histórias mais adiante.
século XX, desenvolvida nos trabalhos de
Franz Boas. Para o autor, as culturas não
são uniformes e se desenvolvem a partir
A teoria racial na Europa e nos EUA
de diferentes centros (STOCKING, 1968).
do século XIX
Boas discorda do darwinismo social. Para
ele a afirmação de que a Europa era mais
Os primeiros a teorizar sobre o racismo
avançada culturalmente que a África, não
e a falar sobre uma “raça nórdica” foram
Gobineau, Chamberlaim e Deniker, respec- tinha nenhuma base científica.
tivamente um francês, um inglês e um russo.
A obra que inaugurou o estudo das carac-
terísticas de cada raça foi o Ensaio sobre a A teoria racial no Brasil
Desigualdade, de Gobineau, publicado na
França. Os amarelos, brancos e negros fo- Nossas elites viam os europeus como
ram classificados a partir de uma hierarquia um grupo único, homogêneo e racialmente
de valores e posicionavam os brancos em su- superior (CARVALHO, 1998). Alguns princi-
perioridade em relação às demais raças. Anos pais analistas nacionais – até a década de
depois, na Inglaterra, Chamberlain escreveu A trinta – eram pessimistas quanto à composi-
gênese do século XIX. Para ele Havia bran- ção racial, já que éramos tão diferentes dos
cos superiores e brancos inferiores. Há aí um europeus. Destacamos aqui Nina Rodrigues,
refinamento na distinção racial. Como breve- Silvio Romero e Oliveira Viana.
mente apresentado, na história do brasileiro Nina Rodrigues foi o primeiro a estudar
branco que vai a Miami, esta distinção racial, sobre os negros no Brasil e acreditava que
não está esquecida no passado. Segue sendo nosso grande problema repousava nos di-
praticada em nossa sociedade. versos tipos de cruzamentos havidos na po-
No limiar do novo século (1896), surge pulação. Rodrigues classificava os mestiços
a Antropossociologia. A partir de exames entre superiores, degenerados e os social-
de crânios diversas teorias foram criadas, mente instáveis. Características resultantes no

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sangue negros que teria contaminado o do O culturalismo em terras brasileiras


branco. Para ele os negros e mestiços eram
civilmente incapazes (CARVALHO, 1998). Este panorama teórico – o negro visto
O segundo dos pessimistas era Oliveira como um ser bárbaro que desapareceria
Viana que dividia a população entre mesti- através da miscigenação – sofre grande
ços superiores e inferiores (VIANA, 1932). mudança na década de trinta. Surge uma
Ele foi o introdutor do termo arianização, na corrente culturalista que tinha em Gilberto
literatura nacional e grande divulgador do Freyre (autor de Casa grande e senzala) e
darwinismo social e por conseqüência da Artur Ramos (autor de As culturas negras no
teoria do branqueamento (VIANA, 1932). novo mundo) as grandes referências.
O terceiro deles, Sílvio Romero se tornou Os trabalhos de Ramos mudam o qua-
o grande ideólogo do darwinismo social. dro das pesquisas sobre o negro. Este dei-
Dividia as raças em “superiores” e “inferio- xa de ser olhado como o africano trans-
res”. Na sua hierarquia, o branco europeu plantado para o Brasil e passa a ser um
era seguido pelo o índio. Por último estava o brasileiro negro. Os negros são divididos
africano. Romero acreditava que os mestiços em dois grupos principais: os Bantus e os
aumentariam e os negros e índios desapare- Sudaneses.
ceriam (ROMERO, 1949). Para o ideal do Gilberto Freyre, por sua vez, apresen-
branqueamento a raça branca deveria ser ta a solução para o nosso dilema racial.
trazida ao Brasil, pela imigração européia Não éramos mais um povo mestiço de cultu-
(SKIDMORE, 1976). ras inferiores. Para o autor, os portugueses
É no Estado Novo, entretanto, que a tese eram sem prejuízos de cor e libidinosos. Os
do branqueamento vai ser teoricamente siste- negros eram os sudaneses e integrantes da
matizada através da obra de Oliveira Viana, melhor estirpe africana. Sobre o indígena,
primeiro a usar o termo “arianização”, refe- ele não se detém muito.
rindo-se ao progressivo embranquecimento Repentinamente, nos transformamos em
da população. Assim, o casamento inter-ra- três culturas de valor. É reforçada a tese da de-
cial era largamente estimulado, a fim de que, mocracia racial e do não-conflito (MARTINEZ-
em brevíssimo tempo, houvesse um desapa- -ECHAZÁBAL, 1996; HASENBALG, 1979).
recimento significativo do elemento negro em Toda essa mudança de paradigma teórico
nosso país (HELLWIG, 1992). repousava na mestiçagem. Ela, que antes era
O darwinismo social – importado dos nosso grande mal, foi alçada à categoria de
Estados Unidos – era entendido como uma solução (FREYRE, 1977).
grande salvação. Postulavam que a misci- As relações de violência sexual dos se-
genação com brancos permitiria que o país nhores de escravos contra a mulher negra
escravizada era apresentada como produ-
embranquecesse. Acreditava-se que os cha-
to do português libidinoso, na obra de Frey-
mados mais aptos (neste caso, os brancos)
re. Permanecia o conceito de que a nossa
acabariam vencendo os menos aptos (que
mestiçagem, baseada nas três raças forma-
se pensava seriam os negros e índios) pela
doras nos faz diferentes diante do mundo.
assimilação constante. Este conceito trazia
Era mais uma forma a democracia racial.
em seu bojo a certeza da homogeneização
Na década seguinte (anos 40), temos
biológica e cultural.
os trabalhos de Donald Pierson, nos quais
começava-se a detectar algum preconceito

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contra o negro entendidas como fruto das leiros, além dos jornais O Menelick, O Cla-
dificuldades econômicas enfrentadas pelos rim da Alvorada, o Centro Cívico Palmares,
negros. Para ele, as relações no Brasil, são nas décadas de vinte e trinta, em São Paulo,
de cor e não de raça. da mesma forma que o Teatro Experimental
Os argumentos de Gilberto Freyre e do Negro e da União dos Homens de Cor,
Donald Pierson foram largamente utilizados no Rio de Janeiro de cinqüenta, só foi pos-
pela literatura e a música. A construção da sível devido à resistência dos brancos em
figura da mulher negra como a mulata sen- relação à ascensão social dos negros.
sual e libertina, passou para o imaginário Os trabalhos UNESCO são os primei-
popular com ares de comprovação cientí- ros a dar voz aos negros, vendo-os como
fica. Assim, a história de Luana, apresen- sujeitos políticos, numa pesquisa sobre re-
tada, no início, serve como alegoria, para lações raciais no país. Isto só foi possível
pensamos que estas práticas, ainda estão porque questionando-se a democracia ra-
presentes na sociedade. cial tornava-se possível perceber as falas
daqueles que a denunciavam como falá-
cia. Estas pesquisas serviram para eviden-
As pesquisas do Projeto UNESCO ciar uma sociedade racializada.
Vimos até aqui, que diferentes teorias
O esforço em demonstrar que éramos
raciais foram criadas ao longo da história
uma democracia racial, persistiu, na dé-
social do país, em busca da chamada brasi-
cada de cinqüenta. Na busca de entender
lidade. Algumas delas acabaram por forne-
esta “paz racial”, o Departamento de Ciên-
cer o escopo a partir do qual a sociedade
cias Sociais da UNESCO encomendou os
age racialmente. Diversas políticas públicas
estudos sobre as relações raciais no Brasil,
foram elaboradas a partir delas.
em 1951.
As pesquisas foram desenvolvidas em
São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e
Bahia. Na capital paulista, os pesquisadores Os estudos sobre desigualdades raciais
responsáveis foram Roger Bastide e Florestan
Fernandes, como resultado foi publicado o Os anos setenta foram brindados com
livro Brancos e negros em São Paulo. No Rio as reflexões advindas das pesquisas reali-
de Janeiro, tivemos L. A. Costa Pinto, com o zadas por Carlos Hasenbalg. O autor de-
livro O negro no Rio de Janeiro. Na Bahia, monstra através análises estatísticas que
houve As elites de cor na Bahia, de Thales negros e brancos persistem em patamares
de Azevedo, e Race and class in rural Brasil, diferenciados na escala social, devido à in-
organizado por Charles Wagley. No Recife, fluência do racimo. O trabalho reconhece
o pesquisador foi René Ribeiro, com o livro a influência da escravidão, mas, ressalta
Religião e Relações Raciais. Destes, os es- que o capitalismo em seu privilegia uns gru-
tudos de Thales de Azevedo, Florestan Fer- pos em detrimentos dos outros. Assim, os
nandes e Costa Pinto, dedicam alguns capí- “não brancos”, mesmo quando ascendem
tulos a analisar o movimento social negro. socialmente ainda sofrem por influência do
Fernandes e Costa Pinto são unânimes racismo.
em afirmar que o surgimento de organizações Os privilégios de um grupo – racialmen-
do movimento negro, como A Frente Negra te construído como superior – são mantidos
Brasileira e a Associação dos Negros Brasi- para sua prole – por herança social, por

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compadrio, por solidariedade racial e/ou a sexualidade agregada à raça poderá ser
de classe. Neste sentido, grupos que te- o diferencial quando da ação do racimos
nham história sócio – cultural de subalterni- sobre eles. Assim, podemos pensar que o
dade, terão maiores dificuldades de pene- racimo se associa às outras discriminações
trar nos tecidos sociais. presentes na sociedade, sendo produzido
Este quadro é alimentado pelas desigual- em diferentes modalidades e diversos agra-
dades sociais e colabora para manter negros vamentos.
e indígenas – do ponto de vista quantitativo
– nas franjas sociais. À luz destes estudos
sabemos então que o racismo não é uma Referências bibliográficas
questão cultural, de ignorância ou por uma
inferioridade intrínseca na população negra.
E sim porque racismo e capitalismo andam AZEVEDO, Thales. As elites de cor. Um
lado a lado. estudo de ascensão social. São Paulo:
Nacional, 1955.
BANTON, Michael. A idéia de raça.
Conferência mundial contra o racismo, Lisboa: Edições 70, 1977.
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BASTIDE, R.; FERNANDES F. Brancos e
Intolerância correlata
negros em São Paulo. 3. ed. São Paulo:
(Durban, África do Sul, 2001) Nacional, 1971.

Seus documentos finais devem ser deti- CARVALHO, José Murilo de. Brasil: nações
damente lidos. Inúmeras foram às contribui- imaginadas e Brasil: outra América. In:
ções propiciadas por esta conferência. Uma Pontos e Bordados. Escritos de História
destas está em trazer à reflexão a categoria Política. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
discriminações agravadas. Que pode ser p. 202-233.
entendida pela análise, de que embora a FERNANDES, Florestan. A integração do
questão racial seja a que deflagra a discri- negro na sociedade de classe. São Paulo:
minação, seja ela individual ou institucional Edusp, 1965.
– diversas outras variáveis são adicionadas
no processo. FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala.
Assim, uma mulher, negra, norte ameri- 18. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1977.
cana, rica, numa região turística de uma ci-
dade, no Brasil. será tratada diferentemen- HANCHARD, Michael George. Orpheus
te de uma mulher, negra, brasileira e rica. and power. The movimento negro of
Ainda nesta linha comparativa tomemos Rio de Janeiro and São Paulo, Brasil 1945-
como exemplo um homem, negro, brasileiro, 1988. New Jersey: Princeton University
pobre, heterossexual – saindo de uma ativi- Press, 1988.
dade noturna de divertimento e um homem,
HASENBALG, Carlos Alberto. Discriminação
negro, brasileiro, classe média, homosse- e desigualdades Raciais no Brasil.
xual – saindo desta mesma atividade. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
No caso das mulheres o fato de uma
ser nacional e outra estrangeira fará a dife- HELLWIG, David J. (Ed.). African-American
rença quando da atitude racista se abatendo reflections on Brazil’s racial paradise.
sobre as duas. Já no exemplo dos homens, Philadelphia: Temple University Press, 1992.

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MARTINEZ-ECHAZÁBAL, Lourdes. O cultu-


ralismo dos anos 30 no Brasil e na América
Latina: deslocamento retórico ou mudança
conceitual? In: MONTEIRO, Marcos Chor;
SANTOS, Ricardo Ventura (Orgs.). Raça
ciência e sociedade. Rio de Janeiro:
Fiocruz/CCBB, 1996. p. 107-124.
PINTO, L. A. Costa. O negro no Rio de
Janeiro. São Paulo: Nacional, 1952.
ROMERO, Sílvio. História da literatura bra-
sileira. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1949. vol. I.
SEYFERT, Giralda. Construindo a Nação:
hierarquias raciais e o papel do racismo
na política de imigração e colonização.
In: MONTEIRO, Marcos Chor; SANTOS,
Ricardo Ventura (Orgs.). Raça ciência e
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1996. p. 41-58.
SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco:
raça e nacionalidade no pensamento bra-
sileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
STOCKING, George W. Jr. Race, culture
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WAGLEY, Charles. Race and class in rural
Brazil. 2. ed. Paris: UNESCO, s.d.

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A LEI Nº 10.639/2003 E A
INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO PÓS-RACISMO
NA EDUCAÇÃO E NA SOCIEDADE

Amauri Mendes Pereira*

Entre 2001 e 2005 realizei um mapea- gerando maior interesse em comunidades


mento das escolas da rede estadual de ensi- escolares, e orientando reflexões e medidas
no do estado do Rio de Janeiro que realiza- anti-racistas.
ram eventos referentes à Consciência Negra. Na pesquisa percebi que a sensibili-
Etnografias desses eventos e entrevistas com dade em relação ao preconceito e a discri-
responsáveis mostraram que as iniciativas minação racial e o desejo de, de alguma
de educadores problematizavam o precon- forma, enfrentá-los impulsionava aquelas
ceito e a discriminação racial nos currículos realizações. Chamei de “Arautos da Cons-
e procedimentos didáticos, prejudiciais ao ciência Negra” às/aos professores, anima-
rendimento de alunos negros, causa de fre- dores culturais, pessoal de apoio, e estu-
quentes trocas de turmas e de escolas, po- dantes. E percebi que embora a maioria
dendo levar à evasão escolar. A partir de fosse negra, havia muitos brancos, e eram
2003 a existência da Lei nº 10.639/2003 variadas suas experiências de vida, forma-
propicia a discussão desse quadro, com ções pessoais e profissionais, idades – co-
nova ótica. mum, apenas o engajamento.
Segundo educadores que realizaram Isso é o que lhes dava a consciência
eventos de Consciência Negra nas escolas, de que, as desigualdades sociais causam
a nova lei e os conteúdos de História da empobrecimento material, moral e espiri-
África e da História e Cultura Afro-Brasi- tual na sociedade brasileira, e que o viés
leira adquiridos de variadas formas, con- racial dessas desigualdades as tornam ain-
tribuíram fortemente para a conquista de da mais agudas, localizadas, previsíveis, di-
maior credibilidade de suas críticas e reali- fíceis de enfrentar. O preconceito e a discri-
zações, atraíram colegas para os debates minação racial selecionam quem terá mais
e menos oportunidades, causando perdas
materiais e simbólicas em espaços de for-
* Doutor em Ciências Sociais (UERJ), professor da mação profissional e no acesso ao mer-
Universidade Estadual da Zona Oeste (UEZO), RJ.

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cado de trabalho. De maneira correlata, tados pelo animador cultural). Organizavam


formas e conteúdos do ensino da história exposições artísticas, apresentações de can-
e de outras disciplinas nas escolas confun- tos e danças (isso em todos os colégios que
dem e propiciam distorções no imaginário visitei), além das palestras, sessões de ví-
social.14 deos e debates, etc, etc.
Entre os/as Arautos/as da Consciência Tão amplas, ricas, variadas visões e prá-
Negra eram vagas, e avidamente deman- ticas sociais e educacionais me pareceram,
dadas, informações sobre direitos humanos então, mais do que avanço da luta contra
e sobre a noção de multiculturalismo . O o racismo. Lendo os projetos e relatórios, e
que movia tais agentes era a importância mais ainda depois das visitas e entrevistas,
de valorizar o negro e a cultura negra e concluí que as influências do Movimento
enfrentar o preconceito e a discriminação Negro e da Luta Contra o Racismo foram
racial. um ponto de partida, e os conteúdos de
História da África e de História e Cultura
Afro-Brasileira apreendidos em pequenas
Ação e reação leituras, ou em cursos e palestras sobre a
Lei nº 10.639/2003 fortaleceram aqueles
Produziam representações teatrais como, agentes a enfrentarem a questão racial. Em
por exemplo, O navio negreiro, adaptação geral, naquelas escolas as práxis educativas
do famoso poema de Castro Alves por um estavam atentas à questão racial e tendiam
professor de História, encenada por estu- a considerar positivamente referenciais his-
dantes e funcionários do C.E. Montese, em tóricos, simbólicos e estéticos de matrizes
São Fidélis, RJ; ou assumiam posturas críti- africanas. Para muitas/os educadores era
cas, como uma aluna em peça de teatro no flagrante o quanto “cresceram” e modifi-
C.E Caetano Belloni, São João do Meriti, RJ: caram-se seus contextos pedagógicos: can-
ela representava uma escrava, mas que se tos, danças, e outras formas expositivas –
identificou como branca. Questionada a res- “cultura negra” – mereciam e precisavam
peito disse se sentir a vontade: “brancos tam- de visão crítica. Compartilhar, co-produzir
bém já foram escravos”; professores interes- essa mudança exigia, sempre, se preparar
savam-se e induziam estudantes a pesquisar melhor, vencer medos, inseguranças, correr
a “cultura negra”, a escreverem poemas e
riscos, ousar.
redações, a produzir desenhos, esculturas,
Mas onde há luz, há sombras. Assim
pinturas (algumas como o enorme painel
como Arautos da Consciência Negra se
– 8m x 6m – exuberante em criatividade
lançam e instigam espaços educacionais e
e refinado acabamento, de estudantes do
sociais à construção de uma nova Cultura
Colégio Estadual Clóvis Monteiro/RJ, orien-
de Consciência Negra, observei em minha
pesquisa uma “doença degenerativa” que
14 Apesar de discordância com aspectos funda- pode minar conquistas: a naturalização de
mentais de sua análise, vale referir, a respeito, lugares raciais, folclorização, e estigmas de
um texto de José Murilo de Carvalho (2000),
sobre como o brasileiro vê a si próprio como
variados tipos. Seja por medo ou preguiça
povo. Ele identificou orgulhos com o que chamou de efetivamente remexer/recriar suas práxis,
de motivos edênicos (bom clima, ausência de ou ainda por acreditarem que basta desejar
grandes catástrofes naturais, natureza pródiga para que tudo aconteça, é comum educa-
e bela, etc.), em detrimento do orgulho de si
dores menosprezarem iniciativas críticas,
mesmo como povo.

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transformadoras dos “conteúdos consolida- dão prioritariamente através de regulamen-


dos”, dos “saberes universalmente aceitos”, tação e de mecanismos burocráticos de fis-
etc. Cautelosamente ou ostensivamente se calização. Atualmente a ênfase para se al-
furtam à reflexão, à explicitação, ao debate. cançar certo grau de unidade nas redes de
Tal postura funciona como uma “sombra” da ensino passa mais por programas de livros
Cultura de Consciência Negra – a insustentá- didáticos e mecanismos – presenciais ou não
vel leveza do pós-racismo. – de atualização e formação continuada dos
Racialização e preconceito podem ser, educadores. Hoje, a própria Lei de Diretri-
sim, inconscientes, involuntários, indiferentes: zes e Bases da Educação Nacional prega
os negros são gente (claro!), mas... Negros! a necessidade de se construir autonomia em
Tudo neles é diferente, e é assim mesmo... unidades escolares, através dos chamados
Programas Políticos Pedagógicos (PPPs). No
fundo, essas mudanças podem ser vistas
A cultura de consciência negra nas quase que como “rendição” dos esquemas
escolas oficiais de mediação e controle pedagógi-
cos à diversidade das comunidades escola-
A partir da Lei nº 10.639/2003, a res, e/ou o reconhecimento de que isso pode
“chegada de Zumbi” – da História e Cultu- ser aproveitado positivamente, adequando-
ra Afro-Brasileira e de temas correlatos – à -se conteúdos e procedimentos didáticos às
escola deixou de ser uma dissidência, coi- “realidades” onde vão ser aplicados.
sa contra-a-lei, para ser coisa de Agentes- Isso já estava indicado na concepção dos
-da-Lei. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
Tornou-se um problema para órgãos e em 1997 e das Diretrizes Curriculares Na-
responsáveis na hierarquia dos sistemas edu- cionais que vieram na seqüência – a ideia
cacionais refutar ou menosprezar aquelas era fornecer visões gerais e estimular discus-
temáticas, resguardando hegemonias e inte- sões sobre aspectos filosóficos, sociológicos,
resses através de currículos, conteúdos e até psicológicos da Educação, e subsidiar (não
certos procedimentos pedagógicos, em nome impor) inovações curriculares e de outras
de um universalismo oco e inconsistente, de práticas educacionais. E quando da publi-
“saberes universalmente aceitos” e “conteú- cação desses parâmetros já ficava clara a
dos consolidados”. Se já era difícil a simples intervenção do discurso da luta contra o
reprodução dos “valores dominantes”,15 da- racismo, que crescera e se aprimorara nas
das as características dos sistemas educa- duas décadas anteriores, nas partes que tra-
cionais e variedades locais, regionais, cir- tam da Pluralidade Cultural. Esse é um as-
cunstanciais em que se processa o fenômeno pecto importante do contexto institucional e
educativo, a partir da Lei nº 10.639/2003, político educacional, em que vão acontecer
ficou mais difícil ainda. as iniciativas principalmente de educadores
É importante considerar nesse novo con- realizando os eventos de Consciência Negra
texto, que os esforços de controle dos órgãos nas escolas.
centrais dos sistemas educacionais sobre as
práticas pedagógicas nas escolas já não se

15 A esse respeito é clássico o trabalho de CURY,


1985.

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A “sombra” da consciência negra – e em suas formas de apresentação, assim


o pós-racismo como sem a devida auto-crítica de procedi-
mentos racializados, e efetivo enfrentamento
Como estará a efetiva capacidade de de tais manifestações?17
enfrentamento do preconceito e da discri- Será que valeria a paródia: querer não
minação racial nas escolas, quase 10 anos ser racista já é não ser, ou querer combater
após a Lei nº 10.639/2003, e às Diretrizes o racismo já é combater? Fica a interroga-
Curriculares Nacionais para a Educação ção, porque é comum encontrar nas escolas
das Relações Étnico-Raciais? Não é esse o (e na sociedade em geral) quem pretenda
objetivo final? tê-lo superado, pela simples admissão do
Nas visitas às escolas, além das entre- problema e o envolvimento episódico com
linhas de depoimentos cautelosos de educa- o tema. Este tipo de sentimento foi expres-
doras, pude observar que nem todas se en- so, ou ficou subentendido diversas vezes.
volviam nas atividades. Havendo, inclusive, Foram os casos de diversos dirigentes dos
os/as que manifestavam visível desconforto
sistemas de ensino e diretores de escolas,
e até contrariedade. Embora variando de um
além de muitos educadores, mais incomo-
para outro local me parece possível empiri-
dados com o tema da pesquisa, do que
camente falar de duas tendências principais:
com a possibilidade de o problema existir
educadores e programações que abordam a
na escola.
questão racial, falam em Consciência Negra,
A meu ver, não é ruim o desejo de cada
na “valorização do negro e da cultura negra”
– o 20 de Novembro é o seu principal estan- um desses importantes agentes18, o problema
darte – e postulam a inclusão dessas temáti- é a rapidez e facilidade com que imaginam
cas via pluralidade cultural, multiculturalismo superar uma questão política e culturalmen-
e outros eufemismos nos Programas Político- te tão complexa. Seriam essas equipes de
-Pedagógicos;16 e educadores e programa- educadores capazes de manter a susten-
ções que negam, omitem ou se mostram indi- tabilidade do processo de superação do
ferentes. Onde chegarão estas divergências? preconceito e da discriminação racial na
escola? Há uma luta, surda muitas vezes,
entre os envolvidos – educadores, e demais
Considerações finais membros da comunidade escolar – que al-
cançam mais e mais clareza dos significa-
O preço da liberdade não é a eterna vi- dos de seus movimentos e produzem efeti-
gilância? Pois é: estamos atentos à naturali- vamente uma nova Cultura de Consciência
zação-banalização dos eventos de Consciên- Negra, e outros que contam com a pesada
cia Negra, sem mudanças em conteúdos
17 Semelhante ao que tem insistido a pedagogia
16 Os PPPs devem ser produzidos em cada escola. da diversidade: a tematização de procedimen-
Devem expressar a visão e o compromisso das tos respeitosos ao meio ambiente, às diferenças
comunidades escolares de como devem ser im- de gênero e opções sexuais, etc.
plementados seus processos pedagógicos. Sua 18 O Diretor do CE Abu Daibes, em São Fidélis-
elaboração, ao mesmo tempo deve considerar a -Cambuci, município do noroeste do Rio de
especificidade das escolas e atender ao que é pre- Janeiro, por exemplo, mostrou enorme boa von-
conizado pela LDB e pelas Diretrizes Curriculares tade, deslocando-se até o CE Montese, no mes-
Nacionais, assim como às orientações que ema- mo município, mas muito distante de sua escola,
nam dos órgãos centrais do sistema educacional a e também muito orgulho do que havia realizado
que estão vinculados – SEEs, SMEs e CEEs, CMEs. sua equipe pedagógica e seus alunos.

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tradição brasileira de modernização conser- ções. Quantos/as estariam, ainda, aferra-


vadora, e se calam, se encolhem, esperan- dos a razões e credos racistas, e tendem a
do passar “essa onda”. Poucas/os são os/ aceitar formalmente (apenas formalmente)
as que, crentes na inexistência do racismo, as argumentações e a tolerar sem mais po-
ou que não crêem na sua gravidade na lêmicas os eventos e debates? E aquele tipo
sociedade brasileira, reagem abertamente comum, de discurso e comportamento hábil
e defendem suas posições – o que seria, que aproveita a própria “onda” de eventos
também, uma forma de partilhar a constru- e discussões para afirmar que “havendo
ção da Cultura de Consciência Negra, do ou não havendo, agora não haverá mais:
espaço de desvendamento e superação do todos estamos conscientes e pronto”? 19
campo de poder racial. Para esses, o Dia da Consciência Negra
As/os renitentes “democratas raciais” pode ser feriado e ter espaços na mídia,
me lembram Roberto da Matta (1997), quan- em discursos, currículos e livros didáticos,
do este afirma a impossibilidade de se falar contanto que, no cotidiano, tudo permane-
da condição igualitária, universal, de cida-
19 Vale lembrar o contexto da pesquisa realizada
dania em universos sociais com profundas
por Ana Célia da Silva, no livro Desconstruin-
clivagens histórico-culturais. Para ele a mo- do a discriminação do negro no livro didático
dernidade eliminou “estruturas de segmenta- (Edufba, 2001): educadoras são os sujeitos. O
ção”, mas aspectos conservadores persistem trabalho inicia-se com uma releitura de livros
didáticos utilizados pelas educadoras. A auto-
no caso brasileiro, com “a força que sem-
ra identifica o preconceito nas visões e falas
pre têm as coisas que estão fazendo pres- das educadoras e lhes apresenta a sua visão
são invisível, como verdadeiras eminências do quanto há de estereótipos negativos sobre
pardas dos processos sociais” (DA MATTA, o negro que elas não perceberam; depois as
educadoras (que se mostraram chocadas) par-
1997, p. 87). Esse tipo de formulação aju-
ticipam de seminários e diálogos de análise da
da a pensar o momento atual, em que se ideologia nos materiais pedagógicos; por últi-
tornou aguda a polaridade racismo x anti- mo fazem a avaliação do que representaram
-racismo – uma “pressão do bem” sobre to- para elas os novos aprendizados, e são esti-
das as certezas! muladas a reescrever as partes dos textos em
que identificaram estereótipos negativos sobre
Se o pensamento e as práticas sociais o negro. Na introdução a autora comenta que
daqueles assumidamente “democratas ra- o trabalho foi rejeitado pela maioria das edu-
ciais”, que discutem e se posicionam ainda cadoras assim que souberam do que se tratava,
são um problema, pior se mostra a insusten- e pela diretora “que achava a pesquisa irreal,
porque iria investigar algo que não existe no
tável leveza do pós-racismo: a presunção Brasil, o racismo” (SILVA, 2001, p. 28). Pre-
de superação rápida e inconsistente do ra- ciosas, também, são a pesquisa e análise em-
cismo. É a prática insidiosa dos que, mais preendidas por Eliane Cavalleiro, Do silêncio
do que se livrar dele (não existe, ou não é do lar ao silêncio escolar (Contexto, 2000). A
autora, que não deixou claro para as educado-
tanto, não é tão importante), pretendem se
ras que seu enfoque eram as relações raciais
livrar da discussão e das tensões. na escola teve a oportunidade de vivenciar e
Assim como é crucial monitorar e te- documentar situações de conflito entre as crian-
matizar continuamente desrespeitos ao meio ças e destas com as educadoras. Documentou,
também, a forma descontraída como as edu-
ambiente, às diferenças de gênero e opções
cadoras tratavam a questão racial e suas falas
sexuais, etc., não se pode “dar mole” às eivadas de preconceitos e estereótipos anti-ne-
mistificações dos racialismos e racializa- gros. Sequer se sentiam inibidas pelo fato da
própria pesquisadora ser negra de pele escura.

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ça “normal”. Foi olhando para outro lado, DA MATTA, Roberto. Cidadania: a questão
mas pensando nesse tipo de situação que da cidadania num universo relacional.
poetou Solano Trindade:20 In: A casa e a rua – espaço, cidadania,
mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro:
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20 Solano Trindade (1908-1974) nasceu em Recife
e participou da criação da Frente Negra Per- MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando
nambucana. Poeta, militante comunista, criou o racismo na escola. 3. ed. Brasília: MEC.
nos anos 40 junto com Margarida Trindade, o Secretaria de Educação Fundamental,
Teatro Popular Brasileiro (TPB), depois Teatro Po- 2001.
pular do Negro (TPN).

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GÊNERO E RAÇA NA PERSPECTIVA DA
REDISTRIBUIÇÃO E DO RECONHECIMENTO

Márcia Carbonari*

Não somos nada sem direitos. apresentamos objetiva apresentar gênero e


Os direitos não são nada sem nós. raça na perspectiva da redistribuição e do
Nesse caminho não temos feito nada mais que começar.
reconhecimento, como coletividades bivalen-
Joaquin Herrera Flores
tes e que remetem a uma redefinição do con-
ceito de justiça e de realização dos direitos
humanos.
Na atuação dos movimentos sociais, nas
abordagens das ciências sociais e na ação
dos próprios grupos de mulheres e grupos
Gênero e raça: coletividades bivalentes
étnicos existem os que acreditam que a re-
distribuição de bens materiais é suficiente
Para os grupos étnico-raciais não é su-
para alterar as condições de desigualdade.
ficiente pensar a oferta de acesso à educa-
De outro lado, existem os que defendem que
ção se essa não vier acompanhada de uma
os problemas sociais podem ser reduzidos
valorização da sua cultura e da sua identi-
a uma dimensão cultural. Recentemente o
dade. Assim também, não basta à mulher
avanço nos estudos sobre essas temáticas
ter acesso aos mais altos cargos se a divi-
apontam para perspectivas de abordagem
são entre trabalho produtivo e reprodutivo
mais abrangentes. Verificou-se que as abor-
não for questionada.
dagens binárias que desvinculam as condi-
Desta forma, as questões relativas a equi-
ções materiais das condições culturais não
dade de gênero se deparam com questões
são mais suficientes para o desenvolvimento
que envolvem aspectos econômicos (mate-
das lutas sociais e avanço na garantia dos
riais), como exemplo, a divisão entre trabalho
direitos humanos. Neste sentido, o texto que
assalariado e trabalho doméstico, a dispari-
dade salarial, etc. Romper essa diferenciação
* Licenciada em História (UPF), especialista em Direi- econômica-redistributiva implica na elimina-
tos Humanos (IFIBE), mestranda em educação do ção da diferenciação entre os gêneros. Por
PPG Educação da UPF e educadora na Comissão
outro lado, a questão de gênero também se
de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF).

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volta para o aspecto valorativo e identitário, [...] gênero e raça são bivalentes, im-
onde culturalmente se valoriza mais carac- plicados ao mesmo tempo na política
da redistribuição e na política do re-
terísticas masculinas e menos as femininas, conhecimento. Ambos, conseqüente-
implicando, por exemplo, na aceitação da mente, enfrentam o dilema da redistri-
violência contra a mulher como algo natural. buição-reconhecimento. As feministas
Neste sentido, a valorização da mulher de- devem buscar remédios que dissolvam
a diferenciação de gênero, enquan-
manda um processo de reconhecimento do
to buscam também remédios culturais
feminino. que valorizem a especificidade de uma
Assim também acontece com a luta con- coletividade desprezada. Os anti-racis-
tra o racismo. A “etnia/raça” estrutura a tas, da mesma maneira, devem buscar
remédios econômico-políticos que dis-
divisão do trabalho na nossa sociedade,
solvam a diferenciação “racial”, en-
onde dentro do trabalho remunerado exis- quanto buscam também remédios cultu-
tem diferenças de ocupações entre os/as rais que valorizem a especificidade de
ditos “de cor”. Essa diferenciação se man- coletividades desprezadas (FRASER,
2006, s. p).
tém pela forma colonialista em que nossa
sociedade ainda se estrutura. O resultado
Sem enfrentar o debate no âmbito da
dessa estruturação econômico-política é a
redistribuição e do reconhecimento, as ques-
exclusão e a exploração baseada na dife-
tões de gênero e étnico-raciais resultam em
renciação étnica. Por outro lado, a etnia
uma endemia permanente de subordina-
abarca uma dimensão cultural-valorativa.
ção cultural e econômica. Segundo Fraser
Temos um déficit de reconhecimento quando
(2001), enfrentar os dilemas colocados para
colocamos apenas uma cultura e uma etnia
a temática de gênero e étnico-raciais implica
como sendo a que é válida e legítima, quan-
em mudanças na economia política e na cul-
do não valorizamos ou não reconhecemos
tura a um mesmo e só tempo.
a contribuição das demais e diversas cul-
turas e etnias ou então quando atribuímos
estereótipos depreciativos a determinadas Um conceito bidimensional de justiça
culturas e etnias. com direitos humanos
Isso nos remete a tese de que gênero e
raça devem contemplar aspectos de redistri- A ampliação dos direitos humanos das
buição quanto de reconhecimento, pois são mulheres provocou mudanças significativas
coletividades bivalentes. Essa tese baseia- na sociedade, dentre essas mudanças, po-
-se na reflexão da filósofa Nancy Fraser demos destacar a responsabilidade do po-
que concebe que essas ambivalências elen- der público em identificar as situações reais
cadas acima indicam a não realização da de discriminação e desigualdade que atin-
justiça social e por conseqüência da não rea- gem as mulheres e na criação de condições
lização dos direitos humanos. Para Fraser, de exercício da cidadania. A Lei Maria da
os conceitos de gênero e raça são coletivi- Penha pode ser considerada um exemplo
dades bivalentes, ou seja, sofrem injustiças dessa mudança. Sem dúvida, a reivindica-
tanto no âmbito econômico quanto no cul- ção das mulheres por serem incluídas e res-
tural/simbólico. Neste sentido, as políticas peitadas num mundo que até então era ex-
e ações para remediar esses problemas de- clusivamente masculino, exige reflexões e
vem contemplar a redistribuição e o reco- debates nem sempre fáceis e consensuais.
nhecimento: Por outro lado, persiste a constatação de

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que apesar do grande avanço nas leis, nas Fraser, ao analisar as demandas por
condições de vida das mulheres persiste justiça social, percebe que as demandas
uma cultura machista e patriarcal. As mu- se apresentam de dois tipos e muitas vezes
lheres têm acesso ao estudo, aos cargos em pólos opostos: de um lado as demandas
eletivos, aos serviços de saúde específicos por reconhecimento que reclamam a singu-
e postos de trabalho, porém isso não re- laridade e a diferença, de outro as deman-
percute em melhores condições de vida em das por redistribuição que buscam a distri-
relação aos homens. As mulheres mesmo es- buição mais equânime dos recursos e bens
tudando mais, continuam ganhando menos materiais e imateriais. No contexto atual de
que os homens, poucas são as que ocupam globalização e de sociedades complexas e
cargos de chefia nas empresas e mesmo que plurais, o conceito de justiça deve ser revi-
tenha ampliado a quantidade de mulheres sitado, segundo Fraser:
em cargos políticos esse número ainda é re-
duzido. Constata-se que não basta incluir as O que é preciso é uma concepção am-
pla e abrangente, capaz de abranger
mulheres sem se perguntar de que modo se pelo menos dois conjuntos de preocupa-
dá a inclusão. Para que as desigualdades ções. Por um lado, ela deve abarcar as
de gênero sejam enfrentadas são necessá- preocupações tradicionais das teorias
rias ações de cidadania ativa colocando as de justiça distributiva, especialmente a
pobreza, a exploração, a desigualda-
mulheres como protagonistas de suas pró-
de e os diferenciais de classe. Ao mes-
prias histórias, unindo a valorização das mu- mo tempo, deve igualmente abarcar as
lheres e a mudança das condições concretas preocupações recentemente salientadas
de vida. pelas filosofias do reconhecimento, es-
Com relação às reivindicações em tor- pecialmente o desrespeito, o imperialis-
mo cultural e a hierarquia de estatuto.
no do tema da construção de relações ét- Rejeitando formulações sectárias que
nico-raciais de respeito e igualdade ganha caracterizam a distribuição e o reco-
força, pelas diversas medidas que buscam nhecimento como visões mutuamente
sanar a histórica invisibilidade da contri- incompatíveis da justiça, tal concepção
tem de abrangê-las a ambas. O resul-
buição dos diversos povos e culturas na
tado seria uma concepção bidimensional
construção da história e da sociedade bra- de justiça, o único tipo de concepção ca-
sileira, ações como a Lei nº 11.645/2008 paz de abranger toda a magnitude da
que incluiu no currículo oficial da rede de injustiça no contexto da globalização
ensino a obrigatoriedade da temática “His- (2002, p. 5).
tória e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
A política de cotas, como ação afirmativa No que tange as demandas por justiça
no âmbito de coletividades onde gênero e
e recentemente julgada constitucional pelo
raça são o foco da análise, nem redistribui-
STF, e leis que coíbem o preconceito e a
ção, nem reconhecimento por si só e desar-
discriminação baseada na etnia são con-
ticulados enfrentarão satisfatoriamente as
quistas importantes para o movimento ne-
injustiças cometidas e poderão ser espaços
gro, as minorias culturais, a população in-
de realização dos direitos humanos. Desse
dígena. Porém, ainda permanecem muitos
modo, a tarefa é articular “redistribuição e
gargalos que precisam ser superados com-
reconhecimento” como dimensões da justiça.
batendo duplamente o déficit de cidadania
Fraser nos propõe usarmos uma lente bifocal
e de desrespeito aos direitos humanos des-
– a da distribuição e do reconhecimento –
sa população.

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que sobrepostas apresentam a justiça como Considerar os direitos humanos como


uma dimensão de distribuição justa e de re- resultado das lutas emancipatórias dos sujei-
conhecimento recíproco. tos humanos por uma vida digna e como en-
Dessa mirada, frentamento dos contextos inviabilizadores
resultam na noção de que não são prontos,
A justiça surge então como uma cate- são construídos historicamente e, justamen-
goria bidimensional que abrange am- te, por não caírem do céu e ser um dado,
bos os tipos de reivindicação. Desta necessitam que se coloquem em prática pela
perspectiva bifocal, torna-se desneces-
sário optar entre uma política de re-
ação dos seus destinatários: os seres huma-
conhecimento e uma política de redis- nos. Neste sentido, falar de direitos huma-
tribuição, impondo-se, pelo contrário, nos e de realização da justiça é falar da
uma política que abarque os dois as- condição dos sujeitos humanos, de suas ex-
pectos (FRASER, 2002, p. 6). pectativas, seus modos de pensar e agir, os
contextos e culturas que estão inseridos, os
Os direitos humanos como realização interesses antagônicos em jogo, os valores
da justiça social neste horizonte e, enquanto e estratégias políticas e sociais postos em
conteúdo crítico e rico, coloca-se na estei- ação, os processos de socialização e educa-
ra de necessidade de preservar os aspectos ção desencadeados.
emancipatórios que unem reconhecimento Neste sentido, é necessário nos afastar
e redistribuição como luta pela dignidade de uma concepção abstrata e essencialista
humana. Realizar os direitos humanos numa de ser humano que o encarcera em limites
perspectiva de justiça bidimensional impli- pré-estabelecidos e determinados. Os direi-
ca em entendê-los como processos de luta tos humanos tem como núcleo a idéia de
por dignidade humana que visam superar dignidade humana. A dignidade não pode
as hierarquias e as desigualdades que im- ser dada de antemão, pois é também um
pedem a obtenção para todos e todas dos construído, que se faz concreta no mesmo
bens materiais e imateriais que a humani- instante que o ser humano se faz humano,
dade produz. Para Herrera Flores, defensor se humaniza, se constitui humano. Dessa for-
de uma teoria crítica dos direitos humanos, ma, universalizar as condições para que to-
a dignidade humana é um fim material. Tra- dos e todas possam desencadear processos
ta-se de um objetivo que se concretiza no sociais, políticos, culturais, jurídicos e econô-
acesso igualitário e generalizado aos bens micos de luta pela dignidade é o que melhor
que fazem com que a vida seja digna de ser define os direitos humanos e a realização
vivida. da justiça.

Entenda-se por dignidade não o simples


acesso aos bens, mas que tal acesso Gênero e raça: conteúdo à luta pela
seja igualitário e não esteja hierarqui- dignidade humana
zado ‘a priori’ por processos de divisão
do fazer que coloquem alguns, na hora
As lutas baseadas na superação das in-
de ter acesso aos bens, em posições
privilegiadas, e outros em situação de justiças de gênero e étnico-raciais dão con-
opressão e subordinação (HERRERA teúdo à luta pela dignidade humana como
FLORES, 2009, p. 37). realização da justiça. A dignidade, neste
sentido, não se trata apenas do ponto de

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chegada, mas do ponto de partida que se Referências bibliográficas


configura na medida de que pessoas e gru-
pos enfrentam seus contextos inviabilizado-
CANDAU, Vera. Multiculturalismo e Direitos
res, contrários as suas expectativas e ne-
Humanos. In: BRASIL. Construindo a cida-
cessidades. A dignidade humana se revela dania: desafios para o século XXI – Capa-
aqui não como um dado, nem como um citação em rede. Recife: Rede Brasileira de
produto acabado, mas vai se construindo Educação em Direitos Humanos, 2001.
e se concretizando no processo de efetiva- p. 43-48.
ção do acesso ao que se considera como
FRASER, Nancy. A justiça social na globa-
indispensável a uma vida digna e justa.
lização: redistribuição, reconhecimento e
Gênero e raça como coletividades biva- participação. Revista Crítica de Ciências
lentes apontam para contextos duplamente Sociais, n. 63, p. 7-20, out. 2002.
inviabilizadores da realização da dignida-
de humana. Essas coletividades são afeta- _____. Da redistribuição ao reconhecimento:
das por violações dos direitos humanos no dilemas da justiça na era pós-socialista.
Disponível em: <www.fflch.usp.br/da/
âmbito econômico-distributivo e cultural-va-
arquivos/publicacoes/cadernos_de_cam-
lorativo. A defesa da dignidade humana,
po/vol14-15_n14-15_2006/cadernos_
neste caso, requer uma visão e uma atua- de_campo_n14-15_231-239_2006.pdf>.
ção norteada por um conceito alargado de Acesso em: 28 fev. 2012.
direitos humanos como realização da justi-
ça que contemple o enfrentamento da desi- HERRERA FLORES, Joaquín. A (re)invenção
gualdade, da exploração e da pobreza arti- dos direitos humanos. Florianópolis:
Fundação Boitex, 2009.
culado ao enfrentamento da discriminação,
do desrespeito e da hierarquização cultural.
O caráter emancipador dos direitos hu-
manos nos invoca a não apenas caminhar,
como também em construir o caminho apar-
tando as pedras que se apresentam. Não
será nos desviando dos obstáculos que che-
garemos mais rápido, mas os enfrentando
e os transformando em realidades melho-
res. A luta pela efetivação da dignidade
humana tendo como base o combate as in-
justiças de gênero e raça são caminhos lon-
gos e árduos, muito já andamos, mas muito
ainda precisamos andar para que todos e
todas possam por si mesmos construir seus
caminhos. Continuemos a caminhar!

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O IMPERATIVO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS
NO BRASIL

Edson Borges*

O movimento social negro brasileiro co- go que as ideologias e, provavelmente, tão


locou na agenda nacional a discussão sobre antigo quanto a história da humanidade. E
a “questão racial”, há muito focada como não é prerrogativa das relações dos euro-
uma grave questão nacional. E, que com as peus e americanos com outros povos.
Convenções e o Direito internacional ganha Histórica e socialmente, as interações
ramificações globais. O foco nestas ques- entre escravidão e racismo são bastante
tões deve exigir uma revisão das condições complexas e sutis. Certamente, e escravidão
nas quais os debates sobre a modernidade legou teorias e práticas racistas, mas isto não
(e a modernização) brasileira têm sido ela- quer dizer que a discriminação e os precon-
borados, levando a discussão sobre a ques- ceitos atuais sejam somente conseqüências
tão da exclusão social e das desigualdades dessa tradição. Essas ideologias racistas
a outros parâmetros, como a “raça”, exigin- não causam práticas racistas, mas as me-
do a luta por políticas públicas visando a deiam, na medida em que as tornam com-
justiça social e a cidadania plural. preensíveis. Discriminação racial é uma ca-
Sabemos que na espécie humana o con- racterística da sociedade atual, onde ‘raça’
ceito de raça não tem muita valia. Pois, a es- (seja sob a arquitetura jurídica do finado
trutura das populações humanas é extrema- Apartheid sul-africano, seja sob a arquitetu-
mente complexa e varia de região a região, ra histórica, social, da igualdade jurídica da
de povo a povo. Por isso, existem sempre “democracia racial” e mestiçagem brasilei-
nuanças, devidas a contínuas migrações ra) é um dos instrumentos sociais para ex-
entre e através das fronteiras de cada na- cluir os negros ou não-brancos da cidadania
ção, que tornam impossíveis as separações completa.
precisas. No entanto, o racismo é mais anti- Desde o início da aventura histórica da
terra brasilis, que as condições de repro-
dução social dos africanos escravizados
* Mestre em Antropologia Social pela USP e douto-
tornou-se um fator inicial que levou os seus
rando em História no Programa de História Com-
parada da UFRJ.
descendentes a se constituíram nos brasi-

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leiros mais desfavorecidos em comparação tores que impedem a implantação do postu-


com aqueles que aqui chegaram sob con- lado de “oportunidades iguais para todos”.
dições de comando e beneficiários diretos Este fato interfere diretamente na aplicação
da sociedade, das relações de poder e de justa dos “princípios da isonomia e do mé-
produção escravistas então instauradas, am- rito” e dos “direitos iguais”, porque as re-
bas fundamentadas em uma alegada supe- lações sociais estão pautadas por linhas de
rioridade biológica e cultural, conjugada à cor visíveis e “invisíveis”, desenhadas e re-
crença na existência de uma supremacia ra- desenhadas ao longo da formação nacional
cial objetiva. Desta maneira, tempo e con- brasileira. A cor da pele foi (e é) tão relevan-
dições privilegiadas de adaptação e repro- te que permanece crescente as distâncias só-
dução de diferenciações sociais, de renda cio-econômicas e culturais entre “negros” e
e educacionais tiveram – comparativamente “brancos” no Brasil. Cerca de 5 mil famílias
com os não-brancos – os integrantes das di- brasileiras concentram 40% das riquezas
versas camadas sócio-raciais daqueles con- nacionais. Somados, os patrimônios desses
siderados “brancos”. contribuintes passa de R$ 1 trilhão de reais.
Quanto aos africanos escravizados e, Cerca de 10 mil famílias concentram um
posteriormente, afro-brasileiros ou afrodes- patrimônio entre 10,980 milhões e acima
cendentes – mêsmo tendo participado ati- de 102,960 milhões de reais. OBS.: O PIB
vamente das lutas contra a escravidão e o brasileiro (em 2007) foi de US$ 1,8 trilhão
racismo, e pela cidadania pós-abolição –, de dólares, para uma população de cerca
as inúmeras desvantagens iniciais se crista- de 187,3 milhões de brasileiros.21 O con-
lizaram e se avolumaram ao longo de mais sumidor negro brasileiro tem sofisticado as
de três séculos e meio de regime social e suas compras. Dados recentes do instituto de
econômico escravista (1535-1888) e, se pesquisa DATA POPULAR, os negros brasilei-
acentuaram desde a Abolição da Escravi- ros vão movimentar o significativo valor de
dão (1888) e da Proclamação da República R$ 673 bilhões no ano de 2011. Em 2009,
(1889), até o presente, com o imperativo este valor foi de R$ 584 bilhões, e em 2004,
da sociedade de classes, do regime de tra- foi de R$ 370 bilhões. Mas, as diferenças
balho livre, capitalista e da globalização e, entre negros e brancos, em termos de ren-
mesmo sob a salvaguarda jurídico-política dimento salarial e educação, ainda fazem
dos direitos iguais, dos princípios da isono-
com que o padrão de consumo dos negros
mia e do mérito. Portanto, há no Brasil, his-
seja inferior. Por pertencerem em maioria às
tórica e socialmente, uma estrutura social de
classes C, D e E, os negros recebem salários
poder baseada em desigualdades de clas-
menores e isso puxa a média salarial do gru-
ses, relações pessoais, ideário liberal uni-
po para baixo. O levantamento do instituto
versalista, compadrio e privilégios, forças
considerou uma base de dados com 18 mil
modernas pró-igualdade versus forças tradi-
pessoas, em um universo de 99,8 milhões
cionais pró-hierarquia diante da história e
de brasileiros (51,7% da população), que se
atual reprodução de uma das maiores de-
declararam negros ou pardos na Pesquisa
sigualdades sócio-étnico-raciais do mundo.
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
Desde o início, então, no Brasil etnia
do IBGE em 2009.22
e cor da pele e outras características sócio-
-físicas (apesar da presença de “mulatos”
21  Folha de São Paulo, 03 de abril de 2008, p. B4.
e negros em posições sociais de destaque,
22  Letícia Casado. “Consumidor negro sofistica com-
mas que dificilmente conquistam posições de pras”. Valor Econômico, Tendências & Consumo,
prestígio e poder) tem se constituído em fa- 08 de novembro de 2011, p. B4.

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Assim sendo, somos levados a crer que ção branca apresenta um IDH quase alto.
vivemos um contexto onde se impõe a ne- Apenas no Nordeste, a região mais pobre do
cessidade de remexer no legado de nossos país, a população branca brasileira apresen-
ancestrais: os pilares do edifício social, o ta um IDH médio. No caso da população
fundamento e a gênese da formação, re- negra e mestiça, porém, não existe nenhu-
produção e transmutação da elite brasilei- ma região do nosso país em que ela tenha
ra, que se reatualizam e se refazem sob um IDH elevado: nas regiões Sudeste, Sul e
os mantos das meta-narrativas nacional da Centro-Oeste e nas áreas urbanas da região
mestiçagem, do mito da ‘democracia ra- Norte, o IDH da população afro-descenden-
cial’ e da sociedade de classes capitalista te brasileira apresenta-se como médio, e no
brasileira contemporânea. Sob o mito da Nordeste, médio-baixo. Entretanto, é neces-
democracia racial brasileira, escondem-se sário ressaltar que em três Estados dessa re-
diferenças brutais entre as condições de gião – Maranhão, Piauí e Alagoas – o IDH
vida das populações negra e branca, em dos negros é de nível quase-baixo. Decorri-
relação à mortalidade infantil, expectati- dos 123 anos da Abolição da Escravatura,
va de vida, níveis de educação e de renda, os negros continuam em franca desvanta-
taxa de desemprego, etc. Também os índi- gem em todas as regiões do país. Assim,
ces sociais de bem-estar relativos aos mes- nas regiões e estados onde o IDH é mais
tiços (salário, educação, moradia, saúde, baixo, a baixa qualidade de vida pune de
longevidade, etc.) os aproximam muito mais forma mais dura os afro-descendentes e, nas
das condições de vida dos negros do que regiões mais desenvolvidas os benefícios
dos brancos. gerados pelo processo de desenvolvimento
O economista Marcelo Paixão, da UFRJ, das últimas décadas são desfrutados, sobre-
vem se dedicando a aplicar o indicador de tudo, pelo contingente branco.
bem-estar chamado Índice de Desenvolvi- O abismo que separa os brasileiros bran-
mento Humano (IDH), para estudar as desi- cos dos de ascendência africana em termos
gualdades raciais no Brasil. Dados obtidos de rendimento médio familiar per capita,
pela combinação de índices de Rendimento, esperança de vida e nível de escolaridade
Longevidade (IL) e Educacional, medem as de adultos pode ser ilustrado também pelo
condições de vida da população de cada IDH desagregado por cor. Se fossem consi-
país. Análises quantitativas para o ano de derados como habitantes de um país à parte­
1998 constataram o seguinte. Sua escala os afro-descendentes ocupariam a 108ª po-
varia de 0 a 1 – quanto mais próximo de sição no ranking proposto pelo relatório do
um, melhor a qualidade de vida. Assim, nú- PNUD, enquanto os brancos deteriam a 48ª
meros superiores a 0,800 são considerados posição – o Brasil, em 2000, ocupava a 74ª
altos, entre 0,500 e 0,799, médios, e infe- posição entre os 162 países estudados. Essa
riores a 0,500, baixos. O IDH dos negros constatação traduz claramente a situação
brasileiros seria comparável ao dos países privilegiada – fruto de relações históricas e
mais pobres da África e bem abaixo do sociais desiguais que se reproduzem e cris-
IDH da população branca brasileira. Nas talizam na contemporaneidade – desfrutada
regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, o con- coletivamente pela população branca e a
tingente branco goza de IDH elevado. Nas clara desvantagem vivenciada pela popula-
áreas urbanas da região Norte, a popula- ção negra no Brasil.

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Assim sendo, o racismo e a discrimina- Dados do Instituto Brasileiro de Geo-


ção racial são fatores preponderantes (mas, grafia e Estatística – IBGE (Sínteses dos Indi-
não os únicos) das crescentes desigualdades cadores Sociais, 1998-2008) revelam que
brasileiras. Outro dado extremamente signi- os brasileiros pretos e pardos continuam mi-
ficativo é o que o custoso investimento em noria no seleto grupo do 1% mais rico do
educação que as famílias negras realizam, Brasil. Todavia, mostram que em 10 anos
não tem o retorno desejado. Pois, em igual- (1998 a 2008), cresceu de 8% para 15% a
dade de condições de escolaridade e expe- proporção dos que, dentro desta elite eco-
riência, trabalhadores negros recebem uma nômica, se identificaram como pretos ou
massa salarial de 30% a 40% menos que pardos. Tal faixa tinha, em 2008, 1,8 mi-
os brancos. Assim, qualificação, experiên- lhão de pessoas, cuja renda familiar era de
cia e conhecimento – considerados o capital R$ 7.259,00. No entanto, aquele pequeno
humano mais importante de um trabalhador aumento na distribuição da riqueza, não
no mercado de trabalho - não são suficien- apaga outro fato: entre os 10% mais po-
tes para garantir à população negra aces- bres, os autodeclarados pretos ou pardos
so aos melhores postos de trabalho. Dessa eram 74% em 2008, ante 72% dez anos
maneira, em 1999, a psicóloga social Ma- antes. (No total da população brasileira,
ria Aparecida Bento, do Centro de Estudos desde 2008, pretos e pardos representam
das Relações de Trabalho e Desigualdades 51%. Em 1998, eram 45%). Em 2008, se-
(CEERT), declarou que o país segue recusan- gundo projeção do Instituto de Pesquisa Eco-
do-se a reconhecer o investimento que meta- nômica Aplicada (IPEA), a quantidade de
de de sua população está fazendo e, inclu- negros (soma de pretos com pardos) irá su-
sive, sabota esse investimento, prejudicando perar a de brancos, indígenas e amarelos
o desenvolvimento humano não apenas dos no Brasil. E, desde 2010 são uma maioria
negros, mas do Brasil como um todo. absoluta entre os brasileiros. Na verdade,
É igualmente importante ressaltar que a esta projeção se assenta no seguinte: se
desigualdade racial entre negros e brancos as tendências de fecundidade continuaram
no Brasil, conforme mostram as estatísticas como nos últimos anos, desde 2010 o Brasil
oficiais, tem permanecido constante (quan- é um país de maioria absoluta de negros.
do não agravadas) nos últimos vinte anos, Todavia, como as taxas de fecundidade es-
período em que houve um progresso geral tão caindo também entre as mulheres negras,
para o conjunto da população. No merca- haverá uma estabilização da proporção de
do de trabalho, a segregação ocupacional
negros, talvez em torno de 50% da popula-
por raça, etnia e gênero continua presente.
ção brasileira (hoje estimada em cerca de
Segundo um relatório do Banco Interame-
189 milhões de habitantes).24
ricano de Desenvolvimento (BID), negros e
No campo da melhoria educacional, os
índios estão empregados em vagas de bai-
mesmos dados do IBGE mostram uma melho-
xos salários na América Latina. O BID reco-
ria da escolaridade de pretos e pardos. De
menda que governos e empresas privadas,
1998 a 2008, a proporção entre eles com
entre outras ações, empreendam “políticas
ensino superior completo no total de adul-
de ação afirmativa muito bem focadas e
tos (25 anos ou mais) passou de 2,2% para
direcionadas, além de programas de ca-
4,7%. Mas, a diferença para a população
pacitação e recapacitação para todos os
autodeclarada branca ainda é significati-
grupos discriminados”.23
23  O Globo, 12 de outubro de 2009, p. 15. 24 
Folha de São Paulo, 14 de maio de 2008, p. C1.

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va, pois esse grupo variou de 9,7% para pressivo da população, não deve significar
14,3%. A desigualdade no acesso à edu- o abandono de políticas universais. E, além
cação acaba se refletindo também na de- disso, beneficiaria a economia e a socieda-
sigualdade de rendimentos entre os grupos de capitalista brasileira como um todo.
raciais. Pois, no grupo com ensino superior Outros não negam que há um “racismo
completo ou incompleto, a renda média por à brasileira”, mas ressaltam que no Brasil
hora do trabalhador branco é de R$ 17,30. não cabe a bipolarização entre brancos
No caso de um trabalhador preto ou pardo e negros, pois devemos valorizar a mesti-
com escolaridade igual, é de 32% menor, çagem nosso fator diferencial. Criticam a
de R$ 11,80. Entre trabalhadores que com- importação de modelos de ações afirmati-
pletaram, no máximo, a quarta série do vas oriundos de contextos históricos e so-
ensino fundamental, também, se verifica ciais diferentes (como os EUA e a África
diferenças a favor dos brancos (média de do Sul). Defendem que o enfrentamento do
R$ 4,40 por hora) em relação aos pretos e “racismo à brasileira” deveria ocorrer atra-
pardos (R$ 3,30).25 vés de “políticas redistributivas” de caráter
universal. Porque, a mestiçagem tornou pra-
Estas conclusões mobilizam atualmente
ticamente impossível qualquer tentativa de
diversos segmentos sociais – movimento so-
classificação racial. Conseqüentemente, tor-
cial negro, cientistas sociais, historiadores,
naria impraticável políticas de discrimina-
geneticistas, políticos, advogados, juristas,
ção positiva a favor dos negros brasileiros.
artistas – estão envolvidos no debate sobre
Segundo o nosso ponto de vista, parece
“raças”, racismo, relações raciais, ações
não haver mais como frear a História. Como
afirmativas e políticas públicas no Brasil.
escreveu Stephen Jay Gould, “certamente po-
O movimento social negro conseguiu uma
demos evitar a linguagem do conflito racial
grande visibilidade sócio-política ao levan-
se jurarmos nunca falar sobre raça. Mas,
tar uma “agenda anti-racista racializada” então, o que vai mudar e o que será resolvi-
contra a discriminação, a violência e a ex- do?”. Ora, viver em sociedade requer per-
clusão racial. Entre um dos resultados de manentemente encarar e superar conflitos.
suas lutas anti-racistas, levará o Supremo Ou, como escreveu o filósofo Immanuel Kant
Tribunal Federal (STF), em 2012, a votar a (1724-1804), sem disputas não há progres-
constitucionalidade ou não das políticas de so. Esta é uma das lições da História: a vida
cotas raciais no Brasil. social e o fim da ação política não equiva-
Neste campo de lutas rivalizam-se aque- lem a nenhuma perfeição estática. A ação
les que buscam reavaliar e redefinir os fun- política do homem vivendo em sociedade
damentos da história, nação e sociedade deve, então, colocá-lo sempre em movimento.
brasileira, aproximando-se das noções de Chegou mais um momento de uma nova ge-
‘multiculturalismo’. Criticam os resultados ração de homens e de mulheres influencia-
das políticas universalistas e assimilacionis- rem o curso da História brasileira.
tas que se baseiam na defesa do intenso No que diz respeito ao enorme contin-
processo de miscigenação racial e cultural. gente de afro-brasileiros, é imperativo conju-
Advogam que a implantação de políticas gar medidas incisivas (educacionais, saúde,
focadas, em um segmento específico e ex- econômicas, distributivas, políticas, jurídicas
e sociais), que possam produzir resultados a
curto e médio prazos, as quais certamente
25  “Entre os mais ricos, pretos e pardos são 15%”.
Folha de São Paulo, 10 de outubro de 2009, tenderão a beneficiar a sociedade e o capi-
p. C 3. talismo brasileiro como um todo.

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PERCEBAM, QUE O TERRITÓRIO
NÃO TEM COR
ELE É COLORIDO, ELE É MULTICOLOR...

Leandro Gaspar Scalabrin*

Consideramos estas verdades evidentes por si sós, Os atuais marcos hegemônicos destas
que todos os homens foram criados iguais, divisões são incompatíveis com o discurso
que são dotados pelo Criador de alguns Direitos inalienáveis, dos Estados e das sociedades que dizem
que entre eles estão a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade”.
estar fundadas e fundamentadas nos direi-
De onde vem essa “busca da felicidade”
um tanto esquisita do famoso trecho inicial da tos humanos, na democracia racial e terri-
Declaração de Independência dos Estados Unidos? torial. Nestes marcos de divisões, a divisão
A fonte é John Locke, que afirmava que todos os homens possuíam os étnica e territorial estão em grande relevo.
direitos naturais da vida, da liberdade e da propriedade; No Brasil, o racismo de Estado, da épo-
esta última foi substituída por “busca da felicidade” ca na qual a escravidão era “legal” e se-
durante as negociações da redação da Declaração como forma de
res humanos eram “propriedade” de outros,
negar aos escravos negros o direito à propriedade.
ZIZEK, 2011, p. 64 transmutou-se em negação da existência do
racismo desde a abolição até meados do
século XX. A partir dos anos 1960 o reco-
Nascemos e vivemos necessitando a sa- nhecimento do racismo passou a ser objeto
de pesquisa na academia e motivador de
tisfação de um conjunto de bens materiais e
lutas contra a discriminação racial, pela de-
imateriais (para Locke a vida, a liberdade e
marcação de territórios e reconhecimento
a propriedade eram os mais importantes de-
de direitos étnicos por movimentos sociais.
les – considerando-os direitos naturais). O
Atualmente, o mito da superioridade
que a maioria dos autores não explicita é
branca já não encontra tanto eco na socie-
que a satisfação de nossas necessidades é
dade contemporânea, mais ainda há aque-
condicionada historicamente por situações
les que duvidam da existência do racismo...
de divisão social, sexual, étnica e territorial
As injustiças sociais e ambientais (e,
do fazer humano, que impõem acesso restri- portanto, as injustiças territoriais também)
to e desigual aos bens de que necessitamos. que recaem de forma implacável apenas
sobre determinados grupos étnicos, vulne-
* Mestre em Letras – Estudos Literários (UPF), advo- rabilizados ou não, e sobre outras comu-
gado do MST e do MAB, membro da CDHPF nidades, discriminadas por sua origem ou

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cor, configuram uma das faces atuais do Muitas são as situações regionais que
racismo, a qual tem sido chamada de racis- envolvem a posse e disputa do território e
mo ambiental. contém em si discriminação pela origem ét-
Racismo ambiental? – perguntará al- nica do grupo que disputa seus interesses
guém. Isso não existe! – logo concluirá. com o de outros grupos:
Não existe? Então nos façamos algu- – a situação dos moradores próximos
mas questões: de um rio na Rua Castanho da Rocha, em
Quem são as pessoas/sujeitos que mo-
Passo Fundo (pessoas humanas afrodescen-
ram nos bairros mais afastados da cidade,
dentes ou pobres), os quais não tem acesso
naqueles lugares onde as ruas não são calça-
das, não há saneamento básico, nos meno- aos mesmos recursos e equipamentos pú-
res terrenos, em habitações precárias, onde blicos dos moradores (com melhor poder
não há escola, praça, posto policial, creche, aquisitivo, brancos em sua maioria) da Av.
hospital, nem farmácia, quem são elas? Brasil no ponto próximo ao mesmo rio;
Quem são as pessoas/sujeitos que co- – as condições de moradia e a exposi-
letam e reciclam materiais, que moram pró- ção a riscos dos moradores dos bairros bei-
ximo do lixo ou ambientes poluídos por em- ra-trilho da antiga RFFSA, nos locais onde
presas ou estações de tratamento de esgoto? estes cruzam nossas cidades, situação que
Quem são as pessoas/sujeitos que mo- abarca centenas de milhares de pessoas
ram nas áreas de risco, próximo aos trilhos em todo o Brasil;
de trens, embaixo de redes de transmissão de – a discrepância no uso dos recursos
energia elétrica, nas beiras de rios e rodovias? públicos, quando o poder público investe
A análise empírica revelará que estas si-
de forma desigual na coleta seletiva do lixo,
tuações de injustiça social e ambiental não
por exemplo, gerando situações nas quais
recaem da mesma forma sobre toda a popu-
a população pobre fica exposta aos odo-
lação. Elas recaem apenas sobre determina-
dos grupos, os quais – em muitos casos – são res e vetores das Estações de Tratamento
grupos étnicos. Tratam-se então de pessoas de Esgoto, nas cercanias e limites das cida-
que estão sendo discriminadas por sua ori- des, enquanto que a população do “centro”
gem ou cor, embora a fundamentação do é beneficiada – só ela – com investimentos
discurso discriminador nunca invoque este como a lavagem de ruas ou a instalação de
argumento.26 A justificativa sempre é científi- caçambas para coleta seletiva;
ca, moral, jurídica, histórica, econômica, etc. – a poluição causada por grandes em-
presas multinacionais que escolheram o Brasil
26 Não assistimos mais cenas como a de Stephen A.
Douglas afirmando para Abraham Lincoln: “Sou
como destino, pois seus países de origem
contra a cidadania dos negros, de todas as formas não admitem mais este tipo de degradação
possíveis. Acredito que este governo foi construído ambiental e que, em nosso território, afeta
sobre uma base branca. Acredito que foi criado de forma distinta as várias classes sociais e
para os brancos e para suas gerações futuras,
para sempre. Sou a favor de restringir a cidada- grupos étnicos;
nia aos brancos, em lugar de concedê-la a negros, – a oposição feroz aos movimentos que
índios e outras raças inferiores” (ROTH, 2000, p. reivindicam a demarcação das terras tradi-
37). Nem encontramos mais, nos livros de história,
cionalmente ocupadas por indígenas e qui-
referências como as de Francisco Oliveira sobre
a “malta de índios que permaneciam rebeldes à lombolas, direito reconhecido como “origi-
catequese”, ou “horda de celerados” cuja extin- nário” pela Constituição Federal de 1988,
ção – através de perseguição e morte – “pesou de modo a preponderar sobre qualquer di-
no ânimo dos poucos índios que permaneciam na
reito adquirido, mesmo os materializados
vida selvagem” (OLIVEIRA, 1990, p. 73-79).

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em escrituras públicas ou títulos de legiti- pre um papel relevante. Nem todos interes-
mação de posse em favor de não-índios ou ses são garantidos/legitimados pela lei,
não-quilombolas.27 assim como nem todos direitos são assegu-
Neste contexto, o conceito de racismo rados na prática/realidade.
ambiental permite visibilizar a forma atual A memória coletiva, através de seus ri-
na qual se reveste o racismo em nossa so- tuais e símbolos, biografia e historiografia,
ciedade: nas injustiças territoriais, ambien- materializada em nossos monumentos, dias
tais e sociais. Insisto nisso, pois o discurso comemorativos, bandeiras, canções, culto
dos direitos humanos afirma que somos to- a determinados mortos (com seus nomes em
dos iguais e que temos os mesmos direitos, ruas, escolas e praças), têm forjado uma
ou seja, que estes deveriam ser universais. identidade coletiva que tende a conciliar o
Ao mesmo tempo, reconhece a propriedade inconciliável em nossa sociedade: as recor-
privada – forma material da apropriação dações antagônicas e contrapostas dos in-
e exploração do trabalho do homem pelo vasores europeus, indígenas massacrados,
homem – como um direito humano. Desta africanos escravizados, trabalhadores muti-
forma, só deveriam existir desigualdade so-
lados e assassinados.
ciais, decorrentes da diferença de proprie-
A ocupação e divisão do território re-
dade e renda que cada pessoa humana
gional não é simbolizada como um processo
possui; ser mais rico ou pobre. Todavia, in-
de luta antagônica, na qual ocorreu a ex-
dependente das diferenças sociais, o Esta-
propriação das terras e da liberdade dos
do deveria dar igual tratamento a todos. É
habitantes originários e dos africanos pelos
isto que realmente ocorre? Nos casos que
brancos cristãos europeus através da vio-
citamos acima, além da desigualdade so-
lência. Não é assim que lembramos nosso
cial (que seria natural), também não uma
passado.
desigual distribuição dos recursos e equipa-
mentos públicos? A história dos pobres, dos escraviza-
Se esta atenção desigual existe, é por- dos, dos kaingangs, o indizível para a his-
que a sociedade não esta realmente funda- tória oficial e para a memória coletiva, o
da nos direitos humanos. As relações sociais trauma, o recalcado, está registrado, não
ainda ocorrem mediante conflitos; a consti- nos livros de história e nos monumentos,
tuição das formas (as grandes construções, mas na literatura e nas lendas. Os educa-
obras de infraestrutura, monumentos, equi- dores necessitam recorrer a Érico Veríssimo
pamentos, bens e serviços públicos) também (O tempo e o vento), a Simões Lopes Neto
está relacionada a estes conflitos e ainda (O negrinho do Pastoreio), a Gladstone
expressam os graus de opressão de uma Osório Mársico (Cágada) as lendas popu-
dada sociedade e tornam explícitas as con- lares (A lenda da mãe preta – de Passo
dicionantes atuantes na produção da mate- Fundo) para poder encontrar o povo como
rialidade, dentro dela a territorialidade. sujeito e não apenas como objeto, para
Nestes conflitos, nos processos de luta encontrar a verdadeira história de como
pelo reconhecimento da legitimidade de in- o território foi ocupado, de que forma a
teresses e direitos a disputa simbólica cum- “propriedade” (direito natural de todos),
tal qual como a vemos hoje, e nas mãos
27 Neste sentido é a decisão do TRF4 no processo
n. 5011893-65.2011.404.0000/RS, Rel. Des. em que a vemos, foi obtida. Nesta outra
Fernando Quadros da Silva, julgamento em 21 memória, encontramos pelo menos três es-
de outubro de 2011.

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pectros que ainda assombram a região nor- ROTH, Philp. Casei com um comunista.
te do Rio Grande do Sul: o caipora, o negri- Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo:
nho do pastoreio e Roseli Nunes.28 Companhia das Letras, 2000.
Quem conta a história; impõe uma me-
SANTOS, Joel Rufino dos. Negrinho do
mória; dá nome às coisas; possui as coisas,
Pastoreio. In: Épuras do social – como podem
controla e identidade coletiva e se apropria
os intelectuais trabalhar para os pobres.
da história. Ao nominar, transformamos a
São Paulo: Global, 2004. p. 33-36.
forma de ver as coisas. Está é a mágica
do poder simbólico (inclusive a do discurso SCALABRIN, Leandro. Ceifados pela soja
dos direitos humanos). Agora, só protestar no conflito da praça da matriz – quem faz
simbolicamente não é o bastante. Mas, de gemer a terra? Mimeo, Passo Fundo (UPF),
todo modo utilizemos das armas simbólicas Memória Cultural e Narrativa, 2010.
para combater o racismo em nossos dias,
ZIZEK, Slavoj. Em defesa das causas perdi-
renomeando a desigual distribuição étnica
das. Trad. Maria Beatriz Medina.
e territorial de nosso espaço de racismo
São Paulo: Boitempo, 2011.
ambiental.

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FLORES, Joaquin Herrera. A (re)invenção


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Diogo Garcia [et al.]. Florianópolis:
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Fatores pró e contra. Evolução até 1856.
In: Annaes do Município de Passo Fundo
– aspecto histórico. 3. vol. Passo Fundo:
UPF, 1990. p. 73-79.

28 Roseli Nunes foi uma militante sem-terra que


participou ativamente da ocupação da Fazenda
Annoni, um dos marcos do surgimento do MST
no Brasil. Ela foi mãe da primeira criança nasci-
da na ocupação e reivindicava a realização do
“direito” humano a reforma agrária e defendia
que os pobres deveriam preferir morrer lutando
a morrer de fome. Roseli morreu lutando, assas-
sinada num ato público em Sarandi (RS).

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EDUCAÇÃO, DIREITOS HUMANOS
E SUJEITO DE DIREITOS

Paulo César Carbonari*

A educação em direitos humanos cons- central. Além de se constituir na realização


titui um processo de formação de sujeitos do direito a aprender, a educação em di-
de direitos cooperativos com práticas de reitos humanos tem no direito a aprender
promoção da dignidade humana e resilien- também seu conteúdo fundamental. É impen-
tes a todas as formas de violação. Educar sável fazer educação em direitos humanos
em direitos humanos é formar sujeitos de di- em separado do conjunto do processo edu-
reitos com postura consciente e crítica (co- cativo como garantia e como exercício do
nhecimento) e com atitude (ético-política). direito de aprender.
Sujeitos de direitos não são só os que sa- Isto significa dizer que, além de pro-
bem os “direitos do sujeito”, são acima de mover a compreensão crítica de saberes e
tudo, os que agem multidimensionalmente conhecimentos, de tal forma a promover
para promover o “ser sujeito de direitos”
uma síntese pessoal que afirme a dignida-
no cotidiano. Sujeitos não são abstrações,
de humana, a educação em direitos huma-
são concretos e históricos e se fazem na
nos também exige a formação de atitudes
qualidade da relação com outros sujeitos,
e a consequente prática de ações que se-
na singularidade, na particularidade e na
jam coerentes com esta compreensão. Isto
universalidade constitutivas dessas relações
(Cf. CARBONARI, 2007, p. 169-186). permitirá criar condições para promover
A educação em direitos humanos prima atividades que afastem todo tipo de discri-
pela construção de compreensões e práticas minação, de exploração, de opressão, de
que tem na dignidade humana seu conteúdo vitimização e que, ao mesmo tempo, viabi-
lizem a efetivação de relações dialógicas,
* Doutorando em filosofia (Unisinos), mestre em filo-
justas e pacíficas.
sofia (UFG), professor no Instituto Superior de Filo- É por isso que, acima de tudo, formar
sofia Berthier (IFIBE), membro do Comitê Nacional sujeitos de direitos é contribuir de forma
de Educação em Direitos Humanos da Secretaria decisiva para a reconfiguração das rela-
de Direitos Humanos da Presidência da Repúbli-
ções entre os seres humanos e destes com o
ca, membro do Conselho Nacional do Movimento
Nacional de Direitos Humanos (MNDH).
mundo e com o ambiente natural. É também

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sinônimo de preservação e de distribuição humano. A educação em direitos humanos


justa das condições para que a humaniza- está profundamente articulada à educação
ção seja efetiva para todos/as. Não dá, ambiental, à educação cultural e a outros
por exemplo, para pretender a humaniza- aspectos. Elas se complementam e se inter-
ção eliminando seres humanos que sejam ferem criticamente. Daí que, fazer uma sem
diferentes àqueles do padrão hegemônico; as outras é não compreender a complexi-
também não é possível ignorar os contextos dade do sujeito de direitos e as exigências
do mundo e; menos ainda, tratar o ambien- concretas para sua afirmação concreta.
te natural como oferta de recursos infinitos. O segundo aspecto é que educar em
Com base nesta noção geral, passa- direitos humanos é formar para participar,
mos a desdobrar três aspectos que consi- para “aparecer” e para “dizer”. Os seres
deramos fundamentais ao núcleo da educa- humanos se fazem na relação com os ou-
ção em direitos humanos como processo de tros seres humanos, sendo que é da qua-
formação de sujeitos de direitos. lidade das relações que se pode esperar
O primeiro aspecto é que educar em maior ou menor humanização. Ou seja, se-
direitos humanos é formar sujeitos susten- res humanos se fazem com os outros (nunca
táveis e que promovem a sustentabilidade sobre e nem sob os outros) seres humanos.
em sentido amplo. Nenhum ser humano é “Aparecer” e “dizer” consistem em aceitar
fora do mundo, fora do ambiente cultural que cada pessoa pode se expressar de for-
e do ambiente natural. A interação com os ma livre e com condições adequadas para
outros ocorre como interação com os senti- tal. Significa fazer frente a todo tipo de invi-
dos (mundo) e as condições de sentido (cul- sibilidade e de cerceamento da expressão,
turais e naturais) nos quais se está inserido. o que é sinônimo de participar. A participa-
Assim, sujeitos de direitos são aqueles que ção é conteúdo fundamental para a efetiva-
são capazes de sustentar a si mesmos na ção dos direitos humanos e a democracia
interação multidimensional. Nisso se radica é a forma histórica mais adequada para
a noção de autonomia, cara aos sujeitos, e que a participação possa ocorrer de forma
que lhes permite efetivar a liberdade não efetiva. Democracia é presença. Presença
como expectativa, mas como exercício com- é participação. Participação é interação.
plexo. Daí, de forma associada, está tam- Interação é agir na alteridade. Alteridade é
bém a necessidade de promoção da susten- o núcleo forte da democracia. Todavia, as
tabilidade das condições desta autonomia. democracias que conhecemos são funciona-
Neste sentido, a sustentabilidade ambien- lizadas e, de regra, não têm na alteridade
tal não é um agregado adicional ou uma sua nuclearidade. Estão centradas no jogo
etiqueta conveniente – da mesma forma a do poder e sua manutenção de acordo com
sustentabilidade cultural. Elas são centrais as regras. Propor-se a pensar a democracia
para que o humano se realize e para que centrada na alteridade é reconhecer que é
faça isso sem que para tal seja necessá- na diferença, na pluralidade, na presença,
rio eliminar o natural e o cultural. Posturas na participação que se efetiva tanto o con-
predatórias ou mesmo as preservacionistas teúdo quanto a forma da democracia. Isso
mitigadoras são insuficientes porque, além demanda que a democracia seja construí-
de comprometer o mundo como ambiente da mais como processo e menos como pro-
natural e cultural, também comprometem o cedimento; mais como mediação de confli-

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tos e menos como formação de consensos; formação integral sem verdade, assim como
mais como inclusão e menos como disputa não há direitos humanos sem verdade. A ver-
de maiorias e minorias; mais como constru- dade (não absoluta, muito menos relativa)
ção e legitimação permanente de regras e como busca de assentimento e convergência
menos como simples cumprimento das re- é constitutiva da afirmação do conhecimento
gras do jogo. Democracia com alteridade e também da vivência. Sujeitos se fazem em
é entender o sentido do poder como pôr a relações verdadeiras e que fazem com que
ação em movimento de sorte a traduzi-la a confiança não se dissolva em completo
em obra. Democracias substantivas impli- cinismo (versão prática do ceticismo). É da
cam a incorporação organizada dos diver- qualidade da verdade que se pode estabe-
sos sujeitos – e da diversidade dos sujeitos lecer convivência e interação. Por isso exige
– aos processos políticos como condição a crítica a todas as formas de dogmatismo e
para o acesso aos bens materiais, ambien- de relativismo, ambos cínicos. Sem verdade
tais e culturais produzidos socialmente e histórica, não há memória (do que já não
para vivenciar as dinâmicas de reconheci- queremos ver se repetir e do que esperamos
mento. Assim, está em questão identificar seja continuado), nem justiça e nem paz.
processos e propostas, dinâmicas e sujeitos, Não há formação integral sem justiça, assim
divergências e convergências, sob o crivo como não há direitos humanos sem ela. A
da alteridade. Quando centradas na al- justiça é exigência que só pode ser efetiva-
teridade, democracias são muito mais do da pelo reconhecimento da singularidade,
que um jogo; são construção, permanente da particularidade e da universalidade dos
e sempre nova, de um modo de ser social sujeitos. Fazer justiça é reparar violações de
e político, um modo de ser humano, com direitos (reparar as vítimas), restaurar confli-
direitos humanos. tos com mediações adequadas e, acima de
O terceiro aspecto é que educar em tudo, promover e proteger as pessoas e seus
direitos humanos é formar para a justiça e direitos de forma que a dignidade possa ser
a paz. Isto inclui trabalhar a memória e a concreta no cotidiano. Por isso exige a crí-
verdade como componentes históricos de- tica a todas as formas de cinismo que rele-
terminantes e lidar com a violência através gam a igualdade à quimera e a diversidade
de mediações restaurativas da justiça, prio- à desigualdade (discriminação) e fazem da
ritariamente. Até porque, não há formação justiça sequer uma promessa e da paz uma
expectativa inócua. Justiça e paz constituem
integral sem memória, assim como não há
conteúdo fundamental da formação em di-
direitos humanos sem memória. A memória
reitos humanos. Sujeitos só se constituem e
é constitutiva do modo de vida no qual se
se fazem com os outros considerando estes
situam os sujeitos e no qual se fazem, sendo
conteúdos que são complexos e, por vezes,
constitutiva da historicidade (da temporali-
até contraditórios. Comumente o mais fácil,
dade e da finitude, mas também da possi-
o mais simples e o mais conveniente fazem
bilidade de transcendência ao dado) que
delas abrir mão. Mas delas abrir mão é dis-
faz do humano ser de dignidade (ou não).
pensar a dignidade e, em consequência, in-
Exige a crítica contundente a todas as for-
viabilizar, interditar, subjugar sujeitos.
mas de esquecimento cínico. Sem memória
Fazer educação em direitos humanos
das vítimas (dos “sujeitos sujeitados”) não
é partir da compreensão de que há dife-
há verdade, nem justiça e nem paz. Não há
rentes motivações/razões para educar em

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direitos humanos. Por exemplo, há quem as educandos/as, como sujeitos de direitos


entende que a educação escolar não tem que assim se entendem não somente por-
nada que educar em direitos humanos, tem que são parte de uma cultura jurídica do es-
sim é que formar profissionais competentes tado democrático de direito que lhes confe-
e aptos ao mercado de trabalho; há quem re status de cidadania; não somente porque
entende que os motivos que levam a edu- são parte de uma comunidade moral e por
car em direitos humanos são os mesmos isso parte de um processo de formação em
que poderiam levar a educar para a cida- valores; não somente porque são parte de
dania, para os valores, para a moral, para uma comunidade que resiste e exige viver
a paz; e há quem entende que educar em livre de todas as formas de violência; não
direitos humanos se confundiria com fazer somente porque são parte de uma comuni-
uma educação ideológica, estranha à es- dade política e que, por isso, têm direito a
cola, que deve ser científica. resistir, a se organizar e a protestar, contes-
Contra estas posições, afirmamos que tando a ordem injusta. Melhor, a educação
a principal motivação para educar em di- em direitos humanos exige abordar todos
reitos humanos é que os/as educandos/as os conteúdos acima elencados, além de
da educação escolar são sujeitos de direi- muitos outros. O principal, no entanto, é
tos que, entre outros, têm o direito à edu- que os sujeitos aprendentes conheçam seus
cação, que é um dos direitos humanos, e direitos humanos e os exijam inclusive para
também têm o direito de aprender direitos qualificar o estado democrático de direito,
humanos como parte de sua formação inte- para mudar a ordem moral e a ordem so-
gral. Educar em direitos humanos faz sen- cial e política.
tido porque, mais do que ensinar técnicas, Direitos Humanos, neste sentido, se apre-
mais ou menos ajustadas ao mercado, a sentam como um conteúdo utópico que ali-
escola está desafiada a promover o pensa- menta as práticas de transformação das si-
mento livre, autônomo e criativo. tuações violadoras e exige a conformação
Fazer educação em direitos humanos de realidades humanizadas em sentido am-
exige diferenciar esta forma de educar de plo e profundo.
outras concepções e práticas que lhe são
muito próximas e caras, evitando confusões
e ampliando as parcerias entre diversas
intervenções na educação. Por isso, por
exemplo, há quem confunde educar em di-
reitos humanos com educar para a cidada-
nia; há quem confunde educar em direitos
humanos com educação em valores, quase
educação moral (e cívica); há quem confun-
de educar em direitos humanos com edu-
cação para a paz; e há quem entende que
educar em direitos humanos é o mesmo que
ensinar ideologia que atenta contra a ordem.
Contra estas confusões, entendemos que
educar em direitos humanos como parte dos
diversos processos educativos exige afirmar
a posição dos sujeitos da educação, os/

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Referências bibliográficas

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EDUCAÇÃO, RELIGIOSIDADE E
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Ari Antônio dos Reis*

Eu canto experiência religiosa, finalizando com as


Ah! Eu canto / é o clamor do meu povo / possibilidades dos processos educacionais
povo negro que é santo. interferirem de uma forma propositiva na
caminhada de resistência cultural dos deste
grupo.
A relação da educação com a religio-
sidade e a influência destas nas relações
étnico-raciais são objeto de uma reflexão Negros no Brasil – negações para
complexa que não se esgota em algumas manter o domínio
páginas. A complexidade se deve a profun-
didade e implicância no cotidiano destas A decisão de implementar o processo
três expressões. Educação, religiosidade e escravagista no Brasil com a motivação de
relações étnico-raciais dizem respeito em ocupação de terras e fomento econômico es-
uma densidade de sentimentos nas relações barrou na carência de mão de obra. O traba-
entres as pessoas no contexto social, portan- lho na lavoura de cana e atividades correla-
to marcam vidas e interferem nos futuros. A tas exigia um grande contingente de mão de
condição deste futuro depende de como es- obra. A experiência com os indígenas não
tas três dimensões da vida foram experimen- avançou por motivos já por todos conheci-
tadas pela pessoa. dos. Por outro lado, a experiência com os des-
Será feita uma breve leitura histórica cendentes da África foi frutífera, não só por
sanar a primeira necessidade, mas também
observando a dimensão religiosa na vida
por provocar um ciclo comercial extremamen-
dos afro-brasileiros. Em seguida serão tra-
te compensador para os atores envolvidos
tados os caminhos da reconfiguração da
na empreitada (Cf. CHIAVENATO, 1986,
p. 238). A importância era tamanha que,
* Presbítero da arquidiocese de Passo Fundo, atual- durante quase três séculos, o escravagismo
mente atua como assessor da Comissão Episcopal
foi a instituição central do Brasil, constituindo
para o Serviço da Caridade da Justiça e da Paz
da CNBB. todo um corpo jurídico, político e econômico.

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Os negros, envolvidos diretos nestas re- não ser a presença no culto católico. Mais
lações, não tinham muita força e poder no tarde, os senhores permitiram algumas ini-
sentido de construírem outra forma de estru- ciativas, mesmo contra a orientação dos
tura que lhes permitisse uma forma de vida padres.
diferenciada da vida de escravo. Todavia, a Os senhores não tinham um conheci-
ausência de força e poder não indica a au- mento da base religiosa dos africanos e os
sência de resistência. Temos conhecimento agentes católicos seguiam a orientação de
de muitos focos de resistência, começando conquistar adeptos para o Reino (e a coroa
pelas senzalas, pelas resistências dentro dos portuguesa) seguindo uma teologia muito
Engenhos, chegando aos Quilombos. Con- próxima ao espírito das cruzadas.30 O des-
tudo, diante do aparato de manutenção do conhecimento dos senhores do engenho e a
escravagismo, estes focos de resistência não orientação teológica da época sustentaram
tiveram tanto impacto em uma esfera ampla, o discurso de que os ritos de origem afri-
exceto algumas transformações locais cen- cana eram cultos ao demônio. Os negros
tradas especialmente na experiência quilom- deveriam ser batizados31 e feitos católicos.
bola. Não tiveram a força suficiente para Esta foi a base da negação religiosa im-
abalar a estrutura escravagista.29 petrada aos africanos, aliada à negação
A impossibilidade de uma resistência cultural e ao direito a liberdade.
ampla e frutífera ao modelo escravocrata
foi devida a algumas estratégias de inibi-
ção a qualquer possibilidade de articula- A reconstrução religiosa
ção do grupo escravizado. Lembra-se aqui
a desagregação familiar, a tática de colo- No entanto, com o passar do tempo,
car juntas pessoas com línguas diferentes, o espaço da senzala tornou-se, em primei-
uso excessivo de violência física, vigilân- ro plano, o lugar da reconstrução religiosa
cia constante, trabalho exaustivo, dentre ou reconfiguração religiosa, pois sugeriu às
outras. Estas estratégias contribuíram para tradições de origem africana outros cami-
arrefecer possíveis iniciativas de reação ao nhos, diferentes dos modelos religiosos da
cativeiro que só se intensificaram com o África.
passar do tempo. A reconfiguração permitiu a criação
Outra estratégia utilizada, especialmente de bases religiosas com elementos africa-
nos primórdios do escravagismo brasileiro, nos, mas também já com as influências re-
foi a da negação à manifestação religiosa. ligiosas brasileiras, do catolicismo oficial e
Sabe-se que os povos africanos construíram do catolicismo popular. Este processo tam-
uma tradição religiosa rica e diversa. A bém é chamado de sincretismo, conhecido
transição África/Brasil, mesmo que tenha como o encontro de diferentes “tradições
afetado profundamente esta tradição, não religiosas”, a saber: entre as tradições de
a eliminou completamente. No entanto, no
primeiro século do modelo escravagista, era 30  Para aprofundar, consultar AZZI, 1978.
proibida qualquer manifestação religiosa, a 31 O batizado seguia o argumento de permitir que
as pessoas de origem africana, deixando o “pa-
29  Para leitura de aprofundamento da história da ganismo”, pudessem alcançar a salvação atra-
escravidão no Brasil vale consultar duas obras vés do rito batismal e pertença ao catolicismo.
de Jacob GORENDER, a saber, O escravismo Na condição de não batizados e seguindo a
colonial (2000) e também a Escravidão reabi- forma de vida religiosa da África, os negros es-
litada (1991). tariam condenados a perdição eterna.

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origem africana, pois os negros não eram outros. A vertente mais conhecida desta
de uma única tradição; entre as tradições configuração é o candomblé, que adota no-
de origem africana e o catolicismo; entre mes diferenciados dependendo da região
as tradições de origem africana e as reli- do Brasil. O candomblé tem as marcas da
giões indígenas e, mais, tarde das religiões resistência e da reconfiguração religiosa.
de matriz africana e o espiritismo. Cabe É possível fazer esta afirmação porque se
afirmar que este foi o horizonte possível da observa que, mesmo com o rompimento de
reestruturação do culto de origem africana muitos canais de transmissão da religiosi-
no Brasil. Dentro das condições dadas, os dade originária da África, o candomblé e
negros foram encontrando caminhos para suas denominações correlatas conseguiram
recuperarem alguns elementos das antigas permanecer como tradição religiosa dos
tradições religiosas. Encontramos estes tra- afro-brasileiros através de transformações
ços nas irmandades, confrarias congadas e na estrutura teológica e ritual, com maior ou
reisados.32 menor intensidade, dependendo da região
Nestas configurações a reconstrução do Brasil, e manter outras.
acontece dentro da estrutura do catolicismo. Neste percurso algumas funções e pa-
péis foram reestruturados. Destaca-se o cul-
Os afro-brasileiros não se opõem a perten-
to do culto aos orixás, que foi configurado
ça católica e aos seus ritos, mas, a partir
como culto aos Santos no horizonte possí-
desta pertença e dos seus rituais, constroem
vel, sendo que se cultuavam os que resta-
um caminho religioso que recupera elemen-
ram do panteão de encantados que existia
tos da tradição cultural e religiosa africana,
na África. Esta experiência é denominada
isto sem contestação da hegemonia cristã
como um caso de sincretismo religioso. Mas
católica. Externamente os negros assumiam
existem outras reformulações:
a pertença católica. Internamente a perten-
1. O impedimento da transmissão da
ça era assumida a partir de elementos da liderança religiosa pela filiação sangüínea,
cosmovisão de origem africana. Uma ex- visto que os laços familiares foram rompi-
periência religiosa que explicita esta orien- dos na transição África/Brasil, sugeriu a
tação são as devoções à Nossa Senhora filiação afetiva. A liderança religiosa esco-
do Rosário e aos santos e santas católicos. lhe seus filhos e filhas com a missão de con-
Uma observação atenta destes momentos tinuar a tradição;
de festa e culto religioso levará a perceber o 2. Manteve-se a pertença católica, con-
encontro de elementos da tradição cultural tudo sem abrir mão da presença no terrei-
e religiosa africana dentro de uma estrutura ro, ou pertença à religião de matriz africa-
aceita pela tradição católica. Estas práticas na. Este fenômeno é conhecido como dupla
são explicitadas publicamente e até aceitas pertença. Algumas lideranças de tradição
na sociedade, contudo as leituras são dife- africana estão apontando o caminho da
renciadas. pertença única ao candomblé, mas sem um
Outro caminho assumido foi o das re- consenso maior;
ligiões de matriz africana. Estas com um 3. O “terreiro urbano” foi assumido como
escopo mais original, com a adoção de al- o espaço sagrado, o lugar do culto as divin-
guns elementos minoritários da estrutura do dades, do encontro da comunidade religiosa
culto católico e algumas aproximações com com os encantados;
4. Liderança feminina obteve melho-
32 Para aprofundar sugere-se a leitura de BERKEN- res condições de guardar os elementos reli-
BROCK, 1997, p. 96ss. giosos da tradição africana no período da

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escravidão e no pós-abolição. O poder educação formal, problemático em âmbito


de reconstrução étnico/identitário, que fi- geral no Brasil, foi estendido muito tardia-
cou fragilizado nos homens pela perda do mente para os negros;33 segundo, a propos-
seu papel central na composição familiar, ta de conteúdo foi construída sem contem-
permitiu que as mulheres se sobressaíssem plar as questões da tradição afro-brasileira
como lideranças grupais e também religio- ou indígena como proposta de conteúdo
sas na reconstrução dos elementos sagrados educacional. A educação no Brasil alimen-
das tradições religiosas africanas. tou o viés etnocentrista, uma inibição na
Vê-se que a religiosidade permitiu um possibilidade dos estudantes e professores
espaço importante de resistência ao proje- se enriquecer com a diversidade étnico-ra-
to escravagista. Na pós-escravidão, serviu cial presente no Brasil.
como referência simbólica no combate ao Lembra-se que a proposta educacional
racismo e discriminação naturalizados no é fruto de uma época histórica onde o ra-
Brasil. Se na sociedade o “ser negro” era cismo, o preconceito contra os negros e a
motivo de envergonhamento, no espaço da discriminação foram tornados normalida-
manifestação religiosa do congado, confra- des. O bullying nas escolas, denunciado
ria, reizado e terreiro, a pessoa sentia-se exaustivamente, sempre foi uma realidade
acolhida por seus pares referenciada pelo na vida de muitas crianças negras. Eram
contato com os “encantados” e com os ele- vitimas não só dos colegas, mas também
mentos religiosos de sua tradição cultural. do corpo docente.34
Percebe-se hoje muitos elementos da O mito da democracia racial, presen-
cultura de origem africana caracterizando te na sociedade brasileira, contribuiu para
a cultura brasileira. Isto se efetivou devido escamotear as desigualdades sociais, pro-
à resistência e teimosia em não sucumbir pagando uma falsa realidade de relações
frente ao aparato de negação inaugurado supostamente harmônicas entre brancos e
no período do escravagismo. Esta resistên- negros. Este mito foi também absorvido pe-
cia tem uma base religiosa evidente. Foi no las instituições escolares. A passagem dos
espaço da senzala e depois nas manifes- negros pelo sistema educacional pode não
tações religiosas populares, passando pelo significar chances reais de superação da
terreiro, que os negros foram imprimindo realidade de pobreza e exclusão social,
um jeito de ser religioso diverso e original, porque esse sistema não contribui na supe-
sobrevivendo e resistindo a uma sociedade ração dos entraves postos pela sociedade.
que ainda hoje insiste na perpetuação de As dificuldades das crianças negras nas es-
práticas racistas e preconceituosas molda- colas eram atribuídas às próprias crianças
das pelo etnocentrismo. e não ao ambiente escolar perpetuador
das desigualdades presentes na socieda-
de com um recorte racista, preconceituoso
O desafio da educação e a contribui- e discriminador.
ção da disciplina de Ensino Religioso A perniciosidade do mito da democra-
cia racial também contribuiu para deixar o
O modelo educacional brasileiro tem negro invisível quanto às políticas públicas,
uma tradição de exclusão dos afro-brasilei- dentre elas, às ligadas ao acesso e perma-
ros. Elencamos duas situações que compro-
vam esta afirmação: primeiro,o acesso à 33 Para aprofundar esta questão ver ROCHA, 2007.
34  Sobre este tema ver MUNANGA, 2008.

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nência nas escolas. A necessidade de uma Pelo fato da disciplina de Ensino Reli-
transformação radical nos processos educa- gioso Escolar tratar da dimensão religiosa
tivos tem certa urgência tanto nos processos do ser humano, ela poderá suscitar outras
da educação formal como dos processos al- formas de apreciação da riqueza cultural
ternativos de formação cidadã. As iniciati- e religiosa do Brasil, baseadas no conheci-
vas dos grupos de rua, movimentos sociais mento desta riqueza e em seu respeito.
têm sido uma boa alternativa para efetivar No caso da escola pública, parte-se
este passo. Respondem ao desafio de in- da superação de um ensino confessional
cluir a questão étnico-racial nas demandas mais afeito a catequese para um ensino
sociais, pois este recorte estava ausente em plural acolhedor das diferenças religiosas
alguns movimentos sociais populares. do Brasil. Neste caso, permite-se à comuni-
No caso da educação formal, é um de- dade escolar a oportunidade de conhecer,
safio colocado à escola, como instituição valorizar e aceitar as diferentes tradições
que acolhe alunos de diferentes tradições religiosas. O fechamento em torno de uma
culturais e religiosas, à coordenação pe- proposta de Ensino Religioso, ligado à con-
dagógica que coordena a construção dos
fessionalidade, limita o processo de conhe-
currículos, aos professores e também aos
cimento e ignora a pluralidade presente
alunos, enfim, a toda a comunidade esco-
no Brasil. Refletir a religiosidade na escola
lar que pauta relações com maior ou menor
compreende conhecimento, alteridade e a
acolhida à diversidade.
abertura para a pluralidade existente no
No caso da escola, a contemplação
Brasil e, certamente, a construção de outro
da cultura e da religiosidade afro-brasilei-
padrão de relacionalidade no ambiente es-
ra, compreendidas como riqueza cultural
colar.
e, portanto, componentes das grades curri-
culares, contribuirá neste processo. Neste
sentido, a disciplina de Ensino Religioso
Escolar abre possibilidades de uma inser- Referências bibliográficas
ção qualificada da temática étnico-racial
no processo educacional. O diálogo com ARRUDA, José Jobson de A. PILLETI, Nelson.
outras áreas do conhecimento fortalecerá Toda a história: história geral e história do
ainda mais a proposta. Brasil. São Paulo: Ática, 1996.
Haveria uma potencialização da ativi- AZZI, Riolando. O catolicismo popular no
dade escolar como ponte para a superação Brasil. Petrópolis: Vozes, 1978.
de situações de racismo, discriminação e
exclusão social. O primeiro elemento é a BATISDE, Roger. As religiões africanas no
consciência de que a sociedade brasileira Brasil. São Paulo: Pioneira, 1985.
foi omissa em relação à inclusão educa-
BERKENBROCK, Volney J. A experiência
cional dos negros. Esta omissão também
dos orixás: um estudo sobre a experiência
aconteceu com as denominações religiosas
religiosa no candomblé. Petrópolis: Vozes,
tradicionais, especialmente o catolicismo.
1997.
As religiões de matriz africana procuraram
construir caminhos alternativos que garantis- CINTRA, Raimundo. Candomblé e umbanda:
sem as sua sobrevivência em ambientes ad- o desafio brasileiro. São Paulo: Paulinas,
versos. Estes garantiram o espaço de educa- 1985.
ção alternativo ao ambiente escolar.

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luz da teologia cristã. São Paulo: Loyola,
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DIÁLOGOS SOBRE RELIGIOSIDADE,
DIREITOS HUMANOS E LITERATURA
NO ESPAÇO PRISIONAL

José André da Costa*

A pretensão deste artigo é investigar na sociabilidade do/a apenado/a tirando-


a temática da Religiosidade, da Literatura -os do anonimato; bem como, cumpre um
e dos Direitos Humanos, pois considero um papel político-social na desconstrução da
ponto chave no sistema carcerário. Para isso invisibilidade da população carcerária. A
inicio com algumas indagações de fundo: A “invisibilidade” social do/a apenado/a é
religiosidade praticada nos recintos das ca- um desvio do sentido ético-antropológico do
sas prisionais ajuda na construção da “von- significado da “pedagogia penitenciária”.
tade do sentido” para a vida e para a com- A estratégia do giro argumentativo des-
preensão do mundo? Como a religiosidade é te artigo é mostrar logicamente que a ca-
recebida na vida daqueles/as que estão pre- tegoria “vontade de sentido” ajuda o/a
sos e que recorrem a ela para estruturar suas apenado/a explicitar o caráter da existên-
práticas cotidianas na prisão? A religiosidade cia humana numa perspectiva autotranscen-
é um suporte significativo para a efetivação dente (homem/mistério). Por fim, o artigo é
dos Direitos Humanos no sistema carcerário? uma articulação ético-político-filosófica para
O sentido de praticar a religião no pre- defender e promover os Direitos Humanos
sídio é, para além da legalidade, um direito dos apenados/as em favor da “vontade de
humano fundamental, porque a religiosida- sentido” para além da “vontade de poder”.
de contribui para a estruturação do sen- O iníquo sistema carcerário brasileiro sem-
tido da existência humana, independente pre fez a confusão entre o “carcerário” e
do lugar social que vivem as pessoas e/ou o “penitenciário” na execução da pena.
grupos sociais. Além deste aspecto, o tema Nossa reflexão busca seus fundamentos na
da religiosidade e dos Direitos Humanos é “Criminologia Moderna” à qual trata o cri-
intrínseco ao ser humano como “projeto ina- me como um problema social, entendendo
cabado”. A religiosidade, também, auxilia que a sociedade deve cumprir com seu pa-
pel de participar da execução penal para
* Doutor em Filosofia, diretor geral e professor do
ajudar o/a apenado/a garantir seu direito
Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE), ati-
vista em Direitos Humanos (CDHPF). de ir e vir na sociedade.

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O encarceramento é a aplicação da entre o normativo e o institucional no que


medida punitiva de cerceamento da liberda- se refere ao sistema carcerário. Isto exigirá
de, que se traduz na ausência do direito de visitação, conversas/encontros com os/as
ir e vir, sendo este o único direito que o/a apenados/as e com agentes dos serviços
apenado/a perde. A penitenciária é a medi- penitenciários. Tudo isto exigirá, também,
da sócio-instaurativa para o/a apenado/a literaturas específicas focadas no tema e
meditar/pensar e penitenciar-se do “crime a sistematização das atividades realizadas
cometido”. Para apresentar outra proposta em material próprio. Este será o ponto cen-
de reclusão, como medida sócio-educativa tral para pensar o sistema carcerário atual
é necessário pesquisar com rigor metodoló- em outra perspectiva social.
gico a lógica perversa do sistema carcerário Com razão, a sociedade deve aproxi-
praticada na maioria das casas prisionais. mar-se da justiça penal, pois esse compro-
Isto para constatar empiricamente que a pe- misso social está previsto tanto no direto in-
nitência é um meio antigo usado pelas reli- ternacional como no direito interno brasileiro.
giosidades para a “correção das condutas” Uma pequena amostra para pensar uma
das pessoas que praticaram um ato ilícito. nova sociabilidade dos/as apenados/as é
A questão de fundo aqui é perguntar se isto a experiência da realização de oficinas de
também vale para os/as apenados/as dos literaturas constituídas há alguns anos e de-
nossos presídios e se os efeitos dela ajuda senvolvidas pela Comissão de Direitos Hu-
na “re-socialização” e na humanização do manos de Passo Fundo (CDHPF), incremen-
regime carcerário. tada em 2011, através da pesquisa sobre a
Assim, o primeiro passo seria verificar temática: Religiosidade e Direitos Humanos
as matrizes das religiosidades praticadas com apoio do Sistema de Justiça e Seguran-
nas casas prisionais para perceber como ça, executada pelo grupo “D´ir–Vir” do Cur-
a religiosidade influencia na humanização so sobre Educação em Direitos Humanos e
dos/as apenados e apenadas. Num pas- a Educação das Relações Étnico-raciais que
so seguinte sistematizar as incidências das atua no Presídio regional de Passo Fundo.
práticas religiosas realizadas nos presídios. A crise sócio-econômico-política con-
Isto exigirá compreender a produção sim- temporânea gera um grau de insegurança
bólica, os meios artísticos e as concepções muito alto, influenciando no aumento da
de religiosidade dos/as apenados/as. Eis violência social e, consequentemente, da
população carcerária. Inserir-se no espaço
uma das tarefas para pensar outra lógica
do presídio significa questionar o lado per-
prisional.
verso da nossa sociedade, gerador da desi-
O procedimento metodológico será uma
gualdade e da falta de justiça social e eco-
ampla discussão com o grupo responsável
nômica. A condição de estar preso priva o
pela política carcerária a partir de propos-
ser humano de seu direito de ir e vir, sendo
tas alternativas, considerando os estudos e
que os demais direitos humanos devem ser
pesquisas feitos sobre a temática voltada
preservados, o que não vem acontecendo
para a área de concentração, a saber, do
na maioria das prisões brasileiras.
conhecimento religioso/antropológico sem
Fazer “intervenção carcerária” hoje é
a priorização de um credo específico. Para
conviver com esses fatores e ter claro que
este procedimento deve-se priorizar o estudo
devemos intervir no processo que está ge-
teórico da problemática prisional, revisando
rando a morte, não ter a ilusão de que é
a normatividade escrita na Lei de Execução
fácil e fazer valer os direitos humanos que
Penal (LEP) para mostrar o descompasso

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não necessitariam de defesa, visto que são dinamicidade pode ser alcançada através
inerentes á condição de “ser humano”, um de diálogos, mesclando atividades lúdicas
contraste gritante, que parece passar desper- e manifestações artísticas.
cebido por nossa sociedade, supostamente
justa e democrática. Conforme as oficinas de
literaturas foram sendo desenvolvida, consta- Indicações bibliográficas
tamos um comportamento diferenciado en-
tre os/as apenados/as. Não mais a atitude ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo.
de competitividade entre eles/as, mas uma Anti-semitismo, imperialismo, totalitarismo.
atitude de cooperação entre eles/as, o que Trad. Roberto Raposo. São Paulo:
serviu para melhorar a auto-estima deles/ Companhia das Letras. 1989.
as, além de possibilitar que os participantes BENETI, Sidnei Agostinho. Execução penal.
reconstruíssem seu mundo interno (subjetivi- São Paulo: Saraiva, 1996.
dade) e a relação com as demais pessoas
BOBBIO, Noberto. O futuro da democracia:
da convivência carcerária.
em defesa das regras do jogo. 3. ed.
Comprovamos que a movimentação da
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
literatura no espaço do Presídio, transforma
o mundo interior dos/as apenados/as, inte- FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: historia
grando-os ao mundo da realidade exterior, da violência nas prisões. Rio de Janeiro:
contribuindo na compreensão dos fatos im- Vozes, 2007.
portantes do dia a dia, encaminhando novos JORGE, Estevão Luís Lemos. Execução penal
olhares e possíveis transformações dos mes- lei de execução penal – LEP. Rio de Janeiro:
mos. Estamos conscientes das limitações des- Milennium, 2005.
ta primeira intervenção, relacionadas com a
RUIZ, Castor M. M. Bartolomé. A justiça
lentidão das mudanças, e com a fragilidade das vítimas: fundamento ético e perspec-
que sempre acompanha toda a edificação tiva hermenêutica. Veritas. Porto Alegre:
subjetiva do ser humano. Além disso, sabe- Edipucrs, v. 52, n. 2, jun. 2007.
mos das necessidades de uma intervenção
na sociedade civil para mobilizar uma am- _____. As encruzilhadas do humanismo:
a subjetividade e a alteridade ante os
pla discussão a respeito do sistema penal e
dilemas do poder ético. Petrópolis: Vozes,
carcerário brasileiro.
2006.
Estamos convencidos da contribuição
que a oficina de literatura pode oferecer à SUSIN, Luiz Carlos. O esquecimento do
humanização de um sistema carcerário que outro na história do Ocidente. Revista
reflete o funcionamento de uma sociedade Eclesiástica Brasileira. Petrópolis, v. 47,
caduca e excludente. Percebemos uma sen- n. 188, 1987.
sível melhora das relações humanas, de- MUELLER, Ênio R. Filosofia à sombra de
monstrada pela comunicação estabelecida Auschwitz: um dueto com Adorno. São
entre os/as apenados/as e o grupo, quali- Leopoldo: Sinodal/EST, 2009.
ficando a compreensão que os presos têm
a respeito de seu cotidiano. O espaço da
oficina de literatura não pode deixar de
conter uma atividade dinâmica, garantin-
do o envolvimento dos participantes; esta

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REAPRENDENDO COM OS
AFRO-DESCENDENTES BRASILEIROS

Mara Rúbia Bispo Orth*

Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele sobre as vivências e sobre as possibilidades
ou por sua origem, ou por sua religião. concretas de se instituírem novas práticas so-
Para odiar, as pessoas precisam aprender
ciais educativas para uma sociedade iguali-
e se elas podem aprender a odiar podem ser ensinadas a amar,
pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano tária e justa.
do que o oposto... As atuais políticas públicas brasileiras
Nelson Mandela vêm sistematizando ideias nesse sentido; po-
rém, percebo que ainda é necessário reali-
zar mais, avançar mais. Talvez falte dar mais
A temática “reaprendendo com os afro- ênfase às vivências da população negra, a
descendentes brasileiros” considera, inicial- fim de que todos possam dar-se contar sobre
mente, o fato de que, há mais de vinte anos, o que é ser negro(a) no território brasileiro.
venho estudando, refletindo e realizando tra- Por isso, estou buscando, nesse momento,
balhos que envolvem as questões em torno recuperar algumas situações do cotidiano
da negritude brasileira, no que se refere à do(a) negro(a) no Brasil com o fim de contri-
ausência de conscientização, aos preconcei- buir para uma aprendizagem a cerca dos
tos, às discriminações e ao próprio desconhe- afro-descendentes.
cimento da grande maioria da população so- Nessa perspectiva, a problemática que
bre a vida da população afro-brasileira. No situo, está no fato de que na sociedade em
período atual, observo que os escritos sobre geral, existe desconhecimento do processo
os afro-descendentes brasileiros vêm cres- histórico, social, político, econômico, cul-
cendo significativamente, fato que, no sécu- tural e educacional dos afro-descendentes
lo passado, quase não tinha registro. Noto brasileiros, e isso contribuir, fortemente para
que esses escritos também estão carregados práticas de sua exclusão. Diante disso, in-
de resgate histórico, ainda que muito pouco dago: Como contribuir com prática social e
educativa, para minimizar o problema? O
* Mestre em Educação (UPF), professora aposenta-
propósito consiste em pontuar e refletir cri-
da da Universidade Regional Integrada – Campus
Erechim, RS. ticamente sobre as aprendizagens alusivas

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à Educação das Relações Étnico-Raciais e ser humano como um todo. Parece que não
para o Ensino de História e Cultura Afro- há mais lugar para a solidariedade, para
-Brasileira e Africana, no intuito de uma a comunhão, para a participação coletiva
sociedade justa, igualitária segundo os di- e efetiva. A sociedade e seus indivíduos
reitos humanos. Nessa linha de pensamen- fecham-se em si mesmos.
to, procuro destacar alguns conhecimentos Entretanto, há que refletir criticamente
necessários às práticas educativas, em rela- sobre o que vem acontecendo e o que fal-
ção à Educação das Relações Étnico-raciais, ta acontecer. A partir daí, a reflexão edu-
para uma ação reflexiva da prática social cativa social encara, obrigatoriamente, as
e educativa, bem como, sugerir referências questões de raça, de classe e de gênero.
bibliográficas, documentais e audiovisuais Para isso, a Educação e as ações de apren-
visando ao enriquecimento, aprofundamento, dizagens, ou seja, ações para novas apren-
aprendizagens diante da afro-descendên- dizagens são imprescindíveis, na perspecti-
cia brasileira. E, finalmente, procurei con- va do que afirma Forquin:
tribuir na proposição de estratégias meto-
dológicas de ações sociais e educativas à [...] educar, ensinar, é colocar alguém
aprendizagem da Educação afro-descendente em presença de certos elementos da
cultura a fim de que ele deles se nutra,
brasileira. que ele os incorpore à sua substância,
Desse modo, o texto encontra-se orga- que ele construa a sua identidade in-
nizado em três momentos, objetivando ini- telectual e pessoal em função deles.
ciar algumas discussões e reflexões. No pri- Ora, um tal projeto repousa necessa-
riamente, num momento ou noutro, so-
meiro momento, enfatizo os conhecimentos
bre uma concepção seletiva e normati-
necessários às práticas sociais educativas va cultural (1993, p. 168).
para, posteriormente citar, referências ao
aprofundamento dos estudos e, finalmente, Isso porque
sugerir estudos e debates.
Ninguém escapa da educação. Em
casa, na rua, na igreja ou na escola,
Sobre conhecimentos básicos todos nós envolvemos pedaços da vida
com ela: para aprender, para ensinar,
necessários às práticas para aprender e ensinar. Para saber,
sociais educativas para fazer ou para conviver, todos os
dias misturamos a vida com a educa-
Vivemos em um mundo em que cada ção. Com uma ou com várias: educa-
vez mais, a Educação se faz necessária. ção? Educações. É já que pelo menos
por isso sempre achamos que temos
Porém, nesse mundo é dominante a Educa-
alguma coisa a dizer sobre a educa-
ção individualista. As pessoas estão sendo ção que nos invade a vida, por que
educadas para si, voltadas para si mesmos. não começar a pensar sobre ela com
Muitos esquecem a partilha, a compreen- o que uns índios uma vez escreveram?
são, a tolerância, a escuta para o outro. (BRANDÃO, 2001, p. 7).
Isso acelera o processo do individualismo
e nega a historicidade civilizatória do ser Nessa linha de pensamento é que in-
humano como ser social. As situações e siro a problemática existencial, em torno
fatos existenciais dominantes fortalecem a de conceitos no que se refere a afro-des-
divisão, a fragmentação da sociedade e do cendentes: discriminação, preconceito, va-
lorização, racismo, relação, subjetividade,

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etnia, raça, exploração. Esses termos, mui- guinte racismo, é uma categoria social ela-
to presentes no cotidiano da população ne- borada pela sociedade dominante, com o
gra, tanto para consigo mesma como para objetivo de exploração, dominação de po-
com os outros, é que refletem a forma de der, com fins de manutenção do statu quo. O
como se encontra a divisão social. racismo, apresentado na sociedade, traz no
Sendo assim, há a necessidade de re- seu âmago práticas sociais e educativas de
pensar que afro-descendentes são os indi- separação entre os que podem e os que não
víduos originários do Continente africano, podem, entre os que sabem e os que não sa-
ou seja, que possuem sua matriz na África. bem, entre os direitos para uns e os deveres
E que afro-descendentes brasileiros/as são para outros, identificadas pelos pensadores
indivíduos que possuem sua pátria o Brasil, críticos como práticas de exclusão social.
originários do continente africano, advin- Essas situações de exclusão social, por-
dos dos países de Angola, Moçambique, tanto, de racismo, são manifestadas, no co-
Guiné Bissau, Senegal, República do Con- tidiano da população afro-descendente bra-
go, São Tomé e Príncipe. sileira, em desemprego, em baixo salário,
As compreensões citadas são ignora- em baixo nível de escolaridade, em falta de
das pela sociedade em geral. A sociedade habitação; enfim, em marginalização des-
utiliza os termos etnia e raça com igual sig- tes no processo de ascensão e emancipa-
nificado. Contudo, é preciso explicar que ção social. Faltam a essa grande maioria,
etnia diz respeito a “grupo de indivíduos condições para viver com dignidade.
com língua, religião e maneiras de agir co- Concomitante, há outra situação muito
muns”, sendo que étnico, consequentemen- presente em suas vidas. Situação de explo-
te é aquele grupo de indivíduos “pertencen- ração e de preconceito. O preconceito sur-
te ou próprio de um povo, específico de um ge quando a sociedade dá crédito a pensa-
grupo caracterizado por cultura específica” mentos negativos a respeito destes e de seu
(HOUAISS, 2010). grupo. Sua manifestação acontece através
Ao colocar todos os africanos no mesmo da negação de poder, negação de compe-
patamar, com as mesmas condições e opor- tência e negação de habilidades pessoais
tunidades, desconsidera-se a África como e profissionais entre outras, propiciando a
um dos continentes do Planeta, constituído negação do vir-a-ser humano como possibi-
de países que se diferenciam pela geogra-
lidades, como projeto de vida. Em conse-
fia, pelo clima, pela economia, pela religião,
quência disso, cria-se a exploração.
pela língua, pela cultura e pela política. Tal-
A exploração acontece quando a rela-
vez isso se deva ao termo usual da palavra
ção entre negros e brancos, ou entre grupos
raça, dirigida a pessoas brancas, negras e
de negros e grupos de brancos se encontra
ameríndias. Como alternativa, seria interes-
em posição desfavorável, o que favorece
sante situar sobre que africanos e países se
aos brancos tirarem vantagens sobre os ne-
está falando.
gros. Assim, pessoas negras e ou grupos de
Isso porque a palavra raça “é uma cons-
negros são levados à alienação, à manipu-
trução política e social. É a categoria discur-
lação, propiciando situações de submissão,
siva em torno da qual se organiza um sistema
de dependência social e econômica, frente
de poder socioeconômico, de exploração e
aos brancos. Emerge, a partir daí, uma re-
exclusão – ou seja, O RACISMO” (OLIVEIRA,
lação de desigualdade.
2006 apud HALL, 2003, p. 69). Por conse-

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A relação entre as pessoas, ao invés de Referências bibliográficas


possuir o significado de “caráter que une
uma coisa a uma ou várias outras (casua- BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é
lidade, sucessão, diferença), que pode ser educação. 40. ed. São Paulo: Brasiliense,
um vínculo tal que qualquer modificação da 2001.
primeira acarreta uma modificação da ou
das outras” (Dic. Filosofia), passa a ser uma BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensa-
relação de poder. Poder de brancos sobre mento marxista. Rio de Janeiro:
negros. Jorge Zahar, 2001.
Dessa maneira, há que se retratar o CASHMORE, Ellis. Dicionário de relações
mito da democracia racial. As práticas exis- étnicas e raciais. São Paulo: Summus,
tenciais ocultam as desigualdades entre ne- 2000.
gros e brancos, sejam elas de condições,
sejam elas de oportunidades, sejam elas de FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura:
direitos ao acesso (e permanência) social, as bases sociais e epistemológicas do
cultural, educacional, político e econômico. conhecimento escolar. Trad. de Guacira
Por isso e por muito mais, observo que Lopes Louro. Porto Alegre: Artes Médicas
há muito trabalho a se desenvolver para Sul, 1993.
que se efetive a democracia racial. Enquan-
HOUAISS, Antonio. Dicionário da língua
to a população negra permanecer na de-
portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva,
pendência do poder instituído, suas vidas
2010.
continuam dependentes. É necessário rom-
per estruturas dominantes. É imprescindível OLIVEIRA, Vera R. R. Políticas públicas e
refletir sobre o porquê e o para quê man- ações afirmativas na formação de
ter a população negra nessas condições. professor: cotas uma questão de classe e
Se as práticas objetivas já não incluem a raça – Processo de implementação da Lei
proibição de entrada e de participação em 73/1999 na UFRGS. Rio Grande do Sul:
ambiente social (como era no passado), na UFRGS, 2006.
atualidade elas são, por sua vez, fortemente
imbuídas de práticas subjetivas que negam
seu potencial. Isso significa, para a popula-
ção negra, que não basta a luta pelo aces-
so social. É preciso incluir nessa luta a ga-
rantia de: permanência na vida social e de
respeito aos direitos humanos. Tarefa nada
fácil, principalmente quando há barreiras e
fissuras que impossibilitam sua ascensão.
Enfim, para uma reaprendizagem com
os afro-descendentes brasileiros, sublinho
que é imprescindível uma leitura reflexiva
crítica do mundo, da sociedade, da vida
de todos os homens e mulheres. Trabalhar
para uma conscientização crítica, sobre a
divisão e classificação de classes sociais, já
é um bom começo.

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ARTE E DIREITOS HUMANOS:
educação das relações étnico-raciais

Nilva Rosin*

Nosso intento nesse artigo é pautar uma Por isso, poderíamos dizer que a arte
reflexão estética a partir de elementos que produz um forte vínculo com a sociedade e
apontam para a arte como força crítica na em sua referência à crítica da arte apreen-
vida dos seres humanos. Para isso, quere- de e analisa aspectos relativos à identidade
mos aproximar um conceito de cidadania e social na produção da “imagem” e a “sócio-
de direitos humanos numa perspectiva étni- -poética” (discursos), pois reflete questões
co-racial, para compreender em que medida inerentes à dinâmica histórica e a relação
a arte participa de um processo eficaz como entre os seres humanos. De tal sorte que,
dinâmica emancipadora. Pois, compreen- a análise crítica de uma obra de arte é ca-
demos que, enquanto aparência estética paz de descobrir se sua realização incluir
(imagem) a arte proclama ou mesmo apon- o conjunto de elementos da história impli-
ta, quando for o caso, os direitos humanos cada. Isso remete a questões como: Qual o
à: vida digna, liberdade, lazer, educação, significado sócio-histórico, estético, religio-
moradia, cultura, trabalho, amor, organiza- so e político na ‘manifestação da arte’35 na
ção, entre tantos outros. No tempo em que perspectiva étnico-raical? Qual o sentido
educa para as relações étnico-raciais ela (a e o lugar que a/o negra/o ocupa na con-
arte) luta pela conquista e ampliação dos di- quista da sua cidadania? O que vem sendo
reitos humanos, bem como, aos deveres re- concebido como arte nos espaços públicos
correntes, pois se instituem inseparáveis da e como a comunidade interage, historica-
vida artístico-cultural. mente, com a cultura afro-brasileira?
A arte, sem dúvida, está relacionada
* Mestra em Filosofia, docente no Curso de Bacha-
com a história, a cultura, a religião e a po-
relado em Filosofia do Instituto Superior de Filoso- lítica. Neste horizonte, em relação à arte
fia Berthier (IFIBE), Passo Fundo, RS; membro do defrontamo-nos com situações adversas que
Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação em
Direitos Humanos (IFIBE/CDHPF/UPF); associada 35 Pronuncia-se publicamente não como um mero
na Comissão de Direitos Humanos de Passo Fun- aparecer, mas enquanto manifestação histórico-
do (CDHPF). -artístico-cultural.

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vão desde simples devaneios, fantasias, pro- É conveniente observar que o senso es-
duzidas racionalizações criadas pela indús- tético não é algo dado espontaneamente,
tria cultural até proposições críticas no que mas precisa ser construído e aprendido/en-
tange ao mundo contemporâneo evidencian- sinado, ou seja, a pessoa precisa ser educa-
do contradições na produção cultural. Isto da para tal atitude, pois ele está presente em
afeta seus fiéis consumidores de modo pa- todos os âmbitos da existência humana que
radoxal, pois os integra a mercantilização de certo modo o pensamento é perpassado
imagética e congrega grandes públicos à por um componente estético. A sabedoria
indústria cultural, independente de credos, estética aproxima, confronta, compõe/de-
etnias e classes sociais. compõe, pois se dá no campo da liberdade
Desse modo, a reflexão estética justi- e exige que o sujeito social seja efetiva e
fica-se em elementos que apontam para a afetivamente capaz de dar conta desta li-
arte como poder do pensamento inconfor- berdade. O senso estético é comum a toda
mista, mesmo que parece haver certa ‘ce- pessoa, mas cada ser humano tem seu cami-
gueira’ perante a força da arte na vida dos nho único (método) a percorrer para alcan-
seres humanos. Todavia, ao aproximar arte çar a sensibilidade estética/artística.
e direitos humanos, temos na arte, um pa- Nesta perspectiva, a emancipação do
trimônio cultural que testemunha material- sujeito consiste justamente em desfrutar da
mente tanto o progresso da humanidade capacidade de libertar-se e enfrentar as
que contribui para a humanização, como coerções e todas as formas de violência em
a própria degradação da humanidade que prol da dignidade humana sem distinção
solapou a base dos valores éticos, privan- de etnia, gênero, credo, classe social, en-
do-a de sentido. tre outros. De tal sorte que, segundo Mosé:
Por outro lado, é interessante notar que “[...] na arte o sentir pode se manifestar
frente à verdade da obra de arte é que mui- livremente, porque independe de ganho ou
tas vezes nos deparamos com um enorme perda: o prazer estético é o lugar por ex-
esforço de aniquilação desta verdade que celência do sentir. Por não buscar entender
logo desaparece, mesmo que seu material nem obter o objeto, por se fundar no su-
seja de aço, bronze ou cimento, como já jeito, o sentido estético não sintetiza, não
alertava Quintana: “todo erro em bronze... conclui nem determina, ele sente” (2011,
p. 143). Assim sendo, ao pensar a relação
é um erro eterno”; O mesmo vale para a
entre os sujeitos e o modo de conceber a
obra de arte quando é instrumentalizada
questão étnico-racial na cultura brasileira,
ideologicamente. Desse ponto de vista, a
nos deparamos frente a condições e con-
arte merece um lugar de destaque na medi-
tornos muito distintos que exigem olhares
da em que interpela e sinaliza à promoção
mais complexos.
e defesa dos direitos humanos em todas as
Isto significa que a desigualdade não
suas dimensões e com seu significado histó-
é exclusiva no que se refere aos afro-brasi-
rico implicado, por que o sujeito da arte é
leiros. Contudo, mesmo que se evidenciem
o ser de direitos humanos. Portanto, é aqui
formas correlatas de discriminação, o pre-
que cabe perguntar: Como se traduz, do
conceito racial se manifesta de forma pa-
ponto de vista da arte e dos direitos huma-
tética no cotidiano das relações: “a ação
nos, a questão étnico-racial nas manifesta-
silenciosa do preconceito tem mantido os
ções histórico-artístico-culturais que se reali-
índices de desigualdade em patamares ina-
zam no cotidiano?

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ceitáveis para um país que se pretende de- históricas e culturais que induzem a aceitar
mocrático” (BRANDÃO, 2006, p. 14). O como natural a desigualdade por causa da
reconhecimento desta situação dramática cor da pele, da religiosidade, de gênero,
traz como exigência a compreensão das diferença cultural e classe social relegados
evidentes desigualdades que se traduzem à inferioridade e que impedem viver sua ci-
na própria forma pela qual a sociedade se dadania.
organiza e respeita os grupos étnicos, bem O grande objetivo dos direitos humanos
como as condições de acesso aos direitos desde sua proclamação universal (1948) é
básicos: saúde, educação, cultura, segu- o respeito e a sensibilidade com a alterida-
rança pública, trabalho, entre outros. de. No entanto, olhando para a dinâmica
Assim, nos valemos das palavras de no espaço das instituições formais de ensino
Adorno para mostrar este tensionamento que faz-se urgente uma sólida formação da co-
a arte traduz no seu potencial emancipató- munidade escolar para lidar com práticas/
rio: “A identidade estética deve defender o ações discriminatórias estereotipadas, con-
não-idêntico que a compulsão à identidade cernentes as relações étnico-raciais, na pers-
oprime na realidade” (ADORNO, 2006, pectiva de reconhecer a diversidade e as di-
p. 17). Precisamente porque não é simu- ferenças culturais para alçar novos olhares
lacro do que ela exprime, e sim reúne o rompendo com paradigmas e convenciona-
princípio que, em seu turno, ao comunicar lismos cristalizados que reforçam mecanis-
uma relação de alteridade contrapõem com mos tecnicistas e positivistas desumanos.
aquilo que ela não é e por isso mesmo faz Apesar de várias lacunas, as recomenda-
dela uma obra de arte: “A arte é a antítese ções dos Parâmetros Curriculares Nacionais
social da sociedade, e não deve imediata- são assumidas por gestores e educadores,
mente deduzir-se desta” (ADORNO, 2006, ainda que em número pequeno, problemati-
p. 19). Essa posição crítico-cultural da arte zando uma educação consequente a partir
põe em cheque os antagonismos e toda dos âmbitos escolares: “Para contribuir nes-
espécie de violência humana que não po- se processo de superação da discriminação
dem ser pactuados sob pena de prosperar e de construção de uma sociedade justa,
a barbárie. Esta é a dignidade que a arte livre e fraterna, o processo há de tratar do
autêntica cultiva como humos na fertiliza- campo social, voltados para a formação de
ção dos direitos humanos dando voz e vez novos comportamentos, novos vínculos, em
às vítimas. relação àqueles que historicamente foram
Apesar de movimentos e ações reivindi- alvos de injustiças, que se manifestam no
catórias de diferentes grupos étnico-raciais, cotidiano” (PCN’s, 1997). Mas, como apro-
a educação das relações étnico-raciais, em priar conhecimentos e novas práticas cultu-
espaços formais e não formais precisa des- rais com identidade étnico-racial sem cair
mascarar todo tipo de disfarce em relação em novas armadilhas?
à discriminação racial e o preconceito, so- Para isso, é importante criarmos espa-
bretudo da população negra onde estão ços interativos de troca de saberes possibi-
maiores índices se comparada a outras et- litando contatos com o patrimônio cultural
nias. No que tange as oportunidades iguais através da literatura, da arte, da música,
de educação, justiça social e respeito à di- da memória de diferentes grupos étnicos,
versidade cultural, evidencia-se altos indica- imagens, símbolos, etc. Acredita-se que esses
dores de exclusões advindas de heranças ambientes fomentem e ampliem a reflexão

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cultural e histórica sobre as questões de pre- Referências bibliográficas


conceitos e discriminações raciais em vista
da valorização plural e multicultural, através ADORNO, Theodor. Teoria estética. Trad.
da educação das relações étnico-raciais, Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2006.
partindo do princípio do direito à educação
que se torna efetivo gerando novas atitudes BOSI, Alfredo. Sob o signo de Cam. In:
nos espaços de suas relações e para a cons- _____. Dialética da colonização. São Paulo:
trução de conhecimentos. Companhia das Letras, 1992.
Em suma, as questões metodológicas e BRASIL. Lei n. º 10.639, de 09.01.03:
estruturais, na educação das relações étni- altera a Lei 9394/96 para incluir no cur-
co-raciais, são as mediações da leitura dos rículo oficial da Rede de Ensino a obriga-
significados expressos na herança linguísti- toriedade da temática “História e cultura
ca, nos símbolos e códigos manifestados nas afro-brasileira”.
distintas expressões de grupos étnico-sociais
através de suas demonstrações, sejam elas: _____. Parâmetros curriculares nacionais.
artísticas, políticas, econômicas, éticas, am- Secretaria de Educação Fundamental.
bientais, estéticas e educacionais. Tais me- Brasília: MEC/SEF, 1997.
diações suscitam reflexões pertinentes nas
MOSÉ, Viviane. O homem que sabe: do
diferentes visões de mundo no que tange a
homo sapiens à crise da razão. Rio de
defesa e promoção dos direitos humanos
Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
e a própria conservação de bens culturais,
pois ambas trazem em cena questões com- RÜDIGER, Francisco. Theodor Adorno e a
plementares. Para isso, a formação cidadã crítica à indústria cultural. 3. ed.
de homens e mulheres precisa repensar o Porto Alegre: Edipucrs, 2004.
‘ensinar e o aprender’ numa perspectiva
de cidadania a partir de exigências éticas, RUSKIN, John. A economia política da
epistemológicas e sócio-pedagógicas. arte. Trad. Rafael Cardoso. Rio de Janeiro:
Portanto, uma boa combinação entre Record, 2004.
arte e direitos humanos requer a compreen- BRANDÃO, Paula, A. (Org.). Saberes e
são da arte como cultura e o reconhecimen- fazeres: modos de ver. v.1. Rio de Janeiro:
to das concepções estéticas dos distintos Fundação Roberto Marinho, 2006. (A cor
grupos étnicos, principalmente, de concei- da cultura).
tos e entendimentos afro-brasileiros como
referenciais embrionários que poderão au-
xiliar na construção de novas percepções
sobre a real identidade brasileira. Sem medo
das tensões, pois a relação entre arte e so-
ciedade é sempre uma relação tensa, mas
aberta à consciência coletiva e heteronô-
mica na perspectiva de uma humanidade
emancipada, que viva em harmonia, liber-
dade e paz trilhando um caminho realmente
humano.

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SENHOR E ESCRAVO
E AS QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS

João Alberto Wohlfart*

O artigo tem como objeto principal a ras ocorridas nestes últimos dois séculos por
dedução da questão dos Direitos Humanos melhorias salariais e condições de trabalho
e Relações Étnico-Raciais do conhecido tex- são consequências práticas da lógica social
to hegeliano da Dialética do Senhor e do contida neste texto.
Escravo exposta por Hegel no começo da As Relações Étnico-Raciais historicamen-
Fenomenologia do Espírito. O texto, situa- te desenvolvidas no Brasil e estruturantes da
do no percurso de uma lógica dialética que cultura brasileira merecem ser pensadas na
marca a passagem do objeto como fonte do forma de uma reflexão filosófica crítica. As
conhecimento e da lógica da natureza como conhecidas relações de dominação que per-
força e entendimento para a experiência do passam a cultura brasileira podem ser pen-
reconhecimento recíproco entre os homens, sadas a partir do texto hegeliano que aqui é
expressa a possibilidade da emergência, lido e interpretado na perspectiva de deter-
na condição de ser humano livre, do escra- minada relação social que configurou histo-
vo dominado e sufocado em sua liberdade. ricamente a sociedade brasileira. Para além
A Dialética do Senhor e do Escravo é, até das possibilidades teóricas inscritas no texto
a atualidade, um dos textos mais significa- hegeliano da Dialética do Senhor e do Es-
tivos da tradição filosófica sobre a lógica cravo, as consequências práticas estão nas
da dominação e sobre a consequente po- múltiplas ações coletivas que objetivam o es-
tencialidade do dominado na busca pela tabelecimento de novos padrões de relações
sua libertação. Além disto, o mesmo texto sociais e superem formas coletivas de domi-
contém implícita uma força inspiradora de nação. As minorias brasileiras rebaixadas
movimentos políticos, sociais de luta por em função de preconceitos étnico-raciais
melhores condições de vida. As múltiplas precisam reconhecer a sua força, superar a
lutas, por exemplo, de classes trabalhado- situação de subalternidade e construir novos
padrões sociais.
* Doutor em Filosofia pela PUCRS e professor de
filosofia no IFIBE.

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Senhor e escravo As figuras do senhor e do escravo apa-


recem contrapostas em dois pólos irredutí-
A Dialética do Senhor e do Escravo cujo veis e, aparentemente, não relacionados.
texto encontra-se no começo da Fenomeno- Ao senhor cabe a posição da liberdade, da
logia do Espírito é uma figura filosófica re- autonomia e da independência, uma figura
presentativa de múltiplas configurações de que se sustenta a partir de si mesma a sua
relações humanas e relações sociais trans- condição. Seguindo a formulação do texto,
corridas ao longo da história da humani- parece uma expressão da subjetividade mo-
dade. Para escolher alguns exemplos que derna que se basta a si mesma, não necessi-
podem contribuir na compreensão desta pa- tando de mais nada para se justificar. Trata-
rábola, a relação entre o homem livre e ci- -se da figura autotélica de uma consciência
dadão e o escravo da sociedade grega e do que se relaciona imediatamente consigo mes-
Império Romano, o patrão e o empregado ma e nenhum outro elemento externo entra
da sociedade capitalista moderna, o capital na constituição de sua liberdade. O senhor
e o trabalho na melhor acepção marxiana, é a figuração de uma consciência livre que
os escravos afrodescendentes e os senhores circula de forma direta e imediata nela mes-
dos engenhos são exemplos históricos que ma e usufrui desta experiência no ilimitado
podem ser compreendidos e transformados gozo de si mesmo.
a partir da força argumentativa e social ins- A figura do escravo é diametralmente
critas neste famoso texto hegeliano. oposta a esta liberdade. O escravo encon-
O texto de apenas algumas poucas pá- tra-se mergulhado na natureza, é subsumi-
ginas insere-se na estrutura argumentativa do pelos processos físicos e biológicos da
global da Fenomenologia do Espírito. Cons- vida e ainda não alcançou a condição da
truído numa estrutura linguística de suma humanidade e da liberdade. O escravo não
tecnicidade filosófica, requer um bom nível é para si mesmo, para evocar a condição
de conhecimentos filosóficos e muita aten- da autonomia da subjetividade moderna,
ção para a sua compreensão. A logicidade mas é para uma outra consciência que está
da construção, as categorias estruturantes, fora dela. O escravo ainda não assumiu a
as múltiplas configurações de relações entre condição de sua autonomia e da sua liber-
os termos, as diferentes significações que as dade, mas se encontra subordinado a outro
principais ações vão adquirindo ao longo ser no qual projeta o ideal de vida. Em ou-
da exposição são elementos que precisam tras palavras, como o escravo não alcan-
ser observados no ato da leitura e interpre- çou a condição moderna da subjetividade
tação. Hegel caracteriza a relação entre o livre e autônoma, permanece esvaziado de
senhor e o escravo: si mesmo e se espelha na consciência li-
vre do senhor. Mas Hegel descreve assim
São essenciais ambos os momentos; po-
rém como, de início, são desiguais e a relação de dominação entre o senhor e
opostos, e ainda não resultou sua refle- o escravo:
xão na unidade, assim os dois momentos
são como duas figuras opostas da cons- O senhor se relaciona mediatamente
ciência: uma, a consciência independen- com o escravo por meio do ser inde-
te para a qual o ser-para-si é a essência; pendente, pois justamente ali o escra-
outra, a consciência dependente para a vo está retido; essa é sua cadeia, da
qual a essência é a vida, ou o ser para qual não podia abstrair-se na luta, e
um Outro. Uma é o senhor, outra é o es- por isso se mostrou dependente, por
cravo (Phän., § 189). ter sua independência na coisidade.

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O senhor, porém, é a potência sobre A consciência inessencial é, nesse re-


esse ser, pois mostrou na luta que tal conhecimento, para o senhor o objeto
ser só vale para ele como um negati- que constitui a verdade da certeza de
vo. O senhor é a potência que está si mesmo. Claro que esse objeto não
por cima desse ser: ora, esse ser é a corresponde ao seu conceito; é claro,
potência que está sobre o Outro; logo, ao contrário, que ali onde o senhor se
o senhor tem esse Outro por baixo de realizou plenamente, tornou-se para ele
si: é este o silogismo da dominação algo totalmente diverso de uma cons-
(Phän., § 190). ciência independente; para ele, não é
uma tal consciência, mas uma consciên-
cia independente. Assim, o senhor não
A Dialética do Senhor e do Escravo apre-
está certo de ser-para-si como verdade;
senta como componentes estruturantes o se- mas sua verdade é de fato a consciên-
nhor, o escravo e a natureza dispostos numa cia inessencial e o agir inessencial des-
trilogia silogística. Ao situar-se entre o senhor sa consciência (Phän., § 192).
e a natureza, o escravo trabalha a natureza
e a transforma com a sua ação. Ao trabalhar Ao aparecer a verdadeira condição
a natureza, o escravo não impregna nela a para o senhor e para o escravo, aquele não
sua consciência, mas é apenas um meio para é mais a ilusória consciência de liberdade
configurar a natureza bruta segundo às ne- e de autonomia, mas aparece mergulhado
cessidades do senhor. Esta condição que na condição de natureza e de animalida-
amarra o escravo à coisa faz do senhor o de. Como o senhor sustenta a sua condição
dominador e do escravo o dominado, figu- mediante a manutenção do escravo numa
situação sub-humana, não pode ser livre em
ras verticalmente dispostas segundo a lógica
função do consumo de objetos provenientes
da dominação.
do trabalho do escravo. Se, para Hegel,
Um dos pontos angulares e estruturantes
a primeira condição de humanização é o
do texto hegeliano é a relação que ambos,
exercício do trabalho na negativização da
senhor e escravo, estabelecem com a coisa
natureza, como o senhor não trabalha, a
na dupla configuração de natureza imediata
sua verdade é a animalidade. Nesta rela-
e natureza transformada em objeto de uso.
ção, não é possível a pretensa liberdade do
Ambos se relacionam de forma imediata e
senhor no ato de escravização e coisificação
de forma mediatizada com a natureza. De
da outra consciência. Agora, a consciência
forma imediata e direta, o escravo se rela- inessencial que o senhor tinha negado de si
ciona com a natureza bruta porque a traba- mesmo e atribuída ao escravo, pertence a
lha; o senhor se relaciona diretamente com ele como a sua verdade.
a natureza transformada porque a conso- O escravo opera uma transformação
me. Por sua vez, o escravo se relaciona de radical ao superar a situação de depen-
forma mediatizada com a natureza porque dência e coisidade. No momento em que
nela impregna a consciência e o projeto do se dá conta de que os privilégios do senhor
escravo, enquanto o senhor se relaciona de somente são possíveis mediante a sua ani-
forma mediatizada com a natureza traba- malidade e intui a sua própria humanização
lhada através do trabalho do escravo. Um no trabalho, fica destituída a liberdade do
dos pontos de inflexão do texto é a inversão senhor. Com a aprendizagem adquirida no
de atribuições entre o senhor e o escravo. exercício do duro trabalho, a libertação con-
Hegel escreve: siste em intuir-se a si mesmo como sujeito da
atividade. Nesta conquista da liberdade do

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escravo caem por terra todos os elementos jeita qualquer forma de relação de domina-
que sustentaram a autonomia absoluta e ime- ção entre as pessoas e qualquer forma de
diata do senhor. Na conquista de si mesmo sistema social opressor. Sob esta ótica, para
do escravo como sujeito livre, o senhor é des- o filósofo, Direitos Humanos constituem uma
mistificado da pretensão da liberdade abso- efetividade social estruturada por relações
luta e se revela como um semi-animal ainda sociais igualitárias, simétricas e intersubjeti-
mergulhado na natureza. vamente configuradas. Os Direitos Humanos
A inversão operada por Hegel nas atri- resultam da superação de situações sociais
buições de senhor e de escravo não con- e históricas adversas marcadas por estrutu-
siste em colocar em cima quem estava por ras de dominação que internalizam ideolo-
baixo, e colocar embaixo quem estava em gicamente nas pessoas a conformação com
cima, mas desmistifica a pretensão da in- situações subalternas.
condicionalidade da dominação. A liberta- O texto hegeliano aqui indicado é muito
ção do escravo e naturalização do senhor adequado para pensar a temática das Re-
não inverte as polaridades de dominação e lações Étnico-Raciais. As históricas sombras
servidão, ficando intacta a estrutura social, das Relações Étnico-Raciais verticalmente
mas explicita a força de libertação implícita estabelecidas e resultantes na escravidão
às estruturas dominadoras da sociedade. negra formam um exemplo prático e aplica-
ção das figuras do senhor e do escravo. A
conscientização em relação a esta questão, a
Trabalho, direitos humanos e relações superação histórica da escravidão no Brasil e
étnico-raciais a construção de uma sociedade mais igua-
litária onde os antigos escravos são integra-
As três temáticas elencadas neste títu- dos adequam-se com os principais propó-
lo que constitui uma disciplina do curso de sitos da Dialética do Senhor e do Escravo.
Direitos Humanos, estão implícitas ao texto Como afirmamos acima, estas restrições da
hegeliano da Dialética do Senhor e do Es- história brasileira que estendem fortemente
cravo. A trilogia relacional e silogística do as suas sombras até os dias atuais, têm no
texto caracteriza uma relação de trabalho. texto hegeliano uma das raízes clássicas
Nisto, o senhor sobrevive com o trabalho para a sua formulação, problematização e
do escravo; o escravo se humaniza e se tor- superação.
na um sujeito autônomo através do traba- A escravidão a que os afrodescendentes
lho livre intuído numa determinada fase do foram submetidos ao longo de grande parte
processo; a natureza é transformada pelo da história brasileira pode ser diretamente
trabalho humano. relacionada à dimensão crítica e pedagógi-
O texto da Fenomenologia do Espírito ca do texto hegeliano aqui em questão. Os
não é, diretamente, uma obra sobre a ques- escravos africanos transportados ao Brasil
tão dos Direitos Humanos. Mesmo que, ao nos porões dos navios como mercadoria fo-
longo da trajetória argumentativa da evolu- ram rebaixados à condição de uma força
ção histórica da consciência, Hegel aborde mecânica e física para os sistemas de traba-
o Direito Romano e outras formas de Direito. lho e estruturas produtivas existentes ao lon-
Mas, os Direitos Humanos são implícitos ao go história brasileira. Na inexistência de for-
texto e devem ser lidos nas suas entrelinhas. ças produtivas mais sofisticadas do ponto de
No caso do senhor e do escravo, Hegel re- vista tecnológico, o negro africano reuniu as

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condições físicas de resistência ao trabalho processo de desenvolvimento da nação. O


cuja atividade e objeto foram apropriados texto hegeliano aqui referido expõe uma
pelas classes dominantes e grupos estran- profunda crítica ao modelo social brasileiro
geiros instalados no Brasil. que historicamente sustentou a escravidão
A história da escravidão, com explora- e impediu à cultura negra a conquista da li-
ção física do trabalhador escravo, internali- berdade. Na Filosofia do Direito e na Filoso-
zou nesta etnia uma “consciência” coletiva fia da História, nas nações onde há escravos
de um ser humano de segunda categoria, não é possível a existência de Estado. Em
de subordinação e de incapacidade de au- outras palavras, o modelo hegeliano de Es-
toconstituição de uma etnia livre e com ci- tado é radicalmente antagônico a qualquer
dadania brasileira. Uma das marcas desta forma de escravidão. Na instância jurídica
exploração foi a transformação dos afrodes- do Direito Internacional, os Estados que ain-
cendentes em escravos na condição de pro- da permitem a existência de escravos são
priedade dos senhores, portanto, passíveis objeto de severas punições internacionais.
de serem vendidos como qualquer objeto. Uma analogia com a Dialética do Se-
O ponto culminante da escravidão foi a ex- nhor e do Escravo identifica este escravo
periência do neocolonialismo que transfor- com os afrodescendentes submetidos a du-
mou o Brasil em um campo de exploração ras condições de trabalho. O senhor pode
de matéria-prima e mão-de-obra barata ope- ser identificado com as classes dirigentes
rada pela mão invisível do grande capital da sociedade brasileira de todos os tempos
internacional. que excluíram boa parte da população dos
Mas a questão do Trabalho, dos Direitos Direitos Humanos básicos. Esta leitura é in-
Humanos e Relações Étnico-Raciais deve ser dicativa da integração dos afrodescenden-
positivamente pensada a partir dos afrodes- tes na dinâmica da sociedade brasileira
cendentes brasileiros e do texto hegeliano em, pelo menos, duas etapas significativas.
da Dialética do Senhor e do Escravo. Nes- Uma primeira fase é a facilitação do acesso
te cenário, o trabalho não é mais um meio destas culturas à educação, ao sistema de
de exploração físico e espiritual do homem, trabalho, às universidades e outras institui-
mas uma instância humanizadora dos des- ções sociais. Uma segunda fase é a efetiva
cendentes de antigos escravos. Os Direitos integração das culturas afrodescendentes à
Humanos constituem a forma jurídica de re- sociedade brasileira na condição de cida-
conhecimento da dignidade e da autodeter- dãos com todos os direitos e todos os deve-
minação histórica de etnias historicamente res estabelecidos pela Constituição. Não se
excluídas da cidadania. As Relações Étnico- trata de uma simples adaptação integrado-
-Raciais não se baseiam mais na exclusão ra destas etnias, mas da possibilidade de
de etnias do desenvolvimento social, mas contribuição para o desenvolvimento da na-
integram-se na sociedade com os mesmos ção a partir de sua própria cultura negada
direitos e deveres constitucionais de todos durante vários séculos.
os cidadãos. A tentativa de compreensão das Rela-
Uma leitura das Relações Étnico-Raciais ções Étnico-Raciais a partir do texto hegelia-
a partir do texto hegeliano fornece-nos ele- no sobre o senhor e o escravo nos fornece
mentos suficientes para a construção de um razões bastantes para resgatar as etnias
novo patamar de relações sociais capaz de historicamente excluídas do processo cultu-
integrar etnias historicamente excluídas do ral. As luzes intrínsecas ao texto hegeliano

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apontam a superação das relações verticais


das quais os afrodescendentes sempre foram
as vítimas e a consequente construção de
uma sociedade mais igualitária. Para que isto
seja possível, o principal componente do pro-
cesso é a superação das condições adversas
pelas próprias vítimas que descobrem na sua
força de liberdade o caminho de integração
na sociedade e de transformação estrutural
da mesma. Para que isto seja possível, não
trabalham mais na condição de mercadoria
barata, mas integram o sistema de trabalho
como um meio de construção social.

Referências bibliográficas

HEGEL, GWF. Fenomenologia do espírito.


Petrópolis: Vozes, 1992.
HÖSLE, V. Hegels System. Der idealismus
der subjektivität und das problem der inter-
subjektivität. Hamburg: Meiner, 1998.
HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura na
Fenomenologia do espírito de Hegel.
São Paulo: Discurso Editorial, 1999.
MENESES, Paulo. Para ler a Fenomenologia
do espírito. São Paulo: Loyola, 1985.
SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de
justiça em Hegel. São Paulo: Loyola,
1996.
SANTOS, José Henrique. Trabalho e riqueza
na Fenomenologia do espírito de Hegel.
São Paulo: Loyola, 1993.

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SUGESTÕES PEDAGÓGICAS

1. Material didático e de referência Disponível em: <http://diversidade.mec.


gov.br/sdm/arquivos/diretrizes.pdf>.

Diretrizes curriculares nacionais para a


educação das relações étnico-raciais e Orientações e ações para a educação das
para o ensino de história e cultura afro- relações étnico-raciais
-brasileira e africana
Todo o material apresentado nessa obra
A obrigatoriedade de inclusão de His- busca detalhar uma política educacional que
tória e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos reconheça a diversidade étnico-racial, em
currículos da Educação Básico trata-se de correlação com a faixa etária e com situa-
decisão política, com fortes repercussões pe-
ções específicas de cada nível de ensino,
dagógicas, inclusive na formação de profes-
possibilitando a reelaboração das relações
sores. Com esta medida, reconhece-se que,
que se estabelecem dentro e fora do am-
além de garantir vagas para negros nos
biente escolar. Esse exemplar é resultado de
bancos escolares, é preciso valorizar devi-
grupos de trabalhos constituídos de estudio-
damente a história e cultura de seu povo,
sos das questões étnico-racial que elaboram
buscando reparar danos, que se repetem há
textos para cada nível ou modalidade de
cinco séculos, a sua identidade e a direitos
ensino na perspectiva de fornecer subsídios
seus. A relevância do estudo de temas de-
para o tratamento da diversidade na educa-
correntes da história e cultura afro-brasileira
e africana não se restringem à população ção de forma contextualizada.
negra, ao contrário dizem respeito a todos
os brasileiros, uma vez que devem educar-se Disponível em: <http://portal.mec.gov.
br/dmdocuments/orientacoes_etnicora-
enquanto cidadãos atuantes no seio de uma
ciais.pdf>.
sociedade multicultural e pluriétnica, capa-
zes de construir uma nação democrática.

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Material didático “A cor da cultura” todologia e Pré-História da África; Volume


II: África Antiga; Volume III: África do sé-
Um conjunto de Materiais Didáticos é culo VII ao XI; Volume IV: África do século
oferecido pelo Projeto “A Cor da Cultura”. XII ao XVI; Volume V: África do século XVI
A Cor da Cultura é resultado de parceria ao XVIII; Volume VI: África do século XIX à
entre o Ministério da Educação (MEC), a década de 1880; Volume VII: África sob
Fundação Cultural Palmares (FCP), a Secre- dominação colonial, 1880-1935; e Volume
taria Especial de Políticas de Promoção da VIII: África desde 1935.
Igualdade Racial (Seppir), o Canal Futura,
a Petrobras, o Centro de Informação e Do- Todos os volumes disponíveis em: <www.
cumentação do Artista Negro (Cidan) e a unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-
Fundação Roberto Marinho. São Cinco ca- -office/single-view/news/general_history_
dernos: Caderno 1: Modos de Ver; Cader- of_africa_collection_in_portuguese-1/>.
no 2: Modos de Sentir; Caderno 3: Modos
de Interagir; Caderno 4: Modos de Fazer e
Caderno 5: Modos de Brincar. Está disponí- Livro Educação anti-racista
vel também o livro “Memória das Palavras”.
O livro visa reunir trabalhos de autores
O material está disponível em: <www. que trazem reflexões acerca da implemen-
palmares.gov.br/?p=10963> ou <www. tação da Lei no 10.639/2003, sanciona-
acordacultura.org.br/pagina/Kit%20 da pelo presidente da República, Luiz Iná-
a%20Cor%20da%20Cultura>. cio Lula da Silva, por meio da qual se torna
obrigatório o ensino sobre História e Cultu-
ra Africanas e Afro-brasileiras nos estabe-
Coleção História geral da África lecimentos de Educação Básica, oficiais e
particulares. Parte dos textos presentes nes-
A coleção História Geral da África, em ta obra mantém estreita relação com os Fó-
oito volumes, está disponível em português. A runs Estaduais de Educação e Diversidade
edição completa da coleção já foi publicada Étnico-Racial, que foram organizados pela
em árabe, inglês e francês. Um dos projetos Secad, no ano de 2004, em parceira com
editoriais mais importantes da UNESCO nos as Secretarias Estaduais de Educação, com
últimos trinta anos, a coleção História Geral os Movimentos Sociais Negros e com Uni-
da África é um grande marco no processo versidades Federais. O livro está dividido
de reconhecimento do patrimônio cultural em três partes. A primeira parte refere-se
da África, pois ela permite compreender o à “Contextualização da Lei no 10.639”,
desenvolvimento histórico dos povos africa- na qual se abordam a luta histórica dos
nos e sua relação com outras civilizações Movimentos Sociais Negros por uma edu-
a partir de uma visão panorâmica, diacrô- cação anti-racista, bem como os conceitos
nica e objetiva, obtida de dentro do conti- necessários à iniciação do estudo das re-
nente. A coleção foi produzida por mais de lações raciais no Brasil. Essa seção conta
350 especialistas das mais variadas áreas com apenas dois artigos. A segunda parte,
do conhecimento, sob a direção de um Co- intitulada “Por uma educação anti-racista”,
mitê Científico Internacional formado por conta com quatro artigos que tratam de as-
39 intelectuais, dos quais dois terços eram pectos do racismo em sala de aula. Essa
africanos. Formam a coleção: Volume I: Me- parte do livro buscar situar o racismo no

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cotidiano escolar, encarando-o como um Livro História da educação do negro e


problema central a ser enfrentado no pro- outras histórias
cesso de promoção de uma educação anti-
-racista. A terceira parte do livro, “Ensino História da Educação do Negro e ou-
de História da África no Brasil”, almeja não tras histórias, publicação com artigos de
apenas nos aproximar do mundo africano, diversos autores e organizada pela educa-
por meio do conhecimento científico, para dora Jeruse Romão, traz novos dados ao de-
o compreendermos melhor, como também bate sobre a exclusão da população negra
atacar a ausência de ensinamentos a esse do sistema educacional, bem como apre-
respeito no Brasil. senta alternativas forjadas pelo movimen-
to social negro para o enfrentamento das
Disponível na íntegra em: desigualdades. Proporciona assim, graças
<http://portal.mec.gov.br/index. às diversas fontes de pesquisa, um panora-
php?option=com_docman&task=doc_ ma inédito dos saberes necessários para a
download&gid=658&Itemid=>. atuação de professores e professoras que
se propõem a pensar e atuar na defesa das
políticas educacionais no país.
Livro Ações afirmativas e combate ao racis-
mo nas américas Disponível na íntegra em:
<http://portal.mec.gov.br/index.
O quinto volume da Coleção Educação php?option=com_docman&task=doc_
para Todos, o livro Ações Afirmativas e Com- download&gid=649&Itemid=>.
bate ao Racismo nas Américas dá continui-
dade ao esforço da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade Livro Superando o racismo na escola
(Secad) de promover ações concretas de
combate ao racismo na educação brasilei-
Superando o Racismo na Escola é reedi-
ra e subsidiar professores e professoras com
tado contexto aberto pela sanção da Lei nº
informações e conhecimentos estratégicos
10.639/2003, que alterou a Lei de Diretri-
para o enfrentamento dessa tarefa. Mais
zes e Bases da Educação Nacional e tornou
que isso, os dezesseis artigos que compõem
obrigatório o ensino de história e cultura afro-
a obra compreendem uma espécie de res-
-brasileiras nos estabelecimentos de ensinos
posta coletiva – no calor da hora, e de um
fundamental e médio, oficiais e particulares.
ponto de vista intelectual e político negro – a
A reflexão sobre o lugar das tradições africa-
questões colocadas pelo debate aberto com
nas no redesenho cultural da escola brasileira
as propostas e a implementação no Brasil
incentiva professores e professoras a relacio-
de medidas de ação afirmativa no combate
narem-se com o mundo de possibilidades que
ao racismo.
a sociabilidade negra criou, para além das
referências e práticas eurocêntricas, cujas
Disponível na íntegra em:
reiteração e reprodução na escola brasilei-
<http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_docman&task=doc_ ra ainda fazem desta mais um problema do
download&gid=652&Itemid=>. que uma solução para os desafios de nos-
sa sociedade. Organizado por Kabengele
Munanga, foi publicado pela SECAD/MEC.

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Disponível na íntegra em:


<http://diversidade.mec.gov.br/sdm/ar-
quivos/sup_rac_escola.pdf>.

Livro Quilombos – espaço de resistência


de homens e mulheres negros

Coordenado por Schuma Schumaher e


publicado pela SECAD/MEC, este livro se
destina especialmente aos professores e às
professoras das comunidades quilombolas
do Rio de Janeiro e das demais escolas do
Sistema Educacional Brasileiro. Ademais,
contribuirá, seguramente, para o cumpri-
mento do que determina a legislação - “...o
estudo da História da África e dos africa-
nos, a luta dos negros no Brasil, a cultura
negra brasileira e o negro na formação
da sociedade nacional, resgatando a con-
tribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política, pertencentes à Histó-
ria do Brasil” (§ 1°, artigo 26 A da LDB) – e
para a efetivação de dois olhares: um olhar
enriquecedor das comunidades do Rio de
Janeiro sobre si mesmas, da recuperação
de sua história, dos seus valores, de sua
resistência, e outro de todo o Brasil sobre
as comunidades quilombolas.

Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/
pesquisa/DetalheObraForm.do?select_
action=&co_obra=26835>

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2. Material Áudio-visual são as mais conhecidas da plástica africa-


na e constituem síntese dos vários elementos
simbólicos. São confeccionadas em barro,
Calendário internacional da cultura negra marfim, metais, mas o material mais utiliza-
do é a madeira. As origens da arte africana
Informações sobre datas que marcaram são de muito antes da história registrada.
a história do negro no Brasil e no mundo; As criações em rocha no Saara, em Niger,
história herdada e continuada por várias por exemplo, conservam desenhos de 6 mil
gerações; história de uma luta que produziu anos. A exposição “Expressões Africanas”, con-
e irá produzir, por tempo indeterminado, siderada uma das principais ações da Fun-
um grande número de datas que merecem e dação Cultural Palmares no Ano Internacio-
merecerão ser lembradas. Por este motivo, nal dos Povos Afrodescendentes, apresenta
este calendário virtual é inacabado e estará parte do acervo de 15 embaixadas do Con-
em contínua construção. tinente Africano com a mostra de peças ar-
tesanais, artefatos, quadros, móveis e escul-
Disponibilizado pela Fundação Palmares turas que retratam a cultura de África do
em: <www.palmares.gov.br/?p=8766>. Sul, Angola, Botsuana, Benin, Cabo Verde,
Cameroun, Costa do Marfim, Egito, Gana,
Guiné Equatorial, Guiné-Bissau, Mauritânia,
Personalidades negras Moçambique, Namíbia e Quênia. Material.

Informações sobre algumas das perso- Disponível em:


nalidades negras que marcaram a história <www.palmares.gov.br/wp-content/
do Brasil e do mundo. É, portanto, um es- uploads/2011/10/catalogo-eea.pdf>.
paço inacabado e que estará em contínua
construção, porque a luta em favor da cul-
tura negra e contra o racismo produziu e Projeto RS negro
irá produzir, por tempo indeterminado, um
grande número de lideranças que precisa- O projeto RS Negro: educando para a
rão ser resgatadas. diversidade é uma realização da Secretaria
da Justiça e do Desenvolvimento Social do
Disponibilizado pela Fundação Palmares Rio Grande do Sul (SJDS), da Fundação de
em: <www.palmares.gov.br/?p=8470>. Educação e Cultura do Internacional (Feci),
com financiamento da Companhia Estadual
de Energia Elétrica do RS (CEEE), por meio
Exposição expressões africanas da Lei da Solidariedade. São parceiros da
iniciativa A Pontifícia Universidade Católica
A arte africana reproduz os usos e cos- do Rio Grande do Sul, através do Grupo
tumes dos povos africanos. Nas pinturas Educomunicação e Produção Cultural Afro-
como nas esculturas, a caracterização da brasileira (Educom Afro) e a Edipucrs, o
figura humana mostra uma preocupação Conselho de Participação e Desenvolvimen-
com os valores morais e religiosos. A escul- to da Comunidade Negra do Estado do Rio
tura, forma de arte muito usada pelos artis- Grande do Sul (Codene), a Universidade
tas africanos, utiliza-se de ouro, bronze e Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e
marfim como matéria prima. As máscaras o Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul

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(AHRS). O material é composto pela segun- afro e da escravidão e propor questionamen-


da edição do livro RS Negro: cartografias tos importantes sobre as consequências das
da produção do conhecimento, pelo vídeo- sociedades modernas e sobre sua maneira
-documentário Sou, pela revista RS Negro, de assumir a memória coletiva. Documentá-
pelo Posterbook RS Negro, por um CD de rio. Duração de 57 min. Idioma: espanhol.
aulas RS Negro e um CD de áudios Negro Diretores: Sheila Walker e Georges Collinet.
Grande. Os produtos do Projeto RS Negro Produtor: UNESCO. Ano: 2010.
estão disponíveis gratuitamente no Portal
da PUCRS. Para mais informações e para solicitar o
material ver: <www.unesco.org/new/es/
Materiais diversos disponíveis em: culture/themes/dialogue/the-slave-route/
<http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/rsnegro/>. right-box/related-information/slave-routes-
-a-global-vision/>.

Rotas do escravo: uma visão mundial


A cor da cultura
Material educativo e informativo em es-
panhol produzido pela UNESCO. Apresenta “A Cor da Cultura” é um projeto educati-
a diversidade das histórias e dos patrimônios vo de valorização da cultura afro-brasileira,
surgidos do tráfico negreiro e da escravidão. fruto de uma parceria entre o Canal Futura,
Destinado ao grande público, este documen- a Petrobras, o Centro de Informação e Do-
tário dá uma ideia do que foi o tráfico mas- cumentação do Artista Negro (Cidan), a TV
sivo da população africana para diferentes Globo e a Secretaria Especial de Políticas
lugares do mundo: as Américas, Europa, de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).
oceano Índico, o Oriente Médio e Ásia. O O projeto teve seu início em 2004 e, desde
DVD traz à luz a presença africana nos vá- então, tem realizado produtos audiovisuais,
rios continentes, as importantes contribuições ações culturais e coletivas que visam práti-
da diáspora africana em diferentes âmbitos cas positivas, valorizando a história deste
(artes, religiões, conhecimentos, agricultura, segmento sob um ponto de vista afirmativo.
comportamento, linguística, etc.) às socieda-
des e culturas onde chegaram. Não oculta o Para acessar o material visite o site:
racismo e as discriminações herdadas deste <www.acordacultura.org.br>
passado doloroso. Além do traumatismo da
escravidão, este filme pretende ilustrar como
a resistência e a resiliência as vitimas permi-
tiram a sobrevivência ao sistema deshuma-
nizante. Graças à compilação de imagens,
as narrativas históricas e as entrevistas com
especialistas de todos os continentes, o docu-
mentário mostra como os escravos africanos
e seus descendentes contribuíram para per-
filar o mundo moderno e propõe um ques-
tionamento das teorias erradas sobre as “ra-
ças”. Seu principal objetivo é dar uma visão
global das diferentes dimensões da questão

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93

3. Portais na internet Criola

“A Criola” é uma organização da socie-


Centro de estudos das relações de trabalho dade civil conduzida por mulheres negras
e desigualdades com a missão de instrumentalizar mulheres,
adolescentes e meninas negras para o en-
O Centro de Estudos das Relações de frentamento do racismo, sexismo e lesbofo-
Trabalho e Desigualdades (CEERT) é uma bia (discriminação contra lésbicas) e para
organização não-governamental que tem a o desenvolvimento de ações voltadas à me-
missão de combinar produção de conheci- lhoria das condições de vida da população
mento com programas de treinamento e in- negra. Mantém um portal no qual publica
tervenção comprometidos com a igualdade artigos, livros, revistas, vídeos e materiais
de oportunidades e de tratamento e a supe- diversos sobre os temas de sua atuação.
ração do racismo, da discriminação racial
e de todas as formas de discriminação e Acesse: <www.criola.org.br>.
intolerância. Desenvolve projetos nas áreas
de diversidade no trabalho, educação, di-
reito e acesso à Justiça, políticas públicas, Rede brasileira de justiça ambiental
saúde e liberdade de crença. Presta con-
sultorias a empresas, prefeituras e órgãos A Rede Brasileira de Justiça Ambiental
públicos interessados em implantar políticas consolidou-se, desde 2002, como um espa-
de valorização da diversidade e de promo- ço de identificação, solidarização e fortale-
ção da igualdade racial. O site disponibili- cimento dos princípios de Justiça Ambiental
za várias referências, publicações, vídeos e – marco conceitual que aproxima as lutas
outros materiais de apoio. populares pelos direitos sociais e humanos,
a qualidade coletiva de vida e a sustentabi-
Acessar: <www.ceert.org.br/>. lidade ambiental. Constituiu-se como um fó-
rum de discussões, de denúncias, de mobili-
zações estratégicas e de articulação política,
Geledés com o objetivo de formulação de alternativas
e potencialização das ações de resistência
A Geledés é uma organização não go- desenvolvidas por seus membros – movimen-
vernamental de mulheres negras que atua na tos sociais, entidades ambientalistas, ONGs,
luta anti-racista em árias frentes de trabalho. associações de moradores, sindicatos, pes-
quisadores universitários e núcleos de insti-
O site da Organização mantém atualizadas
notícias sobre a luta contra a discriminação tuições de pesquisa/ensino. A RBJA opera
racial e também oferece vídeos, textos, ar- como uma articulação horizontal e conta
tigos, material didático e outros subsídios com uma Secretaria Nacional que tem como
para a educação das relações étnico-ra- atribuição facilitar o intercâmbio de informa-
ciais. ções, potencializar a articulação dos mem-
bros e apoiar as ações coletivas da RBJA. No
portal há materiais diversos sobre o tema.
Acesse: <www.geledes.org.br>.

Acesse: <www.justicaambiental.org.br/_
justicaambiental/>.

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94

Fundação cultural Palmares

A Fundação Cultural Palmares é uma ins-


tituição pública vinculada ao Ministério da
Cultura que tem a finalidade de promover e
preservar a cultura afro-brasileira. Preocupa-
da com a igualdade racial e com a valoriza-
ção das manifestações de matriz africana,
a Palmares formula e implanta políticas pú-
blicas que potencializam a participação da
população negra brasileira nos processos
de desenvolvimento do País. A Palmares é
responsável pela preservação do patrimônio
cultural material e imaterial afro-brasileiros.
Mas, para compreender o que isso significa,
é necessário entender o conceito de cada
um. Publica a Revista Palmares.

Acesse: <www.palmares.gov.br/>.

Porta curtas

“Porta Curtas Petrobras” é um portal


que dá acesso gratuito a vários curta metra-
gens produzidos no Brasil. Um dos curtas ali
disponíveis, por exemplo, é “Vida Maria”,
de Márcio Ramos [www.portacurtas.com.
br/Filme.asp?Cod=4910]. Ele também per-
mite acesso a outro portal com materiais pe-
dagógicos e preparado especialmente para
as escolas, trata-se do “Curta na Escola”.

Para acessar o material:


<www.portacurtas.com.br> e
<www.curtanaescola.org.br>.

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95

4. Sugestões literárias CAVALLEIRO, Eliane (org.). Racismo e Anti-


-Racismo na Educação: repensando nossa
ALMEIDA, Gercilga de. Bruna e a galinha escola. São Paulo: Summus, 2001.
d’Angola. Ilustrações de Valéria Saraiva.
CHAIB, Lídia; RODRIGUES, Elisabeth.
Rio de Janeiro: Didática e Científica e
Ogum, o rei de muitas faces e outras his-
Pallas, 2000.
tórias dos orixás. Ilustrações de Mandaira.
ANDRADE, Inaldete Pinheiro de. Pai Adão São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
era nagô. Rio de Janeiro: Produção Alter-
COOKE, Trish. Tanto, tanto! Ilustrado por
nativa, 1989.
Helen Oxenbury. São Paulo: Ática, 1994.
BARBOSA, Rogério Andrade. Bichos da
COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que
África I e II. Ilustrações de Ciça Fittipaldi.
São Paulo: Melhoramentos, 1987. é cidadania. 7. ed. São Paulo: Brasiliense,
(Série Bichos da África). 1998.

BARBOSA, Rogério Andrade. Bichos da ESTES, Clarissa P. Mulheres que correm


África III e IV. Ilustrações de Ciça Fittipaldi. com os lobos: mitos e histórias do arqué-
São Paulo: Melhoramentos, 1988. (Série tipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro:
Bichos da África “lendas e fábulas”). Rocco, 1999.

BARBOSA, Rogério Andrade. Contos afri- FERNANDES, Florestan. Significado do


canos para crianças brasileiras. Ilustrações protesto negro. São Paulo: Cortez, 1989.
de Maurício Veneza. São Paulo: Paulinas, FONSECA, Maria N. S. Brasil Afro-Brasi-
2004. leiro. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
BARBOSA, Rogério Andrade. Contos ao FORD, Clyde W. O herói com rosto Africano.
redor da fogueira. Ilustração de Rui de Mitos da África. São Paulo: Selo Negro/
Oliveira. Rio de Janeiro: Agir, 1990. Summus, 1999.
BARBOSA, Rogério Andrade. Histórias FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação:
africanas para contar e recontar. Ilustra- cartas pedagógicas e outros escritos.
ções de Graça Lima. São Paulo: Editora São Paulo: UNESP, 2000.
do Brasil, 2001.
FREIRE, Paulo; SOUZA Guimarães. A África
BARBOSA, Rogério Andrade. Sundjata, o ensinando gente: Angola, Guiné-Bissau,
príncipe leão. Ilustrações de Roger Mello. São Tomé e Príncipe. São Paulo: Paz e
Rio de Janeiro: Agir, 2002. Terra, 2003.
BORGES, Vavy Pacheco. O que é história. GODOY, Célia. Ana e Ana. São Paulo:
6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2001. Difusão Cultural do Livro, 2003.
BRAZ, Júlio Emílio. Felicidade não tem cor.
JOSÉ, Ganymédes. Na terra dos orixás.
São Paulo: Moderna, 1994.
Ilustrações de Edu Andrade. São Paulo:
(Coleção Girassol)
Editora do Brasil, 1988. (Coleção Akpalô
BRAZ, Júlio Emílio. Lendas negras. kpatita).
São Paulo: FDT, 2001.
KANTON, Kátia. Entre o Rio e as Nuvens:
CASCUDO, Luís da Câmara. Made in algumas histórias africanas. São Paulo:
África. São Paulo: Global, 2002. Difusão Cultural do Livro, 1997.
CASTANHA, Marilda. Agbalá: um lugar LESTER, Julius. Que mundo maravilhoso.
continente. São Paulo: Cosac & Naify, Ilustrado por Joe Cepeda. São Paulo:
2011. Brinque-Book, 2000.

dhetnicoracial2012.indd 95 05/10/2012 14:27:26


96

LOPES, Eliana M. Teixeira et. al. (org.). PEREIRA, Edmilson. Os reizinhos do Congo.
Negros e negras em Monteiro Lobato. Ilustrações de Graça Lima. São Paulo:
Belo Horizonte: Autêntica, 1999. Paulinas, 2004.

LUCINDA, Elisa. A Menina Transparente. PESTANA, Maurício. Lendas dos orixás


Rio de Janeiro: Salamandra, 2000. para crianças. Brasília: Ministério da Cul-
tura, Fundação Cultural Palmares, 1996.
MACEDO, Aroldo; OSWALDO, Faustino.
PINGULLY, Yves. Contos e lendas da África.
Luana, a menina que viu o Brasil neném. Ilustrações de Cathy Millet. Tradução de
São Paulo: FTD, 2000. Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia
das Letras, 2005.
MACHADO, Ana Maria. Do outro lado
tem segredos. Ilustrações de Gerson PIRES LIMA, Heloisa. Histórias da Preta.
Conforti. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, São Paulo: Companhia das Letrinhas,
1985. 1998.
MACHADO, Vanda; PETROVICH, Carlos. PIRES LIMA, Heloisa. O espelho dourado.
Ilê Ifé. O sonho do iaô afonjá (mitos afro- Ilustrações de Taisa Borges. São Paulo:
-brasileiros). Salvador: Edufba, 2002. Peirópolis, 2003.

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Prosa de Nagô. Salvador: Edufba, 1999. Negro, educação e multiculturalismo.
São Paulo: Panorama, 2002.
MARQUES, Francisco. Ilê Ayê: um diário
imaginário. Ilustrações de Demóstenes PRANDI, Reginaldo. Oxumare, o arco-íris.
Vargas. Belo Horizonte: Formato Editorial, São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
1994. PRANDI, Reginaldo. Ifá, o adivinho.
MÁRSICO, Gladstone Osório. Cágada São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
(ou a história de um município a passo de). PRANDI, Reginaldo. Mitologias dos Orixás.
3. ed. Porto Alegre: Movimento, 1980. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
MEDEARIS, Ângela Shelf. Os sete novelos PRANDI, Reginaldo. Os príncipes do des-
– um conto de Kwanzaa. Iustrações de tino: histórias da mitologia afro-brasileira.
Daniel Minter. Tradução de André J. do São Paulo: Cosac & Naify, 2001.
Carmo. São Paulo: Cosac & Naify, 2005.
PRANDI, Reginaldo. Xangô, o trovão.
NEGRÃO, Esmeralda Vailati; PINTO, São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
Regina Pahim. De Olho no Preconceito:
um guia para professores sobre racismo RIBEIRO, Ronilda Iyakemi. Alma Africana
em livros para criança. São Paulo: Fundação no Brasil. Os Iorubas. São Paulo: Oduduwa,
Carlos Chagas, 1990. 1996.
NETO, Simões Lopes. Contos gauchescos. ROSA, Sônia. O Menino Nito – afinal,
Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1998. homem chora ou não? Rio de Janeiro:
Pallas, 2002.
ORTHOF, Sylvia. O rei preto de Ouro Preto.
São Paulo: Moderna, 1997. (Coleção Vira SANTOS, Deoscoredes M. dos (Mestre
Mundo). Didi). Contos Negros da Bahia. Salvador:
Corrupio, 2003.
PATERNO, Semíramis. A cor da vida.
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