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Virgínia Feix
Marcos Rodrigues da Silva
Joselina da Silva
Amauri Mendes Pereira
Márcia Carbonari
Edson Borges
Leandro Gaspar Scalabrin
Paulo César Carbonari
Ari Antônio dos Reis
José André da Costa
Mara Rúbia Bispo Orth
Nilva Rosin
João Alberto Wohlfart
Passo Fundo
Berthier
2012
Produção
Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF)
Esta cartilha foi produzida no âmbito do projeto Educação Popular em Direitos Humanos
(Convênio nº 750325/2010 SDH/PR)
Coordenação Geral do Projeto: Márcia Carbonari
Parceria
Associação Cultural de Mulheres Negras de Passo Fundo (ACMUN)
Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE)
Apoio
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
Organização
José André da Costa (IFIBE/CDHPF)
Paulo César Carbonari (IFIBE/CDHPF)
Francisca Izabel da Silva Bueno (ACMUN)
Márcia Carbonari (CDHPF)
Editoração
Edição: Berthier
Projeto gráfico e Normatização: Diego Ecker
Diagramação: Rafael Hoffmann
Impressão e Acabamento: Gráfica Berthier
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
Pedidos para:
Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF)
Rua Senador Pinheiro, 350
99070-220 – PASSO FUNDO – RS
E-mail: cdhpf@cdhpf.org.br – Fone: (54) 3313 2305
ISBN 978-85-7912-098-5
CDU: 342.7
2012
Esta publicação é financiada com fundo público.
Distribuição Gratuita. Proibida a venda.
O conteúdo da publicação pode ser reproduzido para uso não-comercial por organizações da sociedade civil
e por instituições públicas desde que haja autorização das instituições promotoras, parceiras e apoiadoras.
Apresentação / 7
Percebam, que o território não tem cor, ele é colorido, ele é multicolor... / 53
Sugestões pedagógicas / 87
tiva que são complementares e que somente Desejamos que este material alcance
fazem sentido se estiverem profundamente sua finalidade traduzindo-se em ações edu-
articuladas. cativas capazes de produzir transformações
A obra se destina a lideranças populares no cotidiano da vida das crianças, dos ado-
e educadores da educação básica como sub- lescentes e dos jovens, enfim, com todas as
sídio para a promoção de ações educativas pessoas com as quais forem realizadas.
e de organização popular. Por isso conta O que aqui é oferecido faz sentido se for
com vários textos elaborados com o intui- transforado em práticas de vivência dos di-
to de subsidiar a reflexão criativa dos/as reitos humanos em relações étnico-raciais
educadores/as a fim de que traduzam seu não discriminatórias e promotoras da igual-
conteúdo em novas práticas pedagógicas dade na diversidade.
nos espaços onde atuam. Também contém
uma lista de referências de materiais de Passo Fundo, abril de 2012.
subsídio didático que poderão facilmente
ser acessados pelos/as educadores/as de
forma a, desta maneira, contar com apoios José André da Costa
concretos para o desenvolvimento de ações Paulo César Carbonari
educativas em direitos humanos e que se- Francisca Izabel da Silva Bueno
jam capazes de promover a igualdade das Márcia Carbonari
relações étnico-raciais sempre com profun-
do respeito à diversidade.
Virgínia Feix*
as mulheres, crianças e adolescentes, idosos, dos países com renda per capita similar à bra-
minorias étnico-raciais, os homossexuais, as sileira, onde a pobreza fica em torno de 10%
pessoas com necessidades especiais, entre da população.2
outros. A partir da criação da ONU (Orga- Contudo, sobre a realidade brasileira
nização das Nações Unidas) e da promul- é preciso destacar que a pobreza tem cor.
gação da Declaração Universal de Direitos Os dados resultantes das pesquisas revelam
Humanos, estrutura-se um sistema interna- que de cada R$ 4,00 de rendimento produ-
cional de proteção aos direitos humanos, zido no Brasil, R$ 3,00 são recebidos por
fundado em um acordo universal sobre um pessoas brancas. Os brancos detêm 74%
da renda nacional. O homem branco recebe
padrão de tratamento e de respeito ao ser
50%, a mulher branca, 24,1%, o homem
humano.
negro, 17,7%, a mulher negra, 8,1%.
Paralelamente, as pesquisas e os estu-
Entre os 10% mais pobres (que detém
dos acadêmicos levaram a novas formula-
1,2% da renda) 60,9% são negros e 39,1%
ções quanto às causas geradoras das desi- são brancos. Entre os 10% mais ricos, com
gualdades nas sociedades. 49,2% da renda, 82,2% são brancos e
Neste contexto, as categorias “gênero” e 1,5% são negros. A análise desconsiderou
“direitos humanos” começam a ser utilizadas a situação indígena e amarelos porque so-
como ferramentas de análise das relações so- mados são menos de 1% da população. Os
ciais, indicando como a hierarquização das negros são 49%.
diferenças, fundadas em valores culturais, Todos os outros indicadores sociais:
revelam-se no seio de uma sociedade, ge- expectativa de vida, desemprego, alfabeti-
rando desigualdades (SCOTT, 1995). Estas zação, nível de escolaridade, água, ilumi-
semeiam terreno fértil para o surgimento da nação, esgoto, etc. colocam os negros em
violência e todas as formas de discrimina- situação pelo menos duas vezes inferior a
ção, em todas as esferas de participação da dos brancos brasileiros.
vida em sociedade, principalmente quando Conforme o economista Amartya Sen
a pessoa é mulher, pertence a uma minoria (2000), igualdade é pré-condição para o
étnico-racial (como os negros no Brasil),1 e desenvolvimento econômico e social de uma
a uma classe social desfavorecida. 2 Situação social do Brasil: POPULAÇÃO: Brasil tem
Dados divulgados pelo Programa das 169.799.170 habitantes. Fonte: IBGE – Censo
2000. RENDA PER CAPITA: A renda per capita
Nações Unidas para o Desenvolvimento
do brasileiro em 2001 foi de R$ 6.873,00. Fonte:
(PNUD) no Relatório do Desenvolvimento Hu- IBGE CONCENTRAÇÃO RENDA: 10% mais ricos
mano revelam que o Brasil encontra-se entre o detém 46,8% da renda, enquanto 20% dos mais
terço mais rico dos países do mundo. Ocorre pobres detém apenas 3,6%. Fonte: World Bank-
-World Development Report e IBGE-Pesquisa Nacio-
que, contraditoriamente, o grau de pobreza
nal por Amostra de Domicílio. ÍNDICE DE DESEN-
no Brasil, que atinge cerca de 30% da popu- VOLVIMENTO HUMANO (IDH): Brasil: 75º lugar
lação, é significativamente superior à média entre 182 países. ESCOLARIDADE :16,29 milhões
de brasileiros acima de 15 anos que não conse-
guem ler nem escrever; um terço dos domicílios bra-
1 A expressão minorias é utilizada no sentido de sileiros é comandado por um analfabeto funcional
representar grupos ou setores vulneráveis da po- (alguém que sabe ler e escrever, mas não conse-
pulação, ou seja, com dificuldade de acesso e gue compreender um texto). No Nordeste, eles são
exercício dos direitos fundamentais. Não tem, ne- 54,4%; no Sul, 25,6%. Em todo o país, ainda há
cessariamente, uma conotação numérica ou de 8 milhões de famílias comandadas por pessoas to-
ordem de grandeza. talmente analfabetas. Fonte: IBGE - Censo 2000.
da Cultura Afro-Brasileira no currículo esco- mativos que devem ser cumpridos pelas ins-
lar das escolas públicas e particulares de tituições de ensino superior. Tais requisitos
educação básica. são referentes às diretrizes curriculares na-
O Parecer 03/2204, de 2004 que apro- cionais e deverão ser respondidos através
va o projeto de resolução das diretrizes cur- da seguinte questão: a educação das Rela-
riculares nacionais para educação das rela- ções Étnico-Raciais, bem como o tratamento
ções étnico-raciais e para o ensino de história de questões e temáticas que dizem respeito
e cultura Afro-brasileira e Africana. aos afrodescendentes estão inclusas nas dis-
A Resolução 01 de 2004 do Conselho ciplinas e atividades curriculares do curso?
Nacional de Educação institui as diretrizes Certamente a resposta positiva às no-
curriculares nacionais para educação das vas exigências da educação nacional co-
relações étnico-raciais e para o ensino de bra o enfrentamento do desafio de educar
história e cultura Afro-brasileira e Africana, para igualdade das relações étnico-raciais,
diz o seguinte: a partir de um grande processo de alfabe-
tização política em relação a conceitos que
Art. 2° As Diretrizes Curriculares Na-
afetam a vida, as relações sociais e o aces-
cionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de Histó- so à justiça do povo negro no Brasil de hoje.
ria e Cultura Afro-Brasileira e Africanas Conforme Gomes e Munanga (2006) será
constituem-se de orientações, princípios que sabemos sobre o que estamos falando
e fundamentos para o planejamento, quando ouvimos, falamos ou refletimos so-
execução e avaliação da Educação,
bre conceitos como racismo,3 etnocentrismo,4
e têm por meta, promover a educação
de cidadãos atuantes e conscientes no
seio da sociedade multicultural e plu-
riétnica do Brasil, buscando relações
étnico-sociais positivas, rumo à cons-
trução de nação democrática. 3 RACISMO: É um comportamento, uma ação resul-
§ 1° A Educação das Relações Étnico- tante da aversão, por vezes do ódio, em relação
-Raciais tem por objetivo a divulgação a pessoas que possuem um pertencimento racial
e produção de conhecimentos, bem observável por meio de sinais, tais como cor da
como de atitudes, posturas e valores pele, tipo de cabelo, formato do olho, etc. Ele é
que eduquem cidadãos quanto à plu- resultado da crença de que existem raças ou tipos
ralidade étnico-racial, tornando-os ca- humanos superiores e inferiores, a qual se tenta
pazes de interagir e de negociar obje- impor como verdade Exemplo disso são as teorias
tivos comuns, que garantam, a todos, raciais que serviram para justificar a escravidão, o
respeito aos direitos legais e valoriza- nazismo, a exclusão dos negros e a discriminação
ção de identidade, na busca da conso- racial (GOMES; MUNANGA, 2006, p. 179-180).
4 ETNOCENTRISMO: Acredita que os valores pró-
lidação da democracia brasileira.
prios de uma sociedade ou cultura particular de-
vam ser considerados como universais, válidos
Segundo recente Instrução do Ministério para todas as outras. Diferencia-se do racismo.
da Educação, através do Instituto Nacional O etnocêntrico acredita que seus valores e cultura
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio são os mais corretos, melhores e isso lhe é sufi-
ciente. Não alimenta necessariamente o desejo de
Teixeira (INEP), Sistema Nacional de Avalia-
aniquilar e destruir o ouro, mas, sim, de evitá-lo ou
ção da Educação Superior (Sinaes), datado até mesmo transformá-lo ou convertê-lo, pois car-
de dezembro de 2011, que orienta Avalia- rega a idéia da recusa da diferença e cultiva sen-
ção dos Cursos de Graduação presencial e timento de desconfiança em relação ao outro visto
como diferente, estranho ou até como inimigo em
à distância; existem requisitos legais e nor-
potencial (GOMES; MUNANGA, 2006, p. 181).
• A partir do século XVIII, os compor- 1992; STEIMBERG, 2001), tem servido tan-
tamentos humanos deixaram de ter uma ex- to para encorajar assimilação, como para
plicação teológica para adquirirem uma ex- propor diálogo aberto entre culturas.
plicação científica: – Racismo científico – os Devemos considerar a reflexão da Prof.
tipos são permanentes e cada um se adapta Dra. Petronilha Beatriz
a determinada região da terra. A miscige-
nação causaria a esterilidade e a degene- A nação brasileira se projetou branca
ração. Os indivíduos pertencentes a um conforme mostram proposições e ar-
gumentos de Romero (1943) e Vianna
determinado tipo racial mostrariam um an-
(1938); por isto, explica Seyffert (2002,
tagonismo inato em relação a indivíduos p. 37), a migração européia teve entre
de outros tipos: – 1. subdivisão de uma es- seus objetivos “o clareamento da popu-
pécie sexual com todos os atributos das es- lação (que também significa ocidentali-
pécies, exceto pelo isolamento reprodutivo zação), supondo-se que, num processo
ser parcial; – 2. Espécie – desenvolvida ou histórico de mestiçagem fossem prevale-
cer as características da ‘raça branca’”
em desenvolvimento, população reproduti- (SILVA, 1993, 2002; 2004).
vamente isolada, geneticamente distinta; –
3. Tipo – pessoa ou coisa que representa Nossa premissa parte de um olhar re-
as qualidades características de uma clas-
flexivo à ciência e tecnologia a partir das
se; um espécime representativo; – 4. Na
contribuições, que advém de histórias vivi-
década de 30 do século XX, o conceito
das pelo povo africano e na diáspora afri-
de tipo racial foi substituído pelo de popu-
cana no Brasil, na sua forma particular de
lação, que em vez de ser estudada tipolo-
ser, saber e estar em meio às adversidades
gicamente, era estatisticamente estudada.
milenares, recolhendo de sua aljava saberes
Neste momento, observa-se a recusa ao
a lhes abrir caminhos, transpor barreiras,
conceito de raça e às suas referências ao
perscrutar horizontes e (re)criar sempre de
fenótipo e uma maior ênfase é dada ao
novo, céus e terras em movimentos de con-
conceito de cultura.
vergência para e na esteira de suas crenças.
A problemática da diversidade no Brasil,
embora apareça nas discussões educacionais Mas, Petronilha nos adverte que:
nos anos 1990, é antiga, acompanha a his-
A sociedade brasileira sempre foi mul-
tória de lutas por inserção cidadã na socie- ticultural, desde os 1500, data que se
dade, empreendidas por indígenas, negros, convencionou indicar como de início da
sem-terra, empobrecidos, outros marginali- organização social e política em que vi-
zados pela sociedade (SILVA, 1993, 2002; vemos. Esteve sempre formada por gru-
2004). pos étnico-raciais distintos, com cultura,
língua e organização social peculiares,
O Brasil, como outras sociedades oci- como é o caso dos povos indígenas
dentais se descobre multicultural quando que por aqui viviam quando da che-
os oprimidos, que alguns designam como gada dos portugueses e de outros po-
“minorias inúteis”, reagem. O multiculturalis- vos vindos da Europa (SILVA, 1993,
2002; 2004).
mo seja como movimento artístico, seja como
ações políticas nas ruas (GONÇALVES; SILVA,
No bojo desta travessia temos um le-
2006) surge como reação contra a ideologia
gado de conhecimentos e habilidades que
da assimilação (DEEKKER; LEMMER, 1993);
está presente no ser do homem e da mulher
muito mais tarde chega ao pensamento e ini- africano, como reafirma Silva: “Também os
ciativas educacionais (GONÇALVES; SILVA, escravizados, trazidos compulsoriamente
2006). E como bem o mostram (WINTER, para cá, provinham de diferentes nações
e culturas africanas conhecidas por pen- ram a descendência dessa grande parcela
samentos, tecnologias, conhecimentos, in- que representa a africanidade brasileira?
clusive acadêmicos, valiosos para toda a Onde localizar meus ancestrais, parentes ou
humanidade” (SILVA, 1993, 2002; 2004). linhagem e descendência que vêm fortale-
Mas, também recorda Silva, cendo as práticas desses grupos na forma-
ção da sociedade brasileira? Ao pensar a
No entanto, esta diversidade não foi e formação da africanidade brasileira, faz-se
hoje o é, com muita dificuldade, acei- necessário considerar também as análises
ta. Fala-se e pensa-se como se a reali- de estudiosos africanos e brasileiros, assim
dade fosse meramente uma construção
intelectual; como se as desigualdades
como de outros (OLIVER, 1994; GIORDANI,
e discriminações, malgrado as denún- 1993), sobre a historicidade socioeconômi-
cias e reivindicações de ações e movi- ca e cultural do continente africano, que hoje
mentos sociais não passassem de mera se encontra numa conjuntura marcada pela
insatisfação de descontentes (SILVA, obscuridade, em um cenário globalizado. Tal
1993, 2002; 2004).
realidade é conseqüência de três grandes e
violentos conflitos, que extrapolaram sécu-
A ascendência e a descendência afri- los: o tráfico negreiro (séculos XV-XVIII); a
canas estão presentes de forma expressiva colonização europeia (séculos XVI-XIX); e o
na vida da população brasileira. Esse fator processo de independência dos Estados afri-
é um dos que tornam o Brasil o segundo canos (meados do século XX).
maior país do mundo com representação Para melhor compreensão do fenômeno
populacional negra, ficando atrás somente tráfico negreiro e de seu significado para as
da Nigéria. São aproximadamente 60 mi- populações africanas submetidas à diáspo-
lhões de brasileiros que possuem uma rela- ra, assim como para aquelas que ficaram
ção de parentesco com a África. no continente, consideramos imprescindí-
Diante da diversidade pluricultural pre- vel o reconhecimento de como era a África
sente no continente africano, podemos inda- antes do século XV, quando da chegada
gar: quais as origens culturais que influencia- dos primeiros europeus.
rárias dos sábios e filósofos da África. Po- la a Namíbia. Então, no século XV, chega-
rém, esse acervo foi queimado numa das ram os xosos e, em seguida, os bexuanos,
guerras santas do Islã. pondos, swasi, basutos. A relação desses
O povo iorubá, com presença marcan- povos com o mundo árabe se estabeleceu
te na região do Nordeste brasileiro, contri- numa rota de comércio forte e constante,
buiu no processo da conscientização políti- nas terras férteis do sudeste subsaariano,
ca, na estruturação de um novo modelo de ou, ainda, nas proximidades do lago do
sociedade e na permanência das religiões Tchad. Destacam-se como uma população
tradicionais africanas. Ao buscar as origens guardiã de uma riqueza econômica vin-
desse povo na África, vamos saber que: culada à exploração do ouro, à caça de
O povo dos yorubas é o único povo elefantes (marfim) e à arte dos ferreiros.
negro que tendeu espontaneamente para O termo “banto” aplica-se a uma civi-
aglomerar-se em grandes cidades, o único lização que conserva a sua unidade e foi
cuja realização política teve uma base ur- desenvolvida por povos de raça negra. O
bana. Ibadan é a primeira grande cidade radical “ntu”, comum a muitas línguas ban-
negra do continente. to, significa “homem, pessoas humanas”.
O prefixo “ba” forma o plural da palavra
Discute-se a origem dos iorubas. Certo
“Muntu” (pessoa). Portanto, “Banto” signifi-
é que constituem uma mistura de diferentes
ca seres humanos, pessoas, homens, povo
grupos e que alguns dos seus antepassados
(ALTUNA, 1985, p. 17).
viviam, sem dúvida, na terra dos iorubas,
Desse modo, podemos perceber que as
uma região florestal vasta e fértil a Oeste
heranças dos povos africanos, na diáspo-
do Baixo Níger. Durante a mui remota Ida-
ra, têm alguns valores significativos:
de da Pedra, parece que muitas vagas de
– são povos que têm história; possuem
emigrantes do Norte tenham chegado à
um processo de reflexão filosófica que ace-
savana, depois à floresta, entre os séculos
na para uma compreensão e identidade de
VI e XIII, entre as populações que viviam a homem, mulher, visão de mundo e de so-
Oeste do Baixo Níger, às quais trouxeram ciedade;
técnicas e concepções tomadas ao Sudão – há uma diversidade de práticas e
ou à África branca. Assim se criou o povo conteúdos no campo da religião de pro-
ioruba, inicialmente em torno da cidade de funda riqueza teológica;
Ifé, posteriormente na nova capital, Oyo – e, é um ambiente rico de projetos co-
(GIORDANI, 1993, p. 114). munitários que vieram contribuir na organi-
Os relatos históricos confirmam que a zação da resistência dos africanos no Brasil;
base da ascendência africana está locali- na formação dos quilombos, por exemplo.
zada no Sul do Brasil, região que possui
estreitas relações com as populações afri-
canas da grande nação Banto. Povo Banto, O tráfico negreiro: o negro é “peça”
cabe salientar, não se trata de uma desig- na Empresa Colonial, e hoje
nação apenas lingüística dos integrantes denominamos “trabalho escravo”,
das centenas de grupos étnicos liderados “assalariado rural” ou “bóias-frias”
pelo povo Xona. Desde o século II loca-
lizavam-se na grande floresta equatorial Um fator relevante nesse momento foi
ao longo dos afluentes do Rio Congo e, o apoio do papa Nicolau V, com a publi-
abaixo dela, numa faixa que vai de Ango- cação da bula Romanus Pontifex, assinada
presentes nos meios de expressão e de di- cas; pensar criticamente nos seus direitos e
fusão, são garantias da diversidade cultu- deveres como trabalhador; onde o mito e a
ral” (UNESCO, 2002, p. 4) religião são formas simbólicas repassadas
O diálogo entre as culturas é a fonte na oralidade de seus sacerdotes e sacerdo-
da criatividade. As políticas culturais devem tisas.
assegurar a difusão das culturas diversifica- Podemos identificar neste agir/intera-
das. Para tanto, o documento recomenda gindo coletivamente um ser no estar de um
que a cooperação e a solidariedade inter- saber que se faz sabor pelo exercício do e
nacionais assegurem aos países em desen- no transitar em e com o outro, em um per-
volvimento o intercâmbio de bens culturais manente gestar/parir, para e com o nós,
em escala mundial. onde “Eu sou, porque Somos”.
Esta premissa/ação traz em seu bojo
uma responsabilidade ética promotora de
Saber em sabor – saber em africano: ações, que alimentam qualitativamente re-
desafios e contribuições para o lações de interdependência em comunhão
século XXI e autonomia entre os seres humanos, para
com o planeta e o cosmos como elemento
Os caminhos dos saberes/conhecimen- fundamental para uma sociedade, que se
tos epistemológicos na diáspora africana percebe requerida para pensar, saber ser
são vários, mas o objeto de chegada é con- e estar comprometida com a vida para e
vergente – o homem, a mulher – a família com todos.
negra que, em comunidade e em conjunto Todo compromisso decorre e/ou incor-
com toda a humanidade, é protagonista de re em uma ética, que segundo Morin, é ex-
vários elementos capazes de gerar a iden- plicada ou iluminada por uma fé que leva
tidade de um conhecimento e, nas suas tra- os seres humanos a se responsabilizar e
dições religiosas de ancestralidades, pode agir em favor de outro e/ou de uma causa.
ser reconhecida pela produção de si com a Para este autor, ela não é necessariamente
intencionalidade de vivificar o outro/a, a uma fé no sentido tradicional (PENA-VEGA,
comunidade: “Eu sou, porque Somos”, em 2001). Seu entendimento aproxima-se mais
uma ação considerada transversal a todas da definição que lhe é dada por Fowler
(1992), ou seja, o modo em que uma pes-
as competências e expressa pela capacida-
soa ou um grupo penetra no campo de for-
de de crítica, reflexão e mudança ativa em
ça da vida; o modo de encontrarem coe-
si mesmo e nas suas práticas.
rência nas múltiplas forças e relações que
Neste contexto se incorpora a atitude
constituem suas vidas e lhes dão sentido.
de interagir com os indivíduos, os grupos,
Poder-se-ia aqui dizer que fé é o conjunto
as coletividades, a população; respeitar os
de relações de confiança/desconfiança, que
valores, culturas e individualidade; procu-
sustentam a teia da vida do ser humano. En-
rar alternativas face às situações adversas;
quanto ser inconcluso, ele se percebe ligado
buscar a decisão da coletividade para a
àquilo que de forma consciente/inconscien-
solução ou encaminhamento de problemas
te, no dizer de Tillich (1996), o impulsiona
identificados; levar em conta a pertinência,
para frente. Por isso, Morin, fala em “fé na
a oportunidade e a precisão das ações que
fraternidade”, “fé no amor”, “fé na comuni-
realiza; valorizar a equipe de trabalho em
dade”, por exemplo; no entanto, elas não
prol da organização e eficácia das práti-
são o fundamento12 da ética, mas sua fon- va de compromisso com o ser humano num
te de energia, aquilo que a alimenta. Esta contexto de vida planetária. Formar para
fé pode ser implícita, não sendo formulada uma responsabilidade ética além da téc-
pelo ator ou pelo autor dos atos, ou pode nica e interesses de um grupo restrito é o
ser claramente percebida pelas mesmas vias grande desafio e exigência para a ciência
(PENA-VEGA, 2001). e a tecnologia na atualidade. É um compro-
Freire comenta em uma de suas obras misso que desaloja, desafia, move e dá um
que não se sente à vontade ao falar de sua outro “rosto” à prática e reflexão cientifico-
fé, pelo menos não tanto quanto de sua -tecnológica, em detrimento dos resultados
opção política, utopia e sonhos pedagógi- sociais e planetários como, por exemplo,
cos. Entretanto, faz questão de registrar a podemos constatar no relato do autor des-
importância basilar de sua fé na luta pela conhecido dos campos de Auschwitz.
superação da realidade opressora e pela Um fazer e saber científico e tecnológi-
construção de uma sociedade menos feia, co para e com responsabilidade ética além
menos malvada e mais humana. “Todos os da técnica, voltados e disponíveis a uma
argumentos a favor da legitimidade de mi- coletividade, tendo como pressupostos a
nha luta por uma sociedade mais genteficada construção de mundos melhores e possíveis,
têm, na minha fé, sua fundamentação profun- passa indubitavelmente, entre outros pontos,
da. Minha fé me sustenta, estimula, desafia”, pelo testemunho ético de seus sujeitos. Para
afirma o autor (FREIRE, 1995, p. 85). Freire (2000), o ensino e a aprendizagem
O compromisso ético consiste na ca- dos conhecimentos são importantes, quanto
pacidade de estabelecer conexão entre os o testemunho ético ao empregá-los. A tes-
atos, omissões e resultados finais das ações situra entre estes detém a capacidade de
e reflexões empreendidas, numa perspecti- revelar a coerência entre o pensar, o saber,
o ser, o dizer e o fazer, que identificam as
12 Na filosofia, fundamento entendido como Grund, marcas do ser e do estar registradas nas
requer essencialmente que este seja Universal (vá- histórias dos sujeitos, que a (re)constroem
lido em todo lugar e em todo tempo) e Necessário em contínuo.
(que não pode ser diferente do que é, é aquilo Uma atitude crítica que devemos ter
que é). Trata-se de pensar a causalidade primei-
quando nos indagamos sobre a diversida-
ra de tudo e o seu modo de ser. Quando falamos
em princípio causal, Aristóteles é o pensador da
de no currículo das escolas brasileiras e
justificação de uma causa primeira, denomina- como a diversidade é tratada em diferentes
da de Primeiro Motor Imóvel, ou seja, “Causa espaços sociais e nos movimentos sociais.
Incausada Causante”, causa de tudo sem ser O diagnóstico que deparamos, costumeira-
causado, movente sem se mover, e criador de mente, aborda a construção histórica, cul-
tudo sem nunca ter sido criado, portanto, funda-
mento e pressuposto de tudo e de todas as coisas
tural e social das diferenças, a concepção
possíveis de existirem. O Primeiro Motor Imóvel de educação e o olhar pedagógico da di-
de Aristóteles recebe o nome de Deus, na Ida- versidade nas práticas educativas. Indaga
de Média com Tomás de Aquino. O fundamento o que se entende por diversidade e que di-
prescinde da temporalidade e da contingenciali- versidade deve ser contemplada no currícu-
dade, pode ser experienciado, mas não se reduz
lo das escolas e nas políticas de currículo.
a ela, transcende-a. O fundamento é causa sui
de tudo, é o Ser que faz tudo ser. Nada está fora
ou para além dele, é absolutidade e onipresença
completa. Por tudo isso, fundamento não se res-
tringe a quaisquer conceitos, mas os pressupõe
(ABBAGNANO, 1998).
Joselina da Silva*
Raça é um conceito fluido e transformante, embora historicamente Raça e racismos: questões do cotidiano
específico, de modo que seu significado é fruto de teorias, interesses,
discursos sociais da época em questão
Partindo do que nos é sugerido pela
MARINEZ-ECHAZÁBAL, 1996, p. 107
epígrafe, onde se ressalta a capacidade
de transformação do conceito e idéias de
raça, iniciaremos pelo relato de três breves
Neste texto pretendemos apresentar uma
histórias/estórias.13
breve abordagem sobre as teorias raciais
A primeira delas refere-se à Ingrid, jovem
concebidas na Europa e nos EUA no século
filha de pai negro nigeriano e mãe branca
XIX. Focalizaremos, também, os escritos al-
alemã. Sua infância e adolescência foram
guns dos nossos tradicionais analistas das
vividas na Alemanha. Integrou grupos de
relações raciais, passando pela corrente cul-
mulheres negras no país, sempre portadora
turalista e chegando aos estudos UNESCO.
de longo cabelo no estilo rastafári. De certa
Mais adiante, faremos alusão aos estudos
feita, visitar pai – já com outra família – no
sobre as desigualdades e nortearemos al-
continente africano. Num determinado dia
guns aspectos da Conferência da ONU, na
ela saiu da Europa como uma mulher ne-
África do Sul, em 2001. Estas são reflexões
gra e foi recebida, na África, como a filha
introdutórias (e não exaustivas) que deverão
branca.
ser aprofundados por quem desejar se in-
Nossa segunda ilustração é sobre o
teirar do fenômeno das relações raciais no
Sr. Roberto Silva, bem sucedido industrial
país.
branco do sudeste do país. Por sua condi-
ção racial, social e regional teve sempre
todas as portas abertas, no Brasil. De certa
feita, decidiu-se ir de férias a Miami. Em-
* Doutora em Ciências Sociais (UERJ), professora 13 Embora os nomes e locais tenham sido preser-
da Universidade Federal do Ceará (UFC), coorde- vados, todas são histórias acontecidas com pes-
nadora do N’BLAC. soas reais.
barcou em São Paulo numa noite, como ho- sendo uma delas a que afirmava que os
mem branco e foi recebido, pela manhã, dolicocéfalos louros (crânios menores) es-
como latino. tariam diminuindo (BANTON, 1977). Nos
Já Luana de Souza é uma jovem estu- dias atuais ainda temos, estruturadas nes-
dante negra nascida e residente em Porto ta teoria, nas piadas discriminatórias que
Alegre. Ela decidiu estudar no RJ. De des- chamam os nordestinos de cabeça chata.
ta feita, foi com amigos à orla da cidade, Já nos Estados Unidos, teve lugar o Darwi-
à noite. No caminho de regresso, já sozi- nismo Social – que se fez presente até pelo
nha, foi assediada e chamada de mulata. menos, a Primeira Guerra Mundial – que
Algum tempo depois, ao ir ao Ceará é de- se afirmava que o progresso humano é um
nominada de morena por uns e de baiana, resultado da luta e da competição entre ra-
pela maioria. ças, na qual sobreviveriam os “mais aptos”
Estas três alegorias abordam a fluidez (os brancos) e os “inferiores” (os não-bran-
dos olhares e, por conseguinte dos concei- cos) certamente desapareceriam (SEYFERT,
tos, em relação à raça. É desde lugar que 1996).
desejamos então iniciar nossas reflexões
Uma nova abordagem sobre raça e cul-
sobre raça, racimos suas construções. Vol-
tura ocorre nas primeiras três décadas do
taremos a estas histórias mais adiante.
século XX, desenvolvida nos trabalhos de
Franz Boas. Para o autor, as culturas não
são uniformes e se desenvolvem a partir
A teoria racial na Europa e nos EUA
de diferentes centros (STOCKING, 1968).
do século XIX
Boas discorda do darwinismo social. Para
ele a afirmação de que a Europa era mais
Os primeiros a teorizar sobre o racismo
avançada culturalmente que a África, não
e a falar sobre uma “raça nórdica” foram
Gobineau, Chamberlaim e Deniker, respec- tinha nenhuma base científica.
tivamente um francês, um inglês e um russo.
A obra que inaugurou o estudo das carac-
terísticas de cada raça foi o Ensaio sobre a A teoria racial no Brasil
Desigualdade, de Gobineau, publicado na
França. Os amarelos, brancos e negros fo- Nossas elites viam os europeus como
ram classificados a partir de uma hierarquia um grupo único, homogêneo e racialmente
de valores e posicionavam os brancos em su- superior (CARVALHO, 1998). Alguns princi-
perioridade em relação às demais raças. Anos pais analistas nacionais – até a década de
depois, na Inglaterra, Chamberlain escreveu A trinta – eram pessimistas quanto à composi-
gênese do século XIX. Para ele Havia bran- ção racial, já que éramos tão diferentes dos
cos superiores e brancos inferiores. Há aí um europeus. Destacamos aqui Nina Rodrigues,
refinamento na distinção racial. Como breve- Silvio Romero e Oliveira Viana.
mente apresentado, na história do brasileiro Nina Rodrigues foi o primeiro a estudar
branco que vai a Miami, esta distinção racial, sobre os negros no Brasil e acreditava que
não está esquecida no passado. Segue sendo nosso grande problema repousava nos di-
praticada em nossa sociedade. versos tipos de cruzamentos havidos na po-
No limiar do novo século (1896), surge pulação. Rodrigues classificava os mestiços
a Antropossociologia. A partir de exames entre superiores, degenerados e os social-
de crânios diversas teorias foram criadas, mente instáveis. Características resultantes no
contra o negro entendidas como fruto das leiros, além dos jornais O Menelick, O Cla-
dificuldades econômicas enfrentadas pelos rim da Alvorada, o Centro Cívico Palmares,
negros. Para ele, as relações no Brasil, são nas décadas de vinte e trinta, em São Paulo,
de cor e não de raça. da mesma forma que o Teatro Experimental
Os argumentos de Gilberto Freyre e do Negro e da União dos Homens de Cor,
Donald Pierson foram largamente utilizados no Rio de Janeiro de cinqüenta, só foi pos-
pela literatura e a música. A construção da sível devido à resistência dos brancos em
figura da mulher negra como a mulata sen- relação à ascensão social dos negros.
sual e libertina, passou para o imaginário Os trabalhos UNESCO são os primei-
popular com ares de comprovação cientí- ros a dar voz aos negros, vendo-os como
fica. Assim, a história de Luana, apresen- sujeitos políticos, numa pesquisa sobre re-
tada, no início, serve como alegoria, para lações raciais no país. Isto só foi possível
pensamos que estas práticas, ainda estão porque questionando-se a democracia ra-
presentes na sociedade. cial tornava-se possível perceber as falas
daqueles que a denunciavam como falá-
cia. Estas pesquisas serviram para eviden-
As pesquisas do Projeto UNESCO ciar uma sociedade racializada.
Vimos até aqui, que diferentes teorias
O esforço em demonstrar que éramos
raciais foram criadas ao longo da história
uma democracia racial, persistiu, na dé-
social do país, em busca da chamada brasi-
cada de cinqüenta. Na busca de entender
lidade. Algumas delas acabaram por forne-
esta “paz racial”, o Departamento de Ciên-
cer o escopo a partir do qual a sociedade
cias Sociais da UNESCO encomendou os
age racialmente. Diversas políticas públicas
estudos sobre as relações raciais no Brasil,
foram elaboradas a partir delas.
em 1951.
As pesquisas foram desenvolvidas em
São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e
Bahia. Na capital paulista, os pesquisadores Os estudos sobre desigualdades raciais
responsáveis foram Roger Bastide e Florestan
Fernandes, como resultado foi publicado o Os anos setenta foram brindados com
livro Brancos e negros em São Paulo. No Rio as reflexões advindas das pesquisas reali-
de Janeiro, tivemos L. A. Costa Pinto, com o zadas por Carlos Hasenbalg. O autor de-
livro O negro no Rio de Janeiro. Na Bahia, monstra através análises estatísticas que
houve As elites de cor na Bahia, de Thales negros e brancos persistem em patamares
de Azevedo, e Race and class in rural Brasil, diferenciados na escala social, devido à in-
organizado por Charles Wagley. No Recife, fluência do racimo. O trabalho reconhece
o pesquisador foi René Ribeiro, com o livro a influência da escravidão, mas, ressalta
Religião e Relações Raciais. Destes, os es- que o capitalismo em seu privilegia uns gru-
tudos de Thales de Azevedo, Florestan Fer- pos em detrimentos dos outros. Assim, os
nandes e Costa Pinto, dedicam alguns capí- “não brancos”, mesmo quando ascendem
tulos a analisar o movimento social negro. socialmente ainda sofrem por influência do
Fernandes e Costa Pinto são unânimes racismo.
em afirmar que o surgimento de organizações Os privilégios de um grupo – racialmen-
do movimento negro, como A Frente Negra te construído como superior – são mantidos
Brasileira e a Associação dos Negros Brasi- para sua prole – por herança social, por
compadrio, por solidariedade racial e/ou a sexualidade agregada à raça poderá ser
de classe. Neste sentido, grupos que te- o diferencial quando da ação do racimos
nham história sócio – cultural de subalterni- sobre eles. Assim, podemos pensar que o
dade, terão maiores dificuldades de pene- racimo se associa às outras discriminações
trar nos tecidos sociais. presentes na sociedade, sendo produzido
Este quadro é alimentado pelas desigual- em diferentes modalidades e diversos agra-
dades sociais e colabora para manter negros vamentos.
e indígenas – do ponto de vista quantitativo
– nas franjas sociais. À luz destes estudos
sabemos então que o racismo não é uma Referências bibliográficas
questão cultural, de ignorância ou por uma
inferioridade intrínseca na população negra.
E sim porque racismo e capitalismo andam AZEVEDO, Thales. As elites de cor. Um
lado a lado. estudo de ascensão social. São Paulo:
Nacional, 1955.
BANTON, Michael. A idéia de raça.
Conferência mundial contra o racismo, Lisboa: Edições 70, 1977.
discriminação racial, xenofobia e
BASTIDE, R.; FERNANDES F. Brancos e
Intolerância correlata
negros em São Paulo. 3. ed. São Paulo:
(Durban, África do Sul, 2001) Nacional, 1971.
Seus documentos finais devem ser deti- CARVALHO, José Murilo de. Brasil: nações
damente lidos. Inúmeras foram às contribui- imaginadas e Brasil: outra América. In:
ções propiciadas por esta conferência. Uma Pontos e Bordados. Escritos de História
destas está em trazer à reflexão a categoria Política. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
discriminações agravadas. Que pode ser p. 202-233.
entendida pela análise, de que embora a FERNANDES, Florestan. A integração do
questão racial seja a que deflagra a discri- negro na sociedade de classe. São Paulo:
minação, seja ela individual ou institucional Edusp, 1965.
– diversas outras variáveis são adicionadas
no processo. FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala.
Assim, uma mulher, negra, norte ameri- 18. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1977.
cana, rica, numa região turística de uma ci-
dade, no Brasil. será tratada diferentemen- HANCHARD, Michael George. Orpheus
te de uma mulher, negra, brasileira e rica. and power. The movimento negro of
Ainda nesta linha comparativa tomemos Rio de Janeiro and São Paulo, Brasil 1945-
como exemplo um homem, negro, brasileiro, 1988. New Jersey: Princeton University
pobre, heterossexual – saindo de uma ativi- Press, 1988.
dade noturna de divertimento e um homem,
HASENBALG, Carlos Alberto. Discriminação
negro, brasileiro, classe média, homosse- e desigualdades Raciais no Brasil.
xual – saindo desta mesma atividade. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
No caso das mulheres o fato de uma
ser nacional e outra estrangeira fará a dife- HELLWIG, David J. (Ed.). African-American
rença quando da atitude racista se abatendo reflections on Brazil’s racial paradise.
sobre as duas. Já no exemplo dos homens, Philadelphia: Temple University Press, 1992.
ça “normal”. Foi olhando para outro lado, DA MATTA, Roberto. Cidadania: a questão
mas pensando nesse tipo de situação que da cidadania num universo relacional.
poetou Solano Trindade:20 In: A casa e a rua – espaço, cidadania,
mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro:
“Da janela do meu apartamento vejo Rocco, 1997.
só barracos no morro,
onde moram as rainhas do carnaval.
GADOTTI, Moacir. Diversidade cultural
Rainhas por três dias alegres. e educação para todos. Rio de Janeiro:
Escravas o resto do ano”. Graal, 1992.
GOMES SENNA, Luiz Antônio. A educação
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ao silêncio escolar. São Paulo: Contexto,
HENRIQUES, Ricardo. Raça e gênero nos
2000.
sistemas de ensino: os limites das políticas
CUNHA Jr., Henrique. Textos para o movi- universalistas na Educação. Brasília:
mento negro. São Paulo: Edicon, 1992. UNESCO, 2002.
Márcia Carbonari*
volta para o aspecto valorativo e identitário, [...] gênero e raça são bivalentes, im-
onde culturalmente se valoriza mais carac- plicados ao mesmo tempo na política
da redistribuição e na política do re-
terísticas masculinas e menos as femininas, conhecimento. Ambos, conseqüente-
implicando, por exemplo, na aceitação da mente, enfrentam o dilema da redistri-
violência contra a mulher como algo natural. buição-reconhecimento. As feministas
Neste sentido, a valorização da mulher de- devem buscar remédios que dissolvam
a diferenciação de gênero, enquan-
manda um processo de reconhecimento do
to buscam também remédios culturais
feminino. que valorizem a especificidade de uma
Assim também acontece com a luta con- coletividade desprezada. Os anti-racis-
tra o racismo. A “etnia/raça” estrutura a tas, da mesma maneira, devem buscar
remédios econômico-políticos que dis-
divisão do trabalho na nossa sociedade,
solvam a diferenciação “racial”, en-
onde dentro do trabalho remunerado exis- quanto buscam também remédios cultu-
tem diferenças de ocupações entre os/as rais que valorizem a especificidade de
ditos “de cor”. Essa diferenciação se man- coletividades desprezadas (FRASER,
2006, s. p).
tém pela forma colonialista em que nossa
sociedade ainda se estrutura. O resultado
Sem enfrentar o debate no âmbito da
dessa estruturação econômico-política é a
redistribuição e do reconhecimento, as ques-
exclusão e a exploração baseada na dife-
tões de gênero e étnico-raciais resultam em
renciação étnica. Por outro lado, a etnia
uma endemia permanente de subordina-
abarca uma dimensão cultural-valorativa.
ção cultural e econômica. Segundo Fraser
Temos um déficit de reconhecimento quando
(2001), enfrentar os dilemas colocados para
colocamos apenas uma cultura e uma etnia
a temática de gênero e étnico-raciais implica
como sendo a que é válida e legítima, quan-
em mudanças na economia política e na cul-
do não valorizamos ou não reconhecemos
tura a um mesmo e só tempo.
a contribuição das demais e diversas cul-
turas e etnias ou então quando atribuímos
estereótipos depreciativos a determinadas Um conceito bidimensional de justiça
culturas e etnias. com direitos humanos
Isso nos remete a tese de que gênero e
raça devem contemplar aspectos de redistri- A ampliação dos direitos humanos das
buição quanto de reconhecimento, pois são mulheres provocou mudanças significativas
coletividades bivalentes. Essa tese baseia- na sociedade, dentre essas mudanças, po-
-se na reflexão da filósofa Nancy Fraser demos destacar a responsabilidade do po-
que concebe que essas ambivalências elen- der público em identificar as situações reais
cadas acima indicam a não realização da de discriminação e desigualdade que atin-
justiça social e por conseqüência da não rea- gem as mulheres e na criação de condições
lização dos direitos humanos. Para Fraser, de exercício da cidadania. A Lei Maria da
os conceitos de gênero e raça são coletivi- Penha pode ser considerada um exemplo
dades bivalentes, ou seja, sofrem injustiças dessa mudança. Sem dúvida, a reivindica-
tanto no âmbito econômico quanto no cul- ção das mulheres por serem incluídas e res-
tural/simbólico. Neste sentido, as políticas peitadas num mundo que até então era ex-
e ações para remediar esses problemas de- clusivamente masculino, exige reflexões e
vem contemplar a redistribuição e o reco- debates nem sempre fáceis e consensuais.
nhecimento: Por outro lado, persiste a constatação de
que apesar do grande avanço nas leis, nas Fraser, ao analisar as demandas por
condições de vida das mulheres persiste justiça social, percebe que as demandas
uma cultura machista e patriarcal. As mu- se apresentam de dois tipos e muitas vezes
lheres têm acesso ao estudo, aos cargos em pólos opostos: de um lado as demandas
eletivos, aos serviços de saúde específicos por reconhecimento que reclamam a singu-
e postos de trabalho, porém isso não re- laridade e a diferença, de outro as deman-
percute em melhores condições de vida em das por redistribuição que buscam a distri-
relação aos homens. As mulheres mesmo es- buição mais equânime dos recursos e bens
tudando mais, continuam ganhando menos materiais e imateriais. No contexto atual de
que os homens, poucas são as que ocupam globalização e de sociedades complexas e
cargos de chefia nas empresas e mesmo que plurais, o conceito de justiça deve ser revi-
tenha ampliado a quantidade de mulheres sitado, segundo Fraser:
em cargos políticos esse número ainda é re-
duzido. Constata-se que não basta incluir as O que é preciso é uma concepção am-
pla e abrangente, capaz de abranger
mulheres sem se perguntar de que modo se pelo menos dois conjuntos de preocupa-
dá a inclusão. Para que as desigualdades ções. Por um lado, ela deve abarcar as
de gênero sejam enfrentadas são necessá- preocupações tradicionais das teorias
rias ações de cidadania ativa colocando as de justiça distributiva, especialmente a
pobreza, a exploração, a desigualda-
mulheres como protagonistas de suas pró-
de e os diferenciais de classe. Ao mes-
prias histórias, unindo a valorização das mu- mo tempo, deve igualmente abarcar as
lheres e a mudança das condições concretas preocupações recentemente salientadas
de vida. pelas filosofias do reconhecimento, es-
Com relação às reivindicações em tor- pecialmente o desrespeito, o imperialis-
mo cultural e a hierarquia de estatuto.
no do tema da construção de relações ét- Rejeitando formulações sectárias que
nico-raciais de respeito e igualdade ganha caracterizam a distribuição e o reco-
força, pelas diversas medidas que buscam nhecimento como visões mutuamente
sanar a histórica invisibilidade da contri- incompatíveis da justiça, tal concepção
tem de abrangê-las a ambas. O resul-
buição dos diversos povos e culturas na
tado seria uma concepção bidimensional
construção da história e da sociedade bra- de justiça, o único tipo de concepção ca-
sileira, ações como a Lei nº 11.645/2008 paz de abranger toda a magnitude da
que incluiu no currículo oficial da rede de injustiça no contexto da globalização
ensino a obrigatoriedade da temática “His- (2002, p. 5).
tória e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
A política de cotas, como ação afirmativa No que tange as demandas por justiça
no âmbito de coletividades onde gênero e
e recentemente julgada constitucional pelo
raça são o foco da análise, nem redistribui-
STF, e leis que coíbem o preconceito e a
ção, nem reconhecimento por si só e desar-
discriminação baseada na etnia são con-
ticulados enfrentarão satisfatoriamente as
quistas importantes para o movimento ne-
injustiças cometidas e poderão ser espaços
gro, as minorias culturais, a população in-
de realização dos direitos humanos. Desse
dígena. Porém, ainda permanecem muitos
modo, a tarefa é articular “redistribuição e
gargalos que precisam ser superados com-
reconhecimento” como dimensões da justiça.
batendo duplamente o déficit de cidadania
Fraser nos propõe usarmos uma lente bifocal
e de desrespeito aos direitos humanos des-
– a da distribuição e do reconhecimento –
sa população.
Edson Borges*
Assim sendo, somos levados a crer que ção branca apresenta um IDH quase alto.
vivemos um contexto onde se impõe a ne- Apenas no Nordeste, a região mais pobre do
cessidade de remexer no legado de nossos país, a população branca brasileira apresen-
ancestrais: os pilares do edifício social, o ta um IDH médio. No caso da população
fundamento e a gênese da formação, re- negra e mestiça, porém, não existe nenhu-
produção e transmutação da elite brasilei- ma região do nosso país em que ela tenha
ra, que se reatualizam e se refazem sob um IDH elevado: nas regiões Sudeste, Sul e
os mantos das meta-narrativas nacional da Centro-Oeste e nas áreas urbanas da região
mestiçagem, do mito da ‘democracia ra- Norte, o IDH da população afro-descenden-
cial’ e da sociedade de classes capitalista te brasileira apresenta-se como médio, e no
brasileira contemporânea. Sob o mito da Nordeste, médio-baixo. Entretanto, é neces-
democracia racial brasileira, escondem-se sário ressaltar que em três Estados dessa re-
diferenças brutais entre as condições de gião – Maranhão, Piauí e Alagoas – o IDH
vida das populações negra e branca, em dos negros é de nível quase-baixo. Decorri-
relação à mortalidade infantil, expectati- dos 123 anos da Abolição da Escravatura,
va de vida, níveis de educação e de renda, os negros continuam em franca desvanta-
taxa de desemprego, etc. Também os índi- gem em todas as regiões do país. Assim,
ces sociais de bem-estar relativos aos mes- nas regiões e estados onde o IDH é mais
tiços (salário, educação, moradia, saúde, baixo, a baixa qualidade de vida pune de
longevidade, etc.) os aproximam muito mais forma mais dura os afro-descendentes e, nas
das condições de vida dos negros do que regiões mais desenvolvidas os benefícios
dos brancos. gerados pelo processo de desenvolvimento
O economista Marcelo Paixão, da UFRJ, das últimas décadas são desfrutados, sobre-
vem se dedicando a aplicar o indicador de tudo, pelo contingente branco.
bem-estar chamado Índice de Desenvolvi- O abismo que separa os brasileiros bran-
mento Humano (IDH), para estudar as desi- cos dos de ascendência africana em termos
gualdades raciais no Brasil. Dados obtidos de rendimento médio familiar per capita,
pela combinação de índices de Rendimento, esperança de vida e nível de escolaridade
Longevidade (IL) e Educacional, medem as de adultos pode ser ilustrado também pelo
condições de vida da população de cada IDH desagregado por cor. Se fossem consi-
país. Análises quantitativas para o ano de derados como habitantes de um país à parte
1998 constataram o seguinte. Sua escala os afro-descendentes ocupariam a 108ª po-
varia de 0 a 1 – quanto mais próximo de sição no ranking proposto pelo relatório do
um, melhor a qualidade de vida. Assim, nú- PNUD, enquanto os brancos deteriam a 48ª
meros superiores a 0,800 são considerados posição – o Brasil, em 2000, ocupava a 74ª
altos, entre 0,500 e 0,799, médios, e infe- posição entre os 162 países estudados. Essa
riores a 0,500, baixos. O IDH dos negros constatação traduz claramente a situação
brasileiros seria comparável ao dos países privilegiada – fruto de relações históricas e
mais pobres da África e bem abaixo do sociais desiguais que se reproduzem e cris-
IDH da população branca brasileira. Nas talizam na contemporaneidade – desfrutada
regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, o con- coletivamente pela população branca e a
tingente branco goza de IDH elevado. Nas clara desvantagem vivenciada pela popula-
áreas urbanas da região Norte, a popula- ção negra no Brasil.
va, pois esse grupo variou de 9,7% para pressivo da população, não deve significar
14,3%. A desigualdade no acesso à edu- o abandono de políticas universais. E, além
cação acaba se refletindo também na de- disso, beneficiaria a economia e a socieda-
sigualdade de rendimentos entre os grupos de capitalista brasileira como um todo.
raciais. Pois, no grupo com ensino superior Outros não negam que há um “racismo
completo ou incompleto, a renda média por à brasileira”, mas ressaltam que no Brasil
hora do trabalhador branco é de R$ 17,30. não cabe a bipolarização entre brancos
No caso de um trabalhador preto ou pardo e negros, pois devemos valorizar a mesti-
com escolaridade igual, é de 32% menor, çagem nosso fator diferencial. Criticam a
de R$ 11,80. Entre trabalhadores que com- importação de modelos de ações afirmati-
pletaram, no máximo, a quarta série do vas oriundos de contextos históricos e so-
ensino fundamental, também, se verifica ciais diferentes (como os EUA e a África
diferenças a favor dos brancos (média de do Sul). Defendem que o enfrentamento do
R$ 4,40 por hora) em relação aos pretos e “racismo à brasileira” deveria ocorrer atra-
pardos (R$ 3,30).25 vés de “políticas redistributivas” de caráter
universal. Porque, a mestiçagem tornou pra-
Estas conclusões mobilizam atualmente
ticamente impossível qualquer tentativa de
diversos segmentos sociais – movimento so-
classificação racial. Conseqüentemente, tor-
cial negro, cientistas sociais, historiadores,
naria impraticável políticas de discrimina-
geneticistas, políticos, advogados, juristas,
ção positiva a favor dos negros brasileiros.
artistas – estão envolvidos no debate sobre
Segundo o nosso ponto de vista, parece
“raças”, racismo, relações raciais, ações
não haver mais como frear a História. Como
afirmativas e políticas públicas no Brasil.
escreveu Stephen Jay Gould, “certamente po-
O movimento social negro conseguiu uma
demos evitar a linguagem do conflito racial
grande visibilidade sócio-política ao levan-
se jurarmos nunca falar sobre raça. Mas,
tar uma “agenda anti-racista racializada” então, o que vai mudar e o que será resolvi-
contra a discriminação, a violência e a ex- do?”. Ora, viver em sociedade requer per-
clusão racial. Entre um dos resultados de manentemente encarar e superar conflitos.
suas lutas anti-racistas, levará o Supremo Ou, como escreveu o filósofo Immanuel Kant
Tribunal Federal (STF), em 2012, a votar a (1724-1804), sem disputas não há progres-
constitucionalidade ou não das políticas de so. Esta é uma das lições da História: a vida
cotas raciais no Brasil. social e o fim da ação política não equiva-
Neste campo de lutas rivalizam-se aque- lem a nenhuma perfeição estática. A ação
les que buscam reavaliar e redefinir os fun- política do homem vivendo em sociedade
damentos da história, nação e sociedade deve, então, colocá-lo sempre em movimento.
brasileira, aproximando-se das noções de Chegou mais um momento de uma nova ge-
‘multiculturalismo’. Criticam os resultados ração de homens e de mulheres influencia-
das políticas universalistas e assimilacionis- rem o curso da História brasileira.
tas que se baseiam na defesa do intenso No que diz respeito ao enorme contin-
processo de miscigenação racial e cultural. gente de afro-brasileiros, é imperativo conju-
Advogam que a implantação de políticas gar medidas incisivas (educacionais, saúde,
focadas, em um segmento específico e ex- econômicas, distributivas, políticas, jurídicas
e sociais), que possam produzir resultados a
curto e médio prazos, as quais certamente
25 “Entre os mais ricos, pretos e pardos são 15%”.
Folha de São Paulo, 10 de outubro de 2009, tenderão a beneficiar a sociedade e o capi-
p. C 3. talismo brasileiro como um todo.
Consideramos estas verdades evidentes por si sós, Os atuais marcos hegemônicos destas
que todos os homens foram criados iguais, divisões são incompatíveis com o discurso
que são dotados pelo Criador de alguns Direitos inalienáveis, dos Estados e das sociedades que dizem
que entre eles estão a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade”.
estar fundadas e fundamentadas nos direi-
De onde vem essa “busca da felicidade”
um tanto esquisita do famoso trecho inicial da tos humanos, na democracia racial e terri-
Declaração de Independência dos Estados Unidos? torial. Nestes marcos de divisões, a divisão
A fonte é John Locke, que afirmava que todos os homens possuíam os étnica e territorial estão em grande relevo.
direitos naturais da vida, da liberdade e da propriedade; No Brasil, o racismo de Estado, da épo-
esta última foi substituída por “busca da felicidade” ca na qual a escravidão era “legal” e se-
durante as negociações da redação da Declaração como forma de
res humanos eram “propriedade” de outros,
negar aos escravos negros o direito à propriedade.
ZIZEK, 2011, p. 64 transmutou-se em negação da existência do
racismo desde a abolição até meados do
século XX. A partir dos anos 1960 o reco-
Nascemos e vivemos necessitando a sa- nhecimento do racismo passou a ser objeto
de pesquisa na academia e motivador de
tisfação de um conjunto de bens materiais e
lutas contra a discriminação racial, pela de-
imateriais (para Locke a vida, a liberdade e
marcação de territórios e reconhecimento
a propriedade eram os mais importantes de-
de direitos étnicos por movimentos sociais.
les – considerando-os direitos naturais). O
Atualmente, o mito da superioridade
que a maioria dos autores não explicita é
branca já não encontra tanto eco na socie-
que a satisfação de nossas necessidades é
dade contemporânea, mais ainda há aque-
condicionada historicamente por situações
les que duvidam da existência do racismo...
de divisão social, sexual, étnica e territorial
As injustiças sociais e ambientais (e,
do fazer humano, que impõem acesso restri- portanto, as injustiças territoriais também)
to e desigual aos bens de que necessitamos. que recaem de forma implacável apenas
sobre determinados grupos étnicos, vulne-
* Mestre em Letras – Estudos Literários (UPF), advo- rabilizados ou não, e sobre outras comu-
gado do MST e do MAB, membro da CDHPF nidades, discriminadas por sua origem ou
cor, configuram uma das faces atuais do Muitas são as situações regionais que
racismo, a qual tem sido chamada de racis- envolvem a posse e disputa do território e
mo ambiental. contém em si discriminação pela origem ét-
Racismo ambiental? – perguntará al- nica do grupo que disputa seus interesses
guém. Isso não existe! – logo concluirá. com o de outros grupos:
Não existe? Então nos façamos algu- – a situação dos moradores próximos
mas questões: de um rio na Rua Castanho da Rocha, em
Quem são as pessoas/sujeitos que mo-
Passo Fundo (pessoas humanas afrodescen-
ram nos bairros mais afastados da cidade,
dentes ou pobres), os quais não tem acesso
naqueles lugares onde as ruas não são calça-
das, não há saneamento básico, nos meno- aos mesmos recursos e equipamentos pú-
res terrenos, em habitações precárias, onde blicos dos moradores (com melhor poder
não há escola, praça, posto policial, creche, aquisitivo, brancos em sua maioria) da Av.
hospital, nem farmácia, quem são elas? Brasil no ponto próximo ao mesmo rio;
Quem são as pessoas/sujeitos que co- – as condições de moradia e a exposi-
letam e reciclam materiais, que moram pró- ção a riscos dos moradores dos bairros bei-
ximo do lixo ou ambientes poluídos por em- ra-trilho da antiga RFFSA, nos locais onde
presas ou estações de tratamento de esgoto? estes cruzam nossas cidades, situação que
Quem são as pessoas/sujeitos que mo- abarca centenas de milhares de pessoas
ram nas áreas de risco, próximo aos trilhos em todo o Brasil;
de trens, embaixo de redes de transmissão de – a discrepância no uso dos recursos
energia elétrica, nas beiras de rios e rodovias? públicos, quando o poder público investe
A análise empírica revelará que estas si-
de forma desigual na coleta seletiva do lixo,
tuações de injustiça social e ambiental não
por exemplo, gerando situações nas quais
recaem da mesma forma sobre toda a popu-
a população pobre fica exposta aos odo-
lação. Elas recaem apenas sobre determina-
dos grupos, os quais – em muitos casos – são res e vetores das Estações de Tratamento
grupos étnicos. Tratam-se então de pessoas de Esgoto, nas cercanias e limites das cida-
que estão sendo discriminadas por sua ori- des, enquanto que a população do “centro”
gem ou cor, embora a fundamentação do é beneficiada – só ela – com investimentos
discurso discriminador nunca invoque este como a lavagem de ruas ou a instalação de
argumento.26 A justificativa sempre é científi- caçambas para coleta seletiva;
ca, moral, jurídica, histórica, econômica, etc. – a poluição causada por grandes em-
presas multinacionais que escolheram o Brasil
26 Não assistimos mais cenas como a de Stephen A.
Douglas afirmando para Abraham Lincoln: “Sou
como destino, pois seus países de origem
contra a cidadania dos negros, de todas as formas não admitem mais este tipo de degradação
possíveis. Acredito que este governo foi construído ambiental e que, em nosso território, afeta
sobre uma base branca. Acredito que foi criado de forma distinta as várias classes sociais e
para os brancos e para suas gerações futuras,
para sempre. Sou a favor de restringir a cidada- grupos étnicos;
nia aos brancos, em lugar de concedê-la a negros, – a oposição feroz aos movimentos que
índios e outras raças inferiores” (ROTH, 2000, p. reivindicam a demarcação das terras tradi-
37). Nem encontramos mais, nos livros de história,
cionalmente ocupadas por indígenas e qui-
referências como as de Francisco Oliveira sobre
a “malta de índios que permaneciam rebeldes à lombolas, direito reconhecido como “origi-
catequese”, ou “horda de celerados” cuja extin- nário” pela Constituição Federal de 1988,
ção – através de perseguição e morte – “pesou de modo a preponderar sobre qualquer di-
no ânimo dos poucos índios que permaneciam na
reito adquirido, mesmo os materializados
vida selvagem” (OLIVEIRA, 1990, p. 73-79).
em escrituras públicas ou títulos de legiti- pre um papel relevante. Nem todos interes-
mação de posse em favor de não-índios ou ses são garantidos/legitimados pela lei,
não-quilombolas.27 assim como nem todos direitos são assegu-
Neste contexto, o conceito de racismo rados na prática/realidade.
ambiental permite visibilizar a forma atual A memória coletiva, através de seus ri-
na qual se reveste o racismo em nossa so- tuais e símbolos, biografia e historiografia,
ciedade: nas injustiças territoriais, ambien- materializada em nossos monumentos, dias
tais e sociais. Insisto nisso, pois o discurso comemorativos, bandeiras, canções, culto
dos direitos humanos afirma que somos to- a determinados mortos (com seus nomes em
dos iguais e que temos os mesmos direitos, ruas, escolas e praças), têm forjado uma
ou seja, que estes deveriam ser universais. identidade coletiva que tende a conciliar o
Ao mesmo tempo, reconhece a propriedade inconciliável em nossa sociedade: as recor-
privada – forma material da apropriação dações antagônicas e contrapostas dos in-
e exploração do trabalho do homem pelo vasores europeus, indígenas massacrados,
homem – como um direito humano. Desta africanos escravizados, trabalhadores muti-
forma, só deveriam existir desigualdade so-
lados e assassinados.
ciais, decorrentes da diferença de proprie-
A ocupação e divisão do território re-
dade e renda que cada pessoa humana
gional não é simbolizada como um processo
possui; ser mais rico ou pobre. Todavia, in-
de luta antagônica, na qual ocorreu a ex-
dependente das diferenças sociais, o Esta-
propriação das terras e da liberdade dos
do deveria dar igual tratamento a todos. É
habitantes originários e dos africanos pelos
isto que realmente ocorre? Nos casos que
brancos cristãos europeus através da vio-
citamos acima, além da desigualdade so-
lência. Não é assim que lembramos nosso
cial (que seria natural), também não uma
passado.
desigual distribuição dos recursos e equipa-
mentos públicos? A história dos pobres, dos escraviza-
Se esta atenção desigual existe, é por- dos, dos kaingangs, o indizível para a his-
que a sociedade não esta realmente funda- tória oficial e para a memória coletiva, o
da nos direitos humanos. As relações sociais trauma, o recalcado, está registrado, não
ainda ocorrem mediante conflitos; a consti- nos livros de história e nos monumentos,
tuição das formas (as grandes construções, mas na literatura e nas lendas. Os educa-
obras de infraestrutura, monumentos, equi- dores necessitam recorrer a Érico Veríssimo
pamentos, bens e serviços públicos) também (O tempo e o vento), a Simões Lopes Neto
está relacionada a estes conflitos e ainda (O negrinho do Pastoreio), a Gladstone
expressam os graus de opressão de uma Osório Mársico (Cágada) as lendas popu-
dada sociedade e tornam explícitas as con- lares (A lenda da mãe preta – de Passo
dicionantes atuantes na produção da mate- Fundo) para poder encontrar o povo como
rialidade, dentro dela a territorialidade. sujeito e não apenas como objeto, para
Nestes conflitos, nos processos de luta encontrar a verdadeira história de como
pelo reconhecimento da legitimidade de in- o território foi ocupado, de que forma a
teresses e direitos a disputa simbólica cum- “propriedade” (direito natural de todos),
tal qual como a vemos hoje, e nas mãos
27 Neste sentido é a decisão do TRF4 no processo
n. 5011893-65.2011.404.0000/RS, Rel. Des. em que a vemos, foi obtida. Nesta outra
Fernando Quadros da Silva, julgamento em 21 memória, encontramos pelo menos três es-
de outubro de 2011.
pectros que ainda assombram a região nor- ROTH, Philp. Casei com um comunista.
te do Rio Grande do Sul: o caipora, o negri- Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo:
nho do pastoreio e Roseli Nunes.28 Companhia das Letras, 2000.
Quem conta a história; impõe uma me-
SANTOS, Joel Rufino dos. Negrinho do
mória; dá nome às coisas; possui as coisas,
Pastoreio. In: Épuras do social – como podem
controla e identidade coletiva e se apropria
os intelectuais trabalhar para os pobres.
da história. Ao nominar, transformamos a
São Paulo: Global, 2004. p. 33-36.
forma de ver as coisas. Está é a mágica
do poder simbólico (inclusive a do discurso SCALABRIN, Leandro. Ceifados pela soja
dos direitos humanos). Agora, só protestar no conflito da praça da matriz – quem faz
simbolicamente não é o bastante. Mas, de gemer a terra? Mimeo, Passo Fundo (UPF),
todo modo utilizemos das armas simbólicas Memória Cultural e Narrativa, 2010.
para combater o racismo em nossos dias,
ZIZEK, Slavoj. Em defesa das causas perdi-
renomeando a desigual distribuição étnica
das. Trad. Maria Beatriz Medina.
e territorial de nosso espaço de racismo
São Paulo: Boitempo, 2011.
ambiental.
Referências bibliográficas
tos e menos como formação de consensos; formação integral sem verdade, assim como
mais como inclusão e menos como disputa não há direitos humanos sem verdade. A ver-
de maiorias e minorias; mais como constru- dade (não absoluta, muito menos relativa)
ção e legitimação permanente de regras e como busca de assentimento e convergência
menos como simples cumprimento das re- é constitutiva da afirmação do conhecimento
gras do jogo. Democracia com alteridade e também da vivência. Sujeitos se fazem em
é entender o sentido do poder como pôr a relações verdadeiras e que fazem com que
ação em movimento de sorte a traduzi-la a confiança não se dissolva em completo
em obra. Democracias substantivas impli- cinismo (versão prática do ceticismo). É da
cam a incorporação organizada dos diver- qualidade da verdade que se pode estabe-
sos sujeitos – e da diversidade dos sujeitos lecer convivência e interação. Por isso exige
– aos processos políticos como condição a crítica a todas as formas de dogmatismo e
para o acesso aos bens materiais, ambien- de relativismo, ambos cínicos. Sem verdade
tais e culturais produzidos socialmente e histórica, não há memória (do que já não
para vivenciar as dinâmicas de reconheci- queremos ver se repetir e do que esperamos
mento. Assim, está em questão identificar seja continuado), nem justiça e nem paz.
processos e propostas, dinâmicas e sujeitos, Não há formação integral sem justiça, assim
divergências e convergências, sob o crivo como não há direitos humanos sem ela. A
da alteridade. Quando centradas na al- justiça é exigência que só pode ser efetiva-
teridade, democracias são muito mais do da pelo reconhecimento da singularidade,
que um jogo; são construção, permanente da particularidade e da universalidade dos
e sempre nova, de um modo de ser social sujeitos. Fazer justiça é reparar violações de
e político, um modo de ser humano, com direitos (reparar as vítimas), restaurar confli-
direitos humanos. tos com mediações adequadas e, acima de
O terceiro aspecto é que educar em tudo, promover e proteger as pessoas e seus
direitos humanos é formar para a justiça e direitos de forma que a dignidade possa ser
a paz. Isto inclui trabalhar a memória e a concreta no cotidiano. Por isso exige a crí-
verdade como componentes históricos de- tica a todas as formas de cinismo que rele-
terminantes e lidar com a violência através gam a igualdade à quimera e a diversidade
de mediações restaurativas da justiça, prio- à desigualdade (discriminação) e fazem da
ritariamente. Até porque, não há formação justiça sequer uma promessa e da paz uma
expectativa inócua. Justiça e paz constituem
integral sem memória, assim como não há
conteúdo fundamental da formação em di-
direitos humanos sem memória. A memória
reitos humanos. Sujeitos só se constituem e
é constitutiva do modo de vida no qual se
se fazem com os outros considerando estes
situam os sujeitos e no qual se fazem, sendo
conteúdos que são complexos e, por vezes,
constitutiva da historicidade (da temporali-
até contraditórios. Comumente o mais fácil,
dade e da finitude, mas também da possi-
o mais simples e o mais conveniente fazem
bilidade de transcendência ao dado) que
delas abrir mão. Mas delas abrir mão é dis-
faz do humano ser de dignidade (ou não).
pensar a dignidade e, em consequência, in-
Exige a crítica contundente a todas as for-
viabilizar, interditar, subjugar sujeitos.
mas de esquecimento cínico. Sem memória
Fazer educação em direitos humanos
das vítimas (dos “sujeitos sujeitados”) não
é partir da compreensão de que há dife-
há verdade, nem justiça e nem paz. Não há
rentes motivações/razões para educar em
Referências bibliográficas
Os negros, envolvidos diretos nestas re- não ser a presença no culto católico. Mais
lações, não tinham muita força e poder no tarde, os senhores permitiram algumas ini-
sentido de construírem outra forma de estru- ciativas, mesmo contra a orientação dos
tura que lhes permitisse uma forma de vida padres.
diferenciada da vida de escravo. Todavia, a Os senhores não tinham um conheci-
ausência de força e poder não indica a au- mento da base religiosa dos africanos e os
sência de resistência. Temos conhecimento agentes católicos seguiam a orientação de
de muitos focos de resistência, começando conquistar adeptos para o Reino (e a coroa
pelas senzalas, pelas resistências dentro dos portuguesa) seguindo uma teologia muito
Engenhos, chegando aos Quilombos. Con- próxima ao espírito das cruzadas.30 O des-
tudo, diante do aparato de manutenção do conhecimento dos senhores do engenho e a
escravagismo, estes focos de resistência não orientação teológica da época sustentaram
tiveram tanto impacto em uma esfera ampla, o discurso de que os ritos de origem afri-
exceto algumas transformações locais cen- cana eram cultos ao demônio. Os negros
tradas especialmente na experiência quilom- deveriam ser batizados31 e feitos católicos.
bola. Não tiveram a força suficiente para Esta foi a base da negação religiosa im-
abalar a estrutura escravagista.29 petrada aos africanos, aliada à negação
A impossibilidade de uma resistência cultural e ao direito a liberdade.
ampla e frutífera ao modelo escravocrata
foi devida a algumas estratégias de inibi-
ção a qualquer possibilidade de articula- A reconstrução religiosa
ção do grupo escravizado. Lembra-se aqui
a desagregação familiar, a tática de colo- No entanto, com o passar do tempo,
car juntas pessoas com línguas diferentes, o espaço da senzala tornou-se, em primei-
uso excessivo de violência física, vigilân- ro plano, o lugar da reconstrução religiosa
cia constante, trabalho exaustivo, dentre ou reconfiguração religiosa, pois sugeriu às
outras. Estas estratégias contribuíram para tradições de origem africana outros cami-
arrefecer possíveis iniciativas de reação ao nhos, diferentes dos modelos religiosos da
cativeiro que só se intensificaram com o África.
passar do tempo. A reconfiguração permitiu a criação
Outra estratégia utilizada, especialmente de bases religiosas com elementos africa-
nos primórdios do escravagismo brasileiro, nos, mas também já com as influências re-
foi a da negação à manifestação religiosa. ligiosas brasileiras, do catolicismo oficial e
Sabe-se que os povos africanos construíram do catolicismo popular. Este processo tam-
uma tradição religiosa rica e diversa. A bém é chamado de sincretismo, conhecido
transição África/Brasil, mesmo que tenha como o encontro de diferentes “tradições
afetado profundamente esta tradição, não religiosas”, a saber: entre as tradições de
a eliminou completamente. No entanto, no
primeiro século do modelo escravagista, era 30 Para aprofundar, consultar AZZI, 1978.
proibida qualquer manifestação religiosa, a 31 O batizado seguia o argumento de permitir que
as pessoas de origem africana, deixando o “pa-
29 Para leitura de aprofundamento da história da ganismo”, pudessem alcançar a salvação atra-
escravidão no Brasil vale consultar duas obras vés do rito batismal e pertença ao catolicismo.
de Jacob GORENDER, a saber, O escravismo Na condição de não batizados e seguindo a
colonial (2000) e também a Escravidão reabi- forma de vida religiosa da África, os negros es-
litada (1991). tariam condenados a perdição eterna.
origem africana, pois os negros não eram outros. A vertente mais conhecida desta
de uma única tradição; entre as tradições configuração é o candomblé, que adota no-
de origem africana e o catolicismo; entre mes diferenciados dependendo da região
as tradições de origem africana e as reli- do Brasil. O candomblé tem as marcas da
giões indígenas e, mais, tarde das religiões resistência e da reconfiguração religiosa.
de matriz africana e o espiritismo. Cabe É possível fazer esta afirmação porque se
afirmar que este foi o horizonte possível da observa que, mesmo com o rompimento de
reestruturação do culto de origem africana muitos canais de transmissão da religiosi-
no Brasil. Dentro das condições dadas, os dade originária da África, o candomblé e
negros foram encontrando caminhos para suas denominações correlatas conseguiram
recuperarem alguns elementos das antigas permanecer como tradição religiosa dos
tradições religiosas. Encontramos estes tra- afro-brasileiros através de transformações
ços nas irmandades, confrarias congadas e na estrutura teológica e ritual, com maior ou
reisados.32 menor intensidade, dependendo da região
Nestas configurações a reconstrução do Brasil, e manter outras.
acontece dentro da estrutura do catolicismo. Neste percurso algumas funções e pa-
péis foram reestruturados. Destaca-se o cul-
Os afro-brasileiros não se opõem a perten-
to do culto aos orixás, que foi configurado
ça católica e aos seus ritos, mas, a partir
como culto aos Santos no horizonte possí-
desta pertença e dos seus rituais, constroem
vel, sendo que se cultuavam os que resta-
um caminho religioso que recupera elemen-
ram do panteão de encantados que existia
tos da tradição cultural e religiosa africana,
na África. Esta experiência é denominada
isto sem contestação da hegemonia cristã
como um caso de sincretismo religioso. Mas
católica. Externamente os negros assumiam
existem outras reformulações:
a pertença católica. Internamente a perten-
1. O impedimento da transmissão da
ça era assumida a partir de elementos da liderança religiosa pela filiação sangüínea,
cosmovisão de origem africana. Uma ex- visto que os laços familiares foram rompi-
periência religiosa que explicita esta orien- dos na transição África/Brasil, sugeriu a
tação são as devoções à Nossa Senhora filiação afetiva. A liderança religiosa esco-
do Rosário e aos santos e santas católicos. lhe seus filhos e filhas com a missão de con-
Uma observação atenta destes momentos tinuar a tradição;
de festa e culto religioso levará a perceber o 2. Manteve-se a pertença católica, con-
encontro de elementos da tradição cultural tudo sem abrir mão da presença no terrei-
e religiosa africana dentro de uma estrutura ro, ou pertença à religião de matriz africa-
aceita pela tradição católica. Estas práticas na. Este fenômeno é conhecido como dupla
são explicitadas publicamente e até aceitas pertença. Algumas lideranças de tradição
na sociedade, contudo as leituras são dife- africana estão apontando o caminho da
renciadas. pertença única ao candomblé, mas sem um
Outro caminho assumido foi o das re- consenso maior;
ligiões de matriz africana. Estas com um 3. O “terreiro urbano” foi assumido como
escopo mais original, com a adoção de al- o espaço sagrado, o lugar do culto as divin-
guns elementos minoritários da estrutura do dades, do encontro da comunidade religiosa
culto católico e algumas aproximações com com os encantados;
4. Liderança feminina obteve melho-
32 Para aprofundar sugere-se a leitura de BERKEN- res condições de guardar os elementos reli-
BROCK, 1997, p. 96ss. giosos da tradição africana no período da
nência nas escolas. A necessidade de uma Pelo fato da disciplina de Ensino Reli-
transformação radical nos processos educa- gioso Escolar tratar da dimensão religiosa
tivos tem certa urgência tanto nos processos do ser humano, ela poderá suscitar outras
da educação formal como dos processos al- formas de apreciação da riqueza cultural
ternativos de formação cidadã. As iniciati- e religiosa do Brasil, baseadas no conheci-
vas dos grupos de rua, movimentos sociais mento desta riqueza e em seu respeito.
têm sido uma boa alternativa para efetivar No caso da escola pública, parte-se
este passo. Respondem ao desafio de in- da superação de um ensino confessional
cluir a questão étnico-racial nas demandas mais afeito a catequese para um ensino
sociais, pois este recorte estava ausente em plural acolhedor das diferenças religiosas
alguns movimentos sociais populares. do Brasil. Neste caso, permite-se à comuni-
No caso da educação formal, é um de- dade escolar a oportunidade de conhecer,
safio colocado à escola, como instituição valorizar e aceitar as diferentes tradições
que acolhe alunos de diferentes tradições religiosas. O fechamento em torno de uma
culturais e religiosas, à coordenação pe- proposta de Ensino Religioso, ligado à con-
dagógica que coordena a construção dos
fessionalidade, limita o processo de conhe-
currículos, aos professores e também aos
cimento e ignora a pluralidade presente
alunos, enfim, a toda a comunidade esco-
no Brasil. Refletir a religiosidade na escola
lar que pauta relações com maior ou menor
compreende conhecimento, alteridade e a
acolhida à diversidade.
abertura para a pluralidade existente no
No caso da escola, a contemplação
Brasil e, certamente, a construção de outro
da cultura e da religiosidade afro-brasilei-
padrão de relacionalidade no ambiente es-
ra, compreendidas como riqueza cultural
colar.
e, portanto, componentes das grades curri-
culares, contribuirá neste processo. Neste
sentido, a disciplina de Ensino Religioso
Escolar abre possibilidades de uma inser- Referências bibliográficas
ção qualificada da temática étnico-racial
no processo educacional. O diálogo com ARRUDA, José Jobson de A. PILLETI, Nelson.
outras áreas do conhecimento fortalecerá Toda a história: história geral e história do
ainda mais a proposta. Brasil. São Paulo: Ática, 1996.
Haveria uma potencialização da ativi- AZZI, Riolando. O catolicismo popular no
dade escolar como ponte para a superação Brasil. Petrópolis: Vozes, 1978.
de situações de racismo, discriminação e
exclusão social. O primeiro elemento é a BATISDE, Roger. As religiões africanas no
consciência de que a sociedade brasileira Brasil. São Paulo: Pioneira, 1985.
foi omissa em relação à inclusão educa-
BERKENBROCK, Volney J. A experiência
cional dos negros. Esta omissão também
dos orixás: um estudo sobre a experiência
aconteceu com as denominações religiosas
religiosa no candomblé. Petrópolis: Vozes,
tradicionais, especialmente o catolicismo.
1997.
As religiões de matriz africana procuraram
construir caminhos alternativos que garantis- CINTRA, Raimundo. Candomblé e umbanda:
sem as sua sobrevivência em ambientes ad- o desafio brasileiro. São Paulo: Paulinas,
versos. Estes garantiram o espaço de educa- 1985.
ção alternativo ao ambiente escolar.
não necessitariam de defesa, visto que são dinamicidade pode ser alcançada através
inerentes á condição de “ser humano”, um de diálogos, mesclando atividades lúdicas
contraste gritante, que parece passar desper- e manifestações artísticas.
cebido por nossa sociedade, supostamente
justa e democrática. Conforme as oficinas de
literaturas foram sendo desenvolvida, consta- Indicações bibliográficas
tamos um comportamento diferenciado en-
tre os/as apenados/as. Não mais a atitude ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo.
de competitividade entre eles/as, mas uma Anti-semitismo, imperialismo, totalitarismo.
atitude de cooperação entre eles/as, o que Trad. Roberto Raposo. São Paulo:
serviu para melhorar a auto-estima deles/ Companhia das Letras. 1989.
as, além de possibilitar que os participantes BENETI, Sidnei Agostinho. Execução penal.
reconstruíssem seu mundo interno (subjetivi- São Paulo: Saraiva, 1996.
dade) e a relação com as demais pessoas
BOBBIO, Noberto. O futuro da democracia:
da convivência carcerária.
em defesa das regras do jogo. 3. ed.
Comprovamos que a movimentação da
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
literatura no espaço do Presídio, transforma
o mundo interior dos/as apenados/as, inte- FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: historia
grando-os ao mundo da realidade exterior, da violência nas prisões. Rio de Janeiro:
contribuindo na compreensão dos fatos im- Vozes, 2007.
portantes do dia a dia, encaminhando novos JORGE, Estevão Luís Lemos. Execução penal
olhares e possíveis transformações dos mes- lei de execução penal – LEP. Rio de Janeiro:
mos. Estamos conscientes das limitações des- Milennium, 2005.
ta primeira intervenção, relacionadas com a
RUIZ, Castor M. M. Bartolomé. A justiça
lentidão das mudanças, e com a fragilidade das vítimas: fundamento ético e perspec-
que sempre acompanha toda a edificação tiva hermenêutica. Veritas. Porto Alegre:
subjetiva do ser humano. Além disso, sabe- Edipucrs, v. 52, n. 2, jun. 2007.
mos das necessidades de uma intervenção
na sociedade civil para mobilizar uma am- _____. As encruzilhadas do humanismo:
a subjetividade e a alteridade ante os
pla discussão a respeito do sistema penal e
dilemas do poder ético. Petrópolis: Vozes,
carcerário brasileiro.
2006.
Estamos convencidos da contribuição
que a oficina de literatura pode oferecer à SUSIN, Luiz Carlos. O esquecimento do
humanização de um sistema carcerário que outro na história do Ocidente. Revista
reflete o funcionamento de uma sociedade Eclesiástica Brasileira. Petrópolis, v. 47,
caduca e excludente. Percebemos uma sen- n. 188, 1987.
sível melhora das relações humanas, de- MUELLER, Ênio R. Filosofia à sombra de
monstrada pela comunicação estabelecida Auschwitz: um dueto com Adorno. São
entre os/as apenados/as e o grupo, quali- Leopoldo: Sinodal/EST, 2009.
ficando a compreensão que os presos têm
a respeito de seu cotidiano. O espaço da
oficina de literatura não pode deixar de
conter uma atividade dinâmica, garantin-
do o envolvimento dos participantes; esta
Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele sobre as vivências e sobre as possibilidades
ou por sua origem, ou por sua religião. concretas de se instituírem novas práticas so-
Para odiar, as pessoas precisam aprender
ciais educativas para uma sociedade iguali-
e se elas podem aprender a odiar podem ser ensinadas a amar,
pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano tária e justa.
do que o oposto... As atuais políticas públicas brasileiras
Nelson Mandela vêm sistematizando ideias nesse sentido; po-
rém, percebo que ainda é necessário reali-
zar mais, avançar mais. Talvez falte dar mais
A temática “reaprendendo com os afro- ênfase às vivências da população negra, a
descendentes brasileiros” considera, inicial- fim de que todos possam dar-se contar sobre
mente, o fato de que, há mais de vinte anos, o que é ser negro(a) no território brasileiro.
venho estudando, refletindo e realizando tra- Por isso, estou buscando, nesse momento,
balhos que envolvem as questões em torno recuperar algumas situações do cotidiano
da negritude brasileira, no que se refere à do(a) negro(a) no Brasil com o fim de contri-
ausência de conscientização, aos preconcei- buir para uma aprendizagem a cerca dos
tos, às discriminações e ao próprio desconhe- afro-descendentes.
cimento da grande maioria da população so- Nessa perspectiva, a problemática que
bre a vida da população afro-brasileira. No situo, está no fato de que na sociedade em
período atual, observo que os escritos sobre geral, existe desconhecimento do processo
os afro-descendentes brasileiros vêm cres- histórico, social, político, econômico, cul-
cendo significativamente, fato que, no sécu- tural e educacional dos afro-descendentes
lo passado, quase não tinha registro. Noto brasileiros, e isso contribuir, fortemente para
que esses escritos também estão carregados práticas de sua exclusão. Diante disso, in-
de resgate histórico, ainda que muito pouco dago: Como contribuir com prática social e
educativa, para minimizar o problema? O
* Mestre em Educação (UPF), professora aposenta-
propósito consiste em pontuar e refletir cri-
da da Universidade Regional Integrada – Campus
Erechim, RS. ticamente sobre as aprendizagens alusivas
à Educação das Relações Étnico-Raciais e ser humano como um todo. Parece que não
para o Ensino de História e Cultura Afro- há mais lugar para a solidariedade, para
-Brasileira e Africana, no intuito de uma a comunhão, para a participação coletiva
sociedade justa, igualitária segundo os di- e efetiva. A sociedade e seus indivíduos
reitos humanos. Nessa linha de pensamen- fecham-se em si mesmos.
to, procuro destacar alguns conhecimentos Entretanto, há que refletir criticamente
necessários às práticas educativas, em rela- sobre o que vem acontecendo e o que fal-
ção à Educação das Relações Étnico-raciais, ta acontecer. A partir daí, a reflexão edu-
para uma ação reflexiva da prática social cativa social encara, obrigatoriamente, as
e educativa, bem como, sugerir referências questões de raça, de classe e de gênero.
bibliográficas, documentais e audiovisuais Para isso, a Educação e as ações de apren-
visando ao enriquecimento, aprofundamento, dizagens, ou seja, ações para novas apren-
aprendizagens diante da afro-descendên- dizagens são imprescindíveis, na perspecti-
cia brasileira. E, finalmente, procurei con- va do que afirma Forquin:
tribuir na proposição de estratégias meto-
dológicas de ações sociais e educativas à [...] educar, ensinar, é colocar alguém
aprendizagem da Educação afro-descendente em presença de certos elementos da
cultura a fim de que ele deles se nutra,
brasileira. que ele os incorpore à sua substância,
Desse modo, o texto encontra-se orga- que ele construa a sua identidade in-
nizado em três momentos, objetivando ini- telectual e pessoal em função deles.
ciar algumas discussões e reflexões. No pri- Ora, um tal projeto repousa necessa-
riamente, num momento ou noutro, so-
meiro momento, enfatizo os conhecimentos
bre uma concepção seletiva e normati-
necessários às práticas sociais educativas va cultural (1993, p. 168).
para, posteriormente citar, referências ao
aprofundamento dos estudos e, finalmente, Isso porque
sugerir estudos e debates.
Ninguém escapa da educação. Em
casa, na rua, na igreja ou na escola,
Sobre conhecimentos básicos todos nós envolvemos pedaços da vida
com ela: para aprender, para ensinar,
necessários às práticas para aprender e ensinar. Para saber,
sociais educativas para fazer ou para conviver, todos os
dias misturamos a vida com a educa-
Vivemos em um mundo em que cada ção. Com uma ou com várias: educa-
vez mais, a Educação se faz necessária. ção? Educações. É já que pelo menos
por isso sempre achamos que temos
Porém, nesse mundo é dominante a Educa-
alguma coisa a dizer sobre a educa-
ção individualista. As pessoas estão sendo ção que nos invade a vida, por que
educadas para si, voltadas para si mesmos. não começar a pensar sobre ela com
Muitos esquecem a partilha, a compreen- o que uns índios uma vez escreveram?
são, a tolerância, a escuta para o outro. (BRANDÃO, 2001, p. 7).
Isso acelera o processo do individualismo
e nega a historicidade civilizatória do ser Nessa linha de pensamento é que in-
humano como ser social. As situações e siro a problemática existencial, em torno
fatos existenciais dominantes fortalecem a de conceitos no que se refere a afro-des-
divisão, a fragmentação da sociedade e do cendentes: discriminação, preconceito, va-
lorização, racismo, relação, subjetividade,
etnia, raça, exploração. Esses termos, mui- guinte racismo, é uma categoria social ela-
to presentes no cotidiano da população ne- borada pela sociedade dominante, com o
gra, tanto para consigo mesma como para objetivo de exploração, dominação de po-
com os outros, é que refletem a forma de der, com fins de manutenção do statu quo. O
como se encontra a divisão social. racismo, apresentado na sociedade, traz no
Sendo assim, há a necessidade de re- seu âmago práticas sociais e educativas de
pensar que afro-descendentes são os indi- separação entre os que podem e os que não
víduos originários do Continente africano, podem, entre os que sabem e os que não sa-
ou seja, que possuem sua matriz na África. bem, entre os direitos para uns e os deveres
E que afro-descendentes brasileiros/as são para outros, identificadas pelos pensadores
indivíduos que possuem sua pátria o Brasil, críticos como práticas de exclusão social.
originários do continente africano, advin- Essas situações de exclusão social, por-
dos dos países de Angola, Moçambique, tanto, de racismo, são manifestadas, no co-
Guiné Bissau, Senegal, República do Con- tidiano da população afro-descendente bra-
go, São Tomé e Príncipe. sileira, em desemprego, em baixo salário,
As compreensões citadas são ignora- em baixo nível de escolaridade, em falta de
das pela sociedade em geral. A sociedade habitação; enfim, em marginalização des-
utiliza os termos etnia e raça com igual sig- tes no processo de ascensão e emancipa-
nificado. Contudo, é preciso explicar que ção social. Faltam a essa grande maioria,
etnia diz respeito a “grupo de indivíduos condições para viver com dignidade.
com língua, religião e maneiras de agir co- Concomitante, há outra situação muito
muns”, sendo que étnico, consequentemen- presente em suas vidas. Situação de explo-
te é aquele grupo de indivíduos “pertencen- ração e de preconceito. O preconceito sur-
te ou próprio de um povo, específico de um ge quando a sociedade dá crédito a pensa-
grupo caracterizado por cultura específica” mentos negativos a respeito destes e de seu
(HOUAISS, 2010). grupo. Sua manifestação acontece através
Ao colocar todos os africanos no mesmo da negação de poder, negação de compe-
patamar, com as mesmas condições e opor- tência e negação de habilidades pessoais
tunidades, desconsidera-se a África como e profissionais entre outras, propiciando a
um dos continentes do Planeta, constituído negação do vir-a-ser humano como possibi-
de países que se diferenciam pela geogra-
lidades, como projeto de vida. Em conse-
fia, pelo clima, pela economia, pela religião,
quência disso, cria-se a exploração.
pela língua, pela cultura e pela política. Tal-
A exploração acontece quando a rela-
vez isso se deva ao termo usual da palavra
ção entre negros e brancos, ou entre grupos
raça, dirigida a pessoas brancas, negras e
de negros e grupos de brancos se encontra
ameríndias. Como alternativa, seria interes-
em posição desfavorável, o que favorece
sante situar sobre que africanos e países se
aos brancos tirarem vantagens sobre os ne-
está falando.
gros. Assim, pessoas negras e ou grupos de
Isso porque a palavra raça “é uma cons-
negros são levados à alienação, à manipu-
trução política e social. É a categoria discur-
lação, propiciando situações de submissão,
siva em torno da qual se organiza um sistema
de dependência social e econômica, frente
de poder socioeconômico, de exploração e
aos brancos. Emerge, a partir daí, uma re-
exclusão – ou seja, O RACISMO” (OLIVEIRA,
lação de desigualdade.
2006 apud HALL, 2003, p. 69). Por conse-
Nilva Rosin*
Nosso intento nesse artigo é pautar uma Por isso, poderíamos dizer que a arte
reflexão estética a partir de elementos que produz um forte vínculo com a sociedade e
apontam para a arte como força crítica na em sua referência à crítica da arte apreen-
vida dos seres humanos. Para isso, quere- de e analisa aspectos relativos à identidade
mos aproximar um conceito de cidadania e social na produção da “imagem” e a “sócio-
de direitos humanos numa perspectiva étni- -poética” (discursos), pois reflete questões
co-racial, para compreender em que medida inerentes à dinâmica histórica e a relação
a arte participa de um processo eficaz como entre os seres humanos. De tal sorte que,
dinâmica emancipadora. Pois, compreen- a análise crítica de uma obra de arte é ca-
demos que, enquanto aparência estética paz de descobrir se sua realização incluir
(imagem) a arte proclama ou mesmo apon- o conjunto de elementos da história impli-
ta, quando for o caso, os direitos humanos cada. Isso remete a questões como: Qual o
à: vida digna, liberdade, lazer, educação, significado sócio-histórico, estético, religio-
moradia, cultura, trabalho, amor, organiza- so e político na ‘manifestação da arte’35 na
ção, entre tantos outros. No tempo em que perspectiva étnico-raical? Qual o sentido
educa para as relações étnico-raciais ela (a e o lugar que a/o negra/o ocupa na con-
arte) luta pela conquista e ampliação dos di- quista da sua cidadania? O que vem sendo
reitos humanos, bem como, aos deveres re- concebido como arte nos espaços públicos
correntes, pois se instituem inseparáveis da e como a comunidade interage, historica-
vida artístico-cultural. mente, com a cultura afro-brasileira?
A arte, sem dúvida, está relacionada
* Mestra em Filosofia, docente no Curso de Bacha-
com a história, a cultura, a religião e a po-
relado em Filosofia do Instituto Superior de Filoso- lítica. Neste horizonte, em relação à arte
fia Berthier (IFIBE), Passo Fundo, RS; membro do defrontamo-nos com situações adversas que
Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação em
Direitos Humanos (IFIBE/CDHPF/UPF); associada 35 Pronuncia-se publicamente não como um mero
na Comissão de Direitos Humanos de Passo Fun- aparecer, mas enquanto manifestação histórico-
do (CDHPF). -artístico-cultural.
vão desde simples devaneios, fantasias, pro- É conveniente observar que o senso es-
duzidas racionalizações criadas pela indús- tético não é algo dado espontaneamente,
tria cultural até proposições críticas no que mas precisa ser construído e aprendido/en-
tange ao mundo contemporâneo evidencian- sinado, ou seja, a pessoa precisa ser educa-
do contradições na produção cultural. Isto da para tal atitude, pois ele está presente em
afeta seus fiéis consumidores de modo pa- todos os âmbitos da existência humana que
radoxal, pois os integra a mercantilização de certo modo o pensamento é perpassado
imagética e congrega grandes públicos à por um componente estético. A sabedoria
indústria cultural, independente de credos, estética aproxima, confronta, compõe/de-
etnias e classes sociais. compõe, pois se dá no campo da liberdade
Desse modo, a reflexão estética justi- e exige que o sujeito social seja efetiva e
fica-se em elementos que apontam para a afetivamente capaz de dar conta desta li-
arte como poder do pensamento inconfor- berdade. O senso estético é comum a toda
mista, mesmo que parece haver certa ‘ce- pessoa, mas cada ser humano tem seu cami-
gueira’ perante a força da arte na vida dos nho único (método) a percorrer para alcan-
seres humanos. Todavia, ao aproximar arte çar a sensibilidade estética/artística.
e direitos humanos, temos na arte, um pa- Nesta perspectiva, a emancipação do
trimônio cultural que testemunha material- sujeito consiste justamente em desfrutar da
mente tanto o progresso da humanidade capacidade de libertar-se e enfrentar as
que contribui para a humanização, como coerções e todas as formas de violência em
a própria degradação da humanidade que prol da dignidade humana sem distinção
solapou a base dos valores éticos, privan- de etnia, gênero, credo, classe social, en-
do-a de sentido. tre outros. De tal sorte que, segundo Mosé:
Por outro lado, é interessante notar que “[...] na arte o sentir pode se manifestar
frente à verdade da obra de arte é que mui- livremente, porque independe de ganho ou
tas vezes nos deparamos com um enorme perda: o prazer estético é o lugar por ex-
esforço de aniquilação desta verdade que celência do sentir. Por não buscar entender
logo desaparece, mesmo que seu material nem obter o objeto, por se fundar no su-
seja de aço, bronze ou cimento, como já jeito, o sentido estético não sintetiza, não
alertava Quintana: “todo erro em bronze... conclui nem determina, ele sente” (2011,
p. 143). Assim sendo, ao pensar a relação
é um erro eterno”; O mesmo vale para a
entre os sujeitos e o modo de conceber a
obra de arte quando é instrumentalizada
questão étnico-racial na cultura brasileira,
ideologicamente. Desse ponto de vista, a
nos deparamos frente a condições e con-
arte merece um lugar de destaque na medi-
tornos muito distintos que exigem olhares
da em que interpela e sinaliza à promoção
mais complexos.
e defesa dos direitos humanos em todas as
Isto significa que a desigualdade não
suas dimensões e com seu significado histó-
é exclusiva no que se refere aos afro-brasi-
rico implicado, por que o sujeito da arte é
leiros. Contudo, mesmo que se evidenciem
o ser de direitos humanos. Portanto, é aqui
formas correlatas de discriminação, o pre-
que cabe perguntar: Como se traduz, do
conceito racial se manifesta de forma pa-
ponto de vista da arte e dos direitos huma-
tética no cotidiano das relações: “a ação
nos, a questão étnico-racial nas manifesta-
silenciosa do preconceito tem mantido os
ções histórico-artístico-culturais que se reali-
índices de desigualdade em patamares ina-
zam no cotidiano?
ceitáveis para um país que se pretende de- históricas e culturais que induzem a aceitar
mocrático” (BRANDÃO, 2006, p. 14). O como natural a desigualdade por causa da
reconhecimento desta situação dramática cor da pele, da religiosidade, de gênero,
traz como exigência a compreensão das diferença cultural e classe social relegados
evidentes desigualdades que se traduzem à inferioridade e que impedem viver sua ci-
na própria forma pela qual a sociedade se dadania.
organiza e respeita os grupos étnicos, bem O grande objetivo dos direitos humanos
como as condições de acesso aos direitos desde sua proclamação universal (1948) é
básicos: saúde, educação, cultura, segu- o respeito e a sensibilidade com a alterida-
rança pública, trabalho, entre outros. de. No entanto, olhando para a dinâmica
Assim, nos valemos das palavras de no espaço das instituições formais de ensino
Adorno para mostrar este tensionamento que faz-se urgente uma sólida formação da co-
a arte traduz no seu potencial emancipató- munidade escolar para lidar com práticas/
rio: “A identidade estética deve defender o ações discriminatórias estereotipadas, con-
não-idêntico que a compulsão à identidade cernentes as relações étnico-raciais, na pers-
oprime na realidade” (ADORNO, 2006, pectiva de reconhecer a diversidade e as di-
p. 17). Precisamente porque não é simu- ferenças culturais para alçar novos olhares
lacro do que ela exprime, e sim reúne o rompendo com paradigmas e convenciona-
princípio que, em seu turno, ao comunicar lismos cristalizados que reforçam mecanis-
uma relação de alteridade contrapõem com mos tecnicistas e positivistas desumanos.
aquilo que ela não é e por isso mesmo faz Apesar de várias lacunas, as recomenda-
dela uma obra de arte: “A arte é a antítese ções dos Parâmetros Curriculares Nacionais
social da sociedade, e não deve imediata- são assumidas por gestores e educadores,
mente deduzir-se desta” (ADORNO, 2006, ainda que em número pequeno, problemati-
p. 19). Essa posição crítico-cultural da arte zando uma educação consequente a partir
põe em cheque os antagonismos e toda dos âmbitos escolares: “Para contribuir nes-
espécie de violência humana que não po- se processo de superação da discriminação
dem ser pactuados sob pena de prosperar e de construção de uma sociedade justa,
a barbárie. Esta é a dignidade que a arte livre e fraterna, o processo há de tratar do
autêntica cultiva como humos na fertiliza- campo social, voltados para a formação de
ção dos direitos humanos dando voz e vez novos comportamentos, novos vínculos, em
às vítimas. relação àqueles que historicamente foram
Apesar de movimentos e ações reivindi- alvos de injustiças, que se manifestam no
catórias de diferentes grupos étnico-raciais, cotidiano” (PCN’s, 1997). Mas, como apro-
a educação das relações étnico-raciais, em priar conhecimentos e novas práticas cultu-
espaços formais e não formais precisa des- rais com identidade étnico-racial sem cair
mascarar todo tipo de disfarce em relação em novas armadilhas?
à discriminação racial e o preconceito, so- Para isso, é importante criarmos espa-
bretudo da população negra onde estão ços interativos de troca de saberes possibi-
maiores índices se comparada a outras et- litando contatos com o patrimônio cultural
nias. No que tange as oportunidades iguais através da literatura, da arte, da música,
de educação, justiça social e respeito à di- da memória de diferentes grupos étnicos,
versidade cultural, evidencia-se altos indica- imagens, símbolos, etc. Acredita-se que esses
dores de exclusões advindas de heranças ambientes fomentem e ampliem a reflexão
O artigo tem como objeto principal a ras ocorridas nestes últimos dois séculos por
dedução da questão dos Direitos Humanos melhorias salariais e condições de trabalho
e Relações Étnico-Raciais do conhecido tex- são consequências práticas da lógica social
to hegeliano da Dialética do Senhor e do contida neste texto.
Escravo exposta por Hegel no começo da As Relações Étnico-Raciais historicamen-
Fenomenologia do Espírito. O texto, situa- te desenvolvidas no Brasil e estruturantes da
do no percurso de uma lógica dialética que cultura brasileira merecem ser pensadas na
marca a passagem do objeto como fonte do forma de uma reflexão filosófica crítica. As
conhecimento e da lógica da natureza como conhecidas relações de dominação que per-
força e entendimento para a experiência do passam a cultura brasileira podem ser pen-
reconhecimento recíproco entre os homens, sadas a partir do texto hegeliano que aqui é
expressa a possibilidade da emergência, lido e interpretado na perspectiva de deter-
na condição de ser humano livre, do escra- minada relação social que configurou histo-
vo dominado e sufocado em sua liberdade. ricamente a sociedade brasileira. Para além
A Dialética do Senhor e do Escravo é, até das possibilidades teóricas inscritas no texto
a atualidade, um dos textos mais significa- hegeliano da Dialética do Senhor e do Es-
tivos da tradição filosófica sobre a lógica cravo, as consequências práticas estão nas
da dominação e sobre a consequente po- múltiplas ações coletivas que objetivam o es-
tencialidade do dominado na busca pela tabelecimento de novos padrões de relações
sua libertação. Além disto, o mesmo texto sociais e superem formas coletivas de domi-
contém implícita uma força inspiradora de nação. As minorias brasileiras rebaixadas
movimentos políticos, sociais de luta por em função de preconceitos étnico-raciais
melhores condições de vida. As múltiplas precisam reconhecer a sua força, superar a
lutas, por exemplo, de classes trabalhado- situação de subalternidade e construir novos
padrões sociais.
* Doutor em Filosofia pela PUCRS e professor de
filosofia no IFIBE.
escravo caem por terra todos os elementos jeita qualquer forma de relação de domina-
que sustentaram a autonomia absoluta e ime- ção entre as pessoas e qualquer forma de
diata do senhor. Na conquista de si mesmo sistema social opressor. Sob esta ótica, para
do escravo como sujeito livre, o senhor é des- o filósofo, Direitos Humanos constituem uma
mistificado da pretensão da liberdade abso- efetividade social estruturada por relações
luta e se revela como um semi-animal ainda sociais igualitárias, simétricas e intersubjeti-
mergulhado na natureza. vamente configuradas. Os Direitos Humanos
A inversão operada por Hegel nas atri- resultam da superação de situações sociais
buições de senhor e de escravo não con- e históricas adversas marcadas por estrutu-
siste em colocar em cima quem estava por ras de dominação que internalizam ideolo-
baixo, e colocar embaixo quem estava em gicamente nas pessoas a conformação com
cima, mas desmistifica a pretensão da in- situações subalternas.
condicionalidade da dominação. A liberta- O texto hegeliano aqui indicado é muito
ção do escravo e naturalização do senhor adequado para pensar a temática das Re-
não inverte as polaridades de dominação e lações Étnico-Raciais. As históricas sombras
servidão, ficando intacta a estrutura social, das Relações Étnico-Raciais verticalmente
mas explicita a força de libertação implícita estabelecidas e resultantes na escravidão
às estruturas dominadoras da sociedade. negra formam um exemplo prático e aplica-
ção das figuras do senhor e do escravo. A
conscientização em relação a esta questão, a
Trabalho, direitos humanos e relações superação histórica da escravidão no Brasil e
étnico-raciais a construção de uma sociedade mais igua-
litária onde os antigos escravos são integra-
As três temáticas elencadas neste títu- dos adequam-se com os principais propó-
lo que constitui uma disciplina do curso de sitos da Dialética do Senhor e do Escravo.
Direitos Humanos, estão implícitas ao texto Como afirmamos acima, estas restrições da
hegeliano da Dialética do Senhor e do Es- história brasileira que estendem fortemente
cravo. A trilogia relacional e silogística do as suas sombras até os dias atuais, têm no
texto caracteriza uma relação de trabalho. texto hegeliano uma das raízes clássicas
Nisto, o senhor sobrevive com o trabalho para a sua formulação, problematização e
do escravo; o escravo se humaniza e se tor- superação.
na um sujeito autônomo através do traba- A escravidão a que os afrodescendentes
lho livre intuído numa determinada fase do foram submetidos ao longo de grande parte
processo; a natureza é transformada pelo da história brasileira pode ser diretamente
trabalho humano. relacionada à dimensão crítica e pedagógi-
O texto da Fenomenologia do Espírito ca do texto hegeliano aqui em questão. Os
não é, diretamente, uma obra sobre a ques- escravos africanos transportados ao Brasil
tão dos Direitos Humanos. Mesmo que, ao nos porões dos navios como mercadoria fo-
longo da trajetória argumentativa da evolu- ram rebaixados à condição de uma força
ção histórica da consciência, Hegel aborde mecânica e física para os sistemas de traba-
o Direito Romano e outras formas de Direito. lho e estruturas produtivas existentes ao lon-
Mas, os Direitos Humanos são implícitos ao go história brasileira. Na inexistência de for-
texto e devem ser lidos nas suas entrelinhas. ças produtivas mais sofisticadas do ponto de
No caso do senhor e do escravo, Hegel re- vista tecnológico, o negro africano reuniu as
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