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Código Logístico ISBN 978-65-5821-053-5

9 786558 210535
I000128

DIREITOS HUMANOS E RELAÇÕES SOCIAIS


FABIANO CAXITO

FABIANO CAXITO
Direitos humanos e
relações sociais

Fabiano Caxito

IESDE BRASIL
2021
© 2021 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do
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Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: melitas/Shutterstock

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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C377d

Caxito, Fabiano
Direitos humanos e relações sociais / Fabiano Caxito. - 1. ed. - Curiti-
ba [PR] : IESDE, 2021.
124 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5821-053-5

1. Direitos humanos. 2. Direitos sociais. I. Título.

21-71941 CDU: 342.57

Todos os direitos reservados.

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Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Fabiano Caxito Mestre em Administração Estratégica pela Universidade
Nove de Julho (Uninove). MBA em Recursos Humanos
pela Fundação Instituto de Administração (FIA).
Pós-graduado em Business Intelligence, Big Data
e Analytics, pela Universidade Anhanguera; Língua
Portuguesa: redação e oratória, pela Universidade
São Francisco; Filosofia, pela Universidade Estácio
de Sá; e Educação Corporativa, Educação Financeira,
Tecnologias e Educação a Distância, Antropologia,
Sociologia Política e Urbana e Coaching, pela União
Brasileira de Faculdades (Faculdade UniBF). Licenciado
em Filosofia pela Faculdade Mozarteum de São
Paulo. Graduado em Administração Financeira pela
Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). Atuou nas
áreas comerciais, de logística e de recrutamento e
seleção e na área de treinamento e desenvolvimento
em diversas empresas de distribuição e venda de
bebidas. Foi coordenador de cursos de pós-graduação
lato sensu. Atualmente, é professor universitário e
influenciador digital.
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SUMÁRIO
1 Bases históricas dos direitos humanos 9
1.1 Origens filosóficas dos direitos humanos 10
1.2 Origens jurídicas dos direitos humanos 16
1.3 Origens políticas dos direitos humanos 18
1.4 Direitos humanos: contextualização histórica 21
1.5 Direitos humanos no Brasil 25

2 Relações étnico-raciais 32
2.1 Raça e etnia 33
2.2 Preconceito e discriminação 41
2.3 Cultura afro-brasileira e indígena 49
2.4 Políticas de ações afirmativas 51
2.5 Trabalho, produtividade e diversidade cultural 56

3 Gênero e sexualidade 63
3.1 Sexualidade e diversidade sexual 64
3.2 Identidade de gênero e orientação sexual 67
3.3 Movimentos feministas 70
3.4 Movimentos LGBTQIA+ 76

4 Alteridade, diversidade e multiculturalismo 83


4.1 Sujeito, identidade e alteridade 84
4.2 Diversidade e reconhecimento 89
4.3 Multiculturalismo e direitos humanos 91
4.4 Alteridade na sociedade contemporânea 95

5 Direitos humanos e inclusão 101


5.1 Participação social e inclusão 102
5.2 Movimentos sociais e sujeitos coletivos 107
5.3 Lutas sociais e direitos humanoss 110
5.4 Direitos humanos: presente e futuro 114

Resolução das atividades 121


Vídeo
APRESENTAÇÃO
Embora a luta pelos direitos humanos esteja presente em
grandes marcos da história da civilização, como na Revolução
Francesa e na Declaração de Independência dos Estados
Unidos, somente em meados do século XX, com a formação
da Organização das Nações Unidas (ONU), é que o tema
ganhou projeção global. Após mais de 70 anos, o que se
observa na prática são parcelas cada vez mais significativas da
população mundial tendo seus direitos mais básicos negados.
Mesmo que legislações e tratados supranacionais definam
os direitos humanos como base da relação entre os povos, o
que observamos é uma grande distância entre o que as leis
defendem e o que de fato acontece.
O primeiro capítulo deste livro aborda o desenvolvimento
histórico da discussão sobre os direitos humanos, desde as
primeiras civilizações até a atualidade, traçando um paralelo
entre direitos individuais e filosofia, política, legislações nacionais
e tratados internacionais. No segundo capítulo é discutida a
miscigenação étnico-racial do povo brasileiro, que se por um
lado traz benefícios para o país, por outro alimenta o racismo,
a discriminação, o preconceito e a xenofobia, temas que são
abordados em seus contextos social, cultural, profissional e
educacional, bem como os conceitos de raça e etnia.
Os direitos humanos, as discriminações e os preconceitos
relacionados ao gênero, à sexualidade e à diversidade
sexual são debatidos no terceiro capítulo. Trata-se de temas
urgentes e importantes na contemporaneidade, em especial
em um país no qual as questões de gênero ainda causam
perseguições, violência e mortes. Os movimentos LGBTQIA+
e feminista também são apresentados, bem como suas
conquistas e seus desafios.
O quarto capítulo tem como foco a discussão sobre
identidade, alteridade e cultura. O reconhecimento das
diferenças e da alteridade é fundamental para que os
direitos humanos de todos que fazem parte da sociedade
sejam respeitados. Também são examinados os aspectos
relacionados ao multiculturalismo, em um mundo no qual as fronteiras
entre países e culturas são cada vez mais tênues.
Por fim, no quinto capítulo trata da desigualdade social no Brasil, da
cidadania, da inclusão social e das relações entre estas e os direitos humanos. A
história do país é marcada por questões étnico-raciais, econômicas e culturais
que resultaram em uma sociedade desigual, em que uma parte significativa
da população ainda não tem seus direitos humanos plenamente garantidos.
Altos níveis de desemprego e subemprego, falta de qualidade de estruturas e
serviços públicos, dificuldade de acesso à educação e carência de espaços de
lazer e acesso à cultura são apenas alguns dos exemplos que mostram como
a inclusão social ainda não é uma realidade para toda a população brasileira.
Ao final desta obra, esperamos que você passe por um despertar de
sua consciência quanto à realidade dos direitos humanos tanto no Brasil
como no mundo.

8 Direitos humanos e relações sociais


1
Bases históricas dos
direitos humanos
A discussão sobre os direitos humanos apresenta uma dicotomia ao
mesmo tempo que todos os seres humanos têm os mesmos direitos com
relação aos diversos fatores que compõem a vida em sociedade (direito
à vida, à saúde, à educação e a oportunidades iguais). Por outro lado, na
prática, o que se observa é que parcelas cada vez mais significativas da
população têm seus direitos mais básicos negados.
A pobreza, as guerras e as pandemias globais mostram que a socieda-
de se divide entre um grupo que tem acesso a seus direitos e outro que
se vê marginalizado e não é beneficiado pelo aumento da riqueza ou pelo
desenvolvimento da humanidade. Apesar de as legislações globais e na-
cionais definirem nitidamente os direitos humanos, colocá-los em prática
requer mudanças profundas na organização política, econômica, jurídica
e social. Ainda há uma grande distância entre o que as leis pregam e o que
acontece no mundo.
Neste capítulo, vamos abordar o desenvolvimento da discussão sobre
os direitos humanos, desde as primeiras civilizações até o momento atual,
traçando um paralelo entre direitos individuais e filosofia; esta discute a
igualdade entre os seres humanos. Ainda, trataremos da relação entre os
direitos humanos e a política, pois as duas áreas guardam uma profunda
relação, visto que é papel do Estado garantir que os direitos das parcelas
mais pobres e marginalizadas da população sejam garantidos.
Portanto, discutiremos também as origens das legislações que abor-
dam os direitos humanos e como elas evoluíram ao longo do tempo,
mostrando como se organizam as declarações globais que orientam as
legislações nacionais sobre o tema, especialmente no Brasil.

Bases históricas dos direitos humanos 9


Objetivos de aprendizagem
Com o estudo deste capítulo você será capaz de:
• conhecer a evolução do conceito de direitos humanos;
• compreender a relação entre filosofia, política, legislação e
direitos humanos;
• acompanhar a evolução do debate sobre direitos humanos
no Brasil.

1.1 Origens filosóficas dos direitos humanos


Vídeo A discussão sobre os direitos humanos é central em nossa socieda-
de contemporânea, marcada por grandes diferenças entre as parcelas
mais ricas e as mais marginalizadas da população global. Questões po-
líticas, econômicas, raciais, étnicas e sociais dividem os grupos huma-
nos a ponto de impedir que uma parcela significativa da humanidade
não tenha acesso aos seus direitos mais básicos.
Vídeo
No entanto, os debates sobre os direitos individuais não são recen-
O vídeo ‘Eu tenho um
sonho’, publicado no canal tes. Na verdade, estão presentes desde os pensamentos dos primeiros
O Tempo, apresenta o
filósofos clássicos. Logo, as bases dos conceitos que norteiam as legis-
discurso realizado por
Martin Luther King – líder lações quanto aos direitos humanos podem ser rastreadas nas ideias
da luta pelos direitos
da lei natural e do direito natural.
humanos – no ano de
1963, em Washington, Platão discute a lei natural em alguns de seus diálogos, como em
DC, capital dos Estados
Unidos, que contou com Timeu, no qual o filósofo aponta o indivíduo como um ser social que
um público de mais de deve agir de modo justo com os outros indivíduos (MATSUURA, 2019).
250 mil pessoas. Conheci-
do como “I have a dream”, A lei natural também é discutida por Platão em Górgias, outro de seus
o discurso é tido como diálogos, publicado originalmente por volta do ano 403 a.C. Em uma
um dos mais importantes
já realizados, tanto pelo discussão entre Sócrates e Cálicles a respeito da justiça, Platão (2006,
momento pelo qual pas- p. 167) define: “não é, portanto, apenas em virtude da lei que é mais
sava a luta pelos direitos
dos negros americanos feio praticar algum ato injusto do que ser vítima de injustiça, e que a
quanto pelo impacto que justiça consiste na igualdade, mas também por natureza”.
causou às discussões
sobre a legislação segre- Em uma de suas obras mais importantes, A República, o filósofo
gacionista.
aprofunda as discussões sobre a justiça e sobre o que chama de direito
Disponível em: https://
www.youtube.com/ natural, utilizando o termo physei dikaion (justo por natureza) para ex-
watch?v=aWlhPFHOl-Y. Acesso em: plicar como esse direito é diferente do direito fundado nas leis escritas
21 maio 2021.
pelos seres humanos. Segundo Platão (2006), as ações humanas são

10 Direitos humanos e relações sociais


mutáveis e individuais, portanto o direito humano é diferente do di-
reito natural, que é sempre igual e imutável para todos (NEIVA, 2011).

A discussão sobre o physei dikaion está presente também na obra


Ética a Nicômaco (ARISTÓTELES, 2009), em que Aristóteles discute os
conceitos de justiça e equidade. Para o filósofo, equidade e justiça es-
tão interligadas. Contudo, não é possível afirmarmos que tudo o que é
lei seja totalmente pleno e justo, pois não abarca todas as possibilida-
des e realidades de todos os indivíduos. Mesmo que as leis desenvol-
vidas pelo grupo social sejam justas, nem tudo que é justo, do ponto
de vista da natureza humana e das relações sociais, é abarcado pela
lei. Dessa forma, o direito natural deve estar acima dos códigos legais
desenvolvidos pela sociedade (MIRANDA FILHO, 2013).

São Tomás de Aquino (2005), um dos principais filósofos católicos,


retoma o tema dos direitos naturais em Suma Teológica, obra na qual
discute as diversas modalidades da lei e as classifica em quatro diferen-
tes tipos – lei eterna, lei natural, lei humana e lei divina positiva.

A lei eterna é aquela que está relacionada a Deus e dirige os atos


dos indivíduos. Já a lei natural, segundo Aquino (2005), surge da relação
entre a lei eterna e a ação moral do ser humano racional. Enquanto a
lei eterna é infinita, a lei natural é finita e temporal, por se relacionar à
humanidade e ao grupo social. A lei natural é, para o filósofo, a mani-
festação da lei eterna no indivíduo, que possibilita a ele poder distin-
guir entre o bem e o mal. Para que os princípios e as normas éticas da
lei eterna e da lei natural possam ser colocados em prática no cotidiano
das relações humanas, é necessário que sejam transcritos e traduzidos
para regras específicas e normas explícitas. Essa é a origem da terceira
lei, a lei humana, um ordenamento jurídico que possibilita a convivên-
cia em sociedade.

Como filósofo católico, Aquino (2005) desenvolve um quarto tipo de


lei, a denominada lei divina positiva. Para ele, essa lei é necessária para
que o ser humano seja virtuoso e possa agir tanto de acordo com a lei
eterna quanto com a lei natural, e isso depende de ele receber ou não a
revelação divina. O ser humano é falho e para ter a certeza de que suas
ações não sejam fundamentadas em juízos equivocados, deve seguir
a lei divina. As leis humanas dizem respeito apenas aos atos externos
que ocorrem nas relações humanas. Entretanto, para ser virtuoso, o
ser humano precisa seguir internamente os ensinamentos e as regras

Bases históricas dos direitos humanos 11


divinas. De acordo com o filósofo cristão, a lei humana não consegue
controlar e castigar todos os males realizados pelo indivíduo. Assim, a
lei divina pune aqueles que não são julgados pela lei humana.

Aquino – assim como outro importante filósofo católico da idade


medieval, Santo Agostinho – estabelece uma relação entre o direito na-
tural, discutido pelos filósofos gregos, e a fé cristã, mostrando que a lei
divina e a lei eterna são a base sobre a qual se estabelece a lei natural,
que coloca todos os seres humanos como iguais.

A lei humana, por ser imperfeita e incompleta, não garante que


essa igualdade seja colocada em prática. Por isso, os direitos hu-
manos, apesar de serem um direito de todos os indivíduos, não são
totalmente garantidos pela lei humana.

Filme Martin Luther King Jr., um dos mais proeminentes líderes na luta
pelos direitos humanos no século XX, apoiou algumas de suas ideias
nessa visão da filosofia católica da era medieval, tanto nas ideias de
Santo Agostinho quanto nas de São Tomás de Aquino. Conforme King:
“todos os estatutos da segregação são injustos porque a segregação
distorce a alma, prejudica a personalidade, dá ao segregacionista um
sentido falso de superioridade e ao segregado um sentido falso de in-
ferioridade” (KING, 1970 apud MIRANDA FILHO, 2013, p. 18).

Para Miranda Filho (2013), estão presentes nas ideias e na luta de


O filme Lutero mostra a King aspectos relacionados à lei eterna e à lei natural. A lei humana, no
vida de Martinho Lutero, momento histórico no qual se dá a luta de King, não garante a igual-
monge católico que, ao
discordar da forma como dade, pois é segregacionista. Para o líder, só com o total respeito ao
a Igreja se organizava, direito de todos os indivíduos, com equidade e justiça, a lei humana se
desenvolveu um trabalho
composto de 95 teses, aproximaria da justiça divina e natural.
nas quais discutia pontos
importantes da fé Durante a evolução da história humana, a ideia de igualdade entre
católica. Excomungado os indivíduos não era comum. A existência da escravidão e a separação
pela Igreja, passou a
defender suas ideias, que da sociedade em cidadãos que gozavam de plenos direitos e classes
deram origem à Reforma inferiores ou escravizadas era comum na sociedade grega, no desen-
Protestante, que acabou
por impactar não apenas volvimento do Império Romano, assim como no Oriente.
a Igreja, mas a própria
organização política, so-
Nos estados absolutistas europeus, o poder econômico e político
cial e jurídica da Europa estava centralizado nas mãos dos nobres. Essa segregação entre os
durante a transição da
Idade Média para a Idade
que tinham acesso aos direitos e aqueles a quem esses direitos eram
Moderna. negados era ainda mais evidente nessa época (DONNELLY, 2007).
Direção: Eric Till. EUA; Alemanha:
As intensas mudanças culturais e sociais pelas quais a Europa
MGM, 2003.
passou durante a Renascença, desde o século XIV, foram incentiva-

12 Direitos humanos e relações sociais


das pelas mudanças econômicas e sociais trazidas pelo capitalismo
e pelo fim gradativo do modelo feudal, seguidas pela Reforma Pro-
testante a partir do século XVI, que diminuíram o poder da Igreja,
trazendo mudanças religiosas e políticas.

Apesar de os direitos humanos estarem presentes nas discussões


filosóficas desde os escritos dos primeiros filósofos e tenham evoluído
paralelamente ao desenvolvimento da filosofia ocidental, bem como
possam ser identificados em outras tradições filosóficas, como afri-
cana, islâmica e, principalmente, na filosofia oriental, passaram a ter
um papel central no pensamento global com base nos ensaios dos
filósofos chamados de contratualistas, entre eles Thomas Hobbes, John
Locke e Jean-Jacques Rousseau (CAXITO, 2020).

A Renascença, segundo Jerónimo (2019), traz de volta a visão


Filme
do humanismo da filosofia clássica, na qual o ser humano está no
centro da sociedade. Já a Reforma Protestante diminuiu o poder
da Igreja e reaproximou o indivíduo ao conhecimento religioso. O
declínio do poder dos nobres e dos Estados absolutistas, somados
ao crescimento do capitalismo, criou uma classe economicamente
dominante. Todas essas mudanças têm em comum a importância
da liberdade individual, da liberdade de opinião, de propriedade
privada e apontam para a centralidade do indivíduo na sociedade. O nome da rosa é um livro
escrito pelo filósofo Um-
Para Jerónimo (2019), os filósofos contratualistas europeus, es- berto Eco, um dos mais
importantes do século XX.
pecialmente da França e da Inglaterra, que desenvolveram suas O livro foi transformado
ideias no decorrer dos séculos XVII e XVIII, foram os responsá- em um filme no ano de
1986 e é considerado um
veis por introduzir no campo da política e, posteriormente, nas clássico do cinema.
discussões jurídicas e legais as ideias sobre os direitos naturais e, O enredo se passa duran-
te a Idade Média e segue
consequentemente, sobre os direitos humanos. Para a autora, os a história de um monge
direitos humanos, dentro do conceito de que é aceito, são um pro- beneditino, Guilherme
de Baskerville, que atua
duto das transformações políticas, econômicas, jurídicas, sociais e como investigador em
filosóficas da Europa Iluminista. uma série de assas-
sinatos ocorridos em
O conceito do contrato social, que fundamenta a filosofia contratua- uma abadia, retratando
o ambiente social da
lista, tem como princípio a ideia de que os indivíduos nascem iguais e Idade Média, em que as
com o mesmo potencial de desenvolvimento de suas competências. liberdades e os direitos
individuais são poucos
Por isso, todos têm o direito de usufruir os resultados econômicos, po- e o Estado e a Igreja
líticos e sociais de seus esforços (CAXITO, 2020). Por outro lado, o ser desempenham um papel
controlador.
humano é antissocial e, para que possa conviver em sociedade, precisa
Direção: Jean-Jacques Annaud. EUA:
seguir regras e normas que garantam o respeito mútuo à proprieda- Warner Filmes, 1986.
de e à posição social do outro. Quando mais de uma pessoa deseja

Bases históricas dos direitos humanos 13


a mesma propriedade ou a mesma posição política ou social, surgem
discórdias que podem gerar conflitos sociais.

De acordo com Caxito (2020, p. 16):


para garantir a segurança de todos, surgiu um ente maior e
imparcial: o Estado. Para conviver em sociedade, o ser huma-
no aceita abrir mão de alguns aspectos de sua liberdade e se
submete às normas que regem a relação entre cada cidadão
e o Estado, que tem o papel de defender seus participantes,
garantindo o bem comum, além de criar e garantir as condi-
ções para que cada cidadão se desenvolva.

De acordo com Hobbes (2014), o Estado, a que chama de Leviatã,


é responsável por garantir que as normas e regras sejam seguidas
pelos membros da sociedade. Todavia o indivíduo precisa aceitar
as regras e normas impostas pelo Estado para garantir a convivên-
cia social. Hobbes (2014) chama de contrato social essa aceitação
tácita das normas que garantem a convivência em grupo.

O filósofo dá o nome de estado de natureza à condição em que


o ser humano é totalmente livre para exercer suas vontades, sem
nenhuma forma de controle ou cerceamento. Já o denominado es-
Filme
tado social, que é atingido por meio da aceitação do contrato social,
possibilita aos indivíduos poderem conviver em grupo sem entrar
em lutas, conflitos e guerras.

A visão do homem antissocial é oposta à defendida pela filosofia


clássica. Para Aristóteles (2009), o ser humano é um ser social, que
busca conviver em grupo para se proteger e para conseguir atingir
seus objetivos. Em um momento histórico de transição do mode-
lo de poder do absolutismo para as democracias, Hobbes (2014)
era um defensor da centralização do poder político do Estado na
O filme Zootopia – essa ci-
dade é o bicho foi lançado mão dos soberanos, uma vez que somente com o poder absoluto é
em 2016. Além do enredo possível garantir que o contrato social seja respeitado.
divertido, a animação
também retrata alguns Locke (2018) parte da mesma base filosófica sobre o contrato social
pensamentos do filósofo
Hobbes, presentes na
que Hobbes, mas os filósofos divergem sobre qual é o papel do Estado
obra Leviatã, mostrando com relação aos direitos individuais e à centralização do poder. Se para
os efeitos iniciais e poste-
riores do contrato social
Hobbes o poder do soberano deve ser absoluto, para Locke a aceitação
causados na população. dos cidadãos ao contrato social é consensual.
Direção: Byron Howard; Rich Moore.
Assim, o poder do governante não pode estar acima dos direitos
EUA: Walt Disney, 2016.
individuais, principalmente aqueles ligados à justiça e ao direito à

14 Direitos humanos e relações sociais


propriedade privada, pois os direitos naturais de cada indivíduo
existem mesmo no estado natural.

Para Locke (2018), se o Estado e os governantes no poder não


garantirem os direitos naturais dos indivíduos, devem ser questio-
nados e, em último caso, devem ser retirados da posição de poder.

Locke (2018) também propõe a divisão dos poderes em:


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Ku

PODER EXECUTIVO PODER LEGISLATIVO


Governantes que têm Papel do Estado em
o poder de comandar a criar leis que garantam
população e administrar os direitos naturais dos
interesses públicos. indivíduos e possibilitem
que o contrato social e a
vida em sociedade sejam
respeitados.

Essa divisão de poderes é a base da estrutura de poderes dos gover-


nos democráticos atuais, com o estabelecimento de um terceiro poder,
denominado Judiciário.

O terceiro filósofo contratualista que foi fundamental para que as


discussões sobre os direitos naturais e, consequentemente, para os
direitos humanos se tornassem um tema central na filosofia e na polí-
tica é Jean-Jacques Rousseau. Em sua obra Do contrato social, publicada
originalmente em 1762, ele afirma que o contrato social que possibilita
a vida em sociedade só é válido se os direitos individuais e os bens de
cada pessoa forem protegidos, respeitados e preservados.

De acordo com Rousseau (2013), o papel do Estado é garantir que


os direitos naturais dos indivíduos sejam preservados. Se os governan-
tes falham nessa missão, devem ser trocados. Para o filósofo, a única
forma possível de se estruturar o Estado é a república.

Ao resgatar as discussões sobre o direito natural no contexto da


filosofia e relacioná-lo ao papel do Estado, em um momento histórico

Bases históricas dos direitos humanos 15


de grandes transformações sociais, os filósofos contratualistas pavi-
mentaram o caminho para que os direitos humanos passassem a ser
discutidos nos âmbitos políticos e legais, em especial nos países que
estabeleceram governos democráticos nas décadas seguintes, como os
Estados Unidos e a França.

1.2 Origens jurídicas dos direitos humanos


Vídeo Com base nas discussões desenvolvidas pelos filósofos contratualis-
tas, os direitos humanos passaram a ser incluídos nas legislações e nas
constituições dos países democráticos com base em dois importantes
documentos: a Constituição dos Estados Unidos da América, promulga-
da em 1787, e a Constituição Francesa, de 1791.

Após a Revolução Francesa, em 1789, foi instituída a Assembleia


Nacional Constituinte, que votou e promulgou, no mesmo ano, os Ar-
tigos da Constituição, que serviram de base para o desenvolvimento da
Constituição Francesa, promulgada em 1791. O documento central da
Assembleia é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
1789. O artigo 1º da Declaração define que: “os homens nascem e são
livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na
utilidade comum” (DECLARAÇÃO..., 2021).

Site No mesmo período, os Estados Unidos da América, recém-funda-

No site da Biblioteca Vir-


dos no ano de 1776, após a independência do jugo político da Ingla-
tual de Direitos Humanos terra, também passavam pelo processo de criação de sua constituição.
da Universidade de São
Paulo, há um dos mais
Assinada em 1787, a Constituição Americana foi complementada, no
importantes documentos ano de 1791, pelo documento conhecido como Bill of Rights (Carta de
da história dos direitos
humanos, a Constitui-
Direitos, em tradução livre), que define a garantia dos direitos humanos
ção Americana que é a como um ponto central da legislação americana.
constituição mais antiga
ainda em uso, mantendo A Constituição Francesa e a Americana eram inovadoras e repre-
a escrita original de 1787.
sentaram uma ruptura nos modelos de legislação característicos dos
Disponível em: http://www.
Estados absolutistas que dominaram a Europa e suas colônias durante
direitoshumanos.usp.br/index.php/
Documentos-anteriores-%C3%A0- grande parte da Idade Média e no início da Idade Moderna.
cria%C3%A7%C3%A3o-
da-Sociedade-das- A inclusão dos direitos humanos como base conceitual e ponto cen-
Na%C3%A7%C3%B5es- tral das constituições dos dois países influenciou a criação e a altera-
at%C3%A9-1919/
constituicao-dos-estados-unidos- ção de constituições e do arcabouço jurídico de diversos outros países,
da-america-1787.html. Acesso em: tanto aqueles que realizaram a transição para formas democráticas de
21 maio 2021.
governo quanto os que mantiveram a forma de governo monárquico.

16 Direitos humanos e relações sociais


Um exemplo de como a preocupação com os direitos humanos Série
passou a ser presente nas legislações de diversos países pode ser ob-
servado nas mudanças implementadas na Constituição de Portugal,
realizada em 1822, que incluiu, em um de seus artigos, o objetivo de
garantir a liberdade, os direitos individuais, a segurança e o direito à
propriedade privada a todos os cidadãos portugueses.

A crescente constitucionalização tornou os direitos humanos


ainda mais importantes nas discussões políticas e jurídicas, com A série Amend: The Fight
For America apresenta e
a promulgação, em diversos países, de leis positivas com o obje- discute a 14ª emenda da
tivo de garantir o acesso de todos os cidadãos aos seus direitos Constituição Americana
e a luta pela igualdade
individuais. de direitos e o racismo
estrutural e institucional
Apesar de ter como base filosófica a ideia do contrato social e nos Estados Unidos.
Lançada em fevereiro de
dos direitos naturais, de acordo com as pressões políticas, caracte- 2021, a série apresentada
rísticas culturais e influência de forças econômicas sobre o governo por Will Smith está dispo-
nível na Netflix.
em cada país, as legislações dos direitos humanos foram adotadas e
Direção: Will Smith. Estados Unidos:
promulgadas com velocidades e intensidades diferentes. Netflix, 2021.

Um exemplo é a abolição da escravidão. Enquanto a Dinamarca


promulgou a lei da abolição da escravatura no ano de 1792, nos Es- Livro

tados Unidos, um dos berços dos direitos humanos, somente no ano


de 1863 os negros foram libertados da escravidão por Abraham Lin-
coln, após a guerra civil conhecida como Guerra da Secessão, durante
os anos de 1861 e 1865.

Já no Brasil, a escravidão só foi abolida em 1888, mais de um sé-


culo depois da promulgação das constituições francesa e americana
que colocaram os direitos humanos no centro da discussão jurídica
O livro 1º de Maio: cem
das constituições nacionais. anos de Luta – 1886-1996
mostra a luta pelos direitos
Com o rápido crescimento econômico trazido pela industriali- trabalhistas, iniciada com
zação e pela adoção do modelo capitalista de produção e o conse- uma greve na cidade
americana de Chicago, em
quente crescimento das cidades, com a migração de trabalhadores 1886, e relata as lutas dos
trabalhadores brasileiros
em busca dos empregos nas indústrias, surgiram novas demandas desde o início do processo
sociais, notadamente entre os membros das classes proletárias de industrialização da eco-
nomia brasileira, no início
(MARX; ENGELS, 2008). do século XX. Lançado no
ano de 1986, o livro foi
Entre as diversas demandas surgidas com a nova realidade so- relançado em 2016 para
comemorar os 130 anos
cial, destacam-se o direito a um salário justo com relação ao traba- da data.
lho desenvolvido, o direito à saúde, à habitação digna e à educação DEL ROIO, J. L. 2. ed. São Paulo:
Centro de Memória Sindical, 2016.
(JERÓNIMO, 2019).

Bases históricas dos direitos humanos 17


Esses direitos sociais, que não estavam incluídos na visão filo-
sófica dos direitos naturais, seguem a lógica de individualidade dos
direitos. Da mesma forma que os direitos humanos e os direitos na-
turais foram incluídos na maioria das constituições de diversos paí-
ses, os direitos sociais também passaram a fazer parte do arcabouço
jurídico de diversos países a partir da última década do século XIX e
início do século XX.

1.3 Origens políticas dos direitos humanos


Vídeo Antes de apontarmos as origens políticas das discussões sobre os
direitos humanos, é necessário definirmos o termo política. A palavra é
bastante utilizada no cotidiano e está presente na mídia diariamente.
Afinal, as decisões tomadas pelos políticos, sejam eles do Poder Exe-
cutivo, sejam do Poder Legislativo, impactam diretamente a vida dos
indivíduos de uma sociedade.

O termo política pode ser usado em diversos contextos diferentes


e com significados diversos. Pode estar relacionado às políticas públi-
cas, isto é, aos programas e às ações coordenadas pelo governo ou
pelo Estado. Para Souza (2006), ao analisarmos as políticas públicas de
determinado governo, é possível compreendermos as motivações, os
valores e os objetivos do grupo político que está no poder.

Na sua acepção mais conhecida e utilizada, política está relacionada


à organização do Estado em poderes que se equilibram e ao processo
eleitoral pelo qual os representantes do povo são escolhidos para exer-
cer cargos nesses poderes. Segundo Caxito (2020, p. 39):
assim, o governo é composto por um grupo de indivíduos elei-
tos, que assumem posições nas quais têm alto poder de decisão
sobre os rumos da sociedade. Porém, essas decisões são contra-
balanceadas pelo sistema de freios, pelos contrapesos dos três
poderes, pela atuação política, pelas estratégias dos partidos po-
líticos, pelos interesses de grupos econômicos e, também, pelas
ideologias que cada um desses grupos representa.

É possível observarmos, na definição apresentada, que a palavra


política aparece em vários contextos diferentes. Ela está relacionada ao
próprio modelo de divisão de poderes, aos grupos de interesse que se
organizam na cena pública, às ideologias defendidas e representadas
por esses grupos e ao processo de negociação e mediação dos conflitos
e interesses das diversas parcelas da sociedade.

18 Direitos humanos e relações sociais


Hannah Arendt, uma das principais filósofas a abordar o conceito
de política apresenta em sua obra O que é política? (2002) diversos con-
ceitos sobre o termo. Para ela, a política surge por meio da pluralidade
dos indivíduos que fazem parte de um grupo social. Como as pessoas
não são iguais e têm interesses, crenças e valores diferentes, é neces-
sário haver uma forma de mediar essas divergências, e é por meio da
política que a convivência entre diferentes é possível.

Uma das definições dadas por Arendt (2002) de política é especial-


mente importante no contexto das discussões no que diz respeito aos
direitos humanos:
o homem, tal como a filosofia e a teologia o conhecem, existe —
ou se realiza — na política apenas no tocante aos direitos iguais
que os mais diferentes garantem a si próprios. Exatamente na
garantia e concessão voluntária de uma reivindicação juridica-
mente equânime reconhece-se que a pluralidade dos homens,
os quais devem a si mesmos sua pluralidade, atribui sua existên- Documentário
cia à criação do homem. (ARENDT, 2002, p. 2) O documentário Nações
Unidas: soluções urgentes
Já Rancière (2018) define a política tanto como um processo que para tempos urgentes foi
realizado para comemo-
agrega ao grupo social pela aceitação e pelo consentimento das dife- rar o aniversário de 75
renças quanto como a organização do Estado em diferentes poderes anos de criação da ONU
e mostra o potencial de
equilibrados, formados por lugares, cargos e funções que são ocupados transformação do mundo
e distribuídos entre os grupos de interesse, de acordo com processos na próxima década, abor-
dando diversos aspectos
definidos – processos eleitorais, por exemplo. relacionados aos direitos
humanos, incluindo o
No contexto político, mesmo com as discussões referentes aos di-
impacto da pandemia de
reitos humanos tendo iniciado nos séculos XVII e XVIII, como aborda- Covid-19 nas questões
sociais globais. Além
mos na primeira parte deste capítulo, houve a transição dos regimes
de atores, ativistas e
absolutistas para o modelo democrático do Estado graças às ideias dos embaixadores da Boa
Vontade, a produção tem
filósofos contratualistas. Foi somente após a Segunda Guerra Mundial
participação especial da
(1939-1945) que o tema passou a fazer parte das articulações políticas Mensageira da Paz da
ONU e Prêmio Nobel
globais, com a publicação da Declaração Universal de Direitos Huma-
da Paz de 2014, Malala
nos pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948. Yousafzai.

De acordo com Salles (2015), a ONU foi criada no ano de 1945, logo Direção: Richard Curtis. EUA: ONU;
Projeto Todos; 72 Filmes, 2020.
após o final da Segunda Guerra Mundial, como resultado de um esfor-
Disponível em: https://www.youtu-
ço de diversos países para promover a paz, a reorganização econômica be.com/watch?v=KucGm-5mOQ8.
Acesso em: 14 jul. 2021.
e a reconstrução das relações entre as nações. Além da preocupação
imediata com a reconstrução da Europa, em grande parte destruída
pela guerra, a ONU nasceu também com a preocupação de promover o
desenvolvimento social nos países em desenvolvimento.

Bases históricas dos direitos humanos 19


A Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo Rosa
(2015), foi um dos principais documentos publicados pela ONU nos
primeiros anos após sua formação. Conforme a autora, 50 países fo-
ram signatários da Declaração que buscava garantir a proteção social
e os direitos individuais que haviam sido sistematicamente desres-
peitados durante a sequência de conflitos que marcaram a primeira
metade do século.

O contexto político no qual a Declaração foi publicada é fundamen-


tal para entendermos cada um de seus artigos. Em seu preâmbulo, o
documento destaca, entre outras considerações que fundamentam o
documento, que:
considerando que o desconhecimento e o desprezo dos Direitos
Humanos conduziram a atos de barbárie que revoltam a cons-
ciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os
seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e
da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração humanos;
Considerando que é essencial a proteção dos Direitos Humanos
através de um regime de direito, para que o homem não seja com-
pelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão.
Site
(ONU, 1948, p. 1)
Apesar de ter sido escrita
há mais de 70 anos, a As duas considerações estão relacionadas ao momento político glo-
Declaração Universal dos
Direitos Humanos ainda
bal do pós-guerra, no qual o documento foi escrito. A primeira mostra
é atual, pois muitos dos que os motivos políticos que causaram as duas guerras mundiais leva-
direitos básicos nela des-
critos ainda não foram
ram a situações de total desrespeito aos direitos humanos. O que se
totalmente garantidos pretende, com a declaração, é lançar as bases para um mundo no qual
por diversos países. O
documento, disponível
as divergências políticas não ocasionem perdas de direitos individuais.
no site do Ministério
Público de Goiás, mostra
A segunda consideração mostra o receio dos países signatários
como direitos funda- com o desenvolvimento de ditaduras nas quais os direitos humanos
mentais dos indivíduos
são complexos de serem
não sejam respeitados. No contexto político do momento, o mundo
garantidos, mesmo que assistia ao início da divisão política entre o mundo ocidental, capita-
haja vontade política dos
Estados e governos, pois
neado pelos Estados Unidos, e os países comunistas, liderados pela
envolvem aspectos cul- União Soviética.
turais, religiosos e sociais
arraigados nos diversos Mesmo tendo sido aprovado pela esmagadora maioria dos paí-
grupos sociais humanos.
ses que compunham a ONU naquele momento, profundas divergên-
Disponível em: http://www.
cias marcaram a definição dos direitos que constam no documento.
mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/
docs/declaracao_universal_dos_ Essas divergências prenunciavam a divisão do mundo em duas di-
direitos_do_homem.pdf. Acesso
ferentes visões econômicas e políticas que marcaram o período da
em: 21 maio 2021.
Guerra Fria.

20 Direitos humanos e relações sociais


Divergências sobre aspectos culturais e religiosos também mar-
caram as discussões que deram origem à Declaração, em especial
com relação às nações da África e Oriente Médio, como África do Sul
e Arábia Saudita, para as quais a declaração apresentava uma visão
ocidentalizada.
Curiosidade
Já para as nações socialistas do Leste Europeu e da Ásia, a Declara-
A obra Guerra e Paz, disponível
ção apresentava uma visão capitalista e individualista, em contrapo- no site da produtora cultural
sição à visão da economia centralizada do comunismo. Assim, países SP-Arte, do pintor brasileiro
Candido Portinari, foi encomen-
como União Soviética, Iugoslávia, Bielorrússia, Polônia, Tchecoslováquia
dada pelo governo brasileiro
e Ucrânia se abstiveram durante a votação do documento. como um presente do país para
a sede da Nações Unidas. A
Para Alves (1994), o documento só foi aprovado por ter um caráter obra é composta de dois painéis
de declaração e orientação, não sendo nenhum país signatário obriga- em que são representados,
do a implantar nenhuma de suas determinações. O autor aponta que separadamente, os horrores da
guerra (pintada em tons sóbrios
foram necessários quase 20 anos para que a declaração passasse a ter e carregados, com figuras que
peso de obrigatoriedade, com a aprovação no ano de 1966, do Pacto demonstram medo e desespero)
e a esperança da paz (que usa
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e do Pacto In-
tons alegres e tranquilos).
ternacional de Direitos Civis e Políticos.
Disponível em: https://www.
Com base na Declaração da ONU, cada país passou a realizar al- sp-arte.com/editorial/conheca-
terações jurídicas e foram criadas legislações específicas para orien- o-painel-de-portinari-que-fez-
historia-na-onu/. Acesso em: 21
tar as políticas públicas com o objetivo de garantir a proteção dos maio 2021.
direitos humanos.

1.4 Direitos humanos: contextualização histórica


Vídeo Segundo Tosi (2009), a discussão a respeito dos direitos humanos
evoluiu à medida que o entendimento sobre o tema foi se tornando
mais global, aprofundado e diversificado.

Se em sua primeira versão, em 1948, a Declaração Universal dos


Direitos Humanos da ONU foi assinada por 48 países, nas décadas ini-
ciais do século XX, o número de Estados participantes da organização e
signatários da declaração se aproximou de 200 nações, mostrando que
o tema é uma preocupação global.

No decorrer da segunda metade do século XX e nas primeiras déca-


das dos séculos XXI, a ONU e diversos outros organismos internacionais
desenvolveram estudos, conferências, documentos e legislações sobre
os direitos humanos, o que trouxe um conhecimento cada vez mais pro-
fundo e extenso de diversos temas relacionados aos direitos humanos.

Bases históricas dos direitos humanos 21


À medida que as discussões se aprofundaram, também se diver-
sificaram e especializaram. Se nos primeiros documentos os direitos
humanos eram pensados para um indivíduo genérico, gradativamente
se passou a enxergar a diversidade cultural, religiosa, etária, étnica e de
gênero. Desse modo, as legislações passaram a ser desenvolvidas para
garantir os direitos específicos dos diversos grupos sociais.

Analisando essa evolução dentro do contexto histórico das


discussões sobre os direitos humanos, Tosi (2009) classifica os direitos
humanos em quatro gerações.

A primeira geração está relacionada à conquista dos direitos ci-


vis ou naturais, a que o autor chama de direitos negativos, uma vez
que têm o objetivo de proibir os excessos do Estado. Esses direi-
tos foram o foco das primeiras legislações que abordam os direitos
humanos, como a Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão,
publicada na França, e a Carta de Declaração dos Direitos, publicada
nos Estados Unidos, no fim do século XVIII.

Apesar de serem objeto tanto de legislações e declarações de orga-


nismos globais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos da
ONU, os direitos civis ainda não são plenamente garantidos. Segundo
dados da ONU (2019), o trabalho infantil ainda é uma realidade que
afeta mais de 150 milhões de crianças, cerca de 25 milhões de pessoas
vivem em situação análoga à escravidão e quase 5 milhões de pessoas
em todo o mundo sofrem exploração sexual.

A Anistia Internacional (RELATÓRIO..., 2021), organização não gover-


namental que luta pelos direitos humanos, calcula que, em 2019, cerca
de 652 pessoas foram executadas em cumprimento a penas de morte.
O número não considera as penas de morte na China, pois não exis-
tem dados oficiais. A Anistia Internacional calcula que tenham ocorrido
mais de mil execuções no país durante o ano.

Apesar de a maioria dessas penas de morte e execuções te-


rem ocorrido em países com governos não democráticos, como a
China, o Irã, a Arábia Saudita, o Vietnã e o Iraque, mesmo a maior
democracia do mundo em termos populacionais e econômicos,
os Estados Unidos, executou 22 pessoas durante o ano de 2019
(RELATÓRIO..., 2021). A figura a seguir mostra a distribuição de exe-
cuções no mundo em 2019.

22 Direitos humanos e relações sociais


Figura 1
Execuções pelo mundo em 2019
1,000s

2. Irã 1. China
400

4. Iraque
350

300

250
251+ 5. Egito
11. Japão
6. EUA
200
184
12. Coreia do
Norte
150 7. Paquistão

100+
9. Sudão
100 do Sul 13. Vietnã

3. Arábia 8. Somália 10. Singapura


50
32+
Saudita
22
14+ 12+ 11+ 7 4 3 3 2+ 2 1 1 + + +
0
CHINA

IRÃ

ARÁBIA
IRAQUE

EGITO

EUA

PAQUISTÃO

SOMÁLIA

SUDÃO

IÊMEN

SINGAPURA

BARÉM

JAPÃO

BIELORRÚSSIA

BANGLADESH

BOTSUANA

SUDÃO

COREIA

SÍRIA

VIETNÃ
USA
IRAQ

EGYPT

PAKISTAN

SOMALIA

SOUTH SUDAN

YEMEN

SINGAPORE

SUDAN

NORTH KOREA

SYRIA

VIET NAM
BAHRAIN

JAPAN

BELARUS

BANGLADESH

BOTSWANA
CHINA

IRAN

SAUDI ARABIA
SAUDITA

DO SUL

DO NORTE
Fonte: Relatório..., 2021, p. 4.

Os direitos da primeira geração também estão relacionados


aos direitos políticos, que foram conquistados gradativamente, no
decorrer dos séculos XVIII, XIX e XX, à medida que países, em especial
os ocidentais, alteraram suas formas de governo de monarquia para
democracia.

A luta pelos direitos políticos ainda se faz presente no mundo


contemporâneo, seja nos países que adotam regimes ditatoriais,
seja em países nos quais a democracia ainda não está plenamen-
te estabelecida. A existência de presos e exilados políticos mostra
como o tema é ainda bastante atual. Os direitos políticos são con-
siderados por Tosi (2009) como direitos positivos, visto que buscam
garantir a liberdade de expressão e a participação do indivíduo nas
decisões e ações do grupo social.

Já os direitos de segunda geração, estão ligados principalmente


a aspectos econômicos e surgiram com as lutas da classe trabalha-

Bases históricas dos direitos humanos 23


dora pela garantia de condições dignas de trabalho e remuneração,
as quais são asseguradas pelo Estado pelas legislações específicas
que regulam as relações trabalhistas, como a Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT) brasileira (FERREIRA FILHO, 2005).

Incluem-se também nos direitos dessa geração a garantia de


igualdade e bem-estar social, como o direito à educação gratuita, à
proteção de crianças e adolescentes (como a proibição do trabalho
infantil) e às manifestações culturais. Segundo Tosi (2009), a maioria
desses direitos de segunda geração ainda não estão totalmente ga-
rantidos legalmente na maioria dos países.

Bonavides (2003) e Ferreira Filho (2005) explicam que os direi-


tos de segunda geração, mesmo quando garantidos pela legislação,
eram vistos em muitos países, inclusive no Brasil, mais como normas
e ideias a serem buscadas pelo governo, e não como regras de exe-
cução imediata. Como exemplo, as legislações que versam sobre o
direito à educação gratuita e de qualidade apontam os objetivos de
médio e longo prazos a serem alcançados por meio do desenvolvi-
mento de políticas sociais e programas de governo.

Os direitos de terceira geração estão relacionados a questões


supranacionais, que impactam diversos países ou a totalidade da
humanidade. Entre eles, podemos citar o direito à paz, à garantia
da preservação do meio ambiente – para que as condições de vida
da humanidade sejam protegidas –, ao desenvolvimento social e à
preservação da cultura de que o indivíduo faz parte.

Para Bonavides (2003), esses direitos estão ligados à ideia de so-


lidariedade entre as diversas nações que formam o mundo. A ga-
rantia desses direitos é complexa, pois depende da colaboração de
Estados e governos com ideologias e visões políticas e econômicas
diferentes.

Negociações e acordos globais, como o Acordo de Paris – com-


promisso assumido por diversos países para diminuir as emissões
globais de poluição –, são exemplos de ações desenvolvidas por ins-
tituições e organizações globais com o objetivo de garantir os direi-
tos de terceira geração. Contudo, como esses organismos não têm
poder de obrigar que os países signatários cumpram as condições
acordadas, os resultados dependem de aspectos políticos e econô-
micos que podem ser alterados a qualquer momento.

24 Direitos humanos e relações sociais


Os direitos das três primeiras gerações podem ser identificados, Vídeo
com maior ou menor intensidade, nas constituições da maioria dos O vídeo Acordo de Paris
para as mudanças climáti-
países democráticos, inclusive na constituição brasileira. Segundo cas, publicado pelo World
Ferreira Filho (2005, p. 57), as três gerações dos direitos humanos Wildlife Fund – WWF,
explica de modo simples
podem ser assim entendidas: “a primeira geração seria a dos direi- e direto a Conferência
tos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, de Clima (COP) da ONU,
realizada em 2015, com
assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, a participação de 195
igualdade e fraternidade”. países com o objetivo
de negociar um acordo
Os direitos de quarta geração, como explica Tosi (2009), são global para diminuir as
emissões de gases preju-
aqueles ligados às próximas gerações. Cada geração tem um dever diciais ao meio ambiente.
de garantir que as condições naturais, sociais, econômicas e tecnoló- Disponível em: https://
gicas das gerações futuras sejam preservadas. Bonavides (2003) afir- www.youtube.com/
watch?v=DMGmfforM3g.
ma que o Estado social estará totalmente institucionalizado assim Acesso em: 21 maio 2021.
que os direitos de quarta geração estiverem devidamente garanti-
dos na constituição do país.

Apesar de a classificação proposta pelo autor possibilitar enten-


der de maneira organizada os diferentes tipos de direitos humanos,
eles se entrelaçam e se interligam. Para que o indivíduo possa alcan-
çar plenamente todo o seu potencial como ser humano, precisa ter
acesso pleno a todos os seus direitos.

1.5 Direitos humanos no Brasil


Vídeo Existe uma relação intrínseca entre as legislações sobre os direitos
humanos e os estados democráticos, pois respeitar os direitos dos in-
divíduos é um dos principais valores da República e da democracia.
Moraes (2003) estabelece uma relação entre os direitos humanos, a
justiça e o arcabouço jurídico do país. Para o autor, sem respeito aos
direitos individuais, não é possível garantir a justiça social.

Conforme as Diretrizes Nacionais de Ensino em Direitos Humanos


(BRASIL, 2013, p. 38), os valores que direcionam as legislações e os
programas do governo brasileiro quanto aos direitos humanos como:
por valores democráticos entendem-se: (a) O amor à igualdade
e consequente horror aos privilégios; (b) A aceitação da vonta-
de da maioria legitimamente formada, decorrente de eleições
ou de outro processo democrático, porém com constante res-
peito aos direitos das minorias; e (c) Em consequência dos tópi-
cos acima, configura-se como conclusivo o respeito integral aos
Direitos Humanos.

Bases históricas dos direitos humanos 25


No entanto, mesmo que as legislações existam e sejam adequa-
das, garantir que os direitos humanos sejam respeitados no cotidiano
da sociedade é uma tarefa complexa e ainda difícil de ser implemen-
tada. Nogueira (2001) afirma que a democracia, na prática da política
brasileira, ainda está mais ligada ao rito eleitoral do que à garantia
real dos direitos humanos de todas as parcelas da população.

Após mais de duas décadas sob regime militar, foi promulgada


em 1988 uma nova constituição brasileira, que ficou conhecida como
Constituição Cidadã. Foi o primeiro documento a determinar os direi-
tos e os deveres dos cidadãos, também sendo reconhecido por insti-
tucionalizar os direitos humanos no país. No artigo 5º da Constituição
de 1988: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988).

Ao institucionalizar os direitos humanos no país, a Constituição


representou um grande avanço para a proteção dos direitos indivi-
duais. Entretanto, mesmo depois de três décadas de sua promulgação,
a garantia plena dos direitos dos cidadãos brasileiros ainda não foi
alcançada.

Por sua grande extensão territorial e grande diversidade cultural


e étnica, com um povo composto de ondas migratórias provindas de
diversas origens diferentes e sua história econômica fundada na ex-
ploração das riquezas naturais e dos povos escravizados, o Brasil é um
país com um grande débito com relação aos direitos humanos de uma
parcela significativa de sua população (SANTOS; CHAUÍ, 2016).

Mesmo nas grandes capitais brasileiras, o Estado não consegue ga-


rantir a aplicação da lei que protege os direitos naturais do cidadão,
nem mesmo o direito à vida – o mais básico deles. Situação ainda
mais grave se observa quanto aos direitos de segunda e terceira ge-
ração, que dependem, em alguns casos, de altos investimentos em
programas e políticas sociais de longo prazo, que devem estar ligadas
a um projeto de Estado, mas que muitas vezes sofrem alterações ou
são abandonadas a cada troca de governo.

26 Direitos humanos e relações sociais


No Brasil, a garantia dos direitos humanos passa por outro gran-
de desafio: reparar séculos de atraso no que diz respeito à defesa
dos direitos das minorias, especialmente as minorias étnicas e de
gênero. Para Paula, Silva e Bittar (2017, p. 3842) as minorias podem
ser definidas como:
um grupo humano ou social que esteja em uma situação de
inferioridade ou subordinação em relação a outro, considerado
majoritário ou dominante. Essa posição de inferioridade pode
ter como fundamento diversos fatores, como socioeconômico,
legislativo, psíquico, etário, físico, linguístico, de gênero, étnico
ou religioso.

A inclusão social dos grupos minoritários é uma das grandes dívi-


das sociais da sociedade brasileira (URI; URI, 2019), porém é um pro-
cesso lento que não depende apenas da promulgação de leis positivas
e ações afirmativas. A inclusão envolve mudanças conjuntas em po-
líticas macroeconômicas e sociais que diminuam a concentração de
riqueza e de renda, pois a distribuição de riqueza entre a população
se torna cada vez mais desigual, o que aprofunda ainda mais as dívi-
das históricas do Estado brasileiro para com os grupos minoritários.

Segundo Martins e Siqueira (2017), o Brasil é signatário de gran-


de parte dos instrumentos internacionais que abordam os direitos
humanos, mas, mesmo assim, ainda apresenta grande desigualdade
social e enfrenta dificuldades para garantir o acesso das populações
mais pobres a seus direitos.

Dornelles (1998) aponta a falta de conhecimento do cidadão quan-


to a seus direitos e alerta que esse fato pode ser um empecilho para
que se exija que o governo cumpra seu papel na garantia dos direitos
humanos da população. Uma das formas de aumentar a percepção
dos indivíduos vulneráveis a respeito de seus direitos é a educa-
ção (SACAVINO, 2007). Com esse objetivo, em 2013, a Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República publicou o Caderno de
Educação em Direitos Humanos, no qual define as diretrizes nacionais
de educação sobre os direitos humanos (BRASIL, 2013).

O Caderno de Educação em Direitos Humanos: Diretrizes Nacionais foi


publicado com o objetivo de definir as diretrizes que norteiam o ensino
no que se refere aos direitos humanos em cinco eixos da educação:

Bases históricas dos direitos humanos 27


Site ku s/Shutterstock
es lavi
ch
V ya
Para saber mais sobre
as Diretrizes Nacionais
de Educação em Direitos
Humanos, acesse o site
Educação Educação Educação
da Secretaria em Direitos básica superior não formal
Humanos e leia Educação
em Direitos Humanos:
Diretrizes Nacionais. Esse
documento apresenta os
princípios da dignidade
humana, considerando Educação dos
que todos os cidadãos profissionais Educação
têm igualdade de direitos, de Justiça e e mídia
visando à aceitação das Segurança
diferenças entre os indiví-
duos, à diversidade social
e buscando a sustentabi-
lidade socioambiental.
Com o objetivo de consolidar na realidade a garantia dos direitos
Disponível em: https://www.gov.
br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/ humanos presentes na Constituição, o Estado brasileiro lançou em
educacao-em-direitos-humanos/ 1996 o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). O progra-
DiretrizesNacionaisEDH.pdf. Acesso
em: 25 mar. 2021. ma tinha como objetivo garantir tanto os direitos de primeira geração
quanto os direitos políticos e civis, a proteção da vida, da liberdade
e a promoção da igualdade de todos os cidadãos, além dos direitos
de segunda geração, como a educação e a cidadania, e estava alinha-
do com políticas e documentos internacionais de direitos humanos
(FAISTING; GUIDOTTI, 2019).

O programa foi ampliado e revisto em 2002, passando a ser conhe-


cido como PNDH II. Nessa versão, incluiu-se direitos de segunda gera-
ção, relacionados a questões de proteção econômica, como trabalho,
moradia e alimentação, bem como questões relacionadas à cultura,
ao lazer, à educação e à saúde. Foi novamente revisto no ano de 2009
e a versão conhecida como PNDH III trouxe avanços consideráveis
para a concretização das leis de proteção dos direitos humanos.

Para Dallari (2004), no que diz respeito aos direitos humanos, o


texto da Constituição brasileira é rígido e descritivo, incluindo eviden-
temente e de maneira inequívoca diversos direitos humanos da pri-
meira, segunda e terceira gerações. Por outro lado, a Constituição é
também aberta a mudanças e a novas demandas por direitos e neces-
sidades sociais que surjam com o desenvolvimento da humanidade.

Novas leis são promulgadas à medida que ocorrem mudanças


sociais, econômicas, naturais e tecnológicas. São exemplos dessa
constante renovação a Lei n. 12.965, conhecida como Marco Civil da

28 Direitos humanos e relações sociais


Internet (BRASIL, 2014), e a Lei n. 13.709, chamada de Lei Geral da Pro-
teção de Dados (BRASIL, 2018), promulgadas para garantir o direito à
privacidade dos dados pessoais dos indivíduos no contexto do de-
senvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação, uma
realidade que não existia no ano de 1988, quando a Constituição foi
promulgada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A busca pela garantia dos direitos humanos pode ser identificada em
diversos momentos da história humana e tem raízes na filosofia, na polí-
tica e na evolução das legislações nacionais. O tema ganhou centralidade
por meio das grandes mudanças econômicas, sociais e políticas que mar-
caram a transição da Idade Média para a Idade Moderna e, posteriormen-
te, para a Idade Contemporânea.
A partir da segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra
Mundial, o surgimento de organizações internacionais, como a ONU, fez
com que a busca pela garantia dos direitos humanos se tornasse uma
preocupação global.
No Brasil, apesar de a Constituição de 1988 ter como um de seus prin-
cípios a proteção dos direitos humanos, na prática cotidiana de nossa
sociedade, uma grande parcela da população ainda não goza plenamente
de seus direitos.

ATIVIDADES
Vídeo 1. Explique os conceitos filosóficos de estado de natureza e estado social.

2. Conceitue os direitos humanos de primeira, segunda, terceira e quarta


gerações.

3. Explique a importância da Constituição Francesa de 1791 e da


Constituição Americana de 1787 para os direitos humanos.

REFERÊNCIAS
ALVES, J. A. L. A ONU e a proteção aos direitos humanos. Revista Brasileira de Política. Internacional,
Brasília, v. 37, n. 1, p. 134-145, 1994. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/
lindgrenalves/lindgren_alves_onu_protecao_dh.pdf. Acesso em: 21 maio 2021.
AQUINO, T. de. Suma teológica VI. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
ARENDT, H. O que é política? 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. de António de Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009.

Bases históricas dos direitos humanos 29


BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
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Bases históricas dos direitos humanos 31


2
Relações étnico-raciais
A população brasileira é marcada pela miscigenação étnico-racial
desde o início da formação da nação. Indígenas, portugueses e africanos
formaram a base da constituição do povo brasileiro. Migrações de po-
pulações europeias e asiáticas, no decorrer do século XX, além de, mais
recentemente, povos latino-americanos, contribuíram ainda mais para a
formação de um povo diverso e miscigenado. Se por um lado essa carac-
terística traz benefícios para o país, por outro alimenta ações de racismo,
discriminação e xenofobia.
Neste capítulo, vamos estudar os conceitos de raça e etnia. Estes
termos estão na base dos preconceitos e discriminações que impac-
tam a vida de milhões de brasileiros, tirando deles direitos e opor-
tunidades. A importância da cultura afro-brasileira e indígena para a
formação cultural brasileira também é nosso objeto de estudo deste
capítulo. Discutiremos, ainda, as ações afirmativas que buscam incluir
as minorias raciais, dos pontos de vista cultural, educacional, econô-
mico e profissional. Por fim, vamos abordar a diversidade étnica, racial
e cultural no mercado de trabalho e o impacto do racismo sobre as
oportunidades profissionais das minorias.

Objetivos de aprendizagem
Com o estudo deste capítulo você será capaz de:
• compreender os conceitos de raça, etnia, racismo, precon-
ceito e discriminação racial;
• reconhecer a importância das culturas afro-brasileira e indí-
gena na formação cultural do país;
• conhecer as políticas de ação afirmativa no Brasil e no
mundo;
• compreender o impacto do racismo no trabalho, na cultura
e na sociedade.

32 Direitos humanos e relações sociais


2.1 Raça e etnia
Vídeo O discurso de Mano Brown, vocalista do grupo musical Racionais
MC’s, durante show realizado em 2006, toca no ponto central da discri-
minação racial no Brasil. Vejamos:

“Tem que acreditar. Desde cedo, a mãe da gente fala assim:


‘Filho, por você ser preto, você tem que ser duas vezes melhor’.
Aí, passados alguns anos, eu pensei: ‘como fazer duas vezes
melhor, se você está pelo menos cem vezes atrasado? Pela es-
cravidão, pela história, pelo preconceito, pelos traumas, pelas
psicoses, por tudo que aconteceu’.
Duas vezes melhor como? Ou você é o melhor ou pior de uma
vez. Sempre foi assim. Se você vai escolher o que estiver mais
perto de você, o que estiver dentro de sua realidade, você vai ser
duas vezes melhor como?” (BROWN, 2006).

As minorias raciais, notadamente os negros e indígenas, sofrem com


o preconceito que está inserido profundamente nas estruturas sociais,
culturais e econômicas brasileiras. A discussão sobre racismo parte de
uma ideia ultrapassada e cientificamente provada como incorreta: a de
que existem diversas raças humanas. Biologicamente, a humanidade é
composta de uma só raça: a humana (CAMPOS, 2017).

Segundo Santos (2010), a ideia de que os seres humanos são divi-


didos em raças surgiu por volta do século XVII, com as publicações de
François Bernier e, principalmente, Carolus Linnaeus, que desenvolveu
a estrutura de classificação das espécies vegetais e animais com base
em uma hierarquia de reinos, classes, ordens, gêneros e espécies.

Foi ele também o responsável pela criação da forma de se nomear


as espécies, com dois termos em latim: o primeiro referente a gênero
e o segundo, à espécie (FERNANDES; SANCHES; DIAS, 2018). O gêne-
ro Homo, por exemplo, que nomeia todos os hominídeos, é dividido
em diversas espécies, como Homo habilis, Homo erectus e Homo sapiens
(CASETTA et al., 2018). Em sua classificação, Linnaeus (2018) divide o
Homo sapiens em quatro variedades, de acordo com as origens geográ-
ficas das populações (Quadro 1).

Relações étnico-raciais 33
Quadro 1
Classificação Homo sapiens

Denominação Localização Características


Indivíduo de mau temperamen-
Homo sapiens americanus Habitante das Américas
to, facilmente subjugável

Proveniente dos países asiá-


Homo sapiens asiaticus Ganancioso
ticos

Homo sapiens afer Originário da África Preguiçoso e impassível

Considerado sério, inteligente


Homo sapiens europaeus Originário da Europa
leal e forte

Fonte: Adaptado de Linnaeus, 2018.

Linnaeus (2018) ainda relacionou essas classificações com a cor


da pele. Os americanos foram nomeados vermelhos; os asiáticos,
amarelos; os europeus, brancos; e os africanos, pretos (CASETTA et
al., 2018; SANTOS et al., 2010).

A classificação de Linnaeus foi desenvolvida por outros autores,


como Blumenbach (SANTOS et al., 2010), que classificava a espécie
humana em quatro variedades: a primeira incluía os europeus, a po-
pulação branca da América do Norte e da parte leste da Ásia; a se-
gunda, os indígenas australianos; a terceira, os negros africanos; e a
quarta englobava os humanos de todas as demais áreas do chama-
do novo mundo (SANTOS et al., 2010; FERNANDES, SANCHES, DIAS,
2018).

Segundo Santos et al. (2010), a divisão da população em preten-


sas raças passou a ser usada oficialmente depois do censo realizado
nos Estados Unidos, em 1790. Este separou a população em brancos
livres e outros indivíduos, classificação que incluía desde as popula-
ções nativas até os escravos de origem africana. Um século depois,
no censo de 1890, o governo americano já usava uma classificação
mais ampla, separando os indivíduos em brancos, pretos, indígenas
(nativos americanos), chineses e japoneses.

Essa visão da divisão da espécie humana em raças, com base em


uma visão científica, teve grande divulgação no Brasil, principalmen-
te durante o século XIX e início do século XX (SANTOS; SILVA, 2018).
A ideia de classificar os seres humanos de acordo com o conceito de
raça (usando para isso uma taxonomia com base em conceitos cien-

34 Direitos humanos e relações sociais


tíficos) foi usada para justificar e explicar a situação social brasileira
após a abolição da escravatura (SKIDMORE, 2012).

Nesse conceito, as raças eram classificadas hierarquicamente, de


acordo com suas habilidades e sua inteligência; os brancos eram
considerados superiores às demais raças, enquanto os indígenas
e os negros ocupavam a mais baixa posição hierárquica (COELHO;
COELHO, 2008; GUIMARÃES, 2002; SCHWARCZ, 2020).

Um dos pontos centrais da discussão sobre racismo no Brasil es-


tava relacionado à miscigenação, isto é, à mistura entre as raças. À
época, alguns autores defendiam que a população brasileira pas-
sava por um processo de embranquecimento, ou seja, a miscige-
nação levaria a uma melhoria racial pela suposta superioridade da
raça branca sobre as demais, segundo Skidmore (2012). Já outros
autores e estudiosos acreditavam que a mistura racial levaria a uma
degeneração, o que impediria o desenvolvimento do Brasil como
uma nação civilizada (ORTIZ, 2003; SANTOS et al., 2010; FERNANDES,
SANCHES, DIAS, 2018).

Viktoriia2696/Shutterstock

A simples menção a essa divisão em raças e à ideia de


que uma seja
superior à outra, bem como a sugestão da possibilidade
de melhoria
racial ou, ao contrário, da degeneração, por meio da miscige
nação,
é hoje totalmente inconcebível. Contudo, é importante
mostrar que
essas ideias não só foram aceitas, como também defend
idas por
cientistas, sociólogos, políticos e intelectuais durante centen
as de
anos. Além disso, infelizmente, esse pensamento ainda
está presente
na sociedade atual e em processo de desconstrução.

A ideia de miscigenação ganhou destaque com o trabalho de


Marvin Harris, no início do século XX. Para o autor, a criança nascida
de um casal miscigenado pertenceria à raça considerada inferior,
seja do ponto de vista biológico ou social. Com base nessa teoria,
diversos países desenvolveram legislações para classificar a popu-
lação de acordo com a porcentagem de miscigenação do indivíduo
(VALENTINI, IJUIM, 2018; SOUZA, MELO, BEIERSDORF, 2017).

Relações étnico-raciais 35
A ideia de um povo puro, que representaria os mais nobres ideais
da nação, ganhou ainda mais força com a publicação, em 1859, do
trabalho de Charles Darwin. Em A origem das espécies, Darwin (2014)
mostra que o processo evolutivo das espécies ocorre pelo cruzamen-
to de indivíduos com determinadas características, o que poderia le-
var a alterações profundas na espécie em apenas poucas gerações.
Documentário Francis Galton, sobrinho de Darwin, parte da ideia da evolução
das espécies para concluir que a espécie humana poderia também
ser alterada ou, em sua visão, melhorada pela seleção das carac-
terísticas dos indivíduos. Galton (apud BLACK, 2003), ao cunhar o
termo eugenia, que significa “bem-nascido”, vai além: defende que
é papel do Estado, por meio de políticas públicas, e da ciência, por
meio de estudo e experimentos, acelerar o processo evolutivo da
espécie humana, impedindo que indivíduos com características in-
desejáveis se reproduzam.
O documentário Homo
sapiens 1900 mostra o As ideias eugenistas obtiveram grande repercussão no momento
conceito da eugenia, ideia
desenvolvida por Francis
político pelo qual passava o mundo, com o fortalecimento do nacio-
Galton. Esta defendia que nalismo e a consolidação dos estados (CENTURIÃO, 2009). A eugenia
as capacidades humanas
eram hereditárias e que
influenciou programas de governo em diversos países do mundo e
determinadas raças, foi uma das principais bases teóricas do nazismo.
como os brancos, eram
superiores a outras. O Os estudos de Harris se relacionam com o conceito da eugenia,
documentário mostra
corrente de pensamento que surgiu no século XIX, em um contexto
imagens de experimentos
científicos realizados, político de formação dos modernos Estados-nações ocidentais, que
com o objetivo de provar
buscavam fortalecer a ideia de que a nação deveria ser representa-
a superioridade racial, a
qual influenciou as ideias da por um povo unido (SILVA, 2013).
nazistas da superioridade
branca. A pseudociência eugenista também encontrou espaço no Brasil,
Direção: Peter Cohen. Suécia, 1998. nas primeiras décadas do século XX. Porém, a intensa miscigenação
Disponível em: https://www. da população brasileira fez com que a visão eugenista, que defendia
youtube.com/watch?v=TPSjjElIIZM.
Acesso em: 26 abr. 2021. a promoção de uma raça pura, se tornasse uma realidade inviável.
Segundo Pereira (2001), no Brasil, a eugenia se difundiu mais como
um conceito defendido por elites intelectuais do que como um pro-
jeto institucionalizado pelo governo, como aconteceu em diversos
países europeus. A visão mais difundida acabou sendo a de que as
misturas raciais faziam parte da construção do país como nação e
eram indissociáveis da história brasileira (SCHWARCZ, 2011).

36 Direitos humanos e relações sociais


Entender o desenvolvimento histórico do racismo e da eugenia,
bem como sua intrínseca relação com movimentos políticos que in-
fluenciaram tanto as legislações quanto a cultura e a sociedade, em
especial nos países ocidentais, é fundamental para entender como
o racismo se encontra profundamente arraigado nas estruturas so-
ciais contemporâneas.

Mesmo quase um século após a compreensão de que as ideias


eugenistas têm base em premissas falsas – como a existência de
raças na espécie humana – e cerca de 70 anos após a ONU afirmar,
no primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
direitos” (ONU, 1948), a desigualdade racial ainda está presente em
diversos países, especialmente no Brasil.

Segundo o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS, 2016), en-


quanto no discurso público e nas legislações as ações e as atitudes
de discriminação racial são condenadas, na prática, as populações
negra e de origem indígena sofrem com o preconceito nas mais di-
versas áreas da vida cotidiana. Como mostra a música Negro Drama,
do grupo Racionais MC’s:
Cabelo crespo e a pele escura
A ferida, a chaga, à procura da cura [...]
Tenta ver e não vê nada
A não ser uma estrela longe, meio ofuscada
Sente o drama, o preço, a cobrança
(NEGRO..., 2002)

As desvantagens das populações discriminadas podem ser obser-


vadas no âmbito econômico e no acesso a oportunidades de trabalho,
no nível de escolaridade e nas taxas de evasão escolar, bem como no
acesso à saúde e na representatividade em espaços de poder.

Segundo dados da Câmara de Deputados (2018), dos 513 repre-


sentantes eleitos no ano de 2018, 75% dos deputados se autodecla-
raram brancos, menos de 5% se declararam pretos e apenas uma
deputada se declarou indígena. O Gráfico 1 mostra a divisão dos
deputados federais de acordo com sua autodeclaração.

Relações étnico-raciais 37
O uso do termo raça para dividir ou segregar os indivíduos da espé-
cie humana se baseia na dificuldade de se compreender que as aparen-
tes diferenças entre dois indivíduos, como a cor da pele, não significam
que existem diferenças entre as características que definem a espécie.
Vídeo O conceito de raça, dentro do estudo das espécies, está relacionado
O termo negro é utilizado com características físicas associadas a uma determinada origem geo-
em documentos oficiais.
O estatuto da igualdade gráfica (SANTOS; BRAGA; MAESTRI, 2007). A dificuldade em se utilizar
racial (Lei n. 12.288/2010) esse conceito para se definir a raça de um indivíduo reside na com-
usa o termo negro ou
população negra 68 vezes plexidade de se determinar quais são essas diferenças e qual é a real
em seu texto; já o termo importância delas.
preto, apenas uma.
A filósofa Djamila Ribeiro Segundo Santos, Braga e Maestri (2007), as diferenças aparentes ou
defende o uso da palavra
negro, por considerar que
externas, como cor da pele ou do cabelo, são meramente físicas, não
o termo inclui pessoas tendo necessariamente relação com uma diferença genética.
afrodescendentes, inde-
pendentemente da cor As diferenças das características externas podem ocorrer mesmo
da pele, uma caracterís-
tica fenotípica. No vídeo
dentro de uma mesma família. O caso das irmãs gêmeas inglesas,
Negro ou preto? É preto, Marcia e Millie Biggs, tornou-se conhecido com a publicação da revis-
publicado pelo canal
Portal Raízes, o músico
ta National Geographic, que mostra como diferentes fenótipos podem
e ativista Nabby Clifford ser gerados por meio da carga genética dos mesmos pais, já que as
explica a diferença entre
os termos e defende o
gêmeas são filhas de um casal birracial – mãe inglesa e pai jamaicano
uso de preto. – e possuem traços semelhantes e tons de pele distintos (EDMONDS,
Disponível em: https:// 2018).
www.youtube.com/
watch?v=3ccWLl0m4QA. Acesso Para Santos, Braga e Maestri (2007), o genótipo é o material here-
em: 26 abr. 2021.
ditário que cada indivíduo carrega em suas células, formado pela carga
genética de seus ancestrais. Já o fenótipo são as características físicas
que podem ser observadas externamente e que podem sofrer influên-
cia de fatores externos, por exemplo o meio ambiente, como mostra o
caso das irmãs inglesas.

As diferenças fenotípicas, do ponto de vista fisiológico, não repre-


sentam, segundo os autores, nenhuma vantagem, superioridade ou
inferioridade. Contudo, do ponto de vista social, dão origem a discri-
minações e preconceitos. Se a falta de entendimento sobre o conceito
de raça na espécie humana causa debates que dificultam a tomada de
ações efetivas para combater os impactos que a discriminação racial
traz para o cotidiano de uma parcela significativa da população brasi-
leira, o conceito de etnia é ainda menos compreendido.

38 Direitos humanos e relações sociais


Santos, Braga e Maestri (2007) afirmam que a etnia está ligada à
origem de um determinado grupo social e se relaciona com a cultura, a
religiosidade, a língua ou o dialeto e as práticas culturais e sociais. Essa
ligação cultural entre os membros de uma etnia, segundo Rex (1988,
apud SANTOS, BRAGA e MAESTRI, 2007, p. 16), “possui um poder de
coação indescritível e por vezes esmagador de e em si própria”. Para
Gomes (2005), enquanto o conceito de raça está relacionado às carac-
terísticas genéticas e biológicas transmitidas por ligações de parentes-
co e ancestralidade, a etnia se forma pelos processos de agrupamento
históricos e pela formação de grupos sociais e culturais.

Um exemplo prático da diferença entre os conceitos de raça e et-


nia é dado por Santos et al. (2010), apontando que os povos indígenas
brasileiros representam uma identidade racial própria que os difere Vídeo
dos demais grupos raciais que compõem a população brasileira. To- O vídeo Kabengele
davia, os povos indígenas são compostos de diversas etnias diferentes, Munanga – raça, racismo
e etnia, publicado pelo
com culturas, ligações tribais, religiões, crenças, mitologias, tradições e canal Sociologia Animada,
línguas diversas. Segundo os autores, apenas no estado do Amazonas mostra resumidamente o
conteúdo da palestra pro-
existem cerca de 65 etnias diferentes. ferida pelo cientista social
Kabengele Munanga, que
Cashmore (2000) acredita que os conceitos de raça e etnia não são tem como foco de seus
sinônimos, mas se reforçam, pois a discriminação racial e o preconceito estudos as relações so-
ciais na história e na so-
atingem, de modo semelhante, tanto grupos raciais quanto étnicos. Já ciedade contemporânea
Munanga (2003) destaca a inter-relação entre raça e etnia e mostra que brasileira. A palestra foi
proferida no 3º Seminário
dentro de um mesmo grupo identificado como pertencente a uma raça Nacional Relações Raciais
pode haver diversas etnias diferentes. A etnia, para o autor, é definida e Educação, no Rio de
Janeiro, em 2003.
pelo grupo social que compartilha a mesma origem histórica e mitoló-
Disponível em: https://
gica, a mesma língua ou o mesmo dialeto e divide a mesma cultura. Em www.youtube.com/
geral, as etnias têm origem em uma mesma região ou território, mas watch?v=JTySjC1aQF4. Acesso em:
26 abr. 2021.
mantêm sua ligação mesmo que se espalhem por outras regiões.

Pela intrínseca relação entre os conceitos, é comum que se utilize,


nas discussões acadêmicas, políticas, sociais e legais, o termo relações
étnico-raciais. Em um país marcado pela miscigenação, como o Brasil,
a inclusão social dos grupos étnico-raciais é um dos maiores desafios
para o Estado e para a sociedade brasileira.

A formação da população brasileira é marcada pela miscigenação


desde o início da colonização. Para Bento e Santos (2019), a identidade
brasileira como nação surge da miscigenação entre os povos indígenas

Relações étnico-raciais 39
e o português colonizador. O mameluco, nascido da mistura do euro-
peu branco e do nativo, para os autores, é o primeiro representante do
povo brasileiro.

A mistura entre indivíduos de diferentes origens genéticas se inten-


sifica com a escravidão. O mulato, fruto da miscigenação entre brancos
e negros, surge, segundo Munanga (2019), com a transformação das
mulheres negras escravizadas em objetos sexuais pelos senhores de
escravos. Para o autor, a miscigenação racial que ocorreu nos primei-
ros séculos da formação da nação brasileira não pode ser romantizada,
pois tem um caráter violento e de dominação racial e étnica.

No fim do século XIX e, principalmente, nas primeiras décadas


do século XX, os fluxos migratórios oriundos de países europeus, es-
pecialmente Itália e Alemanha, bem como Japão, trouxeram para o
Brasil milhões de imigrantes. Segundo Frutuoso (2018), foram regis-
tradas migrações de mais de 70 diferentes nacionalidades no perío-
do. Esse movimento de migração também contribuiu para aumentar
a miscigenação, característica do povo brasileiro. Mais recentemente,
migrações oriundas de países latino-americanos, especialmente de
Bolívia, Haiti e Venezuela se intensificaram, o que levará, ainda segun-
do Frutuoso (2018), ao aumento da miscigenação étnico-racial na po-
pulação brasileira.

O grande e diverso caldeirão étnico-racial da população faz com que


questões de discriminação, racismo, preconceito e xenofobia estejam
presentes no cotidiano da sociedade brasileira. Mesmo sendo cientifi-
camente comprovado que as características fenotípicas não represen-
tam diferenças raciais, é por essas características externas, como cor
de pele, tipo de cabelo e traços faciais, que acontecem e se institucio-
nalizam o racismo e o preconceito.

Os órgãos oficiais de Estado desenvolvem políticas públicas de acor-


do com a divisão étnico-racial da população, em especial as políticas
direcionadas para o enfrentamento das desigualdades e para a repa-
ração histórica dos impactos trazidos pela discriminação étnico-racial.

O principal órgão de informações estatísticas do Brasil, o Instituto


Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), utiliza o conceito de cor, de-
finido pelo próprio respondente em forma de autodeclaração. Entre as
categorias consideradas pelo instituto estão indígenas, pretos, pardos,
amarelos e brancos.

40 Direitos humanos e relações sociais


Gráfico 1
Composição da Câmara por raça
Pretos
4,09%
20,27% Amarelos
Pardos
0,38%

Indígena
0,19%
75%
Brancos

Fonte: Agência Câmara de Notícias, 2018.

Em uma sociedade na qual a cor ainda é usada como elemento


de segregação e em que os direitos fundamentais são negados aos
membros das minorias étnico-raciais, a autodeclaração gera cons-
trangimento no respondente, criando um viés nas respostas; isso
pode dificultar ou até mesmo inviabilizar a correta aplicação das po-
líticas públicas.

No ano de 2007, o caso dos irmãos gêmeos univitelinos Alan e Alex


Teixeira da Cunha ganhou repercussão nacional. Os irmãos se candida-
taram ao vestibular da Universidade de Brasília (UnB) pleiteando uma
vaga na cota de 20% de alunos pretos e pardos oferecida pela insti-
tuição, em dois cursos diferentes. Apesar de serem gêmeos idênticos
e apresentarem o mesmo fenótipo, um dos irmãos foi aprovado para
obter a bolsa como cotista, enquanto o outro foi reprovado por não se
enquadrar na classificação de negro, de acordo com a banca examina-
dora. Segundo Ferenz e Petry (2018, p. 665),
candidatos ao sistema de cotas para negros da instituição – que
define por meio de uma foto quem se encaixa ou não no critério
de raça – Alan foi considerado negro. Alex, não [...]. A foto é anali-
sada por uma banca, que decide quem é ou não negro.

O caso trouxe à tona a discussão sobre como a avaliação sobre


cor e raça pode dificultar a aplicação de uma política de inclusão ét-
nico-racial, no caso, as bolsas de estudo oferecidas para indivíduos
de grupos de minorias étnico-raciais. O fato de características feno-
típicas ainda originarem ações e manifestações de racismo mostra

Relações étnico-raciais 41
como, mesmo com toda a miscigenação étnico-racial da população
brasileira, ainda persistem o preconceito e a discriminação na socie-
dade brasileira.

2.2 Preconceito e discriminação


Vídeo Uma leitura atenta da palavra preconceito já mostra seu significa-
do: preconceito é formado pela junção dos termos pré (com o senti-
do de antes) e conceito. É, portanto, um conceito criado com base em
julgamentos antecipados, sem se conhecer os fatos ou sem levar em
consideração as características individuais de um sujeito. Segundo o
dicionário Houaiss (2009), preconceito é definido como “1. qualquer
opinião ou sentimento concebido sem exame crítico; 2. sentimento
hostil, assumido em consequência da generalização apressada de uma
experiência pessoal ou imposta pelo meio; intolerância”.

No contexto da diversidade étnico-racial, o preconceito pode ser


entendido como o julgamento ou a opinião sobre um determinado in-
divíduo, um grupo ou povo, tendo como base características físicas e
fenotípicas, ou origem, cultura, crenças, religiosidade e mitologias.

Apesar de se concretizar nas ações individuais, o preconceito não é


apenas fruto da desinformação, da falta de conhecimento sobre quem
é diferente. Para Munanga (2005), o preconceito étnico-racial vai além
da simples ignorância dos indivíduos, é institucionalizado nas relações
Desafio
políticas, econômicas, legais e nos comportamentos socialmente acei-
Analise suas experiências na tos. Para o autor, relacionar o preconceito ao desconhecimento é colo-
escola, no trabalho ou em outros
grupos sociais dos quais faz par- car nos indivíduos a culpa de um problema que é da sociedade.
te e responda: quantos negros,
Em seu Pequeno Manual Antirracista, Djamila Ribeiro afirma que o
indígenas ou representantes
de quaisquer outras minorias preconceito étnico-racial é um sistema institucionalizado de opressão
étnico-raciais ocupam posições e de negação de direitos humanos que vai além da vontade, do conhe-
como professores, profissionais
em cargos de chefia, gerência e
cimento ou da interpretação de um único indivíduo (RIBEIRO, 2019).
direção de empresas e organiza- O lugar do negro (e do indígena) na sociedade, segundo a música,
ções ou são profissionais liberais,
como médicos, advogados, é um lugar de exclusão, marginalidade, sofrimento, criminalidade e
engenheiros, líderes religiosos, pobreza. O preconceito e a discriminação étnico-raciais estão incor-
comunitários ou políticos
porados tanto nas relações pessoais e familiares quanto nos discur-
na sociedade? Analise suas
conclusões dentro do contexto sos políticos, nos critérios de seleção das instituições de ensino e das
social brasileiro e descreva, em empresas; isso muitas vezes de maneira velada e despercebida, o que
um texto de 15 linhas, suas
dificulta a identificação das ações e dos impactos sobre a vida dos indi-
considerações.
víduos discriminados.

42 Direitos humanos e relações sociais


O Estatuto da Igualdade Racial, promulgado no ano de 2010 (BRASIL,
2010), instrumento normativo que reúne legislações que abordam
questões étnico-raciais, define a discriminação, no item I do parágrafo
único do artigo 1º, como:
toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em
raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha
por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exer-
cício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liber-
dades fundamentais nos campos político, econômico, social,
cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada.

A necessidade de se criar leis e instrumentos legais, especialmente


desenvolvidos para proteger os direitos individuais básicos, mostram
que a discriminação e a desigualdade étnico-raciais são realidades pre-
sentes na sociedade brasileira. Discriminação e preconceito estão inti-
mamente ligados. A discriminação étnico-racial é a materialização, na
prática cotidiana, dos preconceitos que estão enraizados na cultura, na
sociedade e nas instituições.

Bento e Carone (2002) ampliam o conceito e defendem que, para


entender a discriminação contra um determinado grupo étnico-racial,
não basta entender as origens do preconceito, mas sim entender o seu
contraponto: os privilégios de que outro grupo étnico-racial goza na
mesma sociedade.

Ribeiro (2019) chama a atenção para essa dicotomia, para essa di-
ferença entre a discriminação sofrida por um dos grupos e os privi-
légios de que outro grupo goza. Em seu Pequeno Manual Antirracista,
dedica um dos capítulos a demonstrar os preconceitos sofridos pelos
negros do Brasil, destacando que são vistos como inferiores ou desti-
nados a ocupar lugares subalternos na estrutura social. Segundo relata
a autora,
como muitas pessoas negras que circulam em espaços de poder,
já fui confundida com copeira, faxineira ou, no caso de hotéis de
luxo, prostituta. Obviamente não estou questionando a dignida-
de dessas profissões, mas o porquê de pessoas negras se verem
reduzidas a determinados estereótipos. (RIBEIRO, 2019, p. 12)

Da mesma forma que destaca as características e os desafios do


que chama negritude, a autora também destaca, no capítulo seguinte
de sua obra, os privilégios do grupo étnico-racial dominante no Brasil.
O capítulo tem o sugestivo nome Reconheça os privilégios da branquitu-

Relações étnico-raciais 43
de (RIBEIRO, 2019, p. 15-18). Assim, a autora mostra que, para entender
Importante os desafios da negritude, é preciso entender os privilégios da branqui-
Branquitude, para Jesus tude, corroborando a afirmação de Bento e Carone (2002).
(2021), são “as práticas
daqueles indivíduos Já o item II do parágrafo único do artigo 1º do Estatuto da Igualdade
brancos que assumem
e reafirmam a condição
Racial define a desigualdade racial como:
ideal e única de ser
toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição
humano, portanto, o
direito pela manutenção de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e priva-
do privilégio perpetuado da, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou
socialmente”. étnica. (BRASIL, 2010)
Negritude, segundo Do-
mingues (2005, p. 25-26), O texto legal mostra que a discriminação étnico-racial leva à viola-
no terreno político “serve
de subsídio para a ação ção dos direitos humanos dos grupos minoritários, dificulta o acesso a
do movimento negro oportunidades de desenvolvimento social, a bens e serviços públicos,
organizado. No campo
ideológico, negritude além de expor os indivíduos do grupo minoritário a situações de humi-
pode ser entendida como lhação, risco, violência e isolamento. Como mostra a profunda letra da
processo de aquisição de
uma consciência racial. música Negro Drama, do grupo Racionais MC’s:
Já na esfera cultural,
Uma negra e uma criança nos braços [...]
negritude é a tendência
de valorização de toda Veja, olha outra vez o rosto na multidão
manifestação cultural de A multidão é um monstro sem rosto e coração [...]
matriz africana”.
[...] Família brasileira, dois contra o mundo
Mãe solteira de um promissor vagabundo [...]
Um bastardo, mais um filho pardo sem pai
(NEGRO..., 2002)

O trecho da música exemplifica de maneira direta os impactos da


discriminação racial no cotidiano dos indivíduos dos grupos minoritá-
rios: a desagregação familiar, as expectativas traçadas desde o nasci-
mento de que o indivíduo não terá oportunidades sociais por sua cor
e origem. Ela mostra, também, como a sociedade trata as demandas e
os direitos das populações minoritárias. A multidão, que representa a
sociedade, é um monstro sem rosto, pois é formada tanto pelas faces
dos sujeitos quanto pelas instituições e sem coração, pois não acolhe
nem apoia aqueles que considera inferiores, a quem nega os direitos
humanos.

Nogueira (2007) afirma que existiu, no Brasil, durante muitos sé-


culos, uma tendência, nas pesquisas acadêmicas e na sociedade, de
subestimar ou até mesmo negar completamente a existência da dis-
criminação étnico-racial, muitas vezes comparando a situação brasi-

44 Direitos humanos e relações sociais


leira com a realidade observada nos Estados Unidos, país que passou
por marcos históricos semelhantes, como a colonização europeia dos
povos nativos e a escravatura dos povos africanos. Nesse contexto,
enquanto a miscigenação característica da formação da população bra-
sileira dificulta a definição clara do grupo étnico-racial do indivíduo, a
segregação racial ocorrida nos Estados Unidos fortaleceu e aprofundou
a discriminação racial.

Para Nogueira (2007), entretanto, negar a existência da discrimina-


ção racial no Brasil é fechar os olhos para a realidade social do país.
Na visão do autor, o que diferencia a questão racial nos dois países é
que, nos Estados Unidos, a discriminação étnico-racial está ligada às
origens genéticas e à ancestralidade do indivíduo (a qual o autor dá o
nome de preconceito de origem); no Brasil, a discriminação está mais
relacionada a características físicas fenotípicas, ou seja, os indivíduos
são discriminados por sua aparência e seu fenótipo (que o autor chama
de preconceito de marca).

Essa diferença, apesar de parecer sutil e pouco importante, para o


autor é fundamental na compreensão de como se institucionaliza o pre-
conceito no país. O preconceito de marca, como ocorre no Brasil, tem
como característica a subjetividade. Como os critérios de definição dos
grupos étnico-raciais dependem de características fenotípicas não clara-
mente estabelecidas, a definição de quem faz parte do grupo pode variar
de acordo com quem faz o julgamento, podendo divergir da própria per-
cepção que o indivíduo tem sobre si. Para Nogueira (2007), a distinção
entre brancos, negros, mestiços e indígenas depende da região e do es-
tado, do grau de miscigenação do indivíduo e de sua classe social, como
mostram Gilberto Gil e Caetano Veloso na letra da música Haiti (1993).

Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos


Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos
E outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
E são quase todos pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos, quase pretos de tão pobres são tratados
(GIL; VELOSO, 1993)

Relações étnico-raciais 45
Na concepção de Nogueira (2007), o indivíduo é julgado e classifica-
do por seus traços. Assim, mesmo o indivíduo de ascendência negra ou
indígena pode ser considerado branco, desde que seu fenótipo apre-
sente as características relacionadas ao grupo étnico-racial europeu.
O preconceito de marca é, segundo o autor, ligado a questões intelec-
tuais e estéticas; o branco é considerado inteligente e belo, enquanto o
negro e o indígena são considerados, mesmo que de maneira velada,
incompetentes e feios. Ribeiro (2019, p. 13), com base em suas expe-
riências pessoais, relata o seguinte:
quando eu cursava filosofia, um colega se mostrou muito surpreso
por eu ter tirado uma nota maior que a dele num trabalho e sugeriu
que era porque o professor gostava de mim. Outro colega insinuou
que me daria a parte mais fácil de um trabalho “para me ajudar”.

Outra característica do preconceito de marca é que, quando se


estabelecem relações interpessoais entre indivíduos de diferentes
grupos étnico-raciais, as manifestações de preconceito se tornam me-
nos evidentes. Em muitos casos, essa relação é usada como exemplo
ou prova de que o indivíduo do grupo étnico-racial dominante não é
racista.

O vídeo Amiguinho, do grupo de humor Porta dos Fundos, mostra


essa realidade diretamente, apresentando um casal branco que luta
contra a expulsão de um aluno da escola pelo simples fato de ele ser
negro. O texto do vídeo é composto de uma série de frases que podem
parecer absurdas, mas que são proferidas cotidianamente no Brasil
(AMIGUINHO, 2015). Observe o exemplo.

— Sempre que alguém fala para mim que sou racista, digo: Não
sou! Inclusive meu filho tem amigo preto, eu recebo preto na
minha casa, ele almoça na nossa mesa.
— Se você tira o João da minha vida, eu passo a ser racista agora?
— Ele era nosso preto ostentação (PORTA DOS FUNDOS, 2015).

O vídeo mostra que o sujeito pode manter relações de amizade, ad-


miração e respeito para com um indivíduo particular de um grupo mi-
noritário e mesmo assim ser preconceituoso contra as demais pessoas
desse grupo étnico-racial.

46 Direitos humanos e relações sociais


Outra característica do racismo de marca, apontada por
Nogueira (2007), é a valorização da miscigenação como forma de aper-
feiçoamento da população, mostrando que as ideias eugênicas ainda
se encontram na cultura e na sociedade. Para o autor, existe uma ideo-
logia de branqueamento da população que perpassa as relações ét-
nico-raciais, com base na expectativa de que os grupos minoritários,
especialmente os negros e indígenas, poderão desaparecer da popula-
ção com a miscigenação.

Essa ideologia não diz respeito apenas às características físicas dos


indivíduos, mas também pode ser identificada na assimilação de ele-
mentos da cultura dos grupos minoritários. Enquanto alguns desses
elementos são aceitos, assimilados e incorporados à cultura geral da
sociedade, por serem considerados positivos (como a música, a dança
e a estética), outros elementos são considerados negativos e são extir-
pados até mesmo da cultura do grupo minoritário, tidos como margi-
nais e não aceitos socialmente (como elementos da religiosidade e da
língua). Mais uma vez, a música Negro Drama, do grupo Racionais MC’s,
pode ser usada como exemplo. Vejamos:

Inacreditável, mas seu filho me imita


No meio de vocês ele é o mais esperto
Ginga e fala gíria; gíria não, dialeto
[...] Entrei pelo seu rádio, tomei, cê nem viu
[...] Seu filho quer ser preto, ah, que ironia
Cola o pôster do Tupac aí, que tal? Que cê diz?
Sente o negro drama, vai, tenta ser feliz
(NEGRO..., 2002)
De maneira irônica e desafiadora, a música mostra como elementos
da cultura negra, como o ritmo, a música e as gírias, passaram a ser
usados pelos indivíduos de outros grupos sociais, sendo dominantes
na cultura popular. Exatamente por serem dissimulados e não serem
discutidos abertamente, a discriminação racial e o preconceito não são
combatidos de modo intermitente no Brasil. A percepção sobre as ma-
nifestações de racismo é episódica, em momentos em que situações
de conflito ou de ações deliberadas de discriminação e humilhação são
expostas. Essa realidade dificulta a percepção sobre o impacto do racis-
mo estrutural que marca a sociedade brasileira.

Relações étnico-raciais 47
Almeida (2019) explica que o racismo está impregnado na estrutu-
ra da sociedade brasileira. Mesmo que não se manifeste abertamen-
te, por atos ou palavras, a sociedade brasileira é racista. O silêncio ou
a inação do indivíduo de qualquer grupo étnico-racial com relação ao
racismo estrutural o torna conivente, do ponto de vista ético e moral,
com a manutenção do racismo. Para o autor, “a mudança da sociedade
não se faz apenas com denúncias ou com o repúdio moral do racismo:
depende, antes de tudo, da tomada de posturas e da adoção de práti-
cas antirracistas” (ALMEIDA, 2019, p. 52).

Da mesma forma que a sociedade reage a episódios racistas sem


agir de maneira contundente, para que o racismo estrutural deixe de
existir, a reação dos sujeitos discriminados também tende a ser indi-
vidual, de acordo com Nogueira (2007). Assim, a ascensão social dos
indivíduos dos grupos minoritários possibilita que ele deixe de sofrer
com a discriminação e o preconceito. O grupo Racionais MC’s também
aborda essa característica do racismo brasileiro:
[... ] Sou exemplo de vitórias, trajetos e glórias
O dinheiro tira um homem da miséria
Mas não pode arrancar de dentro dele a favela
São poucos que entram em campo pra vencer
A alma guarda o que a mente tenta esquecer [...]
[...] Crime, futebol, música,
Eu também não consegui fugir disso aí
Eu sou mais um
(NEGRO..., 2002)

Como a discriminação racial impede o acesso aos direitos humanos,


inclusive o direito à educação (MUNANGA, 2005), muitas vezes o único
caminho para a ascensão social é por meio de competências físicas,
como no caso dos esportes, ou culturais, como no caso da música, des-
tacados na letra. Porém, como apresentado na música, “a alma guarda
o que a mente tenta esquecer”. Mesmo com a ascensão na estrutura
das classes sociais, o indivíduo carrega consigo as marcas das discrimi-
nações e dos preconceitos que sofreu.

48 Direitos humanos e relações sociais


2.3 Cultura afro-brasileira e indígena
Vídeo Durante a construção da história brasileira como nação, indígenas
e negros foram fundamentais para o desenvolvimento econômico do
país. Todavia, do ponto de vista cultural, a contribuição desses grupos
étnico-raciais não é devidamente reconhecida, apesar de importantíssi-
ma para a formação da cultura brasileira. Para Colares, Gomes e Colares
(2010), tanto os povos indígenas quanto as pessoas negras escravizadas
foram destituídos dos símbolos de sua cultura e de sua civilização, sen-
do obrigados a assimilar e seguir a religião e a cultura do grupo domi-
nante, colonizados pela cultura portuguesa e pelo catolicismo.

Sena e Souza (2020) apontam que as representações culturais dos


grupos dominados, sejam elas representadas pela linguagem, culiná-
ria, música, dança e principalmente religiões e mitologias, sobrevive-
ram de maneira clandestina, escondidas e disfarçadas em símbolos,
Documentário
ritos e manifestações adaptados à cultura dominante. A sociedade bra-
sileira guarda uma relação dicotômica com a cultura negra, pois, ao
mesmo tempo em que a discrimina, também a reconhece e a celebra
como parte fundamental da cultura brasileira, como bem traduz a mú-
sica Olhos Coloridos. Observe.

Você ri da minha roupa


Você ri do meu cabelo
Você ri da minha pele
Você ri do meu sorriso
O extermínio da cultura
do grupo étnico formado A verdade é que você
pelos indígenas da tribo (E todo brasileiro)
Pater Saruí é o foco do
Tem sangue crioulo
documentário Ex-pajé.
As desigualdades sociais, (OLHOS..., 1982)
a discriminação racial,
o preconceito contra o
indígena e sua cultura A exclusão da produção cultural indígena e negra durante séculos
são exemplificados pela do desenvolvimento cultural brasileiro representa uma grande perda
perda da identidade
cultural da tribo, dizimada para a sociedade brasileira, pois, de acordo com Sena e Souza (2020),
pela invasão de suas as manifestações artísticas e culturais possibilitam compreender as
terras.
emoções, as histórias, as vivências e os aprendizados de um povo. As-
Direção: Luiz Bolognesi. Brasil: Buriti
Filmes, 2018.
sim, uma parte significativa da história cultural brasileira foi esquecida
e abandonada pela ação opressiva dos grupos sociais dominantes.

Relações étnico-raciais 49
Mesmo no Brasil contemporâneo, a produção artística das popula-
ções negras e indígenas ainda ocupam espaços periféricos e não rece-
bem o devido reconhecimento e a valorização como representações
legítimas da cultura dos grupos minoritários. Nesse sentido, a letra da
música Sr. Tempo Bom, dos rappers Thaíde e DJ Hum, destaca a impor-
tância das expressões culturais dos grupos negros.

E fui crescendo rodeado pela cultura afro-brasileira


Também sei que já fiz muita besteira
Mas nunca me desliguei das minhas raízes
Documentário Estou sempre junto dos blacks que ainda existem
[...] Percebi o direito que temos como cidadãos
De dar importância à situação
Protestando para que achemos uma solução
Por isso, o black power permanece vivo
Só que de um jeito bem mais ofensivo
Seja dançando break ou um DJ no scratch
Mesmo fazendo graffiti ou cantando RAP
(SR. TEMPO..., 1996)

A importância da internet A arte e a cultura dos grupos minoritários têm se fortalecido nas úl-
e dos celulares para a
defesa dos direitos e timas décadas, por meio da ocupação de espaços periféricos, especial-
da cultura indígena é o mente nas grandes metrópoles. A produção cultural indígena e negra
tema do documentário
Indígenas Digitais, filmado ainda sofre com a invisibilidade, é pouco divulgada pela grande mídia e
em grande parte pelos enfrenta dificuldades para ocupar os espaços oficiais e socialmente re-
próprios indígenas, de
diferentes etnias, prove- conhecidos, como teatros e museus. Assim, para se fortalecer, a cultura
nientes de diversos es- dos grupos minoritários busca ocupar novos espaços e se posicionar
tados das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste política e socialmente.
brasileiras.
Nesse sentido, a cultura negra se destaca pela ocupação de espa-
Direção: Sebastian Gerlic. Brasil, 2010.
ços, a partir das décadas de 1970 e 1980, com o crescimento da cultura
Disponível em: https://
www.youtube.com/ do Hip Hop, composta de representações culturais ligadas à música,
watch?v=T2I7ovB6E7k. Acesso em:
à dança e às artes visuais, principalmente o graffiti (FOCCHI, 2007). O
26 abr. 2021.
desenvolvimento da internet e das redes sociais também representa
um importante espaço para a divulgação da cultura negra e indígena.
Segundo Bueno (2013, p. 14),
muitos povos indígenas têm usado a rede para atingir um públi-
co grande, dentro e fora do país. Os recursos on-line são usados
para romper o isolamento em que muitas comunidades vivem
e também para vencer a barreira da falta de espaço que esses
povos têm nas mídias tradicionais. A internet possibilita aos in-
dígenas divulgar suas culturas e potencialidades de forma mais

50 Direitos humanos e relações sociais


independente e autônoma, se fazendo conhecer e dialogando
diretamente com a população nacional.

Uma parte fundamental da cultura indígena e negra está relaciona-


da à rica mitologia e às diversas manifestações religiosas dos diversos
grupos étnicos que compõem essas minorias. Segundo Pereira (2019),
as religiões de matriz africana e indígena foram e ainda são discrimi-
nadas. Por não serem conhecidas, são mal interpretadas, confundidas
e percebidas, pela maioria da população, de maneira estereotipada
e preconceituosa. Essa visão deturpada gera repulsa, aversão, medo
e até mesmo violência contra as manifestações culturais e religiosas
das minorias étnico-raciais. Além disso, muitas vezes é alimentada e
incentivada pelas instituições que representam os interesses dos gru-
pos sociais dominantes, como a mídia, a escola, os partidos políticos,
as igrejas cristãs e até mesmo as legislações, reafirmando o racismo
estrutural e institucionalizado no Brasil.

A religião tem um papel fundamental para a preservação da cultura de


povos colonizados e escravizados, pois contribui para a manutenção e a
transmissão de seus conhecimentos, histórias, mitologias, língua e repre-
sentações culturais. A música, a dança, os termos, as palavras, as deidades e
os mitos do povo estão presentes nas manifestações religiosas (LIMA, 2010).

No caso dos indígenas, a catequização imposta pelos religiosos


católicos ocorreu desde o início da colonização brasileira pelos portu-
gueses. Para Sena e Souza (2020), as práticas culturais e religiosas dos
povos indígenas foram demonizadas pelo grupo racial dominador. De
modo semelhante, as religiões de matriz africana foram perseguidas e
proibidas; seus seguidores sofreram e ainda sofrem com a intolerância
religiosa (CAMPOS; RUBERT, 2014).

Para reparar séculos de exclusão cultural e religiosa dos grupos mi-


noritários, Estado e sociedade precisam desenvolver políticas e ações
que reconheçam tanto a inclusão econômica e social quanto a aceita-
ção e a valorização das culturas negra e indígena.

2.4
Vídeo
Políticas de ações afirmativas
A música Negro drama, do grupo Racionais Mc’s, retrata o que os
séculos de discriminação, negação de direitos e falta de oportunidades
causaram nas populações das minorias étnico-raciais.

Relações étnico-raciais 51
Periferias, vielas, cortiços
Você deve tá pensando
O que você tem a ver com isso?
Desde o início, por ouro e prata
Olha quem morre, então
Veja você quem mata
Recebe o mérito a farda que pratica o mal
Me ver pobre, preso ou morto já é cultural
Histórias, registros e escritos
Não é conto nem fábula, lenda ou mito
(NEGRO..., 2002)

Ribeiro (2019, p. 4) aponta que, mesmo garantido por lei, o acesso à


educação da população negra escravizada não era uma realidade:
É importante lembrar que, apesar de a Constituição do Império
de 1824 determinar que a educação era um direito de todos os
cidadãos, a escola estava vetada para pessoas negras escraviza-
das. A cidadania se estendia a portugueses e aos nascidos em
solo brasileiro, inclusive a negros libertos. Mas esses direitos es-
tavam condicionados a posses e rendimentos, justamente para
dificultar aos libertos o acesso à educação.

Reparar todo esse tempo de opressão é algo que demanda tempo


e ação, pois gerações e gerações sofreram por toda a sua vida sem ter
seus direitos humanos garantidos pela sociedade e pelo Estado. As ações
afirmativas são uma importante ferramenta para garantir que os direitos
das minorias étnico-raciais do presente e do futuro sejam respeitados.

Dias e Freire (2002) explicam que as ações afirmativas incluem tanto


políticas públicas desenvolvidas pelo Estado quanto ações de institui-
ções privadas, que tem por objetivos combater a discriminação étnico-
-racial e promover a garantia dos direitos das populações minoritárias
que tenham sido historicamente discriminadas.

Como as políticas públicas têm um papel fundamental na imple-


mentação das ações afirmativas, mesmo as que são desenvolvidas por
instituições privadas, é fundamental, também, definir o que são políti-
cas públicas. Segundo Caxito (2020, p. 42), as políticas públicas “mos-
tram como o governo enfrenta as questões públicas, quais ações serão
tomadas para alcançar objetivos específicos e a forma como essas po-
líticas influenciam a vida dos cidadãos”.

Ainda segundo o autor, as políticas públicas podem ser classificadas


em quatro diferentes formas, conforme mostra a figura a seguir.

52 Direitos humanos e relações sociais


Figura 1
Tipos de políticas públicas

Políticas distributivas
são ações ou decisões Essa limitação do alcance da política pode advir de uma limitação de
do governo com um recursos ou pode ter o objetivo de oferecer condições especiais para
escopo mais individual, um determinado grupo que precise de incentivos. Podemos citar como
buscando oferecer exemplos de políticas distributivas os programas de crédito barato para
condições privilegiadas pequenos empreendedores, os incentivos fiscais para alguns tipos de
para determinados grupos negócios que precisam se desenvolver, ou a realização de obras públicas
ou mesmo regiões do país, em comunidades pouco desenvolvidas.
sem, contudo, serem ações
que atingem a totalidade da
população.

Políticas regulatórias são


aquelas ligadas a legislações
que determinam limites ou Secchi (2012) explica que as políticas regulatórias são aquelas que definem
obrigações e que envolvem padrões de comportamento, como as leis que obrigam o uso de capacetes
os processos burocráticos, por motociclistas, ou as que proíbem o fumo em locais fechados.
as organizações econômicas
e as políticas e os grupos
de interesse.

Políticas redistributivas
são aquelas que atingem
a população como um O programa Bolsa Família é um exemplo de política desse tipo,
todo e que têm aspecto fundamentado no conceito de redistribuir renda usando os impostos
universal. O sistema cobrados sobre os rendimentos e sobre o consumo das parcelas
tributário, as mudanças na mais ricas da população a fim de garantir uma renda mínima
previdência e os programas para as parcelas mais pobres.
de redistribuição de renda
são exemplos dessa
forma política.

Políticas constitutivas
são as normas e os
procedimentos necessários Secchi (2012) as chama de meta-policies e explica que
para que as outras políticas esse tipo de política está acima das outras. São exemplos
públicas sejam colocadas de políticas constitutivas a definição das competências de
em prática pelo governo. As cada um dos três poderes, o sistema eleitoral e as formas de participação
políticas constitutivas orientam da sociedade civil nas decisões políticas.
e organizam a formulação e a
implementação do programa
do governo.

Fonte: Adaptado de Caxito, 2020, p. 42-43.

Relações étnico-raciais 53
As políticas públicas de ação afirmativa são classificadas como uma
política distributiva, pois estão direcionadas a um determinado grupo
específico, no caso as minorias étnico-raciais, e têm um caráter compen-
satório ao incentivar a igualdade de tratamento e de oportunidades, nos
âmbitos educacional, profissional e social, para os grupos étnico-raciais
que, por motivos históricos, têm sua ascensão social dificultada ou im-
pedida (BENTO, 2000). O caráter compensatório das políticas públicas de
ação afirmativa, segundo Munanga (2007, p. 1):
as chamadas políticas de ação afirmativa são muito recentes na
história da ideologia antirracista. Nos países onde já foram im-
plantadas (Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Índia, Alemanha,
Austrália, Nova Zelândia e Malásia, entre outros), elas visam ofe-
recer aos grupos discriminados e excluídos um tratamento dife-
renciado para compensar as desvantagens devidas à sua situação
de vítimas do racismo e de outras formas de discriminação.

Uma das mais conhecidas ações afirmativas são as cotas raciais que
garantem um percentual de vagas nas universidades públicas. Ribeiro
(2019) explica que as cotas raciais são necessárias, pois as populações
minoritárias têm maior dificuldade de acesso a uma educação de qua-
lidade, devido ao racismo estrutural que perpassa toda a sociedade
brasileira. Segundo a autora, o alto nível de exigência e a grande quan-
tidade de candidatos nos vestibulares das universidades públicas fa-
zem com que alunos de alto poder aquisitivo e das classes econômicas
superiores (que estudaram em boas escolas nos anos iniciais e tiveram
acesso a cursos complementares e experiências, como intercâmbios)
tenham vantagens competitivas frente aos indivíduos dos grupos étni-
co-raciais historicamente discriminados, o que conclui que essa reali-
dade reforça ainda mais o racismo estrutural da sociedade.

Dias e Freire (2002), contudo, explicam que as ações afirmativas são


muito mais amplas do que o sistema de cotas e incluem ações que
visam oferecer condições que proporcionem tanto a inclusão quanto
o incentivo ao desenvolvimento pessoal, educacional, profissional e so-
cial dos grupos étnico-raciais discriminados. Por outro lado, as ações
afirmativas não buscam culpar, prejudicar ou tirar direitos de outros
grupos. Como afirma Ribeiro (2019, p. 17),
não se trata de se sentir culpado por ser branco: a questão é
se responsabilizar. Diferente da culpa, que leva à inércia, a res-
ponsabilidade leva à ação. Dessa forma, se o primeiro passo é
desnaturalizar o olhar condicionado pelo racismo, o segundo é

54 Direitos humanos e relações sociais


criar espaços, sobretudo em lugares que pessoas negras não
costumam acessar.

As políticas públicas de ação afirmativa também são chamadas de


discriminação positiva, segundo Silva Jr. (apud MUNANGA, 1996). O autor
explica que o Estado tem o dever constitucional de reduzir as desigual-
dades e abolir a marginalização. São também deveres do Estado pro-
mover o bem de todos os cidadãos de modo igual, independentemente
de origem, raça, credo ou gênero; além disso, deve garantir a integra-
ção social dos grupos discriminados. Uma das formas que o Estado
usa para cumprir esses deveres são as políticas públicas. Vinagre (2009)
afirma que as políticas e as ações afirmativas discriminam positivamen-
te, pois possibilitam que dívidas históricas possam ser reparadas.

Myers (2003) aponta que as políticas públicas de ação afirmativa cor-


rigem as desvantagens concretas, como a falta de acesso à educação,
e as desvantagens simbólicas, como a discriminação que profissionais
de grupos étnico-raciais minoritários sofrem em processos seletivos de
empregos. As ações afirmativas, ainda segundo o autor, também têm
o objetivo de promover a equidade de oportunidades. Ribeiro (2019, p.
21) distingue a questão da equidade e a meritocracia:
Esse debate não é sobre capacidade, mas sobre oportunidades –
e essa é a distinção que os defensores da meritocracia parecem
não fazer. Um garoto que precisa vender pastel para ajudar na
renda da família e outro que passa as tardes em aulas de idiomas
e de natação não partem do mesmo ponto.

Artigo

https://www.linkedin.com/pulsemeritocracia-na-sociedade-%C3%A9-diferente-de-dentro-da-
empresa-caxito/?originalSubdomain=pt

O artigo Gestão na prática: meritocracia na sociedade é diferente de meritocracia


dentro da empresa, do professor Fabiano Caxito, discute o conceito de me-
ritocracia e mostra como, na sociedade, garantir a equidade é fundamental
para que se possa proporcionar oportunidades a indivíduos que não tiveram
as mesmas experiências.

Acesso em: 26 abr. 2021.

As políticas públicas de ação afirmativa são um importante instru-


mento para diminuir o impacto dos séculos de discriminação e precon-
ceito que os grupos étnico-raciais minoritários sofreram e não devem
se restringir apenas a ações relacionadas à educação e a questões so-

Relações étnico-raciais 55
ciais. Tanto as ações do Estado quanto de instituições privadas são fun-
damentais para gerar oportunidades de trabalho e de carreira para os
indivíduos que sofrem com o preconceito racial.

2.5 Trabalho, produtividade e


Vídeo diversidade cultural
Durante os séculos iniciais do desenvolvimento da nação brasilei-
ra, a economia teve base na extração de minérios, na agricultura e na
pecuária, atividades que dependiam fortemente da mão de obra es-
cravizada, inicialmente formada pelas populações nativas e, posterior-
mente, por povos escravizados oriundos da África. Depois, durante a
transição da economia brasileira para o modelo capitalista, principal-
mente com a abolição da escravatura, foi construída uma imagem na
sociedade de que o negro e o índio eram indivíduos inferiores e com
baixa capacidade de aprendizagem, sendo, portanto, incompatíveis
com o trabalho no novo modelo econômico do capitalismo industrial
(HASENBALG, 2005; MARTINS, 2014).

Martins (2013) aponta que um dos reflexos dessa visão discrimina-


tória e preconceituosa foi o incentivo da imigração de europeus, espe-
cialmente alemães e italianos, durante as primeiras décadas do século
XX, como forma de atração de uma mão de obra vista como mais pre-
parada para os desafios da industrialização. Segundo Theodoro (2008),
na década de 1920 cerca de 52% dos operários contratados pelas in-
dústrias nacionais eram estrangeiros, e uma parcela significativa dos
demais operários eram descendentes diretos desses imigrantes euro-
peus. A intensa imigração europeia empurrou a população das mino-
rias étnico-raciais para o desemprego ou para a atuação em profissões
menos valorizadas e mal remuneradas (HASENBALG, 2005).

Os reflexos e as consequências dessa política de incentivo à imigra-


ção podem ser identificados na sociedade e no mercado de trabalho
contemporâneo. A discriminação e o preconceito, presentes nas rela-
ções que ocorrem entre empregadores e trabalhadores, remontam ao
período da escravidão, e a sua substituição pela mão de obra imigrante
dificultou a inserção dos grupos étnico-raciais minoritários no mercado
de trabalho e consequentemente na sociedade (OLIVEIRA; PICCININI,
2011; NEGRO; GOMES, 2006).

56 Direitos humanos e relações sociais


Diversos estudos mostram como a questão racial está presente no
mercado de trabalho contemporâneo. Melo, Araújo e Marques (2003)
mostram que tanto as oportunidades de ser escolhido para uma vaga
de trabalho quanto a remuneração oferecida são diferentes, de acordo Palestra
com o grupo étnico-racial do trabalhador. Brancos têm mais chance de
O canal do YouTube
serem contratados e recebem salários maiores do que negros, pardos Somos Mais que 1 (#+Q1)
conta com palestras cur-
e indígenas. Campante, Crespo e Leite (2004) chegam a conclusões se-
tas sobre diversos temas
melhantes e apontam que a diferença é causada pelo preconceito e relacionados ao mercado
de trabalho. O pales-
pela discriminação, enraizados profundamente no mercado de traba-
trante João Diamante,
lho, que enxergam as minorias étnico-raciais como incapazes, incom- na palestra realizada em
outubro de 2017, no Rio
petentes e inferiores.
de Janeiro, conta a sua
Santos e Scopinho (2011) mostram que, mesmo séculos após a história de vida e mostra
as dificuldades que um
abolição da escravatura, os profissionais negros, especialmente os jovem negro enfrenta
mais jovens, enfrentam grande dificuldade de inserção no mercado para se afirmar no merca-
do de trabalho.
de trabalho. Assim, muitos desses profissionais acabam atuando em
Disponível em: https://
trabalhos precários. Segundo estudo desenvolvido por Proni e Gomes www.youtube.com/
(2015), na primeira metade da década de 2010, dois terços dos traba- watch?v=oCpGjAZeMSI. Acesso em:
26 abr. 2021.
lhadores informais faziam parte de grupos étnico-raciais minoritários.

Já Oliveira (2013) faz uma relação entre raça e gênero e mostra que,
se o mercado de trabalho discrimina as minorias étnico-raciais, as mu-
lheres negras sofrem ainda mais com o preconceito. Além de sofrerem
mais com o desemprego, o trabalho da mulher negra é ainda mais pre-
cário e mal remunerado. A pesquisa é corroborada pelos dados coleta-
Leitura
dos por Guimarães (2004), que chega a outra importante conclusão: a
No site Hypeness, é
quantidade de anos de estudo e a qualificação escolar dos indivíduos possível encontrar a
de grupos minoritários é menor, e a baixa escolaridade é diretamente história em quadrinhos
On the plate (De bandeja
relacionada à precariedade do trabalho e ao menor nível salarial. em português), do
australiano Toby Morris.
De modo complementar, Vilela e Monsma (2015) concluem que pro-
A obra ilustra como a
fissionais brancos são mais bem remunerados do que profissionais falta de equidade impacta
as oportunidades pro-
negros com o mesmo nível educacional e com experiência profissional
fissionais de dois jovens
semelhante. De modo complementar, Cacciamali e Hirata (2005) mos- de diferentes origens
étnico-raciais e sociais.
tram que as mulheres negras, entre profissionais com o mesmo nível
Disponível em: https://www.
educacional, são as que mais são discriminadas no mercado de trabalho.
hypeness.com.br/2015/05/
Os dados mostram que a grande maioria dos profissionais que quadrinho-resume-o-porque-de-a-
historia-de-que-todo-mundo-tem-
ocupam cargos de gestão e liderança são brancos, enquanto os car- as-mesmas-chances-nao-e-tao-
gos operacionais e básicos da estrutura hierárquica são predominante- verdadeira-assim-2/. Acesso em:
26 abr. 2021.
mente ocupados por minorias étnico-raciais.

Relações étnico-raciais 57
Os resultados dos estudos citados mostram a importância das ações
afirmativas, tanto as relacionadas à educação quanto as relacionadas
à inserção de negros e indígenas no mercado de trabalho. Segundo
Ribeiro (2019, p. 24),
a lei de cotas para universidades federais, promulgada em 2012,
representou uma grande vitória. Uma pesquisa da Associação
Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Su-
perior (Andifes), com base em dados de 2018, mostrou que, nes-
sas instituições, a maioria dos estudantes é negra (51,2%); 64,7%
cursaram o ensino médio em escolas públicas e 70,2% vêm de
famílias com renda mensal per capita de até um salário mínimo
e meio.

Para a autora, essa mudança ainda não se reflete de maneira sig-


nificativa no mercado de trabalho. Porém, a crescente conscientização
da sociedade quanto à questão racial e os resultados da implantação
das políticas públicas de ação afirmativa, que, apesar de ainda tímidos,
já são sentidos na sociedade, têm feito as empresas entenderem que a
diversidade étnico-racial da equipe de colaboradores pode se transfor-
mar em uma vantagem competitiva.

Para Dias e Freire (2002), a diversidade traz muitos benefícios para


as empresas, no ponto de vista econômico e na imagem. Segundo os
autores, empresas com maior diversidade racial e de gênero têm me-
nor rotatividade de colaboradores, além de equipes mais produtivas e
satisfeitas; têm sua imagem fortalecida frente ao mercado e à opinião
pública e sofrem menos ações trabalhistas.

Segundo estudo realizado pelo extinto Ministério do Trabalho e


Palestra
Emprego (BRASIL, 2003), em um mercado cada vez mais globalizado,
A edição de 2020 do
evento #+Q1, realizada empresas com maior diversidade étnico-racial estão mais preparadas
em plataforma on-line, para compreender as diferentes demandas, bem como os hábitos e
em junho de 2020, bus-
cou apontar os caminhos comportamentos de consumidores de diferentes culturas e países.
para diminuir o desem-
prego no Brasil após a As empresas investem para construir uma marca valorizada e re-
pandemia de Covid-19. conhecida pelos clientes que aumente o valor percebido de seus pro-
A palestra, realizada
pelo psicólogo Gustavo dutos e serviços e fidelize os consumidores (KOTLER; KELLER, 2019). A
Borges, teve como título diversidade étnico-racial mostra para o mercado que a empresa não
Diversidade étnico–racial:
como aproveitar as oportu- adota práticas preconceituosas e que atua de maneira consciente, pro-
nidades. movendo ações afirmativas contra a discriminação. Para Dias e Freire
Disponível em: https://www. (2002), a promoção da diversidade étnico-racial pelas empresas traz
youtube.com/watch?v=0r-
0pT4hDqk. Acesso em: 26 abr. 2021. uma série de benefícios, tanto para a empresa quanto para os indiví-
duos e para a sociedade.

58 Direitos humanos e relações sociais


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em pleno século XXI, pode parecer absurdo que ainda seja necessário
discutir temas como preconceito e discriminação com base em raça ou et-
nia, porém, os reflexos de séculos de negação dos direitos humanos dos
grupos étnico-raciais minoritários ainda estão profundamente arraigados
na sociedade brasileira, diminuindo as oportunidades de inserção social,
educacional e profissional de indivíduos desses grupos.
As ações afirmativas, sejam elas públicas ou de organizações privadas,
têm um papel fundamental para incentivar uma mudança na cultura e na
sociedade brasileira. A crescente conscientização da população quanto
às questões raciais também colabora para que seja possível, em breve,
construirmos uma sociedade fundamentada na igualdade e na equidade.

ATIVIDADES
Vídeo
1. Explique o conceito de eugenia.

2. Explique as diferenças entre os termos raça e etnia.

3. Aponte quais ações podem ser tomadas para diminuir a desigualdade


racial.

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62 Direitos humanos e relações sociais


3
Gênero e sexualidade
As discussões sobre gênero, sexualidade e diversidade social apre-
sentam um papel central na busca pela garantia dos direitos huma-
nos de grupos sociais minoritários, como as mulheres e as pessoas
LGBTQIA+. Os próprios conceitos sobre gênero e sexualidade passam,
na sociedade contemporânea, por uma constante evolução.
Os reflexos dos preconceitos e da discriminação baseados tanto
no gênero quanto na sexualidade se fazem sentir nos mais diversos
aspectos da vida social, como no mercado de trabalho, no acesso à
saúde e à educação, na segurança contra a violência e na participação
política e social.
Na primeira parte deste capítulo vamos apresentar conceitos de
sexualidade e de diversidade sexual, abordando as construções histó-
rico-sociais da estrutura patriarcal centrada na heteronormatividade
que caracteriza nossa sociedade.
A segunda parte do capítulo vai aprofundar a discussão sobre iden-
tidade de gênero e orientação sexual, discutindo os aspectos biológi-
cos, psicológicos e sociais das classificações utilizadas nas discussões
sobre os direitos humanos dos grupos minoritários.
A terceira parte vai tratar do movimento feminista e sua busca pelos
direitos da mulher em uma sociedade centrada na figura do homem
como detentor dos poderes político, econômico e social. Também será
mostrada a trajetória do movimento feminista e as lutas atuais pelos
direitos femininos.
A parte final discutirá o movimento LGBTQIA+ e as conquistas obti-
das na luta pelos seus direitos. Em um dos países em que mais se mata
pessoas LGBTQIA+, o mais básico dos direitos humanos – o direito à
vida – ainda é negado a essas pessoas.

Gênero e sexualidade 63
Objetivos de aprendizagem
Com o estudo deste capítulo você será capaz de:
• compreender os conceitos de sexualidade e diversidade sexual;
• reconhecer as diversidades sexual e de gênero;
• refletir sobre as relações de normatividades de gênero e
sexo na sociedade e no Judiciário em especial;
• conhecer o papel dos movimentos feministas e LGBTQIA+
nas conquistas dos direitos humanos.

3.1 Sexualidade e diversidade sexual


Vídeo
Para que se possa discutir os direitos humanos dos grupos sociais mi-
noritários relacionados ao gênero e à sexualidade, é fundamental apresen-
tar alguns conceitos básicos que serão utilizados no decorrer do capítulo.

O conceito de gênero, segundo Heilborn e Rodrigues (2018), evoluiu


a partir do ponto de vista biológico, baseado na divisão dos indivíduos de
uma determinada espécie em machos e fêmeas, para uma visão cultural
e social. Nesse sentido, os indivíduos de um grupo social são ensinados
a agir e se comportar de certo modo no grupo social, de acordo com um
roteiro e um papel preestabelecido e considerado cultural e socialmente
aceito pelo grupo.

Assim, ao nascer com determinadas características anatômicas e bio-


lógicas, o individuo é educado, desde o início da sua socialização, para
cumprir determinados papéis e se portar de determinada forma. Des-
vios quanto a essa conduta esperada são considerados transgressões
ao arranjo social.

Essa visão biológica do gênero do indivíduo pode ser demonstrada,


segundo Preciado (2015), pelo trabalho do psicólogo John Money, desen-
volvido durante a década de 1950, nos Estados Unidos, com crianças in-
Glossário tersexo, ou seja, crianças nascidas sem a formação dos órgãos genitais.
heteronormativo: que
Para John Money, o sexo da criança deveria ser definido com base
estabelece como norma
a heterossexualidade e a em uma análise genética e na aparência dos órgãos sexuais. A teoria de
instituição de categorias
atribuição do sexo desenvolvida por Money orientou a prática médica
distintas, rígidas e comple-
mentares de masculino e durante décadas. Para Preciado (2015), a forma de definição de sexo es-
feminino, ou que é relati-
tabelecida por Money é heteronormativa e baseada na visão de que só
vo a heteronormatividade.
existem dois gêneros, definidos pelos órgãos sexuais do indivíduo.

64 Direitos humanos e relações sociais


Porém, essa divisão biológica entre homens e mulheres não é capaz
de refletir toda a diversidade que envolve a sexualidade humana. Para
Finco, Souza e Oliveira (2017), o conceito da sexualidade inclui aspectos
biológicos, questões psicológicas do indivíduo, representações culturais,
históricas e comportamentais do grupo social do qual ele faz parte; esses
aspectos influenciam os aprendizados formais e informais sobre os com-
portamentos tidos como aceitos ou esperados pelo grupo.

Weeks (2018) corrobora essa visão sobre o conceito de gênero ao


afirmar que as expressões da sexualidade são produtos da cultura de
cada grupo social. O autor destaca, porém, que os papéis sociais espera-
dos dos indivíduos de cada gênero não são fixos ou iguais em todos os
grupos sociais e divergem de acordo com as circunstâncias, a cultura e o
momento histórico de cada grupo social.

Um exemplo dessa diversidade dos papéis sociais de gêneros em di-


ferentes sociedades são os hijras, que, segundo Corrêa (2020), são uma
comunidade presente em diversos países do subcontinente indiano,
como a Índia e o Paquistão. O autor explica: “Vestidas comumente em
trajes femininos, as hijras são indivíduos que nasceram com o sexo bio-
lógico masculino – ou também mulheres que não possuem a capacidade
de menstruar e, logo, de reproduzir” (CORRÊA, 2020, p. 278).

A existência de grupos sociais como as hijras mostra que a divisão en- Documentário
tre gêneros e os papéis sociais de cada um deles dependem de aspectos
O documentário Shabnam
culturais e históricos de cada grupo social, como aponta Weeks (2018). Mousi é baseado na bio-
grafia da política indiana
Para Foucault (2017), as expectativas sobre papéis, posturas e comporta-
Shabnam Mousi, que
mentos que homens e mulheres devem ocupar na sociedade reafirmam lutou pelos direitos dos
hijras, considerados, tanto
as relações e as estruturas de poder do grupo social.
social quanto legalmente,
A visão da sexualidade heteronormativa, para Foucault (2017), é uma como um terceiro sexo
na sociedade indiana.
ferramenta construída pela sociedade ocidental nos últimos séculos Apesar de serem aceitos,
como forma de controle e poder dos grupos sociais dominantes. Ela está cumprirem um papel na
estrutura social e terem
presente tanto nos discursos, normas e comportamentos quanto nas parte de seus direitos
práticas legais e sociais que orientam a sociedade. Finco, Souza e Oliveira garantidos pela legislação,
principalmente a partir da
(2017, p. 110) afirmam: luta de Shabnam, os hijras
ainda sofrem preconcei-
a sexualidade é mais que uma questão pessoal, é social e é po- tos e discriminação.
lítica, resultante de um processo de aprendizagem que se dá
ao longo do processo de socialização e está intimamente rela- Direção: Yogesh B­ hardwaj. India:
cionada ao modo como as relações de gênero estão organiza- Bollywood Films & Entertainments,
2005.
das em um determinado contexto, servindo para constituir os
sujeitos subjetivamente.

Gênero e sexualidade 65
Música Os discursos heteronormativos apontados por Foucault (2017) estão
A letra da música Flutua, presentes nos mais variados grupos e ambientes sociais, a começar pela
cantada por Johnny
Hooker, mostra como própria família, que muitas vezes critica e pune comportamentos por es-
o discurso heteronor- tarem em desacordo com as atitudes que são esperadas para o gênero
mativo está presente na
sociedade. Ao relatar daquele indivíduo.
um romance entre dois
homens, a letra diz:
Esse julgamento se dá também em outros ambientes nos quais o in-
O que vão dizer de nós? divíduo está inserido em seu cotidiano, como a escola, o grupo de amigos
Seus pais, Deus e coisas tais e os ambientes profissionais. Em um ambiente mais geral, os discursos
Quando ouvirem rumores heteronormativos estão presentes também na mídia, nas comunidades
do nosso amor?
religiosas e nos serviços públicos que negam atendimento ou discrimi-
Baby, eu já cansei de me
esconder nam aqueles que não se enquadram na dualidade sexual homem/mu-
Entre olhares, sussurros lher, como na área de saúde e nos serviços de apoio social.
com você
Somos dois homens e nada Como instrumento de dominação social, a heteronormatividade tem
mais
o papel de definir não apenas como os indivíduos de cada gênero devem
Eles não vão vencer
se comportar, mas também como deve ser a prática sexual de cada gê-
Ao mostrar um casal
homossexual sendo nero. Não se trata de negar que a dimensão biológica tem uma influên-
agredido, o clipe mostra cia profunda sobre a sexualidade, mas a prática da vida sexual envolve
a discriminação pala além
das palavras. também aprendizados, experiências, vivências e emoções do histórico
de vida de cada indivíduo.
Disponível em: https://
www.youtube.com/
watch?v=mYQd7HsvVtI. Acesso
em: 25 jun. 2021. 3.1.1 Questões de gênero
Os conceitos de gênero e sexualidade não se refletem apenas na dis-
criminação e no preconceito social contra indivíduos que não seguem os
papéis heteronormativos esperados. Segundo Louro (2013), os papéis
sociais masculinos e femininos são definidos de acordo com as caracte-
rísticas de cada cultura e sociedade.

Para a autora, a ideia de que o gênero masculino é mais forte, inteli-


gente e poderoso do que o gênero feminino está embutida nesses con-
ceitos, de gênero e sexualidade, realizando-se na prática do machismo
e na estruturação de uma sociedade patriarcal. As mulheres, na grande
maioria das sociedades e culturas contemporâneas – notadamente nas
culturas ocidentais patriarcais e machistas –, são socialmente colocadas
em uma posição de inferioridade, subordinação e dependência em rela-
ção aos papéis masculinos. Essa estrutura social reflete uma ideologia de
poder masculino passada de geração em geração.

Para Amaral et al. (2016), os padrões culturais, nessas sociedades,


definem o homem como provedor do núcleo familiar e atribui caracte-

66 Direitos humanos e relações sociais


rísticas como virilidade, inteligência, liderança, força física e capacidade
de tomada de decisão como ligadas intrinsecamente à masculinidade.
Já a mulher deve apresentar características como beleza, sensualidade,
amabilidade e submissão. O papel social da mulher nesses contextos,
segundo os autores, é de subordinação ao homem, a quem deve ser fiel
e dedicada, e seu principal objetivo de vida deve ser a maternidade.

Os papéis sociais definidos pela heteronormatividade estão, portan-


to, ligados tanto a questões de sexualidade e gênero quanto a questões
de poder e controle social. Para Miskolci (2009, p. 156-157):
a heteronormatividade é um conjunto de prescrições que funda-
menta processos sociais de regulação e controle, até mesmo aque-
les que não se relacionam com pessoas do sexo oposto. Assim, ela
não se refere apenas aos sujeitos legítimos e normalizados, mas é
uma denominação contemporânea para o dispositivo histórico da
sexualidade que evidencia seu objetivo: formar todos para serem
heterossexuais ou organizarem suas vidas a partir do modelo su-
postamente coerente, superior e “natural” da heterossexualidade.

Segundo Butler (2003), os indivíduos que não se enquadram na nor-


ma heterossexual são marginalizados e tidos como transgressores pelo
grupo social, assim como as mulheres são oprimidas e têm seus direitos
diminuídos ou negados. A organização da sociedade, com base na visão
heteronormativa, abre espaço para que surjam discriminações e precon-
ceitos baseados no gênero e nas identidades de gênero, na sexualidade,
na diversidade sexual e na orientação social.

3.2 Identidade de gênero e orientação sexual


Vídeo Corresponder às expectativas que são criadas com base nos papéis
sociais definidos pela heteronormatividade traz desafios para os indi-
víduos cuja sexualidade corresponde ao seu gênero biológico. Nessa
visão idealizada dos gêneros, homens não choram, devem ser viris, não
podem usar determinados tipos de roupas nem ter preocupações es-
téticas. Por outro lado, mulheres precisam ser femininas, precisam se
vestir de maneira recatada, devem ter como principal objetivo se casar
e ter filhos e não podem exercer determinadas profissões. Simões e
Facchini (2009) chamam de estratégia de diferenças essa determinação
de papéis de acordo com o gênero.

Gênero e sexualidade 67
1 Se para os indivíduos cisgênero
1
a heteronormatividade já traz
Segundo Jesus (2012), o desafios, para aqueles cujo gênero biológico não corresponde à sua
conceito de cisgênero foi
desenvolvido na década identidade de gênero, ou seja, os transgêneros, os desafios são infini-
de 1990 para designar
indivíduos que se identifi-
tamente maiores e mais amplos.
cam com o sexo biológico
e gênero que lhes foram Para entender os conceitos de cisgênero e transgênero, é neces-
atribuídos no nascimento. sário conhecer o conceito de identidade de gênero. Para Jesus (2012), a
representação social dos gêneros masculino e feminino é carregada
de convenções e comportamentos reconhecidos pelo grupo social,
com base no sexo biológico e na genitália do indivíduo. Porém, não
necessariamente a construção e a percepção do próprio indivíduo
sobre sua identidade estão alinhadas a essas características físicas e
biológicas.

Para Simões e Facchini (2009), as identidades de gênero são cons-


Filme
truídas por meio das experiências, vivências e emoções de cada in-
divíduo. Apesar de estarem relacionadas, a identidade de gênero e a
orientação sexual nem sempre estão alinhadas.

As orientações sexuais, segundo Souza Filho (2018), são plurais e


estão relacionadas a expressões dos desejos emocionais e sexuais do
indivíduo. Para o autor, as orientações sexuais não são necessaria-
mente fixas: o indivíduo, independentemente de se identificar como

O documentário Disclosure:
cisgênero ou transgênero, pode ter diferentes orientações sexuais, e
ser trans em Hollywood foi estas podem se modificar durante a vida.
produzido por pessoas
trans e apresenta um Simões e Facchini (2009) destacam que, da mesma forma que os
olhar profundo sobre a
importância da represen- gêneros e a sexualidade socialmente aceitos são definidos histórica e
tatividade transgênera em culturalmente em cada grupo social, as identidades de gênero e orien-
filmes e na televisão. Tam-
bém é discutido como a tações sexuais também são construídas socialmente. Assim, o que se
versão hollywoodiana tem
espera com base na cultura heteronormativa e cisnormativa é que os
impactado a vida dessas
pessoas. indivíduos desejem sexualmente e se relacionem apenas com indi-
víduos do sexo e do gênero oposto. Porém, segundo os autores, no
Direção: Sam Feder. USA: Netflix,
2020. plano do indivíduo, nem sempre esses elementos caminham juntos.

As normas sociais e os comportamentos socialmente aceitos e va-


lorizados buscam disciplinar e controlar as expressões de identidade
de gênero e orientação sexual por meio de constrangimentos, discri-
minações e preconceitos. A busca pelo espaço de expressão e pela
aceitação social de indivíduos de diferentes identidades de gênero e
orientações sexuais se torna, assim, instrumento político e social im-
portante para que os direitos humanos sejam respeitados.

68 Direitos humanos e relações sociais


Para Louro (2013), a afirmação e o posicionamento público da Documentário
identidade sexual dos indivíduos não heterossexuais e cisnormativos O documentário Os tabus
sociais na percepção de
são fundamentais para que se construa uma sociedade mais justa e gêneros e papéis sexuais
inclusiva, tanto no que diz respeito à diversidade de gênero quanto mostra como os conceitos
de gênero, sexualidade,
aos direitos das mulheres. identidade sexual e orien-
tação sexual são pouco
O trabalho de Judith Butler é fundamental para a discussão sobre compreendidos pela
os conceitos de sexualidade, gênero, identidade de gênero e orien- maioria das pessoas, além
de discutir, com base em
tação sexual e sua relação com a sociedade, a cultura, a política e conceitos psicológicos,
os direitos humanos. Para a filósofa, os movimentos que lutam pe- filosóficos e legais, as vi-
sões e normas presentes
los direitos humanos relacionados ao gênero e à sexualidade, ao não na sociedade.
aceitarem se ajustar à heteronormatividade e aos papéis sociais de- Direção: Julia Balthazar. Bra-
sília: CEUB, 2017. Disponível
terminados para os gêneros, rompem as estruturas de poder e de do-
em: https://www.youtube.
minação social fazendo com que mulheres e pessoas com diferentes com/watch?v=8wDzXSlrs-
5Q&t=317s. Acesso em: 25
identidades de gênero e orientações sexuais tenham voz e espaço na
jun. 2021.
sociedade (BUTLER, 2013).

Para Louro (2013), ao criarem regras e comportamentos que de-


vem ser seguidos, a heteronormatividade e a cisnormatividade geram
as condições para que surjam indivíduos e movimentos que descons-
truam e enfrentem essas regras. A conexão entre política, poder,
gênero e sexualidade, apontada por Butler (2013), originou os movi-
mentos feministas e LGBTQIA+ (conforme box a seguir), que buscam
estabelecer mudanças na estrutura social – na qual a heteronormati-
vidade é considerada não apenas como padrão, mas também como
fonte de privilégios para os que nela se enquadram.
Documentário
O documentário Questão
A sigla LGBTQIA+ é formada pelas letras iniciais das palavras lésbicas, gays, bissexuais,
de Gênero mostra o
transsexuais, queer, intersexuais e assexuais, além do símbolo “+”, que busca incluir todas cotidiano de pessoas que
as demais orientações sexuais e identidades de gênero. Ela é usada pelos movimentos de não se identificam com
defesa e luta pelos direitos e pela inclusão social de indivíduos que não se enquadram seu gênero de nascimen-
to. Durante um ano, a
nos conceitos de heterossexualidade e cisgeneralidade. O movimento LGBTQIA+ será produção acompanhou a
estudado na quarta parte deste capítulo. vida, as lutas, os conflitos,
os preconceitos e as dis-
Jackson (2006) aponta que as regras e normas relacionadas às criminações pelas quais
passam sete pessoas que
questões de gênero definem um estilo de vida e comportamento ti- buscam apenas viver de
dos como normais, que incluem a submissão feminina e a exclusão acordo com sua própria
identidade.
social de indivíduos não heterossexuais, que sofrem discriminação,
exploração, preconceito e desigualdade social e de direitos. Já Rich Direção: Rodrigo Najar. Produção:
Coletivo Catarse. Disponível em:
(2010) explica que a centralidade do papel do homem heterossexual https://www.youtube.com/
na sociedade diminui os espaços e a representatividade social, cultu- watch?v=_0fv4VZ5aiM. Acesso
em: 28 jun. 2021.
ral e política de mulheres e de indivíduos LGBTQIA+.

Gênero e sexualidade 69
3.3 Movimentos feministas
Vídeo
Para que se possa entender e discutir o surgimento e o desenvolvi-
mento dos movimentos feministas, é necessário entender o conceito
de patriarcado, pois é com base na estrutura da sociedade em que o
homem está no centro do poder político, econômico e social que a luta
pelos direitos da mulher se faz necessária. Segundo Costa (2017, p. 3):
o termo “patriarca” é primeiramente encontrado no Antigo Tes-
tamento, como governo paternal de uma família, tribo ou igreja;
“patriarcado” é uma categoria sociológica ou antropológica (mas
poderíamos também dizer filosófica e política) a partir da qual se
concebe um modo específico de organização social, a saber, uma or-
ganização em que o homem mais velho tem a autoridade máxima.

A origem histórica do termo, destacada por Costa (2017), mostra


que o patriarcado se estabeleceu desde os primeiros momentos do de-
senvolvimento das sociedades humanas.

O poder e ascensão do homem sobre a mulher, os filhos e os fami-


liares, como explica a autora, passou a ser replicado para a sociedade
em geral. As mulheres, nessa organização familiar, deviam adotar uma
postura de submissão e obediência, assim como também deviam ser
submissas na estrutura da sociedade como um todo.

Como afirma Saffioti (2015, p. 33), o poder social, econômico e po-


lítico é “macho, branco e, de preferência, heterossexual”. Apesar de a
autora incluir em sua definição questões relativas à orientação sexual
e à raça, o uso do termo patriarcado para definir a centralização do
poder social na figura do homem surgiu dos movimentos de defesa
Saiba mais e luta pelos direitos das mulheres, que compreendem o patriarcado
A frase “que comece o como a forma de organização social baseada na dominação masculina
matriarcado” se tornou
mundialmente conhecida
de modo sistemático, impedindo que as mulheres ocupem posições
depois de uma fala da sociais, profissionais e políticas (COSTA, 2017).
personagem Nairobi, da
série La Casa de Papel, A organização da sociedade com base no patriarcado coloca as mu-
produzida pela Netflix.
Essas palavras represen-
lheres em uma posição em que seus direitos são negados ou diminuídos
tam o anúncio do início da e abre espaço para que sofram preconceito, discriminação e violência. A
liderança da personagem
na trama e também foram
dominação do homem sobre a mulher se dá não apenas no plano polí-
vistas como uma espécie tico e social, mas também econômico. Durante séculos, as mulheres fo-
de representação do
poder feminino.
ram excluídas do mercado de trabalho, sendo totalmente dependentes
financeiramente da figura do patriarca da família, seja o pai ou o marido.

70 Direitos humanos e relações sociais


Essa posição histórica de submissão social e política e de dependên-
cia econômica, para Saffioti (2015), serve aos interesses das classes e
do gênero dominantes. Assim, o poder e o controle sobre as mulheres
– base do patriarcado – são expressos no cotidiano das relações sociais
por meio do machismo e do sexismo, ou seja, pelo preconceito e pela
discriminação em relação à mulher, bem como pela perpetuação dos
privilégios masculinos.

O feminismo surge exatamente como uma resposta à centralidade


da figura masculina na sociedade. Tiburi (2018, p. 5) define o feminis-
mo como “o desejo por democracia radical voltada à luta por direitos
daqueles que padecem sob injustiças que foram armadas sistematica-
mente pelo patriarcado”.

Já Alves e Pitanguy (2017) apresentam uma definição mais filosófica


Filme
do que é o feminismo. Para as autoras, o feminismo está relacionado
à construção de uma sociedade que não seja hierarquizada por gêne-
ro ou sexo, na qual as estruturas e relações de poder, os espaços de
participação social, econômica e política sejam igualmente distribuídos
entre todos.

Silva, Mata e Silva (2017) explicam que a luta pelos direitos da mulher
sempre esteve presente no desenvolvimento histórico da sociedade,
mas alguns marcos históricos são fundamentais para que se entenda
o movimento feminista. Para as autoras, as origens do feminismo re-
O matriarcado, que pode
montam ao Iluminismo e a momentos históricos, como a Revolução ser entendido como a
Francesa e a Independência americana. estrutura social na qual as
mulheres se encontram
Porém, para Pinto (2010), o movimento feminista como uma força em posição de poder, é
tema do filme Eu não sou
organizada surgiu no fim do século XIX, com as lutas das mulheres in- um homem fácil, produzi-
glesas pelo direito ao voto. As sufragistas – mulheres que organizavam do pela Netflix. Nele, um
homem criado em uma
manifestações pedindo o direito de participar das decisões políticas da sociedade patriarcal se
sociedade – representaram o primeiro movimento organizado pelos muda para uma local em
que o poder é exercido
direitos da mulher. Apesar de ser uma luta por um direito específico, pelas mulheres. Diversas
o movimento sufragista expôs a situação de negação dos direitos das situações aparentemente
cômicas mostram de
mulheres, dando origem aos movimentos feministas. modo contundente como
a sociedade é machista e
No Brasil, o direito ao voto foi conquistado pelas mulheres na dé- sexista.
cada de 1930, o que colocou o país à frente dos direitos femininos,
Direção: Éléonore ­Pourriat. França:
pois a grande maioria das nações ainda não garantia o direito ao Autopilot Entertainment, 2018.
voto feminino naquele momento (PINTO, 2010).

Gênero e sexualidade 71
Filme Segundo Miguel e Biroli (2014), a partir da década de 1950, após a
Segunda Guerra Mundial, as mulheres passam a ter, nos países ociden-
tais, uma participação maior na sociedade, conquistando espaços na
política e na economia.

A luta dos movimentos feministas, antes direcionada à questão do


voto, passou a incluir novas demandas por direitos relacionados à in-
serção no mercado de trabalho, à garantia de direitos relacionados à
saúde e à maternidade, assim como a uma nova posição da mulher
na sociedade.
Inspirado na luta das
mulheres inglesas pelo
Ainda segundo Miguel e Biroli (2014), a partir da década de 1980,
direito ao voto, o filme As
sufragistas, baseado em o feminismo passou, globalmente, por uma profunda transformação,
fatos e personagens reais,
que envolvia tanto o desenvolvimento de uma base teórica e conceitual
mostra as ações e as
manifestações que deram quanto a organização de entidades internacionais com o objetivo de
origem aos movimentos
lutar pela universalização dos direitos da mulher.
feministas na transição
entre os séculos XIX e No Brasil, a luta do movimento feminista, segundo Saffioti (2015),
XX. As manifestações, a
princípio pacíficas, não estava centrada na regulamentação legal dos direitos da mulher, nas
foram suficientes para mais variadas esferas da vida, como a economia, a educação, a saú-
que as mulheres obtives-
sem os direitos políticos de, o mercado de trabalho, a política e a sociedade. A autora destaca,
pelos quais lutavam. também, a luta pela criação de leis de proteção à mulher em relação à
O movimento passa a
adotar ações mais radicais violência, principalmente aquela cometida dentro das próprias famílias
com o objetivo de atrair por parentes e cônjuges.
a atenção da sociedade
para a causa. Nesse sentido, segundo Pitanguy (2017), a Constituição brasileira,
Direção: Sarah Gavron. Reino Unido: promulgada em 1988, representa uma mudança de paradigma em re-
Pathé; Film 4, 2015. lação aos direitos femininos. A autora destaca, no texto da Constitui-
ção, dois artigos fundamentais, sendo um deles o artigo 5º, inciso I,
que estabelece a igualdade entre homens e mulheres como um direito
fundamental:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros resi-
dentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição. (BRASIL, 1988)

Já o artigo 226, parágrafo 5º, estabelece que a igualdade entre ho-


mens e mulheres também deve ocorrer no âmbito familiar: “Art. 226º.
A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 5º - Os

72 Direitos humanos e relações sociais


direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igual-
mente pelo homem e pela mulher” (BRASIL, 1988).

Para Pitanguy (2017), as conquistas relacionadas aos direitos da mu-


lher na Constituição brasileira de 1988 foram resultado direto da luta
de grupos relacionados ao movimento feminista, dentre eles o Conse-
lho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM).

Os avanços na legislação brasileira, segundo Amâncio (2013), con-


tribuíram para que as mulheres ocupassem cada vez mais espaços na
política, na sociedade e na economia, bem como fortaleceram a atua-
ção dos movimentos feministas.

Saffioti (2015) também destaca a importância dos movimentos fe-


ministas na conscientização das mulheres em relação aos seus direitos.
Para a autora, mais do que apenas garantir os direitos femininos, os
movimentos feministas construíram uma nova postura da mulher na
sociedade brasileira: aquela que busca ocupar seus espaços em todas
as dimensões da sociedade, assumindo papéis sociais que antes eram
desempenhados apenas por homens.

Apesar de todas as conquistas legais obtidas pelas mulheres nas úl-


timas décadas, a colocação desses direitos na prática ainda está longe
de ser uma realidade na sociedade brasileira. Um exemplo significativo
dessa realidade pode ser observado no mercado de trabalho. Os dados
sobre atuação profissional, níveis salariais e cargos ocupados no merca-
do de trabalho mostram que as mulheres ainda sofrem com o precon-
ceito, a discriminação e a negação de direitos – até quando ocupam as
mesmas posições profissionais as mulheres acabam sendo subordina-
das a cargos ocupados por homens, além de serem mal remuneradas.

Algumas profissões são percebidas como exclusivamente masculi-


nas, enquanto outras são vistas como essencialmente femininas. Em
geral, as profissões tidas como femininas são remuneradas em níveis
menores do que aqueles registrados entre as profissões masculinas.

Um exemplo dessa divisão entre profissões masculinas e femininas


é dado por Iamamoto (2017) ao discutir a profissão de assistente social.
Para a autora, a profissão é vista como feminina desde seus primór-
dios, ligada às ações de caridade desenvolvidas pelas esposas e filhas
de homens em posição de poder político e econômico.

Gênero e sexualidade 73
A prática daquilo que a autora chama de primeiro-damismo, ou seja,
a atuação da primeira-dama (esposa do político que detém o Poder
Executivo) em ações sociais, mostra como a profissão é ligada à figura
da mulher.

Um estudo desenvolvido por Madalozzo e Artes (2017) sobre a se-


gregação profissional de acordo com o gênero mostra que, na socie-
dade brasileira, existem profissões que são consideradas masculinas e
outras, femininas. A escolha profissional tem um impacto direto sobre
o nível salarial do trabalhador.

O quadro a seguir mostra a classificação proposta pelos autores, de


acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar,
realiza no ano de 2013.

Quadro 1
Classificação dos segmentos de indústria com relação às categorias ocupacionais feminina,
integrada ou masculina

SEGMENTOS CLASSIFICAÇÃO
construção masculina

comércio integrada

alojamento integrada

transporte masculina

administração masculina

educação feminina

doméstica feminina

social feminina

outras indústrias masculina

outras atividades integrada


Fonte: Adaptado de Madalozzo; Artes, 2017, p. 2.

Para definir a classificação de cada profissão, os autores levaram


em consideração a porcentagem de profissionais de cada sexo. Assim,
profissões em que mais de 60% dos profissionais são de um determi-
nado sexo foram classificadas como masculinas ou femininas. Já as
profissões em que há um equilíbrio entre a porcentagem de profissio-
nais foram consideradas integradas.

Madalozzo e Artes (2017) relacionaram essas classificações e con-


cluíram que as profissões predominantemente masculinas são melhor
remuneradas do que as profissões associadas às mulheres. No entan-
to, os autores encontraram diferenças significativas no nível salarial

74 Direitos humanos e relações sociais


mesmo entre aqueles que atuam na mesma profissão. Essa diferença
chega a 37% nas profissões integradas, e nas predominantemente mas-
culinas os homens recebem cerca de 16% a mais do que as mulheres.

A violência contra a mulher é outra realidade que mostra como os


direitos femininos ainda não são plenamente respeitados no Brasil. So-
mente no ano de 2006 foi promulgada uma lei específica para coibir a
violência contra a mulher.

A Lei n. 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha (BRASIL,


2006), cria juizados especiais para lidar com a violência contra a mulher
e estabelece diversas alterações no ordenamento jurídico brasileiro. O
fato de uma lei dessa relevância para a garantia dos direitos da mulher
ter sido promulgada somente no século XXI mostra como, na prática,
os direitos femininos ainda não estão garantidos no Brasil.

Cisne e Oliveira (2018) chamam a atenção para o fato de que a vio-


lência contra a mulher é frequentemente associada apenas ao âmbito
familiar. Apesar de ser no próprio lar que a mulher mais sofre com
a violência e com a negação dos seus direitos, muitas vezes devido à
dependência financeira e emocional quanto à figura patriarcal desem-
penhada pelo pai ou pelo cônjuge, as autoras destacam que a mulher
também sofre com a violência e a violação dos seus direitos na socieda-
de e nos espaços de trabalho.

Saffioti (2015) destaca que a luta pelos direitos da mulher ainda é


um esforço cotidiano e contínuo, que passa pela análise dos novos pa-
péis ocupados pela mulher na sociedade, considerando até que ponto
os preconceitos e a discriminação são reproduzidos e mantidos de ma-
neira sistêmica nos vários espaços sociais.

Para Madalena (2016), embora existam divergências dentro dos mo-


vimentos feministas quanto à forma de exercer a luta pelos direitos da
mulher, tanto do ponto de vista conceitual quanto na prática política e
nos tipos de manifestações e ações realizadas, as reivindicações e os
princípios básicos funcionam como pontos de convergência entre as
diversas vertentes do feminismo.

Os movimentos feministas, no mundo contemporâneo, buscam assu-


mir uma nova postura, na qual a luta por direitos específicos e pela cria-
ção de legislações é substituída pela busca da construção de uma nova
estrutura social, uma em que as relações não sejam estabelecidas com
base em sexo ou gênero (MADALENA, 2016). Para a autora, essa nova

Gênero e sexualidade 75
forma de lutar pelos direitos da mulher traz resultados mais amplos,
pois os direitos de outras minorias, como as étnico-raciais e L
­ GBTQIA+,
também fazem parte de uma sociedade mais justa e harmônica.

3.4 Movimentos LGBTQIA+


Vídeo
Para que se possa discutir e conhecer o movimento LGBTQIA+, é
preciso, antes, entender a sigla e compreender por que ela está em
constante evolução. As letras que formam a sigla representam diversos
tipos de identidades de gênero e orientações sexuais. As três primeiras
letras estão relacionadas às orientações sexuais: o “L” representa as
lésbicas e o “G”, os gays, indivíduos que sentem atração afetiva, amoro-
sa ou sexual por pessoas do mesmo sexo e gênero. Já o “B” representa
os bissexuais, indivíduos que se sentem atraídas por pessoas de ambos
os sexos.

As demais letras se relacionam às identidades de gênero e à diversi-


dade sexual. O “T” refere-se às pessoas trans, ou transgêneros, ou seja,
pessoas que não se identificam com o gênero de nascimento. O conceito
de transgênero é, portanto, contrário ao termo cisgênero, mas abarca
diversos conceitos diferentes – como os transexuais, que, por se identifi-
carem com um gênero diferente do de nascimento, realizam mudanças
corporais, utilizam símbolos, vestimentas e assumem comportamentos,
estipulados pela sociedade, do gênero com o qual se identificam.

Já as travestis, no caso das pessoas que se identificam com o gênero


feminino, apesar de utilizarem vestimentas e adotarem comportamen-
tos característicos do gênero oposto, não necessariamente se sentem
1 desconectadas do seu gênero de nascimento. O termo transvestigênere
1

O termo transvestigênere, foi criado para reunir os conceitos relacionados à transgeneralidade.


criado por Érika Hilton
e pela ativista Indianara A letra “Q”, por sua vez, representa a palavra queer. O termo surgiu,
Siqueira, une as identifi-
cações trans, travesti e
originalmente, como algo pejorativo ou ofensivo, uma injúria direciona-
transgênero. da aos indivíduos que não seguem os padrões da heteronormativida-
de. Sem tradução literal do inglês para o português, o termo queer pode
ser entendido, segundo Bandeira (2020, p. 56), como:
um insulto que tem paralelo com termos pejorativos ouvidos
cotidianamente por aquelas e aqueles que transgridem as nor-
mas no Brasil, e são taxadas como pessoas esquisitas, estranhas,
anormais, bichas, boiolas, baitolas, quaquá, pocs, sapatões, ca-
minhoneiras, pocheteiras, traveco etc.

76 Direitos humanos e relações sociais


Apesar da origem ofensiva, o termo foi incorporado pelos movimen-
tos LGBTQIA+ como forma de confronto. Ao assumir a própria trans-
gressão, segundo Bandeira (2020), o movimento queer se posicionou
contra o que é considerado normal pela heteronorma e pela cisnorma.
A teoria queer ganhou força no Brasil a partir da década de 2000, com
a publicação de estudos, artigos e livros de Foucalt (2017) e, principal-
mente, Butler (2003).

A letra “I” representa a palavra intersexual, que se refere aos indi-


víduos que, por motivos genéticos ou biológicos, nascem com uma
anatomia reprodutiva e sexual que não pode ser definida como tipica-
mente masculina ou feminina. Segundo Santos (2013, p. 4):
existem pessoas cujas características sexuais primárias ou secun-
dárias não preenchem os requisitos médicos ou/e sociais passí-
veis de integração num desses dois grupos. Por vezes, quando
do nascimento, o sexo genital pode suscitar dúvidas [...]. Mas não
só no nascimento se encontram ambiguidades. O que no início
parecia ser “normal” pode revelar posteriormente discrepâncias
nos órgãos genitais e/ou nas características sexuais secundárias.

Em muitos casos, a definição do sexo da criança nascida com ca-


racterísticas intersexuais é realizada pela própria equipe médica que
realiza o parto, utilizando-se parâmetros físicos como o tamanho ou
a forma do órgão sexual com o objetivo de encaixar o recém-nascido
em um dos gêneros sexuais. Santos (2013) acredita que essa prática
pode ser entendida como uma forma de normalização baseada em
uma visão heteronormativa e sexista. Em muitos casos, o sexo desig-
nado pela equipe médica não coincide com a identidade de gênero da
criança, mas essa divergência só será percebida muitos anos depois, o
que pode gerar sérios problemas de aceitação da identidade de gênero
pelo indivíduo, pela família e pela sociedade.

Os assexuais são representados, na sigla LGBTQIA+, pela letra “A”. A


assexualidade é um termo pouco discutido e frequentemente confun-
dido com uma escolha pessoal, como no caso do celibato seguido por
religiosos, ou com uma disfunção sexual, seja de origem psicológica
ou fisiológica. Porém, ela é mais complexa. Segundo Santos e Carvalho
(2019, p. 2.711):
o indivíduo assexual é aquele que não vivencia a atração sexual,
algo que lhe é intrínseco e, portanto, difere do celibato que con-
siste em uma escolha, o que faz da assexualidade uma orienta-
ção sexual. Porém, esse conceito vai de encontro ao pressuposto

Gênero e sexualidade 77
de que todo ser humano sente desejo sexual, sendo que a falta
dele implicaria prejuízos na saúde mental da pessoa e no surgi-
mento de disfunções sexuais.

A vivência de cada indivíduo assexual pode ser diferente, mas um


ponto em comum é que o impulso sexual não está reprimido ou contro-
lado pela vontade ou por uma decisão consciente. De acordo com San-
tos e Carvalho (2019), a falta de interesse sexual não está ligada ao medo
ou à aversão à experiência do ato sexual. A falta de interesse pelo sexo
não impede que o indivíduo desenvolva relações afetivas ou amorosas.

Por fim, a sigla termina no símbolo “+”, que representa a diversidade


das identidades de gênero e orientações sexuais, incluindo pansexuais,
polissexuais, pessoas não binárias e gender fluid (gênero fluido). A sigla
está em constante atualização e modificação. Originalmente, eram usa-
das apenas as letras GLS, significando gays, lésbicas e simpatizantes; à
medida que se organizou, o movimento foi incorporando à sigla outras
identidades e orientações, com a inclusão dos bissexuais e transgêne-
ros (momento em que a sigla utilizada passou a ser LGBT) e, posterior-
mente, as demais letras.

Apesar de a sigla LGBTQIA+ ser a mais utilizada e aceita nos meios


2 acadêmicos, políticos e no próprio movimento, existem versões que
two-spirit: é uma identi- incluem outras identidades, como LGBTQIAP+, com a letra “P” repre-
dade indígena americana
antiga, que não possui sentando os pansexuais, e LGBTQQICAPF2K+, significando lésbicas,
o padrão de gênero da gays, bissexuais, transexuais e travestis, queer, questionando, interse-
sociedade como homem 2 3
e mulher. xo, curioso, assexuais, pan e polissexuais, aliados, two-spirit e kink .
A constante evolução da sigla mostra a intenção de abarcar toda a di-
3 versidade de identidades e orientações sexuais. Independentemente
da maneira de se referir ao movimento, as lutas das pessoas que não
kink: significa fetiche,
ou seja, pessoas com se enquadram nos padrões da heteronormatividade e da cisnormativi-
fetiches.
dade são semelhantes.

O movimento de luta pelos direitos desse grupo minoritário teve


como primeiro grande evento um conflito entre a polícia da cidade de
Nova York e os frequentadores de um bar, em 28 de junho de 1969.
Nessa época, as pessoas LGBTQIA+ sofriam coerção e eram proibidas
de ter relacionamentos homoafetivos, usar certas peças de roupas con-
sideradas do gênero oposto e frequentar ou beber em alguns lugares.

O bar Stonewall Inn era voltado para o público LGBTQIA+, sendo


um local em que as pessoas podiam se sentir seguras e se expressar

78 Direitos humanos e relações sociais


como desejassem, por isso foi muito importante para essas pessoas. Documentário
A violenta abordagem policial ao local gerou uma grande reação dos O documentário Stonewall
Uprising retrata o ocorrido
frequentadores e esse episódio ficou conhecido como Rebelião de Sto- em 28 de julho de 1969
newall. Desde então a data é conhecida como o Dia Internacional do quando a polícia invadiu o
Stonewall Inn, um bar gay
Orgulho LGBTQIA+. no bairro de Greenwi-
ch Village, Nova York.
Silva (2020) afirma que as conquistas sociais e legais, relacionadas Os protestos violentos
à plena garantia dos direitos humanos dos indivíduos LGBTQIA+, fo- duraram seis dias e foram
o grande marco para uma
ram fragmentadas, mas significativas. Dentre essas conquistas, o autor importante virada no mo-
cita a organização dos movimentos sociais, não só do ponto de vista vimento moderno pelos
direitos civis dos gays nos
da participação dos indivíduos como na forma de institucionalização e Estados Unidos e em todo
organização legal de associações, organizações não governamentais, o mundo.

órgãos públicos e entidades locais e globais que lutam pelos direitos Direção: David Heilbroner, Kate
Davis. USA: First Run Features, 2010.
desse grupo.

A Parada do Orgulho LGBTQIA+, que surgiu da Rebelião de Stone-


wall, tornou-se um evento anual organizado ao redor do mundo, além
ter trazido maior conhecimento e exposição das demandas da comu-
nidade para a sociedade, o que contribuiu para que alguns símbolos e
comportamentos dos indivíduos LGBTQIA+ se tornassem parte da cul-
tura da sociedade, diminuindo o preconceito e a discriminação.

Algumas conquistas bastante relevantes estão relacionadas à for-


ma como a homossexualidade é vista pela ciência e pelos órgãos
oficiais ligados à saúde. Dentre essas mudanças, Silva (2020) destaca
que a homossexualidade deixou de ser considerada como doença
Documentário
no ano de 1995, e a transidentidade foi incluída como condição re-
A luta pelos direitos da
lacionada à saúde sexual, em 2018, pela Organização Mundial de comunidade LGBTQIA+ é
Saúde (OMS). o tema do documentário
Os Tempos de Harvey Milk,
As conquistas legais também são bastante relevantes, segundo Silva baseado na história real
de Harvey Milk. Ao se
(2020). Entre elas, incluem-se o reconhecimento dos direitos humanos deparar, no ano de 1972,
dos indivíduos LGBTQIA+; a união civil de casais de mesmo sexo; no com o preconceito à ho-
mossexualidade na cidade
Brasil, o direito à alteração do nome e do sexo em documentos oficiais de São Francisco, nos
e a inclusão dos crimes contra esses indivíduos como crime de racismo. Estados Unidos, ele se
torna um líder político da
Isso mostra que tanto globalmente como no contexto do ordenamento comunidade LGBTQIA+,
jurídico brasileiro as lutas dos movimentos pela garantia dos direitos e se transforma em uma
das mais importantes vo-
humanos têm obtido avanços relevantes. zes da luta pelos direitos
humanos.
Porém, mesmo após meio século da Rebelião de Stonewall, os di-
reitos humanos mais básicos ainda são negados a uma grande parcela Direção: Rob Eptein. Portugal: Midas
Filmes, 1984.
dos indivíduos LGBTQIA+. Para Santos (2019, p. 1):

Gênero e sexualidade 79
Leitura a garantia de direitos da população LGBTQIA+ ao longo dos últi-
O jornal El País veiculou, mos anos tem se tornado uma construção política adquirida em
em março de 2019, a conquistas fragmentadas e por meio de lutas dia após dia, onde
matéria Morrer por ser gay:
o mapa-múndi da homo-
se esbarra diretamente na crescente linha de movimentos e ata-
fobia, apresentando as ques homofóbicos que se apresentam na sociedade brasileira.
estatísticas de 70 países
que condenam pessoas Diversos países do mundo ainda criminalizam a homossexualidade
que não são heterosse-
e, em alguns deles, a punição é a pena de morte. A ascensão da extre-
xuais e 123 nações em
que relacionamentos ma direita ao poder em diversos países ocidentais na segunda metade
homoafetivos são aceitos
da década de 2010 trouxe diversos retrocessos na luta pelos direitos da
e não são punidos por lei.
Essa matéria escancara a comunidade LGBTQIA+.
necessidade de mudanças
na cultura desses países Segundo Silva (2020), mesmo que o aumento do conservadorismo
e reforça a importância
não tenha, do ponto de vista legal, extinguido nenhum avanço jurídico,
da luta pelos direitos das
pessoas LGBTQIA+. Leia a no que diz respeito à prática e ao cotidiano da sociedade, preconceitos
matéria completa no link
e discriminações com relação aos indivíduos LGBTQIA+ voltaram a ser
a seguir.
observados. Santos (2019) aponta que políticas públicas afirmativas e
Disponível em: https://brasil.elpais.
com/brasil/2019/03/19/interna- de inclusão social e econômica foram abandonadas ou paralisadas, o
cional/1553026147_774690.html. que representa um perigoso retrocesso nas conquistas dos direitos hu-
Acesso em: 28 jun. 2021.
manos dessa comunidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As conquistas obtidas no passado pelos grupos minoritários relacio-
nados a questões de gênero e sexualidade, como as mulheres e a co-
munidade LGBTQIA+, e baseadas em uma dura e contínua luta cotidiana
tanto dos indivíduos quanto dos movimentos organizados, apesar de re-
presentarem grandes avanços, mostram como cada passo em direção à
garantia dos direitos humanos é fundamental para a construção de uma
sociedade mais inclusiva e justa.
No mundo contemporâneo, grupos políticos ligados a uma visão con-
servadora da sociedade defendem a manutenção da estrutura patriarcal,
heteronormativa e cisnormativa, o que representa um grande risco para
as recentes conquistas obtidas pelos movimentos feministas e LGBTQIA+.
Além de garantir os direitos humanos por meio de legislações ade-
quadas, é necessária uma mudança cultural na estrutura da sociedade
para que todos sejam vistos como iguais, independentemente de gênero,
identidade e orientação sexual. A educação, tanto dos adultos quanto – e
principalmente – das crianças, desempenha um papel fundamental nessa
mudança devido ao seu potencial de transformação cultural e social.

80 Direitos humanos e relações sociais


ATIVIDADES
Vídeo
1. Explique a diferença entre os conceitos de gênero e sexualidade.

2. Explique o conceito de heteronormatividade.

3. Explique o que é identidade de gênero.

REFERÊNCIAS
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82 Direitos humanos e relações sociais


4
Alteridade, diversidade
e multiculturalismo
Cada indivíduo é diferente e carrega consigo a sua história e a dos
seus ancestrais. Sua identidade é formada tanto pelas suas origens
quanto pelas suas experiências de vida, oportunidades e vivências.
Entender que cada um traz em si um universo particular possibilita
entender que a alteridade e as diferenças constroem a sociedade.
Na primeira parte deste capítulo discutiremos os conceitos de su-
jeito e identidade e a importância de uma postura de alteridade nas
relações que se estabelecem entre os indivíduos de uma comunidade
e entre diferentes grupos sociais. Na segunda parte trataremos dos
conceitos da diversidade e do reconhecimento. Por meio do reconheci-
mento das diferenças e da alteridade, é possível integrar e incluir todos
os grupos e indivíduos, garantindo o que há de mais básico: os direitos
humanos de todos os que fazem parte da sociedade
Em um mundo em que a informação é instantânea, em que po-
demos viajar para qualquer lugar em menos de um dia, em que as
redes sociais e a internet possibilitam conhecer outras culturas, o mul-
ticulturalismo pode ser enxergado como uma grande oportunidade de
aprender com as experiências milenares de sociedades que se desen-
volveram a partir de diferentes contextos e histórias.
Porém, o choque entre culturas diferentes tem sido a causa da gran-
de maioria dos conflitos que ocorrem no mundo atual. Abordaremos
esse choque de culturas na terceira e na quarta parte do capítulo.

Objetivos de aprendizagem
Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:
• compreender a relação entre direitos humanos, multicultura-
lismo e alteridade;
• refletir sobre a questão da diversidade e do reconhecimento
das diferenças;
• entender os conceitos de multiculturalismo, diversidade e alteridade;
• refletir sobre a diversidade na sociedade contemporânea.

Alteridade, diversidade e multiculturalismo 83


4.1
Vídeo
Sujeito, identidade e alteridade
A discussão sobre a necessidade de inclusão de grupos sociais está
presente no cotidiano da sociedade, seja na mídia, nos projetos educa-
cionais, nos discursos políticos ou nas discussões que se estabelecem
em meio à sociedade.

Porém, nem sempre o conceito de inclusão é completamente com-


preendido. Para Duschatzky et al. (2001), é comum que se pregue o res-
peito às diferenças, que podem incluir questões de gênero, de origem
étnico-racial, de orientação sexual, de educação, de religião ou de cul-
tura, mas as transformações necessárias para que haja uma mudança
profunda na sociedade com relação à inclusão dos grupos minoritários
são complexas e de longo prazo. Por isso, é comum que ações pontuais
ou eufemismos sejam utilizados para que se crie a ilusão de que a so-
ciedade se tornou mais inclusiva.

4.1.1 Sujeito e identidade


Identidade e diferença surgem a partir das interações entre os indi-
víduos que fazem parte de um grupo social. Oliveira e Rodrigues (2020,
p. 191) usam um interessante exemplo para ilustrar os conceitos:
entre as sociedades de KwaZulu-Natal, província costeira da Áfri-
ca do Sul, a saudação mais significativa é Sawubona, que signifi-
ca “eu vejo você, tu és importante para mim e te valorizo”. Essa
expressão nos propõe fazer alcançar nosso autêntico desejo de
compreendê-lo, ver suas necessidades, desejos, medos, triste-
zas, belezas e virtudes.
Afinal, quem não gostaria de ser visto dessa maneira? Poucas
coisas são tão enriquecedoras quanto tornar o outro visível,
como lhes dar um espaço, presença, relevância em nossos cora-
ções e importância dentro do grupo, do lar, da comunidade ou
da organização.

Quando um indivíduo se relaciona com outro, nasce a percepção de


diferenças e o reconhecimento da própria identidade. A postura toma-
da ao se perceber as diferenças pode ser de aceitação, como nos casos
das tribos sul-africanas, ou de não aceitação, o que pode levar à exclu-
são do indivíduo do grupo caso ele não tenha as características, não
adote os comportamentos ou a obrigatoriedade de seguir as normas
que são socialmente aceitas.

84 Direitos humanos e relações sociais


Segundo Bagatini e Schuck (2019), identidade e diferença estão Filme
ligadas às relações de poder no grupo social. Ao definir normas e pa-
drões do que é aceito, que separam e classificam os sujeitos, o grupo
estabelece fronteiras que são utilizadas para incluir ou excluir quem
é diferente, para definir quem pertence ou não ao grupo.

Para os autores, além de diferenciar, as normas e os padrões


socialmente estabelecidos possibilitam classificar e hierarquizar os
indivíduos dentro do grupo social. Os indivíduos que detêm o poder
definem as normas e os padrões a serem seguidos. Aqueles cuja O curta-metragem
identidade não se adequa a esse padrão são marginalizados ou so- ­Sawubona mostra a histó-
ria de Mbali, uma menina
cialmente invisibilizados. de sete anos que desafia
as normas sociais ao fazer
Se a identidade de cada indivíduo é única e diversa, a imposição amizade com um garoto
social de uma identidade padronizada e normatizada se torna uma da mesma idade. O filme,
que recebeu diversos
ferramenta de poder e coerção (CUCHE, 2002). Castells (2013) acre- prêmios em festivais de
dita que a individualidade é a base da cultura do grupo social, pois é cinema, mostra como a
diversidade e a aceitação
com as interações entre os diversos indivíduos nas redes de relacio- são importantes para a
namento que se formam e evoluem a cultura e a sociedade. sociedade atual.

Segundo o autor, os indivíduos não se enxergam com base em Direção: Lungelo Kuzwayo. EUA:
sua posição social, seu gênero ou sua ocupação, mas se veem como Columbia College Chicago Film &
Video Department, 2015.
sujeitos, como pessoas que podem tomar a decisão de aceitar ou
não as imposições sociais do grupo, bem como agir em prol dele.

Para isso, os indivíduos se conectam com as demais pessoas por


meio dos relacionamentos sociais que seguem os padrões estabe- Vídeo

lecidos pelo grupo. Castells (2013) afirma que a base da sociedade Manuel Castells, renoma-
do sociólogo espanhol,
são os indivíduos interconectados. Essas conexões são realizadas aborda as questões da
por meio das decisões de cada indivíduo e podem ser baseadas em individualidade e da
coletividade em seus
alinhamentos de crenças e valores, sejam eles pessoais, políticos, estudos. Na entrevista
econômicos ou sociais. para o Canal Fronteiras
do Pensamento, intitulada
É nesse contexto de grupos sociais formados por indivíduos diferen- Manuel Castells – Indivíduo
e coletividade, o sociólogo
tes – que criam uma identidade cultural compartilhada – que as dife- explica os conceitos de
renças são muitas vezes usadas de maneira negativa para hierarquizar, individualidade, indivi-
dualismo e sociedade no
dividir e segregar. Assim, o conceito de alteridade se faz necessário mundo contemporâneo.
para que os direitos de todos os indivíduos sejam respeitados.
Disponível em: https://
Na música AmarElo, o rapper Emicida mostra que a exclusão so- www.youtube.com/
watch?v=rgmCjuNVLSg.
cial causa cicatrizes profundas nos indivíduos, e eles passam a usar Acesso em: 2 jul. 2021.
essas cicatrizes para se definirem como indivíduos excluídos:

Alteridade, diversidade e multiculturalismo 85


Música Permita que eu fale, e não as minhas cicatrizes. Tanta dor rouba nossa voz, sabe o
A música AmarElo, do que resta de nós? Alvos passeando por aí
rapper Emicida, com a
Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes. Se isso é sobre vivência, me resumir
participação das cantoras
Majur e Pabllo Vittar, que à sobrevivência é roubar um pouco de bom que vivi
são trans e drag queen, Por fim, permita que eu fale, não as minhas cicatrizes. Achar que essas mazelas
respectivamente, recebeu
me definem é o pior dos crimes. É dar o troféu pro nosso algoz e fazer nós sumir
o prêmio Grammy no ano
de 2020. O videoclipe da (AMARELO, 2019).
música mostra histórias
de indivíduos marginali- Definir os indivíduos pelas cicatrizes psicológicas e sociais causadas
zados que buscaram a in-
pelas próprias imposições do grupo social, na visão dos compositores,
clusão social por meio de
seus esforços pessoais. significa fortalecer ainda mais os grupos dominantes por calar as vozes
dissonantes e tornar os indivíduos marginalizados invisíveis.
Disponível em: https://
www.youtube.com/ É importante entender a distinção entre diversos conceitos utiliza-
watch?v=PTDgP3BDPIU. Acesso
em: 9 jul. 2021. dos para definir como se organizam as relações estabelecidas na so-
ciedade. A exclusão é definida por Ribeiro (1999 apud NEVES; FREIRE;
SUAIDEN, 2018, p. 12-13) como:
o sentido, a imagem e realidade dos excluídos mostram contin-
gentes humanos colocados ao lado de fora de uma sociedade
cujos mecanismos de impermeabilização de suas fronteiras não
permitem o retorno ou a possibilidade de estabelecer relações
com os que estão dentro, os incluídos [...]. A categoria exclusão,
nesse caso, não somente perde a perspectiva da relação e do
movimento, como também designa aos excluídos um papel de
meros objetos, seres amorfos que aceitam a inexorabilidade de
sua exclusão.

Um conceito relacionado à exclusão é a segregação, que, para


­Santos (2017), pode ser entendido como o fenômeno social no qual os
indivíduos são marginalizados, separados ou isolados do grupo social.
A segregação, do ponto de vista da sociologia, envolve a separação não
apenas social e econômica, mas também espacial de grupos minoritá-
rios, seja por suas origens étnico-raciais – como por questões religio-
sas, educacionais, profissionais, de saúde –, seja por qualquer outro
tipo de preconceito.

Um exemplo da segregação social foram as políticas raciais coloca-


das em prática durante séculos nos Estados Unidos da América, devido
às quais negros eram proibidos de frequentar e utilizar os mesmos es-
paços físicos que indivíduos brancos (MORRIS; TREITLER, 2019).

O conceito da integração está relacionado à ideia de que os indiví-


duos deixam de estar marginalizados e apartados da sociedade, mas

86 Direitos humanos e relações sociais


ainda não estão totalmente incluídos na estrutura social. Para Neves,
Freire e Suaiden (2018, p. 21), a integração pode ser entendida como:
uma ação ou política que visa integrar em um grupo as minorias,
sejam estas de origem racial, religiosa, social etc., constituindo
um todo quando estas são afiliadas às partes que faltavam [...].
O maior sentido do conceito de integração social está na possi-
bilidade de transitoriedade, se opondo e ao mesmo tempo so-
bressaindo à perspectiva dialética, por ser um estado em que
todas as partes envolvidas estão, simultaneamente, incluídas e
excluídas em algo.

Já a inclusão é definida por Camargo (2017) como a situação social


na qual os indivíduos têm a sua identidade e a sua diversidade reconhe-
cidas, aceitas e valorizadas, participando de modo efetivo e integral do
grupo social. A figura a seguir mostra a relação dos diversos conceitos.
Figura 1
Os conceitos de inclusão social

Fourleaflover/Zoart Studio/Diana_Karch/
VoodooDot/Shutterstock
Exclusão Segregação

Integração Inclusão

Fonte: Adaptada de Rezende, 2017, p. 3.

Alteridade, diversidade e multiculturalismo 87


Filme Como você pode ser visto na figura, na exclusão e na segrega-
ção os indivíduos e grupos minoritários se encontram à margem da
sociedade, sem dela participar ou sem ter seus direitos garantidos.
Na integração, apesar de fazerem parte da sociedade, os indivíduos
e os grupos minoritários são tratados de maneira diferenciada, não
estando plenamente incorporados ao tecido social. É somente na
inclusão que os indivíduos têm os seus direitos plenamente garan-
tidos, sendo totalmente incorporados à sociedade.

O filme X-men traz discus-


sões sobre a diversidade
4.1.2 Alteridade
e a representatividade
de pessoas que não se Para Farinon (2018), a alteridade pode ser definida como a ca-
enquadram nos padrões pacidade de enxergar o outro e entender que os direitos huma-
da sociedade. Indivíduos
com mutações genéticas nos de cada indivíduo devem ser respeitados, apesar de qualquer
e poderes especiais são tipo de diferença. As diferenças devem ser vistas como uma forma
discriminados, margina-
lizados e segregados da de enriquecimento do grupo social, não como uma ferramenta de
sociedade. O filme mostra exclusão.
que a luta pela aceitação
das diferenças passa por O autor destaca que, no contexto social, muitas vezes identida-
avanços e retrocessos,
além de envolver batalhas
de e diferença dão origem à exclusão. O que é diverso é enxergado
políticas e a busca legal pelo grupo como contrário, rival e perigoso e, por isso, deve ser
por direitos humanos.
tratado com indiferença, exclusão ou até mesmo violência.
Direção: Brian Singer. Estados
Unidos: 20th Century FoX; Marvel Segundo Rosa e Lazzari (2017), a alteridade se realiza por meio
Enterprises, 2000.
do contato com o outro, com identificação, escuta, compreensão,
valorização e aceitação das diferenças, sem julgamento ou juízos
de valor. Já para Farinon (2018), a alteridade pode ser entendida

Leitura como a capacidade de entender que o sujeito com o qual se esta-


belece uma relação de contraste ou diferença é distinto.
Recomenda-se a leitura
do artigo A mutação como
Do ponto de vista filosófico, Abbagnano (2007) explica que a al-
metáfora para o discurso
das diferenças: representa- teridade está relacionada à construção do sujeito e da sua identi-
ções práticas de racismo e
dade, que se contrapõe ou se diferencia dos demais indivíduos. Ao
de homofobia no discurso
literário dos X-men? que constituir-se como indivíduo, o sujeito passa a enxergar o outro e
aborda a temática do pre-
nele identificar semelhanças e diferenças
conceito de modo muito
claro e interessante. Para Hildebrando (2017) a alteridade está relacionada à empa-
Disponível em: https:// tia: é se colocar no lugar do outro e ver o mundo sob o ponto de
periodicos. ufsc.br/index.php/
vista dele. Somente é possível entender as demandas, as necessi-
interthesis/article/view/1807-
1384.2019v16n1p56. Acesso em: dades, os valores e as visões do outro quando o indivíduo enxerga
23 jul. 2021.
a sociedade a partir do lugar do outro no mundo.

88 Direitos humanos e relações sociais


A alteridade ganha importância central em um mundo no qual,
com os processos de globalização econômica e cultural, que são ace-
lerados pelo desenvolvimento das tecnologias da comunicação, diver-
sos povos com diferentes culturas e valores passaram a se relacionar
intensamente.

Vivas et al. (2018) afirmam que a alteridade tem se tornado rara no


contexto das relações que se estabelecem entre os povos e os países,
pois, muitas vezes, a cultura e os valores que marcam a identidade de
um povo ou de uma nação e que estão impregnados na individualidade
dos sujeitos que fazem parte desse grupo se chocam com outras iden-
tidades culturais.

4.2 Diversidade e reconhecimento


Vídeo
As primeiras décadas do século XXI foram marcadas por rápidas
e intensas transformações sociais, aceleradas tanto pelo desenvolvi-
mento de tecnologias de informação e de comunicação quanto por
mudanças demográficas (como o aumento da expectativa de vida na
maioria dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento), por mu-
danças econômicas (como a intensificação da globalização e da cria-
ção de blocos econômicos supranacionais), por movimentos políticos
(como o crescimento do neonacionalismo e do conservadorismo) e,
principalmente, por mudanças sociais construídas por meio da ação
de grupos de defesa dos direitos humanos de grupos minoritários
que, em ritmos e intensidades diferentes em cada país, têm conse-
guido, globalmente, amplificar a voz dos indivíduos marginalizados e
mudar legislações, hábitos, costumes e comportamentos na socieda-
de (BAUMAN, 1998; BERGMANN, 2020; ROSA; LAZZARI, 2017; GOMES,
2017; OLIVEIRA, 2017).

Gomes (2017) destaca que, se por um lado podem ser observa-


dos grandes avanços relacionados à garantia dos direitos humanos
de grupos minoritários, por outro, a intensificação da globalização e,
principalmente, das migrações causadas por crises econômicas e por
conflitos entre povos e países tem como resultado o aumento da xe-
nofobia, da intolerância religiosa, do racismo e, por consequência, de
outros preconceitos como o machismo e a discriminação baseada em
gênero e orientação sexual.

Alteridade, diversidade e multiculturalismo 89


Documentário A diversidade dos sujeitos e dos indivíduos que buscam o direito de
exercer sua individualidade e sua identidade, se já está presente den-
tro dos grupos sociais e étnicos-raciais que formam um povo, é ainda
mais ampla e profunda quando diferentes culturas, histórias, crenças e
visões de mundo de povos diversos se encontram e se chocam.

Para Oliveira (2017), a alteridade, fundamental para que os indiví-


duos do grupo social possam entender e aceitar o outro, torna-se ainda
mais importante na relação entre diferentes povos, pois se faz necessá-
rio o reconhecimento das diferenças culturais, de crenças e de valores.

Leal (2017) aponta que o reconhecimento, como uma necessidade


tanto dos indivíduos marginalizados quanto dos grupos minoritários,
O documentário I am
mostra as entrevistas tem como origem diversos fatores, dentre eles as desigualdades de
realizadas pelo diretor renda e de oportunidades causadas pelo preconceito e pela discrimi-
de cinema Tom Shadyac,
que percorreu o mundo nação social, a intolerância às diferenças culturais e de valores e a fra-
conversando com filóso- gilidade da coesão social, tanto dentro dos países quanto na relação
fos, pensadores, líderes
políticos e religiosos, entre povos diversos.
como o cientista político
Howard Zinn, a ativista As manifestações culturais dos grupos minoritários, sejam eles de-
Lynne McTaggart, o finidos por questões étnico-raciais, de gênero, de identidade sexual, de
bispo Desmond Tutu, o
poeta Coleman Barks e o crença ou de cultura, não encontram espaço nos canais culturais ofi-
linguista e filósofo Noam ciais e de amplo alcance, sejam eles públicos ou privados. Dessa forma,
Chomsky, buscando
respostas para questões a cultura dessas minorias não é representada ou valorizada, tornando-
fundamentais sobre a so- -as ainda mais marginalizadas e invisíveis.
ciedade contemporânea
e quais ações podem ser A negação da participação, a falta de reconhecimento e a represen-
tomadas por indivíduos,
grupos e nações para tatividade não se resumem apenas à cultura: estende-se a todos os
mudar os destinos da demais locais e esferas da cidadania, como na participação política, edu-
humanidade.
cacional, nos espaços profissionais e sociais. Assim, o reconhecimento
Direção: Tom Shadyac. Estados da diversidade que existe na sociedade está intimamente relacionado
Unidos: Flying Eye Production, 2011.
à garantia dos direitos humanos de todos os indivíduos (YÚDICE, 2015).

Para Leal (2017), a institucionalização de modelos, valores, crenças,


padrões e normas dos grupos dominantes gera injustiças sociais que
só podem ser combatidas com o reconhecimento e a valorização da
diversidade e das identidades dos indivíduos e dos grupos sociais mi-
noritários, sejam eles integrantes do povo ou oriundos de migrações
de outros povos.

O reconhecimento possibilita a representação desses indivíduos


nos espaços políticos, na vida cultural, econômica e social. Para a au-
tora, além das políticas públicas e das ações afirmativas que busquem

90 Direitos humanos e relações sociais


incluir esses indivíduos, é necessário desenvolver ações e políticas de Documentário

reconhecimento que garantam a paridade de representação social em A série documental 100


humanos, produzida pela
relação aos indivíduos e grupos dominantes. Netflix, mostra diversos
experimentos sociais
Para ser reconhecido, é preciso primeiro ser visível. Assim, reconhe- com a participação de
cimento e alteridade são conceitos interligados, como afirma a sau- 100 pessoas das mais
variadas idades, níveis
dação Sawubona que vimos no início desta seção. Leal (2017, p. 102) educacionais, condições
corrobora essa visão ao comentar: “Em todas essas experiências so- sociais, histórias e crenças
religiosas. Cada capítulo
ciais, para ser considerado é preciso estar visível para ser reconhecido tem um tema central, e
pelo outro; assim, o indivíduo deve se ‘mediatizarʼ através de comuni- os participantes precisam
tomar decisões baseadas
cações diretas a partir de relações simbólicas”. em suas experiências. Os
resultados mostram como
Gomes (2017) destaca que o reconhecimento significa, para o a diversidade é muito
indivíduo, ser aceito pela sociedade, mesmo que não se enqua- mais complexa e profun-
da do que se costuma
dre nos padrões e nas normas estabelecidas. Porém, mais do que imaginar.
apenas a aceitação das diferenças, as lutas sociais dos grupos mi- Direção: Neil DeGroot; Tom Kramer;
noritários têm como objetivo modificar ou mesmo abolir a norma- David Wechter. Estados Unidos:
Netflix, 2020.
tividade, pois, para que os direitos humanos sejam garantidos a
todos, é preciso que a identidade de cada indivíduo seja vista, res-
peitada e reconhecida.

4.3 Multiculturalismo e direitos humanos


Vídeo No mundo contemporâneo, marcado pela integração econômica e
cultural, a garantia dos direitos humanos e da plena cidadania está di-
retamente relacionada à convivência entre as diferentes culturas que
compõem a sociedade. O multiculturalismo é definido por Oliveira
(2017, p. 13) como “reconhecimento de diferenças grupais em arenas
públicas tais como a lei, políticas, discurso estatal, cidadania partilhada
e identidade nacional”.

Para o autor, o multiculturalismo tem uma dimensão coletiva e co-


munitária, por meio da qual se acredita que a integração das diver-
sas culturas que convivem na sociedade ocorre de modo natural, com
a aceitação das diferenças e o reconhecimento das contribuições de
cada cultura para a formação da sociedade.

Porém, se nas discussões filosóficas, políticas e legais os direitos das


minorias étnicos-raciais e as culturas marginalizadas estão presentes,
na prática cotidiana da sociedade ainda se observa a exclusão e a se-
gregação de indivíduos e grupos sociais.

Alteridade, diversidade e multiculturalismo 91


Site A identidade cultural de um grupo social é estabelecida historica-
O site Playing For Change mente, e o indivíduo, ao nascer ou se integrar ao grupo, tem sua iden-
apresenta o movimento
de mesmo nome que tidade influenciada pela cultura. Por outro lado, ele também pode
surgiu em 2002, quando
os produtores Mark John-
influenciar e alterar a cultura do grupo, já que, para Castells (2013), a
son e Whitney Kroenke identidade cultural não é estática: ela passa por constantes evoluções
viajaram por diversos
países do mundo gra- e transformações por meio da influência dos indivíduos dominantes.
vando a performance de
artistas de rua dos mais Para Rosa e Lazzari (2017), as fronteiras são cada vez mais tê-
variados estilos musicais,
mostrando a diversida- nues no mundo contemporâneo, mas as relações entre os indiví-
de das manifestações duos de diferentes culturas ainda são marcadas pela percepção da
culturais dos povos do
mundo. Segundo Johnson, diferença e da diversidade. Mesmo que se busque o entendimen-
“através da música eles
falam o mesmo idioma”. to e a alteridade, crescem os confrontos e as reações de aversão e
O movimento mostra que distanciamento.
há muito o que se apren-
der e construir quando se
está disposto a conhecer
Há uma dicotomia na contemporaneidade: se, por um lado, o
e aceitar culturas diversas. contato com diferentes culturas e indivíduos diversos faz com que o
Disponível em: https:// sujeito experimente e conheça novas formas de pensar, o que pos-
playingforchange.com/home-pt/.
Acesso em: 2 jul. 2021. sibilita a alteridade, por outro, fortalece o sentimento de pertenci-
mento à sua cultura de origem e à identidade cultural do seu povo,
o que leva ao estranhamento e a conflitos entre diferentes culturas.

Para Takeuti (2004), a dicotomia está presente no próprio con-


ceito da alteridade, que envolve tanto a construção do outro, por
meio da aceitação e do respeito, quanto a sua destruição, por meio
1 do ódio e da violência. O etnocentrismo
1
, segundo a autora, traduz
É uma visão de mundo o choque sentido pelo grupo social ao descobrir que outros grupos
de quem considera o seu
grupo étnico, nação ou
têm valores e culturas diferentes, levando à dificuldade de ele lidar
nacionalidade socialmen- com a diversidade
te mais importante do
que os demais. Cuche (2002) acredita que, nas sociedades atuais, a identidade
é mais ampla do que o próprio sujeito, pois está relacionada aos
conceitos de povos e nações. O sentimento de pertencimento a um
grupo é reforçado pela ideia de um povo, seja ela definida politica-
mente, seja relacionada a origens étnico-raciais.

É nesse contexto que, no século XXI, observamos uma crescen-


te valorização do nacionalismo, a que Bergmann (2020) chama de
neonacionalismo.

O autor lista diversas características relacionadas ao neonacio-


nalismo, como o surgimento de lideranças nacionais carismáticas,

92 Direitos humanos e relações sociais


apoiadas por partidos conservadores e com um discurso que pre-
ga o protecionismo da economia e da cultura nacional, tendo uma
atuação internacional menos multilateral, colocando outros países e
povos como inimigos da nação.

O discurso neonacionalista é falsamente antielitista e usa a sim-


plificação da realidade e o apelo emocional para convencer, bem
como incita a divisão tanto dentro da própria população quanto da
nação em relação aos outros países e povos.

Dentre as diversas características citadas por Bergmann (2020),


duas merecem especial destaque por estarem intimamente relacio-
nadas à violação dos direitos humanos de indivíduos marginalizados.

O nativismo é a primeira dessas características. O neonacionalis-


mo é marcado por uma visão etnocêntrica e nativista, em que a his-
tória é usada para criar uma visão ufanista que visa unificar o povo e
diferenciá-lo dos demais grupos étnico-raciais. As origens históricas
e mitológicas da nação são exacerbadas e destacadas. Se o povo é
unido por sua história e origem, todo aquele que não faz parte disso
deve ser visto com desconfiança e afastado do convívio social.

A segunda característica é a exclusão, que está intimamente rela-


cionada à primeira característica, o nativismo. A exclusão dá origem
à discriminação em relação a imigrantes e minorias e, principalmen-
te, à xenofobia, que faz com que os direitos humanos dos indivíduos
marginalizados não sejam respeitados.

O Conselho Federal de Serviço Social, em seu Caderno 5 – Xeno-


fobia, da série Assistente Social no Combate ao Preconceito (CFESS,
2016, p. 7-8), afirma que a xenofobia é:
o preconceito de classe que atinge a maioria dos/as imigran-
tes, especialmente os/as que saem dos países mais pobres ou
buscam refúgio, devido a guerras, conflitos, pobreza e outras
mazelas provocadas pela geopolítica do capitalismo. Esse pre-
conceito de classe se expressa em comportamentos que bei-
ram o fascismo, destilando discursos de ódio e de repulsa ao
“diferente”, ao/à estrangeiro/a, ao não familiar, vistos como
ameaça a uma pretensa estabilidade da “ordem” e da econo-
mia mundiais. Tais preconceitos dificultam a inserção e a per-
manência dos/as migrantes [...].

Alteridade, diversidade e multiculturalismo 93


Livro Bauman (1998) aponta que o surgimento da identidade nacional é
tanto um processo espontâneo, que ocorre pela ligação social e cultu-
ral dos indivíduos de um grupo quanto um processo estratégico incen-
tivado pelos grupos que detêm o poder político, econômico e social
e buscam desenvolver uma consciência coletiva nacional, que traga a
ideia de pertencimento e identificação.

Para o autor, esse processo consciente é colocado em prática por


meio da imposição do uso da língua oficial do país, pela definição da
No livro Entre nós: ensaios
história nacional que é contada nos currículos escolares e pelas insti-
sobre a alteridade, o filó- tuições jurídicas e legais que regram as ações e os comportamentos
sofo Emmanuel Lévinas
apresenta seu pensamen- dos indivíduos.
to sobre a alteridade, a
capacidade de identificar, Para que exista a ideia de uma nação homogênea e única, é preciso,
entender, pensar e aceitar
o outro. Lévinas mostra a ainda segundo Bauman (1998), erradicar, oprimir e excluir os diferen-
fragilidade dos indivíduos tes, aqueles que não fazem parte dessa unidade nacional. Hall (2005)
frente aos demais sujeitos
e ao grupo social. É uma explica que ao separar, excluir e segregar o outro, aquele que não faz
leitura fundamental
para entender como a parte do povo e da nação, é possível bani-lo ou colocá-lo em seu devido
alteridade é importante lugar: de exclusão, de submissão, de segregação e de marginalização.
para estabelecer rela-
ções sociais no mundo
Os conceitos de multiculturalismo e pluralismo estão relacionados.
contemporâneo.
Uma sociedade multicultural é aquela que entende, respeita e aceita a
LÉVINAS, E. 5. ed. São Paulo: Editora
Vozes, 2010. pluralidade e as diferenças entre os indivíduos que a compõem. Cren-
ças, línguas, hábitos, costumes, tradições e manifestações culturais de
diferentes povos e grupos sociais não apenas devem coexistir, mas ter
mais espaço, representatividade e reconhecimento.

O respeito ao indivíduo está no centro das discussões sobre os di-


reitos humanos. No entanto, os indivíduos não vivem sozinhos: eles
interagem em grupos sociais formados nas mais diversas esferas da
vida: na família, na comunidade, na educação, no trabalho, na cultura e
na política. Assim, para garantir os direitos humanos dos indivíduos, é
necessário também garantir os direitos dos grupos sociais, em especial
dos minoritários e marginalizados.

A cidadania só é plenamente possível quando o indivíduo é reco-


nhecido, aceito e protegido pela sociedade. Reconhecer as diferenças
individuais, o multiculturalismo, o pluralismo e adotar uma ética da al-
teridade são os primeiros passos para a construção de uma sociedade
mais justa.

94 Direitos humanos e relações sociais


4.4 Alteridade na sociedade
Vídeo
contemporânea
No desenvolvimento histórico de povos e nações, a homo-
geneidade do grupo étnico-racial é um dos pilares da forma-
ção da identidade nacional. Para Flickinger (2018), no mundo
contemporâneo, a diversidade substituiu a homogeneidade.

Documentário A diversidade que observamos na sociedade atual tem


várias origens. Surge como efeito do modelo econômico ca-
pitalista – adotado por grande parte dos países do mundo –,
que, ao concentrar riqueza em indivíduos e em países desen-
volvidos, faz com que a cultura dos detentores do poder eco-
nômico, político e social influencie e seja imposta aos demais
indivíduos, povos e nações.

Um dos fenômenos que mais impactam o aumento da


diversidade social em muitos países é o crescimento dos
Dirigido por um dos mais movimentos de migração, sejam eles causados por ques-
influentes artistas e ativis-
ta pelos direitos humanos,
tões econômicos, sociais, religiosos e, principalmente, po-
o chinês Ai Weiwei, o do- líticos. Para Flickinger (2011), os movimentos migratórios
cumentário mostra crises
e guerras que levaram a
têm trazido rápidas mudanças culturais e sociais e repre-
movimentos migratórios sentam um dos maiores riscos aos direitos humanos na
de refugiados em mais
de 20 países. Além de
atualidade.
abandonar casa, família
Para Hermann (2014), os conflitos, que ocorrem cada vez
e cultura, os migrantes
passam por grandes com mais frequência, têm como origem a falta de respeito
privações e riscos durante
aos direitos humanos e a intolerância quanto à cultura e
os movimentos de migra-
ção e são recebidos, na aos costumes dos indivíduos que fazem parte dos grupos
maioria das vezes, com
migrantes.
preconceito e descon-
fiança nos países em que
O conceito da alteridade, discutido na primeira parte
buscam refúgio, ou são
deportados e tratados deste capítulo, é fundamental para que se possa buscar es-
como criminosos, ou, até
tratégias para lidar com o crescimento acelerado da diversi-
mesmo, assassinados.
dade trazida pelos movimentos migratórios. Para Flickinger
Direção: Ai WeiWei. Alemanha: AC (2018), a alteridade pode ser entendida com base em três
Films, 2017.
diferentes pontos de vista:

Alteridade, diversidade e multiculturalismo 95


01

vetor stock/Shutterstock
No primeiro deles, a que o autor chama de relações pessoais
desinteressadas, não há a criação de um laço ou relacionamento social,
pois não há o interesse genuíno de um indivíduo em reconhecer a
identidade do outro, ou seja, não há alteridade.

O segundo são as relações pessoais intencionais, em que o indivíduo

02
busca estabelecer relações com o outro, mas apenas para atingir seus
próprios objetivos pessoais. O outro é apenas uma ponte para que esses
interesses sejam alcançados. Esse tipo de relação é muito comum nos meios
empresariais e nas relações econômicas. Nesse contexto, há alteridade, mas
ela é parcial. Se o outro não corresponde às expectativas ou às necessidades
do sujeito, a relação é abandonada. Não há a intenção de entender e aceitar
o outro em toda a complexidade da sua identidade.

03
O terceiro baseia-se em uma relação interpessoal aberta, na qual o
interesse pelo outro é genuíno e verdadeiro. O indivíduo exercita a
alteridade ao perceber, compreender e aceitar o outro com todas as suas
idiossincrasias e características individuais e de identidade cultural.

Glossário
idiossincrasia: caracte-
Lévinas (2005) afirma que as relações de alteridade, da mesma for-
rística comportamental
própria a um grupo ou a ma que acontecem nas relações interpessoais, também ocorrem na
uma pessoa.
relação entre diferentes culturas. Para o autor, o primeiro contato com
uma cultura diversa é marcado pelo estranhamento e pelo não enten-
dimento das diferenças. Quanto mais distante da cultura do indivíduo,
mais difícil é exercer a alteridade. Se o outro e sua cultura não apresen-
tam nenhum ponto de acesso, referência ou interligação com a cultura
do sujeito, mais difícil fica estabelecer relações.

Língua, costumes, formas de se vestir, valores, crenças religiosas


e comportamentos tidos como estranhos são, na verdade, apenas
diferentes formas de entender o mundo. O que é incomum para um
indivíduo é o natural para o outro, e vice-versa. Ao se deparar com
uma cultura diversa, é necessário questionar suas próprias crenças e
preconceitos.

96 Direitos humanos e relações sociais


A intensificação dos movimentos migratórios faz com que os indi- Filme
víduos sejam colocados em situações nas quais necessitam lidar com
o diferente, com o outro, seja porque precisam migrar para outras re-
giões em busca de segurança ou oportunidades, seja porque sua nação
recebe os migrantes e refugiados.

Mesmo que não deseje, o indivíduo precisa interagir com o outro


e se sente em uma situação sobre a qual não tem controle. Flickinger
(2018) cita como exemplo a situação do mercado de trabalho e sua
relação com os imigrantes.
No filme Distrito 9 seres
A migração de trabalhadores tem trazido grandes questões sociais e alienígenas chegam ao
planeta Terra em uma
políticas ao redor do mundo. Os imigrantes são acusados de roubar os
nave sucateada, em
empregos dos cidadãos do país (PEREIRA; ESTEVES, 2017; ­CASTORINO; condições precárias de
saúde, e são segregados
BICALHO, 2021). Pereira e Esteves (2017) correlacionam o aumento do
e discriminados pelos
desemprego dos cidadãos portugueses entre os anos de 2010 e 2015 humanos. Eles passam
a viver em um gueto,
ao crescimento da quantidade de imigrantes, especialmente brasilei-
alimentando-se de restos
ros, durante esse período. e dependendo da ajuda
de órgãos governamen-
Flickinger (2011) mostra que há três formas utilizadas pelas nações tais que os escravizam e
utilizam para experimen-
para lidar com a força de trabalho formada por imigrantes. Na primei-
tos e testes. O filme faz
ra forma, os trabalhadores são vistos apenas como mão de obra, ge- referência ao apartheid
sul-africano: o Distrito
ralmente não remunerada e com poucas competências, ocupados em
Seis, na Cidade do Cabo,
atividades e funções que não são desejadas pelos cidadãos. foi palco de intensos
conflitos raciais na década
Porém, como o próprio autor destaca, é impossível desassociar a de 1960.
força de trabalho do ser humano que a realiza. Por mais que se busque
Direção: Neill Blomkamp. EUA:
segregar esses trabalhadores, eles trazem consigo suas crenças, lingua- TriStar Pictures; Block / Hanson,
gem e hábitos culturais, muitas vezes incompatíveis com a cultura local. 2009.

Nesse contexto, os trabalhadores são, em geral, afastados do con-


vívio social e vivem de maneira apartada, em guetos. As duas culturas
não entram em contato e, por isso, os choques são menores e mais
controlados.

A segunda forma de lidar com a cultura dos imigrantes que fazem


parte da força de trabalho é tentar fazê-los assimilar a cultura local,
abandonando suas manifestações culturais, incluindo sua língua e suas
crenças. A cultura do imigrante é subordinada à cultura local e, se pos-
sível, totalmente suprimida por meio da repressão.

Por fim, a integração é a forma mais adequada de se lidar com a cul-


tura dos trabalhadores imigrantes. Nessa política, as duas culturas são

Alteridade, diversidade e multiculturalismo 97


reconhecidas e as diferenças, respeitadas, colaborando para a constru-
ção de uma nova cultura marcada pela ética da alteridade. A integra-
ção também possibilita que os direitos humanos dos imigrantes sejam
respeitados e garantidos.

O exemplo da força de trabalho dado por Flickinger (2011) mostra


apenas uma das áreas nas quais a questão da convivência entre po-
vos e culturas traz grandes desafios para a garantia dos direitos huma-
nos no mundo contemporâneo. Assim como no contexto profissional,
áreas como educação, saúde, segurança pública, atendimento jurídico
e manifestações culturais também apresentam riscos às garantias dos
direitos humanos dos indivíduos e grupos minoritários.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se é necessário discutir a inclusão social de grupos e de indivíduos que
foram marginalizados pela sociedade e que se encontram em situação de
vulnerabilidade quanto aos seus direitos humanos, é preciso entender os
motivos pelos quais a exclusão acontece.
Porém, tanto o conceito da inclusão quanto o da exclusão estão rela-
cionados a outras realidades que precisam ser conhecidas para que pos-
samos abordar a construção de uma sociedade em que os indivíduos não
sejam julgados ou avaliados por seu gênero, por sua origem étnico-racial,
identidade de gênero ou orientação social, imagem, condição financeira,
escolaridade, condição de saúde ou posição social.
Em um mundo cada vez mais diverso e multicultural, a alteridade se
torna cada vez mais importante para o futuro da civilização humana. Para
lidar com esse futuro incerto e cheio de desafios, a humanidade precisa
aprender com a história e a cultura de cada povo e nação. Como ensinam
as tribos sul-africanas: “Sawubona!”.

ATIVIDADES
Vídeo 1. Explique os conceitos de exclusão, segregação, integração e inclusão.

2. Defina o conceito de alteridade.

3. Explique as características do neonacionalismo relacionadas ao


nativismo e à exclusão.

98 Direitos humanos e relações sociais


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100 Direitos humanos e relações sociais


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Direitos humanos e inclusão
A desigualdade social no Brasil tem diversas origens e facetas, como as
questões históricas étnico-raciais, econômicas – caso dos altos níveis de de-
semprego e subemprego – e, principalmente, a insuficiência da oferta e da
qualidade de estruturas e serviços públicos em diversas áreas, a dificuldade
de acesso à educação pelas camadas mais pobres da sociedade – a exemplo
do ensino público – e a falta de espaços de lazer e de acesso à cultura. Além
disso, faltam infraestruturas básicas para a garantia da qualidade de vida de
indivíduos e grupos em situação de risco, como moradias e estruturas de
saneamento, saúde, transporte e segurança pública.
Neste capítulo, será discutida a relação entre a cidadania, os direitos hu-
manos e a inclusão social. Na primeira parte, serão vistos os conceitos de par-
ticipação, inclusão e exclusão social. É por meio da participação do indivíduo
e dos grupos nos espaços políticos, econômicos, culturais e sociais que se
criam as condições para a inclusão social de todos os cidadãos.
Na segunda parte, serão abordados os movimentos sociais organi-
zados e os sujeitos coletivos, fundamentais para que a participação dos
cidadãos seja possível no relacionamento com as instituições públicas e
privadas da sociedade. Na terceira parte, serão debatidas as lutas sociais
pela garantia dos direitos humanos de indivíduos e grupos minoritários
defendidos pelos movimentos, bem como de sujeitos coletivos.
Por fim, na quarta parte, serão apresentadas considerações sobre a
situação atual dos direitos humanos e da cidadania tanto no Brasil quanto
no mundo e as tendências para o futuro dos direitos humanos em uma
sociedade que passa por profundas e intensas transformações sociais.

Objetivos de aprendizagem
Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:
• analisar a relação entre inclusão e direitos humanos;
• compreender o papel dos movimentos sociais nas discussões
sobre os direitos humanos;
• analisar as principais áreas de conflito social;
• conhecer o cenário atual e refletir sobre os futuros possíveis
para a discussão dos direitos humanos.

Direitos humanos e inclusão 101


5.1 Participação social e inclusão
Vídeo
A luta pelos direitos humanos das populações marginalizadas e das
minorias sociais é marcada por momentos de mobilização social e pela
criação de movimentos organizados ligados tanto a demandas espe-
cíficas de determinados grupos quanto ao seu aspecto mais amplo e
generalizado (IVO, 2008).

Para Gohn (2019), muitas das conquistas com relação à criação de


legislações, ao desenvolvimento de políticas públicas e às mudanças
efetivas na cultura da sociedade são resultado da participação dos mo-
vimentos sociais nos campos jurídico, político, econômico e social.

Na atualidade, tanto no âmbito global quanto no nacional, a par-


ticipação social de grupos e movimentos organizados torna-se cada
vez mais fundamental, pois possibilita um contraponto essencial à
visão dominante na economia e na política, áreas que aumentaram
ainda mais a concentração de riqueza e acentuaram as disparidades
sociais, as quais representam retrocessos de conquistas sociais du-
ramente obtidas.

O filósofo e linguista Noam Chomsky, um dos mais respeitados


pensadores da atualidade, em seu livro Réquiem para um sonho ame-
ricano, aborda a questão das desigualdades sociais e sua relação
com a política, os movimentos sociais e, principalmente, a concen-
tração de poder e riquezas em uma parcela cada vez menor da so-
ciedade. O autor aponta dez princípios que levam ao crescimento da
desigualdade social (CHOMSKY, 2017).

O primeiro é a redução da democracia. A concentração de poder


em partidos ou figuras políticas, os quais diminuem a amplitude da
democracia, leva a uma dualidade da sociedade, criando uma cultura
de eles x nós. Como exemplo, o filósofo cita o bipartidarismo america-
no (republicanos x democratas), mas essa característica é observada
em diversos outros países, inclusive no Brasil (MIGUEL, 2019).

Para concentrar poder político, a população deve ser, na visão de


Chomsky (2017), passiva e despolitizada. Esse é o segundo princípio, o
qual nomeamos de moldar a ideologia. De acordo com o filósofo, com
o crescimento dos movimentos sociais que ocorreram nas décadas de
1960 e 1970 em diversos países do mundo, inclusive no Brasil, as elites
políticas e econômicas repensaram a educação e o controle de infor-

102 Direitos humanos e relações sociais


mações com o objetivo de criar uma população menos consciente de
seus direitos e moldar a forma de pensar dos indivíduos, com base
em normas e modelos socialmente aceitos. Para Toynbee (2014 apud
SILVA, 2014b, p. 37), “o maior castigo para aqueles que não se interes-
sam por política é que serão governados pelos que se interessam”.
Documentário
O redesenho da economia, com a mudança da geração de valor
da produção para o conhecimento, é o terceiro princípio. A gradati-
va migração dos empregos industriais para os países em desenvol-
vimento, em especial China, Índia e alguns do Oriente, mudou de
modo profundo a matriz econômica dos países europeus e do conti-
nente americano, inclusive o Brasil (CAXITO, 2021). Para o autor, no
modelo econômico neoliberal e capitalista, o capital é livre para ser
transferido entre países em um mundo sem fronteiras.
O documentário Indústria
De acordo com Piketty (2014), a especulação financeira e a desre- americana, ganhador
gulamentação das economias nacionais fazem com que grande parte do Oscar de melhor
documentário em 2020,
dos resultados financeiros seja proveniente da especulação financeira, mostra a realidade
concentrando ainda mais a riqueza. das pequenas cidades
americanas que tiveram
No entanto, o trabalho e a mão de obra não têm a mesma liber- sua economia dizimada
com o fechamento das
dade. Ao transferir a produção de um produto para outro país, uma
indústrias responsáveis
empresa gera desemprego em seu país de origem. A diminuição dos por grande parte dos
empregos. A produção
postos de trabalho braçal aumenta a insegurança dos trabalhadores e
acompanha a compra de
diminui tanto a média de remuneração quanto os direitos trabalhistas, uma instalação industrial
americana por uma em-
impactando diretamente a desigualdade social (CAXITO, 2021).
presa chinesa e o choque
cultural entre os modelos
Nas últimas décadas, houve uma gradativa concentração da co-
de gestão da nova insti-
brança de impostos sobre as parcelas mais pobres da população, sen- tuição com a forma de
trabalho dos operários
do esse o quarto princípio da concentração de riqueza. Os complexos
americanos. Além disso,
sistemas tributários de diversos países causam uma situação na qual aborda a precarização do
trabalho e dos direitos
grande parte da carga tributária é paga pelos mais pobres.
dos trabalhadores.
Empresas e indivíduos de alto poder aquisitivo têm acesso a me-
Direção: Julia Reichert. EUA:
canismos legais e financeiros, como os paraísos fiscais, que possi- Higher Ground Productions;
bilitam o pagamento cada vez menor de impostos proporcionais Participant Media, 2019.

ao patrimônio e à renda. De acordo com o Instituto Brasileiro de


Planejamento e Tributação (POPULAÇÃO..., 2021), dados da econo-
mia brasileira mostram que mais da metade dos impostos é paga
pela parcela mais pobre da população, enquanto cerca de 18% da ar-
recadação é proveniente de impostos pagos pela parcela mais rica,
como mostram os dados do Quadro 1.

Direitos humanos e inclusão 103


Tabela 1
Peso percentual da arrecadação de impostos por faixa salarial

% sobre % sobre
Faixas salariais População
população arrecadação
Até 3 salários mínimos 159.620.400 79,0% 53,8%
De 3 a 5 salários mínimos 20.482.800 10,1% 12,7%
De 5 a 10 salários mínimos 15.352.000 7,6% 16,6%
De 10 a 20 salários mínimos 4.848.000 2,4% 9,6%
Mais de 20 salários mínimos 1.696.800 0,8% 7,3%
Totais 202.000.000 100,0% 100,0%

Fonte: POPULAÇÃO..., 2021.

Diminuir o sentimento de solidariedade entre os grupos sociais é


o quinto princípio apontado pelo autor. Políticas públicas de divisão
de renda e incentivo ao desenvolvimento social e de educação de
parcelas mais pobres da população são, muitas vezes, vistas com
desconfiança pelas parcelas mais ricas e recebem críticas quanto à
sua eficiência e adequação.

No Brasil, programas como o Bolsa Família, as cotas raciais de


Documentário acesso à educação superior e o crescimento das vagas em universi-
O impacto das fake news dades públicas direcionadas a indivíduos de baixa renda são exem-
sobre os processos eleito-
rais de diversos países é
plos de políticas sociais combatidas e criticadas pelos grupos que
o tema do documentário detêm os poderes político e econômico (FERES JÚNIOR; DAFLON,
Fake news: baseado em
fatos reais. Apesar de ser
2015; SILVA, 2014a).
uma produção brasileira,
o documentário tem
A criação e a institucionalização de agências reguladoras de se-
como foco as eleições tores econômicos são o sexto princípio. Apesar de serem apresen-
americanas em que
Donald Trump foi eleito
tadas como uma forma de controle do governo sobre as empresas
presidente dos Estados privadas, o filósofo defende que, na prática, elas atuam de modo a
Unidos e o referendo
popular sobre a saída do
defender os interesses privados e a aumentar o poder de empresas
Reino Unido da União que se relacionam com os governos, seja por meio da corrupção,
Europeia, conhecido
como Brexit. Discutir o
seja por legislações que socorrem empresas nos momentos de
tema das fake news é cada crise econômica (CABEZA; CAL, 2009; SALVADOR, 2010). Assim, para
vez mais importante nos
processos eleitorais dos
Chomsky (2017), essas organizações aumentam ainda mais a concentra-
países democráticos. ção de riquezas.

Direção: André Fran; Rodrigo Um dos temas mais discutidos nos últimos anos, tanto nos Estados
Cebrian; Felipe Ufo. Brasil: Unidos quanto na Europa e no Brasil, é o controle sobre os processos
GloboNews, 2017.
eleitorais, sétimo princípio da concentração de riqueza. Os poderes po-

104 Direitos humanos e relações sociais


lítico e econômico das elites que concentram as riquezas apresentam
uma relação íntima. Os modelos eleitorais, fundamentados em doações
a partidos e candidatos, trazem os interesses dos mais ricos em detri-
mento das parcelas mais pobres da população (BATAGLIA; FARRANHA,
2018; SAAD-DINIZ; MARCANTONIO, 2015).

Como forma de diminuir o poder da sociedade civil organizada, o oita-


vo princípio é a desmobilização dos movimentos sociais. Sindicatos e ou-
tros movimentos de defesa dos direitos de trabalhadores e outros grupos
sociais têm perdido força e impacto nas últimas décadas (RIBEIRO, 2019).

A tendência, identificada pelo filósofo na Europa e nos Estados


Unidos, também pode ser observada no Brasil, em especial após as
mudanças na legislação do trabalho e no financiamento dos sindica-
tos, promulgadas na segunda metade da década de 2010 (OLIVEIRA;
GALVÃO; CAMPOS, 2019). Com a diminuição da influência dos sin-
dicatos, os trabalhadores perdem força nas negociações salariais e
na defesa dos direitos adquiridos, o que traz impactos sobre a desi-
gualdade social.

A criação de modelos e padrões de consumo é o nono princípio,


responsável pelo aumento das diferenças sociais. A mídia e, em es-
pecial, as redes sociais são um importante instrumento de intensifi-
cação das diferenças sociais.

Ao definir e divulgar padrões de comportamento, beleza e con-


sumo, os grupos minoritários são impactados de duas formas: os
indivíduos que não se encaixam nos padrões são excluídos e colo-
cados à margem da sociedade e as parcelas mais pobres se sentem
pressionadas a consumir objetos que simbolizam o status dos gru-
pos sociais dos quais almejam participar (MAGALHÃES; BERNARDES;
TIENGO, 2017). O crescimento acelerado dos influenciadores digitais
que vendem uma vida de sonho é um exemplo do poder da mídia
como intensificadora das diferenças sociais (ALMEIDA, 2018).

Por fim, o décimo e último princípio é a marginalização de grupos


minoritários, especialmente daqueles ligados a questões étnico-raciais,
de gênero e de sexualidade. Essa marginalização, para o filósofo, é re-
flexo dos demais princípios e representa, na prática, os impactos da
concentração de riqueza e poder sobre os direitos humanos das popu-
lações minoritárias.

Direitos humanos e inclusão 105


Documentário Apesar de discutir as desigualdades sociais com base na realidade
O livro Réquiem para dos Estados Unidos, as conclusões a que Chomsky (2017) chega com
o sonho americano, de
Noam Chomsky, foi suas análises podem ser identificadas também no Brasil. As ligações
transformado em um entre questões econômicas, políticas e culturais e a desigualdade
documentário no ano de
2015, que apresenta as social são analisadas e mostram que, para garantir que os direitos
análises desenvolvidas humanos dos grupos minoritários e indivíduos marginalizados sejam
pelo filósofo na tentativa
de entender as desigual- respeitados, é preciso uma solução integrada, que inclui mudanças
dades sociais em uma nas mais diversas áreas da sociedade.
das mais ricas economias
do mundo. A produção Entre os princípios apontados por Chomsky (2017), dois são parti-
é fundamental para se
entender as relações
cularmente importantes para a discussão a que este capítulo se pro-
entre economia, política e põe: a desmobilização dos movimentos sociais e a marginalização
direitos humanos.
de grupos minoritários.
Direção: Kelly Niks; Jared O. Scott. EUA:
A participação dos movimentos sociais organizados é fundamental
PF Pictures; Naked City Films, 2015.
para a luta pela garantia dos direitos humanos. Segundo Milani (2008),
os processos participativos são parte integrante das relações sociais
que se constroem na sociedade e refletem o contexto no qual ocorrem,
tanto do ponto de vista histórico quanto do social. Para o autor, a par-
Música
ticipação social surge com a própria democracia.
Com base no poema
Ismália, de Alphonsus de Entretanto, na atualidade, dada a cobrança por eficiência na solução
Guimaraens, o qual narra de problemas sociais e a necessidade de agir com rapidez, os governos,
a vida de uma mulher
que, ao tentar alcançar muitas vezes, não abrem espaço ou não levam em consideração a par-
o céu, morre quando se ticipação da sociedade e dos grupos sociais organizados nas decisões e
joga no mar, pois viu o
reflexo da lua nele, o com- na definição de políticas públicas (GOHN, 2019).
positor Emicida escreveu
a música homônima, que Para Lavalle (2011), a participação social está relacionada à demo-
mostra como ocorre a cracia, pois significa que os indivíduos e os grupos estão representados
marginalização dos gru-
pos sociais minoritários: nas discussões sobre a organização da sociedade e as ações políticas
Primeiro cê sequestra eles, em benefício dos cidadãos. Assim, para o autor, a participação social é
rouba eles, mente sobre eles
a expressão maior da cidadania.
Nega o deus deles, ofende,
separa eles Segundo Gohn (2016), a participação social é o instrumento que
Se algum sonho ousa correr, viabiliza a garantia dos direitos do cidadão nos âmbitos político, so-
cê para ele
cial e econômico. Por outro lado, o oposto da participação é a ex-
E manda eles debater com a
bala que vara eles, mano clusão: grupos e indivíduos não representados nas discussões que
Disponível em: https://www.youtube. desenham as estruturas e definem o futuro da sociedade não têm
com/watch?v=4pBp8hRmynI. Acesso
sua identidade e suas demandas consideradas ou respeitadas e são
em: 8 jul. 2021.
excluídos da vida social.

106 Direitos humanos e relações sociais


Ainda segundo Gohn (2016), a participação da população nos des-
tinos da sociedade se dá em diversos níveis, sendo o voto um exem-
plo. Ao escolher seus representantes, em teoria, o cidadão tem sua
representação garantida. Porém, como mostra Chomsky (2017), um
dos princípios da concentração de riqueza e poder é controlar os
processos eleitorais por meio da influência do capital investido nas
campanhas políticas e a manipulação da informação como uma ferra-
menta de controle dos eleitores.

A participação político-partidária em associações de classe e gru-


pos comunitários e os movimentos que representam grupos específi-
cos são exemplos de algumas formas de organização social, as quais
Gohn (2016) chama de sujeitos sociais.

Milani (2008) define a participação social cidadã como toda e


qualquer forma de organização ou ação desenvolvida por meio da
criação de redes de relacionamento em que os cidadãos, de maneira
individual ou coletiva, relacionam-se com o objetivo de intervir e agir
sobre a realidade social. A participação social é fundamental para o
pleno exercício da cidadania por todos os indivíduos que fazem par-
te da sociedade, independentemente de classe econômica, grupo
étnico-racial, gênero ou identidade sexual.

5.2 Movimentos sociais e sujeitos coletivos


Vídeo O conceito de movimentos sociais passou a ser discutido de modo
mais intenso após a ocorrência de diversos protestos sociais que marca-
ram a segunda metade da década de 1960 (STAMPA, 2010).

O mundo passava por grandes transformações sociais, políticas e


culturais, as quais deram origem a lutas pelos direitos de minorias,
como os movimentos Black Power, intensificados com o assassinato do
líder Martin Luther King Jr. em abril de 1968; Gay Power, com os even-
tos de Stonewall em 1969; contra a Guerra do Vietnã, nos Estados Uni-
dos, em 1968; feminista que cresceu de modo acelerado durante toda a
década de 1960, em vários países europeus e americano; e estudantis,
ocorridos a partir de maio de 1968 na França, que se espalharam por
diversos países do mundo, inclusive no Brasil, em que a luta contra

Direitos humanos e inclusão 107


Vídeo o regime militar, instaurado em 1964, chegou às ruas (PEREIRA, 2019;
No vídeo Bom para todos: WOODS, 2016; SILVA, 2019; PERRONI et al., 2019; SILVA, 2018).
o que são os movimentos
sociais?, publicado pelo Com base nesses intensos movimentos ocorridos nos últimos anos
canal TVT, são abordados
movimentos sociais que da década de 1960, foi a partir da década de 1970 que os movimentos
lutam por diversas pautas,
sociais passaram a se organizar para agir de maneira coletiva na busca
como acesso a creches
públicas, defesa do meio de direitos humanos e mudanças sociais.
ambiente e direitos de
grupos minoritários e de Segundo Stampa (2010), os estudos dos movimentos sociais na socio-
categorias profissionais.
Também é discutida a
logia seguem dois diferentes focos: a linha de pesquisa americana e a eu-
repressão do direito à ma- ropeia. A primeira busca entender a forma de organização e composição
nifestação dos movimentos
e à resiliência dos sujeitos dos movimentos sociais. Já a segunda busca estudar o contexto social
coletivos na luta por suas no qual nascem esses movimentos, a identidade dos sujeitos coletivos
demandas.
que se formam por meio dos movimentos, as relações com a sociedade
Disponível em: https://www.youtube. e as instituições econômicas, políticas e de governo. Essa linha de estu-
com/watch?v=4WjWDmCEL4E.
Acesso em: 8 jul. 2021. do, que influenciou os sociólogos brasileiros, tem também o objetivo de
entender a forma de ação dos movimentos sociais e como as manifesta-
ções impactam a sociedade.

Os movimentos sociais são, muitas vezes, confundidos com mani-


festações de cunho essencialmente político e econômico, relacionadas
aos movimentos socialistas ou comunistas. Essa visão simplista acaba
por prejudicar o entendimento profundo da importância dos movimen-
Documentário
tos sociais na luta pelos direitos humanos e pela plena cidadania.
O documentário
Paradoxos: 30 anos de Para Stampa (2010), a ligação dos movimentos sociais com o
democracia e direitos
humanos no Brasil apre-
ambiente político é ainda mais forte no Brasil, pois, além de terem
senta uma visão histórica nascido na década de 1960, com os movimentos estudantis que luta-
do desenvolvimento da
democracia brasileira nas vam contra o regime militar, renasceram na década de 1970 e 1980,
últimas décadas, após o com o crescimento dos movimentos trabalhistas comandados pelos
processo de redemocrati-
zação na década de 1980. sindicatos de metalúrgicos de São Paulo, em especial na região de
O desenvolvimento dos
São Bernardo do Campo.
movimentos sociais e a luta
pelos direitos humanos
são abordados com base
Porém, os movimentos sociais não se restringem apenas aos es-
na visão de alguns líderes forços políticos e trabalhistas. A luta pela moradia nas cidades, pela
desses movimentos.
Reforma Agrária e por terra no campo, a defesa de minorias, como
Direção: Vitor Blotta; Fabrício Bonni. negros e indígenas, os direitos da mulher e dos grupos LGBTQIA+, a
Brasil: Núcleo de Estudos da Violência
proteção do meio ambiente, o apoio a pessoas em situação de rua
da Universidade de São Paulo, 2020.
Disponível em: https://www.youtube. e a pessoas com dependência química, a inclusão de pessoas com
com/watch?v=Wu2a7exfkus. Acesso
deficiência e a defesa da cultura e das crenças religiosas são apenas
em: 8 jul. 2021.
alguns exemplos de movimentos sociais atuantes na sociedade bra-

108 Direitos humanos e relações sociais


sileira, que representam os interesses e as demandas de indivíduos,
grupos sociais e sujeitos coletivos.

Os sujeitos coletivos são definidos por Leal et al. (2015) como grupos
ou outras formas de associação estruturados entre pessoas que compar-
tilham crenças, pontos de vista, formas de pensar e demandas comuns
e que agem de modo organizado e em conjunto na mediação entre os
interesses dos indivíduos e das instituições nos espaços de discussão
sobre as questões sociais. Segundo Lúcio (2015, p. 491), “reconhecer os
sujeitos coletivos é dar materialidade política – voz e capacidade delibe-
rativa – às pessoas inseridas na situação e no contexto em que ocorrem
as disputas. Significa ir além da democracia representativa, chegando a
uma forma mais direta de intervenção, debate e deliberação”.

Ainda para Leal et al. (2015), muitas das conquistas legais, sociais
e políticas alcançadas pelas minorias sociais e econômicas no Brasil, Documentário
especialmente nas últimas décadas do século XX e nos primeiros Renato Janine, um
dos mais destacados
anos do século XXI, estão relacionadas à atuação dos movimentos filósofos contemporâ-
sociais, tanto aqueles organizados e institucionalizados na figura de neos brasileiros, que
atua como professor
sindicatos e instituições quanto aqueles que nascerem de maneira da Universidade de São
desestruturada por meio de demandas gerais da população, mas Paulo, no documentário
O Novo nas Ruas, faz
que se transformaram em grandes manifestações sociais que resul- uma profunda análise
taram em grandes mudanças. filosófica, sociológica e
social das manifestações
É importante salientar que nem todos os movimentos sociais e públicas ocorridas em
todo o mundo durante o
sujeitos coletivos buscam propor e implementar mudanças na socie-
ano de 2013. No vídeo,
dade. Existem movimentos que almejam não apenas a manutenção ele comenta que as
manifestações parecem
das estruturas, das leis, das políticas e dos comportamentos como
acontecer por acaso e
também defendem o retrocesso em questões de direitos humanos explodem de repente. O
filósofo aponta que as
conquistados por outros movimentos e sujeitos coletivos, caso de
redes sociais apresentam
grupos conservadores que lutam contra leis como a que legaliza o um importante papel na
criação e na divulga-
casamento homoafetivo e que protegem os indivíduos LGBTQIA+
ção de movimentos ao
(ROMANCINI, 2018). facilitar o encontro de
pessoas e grupos que
É nessa disputa entre as demandas, os interesses, as crenças e as lutam por seus direitos.
O filósofo compara as
ideias de diferentes movimentos, sujeitos coletivos e demais atores
manifestações com os
sociais que a sociedade se modifica e evolui. A participação social é movimentos estudantis
de 1968.
fundamental, pois dá espaço para diferentes visões e demandas dos
variados grupos sociais no processo de planejamento das políticas pú- Disponível em: https://vimeo.
blicas dos governos e na própria concepção de qual deve ser o papel do com/74203386. Acesso em: 12
jul. 2021.
Estado e das organizações privadas na sociedade.

Direitos humanos e inclusão 109


Ao criar espaços e processos organizados que possibilitam a par-
ticipação de movimentos e atores sociais nas discussões de interesse
público, em especial no planejamento das ações de governo e políti-
cas públicas, o Estado empodera os sujeitos coletivos, principalmente
aqueles que representam as demandas de grupos marginalizados e
indivíduos em situação de risco.

5.3 Lutas sociais e direitos humanos


Vídeo As relações que se estabelecem na sociedade entre indivíduos,
sujeitos coletivos e grupos sociais são mediadas por estruturas le-
gais e instituições estatais que regulam e definem os direitos e de-
veres dos indivíduos.

Do ponto de vista histórico, a definição e a implementação dos di-


reitos humanos nas sociedades não se deram de maneira natural e
organizada, já que foram fruto de lutas políticas, étnico-raciais e sociais
de indivíduos, grupos e movimentos sociais. Os direitos humanos po-
dem ser entendidos, de acordo com Poker (2018), como um produto,
uma construção que surge por meio da própria existência da civilização
humana e da vida em sociedade.

Para o autor, os direitos humanos não devem ser estudados apenas


conceitualmente, mas sim compreendidos na realidade das sociedades
e no contexto histórico no qual ocorreu cada luta e cada conquista de
direitos. Segundo Salatini e Dias (2018), os movimentos sociais repre-
Saiba mais sentam os indivíduos e os sujeitos coletivos na busca – ora pacífica, ora
Um dos mais importan- conflituosa – do equilíbrio entre os conflitos de interesses e as tensões
tes rappers americanos,
Tupac, foi assassinado
sociais que se estabelecem dentro dos grupos e das sociedades. De
no ano de 1996. O artigo acordo com os autores, os movimentos sociais testam os limites entre
1992 – A via gangsta,
de Fábio M. Candotti,
a inclusão e a exclusão social e as lutas podem ser mais pacíficas ou
discute a importância da mais conflituosas, conforme a flexibilidade e a permeabilidade dos li-
música do cantor para
a discussão social e a
mites sociais.
influência dele sobre os
movimentos negros ame-
O rapper americano Tupac Shakur usa uma metáfora para explicar
ricanos e brasileiros. o que Salatini e Dias (2018 apud CANDOTTI, 2012, p. 132) afirmam:

Disponível em: https:// Se eu souber que nesse quarto de hotel tem comida boa todo
www.researchgate.net/ dia e bato todo dia na porta pra comer e eles abrem a porta,
publication/348707415_1992_- me deixam ver a festa, me deixam vê-los jogando salame pra
_a_via_gangsta. Acesso em: 8
jul. 2021.
todo lado, isto é, simplesmente jogando comida pra todo lado,
mas eles dizem que não tem comida. Todos os dias, saio e

110 Direitos humanos e relações sociais


tento passar minhas ideias através da música: “Temos fome,
por favor, deixe-nos entrar. Temos fome, por favor, deixe-nos
entrar”. Depois de uma semana, a música vai mudar para:
“Temos fome, precisamos de comida!”. Depois de duas, três
semanas, vai ser: “Me dê comida ou vou arrombar a porta!”.
Depois de um ano, vai ser: “Estou forçando a fechadura, en-
trando pela porta voando...”. Tipo assim: você tem fome, che-
gou ao seu limite. Pedíamos há dez anos. Pedíamos com os
Panteras. Pedíamos com eles, o movimento dos direitos civis. Saiba mais
Essas pessoas que pediam morreram ou estão na cadeia. Criado em 1966, o parti-
Então, agora, o que acha que vamos fazer? Pedir? do dos Panteras Negras
surgiu como um grupo
que buscava denunciar
Os movimentos sociais, além de lutarem para que os direitos
o racismo, a perseguição
humanos sejam garantidos aos indivíduos e aos grupos por eles policial e a exclusão social
dos negros nos Estados
representados, ajudam no entendimento das demandas e no de-
Unidos. Ao denunciar
senvolvimento de uma visão mais profunda do que são os direitos questões relacionadas
não só ao racismo, mas
humanos e de como eles devem ser colocados em prática, tanto por
também à pobreza, à
meio de legislações quanto pela mudança de comportamentos e desigualdade social e à
práticas morais da sociedade. brutalidade policial con-
tra negros, o movimento,
Para Poker (2018), as lutas dos movimentos sociais expandem as nascido em um contexto
de luta pelos direitos ci-
fronteiras do que definimos como direitos humanos, ao traduzir as ne- vis, se tornou importante
cessidades, as demandas e as reivindicações dos indivíduos e dos gru- e conseguiu conquistar
grandes avanços contra a
pos sociais por eles representados. segregação racial.

A luta pelos direitos humanos tem um caráter político, no sentido


de que se dá nos espaços públicos de discussão dos interesses en-
tre grupos sociais dominantes, dominados e excluídos. Como afirma Vídeo
Alonso (2009), os movimentos sociais são a expressão da própria di- O vídeo Reportagem
especial: movimentos
nâmica dos grupos sociais, marcada por tensões e conflitos entre os sociais – 16/05/14,
diversos indivíduos e sujeitos coletivos que os compõem. produzido pelo canal da
Assembleia Legislativa de
Essas tensões podem surgir por meio de lutas por inclusão, por no- Santa Catarina, apesar de
mostrar especificamente
vos direitos, pelo espaço de representação, pela defesa de direitos já
a história do desenvolvi-
conquistados ou pelo desejo de impedir que mudanças ocorram na mento dos movimentos
sociais no estado catari-
estrutura da sociedade, como no caso dos grupos conservadores que
nense, exemplifica como
buscam a manutenção das condições sociais a que estão habituados. as lutas sociais estão na
origem do surgimento
A promulgação de novas leis e as mudanças no comportamen- de movimentos sociais
organizados.
to, nos padrões e nas normas socialmente aceitas são reflexo da
atuação dos movimentos sociais, segundo Poker e Arbarotti (2015). Disponível em: https://www.youtube.
Já Alonso (2009) acredita que os movimentos sociais representam a com/watch?v=N0MZKJxhszQ.
Acesso em: 8 jul. 2021.
insatisfação dos grupos sociais e sujeitos coletivos com a atuação

Direitos humanos e inclusão 111


do governo e com a postura do Estado, das instituições e do orde-
namento jurídico diante dos problemas sociais, como preconceitos,
marginalização e exclusão social.

Para Alves, Pocker e Ferreira (2015), os documentos históricos que


discutem e definem os direitos humanos, como a Declaração Francesa
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (FRANÇA, 2015),
a Constituição dos Estados Unidos da América, 1787, a Bill of
Rights, 1791 (EUA, 2015) e a Declaração Universal de Direitos Huma-
nos da Organização das Nações Unidas de 1948 (ONU, 1948), são a
base conceitual sobre a qual os movimentos sociais definem e orga-
nizam suas demandas e desenvolvem seus projetos e planos de mo-
bilização e manifestação política a serem discutidos com os demais
atores sociais e instituições.

Todavia, como destaca Milani (2008), a prática dos direitos humanos


discutidos conceitualmente nesses e em outros documentos que abor-
dam os direitos humanos nem sempre é tão simples. Cada sociedade
apresenta especificidades quanto às crenças, aos valores, à ética e à
moral, bem como à sua história e à composição de seu povo.

Assim, mesmo para garantir os direitos humanos mais básicos,


como o direito à vida, diversos conflitos podem surgir entre os grupos
sociais e sujeitos coletivos representados por esses movimentos, que
muitas vezes podem até impedir a garantia dos direitos humanos.

Essa diferença entre a discussão conceitual e a prática sobre os


direitos humanos pode ser exemplificada por um tema constante-
mente presente na sociedade contemporânea: o direito das mulhe-
res ao aborto.

Para Luna (2014), esse tema contrapõe dois movimentos sociais or-
ganizados e atuantes: de um lado, os grupos pró-vida, os quais defen-
dem que, mesmo antes de nascer, o feto representa uma vida humana
e, portanto, deve ter seus direitos garantidos; de outro lado, os movi-
mentos feministas, os quais defendem o direito de a mulher definir se
deve dar continuidade à gestação.

Klock e Lixa (2017) apontam que a criminalização do aborto no orde-


namento jurídico brasileiro se encontra em desacordo com as legislações
internacionais que regulam os direitos humanos, como a Convenção
Interamericana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

112 Direitos humanos e relações sociais


O tema da legalização do aborto torna-se ainda mais comple- Saiba mais
xo quando se trata de gravidez decorrente de crime de estupro ou Segundo Gomes (2018, p.
121), anencefalia é “uma
quando há a constatação de que o feto sofre de graves doenças ou má-formação rara do
má-formação. No ano de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) brasi- tubo neural, caracteri-
zada pela ausência total
leiro discutiu o aborto de crianças anencéfalas. A legalização do aborto ou parcial do encéfalo
nessas condições, autorizada pelo STF, causou diversas manifestações e da calota craniana,
proveniente de defeito
de movimentos pró-vida. de fechamento do tubo
neural nas primeiras
Esse exemplo mostra como a realização prática do mais bá- semanas da formação
sico dos direitos humanos, o direito à vida, pode gerar profundas embrionária. Ela traz
como consequências pro-
discussões na sociedade e como cada grupo e movimento social de- blemas como cegueira,
fende suas próprias convicções a respeito de como os direitos hu- surdez, inconsciência e
incapacidade de sentir
manos devem ser implementados. dor; grande parte dessas
gestações evoluem para
Habermas (2002) destaca que a luta pela inclusão social dos grupos aborto espontâneo [...]”.
excluídos e marginalizados é a força motriz dos movimentos que bus-
cam a igualdade de direitos e o fim da discriminação e do preconceito
étnico-racial, de gênero, de identidade sexual, de crença ou de qual-
quer outra característica social que possa resultar em exclusão. Documentário
As ações e manifestações dos movimentos sociais na busca pela O documentário Uma
história Severina mostra
efetivação dos direitos humanos para os indivíduos e grupos sociais a luta de uma mãe
por eles representados muitas vezes acabam gerando conflitos, es- recifense que, em 2004,
teve a autorização para
pecialmente em uma sociedade marcada pelo multiculturalismo e realizar o aborto de um
pelas diferentes crenças e visões de mundo de cada grupo social, feto anencéfalo negada
pelo Supremo Tribunal
como mostra o exemplo das discussões a respeito do direito ao Federal. A batalha pelo di-
aborto e à vida. reito ao aborto levou mais
de 3 meses e, mesmo
Segundo Habermas (2002), essa diversidade social e cultural traz uma autorizado legalmente,
a mulher teve que lutar
grande complexidade para a efetivação dos direitos humanos, e a única contra o sistema de saú-
forma de a sociedade evoluir é por meio da participação e da represen- de, entrando em trabalho
de parto de uma criança
tatividade dos movimentos e dos sujeitos coletivos nas discussões e nos natimorta. O caso de
espaços políticos, econômicos, legais, culturais e sociais. Severina levantou novas
discussões sobre o aborto
A efetiva prática dos direitos humanos que garantem a inclusão so- de fetos anencéfalos e,
em 2012, o STF decretou
cial só é possível em uma sociedade na qual as diferenças são perce-
decisão favorável ao
bidas, entendidas e respeitadas e os sujeitos são aceitos com todas as procedimento.

suas características, individualidades, desejos e demandas.


Direção: Debora Diniz; Eliane Brum.
O cotidiano da sociedade é diverso e mutável. Novas realidades, cul- Brasil, 2010.
Disponível em: https://
turas, formas de interação e demandas sociais surgem com a própria www.youtube.com/
dinâmica de uma sociedade que se torna cada vez mais global, interco- watch?v=65Ab38kWFhE. Acesso
em: 8 jul. 2021.
nectada e multicultural. O passado das discussões sobre os direitos hu-

Direitos humanos e inclusão 113


manos possibilita que, na atualidade, a sociedade possa implementar
novas formas de garantir a inclusão social. Os desafios do presente dão
a direção que orienta essas discussões no futuro.

5.4
Vídeo
Direitos humanos: presente e futuro
O mundo contemporâneo traz grandes desafios para a garantia dos
direitos humanos. As crises econômicas, sociais e políticas que marca-
ram a segunda metade da década de 2010 e o início da década de 2020,
aprofundadas pelos efeitos da pandemia global causada pela Covid-19,
trazem novos desafios para os movimentos sociais que buscam a inclu-
são social de grupos marginalizados (SIQUEIRA et al., 2020).
Livro

5.4.1 Os direitos humanos no presente


Para Poker (2018), a ascensão de grupos políticos conservadores,
em diversos países do mundo, durante a década de 2010, trouxe à
discussão os direitos humanos de grupos marginalizados que pare-
ciam já ter sido totalmente institucionalizados.

Legislações que protegem os direitos de minorias étnico-raciais,


como as leis de cotas e a demarcação de terras indígenas, ou de po-
pulações LGBTQIA+, como o direito ao casamento homoafetivo, volta-
O livro Direitos humanos
no Brasil de 2020 aborda ram a ser objeto de discussão, com projetos de grupos e movimentos
o impacto das mudanças sociais conservadores que ganharam espaço e força na nova organi-
políticas ocorridas devido
à pandemia de Covid-19 zação política, tanto em países europeus e americanos, com a eleição
e, principalmente, os seus de políticos conservadores, quanto em países asiáticos com governos
reflexos nas discussões e
na defesa dos direitos hu- ditatoriais. Para Marques (2020, p. 693):
manos no Brasil. Além dis-
dificilmente deixaríamos de reconhecer que nos dias e mundo
so, discute as tendências
para os próximos anos de hoje os chamados direitos civis são violados mais frequente-
com relação à garantia mente quando seus detentores são os mais vulnerabilizados pela
dos direitos humanos, em
estrutura social: trabalhadores, negros, integrantes de minorias,
especial para os grupos
marginalizados. A obra mulheres, moradores de periferias, politicamente minoritários,
é escrita por diversos somando-se este fato como elemento a distinguir origem de
autores e organizada pela significado concreto de tais direitos. A compreensão deste último
Rede Social de Justiça e
Direitos Humanos.
só pode ser realizada na inserção do direito, em suas múltiplas
dimensões, no contexto da realidade atravessada por conflitos e
STEFANO, D.; MENDONÇA, M. forças na qual toma parte.
L. (org.). Brasília, DF: Expressão
Popular; Rede Social de Justiça e Salatini e Dias (2018) citam o Relatório da Anistia Internacional de
Direitos Humanos, 2020.
2017, que indica o Brasil como o país do continente americano em que

114 Direitos humanos e relações sociais


líderes de movimentos de defesa aos direitos humanos mais correm Filme
risco de serem assassinados, com mais de três quartos das mortes
ocorridas no ano de 2017.

O grande desafio contemporâneo da luta pelos direitos humanos é


equilibrar a proteção e a defesa das tradições culturais e os processos
de desenvolvimento da sociedade, os quais são influenciados tanto pe-
las mudanças tecnológicas que aproximam diferentes culturas que se
chocam, influenciam-se e dão origem a mudanças sociais quanto pela
ação dos movimentos sociais que precisam ser mediados pela inter- A premiada animação
venção do Estado e pelas legislações nacionais e supranacionais. Um brasileira Uma história de
amor e fúria é composta
exemplo desse desafio é a questão indígena. de quatro partes e tem
como tema central a vio-
Toma-se ainda como exemplo a controvérsia criada em torno das
lência contra os grupos
demarcações de terras indígenas e quilombolas no Brasil, em que étnico-raciais minoritários
de um lado, há o reconhecimento do direito ao território tradicio- e os movimentos sociais
nal concedido aos povos indígenas e quilombolas, versus o direito e políticos, abordando
também a questão
à propriedade de agricultores empresariais, também um direito ambiental e o futuro dos
presente na Declaração de 1948, como ficou claro nos conflitos direitos humanos.
pela demarcação da reserva Raposa Serra do Sol em Roraima,
na argumentação constante da ação judicial envolvendo Estado Direção: Luiz Bolognesi. Brasil:
Buriti Filmes; Gullane; Lightstar
e produtores agrícolas, que começou em 2005 e foi concluída no Studios, 2013.
Supremo Tribunal Federal em 2007. (POKER, 2018, p. 225)

Concatenar a tradição e a modernidade é desafiador, pois algu-


mas tradições culturais são baseadas em diferenças de direitos en-
tre grupos sociais que causam a exclusão social de indivíduos, como
observamos nas questões relacionadas às relações étnico-raciais. O
que é considerado tradição e um direito adquirido historicamente
por determinado grupo social pode representar a exclusão social de
outro. A superação desse tipo de conflito é complexa e pode ser ob-
servada em vários contextos sociais no mundo contemporâneo, como
pode ser exemplificado pelos conflitos entre palestinos e israelenses
na Faixa de Gaza (GORGA, 2019).

Marques (2020) chama a atenção para o fato de que o conceito da


defesa dos direitos humanos pelos Estados e governos, apesar de ter
suas origens na Revolução Francesa no século XVIII, só passou a ser efe-
tivamente colocada em prática após o fim da Segunda Guerra Mundial,
principalmente devido à Declaração Universal dos Direitos Humanos
da ONU em 1948. O autor considera que a política e o papel do Estado
contemporâneo têm os direitos individuais como um de seus pilares.

Direitos humanos e inclusão 115


Nesse contexto, o Estado tem o papel de ser o garantidor dos direitos
dos indivíduos. Essa configuração de poder, ainda segundo o estudioso,
embute uma dicotomia: se por um lado o governo concentra todo o poder
político, por outro ele é limitado pelos direitos dos indivíduos.

5.4.2 O futuro dos direitos humanos


A ascensão de movimentos sociais e grupos políticos e econômicos
conservadores, principalmente a partir da década de 1990, representa,
para Marques (2020), uma nova realidade social, em que a centralidade
dos direitos individuais, como base do poder do Estado, é questionada.

Na visão dos grupos conservadores, os direitos dos indivíduos


não se sobrepõem aos direitos e aos valores dos grupos sociais, es-
pecialmente daqueles que historicamente detêm o poder econômi-
co, político e social. Essa realidade aponta, na visão do autor, para
um futuro no qual os direitos humanos não estarão no centro das
Livro decisões do Estado.

Ao analisar o discurso das forças políticas conservadoras, Marques


(2020) identifica algumas características marcantes, as quais podem ser
encontradas em movimentos conservadores de diferentes países, como:
• a denúncia contra um pretenso sistema de dominação social pe-
las forças políticas liberais, para as quais o movimento conserva-
dor se apresenta como uma alternativa antissistema;
• a postura nacionalista e a idealização de um povo marcado por
um passado glorioso, conceito que é usado para excluir os indi-
O livro O fim dos direitos
humanos aborda os cami- víduos e os grupos que não fazem parte dessa história e cultura;
nhos que as discussões
sobre os direitos huma-
• a desconfiança com relação aos movimentos sociais organiza-
nos têm seguido nos dos ou a qualquer instituição ou organização que represente
últimos anos. De maneira
interesses diferentes daqueles defendidos pelo grupo;
crítica, o autor discute a
visão a respeito da ideo- • a deslegitimação das lutas e conquistas de direitos pelas minorias
logia e dos paradoxos ló-
gicos e humanísticos que
étnico-raciais, de gênero, de identidade e de crença.
baseiam essas discussões
políticas e sociais. Os indivíduos que fazem parte de grupos sociais minoritários
são vistos pelos movimentos conservadores como “ameaçado-
DOUZINAS, C. São Leopoldo:
Unisinos, 2009.
res de degeneração social, nacional e buscadores de privilégios”
(MARQUES, 2020, p. 695).

116 Direitos humanos e relações sociais


O crescimento dos movimentos conservadores e nacionalistas coin-
cide com o aumento dos processos migratórios motivados por ques-
tões econômicas e, principalmente, pelos conflitos políticos e religiosos
que marcam as primeiras décadas do século XXI.

Para Gomes (2017), o aumento dos preconceitos relacionados a


questões étnico-raciais, à xenofobia e à intolerância religiosa é reflexo
palpável do choque de culturas causado pelas migrações, tendo como
resultado o fortalecimento do conservadorismo e do nacionalismo.
Nesse cenário, o papel dos movimentos sociais que defendem os direi-
tos dos indivíduos marginalizados torna-se cada vez mais crucial para
que se garantam os direitos humanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em um país marcado pelas desigualdades sociais como o Brasil, discu-
tir e lutar pela efetivação dos direitos humanos e pela plena cidadania é
cada vez mais importante. No Brasil contemporâneo, violência, exclusão
social, racismo, sexismo, preconceito contra a população LGBTQIA+, falta
de oportunidades de educação e trabalho, exclusão econômica e margi-
nalização estão não só presentes, como se aprofundam.
Nesse contexto, o futuro da defesa dos direitos humanos tende a ser
marcado pela intensificação dos conflitos e pelo aumento da importân-
cia dos movimentos sociais como legítimos representantes dos grupos
sociais e sujeitos coletivos. Nenhuma conquista e nenhum avanço em di-
reção à inclusão total e à plena cidadania podem ser considerados con-
solidados. A necessidade da luta pelos direitos humanos é cotidiana e
contínua, seja hoje, seja no futuro!

ATIVIDADES
Vídeo 1. Explique a relação entre a participação social e a democracia.

2. Qual é a importância do ano de 1968 para o surgimento e a


organização dos movimentos sociais?

3. O que são sujeitos coletivos?

Direitos humanos e inclusão 117


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em: 8 jul. 2021.

120 Direitos humanos e relações sociais


Resolução das atividades
1 Bases históricas dos direitos humanos
1. Explique os conceitos filosóficos de estado de natureza e estado
social.

Estado de natureza é a condição em que o ser humano é totalmente


livre para exercer suas vontades, sem nenhuma forma de controle ou
cerceamento. Já o estado social, que é atingido por meio da aceitação
do contrato social, possibilita aos indivíduos poderem conviver em
grupo sem entrar em lutas, conflitos e guerras.

2. Conceitue os direitos humanos de primeira, segunda, terceira e


quarta gerações.

A primeira geração de direitos humanos está relacionada à conquista


dos direitos civis ou naturais e aos direitos políticos. Os direitos de
segunda geração estão ligados principalmente a aspectos econômicos
e à garantia de igualdade e bem-estar social. Os direitos de terceira
geração se referem a questões supranacionais, como o direito à paz,
a garantia da preservação do meio ambiente para que haja condições
de vida para a humanidade. Os direitos de quarta geração são aqueles
ligados aos direitos das próximas gerações.

3. Explique a importância da Constituição Francesa de 1791 e da


Constituição Americana de 1787 para os direitos humanos.

A Constituição Francesa e a Americana eram inovadoras


e representaram uma ruptura nos modelos de legislação
característicos dos Estados absolutistas que dominaram a Europa
e suas colônias durante grande parte da Idade Média e no início
da Idade Moderna. A inclusão dos direitos humanos como base
conceitual e ponto central das constituições dos dois países
influenciou a criação e a alteração de constituições e do arcabouço
jurídico de diversos outros países, tanto aqueles que realizaram
a transição para formas democráticas de governo quanto os que
mantiveram a forma de governo monárquico.

Resolução das atividades 121


2 Relações étnico-raciais
1. Explique o conceito de eugenia.

O termo eugenia, que significa “bem-nascido”, criado por Francis Galton,


parte da ideia da evolução das espécies para concluir que a espécie
humana poderia também ser alterada ou, em sua visão, melhorada,
com base na seleção das características dos indivíduos.

2. Explique as diferenças entre os termos raça e etnia.

O conceito de raça, dentro do estudo das espécies, está relacionado


às características físicas que estão ligadas a uma determinada origem
geográfica. A dificuldade em se utilizar esse conceito para definir a
raça de um indivíduo reside na complexidade de se determinar quais
são essas diferenças e qual é a real importância delas. Já a etnia está
ligada à origem de um determinado grupo social e se relaciona com a
cultura, a religiosidade, a língua ou o dialeto e as práticas culturais e
sociais. Enquanto o conceito de raça está relacionado às características
genéticas e biológicas transmitidas por ligações de parentesco e
ancestralidade, a etnia se forma a partir de processos de agrupamento
históricos e a formação de grupos sociais e culturais.

3. Aponte quais ações podem ser tomadas para diminuir a


desigualdade racial.

Ações como o sistema de cotas em universidades, maior promoção de


oferta de emprego para facilitar a capacitação e entrada no mercado
de trabalho, investimentos em educação e saúde ajudam a minimizar
e combater os efeitos da desigualdade racial.

3 Gênero e sexualidade
1. Explique a diferença entre os conceitos de gênero e sexualidade.

O conceito de gênero, segundo Heilborn e Rodrigues (2018), evoluiu


a partir do ponto de vista biológico, de uma visão baseada na divisão
dos indivíduos de uma determinada espécie em machos e fêmeas
para uma visão cultural e social. Já o conceito da sexualidade envolve,
além dos aspectos biológicos, questões psicológicas, que vão além
das representações culturais, históricas e comportamentais do grupo
social do qual o indivíduo faz parte.

122 Direitos humanos e relações sociais


2. Explique o conceito de heteronormatividade.

A heteronormatividade se relaciona à visão de que as posturas e os


comportamentos heterossexuais são considerados como corretos
e normais na sociedade, estando ligada aos papéis sociais que se
esperam de cada gênero na sociedade e que estabelecem como
norma a heterossexualidade e a instituição de categorias distintas,
rígidas e complementares de masculino e feminino

3. Explique o que é identidade de gênero.

A identidade de gênero pode ser entendida como a representação


social dos gêneros masculino e feminino, com base nas convenções e
nos comportamentos reconhecidos pelo grupo social, fundamentada
no sexo biológico e na genitália do indivíduo. Porém, não
necessariamente a construção e a percepção do próprio indivíduo
sobre sua identidade estão de acordo com essas características
físicas e biológicas. As identidades de gênero são construídas a partir
das experiências, vivências e emoções de cada indivíduo. Apesar
de estarem relacionadas, identidade de gênero e orientação sexual
nem sempre estão alinhadas e isso não deve ser encarado como um
problema pela sociedade.

4 Alteridade, diversidade e multiculturalismo


1. Explique os conceitos de exclusão, segregação, integração e
inclusão.

Na exclusão, os indivíduos são colocados do lado de fora de uma


sociedade cujos mecanismos de impermeabilização de fronteiras não
permitem o retorno ou a possibilidade de estabelecer relações com
os que estão dentro. Na segregação, os indivíduos são marginalizados,
separados ou isolados do grupo social. A integração está relacionada à
ideia de que os indivíduos deixam de estar marginalizados e apartados
da sociedade, mas ainda não estão totalmente incluídos na estrutura
social. Já a inclusão é a situação social na qual os indivíduos têm
sua identidade e diversidade reconhecidas, aceitas e valorizadas,
participando de maneira efetiva e integral do grupo social.

2. Defina o conceito de alteridade.

A alteridade pode ser definida como a capacidade de enxergar o


outro e entender que os direitos humanos de cada indivíduo devem
ser respeitados, independentemente de qualquer tipo de diferença.
A alteridade se realiza no contato com o outro, com a identificação, a

Resolução das atividades 123


escuta, a compreensão, a valorização e aceitação das diferenças, sem
julgamento ou juízos de valor.

3. Explique as características do neonacionalismo relacionadas ao


nativismo e à exclusão.

Dentre as diversas características do neonacionalismo, o nativismo


está relacionado à visão etnocêntrica, em que a história é usada
para criar uma visão ufanista que tem por objetivo unificar o povo e
diferenciá-lo dos demais grupos étnico-raciais. As origens históricas e
mitológicas da nação são exacerbadas e destacadas. Já a exclusão dá
origem à discriminação aos imigrantes e às minorias e, principalmente,
à xenofobia, que faz com que os direitos humanos dos indivíduos
marginalizados não sejam respeitados.

5 Direitos humanos e inclusão


1. Explique a relação entre a participação social e a democracia.

A participação social está relacionada à democracia, pois significa que


os indivíduos e os grupos estão representados nas discussões sobre a
organização da sociedade e as ações políticas em benefício do cidadão.
A participação social é a expressão maior da cidadania.

2. Qual é a importância do ano de 1968 para o surgimento e a


organização dos movimentos sociais?

Na segunda metade da década de 1960, o mundo passou por grandes


transformações sociais, políticas e culturais que deram origem a
lutas pelos direitos de minorias, como os movimentos Black Power,
intensificados com o assassinato do líder Martin Luther King Jr. em
abril de 1968; Gay Power, com os eventos de Stonewall em 1969;
contra a Guerra do Vietnã, nos Estados Unidos; feminista, em vários
países ocidentais; e estudantis, ocorridos a partir de maio de 1968 na
França, que se espalharam por diversos países do mundo, inclusive
no Brasil, em que a luta contra o regime militar instaurado em 1964
chegou às ruas.

3. O que são sujeitos coletivos?

Sujeitos coletivos são grupos ou outras formas de associação


estruturais entre pessoas que compartilham crenças, pontos de
vista, formas de pensar e demandas comuns e que agem de maneira
organizada e conjunta na mediação entre os interesses dos indivíduos
e das instituições nos espaços de discussão de questões sociais.

124 Direitos humanos e relações sociais


Código Logístico ISBN 978-65-5821-053-5

9 786558 210535
I000128

DIREITOS HUMANOS E RELAÇÕES SOCIAIS


FABIANO CAXITO

FABIANO CAXITO

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