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Escola Judicial do Tribunal Regional

do Trabalho da 1ª Região

ANAIS DO I CONGRESSO
NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA
JUSTIÇA DO TRABALHO

Rio de Janeiro - 2022


Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região

Diretor da Escola Judicial do TRT da 1ª Região Coordenadora de Ensino e Pesquisa


Leonardo da Silveira Pacheco - Desembargador Marina Leite Ribeiro
do Trabalho
Chefes de Divisão
Vice-diretor da Escola Judicial do TRT da 1ª Ana Claudia da Silva Frade
Região Assis Pereira Lopes Junior
Roberto Norris - Desembargador do Trabalho Daniela Silva Fontoura de Barcellos
Luzia Gagliano
Juiz Auxiliar
Maiara Claudia Libano Soares e Souza
Fábio Rodrigues Gomes - Juiz Titular de Vara
do Trabalho Assistentes Secretários
Ervino Thiago Henkes Junior
Conselho Pedagógico da Escola Judicial
Jane de Oliveira Silva Acosta
Roberto Norris - Desembargador do Trabalho
Maria Cecilia Ceribelli Vital
Enoque Ribeiro dos Santos - Desembargador Ronaldo Carlos Barbosa
do Trabalho
Assistentes Administrativos
Eduardo Henrique Raymundo Von Adamovich - Alexandre Lopes de Lima
Desembargador do Trabalho, representante da Dan Ajdelsztajn
AMATRA1 Erica Maria Cespedes Reis
Marcelo Antônio de Oliveira Alves de Moura - Revisora de português
Juiz Titular de Vara do Trabalho Elaine Rapôso
Patrícia Vianna de Medeiros Ribeiro - Juíza
Diagramação
Titular de Vara do Trabalho, representante da
Varnei Rodrigues
AJUTRA
Propagare Comercial Ltda.
Coordenadora de Administração
Giselle Roxo Martins

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Congresso Nacional de Análise Econômica do Direito na Justiça do Trabalho (1.: Rio de Janeiro : 2021)

Anais [recurso eletrônico] / I Congresso Nacional de Análise Econômica do Direito na Justiça do Trabalho,
2022. – Rio de Janeiro: Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, 2022.

ISBN 978-85-53137-08-4

1. Direito. 2. Economia. 3. Justiça do Trabalho. 4. Estatística. 5. Mercado de trabalho. 6. Regulamentação.


I. Brasil. Tribunal Regional do Trabalho (1. Região). Escola Judicial.

CDDir 340

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Cristiane Ferreira de Souza - CRB7/4740


Divisão de Biblioteca
Sumário
Apresentação............................................................................................................................. 6
Fábio Rodrigues Gomes

1. Análise Econômica do Direito: o que ela é e o que ela não é?


Os impactos da Reforma Trabalhista sobre o problema da insegurança jurídica e do
congestionamento judicial no âmbito da justiça do trabalho brasileira: uma abordagem
de law and economics............................................................................................................10
Luciano Benetti Timm
Martha Macedo Sittoni
Manoel Gustavo Neubarth Trindade

Quando o jurista descobre a ciência: o que é a Análise Econômica do Direito?..........44


Bruno Vinícius Rós Bodart

2. Jurimetria: estatísticas a serviço do Direito


Jurimetria e Análise Econômica do Direito: algumas notas exploratórias sobre
empirismo, direito e ciência econômica............................................................................62
Marcelo Guedes Nunes

Notas sobre a jurimetria: políticas públicas e comportamentos estratégicos


individuais............................................................................................................................72
Flávio Antônio Esteves Galdino

3. A neuroeconomia e o neurodireito: para onde vamos?


Neuroeconomia e tomada de decisão no Direito.............................................................93
Ricardo Lins Horta
As (ir)racionalidades da Economia e do Direito: o curioso caso do homo
economicus...........................................................................................................................111
Sergio Nojiri

4. A teoria dos jogos nos tribunais


Teoria dos jogos e decisão judicial: aplicações e desafios.............................................130
Fernando Angelo Ribeiro Leal

Qual a utilidade da teoria dos jogos para o Direito brasileiro de 2021?....................146


José Vicente Santos de Mendonça

5. Regulamentação do mercado de trabalho


Informalidade, trabalho remoto e efeitos da pandemia no mercado de trabalho....155
Fernando Augusto Adeodato Veloso

A regulação do mercado de trabalho no Brasil e a recuperação do emprego no pós


covid-19...............................................................................................................................173
Cecília Machado Berriel
Apresentação
Fábio Rodrigues Gomes1

A economia deve ser levada pela mão invisível do mercado? Ou o direito


deve tomar a dianteira e assumir este manejo econômico?
A bem de ver, estas perguntas estão mal colocadas. Elas nos passam a (falsa)
impressão de que a economia e o direito estão em lados opostos, quando, a rigor,
eles são complementares. Esqueçamos o antigo duelo: economia versus direito.
A partir de agora, a leitura mais adequada deve ser a de um afinado dueto entre
ambos. Ou, dizendo de outro modo, devemos enxergar esta possível comunhão
de interesses através da análise econômica do direito.
Para amenizar as suspeitas e também para melhor compreendermos o que
significa esta delicada aproximação, a Escola Judicial do Tribunal Regional do
Trabalho da 1ª Região realizou o seu I Congresso Brasileiro de Análise Econômica
do Direito na Justiça do Trabalho. Foram três dias bastante intensos, com muitas
palestras, ideias e novidades, sempre com o mesmo pano de fundo: convencer
o respeitável público de que este não é um casamento arranjado às pressas. Ao
contrário, trata-se de uma união comentada há tempos e que tem tudo para
nos levar a um futuro promissor. Autores visionários como o Juiz da Suprema
Corte norte-americana Oliver Wendell Holmes Jr. não me deixam mentir. Ele
insistia na formação multidisciplinar dos juristas, destacando a importância dos
conhecimentos de economia na solução dos casos difíceis trazidos aos tribunais.
Mas por que devemos concordar com ele? Afinal de contas, o que é a análise
econômica do direito?
Com o intuito de dirimir estas e outras dúvidas e de trazer os atores da
Justiça do Trabalho para este instigante debate foram elaborados cinco painéis
com alguns dos temas de maior destaque nesta área de estudo.

1 Juiz Auxiliar da Escola Judicial do TRT da 1ª Região.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Apresentação

O primeiro deles visou a lançar as bases para os demais. Como os leitores


terão a oportunidade de apreciar, os professores Luciano Timm e Bruno Bodart
assumiram a tarefa de nos explicar o que é a análise econômica do direito e, sob
esta perspectiva, investigar quais foram os impactos da Reforma Trabalhista na
Justiça do Trabalho.
Em seguida, passamos a encarar um outro desafio: demonstrar como o
uso de estatísticas tornou-se uma ferramenta crucial para o entendimento do
direito e o desenho de políticas públicas. Os professores Marcelo Guedes Nunes
e Flávio Galdino estiveram a postos para nos dizer que não devemos confiar
cegamente em nossos ideais. Por melhor que eles sejam, sempre valerá a pena
testá-los empiricamente, pois, só assim, conseguiremos diagnosticar os nossos
erros e acertos com um mínimo de precisão e neutralidade.
Visto isso, caminhamos em direção ao desconhecido: o neurodireito. Como
depurar a razão humana dos inconscientes viéses de raciocínio? E as emoções:
em que medida elas contribuem para a nossa tomada de decisão? Estas e outras
aporias foram abordadas pelos professores Ricardo de Lins e Horta e Sérgio Nojiri.
Já os professores Fernando Leal e José Vicente de Mendonça cuidaram
da teoria dos jogos nos tribunais. Entender como o contexto de decisão afeta
a todos os envolvidos é o ponto de partida. E que, a cada cenário proposto, a
resposta mais racional pode ser a que menos se espera está longe de ser o ponto
de chegada. Certamente, não esqueceremos tão cedo este primeiro contato com
as reviravoltas mentais fornecidas pelos autores.
Por último, mas não menos importante, nos debruçamos sobre a
regulamentação do mercado de trabalho. Informalidade, trabalho remoto e
recuperação do emprego na pandemia: estes foram alguns dos assuntos referidos
pelos professores Fernando Veloso e Cecília Machado. Nada melhor do que
pensarmos no entrelaçamento entre o direito do trabalho e a economia, a partir
do impacto concreto da regulação em um momento tão inusitado como o que
enfrentamos recentemente.
Após esta breve imersão na análise econômica do direito, esperamos
conseguir do leitor o mesmo que buscamos atingir do ouvinte do nosso Congresso:
mitigar sua pré-compreensão sobre o tema.
Ao fim e ao cabo, tentamos abrir as mentes e os corações dos advogados,
procuradores e juízes para que não o rejeitem antes de, ao menos, ouvir o que

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Apresentação

muitos dos seus estudiosos têm a nos dizer. Sem deslumbramentos utópicos
ou pessimismos preconceituosos, o nosso compromisso deverá permanecer um
só: avaliá-lo criticamente, de maneira a importar o que houver de mais útil para
o exercício da jurisdição trabalhista. Se, com a análise econômica do direito,
pudermos realizá-la de modo cada vez mais eficiente, sem descuidar do nosso
sentimento de justiça, tanto melhor. Fundamental mesmo será mantermos os
dois pés bem fincados na realidade brasileira.

Boa leitura!
Rio de Janeiro, Inverno de 2021.

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1
Análise Econômica
do Direito: o que ela
é e o que ela não é?
Os impactos da Reforma Trabalhista sobre o problema da
insegurança jurídica e do congestionamento judicial no âmbito da
justiça do trabalho brasileira: uma abordagem de law and economics
Luciano Benetti Timm1
Martha Macedo Sittoni2
Manoel Gustavo Neubarth Trindade3

SUMÁRIO: I – Introdução; II – A Reforma Trabalhista e o Processo do Trabalho;


III – A Justiça do Trabalho enquanto Recurso Comum e a sua Tragédia; IV – A
Teoria da Informação Assimétrica aplicada ao Processo Judicial; V - A Teoria
dos Jogos e o Estudo do Processo Laboral; VI – Considerações Finais; VII –
Referências Bibliográficas.

1 Advogado. Pós-Doutor U.C., Berkeley, EUA. Doutor em Direito dos Negócios pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Direito pela UFRGS. Mestre em Direito (LLM)
pela Universidade de Warwick, Inglaterra. Professor Visitante do Programa de Pós-Graduação em
Direito da USP. Foi presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE) e do Instituto
de Direito e Economia do Rio Grande do Sul (IDERS). Membro do Comitê de Ciências Humanas e
Sociais da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS). Professor
adjunto da UNISINOS e professor convidado da Escola Superior da Magistratura - AJURIS e da
EMAGIS. E-mail: ltimm@cmtlaw.com.br.
2 Advogada. Doutoranda em Direito e Economia na Universidade de Lisboa. Mestre em Direito do
Trabalho pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Membro da Academia Sul Rio-Grandense de
Direito do Trabalho, ocupante da cadeira de nº 25. Professora da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul – PUCRS. E-mail: msittoni@cmtlaw.com.br
3 Pós-Doutorando na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutor em Direito (UFRGS).
Mestre em Direito (UFRGS). Especialista em Processo Civil (UFRGS). Professor Permanente do
Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos Negócios da UNISINOS. Coordenador e Professor
do Pós-LLM em Proteção de Dados da UNISINOS. Coordenador e Professor do LLM em Direito dos
Negócios da UNISINOS. Coordenador e Professor da Especialização em Direito dos Contratos e da
Responsabilidade Civil da UNISINOS. Professor da Graduação em Direito UNISINOS Porto Alegre LES
(Law, Economics and Society) e da Graduação em Direito da UNISINOS São Leopoldo. Foi Presidente
e atualmente é Diretor Científico do Instituto de Direito e Economia do Rio Grande do Sul – IDERS.
Foi Diretor da Associação Brasileira de Direito e Economia – ABDE. Foi Vice-Presidente da Comissão
Especial de Energia, Mercado de Capitais e Infraestrutura da OAB/RS. Fundador do Grupo de Estudos
em Direito e Economia da OAB/RS. Advogado e Economista.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

1. Introdução
A preocupação com a racionalização processual e com os efeitos que as
decisões judiciais acarretam sobre o desenvolvimento do país ganha cada vez
mais espaço na discussão acadêmica, assim como na atividade forense.
É preciso observar o processo e a legislação sob as lentes da realidade do
comportamento das partes litigantes, do juiz e do custo envolvido na disputa. A
legislação laboral, assim como os critérios interpretativos desenvolvidos sobre
a mesma, com o fito de balizar os julgamentos, foi concebida, em muitos casos,
sem se refletir acerca das consequências práticas dos dispositivos legais sobre
a conduta dos agentes envolvidos nas disputas processuais. Foi assim também
na Constituição Federal, que abriu as portas dos tribunais superiores em nome
do “acesso à justiça”, sem se ponderar sobre o impacto econômico e sobre a
eficiência das cortes.
Para os autores que trabalham com as premissas da Análise Econômica do
Direito (ou Law and Economics), como se verá a seguir, os litigantes são agentes
econômicos racionais e, portanto, moverão ações e interporão recursos à medida
que, em sua análise probabilística de custo-benefício, houver indicativo de ganhos.
Vale dizer, ninguém ingressará com uma ação para se colocar em situação pior.
E esse cálculo probabilístico leva em conta as probabilidades de êxito da ação,
os custos processuais e os riscos de perda.
Assim, se os custos processuais e os ônus sucumbenciais forem baixos e
os precedentes judiciais erráticos, o sistema processual poderá criar incentivos à
propositura de ações descabidas. Ou seja, o sistema processual acaba colocando
em xeque o próprio direito material (assim entendidos os contratos, a propriedade
e a própria sociedade).
Em se tratando das relações laborais, uma análise simplificada da realidade,
de acordo com a qual o mercado de trabalho informal vem atingindo marcas de
mais de 45% da população ativa e as taxas de desemprego ultrapassam os 12%,
é suficiente para observar que a legislação vigente não está conseguindo atingir
o objetivo a que se propunha quando de sua criação, no sentido de proteger
o trabalhador no mercado de trabalho. Do mesmo modo, o Poder Judiciário
Trabalhista, ante o estrondoso volume de ações interpostas, mostra-se por
vezes caro ao Estado e lento para os fins aos quais se propõe, além de incentivar

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

o ajuizamento de demandas frívolas, ante o viés protecionista que muitas vezes


adota, perpetuando os conflitos entre capital e trabalho e gerando desincentivos
para a cooperação entre as partes envolvidas na relação laboral.
Nessa senda, a realidade vislumbrada é deveras preocupante. Diversos são
os fatores que contribuem para a referida situação, sendo que os obstáculos mais
comuns ao bom funcionamento do Poder Judiciário Laboral estão relacionados
à imprevisibilidade, à morosidade, ao amplo acesso garantido, à independência
e à parcialidade dos magistrados.
A incapacidade (ou recusa) das autoridades judiciais de avaliação das
consequências de longo prazo e das externalidades negativas de suas decisões,
por certo, provoca danos incalculáveis às relações laborais, especialmente à
classe trabalhadora, reduzindo o espaço de formação dos contratos de trabalho
regulares e majorando a informalidade e o desemprego.
Das circunstâncias acima apontadas, é possível inferir que o sistema
processual trabalhista não se revelava ao mundo real dos litigantes (autointeressados
e não necessariamente representantes do interesse de justiça), deixando de criar
um adequado sistema de incentivos ao correto comportamento das partes e à
preservação da integridade do direito material.
Nesse contexto, como já iterativamente reconhecido, urge que sejam
tomadas medidas de reforma, as quais, no que se refere ao Direito Laboral, foram
objeto de análise da Lei n.º 13.467/2017, intitulada de Reforma Trabalhista,
que buscou a racionalização do direito laboral, desenhando uma releitura do
princípio da proteção à luz da realidade social e econômica da atualidade, frente à
necessidade de geração e de manutenção de empregos. Do mesmo modo, buscou
a simplificação e racionalização judicial para dar maior efetividade ao processo,
oportunizando também maior segurança jurídica nas decisões.
Ante as constatações acima, bem como à luz das disposições reformistas,
buscaremos examinar a realidade da Justiça do Trabalho brasileira pelas lentes
da Análise Econômica do Direito, analisando o processo de escolha e a tomada
de decisões por meio da aplicação de uma teoria do comportamento humano,
importada das Ciências Econômicas. Sugerimos, ante a aplicação dos conceitos de
Law and Economics, um olhar diferente sobre os problemas que assolam o poder
judiciário laboral, centrando o foco na compreensão da racionalidade das partes
e dos agentes que, respectivamente, utilizam-se e operam o sistema judicial,

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

buscando contribuir para o desenho de normas processuais que possam criar


incentivos mais eficientes para o comportamento de todos os atores envolvidos,
diminuindo a sobreutilização do Poder Judiciário.
Para tal análise, faremos uma verificação acerca de pontos de alteração
legislativa, oriundos da reforma trabalhista, que interferem de forma direta no
papel do Poder Judiciário Trabalhista, avaliando se tais alterações encontram-
se devidamente adequadas à realidade efetivamente experimentada no
comportamento dos shareholder e stakeholders do processo judicial, seguindo
para uma análise do Poder Judiciário Trabalhista à luz de outros elementos
afeitos à Law and Economics que possam ser úteis ao processo do trabalho.
Importante destacar, de plano, que o artigo em tela é uma adequação
à realidade laboral, dos temas abordados no artigo intitulado O Problema da
Morosidade e do Congestionamento Judicial no Âmbito do Processo Civil Brasileiro:
Uma Abordagem de Law and Economics, publicado em 2019, na Revista de Processo,
Editada pela Revista dos Tribunais.4

2. A Reforma Trabalhista e o processo do trabalho


Há pouco mais de 80 anos, no dia 1º de maio de 1941, enquanto ocorria
a Revolução Industrial brasileira, superando a dependência da monocultura
cafeeira que havia sido colocada em xeque com a crise de 1929, o Presidente
Getúlio Vargas instituía a Justiça do Trabalho.
Pautada por uma postura intervencionista e paternalista do Estado, a
legislação trabalhista daquele período foi estruturada de forma a coibir negociações
privadas e garantir um volume mínimo de direitos à classe trabalhadora,
regramentos que certamente faziam sentido para o momento, quando o Brasil
mantinha uma economia ainda fortemente pautada pelo setor agrícola, alocando
cerca de 70% da mão-de-obra, em detrimento de 10% desta alocada na indústria
e os demais 20% da mão-de-obra no comércio (MARTINS FILHO, 2017.).

4 TIMM, Luciano Benetti; TRINDADE, Manoel Gustavo Neubarth; MACHADO, Rafael Bicca. O
Problema da Morosidade e do Congestionamento Judicial no Âmbito do Processo Civil Brasileiro:
uma Abordagem de Law and Economics. Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
ano 44, n. 290, p. 441-472, abr. 2019.

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No curso do tempo, todavia, houve enorme inversão na pirâmide produtiva,


colocando o setor de serviços no centro de toda a atividade produtiva do país,
com mais de 60% de participação da população economicamente ativa, seguido da
indústria, com cerca de 23%, e a agricultura com 17%.5 Esse novo desenho social,
sem dúvida, impõe-nos questionamentos acerca da efetividade da legislação em
vigor, no sentido de se observar se a legislação, assim como o poder judiciário,
estão cumprindo com o seu papel de fornecer os incentivos para a cooperação
entre as classes empresária e trabalhadora (RODRIGUES, 2021), ou se, pelo
contrário, estão gerando incentivos para que os conflitos existam e se deem cada
vez em maior número (YEUNG, 2007, p.12).
Não é difícil perceber que a legislação trabalhista originalmente implantada
no Brasil encontra-se ultrapassada e tornou-se inadequada para as realidades
econômica, política e social dos dias de hoje. Continua excessivamente regulada
e detalhada, insistindo em um viés protecionista, cujo intuito é assegurar,
numa relação de desequilíbrio de forças, os direitos mínimos dos trabalhadores
ante as exigências de produtividade do mundo empresarial. Para isso, parte do
pressuposto (quase um século depois da existência de organizações de classe e
formatação do direito sindical) de que os trabalhadores são incapazes de negociar
por si próprios, alcançando resultados positivos de forma cooperativa(YEUNG,
2017). A legislação, portanto, pode (e deve) adquirir novas feições no curso do
tempo, menos intervencionistas e mais negociadas, quando, diante do poder
econômico das empresas, pode-se opor o poder sindical dos trabalhadores,
reequilibrando a balança. (MARTINS FILHO, 2017).
É buscando atender a esses anseios, modernizando a legislação trabalhista
e atenuando a rivalidade entre capital e trabalho, dando um maior espaço para a
negociação entre as partes, que surge a Lei 13.467/2017, também denominada
de Reforma Trabalhista. Com ela, estabelece-se espaço maior para a negociação,
inclusive quando, referente à redução de direitos e benefícios do trabalhador,
são regulamentadas novas modalidades de contratação, que, em que pese
existentes na prática, não dispunham de previsibilidade legal específica, tais como
o teletrabalho, trabalho intermitente e contrato em regime de tempo parcial.

5 Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil.

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Alterando mais de 100 artigos da CLT, a Reforma Trabalhista também


impôs alterações ao processo do trabalho, convocando o Judiciário Laboral à
análise de sua missão como harmonizador dos conflitos sociais, estimulador da
conciliação, e não mero garantidor do protecionismo do trabalhador nos moldes
até então conhecidos (MARTINS FILHO, 2017).
O Poder Judiciário é essencial para o desenvolvimento das nações, dado
que se constitui de mecanismo de enforcement, responsável pela aplicação da
legislação vigente (RODRIGUES, 2021). Um Poder Judiciário forte, célere e
independente contribui para o desenvolvimento da nação (NORTH, 1990;
GICO JÚNIOR, 2014), uma vez que é responsável por fornecer a estrutura
material e processual para favorecer a transação de direitos sobre bens materiais
e imateriais (BUSCAGLIA, 1999). Ao ditar comportamentos a serem adotados
pelos agentes sociais, suas decisões não podem estar dissociadas da realidade
fática, tampouco ignorar a análise e os ensinamentos de outras ciências sociais.
Todavia, no Brasil, a aplicação e interpretação das leis são imprevisíveis e
os processos judiciais tendem a ser morosos, não havendo, ainda, qualquer
preocupação da autoridade judicial com as consequências práticas da decisão
tomada no caso concreto (RODRIGUES, 2021). A incapacidade dos julgadores
trabalhistas de refletir sobre os impactos e as externalidades negativas de suas
decisões, mantendo uma prática intervencionista que tem passado do ponto
de equilíbrio de harmonização das relações laborais, acaba por gerar inúmeros
danos às relações laborais e, sobretudo, aos trabalhadores brasileiros (YEUNG;
TIMM, 2015).
A par de gerar o aumento do desemprego e o afastamento dos investimentos
estrangeiros e pátrios, por meio da migração de empresas brasileiras para outras
paragens, é perceptível a supervalorização do princípio da proteção, em uma
tendência quase geral e constante na exegese que amplia sistematicamente o
rol dos direitos trabalhistas. A postura de optar por deferir quase tudo e quase
sempre o que o trabalhador venha a postular em juízo, seja a que título for,
acaba por incentivar a judicialização de absolutamente tudo, observando-se um
crescente volume de ações.
Ao contrário das alterações desenvolvidas no direito material do trabalho,
as alterações na legislação processual trabalhista foram mais tímidas, no sentido
de adequar o processo do trabalho ao direito moderno, aproximando-o do Código

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de Processo Civil, do qual se vale como fonte subsidiária, resolvendo questões


que ficaram controvertidas com a entrada em vigor do novo CPC, em 2015. Ainda
assim, surtiram resultados imediatos sobre o número de ações ajuizadas, as
quais diminuíram cerca de 30% a 34%, segundo dados colhidos dos relatórios do
Conselho Nacional de Justiça, avaliando o período entre 2017 e 2019.6 Todavia,
não nos olvidemos de avaliar que as alterações trazidas para o campo do direito
material acabam por afetar intimamente a relação processual, haja vista interferir
na interpretação protetiva dominante até então aplicada.
Para além do viés protecionista da legislação, surtindo decisões igualmente
enviesadas, outros fatores sociais podem auxiliar na judicialização dos conflitos
trabalhistas, merecendo destaque o massivo aumento do número de advogados
existentes no mercado, a estrutura acadêmica incentivadora do litígio, presente na
maioria das faculdades de Direito do país, a mentalidade das partes, os movimentos
cíclicos da evolução da sociedade, as numerosas falhas do sistema processual
brasileiro e, em meio a todo esse cenário, a racionalidade e o comportamento
dos indivíduos frente a todas essas circunstâncias.
Dessa forma, parece evidente que as causas da atual realidade do sistema
processual trabalhista brasileiro encontram-se em raízes mais profundas,
especialmente no modo como o mesmo é percebido por aqueles que o utilizam
e o operam. Torna-se interessante, verbi gratia, entender até que ponto o número
de advogados existentes no mercado influencia o número de demandas judiciais
existentes, ou ainda, de que forma a configuração do processo trabalhista influencia
as estratégias adotadas pelas partes e seus advogados antes, durante e ao final
do trâmite das ações judiciais.
Ademais, cabe também perquirir quanto do problema da judicialização
massiva pode ser resolvido através de mudanças que, sequer, dependem de
alterações legislativas, mas, sim, do modo como as decisões judiciais são
construídas, como, por exemplo, no que tange à aplicação dos ônus sucumbências
e da concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita. Esta é apontada
como o elemento fundamental da reforma para a redução das ações ajuizadas;
ou, ainda, pela estrutura de admissão dos recursos ou o aumento do número
de magistrados. Para todos esses casos, a Análise Econômica do Direito pode se

6 Dados extraídos do CNJ.

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

revelar um poderoso instrumento de análise, com grande poderio explicativo e


eficiência pragmática.
Assim sendo, propõe-se o estudo e a análise do sistema judicial trabalhista,
bem como das partes e dos agentes que, respectivamente, utilizam-no e o operam,
a partir de uma perspectiva de Direito e Economia. Para tanto, avaliar-se-á
algumas das alterações proporcionadas pela reforma trabalhista e quais espécies
de incentivos elas podem proporcionar, na medida em que se compreende o
sistema processual trabalhista como conformador de um mecanismo de incentivos,
responsável por criar estímulos positivos e negativos para o comportamento das
partes e mesmo dos agentes, o que pode tanto induzir ao desempenho eficiente
quanto ineficiente da atividade jurisdicional e, mesmo antes disso, das relações
interpessoais e sociais passíveis de se tornarem litigiosas.

3. A Justiça do Trabalho enquanto recurso comum e a sua


tragédia
A Economia pode servir para compreender a realidade de limitação
orçamentária e econômica mesmo do Poder Judiciário, que deve se proteger
contra estratégias de agentes que por vezes super utilizam seus alegados direitos
em detrimento do bem comum. Se a existência de uma violação a um direito
material depende de um processo judicial que será subsidiado pela sociedade, o
próprio Poder Judiciário, como parte do Estado brasileiro, deve ter a percepção
dos riscos de comportamentos oportunistas de indivíduos que buscam a Justiça
para outro fim que não a justiça (por exemplo, ganhar tempo ou não cumprir
um acordo). Quanto mais lenta e ineficiente, maiores são os incentivos para
esse tipo de comportamento estratégico. Eis o risco trágico da justiça, como
bem público que é.
Nessa toada, a partir dos estudos de Garret Hardin (1968) e, posteriormente,
do trabalho desenvolvido por Araújo (2008), torna-se admissível traçar um
paralelo entre a realidade atual do sistema judicial brasileiro e o ambiente de
Tragédia idealizado pelos indigitados autores. Interessante iniciar o estudo com a
constatação de Hardin (1968) sobre a racionalidade do ser humano dentro de um
contexto no qual não existam restrições de acesso e, ao mesmo tempo, inexistam
limites às possíveis atitudes dos indivíduos. Nesse sentido, ele demonstra que

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

os indivíduos são maximizadores dos seus benefícios individuais, pelo que, em


cenários de escassez, utilizam todos os recursos existentes até a sua exaustão,
a fim de atingirem o seu ponto de maximização.
Hardin (1968) esclarece que a combinação de acesso livre e utilização livre
de determinado recurso comum torna possível a internalização, pelo indivíduo,
dos benefícios auferidos com a sua utilização e, ao mesmo tempo, a externalização
para toda a coletividade dos efeitos negativos advindos dessa exploração (a
externalização implica a internalização de fração mínima dos aspectos negativos
por parte do indivíduo que se utiliza dos recursos comuns). Ao tratar do tema, o
autor faz uso do exemplo de criadores de gado que se utilizam de uma determinada
pastagem disponível a todos os criadores. No estudo, aponta que a decisão do
criador de colocar mais um animal no campo passa pela ponderação (relação custo
x benefício) entre internalizar os aspectos positivos e externalizar os aspectos
negativos, pelo que, portanto, a conclusão é que todos os criadores de gado,
individualmente considerados, possuem incentivos racionais para se utilizarem,
ao máximo, dos recursos disponíveis e, em sendo assim, estar-se-ia diante de
um cenário com forte tendência à exaustão dos recursos.
É Araújo (2008) quem aprofunda a definição dos recursos comuns oferecida
por Hardin (1968), vinculando-os a duas características essenciais, a saber: i)
acesso livre (não-excluibilidade) e ii) rivalidade no uso dos recursos disponíveis
(rivalidade). Esta última característica torna-se mais nítida com a análise de seus
efeitos, quais sejam: i) possibilidade de exaustão e ii) congestionamento dos
recursos existentes. Em outras palavras, a utilização individual reduz a utilidade
total apresentada pelo recurso comum.
Apesar de ser demasiadamente impactante o termo (tragédia) utilizado
pelos autores, o sistema judicial trabalhista brasileiro pode ser interpretado
como uma espécie de recurso comum, nos termos propostos por Hardin (1968)
e Araújo (2008), e, portanto, apresentar um cenário de Tragédia.
Portanto, com base em tais postulados, o sistema processual trabalhista
e, consequentemente, a atividade jurisdicional podem ser analisados como
sendo recursos comuns e, assim, permite-se identificar e desenhar estratégias
mais eficientes para a adequação desse sistema frente à sua demanda atual. Tal
proposta passa pela tentativa de traçar estruturas de coordenação dos indivíduos

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envolvidos com o objetivo de evitar o congestionamento e a exaustão dos serviços


disponíveis.
Não obstante, a Constituição Federal Brasileira exalta o princípio da
Indeclinabilidade da Jurisdição, bem como assegura aos litigantes o direito ao
Devido Processo Legal, ao Contraditório e à Ampla Defesa. Desta feita, conforme
sustentado por Araújo (2008), o sistema judicial brasileiro pode ser caracterizado
como um sistema de difícil ou impossível exclusão de acesso. De fato, o que se
percebe é o aumento constante do número de processos e, consequentemente,
do número de recursos a eles inerentes.
Assim sendo, é imperioso estruturarem-se os incentivos direcionados às
partes e aos agentes do sistema judicial trabalhista de forma a evitar que o sistema
seja exaurido ou, em outras palavras, destruído pela sua própria sobreutilização.
Nos dias atuais, ao valerem-se do Poder Judiciário para buscar a legitimação dos
seus direitos, os indivíduos tendem a esgotar todas as formas de acesso e de
recursos concedidas, considerando, exclusivamente, os seus interesses individuais,
sem considerar a inegável existência de trade-off ’s7, ainda que para a coletividade.
Dessa forma, é necessário ter em mente que o sistema processual atual
oferece uma gama enorme de possibilidades de ingresso e de revisão das decisões
proferidas. Nesse contexto, torna-se inafastável perquirir acerca das questões
relativas aos custos sociais de utilização desse sistema. Até o advento da reforma
trabalhista, por exemplo, a estrutura da Assistência Judiciária Gratuita (AJG)
não possuía um padrão uniforme para a sua concessão, assim como a estrutura
de sucumbência era inexistente8. A partir da Lei 13.467/2017, a AJG passou a
ser ofertada apenas aos litigantes que receberem salário igual ou inferior a 40%
do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social (hoje
correspondendo ao valor de R$ 6.433,57), ou à parte que comprovar insuficiência
de recursos para pagamento das custas do processo. De outro lado, passam a ser
devidos honorários de sucumbência, em valores entre 5% a 15% sobre o valor de

7 Expressão da língua inglesa que define as situações nas quais a tomada de determinada escolha ou
alternativa implica na renúncia ou no sacrifício de outra, como um processo de troca.
8 A justiça gratuita era ofertada a partir da mera declaração, sem qualquer necessidade de comprovação
da impossibilidade econômica nela contida e não havia espaço para honorários sucumbenciais, mas
tão somente para honorários assistenciais, ofertados para advogados de reclamantes, devidamente
credenciados aos sindicatos.

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liquidação de sentença, calculados sobre o proveito econômico obtido ou sobre


o valor atualizado da causa9.
Apesar de tratados os temas em questão, estabelecendo-se critérios mais
claros à concessão da Assistência Judiciária Gratuita e inclusão das possibilidades
de honorários sucumbenciais, estes seguem aplicados (ou mesmo afastados,
especialmente no tocante aos honorários sucumbenciais), muitas vezes,
sem a devida ponderação do efetivo potencial de alcance dos seus efeitos,
sobremaneira no que tange à conformação de incentivos positivos e negativos
ao eficiente comportamento das partes litigantes. Assim, considerando-se o
conjunto dessas variáveis e, ainda, de diversas outras que fazem parte do sistema
processual trabalhista brasileiro, é possível constatar que tais circunstâncias
servem de estímulo para o ajuizamento excessivo de demandas judiciais, muitas
delas inegavelmente temerárias (por exemplo, com baixíssima expectativa
ou probabilidade de êxito em decorrência de inadequação ou insuficiência de
fundamentos fáticos e jurídicos), tendo em conta os baixos ônus e riscos de
utilização do sistema.
Importante destacar, nesse aspecto, que a Assistência Judiciária Gratuita
(AJG), tem como objetivo principal assegurar o acesso à justiça aos cidadãos
sem condições de suportar os gastos inerentes à tramitação processual, pelo que
lhes é concedido o benefício de litigarem sem realizarem o pagamento das custas
processuais e honorários advocatícios. Cumpre, portanto, com as premissas
oriundas do princípio do livre acesso à justiça, que se deve materializar na garantia
de um judiciário gratuito, sem custos, que qualquer pessoa possa demandar.
Todavia, muito embora não seja exigido o pagamento por parte dos beneficiários
da AJG, isso não significa que tais custos deixam de existir para a sociedade e,
tampouco, que ninguém irá pagá-los; muito pelo contrário, certamente alguém
o deverá fazer (o contribuinte que subsidia o Poder Judiciário).
Conforme já ressaltado, constata-se na realidade forense que não existem
padrões uniformes para a sua concessão. Em verdade, observam-se diferentes
práticas e diversos entendimentos jurisprudenciais a respeito do critério de pobreza
para gozo desse benefício, o que, aliado a um exagero no seu reconhecimento

9 Se a parte vencida for beneficiária da justiça gratuita e não obtiver proveito econômico, o crédito
ficará suspenso e decai após decorrido dois anos do trânsito em julgado (art. 791-A e parágrafos da
CLT).

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pelos juízes e aos baixos riscos, serve de estímulo para que muitos indivíduos
que, mesmo possuindo condições financeiras para arcar com tais gastos, acabem
por pleitear tal AJG, sorvam os recursos econômicos do Poder Judiciário e
congestionem o seu funcionamento.
É válido destacar que a perspectiva econômica demonstra-nos que, quanto
mais pessoas acessam o judiciário, menos este servirá para a coletividade, visto
que naturalmente reduzirá a sua capacidade de prestação de serviços. Assim, o
que uma análise eminentemente jurídica não vislumbra é que o foco adequado
para o princípio do livre acesso à justiça deveria ser a possibilidade de usufruir da
prestação jurisdicional, e não o acesso puro e simples ao órgão. (GICO JR., 2014).
A redução dos custos da transação econômica é papel fundamental do
Poder Judiciário, auxiliando na promoção do desenvolvimento, de forma que,
no momento da decisão, deverá sempre analisar os custos-benefícios para o
futuro da nação. A decisão judicial deve servir de incentivo para a otimização de
valores e expectativas financeiras e não-financeiras, promovendo a maximização
da riqueza em sentido amplo (ZANON JUNIOR, 2013). Nessa linha, segundo
Posner (2007), não há outra alternativa que não a utilização de um método
de raciocínio jurídico similar ao utilizado pelos indivíduos cotidianamente em
suas tomadas de decisões, de forma a promover a maximização da riqueza em
sentido amplo, ponderando as futuras consequências de cada decisão, a partir
de uma perspectiva de experimentação empírica, despida de palpites filosóficos
(RODRIGUES, 2021).
Outrossim, é importante também se considerar variáveis que são externas ao
sistema processual trabalhista, mas que possuem papel determinante na situação
em que o Poder Judiciário Brasileiro atualmente se encontra. Dentre elas está o
fato de existir um número muito elevado de advogados. Desse modo, é possível
e até provável que haja intensificação na disputa de espaços pelos profissionais e,
consequentemente, verifique-se a adoção de verdadeiras práticas concorrenciais,
com o consequente surgimento de um mercado jurídico. Ora, em um mercado
onde haja um alto nível de concorrência, é inevitável que os agentes que dele
fazem parte passem a fazer uso de diferentes instrumentos com o objetivo de
conquistarem uma parcela desse mercado, o que não é diferente na advocacia.
Assim, natural que alguns advogados apresentem uma postura mais ofensiva
em relação à captação de clientes, o que implica a intensificação de estratégias

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comerciais e de marketing, de forma proativa e deliberada, e não mais inerte ou


passiva, sendo possível haver um aumento proporcional no número de demandas.
Ademais, as fases pelas quais o país passou nestas últimas décadas,
acompanhando uma tendência global de democratização e cidadania, também
facilitaram e incentivaram o acesso ao Poder Judiciário. Não que as mudanças
nos últimos anos tenham sido negativas, pelo contrário, disponibilizaram e
asseguraram uma maior gama de direitos à população de modo geral, entre eles
um maior e mais amplo acesso à Tutela Jurisdicional. Porém, quiçá por este
maior reconhecimento também implicar uma maior probabilidade de ocorrência
de suas transgressões, de modo a exigir um redimensionamento estrutural que
parece ainda não ter devidamente ocorrido, ou, então, o que acreditamos, serem
as variáveis explicativas mais importantes, pela não adequação dos incentivos
dirigidos às partes e aos operadores do sistema judicial dentro deste novo
cenário, bem como pela não criação de instrumentos capazes de enfrentar a nova
realidade dos direitos individuais homogêneos e coletivos, de qualquer modo, o
que se verificou, foi um enorme crescimento do número de demandas judiciais
e a incapacidade do Poder Judiciário de enfrentá-las em tempo razoável.
Por conseguinte, percebe-se que o abarrotamento do Poder Judiciário é
consequência de uma série de elementos tanto internos quanto externos a ele.
E é o conjunto desses elementos, insolúveis até o momento, que oferece riscos
para que a tragédia da exaustão da prestação judicial se torne real. Ou seja, se o
quadro acima diagnosticado continuar evoluindo da forma como está, o nível da
prestação judicial tenderá a decair até o ponto em que a satisfação dos direitos
passará a não ser mais atendida.
Conforme demonstrado por Araújo (2008), cada novo ingresso de indivíduo
explorador de recursos (através do ajuizamento de novas ações judiciais e
recursos) em um determinado espaço (Poder Judiciário) provoca uma redução
no rendimento marginal (qualidade da prestação jurisdicional), o que tende a
se aproximar do nível de preços (limite dentro do qual a satisfação dos direitos
ainda é atendida). Todavia, quando esse rendimento marginal coincide com o
nível de preços ou passa a estar abaixo dele, observar-se-á a dissipação completa
do rendimento marginal (fim da satisfação dos direitos) de todos os exploradores
desses recursos e, portanto, estaremos diante de um cenário trágico.

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O cenário da tragédia aplicada ao sistema judicial torna interessante o


entendimento do conceito de sobreuso apresentado por Araújo (2008), que se
caracteriza pela utilização demasiada e não criteriosa dos recursos comuns. Nesse
sentido, incentivados pela possibilidade de internalizarem apenas parte do custo
total do ingresso de uma nova ação, externalizando, assim, o restante do custo
total, os indivíduos passam a acessar o Poder Judiciário sempre que vislumbram
obter algum benefício, ainda que com baixa probabilidade ou temerariamente,
ou mesmo que tal via não seja a mais adequada para solucionar o tipo de conflito
em questão.
Tal situação está, insofismavelmente, presente na realidade do sistema
judicial brasileiro. O sobreuso faz-se presente porquanto não existem medidas
que tornem as partes litigantes responsáveis pelos custos integrais (totais) de
suas ações judiciais, sequer lhe são impostos ônus proporcionais aos riscos que
efetivamente optam por exercitar. Assim, o que se percebe, em muitos casos, é
a utilização não criteriosa do sistema. Em muitos casos, é possível constatar que
mesmo havendo outros meios de solução dos conflitos, ainda que socialmente
menos onerosos, a via judicial é a eleita, uma vez que o indivíduo a percebe
tão ou menos custosa quanto as outras formas, já que o custo judicial é por ele
externalizado à coletividade, a qual é obrigada a internalizá-lo. Todavia, convém
ressaltar que, mesmo aqueles processos que tramitam sob o pálio da assistência
judiciária gratuita, inquestionavelmente são tão custosos quanto os demais,
apenas o que difere é quem, parcial ou integralmente, os custeia.
Para Araujo (2008), a limitação do acervo de direitos dos indivíduos já
inseridos no ambiente de acesso livre tende a minimizar e até mesmo eliminar
as ineficiências causadas pela sobreutilização dos recursos comuns. Assim, a
implantação de instrumentos capazes de inverterem a realidade atual do sistema
judicial passa pela adoção de estruturas de coordenação. Nesse contexto, a
Análise Econômica do Direito é clara em sustentar que os ganhos obtidos com
a cooperação tendem a ser maiores do que os apresentados em cenários em que
não haja cooperação10.

10 Neste sentido, ver MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil: Pressupostos sociais, lógicos
e éticos. In: MARINONI, Luiz Guilherme.; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. (coord.). Coleção
Temas Atuais de Direito Processual Civil. v. 14. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

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Ao trabalhar as possibilidades de coordenação possíveis de serem implantadas,


Araújo (2008) apresenta como mais vantajosa a estrutura de coordenação vertical,
porém ressalta que, em determinados domínios, a coordenação horizontal
apresenta-se como a mais eficaz. Como ilustração, citando o tráfego rodoviário,
o autor sustenta que o aumento do número de vias e de faixa de rodagens
(coordenação horizontal) não faz mais do que atrasar o advento da tragédia e
esclarece que, atualmente, as alterações têm tendido à progressiva internalização
dos custos do uso dos recursos comuns (coordenação vertical), claramente com
o objetivo de reduzir a intensidade de participação individual.
Nesse contexto, a adoção do instrumento da coordenação horizontal com
o objetivo de tratar as dificuldades apresentadas pelo sistema judicial brasileiro
deve ser cuidadosa. Traçado um paralelo com o acima exposto, o simples aumento
do número de juízes pode não se revelar a resposta completa para a solução do
problema do número de processos. Conforme também observa o autor, tal medida
só tende a postergar a instituição da tragédia, porquanto o que se percebe é o
crescente aumento do número de demandas, não havendo qualquer sinalização
que indique a queda ou estagnação desse fenômeno nos próximos anos.
Por outro lado, é necessário estruturar formas de integração vertical que
realmente sejam eficazes no tratamento das dificuldades apresentadas pelo
sistema. Nesse sentido, há que se refletir acerca da atuação sindical antecipada,
no intuito de solucionar os conflitos antes de sua judicialização, na busca de
soluções alternativas e externas ao poder judiciário e, por fim, no fomento das
ações coletivas como forma de redução do volume de ações no judiciário brasileiro.
Portanto, torna-se imprescindível compreender o sistema judicial enquanto
recurso comum, como verdadeiramente o é, estando, dessa forma, submetido aos
interesses de todos aqueles que o utilizam e mesmo que potencialmente possam
utilizá-lo, ainda que efetivamente não o façam. Esses interesses refletem-se no
comportamento dos indivíduos e, em conjunto com outras variáveis, refletem-
se na utilização dos instrumentos processuais e, como visto, tal utilização pode
implicar a instituição de uma realidade trágica para o sistema, sendo que, para
que isso não ocorra, faz-se necessária a implantação de adequadas estruturas
de incentivos e de coordenação eficiente, considerando conjuntamente todas
essas variáveis.

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A seguir, passaremos à apresentação dos problemas relacionados à assimetria


de informações no âmbito do Processo do Trabalho. Mais adiante, com base na
Teoria dos Jogos, pretende-se mostrar a estrutura envolvida na construção dos
modelos de incentivos e coordenação.

4. A teoria da informação assimétrica aplicada ao processo


judicial
Revela-se deveras oportuno analisar a realidade do sistema judicial brasileiro
sob o enfoque da assimetria informacional. Tal problema parece estar estreitamente
relacionado às condutas apresentadas pelas partes e mesmo pelos agentes frente
aos incentivos concedidos pelas estruturas informacionais existentes, ou seja,
tanto no que tange às informações disponíveis quanto às ocultas nas relações
de interação que se estabelecem no âmbito do processo laboral. Ocorre que as
informações não são disponibilizadas de forma isonômica entre todos aqueles
que atuam no sistema judicial, o que cria impedimentos para que pontos de
equilíbrio eficientes possam ser atingidos. Em outras palavras, o difícil acesso à
informação sobre as condições em que os agentes atuam acarreta o surgimento
de custos de transação (YAZBEK, 2007).
Tendo em conta a existência das variáveis exploradas no ponto anterior e
das relações existentes entre elas, resta imperioso compreender a importância
das informações em tal contexto, ainda mais quando evidencia-se a circunstância
de que os diferentes níveis informacionais apresentados, ou seja, o desequilíbrio
informacional pode exercer enorme influência nos processos de tomada de
decisão. Tendo o advogado maior controle de informações sobre o processo do
que seu cliente, pode manipular mais facilmente o procedimento em detrimento
dos interesses de seu constituinte (problema de agência); desse modo, quanto
menor consistência e maior a incerteza sobre o direito material, menor o controle
sobre litigância de má fé.
Assim, considerando que o acesso às informações acontece de forma
diferente pelos indivíduos, seja pela diversidade de fontes que as concede, como
também pela qualidade e quantidade das mesmas, resta inevitável o surgimento
de assimetrias informacionais, o que gera reflexos nas relações de mercado e,
da mesma forma, nas relações que se estabelecem entre os litigantes e demais

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agentes na esfera do processo trabalhista. É válido mencionar que tais reflexos


podem estar presentes antes, durante e mesmo após o exaurimento da discussão
acerca do objeto litigioso no Judiciário. Yazbek (2007), por sua vez, direciona
sua atenção para as relações de Agente-Principal, Risco Moral, Seleção Adversa
e Sinalização. O mesmo autor explana que o acesso à informação é um dos mais
importantes meios de redução das inseguranças das partes e dos demais agentes.
No cenário que envolve o litígio processual, as inseguranças representam,
dentre outras variáveis, a falta de previsibilidade acerca da posição jurisprudencial
sobre determinados temas, o que influencia a tomada de decisão. Desse modo,
criam-se incentivos ineficientes, como, por exemplo, estímulos para o ajuizamento
de ações ou mesmo para a interposição de recursos que não possuam chances
concretas de êxito, ou mesmo deixam de estimular a realização de acordos quando,
de fato, eles se revelam a melhor alternativa.
Quanto à relação de Agente-Principal, podemos simplificadamente explanar
que a mesma se estabelece quando há a contratação de um indivíduo (agente) com
o objetivo de que este atue em prol dos interesses de seu contratante (principal).
Essa situação proporciona ao contratado o acesso a informações privilegiadas
e de interesse do contratante, possibilitando, dessa forma, que o agente as
utilize em benefício próprio, prejudicando os interesses do principal que não
detêm os conhecimentos necessários, mais das vezes técnicos, para monitorar
o comportamento do seu contratado.
Destarte, é possível identificar a ocorrência de relações do tipo Agente-
Principal nas relações que se estabelecem entre os advogados e seus clientes (e
mesmo entre juízes e a sociedade civil). Aparentemente, em que pese a estrutura
de honorários contratada e a possível boa-fé do contratado, remanesce o risco de
que o advogado venha apresentar condutas prejudiciais a seu cliente e, mesmo que
momentaneamente, favoráveis aos seus próprios interesses, face ao surgimento
de possíveis conflitos de interesses. Em decorrência disso, por exemplo, podem
ocorrer casos em que a realização de acordos, por mais favoráveis que sejam, não
se concretizam efetivamente por não interessarem aos procuradores, sendo que
resta difícil ou mesmo impossível para os clientes monitorarem ou avaliarem
tal situação. No mesmo sentido, o controle da produtividade dos juízes é difícil
de ser exercido, muito embora estudos empíricos já tenham sugerido uma forte

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variância de produtividade entre os diversos órgãos do Poder Judiciário brasileiro


(SANTOS, 2010).
Diante do exposto, vislumbramos a ocorrência de dois tipos de problema.
Assim, considera-se o uso de informações privilegiadas com o intuito de obtenção
de benefícios antes e no momento da contratação como um problema de Seleção
Adversa (YAZBEK, 2007), já que os indivíduos, justamente por reconhecerem a
existência dos desequilíbrios informacionais, podem indevidamente buscar se
beneficiar, prejudicando a contraparte, o que resta por selecionar negativamente
os indivíduos que possuam tais perniciosos objetivos. Já o problema do Risco
Moral, por sua vez, está vinculado às dificuldades advindas do desequilíbrio
informacional posteriores à assinatura do contrato ou ao estabelecimento da
relação, porquanto, frequentemente, é impossível ou mesmo muito custoso
monitorar o comportamento do agente depois de contratado, pelo que poderá
haver o aproveitamento de tal deficiência por parte do agente, a fim de obter
benefícios, mas não sem prejudicar o seu principal.
Yazbek (2007) associa o Risco Moral à expressão, em inglês, Hidden Action.
Jáa Seleção Adversa é associada a expressão Hidden Knowledge (também conhecida
nessa teoria como um problema de Hidden Information). Ademais, sustenta que
os dois fenômenos podem aparecer de forma combinada: o primeiro tem por
característica o vínculo a relações individuais; o segundo, por sua vez, à geração
de efeitos para o mercado como um todo.
Por fim, encontra-se a teoria da Sinalização, segundo a qual as informações
possuídas privadamente pelos indivíduos podem ser divulgadas, por vontade
própria, através de propagandas e arranjos contratuais; de forma involuntária,
por meio de tomada de decisão; ou até mesmo por imposição de dispositivos
da legislação (YAZBEK, 2007). Nesse sentido, a divulgação de informações
pode estimular o surgimento de comportamentos mais eficientes por parte dos
indivíduos, inclusive no âmbito do processo trabalhista.
De qualquer forma, o que se percebe é que as informações exercem papel
de suma importância nas relações entre indivíduos e, dessa forma, também o
fazem nas relações entre os litigantes, advogados, clientes e, principalmente, na
interação entre o Poder Judiciário e os seus usuários. Deve-se considerar que,
em se tratando da realidade vivenciada pelo sistema judicial, as sinalizações
uniformes exercem papel fundamental na busca pela alteração do quadro da

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tragédia exposto no ponto anterior do presente trabalho, mediante o balizamento


dos indivíduos que se encontram litigando e mesmo em relação aos potenciais
litigantes.
De outro lado, é inegável reconhecer que, se os precedentes judiciais forem
erráticos, o sistema processual poderá criar incentivos à propositura de ações
descabidas, assim como ensejar um número massivo de recursos, o que, aliás,
efetivamente vem se observando ocorrer. Em matéria relacionada ao Processo
do Trabalho, temos uma infinidade de exemplos, muitos deles oriundos de
interpretação ampliativa de normas de caráter sancionador, apresentadas no
curso do tempo. É o que ocorre com a edição da Súmula 437 do TST que, diante
de norma cuja redação literal menciona a não concessão de intervalo e coloca
como sanção apenas o seu pagamento como hora extraordinária, a Corte Superior
trabalhista ampliou triplamente a sanção, igualando a concessão parcial à não
concessão; mandando repetir o pagamento da parte de intervalo concedida
e, por fim, mandando replicar o período não concedido nas demais parcelas
remuneratórias. Como se não bastasse, fundada na premissa discutível de que o
intervalo menor de almoço coloca em risco a saúde e a segurança do trabalhador,
e invocando norma constitucional genérica sobre segurança do trabalho (CF, art.
7º, XXII), vedou a negociação coletiva sobre o tema, ao arrepio do mesmo art.
7º, XIII, da Constituição Federal. Outros exemplos claros são demonstrados na
aplicação da ultratividade das normas convencionais de trabalho11,circunstância
para a qual a reforma trabalhista buscou solução, na estabilidade provisória da
empregada gestante em contrato temporário, tema que foi objeto de revisão do
posicionamento no início do corrente ano, dentre tantos outros.
É fato que, tanto as partes como seus procuradores, frente a muitas questões
jurídicas, inclusive quanto àquelas do interesse de um grande número de pessoas,
possuem baixa segurança jurídica para poder, antecipadamente, identificar quais
os seus desfechos, ainda que prováveis. As infindáveis oscilações interpretativas,
aplicadas ao universo de relações contratuais com prazos indeterminados e ao

11 Ives Gandra da Silva Martins Filho (2017), assim se manifesta sobre o tema: “No caso da revisão
da Súmula nº 277 do TST, a meu juízo, houve nitidamente exercício de poder legiferante por parte
do Tribunal, uma vez que, sem mudança legislativa e sem precedentes, decidiu a Corte, por exígua
maioria (vencidos os Ministros Cristina Peduzzi, Barros Levenhagen, Ives Gandra, Renato Paiva,
Aloysio Veiga, Maria Calsing, Dora Costa, Pedro Manus, Fernando Ono, Caputo Bastos e Márcio
Eurico), mudar a sinalização do referido verbete sumulado”.

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procedimento de efeitos pretéritos, em muitos casos alterando drasticamente as


regras do jogo, são campo fértil para a continuidade e acirramento dos conflitos.
Os efeitos deletérios de decisões que não consideram os efeitos multifacetados
que produzirão sobre os demais agentes da sociedade são simples de se observar.
É o que Yeung e Timm (2017, p.44) denominam de visão da “[…] árvore e não
da floresta”, cujo resultado, oriundo de uma ânsia imediatista de solucionar o
problema posto, pode causar impactos diretos e indiretos sobre outras questões
e pessoas12.
Assim sendo, o sistema processual acaba por colocar em cheque o próprio
direito material, haja visto o desvirtuamento de sua função. Para Matos e
Bertolin (2019), a reforma trabalhista é uma espécie de efeito backlash desses
desvirtuamentos, representando a reação legislativa direta a um entendimento
exarado pelo Poder Judiciário em certa temática, ocasionando um estremecimento
da jurisprudência em virtude da edição de uma nova regra em sentido diverso
(RODRIGUES, 2021). Nesse sentido, e buscando fazer frente ao ativismo judicial,
dentre as diversas novidades, o legislador alterou a metodologia de interpretação
da lei e pacificação da jurisprudência pelos tribunais trabalhistas, alterando a
redação do art.8º da CLT, no sentido de localizar maior transparência e segurança
jurídica no âmbito das decisões proferidas pelos Tribunais:
Art. 8º. (…)
§ 2o Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior
do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir
direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em
lei. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
§ 3o No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça
do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais
do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de
janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção

12 Nas palavras de Yeung e Timm (2015, p. 38), “De fato, a Justiça é cega: cega aos males que ela cria,
em nome de uma suposta necessidade de ‘proteção dos mais fracos’. […] Enquanto os agentes do
Direito brasileiro continuarem com a miopia nas tomadas de decisões, ignorando as consequências
efetivas de suas decisões, o ambiente de trabalho no Brasil continuará a ser marcado por conflitos,
desincentivos para a cooperação produtiva, e sobretudo para os negócios. Nestes casos, não somente
a empresa sofre, quem mais sofrerá das consequências é o próprio trabalhador, que não dificilmente
encontrará garantias para seus postos de trabalho”.

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mínima na autonomia da vontade coletiva. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)


(Vigência)

Ao artigo 8º foi incluída nova previsão no sentido de coibir que TRTs e TST
pudessem editar súmulas ou outros enunciados de jurisprudência em sentido
contrário à vontade do legislador13 ante a alteração das disposições contidas no
art. 702 da CLT, que trata das competências do Tribunal Pleno:
Art. 702 - Ao Tribunal Pleno compete:
[…]
f) estabelecer ou alterar súmulas e outros enunciados de jurisprudência uniforme,
pelo voto de pelo menos dois terços de seus membros, caso a mesma matéria já tenha
sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, dois terços das
turmas em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas, podendo, ainda,
por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração
ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de sua publicação no Diário Oficial;
[…]
§ 3o As sessões de julgamento sobre estabelecimento ou alteração de súmulas e
outros enunciados de jurisprudência deverão ser públicas, divulgadas com, no
mínimo, trinta dias de antecedência, e deverão possibilitar a sustentação oral pelo
Procurador-Geral do Trabalho, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, pelo Advogado-Geral da União e por confederações sindicais ou entidades
de classe de âmbito nacional.
§ 4o O estabelecimento ou a alteração de súmulas e outros enunciados de
jurisprudência pelos Tribunais Regionais do Trabalho deverão observar o disposto
na alínea f do inciso I e no § 3o deste artigo, com rol equivalente de legitimados
para sustentação oral, observada a abrangência de sua circunscrição judiciária.
(grifos nossos)

Das circunstâncias acima apontadas, é possível inferir que o sistema


processual hoje vigente, em muitos casos, não se revela ao mundo real dos
litigantes (autointeressados e não necessariamente em busca de Justiça), deixando
de criar um adequado sistema de incentivos ao correto comportamento das partes
e à preservação da integridade do direito material. Aliás, um sistema processual

13 Para além da restrição à edição de súmulas e a orientações jurisprudenciais, a reforma trabalhista


instituiu diversas disposições que caminham em sentido diametralmente oposto aos entendimentos
sumulados no Tribunal Superior. Nesse sentido, 44 enunciados do TST foram diretamente atingidos
pela reforma trabalhista. Destes, 34 restaram superados, devendo ser cancelados ou ter suas redações
alteradas. O entendimento exarado nos outros 10 enunciados foram confirmados pela nova legislação,
que positivou seus conteúdos na lei celetista.

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célere e efetivo (ou seja, eficiente) pode atuar até mesmo antes do ajuizamento
de ações, incentivando acordos e meios alternativos de solução de conflitos14 e
anteriormente à interposição dos expedientes recursais, servindo como estímulo
para o comportamento processual otimizado, orientando o comportamento
dos litigantes e dos próprios julgadores. Tal postura certamente contribuiria
para racionalizar o processo judicial e poupar recursos públicos hoje drenados à
rediscussão de assuntos muitas vezes já pacificados nas cortes superiores.
Nessa linha, inclusive, também a reforma trabalhista buscou lançar
luz, abrindo espaço para realização de acordos extrajudiciais, mediações e
arbitragens no que se refere ao Direito do Trabalho, o que, além de proporcionar
o desafogamento do Judiciário, permite o aperfeiçoamento das relações de
trabalho, a partir da aproximação das partes envolvidas e da conscientização
dos direitos e deveres a que ambas estão afetas (DAMASCENO, 2002, p..71).
Rodrigues (2021) sinaliza, com o que concordamos, que as soluções trazidas
pela reforma trabalhista não parecem solucionar a essência do problema – decisões
divergentes e insegurança jurídica –, revelando-se, em verdade, uma medida
paliativa, com o objetivo tão somente de evitar a edição desenfreada e atécnica
de entendimentos jurisprudenciais pelos tribunais trabalhistas, mas não sua
uniformização. Convém ressalar que esta medida paliativa não vem surtindo
efeito. Passados mais de três anos da reforma, as súmulas do TST que conflitam
com as disposições da nova lei seguem vigentes no ordenamento15, perpetuando
a insegurança jurídica para o jurisdicionado e fomentando o ajuizamento de
novos litígios, haja vista que, do ponto de vista econômico, em havendo chance
de êxito, esta é a decisão mais racional a respeito do que fazer.
Na próxima seção, apresentaremos, de forma introdutória, alguns meios
de coordenação possíveis de serem aplicados à realidade do Judiciário brasileiro,
relacionando-os, também, à divulgação de informações.

14 Para maiores detalhes, consultar Cooter and Rubinfeld, Economic Analysis of Legal Disputes and
Their Resolution. In: Journal of Economic Literature, Vol. 27, nº 3 (Sep., 1989), p. 1067/1097.
15 Por maioria, os Ministros do TST entenderam por bem aguardar a manifestação do Supremo
Tribunal Federal, nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 62, na qual se discute a
constitucionalidade dos dispositivos reformistas que fixam procedimento e regras para o estabelecimento
e a alteração de súmulas e enunciados de jurisprudência pelo TST e TRTs.

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5. A teoria dos jogos e o estudo do processo laboral


Embora seja difícil negar a realidade de que a atuação dos litigantes em
juízo é um comportamento estratégico (e que, portanto, ninguém adotará um
comportamento que lhe é prejudicial sem uma norma jurídica que lhe imponha o
contrário em benefício do bem comum), pouco se estuda sobre essa temática na
dogmática processual brasileira já citada. A Teoria dos Jogos é um instrumento
que auxilia a compreensão dos movimentos estratégicos que compõem as
relações de interação entre dois ou mais indivíduos. A partir da dinâmica de um
jogo, a referida Teoria apresenta as estratégias presentes na tomada de decisão
dos jogadores, que leva em conta os possíveis resultados (payoffs) a partir do
comportamento dos demais players (BAIRD, 1998).
Tal instrumento pode ser muito útil na análise dos procedimentos
processuais, na medida em que é capaz de esclarecer as estratégias atualmente
adotadas pelos usuários do sistema e, de outro lado, auxiliar na estruturação de
mecanismos processuais mais eficientes. A seguir, o estudo mapeia a Teoria dos
Jogos e aproxima suas constatações da realidade do sistema judicial brasileiro,
geralmente não levado em conta nas normas jurídicas criadas para, supostamente,
resolver o problema da morosidade processual. Vale dizer: existe o risco de que
os juristas venham ignorando o principal, que é o comportamento humano, ao
estabelecer uma política pública judiciária.
Para melhor entender a forma pela qual as estratégias e as decisões são
elaboradas e o papel assumido pelo Direito dentro dessa realidade, torna-se
interessante o estudo dos conceitos básicos oferecidos pela “forma normal”
desse jogo. Conforme indica Baird (1998), a “forma normal” é composta de
três elementos:: os jogadores, as estratégias disponíveis e a retribuição final
experimentada pelos jogadores, tendo em conta cada tomada de decisão.
Da mesma forma como a maioria dos modelos econômicos, a Teoria dos
Jogos também busca simplificar a realidade dos fatos com o objetivo de analisar
as questões cruciais que devem ser consideradas. Nesse sentido, na análise dos
jogos, incluem-se somente os elementos que realmente tornam a relação estudada
problemática (BAIRD, 1998).
O primeiro dos elementos não apresenta maior dificuldade, uma vez que
consiste na identificação dos indivíduos que compõem a relação estudada. O

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segundo elemento, de acordo com o sustentando pelo supracitado autor, é uma


das partes mais importantes da construção do modelo. Nesta etapa, levam-se em
conta todas as ações disponíveis para os participantes antes e durante a interação.
O último dos três elementos representa o que acontece com cada indivíduo
quando for tomada cada uma das alternativas possíveis (decisões). Nesse caso,
conforme se depreende da Teoria proposta, a retribuição (payoffs) pela realização
das jogadas pode se dar das mais variadas formas possíveis, dependendo, tão
somente, das consequências estipuladas para cada uma das escolhas dos players
(BAIRD, 1998).
Pinheiro e Saddi (2006) sustentam que é o Direito, através da imposição
das normas jurídicas, que pode dispor sobre as vantagens e desvantagens de se
adotar um ou outro determinado comportamento. Em outras palavras, o ambiente
legal é responsável por colocar à disposição dos jogadores as alternativas mais
eficientes, inclusive induzindo (criando incentivos) à adoção delas. A Teoria dos
Jogos analisa o Direito não somente em razão de suas normas, mas precipuamente
em função das escolhas estratégicas adotadas pelos indivíduos, que as elegem
justamente considerando as consequências impostas pelas normas.
É nesse contexto que se acredita que a estrutura do sistema processual
trabalhista pode ser visualizada. As partes litigantes constroem suas estratégias
de acordo com os incentivos e desincentivos criados pela estrutura processual
e jurisprudencial existente. Assim, frente à realidade da morosidade e do
congestionamento de processos que o poder judiciário brasileiro vivencia, é
imperioso que as normas processuais, assim como a jurisprudência, definam
os incentivos corretos para que as estratégias adotadas pelos litigantes não
impliquem o esgotamento dos recursos do sistema.

5.1. Jogos cooperativos e não cooperativos

Um exemplo de jogo que faz parte dessa teoria é o jogo de soma zero. Nesse
tipo de jogo, para que um dos players ganhe, o outro, necessariamente, tem que
perder ou, ainda, dependendo das estratégias adotadas, é possível que nenhum
deles tenha saldo algum. Percebe-se que, diante desse quadro, a ocorrência de
conflitos entre as escolhas feitas pelos players é algo certo. Diz-se que, nesse tipo
de jogo, a possibilidade de cooperação entre os indivíduos é nula.

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Conforme afirma Pinheiro (2006), nesses jogos os interesses dos players


são totalmente opostos. Abaixo segue tabela representando o jogo Matching
pennies (BAIRD, 1998: p. 42), típico jogo de soma zero, com as possibilidades de
dois indivíduos diante de um jogo de cara ou coroa:

Tabela 1 – Matching pennies

Jogador B
Cara Coroa
Jogador A Cara 1 ; -1 -1 ; 1
Coroa -1 ; 1 1 ; -1
Fonte: (BAIRD, 1998, p. 24)

De acordo com o disposto na tabela acima, tem-se que o ideal para qualquer
dos players seria contar com a cooperação do outro indivíduo, mas percebe-se,
também, que este não tem qualquer incentivo para fazê-lo, uma vez que, agindo
desta forma, ele acabará perdendo o jogo.
Ademais, Baird (1998, p. 43) ressalta que “Given any combination of pure
strategies, one player is always better of changing to the other.” Ou seja, qualquer
que sejam as combinações realizadas entre os players, sempre será melhor para
qualquer um deles alterar sua estratégia para outra que, por consequência,
proporcionará, individualmente, o melhor resultado.
Da mesma forma, se um dos players conseguir antecipar a estratégia adotada
pelo outro, certamente aquele que tiver acesso às informações privilegiadas terá
maior chance de terminar o jogo em melhores condições (PINHEIRO, 2006). Ora,
se ambos os jogadores escolherem a mesma jogada, o player A sempre ganhará.
Agora, no caso contrário, quando as escolhas dos jogadores forem diferentes, o
player B é quem ficará com a vitória. Percebe-se que o quadro apresentado inibe
qualquer tentativa de cooperação entre os jogadores.
Ao tratar dos jogos do tipo soma zero, Pinheiro (2006) sustenta que os
players racionais que objetivam vencer um ao outro e maximizar suas vantagens
tornam o jogo uma verdadeira guerra. Nesse sentido, para melhor entender as
escolhas dos players, deve-se esclarecer que os indivíduos são racionais e preferem
uma maior a uma menor retribuição pelas suas jogadas.

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Os jogos não cooperativos fazem parte do ambiente processual de qualquer


sistema judicial. Nesse contexto, os conflitos existentes estão vinculados a
direitos opostos e não há por parte das regras processuais e da jurisprudência
qualquer estímulo à adoção de meios de cooperação entre as partes. Sendo assim,
os indivíduos que se encontram em conflito terão incentivos para, tão somente,
seguir até o esgotamento das vias processuais existentes, inclusive no exaurimento
das instâncias recursais. Para tais casos, não adianta, por exemplo, estabelecer
uma fase obrigatória de conciliação. Perder-se-á ainda mais tempo e dinheiro.
Por outro lado, verifica-se que em determinados tipos de jogos a cooperação é
viável e se revela a melhor estratégia a ser adotada. Pode ser o caso do denominado
jogo de caça ao cervo (Stag Hunt), no qual, por exemplo, as normas jurídicas
estipulam consequências que estimulam a cooperação dos players. Nesse jogo,
como se pode inferir da tabela abaixo (Pinheiro, 2006), os players são caçadores
que se defrontam com duas alternativas: ou se escolhe a caça ao cervo, ou se opta
pela caça à lebre. Deve-se ter em mente que a opção maximizadora é a caça ao
cervo, porém, não há condições de um caçador isolado conseguir caçá-lo sozinho.
Comportamento dos jogadores no jogo de caça ao cervo (Stag Hunt):

Tabela 2 – Stag Hunt

Caçador B
Caça ao cervo Caça à lebre
Caçador A Caça ao cervo 3;3 0;2
Caça à lebre 2;0 1;1
Fonte: Stag Hunt

Sabe-se que a opção maximizadora para ambos os players é a caça ao cervo,


mas existe o risco de um dos caçadores mudar a estratégia e optar pela caça à
lebre. Caso isso venha a ocorrer, aquele que decidiu por caçar o cervo acabaria
prejudicado, enquanto o outro sairia com algum benefício.
Nessa situação, de acordo com Pinheiro (2006), existem riscos à expectativa
de cooperação entre os agentes. Porém, caso fossem implantadas sanções
aos participantes do jogo que optassem por caçar lebres no lugar de cervos,
estimulando a cooperação dos agentes, tais riscos poderiam diminuir e os

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resultados dos jogos seriam mais eficientes. O mesmo autor sugere, então, a
tabela abaixo:
Comportamento dos jogadores no jogo de caça ao cervo (Stag Hunt) com
inclusão de sanções:

Tabela 3 – Stag Hunt com inclusão de sanções

Caçador B
Caça ao cervo Caça à lebre
Caçador A Caça ao cervo 3;3 0 ; -2
Caça à lebre -2 ; 0 -1 ; -1
Fonte: Stag Hunt

A partir da inclusão de sanções ao comportamento dos players, surgem


estímulos à cooperação dos agentes e a solução torna-se uma só para ambos os
agentes. Os caçadores possuem incentivos suficientes para caçarem cervos juntos
e não pensarem na possibilidade de optar pela caça à lebre (Pinheiro, 2006).
É interessante a constatação de que determinados jogos não cooperativos
podem ser transformados em jogos de cooperação. Isso se pode dar, conforme
sustentado acima, por meio da implantação de regras que incentivem a adoção das
melhores práticas. Sendo assim, ao buscar a alteração dos padrões de litigiosidade
brasileira, há de se pensar na alteração dos estímulos lançados pelas normas legais
e pela jurisprudência frente aos interesses dos litigantes e potenciais litigantes,
o que, aliás, parece-nos que foi objeto de percepção dos elaboradores do texto
da reforma trabalhista.
Tendo em vista todo o acima disposto, conclui-se que a interação entre os
indivíduos pode ou não ter espaço para implantação de formas de cooperação
que sirvam de auxílio na busca pelas escolhas maximizadoras dos indivíduos
envolvidos. Da mesma forma, é possível entender que as normas que disciplinam
as consequências das escolhas presentes nos modelos de interação exercem grande
influência nas estratégias adotadas pelos agentes. Assim, a Teoria dos Jogos
pode servir como meio de análise das normas que envolvem o processo laboral,
tornando explícitos os incentivos criados, assim como as suas consequências.

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À guisa de exemplo, reiteramos as disposições contidas no texto da reforma


trabalhista ao tratar dos honorários sucumbenciais, incluídos na redação do art.
791-A da CLT, acrescido pela Lei 13.467/2017:
Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários
de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo
de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença,
do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor
atualizado da causa.

É válido destacar que a proposição deverá levar em consideração alguns


requisitos essenciais ao aplicar os honorários, contidos na disposição do § 2º do
mesmo diploma legal:
§ 2º Ao fixar os honorários, o juízo observará: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
I- o grau de zelo do profissional; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
II- o lugar de prestação do serviço; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
III- a natureza e a importância da causa; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
IV- o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Como se pode observar, percebe-se que a decisão no sentido do que pedir e


se pedir, certamente implicam uma análise de possíveis custos para o processo,
alterando, portanto, o preço para tal comportamento.
Assim sendo, o cálculo probabilístico realizado pelos litigantes (payoffs),
que leva em conta o valor esperado frente aos custos esperados para a realização
de determinado ato (determinada jogada), no caso a interposição da ação,
evidentemente é alterado, de modo a tornar mais cara a adoção de determinados
comportamentos, isto é, altera substancialmente os incentivos concedidos às
partes, o que, se efetivamente aplicado, muito provavelmente resultará em
diminuição no número de ações interpostas. Como já salientado, as partes veem
alterados os retornos esperados (payoffs), que terão com o comportamento de
litigar, o que, inolvidável mencionar, também poderá estimular a realização de
acordos, porquanto poderá servir para reduzir ou limitar as perdas da parte
sucumbente.
Entretanto, aqueles que efetivamente possuem expectativas sérias de
deferimento de direitos oriundos das relações laborais não serão tão influenciados,
porquanto o agravamento dos ônus processuais com a imposição de sucumbência

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(grandeza dos custos) não incidirá da mesma forma (na mesma proporção), mas
em menor grau, já que as suas probabilidades (expectativas) de improcedência
ou desprovimento são menores, de modo a implicar, também, a menor elevação
dos seus custos esperados (média de todos os resultados de perdas possíveis,
ponderada pela probabilidade de ocorrência – peso – de cada um desses resultados).
Dessa forma, a finalidade maior do poder judiciário, de se proporcionar a
concessão de direitos não cumpridos, não restará severamente comprometida,
havendo mais adequado equilíbrio, criando-se incentivos negativos para a
interposição de ações ou pedidos temerários e carentes de efetiva expectativa
de deferimento.
Assim, considerando a alteração dos resultados esperados (payoffs)
percebidos pelas partes (jogadores), o desenho dessa regra processual parece-
nos estar no sentido de induzir o alcance de eficiência, ou seja, configurando um
mecanismo de incentivo negativo apto a estimular o comportamento eficiente
dos litigantes, ainda que possa se revelar necessário lapidá-la um pouco mais, a
fim de que se obtenha ainda maior eficiência.
Ademais, é possível inferir que a alteração dos retornos esperados frente
a cada possível jogada, no caso o ato de ajuizar uma ação, pode estimular a
realização de acordos, posto que a parte sucumbente possuirá maiores incentivos
para transacionar, com vistas a reduzir as suas perdas (prejuízos). Como visto
acima, tal imposição pode constituir uma espécie de sanção capaz de tornar jogos
não cooperativos em cooperativos, nos moldes sustentados por Pinheiro (2006).

VI – Considerações finais
No presente estudo, ainda que de forma panorâmica, buscou-se trazer
ponderações acerca da imprescindibilidade da aplicação da Análise Econômica
do Direito ao estudo do Processo do Trabalho e, com isso, chamar atenção para a
necessidade de sua utilização, a fim de que se obtenha, sobremaneira em termos
pragmáticos, maior profundidade e completude na tarefa de produzir normas
jurídicas que acarretem uma justiça mais eficiente e célere no país.
Por meio das decisões emanadas do Poder Judiciário, responsável por
aplicar e interpretar as leis e regulamento, é possível identificar o impacto
econômico do sistema jurídico. O sistema processual, portanto, é conformador

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de mecanismos de incentivo e, portanto, deve ser disposto de modo a estimular


o comportamento eficiente das partes litigantes e dos agentes que operam o
sistema, buscando, com isso, a eficiência, tanto do ponto de vista privado quanto
social. Ou seja, compreende-se o sistema processual como responsável por criar
estímulos positivos e negativos para o comportamento das partes e mesmo dos
julgadores e demais agentes, o que pode tanto induzir ao desempenho eficiente
quanto ineficiente da atividade jurisdicional e, mesmo antes disso, das relações
interpessoais e sociais passíveis de se tornarem litigiosas.
Nessa linha, a Justiça Laboral brasileira vem contribuindo para a consideração
do Brasil como um dos piores ambientes de negócio do mundo. O desestímulo ao
investimento e à realização de negócios reflete diretamente na taxa de desemprego
e notadamente na qualidade dos postos de trabalho. Há nítida existência de um
viés protetivo em favor do trabalhador no judiciário trabalhista, o qual subestima
a análise das consequências práticas das decisões judiciais.
Em resposta a tal atuação, e na busca de um ambiente econômico mais
promissor, a Reforma Trabalhista procedeu importantes alterações do direito
material, bem como adequou as estruturas processuais aos elementos da
processualística moderna, buscando, em certa medida, minimizar a insegurança
jurídica reinante.
A partir das alterações legislativas, buscou-se avaliar a luz da Law and
Economics, a atuação do Poder Judiciário laboral como instituição detentora de
importante papel no desenvolvimento da nação.
Desse modo, foram destacadas neste trabalho teorias como a dos Recursos
Comuns e da tendência a sua Tragédia, da Informação Assimétrica e da Teoria
dos Jogos. Estas contribuem para uma melhor observação e análise do Processo
Laboral, ensejando aferições mais objetivas, quantitativas e testáveis, de modo
a municiar, tanto o legislador quanto o operador do Direito, com o ferramental
necessário para identificar as efetivas implicações das escolhas alternativas,
como, por exemplo, decorrentes das opções de desenhos das normas processuais.
A despeito da insuficiência de dados empíricos, espera-se que o presente
trabalho fomente ainda mais a necessária intercessão do Direito e da Economia
na Justiça do Trabalho, por meio de estudos que levem em consideração as
suas peculiaridades em relação aos demais órgãos judiciais brasileiros, sem

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menosprezar a importância que as suas linhas mestras têm em relação ao


crescimento econômico e social no país.

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43
Quando o jurista descobre a ciência: o que é a Análise Econômica
do Direito?

When the jurist discovers science: what is the Law and Economics?

Bruno Vinícius da Rós Bodart1

Resumo: Este artigo apresenta os fundamentos básicos da análise econômica do


Direito, com o objetivo de fornecer a iniciantes na matéria uma visão adequada
de sua proposta metodológica e das suas origens históricas.
Palavras–chave: Análise Econômica do Direito. Economia. Método científico.
Abstract: This paper presents the fundamentals of the Economic Analysis of
Law, purporting to provide beginners in this topic with an adequate view of its
metodological underpinnings and historical origins.
Keywords: Economic Analysis of Law. Economics. Science.

1. O que é a economia?
Antes de aprofundar a análise econômica do Direito propriamente dita, é
pertinente conceituar o que se entende por Economia. A Economia é o estudo
da alocação de recursos escassos em seu uso mais eficiente, considerando o
comportamento de diferentes agentes na busca pela maximização do atendimento
de suas preferências pessoais.
O termo Economia tem origem na palavra grega oikonomos: oiko significa
casa, enquanto nomos pode ser traduzido como regras. A etimologia da palavra
relaciona-se a um administrador doméstico ou de determinada organização, cuja
função é a de aproveitar ao máximo os finitos bens à disposição do seu grupo para
satisfazer os interesses de cada um de seus componentes. A comparação entre

1 LL.M. (Master of Laws) pela Harvard Law School. Doutorando em Direito pela Universidade de São
Paulo (USP). Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Juiz de Direito
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Ex-Juiz Instrutor perante o Supremo Tribunal Federal.
Ex-Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral. Presidente da Associação Brasileira
de Direito e Economia (ABDE). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

as decisões no âmbito doméstico e os problemas relativos a toda a sociedade foi


feita ainda no século XVIII por Adam Smith.2
Nessa linha, a Economia abrange a análise de todas as questões conexas
ao problema da alocação eficiente de recursos limitados para a melhor satisfação
dos interesses dos integrantes do grupo analisado, dentre elas o modo como
agentes tomam decisões e a forma como interagem entre si3
À luz do conceito ora apresentado, não é difícil deduzir o motivo pelo
qual a análise do Direito é de fundamental importância para a Economia.
Toda determinação imposta pelas fontes do Direito influencia a forma como
os indivíduos comportam-se na busca pelos seus interesses. A alteração dos
mandamentos legais gera modificações, intencionais ou não, na forma como
recursos são alocados na sociedade. Essas mudanças decorrentes da configuração
do ordenamento jurídico podem constituir um resultado socialmente indesejado
ou que não confere a melhor satisfação possível ao interesse dos envolvidos.
Uma das principais características da análise econômica do Direito, portanto, é
concentrar o exame das normas jurídicas exclusivamente nas suas consequências.
Leis e decisões judiciais são importantes não por possuírem um valor em si,
mas pelos efeitos causados em relação ao grupo que pretendem atingir – ou que
atingem não intencionalmente. Sob a análise econômica, o Direito é uma política
pública, nesse contexto, o raciocínio analítico teórico e a pesquisa empírica são
utilizados para torná-la mais eficiente no cumprimento dos objetivos eleitos
pela sociedade.

2. Os níveis da Análise Econômica do Direito


A abordagem do Direito, sob o prisma econômico, pode assumir três
diferentes aspectos. O primeiro, denominado heurístico, preocupa-se com a
identificação da racionalidade que informa a existência de diferentes institutos
jurídicos e lhes confere coesão. Afinal, por que existem os direitos de propriedade,

2 Adam Smith, An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations 183 (1822).
No original: “What is prudence in the conduct of every private family, can scarce be folly in that of
a great kingdom.” (SMITH, 1982.).
3 Gregory Mankiw, Principles of Microeconomics 4 (2008), que destaca a etimologia da palavra
Economia e define esse ramo do conhecimento pelo estudo de como a sociedade gere seus recursos
escassos.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

as regras de responsabilidade civil, as normas que regem os contratos ou a


proteção à liberdade de expressão?
O segundo aspecto, chamado descritivo, é voltado à determinação dos
efeitos das normas jurídicas na sociedade, ou seja, investiga as consequências
decorrentes das normas legais em análise. Por exemplo, considerando a lógica
subjacente às regras de responsabilidade civil, quais alterações na sociedade são
observadas ante a adoção da regra de responsabilidade objetiva, em comparação
com a exigência de demonstração de culpa? Esses dois primeiros aspectos são,
por vezes, reunidos sob a expressão “análise econômica do Direito positiva”
(KOROBIKIN: 2002,)4.
Finalmente, o último aspecto é o de cunho normativo, que busca definir
quais normas jurídicas são desejáveis, comparando sua eficiência a partir das
conclusões obtidas nos dois aspectos anteriores da análise.5
A análise econômica do Direito vai além da mera interseção entre a Economia
e o campo jurídico. Cuida-se, na realidade, da expansão do método científico,
hoje amplamente adotado no estudo da Economia, para o desenvolvimento
do pensamento jurídico, ainda fortemente influenciado pela dogmática e pelo
método exegético.
A ciência distingue-se por basear a investigação do mundo exterior em
proposições universalmente reconhecidas cuja associação invariável é traduzida
em leis gerais.6 A veracidade dessas leis pode ser deduzida logicamente a partir
de teorias, as quais, por sua vez, podem ser provadas e testadas. O grande desafio
das ciências sociais é obter leis gerais sobre relações de causa e efeito no que diz
respeito ao comportamento humano, aparentemente complexo e imprevisível.

4 Russell Korobkin, em The Endowment Effect and Legal Analysis, 97 Northwestern University Law
Review 1227 (2002),. define a análise econômica do Direito positiva como a explicação do presente
estado do sistema jurídico derivada diretamente de uma preocupação implícita ou explícita com a
eficiência.
5 A divisão dos aspectos da análise econômica do Direito em heurística, descritiva e normativa é
proposta por Richard A. Posner, Frontiers of Legal Theory 4-5 (2004). Steven Shavell menciona
apenas os aspectos descritivos e normativos: Steven Shavell, Foundations of Economic Analysis
of Law 1 (2004).
6 Norman Campbell, What Is Science? 27-29 (1952): “Science is the study of those judgments
concerning which universal agreement can be obtained. […] When the possibility of applying the
strict criterion of universal agreement was realized, then, for the first time in the history of thought,
science became truly scientific and separated itself from other studies.”.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

Contudo, a dinâmica dos fenômenos sociais também apresenta regularidades


e relações causais que podem ser capturadas mediante cuidadosa observação,
acompanhada de constante reinquirição baseada na análise de evidências
empíricas. O poder da ciência reside precisamente na sua capacidade de vencer
a complexidade aparente dos fenômenos descritos pelo observador, firme na
ideia de que os erros de descrição geradores dessa complexidade podem ser
combatidos com rigor metodológico.7

3. O Direito é uma ciência?


O mainstream da academia jurídica é atualmente caracterizado pelo desprezo
aos mais básicos postulados da ciência. Primeiro, não existe no Direito um núcleo
axiomático do qual derivam logicamente as demais proposições do raciocínio
jurídico. Em particular, o Direito não é baseado em leis gerais ou teorias sobre
o comportamento humano – toda a disciplina gira em torno de formulações
artificiais sobre o que seria o Direito em si mesmo. Justamente pela ausência de
base teórica sobre o comportamento humano, o Direito é despido de capacidade
preditiva, atributo essencial a qualquer ciência.8 Teses são construídas, divulgadas
e, o mais grave, informam decisões práticas sem nenhuma preocupação com
a sua prova. Isso porque a argumentação jurídica é marcada por um misto
desorganizado de argumentos deontológicos com inserções consequencialistas. Na
parte deontológica, afirmações são amparadas por noções não falseáveis de justiça,
em contraposição ao caráter observacional e universalista da ciência. Nenhum

7 V. Lee McIntyre, Explaining Explanation – Essays in the Philosophy of the Special Sciences
17 (2012), que.rejeitando a ideia de que as ciências sociais requerem independência metodológica em
relação às ciências naturais, bem como a de que a inquirição nomológica seria impossível ao cientista
social, pela suposta impossibilidade de explicar o fenômeno social por meio de leis.
8 V. Lee McIntyre, (id. p. 37). O autor destaca que a ciência é a busca sistemática por ordem com vistas à
realização de predições, e combatendo a alegação, defendida por filósofos como Karl Popper, de que a
consciência do homem seria uma barreira à predição da ação humana. Uma das principais discussões
da filosofia jurídica no século XX diz respeito à possibilidade de reduzir o Direito à tarefa de prever
como juízes decidirão. V. g., v. Herbert L. A. Hart, Positivism and the Separation of Law and Morals, 71
Harvard Law Review 593, 629 (1957). O adequado enfrentamento da discussão foge ao escopo do
presente texto. Basta notar que, mesmo assumindo ser essa a preocupação central do Direito, ainda
lhe faltariam atributos essenciais da ciência, como a universalidade, a inquirição nomológica e o rigor
metodológico.

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

rigor formal é empregado para ligar premissas a conclusões e a matemática é


amplamente ignorada entre juristas9.
Por fim, o recurso a argumentos empíricos é realizado sem preocupação
com os métodos e técnicas que permitiriam extrair inferências válidas a partir
de dados, do que resultam falácias e erros fundamentais.

4. Por que juristas não querem ser cientistas?


Todas essas carências expõem o Direito aos mesmos defeitos que tornaram
ultrapassadas a alquimia e a astrologia. Com efeito, Lee McIntyre (2006) traça
pertinente comparativo entre a resistência, nos tempos atuais, à aplicação do
método científico das ciências naturais ao estudo de fenômenos sociais e o
movimento dos clérigos, no século XVII, contra a revolução copernicana que deu
origem às ciências que hoje conhecemos. Segundo o referido filósofo, em razão
dessa resistência, viveríamos uma nova “idade das trevas” quanto à compreensão
das causas dos problemas sociais10. A análise econômica do Direito propõe um
rompimento com a visão anticientífica na investigação das questões humanas
envolvidas na criação e aplicação de normas jurídicas.
Não se trata de afirmar que os problemas da Economia são mais importantes
que os enfrentados por juristas, ou que aquela disciplina deveria absorver o
Direito. Na realidade, apenas se reconhece que uma estrutura básica e geral,
de caráter verdadeiramente científico, para guiar a análise do comportamento
humano surgiu pela primeira vez na Economia, e que o mesmo programa, pela
sua generalidade, tem potencial para constituir a viga mestra de todas as ciências
sociais. Desse modo, a própria nomenclatura “análise econômica” é imprecisa.
Melhor seria qualificar essa vertente como análise científica do Direito, mesmo

9 V. Charles N. Moore, Mathematics and Science, 81 Science 27-32 (1935), pp. 27-32. p. 31. Com
expressa menção às ciências sociais, o autor afirma que: “There exists no branch of science […] in
which some mathematical procedure is not found essential. Moreover, the natural evolution of all
scientific theory is in the direction of increasing use of quantitative methods.”.
10 Lee McIntyre, Dark ages: the case for a science of human behavior (2006). Uma retrospectiva
histórica da relação entre iluminismo, ciência e estudos sociais foge ao escopo do presente trabalho.
Para uma exposição conglobante sobre o tema, v. John C. Torpey, Enlightenment: Impact on the Social
Sciences, International Encyclopedia of the Social & Behavioral Sciences 664-668 (2015).

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porque diversas correntes no âmbito da própria Economia são avessas à adoção


da metodologia científica11.
Apesar das evidentes sobreposições de interesses entre a Economia e o
Direito, ainda se observa imensa resistência à transposição dos métodos científicos
amplamente adotados na literatura econômica para o campo jurídico. A alegação
mais comum é a de que o Direito lidaria com angústias humanas e com dilemas
morais dificilmente capturáveis pelo objetivismo científico. Essas críticas ignoram
que a Física, a Biologia, a Química e a Medicina, para citar algumas disciplinas
com rigor científico avançado, não são infensas a cargas valorativas.
Na Medicina, a propósito, a resistência à revolução científica só começou
a mudar no século XIX, com o surgimento da bacteriologia por Pasteur e Koch.
Para que a ciência conquistasse o exercício profissional da medicina, o que só
ocorreu por volta da metade do século XX, foi necessário ultrapassar a barreira
formada pelos médicos da época, acostumados a utilizar sua autoridade tradicional,
complicados jargões e o recurso genérico à experiência para discutir terapias,
muito embora ignorassem a experimentação estatística controlada, tão essencial
para essa atividade12.
Assim como a Medicina, a Economia é um campo em que a introdução do
método científico é relativamente recente, mas com inegável sucesso, apesar dos
desafios da subjetividade e da normatividade. Debates ideológicos historicamente
permearam discussões econômicas, em especial sobre a rivalidade entre socialismo
e capitalismo. Como explica o prêmio Nobel e Professor de Harvard Eric Maskin,
até aproximadamente a década de 1940 esses debates eram realizados sem
qualquer rigor analítico13.

11 Richard A. Posner, The Problems of Jurisprudence 63 (1993): “Economics, including the branch
known as economic analysis of law, or ‘law and economics,’ really is a science, though an immature
one (…). The practitioners of law and economics are trying with some success to usc the methods
and results of economics to improve our understanding of law and assist in its reform.”
12 V. Lee McIntyre, What can medicine teach the social sciences?, 6 Hastings Science & Technology
Law Journal 31-41 (2014). Observando que, na primeira metade do século XX, exames clínicos
básicos não eram universalmente praticados e médicos normalmente não buscavam impedir a negativa
evolução do quadro clínico, mas tão somente descrever o curso da doença ao paciente, o que só mudou
a partir do descobrimento da penicilina em 1940.
13 Eric Maskin, Mechanism Design: How to Implement Social Goals, 98 American Economic Review 567
(2008).

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

Autores como Oskar Lange e Abba Lerner advogavam a superioridade do


planejamento central, enquanto outros como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek
defendiam o livre mercado. No entanto, termos cruciais da controvérsia, como
descentralização, não eram definidos conceitualmente por esses economistas.
Para que isso fosse possível, era necessário incorporar ao estudo da Economia
ferramentas matemáticas que permitissem descrever com precisão as relações
de causa e efeito afirmadas por aqueles escritores. Algumas dessas ferramentas
sequer existiam à época, como a teoria dos jogos. Essa revolução científica na
Economia apenas sobreveio com a obra de autores como Leonid Hurwicz, Paul
Samuelson, Oskar Mogenstern e John von Neumann.
Dessa forma, a aceitação de qualquer tese econômica deixou de depender
apenas da orientação ideológica do proponente e seu público, passando a demandar
a sua submissão ao crivo da ciência. Teorias devem ser descritas com rigor formal,
de maneira que todas as suas premissas e consequências sejam explícitas e
coerentes. Em seguida, as formulações hipotéticas são testadas pela observação
empírica, o que permite refinar ou eliminar hipóteses cujas consequências não
sejam confirmadas pelos fatos. Trata-se do mesmo método observado nas ciências
naturais, sem o qual inúmeros avanços na Física, Química, Medicina e outras
áreas não seriam possíveis.
No Direito, o obstáculo a ser vencido é convencer profissionais e acadêmicos,
tão apegados aos seus tradicionais modos de argumentação e abordagem de
problemas, de que a adoção de parâmetros científicos para o exame dessas
mesmas questões é tão possível quanto proveitoso. A comparação entre as
tarefas do jurista e do médico, afinal, é pertinente14: a missão daquele é a de

14 A título exemplificativo: “O nome mesmo de advogado soa como um grito de ajuda. Advocatus, vocatus
ad, chamado a socorrer. Também o médico é chamado a socorrer; mas só ao advogado se dá este nome.”
Francesco Carnelutti, As misérias do Processo Penal (2006). Para uma comparação detalhada entre
as profissões do médico e do Juiz de Direito: Barak Richman, On Doctors and Judges, 58 Duke L.J. 1731
(2009). Em suma, o autor narra dois tipos de comparações entre médicos e juízes. O primeiro tipo,
de cunho superficial, nota a semelhança entre vestimentas, jargões, títulos profissionais, o respeito
social e o grau de deferência prestado à autoridade de suas declarações. O segundo tipo, de cunho
analítico, é inspirado em artigo de Kenneth Arrow sobre o papel dos símbolos sociais na medicina para
a Economia da saúde. As instituições e padrões sociais que conferem aos médicos destacada autoridade
surgem como soluções para problemas de incerteza e não-observabilidade inerentes aos serviços de
saúde. Ao distinguir o profissional médico como aquele que exerce suas funções com objetividade,
ainda que contra os próprios interesses financeiros, pacientes são estimulados a se submeter a
tratamentos os quais recusariam na ausência das referidas instituições sociais. Similarmente, os
jurisdicionados se submetem ao ordenamento jurídico não apenas em razão da ameaça de coerção,

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curar desvios de funcionalidade que surgem no organismo social e provocam


danos às suas células. O profissional do Direito não deve, tal como faziam os
praticantes da Medicina no início do século passado, tratar seus pacientes com
base em opiniões pessoais, teses não falseáveis ou com recurso a uma suposta
autoridade intelectual superior.
Embora a mudança proposta pareça árdua, a boa notícia é que a Economia
já oferece uma estrutura confiável para a abordagem científica no estudo social.
Nos tópicos seguintes, será realizada uma breve exposição sobre os fundamentos
da Economia moderna, a fim de que se possa melhor entender como o Direito
pode aproveitar-se da sua estrutura e métodos para experimentar os mesmos
avanços, nada obstante a carga valorativa que permeia a análise do comportamento
humano.

5. Jurista precisa saber matemática?


O método científico, em qualquer área do conhecimento, abrange dois tipos
de análise igualmente importantes: a elaboração de proposições sobre a realidade
observável e o teste da capacidade explicativa ou preditiva dessas proposições
em confronto com evidências empíricas. No primeiro tipo de análise, o cientista
formula generalizações abstratas que pretendem explicar diversos eventos
naturalísticos semelhantes entre si. Essas generalizações são bastante úteis,
pois permitem prever eventos com base em elementos observáveis por meio do
raciocínio dedutivo, ou seja, da lógica que parte de regras gerais (premissas) para
obter conclusões sobre um domínio mais restrito sob apreciação15.
Para que seja possível construir generalizações com suporte lógico, toda
ciência possui como núcleo uma série de axiomas a partir dos quais decorrem

senão também pelas normas sociais que determinam a deferência às decisões judiciais e o respeito à
figura do magistrado. Eventual descrédito na lisura das decisões judiciais, tal como a inobservância
generalizada de prescrições médicas, culminaria em grave comprometimento do bem-estar social.
O ponto sustentado no presente texto é o de que a proeminência social, conquanto possua papel
relevante, pode constituir barreira ao aperfeiçoamento da profissão, na medida em que exige uma
custosa transição do status quo para um panorama em que proposições são julgadas mais pelo seu
valor científico que pela autoridade de quem argumenta.
15 Armen A. Alchian & William R. Allen, Exchange and Production – Competition, Coordination,
& Control 9 (1983). Os autores afirmam que o caráter científico da análise econômica fundamenta-
se na compreensão de uma regularidade virtualmente universal no comportamento humano, bem
como na investigação dos fenômenos estudados por meio da construção e do teste de teorias.

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

suas teorias. Nas ciências sociais, esses axiomas e teorias dizem respeito à ação
humana, um fenômeno que depende de inúmeros fatores decorrentes da vida
social e da natureza16. É evidente que uma generalização jamais será capaz de
explicar, só por si, todas as nuances de todos os eventos observáveis. Ciente dessa
limitação, o cientista social recorre a modelos para decompor abstratamente a
realidade em diversas fatias, com o objetivo de facilitar a sua compreensão.
Roger Myerson, economista laureado com o prêmio Nobel, comparou os
modelos econômicos a fábulas que nos ajudam a entender a realidade que nos
circunda17. O cientista social, na impossibilidade de isolar perfeitamente elementos
de interesse no mundo concreto, cria verdadeiros mundos de laboratório a partir
de determinados pressupostos, correspondentes aos fatores mais relevantes para
a solução do problema examinado. Nessa tarefa, a parcimônia é uma virtude.
Nenhum modelo será perfeitamente correto, por mais elaborado e complicado
que seja – não apenas na Economia, mas também nas ciências naturais, como
a Física18.
Justamente porque a sociedade apresenta problemas extremamente
complexos, o raciocínio analítico propõe uma investigação que parte de relações
simplificadas, verdadeiros recortes abstratos que isolam características do
ambiente observável, para modelos mais elaborados, mediante a adição progressiva
de elementos que podem influenciar os resultados obtidos19. As conclusões
extraídas desses modelos teóricos fornecem valiosos elementos para enfrentar
desafios práticos cuja correta compreensão é impossível sem uma reflexão detida

16 William H. Riker, The Political Psychology of Rational Choice Theory, 16 Political Psychology 23-44
(1995). O autor explica que o objetivo da ciência é produzir generalizações precisas sobre a natureza,
por meio da criação de classes, com a finalidade de realizar predições. Ainda segundo o autor, para que
seja possível prever um efeito, a generalização precisa estar contida em uma teoria a partir da qual as
condições necessárias e suficientes para a ocorrência daquele efeito sejam deduzidas logicamente.
17 Roger B. Myerson, Fundamentals of Social Choice Theory, 8 Quarterly Journal of Political Science
305-337 (2013).
18 George E. P. Box, Science and Statistics, 71 Journal of the American Statistical Association
791-799 (1976). O autor destaca que todo modelo científico é errado, de modo que a descrição da
realidade deve ser econômica nos seus parâmetros, para que o cientista se concentre nos erros mais
importantes que o modelo pode evidenciar.
19 Hal R. Varian, Intermediate Microeconomics – A Modern Approach 1-2 (2010). De acordo com
o autor, um modelo econômico que pretenda descrever cada aspecto da realidade seria inútil, de modo
que o valor de um modelo reside na sua capacidade de eliminar todos os detalhes irrelevantes para a
solução do problema.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

sobre as relações e circunstâncias que se escondem sob a névoa das intrincadas


relações sociais.
Assim, para examinar problemas que na realidade envolvem uma população
inteira, é muitas vezes suficiente focar a análise em apenas dois ou um pequeno
grupo de agentes. Por exemplo, no exame dos efeitos de regras de responsabilidade
civil, basta pensar em um potencial causador de dano e uma potencial vítima.
Da mesma forma, frequentemente são ignoradas diversas alternativas de
comportamento que cada indivíduo poderia adotar, reduzindo as opções possíveis
a somente algumas (v. g., ser cauteloso ou não ser cauteloso). Por meio dessa
abordagem, o analista, a um só tempo, obtém transparência quanto aos motivos
que o conduzem a determinadas conclusões e possibilita a outros acadêmicos a
avaliação crítica da sua proposta. A qualquer um é possível demonstrar de que
forma o acréscimo de algum elemento omitido no modelo, mas de importância
prática não trivial, seria capaz de alterar aquelas conclusões.
Nesse contexto, a Matemática assume papel de fundamental importância.
A uma, o emprego do raciocínio matemático possibilita a formalização do
raciocínio adotado, evitando confusões por ambiguidades semânticas e truques
de linguagem, pois cada passo do raciocínio deve ser fundamentado de forma
explícita. A duas, a Matemática possui pretensão de universalidade, possibilitando
provar que determinada conclusão será sempre verdadeira desde que mantidas as
premissas em que o modelo se baseia20. A Matemática é mais que uma linguagem,
é um método de raciocínio estruturado de cujo rigor resulta a confiabilidade das
conclusões, obtidas pela rigorosa derivação de consequências lógicas.
Muito embora possa parecer contra intuitivo, à primeira vista, empregar
ferramentas como álgebra e cálculo no estudo do Direito, a verdade é que a
matemática se preocupa tão somente com a estrutura do raciocínio, pouco
importando o seu conteúdo, do que decorre a sua utilidade para toda e qualquer

20 V. Alpha C. Chiang & Kevin Wainwright, Fundamental Methods of Mathematical Economics


3 (2005). Destaca quatro benefícios da Matemática para o estudo da Economia: tornar a linguagem
mais concisa e precisa; fornecer teoremas matemáticos já estabelecidos; impor transparência quanto
às premissas adotadas; e ampliar o raciocínio de forma universal. John G. Kemeny, Mathematics
Without Numbers, 88 Daedalus 577-591 (1959), por sua vez, afirma que a Matemática permite ao
cientista testar suas hipóteses e, em muitos casos, fazer previsões pragmáticas significativas sobre
o futuro.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

disciplina com pretensão científica21. Afirmar que o Direito não é ciência exata
não é desculpa para refutar ou ignorar a Matemática,22 precisamente porque
as relações sociais são extremamente complexas, a transparência e a lógica
da fundamentação matemática têm extrema relevância para a sua adequada
compreensão, tal como para a Sociologia, para a ciência política e para a própria
Economia.23
A propósito, no início do século XX, o uso da matemática era extremamente
controvertido mesmo na Economia24, mas atualmente a maioria dos acadêmicos
emprega ferramentas matemáticas para a solução de problemas econômicos. Além
disso, argumentos jurídicos também envolvem simplificações da realidade e partem
de determinadas premissas convenientemente assumidas como verdadeiras. A
diferença é que, não sendo empregada a lógica formal, essas premissas não são
reveladas, as conexões entre as proposições tornam-se obscuras e a falseabilidade
das conclusões fica prejudicada.

6. Como surgiu a Análise Econômica do Direito?


A análise econômica do Direito é uma linha que propõe transportar o método
científico para o estudo das mais diversas expressões do comportamento humano
que sejam relevantes para questões jurídicas. Seu ponto de partida ocorreu
no final da década de 1950 e início dos anos 1960, com os trabalhos de Gary

21 Richard Feynman, The Character of Physical Law 40 (1985). Para o autor, a Matemática é
linguagem acrescida de lógica, bem como ressaltando a utilidade da matemática para qualquer tipo
de raciocínio cuidadoso.
22 Como afirmou Simonsen: “A economia [sic] pode não ser ciência exata, mas nem por isso se deve
transformar em ciência confusa”.
23 V. Karl Menger, Morality, Decision and Social Organization: Toward a Logic of Ethics
1 1974.: “logico-mathematical studies are an indispensable training for most other branches of
intellectual activity and, strange as it may seem to you, especially for the treatment of questions of
morality. Indeed, the applicability of exact thinking to ethics appears to me to be an aspect of science
that is of some importance for human life.”. V. tb. Phillip Bonacich & Philip Lu, Introduction to
Mathematical Sociology (2012); James Samuel Coleman, Introduction to Mathematical
Sociology (1964).
24 V. John Von Neumann & Oskar Morgenstern, Theory of Games and Economic Behavior 3 (2007).
Segundo o autor, “The arguments often heard that because of the human element, of the psychological
factors etc., or because there is – allegedly – no measurement of important factors, mathematics will
find no application, can all be dismissed as utterly mistaken. Almost all these objections have been
made, or might have been made, many centuries ago in fields where mathematics is now the chief
instrument of analysis.”.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

Becker25, Ronald Coase26 e Guido Calabresi )27. Cuida-se de movimento iniciado


por economistas e juristas inspirados pelo moderno pensamento econômico.
Por isso mesmo, a análise econômica do Direito é indiferente às tradicionais
concepções ao redor das quais disputavam diferentes escolas de pensamento no
Direito, como formalismo, realismo, jus naturalismo e positivismo.
Por essa razão, não é correto afirmar que a análise econômica do Direito
tenha alguma relação com o realismo jurídico, corrente que foi popular nos
Estados Unidos no início do século XX, tendo, como expoentes, juristas como
Roscoe Pound, Benjamin Cardozo, Jerome Frank e Karl Llewellyn28. Essa vertente
surgiu como oposição ao formalismo que dominou o ensino do Direito nos
Estados Unidos no final do século XIX por influência de Cristopher Columbus
Langdell. O pensamento realista, na verdade, contribuiu de forma genérica
para o estudo multidisciplinar no meio jurídico, na linha do que Roscoe Pound
qualificava como “sociological jurisprudence”29, abrangendo não apenas a Economia,
mas também a História, a Antropologia, a Sociologia, a ciência política e outras
disciplinas que permitissem ao jurista compreender a realidade subjacente à sua
empreitada. Nesse sentido, todas as vertentes do pensamento jurídico atuais
são, em alguma magnitude, alinhadas à proposta realista, na medida em que é
inconcebível a compreensão do Direito em completa abstração da sociedade à
qual se vincula30. A par da genérica aceitação do influxo de outras disciplinas
no estudo e na prática do Direito, o realismo jurídico e a análise econômica do
Direito são fundamentalmente distintos.

25 Gary Becker, The Economics of Discrimination (1959).


26 Ronald Coase, The Problem of Social Cost, 3 The Journal of Law & Economics 1 (1960).
27 Guido Calabresi, Some Thoughts on Risk Distribution and the Law of Torts, 70 The Yale Law Journal
499 (1961).
28 Afirmação semelhante é feita pelo Professor da Universidade de Harvard Henry Smith: “Direito
e Economia é apenas um ramo da árvore cujo tronco é o realismo jurídico” No original: “Law and
economics is only one branch of the tree whose trunk is legal realism”. Henry Smith, Law and Economics:
Realism or Democracy?, 32 Harvard Journal of Law and Public Policy 127, 131 (2009).
29 Um dos pensadores mais icônicos associados à corrente realista, Roscoe Pound afirmava que o
“professor de Direito moderno deve ser um estudante de sociologia, economia e política”. No original:
“The modern teacher of Law should be a student of sociology, economics, and politics as well”. Roscoe
Pound, The need of a sociological jurisprudence, The Making of Modern Law 611 (2017).
30 Como afirma Smith, “somos todos realistas agora” (No original: “We are all realists now”). Henry
Smith, Law and Economics: Realism or Democracy?, 32 Harvard Journal of Law and Public Policy
127, 128 (2009).

55
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

Enquanto o realismo jurídico admitia abstratamente o recurso a


conhecimentos até então externos ao campo jurídico, sem uniformidade de
método ou de programa científico, a análise econômica do Direito assume a
metodologia da Economia do bem-estar, possibilitando o surgimento de um
programa comum e sistemático de revisão dos institutos jurídicos a partir dessas
premissas. A esse respeito, recorde-se que as modernas ferramentas da Economia
moderna apenas foram incorporadas às ciências sociais por volta da década de
1940, em momento posterior ao surgimento e popularização do realismo jurídico.
O movimento na Economia que foi contemporâneo e teve proposta semelhante
ao realismo jurídico era denominado de “Economia Institucional”.
Curiosamente, um dos primeiros artigos a utilizar a terminologia “Law and
Economics” foi escrito por John R. Commons, um dos expoentes da Economia
institucional31. Nenhuma das duas propostas, entretanto, possuía o rigor
metodológico da análise econômica do Direito, nem transmitiu a esta linha
moderna qualquer característica de sua essência.
Quanto ao caráter histórico, a análise econômica do Direito originou-se
e se estabeleceu como um movimento externo ao âmbito jurídico e indiferente
às tradicionais concepções ao redor das quais disputavam diferentes escolas de
pensamento no Direito, como formalismo, realismo, jus naturalismo e positivismo.
Ronald Coase, considerado o pensador que inaugurou o movimento da análise
econômica do Direito, declarou expressamente que, ao escrever seu seminal
artigo The Problem of Social Cost, não possuía nenhuma intenção de contribuir
para a academia jurídica e sua preocupação era exclusivamente influenciar o
debate econômico.32 Também Gary Becker, economista que explorou a aplicação
do pensamento econômico a áreas “não mercadológicas” até então analisadas
principalmente por juristas, como o sistema criminal e as relações familiares,
não sofreu qualquer influência da escola jus-realista.
A inexistência de conexão histórica entre o realismo jurídico e a análise
econômica do Direito também é ressaltada por Richard Posner, outro precursor

31 John R. Commons, Law and Economics, 34 The Yale Law Journal 371 (1924-1925).
32 No original: “It is generally agreed that this article has had an immense influence on legal scholarship,
but this was no part of my intention. For me, “The Problem of Social Cost” was an essay in economics.
It was aimed at economists. What I wanted to do was to improve our analysis of the working of the
economic system”. COASE, Ronald. “Law and Economics at Chicago”. In: The Journal of Law and
Economics, n. 36, 1993 p. 250.

56
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

do Direito e Economia. Posner observa que o realismo não era conhecido por
Coase e Becker,33 bem como afirma ser duvidosa a influência daquela corrente
do pensamento jurídico sobre o trabalho de Guido Calabresi na área de
responsabilidade civil, considerado um dos primeiros no campo da análise
econômica do Direito – apesar de Calabresi ser oriundo da escola de Direito de
Yale, antigo reduto de acadêmicos realistas34.
O realismo e a análise econômica do Direito também se diferenciam
pela finalidade. Ao passo que a proposta dos pensadores realistas pugnava por
uma multidisciplinariedade no âmbito jurídico, a análise econômica do Direito
constitui seara interdisciplinar, de modo que a Economia não é mero adendo
ou conhecimento auxiliar, senão elemento central do estudo do Direito como
política pública35. Se a preocupação do realismo era ampliar os limites do Direito,
a análise econômica do Direito é absolutamente indiferente à demarcação dessa
fronteira.
Da mesma forma, a interminável disputa entre positivistas e jus naturalistas
sobre a conexão entre Direito e moral, bem como sobre o que deve guiar o juiz
ao decidir casos difíceis, em contraste com sua atividade nos casos obviamente
abrangidos pelo texto da regra jurídica, não é do interesse dos proponentes da
análise econômica do Direito36.
Essa linha científica examina os institutos jurídicos a partir da sua capacidade
de gerar ganhos para o bem-estar social, comparando os interesses em jogo e os

33 Richard A. Posner, The Problems of Jurisprudence 441 (1993).


34 Posner atribui esse ceticismo a uma conversa particular que teve com Calabresi. Richard A. Posner,
Frontiers of Legal Theory 59 (2004).
35 A diferença entre a multidisciplinariedade do realismo e da Economia institucional em contraste
com a interdisciplinariedade da análise econômica do Direito é ressaltada por Oliver E. Williamson,
Revisiting Legal Realism: The Law, Economics, and Organization Perspective, 5 Industrial and Corporate
Change 390 (1996).
36 Nas palavras de Richard Posner: (No original: “Unlike Holmes and other legal (and logical) positivists,
I do not believe that legal questions can be partitioned into those that can be answered with certainty
and those that cannot be answered by rational methods at all but depend on the will or caprice or
politics of the judge. I am also not a “strong” legal positivist, as Holmes was; indeed, I resist the effort
to dichotomize positive and natural law. My position owes more to philosophical pragmatism than
did the realist movement. If I had to choose I would range myself on the side of the Skeptics, but
the pragmatic approach may enable the conflict between Legalists and Skeptics to be transcended.
I repeat that legal positivists who believe that the sovereign’s commands are readily interpret- able
are formalists, at least in the sense of believers in right answers to all or virtually all legal questions.
I am not a formalist.”). Richard A. Posner, The Problems of Jurisprudence 32-33 (1993).

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

incentivos que regem os componentes de cada grupo de interesse. Essa análise


pode iluminar a aplicação de normas jurídicas estabelecidas, instigar reformas
ou auxiliar a tarefa de tomadores de decisões, tanto em casos fáceis quanto em
casos difíceis.

7. A Análise Econômica e o futuro do Direito


A proposta de unificação entre Direito e Economia não deveria causar
estranheza. A vida em sociedade constitui um emaranhado de relações intrincadas
entre indivíduos e grupos, motivo pelo qual os diversos ramos da ciência social
não passam de mero fatiamento artificial da realidade. Há algumas décadas, o
que distinguia a Economia das demais ciências sociais era a sua metodologia
diferenciada, mas os problemas enfrentados eram frequentemente os mesmos
sobre os quais se debruçavam estudiosos de outras matérias. Atualmente,
contudo, muitas das sofisticadas ferramentas adotadas pelos economistas são
também compartilhadas por cientistas políticos, psicólogos, sociólogos e demais
interessados na análise científica da interação humana em suas variadas nuances.
Portanto, a tendência é de contínua convergência entre as disciplinas, para que
formem um campo unificado da ciência social37.
Ocorre que o estudo do Direito, enquanto disciplina autônoma, possui
notória carência dos elementos que lhe permitiriam gozar do status de verdadeira
ciência. Não há um núcleo central de axiomas com aceitação relativamente
consensual entre os acadêmicos. A argumentação jurídica ordinária constitui
um misto confuso de elementos deontológicos com doses esparsas e desconexas
de consequencialismo. Frequentemente são invocados fundamentos abstratos
metafísicos e não falseáveis. Sendo assim, não há rigidez analítica na formulação
de proposições teóricas para explicar a realidade observada. Ao mesmo tempo,
argumentos pretensamente empíricos são invocados oportunisticamente, sem
nenhuma preocupação com postulados básicos de probabilidade e inferência

37 Mancur Olson, Toward a Unified View of Economics and the Other Social Sciences, Perspectives on
Positive Political Economy 212-232 (1990). O autor ressalta que não há qualquer divisão natural
que separe a Economia das outras ciências sociais, motivo pelo qual qualquer compartimentalização
entre elas será arbitrária; o texto anota, ainda, que há uma desejável tendência de convergência entre
esses ramos.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

estatística38. A impressão que se tem é a de que o jurista é treinado para obscurecer


seus argumentos, com o recurso a artifícios retóricos, para obter sempre o resultado
mais favorável aos seus interesses na aplicação do Direito, independentemente
da solução socialmente desejável. Não se pretende discutir neste espaço se esse
treinamento é adequado para a prática jurídica39. O que se afigura sem sombra
de dúvidas é ser esta uma postura avessa à ciência.
O benefício oferecido pela Economia para o exame de problemas jurídicos
consiste precisamente no caráter científico da sua abordagem, suprindo uma
carência estrutural e metodológica que estudiosos do Direito não lograram
satisfazer internamente. Enquanto disciplina, o Direito assume a tarefa de
analisar um aspecto do comportamento humano – em geral, aquele decorrente
da criação e aplicação de normas de conduta sob a ameaça de coerção40. Porém,
para se desincumbirem dessa tarefa, juristas jamais construíram uma teoria
persuasiva, robusta e falseável sobre a ação humana, capaz de conferir suporte
conceitual unificado a essa área do conhecimento. O foco na questão sobre “o que
é o Direito” negligenciou-lhe uma investigação preliminar e necessária a qualquer
ciência humana: como reage o ser humano ao interagir com o ambiente que o
circunda? Caso os juristas houvessem formulado respostas a essa indagação antes
dos economistas, talvez fosse possível que atualmente se debatesse a “análise
jurídica da Economia” e não o contrário.

38 Richard Posner resumiu as principais falhas que diferenciam o Direito de uma verdadeira ciência:
“What is missing from law are penetrating and rigorous theories, counterintuitive hypotheses that
are falsifiable but not falsified (and so are at least tentatively supported), precise instrumentation,
an exact vocabulary, a clear separation of positive and normative inquiry, quantification of data,
credible controlled experiments, rigorous statistical inference, useful technological byproducts,
dramatic interventions with measurable consequences, and above all and subsuming most of the
previous points, objectively testable – and continually retested – hypotheses.” Richard A. Posner,
The Problems of Jurisprudence 69 (1993).
39 Para uma análise da desejabilidade social da atividade dos advogados em instruir seus clientes sobre
como se comportar para evitar a imposição de sanções jurídicas, v. Louis Kaplow & Steven Shavell,
Legal Advice About Information to Present in Adjudication: Its Effects and Social Desirability, 102 Harvard
Law Review 565, 615 (1989).
40 Para uma discussão sobre o o papel da coerção no Direito, v. Frederick Schauer, The Force of Law
(2015). V. tb. Richard McAdams, The Expressive Powers of Law: Theories and Limits (2015).
O autor defende que a efetividade do direito não se deve apenas à ameaça de sanção ou à deferência
à autoridade da qual emana o comando normativo, mas principalmente às funções coordenativa e
informativa do direito – isto é – , indivíduos obedecem regras jurídicas porque necessitam de um norte
para ordenar suas atividades e inferem da própria existência da norma legal informações relevantes
para suas decisões.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Análise Econômica do Direito

Com isso, quer-se afirmar que não se trata de uma disputa estéril entre
departamentos, mas sim da expansão do emprego de ferramentas científicas
consolidadas para explicar e prever cada vez mais facetas da conduta humana41.
Espera-se que, em um futuro não muito distante, seja possível cogitar-se de um
prêmio Nobel de ciências jurídicas.42

41 Edward Lazear denomina a expansão da Economia para abranger outras disciplinas como “imperialism
econômico”, que o autor atribui a três características distintivas da Economia como uma ciência
genuína: (i) a teoria da escolha racional; (ii) o conceito de equilíbrio; e (iii) ênfase em um conceito
bem definido de eficiência. Edward P. Lazear, Economic Imperialism, Disponível em: <http://www.
nber.org/papers/w7300>. Acesso em 1.abr.2021.
42 Thomas S. Ulen, A Nobel Prize in Legal Science: Theory, Empirical Work, and the Scientific Method in the
Study of Law, 4 University of Illinois Law Review 875 (2002).

60
2
Jurimetria:
estatísticas a serviço
do Direito
Jurimetria e Análise Econômica do Direito: algumas notas
exploratórias sobre empirismo, direito e ciência econômica1

Jurimetrics and Law and Economics: some exploratory notes on empiricism,


law and economy

Marcelo Guedes Nunes2

Sumário: 1. Economia é mais influente que Direito nas políticas públicas. 2.


Alunos de Direito sabem o nome do Ministro da Economia, mas não o da Justiça.
3. Se Brasília fosse construída hoje, teria um Palácio da Eficiência. 4. Economia
é a principal ciência social porque usa Estatística. 5. AED busca entender o
Direito. 6. Fatos Jurídicos podem ser investigados pela Estatística. 7. Médicos
usam sistematicamente Estatística em pesquisas. 8. Tribunais são hospitais da
vida pública. Juristas são excelentes negociadores, mas péssimos pesquisadores.
9. Dados acumulados por tribunais têm valor inestimável para Ciências Sociais.
Palavras-Chave: Economia. Direito. Análise Econômica do Direito. Tecnologia.
Jurimetria. Pesquisa empírica e quantitativa; avaliação de impacto regulatório.
Sumary: 1. Economy shows more vigor and influence in political discussions
than Law. 2. Law students know the name of the Minister of Economy, but not
of the Minister of Justice. 3. If Brasília were built today, the Palace of Justice
would be replaced by the Palace of Efficiency. 4. Economics is the most relevant
Social Science because of the use Statistics. 5. EAL seeks to understand Law.
6. Legal facts can be investigated using Statistical methodology. 7. Physicians
systematically use empirical methods in their research. 8. Courts function as
hospitals of public life. Jurists are excellent negotiators but terrible researchers.
9. Data accumulated by the courts is priceless to the Social Sciences.
Keywords: Economy. Law. Law and Economics. Technology. Jurimetrics. Empirical
and quantitative research. Regulatory Impact Assessment.

1 O presente texto é um resumo da palestra proferida para o I Congresso de Análise Econômica do


Direito na Justiça do Trabalho, da Escola Judicial da 1ª Região da Justiça do Trabalho, em 23 de
junho de 2021.
2 Doutor e mestre em direito pela PUC-SP. Professor de direito comercial da PUC-SP.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

1. De onde veio a Economia?


É curioso pensar no quão recente a ciência econômica é, em especial diante
de sua ampla e consolidada influência na formulação das políticas públicas e no
pensamento social do mundo atual. Se voltarmos às suas origens históricas, os
pais da ciência econômica no século XVII e XVIII tinham interesse lateral na
matéria e centravam seu trabalho em estudos de Filosofia Moral e jurisprudência.
Esse era o caso de Adam Smith, de todos os fisiocratas e até de Karl Marx.
Ainda no final do século XIX início do século XX, a Economia Política era
ensinada como uma disciplina nos cursos superiores de Direito e Filosofia Moral.
Figuras como Joseph Schumpeter e Ludwig von Mises formaram-se em Direito
antes de se tornarem economistas. Alfred Marshal, que popularizou a palavra
Economia na língua inglesa através do seu livro Principles of Economics, era
professor de Filosofia Moral. John Maynard Keynes, amigo de Marshal, estudou
Matemática e Ética no Kings College antes de migrar para a Economia.
No Brasil, o primeiro curso de Economia surgiu na Universidade de São Paulo
em 1946, com a criação da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas
(FCEA), atual Faculdade de Economia e Administração (FEA). A faculdade
oferecia dois cursos iniciais: o de Ciências Econômicas e o de Ciências Contábeis
e Atuariais. Delfim Netto, ainda vivo, foi aluno da terceira turma de economia da
USP e foi o primeiro economista formado depois da regulamentação da profissão
a ocupar uma posição de Catedrático na FEA.
Apesar de contar hoje com apenas 75 anos de existência, o pensamento
econômico e seus cursos correlatos ultrapassaram em importância e influência,
no comando da vida pública, o tradicional curso de Direito, com seus quase 200
anos de existência e estabelecido no Brasil desde 1827. Se, até a primeira metade
do século XX, os juristas eram os principais ministros de Estado, conselheiros e
formuladores das estratégias de governo, hoje os bacharéis perderam boa parte
de sua influência e esse papel foi assumido pelos economistas.

2. Como se chama mesmo o Ministro da Justiça?


Uma experiência que faço em sala de aula a cada três anos ajuda a ilustrar e
comprovar esse ocaso. Sou professor do curso de Direito Comercial na Faculdade

63
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O Direito Comercial


é uma matéria com intrincada e profunda relação com a Economia Capitalista.
Ela pode inclusive ser definida como o estudo da regulação jurídica da atividade
econômica de produção e circulação de bens e serviços no mercado.
Falamos de economia o tempo todo, tanto do objeto (contratos, propriedade,
empresa) como da Ciência Social (custos de transação, equilíbrio de preços,
assimetrias informacionais). O curso dura três anos e a cada triênio recebo
duas novas turmas para lecionar. Na primeira aula, após explicar a delimitação,
estrutura, objetivos e método de avaliação do curso, termino a aula com duas
perguntas singelas. A primeira é: qual o nome do Ministro da Economia? E a
segunda é: qual o nome do Ministro da Justiça?
Mesmo em uma sala de estudantes de Direito, o resultado surpreende. Via
de regra, 90% dos alunos de direito sabem o nome do Ministro da Economia do
momento, enquanto apenas 15% lembram-se do nome do Ministro da Justiça.
Se descontarmos a taxa de malandragem dos que, contra minhas instruções,
consultaram o celular para encontrar a resposta, o número será, embaraçosamente,
ainda menor. Como os estudantes de Direito não sabem o nome de uma das
figuras centrais da sua própria disciplina?

3. Palácio da Justiça e Palácio da Eficiência


O relativo ocaso do Direito tem raízes epistemológicas profundas sobre
as quais falarei mais adiante. Mas o fato cru é que esse ocaso da influência dos
jurisconsultos atingiu seu ápice na virada do século XX para o XXI. Nós, juristas,
fomos reduzidos a meros operadores das instituições de governo, perdendo a
capacidade de influenciar, intelectualmente, o desenho e a concepção dessas
instituições.
Após dar uma bronca nas minhas duas salas, costumo terminar a aula
dizendo que se Brasília fosse construída hoje e não em 1960, provavelmente a
Esplanada dos Ministérios teria uma conformação diferente.
Como todos sabemos, o centro do poder em Brasília é a Praça dos Três
Poderes onde o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal
Federal ficam. Em frente à Praça dos Três Poderes, a Esplanada dos Ministérios
estende- se com prédios funcionais idênticos. No seu início, no entanto, existem

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

apenas dois palácios: o da Justiça, onde fica o Ministério da Justiça, e o do


Itamaraty, onde fica o Ministério das Relações Exteriores.
Essa conformação é um resquício dos séculos anteriores em que o Ministro
da Justiça era o grande conselheiro do governo. Se Brasília fosse construída hoje,
teríamos no lugar do Palácio da Justiça o Palácio da Eficiência, ocupado pelo
Ministro da Economia, e o Ministério da Justiça provavelmente seria relegado
a apenas mais um prédio funcional na burocrática fileira da esplanada.

4. Precedência na pesquisa empírico quantitativa


A meteórica ascensão da Economia tem direta relação com a utilização da
estatística em sua metodologia. A Economia nasce voltada ao entendimento do
comportamento dos agentes de mercado em torno de um conceito fundamental:
preço. Diferentemente de outras áreas das humanidades, que giram em torno
de conceitos abstratos (como justiça, bondade, igualdade, liberdade) e variáveis
categóricas, preços são valores monetários expressos através de variáveis
quantitativas contínuas, ou seja, números.
Essa particularidade deu novos ares a essa Ciência Humana, aproximou a
Economia da Matemática e os matemáticos dos economistas. Essa aproximação
foi ainda mais intensa em função de um campo prático ligado à Matemática,
a Estatística. A definição da Estatística é intrincada. Ela não é um campo da
Matemática, apesar de fazer uso intensivo dessa linguagem, em especial das
teorias probabilísticas. Ela nasceu como uma ferramenta demográfica prática para
a descrição da frequência de nascimentos e mortes, sendo posteriormente aplicada
em diversos outros estudos observacionais com algum grau de aleatoriedade e
incerteza.
A Estatística, portanto, desde seu surgimento, está ligada a políticas de
Estado. Daí, inclusive, seu nome. Os economistas foram os primeiros cientistas
sociais a entenderem a importância do uso da Estatística na descrição sistemática
do comportamento humano, criando inclusive uma disciplina específica para
essa tarefa chamada Econometria.
Antes de se atirarem em considerações deontológicas a respeito de valores
e características de um mundo ideal, os economistas fizeram aquilo que todo
cientista deve fazer: descrever com o máximo de rigor e acurácia possível o mundo

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

como ele é; entender como a sociedade funciona, como as pessoas se comportam


e investigar as relações de causalidade que estão por trás da conformação da
sociedade contemporânea.
Ainda que essa realidade seja desagradável, com os homens agindo de
forma egoísta e voltados para a satisfação de seus próprios interesses, precisamos
encarar esse espelho e entender o que de fato acontece. Até porque precisamos
conhecer muito bem a realidade para conseguir modificá-la; ou, como costumo
dizer: ninguém muda aquilo que ignora.
Não por outra razão, ao investigarem o mundo como ele é, os economistas
rapidamente desenvolveram um ferramental teórico e metodológico que os
colocaram na melhor posição para transformar o mundo e o aproximar daquilo
que gostaríamos que ele fosse. Na minha opinião, a dominância do pensamento
econômico nas discussões sociais e de política pública moderna é consequência
direta da sua precedência na utilização da Estatística no estudo do comportamento
humano.

5. Filho que devora o próprio pai


A evolução expandiu a Economia para além das estreitas fronteiras do
comportamento dos agentes de mercado. A Economia Institucional voltou suas
lentes para as instituições sociais e coletivas criadas pelos homens para organizar
seu convívio e trabalho, como a empresa, os partidos políticos e o estado; depois
a economia comportamental, unindo-se aos psicólogos e psiquiatras, avançou
sobre a lógica, impulsos e vieses do comportamento humano.
A Economia evoluiu de uma Ciência Humana do mercado para uma espécie
de super-sociologia munida de poderosos esteroides quantitativos. Curiosamente,
como resultado dessa expansão nasceu uma disciplina específica da Economia
voltada à compreensão dos institutos jurídicos como contratos, sanções criminais,
processo civil e penal, indenizações.
Depois de nascer a partir da grade dos cursos de Direito, em menos de cem
anos, essa pequena disciplina ganhou autonomia curricular, transformou-se em
uma ciência autônoma, ganhou status de principal humanidade contemporânea
e, por fim, voltou-se para o Direito e disse: que interessante, vou explicar você
também. É um filho que devora o próprio pai.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

6. Espadachins contra mosquetes


O Direito passou pelo século XX sem entender nada e chegou atrasado
ao século XXI. O conformismo e a acomodação dos juristas, caricaturada nas
roupas, maneirismos e no vocabulário das profissões jurídicas, são explicados
pelo próprio sucesso do Direito no passado: aqueles que se encontram na melhor
posição em um regime antigo são os que têm maior dificuldade em se adaptar
a um novo regime.
Daí o fato de, em plena década de 20 do século XXI, juristas insistirem em
estratagemas como citações em latim, escrita rebuscada e no uso corrente de
falácias não-formais (ad verecundiam, populum, hominem etc), ao mesmo tempo
em que ignoram métodos empíricos, modelagens, análise de dados e toda a
evolução tecnológica atual.
Somos hábeis espadachins, que não se deram conta da invenção da pólvora.
A pólvora, nessa metáfora, e este é meu ponto, chama-se Estatística. O Direito
começa apenas agora, tardiamente, a se apropriar das descobertas metodológicas
do século XX e da tecnologia do século XXI para utilizá-las na análise descritiva e
inferencial do seu interesse. Um processo pelo qual todas as principais áreas das
humanidades já passaram: Geografia, Estatística, Medicina, Sociologia, Ciência
Política e, claro, Economia.
A Estatística é uma ferramenta metodológica muito apropriada para
compreender e (com restrições) prever o comportamento humano. Pessoas são
seres sociais. Vivemos em grupos e nosso comportamento, ao mesmo tempo em
que adquire padrões, apresenta variabilidades.
Deslocamos-nos dentro de padrões (há horas de pico nos metrôs das
cidades e descemos para a praia nos feriados), constituímos família obedecendo
a padrões (por volta dos 30 anos, com dois filhos), nossas casas são semelhantes,
nós até nos suicidamos de forma regular (as taxas de suicídio são relativamente
constantes em cada país).
A Estatística detecta esses padrões através de sensos e amostragens,
descreve- os através de medidas resumo (média, mediana, moda, variância, desvio
padrão, etc.) e de distribuições de frequência. A Estatística também analisa as
correlações entre essas variáveis e faz inferências sobre quais estão associadas

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

entre si e, mais importante, quais estariam possivelmente ligadas por relações


de causalidade.
Não é difícil perceber que essa forma de investigação aplica- se também
a comportamentos de interesse do Direito. Prática de crimes, inadimplência
contratual, casamentos, falências, danos aquilianos são comportamentos sociais
que também adquirem padrões que podem nos auxiliar a entender suas relações
e causas.
Você quer prevenir crimes, evitar falências, incentivar pagamento de dívidas,
promover acordos? Use a Estatística e você estará em uma posição muito mais
vantajosa para propor soluções efetivas.

7. A análise médica do Direito


Após anos conversando com estatísticos e probabilistas sobre problemas
jurídicos percebi algumas coisas. Eu esperava que no momento de planejar,
discutir, executar, testar e apresentar os resultados de pesquisas empíricas
quantitativas em Direito, os economistas seriam nossos grandes guias. Eles
foram os primeiros e mais proficientes cientistas sociais a utilizarem a Estatística
e tinham acumulado até aquele momento pesquisas e observações suficientes
para inferir um conjunto robusto de leis gerais sobre nosso comportamento.
Os modelos teóricos do pensamento econômico, apesar de imperfeitos e
às vezes falhos, eram as melhores ferramentas disponíveis para nos auxiliar a
equacionar mentalmente as complexas relações sociais. Então, minha expectativa
era de que partiríamos desse ponto.
No entanto, para minha surpresa, outra área do conhecimento ganhou
destaque. Como os economistas tinham levado a Estatística para dentro do seu
curso através da Econometria, não havia muitos estatísticos puros envolvidos
em pesquisas econômicas e os que eu encontrava tinham experiência em outra
área: a Medicina. Essa circunstância acabou se revelando muito profícua.
Percebi que além dos economistas, os médicos também estavam avançados
no uso de pesquisas empíricas nos seus estudos. Constatação que, após breves
10 segundos de reflexão detida, pareceu- me um tanto óbvia, uma vez que seria
irresponsável lançar medicamentos e generalizar tratamentos na população
antes de verificar se são eficazes ou produzem efeitos colaterais.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

Com o tempo, percebi também que o Direito tinha muitas semelhanças com a
Medicina e que os testes utilizados pelos médicos eram, em parte, aproveitados nas
pesquisas empíricas no Direito. Processos judiciais apresentam comportamentos
endêmicos; o estudo do tempo processual, por conta de censuras, apresenta
analogias com o tempo de sobrevida de pacientes. Percebi, por fim, que esses
paralelos não eram coincidências e que o Direito é uma espécie de Medicina
Social, que previne, diagnostica e trata males do convívio.

8. Tribunais, hospitais e médicos que não voltam para ver seus


pacientes
Seguindo na comparação entre Direito e Medicina, tribunais apresentam
notáveis semelhanças estruturais com hospitais (inclusive, o Poder Judiciário
teria muito a aprender com os gestores hospitalares). É lá que as doenças do
convívio (separações, crianças abandonadas, empresas insolventes, criminosos,
contratos rompidos etc.) vão parar.
As casas legislativas são laboratórios nos quais os medicamentos legais
para tratamento desses males são desenvolvidos. Infelizmente, no Direito,
as casas legislativas conversam pouco com os tribunais, apesar da orientação
constitucional do art. 103-B, § 4º, VII determinando que
o relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação
do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, […] deve integrar mensagem
do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional,
por ocasião da abertura da sessão legislativa.

No entanto, as diferenças são igualmente notáveis. A principal delas é a


não utilização de procedimentos empíricos rigorosos para a tomada de decisões.
Um médico que veicula um tratamento não testado em seus pacientes deve ser
preso. Nenhum laboratório difunde remédios não submetidos a testes prévios sob
a supervisão de agências reguladoras. Mesmo medicamentos testados têm seus
efeitos monitorados pela comunidade e pelas autoridades depois de colocados à
venda, porque os testes prévios podem não ter coberto todas as possíveis reações
adversas, em especial as que se manifestam a longo prazo.
E os juristas? Bem, nós, os juristas… numa frase: somos uma calamidade.
Propomos, debatemos, emendamos e aprovamos projetos de lei sem qualquer

69
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

teste. Temos a pretensão de que todos os possíveis efeitos de uma lei, em um país
de dimensões continentais como o Brasil, podem ser antecipados mentalmente.
Basta concentramos muito nossos poderosos intelectos jurídicos sem treinamento
matemático.
Somos hábeis lobistas, mestres na construção de alianças e gênios na
disseminação de cizânias, só não temos muita noção das consequências de nossas
posições. Enganamo-nos com fúria nos debates sobre projetos de lei, mas, depois
de aprovados, não voltamos para verificar o que aconteceu. Somos médicos que
ministram remédios não testados em nossos pacientes e que não retornam no
dia seguinte para ver se a febre baixou.

9. A riqueza do nosso pré-sal… sociológico


Desenhado um cenário não muito alentador, podemos pensar no futuro.
Pagamos o preço pelo atraso, mas a comunidade jurídica percebeu o erro e está se
movimentando, dentro do governo e do mercado. A vantagem de ter ficado para
trás, é que hoje o Direito deve ser a área com maior quantidade de conhecimento
a ser destravado com uso de tecnologia e metodologia empírica.
Com relativamente pouco esforço marginal, os juristas conseguem destravar
enorme valor. A informatização dos processos acumulou nos tribunais brasileiros
uma gigantesca base de dados não explorada. E não é uma base qualquer: são
dados com especial valor sociológico, porque dizem respeito às interações
sociais disfuncionais. Para quem se interesse pela evolução da sociedade e pelo
aperfeiçoamento do convívio, tem-se ali um material de importância inestimável,
ainda não compreendida, cuja análise pode produzir impactos gigantescos.
Não por outra razão, apelidamos as bases dos tribunais brasileiros de Pré-
Sal Sociológico: elas são enormes, desestruturadas, difíceis de acessar e minerar;
porém, quando chegamos, lá é petróleo.
O mercado percebeu esse valor e um rico ecossistema de legaltechs, lawtechs
e regtechs surgiu e está cada vez mais atuante no apoio a escritórios, empresas e
litigantes em geral. Esse ecossistema depositará maior pressão sobre o sistema
jurídico, explorará suas falhas e demandará reação do lado governamental.
O Poder Judiciário, por sua vez, também avança sem grandes desvantagens
em relação à iniciativa privada. Pelo contrário, muitas instituições judiciárias,

70
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

como o Conselho Nacional de Justiça, diversos tribunais, o Ministério Público


e o Ministério da Justiça, fomentam pesquisas nessas áreas e, o que é mais
importante, viabilizam a criação de uma infraestrutura tecnológica sem a qual
o mercado de legaltechs não existiria.
O caminho é, portanto, muito claro: aproveitar a experiência e as descobertas
de médicos, cientistas políticos, geógrafos, sociólogos, economistas para avançar
no uso intensivo de tecnologia e pesquisa empírica em Direito e, principalmente,
para que possamos participar em alto nível do debate.

71
Notas sobre a jurimetria: políticas públicas e comportamentos
estratégicos individuais

Notes on jurimetrics: public policies and strategic individual behaviors

Flávio Antônio Esteves Galdino1

Resumo: A Jurimetria consiste em uma metodologia de investigação que utiliza


técnicas estatísticas e computacionais para descrever e analisar a experiência
jurídica. A Jurimetria produz informações e análises relevantes para a formulação
e avaliação de políticas públicas e para a conformação de comportamentos
estratégicos pelas partes das mais variadas relações jurídicas, incluindo, mas
não se limitando a processos judiciais.
Palavras-chave: Jurimetria. Políticas Públicas. Incentivos. Comportamentos
Estratégicos.
Abstract: Jurimetrics consists in an investigation methodology that uses statistical
and computational techniques to describe and analyze legal experience. Jurimetrics
produces relevant information and analysis for the formulation and evaluation of
public policies and for the conformation of strategic behaviors by the parties of the
most varied legal relationships, including, but not limited to legal proceedings.
Sumário: I, Introdução. II. Análises de Dados Disponíveis e Comportamentos
Estratégicos Individuais. III. Análises de Dados Disponíveis e Políticas Públicas
Judiciárias. IV. Conclusão.

1 Professor de Direito Processual na Faculdade de Direito da UERJ.

72
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

1. Introdução

Experto credite.

A expressão latina imortalizada por Virgílio ressalta, com ênfase, a


importância da experiência. Na imagem célebre, forjada na poesia de Enéias,
fala-se da experiência de combates sangrentos: “crede na minha experiência: sei
quão grande ele se eleva com o seu escudo, com que violência vibra o dardo”2. Não
é possível exagerar a decantada relevância da epopéia virgiliana para a cultura
ocidental. Com ela, a expressão referida passa a simbolizar a importância da
experiência para qualquer atividade humana – para a vida humana de um modo
geral.
Em que pese a natural dificuldade de apreender uma esfera do conhecimento
em uma definição (muito especialmente de uma área em formação), dado o
escopo restrito do presente estudo, parece plausível definir a Jurimetria como
uma metodologia de investigação jurídica que utiliza técnicas estatísticas e
computacionais para descrever e analisar a experiência jurídica. De modo mais
simples e direto: Jurimetria é a Estatística aplicada ao Direito.
Assim, sendo a filha mais jovem da Estatística e irmã da Econometria, a
Jurimetria tem por escopo coletar, organizar e analisar dados da experiência
jurídica, promovendo a extração da maior quantidade de conhecimento possível
acerca dessa experiência. Cuida-se, portanto, de uma disciplina instrumental.
O escopo central do presente ensaio é apresentar, ainda que de forma limitada
e superficial, as feições ou caracteres fundamentais dessa nova disciplina.
Neste passo, imprescindível referir a lição mais autorizada em língua
portuguesa acerca dessa nova disciplina:
A Jurimetria tem três pilares operacionais: jurídico, estatístico e computacional.
O jurimetrista ideal seria, portanto, um bacharel em direito capaz de especular
sobre o funcionamento da ordem jurídica e familiarizado com conceitos de direito
processual e material; um estatístico capaz de discutir o planejamento de uma

2 Consultou-se VIRGÍLIO. Eneida. Tradução de Tassilo Orpheu Spalding. São Paulo: Círculo do Livro.
1994, p. 237. Em outra tradução, que mantém a forma poética, traduz-se como: “Provei, Crede”
(VIRGÍLIO. Eneida brazileira. Tradução de Manuel Odorico Mendes. Paris: Typographia de Rignoux,
1854, p. 320).

73
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

pesquisa e conceber testes para suas hipóteses de trabalho; e um cientista da


computação capaz de operar programas para minerar e coletar dados3.

Essa pequena passagem ressalta diversos aspectos relevantes da Jurimetria,


cabendo aqui destacar os traços marcadamente interdisciplinar e empírico dessa
metodologia, semelhante ao que se dá com a Análise Econômica do Direito4,
disciplina que vem experimentando notável evolução na cultura jurídica brasileira
nos últimos anos e cujos perfis – descritivo e normativo – possuem extensa
interseção com a Jurimetria.
Não seria demais acrescentar aqui, então, a relevância para a Jurimetria
dos conhecimentos matemáticos e econômicos, dentre estes, especialmente os
econométricos5, até porque a Estatística pode ser entendida em sua expressão
mais simples como uma espécie de matemática aplicada. A metodologia estatística
(descritiva ou inferencial) pode abranger apenas os mais simples métodos
estatísticos descritivos (meramente quantitativos), até a possível utilização de
métodos mais sofisticados (ao menos para um bacharel em Direito de formação
tradicional), como sejam métodos de regressão de causalidade, assim como
sofisticados instrumentos de tecnologia da informação. Em verdade, a organização
e o tratamento de dados empíricos por métodos computacionais, através da
chamada tecnologia da informação, potencializam – eventualmente de modo
exponencial – as possibilidades da Econometria e, assim também, da Jurimetria.
Na imagem formulada pelo nosso destacado jurimetrista, os avanços da tecnologia
da informação e da chamada inteligência artificial constituem verdadeiros
esteróides anabolizantes para as pesquisas em Jurimetria.
As informações obtidas através das análises da Jurimetria podem realmente
ser de extrema utilidade para os profissionais do Direito e, ainda, para profissionais

3 NUNES, Marcelo Guedes. Jurimetria: Como a Estatística pode reinventar o Direito. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2016, p.112.
4 Por todos, brevitatis causa, seja consentido remeter ao nosso estudo: GALDINO, Flávio. Direitos não
nascem em árvores: introdução à teoria dos custos dos cireitos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Iuris,
2005, com amplas digressões bibliográficas sobre a Análise Econômica do Direito. E, ainda, ARAÚJO,
Thiago Cardoso. Análise econômica do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Lumen Iuris, 2017.
5 YOUNG, Luciana. Jurimetria. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; DOMINGUES, Victor Hugo; KLEIN,
Vinicius (Coord.). Análise Econômica do Direito: Justiça e Desenvolvimento. Curitiba: Editora
CRV, 2016, p. 133-140.. Sobre a estatística inferencial, veja-se novamente NUNES, Marcelo Guedes.
Jurimetria: como a Estatística pode reinventar o Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2016, p. 62.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

de diversas outras áreas, como economistas e cientistas políticos e sociais em


geral, tanto para a formulação de políticas públicas quanto para a adoção de
comportamentos estratégicos específicos nas mais variadas relações jurídicas,
como sejam negociações ou conflitos (incluindo, mas não se limitando a processos
judiciais), como se evidencia através de exemplos na sequência do estudo.
Impende notar que não são análises estanques6: os mesmos dados podem ser
utilizados para ambas as finalidades, pois, na verdade, a arquitetura institucional
do ordenamento jurídico em geral – e do Poder Judiciário e do Processo Civil
em particular – repercute diretamente através de incentivos na forma como os
sujeitos processuais comportam- se, o que é objeto de estudos cada vez mais
profícuos (e laureados) da Economia Comportamental e do seu braço jurídico,
a Behavioral Law and Economimcs (que se pode traduzir por Análise Econômica
Comportamental do Direito).
Em uma época em que se devota especial atenção à noção de eficiência,
especialmente em razão da influência marcante da Análise Econômica do Direito,
e à promoção da segurança jurídica, a Jurimetria tende a ser uma metodologia
de extrema utilidade para os estudiosos e para os operadores do Direito (os
profissionais jurídicos em geral).
À guisa de exemplo, no plano do direito processual civil, relembre-se que o
Código de Processo Civil, em vigor desde 2015, elevou a eficiência7 à categoria de
princípio fundamental do processo (CPC, Art. 8º) em consonância com a inserção
anterior da eficiência como princípio norteador da administração pública (CF, Art.
37, caput, introduzido pela EC n. 19/1998) – eventualmente seria um postulado
e não um princípio, mas essa discussão transcende o escopo do presente estudo.
O que interessa é salientar que a aferição da eficiência de determinado instituto

6 ABREU, Rafael Sirangelo. Incentivos Processuais: Economia comportamental e nudges no Processo


Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020, p. 92. Para um exercício concreto de análise do
desenho institucional no campo do processo e seus efeitos sobre os comportamentos das partes nos
processos, veja-se o interessante estudo de PIMENTEL, Wilson. Acesso Responsável à Justiça. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Iuris. 2019.
7 Sobre o tema da eficiência, com diversas referências bibliográficas, CABRAL, Antonio do Passo. Juiz
Natural e Eficiência Processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2021, ps. 204 e seguintes,
inclusive sobre a caracterização de um postulado. E, ainda uma vez, acerca de eficiência, princípios e
postulados, GALDINO, Flávio. Direitos não nascem em àrvores: introdução à teoria dos custos dos
direitos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Iuris, 2005.

75
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

parece passar necessariamente pelo funcionamento em concreto desse instituto,


o que torna imprescindível a análise de dados empíricos acerca do mesmo.
De igual forma, a relevância da segurança jurídica vem sendo enaltecida
por diversas modificações no sistema jurídico, passando a constar expressamente
da Constituição Federal (CF, Art. 103-A, § 1º, introduzido pela EC n. 45/2004)
e do Código de Processo Civil (exempli gratia, CPC, Arts. 926 e 976). A análise
de dados empíricos através de métodos estatísticos favorece enfaticamente
as avaliações de eficiência institucional e comportamental e, ainda, promove
segurança jurídica.
Com efeito, a exemplo de outras ciências quantitativas aplicadas e
eventualmente sem prejuízo das formulações dogmáticas e do tradicionalmente
elevado grau de abstração dos conceitos jurídicos (o criticado conceptualismo), a
Jurimetria fornece informações e ferramentas úteis para a compreensão da ordem
jurídica, especialmente acerca do seu funcionamento em concreto, otimizando
sobremodo a segurança jurídica em seus três pilares centrais, a cognoscibilidade,
a confiabilidade e a previsibilidade (ou calculabilidade)8. Cognoscibilidade e
confiabilidade são noções de grande relevância para a identificação da segurança
jurídica, mas, para os fins deste pequeno ensaio, a expressão calculabilidade é
realmente muito oportuna: dentre outras áreas de estudo, e embora não seja
uma condição indispensável, os cálculos matemáticos operam com valores ou
grandezas (quantidades), que, no mais das vezes, são expressos através de
números (a teoria dos números, também designada como Aritmética).
As vantagens da utilização da linguagem matemática9 parecem ser inegáveis
– quase axiomáticas, seja consentido frisar. A uniformidade da linguagem e a
univocidade da maioria dos seus conceitos fornece um aparato científico magnífico,
tudo somado ao rigor dos seus métodos. Parece importante ressalvar que os
fenômenos relevantes para o Direito nem sempre conseguem ser aprisionados em

8 Por todos, ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica. São Paulo: Editora Malheiros, 2011, p.. 122 e
seguintes, p. 665 e seguintes (conclusões) e esp. p. 126 acerca da opção pela expressão calculabilidade.
9 FRENKEL, Edward. Amor e Matemática: o coração da realidade escondida. Rio de Janeiro: Casa da
Palavra, 2014, p. 275, 277.: “[…] as fórmulas matemáticas são algumas das expressões mais puras,
versáteis e econômicas da verdade conhecidas pela humanidade. Elas transmitem conhecimento
atemporal e valioso, imune a modas passageiras e comunicam o mesmo significado para qualquer um
que entre em contato com elas […] do meu ponto de vista, a objetividade do conhecimento matemático
é a fonte de suas possibilidades ilimitadas”.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

definições tão rigorosas, nem tampouco a linguagem matemática encontra-se de


tal modo evoluída que seja capaz de expressá-los de forma integralmente eficiente
(especialmente sob o prisma da comunicação compreensível para os respectivos
destinatários). Ainda assim, sob o prisma da previsibilidade ou calculabilidade, a
utilização de dados estatísticos contribui de forma determinante para a qualidade
das análises, incluindo, mas não se limitando às consequencialistas.
Nesse sentido, tanto a Análise Econômica do Direito como a Jurimetria
produzem informações relevantes sobre o funcionamento em concreto do
ordenamento jurídico (visão retrospectiva), como também elevam o grau de precisão
dos cálculos ou previsões acerca das consequências que se pode legitimamente
esperar das normas ou dos comportamentos individuais (visão prospectiva)10.
A metodologia matemática-estatística quantifica diversos fenômenos e torna
tangíveis outros tantos cuja captação e representação seriam muito difíceis com
o instrumental puramente jurídico e muito especialmente com a tradicional e
deliberadamente ambígua linguagem jurídica.
Nas páginas que se seguem, o estudo procura evidenciar, através de exemplos,
as funcionalidades da Jurimetria, tanto para a formulação e avaliação de políticas
públicas como para a conformação de comportamentos estratégicos individuais,
à luz dos incentivos extraídos das normas jurídicas e da arquitetura institucional
dos órgãos encarregados de processar e julgar conflitos civis no país.
O manancial de dados disponíveis é relativamente restrito, mas parece
permitir a extração de informações relevantes e a implementação de análises
de qualidade. Para os exemplos tratados a seguir, foram utilizadas informações
produzidas pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça (Justiça em Números) e
pela ABJ – Associação Brasileira de Jurimetria – particularmente através do
chamado Observatório da Insolvência (disponíveis em www.cnj.jus.br e www.
abj.org.br, respectivamente). No item I são utilizadas informações produzidas
pelo CNJ. No item II são utilizadas informações produzidas pela ABJ. Ao final,
são apresentadas algumas conclusões de caráter mais geral.

10 No seio de profícua bibliografia, brevitatis causa, refira-se aqui, quanto à Análise Econômica do Direito:
GICO JR., Ivo; RIBEIRO, Gustavo Ferreira. O Jurista que calculava. In: GICO JR., Ivo; RIBEIRO,
Gustavo Ferreira (Coord.). O Jurista que Calculava. Curitiba: Editora CRV, 2013, ps. 11–23, esp. p. 22.
Ainda sobre as vantagens da linguagem matemática (e respectiva metodologia), veja-se FUX, Luiz;
BODART, Bruno. Processo civil e análise econômica. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019, p. 8
(com referência ao “raciocínio matemático”).

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

2. Análises de dados disponíveis e comportamentos estratégicos


individuais
Como visto acima, a função deste item é demonstrar como a Jurimetria pode
fornecer informações relevantes que podem influenciar ou mesmo determinar
comportamentos jurídicos individuais. Tome-se aqui, à guisa de exemplo deveras
simplório, alguns dados referentes à duração dos processos judiciais. Muito
se diz – e se escreve – sobre os graves problemas decorrentes da morosidade
do Poder Judiciário. As múltiplas causas e os múltiplos efeitos da morosidade
são analisados com aparente proficiência em diversos estudos dogmáticos de
direito processual civil e de direito constitucional – e muitas políticas públicas
vêm sendo formuladas para enfrentar esse problema há décadas, aqui e alhures.
Todavia, durante anos, a inexistência de dados empíricos (concretos) acerca da
morosidade judiciária prejudicava não apenas a formulação de políticas públicas (e
a respectiva avaliação), como também a adoção de comportamentos estratégicos
pelas partes nas diversas relações jurídicas entabuladas e especialmente em
conflitos judicializados (ou por judicializar).
Um percuciente analista11 do funcionamento do Poder Judiciário referiu-
se a “um sentimento antigo e amplamente disseminado de descontentamento
com a Justiça”, eis que a ausência de dados empíricos (e acrescentamos aqui, de
tecnologia para tratá-los de modo eficiente) impedia que as análises produzissem
resultados de melhor qualidade. Essa deficiência seria uma espécie de calcanhar
de Aquiles dos estudos econômicos. Ainda que as percepções sensoriais acerca da
demora sejam relevantes12, pois indicam a forma como os agentes processuais
e os jurisdicionados sentem o tempo da justiça – no item IV, abaixo, retoma-se a

11 PINHEIRO, Armando Castelar. Judiciário, reforma e economia: a visão dos magistrados. In: PINHEIRO,
Armando Castelar (Coord.). Reforma do Judiciário. Rio de Janeiro: IDESP/Booklink, 2003, ps.
138–215, esp. p. 144 – e, depois, p. 155 acerca da falta de agilidade e falta de previsibilidade. Sobre
os resultados da pesquisa implementada em Portugal, veja-se o reporte de PATRÍCIO, Miguel Carlos
Teixeira. Análise económica da litigância. Coimbra: Almedina, 205, p. 162. Sobre a ausência de
dados empíricos alguns anos antes, do mesmo autor: PINHEIRO, Armando Castelar. Judiciário e
Economia no Brasil. São Paulo: Editora Sumaré, 2000, p. 61 (com referência à expressão de Justin
Yufu Lin e Jeffrey Nuggent). Oportuno lembrar aqui a observação sempre arguta de TUCCI naquele
período: “Sem embargo da impossibilidade de precisar em que medida atuam os males da demora da
tutela jurisdicional, sabe-se que o prejuízo é sempre enorme” (in TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo
e processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1997, p. 145.
12 Consoante lembrado por SOUSA, José Augusto Garcia de. A tempestividade da Justiça no processo
civil brasileiro. Salvador: Editora JusPodium. 2020, p. 157.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

questão das chamadas virtudes sensoriais –, fato é que a formulação de políticas


públicas depende da análise de dados empíricos capazes de resolver problemas
concretos. Pesquisas posteriores realizadas entre os próprios magistrados e
também entre empresários de variados setores indicaram que havia consenso
em que a falta de agilidade e a falta de previsibilidade constituíam os principais
problemas do funcionamento do Poder Judiciário no nosso país – e que a falta
de previsibilidade decorreria fundamentalmente da falta de preparo específico
dos magistrados (segundo 40% dos entrevistados). E uma pesquisa conduzida
pelo mesmo autor em relação ao funcionamento da Justiça portuguesa indicava
que mais de 45% dos entrevistados consideravam a previsibilidade da Justiça
portuguesa má ou muito má.
O levantamento de dados concretos acerca do tempo do processo no
Brasil e o estabelecimento de indicadores que permitam aferir a eficiência do
funcionamento do aparelho jurisdicional têm permitido a análise de determinadas
reformas predispostas a tentar reduzir a morosidade judiciária. A análise dos
dados pode produzir informações realmente úteis nesse sentido. Por exemplo,
a análise dos dados13 disponibilizados pelo Supremo Tribunal Federal acerca
dos recursos extraordinários entre 2003 e 2011 evidenciou que o número de
recursos distribuídos foi reduzido em quase setenta por cento com a introdução
da repercussão geral como requisito específico de admissibilidade dessa figura
recursal. Por outro lado, os mesmos dados indicavam que no mesmo período
apenas 0,2% dos processos chegavam efetivamente ao conhecimento do Supremo
Tribunal Federal (e apenas uma parcela dos casos chegava através de recursos
extraordinários).
Ou seja, embora houvesse muitos recursos, responsáveis por uma elevada
taxa de congestionamento no âmbito do Supremo Tribunal Federal – evidenciando
o sucesso da estratégia de redução através da repercussão geral –, ao contrário do
que parecia indicar a intuição dos operadores jurídicos, os recursos extraordinários
não eram um fator determinante para a morosidade judiciária em geral (isto é,

13 COSTANDRADE, Paulo Henrique Arazine de Carvalho; GICO JR., Ivo; RIBEIRO, Gustavo Ferreira.
Panorama do judiciário brasileiro: crises e números. In: GICO JR., Ivo; RIBEIRO, Gustavo Ferreira
(Coord.). O jurista que calculava. Curitiba: Editora CRV, 2013, ps. 37–70, esp. p. 22. Veja-se, ainda,
WOLKART, Erik Navarro. Análise econômica do processo civil. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2019, p. 67 (acerca da repercussão geral) e p. 70 (acerca da influência da recorribilidade
em geral, em tom agudamente crítico na p. 73).

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

atinente ao Poder Judiciário em geral), mas apenas para a morosidade do próprio


Supremo Tribunal Federal em particular.
O estabelecimento de parâmetros comparativos nas análises empreendidas
pelo Conselho Nacional de Justiça, como sejam as taxas de congestionamento e os
índices de produtividade comprada, dentre outros, vem permitindo a avaliação do
funcionamento do Poder Judiciário e a implementação de reformas estruturais
ou tópicas, conforme o caso – e, com o passar do tempo, a avaliação da eficiência
das próprias reformas implementadas.
A disponibilização de dados confiáveis tratados acerca da duração dos
processos em cada Tribunal pode fornecer diversas informações úteis também
para as partes que pretendam judicializar um determinado conflito ou mesmo
que já tenham judicializado algum conflito e necessitem rever as estratégias
adotadas de tempos em tempos, como sói acontecer.
Tome-se como exemplo simplório o tempo consumido para processamento
de uma ação de conhecimento nos três maiores tribunais de justiça do País:
TJSP, TJMG e TJRJ a partir de dados disponibilizados pelo Conselho Nacional
de Justiça relativos ao ano de 202014.
Preliminarmente, é digno de registro cauteloso que os números apresentados
em 2020 indicam dados substancialmente diferentes daqueles levantados em
201915, que não prejudicam a avaliação quanto ao processo de conhecimento,
mas levariam a conclusões diversas no tocante ao processo de execução. Embora
o Conselho Nacional de Justiça venha produzindo com proficiência esses estudos
que comparam as diversas Justiças e os diversos tribunais (cross-sectional),
parece interessante produzir também estudos comparativos através do tempo
(longitudinal). Os dados estão disponíveis, de modo que as análises são temas à
espera de autor que se disponha a investigar as causas das distorções (ainda que
se conclua que derivam de desvios metodológicos ou mesmo de erros).
Compulsando-se os dados disponibilizados em 2020, observa-se que, em
SP, uma ação de conhecimento consome em média 1 ano e 7 meses; em MG,
consome 2 anos e 2 meses; no RJ, consome 1 ano e 8 meses (nesses números

14 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2020. Brasília, 2020, p. 186. Disponível
em: www.cnj.jus.br. Acesso em 21.abr.2021.
15 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2019. Brasília, 2019, p. 154. Disponível
em: www.cnj.jus.br. Acesso em 21.abr.2021.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

não está computado o tempo necessário para processamento e julgamento de


eventuais recursos – apenas o tempo decorrido entre o protocolo da petição
inicial e a publicação da sentença).
Obviamente, o tempo não é o único fator, nem talvez seja o fator
determinante para a escolha de um foro para um determinado litígio, mas
certamente é um dos fatores relevantes considerados pelas partes. Uma parte
que julgue ter razão em seu pleito, tende a preferir o tribunal mais eficiente em
termos temporais – nesse caso, possivelmente escolheria o foro de São Paulo
para litigar. Uma parte que julgue não ter razão, talvez prefira o tribunal menos
eficiente em termos temporais – neste caso, possivelmente escolheria o foro
de Belo Horizonte. Os comportamentos estratégicos das partes podem ser
influenciados pela informação colhida e tratada.
Ao se analisar a mesma informação (tempo consumido) acerca de processos
de execução, a análise estratégica pode revelar soluções diferentes acerca dos
mesmos tribunais. Ainda de acordo com os dados disponibilizados em 2020,
em SP, uma ação de execução consome em média 8 anos e 3 meses; em MG,
consome 3 anos e 3 meses; no RJ, consome 1 ano e 4 meses. Aqui, também,
uma parte que julgue ter razão em seu pleito, possivelmente tende a preferir o
tribunal mais eficiente em termos temporais – nesse caso, escolheria o foro do
Rio de Janeiro para executar. Uma parte que julgue não ter razão, talvez prefira
o tribunal menos eficiente em termos temporais – nesse caso, escolheria o foro
de São Paulo para executar (rectius: para ser executada).
Por evidente, diversas outras variáveis influenciam a escolha do local para
litigar (onde essa escolha seja juridicamente possível, válida e eficaz), como sejam
os respectivos custos envolvidos, o tipo de procedimento, as características
das partes litigantes, as tendências jurisprudenciais locais et coetera. Ainda no
terreno dos exemplos simplórios: caso conjugada com a variável temporal, a
escolha do tipo de processo pode ser determinante para a eleição do foro: parece
mais eficiente (de novo: sob o prisma temporal) promover uma ação que tenha
por objeto a emissão de declaração de vontade (CPC, art. 501) perante o TJSP,
pois essa modalidade dispensa a execução em sentido próprio ou estrito. Por
outro lado, se se tratar de uma execução de título executivo extrajudicial (CPC,
art. 771 e seguintes), talvez seja mais eficiente promover a execução perante o
TJRJ. Por sua vez, caso o tipo de litígio demande as duas formas de litigância

81
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

(conhecimento e execução – nesse caso, de título executivo judicial), a opção


do exequente pelo foro para a execução em local diverso do foro onde tramitou
o processo de conhecimento (consoante o permissivo constante do CPC, art.
516, parágrafo único) provavelmente será influenciada sobremodo pela variável
temporal.
O refinamento dos dados e da análise pode fornecer informações e
ferramentas ainda mais úteis para os litigantes. A informatização quase integral
das informações principais acerca dos processos judiciais (bem como a digitalização
dos respectivos autos processuais) e as avançadas tecnologias da informação
podem permitir a extração de dados muito mais precisos, restringindo-os
a determinadas competências ou mesmo a determinados órgãos judiciários
(juízos) – ou até mesmo a determinadas pessoas (juízes), aumentando o grau de
precisão e previsibilidade drasticamente. Com efeito, uma vez distribuída uma
ação ou execução é possível rever a escolha estratégica do foro/juízo e a própria
estratégia do litígio a partir de informações acerca do funcionamento daquele
órgão judiciário e do respectivo tribunal, incluindo, mas não se limitando à
variável temporal destacada acima para fins meramente expositivos.
Dentre outras coisas, é assente – e igualmente demonstrável – o entendimento
de que a redução da assimetria informacional promove a redução do número
de litígios ou, do ponto de vista das partes litigantes, otimiza os interesses na
utilização de métodos alternativos consensuais de solução de controvérsias
(celebração de transações), com sensíveis benefícios individuais e coletivos, o
que vem sendo objeto de grande atenção dos estudiosos do direito processual
civil brasileiro.
O exemplo simplório das informações acerca do tempo consumido para
processamento de uma ação de conhecimento ou de execução parece demonstrar
à saciedade como a Jurimetria – mesmo a partir de análises simples, meramente
quantitativas e descritivas – pode ser útil para conformar os comportamentos
estratégicos dos litigantes em processos judiciais.

3. Análises de Dados Disponíveis e Políticas Públicas Judiciárias


Aqui se toma como exemplo a avaliação e a eventual formulação de políticas
públicas relacionadas a processos de insolvência. Parte-se de dados levantados

82
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

pelo Observatório da Insolvência da Associação Brasileira de Jurimetria acerca


do deferimento de pedidos de recuperação judicial16. As pesquisas ainda estão em
curso, já abrangendo o TJSP e o TJRJ e, até o momento, apresentam inúmeras
informações úteis para as análises dos estudiosos e profissionais.
Destaquem-se, aqui, as informações sobre a situação das empresas no
momento da formulação do pedido de recuperação judicial. Como se sabe, o
deferimento da recuperação judicial pelo Juiz de Direito tem como requisito a
apresentação de diversas informações acerca da situação da entidade postulante.
A análise da viabilidade da empresa e do interesse dos credores fica postergada
para o momento de apreciação pelos credores do plano de recuperação judicial. A
percepção dos operadores do direito – de diversos magistrados, inclusive – indicava
que muitas empresas claramente inviáveis postulavam e tinham deferidos seus
pedidos de recuperação judicial – uma nota da intuição dos operadores do Direito.
Essa impressão eventualmente derivava da percepção de que muitos processos, em
que havia ocorrido o deferimento exordial do pedido de recuperação, terminavam
em falência mercê da convolação, que normalmente decorre da rejeição pelos
credores do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor. A rejeição
do plano de recuperação judicial pelos credores usualmente parte da premissa de
que o valor de liquidação dos ativos é superior ao valor de recuperação do crédito
na forma apresentada no plano de recuperação judicial (i.e., com a preservação
da operação da empresa recuperanda), o que também normalmente revela ex post
facto a inviabilidade em concreto da operação da empresa.
A percepção geral indicava, então, que muitas empresas já seriam inviáveis no
momento inicial do processo recuperacional – por exemplo, estariam utilizando
o pedido de recuperação judicial apenas para procrastinar a decretação da
falência – e essa circunstância não vinha sendo adequadamente controlada
pelos órgãos judiciários competentes. Em última análise, tinha-se a impressão
de que os empresários tentavam a todo custo evitar o processo recuperacional,
que apresenta problemas evidentes, como sejam os seus custos elevados e os
recorrentes danos reputacionais ocasionados – e possivelmente permitiam que a
deterioração atingisse um grau de inviabilidade (em forma mais simples: deixavam
para pedir recuperação judicial quando já era tarde demais).

16 Ainda uma vez, dados coletados em www.abj.org.br/categories/observatório/. Acesso em: 21.abr.2022.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

Com efeito, pareceu relevante, então, estabelecer algum tipo de instrumento


de controle de viabilidade, evitando dispêndio desnecessário (e ineficiente) de
tempo e recursos com um processo recuperacional que afinal estaria fadado
ao insucesso, reduzindo ainda mais os padrões de recuperação de crédito dos
credores envolvidos17 na falência subsequente.
Tal percepção gerou então inicialmente um movimento jurisprudencial no
sentido de se determinar uma constatação preliminar ou perícia prévia com o
escopo de verificar a qualidade da prestação de informações pela recuperanda,
o que incluía a demonstração da viabilidade da empresa, antes do deferimento
do processo recuperacional, o que permitiria indeferir os pedidos formulados
por empresas claramente inviáveis, sem que fossem dissipados recursos com
uma vã tentativa de recuperação18. Tempos depois, essa inovação procedimental
foi incorporada em uma alteração legislativa (Lei 11.101/2005, Art. 51-A, §5º),
a qual, contudo, veda expressamente o indeferimento do processamento da
recuperação judicial baseado na análise de viabilidade econômica do devedor.
As pesquisas do Observatório da Insolvência revelaram dados interessantes,
alguns deles contra-intuitivos acerca dessa perícia prévia (ao tempo da pesquisa,
a constatação prévia ainda não havia sido instituída pela reforma legislativa).
Com efeito, de acordo com os dados coletados e tratados, foi possível concluir
que a maior parte dos pedidos de recuperação judicial formulados nos ambientes
analisados buscava a proteção de empresas potencialmente viáveis a partir da
aferição de determinadas variáveis. Antes do mais, consoante reportado pelo

17 Consoante a doutrina especializada: A ideia de eficiência nos procedimentos falimentares e de


recuperação de empresas é importante e deveria ser incentivada no Brasil por dois motivos: porque
é desejável que o mínimo de valor e de custo seja dissipado ao longo do processo e porque é saudável,
ao fim, os ativos serem alocados ao seu maior valor de uso, que significa dizer que o negócio pode
continuar a funcionar se o seu valor exceder o valor de liquidação; caso contrário é melhor ser vendido
a quem dele possa fazer melhor uso (SADDI, Jairo. Análise Econômica da Falência. In: TIMM, Luciano
Benetti (Coord.). Direito e Economia no Brasil. 3. ed. São Paulo, Editora Foco, 2019, ps. 355–370,
esp. p. 370).
18 Sobre o tema da constatação prévia, por todos, SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei
de recuperação de empresas e falência. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, externando posição
contrária à constatação e COSTA, Daniel Carnio; MELO, Alexandre Correa Nasser de.Comentários
à lei de recuperação de empresas e falência . Curitiba: Juruá, 2021 (E-book), defendendo posição
favorável à constatação prévia. Discorrendo acerca da assimetria informacional, sugerindo a irrelevância
da viabilidade como pressuposto do deferimento, mas ressaltando a importância do intercâmbio de
informações confiáveis nesta fase inicial da recuperação judicial, veja-se o interessante estudo de
PATROCÍNIO, Daniel Moreira. Análise econômica da recuperação judicial de empresas. Rio de
Janeiro: Lumen Iuris. 2013, p. 193 e seguintes.

84
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

Observatório da Insolvência, tanto nas amostras do TJSP, como nas amostras


do TJRJ, no momento da formulação do pedido de recuperação, tratava-se de
empresas com patrimônio capaz de satisfazer as suas obrigações em cenário de
liquidação:
(…) sobre a viabilidade das empresas, a análise dos dados disponíveis revelou que a
relação entre ativo e passivo das empresas em recuperação obedece a uma correlação
linear positiva nos logaritmos muito forte, próxima de 1. Passivo e ativo das empresas
nessa situação apresentam valores globais muito próximos em números absolutos, de
tal forma que o seu patrimônio líquido tende a zero. (…) Pelos dados coletados, verifica-
se que a medida do ingresso do pedido de recuperação pelos empresários em crise está
na constatação de que a deterioração econômica da empresa a partir daquele ponto a
colocará em uma situação na qual todo o ativo da sociedade não seria suficiente para
pagar seus credores.

Demais disso, verifica-se que as empresas postulantes à recuperação judicial


usualmente também possuíam faturamento anual bruto pelo menos semelhante
à sua dívida, o que é um indicativo de que mantinham as respectivas operações e
potencialmente seriam viáveis ou recuperáveis. Por evidente, a depender da margem
de resultado líquido, essa informação pode evidenciar extrema dificuldade de
pagamento das obrigações concursais e/ou correntes, mas a existência de operação
e de faturamento significativo é um indício de viabilidade e não de inviabilidade,
de modo que a decisão acerca da preservação ou liquidação (falência) deve ser
tomada pelos credores reunidos em assembleia na forma da lei.
Ou seja, a análise de dados coletados em processos nos dois Tribunais que
possuem o maior movimento de recuperações judiciais no país indica que as
empresas postulantes normalmente são viáveis, de modo que, possivelmente,
a constatação ou perícia prévia talvez não fosse necessária para o deferimento
inicial dos processos recuperacionais – eventualmente produziria o efeito oposto,
de consumir tempo e dissipar recursos para a implementação de um controle
afinal desnecessário.
Todavia, novamente a intuição talvez viesse a produzir percepções
enganosas. Deveras, a análise dos dados referentes às perícias prévias evidenciou
também que o índice de deferimento de pedidos de recuperação judicial
aumenta consideravelmente quando a constatação prévia é realizada: o índice
de deferimentos sobe de cerca de 60% em casos sem perícia prévia para 80%

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

em casos com perícia prévia (ainda que o controle da viabilidade possa ser
considerado uma extrapolação indevida). Ou seja, a partir desses dados, parece
lícito inferir que a perícia prévia mostrou-se ser um instrumento útil, pois evita
que sejam indeferidos pedidos recuperacionais de empresas viáveis com base na
simples impressão de que as mesmas não seriam viáveis. Servindo-nos do dito
popular, o legislador atirou no que viu e acertou no que não viu – mas seja qual
for a conclusão, a análise demonstra a relevância da coleta e tratamento de dados
para a formulação e avaliação de políticas públicas em geral – inclusive no plano
processual e da insolvência em particular.

4. Conclusão
Certa vez um respeitado matemático afirmou que solucionar um problema
matemático complexo é como montar um quebra-cabeças19, exceto pelo fato
de que você não conhece imagem final. Diante da dificuldade de solver um
determinado problema, um dos caminhos experimentados é tentar adivinhar a
solução e depois testar as hipóteses aventadas até encontrar a solução através
da confirmação da resposta, obviamente observados os rigorosos métodos das
ciências matemáticas.
Essa imagem aparentemente simples nos remete ao esquema conceitual que
preside a solução de um conflito judiciário, com a prolação de uma sentença. Segundo
sugere a percepção de muitas pessoas, inclusive profissionais experimentados, o
juiz muitas vezes decide o processo antes de justificar a sua decisão, de modo que
o juízo de valor (axiológico) precede a respectiva fundamentação. Na verdade,
cuida-se de caminho lógico diverso do esperado: ao invés de decidir e depois
fundamentar a decisão, a decisão deveria decorrer logicamente dos fundamentos
adotados. É como se o juízo de valor (rectius: a decisão) fosse intuído e depois
demonstrado – como a adivinhação sugerida pelo matemático.

19 FRENKEL, Edward. Amor e Matemática: o coração da realidade escondida. Rio de Janeiro: Casa da
Palavra, 2014, p. 73: “Solucionar um problema matemático é como resolver um quebra-cabeça, exceto
pelo fato de que você não conhece com antecedência a aparência da imagem final” – e continua na p.
77: “No entanto, isso me deu uma maneira de enfrentar o problema: se eu conseguisse adivinhar a
resposta correta, então teria um caminho para demonstrá-la seguindo esse método” (…) De repente
como num passe de mágica, tudo ficou claro para mim. O quebra-cabeça se completou, e a imagem
final se revelou plena de elegância e beleza, num momento que sempre lembrarei e tratarei com
carinho”.

86
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

Em passagens das mais célebres da literatura jurídica italiana do século


passado20 – especialmente influente na cultura jurídica brasileira –, destacou-
se a importância da intuição e do sentimento para a atividade judiciária, que
seria um amálgama de elementos lógico-racionais e sentimentos. Na verdade, o
celebrado autor havia escrito críticas agudas aos movimentos teóricos e políticos
que retiravam ou pelo menos tentavam retirar a objetividade do ato de prolatar
uma sentença – onde mesmo assim reconhecia a relevância do sentimento, étimo
do qual afinal deriva a própria ideia de sentença. O autor teve a grandeza de rever
o seu entendimento, lançado em um texto que àquela altura já tinha logrado
enorme repercussão e acatamento (intitulado “La genesi logica dela sentenza
civile” ou a gênese lógica da sentença civil), pois a sua profícua experiência como
advogado21 havia ensinado que os sentimentos do juiz também são importantes
para a formação da sua convicção no ato de sentenciar.
Nesse viés de orientação, os estudiosos e operadores do Direito costumam
ressaltar as suas virtudes sensoriais, que seriam parte fundamental da interpretação
e aplicação do Direito, de modo que tais virtudes influenciam não apenas o ato
de julgar, mas o pensamento jurídico de um modo geral. Não raro, o chamado
senso de justiça22 é utilizado como razão de decidir – às vezes até mesmo de forma
explícita na decisão judicial, inclusive das mais elevadas esferas judicantes.

20 Piero Calamandrei criticava neste passo a sobrevalorização do aspecto lógico-racional da atividade


judicante: “La verità è che il giudice non è un meccanismo: non è una macchina calcolatrice. E’ um uomo vivo:
e quella funzione di specificare la legge e di applicarla nel caso concreto, che in vitro si può rappresentare
come um silogismo, è in realtà una operazione di sintesi, che si compie a caldo, misteriosamente, nel crogiuolo
sigillato dello spirito, ove la mediazione e la saldatura tra la legge astratta e il fato concreto há bisogno, per
compiersi, della intuizione e del sentimento acceso in uma conscienza operosa” (CALAMANDREI, Piero.
Opere Giuridiche. Volume I. Roma: Roma Ter-Press, 2019, p. 647).
21 Assim: “Qui veramente sententia, come vuol l’etimologia, deriva da sentimento: la sentenza non è opera
di inteletto e di scienza (…) ma è creazione pratica, volontà, alimentata della esperienza sociale (…)” (ult.
op. cit., p. 642). E depois o autor revê o seu entendimento acerca do peso da lógica sobre a atividade
judicante: “Anche io, in un mio saggio giovanile, ho rappresentato la sentenza come una progressione
di sillogismi a catena; ma poi l’esperienza del patrocínio forense mi há dimostrato non dico che questa
rappresentazione sia sbagliata, m ache essa è incompiuta e unilaterale: chi si immagina la sentenza come
um silogismo, non vede la sentenza viva” (ult. op. cit., p. 646). Por todos, ninguém menos do que Luiz
Fux destaca a importância da construção de Calamandrei, afirmando que este colocou uma pá de cal
sobre as discussões em torno da gênese da sentença (FUX, Luiz. Teoria Geral do Processo Civil. 3.
ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019, p. 269/271, esp. nota 8).
22 Por todos, ad exemplum tantum, STF, Primeira Turma, Habeas Corpus n. 107.041, Relator Ministro Dias
Toffoli, julgado em 13.09.2011: “O princípio da insignificância, cujo escopo é flexibilizar a interpretação
da lei em casos excepcionais, para que se alcance o verdadeiro senso de justiça, não pode ser aplicado
para abrigar conduta cuja lesividade transcende o âmbito individual e abala a esfera coletiva”.

87
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

Senso é expressão correlata a sentido, percepção. Mais do que um conceito


jurídico indeterminado (aliás, seja consentido grifar, com elevadíssimo grau
de indeterminação), a expressão designa a utilização da percepção pessoal do
magistrado acerca da realidade e da justiça como razão de decidir. Esse estudo
serviu-se de diversas expressões utilizadas (e grifadas) com o mesmo sentido,
como impressão, percepção e intuição. É o triunfo do subjetivismo. Essa tem sido
uma constante nos modos de pensar e aplicar o Direito no Brasil: abstração e
subjetivismo.
O objetivo do presente estudo era demonstrar a relevância das investigações
conduzidas pela Jurimetria no seio de outras ciências sociais aplicadas para o
funcionamento e também para o aperfeiçoamento do ordenamento jurídico
e das políticas públicas em geral, incluindo os comportamentos estratégicos
das partes nas mais variadas relações jurídicas. E uma das principais virtudes
– senão a principal virtude – das investigações empíricas é justamente voltar
os olhos à realidade concreta, na tentativa de dotar da maior objetividade
possível a análise dos fenômenos jurídicos (i.e. dos fenômenos relevantes
para o Direito). Se é necessário testar ou confirmar ou demonstrar a posteriori
determinada impressão ou percepção, parece imperativo que o parâmetro de
confirmação ou demonstração seja ótimo. Sem embargo de outras potenciais
críticas às formulações acerca da predominância das percepções pessoais no
ato de interpretar e julgar – por exemplo, acerca de efeitos adversos sobre a
axiomática exigência de imparcialidade – nossos olhos voltam-se aqui para a
necessidade de, quando menos, submeterem-se as percepções e impressões a
uma espécie de teste de realidade.
Como já se disse23, o direito é um mecanismo de controle social que depende
de uma aderência à realidade. Sem que sejam necessárias maiores digressões,
parece que as próprias formulações que ressaltam as virtudes subjetivas, postulam
a sua complementação com a racionalidade lógica e com a mencionada aderência
à realidade. Deveras, um estudo breve e de escopos limitados como o presente
não poderia ter e não terá a pretensão de divagar sobre temas filosóficos de
alta indagação. Entretanto, ao tratar das temáticas que correlacionam intuição

23 Novamente NUNES, Marcelo Guedes. Jurimetria: como a estatística pode reinventar o Direito. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p.112, p. 71.

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

e experiência jurídica, é impossível não relembrar a lição do jusfilósofo24 que


explica a complementariedade entre a intuição sensível e a intuição axiológica,
ambas presididas pelas suas respectivas razões.
O presente estudo começou realçando a importância da experiência e o
tema deve ser retomado à guisa de conclusão. Em sentido comum ou em sentido
filosófico25, a expressão experiência carrega a noção fundamental de apreensão por
um sujeito de uma determinada realidade – uma espécie de apreensão sensível
da realidade concreta.
Os tempos atuais apresentam enormes desafios e trazem muitas mudanças,
inclusive na forma pela qual se apreende a realidade – em outras palavras: na
forma pela qual se afere a experiência. Possivelmente a forma dramática e
poética de aquisição da experiência retratada na epopéia dos latinos vê-se hoje
substituída por uma forma mecânica e informatizada de apreensão da realidade,
especialmente, mas não exclusivamente para fins jurídicos. Com efeito, ao passo
em que apresentam enormes desafios, os tempos atuais fornecem também
instrumentos tecnológicos sobremodo eficientes para a apreensão da realidade
sensível, assim como para tratamento adequado das informações apreendidas
e, ainda, para a expressão dessa realidade através de linguagem matemática-
estatística, constituindo um manancial riquíssimo para a análise dos mais amplos
e variados aspectos da vida em sociedade, inclusive dos fenômenos jurídicos em
geral e, ainda, se for o caso, para confirmação ou demonstração de percepções ou
impressões que, acaso não confirmadas, provavelmente devem ser descartadas.
Coube ao saudoso Mestre lançar sua crítica ao fenômeno que designou
como impressionismo jurídico, por conta do qual os estudiosos e operadores do
Direito em geral, dentre os quais podem ser incluídos os juízes, servem-se das suas
experiências personalíssimas, de modo que cada observador acha o que quiser,
sendo certo que a coincidência com a realidade parece ser sempre questionável,

24 Consoante a autoridade de Reale: “Ora, se no plano da experiência natural a razão assume em si e


ordena, segundo leis e princípios seus, o material da intuição sensível, explicitando a ordem pressuposta
da natureza, do mesmo modo, nos domínios das ciências da cultura, a razão compreende e ordena o
material da intuição axiológica, emergente da práxis, dando-nos o sentido concreto do todo” (REALE,
Miguel. O Direito como experiência. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1992, p. 48/49).
25 FERRATER MORA, José. Dicionário de Filosofia. Tomo II. São Paulo: Edições Loyola, 2001, verbete
Experiencia (ps. 968 – 974).

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

para dizer o mínimo. Como ele mesmo concluiu26, “deixemos o impressionismo às


artes…”.
Convém lembrar – e já foi exemplificado acima – que muitas vezes as
pesquisas empíricas acerca do funcionamento do ordenamento jurídico e em
particular dos tribunais e dos comportamentos estratégicos das partes revelam
situações contraintuitivas ou ao menos contrárias ao senso comum27 formado
acerca de determinados temas. É uma hipótese a ser considerada o fato de que a
coleta e o tratamento dos dados acerca do funcionamento dos órgãos judiciários
começam a ser implementados de forma mais ampla e abrangente em um
período de intensas transformações tecnológicas – na expressão da moderna
sociologia, transformações aceleradas28 –, que produzem igualmente intensas e
extensas disrupções, o que pode distorcer os respectivos resultados. Seja como
for, o fato é que as percepções sensoriais individuais tendem a ser muito menos
abrangentes e precisas do que as percepções extraídas através de instrumentos
tecnológicos avançados.
Nesse sentido, parece evidente que as intuições sensíveis individuais podem
ser substituídas com grande proveito por intuições sensíveis coletivas, coletadas e
tratadas através de instrumentos tecnológicos que, embora não possam eliminá-
las, tendem a reduzir de forma drástica os equívocos decorrentes da falibilidade
humana, sendo certo que possuem capacidade de gerenciamento e tratamento
infinitamente superiores. Não se trata de modo algum de desprezar as intuições
sensíveis individuais e muito menos as intuições axiológicas – fundamentais nesta
quadra para a formulação das hipóteses de trabalho e também para a formulação
dos instrumentos de pesquisa e tratamento das informações. Trata-se apenas

26 MOREIRA, José Carlos Barbosa. As Reformas do Código de Processo Civil: condições de uma avaliação
objetiva. In: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. Sexta Série. São Paulo:
Editora Saraiva, 1997, ps. 81–93, esp. p. 82 e 93. Cumpre referir o contraponto formulado por SOUSA,
José Augusto Garcia de. A tempestividade da Justiça no Processo Civil Brasileiro. Salvador Editora
JusPodium. 2020, p. 201, em tom crítico a “uma mentalidade excessivamente voltada para números
e fatores quantitativos”.
27 ANLEU, Sharyn Roach; MACK, Kathy. Trial Courts and Adjudication. In: CANE, Peter; KRITZER,
Herbert M. (Coord.). The Oxford Handbook of Empirical Legal Research. New York: Oxford University
Press, 2010, p. 567: “There is often a disjunction between these empirical findings and public or popular
consciousness”.
28 ROSA, Hartmut. Aceleração – A transformação das estruturas temporais na Modernidade (tradução
de Rafael Silveira). São Paulo: Editora UNESP, 2019.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Jurimetria

de extrair da tecnologia disponível a máxima eficiência possível na apreensão


da realidade e no tratamento dos dados coletados.
Por certo, a observação da realidade e a sua expressão através de dados
empíricos tratados pode maximizar os resultados dessas análises, assim como do
ordenamento jurídico e dos julgamentos em geral e, ainda, dos comportamentos
estratégicos individuais. Como já se disse29, a intuição é muito mais poderosa
quando canalizada através da razão e amparada por um instrumental eficiente
de apreensão da realidade, de análise e de expressão/comunicação.

29 ELLENBERG, Jordan. How not to be wrong: The Power of Mathematical Thinking. New York: Penguin
Books, 2014, p. 437: “To do mathematics is to be, at once, touched by fire and bound by reason. This is
no contradiction. Logic forms a narrow channel through intuition flows with vastly argumented force (…)
The lessons of mathematics are simple ones and there are no numbers in them: that there is structure in
tworld, that we can hope to understand some of it and not just gape at what our senses present to us; that
our intuition is stronger with a formal exoskeleton than without it”.

91
3
A neuroeconomia
e o neurodireito:
para onde vamos?
Neuroeconomia e tomada de decisão no Direito

Neuroeconomics, decision making, and the law

Ricardo Lins Horta1

Resumo: A Neuroeconomia é o esforço conjunto de economistas, psicólogos e


neurocientistas dedicados a compreender como decisões complexas emergem
da atividade neuronal. Os modelos neurocientíficos mais recentes de tomada de
decisão descrevem o cérebro como um preditor”, que constrói representações
mentais, antecipando formas de agir em cada contexto. Esses modelos ajudam a
explicar como se dão os processos de valoração e escolha, bem como os aspectos
emocionais envolvidos na tomada de decisão. Por fim, convidam a repensar
concepções arraigadas sobre como as pessoas tomam decisões, especialmente
no campo jurídico.
Palavras-chave: Neuroeconomia. Cérebro bayesiano. Vieses cognitivos. Teorias
do processo dual.
Abstract: Neuroeconomics is the joint effort of economists, psychologists and
neuroscientists dedicated to understanding how do complex decisions emerge
from neuronal activity. The most recent neuroscientific models of decision
making describe the brain as a “predictor”, which creates mental representations,
anticipating actions in each context. These models help to explain how valuation
and choice processes happen, as well as the emotional aspects of decision making.
They also lead to rethinking traditional conceptions, especially in Law.
Keywords: Neuroeconomics. Bayesian brain. Cognitive biases. Dual Process
Theories.

1 Doutor em Direito (UnB), Mestre em Neurociências e Graduado em Direito pela UFMG. Foi pesquisador
visitante na École Normale Supérieure, em Paris. É integrante da carreira de Especialista em Políticas
Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) federal. Ocupou vários cargos de assessoria e de chefia de
gabinete na Presidência da República, no Ministério da Justiça e no Conselho Nacional de Justiça.
Professor no Instituto Rio Branco, na Escola da AGU Victor Nunes Leal e na Escola Nacional de
Administração Pública (ENAP).

93
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

1. Introdução
Como o cérebro toma decisões? O que a ciência contemporânea tem a
nos dizer sobre como decisões, das mais simples às mais complexas, emergem
da atividade de neurônios no nosso encéfalo? E qual a relevância disso para o
Direito? São perguntas provocativas que demandariam respostas elaboradas e
complexas. Mesmo assim, uma visão panorâmica pode fornecer elementos que
convidam a repensar algumas concepções ainda arraigadas.
O problema da tomada de decisão é central ao Direito. No entanto, a
despeito da disponibilidade de décadas de pesquisas em ciências da decisão, poucos
juristas dedicam- se a estudar decisão para além das abordagens tradicionais – as
chamadas teorias da interpretação ou da argumentação jurídica. Essas abordagens
têm sua relevância – estabelecer parâmetros normativos para a racionalidade do
discurso jurídico é tarefa essencial num Estado Democrático de Direito. Porém,
são trabalhos que muitas vezes têm pouco a dizer sobre aspectos cruciais como o
papel dos vieses cognitivos, das emoções ou da intuição na tomada de decisão2.
Neste trabalho, buscaremos traduzir alguns dos achados neurocientíficos
recentes para o público leigo em ciências comportamentais. Para aprofundamento,
remetemos aos inúmeros trabalhos que já estão disponíveis em português3, ou
a obras recentes em inglês4.

2 COSTA, Alexandre Araújo; HORTA, Ricardo Lins, Das Teorias da Interpretação à Teoria da Decisão:
por uma perspectiva realista acerca das influências e constrangimentos sobre a atividade judicial,
Opinião Jurídica, n. 20, p. 271–297, 2017.
3 ROSA, Alexandre Morais da, Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos, 5a. ed. Florianópolis:
EMais, 2019; NOJIRI, Sérgio, O Direito e suas interfaces com a Psicologia e a Neurociência, Curitiba:
Appris, 2019; NOJIRI, Sérgio, Emoção e Intuição: Como (de fato) se dá o processo de tomada da
decisão judicial, Belo Horizonte: Arraes Editores, 2021; CARDOSO, Renato César; STANCIOLI,
Brunello; WYKROTA, Leonardo Martins, Temas em Neurodireito, Belo Horizonte: Ampla, 2021;
NUNES, Dierle; LUD, Natanael; PEDRON, Flávio Quinaud, Desconfiando da Imparcialidade dos
sujeitos processuais: um estudo sobre os vieses cognitivos, a mitigação de seus efeitos e o debiasing,
2a. ed. Salvador: JusPodivm, 2020; COSTA, Eduardo José da Fonseca, Levando a imparcialidade
a sério: proposta de um modelo interseccional entre direito processual, economia e psicologia,
Salvador: JusPodivm, 2018.
4 GLIMCHER, Paul W., Foundations of Neuroeconomic Analysis, New York: Oxford University Press,
2011; GLIMCHER, Paul W.; FEHR, Ernst, Neuroeconomics: Decision Making and the Brain, 2nd. ed.
New York: Elsevier, 2014; MERCIER, Hugo; SPERBER, Dan, The Enigma of Reason, Cambridge,
Massachussetts: Harvard University Press, 2017; SAPOLSKY, Robert M., Behave: The Biology of
Humans at our Best and Worst, New York: Penguin Press, 2017.

94
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

2. Por que estudar a decisão a partir da Neuroeconomia?


Inicialmente, é importante esclarecer que há várias e distintas tradições
de pesquisa que se dedicam ao mesmo objeto. O problema da decisão é foco de
abordagens tão distintas quanto a Teoria dos Jogos ou a Psicologia Experimental.
Há quem denomine esse campo de “Julgamento e Tomada de Decisão”5, outros
tendem a visualizá-lo como afim à Economia Comportamental. Porém, esses
rótulos muitas vezes revelam mais sobre os grupos e escolas que vêm lançando
a luz sobre um mesmo problema, com métodos muitas vezes similares, do que
sobre o objeto em si.
Por esse motivo, parece ser menos premente definir ou conceituar com
precisão o que é decisão do que compreender que há, no presente, uma convergência
de especialistas, técnicas de pesquisa e modelos teóricos para melhor compreendê-
la. Em virtude disso, muitas vezes, é preciso ter em mente a decisão de forma
mais simples, por conta das próprias limitações metodológicas: num contexto
experimental, por exemplo, as decisões pesquisadas costumam ser tarefas de
escolhas simples, entre duas ou algumas opções. Diante da opção pelo bem A ou
B, qual deles o sujeito prefere? Diante da opção de A agora, ou B daqui a certo
tempo, qual a escolha prevalente? Numa tarefa sequencial, qual a probabilidade
de que na próxima rodada a opção A ou B esteja disponível? Esses são os tipos de
perguntas que são passíveis de serem respondidas num experimento controlado,
e a partir das quais os modelos vão sendo elaborados.
Assim, é fácil compreender por que uma das maiores influências na discussão
jurídica recente sobre decisão venha da Economia Comportamental, da Psicologia
Experimental e da Psicologia Social. Foram seus adeptos que popularizaram a
prática de aplicar questionários, seja em salas de aula ou durante a realização de
eventos presenciais, seja questionários eletrônicos pela internet, para aferir as
preferências dos sujeitos de pesquisa. Desde o início dos anos 2000, estudos do
gênero vêm sendo realizados com públicos de juristas, magistrados, advogados,
estudantes e profissionais de Direito, inclusive no Brasil6.

5 BARON, Jonathan, Thinking and Deciding, 4th. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
6 Para exemplos de experimentos feitos com juristas brasileiros, vide, por exemplo, STRUCHINER,
Noel; DE ALMEIDA, Guilherme da F.C.F.; HANNIKAINEN, Ivar R., Legal decision-making and the
abstract/concrete paradox, Cognition, v. 205, n. September 2019, p. 104421, 2020; STRUCHINER,
Noel; HANNIKAINEN, Ivar R.; DE ALMEIDA, Guilherme da F.C.F., An experimental guide to vehicles

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

Nesse cenário, a Neuroeconomia é um dos vários ramos que compõem as


Neurociências, surgido por volta de 2003-2005, quando economistas, psicólogos
e neurocientistas resolveram unir esforços para entender a tomada de decisão no
cérebro humano7. Esses pesquisadores aliaram três campos do conhecimento: os
economistas, com sua modelagem sobre como funcionaria a tomada de decisão;
os psicólogos, com seus métodos experimentais que testam como ocorre a decisão
em sujeitos de pesquisa; e os neurocientistas, que têm instrumentos e técnicas
para medir o funcionamento do cérebro humano in vivo e interpretar o que pode
estar ocorrendo numa tarefa de tomada de decisão.
A Neuroeconomia, assim, é uma área relativamente recente, mas que traz
consigo a bagagem da Economia Comportamental – essa um pouco mais antiga.
A Economia Comportamental consolida- se entre os anos 1960 e 1980, quando
pesquisadores como Daniel Kahneman, Amos Tversky e Richard Thaler começam
a testar empiricamente e, com base nesses achados, mostrar a incompletude e
as falhas dos modelos da Economia clássica em relação à tomada de decisão pelo
consumidor. A Economia Comportamental mostra que, ainda que se assuma
uma racionalidade no comportamento do consumidor, para fins de modelagem,
esta precisa levar em conta uma série de desvios sistemáticos em relação a essa
racionalidade – os chamados vieses cognitivos. Um dos livros responsáveis pela
popularização desse enfoque é o clássico Rápido e Devagar – duas formas de
pensar, de Daniel Kahneman8, que embora esteja um pouco desatualizado,
fornece uma excelente visão panorâmica do campo.
O importante é reter que, ao menos há 40 anos, sabe-se, com base em
dados e experimentos, que as pessoas tomam decisões conforme um modelo de
racionalidade limitada”. Além da necessidade de decidir rápido e com informação
incompleta, a própria racionalidade humana padece de vieses cognitivos. Assim,
ao decidir, longe de analisar todas as variáveis disponíveis e ponderar de forma

in the park, Judgment and Decision Making, v. 15, n. 3, p. 312–329, 2020; NOJIRI, Emoção e
Intuição: Como (de fato) se dá o processo de tomada da decisão judicial.
7 GLIMCHER, Paul W.; FEHR, Ernst, Introduction: a brief History of Neuroeconomics, in: Neuroeconomics:
Decision Making and the Brain, London: Elsevier, 2014, p. xvii–xxviii.
8 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. Já
há muita produção, entre juristas brasileiros, que explora a contento quais seriam esses vieses e por
que eles importam para a tomada de decisão no Direito. A esse respeito, vide as referências na nota
n° 3.

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

abrangente as possibilidades, as pessoas tendem a agir com base em atalhos


cognitivos, intuições, hábitos e experiências passadas. Dito de outra forma, é hoje
uma obviedade para os entendidos em ciências comportamentais que a maioria
das decisões que tomamos ocorrem, por assim dizer, no piloto automático.
Todavia, compreender que a maior parte das decisões se dá assim, por
si só, não nos diz quais decisões são assim (e quais não são), bem como não
equivale a dizer que essas decisões automáticas sempre são piores ou enviesadas
e, sobretudo, não explica por que é assim que a mente funciona.
É nesse ponto que a Neuroeconomia entra em cena. Ao tentar decifrar os
substratos neurais da tomada de decisão, ela nos mostra que esses vieses existem
por conta do arranjo dos circuitos no cérebro, e que isso funciona assim porque
muitas vezes pode ser uma forma eficiente de processar informação na maioria do
tempo. Nesse caso, de fato, tem- se uma explicação de por que a mente funciona
de uma determinada forma.
Tomemos o exemplo do fenômeno do desconto intertemporal, há muito
conhecido pela Economia Comportamental. Simplificando, trata-se da dificuldade
que temos de valorizar recompensas que estão muito à frente no tempo. Vários
experimentos mostraram que as pessoas descontam o valor conforme uma função
hiperbólica, o que quer dizer que quanto mais no futuro está uma recompensa,
menor ela nos parece comparativamente. O desconto intertemporal, assim, mostra
que de fato as pessoas são impulsivas em maior ou menor grau, pois tendem
a ter certa dificuldade em fazer sacrifícios presentes em nome de um bem que
pertence a um futuro distante, e ajuda a explicar por que é difícil recusar uma
fatia de bolo de chocolate em nome de uma dieta, ou poupar o suficiente para
uma aposentadoria que ocorrerá só dentro de algumas décadas e assim parece
tão remota.
Mas por que o cérebro teria dificuldade de processar informações sobre
valores perdidos no tempo? Várias hipóteses concorrentes poderiam ser colocadas.
Pode ser que tenhamos dificuldade em representar o futuro por vários motivos
– pode ser que ele nos desperte menor atenção do que o presente, mas pode ser
também que tenhamos dificuldade em calcular a probabilidade da recompensa
após um longo período. Pode ser, ainda, que simplesmente sejamos péssimos em
calcular probabilidades. Enfim, ao estudar como funcionam os circuitos cerebrais

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

em tarefas de escolha intertemporal, a Neuroeconomia pode ajudar a mostrar


qual dessas hipóteses explicaria melhor o fenômeno9.

3. O modelo do cérebro em dois sistemas e seus problemas


Nesse ponto, convém abrir um parêntese sobre a necessidade de evitar
modelos por demais simplificados sobre o funcionamento do cérebro humano.
Infelizmente, devido a anos de divulgação científica de baixa qualidade, aliada
ao trabalho de marqueteiros e charlatães, é comum que continuem circulando
uma série de mitos sobre o cérebro humano. Para usar um termo em voga, são
fake news neurocientíficas.
É comum que as pessoas acreditem em falácias como a que só utilizamos
10% do cérebro humano (na verdade, o utilizamos integralmente, o tempo
todo), ou que haja uma divisão entre um hemisfério racional e analítico e
um intuitivo e holístico (há algum grau de especialização de algumas funções
entre hemisférios cerebrais, mas nada próximo disso), ou que haja um cérebro
racional em conflito com um cérebro emocional. Essas narrativas, na verdade,
são projeções de conceitos metafísicos e de concepções populares da mente
humana sobre circuitos cerebrais que cumprem múltiplas funções, e não podem
ser subdivididos de forma tão grosseira.
Uma versão recente desse equívoco, amparada numa metáfora – o próprio
autor que a propõe deixa muito claro se tratar de uma ilustração10, não de uma
descrição – de que o cérebro teria dois sistemas” para tomada de decisão. Um

9 Outra linha de explicação pode apelar a explicações evolucionistas, ligadas à história evolutiva do
cérebro. Pode ser que o nosso cérebro tenda a privilegiar recompensas presentes, porque o processo
de seleção natural tenha favorecido esse tipo de raciocínio. Afinal, na maior parte do tempo de
existência da espécie humana, pode ser que recompensas como alimentos, parceiros sexuais, etc.,
fossem escassas, disputadas e incertas – e, nesse caso, a melhor estratégia não seria aguardar por
maiores recompensas no futuro, mas garantir desde já as disponíveis. Vide HORTA, Ricardo Lins.
Por que existem vieses cognitivos na Tomada de Decisão Judicial? A contribuição da Psicologia e das
Neurociências para o debate jurídico. Revista Brasileira de Politicas Publicas, v. 9, n. 3, p. 83–122,
2019.
10 Em seu livro, Daniel Kahneman expressamente diz adotar o termo sistema a partir do trabalho de
dois teóricos, Keith Stanovich e Richard West. Com o passar dos anos, o campo deixou de adotar o
termo sistemas para se referir a essa divisão, dando preferência à expressão tipo de raciocínio. Na
conclusão do livro, Kahneman utiliza o termo personagens fictícios para se referir aos dois sistemas,
deixando claro, portanto, tratar-se de uma metáfora, não propriamente de um sistema localizado no
cérebro. Vide KAHNEMAN, Rápido e devagar: duas formas de pensar.

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dos sistemas tomaria decisões rápidas, automáticas, inconscientes e intuitivas,


o outro tomaria decisões lentas, deliberadas, conscientes e racionais.
Ora, uma coisa é afirmar que certas decisões que tomamos são rápidas
e intuitivas, e que outras são mais lentas e refletidas. Até o momento, de fato
parece ser o caso, segundo modelos mais recentes de tomada de decisão11. Essa
diferença qualitativa pode ser relevante porque em determinados contextos as
pessoas podem responder aos mesmos problemas de formas distintas.
Disso absolutamente não decorre, porém, que cada tipo de raciocínio recrute
uma área cerebral específica! Não existe um cérebro racional em disputa ou em
conflito com um cérebro intuitivo ou “emocional. Como dito anteriormente, essa
compreensão revela mais sobre preconceitos, crenças ou visões filosóficas do que
efetivamente explica como o cérebro funciona ao tomar decisões.
Os últimos dez ou quinze anos de pesquisas neurocientíficas têm revelado,
na verdade, um panorama muito mais instigante sobre como funciona o cérebro.
Para compreender esses modelos recentes, é preciso primeiramente descartar
visões ainda muito arraigadas.

4. O cérebro como um estatístico especializado em previsões


De que forma o cérebro processa estímulos ambientais para, a partir deles,
tomar decisões, movimentar-se e responder a eles?
Por muito tempo, acreditou-se que o cérebro seria um órgão cuja principal
função seria perceber estímulos e reagir a eles – essa é inclusive a narrativa
que se encontra em vários manuais de Psicologia e Neurociências. Ocorre que,
nos últimos anos, um novo modelo tem emergido e conquistado cada vez mais
adeptos. Segundo esse modelo, o cérebro não reage passivamente a estímulos,
mas é antes de tudo especializado em fazer previsões sobre o mundo exterior12. Ou

11 Os debates mais recentes referem-se à possibilidade de se dizer que esses dois tipos de raciocínio são
mesmo distintos, seja porque operam em série ou em paralelo, seja por conta do papel da memória de
trabalho. Há críticas, porém, sobre o fato de existirem mesmo diferenças qualitativas ou de grau entre
esses dois modos de raciocínio, ou se modelos não duais explicariam melhor fenômenos experimentais.
DE NEYS, Wim, On Dual- and Single-Process Models of Thinking, Perspectives on Psychological
Science, p. 1–21, 2021; DE NEYS, Wim, Dual Process Theory 2.0, New York: Routledge, 2018.
12 FRISTON, Karl, A theory of cortical responses, Philosophical Transactions of the Royal Society
B: Biological Sciences, v. 360, n. 1456, p. 815–836, 2005; HUTCHINSON, J. Benjamin; BARRETT,
Lisa Feldman, The Power of Predictions: An Emerging Paradigm for Psychological Research, Current

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seja, em vez de processarem estímulos e então planejarem reações, os neurônios


na verdade estariam sempre se antecipando, construindo representações mentais
sobre como agir em determinado contexto. Com base nesses modelos preditivos
internos, que são uma espécie de simulação da realidade externa, os neurônios
filtram as informações que vão chegando e projetam as ações possíveis para
uma resposta adequada. Diante de cursos de ação possíveis, aquele que cruza
um determinado limiar dá origem à tomada de decisão.
Essa diferença parece sutil, mas muda a compreensão que se tem da tomada
de decisão, pois confere ao cérebro um papel ativo de construção de uma realidade
interna. Uma metáfora que pode ajudar a entender isso de forma mais concreta
vem da percepção de estímulos visuais. Todo mundo conhece ilusões de óptica:
com frequência, diz- se que os olhos parecem enganar a mente, fazê-la ver o
que não existe. Mas isso seria uma forma equivocada de descrever o fenômeno.
Na verdade, há décadas os neurocientistas sabem que o córtex visual recebe
os sinais visuais da retina e ativamente constrói uma representação visual. Ao
olhar para a copa de uma árvore, por exemplo, não enxergamos detalhadamente
cada folha ou galho. O foco visual do espectador está fixado numa pequena área
da árvore, e o cérebro se encarrega de preencher todo o conjunto. Seria, aliás, um
processo altamente ineficiente se o cérebro precisasse processar exaustivamente
cada pixel de todo o campo visual para só então percebê-lo. As ilusões de óptica
derivam dessa propriedade: o cérebro constantemente preenche a imagem
visualizada, traçando inferências sobre cores, profundidade, luz e sombra, etc.,
e assim otimizando a percepção visual. Nesse processo, porém, o cérebro pode
acabar criando pequenas armadilhas: falsas equivalências, imagens absurdas,
contrastes estranhos, movimento em imagens estáticas, e daí em diante.
Essa dinâmica, porém, não se restringe à percepção visual. Cada vez mais
se compreende que a construção ativa de representações internas se trata de um
modus operandi do cérebro como um todo. Com base numa quantidade limitada
de estímulos, os neurônios valem- se das experiências armazenadas na memória
para traçar inferências probabilísticas e compor o quadro daquilo que se percebe.

Directions in Psychological Science, v. 28, n. 3, p. 280–291, 2019; SHADLEN, Michael N.; KIANI,
Roozbeh, Decision making as a window on cognition, Neuron, v. 80, n. 3, p. 791–806, 2013.

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

Isso ocorre porque o desafio do sistema nervoso é, com base em poucos estímulos,
ou estímulos pouco salientes, ter que dar respostas rápidas e corretas.
Um outro exemplo pode deixar isso mais claro. Suponha que você está
ouvindo, num determinado ambiente, uma música, mas num volume muito
baixo. Você parece reconhecer alguns acordes, mas não a reconheceu ainda – e
parece difícil distinguir qual é a música, diante de outros sons que a abafam.
Então, ou o refrão, ou uma palavra da letra encaixa- se, e você a reconhece de
imediato. A partir daí, mesmo que a canção continue tocando no mesmo volume
baixo, você consegue acompanhá-la, e cantar junto. O que ocorreu nesse caso?
Os estímulos chegaram à parte do seu cérebro que processa sinais auditivos, a
qual passou a buscar padrões reconhecíveis. A fraqueza do sinal – o volume baixo
– dificultava a discriminação da sequência de sons. Era como se os neurônios
estivessem tentando probabilisticamente decifrar um padrão, tentando prever
o que viria a seguir, se o acorde A, B, ou C. Porém, à medida que os sinais iam
se somando, e com base na sua memória do conjunto das músicas que você já
ouviu, o padrão emergiu – e a música passou a ser reconhecida.
Esse exemplo também vale para o aprendizado da fala – bebês aprendem a
discriminar palavras dessa forma. Se a maioria das vezes em que ouve o fonema
“ma” é seguido de “mãe”, o cérebro deles passa a discriminar um padrão, “mamãe”.
Ao computar, estatisticamente, qual o fonema mais provável, os neurônios do
bebê separam, de um fluxo contínuo de som (a fala), uma palavra. De forma ainda
mais surpreendente, isso parece ocorrer já desde o ambiente intrauterino13.
Segundo esse modelo, o cérebro está constantemente tentando prever o
que ocorre a seguir e testando hipóteses, com base em cálculos probabilísticos.
É o chamado modelo do cérebro bayesiano, que recebe esse nome porque o
funcionamento dos circuitos pode ser descrito pelo Teorema de Bayes, reverendo
inglês do século XVIII que o concebeu14. Sem entrar em detalhes matemáticos,
esse teorema – muito utilizado nas ciências da computação, mas já célebre nas
ciências comportamentais – expõe a forma como se pode atualizar o cálculo
da probabilidade de ocorrência de um evento à medida que novas evidências

13 DEHAENE, Stanislas, How we learn: why brains learn better than any machine… for now, New
York: Viking Penguin, 2020, p. 64–66.
14 Ibid., p. xxv–xxvii; 43–48; BARRETT, Lisa Feldman, How emotions are made: the secret life of the
brain, Boston: Mariner Books, 2018, p. 57–66.

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emergem15. E assim, os neurônios estão constantemente fazendo previsões


sobre o que ocorrerá a seguir, e, quando essas previsões revelam- se incorretas,
reajustando-as.
É assim que as pessoas navegam no mundo, constantemente processando
estímulos da percepção e construindo categorias no cérebro. O cérebro percebe
uma multiplicidade de sons, cores, palavras, cheiros, formas, objetos, que precisam
ser interpretados conforme suas regularidades e padrões, categorizando-os com
base naquilo que se aprendeu no passado, e assim são formados os conceitos16.
Da mesma forma, situações que se vive são constantemente categorizadas, com
base naquilo que se aprendeu no passado. Essa categorização só é possível porque
os neurônios estão constantemente construindo modelos preditivos de como
encaixar tanta informação17.
O modelo do cérebro bayesiano, cada vez mais popular entre neurocientistas,
traz consigo algumas consequências interessantes. A primeira delas é que
convida a questionar concepções de que o cérebro seria capaz de representar fiel e
objetivamente uma realidade externa. Ao contrário, os mesmos estímulos podem
ser categorizados ou interpretados de formas muitos diferentes. A segunda é
que o processo de aprendizagem passa a ser indissociável do erro: é preciso uma
previsão equivocada para que se reajuste o modelo mental interno. Por fim, os
neurônios processam de forma mais eficiente – e intuitiva – previsões reiteradas
que se revelaram acertadas. Isso ajuda a explicar o poder da intuição e dos
hábitos, que são padrões que permitem decisões rápidas. Diante de problemas

15 Para o público jurídico, vale apontar que também existem abordagens bayesianas na área de Epistemologia
Jurídica, isto é, na área que estuda as provas no processo. Propostas nos anos 1960-1970 nos Estados
Unidos, a forma como aplicam o cálculo bayesiano especificamente a esse problema é hoje vista com
ressalva por muitos teóricos. A crítica, ressalte-se, não se dá ao cálculo bayesiano em si, mas se ele
seria útil ou aplicável à questão da avaliação do conjunto probatório para se decidir sobre a culpa de
alguém. Vide DAHLMAN, Christian; PUNDIK, Amit, The Problem with Naked Statistical Evidence,
in: DAHLMAN, Stein & Tuzet (Org.), Philosophical Foundations of Evidence Law, Oxford: Oxford
University Press, 2021.
16 BARRETT, How emotions are made: the secret life of the brain, p. 84–87.
17 Tomemos outro exemplo que pode ajudar a esclarecer o que significa descrever a atividade do cérebro
da mesma forma. Já pode ter ocorrido com você de encontrar uma pessoa conhecida fora do seu
contexto usual: uma colega de trabalho no clube, no final de semana, ou um amigo de escola numa
cidade completamente diferente daquela onde estudaram juntos. Muitas pessoas se veem na situação
de demorar a reconhecer essa pessoa, e se sentem constrangidas com isso. A mudança do contexto
de onde se esperaria encontrar aquela pessoa frustra uma expectativa do cérebro, e é como se ele
precisasse recalcular as suas probabilidades anteriormente assumidas.

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repetitivos e com pouca variabilidade, essa, muitas vezes, pode ser a forma mais
eficiente de solucioná-los18.
Esse modelo do cérebro preditor segue a mesma dinâmica de uma das
descobertas mais estimulantes da Neuroeconomia: como conseguimos processar
informações sobre o valor subjetivo das coisas no cérebro e, a partir disso, fazer
escolhas.

5. Como a Neuroeconomia descreve os processos de valoração e


escolha no cérebro
Um dos problemas tradicionais da Economia sempre foi entender como as
pessoas tomam suas decisões de consumo. Diante de um montante de recursos
– por exemplo, o 13º salário – o que fazer? Viajar de férias para criar boas
experiências com a família? Economizar para a aposentadoria? Adiantar o
pagamento da prestação do carro ou da casa? Entender a forma como o valor
esperado de cada uma dessas opções de consumo é processado pela mente humana
é central para a compreensão de vários fenômenos econômicos e sociais.
Nos últimos anos, com o advento da Economia Comportamental, aprendemos
como o valor das coisas não se limita a um valor monetário per se. É fácil pensar
em vários exemplos disso. Pessoas compram mercadorias não só porque estejam
mais baratas, mas porque carregam consigo marcas conhecidas, que transmitem
confiança no consumidor. O valor de um automóvel não depende apenas do seu
preço de tabela, mas do contexto social – se é o mesmo modelo que os amigos
e familiares do comprador apreciam, isso o torna mais desejável. Contratantes
podem se recusar a fechar um determinado negócio, mesmo que financeiramente
atraente, caso seja visto como imoral por outras pessoas relevantes para si. Em
suma, valores sociais e culturalmente aprendidos são centrais para a definição
do valor de um bem de consumo.

18 Essencial ressaltar que em ambientes instáveis, imprevisíveis e pouco estruturados, isso deixa de
ser o caso. Os debates entre Daniel Kahneman e Gary Klein (Vide o capítulo 22 de KAHNEMAN,
Rápido e devagar: duas formas de pensar) mostram que a intuição de tomadores de decisão muito
experientes pode ser superior na solução de problemas com os quais estão acostumados, mas que
diante de cenários novos e mutáveis, a boa tomada de decisão depende mais de raciocínio deliberado e
menos do piloto automático – mais “sistema 2” e menos “sistema 1”, na metáfora a que nos referimos
acima.

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Isso leva à seguinte questão: como o cérebro consegue juntar todas essas
variáveis ao estimar o valor subjetivo de uma escolha? Como se leva em conta,
numa decisão, tanto questões econômicas, como sociais, morais, além de hábitos
de consumo?Uma das descobertas mais interessantes da Neuroeconomia é
que existe uma moeda única no cérebro, para a qual são convertidas todas
essas variáveis, e que permite que se faça escolhas tão complexas19. Trata-se
da codificação de valores pelos neurônios do neurotransmissor dopamina, em
circuitos ligados à recompensa.
Muito resumidamente, trata-se de estudos feitos a partir de meados da
década de 199020. Alguns deles foram realizados com primatas, com técnicas
invasivas: medindo-se a atividade dos neurônios com eletrodos implantados
nessas áreas profundas do cérebro. Esses primatas executavam tarefas de tomada
de decisão, após as quais se seguiam recompensas (geralmente, goles de suco
através de um canudo, uma recompensa muito apreciada por esses animais).
Outros estudos foram feitos com humanos, usando técnicas de neuroimagem
não invasivas, como é o caso da ressonância magnética funcional. Trata-se de
um método que permite medir o nível de oxigenação de determinadas áreas
cerebrais, e com isso inferir uma maior atividade de grupos de neurônios quando
o sujeito pesquisado realiza tarefas de tomada de decisão. Infelizmente, não
nos cabe detalhar ainda mais as minúcias desses métodos e experimentos, mas
muito foi publicado a respeito.
Esses experimentos mostraram que o processamento de recompensas
no cérebro funciona da mesma forma do cérebro bayesiano ou preditor que
apresentamos acima. Os neurônios dopaminérgicos não computam, como
já se acreditou, o prazer no cérebro. Na verdade, eles computam um sinal de
expectativa. Diante de uma recompensa inesperada, eles disparam com maior
frequência, sinalizando que ocorreu algo bom, que não estava nos planos (“Um
presente inesperado! Que surpresa!”). Quando se espera uma recompensa, eles
disparam sinalizando a expectativa, e se de fato a recompensa ocorre, seguem
disparando normalmente (a previsão foi confirmada). Quando, porém, uma

19 LEVY, Dino J.; GLIMCHER, Paul W., The root of all value: A neural common currency for choice,
Current Opinion in Neurobiology, v. 22, n. 6, p. 1027–1038, 2012.
20 SCHULTZ, W.; DAYAN, P.; MONTAGUE, P. R., A neural substrate of prediction and reward, Science,
v. 275, n. 5306, p. 1593–1599, 1997.

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expectativa é frustrada (“Vim de longe para comer aquele doce nesta loja, mas
ele acabou!”), os neurônios dopaminérgicos apresentam uma redução no seu
nível de disparos, sinalizando um “erro de predição de recompensa”.
A computação do “erro de predição de recompensa” como forma de
codificação do valor subjetivo é uma das grandes descobertas da Neuroeconomia,
e ajuda a explicar por que as coisas não têm um valor objetivo, que independa das
expectativas prévias do tomador de decisão. Todas as pessoas estão constantemente
fazendo previsões sobre a satisfação que podem obter a partir de uma determinada
escolha, e revisando suas expectativas conformemente.
A codificação do valor subjetivo das coisas sempre depende, assim,
de um ponto de referência prévio, bem como de valores sociais e culturais
aprendidos. O cálculo de custo e benefício que as pessoas fazem depende, assim,
fundamentalmente, das expectativas que vão sendo construídas.
Não só isso. Os neuroeconomistas conseguem mapear redes específicas e
medir cada um dos padrões neurais que sinalizam as representações internas de
valor, associadas a diferentes possibilidades de escolha. e também, o momento
em que redes de neurônios associadas a diferentes escolhas competem entre
si, até que uma delas prevalece – e a decisão é enfim tomada. Os modelos mais
recentes são capazes de formalizar essas computações realizadas pelos circuitos
de valoração e escolha21.
Esses modelos recentes de tomada de decisão desafiam, inclusive, uma das
concepções mais comuns sobre como se dá a tomada de decisão: o modelo clássico
do livre-arbítrio, segundo o qual primeiro o sujeito teria vontade e consciência
do agir, para então, no momento seguinte, executar a ação. Ora, se o cérebro
é um preditor, verifica-se que muitas vezes a previsão de um movimento já foi
iniciada em paralelo, ou antes mesmo do processamento da informação sobre
as escolhas possíveis. Na realidade, o cérebro é mais eficiente computando de
forma simultânea escolhas e movimentos. Os neurônios estão constantemente
atualizando previsões e encadeando possibilidades de decisão e movimentos de

21 WU, Shih-Wei; GLIMCHER, Paul W., The Emerging Standard Neurobiological Model of Decision
Making, in: CHEN, Shu-Heng; KABOUDAN, Mak; DU, Ye-Rong (Orgs.), The Oxford Handbook of
Computational Economics and Finance, New York: Oxford University Press, 2018, v. 1.

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

forma muito dinâmica, sem haver, necessariamente, uma separação de etapas


entre a prévia escolha e o posterior agir22.
É importante lembrar do seguinte: a sensação do livre-arbítrio é real. Nós a
sentimos e assim entendemos a nós mesmos: que primeiro escolhemos, e depois
agimos de acordo com nossas escolhas. Mas essa sensação não deixa de ser uma
ilusão, construída pelo cérebro, na qual acreditamos piamente23.
Vale trazer um último ponto sobre a ciência recente do cérebro, que é o
papel dos afetos ou sentimentos no processo de decisão, e como a classificação
de decisões em racionais ou emocionais configura uma narrativa pobre do
comportamento humano.

6. O afetivo e o emocional não são dissociáveis na tomada de


decisão
Vimos que o cérebro está constantemente utilizando informações sensoriais
externas e internas ao organismo, e derivadas da memória, para prever o que vai
ocorrer no momento seguinte, fazendo simulações da realidade. Dos múltiplos
estímulos sensoriais são constantemente categorizados (cores, palavras, objetos,
etc.) e assim o cérebro cria as representações mentais (conceitos).
Um dos achados recentes da neurociência da decisão é que, da mesma
forma que os neurônios constroem interpretações dos sentidos sobre o mundo
exterior, eles também constroem representações a partir dos sentidos internos
do organismo. Segundo a teoria do das emoções construídas24, a percepção de
sinais como os batimentos cardíacos, o nível de cortisol no sangue, a fome, a
sede, o cansaço, também dá pistas a partir das quais o cérebro cria conceitos
emocionais.
Nessa perspectiva, o cérebro está constantemente valendo- se da experiência
passada para prever como eventos e objetos causarão impacto, e assim ajusta os
estados afetivos – e cria uma “realidade afetiva”. As emoções, a que rotulamos

22 WISPINSKI, Nathan J.; GALLIVAN, Jason P.; CHAPMAN, Craig S., Models, movements, and minds:
bridging the gap between decision making and action, Annals of the New York Academy of Sciences,
n. October, 2018.
23 BARRETT, How emotions are made: the secret life of the brain, p. 60.
24 BARRETT, How emotions are made: the secret life of the brain.

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culturalmente com nomes específicos – tais como raiva, medo, frustração, alegria,
vergonha – são, dessa forma, conceitos construídos, derivados de predições que
os neurônios fazem, com base nas experiências passadas. Uma emoção, de acordo
com essa perspectiva, é uma espécie de aposta que guia a ação em resposta num
presente momento.
Nenhuma decisão, pois, ocorre num vazio emocional: ao contrário, o cérebro
está sempre traçando previsões sobre como agir com base em informações
internas, construindo uma realidade afetiva interna que acaba por rotular eventos,
pessoas e objetos de forma positiva ou negativa, influenciando o comportamento.
Isso não é uma novidade para quem já levou a sério o conselho de nunca
tomar uma decisão importante antes de uma boa noite de sono, ou já experimentou
o quanto um estado de raiva ou euforia pode influenciar cabalmente uma decisão
que de num outro momento teria sido completamente diferente. O que importa
é que as Neurociências têm finalmente compreendido como e por que isso ocorre
dessa maneira.
Mais importante para a presente discussão, essa abordagem ajuda a explicar
por que, mesmo na tomada de decisão em processos judiciais – um tipo de
decisão altamente complexa e com múltiplas questões envolvidas – variáveis
aparentemente irrelevantes, como o cansaço, a fome, ou o sono do tomador
de decisão, ou seu humor negativo derivado de questões como o mau tempo
ou a derrota do time na noite anterior25 poderiam influenciar o desfecho de
processos judiciais.
Sobretudo, é uma alerta para que se saiba que a realidade afetiva leva- nos
a projetar no mundo exterior nossos estados afetivos internos e, principalmente,
a decidir influenciados por eles.

25 CHEN, Daniel; SPAMANN, Holger, This Morning’s Breakfast, Last Night’s Game: Detecting
Extraneous Influences on Judging, IAST working paper, 2016; DANZIGER, S.; LEVAV, J.; AVNAIM-
PESSO, L., Extraneous factors in judicial decisions, Proceedings of the National Academy of Sciences,
v. 108, n. 17, p. 6889–6892, 2011; CHO, Kyoungmin; BARNES, Christopher M.; GUANARA, Cristiano
L., Sleepy Punishers Are Harsh Punishers: Daylight Saving Time and Legal Sentences, Psychological
Science, v. 28, n. 2, p. 242–247, 2017.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

7. Implicações da neurociência da tomada de decisão na prática


jurídica
Quais as consequências práticas dessa compreensão de como o cérebro
funciona para juristas e profissionais do Direito?
Traduzir achados de um nível explicativo tão básico – como sinais neurais
processam sinais da percepção, traçam previsões, e assim guiam a conduta
humana – não é nada elementar. Uma série de problemas jurídico-filosóficos
é discutida numa literatura cada vez mais vasta, que infelizmente não pode
ser percorrida num curto espaço. Vale recordar, em todo caso, que o Direito é
uma técnica de regulação social que depende de uma série de conceitos, como
a própria ideia de livre-arbítrio, em algum nível incompatível com a descrição
mecanicista do comportamento atualmente aceita nas Neurociências. Dito isso,
algumas aplicações práticas importantes podem ser vislumbradas com o que
já se sabe sobre como o cérebro processa informações e como isso pode trazer
impactos na prática jurídica.
Do que foi exposto neste artigo, apontamos que existe uma produção cada
vez mais volumosa mostrando que a tomada de decisão no Direito precisa ser
levada mais a sério. Para além dos discursos de justificação das decisões jurídicas,
é importante compreender o chamado “contexto da descoberta”, uma vez que
muitas decisões emanadas do Judiciário podem padecer de vieses e assim afetar
o resultado de processos judiciais – independentemente da narrativa utilizada
para sua racionalização. É passada a hora, assim, de entender a questão da decisão
jurídica de forma mais ampla, incorporando estudos e experimentos derivados
das ciências comportamentais26.
Em segundo lugar, cada vez há mais elementos para se compreender como a
tomada de decisão pode ser influenciada pelo ciclo vital. Pessoas idosas e jovens não
tomam decisões da mesma forma. Igualmente, crianças e adolescentes possuem
um cérebro que é diferente, em termos estruturais e funcionais, do cérebro de
um adulto. Não basta que um adolescente tenha acesso à informação ou seja

26 HARRIS, Allison P.; SEN, Maya, Bias and Judging, Annual Review of Political Science, v. 22, p. 241–259,
2019; HORTA, Ricardo Lins; COSTA, Alexandre Araújo, Desafios da Agenda de Pesquisa Empírica
em Psicologia da Tomada de Decisão Judicial no Brasil, Revista de Estudos Empíricos em Direito,
v. 7, n. 3, p. 76–110, 2020.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

capaz de raciocinar para resolver uma prova de conhecimentos gerais, para que
decida como se um adulto fosse, especialmente em contextos emocionalmente
salientes27. Sendo assim, questões que são trazidas a tribunais, sejam elas ligadas
à responsabilização penal ou ao trabalho infantil, precisam ser instruídas com
a ciência recente, e não com falácias argumentativas.
Uma terceira área que poderia se beneficiar de uma melhor compreensão do
comportamento humano, e aqui mais próxima da Análise Econômica do Direito,
é a linhagem dos chamados estudos da Economia do Crime. Alguns trabalhos
recentes vêm tentando aplicar ao contexto brasileiro o modelo do economista Gary
Becker28, segundo o qual a inibição da criminalidade dependeria especialmente
da elevação de custos e da redução de possíveis benefícios aferidos no crime.
Além de inúmeros problemas de ordem metodológica sobre um suposto papel
de dissuasório da lei penal no crime – algo muito problemático do ponto de vista
empírico29 –, esses estudos frequentemente padecem de uma teorização pobre
sobre como pessoas que cometem crimes percebem, por exemplo, o real risco de
descoberta, apreensão e punição30. Os achados da Economia Comportamental
sugerem que modelos simplórios que não incorporam o papel de intuições,
aspectos emocionais e sociais, heurísticas e vieses são incompletos31.

8. Conclusões
Neste texto, procurei mostrar, de forma sucinta, e acessível a pessoas
leigas, como descobertas recentes das Neurociências, e particularmente da
Neuroeconomia, podem nos ajudar a melhor compreender não só a mente
humana, como também a tomada de decisão juridicamente relevante. Em nome

27 CASEY, B J et al, How Should Justice Policy Treat Young Offenders ?, The MacArthur Foundation
Research Network on Law and Neuroscience, 2017.
28 BECKER, Gary S., Crime and Punishment: An Economic Approach, Economic Analysis of the Law:
Selected Readings, v. 76, n. 2, p. 255–265, 2007.
29 NAGIN, Daniel S, Deterrence in the Twenty-first Century: A Review of the Evidence by a Criminologist
for Economists, Annual Review of Economics, v. 5, p. 83–105, 2013; HORTA, Ricardo Lins, A
desalentadora função preventiva das prisões: revisitando as Teorias da Pena à luz da Psicologia
Experimental, Direito, Estado e Sociedade, 2020.
30 APEL, Robert, Sanctions, Perceptions, and Crime: Implications for Criminal Deterrence, Journal of
Quantitative Criminology, v. 29, n. 1, p. 67–101, 2013.
31 POGARSKY, Greg; ROCHE, Sean Patrick; PICKETT, Justin T., Offender Decision-Making in Criminology :
Contributions from Behavioral Economics, Annual Review of Criminology, v. 1, p. 4.1-4.22, 2018.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

da concisão, muitas questões relevantes tiveram que ser deixadas de lado, mas
espero ter permitido que se vislumbrem alguns pontos interessantes.
Em primeiro lugar, hoje sabemos quais são as áreas e circuitos neurais
ligados à tomada de decisão com base em valores e finalidades. A decisão sempre
depende do contexto, porque é com base nele que os neurônios traçam previsões
que guiarão o comportamento humano. Há muito a ser pesquisado e compreendido
ainda sobre as minúcias desse processo, e os próximos anos refinarão ainda mais
os modelos hoje disponíveis. Contudo, a visão que emerge desses estudos é a de
que o cérebro constantemente constrói uma realidade mental interna, que longe
de ser um espelho fiel da realidade externa, é, na verdade, derivado de uma série
de suposições e apostas internas, ligadas à história e às experiências do indivíduo.
Além disso, mostramos como a compreensão correta do comportamento
humano e seus substratos neurais é um convite a deixar de lado visões simplificadas,
como dicotomias entre racional e emocional. Mesmo a metáfora dos dois sistemas
da tomada de decisão (“sistema 1 x sistema 2”), que pode ser útil em algumas
discussões, não descreve como o cérebro funciona e oculta uma série de nuances.
Esperamos, também, ter mostrado a impropriedade de ser dizer que existe
uma tomada de decisão racional, e portanto boa, versus uma decisão emocional”
e ruim: essa distinção ignora que ambos são processos intrinsecamente ligados,
especialmente no contexto social – e que toda decisão tem seu componente
afetivo, quer se queira ou não. Compreender, assim, a importância de se manter
uma rotina saudável, bem como aprender a interpretar as próprias emoções pode
mudar a forma como se toma decisões.
Por fim, e caso isso ainda não estivesse suficientemente óbvio, acreditamos
ter trazido elementos que nos convidam à reflexão. Sempre aprendemos coisas
novas e conferimos valores às coisas, eventos e pessoas, com base em expectativas
construídas sobre experiências passadas e memórias emocionais, valendo-nos de
atalhos cognitivos e hábitos estabelecidos. Em resumo, nunca somos tomadores
de decisão neutros, isentos e imparciais, simplesmente porque não é assim que
a nossa mente funciona.

110
As (ir)racionalidades da Economia e do Direito: o curioso caso do
homo economicus.

The (Ir)rationalities of Economics and Law: the curious case of homo economicus.

Sergio Nojiri1

Resumo: Este texto pretende abordar, de forma crítica, a questão da racionalidade


econômica e dos supostos ganhos em sua utilização na resolução de casos
jurídicos. A crítica parte da seguinte hipótese: se a Análise Econômica do Direito
(AED) parte de pressupostos teóricos da Escola Neoclássica da Economia, ela
não se apresenta como uma boa saída para os problemas jurídicos. O modelo
racionalista dessa escola, baseado em um homo economicus, racional e utlitarista,
simplesmente não condiz com o mundo real. Nesse sentido, é preciso prestar mais
atenção nas importantes contribuições que a Psicologia trouxe para a Economia,
especialmente no que diz respeito ao processo de tomada de decisão.
Abstract: This text aims to address, in a critical way, the issue of economic
rationality and the supposed gains in its use in the resolution of legal cases. The
criticism is based on the following hypothesis: If the Law and Economic (L&E)
is based on theoretical assumptions of the Neoclassical School of Economics, it
does not appear to be a good solution for legal problems. The rationalist model
of this school, based on a rational and utilitarian homo economicus, is simply
not compatible with the “real” world. In this sense, it is necessary to pay more
attention to the important contributions that psychology has made to economics,
especially with regard to the decision-making process.

1. Introdução
Este texto pretende abordar, de forma crítica, a questão da racionalidade
econômica e dos supostos ganhos em sua utilização na resolução de casos jurídicos.
A crítica parte da seguinte hipótese: se a Análise Econômica do Direito (AED) parte

1 Professor Associado da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo –USP.
Juiz Federal em Ribeirão Preto.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

de pressupostos teóricos da Escola Neoclássica da Economia, como, por exemplo,


de agentes econômicos que tomam decisões altamente eficientes fundadas em
métodos racionais, ela não se apresenta como uma boa saída para os problemas
jurídicos. O modelo racionalista dessa escola, baseado em um homo economicus
simplesmente não condiz com o mundo real, já que desconsidera os limites da
racionalidade, conforme proposto por Herbert Simon. Ademais, uma teoria da
decisão econômica que não incorpore os achados da Psicologia Comportamental de
Kahneman e Tverski, por exemplo, irá certamente apresentar apenas uma faceta
de todo o fenômeno e, talvez, a menos interessante. Uma análise econômica do
Direito que simplesmente descarte heurísticas e vieses no processo de escolhas
e decisões não faz mais sentido no atual cenário acadêmico no qual o interesse
interdisciplinar entre o Direito, a Economia e a Psicologia, há algum tempo, vem
se transformando de desconhecido e marginal para quase convencional.
O objetivo deste artigo é, a partir da comparação entre a Escola Neoclássica
e a Economia Comportamental, trazer para o Direito algumas reflexões a respeito
da possível interseção entre a Economia e o Direito.

2. A Escola Neoclássica
O termo “Neoclássico” sugere um renascimento da Economia Clássica.
Ele surge em um momento em que a escola dominante era a de pensamento
keynesiano. Naquele período da economia norte-americana, Keynes pensava que
o quadro macroeconômico estava especialmente propenso à possível escassez de
demanda agregada, o que poderia facilitar o surgimento de recessões econômicas.
Nesse contexto, de possível queda nos investimentos privados, o resultado mais
provável seria o aparecimento do “desemprego involuntário”. Em tal situação,
a saída para impulsionar a economia seria um aumento nas despesas públicas
(GHISELLINI; CHANG, 2018, p. 5-6).
No entanto, esse relato econômico pareceu inconcebível para economistas
neoclássicos como Thomas Sargent, Robert J. Barro e Edward Prescott. Para eles,
as mudanças de preços garantiriam que os mercados tendessem ao equilíbrio,
possibilitando, assim, que os agentes econômicos otimizassem o resultado de
suas escolhas. Caso os investimentos privados caíssem, as empresas poderiam
prontamente cortar salários para restaurar os lucros, uma vez que os trabalhadores

112
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

aceitariam a melhor opção disponível (ou seja, salários mais baixos em vez do
desemprego). Assim, da mesma maneira como previam os economistas clássicos,
o sistema econômico buscaria o equilíbrio (GHISELLINI; CHANG, 2018, p. 6).
Assim, para os economistas neoclássicos, as políticas macroeconômicas
devem, basicamente, assegurar o melhor ambiente possível para os agentes
econômicos, ou seja, com o mínimo de distorções intertemporais (intertemporal
distortions). Para isso, as regras (políticas) devem ser simples, confiáveis e
transparentes. A estrutura econômica proposta por esses economistas deve
ter: 1) componentes essenciais para um equilíbrio intertemporal; 2) mercados
compostos por agentes voltados para a otimização de resultados; 3) agentes
econômicos que tomam decisões altamente eficientes, otimizando a utilidade
esperada a partir de uma racionalidade plena (GHISELLINI; CHANG, 2018, p. 8).
Para uma devida compreensão da Escola Neoclássica há que se falar, ainda,
sobre o conceito de utilidade. Em termos econômicos, a utilidade é uma função
que cria valor ou eficiência que nos beneficia em tudo o que nos esforçamos
para realizar na vida. É algo útil, ou um meio, como o dinheiro, de atender as
necessidades e desejos da vida diária, principalmente na forma de consumo. Ela
se relaciona com o conceito de qualidade de vida e de bem-estar (GHISELLINI;
CHANG, 2018, p. 9-10).
Um desafio enfrentado pelos economistas neoclássicos surgiu em decorrência
do próprio sentido atribuído ao conceito de utilidade, que é a questão de sua
mensuração. Afinal, como medir a utilidade? A resposta a essa pergunta tem a
ver com o que se pode esperar de um agente econômico racional. Isso porque,
na análise da utilidade padrão, um agente econômico racional deve ser capaz
de tomar decisões sobre a utilidade da qual se beneficiará no futuro, com base
no resultado final de seus cálculos. Portanto, a medida da utilidade está, nesse
contexto, diretamente relacionada com as expectativas racionais do agente
econômico.
A teoria econômica convencional das decisões racionais parte de uma forte
premissa de que as pessoas agem de forma a alcançar os melhores resultados para
si próprio. O agente econômico que recupera toda a informação e conhecimento
disponíveis, nesse sentido, além de racional, ele é também egoísta.
Na visão de economistas clássicos como Adam Smith, não haveria problema
algum com o egoísmo. Smith conjecturou que se alguém persegue seu próprio

113
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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

interesse, frequentemente promoverá também o interesse da sociedade de uma


forma ainda mais eficaz do que quando pretendia promovê-lo para seus próprios
fins (CARTWRIGHT, 2011, p. 6).
Essa descrição de um agente econômico racional e egoísta dominou o
discurso econômico por muito tempo. Esse ser humano maximizador de utilidade
ganhou dos economistas a alcunha de homo economicus. Mas quem foi essa persona
que ,dos anos 1940 aos anos 1980, foi praticamente uma unanimidade dentre a
maioria dos economistas, especialmente os neoclássicos?
Em síntese, o homo economicus é um agente econômico racional,
egoísta e eficiente. De acordo com alguns economistas, esse agente enfrenta,
constantemente, um conjunto de opções alternativas. Por exemplo: para qualquer
par de alternativas (A e B, digamos), o agente prefere A a B, B a A ou é indiferente
entre A e B. Este é o axioma da completude. No entanto, essas preferências são
transitivas. Ou seja, se um agente prefere A a B e B a C, então ele necessariamente
prefere A a C. Se ele é indiferente entre A e B, e indiferente entre B e C, então ele
é necessariamente indiferente entre A e C.
O pressuposto da escola neoclássica é a de que os indivíduos têm um
conhecimento completo de todas as opções relevantes e que têm os meios para
processar e entender essas informações em tempo hábil. Dessa forma, eles podem
prever as implicações de suas decisões ao longo do tempo e, assim, calcular as
consequências de suas escolhas (GHISELLINI; CHANG, 2018, p. 16).
Entretanto, como veremos a seguir, somos céticos em relação a esse
indivíduo egoísta que, ao procurar maximizar sua riqueza ou renda, fa-lo mediante
cálculos racionais e eficientes, buscando sempre maximizar sua utilidade ou
eficiência. Esta é, sob vários aspectos, uma visão simplista e equivocada da
natureza humana que, infelizmente, tem sido propagada por algumas escolas
de pensamento econômico e, também, jurídico.

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

3. Críticas

3.1. Primeira crítica: a suposta precisão dos modelos matemáticos

Um dos pontos centrais deste artigo baseia-se na manifesta falibilidade do


pensamento econômico neoclássico. Provas evidentes dessa falibilidade podem ser
encontradas nas posições mantidas pelo seu mainstream acerca da compreensão
e previsão de fatos macroeconômicos relevantes. Tomemos como exemplo a crise
financeira de 2008, que causou, dentre inúmeras outras quebras, a do Lehman
Brothers, que era, naquela ocasião, o segundo maior banco de investimento dos
Estados Unidos, com uma longa história de 158 anos. O colapso dessa tradicional
instituição desencadeou uma onda de pânico nos mercados financeiros não vista
há décadas. Também nesse mesmo período, faliram a American International
Group – AIG, a maior seguradora global do mercado, e as duas maiores empresas
do setor imobiliário dos Estados Unidos, Fannie Mae e Freddie Mac, que só se
mantiveram ativas graças à injeção maciça de recursos do Tesouro dos Estados
Unidos.
Essas enormes dificuldades sentidas pelo setor financeiro dos Estados
Unidos, em 2008, tiveram seu gatilho no colapso do mercado de hipotecas subprime
e na bolha do mercado imobiliário ao longo dos anos 2000. No entanto, a crise não
se restringiu apenas ao mercado da habitação, ela se alastrou progressivamente aos
diversos segmentos do mercado financeiro. De acordo com o Bank for International
Settlements – BIS, todos os ativos foram afetados, exceto os mais seguros, e, assim,
partes essenciais do sistema financeiro internacional tornaram-se disfuncionais.
O tradicional índice da bolsa Dow Jones perdeu um terço de seu valor, a maior
queda em qualquer ano do pós-guerra, superando as grandes quedas das crises
do petróleo da década de 1970 e o estouro da bolha de tecnologia do início dos
anos 2000. A queda continuou até meados de março de 2009, fazendo com
que as perdas acumuladas em pouco mais de um ano ultrapassassem os 50%.
(CHERNAVSKY, 2012, p. 49).
Ocorre que no ano de 2003, portanto, apenas poucos anos antes do início
da crise, o famoso economista e ganhador do Prêmio Nobel Robert Lucas, em
seu discurso na reunião anual da American Economic Association, afirmou que a

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

macroeconomia teria surgido, como campo, na década de 1940, como parte de


uma resposta intelectual à Grande Depressão. O termo, segundo Lucas, referia-se
ao “corpo de conhecimento e experiência” que buscava evitar o ressurgimento de
desastres econômicos. A partir disso, concluiu: “Minha tese nesta palestra é a de
que a macroeconomia em seu sentido original foi bem-sucedida: seu problema
central de prevenção da depressão foi resolvido, para todos os fins práticos, e de
fato foi resolvido por muitas décadas” (CHERNAVSKY, 2012, p. 59).
Evidentemente, a teoria econômica convencional falhou miseravelmente
no teste de realidade. E não foi apenas com a infeliz previsão de Robert Lucas.
Michael Woodford, outro importante economista norte-americano, dias antes
do início da crise de 2008, disse, em uma entrevista, que, apesar dos possíveis
cenários ruins em que a baixa atividade agrava a crise financeira, com pouco
espaço de manobra para a política macroeconômica, “podemos facilmente
pensar em cenários mais otimistas, e eu realmente os vejo como mais prováveis”
(CHERNAVSKY, 2012, p. 59-60). Olivier Blanchard, do MIT, e depois economista-
chefe do Fundo Monetário Internacional – FMI, escreveu, em 2008, um artigo
intitulado “The State of Macro”, sobre macroeconomia no qual declarou que “o
estado da macro é bom”. As batalhas do passado, disse ele, acabaram e houve uma
“ampla convergência de visão”. Um pouco antes, em 2004, Ben Bernanke, ex-
professor de Princeton, e depois Presidente do Federal Reserve Board, comemorou
a Grande Moderação (Great Moderation) no desempenho econômico nas duas
décadas anteriores, que ele atribuiu em parte à melhoria na formulação de
políticas econômicas (KRUGMAN, 2020).
É possível perceber, de forma clara, que, antes do início da crise de 2008,
o sentimento que prevalecia entre a maioria dos economistas era de que a crise
financeira, cujos efeitos já se manifestavam de forma inequívoca, especialmente
no mercado imobiliário, era relativamente sem importância. Nenhum dos
modelos macroeconômicos dominantes apontava para a possibilidade do colapso
que estava para ocorrer. Esses economistas simplesmente não conceberam a
ideia do estouro da bolha imobiliária, já que naquele ambiente econômico a
tese dominante era a de que tais bolhas simplesmente não poderiam existir
(CHERNAVSKY, 2012, p. 60).
Apesar desses e outros fracassos que não cabem aqui serem detalhados, a
Escola Neoclássica continuou e continua influente. Por quê? Uma das possíveis

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respostas parece estar no fato de que os economistas, especialmente os neoclássicos


(mas não somente eles), fizeram com que a economia parecesse, através de
ferramentas matemáticas, ter alcançado a dignidade de uma ciência exata.
Dois dos mais importantes fundadores da economia neoclássica foram Léon
Walras e William Stanley Jevons. Para Walras, que foi professor de Economia
em Lausanne, na Suíça, a característica de uma ciência é seu apego à busca da
verdade, além de uma completa indiferença a quaisquer consequências, vantajosas
ou indesejáveis. Walras fez questão de mostrar que a Economia era uma ciência
real, menos nebulosa do que a Sociologia ou a Filosofia. Jevons, de seu turno,
foi professor de Economia Política na University College, em Londres. Em sua
Teoria da Economia Política, de 1871, afirmou que a economia “deve ser uma
ciência matemática”. Ele justificou essa afirmação escrevendo que a economia
lida com quantidades. De acordo com Jevons, as “leis” da economia poderiam
ser como nas ciências exatas. Ele chamou sua teoria econômica de “a mecânica
da utilidade e do interesse próprio” (MAZZUCATO, 2018).
Mas a maior influência para a escola neoclássica, particularmente para o
desenvolvimento da teoria da utilidade, decorreu do britânico Alfred Marshall,
professor de Economia Política em Cambridge. Marshall, não surpreendentemente,
foi treinado para ser matemático. Ele usou o cálculo matemático, que tomou de
empréstimo da Física newtoniana, para desenvolver sua teoria econômica. Em
seu modelo, há um ponto em que o dinheiro do consumidor vale mais do que
a unidade adicional de uma mercadoria que o dinheiro compraria. A isso, ele
chamou de sistema em equilíbrio, que nada mais é do que uma ideia retirada da
descrição de Newton de como a gravidade mantém o universo unido. A inclusão do
conceito de equilíbrio no modelo econômico neoclássico teve o efeito de retratar
o capitalismo como um sistema harmonizador, impulsionado por mecanismos
competitivos autoequilibrados. Marshall estava tão interessado em enfatizar as
forças de equilíbrio e evolução na economia, com suas curvas suaves e contínuas
descritas por cálculos matemáticos, que a epígrafe de seus Princípios de Economia,
de 1890, foi a etiqueta latina Natura non facit saltum, usado por Darwin em
sua Origem das Espécies, de 1859. Marshall queria com isso demonstrar que
a natureza não evolui em saltos, mas em etapas incrementais, com base em
mudanças anteriores, em manifesto contraste com outras escolas econômicas,

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

como a descrita por Marx, por exemplo, segundo a qual no lugar de harmonia
haveria, na realidade, uma batalha entre classes sociais (MAZZUCATO, 2018).
Seguindo essa linha de pensamento, especialmente a partir da segunda
metade do século XX, houve um crescente aumento de modelos econômicos
baseados em cálculos matemáticos cada vez mais sofisticados. Nesse movimento,
que teve início no século XIX, economistas vêm elaborando uma teoria diretamente
inspirada nos grandes avanços teóricos feitos na ciência a partir do século XVI,
como a Física de Newton e a teoria da seleção natural de Darwin. A estratégia
é ver o comportamento como forças reflexas que se movem em direção a um
equilíbrio estável, que maximiza ou minimiza alguma variável teoricamente
crucial. No caso da microeconomia, essa variável é a utilidade e o equilíbrio é
fornecido por um nível de preço que a maximize.
Daí surge a pergunta: a economia conseguiu atingir o mesmo nível de
confiabilidade teórica dessas ciências? Muito provavelmente a resposta é negativa.
Anos de trabalho nessa direção não produziram nada comparável à descoberta
dos físicos de novos planetas ou a compreensão biológica do mecanismo de
adaptação e hereditariedade.

3.2. Segunda crítica: o distanciamento do real

Parte da economia moderna adota como pressuposto a ideia de que as


pessoas, em geral, realizam escolhas sobre suas próprias expectativas mediante
cálculos matemáticos e racionais. Essa visão, equivocada, sobre as motivações
e o processos de decisão já havia sido denunciada por Adam Smith em seu livro
Teoria dos Sentimentos Morais, escrito em 1759. A maioria dos economistas
conhece Smith por intermédio de outro livro, A Riqueza das Nações, de 1776,
no qual ele expõe sua tese da mão invisível do mercado. No entanto, Smith já
havia escrito no livro anterior que a utilidade (que ele chamou de prudência) é
apenas um dos impulsionadores da motivação humana e, em muitos casos, não
é o mais importante.
Em Teoria dos Sentimentos Morais Smith explica que as pessoas não são
motivadas apenas pelo interesse próprio, em razão de possuírem uma simpatia
natural pelos outros e também um senso natural de virtude. Smith tratou de
alguns temas nesse livro, como a importância da recompensa e da punição e

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

a influência do costume e da moda, que faz com que ele seja considerado por
alguns, o pai da economia comportamental. Edward Cartwright, por exemplo,
lembra que, no início, a psicologia andou de mãos dadas com a economia por
muito tempo depois de Adam Smith. Os primeiros economistas deram muita
importância às emoções, impulsos, estímulos, moralidade, etc. Foi somente no
início do século XX que a Economia se afastou da Psicologia (CARTWRIGHT,
2011, p. 5).
No entanto, a partir da década de 1960, a Psicologia foi gradualmente
retornando à Economia. Um dos elementos motivadores desse retorno foi
o trabalho desenvolvido por Herbert Simon. Ele questionou seriamente a
suposta racionalidade do agente econômico, que ficou conhecido depois como
homo economicus. Em um artigo publicado em 1955, Simon apontou para uma
completa falta de evidências de que, em situações reais de escolha humana, de
qualquer complexidade, supostos cálculos podem ou são, de fato, realizados.
O reconhecimento das limitações enfrentadas pelas pessoas levou-o a cunhar
a famosa expressão racionalidade limitada. Simon, posteriormente, ganhou o
Prêmio Nobel de Economia em 1978, por sua pesquisa pioneira no processo de
tomada de decisão em organizações econômicas. No entanto, os economistas
convencionais continuaram e continuam a utilizar o modelo do homo economicus.
Talvez por isso, Simon tenha escrito em sua autobiografia, o seguinte: “Meus
amigos economistas há muito desistiram de mim, mandando-me para a psicologia
ou para algum outro terreno baldio distante” (CARTWRIGHT, 2011, p. 7).
Essa imagem superestimada do homo economicus, que a economia neoclássica
nos apresentou como uma pessoa comum agindo de acordo com modelos e
fórmulas matemáticas, como se fosse uma empresa, continuou, após Simon,
sofrendo duras críticas. E não é para menos. A ideia de um homo economicus
extremamente individualista, impulsionado em grande parte pelo ganho
monetário e profundamente desconfiado de qualquer pessoa (especialmente do
público), exceto de si mesmo, só poderia existir no reino da fantasia. De acordo
com Peter Fleming, a narrativa da economia acadêmica dominante, ao criar um
mundo supereconômico, acaba por nos deixar do lado de fora. Essa forma de
abordagem econômica está teimosamente ligada a uma visão completamente
inoperante da sociedade. Em outras palavras, a adoção de seus pressupostos faz-
nos perder imediatamente o contato com a realidade. A maior parte da economia

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

teórica e aplicada hoje funciona intrinsecamente em um universo paralelo, uma


espécie de tempo dos sonhos dos nerds, vendendo uma narrativa que desafia as
experiências diárias da maioria das pessoas. Embora possam ficar bonitos no papel,
os modelos criados por boa parte dos economistas, ao serem aplicados à realidade,
frequentemente desafiam o bom senso básico. Economistas neoconservadores
como Milton Friedman, James M. Buchanan e, mais recentemente, Stephen
Moore são alguns dos exemplos mais óbvios (FLEMING, 2017, p. 5).
O distanciamento da economia em relação ao mundo real, em boa parte,
deu-se pelo fato dos economistas confundirem a beleza dos modelos matemáticos,
de impressionante aparência, com a realidade. Até a Grande Depressão, a maioria
dos economistas agarrou-se a uma visão do capitalismo como um sistema
perfeito ou quase perfeito. Essa visão não se sustentou diante do desemprego
em massa, mas à medida que as memórias da Depressão desvaneciam-se, os
economistas novamente apaixonavam-se pela velha e fictícia visão de acordo
com a qual indivíduos racionais interagem em mercados perfeitos, desta vez
enfeitados com fantasiosas equações matemáticas. Esse ambiente de flerte
com um mercado idealizado, em parte, foi uma resposta à mudança dos ventos
políticos e a incentivos financeiros. Mas, de acordo com Krugman, a principal
causa do fracasso dos economistas foi o desejo de uma abordagem abrangente
e intelectualmente elegante no qual os economistas tinham a chance de exibir
suas proezas matemáticas (KRUGMAN, 2020).
Sobre esse equívoco, próprio da Escola Neoclássica, Ghisellini e Chang
distinguem, com base em Brasser-Pereira, dois tipos de ciências, as metodológicas,
que não têm um objeto, mas são instrumentais para o raciocínio (como a
Matemática e a Estatística), e as substantivas, que têm um objeto claro para analisar
(como as ciências naturais e sociais, incluindo a Economia). As substantivas,
caracteristicamente, adotam o método histórico-dedutivo, no qual as hipóteses são
formuladas a partir da realidade e têm como critério sua capacidade preditiva. Em
contraste, as ciências metodológicas baseiam-se no método hipotético-dedutivo,
no qual uma teoria não é avaliada com referência à realidade, mas de acordo com
sua validade matemática. O economistas neoclássicos aparentemente mesclaram
os métodos e acabaram construindo modelos que não tinham correspondência
com a realidade, mas que eram considerados científicos pois apoiavam a hipótese
da eficiência do mercado. Todavia, ciência e formalização matemática não são a

120
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

mesma coisa. Buscando salvar seus modelos eles simplesmente desconsideraram


as complexidades da tomada de decisão no mundo real (incluindo bolhas,
preconceitos, restrições sociais, altruísmo, etc.), ou, como afirmam Ghisellini
e Chang (2018, p. 32-33), “eles preferiram estar elegantemente errados em vez
de tentar estar aproximadamente certos”. (

3.3. Terceira crítica: seres humanos não raciocinam como o homo


economicus

O modelo econômico padrão do comportamento humano, responsável pela


figura do homo economicus, destacou três traços desse agente econômico irrealista:
1) racionalidade ilimitada; 2) força de vontade ilimitada); 3) egoísmo ilimitado.
Não há, no restrito espaço deste artigo, condições de abordar plenamente esses
três traços. No entanto, cabem aqui algumas considerações acerca dessa figura
retratada em livros de Economia como um maximizador racional. Esse agente
econômico, que não se preocupa com moralidade, ética ou outras pessoas e que,
em vez disso, age fria e calculisticamente, só pensando em si mesmo, buscando
apenas a maior vantagem financeira.
Como bem destaca Lynn A. Stout (2008), o homo sapiens nem sempre
age como o homo economicus. Algumas pessoas fazem caridade anonimamente,
outras mergulham em águas geladas para resgatar estranhos. No entanto,
professores de Economia dizem a seus alunos que essas são exceções que apenas
comprovam a regra. A maioria das pessoas, na maioria das vezes, age de forma
egoísta. O comportamento altruísta é raro, imprevisível e impróprio para um
estudo sério. Esse relato, cínico, da natureza humana tem sido uma constante
na teoria econômica neoclássica. O problema disso, alerta Stout, é que essa
abordagem espalhou-se para muito além do estudo de mercados. Liderados
por ganhadores de prêmios Nobel como James Buchanan e Gary Becker, os
economistas vêm aplicando a escolha racional a problemas de crime, educação e
governança corporativa. Cientistas políticos passaram a analisar os legisladores
como se fossem meros atores com interesses próprios. Departamentos de
Políticas Públicas e Escolas de Negócios incorporaram a Economia aos currículos
básicos e apresentaram o homo economicus como padrão a seus estudantes. Nas
faculdades de Direito, professores adotaram a análise econômica do Direito

121
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

(Law and Economics), aplicando as ferramentas da teoria econômica, incluindo o


pressuposto da racionalidade egoísta, às regras e instituições jurídicas (STOUT,
2008, p. 158).
O inconveniente em aplicar o modelo do homo economicus a todos os tipos
de problemas sociais, de acordo com Stout (2008), é o de que ele não serve para
a grande maioria das pessoas. O mais apropriado seria aproximar esse agente
econômico neoclássico de um caso específico: de um psicopata. A justificativa
para isso são suas características mais marcantes, como o extremo egoísmo, e as
disposições de mentir, trapacear e tirar vantagem dos outros. De acordo com o
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da American Psychiatric
Association, um indivíduo que sofre de Transtorno de Personalidade Anti-
Social (o nome psiquiátrico para a psicopatia) costuma apresentar as seguintes
características: 1) descumprimento de normas sociais; 2) fraude, decorrente
de mentiras repetidas, uso de pseudônimos, etc.; 3) impulsividade ou falha
em planejar com antecedência; 4) irritabilidade e agressividade, causadoras de
brigas ou agressões; 5) descuido imprudente pela segurança de si ou de outros;
6) irresponsabilidade consistente, indicada por repetidas falhas em sustentar
trabalho estável ou honrar obrigações financeiras; 7) ausência de remorso e
indiferença por ter ferido, maltratado ou roubado outra pessoa (STOUT, 2008,
p. 158-159).
Na avaliação de Stout, o homo economicus preenche satisfatoriamente pelo
menos cinco itens dessa lista. Vejamos o item 7, de ausência de remorso. Por que
o homem econômico se sentiria mal? Ele pode até ter magoado ou enganado
alguém, mas ele estava buscando a promoção de seu próprio bem-estar material.
Importante ressaltar que o homo economicus não se sente responsável ou se
preocupa com alguém além de si mesmo. Dessa forma, não há para ele qualquer
complicação decorrente de mentir, sempre que isso sirva aos seus interesses. Em
decorrência disso, o homo economicus não se sente motivado a cumprir normas,
sociais ou legais. A conclusão de Stout é a de que o homem econômico carece de
consciência (STOUT, 2008, p. 159).
Felizmente, muito poucas pessoas realmente agem dessa maneira. A
American Psychiatric Association estima que apenas uma pequena porcentagem
da população dos Estados Unidos sofre de Transtorno da Personalidade Anti-
Social, e muitos desses indivíduos estão trancados na prisão. Então por que o

122
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

modelo do homo economicus tornou-se a abordagem dominante para modelar


o comportamento humano nos círculos econômicos, jurídicos, políticos e de
negócios de hoje? Uma possível resposta decorre do modelo de escolha racional,
dominante nas discussões jurídicas, de negócios e políticas modernas. Esse modelo
apresentou o homo economicus de maneira relativamente simples e acessível,
tornando o comportamento egoísta fácil de prever e de modelar com uma fórmula
matemática. Isso deu à abordagem da escolha racional uma aparência atraente e
ao mesmo tempo de rigor científico. Em contraste, o comportamento altruísta
pareceu peculiar, instável e difícil de reduzir a um algoritmo para ser usado em
previsões (STOUT, 2008, p. 159-160).
Outra importante razão por meio da qual muitos especialistas adotam com
entusiasmo o modelo do homo economicus tem a ver com o fato de acreditarem
que o egoísmo racional é um comportamento mais preciso e universal do que
realmente o é. Como resultado, eles veem o relato do homo economicus como
uma boa descrição de como a maioria das pessoas comporta-se na maior parte
do tempo. Mas como alerta Stout (2008), essa visão é comprovadamente falsa.
Experimentos confirmam que o comportamento altruísta, de sacrificar as próprias
recompensas materiais para beneficiar os outros, é, na verdade, extremamente
comum. Experimentos como o Jogo do Ultimato (Ultimatum Game), do Ditador
(Dictator), da Confiança (Trust) e do Dilema Social (Social Dilemma), projetados
para testar o que pessoas fazem quando colocadas em situações nas quais seus
próprios interesses conflitam com os de terceiros, confirmam que a maioria das
pessoas age de forma a não considerar unicamente seu próprio bem-estar, mas
também o dos outros (STOUT, 2008, p. 160).
O perigo de aceitar o modelo de comportamento humano do homo economicus
não reside simplesmente no fato de que ele está completamente equivocado. Há
um risco maior. Uma série de estudos experimentais sugeriram que as crenças
sobre o egoísmo ou o altruísmo podem ser influenciadas pelo treinamento formal,
especialmente aquele oferecido por economistas. Evidências indicam que alunos
que fazem cursos de Economia, mais do que alunos de outros cursos, tendem a
descrever as outras pessoas como mais egoístas. Isso, provavelmente, é um reflexo
da teoria econômica que ensina os alunos a presumir que as pessoas conduzem-
se como homo economicus, maximizadores racionais e egoístas. Essa estratégia
pedagógica não apenas incentiva os alunos a verem mais egoísmo nos outros,

123
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

como também glorifica esse comportamento, fazendo com que o altruísmo seja
visto como uma atitude irracional. É fácil ver, assim, como os indivíduos que
recebem instrução formal em análise econômica tendem a perceber as pessoas
como mais egoístas do que realmente são (STOUT, 2008, p. 168).

4. A aplicação da economia comportamental ao direito


Diante de tantas objeções ao modelo econômico baseado no ator racional
e egoísta, o desafio é apresentar uma alternativa ao homo economicus que seja
informada por percepções sobre o comportamento humano real e não somente
ideal.
Nossa proposta é a de apresentar uma abordagem econômica do
direito fundada em concepções que melhor compreendam a complexidade
do comportamento humano. Os achados da Psicologia, da Neurociência e das
demais ciências comportamentais não devem mais ser igorados pela boa análise
econômica do Direito. Nesse sentido, a utilização da economia comportamental
para entender e prever as condutas relevantes dos agentes jurídicos para o Direito
parece ser um caminho promissor.
A análise realizada pela Economia Comportamental do Direito (Behavioral
Law and Economics) explora as implicações do comportamento humano real (não
hipotético) para o Direito. Algumas páginas atrás, afirmamos que o padrão de
modelo econômico do comportamento humano destacava três traços do homo
economicus, racionalidade ilimitada, força de vontade ilimitada e egoísmo ilimitado.
A grande diferença para o modelo aqui proposto está na ênfase nos limites do
comportamento humano. Esses limites refutam as ideias de maximização da
utilidade, preferências estáveis, expectativas racionais e processamento ideal
de informações. Ao contrário do que afirma a escola neoclássica, a maioria
das pessoas exibe as seguintes características: racionalidade limitada, força de
vontade limitada e interesse próprio (egoísmo) limitado. Cada um desses limites
representa a maneira pela qual a maioria das pessoas afasta- se do modelo
econômico padrão. Cada um deles aponta para desvios sistemáticos dos modelos
econômicos convencionais (JOLLS; SUNSTEIN; THALER, 1998, p. 1476-1477).
A ideia introduzida por Herbert Simon, de que a racionalidade humana é
limitada, refere-se ao fato óbvio de que as habilidades cognitivas humanas não

124
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

são infinitas. Nossas habilidades computacionais são limitadas e nossas memórias


seriamente defeituosas. Para lidar com nossas limitadas memórias, fazemos
lembretes. Para enfrentar nossa limitação cognitiva, usamos atalhos mentais
e regras práticas. No entanto, mesmo com essas estratégias, e em alguns casos
por causa delas, o comportamento humano difere substancialmente daquele
previsto pelo modelo econômico padrão de racionalidade ilimitada.
Os desvios do modelo padrão podem ser divididos em duas categorias:
julgamento e tomada de decisão. Os julgamentos reais mostram desvios sistemáticos
dos modelos de previsões imparciais, e as decisões reais frequentemente violam
os axiomas da teoria da utilidade esperada ( JOLLS;SUNSTEIN; THALER, 1998,
p. 1477).
No final da década de 1970, experimentos no campo da então nova economia
comportamental revelaram muitas anomalias na tomada de decisão que não
correspondiam exatamente ao que era previsto pelos modelos de escolha racional.
Essas anomalias, muitas vezes impressionantes, eram facilmente descartadas,
pois não havia qualquer tipo de teoria que pudesse explicar por que as pessoas
tomavam boas decisões em um contexto, mas decisões ruins em outro.
Os psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky, pioneiros nos estudos que
mostravam vieses nas pessoas que tomavam decisões em apostas monetárias,
desenvolveram a prospect theory. De acordo com essa teoria, o que conta na
geração da utilidade não são os níveis específicos de riqueza, mas sim desvios
desses níveis a partir de um ponto de referência. Ex: receber um aumento de
salário de 10% traduz- se em níveis de riqueza mais elevados e em um aumento
na utilidade? Na verdade, sua utilidade pode até diminuir se você descobrir que
um colega de trabalho fazendo exatamente o mesmo recebeu um aumento de
20% (fatores relacionais) ou se você esperava um aumento de 20% (fatores de
expectativa).
Outro exemplo decorrente do trabalho pioneiro de Daniel Kahneman e
Amos Tversky é o da heurística, ou viés da disponibilidade, na qual a frequência
de algum evento é estimada avaliando a facilidade de sua lembrança, ou seja, o
quão disponível ela se encontra. Boa parte das pessoas tende a concluir que a
probabilidade de um evento ocorrer (como a queda de um avião) é maior se elas
testemunharam recentemente a ocorrência desse evento, por exemplo, assistindo
ao noticiário na TV. O trabalho de Kahneman e Tversky mostrou que, embora

125
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

as heurísticas sejam, na média, úteis, em circunstâncias específicas elas levam a


erros (acidentes com aviões são pouco frequentes se comparados a outros meios
de transporte) (KAHNEMAN, 2012, p. 166-167).
Mas e no Direito? Esses vieses também são encontrados? A resposta é
positiva. Tomemos o exemplo dos juízes. Como a grande maioria dos seres
humanos, juízes são influenciados pelo seu histórico pessoal, gênero, preconceitos
ou simpatias em processos de tomada de decisão judicial. Inúmeros estudos
confirmam essa assertiva. Realistas jurídicos norte-americanos, como Jerome
Frank, já nos alertavam, nas décadas de 20 e 30 do século passado, que o Direito
está longe ser claro e objetivo, mas que na realidade ele é e continuará sendo,
em larga medida, vago e variável.
Boa parte da variabilidade da tomada de decisão judicial, como demonstram
inúmeras pesquisas, decorrem dos antecedentes pessoais dos juízes, suas
experiências profissionais, suas experiências de vida e até mesmo suas preferências
partidárias e ideológicas. Vários estudos documentaram que, nos Estados Unidos,
juízes nomeados por presidentes republicanos decidem os casos de maneira
diferente dos juízes nomeados por presidentes democratas, mesmo depois de levar
em conta as diferenças pessoais e profissionais (incluindo gênero e raça). Outros
estudos mostraram que juízes brancos e juízes não brancos, bem como juízes de
outras origens, decidem os casos de forma diferente, embora essas diferenças
sejam mais modestas e tendem a ser detectadas principalmente quando os casos
envolvidos têm uma conotação racial ou de gênero significativa. De forma geral,
essa literatura sugere que juízes situados de forma e em locais diferentes podem
decidir casos de maneira distinta (HARRIS; SEN, 2019, p. 242).
Outro ponto interessante que merece ser abordado é o de pessoas envolvidas
em processos criminais. Esses policiais, promotores, juízes e membros do júri estão
regularmente correndo o risco de desenvolver o viés da confirmação (hindsight
bias). Nesse viés, essas pessoas podem prontamente se convencer de que o
suspeito é culpado e, então, não estarem mais abertas a cenários alternativos em
que o investigado ou réu é realmente inocente. Caso isso ocorra, esses operadores
do Direito podem dar preferência apenas para os indícios investigativos que
confirmem a culpa, em oposição a investigações que visam excluí-la, ou mesmo
que possam levar a cenários alternativos válidos (HARLEY, 2007, p. 48).

126
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

5. Considerações finais
Inúmeras pesquisas apontam para o fato de que existem relevantes limitações
no processamento cognitivo de julgamento e tomada de decisão, judicial ou não.
Ao confrontarmos modelos da teoria da escolha racional, desenvolvidos por
economistas convencionais, com o mundo real, percebemos a necessidade de
incorporação de outros elementos, especialmente comportamentais.
A Psicologia, há muito tempo, já vem se distanciando do modelo de
racionalidade frequentemente utilizado pela Economia. O Direito, da mesma
maneira, deveria se afastar de teorias econômicas de recorte neoclássico que se
baseiam em suposições errôneas acerca do comportamento humano. Nós, do
Direito, deveríamos ser mais cautelosos ao tratarmos da questão da racionalidade.
Deveríamos, a partir dos trabalhos desenvolvidos pelos psicólogos, buscar
alternativas ao modelo do homo economicus, esse agente racional, egoísta e,
sobretudo, fictício.

Referências
CARTWRIGHT, Edward. Behavioral Economics, Routledge, 2011.
CHERNAVSKY, Emilio. Crisis and Perplexity: the economists in face of the
rupture of the pattern of global growth, The Perspective of the World Review,
vol. 4, n. 3, 2012.
FLEMING, Peter. The Death of Homo Economicus: Work, Debt and the Myth
of Endless Accumulation, Pluto Press, 2017.
GHISELLINI, Fabrizio; CHANG, Beryl Y. Behavioral Economics: Moving
Forward, Palgrave Macmillan, 2018.
HARRIS, Allison P.; SEN, Maya. Bias and Judging, Annual Review of Political
Science, vol. 22, 2019. Disponível em: https://www.annualreviews.org/doi/
full/10.1146/annurev-polisci-051617-090650 Acesso em: 26 jun. 2021.
JOLLS, Christine; SUNSTEIN, Cass R.; THALER, Richard. A Behavioral
Approach to Law and Economics, Stanford Law Review, vol 50,1998.
Disponível em: https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.
cgi?article=12172&context=journal_articles Acesso em: 23 jun. 2021.

127
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A neuroeconomia e o neurodireito

KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro:


Objetiva, 2012.
KRUGMAN, Paul. Arguing with Zombies: Economics, Politics, and the Fight
for a Better Future W.W. Norton & Company, 2020.
MAZZUCATO, Mariana. The Value of Everything: Making and Taking in the
Global Economy, Penguin Books Ltd, 2018.
STOUT, Lynn A. Taking Conscience Seriously, Moral Markets: The Critical Role
of Values in the Economy, Edited by Paul J. Zak, Princeton University Press,
2008.

128
4
A teoria dos jogos
nos tribunais
Teoria dos jogos e decisão judicial: aplicações e desafios

Game theory and judicial decision-making: uses and challenges

Fernando Angelo Ribeiro Leal1

Resumo: Este trabalho apresenta alguns elementos básicos de teoria dos jogos
que justificam sua importância para o raciocínio judicial, especialmente no atual
contexto de inclinações pragmáticas pelo qual vem passando o direito público
brasileiro. Para tanto, serão apresentados os traços marcantes dessas inclinações
pragmáticas e, depois, serão debatidas possíveis aplicações da teoria dos jogos
no Direito. Finalmente, serão explorados como limites de conhecimento podem
modular a utilidade da teoria dos jogos para orientar a justificação de decisões
judiciais.
Palavras-chave: Teoria dos Jogos. Raciocínio Jurídico. Consequencialismo.
Pragmatismo.
Abstract: This paper presents some basic aspects of game theory and their
relevance for judicial reasoning, especially in the context of pragmatic inclinations
currently influencing Brazilian public law. Main features of these pragmatic
inclinations are therefore outlined. Subsequently, possible applications of game
theory within law are discussed. Lastly, the paper explores the way in which
limits of knowledge can modulate the usefulness of game theory to guide judicial
decision-making.
Keywords: Game Theory. Legal Reasoning. Consequentialism. Pragmatism.

1 Professor da FGV Direito Rio, Rio de Janeiro, RJ (Brasil). Doutor em Direito pela Christian-Albrechts-
Universität zu Kiel (Alemanha), com apoio do serviço alemão de intercâmbio acadêmico (DAAD). Doutor
e mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Realizou estágio
pós-doutoral na condição de pesquisador visitante na Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg. Algumas
ideias deste trabalho foram apresentadas previamente em: LEAL, Fernando. Consequencialismo,
racionalidade e decisão jurídica: o que a teoria da decisão e a teoria dos jogos podem oferecer? In:
Armando Castelar Pinheiro, Antônio Maristrello Porto e Patrícia Regina Pinheiro Sampaio (Orgs.).
Direito e Economia: Diálogos. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2019, p. 85-113.

130
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

1. Introdução
O avanço da análise econômica do direito, do pragmatismo jurídico e de
outras teorias e metodologias de decisão orientadas na consideração de efeitos
futuros de alternativas decisórias vem exigindo a expansão da tradicional caixa
de ferramentas disponível para a justificação de decisões dentro das fronteiras
do direito. Introduzidas, sobretudo recentemente, em debates teóricos e em
processos de justificação de decisões judiciais, abordagens prospectivas ou, mais
especificamente, consequencialistas revelam, ao mesmo tempo, os limites do
conhecimento jurídico ordinário e apontam para a necessidade de desenvolvimento
de mecanismos confiáveis para lidar com projeções e avaliações de um futuro
nem sempre facilmente antecipável.
Nesse cenário de desafios para a qualidade do raciocínio jurídico, a teoria
dos jogos aparece como instrumental útil e atraente para a compreensão de
como as regras do direito afetam o comportamento individual e coletivo. Nesse
sentido, ela pode desempenhar importante papel para a justificação de decisões
judiciais preocupadas com os seus efeitos ou para a revisão judicial de escolhas
de outras instituições sustentada sobre o seu potencial para incentivar ou
inibir certos comportamentos. Isso não quer dizer, contudo, que a teoria dos
jogos seja relevante para a modelagem e a antecipação do comportamento
esperado de agentes racionais em qualquer problema jurídico. Sua utilidade
real tampouco pode ser efetivamente capturada se a sua incorporação à prática
judicial for limitada a (i) referências muito gerais – tornando a referência a jogos
meras metáforas para descrever problemas de ação coletiva2 – ou vazias; (ii)
expressões de exercícios de pseudoerudição decorrentes da simples utilização
do vocabulário da teoria desacompanhado de maiores esforços de aplicação; ou
(iii) não mais do que o produto de um entusiasmo acrítico. Nesses casos, a teoria
dos jogos tende a ser um simples modismo repetido festivamente, mas incapaz
de garantir a processos reais de justificação de decisões judiciais maiores níveis
de segurança, estabilidade ou racionalidade.
Com essas preocupações em mente, este trabalho pretende apresentar
elementos básicos de teoria dos jogos aptos para justificar a sua importância para

2 BAIRD, Douglas G., GERTNER, Robert H., PICKER, Randal C. Game Theory and the Law. Cambridge:
Harvard University Press, 2002, p. 1.

131
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

o raciocínio judicial e para estimular o aprofundamento no tema, especialmente


no atual contexto de inclinações pragmáticas pelo qual vem passando o direito
público brasileiro. Para tanto, serão apresentados em um primeiro momento os
traços marcantes dessas inclinações e, em segundo momento, possíveis aplicações
da teoria dos jogos no direito. Finalmente, serão explorados como limites de
conhecimento podem modular a utilidade da teoria dos jogos para orientar a
justificação de decisões judiciais.

2. O contexto favorável: as inclinações pragmáticas no direito


público brasileiro e a reforma da LINDB
O direito público brasileiro vem passando por evidentes inclinações
pragmáticas. As alterações promovidas recentemente na Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro (LINDB) pela Lei 13.655/2018 representam o
principal marco legislativo dessas mudanças. O contato dessas alterações com
o pragmatismo como teoria normativa da decisão jurídica, independentemente
dos contatos que ela possa manter com o pragmatismo filosófico3, são
perceptíveis especialmente a partir de duas referências contidas no artigo
204: o anticonceitualismo e o consequencialismo5. O primeiro aspecto faz-
se notar pela tentativa de limitar os espaços de decisão ou de impor ônus
especiais de argumentação para a justificação “com base em valores jurídicos
abstratos”. Nisso se revela uma aversão ou resistência a extrair respostas para
problemas concretos de conceitos abstratos cuja natureza controvertida pode,
eventualmente, decorrer de meros desacordos semânticos ou de compromissos
com determinados pressupostos normativos defendidos por quem parte de
concepções sobre justiça, democracia, constitucionalismo, Estado de Direito

3 A esse respeito ver: ARGUELHES, Diego Werneck; LEAL, Fernando. Pragmatismo como [meta]teoria
da decisão judicial: Caracterização, Estratégias e Implicações. In: Daniel Sarmento (Coord.). Filosofia
e teoria constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009, p. 171-211.
4 “Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores
jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.” BRASIL.
Decreto-lei 4.657/1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro, 1942.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm. Acesso em:
14 jul. 2021.
5 LEAL, Fernando. Juízes pragmáticos são necessariamente juízes ativistas? Revista Brasileira de
Direito. Passo Fundo, vol. 17, n. 1, janeiro-abril, 2021, p. 14.

132
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

ou separação de poderes, para mencionar apenas alguns exemplos. O segundo


aspecto, por sua vez, envolve a necessidade de consideração das “consequências
práticas da decisão” para a justificação da preferência por um determinado
curso de ação. Conjugados, esses fatores se aproximam do que Richard Posner
(2003) rotula de “pragmatismo cotidiano”, que se revela mais em uma atitude
ou inclinação do que propriamente como o produto de esforços teóricos bem
organizados6. E essa parece ser uma boa maneira de compreender o sentido das
inclinações pragmáticas que inspiram o legislador, na medida em que ela impede
a associação necessária – ainda que possível – do dispositivo legal com o endosso
do utilitarismo ou da análise econômica do direito. Inspiradas em um tipo de
pragmatismo cotidiano, essas inclinações, na verdade, buscariam, por um lado,
conter o recurso a conteúdos vagos para a justificação de decisões e, por outro,
incentivar considerações sobre os efeitos no mundo das diferentes alternativas
disponíveis para a decisão, mas sem pressupor que algum critério de utilidade
ou de eficiência econômica detenha a primazia absoluta para a avaliação das
consequências projetáveis.
Encaradas como um programa geral para a incorporação de raciocínios
prospectivos no direito, as inclinações pragmáticas no direito público demandam
referenciais de operacionalização controlável. Sem isso, corre-se o risco de a alegada
crise de segurança jurídica que informa a promulgação da Lei 13.655/2018 ser,
em vez de neutralizada, aprofundada7. Os perigos aparecem tanto no plano das
condições de racionalidade para a elaboração de prognoses sobre o futuro como
no plano das condições de racionalidade sobre a valoração dos possíveis efeitos

6 POSNER, Richard. Law, Pragmatism, and Democracy. Cambridge: Harvard University Press, 2003,
p.11-12.
7 Ver, por exemplo, a justificativa do PL 349/2015, do Senado, base para a promulgação da lei 13.655/2018,
em que se lê: “Como fruto da consolidação da democracia e da crescente institucionalização do Poder
Público, o Brasil desenvolveu, com o passar dos anos, ampla legislação administrativa que regula o
funcionamento, a atuação dos mais diversos órgãos do Estado, bem como viabiliza o controle externo
e interno do seu desempenho. Ocorre que, quanto mais se avança na produção dessa legislação, mais
se retrocede em termos de segurança jurídica. O aumento de regras sobre processos e controle da
administração têm provocado aumento da incerteza e da imprevisibilidade e esse efeito deletério
pode colocar em risco os ganhos de estabilidade institucional”. BRASIL. Senado Federal. Projeto
de Lei nº 349/2015. Brasília, 2015, p. 4. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/
documento?dm=4407647&ts=1593913219661&disposition=inline. Acesso em: 24 jul. 2021.

133
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

associados a diferentes alternativas de decisão8. No primeiro caso, o risco é o de


embasamento de decisões sobre simples especulações sobre o futuro, conjecturas
desparametrizadas captadas pelo que Conrado Hübner Mendes (2018) chamou de
consequencialismo9. Nesse aspecto, o futuro é antecipado sem que informações
sejam apresentadas para sustentar a adequação do raciocínio consequencialista
proposto para fundamentar uma decisão jurídica. E, sem elas, como alerta Luís
Fernando Schuartz (2008, p. 135), “sua invocação como premissa em uma
inferência jurídica torna-se estéril e decorativa, e a conclusão que nela se apoia,
o [produto de um] exercício de imaginação com força de direito”10. No segundo
caso, os riscos básicos são os de eleição de qualquer critério, amparado ou não
no direito vigente, para a justificação de preferências por determinados cursos
de ação e de consistência entre a decisão tomada e algum sentido do critério de
valoração eleito para ordenar os efeitos associados a diversas alternativas de
decisão.
Nesse contexto de desafios profundos associados à aplicação de raciocínios
prospectivos para a justificação de decisões jurídicas, a necessidade de teorias
e métodos capazes de, na impossibilidade de levarem a uma única resposta
correta para o problema enfrentado por decisões reais, pelo menos organizar
e tornar minimamente previsível o percurso de argumentação seguido até a
decisão, faz-se urgente. O problema, no entanto, é que os candidatos jurídicos
tradicionais para o desempenho dessas tarefas, mesmo na presença de informações
confiáveis sobre o futuro que se pretende antecipar, parecem insuficientes.

8 SCHUARTZ, Luís Fernando. Consequencialismo jurídico, racionalidade decisória e malandragem.


Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 248, 2008, p. 133.
9 MENDES, Conrado Hübner. Jurisprudência impressionista. Época, 14 de setembro de 2018. Disponível
em https://epoca.globo.com/conrado-hubner-mendes/jurisprudencia-impressionista-23066592.
Acesso em: 25 jun. 2019. O texto gerou um pequeno debate. Ver a respeito: MENDONÇA, José
Vicente Santos de. Em defesa do consequenciachismo. Revista Colunistas de Direito do Estado.
Rio de Janeiro, n. 413, 16 de setembro de 2018. Disponível em http://www.direitodoestado.com.
br/colunistas/jose-vicente-santos-mendonca/em-defesa-do-consequenciachismo. Acesso em: 03
mai. 2020. WANG, Daniel Wei Liang. Entre o consequenciachismo e o principiachismo, fico com a
deferência. Jota, 20 de setembro de 2018. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/
artigos/entre-o-consequenciachismo-e-o-principiachismo-fico-com-a-deferencia-20092018. Acesso
em: 25 jul. 2019. LEAL, Fernando. Consequenciachismo, principialismo e deferência: limpando o
terreno. Jota, 01 out. 2018. Disponível em https://www.jota.info/stf/supra/consequenciachismo-
principialismo-e-deferencia-limpando-o-terreno-01102018. Acesso em: 03 mai. 2020.
10 SCHUARTZ, Luís Fernando. Consequencialismo jurídico, racionalidade decisória e malandragem.
Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 248, 2008, p. 135.

134
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

A interpretação teleológica, a análise econômica do direito e o pragmatismo


jurídico são exemplos de possibilidades capazes de reunir tanto entusiastas11
como críticos numerosos12. Por esse motivo, buscar, fora das fronteiras do
direito, alternativas para ampliar as condições de racionalidade de raciocínios
orientados em considerações consequencialistas pode se revelar um caminho
promissor para, no limite, sustentar a própria legitimidade do consequencialismo
judicial em um Estado de Direito13. É nesse sentido que a teoria dos jogos pode
ser especialmente útil para lidar com desafios tão atuais no direito brasileiro, na
medida em que ela se dedica à modelagem e à previsão do comportamento esperado
de agentes racionais a partir da consideração dos resultados esperados associados
às interações entre os seus comportamentos e os de outros indivíduos14.

3. Teoria dos jogos: algumas noções básicas


Se é certo, por um lado, que o instrumental da teoria dos jogos pode dizer
muito sobre como compreender e orientar a solução de problemas de decisão
envolvendo escolhas de agentes presumidamente racionais, não é verdadeiro,
por outro, que a teoria dos jogos é aplicável para qualquer tipo de problema
decisório. E isso já representa um dos seus limites. Jogos não dizem respeito
a problemas de decisão individual, marcados por escolhas de um agente e os
resultados estabelecidos por essas escolhas no ambiente de fundo em que a

11 Ver, por exemplo, BARAK, Aharon. Purposive Interpretation in Law. Princeton: Princeton University
Press, 2005; MAGALHÃES, Andréa. Jurisprudência da crise. Uma perspectiva pragmática. Rio de
Janeiro: Lúmen Juris, 2017; PORTO, Antônio Maristrello; GAROUPA, Nuno. Curso de Análise
Econômica do Direito. São Paulo: Atlas, 2020.
12 Ver, por exemplo, STONE, Martin. Four qualms about “legal pragmatism”. In: HUBBS, Graham; LIND,
Douglas (Ed.). Pragmatism, law, and language. New York/London: Routledge, 2014; TAMANAHA,
Brian Z. Law as a means to an end: threat to the rule of law. Cambridge: CUP, 2006; DWORKIN,
Ronald. Why Efficiency. In: ___. A matter of principle. Cambridge: Harvard University Press, 1985,
p. 267-289. LUBAN, David. What’s pragmatic about legal pragmatism?. Cardozo Law Review, Nova
Iorque, v. 18, n. 1, pp. 43-74, set. 1996.
13 Ver a respeito: FALCÃO, Joaquim; SCHUARTZ, Luis Fernando; ARGUELHES, Diego Werneck.
Jurisdição, Incerteza e Estado de Direito. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 243,
2006.
14 RESNIK, Michael D. Choices. An Introduction to Decision Theory. Minneapolis: University of
Minnesota Press, 2006, p. 121.

135
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

sua decisão deve ser tomada15. Diferentemente disso, jogos envolvem típicos
problemas de decisão caracterizados pela interdependência de cursos de ação
passíveis de serem selecionados por diferentes decisores.
Analisar o comportamento humano em situações de decisão interativa
não é uma ambição recente. Matemáticos têm se ocupado com jogos de salão
buscando a identificação de estratégias ótimas (e obtendo sucesso) desde o
século XVIII16. Já no século XX, os elementos básicos de uma teoria dos jogos
são desenvolvidos de maneira rigorosa por John von Neumann, que, com Oskar
Morgenstern, “escreveram o livro seminal sobre teoria dos jogos, o qual propunha
de maneira detalhada como representar jogos de um modo matemático preciso e
oferecia um método geral para analisar o comportamento [dos jogadores]”17. A
teoria dos jogos, no entanto, ganhou um impulso definitivo graças ao trabalho de
John Nash, “que cunhou a distinção-chave entre modelos teóricos cooperativos
e não-cooperativos e criou conceitos de comportamento racional – os chamados
‘conceitos de solução’ – para os dois campos”18.19
A teoria dos jogos, de larga aplicação, cuida da análise e da previsão ou
prescrição do comportamento racional esperado nas chamadas situações de jogo.
Elas se caracterizam pela relação de dependência que se pode estabelecer entre a
determinação do curso de ação a ser escolhido por um agente racional e as decisões
de pelo menos outro agente racional envolvido na mesma situação e vice-versa.
Sua utilidade para o direito é elevada, uma vez que problemas jurídicos podem
envolver tanto situações de interdependência, em que os atores em situação
de jogo (os jogadores) podem se comunicar para coordenar estratégias (jogos
cooperativos), como casos em que os interesses são opostos e a coordenação não
é possível, ainda que haja regras permitindo a comunicação entre os jogadores

15 RESNIK, Michael D. Choices. An Introduction to Decision Theory. Minneapolis: University of


Minnesota Press, 2006, p. 121.
16 WATSON, Joel. Strategy. An Introduction to Game Theory, 3. ed. New York: Norton, 2013, p. 1.
17 WATSON, Joel. Strategy. An Introduction to Game Theory, 3. ed. New York: Norton, 2013, p. 2.
18 WATSON, Joel. Strategy. An Introduction to Game Theory, 3. ed. New York: Norton, 2013, p. 2.
19 LEAL, Fernando. Consequencialismo, racionalidade e decisão jurídica: o que a teoria da decisão e a
teoria dos jogos podem oferecer? In: Armando Castelar Pinheiro, Antônio Maristrello Porto e Patrícia
Regina Pinheiro Sampaio (Orgs.). Direito e Economia: Diálogos. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio,
2019, p. 100.

136
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

(os chamados jogos não-cooperativos).20 Além disso, entender como situações de


jogo são encaradas por agentes racionais é importante para que normas jurídicas
possam induzir certos comportamentos considerados necessários quando a
cooperação é desejável, ou mesmo para evitar ações estratégicas em jogos não
cooperativos capazes de frustrar completamente expectativas normativas fixadas
por agentes racionais em razão do comportamento de terceiros.21
As situações de jogo podem ser modeladas também a partir de árvores
(a chamada forma extensiva), quando as interações estratégicas se dão
sequencialmente. Um exemplo nesse sentido pode ser visto no raciocínio
desenvolvido pelo juiz Gustavo Carvalho Chehab, da 3ª Vara do Trabalho de
Brasília, para sustentar “que um ex-servidor dos Correios não foi responsável por
prejuízo que a empresa teve na contração emergencial de transporte aéreo”22.
Já a representação das interações por meio de uma matriz (a chamada forma
normal) é a maneira por excelência para representar jogos simultâneos, ou
seja, problemas de decisão nos quais as decisões precisam ser tomadas sem o
conhecimento das ações dos demais jogadores. Como se nota, a simultaneidade
não se refere a decisões que precisam ser tomadas no mesmo momento no tempo,
mas sim a escolhas que devem se dar sem o conhecimento do comportamento dos
outros atores envolvidos na mesma situação de jogo23. Um jogo de par-ou-ímpar
estilizado, por exemplo, em que os dois jogadores anotam os seus números em
um papel com um intervalo de um dia entre eles e o segundo papel só é aberto
três dias após a abertura do primeiro continua sendo um jogo simultâneo, ainda
que o jogo tenha se prolongado por pelo menos cinco dias.24

20 RESNIK, Michael D. Choices. An Introduction to Decision Theory. Minneapolis: University of


Minnesota Press, 2006, p. 126-127.
21 LEAL, Fernando. Consequencialismo, racionalidade e decisão jurídica: o que a teoria da decisão e a
teoria dos jogos podem oferecer? In: Armando Castelar Pinheiro, Antônio Maristrello Porto e Patrícia
Regina Pinheiro Sampaio (Orgs.). Direito e Economia: Diálogos. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio,
2019, p. 100.
22 GALLI, Marcelo. Juiz usa teoria dos jogos para restabelecer vínculo de servidor dos Correios. Consultor
Jurídico, 16 de junho de 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jun-16/juiz-usa-
teoria-jogos-restabelecer-vinculo-servidor. Acesso em: 21 jul. 2021.
23 SCHUARTZ, Luís Fernando. Teoria da Decisão. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2005, p. 44-
45. Disponível em: https://direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.br/files/u1882/teoria_da_
decisao_2016-1_0.pdf. Acesso em: 08 mai. 2018.
24 LEAL, Fernando. Consequencialismo, racionalidade e decisão jurídica: o que a teoria da decisão e a
teoria dos jogos podem oferecer? In: Armando Castelar Pinheiro, Antônio Maristrello Porto e Patrícia

137
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

O dilema dos prisioneiros costuma ser frequente porta de entrada no


universo da teoria dos jogos no direito25. Para juristas, o cenário em que dois
suspeitos de cometerem um crime são separados e precisam decidir se revelam
o responsável pelo fato, denunciando o seu companheiro, ou se se mantêm em
silêncio diante de uma oferta que poderia ser traduzida como uma proposta
de acordo de colaboração premiada parece despertar rapidamente o interesse.
Essa conhecida história poderia ser modelada (e, por conseguinte, analisada) da
seguinte maneira recorrendo-se à forma normal:

Prisioneiro 2

Delatar Não delatar

Prisioneiro 1 Delatar -5, -5 -2, -8

Não delatar -8, -2 -3, -3

Na matriz acima, cada jogador possui duas estratégias de decisão (delatar e


não delatar) e os números representam o tempo de reclusão aplicado a cada um
deles em cada interação entre estratégias. Como os payoffs (as representações
numéricas das consequências para cada jogador associadas a cada combinação
de estratégias) estão vinculados a tempo de prisão e se pressupõe que ficar
preso não é algo valorizado pelos jogadores, os números são negativos. Assim,
maximiza a escala de preferências de cada jogador a estratégia que lhe garantir
o menor tempo possível de prisão (ou seja, o número mais próximo de zero). As
estratégias do prisioneiro 1 (o primeiro jogador) são identificadas na horizontal
(elas correspondem às linhas da tabela), enquanto as estratégias do prisioneiro
2 (o segundo jogador) são colocadas na vertical (elas correspondem às colunas
da tabela). Nos pares de payoffs, os primeiros números correspondem aos
payoffs do jogador 1, enquanto os segundos números, aos payoffs do segundo

Regina Pinheiro Sampaio (Orgs.). Direito e Economia: Diálogos. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio,
2019, p. 101.
25 Por exemplo, PORTO, Antônio Maristrello; GAROUPA, Nuno. Curso de Análise Econômica do
Direito. São Paulo: Atlas, 2020, p. 118-119.

138
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

jogador. Na combinação de estratégias, por exemplo, “prisioneiro 1 não delata”


e “prisioneiro 2 delata”, o par (-8, -2) representa, respectivamente, o tempo
de reclusão do primeiro prisioneiro (8 anos) e o segundo número o tempo de
reclusão do segundo prisioneiro (2 anos).26
Um dilema dos prisioneiros, como se nota, é mais do que a representação,
por meio de números que poderiam ser diferentes, de uma história interessante
porque, apesar de a combinação (não delatar; não delatar) ser a que garante um
resultado melhor para os prisioneiros comparativamente à combinação (delatar;
delatar), é esta, e não aquela, que se apresenta como a solução esperada do jogo.
Isso porque a estratégia delatar é estritamente dominante para cada um dos
jogadores, o que significa que ela garante para cada um deles os melhores payoffs
independentemente das escolhas do outro jogador27. Em outras palavras, ela é a
melhor escolha para um jogador, qualquer que seja a escolha do outro jogador28.
Com isso, a combinação (não delatar; não delatar), que redundará na condenação
dos dois acusados a 5 anos de reclusão no exemplo apresentado, será um equilíbrio
em estratégias estritamente dominantes (e o único equilíbrio de Nash do jogo
apresentado), excluindo qualquer possibilidade de os jogadores convergirem no
par (delatar; delatar), que garantiria, a cada um, 3 anos de reclusão. E por que
isso acontece? Exatamente porque, não permitida a cooperação prévia entre os
prisioneiros, torna-se não crível qualquer esforço de não delatar o companheiro.
Ao saber que o outro prisioneiro certamente ficará em silêncio, um agente racional
preferirá estritamente delatar o seu companheiro, pois, nessa hipótese, o delator
seria condenado a uma pena de 2 anos, enquanto o outro seria condenado a 8
anos de reclusão. Este é apenas um exemplo de como a menção à história dos
prisioneiros, sem a devida compreensão do que caracteriza exatamente o jogo,
pode dizer muito pouco sobre a utilidade da teoria dos jogos para o domínio do
direito e, mais especificamente, para a tomada de decisão judicial.

26 LEAL, Fernando. Consequencialismo, racionalidade e decisão jurídica: o que a teoria da decisão e a


teoria dos jogos podem oferecer? In: Armando Castelar Pinheiro, Antônio Maristrello Porto e Patrícia
Regina Pinheiro Sampaio (Orgs.). Direito e Economia: Diálogos. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio,
2019, p. 101-102.
27 PORTO, Antônio Maristrello; GAROUPA, Nuno. Curso de Análise Econômica do Direito. São Paulo:
Atlas, 2020, p. 120.
28 BAIRD, Douglas G., GERTNER, Robert H., PICKER, Randal C. Game Theory and the Law. Cambridge:
Harvard University Press, 2002, p. 11.

139
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

Conhecer teoria dos jogos, por isso, está além do plano intuitivo e pressupõe
conhecer, antes de tudo, (i) para que tipo de problemas de decisão ela pode ser
útil, (iii) como modelá-los e (iii) como ela pode, por meio de conceitos de solução,
contribuir para a identificação do comportamento esperado de decisores racionais
envolvidos em uma específica situação de jogo.

4. Informação, conhecimento e limites de aplicação


Mesmo o domínio do aparato conceitual e metodológico disponibilizado pela
teoria dos jogos não garante, porém, a sua plena adequação para a compreensão
e a solução de problemas reais. Como em qualquer raciocínio prospectivo, obter
as informações relevantes para se chegar aos payoffs (sejam eles corretos ou
estipulações confiáveis sobre como a realidade tende a se conformar) é o desafio
básico a ser superado.
A teoria dos jogos é capaz de acomodar incertezas associadas à relação
entre alternativas decisórias e consequências ao permitir a modelagem de jogos
com estratégias mistas29. Para um jogador determinado, esse tipo de estratégia
abrange os atos de seleção de alternativas de acordo com uma distribuição
probabilística30. Essa possibilidade poderia, de alguma forma, manter a teoria
dos jogos relevante mesmo nos casos em que algum ingrediente de incerteza
afetasse processos decisórios reais. Mas os problemas epistêmicos que sobrepairam
certos contextos decisórios podem ser mais profundos. Nem sempre será simples
obter e/ou processar todos os dados necessários para se determinar as relações
entre alternativas e consequências de forma segura para cada combinação de
estratégias. É possível que apenas uma das partes relevantes detenha certas
informações, ou seja capaz de obtê-las e processá-las, assim como é possível
que algumas informações relevantes não estejam simplesmente disponíveis no
momento da tomada de decisão. E isso pode ser um problema para modelos simples

29 PORTO, Antônio Maristrello; GAROUPA, Nuno. Curso de Análise Econômica do Direito. São Paulo:
Atlas, 2020, p. 127.
30 WATSON, Joel. Strategy. An Introduction to Game Theory, 3. ed. New York: Norton, 2013, p. 38.

140
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

de interação estratégica, cuja validade acaba dependendo do preenchimento de


pressupostos informacionais não realistas31.
Não bastasse isso, uma crítica associada, no fundo, aos déficits de informação
que obstaculizam a operacionalização de jogos em sua melhor forma pode estar
localizada na própria compreensão idealizada da racionalidade humana que
a teoria dos jogos e certas alternativas da teoria da escolha racional acabam
pressupondo para embasar as suas recomendações32. Esse é o caso quando
se constata que o padrão de decisor usado como referência dessas teorias é
o de um indivíduo que conhece completamente as suas preferências sobre as
consequências de diferentes alternativas decisórias e que age sempre buscando
a maximização de sua escala de preferências33. Mas se, de fato, decisores reais
são agentes limitadamente racionais, parece questionável a conveniência de se
investir em esforços de aproximação entre o real e um ideal, que se assume ser,
desde o início, inatingível. Reconhecer que pessoas reais atuam sob condições
de racionalidade limitada não significa, certamente, afirmar que pessoas de
carne e osso são seres irracionais. “Pessoas tomando decisões pretendem agir
racionalmente. O problema é que nem sempre são capazes de fazê-lo”34. Nesse
contexto, conhecer os efeitos de normas jurídicas sobre o comportamento
individual nem sempre será simples ou mesmo viável. E essa conclusão não pode
ser negligenciada quando são investigados os potenciais da teoria dos jogos para
contribuir para o aumento dos níveis de racionalidade e segurança de processos
jurídicos reais de tomada de decisão.
Levar a sério que decisores reais são cognitivamente limitados não deveria
ser, em si, razão suficiente para o abandono de qualquer empreendimento

31 BAIRD, Douglas G., GERTNER, Robert H., PICKER, Randal C. Game Theory and the Law. Cambridge:
Harvard University Press, 2002, p. 270.
32 LEAL, Fernando. Consequencialismo, racionalidade e decisão jurídica: o que a teoria da decisão e a
teoria dos jogos podem oferecer? In: Armando Castelar Pinheiro, Antônio Maristrello Porto e Patrícia
Regina Pinheiro Sampaio (Orgs.). Direito e Economia: Diálogos. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio,
2019, p. 107.
33 RESNIK, Michael D. Choices. An Introduction to Decision Theory. Minneapolis: University of Minnesota
Press, 2006, p. 4; JONES, Bryan D. Bounded Rationality. Annual Review of Political Science, Palo
Alto, n. 2, 1999, p. 299.
34 JONES, Bryan D. Bounded Rationality. Annual Review of Political Science, Palo Alto, n. 2, 1999, p.
297-321, p. 298.

141
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

intelectual normativo e, no caso, para o descarte da teoria dos jogos. No entanto,


como ressalta Luis Schuartz:
em um ambiente institucional caracterizado por enorme escassez de pessoal
tecnicamente treinado, informações pertinentes e bancos de dados prontamente
disponíveis; por significativas assimetrias de recursos para fins de litigância e amplos
espaços para o uso estratégico de informações privadas e de direitos processuais;
e, enfim, por uma agenda de trabalho que coloca sérias restrições materiais e
temporais aos esforços de solução de casos mais complexos pelos julgadores, não
há como afastar a hipótese de que seriam – ao menos no Brasil – de natureza
estrutural os obstáculos à submissão dos processos reais de decisão no âmbito
do Poder Judiciário aos mesmos padrões de racionalidade a partir dos quais são
avaliadas as demais tentativas de intervenção social numa sociedade moderna35.

Isso significa que, seja por limitações propriamente informacionais, seja por
limitações especificamente cognitivas, não se deve considerar como imediatamente
útil, sem maiores esforços, o recurso a elementos básicos de teoria dos jogos para
ampliar a racionalidade de justificações consequencialistas em típicas situações de
jogo. Ônus associados à obtenção de dados confiáveis devem ser estabelecidos e
mecanismos de compensação de déficits epistêmicos devem ser imaginados pelo
direito para que a referência não mais do que nominal a “jogadores”, “estratégias”
e “payoffs” não camuflem juízos meramente intuitivos sobre efeitos esperados de
alternativas de decisão. Como dizem Baird, Gertner e Picker, “o poder da teoria
dos jogos aplicada ao direito ou qualquer outra disciplina deve derivar, no final
das contas, da acurácia das previsões que fornece sobre as escolhas que as pessoas
são chamadas a fazer”36. Por isso, quanto mais o raciocínio jurídico for capaz
de exigir prognoses robustas sobre o comportamento esperado de indivíduos
ou grupos de indivíduos, mais a teoria dos jogos poderá nos ajudar a entender
melhor o que pode ser juridicamente controvertido e a buscar as soluções mais
adequadas para problemas concretos levados à apreciação do Poder Judiciário.

35 SCHUARTZ, Luís Fernando. Consequencialismo jurídico, racionalidade decisória e malandragem.


Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 248, 2008, p. 130-158.
36 BAIRD, Douglas G., GERTNER, Robert H., PICKER, Randal C. Game Theory and the Law. Cambridge:
Harvard University Press, 2002, p. 271. Tradução livre com pequenas adaptações.

142
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

5. Conclusão
O contexto de inclinações pragmáticas no direito público brasileiro favorece
o recurso a raciocínios consequencialistas para a justificação de decisões nas
esferas administrativa, controladora e também judicial. Essa abertura do
raciocínio jurídico ao futuro, no entanto, não vem desacompanhada de desafios.
Conhecer a estrutura de raciocínios prospectivos e os seus problemas justifica
a criação de diálogos mais intensos com teorias também fora das fronteiras do
direito que possam contribuir para a ampliação da racionalidade de justificações
orientadas em efeitos futuros de alternativas de decisão. A teoria dos jogos é
uma dessas alternativas. Sua utilidade real, porém, depende da compreensão
de suas possibilidades e carências em contextos reais de tomada de decisão,
marcados por limitações cognitivas e informacionais. Nesse instigante cenário
em que a sensibilidade para as consequências práticas de alternativas de decisão
cada vez mais importa, conhecer o direito e conhecer a teoria dos jogos, como já
se disse, são desafios que andam de mãos dadas37 – e não há razões para supor
que deva ser diferente.

Referências
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teoria da decisão judicial: caracterização, estratégias e implicações. In: Daniel
Sarmento (Coord.). Filosofia e teoria constitucional contemporânea. Rio de
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37 BAIRD, Douglas G., GERTNER, Robert H., PICKER, Randal C. Game Theory and the Law. Cambridge:
Harvard University Press, 2002, p. 271.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 349/2015. Brasília,


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WATSON, Joel. Strategy: an Introduction to Game Theory, 3. ed. New York:
Norton, 2013.

145
Qual a utilidade da teoria dos jogos para o Direito brasileiro de
2021?

How useful can game theory be for Brazilian law in 2021?

José Vicente Santos de Mendonça38

Resumo: O artigo comenta alguns limites e possibilidades do consequencialismo


jurídico a partir de quatro técnicas, apresenta a teoria dos jogos, sugere algumas
de suas aplicações junto à atuação de tribunais e indica alguns temas de pesquisa.
Palavras-chave: Consequencialismo. Teoria dos jogos. Direito e Economia.
Abstract: The paper studies limits and possibilities of legal consequentialism.
Then it offers a brief presentation of game theory and law, proposes some uses
on dispute law, and, finally, suggests some possible subjects of research.
Keywords: Consequentialism. Game Theory. Law and Economics.

1. Introdução e objeto
O objeto principal deste artigo é indicar possíveis aplicações para a teoria
dos jogos junto aos tribunais judiciários brasileiros, e, ao mesmo tempo, sugerir,
sobre o assunto, uma agenda de pesquisa investida na realidade. O texto foi
escrito em sequência ao I Congresso de Análise Econômica do Direito da Justiça
do Trabalho, organizado pela Escola Judicial do TRT da 1a Região39.
Duas observações fazem- se necessárias. Em primeiro lugar, um registro
de transparência: nem tudo do que se vai tratar no texto encerra- se dentro do
conteúdo estrito da teoria dos jogos, tal como ela vem sendo canonicamente
entendida. Entretanto, o conteúdo do escrito mira a referida teoria, mas também
frequenta lugares próximos e de interesse. Segunda observação: escapa ao limite
do texto realizar abordagem profunda ou excessivamente técnica sobre o assunto.

38 Professor de Direito Administrativo da UERJ. Procurador do estado do Rio de Janeiro e advogado.


Contato: jose.vicente@terra.com.br
39 Agradeço aos organizadores pelo convite.

146
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

A leitora não espere encontrar discussões sobre a solução de Cournot, jogos


sequenciais etc40. Bastará, à proposta do texto, uma compreensão geral, típica
da que é hoje obtida por meio da divulgação científica realizada por professores
de direito.
O roteiro é o seguinte: o próximo tópico define o que são juízos
consequencialistas, indicando desafios, mas reconhecendo sua importância atual
para o direito. O consequencialismo jurídico – argumentará o texto – vive entre
inimigos teóricos e amigos resignados, no que se espelha alguns problemas da
sobreteorização e da subteorização. Contra esse dois excessos, o artigo defenderá
a estratégia das inclinações pragmáticas empiricamente sustentáveis, as quais
se realizarão por meio de quatro técnicas. Na sequência, o tópico 3 apresenta
brevemente a teoria dos jogos, e o tópico 4 sugere algumas de suas aplicações
junto aos tribunais judiciários, além de levantar indagações de pesquisa. Há, ao
final, um parágrafo de conclusão.

2. Em defesa do consequencialismo jurídico: uma estratégia


subótima em quatro técnicas
O consequencialismo jurídico é uma das expressões do momento no
Direito brasileiro. Mas ela é tão famosa quanto desconhecida em seu sentido
preciso. Um juízo consequencialista é um juízo que pressupõe operação lógica e
empírica consistente em adiantar uma consequência, valorá-la tendo por base
algum critério (que, no caso do consequencialismo jurídico, é o direito vigente),
e, a partir daí, realizar opção interpretativa41.
Não se trata de operação trivial. Considerando o ideal de segurança jurídica,
o consequencialismo jurídico é estratégia residual, apta a desempatar opções
exegéticas. Há, em seu uso, sérios desafios epistêmicos, relativos à informação
com base em que a operação se realiza. Destacam-se, por exemplo, dúvidas
quanto à qualidade do adiantamento da consequência e ao fato de que adiantar
o futuro, em muitos casos, acaba redundando numa esticada para a frente do

40 O livro de referência sobre o tema é BAIRD, Douglas G;GERTNER, Robert H.; PICKER, Randal C.
Game Theory and the Law. Cambridge: Harvard University Press, 2004.
41 MENDONÇA, José Vicente Santos de. Direito Constitucional Econômico: a intervenção do estado na
economia à luz da razão pública e do pragmatismo. 2a ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017.

147
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

presente. O futuro previsto no desenho The Jetsons, exibido originalmente em


1962 e 1963, é o de carros sessentistas voadores; nele não constam tecnologias
comuns em 2021, como telas touchscreen, celulares, a própria internet. Além
disso, um adiantamento de consequências realizado com a finalidade de decidir
sobre o presente virá a alterá-lo, e isso pode levar a uma espécie de inconsistência
performativa: um futuro (que já não ocorrerá daquela forma, eis que sua linha
de tempo foi mexida) é usado com base para alterar o estado presente.
Em razão de tantas dificuldades, mas, ao mesmo tempo, de seu apelo
quase autoevidente – é plausível supor que a maioria dos julgadores gostaria
de se representar como alguém atento às consequências de suas decisões –, o
consequencialismo vive entre amigos e inimigos. Entre os inimigos, há quase que
uma rejeição idealizada, forte nas ideias de segurança jurídica e de previsibilidade.
Ecos de um positivismo afetivo sugerem que, no Brasil de 2021, seria possível
recuperar as plumas de um travesseiro varado ao ar há décadas. Entre os amigos,
há algo como uma aceitação empírica: imaginar que decisões concretas não
operem com juízos consequencialistas seria irreal; e, em todo caso, há leis, de
ontem e de hoje, que exigem juízos consequencialistas (não apenas a LINDB42,
mas, por ex., a lei do mandado de segurança43 e a lei do controle abstrato de
constitucionalidade44). Haveria ferramenta em uso, e que, portanto, deveria
ser conhecida.

42 Art. 20 do Decreto-lei n. 4.657/42, com a alteração da lei n. 13.655/18: Nas esferas administrativa,
controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam
consideradas as consequências práticas da decisão. V., ainda, art. 21.
43 Art. 15 da lei n. 12.016/09: Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público
interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à
economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso
suspender, em decisão fundamentada, a execução da será levado a julgamento na sessão seguinte à
sua interposição.
Art. 27 da lei n. 9.868/99: Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista
razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal,
por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que
ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Migalhas: Brasil tem um advogado para cada 190 habitantes. Acessível em: https://www.migalhas.com.
br/quentes/312946/brasil-tem-um-advogado-para-cada-190-habitantes. Acesso em: 29 jul. 2021.
liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias,
que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.
44 Art. 27 da lei n. 9.868/99: Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista
razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal,
por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que
ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

148
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

Discutir a admissibilidade do consequencialismo jurídico junto ao


direito brasileiro de 2021 implica debater, igualmente, os dilemas da sub e
da sobreteorização. O consequencialismo jurídico de que tanto se fala é, por
vezes, representação subteorizada de certa estratégia decisória; em termos
contemporâneos, um meme. Ele é louvado ou criticado pelo que não é nem poderia
ser. A subteorização leva a raciocínios errados ou excessivamente simples. De
outro lado, exige-se rigor e apuro na técnica, sobreteorizando-a; ora, o Direito é,
no Brasil, conhecimento de massa; há 1,1 milhão de advogados e advogadas45.
Não é realista exigir demais de multidões. De resto, a própria prática judicial
é, entre nós, massiva. Sofisticações técnicas que demandem muito tempo ou
cognições rigorosas tendem ao insucesso. O consequencialismo jurídico que
pode funcionar entre nós é algo como uma técnica que se equilibre entre a Cila
da subteorização e a Caríbdis da sobreteorização.
Uma estratégia subótima possível é a da incorporação de inclinações
pragmáticas empiricamente sustentáveis. Não se trata de estratégia ótima, de
primeira ordem, a qual exigiria sofisticação metodológica, tempo, capacidade
cognitiva. De igual modo, não se trata de mera sensibilidade para as consequências
práticas ou de atenção ao contexto do caso concreto (no que a estratégia seria
mera inclinação pragmática, na expressão de Fernando Leal46). É o compromisso
possível. A estratégia pode ser exercida por meio de algumas técnicas. Destacam-
se, aqui, sem pretensão de definitividade, quatro delas.
(a) O dever (fraco) das partes de indicar as consequências da decisão. Uma das
críticas mais frequentes às exigências de indicação de consequências em decisões
judiciais, feita por juízes, é a de que não possuiriam bola de cristal. A objeção,
que, nestes termos, aparece em petição inicial da ANAMATRA, é exagerada - não
se exige tal nível de precisão na indicação das consequências47. Seja como for, o

45 Migalhas: Brasil tem um advogado para cada 190 habitantes. Acessível em: https://www.migalhas.
com.br/quentes/312946/brasil-tem-um-advogado-para-cada-190-habitantes. Acesso em: 29 jul.
2021.
46 LEAL, Fernando; MENDONÇA, José Vicente Santos de. Transformações do Direito Administrativo:
consequencialismo e estratégias regulatórias. Rio de Janeiro: FGV, 2016.
47 A Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade contra
as alterações promovidas pela lei 13.655/18 no Drecreto-lei n. 4.657/42. A íntegra da petição inicial
pode ser obtida aqui: https://www.anamatra.org.br/images/DOCUMENTOS/2019/01-Anamatra-
STF-ADI-LINDB-Inicial_-_Assinado_4.pdf.

149
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

ônus pode ser aliviado ao se construir um dever das partes de indicar, em suas
manifestações processuais, o que entenderiam ser as possíveis consequências
da decisão judicial. O dever é fraco: de seu descumprimento não decorreria
dano direto e imediato a quem o descumpre. Mas, é claro, o acquis epistêmico
do órgão julgador acabaria não contando com a participação do silente – do que
pode decorrer algum prejuízo.
(b) Um contraditório para as consequências. Em razão da técnica anterior,
as partes podem ser instadas a falar especificamente sobre as consequências
apresentadas de lado a lado. Claro que o juiz continua sendo um juiz de direito;
mas sempre poderá arbitrar entre consequências jurídicas e administrativas, e,
inclusive, não-jurídicas, desde que expressadas em linguagem acessível. Sem
falar que o juízo poderá solicitar o auxílio pericial.
(c) Um incidente processual de avaliação de consequências: amicus consecutio.
Ainda na linha das sugestões anteriores, o juízo poderá, a qualquer momento,
suscitar um incidente de avaliação de consequências, abrindo-se à participação
de entidades e especialistas na área cujas consequências se cogita (universidades,
entidades de classe, especialistas etc.). Tratar-se-ia de um amigo da corte voltado
à análise de consequências; um, por assim dizer, amicus consecutio.
(d) A constituição e o uso de repositórios empíricos confiáveis. Um dos desafios
do manejo de consequências é estabelecer a qualidade das premissas empíricas
com base em que elas serão construídas. Uma forma de atenuar a dificuldade é
estabelecer, por meio de alguma espécie de acreditação institucional, um conjunto
de repositórios empíricos confiáveis. O Conselho Nacional de Justiça, ou outra
entidade de igual projeção judicial, elaboraria uma lista de fontes preferenciais
para utilização em decisões. IBGE, OMS; revistas científicas com peer review duplo
cego, possivelmente aproveitando algum ranqueamento da Qualis/CAPES – são
diversas as possibilidades.

3. A teoria dos jogos


A ideia da teoria dos jogos é a de entender e prever o comportamento
estratégico humano em certos contextos, quais sejam, em cenários em que o
resultado que afeta o indivíduo não depende apenas dele, mas também das ações
de terceiros; e cada indivíduo-jogador sabe que suas ações são interdependentes.

150
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

Assim, em dois exemplos simples, são comportamentos estratégicos a fixação


de preço de bilhete aéreo (o preço depende de uma série de fatores, como a
demanda, o preço das demais companhias etc.) e a atuação de motorista em
rodovia (a chamada direção defensiva leva em consideração o comportamento
dos outros veículos e transeuntes).
Cada jogo possui payoffs ou recompensas – o benefício que o jogador leva
ao se encerrar o jogo. É comum falar-se de estratégias estritamente dominantes
quando o curso de ações tomadas pelo jogador A produz melhores payoffs, em
todos os casos, em relação a todos os outros cursos de ações. Portanto, a estratégia
estritamente dominante gera resultados positivos para A independentemente das
escolhas dos demais jogadores. Também há estratégias fracamente dominantes
(são dominantes em relação a um ou mais resultados) e estratégias estrita ou
fracamente dominadas.
O jogo mais famoso, talvez o exemplo clássico de jogo de forma normal
(isto é, daquele jogo em que, ao contrário da forma extensiva, o jogador não
possui conhecimento sobre a ação dos outros) é o dilema dos prisioneiros, em
que dois jogadores possuem opções de confessar o crime ou ficar em silêncio,
levando a resultados diferentes em termos de anos de prisão.

4. Aplicações da teoria dos jogos e indagações de pesquisa


Há interações entre a teoria dos jogos e o Direito desde, pelo menos, os anos
70 (John Prater Brown possui texto sobre responsabilidade civil em que aplica
conceitos da teoria48). É possível pensar em, no mínimo, três possíveis aplicações
da teoria dos jogos aos tribunais: (a) como auxílio na organização administrativa,
(b) como técnica de produção de prova, e (c) como técnica de processamento e de
decisão. Ainda é possível cogitar suas aplicações como (d) estratégias de advocacia.
Como (a) auxílio na organização administrativa de órgãos julgadores e tribunais,
a teoria dos jogos pode auxiliar, por exemplo, na evitação de jogos colaborativos
contrários ao interesse publico. Em 2002, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
estabeleceu sistema de banca única no recebimento e processamento de petições,

48 BROWN, John Prater. Towards an Economic Theory of Liability. The Journal of Legal Studies. Vol.
2, n. 2.

151
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

evitando proximidade eventualmente problemática entre servidores dos cartórios


e varas e advogados.
Como (b) técnica de produção de prova, a teoria dos jogos encontrou notório
espaço de atuação. Aqui, o exemplo é a colaboração premiada, em que a estratégia
dominante é a delação dos coautores e partícipes. Em rigor, o uso da técnica acaba
sendo algo limitado nos tribunais judiciais, em razão da limitação na instrução,
mas, num exemplo tirado de tribunal administrativo, o programa de leniência
antitruste do CADE é experiência bem-sucedida de aplicação de ideias inspiradas,
em última análise, na teoria dos jogos.
Como (c) técnica de processamento e de decisão, é importante destacar o papel
duplo do julgador, tanto como árbitro do jogo quanto como partícipe, tendo,
aqui, o objetivo de garantir a cooperação processual (então, por ex., sinalizando
a possibilidade de multa processual por deslealdade).
Como (d) estratégia de advocacia, a teoria dos jogos pode ser utilizada,
por exemplo, no momento de estabelecer o valor da causa, ou de forma a gerar
impedimentos em julgamentos de órgãos colegiados, a fim de neutralizar votos
presumidamente contrários aos interesses do representado.
Uma compreensão ampla da teoria dos jogos pode nos levar a algumas
indagações de pesquisa sobre o funcionamento de tribunais e o comportamento
dos julgadores.
O comportamento do julgador muda quando ele é relator e quando não é?
O relator é um jogador no jogo das decisões colegiadas. Não como os
demais players: passa a contar com o viés do status quo. Ele pode, desde logo,
negar seguimento ao recurso, no que impõe mais um ônus à parte sucumbente
(o de recorrer) e aos demais julgadores (o de reverter a decisão pretérita). Com
armas diferentes há estratégias diferentes?
O comportamento do julgador muda quando compõe órgão julgador pequeno
(ex., órgão, turma) em relação a quando compõe órgão julgador extenso (ex., tribunal
pleno)?
É plausível supor que o jogo seja diferente quando composto por maior
ou menor número. O valor do voto, em órgãos extensos, diminui. Podemos
pensar, ainda, na hipótese em que o julgador é o swing vote num órgão julgador
pequeno. Quais as estratégias e os padrões de comportamento em todas essas
circunstâncias?

152
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO A teoria dos jogos nos tribunais

O juiz convocado a funcionar num órgão de tribunal vota igual a um desembargador


permanente?
O tipo de jogo é o mesmo nos dois casos? É plausível supor que o juiz
convocado será mais aderente às posições do tribunal, como forma, quem sabe,
de sinalizar conformidade como estratégia de promoção funcional
O juiz vota diferentemente quando possui chance de ser promovido e quando,
próximo da aposentadoria, não possui chances de promoção?
Uma boa hipótese a se investigar é a de que a taxa de adesão aos entendimentos
do tribunal sejam maiores para o juiz com chances de ser promovido em relação
ao juiz próximo à aposentadoria.
Qual é o papel do voto vencido em relação ao jogo da decisão colegiada? Todos
os votos vencidos são iguais?
Nem todos os votos vencidos, pode-se supor, são iguais: há votos vencidos
circunstanciais, votos vencidos ativos (pretendem virar a jurisprudência,
tendo condições para tanto), votos vencidos simbólicos (não buscam virar a
jurisprudência, mas, apenas, sinalizar posições). Entendê-los, e entender o
comportamento estratégico de seus autores, pode ser uma linha de pesquisa de
teoria dos jogos aplicada às decisões de tribunais.

5. Conclusão
O consequencialismo jurídico não é nenhum bicho de sete cabeças.
Entendê-lo dentro de seus limites e de suas possibilidades é tarefa crucial ao
operador do direito de 2021. Ao mesmo tempo, a teoria dos jogos, que frequenta
área de interesse comum – junto à análise econômica do direito e às ciências
comportamentais aplicadas – , a par de seus usos jurídicos já consolidados (por ex.,
na delação premiada), pode ser explorada em outras áreas e matérias, podendo,
inclusive, inspirar indagações de pesquisa acadêmica junto ao comportamento
de julgadores em tribunais.

153
5
Regulamentação do
mercado de trabalho
Informalidade, trabalho remoto e efeitos da pandemia no mercado
de trabalho

Informality, remote work and effects of the pandemic on the labor market

Fernando Veloso1

Resumo: Este artigo analisa os efeitos da pandemia da Covid-19 sobre o mercado


de trabalho brasileiro, especialmente sobre os trabalhadores informais e de
menor escolaridade. Também discutimos o potencial de adoção do trabalho
remoto no Brasil.
Palavras-chave: Pandemia. Mercado de Trabalho. Informalidade. Educação.
Abstract: This paper analyses the effects of the pandemic of Covid-19 on the
Brazilian labor market, especially on informal and less-educated workers. We
also discuss the potential for the adoption of remote work in Brazil.
Keywords: Pandemic. Labor Market. Informality. Education

1. Introdução
A pandemia da Covid-19 teve um impacto profundo no mercado de trabalho,
afetando principalmente os trabalhadores com menor proteção social. No Brasil
os efeitos foram particularmente significativos, não somente em função da
queda sem precedentes da população ocupada, mas também pelo fato de que,
diferentemente de crises econômicas anteriores, desta vez os trabalhadores
informais foram mais atingidos que os formais. As ocupações de baixa escolaridade
foram particularmente afetadas, principalmente os trabalhadores que não
completaram o ensino fundamental.
A pandemia também acelerou a adoção do trabalho remoto em muitos
países, incluindo o Brasil. Essa mudança pode ter efeitos de longo prazo, na
medida em que vários setores podem utilizar essa modalidade de trabalho de
forma mais intensa após o fim da pandemia.

1 PhD em Economia pela University of Chicago.

155
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Regulamentação do mercado de trabalho

Este artigo analisa os efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho


brasileiro, com ênfase nos seus efeitos sobre os trabalhadores informais e
de menor escolaridade. Com essa finalidade, analisamos várias medidas de
informalidade do trabalho e sua evolução ao longo do tempo, assim como suas
características socioeconômicas. Também discutimos o potencial de adoção do
trabalho remoto no Brasil.
O artigo está organizado em sete seções, incluindo esta introdução. A
segunda seção apresenta uma breve discussão dos diversos indicadores de
informalidade existentes na literatura. A terceira seção apresenta a evolução de
diversas medidas de informalidade no Brasil, nas últimas décadas. Na quarta
seção são discutidas algumas características socioeconômicas da informalidade.
A quinta seção analisa os efeitos da pandemia no mercado de trabalho brasileiro.
A sexta seção apresenta estimativas de potencial de trabalho remoto no Brasil e
as evidências sobre sua adoção no país em 2020. A sétima seção discute alguns
desafios para o mercado de trabalho no pós-pandemia.

2. Indicadores de informalidade
Existem vários indicadores de informalidade do trabalho na literatura
nacional e internacional. De modo geral, tais indicadores procuram captar em
que medida o trabalhador tem acesso aos benefícios assegurados pela legislação
trabalhista, como salário mínimo, previdência social, seguro desemprego e férias
remuneradas, entre outros. Alguns deles consideram algum nível de proteção
social, como a contribuição previdenciária.
Segundo esse conceito, trabalhadores informais seriam aqueles sem acesso
aos benefícios da legislação trabalhista ou a alguma proteção social assegurada
por lei. A seguir, são apresentadas os níveis que serão utilizados na próxima
seção para analisar a evolução da informalidade no Brasil.
Informalidade 1: A informalidade do trabalho é mensurada como a razão
entre os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada e a soma dos trabalhadores
com carteira e sem carteira.
Informalidade 2: A informalidade nesse caso é mensurada como a soma dos
trabalhadores sem carteira e por conta própria dividida pela população ocupada.

156
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Regulamentação do mercado de trabalho

Informalidade 3: Uma medida de informalidade frequentemente adotada


em comparações internacionais é a parcela dos trabalhadores por conta própria
na população ocupada.
Informalidade 4: Outra medida de informalidade comumente usada em
comparações internacionais é dada pela razão entre os trabalhadores que não
contribuem para a previdência social e a população ocupada.

3. Evolução da informalidade
O gráfico 1 mostra a evolução da taxa de informalidade do trabalho no
Brasil desde o início da década de 1990, de acordo com as quatro medidas
descritas na seção anterior, utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (Pnad) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(Pnad Contínua).2

Gráfico 1: Evolução da informalidade – 1992-2020

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad e Pnad Contínua.

2 A Pnad foi realizada anualmente pelo IBGE desde meados da década de 1970 até 2015. Em substituição
a essa pesquisa, foi iniciada em 2012 a Pnad Contínua, que divulga dados trimestrais. Neste artigo
compatibilizamos as informações da Pnad e da Pnad Contínua, utilizando uma metodologia desenvolvida
em Ottoni, B. e Barreira, T. (2016). “Metodologia de retropolação da PNAD Contínua”. Nota Técnica.
IBRE/FGV.

157
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Regulamentação do mercado de trabalho

Na década de 1990, houve um pequeno aumento da informalidade no


país, com exceção da medida de contribuição previdenciária. Nos anos 2000,
por outro lado, houve uma queda significativa da informalidade de acordo com
todas as medidas, especialmente no que diz respeito ao trabalhador sem carteira
assinada. A partir de 2014, no entanto, todos os indicadores de informalidade
aumentaram.
De todas as medidas, a que teve maior redução, desde 1992, foi a de ausência
de contribuição previdenciária. Como mostra o gráfico 2, mesmo categorias
consideradas informais, como trabalhadores sem carteira e por conta própria,
tiveram redução expressiva do contingente de trabalhadores que não contribuem
para a previdência.

Gráfico 2: Proporção de trabalhadores que não contribuem


para a previdência, por grupo - 1992-2020

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad e Pnad Contínua.

4. Características socioeconômicas da informalidade


A seguir, analisaremos várias características socioeconômicas da
informalidade, como idade, escolaridade, renda e atividade econômica, usando
dados da Pnad Contínua. Nesta seção associaremos o trabalho informal ao
emprego sem carteira de trabalho e ao trabalho por conta própria. Existem, no

158
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Regulamentação do mercado de trabalho

entanto, importantes diferenças entre essas duas dimensões da informalidade,


de modo que elas serão analisadas separadamente.

4.1. Idade

A Tabela 1 mostra que a maior parcela dos trabalhadores sem carteira tem
idade entre 15 e 24 anos (23,2%). Já o perfil etário dos trabalhadores com carteira
tem peso maior na faixa entre 25 e 44 anos. Os trabalhadores por conta própria,
por sua vez, têm perfil etário similar ao dos empregadores, concentrando-se na
faixa acima de 40 anos.

Tabela 1: Distribuição de trabalhadores por idade – 2019

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad Contínua.

4.2. Escolaridade

A Tabela 2 compara as distribuições de escolaridade dos trabalhadores


formais, informais e empregadores. Podemos observar que existem diferenças
significativas entre os trabalhadores informais (sem carteira e por conta própria),
de um lado, e os trabalhadores com carteira e empregadores, de outro.

159
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Regulamentação do mercado de trabalho

Tabela 2: Distribuição de trabalhadores por escolaridade – 2019

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad Contínua.

Tanto entre os trabalhadores sem carteira como entre os por conta própria,
uma parcela significativa não concluiu o ensino fundamental (34,1% e 36,8%,
respectivamente), enquanto essa proporção é bem menor entre os que possuem
carteira e os empregadores (16,9% e 15,8%, respectivamente).
Essas diferenças podem ser sumarizadas pela escolaridade média de cada
grupo. Como mostra a Tabela 2, a média de anos de estudo de trabalhadores
sem carteira assinada e por conta própria é bastante similar (9,8 e 9,5 anos,
respectivamente) e consideravelmente menor que a dos trabalhadores com
carteira (11,5 anos) e empregadores (12,2 anos).

4.3. Renda

Essas diferenças de escolaridade entre trabalhadores formais e informais


refletem-se em disparidades de renda entre esses grupos. Como revela a Tabela
3, 47,1% dos trabalhadores sem carteira recebem menos de 1 salário mínimo
por mês. Esses trabalhadores obtêm uma renda média mensal de R$ 1.427, o
que corresponde a cerca de 55% da renda média mensal dos trabalhadores com
carteira (R$ 2.567). A renda média mensal dos trabalhadores por conta própria
(R$ 1.760) é bastante próxima da recebida por um trabalhador sem carteira, e
muito inferior à de um empregador (R$ 6.313).

160
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Tabela 3: Distribuição de trabalhadores por faixa de renda do trabalho mensal – 2019

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad Contínua.

4.4. Atividade econômica

A Tabela 4 mostra que o trabalho informal tende a se concentrar em setores


de menor produtividade, como agropecuária, construção civil e alguns segmentos
do setor de serviços. Por outro lado, a participação do trabalho informal é pequena
em setores de produtividade elevada, como indústria de transformação, indústria
extrativa mineral e intermediação financeira.

Tabela 4: Distribuição de trabalhadores por atividade econômica – 2019

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad Contínua.

Em resumo, existem alguns padrões na informalidade do trabalho, que


tendem a estar correlacionados a características associadas à menor produtividade,

161
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como baixa escolaridade e concentração em atividades econômicas de menor


valor agregado por trabalhador.
Existem, no entanto, diferenças relevantes entre os trabalhadores sem
carteira e por conta própria em algumas características, especialmente idade e
atividade econômica. Em particular, o grupo de trabalhadores por conta própria
tem em média uma parcela maior de indivíduos de maior idade, que se concentram
na agropecuária, construção e comércio.

4.5. Distinção entre conta própria com e sem CNPJ

Embora trabalhadores por conta própria sejam comumente incluídos no


segmento informal, existem diferenças importantes dentro deste grupo no que
diz respeito a algumas características, como escolaridade.
Como mostra a Tabela 5, a escolaridade dos trabalhadores por conta própria
varia significativamente em função do registro no Cadastro Nacional de Pessoas
Jurídicas (CNPJ). Um trabalhador por conta própria com CNPJ tem quase três
anos a mais de escolaridade em comparação com um trabalhado por conta própria
sem CNPJ (11,8 e 9,0 anos de estudo, respectivamente).

Tabela 5: Perfil educacional de trabalhadores por conta


própria e empregadores – com e sem CNPJ - 2019

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad Contínua.

5. Pandemia e mercado de trabalho em 2020


A pandemia da Covid-19 teve um impacto profundo no mercado de
trabalho brasileiro. Diferentemente de crises econômicas anteriores, desta vez
os trabalhadores informais foram mais atingidos que os formais. Em particular,
embora a redução das ocupações formais em 2020 tenha sido expressiva (-4,2%), a
queda nas ocupações informais foi proporcionalmente três vezes maior (-12,6%).

162
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Como mostra o gráfico 3, embora a queda do emprego informal tenha


sido particularmente acentuada no segundo e terceiro trimestres de 2020, ela
também foi muito significativa no quarto trimestre, que registrou uma redução
de mais de 8% do emprego informal em relação ao quarto trimestre de 2019.

Gráfico 3: Decomposição do crescimento da população ocupada


(em relação ao mesmo trimestre do ano anterior)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad Contínua.

Dentre os informais, os trabalhadores domésticos sem carteira assinada


tiveram a maior queda (-18,8%), seguidos dos empregados no setor privado sem
carteira assinada (-16,5%). Outra categoria informal com grande redução na
ocupação foram os trabalhadores por conta própria sem CNPJ (-10,3%).
Já dentre os formais, os trabalhadores domésticos com carteira assinada
foram os mais atingidos, com queda de 20%. Os empregados no setor privado
com carteira assinada também tiveram forte redução nas ocupações (-7,8%). Por
outro lado, dois grupos de trabalhadores formais tiveram aumento de ocupações
em 2020. A categoria de militares e servidores estatutários teve crescimento de
6,9% e o número de trabalhadores por conta própria com CNPJ deu um salto
de 10,1%.
Outro fato a ser ressaltado é que, diferentemente da recessão de 2014-2016,
desta vez os trabalhadores do setor de serviços foram os mais afetados. Enquanto

163
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a redução da população ocupada na indústria de transformação em 2020 foi de


7,7%, o emprego no setor de outros serviços teve queda de 12,1% (Tabela 6).
Este setor emprega mais de 30% da população ocupada e inclui atividades que
envolvem contato presencial, como serviços domésticos e serviços prestados às
famílias.

Tabela 6: Crescimento da população ocupada por setor da


economia e peso como % do total da população ocupada

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad Contínua.

Uma terceira característica marcante desta pandemia foi o grande impacto


negativo nas ocupações de escolaridade mais baixa. Em particular, no grupo
de trabalhadores sem instrução e com ensino fundamental incompleto houve
redução de 17,1% (Gráfico 4). Outro grupo muito atingido foi o de trabalhadores
com ensino fundamental completo e ensino médio incompleto, com queda de
14,8%. Por outro lado, houve aumento de 5,5% no emprego de pessoas com ensino
superior completo. Embora a recessão de 2014-2016 também tenha apresentado
impacto negativo nos trabalhadores de menor escolaridade, a magnitude desse
efeito na pandemia foi muito maior.

164
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Gráfico 4: Taxa de crescimento do emprego em cada grupo


educacional (em relação ao ano anterior)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad Contínua.

Uma quarta evidência do caráter diferenciado dos efeitos da pandemia


no mercado de trabalho diz respeito à queda sem precedentes da população
economicamente ativa (PEA), que consiste na soma dos trabalhadores ocupados
e aqueles desocupados que estão à procura de emprego. Em comparação com o
quarto trimestre de 2019, houve, no segundo trimestre de 2020, uma redução
de cerca de 10 milhões da PEA (Gráfico 5). Apesar de ter havido uma recuperação
nos trimestres seguintes, no quarto trimestre de 2020 a PEA ainda se encontrava
cerca de 6 milhões abaixo do nível do mesmo trimestre de 2019.

165
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Gráfico 5: Evolução da população economicamente ativa (PEA) – em milhões

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad Contínua.

Em função desse movimento de saída expressiva da força de trabalho, o


aumento do número de desocupados foi bem menor que a redução do número
de trabalhadores ocupados (Gráfico 6). Já em 2014-2016 o padrão foi muito
diferente, com forte aumento da taxa de desocupação.

166
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Gráfico 6: Evolução da população desocupada – em milhões

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad Contínua.

6. Trabalho Remoto no Brasil


Devido à pandemia, houve em 2020 um grande aumento do trabalho
executado de forma remota em muitos países, incluindo o Brasil. Com base
na metodologia desenvolvida em artigo dos pesquisadores Dingel e Neiman,
podemos calcular o potencial de trabalho remoto no Brasil.3
O gráfico 7 mostra que 25,5% dos trabalhadores brasileiros podem fazer
trabalho remoto. Existem diferenças significativas no potencial de trabalho
remoto entre as regiões brasileiras. As regiões mais ricas, como Sudeste (28%)
e Sul (26,2%), possuem o maior percentual de trabalhadores que podem migrar
para o trabalho em casa. As regiões Norte e Nordeste possuem um potencial de
somente 21,2% e 21,9%, respectivamente.

3 A metodologia considera se a ocupação de cada trabalhador permite que seu trabalho seja executado
de forma remota. Por exemplo, trabalhadores que operam máquinas não podem trabalhar de casa,
enquanto que profissionais do setor financeiro podem fazê-lo. Para mais detalhes, ver Dingel, J. e
Neiman, B. (2020). “How many jobs can be done at home?”. Journal of Public Economics 189.

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Gráfico 7: Percentual de pessoas com potencial de


trabalho remoto: Brasil e Grandes Regiões

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad Contínua de 2019.

O gráfico 8 mostra que trabalhadores com maior nível de escolaridade


possuem potencial mais elevado de trabalhar de forma remota. Enquanto somente
6,5% dos trabalhadores sem instrução ou com o fundamental incompleto podem
ser deslocados para o trabalho em casa, este percentual é de 62,4% no grupo de
trabalhadores com ensino superior completo.

Gráfico 8: Percentual de pessoas com potencial de


trabalho remoto: Grupos Educacionais

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad Contínua de 2019.

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O gráfico 9 mostra que o potencial de trabalho remoto é consideravelmente


mais elevado para trabalhadores formais (31,5%) em comparação com os informais
(17,9%). Essa evidência corrobora a necessidade de formas de proteção dos
trabalhadores informais em situações de perda súbita de renda, como nesta
pandemia.

Gráfico 9: Percentual de pessoas com potencial de trabalho remoto: Formal e Informal

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad Contínua de 2019.

Com base em dados da Pnad Covid, uma pesquisa domiciliar introduzida


pelo IBGE em 2020 para avaliar os efeitos da pandemia em dimensões específicas
do mercado de trabalho, podemos avaliar a adoção do trabalho remoto no Brasil.
O gráfico 10 mostra que a adoção de trabalho remoto correspondeu a 10,3% do
total de trabalhadores em maio, caindo para 8,7% em novembro, último mês
da pesquisa.

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Gráfico 10: Evolução do trabalho remoto efetivo

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pnad Covid.

7. Desafios do mercado de trabalho no pós-pandemia


A informalidade no Brasil é muito elevada e já vinha aumentando após
a recessão de 2014-2016. A pandemia afetou profundamente o mercado de
trabalho, atingindo de forma mais negativa os trabalhadores informais e de
menor escolaridade.
Um desafio é como promover uma inserção mais efetiva desses trabalhadores
no mercado de trabalho pós-pandemia. Outro desafio é como oferecer uma proteção
social mais efetiva para os trabalhadores mais vulneráveis, particularmente os
informais.
Trabalhadores que buscam modalidades mais flexíveis de trabalho,
especialmente jovens e mulheres, têm grande dificuldade de inserção no setor
formal. Além disso, inovações tecnológicas estão modificando profundamente o
mercado de trabalho. Em função disso, a criação de novas modalidades de trabalho
contribui para novas formas de inserção dos trabalhadores no mercado formal.
Nesse sentido, a Reforma Trabalhista, aprovada em 2017, pode contribuir
para a redução da informalidade através de três canais principais. O primeiro é
a possibilidade de arranjos mais flexíveis dos contratos de trabalho. O segundo

170
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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Regulamentação do mercado de trabalho

é a criação de novas modalidades de contratação. O terceiro é a expansão do


emprego em empresas formais, graças à redução da insegurança jurídica.
A pandemia evidenciou a enorme vulnerabilidade social de milhões de
trabalhadores de baixa renda, particularmente os informais. Enquanto as famílias
mais pobres são cobertas pelo Bolsa Família e os trabalhadores formais têm
direito a vários benefícios previdenciários e trabalhistas, os trabalhadores sem
carteira assinada e grande parcela dos trabalhadores por conta própria não são
cobertos pela rede de proteção social.
Esse contexto estimulou a criação do auxílio emergencial e o surgimento
de várias propostas, tanto por parte de analistas como de parlamentares, com
o objetivo de reforçar a rede de proteção social do país.
Neste sentido, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional o PL
5.343/2020, que cria a Lei de Responsabilidade Social. O projeto é baseado em
uma proposta do Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP), para a qual
tive o prazer de contribuir4. A proposta do CDPP consiste em medidas de
aprimoramento da rede de proteção social brasileira, respeitando a necessidade
de equilíbrio das contas públicas. Seus objetivos são eliminar a pobreza extrema,
proteger os trabalhadores informais da volatilidade de sua renda e promover a
igualdade de oportunidades.
O PL 5.343/2020 prevê a criação de três benefícios. O primeiro é o Benefício
de Renda Mínima (BRM), que unifica os quatro benefícios que atualmente
compõem o Bolsa Família e aumenta o valor médio do benefício. Propõe-se,
ainda, a criação da Poupança Seguro Família, que consiste em um depósito mensal
por parte do governo voltado para trabalhadores de baixa renda, que poderia
ser sacado em situações específicas, como uma queda da renda do trabalho e
calamidades como a atual pandemia. O terceiro benefício é uma poupança para
estudantes pertencentes a famílias beneficiárias do BRM, que poderia ser sacada
quando concluíssem o Ensino Médio.
Diante da lenta recuperação do emprego e da necessidade inadiável de
aprimoramento da rede de proteção social, a Lei de Responsabilidade Social é
muito oportuna e deve ser debatida pela sociedade e seus representantes no
Congresso.

4 O material está disponível em: <https://cdpp.org.br/pt/publicacoes>. Acesso em 21.abr.2022.

171
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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Regulamentação do mercado de trabalho

A necessidade de distanciamento social decorrente da pandemia acelerou de


forma extraordinária a adoção de modalidades de trabalho remoto. Estimativas
indicam que a proporção de dias trabalhados em casa deverá triplicar nos países
desenvolvidos depois da pandemia.
Essa projeção aplica-se principalmente ao grupo de trabalhadores de
qualificação elevada, cujo trabalho pode ser feito de forma remota sem perda
de produtividade. Por outro lado, trabalhadores de menor qualificação, que
atuam no setor de serviços pessoais, como hospedagem e alimentação, serão
negativamente afetados pela dificuldade de fazer trabalho remoto e pela queda de
demanda decorrente da realocação de parte da atividade produtiva de escritórios
para residências.
Portanto, a agenda de melhoria do capital humano (educação e capacitação
para o mercado de trabalho) será ainda mais importante no pós-pandemia. É
imprescindível que o governo e a sociedade mobilizem- se de modo a qualificar
os trabalhadores para que possam enfrentar os novos desafios do mercado de
trabalho.

172
A regulação do mercado de trabalho no Brasil e a recuperação do
emprego no pós covid-19

Labor market regulation in Brazil and employment recovery in the aftermath


of covid-19

Cecília Machado Berriel1

Resumo: Este artigo analisa as principais características da regulação trabalhista


no Brasil e avalia seus impactos no mercado de trabalho. O artigo também discute
as principais características do mercado de trabalho no Brasil, como salário
médio, emprego, rotatividade e informalidade. Abordamos em mais detalhes
as implicações econômicas de diversos direitos trabalhistas, como o salário
mínimo, a contribuição obrigatória à seguridade social, as cláusulas de proteção
ao emprego e o seguro desemprego. Também discutimos os desafios da crise do
Covid-19 e suas consequências para o mercado de trabalho.
Palavras-chave: Mercado de Trabalho. Regulação. Covid-19.
Abstract: This paper analyzes the main characteristics of labor regulation in
Brazil and assesses its impacts on the labor market. The paper also discusses the
main features of the Brazilian labor market, such as average wages, employment,
turnover and informality. We discuss in more detail the economic implications
of various labor rights, such as the minimum wage, the mandatory contribution
to social security, employment protection clauses and unemployment insurance.
We also discuss the challenges of the Covid-19 crisis and its consequences for
the labor market.
Key words: Labor Market. Regulation. Covid-19.

1 Cecilia Machado é economista-chefe do Banco BOCOM BBM, professora e pesquisadora da FGV EPGE
e pesquisadora afiliada ao Instituto de Economia do Trabalho IZA. Possui graduação em economia
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestrado em Economia pela PUC-Rio e doutorado em
Economia pela Universidade de Columbia. É editora associada da Revista Economia.

173
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Regulamentação do mercado de trabalho

1. Introdução
A regulação trabalhista no mercado de trabalho tem efeitos controversos. De
um lado a regulação pode levar a um aumento da eficiência econômica, ao corrigir
distorções geradas por imperfeições de mercado. De outro lado, entretanto, é
possível argumentar que regras excessivas prejudicam o livre funcionamento do
mercado de trabalho. Como firmas e trabalhadores são agentes econômicos que
internalizam as restrições impostas pela regulação em suas decisões, o resultado
de uma política pode ser distante de seu objetivo original. Nesse sentido, a teoria
econômica ajuda na compreensão dos efeitos não esperados (ou não previstos)
da regulação, que consideram a reação dos agentes econômicos em resposta à
determinada política na aferição de seu efeito total.
A teoria econômica fornece modelos que contribuem para uma análise
disciplinada das forças em ação em uma determinada regra jurídica, os mecanismos
diretos e indiretos pelo qual ela se propaga e como afeta as escolhas dos agentes.
Mas, os resultados esperados são também função direta do tipo de modelo
econômico utilizado. Dessa forma, torna-se relevante aliar os modelos econômicos
às evidências empíricas trazidas pela abundância de dados de mercado de trabalho
hoje disponíveis.
Apesar de a literatura econômica sobre a regulação trabalhista ser bastante
ampla e numerosa, muitas das evidências existentes foram estabelecidas para
países desenvolvidos. Para países em desenvolvimento, entretanto, as conclusões
podem ser bastante diversas. No caso do Brasil, é necessário considerar a interação
da legislação com a existência de um grande setor informal na economia para
o qual a legislação não se aplica (ASSUNÇÃO e MONTEIRO, 2012; ROCHA,
ULYSSEA e RACHTER, 2018; Meghir, C., Narita, R. e Robin, J., 2015). A própria
informalidade, inclusive, pode ser vista como consequência de uma política de
regulação muito severa nesses países.
Este artigo busca analisar as principais características da regulação trabalhista
no Brasil e avaliar seus impactos no mercado de trabalho, utilizando a teoria
econômica para explicitar os principais efeitos esperados das regras estabelecidas
no campo jurídico. Também usaremos dados para fornecer estatísticas descritivas
básicas sobre o funcionamento do mercado de trabalho no Brasil, com informações

174
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Regulamentação do mercado de trabalho

sobre salário, emprego, rotatividade e informalidade, entre outros, como em


Machado (2020).
O estudo está organizado da seguinte forma: A seção 2 traz a discussão
econômica, focando no salário mínimo, nos impostos sobre a folha de pagamento,
nas políticas de proteção ao emprego e no seguro desemprego. A seção 3 traz
dados do mercado de trabalho no Brasil, oferecendo um panorama descritivo de
diversas variáveis de interesse para políticas com foco no mercado de trabalho.
A seção 4 traz uma discussão sobre o panorama apresentado e a seção 5 trata
dos desafios da crise do Covid-19.

2. Análise Econômica do Mercado de Trabalho


O arcabouço microeconômico utilizado para o entendimento das tomadas de
decisão dos agentes encontra aplicação fértil no campo do mercado de trabalho. O
objetivo desta seção é utilizar a teoria econômica para compreender os fenômenos
observados no mercado de trabalho, e como a regulamentação trabalhista interfere
e interage na tomada de decisões das firmas e dos trabalhadores.

2.1. Salário Mínimo

As políticas de salário mínimo foram criadas com o objetivo de melhorar


a remuneração dos trabalhadores que recebem baixos salários. Visto sob esse
prisma, o salário mínimo serve como um mecanismo de redistribuição de renda
que atua na redução da desigualdade. Entretanto, ainda que o estabelecimento
do salário mínimo melhore o bem-estar de alguns trabalhadores, este benefício
pode vir às custas de uma perda de bem-estar de outros trabalhadores, devido
ao desemprego. No caso do Brasil, a existência de um enorme setor informal, no
qual o salário mínimo não se impõe, constitui uma importante margem de ajuste.
Os efeitos esperados de um aumento do salário mínimo dependem do
arcabouço teórico que se tem em mente. A demanda por trabalho pelas firmas
é uma função decrescente dos salários, pois quanto maior o salário, maiores
são os custos das firmas e menor a demanda por trabalho. Por sua vez, a oferta
de trabalho é uma função crescente do salário, indicando que quanto maior o
salário, maior a oferta de trabalho. Em um mercado competitivo, o salário e o

175
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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Regulamentação do mercado de trabalho

nível de emprego de equilíbrio são aqueles que satisfazem simultaneamente as


curvas de oferta e demanda.
A introdução de um valor mínimo para o salário que deve ser pago ao
trabalhador altera as conclusões obtidas acima. Mas primeiramente é importante
notar que o salário mínimo apenas se torna de relevante consideração quando
seu valor encontra-se acima do salário de equilíbrio. Nesse caso, os trabalhadores
querem ofertar mais trabalho do que as firmas demandam, gerando uma massa de
indivíduos que gostariam de trabalhar, mas não encontra empregos em quantidade
suficiente. Dessa forma, a política do salário mínimo funciona para remunerar
os trabalhadores a um salário mais alto ao custo de alguns trabalhadores ficarem
desempregados, e o efeito geral, em bem-estar, é ambíguo.
Desvios em relação ao modelo competitivo, entretanto, preveem que o
salário mínimo pode levar a um aumento de emprego na economia. Este é caso,
por exemplo, em um mercado monopsonista em que existe uma única firma
demandando trabalho. Nesse caso, a firma pode estipular qualquer nível de
salário, e o nível de emprego decorrente deve apenas satisfazer a curva de oferta
de trabalho. Assim, a firma explora o seu poder de mercado e contrata menos
trabalhadores, a um nível menor de salários em comparação ao caso competitivo.
Estipular um salário mínimo acima do que escolhe a firma monopsonista, mas
ainda abaixo do equilíbrio competitivo, leva a um aumento no emprego.

2.2. Impostos do Sistema de Seguridade Social

Impostos que incidem sobre a folha de pagamento aumentam o custo


do trabalhador e criam um distanciamento entre o que a firma paga e o que
o trabalhador recebe de forma efetiva. No Brasil, as contribuições feitas ao
sistema de seguridade social (INSS), denominadas contribuições previdenciárias,
são de recolhimento obrigatório e feitas sob responsabilidade da firma. Tal
contribuição pode ser vista como uma forma de imposto proporcional ao salário
dos trabalhadores, que assegura contrapartidas aos trabalhadores. A vinculação
dos trabalhadores ao sistema de seguridade social traz-lhes acesso a uma ampla
gama de benefícios em aposentadorias e seguros por afastamento de trabalho,
como a licença maternidade, o auxílio doença e o seguro desemprego.

176
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Regulamentação do mercado de trabalho

Dessa forma, a contribuição previdenciária representa um custo que pode


ser repassado indireta e imperfeitamente aos trabalhadores, caso eles valorizem
as vantagens oferecidas em contrapartida pela seguridade social. Os trabalhadores
internalizam todos esses aspectos no seu pacote de benefícios e o efeito líquido
sobre emprego e salários depende tanto do aumento do custo por trabalhador
quanto também de como os trabalhadores valorizam os benefícios assegurados
pelo INSS. Ainda que o efeito em salário seja claramente negativo, o emprego
pode aumentar em casos em que o benefício oferecido ao trabalhador é valorizado
em magnitude maior que o seu custo.
É importante enfatizar, entretanto, que os benefícios da seguridade social
têm recebimento difuso no tempo, e que esses direitos nem sempre serão
exercidos pelos trabalhadores. Por exemplo, a licença maternidade é um direito
que se aplica exclusivamente às mulheres que têm filhos. E o seguro desemprego
aplica-se em maior ou menor frequência de acordo com as diferentes taxas de
rotatividade dos trabalhadores. Já o benefício da aposentadoria requer tempo
de contribuição ou idade mínima. A vigência de um salário mínimo adiciona
ainda mais complexidade a esse cenário. Conforme visto anteriormente, se o
salário mínimo estiver acima do novo salário de equilíbrio, o ajuste negativo
em salários fica impedido de acontecer, tornando o ajuste via desemprego tanto
mais provável.
A contribuição previdenciária ao INSS é um exemplo de uma política
mandatória de benefícios com recebimento difuso e intermediada pelo governo.
Existem, entretanto, outras políticas mandatórias semelhantes por meio das
quais o recebimento do benefício é feito de forma mais imediata e diretamente
pela firma, como o décimo terceiro salário e as férias remuneradas. Nesses casos
o benefício é completamente internalizado pelos trabalhadores, sendo valorizado
na mesma magnitude do custo que impõe para as firmas. Assim, todo ajuste
dá- se via salário, sem impactos no emprego. Aqui, novamente, é importante
considerar distorções geradas por um salário mínimo que impede ajustes de
salários, assim como também os ajustes via o setor informal. Nesse contexto,
trabalhadores informais não são cobertos pela legislação trabalhista, e facilitam
ajustes quando o mercado de trabalho formal é muito regulado.

177
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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Regulamentação do mercado de trabalho

2.3. Proteção ao Emprego

Os dispositivos legais de proteção ao emprego afetam a capacidade de


ajustamento das firmas via contrações e demissões. No Brasil, a proteção ao
emprego é garantida de diversas formas, seja através do aviso prévio, da multa
por demissão sem justa causa, ou através de impedimentos legais de demissão
em certos contextos, como o período de proteção ao emprego que é garantido
após a licença maternidade. Além disso, a legislação também estabelece cotas
de contratação para determinados segmentos demográficos, como deficientes
e jovens aprendizes.
Em ambientes econômicos sem fricções de mercado, as cláusulas de proteção
ao emprego que estipulam o pagamento fixo de uma multa ao término do contrato
podem ser instantaneamente compensadas através de um ajuste correspondente
em salários, sem nenhum impacto em contrações e demissões (LAZEAR, 1990). No
mundo real, entretanto, muitas são as fricções presentes no mercado de trabalho.
Além disso, as cláusulas de proteção ao emprego tomam formas mais complexas
do que o pagamento de uma simples multa. Mesmo no caso da multa sobre o
saldo do FGTS, o montante devido é proporcional ao valor depositado na conta
durante a vigência do contrato de trabalho, e será tanto maior quanto maior o
tempo de trabalho do empregado na firma, o que gera incentivos diferenciados
para a demissão de trabalhares de acordo com a experiência que eles têm na
firma. E como a demissão sem justa causa é um dos motivos para o saque do
FGTS, este mecanismo também gera incentivos perversos no comportamento
dos trabalhadores (por exemplo, reduzindo esforço), para causar uma demissão.
As cláusulas de proteção ao emprego, vistas de forma mais ampla, constituem
impedimentos ao ajustamento da força de trabalho das firmas, limitando a
capacidade das mesmas de reagir face a choques econômicos não antecipados.
Além de efeitos decorrentes no nível de emprego, modelos dinâmicos preveem
efeitos também nas contratações e demissões, na criação e falência de firmas,
e no tamanho e crescimento das mesmas. Nesse contexto, custos de demissão
podem diminuir a rotatividade dos trabalhadores, reduzindo a volatilidade do
emprego no ciclo econômico, mas atuam também para inibir a entrada de novas
firmas no mercado e a criação de novos postos de emprego na economia como
um todo (BENTOLILA e BERTOLA, 1990; HOPENHAYN e ROGERSON, 1993).

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Regulamentação do mercado de trabalho

Empiricamente existe uma ampla gama de evidências que apontam para


efeitos negativos das cláusulas de proteção ao emprego em diversos resultados,
como o baixo poder de resposta das firmas aos choques e ciclos econômicos,
baixa produtividade, mudanças subótimas na composição dos trabalhadores
da firma, e ajustes via setor informal. Uma alternativa às políticas de proteção
ao emprego são as políticas de treinamento e qualificação da mão de obra, que
preparam e auxiliam os trabalhadores na recolocação profissional. O seguro
desemprego também cumpre objetivo semelhante de proteção ao trabalhador
demitido, conforme será visto a seguir.

2.4. Seguro Desemprego

O seguro desemprego é um benefício integrante da seguridade social e tem


por finalidade prover assistência financeira temporária ao trabalhador dispensado
involuntariamente. No Brasil, para ter direito ao seguro desemprego, o trabalhador
precisa ter no mínimo 12 meses trabalhados nos últimos 18 meses em caso de
primeira solicitação, 9 meses trabalhados nos últimos 12 meses para a segunda
solicitação, e cada um dos últimos 6 meses na terceira solicitação.
Um argumento favorável ao seguro desemprego é que ele aumenta o bem-
estar social ao prover um seguro que suaviza o consumo face a choques não
antecipados. Apesar de prover seguro contra o desemprego, essa política também
gera incentivos perversos para recolocação do desempregado no mercado de
trabalho, uma vez que o pagamento das parcelas é interrompido no momento
em que o trabalhador encontra um novo emprego. É esperado, portanto, que os
beneficiários do seguro desemprego atuem de forma estratégica para maximizar
o tempo de recebimento do mesmo, modificando o seu comportamento de
procura por trabalho em comparação a uma situação em que não recebem o
seguro, fenômeno denominado em economia como risco moral. Dessa forma, o
desenho do seguro-desemprego deve balancear os benefícios do seguro com os
desincentivos que gera na busca por um novo emprego.
Em um contexto de alta informalidade, programas sociais, como o seguro
desemprego, podem ter custos em termos de eficiência, principalmente quando
condicionam o benefício recebido ao não trabalho. A existência de um setor
informal exacerba, dessa forma, o desincentivo ao emprego formal, aumentando

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ECONÔMICA DO DIREITO NA JUSTIÇA DO TRABALHO Regulamentação do mercado de trabalho

o custo do programa ao distorcer os incentivos dos trabalhadores na busca por


empregos.
Gerard e Gonzaga (2018) mostram que, de fato, o seguro desemprego gera
incentivos à informalidade, mas como a recolocação dos trabalhadores de volta
ao setor formal é bastante baixa, os custos em termos de eficiência do programa
são pequenos. Isso ocorre porque muitos trabalhadores não conseguem retornar
ao mercado formal após a demissão, e retornam ao mercado de trabalho via setor
informal. No Brasil, 83% dos beneficiários recebem todas as parcelas devidas do
seguro desemprego, em uma duração média de 4.63 meses de recebimento. Como
a fração dos beneficiários que retorna ao emprego aumenta expressivamente
exatamente antes da última parcela do seguro desemprego, esta evidência é
consistente com uma mudança no comportamento de busca por emprego ao
longo do período do benefício. Entretanto, as taxas de reemprego no setor formal
são baixas mesmo após o fim do período coberto pelo seguro, indicando que os
custos de eficiência do programa não são altos.
Van Doornik et al. (2018) documentam comportamento estratégico tanto de
firmas quanto de trabalhadores para demissões, mostrando que a probabilidade
de demissões sem justa causa aumenta justamente para trabalhadores que estão
no limiar de perder o direito ao benefício caso a demissão ocorra em período
posterior. Além disso, os trabalhadores demitidos são posteriormente contratados
pelas mesmas firmas após o fim do recebimento do seguro desemprego, indicando
comportamento de colusão entre firmas e trabalhadores. A evidência indica que
os trabalhadores permanecem trabalhando nas firmas via contratos informais
e que os benefícios do seguro são repartidos entre firmas e trabalhadores via
redução de salários e encargos trabalhistas no período de informalidade. Dessa
forma, a informalidade atua para facilitar o comportamento estratégico de colusão,
servindo mais ao propósito de distribuir renda entre firmas e trabalhadores
e menos ao propósito de servir como um seguro ao desemprego inesperado,
sugerindo que algumas modificações no desenho da política sejam desejáveis.

3. Estatísticas Descritivas do Mercado de Trabalho no Brasil


Nesta seção usamos dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios
Contínua Anual (PNADC/A) feita pelo IBGE, para os anos de 2012 a 2019. A

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PNADC/A é uma pesquisa de representatividade nacional com informações


socioeconômicas das famílias entrevistadas, incluindo dados de emprego
e salário dos indivíduos na amostra. Também usamos os dados da Relação
Anual de Informações Sociais (RAIS), coletadas pelo Ministério da Economia
(ME), para os mesmos anos. A RAIS corresponde a um registro administrativo
reportado pelas firmas ao ME com informação sobre todos os contratos de
trabalhos formais no país. Uma vantagem da RAIS sobre a PNADC/A é que ela
permite o acompanhamento longitudinal dos trabalhadores, assim como fornece
datas precisas de admissão e desligamento em cada vínculo de trabalho. Uma
desvantagem é que fornece menor riqueza de informações demográficas dos
trabalhadores em comparação com a PNADC/A, além de não capturar o setor
informal da economia. Os valores nominais de salário foram convertido s a
valores de 2019 usando o INPC como deflator de valores.

Tabela 1: Salários, 2012 a 2019, PNADC/A e RAIS

2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

A. PNADC/A

Média 2116.17 2194.80 2274.64 2146.54 2280.30 2287.00 2359.57 2331.04

Mediana 1232.24 1320.17 1308.17 1293.17 1323.64 1296.83 1358.26 1400.00

<=1 SM 0.35 0.33 0.32 0.31 0.33 0.34 0.33 0.32

<=1.5 SM 0.55 0.57 0.53 0.51 0.55 0.55 0.53 0.51

<=2 SM 0.70 0.68 0.66 0.68 0.67 0.68 0.66 0.65

B. RAIS

Média 2969.42 3068.96 3118.71 3029.43 3051.41 3121.78 3111.02 2976.35

Mediana 1709.93 1793.29 1831.03 1776.02 1811.93 1862.75 1857.88 1797.70

<=1 SM 0.06 0.06 0.06 0.06 0.06 0.06 0.06 0.08

<=1.5 SM 0.37 0.37 0.35 0.35 0.37 0.37 0.36 0.37

<=2 SM 0.57 0.56 0.55 0.55 0.57 0.57 0.56 0.58

SM: Salário Mínimo

Nota: Em valores de 2019, INPC usado como deflator.

Fonte:Fonte: PNADC/A e RAIS

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A Tabela 1 documenta as informações sobre a distribuição de salário


na economia brasileira. De acordo com a PNADC/A, o salário médio passou
de R$2.116,17 para R$2.331,04 entre 2012 e 2019, o que corresponde a uma
valorização real (acima da inflação) de aproximadamente 10%. Mais expressivo
ainda são os ganhos do salário mediano, de R$1.232,24 para R$1.400,00 no mesmo
período, uma valorização real de 14%. A diferença em nível entre o salário médio
e mediano reflete o fato de muitos trabalhadores serem remunerados pelo salário
mínimo, gerando uma massa de trabalhadores na cauda inferior da distribuição
de salários. De fato, o percentual de trabalhadores que são remunerados até o
valor do salário mínimo corresponde a aproximadamente 33%. Considerando o
percentual de trabalhadores recebendo até dois salários mínimos, esta proporção
aumenta para 67%.
Ainda que remunerações abaixo do salário mínimo sejam ilegais, o setor
informal no Brasil é bastante expressivo, e os dados da PNADC/A confirmam
que ele constitui uma importante margem de ajuste às regulações trabalhistas.
Os dados da RAIS correspondem ao setor formal da economia, e mostram que
em firmas formais existe maior cumprimento do direito dos trabalhadores ao
salário mínimo. Nesses dados, o percentual de trabalhadores recebendo até o
valor do salário mínimo varia de 6% a 8%.

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Tabela 2: Salários por nível educacional, 2012 a 2019, PNADC/A e RAIS

2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

A. PNADC/A

Fundamental (F) 1209.48 1260.35 1300.29 1219.69 1230.24 1250.46 1249.07 1209.86

Médio (M) 1810.07 1857.97 1848.33 1735.40 1755.65 1747.11 1764.62 1730.09

Superior (S) 4734.43 4817.59 4907.83 4502.82 4789.71 4718.63 4742.35 4628.67

razão S/M 2.62 2.59 2.66 2.59 2.73 2.70 2.69 2.68

razão M/F 1.50 1.47 1.42 1.42 1.43 1.40 1.41 1.43

B. RAIS

Fundamental (F) 1810.77 1884.27 1897.99 1817.26 1837.43 1879.74 1870.62 1778.77

Médio (M) 2184.62 2255.92 2269.33 2160.80 2162.16 2199.33 2167.12 2057.77

Superior (S) 6548.13 6619.20 6574.53 6345.65 6177.08 6213.63 6076.64 5842.09

razão S/M 3.00 2.93 2.90 2.94 2.86 2.83 2.80 2.84

razão M/F 1.21 1.20 1.20 1.19 1.18 1.17 1.16 1.16
SM: Salário Mínimo
Nota: Em valores de 2019, INPC usado como deflator.

Fonte: PNADC/A e RAIS

A Tabela 2 complementa as informações sobre os salários praticados na


economia por nível educacional. Em 2019, trabalhadores com ensino médio
ganharam salários 43% maiores que trabalhadores com educação até o ensino
fundamental, comparado a um percentual de 50% em 2012. O prêmio salarial
para trabalhadores com ensino superior (em comparação aos trabalhadores com
ensino médio) aumentou, de 162% em 2012 para 168% em 2019. Em análise
comparada usando os dados da RAIS, o prêmio salarial para trabalhadores com
ensino superior é ainda maior (184% em 2019), mas é menor para trabalhadores
com ensino médio (16% em 2019).

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Tabela 3: Distribuição de Horas Trabalhadas por


Semana, 2012 a 2019, PNADC/A e RAIS

2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

A. PNADC/A

<=39 0.26 0.26 0.26 0.26 0.25 0.26 0.26 0.26

40 0.29 0.3 0.32 0.33 0.34 0.32 0.31 0.31

41,42,43 0.02 0.02 0.02 0.02 0.01 0.01 0.01 0.01

44 0.09 0.09 0.1 0.11 0.18 0.19 0.19 0.19

>44 0.34 0.32 0.31 0.28 0.23 0.22 0.23 0.23

B. RAIS

<=39 0.14 0.14 0.14 0.14 0.15 0.15 0.16 0.17

40 0.15 0.15 0.15 0.16 0.16 0.16 0.17 0.17

41,42,43 0.01 0.01 0.01 0.01 0.01 0.01 0.01 0.02

44 0.71 0.70 0.70 0.69 0.68 0.67 0.66 0.64

>44 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00

Fonte: PNADC/A e RAIS

Com relação às horas trabalhadas, nota-se que os dados da PNADC/A


revelam maior flexibilidade de facto das horas trabalhadas em comparação ao
contrato padrão de 44 horas semanais. Na Tabela 3, para o ano de 2012, vemos
40% dos trabalhadores entre 40 e 44 horas semanais e 26% deles trabalhando
39 horas ou menos, enquanto que 34% trabalham acima do valor de referência
de 44 horas semanais. Nos dados da RAIS, observamos que o limite das 44 horas
constitui uma restrição ativa nessas relações trabalhistas (ou, então, assim é
reportada, ainda que não seja a carga horária de fato cumprida), uma vez que
71% dos trabalhadores estão concentrados exatamente nas 44 horas semanais,
enquanto quase nenhum contrato formal estipula mais do que 44 horas semanais.

4. Discussão
O Brasil é caracterizado por um expressivo setor informal, para o qual boa
parte dos direitos trabalhistas estabelecidos não se aplica. Nesse contexto, a
imposição de regras muitos rígidas no mercado de trabalho, ainda que garantidora

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de direitos para trabalhadores no setor formal, vem às custas de relegar ao setor


informal trabalhadores que estariam no setor formal na ausência de tais regras.
A informalidade pode trazer, também, implicações econômicas perversas,
como a evasão de taxas e tributos no setor informal e a distorção das decisões
ótimas das firmas em relação à sua força de trabalho. Além disto, permite que
firmas pouco produtivas no setor informal possam competir com firmas mais
produtivas no setor formal, gerando má alocação de recursos na economia.
Um arcabouço econômico integrado, que leve em consideração as diversas
forças que atuam numa regulação e como ela repercute em uma economia com
uma alta taxa de informalidade, é necessário para compreender de forma mais
abrangente o contexto do mercado de trabalho no Brasil. A abundante evidência
internacional e discussão teórica sobre os efeitos da regulação ganha contornos
bastante distintos na presença de informalidade. Desse modo, muitos estudos
que foram discutidos neste artigo têm considerado de forma mais explícita
as considerações sobre a informalidade nas suas análises, conforme visto nos
modelos sobre os efeitos do salário mínimo, contribuição à seguridade social,
proteção ao emprego e seguro desemprego.
Ulyssea (2018) ressalta ainda que os efeitos podem se tornar ainda mais
complexos quando se considera uma dupla margem para a informalidade: a
margem extensiva, representada pela decisão de formalização de firmas, e a
margem intensiva, associada à formalização dos trabalhados. Nesse contexto,
firmas informais podem ser vistas de três maneiras distintas: como firmas
produtivas mantidas na informalidade pelos altos custos regulatórios; firmas
parasitas que simplesmente escolhem a informalidade para evasão de taxas; e
firmas informais pouco produtivas que não sobreviveriam no setor formal. Usando
dados para o Brasil, o estudo estima que grande parte das firmas informais são
parasitas e que a eliminação delas produz efeitos positivos para a economia.
Intervenções que mudam parâmetros da regulação trabalhista de forma distinta
(como redução dos custos de formalização das firmas, diminuição de impostos
sobre a folha de pagamento, fiscalização e monitoramento das firmas informais)
podem ter efeitos positivos ou negativos na economia, a depender de como a
política afeta as firmas informais. Dessa forma, a redução da informalidade
pode estar, mas não necessariamente sempre estará, associada a ganhos de
bem-estar social.

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5. Desafios da Pandemia do Covid-19


Usando dados da PNAD Contínua Mensal (PNADC/M), o gráfico 1 indica
uma recuperação menos que proporcional dos trabalhadores ocupados no setor
informal da economia, e mesmo o setor formal ainda não se recuperou aos níveis
pré-pandemia.

Gráfico 1: Índice de População Ocupada (jan/19 = 100)

Fonte: Elaboração própria.

O gráfico 2 mostra a variação da população ocupada comparando o 2º


trimestre de 2020 (logo no início da pandemia) com o mesmo período de 2019,
por gênero e raça. Vemos que a maior parte da queda da população ocupada é
composta por negros (67%), mas a divisão por gênero ficou mais equilibrada
(51% da queda é composta por homens e 49% por mulheres).

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Gráfico 2: Variação da População Ocupada 2° Trimestre


de 2020 Menos o 2° Trimestre de 2019

Fonte: Elaboração própria.

No contexto da pandemia, além da variação da população ocupada também


é interessante ver a variação da população fora da força de trabalho, que não está
empregada e também não procura emprego. O gráfico 3 mostra que a maior parte
do aumento da população fora da força de trabalho é composta por mulheres
(59%) e negros (54%).

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Gráfico 3: Variação da População Fora da Força de Trabalho


2° Trimestre de 2020 Menos o 2° Trimestre de 2019

Fonte: Elaboração própria.

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