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EIXO TEMÁTICO V: “Práticas Terapêuticas Humanistas,

Junguiana e Transpessoais”.

MÓDULO

A TERAPIA SISTÊMICA DAS CONSTELAÇÕES FAMILIARES


APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

Caro estudante,

Este material apresenta textos para leitura da disciplina “A Terapia Sistêmica das
Constelações Familiares” que faz parte do Eixo Temático V que aborda “Práticas
Terapêuticas Humanistas, Junguiana e Transpessoais”!

A disciplina possui uma carga horária de 14 h e ocorrerá no sábado previsto em


calendário, das 8h30min às 17h30min e no domingo no horário de 8h30min às 13h.

A Terapia Sistêmica das Constelações Familiares foi criada e desenvolvida pelo


Psicoterapeuta Alemão Bert Hellinger. Busca solucionar problemas de ordem sistêmica,
sendo uma oportunidade de identificar de forma consciente o que está acontecendo
com o sistema, seja familiar ou organizacional, podendo assim resolver os conflitos a
partir da escolha interna de cada um. A terapia pode ser realizada em grupo (workshop)
ou individualmente. É um trabalho fenomenológico em que o constelador centra-se em
seu íntimo e deixa de lado as próprias crenças e valores pessoais para acompanhar
aquilo que se apresenta.

 EMENTA: Princípios sistêmicos e efeitos dos destinos familiares nos contextos


sociais, culturais, políticos e econômicos.

 OBJETIVO: Conhecer as bases científicas das Constelações Familiares como


ferramenta no processo de construção e transformação da realidade individual e
social. Reconhecer o devido lugar nos sistemas e subsistemas.
SUMÁRIO

PARA QUE O AMOR DÊ CERTO ............................................................................... 04


CAMINHOS NA TERAPIA DE CASAL ......................................................................... 16
“PARA QUE O AMOR DÊ CERTO”

Original: Wie Liebe gelingt,


Palestra proferida por Bert Hellinger, em S.Paulo, Agosto de 1999 em original manuscrito.

Tradução: Anand Udbuddha (Newton Queiroz), Rio de Janeiro


Revisão: Mimansa Erika Farny, Caldas Novas. Novembro de 2000

Muita gente julga que o amor tem o poder de superar tudo, que é preciso apenas amar
bastante e tudo ficará bem. Contudo, a experiência mostra que isto não é verdade.
Muitos pais são forçados a experimentar que, apesar do amor que dão a seus filhos,
estes não se desenvolvem como eles esperavam. São forçados a ver seus filhos
adoecerem, se drogarem ou suicidarem, apesar de todo o amor que lhes dão. Para que
o amor dê certo, é preciso que exista alguma outra coisa ao lado dele. É necessário
que haja o conhecimento e o reconhecimento de uma ordem oculta do amor.

ORDEM E AMOR

O amor preenche o que a ordem abarca.


O amor é a água, a ordem é o jarro.

A ordem ajunta,
o amor flui.
Ordem e amor atuam juntos.

Como uma linda canção obedece às harmonias,


assim o amor obedece à ordem.
Assim como o ouvido dificilmente se acostuma
às dissonâncias, mesmo quando são explicadas,
assim também nossa alma dificilmente se acostuma
ao amor sem ordem.

Muita gente trata essa ordem


como se ela fosse uma opinião
que se pode ter ou mudar à vontade.

Contudo, ela nos preexiste.


Ela atua, mesmo que não a entendamos.
Não é inventada, mas encontrada.
É por seus efeitos que a descobrimos,
Como descobrimos o sentido e a alma.

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Muitas dessas ordens são ocultas. Não podemos sondá-las. Elas atuam nas
profundezas da alma, e freqüentemente as encobrimos com pensamentos, objeções,
desejos e medos. É preciso tocar no fundo da alma para vivenciar as ordens do amor.

TOMAR A VIDA

Direi primeiro alguma coisa sobre as ordens do amor entre pais e filhos e, do ponto de
vista da criança, isto é, do filho para com seus pais. Aqui menciono algumas verdades
banais. Elas são tão óbvias que eu quase me envergonho de citá-las. Não obstante,
são freqüentemente esquecidas.

O primeiro ponto é que os pais, ao darem a vida, dão à criança, nesse mais profundo
ato humano, tudo o que possuem. A isso eles nada podem acrescentar, disso nada
podem tirar. Na consumação do amor, o pai e a mãe entregam a totalidade do que
possuem. Pertence, portanto, à ordem do amor que o filho tome a vida tal como a
recebe de seus pais. Dela, o filho nada pode excluir, nem desejar que não exista. A ela,
também, nada pode acrescentar. O filho é os seus pais. Portanto, pertence à ordem do
amor para um filho, em primeiro lugar, que ele diga sim a seus pais como eles são --
sem qualquer outro desejo e sem nenhum medo. Só assim cada um recebe a vida:
através dos seus pais, da forma como eles são.

Esse ato de tomar a vida é uma realização muito profunda. Ele consiste em assumir
minha vida e meu destino, tal como me foi dado através de meus pais. Com os limites
que me são impostos. Com as possibilidades que me são concedidas. Com o
emaranhamento nos destinos e na culpa dessa família, no que houver nela de leve e de
pesado, seja o que for.

Essa aceitação da vida é um ato religioso. É um ato de despojamento, uma renúncia a


qualquer exigência que ultrapasse o que me foi transmitido através de meus pais. Essa
aceitação vai muito além dos pais. Por esta razão, não posso, nesse ato, considerar
apenas os meus pais. Preciso olhar para além deles, para o espaço distante de onde se
origina a vida e me curvar diante de seu mistério. No ato de tomar os meus pais, digo
sim a esse mistério e me ajusto a ele.

O efeito desse ato pode ser comprovado na própria alma. Imaginem-se curvando-se
profundamente diante de seus pais e dizendo-lhes:"Eu tomo esta vida pelo preço que
custou a vocês e que custa a mim. Eu tomo esta vida com tudo o que lhe pertence, com
seus limites e oportunidades". Nesse exato momento, o coração se expande. Quem
consegue realizar esse ato, fica bem consigo, sente-se inteiro.

Como contraprova, pode-se igualmente imaginar o efeito da atitude oposta, quando


uma pessoa diz: "Eu gostaria de ter outros pais. Não os suporto como eles são." Que
atrevimento! Quem fala assim, sente-se vazio e pobre, não pode estar em paz consigo
mesmo.

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Algumas pessoas acreditam que, se aceitarem plenamente seus pais, algo de mau
poderá infiltrar-se nelas. Assim, não se expõem à totalidade da vida. Com isto, contudo,
perdem também o que é bom. Quem assume seus pais, como eles são, assume a
plenitude da vida, como ela é.

E ALGO QUE É PRÓPRIO

Mas aqui existe ainda um mistério que não posso justificar. Com efeito, cada um
experimenta que também tem em si algo de único, algo que é inteiramente próprio,
irrepetível, e não pode ser derivado de seus pais. Isso também ele precisa assumir.
Pode ser algo de leve ou de pesado, algo de bom ou de mau. Isto não podemos julgar.

A pessoa que encara o mundo e sua própria vida com olhos desimpedidos pode ver
que tudo o que ela faz obedece a uma ordem. Tudo o que ela faz ou deixa de fazer,
tudo o que ela apoia ou combate, ela o realiza porque foi encarregada de um serviço
que ela própria não entende. Aquele que se entrega a tal serviço, experimenta-o como
uma tarefa ou como um chamado, que não se baseia nos próprios méritos nem na
própria culpa (quando for algo de pesado ou cruel). Ele foi simplesmente tomado a
serviço.

Quando contemplamos o mundo desta maneira, cessam as diferenças habituais.


Costumo descrever isto com o dito seguinte:

O MESMO

A brisa sopra e sussurra,


A tempestade varre e se enfurece,
E no entanto
é o mesmo vento,
o mesmo canto.

A mesma água
nos tira a sede e nos afoga,
nos carrega e nos sepulta.

Todo ser vivo se desgasta,


se mantém vivo e se aniquila.
Em ambos os casos,
a mesma força o impele.

Ela é que conta.

A quem servem então as diferenças?

Falei até aqui sobre a ordem fundamental da vida. Foi-nos concedido termos pais e
sermos filhos. E temos também algo de próprio.
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ACEITAR TUDO O MAIS QUE NOSSOS PAIS NOS DÃO

Na verdade, os pais não dão aos filhos apenas a vida. Eles nos dão também outras
coisas: alimentam-nos, educam-nos, cuidam de nós e assim por diante. Convém à
criança que ela tome tudo isso, da forma como o recebe. Quando a criança o aceita de
bom grado, costuma bastar. Existem exceções, que todos conhecemos, mas via de
regra é suficiente. Pode não ser sempre o que desejamos, mas é o bastante.

Nesse particular, pertence à ordem que o filho diga a seus pais: "Eu recebi muito. Sei
que é muito, é o bastante. Eu o tomo com amor". Então ele se sente pleno e rico, seja
qual for a situação. Então ele acrescenta: "o resto, eu mesmo faço". Isto também é um
belo pensamento. Finalmente, o filho ainda pode dizer aos pais: "E agora eu os deixo
em paz". O efeito destas frases vai muito fundo: agora o filho tem seus pais e os pais
têm o filho. Pais e filho estão simultaneamente separados e felizes. Os pais concluíram
sua obra e a criança está livre para viver sua vida, com respeito pelos seus pais mas
sem dependência.

Imaginem agora a situação contrária, quando o filho diz aos pais: "O que vocês me
deram foi errado e foi muito pouco. Vocês ainda estão me devendo muito". O que esse
filho tem de seus pais? Nada. E o que têm dele os pais? Igualmente nada. Esse filho
não consegue soltar-se de seus pais. Sua censura e sua reivindicação o vinculam a
eles, mas de uma forma tal que ele não os tem. Ele se sente vazio, pequeno e fraco.

Esta seria a segunda lei do amor entre filhos e pais.

O TAMANHO DE CRIANÇA

Existe algo que os pais adquirem por mérito pessoal. Se a mãe, por exemplo, tem um
dom especial - suponhamos que ela seja pintora e pinte quadros maravilhosos - então
isso pertence a ela e não ao filho. Este não pode reivindicar ser também um bom pintor,
a não ser que o tenha merecido por dotação própria e dedicação pessoal.

A mesma coisa vale para a riqueza dos pais. O filho não tem o direito de reivindicá-la,
como é o caso da herança. O que ele vier a receber será puro presente.

Isto vale ainda para a culpa pessoal dos pais. Também esta pertence exclusivamente a
eles. Com freqüência, uma criança presume, por amor, tomar sobre si essa culpa,
carregá-la em nome dos pais. Também isto vai contra a ordem. A criança se arroga um
direito que não lhe compete. Quando os filhos querem expiar pelos pais, estão se
julgando superiores a eles. Os pais passam a ser tratados como crianças, cuidadas por
seus próprios filhos, que assumem o papel de pais.

Uma senhora, que recentemente participou de um grupo meu, tinha um pai cego e uma
mãe surda. Os dois se completavam bem, mas a filha achava que devia cuidar deles.
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Quando montei a constelação de sua família, ela se comportou como se fosse ela a
pessoa grande. Porém sua mãe lhe disse: "Esse assunto com seu pai eu resolvo
sozinha". E o pai lhe disse: "Esse assunto com sua mãe eu resolvo sozinho. Não
precisamos de você para isso". Aquela senhora ficou muito desapontada, porque foi
reduzida ao seu tamanho de criança.

Na noite seguinte, ela não conseguiu dormir. Aliás, ela sentia uma grande dificuldade
para adormecer. Perguntou-me se eu podia ajudá-la. Respondi: "Quem não consegue
dormir talvez esteja pensando que precisa vigiar". Contei-lhe então a história de
Borchert sobre o menino de Berlim que, no fim da guerra, tomava conta de seu irmão
morto, para que os ratos não o comessem. O menino estava esgotado, porque achava
que devia ficar vigiando. Nisto, passou por ali um senhor simpático que lhe disse: "Mas
os ratos dormem à noite". E a criança adormeceu.

Na noite seguinte, aquela senhora dormiu melhor.

Portanto, a ordem do amor entre filhos e pais estabelece, em terceiro lugar, que
respeitemos o que pertence pessoalmente a nossos pais e o que eles podem e devem
fazer sozinhos.

RECEBER E EXIGIR

A ordem do amor entre pais e filhos envolve ainda um quarto elemento. Os pais são
grandes, os filhos pequenos. Assim, o certo é que os pais dêem e os filhos recebam.
Pelo fato de receber tanto, o filho sente a necessidade de pagar. Dificilmente
suportamos quando recebemos algo sem dar algo em troca. Mas, em relação a nossos
pais, nunca podemos compensar. Eles sempre nos dão muito mais do que podemos
retribuir.

Alguns filhos querem escapar da pressão de retribuir e dos sentimentos de obrigação


ou de culpa. Eles dizem então: "Prefiro nada receber, assim não sinto obrigação nem
culpa". Esses filhos se fecham para seus pais e, nessa mesma medida, sentem-se
pobres e vazios. Pertence à ordem do amor que os filhos digam: "Eu recebo tudo com
amor". Assim, eles irradiam contentamento para os pais, e estes percebem a felicidade
deles. Esta é uma forma de receber que é simultaneamente uma compensação, porque
os pais se sentem respeitados por esse receber com amor. Eles dão, então, com um
prazer ainda maior.

Quando, porém, os filhos dizem: "Vocês têm que me dar mais", o coração dos pais se
fecha. Por causa da exigência do filho, eles não podem mais cumulá-lo de amor. Este é
o efeito de tais reivindicações. Esse filho, por sua vez, mesmo quando recebe alguma
coisa, não consegue tomar o que exigiu.

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A EQUIPARAÇÃO

A verdadeira equiparação entre o dar e o tomar na família consiste em passar adiante o


dom. Quando a criança diz: "Eu tomo tudo, e quando eu crescer, eu darei por minha
vez", os pais ficam felizes. A criança, no seu dar, não olha para trás, mas para a frente.
Os pais fizeram o mesmo. Eles receberam de seus pais e deram a seus filhos.
Justamente pelo fato de terem recebido tanto, sentem-se pressionados a dar, e podem
igualmente fazê-lo.

Até aqui, falei das ordens do amor entre filhos e pais.

O GRUPO FAMILIAR

Entretanto, nossa vinculação não se limita aos pais. Pertencemos também a um grupo
familiar, a uma estirpe, um sistema maior. O grupo familiar se comporta como se fosse
dirigido por uma instância comum e superior. Ele é comparável a um bando de
pássaros em formação. De repente, todos mudam a direção do vôo, como se tivessem
sido movidos por uma força superior comum.

No grupo familiar, essa instância superior atua quase como um comando (Gewissen)
interior partilhado por todos, e que atua de modo amplamente inconsciente.
Reconhecemos as ordens a que obedece pelos bons efeitos de sua observância e
pelos maus efeitos de sua violação.

Quero citar, para começar, o círculo de pessoas que são abarcadas e dirigidas por esse
comando interior (Gewissen), cuja amplitude podemos reconhecer por seus efeitos.
Estão nele incluídos:

Todos os filhos, inclusive os que morreram ou foram abortados;


Os pais e todos os seus irmãos;
Os avós;
Eventualmente, algum bisavô ou até mesmo um antepassado ainda mais
distante, principalmente se teve um destino mau.
Incluem-se ainda pessoas sem relação de parentesco, a saber, aquelas de cuja
morte ou infelicidade pessoas da família se beneficiaram, como são, por
exemplo, antigos parceiros dos pais e dos avós.

O DIREITO DE PERTENCER

No interior de cada grupo familiar, vale a ordem básica, a lei fundamental: todas as
pessoas do grupo familiar possuem o mesmo direito de pertencer. Em muitas famílias e
grupo familiares, determinados membros são excluídos. Alguns dizem, por exemplo:
"Esse tio não vale nada, ele não pertence a nós", ou então: "Dessa criança ilegítima
nada queremos saber". Com isso, recusam a essas pessoas o direito de pertencer.

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Existem também os que dizem: "Sou católico, você é evangélico. Como católico, tenho
mais direito de pertencer que você". Ou inversamente: "Como protestante, tenho mais
direito, porque minha fé é mais verdadeira. Você é menos crente do que eu, portanto
tem menos direito de pertencer". Isto não é hoje tão freqüente como antigamente, mas
ainda acontece.

Ocorre ainda, quando um filho morre prematuramente, que seus pais dão seu nome ao
filho seguinte. Com isto, estão dizendo ao primeiro: "Você não pertence à família.
Temos um substituto para você". Assim o filho morto não conserva nem mesmo o seu
próprio nome. Com freqüência, não é mais contado nem mencionado. Assim lhe é
negado e retirado o direito de pertencer.

O excesso de moral de alguns, que se sentem melhores e superiores a outros, na


prática significa dizer-lhes: "Tenho mais direito de pertencer que você". Ou, quando
alguém condena uma pessoa ou a considera má, praticamente está lhe dizendo: "Você
tem menos direito de pertencer do que eu". "Bom" significa então: "Tenho mais direitos",
e "mau" significa: "Você tem menos direitos".

OS EXCLUÍDOS SÃO REPRESENTADOS

Essa lei fundamental, que assegura a todos o mesmo direito de pertencer, não tolera
nenhuma violação. Quando isso acontece, existe no sistema uma necessidade
inconsciente de compensação, que faz com que os excluídos ou desprezados sejam
mais tarde representados por algum outro membro da família, sem que essa pessoa
tenha consciência do fato.

Quando, por exemplo, um homem casado se relaciona com outra mulher e diz à própria
esposa: "Não quero mais saber de você", inventando falsas razões e cometendo
injustiça contra ela, e depois se casa com a segunda mulher e tem filhos com ela, sua
primeira mulher será representada por um desses filhos. Uma menina, por exemplo,
combaterá o pai com o mesmo ódio da parceira rejeitada, sem que tenha a menor
consciência dessa representação. Aqui atua uma força secreta de compensação, para
que a injustiça feita à primeira pessoa seja vingada por uma segunda.

Muitos acontecimentos infelizes na família como, por exemplo, desvios de


comportamento dos filhos, doenças, acidentes e suicídios acontecem pelo fato de que
um filho inconscientemente representa um excluído e quer dar-lhe reconhecimento.
Nisso se revela ainda uma outra propriedade da instância superior. Ela faz reinar justiça
para com aqueles que vieram antes e injustiça para os que vêm depois.

A SOLUÇÃO

A solução de um tal emaranhamento torna-se possível quando a ordem básica é


restabelecida, isto é, quando os excluídos voltam a ser acolhidos e respeitados. Neste
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caso, por exemplo, a segunda mulher deveria dizer à primeira: "Eu tenho este homem
às suas custas. Eu honro isto e reconheço que foi feita injustiça a você. Por favor,
queira bem a mim e a meus filhos". Desta forma, a primeira mulher é respeitada. Nas
constelações familiares, pode-se perceber então como se relaxa o rosto da primeira
mulher, como ela se torna amigável pelo fato de ser respeitada. Com isso, é
reconhecido o seu direito de pertencer.

A solução exige também que a menina, que imita essa mulher, lhe diga interiormente:
"Eu pertenço apenas à minha mãe e ao meu pai. Aquilo que se passou entre vocês
adultos não tem nada a ver comigo". Ela diz a seu pai: "Você é meu pai, e eu sou sua
filha. Por favor, olhe-me como sua filha". Então o pai não precisa mais ver nela sua ex-
mulher, não precisa mais defrontar-se com o ódio ou a tristeza que ela possa ter. Ou, se
ele ainda a ama, não precisa ver a criança como sua amante, mas apenas como sua
filha. Então a criança pode ser a filha, e o pai pode ser o pai.

A criança precisa também dizer ao pai: "Esta aqui é a minha mãe. Com sua primeira
mulher não tenho nada a ver. Eu tomo esta como minha mãe. Esta é para mim a certa".
E então ela precisa dizer à mãe: "Com a outra mulher eu nada tenho a ver". De outra
forma, essa criança se tornará uma rival da mãe, e não poderá ser filha. Talvez a mãe
veja nela inconscientemente a outra mulher, e então mãe e filha entram em conflito
como se fossem duas amantes rivais. Mas quando a criança diz: "Você é minha mãe e
eu sou sua filha, com a outra não tenho nada a ver. Eu tomo você como minha mãe",
então a ordem é restabelecida.

Existem, contudo, emaranhamentos bem mais complicados. Quando, por exemplo,


numa família, um filho morre prematuramente, os filhos sobreviventes carregam muitas
vezes um sentimento de culpa pelo fato de estarem vivos, enquanto seu irmão está
morto. Acreditam que, por estarem vivos, possuem uma vantagem sobre o irmão
falecido. Então eles querem compensar isto, por exemplo, deixando-se ficar mal,
adoecendo ou mesmo desejando morrer, sem que saibam por quê.

Aqui pertence à ordem do amor que eles digam interiormente ao irmão morto: "Você é
meu irmão (minha irmã). Eu respeito você como meu irmão (minha irmã). Você tem um
lugar em meu coração. Eu me curvo diante do seu destino, da forma como lhe
aconteceu, e digo sim ao meu destino, da forma como me foi determinado". Então a
criança morta é respeitada, e a outra pode permanecer viva sem sentimento de culpa.

A IMAGEM MÁGICA DO MUNDO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

Por trás da necessidade de compensação, que faz adoecer, atua uma fantasia mágica,
a saber, que eu posso salvar uma outra pessoa de seu pesado destino, desde que eu
tome também algo de pesado sobre mim. É o caso da criança que diz à mãe
gravemente doente: "Antes eu adoeça do que você. Antes morra eu do que você". Ou
ainda, quando a mãe quer abandonar a vida, um filho se suicida, para que a mãe possa
ficar viva.

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Um exemplo disto é a magreza compulsiva. O anoréxico vai se tornando cada vez
menor, desaparece, por assim dizer, até a morte. Em sua alma, essa criança diz a seu
pai ou a sua mãe: "Antes desapareça eu do que você". Aqui atua um amor profundo.
Mas quando a criança morre, qual é o efeito desse amor? Ele é totalmente inútil.

Quando trabalho com uma pessoa com essa compulsão, faço que olhe nos olhos de
seu pai ou de sua mãe e diga: "Antes desapareça eu do que você". Quando ela os
encara nos olhos a ponto de realmente os ver, ela não consegue mais dizer essa frase,
porque percebe que o pai ou a mãe não aceitará isto dela. É que o amor mágico
desconhece o fato de que também a outra pessoa ama e que ela recusaria isto,
independentemente da inutilidade de tal amor.

Quando a mãe morre no nascimento de uma criança, é muito difícil para essa criança
tomar a sua vida. Ela precisaria encarar a mãe nos olhos e dizer: "Mamãe, mesmo por
este alto custo eu tomo esta vida e faço algo de bom com ela, em sua memória. Você
precisa saber que não foi em vão". Isto é amor, num nível mais elevado. Ele exige o
abandono da fantasia mágica de poder interferir no destino de outra pessoa e mudá-lo.
Ele exige a passagem de um amor que faz adoecer para um amor que cura.

A fantasia do amor mágico está associada a uma presunção, a um sentimento de poder


e superioridade. A criança realmente acha que, através de sua doença e de sua morte,
pode salvar da morte outra pessoa. Renunciar a essa idéia só é possível pela
humildade.

Até aqui falei da ordem do amor na relação entre filhos e pais.

HOMENS E MULHERES

Quero também dizer mais alguma coisa sobre a ordem do amor na relação do casal.
Este tema nos fala mais de perto. Muitos se envergonham disso, como se fosse algo
que a gente deveria ocultar. Aquilo que diferencia os homens das mulheres, que
realmente os diferencia, é escondido. Ou, pode-se dizer também, é protegido. Pois é o
lugar onde cada um é mais vulnerável. É o lugar próprio da vergonha. Vergonha
significa, neste contexto, que eu guardo alguma coisa, para que nada de mau aconteça.
E é o lugar onde nos sentimos mais entregues.

Alguns falam depreciativamente do instinto sexual e esquecem que ele é a força real e
mais profunda, que tudo mantém unido e dirige, que toma cada pessoa a seu serviço,
sem que ela possa se defender. Pela pura razão, ninguém se casaria ou teria filhos. Só
esse instinto consegue isso. É através dele que estamos em sintonia mais profunda
com a alma do mundo. Esse instinto é o que existe de mais espiritual. Todo
entendimento e toda consideração racional empalidecem diante da força que atua por
detrás desse instinto.

A ordem do amor entre homem e mulher exige, portanto, em primeiro lugar, que o
homem admita que lhe falta a mulher, e que ele, por si só, jamais poderá alcançar o
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que uma mulher tem. E exige igualmente que a mulher admita que lhe falta o homem, e
que ela, por si só, jamais poderá alcançar o que o homem tem. Então ambos se
experimentam como incompletos e admitem isto.

Quando o homem admite que precisa da mulher e que só através dela se torna um
homem, e quando a mulher admite que precisa do homem e só através dele se torna
uma mulher, então essa carência os liga um ao outro, justamente pelo fato de a
admitirem. Então o homem recebe o feminino como presente da mulher, e a mulher
recebe o masculino como presente do homem.

Imaginem agora um homem que desenvolve em si o feminino e uma mulher que


desenvolve em si o masculino, como muitos consideram ideal. Se esse homem quiser
se ligar a essa mulher, qual será a profundidade dessa relação? No fundo, eles não
precisam um do outro. Inversamente, quando o homem renuncia ao feminino e a
mulher ao masculino, então eles precisam um do outro e isto os mantém juntos.

O VÍNCULO

Quando o homem e a mulher se aceitam mutuamente como tais, a consumação de seu


amor cria um vínculo. Esse vinculo é indissolúvel. Isto nada tem a ver com a doutrina
moral da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimônio. A realização do amor cria uma
ligação, independentemente do casamento e de qualquer rito externo.

A existência de uma tal ligação é percebida pelos seus efeitos. Por exemplo, o homem
que se separa levianamente de uma parceira a quem estava vinculado dessa forma
pela consumação do amor, via de regra não conseguirá conservar uma segunda
parceira num outro relacionamento. Pois esta percebe o seu vínculo com a parceira
anterior, e não ousa tomá-lo plenamente. Quando um homem abandona uma mulher e
se casa de novo, talvez sua segunda mulher se considere melhor que a primeira e diga:
"Agora eu o tenho para mim". Ela entretanto o perderá. Nesse próprio triunfo o perde,
pois reconhece o vínculo desse homem com a sua primeira mulher.

Então ela não o assumirá completamente. Nas constelações familiares, pode-se


perceber que uma segunda mulher se distancia um pouco do homem. Ela não ousa
colocar-se perto dele, pelo fato de não ser sua primeira ligação, mas a segunda.

A profundidade de um tal vínculo pode ser avaliada pelo seu efeito. A separação do
primeiro amor é a mais difícil de se conseguir. É a mais dolorosa. Quando uma segunda
ligação se desfaz, a dor é menor. Numa terceira, é ainda menor.

Essa ligação não é, porém, sinônimo de amor. O amor pode ser pequeno e o vínculo
profundo. Inversamente, o amor pode ser profundo e a ligação pequena. O vínculo se
origina do ato sexual. Por isto, ele também nasce de um incesto ou de um estupro. Para
que mais tarde uma nova ligação seja possível, é preciso que a primeira seja
corretamente resolvida. Ela é resolvida quando é reconhecida e quando é honrado o
respectivo parceiro. Quem amaldiçoa o primeiro vínculo impede uma ligação ulterior.
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A ORDEM DE PRECEDÊNCIA

O fruto do amor entre o homem e a mulher são os filhos. Também aqui é importante
observar uma ordem do amor, uma ordem de precedência no amor. Ela se orienta pelo
começo. Isto significa que o que vem antes tem, via de regra, precedência sobre o que
vem depois. Numa família, existe primeiro o casal homem-mulher. Seu amor funda a
família. Por isso, seu amor como homem e mulher tem precedência sobre tudo o que
vem depois, portanto, sobre seu amor de pais por seus filhos. Muitas vezes acontece
nas famílias que os filhos atraem sobre si toda a atenção. Então os pais não são antes
de tudo um casal, mas pais. Com isto os filhos não se sentem bem.

Quando a relação do casal tem prioridade, o pai diz a seu filho: "Em você, eu respeito e
amo também a sua mãe". E a mãe diz ao filho: "Em você, eu respeito e amo também o
seu pai". E a mulher diz ao homem: "Em nossos filhos, eu respeito e amo a você". E o
homem diz à mulher: "Em nossos filhos, eu respeito e amo a você". Então o amor dos
pais é a continuação do amor do casal. Este tem a prioridade. Os filhos então se
sentem muito bem.

Várias famílias são segundas e terceiras famílias, quando o homem e a mulher já eram
casados anteriormente e trouxeram filhos do matrimônio anterior. Como é então a
ordem de precedência?

Eles são primeiramente pai e mãe de seus próprios filhos, e só depois disso constituem
um casal. Por conseguinte, seu amor como casal não pode continuar nos filhos, pois já
foram pais anteriormente. Então, o novo parceiro deve reconhecer que o outro é, em
primeiro lugar, pai ou mãe dos próprios filhos, e que seu maior amor e sua maior força
fluem para eles e, neles, naturalmente, também para o parceiro anterior. Só então seu
amor e sua força fluem para o novo parceiro. Quando ambos os parceiros reconhecem
isto, seu amor pode ser bem sucedido. Quando, porém, um parceiro diz ao outro: "Eu
tenho prioridade em seu amor, e só então vêm seus filhos", a relação fica em perigo.
Essa situação não se mantém por longo tempo.

Se eles mais tarde têm filhos em comum, então são, em primeiro lugar, pai e mãe dos
filhos do primeiro casamento; em segundo lugar, são um casal e, em terceiro lugar, são
pais de seus filhos comuns. Esta seria a ordem, neste caso. Quando se sabe disto,
pode-se resolver ou evitar conflitos em muitas famílias.

Falei até aqui sobre algumas ordens do amor na relação entre o homem e a mulher.
Para terminar, contarei a vocês uma história sobre o amor. Ela é assim:

DOIS MODOS DE SER FELIZ

Antigamente, quando os deuses ainda pareciam bem próximos dos homens, viviam
numa pequena cidade dois cantores que se chamavam Orfeu.

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Um deles era o grande. Tinha inventado a cítara, um tipo primitivo de guitarra. Quando
tocava o instrumento e cantava, toda a natureza ficava enfeitiçada em torno dele.
Animais ferozes se deitavam mansamente a seus pés, árvores altas se inclinavam para
ele: nada podia resistir a seus cantos. Pelo fato de ser tão grande, ele conquistou a
mais bela mulher. E aí começou a descida.

Enquanto ele ainda festejava o casamento, morreu a bela Eurídice, e a taça cheia, que
ele erguia nas mãos, se partiu. Contudo, para o grande Orfeu, a morte ainda não foi o
fim. Com a ajuda de sua arte requintada, encontrou a entrada para o mundo
subterrâneo, desceu ao reino das sombras, atravessou o rio do esquecimento, passou
pelo cão dos infernos, chegou vivo diante do trono do deus da morte e o comoveu com
seu canto.

A morte liberou Eurídice - porém sob uma condição, e Orfeu estava tão feliz que não
percebeu o que se escondia por trás desse favor. Orfeu pôs-se a caminho de volta,
ouvindo atrás de si os passos da mulher amada. Passaram ilesos pelo cão de guarda
do inferno, atravessaram o rio do esquecimento, começaram o caminho para a luz, que
já viam de longe. Então Orfeu ouviu um grito - Eurídice tinha tropeçado - horrorizado,
ele se voltou, viu ainda a sombra dela caindo na noite e ficou sozinho. Esmagado pela
dor, ele cantou sua canção de despedida: "Ai de mim, eu a perdi, toda a minha
felicidade se foi!"

Ele próprio voltou à luz. Entretanto, no reino dos mortos, passara a estranhar a vida.
Quando mulheres ébrias quiseram levá-lo à festa do novo vinho, ele se recusou, e elas
o despedaçaram vivo.

Tão grande foi sua desgraça, tão inútil foi sua arte. Entretanto, todo o mundo o
conhece.

O outro Orfeu era o pequeno. Era apenas um cantor de rua, aparecia em pequenas
festas, tocava para gente humilde, alegrava um pouco e curtia isso. Como não
conseguia viver de sua arte, aprendeu um ofício comum, casou-se com uma mulher
comum, teve filhos comuns, pecou eventualmente, foi feliz de modo comum, morreu
velho e satisfeito da vida.

Entretanto, ninguém o conhece - exceto eu!”


-------------------------------

Original: Wie Liebe gelingt,


Palestra proferida por Bert Hellinger, em S.Paulo, Agosto de 1999 em original
manuscrito.

Tradução: Anand Udbuddha (Newton Queiroz) , Rio de Janeiro


Revisão: Mimansa Erika Farny, Caldas Novas

Novembro de 2000
15
CAMINHOS NA TERAPIA DE CASAL

Jakob Robert Schneider

As constelações familiares também funcionam sempre como terapia de casal.


Juntamente com os processos entre pais e filhos, a relação entre o homem e a mulher é
o coração da Psicoterapia. É bem verdade que, nos chamados “movimentos da alma”,
nosso horizonte se estendeu para além da constelação familiar, abrangendo nossa
inserção em contextos existenciais mais amplos: a relação entre vivos e mortos e entre
agressores e vítimas, a guerra, conflitos de nacionalidades e religiões. Não obstante, as
constelações voltam sempre a afetar em seus efeitos a relação conjugal e as relações
familiares.
O sucesso do amor entre o homem e a mulher talvez seja o nosso anseio mais
profundo, e o fracasso desse amor faz parte de nossos medos e sofrimentos mais
profundos. Surpreende-me sempre constatar que a pressão pelo sucesso das
constelações nos grupos para casais é muito maior do que nos seminários para
pessoas doentes, onde freqüentemente se trata de vida e de morte. No
aconselhamento de casais percebe-se também, de modo especial, uma alta expectativa
dirigida ao terapeuta ou ao aconselhador. Pois trata-se de decisões sobre o
prosseguimento da vida em comum e das conseqüências que acarretam para os
parceiros, os filhos e as bases materiais da vida. Trata-se também das mágoas e dos
medos associados ao amor, onde somos ainda mais vulneráveis do que no tocante à
nossa integridade física.
Na seqüência, abrirei uma perspectiva de conjunto sobre os caminhos da terapia
de casal, a partir da experiência com as constelações familiares e do trabalho com os
fatores que as condicionam.

PRESSUPOSTOS PARA O BOM ÊXITO DE UMA TERAPIA DE CASAL

Os casais procuram ajuda em suas necessidades, mas freqüentemente com


idéias que estragarão qualquer ajuda se forem acolhidas pelo terapeuta. O
denominador comum dessas idéias é o abandono da responsabilidade pelo sucesso do
aconselhamento. Neste particular, a fantasia usual de um ou de ambos os parceiros é
que algo se deteriorou em seu relacionamento e que cabe ao terapeuta, como perito e
especialista, repará-lo em sua “oficina”. Ou então o casal procura um juiz para resolver
o seu caso, alguém que ouça os argumentos das ambas as partes e dê o seu justo
veredicto. Alguns buscam no terapeuta, de um modo mais pessoal, uma autoridade
cheia de amor que, à maneira de um aliado, um pai ou uma mãe, saiba o que se deve
fazer e se imponha ao outro parceiro.
Conflitos de casal assumem freqüentemente a forma de um desacordo em
decisões relevantes, onde cada um procura mudar o outro para que se ajuste a sua
experiência de vida, a seus desejos e convicções. Como, apesar de intensos esforços,
não lhe bastou para isso a força de sua persuasão, ele transmite ao terapeuta, de forma
16
aberta ou velada, o seu real desejo: “Convença-o você, eu não consigo”. Mormente no
atendimento individual, quando apenas um dos parceiros procura conselho, transparece
este apelo: “Meu parceiro não me dá o que preciso, não me dá atenção, não está
disponível para mim. Por favor, dê-me atenção, esteja disponível para mim, seja para
mim uma pessoa familiar e confiável”. Assim, o terapeuta é solicitado a preencher uma
lacuna para a satisfação das necessidades infantis ou conjugais do cliente.
A montagem da constelação familiar, em sessão de grupo ou na consulta
individual, com a preservação da atitude fenomenológica que fundamenta esse
trabalho, ajuda o terapeuta a não acolher esses desejos com a intenção de ajudar o
casal. Em vez disso, ele deve manter a atitude imprescindível para se alcançar uma
solução. Ele entra em sintonia com a alma ou com o campo de relacionamento do
casal. Acompanha a vibração do sistema do relacionamento, através da constelação ou
de outro método que lhe permita ver e entrar em contato. E faz com que se manifeste,
através daquilo que se mostra, algo que seja importante para o casal e o faça avançar.
O terapeuta apenas transmite uma indicação ou um conselho essencial, e depois se
retira. Não acompanha o processo do casal até a solução. No máximo, comporta-se
como um navegador experimentado que, de acordo com o objetivo do casal, indica o
caminho ou mesmo assume o comando em seu trecho inicial.
Terapeutas não são mecânicos, juizes, correligionários, pais ou familiares. Um
aconselhamento de casal não tem por função modificar a personalidade dos parceiros.
Ele permanece sempre incompleto e visa apenas o que é exigido para o próximo passo.
Permanecem com o casal o objetivo e o caminho da solução, bem como a
responsabilidade e a força para resolver o problema. Assim se preserva a dignidade do
casal, bem como a do terapeuta.
O que o aconselhador pode fazer de mais importante pelo casal em sua
necessidade, antes mesmo de abrir-lhe uma nova perspectiva sobre sua mútua relação,
é interromper os padrões que impedem e destroem o relacionamento. Da mesma forma
como recusa acolher as idéias dos parceiros sobre a maneira de ajudá-los, ele
interrompe rapidamente os padrões de pensamento e de comportamento que são parte
do problema e não trouxeram ajuda até o momento. As constelações familiares, seja
em grupo ou em sessões individuais, são uma grande ajuda metódica, já pelo simples
fato de que afastam imediatamente os parceiros de discursos estereotipados sobre o
relacionamento, levando-os a um olhar conjunto sobre a constelação e,
consequentemente, sobre os movimentos mais profundos que fazem progredir o seu
relacionamento.

SOLUÇÕES COM VISTAS ÀS OCORRÊNCIAS DENTRO DO RELACIONAMENTO DO


CASAL

A atenção do aconselhador ou do terapeuta deve se voltar inicialmente para o


que ocorreu na história do casal, investigando o que aconteceu por obra do destino ou
por responsabilidade pessoal de um ou de ambos os parceiros e os levou aos limites de
seu relacionamento. Cito aqui alguns pontos mais importantes, com breves exemplos.

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VÍNCULOS ANTERIORES NÃO HONRADOS

Relacionamentos anteriores que criaram vínculo através de um profundo e


marcante exercício da sexualidade e foram desfeitos com mágoas ou sentimentos de
culpa, pelo menos de um dos parceiros, interferem nas relações ulteriores. Quando o
amor, a dor e o preço pago na ligação anterior não são honrados no novo
relacionamento, isso não apenas induz filhos dos novos relacionamentos a representar
ex-parceiros dos pais que não foram devidamente respeitados, como também impede,
muitas vezes, os novos parceiros de assumir sua relação, pelo preço que custou aos
parceiros anteriores. O ciúme, por exemplo, é uma forma inconsciente de lealdade a
uma ligação anterior do parceiro. Quando um homem abandona sem necessidade sua
mulher para viver com uma amante, o ciúme desta freqüentemente destrói a nova
ligação. Ela não consegue assumir a relação pelo preço que custou à parceira anterior,
e torna-se igual a ela no medo de perder o homem para uma outra mulher.
As ligações anteriores são muitas vezes esquecidas, reprimidas ou não
reconhecidas em seus efeitos posteriores. Um homem se queixou de que, depois de
dois casamentos e de um terceiro relacionamento mais longo, apaixonara-se de novo,
mas a mulher não queria casar-se com ele. Em sua constelação verificou-se que todas
as mulheres estavam zangadas com ele, inclusive as duas filhas de seu primeiro
matrimônio. Só após um persistente interrogatório ele revelou, com um gesto
depreciativo da mão, que aos 17 anos tivera um amor de juventude com intenso
envolvimento sexual e que, pouco depois de ter-se separado dessa moça, ela foi
internada numa clínica psiquiátrica. Uma representante dessa mulher foi então incluída
na constelação. Ela chorou amargamente e todas as outras mulheres tinham lágrimas
nos olhos. Somente quanto o homem a encarou como seu amor de juventude, falou-lhe
como a sua primeira mulher, mostrou compaixão com seu destino e a abraçou de novo
com amor é que ela ficou tranqüila e sorriu. As outras mulheres também abriram
sorrisos e a última delas disse: “Agora já posso pensar em casar-me com ele”. E, de
fato, os dois se casaram depois.

OCORRÊNCIAS TRAUMÁTICAS NO RELACIONAMENTO CONJUGAL

Entre as ocorrências que atuam como graves ofensas na relação de um casal e


com freqüência acarretam a separação, porque o destino não pode ser carregado em
comum, enumeram-se: filhos prematuramente falecidos, abortos provocados, abortos
espontâneos em grande número, ausência de filhos, sexualidade deficiente, doenças
graves, acidentes, culpa real ou imaginária em relação ao parceiro ou a outras pessoas,
ameaça às bases da existência e graves ameaças à integridade do corpo ou da alma.
Com a ajuda de uma constelação é possível conjurar forças que possibilitem aos
parceiros a superação conjunta do evento traumático, reforçando o vínculo ou então
levando-os a aceitar o fato de que já não podem assumir em comum o destino ou a
responsabilidade.

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Uma mulher procurou um grupo porque buscava um caminho para dissolver o
“profundo mutismo” que havia entre ela e o marido. A constelação de sua família atual
mostrou realmente que havia um abismo entre o casal, o que fez com que a atenção se
desviasse imediatamente dos filhos para os pais. Perguntada sobre que fatores de
separação houvera entre ela e o marido, a mulher logo disse que tinha havido ainda
uma quarta criança, bem mais nova, fruto de uma noitada, que eles decidiram abortar.
Foi colocado um representante para essa criança, que sentou no chão, entre os pais.
Os representantes dos pais olharam imediatamente para a criança, colocaram-se juntos
atrás dela, puseram espontaneamente as mãos sobre sua cabeça, olhavam
alternadamente para a criança e entre si e deixaram silenciosamente correr suas
lágrimas. A mulher que colocara sua família estava sentada na roda e também chorava
em silêncio. Os representantes dos filhos deram um passo para trás, afastando-se dos
pais, e simplesmente ficaram olhando. Terminada a constelação, a mulher agradeceu e
disse que ela tinha salvado a sua vida. Admirado, o terapeuta lhe perguntou o que ela
queria dizer com isso. Ela respondeu: “Pouco depois do aborto apanhei um grave
reumatismo e imediatamente reconheci que esta era a minha forma de expiar pelo
aborto”. No dia seguinte, ela contou que, na noite do próprio dia da constelação, seu
marido regressou de uma longa viagem de negócios e ela lhe contou o que se passara.
Então ele se sentou no sofá, chorou muito e disse: “Eu sempre me senti muito culpado”.
E passaram toda a noite conversando.
Num grupo de constelação familiar, um homem manifestou, como seu problema,
que sua mulher se esquivava dele e tratava sem amor a filha e um filho mongolóide,
que estava internado num asilo. Na constelação, a mulher realmente se mostrou
isolada e totalmente fria. Os três filhos – pois tinha havido um outro filho mongolóide, o
mais novo, falecido aos quatro anos de idade– se distanciaram dos pais, afastando-se,
e a filha se colocou entre a mãe e os irmãos, como se quisesse protegê-los. O
terapeuta perguntou então ao homem se tinha havido recriminações pelos filhos que
nasceram mongolóides. O homem engoliu em seco e disse: “Sim, meus pais fizeram
graves acusações à minha mulher, dizendo que ela trouxera da família uma péssima
herança genética e jamais deveria ter-se casado comigo. E eu defendi meus pais e
suas acusações”. Então o terapeuta colocou esse homem diante da representante de
sua mulher e pediu aos dois que se olhassem demoradamente, realmente encarando-
se. Isso entretanto era visivelmente difícil para eles. Finalmente o homem conseguiu
dizer à mulher: “Sinto muito. Coloquei em você todo o peso do destino de nossos filhos
doentes. Juntamente com meus pais, responsabilizei você e sua família e a magoei
muito. Se você ainda puder aceitar isto, estou disposto agora a retirar minha acusação
e a carregar com responsabilidade e amor, junto com você, o destino de nossos filhos”.
– Então a representante de sua mulher se lançou em seus braços e chorou por longo
tempo. Em seguida ela o encarou amorosamente, caminhou para os filhos e os
abraçou. Quando o pai se aproximou, por sua vez, e juntamente com sua mulher
abraçou os filhos, eles finalmente aceitaram a proximidade da mãe.
Na terapia de casal e nas constelações que revelam a dinâmica dos
relacionamentos verificamos portanto quais são os eventos que atuam como fatores de
separação num relacionamento e que caminho se oferece ao casal no sentido de
carregar algo em comum, restaurar a ligação, assumir a dor da perda e deixar que o
passado seja passado. E verificamos como um casal pode lidar com tais eventos.
19
Mesmo quando for inevitável a separação, os acontecimentos que separam podem,
passado algum tempo, descansar em paz e a relação pode terminar com amor e
dignidade.

A ORDEM CONFIÁVEL NA FAMÍLIA

Freqüentemente o amor entre o homem e a mulher é impedido por não serem


reconhecidas as condições para o crescimento da relação. Neste caso, a constelação é
útil para encontrar as formas de restabelecer a ordem no sistema.
Por exemplo, uma das condições mais importantes para o bom êxito do amor é
que, no processo de dar e tomar, se volte sempre a alcançar uma compensação
positiva. Quem toma, também deve dar; se ama, deveria dar um pouco mais do que
recebeu. Assim, através do amor, a troca recíproca é estimulada no sentido de um alto
investimento de vida. A isto chamamos felicidade. Mas essa felicidade é também difícil.
Ela exige muita coisa dos parceiros, que então dificilmente podem separar-se. Às
vezes, alguém já não consegue sustentar a troca crescente do dar e tomar, e talvez se
sinta atraído por um outro parceiro, com quem possa trocar menos. Ou então minimiza
com críticas o que recebe, para sentir-se menos obrigado.
A compensação entre o dar e o tomar funciona nos relacionamentos como uma
lei natural. Se o desequilíbrio cresce demais, a relação não consegue suportá-lo. Se,
por exemplo, a mulher custeou para o marido uma formação superior, sustentando-o, é
freqüente que ele a deixe depois, porque a compensação se torna muito grande e difícil
para ele. Quando um dos parceiros traz um grande peso em bens, relacionamentos
anteriores, filhos, destino, caminho de vida, e o outro não pode contrapor-lhe nada de
equivalente, isso pode destruir o relacionamento depois de algum tempo. A gratidão e o
amor podem aliviar parte do desequilíbrio, mas muitas vezes é difícil.
Também as ofensas exigem compensação. Enquanto o parceiro ofendido quiser
permanecer inocente não haverá possibilidade de compensação. Se, inversamente, o
revide for tão grande que cause ao outro um sofrimento ainda maior, a relação entrará
num círculo vicioso de brigas e ofensas recíprocas, que só conhecerá pausas pelo
esgotamento e geralmente sobreviverá a uma separação. A solução, neste caso, é
buscar a compensação através de uma zanga ou de uma exigência menos ofensiva,
que respeite o parceiro e o convide a retomar o amor, dando-lhe a oportunidade de
reparar algo amorosamente e de dar algo bom de um modo diferente.
Citarei aqui, de modo sucinto, outras formas das ordens do amor. A primeira é a
primazia da relação do casal sobre o cuidado dos filhos – pois o cuidado dos pais pelos
filhos aumenta com o amor recíproco entre os pais. Se este é sacrificado em benefício
do cuidado com os filhos, isto separa os pais e os filhos não o aceitam, porque os pais
pagam o preço em sua relação.
Já nos sistemas familiares complexos, onde existem filhos de relações
anteriores, a ordem correta confere primazia ao cuidado pelos filhos dessas relações.
Contudo, no que toca à relação entre o homem e a mulher, prevalece o novo sistema.

20
Naturalmente resultam conseqüências de peso para uma relação e para os filhos
quando um parceiro que tem um filho de uma relação anterior silencia este fato e não
provê a criança. Para além da ignorância do fato, isso pesa também sobre o
relacionamento seguinte e os filhos subsequentes.
Obviamente, é muito importante que a relação do casal seja confiável como
relação entre um homem e uma mulher. Por outras palavras, o homem deve ser e
permanecer homem e a mulher deve ser e permanecer mulher. Os parceiros devem
sentir necessidade e confiança mútua, sobretudo no que se refere à sexualidade e ao
provimento das condições de vida.
Devemos considerar também outra ordem do relacionamento, fruto da percepção
que Bert Hellinger exprime com esta frase: “A mulher deve seguir o homem (em sua
família, em seu país, em sua cultura) e o homem deve servir ao feminino”.
Na terapia de casal devemos, portanto, ter em vista o que está em desequilíbrio
na relação e como é possível restaurar uma troca positiva e aberta para o futuro, ou
então conseguir uma compensação que possibilite uma boa separação. Verificamos,
ainda, o que precisa ficar em ordem na relação, de modo que ela volte a ser vivida de
uma forma confiável.

SOLUÇÕES COM VISTAS A ACONTECIMENTOS E DESTINOS NAS FAMÍLIAS DE


ORIGEM

Talvez o aspecto mais importante na terapia conjugal seja a percepção dos


envolvimentos dos parceiros nas respectivas famílias de origem. Esta é freqüentemente
a zona menos perceptível para os parceiros e é aí que as constelações lhes fornecem o
maior esclarecimento. De fato, a terapia de casal sempre levou em conta a interferência
de necessidades infantis insatisfeitas e de traumas de infância. Entretanto, foi somente
através das constelações familiares que foram percebidos, em toda a sua amplitude e
em seus efeitos trágicos, os envolvimentos profundos dos parceiros em destinos que
abrangem várias gerações e em temas familiares não resolvidos. A maioria dos
problemas sérios de relacionamento nada tem a ver com o próprio casal e com seu
amor recíproco. Cegamente absorvidos em conflitos não resolvidos, e muitas vezes
inconscientes, de antepassados das famílias de origem, os parceiros carecem de
compreensão e sensibilidade em seu relacionamento e projetam ou procuram resolver
um no outro o que malogrou em seus antepassados por força do destino ou por
responsabilidade pessoal.

COMPORTAMENTO CEGO DE AMBOS OS PARCEIROS COM RESPEITO A


DESTINOS E EVENTOS ANTERIORES

Num grupo para casais, um deles constelou o seu sistema atual. A mulher
trouxera para o novo casamento um filho de um matrimônio anterior. Na nova relação,
embora recente, já havia muita briga. Na constelação evidenciou-se que a mulher tinha
muito pouca consideração pelo ex-marido e uma grande esperança de que o novo
marido viesse a ser um pai melhor para a filha dela. A relação entre a mãe e a filha era
21
muito estreita, e o marido atual se sentia estranho e olhava para fora. Nessa
constelação, a filha assumiu e honrou seu pai. O marido atual ficou aliviado e encontrou
um lugar ao lado de sua esposa. Parecia que a constelação tinha funcionado e trazido
solução.
Entretanto, à noite o marido procurou o terapeuta. Disse que se sentia muito mal
e que também não revelara o mais importante: que tinham sérios problemas no
relacionamento sexual, onde ela fazia muitas exigências que ele não podia satisfazer.
No dia seguinte, o terapeuta fez com que o marido montasse a constelação de seu
sistema de origem. Ela evidenciou que o homem tinha uma estreita ligação com sua
mãe e assumia junto dela o lugar do pai. O representante do pai olhava para fora do
sistema, totalmente fascinado por algo terrível. Averiguou-se que, no decurso de uma
longa fuga da prisão, que durou três anos, ele fuzilou um homem que lhe barrara o
caminho. Na compreensão desse evento, que foi muito comovente para o casal,
evidenciou-se que o marido não ousava aceitar o amor de uma mulher nem gerar um
filho, porque o regresso do pai ao lar e seu conseqüente casamento com sua mãe só
foram possíveis através do assassinato de uma pessoa. Este era um importante quadro
de fundo para os problemas sexuais por parte do marido. Um cartão postal enviado
pelo casal, nas férias que se seguiram, dava a entender que algo se resolvera em sua
relação.
Mas esta história ainda teve prosseguimento. Algum tempo depois, a mulher
ligou para o terapeuta. Disse que houvera muitas melhoras no casamento e que o
marido mudara muito e estava muito afeiçoado a ela. Mas ela se sentia de novo
intranqüila e insatisfeita quanto à relação sexual. Então, através de duas breves
ligações telefônicas, entrou em contato com uma avó que, depois da morte de seu
primeiro marido, por quem tinha muito amor, tivera uma vida muito infeliz e uma relação
muito insatisfatória com os homens que se seguiram. Percebendo sua estreita ligação
com essa avó, a mulher conseguiu acolhê-la amorosamente em seu destino e
desidentificar-se dela. Num outro cartão de férias comunicou que agora estava muito
satisfeita e que estava bem com o marido.

A DUPLA TRANSFERÊNCIA

Um fenômeno freqüente em conflitos sérios entre parceiros aparece no que Bert


Hellinger chamou de “dupla transferência”. Se uma injustiça cometida entre um homem
e uma mulher, numa geração anterior, não teve a devida compensação, esta é
transferida para seus descendentes. Ela atinge então pessoas totalmente inocentes,
acrescentando uma nova injustiça à primeira. Assim, por exemplo, uma mulher
“bondosa” e compassiva tolera, por anos a fio, os casos públicos de seu marido que
muito a magoam, mas sua filha assume a vingança em nome da mãe. Entretanto, como
também ama e protege o pai, vinga-se em seu marido, molestando-o abertamente com
um namoro. A transferência no sujeito significa aqui que ela age em lugar de sua mãe.
E a transferência no objeto significa que a compensação não se dirige à pessoa do pai,
mas ao marido. Embora inocente, este é chamado a pagar por uma injustiça na família
de sua mulher. Ao mesmo tempo a filha torna-se semelhante ao pai em seu
comportamento, não agindo melhor do que ele.

22
Certa mulher estava sempre muito irritada com seu marido e, como ela própria
notou, sem razão. Na constelação, ficou claro que ela representava uma tia que, como
primeira filha de mãe solteira, fora totalmente excluída da família por seu avô. Em
substituição a essa tia, a mulher assumiu a raiva pela injustiça mas, poupando o avô,
dirigiu-a contra o próprio marido. Ao mesmo tempo, e sem consciência do fato, deu à
sua filha mais velha o mesmo nome da tia. A história somente lhe foi revelada por uma
conversa telefônica posterior com o próprio pai.
Uma outra mulher, que era bonita mas tinha uma fisionomia muito carregada, era
seguidamente abandonada pelos homens. Não dava a impressão de ser agressiva,
mas comportava-se como uma vingadora cautelosa, aguardando o momento certo para
o golpe. As informações sobre sua família revelaram que sua mãe, aos doze anos de
idade, fora estuprada e quase morta. Na constelação a mulher experimentou o medo
pânico de sua mãe e, assumindo o papel de sua representante diante do agressor,
bradou-lhe no rosto: “Eu mato você!” Foi somente o reconhecimento desse agressor
como primeiro homem da mãe, e uma profunda reverência da mãe e da filha diante do
destino que uniu a mãe e seu agressor como homem e mulher num evento terrível e
sem saída, que trouxe alívio e luz ao semblante da jovem mulher. Então ela pôde
entender seus impulsos de vingança diante dos homens, e em que medida nisso ela se
ligava à mãe e ao mesmo tempo se tornava semelhante ao agressor.

A FASCINAÇÃO DE UM PARCEIRO PELA MORTE

Uma dinâmica usual que separa os parceiros resulta do fato de que um deles, de
algum modo, está mais perto da morte do que da vida. Essa pessoa não está realmente
presente, e toda a luta do outro para retê-lo apenas agrava o conflito. Assim, certa
mulher ficou muito tocada quando, numa constelação, pôde ver em que direção olhava
o ex-marido do qual acabara de separar-se como sua quinta mulher (ele vivia trocando
de mulheres). Na constelação, seu representante não olhava para nenhuma de suas
mulheres e namoradas, cujas representantes tinham sido colocadas ali, mas apenas
para uma antiga noiva que, pouco antes do casamento, morreu num acidente. Ele
queria seguir essa mulher na morte, como se só assim pudesse consumar-se esse
grande amor.
Um homem muito bem sucedido e, não obstante, solitário, ficou muito assustado
quando se revelou em sua constelação que ele, no meio de todos seus casos, levava
consigo esta frase: “Antes te amar do que morrer”.
Sentia-se atraído por sua mãe, que morrera muito cedo, e na constelação só
encontrou paz junto dela. É como se tivesse sentido toda a sua vida através dessa
atração por sua mãe, e tivesse se defendido dela através desses amores. E talvez
também tivesse procurado encontrar neles sua mãe viva, naturalmente não a
encontrando.
Nas camadas profundas da alma de homens violentos e mulheres agressivas
manifesta-se, às vezes, um grande desespero, o medo de perder o parceiro pela morte
e uma luta impotente contra isso. Muitos casamentos fracassaram no pós-guerra
porque o homem não conseguia aceitar o fato de ter sobrevivido, em face dos
23
numerosos companheiros mortos com quem diariamente lutara pela sobrevivência.
Mesmo voltando para casa, ele desejava, no íntimo, juntar-se aos companheiros
mortos. Abala-nos sempre perceber, no decurso de constelações, em quantos conflitos
de casal existe, bem no fundo, uma questão de vida e de morte, e quanto de emoção e
de entendimento mútuo se libera quando isso vem à luz e, na medida do possível, pode
ser resolvido.
Gostaria de mencionar aqui, muito rapidamente, uma dinâmica que se revela
cada vez mais, logo que ficamos atentos a ela. Dois parceiros se encontram, em muitos
casos, devido à existência de destinos semelhantes em suas famílias de origem.
Quando, por exemplo, há um filho presumido na família de um dos parceiros, o mesmo
ocorre, com freqüência, na família do outro, muitas vezes com diferença de uma
geração. Se numa das famílias os homens têm uma posição desfavorável, isso também
acontece freqüentemente na outra família. Se uma das famílias sofre os efeitos de
destinos envolvendo criminosos e vítimas, o mesmo ocorre geralmente na outra família.
Parece que instintivamente percebemos no parceiro os destinos de sua família, no que
têm em comum com os destinos da nossa. São bem diferentes, entretanto, os padrões
de lidar com tais destinos. Assim, com freqüência as pessoas se completam pelo lado
funesto: por exemplo, um dos parceiros se identifica com as vítimas de um avô no
regime nazista, enquanto o outro se envolve com um avô que pertenceu às forças de
choque do regime.
Quando ambos os parceiros comparecem a um trabalho para casais, em grupo
ou num aconselhamento privado, as conexões que vêm à luz proporcionam muita
compreensão recíproca e uma visão do quadro de fundo das dificuldades de
relacionamento. Também para o terapeuta é emocionante presenciar quando o auto
reconhecimento de um casal envolvido nos destinos familiares se manifesta de uma
forma que reforça seu vínculo no amor.

O MOVIMENTO AMOROSO INTERROMPIDO

Uma dinâmica importante nos conflitos de casal se mostra quando há um


movimento precocemente interrompido no amor dirigido à mãe. Isto não constitui, em
sua origem, um conflito sistêmico, e só se torna tal quando é transferido para a relação
conjugal. Uma interrupção no movimento amoroso origina-se na criança pequena
quando ela é separada da mãe nos primeiros anos de vida, geralmente por força do
destino, por exemplo, porque a mãe teve de ficar hospitalizada por várias semanas
depois do nascimento, ou porque a criança de um ano precisou ser internada para uma
operação, ou porque a mãe morreu quando a criança tinha três anos. Trata-se portanto
de uma separação prematura que sofre a criança, principalmente em relação à sua
mãe, às vezes também ao seu pai. O efeito que isso terá sobre a vida posterior da
criança, e principalmente sobre os seus relacionamentos, será tanto maior quanto mais
existencialmente ameaçada esteve a criança e quanto mais ela teve de abandonar a
esperança de recuperar a proximidade da mãe.
Quando um homem ou uma mulher olha para o seu parceiro, sente o desejo de
amá-lo e de ser amado por ele. Entretanto, ao se aproximar do parceiro, surge na
24
pessoa, como num reflexo, o antigo medo da criança, de perder sua mãe e de não
poder mais confiar nela, junto com uma grande dor e uma profunda resignação. Esse
padrão é transferido inconscientemente ao parceiro e uma luz vermelha se acende:
“Não quero sofrer isso de novo. Prefiro me retirar logo disso”. Entretanto, como todo
mundo gosta de amar e de ser amado, a pessoa volta a tomar um impulso e a procurar
o parceiro. Mas, logo que se chega ao amor, emerge novamente o medo da criança
pequena e a pessoa torna a recuar. Isto foi descrito por Bert Hellinger como o círculo
vicioso da neurose. A maior parte dos chamados conflitos de proximidade e distância
têm assim sua origem num movimento precocemente interrompido em direção à mãe.
Esses conflitos não podem ser resolvidos na própria relação conjugal, mas exigem que
a criança presente no adulto, numa experiência retroativa, seja acolhida com força e
amor por sua mãe ou por um terapeuta que a substitua. Isso exige uma experiência de
transe ou uma vivência corporal em que o adulto se sinta de novo como uma criança
pequena e que, como uma criança pequena, experimente um abraço que lhe permita
atravessar a dor e recuperar a confiança em sua mãe.
Quando, na terapia de casal, trazemos assim à luz, de uma forma liberadora,
fatos passados, isso ajuda o “amor à segunda vista” (Bert Hellinger), a saber, as
dimensões mais profundas de um amor dotado de visão. Representa uma ajuda para o
futuro e para um amor bem sucedido do casal (mesmo que, no caso de uma separação,
apenas para o tempo em que ainda havia amor). Uma compreensão retroativa só tem
sentido na medida em que abre para o casal novos passos para o futuro, no sentido do
título de um dos livros de Bert Hellinger: “Vamos em frente”.

A DIMENSÃO ESPIRITUAL DA TERAPIA DE CASAL

Quando as constelações na terapia de casal são bem sucedidas, elas abrem


para os parceiros um caminho espiritual para o bom êxito de seu relacionamento. O
“espiritual” é entendido aqui num sentido mais amplo, como uma espécie de purificação
do relacionamento, e como uma forma de inserir-se no espaço maior da alma, que
transcende o próprio relacionamento. Também neste particular apontarei brevemente
os pontos essenciais.

A FILA DOS ANTEPASSADOS

A vida nos vem através de nossos pais, mas não se origina neles. Ela vem de
longe. Às vezes, podemos colocar os parceiros de frente um para o outro (e isso
costuma ser muito útil quando há problemas sexuais) e, atrás de cada um deles, uma
fila de antepassados. Isso permite perceber a força da vida que vem de longe e é
transmitida através dos antepassados, e também a alegria de viver. Esta conexão,
através dos antepassados, com a ampla totalidade da vida é um ato religioso
fundamental. Ao realizá-lo nesse espírito, cada um pode sentir, em si mesmo e no
parceiro, o que isso proporciona em termos de afluxo de força, de movimento amoroso
para o parceiro e de uma união aberta, no sentido de uma vida mais ampla.

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O ATO DE ENCARAR-SE

Só conseguimos manter muitos conflitos de relacionamento porque realmente


não nos encaramos. Os sentimentos que não podemos manter quando nos olhamos
nos olhos não contribuem para o bom êxito do relacionamento. Eles nos mantêm
presos a todo tipo de fantasias e de padrões antigos, que nada têm a ver com a relação
conjugal. É realmente um exercício espiritual diário desprender-se continuamente
desses sentimentos e pensamentos que não conseguimos manter de olhos abertos.

O RESPEITO PELOS MAIS ANTIGOS E A PRIMAZIA DO NOVO

Para o êxito do amor existe um processo indispensável, que tem a ver com o
respeito pelos mais antigos e com o progresso. O primeiro passo é este: “Respeito os
meus pais e a minha família, e tudo o que vale nessa família”. O segundo passo diz:
“Respeito os teus pais e a tua família, e tudo o que vale em tua família”. O terceiro
passo costuma ser doloroso. Ambos os parceiros olham para seus pais e lhes dizem
interiormente: “Preciso deixar vocês e me desprender também de muita coisa que era
importante para vocês. Preciso deixar o que está em oposição ao que traz o meu
parceiro em termos de hábitos, normas, valores, fé ou cultura, e o que me impede de
dar prioridade à minha união atual e à minha família atual”. E, num quarto passo, os
parceiros se encaram e dizem um ao outro: “Vamos fazer algo de novo a partir do
antigo que trouxemos, algo que acolha e transcenda o que ambos trouxemos, algo de
novo que una e que leve ao futuro, e no qual possamos crescer juntos como pessoas
autônomas.”

DA NECESSIDADE DE PARTILHAR

Muitos conflitos de casal resultam do desejo de que o parceiro satisfaça as


nossas necessidades infantis, como se ele tivesse de dar-nos o que deixamos de
receber de nossos pais. Isto, porém, sobrecarrega o parceiro, principalmente quando
veicula esta mensagem: “Sem você não posso viver!” A solução espiritual reside em
ficar em paz com os próprios pais e em dizer ao parceiro: “O que recebi de meus pais
basta, e isso eu partilho de boa vontade com você. E o que você traz dos seus pais
basta, e eu me alegro se você o repartir comigo. E o que ainda nos falta nós
conseguiremos por nossas próprias forças”. Quando este nível adulto de partilhar e de
comunicar-se tem força, podemos nos permitir, às vezes, acessos de necessidades
infantis, como em situações de estresse e doença. O parceiro estará presente por
algum tempo, suportando e dando, até que melhoremos.

LIBERDADE ATRAVÉS DO RELACIONAMENTO

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Aqui direi algo de ousado. Às vezes pensamos que, se estivéssemos sós,
seríamos mais livres em nosso desenvolvimento e em nossas possibilidades. A
realidade é o inverso. A evolução nos ensina que a associação dos parceiros (não a
uniformização associada a uma compulsão totalitária) diferencia cada indivíduo, torna-o
mais variável em seu pensar e agir do que quando fica confinado à própria
individualidade. Quando, com vistas ao parceiro, temos de nos defrontar com coisas
novas e procurar novas formas de equilíbrio interno e externo, isto nos libera um pouco
dos próprios esforços, que são freqüentemente cegos, em nosso interior. Ganhamos
em variedade e equilíbrio, que são pressupostos imprescindíveis para um certo grau de
liberdade. Talvez a melhor maneira de descrever a realização espiritual e
simultaneamente a realização sistêmica básica na relação do casal seja utilizar, num
sentido um pouco mais amplo, as palavras de Bert Hellinger: “Eu amo você e amo
aquilo que suporta, dirige e desenvolve a você e a mim”.

(*) Original: “Wege in der Paartherapie”, em: Praxis der Systemaufstellung, 1/2002. Versão elaborada
de uma conferência proferida no 3º Congresso Internacional de Constelações Sistêmicas (Würzburg,
Alemanha, 2001). Traduzido por Newton Queiroz, Rio de Janeiro, jan. 2003.

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