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Junguiana e Transpessoais”.
MÓDULO
Caro estudante,
Este material apresenta textos para leitura da disciplina “A Terapia Sistêmica das
Constelações Familiares” que faz parte do Eixo Temático V que aborda “Práticas
Terapêuticas Humanistas, Junguiana e Transpessoais”!
Muita gente julga que o amor tem o poder de superar tudo, que é preciso apenas amar
bastante e tudo ficará bem. Contudo, a experiência mostra que isto não é verdade.
Muitos pais são forçados a experimentar que, apesar do amor que dão a seus filhos,
estes não se desenvolvem como eles esperavam. São forçados a ver seus filhos
adoecerem, se drogarem ou suicidarem, apesar de todo o amor que lhes dão. Para que
o amor dê certo, é preciso que exista alguma outra coisa ao lado dele. É necessário
que haja o conhecimento e o reconhecimento de uma ordem oculta do amor.
ORDEM E AMOR
A ordem ajunta,
o amor flui.
Ordem e amor atuam juntos.
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Muitas dessas ordens são ocultas. Não podemos sondá-las. Elas atuam nas
profundezas da alma, e freqüentemente as encobrimos com pensamentos, objeções,
desejos e medos. É preciso tocar no fundo da alma para vivenciar as ordens do amor.
TOMAR A VIDA
Direi primeiro alguma coisa sobre as ordens do amor entre pais e filhos e, do ponto de
vista da criança, isto é, do filho para com seus pais. Aqui menciono algumas verdades
banais. Elas são tão óbvias que eu quase me envergonho de citá-las. Não obstante,
são freqüentemente esquecidas.
O primeiro ponto é que os pais, ao darem a vida, dão à criança, nesse mais profundo
ato humano, tudo o que possuem. A isso eles nada podem acrescentar, disso nada
podem tirar. Na consumação do amor, o pai e a mãe entregam a totalidade do que
possuem. Pertence, portanto, à ordem do amor que o filho tome a vida tal como a
recebe de seus pais. Dela, o filho nada pode excluir, nem desejar que não exista. A ela,
também, nada pode acrescentar. O filho é os seus pais. Portanto, pertence à ordem do
amor para um filho, em primeiro lugar, que ele diga sim a seus pais como eles são --
sem qualquer outro desejo e sem nenhum medo. Só assim cada um recebe a vida:
através dos seus pais, da forma como eles são.
Esse ato de tomar a vida é uma realização muito profunda. Ele consiste em assumir
minha vida e meu destino, tal como me foi dado através de meus pais. Com os limites
que me são impostos. Com as possibilidades que me são concedidas. Com o
emaranhamento nos destinos e na culpa dessa família, no que houver nela de leve e de
pesado, seja o que for.
O efeito desse ato pode ser comprovado na própria alma. Imaginem-se curvando-se
profundamente diante de seus pais e dizendo-lhes:"Eu tomo esta vida pelo preço que
custou a vocês e que custa a mim. Eu tomo esta vida com tudo o que lhe pertence, com
seus limites e oportunidades". Nesse exato momento, o coração se expande. Quem
consegue realizar esse ato, fica bem consigo, sente-se inteiro.
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Algumas pessoas acreditam que, se aceitarem plenamente seus pais, algo de mau
poderá infiltrar-se nelas. Assim, não se expõem à totalidade da vida. Com isto, contudo,
perdem também o que é bom. Quem assume seus pais, como eles são, assume a
plenitude da vida, como ela é.
Mas aqui existe ainda um mistério que não posso justificar. Com efeito, cada um
experimenta que também tem em si algo de único, algo que é inteiramente próprio,
irrepetível, e não pode ser derivado de seus pais. Isso também ele precisa assumir.
Pode ser algo de leve ou de pesado, algo de bom ou de mau. Isto não podemos julgar.
A pessoa que encara o mundo e sua própria vida com olhos desimpedidos pode ver
que tudo o que ela faz obedece a uma ordem. Tudo o que ela faz ou deixa de fazer,
tudo o que ela apoia ou combate, ela o realiza porque foi encarregada de um serviço
que ela própria não entende. Aquele que se entrega a tal serviço, experimenta-o como
uma tarefa ou como um chamado, que não se baseia nos próprios méritos nem na
própria culpa (quando for algo de pesado ou cruel). Ele foi simplesmente tomado a
serviço.
O MESMO
A mesma água
nos tira a sede e nos afoga,
nos carrega e nos sepulta.
Falei até aqui sobre a ordem fundamental da vida. Foi-nos concedido termos pais e
sermos filhos. E temos também algo de próprio.
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ACEITAR TUDO O MAIS QUE NOSSOS PAIS NOS DÃO
Na verdade, os pais não dão aos filhos apenas a vida. Eles nos dão também outras
coisas: alimentam-nos, educam-nos, cuidam de nós e assim por diante. Convém à
criança que ela tome tudo isso, da forma como o recebe. Quando a criança o aceita de
bom grado, costuma bastar. Existem exceções, que todos conhecemos, mas via de
regra é suficiente. Pode não ser sempre o que desejamos, mas é o bastante.
Nesse particular, pertence à ordem que o filho diga a seus pais: "Eu recebi muito. Sei
que é muito, é o bastante. Eu o tomo com amor". Então ele se sente pleno e rico, seja
qual for a situação. Então ele acrescenta: "o resto, eu mesmo faço". Isto também é um
belo pensamento. Finalmente, o filho ainda pode dizer aos pais: "E agora eu os deixo
em paz". O efeito destas frases vai muito fundo: agora o filho tem seus pais e os pais
têm o filho. Pais e filho estão simultaneamente separados e felizes. Os pais concluíram
sua obra e a criança está livre para viver sua vida, com respeito pelos seus pais mas
sem dependência.
Imaginem agora a situação contrária, quando o filho diz aos pais: "O que vocês me
deram foi errado e foi muito pouco. Vocês ainda estão me devendo muito". O que esse
filho tem de seus pais? Nada. E o que têm dele os pais? Igualmente nada. Esse filho
não consegue soltar-se de seus pais. Sua censura e sua reivindicação o vinculam a
eles, mas de uma forma tal que ele não os tem. Ele se sente vazio, pequeno e fraco.
O TAMANHO DE CRIANÇA
Existe algo que os pais adquirem por mérito pessoal. Se a mãe, por exemplo, tem um
dom especial - suponhamos que ela seja pintora e pinte quadros maravilhosos - então
isso pertence a ela e não ao filho. Este não pode reivindicar ser também um bom pintor,
a não ser que o tenha merecido por dotação própria e dedicação pessoal.
A mesma coisa vale para a riqueza dos pais. O filho não tem o direito de reivindicá-la,
como é o caso da herança. O que ele vier a receber será puro presente.
Isto vale ainda para a culpa pessoal dos pais. Também esta pertence exclusivamente a
eles. Com freqüência, uma criança presume, por amor, tomar sobre si essa culpa,
carregá-la em nome dos pais. Também isto vai contra a ordem. A criança se arroga um
direito que não lhe compete. Quando os filhos querem expiar pelos pais, estão se
julgando superiores a eles. Os pais passam a ser tratados como crianças, cuidadas por
seus próprios filhos, que assumem o papel de pais.
Uma senhora, que recentemente participou de um grupo meu, tinha um pai cego e uma
mãe surda. Os dois se completavam bem, mas a filha achava que devia cuidar deles.
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Quando montei a constelação de sua família, ela se comportou como se fosse ela a
pessoa grande. Porém sua mãe lhe disse: "Esse assunto com seu pai eu resolvo
sozinha". E o pai lhe disse: "Esse assunto com sua mãe eu resolvo sozinho. Não
precisamos de você para isso". Aquela senhora ficou muito desapontada, porque foi
reduzida ao seu tamanho de criança.
Na noite seguinte, ela não conseguiu dormir. Aliás, ela sentia uma grande dificuldade
para adormecer. Perguntou-me se eu podia ajudá-la. Respondi: "Quem não consegue
dormir talvez esteja pensando que precisa vigiar". Contei-lhe então a história de
Borchert sobre o menino de Berlim que, no fim da guerra, tomava conta de seu irmão
morto, para que os ratos não o comessem. O menino estava esgotado, porque achava
que devia ficar vigiando. Nisto, passou por ali um senhor simpático que lhe disse: "Mas
os ratos dormem à noite". E a criança adormeceu.
Portanto, a ordem do amor entre filhos e pais estabelece, em terceiro lugar, que
respeitemos o que pertence pessoalmente a nossos pais e o que eles podem e devem
fazer sozinhos.
RECEBER E EXIGIR
A ordem do amor entre pais e filhos envolve ainda um quarto elemento. Os pais são
grandes, os filhos pequenos. Assim, o certo é que os pais dêem e os filhos recebam.
Pelo fato de receber tanto, o filho sente a necessidade de pagar. Dificilmente
suportamos quando recebemos algo sem dar algo em troca. Mas, em relação a nossos
pais, nunca podemos compensar. Eles sempre nos dão muito mais do que podemos
retribuir.
Quando, porém, os filhos dizem: "Vocês têm que me dar mais", o coração dos pais se
fecha. Por causa da exigência do filho, eles não podem mais cumulá-lo de amor. Este é
o efeito de tais reivindicações. Esse filho, por sua vez, mesmo quando recebe alguma
coisa, não consegue tomar o que exigiu.
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A EQUIPARAÇÃO
O GRUPO FAMILIAR
Entretanto, nossa vinculação não se limita aos pais. Pertencemos também a um grupo
familiar, a uma estirpe, um sistema maior. O grupo familiar se comporta como se fosse
dirigido por uma instância comum e superior. Ele é comparável a um bando de
pássaros em formação. De repente, todos mudam a direção do vôo, como se tivessem
sido movidos por uma força superior comum.
No grupo familiar, essa instância superior atua quase como um comando (Gewissen)
interior partilhado por todos, e que atua de modo amplamente inconsciente.
Reconhecemos as ordens a que obedece pelos bons efeitos de sua observância e
pelos maus efeitos de sua violação.
Quero citar, para começar, o círculo de pessoas que são abarcadas e dirigidas por esse
comando interior (Gewissen), cuja amplitude podemos reconhecer por seus efeitos.
Estão nele incluídos:
O DIREITO DE PERTENCER
No interior de cada grupo familiar, vale a ordem básica, a lei fundamental: todas as
pessoas do grupo familiar possuem o mesmo direito de pertencer. Em muitas famílias e
grupo familiares, determinados membros são excluídos. Alguns dizem, por exemplo:
"Esse tio não vale nada, ele não pertence a nós", ou então: "Dessa criança ilegítima
nada queremos saber". Com isso, recusam a essas pessoas o direito de pertencer.
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Existem também os que dizem: "Sou católico, você é evangélico. Como católico, tenho
mais direito de pertencer que você". Ou inversamente: "Como protestante, tenho mais
direito, porque minha fé é mais verdadeira. Você é menos crente do que eu, portanto
tem menos direito de pertencer". Isto não é hoje tão freqüente como antigamente, mas
ainda acontece.
Ocorre ainda, quando um filho morre prematuramente, que seus pais dão seu nome ao
filho seguinte. Com isto, estão dizendo ao primeiro: "Você não pertence à família.
Temos um substituto para você". Assim o filho morto não conserva nem mesmo o seu
próprio nome. Com freqüência, não é mais contado nem mencionado. Assim lhe é
negado e retirado o direito de pertencer.
Essa lei fundamental, que assegura a todos o mesmo direito de pertencer, não tolera
nenhuma violação. Quando isso acontece, existe no sistema uma necessidade
inconsciente de compensação, que faz com que os excluídos ou desprezados sejam
mais tarde representados por algum outro membro da família, sem que essa pessoa
tenha consciência do fato.
Quando, por exemplo, um homem casado se relaciona com outra mulher e diz à própria
esposa: "Não quero mais saber de você", inventando falsas razões e cometendo
injustiça contra ela, e depois se casa com a segunda mulher e tem filhos com ela, sua
primeira mulher será representada por um desses filhos. Uma menina, por exemplo,
combaterá o pai com o mesmo ódio da parceira rejeitada, sem que tenha a menor
consciência dessa representação. Aqui atua uma força secreta de compensação, para
que a injustiça feita à primeira pessoa seja vingada por uma segunda.
A SOLUÇÃO
A solução exige também que a menina, que imita essa mulher, lhe diga interiormente:
"Eu pertenço apenas à minha mãe e ao meu pai. Aquilo que se passou entre vocês
adultos não tem nada a ver comigo". Ela diz a seu pai: "Você é meu pai, e eu sou sua
filha. Por favor, olhe-me como sua filha". Então o pai não precisa mais ver nela sua ex-
mulher, não precisa mais defrontar-se com o ódio ou a tristeza que ela possa ter. Ou, se
ele ainda a ama, não precisa ver a criança como sua amante, mas apenas como sua
filha. Então a criança pode ser a filha, e o pai pode ser o pai.
A criança precisa também dizer ao pai: "Esta aqui é a minha mãe. Com sua primeira
mulher não tenho nada a ver. Eu tomo esta como minha mãe. Esta é para mim a certa".
E então ela precisa dizer à mãe: "Com a outra mulher eu nada tenho a ver". De outra
forma, essa criança se tornará uma rival da mãe, e não poderá ser filha. Talvez a mãe
veja nela inconscientemente a outra mulher, e então mãe e filha entram em conflito
como se fossem duas amantes rivais. Mas quando a criança diz: "Você é minha mãe e
eu sou sua filha, com a outra não tenho nada a ver. Eu tomo você como minha mãe",
então a ordem é restabelecida.
Aqui pertence à ordem do amor que eles digam interiormente ao irmão morto: "Você é
meu irmão (minha irmã). Eu respeito você como meu irmão (minha irmã). Você tem um
lugar em meu coração. Eu me curvo diante do seu destino, da forma como lhe
aconteceu, e digo sim ao meu destino, da forma como me foi determinado". Então a
criança morta é respeitada, e a outra pode permanecer viva sem sentimento de culpa.
Por trás da necessidade de compensação, que faz adoecer, atua uma fantasia mágica,
a saber, que eu posso salvar uma outra pessoa de seu pesado destino, desde que eu
tome também algo de pesado sobre mim. É o caso da criança que diz à mãe
gravemente doente: "Antes eu adoeça do que você. Antes morra eu do que você". Ou
ainda, quando a mãe quer abandonar a vida, um filho se suicida, para que a mãe possa
ficar viva.
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Um exemplo disto é a magreza compulsiva. O anoréxico vai se tornando cada vez
menor, desaparece, por assim dizer, até a morte. Em sua alma, essa criança diz a seu
pai ou a sua mãe: "Antes desapareça eu do que você". Aqui atua um amor profundo.
Mas quando a criança morre, qual é o efeito desse amor? Ele é totalmente inútil.
Quando trabalho com uma pessoa com essa compulsão, faço que olhe nos olhos de
seu pai ou de sua mãe e diga: "Antes desapareça eu do que você". Quando ela os
encara nos olhos a ponto de realmente os ver, ela não consegue mais dizer essa frase,
porque percebe que o pai ou a mãe não aceitará isto dela. É que o amor mágico
desconhece o fato de que também a outra pessoa ama e que ela recusaria isto,
independentemente da inutilidade de tal amor.
Quando a mãe morre no nascimento de uma criança, é muito difícil para essa criança
tomar a sua vida. Ela precisaria encarar a mãe nos olhos e dizer: "Mamãe, mesmo por
este alto custo eu tomo esta vida e faço algo de bom com ela, em sua memória. Você
precisa saber que não foi em vão". Isto é amor, num nível mais elevado. Ele exige o
abandono da fantasia mágica de poder interferir no destino de outra pessoa e mudá-lo.
Ele exige a passagem de um amor que faz adoecer para um amor que cura.
HOMENS E MULHERES
Quero também dizer mais alguma coisa sobre a ordem do amor na relação do casal.
Este tema nos fala mais de perto. Muitos se envergonham disso, como se fosse algo
que a gente deveria ocultar. Aquilo que diferencia os homens das mulheres, que
realmente os diferencia, é escondido. Ou, pode-se dizer também, é protegido. Pois é o
lugar onde cada um é mais vulnerável. É o lugar próprio da vergonha. Vergonha
significa, neste contexto, que eu guardo alguma coisa, para que nada de mau aconteça.
E é o lugar onde nos sentimos mais entregues.
Alguns falam depreciativamente do instinto sexual e esquecem que ele é a força real e
mais profunda, que tudo mantém unido e dirige, que toma cada pessoa a seu serviço,
sem que ela possa se defender. Pela pura razão, ninguém se casaria ou teria filhos. Só
esse instinto consegue isso. É através dele que estamos em sintonia mais profunda
com a alma do mundo. Esse instinto é o que existe de mais espiritual. Todo
entendimento e toda consideração racional empalidecem diante da força que atua por
detrás desse instinto.
A ordem do amor entre homem e mulher exige, portanto, em primeiro lugar, que o
homem admita que lhe falta a mulher, e que ele, por si só, jamais poderá alcançar o
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que uma mulher tem. E exige igualmente que a mulher admita que lhe falta o homem, e
que ela, por si só, jamais poderá alcançar o que o homem tem. Então ambos se
experimentam como incompletos e admitem isto.
Quando o homem admite que precisa da mulher e que só através dela se torna um
homem, e quando a mulher admite que precisa do homem e só através dele se torna
uma mulher, então essa carência os liga um ao outro, justamente pelo fato de a
admitirem. Então o homem recebe o feminino como presente da mulher, e a mulher
recebe o masculino como presente do homem.
O VÍNCULO
A existência de uma tal ligação é percebida pelos seus efeitos. Por exemplo, o homem
que se separa levianamente de uma parceira a quem estava vinculado dessa forma
pela consumação do amor, via de regra não conseguirá conservar uma segunda
parceira num outro relacionamento. Pois esta percebe o seu vínculo com a parceira
anterior, e não ousa tomá-lo plenamente. Quando um homem abandona uma mulher e
se casa de novo, talvez sua segunda mulher se considere melhor que a primeira e diga:
"Agora eu o tenho para mim". Ela entretanto o perderá. Nesse próprio triunfo o perde,
pois reconhece o vínculo desse homem com a sua primeira mulher.
A profundidade de um tal vínculo pode ser avaliada pelo seu efeito. A separação do
primeiro amor é a mais difícil de se conseguir. É a mais dolorosa. Quando uma segunda
ligação se desfaz, a dor é menor. Numa terceira, é ainda menor.
Essa ligação não é, porém, sinônimo de amor. O amor pode ser pequeno e o vínculo
profundo. Inversamente, o amor pode ser profundo e a ligação pequena. O vínculo se
origina do ato sexual. Por isto, ele também nasce de um incesto ou de um estupro. Para
que mais tarde uma nova ligação seja possível, é preciso que a primeira seja
corretamente resolvida. Ela é resolvida quando é reconhecida e quando é honrado o
respectivo parceiro. Quem amaldiçoa o primeiro vínculo impede uma ligação ulterior.
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A ORDEM DE PRECEDÊNCIA
O fruto do amor entre o homem e a mulher são os filhos. Também aqui é importante
observar uma ordem do amor, uma ordem de precedência no amor. Ela se orienta pelo
começo. Isto significa que o que vem antes tem, via de regra, precedência sobre o que
vem depois. Numa família, existe primeiro o casal homem-mulher. Seu amor funda a
família. Por isso, seu amor como homem e mulher tem precedência sobre tudo o que
vem depois, portanto, sobre seu amor de pais por seus filhos. Muitas vezes acontece
nas famílias que os filhos atraem sobre si toda a atenção. Então os pais não são antes
de tudo um casal, mas pais. Com isto os filhos não se sentem bem.
Quando a relação do casal tem prioridade, o pai diz a seu filho: "Em você, eu respeito e
amo também a sua mãe". E a mãe diz ao filho: "Em você, eu respeito e amo também o
seu pai". E a mulher diz ao homem: "Em nossos filhos, eu respeito e amo a você". E o
homem diz à mulher: "Em nossos filhos, eu respeito e amo a você". Então o amor dos
pais é a continuação do amor do casal. Este tem a prioridade. Os filhos então se
sentem muito bem.
Várias famílias são segundas e terceiras famílias, quando o homem e a mulher já eram
casados anteriormente e trouxeram filhos do matrimônio anterior. Como é então a
ordem de precedência?
Eles são primeiramente pai e mãe de seus próprios filhos, e só depois disso constituem
um casal. Por conseguinte, seu amor como casal não pode continuar nos filhos, pois já
foram pais anteriormente. Então, o novo parceiro deve reconhecer que o outro é, em
primeiro lugar, pai ou mãe dos próprios filhos, e que seu maior amor e sua maior força
fluem para eles e, neles, naturalmente, também para o parceiro anterior. Só então seu
amor e sua força fluem para o novo parceiro. Quando ambos os parceiros reconhecem
isto, seu amor pode ser bem sucedido. Quando, porém, um parceiro diz ao outro: "Eu
tenho prioridade em seu amor, e só então vêm seus filhos", a relação fica em perigo.
Essa situação não se mantém por longo tempo.
Se eles mais tarde têm filhos em comum, então são, em primeiro lugar, pai e mãe dos
filhos do primeiro casamento; em segundo lugar, são um casal e, em terceiro lugar, são
pais de seus filhos comuns. Esta seria a ordem, neste caso. Quando se sabe disto,
pode-se resolver ou evitar conflitos em muitas famílias.
Falei até aqui sobre algumas ordens do amor na relação entre o homem e a mulher.
Para terminar, contarei a vocês uma história sobre o amor. Ela é assim:
Antigamente, quando os deuses ainda pareciam bem próximos dos homens, viviam
numa pequena cidade dois cantores que se chamavam Orfeu.
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Um deles era o grande. Tinha inventado a cítara, um tipo primitivo de guitarra. Quando
tocava o instrumento e cantava, toda a natureza ficava enfeitiçada em torno dele.
Animais ferozes se deitavam mansamente a seus pés, árvores altas se inclinavam para
ele: nada podia resistir a seus cantos. Pelo fato de ser tão grande, ele conquistou a
mais bela mulher. E aí começou a descida.
Enquanto ele ainda festejava o casamento, morreu a bela Eurídice, e a taça cheia, que
ele erguia nas mãos, se partiu. Contudo, para o grande Orfeu, a morte ainda não foi o
fim. Com a ajuda de sua arte requintada, encontrou a entrada para o mundo
subterrâneo, desceu ao reino das sombras, atravessou o rio do esquecimento, passou
pelo cão dos infernos, chegou vivo diante do trono do deus da morte e o comoveu com
seu canto.
A morte liberou Eurídice - porém sob uma condição, e Orfeu estava tão feliz que não
percebeu o que se escondia por trás desse favor. Orfeu pôs-se a caminho de volta,
ouvindo atrás de si os passos da mulher amada. Passaram ilesos pelo cão de guarda
do inferno, atravessaram o rio do esquecimento, começaram o caminho para a luz, que
já viam de longe. Então Orfeu ouviu um grito - Eurídice tinha tropeçado - horrorizado,
ele se voltou, viu ainda a sombra dela caindo na noite e ficou sozinho. Esmagado pela
dor, ele cantou sua canção de despedida: "Ai de mim, eu a perdi, toda a minha
felicidade se foi!"
Ele próprio voltou à luz. Entretanto, no reino dos mortos, passara a estranhar a vida.
Quando mulheres ébrias quiseram levá-lo à festa do novo vinho, ele se recusou, e elas
o despedaçaram vivo.
Tão grande foi sua desgraça, tão inútil foi sua arte. Entretanto, todo o mundo o
conhece.
O outro Orfeu era o pequeno. Era apenas um cantor de rua, aparecia em pequenas
festas, tocava para gente humilde, alegrava um pouco e curtia isso. Como não
conseguia viver de sua arte, aprendeu um ofício comum, casou-se com uma mulher
comum, teve filhos comuns, pecou eventualmente, foi feliz de modo comum, morreu
velho e satisfeito da vida.
Novembro de 2000
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CAMINHOS NA TERAPIA DE CASAL
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VÍNCULOS ANTERIORES NÃO HONRADOS
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Uma mulher procurou um grupo porque buscava um caminho para dissolver o
“profundo mutismo” que havia entre ela e o marido. A constelação de sua família atual
mostrou realmente que havia um abismo entre o casal, o que fez com que a atenção se
desviasse imediatamente dos filhos para os pais. Perguntada sobre que fatores de
separação houvera entre ela e o marido, a mulher logo disse que tinha havido ainda
uma quarta criança, bem mais nova, fruto de uma noitada, que eles decidiram abortar.
Foi colocado um representante para essa criança, que sentou no chão, entre os pais.
Os representantes dos pais olharam imediatamente para a criança, colocaram-se juntos
atrás dela, puseram espontaneamente as mãos sobre sua cabeça, olhavam
alternadamente para a criança e entre si e deixaram silenciosamente correr suas
lágrimas. A mulher que colocara sua família estava sentada na roda e também chorava
em silêncio. Os representantes dos filhos deram um passo para trás, afastando-se dos
pais, e simplesmente ficaram olhando. Terminada a constelação, a mulher agradeceu e
disse que ela tinha salvado a sua vida. Admirado, o terapeuta lhe perguntou o que ela
queria dizer com isso. Ela respondeu: “Pouco depois do aborto apanhei um grave
reumatismo e imediatamente reconheci que esta era a minha forma de expiar pelo
aborto”. No dia seguinte, ela contou que, na noite do próprio dia da constelação, seu
marido regressou de uma longa viagem de negócios e ela lhe contou o que se passara.
Então ele se sentou no sofá, chorou muito e disse: “Eu sempre me senti muito culpado”.
E passaram toda a noite conversando.
Num grupo de constelação familiar, um homem manifestou, como seu problema,
que sua mulher se esquivava dele e tratava sem amor a filha e um filho mongolóide,
que estava internado num asilo. Na constelação, a mulher realmente se mostrou
isolada e totalmente fria. Os três filhos – pois tinha havido um outro filho mongolóide, o
mais novo, falecido aos quatro anos de idade– se distanciaram dos pais, afastando-se,
e a filha se colocou entre a mãe e os irmãos, como se quisesse protegê-los. O
terapeuta perguntou então ao homem se tinha havido recriminações pelos filhos que
nasceram mongolóides. O homem engoliu em seco e disse: “Sim, meus pais fizeram
graves acusações à minha mulher, dizendo que ela trouxera da família uma péssima
herança genética e jamais deveria ter-se casado comigo. E eu defendi meus pais e
suas acusações”. Então o terapeuta colocou esse homem diante da representante de
sua mulher e pediu aos dois que se olhassem demoradamente, realmente encarando-
se. Isso entretanto era visivelmente difícil para eles. Finalmente o homem conseguiu
dizer à mulher: “Sinto muito. Coloquei em você todo o peso do destino de nossos filhos
doentes. Juntamente com meus pais, responsabilizei você e sua família e a magoei
muito. Se você ainda puder aceitar isto, estou disposto agora a retirar minha acusação
e a carregar com responsabilidade e amor, junto com você, o destino de nossos filhos”.
– Então a representante de sua mulher se lançou em seus braços e chorou por longo
tempo. Em seguida ela o encarou amorosamente, caminhou para os filhos e os
abraçou. Quando o pai se aproximou, por sua vez, e juntamente com sua mulher
abraçou os filhos, eles finalmente aceitaram a proximidade da mãe.
Na terapia de casal e nas constelações que revelam a dinâmica dos
relacionamentos verificamos portanto quais são os eventos que atuam como fatores de
separação num relacionamento e que caminho se oferece ao casal no sentido de
carregar algo em comum, restaurar a ligação, assumir a dor da perda e deixar que o
passado seja passado. E verificamos como um casal pode lidar com tais eventos.
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Mesmo quando for inevitável a separação, os acontecimentos que separam podem,
passado algum tempo, descansar em paz e a relação pode terminar com amor e
dignidade.
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Naturalmente resultam conseqüências de peso para uma relação e para os filhos
quando um parceiro que tem um filho de uma relação anterior silencia este fato e não
provê a criança. Para além da ignorância do fato, isso pesa também sobre o
relacionamento seguinte e os filhos subsequentes.
Obviamente, é muito importante que a relação do casal seja confiável como
relação entre um homem e uma mulher. Por outras palavras, o homem deve ser e
permanecer homem e a mulher deve ser e permanecer mulher. Os parceiros devem
sentir necessidade e confiança mútua, sobretudo no que se refere à sexualidade e ao
provimento das condições de vida.
Devemos considerar também outra ordem do relacionamento, fruto da percepção
que Bert Hellinger exprime com esta frase: “A mulher deve seguir o homem (em sua
família, em seu país, em sua cultura) e o homem deve servir ao feminino”.
Na terapia de casal devemos, portanto, ter em vista o que está em desequilíbrio
na relação e como é possível restaurar uma troca positiva e aberta para o futuro, ou
então conseguir uma compensação que possibilite uma boa separação. Verificamos,
ainda, o que precisa ficar em ordem na relação, de modo que ela volte a ser vivida de
uma forma confiável.
Num grupo para casais, um deles constelou o seu sistema atual. A mulher
trouxera para o novo casamento um filho de um matrimônio anterior. Na nova relação,
embora recente, já havia muita briga. Na constelação evidenciou-se que a mulher tinha
muito pouca consideração pelo ex-marido e uma grande esperança de que o novo
marido viesse a ser um pai melhor para a filha dela. A relação entre a mãe e a filha era
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muito estreita, e o marido atual se sentia estranho e olhava para fora. Nessa
constelação, a filha assumiu e honrou seu pai. O marido atual ficou aliviado e encontrou
um lugar ao lado de sua esposa. Parecia que a constelação tinha funcionado e trazido
solução.
Entretanto, à noite o marido procurou o terapeuta. Disse que se sentia muito mal
e que também não revelara o mais importante: que tinham sérios problemas no
relacionamento sexual, onde ela fazia muitas exigências que ele não podia satisfazer.
No dia seguinte, o terapeuta fez com que o marido montasse a constelação de seu
sistema de origem. Ela evidenciou que o homem tinha uma estreita ligação com sua
mãe e assumia junto dela o lugar do pai. O representante do pai olhava para fora do
sistema, totalmente fascinado por algo terrível. Averiguou-se que, no decurso de uma
longa fuga da prisão, que durou três anos, ele fuzilou um homem que lhe barrara o
caminho. Na compreensão desse evento, que foi muito comovente para o casal,
evidenciou-se que o marido não ousava aceitar o amor de uma mulher nem gerar um
filho, porque o regresso do pai ao lar e seu conseqüente casamento com sua mãe só
foram possíveis através do assassinato de uma pessoa. Este era um importante quadro
de fundo para os problemas sexuais por parte do marido. Um cartão postal enviado
pelo casal, nas férias que se seguiram, dava a entender que algo se resolvera em sua
relação.
Mas esta história ainda teve prosseguimento. Algum tempo depois, a mulher
ligou para o terapeuta. Disse que houvera muitas melhoras no casamento e que o
marido mudara muito e estava muito afeiçoado a ela. Mas ela se sentia de novo
intranqüila e insatisfeita quanto à relação sexual. Então, através de duas breves
ligações telefônicas, entrou em contato com uma avó que, depois da morte de seu
primeiro marido, por quem tinha muito amor, tivera uma vida muito infeliz e uma relação
muito insatisfatória com os homens que se seguiram. Percebendo sua estreita ligação
com essa avó, a mulher conseguiu acolhê-la amorosamente em seu destino e
desidentificar-se dela. Num outro cartão de férias comunicou que agora estava muito
satisfeita e que estava bem com o marido.
A DUPLA TRANSFERÊNCIA
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Certa mulher estava sempre muito irritada com seu marido e, como ela própria
notou, sem razão. Na constelação, ficou claro que ela representava uma tia que, como
primeira filha de mãe solteira, fora totalmente excluída da família por seu avô. Em
substituição a essa tia, a mulher assumiu a raiva pela injustiça mas, poupando o avô,
dirigiu-a contra o próprio marido. Ao mesmo tempo, e sem consciência do fato, deu à
sua filha mais velha o mesmo nome da tia. A história somente lhe foi revelada por uma
conversa telefônica posterior com o próprio pai.
Uma outra mulher, que era bonita mas tinha uma fisionomia muito carregada, era
seguidamente abandonada pelos homens. Não dava a impressão de ser agressiva,
mas comportava-se como uma vingadora cautelosa, aguardando o momento certo para
o golpe. As informações sobre sua família revelaram que sua mãe, aos doze anos de
idade, fora estuprada e quase morta. Na constelação a mulher experimentou o medo
pânico de sua mãe e, assumindo o papel de sua representante diante do agressor,
bradou-lhe no rosto: “Eu mato você!” Foi somente o reconhecimento desse agressor
como primeiro homem da mãe, e uma profunda reverência da mãe e da filha diante do
destino que uniu a mãe e seu agressor como homem e mulher num evento terrível e
sem saída, que trouxe alívio e luz ao semblante da jovem mulher. Então ela pôde
entender seus impulsos de vingança diante dos homens, e em que medida nisso ela se
ligava à mãe e ao mesmo tempo se tornava semelhante ao agressor.
Uma dinâmica usual que separa os parceiros resulta do fato de que um deles, de
algum modo, está mais perto da morte do que da vida. Essa pessoa não está realmente
presente, e toda a luta do outro para retê-lo apenas agrava o conflito. Assim, certa
mulher ficou muito tocada quando, numa constelação, pôde ver em que direção olhava
o ex-marido do qual acabara de separar-se como sua quinta mulher (ele vivia trocando
de mulheres). Na constelação, seu representante não olhava para nenhuma de suas
mulheres e namoradas, cujas representantes tinham sido colocadas ali, mas apenas
para uma antiga noiva que, pouco antes do casamento, morreu num acidente. Ele
queria seguir essa mulher na morte, como se só assim pudesse consumar-se esse
grande amor.
Um homem muito bem sucedido e, não obstante, solitário, ficou muito assustado
quando se revelou em sua constelação que ele, no meio de todos seus casos, levava
consigo esta frase: “Antes te amar do que morrer”.
Sentia-se atraído por sua mãe, que morrera muito cedo, e na constelação só
encontrou paz junto dela. É como se tivesse sentido toda a sua vida através dessa
atração por sua mãe, e tivesse se defendido dela através desses amores. E talvez
também tivesse procurado encontrar neles sua mãe viva, naturalmente não a
encontrando.
Nas camadas profundas da alma de homens violentos e mulheres agressivas
manifesta-se, às vezes, um grande desespero, o medo de perder o parceiro pela morte
e uma luta impotente contra isso. Muitos casamentos fracassaram no pós-guerra
porque o homem não conseguia aceitar o fato de ter sobrevivido, em face dos
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numerosos companheiros mortos com quem diariamente lutara pela sobrevivência.
Mesmo voltando para casa, ele desejava, no íntimo, juntar-se aos companheiros
mortos. Abala-nos sempre perceber, no decurso de constelações, em quantos conflitos
de casal existe, bem no fundo, uma questão de vida e de morte, e quanto de emoção e
de entendimento mútuo se libera quando isso vem à luz e, na medida do possível, pode
ser resolvido.
Gostaria de mencionar aqui, muito rapidamente, uma dinâmica que se revela
cada vez mais, logo que ficamos atentos a ela. Dois parceiros se encontram, em muitos
casos, devido à existência de destinos semelhantes em suas famílias de origem.
Quando, por exemplo, há um filho presumido na família de um dos parceiros, o mesmo
ocorre, com freqüência, na família do outro, muitas vezes com diferença de uma
geração. Se numa das famílias os homens têm uma posição desfavorável, isso também
acontece freqüentemente na outra família. Se uma das famílias sofre os efeitos de
destinos envolvendo criminosos e vítimas, o mesmo ocorre geralmente na outra família.
Parece que instintivamente percebemos no parceiro os destinos de sua família, no que
têm em comum com os destinos da nossa. São bem diferentes, entretanto, os padrões
de lidar com tais destinos. Assim, com freqüência as pessoas se completam pelo lado
funesto: por exemplo, um dos parceiros se identifica com as vítimas de um avô no
regime nazista, enquanto o outro se envolve com um avô que pertenceu às forças de
choque do regime.
Quando ambos os parceiros comparecem a um trabalho para casais, em grupo
ou num aconselhamento privado, as conexões que vêm à luz proporcionam muita
compreensão recíproca e uma visão do quadro de fundo das dificuldades de
relacionamento. Também para o terapeuta é emocionante presenciar quando o auto
reconhecimento de um casal envolvido nos destinos familiares se manifesta de uma
forma que reforça seu vínculo no amor.
A vida nos vem através de nossos pais, mas não se origina neles. Ela vem de
longe. Às vezes, podemos colocar os parceiros de frente um para o outro (e isso
costuma ser muito útil quando há problemas sexuais) e, atrás de cada um deles, uma
fila de antepassados. Isso permite perceber a força da vida que vem de longe e é
transmitida através dos antepassados, e também a alegria de viver. Esta conexão,
através dos antepassados, com a ampla totalidade da vida é um ato religioso
fundamental. Ao realizá-lo nesse espírito, cada um pode sentir, em si mesmo e no
parceiro, o que isso proporciona em termos de afluxo de força, de movimento amoroso
para o parceiro e de uma união aberta, no sentido de uma vida mais ampla.
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O ATO DE ENCARAR-SE
Para o êxito do amor existe um processo indispensável, que tem a ver com o
respeito pelos mais antigos e com o progresso. O primeiro passo é este: “Respeito os
meus pais e a minha família, e tudo o que vale nessa família”. O segundo passo diz:
“Respeito os teus pais e a tua família, e tudo o que vale em tua família”. O terceiro
passo costuma ser doloroso. Ambos os parceiros olham para seus pais e lhes dizem
interiormente: “Preciso deixar vocês e me desprender também de muita coisa que era
importante para vocês. Preciso deixar o que está em oposição ao que traz o meu
parceiro em termos de hábitos, normas, valores, fé ou cultura, e o que me impede de
dar prioridade à minha união atual e à minha família atual”. E, num quarto passo, os
parceiros se encaram e dizem um ao outro: “Vamos fazer algo de novo a partir do
antigo que trouxemos, algo que acolha e transcenda o que ambos trouxemos, algo de
novo que una e que leve ao futuro, e no qual possamos crescer juntos como pessoas
autônomas.”
DA NECESSIDADE DE PARTILHAR
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Aqui direi algo de ousado. Às vezes pensamos que, se estivéssemos sós,
seríamos mais livres em nosso desenvolvimento e em nossas possibilidades. A
realidade é o inverso. A evolução nos ensina que a associação dos parceiros (não a
uniformização associada a uma compulsão totalitária) diferencia cada indivíduo, torna-o
mais variável em seu pensar e agir do que quando fica confinado à própria
individualidade. Quando, com vistas ao parceiro, temos de nos defrontar com coisas
novas e procurar novas formas de equilíbrio interno e externo, isto nos libera um pouco
dos próprios esforços, que são freqüentemente cegos, em nosso interior. Ganhamos
em variedade e equilíbrio, que são pressupostos imprescindíveis para um certo grau de
liberdade. Talvez a melhor maneira de descrever a realização espiritual e
simultaneamente a realização sistêmica básica na relação do casal seja utilizar, num
sentido um pouco mais amplo, as palavras de Bert Hellinger: “Eu amo você e amo
aquilo que suporta, dirige e desenvolve a você e a mim”.
(*) Original: “Wege in der Paartherapie”, em: Praxis der Systemaufstellung, 1/2002. Versão elaborada
de uma conferência proferida no 3º Congresso Internacional de Constelações Sistêmicas (Würzburg,
Alemanha, 2001). Traduzido por Newton Queiroz, Rio de Janeiro, jan. 2003.
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