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3 O PAPEL DO ASSISTENTE SOCIAL NA SAÚDE PÚBLICA

Os trabalhadores do SUAS (Sistema Único de Assistência Social) precisam ter


amplo conhecimento sobre diversas áreas. Afinal, é comum sua articulação com outras
políticas públicas. Uma das dúvidas mais frequentes sobre esse tema é o papel do
assistente social na saúde. Por isso, resolvemos esclarecer essas questões através desse
texto.
No Brasil, o Serviço Social demarcou sua entrada no campo da saúde pública
pelo viés dos trabalhos com comunidade, por meio de práticas educativas sobre
procedimentos de higiene aplicados à vida privada, incentivando o controle de
natalidade, o controle de doenças infantis, de higiene bucal, de saneamento para a
criação das primeiras políticas urbanas de saúde, muitas vezes realizado por meio de um
trabalho educativo baseado em proporcionar acesso à informação sobre o próprio corpo
e a higiene do mesmo. Esse era um trabalho que se mostrava necessário a um país sem
escolaridade, com grande parte da população em condição de miséria e revelando
desconhecimento sobre o próprio corpo.
Também nesse período, por meio das políticas urbanas, as abordagens
individuais sobre a saúde foram desenvolvidas de forma ampla. O Serviço Social de
caso para a saúde pública era a representação da necessidade de intervenção do
assistente social nas políticas de reprodução social.
Na saúde, os avanços conquistados pela profissão no exercício profissional são
considerados insuficientes, pois o Serviço Social chega à década de 1990 ainda com
uma incipiente alteração do trabalho institucional; continua enquanto categoria
desarticulada do Movimento da Reforma Sanitária, sem nenhuma explícita e organizada
ocupação na máquina do Estado pelos setores progressistas da profissão
(encaminhamento operacionalizado pela Reforma Sanitária); e insuficiente produção
sobre “as demandas postas à prática em saúde” (BRAVO, 1996).
Considerando que os anos noventa foi o período de implantação e êxito
ideológico do projeto neoliberal no país, identifica-se que, nesse contexto, os dois
projetos políticos em disputa na área da saúde, passam a apresentar diferentes
requisições para o Serviço Social (BRAVO, 1998).
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Já Mota et. al. (2007) afirma que a concepção abrangente de saúde trazida pela
nova Constituição foi um importante passo para uma mudança significativa no modelo
assistencial e na tradução das necessidades de saúde da população brasileira.
Dessa maneira, é comum surgirem demandas da Saúde na Assistência Social.
Quando isso ocorre, o assistente social encaminha o usuário, por exemplo, a um
ambulatório. Porém, normalmente, existe uma superlotação nesses lugares. Por vezes, o
atendimento demora e, quando finalmente ele acontece, o paciente é reencaminhado
para outro profissional da Saúde.
Esse fluxo não é eficiente. Em várias etapas, não existe acolhimento. O
usuário, fragilizado, acaba desistindo do tratamento. É desgastante para o indivíduo e
caro para o poder público.
Como política garantidora do direito à proteção social, a Assistência Social,
materializada através do trabalho do assistente social e de outros profissionais, tem
papel fundamental no processo descrito acima, bem como na melhoria dele.
O assistente social é reconhecidamente um profissional da saúde. As
resoluções do Conselho Nacional de Saúde nº. 218, de 06 de março de 1997, e do
Conselho Federal de Serviço Social nº. 383, de 1999, além da Resolução nº. 196 de
1996 tratam da ética em pesquisa, envolvendo seres humanos (ROSA et. al., 2006, p.63-
64) são expressões concretas desta afirmativa.
Para o CFESS (2009, p.15) a nova configuração da política de saúde impactou
o trabalho do assistente social em diversas dimensões: nas condições de trabalho, na
formação profissional, nas influências teóricas, na ampliação da demanda e na relação
com os demais profissionais e movimentos sociais. Ampliou-se o trabalho precarizado e
os profissionais são chamados para amenizar a situação da pobreza absoluta a que a
classe trabalhadora é submetida.
Desta maneira, ao reconhecer a saúde como resultado das condições
econômicas, políticas, sociais, culturais, e preconizada por lei, o Serviço Social passa a
fazer parte do conjunto de profissões necessárias à identificação e análise dos fatores
que intervém no processo saúde/doença.

4 AS DIFICULDADES E OS DESAFIOS DO SERVIÇO SOCIAL NA SAÚDE


PÚBLICA
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A área da saúde, para os profissionais de Serviço Social é vista como um


desafio profissional por conta das vulnerabilidades sociais e econômicas apresentadas
como demandas diárias.
É necessário que esse profissional conheça as políticas que norteiam a área e
as referências específicas como as principais patologias, para compreender o contexto o
qual está inserido. Abordar sobre o profissional de Serviço Social na saúde é necessário,
levando em conta todo o processo de trabalho que envolve sua atuação.
É dessa forma que Passos (2017) reforça a mudança de paradigma na saúde,
antes pautado no paradigma flexneriano, com ênfase na pesquisa biológica, na
especialização médica, no individualismo, no curativismo e centrado no hospital, para
um paradigma de produção social da saúde, no qual o estado de saúde é considerado
como um processo em permanente transformação, apresentando profunda relação com
as condições de vida.
O trabalho em saúde, por fazer parte do setor de serviços e ser compreendido
como um trabalho que se efetiva no momento do encontro entre trabalhador e usuário,
apresenta peculiaridades e o assistente social, inserido nesse processo, se apresenta
como profissional que tem uma intervenção de natureza essencialmente política.
Assim, depende dos arranjos políticos, factuais ou mais ideologizados, nos
quais os atores definem os movimentos do intrincado “jogo de xadrez”. Nessa direção
vale dizer que muito se tem debatido sobre essa questão e muitas críticas têm sido
realizadas sobre o processo de incorporação formal dos movimentos populares aos
segmentos mais institucionalizados.
Com isso, aponta-se o risco que a conformação de tais institucionalidades
possa representar como uma nova forma de cooptação política e um mecanismo para a
redução de conflitos.
Dessa forma, consolidou-se uma nova posição entre amplos setores da
comunidade científica e profissional, a despeito de toda resistência oferecida pelo
complexo médico-industrial. Tal fato ocorreu pela evidência de que fatores sócio-
econômicos, culturais e ambientais são determinantes das condições de vida e saúde,
levando à afirmação de que não existe correlação entre o aumento do nível de atividades
médicas e o aumento do nível de saúde da população (MERHY, CAMPOS E
QUEIROZ, 1989).
Dessa maneira, como Vasconcelos (2001) afirma não é de hoje que os
governos neoliberais prometem milagres ao povo brasileiro e latino-americano. O sonho
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da ampla abertura e liberalização da economia a fim de nos trazer justiça social nunca se
realizou de fato. A autora nos explica a razão: a diminuição dos recursos para o social
só contribui para agravar as expressões da questão social (VASCONCELOS, 2001, p.
1).
Perdem-se, portanto, as condições objetivas que possibilitam a efetivação do
princípio da universalidade como direito social. As tendências individualistas, seletivas
e focalizadas difundidas pelas ideias neoliberais descaracterizam e menosprezam não só
o modelo de saúde pública que o a Constituição Federal de 1988 instituiu como também
toda e qualquer política pública (ARAÚJO, 2014).

5 COMO O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL PERMEIA O


TRABALHO DO/A ASSISTENTE SOCIAL NA SAÚDE PÚBLICA

O projeto ético-político do Serviço Social é o projeto profissional que foi


construído no período de transição política do país, materializado na reabertura
democrática, negando as práticas conservadoras que permeavam o Serviço Social
brasileiro até então e dando sentido ao trabalho do assistente social. Seu
amadurecimento se deu no período dos anos 1990, marcado pelo neoliberalismo que
promoveu transformações societárias que afetaram a produção, a política, o Estado, a
cultura e o trabalho. Sobre a estrutura básica do projeto ético-político, Netto (2006)
ressalta que
A dimensão política do projeto é claramente enunciada: ele se
posiciona a favor da equidade e da justiça social, na perspectiva da
universalização do acesso a bens e a serviços relativos às políticas e
programas sociais; a ampliação e a consolidação da cidadania são
explicitamente postas como garantia dos direitos civis, políticos e
sociais das classes trabalhadoras (NETTO, 2006, p. 16).

As políticas de saúde do SUS são norteadas pela equidade, no sentido de


reconhecer as necessidades de segmentos específicos da sociedade visando à redução do
impacto dos determinantes sociais da saúde a que se submetem.
Neste viés, o exercício da equidade está junto da concepção e implementação
destes serviços de saúde universais, podendo e devendo ser uma estratégia que assegure
às classes populares o acesso a serviços de melhor qualidade, possibilitando o exercício
da justiça na esfera pública.
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Em um dos relatos uma assistente social demonstra seu entendimento pelos


princípios considerando os ainda dissonantes da operacionalização e materialização
plena.
As/os assistentes sociais estabelecem-se, socialmente, como trabalhadores
assalariados, sendo que sua inserção no mercado de trabalho se dá por meio de uma
relação de compra e venda de sua força de trabalho especializada e capacitada com
organismos empregadores. Mesmo que os profissionais disponham, no mercado de
trabalho, de relativa autonomia, na prática de suas atividades, os empregadores
desenvolvem e impõem condições que conduzem o processamento da ação e
impossibilitam de realização os resultados projetados.
Conforme Iamamoto (2011, p. 41), se “a profissão dispõe de condicionantes
sociais que ultrapassam a vontade e a consciência de seus agentes individuais, ela é
também fruto dos sujeitos que a constroem coletivamente, forjando respostas
profissionais”.
Desse modo, o Serviço Social brasileiro, nas últimas décadas, se reorganizou
numa luta contra o tradicionalismo profissional e seu aspecto conservador,
correspondendo criticamente à profissão às exigências de seu tempo.
Dessa forma, vale destacar que as configurações da questão social vão
repercutir, diretamente, no local de trabalho dos assistentes sociais, as quais se moldam
pelo modo de vida e de trabalho de usuários de políticas sociais. Repercutem também
nas novas configurações do mercado de trabalho dos/as assistentes sociais que, como
partícipes da divisão sociotécnica do trabalho, sofrem os impactos das feições desse
mercado.
Assim, as práticas do trabalho profissional na sociedade não dependem
somente da atuação do/a assistente social, mas do conjunto das relações, mecanismos e
condições sociais por meio das quais ele se realiza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como conclusão, o processo de evolução da prestação de serviços de saúde à


população, bem como os avanços trazidos pela Constituição de 1988 que incorporaram
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um conceito de saúde mais amplo e abrangente constituíram uma base que requereu a
inserção do profissional de Serviço social dentro do contexto das políticas de saúde,
colocando tal profissão inserida na área como um todo, desde a atenção primária e
básica aos serviços especializados de alta complexidade.
Quando se coloca o conceito de saúde dentro da teoria das necessidades
humanas básicas bem como atendendo aos aspectos biopsicossociais, o assistente social
ganha um campo abrangente de trabalho, tento em vista que o modo de produção influi
consideravelmente na manutenção e promoção da saúde.
Mesmo o trabalho do assistente social, sob a égide de um capital
financeirizado, traz as repercussões disso. A atuação deste profissional não é deslocada
das bases sociais que a sustentam. Nesta fase de acumulação fetichizada do capital, o
Serviço Social está sendo convidado a pensar os Estados nacionais e suas estratégias de
reprodução que atingem profundamente as políticas públicas, entre elas as políticas
sociais de saúde, com complexas incidências na vida humana e refrações que nos
permitem repensar as políticas públicas.
Para efetivação da interdisciplinaridade é fundamental que o profissional
conscientize-se que sua profissão não pode estar isolada de outras profissões e que para
interagir com as mesmas é necessário saber definir e ser competente em seu campo,
sendo esse um elemento fundamental para que haja a troca entre saberes.
Com isso, concluímos que é possível sim a atuação interdisciplinar do
assistente social na equipe multidisciplinar de saúde, quando o profissional deve manter
o dialogo e olhar diferenciado para o objeto através da desacomodação, saindo assim da
sua zona de conforto em busca do novo.

REFERÊNCIAS

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