Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
como são por assimetrias de saber e de poder e por lógicas de fragmentação entre saberes/
práticas, requerem atenção inclusiva para a multiplicidade de condicionantes da saúde
que não cabem mais na redução do binômio queixa-conduta.
Deste modo, construir um processo de formação para trabalhadores de saúde implica estarmos
atentos a esta complexidade e fazermos escolhas teórico-metodológicas que expressem um
campo de interlocução entre os saberes, indissociado de um método, de um modo de fazer a
formação.
nálise dos processos de formação e das políticas de formação dos profssionais
de saúde. Nesta direção5, vários autores têm sinalizado que as políticas de formação
dos profssionais de saúde implicam a apreensão da complexidade que permeia o SUS
na atualidade e, deste modo, requerem ações de formação que se engendrem em um
processo de construção coletiva com os sujeitos envolvidos. Conforme apontam Ceccim e
Feuerwerker (2004, p. 43).
Dessa forma, a Política Nacional de Humanização reconhece que há um SUS que dá certo,
mas que existem desafos e problemas e que é necessário superá-los. O SUS que dá certo
nem sempre toma visibilidade sendo, portanto, tarefa política de seus agentes anunciá-lo.
Anunciá-lo não como recurso de marketing, mas como afrmação do horizonte utópico de
que é possível produzir mudanças nas práticas de gestão e de atenção, o que permite a
produção de reencantamento de trabalhadores e da sociedade em geral pelo SUS, pela
política pública solidária, inclusiva e de qualidade.
O SUS que dá certo nos informa sobre as possibilidades de avançar na reforma sanitária
e é dessa experimentação que se pode extrair métodos, diretrizes e dispositivos para se
construir o arsenal teórico-metodológico necessário ao enfrentamento dos problemas que
ainda se fazem presentes na organização e funcionamento do sistema e serviços de saúde.
A 11ª Conferência Nacional de Saúde (CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 2000),
realizada no ano de 2000, nos convocou a humanizar o SUS4 e o HumanizaSUS nasce deste
processo, encarnando-se como política pública, pois emana de anseios do povo brasileiro,
que registrou naquela conferência o desafo de humanizar o SUS.
Na perspectiva dos trabalhadores, humanização da saúde tem relação direta com
a valorização do trabalho e do trabalhador. Valorizar toma duas direções centrais:
democratizar as relações de trabalho, o que se faz substantivamente pela inclusão dos
trabalhadores nos processos de gestão; e enfrentar temas fundamentais referentes às
condições concretas de trabalho, como a sub-remuneração, as relações contratuais/formais
precarizadas e injustas de trabalho, a ambiência degradada, as condições de trabalho que
interferem negativamente na produção de saúde dos que cuidam.
Na perspectiva dos usuários, a questão da humanização da saúde tem se expressado sob as
mais diversas maneiras, tomando concretude sob duas questões: a baixa responsabilização
e a descontinuidade no cuidado e nos tratamentos. O povo brasileiro tem feito uma
pergunta simples, mas de grande potência para problematizar os modos de cuidado que
temos construído: quem cuida de quem? Quem me cuida, com quem eu conto?
Esta pergunta, remetida ao tema da efcácia de nossas práticas, interroga sobre o cuidado
prestado para além do episódio clínico ou do agravo, para além da queixa; interroga
sobre o cuidado no tempo, questionando a capacidade de os serviços e equipes de saúde
contraírem responsabilidades pelos encargos sanitários. Este é exatamente o segundo
desdobramento da questão da humanização da saúde colocada pelo povo brasileiro: como
garantir o cuidado quando se faz necessária a intermediação entre serviços e equipes, ou
seja, como se garante cuidado longitudinal em um sistema de saúde que tem em geral
relações burocratizadas e pouco personalizadas? Este tema traz à tona a questão da
transversalidade dos cuidados, da integração de práticas clínicas, da gestão compartilhada
da clínica.
Estes dois problemas (quem cuida de quem, gestão clínica integrada em rede) se manifestam
em uma miríade de sintomas, que se apresentam como fenômenos de desumanização: flas
desnecessárias; descaso e descuidado com as pessoas; incapacidade de lidar com histórias
de vida, sempre singulares e complexas; práticas éticas descabidas, como a discriminação,
a intimidação, a submissão a procedimentos e práticas desnecessárias, a cobrança “por
fora”, a exclusão e o abandono, talvez as experiências mais bárbaras às quais as pessoas
podem ser submetidas.
A Humanização responde a tudo isto com princípios, diretrizes e dispositivos, todos acionados
por um método (BRASIL, 2007). Assim, a Humanização é uma aposta metodológica, um
certo modo de fazer, lidar e intervir sobre problemas do cotidiano do SUS. Este método é a
tríplice inclusão: inclusão de pessoas, de coletivos e movimentos sociais e da perturbação, da
tensão que estas inclusões produzem nas relações entre os sujeitos nos processos de gestão
e de atenção, tomados como indissociáveis.
É justamente este “movimento de perturbação” gerado pela tríplice inclusão que permite
a produção de mudanças, mudanças nos modos de gerir, mudanças nos modos de cuidar.
Mas esta inclusão não pode se realizar sem diretrizes, sem orientações ético-políticas que
ofertem direção aos processos que se quer deflagrar. A Política Nacional de Humanização
toma cinco diretrizes centrais para orientar a ação das equipes que têm por tarefa produzir
saúde:
Acolhimento, orientação ética, pois o toma como base do contrato entre os sujeitos
que cuidam e os que são cuidados, cuja ação é produzir um campo comum que
vamos chamar de produção do cuidado compartilhado, corresponsabilização.
Acolher é, pois, o que inaugura e sustenta processos de cuidar. Acolher, todavia, não
signifca apenas interagir a partir do aceitar aquilo que o outro traz mas, a partir
disto, produzir desvios, produzir movimentos que permitam reposicionamentos,
produção de novas atitudes, de novas éticas;
Gestão Democrática das organizações de saúde, dos processos de trabalho e de
formação, da clínica e da saúde coletiva. Democracia implica necessariamente
compartilhamento de poder, portanto das decisões, orientadas por princípios éticos
e políticos. Gestão democrática é princípio, é orientação, mas se sustenta sobre
práticas, então democráticas. Horizontalizar o poder, ampliar a inclusão de sujeitos
na gestão e na clínica, construir corresponsabilização, não são atos do acaso, mas
construídos segundo dispositivos e arranjos para tal fm. Colegiados gestores,
trabalho em equipe, rodas de discussão, inclusão da rede sócio-familiar dos
usuários, Grupo de Trabalho em Humanização (GTH), entre outros são exemplos
de medidas concretas para uma gestão democrática e compartilhada;
INTERVENÇÃO
- TRABALHADOR DE SAÚDE, GENTE CUIDANDO DE GENTE
O trabalhador da saúde encontra-se constantemente envolvido na onipotência de cuidar
o outro e julga-se sabedor de diferentes técnicas e teorias de como cuidar, no papel de que
tudo pode e tudo provém. No entanto, estes profssionais também são sujeitos de sofrimentos
e medos e, como tal, necessitam de cuidado. Precisam de alguém que lhes invista um olhar
de atenção, de continência das angústias e ansiedades despertadas em cada caso, no contato
com a dor e o sofrimento dos usuários que atende.
No setor público, o trabalho é atravessado por instabilidades e adversidades de diferentes
ordens e pode-se observar uma grande demanda que reflete no adoecimento do trabalhador.
É possível destacar: a difculdade do trabalho em equipe, poucos espaços de cogestão, excesso
de atividades, falta de reconhecimento por parte dos usuários, necessidade de capacitação
continuada, entraves em ampliar a clínica devido à fragmentação dos atendimentos e que
os espaços de troca e apoio entre os trabalhadores precisam se efetivar.
Essas demandas são observadas na fala de Serafm Barbosa Santos - Filho:
Para concluir esta escrita, pode-se deduzir que o trabalhador da saúde está diariamente
exposto à dor, à doença e à morte, sendo estas não mais vivências abstratas, mas realidades
concretas e rotineiras. O trabalho de elaborar sinais e sintomas indicadores de difculdades
desafa os profssionais, justamente por se tratar primordialmente de uma interação de
vínculos, isto é, fala-se de uma relação próxima que pode abrir ou fechar possibilidades.
Porque aqui o cuidar do outro pode ser causador de angústias e atrapalhos, revelando
inquietações e preocupações que estarão atravessadas pelo vínculo e envolvimento
afetivo.
Portanto, reafrma-se a necessidade de oferecer espaços de reflexão de forma continuada
aos trabalhadores da saúde, a fm de que a equipe possa ser ouvida em sua demanda e,
consequentemente, fortaleça seus vínculos com o trabalho encontrando sentido naquilo
que faz.