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TEORIAS ADMINISTRATIVAS NA SAÚDE: A LÓGICA CAPITALISTA QUE

SUBORDINA AS TEORIAS ADMINISTRATIVAS


Sônia Maria Alves de Paiva1
Cristiane Aparecida Silveira2
Elizabeth Laus Ribas Gomes3
Maísa Crivellini Tessuto4
Nely Regina Sartori5

Introdução: A gestão tem sido enfatizada como um importante instrumento


para se operacionalizar a construção de modelos de atenção em saúde, um
campo que sempre sofreu a influência das teorias administrativa em sua
organização. Esses por sua vez, se pautam no modelo capitalista, visando a
produtividade e a exploração do trabalhador, sendo que a tendência atual do
mercado econômico segue as regras do sistema neoliberalista, que consiste da
tentativa de restabelecer a hegemonia burguesa. Esse processo necessita de
um modelo administrativo que responda aos objetivos dos governos e
principalmente das empresas privadas, que anseiam por enriquecimento rápido
através do aceleramento da produção, estimulando o mercado competitivo.
Apesar do discurso sobre a importância do usuário na construção do Sistema
Único de Saúde (SUS), as iniciativas dos gestores nesse sentido ainda são
muito limitadas. Tomando como base essa argumentação, o estudo teve,
portanto, como objetivo, fazer uma análise da influência das principais teorias
administrativas na organização dos serviços de saúde. Percurso
Metodológico Foi realizada uma leitura exploratória de artigos, livros e textos
online para se ter um visão global do material, seguido de uma análise do
mesmo. Realizou-se o levantamento na base de dados LILACS (Literatura
Latino- Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), MEDLINE (Literatura
Internacional em Ciências da Saúde) e em outros periódicos não indexados e
também em livros e teses, que trataram do assunto. Com base nesses dados,
foram agrupadas as idéias que emergiram dessa análise e que serão
apresentadas a seguir. Contextualização da influência das teorias
administrativas na saúde Partindo dessa perspectiva, tem-se que a Teoria
Científica surgiu durante o período industrial, no início do século XX,
objetivando a aplicação dos métodos científicos aos problemas da
administração. Esse modelo intitulado taylorista, também denominado
Racionalidade Gerencial, centrou-se na tarefa visando o máximo de
produtividade, através da divisão do trabalho, da especialização do operário e
(2,1)
da padronização das atividades . Fayol e seus seguidores, por sua vez,
desenvolveram a idéia de que, para aumentar a eficiência da empresa, era
necessário adotar estrutura e funcionamentos adequados. Dessa concepção
nasceu a Teoria Clássica, cuja ênfase centrou-se na estrutura. “A organização
da empresa era condição indispensável para que todo processo de
racionalização do trabalho produzisse bons resultados e passou a ser dividida
por função, a lógica era que quanto mais fosse dividido o trabalho, mais esse
(5)
seria eficiente” . O hospital, acompanhando os princípios da administração
científica, se organizou pautado nesses princípios e, assim a saúde surgiu
como um dos mecanismos de cuidar da força de trabalho e como no trabalho
em geral, a concepção se separa do momento da execução, a saúde também
sofreu essa divisão em trabalho mais intelectual, representado pelo trabalho
(7).
médico e trabalho manual, que ficou a cargo da enfermagem Considera-se
que esse modo de produção do trabalho ainda presente no cotidiano dos
hospitais contraria a proposta do modelo assistencial proposto pelo Sistema
Único de Saúde, pautado na integralidade e na equidade da assistência, no
exercício da subjetividade e na participação social de cidadãos, pois não
contempla a divisão humana do trabalhador e do paciente(2). A teoria das
relações humanas surgiu para contrapor essa concepção taylorista do “homem
econômico” valorizando os fatores subjetivos no funcionamento da empresa e
mostrando que o nível de produção não depende apenas de incentivo salarial e
vantagens do emprego, mas que o trabalhador pode ter outro desempenho
quando em grupo, substituindo a idéia do homem econômico pelo homem
(3,5).
social Essa teoria também refletiu positivamente no serviço em saúde,
através do modelo de trabalho em equipe multiprofissional, estando inserido
nas propostas do SUS, como forma de organização dos serviços de saúde. O
surgimento da indústria levou à novas exigências de mercado, acarretando a
necessidade de organizar as empresas, com a maior eficiência possível.
Assim, surgiu a Teoria Burocrática, que se alastrou rapidamente para todos os
tipos de organizações, inclusive aquelas de saúde (6). Assim, como não
conseguiu superar a disputa que havia dentro da Administração entre a Teoria
Clássica e das Relações Humanas, e com o objetivo de abranger aspectos que
eram considerados por uma e omitidos pela outra, surgiu então a Teoria
(6).
Estruturalista, na década de 50 Esse modelo definiu um novo conceito de
estrutura, como um conjunto formal de dois ou mais elementos que
permanecem inalterados mesmo quando ocorrem mudanças em alguns dos
seus elementos ou relações. Incorporou a análise interna de uma totalidade em
seus elementos constitutivos, sua disposição, suas inter-relações, permitindo
comparação e podendo ser aplicado a coisas diferentes entre si. No desenrolar
das teorias, surgiu a Teoria Neoclássica, que desenvolveu, a partir de 1947,
como uma reação a influência das ciências comportamentais nas organizações
decorrentes do fato dos precursores da Teoria das Relações Humanas darem
maior importância aos aspectos humanos do que aos econômicos. A diferença
entre essa e as Teoria Científica e Clássica é que a Teoria Científica enfatizava
os métodos e a racionalidade do trabalho, a Teoria Clássica, os princípios
gerais da administração e a Teoria Neoclássica considerava os meios na busca
(6).
da eficiência, mas enfatizava os fins e os resultados na busca da eficácia A
partir da década de 50, a Teoria Neoclássica deslocou a atenção, antes fixadas
nas atividades – meio, para objetivos ou finalidades da organização. Essa
teoria enfatizava a necessidade de se elaborar um plano para o alcance dos
objetivos. A Teoria Comportamental ou Behavorista foi desenvolvida na década
de 50 com ênfase nas pessoas, mas dentro de um contexto organizacional. A
cibernética proporcionou profunda influência sobre a administração, não só
pelos seus conceitos e idéias, mas principalmente pelos seus produtos como
(6).
máquinas de automação e computadores Por outro lado, as transformações
ocorridas no cenário político mundial, a difusão de novas tecnologias e a
socialização dos meios de comunicação contribuíram para o maior acesso à
informação da população, tornando-a mais consciente dos seus direitos e,
portanto, mais exigentes em relação aos serviços colocados à sua disposição
(9).
Surgiu a Teoria da Qualidade Total, como uma teoria administrativa, com a
proposta de uma melhoria contínua do processo de produção, dentro de
programa a longo prazo, por meio da colaboração e participação das pessoas.
Nos serviços de saúde, a qualidade total tem sido muito enfatizada e incluiu a
integração de todos os empregados, fornecedores e usuários dentro do
ambiente da organização; o ganho da produtividade passou a ser alcançado
por meio da melhoria da qualidade, para satisfazer as necessidades dos
usuários. Para que isso se viabilize, é necessário o planejamento do produto, o
controle de técnicas, prevenção dos defeitos e o gerenciamento do processo
para garantir a qualidade. Esse modelo preconiza um ambiente dinâmico,
cooperativo, de confiança, que estimule a criatividade e os relacionamentos
construtivos e em equipe, de modo a permitir o crescimento e a autonomia dos
trabalhadores. O treinamento contínuo faz parte do desenvolvimento dos
recursos humanos durante todo o processo de produção e não apenas na
etapa final. Entretanto, é necessário apontar que há várias críticas ao modelo
de qualidade total na saúde, uma vez que existem diferenças substanciais
entre a saúde e a indústria, porque, enquanto as indústrias trabalham com o
trabalho morto (matéria-prima, ferramenta), o processo de trabalho em saúde
ocorre sob a ótica do trabalho vivo em ato, baseado na tecnologia leve
(tecnologia das relações, do acolhimento e do vínculo), na leve-dura (saberes)
(3,10).
e dura (equipamentos tecnológicos, estruturas organizacionais) Além
disso, outros autores apontam que a qualidade total torna-se inviável na
organização dos serviços de saúde, mediante os seguintes argumentos de que
indústria o produto é selecionado pelo consumidor, que escolhe o que deseja
consumir, enquanto na saúde, o usuário não tem discernimento para escolher o
procedimento e o profissional para ser atendido(3,10,11). Na indústria, o produto
pode ser consumido pela população em geral, enquanto na saúde, os atos são
produzidos e consumidos ao mesmo tempo e o cuidado só em utilidade para o
usuário. Portanto, as idéias que emergiram dessas discussões sobre os
princípios da Qualidade Total, foi que esses não se aplicam à saúde porque os
mecanismos utilizados para monitorarem e avaliarem a qualidade sob essa
perspectiva está fundamentado em indicadores muito reducionistas, que não
privilegiam as necessidades e subjetividades dos usuários e trabalhadores.
Considerações Finais Apesar das teorias administrativas, e em especial, a
qualidade total, trazerem uma influência significativa na organização dos
serviços, concluiu-se que apesar de suas contribuições, estas não contemplam
as necessidades e subjetividades dos usuários e trabalhadores e não garantem
a melhoria da qualidade do trabalho em saúde. Além do mais, no modelo da
qualidade total, as gerências assumem papéis centralizadores, se baseiam em
geral em normas e procedimentos, se preocupam principalmente com o
produto, visa lucro e valoriza muito pouco o indivíduo, enquanto sujeito e
cidadão. A construção do Sistema Único de Saúde incorporou princípios e
diretrizes que exigem do estado a promoção das condições necessárias à
saúde da população e requer um modelo assistencial voltado para os
determinantes das condições de saúde da população e não apenas para o
tratamento das doenças.

1
Doutora, Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da PUC
MINAS campus Poços de Caldas. paiva@pucpcaldas.br
2
Mestre, Coordenadora do Curso de Graduação em Enfermagem da PUC
MINAS campus Poços de Caldas.cristiane@pucpcaldas.br,
casilve@yahoo.com.br
3
Profª Drª do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada (DEGE)
da área de Ensino em Administração Aplicada à Enfermagem da Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
elaus@glete.eerp.usp.br
4
Enfermeira da Irmandade do Hospital da Santa Casa de Poços de Caldas
maisa.ata@bol.com.br.
5
Mestre, Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da PUC MINAS
campus Poços de Caldas.nely@pucpcaldas.br

Referências
1. Leitão RER. A qualidade nos serviços de enfermagem segundo a
percepção de enfermeiras que vivenciam essa prática [ dissertação].
São Paulo (SP) Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo/
USP, 2002.
2. Correa AK. Método funcional na organização do trabalho em
enfermagem. Ribeirão Preto (SP). Escola de Enfermagem de Ribeirão
Preto/ USP, 2001. 6p (mimeografado).
3. Campos GWS. Um método para análise e co-gestão de coletivos. São
Paulo (SP) Hucitec; 2000.
4. Felli VA, Peduzzi M. O trabalho gerencial em enfermagem. In: Kucgant
P, organizador. Gerenciamento em enfermagem. Rio de Janeiro (RJ).
Guanabara Koogan; 2005.
5. Motta FCP. Teoria geral da administração: uma introdução. São Paulo
(SP): Pioneiras; 2002.
6. Chiavento I. Introdução à teoria geral da administração. São Paulo (SP):
Campus; 2000.
7. Almeida MCP; Rocha, S M M. Considerações sobre a enfermagem
enquanto trabalho. In: Almeida MCP; Rocha, S. M. M; organizador. O
trabalho de enfermagem. Ribeirão Preto (SP): Cortez; 1997.
8. Ferraz, C.A. Planejamento em saúde. Ribeirão Preto (SP): Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto/ USP; 1987. 15 p. (mimeografado).
9. Tronchin D.M.R, Melleiro M.M, Takahashi RT. A qualidade e a avaliação
dos serviços de saúde e de enfermagem. In: Kucgant P, organizador.
Gerenciamento em enfermagem. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara
Koogan; 2005.
10. Mehry EE, Onocko R, organizadores. Agir em saúde: um desafio para o
público. São Paulo (SP): Hucitec, 1997.
11. Matumoto S. O acolhimento: um estudo sobre seus componentes e sua
produção em uma unidade da rede básica de serviços de saúde. [
dissertação]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão
Preto/ USP; 1998.
12. Casate J. C; Corrêa A k. Humanização do atendimento em saúde:
produção científica na literatura brasileira de enfermagem. Ver Latino-
AM enfermagem 2005 janeiro- fevereiro; 13 (1): 105-111.

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