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parte do princípio do respeito pelas diferenças, entre- termo sem: sem-terra, sem-teto, etc.
tanto, ainda hoje, a organização da escola está baseada
na cultura das semelhanças. Essa cultura permite orga- Lógica da inclusão é a lógica de relação, na qual
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nizar, classificar e atuar sobre algo que nos é conhe- um é definido em relação do outro. Se analisarmos
cido, ou seja, orienta-se pela lógica da semelhança. uma criança que tem dificuldades de aprendizagem
A diferença é tudo aquilo que não reconhece- na lógica da relação, o professor também tem dificul-
mos e que não sabemos como lidar. Por isso não dades porque está implicado pela insuficiência de seus
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conseguimos encará-la como algo inteiro e imagi- recursos pedagógicos na relação com este aluno.
namos que só é possível compreendê-la por partes,
fragmentos ou pistas. Quando precisamos lidar com A relação e suas implicações: Pela lógica da rela-
aquilo que consideramos diferentes, percebemos que ção nós nos definimos pela própria relação. Ao incluir,
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as categorias que dominamos são insuficientes, as- nós nos abrimos para o que somos em relação ao ou-
sim construímos novas relações por meio de infe- tro e para isso é preciso mudar estratégias, organiza-
rências (deduções). Assim, a lógica da semelhança é ção, espaço e tempo em sala de aula. Na exclusão o
a lógica das classes e a lógica das diferenças é a ló- referente é externo, a classificação é única, sucessiva,
gica das relações que nós construímos. em espaço e tempo diferentes. Na inclusão o referente
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é interno, múltiplo, simultâneo, nos relacionamos de
Como nos relacionamos com as diferenças? inúmeras formas, no mesmo espaço e tempo.
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Para dominar o que não conhecemos ou excluí-
mos, ou transformamos em outra coisa. Um dos ca- Interdependência: Na lógica da classe a estrutura
minhos possíveis diante do que é diferente é respei- ou é de dependência ou é de independência. Na ló-
tar, aprendendo a conviver e desenvolvendo ações gica da relação a estrutura é de interdependência e
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comprometidas com a inclusão. A cultura da dife- suas características são: indissociabilidade (compar-
rença supõe “a cultura da fraternidade,” na qual di- tilhamos um mesmo todo), complementaridade (cada
ferenças e semelhanças podem conviver juntas. um é a parte que falta para a outra virar um todo),
irredutibilidade (nada se reduz a um único critério).
Para uma cultura das diferenças: Para praticar uma
cultura das diferenças é preciso aprender a se relacio- A co-dependência: A co-dependência é o lado
nar com os excluídos, que têm um direito a um lugar negativo no qual ficamos em relação ao outro. Na
e o direito de conviver com aqueles que não o são. co-dependência não se permite que o outro altere
sua posição relacional conosco, precisamos que o
Considerações finais outro continue dependente de nós.
Uma escola para todos precisa combinar a lógi- Autonomia e educação inclusiva: Ser autônomo
ca da semelhança com aquela da diferença, porque é ser todo e parte ao mesmo tempo. Cada um é todo,
elas são interdependentes e complementares. com suas características, com o que tem ou não tem,
isso é sua identidade. A educação inclusiva nos ofe-
2 - Fundamentos para uma educação inclusiva rece o desafio de aprender o que não sabíamos; a
oportunidade de rever nossas expectativas e nosso
É preciso conhecer e pensar nos fundamentos da trabalho como professores. Cientes de nosso própri-
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reprovação, quer por abandono às próprias “insufi- Desafio 6 - Assumir prática e reflexão nos ter-
ciências”. Na lógica da exclusão, a escola estabele- mos da lei de tomada de consciência de Piaget
ce critérios e elimina tudo o que os contraria. As (1974/1978A). Como interiorizar e exteriorizar co-
nhecimento e saberes.
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competências de ensinar estão desvinculadas daque-
las de aprender e isso gera a seguinte situação: o Prática reflexiva implica ponderar, qualquer
professor ensina o aluno não aprende. tema, na perspectiva de situação-problema. Para
Na lógica da inclusão a relação é precária (por- isso é preciso pensar ações/conseqüência e não
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que é difícil controlar tudo); é complexa porque já objetos e conceitos.
não se pode decompor as partes do todo escolar pela
Voltar-se para dentro: A prática reflexiva exige
redutora lógica da exclusão, e é ambivalente porque
um voltar-se para dentro de si e do sistema em que
as referências são múltiplas (cada um é algo, depen-
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se age, valorizando hipóteses e a expectativa do su-
dendo das referências adotadas).
jeito quanto à produção de conhecimento.
Desafio 2 - Desenvolver novas habilidade e Refletir, para agir e refletir sobre a ação realiza-
competências de ensino. Como ensinar em uma da: Refletir sobre a ação é compreender o passado e
escola para todos? fazer disso um conhecimento para corrigir erros,
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Há competências e habilidades que sempre fo- antecipando ações futuras.
ram e são esperadas nos professores. No passado,
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para exercer as habilidades e competências, e exigi- Duplo processo: exteriorização e interiorização:
las dos alunos, o professor dispunha de recursos efi- Todo o conhecimento tem duas marchas: uma em
cientes como, por exemplo, a reprovação ou exclu- direção ao sujeito e outra em direção ao objeto. É
são dos alunos que não correspondiam às exigênci- preciso realizá-las de modo interdependente porque
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as. Desde que a educação escolar passou a ser obri- ambas têm o sentido de superar e ignorância e tro-
gatória, todos têm o direito a entrar no sistema esco- car o sofrimento pela alegria do conhecer.
lar e cumpri-lo, sem ameaça de repetência ou ex-
clusão. Para tanto, se espera que professore ensine Prática reflexiva mediada e recursiva: Ninguém
através de lógica da inclusão, na qual ensinar e apren- reflete por nós, mas também não é possível refletir
der são indissociáveis. sozinho. Quais são os processos e estratégias da pra-
tica reflexiva?
Desafio 3 - Ensinar em um contexto mais inves-
tigativo do que transmissivo. Como articular no pre- Reflexão: auto-observação, transformação e
sente, o passado e o futuro? emancipação
Deve-se desenvolver a natureza investigativa do Com a prática reflexiva é possível rever hábitos e
ensino através de projetos e enfrentamento dos no- padrões de conduta e pensamento. Passar do plano
vos problemas. Portanto, o professor já não pode ser da ação para o da reflexão pressupõe 3 obstáculos:
um transmissor daquilo que no passado se julgava aprender a reconstituir no plano da representação o
fundamental, precisa ser orientador, gestor e criador que está no plano da ação; descentrar-se da ação,
de situações e tarefas de aprendizagem novas. transformando-a em linguagem representativa e dar
estatuto social e interindividual àquilo que era res-
trito ao contexto de aula.
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to, a escola não pode mais se manter restrita à trans- de sua prática. Só assim ele tomará consciência e se
missão de conteúdos disciplinares, deve sim colocar responsabilizará pelas suas ações e escolhas.
em prática uma pedagogia diferenciada (que leva em
5 - Competências: uma visão construtivista
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conta a diversidade) e uma avaliação formativa (que
indica mudanças de posição da criança).
Podemos dizer que toda a criança tem capacida-
4 - Para a aprendizagem dos que ensinam de, esquemas de ação e sentimentos, mas quando
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essa criança se torna um aluno, espera-se desenvol-
Em uma escola para todos é preciso que as rela- ver nela, competências escolares. Numa escola para
ções do professor com sua aprendizagem sejam apro- todos é fundamental estudar estratégias para desen-
fundadas. Os próprios professores apontam para a volver essas competências.
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necessidade do aumento de oferta de cursos de ca-
pacitação, para melhoria dos equipamentos e dos Competência: jogo de poder?
materiais pedagógicos. Competência não é poder sobre o outro, é con-
junto de saberes e possibilidades de atuação ou com-
Progressão continuada: A progressão continuada preensão que expressam nossas formas de realiza-
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cria um círculo vicioso que substitui o fracasso esco- ção profissional. Competência é o modo de fazer
lar por um pseudo-sucesso. Entretanto, mesmo que a convergir necessidades, articulando nossas habilida-
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progressão continuada não esteja em boas condições des em favor de um objetivo.
no momento, ser contra ela é ser contra o direito da
criança a um percurso. Ser contra ela é praticar ex- Competências: sistemas de saberes
clusão pela repetência e/ou pelo abandono. Pode-se definir competência numa visão “perspec-
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tiva sistêmica”, nela se considera de um modo interde-
Professores que aprendem: Os professores não pendente e indissociável: as partes entre si, o todo e
querem só ensinar, querem aprender mais. Os pro- cada parte em relação ao todo. Nesse caso é atribuída
fessores podem e querem beneficiar-se daquilo que à competência a função de coordenar os múltiplos ele-
oferecem aos seus alunos. mentos que fazem parte do sistema educacional.
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contrário das noções anteriores, esta sustenta que não Um tabuleiro chamado escola
basta conhecer uma matéria ou possuir objetos ade- Há professor que são “maus administradores” e
quados, mas sim levar em conta como esses fatores embora tenham conhecimento dos conteúdos, não
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interagem. É importante então a análise prática e o de- sabem administrar o tempo e o espaço das ativida-
senvolvimento de projetos que “tenham valor de for- des. Hoje se espera que o professor seja um gestor
mação, possibilitando a análise do aspecto relacional”. da sala de aula, isso é uma competência relacional.
A qualidade de pensar de forma relacional, supõe
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Competência e habilidade: A diferença entre autonomia e cooperação.
competência e habilidade depende do recorte. É
possível, por exemplo, saber ler, mas essa habilida- 6 - Por que e quando planejar
de não ser suficiente para saber ler em público, situ-
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ação na qual há necessidade de competência relaci- Planejar significa perguntar-se o que se pretende
onal (em relação ao público). A competência é uma para o ano letivo, o que corrigir do anterior e pré-
“habilidade de ordem geral”, enquanto a habilidade corrigir para o atual. Num planejamento deve-se le-
“é uma competência de ordem particular e específi- var em conta a educação inclusiva e isso significa
ca”. Habilidades são necessárias, porém insuficien- não só receber essas crianças no conjunto de alunos
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tes na perspectiva relacional. Pode ocorrer de o pro- regulares, mas sim termos essas crianças na sala de
fessor ter competência nos domínio dos conteúdos aula convivendo com outras crianças. No planeja-
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e da exposição, e mesmo assim os alunos não apren- mento é preciso refletir sobre a psicologia do desen-
derem. Portanto, competência não é apenas um con- volvimento, sobre as características cognitivas, físi-
junto de habilidades, tem a ver com a relação. cas e sociais das crianças, como também pensar
quais são suas necessidades.
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Competência, competição e concorrência: Con-
correr significa correr junto para um mesmo ponto. Antecipação
Em sala de aula várias coisas concorrem e pedem “Antecipar é comprometer-se com aquilo que
atenção. O que priorizar? queremos que algo se torne” (Macedo, 2003c).
Não se trata de optar por um ou outro aspecto e Antecipar é regular, no presente, aquilo que ori-
sim responder adequadamente atendendo a tudo que enta um trabalho na direção que desejamos. Refle-
precisa ser atendido. As demandas não competem, xão no passado, mas também reflexão preventiva.
mas sim concorrem porque todos precisam ser aten-
didos e para articular isso é preciso competência. Regulação: O conhecimento em construção pode
Assim, a habilidade será o conjunto de possibilida- ser valorizado pelo método “retrodutivo”. A retro-
des para o que é esperado e a competência será o dução é a arte de ir e voltar, tratar as coisas fazendo
modo como se faz convergir essas necessidades e a recortes, interpretando indícios, pré-corrigindo erros
articulação das habilidades para um objetivo. e confirmando práticas.
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sidade interdisciplinar, analisando relações entre Antecipar: A avaliação antecipatória pode ori-
quem aprende e o objeto de sua aprendizagem. Uma entar para certa direção buscada.
visão de dependência/independência reduz uma di-
Orientar: A avaliação pode ser coordenadora de
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ficuldade à pessoa que a possui, separando-a da
pessoa que cuida dela. Já a interdependência consi- uma intervenção ativa em favor do que pretende-
dera a dificuldade de aprendizagem na multiplici- mos. Na avaliação como orientação, avaliar e inter-
dade de sua expressão, envolve criança e adulto, ou vir ocorrem simultaneamente.
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profissional que está com ela.
Certificar é uma das funções da avaliação. Uma
Aprender como percorrer um labirinto criança que está certificada para estar num ciclo, por-
O labirinto “opera segunda uma dialética das que cumpriu o anterior. Entretanto, a equivalência
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inversões”. No sentido negativo, os erros e dificul- entre promoção automática e continua, trata a avalia-
dades são coisas que devemos evitar. No sentido ção de uma forma que rompe com a idéia de certifi-
construtivo, dificuldade e erros são parte do proces- cação. É preciso introduzir uma forma de certificação
so que exige aperfeiçoamento e nos levam à supera- mais condizente com as funções da escola hoje.
ção, (vencer o labirinto). Numa visão de interdepen-
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dência a dificuldade é da criança e do professores, Regular: A avaliação como regulação permite
portanto é interdependente. rever questões, metas, intervir naquilo que se deseja
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alcançar. A avaliação como regulação valoriza a for-
8 - funções da avaliação escolar de hoje mação e não só a seleção.
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A escola que se quer para todos precisa superar as Sabe-se que todas as formas de avaliação descri-
formas tradicional de avaliação. Avaliar não é apenas tas podem acontecer a um mesmo tempo, podem
é analisar a situação passada, mas interferir naquela ser complementares e indissociáveis. É preciso que
que está acontecendo ou sendo planejada. Um dos a avaliação se torne construção, valorizando aquilo
recursos de avaliar é construir indicadores porque que pretendemos que algo se torne.
muitas coisas só podem ser avaliadas de forma indi-
reta e só de forma qualitativa. A nota, em geral, é um 9 - Cotidiano na sala de aula
conceito equivalente a tudo aquilo que o aluno fez
ou não fez. A proposta é que seja um indicador que Observar o cotidiano é prestar atenção nele, re-
pode sugerir outras coisas. Avaliar por meio de infe- gistrar, discutir e selecionar situações-problema para
rência é sair da perspectiva classificatória e, por inter- serem compartilhadas com colegas. O cotidiano da
médio de indicadores, instaurar desafios e hipóteses. sala é tão importante quanto os conteúdos que se-
A nova função da avaliação é analisar o que está bom, rão tratados nele.
o que pode ser antecipado ou pré-corrigido.
O espaço: guardar, encontrar, devolver: Para
Selecionar era função antiga da avaliação. A se- considerar o espaço, a proposta é considerar o signi-
leção valoriza a pessoa que se ajusta a certos critéri- ficado dos verbos ligados às questões espaciais.
os. Na escola para todos a seleção não vale como Guardar: refere-se ao lugar onde colocamos algo,
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cabeça da criança. Portanto, a condição vazia do es- Saber conviver é incluir e incluir-se na relação
paço depende da condição de reversibilidade. Por isso com os outros. É importante promover discussões e
guardar, devolver, encontrar, selecionar, esquecer são compartilhar formas de pensamento. Espera-se que
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verbos que se compensam e complementam. o professor seja um líder, promova desenvolvimento
de esquemas e organize debates em termos de espa-
O tempo: agenda, estimar, antecipar, priorizar, ços, tempo e conteúdo.
lembrar-se.
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Se espaço é lugar dos objetos, o tempo é o lugar Interação entre as crianças
das ações. Toda a ação precisa de tempo para ser A intervenção do professor, nos grupos de alunos,
realizada. Na escola precisamos regular nossas ações, é também uma forma de ensinar, por isso é importante
em função do tempo. Se em relação ao espaço a o modo como reúne as crianças para uma atividade,
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questão é: onde está? Em relação ao tempo a ques- como promove desempates entre elas, como ensina a
tão é: quando? conversar, a discutir e até a competir. A discussão é
meio de interação. Mesmo que nem sempre seja possí-
Agenda: Ter tempo para aquilo que queremos e vel mudar algo com o qual discordamos, isso não im-
devemos fazer é parte do compromisso pedagógico. pede a discussão do assunto. Existe o plano da discus-
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Para agendar tarefas, precisamos estimar sua duração. são, o da decisão e o da gestão das modificações.
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Antecipar, no tempo, corresponde a devolver no A relação com tarefas
espaço. O tempo não se devolve, o espaço sim. Se Além do relacionamento com pessoas, existe um
não é possível devolver o tempo, é possível anteci- relacionamento com a tarefa. Na escola acontecem
pá-lo. Antecipar quer dizer que nossas ações serão crises nos relacionamentos em relação às tarefas. Se
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realizadas nome de um projeto. o aluno não vê sentido na tarefa proposta, acontece
a indisciplina e o desinteresse. O desafio é propor
Priorizar, no tempo, corresponde a selecionar no tarefas que façam sentido para alunos e professores.
espaço. Funcionamos numa sociedade governada O relacionamento com uma tarefa pode ser analisa-
pela pressão, tudo tem que ser alcançado. É impor- do em termos de quatro verbos: envolver-se, respon-
tante que o professor anuncie suas metas do dia para sabilizar-se, cooperar e cuidar.
os alunos. Isso tem efeito de autorizar o professor a Envolver-se é o mesmo que comprometer-se, o
fazer o que pretende e a ter a colaboração de seus que significa ser ativo como parte de um todo. Para
alunos para isso. que haja envolvimento é preciso interesse e o obje-
tivo deve valer a pena.
Lembrar-se, no tempo, corresponde a esquecer no Responsabilizar-se significa ter autonomia para
espaço. Para que as ações sejam lembradas é melhor dizer “quero, faço minha parte”, entretanto, sempre
que estejam encaixadas num projeto ou objetivo, as- com a colaboração de outras pessoas. Portanto, au-
sim algumas coisas podem ser antecipadas no tempo e tonomia e responsabilização cabem num sistema do
estimadas quanto à sua duração e importância. qual fazemos parte.
Cooperar quer dizer operar com, junto, ser parte
Os objetos e todo ao mesmo tempo.
É fundamental a questão dos objetos na sala de Cuidar sintetiza os verbos anteriores. Em relação
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Autonomia não significa fazer o que se quer, meio de observar as limitações que temos, em favor
quando e do jeito que se quer. Autonomia é constru- de algo que precisamos fazer. O desafio é delimitar
tiva, significa ser responsável por sua ação, é ser parte regras, objetivos, prazos e tarefas. A disciplina não é
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e todo ao mesmo tempo, permitindo que o outro seja “fim em si mesma,” é mediadora para realizar algo.
independente, sem abandoná-lo a si mesmo.
Cooperação, assim como autonomia, pressupõe Disciplina: uma visão construtivista
responsabilidade e compromisso. Cooperação é uma “ Ser e tornar-se é o grande desafio de nossa vida”
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qualidade de relacionamento em que as pessoas es- Como disciplinar-se para obter isso?
tão envolvidas em uma tarefa comum. Cada um com Há uma dialética entre ser e tornar-se “algo só é
sua colaboração, mas todos envolvidos. quando se tornou e ao se tornar passa a ser”. Cons-
trução, portanto é tornar-se. Segundo Piaget, para
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Exercício ou Problema algo “tornar-se” há necessidade de três elementos
Pode-se dizer que exercício é o repetir como criativos que são das seguintes ordens: sincrônica,
meio, por exemplo, caminhar para exercitar o cora- diacrônica e significativa.
ção. Problema é o que surpreende esse exercício O fator sincrônico é de estrutura; o fator diacrô-
(atravessar uma rua movimentada, evitar ataque de nico é de natureza funcional e o fator significativo é
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um cachorro, etc.). Problema então é o novo, o que o de natureza afetiva e de valores. Portanto, o que se
supõe invenção e astúcia. Cabe perguntar então se constrói precisa de sentido e razão para ser feito. A
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as questões escolares são formas de exercício ou de disciplina é uma relação e o trabalho em equipe
problema. O importante é que a questão provoque ensina a disciplina da cooperação, entretanto é a
um desejo, que o trabalho gere uma necessidade de autodisciplina, que nos permite autonomia.
encontrar uma solução. O desafio então precisa ser
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proporcional ao sujeito que o experimenta. Um pro- Disciplina na educação infantil/ A disciplina na
blema precisa envolver interpretação, planejamen- escola fundamental
to, atenção, malícia e reflexão. Disciplina, em uma perspectiva construtivista,
não quer dizer que qualquer um pode fazer o que
Considerações finais quer quando e como quiser. Isso significa permissi-
A complexidade do cotidiano é sintetizar todas vidade, caos e indisciplina. É preciso tornar uma cri-
as demandas nos atos que o constituem, sem disso- ança disciplinada naquilo que lhe importante, mas
ciar as questões intelectuais das questões sociais e para ser disciplinada ela, muitas vezes, tem que ab-
afetivas. A escola que se quer para todos faz do coti- dicar de algo que quer fazer, essa é a dificuldade.
diano algo que integra, porque uma das condições é Se é dos 7 aos 11 anos, que Piaget localiza as prin-
refletir sobre ele. cipais conquistas com relação aos afetos normativos,
vontade e sentimento morais e autônomos, essa aqui-
10 - Disciplina: um desafio ao processo sições, sob o ponto de vista cognitivo, se relacionam
educacional ao desenvolvimento de operações concretas. Dessa
forma, os esquemas de conduta relacionados às pes-
Ao refletir sobre disciplina, nós a reduzimos à soas, assim como os relacionados aos objetos, são si-
indisciplina e desobediência. A disciplina é reconhe- multaneamente afetivos e cognitivos. A vida afetiva,
cidamente importante, mas, às vezes, é como se ti- tanto quanto a intelectual, é uma adaptação contí-
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11 - Notas para um projeto curricular sibilidade, direção e compromisso.
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jeto curricular são: trabalhar em equipe, relativizar, O projeto é algo que ainda não é, mas pretende
adotar um espírito de pesquisa, sustentar uma dire- se tornar. A dialética entre “ser e tornar-se” expressa
ção e articular os meios e os fins. uma visão construtivista. Portanto são importantes
Trabalhar em equipe: para desenvolver um proje- os desafios da relativação, o trabalho em equipe e
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to curricular é preciso adotar, para uma escola, um um espírito de pesquisa que favoreçam a direção
conjunto de formulações gerais que deve ser fruto de buscada. E por fim, visto que atualmente precisamos
um trabalho em equipe. A construção coletiva possi- considerar a posição da tecnologia (e da educação
bilita instauração de valores que justifiquem a impor- necessária para seu uso), é preciso que novamente
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tância da instituição e das pessoas que nela trabalham. pensemos no problema de valores seja na dimensão
Saber relativizar: o currículo, na perspectiva de afetiva, seja naquela econômica.
projeto, considera diferentes perspectivas. O desafio
está em saber relativizar, levando em conta múltiplas Resumo realizado por Anna Rita Sartore, peda-
possibilidades de algo ser ou se tornar. Relativizar goga, bióloga. Mestre e doutora em educação pela
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implica em coordenar o meio e o fim pretendidos. Universidade de São Paulo.
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EDUCAÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA -
O QUE TROUXEMOS DO SÉCULO XX?
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MELLO, Guiomar Namo de.
Porto Alegre, Artmed, 2004