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Capítulo 24

Refazendo a história de vida: quando


as contingências passadas sinalizam
a forma de intervenção clínica atual.
Amo Viccntc i/cSoum

A partir de análises funcionais o terapeuta comportamenta! identifica as variáveis


determinantes dos comportamentos do seu cliente e estabelece estratégias de intervenção.
Desenvolver repertórios mais adaptativos, reduzir freqüência de comportamentos
disfuncionais, promover fontes variadas de reforçamento, desenvolver regras mais efetivas,
são exemplos de objetivos comumente estabelecidos na relação terapêutica. Saber o que
deve ocorrer a partir da análise de contingências tem sido bem explorado na literatura (e.g.
Sturmey, 1996; KohlenbergeTsai, 1991; Guilhardi, 2004). No entanto, saberoquedeve
acontecer não explicita como fazer para que isto ocorra e, nesse ponto, a literatura ó
mais escassa (Follette, Naugle e Linerooth, 2000). A dúvida se aplica tanto em como
produzir as mudanças quanto em como levar o cliente a produzi-las. Por exemplo, imagine
uma pessoa que se sente inferiorizada e tem grandes dificuldades nas relações sociais. A
ausência de contatos sociais deixa-a depressiva, com regras autodepreciativas, insegura,
etc. Desenvolver relações interpessoais satisfatórias seria, portanto, fundamental para
melhorar a sua qualidade de vida. Isto incluiria um aumento na freqüência de atitudes
sociais mais efetivas e uma diminuição nas formas ineficazes de interações. Saber que
isto deveria ocorrer não indica necessariamente como fazê-lo. Bastaria dizer para o cliente
que ele precisana aumentar suas relações interpessoais1? Tentaria, o terapeuta, desenvolvê-
las a partir da sua relação com o mesmo? Fariam ensaios comportamentais no consultório?
Tentaria mostrar ao cliente a inadequação de suas regras em relação a si e sobre a

*IIBAC: Instituto Braslliense de Análise do Comportamento UnICEUB/DF


1 Embora freqüente, este tipo de conselho nâo ó recomendado, pois pode-se estar pedindo para o cliente
fazer algo que realmente nâo saiba, mesmo por que. se soubesse, provavelmente já o teria feito.

lotío Viccntc ilc Sousa Marçal


aversividade dos contatos sociais? Usaria a dessensibilização sistemática? Estimularia a
pessoa a experimentar o contato social gradativamente?
Como agir é uma dúvida muito comum entre os clínicos iniciantes. Observa-se
também que os recursos para intervenção comumente usados por terapeutas mais
experientes, foram, em sua grande maioria, modelados ao longo do tempo a partir da
relação direta com os clientes.
Alguns modelos clínicos desenvolvidos a partir dos princípios da análise experimental
do comportamento, tendo como suporte o behaviorismo radical de Skinner e estando voltados
para os settings das terapias verbais, vieram a constituir o que poderia ser chamada de
Análise Comportamental Clínica2(Vandenberghe, 2001). Recentemente sistematizados (em
média há duas décadas), têm contribuído para solucionar esses problemas ao apresentarem
estratégias para a conduta terapêutica (e.g. Kohlenberg e Tsai, 1991; Hayes, Strosahl e
Wilson, 1999; Cristensen e Jacobson. 2000). Estas estratégias, como os próprios autores
afirmam, não são aplicadas a todos os casos clínicos, sendo comum os profissionais
utilizarem-nas como uma, dentre outras ferramentas de interpretação e intervenção.
Na análise comportamental clínica, o comportamento é explicado a partir de relações
funcionais históricas e determinado de acordo com um modelo de seleção por conseqüências.
Matos (1997), apresenta algumas características básicas do behaviorista radical:

"Por lidarmos com explicações funcionais e não causais, o importante ó coletar


informações ao longo do tempo, isto é, informações repetidas do mesmo evento
o com os mesmos personagens ...” (Matos, 1997, p. 41).
"... Ao coletarmos registros ao longo do tempo dovemos comparar o desempenho
do sujeito consigo mesmo, sua história passada é sua linha de base. A
interpretação do behaviorista radical ó sempre histórica." (Matos, 1997, p.41).
A determinação do comportamento, portanto, não é vista como sendo originada
dentro do organismo, mas na sua história de interação com o ambiente; a história de
contingências. Explicações baseadas apenas em relações contíguas, típicas de modelos
dualistas, criam a necessidade de um agente causal interno e terminam negligenciando a
experiência passada na explicação do comportamento atual (Chiesa, 1994).
Outras técnicas para mudanças comportamentais na clínica já haviam sido
desenvolvidas há mais tempo e têm sido apresentadas por diversos autores ao longo dos
anos (e.g. Wolpe, 1981; Rim e Masters, 1983; Bandura, 1979; Lazarus, 1980). Esses
procedimentos foram, e ainda são, muito utilizados por terapeutas comportamentalistas,
embora muitas dessas técnicas sejam embasadas em pressupostos teóricos incompatíveis
com o behaviorismo radical, como no caso de técnicas cognitivas (Hawton, Salkovskis, Kirk
e Clark, 1997) ou do contra-condicionamento respondente para fins de mudanças internas
no organismo (Wolpe, 1981). Outras técnicas são mais adequadas para ambientes não
clínicos, como no caso das manipulações de comportamentos-alvo em ambientes
específicos, da forma como são feitas, por exemplo, em algumas instituições para pessoas
com retardo mental, transtornos invasivos do desenvolvimento e outros (Vandenberghe, 2001).

Variação e seleção
Comportamentos mais adaptativos são assim considerados em função das
conseqüências que produzem em determinadas situações. Uma ação pode ser adaptativa
1 Vandenberghe utiliza o termo Análise Clinica do Comportamento para o mesmo termo referido nesle texto:
Clinicai Behavlor Analysis.

Sobre Comport«imcnlo c C ormíç J o


om uma dada circunstância e náo ser em outra, ou mesmo num determinado momento e
não em outro. A seleção natural e a seleção por conseqüências preparam o indivíduo para
viver em um ambiente semelhante ao que ele viveu anteriormente. Mudanças ambientais
freqüentemente requerem do organismo a apresentação de novos repertórios. Para haver
seleção deve haver variabilidade. Skinner (1938 e 1966) afirma que a variabilidade ó uma
resposta adaptativa à mudança em potencial do ambiente, sendo importante para a própria
sobrevivência das espécies. Os processos de variação e seleção, que resultam na
adaptação de um organismo ou espécie ao meio ambiental, caracterizam a filogênese e a
ontogênese do comportamento (Skinner, 1981). Por exemplo, quando reforçadores estão
ausentes ou pouco freqüentes, variar comportamentos aumenta as chances do indivíduo
mudar o ambiente e melhorar a situação (Page & Neuringer, 1985).
Um dos grandes desafios clínicos é a produção desta variabilidade, principalmente
aquela que leve à obtenção de reforços. Algumas condições podem impedir ou dificultar a
variabilidade comportamental, como por exemplo: forte controle por regras, caracterizando
insensibilidade às contingências (Abreu-Rodrigues & Sanábio-Heck, 2004); longa exposição
à mesma contingência de reforçamento, levando à estabilidade comportamental (Cirino,
2001); ambientes inapropriados para modelagem de novos comportamentos3; história de
punição por se comportar diferente; variáveis motivacionais inadequadas4e outros fatores.

Análise Histórica
Embora a análise das contingências atuais seja importante para compreender as
variáveis mantenedoras dos comportamentos, elas não explicam como estas contingências
passaram a exercer controle. Perkins, Hackbert e Dougher (2000) atentam para o fato de
que isto é sempre uma questão relevante para os clientes e a respostas podem ter benefícios
terapêuticos importantes. Por exemplo, ao analisar as condições de vida de um cliente
que fica calado em várias situações, pode-se identificar que essas atitudes são muito
funcionais no seu emprego e que também trazem benefícios na relação com a esposa e a
família, No entanto, a análise baseada apenas nas contingências atuais poderia ser
insuficiente para responder questionamentos do tipo: os comportamentos foram adquiridos
nestes ambientes ou já estão presentes há muito tempo em sua vida? Qual a probabilidade
de ocorrência destes em situações diferentes? Houve situações em que não ocorreram?
Quais contextos favoreceram a aquisição? Pessoas do seu trabalho que estiveram nas
mesmas condições ao longo dos anos desenvolveram estas características? Por que
alguns não passaram a apresentá-las? Qual a função histórica destes comportamentos?
Em alguns modelos comportamentais tradicionais, a ênfase das intervenções está na
análise das condições atuais em que o indivíduo se encontra, havendo pouca investigação nas
condições passadas, como no caso das terapias oognitivo-comportamentais (Hawton, Salkovskis,
Kirk e Clark, 1997) ou no uso de técnicas de autocontrole (Rimm & Masters, 1983, cap. 10).
Mas, se o objetivo é intervir nas contingências atuais, até que ponto o conhecimento
das variáveis históricas poderia favorecer uma proposta de mudança? O que fazer a partir do
autoconhecimento histórico? Para Skinner, (1953, 1993) saber de quais variáveis nossos
comportamentos são função, deixa-nos numa posição privilegiada. No entanto, isto não implicaria
necessariamente em se ter capacidade para mudar atitudes ou sentimentos próprios.

1Ambientes em que novas respostas tôm pouca probabilidade de reforçamento ou elevadas chances de punição.
4 Elevado custo de resposta para a mudança; baixo treino em auto controle; poucos reforçadores sinalizados;
enfim, operações estabelecedoras insuficientes.

João Vicente dc Sousa Marçal


A multideterminação do comportamento e os efeitos múltiplos que o mesmo tem no
ambiente permitem variadas interpretações clinicas (Perkins, Hackbert e Dougher, 2000).
Estratégias diferentes podem chegar a resultados semelhantes. Num raciocínio selecionista,
esta variabilidade ó importante para a sobrevivência do modelo clinico comportamental pois
aumenta as chances de seleçào em inúmeras situações aplicadas. Terapeutas com orientação
analítico-comportamental têm tido, cada vez mais, acesso a referências nesta área.
O que vai ser apresentado a seguir tem por objetivo enfatizar a ocorrência de
mudanças a partir da experiência em novos contextos, desenvolvendo naturalmente
comportamentos mais adaptativos em uma pessoa. Os contextos escolhidos são
sinalizados a partir do que a pessoa viveu, sendo, no entanto, diferentes dos que já ocorreram.
A idéia não é de simplesmente anular as experiências passadas, que também trouxeram
comportamentos importantes para as situações atuais, mas de acrescentar novas
experiências que modelem repertórios mais adaptativos, proporcionem novas operações
estabelecedoras e condicionem novos estímulos. O método enfatiza o papel da história
geral de vida como determinante do que se deveria fazer atualmente. Algumas etapas do
raciocínio clínico serão apresentadas para que se compreenda o processo como um todo.

R aciocínio c lín ic o
Um analista clínico do comportamento, ajuda o seu cliente a entender o por què
da sua maneira de ser. As interpretações devem se basear na história de reforçamento e
nas variáveis de controle atuais (Kohlenberg e Tsai, 1991). Alcançada esta etapa, o cliente
já está em um nivel de autoconhecimento diferenciado e muito menos alienado sobre os
determinantes dos seus comportamentos, além de raciocinar mais em termos
funcionalistas. Nesta etapa, é muito comum eíe apresentar as seguintes indagações:
"Faz muito sentido tudo isto ... como eu me comporto, a relação com minha história e a
vida que eu estou levando atualmente. ... mas, e agora? O que eu faço para mudar?".
Logicamente que esta é uma pergunta bem pertinente e deverá levar o terapeuta a
apresentar várias propostas, tal como apresentado no inicio deste texto.
O raciocínio aqui proposto será apresentado seguindo um exemplo clínico.
- Susi5é uma mulher que está tendo problemas de relacionamento no trabalho e
também em algumas relações mais próximas incluindo marido, filhos e amigos. Sente-se
esgotada emocionalmente e acha que isto não terá fim, pois não vê solução para seus
conflitos. Ao buscar ajuda módica foi diagnosticada como tendo o transtorno obsessivo-
compulsivo. O processo terapêutico iniciou-se com a identificação de várias características
comuns nessa pessoa:

Padrões comportamentais:
forte controle por regras do tipo "quando começo uma coisa tenho que ir até o final", ‘lenho
sempre que dar o melhor de mim", "as coisas têm sempre que ser muito bem feitas":
é inflexível em muitas situações da vida: pontos de vista, atitudes etc.
• é extremamente produtiva:
responsabiliza-se por tudo;
busca constantemente o autocontrole, incluindo pensamentos e sentimentos;

8Nome fictício.

Sobre Com portiim cnlo c CoiinivAo


assume mais tarefas do que deveria;
espera que os outros ajam da mesma forma;
gosta de tudo organizado;
muito exigente consigo e com os outros;
Perfeccionista, detalhista. Refaz tarefas no trabalho e em casa inúmeras vezes quando
acha que não está perfeito.
Etc.
Sua história revela os seguintes dados:
pai e mãe sempre foram exigentes e muito preocupados com organização;
Susi sempre foi reforçada negativamente por cumprir exigências;
sendo a mais velha, sempre assumiu responsabilidades na casa e também pelos
irmãos mais novos;
sempre foi valorizada por ser organizada, boa aluna, responsável, “correta".
teve muitos ganhos por ser bastante dedicada e disciplinada naquilo que fazia (elogios,
excelente desempenho na escola, no trabalho e naquilo que se propunha fazer);
regras dos pais: "o que começou tem que terminar", "cada um colhe o que planta",
“cada um tem o que merece".
Susi sempre foi valorizada em função dos seus comportamentos, numa espécie de
amor condicional.
Pais criaram forte expectativa sobre a filha. Da mesma forma os colegas, outros
familiares e, conseqüentemente, ela mesma.
Enorme dificuldade de estar em situações de ócio ou mesmo lazer.
Etc.

Contingências atuais
Vida profissional com muitas exigências, favorecendo a dedicação constante. Esta
dedicação leva a bons resultados, que por sua vez contribuem para o surgimento de
novas exigências.
Em casa e no trabalho assume muitas coisas e as pessoas já estão acostumadas
com isso. "Ninguém sabe fazer melhor". Isto torna as pessoas destes ambientes
mais acomodadas ou passivas, o que aumenta a sua exigência de trabalho.
Os contextos em que vive são sinalizadores constantes de ameaças relacionadas
ao não ser eficiente, ser improdutiva, não ter sucesso, não dar conta do recado,
decepcionar a si e a todos. Este controle aversivo reforça constantemente repertórios
de fuga e esquiva, como atitudes obsessivas e extremas.
Seus comportamentos são reforçados positivamente com êxitos e admirações, e
negativamente ao evitar as ameaças.

O quadro a seguir apresenta um raciocínio clínico mais completo a partir de alguns


dos dados coletados. Cada condição é apresentada resumidamente em forma de tópicos.

João Vicente de Sousd M«irç*il


HlatArlas CoedlçAes " r w lW Comporta­ Onda, Quando é funcional Quando nAo é
qu» favor*caram atual* mento* quando funcional
manttnsdoras ••pacifico* ocorre
•Puis exigentes -Multas Auto • NAo se -Trabalho Ótimos • Desgasta
-História dti responsabilida •xlganta permito - fcm casa desempenhos. relações.
SUCeSSOS des em casa e errar - Relações Reconhecimentos -
- Reforço no trabalho. • Refaz o sociais SensaçAo de dov» Constantemente
diferencial para -Expectativas trabalho cumptido tensa,
performance de ai e doe vrtrirtü vn/es. somatlzaçõe*.
outros. - etc. -NAo aproveita
momentos
bons.
- Sor cobrada au • Irahalho Exigente com • Queixas, - Irahalho - Ter controle sobre - Contra-
cuidar dos com muitas os outro« cobranças, - Em caaa os outros controle das
IrmAos. exigóncias mau humor, - Relações e sobre o mundo. pessoa».
• Cargoo d® cho- - Mundo msistôncujs. com amiQon. - Ser ras/jeilada - Sêr avilaôa,
fia no trabalho, idealizado. • l-amllia • Tornar os outro* ser a chata'.
pressAo por * Multo poder do origem. mais eficientes. - Sempre
rtjsulludos. nm casa e no - Mundo mala irritada o tensa.
- Regra Indo« trabalho. próximo do ideal. - Frustrações
devem «ar constantes.
responsáveis.
• Reforçamento - Ativtdadee fc |P » ria id a . • 'ou sai bem - relações - bom desempenho • cansaço.
diferencial por que exigem foito ou nAo familiares e profissionul. • terisAo
seguir regrae, muita aerve". profissionais. - noeUaçAo social. constante.
punlçAo por não disciplina • "todos - execução • êxitos -inflexibilidade.
segui-les. - Forte contato devem ser de tarefas. generalizados. • desgastes
- Pais com com tamdiH de iguan a com outros.
regrm rlgids» origem mim’
• Multou Axitoa por - etc.
SMQüir regras
- Alto desempenho • Vive em lW»áflidriismo - refaz * trubaHio - elovado Sente-se
no que fAzia. ambientes tarefas - família desempenho presa.
* Pais buscavam competitivo« • quer que - amigos naquilo que fai. Debganto nas
"filho ideeT. (profissto, tudo saia do - execução - sucesso relações
• Mtxíolo para o# oaturio) seu /mio. de tarefas m.Hôèmco. S«mpre
outros. - Ambientes * cobra doe profissional insatisfeita
- M uita expectativa que reforçam outros - admirada nn NAo consegue
sohre «la. o roauttado fomílifl. relaxar.
mais do que o PrisAo do
tempo de ventre.
oxecuçAo.
- Cargo cfo ÔonMfMiara - Lxige. vigia - trabalho - c^jotímo sobre os - Desgastes
Responsabilidades cheíti» e e - famllin outros. nas relações
por irmáoa e pela muitas tnnsequencia - amrçjou - domínio sobre o - Irritabilidade.
cata. responsablllda na que - exncuçAo que ocorre ò som • lensflo
- Poder »obre o« des. convivem de tarefas volta. - Assume nlém
outros. ' Poder sobre com ela • melhores do que pode.
. família e resultados na
Responsabilidades funcionArlix* |>rodutlvidade do
estudantis. tarefas.

• Acostumada òb - Vive as • Tom que - trabalho • leva a atitudes - fensAo.


colsaa Bnrern do mesmas executar o - tarefas de compulsivas que - Desgasto
sou jeito. condições que casa. removem o mnl emocional.
* 1er mu/lo con­ ritmle Infância {Aonofou - n» conu- miar (rolorçmi*i)-to -NAoíiprm»J-
trole sobre o que e adoloscAncia • Ab coisas truçAo de negativo) ta momentos
ocorria em aua (Am que sair objetivos • elevado desem­ de lazer, des-
vida. do jeito penho no que ftu. contraçAo,
como * se aproxima do "eu - Dificuldade
dese)a. ideali/ado’ desde a em concen­
• NAo Infância. trar-se.
desiste - as coisas saem do - Mal estar
enquanto seu Jeito.
nAo atinge o
objetivo.
- Tem que
terminar o
qu«
começou .— 1

263
Na concepção funcionalista, a utilidade de um comportamento varia de acordo
com o contexto. Uma ação pode produzir boas conseqüências numa situação e não em
outra; pode permitir acesso a certos reforçadores positivos e não a outros; pode envolver
reforçamento a curto prazo e punição a longo; pode produzir reforçamento e punição ao
mesmo tempo, dependendo da situação etc. A idéia de adequação vai depender de uma
ampla análise das conseqüências que o responder produz. No exemplo citado, os
comportamentos de Susi produzem simultaneamente reforçamento e punição. Os contatos
com as condições aversivas têm sido freqüentes e intensos (coluna mais à direita, sobre
não funcionalidade), o que leva a cliente a buscar ajuda e ter muita motivação para mudar.
Não ó por falta de vontade que Susi não muda'*.
As interpretações baseadas nas contingências, por si só, já produzem alivio,
favorecem a motivação para mudança e ajudariam Susi a raciocinar em termos de
contingências (Perkins, Hackbert e Dougher, 2000). No entanto, Susi tem fortes' hábitos,
que sempre foram funcionais para produzir reforçamento nos contextos em que viveu e vive.
É difícil abrir mão dos reforçadores que estas ações produzem e também muito aversivo
entrar em contato com situações incompletas, imperfeitas etc. Entender este processo não
implica, necessariamente, em mudanças nas contingências. Então, como mudar?
Se alguns ambientes vividos por Susi ao longo da sua vida, muitos das quais
ainda continuam presentes, foram os grandes responsáveis pelas contingências que
determinaram a forma como se comporta atualmente, faz-se necessário novos ambientes,
qualitativamente diferentes das que ela viveu. Algumas vivências (contingências) passadas,
podem ser esquematizadas da seguinte forma:
Conseqüências
Antecedentes Resposta Reforçamento Reforçamento
positivo negativo
Cobrança, pedido dos
Execução da tarefa Aceitação Náo era punida
_____ pais______
Notas altas, m elhor
Não frustrava
Exigências da escola: aluna, admiração,
Dedicação, disciplina expectativas dos
trabalhos, p ro v a s ,... controle sobre o
outros e de si
resultado
Expectativas dos pais, Forte dedicação e Adm iração o
Não frustrá-los
amigos, pa re n te s,... esforço reconhecimento
Responsabilidades Não era repreendida,
Exercer forte controle Êxito, valorização,
com Irmãos e tarefas não decepcionava os
sobre as coisas forte dom ínio
de casa pais ___
Verbal: "regras de boa
conduta Valorização, Não era punida,
Seguimento das regras
responsabilizando C bom desem penho criticada
pelas j» nseq üê ncia s"
Desafios constantes Ser detalhista, Cum pria a tarefa, não
Êxito, sucesso
persistente, obsessiva se punia

A história de vida de Susi fez com que ela desenvolvesse características que as
colocava em situações que, por sua vez, favoreciam a manutenção destas mesmas
características. Está formado um círculo vicioso, conforme o esquema a seguir:

* Explicação comum a partir de concepções internalistas que dizem que para mudar é preciso o cliente
querer.
1 Forte no sentido de elevada probabilidade de ocorrência destas respostas em determinadas situações.

lotlo Viccntc dc Souw Marydl


Experiências de vida n— N Características comportamentais

Levam-na m reforçam

\7
Contextos com muitas exigências,
responsabilidades, poder e domínio
sobre os outros, competitividade etc.

Da mesma forma, a formação de regras obsessivas a impedia de ter experiências


diferentes, impossibilitando a mudança destas regras. Comportamentos e estímulos (e.g.,
situações, contextos) foram especificamente condicionados neste processo. Portanto,
continuar na mesma condição de vida impede a modelagem de novos repertórios, de
novos condicionamentos de estímulos, de novos condicionamentos ou extinções
respondentes, novas operações estabelecedoras, novas modelações8e assim por diante.
A exposição a novos contextos, qualitativamente diferentes daqueles que Susi viveu e
vive, permitiria a ocorrência de novos condicionamentos. Isto possibilitaria novas seleções
naturais de comportamentos. Mas, afinal, quais contextos seriam estes? Os contextos deveriam
ser aqueles em que não há contingências específicas para o elevado desempenho; com
pouco controle aversivo relacionado a resultados; com poucas cobranças e responsabilidades;
com menor dependência e controle de Susi; que estabelecessem valores incompatíveis com
a perfeição; que fossem mais imprevisíveis e assim por diante. Estas situações têm estado
pouco presentes em sua vida e podem ser exemplificadas da seguinte maneira: situações de
lazer (e.g. viagens, passeios, diversões em geral), vivência em grupos não competitivos (e.g.
culturais, artísticos, sociais), atividades com menos hierarquia e mais cooperação social,
lugares em que seria valorizada independentemente de ser muito eficiente, conviver com pessoas
importantes para ela e que não apresentassem obsessões ou perfeccionismo, estar em
situações lúdicas em que o erro ou insucesso fossem decorrências naturais, dividir
responsabilidades no trabalho com alguém também muito competente etc.
Um problema relacionado a isto é que estas novas situações foram condicionadas
aversivamente, sendo automaticamente evitadas. O terapeuta deve alertar Susi de que o
processo ó gradual e que no início haverá muitas sensações desconfortáveis, que ela
ficará sem jeito e sem saber o que fazer, que parecerá estar indo no caminho errado e que
nunca conseguirá mudar. Porém, tudo isto será passageiro e os ganhos finais serão
extremamente compensadores. As conquistas não são construídas da noite para o dia.
Felizmente, também existirão conseqüências reforçadoras já nesta fase inicial.
A compreensão de todo o processo, permitirá a Susi ficar sob controle de novas
regras que então irão levar à exposição gradativa às novas situações. O raciocínio e as
estratégias elaboradas pela ACF (Hayes, Strosahl e Wilson, 1999), são ótimas ferramentas
neste sentido, pois irão lhe ajudar a identificar os círculos viciosos em que se encontra e
a aceitar os sentimentos e pensamentos como subprodutos inevitáveis das contingências.
8 A aprendizagem por modelo - Imitação - também ocorreu na relação com os pais, que eram extremamente
organizados e detalhistas (Catania, 1998, cap.13). Os pais ainda exercem esta influência atualmente.
* A ACT elabora estratégias variadas, como metáforas, para reduzir o controle por regras que Impedem as
pessoas de vlvenciarem os contextos adequados.

Sobre C o m p o rtim c n lo e C o jjn içJo


Isto é importante para remover as esquivas que as impede de experimentar novos contextos.
O sofrimento passa a ser entendido como uma condição natural humana e decorrência
inevitável das experiências, deixando de ser visto como causa dos comportamentos. Embora
seja desagradável, mas não é errado
É interessante notar que para não mais sentir-se mal nestas situações, faz-se
necessário passar por elas. É como se houvesse uma máxima: “para deixar de ter alguns
sofrimentos, ó necessário passar por eles". A melhor forma é a exposição gradual a estas
condições. Se alguém tem medo de entrar na água e verifica que isto seria muito importante
para a sua vida atual, entrar na água seria o melhor remédio. Só que náo ó bom começar
pulando de um transatlântico em alto mar, mas, numa piscina rasa e transparente, com
água pelo tornozelo, podendo sair a qualquer momento e numa situação inicialmente sem
riscos. A exposição constante à água terá vários efeitos: extinção das funções eliciadoras
aversivas do estímulo condicionado “dentro da água"; condicionamento de funções eliciadoras
reforçadoras positivas deste mesmo estímulo10(sensibilização ao “lado bom" do estar na
água); modelagem de repertórios estando dentro da água (e.g. maior mobilidade, capacidade
de boiar, de mergulhar, de deslocar-se e outros) em função de um contato crescente e
constante com a mesma; formação de novas regras a respeito de “estar na água". Estes
raciocínios são totalmente compatíveis com a premissa behaviorista radical de controle por
contingências. Salienta-se aqui a formação de crenças como também dependente das
mesmas, uma distinção necessária entre os modelos cognitivo e comportamental.
Resumindo, Susi precisa se expor a situações que não exijam ou reforcem controle,
obsessões, dedicação extrema, ou que reforcem atitudes incompatíveis. Isto deve ocorrer
gradativamente e não deve implicar em perda de reforçadores importantes na sua vida ou
na produção de algo aversivo.

A lgum as situações com uns


Serão analisados agora, alguns processos freqüentes no ambiente clínico. Não
se referem a estudos de caso e nem a uma análise completa da vida de uma pessoa,
apenas ilustram o raciocínio clínico proposto para uma modelagem natural informada pelas
pistas da história de vida.

S u perprote ção
Alguns pais ou responsáveis educam seus filhos com muito esmero e dedicação.
Isto pode trazer muitos benefícios relacionados á auto-estima e motivação para a vida.
Algumas vezes esta dedicação é excessiva: dentro daquela máxima popular de educação
"em que sempre se leva o peixe na boca" e não se ensina "a pescar", os filhos se acostumam
a receber muitas coisas sem o mínimo de esforço, tendo os pais constantemente resolvendo
os seus (dos filhos) problemas, decidindo por eles o que fazer e tomando a iniciativa em
seus lugares. Crescem acostumados a conseguir o que querem através de pedidos,
solicitações e reclamações. Vivenciar muito estes contextos tende a desenvolver
características como: comodismo; dependência; dificuldade em decidir e resolver problemas;
facilidade em desistir diante de empecilhos; tendência a culpar os outros quando algo está
errado; postura passiva diante da vida; dificuldade em assumir responsabilidades; esquiva-
se de problemas a partir de queixas de sofrimento, simulando ou acentuando doenças etc.

,u Este processo também pode ser entendido como contracondicionamento respondente (Baldwln & Baldwin,
1986).

Jofio Vicente de Sousa


Experiências desta natureza podem favorecer um quadro depressivo quando adulto:
certos reforçadores importantes na vida de uma pessoa só são adquiridos através de
muito empenho. Muitas vezes o esforço necessário é de grande magnitude e duração,
uma exigência que não ocorreu na vida da pessoa e que lhe é muito aversiva. Os repertórios
normalmente utilizados na ausência de reforçamento são os de sempre: queixas,
lamentações e adoecimento. No entanto, estes normalmente não são efetivos para produzir
sucesso na vida (e conseqüente autoconfiança), relações sociais próximas e satisfatórias
e outras coisas. Ainda por cima contribuem para afastar ou irritar pessoas em convívios
mais íntimos e duradouros. Isto ajuda no desenvolvimento do quadro depressivo.
Está formado um círculo vicioso: as experiências de vida contribuíram para a
pessoa desenvolver características de dependência, que por sua vez favorecem interações
sociais (cuidado, proteção, ajuda) que continuam a manter este estado e assim por diante.
A pessoa não vê possibilidade de mudanças e a vida fica ruim, devido a frustrações as
quais ela não está acostumada lhe dar e que ninguém consegue resolver por ela.
Sinalizar para um cliente que o seu adoecimento serve para chamar atenção, pode
quebrar o vínculo terapêutico e gerar ações de esquiva. Além do que, este repertório foi
selecionado pelas contingências de sua vida. É importante que entenda as suas características
e que as mesmas são inevitáveis por tudo que viveu o vive. No entanto, sua funcionalidade é
limitada a apenas certas condições de reforçamento. Estes padrões comportamentais também
têm produzido muitas conseqüências aversivas e pouca liberdade de escolha, comum em
situações de dependência. Entretanto, ter conhecimento declarativo disto não implica em
conhecimento operacional11. Como mudar então? O que deveria ser mudado?
Muitas vezes todos se esquecem que ninguém aprendeu a andar de uma hora para
outra. Foram necessárias inúmeras e gradativas experiências em ambientes que pudessem
modelar esta habilidade. Portanto, são necessárias novas experiências para aprender novos
repertórios. Quem foi muito superprotegido, necessita vivenciar situações em que os
reforçadores dependam de suas ações e atitudes e é importante que isto ocorra por
aproximações sucessivas, para não haver uma natural desistência. As exigências devem
ser aumentadas aos poucos, numa espécie de modelagem natural, desenvolvendo
persistência e resistência à frustração (elementos fundamentais no autocontrole), capacidade
de iniciativa, habilidade para tomar decisões, habilidades em resolver problemas, postura
ativa diante da vida etc. Tudo isto favorecerá a obtenção mais efetiva de reforçadores positivos.
De uma certa maneira, parte destas condições já estão ocorrendo na vida da
pessoa, só que de forma abrupta e desordenada, gerando desespero e desejos de mudança
imediata. A dificuldade está em não ter acesso a certas coisas com a facilidade e
tranqüilidade do passado. Desconhecer todo este processo facilita concepções mentalistas
e as mantém reféns deste círculo vicioso.
São exemplos de situações que podem favorecer o desenvolvimento da autonomia:
morar só, viajar só, ir a lugares sozinho, tentar resolver coisas antes de pedir ajuda, ter o
máximo de coisas que dependam de si no plano financeiro, ter amizades e conviver em
ambientes em que as pessoas sejam mais independentes, experimentar situações em que
haja frustrações naturais e sem conseqüências muito desagradáveis, não ter alguém sempre
próximo para ajudá-lo ou dizer o que fazer e outras situações semelhantes. A lista é infinita,

" Saber declarativo ô o saber sobre, e o conhecimento operacional é o saber como. (Ryle, 1984; Baum,
1999).

Sobre Comportamento e Co^niçAo 267


devendo ser adequada aos níveis de desenvolvimento e motivação do cada um. A exposição
deve ser em grau crescente de dificuldade. A motivação para viver novas condições vai depender
do tanto que as experiências atuais estiverem sendo aversivas e do tanto que a pessoa entender
que isto é a principal (se não a única) chance para mudar esta condição. Se isto não ocorrer,
a probabilidade de mudança será baixa e as mudanças apenas temporárias.
Uma outra forma de superproteção, refere-se aquela em que há um cuidado e
preocupação excessivos para com o bem estar do filho(a). Isto pode ocorrer quando se
vive em lugares perigosos (comum em grandes centros urbanos); quando o filho tem ou
teve alguma condição que exija muito cuidado (doença ou limitação orgânica); em pais
que vivenciaram eventos traumáticos incontroláveis (perda de alguém querido); quando os
pais sentem-se sempre e totalmente responsáveis por tudo o que acontece com os filhos;
quando os pais têm nos filhos a única ou grande razão de viver; com pais com regras do
tipo: “bom pai não deixa nada de mal acontecer ao filho” etc. A falta de exposição a
condições de enfrentamento individuais, favorece com que os filhos sintam-se inseguros
quando não estão com suporte de alguém. Motiva sempre a busca por pessoas que lhes
protejam, o que termina ajudando a manter o quadro de dependência. Os filhos tornam-se
mais sensíveis a eventos traumáticos e mais facilmente desenvolvem os chamados
transtornos ansiosos, incluindo o transtorno do pânico. Ao apresentarem este quadro,
quando adultos, facilmente receberão análises mentalistas se referindo a este estado
como o de uma doença. Tentarão, por fim, controlar a ansiedade a todo custo, mas suas
percepções são limitadas às condições atuais. No entanto, o processo é mais histórico
do que se imagina. A ansiedade resultante é coerente com a história de condicionamento
e também é inevitável. Aceitá-la como uma decorrência natural desta longa história é
necessária e expor-se é preciso. Para que haja mudanças, é fundamental vivenciar
gradativamente contextos gerais em que as coisas dependam mais dela, sem ninguém
para protegê-la. Isto irá torná-la mais autoconfiante e segura de si e o mundo ficará menos
ameaçador. Exposições adequadas promoverão conquistas constantes e gradativas.

Poucos lim ites


Quem foi acostumado a ser “majestade" a maior parte do tempo, inevitavelmente
adquire certos padrões comportamentais. Por exemplo, imagine alguém que viveu muito
tempo em ambientes onde as coisas eram de acordo com as suas vontades, suas exigências
eram quase sempre satisfeitas, suas revoltas e agressividades não eram reprimidas e foi
pouco acostumado a dividir o que era seu. Isto pode ter acontecido em casa ou até em
anos de convivência no trabalho ou outro contexto social. É uma condição típica de muito
poder. Como resultado, a pessoa desenvolveu determinadas características: agressividade
e insistência quando frustrada, impaciência, arrogância, interesse basicamente em si,
possessividade (muitas vezes em forma de ciúme), impulsividade, facilidade em desistir
quando algo não sai do jeito que quer, obsessividade, extremismo, forte desejo de vingança
quando contrariada ou ao receber oposição etc. Observe que estas características são
funcionais em várias situações para a obtenção de muitos reforços, principalmente a curto
prazo. No entanto, haverá muito sofrimento toda vez que estiver em contextos onde as
coisas não forem arranjadas conforme a sua vontade. Isto favorecerá atritos e atitudes
impulsivas. Pessoas assim querem “destruir o mundo” diante de grandes frustrações.
Muitas vezes se arrependem das suas atitudes, porém, ao perceberem que são repetitivas
e estão levando a conseqüências desagradáveis, vão buscar ajuda terapêutica. Como a
forma de agir existe há muito tempo e tem alta probabilidade de ocorrência, surgirão

loilo Viccntc de Sousa Marçal


interpretações causais internalistas levando ao conceito de índole, caráter, personalidade,
torças inconscientes etc. No entanto, suas atitudes foram naturalmente modeladas ao
longo de toda a sua história de vida.
O autocontrole só será possível quando a exposição a contingências aversivas for
efetiva, o que nem sempre é o caso, mesmo porque muitas vezes a pessoa desenvolveu
uma grande habilidade manipulativa, às vezes maquiavélica, para conseguir que as coisas
saiam do jeito que deseja. Se isto não ocorrer, afasta-se dessas situações.
Identificar todas estas características, como foram adquiridas e como estão sendo
mantidas, automaticamente estabelece um processo constante de auto-observação e autocontrole.
Passa a haver também uma redução na raiva diante de frustrações comuns. No entanto, isto não
será suficiente para uma mudança efetiva, mesmo porque não se pode desprezar a habilidade
que estas pessoas têm em fazer com que as coisas saiam exatamente do seu jeito. A motivação
para a mudança só vai existir se houver contato com conseqüências aversivas.
Torna-se necessário então vivenciar, crescentemente, situações em que
experimente frustrações naturais e ausência de poder. Cabe ao terapeuta, junto com o
cliente, identificar condições em que isso possa ocorrer. Por exemplo: ir morar com amigos,
vivenciar atividades em grupo sem ter poder sobre as pessoas, viajar em grupo, estar em
lugares em que seja comandado (e.g. atleta de uma equipe, situações profissionais, etc),
atividades competitivas ou lúdicas que não envolvam conseqüências importantes e onde o
perder é inevitável e assim por diante. A idéia não é buscar o sofrimento em si, mas
aprender como lidar com essas situações. O cliente tem consciência da importância
disso para a sua vida e também das dificuldades que terá até atingir niveis mais adaptativos.

Baixa auto-estim a
Imagine uma pessoa que tenha vivenciado muitas situações de rejeição e desprezo
desde a sua infância. Considere que isto aconteceu principalmente no seio familiar.
Provavelmente esta pessoa desenvolveu uma forte sensação de menos valia, a conhecida
baixa auto-estima. Em alguns casos o reforço social só ocorreu ao se comportar tal como
os outros gostariam ou por fazer coisas para agradá-los. Nisto resultou, entre outras
características, a prestatividade constante, a inassertividade em relações mais próximas
e a insegurança afetiva. O reforço social provavelmente será seu reforçador mais poderoso,
sendo preponderante em situações de conflito, como quando tem de escolher entre o que
agrada aos outros ou a si. O problema é que suas características, com uma longa história
de reforçamento, ocorrem automaticamente nas relações interpessoais. Muitas vezes
não consegue estar junto às pessoas sem estar sendo prestativa, acolhedora e dedicada.
Não se comportar assim é muito aversivo e leva-a a esquivar-se justamente da situação
que poderia mudar todo o quadro: vivenciar relações em que recebe afeto, atenção e
apreço, sem ter que fazer muito para obtê-los. Esta situação teria sido mais fácil de
ocorrer no contexto familiar original.
Em relações amorosas, sua dedicação excessiva muitas vezes produz desgastes
na relação e afeta a sensibilidade do(a) parceiro(a) que termina rejeitando-a e acabando
com a relação. Isto contribui ainda mais para a baixa auto-estima. Fazer constantemente
pelo outro, mesmo nas relações não amorosas, favorece o comodismo do(a) mesmo(a),
dificultando atitudes de dedicação, que por sua vez, manterá o quadro de baixa auto-
valorização. Por isso algumas pessoas passam a vida inteira nestas condições, mesmo
sendo valorizadas em alguns contextos pelo que fazem.

Sobic C om ptuldm cnlo c CotfhiÇtlo 269


Um exemplo interessante está na união de alguóm que foi pouco valorizado na
vida com alguém que recebeu muitos mimos, ‘paparicos’ e privilégios. De um lado, alguóm
voltado para servir, do outro há uma pessoa egocêntrica e preocupada quase exclusivamente
em se satisfazer. Esta é uma união que se complementa, as características de cada um
ajudam a manter as do outro. No entanto, um quadro de infelicidade e ínadaptabilidade
pode se manter a partir disto.
Embora estes comportamentos sejam funcionais, eles não produzem situações
interpessoais confortantes, há muito reforçamento negativo envolvido, há um constante
sentimento de angústia e tristeza.
Uma nova vivência pouco condicional pode ser bem desenvolvida no consultório,
como bem salienta a FAP1í (Kohlenberg e Tsai, 1991), no entanto, é necessário que isto
ocorra em diversos contextos de sua vida.
Concluindo, é fundamental viver o que não foi vivido. Ser aceita e valorizada sem
fazer muito pelos outros. Faz-se isto sabendo dos comportamentos emocionais e
inabilidades decorrentes da não experiência com este tipo de situação. Como isto ocorreria?
Isto é um problema a ser solucionado em conjunto. Pode significar estar próximo de
pessoas não muito exigentes ou de grupos que valorizem alguém apenas por estarem
juntos e assim por diante. Nas relações amorosas é importante estar com alguém que
também esteja privado daquilo que lhes possa oferecer, pois isto evita aquela condição
desagradável de ter sempre que se esforçar ao máximo para ser aceito13.

Inabilidades sociais
Muitas pessoas podem ter dificuldades nas relações sociais (Del Prette e Del Prette,
2002). Estas dificuldades impedem o acesso aos inúmeros reforçadores provenientes do contato
com outras pessoas e geram sofrimentos. Del Prette afirma que o processo de socialização
decorre de diferentes sistemas de interação: família, companheiros, escola, outros grupos. Os
comportamentos que possibilitam interações satisfatórias estão diretamente relacionados à
história de vida. Este é um dado importante, pessoas com dificuldades de expressão social
normalmente viveram em ambientes não estimulantes verbalmente, repressores. inadequados
como modelo ou com reforçamentos de comportamentos inadequados para outros ambientes
que não o familiar (e.g. conseguir as coisas gritando).
A identificação dessas deficiências ou excessos comportamentais não deve ocorrer
sem um acompanhamento histórico e contextuai em que os mesmos foram adquiridos. Da
mesma forma, questionam-se mudanças a partir de conselhos sobre o que fazer em
determinada situação ou por apresentações de modelos ao cliente, é necessária uma prática
adequada, com contingências favoráveis. O ensaio comportamental, uma técnica tradicional
na terapia comportamental (Rimm & Masters, 1983) produz bons resultados, mas corre o
risco de ser desenvolvido em um contexto muito diferente de onde há necessidade que
ocorra, além de poder incluir alguns reforçamentos arbitrários por parte do terapeuta,
dificultando o processo de generalização. A FAP (Kohlenberg e Tsai, 1991) apresenta um

12Embora produza ótimos resultados para o desenvolvimento da auto-estima, devido a uma relação autêntica
de aceitação do cliente independentemente dos seus comportamentos, a relação terapêutica não deixa de
ser uma Interação condicional, por ser profissional. Ou seja, é paga e ocorre apenas no tempo da sessão.
,J Costumo dlzor aos meus clientes que precisamos de pessoas que também precisem da gente. Relaçfies
em que tenho que me esforçar multo para ser “amado", afetam negativamente a auto-estlma e normalmente
geram insatisfação.

João Vicente ilc Sousa M.irçal


raciocínio que evita este problema ao analisar uma condição genuína de relacionamento
social entre cliente e terapeuta. No entanto, o contato com o terapeuta pode ser mínimo
quando comparado às vivências atuais e anteriores em que o cliente tem estado exposto.
Buscar contextos ambientais adequados a um bom desenvolvimento do repertório social
pode favorecer uma aquisição mais rápida e ainda mais natural para o cliente. A questão
básica é saber em quais contextos isto pode acontecer de forma mais eficaz? Falar para, ou
treinar uma mulher, sem história de enfrentamento, a começar a enfrentar o marido que é
agressivo e do qual ela depende e tem muito medo ó algo muito arriscado. Pode aumentar
a sua inibição. O reforçamento é necessário para a aquisição de um repertório e para a
motivação da pessoa no ambiente em que emita o comportamento. Buscar interagir em
lugares com maior probabilidade de reforço favorecerá o desenvolvimento do repertório que,
por sua vez, poderá futuramente se estender a outras situações de controle.

O utros processos:
Os exemplos citados estão longe de esgotar as inúmeras possibilidades de análise
que podem ser feitas em cada caso clínico. São restritos a algumas condições e tem valor
ilustrativo da importância que as inserções em certos ambientes podem ter como recursos
terapêuticos. Por exemplo, um ciumento e possessivo poderia experimentar mais situações
em que a partilha fosse inevitável e de preferência reforçada; alguém inseguro exploraria
situações com boa possibilidade de êxito, aumentando as dificuldades gradativamente;
uma pessoa desmotivada poderia inserir-se em contextos que funcionem como operações
estabelecedoras para diversos aspectos e assim por diante. Outras interpretações poderiam
ser feitas seguindo esta linha de análise.

Conclusão
A abordagem aqui empregada se assemelha ao raciocínio skinneriano aplicado
ao planejamento cultural. Se as contingências modelam as práticas culturais, que por sua
vez atuam diretamente na formação do indivíduo, por que não interferir e planejá-las, ao
invés de deixá-las ao acaso. Isto torna o ser humano mais próximo do que se chama
liberdade e autonomia, dando ao mesmo mais poder de interferir no seu futuro.
"Se queremos que a espécie sobreviva, é o mundo fizemos que temos que
mudar" (Skinner, 1987/1989, p.70, em Micholotto, 1997).
Este raciocínio se aplica perfeitamente ao plano individual: se quisermos que nossa
vida mude, é o mundo em que vivemos que devemos mudar. Assim, como foi necessário
conhecer a história da espécie para compreender a sua formação biológica, e conhecer a
história da humanidade ou das práticas culturais para compreender por que as sociedades
são assim constituídas, então precisamos conhecer nossa história de vida (i.e. história de
contingências) para sabermos por que somos do jeito quo somos. No entanto, esta análise
vai além. Este conhecimento dá poderes ao homem de interferir na sua cultura e,
especificamente, em sua vida particular, por meio de um planejamento adequado das
contingências de vida em que está inserido. Uma passagem de Skinner (1967, em 0'Donahue
e Ferguson, 2001) ilustra a visão pragmática que a análise funcional permite14:

14 TraduçAo do autor do presente texto.

Sobre Comportrtmenlo c CopnlÇiío 271


“Eu tenho, acredito, feito bom uso de minhas análises do comportamento em
conduzir minha própria vida, particularmente meu próprio comportamento verbal.
Podem os psicanalistas e os psicólogos cognitivistas e humanistas dizerem o
mesmo? Alguma vez Freud noticiou o uso de sua teoria para influenciar o seu
próprio pensamento? Sào psicólogos cognitivistas particularmente informados
sobre conhecimento? Sâo os psicólogos humanistas mais efetivos em ajudar
outras pessoas devido às suas teorias?19 (Skinner, 1967’8, em 0 ’Donahue e
Ferguson, 2001, p. 190)
O modelo de inserção em contextos é semelhante a refazer a história de vida de
uma forma mais produtiva e planejada. Logicamente isto deve ocorrer em alguns aspectos,
pois a história anterior também permitiu a seleção de comportamentos que ainda são
efetivos atualmente. O objetivo è acrescentar vivências em contextos que nào ocorreram
na vida da pessoa, a partir dos quais repertórios e estímulos serão naturalmente
condicionados. A experiência clínica do autor tem revelado um grande êxito neste raciocínio.
Entretanto, pesquisas deverão ser empregadas para avaliar a pertinência desta análise e
para melhor entender as variáveis de controle relacionadas às mudanças.
Diversos modelos clínicos têm contribuído neste sentido: a ACT favorece a quebra
no controle por regras que impedem a exposiçáo adequada às contingências necessárias
á mudança; a FAP utiliza bem os recursos da relação terapêutica para que este processo
ocorra imediatamente na sessão e se estenda para a vida fora do consultório; a Terapia
por Contingências salienta a importância de que o ambiente fora do consultório deva ser
enfatizado; e assim por diante.

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m I have, I think, made good of my analysis of behavior In managing my own life, particularly my
own verbal behavior. Can psychoanalysts and the cognitive and humanistic psychologists say
as much? Did Freud ever report the use of his theory to influence his own thinking? Are
cognitive psychologists particularly knowledgeable about knowledge? Are humanistic
psychologists more effective in helping other people because of their theories?
1fl Skinner, 1967", em Boring & Lindzey - orgs. - A history of psychology in atobiogmphy vol. 5, p. 75.

lodo Viccntc tic Sous<i M.irç.il


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Sobre C o m portam ento c Cvtfnitfo

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