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Variação e seleção
Comportamentos mais adaptativos são assim considerados em função das
conseqüências que produzem em determinadas situações. Uma ação pode ser adaptativa
1 Vandenberghe utiliza o termo Análise Clinica do Comportamento para o mesmo termo referido nesle texto:
Clinicai Behavlor Analysis.
Análise Histórica
Embora a análise das contingências atuais seja importante para compreender as
variáveis mantenedoras dos comportamentos, elas não explicam como estas contingências
passaram a exercer controle. Perkins, Hackbert e Dougher (2000) atentam para o fato de
que isto é sempre uma questão relevante para os clientes e a respostas podem ter benefícios
terapêuticos importantes. Por exemplo, ao analisar as condições de vida de um cliente
que fica calado em várias situações, pode-se identificar que essas atitudes são muito
funcionais no seu emprego e que também trazem benefícios na relação com a esposa e a
família, No entanto, a análise baseada apenas nas contingências atuais poderia ser
insuficiente para responder questionamentos do tipo: os comportamentos foram adquiridos
nestes ambientes ou já estão presentes há muito tempo em sua vida? Qual a probabilidade
de ocorrência destes em situações diferentes? Houve situações em que não ocorreram?
Quais contextos favoreceram a aquisição? Pessoas do seu trabalho que estiveram nas
mesmas condições ao longo dos anos desenvolveram estas características? Por que
alguns não passaram a apresentá-las? Qual a função histórica destes comportamentos?
Em alguns modelos comportamentais tradicionais, a ênfase das intervenções está na
análise das condições atuais em que o indivíduo se encontra, havendo pouca investigação nas
condições passadas, como no caso das terapias oognitivo-comportamentais (Hawton, Salkovskis,
Kirk e Clark, 1997) ou no uso de técnicas de autocontrole (Rimm & Masters, 1983, cap. 10).
Mas, se o objetivo é intervir nas contingências atuais, até que ponto o conhecimento
das variáveis históricas poderia favorecer uma proposta de mudança? O que fazer a partir do
autoconhecimento histórico? Para Skinner, (1953, 1993) saber de quais variáveis nossos
comportamentos são função, deixa-nos numa posição privilegiada. No entanto, isto não implicaria
necessariamente em se ter capacidade para mudar atitudes ou sentimentos próprios.
1Ambientes em que novas respostas tôm pouca probabilidade de reforçamento ou elevadas chances de punição.
4 Elevado custo de resposta para a mudança; baixo treino em auto controle; poucos reforçadores sinalizados;
enfim, operações estabelecedoras insuficientes.
R aciocínio c lín ic o
Um analista clínico do comportamento, ajuda o seu cliente a entender o por què
da sua maneira de ser. As interpretações devem se basear na história de reforçamento e
nas variáveis de controle atuais (Kohlenberg e Tsai, 1991). Alcançada esta etapa, o cliente
já está em um nivel de autoconhecimento diferenciado e muito menos alienado sobre os
determinantes dos seus comportamentos, além de raciocinar mais em termos
funcionalistas. Nesta etapa, é muito comum eíe apresentar as seguintes indagações:
"Faz muito sentido tudo isto ... como eu me comporto, a relação com minha história e a
vida que eu estou levando atualmente. ... mas, e agora? O que eu faço para mudar?".
Logicamente que esta é uma pergunta bem pertinente e deverá levar o terapeuta a
apresentar várias propostas, tal como apresentado no inicio deste texto.
O raciocínio aqui proposto será apresentado seguindo um exemplo clínico.
- Susi5é uma mulher que está tendo problemas de relacionamento no trabalho e
também em algumas relações mais próximas incluindo marido, filhos e amigos. Sente-se
esgotada emocionalmente e acha que isto não terá fim, pois não vê solução para seus
conflitos. Ao buscar ajuda módica foi diagnosticada como tendo o transtorno obsessivo-
compulsivo. O processo terapêutico iniciou-se com a identificação de várias características
comuns nessa pessoa:
Padrões comportamentais:
forte controle por regras do tipo "quando começo uma coisa tenho que ir até o final", ‘lenho
sempre que dar o melhor de mim", "as coisas têm sempre que ser muito bem feitas":
é inflexível em muitas situações da vida: pontos de vista, atitudes etc.
• é extremamente produtiva:
responsabiliza-se por tudo;
busca constantemente o autocontrole, incluindo pensamentos e sentimentos;
8Nome fictício.
Contingências atuais
Vida profissional com muitas exigências, favorecendo a dedicação constante. Esta
dedicação leva a bons resultados, que por sua vez contribuem para o surgimento de
novas exigências.
Em casa e no trabalho assume muitas coisas e as pessoas já estão acostumadas
com isso. "Ninguém sabe fazer melhor". Isto torna as pessoas destes ambientes
mais acomodadas ou passivas, o que aumenta a sua exigência de trabalho.
Os contextos em que vive são sinalizadores constantes de ameaças relacionadas
ao não ser eficiente, ser improdutiva, não ter sucesso, não dar conta do recado,
decepcionar a si e a todos. Este controle aversivo reforça constantemente repertórios
de fuga e esquiva, como atitudes obsessivas e extremas.
Seus comportamentos são reforçados positivamente com êxitos e admirações, e
negativamente ao evitar as ameaças.
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Na concepção funcionalista, a utilidade de um comportamento varia de acordo
com o contexto. Uma ação pode produzir boas conseqüências numa situação e não em
outra; pode permitir acesso a certos reforçadores positivos e não a outros; pode envolver
reforçamento a curto prazo e punição a longo; pode produzir reforçamento e punição ao
mesmo tempo, dependendo da situação etc. A idéia de adequação vai depender de uma
ampla análise das conseqüências que o responder produz. No exemplo citado, os
comportamentos de Susi produzem simultaneamente reforçamento e punição. Os contatos
com as condições aversivas têm sido freqüentes e intensos (coluna mais à direita, sobre
não funcionalidade), o que leva a cliente a buscar ajuda e ter muita motivação para mudar.
Não ó por falta de vontade que Susi não muda'*.
As interpretações baseadas nas contingências, por si só, já produzem alivio,
favorecem a motivação para mudança e ajudariam Susi a raciocinar em termos de
contingências (Perkins, Hackbert e Dougher, 2000). No entanto, Susi tem fortes' hábitos,
que sempre foram funcionais para produzir reforçamento nos contextos em que viveu e vive.
É difícil abrir mão dos reforçadores que estas ações produzem e também muito aversivo
entrar em contato com situações incompletas, imperfeitas etc. Entender este processo não
implica, necessariamente, em mudanças nas contingências. Então, como mudar?
Se alguns ambientes vividos por Susi ao longo da sua vida, muitos das quais
ainda continuam presentes, foram os grandes responsáveis pelas contingências que
determinaram a forma como se comporta atualmente, faz-se necessário novos ambientes,
qualitativamente diferentes das que ela viveu. Algumas vivências (contingências) passadas,
podem ser esquematizadas da seguinte forma:
Conseqüências
Antecedentes Resposta Reforçamento Reforçamento
positivo negativo
Cobrança, pedido dos
Execução da tarefa Aceitação Náo era punida
_____ pais______
Notas altas, m elhor
Não frustrava
Exigências da escola: aluna, admiração,
Dedicação, disciplina expectativas dos
trabalhos, p ro v a s ,... controle sobre o
outros e de si
resultado
Expectativas dos pais, Forte dedicação e Adm iração o
Não frustrá-los
amigos, pa re n te s,... esforço reconhecimento
Responsabilidades Não era repreendida,
Exercer forte controle Êxito, valorização,
com Irmãos e tarefas não decepcionava os
sobre as coisas forte dom ínio
de casa pais ___
Verbal: "regras de boa
conduta Valorização, Não era punida,
Seguimento das regras
responsabilizando C bom desem penho criticada
pelas j» nseq üê ncia s"
Desafios constantes Ser detalhista, Cum pria a tarefa, não
Êxito, sucesso
persistente, obsessiva se punia
A história de vida de Susi fez com que ela desenvolvesse características que as
colocava em situações que, por sua vez, favoreciam a manutenção destas mesmas
características. Está formado um círculo vicioso, conforme o esquema a seguir:
* Explicação comum a partir de concepções internalistas que dizem que para mudar é preciso o cliente
querer.
1 Forte no sentido de elevada probabilidade de ocorrência destas respostas em determinadas situações.
Levam-na m reforçam
\7
Contextos com muitas exigências,
responsabilidades, poder e domínio
sobre os outros, competitividade etc.
S u perprote ção
Alguns pais ou responsáveis educam seus filhos com muito esmero e dedicação.
Isto pode trazer muitos benefícios relacionados á auto-estima e motivação para a vida.
Algumas vezes esta dedicação é excessiva: dentro daquela máxima popular de educação
"em que sempre se leva o peixe na boca" e não se ensina "a pescar", os filhos se acostumam
a receber muitas coisas sem o mínimo de esforço, tendo os pais constantemente resolvendo
os seus (dos filhos) problemas, decidindo por eles o que fazer e tomando a iniciativa em
seus lugares. Crescem acostumados a conseguir o que querem através de pedidos,
solicitações e reclamações. Vivenciar muito estes contextos tende a desenvolver
características como: comodismo; dependência; dificuldade em decidir e resolver problemas;
facilidade em desistir diante de empecilhos; tendência a culpar os outros quando algo está
errado; postura passiva diante da vida; dificuldade em assumir responsabilidades; esquiva-
se de problemas a partir de queixas de sofrimento, simulando ou acentuando doenças etc.
,u Este processo também pode ser entendido como contracondicionamento respondente (Baldwln & Baldwin,
1986).
" Saber declarativo ô o saber sobre, e o conhecimento operacional é o saber como. (Ryle, 1984; Baum,
1999).
Baixa auto-estim a
Imagine uma pessoa que tenha vivenciado muitas situações de rejeição e desprezo
desde a sua infância. Considere que isto aconteceu principalmente no seio familiar.
Provavelmente esta pessoa desenvolveu uma forte sensação de menos valia, a conhecida
baixa auto-estima. Em alguns casos o reforço social só ocorreu ao se comportar tal como
os outros gostariam ou por fazer coisas para agradá-los. Nisto resultou, entre outras
características, a prestatividade constante, a inassertividade em relações mais próximas
e a insegurança afetiva. O reforço social provavelmente será seu reforçador mais poderoso,
sendo preponderante em situações de conflito, como quando tem de escolher entre o que
agrada aos outros ou a si. O problema é que suas características, com uma longa história
de reforçamento, ocorrem automaticamente nas relações interpessoais. Muitas vezes
não consegue estar junto às pessoas sem estar sendo prestativa, acolhedora e dedicada.
Não se comportar assim é muito aversivo e leva-a a esquivar-se justamente da situação
que poderia mudar todo o quadro: vivenciar relações em que recebe afeto, atenção e
apreço, sem ter que fazer muito para obtê-los. Esta situação teria sido mais fácil de
ocorrer no contexto familiar original.
Em relações amorosas, sua dedicação excessiva muitas vezes produz desgastes
na relação e afeta a sensibilidade do(a) parceiro(a) que termina rejeitando-a e acabando
com a relação. Isto contribui ainda mais para a baixa auto-estima. Fazer constantemente
pelo outro, mesmo nas relações não amorosas, favorece o comodismo do(a) mesmo(a),
dificultando atitudes de dedicação, que por sua vez, manterá o quadro de baixa auto-
valorização. Por isso algumas pessoas passam a vida inteira nestas condições, mesmo
sendo valorizadas em alguns contextos pelo que fazem.
Inabilidades sociais
Muitas pessoas podem ter dificuldades nas relações sociais (Del Prette e Del Prette,
2002). Estas dificuldades impedem o acesso aos inúmeros reforçadores provenientes do contato
com outras pessoas e geram sofrimentos. Del Prette afirma que o processo de socialização
decorre de diferentes sistemas de interação: família, companheiros, escola, outros grupos. Os
comportamentos que possibilitam interações satisfatórias estão diretamente relacionados à
história de vida. Este é um dado importante, pessoas com dificuldades de expressão social
normalmente viveram em ambientes não estimulantes verbalmente, repressores. inadequados
como modelo ou com reforçamentos de comportamentos inadequados para outros ambientes
que não o familiar (e.g. conseguir as coisas gritando).
A identificação dessas deficiências ou excessos comportamentais não deve ocorrer
sem um acompanhamento histórico e contextuai em que os mesmos foram adquiridos. Da
mesma forma, questionam-se mudanças a partir de conselhos sobre o que fazer em
determinada situação ou por apresentações de modelos ao cliente, é necessária uma prática
adequada, com contingências favoráveis. O ensaio comportamental, uma técnica tradicional
na terapia comportamental (Rimm & Masters, 1983) produz bons resultados, mas corre o
risco de ser desenvolvido em um contexto muito diferente de onde há necessidade que
ocorra, além de poder incluir alguns reforçamentos arbitrários por parte do terapeuta,
dificultando o processo de generalização. A FAP (Kohlenberg e Tsai, 1991) apresenta um
12Embora produza ótimos resultados para o desenvolvimento da auto-estima, devido a uma relação autêntica
de aceitação do cliente independentemente dos seus comportamentos, a relação terapêutica não deixa de
ser uma Interação condicional, por ser profissional. Ou seja, é paga e ocorre apenas no tempo da sessão.
,J Costumo dlzor aos meus clientes que precisamos de pessoas que também precisem da gente. Relaçfies
em que tenho que me esforçar multo para ser “amado", afetam negativamente a auto-estlma e normalmente
geram insatisfação.
O utros processos:
Os exemplos citados estão longe de esgotar as inúmeras possibilidades de análise
que podem ser feitas em cada caso clínico. São restritos a algumas condições e tem valor
ilustrativo da importância que as inserções em certos ambientes podem ter como recursos
terapêuticos. Por exemplo, um ciumento e possessivo poderia experimentar mais situações
em que a partilha fosse inevitável e de preferência reforçada; alguém inseguro exploraria
situações com boa possibilidade de êxito, aumentando as dificuldades gradativamente;
uma pessoa desmotivada poderia inserir-se em contextos que funcionem como operações
estabelecedoras para diversos aspectos e assim por diante. Outras interpretações poderiam
ser feitas seguindo esta linha de análise.
Conclusão
A abordagem aqui empregada se assemelha ao raciocínio skinneriano aplicado
ao planejamento cultural. Se as contingências modelam as práticas culturais, que por sua
vez atuam diretamente na formação do indivíduo, por que não interferir e planejá-las, ao
invés de deixá-las ao acaso. Isto torna o ser humano mais próximo do que se chama
liberdade e autonomia, dando ao mesmo mais poder de interferir no seu futuro.
"Se queremos que a espécie sobreviva, é o mundo fizemos que temos que
mudar" (Skinner, 1987/1989, p.70, em Micholotto, 1997).
Este raciocínio se aplica perfeitamente ao plano individual: se quisermos que nossa
vida mude, é o mundo em que vivemos que devemos mudar. Assim, como foi necessário
conhecer a história da espécie para compreender a sua formação biológica, e conhecer a
história da humanidade ou das práticas culturais para compreender por que as sociedades
são assim constituídas, então precisamos conhecer nossa história de vida (i.e. história de
contingências) para sabermos por que somos do jeito quo somos. No entanto, esta análise
vai além. Este conhecimento dá poderes ao homem de interferir na sua cultura e,
especificamente, em sua vida particular, por meio de um planejamento adequado das
contingências de vida em que está inserido. Uma passagem de Skinner (1967, em 0'Donahue
e Ferguson, 2001) ilustra a visão pragmática que a análise funcional permite14:
R eferências
Abreu-Rodrigues, J. e Sanabio-Heck, E. T. (2004). Instruções e auto-instruções. contribuições
da pesquisa básica. Em Abreu, C. N. e Guilhardi, H. J. (org.). Terapia Comportamental e
cognitivo comporamental - Práticas clinicas. Sâo Paulo: Roca.
Balwin, J. D. e Baldwin. J. I. (1986) Behavior principles in everyday life. New Jersey: Prentice Hall.
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Catania, A. C. (1998, 1979). Learning. New Jersey: Prentice Hall.
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Cooperative.
Cirino, S. (2001). O quo ó história comportamental. Em Guilhardi, H. J,; Madi, M.B.B.;Queiroz, P. P.;
Scoz, M, C. (Org.). Sobre Comportamento e Cogniçáo, vol. 7, p. 153-158. Santo André: Esetec,
m I have, I think, made good of my analysis of behavior In managing my own life, particularly my
own verbal behavior. Can psychoanalysts and the cognitive and humanistic psychologists say
as much? Did Freud ever report the use of his theory to influence his own thinking? Are
cognitive psychologists particularly knowledgeable about knowledge? Are humanistic
psychologists more effective in helping other people because of their theories?
1fl Skinner, 1967", em Boring & Lindzey - orgs. - A history of psychology in atobiogmphy vol. 5, p. 75.