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O Tratamento da Dependência
Química e As Terapias Cognitivo-
Comportamentais
Teoria comportamental
Prevenção de recaída
sumári
19 Terapia cognitivo-comportamental das habilidades
sociais e de enfrentamento de situações de risco
21
A dependência química na
Psicoterapia Analítica Funcional:
um diálogo contingente
O Tratamento da Dependência
Química e As Terapias Cognitivo-
comportamentais
TEORIA COMPORTAMENTAL Essa indução excessiva e sem função aparente sobre a con
tingência é chamada de comportamento adjuntivo.
A teoria comportamental apresenta, em seu desen A partir desses três tipos de interações entre mudan
volvimento, diversas linhas de abordagem para os proble ças ambientais e ações do organismo, os analistas do com
mas do homem. Embora todas elas tenham suas raízes no portamento produzem análogos com o objetivo de reprodu
behaviorismo de John Watson, muitas (p. ex., a cognitivo zir os fenômenos em estudo laboratorial. Além desse ponto
comportamental) desenvolveramse em ramos teóricos, con de partida, os analistas do comportamento consideram dois
ceituais e técnicos que justificam, hoje, uma nomenclatura aspectos importantes para a detecção e intervenção de pro
diferenciada. Outras passaram a designar sua abordagem blemas psiquiátricos: se o comportamento “transtornado” é
como analíticocomportamental; suas bases científicas são as uma resposta anormal do organismo a mudanças normais
encontradas na análise do comportamento, como teoria, e no do ambiente ou se o comportamento problemático é uma
behaviorismo radical de Skinner, como princípio filosófico. resposta normal do organismo a uma situação ambiental
Este capítulo apresentará as explicações a respeito da depen que mudou de maneira exacerbada. Caso seja observada
dência química a partir da ótica dessa proposta teórica. uma resposta anormal do organismo a mudanças normais
A abordagem analíticocomportamental prima pelo es do ambiente, aventase a hipótese de que o organismo seja
tudo dos fenômenos por meio do método experimental, e resultado de alguma variabilidade da espécie que aponte
suas intervenções são derivadas dos achados obtidos por uma sensibilidade física extremada ou diminuída a algum as
esse método. Os modelos experimentais, por essa razão, pecto ambiental. Nesses casos, a explicação da origem do
estão entre as principais estratégias utilizadas pelos analis problema pode ser encontrada em outras ciências, como
tas do comportamento para compreender melhor os trans a biologia ou a medicina em suas diversas especialidades.
tornos psiquiátricos. Nesses modelos, buscamse relações Embora a análise do comportamento tenha meios de lidar
observadas entre as ações do organismo e mudanças no com o comportamento problemático oriundo desse tipo de
ambiente onde esse organismo vive. variação, ela não consegue explicar as variabilidades físicas,
Um dos tipos de interação estudados pelos mode as quais podem ser descritas pela genética, neurologia, fi
los experimentais é aquele relacionado às mudanças no siologia, etc. Já os casos nos quais uma resposta é problemá
ambiente, chamadas de estímulos. O organismo apresen tica por conta de mudanças extremas na situação ambiental
ta rápida adaptação a tais mudanças, o que é chamado de constituem o âmbito principal do estudo da psicopatologia,
respostas. As interações entre estímulos e respostas são área que utiliza os modelos experimentais da análise do
chamadas de comportamentos reflexos ou respondentes. comportamento. Nesses casos, assumese que a maior parte
Há outro tipo de interação relacionado a mudanças no dos organismos, se expostos a situações extremas, poderia
ambiente causadas pela ação do organismo e que podem desenvolver o comportamento psicopatológico.
influenciar na probabilidade futura dessa ação. Nessa intera Assim, por meio da observação e da manipulação de
ção, as consequências da ação do organismo podem tornála variáveis ambientais, o analista do comportamento procura
mais provável (i.e., ocorreria o fortalecimento da classe de recriar, em laboratório, um análogo experimental do pro
respostas) ou menos provável (ocorreria, então, o enfra blema estudado, de forma a produzir relações similares
quecimento). A essa interação dáse o nome de contingência àquelas observadas no desenvolvimento de relatos de ca
operante. sos clínicos. Obtendose o modelo, realizase a avaliação em
Existe, ainda, uma terceira interação a ser notada, na termos de similaridade das respostas estudadas (o quanto
qual alguns parâmetros das mudanças do ambiente em uma o comportamento dos sujeitos experimentais é semelhante
contingência operante produzem indução excessiva na ao observado na população clínica), responsividade e sele
frequência de outra ação, esta última aparentemente sem tividade a certas substâncias já conhecidas na atuação sobre
função na relação comportamental originalmente estudada. o problema (i.e., se as respostas observadas nas situações
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observação dos efeitos do consumo de certas plantas nos liza determinadas substâncias até a retirada de circulação
animais, e descreve uma impressionante correlação entre as na sociedade daqueles que as utilizam, o que é feito por
substâncias utilizadas pelo maior número de culturas huma meio de internação. Os governos em geral empregam esse
nas e aquelas consumidas pelo maior número de espécies critério porque os usuários, quando estão sob o efeito de
animais (r = 0,90, p < 0,01). Segundo ele, os relatos regis substâncias, poderiam oferecer risco a si próprios e a outros
trados em do cumentos do folclore, da religião e da ciên indivíduos. Em nossa cultura, encontramse nesse critério as
cia referemse ao comportamento de au toadministração de seguintes substâncias: maconha, anfetaminas, alucinóge
substâncias psicoativas com termos como “fissura” (craving), nos, cocaína, heroína, entre outras, inclusive as sintetizadas.
“paixão” (passion) e “dependência” (addiction). O segundo critério considerado é o “clínico”, que indica for
Ronald Siegel aponta variáveis de aprendizagem que tes sintomas de abstinência, dificuldade de remissão e alto
poderiam interferir no comportamento de dependência de número de recaídas. Encontramse, nesse critério, o tabaco,
substâncias. Aquelas utilizadas pelo maior número de cul o álcool, os tranquilizantes e os hipnóticos, assim como os
turas e de espécies animais (tabaco, álcool e alucinógenos) opioides e os estimulantes. A dependência química dessas
apresen tam um gosto aversivo, aspecto que não justificaria substân cias é acentuada, com prejuízos à saúde dos de
seu uso. Exposições prévias a princípios ativos da substância pendentes. O terceiro critério é o “epidemiológico”, ou seja,
levariam a uma habituação facilitada ao gosto, por proces aquele que aponta as substâncias utilizadas pelo maior nú
sos respondentes, como sombreamento ou bloqueio. Um mero de pessoas. Sob esse critério, encontramse, no Oci
exemplo disso é a habituação à qual o filhote de coala seria dente, os seguintes agentes: cafeína, álcool, tabaco, maco
submetido ao sugar o leite materno com gosto amargo por nha, tranquilizantes, anfetaminas, alucinóge nos, opioides e
conta das folhas de eucalipto ingeridas pela mãe. Em idade cocaína. O quarto critério, por fim, classifica as substâncias
jo vem, o coala já estaria habituado ao gosto aversivo das mais passíveis de autoadministração em condições de labo
folhas narcóticas, facilitando seu consumo. ratório, o que indicaria o potencial de abuso. Nesse critério,
Além das variáveis de aprendizagem, as variáveis so encontramse cocaína, anfetaminas, opioides, barbitúricos,
ciais (tamanho e densi dade do grupo, competição, pressão anestésicos dissociativos (cetamina), álcool, nicotina, cafe
predadorpresa, etc.) podem determinar o consumo elevado ína, benzo diazepínicos e maconha.
de substâncias que não sejam as preferidas pelas espécies Todos esses critérios são elaborados a partir de condi
não humanas. Por exemplo, sabese que o álcool é um dos ções clínicas de abuso de substâncias com claras perdas e ris
agentes mais difíceis de se rem autoadministrados em ani cos à integridade dos indivíduos que as utilizam. Como visto,
mais de laboratório, pois seu gosto é amargo. No entanto, muitas substâncias encontramse em mais de um critério de
gatos e macacos mudam sua preferência para soluções alco depen dência, tornandose, claramente, um problema social.
ólicas em detri mento de outros fluidos não alcoólicos quan Por meio dos modelos experimentais, a teoria analítico
do submetidos a estresse induzido. Ronald Siegel aponta comportamental busca conhecer os possíveis controles do
para o fato de que humanos, embora tenham uma lista ex comportamento no uso de substâncias. Esses modelos aju
tensa de motivos pelos quais apresentam o comportamento dam a esclarecer as relações que facilitam ou dificultam o
de intoxicarse, enfrentam consequências muito desagradá uso/ abuso de substâncias. Com fundamento em processos
veis, distantes daquelas que os motivaram quando adquiri básicos respondentes, ope rantes e de indução por esque
ram a predileção pela substância. As próximas seções deste ma de reforço, a teoria analíticocomportamental descreve (e
capítulo abordarão alguns dos processos comportamentais explica) por que esses fenômenos ocorrem.
que explicam essa incongruência.
Processos Respondentes
O Conceito de Dependência: Os
Parâmetros da Cultura A dependência química é considerada quando uma
substância, administrada por um certo tempo, é interrom
Apesar de toda essa concepção naturalista do consu pida, ocasionando sintomas de retirada e “fissura”. Estão
mo de substâncias, sabese que a vida social do indivíduo também intimamente associados à tolerância o decréscimo
dependente acaba ficando muito prejudicada. Para oferecer do efeito da substância no decorrer de repetidas adminis
suporte no enfrentamento, na intervenção e na prevenção trações e a necessidade de aumento de quantidade para
dos problemas oriundos do uso/abuso de substâncias, al a obtenção do mesmo efeito antes observado. Esse fenô
guns critérios devem ser considerados. meno é abordado pelo estudo de um processo comporta
A cultura classifica a dependência química em pelo mental denominado pela literatura como respon dente ou
menos quatro critérios, que devem ser considerados quan pavloviano. Segundo esse modelo, determinadas respostas
do tal problemática é abordada. O primeiro é o critério “le do organismo ocorrem em decorrência da exposição a as
gal”, proibição colocada pelos governos e sancionada por pectos do ambiente (os estímulos).
leis e puni ções que vão desde a prisão de quem comercia Algumas respostas das espécies são específicas a
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ingestão de substâncias. São esses efeitos opostos – que, em nos organismos, é possível complementar o estudo, acres
um primeiro momento, “defenderiam” o organismo dos efeitos centando os processos operantes que originam os proble
da substância ingerida com frequência – que explicariam gran mas de dependên cia. Tais processos podem ser resumidos
de parte dos proble mas envolvidos com a dependência. em processos reforçadores positivos (que produzem, como
Muitas substâncias de dependência apresentam efeitos consequência de uma ação, um evento que tem a proprie
opostos sobre diversas respostas. S. Siegel, baseado em uma dade de aumentar a frequência dessa ação) e negativos (que
série de estudos, relata alguns exemplos além da morfina. A produzem, como conse quência de uma ação, a retirada de
adrenalina produz as seguintes respostas incondicionadas: uma condição aversiva, aumentando também a frequência
taquicar dia, diminuição da atividade gástrica e hiperglicemia. dessa ação). Essa interpretação explica as ações de busca e
Em reação a essas mudanças, observase, em seguida: bradi ingestão de substâncias (dependência).
cardia, aumento da atividade gástrica e hipoglicemia. O mes O primeiro problema a ser abordado é o da tolerância.
mo ocorre com a nicotina (resposta imediata: hiperglicemia; Partindo do princípio de que as substâncias têm um efeito,
posterior: hi poglicemia), a anfetamina (imediata: aumento de em primeira instância, reforçador – seja pelos efeitos agra
consumo de oxigênio; posterior: diminuição no consumo de dáveis (p. ex., a euforia causada pela cocaína) ou pela eli
oxigênio), o opioide nalorfina (imediata: taquicardia; poste minação de sensações desagradáveis (p. ex., a redução da
rior: bradicardia), a metildopa (imediata: diminuição da pres timidez e da ansiedade resultantes da ingestão de álcool)
são sanguínea; posterior: aumento da pressão sanguínea), –, é de se esperar que seu consumo passe a ser frequente.
entre outras. Os estímulos antecedentes à ingestão da droga Assim, quando expostos a situações que exigem respostas
começam a adquirir controle sobre as respostas do organis imediatas a falhas de repertório (como desânimo ou timi
mo opostas aos efeitos da substância, preparandoo para a dez), os indivíduos fazem uso dessas substâncias.
ingestão. Quando o organismo ingere a droga, os efeitos são O fato de produzirem também efeitos respondentes
atenuados (tolerância). Se o organismo não a ingerir, sofrerá compensatórios logo após seu consumo explica o motivo pelo
dos efeitos opostos (abstinência) (Fig. 9.5). qual o indivíduo necessitaria de quan tidades cada vez maio
res do agente para observar seus efeitos reforçadores positi
vos ou negativos. Ao consumir a substância com frequência,
os indivíduos ficam gradativa e antecipadamente “prepara
dos” para recebêla, minimizando os efeitos de sua ingestão.
Os estímulos condicionados à ingestão devido ao pareamen
to de monstram que, em médio prazo, o efeito compensató
rio que aparece antecipada mente à exposição à substância
exige que uma quantidade maior da substância seja consumi
FIGURA 9.5 – Efeitos do consumo da substância no organismo e efeitos da da para obterse o mesmo efeito procurado pelo organismo.
não ingestão (abstinência). Esse aumento de quantidade é denominado tolerância.
O mesmo mecanismo explica a abstinência e a conse
O fenômeno mais importante que ocorre nesse mo quente busca ativa pela substância. Quando o organismo é
mento é que os estímulos ambientais que antecedem a in exposto com frequência à ingestão no mesmo ambiente, os
gestão da substância acabam por adquirir controle sobre as estímulos que o compõem passam a adquirir controle ante
respostas tardias da ingestão. Além disso, como os estímulos cipado sobre as respostas que viriam naturalmente em um
ambientais antecedem a administração da substância, seus segundo momento, após a ingestão da droga. Podese ob
efeitos condicionados passam a ocorrer antecipadamente servar que, quando o organismo for exposto aos estímulos
aos efeitos de fato, que só ocorrerão após o consumo. Essa que antecedem a ingestão da droga (mas sem a exposição a
característica produzirá um complexo sistema de eliciações ela), refle xamente ele produzirá respostas desconfortáveis
que auxiliará a compreender os problemas de tolerância, abs (taquicardia, sudorese, hipogli cemia, diminuição de inges
tinência, procura ativa pela substân cia, overdose e recaída. tão de oxigênio, entre outras). Como exemplo, pode se citar
uma pessoa dependente de heroína injetável que responda
Dependência: Interação Entre a colheres e isqueiros como estímulos condicionados por te
Processos Respondentes e rem sido pareados confiavelmen te à ingestão do opioide.
Ao ser exposto a esses estímulos (colheres ou isqueiros),
Operantes de Tolerância, o indivíduo imediatamente começa a produzir as respostas
Abstinência, Procura Ativa Pela compensatórias, isto é, as mesmas respostas que “protegem
Substância, Overdose e Recaída o organismo” dos efeitos perniciosos da substância quando
ela está em ação (e que, em sua ausência, são aversivas): su
Após a compreensão a respeito dos processos res dorese, tremores, desconforto gástrico, etc. Para que essa
pondentes envolvidos na intro dução de certas substâncias condição aversiva seja eliminada, uma única resposta conhe
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FIGURA 9.6 – Curvas dos efeitos da introdução da substância (A, B e C) e dos efeitos dos estímulos que a antecedem fielmente no organismo (D).
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PREVENÇÃO DE RECAÍDA
Elaborada por Marlatt e Gordon na década de 1980,
a prevenção de recaída é o conjunto de técnicas que tem
como objetivo principal a manutenção da mudança de hábi
tos. Essa abordagem é baseada nos pressupostos descritos
pela psicologia do aprendizado social, do comportamento
aditivo como hábito adquirido, isto é, a pessoa experien
cia uma gratificação após um comportamento ou o utiliza
para evitar uma situação estressante (p. ex., bebe para ficar
à vontade em uma festa), e esse comportamento passa a
ser repetido durante ou antes de situações desa gradáveis,
tornandose uma habilidade de enfrentamento maladaptada.
Uma vez aplicado o comportamento aditivo, as consequên
cias negativas podem realmente ser adiadas, e o indivíduo
tem a sensação momentânea de solução.
Tendose aprendido a ideia do comportamento depen
dente, a modificação no modo de pensar e agir se torna uma
possibilidade. Nesse ponto de vista, nem sempre existe uma FIGURA 10.1 – Modelo em espiral dos estágios de mudança.
causa psicológica subjacente, e o foco do tratamento passa
a ser a forma de chegar ao controle, e não o motivo de têlo mesmo tempo, a rejeita, e é nessa fase que a ambivalência,
perdido. estando em seu ápice, deve ser trabalhada para possibilitar
Inicialmente desenvolvida com o objetivo de fazer a um movimento rumo à decisão de mudar.
manutenção comporta mental no tratamento da dependên Trabalhada a ambivalência, o indivíduo pode passar
cia química, a prevenção de recaída hoje em dia abrange para o estágio de pre paração, em que está pronto para mu
todos os comportamentos considerados aditivos (transtor dar e comprometido com a mudança. Faz parte desse estágio
nos da ali mentação, jogo patológico, etc.), em que o indi o aumento da responsabilidade pela mudança e a elabora
víduo busca uma gratificação ime diata, relevando possíveis ção de um plano específico de ação. O estágio seguinte é o
efeitos adversos desse comportamento, como desconfor to de ação, no qual a pessoa usa a terapia como um meio de
físico, desaprovação social, problemas financeiros, entre assegurarse de seu plano, para ganhar autoeficácia e final
outros. O objetivo deste capítulo é descrever as bases da mente criar condições externas para a mudança. O grande
técnica da prevenção de re caída, os diferentes modelos, teste que compro va a efetividade da mudança seria a estabi
as evidências da efetividade e os novos campos de estudo lidade por anos nesse novo estado; no processo de mudan
dentro da abordagem. ça, isso se chama manutenção. Porém, devese observar que
atingir alguma mudança não significa manterse em tal estágio,
Processo De Mudança, Lapso e visto que muitas pessoas acabam recaindo e tendo de reco
Recaída meçar o processo. Esse recomeço nem sempre ocorre pelo
estágio inicial. Muitos passam inúmeras vezes pelas diferen
O conceito de prontidão para a mudança, baseado no tes etapas para chegar ao término, isto é, uma mudança mais
modelo de Estágios de Mu dança, foi desenvolvido por Pro duradoura. Daí os auto res passarem a ilustrar o processo de
chaska e colaboradores. Tendo como base o con ceito de mudança como uma espiral, pressupondo um movimento,
motivação como um estado de prontidão ou vontade de mu como mostra a Figura 10.1.
dar (como um estado interno mutável de acordo com fatores Existe uma diferença entre lapso e recaída: o lapso é
externos), esse modelo acredita que a mudança se faz por um retorno momentâneo ao hábito anterior com uma “encru
meio de um processo, e, para tal, a pessoa passa por diferen zilhada”: um caminho retorna definitivamente ao nível anterior
tes estágios. do problema (recaída total) e o outro leva à mudança positiva.
A entrada para o processo de mudança é o estágio de A recaída é um lapso mais demorado, mas também é conside
précontemplação, em que o indivíduo ainda não está con rada transitória, isto é, uma série de eventos que pode ou não
siderando a modificação. De modo geral, a pessoa, nesse ser seguida de um retorno à abstinência. Marlatt e Witkiewitz
estágio, nem sequer encara seu comportamento como um utilizam a seguinte metáfora para descrever o aprendizado
proble ma, podendo ser vista como “resistente” ou “em ne decorrente do processo de recaída: uma pessoa que começa
gação”. Quando algum nível de consciência sobre o problema a andar de bicicleta ou esquiar sempre cai mais nas primei
é desenvolvido, a pessoa entra no estágio seguinte, de con ras tentativas. À medida que treina, as quedas e os tropeços
templação. O contemplador considera a mudança, mas, ao diminuem, e a pessoa adquire habilidade naquela atividade.
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• solidão, entre outros. Modelo linear de prevenção de recaída
• Estados físicos e fisiológicos negativos:
— associados ao uso prévio de substância (p. ex., absti Quando Marlatt e Gordon publicaram a primeira edição
nência); de seu livro, a esque matização da recaída foi realizada a par
— outros: dor, contusão, etc. tir de um modelo linear de acordo com a Figura 10.2. Nesse
• Estados emocionais positivos (alegria, satisfação, etc.) modelo, o indivíduo, diante de uma situação de alto risco, tem
• Teste de controle pessoal: o indivíduo que está em duas opções: uma delas é ter uma resposta de enfrentamento
um processo de mudança e, muitas vezes, abstinente positiva, isto é, não usar a substância. Esse comportamento
sente vontade de “testar” sua autoeficácia para ver se resulta em uma experiência de autocontro le (autoeficácia):
é realmente capaz de manter o controle e se expõe quanto mais o indivíduo mantiver seus objetivos, maior será
a uma situação em que se sentiria muito impelido a sua percepção de autoeficácia e, consequentemente, dimi
consumir a substância. nuirá a chance de recaída. A segunda opção é o indivíduo
• Cedendo a tentações, à vontade de consumir a subs ter uma resposta de enfrentamento negativa, isto é, ceder ao
tância: desejo de consumir a substância. Nesse caso, a autoeficácia
— na presença de “gatilhos” – o alcoolista vai a uma fes diminui, e surgem os “resultados e expectativas positivos do
ta e, estando com muita “fissura”, expõese ao gatilho, uso da substância”, ou seja, a pessoa começa a pensar nas
isto é, ver e estar com pessoas que estão bebendo. vantagens que teria se consumisse a substância (p. ex., sensa
— na ausência de “gatilhos” – o usuário de cocaína está ção de bemestar e de afastamento dos problemas), e, então,
em casa sozinho, mas com muita vontade de consu ocorre o lapso ou o começo do consumo. O lapso é um uso
mir a substância (que, neste caso, é o próprio gatilho), isolado, diferente da recaída, que é uma retomada dos pa
apesar de não ter a droga por perto. drões de uso original, intenso e frequente. No lapso, a pessoa
ainda pode recuar e retomar o caminho da resposta positi
Os determinantes interpessoais são: va, mas o que se observa é que fica mais difícil cessar o uso
uma vez retomado, pois o que ocorre a seguir é o cha mado
• Conflito com companheiro, família ou amigos, que gera: efeito da violação da abstinência (EVA), exemplificado pelo
— frustração ou raiva; seguinte pensa mento: “Já furei a abstinência mesmo, já dei
— outros sentimentos (ansiedade, apreensão, etc.). um pega no baseado, então vou fumar ele inteiro!”. É como
• Pressão social: uma permissão que a pessoa se dá para continuar consumin
— direta, na presença de alguém; por exemplo, quando do a substância. É uma reação emocionalcognitiva a um lapso
os amigos insistem para que o jovem entre na roda de inicial: influencia a probabilidade de que o lapso seja seguido
maconha; por um aumento do uso da substância.
— indireta (usa pessoas como modelo); por exemplo, O EVA é um construto dimensional: quanto maior ele
quando o jovem cede ao uso de álcool ao pensar no for, maior será a pro babilidade de recaída ou de agrava
pai, que é seu modelo e tem o hábito de beber. mento do lapso inicial; e quanto maior a discre pância entre
• Aumento dos estados emocionais positivos: por exem o comportamento atual e o idealizado, maior será a culpa.
plo, quando as pessoas estão se divertindo em um show, Há dois elementos cognitivoafetivos que influenciam o EVA:
mas tomam ecstasy para intensificar as sensações.
• Dissonância cognitiva (conflito e culpa diante da autoi
Marlatt e Gordon acreditam que o determinante da re magem: “Eu não devia ter bebido, mas bebi.”);
caída é um preditor de sua magnitude. Portanto, é essencial • Efeito da atribuição pessoal, isto é, associar a recaída
identificar qual a situação de alto risco para cada indivíduo. a questões intrapessoais (p. ex., incapacidade de en
Existem diferentes formas de identificar as situações frentamento).
de alto risco: Quanto mais evidentes forem esses fatores, maior será
• Observar diretamente o comportamento. o “tombo”, ou seja, mais grave será a recaída. Junto com o
• Quantificar a autoeficácia (alguns instrumentos úteis EVA, surgem os “efeitos contínuos da subs tância”, isto é, sen
são o questionário de confiança situacional e o de au sações prazerosas que passam a se sobrepor aos prejuízos
toeficácia. Escrever uma autobiografia: ao escrever sua na men te do indivíduo, o que aumenta as chances de recaí
história, a pessoa vai se dando conta dos eventos ou da. Esse esquema do EVA mostra o quanto os pensamentos
estados emocionais que mais a deixam suscetível ao influenciam o comportamento propriamente dito, mais uma
uso da substância. vez enfatizando a importância do uso de uma abordagem
• Descrever as recaídas passadas e as fantasiadas. cognitivocompor tamental. Daí a necessidade de o profissio
• Automonitorarse: por meio de um diário descritivo de nal, junto com o paciente, identificar os pensamentos, senti
sua rotina, a pessoa identifica um padrão de uso, bem mentos e comportamentos vinculados ao consumo, a fim de
como seus antecedentes e suas conse quências. encontrar alternativas para evitar o hábito de uso.
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momento, que o terapeuta sirva de conselheiro. Assim como rotina está muito desequilibrada. Diante de um estilo de vida
propõem os autores da prevenção de recaída, a função do desequilibrado, tendo apenas trabalho e deveres, a pessoa
terapeuta é ajudar o paciente a pensar se as metas estabe pode ter reações afetivas (em geral, somáticas) ou cogniti
lecidas por ele são viá veis e condizentes com seu percurso vas. Na forma física, o desejo pode se ex pressar por meio
até o momento, por mais que sejam diferentes daquelas que da “fissura”; na forma cognitiva, pode manifestarse por uma
o terapeuta imagina para ele. A ideia é “ficar ao lado do distorção, “dando a permissão” para uma potencial recaída
paciente” em um plano que represente o progresso para a na forma de racionali zação, negação ou DAIs.
recuperação. O plano de ação possibilita ao indivíduo pen Essas ideias estão baseadas nos trabalhos de toma
sar objetivamente aonde quer chegar, considerando essas da de decisão feitos pelos pacientes; a qualidade e o tipo
possibilidades de forma realista, mas também relembra a da primeira decisão no processo de mudança têm muita
necessidade de se planejar, isto é, pensar antes de fazer, o influência sobre os resultados. Mais especificamente, para
que aumenta a probabilidade de sucesso e evita recaídas. compreender o processo de tomada de decisão em um pro
cesso de recaída, o trabalho de Jannis e Mann é de extre
Decisões Aparentemente ma importância. Eles propõem o modelo do conflito, isto
Irrelevantes é, como fatores psicológicos afetam a tomada de decisão
e como esta gera o estresse: quanto mais baixos forem os
As decisões aparentemente irrelevantes (DAIs) são níveis de estresse que envolvem uma tomada de de cisão,
armadilhas mentais que podem causar problemas na manu mais tranquila e calculada ela será, enquanto altos níveis de
tenção da mudança. Elas foram primeiramente des critas estresse podem gerar consequências na decisão. Naquelas
por Marlatt e Gordon, mas são muito conhecidas na área que envolvem a recaída, há dois fatores que podem aumen
das adicções como setups. As DAIs são uma série de deci tar o nível de estresse: as situações estressoras ou de alto
sões do dia a dia, como onde almoçar, qual caminho pegar risco – que levam o indivíduo ao ponto de ter de se posicio
para ir para casa, se vai ou não visitar um amigo, etc. Essas nar quanto ao uso ou não da substância – e o conflito entre
decisões podem levar o indivíduo a uma situação fora do “devo ou não devo me satisfazer”. Entre os cinco diferentes
seu controle e a tentações difíceis de resistir. Os indivíduos padrões de tomada de decisão listados por Jannis e Mann,
não estão conscientes desse processo, ou estão apenas par somente três estão mais associados à recaída:
cialmente conscientes, e, em geral, dãose conta dele apenas • Hipervigilância: é o padrão mais extremo, quando a
em retrospectiva, isto é, depois que aconteceu. Os parentes pessoa age impulsivamen te por se sentir pressionada
e amigos veem o lapso surgindo, mas a pessoa entra na situ ou necessitada de um alívio. Há um estreitamento dos
ação de risco não consciente ou levada pelas circunstâncias. processos cognitivos, a pessoa não se permite pensar
Algumas dessas armadilhas são óbvias, mas outras são sutis nas alternativas nem pesar suas decisões, o que torna
e envolvem pequenas decisões corriqueiras. Em geral, esses limitadas as possíveis opções.
movimentos são “pequenos o suficiente” para pare cerem • Evitação defensiva: muito comum no campo das de
irrelevantes para a própria pessoa e os outros. Se a racio pendências, a pessoa culpa algo externo por seu ato:
nalização convence a todos, sem levantar nenhum alarde de “Se não fosse pelo meu amigo, eu não teria fumado”.
culpa ou embaraço, o indivíduo estará diante daquela situ A pessoa racionaliza ou se defende, distorcendo os
ação impossível de enfrentar, e, em geral, o que se ouve é: fatos, isto é, exagera os benefícios do consumo e mi
“Não é minha culpa que isto esteja acontecendo!”. nimiza os efeitos adversos.
Muitas vezes, criar um estresse enorme que resulta • Vigilância: é o padrão mais efetivo de tomada de deci
na necessidade de recom pensa também é um tipo de ar são. A pessoa é capaz de buscar todas as alternativas
madilha, mais um exemplo de como o desequilíbrio da vida possíveis e pondera qual delas é mais apro priada para
cotidiana pode prejudicar e precisa ser trabalhado, assunto aquela situação.
que será abor dado nos próximos capítulos. Acreditase, por No caso das DAIs, o processo decisivo é muito impor
tanto, que as pessoas caiam nessas armadilhas quando sua tante, e a atitude mais comum é a “evitação defensiva”. O
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dade, isto é, as habilidades de enfrentamento influenciam o pesquisa concluiu que a prevenção de recaída é efetiva na
consumo de substâncias e viceversa. Como mostra o grande redução do uso de substâncias e na melhora da adaptação
círculo no fundo, as situações de alto risco têm um papel es psicossocial. A prevenção de recaída mostrouse significati
sencial na relação entre fatores de risco e consumo de subs vamente efetiva em tratar alcoolistas e usuários de múltiplas
tâncias, por isso é importante que tais situações sejam identi substâncias em com paração a tabagistas e usuários de co
ficadas e avaliadas. Em ambos os esquemas, a autoeficácia é caína, embora esse dado mereça ser analisado com cuidado,
um dos determinantes cruciais da recaída. visto que a amostra continha um número pequeno de usuá
O uso isolado de habilidades de enfrentamento efetivas rios de cocaína. A prevenção de recaída também foi efetiva
pode não garantir a melhora da autoeficácia e a manuten em diferentes modalidades – individual, em grupo e de ca
ção da abstinência, mas, combinadas com o suporte social sal –, sendo mais efetiva no tratamento do alcoolismo. Esse
funcional, o afeto positivo generalizado e as expectativas de dado poderia ser justificado pelo fato de essa abordagem
resul tado negativas, as habilidades podem aumentar razoa ter sido criada para atender às demandas de uma população
velmente a probabilidade de manutenção da abstinência. de alcoolistas. Mais pesquisas que estudem a aplicação da
O modelo dinâmico assume que a recaída pode ocor prevenção de recaída no tratamento do uso de outras subs
rer de forma repentina e inesperada, trazendo à tona o com tâncias poderiam contribuir para corroborar esses achados.
portamento anterior. Essa ideia se aproxima tanto de obser Uma metanálise mais recente incluiu 53 ensaios con
vações clínicas quanto de modelos que assumem que um trolados de terapia cog nitivocomportamental para transtor
comporta mento modificado é instável e facilmente afetado no por uso de substâncias cujo tratamento tinha por base o
pelo contexto. Esse novo mo delo dinâmico está estrutu modelo de prevenção de recaída. Os resultados estão de
rado não apenas na teoria cognitivocomportamental, mas acordo com a revisão de Irwin e colaboradores: 58% dos
também na teoria do sistema dinâmico não linear (NDST, indivíduos usuários de alguma substância se saíram melhor
nonlinear dynami cal systems theory) e na teoria da ca do que os controles. Porém, diferentemente da revisão an
tástrofe, que, em termos gerais, é um modelo dinâmico de terior, aqueles que obtiveram melhores resultados foram os
compreensão de eventos em que pequenas mudanças po usuários de maconha.
dem alterar o sistema abruptamente. Com relação ao tabaco, duas grandes revisões vêm sendo
feitas pelo Centro Cochrane. Em um primeiro momento, os resul
Efetividade da Técnica de Prevenção tados eram desfavoráveis para a prevenção de recaída; porém,
de Recaída e Novas Fronteiras em uma nova análise, os dados mostraram que intervenções de
mútua ajuda baseadas no modelo cognitivocomportamental da
A influência da prevenção de recaída nas abordagens prevenção de recaída geravam maior tempo de abstinência quan
comportamentais dos com portamentos dependentes é evi do comparados com aconselhamento em grupo. Considerando
dente. Porém, o fato de tal modalidade de trata mento ser se que muitos estudos têm de monstrado a efetividade de inter
mesclada com outras técnicas torna sua avaliação sistemática venções breves, o modelo cognitivocomporta mental de recaída
bastante limitada. Carroll conduziu uma revisão com 24 en ou as técnicas de prevenção de recaída poderiam ser pensados
saios clínicos randomizados que in cluíam estudos com de para uma aplicação breve ou mesmo para uma sessão de reforço
pendentes de cigarro, álcool, maconha e cocaína. A conclusão (buster session) em um programa de tratamento mais amplo.
foi que a prevenção de recaída é mais efetiva que a ausência Estudos recentes mostram a aplicação da prevenção de
de tratamento e tão efe tiva quanto outras intervenções ati recaída associada a outros tratamentos, como farmacoterapia e
vas, como a psicoterapia de apoio e a interpessoal. meditação profunda. Um novo campo de pesquisa que se abre
Muitos estudos mostraram que as técnicas de pre é a influência genética na resposta ao tratamento e à recaída.
venção de recaída reduzem a intensidade do episódio de A prevenção de recaída, baseada no controle total da mente
recaída quando comparadas com ausência de tra tamento (MBRP, mindfulnessbased relapse prevention), é a mais notável
ou outras técnicas ativas. Diversos outros estudos mostra aplicação da habilidade ao setting clínico. Isso acontece porque
ram que a prevenção de recaída tem efeitos mais duradou essa abordagem potencializa os efeitos das práticas cognitivo
ros que outras abordagens, sugerin do que tal modalidade comportamentais, mas, ao contrário destas, a MBRP enfatiza
pode oferecer uma melhora continuada ao longo do tem po. uma atenção não julgadora sobre os pensamentos e urgências
Esses achados apontam para uma curva de aprendizado na de uso. A “fissura” é vista como passageira, e a proposta é que
qual a melhora nas capacidades de enfrentamento resulta essa sensação seja vivenciada como uma onda que cresce, tem
em um decréscimo da chance de recair e foram confirmados seu pico e decresce. A ideia é que se “surfe” na “fissura”.
por ambos os modelos de recaída descritos neste capítulo.
Irwin e colaboradores conduziram uma metanálise Considerações Finais
das técnicas de preven ção de recaída no tratamento de ál
cool, tabaco, cocaína e uso de múltiplas subs tâncias. Vinte A prevenção de recaída vem se mostrando uma abor
estudos foram incluídos, representando 9.504 indivíduos. A dagem muito útil no manejo de casos de dependência quí
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4. iniciar e manter conversações; definidas como estímulos que ameaçam a percep ção de
5. defender os próprios direitos; controle em relação ao contexto em que estão inseridos e,
6. expressar opiniões pessoais, inclusive o desacordo; portanto, como possíveis precipitadoras do início do uso de
7. pedir a mudança de comportamento do outro; substâncias após certo tempo de abstinência. As habilida
8. desculparse ou admitir ignorância; des de enfrentamento podem ser definidas como fer ramen
9. fazer e receber críticas; tas comportamentais ou cognitivas usadas pelo indivíduo
10. resistir às tentações; com o objetivo de restaurar o equilíbrio diante de situações
11. dar e receber feedback. de risco que incluem adversidades ou de situações nas quais
ele se sente em desvantagem ou pouco autoeficaz. O de
O treinamento de habilidades sociais visando o desen senvolvimento e o treino dessas habilidades capacitam o in
volvimento de estraté gias de enfrentamento de situações divíduo para apre sentar uma resposta mais adaptável dian
de risco tem sido usado com sucesso em mui tos contextos, te das situações consideradas de risco. O desenvolvimento
como, por exemplo, nos tratamentos voltados para indivídu de habilidades de enfrentamento não é adquirido com fa
os que apresentam transtornos psiquiátricos diversos (como cilidade e, muitas vezes, pode não ocorrer naturalmente; é
a dependência de substân cias psicoativas), doenças crôni algo que precisa ser praticado com persistência, e, portanto,
cas e agudas e déficits intelectuais, além de ser usa do no há necessidade de envolvimento, treino e reforço positivo.
tratamento dos familiares desses pacientes. Partindo desse No Brasil, alguns estudos já mostram a relação entre
pressuposto, fortaleceuse o conceito de habilidades de vida, a presença de habili dades sociais e comportamentos mais
que apresenta, como um de seus objetivos, a prevenção do funcionais entre dependentes de álcool, de maconha e de
uso de substâncias em jovens, tendo como cenário para a nicotina, embora alguns estudos apresentem resultados
intervenção a própria escola. Promover o ajustamento so con troversos, ou seja, dependentes e não dependentes de
cial positivo, melhorar o desempenho acadêmico, prevenir álcool, nesse caso, não apre sentam escores diferentes em
condutas sexuais de alto risco e ensinar a con trolar a ira são questionários de habilidades sociais. No entanto, a literatu
outros objetivos desse programa aplicado a adolescentes ra sobre o assunto, mais extensa em outros países, enfatiza
em idade escolar. a importância do desenvolvimento de tais habilidades como
um elemento auxiliar na diminuição dos fatores predispo
Habilidades Sociais e de Enfrentamento nentes à recaída e também como uma condição importan
e Dependência Química te na prevenção do uso entre aqueles que não experimen
taram substâncias. O modelo de intervenção, apresentado
Em dependentes de álcool, o treinamento de habili inicialmente por Monti e colaboradores e, após, revisado e
dades sociais para o enfrenta mento adequado de situações ampliado por Kadden e colaboradores, sugere que o tra
consideradas de risco começou a ser utilizado na década tamento não deve atender a um modelo “tamanho único”,
de 1970, como uma abordagem complementar aos tra ou seja:
tamentos praticados na época. Hoje, a terapia cognitivo • O tratamento deve sempre ser planejado para um pa
comportamental das habilidades sociais e de enfrentamento ciente ou um grupo de pacientes visando o atendimen
é aplicada e adaptada para o alcance de melhores resultados to das demandas específicas do indivíduo ou do grupo.
nessa população específica, mantendo duas premissas cen • A escolha das habilidades a serem desenvolvidas e
trais: o papel central das habi lidades no enfrentamento das treinadas, assim como o tempo dedicado a cada uma
situações de risco, em que gatilhos específicos po dem oca delas, dependerá das necessidades de cada indivíduo
sionar tanto o lapso quanto a recaída, e o desenvolvimento ou grupo.
de habilidades voltadas para o desempenho eficaz de cada • O número de sessões deve variar de acordo com a de
paciente, não utilizando, portanto, um protocolo único para manda.
todos. Duas abordagens têm sido apontadas pela literatura
científica como eficazes no tratamento da dependência de No modelo de intervenção apresentado por Monti e co
substâncias: o gerenciamento de contingências e o aumento laboradores contem plase o treino de habilidades interpes
e manutenção da percepção da autoeficácia. O desenvolvi soais e intrapessoais, que pode ser aplicado em sessões de
mento e a prática (treino) das habilidades contribuem para atendimento individual ou em grupo. As habilidades intrapesso
o aumento da autoeficácia, ou seja, permitem que o indiví ais incluem o desenvolvimento de estratégias para lidar com os
duo apresente uma resposta de enfrentamento eficaz diante gatilhos, a fissura, o pensamento negativo e a raiva. Faz parte
de situações consideradas de alto risco, prevenindo tanto a desse grupo o treino de habilidades para tomadas de decisão,
ocorrência de lapsos (uso episódico) quanto a própria reca resolução de problemas, manejo de situações de emer gência,
ída (padrão de uso anterior). aumento das atividades prazerosas e enfrentamento de de
Entre indivíduos dependentes de álcool ou outras cisões aparen temente irrelevantes. No grupo de habilidades
substâncias, as situações de alto risco para recaída são interpessoais, o foco está no treino da assertividade (incluindo
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pequeno quarto vazio, tocando uma campainha ao mesmo causam o comportamento no sentido de originálo, apesar
tempo em que mostrava a comida ao animal. A saliva surgia de assumirem lugar importante na análise que Skinner faz
imediatamente. Repetiu esse processo várias vezes. Notou de certos tipos de comportamento.
que a saliva aparecia quando a campainha era tocada sem Em sua obra Sobre o behaviorismo6, Skinner, entre
que a comida fosse apresentada ao animal. A isso chamou outros temas, transcorre acerca de críticas comuns e equi
de comportamento condicionado, ou aprendido. Millenson vocadas feitas ao behaviorismo radical. Segundo o autor,
esclarece, entao, que se organismos podem aprender novos o processo histórico da terapia comportamental, sua am
reflexos, podem também aprender a sentir emoçoes (respos pla possibilidade de aplicaçoes, os diversos modelos de
tas emocionais) que nao estao presentes em seu repertório behaviorismo desde Watson e, principalmente, um grande
comportamental quando nascem. Para exemplificar essa con desconhecimento sobre o behaviorismo radical favorecem
diçao, o autor se orienta através de outro experimento clás o surgimento de diversas opinioes enganosas sobre o que
sico sobre condicionamento pavloviano e emoçoes, feito por vem a ser a Análise Clínica do Comportamento. Dentre al
John Watson, em 1920, o qual ficou conhecido como o caso gumas concepçoes errôneas, aparece a ideia de que é uma
do pequeno Albert e o rato. Basicamente, o bebê Albert, de terapia superficial, nao trabalha o indivíduo como um todo,
11 meses, foi condicionado a ter medo de um rato, que ele foca apenas um problema específico, tem alcance tempo
nao temia antes de ser submetido ao condicionamento. Para rário, nao leva em consideraçao a história de vida do clien
estabelecer a relaçao de medo, Watson provocou um enorme te, trata o indivíduo enquanto ser passivo num mundo de
barulho atrás da cabeça de Albert sempre que o rato lhe era causas e efeitos, etc. DeFarias7 aponta o fato de que, para
mostrado. Em pouco tempo a mera visualizaçao do rato pro alguns autores, as expressoes “Terapia Comportamental” e
duzia sinais de medo na criança. “Modificaçao do Comportamento” (aplicaçao de técnicas es
A despeito da importante relevância do comporta pecíficas para problemas específicos) sao sinônimas, o que
mento respondente (reflexo) para análise, compreensao e prejudica o entendimento de que a prática atual de tera
modificaçao (intervençao) do comportamento, outros pes peutas comportamentais está muito além do que uma mera
quisadores entenderam que ele sozinho nao conseguia aplicaçao de técnicas.
abarcar toda a complexidade do comportamento humano1. Com tudo isso, Castanheira8 nos orienta que a psi
Respondendo a isso, em anos mais recentes, Burrhus Fre coterapia comportamental deve partir da necessidade das
deric Skinner exerceu influência comparável e defendeu pessoas de melhorar suas vidas, de lidar de forma bemsu
algumas das mesmas reformas. Sua posiçao foi muitas ve cedida com o controle coercitivo e de libertarse daquilo
zes descrita como uma teoria de estímuloresposta, mas ele que mais lhes incomoda ou prejudica. Segundo Skinner9, os
repudiava esse rótulo por duas razoes. Primeiramente, sua psicoterapeutas têm, também, como objetivos, levar o clien
abordagem depende da conexao entre uma resposta e um te à autoobservaçao e ao autoconhecimento, oferecendo
evento reforçador subsequente, nao apenas entre um estí uma melhor qualidade de vida e uma independência pesso
mulo e uma resposta subsequente. A marca registrada do al maior para a resoluçao de problemas futuros, ampliando
condicionamento operante de Skinner, termo cunhado por seu repertório de possibilidades.
ele mesmo, é que o controle reside nas consequências do
comportamento. Classificase como operante, pois produz Dependencia Quimica:
consequências (modificaçoes no ambiente), e é afetado por conceituaçao e critérios
elas. Em segundo lugar, Skinner se distingue por um desa
grado pelas teorias que tentam justificar o comportamento diagnosticos atuais
através de constructos explanatórios, pulsionais, e de variá
veis hipotetizadas. Ele nao propoe que estados internos nao De acordo com a definiçao da 10ª ediçao da Classifi
existem, mas sim que nao devem servir como instrumento caçao Internacional de Doenças (CID10), da Organizaçao
de trabalho em uma análise científica do comportamento4. Mundial de Saúde (OMS), a dependência química é marca
Sobre esse ponto, Baum5 esclarece que a explicaçao cien da por uma condiçao caracterizada pelo comportamento de
tífica consiste apenas na descriçao de eventos em termos consumo descontrolado de uma ou mais substâncias psico
familiares. Ela nao tem nada a ver com a revelaçao de uma ativas com repercussoes negativas em uma ou mais áreas
realidade escondida além de nossa experiência. Mente, von da vida do indivíduo, causando algum tipo de alteraçao em
tade, ego e outros conceitos sao muitas vezes chamados seu funcionamento global. Ainda de acordo com a OMS, a
de ficçoes explanatórias, nao porque expliquem algo, mas dependência química consiste em uma doença considera
porque supostamente explicam. Indo mais além, o autor diz da crônica, recidivante e incurável, atribuída a um conjunto
que eventos privados (assim nomeados pois só uma pes de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos
soa pode relatálos, mesmo que outras estejam presentes), que se desenvolvem após o uso repetido de determinada
como pensamentos, emoçoes, sentimentos e sensaçoes, substância, mas que pode ser tratada de forma efetiva, me
por mais que afetem o comportamento, ainda assim nunca lhorando a qualidade de vida de seus portadores. Os pre
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de suas características biológicas, mas também, e igualmen seja, produzem, quando apresentados, efeitos semelhantes
te, de seus aspectos psicológicos e sociais envolvidos. (respostas condicionadas) aos que as substâncias psicoati
vas têm sobre os organismos (respostas incondicionadas).
Teoria Comportamental e Banaco explica que a administraçao de dada substância é
Dependencia Quimica precedida pelos rituais e procedimentos de ingestao, e diz
se que há aí um pareamento entre o antecedente e o efeito
Os tratamentos psicossociais para transtornos mentais da substância sobre o sistema. Quando essa ligaçao estiver
foram considerados cientificamente efetivos a partir de inter bem estabelecida, o organismo apresentará, perante o pró
vençoes baseadas nos princípios da teoria comportamental. prio ritual ou procedimento de ingestao, os mesmos efeitos
E o interesse da comunidade científica pelas intervençoes que a droga produz, antes mesmo de entrar em contato com
de base comportamental decorreu, em parte, dos resulta a substância (comportamento respondente condicionado).
dos positivos obtidos em estudos de ensaios clínicos, mas Após a compreensao a respeito dos processos res
também de seu alto rigor metodológico. Devese considerar pondentes envolvidos na introduçao de certas substâncias
que, por meio desses estudos, as pesquisas de intervenço nos organismos, é preciso complementar o estudo acres
es psicossociais alcançaram o mesmo rigor metodológico centando os processos operantes que originam os proble
dos estudos farmacológicos. A dependência química, sob o mas de dependência, e Banaco consegue elucidar de forma
olhar do processo comportamental respondente, ou pavlo clara acerca desses processos orientados ao consumo de ál
viano, é considerada quando uma substância, administrada cool e drogas. O autor explica que tais processos podem ser
por um certo tempo, é interrompida, ocasionando sintomas resumidos em processos reforçadores positivos (que produ
de retirada e craving. Estao também intimamente associados zem, como consequência de uma açao, um evento que tem
à tolerância o decréscimo do efeito da substância no decor a propriedade de aumentar a frequência dessa açao) e ne
rer de repetidas administraçoes e a necessidade de aumen gativos (que produzem, como consequência de uma açao, a
to de quantidade para a obtençao do mesmo efeito antes retirada de uma condiçao aversiva, aumentando também a
observado. Algumas respostas das espécies sao específicas frequência dessa açao). Essa interpretaçao explica as açoes
a determinados estímulos relevantes para sua sobrevivên de busca e ingestao de substâncias (dependência). Partindo
cia. Assim, por exemplo, se ocorre súbito aumento na tem do princípio que as substâncias têm um efeito, em um pri
peratura ambiental, organismos endotérmicos (inclusive os meiro momento, reforçador seja pelos efeitos agradáveis
humanos) apresentariam como resposta adaptativa o alar (p. ex., a euforia causada pelo crack), seja pela eliminaçao
gamento dos poros, permitindo, dessa maneira, a excreçao de sensaçoes desagradáveis (p. ex., reduçao do estresse de
do suor, o que ajudaria a manter a temperatura corporal em um rapaz que acabara de discutir com sua mae) , é de se
níveis ideais. Esse processo comportamental denominase esperar que seu consumo passe a ser frequente. Com isso,
reflexo incondicionado, uma vez que organismos estariam quando exposto a situaçoes que exigem respostas imedia
preparados biologicamente para apresentar tais respostas, tas a falhas comportamentais, uma única resposta aprendida
sem que nenhuma condiçao anterior de aprendizagem fosse pelo indivíduo é possível: o consumo da droga.
necessária para a ocorrência da resposta. Por outro lado, a Através dos exemplos citados no parágrafo anterior e
mera apresentaçao visual ou olfativa de um suco de limao que serviram para elucidar o funcionamento de um processo
produzirá, em quem já tenha sido exposto a essa substância, operante no comportamento de uso de substâncias, poder
uma salivaçao que, de alguma maneira, antecipa o contato seia dizer que, quando se fala em falhas comportamen
da língua com o suco ácido, protegendoa de seus possíveis tais no repertório de um indivíduo, a exemplo da discussao
danos. Esse processo é denominado reflexo condicionado, entre uma mae e seu filho, poderia concluirse, talvez, algo
pois foi necessária pelo menos uma ocasiao de pareamento de uma inabilidade por parte desse indivíduo em manipu
entre os estímulos (a visao ou o olfato do suco de limao lar, ou controlar, de forma eficaz, situaçoes geradoras de
sumo de limao em contato com a boca) para que houvesse desconforto psíquico que o orienta ao consumo de drogas
o controle da salivaçao pela visao ou olfato, que inicialmente para alívio da tensao, ou até mesmo a inabilidade em lidar
eram neutros para essa resposta. Evidências confirmam que com sentimentos disfóricos. Caberia, assim, ao analista do
as substâncias psicoativas apresentam efeitos semelhantes comportamento, frente a esse conteúdo de demanda, de
àqueles observados em estímulos incondicionados. Consi forma sistemática, identificar essas falhas, que podem estar
derandoas estímulos ambientais, e seus efeitos como res se repetindo inclusive em outros contextos ou situaçoes por
postas incondicionadas, o modelo reflexo poderá ser utiliza conta de um longo processo histórico de aprendizagem, in
do para explicar e controlar muitos fenômenos que envolvam tervindo de modo a enfraquecer a funçao condicionada pela
a problemática da dependência. Os dados que dao suporte droga, construindo, em contrapartida, e de forma colabora
a essa interpretaçao demonstram que aspectos do ambiente tiva, repertórios comportamentais mais adaptativos frente a
que precedem fielmente a administraçao da substância pas emoçoes e sentimentos negativos e situaçoes de conflito.
sam a adquirir propriedades de estímulo condicionado, ou Tal processo, quando apoiado nos fundamentos teóricos e
A Dependencia Quimica na C: Eu estou bem, quer dizer, acho que estou conse-
Psicoterapia Analitica Funcional: guindo vencer a droga. O remédio ajuda muito. Também
estou evitando frequentar lugares onde sei que posso encon-
Um Dialogo Contingente trar pessoas usando cocaína e álcool. Acho que nao posso
estar na presença delas. Tenho ficado mais dentro de casa,
Fester é o primeiro autor de origem analíticocompor com minha família, assim nao encontro droga na rua. Tam-
tamental a chamar a atençao para a importância da relaçao bém procuro nao conversar muito com minha irma, assim ela
terapêutica como instrumento de mudança. Baseados nas fica longe de mim, nunca nos damos bem. Sempre brigamos
ideias desse autor, e em consonância com a filosofia beha e isso me deixa nervoso, e quando fico nervoso, logo quero
viorista radical, Kohlenberg e Tsai, ao longo da década de beber e usar droga para ficar mais calmo. [Cliente refere a
1980, começaram a utilizar a relaçao terapêutica como ins fuga de gatilhos ambientais e afetivos enquanto mecanismo
trumento de mudança clínica. Dessa forma, surge a Psicote da abstinência. Valese de técnicas de Prevençao de Recaída
rapia Analítica Funcional (FAP), com grande aceitaçao entre importantes, porém ainda permanece agarrado à topografia
os terapeutas comportamentais da atualidade. O responder do comportamento (ao consumo ou nao de substâncias), e
contingente do terapeuta aos comportamentos clinicamente nao à sua funçao, como propoe o behaviorismo radical de
relevantes (CRBs) (do inglês, Clinically Relevant Behaviors) Skinner e a clínica da FAP.]
do cliente na clínica da FAP consiste no mais importante me
canismo de mudança comportamental. Apesar de avanços T: Acredito ser realmente muito importante você estar
expressivos, ainda há pouca especificaçao do que constitui se preocupando mais em deixar de frequentar os locais que
esse responder contingente. Em geral, a descriçao de como antes frequentava, e que eram vulneráveis ao uso de drogas
o terapeuta pode responder aos comportamentos clinica e bebidas, além de querer estar mais perto da família neste
mente relevantes resumese a orientaçoes em constante momento. Mas eu gostaria que você me falasse um pouco
processo de refinamento. mais sobre a sua relaçao com esta irma. Por que nao se en-
De acordo com Tourinho, os comportamentos comple tendem? Aliás, fale-me um pouco sobre a sua história e sua
xos (como os relacionados à dependência química) deixam relaçao com as drogas. Quando começou a beber e fazer
de ser considerados meras reaçoes ao meio, descritas pelo uso de cocaína? Em que momentos de sua vida você sentiu
paradigma respondente, passando a ser vistos como um que o consumo aumentou? [Terapeuta reforça positivamente
conjunto de relaçoes, do indivíduo com o ambiente, descri o movimento do cliente em conseguir absterse das substân
to pelo paradigma operante. Através desse direcionamento cias, reconhecendo a importância das habilidades tecnicis
proposto pelo autor, os modelos respondentes que justifi tas apresentadas, ao mesmo tempo em que tenta implicálo
cam o comportamento aditivo de um dependente químico de modo mais pessoal nas relaçoes funcionais estabelecidas
seriam observados na clínica da FAP de maneira secundá com o álcool e a cocaína ao longo de sua experiência vital.]
ria, ampliando o olhar sobre um indivíduo complexo e em
constante relaçao com o ambiente que o cerca. Nesse caso, Bush et al. nos orientam que, para visualizar a aplicaçao
modelos de tratamento de orientaçao tecnicista, como, por clínica da FAP, propoese a formulaçao de caso em termos
exemplo, a Prevençao de Recaída (PR), elaborada por Mar de comportamentosproblema e classes de respostas con
latt e Gordon na década de 1980 e bastante familiar aos correntes, dentro e fora da sessao. Garcia afirma que essa
leitores de trabalhos voltados ao tratamento das depen conceituaçao é essencial para o trabalho clínico, uma vez que
dências, seriam recursos utilizados em segundo plano para o estabelecimento de metas terapêuticas depende do enten
abordar os usuários de álcool e drogas. Nao se trata, aqui, dimento de quais respostas serao alvo de intervençao, visan
de invalidar a técnica, uma vez de sua importância em casos do tanto à sua reduçao quanto à modelagem de respostas
de clientes mais angustiados ou em início de tratamento, concorrentes. Na clínica da dependência química, esse en
porém seu modelo de atuaçao ainda preserva uma condu tendimento pode ficar bastante claro, uma vez que o com
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portamento de consumo de álcool e drogas pode ser elegido T: Precisa dele de que forma? De que modo ele te aju-
como respostaalvo da intervençao, visando à sua reduçao, e da? [Terapeuta tenta investigar a relaçao que Felipe estabe
respostas concorrentes seriam aquelas construídas enquanto lece com a droga.]
outras possibilidades possíveis para lidar com a idiossincrasia
dos problemas vitais apresentados pelos clientes. C: Quando eu fumo o crack ele me deixa mais desini-
A FAP introduz o conceito de CRBs, definindoos bido, mais tranquilo. É só eu fumar que parece que me sinto
como comportamentosalvo que ocorrem durante a sessao. leve, esqueço de meus problemas e minha timidez desapa-
Kohlenberg e Tsai30 sugerem três tipos de CRBs, classifi rece, mas tudo isso só por um momento, depois fico pior.
candoos como CRBs 1, 2 e 3. Os autores explicam que os [Cliente engajase em mais um CRB 1.]
CRBs 1 sao os comportamentos que se referem ao problema
do cliente e cuja intervençao clínica objetiva reduzir a frequ T: Fica pior! E o que você pensa sobre isso? [Terapeu
ência; CRBs 2 relacionamse com a melhora clínica, ou seja, ta responde ao CRB 1, pedindo para o cliente descrever o
sao os progressos do cliente, aqueles comportamentos cuja comportamento em curso.]
frequência deve aumentar com a terapia; ao passo que os
CRBs 3 sao as respostas verbais dos clientes sob controle C: Penso que preciso encontrar um jeito diferente de
discriminativo do seu comportamento e das suas variáveis lidar com essas minhas emoçoes e meus problemas. Sempre
controladoras. Em outras palavras, CRBs 3 sao explicaço fui assim, desde pequeno. Um dia eu fumei essa porcaria e
es oferecidas pelo cliente ao seu próprio comportamento, e parece que me senti bem. Esqueço de tudo. Aí toda vez que
desejáveis na medida em que se espera que o cliente consi eu me sinto triste, ansioso, ou com alguma coisa me incomo-
ga por si só realizar autoanálises funcionais de seus próprios dando, eu lembro do crack. No fundo eu sei que ele nao me
comportamentos e dos comportamentos das pessoas com ajuda, mas também eu nao sei o que eu posso fazer. Sei que
quem convive. Em termos comportamentais, CRBs 3 sao de algum jeito eu preciso parar com isso, senao eu vou aca-
descritas com o termo “autoconhecimento”. Como exemplo bar morrendo. Tenho que voltar a trabalhar, estudar, estar
de CRB 1 de um dependente químico, o cliente consumiria com meus amigos, reconquistar a confiança da minha fa-
cocaína para ser positivamente reforçado com sensaçoes de mília. [Cliente responde com CRB 2, enfraquecendo o com
euforia e alívio de tensao frente a uma realidade psicossocial portamento de consumo e fortalecendo comportamentos
fragilizada. Mesmo produzindo reforçadores positivos em concorrentes e mais adaptativos. Como o CRB 1, na clínica
curto prazo, essa resposta pode representar uma puniçao da dependência química, tende a ocorrer com mais frequên
em longo prazo e provocar a perda de reforçadores, como a cia que o CRB 2, em alguns casos, mesmo que o terapeuta
nao resoluçao de suas questoes e o distanciamento gradati ignore o CRB 1 e busque evocar o CRB 2, a emissao deste
vo das pessoas de seu convívio. Como exemplo de um CRB último pode demorar demasiadamente.]
2, esse mesmo cliente, diante de uma situaçao de conflito e
geradora de craving, emitiria um comando direto a si mes T: Pelo que entendi, parece-me que de alguma forma
mo no sentido de tentar construir estratégias mais adapta você aprendeu que o crack te ajuda em algumas situaçoes
tivas de resoluçao de problemas e manejo da fissura. Um específicas, como te confortar em momentos de tristeza ou
CRB 3 aconteceria quando o próprio cliente verbalizasse ansiedade, e ainda te faz esquecer alguns problemas. Você
relaçoes funcionais que estabelece com a droga nao só em nao quer falar um pouco sobre esses problemas? Sao eles
seu contexto atual, mas também em contextos históricos, que te deixam triste ou ansioso? [Terapeuta interpreta a fala
promovendo a si mesmo um autoconhecimento profundo e do cliente e tenta convidálo a uma implicaçao mais histórica
orientador de um estilo de vida mais saudável e adaptativo, diante de seu consumo de droga.]
conforme ilustrado no diálogo terapeutacliente a seguir:
C: Como eu disse, desde pequeno eu sou assim. Minha
[Cliente Felipe (nome fictício, alterado para resguardar vida foi muito difícil. Meu pai bebia, batia na minha mae,
a privacidade e o sigilo), de 25 anos, relata ao terapeuta sua mas ele já morreu. E minha mae sempre foi muito rígida co-
dificuldade em interromper o consumo do crack, mesmo de migo, me prendia muito dentro de casa. Aí parece que eu me
sejando fazêlo. Na formulaçao do caso, identificouse que transformei num cara assim... sei lá...
o cliente tem dificuldades em estabelecer vínculos afetivos e
manterse por muito tempo em algum emprego. O pai, fale T: Interessante! Você falava há pouco sobre o consumo
cido, era alcoolista, e a mae, bastante repressora.] de droga, e agora fala de uma infância e adolescência um
pouco mais conturbada. Você acha que pode existir alguma
C: Eu nao sei o que acontece comigo. Sou muito an- relaçao entre isso tudo? [Terapeuta provoca a produçao de
sioso. Só o crack para me aliviar. Cada vez que tento parar CRB 3.]
com ele eu fico mais ansioso ainda. Nao sei o que acontece.
Preciso dele. [Cliente engajase em CRB 1.] C: Pode ser que sim... nao sei... (pausa) Quando eu
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desse autoconhecimento veio acompanhada de uma mu nao cabe aqui invalidar o discurso do behaviorismo meto
dança comportamental significativa quando do retorno do dológico de Pavlov e Watson, uma vez de sua importância
cliente na sessao seguinte.] reconhecida no cenário de estudos sobre análises de com
portamentos específicos, e de sua imprescindível aplicaçao
T: Parece-me que hoje você está mais animado. Quer prática no tratamento de diversos transtornos, como nas es
me contar algo? quizofrenias, retardos mentais ou outras complicaçoes em
que o prejuízo cognitivo impossibilite a autoobservaçao ou
C: Bem... a depender de meu chefe, ele continua o produçao de autoconhecimento, como proposto pelo con
mesmo (risos), mas na semana passada eu só bebi uma vez. dicionamento operante de Skinner, e que sustentam os con
Foi na sexta-feira. Na verdade um colega de trabalho me ceitos da FAP.
convidou, aí eu nao resisti. Confesso que ainda é um pouco Um terapeuta comportamental nao deve se interes
difícil parar de beber de uma vez só, mas eu sinto que estou sar pelo comportamento aditivo em si, em sua forma ou
melhorando. Nao sinto mais tanta vontade de beber depois topografia, mas nas condiçoes em que ele ocorre, seus an
do trabalho. Confesso que ainda vem uma vontade peque- tecedentes e consequentes, sua história de reforçamento
na, mas eu reflito sobre os nossos encontros e a vontade e puniçao e os efeitos destes sobre esse comportamento.
logo passa. Skinner já orientava que o analista do comportamento nao
deve se prender à topografia da resposta, e sim à sua fun
Retomando a interaçao lógica da FAP, podese come çao, ou seja, qual reforçador essa resposta produziu no pas
çar a especificar o que constitui o responder contingente do sado, pois é devido a essa história de reforçamento que a
terapeuta aos CRBs. Catania2 explica que, ao responder de resposta continua sendo emitida.
forma contingente a um CRB 1, o terapeuta promove um O objetivo deste trabalho foi apresentar um elo cien
importante ponto de transiçao de um comportamento pro tificamente embasado entre as teorias comportamentais e
blema a um comportamento de melhora. Porém, a autora o fenômeno da dependência química, confirmando o lugar
adverte quanto ao reforço de um CRB 1 enquanto um ma privilegiado que o behaviorismo radical ocupa no direcio
nejo inadequado segundo as regras da FAP, uma vez que namento da prática clínica de clientes portadores de trans
isso significaria fortalecer uma resposta relacionada ao pro tornos por uso de substâncias e adiçao. Para mais além, o
blema do cliente, que teria como proposta ser reduzida ou presente trabalho constitui um esforço útil para a especifi
extinguida. Nesse caso o curso de um CRB 1 é permitido até caçao do responder contingente do terapeuta na clínica da
que uma resposta concorrente apareça e seja imediatamen dependência química sob orientaçao da abordagem analíti
te reforçada, no caso, um CRB 2 ou CRB 3. Esse processo é cofuncional.
nomeado pela clínica analíticofuncional como “reforço dife Concluise que cabe ao terapeuta ter o maior número
rencial”, que em outras palavras implica açoes como ignorar possível de informaçoes a respeito das práticas de atuaçao
a emissao de CRB 1 e reforçar CRBs 2 e 3 ou relatos de da FAP, das ideias e propostas de diversos autores da área,
problemas e melhoras em relaçao a eventos que ocorrem, até mesmo para criticálos, além de muita resistência e resi
também, fora da sessao. liência à frustraçao para lidar com a unicidade e a variabili
dade das dificuldades apresentadas por clientes usuários de
Consideraçoes Finais álcool e drogas.
É imprescindível o desenvolvimento de propostas
O fenômeno da dependência química sob o olhar da comparativas mais extensas entre as técnicas e os princípios
FAP deve emergir para desmistificar as ideias errôneas das analíticocomportamentais de atuaçao terapêutica na clínica
terapias comportamentais enquanto processos que focam da dependência química orientada pela FAP. Afinal, tais com
em comportamentos específicos e que se baseiam em técni paraçoes podem enriquecer as discussoes entre diferentes
cas específicas para mudanças de comportamento enquanto teorias e suscitar o diálogo de temas e práticas, comuns ou
orientadoras de seu trabalho, como considerado pelos con nao, bastante relevantes no auxílio do manejo de comporta
dicionamentos reflexos e respondentes. Em contrapartida, mentos aditivos que sao, no mínimo, desafiadores.