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DISCUTINDO O ATENTAR COMO COMPORTAMENTO PRECORRENTE NA CLÍNICA

ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL: ESTENDENDO A AVALIAÇÃO FUNCIONAL1

Nicodemos Batista Borges

Universidade São Judas Tadeu (USJT)

Núcleo Paradigma

Clínica analítico-comportamental é o termo atribuído a uma prática clínica em que o

profissional se baseia nos princípios advindos da Análise do Comportamento e na filosofia

Behaviorista Radical, sendo o termo cunhado para diferenciá-la de outras práticas clínicas

comportamentais (Zamignani, Silva Neto & Meyer, 2008).

Um dos diferenciais dessa prática clínica é a sua fundamentação na avaliação

funcional, que, segundo Meyer (1997), é a principal ferramenta do clínico analítico-

comportamental. Em seu artigo, Meyer discute a complexidade das relações funcionais

envolvidas em casos clínicos e, consequentemente, a dificuldade de se organizar as

informações levantadas junto ao cliente — assuntos esses que serão retomados a posteriori

neste artigo.

Antes de discutir a organização das informações coletadas junto ao cliente, vale

ressaltar que o termo avaliação funcional vem sendo utilizado mais recentemente, em

detrimento a análise funcional, muito usado até o início da década de 2000. Essa mudança se

deveu a discussões (Andery, Micheletto & Sério, 2001; Baer, Wolf & Risley, 1968; Carr,

Langdon & Yarbrough, 1999; Sturmey, 1996, 2008) que apontaram que o termo análise

funcional deve se restringir a métodos que sistematicamente manipulem variáveis

independentes, o que geralmente só se encontra em situações de pesquisa. Em decorrência,

avaliação funcional tem sido empregada para se referir a uma avaliação ou descrição funcional,

que consiste da busca de correlações entre eventos (Sturmey, 2008), sendo esse o melhor

termo para descrever o que o clínico analítico-comportamental faz em seu trabalho.

1
Capítulo de livro publicado na coleção Sobre Comportamento e Cognição: Terapia comportamental e
cognitivas. Volume 27, p. 367-378.
Como principal ferramenta de trabalho, a avaliação funcional é utilizada pelo clínico

analítico-comportamental em todos os momentos da terapia. Apesar de didaticamente se

separar o processo terapêutico em partes — avaliação inicial, planejamento da intervenção,

intervenção, avaliação de resultados e follow-up –—, na prática, a avaliação e a intervenção

ocorrem durante todo o processo, mudando possivelmente apenas a ênfase que é dada a cada

um desses procedimentos.

Cabe ao clínico analisar, a partir da avaliação funcional, a dinâmica de funcionamento

dos comportamentos clinicamente relevante de seu cliente (respostas abertas e encobertas e

as variáveis ambientais que as afetam, sejam essas subsequentes, imediatamente

antecedentes ou históricas). Borges (2009) complementa que essa avaliação deve privilegiar

uma perspectiva molecular (uma classe de resposta específica e suas variáveis de controle) e

também molar (o papel dessa classe sobre todo o repertório comportamental do indivíduo).

Como se pode perceber, não é por acaso que a avaliação funcional é eleita pela

comunidade de clínicos analítico-comportamentais como a principal ferramenta no trabalho

clínico, pois sendo ela bem feita, é possível uma maior compreensão dos comportamentos

clinicamente relevantes, bem como o planejamento de intervenções que visem modificar

aqueles comportamentos que motivaram o cliente a buscar ajuda.

Apesar da importância que a avaliação funcional exerce no processo clínico analítico-

comportamental, são poucos os trabalhos (e.g., Follette, Naugle & Linnerooth, 1999; Meyer,

1997) que têm se dedicado a discutir essa ferramenta.

Observações não-sistemáticas e diálogos entre profissionais desse referencial teórico

apontam um padrão de comportamento apresentado por clínicos iniciantes diferente daquele

que eles precisariam apresentar. Percebe-se que muitos deles iniciam na prática clínica com

uma crença de que avaliação funcional consiste, exclusivamente, da identificação e mudança

dos comportamentos-queixa entendidos como o responder e suas consequências e condições

discriminativas temporalmente próximas dessas respostas, ou seja, analisando apenas uma

tríplice contingência.

Parte desse problema, acredita-se, decorre da maneira como se ensina Análise do

Comportamento na graduação, que geralmente se limita à disciplina de Psicologia


Experimental ou Análise Experimental do Comportamento (AEC). Nessas disciplinas, em geral,

é enfatizada a busca por relações em que variáveis imediatamente antecedentes e/ou

consequentes afetam o responder, não se discutindo a importância de se considerar aspectos

históricos do comportamento. Porém, no consultório não se trabalha com sujeitos ingênuos,

como os ratos no laboratório, mas sim com indivíduos com longas histórias de interações, as

quais terão de ser exploradas para se planejar intervenções efetivas.

Assim, de modo geral, o presente artigo visa discutir a importância de se elaborar uma

avaliação funcional molar, não se limitando a análise da tríplice contingência. Especificamente,

pretende-se discutir algumas implicações da introdução de comportamentos precorrentes em

uma avaliação funcional.

Esse trabalho se justifica (i) pela escassez de artigos que versam sobre

comportamentos precorrentes na clínica, visto que só se encontram artigos experimentais e

poucos artigos teóricos; e (ii) pela relevância, para o trabalho do clínico, de se identificarem

comportamentos precorrentes, principalmente quando a compreensão da dinâmica de

funcionamento de alguns clientes não é possível por meio de uma avaliação funcional limitada

à tríplice contingência (Sd – R – C).

Unidade de comportamento

De Rose (1999) apresenta uma discussão dedicada a explorar o conceito de

comportamento, bem como algumas de suas implicações. Nela, encontra-se a seguinte

passagem:

O comportamento de qualquer organismo é contínuo, um fluxo de atividades que nunca

cessa. Nesse comportamento, tomado em sentido genérico, distinguimos

comportamentos específicos, isto é, procuramos encontrar unidades que se repetem... e

somos nós que arbitrariamente o dividimos em unidades. (De Rose, 1999, p. 80)

Nesse trecho, de Rose lembra que comportamento é um contínuo de relações. Desse

ponto de vista, são interações organismo-ambiente — nomeada comportamento — que se

tornam mais complexas a cada nova interação em que o organismo se envolve, pois decorrem

de sobreposições e entrelaçamentos entre essa nova interação e todas as anteriores


vivenciadas. Todos os psicólogos, de todas as escolas da psicologia, fazem, contudo, apenas

recortes nesse contínuo para explicarem/descreverem o comportamento humano, não sendo

diferente no caso de analistas do comportamento. A esse recorte, de Rose (1999) atribui o

termo unidade de comportamento.

Para os analistas do comportamento, a unidade de comportamento é também

conhecida como operante, e consiste de uma classe de respostas (conjunto de respostas que

exercem a mesma função, ou seja, produzem o mesmo tipo de consequência) e a

consequência comum que elas produzem. Cabe ressaltar que não se está dizendo que é

possível explicar todo o comportamento de um organismo observando um ou alguns operantes,

mas que é possível se identificarem a instalação e a manutenção de comportamentos

clinicamente relevante. Caso o interesse esteja na explicação do comportamento humano

complexo, será necessário considerar toda a história desse organismo, o que, segundo Skinner

(1981/1984), inclui a análise de suas histórias filogenética, ontogenética e cultural.

Na tradição dos analistas do comportamento, inclusive o clínico, não é comum recorrer

a toda a história de um indivíduo com seu ambiente (até mesmo pela impossibilidade) para

descrever, predizer e modificar um comportamento. A extensão da análise deve ser feita até o

ponto em que se encontrem informações suficientes para produzir mudanças consistentes

naquelas interações trazidas como problemas. Todavia, espera-se do clínico um levantamento

breve da história de vida de seu cliente, especialmente dos aspectos ligados ao

desenvolvimento de comportamentos clinicamente relevante e principalmente a ampliação da

unidade de análise até que se encontrem os elementos que têm afetado e mantido aquelas

classes de respostas, que serão alvos nas intervenções..

A fim de facilitar a discussão que se segue, o presente manuscrito utilizará o termo

comportamento corrente para se referir ao operante a partir da qual o clínico inicia sua análise,

que frequentemente é o comportamento-queixa trazido pelo cliente.

Estendendo a unidade de comportamento

Muitas vezes, a avaliação do comportamento corrente será insuficiente para a predição

e modificação do comportamento clinicamente relevante apresentado pelo cliente. Nesses


casos, o clínico analítico-comportamental deverá recorrer ou estender sua avaliação a

comportamentos precorrentes.

De acordo com a literatura (Pessôa & Sério, 2006; Strapasson, 2008; Strapasson &

Dittrich, 2008), comportamento precorrente é aquele que ocorre antes de outro numa cadeia

comportamental, e que é importante para a compreensão da relação que se segue, a qual é

chamada de comportamento corrente ou principal.

A Figura 1 apresenta o paradigma da interação comportamento precorrente e

comportamento corrente, em que um comportamento antecede a outro e ambos pertencem a

uma cadeia comportamental.

INSERIR FIGURA 1 APROXIMADAMENTE AQUI

Ao se observar a Figura 1, verifica-se que um comportamento precorrente (Rp) produz

como consequência o estímulo 1 (S1) que tem dupla função: reforçador da resposta

precorrente e discriminativo para a resposta corrente (Rc). A função reforçadora é adquirida a

partir de uma história de pareamento entre esse estímulo (S1) e o estímulo final da cadeia

comportamental (S2). A apresentação de S1 é a ocasião que seguida por uma resposta da

classe do comportamento corrente produzirá a evitação (esquiva) de um aversivo (S2).

Na clínica analítico-comportamental, elegem-se como comportamentos correntes

aquelas relações que o cliente descreve como problemáticas. E caberá ao clínico, num

primeiro momento, identificar quais são as respostas que compõem essas classes, ou seja, as

respostas correntes (Rc), as consequências (C) que produzem e as condições em que essas

respostas são evocadas (Sd). Por muitas vezes, o que se identificará é que outras relações

(comportamentos precorrentes) serão as condições que evocam o comportamento principal.

Nesses casos, a análise dos comportamentos precorrentes pode ser útil para a compreensão

do funcionamento (avaliação) dos comportamentos clinicamente relevantes e para a

programação da intervenção.

A consideração dos comportamentos precorrentes como parte da cadeia

comportamental do comportamento corrente permitirá ao clínico organizar e planejar sua

avaliação e intervenção sem ter de remeter a explicações mentalistas, tais como impulsos,

pulsões ou distorções cognitivas.


O prestar atenção como um comportamento precorrente

De Rose (1999) chama a atenção para um problema que decorre do mentalismo:

Comportamentos operantes constituem a maior parte das atividades visíveis dos seres

humanos, mas até mesmo aquela atividade frequentemente invisível que nós

denominamos pensamento envolve comportamentos operantes, reduzidos em sua

magnitude ao ponto de tornarem-se invisíveis para os demais, como quando uma pessoa

fala para si própria. . . . Esses comportamentos invisíveis são denominados de

comportamentos encobertos. . . . Infelizmente, em nossa cultura, inventou-se, para

explicar a ocorrência de comportamentos encobertos, uma entidade imaterial

denominada mente. Essa noção nos levou a perder de vista o fato de que

comportamentos encobertos são operantes, do mesmo modo que os comportamentos

visíveis. (De Rose, 1999, p. 80)

Uma análise que considera apenas o operante simples (R-S) pode se demonstrar

limitada para descrever um comportamento que é controlado, entre outros elementos, pela

observação de um estímulo ou dimensão dele. Como exemplo, podem-se citar clientes com

diagnóstico de Transtorno Dismórfico Corporal, que são frequentemente rotulados como

pessoas que sofrem de ―distorções cognitivas‖, pois, aos olhos dos outros, não apresentam a

deformidade que eles acreditam ter.

No livro Controle de Estímulos e Comportamento Operante: Uma introdução, Sério,

Andery, Gioia e Micheletto (2002) discutem, entre outros assuntos, a atenção numa ótica

analítico-comportamental e discorrem que se deve compreende-la como uma relação operante

que sofre influência da história vivida pelo indivíduo e por contingências presentes. Strapasson

e Dittrich (2008), revisando a noção de prestar atenção na obra de Skinner, também defendem

que o atentar pode ser entendido como um operante, todavia apontam alguns outros aspectos

de fundamental importância para analisar o atentar.

Nessa revisão, os autores identificaram que Skinner trata o prestar atenção de

diferentes formas. Uma dessas formas é respondente e caracteriza-se por situações em que o

atentar é atraído ou capturado. Exemplos do prestar atenção respondente seria o olhar (UR -
sigla inglesa para resposta incondicionada) imediatamente e na direção do som quando se

ouve uma buzina (US – sigla inglesa para estímulo incondicional).

Numa segunda perspectiva, o prestar atenção é analisado como controle de estímulos,

tratando-se de um operante discriminado, em que respostas de uma classe têm probabilidade

de ocorrerem mais frequentemente em determinadas ocasiões que em outras. Essas ocasiões

se tornaram discriminativas formando diferentes classes de respostas por decorrência de uma

história de diferenciação no reforçamento contingente às respostas — reforçamento na

presença e não na ausência de uma condição, reforçamento sob esquemas diferentes em cada
2
ocasião, maior quantidade de reforçadores numa condição que na outra, etc — quando

condições desiguais foram apresentadas. Assim, o organismo passa a responder distintamente

de acordo com as ocasiões (discriminação). Skinner (1953/1998) diz que um organismo está

atentando a um detalhe quando seu responder está predominantemente sob controle dele.

Porém, torna-se muitas vezes necessário entender como esses detalhes — que

começam a participar do controle do comportamento — adquiriram controle sobre o responder.

Nesses casos, a análise deve se estender para além da tríplice contingência do

comportamento corrente.

A linha de pesquisa da Análise do Comportamento que estuda essas relações é

conhecida como comportamento precorrente. Como o próprio nome informa, trata-se da área

de pesquisas que visam compreender melhor como se dão as relações entre um

comportamento precorrente (que acontece anteriormente) — que produz como consequência a

exposição a estímulos que têm função discriminativa para outro comportamento — e esse

outro comportamento chamado comportamento corrente — que produz consequências que

mantêm todas as relações entre esses operantes.

Essa área de pesquisa tem sido importante para os analistas do comportamento

poderem explicar o prestar atenção sem precisar recorrer a explicações mentalistas, como

―distorções cognitivas‖.

Analisar o prestar atenção como comportamento precorrente implica em compreendê-

lo como parte de uma cadeia comportamental. Assim, trata-se de comportamento operante,

2
Para uma melhor discussão sobre discriminação sugere-se a leitura de Michael (1982)
tendo como diferença o tipo de consequência, que se tratando de comportamento precorrente

sempre será um reforçador condicionado (Strapasson & Dittrich, 2008). Em outras palavras, a

consequência que mantém um comportamento precorrente será a apresentação de estímulos

discriminativos para outro operante (comportamento corrente).

Strapasson e Dittrich (2008) apontam que os comportamentos precorrentes devem ser

considerados numa avaliação funcional quando ―a análise da contingência principal não for

suficiente para a previsão e controle do comportamento de determinado organismo em

determinado contexto‖ (p. 523). Sugere-se que os comportamentos precorrentes sejam

integrados na avaliação funcional, inclusive nos casos em que — apesar de se conseguir

prever e controlar o responder — não esteja claro quais elementos fazem parte do controle

antecedente daquela classe de respostas, o que muitas vezes será essencial para que a

implementação da intervenção tenha êxito.

Algumas implicações da extensão da avaliação funcional aos comportamentos precorrentes

para a prática clínica

Na tradição da filosofia Behaviorista Radical, diz-se que comportamento é a interação

entre organismo e ambiente. Desse modo, sempre que se quer entender o fazer de alguém, é

preciso observar não só a maneira como ele responde (age, pensa ou sente), mas também os

aspectos do meio que afetam esse responder — leia-se como meio tudo e apenas o que afeta

esse responder, inclusive outras ações, pensamentos e sentimentos.

É muito comum, por exemplo, quando uma criança apresenta birras na frente de sua

mãe e não na sua ausência, que o clínico analítico-comportamental, ainda que aprendiz,

identifique o papel discriminativo que a presença dessa mãe exerce em relação à resposta de

birra da criança; igualmente, não é difícil supor que essa relação se mantém, possivelmente,

pelo efeito reforçador que o responder da mãe (contingente ao responder da criança) exerce

sobre a birra da criança.

Entretanto, há ocasiões em que clientes chegam aos consultórios dos psicólogos com

queixas avaliadas como de maior grau de complexidade. Geralmente são aquelas queixas em

que se identificam elementos encobertos e/ou históricos como parte da relação a se avaliar.
Nesses casos, é exigido que o clínico identifique muito mais do que as condições

discriminativas, as respostas e as consequências mantenedoras, se seu objetivo for

compreender o funcionamento daquele comportamento. Nesses casos, os clínicos aprendizes

apresentam, muitas vezes, maior dificuldade na construção de sua avaliação funcional, ou em

alguns casos recorrerem a teorias mentalistas.

Essas queixas exigem que o clínico considere os comportamentos precorrentes na

construção da avaliação funcional, pois sem essa ampliação, a compreensão da dinâmica

comportamental do cliente não será possível, a menos que se atribua à mente ou à

personalidade um papel causal, o que pode implicar um conflito teórico/filosófico. Ademais,

poderá dificultar o planejamento da intervenção, pois obscurecerá as relações com o ambiente

que poderiam ser consideradas no programa de intervenção.

Estudo de caso

É possível clarificar essas relações entre comportamentos precorrentes e correntes por

meio da análise de um caso clínico. Todavia, vale ressaltar que aqui se dará maior ênfase à

avaliação funcional em detrimento à intervenção e aos resultados decorrentes dessa avaliação.

A preferência se deu por acreditar que, nesse momento, o importante é a discussão sobre a

ferramenta de avaliação do clínico analítico-comportamental.

João (nome fictício), um rapaz alto e bonito de 28 anos, chega ao consultório se

queixando de como se sente em relação a si mesmo: ―me sinto um lixo, uma fraude, faço tudo

errado e sofro muito com isso‖ (sic).

Ao iniciar o levantamento de informações para a construção da avaliação funcional,

verifica-se que João se formou em uma universidade de excelência em sua área, está noivo

―de uma linda mulher‖ (segundo suas palavras), mora com os pais, mas tem seu próprio

apartamento praticamente mobiliado (aguarda apenas o casamento), tem muitos conhecidos e

alguns amigos, bem como exerce cargo de liderança em um tradicional escritório. Questionado

sobre o porquê de se sentir um ―lixo‖, relata que as pessoas não sabem quem ele é e que caso

soubessem veriam a ―fraude‖ que é, que não sabe como as pessoas não se dão conta disso e

que, às vezes, acredita que elas notam, mas não falam nada por compaixão.
Solicitado a descrever algumas situações em que se sente dessa maneira, relata as

seguintes:

 ―Sempre que tenho que participar de uma reunião, sinto muito medo, tremo,

suo, fico muito preocupado, erro palavras, acredita que os outros não estão gostando,

etc‖ (sic). Porém, quando questionado sobre os resultados das reuniões, diz que foram

satisfatórios, no sentido que o negócio foi fechado ou o cliente ficou satisfeito.

 ―Quando estou com minha namorada sinto que ela não gosta de mim, pois ela

olha para os outros na rua, apesar dela negar ter olhado. Eu não a mereço, pois ela é

linda e merece um cara lindo. Não sei o que ela vê em mim‖ (sic). Perguntado se ele já

a questionou sobre seus interesses nele, o cliente relata que sua namorada diz amá-lo,

que ele é uma pessoa boa, bonita, inteligente e que não há nada que o desabonasse,

pelo menos que ela saiba.

 Com os amigos: ―sinto-me sempre incomodado, inclusive já pensei em me

afastar deles, mas acho que ficaria pior. Gosto deles e vou sair com eles enquanto eles

me aceitarem... Todos são bem sucedidos e inteligentes, diferente de mim... Sempre

me divirto com eles... Eles não vêem ou fingem não ver que às vezes eu dou umas

gafes‖ (sic). Após uma melhor investigação, supõe-se que os amigos não têm queixas

sobre seus comportamentos e que, se as tivessem, as relatariam ou se afastariam

dele, como já fizeram com outras pessoas.

A partir dessas descrições, de modo geral, é possível que o clínico se questione sobre

qual será o problema desse cliente. Afinal, não se verifica nenhuma relação que aparenta

controle aversivo ou que haja perda de reforçadores — sendo essas as relações que podem

gerar sofrimento e geralmente levam alguém a procurar um clínico.

Contudo, na perspectiva analítico-comportamental, deve-se considerar a idiossincrasia

do indivíduo e, se o cliente se queixa de sofrimento de fato devem existir relações vivenciadas

por ele como aversivas, cabendo ao clínico identificá-las.

Uma análise mais cuidadosa permite verificar que o cliente apresenta uma descrição

de si e de suas experiências que não correspondem a de outras pessoas do seu convívio, ou

seja, ele se observa de um modo diferente do que os outros o vêem — inclusive o próprio
clínico. Além disso, ele descreve as situações enfatizando aspectos que, para outros, teriam

menor significância. Nesse caso, esse é o comportamento que o clínico deve focar, ou melhor,

será esse o comportamento clinicamente relevante que será alvo da intervenção.

Numa perspectiva mentalista e/ou internalista, o problema seria descrito como

―distorção cognitiva‖, ―baixa auto-estima‖, problema de ―autoconfiança‖, etc. Contudo, como

bem aponta Skinner (1974/2002) ―expressões desse tipo simplesmente atribuem a imaginários

processos interiores aquilo que cumpre encontrar na dotação genética e na história pessoal‖ (p.

67). É na história vivida (ontogenética) e/ou na dotação genética (história filogenética) do

indivíduo que se encontrará explicação para o prestar atenção de um indivíduo. Esse modo de

responder do cliente é afetado por duas condições: história de discriminação e/ou condições

motivacionais (ou operações estabelecedoras).

Todavia, antes de se falar dessas condições que afetam o prestar atenção, vale

ressaltar que Skinner dá a dica do que deve controlar o comportamento do clínico nessas

ocasiões em que aparentemente não há condições desfavoráveis (punições ou perdas de

reforçadores) ao cliente, mas que há sofrimento vivenciado. Diz Skinner: ―para investigar como

uma situação parece a determinada pessoa, ou como ela a interpreta, ou que significado tem

para ela, precisamos examinar-lhe o comportamento em relação à situação, inclusive suas

descrições dela‖ (Skinner, 1974/2002, p. 69).

Como apontou Skinner, o clínico não deve se ater apenas para o conteúdo do relato do

cliente, mas também para o padrão como ele relata. O relatar do cliente é também um

comportamento. No caso de João, trata-se de um comportamento clinicamente relevante, pois

fornece dicas sobre seu comportamento de atentar.

Quando o clínico observa o relato de João, nota que ele enfatiza — passando boa

parte da sessão falando sobre (prestando atenção) — uma pequena parte de toda a situação

que vivenciou. Nas ocasiões que fala sobre as reuniões, em que muitas coisas aconteceram,

João dedica grande parte do tempo falando sobre ―a cara de descontente‖ que uma pessoa

que estava presente fez, e pouco fala sobre a expressão de todos os outros integrantes da

reunião. Quando o assunto é a namorada olhar para os outros, verificou-se que se tratam de

situações na qual ela olhou por alguns segundos (de acordo com seu próprio relato) na direção
de outro homem e que a namorada relata que não estava olhando; todavia, ele enfatiza esses

episódios e atribui a eles a falta de interesse da namorada por ele. O mesmo parece ocorrer

quando João se encontra com amigos, posteriormente repassa os momentos checando se não

cometeu nenhum ―erro‖ e, caso acredite ter cometido, fica se culpando e pensando sobre o que

seus amigos pensaram e estão pensando sobre ele.

Todas as situações narradas no decorrer das sessões terapêuticas indicavam que o

comportamento clinicamente relevante de João não era o comportamento corrente — nesse

caso, estão sendo chamados de comportamentos correntes aqueles a que João é submetido

diariamente e os quais são apresentados por ele como queixa —, mas o prestar atenção, que é

um comportamento precorrente aos descritos por João como problemas.

O prestar atenção tem como função produzir estímulos discriminativos para

comportamentos correntes. Skinner descreve que ―qualquer ato que traga o organismo em

contato com um estímulo discriminativo, ou que clarifique ou intensifique seu efeito, é reforçado

por esse resultado e deve ser explicado nestes termos‖ (Skinner, 1957/1999, p. 156). Desse

modo, o comportamento precorrente deve ser avaliado como operante e, como tal, está sob

controle de contingências que precisam ser identificadas na avaliação funcional.

O alvo da intervenção foi o atentar de João, que estava sob controle de uma pequena

parte dos eventos (sob controle de uma dimensão ou parte do estímulo inteiro) ocorridos na

situação, e não sob controle de toda ela. A manutenção desse comportamento ocorria por

reforçamento negativo, visto que o atentar a esses pequenos eventos tornava-se ocasião para

que ele se engajasse em respostas que eliminassem a possibilidade de perder a namorada ou

os amigos, por exemplo. Além disso, outra contingência que poderia explicar a manutenção

desse comportamento seriam as possíveis punições que vez ou outra ocorram, como o não

fechamento de um contrato, por exemplo — o que não necessariamente é consequência do

seu comportamento, podendo ser, muitas vezes, relações de contiguidade.

Investigando a história de João, parece que esse comportamento de atentar a parcelas

que sinalizam punição se desenvolveu a partir das experiências vivenciadas com a família

(pais), que parecem ter sido punitivas. Nesse caso, parece ter havido uma longa história de

reforçamento diferencial que o tornou sensível a eventos que podem sugerir punição, levando-
o a apresentar sofrimento diante dessas situações (respondentes mantidos por eventuais

punições que ocorrem) e emitir respostas de esquiva, que acabam por manter todo um

entrelaçamento comportamental.

Um esquema possível para compreender o comportamento de João é apresentado na

Figura 2.

INSERIR FIGURA 2 APROXIMADAMENTE AQUI

Ao se observar a Figura 2, verifica-se que ocorrem vários comportamentos

precorrentes (Ra1, Ra2, Rb1, Rb2 Rc1, Rc2) em diferentes situações (Sa, Sb, Sc), os quais

produzem diferentes consequências (Ca1, Ca2, Cb1, Cb2 Cc1, Cc2). Além disso, há outro

comportamento precorrente que consiste em atentar para alguns desses elementos (Ra2, Rb1,

Rb2, Rc1 e Cc1) — que, no exemplo, são representados pela caixa cinza, sendo que as

respostas que estão em itálico (todas menos Rb1) pertencem a uma classe de respostas que

têm como consequência punição (chamada pelo cliente de comportamentos inadequados) e,

portanto, apesar de ocorrerem, ele não desejaria que elas ocorressem. As consequências de

atentar (i) para essas respostas não desejadas por ele e (ii) para a consequência aversiva que

se seguiu a uma delas (Cc1) são relatar fortemente sob controle desses seus comportamentos

(operante 2) e seu autoconceito ruim (operante 3). Por outro lado, esses outros operantes

decorrentes do atentar acabam por fortalecer seu comportamento precorrente de atentar a

esses elementos, pois atentar para seus ―comportamentos inadequados‖ é mantido por

evitação (esquiva) da punição ou diminuição de sua intensidade, quando for inevitável. Com

isso, todo esse entrelaçamento acaba por se manter através de retroalimentação.

Voltando a uma visão menos minuciosa, como a encontrada na Figura 1, pode-se dizer

que o prestar atenção aos pequenos eventos aversivos (Rp, que na Figura 2, trata-se da caixa

cinza) tornam visíveis os sinais (S1, que na Figura 2, tratam-se das respostas e do Cc1 que se

encontram na caixa cinza) diante dos quais ele se comporta (Rc, que na Figura 2 tratam-se dos

operantes 2 e 3) evitando possíveis perdas ou punições (S2), mantendo a tendência de

manutenção do comportamento, fortalecendo não só o comportamento de atentar, como os

outros operantes, relatar suas inadequações (operante 2) e julgar-se (operante 3).


Partindo da avaliação que o relatar de João poderia ser considerado um

comportamento clinicamente relevante a ser modificado, uma linha de intervenção consistiu de

consequenciar diferencialmente seus relatos sobre as experiências vivenciadas e solicitar

observações e registros de situações vividas, visando estabelecer um repertório de relatar

(esperando que isso também alterasse seu repertório de observar) os eventos, dedicando

tempo e discussões proporcionais aos episódios ocorridos em uma situação. Em outras

palavras, trabalhou-se para que suas avaliações e julgamentos considerassem toda a situação

e não apenas aquela pequena parcela em que ele pode não ter se saído muito bem.

Uma segunda direção das intervenções consistiu em promover condições que

alterassem os valores das possíveis consequências (o que se efetivo exerceria função de

Operação Estabelecedora), tornando-as mais brandas. Essa linha de intervenção se deu por

meio de solicitações de reflexões sobre as situações, sobre aspectos de sua história de vida e

propostas de exercícios de avaliação. Nesse segundo conjunto de intervenções, pretendeu-se

que João identificasse quais as possíveis consequências para cada situação, inclusive

avaliando a intensidade de cada uma delas e possíveis respostas de enfrentamento no caso

delas ocorrerem, fazendo assim com que os valores atribuídos às consequências fossem

revistos.

Essas intervenções levaram João a não mais sofrer, além de tornar seus

comportamentos de relatar e autojulgar mais correspondentes ao seu funcionamento,

permitindo-o identificar diversos comportamentos que produziam reforçadores. Outra

consequência foi a melhora nas relações interpessoais, pois alguns comportamentos como

gaguejar, suar, ruborizar e falar pouco, diminuíram ou cessaram, embora tais comportamentos

nunca tenham sido emitidos em freqüências ou intensidades que trouxessem

comprometimento social.

Considerações Finais

É papel do clínico analítico-comportamental avaliar o comportamento do seu cliente

sem recorrer a julgamento de valores ou explicações internalistas (Borges, 2009). Desse modo,

não faz parte de sua prática atribuir às cognições ou personalidade a determinação do

comportamento do cliente de atentar a certos eventos e não a outros.


Todavia, o clínico analítico-comportamental não precisa restringir suas intervenções a

comportamentos clinicamente relevante abertos (que sejam de fácil acesso público à

comunidade). Muitas vezes, esse profissional se depara com clientes que apresentam queixas

―existenciais‖, ―internas‖ (problemas comportamentais que a comunidade não tem acesso direto

ou que parecem não ter relação com eventos do ambiente), como foi o caso de João.

A Análise do Comportamento é uma abordagem que estuda todo e qualquer

comportamento, tendo ele elementos abertos ou encobertos, ―manifestos‖ ou ―latentes‖,

―cognitivos‖ ou ―existenciais‖, filogenéticos, ontogenéticos ou culturais. Enfim, o analista do

comportamento delimita sua unidade de análise a partir dos seus objetivos, no caso do clínico,

a partir da queixa apresentada pelo cliente. Porém, essa extensão da unidade será

considerada apropriada quando identificar as classes de respostas que fazem parte do

comportamento clinicamente relevante alvo, bem como as variáveis do ambiente que as afetam

(o que pode incluir outros operantes do seu repertório), preferencialmente chegando a

elementos do ambiente externo ao organismo.

Este artigo teve como objetivo discutir o prestar atenção como um comportamento

passível de compreensão e intervenção por clínicos analítico-comportamentais. O prestar

atenção é um comportamento que deve ser investigado como controle de estímulos ou

comportamentos precorrentes e é de grande importância para a prática clínica que se propõe

externalista – no sentido de entender os problemas dos clientes a partir de suas interações

com o ambiente. Além disso, se propôs a mostrar que mesmo partindo de uma visão

externalista é possível trabalhar com queixas que aparentemente são ―internas‖ ou

―existenciais‖.

Se a prática do clínico analítico-comportamental é externalista, quando o levantamento

da tríplice contingência (Sd – R – C) não for suficiente para compreender o funcionamento ou

planejar uma intervenção, a análise deve se expandir para outros elementos, como condições

estabelecedoras, comportamentos precorrentes, discriminação de segunda ordem, etc., até

que seja possível identificar os elementos dessa interação que estejam afetando aquele

problema.
Um último apontamento é a importância de se considerar análises moleculares e

molares que identifiquem o impacto dos comportamentos avaliados sobre os demais

comportamentos do repertório do cliente. Em outras palavras, a avaliação funcional deve

identificar as relações específicas entre o cliente e seu ambiente considerando o impacto que

essas relações específicas exercem sobre a relação organismo-ambiente como um todo,

inclusive no planejamento da intervenção.

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