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Behaviorista Radical, sendo o termo cunhado para diferenciá-la de outras práticas clínicas
informações levantadas junto ao cliente — assuntos esses que serão retomados a posteriori
neste artigo.
ressaltar que o termo avaliação funcional vem sendo utilizado mais recentemente, em
detrimento a análise funcional, muito usado até o início da década de 2000. Essa mudança se
deveu a discussões (Andery, Micheletto & Sério, 2001; Baer, Wolf & Risley, 1968; Carr,
Langdon & Yarbrough, 1999; Sturmey, 1996, 2008) que apontaram que o termo análise
avaliação funcional tem sido empregada para se referir a uma avaliação ou descrição funcional,
que consiste da busca de correlações entre eventos (Sturmey, 2008), sendo esse o melhor
1
Capítulo de livro publicado na coleção Sobre Comportamento e Cognição: Terapia comportamental e
cognitivas. Volume 27, p. 367-378.
Como principal ferramenta de trabalho, a avaliação funcional é utilizada pelo clínico
ocorrem durante todo o processo, mudando possivelmente apenas a ênfase que é dada a cada
um desses procedimentos.
antecedentes ou históricas). Borges (2009) complementa que essa avaliação deve privilegiar
uma perspectiva molecular (uma classe de resposta específica e suas variáveis de controle) e
também molar (o papel dessa classe sobre todo o repertório comportamental do indivíduo).
Como se pode perceber, não é por acaso que a avaliação funcional é eleita pela
clínico, pois sendo ela bem feita, é possível uma maior compreensão dos comportamentos
comportamental, são poucos os trabalhos (e.g., Follette, Naugle & Linnerooth, 1999; Meyer,
que eles precisariam apresentar. Percebe-se que muitos deles iniciam na prática clínica com
tríplice contingência.
como os ratos no laboratório, mas sim com indivíduos com longas histórias de interações, as
Assim, de modo geral, o presente artigo visa discutir a importância de se elaborar uma
Esse trabalho se justifica (i) pela escassez de artigos que versam sobre
poucos artigos teóricos; e (ii) pela relevância, para o trabalho do clínico, de se identificarem
funcionamento de alguns clientes não é possível por meio de uma avaliação funcional limitada
Unidade de comportamento
passagem:
somos nós que arbitrariamente o dividimos em unidades. (De Rose, 1999, p. 80)
tornam mais complexas a cada nova interação em que o organismo se envolve, pois decorrem
conhecida como operante, e consiste de uma classe de respostas (conjunto de respostas que
consequência comum que elas produzem. Cabe ressaltar que não se está dizendo que é
complexo, será necessário considerar toda a história desse organismo, o que, segundo Skinner
a toda a história de um indivíduo com seu ambiente (até mesmo pela impossibilidade) para
descrever, predizer e modificar um comportamento. A extensão da análise deve ser feita até o
unidade de análise até que se encontrem os elementos que têm afetado e mantido aquelas
comportamento corrente para se referir ao operante a partir da qual o clínico inicia sua análise,
comportamentos precorrentes.
De acordo com a literatura (Pessôa & Sério, 2006; Strapasson, 2008; Strapasson &
Dittrich, 2008), comportamento precorrente é aquele que ocorre antes de outro numa cadeia
como consequência o estímulo 1 (S1) que tem dupla função: reforçador da resposta
partir de uma história de pareamento entre esse estímulo (S1) e o estímulo final da cadeia
aquelas relações que o cliente descreve como problemáticas. E caberá ao clínico, num
primeiro momento, identificar quais são as respostas que compõem essas classes, ou seja, as
respostas correntes (Rc), as consequências (C) que produzem e as condições em que essas
respostas são evocadas (Sd). Por muitas vezes, o que se identificará é que outras relações
Nesses casos, a análise dos comportamentos precorrentes pode ser útil para a compreensão
programação da intervenção.
avaliação e intervenção sem ter de remeter a explicações mentalistas, tais como impulsos,
Comportamentos operantes constituem a maior parte das atividades visíveis dos seres
humanos, mas até mesmo aquela atividade frequentemente invisível que nós
magnitude ao ponto de tornarem-se invisíveis para os demais, como quando uma pessoa
denominada mente. Essa noção nos levou a perder de vista o fato de que
Uma análise que considera apenas o operante simples (R-S) pode se demonstrar
limitada para descrever um comportamento que é controlado, entre outros elementos, pela
observação de um estímulo ou dimensão dele. Como exemplo, podem-se citar clientes com
pessoas que sofrem de ―distorções cognitivas‖, pois, aos olhos dos outros, não apresentam a
Andery, Gioia e Micheletto (2002) discutem, entre outros assuntos, a atenção numa ótica
que sofre influência da história vivida pelo indivíduo e por contingências presentes. Strapasson
e Dittrich (2008), revisando a noção de prestar atenção na obra de Skinner, também defendem
que o atentar pode ser entendido como um operante, todavia apontam alguns outros aspectos
diferentes formas. Uma dessas formas é respondente e caracteriza-se por situações em que o
atentar é atraído ou capturado. Exemplos do prestar atenção respondente seria o olhar (UR -
sigla inglesa para resposta incondicionada) imediatamente e na direção do som quando se
presença e não na ausência de uma condição, reforçamento sob esquemas diferentes em cada
2
ocasião, maior quantidade de reforçadores numa condição que na outra, etc — quando
de acordo com as ocasiões (discriminação). Skinner (1953/1998) diz que um organismo está
atentando a um detalhe quando seu responder está predominantemente sob controle dele.
Porém, torna-se muitas vezes necessário entender como esses detalhes — que
comportamento corrente.
conhecida como comportamento precorrente. Como o próprio nome informa, trata-se da área
exposição a estímulos que têm função discriminativa para outro comportamento — e esse
poderem explicar o prestar atenção sem precisar recorrer a explicações mentalistas, como
―distorções cognitivas‖.
2
Para uma melhor discussão sobre discriminação sugere-se a leitura de Michael (1982)
tendo como diferença o tipo de consequência, que se tratando de comportamento precorrente
sempre será um reforçador condicionado (Strapasson & Dittrich, 2008). Em outras palavras, a
considerados numa avaliação funcional quando ―a análise da contingência principal não for
prever e controlar o responder — não esteja claro quais elementos fazem parte do controle
antecedente daquela classe de respostas, o que muitas vezes será essencial para que a
entre organismo e ambiente. Desse modo, sempre que se quer entender o fazer de alguém, é
preciso observar não só a maneira como ele responde (age, pensa ou sente), mas também os
aspectos do meio que afetam esse responder — leia-se como meio tudo e apenas o que afeta
É muito comum, por exemplo, quando uma criança apresenta birras na frente de sua
mãe e não na sua ausência, que o clínico analítico-comportamental, ainda que aprendiz,
identifique o papel discriminativo que a presença dessa mãe exerce em relação à resposta de
birra da criança; igualmente, não é difícil supor que essa relação se mantém, possivelmente,
pelo efeito reforçador que o responder da mãe (contingente ao responder da criança) exerce
Entretanto, há ocasiões em que clientes chegam aos consultórios dos psicólogos com
queixas avaliadas como de maior grau de complexidade. Geralmente são aquelas queixas em
que se identificam elementos encobertos e/ou históricos como parte da relação a se avaliar.
Nesses casos, é exigido que o clínico identifique muito mais do que as condições
Estudo de caso
meio da análise de um caso clínico. Todavia, vale ressaltar que aqui se dará maior ênfase à
A preferência se deu por acreditar que, nesse momento, o importante é a discussão sobre a
queixando de como se sente em relação a si mesmo: ―me sinto um lixo, uma fraude, faço tudo
verifica-se que João se formou em uma universidade de excelência em sua área, está noivo
―de uma linda mulher‖ (segundo suas palavras), mora com os pais, mas tem seu próprio
alguns amigos, bem como exerce cargo de liderança em um tradicional escritório. Questionado
sobre o porquê de se sentir um ―lixo‖, relata que as pessoas não sabem quem ele é e que caso
soubessem veriam a ―fraude‖ que é, que não sabe como as pessoas não se dão conta disso e
que, às vezes, acredita que elas notam, mas não falam nada por compaixão.
Solicitado a descrever algumas situações em que se sente dessa maneira, relata as
seguintes:
―Sempre que tenho que participar de uma reunião, sinto muito medo, tremo,
suo, fico muito preocupado, erro palavras, acredita que os outros não estão gostando,
etc‖ (sic). Porém, quando questionado sobre os resultados das reuniões, diz que foram
―Quando estou com minha namorada sinto que ela não gosta de mim, pois ela
olha para os outros na rua, apesar dela negar ter olhado. Eu não a mereço, pois ela é
linda e merece um cara lindo. Não sei o que ela vê em mim‖ (sic). Perguntado se ele já
a questionou sobre seus interesses nele, o cliente relata que sua namorada diz amá-lo,
que ele é uma pessoa boa, bonita, inteligente e que não há nada que o desabonasse,
afastar deles, mas acho que ficaria pior. Gosto deles e vou sair com eles enquanto eles
me divirto com eles... Eles não vêem ou fingem não ver que às vezes eu dou umas
gafes‖ (sic). Após uma melhor investigação, supõe-se que os amigos não têm queixas
A partir dessas descrições, de modo geral, é possível que o clínico se questione sobre
qual será o problema desse cliente. Afinal, não se verifica nenhuma relação que aparenta
controle aversivo ou que haja perda de reforçadores — sendo essas as relações que podem
Uma análise mais cuidadosa permite verificar que o cliente apresenta uma descrição
seja, ele se observa de um modo diferente do que os outros o vêem — inclusive o próprio
clínico. Além disso, ele descreve as situações enfatizando aspectos que, para outros, teriam
menor significância. Nesse caso, esse é o comportamento que o clínico deve focar, ou melhor,
bem aponta Skinner (1974/2002) ―expressões desse tipo simplesmente atribuem a imaginários
processos interiores aquilo que cumpre encontrar na dotação genética e na história pessoal‖ (p.
indivíduo que se encontrará explicação para o prestar atenção de um indivíduo. Esse modo de
responder do cliente é afetado por duas condições: história de discriminação e/ou condições
Todavia, antes de se falar dessas condições que afetam o prestar atenção, vale
ressaltar que Skinner dá a dica do que deve controlar o comportamento do clínico nessas
reforçadores) ao cliente, mas que há sofrimento vivenciado. Diz Skinner: ―para investigar como
uma situação parece a determinada pessoa, ou como ela a interpreta, ou que significado tem
Como apontou Skinner, o clínico não deve se ater apenas para o conteúdo do relato do
cliente, mas também para o padrão como ele relata. O relatar do cliente é também um
Quando o clínico observa o relato de João, nota que ele enfatiza — passando boa
parte da sessão falando sobre (prestando atenção) — uma pequena parte de toda a situação
que vivenciou. Nas ocasiões que fala sobre as reuniões, em que muitas coisas aconteceram,
João dedica grande parte do tempo falando sobre ―a cara de descontente‖ que uma pessoa
que estava presente fez, e pouco fala sobre a expressão de todos os outros integrantes da
reunião. Quando o assunto é a namorada olhar para os outros, verificou-se que se tratam de
situações na qual ela olhou por alguns segundos (de acordo com seu próprio relato) na direção
de outro homem e que a namorada relata que não estava olhando; todavia, ele enfatiza esses
episódios e atribui a eles a falta de interesse da namorada por ele. O mesmo parece ocorrer
quando João se encontra com amigos, posteriormente repassa os momentos checando se não
cometeu nenhum ―erro‖ e, caso acredite ter cometido, fica se culpando e pensando sobre o que
caso, estão sendo chamados de comportamentos correntes aqueles a que João é submetido
diariamente e os quais são apresentados por ele como queixa —, mas o prestar atenção, que é
comportamentos correntes. Skinner descreve que ―qualquer ato que traga o organismo em
contato com um estímulo discriminativo, ou que clarifique ou intensifique seu efeito, é reforçado
por esse resultado e deve ser explicado nestes termos‖ (Skinner, 1957/1999, p. 156). Desse
modo, o comportamento precorrente deve ser avaliado como operante e, como tal, está sob
O alvo da intervenção foi o atentar de João, que estava sob controle de uma pequena
parte dos eventos (sob controle de uma dimensão ou parte do estímulo inteiro) ocorridos na
situação, e não sob controle de toda ela. A manutenção desse comportamento ocorria por
reforçamento negativo, visto que o atentar a esses pequenos eventos tornava-se ocasião para
os amigos, por exemplo. Além disso, outra contingência que poderia explicar a manutenção
desse comportamento seriam as possíveis punições que vez ou outra ocorram, como o não
que sinalizam punição se desenvolveu a partir das experiências vivenciadas com a família
(pais), que parecem ter sido punitivas. Nesse caso, parece ter havido uma longa história de
reforçamento diferencial que o tornou sensível a eventos que podem sugerir punição, levando-
o a apresentar sofrimento diante dessas situações (respondentes mantidos por eventuais
punições que ocorrem) e emitir respostas de esquiva, que acabam por manter todo um
entrelaçamento comportamental.
Figura 2.
precorrentes (Ra1, Ra2, Rb1, Rb2 Rc1, Rc2) em diferentes situações (Sa, Sb, Sc), os quais
produzem diferentes consequências (Ca1, Ca2, Cb1, Cb2 Cc1, Cc2). Além disso, há outro
comportamento precorrente que consiste em atentar para alguns desses elementos (Ra2, Rb1,
Rb2, Rc1 e Cc1) — que, no exemplo, são representados pela caixa cinza, sendo que as
respostas que estão em itálico (todas menos Rb1) pertencem a uma classe de respostas que
portanto, apesar de ocorrerem, ele não desejaria que elas ocorressem. As consequências de
atentar (i) para essas respostas não desejadas por ele e (ii) para a consequência aversiva que
se seguiu a uma delas (Cc1) são relatar fortemente sob controle desses seus comportamentos
(operante 2) e seu autoconceito ruim (operante 3). Por outro lado, esses outros operantes
esses elementos, pois atentar para seus ―comportamentos inadequados‖ é mantido por
evitação (esquiva) da punição ou diminuição de sua intensidade, quando for inevitável. Com
Voltando a uma visão menos minuciosa, como a encontrada na Figura 1, pode-se dizer
que o prestar atenção aos pequenos eventos aversivos (Rp, que na Figura 2, trata-se da caixa
cinza) tornam visíveis os sinais (S1, que na Figura 2, tratam-se das respostas e do Cc1 que se
encontram na caixa cinza) diante dos quais ele se comporta (Rc, que na Figura 2 tratam-se dos
(esperando que isso também alterasse seu repertório de observar) os eventos, dedicando
palavras, trabalhou-se para que suas avaliações e julgamentos considerassem toda a situação
e não apenas aquela pequena parcela em que ele pode não ter se saído muito bem.
Operação Estabelecedora), tornando-as mais brandas. Essa linha de intervenção se deu por
meio de solicitações de reflexões sobre as situações, sobre aspectos de sua história de vida e
que João identificasse quais as possíveis consequências para cada situação, inclusive
delas ocorrerem, fazendo assim com que os valores atribuídos às consequências fossem
revistos.
Essas intervenções levaram João a não mais sofrer, além de tornar seus
consequência foi a melhora nas relações interpessoais, pois alguns comportamentos como
gaguejar, suar, ruborizar e falar pouco, diminuíram ou cessaram, embora tais comportamentos
comprometimento social.
Considerações Finais
sem recorrer a julgamento de valores ou explicações internalistas (Borges, 2009). Desse modo,
comunidade). Muitas vezes, esse profissional se depara com clientes que apresentam queixas
―existenciais‖, ―internas‖ (problemas comportamentais que a comunidade não tem acesso direto
ou que parecem não ter relação com eventos do ambiente), como foi o caso de João.
comportamento delimita sua unidade de análise a partir dos seus objetivos, no caso do clínico,
a partir da queixa apresentada pelo cliente. Porém, essa extensão da unidade será
comportamento clinicamente relevante alvo, bem como as variáveis do ambiente que as afetam
Este artigo teve como objetivo discutir o prestar atenção como um comportamento
com o ambiente. Além disso, se propôs a mostrar que mesmo partindo de uma visão
―existenciais‖.
planejar uma intervenção, a análise deve se expandir para outros elementos, como condições
que seja possível identificar os elementos dessa interação que estejam afetando aquele
problema.
Um último apontamento é a importância de se considerar análises moleculares e
identificar as relações específicas entre o cliente e seu ambiente considerando o impacto que
Referências
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